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8 DE JANEIRO DE 2021

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promoção dos direitos, primeiro da responsabilidade da CPCJ e depois do tribunal. ‘A’ sempre manteve o neto

a viver consigo, apesar do persistente ambiente de violência no agregado familiar e das preocupações que foi

manifestando quanto à segurança dele. E depois de 2012 não foi tomada qualquer iniciativa de promoção dos

direitos e proteção da criança. A ação desenvolvida para proteção de ‘C’ foi pouco esclarecida e

inconsequente, tendo esta criança sofrido e vivenciado durante pelo menos 6 anos, entre os 3 e os 13 anos de

idade, a contínua e crescente violência no seu agregado familiar sem que tivessem sido tomadas medidas

efetivas para preservação da sua segurança e das condições de um desenvolvimento saudável.».

Refere-se, ainda, que «Esta criança presenciou agressões de que a sua mãe e particularmente a sua avó

foram vítimas, incluindo as que acabaram no homicídio, viu objetos e equipamentos que utilizava serem

destruídos por ‘B’ e foi alvo de ameaças graves por parte deste. Não só não foram avaliadas as

consequências psicológicas destes comportamentos, de que foi vítima, como não lhes foi dada a devida

relevância criminal. Estes são comportamentos que consubstanciam maus tratos, cometidos contra ela por ‘B’

(nomeadamente sucessivos, intensos e graves maus tratos psicológicos sempre que era obrigada a presenciar

as agressões de que a mãe e a avó eram vítimas) e que integram a prática do crime de violência doméstica,

nos termos do artigo 152.º, n.os

1, alínea d), e 2 do CP. Contudo, assim não foi considerado nos procedimentos

criminais que se foram sucedendo.»

Em consequência, a Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em Violência Doméstica conclui que se

verifica, na prática judiciária, com frequência, que quando os maus tratos são praticados na presença de

menor de idade, em particular nas situações descritas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 152.º do Código

Penal, prevalece o entendimento de que se aplica tão só a agravante prevista no n.º 2, alínea a), do mesmo

artigo, não se atendendo a que essa conduta praticada na presença de criança ou jovem pode constituir maus-

tratos psicológicos de que este é vítima e, portanto, configurar a prática de um autónomo crime de violência

doméstica.

Por isso, recomenda à Assembleia da República que seja ponderada a necessidade e oportunidade de

clarificação do texto do artigo 152.º do Código Penal, para que afirme expressamente que o menor de idade,

que é constrangido a presenciar maus tratos cometidos contra uma das pessoas referidas nas alíneas do n.º

1, é ele próprio vítima do crime de violência doméstica.

No mesmo sentido, vai o parecer do Conselho Superior do Ministério Público, acima mencionado, que

propõe uma alteração ao artigo 152.º do Código Penal, integrando no tipo objetivo do crime de violência

doméstica as condutas que impliquem as crianças que vivenciam o contexto da violência ou o testemunhem,

proposta que acompanhamos com o presente projeto de lei.

Para além do já mencionado, o Conselho Superior do Ministério Público destaca, e bem, que a dissonância

interpretativa que, quer na doutrina quer na jurisprudência, se mantém, se repercute negativamente na

atividade diária dos operadores judiciários, devendo, por isso, a lei ser clarificada para garantia do princípio da

tipicidade.

Por último, importa ainda mencionar os movimentos da sociedade civil que também acompanham esta

proposta.

A título de exemplo, a Petição n.º 111/XIV/1.ª, com o título «Aprovação do estatuto de vítima para crianças

inseridas em contexto de violência doméstica», com 48 053 assinaturas, que solicita que se legisle no sentido

de garantir a proteção das crianças que vivem em contexto familiar de violência doméstica, seja entre os seus

progenitores, seja entre outros membros da família.

Destaca, e bem, a petição que a realidade tem demonstrado que os fundamentos apresentados no sentido

de que as normas legais existentes já permitiam essa proteção, não eram realistas, até porque as instâncias

de decisão não consentem essa interpretação, o que conduz a uma desproteção da criança vítima, tal como já

ficou demonstrado pelas decisões jurisprudenciais acima citadas e pelo Relatório Final da Equipa de Análise

Retrospetiva de Homicídio em Violência Doméstica, o que justifica em absoluto a proposta que agora fazemos.

Não podemos continuar a ignorar os apelos que têm sido feitos no sentido de clarificar a legislação e

garantir maior proteção às crianças vítimas de violência doméstica. Não podemos encarar as crianças como

vítimas indiretas deste crime, nem aceitar que o sistema as silencie quando as devia proteger. Devemos sim

reconhecer que ainda não fizemos o suficiente e encontrar respostas diferenciadas, adaptadas as

especificidades das crianças e jovens, e que garantam o seu bem-estar e desenvolvimento saudável.