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Quarta-feira, 8 de junho de 2022 II Série-A — Número 39

XV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2022-2023)

S U M Á R I O

Projetos de Lei (n.os 5, 8, 10 a 12, 23, 28, 29, 36, 40, 46 a 48, 53, 71, 73, 74, 76, 80 a 83, 85, 87, 88, 92, 93, 96, 97, 120 e 143 a 146/XV/1.ª): N.º 5/XV/1.ª (Regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal): — Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. N.º 8/XV/1.ª (Alarga os prazos de prescrição de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores e do crime de mutilação genital feminina, procedendo à alteração do Código Penal): — Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. N.º 10/XV/1.ª (Assegura a nomeação de patrono em escalas de prevenção para as vítimas violência doméstica): — Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. N.º 11/XV/1.ª (Procede à alteração do Código de Processo Penal no sentido de alargar o âmbito de aplicação de medida de coação de prisão preventiva quando diga respeito à eventual prática de crime de violência doméstica): — Vide Projeto de Lei n.º 10/XV/1.ª N.º 12/XV/1.ª (Determina o fim da utilização obrigatória de máscaras salvo determinadas exceções): — Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. N.º 23/XV/1.ª (Criminaliza o incitamento ao ódio contra os membros dos órgãos de polícia criminal e órgãos judiciais):

— Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. N.º 28/XV/1.ª [Determina a cessação de vigência do regime de concessão da nacionalidade portuguesa por mero efeito da descendência de judeus sefarditas expulsos de Portugal em 1496 (décima alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro que aprova a Lei da Nacionalidade]: — Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. N.º 29/XV/1.ª [Fim imediato da obrigatoriedade do uso de máscara (trigésima sétima alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, que estabelece medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo Coronavírus – COVID-19)]: — Vide Projeto de Lei n.º 12/XV/1.ª N.º 36/XV/1.ª (Prevê o crime de assédio sexual, procedendo à quinquagésima sexta alteração ao Código Penal e à vigésima alteração ao Código do Trabalho): — Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. N.º 40/XV/1.ª (Décima alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, que aprova a Lei da Nacionalidade, revogando o artigo 14.º dessa lei): — Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. N.º 46/XV/1.ª [Estabelece o regime de recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário (oitava alteração ao Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho)]:

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— Parecer da Comissão de Educação e Ciência. N.º 47/XV/1.ª (Aprova medidas de combate à carência de professores e educadores na escola pública): — Parecer da Comissão de Educação e Ciência. N.º 48/XV/1.ª (Vinculação extraordinária de todos os docentes com três ou mais anos de serviço até 2023): — Parecer da Comissão de Educação e Ciência. N.º 53/XV/1.ª (Cria o Tribunal Central Administrativo Centro, procedendo à décima terceira alteração ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado em anexo à Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro, à décima primeira alteração à Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, e à quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de dezembro, que define a sede, a organização e a área de jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais, concretizando o respetivo Estatuto): — Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. N.º 71/XV/1.ª (Altera as atividades específicas associadas a compensação em unidades de saúde familiar, de forma a eliminar discriminações de género na prática clínica): — Parecer da Comissão de Saúde. N.º 73/XV/1.ª (Garante a inclusão de todos os horários no procedimento de mobilidade interna do concurso interno de professores): — Parecer da Comissão de Educação e Ciência. N.º 74/XV/1.ª (Regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível, e altera o Código Penal): — Vide Projeto de Lei n.º 5/XV/1.ª N.º 76/XV/1.ª [Consagração expressa do crime de exposição de menor a violência doméstica (quinquagésima sexta alteração ao Código Penal)]: — Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. N.º 80/XV/1.ª (Procede à revogação do atual sistema de acesso aos 5.º e 7.º escalões da carreira docente, procedendo à alteração do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário): — Parecer da Comissão de Educação e Ciência. N.º 81/XV/1.ª (Alteração do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de abril): — Parecer da Comissão de Educação e Ciência. N.º 82/XV/1.ª (Torna obrigatória a tomada de declarações para memória futura a pedido da vítima ou do Ministério Público): — Vide Projeto de Lei n.º 76/XV/1.ª N.º 83/XV/1.ª (Regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível e procede à alteração do Código Penal): — Vide Projeto de Lei n.º 5/XV/1.ª N.º 85/XV/1.ª (Inclui expressamente a exposição, nos exemplos do que constituem maus-tratos psíquicos, no âmbito do crime de violência doméstica; define a exposição, no caso de crianças e jovens, como suficiente para a sua caracterização como vítimas e consagra a frequência de programas específicos de educação parental na lista de penas acessórias): — Vide Projeto de Lei n.º 76/XV/1.ª

N.º 87/XV/1.ª (Adota medidas de otimização do desempenho dos tribunais superiores da jurisdição administrativa e fiscal, alterando o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais): — Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. N.º 88/XV/1.ª (Elimina a discriminação de género nos critérios de compensação associada às atividades específicas dos médicos): — Vide Projeto de Lei n.º 71/XV/1.ª N.º 92/XV/1.ª [Criação do crime de exposição de menor a violência doméstica (quinquagésima quinta alteração ao Código Penal)]: — Vide Projeto de Lei n.º 76/XV/1.ª N.º 93/XV/1.ª (Programa extraordinário de vinculação dos docentes): — Parecer da Comissão de Educação e Ciência. N.º 96/XV/1.ª [Dispensa da tentativa de conciliação nos processos de divórcio sem consentimento do outro cônjuge nos casos de condenação por crime de violência doméstica (alteração ao Código Civil e ao Código do Processo Civil)]: — Vide Projeto de Lei n.º 76/XV/1.ª N.º 97/XV/1.ª [Assegura a nomeação de patrono às vítimas especialmente vulneráveis (alteração ao Estatuto da Vítima e à Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, que altera o regime de acesso ao direito e aos tribunais)]: — Vide Projeto de Lei n.º 76/XV/1.ª N.º 120/XV/1.ª — Propõe a criação de uma rede pública de creches como forma de garantir os direitos das crianças: — Alteração do título e do texto iniciais do projeto de lei. N.º 143/XV/1.ª (CH) — Determina que a Assembleia da República deve autorizar o levantamento de imunidade dos Deputados para efeitos de prestar declarações ou ser constituído arguido sempre que não esteja em causa factos relacionados com votos e opiniões que estes emitirem no exercício das suas funções. N.º 144/XV/1.ª (PSD) — Altera o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio. N.º 145/XV/1.ª (BE) — Legaliza a canábis para uso pessoal. N.º 146/XV/1.ª (BE) — Estatuto do Serviço Nacional de Saúde. Proposta de Lei n.º 16/XV/1.ª (ALRAA): Oitava alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de junho, Lei do Financiamento dos Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, revogando os benefícios fiscais atribuídos aos partidos políticos. Projetos de Resolução (n.os 76 e 92 a 94/XV/1.ª): N.º 76/XV/1.ª (Deslocação do Presidente da República ao Rio de Janeiro, a São Paulo e a Brasília): — Parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas. N.º 92/XV/1.ª (PAN) — Recomenda ao Governo português que promova a criação de um Tratado Internacional para os Oceanos e reforce a ambição nas metas de gestão e classificação das áreas marinhas protegidas. N.º 93/XV/1.ª (PAN) — Aumento da Rede Nacional de Áreas Marinhas Protegidas e criação de «Hope Spots» marítimos e «No Take Zones». N.º 94/XV/1.ª (BE) — Pela preservação e defesa da Tapada das Necessidades como espaço público.

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PROJETO DE LEI N.º 5/XV/1.ª

REGULA AS CONDIÇÕES EM QUE A MORTE MEDICAMENTE ASSISTIDA NÃO É PUNÍVEL E

ALTERA O CÓDIGO PENAL

PROJETO DE LEI N.º 74/XV/1.ª

(REGULA AS CONDIÇÕES EM QUE A MORTE MEDICAMENTE ASSISTIDA NÃO É PUNÍVEL, E

ALTERA O CÓDIGO PENAL)

PROJETO DE LEI N.º 83/XV/1.ª

(REGULA AS CONDIÇÕES EM QUE A MORTE MEDICAMENTE ASSISTIDA NÃO É PUNÍVEL E

PROCEDE À ALTERAÇÃO DO CÓDIGO PENAL)

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Parte I – Considerandos

1. Nota introdutória

O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda (BE) tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da

República, em 29 de março de 2022, o Projeto de Lei n.º 5/XV/1.ª – «Regula as condições em que a morte

medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal».

Posteriormente, a 17 de maio de 2022, um grupo de Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Socialista

(PS) tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República o Projeto de Lei n.º 74/XV/1.ª – «Regula as

condições em que a morte medicamente assistida não é punível, e altera o Código Penal».

E a 20 de maio de 2022, a Deputada única representante do Partido-Animais-Natureza (PAN) tomou a

iniciativa de apresentar à Assembleia da República o Projeto de Lei n.º 83/XV/1.ª – «Regula as condições em

que a morte medicamente assistida não é punível e procede à alteração do Código Penal».

Estas apresentações foram realizadas de acordo com os requisitos formais de admissibilidade previstos na

Constituição da República Portuguesa e no Regimento da Assembleia da República.

Por despachos de Sua Excelência o Presidente da Assembleia da República, o Projeto de Lei n.º 5/XV/1.ª

(BE), o Projeto de Lei n.º 74/XV/1.ª (PS) e o Projeto de Lei n.º 83/XV/1.ª (PAN) baixaram à Comissão de

Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias – comissão competente – a 8 de abril, 18 de maio e

23 de maio de 2022, respetivamente, sendo que o Projeto de Lei n.º 5/XV/1.ª (BE) o fez em conexão com a

Comissão de Saúde.

Para o Projeto de Lei n.º 5/XV/1.ª (BE) foram pedidos pareceres ao Conselho Superior do Ministério

Público, em 20 de abril de 2022, e ao CNECV – Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e à

Ordem dos Psicólogos, em 3 de maio de 2020. Por outro lado, foram recebidos pareceres da Ordem dos

Advogados, do Conselho Superior da Magistratura, da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Enfermeiros,

respetivamente em 6, 12, 19 e 20 de maio de 2022, e ainda um contributo da advogada Dr.ª Teresa de Melo

Ribeiro em 13 de abril de 2022.

Quanto aos Projetos de Lei n.os 74/XV/1.ª (PS) e 83/XV/1.ª (PAN), em 1 de junho de 2022, foram pedidos

pareceres ao Conselho Superior da Magistratura, ao Conselho Superior do Ministério Público, à Ordem dos

Advogados, ao CNECV – Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, à Ordem dos Enfermeiros, à

Ordem dos Psicólogos e à Ordem dos Médicos.

Todos os projetos objeto deste parecer foram acompanhados das respetivas fichas de avaliação prévia de

impacto de género.

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2. Objeto, conteúdo e motivação das iniciativas

• Projeto de Lei n.º 5/XV/1.ª (BE) – Regula as condições em que a morte medicamente assistida não

é punível e altera o Código Penal

O Projeto de Lei n.º 5/XV/1.ª é a terceira iniciativa que o BE apresenta à Assembleia da República sobre a

morte medicamente assistida, sendo que os Deputados começam precisamente por considerar que «o

processo legislativo para regular as condições em que a morte medicamente assistida não é punível já é

longo», e que «iniciado por um grande debate público (que teve vários aprofundamentos ao longo do tempo,

no parlamento e na sociedade portuguesa), congregou em diversos momentos uma maioria de deputadas e

deputados na Assembleia da República.»

Na exposição de motivos, frisam que se trata de «um processo rico», que «tornou claro que não é

aceitável, à luz de um princípio geral de tolerância e da articulação constitucional entre direito à vida, direito à

autodeterminação pessoal e direito ao livre desenvolvimento da personalidade, negar o direito de, dentro de

um quadro legal rigorosamente delimitado, se ver atendido o pedido para antecipação da morte sem que tal

gere a penalização dos profissionais de saúde que, fieis ao comando de acompanhar os seus pacientes até ao

fim, ajudem à satisfação de um tal pedido.»

Recordando que o processo legislativo em causa «ficou perto da conclusão na XIV Legislatura», os

Deputados do BE afirmam que «o texto jurídico que resultou do processo de especialidade dos Projetos de Lei

n.os 4/XIV/1.ª (BE), 67/XIV/1.ª (PAN), 104/XIV/1.ª (PS), 168/XIV/1.ª (PEV) e 195/XIV1.ª (IL), e que culminou

com o Decreto da Assembleia da República n.º 199/XIV é, pois, a base substancial da presente iniciativa.»

Mais acrescentam que «as pequeníssimas alterações que a esse texto são feitas decorrem da superação

das objeções colocadas no veto presidencial de 29 de novembro de 2021. Na verdade, só formalmente se

inicia um processo legislativo com esta iniciativa pois a sua substância advém totalmente do percurso, debate

e diálogo realizado na XIV Legislatura. Contudo, para eliminar qualquer indeterminação jurídica que poderia

advir de, numa nova legislatura, se proceder à superação de um veto presidencial que transita de uma

legislatura anterior, é apresentada esta iniciativa legislativa.»

Efetivamente, onde em iniciativas anteriores se lia a formulação alternativa «doença grave ou incurável» ou

a cumulativa «doença incurável e fatal», passa agora a ler-se cumulativamente «doença grave e incurável»

(artigo 2.º – Definições, entre outros). Igualmente, onde anteriormente se aludia à «natureza incurável da

doença ou a condição definitiva da lesão», passa a dispor-se sobre a «natureza grave e incurável da doença

ou a condição definitiva e de gravidade extrema da lesão» (artigo 6.º – Confirmação por médico especialista,

entre outros).

Assim, a iniciativa do BE visa regular as condições especiais em que a antecipação da morte medicamente

assistida não é punível e altera o Código Penal, propondo, para os efeitos, no artigo 2.º do «Capítulo I –

Disposições gerais», as definições de «Morte medicamente assistida», «Suicídio medicamente assistido»,

«Eutanásia», «Doença grave e incurável», «Lesão definitiva de gravidade extrema», «Sofrimento», «Médico

orientador» e «Médico especialista».

Considera-se que morte medicamente assistida não punível será a que ocorre por decisão da própria

pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento

intolerável, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável, e quando praticada ou

ajudada por profissionais de saúde. E como legítimos apenas os pedidos de morte medicamente assistida

apresentados por cidadãos nacionais ou legalmente residentes em território nacional.

A morte medicamente assistida poderá ocorrer 1) por suicídio medicamente assistido ou 2) por eutanásia,

sendo que o pedido subjacente à decisão prevista no 1) obedece a procedimento clínico e legal, de acordo

com o disposto na presente iniciativa, e pode ser livremente revogado a qualquer momento, nos termos do seu

artigo 12.º

O «Capítulo II – Procedimento» abrange a «Abertura do procedimento clínico», «Parecer do médico

orientador», «Confirmação por médico especialista», «Confirmação por médico especialista em psiquiatria»,

«Parecer da Comissão de Verificação e Avaliação», «Concretização da decisão do doente», «Administração

dos fármacos letais», «Decisão pessoal e indelegável», «Revogação», «Locais autorizados»,

«Acompanhamento» «Verificação da morte e certificação do óbito», «Registo Clínico Especial» (RCE) e

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«Relatório Final».

Os proponentes começam por estipular as normas para o pedido de abertura do procedimento clínico de

antecipação da morte, propondo que não sejam admitidos os pedidos de doentes sujeitos a processo judicial

para aplicação do regime do maior acompanhado, enquanto o mesmo se encontrar pendente, e que ao doente

deva sempre ser garantido, querendo, o acesso a cuidados paliativos.

O médico orientador deverá emitir parecer fundamentado sobre se o doente cumpre todos os requisitos

referidos na lei e prestar-lhe toda a informação e esclarecimento sobre a situação clínica que o afeta, bem

como sobre os tratamentos aplicáveis, viáveis e disponíveis, designadamente na área dos cuidados paliativos,

e sobre o respetivo prognóstico. Apenas após este processo se verifica se o doente mantém e reitera a sua

vontade, devendo a decisão do doente ser registada por escrito, datada e assinada.

O BE propõe que tanto a informação e o parecer prestados pelo médico, como a declaração do doente,

assinados por ambos, integrem o RCE, e que, caso o parecer do médico orientador não seja favorável à

antecipação da morte do doente, o procedimento em curso seja cancelado e dado por encerrado, sendo o

doente informado dessa decisão e dos seus fundamentos, podendo o procedimento ser reiniciado com novo

pedido de abertura.

Após o parecer favorável do médico orientador, propõe-se proceder à consulta de outro médico,

especialista na patologia que afeta o doente, e cujo parecer deverá confirmar ou não que estão reunidas as

condições, bem como o diagnóstico e prognóstico da situação clínica e a natureza grave e incurável da

doença ou a condição definitiva e de gravidade extrema da lesão. O parecer fundamentado do médico

especialista deverá também ser emitido por escrito, datado e assinado por ele e deverá integrar o RCE.

Caso este parecer não seja favorável à antecipação da morte do doente, o procedimento em curso será

cancelado e dado por encerrado e o doente informado dessa decisão e dos seus fundamentos pelo médico

orientador. No caso de parecer favorável por parte do médico especialista, o médico orientador deverá

informar o doente do conteúdo daquele parecer, após o que deverá novamente verificar se o doente mantém e

reitera a sua vontade, devendo a decisão do doente ser registada por escrito, e, juntamente com o parecer ou

pareceres alternativos emitidos pelo médico ou médicos especialistas, integrar o RCE.

Se o doente padecer de mais do que uma lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e

incurável, o médico orientador deverá decidir qual a especialidade médica a consultar.

Propõe-se depois que seja obrigatório o parecer de um médico especialista em psiquiatria, sempre que

existam dúvidas sobre a capacidade da pessoa para solicitar a antecipação da morte revelando uma vontade

séria, livre e esclarecida, ou sempre que se admita que a pessoa seja portadora de perturbação psíquica ou

condição médica que afete a sua capacidade de tomar decisões. O procedimento deverá ser cancelado e o

doente informado da decisão e dos seus fundamentos se o médico especialista em psiquiatria confirmar

qualquer uma das situações referidas anteriormente. Tal como nas outras situações, o parecer do médico

especialista em psiquiatria deverá ser emitido por escrito, datado e assinado pelo próprio e integrar o RCE.

A avaliação necessária para a elaboração do parecer referido envolve, sempre que a condição específica

do doente assim o exija, a colaboração de um especialista em psicologia clínica.

Se o parecer do médico especialista em psiquiatria for favorável, deverão ser aplicados os procedimentos

especificados anteriormente em casos similares.

Quando os pareceres forem favoráveis, e quando estiver reconfirmada a vontade do doente, deverá ser

remetida cópia do RCE para a Comissão de Verificação e Avaliação dos Procedimentos Clínicos de

Antecipação da Morte (CVA), proposta no artigo 24.º, solicitando parecer sobre o cumprimento dos requisitos e

das fases anteriores do procedimento, que deve ser elaborado no prazo máximo de 5 dias úteis.

Em caso de dúvidas da CVA, esta deve convocar os médicos envolvidos no procedimento para prestar

declarações, podendo ainda solicitar a remessa de documentos adicionais que considere necessários. Em

caso de parecer desfavorável da CVA, o procedimento em curso é cancelado, podendo ser reiniciado com

novo pedido de abertura, nos termos especificados anteriormente. Devem neste caso ser seguidos os

procedimentos anteriormente especificados relativos à informação prestada ao doente.

No caso de parecer favorável da CVA, o médico orientador, de acordo com a vontade do doente, combina

o dia, hora, local e método a utilizar para a antecipação da morte, devendo informar e esclarecer o doente

sobre os métodos disponíveis para praticar a antecipação da morte, designadamente a autoadministração de

fármacos letais pelo próprio doente ou a administração pelo médico ou profissional de saúde devidamente

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habilitado para o efeito mas sob supervisão médica, sendo a decisão da responsabilidade exclusiva do doente.

Esta decisão deve ser consignada por escrito, datada e assinada pelo doente, ou pela pessoa por si

designada, e integrada no RCE.

Propõe-se que após consignação da decisão, o médico orientador remeta cópia do RCE respetivo para a

Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), podendo esta acompanhar presencialmente o procedimento

de concretização da decisão do doente.

Se o doente ficar inconsciente antes da data marcada para a antecipação da morte, o procedimento é

interrompido e não se realiza, salvo se o doente recuperar a consciência e mantiver a sua decisão.

Passando depois à fase de administração de fármacos letais, o projeto do BE propõe que esta seja feita,

obrigatoriamente, em presença do médico orientador e outro profissional de saúde, podendo estar presentes

outros profissionais de saúde por indicação do médico orientador, assim como pessoas indicadas pelo doente,

desde que acauteladas condições clínicas e de conforto.

Deve mais uma vez confirmar-se se o doente mantém a vontade de antecipar a sua morte, na presença de

uma ou mais testemunhas, devidamente identificadas no RCE, e caso tal não aconteça, o procedimento em

curso é cancelado e dado por encerrado, o que é inscrito em documento escrito de acordo com os

procedimentos anteriormente especificados.

Propõe-se na iniciativa que a decisão do doente em qualquer fase do procedimento clínico de antecipação

da morte seja estritamente pessoal e indelegável, podendo ser substituído por pessoa da sua confiança, por si

designada apenas para esse efeito caso não reúna as faculdades necessárias. A pessoa designada pelo

doente para o substituir nos termos do número anterior não pode vir a obter benefício direto ou indireto da

morte do doente, nomeadamente vantagem patrimonial, nem ter interesse sucessório.

A revogação do pedido de antecipar a morte cancela o procedimento clínico em curso, devendo a decisão

ser inscrita no RCE pelo médico orientador.

Quanto aos locais autorizados, a escolha para a prática da morte medicamente assistida caberá ao doente,

sendo que, preferencialmente, pode ser praticada nos estabelecimentos de saúde do Serviço Nacional de

Saúde e dos setores privado e social que estejam devidamente licenciados e autorizados para a prática de

cuidados de saúde, disponham de internamento e de local adequado e com acesso reservado.

Caso o doente escolha um local diferente dos referidos, o médico orientador deve certificar que o mesmo

dispõe de condições clínicas e de conforto adequadas para o efeito.

A verificação da morte e a certificação do óbito obedecem à legislação em vigor, devendo as respetivas

cópias ser arquivadas no RCE.

O projeto do BE passa depois ao RCE – que se inicia com o pedido de antecipação da morte redigido pelo

doente, ou pela pessoa por si designada – e ao relatório final, especificando-se os elementos que deles devem

constar.

O «Capítulo III» é dedicado aos «Direitos e deveres dos profissionais de saúde», definindo quais os

profissionais de saúde habilitados, quais os seus deveres, o sigilo profissional e confidencialidade da

informação, a objeção de consciência e a responsabilidade disciplinar.

No «Capítulo IV» abordam-se as questões de «Fiscalização e avaliação», por parte da IGAS e da CVA,

definindo-se, neste último caso, a sua composição e funcionamento, bem com a metodologia dos processos

de verificação e avaliação.

O BE propõe que a CVA seja composta por cinco personalidades de reconhecido mérito que garantam

especial qualificação nas áreas de conhecimento relacionadas com a aplicação da presente lei,

nomeadamente: a) Um jurista indicado pelo Conselho Superior da Magistratura; b) Um jurista indicado pelo

Conselho Superior do Ministério Público; c) Um médico indicado pela Ordem dos Médicos; d) Um enfermeiro

indicado pela Ordem dos Enfermeiros; e) Um especialista em bioética indicado pelo Conselho Nacional de

Ética para as Ciências da Vida.

O «Capítulo V» especifica as alterações legislativas previstas, nomeadamente as alterações aos artigos

134.º, 135.º e 139.º do Código Penal, seguindo-se, no «Capítulo VI» as «Disposições finais e transitórias»,

estipulando-se, entre outros, que o Governo aprova, no prazo máximo de 90 dias após a publicação da

presente lei, a respetiva regulamentação, que nos dois primeiros anos de vigência da presente lei, a CVA

deverá apresentar semestralmente à Assembleia da República um relatório de avaliação, e que a presente lei

entrará em vigor 30 dias após a publicação da respetiva regulamentação.

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• Projeto de Lei n.º 74/XV/1.ª (PS) – Regula as condições em que a morte medicamente assistida

não é punível, e altera o Código Penal

O Projeto de Lei n.º 74/XV/1.ª, tal como no caso do BE, é a terceira iniciativa que um grupo de Deputados

do Grupo Parlamentar do PS apresenta à Assembleia da República sobre a morte medicamente assistida.

Nele, os Deputados subscritores da iniciativa começam por frisar que «O processo legislativo que regula as

condições em que a morte medicamente assistida não é punível é reiniciado neste projeto-lei após o exercício

de veto político pelo Sr. Presidente da República no final da última Legislatura.»

Acrescentando que o referido veto interpela os Deputados do PS a «clarificar o texto então aprovado por

larguíssima maioria na Assembleia da República, na medida em que a não uniformização formal de um

conceito operativo importante colocaria dúvidas acerca do alcance normativo do diploma.»

No entanto, não pretendem os Deputados do PS «retomar o longíssimo debate material que atravessou

duas legislaturas, debate esse que foi aberto à sociedade com uma profundidade ímpar, mas de corresponder

ao sentido do veto do Senhor Presidente da República.»

Assim, e à semelhança do Projeto de Lei n.º 5/XV/1.ª (BE), também este projeto de um grupo de

Deputados do PS resulta do processo de especialidade dos Projetos de Lei n.os 104/XIV/1.ª (PS), 168/XIV/1.ª

4/XIV/1.ª (BE), 67/XIV/1.ª (PAN), 168/XIV/1.ª (PEV) e 195/XIV1.ª (IL), que, após Acórdão do Tribunal

Constitucional n.º 123/2021, foi alterado em conjunto pelos mesmos Partidos, a partir de uma proposta do

grupo parlamentar do PS, proposta essa que deu origem ao Decreto objeto do mencionado veto político.

Os Deputados do PS pretendem agora «revisitar o texto comum com as alterações introduzidas em

consequência do Acórdão do Tribunal Constitucional, desta feita corrigindo os aquilo que justificou o veto

político do Presidente da República. Os equívocos formais ficam, pois, desfeitos com a uniformização em

todos os preceitos do conceito de doença grave e incurável, aproveitando-se para empregar uniformemente,

também, o conceito de morte medicamente assistida.»

A iniciativa dos Deputados do PS visa regular as condições especiais em que a antecipação da morte

medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal, propondo, para os efeitos, no artigo 2.º do

«Capítulo I – Disposições gerais», as definições de «Morte medicamente assistida», «Suicídio medicamente

assistido», «Eutanásia», «Doença grave e incurável», «Lesão definitiva de gravidade extrema», «Sofrimento

de grande intensidade», «Médico orientador» e «Médico especialista».

Considera-se que morte medicamente assistida não punível será a que ocorre por decisão da própria

pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento

intolerável, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável, e quando praticada ou

ajudada por profissionais de saúde. E como legítimos apenas os pedidos de morte medicamente assistida

apresentados por cidadãos nacionais ou legalmente residentes em território nacional.

A morte medicamente assistida poderá ocorrer 1) por suicídio medicamente assistido ou 2) por eutanásia,

sendo que o pedido subjacente à decisão prevista no 1) obedece a procedimento clínico e legal, de acordo

com o disposto na presente iniciativa, e pode ser livremente revogado a qualquer momento, nos termos do seu

artigo 12.º

O «Capítulo II – Procedimento» abrange a «Abertura do procedimento clínico», «Parecer do médico

orientador», «Confirmação por médico especialista», «Confirmação por médico especialista em psiquiatria»,

«Parecer da Comissão de Verificação e Avaliação», «Concretização da decisão do doente», «Administração

dos fármacos letais», «Decisão pessoal e indelegável», «Revogação», «Locais autorizados»,

«Acompanhamento», «Verificação da morte e certificação do óbito», «Registo Clínico Especial» e «Relatório

Final».

Os proponentes começam por estipular as normas para o pedido de abertura do procedimento clínico de

antecipação da morte, propondo que não sejam admitidos os pedidos de doentes sujeitos a processo judicial

para aplicação do regime do maior acompanhado, enquanto o mesmo se encontrar pendente, e que ao doente

deva sempre ser garantido, querendo, o acesso a cuidados paliativos.

O médico orientador deverá emitir parecer fundamentado sobre se o doente cumpre todos os requisitos

referidos na lei e prestar-lhe toda a informação e esclarecimento sobre a situação clínica que o afeta, bem

como sobre os tratamentos aplicáveis, viáveis e disponíveis, designadamente na área dos cuidados paliativos,

e sobre o respetivo prognóstico. Apenas após este processo se verifica se o doente mantém e reitera a sua

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vontade, devendo a decisão do doente ser registada por escrito, datada e assinada.

Os Deputados do PS propõem que tanto a informação e o parecer prestados pelo médico, como a

declaração do doente, assinados por ambos, integrem o RCE, e que, caso o parecer do médico orientador não

seja favorável à antecipação da morte do doente, o procedimento em curso seja cancelado e dado por

encerrado, sendo o doente informado dessa decisão e dos seus fundamentos, podendo o procedimento ser

reiniciado com novo pedido de abertura.

Após o parecer favorável do médico orientador, propõe-se proceder à consulta de outro médico,

especialista na patologia que afeta o doente, e cujo parecer deverá confirmar ou não que estão reunidas as

condições, bem como o diagnóstico e prognóstico da situação clínica e a natureza grave e incurável da

doença ou a condição definitiva e de gravidade extrema da lesão. O parecer fundamentado do médico

especialista deverá também ser emitido por escrito, datado e assinado por ele e deverá integrar o RCE.

Caso este parecer não seja favorável à antecipação da morte do doente, o procedimento em curso será

cancelado e dado por encerrado e o doente informado dessa decisão e dos seus fundamentos pelo médico

orientador. No caso de parecer favorável por parte do médico especialista, o médico orientador deverá

informar o doente do conteúdo daquele parecer, após o que deverá novamente verificar se o doente mantém e

reitera a sua vontade, devendo a decisão do doente ser registada por escrito, e, juntamente com o parecer ou

pareceres alternativos emitidos pelo médico ou médicos especialistas, integrar o RCE.

Se o doente padecer de mais do que uma lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e

incurável, o médico orientador deverá decidir qual a especialidade médica a consultar.

Propõe-se depois que seja obrigatório o parecer de um médico especialista em psiquiatria, sempre que

existam dúvidas sobre a capacidade da pessoa para solicitar a antecipação da morte revelando uma vontade

séria, livre e esclarecida, ou sempre que se admita que a pessoa seja portadora de perturbação psíquica ou

condição médica que afete a sua capacidade de tomar decisões. O procedimento deverá ser cancelado e o

doente informado da decisão e dos seus fundamentos se o médico especialista em psiquiatria confirmar

qualquer uma das situações referidas anteriormente. Tal como nas outras situações, o parecer do médico

especialista em psiquiatria deverá ser emitido por escrito, datado e assinado pelo próprio e integrar o RCE.

A avaliação necessária para a elaboração do parecer referido envolve, sempre que a condição específica

do doente assim o exija, a colaboração de um especialista em psicologia clínica.

Se o parecer do médico especialista em psiquiatria for favorável, deverão ser aplicados os procedimentos

especificados anteriormente em casos similares.

Quando os pareceres forem favoráveis, e quando estiver reconfirmada a vontade do doente, deverá ser

remetida cópia do RCE para a Comissão de Verificação e Avaliação dos Procedimentos Clínicos de Morte

Medicamente Assistida (CVA), proposta no artigo 24.º, solicitando parecer sobre o cumprimento dos requisitos

e das fases anteriores do procedimento, que deve ser elaborado no prazo máximo de 5 dias úteis.

Em caso de dúvidas da CVA, esta deve convocar os médicos envolvidos no procedimento para prestar

declarações, podendo ainda solicitar a remessa de documentos adicionais que considere necessários. Em

caso de parecer desfavorável da CVA, o procedimento em curso é cancelado, podendo ser reiniciado com

novo pedido de abertura, nos termos especificados anteriormente. Devem neste caso ser seguidos os

procedimentos anteriormente especificados relativos à informação prestada ao doente.

No caso de parecer favorável da CVA, o médico orientador, de acordo com a vontade do doente, combina

o dia, hora, local e método a utilizar para a antecipação da morte, devendo informar e esclarecer o doente

sobre os métodos disponíveis para praticar a antecipação da morte, designadamente a autoadministração de

fármacos letais pelo próprio doente ou a administração pelo médico ou profissional de saúde devidamente

habilitado para o efeito mas sob supervisão médica, sendo a decisão da responsabilidade exclusiva do doente.

Esta decisão deve ser consignada por escrito, datada e assinada pelo doente, ou pela pessoa por si

designada, e integrada no RCE.

Propõe-se que após consignação da decisão, o médico orientador remeta cópia do RCE respetivo para a

Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), podendo esta acompanhar presencialmente o procedimento

de concretização da decisão do doente.

Se o doente ficar inconsciente antes da data marcada para a antecipação da morte, o procedimento é

interrompido e não se realiza, salvo se o doente recuperar a consciência e mantiver a sua decisão.

Passando depois à fase de administração de fármacos letais, o projeto do BE propõe que esta seja feita,

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obrigatoriamente, em presença do médico orientador e outro profissional de saúde, podendo estar presentes

outros profissionais de saúde por indicação do médico orientador, assim como pessoas indicadas pelo doente,

desde que acauteladas condições clínicas e de conforto.

Deve mais uma vez confirmar-se se o doente mantém a vontade de requerer a morte medicamente

assistida, na presença de uma ou mais testemunhas, devidamente identificadas no RCE, e caso tal não

aconteça, o procedimento em curso é cancelado e dado por encerrado, o que é inscrito em documento escrito

de acordo com os procedimentos anteriormente especificados.

Os Deputados do PS propõem, nesta iniciativa, que a decisão do doente em qualquer fase do

procedimento clínico de antecipação da morte seja estritamente pessoal e indelegável, podendo ser

substituído por pessoa da sua confiança, por si designada apenas para esse efeito caso não reúna as

faculdades necessárias. A pessoa designada pelo doente para o substituir nos termos do número anterior não

pode vir a obter benefício direto ou indireto da morte do doente, nomeadamente vantagem patrimonial, nem ter

interesse sucessório.

A revogação do pedido de antecipar a morte cancela o procedimento clínico em curso, devendo a decisão

ser inscrita no RCE pelo médico orientador.

Quanto aos locais autorizados, a escolha para a prática da morte medicamente assistida caberá ao doente,

sendo que, preferencialmente, pode ser praticada nos estabelecimentos de saúde do Serviço Nacional de

Saúde e dos setores privado e social que estejam devidamente licenciados e autorizados para a prática de

cuidados de saúde, disponham de internamento e de local adequado e com acesso reservado.

Caso o doente escolha um local diferente dos referidos, o médico orientador deve certificar que o mesmo

dispõe de condições clínicas e de conforto adequadas para o efeito.

A verificação da morte e a certificação do óbito obedecem à legislação em vigor, devendo as respetivas

cópias ser arquivadas no RCE.

O projeto dos Deputados do PS passa depois ao Registo Clínico Especial (RCE) – que se inicia com o

pedido de antecipação da morte redigido pelo doente, ou pela pessoa por si designada – e ao Relatório final,

especificando-se os elementos que deles devem constar.

O «Capítulo III – Direitos e deveres dos profissionais de saúde», define quais os profissionais de saúde

habilitados, quais os seus deveres, o sigilo profissional e confidencialidade da informação, a objeção de

consciência e a responsabilidade disciplinar.

No «Capítulo IV» abordam-se as questões de «Fiscalização e avaliação», por parte da IGAS e da CVA,

definindo-se, neste último caso, a sua composição e funcionamento, bem com a metodologia dos processos

de verificação e avaliação.

À semelhança do BE, também os Deputados do PS propõem que a CVA seja composta por cinco

personalidades de reconhecido mérito que garantam especial qualificação nas áreas de conhecimento

relacionadas com a aplicação da presente lei, nomeadamente: a) Um jurista indicado pelo Conselho Superior

da Magistratura; b) Um jurista indicado pelo Conselho Superior do Ministério Público; c) Um médico indicado

pela Ordem dos Médicos; d) Um enfermeiro indicado pela Ordem dos Enfermeiros; e) Um especialista em

bioética indicado pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.

O «Capítulo V» especifica as alterações legislativas previstas, nomeadamente as alterações aos artigos

134.º, 135.º e 139.º do Código Penal, seguindo-se, no «Capítulo VI» as «Disposições finais e transitórias»,

estipulando-se, entre outros, que o Governo aprova, no prazo máximo de 90 dias após a publicação da

presente lei, a respetiva regulamentação, que nos dois primeiros anos de vigência da presente lei, a CVA

deverá apresentar semestralmente à Assembleia da República um relatório de avaliação, e que a presente lei

entrará em vigor 30 dias após a publicação da respetiva regulamentação.

• Projeto de Lei n.º 83/XV/1.ª (PAN) – Regula as condições em que a morte medicamente assistida

não é punível e procede à alteração do Código Penal

À semelhança dos dois casos anteriores, também esta é a terceira vez que o PAN apresenta à Assembleia

da República uma iniciativa sobre a morte mediamente assistida.

Na «Exposição de motivos», a Deputada única representante do PAN começa por salientar as evoluções

da ciência e da medicina e as suas consequências na longevidade humana, referindo um relatório recente da

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Organização Mundial de Saúde (OMS), no qual Portugal surge com uma esperança média de vida de 81,1

anos, com tendência para crescer.

No entanto, acrescenta, «Apesar dos inúmeros avanços da medicina, existem, porém, ainda muitas

doenças ou lesões que permanecem sem cura. Ainda que seja inevitável, parece existir na nossa sociedade

um certo receio em discutir questões relacionadas com o fim de vida, tema este cuja complexidade e

diferentes sensibilidades se reconhece.

A existência de alta tecnologia na medicina moderna, por possibilitar o aumento do número de anos de

vida, coloca novos desafios, como a necessidade de estabelecimento de critérios para uma boa prática clínica

numa fase final da vida, de prestação de todos os cuidados médicos que se afigurem necessários e a também

a discussão em torno da questão da morte medicamente assistida, em face da das contraposições entre a

quantidade e a qualidade de vida.»

Frisando que o PAN sempre mostrou interesse em discutir o tema da morte medicamente assistida, tema

que consta dos seus programas eleitorais às últimas eleições legislativas, a Deputada única representante

daquele Partido afirma que «Por sermos favoráveis à autodeterminação, e no respeito pela autonomia e

liberdade, por entendermos que esta matéria já foi profundamente discutida na anterior legislatura e por existir

nesta nova legislatura uma maioria política favorável à consagração da não-punibilidade da morte

medicamente assistida, decidimos trazer novamente este tema a debate. Acreditamos que esta representa a

vontade maioritária da sociedade.»

Nos argumentos e motivos justificativos da presente iniciativa, o PAN configura a morte medicamente

assistida «como o ato de antecipar a morte que ocorre por decisão da própria pessoa, em exercício do seu

direito fundamental à autodeterminação e livre desenvolvimento da personalidade, quando praticada ou

ajudada por profissionais de saúde, quando não existem quaisquer perspetivas de cura.»

Assim, a morte medicamente assistida pode, de acordo com o PAN, concretizar-se de duas formas:

«eutanásia, quando o fármaco letal é administrado por um médico, e suicídio medicamente assistido, quando é

o próprio doente a autoadministrar o fármaco letal, sob a orientação e supervisão de um médico.»

Assim, para o PAN, o objetivo do recurso à morte medicamente assistida é permitir acabar com a situação

de sofrimento irreversível em que alguém se encontra, no caso de um paciente que esteja numa situação

clínica relativamente à qual não se vislumbra qualquer esperança de melhoria – «(…) sabendo aqueles

doentes qual o seu destino, aquilo que no fundo estão a escolher, quando formulam um pedido de morte

medicamente assistida, é entre duas formas de morrer, isto é, entre uma morte digna e uma morte decorrente

da doença, a qual acabará por ocorrer em situação de sofrimento.»

Depois de várias citações de especialistas em Medicina e Direito, a Deputada única representante do PAN

refere que a morte assistida se destina a doentes conscientes, lúcidos e cuja vontade foi manifestamente

expressa, motivo pelo qual esta é sempre a pedido do paciente, entrando assim na questão de eventuais

abusos que, a pretexto da aprovação da lei, possam vir a ocorrer.

«Desde que se assegure o cumprimento desta regra, não cremos que existirão abusos. Ainda assim, a

possibilidade de existência de eventuais abusos não pode impedir o legislador de legislar sobre determinadas

matérias. Tais riscos obrigarão outrossim o legislador a ser mais cauteloso, devendo estabelecer mecanismos

claros e exigentes de fiscalização e fazer um acompanhamento constante da aplicação da lei, de forma a fazer

os ajustes que sejam necessários.»

A Deputada proponente vê a despenalização e regulamentação em Portugal da morte medicamente

assistida como uma expressão concreta dos direitos individuais à autonomia e à liberdade de convicção e de

consciência. E considera que a possibilidade de acesso à morte medicamente assistida é mais um passo

importante e necessário no reconhecimento daqueles direitos.

Assim, o Projeto de Lei n.º 83/XV/1.ª visa regular as condições especiais em que a antecipação da morte

medicamente assistida não é punível e altera o Código Penal, propondo, para os efeitos, no artigo 2.º do

«Capítulo I – Disposições gerais», as definições de «Morte medicamente assistida», «Suicídio medicamente

assistido», «Eutanásia», «Doença grave ou incurável», «Lesão definitiva de gravidade extrema»,

«Sofrimento», «Médico orientador» e «Médico especialista».

Considera-se que morte medicamente assistida não punível será a que ocorre por decisão da própria

pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento

intolerável, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável, e quando praticada ou

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ajudada por profissionais de saúde. E como legítimos apenas os pedidos de morte medicamente assistida

apresentados por cidadãos nacionais ou legalmente residentes em território nacional.

A morte medicamente assistida poderá ocorrer 1) por suicídio medicamente assistido ou 2) por eutanásia,

sendo que o pedido subjacente à decisão prevista no 1) obedece a procedimento clínico e legal, de acordo

com o disposto na presente iniciativa, e pode ser livremente revogado a qualquer momento, nos termos do seu

artigo 12.º

O «Capítulo II – Procedimento» abrange a «Abertura do procedimento clínico», «Parecer do médico

orientador», «Confirmação por médico especialista», «Confirmação por médico especialista em psiquiatria»,

«Parecer da Comissão de Verificação e Avaliação», «Concretização da decisão do doente», «Administração

dos fármacos letais», «Decisão pessoal e indelegável», «Revogação», «Locais autorizados»,

«Acompanhamento» «Verificação da morte e certificação do óbito», «Registo Clínico Especial» (RCE) e

«Relatório Final».

A Deputada proponente estipula as normas para o pedido de abertura do procedimento clínico de

antecipação da morte, propondo que não sejam admitidos os pedidos de doentes sujeitos a processo judicial

para aplicação do regime do maior acompanhado, enquanto o mesmo se encontrar pendente, e que ao doente

deva sempre ser garantido, querendo, o acesso a cuidados paliativos.

O médico orientador deverá emitir parecer fundamentado sobre se o doente cumpre todos os requisitos

referidos na lei e prestar-lhe toda a informação e esclarecimento sobre a situação clínica que o afeta, bem

como sobre os tratamentos aplicáveis, viáveis e disponíveis, designadamente na área dos cuidados paliativos,

e sobre o respetivo prognóstico. Apenas após este processo se verifica se o doente mantém e reitera a sua

vontade, devendo a decisão do doente ser registada por escrito, datada e assinada.

Propõe-se que tanto a informação e o parecer prestados pelo médico, como a declaração do doente,

assinados por ambos, integrem o RCE, e que, caso o parecer do médico orientador não seja favorável à

antecipação da morte do doente, o procedimento em curso seja cancelado e dado por encerrado, sendo o

doente informado dessa decisão e dos seus fundamentos, podendo o procedimento ser reiniciado com novo

pedido de abertura.

Após o parecer favorável do médico orientador, propõe-se proceder à consulta de outro médico,

especialista na patologia que afeta o doente, e cujo parecer deverá confirmar ou não que estão reunidas as

condições, bem como o diagnóstico e prognóstico da situação clínica e a natureza incurável da doença ou a

condição definitiva da lesão. O parecer fundamentado do médico especialista deverá também ser emitido por

escrito, datado e assinado por ele e deverá integrar o RCE.

Caso este parecer não seja favorável à antecipação da morte do doente, o procedimento em curso será

cancelado e dado por encerrado e o doente informado dessa decisão e dos seus fundamentos pelo médico

orientador. No caso de parecer favorável por parte do médico especialista, o médico orientador deverá

informar o doente do conteúdo daquele parecer, após o que deverá novamente verificar se o doente mantém e

reitera a sua vontade, devendo a decisão do doente ser registada por escrito, e, juntamente com o parecer ou

pareceres alternativos emitidos pelo médico ou médicos especialistas, integrar o RCE.

Se o doente padecer de mais do que uma lesão definitiva ou doença incurável, o médico orientador deverá

decidir qual a especialidade médica a consultar.

Propõe-se depois que seja obrigatório o parecer de um médico especialista em psiquiatria, sempre que

existam dúvidas sobre a capacidade da pessoa para solicitar a antecipação da morte revelando uma vontade

séria, livre e esclarecida, ou sempre que se admita que a pessoa seja portadora de perturbação psíquica ou

condição médica que afete a sua capacidade de tomar decisões. O procedimento deverá ser cancelado e o

doente informado da decisão e dos seus fundamentos se o médico especialista em psiquiatria confirmar

qualquer uma das situações referidas anteriormente. Tal como nas outras situações, o parecer do médico

especialista em psiquiatria deverá ser emitido por escrito, datado e assinado pelo próprio e integrar o RCE.

A avaliação necessária para a elaboração do parecer referido envolve, sempre que a condição específica

do doente assim o exija, a colaboração de um especialista em psicologia clínica.

Se o parecer do médico especialista em psiquiatria for favorável, deverão ser aplicados os procedimentos

especificados anteriormente em casos similares.

Quando os pareceres forem favoráveis, e quando estiver reconfirmada a vontade do doente, deverá ser

remetida cópia do RCE para a Comissão de Verificação e Avaliação dos Procedimentos Clínicos de

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Antecipação da Morte (CVA), proposta no artigo 24.º, solicitando parecer sobre o cumprimento dos requisitos e

das fases anteriores do procedimento, que deve ser elaborado no prazo máximo de 5 dias úteis.

Em caso de dúvidas da CVA, esta deve convocar os médicos envolvidos no procedimento para prestar

declarações, podendo ainda solicitar a remessa de documentos adicionais que considere necessários. Em

caso de parecer desfavorável da CVA, o procedimento em curso é cancelado, podendo ser reiniciado com

novo pedido de abertura, nos termos especificados anteriormente. Devem neste caso ser seguidos os

procedimentos anteriormente especificados relativos à informação prestada ao doente.

