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13 DE ABRIL DE 2021

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disse: ‘um preto é sempre suspeito’1. Mais tarde, já formado em Direito, José Semedo Fernandes estabeleceu

a conexão entre este episódio e o preceito contido no artigo 250.º do Código de Processo Penal. Explicou que

«Só depois de ler este artigo [250.º] fiz o paralelismo: o artigo dá a possibilidade de o agente parar qualquer

pessoa que seja negra e justificar com esse artigo, que nos coloca numa posição de fragilidade legal (...).»

Portanto, a lei, na forma como está elaborada, «acaba por ser ‘profundamente racista’. Isto porque ‘pinta o

suspeito de negro’ ao falar de alguém que ‘esteja irregularmente no território nacional’ ou tenha um processo de

expulsão administrativa. Ou seja, ‘empurra logo para os estrangeiros, associados aos negros’».2

O projeto COMBAT – O combate ao racismo em Portugal: uma análise de políticas públicas e

legislação, levado a cabo de junho de 2016 a abril de 2020, propôs-se a «colmatar um vazio que persiste ao

analisar o racismo em Portugal: o papel da legislação no combate à discriminação racial» e colocando «(...) no

centro do debate a relação entre Estado, direito e sociedade questionando, assim, os limites e possibilidades

das noções de ‘igualdade de tratamento’, de ‘discriminação’ e de ‘ódio racial’ que têm sido mobilizadas na

implementação da legislação e as suas consequências para uma compreensão (ou silenciamento) do contexto

histórico e da dimensão institucionalizada do racismo em Portugal».3 Através da análise de múltiplos processos

de contraordenação instaurados pela Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) ao

abrigo da Lei n.º 134/99, de 28 de agosto e da Lei n.º 18/2004, de 11 de maio, que transpõe a Diretiva Europeia

de Igualdade Racial 2000/43/CE para a ordem jurídica nacional, entre 2006 e 2016, e findos até 20 de fevereiro

de 2020, nas áreas específicas da educação, habitação/vizinhança e forças de segurança, este estudo conclui

que «as denúncias de racismo relacionadas com as políticas de segurança urbana e a intervenção das forças

de segurança urbana e a intervenção das forças de segurança, incluindo a atitude negligente na investigação

de indícios de assédio e violência racista, têm sido constantes no contexto europeu».

A análise levada a cabo pelo supracitado instrumento de investigação aponta, essencialmente, «três

problemáticas: (i) como a legislação promove formas de intervenção policial sistemática e musculada em

determinados contextos urbanos e em relação às populações afrodescendentes, ciganas e migrantes; (ii) como

o sistema de justiça, as Inspeções [como é o caso da Inspeção-Geral da Administração Interna], e as forças de

segurança têm reproduzido representações institucionalizadas discriminatórias antinegras e anticiganas; (iii)

como são apuradas as queixas de racismo e, em particular, a injúria racial e o uso de substantivos e categorias

étnico-raciais». Concretamente, verificou-se «a existência de numerosos processos abertos por queixas

relacionadas com formas de abordagem e procedimentos das forças de segurança ao solicitar

identificação e na decisão de condução/detenção de suspeitos de prática de crime e, em particular,

quando acresce a suspeição de este ter penetrado ou permanecer irregularmente no território nacional.

Verificou-se um padrão de incumprimento do disposto no artigo 250.º do Código de Processo Penal em

relação aos diferentes mecanismos que o alegado suspeito pode acionar para identificar-se; as queixas

revelam que os alegados suspeitos são alvo de agressões e injúrias discriminatórias, muitas das vezes

no interior dos veículos onde são conduzidos à esquadra. Note-se que nem sempre é possível ao

queixoso identificar o agente em causa, ou que o processo de identificação é obstruído pelos próprios

agentes».

Como declara Paulo PINTO DE ALBUQUERQUE4, «O poder de proceder a identificação de suspeito em

lugar público, aberto ao público ou sujeito a vigilância policial é um dos poderes cautelares do órgão de polícia

criminal. Pode ser exercido numa fase pré-processual, mas tem natureza processual, isto é, preordenada aos

fins do processo a instaurar ou já instaurando, perdendo-se, assim, a natureza estritamente preventiva da

medida (...)». No seu acórdão n.º 479/945, o Tribunal Constitucional considerou inconstitucional a sujeição a

identificação policial de uma pessoa que não seja suspeita da prática de um crime, com base na invocação de

razões de «segurança interna». Na sua argumentação, expôs que: «O princípio da tipicidade legal impõe que

os atos de polícia, além de terem um fundamento legal, devem traduzir-se em procedimentos individualizados e

com conteúdo suficientemente definido na lei, seja qual for a sua natureza: quer sejam regulamentos gerais

1 Em «Quando era miúdo um polícia disse-me: um preto é sempre suspeito» | Racismo à Portuguesa | PÚBLICO (publico.pt) e em Joana

Gorjão Henriques, Racismo no País dos Brancos Costumes, Tinta da China, (2018), p. 43 e seguintes. 2 Joana Gorjão Henriques, ob. cit., p.44. 3 Silvia Rodríguez Maeso (coord.), Ana Rita Alves, Sara Fernandes e Inês Oliveira, Caderno de apresentação de resultados do pro jeto

COMBAT – «Direito, estado e sociedade: uma análise da legislação de combate ao racismo em Portugal», junho de 2020, p. 2. 4 Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2.ª edição, p. 663 e seguintes. 5 Pode ser acedido em: Acórdão 479/94, 1994-08-24 - DRE.

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