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Quarta-feira, 2 de dezembro de 2020 II Série-A — Número 38

XIV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2020-2021)

S U M Á R I O

Projetos de Lei (n.os 506, 561 e 586 a 589/XIV/2.ª):

N.º 506/XIV/2.ª (Consagra a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento de frequência facultativa para os alunos): — Parecer da Comissão de Educação, Ciência, Juventude e Desporto e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio.

N.º 561/XIV/2.ª (Simplificação do acesso ao Título de Reconhecimento do Estatuto da Agricultura Familiar e Programa de Valorização da Agricultura Familiar e do Mundo Rural): — Parecer da Comissão de Agricultura e Mar e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio.

N.º 586/XIV/2.ª (BE) — Condiciona o exercício da caça a espécies cinegéticas que não se encontrem ameaçadas, ou quase ameaçadas, e que apresentem estatuto de

conservação conhecido (oitava alteração ao Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto).

N.º 587/XIV/2.ª (BE) — Interdita a produção, posse, utilização e comercialização dos meios e formas aplicados exclusivamente na captura ou abate de exemplares de espécies não cinegéticas de aves selvagens (terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de abril).

N.º 588/XIV/2.ª (PCP) — Condições de acesso à reforma para as pessoas com deficiência.

N.º 589/XIV/2.ª (IL) — Criação e manutenção do Portal da Transparência por uma entidade independente. Projeto de Resolução n.º 773/XIV/2.ª (BE):

Pela ampliação e capacitação para a consulta pública do plano estratégico da política agrícola comum.

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PROJETO DE LEI N.º 506/XIV/2.ª

(CONSAGRA A DISCIPLINA DE CIDADANIA E DESENVOLVIMENTO DE FREQUÊNCIA FACULTATIVA

PARA OS ALUNOS)

Parecer da Comissão de Educação, Ciência, Juventude e Desporto e nota técnica elaborada pelos

serviços de apoio

Parecer

ÍNDICE

PARTE I – Considerandos

PARTE II – Opinião do(a) Deputado(a) autor(a) do parecer

PARTE III – Conclusões

PARTE IV – Anexos

PARTE I – CONSIDERANDOS

a) Nota introdutória

O Centro Democrático Social – Partido Popular (CDS-PP) tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da

República o Projeto de Lei n.º 506/XIV/2.ª, que visa consagrar a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento de

frequência facultativa para os alunos.

A iniciativa deu entrada a 15 de setembro de 2020, tendo sido admitida no dia 17 de setembro de 2020, data

em que, por despacho de Sua Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, baixou, na generalidade, à

Comissão de Educação, Ciência, Juventude e Desporto (8.ª), sendo anunciada nessa mesma data.

O Projeto de Lei n.º 506/XIV/2.ª é subscrito por um Deputado do Grupo Parlamentar do CDS-PP, ao abrigo

do disposto no n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e no artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República

(RAR), que consagram o poder de iniciativa da lei e do artigo 119.º do Regimento da Assembleia da República

que define a forma de projeto de lei para as iniciativas de Deputados ou grupos parlamentares. Trata-se de um

poder dos Deputados, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo

4.º do RAR.

A Comissão de Educação, Ciência, Juventude e Desporto é competente para a elaboração do respetivo

parecer.

b) Objeto, conteúdo e motivação da iniciativa legislativa

Com a presente iniciativa visa o proponente tornar facultativa a frequência da componente de Cidadania e

Desenvolvimento quando a escola a decida implementar como disciplina autónoma, por via de uma alteração

ao Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho, que estabelece o currículo dos ensinos básico e secundário e os

princípios orientadores da avaliação das aprendizagens.

A iniciativa desdobra-se em 3 artigos: o artigo 1.º estabelece o objeto da iniciativa; o artigo 2.º concretiza a

alteração proposta ao artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 55/2018; o artigo 3.º a entrada em vigor.

Da exposição de motivos da iniciativa destacamos, em primeiro lugar, as referências legais invocadas.

Desde logo, o n.º 2 do artigo 43.º da Constituição da República Portuguesa: «O Estado não pode programar

a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas.»

Textualmente, a exposição de motivos deduz deste preceito («Assim, …») que «a oferta de uma disciplina de

Cidadania no ensino público deve ser sempre enquadrada nesta ‘aliança’ com as famílias, respeitando as

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convicções políticas, éticas e religiosas, garantindo que a disciplina seja uma ajuda na formação cívica dos seus

filhos e não a imposição de uma visão ‘oficial’ da cidadania».

Segue-se a referência ao Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho, que estabelece o currículo dos ensinos

básico e secundário e os princípios orientadores da avaliação das aprendizagens. A referência a esse diploma

legal desdobra-se em duas componentes: uma afirmação política; um esboço de enquadramento da proposta

legislativa contida nesta iniciativa.

A afirmação política: «O CDS-PP reclama, há muito tempo, que deve ser feita uma revisão global dos

conteúdos desta disciplina, que deve ser de frequência opcional, para que estes possam ser consensualizados

com os pais, de modo a promover sem conflitos uma cidadania ativa, informada, empreendedora, solidária,

responsável, respeitadora da diferença e promotora da inclusão, do bem-estar e da saúde individual e coletiva.

Conteúdos que promovam valores como o voluntariado, a liberdade, a tolerância, a partilha, o conhecimento e

o respeito por crenças e culturas diferentes, preparando os alunos para serem cidadãos participativos,

democráticos e humanistas, numa época de diversidade social e cultural crescente.»

Quanto ao esboço de enquadramento da presente iniciativa em relação ao Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de

julho – especialmente relevante, na medida em que, quanto à forma legal, a presente iniciativa propõe a

alteração desse diploma – lemos na exposição de motivos: «A disciplina de Educação para a Cidadania e

Desenvolvimento faz parte das componentes do currículo nacional, Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho, e é

desenvolvida na escola segundo três abordagens complementares: natureza transdisciplinar no 1.º ciclo do

ensino básico, disciplina autónoma no 2.º e no 3.º ciclos do ensino básico e componente do currículo

desenvolvida transversalmente, com o contributo de todas as disciplinas e componentes de formação, no ensino

secundário.»

Estas referências são enquadradas, na exposição de motivos, por considerações que se podem, sem ferir a

intencionalidade do proponente, resumir a duas fundamentais: sobre a conceção de Estado e de sociedade que

é invocada como inspiradora da iniciativa; sobre o papel dos pais e das famílias na educação das crianças e

jovens, incluindo o papel do Estado na educação.

Sobre a conceção de Estado e de sociedade invocada, lemos a abrir a exposição de motivos: «Uma

sociedade democrática vive da diversidade de opiniões, de visões e de ideias, uma pluralidade que enriquece a

democracia e que o Estado tem obrigação de defender dentro do respeito pelos Direitos Fundamentais

consagrados na Constituição da República Portuguesa. O Estado deve, por isso, ser aconfessional, apolítico e

ideologicamente neutro.»

Ao papel dos pais e das famílias na educação de crianças e jovens, incluindo o papel do Estado na educação,

são dedicados os seguintes passos da exposição de motivos:

– «É aos pais e à família que cabe o dever de educar os filhos e o Estado tem o dever de auxiliá-los nessa

missão. A Escola Pública é essencial para garantir que todos os pais têm a possibilidade de garantir o direito à

educação dos seus filhos, sendo a ‘aliança’ entre as famílias e a Escola essencial para o desenvolvimento

pessoal das crianças e jovens.»

– «a imparcialidade não foi suficientemente salvaguardada e há famílias que não se sentem confortáveis com

algumas das matérias abordadas na disciplina, atualmente de frequência obrigatória.»

– e, finalmente, introduzindo uma justificação direta da alteração legislativa proposta: «Assim, sabendo que

a oferta de uma disciplina como esta pode ‘chocar’ com a visão de alguns encarregados de educação, e no

respeito pela pluralidade da sociedade, no respeito pelas convicções de cada família, mas valorizando o papel

essencial da Escola Pública na educação das crianças e jovens, o CDS-PP defende que a disciplina de

Educação para a Cidadania e Desenvolvimento seja de frequência facultativa, assegurando ao mesmo tempo o

papel da Escola na formação dos seus alunos e a liberdade educativa dos pais.»

c) Análise da iniciativa

Não para tentar determinar o mérito da iniciativa, tarefa que extravasa a função deste Parecer, mas para

sublinhar aspetos que deverá o legislador ponderar no seu critério plural próprio de um Parlamento democrático,

analisaremos nesta secção, sucessivamente, a norma proposta e os pressupostos apresentados como

motivação da iniciativa.

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A norma proposta

Começaremos por analisar com maior detalhe o que é proposto, na tentativa de especificar o seu alcance e

as questões que, prima facie, deve o legislador ponderar na sua apreciação.

O que na iniciativa se propõe é alterar o Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho, que estabelece o currículo

dos ensinos básico e secundário e os princípios orientadores da avaliação das aprendizagens, introduzindo no

seu artigo 15.º um novo número (novo n.º 5), com a seguinte formulação: «Quando a escola decida implementar

a componente de Cidadania e Desenvolvimento como disciplina autónoma, é a mesma de frequência

facultativa.»

Na exposição de motivos da iniciativa encontramos um enquadramento específico para esta alteração que

pode ser indicativo do alcance que o proponente pretende que a mesma tenha: «A disciplina de Educação para

a Cidadania e Desenvolvimento faz parte das componentes do currículo nacional, Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6

de julho, e é desenvolvida na escola segundo três abordagens complementares: natureza transdisciplinar no 1.º

ciclo do ensino básico, disciplina autónoma no 2.º e no 3.º ciclos do ensino básico e componente do currículo

desenvolvida transversalmente, com o contributo de todas as disciplinas e componentes de formação, no ensino

secundário.»

A forma como estas «três abordagens complementares» são apresentadas aparenta uma interpretação linear

do que é proposto: no 2.º e no 3.º ciclos do ensino básico existe uma disciplina autónoma de Cidadania e

Desenvolvimento – e, nesse caso, seria de aplicação a norma proposta que torna facultativa a sua frequência;

pelo contrário, no 1.º ciclo do ensino básico e no ensino secundário, a abordagem indicada exclui a aplicação

da norma proposta. Não obstante, embora as «três abordagens complementares» retomem das matrizes

curriculares-base as notas de rodapé que as acompanham nos anexos ao Decreto-Lei n.º 55/2018, esta

caracterização da situação precisa de ser completada para melhor ciência do que está em causa. Vejamos.

Como explicitam as introduções a cada matriz curricular-base, monotonamente repetidas em cada uma das

suas ocorrências nos anexos I a VIII ao diploma, elas constituem referências que, para serem operacionalizadas,

têm de ser combinadas com outras disposições contidas no mesmo diploma. Assim:

(i) no que toca à componente de Cidadania e Desenvolvimento no ensino secundário, cada escola decide da

forma de a implementar, optando entre quatro modalidades: a oferta como disciplina autónoma; a prática de

coadjuvação, no âmbito de uma disciplina; o funcionamento em justaposição com outra disciplina; a abordagem,

no âmbito das diferentes disciplinas da matriz, dos temas e projetos, sob coordenação de um dos professores

da turma ou grupo de alunos (cf. n.º 4 do artigo 15.º do diploma);

(ii) no âmbito da autonomia e flexibilidade curricular, as escolas podem gerir até 25% do total da carga horária,

por ano de escolaridade ou das componentes de formação sociocultural e científica previstas para o ciclo de

formação, consoante os casos (sem prejuízo da preservação dos equilíbrios macro das matrizes) (cf. n.º 2 do

artigo 11.º e n.os 1, 2 e 3 do artigo 12.º), sendo que, no quadro da necessária definição de prioridades e opções

curriculares estruturantes (cf. artigo 19.º), cada escola, no contexto da sua comunidade educativa, tomará

opções que poderão concretizar-se, nomeadamente, no recurso a domínios de autonomia curricular abertos à

articulação curricular e/ou trabalho interdisciplinar [cf. artigo 2.º, alínea e)], combináveis com um regime de

alternância entre períodos de funcionamento disciplinar e períodos de funcionamento multidisciplinar,

combináveis com desdobramento de turmas, combináveis com projetos integrados (cf. as várias alíneas do n.º

2 do artigo 19.º);

(iii) nos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico, por iniciativa das escolas, o currículo pode ser enriquecido com a

oferta de novas disciplinas, com identidade e documentos curriculares próprios, através da utilização do conjunto

de horas de crédito, sendo que esta «Oferta Complementar» é uma componente de oferta facultativa, mas de

frequência obrigatória quando exista [cf. alínea f) do n.º 2 do artigo 6.º, n.º 9 do artigo 13.º e anexos relativos ao

2.º e 3.º ciclos].

Ora, cada um dos aspetos acima considerados tem consequências que o legislador deve ponderar na análise

da iniciativa em apreço. Assim:

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– O exposto em (i) obriga a ponderar a seguinte questão: relativamente ao ensino secundário, se legislarmos

no sentido de tornar facultativa a frequência da componente de Cidadania e Desenvolvimento quando esta seja

implementada como disciplina autónoma, será de admitir que essa faculdade de não frequentar dependa da

modalidade de implementação pela qual tenha optado esta ou aquela escola em concreto, a saber, apenas

numa de quatro modalidades de implementação previstas para o ensino secundário? O exercício da faculdade

de não frequentar pode depender de fatores tão contingentes? Ou considera-se a possibilidade de virem a ser

suscitados um certo número de incidentes de não frequência para situações que, sendo contingentemente

diferentes, não o seriam quanto à substância do equilíbrio de direitos em causa? E que efeitos teria a

concretização dessa possibilidade na vida concreta das comunidades escolares?

– A questão acabada de suscitar para ponderação acerca do exposto em (i) suscita a ponderação de uma

questão mais geral, relativamente à norma proposta na iniciativa em análise, na medida em que oferece a

faculdade de não frequentar a componente de Cidadania e Desenvolvimento a alunos de certos níveis de ensino,

mas não a outros: se estivesse correta a caracterização oferecida pelo proponente na exposição de motivos,

essa faculdade existiria para alunos no 2.º e 3.º ciclos do ensino básico, mas não para alunos do 1.º ciclo ou do

ensino secundário. Devemos ponderar se, futuramente, não seria argumentável que, por uma questão de

igualdade, todos os alunos deveriam poder exercer a mesma faculdade de não frequentar relativamente a

unidades de formação onde houvesse qualquer contributo, mesmo que marginal (por exemplo, como contributo

de um trabalho de projeto) de conteúdos de Cidadania e Desenvolvimento.

– O exposto em (ii) obriga a ponderar a seguinte questão: a autonomia devolvida às escolas para um trabalho

profundo de desenvolvimento curricular, uma flexibilidade que tem de ser mobilizada em resposta aos contextos

locais e às necessidades próprias dos seus alunos concretos, implica uma estrutural, embora progressiva e

provavelmente lenta, eliminação da rigidez e uniformidade da organização do ensino e da aprendizagem no

conjunto dos estabelecimentos de ensino, envolvendo variadas combinações entre disciplinas e variadas

estratégias de reorganização do tempo e do espaço da escola, prevendo-se que, com a evolução, cada caso

(cada escola) venha a ser um caso – e que a componente de Cidadania e Desenvolvimento não ficará,

certamente, de fora dessa dinâmica, razão pela qual a aplicação da norma proposta na iniciativa em apreço

seria vastamente desigual de caso para caso, cabendo ponderar se os valores invocado a fundamentar a

iniciativa da liberdade educativa – por mais estimáveis que sejam – ficariam bem servidos pela aprovação e

aplicação da norma proposta, com tão díspar aplicação. Como aplicar tal norma, por exemplo, nos «domínios

de autonomia curricular» abertos à articulação curricular e/ou trabalho interdisciplinar: admitindo a faculdade de

não frequentar a globalidade de qualquer «domínio de autonomia curricular» onde se registasse um contributo

de Cidadania e Desenvolvimento, quando, ainda por cima, essas combinações podem ser variáveis ao longo do

tempo – podendo até não ser completamente antecipável, pelo aluno ou pelos pais, em que dia ou hora vai

intervir numa atividade multidisciplinar um contributo de Cidadania e Desenvolvimento?

– O exposto em (iii) obriga a ponderar a seguinte questão: uma vez que os temas que alguns considerem

justificar a faculdade de não frequentar Cidadania e Desenvolvimento (quaisquer que sejam esses temas)

podem ser introduzidos ao nível de escola, no quadro da «Oferta Complementar», de oferta facultativa, mas de

frequência obrigatória, cabe ponderar: a prevista faculdade de não frequentar poderia ser estendida a essas

novas disciplinas? A quem competiria arbitrar um eventual desacordo acerca da similitude com o âmbito

intencionado pelo legislador na norma ora proposta? E seria admissível esse exercício de similitude,

designadamente fora dos mecanismos próprios da comunidade educativa para envolver todos os interessados

no processo de desenvolvimento curricular?

Como pano de fundo das questões que, nos parágrafos anteriores, foram identificadas como questões a

ponderar pelo legislador, sem que seja este o local para lhes dar resposta (este é apenas o local para suscitar

questões que o legislador deve ponderar), podemos identificar uma questão mais geral: deverá o legislador

escolher interferir diretamente com o currículo praticado no ensino básico e secundário, determinando conteúdos

ou determinando o que é facultativo ou obrigatório? Ou deverá, antes, o legislador, esperar que, numa sociedade

pluralista, esse pluralismo se exerça em cada comunidade educativa? – como, se bem entendemos, é a via

indicada por, pelo menos, dois dos «princípios orientadores» que o Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho, define

para a implementação do currículo dos ensinos básico e secundário, a saber: «Concretização de um exercício

efetivo de autonomia curricular, possibilitando às escolas a identificação de opções curriculares eficazes,

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adequadas ao contexto, enquadradas no projeto educativo e noutros instrumentos estruturantes da escola» [cf.

alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º]; «Envolvimento dos alunos e encarregados de educação na identificação das

opções curriculares da escola» [cf. alínea e) do n.º 1 do artigo 4.º].

Os pressupostos

Depois de termos analisado especificamente a norma proposta, do ponto de vista da sua articulação com o

regime legal em vigor – há menos de dois anos – para o currículo dos ensinos básico e secundário e os princípios

orientadores da avaliação das aprendizagens (Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho), analisaremos os

pressupostos explicitados como motivação para a iniciativa legislativa. Analisaremos, em primeiro lugar, a

invocação constitucional explicitamente contida na exposição de motivos. Depois, analisaremos a invocação dos

direitos respetivos da família e do Estado na educação.

Primeiro, a invocação constitucional explicitamente contida na exposição de motivos, concretamente pela

referência ao n.º 2 do artigo 43.º da Constituição da República Portuguesa: «O Estado não pode programar a

educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas.»

