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Quinta-feira, 31 de março de 2022 II Série-A — Número 3

XV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2022-2023)

S U M Á R I O

Projetos de Lei (n.os 13 a 21/XV/1.ª): N.º 13/XV/1.ª (PCP) — Plano estratégico para a soberania alimentar nacional. N.º 14/XV/1.ª (PCP) — Aprova medidas urgentes para a produção de cereais. N.º 15/XV/1.ª (PCP) — Medidas para melhoria do funcionamento da cadeia agroalimentar. N.º 16/XV/1.ª (PCP) — Reduz o preço dos combustíveis através do nível de incorporação de biocombustíveis. N.º 17/XV/1.ª (PCP) — Reduz do IVA da eletricidade e do gás para a taxa reduzida de 6% (alteração ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 394-B/84, de 26 de dezembro). N.º 18/XV/1.ª (PCP) — Fixa um preço de referência para combater a especulação e reduzir os preços dos combustíveis e do GPL. N.º 19/XV/1.ª (PCP) — Alarga o acesso à tarifa regulada de

eletricidade e elimina o seu carácter transitório. N.º 20/XV/1.ª (PCP) — Elimina o chamado «adicional ao ISP» e a dupla tributação dos combustíveis (IVA sobre ISP). N.º 21/XV/1.ª (PAN) — Procede à primeira alteração da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto, que estabelece o direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e o direito à proteção das características sexuais de cada pessoa, e à aprovação da respetiva regulamentação. Projetos de Resolução (n.os 9 e 10/XV/1.ª): N.º 9/XV/1.ª (PCP) — Regime extraordinário de apoio ao gasóleo colorido e marcado por forma a repor o preço praticado em janeiro de 2021. N.º 10/XV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo que ponha fim à discriminação de pessoas trans nos rastreios oncológicos para o cancro de mama, colorretal e de colo do útero.

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PROJETO DE LEI N.º 13/XV/1.ª

PLANO ESTRATÉGICO PARA A SOBERANIA ALIMENTAR NACIONAL

Exposição de motivos

Os resultados do Recenseamento Agrícola 2019 evidenciam a situação do País no que respeita à sua

dependência externa no domínio alimentar, justificando as preocupações e os constrangimentos para os quais

o PCP tem vindo reiteradamente a alertar.

As dificuldades que o sector agrícola e agropecuário nacional atravessa, em particular os sectores da

pequena e média produção, ficam bem patentes no registo da perda de 15,5 mil explorações agrícolas nos

últimos 10 anos e do aumento em 13% da área média das explorações.

A par da liquidação das explorações agrícolas, regista-se um decréscimo de 12% de terras aráveis, com

redução da área de produção de cereais para grão e de área de produção de batata, com aumento de 24% da

área reservada a culturas permanentes e de 14% da área de pastagens.

No que respeita à mão-de-obra agrícola, esta retrai-se 15% com a redução do trabalho familiar, a que se

associa um aumento do trabalho assalariado, muitas vezes de elevada precariedade e em condições

desumanas.

A falta de estratégias e medidas concretas para combater o abandono das atividades agrícolas e

agropecuárias, para incentivar a produção nacional de bens alimentares essenciais, assume, no atual quadro

de crise, cada vez maior relevância, deixando os cidadãos mais vulneráveis.

A falta de capacidade interna em suprir as necessidades de bens alimentares, deixa o País sem mecanismos

eficazes para combater a especulação dos preços dos alimentos, diminuindo de forma acentuada os

rendimentos das famílias, situação que se está já a registar.

O crescente aumento dos preços dos bens alimentares no consumidor e o aumento do custo dos meios de

produção na agricultura e pesca, contribuem para um maior desequilíbrio da balança comercial associada aos

bens alimentares.

Os dados disponíveis para 2021 em matéria de balança comercial de bens alimentares mostra que o balanço

entre as exportações e as importações de produtos do reino vegetal apresenta um défice de cerca de 6,3 milhões

de toneladas (mais 260 mil toneladas que em 2020), dos quais mais de 3,6 milhões correspondem a défice

relativo a cereais, com destaque para o trigo e milho. Em termos económicos, este défice traduz-se em -2056

milhões de euros (quase mais -370 milhões de euros do que em 2020), dos quais cerca de 824 milhões de euros

correspondem ao défice em cereais, dos quais 282 milhões de euros correspondem a trigo e 413 milhões de

euros a milho.

No que se refere aos produtos de origem animal, o défice da balança alimentar atinge quase 0,5 milhões de

toneladas, com o setor piscícola a representar cerca de 42% deste défice. A este défice em produtos associa-

se um défice económico de -2429 milhões de euros dos quais 984 milhões respeitam a produtos piscícolas.

Os dados mais recentes em termos de grau de autoaprovisionamento relativos ao período 2020/2021

evidenciam a dependência alimentar do País, no que respeita a cereais (num total global de 19,4%), variando

entre 5% no caso do trigo e 68% para a aveia.

Os dados de autoaprovisionamento relativos a 2019/2020 (os mais recentes para um conjunto alargado de

produtos) mostram igualmente a acentuada dependência em termos de óleo de girassol (4%), leguminosas

(18%), batata (48%), carne de bovino (55%) e leites acidificados incluindo iogurtes (53%).

Um país que não assume como prioridade a produção primária para assegurar, em níveis razoáveis, a

satisfação da necessidade imediata de alimentar as populações, é um país em que está posta em causa a sua

soberania.

Tem contribuído para esta situação o crescente aumento do custo dos fatores de produção, que não se

refletem no preço pago ao produtor pelos seus produtos. A diminuição do rendimento dos agricultores,

produtores pecuários e pescadores, põe em causa a continuação da sua atividade, prosseguindo o caminho do

cada vez maior desequilíbrio da balança comercial associada aos bens alimentares.

A situação atual da produção agroalimentar nacional requer a adoção de medidas urgentes que invertam o

sentido de dependência a que se assiste, impondo-se o investimento em conhecimento e promoção de espécies

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autóctones, adaptadas às condições do País, aos desafios das alterações climáticas e da produção sustentável

e às suas necessidades alimentares.

Importa preservar o uso dos solos mais produtivos para a prática agrícola e assim melhorar os níveis de

autoaprovisionamento de alimentos.

No caso particular dos cereais, não se pode deixar de referir que com o desmantelamento da EPAC e com

as dificuldades criadas à produção e armazenamento dos cereais, perderam-se sementes e conhecimento,

instalando-se a descrença nesta produção, ocupando-se as terras com outras culturas e em especial

monoculturas, com os perigos de desertificação dos solos, de contaminação por agroquímicos e vulnerabilidade

a pragas que os modos agrícolas superintensivos acarretam.

Apoiar o setor da pesca, incentivando e expandindo o exercício desta atividade, com garantia de rendimentos

dignos aos seus trabalhadores e condições de trabalho em segurança, são também desafios que se colocam e

cuja resposta é urgente, para o combate aos desequilíbrios da balança alimentar nacional.

Assegurar rendimentos justos à produção e impedir a destruição de valor ao longo da cadeia alimentar, são

aspetos fundamentais para incentivar a produção e reequilibrar a balança alimentar.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República e da alínea b) do n.º 1 do

artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados, abaixo assinados, do Grupo Parlamentar

do PCP apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei estabelece um plano estratégico para a soberania alimentar nacional, instrumento de

planeamento dos programas e medidas necessárias para dotar o País de capacidade de aprovisionamento e de

acesso a bens alimentares e combater desequilíbrios acentuados na balança alimentar nacional.

Artigo 2.º

Âmbito e objetivos

1 – O plano referido no artigo 1.º inclui a consideração de, pelo menos, os seguintes aspetos:

a) Caracterização da capacidade produtiva nacional de bens alimentares;

b) Caracterização do consumo e identificação das necessidades de aprovisionamento de bens alimentares

para garantia da soberania alimentar do País;

c) Medidas de incentivo à produção alimentar nacional e combate ao desequilíbrio da Balança Alimentar.

2 – O Governo cria um grupo de trabalho para o desenvolvimento do plano e estabelecimento das medidas

de incentivo à produção alimentar nacional.

Artigo 3.º

Constituição do Grupo de Trabalho para a Soberania Alimentar

1 – Para a execução dos trabalhos e tarefas a desenvolver no âmbito do plano estratégico para a soberania

alimentar nacional é constituído um grupo de trabalho para a soberania alimentar, tal como referido no n.º 2 do

artigo 2.º da presente lei.

2 – O grupo de trabalho referido no número anterior é composto por elementos designados pelas seguintes

entidades:

a) Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR);

b) Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM);

c) Ministério da Coesão Territorial;

d) Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária, IP (INIAV);

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e) Instituto Português do Mar e da Atmosfera, IP (IPMA);

f) Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regionais (CCDR);

g) Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF);

h) Instituto Nacional de Estatística (INE);

i) Um representante de cada uma das Confederações Agrícolas representativas dos pequenos e médios

agricultores e produtores pecuários;

j) Um representante das associações de proprietários das embarcações de pesca, para cada segmento de

pesca, designadamente pesca polivalente, pesca do cerco e pesca de arrasto;

k) Um representante da Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas (CPPME);

l) Um representante dos trabalhadores da agricultura;

m) Um representante dos trabalhadores da pesca;

n) Um representante dos trabalhadores da indústria alimentar.

Artigo 4.º

Caracterização da capacidade produtiva e potencial produtivo de bens alimentares

1 – Para cada região NUT II é elaborada uma carta de aptidão agrícola em que, com base no reconhecimento

dos solos e das características edafoclimáticas no território abrangido, são identificadas as áreas de boa aptidão

agrícola para a produção de diferentes culturas, em especial as culturas cerealíferas.

2 – Para cada região NUT II é elaborada uma carta de potencial de pesca, tendo em conta o reconhecimento

dos recursos de pesca, dos «stocks» existentes e dos condicionantes para a sua salvaguarda.

3 – Para cada região NUT II é realizado o inventário anual de agricultores, produtores agropecuários,

pescadores e unidades industriais do sector alimentar existentes, incluindo a respetiva identificação, a tipologia

de produtos produzidos e a capacidade produtiva instalada.

4 – Considerando a informação constante das cartas de aptidão agrícola referidas no n.º 1, das cartas de

potencial de pesca referidas no n.º 2 e os dados do inventário referido no n.º 3 são elaboradas cartas de potencial

produtivo para cada região NUT II, tendo em conta os diferentes tipos de bens alimentares, diferentes modos de

produção, infraestruturas/recursos necessários e condicionantes ambientais a salvaguardar.

5 – Os elementos constantes do descrito nos n.os 1, 2, 3 e 4 do presente artigo, são executados pelo grupo

de trabalho constituído para o efeito e coligidos em relatório de caracterização nacional da capacidade produtiva

e potencial produtivo de bens alimentares, com atualizações anuais.

Artigo 5.º

Caracterização do consumo de bens alimentares e do seu grau de autoaprovisionamento

1 – Para cada região NUT II é realizada a caracterização do consumo anual de bens alimentares, agregando

informação relativa à tipologia de produtos, local de origem, valor nutricional e correspondente produção

nacional.

2 – Para cada tipologia de produtos são determinadas as capacidades nacionais e regionais anuais de

autoaprovisionamento de bens alimentares e sua influência para a sustentabilidade da balança alimentar

nacional.

3 – Considerando a informação recolhida nos n.os 1 e 2 do presente artigo e os elementos constantes das

cartas de potencial produtivo referidas no n.º 3 do artigo 4.º, são estabelecidos objetivos de produção nacional

para os produtos alimentares essenciais a que corresponda grande desequilíbrio na balança alimentar e para

os quais se associe um potencial produtivo nacional capaz de atenuar os desequilíbrios de

autoaprovisionamento.

4 – Os elementos elaborados de acordo com o descrito nos n.os 1, 2 e 3 do presente artigo, são coligidos em

relatório de caracterização nacional do consumo de bens alimentares e grau de autoaprovisionamento, com

atualizações anuais.

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Artigo 6.º

Promoção da produção nacional de bens alimentares e combate ao desequilíbrio da Balança

Alimentar Nacional

1 – É promovida a proteção e salvaguarda dos solos com boa aptidão agrícola para a produção de diferentes

culturas essenciais identificados nas cartas de potencial produtivo, em particular a cultura de cereais, integrando-

os no regime da Reserva Agrícola Nacional (RAN) e condicionando a sua utilização para outros fins, ficando

esta dependente de parecer favorável vinculativo da Entidade que tutela a RAN.

2 – É estabelecido um programa de investigação e desenvolvimento, incluindo medidas com vista à

recuperação e utilização de variedades de sementes tradicionais autóctones, o estabelecimento de práticas

produtivas melhor adaptadas aos condicionalismos ambientais e aos cenários previsíveis de alteração do clima,

assentes numa utilização racional dos recursos – água e solo – e melhor preparadas para resistir ao ataque de

agentes bióticos.

3 – É promovida a certificação das variedades desenvolvidas no âmbito do programa de investigação e

desenvolvimento referido no n.º 2, que venham a demonstrar interesse em termos produtivos e de qualidade,

sendo assegurada sua inscrição no Catálogo Nacional de Variedades.

4 – É assegurada a criação de uma reserva pública nacional de sementes capaz de, em situações de

contingência do mercado de sementes, permitir aos agricultores o acesso a este material para garantia das

sementeiras.

5 – É criado um regime específico de apoio e incentivo à produção nacional de bens alimentares

considerados essenciais, para os quais se identifiquem desequilíbrios acentuados na balança alimentar, tendo

em conta os elementos constantes do relatório de caracterização nacional do consumo de bens alimentares e

grau de autoaprovisionamento.

6 – É criada uma rede mínima de pequenos e médios agricultores/produtores de espécies autóctones, com

destaque para os cereais autóctones, que desenvolvam a atividade optando por sistemas produtivos

ambientalmente mais sustentáveis.

7 – É promovida a proteção e salvaguarda da atividade da pesca local e costeira, garantindo o acesso pleno

aos mares e aos recursos haliêuticos neles existentes e assegurando a sua exploração sustentada.

Artigo 7.º

Regime específico de apoio e incentivo à produção nacional de bens alimentares prioritários

1 – É estabelecida, de acordo com os elementos constantes do relatório de caracterização nacional do

consumo de bens alimentares e grau de autoaprovisionamento, uma lista prioritária de bens alimentares

essenciais considerados de produção prioritária em termos de combate ao desequilíbrio da balança alimentar

nacional abrangidos pelo regime específico de apoio e incentivo à produção nacional.

