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II SÉRIE-A — NÚMERO 150 2

PROJETO DE LEI N.º 976/XIII (3.ª)

ALTERA O CÓDIGO PENAL, REFORÇANDO O COMBATE À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, SEXUAL E

SOBRE MENORES (QUADRAGÉSIMA SEXTA ALTERAÇÃO AO CÓDIGO PENAL)

Exposição de motivos

Em 2017, registaram-se em Portugal 26 713 participações do crime de Violência Doméstica. Este crime

continua a assumir-se como uma das principais formas de criminalidade, sendo que, nos crimes contra as

pessoas, é apenas superado em número de ocorrências, pelo crime de ofensa à integridade física simples,

segundo dados do Relatório Anual de Segurança Interna de 2017 (RASI 2017).

A diferença é mínima (817) e a comparação que é feita no RASI termina, naturalmente, na forma fria como

os números são apresentados. Mas o sofrimento e marcas que um e outro crime deixam são incomparáveis.

Apesar de, passados 18 anos dessa vitória, ser pacífico na sociedade portuguesa o mérito de se ter tornado

a violência doméstica crime público, apesar das inúmeras campanhas de sensibilização, apesar de todas as

denúncias, o crime de violência doméstica continua a ser o crime que mais mata em Portugal. Segundo dados

do Observatório das Mulheres Assassinadas, nos últimos 14 anos morreram 473 mulheres e 557 foram vítimas

de tentativas de assassinato. No mesmo período, mais de 1000 crianças ficaram órfãs.

Mas esta alteração também se justifica pelo facto de a violência doméstica ser ainda vista como um crime

menor no nosso ordenamento jurídico-penal. Apesar de o crime de violência doméstica tutelar, como é unânime

na doutrina e jurisprudência (veja-se a este respeito e a título meramente exemplificativo o Ac. Do STJ de

2/07/2008), um bem jurídico complexo que compreende a “saúde física, psíquica e mental e a liberdade, nas

suas expressões sexual e de natureza pessoal” (Código Penal Anotado, M. Miguez Garcia e J.M. Castela Rio,

página 648), a moldura penal em abstrato aplicável fica aquém de outros tipos de ilícitos que tutelam bens

jurídicos com menor relevância constitucional (pensemos, por exemplo, que o abuso de confiança tem uma

moldura penal que pode chegar aos 8 anos, assim como o furto qualificado; ou o roubo, que apesar de tutelar

também mais do que um bem jurídico, pode ter uma pena de até 15 anos).

Esta discrepância revela, como se disse, que a violência doméstica continua a ser vista pelo legislador como

um crime menor e não cumpre as suas funções de prevenção geral negativa, materializando-se esta realidade

na vida concreta de milhares de pessoas que viram a sua vida tornar-se num inferno.

Com o presente projeto de lei, o Bloco de Esquerda propõe que se corrija um erro que está cristalizado no

nosso Código Penal. Porque a violência doméstica é um assunto de todos e de todas, um crime de extrema

gravidade, que destrói vidas, e que, por isso mesmo, não pode ser equiparado a outros crimes que, embora

graves, não têm o mesmo desvalor que o crime que mais mata em Portugal.

Igualmente, urge levar em consideração os preocupantes indicadores que foram conhecidos com o RASI de

2017 e que indicam que os crimes contra a autodeterminação sexual têm nalguns casos mantido o número de

ocorrências e noutros casos aumentado este número. A este respeito é especialmente preocupante que o crime

de violação tenha tido, em 2017, um aumento de 21,8% relativamente a 2016 e que o abuso sexual de crianças

represente a maior fatia dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual. Em 2017, contabilizaram-se

937 participações de abuso sexual de crianças.

Acresce que a maior parte dos autores deste tipo de crimes acaba por ver a pena de prisão suspensa. Em

2015 e 2016, segundo dados do ministério da Justiça, cerca de 75% dos autores de crimes de abuso sexual de

crianças foram condenados a penas suspensas.

No que respeita à violência doméstica, as penas suspensas são cada vez mais a opção escolhida pelos

julgadores. Em 2016, por exemplo, do total de condenados por violência doméstica, 1390 tiveram pena suspensa

e apenas 95 cumpriram pena efetiva de prisão.

Estes indicadores contribuem de forma decisiva para que se chegue à conclusão de que se transmite um

sentimento de impunidade quanto a este tipo de crimes, não só para os agentes do crime como também para

as vítimas e para a sociedade em geral e que, portanto, a força da censura de ultima ratio não tem tido a