Essa proibição de «doutrinação oficial», designadamente em matéria educativa, é relevante – até porque ela

distingue claramente o regime democrático em que vivemos de outros regimes autoritários ou mesmo totalitários,

onde visões particulares do mundo são impostas à cidadania, o que normalmente ocorre com suporte em (e em

articulação com) meios repressivos destinados a impedir a livre expressão de mundividências alternativas.

Precisamente por ser relevante, e por traçar uma fronteira nítida com regimes facilmente distinguíveis

daquele que vigora no nosso país, importa não introduzir ruído nessa demarcação, importa não relativizar essas

diferenças. Efetivamente, essa proibição da «doutrinação oficial» nunca foi invocada para bloquear ações de

organização do processo educativo, nomeadamente aquelas que visam cuidar da qualidade científica ou

pedagógica dos materiais de ensino (por exemplo, estabelecendo procedimentos para selecionar manuais

escolares) ou, até, aquelas que sirvam para balizar o conteúdo global da escolaridade obrigatória

(estabelecendo os currículos). Do mesmo modo, a proibição de «doutrinação oficial» nunca serviu entre nós

para obliterar o ensino de quaisquer conteúdos validados por uma certa prevalência na comunidade científica,

embora seja concebível que certos conteúdos programáticos possam contrariar convicções religiosamente

influenciadas (um adepto do criacionismo pode considerar que a teoria da evolução natural é contraditória com

convicções religiosamente motivadas). Nem a proibição de «doutrinação oficial» serviu para afastar o ensino

conformado a valores constitucionalmente protegidos. Tudo isto sem prejuízo de que todos os elementos que

conformam o conteúdo educativo da escolaridade obrigatória sejam, com mais ou menos intensidade, objeto de

permanente e sistemático debate, entre especialistas e no público em geral.

Ainda no plano constitucional, cabe referir que o artigo 73.º (Educação, cultura e ciência), no seu n.º 2,

prescreve as formas pelas quais «O Estado promove a democratização da educação» e, do mesmo passo,

inscreve a educação numa série de valores, como sejam «a igualdade de oportunidades, a superação das

desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância,

de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação

democrática na vida coletiva.» A educação, designadamente através da escola, promove valores – valores

constitucionais, sem que se possa invocar a Constituição para considerar a promoção desses valores

constitucionais como «doutrinação oficial».

Cabe lembrar, ainda, que o preceito constitucional que afasta a doutrinação oficial em matéria educativa se

enquadra no artigo 43.º da CRP, que reconhece e garante «a liberdade de aprender e de ensinar» (n.º 1), a

qual, segundo pelo menos alguns constitucionalistas, pode entender-se como abrangendo «o direito de

conformar pessoalmente o próprio discurso docente» (cf. J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da

República Portuguesa Anotada, 4ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, anotação II ao artigo 43.º).

A invocação constitucional explicitamente contida na exposição de motivos, concretamente pela referência

ao n.º 2 do artigo 43.º da Constituição da República Portuguesa, é, de qualquer modo, mais rigorosa do que a

afirmação contida no primeiro parágrafo da exposição de motivos, quando aí se lê: «O Estado deve, por isso,

ser aconfessional, apolítico e ideologicamente neutro.» Se essa é uma opinião do proponente, não cabe

comentário nesta secção deste Parecer. Se a referência pretende, também, ser uma invocação constitucional,

ela merece uma clarificação.

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Que, em Portugal, no respeito da CRP, o Estado seja não confessional não oferece dúvidas – embora essa

não-confessionalidade não pudesse ser invocada para proibir, por exemplo, o ensino de história das religiões

ou a inserção no currículo de um espaço para reflexão sobre o papel das religiões nas sociedades. Já, de outro

modo, merece ponderação a questão de saber se existe fundamento jurídico-constitucional para afirmar que o

Estado seja «apolítico» e «ideologicamente neutro».

A Constituição é, em si mesma, a base de uma escolha política fundamental, que é a escolha por um regime

democrático, em vez de um regime autoritário; toda a Constituição expressa um sistema de valores,

precisamente aqueles valores que são protegidos pelo texto constitucional. Seria necessário citar quase

extensivamente muitos capítulos da CRP para identificar todos os valores constitucionalmente protegidos, mas

basta citar uma norma para exemplificar de que modo a Constituição se afasta de qualquer quimérica

neutralidade para afirmar valores: «Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer

direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião,

convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.» (n.º

2 do artigo 13.º). No mesmo parágrafo onde ocorre a frase citada acima, o proponente inscreve uma defesa da

«pluralidade que enriquece a democracia e que o Estado tem obrigação de defender dentro do respeito pelos

Direitos Fundamentais consagrados na Constituição da República Portuguesa» – o que é absolutamente certo,

mas contraditório com um Estado apolítico ou neutro, porque estas afirmações incorporam, e bem, valores,

valores que merecem a proteção do Estado, proteção que não é neutra nem apolítica.

Segundo, a invocação dos direitos respetivos da família e do Estado na educação.

A exposição de motivos da iniciativa, depois da invocação (já analisada) do n.º 2 do artigo 43.º da Constituição

da República Portuguesa («O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes

filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas.»), textualmente parece deduzir deste preceito (ao usar

o elemento de ligação «Assim, …») que «a oferta de uma disciplina de Cidadania no ensino público deve ser

sempre enquadrada nesta ‘aliança’ com as famílias, respeitando as convicções políticas, éticas e religiosas,

garantindo que a disciplina seja uma ajuda na formação cívica dos seus filhos e não a imposição de uma visão

‘oficial’ da cidadania».

Noutro momentos da exposição de motivos são apresentados outros aspetos da conceção dos papéis

respetivos da família e do Estado na educação:

– «É aos pais e à família que cabe o dever de educar os filhos e o Estado tem o dever de auxiliá-los nessa

missão. A Escola Pública é essencial para garantir que todos os pais têm a possibilidade de garantir o direito à

educação dos seus filhos, sendo a ‘aliança’ entre as famílias e a Escola essencial para o desenvolvimento

pessoal das crianças e jovens.»

– «a imparcialidade não foi suficientemente salvaguardada e há famílias que não se sentem confortáveis com

algumas das matérias abordadas na disciplina, atualmente de frequência obrigatória.»

– «(…) a oferta de uma disciplina como esta pode ‘chocar’ com a visão de alguns encarregados de educação

(…)».

Posto este enquadramento na motivação da iniciativa, é devida uma referência ao enquadramento

constitucional do papel da família em razão das crianças e da sua educação.

Na CRP, o artigo 36.º (Família, casamento e filiação) prevê que «os pais têm o direito e o dever de educação

e manutenção dos filhos» (n.º 5), onde «educação» assume um sentido mais vasto do que «ensino», no âmbito

de uma obrigação de cuidado parental. De colaborar na efetivação dessa obrigação não se dispensa o próprio

Estado, como resulta claramente da alínea c) do n.º 2 do artigo 67.º (que dá ao Estado a incumbência de

cooperar com os pais na educação dos filhos, dentro das suas tarefas de proteção da família) e do n.º 1 do

artigo 68.º (que retoma o papel da sociedade e do Estado na proteção dos pais e mães «na sua insubstituível

ação em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação»).

O artigo 73.º (Educação, cultura e ciência), no seu n.º 2, ao tratar da realização do direito de todos à

educação, contempla, sem exclusão de outras formas – nas quais contaremos, decerto, o contributo dos pais –

um papel reservado ao direito ao ensino, isto é, a «educação realizada através da escola». Já o artigo 74.º

(Ensino) apresenta um elenco alargado de obrigações do Estado na concretização desse direito através da

escola, nomeadamente na organização e disponibilização de um serviço público de ensino, especialmente no

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que concerne a uma escolaridade obrigatória aí prevista. Esses deveres públicos tomam outra concretização no

artigo 75.º (Ensino público, particular e cooperativo), onde se prevê (n.º 1) que «O Estado criará uma rede de

estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de toda a população». Nada aponta para uma

oposição entre os contributos da escola e os contributos dos pais para a educação das crianças e jovens, tudo

aponta para uma complementaridade.

É indiscutível que a CRP reconhece aos pais o direito a fazer opções educativas para os filhos, embora

nenhum direito fundamental seja totalmente indisponível no equilíbrio com outros direitos fundamentais. Em

concreto, na CRP o direito reconhecido aos pais a fazerem opções educativas para os filhos é equacionado

juntamente com outros direitos, mormente aqueles que dizem respeito à autonomia da posição da própria

criança e aqueles que traduzem valores que o texto constitucional considera dignos de serem promovidos no

processo educativo e pelos quais deve velar a regulação pública da educação. E, ainda, porque o «direito e o

dever de educação e manutenção dos filhos» (n.º 5 do artigo 36.º) é mais um poder-dever do que um direito

subjetivo dos pais oponível ao Estado ou aos próprios filhos – o que reconhecemos no princípio orientador do

superior interesse da criança.

A CRP estatui sobre os direitos das crianças e jovens: desde um plano mais geral, no n.º 1 do artigo 26.º,

reconhecendo a todos o direito ao desenvolvimento da personalidade, até, noutro capítulo dos direitos e deveres,

reconhecendo especificamente às crianças o direito à «proteção da sociedade e do Estado», designadamente

em vista do «seu desenvolvimento integral» e «contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais

instituições».

O direito das crianças à proteção, tal como se encontra formulado no artigo 69.º do texto constitucional, obriga

quer o Estado quer a sociedade, devendo entender-se como abrangidos os poderes públicos, mas também os

cidadãos, desde logo as famílias, e as instituições (em sentido amplo).

O que essa proteção visa é o «desenvolvimento integral» das crianças (artigo 69.º, n.º 1), noção que devemos

relacionar com a de «desenvolvimento da personalidade» (artigo 26.º, n.º 2), de tal modo que não pode ser

descurada a necessária atenção à variação com a idade que a proteção terá de acompanhar (até porque não

existe uma precisão constitucional do que se entende por criança, nem existe sequer uma distinção

constitucional entre criança e jovem, mesmo oferecendo-se uma proteção específica aos jovens, constante do

artigo 70.º, onde, de novo, não se fixam limites etários à noção, nem à correspondente proteção específica).

O n.º 1 do artigo 69.º inclui no âmbito do direito à proteção reconhecida às crianças a obrigação de ir «contra

o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições», o que deixa ao legislador ordinário a

tarefa de definir as circunstâncias justificativas de eventuais limitações ao exercício do poder parental, bem como

da vigilância e punição de abusos cometidos em ambiente institucional ou doméstico – mesmo que não se atinja

o limiar de gravidade previsto no n.º 2, que envolve a privação de um «ambiente familiar normal» e a

correspondente necessidade de uma «especial proteção», neste caso especificamente cometida ao Estado.

Conjugando os vários preceitos constitucionalmente invocados, cabe ponderar se existe base legal para uma

eventual pretensão parental de isolar um filho da exposição a convicções diferentes daquelas que orientam a

vida dessa família; se existe base legal para admitir como princípio a possibilidade de subtrair sistematicamente

uma criança ou jovem ao pluralismo característico de uma sociedade democrática.

De notar ainda que, no âmbito da «Participação democrática no ensino», o artigo 77.º da CRP, além de

reconhecer a professores e alunos «o direito a participar na gestão democrática das escolas, nos termos da lei»

(n.º 1), reconhece ainda, a várias associações representativas de vários olhares sobre o ensino, incluindo os

pais, «formas de participação» «na definição da política de ensino» (sem que se preveja a participação na

respetiva execução) – embora, mais uma vez, sob reserva de lei (n.º 2). Note-se que esta modalidade de

participação inscrita no n.º 2 é concebida como um exercício coletivo (através de associações ou instituições),

não como um exercício individualizado tal como previsto no n.º 1.

Neste quadro, faz sentido rever as disposições da Lei de Bases do Sistema Educativo, Lei n.º 46/86, de 14

de outubro, na sua redação atual (LBSE), que concretiza os valores constitucionais, estabelecendo «o quadro

geral do sistema educativo» (n.º 1 do artigo 1.º), nos aspetos diretamente relevantes para a apreciação da

iniciativa em análise.

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9

Na LBSE, o artigo 2.º (Princípios gerais), fornece (n.º 3) um tratamento específico do princípio da liberdade

de aprender e de ensinar, onde se retomam os comandos constitucionais para interditar ao Estado a

programação da educação segundo diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas, para

interditar a confessionalidade do ensino público e para garantir o direito de criação de escolas particulares e

cooperativas.

No mesmo artigo, a LBSE comete ao sistema educativo a tarefa de contribuir para «o desenvolvimento pleno

e harmonioso da personalidade dos indivíduos», o que inclui o incentivo à «formação de cidadãos livres,

responsáveis, autónomos e solidários» (n.º 4), bem como a obrigação de promover «o desenvolvimento do

espírito democrático e pluralista» (n.º 5).

Pelo artigo 3.º (Princípios organizativos), a LBSE determina que o sistema educativo se organiza de forma a,

nomeadamente, «assegurar a formação cívica e moral dos jovens» alínea c), contribuir para o pleno

desenvolvimento da cidadania alínea b), «contribuir para desenvolver o espírito e a prática democráticos» alínea

I), sem deixar de sublinhar a necessidade de «assegurar o direito à diferença, mercê do respeito pelas

personalidades e pelos projetos individuais da existência» alínea d).

No capítulo sobre Organização do sistema educativo, nas diferentes secções dedicadas a diferentes níveis

de ensino, estes princípios vão sendo desdobrados de forma específica.

Quanto à contribuição respetiva do sistema educativo e das famílias para os objetivos educativos, o artigo

4.º (organização geral do sistema educativo), no seu n.º 2, estabelece que «A educação pré-escolar, no seu

aspeto formativo, é complementar e ou supletiva da ação educativa da família». Note-se que a LBSE não contém

nenhuma salvaguarda específica deste tipo direcionada para qualquer outro nível de ensino.

d) Iniciativas pendentes (iniciativas legislativas e petições)

Tal como está expresso na nota técnica, identificam-se, da consulta à base de dados da Atividade

Parlamentar (AP), as seguintes pendências com objeto conexo ao da iniciativa ora apreciada:

Projeto de Resolução n.º 604/XIV/1.ª (CH) – Recomenda que a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento

seja uma unidade curricular opcional.

e) Antecedentes parlamentares (iniciativas legislativas e petições)

Tal como está patente na nota técnica, não se identifica, da consulta à base de dados da Atividade

Parlamentar (AP), nenhum antecedente parlamentar na última legislatura.

f)Conformidade com os requisitos constitucionais, regimentais e formais

A nota técnica elenca e compila, exaustivamente, a conformidade desta iniciativa com os requisitos

constitucionais, regimentais e formais, análise para a qual remetemos.

g) Consultas e contributos

Seguimos as sugestões contida na nota técnica quanto às entidades a consultar em sede de apreciação na

especialidade, com um acrescento:

– Ministro da Educação;

– Conselho Nacional de Educação;

– Conselho de Escolas;

– Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas;

– Associação Nacional de Dirigentes Escolares;

– Confederação Nacional das Associações de Pais;

– Confederação Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação;

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– Federação Nacional de Associações de Estudantes do Básico e Secundário.

PARTE II – OPINIÃO DO DEPUTADO AUTOR DO PARECER

Sobre as questões elencadas na «Análise da iniciativa» [alínea c) da Parte I deste Parecer], como sendo

matérias a merecer ponderação por parte do legislador, o Deputado autor do Parecer reserva a sua posição

para o momento em que tiver de determinar-se quanto à iniciativa legislativa. Não obstante, não prescinde de

deixar aqui algumas considerações relativas ao enquadramento político e social mais abrangente da forma como

questões relacionadas têm sido perspetivadas no debate público, por entender que devem ser pesadas pelo

legislador.

I

A defesa das liberdades, e de uma sociedade pluralista, é demasiado importante para nos deixarmos

acantonar em estilos de debate público que procuram extremar as diferenças e desvalorizar o que é comum no

seio da cidadania. É particularmente infeliz a tentativa de tentar recriar qualquer tipo de fratura religiosa a

propósito da componente Cidadania e Desenvolvimento do currículo dos ensinos básico e secundário. É preciso

desinflacionar a invocação religiosa neste confronto argumentativo.

A presença de dois bispos católicos entre os subscritores de um dos manifestos intervenientes no debate

público sobre o enquadramento da componente de Cidadania e Desenvolvimento deu oportunidade, a dado

momento, a esse tom de disputa centrada em motivos religiosos. Mas essa perceção tem, em larga medida, raiz

em algumas incompreensões acerca do próprio funcionamento da Igreja Católica (por exemplo, numa

compreensão insuficiente do que é hierárquico e do que não é hierárquico no seu funcionamento ou na

expressão pública de posições).

Traçar, no que diz respeito à defesa dos direitos fundamentais, uma fronteira entre crentes e não crentes, é

um grave erro.

É um grave erro, desde logo, por falta de perspetiva histórica, a qual nos pode ensinar que seria um equívoco

qualquer tentativa de desvalorizar a proteção das convicções religiosas no quadro da proteção das convicções

em geral. Segundo alguns autores, um olhar alongado de séculos para a história da Europa mostra que a

conquista do direito à liberdade religiosa, no sentido de direito ao exercício público do culto de uma fé minoritária

sem sanção (sem perda de direitos ou segregação), é precursora de outras conquistas de outros direitos, desde

logo à liberdade de expressão em outros domínios que não a religião (cf., para uma fundamentação desta

perspetiva, por exemplo, o ensaio «Religião e Cidadania – Da luta pela tolerância religiosa à afirmação dos

direitos humanos», de Viriato Soromenho Marques, inserto na sua obra A Era da Cidadania, Publicações

Europa-América, Lisboa, 1996).

É um grave erro, também, porque a realidade deste debate, em concreto, mostrou tomadas de posição

diferenciadas da parte de personalidades reconhecidamente ligadas a uma mundividência cristã católica.

É conhecida, por exemplo, uma Carta Aberta que um grupo de católicos, com atividade pública conhecida,

muitos exercendo ou tendo exercido funções de responsabilidade dirigente em estruturas e movimentos

católicos, endereçou aos dois prelados católicos subscritores do manifesto «Em defesa das Liberdades de

Educação», nesse documento exprimindo que essa subscrição «nos dececionou e desgostou muitíssimo.

Melhor dizendo, envergonhou-nos! – enquanto cidadãos, cristãos e católicos.» Nessa Carta Aberta defendem

que pessoas portadoras de «valores democráticos» «não [podem] concordar com o absurdo de tornar o eixo

educacional da cidadania referendável à opinião dos encarregados de educação». Observando, em concreto, a

disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, declaram: «observados os conteúdos programáticos da disciplina,

sob qualquer ângulo, não se vislumbram quaisquer tópicos que possam ser, em si mesmo, inconvenientes ou

de qualquer forma desadequados à formação dos jovens ou, noutro plano, desconformes ao cristianismo ou à

doutrina católica. Pelo contrário, encontramos, sim, motivos de interesse e de adequação à integridade humana,

solidariedade, civismo e decência». Referindo que «a igualdade de género (…) não é uma ideologia» e que «o

programa da disciplina, nesta matéria, é uma pauta para a liberdade individual, o respeito entre todos (os filhos

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de Deus) e a rejeição da discriminação e exclusão sociais, pelo que se terá de perguntar se há algo mais cristão

e fraterno que este programa de vida», não deixam de reconhecer que «o uso dos conteúdos referidos possa

ser motivo de crítica; de resto, tal ocorre com qualquer outra disciplina».