2 – A lista prioritária de bens alimentares essenciais incluiu, pelo menos, os seguintes elementos:

a) cereais, com particular destaque para o trigo;

b) leguminosas;

c) batata;

d) produtos transformados de leite, nomeadamente iogurtes e queijo;

e) carne de bovino;

f) óleos vegetais, em especial de girassol.

3 – Para a produção dos bens alimentares agrícolas e pecuários constantes da lista prioritária referida no n.º

1, são criadas medidas específicas de apoio a pequenos e médios agricultores e produtores pecuários,

nomeadamente:

a) simplificação dos processos de pedido de apoios no âmbito das ajudas da PAC;

b) ajudas à produção e acesso de agricultores, cooperativas agrícolas e pequenos comerciantes de bens

agroalimentares a linhas de crédito bonificadas e a longo prazo (15 anos) destinadas ao investimento na

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produção nacional;

c) apoio para a manutenção, reparação e renovação de equipamentos e máquinas agrícolas, de prestação

de serviços veterinários, de formação profissional específica e de ajuda técnica à atividade agrícola;

d) apoio específico dedicado à produção de espécies e raças autóctones em regime extensivo e ao seu

escoamento a preços justos à produção;

4 – É criado um incentivo dedicado ao estabelecimento de unidades de transformação de leite,

nomeadamente para a produção em território nacional de produtos lácteos acidificados e queijo.

5 – Para incentivo à produção de bens alimentares provenientes da pesca, constantes da lista prioritária

referida no n.º 1, são criadas medidas específicas de apoio à pequena pesca local e costeira, incluindo:

a) apoio ao rendimento dos trabalhadores da pesca, instituindo um regime de preços mínimos garantidos

do pescado, no âmbito da primeira venda em lota;

b) apoio à renovação da frota destinado a melhorar as condições de exercício da atividade piscatória,

promovendo, entre outros aspetos, a eficiência energética das embarcações de pesca;

c) apoio à aquisição de equipamentos de proteção individual e de dispositivos de localização individual em

caso de queda ao mar para os trabalhadores da pesca local e costeira.

Artigo 8.º

Reserva Estratégica Alimentar

1 – É criada a empresa pública de reserva estratégica alimentar, com o objetivo de criar, gerir e manter a

reserva nacional de bens alimentares prioritários.

2 – São incluídos na reserva nacional de bens alimentares, pelo menos, os seguintes produtos:

a) trigo;

b) leguminosas;

c) batata;

d) queijo;

e) carne de bovino (de conservação);

f) óleo de girassol.

3 – A dimensão e distribuição de produtos incluídos na reserva nacional de bens alimentares prioritários são

estabelecidas em base semestral, tendo como objetivo assegurar graus de autoaprovisionamento nacionais de

bens alimentares prioritários superiores a 50%.

4 – A reserva nacional de bens alimentares prioritários é constituída, sempre que possível, por produtos

provenientes da pequena e média agricultura, da pesca local e costeira e da pequena e média indústria

agroalimentar.

Artigo 9.º

Estatuto da Agricultura Familiar

1 – No acesso às medidas específicas de apoio a pequenos e médios agricultores e produtores pecuários

incluídas no regime específico de apoio e incentivo à produção nacional de bens alimentares prioritários, referido

no artigo 7.º, têm prioridade os agricultores beneficiários do Estatuto da Agricultura Familiar.

2 – Na constituição da reserva nacional de bens alimentares prioritários é dada prioridade, sempre que

possível, à aquisição de produtos provenientes de beneficiários do Estatuto da Agricultura Familiar.

Artigo 10.º

Informação, monitorização e seguimento do Plano

1 – A informação recolhida e produzida no âmbito do plano é centralizada em base de dados compartilhada

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entre os diferentes serviços regionais dos ministérios que tutelam as áreas da agricultura, das pescas, da coesão

territorial e da economia.

2 – Anualmente são elaborados relatórios síntese para avaliar a capacidade nacional e regional de

aprovisionamento de bens alimentares, a capacidade produtiva instalada e sua relação face à capacidade

produtiva potencial e identificação das situações de maior dependência e fragilidade nacional em termos

alimentares, os quais serão remetidos à Assembleia da República para conhecimento.

3 – Anualmente serão identificadas as medidas a tomar para combater as situações de desequilíbrio

acentuado na balança alimentar nacional, as quais devem ser consideradas em cada Orçamento do Estado.

Artigo 11.º

Prazos

1 – O Governo, no prazo de 45 dias após a publicação da presente lei, toma as medidas necessárias para a

constituição do grupo de trabalho para a soberania alimentar referido no artigo 3.º e para o desenvolvimento do

plano.

2 – O Governo, no prazo de 60 dias após a publicação da presente lei, procede à sua regulamentação e às

adaptações legislativas necessárias à sua implementação.

3 – Até 31 de dezembro de 2022 o Governo assegura a elaboração, ainda que preliminar, da caracterização

dos aspetos referidos no artigo 4.º e no artigo 5.º da presente lei.

4 – Até 31 de dezembro de 2022 o Governo assegura a criação, constituição e regulamentação da empresa

pública de reserva estratégica alimentar.

5 – Até 31 de março de 2023 é apresentada a versão para apreciação pública do plano, a plataforma

informática para partilha e acesso à informação resultante do plano, os primeiros relatórios síntese e o relatório

preliminar de atividades da empresa pública de reserva estratégica alimentar.

Artigo 12.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, 31 de março de 2022.

Os Deputados do PCP: João Dias — Alma Rivera — Paula Santos — Bruno Dias — Jerónimo de Sousa —

Diana Ferreira.

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PROJETO DE LEI N.º 14/XV/1.ª

APROVA MEDIDAS URGENTES PARA A PRODUÇÃO DE CEREAIS

Exposição de motivos

Os resultados do Recenseamento Agrícola 2019 evidenciam a situação do País no que respeita à sua

dependência externa no domínio alimentar, justificando as preocupações e os constrangimentos para os quais

o PCP tem vindo reiteradamente a alertar.

As dificuldades que atravessa o sector agrícola e agropecuário nacional, em particular os sectores da

pequena e média produção, ficam bem patentes no registo da perda de 15,5 mil explorações agrícolas nos

últimos 10 anos e do aumento em 13% da área média das explorações.

A par da liquidação das explorações agrícolas, regista-se um decréscimo de 12% de terras aráveis, com

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redução da área de produção de cereais para grão e de área de produção de batata, com aumento de 24% da

área reservada a culturas permanentes e de 14% da área de pastagens.

No que respeita à mão-de-obra agrícola, esta retrai-se 15% com a redução do trabalho familiar, a que se

associa um aumento do trabalho assalariado, muitas vezes de elevada precariedade e em condições

desumanas.

A falta de estratégias e medidas concretas para combater o abandono das atividades agrícolas e

agropecuárias, para incentivar a produção nacional de bens alimentares essenciais, assume, no atual quadro

de crise, cada vez maior relevância, deixando os cidadãos mais vulneráveis.

A falta de capacidade interna em suprir as necessidades de bens alimentares deixa o País sem mecanismos

eficazes para combater a especulação dos preços dos alimentos, diminuindo de forma acentuada os

rendimentos das famílias, situação que se está já a registar.

O crescente aumento dos preços dos bens alimentares no consumidor e o aumento dos custos dos meios

de produção na agricultura, contribuem para um maior desequilíbrio da balança comercial associada aos bens

alimentares.

Os dados disponíveis para 2021 em matéria de balança comercial de bens alimentares mostra que o balanço

entre as exportações e as importações de produtos do reino vegetal apresenta um défice de cerca de 6,3 milhões

de toneladas (mais 260 mil toneladas que em 2020), dos quais mais de 3,6 milhões de toneladas correspondem

a défice relativo a cereais, com destaque para o trigo e milho. Em termos económicos, este défice traduz-se em

-2056 milhões de euros (quase mais -370 milhões de euros do que em 2020), dos quais cerca de 824 milhões

de euros correspondem ao défice em cereais, dos quais 282 milhões de euros correspondem a trigo e 413

milhões de euros a milho.

A este respeito não é alheio o aumento da cotação do trigo e do milho nos mercados internacionais, dos

quais Portugal é dependente. Nesta matéria, os elementos disponibilizados pelo Banco Mundial mostram que o

preço do milho aumentou no último ano 13% e o trigo apresentou um aumento de preço de 32% entre fevereiro

e novembro de 2021, acentuando a sua subida no atual quadro internacional.

Os dados mais recentes em termos de grau de autoaprovisionamento relativos ao período 2020/2021

evidenciam a dependência alimentar do País, em especial no que respeita a cereais (num total global de 19,4%),

sendo o trigo aquele que apresenta valores mais preocupantes – grau de autoaprovisionamento de 6,4%. Esta

situação deixa Portugal numa situação particularmente frágil, que se tem materializado no aumento do custo de

bens alimentares essenciais, nomeadamente o pão, que no último ano aumentou em quase 5,41 pontos o Índice

Harmonizado de Preços no Consumidor.

No caso particular dos cereais, não se pode deixar de referir que com o desmantelamento da EPAC e com

as dificuldades criadas à produção e armazenamento dos cereais, perderam-se sementes e conhecimento,

instalando-se a descrença nesta produção, ocupando-se as terras com outras culturas e em especial

monoculturas, com os perigos de desertificação dos solos, de contaminação por agroquímicos e vulnerabilidade

a pragas que os modos agrícolas superintensivos acarretam.

Implementar um conjunto de medidas concretas capazes de recuperar a produção nacional de cereais, com

particular destaque para as variedades autóctones, é fundamental para contrariar o ciclo de dependência

alimentar face ao exterior e contribuir para a recuperação da soberania neste domínio.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República e da alínea b) do n.º 1 do

artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados, abaixo assinados, do Grupo Parlamentar

do PCP apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei estabelece medidas de emergência para os cereais, necessárias para incentivar a sua

produção nacional, combater o desequilíbrio acentuado na balança alimentar nacional e incrementar o nível do

seu aprovisionamento.

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Artigo 2.º

Âmbito e objetivos

1 – As medidas de emergência para os cereais, com particular destaque para o trigo e milho, visam atingir

os seguintes objetivos:

a) Aumentar a capacidade instalada para a produção de cereais em território nacional;

b) Assegurar o escoamento da produção nacional de cereais, a preços justos à produção;

c) Melhorar e criar novos mecanismos de aprovisionamento de cereais reativando estruturas existentes para

o efeito e assumindo as parcerias necessárias com o sector privado e cooperativo.

Artigo 3.º

Aumento da capacidade instalada para a produção de cereais

1 – Para cada região NUT II é elaborada uma carta de aptidão agrícola em que, com base no reconhecimento

dos solos e das características edafoclimáticas no território abrangido e dos dados de produtividade conhecidos,

são identificadas as áreas de boa aptidão agrícola para a produção de culturas cerealíferas.

2 – Para as áreas identificadas a que se associa boa aptidão agrícola para a produção de cereais, em

especial o trigo e o milho, são estabelecidas medidas preventivas que assegurem a proteção e salvaguarda

destes solos, integrando-os no regime da Reserva Agrícola Nacional (RAN) e condicionando a sua utilização

para outros fins, ficando esta dependente de parecer favorável vinculativo da Entidade que tutela a RAN.

3 – É criado um regime específico de apoio e incentivo à instalação de culturas cerealíferas e à reconversão

cultural, quando essa reconversão se destine a criar novas áreas de produção de cereais.

4 – Os apoios e incentivos que vierem a ser estabelecidos para a produção nacional de cereais, tal como

referido no número anterior, beneficiam de um regime de majoração, nos casos em que a produção se refira a

trigo e/ou milho.

5 – É criada uma linha de apoio dedicada à produção de cereais autóctones que permitam aos pequenos e

médios agricultores optar por sistemas produtivos ambientalmente mais sustentáveis.

Artigo 4.º

Regime específico de apoio e incentivo à produção nacional de cereais

1 – O regime específico de apoio e incentivo à produção nacional de cereais inclui, designadamente, as

seguintes medidas específicas de apoio:

a) simplificação dos processos de pedido de apoios no âmbito das ajudas da PAC e majoração das ajudas

para a produção de cereais, em especial trigo e milho;

b) ajudas à produção e acesso de agricultores e cooperativas agrícolas a linhas de crédito bonificadas e a

longo prazo, de 15 anos, destinadas ao investimento na produção de cereais;

c) apoio para formação profissional específica e de ajuda técnica à atividade agrícola de produção de

cereais;

d) apoio específico para a reconversão de culturas permanentes intensivas e superintensivas para a

produção de cereais.

e) apoio específico dedicado à produção de espécies de cereais autóctones e ao seu escoamento a preços

justos à produção.

2 – Os pequenos e médios agricultores e produtores pecuários e os beneficiários do Estatuto da Agricultura

Familiar, beneficiam de majorações de 25% em todos os apoios previstos ao abrigo da presente lei.

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Artigo 5.º

Recolha e aprovisionamento de cereais

1 – É criada a empresa pública de recolha e aprovisionamento de cereais, a partir das estruturas da

SILOPOR, S.A., com o objetivo de criar, gerir e manter uma reserva destes bens alimentares, capaz de

assegurar graus de autoaprovisionamento superiores a 50%.

2 – Os trabalhadores, quer com vínculo permanente, quer com vínculo temporário à SILOPOR, S.A.,

transitam para a nova empresa pública de recolha e aprovisionamento de cereais, em regime de vínculo efetivo

e assegurando todos os direitos e antiguidade no posto de trabalho.

3 – Para concretizar os objetivos referidos no n.º 1 do presente artigo, são ainda criadas as estruturas

necessárias, através da reativação de estruturas existentes e assumindo as parcerias necessárias para o efeito

com o sector privado e cooperativo;

4 – A reserva nacional de cereais é constituída, sempre que possível, por produtos provenientes da pequena

e média agricultura e da agricultura familiar.

Artigo 6.º

Reforço das estruturas do Ministério da Agricultura

O Governo estabelece, inserido nas estruturas do Ministério da Agricultura e da Alimentação, um serviço

dedicado ao apoio técnico aos agricultores para promover a produção de cereais.

