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Quarta-feira, 3 de novembro de 2021 II Série-A — Número 29
XIV LEGISLATURA 3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2021-2022)
SUPLEMENTO
S U M Á R I O
Decreto da Assembleia da República n.º 189/XIV:
Reforça o acesso ao crédito e contratos de seguros por pessoas que tenham superado ou mitigado situações de risco agravado de saúde ou de deficiência, proibindo práticas discriminatórias e consagrando o direito ao esquecimento, alterando a Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, e o regime jurídico do contrato de seguro.
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DECRETO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA N.º 189/XIV
REFORÇA O ACESSO AO CRÉDITO E CONTRATOS DE SEGUROS POR PESSOAS QUE TENHAM
SUPERADO OU MITIGADO SITUAÇÕES DE RISCO AGRAVADO DE SAÚDE OU DE DEFICIÊNCIA,
PROIBINDO PRÁTICAS DISCRIMINATÓRIAS E CONSAGRANDO O DIREITO AO ESQUECIMENTO,
ALTERANDO A LEI N.º 46/2006, DE 28 DE AGOSTO, E O REGIME JURÍDICO DO CONTRATO DE
SEGURO
A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º
Objeto
1 – A presente lei consagra o direito ao esquecimento a pessoas que tenham superado ou mitigado situações
de risco agravado de saúde ou de deficiência, melhorando o seu acesso ao crédito e a contratos de seguro.
2 – A presente lei procede à:
a) primeira alteração à Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, que proíbe e pune a discriminação em razão da
deficiência e da existência de risco agravado de saúde;
b) segunda alteração ao regime jurídico do contrato de seguro, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º
72/2008, de 16 de abril, e alterado pela Lei n.º 147/2015, de 9 de setembro.
Artigo 2.º
Definições
Para efeitos da presente lei, entende-se por:
a) «Pessoas que tenham superado situações de risco agravado de saúde», pessoas que comprovadamente
tenham estado em situação de risco agravado de saúde, como definido pela alínea c) do artigo 3.º da Lei n.º
46/2006, de 28 de agosto, e que já não se encontram nesta situação, após a realização de protocolo terapêutico
que seja comprovadamente capaz de limitar significativa e duradouramente os seus efeitos;
b) «Pessoas que tenham superado situação de deficiência», pessoas que comprovadamente tenham estado
em situação de deficiência igual ou superior a 60% e que tenham recuperado as suas estruturas ou funções
psicológica, intelectual, fisiológica ou anatómicas, reduzindo a sua incapacidade abaixo desse limiar;
c) «Pessoas que tenham mitigado situações de risco agravado de saúde ou de deficiência», pessoas que
se encontrem a realizar tratamentos comprovadamente capazes de limitar significativa e duradouramente os
efeitos da sua situação de risco agravado de saúde ou de deficiência;
d) «Consumidor», pessoas na aceção da alínea d) do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23
de junho, que transpõe parcialmente a Diretiva 2014/17/UE, relativa a contratos de crédito aos consumidores
para imóveis destinados a habitação, e da alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de
junho, que transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva 2008/48/CE do Parlamento e do Conselho, de 23
de abril, relativa a contratos de crédito aos consumidores.
Artigo 3.º
Direito ao esquecimento
1 – As pessoas que tenham superado ou mitigado situações de risco agravado de saúde ou de deficiência
têm, na qualidade de consumidor, direito ao esquecimento na contratação de crédito à habitação e crédito aos
consumidores, bem como na contratação de seguros obrigatórios ou facultativos associados aos referidos
créditos, garantindo que:
a) Não podem ser sujeitas a um aumento de prémio de seguro ou exclusão de garantias de contratos de
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seguro;
b) Nenhuma informação de saúde relativa à situação médica que originou o risco agravado de saúde ou a
deficiência pode ser recolhida ou objeto de tratamento pelas instituições de crédito ou seguradores em contexto
pré-contratual.
2 – Nenhuma informação de saúde relativa à situação de risco agravado de saúde ou de deficiência pode
ser recolhida pelas instituições de crédito ou seguradores em contexto pré-contratual desde que tenham
decorrido, de forma ininterrupta:
a) 10 anos desde o término do protocolo terapêutico, no caso de risco agravado de saúde ou deficiência
superada;
b) Cinco anos desde o término do protocolo terapêutico, no caso de a patologia superada ter ocorrido antes
dos 21 anos de idade;
c) Dois anos de protocolo terapêutico continuado e eficaz, no caso de risco agravado de saúde ou deficiência
mitigada.
Artigo 4.º
Alteração à Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto
Os artigos 3.º e 9.º da Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto, passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 3.º
[…]
[…]:
a) […];
b) […];
c) «Pessoas com risco agravado de saúde» pessoas que sofrem de toda e qualquer patologia que determine
uma alteração orgânica ou funcional, de longa duração, evolutiva, potencialmente incapacitante e que altere a
qualidade de vida do portador a nível físico, mental, emocional, social e económico e seja causa potencial de
invalidez precoce ou de significativa redução de esperança de vida;
d) […].