Ainda a título de exemplo, podemos referir a frase de Frei Bento Domingues, da Ordem dos Pregadores

(Dominicanos), inserta num artigo publicado a 13 de setembro de 2020 no jornal Público, «A marca cristã da

Escola Católica»: «Não consegui (…) descobrir a maldade que possa existir nas Linhas de Orientação para a

Educação para a Cidadania.»

Para terminar com outro exemplo de uma autora reconhecidamente participante de uma mundividência cristã,

podemos referir o texto de Isabel Stilwell, publicado no Jornal de Negócios de 1 de setembro de 2020 com o

título «Eu também nunca teria ido à escola». O título remete diretamente para o questionamento dos contornos

de um caso particular estreitamente relacionado com a polémica pública, exemplificando com a sua própria

experiência o que seria se todas as famílias perfilhassem essa modalidade de relação com a escola: se o seu

pai tivesse a mesma atitude «nunca me teria mandado à escola, ou pelo menos frequentar a disciplina de

História, porque, como historiador e inglês que era, discordava violentamente da forma como na escola

portuguesa nos era ensinado o episódio do Ultimato. (…) E se o meu pai fosse de uma etnia ou crença religiosa

que defendesse que a escola não era para meninas, lá ficava eu em casa (…).» E acrescenta alguns elementos

relevantes para uma reflexão acerca do essencial do que aqui está em causa: questionar o projeto de uma

família fechada sobre si mesma (contrastando com a família em que viveu: «felizmente, os meus pais

acreditavam em si próprios. No seu exemplo, e nos nossos neurónios. Acreditavam na força dos argumentos

com que defendiam os seus valores, na fundamentação das suas convicções, e na nossa capacidade para

aprender a esgrimir as nossas, mesmo em ambientes hostis. Acreditavam, até, na nossa liberdade de escolher

uma opinião diferente da sua.»; questionar uma excessiva infantilização dos filhos alunos por alguns pais («o

que mais me confunde (…) é a ideia que têm dos seus próprios filhos e dos adolescentes em geral, imaginando

que precisam de ser defendidos ao limite (inclusivamente faltando às aulas) das ‘ideias perigosas’»); defender

a validade da experiência do pluralismo («se é verdade que o Estado não pode programar a educação de acordo

com certa ideologia, filosofia ou estética, de modo a criar um pensamento único (…), isso não significa que as

ideologias, a filosofia ou a estética sejam postas fora dos conteúdos escolares. O que importa é que o sejam de

uma forma aberta e plural de modo a fomentar o pensamento crítico. E o pensamento crítico só se forma se for

exposto ao contraditório.»)

Julgo serem estes exemplos (há outros) suficientes para desacreditar qualquer tentativa para criar uma

fronteira religiosa em torno desta questão – e esta clarificação é essencial para evitar a poluição de um debate

importante.

II

Está, necessariamente, tudo bem com a implementação da componente de Cidadania e Desenvolvimento?

Creio que ninguém se atreveria a responder «sim» – nem para esta componente, nem para qualquer outra

componente ou disciplina.

Não bastará a invocação dos temas genéricos da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, e constatar

que são temas justificáveis e desejáveis, para justificar a disciplina em todos os aspetos da sua implementação

efetiva – a qual só acontece, concretamente, em cada comunidade educativa, em cada comunidade escolar, em

cada escola, em cada turma, em cada sala de aula, em cada interação educativa. Há mecanismos para o debate

cidadão de todos esses aspetos, incluindo o debate dos próprios currículos no plano nacional (que sempre

envolvem consultas as mais variadas), mas incluindo também, e de forma determinante, os mecanismos locais

para envolver todos os interessados no projeto educativo. Seria útil que esses mecanismos fossem sempre

preferidos por todos os intervenientes, para tentar a melhor aproximação possível aos interesses das crianças

e jovens alunos, evitando o «recurso contencioso» ao «tribunal de apelação» do confronto político com intenção

fraturante, onde o interesse dos extremismos leva demasiadas vezes a melhor sobre o interesse das crianças e

jovens.

A sociedade tem, de qualquer modo, o direito a exigir, a quem quer que se disponibilize para o saudável

exercício democrático de debater em público estas questões, que se familiarize com os materiais envolvidos e

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os saiba interpretar: não é razoável que se citem excertos de materiais dirigidos a professores, que os usarão

para preparar as suas aulas, e os mesmos sejam, com mera intenção polémica, apresentados como se fossem

textos a fornecer às crianças para estudo.

É preciso avaliar o risco de aplicar a qualquer disciplina o mesmo padrão de raciocínio que tem sido proposto

para a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento. Há convicções filosóficas (em sentido lato, incluindo

convicções religiosas) que, por exemplo, rejeitam a teoria da evolução natural e aceitam o criacionismo, que

defendem que a Terra é plana, que justificam agressões sexuais a meninas de tenra idade ou que proíbem

práticas médicas como as transfusões de sangue. Algumas dessas convicções conduzem a práticas que são, à

luz do nosso ordenamento jurídico, crimes. Outras são convicções que chocam frontalmente com o quase-

consenso da comunidade científica: podemos proibir a sua expressão no debate público? Não podemos e não

devemos. Podemos aceitar tudo como igualmente válido e igualmente ensinável no nosso sistema educativo?

Não podemos e não devemos. Seria útil, para nos apercebermos dos riscos de certos excessos, fazer uma

visualização de (e posterior reflexão sobre) o documentário de 2018 intitulado «Hail Satan?», realizado por

Penny Lane, apresentando o percurso de um grupo que, nos Estados Unidos, assumia o estatuto de seita

satânica para, por essa via, reivindicar o estatuto de religião e, consequentemente, todos os privilégios

conferidos naquele país às organizações religiosas – com consequências que, creio, gostaríamos de evitar ver

reproduzidas entre nós por via do extremar de posições.

Mesmo fora das temáticas de implicação religiosa, quem procure o conflito extremado em torno da educação

encontrará sempre um caminho para isso (como, sem novidade, se pode transformar a temática dos

Descobrimentos em polémica, precisamente contestando que sejam descobrimentos, tal como se pode

transformar em polémica qualquer matéria de história que envolva conflitos armados com outras nações ou

povos, onde poderá notar-se uma perspetiva «portuguesa» oposta às perspetivas de cidadãos de outras

nacionalidades ou outras ascendências).

A Educação para a Cidadania é demasiado importante para ser diminuída por qualquer arremedo de debate

público tosco onde se despreze o caminho percorrido ao longo de tantos anos e onde sejam decantadas

posições especificamente político-partidárias imediatistas em simplificações que cuidam pouco de concretizar

cada vez mais aperfeiçoadamente os comandos constitucionais e as diretivas da LBSE quanto à formação de

cidadãos. É preciso ser exigente, mas sem desconsideração grosseira pelo trabalho feito. Um grupo de 27

Diretoras e Diretores de Agrupamentos de Escolas publicaram, a 23 de setembro de 2020, um texto no jornal

Público, intitulado «Porque estamos com a Cidadania…», onde deixam a seguinte reflexão:

«Temos consciência que não é uma disciplina, e muito menos de forma isolada, que transforma os nossos

alunos em cidadãos solidários e empenhados no bem comum, mas acreditamos que possibilita, seguramente,

uma «reflexão consciente sobre os valores espirituais, estéticos, morais e cívicos, no sentido de assegurar o

seu desenvolvimento cívico equilibrado» (Aprendizagens Essenciais de Cidadania e Desenvolvimento).

Ao longo de todos estes anos, quantos projetos se têm desenvolvido nestas disciplinas, que olham para os

desafios presentes e colocam os nossos jovens perante essas necessidades futuras? Quantos milhares de

crianças e jovens refletiram sobre questões que se prendem com o ambiente, com a sustentabilidade, com a

saúde e bem-estar, com a identidade, com a inovação, com a interculturalidade, com a criatividade, com a

democracia e as instituições que a sustentam? Quantos ficaram a conhecer a Carta Internacional dos Direitos

Humanos e a biografia de pessoas que por esses direitos lutaram e deram inclusive as suas vidas para que não

passássemos pelas mesmas privações? Quantos, ao utilizarem as mais diversas práticas, instrumentos e

recursos, aprenderam a escutar e respeitar a opinião do outro, a organizar o trabalho em grupo, a serem

cooperantes e criativos, pensando fora da caixa e colocando-se no lugar dos outros? Quantos desenvolveram

o espírito crítico ao serem confrontados com factos e opiniões sobre os quais foi preciso refletir e tomar

posições? Quantos perceberam a importância de um bem maior, o bem comum, que podemos ajudar a construir,

sem nos diminuirmos como pessoas, bem antes pelo contrário, crescendo como indivíduos? Acreditamos que

serão muitos. Mas, se fosse apenas um, já teria valido a pena.»

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Também acreditamos nisso – e entendemos que a forma e a substância do debate devem preservar esse

trabalho, para que ele possa ser melhorado e não destruído. A educação para a cidadania pode, e deve ser

melhorada – mas não deve ser destruída.

III

Aquilo que, na escola, fazemos – ou deixamos de fazer – com as crianças e jovens, tem efeitos na vida

dessas crianças e jovens. Convém notar, contudo, que esses efeitos não tocam apenas a formação das suas

opiniões – os efeitos de ter ou não ter determinadas oportunidades de aprender podem tocar os seus corpos e

os seus espíritos de formas muito concretas e por vezes muito brutais.

Dulce Rocha, Presidente Executiva do Instituto de Apoio à Criança e ex-Presidente da Comissão Nacional

de Proteção das Crianças e Jovens em Risco, em texto publicado a 9 de setembro de 2020 na sua página

pessoal, intitulado «Em defesa da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento», põe a tónica nas exigências da

ação que vise combater a violência doméstica e a violência sexual dentro da família. Constatada a existência de

«centenas de vítimas que por esse mundo fora vieram denunciar as atrocidades sexuais cometidas em

internatos religiosos», é ainda «mais aterrador» saber «que o número mais extenso das vítimas resulta de crimes

praticados na família», mesmo quando sobre esse fenómeno caia um «muro de silêncio».

A disciplina de Cidadania e Desenvolvimento contém matérias que são «decisivas, essenciais para combater

a violência familiar, designadamente a violência sexual». Porque essa é uma via de sensibilização de crianças

e jovens com consequências desejáveis: «Se estiverem em risco ou se forem vítimas de violência, terão mais

informação para se poderem defender ou saberem a quem recorrer para pedir apoio. Se, pelos exemplos

familiares, pretendessem seguir modelos violentos no namoro, poderão consciencializar-se da censurabilidade

dessas condutas violentas e virem a abster-se de as praticar». Essa pedagogia é necessária, porque hoje é

sabido que a violência doméstica causa, além de danos psíquicos, também danos físicos (na sequência das

pesquisas de Elisabete Blackburn, Prémio Nobel da Medicina em 2009, existe evidência científica de que a

exposição a violência grave e prolongada tem consequências fisiológicas que prejudicam a proteção do

organismo face a doenças e infeções).

Ainda segundo Dulce Rocha, esta perspetiva de proteção das crianças face à violência requer que se deixe

de «romantizar a vida familiar», que se deixe de «[fazer] crer que os maus tratos ou os crimes sexuais são

situações raras sem significado», porque essa abordagem é «um dos mais ancestrais meios utilizados para

encobrir crimes graves». E, claramente, as oportunidades de aprender que proporcionamos, ou rejeitamos, têm

um impacto na vida das pessoas que não queremos que sejam vítimas.

No mesmo sentido leio o contributo de Sónia Monteiro, intitulado «A escola, a sociedade e as ditas

ideologias», publicado a 1 de outubro de 2020 no SJ (O portal dos Jesuítas em Portugal). Aí se começa por

referir acontecimentos do mês de agosto em Varsóvia, onde dezenas de ativistas foram detidos enquanto

protestavam pacificamente nas ruas em favor dos direitos de liberdade e igualdade da comunidade LGBTQ – e

onde se relata o facto de o presidente daquele país ter considerado que tais protestos faziam parte de uma

«propaganda gay», que os direitos gay são uma ideologia chamada ideologia LGBT. E, depois de uma reflexão

rica que aqui não cabe reproduzir, termina defendendo que uma disciplina de educação para a cidadania faz

sentido porque «talvez prepare os alunos para olharem criticamente para os eventos como os que aconteceram

recentemente na Polónia, para que não venham a repetir-se cá».

O que permitimos ou impedimos que as crianças e jovens alunos aprendam… tem consequências. Devemos

pensar na responsabilidade que assumimos por essa via. Praticando uma verdadeira adesão a uma sociedade

pluralista – porque uma sociedade pluralista não é uma multidão de átomos isolados, onde a liberdade de cada

um apenas vive na indiferença face aos outros; uma sociedade pluralista é uma sociedade onde podemos e

somos capazes de sustentar as nossas posições e princípios, mas num diálogo informado, conhecedor e, só

assim, respeitador. Viver numa sociedade pluralista não é viver cada um fechado em sua casa e nas suas

próprias convicções, sem conversa.

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PARTE III – CONCLUSÕES

A Comissão de Educação, Ciência, Juventude e Desporto, aprova o seguinte parecer:

O Projeto de Lei n.º 506/XIV/2.ª foi apresentada nos termos constitucionais, legais e regimentais aplicáveis,

encontrando-se reunidos os requisitos formais e de tramitação exigidos para que seja apreciado e votada em

Plenário da Assembleia da República.

PARTE IV – ANEXOS

Em conformidade com o cumprimento no artigo 131.º do Regimento da Assembleia da República, anexa-se

a nota técnica elaborada pelos serviços.

Palácio de S. Bento, 16 de outubro de 2020.

O Deputado autor do Parecer, Porfírio Silva — O Presidente da Comissão, Firmino Marques.

Nota: O parecer foi aprovado, por unanimidade, tendo-se registado a ausência do CDS-PP, do PAN e do IL,

na reunião da Comissão de 2 de dezembro de 2020.

Nota Técnica

Projeto de Lei n.º 506/XIV/2.ª (CDS-PP)

Consagra a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento de frequência facultativa para os alunos

Data de admissão: 17 de setembro de 2020

Comissão de Educação, Ciência, Juventude e Desporto (8.ª)

Índice

I. ANÁLISE DA INICIATIVA

II. ENQUADRAMENTO PARLAMENTAR

III. APRECIAÇÃO DOS REQUISITOS FORMAIS

IV. ANÁLISE DE DIREITO COMPARADO

V. CONSULTAS E CONTRIBUTOS

VI. AVALIAÇÃO PRÉVIA DE IMPACTO

VII. ENQUADRAMENTO BIBLIOGRÁFICO

Elaborada por: Maria João Godinho e Pedro Braga de Carvalho (DILP), Patrícia Pires (DAPLEN), Helena Medeiros (BIB) e Filipe Luís Xavier (DAC).

Data: 29 de setembro de 2020.

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I. Análise da iniciativa

• A iniciativa

Com a presente iniciativa visam os proponentes estabelecer a frequência facultativa dos alunos à disciplina

de Educação para a Cidadania e Desenvolvimento. Para o efeito substanciam que o artigo 43.º da Constituição

da República Portuguesa (CRP), no seu n.º 2, prevê que «O Estado não pode programar a educação e a cultura

segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas», devendo a oferta de uma

disciplina no ensino público ser enquadrada em parceria com as famílias, respeitando as convicções políticas,

éticas e religiosas destas.

• Enquadramento jurídico nacional

O artigo 43.º da CRP reconhece e garante dois direitos distintos (embora estreitamente correlacionados): a

liberdade de aprender e ensinar (cfr. n.º 1) e o direito de fundação de escolas particulares e cooperativas (cfr.

n.º 4). A liberdade de aprender e de ensinar engloba, entre outras, duas componentes: por um lado, a liberdade

de escolha da escola e do tipo e ramo de ensino ou curso; por outro lado, a liberdade de ministrar o ensino sem

sujeição a uma determinada orientação filosófica, estética, política, ideológica ou religiosa (cfr. n.º 2). Acresce

que a não confessionalidade do ensino público, prevista no n.º 3 do mesmo preceito constitucional, é um direto

corolário dos princípios da não-confessionalidade da educação e da cultura e da laicidade do Estado (cfr. artigos

41.º e 42.º da CRP). Assim perspetivada, a liberdade de ensino é fundamentalmente um direito a ensinar e a

aprender sem impedimentos.

Com efeito, o mencionado artigo 43.º é normativamente densificado respetivamente pelos artigos 73.º e 74.º

da Lei Fundamental. De acordo com o primeiro, todos os cidadãos têm direito à educação (cfr. n.º 1), devendo

o Estado promover a democratização da educação e as demais condições para que a educação, realizada

através da escola e de outros meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades, a superação das

desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância,

de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação

democrática na vida coletiva (cfr. n.º 2). Por seu o turno, o artigo 74.º reconhece o direito de todos os cidadãos

ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar (cfr. n.º 1), incumbindo

ao Estado as seguintes tarefas (cfr. n.º 2): assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito; criar um

sistema público e desenvolver o sistema geral de educação pré-escolar; garantir a educação permanente e

eliminar o analfabetismo; garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais

elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística; estabelecer progressivamente a gratuitidade

de todos os graus de ensino; inserir as escolas nas comunidades que servem e estabelecer a interligação do

ensino e das atividades económicas, sociais e culturais; promover e apoiar o acesso dos cidadãos portadores

de deficiência ao ensino e apoiar o ensino especial, quando necessário; proteger e valorizar a língua gestual

portuguesa, enquanto expressão cultural e instrumento de acesso à educação e da igualdade de oportunidades;

assegurar aos filhos dos emigrantes o ensino da língua portuguesa e o acesso à cultura portuguesa; assegurar

aos filhos dos imigrantes apoio adequado para efetivação do direito ao ensino.

Através da Lei n.º 46/86, de 14 de outubro1, Lei de Bases do Sistema Educativo, o legislador ordinário

estabeleceu o quadro geral do sistema educativo, definindo-o como o conjunto de meios pelo qual se concretiza

o direito à educação, que se exprime pela garantia de uma permanente ação formativa orientada para favorecer

o desenvolvimento global da personalidade, o progresso social e a democratização da sociedade (cfr. artigo 1.º

da Lei de Bases do Sistema Educativo2). Para além do direito de todos à educação e à cultura e da especial

responsabilidade do Estado na promoção da democratização do ensino e na garantia do direito a uma justa e

efetiva igualdade de oportunidades no acesso e sucesso escolares (cfr. n.os 1 e 2 do artigo 2.º, da Lei de Bases

do Sistema Educativo3), o respeito pelo princípio da liberdade de aprender e de ensinar, com tolerância para

1 Versão consolidada, que resulta das alterações promovidas pelas Leis n.os 115/97, de 19 de setembro, 49/2005, de 30 de agosto, e 85/2009, de 27 de agosto. 2 Versão consolidada. 3 Versão consolidada.