Artigo 7.º

Monitorização e Seguimento

1 – O Governo, através do Ministério da Agricultura e da Alimentação, faz a monitorização e seguimento dos

efeitos da aplicação da presente lei na produção nacional de cereais, nos graus de autoaprovisionamento destes

produtos e nos rendimentos garantidos aos produtores.

2 – Para os efeitos do número anterior, o Governo através do Ministério da Agricultura, remete anualmente

à Assembleia da República, até 31 de dezembro de cada ano, um relatório que integre a informação relativa à

monitorização e seguimento referido no número anterior, bem como dos incentivos e apoios atribuídos em cada

ano.

Artigo 8.º

Prazos

1 – O Governo, no prazo de 30 dias após a publicação da presente lei, procede à sua regulamentação e às

adaptações legislativas necessárias à sua implementação.

2 – Até 31 de dezembro de 2022 o Governo assegura a elaboração e publicação dos aspetos referidos nos

n.os 1 e 2 do artigo 3.º da presente lei.

3 – Até 31 de junho de 2022 o Governo assegura a criação, constituição e regulamentação da empresa

pública de recolha e aprovisionamento de cereais, a partir da SILOPOR, S.A.

Artigo 9.º

Medidas Transitórias

No prazo de um mês, a partir da entrada em vigor da presente lei, o Governo anuncia os apoios específicos

para garantir, no ano de 2022, a ampliação da área de produção de cereais, em pelo menos 10% relativamente

a 2021.

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Artigo 10.º

Norma revogatória

É revogado o Decreto-Lei n.º 188/2001, de 25 de junho, que regula o processo de liquidação da SILOPOR –

Empresa de Silos Portuários, S.A.

Artigo 11.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, 31 de março de 2022

Os Deputados do PCP: João Dias — Alma Rivera — Paula Santos — Bruno Dias — Jerónimo de Sousa —

Diana Ferreira.

——

PROJETO DE LEI N.º 15/XV/1.ª

MEDIDAS PARA MELHORIA DO FUNCIONAMENTO DA CADEIA AGROALIMENTAR

Exposição de motivos

A defesa dos setores produtivos nacionais, nomeadamente do sector agrícola e pecuário, é fundamental para

assegurar a soberania alimentar, o que só se conseguirá com o incentivo ao aumento da atividade agrícola, ao

aumento da produção num modelo diversificado multicultural e em condições que assegurem rendimentos

dignos aos agricultores e produtores pecuários.

Nesta matéria, defender e valorizar a pequena e média agricultura e a agricultura familiar é fundamental pela

importância estratégica que assume para a produção nacional, para a qualidade e para a soberania alimentar,

para a ocupação harmoniosa do território, para a defesa do meio ambiente, da floresta e do mundo rural, para

a coesão económica e social em vastas regiões.

Contudo, os resultados do mais recente Recenseamento Agrícola – RA2019 – evidenciam a situação crítica

do país no que respeita à sua dependência externa no domínio alimentar.

As dificuldades que atravessa o sector agrícola e agropecuário nacional, em particular os sectores da

pequena e média produção, ficam bem patentes no registo da perda de 15,5 mil explorações agrícolas nos

últimos 10 anos e do aumento em 13% da área média das explorações.

A par da liquidação das explorações agrícolas, regista-se um decréscimo de 12% de terras aráveis, com

redução da área de produção de cereais para grão e de área de produção de batata, com aumento de 24% da

área reservada a culturas permanentes e de 14% da área de pastagens.

No que respeita à mão-de-obra agrícola, esta retrai-se 15% com a redução do trabalho familiar, a que se

associa um aumento do trabalho assalariado, muitas vezes de elevada precariedade e em condições

desumanas.

A falta de estratégias e medidas concretas para combater o abandono das atividades agrícolas e

agropecuárias, para incentivar a produção nacional de bens alimentares essenciais, assume, no atual quadro

de crise, cada vez maior relevância, deixando produtores e cidadãos mais vulneráveis.

Os dados disponíveis para 2021, em matéria de balança comercial de bens alimentares, mostra que o

balanço entre as exportações e as importações de produtos do reino vegetal apresenta um défice de cerca de

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6,3 milhões de toneladas (mais 260 mil toneladas que em 2020), dos quais mais de 3,6 milhões de toneladas

correspondem a défice relativo a cereais, com destaque para o trigo e milho. Em termos económicos, este défice

traduz-se em -2056 milhões de euros (quase mais -370 milhões de euros do que em 2020), dos quais cerca de

824 milhões de euros correspondem ao défice em cereais.

No que se refere aos produtos de origem animal, o défice da balança alimentar atinge quase 0,5 milhões de

toneladas, com o setor agropecuário a representar cerca de 58% deste défice, que em termos económicos

representa -1445 milhões de euros.

O crescente aumento dos custos dos fatores de produção, que não se refletem no preço pago ao produtor

pelos seus produtos, contribuiu para diminuir o rendimento dos agricultores e produtores pecuários, pondo em

causa a continuação da sua atividade, prosseguindo o caminho do cada vez maior desequilíbrio da balança

comercial associada aos bens alimentares.

Assegurar rendimentos justos à produção e tomar medidas para melhorar o funcionamento da cadeia

agroalimentar no País, são aspetos fundamentais para incentivar a produção e reequilibrar a balança alimentar.

Se os agricultores tiverem garantia do escoamento das suas produções a preço justo e compensador, lançarão

as sementes à terra e continuarão a exercer as atividades agropecuárias.

Porém, os dados mais atualizados apontam para que o aumento do custo dos fatores de produção não seja

acompanhado do aumento dos preços pagos aos produtores pelos seus produtos, diminuindo os seus

rendimentos.

A comparação dos dados relativos ao índice de preços dos meios de produção na agricultura, para 2020 e

2021 mostra uma subida anual de 53% no caso dos adubos e corretivos do solo, de 21% no que respeita à

alimentação animal e de 15% em termos de energia e lubrificantes, com os restantes fatores de produção a

aumentarem em menor intensidade, apresentando variações entre 15 e 6%. Se se comparem os dados relativos

ao mês de dezembro, esta variação acentua-se, com os custos relativos a adubos e corretivos do solo, a

alimentação animal e a energia e lubrificantes, a aumentarem, respetivamente, 166%, 53% e 25%.

Contudo, como já referido, os preços pagos ao produtor não acompanharam o aumento dos custos de

produção, verificando-se que o aumento anual do índice de preços de produtos agrícolas no produtor, entre

2020 e 2021 foi em média de 6%, com o maior aumento a ser de 16%, relativo a batata, azeite e ovos. Quanto

à comparação dos valores relativos ao mês de dezembro, o aumento médio do índice cifra-se em 3%, com os

maiores aumentos (35%) a ocorrerem no caso de ovinos e caprinos, seguindo-se os sectores dos ovos (32%) e

do azeite (20%). Destaca-se que para batatas, produtos hortícolas frescos e frutas, a variação dos preços pagos

ao produtor foi de, respetivamente, -14%, -4% e 0,3%.

Já no que se refere ao índice harmonizado de preços no consumidor, entre dezembro de 2020 e dezembro

de 2021, o aumento foi também de 3% para os produtos alimentares, com o registo de um aumento de 4% no

caso dos produtos hortícolas, quando o índice dos preços pagos ao produtor diminuiu 14%.

Os dados apresentados evidenciam que são os produtores de bens alimentares que acomodam, na quase

totalidade, o aumento dos custos de produção, não beliscando os lucros obtidos pelos grupos económicos que

controlam a grande distribuição.

Estes elementos vêm demonstrar a necessidade de se adotarem medidas urgentes que melhorem o

funcionamento da cadeia agroalimentar, assegurando por um lado rendimentos justos na produção, sem que tal

se traduza num aumento significativo do custo final dos bens alimentares, comprometendo o rendimento das

famílias.

A regulação justa do funcionamento da cadeia agroalimentar é um dos aspetos que pode contribuir

decisivamente para o aumento do número de produtores agrícolas e agropecuários, aumentando os níveis da

produção nacional de bens alimentares, no sentido de inverter a dependência alimentar do país face ao exterior.

Um país que não assume como prioridade a produção primária como forma de assegurar, em níveis

razoáveis, a satisfação desta necessidade imediata das populações, é um país em que está posta em causa a

sua soberania.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República e da alínea b) do n.º 1 do

artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados, abaixo assinados, do Grupo Parlamentar

do PCP apresentam o seguinte projeto de lei:

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Artigo 1.º

Objeto

A presente lei tem como finalidade estabelecer medidas para melhorar o funcionamento da cadeia

agroalimentar, reduzindo o desequilíbrio das relações comerciais entre os seus diversos operadores, impedindo

a destruição de valor ao longo da cadeia agroalimentar, regulando ainda o preço a cobrar ao consumidor.

Artigo 2.º

Âmbito

1 – A presente lei aplica-se às relações comerciais estabelecidas entre os operadores que em Portugal

intervêm na cadeia agroalimentar, desde a produção à distribuição e consumo final.

2 – São excluídas da aplicação do estabelecido no artigo 9.º da presente Lei as pessoas singulares ou

coletivas que tenham como atividade a venda de produtos alimentares ao consumidor final, com um volume de

negócios inferior a dois milhões de euros.

Artigo 3.º

Definições

1 – Para os efeitos da presente lei entende-se por:

a) «Cadeia agroalimentar» – o conjunto de atividades realizadas por diferentes operadores envolvidos na

produção, transformação e distribuição de produtos agrícolas e alimentares, excluindo as atividades de

transporte e empresas hoteleiras e de restauração e as empresas de serviços de alojamento com um volume

de negócios inferior a dois milhões de euros.

b) «Setor alimentar» – o conjunto dos sectores produtivos onde se inclui a agricultura, pecuária, silvicultura

e pesca, bem como o processamento e distribuição dos seus produtos.

c) «Operador» – a pessoa singular ou coletiva do sector alimentar, incluindo sociedades de compra e venda

que exerça qualquer atividade económica no domínio da cadeia agroalimentar, não sendo os consumidores

finais considerados operadores da cadeia agroalimentar.

d) «Produtor primário» – a pessoa singular ou coletiva cuja atividade principal se inclua na produção agrícola,

pecuária, florestal ou pesca.

e) «Produtos agrícolas e alimentícios» – qualquer substância ou produto destinado a ser ingerido por

humanos ou com razoável probabilidade de o ser, quer tenham sido ou não, total ou parcialmente transformados.

f) «Produtos agrícolas e alimentares perecíveis» – produtos agrícolas e géneros alimentícios que, pela sua

natureza ou pela fase de transformação em que se encontram, necessitam de conservação em condições de

temperatura regulada nos 30 dias seguintes à sua coleta, produção ou transformação.

g) «Comprador» – pessoa singular ou coletiva, ou entidade pública que, independentemente do seu local de

estabelecimento, compre produtos agrícolas e alimentares.

h) «Custo efetivo de produção» – total dos custos assumidos pelo produtor para desenvolver a sua atividade,

incluindo, entre outros, o custo de sementes, de fertilizantes, produtos fitossanitários, pesticidas, combustível e

energia, maquinaria, reparações, custos de irrigação, alimentação animal, despesas veterinárias, reembolsos,

juros de empréstimos e produtos financeiros, trabalho contratado e mão-de-obra assalariada ou fornecida por

empregados, ou pelo próprio produtor ou por membros da sua unidade familiar.

i) «Contrato» – instrumento de regulação de compra e venda dos produtos alimentares, livremente acordado

pelas partes, de acordo com as regras legais em vigor.

Artigo 4.º

Grupo de Trabalho para definição de custos base de produção e regulação de preços no

consumidor

1 – É constituído um grupo de trabalho, sob responsabilidade dos ministérios que tutelam as áreas da

agricultura, pescas e economia, para desenvolver os trabalhos destinados a estabelecer o quadro de base dos

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custos de produção efetivos dos produtos alimentares, para cada ciclo produtivo, e regulação de preços dos

bens alimentares no consumidor.

2 – O grupo de trabalho referido no número anterior é composto por elementos designados pelas seguintes

entidades:

a) Presidente do Observatório dos Mercados Agrícolas, que preside;

b) Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR);

c) Serviço de Informação dos Mercados Agrícolas (SIMA);

d) Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM);

e) Direção-Geral do Consumidor;

f) DOCAPESCA – Portos e Lotas, S.A.;

g) Dois representantes de cada uma das confederações agrícolas representativas dos pequenos e médios

agricultores e produtores pecuários;

h) Dois representantes das associações de proprietários das embarcações de pesca, para cada segmento

de pesca, designadamente pesca polivalente, pesca do cerco e pesca de arrasto;

i) Dois representantes da Confederação Portuguesa das Micro, Pequenas e Médias Empresas (CPPME);

j) Um representante dos trabalhadores da agricultura;

k) Um representante dos trabalhadores da pesca;

l) Um representante dos trabalhadores da indústria alimentar.

3 – Para cada ciclo produtivo o grupo de trabalho referido no n.º 1 apresenta o valor de referência para o

custo efetivo de produção dos produtos alimentares, bem como os valores considerados nos diversos

pressupostos e elementos utilizados na base da sua determinação.

Artigo 5.º

Contratos

1 – As relações comerciais, mormente as de carácter duradouro, devem ser reduzidas a escrito em formato

de contrato, de acordo com as regras em vigor.

2 – No contrato deve estar inscrito, para além da identificação dos intervenientes, as quantidades e a forma

de formação dos preços, os locais e métodos de entrega, bem como os métodos e os prazos de pagamento.

Artigo 6.º

Práticas comerciais abusivas

1 – No âmbito da presente lei são consideradas práticas comerciais abusivas respeitantes a bens alimentares

as que envolvam, designadamente:

a) Modificações unilaterais e pagamentos comerciais imprevistos;

b) destruição de valor ao longo da cadeia agroalimentar;

c) práticas comerciais desleais que resultem da exploração de posições negociais mais frágeis de

determinados operadores da cadeia agroalimentar.

Artigo 7.º

Modificações unilaterais e pagamentos comerciais imprevistos

1 – É proibida a modificação das condições contratuais estabelecidas no contrato de transação de bens

alimentares, salvo se forem celebrados de comum acordo entre as partes e cumprirem os princípios do equilíbrio

e justa reciprocidade entre as partes, liberdade contratual, boa-fé, interesse mútuo, equidade na distribuição de

riscos e responsabilidades, cooperação e transparência.