No caso de parecer favorável da CVA, o médico orientador, de acordo com a vontade do doente, combina

o dia, hora, local e método a utilizar para a antecipação da morte, devendo informar e esclarecer o doente

sobre os métodos disponíveis para praticar a antecipação da morte, designadamente a autoadministração de

fármacos letais pelo próprio doente ou a administração pelo médico ou profissional de saúde devidamente

habilitado para o efeito mas sob supervisão médica, sendo a decisão da responsabilidade exclusiva do doente.

Esta decisão deve ser consignada por escrito, datada e assinada pelo doente, ou pela pessoa por si

designada, e integrada no RCE.

Propõe-se que após consignação da decisão, o médico orientador remeta cópia do RCE respetivo para a

Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), podendo esta acompanhar presencialmente o procedimento

de concretização da decisão do doente.

Se o doente ficar inconsciente antes da data marcada para a antecipação da morte, o procedimento é

interrompido e não se realiza, salvo se o doente recuperar a consciência e mantiver a sua decisão.

Passando depois à fase de administração de fármacos letais, o projeto da Deputada única representante

do PAN propõe que esta seja feita, obrigatoriamente, em presença do médico orientador e outro profissional

de saúde, podendo estar presentes outros profissionais de saúde por indicação do médico orientador, assim

como pessoas indicadas pelo doente, desde que acauteladas condições clínicas e de conforto.

Deve mais uma vez confirmar-se se o doente mantém a vontade de antecipar a sua morte, na presença de

uma ou mais testemunhas, devidamente identificadas no RCE, e caso tal não aconteça, o procedimento em

curso é cancelado e dado por encerrado, o que é inscrito em documento escrito de acordo com os

procedimentos anteriormente especificados.

Propõe-se na iniciativa que a decisão do doente em qualquer fase do procedimento clínico de antecipação

da morte seja estritamente pessoal e indelegável, podendo ser substituído por pessoa da sua confiança, por si

designada apenas para esse efeito caso não reúna as faculdades necessárias. A pessoa designada pelo

doente para o substituir nos termos do número anterior não pode vir a obter benefício direto ou indireto da

morte do doente, nomeadamente vantagem patrimonial, nem ter interesse sucessório.

A revogação do pedido de antecipar a morte cancela o procedimento clínico em curso, devendo a decisão

ser inscrita no RCE pelo médico orientador.

Quanto aos locais autorizados, a escolha para a prática da morte medicamente assistida caberá ao doente,

sendo que, preferencialmente, pode ser praticada nos estabelecimentos de saúde do Serviço Nacional de

Saúde e dos setores privado e social que estejam devidamente licenciados e autorizados para a prática de

cuidados de saúde, disponham de internamento e de local adequado e com acesso reservado.

Caso o doente escolha um local diferente dos referidos, o médico orientador deve certificar que o mesmo

dispõe de condições clínicas e de conforto adequadas para o efeito.

A verificação da morte e a certificação do óbito obedecem à legislação em vigor, devendo as respetivas

cópias ser arquivadas no RCE.

O projeto do BE passa depois ao RCE – que se inicia com o pedido de antecipação da morte redigido pelo

doente, ou pela pessoa por si designada – e ao relatório final, especificando-se os elementos que deles devem

constar.

O «Capítulo III» é dedicado aos «Direitos e deveres dos profissionais de saúde», definindo quais os

profissionais de saúde habilitados, quais os seus deveres, o sigilo profissional e confidencialidade da

informação, a objeção de consciência e a responsabilidade disciplinar.

No «Capítulo IV» abordam-se as questões de «Fiscalização e avaliação», por parte da IGAS e da CVA,

definindo-se, neste último caso, a sua composição e funcionamento, bem com a metodologia dos processos

de verificação e avaliação.

E tal como nos dois casos anteriores, também a Deputada única representante do PAN propõe que a CVA

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seja composta por cinco personalidades de reconhecido mérito que garantam especial qualificação nas áreas

de conhecimento relacionadas com a aplicação da presente lei, nomeadamente: a) Um jurista indicado pelo

Conselho Superior da Magistratura; b) Um jurista indicado pelo Conselho Superior do Ministério Público; c) Um

médico indicado pela Ordem dos Médicos; d) Um enfermeiro indicado pela Ordem dos Enfermeiros; e) Um

especialista em bioética indicado pelo Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.

Finalmente, o «Capítulo V» especifica as alterações legislativas previstas, nomeadamente as alterações

aos artigos 134.º, 135.º e 139.º do Código Penal, seguindo-se, no «Capítulo VI» as «Disposições finais e

transitórias», estipulando-se, entre outros, que o Governo aprova, no prazo máximo de 90 dias após a

publicação da presente lei, a respetiva regulamentação, que nos dois primeiros anos de vigência da presente

lei, a CVA deverá apresentar semestralmente à Assembleia da República um relatório de avaliação, e que a

presente lei entrará em vigor 30 dias após a publicação da respetiva regulamentação.

3. Enquadramento constitucional e legal

O artigo 24.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) consagra o direito à vida, determinando que

«A vida humana é inviolável». São esta garantia e proteção do direito à vida constitucionalmente consagrados

que têm servido de fundamentação legal à defesa da proibição da eutanásia e do suicídio medicamente

assistido.

O Código Penal tipifica como crime que: 1) quem matar outra pessoa dominado por compreensível emoção

violenta, compaixão, desespero ou motivo de relevante valor social ou moral que diminuam sensivelmente a

culpa (artigo 133.º – Homicídio Privilegiado), é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos; 2) quem matar outra

pessoa determinado por pedido sério, instante e expresso que ela lhe tenha feito (artigo 134.º – Homicídio a

Pedido da Vítima), é punido com pena de prisão até 3 anos; e 3) quem incitar e ajudar outra pessoa a suicidar-

se (artigo 135.º – Incitamento ou Ajuda ao Suicídio), é punido com pena de prisão até 3 anos.

Por outro lado, decorre do artigo 1.º da CRP o princípio da «dignidade da pessoa humana» que, por sua

vez, tem servido de base de sustentação teórica à opção de despenalização da morte assistida, na qual se

inclui a presente iniciativa.

Esta abordagem está feita de forma exaustiva nas notas técnicas anexas a este parecer, elaboradas pelos

serviços da AR.

4. Direito comparado

Em novembro de 2020, a Divisão de Informação Legislativa Parlamentar (DILP) publicou pela primeira vez

o dossier temático intitulado «Eutanásia e Suicídio Assistido – Enquadramento Internacional», agora

atualizado em abril de 2022.

Trata-se de um estudo comparado dos temas da eutanásia e do suicídio assistido, que colige dados

relativos a 35 diferentes ordenamentos jurídicos a nível mundial, incluindo naturalmente Portugal. Nele se dá a

conhecer, relativamente aos ordenamentos jurídicos pesquisados, os que admitem essas ações, e os que, não

as admitindo, as punem criminalmente.

De acordo com as conclusões deste estudo, «em nenhum dos ordenamentos jurídicos analisados é

possível encontrar a eutanásia enquadrada como homicídio qualificado na respetiva legislação criminal.

Quando não completamente descriminalizada, a eutanásia direta cai sempre, em qualquer deles, na previsão

de uma de três espécies de homicídio: o simples, o privilegiado ou um tipo legal de homicídio criado

especificamente para cobrir a situação da eutanásia.»

Conclui-se ainda que «os principais países europeus decidiram enquadrar juridicamente a interrupção dos

tratamentos clínicos a pacientes em fim de vida, encorajando simultaneamente a prática dos cuidados

paliativos e reforçando os direitos dos doentes.»

Alguns destes exemplos estão expressos nas notas técnicas anexas a este parecer, elaboradas pelos

serviços da AR.

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5. Antecedentes

A despenalização da morte assistida, ou eutanásia, foi apreciada no âmbito da Petição n.º 103/XIII/1.ª –

Solicitam a despenalização da morte assistida, promovida pelo movimento cívico «Direito a morrer com

dignidade», subscrita por 8428 cidadãos, apresentada à AR em 26 de abril de 2016 e apreciada em Plenário

em 1 de fevereiro de 2017.

Também na XIII Legislatura foi apreciada a Petição n.º 250/XIII/2.ª – Toda vida tem dignidade, promovida

pela Fundação Portuguesa pela Vida, subscrita por 14 196 cidadãos, apresentada à AR em 25 de janeiro de

2017 e apreciada em Plenário em 30 de janeiro de 2019.

No âmbito dos Grupos de Trabalho constituídos para apreciação destas petições foram ouvidas várias

entidades. Ambos os processos foram concluídos.

Ainda na XIII Legislatura foram apresentadas, discutidas e rejeitadas na generalidade em Plenário de 29 de

maio de 2018, as seguintes iniciativas:

– Projeto de Lei n.º 418/XIII/2.ª (PAN) – Regula o acesso à morte medicamente assistida;

– Projeto de Lei n.º 773/XIII/3.ª (BE) – Define e regula as condições em que a antecipação da morte, por

decisão da própria pessoa com lesão definitiva ou doença incurável e fatal e que se encontra em sofrimento

duradouro e insuportável, não é punível;

– Projeto de Lei n.º 832/XIII/3.ª (PS) – Procede à quadragésima sétima alteração ao Código Penal e regula

as condições especiais para a prática de eutanásia não punível;

– Projeto de Lei n.º 838/XIII/3.ª (PEV) – Define o regime e as condições em que a morte medicamente

assistida não é punível.

Na XIV Legislatura, foram apresentados e discutidas, as seguintes iniciativas:

– Projeto de Lei n.º 4/XIV/1.ª (BE) – Define e regula as condições em que a antecipação da morte, por

decisão da própria pessoa com lesão definitiva ou doença incurável e fatal e que se encontra em sofrimento

duradouro e insuportável, não é punível;

– Projeto de Lei n.º 67/XIV/1.ª (PAN) – Regula o acesso à morte medicamente assistida;

– Projeto de Lei n.º 104/XIV/1.ª (PS) – Procede à quinquagésima alteração ao Código Penal, regulando as

condições especiais para a prática de eutanásia não punível;

– Projeto de Lei n.º 168/XIV/1.ª (PEV) – Define o regime e as condições em que a morte medicamente

assistida não é punível;

– Projeto de Lei n.º 195/XIV/1.ª (IL) – Regula a antecipação do fim da vida, de forma digna, consciente e

medicamente assistida.

Estas iniciativas deram, primeiro, origem ao Decreto da Assembleia da República n.º 109/XIV, objeto de

veto por inconstitucionalidade. Foram depois reapreciadas e deram origem ao Decreto da Assembleia da

República n.º 199/XIV, objeto de novo veto do Presidente da República, em novembro de 2021.

6. Iniciativas conexas

Verifica-se que, à data de elaboração deste parecer, estão também para apreciação os:

• Projeto de Lei n.º 95/XV/1.ª (CH) – «Realização obrigatória de um referendo sobre a despenalização da

morte medicamente assistida», entrado em 20 de maio de 2022, e que por despacho de Sua Excelência o

Presidente da Assembleia da República, baixou em 25 de maio de 2022 à Comissão de Assuntos

Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias – comissão competente –, em conexão a Comissão de

Saúde.

• Projeto de Lei n.º 111/XV/1.ª (IL) – «Regula as condições em que a morte medicamente assistida não é

punível e altera o Código Penal», entrado em 2 de junho de 2022.

Está pendente a Petição n.º 48/XIV/1.ª – «Referendo sobre a eutanásia», promovida por Dinis da Silva

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Freitas, apresentada à AR em 19 de fevereiro de 2020, e que transitou da XIV para a XV legislatura, de acordo

com o artigo 25.º da Lei do Exercício do Direito de Petição, segundo o qual «As petições não apreciadas na

legislatura em que foram apresentadas não carecem de ser renovadas na legislatura seguinte», uma vez que

a sua apreciação foi iniciada, mas não ficou concluída naquela Legislatura.

Também pendente de apreciação está o Projeto de Resolução n.º 62/XV/1 (CH) – «Realização de um

referendo sobre a despenalização da morte medicamente assistida».

Parte II – Opinião da relatora

A signatária do presente parecer exime-se, nesta sede, de manifestar a sua opinião política sobre os

Projetos de Lei n.os 5/XV/1.ª (BE), 74/XV/1.ª (PS) e 83/XV/1.ª (PAN), a qual é de «elaboração facultativa» nos

termos do n.º 3 do artigo 137.º do Regimento da Assembleia da República.

Parte III – Conclusões

O Grupo Parlamentar do BE apresentou à Assembleia da República, em 29 de março de 2022, o Projeto de

Lei n.º 5/XV/1.ª – «Regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível e altera o

Código Penal».

Posteriormente, a 17 de maio de 2022, um grupo de Deputados do Grupo Parlamentar do PS

apresentaram à Assembleia da República o Projeto de Lei n.º 74/XV/1.ª – «Regula as condições em que a

morte medicamente assistida não é punível, e altera o Código Penal».

E a 20 de maio de 2022, a Deputada única representante do PAN apresentou à Assembleia da República o

Projeto de Lei n.º 83/XV/1.ª – «Regula as condições em que a morte medicamente assistida não é punível e

procede à alteração do Código Penal».

Todas as iniciativas pretendem aprovar e regular as condições em que a morte medicamente assistida não

é punível.

Todas as iniciativas propõem alterações aos artigos 134.º (Homicídio a pedido da vítima), 135.º

(Incitamento ou ajuda ao suicídio) e 139.º (Propaganda do suicídio) do Código Penal, no sentido de prever

como causa de exclusão da ilicitude o «cumprimento das condições estabelecidas pela Lei» a aprovar,

tornando não puníveis as condutas de homicídio a pedido, de ajuda ao suicídio e de propaganda do suicídio

praticadas por profissionais de saúde naquelas condições.

Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de parecer

que os Projetos de Lei n.os 5/XV/1.ª (BE), 74/XV/1.ª (PS) e 83/XV/1.ª (PAN) reúnem os requisitos

constitucionais e regimentais para serem discutidos e votados em Plenário.

Palácio de São Bento, 8 de junho de 2022.

A Deputada relatora, Patrícia Gilvaz — O Presidente da Comissão, Fernando Negrão.

Nota: As Partes I e III do parecer foram aprovadas, por unanimidade, com votos a favor do PS, do PSD, do

CH, do IL, do PCP, do BE e do L, tendo-se registado a ausência do PAN, na reunião da Comissão do dia 8 de

junho de 2022.

Parte IV – Anexos

Anexam-se a nota técnica do Projeto de Lei n.º 5/XV/1.ª (BE), a nota técnica do Projeto de Lei n.º 74/XV/1.ª

(PS) e a nota técnica do Projeto de Lei n.º 83/XV/1.ª (PAN) elaboradas pelos serviços, ao abrigo do disposto

no artigo 131.º do Regimento da Assembleia da República.

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PROJETO DE LEI N.º 8/XV/1.ª

(ALARGA OS PRAZOS DE PRESCRIÇÃO DE CRIMES CONTRA A LIBERDADE E

AUTODETERMINAÇÃO SEXUAL DE MENORES E DO CRIME DE MUTILAÇÃO GENITAL FEMININA,

PROCEDENDO À ALTERAÇÃO DO CÓDIGO PENAL)

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Parte I – Considerandos

I. a) Nota introdutória

A Deputada única representante do partido Pessoas-Animais-Natureza (DURP-PAN) tomou a iniciativa de

apresentar à Assembleia da República, em 29 de março de 2022, o Projeto de Lei n.º 8/XV/1.ª – «Alarga os

prazos de prescrição dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores e do crime de

mutilação genital feminina, procedendo à alteração do Código Penal».

Esta apresentação foi efetuada nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º da Constituição

da República Portuguesa e do artigo 119.º do Regimento da Assembleia da República, reunindo os requisitos

formais previstos no artigo 124.º desse mesmo Regimento.

Por despacho de Sua Excelência o Presidente da Assembleia da República, a iniciativa vertente baixou, em

8 de abril de 2022, à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para emissão do

respetivo parecer.

Foram pedidos pareceres, em 20 de abril de 2022, ao Conselho Superior da Magistratura, ao Conselho

Superior do Ministério Público e à Ordem dos Advogados.

I. b) Do objeto, conteúdo e motivação da iniciativa

Esta iniciativa da DURP-PAN pretende proceder à quinquagésima sexta alteração ao Código Penal – cfr.

artigo 1.º do Projeto de Lei (PJL).

Na exposição de motivos da iniciativa em evidência, a proponente refere que «(…) o constrangimento

causado por este tipo de crimes na vítima, ao qual acresce a especial dificuldade em integrar o sucedido, o

receio de voltar a enfrentar o agressor, a exposição pública da sua intimidade perante as autoridades públicas

e policiais e o receio da revitimização associada a todo o processo levam a que, nestes casos, a/o ofendida/o

acabe por preferir o silêncio e a impunibilidade da/o agressor/a à denúncia do crime e impulso do processo

penal que se mostra muitas vezes moroso e desgastante».

Segundo dados de uma associação identificada na exposição de motivos, «(…) os homens que em

crianças ou jovens foram vítimas deste tipo de abuso apenas denunciam o crime e procuram ajuda, no

mínimo, 20 anos após o abuso, encontrando-se a maioria dos homens na casa dos 35-40 anos quando,

finalmente, sentem que reúnem as condições para o fazer».

Assim sendo, «No atual quadro legal, muito embora a prescrição nunca ocorra antes de a vítima perfazer

23 anos de idade, estes crimes estão prescritos, em alguns casos, há décadas», a que acresce o facto de

«(…) a esta idade e dependendo da relação que a vítima tenha com o/a agressor/a, sendo, por hipótese, o/a

agressor/a progenitor/a da vítima, poderá esta última ainda ser dependente do/a primeiro/a» (sic.)

Lembra ainda a proponente que «A última alteração estrutural às regras de prescrição destes crimes

ocorreu em 2007, sendo que volvidos 15 anos é mais do que urgente que se assegure um quadro legal capaz

de proteger estas vítimas. É premente que se assegure que a vítima se sente preparada, do ponto de vista

emocional, para a revelação do crime e para lidar com todos os aspetos relacionados com o seguimento do

procedimento criminal».

Com base em tais fundamentos, a proponente pugna pela «(…) alteração dos prazos de prescrição de

crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores e do crime de mutilação genital feminina, de

forma a que se passe a assegurar que quando o/a ofendido/a for menor de 14 anos o procedimento criminal

nunca se extinga antes de este/a perfazer 40 anos, e que quando o/a ofendido/a for maior de 14 anos passe a

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haver um prazo de prescrição de 20 anos que nunca poderá, no entanto, ocorrer antes de este/a perfazer 35

anos».

Neste sentido, a DURP-PAN propõe a seguinte alteração ao artigo 118.º, n.º 5 do Código Penal:

• No caso dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores, bem como no crime de

mutilação genital feminina, quando o ofendido seja menor de 14 anos, o procedimento criminal não possa

extinguir-se, por efeito da prescrição, antes de o ofendido perfazer 40 anos, e,

• Quando tais crimes sejam praticados contra maior de 14 anos, o procedimento criminal se extinga, por

efeito da prescrição, logo que sobre a prática dos mesmos tiverem decorrido de 20 anos, não podendo a

prescrição ocorrer antes de o ofendido perfazer 35 anos.

A iniciativa propõe que estas alterações ao Código Penal entrem em vigor «no dia seguinte ao da sua

publicação» – cfr. artigo 3.º do projeto de lei.

I. c) Enquadramento legal

O Capítulo I do Título V da Parte Geral do Código Penal (CP) dispõe sobre a prescrição do procedimento

criminal, uma das causas de extinção da responsabilidade criminal. O artigo 118.º, cuja alteração se propõe,

prevê os prazos de prescrição, que variam entre os 2 e os 15 anos, em função da medida da pena ou do tipo

de crime.

Assim, em função da medida da pena, os prazos de prescrição são de:

– 2 anos, para crimes puníveis com pena inferior a 1 ano de prisão ou quando o crime é apenas punível

com multa;

– 5 anos, para crimes puníveis com uma pena máxima de prisão igual ou superior a 1 ano;

– 10 anos, para crimes puníveis com uma pena máxima de prisão igual ou superior a 5 anos e inferior a 10

anos;

– 15 anos, para crimes puníveis com uma pena máxima de prisão superior a 10 anos.

Os prazos de prescrição reportam-se à moldura penal «normal», ou seja, independentemente de eventuais

circunstâncias atenuantes ou agravantes.

Além disso, relativamente a certo tipo de crimes, estão previstos prazos especiais de prescrição,

independentemente da medida da pena:

– os crimes de corrupção e «afins», cujo prazo de prescrição é de 15 anos [n.º 1, alínea a), do artigo 118.º];

– os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores e o crime de mutilação genital

feminina em que a vítima é menor, casos em que o procedimento criminal não prescreve antes de o ofendido

atingir os 23 anos de idade (n.º 5 do artigo 118.º).

Desde a revisão do Código Penal de 1995, o artigo 118.º sofreu quatro alterações, pelas Leis n.os 59/2007,

de 15 de setembro – que introduziu a regra especial de prescrição dos crimes contra a liberdade e

autodeterminação sexual de menores –, 32/2010, de 2 de setembro, 30/2015, de 22 de abril, e 83/2015, de 4

de setembro.

Em regra, a contagem do prazo de prescrição inicia-se desde o dia em que o facto se tiver consumado

(artigo 119.º), com as seguintes especificidades:

a) Nos crimes permanentes, inicia-se desde o dia em que cessar a consumação;

b) Nos crimes continuados e nos crimes habituais, inicia-se desde o dia da prática do último ato;

c) Nos crimes não consumados, inicia-se desde o dia do último ato de execução.

Alguns factos acarretam a suspensão da prescrição (artigo 120.º), ou a interrupção da prescrição (artigo

121.º) A suspensão faz parar a contagem do prazo de prescrição enquanto se verifique a causa legalmente

prevista, passada a qual a contagem é retomada, ou seja, ao período decorrido antes de se verificar a causa

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de suspensão acresce o período decorrido após essa causa ter desaparecido. Já a interrupção determina a

eliminação do prazo já decorrido e o início de nova contagem após cessação da causa de interrupção; ou seja,

após cada interrupção, o tempo decorrido anteriormente fica sem efeito e o prazo começa a correr de novo

desde o início.

Os crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual encontram-se previstos no Capítulo V do Título I

(Crimes contra as pessoas) da Parte Especial do Código Penal, em duas secções diferentes, que

compreendem, respetivamente:

– Secção I – os crimes de coação sexual (artigo 163.º), violação (artigo 164.º), abuso sexual de pessoa

incapaz de resistência (artigo 165.º), abuso sexual de pessoa internada (artigo 166.º), fraude sexual (artigo

167.º), procriação artificial não consentida (artigo 168.º), lenocínio (artigo 169.º) e importunação sexual (artigo

170.º);

– Secção II – os crimes de abuso sexual de crianças (artigo 171.º), abuso sexual de menores dependentes

ou em situação particularmente vulnerável (artigo 172.º), atos sexuais com adolescentes (artigo 173.º), recurso

à prostituição de menores (artigo 174.º), lenocínio de menores (artigo 175.º), pornografia de menores (artigo

176.º), crime de aliciamento de menores para fins sexuais (artigo 176.º-A) e organização de viagens para fins

de turismo sexual com menores (artigo 176.º-B).

O referido Capítulo V compreende ainda uma Secção III, que contém disposições comuns aos crimes

acima referidos sobre agravação (artigo 177.º), queixa (artigo 178.º) e inibição do poder paternal e proibição do

exercício de funções (artigo 179.º).

I. d) Enquadramento no plano da União Europeia

A União Europeia assume como uma das suas bandeiras por excelência a proteção dos direitos da criança

[artigo 3.º, n.º 3, do Tratado da União Europeia (TUE)] e promove como valores a proteção dos direitos do

Homem, em especial os da criança (artigo 3.º, n.º 5, do TUE).

Consagra igualmente o princípio segundo o qual são concedidos poderes ao Parlamento Europeu e ao

Conselho para estabelecerem regras mínimas relativas à definição das infrações penais e das sanções em

domínios de criminalidade particularmente grave com dimensão transfronteiriça que resulte da natureza ou das

incidências dessas infrações, ou ainda da especial necessidade de as combater, assente em bases comuns,

entre as quais se inclui a exploração sexual de mulheres e crianças (artigo 83.º, n.º 1, do Tratado sobre o

Funcionamento da União Europeia).

Também na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia é possível encontrar disposições que

reforçam o enfoque na criança como prioridade. Com efeito, reconhece este instrumento que as crianças têm

direito à proteção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar (artigo 24.º, n.º 1), sendo sempre aplicável o

princípio da inviolabilidade da dignidade do ser humano (artigo 1.º)

Em 2011, foi adotada a Diretiva da UE sobre o Combate ao Abuso Sexual e à exploração Sexual de

Crianças e a pornografia Infantil (Diretiva 2011/93/UE) referindo que o abuso sexual e a exploração sexual de

crianças, incluindo a pornografia infantil, constituem violações graves dos direitos fundamentais, em especial

do direito das crianças à proteção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar, tal como estabelecido na

Convenção das Nações Unidas de 1989 sobre os Direitos da Criança e na Carta dos Direitos Fundamentais da

União Europeia.

Com efeito, esta Diretiva foi adotada com o intuito de facilitar a repressão dos autores dos crimes,

nomeadamente, ao criminalizar um amplo leque de situações de abuso e de exploração sexual (20 crimes e

tentativas); ao introduzir níveis de penas mais elevados (os níveis máximos estabelecidos pela legislação

nacional não podem ser inferiores a um período de um a dez anos de prisão); ao alargar o prazo de prescrição

após a vítima ter atingido a maioridade mas recaindo sobre os Estados-Membros a adoção de legislação

relativa aos prazos de prescrição da ação penal; ao eliminar os obstáculos à confidencialidade relativamente

às denúncias por parte dos profissionais cuja principal tarefa é o trabalho com crianças; ao introduzir a

jurisdição extraterritorial para os autores de crimes que são nacionais, para que possam ser também

judicialmente perseguidos no seu país de origem por crimes cometidos no estrangeiro; ao exigir a eliminação

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dos obstáculos processuais à perseguição judicial de crimes cometidos no estrangeiro; ao assegurar o acesso

das autoridades policiais a instrumentos de investigação eficazes, tais como os utilizados no caso da

criminalidade organizada e de outros crimes graves, bem como a criação de unidades especiais para

identificar vítimas de pornografia infantil.

Em setembro de 2020, no contínuo esforço contra o combate ao abuso sexual de crianças, a Comissão

propôs um regulamento provisório [COM (2020) 568] para assegurar que os fornecedores de serviços de

comunicações em linha, como o webmail ou os serviços de mensagens, pudessem continuar as suas práticas

voluntárias para detetar e denunciar o abuso sexual de crianças em linha e remover o material sobre abuso

sexual de crianças, uma vez que, a partir de 21 de dezembro de 2020, estes fornecedores ficaram abrangidos

pelo âmbito de aplicação da Diretiva de Privacidade e Comunicações Eletrónicas (Diretiva 2002/58/CE), que

não contém uma base jurídica explícita para tais atividades voluntárias.

Neste contexto, a Europol concluiu que a pandemia de coronavírus está relacionada com o aumento da

partilha em linha de imagens de abusos e com predadores sexuais mais direcionados para as crianças, tendo

identificado no seu Relatório de Atividades do período setembro 2020 a janeiro 2021 a luta contra a exploração

sexual de crianças em linha e destacado que dois em dois minutos era denunciada à polícia da União

Europeia uma infração sexual, seja violação, violência sexual ou agressão, afetando sobretudo mulheres e

crianças.

Por fim, e para complementar e melhorar as atuais atividades da UE nesta matéria, bem como enfrentar os

novos desafios, a Comissão apresentou uma nova estratégia para combater o abuso sexual de crianças, tanto

em linha como fora de linha.

I. e) Enquadramento internacional

ESPANHA

Em Espanha, os crimes de natureza sexual vêm previstos no Título VIII, Libro II, do Código Penal espanhol,

denominado «Delitos contra la libertad e indemnidad sexuales». O Código Penal espanhol prevê, entre outros,

os crimes de agressão sexual (artículo 178), violação (artículo 179), abuso sexual (artículos 181 e 182) e

acoso sexual (artículo 184). Este diploma agrava a moldura penal abstrata dos crimes supra referidos quando

a vítima seja menor de idade ou pessoa especialmente vulnerável em função de deficiência ou de doença

(artículos 180-3.º, 181-5, 182-2 e 184-3).

A moldura penal abstrata prevista para os crimes supra referidos determina o prazo de prescrição a aplicar,

sendo que a sua prescrição terá lugar ao fim de 5 ou 10 anos, dependendo da pena de prisão prevista para o

crime em causa (artículo 131). A regra geral de prescrição aplica-se igualmente aos crimes de abuso e

agressão sexual a menores de 16 anos previstos no Capítulo II bis do Título VIII do Código Penal espanhol.

Contudo, o referido prazo prescricional inicia a sua contagem apenas a partir do momento em que a vítima

menor de idade atinja a maioridade (artículo 132-1, na versão introduzida pela Ley Orgánica 1/2015, de 30 de

marzo). Recentemente, foi aditado um parágrafo ao ponto 1 desta norma, pela Ley Orgánica 8/2021, de 4 de

junio, que entrou em vigor a 25 de junho de 2021. De acordo com tal alteração, nos crimes contra a libertad e

indemnidad sexual, quando a vítima seja menor de 18 anos, o prazo prescricional só iniciará a sua contagem a

partir do momento em que a vítima perfaça 35 anos de idade.

FRANÇA

O Code Penal francês inclui uma secção dedicada às agressões sexuais, denominada «Des agressions

sexuelles», a qual está sistematicamente integrada no capítulo dedicado aos atentados à integridade física ou

moral das pessoas físicas (Section 3, Chapitre II, Titre II, Livre II). Esta secção, para além de conter

disposições gerais, divide-se igualmente em cinco paragraphes: o paragraphe 1, sobre o crime de violação; o

paragraphe 2, sobre outras agressões sexuais; o paragraphe 3, sobre o incesto; o paragraphe 4, sobre a

exibição e o assédio sexual; e o paragraphe 5, sobre a responsabilidade penal dos autores morais.

Nos termos do article 7 do Code de procédure pénale, a ação penal prescreve no prazo de 20 anos

contado da data da prática do crime. Contudo, no caso de violação ou agressões sexuais contra menores de

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15 anos, o crime prescreve no prazo de 30 anos a contar da maioridade das vítimas (article 7 e article 706-47

do Code de procédure pénale).

ITÁLIA

No sistema legal italiano, a liberdade sexual adquire-se aos 14 anos. Por esse motivo, são punidos os atos

sexuais cometidos com menores desta idade, ainda que com o seu consentimento. São também punidos os

atos sexuais praticados com menores de 16 anos, sempre que o seu autor exerça autoridade ou supremacia

sobre a vítima (Art. 609-quarter1).

De acordo com o Art. 157 do Codice Penale, a prescrição ocorre quando decorrido o tempo correspondente

à pena máxima fixada para o crime em concreto, não devendo, contudo, ser inferior a 6 anos no caso de

crime, e de 4 anos em caso de contraordenação.

De acordo com o Art. 609-bis do Codice Penale, qualquer pessoa que, através de violência, ameaças ou

abuso de autoridade, forçar alguém a realizar ou a sofrer atos sexuais é punido com pena de prisão de 6 a 12

anos. Acresce que, nos termos do Art. 609-ter, a pena de prisão é agravado em um terço, no caso da vítima

ser menor de 18 anos (5), sendo aumentada em metade se a vítima for menor de 14 anos, e no dobro se a

vítima for menor de 10 anos.

I. f) Consultas e contributos

Em 20 de abril de 2022, a Comissão solicitou parecer escrito sobre esta iniciativa ao Conselho Superior da

Magistratura, ao Conselho Superior do Ministério Público e à Ordem dos Advogados.

Até à presente data, foram recebidos os pareceres do Conselho Superior da Magistratura e da Ordem dos

Advogados, bem como o contributo da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, que se encontram

disponíveis para consulta na página da iniciativa, na internet – DetalheIniciativa (parlamento.pt).

Parte II – Opinião do relator

O signatário do presente parecer abstém-se, nesta sede, de manifestar a sua opinião política sobre a

iniciativa em evidência, a qual é, de resto, de «elaboração facultativa» nos termos do n.º 3 do artigo 137.º do

Regimento da Assembleia da República.

Parte III – Conclusões

1. A DURP-PAN apresentou à Assembleia da República o Projeto de Lei n.º 8/XV/1.ª – «Alarga os prazos

de prescrição de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores e do crime de mutilação

genital feminina, procedendo à alteração do Código Penal»;

2. A iniciativa pretende alterar o artigo 118.º, n.º 5, do Código Penal, que estabelece o regime de

prescrição dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores, bem como do crime de

mutilação genital feminina, nos termos acima identificados;

3. Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de

parecer que o Projeto de Lei n.º 8/XV/1.ª reúne os requisitos constitucionais e regimentais para ser discutido e

votado em plenário.

Palácio de São Bento, 8 de junho de 2022.

O Deputado relator, Pedro Pinto — O Presidente da Comissão,Fernando Negrão.

1 Diploma retirado do portal oficial NORMATTIVA.IT. Todas as referências relativas à legislação de Itália devem considerar-se remetidas

para o referido portal, salvo indicação expressa em contrário.

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Nota: As Partes I e III parecer foram aprovadas, por unanimidade, com votos a favor do PS, do PSD, do

CH, do IL, do PCP, do BE e do PAN, tendo-se registado a ausência do L, na reunião da Comissão do dia 8 de

junho de 2022.

Parte IV – Anexos

Anexa-se a nota técnica elaborada pelos serviços ao abrigo do disposto no artigo 131.º do Regimento da

Assembleia da República.

———

PROJETO DE LEI N.º 10/XV/1.ª

(ASSEGURA A NOMEAÇÃO DE PATRONO EM ESCALAS DE PREVENÇÃO PARA AS VÍTIMAS

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA)

PROJETO DE LEI N.º 11/XV/1.ª

(PROCEDE À ALTERAÇÃO DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL NO SENTIDO DE ALARGAR O

ÂMBITO DE APLICAÇÃO DE MEDIDA DE COAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA QUANDO DIGA

RESPEITO À EVENTUAL PRÁTICA DE CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA)

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Parte I – Considerandos

I. a) Nota introdutória

O Chega tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República, em 30 de março de 2022, os

Projetos de Lei n.º 10/XV/1.ª – «Assegura a nomeação de patrono em escalas de prevenção para as vítimas

violência doméstica» e n.º 11/XV/1.ª – «Procede à alteração do Código de Processo Penal no sentido de

alargar o âmbito de aplicação de medida de coação de prisão preventiva quando diga respeito à eventual

prática de crime de violência doméstica».

Estas apresentações foram efetuadas nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º da

Constituição da República Portuguesa e do artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República, reunindo

os requisitos formais previstos no artigo 124.º desse mesmo Regimento.

Por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, as iniciativas vertentes baixaram, em 8

de abril, à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para emissão do respetivo

parecer, enquanto comissão competente.

Em 20 de abril passado, foram solicitados pareceres ao Conselho Superior da Magistratura (recebido em

2022-05-12), à Ordem dos Advogados (recebido em 2022-05-09) e à APAV – Associação Portuguesa de

Apoio à Vítima (recebido em 2022-05-06).

I. b) Do objeto, conteúdo e motivação da iniciativa

• Projeto de Lei n.º 10/XV/1.ª (CH) – Assegura a nomeação de patrono em escalas de prevenção

para as vítimas violência doméstica

O Projeto de Lei apresentado pelo Chega visa assegurar a nomeação de patrono em escalas de prevenção

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para as vítimas especialmente vulneráveis, nomeadamente as vítimas de violência doméstica.

Nesta medida, os proponentes justificam a apresentação da iniciativa legislativa em apreço referindo que

não ser suficiente informar a vítima no momento da denúncia de que tem direito a um patrono, e qual o

procedimento para que este seja nomeado, ainda que atualmente este já possa ser designado com carácter

de urgência.

Neste sentido, sustentam que deve ser assegurado a este tipo de vítimas um patrono de forma imediata,

através das escalas de prevenção, bem como, o conhecimento dos seus direitos neste âmbito.

Na exposição de motivos da iniciativa, os proponentes afirmam que «não basta reconhecer às vítimas que

estão numa situação de maior vulnerabilidade», sendo necessário «disponibilizar-lhes ferramentas que

possibilitem atenuar essa circunstância» e notam que segundo o Relatório Anual de Segurança Interna de

2020, o crime de violência doméstica foi o mais denunciado.

A exposição de motivos conclui com os proponentes a sublinharem que «grande parte» das denúncias

acaba por não ter qualquer consequência e a recordarem o teor do parecer do Conselho Superior do Ministério

Público sobre uma iniciativa anterior com escopo idêntico no qual é salientado que a «nomeação oficiosa de

defensor, em escala, apenas está expressamente consagrada para o sujeito processual arguido.»

Em concreto, o projeto de lei é composto por três artigos preambulares:

Artigo 1.º (Objeto) – Onde se estabelece que a presente lei assegura a nomeação de patrono em escalas

de prevenção para as vítimas especialmente vulneráveis, nomeadamente as vítimas de violência doméstica;

Artigo 2.º (Alteração à Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro) – Que procede à alteração dos artigos 11.º

(Direito à informação) e 21.º (Direitos das vítimas especialmente vulneráveis) do Estatuto da Vítima,

estabelecendo-se que no caso de se tratar de vítima especialmente vulnerável tem direito a que seja nomeado

de forma imediata um defensor oficioso;

Artigo 3.º (Alteração à Lei n.º 34/2004, de 29 de julho) – Que procede à alteração do artigo 41.º (Escalas de

prevenção) do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais, passando a prever a nomeação de patrono para

as vítimas especialmente vulneráveis no momento em que lhe é atribuído esse estatuto, nos mesmos termos

que ao arguido.

Artigo 4.º (Entrada em vigor) – Prevê-se a entrada em vigor 30 dias após a sua publicação.

• Projeto de Lei n.º 11/XV/1.ª (CH) – Procede à alteração do Código de Processo Penal no sentido

de alargar o âmbito de aplicação de medida de coação de prisão preventiva quando diga respeito à

eventual prática de crime de violência doméstica

Os proponentes com a presente iniciativa legislativa pretendem proceder à alteração do Código de

Processo Penal (CPP), no sentido de alargar o âmbito de aplicação de medida de coação de prisão preventiva

em contexto de eventual crime de violência doméstica.

Na exposição de motivos o Grupo Parlamentar do Chega faz alusão à adoção da Convenção do Conselho

da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, assinada

em Istanbul em 11 de Maio de 2011, e reconhecem que se «tem sido feito um esforço assinalável ao longo

dos anos para combater esta problemática, que vai desde a ratificação de vários documentos internacionais

sobre esta matéria, à aprovação de planos de combate nacionais, ao aperfeiçoamento da redação do art igo

152.º do Código Penal relativo ao crime de Violência Doméstica, à realização de campanhas de combate a

este flagelo, a verdade é que este continua ainda a ter uma incidência significativa na nossa sociedade».

No entanto, concluem, o crime de violência doméstica, de acordo com os dados do Relatório Anual de

Segurança Interna, de 2020, foi o mais denunciado.1

Os proponentes manifestam igualmente preocupação relativamente à reduzida proporção das denúncias

que resultam em condenações e ao número de femicídios registado no nosso País.

Neste sentido, reconhecem ser necessário melhorar os instrumentos legais e judiciais de modo a garantir-

se uma maior e mais eficaz proteção da vítima, e assegurar as condições para que não voltem a ocorrer

episódios de violência ou situações em que a vítima tem que optar entre continuar a sujeitar-se a estes, ou

abandonar a sua casa e família, a fim de salvaguardar a sua segurança.

11 De acordo com o RASI de 2021 foram registadas 26 520 participações.

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23

Assim, o Chega propõe que seja alterado o Código do Processo Penal, no sentido de salvaguardar que nos

casos de violência doméstica «o juiz, atentos os princípios da proporcionalidade e necessidade, possa

decretar a prisão preventiva independentemente da pena máxima aplicável ser menor do que 5 anos».

A iniciativa em apreço contém três artigos preambulares:

Artigo 1.º (Objeto) – Prevê a alteração do Código de Processo Penal no sentido de alargar o âmbito de

aplicação de medida de coação de prisão preventiva quando diga respeito à eventual prática de crime de

violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º do Código Penal;

Artigo 2.º (Alteração ao Código do Processo Penal) – Altera o artigo 202.º, referente à prisão preventiva, do

CPP, estabelecendo que o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando «Houver fortes indícios de

prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos, ou nos casos em que possa

estar em causa a prática do crime previsto no artigo 152.º do Código Penal»;

Artigo 3.º (Entrada em vigor) – A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

I. c) Enquadramento constitucional e legal

O crime de violência doméstica encontra-se tipificado no artigo 152.º do Código Penal, sendo punido com

pena de prisão de 1 a 5 anos, pena que sobe para 2 a 5 anos em determinadas circunstâncias (elencadas no

n.º 2), podendo ainda chegar aos 2 a 8 anos ou 3 a 10 anos, se resultar em ofensa à integridade física grave

ou morte, respetivamente.

O crime de violência doméstica implica ainda a possibilidade aplicação ao arguido das penas acessórias de

proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de 6 meses a 5 anos,

e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica (n.º 4) e ainda a

inibição do exercício de responsabilidades parentais, da tutela ou do exercício de medidas relativas a maior

acompanhado por um período de 1 a 10 anos (n.º 6).

Como se especifica no n.º 5 daquele artigo, a pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve

incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por

meios técnicos de controlo à distância.

Por seu lado, é a Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que estabelece o «Regime jurídico aplicável à

prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas», diploma que concentra a

legislação em matéria de violência doméstica e que configura o estatuto de vítima no âmbito deste crime

específico.2

Foi com a aprovação do Estatuto da Vítima, em 2015, através da Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro, que

se passou a reconhecer um conjunto de direitos às vítimas de criminalidade, entre os quais o direito à

informação (artigo 11.º), incluindo em que medida e condições é que se concretiza o acesso a consulta

jurídica, apoio judiciário ou outras formas de aconselhamento, proteção e assistência.

Por via deste diploma, passou a ser atribuído às vítimas de violência doméstica, de forma autónoma e

especial, de acordo com o previsto na Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro, e no n.º 3 do artigo 67.º-A do

Código de Processo Penal, um estatuto de vítima especialmente vulnerável.3

2 Capítulo IV, Estatuto de vítima, Secção I – Atribuição, direitos e cessação do estatuto de vítima (artigos 14.º e ss). 3 Artigo 67.º-A (Vítima) 1 – Considera-se:

a) ‘Vítima’:

i) A pessoa singular que sofreu um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou psíquica, um dano emocional ou moral, ou um dano patrimonial, diretamente causado por ação ou omissão, no âmbito da prática de um crime;

ii) Os familiares de uma pessoa cuja morte tenha sido diretamente causada por um crime e que tenham sofrido um dano em consequência dessa morte;

iii) A criança ou jovem até aos 18 anos que sofreu um dano causado por ação ou omissão no âmbito da prática de um crime, incluindo os que sofreram maus-tratos relacionados com a exposição a contextos de violência doméstica;

b) ‘Vítima especialmente vulnerável’, a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social;

c) ‘Familiares’, o cônjuge da vítima ou a pessoa que convivesse com a vítima em condições análogas às dos cônjuges, os seus parentes em linha reta, os irmãos e as pessoas economicamente dependentes da vítima;

d) ‘Criança ou jovem’, uma pessoa singular com idade inferior a 18 anos.

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É a Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, que estabelece o regime de acesso ao direito e aos tribunais. Este

diploma compreende duas vertentes: a informação jurídica e a proteção jurídica. O atual enquadramento

jurídico do sistema de acesso ao direito e aos tribunais assegura que todos podem defender os seus direitos,

garantindo-se que ninguém é prejudicado ou impedido de o fazer em razão da sua condição social ou cultural

ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento e o exercício ou a defesa dos seus direitos. É à

Ordem dos Advogados que compete assegurar a garantia da efetivação desse direito, através da organização

de escalas de advogados em todo o território nacional, garantindo, assim, o acesso ao direito e aos tribunais.4

No que concerne ao instituto da prisão preventiva, matéria objeto do Projeto de lei n.º 11/XV/1.ª, em

análise, refira-se que no plano constitucional determina-se no artigo 28.º da CRP que «a prisão preventiva tem

natureza excecional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra

medida mais favorável prevista na lei». A prisão preventiva constitui, pois, a mais gravosa das medidas de

coação previstas no âmbito do processo penal e é regulada no artigo 202.º do Código do Processo Penal

(CPP).

A aplicação de qualquer medida de coação deve respeitar os princípios e condições gerais previstos nos

artigos 191.º a 194.º e os requisitos gerais a que se refere o artigo 204.º (com exceção do termo de identidade

e residência), isto é, a existência de fuga ou perigo de fuga; de perigo de perturbação do decurso do inquérito

ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova;

ou de perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de

continuação da atividade criminosa ou de perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas.

Tal como prescrito pelo artigo 202.º do CPP, para além destes requisitos gerais, para a determinação da

prisão preventiva, é ainda necessário que as restantes se revelem inadequadas e insuficientes e haja fortes

indícios de prática de: crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos; crime doloso

que corresponda a criminalidade violenta (conceito que integra os crimes dolosos contra a vida, a integridade

física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou a autoridade pública que sejam puníveis

com pena de prisão de máximo igual ou superior a 5 anos); ou crime punível com pena de prisão de máximo

superior a 3 anos de entre os elencados na alínea d) do n.º 1 do artigo 202.º, isto é, crimes dolosos de

terrorismo ou que correspondam a criminalidade altamente organizada, crimes dolosos de ofensa à

integridade física qualificada, furto qualificado, dano qualificado, burla informática e nas comunicações, abuso

de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento, recetação, falsificação ou contrafação

de documento, atentado à segurança de transporte rodoviário e ainda crimes dolosos de detenção de arma

proibida, detenção de armas e outros dispositivos, produtos ou substâncias em locais proibidos ou crime

cometido com arma.

Determina também o artigo 202.º do CPP que pode ainda ser imposta prisão preventiva quando se tratar de

pessoa que tenha entrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual esteja em

curso processo de extradição ou de expulsão.

Por último, uma referência à Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à

Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, instrumento inovador, por tratar-se do primeiro

instrumento internacional legalmente vinculativo, aberto a qualquer país do mundo, que prevê um conjunto

abrangente de medidas para a prevenção e o combate à violência contra as mulheres e a violência doméstica.

E neste âmbito, importa sublinhar que Portugal foi o primeiro país da União Europeia a ratificar a

Convenção de Istambul, em 5 de fevereiro de 2013.