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com as escolhas possíveis, deve ter em conta, designadamente, os seguintes princípios (cfr. n.º 3 do artigo 2.º,

da Lei de Bases do Sistema Educativo4): o Estado não pode atribuir-se o direito de programar a educação e a

cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas; o ensino público

não será confessional; é garantido o direito de criação de escolas particulares e cooperativas. Nos termos do n.º

4 do artigo 2.º, da Lei de Bases do Sistema Educativo5, o sistema educativo tem ainda que responder às

necessidades resultantes da realidade social, contribuindo para o desenvolvimento pleno e harmonioso da

personalidade dos indivíduos, incentivando a formação de cidadãos livres, responsáveis, autónomos e solidários

e valorizando a dimensão humana do trabalho. Por fim, dever-se-á mencionar que, segundo o n.º 5 do artigo 2.º

da Lei de Bases do Sistema Educativo6, a educação promove o desenvolvimento do espírito democrático e

pluralista, respeitador dos outros e das suas ideias, aberto ao diálogo e à livre troca de opiniões, formando

cidadãos capazes de julgarem com espírito crítico e criativo o meio social em que se integram e de se

empenharem na sua transformação progressiva.

É precisamente neste contexto que foi aprovado o Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho, que estabelece o

currículo dos ensinos básico e secundário e os princípios orientadores da avaliação das aprendizagens. Com

relevância para a questão aqui em análise, o artigo 15.º do Decreto-Lei referido7, sob a epígrafe «Cidadania e

Desenvolvimento», dispõe sobre os pressupostos dos quais depende, no âmbito da Estratégia Nacional da

Educação para a Cidadania, o desenvolvimento da componente Cidadania e Desenvolvimento. Desta forma,

nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, cabe a cada escola aprovar a sua estratégia de educação para a cidadania,

definindo: os domínios, os temas e as aprendizagens a desenvolver em cada ciclo e ano de escolaridade; o

modo de organização do trabalho; os projetos a desenvolver pelos alunos que concretizam na comunidade as

aprendizagens a desenvolver; as parcerias a estabelecer com entidades da comunidade numa perspetiva de

trabalho em rede, com vista à concretização dos projetos; a avaliação das aprendizagens dos alunos; a avaliação

da estratégia de educação para a cidadania da escola. Por sua vez, o n.º 3 do identificado artigo 15.º acorda

que a componente de currículo de Cidadania e Desenvolvimento, integrando as matrizes de todas as ofertas

educativas e formativas, dever-se-á, por um lado, constituir como uma área de trabalho transversal, de

articulação disciplinar, com abordagem de natureza interdisciplinar e, por outro lado, mobilizar os contributos de

diferentes componentes de currículo ou de formação, áreas disciplinares, disciplinas ou unidades de formação

de curta duração, com vista ao cruzamento dos respetivos conteúdos com os temas da estratégia de educação

para a cidadania da escola, através do desenvolvimento e concretização de projetos pelos alunos de cada turma.

Finalmente, de acordo com o n.º 4 do preceito legal, a escola decide a forma como implementa a componente

de Cidadania e Desenvolvimento no ensino secundário, podendo, entre outras opções, adotar: a oferta como

disciplina autónoma; a prática de coadjuvação, no âmbito de uma disciplina; o funcionamento em justaposição

com outra disciplina; a abordagem, no âmbito das diferentes disciplinas da matriz, dos temas e projetos, sob

coordenação de um dos professores da turma ou grupo de alunos.

O Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho, revogou o anterior Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho8, que,

com interesse para a questão que aqui nos ocupa, esclarecia no seu preâmbulo: «no presente diploma pretende-

se que a educação para a cidadania enquanto área transversal seja passível de ser abordada em todas as áreas

curriculares, não sendo imposta como uma disciplina isolada obrigatória, mas possibilitando às escolas a

decisão da sua oferta nos termos da sua materialização disciplinar autónoma». Neste sentido, o artigo 3.º9, sob

a epigrafe «Princípios orientadores», na sua alínea p), estabelecia que a organização e a gestão do currículo

dos ensinos básico e secundário subordinam-se, entre outros, ao princípio do reforço do caráter transversal da

educação para a cidadania, estabelecendo conteúdos e orientações programáticas, mas não a autonomizando

como disciplina de oferta obrigatória. O n.º 1 do artigo 12.º 10, dispunha que as escolas dos 2.º e 3.º ciclos podiam

4 Versão consolidada. 5 Versão consolidada. 6 Versão consolidada. 7 O preâmbulo do Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho, refere expressamente que «[é] neste enquadramento que no presente Decreto-Lei se desafiam as escolas, conferindo-lhes autonomia para, em diálogo com os alunos, as famílias e com a comunidade, poderem: (…) ii) Implementar a componente de Cidadania e Desenvolvimento, enquanto área de trabalho presente nas diferentes ofertas educativas e formativas, com vista ao exercício da cidadania ativa, de participação democrática, em contextos interculturais de partilha e colaboração e de confronto de ideias sobre matérias da atualidade;». 8 Versão consolidada, que resulta das alterações promovidas pelo Decretos-Lei n.os 176/2014 de 12 de dezembro, 91/2013, de 10 de julho, e 17/2016, de 4 de abril 9 Versão resultante do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 17/2016, de 4 de abril. 10 Versão resultante do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 17/2016, de 4 de abril.

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oferecer componentes curriculares complementares com carga horária flexível que contribuíssem para a

promoção integral dos alunos em áreas de cidadania, artísticas, culturais, científicas ou outras. Para além do

mais, o Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho, previa, em complemento das atividades curriculares dos ensinos

básico e secundário, que os agrupamentos de escolas e as escolas não agrupadas deviam organizar e realizar,

valorizando a participação dos alunos, ações de formação cultural e de educação artística, de educação física

e de desporto escolar, de educação para a cidadania, de inserção e de participação na vida comunitária, visando

especialmente a utilização criativa e formativa dos tempos livres, orientadas, em geral, para a formação integral

e para a realização pessoal dos alunos (cfr. n.º 6 do artigo 20.º).

II. Enquadramento parlamentar

• Iniciativas pendentes (iniciativas legislativas e petições)

Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verificou-se estar pendente, neste momento,

apenas a seguinte iniciativa com objeto conexo com o do projeto de lei em análise:

o Projeto de Resolução n.º 604/XIV/1.ª (CH) – Recomenda que a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento

seja uma unidade curricular opcional.

• Antecedentes parlamentares (iniciativas legislativas e petições)

Efetuada uma pesquisa à base de dados da atividade parlamentar (AP) não se localizou qualquer iniciativa

legislativa ou petição sobre matéria idêntica ou conexa na anterior legislatura.

III. Apreciação dos requisitos formais

• Conformidade com os requisitos constitucionais, regimentais e formais

A iniciativa em apreciação é apresentada pelo Grupo Parlamentar do CDS-Partido Popular (CDS-PP), ao

abrigo e nos termos do n.º 1 do artigo 167.º da CRP e do n.º 1 do artigo 119.º do Regimento da Assembleia da

República (RAR), que consagram o poder de iniciativa da lei. Trata-se de um poder dos Deputados, por força

do disposto na alínea b) do artigo 156.º da CRP e b) do n.º 1 do artigo 4.º do RAR, bem como dos grupos

parlamentares, por força do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da CRP e da alínea f) do artigo 8.º do

RAR.

A iniciativa assume a forma de projeto de lei, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 119.º do

RAR. Encontra-se redigida sob a forma de artigos, tem uma designação que traduz sinteticamente o seu objeto

principal e é precedida de uma breve exposição de motivos, cumprindo os requisitos formais previstos no n.º 1

do artigo 124.º do RAR.

São também respeitados os limites à admissão da iniciativa estabelecidos no n.º 1 do artigo 120.º do RAR,

uma vez que parece não infringir a CRP ou os princípios nela consignados e define concretamente o sentido

das modificações a introduzir na ordem legislativa.

O projeto de lei em apreciação deu entrada a 15 de setembro de 2020. Foi admitido e baixou na generalidade

à Comissão de Educação, Ciência, Juventude e Desporto (8.ª), a 17 de setembro, por despacho do Sr.

Presidente da Assembleia da República, tendo sido anunciado na sessão plenária do mesmo dia.

• Verificação do cumprimento da lei formulário

A Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, alterada e republicada pela Lei n.º 43/2014, de 11 de julho, de ora em

diante designada como lei formulário, contém um conjunto de normas sobre a publicação, identificação e

formulário dos diplomas que são relevantes em caso de aprovação da presente iniciativa.

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A iniciativa altera o Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho, que estabelece o currículo dos ensinos básicos e

secundário e os princípios orientadores da avaliação das aprendizagens, que se verifica não ter sofrido qualquer

modificação até à data, constituindo esta, em caso de aprovação, a sua primeira alteração conforme consta da

mesma.

O título da presente iniciativa legislativa – «Consagra a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento de

frequência facultativa para os alunos» – traduz o seu objeto, mostrando-se conforme ao disposto no n.º 2 do

artigo 7.º da lei formulário. Todavia, em caso de aprovação, o título poderá ser objeto de aperfeiçoamento formal,

em sede de apreciação na especialidade ou em redação final, para ir ao encontro das regras de legística formal,

segundo as quais «o título de um ato de alteração deve referir o título do ato alterado, bem como o número de

ordem de alteração». Sugere-se, assim, a seguinte alteração ao título: «Estabelece o caráter facultativo da

disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, procedendo à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6

de julho, que estabelece o currículo dos ensinos básicos e secundário e os princípios orientadores da avaliação

das aprendizagens».

Em caso de aprovação, esta iniciativa revestirá a forma de lei, nos termos do n.º 3 do artigo 166.º da CRP,

pelo que deve ser objeto de publicação na 1.ª série do Diário da República, em conformidade com o disposto na

alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da lei formulário.

No que respeita ao início de vigência, o projeto de lei estabelece, no seu artigo 3.º, que a sua entrada em

vigor ocorrerá «no dia seguinte à sua publicação, e produz efeitos no ano letivo de 2021-2022», estando assim

em conformidade com o previsto no n.º 1 do artigo 2.º da lei formulário, que prevê que os atos legislativos

«entram em vigor no dia neles fixado, não podendo, em caso algum, o início de vigência verificar-se no próprio

dia da publicação».

Nesta fase do processo legislativo, a iniciativa em apreço não nos parece suscitar outras questões em face

da lei formulário.

IV. Análise de direito comparado

• Enquadramento internacional

Países europeus

De acordo com a rede EURIDYCE11, na sua Síntese, de fevereiro de 2018, sobre A Educação para a

Cidadania nas Escolas da Europa 2017, «A educação para a cidadania é uma componente do currículo nacional

em todos os níveis de ensino e em quase todos os países europeus. Na maioria dos sistemas educativos, os

currículos nacionais têm um âmbito abrangente e cobrem as quatro áreas de competências − Interagir de forma

eficaz e construtiva, pensar de forma crítica, atuar de maneira socialmente responsável e agir

democraticamente.» Essa inclusão nos currículos nacionais, referem, decorre de uma de três abordagens:

– Como «tema transversal ao currículo: os objetivos, conteúdos ou resultados de aprendizagem relativos à

educação para a cidadania designam-se como transversais ao currículo e o conjunto de professores partilha a

responsabilidade pela sua transmissão.

– Integrada noutras disciplinas: os objetivos, conteúdos ou resultados de aprendizagem relativos à educação

para a cidadania são incorporados no currículo de disciplinas ou áreas de aprendizagem mais amplas,

frequentemente ligadas às humanidades ou às ciências sociais»; ou

– Como «Disciplina autónoma: os objetivos, conteúdos ou resultados de aprendizagem relativos à educação

para a cidadania estão circunscritos aos limites de uma disciplina essencialmente dedicada à cidadania».

11 Rede europeia que colige e difunde informação comparada sobre as políticas e os sistemas educativos europeus, sob a forma de estudos e análises comparadas sobre várias temáticas nas áreas da Educação e Formação, criada em parceria entre a Comissão Europeia e os Estados Membros em 1980.

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De destacar ainda a constatação de que «São vinte os sistemas educativos que ministram a educação para

a cidadania como uma disciplina autónoma de caráter obrigatório, mas a duração da oferta apresenta variações

substanciais. O número de anos de escolaridade em que a disciplina é ministrada varia entre 1 e 12 anos».

De seguida, dá-se nota da situação em Espanha.

ESPANHA

Em Espanha as competências em matéria de ensino dividem-se entre a administração central do Estado e

as Comunidade Autónomas, competindo ao Governo definir um conjunto de aspetos comuns a todo o território

nacional, designadamente o conteúdo mínimo dos currículos escolares. O sistema de ensino é comum a todo o

território e compreende:

– A educação infantil (até aos 6 anos, não obrigatória);

– A educação básica, que compreende o ensino primário (que engloba seis anos de escolaridade, dos 6 aos

12 anos de idade) e o ensino secundário obrigatório (dos 12 aos 16, e cuja compleição determina a primeira

certificação oficial, através do título de «Graduado en Educación Secundaria Obligatoria» e permite o acesso ao

ensino secundário superior ou o ingresso no mercado de trabalho);

– A educação secundária superior, com a duração de dois anos letivos, geralmente frequentada por alunos

dos 16 aos 18 anos, e com duas vertentes – a geral, que dá acesso ao ensino superior (Bachillerato), e a

profissional (Formación Profesional de grado medio);

– A educação superior, que compreende estudos universitários e estudos profissionais superiores

(Formación Profesional de grado superior).

Para além disso, existe a educação de adultos (Educación de las Personas Adultas) e os ensinos de línguas,

artístico e desportivo.

A principal legislação de referência para a matéria em causa na presente iniciativa legislativa é a Ley Orgánica

2/2006, de 3 de mayo, de Educación e a Ley Orgánica 8/2013, de 9 de diciembre, para la mejora de la calidad

educativa, que a alterou. Nos termos do artigo 18.º da primeira, o ensino primário inclui áreas de formação

obrigatórias gerais (Ciências da Natureza; Ciências Sociais; Língua Castelhana e Literatura; Primeira Língua

Estrangeira) e específicas (Educação Física; Religião ou Valores Cívicos e Sociais, mediante opção dos

pais/encarregados de educação; e pelo menos mais uma disciplina determinada pela Comunidade de entre

Educação Artística, Segunda Língua Estrangeira, Religião e Valores Cívicos e Sociais – estas duas últimas

apenas no caso de não terem sido escolhidas pelos pais/encarregados de educação).

No ensino secundário, o esquema é semelhante, com a disciplina de Valores Éticos incluída na áreas de

formação obrigatória específica (por escolha, dos pais ou do aluno, entre essa e Religião) e como uma das áreas

que as Comunidades podem incluir no currículo, nos moldes acima referidos (artigo 24.).

Prevê ainda a Disposición adicional cuadragésima primera da Ley Orgánica 2/2006, de 3 de mayo, que «No

currículo das diferentes etapas da educação básica, será considerada a aprendizagem da prevenção e

resolução pacífica de conflitos em todas as áreas da vida pessoal, familiar e social, e dos valores que sustentam

a democracia e os direitos humanos, que deve incluir, em qualquer caso, a prevenção da violência de género e

o estudo do Holocausto Judeu como um facto histórico».

O currículo do ensino primário encontra-se fixado no Real Decreto 126/2014, de 28 de febrero, por el que se

establece el currículo básico de la Educación Primaria, nos termos do qual a disciplina de Valores Sociais e

Cívicos engloba três módulos: A identidade e a dignidade da pessoa, A compreensão e o respeito nas relações

interpessoais, A convivência e os valores sociais, definindo-se para cada um os critérios de avaliação e os

parâmetros de aprendizagem avaliáveis (Anexo II).

O currículo do ensino secundário está previsto no Real Decreto 1105/2014, de 26 de diciembre, por el que

se establece el currículo básico de la Educación Secundaria Obligatoria y del Bachillerato. De referir que se

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excluem da avaliação final do ensino secundário obrigatório as disciplinas de Educação Física, Religião e

Valores Éticos (artigo 21).

Refira-se ainda que por via da Ley Orgánica 2/2006, de 3 de mayo, de Educación, na sua versão originária,

tinham sido introduzidas as disciplinas de Educação para a cidadania e os direitos humanos (no ensino primário),

Educação Ético-Cívica (no secundário obrigatório) e Filosofia e Cidadania (no Bachillerato)12, as quais geraram

contestação na sociedade espanhola, tendo levado a vários processos judiciais, com alguns encarregados de

educação a alegarem objeção de consciência. O Tribunal Supremo veio decidir que esta questão não está

abrangida pela objeção de consciência (esta e outras sentenças nesta matéria podem ser consultadas aqui),

mas várias sentenças posteriores de Tribunais Superiores de Justicia de algumas Comunidades foram em

sentido contrário13. O assunto terá, entretanto, sido levado ao Tribunal Constitucional e ao Tribunal Europeu dos

Direitos Humanos. Em 2012, após as eleições, o novo Governo decidiu abolir aquela disciplina e em 2013 a

reforma da educação operada pela já mencionada Ley Orgánica 8/2013, de 9 de diciembre, para la mejora de

la calidad educativa, introduz as novas disciplinas Valores Cívicos e Sociais e Valores Éticos, nos moldes já

mencionados.

V. Consultas e contributos

• Consultas

Sugere-se a consulta, em sede de apreciação na especialidade, das seguintes entidades:

• Ministro da Educação;

• Conselho Nacional de Educação;

• Conselho de Escolas;

• Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas;

• Associação Nacional de Dirigentes Escolares;

• Confederação Nacional das Associações de Pais;

• Confederação Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação.

VI. Avaliação prévia de impacto

• Avaliação sobre impacto de género

Os proponentes juntaram ao projeto de lei a ficha de avaliação de impacto de género (AIG), em cumprimento

do disposto na Lei n.º 4/2018, de 9 de fevereiro, concluindo que a iniciativa legislativa tem um impacto neutro.

• Linguagem não discriminatória

Na elaboração dos atos normativos a especificação de género deve ser minimizada recorrendo-se, sempre

que possível, a uma linguagem neutra ou inclusiva, mas sem colocar em causa a clareza do discurso. A presente

iniciativa não nos suscita questões relacionadas com a utilização de linguagem discriminatória.