Artigo 9.º
[…]
1 – A prática de qualquer ato discriminatório referido no capítulo II da presente lei ou a violação do acordo
que concretiza o disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, por pessoa singular
constitui contraordenação punível com coima graduada entre 5 e 10 vezes o valor da retribuição mínima mensal
garantida, sem prejuízo do disposto no n.º 5 e da eventual responsabilidade civil ou da aplicação de outra sanção
que ao caso couber.
2 – A prática de qualquer ato discriminatório referido no capítulo II da presente lei ou a violação do acordo
que concretiza o disposto no artigo 15.º-A do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, por pessoa coletiva de
direito privado ou de direito público constitui contraordenação punível com coima graduada entre 20 e 30 vezes
o valor da retribuição mínima mensal garantida, sem prejuízo do disposto no n.º 5 e da eventual responsabilidade
civil ou da aplicação de outra sanção que ao caso couber.
3 – […].
4 – […].
5 – […].»
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Artigo 5.º
Alteração ao regime jurídico do contrato de seguro
Os artigos 15.º e 217.º do regime jurídico do contrato de seguro, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º
72/2008, de 16 de abril, passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 15.º
[…]
1 – […].
2 – São consideradas práticas discriminatórias, em razão da deficiência ou de risco agravado de saúde, as
ações ou omissões, dolosas ou negligentes, que violem o princípio da igualdade, implicando para as pessoas
naquela situação um tratamento menos favorável do que aquele que seja dado a outra pessoa em situação
comparável, nos termos da Lei n.º 46/2006, de 28 de agosto.
3 – No caso previsto no número anterior, as práticas e técnicas de avaliação, seleção e aceitação de riscos
próprias do segurador para efeitos de celebração, execução e cessação do contrato de seguro, que não estejam
proibidas pelo artigo 15.º-A, estão sujeitas a supervisão da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de
Pensões (ASF), devendo ser objetivamente fundamentadas, tendo por base dados estatísticos e atuariais
rigorosos considerados relevantes nos termos dos princípios da técnica seguradora.
4 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, em caso de recusa de celebração de um contrato de seguro
ou de agravamento do respetivo prémio em razão de deficiência ou de risco agravado de saúde, o segurador
deve, com base nos dados obtidos nos termos do número anterior, prestar ao proponente, sem dependência de
pedido nesse sentido, informação sobre o rácio entre os fatores de risco específicos e os fatores de risco de
pessoa em situação comparável mas não afetada por aquela deficiência ou risco agravado de saúde, nos termos
dos n.os 3 a 6 do artigo 178.º.
5 – […].
6 – […].
7 – […].
8 – […].
9 – […].
10 – Na celebração, execução e cessação do contrato de seguro são proibidas as práticas que discriminem
entre a saúde física e mental ou psíquica.
Artigo 217.º
[…]
1 – Em caso de não renovação do contrato ou da cobertura e não estando o risco coberto de forma
proporcional por um contrato de seguro posterior, o segurador não pode, nos dois anos subsequentes e até que
se mostre esgotado o capital seguro no último período de vigência do contrato, recusar as prestações resultantes
de doença manifestada, de outros cuidados de saúde relacionados ou outro facto ocorrido na vigência do
contrato, desde que cobertos pelo seguro.
2 – […].»
Artigo 6.º
Aditamento ao regime jurídico do contrato de seguro
São aditados os artigos 15.º-A e 15.º-B ao regime jurídico do contrato de seguro, aprovado em anexo ao
Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril, com a seguinte redação:
«Artigo 15.º-A
Acordo nacional de acesso ao crédito e a seguros
1 – O Estado celebra e mantém um acordo nacional relativo ao acesso ao crédito e a contratos de seguros
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por parte de pessoas que tenham superado ou mitigado situações de risco agravado de saúde ou de deficiência,
entre este e as associações setoriais representativas de instituições de crédito, sociedades financeiras,
sociedades mútuas, instituições de previdência e empresas de seguros e resseguros, bem como organizações
nacionais que representam pessoas com risco agravado de saúde, pessoas com deficiência e utentes do
sistema de saúde.