A Convenção reconhece a violência contra as mulheres, simultaneamente, como uma violação dos direitos

humanos e uma forma de discriminação. Este instrumento internacional indica igualmente a abordagem que

deve ser exigida no combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica, apelando efetivamente

2 – Para os efeitos previstos na subalínea ii) da alínea a) do n.º 1 integram o conceito de vítima, pela ordem e prevalência seguinte, o cônjuge sobrevivo não separado judicialmente de pessoas e bens, ou a pessoa que convivesse com a vítima em condições análogas às dos cônjuges, os descendentes e os ascendentes, na medida estrita em que tenham sofrido um dano com a morte, com exceção do autor dos factos que provocaram a morte.

3 – As vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1.

4 – Assistem à vítima os direitos de informação, de assistência, de proteção e de participação ativa no processo penal, previstos neste Código e no Estatuto da Vítima.

5 – A vítima tem direito a colaborar com as autoridades policiais ou judiciárias competentes, prestando informações e facultando provas que se revelem necessárias à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.

4 Portaria n.º 10/2008, de 3 de janeiro – Regulamento da lei de acesso ao direito

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para que todos os organismos: agências, serviços públicos e organizações não governamentais (ONG)

relevantes envolvidas nesta matéria trabalhem em conjunto de forma coordenada.

Estabelece-se também na Convenção um importante mecanismo de monitorização, forte e independente –

através do GREVIO – «Group of Experts on Action against Violence against Women and Domestic Violence».

Este Grupo de peritos está encarregue de monitorizar a implementação da Convenção de Istambul, pelos seus

Estados-parte e de proceder à elaboração dos relatórios de avaliação sobre as medidas legislativas e políticas

adotadas pelos países para implementar as disposições da Convenção.

Os principais objetivos da Convenção de Istanbul são:

– Proteger as mulheres contra todas as formas de violência, e prevenir, processar criminalmente e eliminar

a violência contra as mulheres e a violência doméstica;

– Contribuir para a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres e promover a

igualdade real entre mulheres e homens, incluindo o empoderamento das mulheres;

– Proteger e assistir todas as vítimas de violência contra as mulheres e violência doméstica;

– Promover a cooperação internacional contra estas formas de violência;

– Apoiar e assistir organizações e organismos responsáveis pela aplicação da lei, para que cooperem de

maneira eficaz, a fim de adotar uma abordagem integrada, visando eliminar a violência contra as mulheres e a

violência doméstica.

I. d) Antecedentes parlamentares

Em termos de antecedentes parlamentares refere-se na nota técnica dos serviços (em anexo) que as

presentes iniciativas legislativas são retomas dos Projetos de Lei n.º 1032XIV/3.ª (CH) – «Procede à alteração

do Código de Processo Penal no sentido de alargar o âmbito de aplicação de medida de coação de prisão

preventiva quando diga respeito à eventual prática de crime de violência doméstica», e do Projeto de Lei n.º

1031/XIV/3.ª (CH) – «Assegura a nomeação de patrono em escalas de prevenção para as vítimas violência

doméstica», ambas caducadas em 28-03-2022.

Quanto a iniciativas conexas com as matérias em apreço, anterior mente apresentadas, referem-se as

seguintes:

– Projeto de Lei n.º 853/XIV/2.ª (IL) – Reconhece o estatuto de vítima aos menores que vivam em contexto

de violência doméstica ou o testemunhem, rejeitado em votação autónoma na generalidade em 22-07-2021,

com votos contra do PS, do PSD, do PCP, do PEV e do CH, votos a favor do BE, do PAN, do IL e das

Deputadas não inscritas Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira e a abstenção do CDS-PP. Tendo sido

apresentado texto de substituição que incluía a presente iniciativa, em conjunto com a Proposta de Lei n.º

28/XIV/1.ª (GOV) e os Projetos de Lei n.os 361/XIV/1.ª (BE), 630/XIV/2.ª [Cristina Rodrigues (N insc.)],

779/XIV/2.ª (PAN) e 849/XIV/2.ª (CDS-PP) foi o mesmo aprovado por unanimidade na mesma data, dando

origem à Lei n.º 57/2021, publicada em 16-08-2022;

– Projeto de Lei n.º 849/XIV/2.ª (CDS-PP) – Consagração do estatuto de vítima para as crianças que

testemunhem a prática de violência doméstica ou que vivam em contexto de violência doméstica, retirada em

22-07-2022 em favor de texto de substituição da Proposta de Lei n.º 28/XIV/1.ª (GOV) e dos Projetos de Lei

n.os 361/XIV/1.ª (BE), 630/XIV/2.ª [Cristina Rodrigues (N insc.)], 779/XIV/2.ª (PAN) e 853/XIV/2.ª (IL) tendo o

mesmo sido aprovado por unanimidade na mesma data, dando origem à Lei 57/2021, publicada em 16-08-

2022;

– Projeto de Lei n.º 779/XIV/2.ª (PAN) – Reconhecimento do estatuto de vítima às crianças que

testemunhem ou vivam em contexto de violência doméstica, alterando a Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro,

que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das

suas vítimas, e o Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, retirada em 22-07-

2022 em favor de texto de substituição da Proposta de Lei n.º 28/XIV/1.ª (GOV) e dos Projetos de Lei n.os

361/XIV/1.ª (BE), 630/XIV/2.ª [Cristina Rodrigues (N insc.)], 849/XIV/2.ª (CDS-PP) e 853/XIV/2.ª (IL) tendo o

mesmo sido aprovado por unanimidade na mesma data, dando origem à Lei 57/2021, publicada em 16-08-

2022;

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– Projeto de Lei n.º 772/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira) – Procede a uma alteração

do Código Penal, atribuindo a natureza de crime público aos crimes de coação sexual, violação e abuso sexual

de pessoa incapaz de resistência, garantindo a conformidade deste diploma com a Convenção do Conselho

da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica

(Convenção de Istambul), rejeitado em 02-06-2021, com os votos contra do PS, do PSD, do PCP e do PEV ,

com os votos a favor do CDS-PP, do PAN, do CH, do IL, da Deputada Cristina Rodrigues (N insc.) e da

Deputada Joacine Katar Moreira (N insc.) e a abstenção do BE;

– Projeto de Lei n.º 768/XIV/2.ª (CDS-PP) – Consagra a natureza de crimes públicos dos crimes de ameaça

e de coação, adequando-os ao crime de violência doméstica (quinquagésima terceira alteração ao Código

Penal), rejeitado em 15-04-2021, com os votos contra do PS, do PSD, do PCP, do PEV e do CH e os votos a

favor do BE, do CDS-PP, do PAN, do IL, da Deputada Cristina Rodrigues (N insc.) e da Deputada Joacine

Katar Moreira (N insc.);

– Projeto de Lei n.º 648/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues) – Altera o Código Penal,

incluindo a violência económica ou patrimonial no crime de violência doméstica, em respeito pela Convenção

de Istambul, caducado em 28-03-2022;

– Projeto de Lei n.º 630/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues) – Reforça a proteção das

crianças e jovens que vivam em contexto de violência doméstica ou que o testemunhem, retirada em 22-07-

2022 em favor de texto de substituição da Proposta de Lei n.º 28/XIV/1.ª (GOV) e dos Projetos de Lei n.os

361/XIV/1.ª (BE), 779/XIV/2.ª (PAN), 849/XIV/2.ª (CDS-PP) e 853/XIV/2.ª (IL) tendo o mesmo sido aprovado

por unanimidade na mesma data, dando origem à Lei n.º 57/2021, publicada em 16-08-2022;

– Projeto de Lei n.º 364/XIV/2.ª (IL) – Consagração expressa do crime de exposição de menor a violência

doméstica (quinquagésima alteração ao Código Penal), rejeitado em 07-05-2020, com os votos contra do PS,

do PSD, do PCP e do PEV, os votos a favor do BE, do PAN, do CH, do IL e da Deputada Joacine Katar

Moreira (N insc.) e a abstenção do CDS-PP.

– Projeto de Lei n.º 361/XIV/1.ª (BE) – Proteção da criança ou jovem no seu bem-estar e desenvolvimento

saudável (trigésima sexta alteração ao Código de Processo Penal, sexta alteração ao regime jurídico aplicável

à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas e quinquagésima alteração

ao Código Penal) rejeitado em votação autónoma na generalidade em 22-07-2021 , com votos contra do PS,

do PSD, do PCP, do PEV e do CH, votos a favor do BE, do PAN, do IL e das Deputadas não inscritas Cristina

Rodrigues e Joacine Katar Moreira e a abstenção do CDS-PP. Tendo sido apresentado texto de substituição

que incluía a presente iniciativa, em conjunto com a Proposta de Lei n.º 28/XIV/1.ª (GOV) e os Projetos de Lei

n.os 361/XIV/1.ª (BE), 630/XIV/2.ª (Deputada não inscrita Cristina Rodrigues), 779/XIV/2.ª (PAN) 849/XIV/2.ª

(CDS-PP) e 853/XIV/2.ª (IL), foi o mesmo aprovado por unanimidade na mesma data, dando origem à Lei

57/2021, publicada em 16-08-2022;

– Projeto de Lei n.º 358/XIV/1.ª (PEV) – Apoio às vítimas de violência em época de pandemia, rejeitado em

02-06-2021, com os votos contra de PS, votos a favor do BE, do PCP, do CDS-PP, do PAN, do PEV, do CH,

da Deputada Cristina Rodrigues (N insc.) e da Deputada Joacine Katar Moreira (N insc.) e as abstenções do

PSD e do IL;

– Projeto de Lei n.º 352/XIV/1.ª (PCP) – Reforça as medidas de proteção das vítimas de violência

doméstica (sexta alteração à Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro), aprovado por unanimidade em 27-07-

2020, tendo dado origem à Lei n.º 54/2020, publicada em 26-08-2020;

– Projeto de Lei n.º 93/XIV/1.ª (PAN) – Torna obrigatória a tomada de declarações para memória futura a

pedido da vítima ou do Ministério Público, rejeitado em 12-12-2019, com os votos contra do PS, do PSD, do

BE, do CDS-PP, do CH e do IL, votos a favor do PAN e do L e abstenções do PCP e do PEV;

– Projeto de Lei n.º 92/XIV/1.ª (PAN) – Reconhecimento do estatuto de vítima às crianças que

testemunhem ou vivam em contexto de violência doméstica, rejeitado em 12-12-2019, com os votos contra de

PS, votos a favor do BE, do PAN, do IL e do L e as abstenções do PSD, do PCP, do CDS-PP, do PEV, do CH,

das Deputadas do PS Maria da Graça Reis, Sónia Fertuzinhos e Elza Pais;

– Projeto de Lei n.º 2/XIV/1.ª (BE) – Torna obrigatória, nos casos de violência doméstica, a recolha de

declarações para memória futura das vítimas (sexta alteração ao regime jurídico aplicável à prevenção da

violência doméstica e à proteção e à assistência das suas vítimas), rejeitado em 12-12-2019, com os votos

contra do PS, do PSD, do CDS-PP, do CH e do IL, votos a favor do BE, do PAN e do L e abstenções do PCP

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e do PEV;

– Projeto de Lei n.º 1/XIV/1.ª (BE) – Reconhece as crianças que testemunhem ou vivam em contexto de

violência doméstica enquanto vítimas desse crime (sexta alteração ao regime jurídico aplicável à prevenção da

violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas e quadragésima sétima alteração ao Código

Penal), rejeitado em 12-12-2019, com os votos contra de PS, votos a favor do BE, do PAN, do PEV, do IL e do

L e as abstenções do PSD, do PCP, do CDS-PP, do CH e das Deputadas do PS Maria da Graça Reis, Sónia

Fertuzinhos e Elza Pais;

– Petição n.º 111/XIV/1.ª – Aprovação do estatuto de vítima para crianças inseridas em contexto de

violência doméstica, já concluída.

Parte II – Opinião da relatora

A relatora signatária do presente relatório exime-se, nesta sede, de manifestar a sua opinião política sobre

o presente Projeto de Lei, a qual é, de resto, de «elaboração facultativa» nos termos do n.º 3 do artigo 137.º do

Regimento da Assembleia da República.

Parte III – Conclusões

1. O Chega apresentou à Assembleia da República os Projetos de Lei n.º 10/XV/1.ª que «Assegura a

nomeação de patrono em escalas de prevenção para as vítimas violência doméstica» e n.º 11/XV/1.ª que

«Procede à alteração do Código de Processo Penal no sentido de alargar o âmbito de aplicação de medida de

coação de prisão preventiva quando diga respeito à eventual prática de crime de violência doméstica».

2. O Projeto de Lei n.º 10/XV/1.ª visa proceder à alteração dos artigos 11.º (Direito à informação) e 21.º

(Direitos das vítimas especialmente vulneráveis) do Estatuto da Vítima, e ao artigo 41.º (Escalas de

prevenção) da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais.

3. Por sua vez, o Projeto de lei n.º 11/XV/1.ª visa alterar o artigo 202.º do Código do Processo Penal, no

sentido de poder ser decretada a medida de coação de prisão preventiva, independentemente da pena que

vier a ser aplicada ao arguido, nos casos em que possa estar em causa a prática do crime de violência

doméstica.

4. Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de

parecer que os Projetos de Lei n.os 10/XV/1.ª e 11/XV/1.ª reúnem os requisitos constitucionais e regimentais

para serem discutidos e votados em Plenário.

Palácio de São Bento, 8 de junho de 2022.

A Deputada relatora, Emília Cerqueira — O Presidente da Comissão, Fernando Negrão.

Nota: As partes I e III do parecer foram aprovadas, por unanimidade, com votos a favor do PS, do PSD, do

CH, do IL, do PCP, do BE e do PAN, tendo-se registado a ausência do L, na reunião da Comissão do dia 8 de

junho de 2022.

Parte IV – Anexos

Anexam-se a nota técnica do Projeto de Lei n.º 10/XV/1.ª e a nota técnica do Projeto de Lei n.º 11/XV/1.ª

elaboradas pelos serviços ao abrigo do disposto no artigo 131.º do Regimento da Assembleia da República.

———

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PROJETO DE LEI N.º 12/XV/1.ª

(DETERMINA O FIM DA UTILIZAÇÃO OBRIGATÓRIA DE MÁSCARAS SALVO DETERMINADAS

EXCEÇÕES)

PROJETO DE LEI N.º 29/XV/1.ª

[FIM IMEDIATO DA OBRIGATORIEDADE DO USO DE MÁSCARA (TRIGÉSIMA SÉTIMA ALTERAÇÃO

AO DECRETO-LEI N.º 10-A/2020, DE 13 DE MARÇO, QUE ESTABELECE MEDIDAS EXCECIONAIS E

TEMPORÁRIAS RELATIVAS À SITUAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA DO NOVO CORONAVÍRUS – COVID-19)]

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Parte I – Considerandos

I. a) Nota introdutória

Um grupo de Deputados do Grupo Parlamentar do CH tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da

República, em 30 de março de 2022, o Projeto de Lei n.º 12/XV/1.ª – Determina o fim da utilização obrigatória

de máscaras salvo determinadas exceções.

Por sua vez, em 6 de abril de 2022, os Deputados do Grupo Parlamentar da IL tomaram a iniciativa de

apresentar à Assembleia da República o Projeto de Lei n.º 29/XV/1.ª – Fim imediato da obrigatoriedade do uso

de máscara (trigésima sétima alteração ao Decreto-lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, que estabelece medidas

excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo coronavírus – COVID-19).

Estas apresentações foram efetuadas nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º da

Constituição da República Portuguesa e do artigo 119.º do Regimento da Assembleia da República, reunindo

os requisitos formais previstos no artigo 124.º desse mesmo Regimento.

Por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, as iniciativas vertentes baixaram, em 8

de abril de 2022, à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para emissão do

respetivo parecer.

Foram pedidos pareceres, em 20 de abril de 2022, ao Conselho Superior da Magistratura, ao Conselho

Superior do Ministério Público e à Ordem dos Advogados.

O texto do Projeto de Lei n.º 12/XV/1.ª (CH) foi substituído, a pedido do autor, em 27 de abril de 2022.

I b) Do objeto, conteúdo e motivação das iniciativas

• Projeto de Lei n.º 12/XV/1.ª (CH)

Esta iniciativa do CH pretende proceder «à trigésima sétima1 alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13

de Março, que estabelece medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo

coronavírus – COVID-19, determinando o fim da utilização obrigatória de máscaras salvo em estabelecimentos

e serviços de saúde e estruturas residenciais ou de acolhimento ou serviços de apoio domiciliário para

populações vulneráveis e outras nos termos da lei» – cfr. artigo 1.º do projeto de lei (PJL).

Referem os proponentes que, nesta iniciativa, «o Chega vem propor que deixe de ser obrigatório o uso da

máscara na generalidade dos locais, mantendo-se essa obrigatoriedade apenas em estabelecimentos de

saúde ou em estruturas de acolhimento de idosos ou outras pessoas em situação de especial vulnerabilidade,

tal como já previsto na lei», adiantando que «[e]sta proposta vem no seguimento do que tem sido feito por

outros países europeus, nomeadamente a Dinamarca, que foi o primeiro país a dar este passo em fevereiro

deste ano. A partir dessa data outros países têm seguido o exemplo e flexibilizado ou abolido a

obrigatoriedade do uso de máscara como é o caso da Suíça, Países Baixos, Suécia, Reino Unido, França e

Irlanda» – cfr. exposição de motivos.

1 Caso esta iniciativa venha a ser aprovada, tratar-se-á, na verdade, da 39.ª (e não e 37.ª) alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março. De referir que a última alteração a este diploma legal foi operada pelo Decreto-Lei n.º 30-E/2022, de 21 de abril, diploma este publicado em Diário da República vários dias depois de o CH ter apresentado este seu projeto de lei.

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Reconhecendo que «a máscara foi uma ferramenta importante no combate à pandemia», consideram os

proponentes que «o seu uso obrigatório também tem impactos negativos para a população, em especial para

os mais jovens», razão pela qual entendem ser «necessário dar sinais à sociedade que o seu esforço teve

resultados positivos e que se espera que o fim esteja próximo», defendendo que «sejam tomadas medidas

que sejam adequadas e equilibradas, nomeadamente tenham atenção a uma necessidade acrescida de

proteger certos grupos mais vulneráveis tal como a necessidade de devolver algumas liberdades aos cidadãos

e cidadãos que foram restringidas e cuja manutenção já não faz sentido» – cfr. exposição de motivos.

Neste sentido, os Deputados do CH propõem as seguintes alterações ao artigo 13.º-B do Decreto-Lei n.º

10-A/2020, de 13 de março, que regula o uso de máscaras e viseiras – cfr. artigo 2.º do projeto de lei:

• A revogação das alíneas a), b), c) e e)2 do n.º 1, embora a revogação destas alíneas já tenha sido

operada pelo Decreto-Lei n.º 30-E/2022, de 21 de abril, que entrou em vigor no dia 22 de abril de 20223;

• A revogação do n.º 5, cuja redação atual, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 30-E/2022, de 21 de abril,

dispõe o seguinte: «Para efeitos do disposto no número anterior4, a utilização de transportes públicos de

passageiros inicia-se nos termos do n.º 2 do artigo 2.º5 da Lei n.º 28/2006, de 4 de julho, na sua redação atual,

sendo este preceito aplicável ao transporte aéreo, com as necessárias adaptações»;

• A alteração do n.º 6, embora a redação proposta pelo CH corresponda integralmente à redação

atualmente em vigor, fixada pelo Decreto-Lei n.º 30-E/2022, de 21 de abril;

• A alteração do n.º 10, passando este número a ter a seguinte redação: «Sem prejuízo do número

seguinte, em caso de incumprimento, as pessoas ou entidades referidas no n.º 8 devem informar os

utilizadores não portadores de máscara que não podem aceder, permanecer ou utilizar os espaços previstos

na lei em cuja obrigatoriedade de máscara se mantenha e informar as autoridades e forças de segurança

desse facto caso os utilizadores insistam em não cumprir aquela obrigatoriedade». A redação em vigor do n.º

10, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 30-E/2022, de 21 de abril, determina: «Em caso de incumprimento do

disposto no presente artigo, as pessoas ou entidades referidas no n.º 8 devem informar os utilizadores não

portadores de máscaras que não podem aceder, permanecer ou utilizar os espaços, estabelecimentos ou

transportes coletivos de passageiros e informar as autoridades e força de segurança desse facto caso os

utilizadores insistam em não cumprir aquela obrigatoriedade.»

Esta iniciativa propõe que estas alterações ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, entrem em vigor

«no dia seguinte ao da sua publicação em Diário da República» – cfr. artigo 3.º do projeto de lei.

• Projeto de Lei n.º 29/XV/1.ª (IL)

A presente iniciativa do IL pretende fazer «cessar a obrigatoriedade de uso de máscara ou viseira para

acesso e permanência em determinados locais com a exceção dos estabelecimentos e serviços de saúde e

das estruturas residenciais ou de acolhimento ou serviços de apoio domiciliário para populações vulneráveis,

pessoas idosas ou pessoas com deficiência, para tal procedendo à trigésima sétima6alteração ao Decreto-Lei

n.º 10-A/2020, de 13 de março» – cfr. artigo 1.º do projeto de lei.

2 No articulado apresentado pelo CH, no n.º 1 do artigo 13.º, não é feita referência a todas as alíneas deste n.º 1, passando, certamente

por lapso, da alínea c) para a alínea e), havendo dúvida relativamente à alínea d). Não havendo, no projeto de lei do CH, referência a esta alínea d), há a dúvida de saber se os proponentes também pretendem revogar esta alínea ou não. Presumimos que sim, mas não é claro que assim seja.

3 Com efeito, a partir do dia 22 de abril de 2022, deixou de ser obrigatório usar máscara ou viseiras em espaços, equipamentos e estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços, independentemente da respetiva área; em edifícios públicos ou de uso público onde se prestem serviços ou ocorram atos que envolvam o público; em estabelecimentos de educação, de ensino e das creches, salvo nos espaços de recreio ao ar livre; em salas de espetáculos, de exibição de filmes cinematográficos, salas de congressos, recintos de eventos de natureza corporativa, recintos improvisados para eventos, designadamente culturais e similares; e em recintos para eventos de qualquer natureza e celebrações desportivas, designadamente em estádios.

4 E o número anterior – o n.º 4 – determina: «É obrigatório o uso de máscaras ou viseiras na utilização de transportes coletivos de passageiros, incluindo o transporte aéreo, bem como no transporte de passageiros em táxi ou TVDE».

5 De acordo com o n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 28/2006, de 4 de julho, que aprova o regime sancionatório aplicável às transgressões ocorridas em matéria de transportes coletivos de passageiros: «(…) a utilização inicia-se no momento em que o passageiro: a) Transpõe as portas de entrada dos comboios, autocarros, troleicarros, carros elétricos e metros ligeiros, neles permanecendo quando a viagem se inicia; b) Entra no cais de embarque para os barcos ou no cais de acesso das estações de comboios e do metropolitano, nos casos em que esse acesso é limitado, subsistindo enquanto não ultrapassa os respetivos canais de saída.»

6 Caso esta iniciativa venha a ser aprovada, tratar-se-á, na verdade, da 39.ª (e não e 37.ª) alteração ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março. De referir que a última alteração a este diploma legal foi operada pelo Decreto-Lei n.º 30-E/2022, de 21 de abril, diploma este publicado em Diário da República vários dias depois de o IL ter apresentado este seu projeto de lei.

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Justificam os proponentes que «[f]ace à evolução positiva da situação da COVID-19 em Portugal e a forte

taxa de vacinação já registada, seria exigível ao Governo que apresentasse fundamentos concretos para a

manutenção das restrições impostas aos portugueses quando a tendência em países que se encontram em

situações semelhantes é a de levantamento de todas as restrições. É esse o caso do Reino Unido, da Irlanda,

da Dinamarca, da Noruega ou da Suécia, que, confiando na eficácia das vacinas, decidiram dar passos

decisivos na reposição da normalidade económica e quotidiana das suas populações, mantendo apenas,

nalguns casos, a exigência de máscara para situações excecionais. Entrando Portugal agora no período da

Primavera, com o subsequente aumento das temperaturas e a esperada redução da circulação dos vírus

respiratórios, pode-se esperar um alívio do número de contágios», razão pela qual consideram

incompreensível que Portugal se mantenha «no pelotão dos governos securitários que, não confiando nas

suas populações, insistem numa abordagem à pandemia que secundariza as liberdades e prolonga uma

atmosfera de incerteza que se torna cada vez mais insustentável à medida que se torna claro que os

portugueses estão preparados para seguir em frente» – cfr. exposição de motivos.

Recordam que o «caso mais grave já denunciado pela Iniciativa Liberal foi o da permanência da

obrigatoriedade do uso de máscara nas escolas, com todos os malefícios que isso implicou para as crianças»,

defendendo que, «em nome do princípio da proporcionalidade, torna-se cada vez mais urgente a reposição da

normalidade na vida dos portugueses, em pleno respeito pelas suas liberdades num contexto em que a larga

maioria se encontra protegida e os hospitais se deparam com números sustentáveis de doentes de COVID-

19» – cfr. exposição de motivos.

Salientam os proponentes que «[à] semelhança de outros países, optou-se pela permanência da

obrigatoriedade do uso de máscaras nos lares e estabelecimentos e serviços de saúde. Assim, neste projeto,

a intenção da Iniciativa Liberal limita-se ao fim da obrigatoriedade geral disposta no Decreto-Lei n.º 10-A/2020,

salvo exceções e sem embargo de restrições locais que tenham sido voluntariamente adotadas. Permanece,

naturalmente, inalterada a liberdade dos indivíduos de continuarem a usar máscara se assim o entenderem,

sublinhando a importância da responsabilidade individual e do respeito pelas opções individuais na gestão do

risco associado ao contágio e à doença» – cfr. exposição de motivos.

Neste sentido, os Deputados do IL propõem as seguintes alterações ao artigo 13.º-B do Decreto-Lei n.º 10-

A/2020, de 13 de março, que regula o uso de máscaras e viseiras – cfr. artigos 2.º e 3.º do projeto de lei:

• A revogação das alíneas a), b), c), d) e e) do n.º 1, embora a revogação destas alíneas já tenha sido

operada pelo Decreto-Lei n.º 30-E/2022, de 21 de abril, que entrou em vigor no dia 22 de abril de 20227;

• A alteração da alínea g) do n.º 1, embora a redação proposta pela IL corresponda integralmente à

redação atualmente em vigor, fixada pelo Decreto-Lei n.º 30-E/2022, de 21 de abril;

• A revogação dos n.os 4 e 5, deixando de ser obrigatório o uso de máscara ou viseiras na utilização de

transportes coletivos de passageiros, incluindo o transporte aéreo, bem como no transporte de táxi ou TVDE;

• A alteração do n.º 6, embora a redação proposta pelo IL corresponda integralmente à redação

atualmente em vigor, fixada pelo Decreto-Lei n.º 30-E/2022, de 21 de abril;

• A alteração do n.º 10, eliminando da redação deste artigo a referência a transportes coletivos de

passageiros.

Esta iniciativa propõe que estas alterações ao Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, entrem em vigor

«no dia seguinte ao da sua publicação» – cfr. artigo 4.º do projeto de lei.

Parte II – Opinião da relatora

A signatária do presente parecer abstém-se, nesta sede, de manifestar a sua opinião política sobre os

7 Com efeito, a partir do dia 22 de abril de 2022, deixou de ser obrigatório usar máscara ou viseira em espaços, equipamentos e

estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços, independentemente da respetiva área; em edifícios públicos ou de uso público onde se prestem serviços ou ocorram atos que envolvam o público; em estabelecimentos de educação, de ensino e das creches, salvo nos espaços de recreio ao ar livre; em salas de espetáculos, de exibição de filmes cinematográficos, salas de congressos, recintos de eventos de natureza corporativa, recintos improvisados para eventos, designadamente culturais e similares; e em recintos para eventos de qualquer natureza e celebrações desportivas, designadamente em estádios.

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Projetos de Lei n.os 12/XV/1.ª (CH) e 29/XV/1.ª (IL), a qual é, de resto, de «elaboração facultativa» nos termos

do n.º 3 do artigo 137.º do Regimento da Assembleia da República.

Parte III – Conclusões

1. O CH apresentou à Assembleia da República o Projeto de Lei n.º 12/XV/1.ª – Determina o fim da

utilização obrigatória de máscaras salvo determinadas exceções.

2. Por sua vez, o IL apresentou à Assembleia da República o Projeto de Lei n.º 29/XV/1.ª – Fim imediato

da obrigatoriedade do uso de máscara (trigésima sétima alteração ao Decreto-lei n.º 10-A/2020, de 13 de

março, que estabelece medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica do novo

Coronavírus – COVID-19).

3. Ambas as iniciativas pretendem alterar o artigo 13.º-B do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março,

que regula o uso de máscaras e viseiras, sendo que várias das alterações propostas, quer pelo CH, quer pela

IL, já se encontram em vigor, desde o dia 22 de abril de 2022, por força da superveniência do Decreto-Lei n.º

30-E/2022, de 21 de abril, que eliminou o uso obrigatório de máscaras ou viseiras nos seguintes locais:

a) Espaços, equipamentos e estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços, independentemente

da respetiva área; em edifícios públicos ou de uso público onde se prestem serviços ou ocorram atos que

envolvam o público;

b) Estabelecimentos de educação, de ensino e das creches, salvo nos espaços de recreio ao ar livre;

c) Salas de espetáculos, de exibição de filmes cinematográficos, salas de congressos, recintos de eventos

de natureza corporativa, recintos improvisados para eventos, designadamente culturais e similares; e

d) Recintos para eventos de qualquer natureza e celebrações desportivas, designadamente em estádios.

4. A iniciativa do IL propõe também eliminar o uso obrigatório de máscara ou viseiras na utilização de

transportes coletivos de passageiros, incluindo o transporte aéreo, bem como no transporte de táxi ou TVDE.

5. Face ao exposto, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de

parecer que os Projetos de Lei n.os 12/XV/1.ª (CH) e 29/XV/1.ª (IL) reúnem os requisitos constitucionais e

regimentais para serem discutidos e votados em Plenário.

Palácio de São Bento, 8 de junho de 2022.

A Deputada relatora, Catarina Rocha Ferreira — O Presidente da Comissão, Fernando Negrão.

Nota: As Partes I e III do parecer foram aprovadas, por unanimidade, com votos a favor do PS, do PSD, do

CH, do IL, do PCP, do BE e do PAN, tendo-se registado a ausência do L, na reunião da Comissão do dia 8 de

junho de 2022.

Parte IV – Anexos

Anexam-se a nota técnica do Projeto de Lei n.º 12/XV/1.ª (CH) e a nota técnica do Projeto de Lei n.º

29/XV/1.ª (IL) elaboradas pelos serviços ao abrigo do disposto no artigo 131.º do Regimento da Assembleia da

República.

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PROJETO DE LEI N.º 23/XV/1.ª

(CRIMINALIZA O INCITAMENTO AO ÓDIO CONTRA OS MEMBROS DOS ÓRGÃOS DE POLÍCIA

CRIMINAL E ÓRGÃOS JUDICIAIS)

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Parte I – Considerandos

I. a) Nota introdutória

Os doze Deputados do partido Chega tomaram a iniciativa de apresentar à Assembleia da República o

Projeto de Lei n.º 23/XV/1.ª (CH) – Criminaliza o incitamento ao ódio contra os membros dos órgãos de polícia

criminal e órgãos judiciais.

O Projeto de Lei em apreciação deu entrada a 3 de abril de 2022. Foi admitido a 8 de abril de 2022 e, por

despacho do Presidente da Assembleia da República, baixou, na generalidade, à Comissão de Assuntos

Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª), tendo a signatária deste parecer sido designada como

relatora.

O projeto de lei foi apresentado nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156, do n.º 1 do

artigo 167.º e da alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e da alínea

b) do n.º 1 do artigo 4.º e do n.º 1 do artigo 119.º do Regimento da Assembleia da República (RAR). A

iniciativa cumpre os requisitos formais previstos no n.º 1 do artigo 124.º do Regimento.

Em 20 de abril de 2022 foram solicitados pareceres ao Conselho Superior do Ministério Publico, ao

Conselho Superior da Magistratura e à Ordem dos Advogados, podendo ser consultados a todo o tempo na

página do processo legislativo da iniciativa, disponível eletronicamente, tal como aqueles que forem recebidos.

Até ao momento foram recebidos os pareceres do Conselho Superior da Magistratura e da Ordem dos

Advogados.

A discussão na generalidade desta iniciativa não se encontra ainda agendada.

I. b) Do objeto, conteúdo e motivação da iniciativa

Como se evidencia na nota técnica, «o projeto de lei tem por fito criminalizar o incitamento ao ódio contra

membros dos órgãos de polícia criminal e órgãos judiciais.

Os proponentes reconhecem que os crimes contra a vida e a integridade física dos agentes da autoridade

já são crimes de prevenção e investigação prioritária, sendo que alguns destes estão previstos na forma

qualificada.

Justificam, contudo, o impulso legiferante sublinhando que os membros dos órgãos de polícia criminal não

se sentem seguros e que a investigação prioritária destes crimes não tem contribuído para a prevenção da sua

prática.

Os proponentes observam que a violência contra os polícias pode assumir diversas formas e que o

«discurso de ódio» tem aumentado, salientando o respetivo duplo impacto, designadamente as consequências

diretas do próprio crime, bem como a mensagem a este associada de que determinada pessoa/grupo não é

socialmente tolerada.

Recordam casos de ofensas verbais a agentes da autoridade, funcionários judiciais, juízes e magistrados

do Ministério Público para sustentarem a importância destas classes profissionais no Estado de direito e para

a garantia da paz social.

Nesta sequência, pugnam pela necessidade de uma «proteção extra» destes profissionais, através da

introdução de alterações no artigo 240.º do Código Penal, que incluem o aditamento de um número

criminalizando o discurso de ódio contra estes específicos destinatários e o agravamento das penas quando

condutas correspondentes ao discurso de ódio ocorram através das redes sociais ou dos meios de

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comunicação social, em virtude do alcance das ofensas cometidas com recurso a estas.

Em concreto, o projeto de lei é composto por três artigos preambulares: o primeiro definidor do objeto; o

segundo introduzindo alterações no artigo 240.º do Código Penal; o terceiro estabelecendo o momento da

entrada em vigor da iniciativa».

A redação proposta para o artigo 240.º do Código Penal é a seguinte:

«Artigo 240.º

[…]

1 – […].

2 – […].

3 – Quem, publicamente, por qualquer meio destinado a divulgação, provocar atos de violência, difamar ou

injuriar, ameaçar ou incitar à violência ou ódio contra membros dos órgãos de polícia criminal em funções ou

de pessoas no exercício de funções judiciais é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos.

4 – As penas previstas no presente artigo são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo se

o facto for praticado através de meio de comunicação social, ou da difusão através da Internet, ou de outros

meios de difusão pública generalizada.»

I. c) Enquadramento legal».

Em Portugal, o discurso do ódio é criminalizado pelo Código Penal, no artigo 240.º (Discriminação e

incitamento ao ódio e à violência), por incitamento à discriminação, ao ódio ou à violência contra pessoa ou

grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional, ascendência, religião, sexo,

orientação sexual, identidade de género ou deficiência física ou psíquica. As últimas alterações ao Código

Penal que tiveram impacto nesta matéria e que alteraram a redação do artigo 240.º foram feitas através da Lei

n. º 94/2017, de 23 de agosto.

O mesmo Código Penal (CP) prevê, no seu artigo 180.º ,o crime de difamação e, no 181.º, o crime de

injúria, que condena «quem injuriar outra pessoa, imputando-lhe factos, mesmo sob a forma de suspeita, ou

dirigindo-lhe palavras, ofensivos da sua honra ou consideração».

O artigo 132.º do CP, na sua alínea l), determina o agravamento da moldura penal nomeadamente quando

o crime é perpetrado contra magistrado e agentes das forças ou serviços de segurança, havendo

comportamento revelador de especial censurabilidade ou perversidade.

A Lei n.º 55/2020, de 27 de agosto, «define os objetivos, prioridades e orientações de política criminal para

o biénio de 2020-2022, em cumprimento da Lei n.º 17/2006, de 23 de maio, que aprova a Lei-Quadro da

Política Criminal». Nas prioridades e orientações da política criminal, são referidos como «Crimes de

prevenção e investigação prioritária» «os crimes contra a vida e contra a integridade física praticados contra

ou por agentes de autoridade» [alínea q) do artigo 4.º e alínea a) do artigo 5.º], atendendo à dignidade dos

bens jurídicos tutelados e a necessidade de proteger as vítimas.

Parte II – Opinião da relatora

A relatora do presente parecer acompanha as observações feitas nos pareceres do Conselho Superior da

Magistratura e da Ordem dos Advogados sobre o facto de não se ter logrado evidenciar a necessidade de uma

alteração do artigo 240.º do Código Penal e sobre a incoerência, face à ratio da norma, da alteração proposta.

No parecer da Ordem dos Advogados, afirma-se que «a relação entre o aumento deste género de

criminalidade e o fator discriminatório assinalado no projeto de lei em apreço não se encontra devidamente

documentada e carece de adequada ponderação. Relembre-se, ainda, que o direito penal cumpre uma função

de última ratio e que, os comportamentos ilícitos descritos na exposição de motivos, como sejam, a ofensa à

integridade física, ameaça, injúria, homicídio, já se encontram criminalizados em outros tipos penais, e em

alguns casos na forma qualificada».

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No parecer do Conselho Superior da Magistratura enfatiza-se que «o artigo 240.º prende-se com a

necessidade de proteção de pessoas ou grupos mais vulneráveis e propensos à discriminação, como sejam os

grupos minoritários social e historicamente marginalizados, alvo de preconceitos e discriminação em razão de

determinados fatores como a raça, a cor, a origem étnica ou nacional, a ascendência, a religião, o sexo, a

orientação sexual, a identidade de género ou a deficiência física ou psíquica, pelo que colocar no citado artigo

240.º a proteção dos membros dos «órgãos de polícia criminal» ou dos «órgãos judiciais», será desvirtuar o

sentido e a finalidade da norma. Na realidade, essas forças de segurança e autoridades, investidas, de resto,

de poderes públicos, não se encontram numa posição de especial vulnerabilidade ou desvantagem que

careça, enquanto grupo social, de especial proteção, ao contrário do que sucede com as vítimas abrangidas

pela incriminação. Efetivamente, tendo a norma que se visa alterar como escopo a tutela de minorias, pessoas

ou grupo de pessoas percebidas, de alguma forma, em posição de desfavorecimento, dificilmente será

defensável que as autoridades que nela se pretendem inserir careçam de tutela penal no âmbito dessa norma,

na medida em que não se encontram em posição de desvantagem ou de desigualdade que necessite da

proteção duma norma penal que densifica o princípio da igualdade».

Parte III – Conclusões

1. Os doze Deputados do Chega tomaram a iniciativa de apresentar à Assembleia da República o Projeto

de Lei n.º 23/XV/1.ª (CH) – Criminaliza o incitamento ao ódio contra membros dos órgãos de polícia criminal

em funções ou de pessoas no exercício de funções judiciais.

2. A iniciativa legislativa sub judice visa a introdução de alterações no artigo 240.º do Código Penal, que

incluem o aditamento de um número criminalizando o discurso de ódio contra membros dos órgãos de polícia

criminal em funções ou de pessoas no exercício de funções judiciais e o agravamento das penas quando

condutas correspondentes ao discurso de ódio ocorram através das redes sociais ou dos meios de

comunicação social, em virtude do alcance das ofensas cometidas com recurso a estas.

3. A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de parecer que o Projeto

de Lei n.º 23/XV/1.ª (CH) reúne os requisitos regimentais e constitucionais para ser discutido e votado em

Plenário.

Palácio de São Bento, 8 de junho de 2022.

A Deputada relatora, Cláudia Santos — O Presidente da Comissão, Fernando Negrão.

Nota: As Partes I e III do parecer foram aprovadas, por unanimidade, com votos a favor do PS, do PSD, do

CH, do IL, do PCP, do BE e do PAN, tendo-se registado a ausência do L, na reunião da Comissão do dia 8 de

junho de 2022.

Parte IV – Anexos

Anexa-se a nota técnica elaborada pelos serviços ao abrigo do disposto no artigo 131.º do Regimento da

Assembleia da República.

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PROJETO DE LEI N.º 28/XV/1.ª

(DETERMINA A CESSAÇÃO DE VIGÊNCIA DO REGIME DE CONCESSÃO DA NACIONALIDADE

PORTUGUESA POR MERO EFEITO DA DESCENDÊNCIA DE JUDEUS SEFARDITAS EXPULSOS DE

PORTUGAL EM 1496 (DÉCIMA ALTERAÇÃO À LEI N.º 37/81, DE 3 DE OUTUBRO QUE APROVA A LEI

DA NACIONALIDADE)

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Parte I – Considerandos

a) Nota introdutória

O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da

República o Projeto de Lei Orgânica n.º 28/XV/1.ª – Determina a cessação de vigência do regime de

concessão da nacionalidade portuguesa por mero efeito da descendência de judeus sefarditas expulsos de

Portugal em 1496 (décima alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, que aprova a Lei da Nacionalidade).

O projeto de lei em apreciação deu entrada a 6 de abril de 2022, acompanhado da respetiva ficha de

avaliação prévia de impacto de género, que se anexa ao presente parecer. Foi admitido e baixou na

generalidade à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª) a 8 de abril de

2022, por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República. Foi anunciado em sessão plenária

no dia 13 de abril.

O Projeto de Lei Orgânica foi apresentado nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º, do

n.º 1 do artigo 167.º e da alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e

da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º e do n.º 1 do artigo 119.º do Regimento da Assembleia da República (RAR),

observando o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 123.º do Regimento.

A matéria sobre a qual versa o presente projeto de lei enquadra-se, por força do disposto na alínea f) do

artigo 164.º da CRP – «Aquisição, perda e reaquisição da cidadania portuguesa» –, no âmbito da reserva

absoluta de competência legislativa da Assembleia da República. Assim, segundo o n.º 4 do artigo 168.º da

CRP, a presente iniciativa legislativa carece de votação na especialidade pelo Plenário e, nos termos do

disposto no n.º 2 do artigo 166.º da CRP, em caso de aprovação e promulgação revestirá a forma de lei

orgânica.

As leis orgânicas carecem de aprovação, na votação final global, por maioria absoluta dos Deputados em

efetividade de funções, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 168.º da CRP. Refira-se, igualmente, que o

artigo 94.º do RAR estatui que essa votação, por maioria qualificada, deve ser realizada com recurso ao voto

eletrónico.

Para efeitos do n.º 4 do artigo 278.º da CRP, deve ainda ser tido em conta o disposto no respetivo n.º 5,

nos termos do qual «[O] Presidente da Assembleia da República, na data em que enviar ao Presidente da

República decreto que deva ser promulgado como lei orgânica, dará disso conhecimento ao Primeiro-Ministro

e aos grupos parlamentares da Assembleia da República».

A discussão na generalidade desta iniciativa não se encontra ainda agendada.

b) Do objeto, conteúdo e motivação da iniciativa

O projeto de lei em epígrafe vem propor a «cessação de vigência do regime legal de aquisição da

nacionalidade portuguesa por parte de descendentes de judeus sefarditas portugueses», através da

revogação do n.º 7 do artigo 6.º1 da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro2, na redação que lhe foi conferida pela Lei

Orgânica n.º 1/2013, de 29 de julho, que procedeu à décima alteração da Lei da Nacionalidade.

Os proponentes invocam que, com a referida alteração, a Lei da Nacionalidade passou a permitir a

aquisição da nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos descendentes de judeus sefarditas expulsos de

1 Embora, por lapso, identificado no artigo 2.º do projeto de lei (mas já não no n.º 2 do artigo 3.º), como n.º 6 do artigo 7.º 2 Ligação para o diploma consolidado retirada do sítio na Internet do Diário da República Eletrónico (https://dre.pt/). Salvo indicação em

contrário, todas as ligações para referências legislativas são feitas para o portal oficial do Diário da República Eletrónico.

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Portugal em 1496, com dispensa dos requisitos relativos à obrigatoriedade de residência em Portugal e ao

conhecimento da língua portuguesa e através da «demonstração da tradição de pertença a uma comunidade

sefardita de origem portuguesa, com base em requisitos objetivos comprovados de ligação a Portugal,

designadamente apelidos, idioma familiar, descendência direta ou colateral.»

Recordando que o impulso legiferante – concretizado em iniciativas legislativas dos Grupos Parlamentares

do PS e do CDS-PP – consistia na necessidade de «promover a reparação histórica dos descendentes de

judeus sefarditas3 de origem portuguesa pelas perseguições que esta comunidade sofreu entre a decisão de

expulsão tomada durante o reinado de Dom Manuel I e a extinção da Inquisição após a Revolução de 1820»,

consideram os autores do projeto de lei em apreço que a sua aprovação ocorreu «sem que houvesse a

consciência (…) nem do número de potenciais abrangidos nem do real impacto que a sua aplicação poderia

ter em matéria de aquisição da nacionalidade portuguesa.»

Assinalam que a «evidência de um manifesto abuso na concessão da nacionalidade portuguesa a dezenas

de milhares de cidadãos, na sua esmagadora maioria sem qualquer relação com Portugal, mas que,

invocando a sua descendência de judeus sefarditas de origem portuguesa, obtinham a nacionalidade

portuguesa, a troco de dinheiro e por mera conveniência» só se manifestou em 2019, no decurso do processo

legislativo de alteração da Lei da Nacionalidade – iniciado com escopo diverso, para alargamento da

relevância do jus soli na atribuição da nacionalidade originária –, através de uma proposta de alteração do

Grupo Parlamentar do PS4, apresentada na especialidade, com o objetivo de limitar o alcance da aplicação da

referida Lei Orgânica.

Fazendo apelo a algumas das audições então realizadas, que apontaram, no entendimento dos ora

proponentes, para um «manifesto abuso do regime legal estabelecido em 2013» e ao exemplo comparativo de

Espanha, ordenamento cuja lei de reparação histórica tivera um período de vigência limitado, consideram que

a contestação pública então conhecida, contrária à aprovação da limitação do alcance da aplicação da Lei,

terá feito recuar o proponente na sua intenção e conduzido apenas a uma alteração do Regulamento da

Nacionalidade Portuguesa, só recentemente ocorrida5.

A este propósito, e como motivação direta para a apresentação da providência legislativa cuja aprovação

preconizam, invocam notícias6 da aquisição da nacionalidade por esta via, por parte de um cidadão com dupla

nacionalidade russa e israelita, alegadamente sem qualquer ligação conhecida à comunidade nacional, a qual

defendem ser demonstrativa dos «abusos que poderiam ser cometidos – e que já teriam sido cometidos» – ao

abrigo desta possibilidade legal, alegando, por fim, que, nove anos volvidos sobre o início de vigência da lei, já

não resulta da sua aplicação a reparação de injustiças, mas antes «a obtenção da nacionalidade portuguesa

por mera conveniência por quem não tem qualquer ligação à comunidade nacional».