12 Reguladas nos Reales Decretos 1513/06, de 7 de diciembre, por el que se establecen las enseñanzas mínimas de la Educación primaria, 1631/06, de 29 de diciembre, por el que se establecen las enseñanzas mínimas correspondientes a la Educación Secundaria Obligatoria e 1467/07, de 2 de noviembre, por el que se establece la estructura del bachillerato y se fijan sus enseñanzas mínimas.13 Para mais detalhes, veja-se: http://noticias.juridicas.com/conocimiento/articulos-doctrinales/4541-el-devenir-judicial-de-la-asignatura-de-educacion-para-la-ciudadania-ii/

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VII. Enquadramento bibliográfico

KEATING, Avril; JANMAAT, Jan Germen – Education through citizenship at school: do school activities have

a lasting impact on youth political engagement?. Parliamentary affairs. Oxford. ISSN 0031-2290. Vol. 69, no 2

(April 2016), p. 409-429. Cota: RE-97.

Resumo: Este artigo examina o impacto de iniciativas de envolvimento dos jovens na política, nomeadamente

através da introdução de atividades que procuram ensinar «educação através da cidadania» na escola. Para os

autores, educação através da cidadania envolve oportunidades de aprendizagem formal e informal que permitem

aos alunos adquirir habilidades cívicas e conhecimento por meio de experiências práticas. Argumentam, ainda,

que as atividades escolares podem ter um impacto duradouro e independente no envolvimento político dos

jovens, sendo por isso importante a sua continuidade. O artigo analisa o caso inglês.

MARTINS, Maria José das Dores; MOGARRO, Maria João – A educação para a cidadania no século XXI.

Revista Iberoamericana de Educación [Em linha]. Madrid: Organización de Estados Iberoamericanos. N.º 53

(2010), p. 185-202. [Consult. 24 set. 2020]. Disponível na intranet da AR:

ue»

Resumo: «A educação para a cidadania tem sido uma preocupação dos pedagogos, das sociedades e dos

sistemas educativos através dos tempos, embora a designação assumida nem sempre tenha sido esta

(expressões como educação cívica; formação pessoal e social foram utilizadas para designar uma área próxima

da educação para a cidadania, em Portugal). Este artigo enfatiza a pertinência e a necessidade de refletir e

promover a educação para a cidadania na atualidade, em vários contextos, particularmente na escola, e de

várias formas (disciplinar, transdisciplinar e interdisciplinar). Destaca-se e debate-se ainda um conjunto de oito

temáticas, que deverão estar associadas à promoção da cidadania, bem como uma metodologia de natureza

construtivista que inclua estratégias que mobilizem os domínios cognitivos; afetivo-motivacional; social e

comportamental, nas diferentes etapas de desenvolvimento de crianças, adolescentes e adultos. Assim, os

grandes oito temas da cidadania sugeridos são as conceções, atitudes e comportamentos referentes aos

seguintes aspetos: o Estado e a nacionalidade; a religião e as diferentes manifestações religiosas; as relações

do ser humano com a natureza e a organização socioeconómica; a estrutura e o papel da família, juntamente

com os papéis associados ao género; os aspetos relacionados com a saúde e a segurança; as diferentes raças,

etnias e culturas; a civilidade, a convivência social e regulação das relações interpessoais; e finalmente o modo

de utilização das tecnologias da informação e comunicação».

OLIVEIRA, António Cândido de – Carta do Conselho da Europa sobre a Educação para a Cidadania

Democrática e a Educação para os Direitos Humanos: breves anotações. Revista das assembleias

municipais. Braga. ISSN 2183-9581. No 8 (out.-dez. 2018), p. 27-38. Cota: RP-41

Resumo: Neste artigo o autor vai tecer vários comentários à Carta do Conselho da Europa sobre a Educação

e a Cidadania Democrática e a Educação para os Direitos Humanos. É um documento não vinculativo, que

envolveu várias consultas e que reconhece que a «a educação é cada vez mais considerada um meio de

combater o aumento da violência, do racismo, do extremismo, da xenofobia, da discriminação e da intolerância».

A sua adoção pelos 47 estados-membros da Organização no quadro da Recomendação CM/Rec (2010)7 torna-

a num documento que constitui uma importante referência para todos aqueles que se ocupam com a educação

para a cidadania e os direitos humanos e que o autor explora nos seus comentários.

SANTOS, Maria Emília Brederode Rodrigues dos [et. al.] – Educação para a cidadania [Em linha]: proposta

curricular para os ensinos básico e secundário. [S.l.: s.n.], 2011. [Consult. 24 set. 2020]. Disponível na

intranet da AR:

http://catalogobib.parlamento.pt:81/images/winlibimg.aspx?skey=&doc=131809&img=16890&save=true>.

Resumo: Este relatório resulta da decisão, em fevereiro de 2010, da Ministra da Educação, Isabel Alçada, de

solicitar aos autores uma «proposta curricular de Educação para a Cidadania que respondesse às necessidades

de formação dos jovens neste domínio, acompanhasse as tendências atuais e as recomendações a nível da

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União Europeia e organizasse as sucessivas medidas avulsas tomadas sob pressão de necessidades sociais

sem resposta no currículo em vigor e acumuladas, como sugestões ou já mesmo como compromissos, nas

Áreas Curriculares Não Disciplinares (ACND), ao longo da última década».

O documento segue quatro linhas orientadoras: a importância da vivência da cidadania quer dentro, quer fora

da escola; a participação de vários especialistas no processo de definição de um currículo; o olhar a criança

como um cidadão e a autonomia do papel das escolas no desenvolvimento curricular.

UNIÃO EUROPEIA. Comissão. Eurydice – A educação para a cidadania nas escolas da Europa. [Em

linha]. Bruxelas: Eurydice, 2006. [Consult. 24 set. 2020]. Disponível na intranet da AR:

http://catalogobib.parlamento.pt:81/images/winlibimg.aspx?skey=&doc=97122&img=8388&save=true».

Resumo: «O presente inquérito de Eurydice, que abrange 30 países da Rede Eurydice, analisa a forma como

a educação para a cidadania é ensinada nas escolas. Este estudo foi solicitado pela presidência holandesa do

Conselho da União Europeia, a qual esteve em funções de julho a dezembro de 2004. Um dos objetivos desta

Presidência foi iniciar um debate com cidadãos e governos sobre os valores europeus comuns e sobre como

alcançar uma plena integração e cooperação europeias. A este respeito, foi dada especial atenção à contribuição

da educação para a coesão social, através de actividades destinadas a promover a cidadania activa.»

O Relatório contém um anexo inteiramente dedicado a Portugal, avaliando-se as políticas educativas, a

cidadania no currículo, a cidadania através da organização escolar e a participação ativa da escola, dos alunos

e dos pais na vida da comunidade, bem como a competência dos professores no âmbito do ensino da cidadania,

apresentando-se medidas para o futuro.

UNIÃO EUROPEIA. Comissão. Eurydice – Citizenship Education in Europe [em linha]. Brussels:

Education, Audiovisual and Culture Executive Agency, 2012. [Consult. 24 set. 2020]. Disponível na intranet da

AR:

http://catalogobib.parlamento.pt:81/images/winlibimg.aspx?skey=&doc=111548&img=2532&save=true».

Resumo: A União Europeia tem vindo a desenvolver um conjunto de políticas e práticas no âmbito da

disseminação da educação para a cidadania, políticas que envolvem professores, alunos, organizações,

sociedade civil, governos. Estas políticas visam desenvolver competências sociais e cívicas nos mais jovens

durante o seu percurso educacional. Este relatório visa apresentar, à luz das políticas acima referidas, a forma

como estas políticas e medidas de educação para a cidadania evoluíram nos anos mais recentes nos países

europeus. O relatório abrange as seguintes áreas essenciais para a oferta de educação para a cidadania:

– Objetivos curriculares, abordagens e organização;

– Participação dos estudantes e dos pais na escola;

– Cultura escolar e participação dos estudantes na sociedade;

– Avaliação da performance dos estudantes, das escolas e do sistema educativo;

– Educação, formação e suporte para os professores e gestores das escolas.

UNIÃO EUROPEIA. Comissão. Eurydice – Citizenship Education at School in Europe [Em linha]: 2017.

Luxembourg: Publications Office of the European Union, 2017. [Consult. 24 set. 2020]. Disponível na intranet da

AR:

http://catalogobib.parlamento.pt:81/images/winlibimg.aspx?skey=&doc=124234&img=7772&save=true».

Resumo: O objetivo deste relatório é o de apresentar um quadro atual e compreensivo das políticas nacionais

na área da educação para a cidadania nas escolas da Europa. Este documento é tanto mais importante porque

os autores entendem que se vive um momento em que as exigências relativas às políticas de promoção de

educação e formação nesta área estão a aumentar.

O relatório divide-se em quatro capítulos cada um dos quais dirigindo-se a aspetos diferentes da educação

para a cidadania:

1 – Organização e conteúdos curriculares;

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2 – Ensino, aprendizagem e participação ativa;

3 – Avaliação do estudantes e avaliação escolar;

4 – Educação dos professores, desenvolvimento profissional e formação/suporte.

————

PROJETO DE LEI N.º 561/XIV/2.ª

(SIMPLIFICAÇÃO DO ACESSO AO TÍTULO DE RECONHECIMENTO DO ESTATUTO DA

AGRICULTURA FAMILIAR E PROGRAMA DE VALORIZAÇÃO DA AGRICULTURA FAMILIAR E DO

MUNDO RURAL)

Parecer da Comissão de Agricultura e Mar e nota técnica elaborada pelos serviços de apoio

Parecer

ÍNDICE

PARTE I – Considerandos

1. Nota introdutória

2. Objeto e motivação da iniciativa legislativa

3. Enquadramento legal e antecedentes

4. Iniciativas legislativas e petições pendentes sobre a mesma matéria

PARTE II – Opinião do Deputado autor do parecer

PARTE III – Conclusões

PARTE IV – Anexos

PARTE I – CONSIDERANDOS

1. Nota introdutória

O Projeto de Lei n.º 561/XIV/2.ª (PCP) deu entrada a 09 de outubro de 2020 e, por despacho de Sua

Excelência o Presidente da Assembleia da República, foi admitido e baixou, na generalidade, à Comissão de

Agricultura e Mar, a 12 de outubro de 2020, para emissão do respetivo parecer.

A 20 de outubro, na reunião ordinária n.º 51 da Comissão de Agricultura e Mar, foi atribuída a elaboração do

Parecer ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista, que indicou como relator, o signatário, Deputado Santinho

Pacheco.

O Projeto de Lei n.º 561/XIV/2.ª foi subscrito por 10 Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista

Português (PCP), ao abrigo e nos termos do n.º 1 do artigo 167.º da Constituição e do n.º 1 do artigo 119.º do

Regimento da Assembleia da República(RAR), que consubstanciam o poder de iniciativa da lei. Trata-se de um

poder dos Deputados, por força do disposto na alínea b) do artigo 156.º da Constituição e na alínea b) do n.º 1

do artigo 4.º do RAR, bem como dos grupos parlamentares, por força do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo

180.º da Constituição e da alínea f) do artigo 8.º do RAR.

Destacamos, com base na nota técnica anexa, os seguintes aspetos:

- A iniciativa em análise toma a forma de projeto de lei, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo

119.º do Regimento, encontra-se redigida sob a forma de artigos, tem uma designação que traduz

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genericamente o seu objeto principal e é precedida de uma exposição de motivos, cumprindo os requisitos

formais estabelecidos no n.º 1 do artigo 124.º do RAR.

- Encontram-se respeitados os limites à admissão das iniciativas, previstos no n.º 1 do artigo 120.º do RAR,

uma vez que este projeto de lei define concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem

legislativa e parece não infringir princípios constitucionais.

- A Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, alterada e republicada pela Lei n.º 43/2014, de 11 de julho, conhecida

como lei formulário, contém um conjunto de normas sobre a publicação, identificação e formulário dos diplomas

que são relevantes. Assim, em caso de aprovação esta iniciativa revestirá a forma de lei, nos termos do n.º 3 do

artigo 166.º da Constituição, pelo que deve ser objeto de publicação na 1.ª série do Diário da República, em

conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da lei formulário.

- No que respeita à entrada em vigor, estabelece o artigo 8.º deste projeto de lei que a mesma aconteça

com a aprovação do Orçamento do Estado subsequente à sua publicação, mostrando-se assim de acordo com

o disposto no n.º 1 do artigo 2.º da mencionada lei formulário, que determina que «os atos legislativos entram

em vigor no dia neles fixado, não podendo, em caso algum, o inicio da vigência verificar-se no próprio dia da

publicação». Para garantir maior segurança jurídica, sugere-se que a data de entrada em vigor da presente

iniciativa (a ser aprovada) coincida com a entrada em vigor do Orçamento do Estado (e não com a sua

publicação).

2. Objeto e motivação da iniciativa legislativa

Os subscritores do Projeto de Lei n.º 561/XIV/2.ª (PCP) «Simplificação do acesso ao Título de

Reconhecimento do Estatuto da Agricultura Familiar e Programa de Valorização da Agricultura Familiar e do

Mundo Rural», sublinham a importância estratégica da agricultura familiar, nomeadamente, pelas razões de:

Qualidade e soberania alimentar; Ocupação harmoniosa do território; Defesa do meio ambiente, da floresta e do

mundo rural; Coesão económica e social em vastas regiões.

Afirmam que «após a consagração do Estatuto da Agricultura Familiar (EAF) e respetiva regulamentação

continuam por dar respostas substanciais e urgentes, nomeadamente, quanto aos critérios de acesso e à falta

de mediadas de apoio, visando melhorar as condições para o exercício da atividade agrícola dos beneficiários

do EAF.»

Sublinham que «na verdade a regulamentação nada acresce à especificação das medidas de apoio a atribuir

aos agricultores familiares, quer em termos de concretização dos direitos, quer em termos de dotações

necessárias para a eficácia de tais direitos, revelando-se os instrumentos existentes declaradamente

desadequados às características dos pequenos e médios agricultores familiares.»

Referem que, «para que o EAF se transforme verdadeiramente num instrumento eficaz no desenvolvimento

da Agricultura e do Mundo Rural é imprescindível uma simplificação dos procedimentos inerentes ao

reconhecimento do EAF, bem como a concretização de medidas e a disponibilização das verbas necessárias

para a sua implementação.»

Visando estes objetivos apresentam esta iniciativa, que «propõe a simplificação de procedimentos, a criação

de um Programa de Valorização da Agricultura Familiar e do Mundo Rural; a alteração dos regulamentos dos

seguros agrícolas para os titulares do EAF e o apoio na utilização de gasóleo colorido e marcado.»

3. Enquadramento legal e antecedentes

A Agricultura Familiar viu consagrado o seu estatuto pelo Decreto-Lei n.º 64/2018, de 7 de agosto, tendo

entre os seus objetivos [alíneas a) a c) do artigo 2.º]:

- Reconhecer e distinguir a especificidade da Agricultura Familiar nas suas diversas dimensões: económica,

territorial, social e ambiental;

- Promover políticas públicas adequadas para este extrato socioprofissional;

- Promover e valorizar a produção local e melhorar os respetivos circuitos de comercialização.

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Para o efeito de atribuição do título de reconhecimento do Estatuto da Agricultura Familiar foi o diploma

regulamentado pela Portaria n.º 73/2019, de 7 de março.

O Decreto-Lei n.º 85/2015, de 21 de maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 20/2019, de

30 de janeiro, estabeleceu o regime jurídico aplicável aos mercados locais de produtores, reconhecendo, na sua

introdução que «a produção agrícola e agropecuária local, assegurada maioritariamente por agricultura de cariz

familiar e por pequenas empresas, assume uma importância relevante na economia nacional» (…) contribuindo

a venda direta «para valorizar e promover os produtos locais e, simultaneamente, estimular a economia local,

criar emprego, reter valor e população no território (…) e uma maior interação social entre as comunidades rural

e urbana, favorecendo uma maior ligação das populações às suas origens, desempenhando funções que

beneficiam os produtores, os consumidores, o ambiente e a economia local».

No contexto da pandemia COVID-19, o Ministério da Agricultura lançou a 30 de março a campanha e

plataforma «Alimente quem o alimenta», com o objetivo de aproximar produtores e consumidores. A plataforma

reúne já mais de 900 produtores inscritos e regista perto de 100.000 visualizações desde meados de abril.

A Portaria n.º 86/2020, de 4 de abril, veio também estabelecer um conjunto de medidas excecionais e

temporárias relativas à situação epidemiológica da doença COVID-19, no âmbito da operação 10.2.1.4,

«Cadeias curtas e mercados locais», da ação n.º 10.2, «Implementação das estratégias», integrada na medida

n.º 10, «LEADER», da área n.º 4, «Desenvolvimento local», do Programa de Desenvolvimento Rural do

Continente.

As medidas visam dinamizar a criação de cadeias curtas de distribuição agroalimentar e modelos de

comercialização de proximidade de produtos agrícolas e transformados, adaptando as respostas locais aos

novos tempos de convivência com a COVID-19.

Registe-se ainda que os Grupos de Ação Local (GAL) lançaram recentemente um conjunto de ações para

ajudar agricultores e produtores de pequena dimensão nos territórios rurais através do apoio ao escoamento da

produção local através de cadeias curtas e mercados locais.

4. Iniciativas legislativas e petições pendentes sobre a mesma matéria

Por consulta à base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verificou-se que se encontram pendentes a

seguintes iniciativas a legislativas sobre matéria idêntica ou conexa:

– Projeto de Lei n.º 537/XIV/2 «Consagra medidas de promoção do escoamento de bens alimentares da

pequena agricultura e agricultura familiar e cria um regime público simplificado para aquisição e distribuição de

bens alimentares provenientes da pequena e média agricultura e pecuária nacional e da agricultura familiar».

– Projeto de Resolução n.º 26/XIV/1 «Simplificação do acesso ao Título de Reconhecimento do Estatuto da

Agricultura Familiar e concretização de apoios concretos aos seus titulares»

Relativamente a antecedentes parlamentares sobre a mesma temática (iniciativas legislativas e petições),

registam-se entre outras, as seguintes iniciativas, discutidas conjuntamente em 09/06/2020:

– Projeto de Lei n.º 382/XIV/1 «Consagra medidas de promoção do escoamento de bens alimentares da

pequena agricultura e agricultura familiar e cria um regime público simplificado para aquisição e distribuição de

bens alimentares provenientes da pequena e média agricultura e pecuária nacional e da agricultura familiar» –

Rejeitado.

– Projeto de Resolução n.º 21417XIII/4 «Simplificação do acesso ao Título de Reconhecimento do Estatuto

da Agricultura Familiar» – Rejeitado.

– Projeto de Resolução n.º 1493/XIII/3 «Apoio à agricultura familiar como forma de garantir a gestão e

manutenção do espaço rural» – Resolução da AR n.º 138/2018.