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2 – São proibidos os pagamentos adicionais sobre os preços contratados salvo quando respeitem ao risco

razoável de apresentação de um novo produto ou ao financiamento parcial da promoção comercial de um novo

produto que esteja refletido no preço unitário de venda ao público e devidamente incluídos no contrato.

Artigo 8.º

Destruição de valor ao longo da cadeia agroalimentar

1 – Para proteger a capacidade de comercialização dos produtores primários, as operadoras que fazem a

venda final de alimentos ou produtos alimentares aos consumidores não podem aplicar ou definir um preço de

venda final inferior ao preço real de compra do referido bem.

2 – Para evitar a destruição do valor na cadeia agroalimentar, cada operador deve pagar ao operador

imediatamente anterior um preço igual ou superior ao custo efetivo de produção de tal produto, incorrido ou

assumido por esse operador.

3 – O incumprimento no disposto nos números anteriores é considerado uma prática de venda desleal, salvo

quando se refira a vendas ao público, com prejuízo, de alimentos ou produtos alimentares perecíveis que se

encontrem próximo do final do seu prazo de validade.

4 – Os operadores responsáveis pela venda final dos produtos alimentares ao consumidor não podem fazer

reverter a qualquer um dos operadores anteriores, os riscos de negócio resultantes da sua política comercial

relativa aos preços oferecidos ao público.

5 – As práticas comerciais de produtos alimentares que envolvam ofertas conjuntas ou brindes aos

compradores não dispensam, em nenhuma circunstância, a aplicação das disposições do presente artigo.

Artigo 9.º

Práticas comerciais desleais

1 – São consideradas práticas comerciais desleais, ficando proibida a sua utilização no âmbito da presente

lei, as seguintes:

a) O cancelamento, por parte de qualquer dos intervenientes na relação comercial, de um pedido de produtos

agrícolas e alimentares perecíveis, no prazo de 30 dias antes do prazo definido para entrega no contrato;

b) A ameaça, por uma das partes envolvidas na relação comercial de produtos alimentares, de atos de

represália comercial contra a outra parte, quando esta pretenda exercer os seus direitos negociais, contratuais

ou legais, incluindo o direito de denúncia e a cooperação com as entidades em caso de investigação;

c) A modificação unilateral, por parte do comprador e/ou operador económico, numa relação contratual de

transação de produtos alimentares, dos termos do contrato de fornecimento de produtos agrícolas e alimentares,

no que diz respeito à frequência, método, local, tempo ou volume da oferta ou entrega de produtos agrícolas e

alimentares, padrões de qualidade, condições de pagamento ou preços;

d) A exigência, por parte do comprador e/ou operador económico numa relação comercial sobre produtos

alimentares, de pagamentos que não estejam relacionados com a venda dos produtos agrícolas ou alimentares

do fornecedor;

e) A exigência por parte do comprador do pagamento devido à deterioração e/ou perda de produtos agrícolas

e alimentares, ocorridos após a transferência dos produtos, sem que essa deterioração ou perda se tenha devido

a negligência ou culpa do fornecedor;

f) A imposição por parte do comprador e/ou operador económico numa relação comercial de um pagamento

como condição pelo armazenamento, exposição ou colocação à disposição no mercado, dos produtos agrícolas

e alimentares;

g) A exigência por parte do comprador e/ou operador económico numa relação comercial de que a outra

parte assuma, total ou parcialmente, o custo dos produtos agrícolas e alimentares vendidos como parte de uma

promoção;

h) A exigência por parte do comprador e/ou operador económico numa relação comercial de que a outra

parte assuma os custos de publicidade dos produtos agrícolas e alimentares realizada pela primeira;

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i) A devolução de produtos agrícolas e alimentares não vendidos, pelo comprador ao fornecedor, sem pagar

por esses produtos não vendidos e/ou pela sua eliminação.

Artigo 10.º

Preço dos produtos alimentares importados

Os produtos agroalimentares importados são sujeitos a um sistemático escrutínio pela Autoridade de

Segurança Alimentar e Económica (ASAE) e pela Autoridade da Concorrência (AdC) sobre a coerência dos seus

preços com os seus custos de produção nos países origem das importações, abrindo processos, sempre que

ocorra venda abaixo do custo de produção e acionando processos de queixa e reclamação junto da Direção-

Geral da Concorrência da União Europeia.

Artigo 11.º

Preços no Consumidor

1 – O aumento especulativo de preços cobrados ao consumidor, aplicando margens de lucro sobre o

aumento dos preços mínimos fixados no produtor, constitui uma prática comercial desleal.

2 – A venda de bens alimentares ao consumidor nas condições referidas no n.º 1 configura um ilícito grave.

Artigo 12.º

Contraordenações

1 – O incumprimento do disposto nos artigos 6.º, 7.º e 8.º da presente lei constitui contraordenação punível

com coima.

2 – A venda de bens alimentares, nas condições referidas no artigo 10.º da presente lei, constitui

contraordenação punível com coima.

3 – O regime de contraordenações e coimas referidas nos n.os 1 e 2 do artigo 8.º e do n.º 2 do artigo 11.º é

objeto de regulamentação pelo Governo.

Artigo 13.º

Informação, monitorização e seguimento

1 – A informação recolhida e produzida no âmbito da presente lei é centralizada em base de dados

compartilhada entre os diferentes serviços regionais dos ministérios que tutelam as áreas da agricultura, pescas

e economia.

2 – Anualmente, o grupo de trabalho referido no artigo 4.º elabora um relatório síntese das medidas aplicadas

para melhorar o funcionamento da cadeia agroalimentar e dos seus resultados, o qual é remetido à Assembleia

da República para conhecimento.

Artigo 14.º

Prazos

1 – O Governo, no prazo de 30 dias após a publicação da presente lei, toma as medidas necessárias para a

constituição do Grupo de Trabalho referido no artigo 4.º e para o desenvolvimento dos trabalhos que lhe estão

acometidos.

2 – O Governo, no prazo de 45 dias após a publicação da presente Lei, procede à sua regulamentação e às

adaptações legislativas necessárias à sua implementação.

3 – Até 30 de Setembro de 2022 o Governo assegura a definição do valor de referência para o custo efetivo

de produção dos produtos alimentares, para o respetivo ciclo produtivo, bem como os valores considerados nos

diversos pressupostos e elementos utilizados na base da sua determinação.

4 – A partir de 31 de dezembro de 2022, é publicado por portaria conjunta dos ministérios que tutelam as

áreas da agricultura, pescas e economia, no início de cada ciclo produtivo, os valores dos custos efetivos de

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produção de produtos agrícolas e alimentares, dos preços máximos de bens alimentares essenciais e os critérios

considerados no cálculo destes valores.

Artigo 15.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, 29 de março de 2022.

Os Deputados do PCP: João Dias — Alma Rivera — Paula Santos — Bruno Dias — Jerónimo de Sousa —

Diana Ferreira.

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PROJETO DE LEI N.º 16/XV/1.ª

REDUZ O PREÇO DOS COMBUSTÍVEIS ATRAVÉS DO NÍVEL DE INCORPORAÇÃO DE

BIOCOMBUSTÍVEIS

Exposição de motivos

São considerados biocombustíveis, do ponto de vista da legislação aplicável, os combustíveis líquidos ou

gasosos produzidos a partir de biomassa e utilizados nos transportes. Sob essa designação existem, entre

outros, o biodiesel, o bioetanol, o biometanol, o biogás, entre outros. Apenas uma diminuta parte do biodiesel e

do bioálcool é produzida a partir de resíduos agrícolas, industriais ou urbanos/alimentares, via que seria a mais

racional para a produção.

O uso de solo agrícola para a produção dedicada de biocombustíveis reduz a área disponível para produzir

alimentos dada a concorrência especulativa do sector energético. Isso aumenta a pressão para desafetar solo

de usos agrícolas ou florestais comuns. A desflorestação, para além de outros malefícios, contribui para

aumentar as emissões de gases com efeito de estufa, anulando ou diminuindo muito os benefícios resultantes

do uso de biocombustíveis. São recorrentes os apelos para que o fator ILUC seja tido em conta na política

energética e em matéria de biocombustíveis, sector fortemente subsidiado na UE.

Não se pode considerar suficientemente fundamentada a ideia de que a produção dedicada de

biocombustíveis poderia ser feita exclusivamente em terrenos pobres e semidesérticos, incapazes para

produção de alimentos.

Com a proposta do PCP, aponta-se uma solução que contribui objetivamente para a redução do preço de

venda ao público, que é um fator fundamental para os custos das empresas, em particular das micro, pequenas

e médias empresas, e para as famílias. Esta proposta do PCP enquadra-se num conjunto de medidas

necessárias à travagem da escalada dos preços dos combustíveis que tem reduzido o poder de compra das

famílias e que tanto prejuízo causa à economia nacional.

Ao mesmo tempo o PCP sublinha a necessidade e relevância da incorporação de biocombustíveis avançados

que resultem de subprodutos e resíduos no lugar de uma produção dedicada.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea

b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados, abaixo assinados, do Grupo

Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei procede à quinta alteração ao Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro.

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Artigo 2.º

Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro

O artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, passa a ter a seguinte redação:

«Artigo 11.º

[…]

1 – […]:

a) […];

b) […];

c) […];

d) […];

e) […];

f) […];

g) 2022 – 5%.

2 – […].

3 – […].

4 – […].

5 – […].

6 – […].

7 – […].

8 – Para o ano de 2022, é estabelecida uma meta nacional indicativa de 1%, em teor energético, a cumprir

com biocombustíveis avançados, da quota de energia proveniente de fontes renováveis nos transportes, prevista

no Decreto-Lei n.º 141/2010, de 31 de dezembro, na sua redação atual, fixada em 10% para efeitos da presente

disposição.

9 — A meta nacional indicativa de 1% estabelecida no número anterior considera -se vinculativa para o ano

de 2023.

10 – […].

11 – […].»

Artigo 3.º

Incremento do uso de biocombustíveis avançados

Os biocombustíveis utilizados para a finalidade prevista no artigo 2.º devem ser provenientes de óleos

alimentares usados de origem doméstica e de empresas do sector da restauração, bem como de outros

subprodutos adequados, com vista ao incremento da sua incorporação na produção de biocombustíveis

avançados.

Artigo 4.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.

Assembleia da República, 31 de março de 2022.

Os Deputados do PCP: Bruno Dias — Paula Santos — Alma Rivera — João Dias — Diana Ferreira —

Jerónimo de Sousa.

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PROJETO DE LEI N.º 17/XV/1.ª

REDUZ DO IVA DA ELETRICIDADE E DO GÁS PARA A TAXA REDUZIDA DE 6% (ALTERAÇÃO AO

CÓDIGO DO IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO, APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 394-

B/84, DE 26 DE DEZEMBRO)

Exposição de motivos

As famílias e os sectores económicos nacionais, designadamente os sectores produtivos, suportam elevados

custos com a energia, realidade com agravada expressão nas camadas populares e nos custos de produção e

funcionamento das micro, pequenas e médias empresas que, em alguns casos, chega a atingir mais de 50% da

estrutura de custos.

Em 2011, o Governo PSD/CDS aumentou o IVA da eletricidade e do gás natural da taxa reduzida de 6%

para a taxa máxima de 23%, agravando ainda mais estes custos. Este aumento representou um significativo

ataque às condições de vida do povo português e colocou mais uma dificuldade ao desenvolvimento económico

e social do País.

Apesar da insistência do PCP, os anteriores governos minoritários do Partido Socialista recusaram sempre

a reposição do IVA a 6% para a energia elétrica, gás natural, gás butano ou propano engarrafado e canalizado.

A energia é um bem essencial e deve ser tributado como tal em sede de IVA. A introdução do gás engarrafado

(de botija) na lista de bens abrangidos pela taxa reduzida de IVA seria uma forma de aumentar a justiça fiscal,

tendo em conta que são as populações com menores rendimentos e/ou afastadas dos grandes centros urbanos

que mais utilizam o gás engarrafado, injustificadamente excluído da taxa reduzida de IVA, mesmo antes de

2011.

Apesar das empresas poderem deduzir o IVA, a aplicação desta medida representaria um alívio de tesouraria

para as micro, pequenas e médias empresas, e um estímulo à recuperação económica do País, ainda

condicionado pelos efeitos da pandemia.

O caminho que o PCP defende para o sector da energia passa pela necessidade de garantir o controlo

público sobre este sector estratégico, colocando-o ao serviço do desenvolvimento económico, da produção

nacional, da melhoria das condições de vida do povo português, da resposta aos desafios ambientais, e não ao

serviço dos superlucros que são anualmente arrecadados pelas empresas do sector, controladas

essencialmente por capital estrangeiro.

Para a redução dos preços, além da descida do IVA, é necessário assegurar uma regulação eficaz dos

tarifários, em vez da liberalização que já revelou as suas desastrosas consequências. É inaceitável a

continuação das chamadas «rendas excessivas» que continuam a alimentar os superlucros dos grupos

económicos que controlam o sector, à custa dos consumidores e do erário público.

Portugal tem das tarifas energéticas mais caras da Europa. Centenas de milhares de portugueses não

conseguem aquecer adequadamente as suas casas, dado o custo insuportável da fatura da energia. Ao mesmo

tempo os grupos económicos que dominam o sector acumulam e retiram do País lucros milionários.

Os recentes desenvolvimentos da situação internacional, com a intensificação da guerra na Ucrânia e a

aplicação de sanções com impactos de carácter global, colocam mais uma vez em evidência a necessidade de

inverter a política que tem sido seguida pelos sucessivos governos e, para tal, exige-se assegurar uma política

que liberte o País da dependência externa, também no sector da energia. O aumento do custo de vida, que já

se sentia antes da intensificação da guerra e da aplicação de sanções, passa em larga medida pelo aumento

dos preços da energia que servem o aproveitamento que os grupos económicos têm feito da atual situação e

que pesa sobre a vida dos trabalhadores e a atividade das MPME. As medidas até agora adotadas e anunciadas

são limitadas, insuficientes e incapazes de dar passos em sentido inverso. É necessário adotar um conjunto

alargado de medidas que aumentem o poder de compra das famílias e retirem o garrote que se aperta a centenas

de MPME.

A Assembleia da República pode decidir, sem submeter decisões soberanas sobre um código fiscal

português a um qualquer Comité de IVA, que ninguém elegeu, a redução do IVA da energia elétrica e do gás.

Esta é uma medida da mais elementar justiça social, de reposição de rendimentos, de estímulo ao

desenvolvimento económico nacional.