2 – O acordo previsto no número anterior tem como objeto:
a) Assegurar o acesso sem discriminação ao crédito à habitação e ao crédito aos consumidores por parte
de pessoas que tenham superado ou mitigado situações de risco agravado de saúde ou de deficiência;
b) Assegurar que as instituições de crédito ou sociedades financeiras tenham em conta os direitos,
liberdades e garantias das pessoas que tenham superado ou mitigado situações de risco agravado de saúde ou
de deficiência;
c) Definir categorias específicas de dados e informações que possam ser exigidas e operações de
tratamento desses dados e informações e das suas garantias de sigilo;
d) Desenvolver um mecanismo de mediação entre os seguradores e as instituições de crédito e as pessoas
que tenham superado ou mitigado situações de risco agravado de saúde ou de deficiência;
e) Definir orientações gerais relativamente à informação a divulgar obrigatoriamente nos sítios da Internet
das instituições de crédito, das sociedades financeiras, das sociedades mútuas, das instituições de previdência
e dos seguradores.
3 – Qualquer pessoa que tenha superado ou mitigado situações de risco agravado de saúde ou de deficiência
tem, na qualidade de consumidor, direito a beneficiar do acordo previsto no n.º 1 na contratação de crédito à
habitação e crédito aos consumidores, bem como na contratação de seguros obrigatórios ou facultativos
associados aos referidos créditos.
4 – Excetuam-se do disposto no número anterior os beneficiários do regime de concessão de crédito
bonificado à habitação a pessoa com deficiência, aprovado pela Lei n.º 64/2014, de 26 de agosto.
5 – O acordo aplica-se a todas as instituições de crédito, sociedades financeiras creditícias, sociedades
mútuas, instituições de previdência e empresas de seguros e resseguros que exerçam atividade em território
português.
6 – Em qualquer caso, o acordo deve garantir o cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º
xx/2021, de xx de xx, [presente Decreto AR] sem prejuízo de poder determinar termos e prazos mais favoráveis
ao consumidor para além dos quais as pessoas que tenham superado ou mitigado situações de risco agravado
de saúde ou de deficiência têm direito ao esquecimento.
7 – O acordo define um procedimento de fixação de uma grelha de referência que permita definir os termos
e prazos referidos no número anterior para cada patologia ou incapacidade, em linha com o progresso
terapêutico, os dados científicos e o conhecimento sobre o risco de saúde, de crédito ou segurador que cada
patologia ou incapacidade represente.
8 – A grelha de referência prevista no número anterior deve ser atualizada a cada dois anos e é pública,
devendo o Estado publicitá-la nos sítios de Internet relevantes.
9 – Os requerentes de contratos de crédito ou de seguro são informados das disposições do direito ao
esquecimento e dos termos deste acordo, em formato e linguagem inteligível para não especialistas, a definir
pelo Conselho Nacional de Supervisores Financeiros (CNSF) em ficha de informação normalizada, devendo o
requerente assinar que tomou conhecimento dessas disposições.
10 – O acordo previsto no n.º 1 pode convencionar um mecanismo de pooling dos custos adicionais
decorrentes da contratação de seguros ou créditos com pessoas que tenham superado ou mitigado situações
de risco de saúde agravado ou de deficiência, sendo este implementado e financiado exclusivamente pelas
instituições privadas.
11 – O acordo previsto no n.º 1 é obrigatoriamente sujeito a parecer preliminar da Comissão Nacional de
Proteção de Dados e da Direção-Geral da Saúde, e publicado em Diário da República e nos sítios da Internet
dos seus signatários.
12 – Na falta de acordo ou na circunstância da sua renúncia, resolução, não prorrogação ou não renovação,
as matérias que este deveria abranger são definidas por decreto-lei, após consulta à Comissão Nacional de
Proteção de Dados, à Direção-Geral da Saúde e ao CNSF.
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13 – Compete ao Banco de Portugal e à ASF, no que respeita aos contratos de crédito e aos contratos de
seguros, respetivamente, a fiscalização do cumprimento do acordo previsto no n.º 1 ou, na sua ausência, do
decreto-lei referido no número anterior.
14 – Compete ao CNSF apresentar ao Ministério das Finanças e à Assembleia da República um relatório
bienal de acompanhamento da execução do acordo previsto no n.º 1 ou, na sua ausência, do decreto-lei referido
no n.º 12.
Artigo 15.º-B
Situações equiparadas
1 – Para efeitos da aplicação do artigo anterior, consideram-se igualmente abrangidas as pessoas que
superaram situações de risco agravado e que, apesar de terem comprovadamente cessado a fase de
tratamentos ativos, ainda tenham de realizar tratamentos coadjuvantes.
2 – Os prazos mencionados no n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º xx/2021, de xx de xx,[presente Decreto AR]
aplicam-se com as devidas adaptações à informação referida na alínea b) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 17.º do
Código do Trabalho.»
Artigo 7.º
Regulamentação
O Governo, no prazo de um ano após a entrada em vigor da presente lei, regulamenta a prestação de
cuidados de saúde relacionados por parte do segurador cessante, nos termos do artigo 217.º do regime jurídico
do contrato de seguro, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de abril.
Artigo 8.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia 1 de janeiro de 2022.
Aprovado em 22 de outubro de 2021.
O Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.