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II SÉRIE-A — NÚMERO 114

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emanados das autoridades de polícia, decisões concretas e particulares, medidas de coerção ou operações de

vigilância, todas as medidas de polícia estão sujeitas ao princípio da precedência da lei e da tipicidade legal. O

princípio da proibição do excesso, por seu turno, acarreta uma obrigatória subordinação das medidas de polícia

aos requisitos da necessidade, exigibilidade e proporcionalidade. Com ele reafirma-se enfaticamente o princípio

constitucional fundamental em matéria de atos públicos potencialmente lesivos de direitos fundamentais, em

termos de tais atos só deverem ir até onde seja imprescindível para assegurar o interesse público em causa,

sacrificando ao mínimo os direitos dos cidadãos». Ora, o artigo 250.º do Código de Processo Penal, ao atribuir

aos órgãos de polícia criminal a competência de proceder à identificação de qualquer pessoa, sempre que sobre

ela recaiam suspeitas «de que tenha penetrado ou permaneça irregularmente no território nacional» acaba por

criar um espaço de elevada discricionariedade no que respeita à conduta policial, uma vez que a lei é omissa

quanto aos critérios a adotar para discernir se determinado indivíduo penetrou ou permanece irregularmente no

território nacional. Permanece a questão: quais são os parâmetros utilizados pelos órgãos de polícia criminal

para identificar se determinada pessoa entrou ou permanece irregularmente no território nacional? Quais são

as características de um estrangeiro?

Nesse sentido, o estudo em apreço conclui, portanto, que «a legislação – nomeadamente o artigo 250.º

do CPP –, [ao misturar critérios de natureza criminal com critérios de natureza contraordenacional],

permite que sejam criadas as condições para que, os cidadãos racializados, considerados como

potenciais suspeitos pratica de crimes, se encontrem numa situação especialmente vulnerável, e

sujeitos a práticas de assédio policial. Em menor medida, o mesmo se poderia dizer em relação a cidadãos

de nacionalidades do denominado leste da Europa (principalmente queixosos de nacionalidade ucraniana e

romena), ou do Brasil».6

É de realçar, igualmente, que a pessoa visada pela ordem de identificação deve ser um suspeito, isto é,

uma pessoa em relação à qual haja «fundadas suspeitas» da prática de uma infração criminal. Contudo, «a

permanência de cidadão estrangeiro em território português por período superior ao autorizado constitui

contraordenação»7, e não uma infração criminal. A redação atual do artigo 250.º do Código de Processo Penal

contribuiu, portanto, para a criação de uma confusão entre estes dois domínios, justificadamente distintos e que,

portanto, devem ser alvo de tratamentos diferenciados.

A violência policial é uma realidade frequente em Portugal, que urge ser combatida e eliminada. Segundo as

conclusões do Comité Europeu para a Prevenção da Tortura (CPT), que opera no âmbito do Conselho da

Europa, num relatório publicado a 13 de novembro de 2020, no seguimento da sua visita ad hoc a Portugal em

dezembro de 2019, «As autoridades portuguesas têm de reconhecer que os maus-tratos perpetrados por

agentes policiais são uma realidade, e não resultam apenas de ações de alguns agentes

transgressores». O relatório alerta que «não foi feito o suficiente para reconhecer e atacar o real e

persistente problema dos maus tratos pelas forças de segurança que existe em Portugal.»8 Já a chefe da

delegação, Julia Kozma, em entrevista ao PÚBLICO9, observou que «existe tolerância zero em relação a estas

práticas, mas depois parece haver uma negação de que estes casos acontecem frequentemente» e sublinhou

que «Não se trata de um policial que, num ano, infringe a lei. Todos os anos que vimos a Portugal há alegações

de mais casos, e provas, e não há suficientemente consciência de que isto está no sistema e é preciso ser

atacado. Há relutância em levar alguém a ser punido.» É necessário relembrar que «A responsabilidade [das

autoridades] é aplicar a lei segundo parâmetros de direitos humanos, não chega citar a lei.»

Citando Barnor Hesse e Christine Bennett, «onde os estereótipos racistas, as suspeitas arbitrárias e o

policiamento agressivo se combinam consistentemente contra membros de uma comunidade particular,

o resultado é, invariavelmente, uma forma de assédio racial de estado».10

Portugal, na sua luta pela Igualdade e a Não-Discriminação tem a imperativa missão de proteger a dignidade

e os direitos de todas as pessoas que habitam o território e de todas as pessoas que a visitam, procurando

melhorar a sua legislação de forma a zelar pelos Direitos Humanos, constitucionalmente consagrados.

6 Silvia Rodríguez Maeso (coord.), Ana Rita Alves, Sara Fernandes e Inês Oliveira, ob. cit., p. 46. 7 Como tal resulta da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho, na sua redação atual (Entrada, Permanência, Saída e Afastamento de estrangeiros de território nacional). 8 O sumário executivo do relatório do CPT pode ser lido em: https://www.coe.int/en/web/cpt/portugal. 9 Pode ser acedida em: https://www.publico.pt/2020/11/13/sociedade/noticia/conselho-europa-violencia-policial-frequente-portugal-pede-medidas-urgentes-1938969. 10 Barnor Hesse e Christine Bennett, Racial harassment and 1980s Waltham Forest, 1992, p.16, citado em Caderno de apresentação de resultados do projeto COMBAT – «Direito, estado e sociedade: uma análise da legislação de combate ao racismo em Portugal», p. 9.

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