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Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do

Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei procede à alteração ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, aprovado pelo Decreto-

Lei n.º 394-B/84, de 26 de dezembro, abreviadamente designado por Código do IVA.

Artigo 2.º

Alteração à Lista I anexa ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado

As verbas 2.12 e 2.16 da lista I anexa ao Código do IVA passam a ter a seguinte redação:

«2.12 –Eletricidade.

[…]

2.16 – Gás natural.»

Artigo 3.º

Aditamento à Lista I anexa ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado

1 – É aditada à Lista I anexa ao Código do IVA a verba 2.36, com a seguinte redação:

«2.36 – Gás propano, butano, e suas misturas, engarrafado ou canalizado.»

Artigo 4. º

Norma revogatória

É revogada a Lei n.º 51-A/2011, de 30 de setembro.

Artigo 5. º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor com o Orçamento do Estado subsequente à sua publicação.

Assembleia da República, 31 de março de 2022.

Os Deputados do PCP: Bruno Dias — Paula Santos — Alma Rivera — Jerónimo de Sousa — João Dias —

Diana Ferreira.

———

PROJETO DE LEI N.º 18/XV/1.ª

FIXA UM PREÇO DE REFERÊNCIA PARA COMBATER A ESPECULAÇÃO E REDUZIR OS PREÇOS

DOS COMBUSTÍVEIS E DO GPL

Exposição de motivos

Os recentes aumentos do preço dos combustíveis assumem um carácter especulativo, servindo para

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aumentar os lucros milionários das grandes petrolíferas, que se aproveitaram e aproveitam da pandemia e da

situação de instabilidade internacional.

As medidas entretanto apresentadas pelo Governo são insuficientes, quer porque, do ponto de vista fiscal,

ficam aquém da resposta necessária, quer porque sem regular os preços, nada garante que qualquer alívio fiscal

não seja total ou parcialmente absorvido pelas petrolíferas, limitando os efeitos reais no preço que é pago pelos

consumidores e colocando as receitas fiscais a financiar os lucros dessas mesmas empresas.

O problema dos preços tem de ser abordado em três componentes: a cotação internacional, as margens e a

fiscalidade.

Com este projeto de lei, a que se juntam outras iniciativas que abordam a componente fiscal, o PCP propõe

medidas que ponham em causa a forma como as cotações e as margens são utilizadas para permitir a

especulação de preços, à custa dos consumidores portugueses.

O atual modelo de formação de preços é profundamente especulativo, uma vez que é baseado nos índices

Platts da Praça de Roterdão, um índice construído por uma consultora privada, a partir da informação dada pelas

próprias petrolíferas, sem qualquer escrutínio, e que determina o atual preço de referência. Aliás, a própria ENSE

refere, no site onde publica os preços de referência1, que o elemento «Cotação» presente na fórmula de cálculo

decorre das «cotações internacionais da Argus», ou seja, de índices calculados por uma entidade privada sem

escrutínio público.

É este sistema de cotações especulativo que faz com que os preços dos combustíveis, suportados pelos

consumidores, subam no momento em que aumentam as cotações, apesar de os combustíveis terem sido

refinados meses antes a partir de petróleo comprado a preços muito inferiores.

É também este mecanismo que faz com que, quando as cotações baixam, essa redução não se reflita na

mesma proporção no preço que é pago pelos consumidores, aumentando mais uma vez as margens apropriadas

pelas grandes petrolíferas. A própria ENSE assinalou esse facto, relativamente aos anos de 2020 e 2021,

referindo que as margens das petrolíferas foram em média superiores às de 2019, atingindo o máximo do

período analisado, e que é a margem bruta que explica o aumento que então se verificava, e que, entretanto,

se agravou.2

O problema da atual fórmula de cálculo dos preços de referência é que, uma vez que tem como base a

cotação internacional, cuja fonte são os índices Platts/Argus, não refletem a margem real que é obtida na

atividade de refinação, se considerada a margem que incide sobre o preço real de aquisição do barril de petróleo.

Com esta iniciativa, o PCP pretende que seja criado um preço de referência que tenha por base o preço real

médio de aquisição do barril de petróleo que é refinado, em vez de se basear em cotações especulativas,

baseadas nos índices Platts. Pretende-se ainda eliminar a componente «Frete», correspondente a um

inexistente (ou fictício) transporte do produto petrolífero de Roterdão para Lisboa, incorporando na «margem

não-especulativa» os custos de transporte reais.

A partir dessa base, consubstanciada num preço de referência real e não-especulativo, a presente iniciativa

prevê que seja aplicada uma margem definida com base em critérios técnicos e económicos que incorporem os

custos operacionais da refinação, incluindo os custos efetivos com o transporte do petróleo, e que garantam a

remuneração regulada num nível económico-financeiro adequado.

Propõe-se que, a partir da eliminação das componentes especulativas do preço de referência e das margens,

seja estabelecida uma margem bruta máxima, exercendo obrigatoriamente e permanentemente a possibilidade

criada pela Lei n.º 69-A/2021, de 21 de outubro, no que diz respeito à atividade de refinação (mantendo a

possibilidade de intervenção nas outras margens que contribuem para o apuramento do preço final).

Cria-se ainda a possibilidade de estabelecimento de preços máximos, com vista a assegurar que a margem

bruta de refinação máxima e a eventual intervenção (já atualmente prevista) sobre outras margens se reflita

obrigatoriamente no preço final pago pelos consumidores.

Por fim, propõe-se a criação de uma contribuição extraordinária que incida sobre o acréscimo de lucro das

grandes petrolíferas resultante dos mecanismos especulativos de formação de preços e das margens

especulativas. O resultado dessa contribuição é totalmente dirigido a uma redução do preço dos combustíveis,

devolvendo-se aos consumidores a receita fiscal resultante dessa contribuição, em sede de ISP.

Considerando que o lucro da Galp foi de 457 milhões de euros em 2021, e tendo em conta a informação da

1 https://www.ense-epe.pt/precos-de-referencia/ 2 ENSE, Comunicado de Imprensa de 14 de julho de 2021.

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ENSE de que foram as margens que explicaram o aumento de preços, é da mais elementar justiça que esse

sobre ganho, obtido num período de enormes dificuldades para a maioria dos portugueses e das MPME, seja

devolvido aos consumidores, através de um mecanismo como o que o PCP apresenta.

Com esta iniciativa, o PCP pretende responder à situação urgente de aumento de preços, reafirmando que

a solução para o sector da energia passa pelo seu controlo público, colocando este sector estratégico ao serviço

do desenvolvimento do País.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea

b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados, abaixo assinados, do Grupo

Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei:

a) Fixa um preço de referência e estabelece os critérios para a fixação de margens brutas de refinação

máximas nos combustíveis simples e no GPL;

b) procede à quinta alteração ao Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro;

c) cria a possibilidade de fixação de preços máximos dos combustíveis simples e GPL;

d) cria uma contribuição extraordinária sobre os ganhos especulativos nas margens brutas de refinação, a

vigorar para os anos económicos de 2020, 2021 e 2022.

Artigo 2.º

Preço de Referência

1 – A ENSE define um preço de referência, relativamente à gasolina IO95, ao gasóleo rodoviário, ao GPL

butano, ao GPL propano e ao GPL auto, tendo como base o preço real médio de aquisição do barril de petróleo

que é objeto de refinação, acrescido de uma margem não-especulativa, definida com base em critérios técnicos

e económicos que incorporem os custos operacionais da refinação, incluindo os custos efetivos com o transporte

do petróleo, e que garantam a remuneração regulada num nível económico-financeiro adequado.

2 – Para a definição do preço de referência é eliminada a componente «Frete».

3 – As fórmulas de cálculo dos preços de referência referidos no número 1 são as seguintes:

a) Preço de referência da gasolina IO95: [(Preço real + margem não especulativa) + (preço do biocombustível

substituto da gasolina – cotação) × % incorporação de biocombustível + descarga e armazenagem + reservas

Estratégicas + ISP]×(1+IVA);

b) preço de referência do gasóleo rodoviário: [(Preço real + margem não especulativa) + (preço do mix dos

biocombustíveis substitutos do gasóleo – cotação) × % incorporação de biocombustível + descarga e

armazenagem + reservas estratégicas + ISP] × (1+IVA);

c) preço de referência do GPL butano: [(Preço real + margem não especulativa) + descarga e armazenagem

+ reservas estratégicas + enchimento + ISP] × (1+IVA);

d) Preço de referência do GPL propano: [(Preço real + margem não especulativa) + descarga e

armazenagem + reservas estratégicas + enchimento + ISP] × (1+IVA);

e) Preço de referência do GPL auto: [(Preço real + margem não especulativa) + descarga e armazenagem

+ reservas estratégicas + ISP)] × (1+IVA).

Artigo 3.º

Exercício da possibilidade de fixação de margens máximas e aplicação do preço de referência

A possibilidade de fixação de margens máximas prevista no n.º 3 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 31/2006,

de 15 de fevereiro, é obrigatoriamente exercida no que diz respeito às margens brutas de refinação, sendo

aplicado o preço de referência definido nos termos do artigo 2.º

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Artigo 4.º

Alteração ao Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro

Os artigos 8.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 31/2006, de 15 de fevereiro, passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 8.º

[…]

1 – […].

2 – […].

3 – Independentemente da declaração de situação de crise energética prevista nos números anteriores, por

razões de interesse público e por forma a assegurar o regular funcionamento do mercado e a proteção dos

consumidores, podem ser fixadas, excecionalmente, margens máximas em qualquer uma das componentes

comerciais que formam o preço de venda ao público dos combustíveis simples ou do GPL engarrafado.

4 – […].

5 –As margens máximas a que se referem os números anteriores devem ser limitadas no tempo, salvo o

disposto no número seguinte.

6 – [Novo] No que diz respeito às atividades de refinação, as margens máximas referidas no n.º 3 são fixadas

de forma permanente, tendo por base o preço real médio de aquisição do barril de petróleo que é objeto de

refinação, acrescido de uma margem não-especulativa, definida com base em critérios técnicos e económicos

que incorporem os custos operacionais da refinação, incluindo os custos efetivos com o transporte do petróleo,

e que garantam a remuneração regulada num nível económico-financeiro adequado.

Artigo 10.º

[…]

Sem prejuízo das regras de concorrência e das obrigações de serviço público, bem como do

estabelecimento de margens máximas na atividade de refinação, os preços a praticar integram-se no regime

de preços livres.»

Artigo 5.º

Possibilidade de fixação de preços máximos

1 – O estabelecimento de margens brutas máximas na atividade de refinação, ao abrigo da presente lei, bem

como a eventual fixação de margens máximas nas restantes componentes comerciais que formam o preço de

venda ao público dos combustíveis simples ou do GPL, ao abrigo do n.º 3 do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º

31/2006, de 15 de fevereiro, são obrigatoriamente refletidas no preço final de venda ao público.

2 – Para assegurar o cumprimento do disposto no número anterior, podem ser fixados preços máximos de

venda ao público.

3 – As eventuais medidas de fixação de margens máximas, assim como de preços máximos de venda ao

público são comunicadas aos operadores económicos e aos consumidores individuais até às 20 horas de cada

sexta-feira através da publicação de portaria do membro do Governo responsável pela área da energia, e entram

em vigor às 0 horas de cada segunda-feira.

Artigo 6.º

Obrigações acessórias

Os intervenientes no Sistema Petrolífero Nacional que exercem atividades de refinação, ainda que as

exerçam fora do país, são obrigados a reportar semanalmente à ENSE o preço real médio de aquisição do barril

de petróleo que é objeto de refinação, através de um instrumento automático criado pela ENSE.

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Artigo 7.º

Contribuição extraordinária sobre os ganhos especulativos nas margens de refinação

1 – É criada uma contribuição extraordinária sobre os ganhos especulativos nas margens de refinação,

adiante designada por contribuição, aplicável aos anos económicos de 2021 e 2022, considerando as

consequências da situação pandémica e da situação de instabilidade internacional.

2 – O valor da contribuição é aferido em função do acréscimo de resultado líquido resultante da diferença

entre as margens de refinação obtidas nos anos de aplicação da contribuição e a margem que resulta da

aplicação do preço de referência estipulado no n.º 1 do artigo 2.º da presente lei, sendo aplicada uma taxa de

35%.

3 – Ficam sujeitos à contribuição todos os intervenientes no Sistema Petrolífero Nacional que exercem as

atividades de refinação, ainda que a exerçam fora do País.

4 – Os acréscimos de lucro em cada ano, relativamente ao ano anterior, das entidades sujeitas à

Contribuição, são sujeitos a uma retenção na fonte, em sede de IRC, de 35%, até que estejam definidos os

critérios para o estabelecimento do preço de referência, estipulado no n.º 1 do artigo 2.º da presente lei, desde

que os lucros das mesmas sejam superiores a 25 milhões de euros.

5 – O acerto de contas relativo à retenção na fonte prevista no número anterior é realizado assim que for

definido o preço de referência estipulado no n.º 1 do artigo 2.º da presente Lei.

6 – A receita obtida com a contribuição é consignada à redução do preço final pago pelos consumidores de

combustíveis simples e de GPL engarrafado, através de um mecanismo que faça repercutir automaticamente o

acréscimo de receita fiscal resultante da contribuição, numa redução correspondente do ISP.

7 – O valor da contribuição não pode ser repercutido no preço final de venda aos consumidores.

Artigo 8.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, 31 de março de 2022.

Os Deputados do PCP: Bruno Dias — Paula Santos — Alma Rivera — João Dias — Diana Ferreira —

Jerónimo de Sousa.

———

PROJETO DE LEI N.º 19/XV/1.ª

ALARGA O ACESSO À TARIFA REGULADA DE ELETRICIDADE E ELIMINA O SEU CARÁCTER

TRANSITÓRIO

Exposição de motivos

Tendo sido prolongada a vigência da tarifa de venda a clientes finais (TVCF), permitindo a transição para

esta tarifa regulada a consumidores que, estando no mercado liberalizado, o desejem, mantém-se o

impedimento injustificado de celebrar novos contratos (de raiz) em tarifa regulada (TVCF).