Determinando a iniciativa que a revogação opera no dia seguinte7 ao da sua publicação, ressalvam os

proponentes os efeitos da sua aplicação no tempo, através da garantia da apreciação, nos termos constantes

do artigo 24.º-A do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, dos requerimentos de concessão de

nacionalidade portuguesa já apresentados ao abrigo da norma a revogar.

c) Enquadramento constitucional

O projeto em apreço versa sobre aquisição da cidadania portuguesa, alterando a Lei n.º 37/81, de 3 de

outubro, na sua redação atual. Trata-se de uma matéria da reserva absoluta de competência legislativa da

Assembleia da República [alínea f) do artigo 164.º da CRP], carece de votação na especialidade pelo Plenário

(n.º 4 do artigo 168.º da CRP), assume a forma de lei orgânica (n.º 2 do artigo 166.º da CRP) e convoca um

alargamento da legitimidade para requerer a fiscalização preventiva da constitucionalidade, que é conferida

3 «Sefarditas» é a palavra usada para qualificar os judeus originários da Península Ibérica, que falavam o idioma sefardi, também chamado de judeu espanhol e tinham uma língua litúrgica, o ladino. V. MIGUEL REIS, Da aquisição da nacionalidade portuguesa pelos descendentes os judeus sefarditas portugueses, Lisboa, 2015, pág. 6.

4 O Grupo Parlamentar do PS apresentou uma primeira proposta em 28 de abril de 2020, que fez substituir por outra em maio de 2020, a qual acabaria por ser retirada (cf. relatório de discussão e votação insiciárias na especialidade em Comissão. A proposta de substituição da mesma norma, apresentada pelo Grupo Parlamentar do PSD, foi rejeitada na mesma reunião. Ligação para estes trabalhos preparatórios retirada do sítio na Internet da Assembleia da República (https://www.parlamento.pt/). Salvo indicação em contrário, todas as ligações para iniciativas pendentes ou antecedentes parlamentares são feitas para o sítio na Internet da Assembleia da República

5 Através do Decreto-Lei n.º 26/2022, de 18 de março 6 De que são exemplos as seguintes: 1, in Público, de 18-12-2021; 2, in Público, de 12-03-2022; 3, in Público, de 11.2.2022. 7 Embora com a designação menos legisticamente adequada de «no dia imediato».

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não apenas ao Presidente da República, mas também ao Primeiro-Ministro ou um quinto dos Deputados à

Assembleia da República em efetividade de funções (n.os 4 e 7 do artigo 278.º da CRP).

Assim, quando e se aprovado este projeto assume, do ponto de vista orgânico-formal, a natureza de lei de

valor reforçado, nos termos do n.º 3 do artigo 112.º da CRP.

Do ponto de vista material, o projeto convoca o disposto no artigo 4.º da CRP, nos termos do qual «[S]ão

cidadãos portugueses todos aqueles que como tal sejam considerados pela lei ou por convenção

internacional.», o que significa que o legislador constituinte deixou grande latitude ao legislador ordinário nesta

matéria, embora, como referem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA «(…) o facto de a Constituição ter

remetido para lei ou convenção internacional a definição dos critérios da cidadania portuguesa não quer

significar que exista aqui total liberdade de definição. Não pode ser adotada uma solução arbitrária. Há-de

existir naturalmente uma qualquer conexão relevante entre o cidadão português e Portugal (nascimento em

território português ou em território sob administração portuguesa, filiação de portugueses, casamento com

portugueses, etc.)» 8.

No mesmo sentido, entre os princípios de Direito internacional está o princípio da nacionalidade efetiva,

que se traduz na ligação efetiva e genuína entre o indivíduo e um Estado. De acordo com este princípio, um

Estado só deve conceder a sua nacionalidade a quem com ele tenha, por força do nascimento, descendência

ou outros fatores relevantes, uma relação de pertença. Daqui resulta que o princípio da nacionalidade efetiva

opera como um limite da atuação legislativa dos Estados em matéria de concessão da nacionalidade9.

Outros princípios de direito internacional sobre esta matéria são também a proibição de discriminação, o

alcance individual e não coletivo da aquisição ou da perda de cidadania e a dependência de consentimento do

próprio para a naturalização ou qualquer forma de aquisição superveniente da cidadania10. E a Declaração

Universal dos Direitos do Homem, determina, no artigo 15.º, que «todo o individuo tem direito a uma

nacionalidade.»

Por sua vez, são os seguintes os princípios de Direito nacional nesta matéria: prevalência do jus sanguinis,

ausência de diferenciação com base no sexo ou na filiação por imperativo de igualdade, conservação da

cidadania portuguesa por cidadão que se naturalize noutro Estado e não declare renunciar à cidadania

portuguesa11.

O que significa que a Constituição não proíbe nem impõe uma solução como a que consta do n.º 7 do

artigo 6.º da Lei da Nacionalidade, admitindo que outros fatores a determinar pelo legislador possam assumir

relevância na atribuição da nacionalidade.

d) Enquadramento legal

No plano da legislação ordinária, a atribuição, aquisição e perda da nacionalidade é regulada pela Lei n.º

37/81, de 3 de outubro12 (Lei da Nacionalidade), a qual foi, até ao momento, alterada nove vezes, através da

Lei n.º 25/94, de 19 de agosto, do Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro (na redação dada pelo

Decreto-Lei n.º 194/2003, de 23 de agosto)1314 e das Leis Orgânicas n.os 1/2004, de 15 de janeiro, 2/2006, de

17 de abril, 1/2013, de 29 de julho, 8/2015, de 22 de junho, 9/2015, de 29 de julho, 2/2018, de 5 de julho, e

2/2020, de 10 de novembro.

Das alterações introduzidas pela Lei n.º 25/94, de 19 de agosto, destacam-se as relativas à distinção entre

os requisitos que nacionais de países de língua oficial portuguesa e os nacionais de outros países têm de

preencher para aquisição da nacionalidade portuguesa.

A Lei Orgânica n.º 1/2004, de 15 de janeiro, vem introduzir alterações em termos de reaquisição da

nacionalidade portuguesa.

8 V. GOMES CANOTILHO e VTAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, volume I, Coimbra, 2007, pág. 222. 9 V. MARIA FERNANDA CARNEIRO, Os princípios do Direito da Nacionalidade no instituto da aquisição da nacionalidade portuguesa por

naturalização, Porto, 2021, pág. 12. 10 V. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição da República Portuguesa anotada, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra, 2010, pág. 124. 11 Cfr. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, op. cit., pág. 126. 12 Versão consolidada, retirada do sítio na Internet do Diário da República Eletrónico. Todas as referências legislativas nesta parte da

nota técnica são feitas para o portal oficial do Diário da República Eletrónico, salvo indicação em contrário. Consultado em 27.4.2022. 13 Retificado pela Declaração de Retificação n.º 11-I/2003, de 30 de setembro. 14 A alteração introduzida por este diploma, traduzida na revogação do artigo 20.º da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, dizia respeito à

gratuitidade de atos de registo, não afetando a área de reserva absoluta de competência legislativa a que se refere a alínea f) do artigo 164.º da Constituição.

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As alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, visaram adequar a Lei da

Nacionalidade às transformações demográficas que ocorreram no país até àquela altura, uma vez que

Portugal passou de país de emigração a país de imigração. Assim, o vínculo de nacionalidade configurou-se

como um instrumento de inclusão, promovendo uma política de coesão nacional e de integração das pessoas.

A quinta alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, visou facilitar a concessão da nacionalidade aos

descendentes de judeus sefarditas portugueses.

Por sua vez, a Lei Orgânica n.º 8/2015, de 22 de junho, veio fixar novos requisitos para a concessão da

nacionalidade por naturalização e de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa relacionados com o

combate à radicalização e ao recrutamento para o terrorismo.

A Lei Orgânica n.º 9/2015, de 29 de julho, estendeu a nacionalidade portuguesa originária aos netos dos

portugueses nascidos no estrangeiro. As duas alterações subsequentes à Lei da Nacionalidade, operadas

pelas Leis Orgânicas n.º 2/2018, de 5 de julho, e 2/2020, de 10 de novembro, alargaram o acesso à

nacionalidade com base no critério do jus soli, tanto na aquisição da nacionalidade originária como por adoção

e naturalização.

Tendo em consideração o teor da iniciativa legislativa em apreço, assume particular importância a alteração

operada pela Lei Orgânica n.º 1/2013, de 29 de julho. Este diploma aditou um n.º 7 ao artigo 6.º da Lei da

Nacionalidade, determinando que «O Governo pode conceder a nacionalidade por naturalização, com

dispensa dos requisitos previstos nas alíneas b) [residirem legalmente no território português há pelo menos

cinco anos] e c) [conhecerem suficientemente a língua portuguesa] do n.º 1, aos descendentes de judeus

sefarditas portugueses, através da demonstração da tradição de pertença a uma comunidade sefardita de

origem portuguesa, com base em requisitos objetivos comprovados de ligação a Portugal, designadamente

apelidos, idioma familiar, descendência direta ou colateral.»

Esta alteração implicou, por sua vez, uma alteração ao Regulamento da Nacionalidade Portuguesa,

aprovado pelo Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de dezembro15. O Decreto-Lei n.º 30-A/2015, de 27 de

fevereiro, aditou um artigo 24.º-A16 àquele Regulamento, que previa, originalmente, a possibilidade de

concessão da nacionalidade portuguesa, por naturalização, aos descendentes de judeus sefarditas, desde que

fossem maiores de idade ou emancipados à face da lei portuguesa e não tivessem «sido condenados, com

trânsito em julgado da sentença, pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou

superior a três anos, segundo a lei portuguesa», devendo os requerentes indicar e demonstrar, no

requerimento que apresentam às autoridades portuguesas, «as circunstâncias que determinam a tradição de

pertença a uma comunidade sefardita de origem portuguesa, designadamente, apelidos de família, idioma

familiar, descendência direta ou relação familiar na linha colateral de progenitor comum a partir da comunidade

sefardita de origem portuguesa».

Entretanto, a Lei Orgânica n.º 8/2015, de 22 de junho, passou a exigir a quem pretende adquirir a

nacionalidade portuguesa por naturalização que não constitua perigo ou ameaça para a segurança ou a

defesa nacional, por estar envolvido em atividades relacionadas com a prática de terrorismo, requisito que

também os descendentes de judeus sefarditas têm de respeitar. Pelo Decreto-Lei n.º 71/2017, de 21 de julho,

o Regulamento da Nacionalidade Portuguesa foi adaptado em conformidade, mediante a alteração de vários

artigos, entre eles, o referido artigo 24.º-A.

Finalmente, o Decreto-Lei n.º 26/2022, de 18 de março, que operou uma alteração profunda no

Regulamento da Nacionalidade Portuguesa, alterou também o artigo 24.º-A17, passando a integrar a

necessidade de demonstração da pertença a uma comunidade sefardita nos requisitos a satisfazer para que a

nacionalidade portuguesa possa ser concedida e reajustando a norma no que toca à instrução do processo.

Passou também a exigir-se, nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 24.º-A a apresentação de certidão ou

outro documento comprovativo: «i) Da titularidade, transmitida mortis causa, de direitos reais sobre imóveis

sitos em Portugal, de outros direitos pessoais de gozo ou de participações sociais em sociedades comerciais

ou cooperativas sediadas em Portugal; ou ii) De deslocações regulares ao longo da vida do requerente a

15 Versão consolidada. 16 Aqui apresentado numa versão que reflete já as alterações operadas pelo Decreto-Lei n.º 26/2022, de 18 de março, as quais, no que

toca a este artigo, com exceção do seu n.º 4, entrarão em vigor apenas a 1 de setembro de 2022. 17 Apesar de o Decreto-Lei n.º 26/2022, de 18 de março, entrar em vigor no 15.º dia do mês seguinte ao da sua publicação, nos termos

do n.º 1 do seu artigo 9.º, o n.º 2 desse artigo prevê que as alterações ao artigo 24.º-A do Regulamento da Nacionalidade Portuguesa entram em vigor apenas «no primeiro dia do sexto mês seguinte ao da sua publicação, exceto quanto à emissão do despacho a que se refere o n.º 4 do mesmo artigo».

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Portugal; quando tais factos demonstrem uma ligação efetiva e duradoura a Portugal.»

Note-se, finalmente, que em 2020 o principal motivo de aquisição da nacionalidade portuguesa por

estrangeiros não residentes fundou-se no facto de serem descendentes de judeus sefarditas portugueses,

tendo a mesma sido obtida por 19 919 pessoas, o que representou 72% dos pedidos18. Esta forma de

aquisição da nacionalidade tem crescido de forma sempre desde 2016.

e) Enquadramento de Direito Comparado

São analisados três países: Espanha, França e Itália.

i) Espanha

A questão da aquisição e atribuição da nacionalidade espanhola é regulada pelo Código Civil19 espanhol,

cujo artigo 17.º, relativo à nacionalidade originária, considera como espanhóis de origem, os filhos de pai ou

mãe espanhola, os nascidos em Espanha de pais estrangeiros se pelo menos um deles tiver nascido em

Espanha, excetuando-se os filhos de funcionário diplomático ou consular acreditado em Espanha [artigo 17.º,

n.º 1, alínea b)].

De igual modo, são considerados espanhóis os nascidos em Espanha de pais estrangeiros, se ambos

carecerem de nacionalidade ou se a legislação aplicável aos pais não atribuir uma nacionalidade ao filho

[artigo 17.º, n.º 1, alínea c)]. Além destes casos, também os nascidos em Espanha cuja filiação não resulte

determinada são espanhóis de origem [artigo 17.º, n.º 1, alínea d)].

No entanto, a filiação ou o nascimento em Espanha cuja determinação que ocorra depois dos 18 anos de

idade não constitui por si só causa de aquisição da nacionalidade espanhola, podendo o interessado optar

pela nacionalidade espanhola de origem no prazo de dois anos a contar daquele facto (artigo 17.º, n.º 2).

Por outro lado, e de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 19.º, o estrangeiro menor de 18 anos de idade

adotado por cidadão espanhol adquire, desde a adoção, a nacionalidade espanhola de origem. Se o adotado

for maior de 18 anos, pode optar pela nacionalidade espanhola originária no prazo de dois anos a partir da

constituição da adoção (n.º 2). Se, de acordo com o ordenamento jurídico do país de origem, o adotado puder

manter a sua nacionalidade, esta é também reconhecida em Espanha.

Para a concessão da nacionalidade por residência, um dos casos em que esta pode ser atribuída é o de

pessoa a residir em Espanha há pelo menos 10 anos, sendo suficientes cinco anos para os que hajam obtido

o estatuto de refugiados e dois anos para os cidadãos nacionais de origem de países ibero-americanos,

Andorra, Filipinas, Guiné Equatorial, Portugal ou sefarditas (artigos 21.º, n.os 2 e 4, e 22.º, n.º 1). Basta o

tempo de residência de um ano, de entre outros casos, para quem haja nascido em território espanhol [artigo

22.º, n.º 2, alínea a)]. Em todos os casos de naturalização por residência, esta tem de ser legal e continuada

(artigo 22.º, n.º 3). Relativamente ao objeto da presente iniciativa legislativa cumpre ressalvar a existência da

Ley 12/2015, de 24 de junio, en materia de concesión de la nacionalidad española a los sefardíes originarios

de España.

Para efeitos do artigo 21(1)20 do Código Civil, no que respeita às circunstâncias excecionais exigidas para

adquirir a nacionalidade espanhola por carta da natureza, entende-se que tais circunstâncias são satisfeitas

por sefardita originário de Espanha que pode provar esse estatuto e uma ligação especial com Espanha,

mesmo que aí não tenham residência legal.

O estatuto de sefardita originário de Espanha era acreditado através dos seguintes meios de prova,

avaliados como um todo: certificado emitido pelo Presidente da Comissão Permanente da Federação das

Comunidades Judaicas de Espanha; certificado emitido pelo presidente ou cargo similar da comunidade

judaica da área de residência ou da cidade natal do interessado; e certificado emitido pela autoridade rabínica

competente, reconhecido legalmente no país da residência habitual do requerente.

18 Cfr. as estatísticas demográficas do Instituto Nacional de Estatística (INE) relativas a 2020. Consultadas em 27.4.2022 19 Diploma consolidado retirado do portal oficial https://www.boe.es/. Todas as ligações eletrónicas a referências legislativas relativas a

Espanha são feitas para o referido portal. Consultado a 2 de maio de 2022. 20 Artículo 21. 1. La nacionalidad española se adquiere por carta de naturaleza, otorgada discrecionalmente mediante Real Decreto, cuando en el

interesado concurran circunstancias excepcionales.

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De qualquer mesmo modo, a acreditação da ligação especial com Espanha exigia a aprovação em dois

testes. O primeiro teste credenciava um conhecimento básico da língua espanhola, nível A2, ou superior, do

Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas do Conselho da Europa, passando um exame para

obter um diploma de espanhol como língua estrangeira (DELE) de nível A2 ou superior. No segundo teste, era

avaliado o conhecimento da Constituição espanhola e da realidade social e cultural espanhola.

Os interessados deviam formalizar o seu pedido no prazo de três anos após a entrada em vigor da Ley

12/2015, de 24 de junio. Este período podia ser prolongado por acordo do Conselho de Ministros por mais um

ano. Os pedidos de aquisição da nacionalidade espanhola regulada nesta lei deviam ser resolvidos num prazo

máximo de doze meses a contar da data de receção pela Direção Geral dos Registos e Notários do processo

juntamente com os relatórios previstos no artigo 2.º, n.º 421.

Veja-se a tal propósito a Instrucción de 29 de septiembre de 2015, de la Dirección General de los Registros

y del Notariado, sobre la aplicación de la Ley 12/2015, de 24 de junio, en materia de concesión de la

nacionalidad española a los sefardíes originarios de España

Constata-se, assim que em Espanha esta legislação teve um período de vigência limitado no tempo, pelo

que já não vigorava aquando da discussão ocorrida em Portugal em 2019 e 2020.

ii) França

A matéria da nacionalidade é tratada no Código Civil22, especificamente nos artigos 17 a 33-2.

Deste modo, tem nacionalidade francesa a criança que tenha pelo menos um dos progenitores de

nacionalidade francesa (artigo 18), a criança nascida em França de pais desconhecidos (artigo 19) e a criança

nascida em França filha de pelo menos um progenitor também nascido em França, embora, neste caso, haja a

faculdade de renunciar à nacionalidade francesa, desde que o faça durante os seis meses anteriores à data

em que atingir os 18 anos de idade e os 12 meses seguintes (artigos 19-3 e 19-4).

Em razão da residência, uma criança nascida em França de pais estrangeiros adquire a nacionalidade

francesa uma vez atingida a maioridade se, à data em que a atingir, estiver a residir em território francês e

nele tiver tido residência habitual durante um período, seguido ou interpolado, de pelo menos cinco anos

desde os onze de idade (artigo 21-7). No entanto, o menor de idade pode pedir a atribuição da nacionalidade

francesa a partir dos 16 anos se, à data do pedido, estiver a residir em território francês e nele tiver tido

residência habitual durante um período, seguido ou interpolado, de pelo menos cinco anos desde os onze

anos de idade; nas mesmas condições, a nacionalidade francesa pode ser reclamada, em nome do menor

nascido em França de pais estrangeiros, a partir dos 13 anos de idade, devendo neste caso a condição da

residência habitual em França por pelo menos cinco anos ter de ser preenchida a partir dos oito anos de idade

(artigo 21-11).

iii) Itália

Em Itália, a nacionalidade baseia-se principalmente no conceito de «ius sanguinis», através do qual o filho

de progenitor italiano (pai ou mãe) é italiano. A mesma é regulada atualmente através da Lei n.º 91/92, de 5 de

fevereiro23 e pelos diplomas que a regulamentam.

Os princípios nos quais se baseia a «cidadania (nacionalidade) italiana» são: a transmissão da

nacionalidade por descendência «iure sanguinis»; a aquisição «iure soli» (através do nascimento em território

italiano); a possibilidade de ter dupla nacionalidade; e, a manifestação de vontade para a aquisição e perda.

O artigo 2.º da Lei da Nacionalidade (Lei n.º 91/92, de 5 de fevereiro) prevê que «1. – O reconhecimento ou

declaração judicial de filiação durante a menoridade do filho determina a nacionalidade (cidadania) de acordo

com as normas desta lei. 2. – Se o filho reconhecido ou declarado for maior de idade, mantém a

nacionalidade, mas pode declarar, no prazo de um ano a partir do reconhecimento ou da declaração judicial,

21 4. Recibida el acta de notoriedad, que dará fe de los hechos acreditados, la Dirección General de los Registros y del Notariado

solicitará preceptivamente informes de los órganos correspondientes del Ministerio del Interior y del Ministerio de la Presidencia, resolviendo de manera motivada y declarando, en su caso, la estimación de la solicitud.

22 Diploma consolidado acessível no portal oficial Légifrance – Le service public de la diffusion du droit (legifrance.gouv.fr). Todas as ligações eletrónicas a referências legislativas referentes a França são feitas para o referido portal. Consultado a 2 de maio 2022.

23 Diploma consolidado acessível no portal oficial Normattiva.it – Il portale della legge vigente. Todas as ligações eletrónicas a referências legislativas referentes a Itália são feitas para o referido portal. Consultado a 2 de maio de 2022.

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ou da declaração de eficácia da disposição estrangeira, escolher a nacionalidade determinada pela filiação. 3.

– O disposto neste artigo também se aplica aos filhos para os quais a paternidade ou maternidade não possa

ser declarada, desde que o seu direito à manutenção ou a pensão de alimentos tenha sido reconhecida

judicialmente.»

O termo «cittadinanza» (cidadania/nacionalidade) indica a relação entre um indivíduo e o Estado e, em

particular, um estatuto, denominado «civitatis», ao qual o sistema jurídico vincula a plenitude dos direitos civis

e políticos. Na Itália, o conceito moderno de nacionalidade nasceu na época da constituição do Estado unitário

e atualmente é regido pela Lei n.º 91/1992.

A cidadania italiana adquire-se iure sanguinis, ou seja, se a pessoa nasce ou é adotada por cidadãos

italianos. Existe uma possibilidade residual de aquisição por iure soli, se se tiver nascido em território italiano

de pais apátridas ou se os pais são desconhecidos ou não podem transmitir a sua nacionalidade ao filho de

acordo com a lei do país de origem.

A nacionalidade também pode ser solicitada por estrangeiros que tenham residido em Itália durante pelo

menos dez anos e satisfaçam certos requisitos. Em particular, o requerente deve provar que tem rendimentos

suficientes para se sustentar a si próprio, que não tem registo criminal, e que não está na posse de quaisquer

razões que possam dificultar a segurança da República.

e) Enquadramento e antecedentes parlamentares

Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar, verificou-se estar em apreciação, em matéria de

alteração da Lei da Nacionalidade – ainda que com escopo diverso do da presente iniciativa -, o Projeto de Lei

n.º 40/XV/1.ª (PSD) – Décima alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, que aprova a Lei da Nacionalidade,

revogando o artigo 14.º dessa lei.

Em apreciação na Comissão de Assuntos Constitucionais está a Petição n.º 326/XIV –

Inconstitucionalidade e ilegalidade do artigo 14.º da Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81, de 03 de outubro),

com objeto diverso do iniciativa sub judice.

Na anterior Legislatura foram apreciadas as seguintes iniciativas legislativas de alteração da Lei da

Nacionalidade:

– Projeto de Lei n.º 118/XIV/1.ª (PCP)24 – Alarga a aplicação do princípio do jus soli na Lei da

Nacionalidade Portuguesa (nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, que aprova a Lei da

Nacionalidade)25;

– Projeto de Lei n.º 117/XIV/1.ª (PAN) – Alarga o acesso à naturalização às pessoas nascidas em território

português após o dia 25 de Abril de 1974 e antes da entrada em vigor da Lei da Nacionalidade (procede à

nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro);

– Projeto de Lei n.º 126/XIV/1.ª (L) – Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da Nacionalidade)

– na reunião plenária n.º 17, de 12.12.2019, votação na generalidade: rejeitado, com votos contra do PS, do

PSD, do CDS-PP, do PAN, do IL e do CH e votos a favor do BE, do PCP, do PEV e do L [DAR I série n.º 17,

2019-12-13, da 1.ª SL da XIV Leg (pág. 67-67)];

– Projeto de Lei n.º 3/XIV/1.ª (BE) – Altera a Lei da Nacionalidade e o Regulamento Emolumentar dos

Registos e Notariado (nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, e trigésima quarta alteração ao Decreto-

Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro) – na reunião plenária de 23-07-2020, votação na generalidade:

rejeitado, com votos contra do PS, do PSD, do CDS-PP, do PAN, do CH e da Deputada não inscrita Cristina

Rodrigues, votos a favor do BE, do PCP, do PEV e da Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira e a

abstenção do IL [DAR I Série n.º 76, 2020-07-24, da 1.ª SL da XIV Leg (pág. 15-15)].

E ainda a Petição n.º 178/XIV/2.ª – Recusa de reconhecimento de nacionalidade da minha filha (de

apreciação concluída).

Na XIII Legislatura, como antecedentes parlamentares, encontram-se registadas as seguintes iniciativas

24 Ligação retirada do sítio na Internet da Assembleia da República (https://www.parlamento.pt/). Salvo indicação em contrário, todas as

ligações para iniciativas pendentes ou antecedentes parlamentares são feitas para o sítio na Internet da Assembleia da República. 25 Que, discutido conjuntamente com o Projeto de Lei n.º 117/XIV/1.ª, daria origem à Lei Orgânica n.º 2/2020 – nona alteração à Lei n.º

37/81, de 3 de outubro, que aprova a Lei da Nacionalidade [DR I Série n.º 219/XIV/2 2020.11.10]

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legislativas e petições:

– Projeto de Lei n.º 364/XIII (PSD) – Altera a Lei n.º 37/81 (Lei da Nacionalidade);

– Projeto de Lei n.º 390/XIII (BE) – Altera a Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º 37/81, de 3 de

outubro, e o Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001,

de 14 de dezembro;

– Projeto de Lei n.º 428/XIII (PCP) – Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da

Nacionalidade);

– Projeto de Lei n.º 548/XIII (PAN) – Altera a Lei da Nacionalidade;

– Projeto de Lei n.º 544/XIII (PS) – Oitava Alteração à Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º 37/81, de

3 de outubro, alterada pela Lei n.º 25/94, de 19 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de

dezembro, e pelas Leis Orgânicas n.º 1/2004, de 15 de janeiro, n.º 2/2006, de 17 de abril, n.º 1/2013, de 29 de

julho, n.º 8/2015, de 22 de junho, e n.º 9/2015, de 29 de julho;

Estas iniciativas, discutidas e votadas indiciariamente na Comissão de Assuntos Constitucionais da XIII

Legislatura, deram origem a um texto de substituição desta Comissão, que culminou na aprovação da Lei

Orgânica n.º 2/2018, de 5 de julho.

– Projeto de Lei n.º 479/XIII (CDS-PP) – Determina a perda da nacionalidade portuguesa, por parte de

quem seja também nacional de outro Estado, em caso de condenação pela prática do crime de terrorismo

(oitava alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro – Lei da Nacionalidade) – rejeitado na generalidade em 19 de

maio de 2017, com votos contra do PS, do BE, do PCP, do PEV e do PAN, votos a favor do CDS-PP e a

abstenção do PSD.

Da XIII Legislatura, registam-se as seguintes petições, de apreciação já concluída:

– Petição n.º 618/XIII/4.ª – Solicitam a alteração de alguns critérios de concessão de nacionalidade

portuguesa;

– Petição n.º 617/XIII/4.ª – Solicitam a concessão de nacionalidade portuguesa a cidadãos originários de

países colonizados por Portugal com 2 anos de residência no país;

– Petição n.º 590/XIII/4.ª – Solicitam a revisão da interpretação que Portugal faz do artigo 5.º da Convenção

Europeia sobre a Nacionalidade;

– Petição n.º 576/XIII/4.ª – Solicitam a atribuição de nacionalidade portuguesa a cidadãos oriundos de

países colonizados com 2 anos de residência;

– Petição n.º 390/XIII/3.ª – Solicita a alteração da Lei da Nacionalidade em matéria de reconhecimento da

nacionalidade originária aos filhos de imigrantes.

Com maior relevância para a análise da presente iniciativa, destaca-se o processo de apreciação dos

Projetos de Lei n.os 373/XII/2.ª (PS) e 394/XII/2.ª (CDS-PP) que, na XII Legislatura, viria a culminar na

aprovação da Lei Orgânica n.º 1/2013, de 29 de julho – Quinta alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei

da Nacionalidade).

f) Pareceres

O Conselho Superior da Magistratura pronunciou-se, em 29 de abril de 2022, mas apenas para referir que

se trata de uma opção política, sobre a qual não cabe ao CSM emitir parecer. Foram também solicitados

pareceres à Ordem dos Advogados e ao Conselho Superior do Ministério Público, que não se pronunciaram.

Sugere-se ainda a formulação de pedido de parecer por escrito, pelo menos, da Comunidade Israelita de

Lisboa, da Comunidade Israelita do Porto e da Comunidade Judaica de Belmonte.

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g) Cumprimento da lei formulário e observações de legística

A iniciativa encontra-se redigida sob a forma de artigos, tem uma designação que traduz sinteticamente o

seu objeto principal e é precedida de uma breve exposição de motivos, cumprindo os requisitos formais

previstos no n.º 1 do artigo 124.º do Regimento.

Observa igualmente os limites à admissão da iniciativa estabelecidos no n.º 1 do artigo 120.º do

Regimento, uma vez que parece não infringir a Constituição ou os princípios nela consignados e define

concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa.

O título da presente iniciativa legislativa traduz sinteticamente o seu objeto, mostrando-se conforme ao

disposto no n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro.

Observa o disposto no n.º 1 do artigo 6.º da lei formulário, segundo o qual os «diplomas que alterem outros

devem indicar o número de ordem da alteração introduzida e, caso tenha havido alterações anteriores,

identificar aqueles diplomas que procederam a essas alterações, ainda que incidam sobre outras normas».

O autor não promoveu a republicação, em anexo, da Lei da Nacionalidade, apesar do disposto no n.º 2 do

artigo 6.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, que prevê a republicação das leis orgânicas. Assim, a norma

da republicação e o respetivo anexo devem constar do texto sujeito a votação final global.

Em caso de aprovação, esta iniciativa revestirá a forma de lei orgânica, nos termos do n.º 2 do artigo 166.º

da Constituição, pelo que deve ser objeto de publicação na 1.ª série do Diário da República, e fazer referência

expressa à sua natureza, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º e no n.º 3 do

artigo 9.º da lei formulário.

No que respeita ao início de vigência, o n.º 1 do artigo 3.º deste projeto de lei estabelece que a sua entrada

em vigor ocorrerá no dia imediato ao da sua publicação, mostrando-se assim conforme com o previsto no n.º 1

do artigo 2.º da lei formulário, segundo o qual os atos legislativos «entram em vigor no dia neles fixado, não

podendo, em caso algum, o início de vigência verificar-se no próprio dia da publicação».

A elaboração de atos normativos da Assembleia da República deve respeitar as regras de legística formal

constantes do Guia de legística para a elaboração de atos normativos,26 por forma a garantir a clareza dos

textos normativos, mas também a certeza e a segurança jurídicas.

Aproveitamos para assinalar que o proponente, na norma revogatória, pretenderá referir-se ao n.º 7 do

artigo 6.º (a redação atual do artigo 7.º apenas contém dois números) – nesse sentido cfr. n.º 2 do artigo 3.º do

projeto de lei. A iniciativa em apreço não nos suscita outras questões pertinentes no âmbito da legística formal,

na presente fase do processo legislativo, sem prejuízo da análise mais detalhada a ser efetuada no momento

da redação final.

Parte II – Opinião da deputada relatora

A Constituição confere alguma margem de liberdade ao legislador ordinário para tratar a matéria da

aquisição da cidadania portuguesa, nos termos do artigo 4.º da CRP.

O projeto sub judice determina a cessação de vigência do regime de concessão da nacionalidade

portuguesa por mero efeito da descendência de judeus sefarditas expulsos de Portugal em 1496, revogando o

n.º 7 do artigo 6.º da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, na redação que lhe foi conferida pela Lei Orgânica n.º

1/2013, de 29 de julho, que procedeu à décima alteração da Lei da Nacionalidade.

De referir que o projeto acautela, em sede de norma transitória, os requerimentos de concessão da

nacionalidade portuguesa que estejam pendentes, ao determinar a sua apreciação ao abrigo da legislação a

revogar e da sua regulamentação, designadamente o artigo 24.º-A do Regulamento da Nacionalidade

Portuguesa aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 237-A/2006, de 14 de dezembro, na redação dada pelo

Decreto-Lei n.º 26/2022, de 18 de março.

Os proponentes invocam que há evidências de um manifesto abuso na concessão da nacionalidade

portuguesa a dezenas de milhares de cidadãos, na sua esmagadora maioria sem qualquer relação com

26 Documento disponível no sítio da Internet da Assembleia da República.

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Portugal, em manifesto abuso do regime legal estabelecido em 2013. Apresentam o exemplo comparativo de

Espanha, que sujeitou este regime a um prazo (suprarreferido).

Ora, tal como noutros casos em que regimes jurídicos acabam por permitir, na prática, abusos e sem se

pôr em causa que no caso vertente estes possam ter alegadamente ocorrido, o modo de acabar com os

mesmos não passa, necessariamente, pela revogação dos regimes jurídicos – nem em geral, nem no caso em

apreço.

Isto não significa que a lei não possa comportar alterações no sentido de «blindar» mais o regime face a

eventuais abusos, seja através da fixação de um prazo ou da exigência de uma qualquer outra ligação efetiva,

a qual pode ocorrer através de alteração à própria Lei da Nacionalidade ou através da sua regulamentação.

Parte III – Conclusões

1. O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da

República o Projeto de Lei Orgânica n.º 28/XV/1.ª – Determina a cessação de vigência do regime de

concessão da nacionalidade portuguesa por mero efeito da descendência de judeus sefarditas expulsos de

Portugal em 1496 (décima alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, que aprova a Lei da Nacionalidade).

2. A iniciativa legislativa visa revogar o n.º 7 do artigo 6.º da Lei da Nacionalidade, sendo que o proponente

justifica a mesma com a existência de abusos na aplicação do referido regime.

3. Esta lei assume a forma de lei orgânica e possui valor reforçado, sendo várias as especificidades

aplicáveis à sua aprovação e promulgação(artigos 168.º, n.º 4, artigo 166.º, n.º 2, artigo 168.º, n.º 5, artigo

278.º, n.os 4 e 5, todos da CRP).

4. A Constituição confere alguma margem de liberdade ao legislador ordinário para tratar a matéria da

aquisição da cidadania portuguesa, nos termos do seu artigo 4.º

5. São várias as soluções legislativas adotadas noutros países da União Europeia, em termos mais

restritivos do que o regime adotado na atual Lei da Nacionalidade nesta matéria.

6. Sugere-se que seja solicitado pedido de parecer por escrito à Comunidade Israelita de Lisboa, à

Comunidade Israelita do Porto e à Comunidade Judaica de Belmonte.

7. Face ao exposto no presente parecer, e não obstante as reservas suscitadas, a Comissão de Assuntos

Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de parecer que o Projeto de Lei n.º 28/XV/1.ª(PCP) reúne

os requisitos constitucionais e regimentais mínimos para ser discutido e votado em Plenário.

Palácio de São Bento, 8 de junho de 2022.

A Deputada Relatora, Alexandra Leitão — O Presidente da Comissão, Fernando Negrão.

Nota: As Partes I e III do parecer foram aprovadas, por unanimidade, com votos a favor do PS, do PSD, do

CH, do IL, do PCP, do BE e do PAN, tendo-se registado a ausência do L, na reunião da Comissão do dia 8 de

junho de 2022.

Parte IV – Anexos

Anexa-se a nota técnica referente ao Projeto de Lei n.º 28/XV/1.ª (PCP) elaborada pelos serviços ao abrigo

do disposto no artigo 131.º do RAR.

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PROJETO DE LEI N.º 36/XV/1.ª

(PREVÊ O CRIME DE ASSÉDIO SEXUAL, PROCEDENDO À QUINQUAGÉSIMA SEXTA ALTERAÇÃO

AO CÓDIGO PENAL E À VIGÉSIMA ALTERAÇÃO AO CÓDIGO DO TRABALHO)

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Parte I – Considerandos

I. a) Nota introdutória

A Deputada única representante do partido Pessoas-Animais-Natureza tomou a iniciativa de apresentar à

Assembleia da República o Projeto de Lei n.º 36/XV/1.ª (PAN) – Prevê o crime de assédio sexual, procedendo

à quinquagésima sexta alteração ao Código Penal e à vigésima alteração ao Código do Trabalho.

O projeto de lei em apreciação deu entrada a 8 de abril de 2022. Nessa mesma data foi admitido e, por

despacho do Presidente da Assembleia da República, baixou, na generalidade, à Comissão de Assuntos

Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª), com conexão com a Comissão de Trabalho, Segurança

Social e Inclusão (10.ª). O seu anúncio ocorreu na reunião plenária do dia 13 de abril, tendo a signatária deste

parecer sido designada como relatora.

O projeto de lei foi apresentado nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º, do n.º 1 do

artigo 167.º e da alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e da alínea

b) do n.º 1 do artigo 4.º e do n.º 1 do artigo 119.º do Regimento da Assembleia da República (RAR). A

iniciativa cumpre os requisitos formais previstos no n.º 1 do artigo 124.º do Regimento.

Em 20 de abril de 2022 foram solicitados pareceres ao Conselho Superior do Ministério Publico, ao

Conselho Superior da Magistratura e à Ordem dos Advogados, podendo ser consultados a todo o tempo na

página do processo legislativo da iniciativa, disponível eletronicamente, tal como aqueles que forem recebidos.

Incidindo a presente iniciativa legislativa sobre matéria laboral, a respetiva apreciação pública foi promovida

através da publicação do projeto de lei na Separata n.º 5, 2022-05-04, da XV Legislatura, encontrando-se em

apreciação pública de 4 de maio a 3 de junho de 2022, nos termos conjugados do artigo 16.º da Lei Geral do

Trabalho em Funções Públicas, da alínea c) do n.º 2 do artigo 469.º e dos artigos 472.º e 473.º, todos do

Código do Trabalho e do artigo 134.º do Regimento.

A discussão na generalidade desta iniciativa não se encontra ainda agendada.

I. b) Do objeto, conteúdo e motivação da iniciativa

Como se evidencia na nota técnica, esta iniciativa legislativa visa tipificar o crime de assédio sexual,

alterando, para o efeito, o Código Penal e o Código do Trabalho. É referido que «uma em cada três mulheres

tem sido ou é, presentemente, vítima de assédio sexual no local de trabalho» e que a Organização

Internacional do Trabalho (OIT) identificou o assédio sexual como um dos principais fatores que afetam a

saúde dos trabalhadores em todo o mundo, considerando que este é um grave problema social que viola

direitos fundamentais, como o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, o direito à integridade

pessoal, onde se inclui a liberdade e autodeterminação sexual [artigos 25.º e 26.º da Constituição da

República Portuguesa (Constituição)], o direito ao trabalho (n.º 1 do artigo 58.º, da Constituição) e o direito à

igualdade de oportunidades na escolha da profissão (n.º 2 do artigo 58.º da Constituição) e produz elevados

danos – psíquicos, económicos e sociais – na vítima. O assédio sexual é caracterizado como uma forma de

violência de género, que «afeta sobretudo mulheres, quer no local de trabalho, quer no espaço público», e

alerta-se para a quase total impunidade dos agressores e para a falta de proteção das vítimas. Considera-se

que a ausência de condenações e de cumprimento de penas efetivas desvirtua os fins das sanções penais e

que a transferência para comportamentos da vítima de tentativas de justificação – «que conduzam à

atenuação da culpa do agressor quanto a atos sexuais não consentidos» – perpetua «a existência de um

sistema judicial misógino e que menoriza e desconsidera os crimes de natureza sexual» e o impacto destes na

vida das vítimas.

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A proponente adita que as alterações legislativas que ocorreram em 2015, abrangendo os crimes de

violação, coação sexual e importunação sexual, pretenderam dar cumprimento ao disposto na Convenção do

Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica,

mas entende que a figura da importunação sexual, normalmente utilizada em casos de assédio sexual, não é

suficiente.

Enuncia-se o artigo 29.º do Código do Trabalho, que prevê a proibição da prática de assédio, tipificando

essa prática como uma contraordenação muito grave, que confere à vítima direito de indeminização, e advoga-

se a criação de uma norma similar autónoma no Código Penal português, à semelhança dos ordenamentos

jurídicos francês e espanhol. Sublinha-se que o «assédio sexual condiciona o acesso ao emprego, à

manutenção do emprego ou promoções profissionais e cria um ambiente de trabalho hostil e intimidatório»,

notando que, quando acontece nos locais de trabalho, se torna mais gravoso, uma vez que a vítima depende

da manutenção do seu posto de trabalho para garantir a sua sobrevivência económica e da sua família, pelo

que na maioria das vezes não se defende, nem apresenta queixa.

À semelhança do previsto no Código Penal espanhol, a proposta vai no sentido de se estender a

criminalização do assédio sexual às relações laborais, sem que esta se limite à existência de um contrato de

trabalho ou da existência de subordinação jurídica, às relações de prestação de serviços e às relações entre

docentes e alunas.

Defende-se que a atribuição de natureza pública aos crimes sexuais, onde se inclui o crime de assédio

sexual, reforçará a proteção da vítima e terá um efeito dissuasor da prática do crime, pugnando, em linha com

o defendido pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), pela concretização de uma válvula de

escape, mediante a qual a vítima maior de idade pode, a todo o tempo, requerer o arquivamento do processo

e o Ministério Público só o pode recusar quando, de forma fundamentada, considere que o prosseguimento da

ação penal é o mais adequado à defesa do interesse da vítima e que o pedido de arquivamento não se deveu

a qualquer tipo de condicionamento por parte do arguido ou de terceiro, caso em que deverá promover sempre

a aplicação das medidas necessárias à sua proteção contra eventuais retaliações.

Assim, em concreto preconizam:

• A tipificação do crime de assédio sexual, aditando um artigo 163.º-A ao Código Penal;

• A previsão de uma agravação no caso de o facto ilícito típico ser perpetrado no âmbito de uma relação

de docência, introduzindo esse aditamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 177.º do Código Penal;

• A não inclusão do crime de assédio sexual entre os crimes cujo procedimento criminal depende de

queixa, alterando, para o efeito, o artigo 178.º do Código Penal, e consagrando, assim, o crime de assédio

sexual como crime público; e

• A extensão do conceito de assédio sexual, previsto no n.º 3 do artigo 29.º do Código do Trabalho,

aditando o inciso «ou com o objetivo de afetar a liberdade e autodeterminação sexual da pessoa», bem o

aditamento da referência a «liberdade e autodeterminação sexual» ao artigo 10.º do mesmo diploma.

O projeto de lei em apreço contém cinco artigos preambulares: o primeiro definidor do respetivo objeto; o

segundo introduzindo um aditamento ao Código Penal o terceiro alterando o Código Penal, o quarto alterando

o Código do Trabalho e o último determinando a data de entrada em vigor da lei a aprovar.

I. c) Enquadramento legal

Os crimes contra a liberdade sexual encontram-se previstos no Capítulo V do Título I do Livro II do Código

Penal. Estão tipificados os seguintes ilícitos criminais: Crime de coação sexual (artigo 163.º); Crime de

violação (artigo 164.º); Crime de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência (artigo 165.º); Crime de abuso

sexual de pessoa internada (artigo 166.º); Crime de fraude sexual (artigo 167.º); Crime de procriação artificial

não consentida (artigo 168.º); Crime de lenocínio (artigo 169.º); Crime de importunação sexual (artigo 170.º). A

estes ilícitos seguem-se os crimes contra a autodeterminação sexual e, por último, encontram-se, ainda,

disposições relativas ao agravamento das penas (artigo 177.º), bem como disposições relativas à queixa

(artigo 178.º).

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Quando o preceito legal que prevê o tipo de crime nada diz, o crime é público e a notícia do mesmo é

suficiente para a instauração do processo criminal, correndo o procedimento mesmo contra a vontade do titular

dos interesses ofendidos. Por seu turno, quando se requer uma queixa da pessoa com legitimidade para a

exercer, o crime é semipúblico e torna-se admissível a desistência da queixa. Por fim, o crime é particular

quando, além da queixa, é necessário que a pessoa com legitimidade para tal se constitua assistente no

processo criminal e que, oportunamente, deduza acusação particular.

O procedimento criminal pelos crimes de coação sexual (artigo 163.º), violação (artigo 164.º) e abuso

sexual de pessoa incapaz de resistência (artigo 165.º), depende de queixa, salvo se forem praticados contra

menor ou deles resultar suicídio ou morte da vítima, caso em que o crime é público e a simples notícia do

crime é suficiente para se iniciar o processo criminal (n.º 1 do artigo 178.º). Todavia, na sua redação atual e

por força de alteração legislativa ocorrida em 2015, nos termos do n.º 2 do artigo 178.º, «quando o

procedimento pelos crimes previstos nos artigos 163.º e 164.º depender de queixa, o Ministério Público pode

dar início ao mesmo, no prazo de seis meses a contar da data em que tiver conhecimento do facto e dos seus

autores, sempre que o interesse da vítima o aconselhe».

O artigo 178.º sofreu diversas alterações ao longo do tempo, sendo especialmente relevante a alteração

introduzida pela Lei n.º 83/2015, de 4 de setembro, que aditou o atual n.º 2 e renumerou os seguintes,

garantindo ao Ministério Público a possibilidade de dar início ao procedimento criminal, se o interesse da

vítima o impuser. Admitiu-se, por esta via, a possibilidade de instauração de procedimento criminal

independentemente da existência de queixa, por crimes contra a liberdade sexual, mas sempre em função do

critério primordial que é o interesse da vítima.

Até à data, foram recebidos os pareceres da Ordem dos Advogados e do Conselho Superior da

Magistratura.