– Projeto de Resolução n.º 1447/XIII/3 «Propõe medidas de apoio à agricultura familiar como opção estrutural

para a defesa e desenvolvimento do mundo rural, em especial nas zonas atingidas pelos incêndios» – Resolução

da AR n.º 138/2018.

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– Projeto de Resolução n.º 10/XIII/1 «Recomenda a definição de um conjunto de prioridades para a

Agricultura Familiar, tendentes ao estabelecimento de um Estatuto da Agricultura Familiar Portuguesa» –

Rejeitado

– Projeto de Resolução n.º 19/XIII/1 «Em Defesa da Agricultura Familiar na Região Autónoma da Madeira»

– Rejeitada.

– Projeto de Lei n.º 700/XII/4 «Define medidas fiscais de apoio aos pequenos agricultores e à agricultura

familiar portuguesa» – Rejeitado.

– Projeto de Resolução n.º 1364/XII/4 «Recomenda ao Governo a implementação da Carta da Agricultura

Familiar aprovada no 7.º Congresso da CNA e da Agricultura Familiar» – Rejeitado.

– Proposta de Lei n.º 323/XII/4 «Institui um regime de apoio à agricultura familiar na Região Autónoma dos

Açores» – Lei n.º 29/2016.

– Projeto de Resolução n.º 830/XII/3 «Pela reposição da isenção do IVA na prestação de serviços e atividades

produtoras na agricultura e por uma justa fiscalidade aplicada à agricultura familiar» – Rejeitado.

– Proposta de Lei n.º 242/XII/3 «Em defesa da agricultura familiar na Região Autónoma da Madeira» –

Caducada.

PARTE II – OPINIÃO DO DEPUTADO AUTOR DO PARECER

O relator do presente Parecer reserva a sua opinião para o debate em plenário da iniciativa, a qual é, de

resto, de elaboração facultativa conforme o disposto no n.º 3 do artigo 137.º do RAR.

PARTE III – CONCLUSÕES

A Comissão de Agricultura e Mar aprova o seguinte parecer:

1- O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da

República o Projeto de Lei n.º 561/XIV/2.ª «Simplificação do acesso ao Título de Reconhecimento do Estatuto

da Agricultura Familiar e Programa de Valorização da Agricultura Familiar e do Mundo Rural».

2- A apresentação do Projeto de Lei n.º 561/XIV/2.ª foi efetuada nos termos constitucionais, legais e

regimentais aplicáveis, encontrando-se reunidos os requisitos formais e de tramitação exigidos.

3- A Comissão de Agricultura e Mar é de parecer que o Projeto de Lei n.º 561/XIV/2.ª reúne as condições

constitucionais e regimentais para ser discutido e votado em Plenário da Assembleia da República.

PARTE IV – ANEXOS

Nota Técnica elaborada pelos serviços da Assembleia da República, ao abrigo do artigo 131.º do Regimento

da Assembleia da República.

Palácio de S. Bento, 2 de dezembro de 2020.

O Deputado autor do parecer, Santinho Pacheco — O Presidente da Comissão, Pedro do Carmo.

Nota: O parecer foi aprovado, por unanimidade, tendo-se verificado a ausência do CDS-PP, na reunião da

Comissão de 2 de dezembro de 2020.

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Nota Técnica

Projeto de Lei n.º 561/XIV/2.ª (PCP)

Título: «Simplificação do acesso ao Título de Reconhecimento do Estatuto da Agricultura Familiar e

Programa de Valorização da Agricultura Familiar e do Mundo Rural»

Data de admissão: 12 de outubro de 2020

Comissão de Agricultura e Mar (7.ª)

Índice

I. Análise da iniciativa

II. Enquadramento parlamentar

III. Apreciação dos requisitos formais

IV. Análise de direito comparado

V. Consultas e contributos

VI. Avaliação prévia de impacto

VII. Enquadramento bibliográfico

Elaborada por: Lurdes Sauane (DAPLEN), Leonor Calvão Borges e Nuno Amorim (DILP), Liliana Sanches da Silva (CAE),

Data: 27 de novembro de 2020.

I. Análise da iniciativa

• A iniciativa

Os subscritores da iniciativa em apreço relevam a importância estratégica da agricultura familiar,

nomeadamente, nos seguintes vetores:

– Qualidade e soberania alimentar;

– Ocupação harmoniosa do território;

– Defesa do meio ambiente, da floresta e do mundo rural;

– Coesão económica e social em vastas regiões.

Afirma-se que após a consagração do Estatuto da Agricultura Familiar (EAF) e respetiva regulamentação (há

cerca de 2 anos) persistem respostas substanciais e urgentes por dar, nomeadamente, no que concerne aos

critérios de acesso e à falta de mediadas de apoio, visando melhorar as condições para o exercício da atividade

agrícola dos beneficiários do EAF.

Para justificar esta conclusão são referidos dados recolhidos até março de 2020, onde se constata que num

universo de cerca de 200 000 agricultores familiares, foram submetidas apenas 275 candidaturas, das quais 99

foram aprovadas, 96 indeferidas e 40 não foram avaliadas por falta de dados!

Sublinha-se que na verdade a regulamentação nada acresce à especificação das medidas de apoio a atribuir

aos agricultores familiares, quer em termos de concretização dos direitos, quer em termos de dotações

necessárias para a eficácia de tais direitos, revelando-se os instrumentos existentes declaradamente

desadequados às características dos pequenos e médios agricultores familiares.

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Releva-se que, para que o EAF se transforme verdadeiramente num instrumento eficaz no desenvolvimento

da Agricultura e do Mundo Rural é imprescindível uma simplificação dos procedimentos inerentes ao

reconhecimento do EAF, bem como a concretização de medidas e a disponibilização das verbas necessárias

para a sua implementação.

Visando estes objetivos os subscritores apresentam esta iniciativa legislativa que propõe a simplificação de

procedimentos, a criação de um Programa de Valorização da Agricultura Familiar e do Mundo Rural; a alteração

dos regulamentos dos seguros agrícolas para os titulares do EAF e o apoio na utilização de gasóleo colorido e

marcado.

• Enquadramento jurídico nacional

A Agricultura Familiar viu consagrado o seu estatuto pelo Decreto-Lei n.º 64/2018, de 7 de agosto, tendo

entre os seus objetivos [alíneas a) a c) do artigo 2.º]:

• Reconhecer e distinguir a especificidade da Agricultura Familiar nas suas diversas dimensões: económica,

territorial, social e ambiental;

• Promover políticas públicas adequadas para este extrato socioprofissional;

• Promover e valorizar a produção local e melhorar os respetivos circuitos de comercialização.

Para o efeito de atribuição do título de reconhecimento do Estatuto da Agricultura Familiar foi o diploma

regulamentado pela Portaria n.º 73/2019, de 7 de março.

A Direção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural disponibiliza, para o efeito, uma Orientação Técnica

com o objetivo de facilitar a informação necessária para essa tramitação, e ainda uma análise da implementação

de direitos estabelecidos no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 64/2018, de 7 de agosto, com a identificação das

medidas implementadas à data de 25/08/2020.

No âmbito da presente iniciativa importa ainda mencionar o Decreto-Lei n.º 85/2015, de 21 de maio, com as

alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 20/2019, de 30 de janeiro1, estabeleceu o regime jurídico aplicável

aos mercados locais de produtores, reconhecendo, na sua introdução que «a produção agrícola e agropecuária

local, assegurada maioritariamente por agricultura de cariz familiar e por pequenas empresas, assume uma

importância relevante na economia nacional» (…) contribuindo a venda direta «para valorizar e promover os

produtos locais e, simultaneamente, estimular a economia local, criar emprego, reter valor e população no

território (…) e uma maior interação social entre as comunidades rural e urbana, favorecendo uma maior ligação

das populações às suas origens, desempenhando funções que beneficiam os produtores, os consumidores, o

ambiente e a economia local».

No contexto da pandemia COVID-19, o Ministério da Agricultura lançou a 30 de março a campanha e

plataforma «Alimente quem o alimenta», com o objetivo de aproximar produtores e consumidores. A plataforma

reúne já mais de 900 produtores inscritos e regista perto de 100.000 visualizações desde meados de abril.

A Portaria n.º 86/2020, de 4 de abril, veio também estabelecer um conjunto de medidas excecionais e

temporárias relativas à situação epidemiológica da doença COVID-19, no âmbito da operação 10.2.1.4,

«Cadeias curtas e mercados locais», da ação n.º 10.2, «Implementação das estratégias», integrada na medida

n.º 10, «LEADER», da área n.º 4, «Desenvolvimento local», do Programa de Desenvolvimento Rural do

Continente.

As medidas visam dinamizar a criação de cadeias curtas de distribuição agroalimentar e modelos de

comercialização de proximidade de produtos agrícolas e transformados, adaptando as respostas locais aos

novos tempos de convivência com a COVID-19.

1 Pela Resolução da Assembleia da República n.º 138/2019, de 08 de agosto, a Assembleia da República resolveu fazer cessar a vigência do Decreto-Lei n.º 20/2019, de 30 de janeiro.

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Registe-se ainda que os Grupos de Ação Local (GAL)2 lançaram recentemente um conjunto de ações para

ajudar agricultores e produtores de pequena dimensão nos territórios rurais através do apoio ao escoamento da

produção local através de cadeias curtas e mercados locais.

II. Enquadramento parlamentar

• Iniciativas pendentes (iniciativas legislativas e petições)

– Projeto de Lei n.º 537/XIV/2.ª «Consagra medidas de promoção do escoamento de bens alimentares da

pequena agricultura e agricultura familiar e cria um regime público simplificado para aquisição e distribuição de

bens alimentares provenientes da pequena e média agricultura e pecuária nacional e da agricultura familiar».

– Projeto de Resolução n.º 26/XIV/1.ª «Simplificação do acesso ao Título de Reconhecimento do Estatuto da

Agricultura Familiar e concretização de apoios concretos aos seus titulares».

• Antecedentes parlamentares (iniciativas legislativas e petições)

– Projeto de Lei n.º 382/XIV/1.ª «Consagra medidas de promoção do escoamento de bens alimentares da

pequena agricultura e agricultura familiar e cria um regime público simplificado para aquisição e distribuição de

bens alimentares provenientes da pequena e média agricultura e pecuária nacional e da agricultura familiar» –

Rejeitado.

– Projeto de Resolução n.º 21417XIII/4.ª «Simplificação do acesso ao Título de Reconhecimento do Estatuto

da Agricultura Familiar» – Rejeitado.

– Projeto de Resolução n.º 1493/XIII/3.ª «Apoio à agricultura familiar como forma de garantir a gestão e

manutenção do espaço rural» – Resolução da AR n.º 138/2018.

– Projeto de Resolução n.º 1447/XIII/3.ª «Propõe medidas de apoio à agricultura familiar como opção

estrutural para a defesa e desenvolvimento do mundo rural, em especial nas zonas atingidas pelos incêndios»

– Resolução da AR n.º 138/2018.

– Projeto de Resolução n.º 10/XIII/1.ª «Recomenda a definição de um conjunto de prioridades para a

Agricultura Familiar, tendentes ao estabelecimento de um Estatuto da Agricultura Familiar Portuguesa» –

Rejeitado

– Projeto de Resolução n.º 19/XIII/1.ª «Em Defesa da Agricultura Familiar na Região Autónoma da Madeira»

– Rejeitada.

– Projeto de Lei n.º 700/XII/4.ª «Define medidas fiscais de apoio aos pequenos agricultores e à agricultura

familiar portuguesa» – Rejeitado.

– Projeto de Resolução n.º 1364/XII/4.ª «Recomenda ao Governo a implementação da Carta da Agricultura

Familiar aprovada no 7.º Congresso da CNA e da Agricultura Familiar» – Rejeitado.

– Proposta de Lei n.º 323/XII/4.ª «Institui um regime de apoio à agricultura familiar na Região Autónoma dos

Açores» – Lei n.º 29/2016.

– Projeto de Resolução n.º 830/XII/3.ª «Pela reposição da isenção do IVA na prestação de serviços e

atividades produtoras na agricultura e por uma justa fiscalidade aplicada à agricultura familiar» – Rejeitado.

– Proposta de Lei n.º 242/XII/3.ª «Em defesa da agricultura familiar na Região Autónoma da Madeira» –

Caducada.

2 Previstos na Portaria n.º 392-A/2008, de 4 de junho («Aprova o Regulamento de Aplicação das Medidas n.os 3.3, «Implementação de Estratégias Locais de Desenvolvimento», e 3.5, «Funcionamento dos Grupos de Acção Local, Aquisição de Competências e Animação», integradas no subprograma n.º 3, «Dinamização das zonas rurais», do Programa de Desenvolvimento Rural do Continente, abreviadamente designado por PRODER»).

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III. Apreciação dos requisitos formais

• Conformidade com os requisitos constitucionais, regimentais e formais

A iniciativa em apreciação é apresentada por 10 Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista

Português (PCP), ao abrigo e nos termos da alínea b) do artigo 156.º e do n.º 1 doartigo 167.º da Constituição

e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º e do artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República (RAR), que

consagram o poder de iniciativa da lei.

Trata-se de um poder dos Deputados, por força do disposto na alínea b) do artigo 156.º da Constituição e b)

do n.º 1 do artigo 4.º do RAR, bem como dos grupos parlamentares, por forçado disposto na alínea g) do n.º 2

do artigo 180.º da Constituição e da alínea f) do artigo 8.º do RAR.

A iniciativa assume a forma de projeto de lei, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 119.º do

RAR, encontra-se redigida sob a forma de artigos, tem uma designação que traduz sinteticamente o seu objeto

principal e é precedida de uma breve exposição de motivos, cumprindo os requisitos formais previstos no n.º 1

do artigo 124.º do RAR.

Encontram-se igualmente respeitados os limites à admissão das iniciativas, previstos no n.º 1 do artigo 120.º

do RAR, uma vez que este projeto de lei define concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem

legislativa e parece não infringir princípios constitucionais.

Apesar de ser previsível que a aprovação desta iniciativa gere custos adicionais para o Estado, o artigo 8.º

remete a respetiva entrada em vigor para a aprovação do Orçamento do Estado subsequente à sua publicação.

Encontra-se assim acautelado o limite à apresentação de iniciativas previsto no n.º 2 do artigo 120.º do RAR e,

igualmente, no n.º 2 do artigo 167.º da Constituição, designado por «lei-travão».

O projeto de lei em apreciação deu entrada em 09 de outubro de 2020. Foi admitido e baixou na generalidade

à Comissão de Agricultura e Mar (7.ª), em 12 de outubro, por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia

da República, tendo sido anunciado na sessão plenária em 14 do mesmo mês.

• Verificação do cumprimento da lei formulário

O título da presente iniciativa – «Simplificação do acesso ao Título de Reconhecimento do Estatuto da

Agricultura Familiar e Programa de Valorização da Agricultura Familiar e do Mundo Rural» – traduz

sinteticamente o seu objeto, mostrando-se conforme ao disposto no n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 74/98, de 11 de

novembro, conhecida como lei formulário 3.

No que respeita à entrada em vigor, estabelece o artigo 8.º deste projeto de lei que a mesma aconteça com

a aprovação do Orçamento do Estado subsequente à sua publicação, mostrando-se assim de acordo com o

disposto no n.º 1 do artigo 2.º da lei mencionada, que determina que «os atos legislativos entram em vigor no

dia neles fixado, não podendo, em caso algum, o inicio da vigência verificar-se no próprio dia da publicação».

Para garantir maior segurança jurídica,sugere-se quea data de entrada em vigor da presente iniciativa (a ser

aprovada) coincida com a entrada em vigor do Orçamento do Estado (e não com a sua publicação).

Em caso de aprovação, tem a forma de lei, sendo objeto de publicação na 1.ª série do Diário da República,

nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da lei formulário.

Na presente fase do processo legislativo a iniciativa em apreço não nos parece suscitar outras questões em

face da lei formulário.

• Regulamentação ou outras obrigações legais

A iniciativa estabelece, no seu artigo 7.º, que compete ao Governo, «no prazo de 60 dias», proceder à

regulamentação às alterações legislativas necessárias à execução da presente lei.

3 Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, que estabelece um conjunto de normas sobre a publicação, a identificação e o formulário dos diplomas, alterada e republicada pelas Leis n.os 2/2005, de 24 de janeiro, 26/2006, de 30 de junho, 42/2007, de 24 de agosto, e 43/2014, de 11 de julho.

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IV. Análise de direito comparado

• Enquadramento no plano da União Europeia

A política agrícola comum (PAC), prevista nos artigos 38.º a 44.º do Tratado sobre o Funcionamento da União

Europeia (TFUE), constitui, nos termos do artigo 4.º, número 2, alínea d) do mesmo Tratado, uma competência

partilhada entre a União e os Estados-Membros, e tem como objetivos:

a) Incrementar a produtividade da agricultura, fomentando o progresso técnico, assegurando o

desenvolvimento racional da produção agrícola e a utilização ótima dos fatores de produção, designadamente

da mão-de-obra;

b) Assegurar, deste modo, um nível de vida equitativo à população agrícola, designadamente pelo aumento

do rendimento individual dos que trabalham na agricultura;

c) Estabilizar os mercados;

d) Garantir a segurança dos abastecimentos;

e) Assegurar preços razoáveis nos fornecimentos aos consumidores.

Sob esta capa magna, vêm-se desenvolvendo plúrimas iniciativas políticas, cujo respaldo legislativo,

sumariamente, pode referir-se por menção aos seguintes atos:

– o Regulamento (UE) n.º 1308/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013,

que estabelece uma organização comum dos mercados dos produtos agrícolas e que revoga os Regulamentos

(CEE) n.º 922/72, (CEE) n.º 234/79, (CE) n.º 103797/2001, (CE) n.º 1234/2007 do Conselho, onde, em mais do

que um trecho, se pode ler que os impactos no mercado destas normas não deve criar discriminações entre os

operadores em causa, nomeadamente entre pequenos e grandes operadores;

– com vista a apoiar o desenvolvimento rural e a política agrícola, o Regulamento (EU) n.º 1305/2013 do

Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de dezembro de 2013 – relativo ao apoio ao desenvolvimento rural

pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) e que revoga o Regulamento (CE) n. º

1698/2005 do Conselho –, constituindo como prioridade, entre outras, o reforço da viabilidade das explorações

agrícolas e a competitividade de todos os tipos de agricultura em todas as regiões e incentivar as tecnologias

agrícolas inovadoras e a gestão sustentável das florestas;

– o Regulamento (UE) N. o 1307/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho de 17 de dezembro de 2013,

que estabelece regras para os pagamentos diretos aos agricultores ao abrigo de regimes de apoio no âmbito da

política agrícola comum e que revoga o Regulamento (CE) n.º 637/2008 do Conselho e o Regulamento (CE) n.º

73/2009 do Conselho, e de onde ressalta, nos artigos 61.º e seguintes, um regime especial para a pequena

agricultura, no âmbito do qual os Estados-Membros podem estabelecer um regime para os pequenos

agricultores, cabendo-lhes fixar o montante do pagamento anual para cada agricultor que participa no regime da

pequena agricultura num dos seguintes níveis:

Desde da sua instituição, a PAC tem procurado apoiar a agricultura familiar, através do pagamento de fundos

e subsídios, tendo em vista o aumento dos rendimentos agrícolas bem como facilitar a sobrevivência de um

grande número de agriculturas familiares que, de outra forma, seriam economicamente inviáveis.