Portugal tem faturas energéticas das mais elevadas da Europa, designadamente quanto à eletricidade, em

resultado da segmentação e privatização das empresas estratégicas de produção, transporte e distribuição, da

liberalização artificial, da existência de um mercado grossista anacrónico, de uma atuação regulatória

insuficiente e, ainda, em função das rendas excessivas repercutidas nas tarifas reguladas através dos CIEG,

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além da precificação fiscal e mercantilização do carbono. A tudo isto, acresce a aplicação da taxa de IVA de

23%, que os governos minoritários do PS recusaram repor na taxa reduzida de 6%, proposta diversas vezes

pelo PCP.

São décadas de política de direita protagonizada por PS, PSD e CDS que se refletem nas tarifas e nos

preços.

Neste contexto, a existência de tarifas reguladas de eletricidade, imprescindíveis e incontornáveis devido ao

caracter monopolista do sector, tem também contribuído para garantir, embora de forma insuficiente, o

indispensável controlo sobre os preços da eletricidade.

As diversas tarifas reguladas intermédias, estimadas, aprovadas e publicadas pela ERSE, refletem-se

sempre, embora por diversas vias, no preço pago pelos consumidores, tanto os abrangidos pela TVCF-tarifa de

venda a consumidores finais (mercado regulado), como pelos que estão no Mercado Liberalizado. No caso dos

consumidores que se encontram no mercado regulado, a TVCF incorpora também a tarifa de energia e a tarifa

de comercialização, ambas reguladas.

A existência da TVCF não se justifica apenas, ou no fundamental, pelos consumidores finais

economicamente vulneráveis porque, para esses, existe a tarifa social. De facto, a TVCF praticada em

referencial regulado é uma importante referência de contenção num mercado liberalizado onde a condição

oligopolista é muito notória, e, portanto, onde se impõe a sua existência para evitar o comandado hegemónico

por parte dos grandes grupos económicos. Foi-lhe, num determinado contexto, atribuída.

Embora tenha sido considerado como instrumento regulatório transitório, a experiência real vivenciada nos

mercados energéticos vem indicando a necessidade de o tornar perene, sendo esse o objetivo central da

presente proposta. De forma coerente e complementar é necessário vir a permitir a celebração de novos

contratos em mercado regulado (TVCF), bem como a eliminação dos injustificados fatores de agravamento

artificiais da TVCF, que têm como finalidade forçar a adesão dos consumidores ao mercado liberalizado. Com

estas medidas, pretende-se eliminar fatores não equitativos que, onerando ainda mais a TVCF têm, também,

um impacto negativo nos preços praticados no mercado liberalizado.

O PCP reapresenta estas medidas, para que se possa fazer frente, de forma eficaz, aos aumentos

frequentes, descontrolados e inflacionados por fatores muitas vezes pouco transparentes, que estão a trazer

crescentes dificuldades às famílias e às empresas em geral, e, em particular, às micro, pequenas e médias

empresas.

Perante a necessidade de fazer baixar o enorme custo com a energia elétrica suportado pelos consumidores

domésticos (famílias) e pelas empresas, muito em particular as micro, pequenas e médias, impõe-se estas e

outras medidas urgentes.

Os recentes desenvolvimentos da situação internacional, com a intensificação da guerra na Ucrânia e a

aplicação de sanções com impactos de carácter global, colocam mais uma vez em evidência a necessidade de

inverter a política seguida durante décadas no sector da energia. O aumento do custo de vida, que já se sentia

antes desta nova situação, passa em larga medida por aumentos de índole especulativa que servem interesses

injustificados de agentes económicos.

As medidas até agora adotadas e anunciadas pelo Governo são limitadas, insuficientes e incapazes de

inverter esta situação muito negativa. É, por isso, necessário adotar um conjunto alargado e estruturante de

medidas que aumentem o poder de compra das famílias e retirem o garrote que se aperta a milhares de MPME.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do

Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei procede à alteração do Decreto-Lei n.º 15/2022, de 14 de janeiro, no sentido de permitir a

celebração de novos contratos de eletricidade com tarifa regulada e de eliminar o fator de agravamento sobre a

tarifa regulada.

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Artigo 2.º

Alteração ao Decreto-Lei n.º 15/2022, de 14 de janeiro

Os artigos 138.º, 140.º, 182.º, 186.º e 289.º do Decreto-Lei n.º 15/2022, de 14 de janeiro, passam a ter a

seguinte redação:

«Artigo 138.º

(Atividade de comercializador de último recurso)

1 – A atividade de comercializador de último recurso consiste na prestação de serviço público universal de

fornecimento de eletricidade a clientes abastecidos em BT normal, com potências contratadas iguais ou

inferiores a 41,4 kVA.

2 – Podem ser celebrados com o comercializador de último recurso novos contratos de venda de eletricidade

a clientes finais com consumos em BTN com aplicação das tarifas reguladas de venda de eletricidade.

3 – [Anterior n.º 2.]

4 – [Anterior n.º 3.]

[…]

Artigo 140.º

(Direitos e deveres do comercializador de último recurso)

1 – […].

2 – […].

3 – […].

a) Prestar o serviço público universal de fornecimento de eletricidade;

b) […];

c) Assegurar o fornecimento de eletricidade em locais onde não exista oferta dos comercializadores de

eletricidade em regime de mercado.

[…]

4 – Nas situações previstas nas alíneas c) e d) do número anterior, o Comercializador de último recurso

aplica o estipulado quanto às tarifas reguladas.

[…]

Artigo 182.º

(Direito à informação)

1 – […]

i) As condições de acesso e transição para contratos de venda de eletricidade a clientes finais nos termos

do artigo 138.º

[…]

Artigo 186.º

(Direito à informação)

1 – […]

a) […];

b) Ao fornecimento de eletricidade pelo Comercializador de último recurso mediante tarifa definida pela

ERSE, caso o pretendam.

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[…]

Artigo 289.º

(Extinção das tarifas transitórias de venda a clientes finais)

[Eliminar.]»

Artigo 3.º

Salvaguarda dos preços da energia

1 – Até 31 de maio de 2022, o Governo apura, a partir dos elementos referidos no número seguinte, medidas

de controlo do sector elétrico, de transparência relativamente ao mercado grossista e de salvaguarda dos preços

da eletricidade, tendo em conta a situação económica e social que o País enfrenta.

2 – Em articulação com a ERSE, são identificados:

a) Os ganhos resultantes da adesão por eletroprodutores eólicos ao regime remuneratório;

b) Os ganhos resultantes da metodologia marginalista usada na oferta, no mercado grossista, que determina

que o preço final diário seja o da última unidade entrada na rede, independentemente de a maior parte da

eletricidade admitida na rede corresponder a produções com custos de muito inferiores;

c) Relativamente às centrais hidroelétricas, os ganhos injustificados em mercado grossista relacionados com

custos do CO2 que estas não emitem.

3 – As medidas e os elementos identificados nos números anteriores são reportados à Assembleia da

República.

Artigo 4.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.

Assembleia da República, 31 de março de 2022.

Os Deputados do PCP: Bruno Dias — Paula Santos — Alma Rivera — Jerónimo de Sousa — Diana Ferreira

— João Dias.

———

PROJETO DE LEI N.º 20/XV/1.ª

ELIMINA O CHAMADO «ADICIONAL AO ISP» E A DUPLA TRIBUTAÇÃO DOS COMBUSTÍVEIS (IVA

SOBRE ISP)

Exposição de motivos

Os recentes aumentos do preço dos combustíveis assumem um carácter especulativo, servindo para

aumentar os lucros milionários das grandes petrolíferas, que se aproveitaram e se aproveitam da pandemia e

da situação de instabilidade internacional.

As medidas entretanto apresentadas pelo Governo são insuficientes, quer porque, do ponto de vista fiscal,

ficam aquém da resposta necessária, quer porque sem regular os preços, nada garante que qualquer alívio fiscal

não seja total ou parcialmente absorvido pelas petrolíferas, limitando os efeitos reais no preço que é pago pelos

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consumidores e colocando as receitas fiscais a financiar os lucros das petrolíferas.

O problema dos preços tem de ser abordado em três componentes: a cotação internacional, as margens e a

fiscalidade.

Com este projeto de lei, a que se juntam outras iniciativas que abordam a componente das cotações e das

margens, o PCP propõe medidas fiscais que contribuam para a redução do preço dos combustíveis.

É inegável que a fiscalidade sobre os combustíveis representa um enorme peso sobre os consumidores

portugueses.

Com a presente iniciativa, o PCP propõe:

1) o fim do chamado «adicional ao ISP» criado por portaria do Governo em 2016

A justificação então apresentada pelo Governo, de que era necessário um aumento temporário do ISP para

manter os níveis de receita fiscal numa altura de baixa do preço dos combustíveis, manifestamente não se

adequa à situação atual. O PCP há muito que defende o fim deste aumento, comumente referido como

«adicional ao ISP», apresentando essa proposta e votando propostas de outros partidos nesse sentido. No

contexto atual, em que a justificação para aquele aumento está completamente ultrapassada, o PCP defende o

fim deste aumento e a repristinação dos valores de ISP anteriores a 2016, atualizando apenas o valor da taxa

unitária à inflação.

2) o fim da dupla tributação do ISP em sede de IVA

Não é aceitável que o IVA incida sobre o combustível mais o ISP. Urge corrigir a circunstância de haver um

«imposto que paga imposto», ainda por cima com o elevado peso que tem no preço final pago pelos

consumidores.

Se é verdade que esta situação se aplica a outros impostos especiais de consumo (o que deve ser revisitado),

é preciso ter em conta o peso muito significativo que o ISP (e o IVA que sobre ele incide) tem no preço final dos

combustíveis.

Para pôr fim a esta dupla tributação, o PCP propõe nesta iniciativa a criação de um mecanismo que devolva,

em sede de ISP, o valor correspondente à parte do IVA que incide sobre o próprio ISP. Com este mecanismo,

garante-se a devolução do valor que resulta da dupla tributação, sem alterar por enquanto o código do IVA.

A título de exemplo, estando atualmente o ISP da gasolina a 0,63126 €/litro, significa que o IVA que incide

sobre o próprio ISP corresponde a 23% × 0,63126€/litro, ou seja, 0,1452 €/litro. Com o mecanismo proposto, o

valor do ISP seria reduzido em 0,63126 € × 0,187 = 0,1181€/litro, o que corresponde a uma redução fiscal de

0,1181 €/litro × 1,23 (por aplicação do IVA), ou seja, de 0,1452 €/litro, ou seja, ao valor da dupla tributação.

Como este exemplo mostra, a aplicação deste mecanismo levaria a uma redução imediata do preço pago

pelos consumidores em 14,5 cêntimos por litro de gasolina; fazendo o mesmo cálculo para o valor atual do

ISP que incide sobre o gasóleo, a redução do preço por litro seria de 10,7 cêntimos por litro no gasóleo1.

Com esta iniciativa, o PCP pretende responder à situação urgente de aumento de preços, reafirmando que

a solução para o sector da energia passa pelo seu controlo público, colocando este sector estratégico ao serviço

do desenvolvimento do País.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea

b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados, abaixo assinados, do Grupo

Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei:

a) cria o mecanismo automático para a eliminação da dupla tributação dos combustíveis;

1 Cálculo do valor do ISP ao dia de 30/03/2022.

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b) Elimina o aumento das taxas unitárias do ISP estabelecido por portaria de 2016.

Artigo 2.º

Mecanismo Automático para a Eliminação da Dupla Tributação dos Combustíveis

1 – O Governo cria, por portaria, um mecanismo automático para a eliminação da dupla tributação dos

combustíveis, que revê e fixa os valores das taxas unitárias do imposto sobre os produtos petrolíferos e

energéticos (ISP) por forma a devolver, em sede de ISP, a totalidade da receita de IVA que incide sobre o ISP.

2 – Até à criação do mecanismo referido no número anterior, o Governo utiliza o mecanismo criado pela

Portaria n.º 11-A/2022, de 11 de março, alterando os valores das taxas unitárias de imposto no sentido de

assegurar a devolução prevista no número anterior.

3 – Para efeito dos números anteriores, o valor da taxa unitária do ISP relativo a cada um dos produtos

referidos no artigo 88.º do Decreto-Lei n.º 73/2010, de 21 de junho, é reduzido na proporção de [valor do ISP]

× 0,187.

Artigo 3.º

Eliminação do aumento das taxas unitárias do ISP

1 – São eliminados os aumentos do valor das taxas unitárias do ISP aplicáveis no continente à gasolina sem

chumbo, ao gasóleo rodoviário previstos pelas Portarias n.º 24-A/2016, de 11 de fevereiro, n.º 136-A/2016, de

12 de maio, n.º 291A/2016, de 16 de novembro de 2016, n.º 345-C/2016, de 30 de dezembro de 2016, Portaria

n.º 385-I/2017, de 29 de dezembro, e Portaria n.º 301-A/2018, de 23 de novembro.

2 – Para os efeitos do número anterior, o Governo publica por portaria, no prazo de 7 dias após a entrada

em vigor da presente Lei, os valores das taxas unitárias ISP, repondo os valores previstos nos n.os 1.º e 2.º da

Portaria n.º 16-C/2008, de 9 de janeiro, atualizados à taxa de inflação, por substituição da Portaria n.º 301-

A/2018, de 23 de novembro.

Artigo 4.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor com a publicação do Orçamento do Estado posterior à sua aprovação.

Assembleia da República, 31 de março de 2022.

Os Deputados do PCP: Bruno Dias — Paula Santos — Alma Rivera — Diana Ferreira — Jerónimo de Sousa

— João Dias.

———

PROJETO DE LEI N.º 21/XV/1.ª

PROCEDE À PRIMEIRA ALTERAÇÃO DA LEI N.º 38/2018, DE 7 DE AGOSTO, QUE ESTABELECE O

DIREITO À AUTODETERMINAÇÃO DA IDENTIDADE DE GÉNERO E EXPRESSÃO DE GÉNERO E O

DIREITO À PROTEÇÃO DAS CARACTERÍSTICAS SEXUAIS DE CADA PESSOA, E À APROVAÇÃO DA

RESPETIVA REGULAMENTAÇÃO

Exposição de motivos

A Lei n.º 7/2011, de 15 de março, deu um passo histórico ao nível do direito à autodeterminação da identidade

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de género, ao prever o procedimento de mudança de sexo e de nome próprio no registo civil. Não obstante ter

sido, à época, considerada uma das leis mais avançadas a nível mundial, a sua aplicação prática não tardou a

que se levasse à identificação de fragilidades e incongruências por parte de quem tomou contacto com este

procedimento. Nessa ocasião, revelaram-se evidentes as situações de estigmatização e discriminação das

pessoas transgénero devido à excessiva burocratização deste processo, que continuaram a dificultar e até

mesmo impossibilitar esta transição, colocando em causa a finalidade do próprio diploma.