O parecer do Conselho Superior da Magistratura remete para as observações já vertidas no parecer

apresentado na XIV Legislatura relativamente ao Projeto de Lei n.º 852/XIV/2.ª (PAN), cujo conteúdo era

semelhante, por considerar que as observações feitas relativamente às questões de fundo se mantêm

pertinentes. No que tange ao novo crime de assédio cuja introdução no Código Penal se pretende, conclui-se

que «as condutas penalmente relevantes que não sejam socialmente toleráveis já são passíveis de ser

integradas e punidas no âmbito da aplicação de outras incriminações, muito em particular no âmbito do crime

de importunação sexual (…)». Acrescenta-se que «não se justificará uma sobreposição de normas, sempre

geradora de oscilações interpretativas e de problemas ao nível de concurso de crimes, que embaraçam

inevitavelmente a realização da justiça». Por outro lado, afirma-se que «não se vislumbra qualquer razão para

atribuir natureza pública ao dito crime de assédio sexual».

O parecer da Ordem dos Advogados conclui que «as alterações preconizadas carecem de adequada

sustentação, razão pela qual se devem manter inalteradas as disposições legais em questão». Antes, dá-se

nota de que «as condutas penalmente relevantes no contexto descrito na exposição de motivos são passíveis

de ser integradas e punidas no âmbito de outras incriminações». Também não se acompanha a atribuição de

natureza pública a estes crimes, alertando-se para a necessidade de não incorrer no erro «de fazer prevalecer

cegamente o interesse comunitário na persecução penal sobre o interesse da vítima».

Parte II – Opinião da relatora

A relatora do presente parecer acompanha as observações feitas nos pareceres do Conselho Superior da

Magistratura e da Ordem dos Advogados sobre o facto de não se ter logrado evidenciar a existência de

lacunas de punibilidade no que respeita à multiplicidade de condutas que se pretendia autonomizar num novo

crime de assédio sexual. Julga-se, até, que em função da sua diversidade e distintos graus de desvalor, deve

manter-se a opção atual de subsunção possível em diferentes normas penais incriminadoras, num arco que

vai desde as formas mais graves de violação até à importunação sexual.

No que respeita à outorga de natureza pública, ainda que pretensamente mitigada, julga-se conveniente

uma curta revisitação da reflexão já vertida na monografia O Direito Processual Penal Português em Mudança

– Rupturas e Continuidades1.

1 Cfr. Cláudia CRUZ SANTOS, O Direito Processual Penal Português em Mudança – Rupturas e Continuidades, Almedina: 2020,

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O princípio da oficialidade vale de modo pleno relativamente aos crimes públicos, mas conhece as

limitações decorrentes da consagração generosa da necessidade de queixa do ofendido para a instauração do

procedimento criminal e, com menor frequência, da exigência de acusação particular para a sujeição do caso a

julgamento2.

Tais desvios à oficialidade têm sido explicados fazendo apelo a vários critérios, nomeadamente a menor

gravidade de certos ilícitos, a qual tornaria desnecessária a intervenção punitiva estadual se o ofendido a não

reclamar, supondo-se ainda que o reduzido desvalor da conduta não causa significativo abalo comunitário.

Mas, por outro lado e mesmo em crimes mais graves, a exigência de queixa configura-se ainda como um

reconhecimento da autonomia da vontade do ofendido em não ver expostas no processo penal questões que,

por serem eminentemente atinentes à sua intimidade ou à sua privacidade, poderiam com a sua revisitação

num processo penal indesejado levar a uma intensificação ou a uma revisitação da ofensa. Ou seja: os crimes

particulares em sentido amplo não são, necessariamente, apenas os crimes menos graves. Haverá casos em

que se poderá entender que, apesar da manifesta gravidade do crime, a existência do processo criminal

deverá depender da queixa do ofendido, mormente porque um processo indesejado lhe causará uma

desproporcionada vitimização secundária e porque o seu interesse na modelação da resposta ao crime é

preponderante face ao interesse comunitário na punição.

A opção sobre a natureza processual de vários crimes voltou a ser objeto de controvérsia político-criminal a

propósito de crimes como a coação sexual e violação, relativamente aos quais se vem assistindo a uma

tendência para o fortalecimento da componente pública ainda que, paradoxalmente, com o argumento da

necessidade de proteção da vítima concreta.

Quanto aos crimes de coação sexual e de violação, passou desde 2015 a dispor-se no n.º 2 do artigo 178.º

do Código Penal que «quando o procedimento pelos crimes previstos nos artigos 163.º e 164.º depender de

queixa, o Ministério Público pode dar início ao mesmo, no prazo de seis meses a contar da data em que tiver

tido conhecimento do facto e dos seus autores, sempre que o interesse da vítima o aconselhe»3.

De forma propositadamente simplificada, pode afirmar-se que um crime deve ser público quando o

interesse comunitário na persecução penal se sobrepuser ao interesse do concreto ofendido na existência ou

não de um processo penal e que, pelo contrário, um crime deverá ser particular em sentido amplo sempre que

se dever outorgar preponderância à vontade do ofendido quanto à existência do processo penal,

secundarizando o interesse comunitário. Sob este enfoque, parece paradoxal que, para proteção dos

interesses das vítimas adultas de crimes de coação sexual e de violação, se outorgue ao crime uma natureza

pública. Pior: acredita-se que há vários motivos para recear que esta se revele uma opção contraproducente à

luz dos interesses das vítimas destes crimes.

Não é por se ver nos crimes contra a liberdade sexual crimes menos graves que se optou por fazer

depender de queixa o procedimento criminal – com algumas exceções, nomeadamente quando tais crimes

forem praticados contra menores. Podem existir crimes graves – como o crime de violação – em que o

legislador conclui que a resposta punitiva não deve dar-se com alheamento pela vontade do ofendido,

precisamente porque as características da infração e a sua atinência a espaços de intimidade são adequadas

a gerar uma vitimização secundária que deve considerar-se inaceitável. A ponderação das vantagens

associadas a não atribuir carácter sobretudo público a crimes como o de violação não se funda, pois, na

afirmação da menor gravidade das condutas, mas sim, pelo contrário, na verificação de que tais condutas

muito graves devem merecer a resposta pública alcançada através do processo penal sempre que – mas

apenas quando – as vítimas o não considerarem insuportável.

No âmbito do Conselho da Europa, foi adotada em 2011 a Convenção de Istambul – Convenção para a

sobretudo p. 103 ss.

2 Na opinião de José de FARIA COSTA, a existência de crimes particulares em sentido estrito é «um dos afloramentos mais expressivos e sintomáticos do horizonte do consenso» (ideia que pode ser, pelo menos até certo ponto, aplicável aos crimes semipúblicos). Todavia, julga-se que, diversamente do que sucede com a suspensão provisória do processo ou com o processo sumaríssimo, esse consenso ocorre de certo modo «à margem» do processo penal. A especificidade desse consenso inerente aos crimes particulares é vista pelo Autor também como «um reforço da componente vitimológica na apreciação e realização da justiça» – é reconhecido por José de FARIA COSTA, (inComentário Conimbricense do Código Penal, Tomo II, Dir. Jorge de Figueiredo Dias, comentário do artigo 207.º CP, Coimbra: Coimbra Editora, 1999, p. 124).

3 Esta redação foi introduzida pela Lei n.º 83/2015, de 5 de agosto.

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Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica4, aprovada através da

Resolução da Assembleia da República n.º 4/2013, de 21 de janeiro. Esta Convenção contém um conjunto de

disposições que parecem indiciar uma preferência pelas soluções punitivas em detrimento de outras respostas

que possam ser mais desejadas pelas vítimas, o que não deixa de ser questionável. Entre essas disposições,

conta-se o artigo 48.º, sob a epígrafe «Proibição de processos alternativos de resolução de conflitos ou de

pronúncia de sentença obrigatórios»: «1. As Partes deverão adotar as medidas legislativas ou outras que se

revelem necessárias para proibir os processos alternativos de resolução de conflitos obrigatórios, incluindo a

mediação e a conciliação em relação a todas as formas de violência abrangidas pelo âmbito de aplicação da

presente Convenção» – a única interpretação que se julga cabida (e que é, para mais, coerente com o

argumento literal) é que esta disposição apenas interdita os processos alternativos de resolução de conflitos

que sejam obrigatórios, ou seja, não queridos pelas vítimas. Também com relevância para a ponderação de

um assunto já referido – o da opção pela natureza pública ou semipública nos crimes tradicionalmente

associados à violência contra as mulheres –, dispõe-se no artigo 55.º da Convenção de Istambul, sob a

epígrafe «Processos ex parte e ex officio», que «1. As Partes deverão garantir que as investigações das

infrações previstas nos artigos 35.º, 36.º, 37.º, 38.º e 39.º da presente Convenção ou o procedimento penal

instaurado em relação a essas mesmas infrações não dependam totalmente da denúncia ou da queixa

apresentada pela vítima, se a infração tiver sido praticada no todo ou em parte no seu território, e que o

procedimento possa prosseguir ainda que a vítima retire a sua declaração ou queixa». A nova redação dada

ao n.º 2 do artigo 178.º do Código Penal – e a possibilidade de em certas situações o Ministério Público

desencadear oficiosamente o processo criminal – parece salvaguardar o respeito por esta prescrição.

Em síntese: acautelada a possibilidade de, nos termos no novo n.º 2 do artigo 178.º, o Ministério Público

desencadear oficiosamente o processo em nome do interesse da vítima, a manutenção da natureza

semipública destes crimes de coação sexual, violação e abuso sexual de pessoa incapaz de resistência

praticados contra vítimas maiores de idade parece a única solução coerente com o recorte dado ao bem

jurídico que é a liberdade sexual e com o entendimento de que constitui inaceitável forma de vitimização

secundária a imposição de um processo criminal indesejado por uma vítima de um destes crimes que tão

flagrantemente contendem com a sua intimidade.

Na doutrina portuguesa, este é o entendimento sustentado nomeadamente por Pedro Caeiro, muito crítico

quanto «à expropriação de direitos da vítima», com o Estado a arrogar-se «o direito de se substituir às vítimas

em decisões com alto potencial lesivo para as respetivas vidas». O autor pronuncia-se expressamente contra

projetos de lei que «propõem certas soluções que representam objetivamente uma perda de direitos por parte

da vítima, na medida em que – no intuito de a protegerem contra si própria – lhe retiram o poder de decidir

sobre a instauração do procedimento penal nos crimes de Coação sexual e de Violação (…). Subjacente a

estas soluções está a pressuposição – fundada – de que a vítima destes crimes se encontra muitas vezes

fragilizada, quando não pressionada ou coagida, e que, portanto, o Estado não deve deixar totalmente nas

suas mãos direitos cujo exercício, em último termo, pode impedir a administração da justiça e ser prejudicial

para a própria. Todavia, a forma como o Estado pretende arrogar-se o direito de se substituir às vítimas em

decisões com alto potencial lesivo para as respetivas vidas contrasta flagrantemente com o discurso de

empoderamento das mesmas e de promoção da sua autonomia. Na verdade, estas propostas não nos

parecem necessárias, nem legítimas». Por outro lado, sob o enfoque dos compromissos internacionais e da

avaliação a que a legislação portuguesa é objeto no âmbito do GREVIO, sublinha-se que «parece seguro que

a lei portuguesa cumpre perfeitamente o segmento do artigo 55.º, n.º 1, da Convenção de Istambul, na parte

em que impõe aos Estados o dever de garantir que o procedimento pelos crimes de Coação sexual e de

Violação não dependa inteiramente da queixa da vítima», na medida em que, por força do novo n.º 2 do artigo

178.º do Código Penal, «a vítima nunca tem, em caso algum, um poder absoluto de impedir o início de um

procedimento penal por estes crimes, e é precisamente isso que a Convenção pretende» – aduzindo-se

enfaticamente que «a transformação da Coação Sexual e da Violação em crimes públicos não só não é

4 Sobre o âmbito desta Convenção e sobre a possibilidade de «levantar algumas questões de compatibilidade constitucional (…) num

sistema de Direito Penal dito de intervenção mínima», cfr. Teresa BELEZA, «‘Consent – it’s as simple as a tea’: notas sobre a relevância do dissentimento nos crimes sexuais, em especial na violação», Combate à Violência de Género – Da Convenção de Istambul à nova legislação penal, Coord. Maria da Conceição Cunha, Porto: Universidade Católica Editora, 2016, p. 18.

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exigida pelo direito internacional como criará desnecessariamente casos de vitimização secundária, que

obrigarão a vítima a participar, eventualmente muitos anos depois dos factos, de um procedimento formal que

ela não deseja, e, no limite, a iniciar procedimentos penais em casos em que a própria vítima – ao invés do

Ministério Público – não se autorrepresenta como tal».5

A iniciativa legislativa em apreço, porventura reconhecendo alguma pertinência a estas considerações,

procura mitigar a natureza pública que pretende ver atribuída ao crime admitindo que, depois da instauração

oficiosa do processo, haja um arquivamento por força da mera manifestação de vontade da vítima. Não se

acompanha tal proposta, que corresponderia à criação de uma nova categoria, um crime a que se quer

chamar público apesar de o não ser, porque aquilo que também caracteriza um crime público é a irrelevância

da vontade da vítima no que tange à prossecução do processo penal.

Ademais, chama-se a atenção para a vitimização secundária decorrente da existência de um processo

penal que a vítima não quer, da criação para a vítima do ónus de se manifestar contra o processo e mostrar

que a sua continuação é contrária aos seus interesses, assim como o prejuízo para a credibilidade da justiça

penal e para a realização da justiça por força da existência ainda que breve de processos meramente

simbólicos e que redundam em arquivamentos ainda que no processo já existam indícios da prática de um

crime.

Parte III – Conclusões

1. A Deputada única do PAN tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República o Projeto de Lei

n.º 36/XV/1.ª (PAN) – Prevê o crime de assédio sexual, procedendo à quinquagésima sexta alteração ao

Código Penal e à vigésima alteração ao Código do Trabalho.

2. A iniciativa legislativa sub judice visa tipificar o crime de assédio sexual, dar-lhe natureza de crime

público e aditar ao Código do Trabalho certas referências a comportamentos consubstanciadores de assédio.

3. A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de parecer que o Projeto

de Lei n.º 36/XV/1.ª (PAN) reúne os requisitos regimentais e constitucionais para ser discutido e votado em

plenário.

Palácio de São Bento, 8 de junho de 2022.

A Deputada relatora, Cláudia Santos — O Presidente da Comissão, Fernando Negrão.

Nota: O parecer foi aprovado, por unanimidade, com votos a favor do PS, do PSD, do CH, do IL, do PCP,

do BE e do PAN, tendo-se registado a ausência do L, na reunião da Comissão do dia 8 de junho de 2022.

Parte IV – Anexos

Anexa-se a nota técnica elaborada pelos serviços ao abrigo do disposto no artigo 131.º do Regimento da

Assembleia da República.

———

5 Cfr. Pedro CAEIRO, Observações sobre a projectada reforma do regime dos crimes sexuais e do crime de violência doméstica, Revista

Portuguesa de Ciência Criminal, ano 29, n.º 3, 2019, p. 668 ss (a publicação tem na base as observações enviadas ao Grupo de Trabalho — Alterações Legislativas — Crimes de Perseguição e Violência Doméstica, da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, da Assembleia da República, como complemento da audição que teve lugar a 31 de Maio de 2019.

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PROJETO DE LEI N.º 40/XV/1.ª

(DÉCIMA ALTERAÇÃO À LEI N.º 37/81, DE 3 DE OUTUBRO, QUE APROVA A LEI DA

NACIONALIDADE, REVOGANDO O ARTIGO 14.º DESSA LEI)

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Parte I – Considerandos

a) Nota introdutória

O Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata apresenta uma iniciativa legislativa que visa revogar o

artigo 14.º da Lei da Nacionalidade1, aprovada pela Lei .º 37/81, de 3 de outubro, e alterada pela Lei n.º

25/2004, de 19 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro, pelas Leis Orgânicas

n.os.1/2004, de 15 de janeiro, e 2/2006, de 17 de abril, pela Lei n.º 43/2013, de 3 de julho, e pelas Leis

Orgânicas n.os 1/2013, de 29 de julho, 8/2015, de 22 de junho, 9/2015, de 29 de julho, 2/2018, de 5 de julho, e

2/2020, de 10 de novembro, norma que determina que «só a filiação estabelecida durante a menoridade

produz efeitos relativamente à nacionalidade».

A iniciativa em apreciação é apresentada ao abrigo e nos termos do n.º 1 do artigo 167.º daConstituição e

do n.º 1 do artigo 119.º do Regimento da Assembleia da República (Regimento),2 que consagram o poder de

iniciativa da lei. Trata-se de um poder dos Deputados, por força do disposto na alínea b) do artigo 156.º da

Constituição e na alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, bem como dos grupos parlamentares, por

força do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da Constituição e da alínea f) do artigo 8.º do

Regimento.

Observa o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 123.º do Regimento e assume a forma de projeto de lei,

em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 119.º do Regimento.

A matéria sobre a qual versa o presente projeto de lei enquadra-se, por força do disposto na alínea f) do

artigo 164.º da Constituição – «Aquisição, perda e reaquisição da cidadania portuguesa» –, no âmbito da

reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República. Assim, segundo o n.º 4 do artigo

168.º da Constituição, a presente iniciativa legislativa carece de votação na especialidade pelo Plenário e, nos

termos do disposto no n.º 2 do artigo 166.º da Constituição, em caso de aprovação e promulgação revestirá a

forma de lei orgânica.

As leis orgânicas carecem «de aprovação, na votação final global, por maioria absoluta dos Deputados em

efetividade de funções», nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 168.º da Constituição. Refira-se,

igualmente, que o artigo 94.º do Regimento estatui que essa votação, por maioria qualificada, deve ser

realizada com recurso ao voto eletrónico.

Para efeitos do n.º 4 do artigo 278.º da Constituição, deve ainda ser tido em conta o disposto no respetivo

n.º 5: «O Presidente da Assembleia da República, na data em que enviar ao Presidente da República decreto

que deva ser promulgado como lei orgânica, dará disso conhecimento ao Primeiro-Ministro e aos grupos

parlamentares da Assembleia da República».

O projeto de lei em apreciação deu entrada a 12 de abril de 2022, acompanhado da respetiva ficha de

avaliação prévia de impacto de género. Foi admitido e baixou na generalidade à Comissão de Assuntos

Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias (1.ª), por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da

República. O respetivo anúncio em sessão plenária ocorreu no dia 20 de abril.

A discussão na generalidade desta iniciativa não se encontra ainda agendada.

b) Do objeto, conteúdo e motivação da iniciativa

O projeto de lei em apreço revoga o artigo 14.º da Lei da Nacionalidade, nos termos do qual «só a filiação

estabelecida durante a menoridade produz efeitos relativamente à nacionalidade».

1 Ligação para o diploma consolidado retirada do sítio na Internet do Diário da República Eletrónico (https://dre.pt/). Salvo indicação em

contrário, todas as ligações para referências legislativas são feitas para o portal oficial do Diário da República Eletrónico. 2 Ligação para o diploma consolidado retirada do sítio na Internet da Assembleia da República.

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Consideram os proponentes que a alteração legislativa preconizada solucionará «casos de enorme

injustiça para muitas pessoas cujos progenitores, pelas mais variadas razões, só reconheceram a respetiva

paternidade na sua idade adulta».

Invocando os «ajustamentos na Lei da Nacionalidade, que foram alargando os direitos dos

lusodescendentes» das últimas Legislaturas3, os proponentes defendem haver ainda «obstáculos burocráticos

que, no plano legislativo, nos afastam de todo este universo de lusodescendentes», de que consideram ser

exemplo o referido artigo 14.º Na verdade, baseando-se o reconhecimento da nacionalidade originária na

filiação, esta norma impede tal reconhecimento em caso de estabelecimento de filiação já na maioridade do

interessado.

Nesse sentido, retomam, com a presente, iniciativa legislativa apresentada na anterior Legislatura,

entretanto caducada – o Projeto de Lei n.º 810/XIV/2.ª –, que se compõe de quatro artigos: o primeiro definidor

do respetivo objeto, o segundo prevendo a alteração da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, o terceiro determinando

a revogação do seu artigo 14.º, e o quarto diferindo o início de vigência da Lei a aprovar para o dia seguinte ao

da sua publicação. Esta técnica legislativa será analisada infra na alínea g) do presente parecer.

c) Enquadramento constitucional

O projeto em apreço versa sobre aquisição da cidadania portuguesa, alterando a Lei n.º 37/81, de 3 de

outubro, na sua redação atual. Trata-se de uma matéria da reserva absoluta de competência legislativa da

Assembleia da República [alínea f) do artigo 164.º da CRP], carece de votação na especialidade pelo Plenário

(n.º 4 do artigo 168.º da CRP), assume a forma de lei orgânica (n.º 2 do artigo 166.º da CRP) e convoca um

alargamento da legitimidade para requerer a fiscalização preventiva da constitucionalidade, que é conferida

não apenas ao Presidente da República, mas também ao Primeiro-Ministro ou um quinto dos Deputados à

Assembleia da República em efetividade de funções (n.os 4 e 7 do artigo 278.º da CRP).

Assim, quando e se aprovado este projeto assume, do ponto de vista orgânico-formal, a natureza de lei de

valor reforçado, nos termos do n.º 3 do artigo 112.º da CRP.

Do ponto de vista material, o projeto convoca o disposto no artigo 4.º da CRP, nos termos do qual «[S]ão

cidadãos portugueses todos aqueles que como tal sejam considerados pela lei ou por convenção

internacional.», o que significa que o legislador constituinte deixou grande latitude ao legislador ordinário nesta

matéria, embora, como referem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA «… o facto de a constituição ter

remetido para lei ou convenção internacional a definição dos critérios da cidadania portuguesa não quer

significar que exista aqui total liberdade de definição. Não pode ser adotada uma solução arbitrária. Há-de

existir naturalmente uma qualquer conexão relevante entre o cidadão português e Portugal (nascimento em

território português ou em território sob administração portuguesa, filiação de portugueses, casamento com

portugueses, etc.)»4.

No mesmo sentido, os próprios princípios de direito internacional incluem o princípio da nacionalidade

efetiva, que se traduz na ligação efetiva e genuína entre o indivíduo e um Estado. De acordo com este

princípio, um Estado só deve conceder a sua nacionalidade a quem com ele tenha, por força do nascimento,

descendência ou outros fatores relevantes, uma relação de pertença. Daqui resulta que o princípio da

nacionalidade efetiva opera como um limitador da atuação legislativa dos Estados em matéria de concessão

da nacionalidade5.

Outros princípios de Direito Internacional sobre esta matéria, são também a proibição de discriminação, o

alcance individual e não coletivo da aquisição ou da perda de cidadania e a dependência de consentimento do

próprio para a naturalização ou qualquer forma de aquisição superveniente da cidadania6. E a Declaração

Universal dos Direitos do Homem, determina, no artigo 15.º, que «todo o individuo tem direito a uma

nacionalidade.»

3 Em particular, o aprovado na XIII Legislatura através da Lei Orgânica n.º 9/2015, de 29 de julho, que passou a reconhecer como portugueses de origem «Os indivíduos nascidos no estrangeiro com, pelo menos, um ascendente de nacionalidade portuguesa do 2.º grau na linha reta que não tenha perdido essa nacionalidade, se declararem que querem ser portugueses, possuírem laços de efetiva ligação à comunidade nacional e, verificados tais requisitos, inscreverem o nascimento no registo civil português».

4 V. GOMES CANOTILHO e VTAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, volume I, Coimbra, 2007, pág. 222. 5 V. MARIA FERNANDA CARNEIRO, Os princípios do Direito da Nacionalidade no instituto da aquisição da nacionalidade portuguesa por

naturalização, Porto, 2021, pág. 12. 6 V. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição da República Portuguesa anotada, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra, 2010, pág. 124.

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Por sua vez, são os seguintes os princípios de direito nacional nesta matéria: prevalência do jus sanguinis,

ausência de diferenciação com base no sexo ou na filiação por imperativo de igualdade, conservação da

cidadania portuguesa por cidadão que se naturalize noutro Estado e não declare renunciar à cidadania

portuguesa7.

O que significa que a Constituição não proíbe nem impõe uma solução como a que consta do artigo 14.º da

Lei da Nacionalidade, deixando essa ponderação ao legislador ordinário.

d) Enquadramento legal

No plano da legislação ordinária, a atribuição, aquisição e perda da nacionalidade é regulada pela Lei n.º

37/81, de 3 de outubro8 (Lei da Nacionalidade), a qual foi, até ao momento, alterada nove vezes, através da

Lei n.º 25/94, de 19 de agosto, do Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro (na redação dada pelo

Decreto-Lei n.º 194/2003, de 23 de agosto)910 e das Leis Orgânicas n.os 1/2004, de 15 de janeiro, 2/2006, de

17 de abril, 1/2013, de 29 de julho, 8/2015, de 22 de junho, 9/2015, de 29 de julho, 2/2018, de 5 de julho, e

2/2020, de 10 de novembro.

Das alterações introduzidas pela Lei n.º 25/94, de 19 de agosto, destacam-se as relativas à distinção entre

os requisitos que nacionais de países de língua oficial portuguesa e os nacionais de outros países têm de

preencher para aquisição da nacionalidade portuguesa.

A revogação do artigo 20.º da Lei da Nacionalidade, operada pelo Decreto-Lei n.º 194/2003, de 23 de

agosto, ex vi alteração do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro11, veio acabar com a

exceção de gratuitidade que existia para os registos das declarações para a atribuição da nacionalidade

portuguesa e os registos oficiais, bem como os documentos necessário para uns e outros.

A Lei Orgânica n.º 1/2004, de 15 de janeiro, vem introduzir alterações em termos de reaquisição da

nacionalidade portuguesa.

As alterações introduzidas pela Lei Orgânica n.º 2/2006, de 17 de abril, visaram adequar a Lei da

Nacionalidade às transformações demográficas que ocorreram no país até àquela altura, uma vez que

Portugal passou de país de emigração a país de imigração. Assim, o vínculo de nacionalidade configurou-se

como um instrumento de inclusão, promovendo uma política de coesão nacional e de integração das pessoas.

A quinta alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, visou facilitar a concessão da nacionalidade aos

descendentes de judeus sefarditas portugueses.

Por sua vez, a Lei Orgânica n.º 8/2015, de 22 de junho, veio fixar novos requisitos para a concessão da

nacionalidade por naturalização e de oposição à aquisição da nacionalidade portuguesa relacionados com o

combate à radicalização e ao recrutamento para o terrorismo.

A Lei Orgânica n.º 9/2015, de 29 de julho, estendeu a nacionalidade portuguesa originária aos netos dos

portugueses nascidos no estrangeiro. As duas alterações subsequentes à Lei da Nacionalidade, operadas

pelas Leis Orgânicas n.º 2/2018, de 5 de julho, e 2/2020, de 10 de novembro, alargaram o acesso à

nacionalidade com base no critério do jus soli, tanto na aquisição da nacionalidade originária como por adoção

e naturalização.

O artigo 14.º da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, que determina que «Só a filiação estabelecida durante a

menoridade produz efeitos relativamente à nacionalidade», e que a presente iniciativa legislativa pretende

revogar, manteve-se inalterado até aos dias de hoje. A lei atualmente em vigor veio revogar a Lei n.º 2098, de

29 de julho de 1959, a qual previa, no n.º 3 da sua Base IX, uma disposição com a mesma ratio que este artigo

14.º: «A perfilhação só terá efeitos em relação à nacionalidade do reconhecido quando estabelecida durante a

sua menoridade».

Nos termos do artigo 122.º do Código Civil12, «[É] menor quem não tiver ainda completado dezoito anos de

7 Cfr. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, op. cit., pág. 126. 8 Versão consolidada, retirada do sítio na Internet do Diário da República Eletrónico. Todas as referências legislativas nesta parte da nota

técnica são feitas para o portal oficial do Diário da República Eletrónico, salvo indicação em contrário. Consultada em 27-4-2022. 9 Retificado pela Declaração de Retificação n.º 11-I/2003, de 30 de setembro. 10 A alteração introduzida por este diploma, traduzida na revogação do artigo 20.º da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, dizia respeito à

gratuitidade de atos de registo, não afetando a área de reserva absoluta de competência legislativa a que se refere a alínea f) do artigo 164.º da Constituição.

11 Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado. 12 Texto consolidado. Consultado em 27-4-2022.

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idade», encontrando-se o estabelecimento da filiação regulado nos artigos 1796.º e seguintes do mesmo

Código.

e) Enquadramento de direito comparado

São analisados quatro países: Espanha, França, Itália e Suécia.

i) Espanha

A questão da aquisição e atribuição da nacionalidade espanhola é regulada pelo Código Civil13 espanhol,

cujo artigo 17.º, relativo à nacionalidade originária, considera como espanhóis de origem, os filhos de pai ou

mãe espanhola, os nascidos em Espanha de pais estrangeiros se pelo menos um deles tiver nascido em

Espanha, excetuando-se os filhos de funcionário diplomático ou consular acreditado em Espanha [artigo 17.º,

n.º 1, alínea b)]. De igual modo, são considerados espanhóis os nascidos em Espanha de pais estrangeiros,

se ambos carecerem de nacionalidade ou se a legislação aplicável aos pais não atribuir uma nacionalidade ao

filho [artigo 17.º, n.º 1, alínea c)]. Além destes casos, também os nascidos em Espanha cuja filiação não

resulte determinada são espanhóis de origem [artigo 17.º, n.º 1, alínea d)].

No entanto, a filiação ou o nascimento em Espanha cuja determinação venha a ocorrer depois dos 18 anos

de idade não constitui por si só causa de aquisição da nacionalidade espanhola, podendo o interessado optar

pela nacionalidade espanhola de origem no prazo de dois anos a contar daquele facto (artigo 17.º, n.º 2).

Por outro lado, e de acordo com o previsto no n.º 1 do artigo 19.º, o estrangeiro menor de 18 anos de idade

adotado por cidadão espanhol adquire, desde a adoção, a nacionalidade espanhola de origem. Se o adotado

for maior de 18 anos, pode optar pela nacionalidade espanhola originária no prazo de dois anos a partir da

constituição da adoção (n.º 2). Se, de acordo com o ordenamento jurídico do país de origem, o adotado puder

manter a sua nacionalidade, esta é também reconhecida em Espanha.

De acordo com o artigo 20.º, n.º 1, alínea b) «têm o direito de optar pela nacionalidade espanhola, aqueles

cujo pai ou mãe era originalmente espanhol e nasceu em Espanha».

ii) França

A matéria da nacionalidade é tratada no Código Civil14, especificamente nos artigos 17 a 33-2.

Há várias possibilidades para uma pessoa que não nasceu francesa se tornar francesa. Há três situações:

aquisição automática da nacionalidade, que terá lugar sem formalidades para os jovens nascidos em França a

pais estrangeiros (que nasceram eles próprios no estrangeiro) quando fizerem 18 anos; aquisição por

declaração, que diz respeito a: jovens nascidos em França a pais estrangeiros que desejam obter

antecipadamente a nacionalidade francesa, cônjuges de cidadãos franceses, filhos adotados por uma pessoa

francesa ou acolhidos por uma pessoa ou instituição francesa E pessoas que podem beneficiar da posse da

nacionalidade francesa; aquisição por naturalização ou reintegração por decreto: a administração terá amplos

poderes discricionários porque mesmo que as condições legais estejam preenchidas, poderá recusar o pedido.

Um estrangeiro ou apátrida que se case com um francês pode, quatro anos após a celebração do

casamento, requerer a nacionalidade francesa. São informados sobre este procedimento no momento do

casamento. No entanto, a aquisição da nacionalidade por casamento não é automática, deve ser solicitada

através de um procedimento de declaração. Várias condições devem ser satisfeitas: a comunhão de vida entre

os cônjuges não deve ter cessado e não deve cessar no ano seguinte ao registo da declaração, caso contrário

haverá uma presunção de fraude que permitirá ao Ministério Público contestar o registo da declaração dentro

de um período de 2 anos. (artigos 21-1 a 21-6 do Código Civil)

Na aquisição da nacionalidade francesa por declaração não está prevista uma das situações que a

presente iniciativa legislativa pretende salvaguardar: «o acesso dos netos de portugueses à nacionalidade

13 Diploma consolidado retirado do portal oficial https://www.boe.es/. Todas as ligações eletrónicas a referências legislativas relativas a

Espanha são feitas para o referido portal. Consultado em 2-5-2022. 14 Diploma consolidado acessível no portal oficial Légifrance – Le service public de la diffusion du droit (legifrance.gouv.fr). Todas as

ligações eletrónicas a referências legislativas referentes a França são feitas para o referido portal. Consultado em 2-5-2022.

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originária dos seus ascendentes». A legislação francesa15 prevê sim, a aquisição da nacionalidade pelos

ascendentes de cidadãos franceses – um estrangeiro com pelo menos 65 anos de idade, que reside regular e

habitualmente em França há pelo menos 25 anos e que é ascendente direto de um cidadão francês pode

reivindicar a nacionalidade francesa desde 1 de julho de 2016.

Deste modo, tem nacionalidade francesa a criança que tenha pelo menos um dos progenitores de

nacionalidade francesa (artigo 18), a criança nascida em França de pais desconhecidos (artigo 19) e a criança

nascida em França filha de pelo menos um progenitor também nascido em França, embora, neste caso, haja a

faculdade de renunciar à nacionalidade francesa, desde que o faça durante os seis meses anteriores à data

em que atingir os 18 anos de idade e os 12 meses seguintes (artigos 19-3 e 19-4).

iii) Itália

Em Itália, a nacionalidade baseia-se principalmente no conceito de «ius sanguinis», através do qual o filho

de progenitor italiano (pai ou mãe) é italiano. A mesma é regulada atualmente através da Legge 5 febbraio

1992, n. 9116 e pelos diplomas que a regulamentam.

Os princípios nos quais se baseia a «cidadania (nacionalidade) italiana» são: a transmissão da

nacionalidade por descendência «iure sanguinis»; a aquisição «iure soli» (através do nascimento em território

italiano); a possibilidade de ter dupla nacionalidade; e, a manifestação de vontade para a aquisição e perda.

O termo «cittadinanza» (cidadania/nacionalidade) indica a relação entre um indivíduo e o Estado e, em

particular, um estatuto, denominado «civitatis», ao qual o sistema jurídico vincula a plenitude dos direitos civis

e políticos. Na Itália, o conceito moderno de nacionalidade nasceu na época da constituição do Estado unitário

e atualmente é regido pela Lei n.º 91/1992.

A cidadania italiana adquire-se iure sanguinis, ou seja, se a pessoa nasce de, ou é adotada por cidadãos

italianos. Existe uma possibilidade residual de aquisição por iure soli, se se tiver nascido em território italiano

de pais apátridas ou se os pais são desconhecidos ou não podem transmitir a sua nacionalidade ao filho de

acordo com a lei do país de origem.

São previstas formas facilitadas de aquisição da cidadania para os estrangeiros de origem italiana: um

estrangeiro (ou apátrida) cujo pai ou mãe, ou um dos parentes do segundo grau na linha ascendente direta era

um cidadão por nascimento torna-se cidadão se, ao atingir a maioridade, tiver residido legalmente no território

italiano durante pelo menos dois anos e declarar, no prazo de um ano após ter atingido a maioridade, que

deseja adquirir a nacionalidade italiana [alínea c) do n.º 1 do artigo 4.º].

Os descendentes de um cidadão italiano, nascidos no estrangeiro, adquirem a cidadania italiana desde o

nascimento. Daí a possibilidade concreta de à segunda, terceira, quarta e subsequentes gerações de

descendentes de emigrantes italianos poder ser concedida a cidadania italiana.

Estes podem obter o reconhecimento da sua nacionalidade italiana jure sanguinis apresentando o pedido

ao município italiano de residência em conformidade com as Circulares do Ministério do Interior K.28.1 de 8 de

Abril de 199117 e K.78 de 19 de Fevereiro de 2001.

A concessão de nacionalidade italiana a cidadãos estrangeiros casados com italianos18 é regulada nos

termos do artigo 5.º da lei da nacionalidade (Legge 5 febbraio 1992, n. 91). Assim, obtém a nacionalidade, um

estrangeiro casado com um cidadão italiano com pelo menos dois anos de residência legal (entendida a partir

da data de registo num município italiano) após a celebração do casamento, período reduzido para um ano se

os cônjuges tiverem tido ou adotado filhos (ou pelo menos três anos a partir da data do casamento, se

residente no estrangeiro), se, no momento da adoção do decreto de concessão da nacionalidade, não tiver

havido dissolução, anulação ou cessação dos efeitos civis do casamento e não houver separação legal dos

cônjuges.

A nacionalidade também pode ser solicitada por estrangeiros que tenham residido em Itália durante pelo

menos dez anos e satisfaçam certos requisitos. Em particular, o requerente deve provar que tem rendimentos

15https://www.immigration.interieur.gouv.fr/Integration-et-Acces-a-la-nationalite/La-nationalite-francaise/Les-conditions-et-modalites-de-l-

acquisition-de-la-nationalite-francaise. Consultada em 3-5-2022 16 Diploma consolidado acessível no portal oficial Normattiva.it – Il portale della legge vigente. Todas as ligações eletrónicas a referências

legislativas referentes a Itália são feitas para o referido portal. Consultado em 2-5-2022. 17https://www.esteri.it/mae/normative/normativa_consolare/serviziconsolari/cittadinanza/circk28_1991.pdf Consultada em 3-5-2022 18 ttp://www.libertaciviliimmigrazione.dlci.interno.gov.it/it/acquisto-della-cittadinanza-italiana-matrimonio-cittadino-italiano-ai-sensi-dellart-5-

della-legge-n Consultada em 3-5-2022

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suficientes para se sustentar a si próprio, que não tem registo criminal, e que não está na posse de quaisquer

razões que possam dificultar a segurança da República.

iv) Suécia

De acordo com o «Act on Swedish Citizenship»19 (Lei da Nacionalidade sueca)20 a aquisição da

nacionalidade pode ser feita por nascimento, adoção, pelo casamento dos progenitores, a pedido e por

naturalização.

A nacionalidade (cidadania) por nascimento ou descendência é a primeira e principal forma de obter a

cidadania sueca; por adoção permite aos filhos adotados de cidadãos suecos tornarem-se eles próprios

cidadãos deste país; por naturalização ou aplicação que é a principal via através de cidadãos estrangeiros

pode adquirir passaportes suecos através da residência; e por legitimação, que é uma opção para os cidadãos

estrangeiros que casem com suecos.

Além disso, o país tem um esquema especial de naturalização para cidadãos de países vizinhos do Norte

que podem obter a nacionalidade sueca, através da apresentação de uma notificação à Agência Sueca de

Migração21.

A nacionalidade por descendência na Suécia é a forma mais simples de adquirir um passaporte, uma vez

que implica apenas provar os laços que uma pessoa tem com cidadãos deste país.

De acordo com a Lei da Nacionalidade, nem todas as pessoas se qualificam automaticamente para a

cidadania por descendência na Suécia. Assim, podem obter a nacionalidade: uma pessoa cuja mãe é cidadã

sueca; uma pessoa que nasceu na Suécia e cujo pai é cidadão sueco; uma pessoa cujo pai é cidadão sueco e

é casado com a mãe (que pode ser estrangeira); uma pessoa que nasceu na Suécia e cujo pai é falecido mas

era cidadão sueco na altura; uma pessoa cujo pai é falecido, mas era cidadão sueco e casado com a mãe na

altura.

Se um cidadão estrangeiro for casado, viver numa parceria registada ou se for um parceiro em coabitação

com um cidadão sueco, pode candidatar-se à «cidadania» sueca após três anos. Se assim for, devem ter

vivido juntos nos últimos dois anos. Não é suficiente estar casado um com o outro. Também devem viver

juntos.

e) Enquadramento e antecedentes parlamentares

Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verificou-se estar em apreciação, em matéria

de alteração da Lei da Nacionalidade – ainda que com escopo diverso do da presente iniciativa –, o Projeto de

Lei n.º 28/XV/1.ª (PCP) – Determina a cessação de vigência do regime de concessão da nacionalidade

portuguesa por mero efeito da descendência de judeus sefarditas expulsos de Portugal em 1496 (décima

alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro que aprova a Lei da Nacionalidade).

Em apreciação na Comissão de Assuntos Constitucionais está a Petição n.º 326/XIV –

Inconstitucionalidade e ilegalidade do artigo 14.º da Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81, de 3 de outubro), com

precisamente o mesmo objeto da iniciativa sub judice.

Na anterior Legislatura foram apreciadas as seguintes iniciativas legislativas de alteração da Lei da

Nacionalidade:

– Projeto de Lei n.º 118/XIV/1.ª (PCP)22 – Alarga a aplicação do princípio do jus soli na Lei da

Nacionalidade Portuguesa (nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, que aprova a Lei da

Nacionalidade)23;

– Projeto de Lei n.º 117/XIV/1.ª (PAN) – Alarga o acesso à naturalização às pessoas nascidas em território

19 https://ec.europa.eu/migrant-integration/library-document/act-swedish-citizenship_en Consultada em 3-5-2022. 20 No caso da Suécia, as fontes citadas não são as do jornal oficial, mas de fontes igualmente fidedignas como o portal da Comissão

Europeia e a da Agência Sueca de Migração. 21 https://www.migrationsverket.se/English/Startpage.html 22 Ligação retirada do sítio na Internet da Assembleia da República (https://www.parlamento.pt/). Salvo indicação em contrário, todas as

ligações para iniciativas pendentes ou antecedentes parlamentares são feitas para o sítio na Internet da Assembleia da República. 23 Que, discutido conjuntamente com o Projeto de Lei n.º 117/XIV/1.ª, daria origem à Lei Orgânica n.º 2/2020 – Nona alteração à Lei n.º

37/81, de 3 de outubro, que aprova a Lei da Nacionalidade [DR I Série n.º 219/XIV/2, 2020-11-10]

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português após o dia 25 de Abril de 1974 e antes da entrada em vigor da Lei da Nacionalidade (procede à

nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro);

– Projeto de Lei n.º 126/XIV/1.ª (L) – Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da Nacionalidade)

– na reunião plenária n.º 17, de 12-12-2019, votação na generalidade: rejeitado, com votos contra do PS, do

PSD, do CDS-PP, do PAN, do IL e do CH e votos a favor do BE, do PCP, do PEV e do L [DAR I série n.º 17,

2019-12-13, da 1.ª SL da XIV Leg (pág. 67-67)];

– Projeto de Lei n.º 3/XIV/1.ª (BE) – Altera a Lei da Nacionalidade e o Regulamento Emolumentar dos

Registos e Notariado (nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, e trigésima quarta alteração ao Decreto-

Lei n.º 322-A/2001, de 14 de dezembro) – na reunião plenária de 23-07-2020, votação na generalidade:

rejeitado, com votos contra do PS, do PSD, do CDS-PP, do PAN, do CH e da Deputada não inscrita Cristina

Rodrigues, votos a favor do BE, do PCP, do PEV e da Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira e a

abstenção do IL [DAR I Série n.º 76, 2020.07.24, da 1.ª SL da XIV Leg (pág. 15-15)];

– Projeto de Lei n.º 810/XIV/2.ª (PSD) – Altera a Lei da Nacionalidade para revogar o artigo 14.º, projeto

que caducou com o fim da Legislatura.

E ainda a Petição n.º 178/XIV/2.ª – Recusa de reconhecimento de nacionalidade da minha filha (de

apreciação concluída).

Na XIII Legislatura, como antecedentes parlamentares, encontram-se registadas as seguintes iniciativas

legislativas e petições:

– Projeto de Lei n.º 364/XIII (PSD) – Altera a Lei n.º 37/81 (Lei da Nacionalidade);

– Projeto de Lei n.º 390/XIII (BE) – Altera a Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º 37/81, de 3 de

outubro, e o Regulamento Emolumentar dos Registos e Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001,

de 14 de dezembro;

– Projeto de Lei n.º 428/XIII (PCP) – Nona alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro (Lei da

Nacionalidade);

– Projeto de Lei n.º 548/XIII (PAN) – Altera a Lei da Nacionalidade;

– Projeto de Lei n.º 544/XIII (PS) – Oitava Alteração à Lei da Nacionalidade, aprovada pela Lei n.º 37/81, de

3 de outubro, alterada pela Lei n.º 25/94, de 19 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 322-A/2001, de 14 de

dezembro, e pelas Leis Orgânicas n.º 1/2004, de 15 de janeiro, n.º 2/2006, de 17 de abril, n.º 1/2013, de 29 de

julho, n.º 8/2015, de 22 de junho, e n.º 9/2015, de 29 de julho;

Estas iniciativas, discutidas e votadas indiciariamente na Comissão de Assuntos Constitucionais da XIII

Legislatura, deram origem a um texto de substituição desta Comissão, que culminou na aprovação da Lei

Orgânica n.º 2/2018, de 5 de julho.

– Projeto de Lei n.º 479/XIII (CDS-PP) – Determina a perda da nacionalidade portuguesa, por parte de

quem seja também nacional de outro Estado, em caso de condenação pela prática do crime de terrorismo

(oitava alteração à Lei n.º 37/81, de 3 de outubro – Lei da Nacionalidade) – rejeitado na generalidade em 19 de

maio de 2017, com votos contra do PS, do BE, do PCP, do PEV e do PAN, votos a favor do CDS-PP e a

abstenção do PSD.

Da XIII Legislatura, registam-se as seguintes petições, de apreciação já concluída:

– Petição n.º 618/XIII/4.ª – Solicitam a alteração de alguns critérios de concessão de nacionalidade

portuguesa;

– Petição n.º 617/XIII/4.ª – Solicitam a concessão de nacionalidade portuguesa a cidadãos originários de

países colonizados por Portugal com 2 anos de residência no país;

– Petição n.º 590/XIII/4.ª – Solicitam a revisão da interpretação que Portugal faz do artigo 5.º da Convenção

Europeia sobre a Nacionalidade;

– Petição n.º 576/XIII/4.ª – Solicitam a atribuição de nacionalidade portuguesa a cidadãos oriundos de

países colonizados com 2 anos de residência;

– Petição n.º 390/XIII/3.ª – Solicita a alteração da Lei da Nacionalidade em matéria de reconhecimento da

nacionalidade originária aos filhos de imigrantes.

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f) Pareceres

O Conselho Superior da Magistratura pronunciou-se, em 29 de abril de 2022, mas apenas para referir que

se trata de uma opção política, sobre a qual não cabe ao CSM emitir parecer. Foram também solicitados

pareceres à Ordem dos Advogados e ao Conselho Superior do Ministério Público, que não se pronunciaram.

g) Cumprimento da lei formulário e observações de legística

A iniciativa encontra-se redigida sob a forma de artigos, tem uma designação que traduz sinteticamente o

seu objeto principal e é precedida de uma breve exposição de motivos, cumprindo os requisitos formais

previstos no n.º 1 do artigo 124.º do Regimento.

Observa igualmente os limites à admissão da iniciativa estabelecidos no n.º 1 do artigo 120.º do

Regimento, uma vez que parece não infringir a Constituição ou os princípios nela consignados e define

concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa.

O título da presente iniciativa legislativa traduz sinteticamente o seu objeto, mostrando-se conforme ao

disposto no n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro (lei formulário).

