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12 DE NOVEMBRO DE 2019

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passivamente), no interesse do seu conforto, então, aceitamos implicitamente que o valor da vida não é

infinito.»

Como escreve Gilberto Couto, citando Rachels e Dworkin, a nossa vida biológica (enquanto organismos)

não tem, para nós, o mesmo valor da nossa vida biográfica (enquanto pessoas). Pelo mesmo motivo, Miguel

Real apela a que vejamos a vida numa perspetiva de qualidade e não de quantidade.

Estas posições invocam o princípio da dignidade da pessoa humana. Conforme ensina Gomes Canotilho, a

dignidade da pessoa é da pessoa concreta, na sua vida real e quotidiana; não é de um ser ideal e abstrato. É

o homem ou a mulher, tal como existe, que a ordem jurídica considera irredutível e insubstituível e cujos

direitos fundamentais a Constituição da República Portuguesa (CRP) enuncia e protege.

Como bem refere Luísa Neto, quando alguém formula um pedido de morte medicamente assistida está no

fundo a dizer: quero viver e morrer de outra maneira, sempre por referência ao valor da vida, e por respeito à

vida. A opção de morrer neste termos implica não tanto o escolher morrer, mas mais o como morrer. O direito

a morrer dignamente implica então apenas falar do direito a que não nos impeçam de aceitar com dignidade e

responsabilidade a chegada iminente da morte e a que nos respeitem o direito a viver de tal maneira que

possamos preparar-nos para assumir tal morte.

Aqui este princípio aparece ligado ao conceito de autonomia e liberdade individual. Um indivíduo

competente e autónomo é livre e responsável pelas suas escolhas. Conforme defendido por Stuart Mill, ser-se

responsável pelas próprias escolhas em vida significa, também, ser-se livre de poder escolher quando e como

morrer.

Neste sentido, subscrevemos inteiramente o que foi dito por Jorge Reis Novais na sua audição na

Assembleia da República no Grupo de Trabalho criado para discutir esta matéria. Aquando da sua reflexão

sobre o que é o princípio da dignidade da pessoa humana, concluiu que «se nós consideramos que as

decisões que a pessoa toma nos domínios vitais da existência humana, o Estado deve proteger a pessoa de

interferências de outros e de imposições de outros, ou seja, deve ser reconhecida a cada pessoa que seja

competente para formar uma vontade o poder de conformar a sua vida de acordo com as suas próprias

conceções; naquelas áreas mais intimas, naquelas áreas mais vitais da sua existência, não deve ser o Estado

a impor uma conceção do mundo, de como deve levar a sua vida. Deve ser a pessoa a definir isso.»

A verdade é que a prática médica, cada vez mais, tem sido caracterizada pela autonomia e liberdade

do paciente. Atualmente, a defesa de um modelo paternalista para a atuação médica já não existe. Um texto

atribuído a Hipócrates recomenda que se diga ao doente o menos possível, que se distraia a sua atenção do

que se está a fazer, que se oculte o máximo do seu estado e do seu futuro, palavras que exprimem a velha

tradição do paternalismo clínico. Ora, a ideia da autodeterminação veio alterar substancialmente o sentido do

ato médico. O paciente deixou de ser um sujeito meramente passivo na relação médico/doente, para passar a

ser um sujeito detentor de direitos que, em conjunto com o médico, decide o percurso da sua vida. Neste

sentido, porque estamos numa relação paritária, o médico deve informar o paciente do seu estado de saúde,

discutir com ele as opções de tratamento disponíveis e ter em conta a sua vontade sobre o destino a dar à sua

vida. Em suma, nas palavras de Luísa Neto «tratar bem não é apenas atuar segundo as regras técnicas da

profissão, mas também considerar o doente como um centro de decisão respeitável.»

Não se defende aqui que a vontade do paciente seja absoluta, isto é, que o médico execute sempre o

pedido pelo doente, nos exatos termos em que tal é pedido. Aquilo que se defende é que a vontade do

paciente seja tida em conta, em todos os momentos, nomeadamente em relação à questão do fim de

vida. Ora, as decisões sobre a morte e, em especial, sobre o modo em que esta ocorre, são de extrema

importância. Assim, quando uma pessoa, de forma consciente e esclarecida, define as condições que quer

para a sua morte, tal vontade deve ser valorada e não liminarmente ignorada, como ocorre atualmente.

A este propósito sufragamos inteiramente a posição de Jorge Reis Novais, transmitida no grupo de trabalho já

mencionado, que inclusive defendeu que a situação atual, de não atender à vontade da pessoa, é

inconstitucional. Tendo defendido, a propósito da apreciação da margem do legislador para intervir nesta

matéria, a existência de um mínimo e de um máximo, dando a Constituição grande margem de manobra ao

legislador desde que respeitados estes limites, argumentou no seguinte sentido: «uma situação de proibição

total de atender à vontade da pessoa, que é aquela que existe hoje, que essa situação é proibida pela

Constituição, ou seja, tenderia a dizer que a situação atual é inconstitucional. Isto é, quando penaliza em todas

e quaisquer circunstâncias, não poderia fazê-lo. Não poderia fazê-lo porque a Constituição de Estado de

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