Ao abrigo do modelo aprovado pela Lei n.º 7/2011, de 15 de março, para se proceder à alteração da

identidade de género no documento de identificação era necessário, para além da apresentação de outros

documentos, um relatório que comprovasse o diagnóstico de perturbação de identidade de género, também

designada como transexualidade, elaborado por equipa clínica multidisciplinar de sexologia clínica em

estabelecimento de saúde público ou privado, nacional ou estrangeiro, cujo relatório devia ser subscrito pelo

menos por um médico e um psicólogo. Acontece que a restrição da maioridade e o requisito do diagnóstico de

«perturbação de identidade de género» criaram as principais dificuldades no acesso e na concretização deste

procedimento: por um lado, tenderam a atrasar processos de transição social já em curso em crianças,

adolescentes ou adultos, com os inerentes desafios pessoais e sociais. Por outro, faziam com que o processo

ficasse dependente da avaliação de terceiros, o que criou barreiras desnecessárias a uma decisão individual e

consciente de mudança de sexo e de nome próprio no registo civil, colocando em causa a finalidade do próprio

diploma e continuando a contribuir para a estigmatização e para a discriminação das pessoas transgénero, já

que não garantiam a sua autodeterminação, retirando-lhes a capacidade e o direito de decisão.

Os resultados de um estudo, promovido pelo ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, em parceria com a

Associação ILGA Portugal e a LLH – The Norwegian LGBT Association, revelaram uma diversidade de práticas

clínicas, em que certos profissionais faziam depender o reconhecimento legal do género de critérios que se

estendiam para além do diagnóstico – de uma segunda avaliação independente –, pelo que existiam situações

em que uma pessoa trans só conseguia obter este relatório ao fim de três anos.

Várias entidades por todo o País, incluindo a API – Ação pela Identidade, ou a AMPLOS Bring Out –

Associação de Mães e Pais pela Liberdade de Orientação Sexual e Identidade de Género, reivindicaram a

criação de nova legislação que removesse a obrigatoriedade de apresentação destes diagnósticos e que

afastasse a esfera clínica da legal, dando prioridade à autodeterminação de género no procedimento de

mudança de sexo e de nome próprio no registo civil, tornando-a assim individual e independente de relatórios

médicos e/ou de eventuais processos clínicos que venham ou não a surgir na vida destas pessoas, dando ainda

ênfase à necessidade de alargar a possibilidade de mudança de sexo e de nome próprio no registo civil a

menores.

Também na Europa se verificaram estas conclusões e reivindicações em relação ao aperfeiçoamento da

legislação neste âmbito. Em 2015, o Conselho da Europa apelou ao fim da exigência de um diagnóstico de

saúde mental enquanto procedimento legal necessário para o reconhecimento jurídico da identidade de género

e, por todo o mundo, as legislações mais recentes referentes a esta matéria excluem a necessidade deste

diagnóstico, nomeadamente as da Argentina (2011), Malta (2015), Noruega (2016).

Apesar das fragilidades e insuficiências detetadas, ao conceder o direito à autodeterminação de género por

via da implementação da Lei n.º 7/2011, de 15 de março, o Estado quebrou impedimentos e oposições criadas

após a implementação deste mesmo diploma, contribuindo também aqui para eliminar discriminações e para

assegurar o pleno usufruto da cidadania a todas/os as/os cidadãs/ãos, independentemente da sua identidade

de género.

Ora, neste sentido, em 2016, com o intuito de assegurar o direito à autodeterminação de género e

considerando a premência de medidas que garantam o respeito pela autodeterminação e a autonomia das

pessoas transgénero, o PAN apresentou o Projeto de Lei n.º 317/XIII/2.ª, que visava a eliminação da

obrigatoriedade da entrega do relatório que comprove o diagnóstico de perturbação de identidade de género

nas conservatórias do registo civil e atribuindo a legitimidade a menores, acompanhados pelos seus

representantes legais ou pelo Ministério Público, para requerer judicialmente a alteração do registo. A verdade

é que, um gesto tão banal para muitos cidadãos, como seja a apresentação do documento de identificação

continua a ter, em Portugal, uma forte implicação negativa na vida de inúmeras pessoas, cuja identidade de

género difere do sexo atribuído à nascença e que, por esse motivo, se vêm estigmatizadas no acesso a cuidados

de saúde, assim como a bens e serviços, educação e habitação. E enquanto partido de causas assente na não-

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violência e na não-discriminação, o PAN entendeu que esta foi mais uma alteração necessária e prioritária para

combater e eliminar todas as formas de discriminação.

Apesar de a iniciativa do PAN ter feito parte de um texto de substituição em conjunto com iniciativas do

Governo e do Bloco de Esquerda (BE), que foi aprovada apenas com os votos contra de PSD e CDS-PP, dando

origem ao Decreto n.º 203/XIII, que, em 2018, este foi vetado pelo Sr. Presidente da República que recomendou

à Assembleia da República que ponderasse a existência de um relatório médico para menores de 18 anos. Ou

seja, deste modo reconhecia a autodeterminação para pessoas maiores de idade, o que só por si já constituiu

um importante avanço. No entanto, na ocasião e apesar de considerar que o veto presidencial abria a porta a

alguns avanços, o PAN considerou que existiam condições para continuar a separar a esfera clínica da legal

também no caso das pessoas trans menores de 18 anos, como foi determinado por meses de trabalho e

audições parlamentares, nas quais pessoas trans, especialistas, ativistas e Organizações Não-Governamentais

nacionais e internacionais da área dos Direitos Humanos alertaram para a importância destas alterações.

Para fazer face às objeções apresentadas pelo Sr. Presidente da República, o PAN apresentou em conjunto

com o PS e o BE uma proposta de emenda ao n.º 2 do artigo 7.º do Decreto n.º 203/XIII, aprovada apenas com

os votos contra de PSD e CDS-PP, e que acabou por dar origem à Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto. Este diploma

constituiu um importante avanço no âmbito do direito à autodeterminação da identidade de género e expressão

de género e à proteção das características sexuais de cada pessoa.

Posteriormente, vieram, em 2019, não conformados com a expressão democrática da vontade maioritária da

Assembleia da República, 85 Deputadas e Deputados do PSD e do CDS-PP, através do Processo n.º 792/2019,

apresentar um pedido de fiscalização sucessiva da constitucionalidade aos n.os 1 e 3 do artigo 12.º da Lei n.º

38/2018, de 7 de agosto, referentes à aplicação de medidas de proteção do direito à autodeterminação de género

em contexto escolar. Este pedido foi amplamente contestado por várias entidades e associações, tais como a

ILGA Portugal, Amplos, Casa Qui, APi – Associação Plano i, Rede ex aequo e Transmissão – Associação Trans

e Não-Binária, que consideraram que o mesmo impedia a promoção dos direitos humanos das pessoas LGBTI

e o combate à discriminação, limitando o desenvolvimento psicossexual e identitário das e dos cidadãos e

fechava os olhos ao bullying e à violência em contexto escolar.

Na sequência deste pedido, o Tribunal Constitucional, por via do Acórdão n.º 474/2021, veio declarar

inconstitucionais as normas relativas à promoção do direito à autodeterminação da identidade de género e

expressão de género no âmbito do sistema educativo, por considerar que consubstanciam uma violação à

reserva de lei parlamentar, mantendo intocadas a garantia do direito à identidade de género e de expressão de

género e a proibição de discriminação no sistema educativo. Assim, o Tribunal Constitucional constatou que

esta matéria se insere no âmbito dos direitos, liberdades e garantias, pelo que o conteúdo constante no referido

diploma não pode ser definido através de despacho ministerial, por se tratar de competência legislativa

reservada da Assembleia da República, declarando a inconstitucionalidade das normas, com fundamento na

violação da alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição.

Face a esta decisão, as associações AMPLOS, Casa Qui, ILGA Portugal, Plano i, Queer Tropical, Rede ex

aequo e TransMissão – Associação Trans e Não-Binária, reagiram, exigindo à Assembleia da República que

cumpra urgentemente a sua obrigação, legislando, de forma a suprimir as objeções apresentadas pelo Tribunal

Constitucional, a garantir a implementação da Estratégia da União Europeia em favor da igualdade das pessoas

LGBTIQ 2020-2025 e da Recomendação CM/Rec (2010)5 do Comité de Ministros do Conselho da Europa, assim

como de forma a aprofundar a legislação em vigor, de modo a aproveitar todo o trabalho já desenvolvido em

contexto educacional desde a aprovação da lei em 2018.

De facto, a educação e a formação são essenciais na construção do presente e futuro das sociedades. A

educação que se exige hoje tem obrigatoriamente que preparar as crianças e jovens para desafios pessoais,

sociais e ambientais complexos, onde, a par dos conhecimentos e competências, terão de ser desenvolvidas

atitudes de respeito por si, pelos outros e pelas diferenças individuais. Só assim poderemos desenvolver

comunidades inclusivas respeitadoras dos direitos de todos/as.

As crianças discriminam quando os meios em que se inserem se tornam promotores de atitudes de

discriminação. A discriminação baseia-se no medo e no desconhecimento, na falta de debate e informação.

Sendo a escola, um dos principais contextos de vida de crianças e jovens, torna-se fundamental o seu papel no

esclarecimento, sensibilização, debate e desenvolvimento de atitudes de não discriminação, capazes de

respeitar a identidade de cada um/uma e todas as diferenças que nos caracterizam.

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II SÉRIE-A — NÚMERO 3

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A Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (ENEC) consubstancia este desiderato, proporcionando

condições para o debate de temas fundamentais à construção de cidadãos/ãs mais informados, mais

conscientes, mais ativos e mais responsáveis.

Juntamente com outros mecanismos como o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, a

autonomia das escolas, a flexibilidade curricular, a educação sexual, a ENEC constitui-se enquanto referencial

de trabalho das escolas no desenvolvimento de competências, conhecimentos e atitudes para o século XXI,

onde não podem ficar alheios os Direitos Humanos, a igualdade de género, os valores da democracia, e o

respeito pela identidade e expressão individuais.

Uma das garantias que a sociedade em geral, e os contextos de vida das crianças e jovens em particular,

tem de assegurar é o direito à autodeterminação da identidade e expressão de género e o direito à proteção das

suas características sexuais.

Neste objetivo de prevenção e combate contra a discriminação, o contexto escolar, tem lugar central na

promoção de cidadania e igualdade, devendo ser desenvolvidas todas as medidas e mecanismos necessários

e eficazes para a sensibilização e capacitação da comunidade educativa nesta área, para a deteção e

intervenção em situações de risco, e para a construção de ambientes escolares livres de qualquer forma de

intolerância, agressão ou discriminação contra a autodeterminação, a expressão de género e as características

sexuais de cada pessoa.

Com o presente projeto de lei o PAN, dando resposta ao apelo de todas estas associações e prosseguindo

a sua ação determinada na defesa do direito à autodeterminação de género em Portugal, pretende ultrapassar

os problemas suscitados pelo Tribunal Constitucional por via de uma primeira alteração da Lei n.º 38/2018, de

7 de agosto, que, cumprindo as exigências do tribunal e por estarmos perante matéria referente a direitos

fundamentais, atribui à Assembleia da República a competência para a regulamentação das medidas que

promovam o exercício do direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e do direito

à proteção das características sexuais das pessoas em contexto escolar, bem como procede à aprovação de tal

regulamentação – por via da transposição para forma de lei o conteúdo do Despacho n.º 7247/2019.

Aproveitando o ensejo e atendendo aos avanços dados pelo trabalho desenvolvido desde 2018, com a presente

iniciativa o PAN procura ainda assegurar uma melhoria da regulamentação prevista Despacho n.º 7247/2019,

prevendo a obrigatoriedade de as escolas promoverem a adoção de códigos de conduta, aplicáveis ao pessoal

docente e não docente, que promovam práticas conducentes a alcançar o efetivo respeito pela diversidade de

expressão e de identidade de género e a ultrapassar a imposição de estereótipos e comportamentos

discriminatórios, e incentivando o envolvimento das associações e coletivos LGBTQI+ nas ações e programas

de sensibilização e formação nesta matéria.

Nestes termos, a abaixo assinada Deputada do Pessoas-Animais-Natureza, ao abrigo das disposições

constitucionais e regimentais aplicáveis, apresenta o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei procede:

a) À primeira alteração da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto, que estabelece o direito à autodeterminação da

identidade de género e expressão de género e o direito à proteção das características sexuais de cada pessoa;

b) À aprovação da regulamentação necessária à implementação do disposto no n.º 1, do artigo 12.º da Lei

n.º 38/2018, de 7 de agosto, na redação dada pela presente lei.

Artigo 2.º

Alteração à Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto

O artigo 12.º da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto, na sua atual redação, passa a ter a seguinte redação:

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«Artigo 12.º

[…]

1 – A Assembleia da República deve garantir a adoção de medidas no sistema educativo, em todos os níveis

de ensino e ciclos de estudo, que promovam o exercício do direito à autodeterminação da identidade de género

e expressão de género e do direito à proteção das características sexuais das pessoas, nomeadamente através

do desenvolvimento de:

a) Medidas de prevenção e de combate contra a discriminação em função da identidade de género,

expressão de género e das características sexuais;

b) Mecanismos de deteção e intervenção sobre situações de risco que coloquem em perigo o saudável

desenvolvimento de crianças e jovens que manifestem uma identidade de género ou expressão de género que

não se identifica com o sexo atribuído à nascença;

c) Condições para uma proteção adequada da identidade de género, expressão de género e das

características sexuais, contra todas as formas de exclusão social e violência dentro do contexto escolar,

assegurando o respeito pela autonomia, privacidade e autodeterminação das crianças e jovens que realizem

transições sociais de identidade e expressão de género;

d) Formação adequada e de natureza contínua dirigida a docentes e demais profissionais do sistema

educativo no âmbito de questões relacionadas com a problemática da identidade de género, expressão de

género e da diversidade das características sexuais de crianças e jovens, tendo em vista a sua inclusão como

processo de integração socioeducativa.

2 – […].

3 – A Assembleia da República aprova a regulamentação necessária à implementação do disposto no n.º 1.»