Observa o disposto no n.º 1 do artigo 6.º da lei formulário, segundo o qual os «diplomas que alterem outros

devem indicar o número de ordem da alteração introduzida e, caso tenha havido alterações anteriores,

identificar aqueles diplomas que procederam a essas alterações, ainda que incidam sobre outras normas».

O autor não promoveu a republicação, em anexo, da Lei da Nacionalidade, apesar do disposto no n.º 2 do

artigo 6.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, que prevê a republicação das leis orgânicas. Assim, a norma

da republicação e o respetivo anexo devem constar do texto sujeito a votação final global.

Em caso de aprovação esta iniciativa revestirá a forma de lei orgânica, nos termos do n.º 2 do artigo 166.º

da Constituição, pelo que deve ser objeto de publicação na 1.ª série do Diário da República, e fazer referência

expressa à sua natureza, em conformidade com o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º e no n.º 3 do

artigo 9.º da lei formulário.

No que respeita ao início de vigência, o artigo 4.º deste projeto de lei estabelece que a sua entrada em

vigor ocorrerá no dia seguinte ao da sua publicação, mostrando-se assim conforme com o previsto no n.º 1 do

artigo 2.º da lei formulário, segundo o qual os atos legislativos «entram em vigor no dia neles fixado, não

podendo, em caso algum, o início de vigência verificar-se no próprio dia da publicação».

A elaboração de atos normativos da Assembleia da República deve respeitar as regras de legística formal

constantes do Guia de legística para a elaboração de atos normativos,24 por forma a garantir a clareza dos

textos normativos, mas também a certeza e a segurança jurídicas.

Como já foi referido, a presente iniciativa legislativa é composta por quatro artigos: o primeiro definidor do

respetivo objeto, o segundo prevendo a alteração da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro – sendo esta alteração a

própria revogação do artigo 14.º –, o terceiro determinando a revogação do seu artigo 14.º, e o quarto diferindo

o início de vigência da Lei a aprovar para o dia seguinte ao da sua publicação. Esta técnica legislativa suscita

dúvidas por quanto, tratando-se exclusivamente da revogação do artigo 14.º e sendo esta integral, bastaria a

norma subsequente para a operar, aconselhando as regras da legística formal que «no caso de se proceder à

revogação integral e não substitutiva de um ou vários artigos, deve criar-se um artigo próprio epigrafado de

revogação, não sendo necessário, neste caso, nova redação»25.

Parte II – Opinião da Deputada relatora

A Constituição confere alguma margem de liberdade ao legislador ordinário para tratar a matéria da

aquisição da cidadania portuguesa, nos termos do artigo 4.º

O projeto sub judice opera a revogação do artigo 14.º da Lei da Nacionalidade, que determina que «só a

24 Documento disponível no sítio da Internet da Assembleia da República 25 V. DUARTE, David [et al.] – Legística: perspetivas sobre a conceção e redação de atos normativos. Coimbra, Almedina, 2002, pág.

253.

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filiação estabelecida durante a menoridade produz efeitos relativamente à nacionalidade».

Os proponentes invocam a necessidade de garantir o acesso dos netos de portugueses à nacionalidade

originária dos seus ascendentes e a simplificação da aquisição da nacionalidade por parte dos cônjuges de

cidadãos nacionais, bem como das pessoas cujos progenitores, pelas mais variadas razões, só reconheceram

a respetiva paternidade na sua idade adulta.

Os argumentos invocados são muito relevantes, sobretudo num país de emigração e aos mesmos pode

acrescer, por exemplo, o princípio da não discriminação de quem conhece a filiação já depois da maioridade.

Mas há também razões que militam em favor da manutenção da norma constante do artigo 14.º que, aliás,

se mantém inalterada desde a versão originária da Lei n.º 37/81, de 3 de outubro.

Essas razões são assim sumariadas por RUI MOURA RAMOS: «O fundamento desta solução [do artigo

14.º] decorre das razões que estão na base quer do reconhecimento do «ius sanguinis» quer do relevo

reconhecido às hipóteses de filiação, mesmo adotiva, em sede de nacionalidade. Com efeito, não são

considerações de origem rácica ou biológica que determinaram o legislador, mas o reconhecimento da

circunstância de que os laços existentes entre pais e filhos permitem supor que estes últimos participarão

naturalmente do conjunto de conceções e de valores que identificam a comunidade nacional daqueles.»26

E continua: «Tal suposição funda-se evidentemente na influência educativa que pode ter lugar no interior

da família, e que apenas se verifica no período de formação da personalidade, período em que um caráter é

mais sensível à influência de terceiros. Desaparecendo tal situação em princípio com o acesso à maioridade,

facilmente se compreenderá que uma filiação estabelecida depois desse momento não possa valer como

presunção para revelar a integração psicológica e sociológica do filho na comunidade nacional dos pais.»27

Além disso, há ainda o receio de que o estabelecimento tardio da filiação tenha como objetivo exatamente

a obtenção da nacionalidade, numa eventual fraude à lei.

Ainda assim, e parecendo haver razões ponderosas em ambos os sentidos, uma solução possível é

admitir-se alguma relevância da filiação adquirida depois da maioridade, mitigada pela exigência de uma

ligação efetiva ou um prazo para a exercer o direito, como acontece na lei espanhola, entre outras soluções

que não cabe aqui desenvolver.

Parte III – Conclusões

1 – O Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da

República o Projeto de Lei Orgânica n.º 40/XV/1.ª – Revoga o artigo 14.º da Lei da Nacionalidade, alterando a

Lei n.º 37/81, de 3 de outubro, na sua versão atual

2 – Esta lei assume a forma de lei orgânica e possui valor reforçado, sendo várias as especificidades

aplicáveis à sua aprovação e promulgação (artigos 168.º, n.º 4, artigo 166.º, n.º 2, artigo 168.º, n.º 5, artigo

278.º, n.os 4 e 5, todos da CRP).

3 – A Constituição confere alguma margem de liberdade ao legislador ordinário para tratar a matéria da

aquisição da cidadania portuguesa, nos termos do seu artigo 4.º

4 – São várias as soluções legislativas adotadas noutros países da União Europeia sobre esta matéria,

salientando-se a solução da lei espanhola que determina que quando a filiação só seja determinada depois

dos 18 anos ou em caso de adoção depois dessa idade, o interessado pode optar pela nacionalidade

espanhola de origem no prazo de dois anos a contar daquele facto (filiação ou adoção).

5 – Há razões ponderosas em ambos os sentidos: por um lado, a não discriminação de quem conhece a

filiação numa idade adulta, por outro lado, a eventual perda de uma ligação efetiva decorrente da inexistência

de laços de parentalidade durante a infância e adolescência.

6 – Face ao exposto no presente parecer, e não obstante as reservas suscitadas, a Comissão de Assuntos

Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de parecer que o Projeto de Lei n.º 40/XV/1.ª(PSD) reúne

os requisitos constitucionais e regimentais mínimos para ser discutido e votado em plenário.

26 V. RUI MOURA RAMOS, «Nacionalidade» in Estudos de Direito Portugues da nacionalidade, 2.ª edição, Coimbra, 2019, pág. 385. 27 RUI MOURA RAMOS, op. cit., pág. 386.

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Palácio de São Bento, 8 de junho de 2022.

A Deputada relatora,Alexandra Leitão — O Presidente da Comissão, Fernando Negrão.

Nota: As Partes I e III do parecer foram aprovadas, por unanimidade, com votos a favor do PS, do PSD, do

CH, do IL, do PCP, do BE e do PAN, tendo-se registado a ausência do L, na reunião da Comissão do dia 8 de

junho de 2022.

Parte IV – Anexos

Anexa-se a nota técnica referente ao Projeto de Lei n.º 40/XV/1.ª (PSD)elaborada pelos serviços ao abrigo

do disposto no artigo 131.º do RAR.

———

PROJETO DE LEI N.º 46/XV/1.ª

[ESTABELECE O REGIME DE RECRUTAMENTO E MOBILIDADE DO PESSOAL DOCENTE DOS

ENSINOS BÁSICO E SECUNDÁRIO (OITAVA ALTERAÇÃO AO DECRETO-LEI N.º 132/2012, DE 27 DE

JUNHO)]

Parecer da Comissão de Educação e Ciência

Índice

Parte I – Considerandos

Parte II – Opinião do (a) Deputado(a) autor(a) do parecer

Parte III – Conclusões

Parte IV– Anexos

Parte I – Considerandos

a) Nota introdutória

O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português (PCP) tomou a iniciativa de apresentar à

Assembleia da República, exercendo os poderes que aos Deputados são conferidos pelas alíneas b) do artigo

156.º da Constituição e b) do n.º 1 do artigo 4.º do RAR, o Projeto de Lei n.º 46/XV/1.ª – Procede à oitava

alteração ao Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, que estabelece o regime de recrutamento e mobilidade

do pessoal docente dos ensinos básico e secundário.

A iniciativa deu entrada a 19 de abril de 2022, tendo sido admitida no dia 27 do mesmo mês, data em que

por despacho de Sua Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, baixou, na generalidade, à Comissão de

Educação e Ciência.

O Projeto de Lei n.º 46/XV/1.ª é subscrito por seis Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista

Português.

O projeto de lei em apreço encontra-se, ainda, redigido sob a forma de artigos e é precedido de uma breve

justificação ou exposição de motivos, cumprindo, assim, os requisitos formais previstos nas alíneas a) e c) do

n.º 1 do artigo 124.º do RAR. Cumpre ainda o disposto no n.º 2 do artigo 7.º da lei formulário dos diplomas1 e

1 Aprovada pela Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, com as alterações introduzidas pelas Lei n.º 2/2005, de 24 de janeiro, Lei n.º 26/2006,

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na alínea b) do n.º 1 do artigo 124.º do RAR, tendo um título que traduz sinteticamente o seu objeto principal.

Todavia, na nota técnica2, relativamente ao título, sugere-se retirar a referência ao número de ordem de

alteração do Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, já que o artigo 1.º já contem essa indicação. Assim,

sugere-se o seguinte título: «Altera o Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, que estabelece o novo regime

de recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário e de formadores e técnicos

especializados, e revoga a Portaria n.º 172/2017, de 30 de junho».

Também os limites à admissão das iniciativas, previstos no n.º 1 do artigo 120.º do RAR, são respeitados,

na medida em que não parece infringir a Constituição ou qualquer princípio nela consignado e define o sentido

das modificações a introduzir na ordem legislativa.

Em caso de aprovação, revestirá a forma de lei, sendo objeto de publicação na 1.ª série do Diário da

República, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da lei formulário.

O Projeto de Lei não suscita qualquer questão relacionada com a linguagem discriminatória em relação ao

género, tendo, conforme a ficha de avaliação de impacto de género (AIG), um impacto neutro.

Refere-se, na Nota de Admissibilidade3, que «A iniciativa parece poder traduzir, em caso de aprovação, um

aumento de despesas do Estado. No entanto, uma vez que a mesma estabelece o início da sua produção de

efeitos com «o Orçamento do Estado subsequente», parece encontrar-se acautelado o limite à apresentação

de iniciativas previsto no n.º 3 do artigo 167.º da Constituição e no n.º 2 do artigo 120.º do Regimento,

comummente designado «lei-travão».

Alerta-se4, ainda, e transcreve-se na integra, que:

«A iniciativa contém, nos seus artigos 4.º e 5.º, 6.º e 7.º, algumas normas que poderão suscitar dúvidas

relativamente ao respeito pelo princípio da separação de poderes, subjacente ao princípio do Estado de direito

democrático e previsto nos artigos 2.º e 111.º da Constituição.

Desde logo, dirige injunções ao Governo em matérias que, tipicamente, pertencem à esfera de

discricionariedade e autonomia administrativa (cfr. artigos 4.º, 5.º e 6.º), fixando um prazo para que o Governo

proceda ao «levantamento de todos os docentes que não se encontrem no escalão remuneratório

correspondente ao tempo de serviço efetivamente prestado», impondo a negociação com as «estruturas

sindicais» (artigo 6.º) e determinando, em certos casos, a sua obrigatoriedade (n.º 5 do artigo 5.º,

possivelmente por lapso numerado como segundo n.º 2).

Sobre questão semelhante a esta última pronunciou-se o Tribunal Constitucional no Acórdão do Tribunal

Constitucional n.º 214/201112, referindo que «o início de um procedimento negocial é matéria de natureza

administrativa uma vez que envolve juízos de mérito e de oportunidade (…)» e que «a decisão sobre o se e o

quando da iniciativa de desencadear negociações com vista à alteração do ordenamento – com as

associações sindicais ou com outros portadores de interesses que devam participar – é uma opção política

que um órgão de soberania não pode impor ao outro, mesmo nos espaços onde ambos concorram no poder

de regulação emergente, seja este equiordenado (lei-decreto-lei) seja escalonado (acto legislativo-acto

regulamentar).»

Na medida em que as referidas injunções impliquem a emissão de nova legislação ou regulamentação, v. o

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 461/873, considerando que a competência legislativa e de iniciativa

legislativa do Governo é «essencialmente autónoma ou livre (…), não podendo o seu exercício ser

juridicamente vinculado pela manifestação de vontade de qualquer outro órgão de soberania, mormente da

AR»4, não sendo «dado à lei condicionar essa liberdade de exercício, ou seja (…): não [sendo] realmente

dado à AR condicionar juridicamente o Governo, através de quaisquer injunções, no exercício dessas

competências.»

Por outro lado, o projeto de lei revoga a Portaria n.º 172/2017, de 30 de junho (n.º 2 do artigo 7.º), não

alterando a norma ao abrigo do qual a mesma foi emitida, a qual atribui competência ao Ministro da Educação

na matéria (n.º 2 do artigo 66.º do Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de abril, que determina que «o Ministro da

Educação, por portaria, fixará as condições em que poderá ser autorizado o recurso à permuta»). Embora,

de 30 de junho, Lei n.º 42/2007, de 24 de agosto, e Lei n.º 43/2014, de 11 de julho.

2 Ver páginas 7 e seguintes da nota técnica. 3 Ver página 1 da Nota de Admissibilidade, disponível em: DetalheIniciativa (parlamento.pt). 4 Ver página 2 e 3 da nota de admissibilidade, disponível em: DetalheIniciativa (parlamento.pt). Para análise mais profunda e detalhada,

ver página 2 e seguintes da nota técnica, disponível no mesmo sítio.

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62

refira-se, a iniciativa estabeleça a disciplina que deve valer em substituição da que pretende revogar (mediante

alteração ao Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, quanto ao regime das permutas), poderá ser

questionável a revogação direta da Portaria, mantendo-se em vigor e sem alterações a norma legal habilitante

que atribui expressamente competência ao Governo para a emissão de regulamentos na matéria.

De acordo com o disposto no artigo 120.º do Regimento, não são admitidos projetos e propostas de lei ou

propostas de alteração que infrinjam a Constituição ou os princípios nela consignados.

Competindo aos serviços da Assembleia da República fornecer a informação necessária para apoiar a

tomada de decisões, assinala-se que, apesar de algumas das normas deste projeto de lei parecerem suscitar

dúvidas jurídicas sobre a sua constitucionalidade, as mesmas são suscetíveis de serem eliminadas ou

corrigidas em sede de discussão na especialidade».

A Comissão de Educação e Ciência é competente para a elaboração do respetivo parecer.

b) Motivação, objeto e conteúdo da iniciativa legislativa

Com a presente iniciativa visam os proponentes proceder à oitava alteração ao Decreto-Lei n.º 132/2012,

de 27 de junho, alterado e republicado pelos Decretos-Leis n.os 146/2013, de 22 de outubro, 83-A/2014, de 23

de maio, 9/2016, de 7 de março, e 28/2017, de 15 de março, e pelas Leis n.os 80/2013, de 28 de novembro,

12/2016, de 28 de abril, e 114/2017, de 29 de dezembro, que estabelece o regime de recrutamento e

mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário.

No momento expositivo, os proponentes aludem ao facto de que «as necessidades permanentes do

sistema educativo têm sido preenchidas por intermédio da contratação anual de professores que vão

continuando fora dos quadros e da carreira docente. Isto significa que, apesar de existir um significativo

conjunto de necessidades permanentes no sistema educativo, manifestado ao nível de escola, de

agrupamento ou de região, essas mesmas necessidades não têm conduzido à consequente abertura de vagas

de quadro nos concursos gerais de colocação e recrutamento de professores».

No entender dos proponentes, «é preciso garantir que o critério de ordenação da graduação profissional

não seja violado, aquando da inclusão dos docentes dos quadros nas prioridades dos concursos interno e de

mobilidade interna, evitando casos de tratamento desigual entre docentes. A transparência e a previsibilidade

de procedimentos nesta matéria são fundamentais também para a própria estabilidade da vida pessoal e

profissional dos docentes».

Da mesma forma, entendem que «só um concurso público, nacional, ordenado por lista graduada com

base em critérios objetivos e transparentes pode garantir o funcionamento estável e digno da Escola Pública».

Pelo exposto, pretendem os proponentes que o sistema vigente evolua no sentido da vinculação

automática, através do ingresso nos quadros e, subsequentemente, na carreira de todos os docentes que

perfaçam três anos de serviço.

Para tal, apresentam o referido diploma, que se desdobra em 8 artigos:

• Artigo 1.º – Objeto;

• Artigo 2.º – Alteração ao Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho;

• Artigo 3.º – Aditamentos ao Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho;

• Artigo 4.º – Reposicionamento remuneratório;

• Artigo 5.º – Criação de Grupos de Recrutamento;

• Artigo 6.º – Redução do âmbito geográfico dos quadros de zona pedagógica;

• Artigo 7.º – Norma revogatória;

• Artigo 8.º – Entrada em vigor e produção de efeitos.

c) Enquadramento jurídico nacional e enquadramento parlamentar

Remete-se, no que tange à análise das matérias de enquadramento jurídico nacional e internacional, para

o detalhado trabalho vertido na nota técnica que acompanha o parecer.

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8 DE JUNHO DE 2022

63

No que ao enquadramento parlamentar concerne, transcreve-se o seguinte5:

• «Iniciativas pendentes (iniciativas legislativas e petições)

Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verificou-se que só se encontra pendente,

neste momento, uma iniciativa com objeto conexo com o do projeto de lei em análise:

N.º Título Data Autor Publicação

XV/1.ª – Projeto de Lei

73

Garante a inclusão de todos os horários no

procedimento de mobilidade interna do concurso interno

de professores

2022-05-17 PCP

[DAR II Série-A n.º 53,

2020.12.30, da 2.ª SL da

XIV Leg (pág. 4-5)]

• Antecedentes parlamentares (iniciativas legislativas e petições)

A consulta à AP devolve os seguintes antecedentes sobre matéria conexa com a da presente iniciativa:

N.º Título Data Autor Votação Publicação

XIV/3.ª – Projeto de Lei

978

Procede à oitava alteração ao Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, que estabelece o regime de recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário

2021-10-07 PCP Iniciativa Caducada

[DAR II Série-A n.º 11, 2021.10.04, da 3.ª SL da XIV Leg (pág. 9-19)]

XIV/2.ª – Projeto de Lei

821 Pela abertura de um concurso adicional para os contratos de patrocínio do ensino artístico especializado

2020-12-30 BE Iniciativa Caducada

[DAR II Série-A n.º 53, 2020.12.30, da 2.ª SL da XIV Leg (pág. 4-5)]

762

Programa de vinculação dos docentes de técnicas especiais do ensino artístico especializado nas áreas das artes visuais e dos audiovisuais

2021-03-26 BE

Aprovado Contra: PS A Favor: PSD, BE, PCP, CDS-PP, PAN, PEV, CH, IL, Cristina Rodrigues (N insc.), Joacine Katar Moreira (N insc.)

[DAR II Série-A n.º 118, 2021.04.20, da 2.ª SL da XIV Leg (pág. 12-24)]

761 Determina a revisão do regime de recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário

2021-03-30 BE

Aprovado A Favor: PSD, BE, PCP, PAN, PEV, CH, Cristina Rodrigues (N insc.), Joacine Katar Moreira (N insc.) Abstenção: CDS-PP, IL Contra: PS

[DAR II Série-A n.º 105, 2021.03.26, da 2.ª SL da XIV Leg (pág. 3-4)]

5 Ver páginas 4 e seguintes da nota técnica anexa.

Página 64

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N.º Título Data Autor Votação Publicação

682 Programa extraordinário de vinculação dos docentes com 5 ou mais anos de serviço

2021-02-19 BE

Rejeitado Contra: PS, PSD, CDS-PP, IL Abstenção: CH A Favor: BE, PCP, PAN, PEV, Cristina Rodrigues (N insc.), Joacine Katar Moreira (N insc.)

[DAR II Série-A n.º 94, 2021.03.11, da 2.ª SL da XIV Leg (pág. 55-65)]

660

Abertura de concurso para a vinculação extraordinária do pessoal docente das componentes técnico-artístico especializado para o exercício de funções nas áreas das artes visuais e dos audiovisuais, nos estabelecimentos públicos de ensino

2021-02-02 PCP

Aprovado Contra: PS A Favor: PSD, BE, PCP, CDS-PP, PAN, PEV, CH, IL, Cristina Rodrigues (N insc.), Joacine Katar Moreira (N insc.)

[DAR II Série-A n.º 68, 2021.02.02, da 2.ª SL da XIV Leg (pág. 20-21)]

658

Procede à oitava alteração ao Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, que estabelece o regime de recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário

2021-02-02 PCP

Rejeitado Contra: PS, PSD, CDS-PP, IL Abstenção: CH A Favor: BE, PCP, PAN, PEV, Cristina Rodrigues (N insc.), Joacine Katar Moreira (N insc.)

[DAR II Série-A n.º 94, 2021.03.11, da 2.ª SL da XIV Leg (pág. 12-28)]

657 Vinculação extraordinária de todos os docentes com cinco ou mais anos de serviço até 2022

2021-02-02 PCP

Rejeitado Contra: PS, PSD, CDS-PP, IL A Favor: BE, PCP, PAN, PEV, CH, Cristina Rodrigues (N insc.), Joacine Katar Moreira (N insc.)

[DAR II Série-A n.º 118, 2021.04.20, da 2.ª SL da XIV Leg (pág. 3-5), Alteração do texto inicial]

De realçar que:

• O Projeto de Lei n.º 761/XIV/2.ª (BE) deu origem à Lei n.º 47/2021 – Revisão do regime de recrutamento

e mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário.

• Os Projetos de Lei n.º 660/XIV/2.ª (PCP) e n.º 762/XIV/2.ª (BE) deram origem à Lei n.º 46/2021 –

Concurso de vinculação extraordinária de docentes das componentes técnico-artísticas do ensino artístico

especializado para o exercício de funções nas áreas das artes visuais e dos audiovisuais, nos

estabelecimentos públicos de ensino; Foi também apresentado um pedido de fiscalização abstrata sucessiva

da constitucionalidade pelo Primeiro-Ministro (2021-08-12) e pedido de pronúncia à Assembleia da República

pelo Tribunal Constitucional (2021-09-09).

N.º Data Assunto Sit. na AR N.º Assin

XIV/2.ª – Petição

199 2021-03-02 Concurso de mobilidade interna Concluída 8742

XIV/1.ª – Petição

123 2020-09-09 Alteração dos intervalos a concurso dos docentes, nomeadamente o ponto 8 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho

Concluída 4718

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A Petição n.º 123/XIV/1.ª – Alteração dos intervalos a concurso dos docentes, nomeadamente o ponto 8 do

artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, deu origem aos Projetos de Lei n.º 762/XIV/2.ª (BE), n.º

761/XIV/2.ª (BE), n.º 682/XIV/2.ª (PCP), n.º 660/XIV/2.ª (PCP), n.º 659/XIV/2.ª (PCP), n.º 658/XIV/2.ª (PCP) e

n.º 657/XIV/2.ª (BE) tendo sido discutida conjuntamente com esta. A gravação da audição dos peticionários

pela Comissão encontra-se disponível na página da petição, onde se encontra igualmente a documentação

entregue pelos peticionários.

d) Consultas e contributos

Dá-se conta, na nota técnica, de que o Presidente da Assembleia da República promoveu, a 10 de maio de

2022, a audição dos órgãos de governo próprios das regiões autónomas, através de emissão de parecer, nos

termos do artigo 142.º do Regimento, e para os efeitos do n.º 2 do artigo 229.º da Constituição.

A 16 de maio de 2022, foi enviado pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores o Parecer

da Comissão Permanente de Assuntos Sociais sobre a iniciativa em apreço. De acordo com o referido

parecer, «A Comissão deliberou, por maioria, dar parecer desfavorável à presente iniciativa».

Caso sejam enviados outros pareceres, os mesmos serão disponibilizados na página da presente iniciativa.

Sugere-se, ainda, a consulta, em sede de apreciação na especialidade, das seguintes entidades,

sugestões que entendemos serem de acompanhar:

• Ministro da Educação;

• Ministro das Finanças;

• FENPROF – Federação Nacional dos Professores;

• FENEI – Federação Nacional de Ensino e Investigação;

• FNE – Federação Nacional de Educação;

• Federação Portuguesa de Professores;

• Associação Nacional de Professores;

• Associação Nacional de Professores Contratados;

• SIPE – Sindicato Independente de Professores e Educadores.

Parte II – Opinião do Deputado autor do parecer

O signatário do presente parecer exime-se, nesta sede, de manifestar a sua opinião política sobre o Projeto

de Lei n.º 46/XV/1.ª, reservando a seu grupo parlamentar a respetiva posição para o debate em Plenário.

Parte III – Conclusões

O Projeto de Lei n.º 46/XV/1.ªfoi apresentado nos termos constitucionais, legais e regimentais aplicáveis,

encontrando-se reunidos os requisitos formais e de tramitação exigidos para que seja apreciado e votado em

Plenário da Assembleia da República.

Palácio de São Bento, 7 de junho de 2022.

O Deputado autor do parecer, Eduardo Alves — O Presidente da Comissão, Alexandre Quintanilha.

Nota: O parecer foi aprovado, por unanimidade, com votos a favor do PS, do PSD, do CH e do IL, tendo-se

registado a ausência do BE e do PCP, na reunião da Comissão do dia 7 de junho de 2022.

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Parte IV – Anexos

A nota técnica referente à iniciativa em análise está disponível através desta ligação.

———

PROJETO DE LEI N.º 47/XV/1.ª

(APROVA MEDIDAS DE COMBATE À CARÊNCIA DE PROFESSORES E EDUCADORES NA ESCOLA

PÚBLICA)

Parecer da Comissão de Educação e Ciência

Índice

Parte I – Considerandos

Parte II – Opinião da Deputada autora do parecer

Parte III – Conclusões

parte IV – Anexos

Parte I – Considerandos

1.1. Nota introdutória

O Grupo Parlamentar do PCP tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República o Projeto de Lei

n.º 47/XV/1.ª (PCP) com o título «Aprova medidas de combate à carência de professores e educadores na

Escola Pública».

A iniciativa em apreciação é apresentada pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português (PCP),

ao abrigo e nos termos do n.º 1 do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa (Constituição) e do

n.º 1 do artigo 119.º do Regimento da Assembleia da República (Regimento), que consagram o poder de

iniciativa da lei. Trata-se de um poder dos Deputados, por força do disposto na alínea b) do artigo 156.º da

Constituição e alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, bem como dos grupos parlamentares, por força

do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da Constituição e da alínea f) do artigo 8.º do Regimento.

Conforme é salientado na nota técnica: «A iniciativa suscita, porém, algumas dúvidas sobre o cumprimento

do disposto no n.º 1 do artigo 120.º do Regimento, que estabelece que «não são admitidos projetos e

propostas de lei ou propostas de alteração que infrinjam a Constituição ou os princípios nela consignados».

O projeto de lei em apreciação deu entrada a 19 de abril de 2022, tendo o Presidente da Assembleia da

República exarado, a 27 de abril, o seguinte despacho: «Permito-me chamar a atenção para as dúvidas de

Constitucionalidade suscitadas na Nota de Admissibilidade, as quais devem ser consideradas no decurso do

processo legislativo».

Embora com reservas, foi admitido e baixou na generalidade, no dia 28 de abril, à Comissão de Educação

e Ciência, (8.ª), Comissão competente para a elaboração do respetivo parecer.

1.2. Âmbito da Iniciativa

O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português propõe com a presente iniciativa aprovar um

conjunto de medidas de combate à carência de professores, educadores e técnicos especializados nos

estabelecimentos públicos de educação e ensino, destinado ao universo desses profissionais, com contrato a

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67

termo resolutivo, nos termos previstos no do Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, na sua redação atual.

1.3. Análise da Iniciativa

A iniciativa é composta por nove artigos, os quais: definem o «Objeto» – aprovar um conjunto de medidas

de combate à carência de professores, educadores e técnicos especializados nos estabelecimentos públicos

de educação e ensino (artigo 1.º); o «Âmbito subjetivo» – aplica-se a todos os professores, educadores e

técnicos especializados, com contrato a termo resolutivo, nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 132/2012, de

27 de julho, na sua redação atual (artigo 2.º); «Reforço do crédito horário» (artigo 3.º); «Preenchimento dos

horários incompletos» (artigo 4.º); define os termos da «Fusão das horas decorrentes da aplicação do n.º 2 do

artigo 79.º do Estatuto da Carreira Docente» (artigo 5.º); dispõe sobre os «Limites mínimos para a vigência dos

horários temporários» (artigo 6.º); dispõe sobre «Complemento de alojamento» (artigo 7.º); dispõe sobre

«Complemento de deslocação» (artigo 8.º); define a «Entrada em vigor e produção de efeitos» (artigo 9.º).

1.3.1. Iniciativas pendentes (iniciativas legislativas e petições)

Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verificou-se que se encontram pendentes,

neste momento, duas iniciativas com objeto conexo com o do projeto de lei em análise:

N.º Título Data Autor Publicação

XV/1.ª – Projeto de Lei

73 Garante a inclusão de todos os horários no procedimento de mobilidade interna do concurso interno de professores

2022-05-17 PCP

[DAR II Série-A n.º 53, 2020.12.30, da 2.ª SL da XIV Leg (pág. 4-5)]

46 Estabelece o regime de recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário (oitava alteração ao Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho)

2022-04-27 PCP

[DAR II Série-A n.º 17, 2022.04.22, da 1.ª SL da XV Leg (pág. 2-12), Alteração do texto inicial do projeto de lei]

1.3.2. Enquadramento jurídico nacional e de legislação comparada

Remete-se, no que tange à análise das matérias de enquadramento jurídico nacional e internacional, para

o detalhado trabalho vertido na nota técnica que acompanha o parecer.

Parte II – Opinião da Deputada autora do parecer

A signatária do presente parecer exime-se, nesta sede, de manifestar a sua opinião política sobre o Projeto

de Lei n.º 47/XV/1.ª (PCP) com o título «Aprova medidas de combate à carência de professores e educadores

na Escola Pública», a qual é, de resto, de «elaboração facultativa» nos termos do n.º 3 do artigo 137.º do

Regimento, reservando o seu Grupo Parlamentar a sua posição para o debate em Plenário.

Parte III – Conclusões

O Projeto de Lei n.º 47/XV/1.ª (PCP) com o título «Aprova medidas de combate à carência de professores e

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educadores na Escola Pública»foi apresentado nos termos constitucionais, legais e regimentais aplicáveis,

encontrando-se reunidos os requisitos formais, com as ressalvas já atrás referidas, e de tramitação exigidos

para que seja apreciado e votado em Plenário da Assembleia da República.

Em sede de apreciação na especialidade, estando em causa a alteração ao regime de recrutamento e

mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário, deverá a 8.ª Comissão, promover a

apreciação pública da iniciativa, nos termos e para os efeitos do artigo 134.º do Regimento, para além da

consulta das seguintes entidades:

• Ministro da Educação;

• Ministro das Finanças;

• FENPROF – Federação Nacional dos Professores;

• FENEI – Federação Nacional de Ensino e Investigação;

• FNE – Federação Nacional de Educação;

• Federação Portuguesa de Professores;

• Associação Nacional de Professores;

• Associação Nacional de Professores Contratados;

• SIPE – Sindicato Independente de Professores e Educadores.

Palácio de São Bento, 7 de junho de 2022.

A Deputada relatora, Carla Madureira — O Presidente da Comissão, Alexandre Quintanilha.

Nota: O parecer foi aprovado, por unanimidade, com votos a favor do PS, do PSD, do CH e do IL, tendo-se

registado a ausência do BE e do PCP, na reunião da Comissão do dia 7 de junho de 2022.

Parte IV – Anexos

A nota técnica referente à iniciativa em análise está disponível aqui.

———

PROJETO DE LEI N.º 48/XV/1.ª

(VINCULAÇÃO EXTRAORDINÁRIA DE TODOS OS DOCENTES COM TRÊS OU MAIS ANOS DE

SERVIÇO ATÉ 2023)

Parecer da Comissão de Educação e Ciência

Índice1

Parte I – Considerandos

Parte II – Opinião da Deputada autora do parecer

Parte III – Conclusões

Parte IV – Anexos

1 Apenas as partes I e III são objeto de deliberação por parte da Comissão, podendo os Deputados ou grupos parlamentares requerer a

sua votação em separado, bem como formular propostas de alteração – cfr. artigo 137.º do Regimento da Assembleia da República.

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Parte I – Considerandos

a) Nota introdutória

O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português (PCP) tomou a iniciativa de apresentar à

Assembleia da República, exercendo os poderes que aos Deputados são conferidos pelas alíneas b) do artigo

156.º da Constituição e b) do n.º 1 do artigo 4.º do RAR, o Projeto de Lei n.º 48/XV/1.ª (PCP) – Vinculação

extraordinária de todos os docentes com três ou mais anos de serviço até 2023.

A iniciativa deu entrada a 19 de abril de 2022, tendo sido admitida no dia 27 do mesmo mês, data em que

por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, baixou, na generalidade, à Comissão de

Educação e Ciência.

O Projeto de Lei n.º 48/XV/1.ª (PCP) é subscrito por seis Deputados do Grupo Parlamentar do Partido

Comunista Português.

O projeto de lei em apreço encontra-se, ainda, redigido sob a forma de artigos e é precedido de uma breve

justificação ou exposição de motivos, cumprindo, assim, os requisitos formais previstos nas alíneas a) e c) do

n.º 1 do artigo 124.º do Regimento da Assembleia da República (RAR). Cumpre ainda o disposto no n.º 2 do

artigo 7.º da lei formulário dos diplomas2 e na alínea b) do n.º 1 do artigo 124.º do RAR, tendo um título que

traduz sinteticamente o seu objeto principal.

Também os limites à admissão das iniciativas, previstos no n.º 1 do artigo 120.º do RAR, são respeitados,

na medida em que não parece infringir a Constituição ou qualquer princípio nela consignado e define o sentido

das modificações a introduzir na ordem legislativa.

Em caso de aprovação, revestirá a forma de lei, sendo objeto de publicação na 1.ª Série do Diário da

República, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da lei formulário.

O projeto de lei não suscita qualquer questão relacionada com a linguagem discriminatória em relação ao

género, tendo, conforme a ficha de avaliação de impacto de género (AIG), um impacto neutro.

Refere-se, na nota de admissibilidade3, que «A iniciativa parece poder traduzir, em caso de aprovação, um

aumento de despesas do Estado. No entanto, uma vez que a mesma estabelece o início da sua produção de

efeitos com «o Orçamento do Estado subsequente», parece encontrar-se acautelado o limite à apresentação

de iniciativas previsto no n.º 3 do artigo 167.º da Constituição e no n.º 2 do artigo 120.º do Regimento,

comummente designado ‘lei-travão’».

Alerta-se4, ainda, e transcreve-se na integra, que:

«A iniciativa prevê «a abertura dos procedimentos concursais necessários à vinculação extraordinária de

docentes» (artigos 1.º), concretizando tal previsão nos seus artigos 2.º e 3.º

A abertura de um procedimento concursal parece consubstanciar um ato de natureza administrativa

[alíneas d) e e) do artigo 199.º da Constituição], havendo específica norma atribuidora de competência na

matéria – o n.º 5 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, que determina que «os concursos

são abertos pelo diretor-geral da Administração Escolar (…)» – e que o projeto de lei não altera.

Nestes termos, a iniciativa parece poder levantar dúvidas quanto ao respeito pela autonomia do Governo

no exercício da função administrativa, consequência do princípio da separação de poderes, subjacente ao

princípio do Estado de direito democrático e previsto nos artigos 2.º e 111.º da Constituição. A este respeito, o

Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 214/20111 refere que, «dentro dos limites da Constituição e da lei, o

Governo é autónomo no exercício da função governativa e da função administrativa. Nas zonas de confluência

entre atos de condução política e atos de administração a cargo do Governo, a dimensão positiva do princípio

da separação e interdependência de órgãos de soberania impõe um limite funcional ao uso da competência

legislativa universal da Assembleia da República [artigo 161.º, alínea c), da CRP], de modo que esse poder de

chamar a si do Parlamento não transmude a forma legislativa num meio enviesado de exercício de

competências de fiscalização com esvaziamento (…) do núcleo essencial da posição constitucional do

Governo enquanto órgão superior da Administração Pública (artigo 182.º da CRP), encarregado de dirigir os

2 Aprovada pela Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, com as alterações introduzidas pelas Lei n.º 2/2005, de 24 de janeiro, Lei n.º 26/2006,

de 30 de junho, Lei n.º 42/2007, de 24 de agosto, e Lei n.º 43/2014, de 11 de julho. 3 Ver pág. 1 da nota de admissibilidade, disponível em: DetalheIniciativa (parlamento.pt). 4 Ver página 2 e 3 da nota de admissibilidade, disponível em: DetalheIniciativa (parlamento.pt). Para análise profunda e detalhada, ver

páginas 2 e seguintes da nota técnica, disponível no mesmo sítio.

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II SÉRIE-A — NÚMERO 39

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serviços da administração direta do Estado [artigo 199.º, alínea d), da CRP]». Neste acórdão, o Tribunal

considera que a Assembleia da República não pode ordenar ao Governo «a prática de determinados atos

políticos ou a adoção de determinadas orientações» e, «designadamente, não pode fazê-lo sem previamente

alterar os parâmetros legais dessa atividade, no domínio das competências administrativas que a Constituição

lhe comete como o de dirigir os serviços e a atividade da administração direta do Estado, em que as escolas

públicas e o seu pessoal docente se integram».

De acordo com o disposto no artigo 120.º do Regimento, não são admitidos projetos e propostas de lei ou

propostas de alteração que infrinjam a Constituição ou os princípios nela consignados.

Competindo aos serviços da Assembleia da República fornecer a informação necessária para apoiar a

tomada de decisões, assinala-se que, apesar de algumas das normas deste projeto de lei parecerem suscitar

dúvidas jurídicas sobre a sua constitucionalidade, as mesmas são suscetíveis de serem eliminadas ou

corrigidas em sede de discussão na especialidade».

A Comissão de Educação e Ciência é competente para a elaboração do respetivo parecer.

b) Motivação, objeto e conteúdo da iniciativa legislativa

Com a presente iniciativa visam os proponentes promover a «abertura de todos os procedimentos

concursais para a vinculação extraordinária, na modalidade de concurso externo, ainda em 2022, a todos os

docentes com 10 ou mais anos de serviço», prevendo-se «ainda em 2023, a vinculação, através de concurso

externo extraordinário, para todos os docentes com três ou mais anos de serviço, sem prejudicar as

vinculações que surjam pelo mecanismo da designada norma-travão, no âmbito do concurso externo

ordinário».

Os proponentes abrem o momento expositivo dizendo que «a precariedade laboral é um grave problema

que destrói a vida de milhares de trabalhadores, sendo um dos traços mais marcantes da exploração a que a

política de direita tem sujeitado os trabalhadores», alegando ainda que «o Governo PSD/CDS, aprofundando o

caminho de governos anteriores, foi responsável por sucessivas alterações à legislação laboral sempre com o

objetivo de generalização da precariedade, degradação das condições de trabalho e tentativa de liquidação de

direitos laborais e sociais. Foi assim em geral e foi assim também na Educação».

Referem que «Com a aprovação do Decreto-Lei n.º 83-A/2014, de 23 de maio, que alterou o ‘regime de

recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário’ o Governo PSD/CDS

basicamente impôs o recurso à precariedade». Ao colocar a «‘existência de uma necessidade do sistema

educativo’ a ser definida apenas ‘quando no final de cinco anos letivos, o docente que se encontrou em

situação contratual em horário anual completo e sucessivo’, o então Governo consagrou a instabilidade como

norma, travando o acesso ao quadro de milhares de professores».

Entendem os autores que, «Não obstante a introdução de algumas melhorias na chamada ‘norma-travão’

durante a XIII Legislatura, como a redução para três anos do tempo de serviço exigido, esta norma, tal como

se encontra prevista, continua a ser um flagrante obstáculo à vinculação do pessoal docente aos quadros, pois

os requisitos impostos levam a que sejam muitos os que ficam afastados da possibilidade de se vincularem.

Como tal, a norma legal atualmente em vigor é manifestamente insuficiente para pôr cobro ao reiterado abuso

no recurso à contratação a termo».

Mencionam a publicação da Portaria n.º 125-A/2022, de 24 de março, onde se fixaram as vagas para o

concurso externo dos quadros de zona pedagógica e do ensino especializado da Música e Dança, por meio da

qual, «De acordo com nota do Governo, há um aumento de 34,5% das vagas em relação ao ano passado.

Assim, são abertas um total de 3287 vagas, sendo que 28 vagas são no âmbito do concurso externo para o

ensino artístico especializado da Música e da Dança, 2730 vagas decorrem da aplicação obrigatória da lei,

nomeadamente da norma-travão e 529 vagas nos quadros de zonas pedagógica e grupos de recrutamento

mais deficitários».

Referem ainda que «No presente ano letivo, até à 3.ª reserva de recrutamento, foram colocados 9370

professores em horário completo e anual, ou seja, para satisfação de necessidades permanentes». Continuam

dizendo que «Ora, analisando os números o que se pode concluir é que, se das 9370 vagas que hoje

satisfazem necessidades permanentes na Escola Pública retirarmos as vagas abertas obrigatoriamente pela

norma-travão (2730 vagas), sobram 6634 vagas. O Governo optou por abrir apenas 529 novas vinculações, ou

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71

seja, 8% das necessidades permanentes das escolas públicas. A conclusão a tirar é que, por opção do

Governo, no próximo ano letivo continuarão a existir na Escola Pública, a satisfazerem necessidades

permanentes, milhares de professores na precariedade, com 15 ou mais anos de serviço».

Concluem a exposição referindo que «Num contexto em que, até ao final da década, se prevê que saiam

das escolas por aposentação mais de metade dos atuais professores, o PCP considera que cada ano que

passa sem que esta questão se resolva estruturalmente, por inação, e assim por responsabilidade do Governo

PS, é um ano perdido no que respeita à necessária e urgente implementação de políticas de recrutamento e

de valorização da carreira que contribuam para o rejuvenescimento da profissão e para o combate ao

problema da falta de professores».

Para tal, apresentam o referido diploma, composto por 6 artigos:

• Artigo 1.º – Objeto;

• Artigo 2.º – Vinculação de todos os docentes com 10 ou mais anos de serviço;

• Artigo 3.º – Vinculação de docentes com três ou mais anos de serviço;

• Artigo 4.º – Aplicação do regime geral;

• Artigo 5.º – Regulamentação;

• Artigo 6.º – Entrada em vigor e produção de efeitos.

c) Enquadramento jurídico nacional e enquadramento parlamentar

Remete-se, no que tange à análise das matérias de enquadramento jurídico nacional e internacional, para

o detalhado trabalho vertido na nota técnica que acompanha o parecer.

No que tange ao Enquadramento Parlamentar, retira-se, da nota técnica5, o seguinte:

• Iniciativas pendentes (iniciativas legislativas e petições)

Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verificou-se que se encontram pendentes,

neste momento, duas iniciativas com objeto conexo com o do projeto de lei em análise:

N.º Título Data Autor Publicação

XV/1.ª – Projeto de Lei

73 Garante a inclusão de todos os horários no procedimento de mobilidade interna do concurso interno de professores

2022-05-17 PCP [DAR II Série-A n.º 53, 2020.12.30, da 2.ª SL da XIV Leg (pág. 4-5)]

47 Aprova medidas de combate à carência de professores e educadores na Escola Pública

2022-04-27 PCP [DAR II Série-A n.º 14, 2022.04.19, da 1.ª SL da XV Leg (pág. 14-16)]

46

Estabelece o regime de recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário (oitava alteração ao Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho)

2022-04-27 PCP

[DAR II Série-A n.º 17, 2022.04.22, da 1.ª SL da XV Leg (pág. 2-12), Alteração do texto inicial do projeto de lei]

• Antecedentes parlamentares (iniciativas legislativas e petições)

A mesma AP devolve os seguintes antecedentes sobre matéria conexa com a da presente iniciativa:

5 Ver páginas 24 e seguintes da nota técnica.

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72

N.º Título Data Autor Votação Publicação

XIV/3.ª – Projeto de Lei

978

Procede à oitava alteração ao Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, que estabelece o regime de recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário

2021-10-07 PCP Iniciativa Caducada

[DAR II Série-A n.º 11, 2021.10.04, da 3.ª SL da XIV Leg (pág. 9-19)]

XIV/2.ª – Projeto de Lei

821 Pela abertura de um concurso adicional para os contratos de patrocínio do ensino artístico especializado

2020-12-30 BE Iniciativa Caducada

[DAR II Série-A n.º 53, 2020.12.30, da 2.ª SL da XIV Leg (pág. 4-5)]

762 Programa de vinculação dos docentes de técnicas especiais do ensino artístico especializado nas áreas das artes visuais e dos audiovisuais

2021-03-26 BE

Aprovado Contra: PS A Favor: PSD, BE, PCP, CDS-PP, PAN, PEV, CH, IL, Cristina Rodrigues (N insc.), Joacine Katar Moreira (N insc.)

[DAR II Série-A n.º 118, 2021.04.20, da 2.ª SL da XIV Leg (pág. 12-24)]

761 Determina a revisão do regime de recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário

2021-03-30 BE

Aprovado A Favor: PSD, BE, PCP, PAN, PEV, CH, Cristina Rodrigues (N insc.), Joacine Katar Moreira (N insc.) Abstenção: CDS-PP, IL Contra: PS

[DAR II Série-A n.º 105, 2021.03.26, da 2.ª SL da XIV Leg (pág. 3-4)]

682 Programa extraordinário de vinculação dos docentes com 5 ou mais anos de serviço

2021-02-19 BE

Rejeitado Contra: PS, PSD, CDS-PP, IL Abstenção: CH A Favor: BE, PCP, PAN, PEV, Cristina Rodrigues (N insc.), Joacine Katar Moreira (N insc.)