Neste contexto, em 2013 teve lugar uma conferência internacional intitulada: «Agricultura familiar: um diálogo

para uma agricultura mais sustentável e resiliente na Europa e no Mundo», com o objetivo de sublinhar a

importância da agricultura familiar na União Europeia, uma vez que a maioria dos 12 milhões de explorações

agrícolas da UE são propriedades familiares, transmitidas de uma geração para outra.

Em 2014, a Comissão de Agricultura e Desenvolvimento Rural do Parlamento Europeu publicou uma nota

sobre os principais desafios enfrentados pela agricultura familiar, fazendo-se uma análise dos medidas aplicadas

para fazer face a esses desafios, bem como aquelas previstas para o período entre 2014-2020, no âmbito da

política agrícola comum.

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Em 1 de junho de 2018, a Comissão Europeia apresentou propostas legislativas sobre a política agrícola

comum após 2020. Estas propostas visam melhorar a capacidade de resposta da PAC aos desafios atuais e

futuros, como as alterações climáticas ou a renovação das gerações, e garantir que esta política continua a

apoiar aos agricultores europeus, a fim de garantir um setor agrícola e competitivo e sustentável.

A futura política agrícola comum assenta em três temas, dos quais se destaca o apoio concedido aos

agricultores, assumindo como medidas a continuidade desse apoio e o encorajamento de jovens para que

exerçam a profissão de agricultor.

• Enquadramento internacional

Países europeus

A legislação comparada é apresentada para o seguinte país da União Europeia: Espanha.

ESPANHA

De acordo com o artigo 3 da Ley 19/1995, de 4 de julio, de Modernización de las Explotaciones Agrarias, as

explorações agrarias familiares são prioritárias na obtenção dos benefícios e ajudas disponíveis ao setor da

agricultura.

É no Real Decreto 1075/2014, de 19 de diciembre, sobre la aplicación a partir de 2015 de los pagos directos

a la agricultura y a la ganadería y otros regímenes de ayuda, así como sobre la gestión y control de los pagos

directos y de los pagos al desarrollo rural que se encontram estabelecidas as bases das ajudas estatais a atribuir

aos agricultores. Para efeitos de aplicação do diploma, considera-se «agricultor» toda a pessoa singular ou

coletiva que explore uma atividade agraria em território espanhol, entendendo-se como «atividade agraria» a

produção, criação ou cultivo de produtos agrícolas, incluindo a colheita, ordenha e criação de animais para fins

agrícolas [alíneas d) e e) do artigo 3].

Por seu turno, o Real Decreto 1076/2014, de 19 de diciembre, sobre asignación de derechos de régimen de

pago básico de la Política Agrícola Común, veio estabelecer as regras de atribuição do pagamento base da

PAC. O Ministério de Agricultura, Pesca y Alimentación, através do Fundo Espanhol de Garantia Agraria, emitiu

a Circular de Coordinación 1/2020 sobre a gestão destes pagamentos.

Das pesquisas efetuadas não foi possível localizar um regime específico para as explorações agrícolas

familiares, além de serem considerados prioritários.

V. Consultas e contributos

Pareceres/contributos enviados pelo Governo ou solicitados ao mesmo

Consultas facultativas

Devem ser ouvidas as Confederações do setor agrícola.

VI. Avaliação prévia de impacto

• Avaliação sobre impacto de género

O preenchimento, pelos proponentes, da ficha de avaliação prévia de impacto de género da iniciativa em

apreço, em cumprimento do disposto na Lei n.º 4/2018, de 9 de fevereiro, devolve como resultado, uma

valorização neutra do impacto do género.

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Linguagem não discriminatória

Na elaboração dos atos normativos a especificação de género deve ser minimizada recorrendo-se, sempre

que possível, a uma linguagem neutra ou inclusiva, mas sem colocar em causa a clareza do discurso. A presente

iniciativa não nos suscita questões relacionadas com a utilização de linguagem discriminatória.

VII. Enquadramento bibliográfico

FARIAS, Alexandrina Benjamin Estevão de – O papel da agricultura familiar para a diversificação e

valorização da produção de alimentos pós-revolução verde no Brasil. Revista de Direito Agrário e

Agroambiental [Em linha]. ISSN 2526-0081. Vol. 1, n.º 2 (jul./dez. 2015), p. 75-90. [Consult. 19 out. 2020].

Disponível na intranet da AR:

< http://catalogobib.parlamento.pt:81/images/winlibimg.aspx?skey=&doc=132025&img=17356&save=true>.

Resumo: O presente artigo «pretende fazer uma análise da questão da produção de alimentos, após a

revolução verde, e a eficácia do direito à alimentação no país. A partir da década de 60, a modernização do

campo manteve o modelo latifundiário e monocultor no cenário agrícola brasileiro e exclui a agricultura familiar

do acesso a novas tecnologias». Em seguida indica que «houve uma alteração no modelo produtivo de

alimentos, reduzindo a diversidade de produtos e comprometendo o desenvolvimento da relação homem-

alimento-sociedade». Destaca ainda que «o modo de produção de alimentos tem ligação direta à relação do

homem com seu meio e com a cultura na qual está imerso». Por fim, o artigo conclui que «a agricultura familiar

consistiria em uma maneira de exploração capaz de adaptar e persistir em ambientes com o predomínio das

práticas de viés capitalista, bem como é capaz de adaptar-se às novas exigências da sociedade».

NASCIMENTO, Jaqueline Silva [Et. al.] – A satisfação do trabalhador rural: uma relação entre a assistência

técnica e a gestão da propriedade e uma implicação na sucessão das unidades familiares. Revista Espacios

[Em linha]. ISSN 0798-1015. Vol. 38, n.º 9 (2017). [Consult. 19 out. 2020]. Disponível na intranet da AR:

< http://catalogobib.parlamento.pt:81/images/winlibimg.aspx?skey=&doc=132024&img=17355&save=true>.

Resumo: As autoras no presente trabalho têm «como objetivo identificar a relação entre a assistência técnica,

a gestão da propriedade rural, a satisfação do trabalho no campo e a sucessão familiar na perspetiva do

produtor». Realizaram um estudo no estado do Mato Grosso do Sul, Brasil, aplicando um questionário a um

universo de 30 produtores rurais de diversos municípios. No final da pesquisa as autoras indicam que os

resultados «demonstraram que a maioria dos produtores pesquisados recebe assistência técnica e que, no caso

dos produtores que recebem assistência, eles não apresentam dificuldades na gestão das suas propriedades.»

Indicam ainda três fatores importantes para a melhoria da agricultura familiar sul-mato-grossense: (1) existência

de adequadas políticas públicas, (2) disponibilidade de créditos compatíveis e (3) união dos produtores.

ROCHA, João Henrique [Et. al.] – Agricultura familiar, mercados institucionales y políticas sociales en Brasil:

análisis de la red social creada en el marco del Programa de Adquisición de Alimentos en el municipio brasileño

de Boa Vista (Roraima). Revista española de estúdios agrosociales y pesqueros. Madrid. ISSN 1135-6138.

N.º 241 (2015), p. 13-47. Cota: RE– 12.

Resumo: Neste artigo os autores analisam a aplicação do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), uma

das principais políticas públicas de apoio e incentivo à agricultura familiar no município de Boa Vista (estado de

Roraima), Brasil, utilizando a abordagem do «capital social» e da «análise de rede». Descrevem ainda a rede

social gerada em torno do PAA e o tipo de relações que se produzem entre os atores que dela fazem parte.

————

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PROJETO DE LEI N.º 586/XIV/2.ª

CONDICIONA O EXERCÍCIO DA CAÇA A ESPÉCIES CINEGÉTICAS QUE NÃO SE ENCONTREM

AMEAÇADAS, OU QUASE AMEAÇADAS, E QUE APRESENTEM ESTATUTO DE CONSERVAÇÃO

CONHECIDO (OITAVA ALTERAÇÃO AO DECRETO-LEI N.º 202/2004, DE 18 DE AGOSTO)

Exposição de motivos

A perda acelerada de diversidade de vida ocorre em todo o planeta. E o território nacional não é exceção.

Portugal é o quarto país europeu com mais espécies em risco de extinção, segundo a atualização de 2019 da

Lista Vermelha das Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN). São

456 as espécies identificadas no território nacional em vias de se extinguirem, caso persistam os fatores que as

ameaçam. O Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal de 2005 – atualmente em processo de atualização –

, identifica 175 espécies ameaçadas de extinção no país.

As causas da destruição de biodiversidade são complexas e diversificadas. Em Portugal, a degradação de

ecossistemas e habitats causada pelos efeitos da crise climática, da monocultura agrícola e florestal intensiva,

e da proliferação de espécies exóticas invasoras tem provocado sérios danos na distribuição e abundância de

inúmeras espécies de mamíferos, répteis, anfíbios, aves, plantas, entre muitos outros grupos de seres vivos.

Aliada à destruição de biodiversidade está também a sobre-exploração dos recursos vivos, no qual se incluem

os recursos cinegéticos.

Tanto o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, como a Lista Vermelha das Espécies Ameaçadas da

UICN, contribuem para a identificação das espécies ameaçadas, às escalas nacional e internacional. As listas

vermelhas atribuem categorias de risco de extinção, classificando o estatuto de conservação das espécies num

dado momento. As categorias são atribuídas com base em critérios objetivos e validados pela ciência.

Existem três categorias de magnitude crescente de risco de extinção: «Vulnerável», atribuída quando a

espécie (ou outro taxon) enfrenta um risco elevado de extinção na natureza; «Em Perigo», quando o risco é

muito elevado; e «Criticamente em Perigo», quando o risco é extremamente elevado. Num patamar inferior de

risco de extinção, encontram-se as categorias de «Quase Ameaçado», concedida quando é provável a atribuição

de uma categoria de ameaça de extinção a uma espécie num futuro próximo; e a categoria de «Pouco

Preocupante», quando uma espécie tem distribuição ampla ou abundante. Quando não está disponível

informação que permita a avaliação do estatuto de conservação é atribuída a categoria de «Informação

Insuficiente». Existem ainda as categorias de «Extinto na Natureza» e «Extinto».

Na listagem das espécies passíveis de serem caçadas em território nacional constam espécies ameaçadas

de extinção. Na lista de espécies cinegéticas do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto, que estabelece o

regime jurídico da exploração dos recursos cinegéticos, surge o coelho-bravo (Oryctolagus cuniculus),

classificado pela UICN como «Em Perigo». O declínio de populações de coelho-bravo está associado à perda

de habitat e ao efeito nefasto de doenças como a Mixomatose e a Doença Hemorrágica Viral. A caça exerce

uma pressão adicional sobre a espécie.

Outra espécie ameaçada que surge na lista de espécies cinegéticas é a rola-comum (Streptopelia turtur),

classificada pela UICN como «Vulnerável». Os censos da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves

(SPEA) têm confirmado a regressão populacional da rola-comum à escala nacional nas últimas décadas. Além

da degradação dos habitats de nidificação e alimentação, os autores dos censos identificam a pressão cinegética

como uma das causas da diminuição da abundância destas aves.

Além da rola-comum e do coelho-bravo, outras espécies com estatuto de conservação desfavorável figuram

na lista de espécies cinegéticas. São elas o zarro-comum (Aythya ferina), classificado pela UICN como

«Vulnerável» e o tordo-ruivo (Turdus iliacus), considerado «Quase Ameaçado».

A diminuição da distribuição e abundância de espécies cinegéticas provoca efeitos negativos noutras

espécies que delas dependem. A título de exemplo, a viabilidade das populações em vias de extinção do lince-

ibérico (Lynx pardinus) e da águia-imperial-ibérica (Aquila adalberti) depende, em larga medida, do estatuto

favorável das populações de coelho-bravo, uma das suas principais presas. A gestão dos recursos cinegéticos

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deve ser feita em articulação com as políticas de conservação da natureza mais abrangentes, obedecendo a

critérios integrados, objetivos e informados pela ciência.

A caça exerce uma pressão adicional sobre as espécies cinegéticas em risco de extinção e sobre as espécies

que delas dependem, ao contribuir para a redução de efetivos populacionais. Assim o confirmam tanto os autores

do Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, como os da Lista Vermelha das Espécies Ameaçadas da UICN

que, entre outros fatores, identificam o exercício da caça, a sobre-exploração e a gestão cinegética

desadequada, como uma ameaça ao estatuto de conservação favorável destas espécies. A resposta para este

problema passa pela retirada das espécies ameaçadas de extinção da lista de espécies cinegéticas, até que o

seu estatuto de conservação melhore, sob pena de as populações ameaçadas se tornarem inviáveis no território

nacional.

O Governo deve proceder à retirada, por portaria, de todas as espécies com estatuto de conservação

desfavorável da lista de espécies cinegéticas, contribuindo desta forma para a eliminação de uma pressão

adicional à conservação destes grupos de seres vivos. Apenas as espécies classificadas pelo Livro Vermelho

dos Vertebrado de Portugal e/ou pela Lista Vermelha das Espécies Ameaçadas da UICN com a categoria de

«Pouco Preocupante» apresentam, objetivamente, estatuto de conservação favorável.

Aplicando-se o Princípio da Precaução, as espécies cujo estatuto de conservação não foi ainda avaliado ou

está classificado como «Informação Insuficiente» devem ser excluídas da lista de espécies cinegéticas, de modo

a serem precavidos possíveis efeitos irreversíveis na biodiversidade.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de

Esquerda, apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei condiciona o exercício da caça a espécies cinegéticas com estatuto de conservação favorável,

procedendo, para o efeito, à oitava alteração ao Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto, alterado pelo

Decreto-Lei n.º 201/2005, de 24 de novembro, pelo Decreto-Lei n.º 214/2008, de 10 de novembro, pelo Decreto-

Lei n.º 2/2011, de 6 de janeiro, pelo Decreto-Lei n.º 81/2013, de 14 de junho, pelo Decreto-Lei n.º167/2015, de

21 de agosto e pelo Decreto-Lei n.º 24/2018, de 11 de abril.

Artigo 2.º

Alteração ao Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto

O artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto, com as posteriores alterações, passa a ter a

seguinte redação:

«Artigo 4.º

(…)

1 – (…):

a) (…);

b) (…);

c) Caçar espécies cinegéticas com estatuto de conservação desfavorável, nos termos definidos nos n.os 4 e

5;

d) [Anterior alínea c)];

e) [Anterior alínea d)];

f) [Anterior alínea e)];

g) [Anterior alínea f)];

h) [Anterior alínea g)].

2 – (…).

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3 – (…).

4 – (NOVO) As espécies cinegéticas com estatuto de conservação desfavorável são as espécies cujo estatuto

de conservação é classificado por qualquer categoria do Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal e/ou da

Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza, com a

exceção da categoria ‘Pouco Preocupante’.

5 – (NOVO) Para as espécies cinegéticas cujo estatuto de conservação é classificado pelas categorias

‘Informação Insuficiente’ e ‘Não Avaliado’ do Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal e/ou da Lista Vermelha

de Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza, aplica-se o Princípio da

Precaução, interditando-se o exercício da caça a exemplares destas espécies até que o seu estatuto de

conservação seja classificado de ‘Pouco Preocupante’.»

Artigo 3.º

Disposição transitória

O Governo dispõe de um período de 30 dias para proceder à adaptação da Portaria n.º 105/2018, de 18 de

abril ao disposto no presente diploma.

Artigo 4.º

Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, 2 de dezembro de 2020.

As Deputadas e os Deputados do BE: Maria Manuel Rola — Pedro Filipe Soares — Mariana Mortágua —

Jorge Costa — Alexandra Vieira — Beatriz Gomes Dias — Fabíola Cardoso — Isabel Pires — Joana Mortágua

— João Vasconcelos — José Manuel Pureza — José Maria Cardoso — José Moura Soeiro — Luís Monteiro —

Moisés Ferreira — Nelson Peralta — Ricardo Vicente — Sandra Cunha — Catarina Martins.

————

PROJETO DE LEI N.º 587/XIV/2.ª

INTERDITA A PRODUÇÃO, POSSE, UTILIZAÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO DOS MEIOS E FORMAS

APLICADOS EXCLUSIVAMENTE NA CAPTURA OU ABATE DE EXEMPLARES DE ESPÉCIES NÃO

CINEGÉTICAS DE AVES SELVAGENS (TERCEIRA ALTERAÇÃO AO DECRETO-LEI N.º 140/99, DE 24 DE

ABRIL)

Exposição de motivos

Todos os anos são abatidas em Portugal cerca de 40 mil aves selvagens e capturadas outras 10 mil para

serem colocadas em gaiolas. Estes são os números mínimos estimados por um estudo realizado à escala

nacional pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), em 2014. A captura e abate de aves

selvagens pertencentes a espécies não cinegéticas é ilegal.

As razões para captura e abate ilegal de aves selvagens são diversas. Os animais abatidos são geralmente

pequenas aves passeriformes vendidas para consumo. As aves capturadas têm como destino o controlo de

presas, no caso de aves de rapina, ou o comércio em gaiolas, no caso de pequenas aves canoras.

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Entre as espécies de passeriformes mais afetadas pelas capturas e comércio em gaiola estão o pintassilgo

(pelo menos 5692 aves por ano), o tentilhão (876), o pintarroxo (744), o lugre (666) e o chamariz (552), segundo

números mínimos estimados a partir de entradas em centros de recuperação de animais selvagens e anúncios

publicitados on-line. Para consumo, são capturadas anualmente entre 8.500 e 21.000 toutinegras-de-barrete-

preto e entre 7.500 e 19.000 piscos-de-peito-ruivo, segundo estimativas baseadas em anilhas recuperadas em

aves mortas capturadas apenas na região do Algarve. Entre as aves de rapina, destacam-se as capturas de

pelo menos 164 águias-de-asa-redonda, 118 peneireiros-vulgares, 44 milhafres-pretos e 17 águias-calçadas,

segundo estimativas mínimas com base em entradas em centros de recuperação. Estes crimes contra a vida

selvagem têm uma expressão nacional significativa que urge erradicar.

A captura ou abate de aves selvagens é de difícil deteção e investigação. Por um lado, as entidades

competentes não possuem um quadro de pessoal adequado para fiscalizar regularmente todo território, tendo o

Bloco de Esquerda proposto, através de outros diplomas legislativos, a contratação de efetivos suficientes para

o efeito.