Artigo 3.º

Regulamentação da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto

É aprovada, no Anexo I à presente lei e da qual faz parte integrante, a regulamentação necessária à

implementação do disposto no n.º 1, do artigo 12.º da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto.

Artigo 4.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, 31 de março de 2022.

A Deputada do PAN, Inês de Sousa Real.

Anexo I

Aprova a regulamentação necessária à implementação do disposto no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º

38/2018, de 7 de agosto

(a que se refere o artigo 3.º da presente lei)

Artigo 1.º

Objeto

O presente anexo estabelece as medidas administrativas que as escolas devem adotar para efeitos da

implementação do previsto no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto, que estabelece o direito à

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autodeterminação da identidade de género e expressão de género e o direito à proteção das características

sexuais de cada pessoa.

Artigo 2.º

Medidas administrativas

Considerando a necessidade de garantir o exercício do direito das crianças e jovens à autodeterminação da

identidade e expressão de género e do direito à proteção das suas características sexuais, e no respeito pela

singularidade de cada criança e jovem, devem ser adotadas em cada escola medidas que, promovendo a

cidadania e a igualdade, incidam sobre:

a) Prevenção e promoção da não discriminação;

b) Mecanismos de deteção e de intervenção sobre situações de risco;

c) Condições para uma proteção adequada da identidade de género, expressão de género e das

características sexuais das crianças e dos jovens;

d) Formação dirigida a docentes e demais profissionais.

Artigo 3.º

Prevenção e promoção da não discriminação

Para efeitos de prevenção e combate contra a discriminação em função da identidade e expressão de género

em meio escolar, as escolas desenvolvem, entre outras, as seguintes medidas:

a) Promover, em articulação com associações e coletivos LGBTQI+, ações de sensibilização e formação

certificada, de natureza contínua, dirigidas às crianças e jovens, alargadas a outros membros da comunidade

escolar, incluindo pais ou encarregados de educação, tendo em vista garantir que a escola seja um espaço de

liberdade e respeito, livre de qualquer pressão, agressão ou discriminação;

b) Estabelecer mecanismos de disponibilização de informação, incluindo o conhecimento de situações de

discriminação, de forma a contribuir para a promoção do respeito pela autonomia, privacidade e

autodeterminação de crianças e jovens que realizem transições sociais de género;

c) Adoção de códigos de conduta, aplicáveis ao pessoal docente e não docente, que promovam práticas

conducentes a alcançar o efetivo respeito pela diversidade de expressão e de identidade de género e a

ultrapassar a imposição de estereótipos e comportamentos discriminatórios.

Artigo 4.º

Mecanismos de deteção e intervenção

1 – As escolas devem definir canais de comunicação e deteção, identificando o responsável ou responsáveis

na escola a quem pode ser comunicada a situação de crianças e jovens que manifestem uma identidade ou

expressão de género que não corresponde à identidade de género à nascença.

2 – A escola, após ter conhecimento da situação prevista no número anterior ou quando a observe em

ambiente escolar, deve, em articulação com os pais, encarregados de educação ou com os representantes

legais, promover a avaliação da situação, com o objetivo de reunir toda a informação e identificar necessidades

organizativas e formas possíveis de atuação, a fim de garantir o bem-estar e o desenvolvimento saudável da

criança ou jovem.

Artigo 5.º

Condições de proteção da identidade de género e de expressão

1 – Tendo em vista assegurar o respeito pela autonomia, privacidade e autodeterminação das crianças e

jovens, que realizem transições sociais de identidade e expressão de género, devem ser conformados os

procedimentos administrativos, procurando:

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a) Estabelecer a aplicação dos procedimentos para mudança nos documentos administrativos de nome e/ou

género autoatribuído, em conformidade com o princípio do respeito pelo livre desenvolvimento da personalidade

da criança ou jovem em processo de transição social de género, conforme a sua identidade autoatribuída;

b) Adequar a documentação de exposição pública e toda a que se dirija a crianças e jovens,

designadamente, registo biográfico, fichas de registo da avaliação, fazendo figurar nessa documentação o nome

adotado, de acordo com o previsto no n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto, garantindo que o

mesmo não apareça de forma diferente da dos restantes alunos e alunas, sem prejuízo de nas bases de dados

se poderem manter, sob confidencialidade, os dados de identidade registados;

c) Garantir que a aplicação dos procedimentos definidos nas alíneas anteriores respeita a vontade expressa

dos pais, encarregados de educação ou representantes legais da criança ou jovem.

2 – No âmbito das medidas conducentes à adoção de práticas não discriminatórias, devem as escolas emitir

orientações no sentido de:

a) Fazer respeitar o direito da criança ou jovem a utilizar o nome autoatribuído em todas as atividades

escolares e extraescolares que se realizem na comunidade escolar, sem prejuízo de assegurar, em todo o caso,

a adequada identificação da pessoa através do seu documento de identificação em situação que o exijam, tais

como o ato de matrícula, exames ou outras situações similares;

b) Promover a construção de ambientes que na realização de atividades diferenciadas por sexo permitam

que se tome em consideração o género autoatribuído, garantindo que as crianças e jovens possam optar por

aquelas com que sentem maior identificação;

c) Ser respeitada a utilização de vestuário no sentido de as crianças e dos jovens poderem escolher de

acordo com a opção com que se identificam, entre outros, nos casos em que existe a obrigação de vestir um

uniforme ou qualquer outra indumentária diferenciada por sexo.

3 – As escolas devem garantir que a criança ou jovem, no exercício dos seus direitos, aceda às casas de

banho e balneários, tendo sempre em consideração a sua vontade expressa e assegurando a sua intimidade e

singularidade.

Artigo 6.º

Formação

As escolas devem promover a organização de ações de formação certificada, de natureza contínua, dirigidas

ao pessoal docente e não docente, em articulação com os centros de formação de associação de escolas

(CFAE) e com as associações e coletivos LGBTQI+, de forma a impulsionar práticas conducentes a alcançar o

efetivo respeito pela diversidade de expressão e de identidade de género, que permitam ultrapassar a imposição

de estereótipos e comportamentos discriminatórios.

Artigo 7.º

Confidencialidade

As escolas devem garantir a confidencialidade dos dados das crianças e jovens em todo o processo.

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 9/XV/1.ª

REGIME EXTRAORDINÁRIO DE APOIO AO GASÓLEO COLORIDO E MARCADO POR FORMA A

REPOR O PREÇO PRATICADO EM JANEIRO DE 2021

Exposição de motivos

A promoção e desenvolvimento da produção nacional é vital e inadiável.

A situação crítica por que passam os agricultores portugueses tem-se agravado nos últimos meses, estando

estes confrontados com o aumento exponencial dos custos dos fatores de produção, assente numa lógica

especulativa, o que torna absolutamente incomportáveis os preços das sementes, dos fertilizantes, dos

pesticidas, da alimentação dos animais, das alfaias e máquinas agrícolas, da energia e dos combustíveis.

A subida dos preços tem sido de tal forma que se prevê um aumento dos custos da produção na ordem dos

30 a 50%, face a 2020, fazendo com que nas atuais condições os preços pagos aos agricultores pelos seus

produtos, estejam a ser inferiores aos custos da sua produção.

A situação atual comprova, assim, a necessidade de uma outra política que assuma a defesa da produção

nacional, em particular da produção agrícola e da produção animal, como garante da soberania alimentar

enquanto prioridade nacional.

O gasóleo, principal combustível usado na produção agrícola tem um peso no custo da produção na ordem

dos 20 a 25% dos custos do total dos fatores de produção. O gasóleo colorido ou marcado, mais conhecido

como gasóleo agrícola, foi vendido, em janeiro de 2021, a um preço médio de 84 cêntimos do euro, quando em

março de 2022 esse preço médio ultrapassa já 1,40 €. Ou seja, o preço do gasóleo agrícola num período de um

ano quase duplicou o seu valor, o que associado ao aumento generalizado de todos os outros fatores de

produção, conduz a que muitos agricultores não tenham condições para produzir.

Adicionalmente é também necessário referir que o aumento especulativo do preço dos combustíveis, põe em

causa a capacidade de funcionamento das equipas de sapadores florestais, ou seja, de estas disporem das

verbas necessárias para realizar os trabalhos e tarefas que lhes são acometidas.

Esta situação requer que seja dado acesso a estas equipas aos apoios ao gasóleo, nomeadamente ao

gasóleo colorido e marcado, como forma de assegurar que estes profissionais detém os meios financeiros para

poderem concretizar as ações de limpeza e defesa da floresta contra incêndios.

Nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento e da alínea b) do artigo 156.º e do n.º 5 do artigo

166.º da Constituição da República, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia

da República adote a seguinte:

Resolução

Tendo presente a necessidade de concretizar uma política de contenção dos custos dos combustíveis usados

nas atividades agrícolas e florestais, a Assembleia da República, recomenda ao Governo que adote as seguintes

medidas:

1 – Estabeleça um apoio extraordinário ao gasóleo colorido e marcado durante o ano de 2022 para que o

valor pago pelos beneficiários não ultrapasse o valor praticado em janeiro de 2021;

2 – Defina um regime de estabilização do preço do gasóleo colorido e marcado utilizado nos equipamentos

agrícolas e florestais;

3 – Assegure o acesso das equipas de sapadores florestais aos apoios ao gasóleo, nomeadamente ao

gasóleo colorido e marcado, a ser utilizado nos veículos e máquinas destinadas às ações de limpeza e defesa

da floresta contra incêndio;

4 – O regime de estabilização do preço do gasóleo colorido e marcado utilizado nos equipamentos agrícolas

e florestais, a criar, é estabelecido de forma a não permitir a subida do seu preço em proporção superior ao dos

valores pagos à produção.

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Assembleia da República, 31 de março de 2022.

Os Deputados do PCP: João Dias — Alma Rivera — Paula Santos — Bruno Dias — Jerónimo de Sousa —

Diana Ferreira.

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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 10/XV/1.ª

RECOMENDA AO GOVERNO QUE PONHA FIM À DISCRIMINAÇÃO DE PESSOAS TRANS NOS

RASTREIOS ONCOLÓGICOS PARA O CANCRO DE MAMA, COLORRETAL E DE COLO DO ÚTERO

Exposição de motivos

O Despacho n.º 8254/2017 estabelece os critérios técnicos para os rastreios oncológicos de base

populacional realizados no Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente no que diz respeito ao recrutamento e

métodos de seleção. Aqui determina-se que, no âmbito do programa de rastreio oncológico para o cancro de

mama, colorretal e de colo do útero, em vigor, existem setores da população que, em função do género e da

idade, são proativamente convidados para realizar estes rastreios.

Desta forma, de acordo com o mencionado Despacho e com a interpretação que lhe é dada pelo Serviço

Nacional de Saúde, no caso do cancro de mama, o consenso inclui a realização de mamografia a cada dois

anos, dos 50 até aos 69 anos de idade. No caso do cancro colorretal, o rastreio inclui o teste de pesquisa de

sangue oculto nas fezes dos 50 aos 74 anos de idade; e no caso do cancro de colo do útero, o rastreio

compreende o teste de citologia cervical em mulheres entre os 20 e os 30 anos e até aos 60 anos de idade.

A gestão destes programas de rastreio é assegurada pelo SiiMA Rastreios, um sistema de informação para

gestão que permite a implementação do circuito funcional do rastreio desde o convite para o exame até ao

tratamento e seguimento, e que, com base na informação constante do Registo Nacional de Utentes, identifica

automaticamente aquela que é a base populacional alvo destes rastreios. Contudo, neste momento este sistema

não possibilita a inserção manual de utentes para a lista de pessoas a serem rastreadas. Por seu turno, o Registo

Nacional de Utentes identifica o género dos utentes em função daquilo que consta nos documentos legais de

identificação de um utente.

Ora, tendo em conta que esta inserção manual não é possível e que a identificação dos utentes inseridos na

população rastreada atende apenas ao género constante da identificação civil, as pessoas trans, que no sistema

estão identificados com um género, mas que possuem órgãos de outro género, não estão a ser incluídas neste

sistema de rastreio e, por isso, não estão a receber convites para nele participarem. Sem prejuízo de estes

utentes poderem por solicitação junto do respetivo profissional de saúde, ou por iniciativa deste, serem

rastreados no âmbito dos meios complementares de diagnóstico, a verdade é que o atual sistema suprime a

proatividade associada ao convite e poderá afastar do rastreio os utentes menos sensibilizados.

Para o PAN, esta discriminação das pessoas trans é inaceitável, uma vez que é violadora do disposto nas

linhas orientadoras da Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não-Discriminação 2018-2030, aprovada por

Resolução do Conselho de Ministros n.º 61/2018, de 21 de maio, que, no seu plano de ação para o combate à

discriminação em razão da orientação sexual, identidade e expressão de género e características sexuais, prevê

expressamente a necessidade de se garantir a transversalização das questões da orientação sexual, identidade

e expressão de género e características sexuais, nomeadamente no quadro legal.

Com a presente iniciativa, o PAN pretende pôr fim à discriminação de pessoas trans e assegurar a inclusão

de todas as pessoas nos rastreios oncológicos para o cancro de mama, colorretal e de colo do útero,

independentemente do género. Pretende-se, assim, que o SiiMA Rastreios possa incluir um campo que, sendo

apenas acessível para o sistema e não possa ser consultado por quem o consulte, permita o profissional de

saúde que acompanha o utente possa, para efeitos de rastreio, identificar o caso em que um utente tem um

órgão sexual de género diferente do constante na respetiva identificação civil. A solução que apresentamos não

tem qualquer impedimento do ponto de vista tecnológico e salvaguarda o direito à privacidade do utente.

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II SÉRIE-A — NÚMERO 3

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Nestes termos, a abaixo assinada Deputada do Pessoas-Animais-Natureza, ao abrigo das disposições

constitucionais e regimentais aplicáveis, propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que

tome as diligências necessárias a pôr fim à discriminação de pessoas trans nos rastreios oncológicos para o

cancro de mama, colorretal e de colo do útero, procedendo para o efeito à criação de um novo campo autónomo

no âmbito do SiiMA Rastreios que permita aos profissionais de saúde que acompanham os utentes sinalizar

aqueles que tenham um órgão sexual de género diferente do constante na respetiva identificação civil e que

apenas seja acessível para o sistema.

Assembleia da República, 31 de março de 2022.

A Deputada do PAN, Inês de Sousa Real.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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