[DAR II Série-A n.º 94, 2021.03.11, da 2.ª SL da XIV Leg (pág. 55-65)]

660

Abertura de concurso para a vinculação extraordinária do pessoal docente das componentes técnico-artístico especializado para o exercício de funções nas áreas das artes visuais e dos audiovisuais, nos estabelecimentos públicos de ensino

2021-02-02 PCP

Aprovado Contra: PS A Favor: PSD, BE, PCP, CDS-PP, PAN, PEV, CH, IL, Cristina Rodrigues (N insc.), Joacine Katar Moreira (N insc.)

[DAR II Série-A n.º 68, 2021.02.02, da 2.ª SL da XIV Leg (pág. 20-21)]

658

Procede à oitava alteração ao Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, que estabelece o regime de recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário

2021-02-02 PCP

Rejeitado Contra: PS, PSD, CDS-PP, IL Abstenção: CH A Favor: BE, PCP, PAN, PEV, Cristina Rodrigues (N insc.), Joacine Katar Moreira (N insc.)

[DAR II Série-A n.º 94, 2021.03.11, da 2.ª SL da XIV Leg (pág. 12-28)]

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73

N.º Título Data Autor Votação Publicação

657 Vinculação extraordinária de todos os docentes com cinco ou mais anos de serviço até 2022

2021-02-02 PCP

Rejeitado Contra: PS, PSD, CDS-PP, IL A Favor: BE, PCP, PAN, PEV, CH, Cristina Rodrigues (N insc.), Joacine Katar Moreira (N insc.)

[DAR II Série-A n.º 118, 2021.04.20, da 2.ª SL da XIV Leg (pág. 3-5), Alteração do texto inicial]

De realçar que:

• O Projeto de Lei n.º 761/XIV/2.ª (BE) deu origem à Lei n.º 47/2021 – Revisão do regime de recrutamento

e mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário.

• Os Projetos de Lei n.º 660/XIV/2.ª (PCP) e n.º 762/XIV/2.ª (BE) deram origem à Lei n.º 46/2021 –

Concurso de vinculação extraordinária de docentes das componentes técnico-artísticas do ensino artístico

especializado para o exercício de funções nas áreas das artes visuais e dos audiovisuais, nos

estabelecimentos públicos de ensino; Foi também apresentado um pedido de fiscalização abstrata sucessiva

da constitucionalidade pelo Primeiro-Ministro (2021-08-12) e pedido de pronúncia à Assembleia da República

pelo Tribunal Constitucional (2021-09-09).

N.º Data Assunto Situação na AR N.º Ass.

XIV/2.ª – Petição

199 2021-03-02 Concurso de mobilidade interna Concluída 8742

XIV/1.ª – Petição

123 2020-09-09 Alteração dos intervalos a concurso dos docentes, nomeadamente o ponto 8 do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho

Concluída 4718

A Petição n.º 123/XIV/1.ª – Alteração dos intervalos a concurso dos docentes, nomeadamente o ponto 8 do

artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, deu origem aos Projetos de Lei n.º 762/XIV/2.ª (BE), n.º

761/XIV/2.ª (BE), n.º 682/XIV/2.ª (PCP), n.º 660/XIV/2.ª (PCP), n.º 659/XIV/2.ª (PCP), n.º 658/XIV/2.ª (PCP) e

n.º 657/XIV/2.ª (BE), tendo sido discutida conjuntamente com esta. A gravação da audição dos peticionários

pela Comissão encontra-se disponível na página da petição, onde se encontra igualmente a documentação

entregue pelos peticionários.

d) Consultas e contributos

Sugere-se, na nota técnica, que, estando em causa a vinculação de docentes ao quadro de pessoal e

como tal uma alteração na sua situação laboral, sugere-se que a Comissão, em sede de apreciação na

especialidade, promova a apreciação pública da iniciativa, nos termos e para os efeitos do artigo 134.º do

Regimento.

Sugere-se, ainda, a consulta, em sede de apreciação na especialidade, das seguintes entidades,

sugestões que entendemos serem de acompanhar:

• Ministro da Educação;

• Conselho das Escolas;

• Conselho Nacional de Educação;

• ANDE – Associação Nacional de Dirigentes Escolares;

• ANDAEP – Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas;

• FENPROF – Federação Nacional dos Professores;

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• FENEI – Federação Nacional de Ensino e Investigação;

• FNE – Federação Nacional de Educação;

• Federação Portuguesa de Professores;

• Associação Nacional de Professores;

• Associação Nacional de Professores Contratados;

• SIPE – Sindicato Independente de Professores e Educadores.

Parte II – Opinião da Deputada relatora

A signatária do presente parecer exime-se, nesta sede, de manifestar a sua opinião política sobre o Projeto

de Lei n.º 48/XV/1.ª (PCP), reservando a seu grupo parlamentar a respetiva posição para o debate em

Plenário.

Parte III – Conclusões

O Projeto de Lei n.º 48/XV/1.ª (PCP) foi apresentado nos termos constitucionais, legais e regimentais

aplicáveis, encontrando-se reunidos os requisitos formais e de tramitação exigidos para que seja apreciado e

votado em Plenário da Assembleia da República.

Palácio de São Bento, 7 de junho de 2022.

A Deputada relatora, Ana Isabel Santos — O Presidente da Comissão, Alexandre Quintanilha.

Nota: O parecer foi aprovado, por unanimidade, com votos a favor do PS, do PSD, do CH, do IL e do PCP,

tendo-se registado a ausência do BE, na reunião da Comissão do dia 7 de junho de 2022.

Parte IV – Anexos

A nota técnica referente à iniciativa em análise está disponível através desta ligação.

———

PROJETO DE LEI N.º 53/XV/1.ª

(CRIA O TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO CENTRO, PROCEDENDO À DÉCIMA TERCEIRA

ALTERAÇÃO AO ESTATUTO DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS, APROVADO EM ANEXO

À LEI N.º 13/2002, DE 19 DE FEVEREIRO, À DÉCIMA PRIMEIRA ALTERAÇÃO À LEI DA ORGANIZAÇÃO

DO SISTEMA JUDICIÁRIO, APROVADA PELA LEI N.º 62/2013, DE 26 DE AGOSTO, E À QUARTA

ALTERAÇÃO AO DECRETO-LEI N.º 325/2003, DE 29 DE DEZEMBRO, QUE DEFINE A SEDE, A

ORGANIZAÇÃO E A ÁREA DE JURISDIÇÃO DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS,

CONCRETIZANDO O RESPETIVO ESTATUTO)

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Parte I – Considerandos

a) Nota introdutória

O Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da

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República o Projeto de Lei n.º 53/XV/1.ª– Cria o Tribunal Central Administrativo Centro, procedendo à décima

terceira alteração ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado em anexo a Lei n.º 13/2002,

de 19 de fevereiro, à décima primeira alteração à Lei de Organização dos Sistema Judiciário, aprovado pela

Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, e à quarta alteração ao Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de dezembro, que

define a sede, a organização e a área de jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais, concretizando o

respetivo Estatuto.

O projeto de lei foi apresentado nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º, do n.º 1 do

artigo 167.º e da alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e da alínea

b) do n.º 1 do artigo 4.º e do n.º 1 do artigo 119.º do Regimento da Assembleia da República (RAR),

observando o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 123.º do Regimento.

Assume a forma de projeto de lei, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 119.º do Regimento,

encontra-se redigida sob a forma de artigos, tem uma designação que traduz sinteticamente o seu objeto

principal e é precedida de uma exposição de motivos, cumprindo os requisitos formais previstos no n.º 1 do

artigo 124.º do Regimento. Respeita igualmente os limites à admissão da iniciativa estabelecidos no n.º 1 do

artigo 120.º do Regimento, uma vez que define concretamente o sentido das modificações a introduzir na

ordem legislativa e parece não infringir a Constituição ou os princípios nela consignados. O projeto de lei em

apreciação deu entrada a 20 de abril de 2022, acompanhado da respetiva ficha de avaliação prévia de impacto

de género. Foi admitido no dia 21 de abril e baixou na generalidade à Comissão de Assuntos Constitucionais,

Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª), por despacho do Presidente da Assembleia da República. Foi

anunciado em sessão plenária no dia 22 de abril.

Apesar de a matéria da «[O]rganização e competência dos tribunais e do Ministério Público e estatuto dos

respetivos magistrados, bem como das entidades não jurisdicionais de composição de conflitos» ser reserva

relativa de competência legislativa da Assembleia da República de acordo com o disposto na alínea p) do n.º 1

do artigo 165.º da CRP, é discutido na doutrina se a criação em concreto de um tribunal seja matéria

reservada1.

A discussão na generalidade desta iniciativa está agendada para o dia 8 de junho (cfr. Súmula da

Conferência de Líderes n.º 6/XV, de 18 de maio de 2022).

b) Do objeto, conteúdo e motivação da iniciativa

O projeto de lei em epígrafe vem propor a «criação do Tribunal Central Administrativo Centro» através da

alteração ao artigo 31.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado em anexo a Lei

n.º 13/2002, de 19 de fevereiro, na sua redação atual e «permitir a criação pelo Conselho Superior dos

Tribunais Administrativos e Fiscais de secções especializadas em razão da matéria nos tribunais centrais

administrativos», aditando o n.º 3 do artigo 32.º ao ETAF.

Além disso, a iniciativa altera ainda o artigo 147.º da Lei de Organização dos Sistema Judiciário (LOSJ),

aprovado pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, e o artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de

dezembro, que define a sede, a organização e a área de jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais,

ambos no sentido da criação do TCA Centro e definição da respetiva área de jurisdição.

Esta alteração ao artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de dezembro, modifica o âmbito de

jurisdição do TCA Norte e do TCA Sul, introduzindo um n.º 3 naquele preceito que inclui a definição da área de

jurisdição do TCA Centro (Aveiro, Castelo Branco, Coimbra e Leiria).

Os proponentes invocam na exposição de motivos que «a jurisdição administrativa e fiscal padece de um

seríssimo problema de pendências e moras processuais, situação que tem gerado atrasos de décadas na

tramitação e decisão dos processos intentados nesta jurisdição […] Considera o PSD que uma dessas

medidas passa pela criação de um novo Tribunal Central Administrativo, que, por um lado, permita o

descongestionamento dos atuais Tribunais Centrais Administrativos Norte e Sul, cuja pendência mais do que

duplicou nos últimos 16 anos, e, por outro lado, assegure uma maior proximidade dos cidadãos à justiça.»

E continuam: «É entendimento do PSD que a resolução deste problema passa pela criação de um novo

1 Em sentido tendencialmente negativo, v. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada,

volume II, 4.ª edição, Coimbra, 2010, págs. 332 e 548. Pelo contrário, considerando que a criação em concreto de tribunais se inclui na reserva relativa de competência legislativa da AR, nos termos da alínea p) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, v. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa anotada, Volume III, 2.ª edição, Lisboa, 2020, pág.122.

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Tribunal Central Administrativo Centro, com sede em Coimbra e com um quadro de magistrados próprio,

sendo este o objetivo principal da apresentação da presente iniciativa legislativa. Paralelamente, e porque o

PSD concorda que a especialização implementada nos tribunais administrativos e fiscais deve ser estendida

aos Tribunais Centrais Administrativos (TCA), consubstanciando esta uma medida adequada a potenciar a

administração de uma justiça administrativa e fiscal mais eficaz e eficiente, propõe-se ainda, na linha do

sugerido no referido relatório intercalar, que possam ser criadas nos TCA subseções especializadas em

função da matéria.»

O projeto inclui ainda um artigo 5.º, sobre entrada em funcionamento e definição dos quadros do novo TCA

Centro, remetendo para portaria do membro do Governo responsável pela área da Justiça. Esta portaria fixa o

quadro de magistrados do Tribunal Central Administrativo Centro, sob proposta do Conselho Superior dos

Tribunais Administrativos e Fiscais ou da Procuradoria-Geral da República, consoante o caso, mantendo-se as

competências nos Tribunais Centrais Administrativos Norte e Sul até à data da entrada em funcionamento do

Tribunal Central Administrativo Centro.

Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, «a partir da data da instalação do Tribunal Central Administrativo

Centro transitam para este novo tribunal os processos pendentes nos Tribunais Centrais Administrativos Norte

e Sul que passem a ser, por força das alterações introduzidas pela presente lei, da competência daquele

tribunal, havendo lugar à redistribuição dos processos.»

Por sua vez, os n.os 4 e 5 do artigo 2.º determinam que os juízes e os magistrados do Ministério Público

que exerçam funções nos Tribunais Centrais Administrativos Norte e Sul à data da entrada em funcionamento

do Tribunal Central Administrativo Centro podem concorrer aos lugares do quadro deste tribunal, sendo a

graduação determinada de acordo com a respetiva classificação de serviço e, dentro desta, segundo o critério

da antiguidade

O artigo 6.º determina que «[N]o âmbito das respetivas competências, o Conselho Superior dos Tribunais

Administrativos e Fiscais, o Conselho Superior do Ministério Público e a Direção-Geral da Administração da

Justiça adotam as providências necessárias à execução da presente lei.»

Finalmente, o artigo 7.º prevê que a lei entra em vigor a 1 de janeiro de 2023, exceto o artigo 6.º, que entra

em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

c) Enquadramento constitucional

O projeto em apreço versa sobre organização dos tribunais, incluída genericamente na reserva relativa de

competência legislativa da Assembleia da República, nos termos da alínea p) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP,

embora não seja líquido que a criação em concreto de tribunais se integre nessa reserva (cfr. supra). A

questão acaba, contudo, por se tornar despicienda, uma vez que estamos perante um projeto de lei.

Do ponto de vista material, o projeto convoca o disposto nos artigos 209.º, 212.º, 215.º, 216.º e 217.º da

CRP.

O artigo 209.º, relativo a «categorias de tribunais» estabelece, quanto à jurisdição administrativa e fiscal,

que esta compreende o Supremo Tribunal Administrativo e os demais tribunais administrativos e fiscais [cfr. a

alínea b) do n.º 1 do artigo 209.º]

Por sua vez, o artigo 212.º, sob a epigrafe «Tribunais administrativos e fiscais» determina que «[O]

Supremo Tribunal Administrativo é o órgão superior da hierarquia dos tribunais administrativos e fiscais, sem

prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional» (n.º 1) e que «[C]ompete aos tribunais

administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os

litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.» (n.º 3).

A CRP não refere, assim, os tribunais de 2.ª instância na jurisdição administrativa e fiscal, deixando

liberdade ao legislador ordinário para criar ou não esses tribunais e qual a sua distribuição territorial2.

Por sua vez, o n.º 2 do artigo 215.º da CRP determina que os requisitos e as regras de recrutamento dos

juízes dos tribunais judiciais de primeira instância são determinados pela lei, estabelecendo ainda o n.º 3 que o

critério do mérito deve prevalecer no recrutamento dos juízes dos tribunais judiciais de segunda instância, por

concurso curricular entre juízes da primeira instância.

2 V. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, op. cit., pág. 122.

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O n.º 1 do artigo 216.º estabelece o princípio da inamovibilidade dos juízes, os quais não podem ser

transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos previstos na lei.

Por seu lado, estabelece o n.º 2 do artigo 217.º que «a nomeação, a colocação, a transferência e a

promoção dos juízes dos tribunais administrativos e fiscais, bem como o exercício da ação disciplinar,

competem ao respetivo conselho superior, nos termos da lei.»3

O projeto de lei estabelece regras sobre a transição dos juízes e remete a sua execução para o CSTAF.

d) Enquadramento legal

No plano da legislação ordinária, a matéria da organização dos tribunais administrativos é, atualmente,

regulada pela Lei n.º 13/202, de 19 de fevereiro, na sua redação atual4, pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto5,

e pelo Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de dezembro6.

Como vimos, a CRP só prevê o Supremo Tribunal Administrativo, mas não proíbe a criação de outras

categorias de tribunais no âmbito da jurisdição administrativa.

Assim, o Tribunal Central Administrativo foi criado em 1996, com a publicação da Lei n.º 49/96, de 4 de

setembro, através da qual a Assembleia da República concedeu autorização legislativa ao Governo para «criar

e definir a organização e a competência de um novo tribunal superior da jurisdição administrativa e fiscal,

designado Tribunal Central Administrativo» e, concomitantemente, alterar o ETAF e a Lei de Processo nos

Tribunais Administrativos. Tal como decorre do artigo 2.º da citada Lei n.º 49/96, pretendeu-se «permitir a

criação e o funcionamento de um tribunal superior da jurisdição administrativa e fiscal que receba uma parte

substancial das competências do Supremo Tribunal Administrativo, designadamente da sua Secção do

Contencioso Administrativo e respetivo pleno».

Mais tarde, o contencioso administrativo português foi objeto da reforma introduzida pela Lei n.º 13/2002,

de 19 de fevereiro, que aprovou o novo ETAF, e pela Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, que aprovou o

Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), os quais entraram em vigor em 1 de janeiro de

2004.

No plano da organização dos tribunais, a reforma de 2003 procedeu a uma verdadeira refundação da

justiça administrativa e fiscal portuguesa, na medida em que se criou e instalou uma rede de tribunais

administrativos e fiscais de primeira instância devidamente dimensionada para cobrir todo o território nacional,

visando dar uma resposta adequada ao crescimento exponencial dos litígios que, nesta área, se vinham

registando ao longo dos últimos trinta anos7.

Os novos Tribunais Centrais Administrativos assim criados passaram a ser, à semelhança do que sucedia

com os Tribunais da Relação, a instância normal de recurso (de apelação) das decisões proferidas pelos

tribunais de primeira instância8.

Neste seguimento, «são tribunais centrais administrativos o Tribunal Central Administrativo Sul, com sede

em Lisboa, e o Tribunal Central Administrativo Norte, com sede no Porto» (n.º 1 do artigo 31.º). De acordo com

os n.os 3 e 4 da mesma norma, as áreas de jurisdição dos tribunais centrais administrativos são determinadas

por decreto-lei e a sua declaração de instalação é efetuada por portaria do Ministro da Justiça, que fixa os

respetivos quadros.

Em termos de organização interna de cada TCA, dispõe o artigo 32.º que cada um compreende uma

3 Como salientam GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., pág. 592, o legislador constitucional comete todas as funções de

direção e gestão da magistratura aos órgãos constitucionais autónomas, abolindo intervenções diretas externas. No mesmo sentido, JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, op. cit., pág. 176, referem-se a uma «reserva de administração autónoma da justiça», que não se confunde nem como autogoverno, nem com autorregulação e nem com autoadministração.

4 Alterada pela Leis n.º 4-A/2003, de 19 de fevereiro, n.º 107-D/2003, de 19 de fevereiro, n.º 1/2008, 14 de janeiro, n.º 2/2008, de 14 de janeiro, n.º 26/2008, de 27 de junho, n.º 52/2008, 28 de agosto, n.º 59/2008, de 11 de setembro, pelo Decreto-Lei n.º 166/2009, de 31 de julho, pelas Leis n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, n.º 20/2012, de 14 de maio, pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, e pela Lei n.º 114/2019, de 12 de setembro.

5 Com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 40-A/2016, de 22 de dezembro, n.º 94/2017, de 23 de agosto, pela Lei Orgânica n.º 4/2017, de 25 de agosto, pela Lei n.º 23/2018, de 5 de junho, pelo Decreto-Lei n.º 110/2018, de 10 de dezembro, e pelas Leis n.º 19/2019, de 19 de fevereiro, n.º 27/2019, de 28 de março, n.º 55/2019, de 5 de agosto, n.º 107/2019, de 9 de setembro, e n.º 77/2021, de 23 de novembro.

6 Alterado pelos Decretos-Leis n.º 182/2007, de 9 de maio, e 190/2009, de 17 de agosto, pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro, e pelo Decreto-Lei n.º 58/2020, de 13 de agosto.

7 V. RUI FERNANDO BELFO PEREIRA, Processo, organização e funcionamento: o Tribunal Central Administrativo desde a sua criação até ao presente, inJulgar, n.º 36, 2018, pág. 118.

8 V. SÉRVULO CORREIA, Direito do Contencioso Administrativo, volume I. Lisboa, 2005, pág. 703.

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secção de contencioso administrativo e outra de contencioso tributário, as quais, por sua vez, se dividem por

subsecções, às quais se aplica o disposto para a secção respetiva. A competência da secção de contencioso

administrativo vem definida no artigo 37.º

No que se refere ao provimento de vagas nos TCA, dispõe o artigo 68.º que estas se fazem por

transferência de juízes de outra secção do tribunal ou por concurso. As normas aplicáveis ao concurso estão

definidas no artigo 69.º Por seu lado, a nomeação, a colocação, a transferência, a promoção a exoneração e a

apreciação do mérito profissional dos juízes da jurisdição administrativa e fiscal é competência do Conselho

Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 74.º

Repare-se que, na sua versão inicial, o novo ETAF previa apenas um TCA, sendo que foi por via do

Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de dezembro, que o alterou, que se assumiu a opção de o extinguir e de o

substituir por dois TCA, o TCA Norte e o TCA Sul. Este Decreto-Lei veio definir a sede, a organização e a área

de jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais. O artigo 2.º determina as áreas de jurisdição do Tribunal

Central Administrativo Norte9 e do Tribunal Central Administrativo Sul10. Pela Portaria n.º 1418/2003, de 30 de

dezembro, procedeu-se à instalação dos dois novos TCA.

e) Enquadramento e antecedentes parlamentares

Consultada a base de dados da atividade parlamentar (AP), verifica-se que está pendente uma iniciativa

sobre matéria conexa com o objeto do projeto de lei em apreço:

– Projeto de Lei n.º 87/XV/1.ª (PSD) – Adota medidas de otimização do desempenho dos tribunais

superiores da jurisdição administrativa e fiscal, alterando o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

Sobre matéria conexa com o objeto da iniciativa sub judice, foi rejeitada na XIV Legislatura a seguinte

iniciativa:

– Projeto de Lei n.º 516/XIV/2.ª (PSD) – Transfere a sede do Tribunal Constitucional, do Supremo Tribunal

Administrativo e da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos para a cidade de Coimbra, procedendo à

décima alteração à Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da organização, funcionamento e processo do

Tribunal Constitucional), à décima terceira alteração ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais,

aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro, e à terceira alteração à Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de

janeiro (Lei de organização e funcionamento da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos), Texto Final

apresentado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias rejeitado com votos

contra dos Deputados Fernando Anastácio (PS), Luís Capoulas Santos (PS), Jorge Lacão (PS), Isabel Alves

Moreira (PS), do PAN e do CH, votos a favor dos Deputados João Gouveia (PS), Raquel Ferreira (PS), Pedro

Coimbra (PS), Cristina Jesus (PS), Tiago Estevão Martins (PS), Bacelar de Vasconcelos (PS), Ascenso

Simões (PS) do PSD, do BE, do CDS-PP e do IL e abstenções do PS, do PCP, do PEV e das Deputadas não

inscritas Cristina Rodrigues e Joacine Katar Moreira.

f) Pareceres

Em 1 de abril de 2022, a Comissão deliberou solicitar parecer às seguintes entidades: Conselho Superior

dos Tribunais Administrativos e Fiscais, Conselho Superior do Ministério Público e Ordem dos Advogados.

g) Cumprimento da lei formulário e observações de legística

A iniciativa encontra-se redigida sob a forma de artigos, tem uma designação que traduz sinteticamente o

seu objeto principal e é precedida de uma breve exposição de motivos, cumprindo os requisitos formais

9 Correspondente ao conjunto das áreas de jurisdição atribuídas no mapa anexo ao Decreto-Lei aos Tribunais Administrativos de Círculo

e Tributários de Aveiro, Braga, Coimbra, Mirandela, Penafiel, Porto e Viseu. 10 Correspondente ao conjunto das áreas de jurisdição atribuídas no mapa anexo ao Decreto-Lei aos Tribunais Administrativos de Círculo

e Tributários de Almada, Beja, Castelo Branco, Funchal, Leiria, Lisboa, Loulé, Ponta Delgada e Sintra.

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previstos no n.º 1 do artigo 124.º do Regimento.

Observa igualmente os limites à admissão da iniciativa estabelecidos no n.º 1 do artigo 120.º do

Regimento, uma vez que parece não infringir a Constituição ou os princípios nela consignados e define

concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa.

O título da presente iniciativa legislativa traduz sinteticamente o seu objeto, mostrando-se conforme ao

disposto no n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro.

Observa o disposto no n.º 1 do artigo 6.º da lei formulário, segundo o qual os «diplomas que alterem outros

devem indicar o número de ordem da alteração introduzida e, caso tenha havido alterações anteriores,

identificar aqueles diplomas que procederam a essas alterações, ainda que incidam sobre outras normas».

No que respeita ao início de vigência, e sem prejuízo de o n.º 1 do artigo 7.º determinar que a lei só entra

em vigor no dia 1 de janeiro de 2023, o n.º 2 do mesmo artigo estabelece que a sua entrada em vigor do artigo

6.º do projeto (relativo ao início da implementação do disposto no diploma) ocorrerá no dia imediato ao da sua

publicação, mostrando-se assim conforme com o previsto no n.º 1 do artigo 2.º da lei formulário, segundo o

qual os atos legislativos «entram em vigor no dia neles fixado, não podendo, em caso algum, o início de

vigência verificar-se no próprio dia da publicação».

A elaboração de atos normativos da Assembleia da República deve respeitar as regras de legística formal

constantes do Guia de legística para a elaboração de atos normativos11 por forma a garantir a clareza dos

textos normativos, mas também a certeza e a segurança jurídicas.

Parte II – Opinião da Deputada relatora

A Constituição confere alguma margem de liberdade ao legislador ordinário para criar tribunais centrais na

jurisdição administrativa.

O projeto sub judice cria o TCA Centro, com sede em Coimbra, e permite ao CSTAF a criação de secções

especializadas nos tribunais centrais.

De referir, antes de mais, que este último aspeto está previsto no Plano de Recuperação e Resiliência, pelo

que a criação destas secções especializadas merece concordância.

Quanto à criação de um novo TCA em Coimbra, trata-se de uma opção que deve ter em conta os dados

estatísticos e o volume expectável de processos e o facto de a criação deste tribunal ter de ser analisada

concertadamente com outras medidas de reforma da jurisdição administrativa e fiscal.

Parte III – Conclusões

1 – O Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da

República o Projeto de Lei n.º 53/XV/1.ª – Cria o Tribunal Central Administrativo Centro e permite a criação de

secções especializadas em razão da matéria nos tribunais centrais administrativos, alterando o Estatuto dos

Tribunais Administrativos e Fiscais, a Lei de Organização do sistema judiciário e o Decreto-Lei n.º 325/2003,

de 29 de dezembro.

2 – A iniciativa legislativa altera os artigos 31.º e 32.º do ETAF, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de

fevereiro, na sua redação atual, o artigo 147.º da LOSJ, aprovado pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, e o

artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de dezembro, que define a sede, a organização e a área de

jurisdição dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

3 – A CRP confere margem de liberdade ao legislador ordinário para criar tribunais de 2.ª instância na

jurisdição administrativa e fiscal, tendo já sido criados o TCA Norte e o TCA Sul.

4 – A criação de um terceiro TCA – o TCA Centro – deve ter em conta o volume expectável de processos e

deve ser concertado com o enquadramento global e integrado da reforma da jurisdição administrativa e fiscal.

5 – Face ao exposto no presente parecer, e não obstante as reservas suscitadas, a Comissão de Assuntos

Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de parecer que o Projeto de Lei n.º 53/XV/1.ª(PSD) reúne

11 Documento disponível no sítio da Internet da Assembleia da República

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os requisitos constitucionais e regimentais mínimos para ser discutido e votado em Plenário.

Palácio de São Bento, 8 de junho de 2022.

A Deputada Relatora, Alexandra Leitão — O Presidente da Comissão, Fernando Negrão.

Nota: As Partes I e III do parecer foram aprovadas, por unanimidade, com votos a favor do PS, do PSD, do

CH, do IL, do PCP, do BE e do L, tendo-se registado a ausência do PAN, na reunião da Comissão do dia 8 de

junho de 2022.

Parte IV – Anexos

• Nota técnica referente ao Projeto de Lei n.º 53/XV/1.ª(PSD)elaborada pelos serviços ao abrigo do

disposto no artigo 131.º do RAR.

———

PROJETO DE LEI N.º 71/XV/1.ª

(ALTERA AS ATIVIDADES ESPECÍFICAS ASSOCIADAS A COMPENSAÇÃO EM UNIDADES DE

SAÚDE FAMILIAR, DE FORMA A ELIMINAR DISCRIMINAÇÕES DE GÉNERO NA PRÁTICA CLÍNICA)

PROJETO DE LEI N.º 88/XV/1.ª

(ELIMINA A DISCRIMINAÇÃO DE GÉNERO NOS CRITÉRIOS DE COMPENSAÇÃO ASSOCIADA ÀS

ATIVIDADES ESPECÍFICAS DOS MÉDICOS)

Parecer da Comissão de Saúde

Índice

Parte I – Considerandos

Parte II – Opinião do Deputado autor do parecer

Parte III – Conclusões

Parte IV – Anexos

Parte I – Considerandos

a) Nota Introdutória

O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República o

Projeto de Lei n.º 71/XV/1.ª – «Altera as atividades específicas associadas a compensação em unidades de

saúde familiar, de forma a eliminar discriminações de género na prática clínica».

Esta apresentação foi efetuada nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 167.º da Constituição da

República Portuguesa e do n.º 1 do artigo 119.º do Regimento da Assembleia da República, reunindo os

requisitos formais previstos no artigo 124.º do mesmo Regimento.

O referido projeto de lei deu entrada na Mesa da Assembleia da República no dia 12 de maio de 2022,

tendo sido admitido e baixado a esta Comissão, para efeitos de emissão do pertinente parecer, por despacho

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do Presidente da Assembleia da República, no mesmo dia.

Também a Deputada única representante do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) tomou a iniciativa

de apresentar à Assembleia da República o Projeto de Lei n.º 88/XV/1.ª – «Elimina a discriminação de género

nos critérios de compensação associada às atividades específicas dos médicos».

Esta apresentação foi efetuada nos termos do disposto na alínea b) do artigo 156.º e do artigo 167.º da

Constituição, bem como da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º e do n.º 1 do artigo 119.º do Regimento da

Assembleia da República,reunindo os requisitos formais previstos no artigo 124.º do mesmo Regimento.

O referido projeto de lei deu entrada na Mesa da Assembleia da República no dia 19 de maio de 2022,

tendo sido admitido e baixado a esta Comissão, por despacho do Presidente da Assembleia da República,

para efeitos de emissão do pertinente parecer, no dia 23 de maio de 2022.

b) Do objeto, conteúdo e motivação das iniciativas

Projeto de Lei n.º 71/XV/1.ª

O Projeto de Lei n.º 71/XV/1.ª tem como objeto o regime jurídico da organização e funcionamento das

unidades de saúde familiar (USF) e o regime de incentivos a atribuir a todos os elementos que as constituem,

bem como a remuneração a atribuir aos elementos que integram as USF de modelo B, de forma a eliminar

qualquer discriminação de género nos critérios avaliativos da prática clínica.

A apresentação da referida iniciativa foi motivada, segundo pretende o grupo parlamentar proponente,

pelas seguintes razões:

• Foi recentemente tornada pública uma proposta para alterar os critérios para a compensação associada

às atividades específicas dos médicos em Unidades de Saúde Familiar de modelo B. Entre outros, procurava-

se introduzir como critérios o recurso ou não à Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) e a existência ou não

de Infeções Sexualmente Transmissíveis (IST) em mulheres.

• Em causa está a alteração de um indicador na monitorização do trabalho dos médicos de família,

através da ferramenta Bilhete de Identidade de Indicadores de Monitorização e Contratualização, passando a

parametrização do programa Planeamento Familiar a considerar como boa prática a ausência de IVG e de ITS

nas mulheres.

• Os proponentes identificam a lista de doenças que deveriam estar ausentes para que as compensações

pudessem ocorrer: herpes genital feminino; condiloma acuminado feminino, infeção vaginal por chlamydia,

sífilis feminina, gonorreia feminina, candidíase genital feminina, tricomoníase genital feminina e infeção por

VIH/SIDA.

• Segundo os proponentes, a IVG é um direito que depende unicamente da vontade e decisão da pessoa

grávida, não podendo esse direito ser subalternizado por critérios técnicos ou reduzido a um mero resultado

em saúde, existe nesta proposta ainda um claro viés e discriminação de género, uma vez que se foca apenas

na saúde sexual e reprodutiva da mulher, mas nada diz sobre a do homem.

• Argumentam ainda que quando essa discriminação é gritante, o que está em causa deixa de ser

prevenção e vigilância de saúde, para ser controlo e moralização da sexualidade da mulher, sobressaindo uma

conceção patriarcal e heteronormativa da saúde e da prática sexual.

Nesta alteração proposta, os proponentes eliminam no regime jurídico da organização e funcionamento das

USF, a referência feita à vigilância «em planeamento familiar, de uma mulher em idade fértil» e substituem-na

por «vigilância em saúde sexual e reprodutiva, de uma pessoa em idade fértil ou sexualmente ativa».

Defendem os proponentes que, com esta alteração, é eliminada qualquer discriminação de género e

alargado o âmbito atual do planeamento familiar, que deve estar apenas focado na saúde reprodutiva, assim

como na saúde sexual e na vivência de uma sexualidade saudável e feliz.

Projeto de Lei n.º 88/XV/1.ª

O Projeto de Lei n.º 88/XV/1.ª tem igualmente como objeto o regime jurídico da organização e

funcionamento das unidades de saúde familiar (USF) e o regime de incentivos a atribuir a todos os elementos

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que as constituem, bem como a remuneração a atribuir aos elementos que integram as USF de modelo B, de

forma a eliminar a discriminação de género nos critérios de compensação associada às atividades específicas

dos médicos.

A apresentação da referida iniciativa foi motivada, segundo pretende o grupo parlamentar proponente,

pelas seguintes razões:

• O grupo de trabalho criado para a revisão do modelo de organização e funcionamento das Unidades de

Saúde Familiar (doravante USF) apresentou, mas decidiu, entretanto, e face a toda a contestação, retirar os

indicadores de Interrupção Voluntária da Gravidez (IVG) e doenças sexualmente transmissíveis (DST) da

avaliação de desempenho dos profissionais.

• O Grupo Técnico entendeu retirar dos indicadores «Ausência de IVG» e «Ausência de ITS» da proposta

de revisão dos critérios para atribuição de Unidades Ponderadas às Atividades Específicas (AE) dos

profissionais inseridos em USF de Modelo B, por reconhecer que os indicadores em causa são «suscetíveis de

leituras indesejáveis», conforme refere o próprio grupo técnico.

• Segundo a proponente, e perante a proposta de revisão dos critérios que em breve será discutida, são

vários os receios por parte dos representantes dos médicos e dos enfermeiros e da sociedade civil, sobre a

possibilidade de os indicadores levarem a más práticas médicas e de enfermagem, como seja na área da

interrupção voluntária da gravidez, em última análise o receio de poder existir algum tipo de pressão do

profissional sobre a utente para que não realizasse o ato.

• Defende a proponente que a ideia que o grupo de trabalho referiu ter por base seria a de um bom

planeamento familiar e não o contrário. Ou seja, o entendimento seria de que a realização deuma IVG seria

resultado de um planeamento familiar falhado. A proponente argumenta que tal não corresponde à realidade,

sendo profundamente discriminatório, na medida em que, de alguma forma, limita o direito de escolha das

mulheres.

A proponente sublinha que diversos relatórios da Direção-Geral da Saúde registam que o número de

interrupções de gravidez tem vindo sucessivamente a decrescer, e desde 2011 não houve qualquer registo de

morte de mulher por IVG.

Defendendo que não é aceitável qualquer tipo de discriminação de género, a proponente afirma pretender,

com o presente projeto de lei, eliminar o ónus que existe sobre a mulher no regime jurídico da organização e

funcionamento das USF.

c) Enquadramento legal e constitucional e antecedentes

Sendo o enquadramento legal e os antecedentes do Projeto de Lei n.º 71/XV/1.ª expendidos na nota

técnica que a respeito do mesmo foi elaborada pelos competentes serviços da Assembleia da República, a 26

de maio de 2022, remete-se para esse documento, que consta em anexo ao presente parecer, a densificação

do capítulo em apreço.

O enquadramento legal e os antecedentes do Projeto de Lei n.º 88/XV/1.ª estão também expendidos na

nota técnica que a respeito do mesmo foi elaborada pelos competentes serviços da Assembleia da República,

a 2 de junho de 2022, remete-se para esse documento, que consta igualmente em anexo ao presente parecer,

a densificação do capítulo em apreço.

Parte II – Opinião da Deputada autora do parecer

A relatora do presente parecer entende dever reservar, nesta sede, a sua posição sobre o Projeto de Lei n.º

71/XV/1.ª e sobre o Projeto de Lei n.º 88/XV/1.ª, a qual é, de resto, de «elaboração facultativa», conforme

disposto no n.º 3 do artigo 137.º do Regimento da Assembleia da República.

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Parte III – Conclusões

1. O Projeto de Lei n.º 71/XV/1.ª, apresentado pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, e que

«Altera as atividades específicas associadas a compensação em unidades de saúde familiar, de forma a

eliminar discriminações de género na prática clínica», e o Projeto de Lei n.º 88/XV/1.ª, apresentado pela

Deputada única representante do partido Pessoas-Animais-Natureza, e que «Elimina a discriminação de

género nos critérios de compensação associada às atividades específicas dos médicos» foram remetidos à

Comissão de Saúde para elaboração do respetivo parecer.

2. A apresentação do Projeto de Lei n.º 71/XV/1.ª e do Projeto de Lei n.º 88/XV/1.ª foi efetuada nos termos

do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º, da alínea c) do artigo 161.º e do n.º 1 do artigo 167.º da

Constituição da República Portuguesa, bem como do artigo 119.º do Regimento da Assembleia da República,

estando reunidos os requisitos formais previstos no artigo 124.º desse mesmo Regimento.

3. Face ao exposto, a Comissão de Saúde é de parecer que o Projeto de Lei n.º 71/XV/1.ª e o Projeto de

Lei n.º 88/XV/1.ª reúnem os requisitos legais, constitucionais e regimentais para serem discutidos e votados

em Plenário.

Palácio de São Bento, 8 de junho de 2022.

A Deputada autora do parecer, Fernanda Velez — O Presidente da Comissão, António Maló de Abreu.

Nota: O parecer foi aprovado, por unanimidade, com votos a favor do PS, do PSD, do CH, do IL, do PCP e

do BE, na reunião da Comissão do dia 8 de junho de 2022.

Parte IV – Anexos

Nota técnica do Projeto de Lei n.º 71/XV/1.ª e nota técnica do Projeto de Lei n.º 88/XV/1.ª

———

PROJETO DE LEI N.º 73/XV/1.ª

(GARANTE A INCLUSÃO DE TODOS OS HORÁRIOS NO PROCEDIMENTO DE MOBILIDADE INTERNA

DO CONCURSO INTERNO DE PROFESSORES)

Parecer da Comissão de Educação e Ciência

Índice

Parte I – Considerandos

Parte II – Opinião da Deputada autora do parecer

Parte III – Conclusões

Parte IV – Anexos

Parte I – Considerandos

1.1. Nota introdutória

O Grupo Parlamentar do PCP tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da República o Projeto de Lei

n.º 73/XV/1.ª (PCP) com o título «Garante a inclusão de todos os horários no procedimento de mobilidade

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interna do concurso interno de professores».

A iniciativa em apreciação é apresentada pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português (PCP),

ao abrigo e nos termos do n.º 1 do artigo 167.º da Constituição da República Portuguesa (Constituição) e do

n.º 1 do artigo 119.º do Regimento da Assembleia da República (Regimento), que consagram o poder de

iniciativa da lei. Trata-se de um poder dos Deputados, por força do disposto na alínea b) do artigo 156.º da

Constituição e alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, bem como dos grupos parlamentares, por força

do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da Constituição e da alínea f) do artigo 8.º do Regimento.

Conforme é salientado na nota técnica: «A iniciativa suscita, porém, algumas dúvidas sobre o cumprimento

do disposto no n.º 1 do artigo 120.º do Regimento, que estabelece que «não são admitidos projetos e

propostas de lei ou propostas de alteração que infrinjam a Constituição ou os princípios nela consignados».

O projeto de lei em apreciação deu entrada a 17 de maio de 2022, tendo o Presidente da Assembleia da

República exarado, a 23 de maio, o seguinte despacho: «Permito-me chamar a atenção para as dúvidas de

constitucionalidade suscitadas na nota de admissibilidade, as quais devem ser consideradas no decurso do

processo legislativo».

Embora com reservas, foi admitido e baixou na generalidade, no dia 23 de maio, à Comissão de Educação

e Ciência (8.ª), comissão competente para a elaboração do respetivo parecer.

1.2. Âmbito da Iniciativa

O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português propõe com a presente iniciativa aprovar a

determinação para que no concurso de professores, no âmbito do concurso de mobilidade interna, sejam

considerados todos os horários, completos e incompletos, recolhidos pela Direção-Geral da Administração

Escolar mediante proposta do órgão de direção do agrupamento de escolas ou da escola não agrupada.

1.3. Análise da Iniciativa

A iniciativa é composta por três artigos, os quais: definem o «Objeto»: determina que no concurso interno

de professores se considere os horários completos e incompletos no concurso de mobilidade interna;

(artigo1.º); «Consideração de todos os horários no concurso de mobilidade interna» (artigo 2.º); define a

«Entrada em vigor e produção de efeitos» (artigo 3.º).

1.3.1. Iniciativas pendentes (iniciativas legislativas e petições)

Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verificou-se que não há pendente, neste

momento, qualquer iniciativa ou petição com objeto conexo com o do projeto de lei em análise.

1.3.2. Antecedentes parlamentares (iniciativas legislativas e petições)

A consulta à AP devolve os seguintes antecedentes sobre matéria conexa com a da presente iniciativa:

N.º Título Data Autor Votação Publicação

XIV/3.ª – Projeto de Lei

980 Abertura de um concurso interno extraordinário garantindo a inclusão de todos os horários no procedimento de mobilidade interna

2021-10-07 PCP IniciativaCaducada

[DAR II Série-A n.º 11, 2021.10.04, da 3.ª SL da XIV Leg (pág. 21-22)]

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N.º Título Data Autor Votação Publicação

XIV/2.ª – Projeto de Lei

762 Programa de vinculação dos docentes de técnicas especiais do ensino artístico especializado nas áreas das artes visuais e dos audiovisuais

2021-03-26 BE

Aprovado Contra: PS A Favor: PSD, BE, PCP, CDS-PP, PAN, PEV, CH, IL, Cristina Rodrigues (N insc.), Joacine Katar Moreira (N insc.)

[DAR II Série-A n.º 118, 2021.04.20, da 2.ª SL da XIV Leg (pág. 12-24)]

682 Programa extraordinário de vinculação dos docentes com 5 ou mais anos de serviço

2021-02-19 BE

Rejeitado Contra: PS, PSD, CDS-PP, IL Abstenção: CH A Favor: BE, PCP, PAN, PEV, Cristina Rodrigues (N insc.), Joacine Katar Moreira (N insc.)

[DAR II Série-A n.º 94, 2021.03.11, da 2.ª SL da XIV Leg (pág. 55-65)]

660

Abertura de concurso para a vinculação extraordinária do pessoal docente das componentes técnico-artístico especializado para o exercício de funções nas áreas das artes visuais e dos audiovisuais, nos estabelecimentos públicos de ensino

2021-02-02 PCP

Aprovado Contra: PS A Favor: PSD, BE, PCP, CDS-PP, PAN, PEV, CH, IL, Cristina Rodrigues (N insc.), Joacine Katar Moreira (N insc.)

[DAR II Série-A n.º 68, 2021.02.02, da 2.ª SL da XIV Leg (pág. 20-21)]

658

Procede à oitava alteração ao Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, que estabelece o regime de recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário

2021-02-02 PCP

Rejeitado Contra: PS, PSD, CDS-PP, IL Abstenção: CH A Favor: BE, PCP, PAN, PEV, Cristina Rodrigues (N insc.), Joacine Katar Moreira (N insc.)

[DAR II Série-A n.º 94, 2021.03.11, da 2.ª SL da XIV Leg (pág. 12-28)]

657 Vinculação extraordinária de todos os docentes com cinco ou mais anos de serviço até 2022

2021-02-02 PCP

Rejeitado Contra: PS, PSD, CDS-PP, IL A Favor: BE, PCP, PAN, PEV, CH, Cristina Rodrigues (N insc.), Joacine Katar Moreira (N insc.)

[DAR II Série-A n.º 118, 2021.04.20, da 2.ª SL da XIV Leg (pág. 3-5), Alteração do texto inicial]

De realçar que:

Os Projetos de Lei n.º 660/XIV/2.ª (PCP) e n.º 762/XIV/2.ª (BE) deram origem à Lei n.º 46/2021 – Concurso

de vinculação extraordinária de docentes das componentes técnico-artísticas do ensino artístico especializado

para o exercício de funções nas áreas das artes visuais e dos audiovisuais, nos estabelecimentos públicos de

ensino; Foi também apresentado um pedido de fiscalização abstrata sucessiva da constitucionalidade pelo

Primeiro-Ministro (2021-08-12) e pedido de pronúncia à Assembleia da República pelo Tribunal Constitucional

(2021-09-09).

N.º Data Assunto Situação na AR N.º Ass.

XIV/2.ª – Petição

199 2021-03-02 Concurso de mobilidade interna Concluída 8742

A Petição n.º 123/XIV/1.ª – Alteração dos intervalos a concurso dos docentes, nomeadamente o ponto 8 do

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artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, deu origem aos Projetos de Lei n.º 762/XIV/2.ª (BE), n.º

682/XIV/2.ª (PCP), n.º 660/XIV/2.ª (PCP), n.º 658/XIV/2.ª (PCP) e n.º 657/XIV/2.ª (BE), tendo sido discutida

conjuntamente com esta. A gravação da audição dos peticionários pela Comissão encontra-se disponível na

página da petição, onde se encontra igualmente a documentação entregue pelos peticionários.

1.3.3. Enquadramento jurídico nacional e de legislação comparada

Remete-se, no que tange à análise das matérias de enquadramento jurídico nacional e internacional, para

o detalhado trabalho vertido na nota técnica que acompanha o parecer.

Parte II – Opinião da Deputada autora do parecer

A signatária do presente parecer exime-se, nesta sede, de manifestar a sua opinião política sobre o Projeto

de Lei n.º 73/XV/1.ª (PCP) com o título «Garante a inclusão de todos os horários no procedimento de

mobilidade interna do concurso interno de professores», reservando o seu Grupo Parlamentar a sua posição

para o debate em Plenário.

Parte III – Conclusões

Projeto de Lei n.º 73/XV/1.ª (PCP) com o título «Garante a inclusão de todos os horários no procedimento

de mobilidade interna do concurso interno de professores» foi apresentado nos termos constitucionais, legais e

regimentais aplicáveis, encontrando-se reunidos os requisitos formais, com as ressalvas já atrás referidas, e

de tramitação exigidos para que seja apreciado e votado em Plenário da Assembleia da República.