Por outro lado, existem meios de captura e abate, como armadilhas e redes específicas para apanhar aves

selvagens, cuja comercialização, fabrico, posse e utilização é legal. A apanha da formiga-de-asa é também

efetuada com o intuito de servir de isco na captura de aves selvagens. Sendo que estes meios e formas de

captura e abate de aves selvagens são utilizados exclusivamente para esse fim, importa interditá-los de modo

a mitigar os efeitos nefastos que provocam na vida selvagem, especialmente num contexto de perda acelerada

de biodiversidade no país causada pela crise ecológica e climática atual.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de

Esquerda, apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei interdita a produção, posse, utilização e comercialização de todos os meios e formas utilizados

exclusivamente para a captura ou abate de exemplares de espécies não cinegéticas de aves selvagens,

procedendo para o efeito à terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de abril, alterado pelo Decreto-

Lei n.º 49/2005, de 24 de fevereiro e pelo Decreto-Lei n.º 156-A/2013, de 8 de novembro.

Artigo 2.º

Aditamento ao Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de abril

É aditado o artigo 13.º-A ao Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de abril, com as posteriores alterações, com a

seguinte redação:

«Artigo 13.º-A

Meios e formas de captura ou abate de aves selvagens

1 – É proibida a produção, posse, utilização e comercialização de todos os meios e formas utilizados

exclusivamente para a captura ou abate de exemplares de espécies não cinegéticas de aves selvagens, em

particular:

a) Armadilhas de mola, vulgarmente designadas de ‘costelas’, ‘loisas’ ou ‘esparrelas’;

b) Armadilhas destinadas à captura de aves de rapina;

c) Substâncias adesivas, comummente designadas de ‘visgo’;

d) Redes verticais, habitualmente designadas de ‘redes invisíveis’, ‘redes japonesas’ ou ‘redes chinesas’.

2 – É proibida a apanha da formiga-de-asa, inseto pertencente à Ordem Hymenoptera e utilizada como isco

para a captura de aves selvagens.

3 – O disposto nos n.os 1 e 2 não se aplica à captura ou abate de aves selvagens para fins científicos

devidamente autorizados pelas entidades competentes.»

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Artigo 3.º

Alteração ao Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de abril

O artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de abril, passa a ter a seguinte redação:

«Artigo 22.º

(…)

1 – (…).

2 – (…):

a) (…);

b) (…);

c) (…);

d) A violação do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 13.º-A;

e) [Anterior alínea d)];

f) [Anterior alínea e)];

g) [Anterior alínea f)];

3 – (…).

4 – (…).»

Artigo 4.º

Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor 30 dias após a sua publicação.

Assembleia da República, 2 de dezembro de 2020.

As Deputadas e os Deputados do BE: Maria Manuel Rola — Pedro Filipe Soares — Mariana Mortágua —

Jorge Costa — Alexandra Vieira — Beatriz Gomes Dias — Fabíola Cardoso — Isabel Pires — Joana Mortágua

— João Vasconcelos — José Manuel Pureza — José Maria Cardoso — José Moura Soeiro — Luís Monteiro —

Moisés Ferreira — Nelson Peralta — Ricardo Vicente — Sandra Cunha — Catarina Martins.

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PROJETO DE LEI N.º 588/XIV/2.ª

CONDIÇÕES DE ACESSO À REFORMA PARA AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA

Exposição de motivos

A garantia dos direitos das pessoas com deficiência é inseparável de medidas transversais nas áreas do

emprego, da formação profissional, da proteção social, no acesso à educação, à saúde, aos transportes, na

remoção de barreiras arquitetónicas, no acesso à cultura, ao lazer, à informação, na garantia da participação,

em condições de igualdade, na vida social e política, entre tantas outras dimensões, sobre as quais o PCP tem

intervindo continuadamente, há vários anos.

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As pessoas com deficiência são dos grupos sociais que mais sofre as violentas consequências do

desemprego e precariedade no trabalho, o que as coloca entre os grupos sociais mais atingidos pela pobreza e

pela exclusão social.

A maioria dos cidadãos com deficiência em Portugal não estão empregados nem se encontram inscritos nos

centros de emprego, havendo muitos milhares de trabalhadores desempregados com deficiência que, depois de

muitos anos à espera de uma integração no mundo laboral, desistem da sua inscrição nos centros de emprego,

porque a sua colocação não se concretiza.

É fundamental que sejam cumpridas, tanto no sector público, como no sector privado, as leis existentes no

âmbito do emprego para as pessoas com deficiência, nomeadamente o Decreto-Lei n.º 29/2001, de 3 de

Fevereiro, que «Estabelece o sistema de quotas de emprego para pessoas com deficiência, com um grau de

incapacidade funcional igual ou superior a 60%, em todos os serviços e organismos da administração central,

regional autónoma e local», bem como a Lei n.º 4/2019, de 10 de Janeiro, que «Estabelece o sistema de quotas

de emprego para pessoas com deficiência, com um grau de incapacidade funcional igual ou superior a 60%».

As profundas dificuldades no acesso a emprego com direitos traduzem-se na limitação e no impedimento da

construção de uma vida autónoma e independente, mas traduzem-se, também, numa curta e frágil carreira

contributiva, significando isso uma menor proteção social incluindo quando atingem o momento da reforma.

Sem prejuízo de medidas de fundo e transversais, é necessário responder a questões concretas no imediato,

importando definir, em conjunto com as organizações representativas das pessoas com deficiência, condições

de acesso à reforma para as pessoas com deficiência, tendo em conta necessidades específicas que possam

existir.

Importa lembrar que «O desenvolvimento da atividade laboral por parte das pessoas com deficiência implica

um desgaste físico e emocional diário, incomparavelmente superior ao de qualquer trabalhador sem deficiência.»

como analisa a APD (Associação Portuguesa de Deficientes), acrescentando que «O esforço físico tem início

em casa com as exigências específicas que a deficiência coloca. Prolonga-se na transposição das diversas

barreiras físicas e de comunicação que se colocam entre a habitação e o local de trabalho, incluindo nos

transportes e, não raros casos, no próprio local e posto de trabalho.»

Para o PCP é fundamental que se garantam todas as condições de acessibilidade nos transportes públicos

e/ou coletivos, bem como das estações/paragens dos mesmos. Defendemos também que os postos de trabalho

devem ser devidamente adaptados às necessidades da pessoa com deficiência, bem como devem ser

assegurados a estes trabalhadores todos os instrumentos para que possam desempenhar as suas funções.

Não obstante, entendemos também que, considerando especificidades do dia-a-dia das pessoas com

deficiência, dificuldades e obstáculos com que se confrontam diariamente, devem ser garantidas condições de

acesso à reforma que tenham em conta essas especificidades. Defendemos ainda que a criação desse regime

especial de acesso à reforma, bem como os critérios que lhe estão associados, deve ser feita em conjunto com

as organizações representativas das pessoas com deficiência, seis meses após a aprovação desta Lei. Sem

prejuízo de outros critérios que possam ser considerados, entendemos que deve ser definido um tempo de

carreira contributiva, um período de incapacidade atestada por Junta Médica, bem como deve ser tido em

consideração a penosidade e desgaste das funções exercidas, considerando a deficiência ou incapacidade

existente.

É neste sentido que o PCP apresenta este projeto de lei.

Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º

1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte

projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei determina a criação de um regime especial de acesso à reforma antecipada para as pessoas

com deficiência.

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Artigo 2.º

Definição de condições de acesso à reforma para pessoas com deficiência

1 – É criado um regime especial de à reforma antecipada para as pessoas com deficiência.

2 – Para o cumprimento do previsto no número anterior, nos seis meses seguintes à publicação da presente

Lei, o Governo determina, em conjunto com as organizações representativas das pessoas com deficiência,

condições de acesso à reforma para as pessoas com deficiência.

3 – Sem prejuízo de outras necessidades que sejam identificadas, o regime previsto no n.º 1 deverá

considerar os seguintes aspetos:

a) Carreira contributiva;

b) Período de incapacidade permanente atestado por Junta Médica;

c) Penosidade e desgaste das funções exercidas;

d) Características da deficiência ou incapacidade existente, incluindo o risco do seu agravamento perante o

exercício das funções.

Artigo 3.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, 2 de dezembro de 2020.

Os Deputados do PCP: Diana Ferreira — António Filipe — Paula Santos — João Oliveira — João Dias —

Ana Mesquita — Jerónimo de Sousa — Duarte Alves — Alma Rivera — Bruno Dias.

————

PROJETO DE LEI N.º 589/XIV/2.ª

CRIAÇÃO E MANUTENÇÃO DO PORTAL DA TRANSPARÊNCIA POR UMA ENTIDADE

INDEPENDENTE

Exposição de motivos

Independentemente do modo como os vários partidos alocariam os fundos Europeus que Portugal vai receber

nos próximos 10 anos, é consensual que a sua alocação deve ser o mais transparente possível para a

sociedade. Não só por ser o que é moralmente correto numa democracia como a nossa, mas também porque

tal contribui para o escrutínio que a Sociedade Civil, a Comunicação Social, a Assembleia da República e demais

entidades têm a obrigação de levar a cabo. Só assim se garantirá uma melhor e mais cuidada utilização desses

mesmos fundos.

É fundamental que este dinheiro – que todos iremos ter de repagar, mais tarde ou mais cedo – tenha um

impacto real na vida das pessoas, para que Portugal não desperdice esta oportunidade para se modernizar. Ao

contrário do que já aconteceu com parte da utilização de fundos europeus anteriores, os quais foram usados de

forma pouco útil e pouco transparente, é imperativo que este pacote financeiro seja escrupulosamente utilizado.

Além disso, nos melhores anos de execução dos fundos estruturais, Portugal conseguiu aplicar pouco mais de

três mil milhões de euros por ano. Nos próximos anos, o país terá de executar por ano cerca de seis a sete mil

milhões de euros, isto é, mais do dobro dos nossos melhores anos.

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A Assembleia da República reconhece a necessidade de garantir transparência na execução dos fundos

europeus, o que se reflete na aprovação, no Orçamento do Estado para 2021, de propostas que visam criar um

portal online de transparência do processo de execução dos fundos europeus – o Portal da Transparência. Para

garantir que a implementação do Portal da Transparência é a mais adequada, a presente proposta visa

estabelecer que a criação e manutenção deste Portal sejam efetuadas pela Agência para o Desenvolvimento e

a Coesão, Instituto Público através de uma entidade independente, de forma assegurar a necessária

transparência. Esta entidade independente deverá ser contratada mediante concurso público, para que se

assegure que a entidade contratada seja a mais tecnicamente capaz e idónea.

Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º

1 do Regimento da Assembleia da República, o Deputado único da Iniciativa Liberal apresenta o seguinte projeto

de lei:

Artigo 1.º

Objeto

O presente diploma define a criação e manutenção de um portal online de transparência do processo de

execução dos fundos europeus (Portal da Transparência), nos termos definidos na Lei do Orçamento do Estado

para 2021, a funcionar junto da Agência para o Desenvolvimento e a Coesão, Instituto Público (AD&C, IP), criada

pelo Decreto-Lei n.º 140/2013, de 18 de outubro.

Artigo 2.º

Criação do Portal da Transparência

1 – O Portal da Transparência é desenvolvido pela AD&C, IP através da celebração de contrato de aquisição

de serviços com uma entidade independente, idónea e com adequada capacidade técnica.

2 – Para efeitos do presente diploma, considera-se uma entidade independente uma entidade que seja

independente da AD&C, IP e de quaisquer entidades gestoras de fundos europeus.

Artigo 3.º

Manutenção do Portal da Transparência

1 – A disponibilização, no Portal da Transparência, da informação exigida nos termos legais é assegurada

pela AD&C, IP através de serviço prestado por uma entidade independente, na aceção do artigo 2.º, n.º 2 a qual

pode ser, ou não, a entidade independente que prestou o serviço de desenvolvimento do Portal da

Transparência, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1.

2 – A AD&C, IP presta à entidade independente que assegura a manutenção do Portal da Transparência, de

modo regular e sempre que esta o solicite, toda a informação necessária a fim de garantir que a informação

relevante é disponibilizada no Portal da Transparência.

3 – A AD&C, IP adota os procedimentos internos necessários de modo a garantir que a informação a

transmitir à entidade que assegura a manutenção do Portal da Transparência:

a) Seja, a todo o tempo, o mais atualizada possível; e

b) Possa ser transmitida, de modo célere e eficaz, à entidade responsável pela manutenção do Portal da

Transparência.

Artigo 4.º

Contrato de aquisição de serviços

O procedimento de aquisição dos serviços referidos nos artigos 2.º e 3.º é o concurso público, previsto na

alínea a) do artigo 20.º do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de

janeiro, na sua redação atual.

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Artigo 5.º

Outros deveres de transparência

A criação e manutenção do Portal da Transparência não desoneram a AD&C, IP de outros deveres de

transparência a que se encontre legalmente obrigada, nomeadamente o dever previsto no artigo 20.º do Decreto-

Lei n.º 140/2013, de 18 de outubro.

Artigo 6.º

Prazo

A AD&C, IP adota as medidas necessárias para assegurar que o Portal da Transparência se encontra em

funcionamento a 31 de dezembro de 2021.

Palácio de São Bento, 2 de dezembro de 2020.

O Deputado do IL: João Cotrim de Figueiredo.

————

PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 773/XIV/2.ª

PELA AMPLIAÇÃO E CAPACITAÇÃO PARA A CONSULTA PÚBLICA DO PLANO ESTRATÉGICO DA

POLÍTICA AGRÍCOLA COMUM

A Política Agrícola Comum (PAC), consagrada no Tratado de Roma em 1957, foi posta em prática em 1962

na então denominada Comunidade Económica Europeia. Desde então, é a política mais importante, em termos

orçamentais, da União Europeia.

A PAC tem sofrido inúmeras alterações ao longo das últimas décadas, mas foi sempre desadequada da

realidade socioeconómica e agrícola do país, assim como da generalidade dos países do Sul da Europa, tendo

a sua aplicação promovido inúmeros problemas ambientais e socioeconómicos.

Por força das reivindicações de movimentos sociais, partidos políticos, organizações não governamentais e

sociedade civil, a União Europeia tem vindo a alargar o raio de ação da PAC, introduzindo mecanismos – ainda

que de âmbito muito limitado –, para a conservação de ecossistemas e habitats, e para a mitigação da crise

climática. Tais alterações decorrem da perda maciça de biodiversidade e das elevadas emissões de gases com

efeito de estufa provocadas pelo modelo agrícola favorecido pela política comunitária.

A reforma da PAC para o período 2023-2027 introduz novidades face ao panorama atual. Os Estados-

membros passam a estar obrigados a elaborar planos estratégicos para cumprir os objetivos concretos nos seus

territórios e em função das necessidades locais.

A elaboração do Plano Estratégico de Portugal no âmbito da Política Agrícola Comum (PEPAC), para o

período 2023-2027, constitui uma oportunidade para o país melhorar as suas respostas aos desafios inerentes

a uma produção agrícola acessível e adequada para todas as pessoas, contribuindo para a resiliência do

território e garantindo direitos e rendimentos justos aos trabalhadores e trabalhadoras do setor, enquanto

preserva a biodiversidade e o clima. Para que tal aconteça, o desenvolvimento do PEPAC deve ser aberto, plural

e participado.

Mas o processo de consulta pública do PEPAC, promovido pelo Governo através do Gabinete de

Planeamento, Políticas e Administração-Geral, é de âmbito manifestamente limitado. Este processo de consulta

pública não garante a capacitação de todas as partes interessadas para a participação informada e impede a

análise adequada de toda a documentação, bem como a formulação, em tempo útil, de sugestões e propostas

de alteração.

Página 43

2 DE DEZEMBRO DE 2020

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A documentação de base ao processo de consulta pública do PEPAC foi apenas disponibilizada no dia 16

de novembro. A consulta pública termina a 11 de dezembro. Isto significa que cidadãos e entidades dispõe de

escassos 26 dias para formular os seus contributos com base na análise de 27 documentos que totalizam mais

de duas mil páginas. Além do mais, este processo decorreu simultaneamente com o debate do Orçamento do

Estado, processo que concorre com a disponibilidade das partes interessadas. É ainda de salientar que a atual

situação pandémica e o Estado de Emergência também prejudicam o processo participativo e democrático,

justificando-se também assim a tomada de medidas adicionais.

Além da necessidade de ser ampliado o período de consulta das diferentes componentes do PEPAC

propostas pelo Governo, faltam ainda medidas prévias para capacitar pessoas e entidades para uma consulta

pública informada e abrangente. É necessário preparar e disponibilizar ao público materiais informativos em

linguagem acessível, que possam ser divulgados em eventos abertos a todos os cidadãos e cidadãs. As

instituições do Ensino Superior, de diferentes regiões do país, onde são lecionadas áreas científicas do

ambiente, agronomia, silvicultura, desenvolvimento rural e ordenamento do território, devem ser também

incluídas no processo de consulta pública para que a versão final do PEPAC possua uma visão integrada e

adaptada às especificidades regionais do território.

Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de

Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:

1. Amplie o período da primeira fase do processo de consulta pública do Plano Estratégico de Portugal no

âmbito da Política Agrícola Comum (PEPAC), pelo menos até ao final do primeiro trimestre de 2021, de modo a

permitir aos cidadãos e cidadãs, às entidades do setor agrícola e do ambiente, às organizações não

governamentais e a todas as partes interessadas, a análise adequada de toda a documentação, bem como a

participação em tempo útil no processo de consulta pública.

2. Assegure, para as posteriores fases do processo de consulta pública do PEPAC, períodos temporais

suficientes e adequados, nunca inferiores a 60 dias, para a análise e formulação de contributos por todas as

partes interessadas.

3. Adote medidas com o intuito de capacitar todas as partes interessadas para a participação informada no

processo de consulta pública do PEPAC, desenvolvendo materiais informativos em linguagem acessível e

divulgando-os em eventos setoriais, presenciais ou digitais, abertos a todos os cidadãos e cidadãs, e em

instituições do Ensino Superior, de diferentes regiões do país, onde são lecionadas áreas científicas do

ambiente, agronomia, silvicultura, desenvolvimento rural e ordenamento do território.

4. Garanta, no prazo de três meses após o encerramento da consulta pública, resposta a todas as pessoas

e organizações que apresentem propostas concretas durante o período de consulta pública, a respeito da

aceitação das mesmas e respetivas justificações.

Assembleia da República, 2 de dezembro de 2020.

As Deputadas e os Deputados do BE: Ricardo Vicente — Fabíola Cardoso — Maria Manuel Rola — Pedro

Filipe Soares — Mariana Mortágua — Jorge Costa — Alexandra Vieira — Beatriz Gomes Dias — Isabel Pires

— Joana Mortágua — João Vasconcelos — José Manuel Pureza — José Maria Cardoso — José Moura Soeiro

— Luís Monteiro — Moisés Ferreira — Nelson Peralta — Sandra Cunha — Catarina Martins.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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