Em sede de apreciação na especialidade, estando em causa a alteração ao regime de recrutamento e

mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário, deverá a 8.ª Comissão, promover a

apreciação pública da iniciativa, nos termos e para os efeitos do artigo 134.º do Regimento, para além da

consulta das seguintes entidades:

• Ministro da Educação;

• Conselho de Escolas;

• ANDE – Associação Nacional de Dirigentes Escolares;

• ANDAEP – Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas;

• FENPROF – Federação Nacional dos Professores;

• FENEI – Federação Nacional de Ensino e Investigação;

• FNE – Federação Nacional de Educação;

• Federação Portuguesa de Professores;

• Associação Nacional de Professores;

• Associação Nacional de Professores Contratados;

• SIPE – Sindicato Independente de Professores e Educadores.

Palácio de São Bento, 7 de junho de 2022.

A Deputada Relatora, Maria Emília Apolinário — O Presidente da Comissão, Alexandre Quintanilha.

Nota: O parecer foi aprovado, por unanimidade, com votos a favor do PS, do PSD, do CH, do IL e do PCP,

tendo-se registado a ausência do BE, na reunião da Comissão do dia 7 de junho de 2022.

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Parte IV – Anexos

A nota técnica referente à iniciativa em análise está disponível aqui.

———

PROJETO DE LEI N.º 76/XV/1.ª

[CONSAGRAÇÃO EXPRESSA DO CRIME DE EXPOSIÇÃO DE MENOR A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

(QUINQUAGÉSIMA SEXTA ALTERAÇÃO AO CÓDIGO PENAL)]

PROJETO DE LEI N.º 82/XV/1.ª

(TORNA OBRIGATÓRIA A TOMADA DE DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA A PEDIDO DA

VÍTIMA OU DO MINISTÉRIO PÚBLICO)

PROJETO DE LEI N.º 85/XV/1.ª

(INCLUI EXPRESSAMENTE A EXPOSIÇÃO, NOS EXEMPLOS DO QUE CONSTITUEM MAUS-TRATOS

PSÍQUICOS, NO ÂMBITO DO CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA; DEFINE A EXPOSIÇÃO, NO CASO DE

CRIANÇAS E JOVENS, COMO SUFICIENTE PARA A SUA CARACTERIZAÇÃO COMO VÍTIMAS E

CONSAGRA A FREQUÊNCIA DE PROGRAMAS ESPECÍFICOS DE EDUCAÇÃO PARENTAL NA LISTA DE

PENAS ACESSÓRIAS)

PROJETO DE LEI N.º 92/XV/1.ª

[CRIAÇÃO DO CRIME DE EXPOSIÇÃO DE MENOR A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA (QUINQUAGÉSIMA

QUINTA ALTERAÇÃO AO CÓDIGO PENAL)]

PROJETO DE LEI N.º 96/XV/1.ª

[DISPENSA DA TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO NOS PROCESSOS DE DIVÓRCIO SEM

CONSENTIMENTO DO OUTRO CÔNJUGE NOS CASOS DE CONDENAÇÃO POR CRIME DE VIOLÊNCIA

DOMÉSTICA (ALTERAÇÃO AO CÓDIGO CIVIL E AO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL)]

PROJETO DE LEI N.º 97/XV/1.ª

[ASSEGURA A NOMEAÇÃO DE PATRONO ÀS VÍTIMAS ESPECIALMENTE VULNERÁVEIS

(ALTERAÇÃO AO ESTATUTO DA VÍTIMA E À LEI N.º 34/2004, DE 29 DE JULHO, QUE ALTERA O

REGIME DE ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS)]

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Parte I – Considerandos

I. a) Nota introdutória

O Projeto de Lei n.º 76/XV/1.ª (IL) – Consagração expressa do crime de exposição de menor a violência

doméstica (quinquagésima sexta alteração ao Código Penal), deu entrada a 18 de maio de 2022. A 18 de maio

foi admitido e baixou na generalidade à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e

Garantias, por despacho do Presidente da Assembleia da República, tendo sido anunciado na sessão plenária

no dia 23 de maio.

O Projeto de Lei n.º 82/XV/1.ª (PAN) – Torna obrigatória a tomada de declarações para memória futura a

pedido da vítima ou do Ministério Público, deu entrada a 20 de maio de 2022. A 23 de maio foi admitido e

baixou na generalidade à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias, por

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despacho do Presidente da Assembleia da República, tendo sido anunciado na sessão plenária no dia 23 de

maio.

O Projeto de Lei n.º 85/XV/1.ª (L) – Inclui expressamente a exposição, nos exemplos do que constituem

maus-tratos psíquicos, no âmbito do crime de violência doméstica; define a exposição, no caso de crianças e

jovens, como suficiente para a sua caracterização como vítimas e consagra a frequência de programa

específicos de educação parental na lista de penas acessórias, deu entrada a 20 de maio de 2022. A 20 de

maio foi admitido e baixou na generalidade à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e

Garantias, por despacho do Presidente da Assembleia da República, tendo sido anunciado na sessão plenária

no dia 24 de maio, tendo sido substituído o título e texto da iniciativa a pedido do autor no dia 27 de maio.

O Projeto de Lei n.º 92/XV/1.ª (BE) – Criação do crime de exposição de menor a violência doméstica, deu

entrada a 20 de maio de 2022. A 24 de maio foi admitido e baixou na generalidade à Comissão de Assuntos

Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias, por despacho do Presidente da Assembleia da República,

tendo sido anunciado na sessão plenária no dia 26 de maio.

O Projeto de Lei n.º 96/XV/1.ª (IL) – Dispensa da tentativa de conciliação nos processos de divórcio sem

consentimento do outro cônjuge nos casos de condenação por crime de violência doméstica (alteração ao

Código Civil e ao Código do Processo Civil), deu entrada a 20 de maio de 2022. A 24 de maio foi admitido e

baixou na generalidade à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias, por

despacho do Presidente da Assembleia da República, tendo sido anunciado na sessão plenária no dia 26 de

maio.

O Projeto de Lei n.º 97/XV/1.ª (IL) – Assegura a nomeação de patrono às vítimas especialmente

vulneráveis (alteração ao Estatuto da Vítima e à Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, que altera o regime de acesso

ao direito e aos tribunais), deu entrada a 20 de maio de 2022. A 24 de maio foi admitido e baixou na

generalidade à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias, por despacho do

Presidente da Assembleia da República, tendo sido anunciado na sessão plenária no dia 27 de maio.

Estas apresentações foram efetuadas nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º da

Constituição da República Portuguesa e do artigo 118.º do Regimento da Assembleia da República, reunindo

os requisitos formais previstos no artigo 124.º desse mesmo Regimento.

Por despacho de Sua Excelência o Presidente da Assembleia da República, as iniciativas vertentes

baixaram à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para emissão do

respetivo parecer, enquanto comissão competente.

No dia 1 de junho de 2022, foram solicitados pareceres ao Conselho Superior da Magistratura, ao Conselho

Superior do Ministério Público, à Ordem dos Advogados. Na mesma data, a APAV – Associação Portuguesa

de Apoio à Vítima foi convidada a apresentar contributo sobre as iniciativas. Embora alguns ainda não

recebidos, tal afigura-se útil em sede de discussão na especialidade.

II. b) Do objeto, conteúdo e motivação das iniciativas

– Projeto de Lei n.º 76/XV/1.ª (IL) – Consagração expressa do crime de exposição de menor a

violência doméstica (quinquagésima sexta alteração ao Código Penal)

À semelhançado Projeto de Lei n.º 364/XIV/1.ª (IL), a iniciativa propõe a criminalização autónoma da

exposição de menores a violência doméstica. Os proponentes justificam a pertinência desta iniciativa com o

impacto que este crime tem nas crianças que o testemunham, num período em que estas estão em

crescimento e, portanto, de maior suscetibilidade e vulnerabilidade.

Os proponentes consideram que o quadro legislativo atualmente vigente não tem sido suficiente para

proteger os menores dos danos ao seu desenvolvimento que a exposição a ações que integrem a prática de

crime de violência doméstica acarreta, referindo que a exposição de menor a violência doméstica não pode

constituir apenas uma agravante deste crime.

– Projeto de Lei n.º 82/XV/1.ª (PAN) – Torna obrigatória a tomada de declarações para memória

futura a pedido da vítima ou do Ministério Público

A iniciativavisa assegurar que a produção de prova através de recolha de declarações para memória futura

das vítimas do crime de violência doméstica passe a ser obrigatória quando requerida pela vítima ou Ministério

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Público. Assim, a proponente preconiza uma alteração à Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que estabelece

o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e assistência das suas vítimas, no

sentido de consagrar expressamente a obrigatoriedade da recolha dessas declarações assim que pedido pela

vítima ou pelo Ministério Público.

A proponente justifica a presente iniciativa na alta incidência do crime de violência doméstica na sociedade

portuguesa, considerando que o regime legal em vigor não é suficiente para assegurar uma recolha atempada

e célere do depoimento da vítima, enquanto garantia de genuinidade e elemento decisivo na descoberta da

verdade material.

– Projeto de Lei n.º 85/XV/1.ª (L) – Inclui expressamente a exposição, nos exemplos do que

constituem maus-tratos psíquicos, no âmbito do crime de violência doméstica; define a exposição, no

caso de crianças e jovens, como suficiente para a sua caracterização como vítimas e consagra a

frequência de programa específicos de educação parental na lista de penas acessórias

A iniciativa tem como fito alterar o Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro,

e republicado pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 13 de março, e a Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, no sentido

de consagrar a exposição a maus-tratos físicos e psíquicos como facto integrador do crime de violência

doméstica, assim como um regime reforçado no que toca a atribuição do estatuto de vítima a estes menores.

A iniciativa pretende também incluir, nas disposições relativas às penas acessórias impostas ao condenado

por crime de violência doméstica, para além da frequência de programas específicos de prevenção da

violência doméstica, também a frequência de cursos de educação parental, quando o crime seja praticado

contra ou na presença de certas categorias de pessoas.

Os proponentes sustentam a iniciativa em apreço na complexidade do crime em causa e os devastadores

efeitos que decorrem do mesmo, que afetam quem é visado diretamente, mas também quem a ele assiste.

– Projeto de Lei n.º 92/XV/1.ª (BE) – Criação do crime de exposição de menor a violência doméstica

No mesmo sentidodo Projeto de Lei n.º 76/XV/1.ª (IL), a iniciativa vem propor o aditamento de um artigo

152.º-C, criando assim o novo tipo legal do crime de exposição do menor a violência doméstica. Os

proponentes baseiam a iniciativa na evidência de que a violência doméstica imprime um enorme sofrimento às

crianças que a vivenciem ou testemunhem mesmo que os atos de violência não lhe sejam diretamente

dirigidos, tal acarretando consequências para o seu desenvolvimento e bem-estar, afetando a sua saúde física

e mental, potenciando comportamentos sociais e familiares disfuncionais e comprometendo o rendimento

escolar. Assim, considerando existir um consenso sobre a matéria, os proponentes julgam útil a

autonomização do crime de exposição de menor a violência doméstica, como forma de atingir uma maior

proteção das crianças em contexto de violência doméstica.

– Projeto de Lei n.º 96/XV/1.ª (IL) – Dispensa da tentativa de conciliação nos processos de divórcio

sem consentimento do outro cônjuge nos casos de condenação por crime de violência doméstica

(alteração ao Código Civil e ao Código do Processo Civil)

A iniciativa visa excecionar à conciliação obrigatória em processos de divórcio o consentimento do outro

cônjuge, nos casos em que este tenha sido julgado e condenado pelo crime de violência doméstica. Os

proponentes sustentam a pertinência da iniciativa na dimensão e consequências da violência doméstica no

País e o que isso deve significar de adequação do ordenamento jurídico. Sem obliterar o entendimento vigente

de que o divórcio sem consentimento deve ser sempre o último recurso, argumenta-se que a sujeição da

vítima a um processo conciliatório pode ter profundas consequências psicológicas.

Assim, ao considerar-se as consequências para a vítima de violência doméstica de uma sujeição à

diligência obrigatória de tentativa de conciliação, a iniciativa propõe que a condenação por crime de violência

doméstica transitada em julgado, praticada por um cônjuge contra o outro seja fundamento para uma exceção

à realização da tentativa de conciliação obrigatória.

– Projeto de Lei n.º 97/XV/1.ª (IL) – Assegura a nomeação de patrono às vítimas especialmente

vulneráveis (alteração ao Estatuto da Vítima e à Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, que altera o regime de

acesso ao direito e aos tribunais)

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Esta iniciativa visa garantir à vítima, desde o primeiro contacto com as autoridades e funcionários

competentes, informações quanto ao apoio judiciário e, tratando-se de vítima especialmente vulneráveis,

assegurar o direito à nomeado imediata um patrono.

Assim, ao introduzir estas alterações no Estatuto da Vítima e ao Regime de Acesso ao Direito e aos

Tribunais, pretende-se garantir que as pessoas a quem seja atribuído o estatuto de vítimas especialmente

vulneráveis tenham acesso a aconselhamento jurídico que lhes permita melhor conhecer os seus direitos e

proporcione acompanhamento nas diversas fases processuais. Está também pendente o Projeto de Lei n.º

10/XV/1.ª (CH) – Assegura a nomeação de patrono em escalas de prevenção para as vítimas violência

doméstica, com idêntica finalidade.

II. c) Enquadramento constitucional e legal

O crime de violência doméstica encontra-se tipificado no artigo 152.º do Código Penal, sendo punido com

pena de prisão de 1 a 5 anos, pena que sobe para 2 a 5 anos em determinadas circunstâncias (elencadas no

n.º 2), podendo ainda chegar aos 2 a 8 anos ou 3 a 10 anos, se resultar em ofensa à integridade física grave

ou morte, respetivamente.

O crime de violência doméstica implica ainda a possibilidade aplicação ao arguido das penas acessórias de

proibição de contacto com a vítima e de proibição de uso e porte de armas, pelo período de 6 meses a 5 anos,

e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica (n.º 4) e ainda a

inibição do exercício de responsabilidades parentais, da tutela ou do exercício de medidas relativas a maior

acompanhado por um período de 1 a 10 anos (n.º 6).

Como se especifica no n.º 5 daquele artigo, a pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve

incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por

meios técnicos de controlo à distância.

O Projeto de Lei n.º 85/XV/1.ª (L), para alémdo que diz respeito à exposição à violência doméstica,

designadamente de menores, visa precisamente introduzir a possibilidade de condenação a nova pena

acessória no respetivo elenco do artigo152.º, correspondente à frequência de programa específicos de

educação parental.

Por seu lado, é a Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que estabelece o «Regime jurídico aplicável à

prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas», diploma que concentra a

legislação em matéria de violência doméstica e que configura o estatuto de vítima no âmbito deste crime

específico.1

O Estatuto de Vítima foi consagrado pela Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro, que passou a reconhecer um

conjunto de direitos às vítimas de criminalidade, entre os quais o direito à informação (artigo 11.º), incluindo

em que medida e condições é que se concretiza o acesso a consulta jurídica, apoio judiciário ou outras formas

de aconselhamento, proteção e assistência.

Por via deste diploma, passou a ser atribuído às vítimas de violência doméstica, de forma autónoma e

especial, de acordo com o previsto na Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro, e no n.º 3 do artigo 67.º-A do

Código de Processo Penal, um estatuto de vítima especialmente vulnerável.2.

1 Capítulo IV, Estatuto de vítima, Secção I – Atribuição, direitos e cessação do estatuto de vítima (artigos 14.º e ss). 2 Artigo 67.º-A (Vítima)

1 – Considera-se:

a) ‘Vítima’:

i) A pessoa singular que sofreu um dano, nomeadamente um atentado à sua integridade física ou psíquica, um dano emocional ou moral, ou um dano patrimonial, diretamente causado por ação ou omissão, no âmbito da prática de um crime;

ii) Os familiares de uma pessoa cuja morte tenha sido diretamente causada por um crime e que tenham sofrido um dano em consequência dessa morte;

iii) A criança ou jovem até aos 18 anos que sofreu um dano causado por ação ou omissão no âmbito da prática de um crime, incluindo os que sofreram maus-tratos relacionados com a exposição a contextos de violência doméstica;

b) ‘Vítima especialmente vulnerável’, a vítima cuja especial fragilidade resulte, nomeadamente, da sua idade, do seu estado de saúde ou de deficiência, bem como do facto de o tipo, o grau e a duração da vitimização haver resultado em lesões com consequências graves no seu equilíbrio psicológico ou nas condições da sua integração social;

c) ‘Familiares’, o cônjuge da vítima ou a pessoa que convivesse com a vítima em condições análogas às dos cônjuges, os seus parentes em linha reta, os irmãos e as pessoas economicamente dependentes da vítima;

d) ‘Criança ou jovem’, uma pessoa singular com idade inferior a 18 anos.

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É a Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, que estabelece o regime de acesso ao direito e aos tribunais, o que

compreende a vertente da informação jurídica e da proteção jurídica. O atual enquadramento jurídico do

sistema de acesso ao direito e aos tribunais tem como objetivo assegurar que todos possam defender os seus

direitos, garantindo-se que ninguém é prejudicado ou impedido de o fazer em razão da sua condição social ou

cultural ou por insuficiência de meios económicos, e permitir o conhecimento, exercício e defesa dos seus

direitos. É à Ordem dos Advogados que compete assegurar a garantia da efetivação desse acesso, através da

organização de escalas de advogados em todo o território nacional.3

Relativamente às vítimas do crime de violência doméstica, às quais tenha sido atribuído o estatuto de

vítima de crime de violência doméstica nos termos da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, atribui-se uma

presunção legal de insuficiência económica «até prova em contrário», sendo «garantida à vítima a célere e

sequente concessão de apoio judiciário, com natureza urgente» (artigo 8.º-C).

Nos termos do artigo 30.º, a nomeação do patrono, sendo concedida, é realizada pela Ordem dos

Advogados. O artigo 39.º regula a nomeação de defensor em processo penal e o artigo 41.º prevê a existência

de escalas de prevenção para diligências urgentes, devendo nestes casos ser nomeado defensor que,

constando das escalas de prevenção, se apresente no local da diligência.

A Lei n.º 34/2004 foi regulamentada pela Portaria n.º 10/2008, de 3 de janeiro, que, entre outros aspetos,

prevê como é feita a nomeação de patrono e defensor. De acordo com o seu artigo 2.º, a nomeação de

patrono ou de defensor pode ser realizada de forma totalmente automática, através de um sistema eletrónico

gerido pela Ordem dos Advogados, mediante solicitação dos tribunais, das secretarias ou serviços do

Ministério Público, dos órgãos de polícia criminal ou dos serviços de segurança social. Excecionam-se deste

procedimento as diligências urgentes, em que a nomeação é feita pelo tribunal (ou pelo Ministério Público,

consoante os casos), através da secretaria, com base na designação feita pela Ordem dos Advogados

constante da lista de escala de prevenção de advogados e de advogados estagiários.

É neste âmbito que o Projeto de Lei n.º 97/XV/1.ª (IL), tal como o Projeto de Lei n.º 10/XV/1.ª (CH), se

insere, pretendendo assegurar a nomeação de patrono de forma imediata às vítimas.

Também a prestação de declarações para memória futura constitui um dos direitos das vítimas

especialmente vulneráveis, como estabelecido pelos artigos 21.º e 24.º do Estatuto da Vítima, aprovado em

anexo à Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro.

O artigo 33.º da Lei n.º 112/2009, cuja alteração propõe o Projeto de Lei n.º 82/XV/1.ª (PAN), dispõe sobre

as declarações para memória futura da vítima de violência doméstica e prevê a possibilidade de o juiz

proceder, a requerimento da vítima ou do Ministério Público, a inquirição da vítima no decurso do inquérito

para, se necessário, esse depoimento ser tomado em conta no julgamento.

As declarações para memória futura no processo penal em geral encontram-se reguladas no artigo 271.º

do Código de Processo Penal. Nos termos deste artigo, há situações em que esta diligência é uma

possibilidade – quando doença grave ou deslocação para o estrangeiro previsivelmente impeça a testemunha

(assistente, parte civil, perito ou consultor técnico) de ser inquirida em julgamento e no caso de se tratar de

vítima de crime de tráfico de órgãos humanos, tráfico de pessoas ou contra a liberdade e autodeterminação

sexual –; e há situações em que é sempre obrigatória – no caso de vítima de crime contra a liberdade e

autodeterminação sexual de menor, desde que a vítima não seja já maior de idade.

Recente jurisprudência dos tribunais da relação tem vindo a reconhecer que a regra é a de deferir, sempre,

o requerimento apresentado pela vítima ou pelo Ministério Público «só em casos excecionais, de inequívoca e

manifesta irrelevância, se devendo indeferir o mesmo requerimento», revogando decisões em sentido contrário

que tinham sido tomadas em primeira instância – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04-06-

2020 (Proc. 69/20.1PARGR-A.L1-9). No mesmo sentido, vejam-se os Acórdãos dos Tribunais da Relação de

2 – Para os efeitos previstos na subalínea ii) da alínea a) do n.º 1 integram o conceito de vítima, pela ordem e prevalência seguinte, o

cônjuge sobrevivo não separado judicialmente de pessoas e bens, ou a pessoa que convivesse com a vítima em condições análogas às dos cônjuges, os descendentes e os ascendentes, na medida estrita em que tenham sofrido um dano com a morte, com exceção do autor dos factos que provocaram a morte.

3 – As vítimas de criminalidade violenta e de criminalidade especialmente violenta são sempre consideradas vítimas especialmente vulneráveis para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 1.

4 – Assistem à vítima os direitos de informação, de assistência, de proteção e de participação ativa no processo penal, previstos neste Código e no Estatuto da Vítima.

5 – A vítima tem direito a colaborar com as autoridades policiais ou judiciárias competentes, prestando informações e facultando provas que se revelem necessárias à descoberta da verdade e à boa decisão da causa.

3 Portaria n.º 10/2008, de 3 de janeiro – Regulamento da lei de acesso ao direito

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Guimarães de 12-08-2020 (Proc. 12/20.8GDVCT), de Leiria de 07-04-2021 (Proc. 86/20.1T90FR-A.C1), do

Porto de 22-09-2022 (Proc. 526/21.2PIVNG-A.P1), de Évora de 12-10-2021 (Proc. 103/20.5GDETZ) e de

Coimbra de 20-04-2022 (201/21.8GACNF-A.C1).

Portanto, o que o Projeto de Lei n.º 82/XV/1.ª (PAN) pretende é precisamente deixar de fazer depender de

decisão do juiz a prestação de declarações para memória futura.

Relativamente às iniciativas que dizem respeito à proteção dos menores no contexto da violência

doméstica, cumpre recordar que o crime de violência doméstica surge pela primeira vez com esta designação

no Código Penal em 2007, mas tem antecedentes na versão inicial do Código Penal, aprovado pelo Decreto-

Lei n.º 400/82, de 23 de setembro4, no artigo 153.º, com a epígrafe «maus-tratos ou sobrecarga de menores e

de subordinados ou entre cônjuges».

Com a reforma do Código Penal de 1995, passa a estar previsto no artigo 152.º, como crime de «maus-

tratos ou sobrecarga de menores, de incapazes ou do cônjuge» e, em 2007, é autonomizado no artigo 152.º,

como crime de «violência doméstica», passando os crimes de «maus-tratos» e «violação de regras de

segurança» para os artigos 152.º-A e 152.º-B, respetivamente.

Para além da evolução legislativa no tocante aos elementos do tipo5 e à natureza pública do crime6,

recorde-se que é com a autonomização do crime de violência doméstica operada em 2007 que se passa a

prever como circunstância agravante, entre outras, a prática dos factos na presença de menor. Em 2021 é

introduzida a menção expressa aos menores como vítimas diretas de violência doméstica, com a Lei n.º

57/2021, de 16 de agosto.

Para além do Código Penal, esta Lei alterou também a Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que

estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas

vítimas. Entre as várias alterações então introduzidas, destacar o facto de se ter passado a considerar

expressamente como vítimas do crime de violência doméstica os menores que sofreram maus-tratos

relacionados com exposição a contextos de violência doméstica [artigo 2.º, alínea a)].

Mais recentemente a Lei n.º 57/2021 veio reforçar esta tutela dos menores.

Aliás, o artigo 69.º7 da Constituição prevê o direito das crianças «à proteção da sociedade e do Estado,

com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de

discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições».

Consagra-se nesteartigo «um direito das crianças à proteção, impondo-se os correlativos deveres de

prestação ou de atividade ao Estado e à sociedade (i. é, aos cidadãos e às instituições sociais). Trata-se de

um típico ‘direito social’, que envolve deveres de legislação e de ação administrativa para a sua realização e

concretização, mas que supõe, naturalmente, um direito ‘negativo’ das crianças a não serem abandonadas,

discriminadas ou oprimidas (…)»8.

No mesmo sentido, Portugal foi pioneiro a ratificar a Convenção de Istambul a 5 de fevereiro de 2013,

aderindo a um instrumento legalmente vinculativo que insta os estados a adotar um conjunto abrangente de

medidas para a prevenção e o combate à violência contra as mulheres e a violência doméstica.

A Convenção reconhece a violência contra as mulheres, simultaneamente, como uma violação dos direitos

humanos e uma forma de discriminação. Este instrumento internacional indica igualmente a abordagem que

deve ser exigida no combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica, apelando efetivamente

para que todos os organismos: agências, serviços públicos e organizações não governamentais (ONG)

relevantes envolvidas nesta matéria trabalhem em conjunto de forma coordenada.

Os principais objetivos da Convenção de Istanbul são:

– Proteger as mulheres contra todas as formas de violência, e prevenir, processar criminalmente e eliminar

a violência contra as mulheres e a violência doméstica;

– Contribuir para a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres e promover a

igualdade real entre mulheres e homens, incluindo o empoderamento das mulheres;

4 No uso da autorização legislativa conferida pela Lei n.º 24/82, de 23 de agosto. 5 Como a inicial exigência de «malvadez ou egoísmo» do autor ou a prática reiterada dos factos, entre outros aspetos. 6 Tratava-se inicialmente de um crime público, passando em 1995 a depender de queixa, para voltar a ser crime público com as

alterações de 2000. 7 Texto retirado do sítio na Internet da Assembleia da República. 8 J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I, Coimbra Editora, 2007, p. 869 (negrito

no original).

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– Proteger e assistir todas as vítimas de violência contra as mulheres e violência doméstica;

– Promover a cooperação internacional contra estas formas de violência;

– Apoiar e assistir organizações e organismos responsáveis pela aplicação da lei, para que cooperem de

maneira eficaz, a fim de adotar uma abordagem integrada, visando eliminar a violência contra as mulheres e a

violência doméstica.

Estabelece-se também na Convenção um importante mecanismo de monitorização, através do GREVIO –

«Group of Experts on Action against Violence against Women and Domestic Violence». Este Grupo de peritos

está encarregue de monitorizar a implementação da Convenção de Istambul, pelos seus Estados-parte e de

proceder à elaboração dos relatórios de avaliação sobre as medidas legislativas e políticas adotadas pelos

países para implementar as disposições da Convenção.

O GREVIO identificou no seu relatório9 alguns domínios prioritários nos quais as autoridades portuguesas

deveriam tomar medidas complementares. Um desses aspetos passava pela revisão da definição de vítima na

legislação portuguesa para que esta se aplicasse a todas as pessoas consideradas vítimas no sentido da

Convenção10, tendo feito várias recomendações relativamente às crianças expostas a violência doméstica,

designadamente tendentes a incluir as crianças na mesma ordem de proteção das suas mães, sejam as

crianças vítimas diretas ou indiretas (recomendação n.º 219).

De facto, a proteção das crianças e jovens constitui um grande desafio, uma vez que segundo informação

disponível no Relatório Anual de Monitorização de Violência Doméstica referente a 2020 em cerca de 31,7%

dos casos registados pela PSP as ocorrências foram presenciadas por menores.

Além disso, de acordo com o Relatório Anual de Avaliação da Atividade das Comissões de Proteção de

Crianças e Jovens (CPCJ) 2020, da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e

Jovens, «conclui-se que a Violência Doméstica, logo seguida da Negligência, constituem as categorias de

perigo mais representadas nas comunicações recebidas pelas CPCJ, mantendo a tendência do ano anterior.

Importa salientar que a tipologia Violência Doméstica engloba as situações de perigo Exposição a Violência

Doméstica e a Ofensa Física em contexto de Violência Doméstica, que representam aproximadamente 97%

do total de situações de perigo comunicadas nesta categoria». Relativamente aos diagnósticos concluídos em

2020, a violência doméstica ocupa o segundo lugar, a seguir à negligência, com, respetivamente, cerca de

30% e 32% dos diagnósticos, registando-se uma subida de 7,7% dos diagnósticos de violência doméstica face

ao ano anterior.

Assim, as várias iniciativas que incidem nesta matéria, Projeto de Lei n.º 76/XV/1.ª (IL), Projeto de Lei n.º

85/XV/1.ª (L) e Projeto de Lei n.º 92/XV/1.ª (BE), assumem o objetivo de reforçar a proteção dos menores em

contexto de violência doméstica, através de novas soluções, cujos proponentes entendem serem mais

eficazes.

No que diz respeito às matérias de direito civil que forçosamente se relacionem com o crime de violência

doméstica, nomeadamente o divórcio, o ordenamento jurídico português também estabelece disposições, com

especial preocupação para a proteção da vítima.

Desde logo, a Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção

da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas vítimas, atribui às vítimas deste crime um conjunto

de direitos, como seja o de proteção, prevendo-se expressamente que «O contacto entre vítimas e arguidos

em todos os locais que impliquem a presença em diligências conjuntas, nomeadamente nos edifícios dos

tribunais, deve ser evitado, sem prejuízo da aplicação das regras processuais estabelecidas no Código de

Processo Penal» (artigo 20.º, n.º 2).

A existência de factos constitutivos da prática de um crime de violência doméstica tem sido considerada

como um exemplo inequívoco de facto que evidencia a rutura definitiva do casamento, que constitui um dos

fundamentos para o divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges, nos termos do artigo 1781.º do Código

Civil. Nesse sentido, veja-se, por exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04/05/2017

(Proc. 98/15.7T8MGD.G1).

Recorde-se que, nos termos do Código Civil, e desde a reforma do regime jurídico do divórcio em 200811,

são dois os tipos de divórcio previstos na lei portuguesa: por mútuo consentimento e sem consentimento de

9Disponível no sítio na internet da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (consultado em 27-05-2022). 10 Parágrafo e) do artigo 3.º da Convenção de Istambul. 11 Pela Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro.

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um dos cônjuges. Anteriormente a lei previa já duas modalidades de divórcio: por mútuo consentimento e

litigioso, mas este último só podia ser decretado por causas «objetivas» muito estritas (separação de facto,

alteração das faculdades mentais e ausência) ou então desde que provada a culpa de um dos cônjuges. Com

aquela reforma, acolhe-se a figura do divórcio sem culpa, passando o divórcio sem consentimento a basear-se

estritamente numa lógica de rutura do casamento. Nada impede que o divórcio seja decretado existindo

«culpa» por parte de um dos cônjuges – como no caso de violação dos deveres matrimoniais, previstos no

artigo 1671.º do Código Civil, que a violência doméstica sem dúvida traduz –, mas tal apenas releva na medida

em que evidencia a rutura definitiva do casamento.

Em caso de divórcio sem o consentimento de um dos cônjuges, a lei determina a obrigatoriedade de

realização de uma tentativa de conciliação (artigo 1779.º, n.º 1) e, se a mesma não resultar, o juiz deverá

tentar obter o acordo dos cônjuges para o divórcio por mútuo consentimento (n.º 2 do mesmo artigo).

Em termos processuais, a tentativa de conciliação encontra-se regulada no artigo 931.º do Código de

Processo Civil (CPC), nos termos do qual, após apresentação da petição, se a ação estiver em condições de

prosseguir, o juiz designa dia para essa tentativa, sendo o autor notificado e o réu citado para comparecerem

pessoalmente ou, no caso de estarem ausentes do continente ou da ilha onde correr o processo, se fazerem

representar por mandatário com poderes especiais, sob pena de multa (n.º 1).

Estando presentes ambas as partes e não resultando a tentativa de conciliação nem a tentativa de obter

acordo para o divórcio ou a separação por mútuo consentimento, o juiz procura obter o acordo dos cônjuges

quanto aos alimentos, à regulação do exercício das responsabilidades parentais dos filhos e à utilização da

casa de morada de família durante o período de pendência do processo, se for caso disso (n.º 2).

Se uma ou ambas as partes faltarem à tentativa de conciliação, ou se esta não resultar, nem resultar a

tentativa de obtenção daqueles acordos, o réu é notificado para contestar no prazo de 30 dias, após o qual se

seguem os termos do processo comum (n.º 3 e artigo 932.º do CPC).

Também aqui cumpre invocar a Convenção de Istambul12 que dispõe, no seu artigo 48.º, que «As Partes

tomarão as medidas legislativas ou outras necessárias para proibir os processos obrigatórios alternativos de

resolução de disputas, incluindo a mediação e a conciliação em relação a todas as formas de violência

cobertas pelo âmbito de aplicação da presente Convenção». No seu relatório13 de avaliação da situação

portuguesa, publicado em janeiro de 2019, o GREVIO encoraja «vivamente as autoridades portuguesas a

defenderem e aplicarem eficazmente a proibição de realização de tentativa de conciliação em processos de

divórcio em que haja antecedentes de violência doméstica, nomeadamente através do desenvolvimento de

orientações e da formação» (Recomendação n.º 183). É nesse sentido que o Projeto de Lei n.º 96/XV/1.ª (IL)

procura incidir.

Parte II – Opinião da relatora

A relatora signatária do presente relatório exime-se, nesta sede, de manifestar a sua opinião sobre os

projetos de lei em apreço, a qual é, de resto, de «elaboração facultativa» nos termos do n.º 3 do artigo 137.º

do Regimento da Assembleia da República.

Parte III – Conclusões

1 – O Projeto de Lei n.º 76/XV/1.ª (IL) visa a consagração expressa no artigo 152.º do Código Penal do

crime de exposição de menor a violência doméstica e de modo a prejudicar o seu desenvolvimento.

2 – O Projeto de Lei n.º 82/XV/1.ª (PAN) visa alterar o artigo 33.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, e

tornar obrigatória a tomada de declarações para memória futura a pedido da vítima ou do Ministério Público,

no âmbito do regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica.

12 Texto em língua portuguesa disponível no sítio na internet do Conselho da Europa. A Convenção de Istambul foi adotada em 2011 e

entrou em vigor no dia 1 de agosto de 2014; Portugal foi o terceiro Estado-Membro do Conselho da Europa e o primeiro da União Europeia a ratificar esta Convenção, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 4/2013 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 13/2013, ambos de 21 de janeiro

13 Disponível no sítio na internet da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (consultado em 31-05-2022).

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3 – O Projeto de Lei n.º 85/XV/1.ª (L) visa alterar o artigo 152.º do Código Penal e o artigo 2.º da Lei n.º

112/2009, de 16 de setembro, no sentido de poder ser incluída expressamente a exposição, nos exemplos do

que constituem maus-tratos psíquicos no âmbito do crime de violência doméstica e reforça o conceito de

vítima.

4 – O Projeto de Lei n.º 92/XV/1.ª (BE) adita o artigo 152.º-C ao Código Penal consagrando o crime de

exposição de menor a violência doméstica, quando os factos constitutivos do crime de violência doméstica

prejudiquem o seu bem-estar e desenvolvimento.

5 – O Projeto de Lei n.º 96/XV/1.ª (IL) visa alterar o artigo 1779.º do Código Civil e o artigo 931.º do Código

de Processo Civil, no sentido de dispensa da tentativa de conciliação nos processos de divórcio sem

consentimento do outro cônjuge nos casos de condenação por crime de violência doméstica.

6 – O Projeto de Lei n.º 97/XV/1.ª (IL) visa alterar os artigos 11.º e 21.º do Estatuto da Vítima (Lei n.º

130/2015, de 4 de setembro) e o artigo 41.º do Regime de Acesso ao Direito e aos Tribunais (Lei n.º 34/2004,

de 29 de julho), no sentido de assegurar a nomeação de patrono às vítimas especialmente vulneráveis.

7 – Face ao exposto, cumprindo todas as iniciativas legislativas em apreço os requisitos formais previstos

no n.º 1 do artigo 119.º, no n.º 1 do artigo 123.º, bem como no n.º 1 do artigo 124.º do Regimento da

Assembleia da República, e nada havendo a obstar, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,

Liberdades e Garantias é de parecer que os Projetos de Lei n.os 76/XV/1.ª, 82/XV/1.ª, 85/XV/1.ª, 92/XV/1.ª,

96/XV/1.ª e 97/XV/1.ª, reúnem os requisitos constitucionais e regimentais para serem discutidos e votados em

Plenário.

Palácio de São Bento, 8 de junho de 2022.

A Deputada Relatora, Alma Rivera — O Presidente da Comissão, Fernando Negrão.

Nota: As Partes I e III do parecer foram aprovadas, por unanimidade, com votos a favor do PS, do PSD, do

CH, do IL, do PCP, do BE e do L, tendo-se registado a ausência do PAN, na reunião da Comissão do dia 8 de

junho de 2022.

Parte IV – Anexos

Anexam-se a nota técnica do Projeto de Lei n.º 76/XV/1.ª, a nota técnica do Projeto de Lei n.º 82/XV/1.ª, a

nota técnica do Projeto de Lei n.º 85/XV/1.ª, a nota técnica do Projeto de Lei n.º 92/XV/1.ª, a nota técnica do

Projeto de Lei n.º 96/XV/1.ª e a nota técnica do Projeto de Lei n.º 97/XV/1.ª elaboradas pelos serviços ao

abrigo do disposto no artigo 131.º do Regimento da Assembleia da República.

———

PROJETO DE LEI N.º 80/XV/1.ª

(PROCEDE À REVOGAÇÃO DO ATUAL SISTEMA DE ACESSO AOS 5.º E 7.º ESCALÕES DA

CARREIRA DOCENTE, PROCEDENDO À ALTERAÇÃO DO ESTATUTO DA CARREIRA DOS

EDUCADORES DE INFÂNCIA E DOS PROFESSORES DOS ENSINOS BÁSICO E SECUNDÁRIO)

Parecer da Comissão de Educação e Ciência

Índice1

Parte I – Considerandos

1 Apenas as partes I e III são objeto de deliberação por parte da Comissão, podendo os Deputados ou grupos parlamentares requerer a

sua votação em separado, bem como formular propostas de alteração – cfr. artigo 137.º do Regimento da Assembleia da República.

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Parte II – Opinião do Deputado relator

Parte III – Conclusões

Parte IV – Anexos

Parte I – Considerandos

b) Nota introdutória

A Deputada única representante do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) tomou a iniciativa de

apresentar à Assembleia da República, exercendo os poderes que aos Deputados são conferidos pelas

alíneas b) do artigo 156.º da Constituição e alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do RAR, o Projeto de Lei n.º

80/XV/1.ª (PAN) – Procede à revogação do atual sistema de acesso aos 5.º e 7.º escalões da carreira docente,

procedendo à alteração do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos

Básico e Secundário.

A iniciativa deu entrada a 20 de maio de 2022, tendo sido admitida no dia 23 do mesmo mês, data em que

por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, baixou, na generalidade, à Comissão de

Educação e Ciência.

O Projeto de Lei n.º 80/XV/1.ª (PAN) é subscrito pela Deputada única representante do partido Pessoas-

Animais-Natureza.

O projeto de lei em apreço encontra-se, ainda, redigido sob a forma de artigos e é precedido de uma breve

justificação ou exposição de motivos, cumprindo, assim, os requisitos formais previstos nas alíneas a) e c) do

n.º 1 do artigo 124.º do RAR. Cumpre ainda o disposto no n.º 2 do artigo 7.º da lei formulário dos diplomas2 e

na alínea b) do n.º 1 do artigo 124.º do RAR, tendo um título que traduz sinteticamente o seu objeto principal.

Também os limites à admissão das iniciativas, previstos no n.º 1 do artigo 120.º do RAR, são respeitados,

na medida em que não parece infringir a Constituição ou qualquer princípio nela consignado e define o sentido

das modificações a introduzir na ordem legislativa.

Em caso de aprovação, revestirá a forma de lei, sendo objeto de publicação na 1.ª série do Diário da

República, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da lei formulário.

O projeto de lei não suscita qualquer questão relacionada com a linguagem discriminatória em relação ao

género, tendo, conforme a ficha de avaliação de impacto de género (AIG), um impacto neutro.

A Comissão de Educação e Ciência é competente para a elaboração do respetivo parecer.

b) Motivação, objeto e conteúdo da iniciativa legislativa

Com a presente iniciativa visam os proponentes proceder à revogação do sistema vigente de acesso aos

5.º e 7.º escalões da carreira docente.

Os proponentes abrem o momento expositivo dizendo que «O Decreto-Lei n.º 75/2010, de 23 de junho,

introduziu pela primeira vez um mecanismo de vagas para o acesso aos 5.º e 7.º escalões, referindo no seu

artigo 37.º que a progressão aos 3.º, 5.º e 7.º escalões depende, entre outros requisitos, da observação de

aulas (no caso da progressão aos 3.º e 5.º escalões) e da obtenção de vaga (no caso da progressão aos 5.º e

7.º escalões). A possibilidade de progressão para estes escalões pode ocorrer sem o requisito relativo à

existência de vagas, mediante a obtenção das menções de excelente e muito bom nos 4.º e 6.º escalões».

Entendem os autores que a avaliação de professores «é fundamental na monitorização da qualidade e

melhoria dos processos de trabalho», mas que «carece obrigatoriamente de isenção». Na opinião dos autores,

«Com a necessidade de obtenção de uma nota de mérito (Muito Bom ou Excelente) para acesso direto a estes

escalões, o que acontece frequentemente é que não é o mérito que é reconhecido, mas uma deturpação do

sistema que tenta atribuir as melhores classificações em função de quem possa precisar para poder superar a

barreira provocada pela existência de vagas para progressão».

Continuam dizendo que «Por ser um sistema de avaliação que se encontra preso a limitações financeiras e

2 Aprovada pela Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, com as alterações introduzidas pelas Lei n.º 2/2005, de 24 de janeiro, Lei n.º 26/2006,

de 30 de junho, Lei n.º 42/2007, de 24 de agosto, e Lei n.º 43/2014, de 11 de julho.

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coloca anualmente em desigualdade os docentes, este sistema acarreta injustiças na avaliação, impedindo

que os profissionais se sintam reconhecidos pelo trabalho que desenvolvem, além de os aprisionar num nível

de valorização salarial do qual é difícil saírem, gerando conflitos organizacionais, insatisfação laboral e perda

efetiva de direitos na carreira».

Mencionam que através da aplicação deste mecanismo, no ano de 2020 «673 docentes ficaram fora do

acesso ao 5.º escalão e 1348 docentes fora do acesso ao 7.º escalão, num total de 2021 docentes que ficam a

aguardar vaga no ano seguinte».

Referem ainda que «por consequência da crise sanitária resultante da COVID-19, foram alterados os

procedimentos da Avaliação de Desempenho dos Docentes, reduzindo-se os prazos para a observação de

aulas, num quadro de condições não habituais, que poderá ter condicionado estes processos de avaliação,

situação particularmente gravosa para os docentes posicionados nos 4.º e 6.º escalões, sujeitos a regime de

vagas, e que, por efeito destas alterações, poderão ter avaliações prejudicadas em ano de progressão de

carreira».

Concluem a exposição referindo que «Pela injustiça reiterada contra estes profissionais, pela missão que

abraçaram, pelo serviço público que prestam, pelo reconhecimento do seu esforço diário agravado na crise

social e sanitária que vivemos, e pela difícil tarefa que tem pela frente nos próximos anos, de recuperação dos

indicadores de sucesso e bem estar dos estudantes, é urgente que sejam corrigidos os erros cometidos contra

os docentes pela própria tutela, anulando o mecanismo de vagas de acesso aos 5.º e 7.º escalões da carreira

docente, que o PAN propõe revogar com o presente projeto de lei.

Para tal, apresentam o referido diploma, composto por 3 artigos:

• Artigo 1.º – Objeto;

• Artigo 2.º – Norma revogatória;

• Artigo 3.º – Entrada em vigor.

c) Enquadramento jurídico nacional e enquadramento parlamentar

Remete-se, no que tange à análise das matérias de enquadramento jurídico nacional e internacional, para

o detalhado trabalho vertido na nota técnica que acompanha o parecer.

d) Consultas e contributos

Refere-se, na nota técnica, que, estando em causa a vinculação de docentes ao quadro de pessoal e como

tal uma alteração na sua situação laboral, entende-se que deverá promover-se a apreciação pública da

iniciativa, nos termos e para os efeitos do artigo 134.º do RAR.

Sugere-se ainda que, simultaneamente, seja promovida a consulta das seguintes entidades:

• Ministro da Educação;

• CNE – Conselho Nacional de Educação;

• Conselho de Escolas;

• ANDE – Associação Nacional de Dirigentes Escolares;

• ANDAEP – Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas;

• FENPROF – Federação Nacional dos Professores;

• FNE – Federação Nacional de Educação;

• AEEP – Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo;

• ANMP – Associação Nacional de Municípios Portugueses;

• CNIPE – Confederação Nacional de Educação;

• CONFAP – Confederação Nacional das Associações de Pais.

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Parte II – Opinião do Deputado relator

O signatário do presente parecer exime-se, nesta sede, de manifestar a sua opinião política sobre o Projeto

de Lei n.º 80/XV/1.ª (PAN), reservando a seu grupo parlamentar a respetiva posição para o debate em

Plenário.

Parte III – Conclusões

O Projeto de Lei n.º 80/XV/1.ª (PAN) foi apresentado nos termos constitucionais, legais e regimentais

aplicáveis, encontrando-se reunidos os requisitos formais e de tramitação exigidos para que seja apreciado e

votado em Plenário da Assembleia da República.

Palácio de São Bento, 7 de junho de 2022.

O Deputado relator, Fernando José — O Presidente da Comissão, Alexandre Quintanilha.

Nota: O parecer foi aprovado, por unanimidade, com votos a favor do PS, do PSD, do CH, do IL e do PCP,

tendo-se registado a ausência do BE, na reunião da Comissão do dia 7 de junho de 2022.

Parte IV – Anexos

A nota técnica referente à iniciativa em análise está disponível aqui.

———

PROJETO DE LEI N.º 81/XV/1.ª

(ALTERAÇÃO DO ESTATUTO DA CARREIRA DOS EDUCADORES DE INFÂNCIA E DOS

PROFESSORES DOS ENSINOS BÁSICO E SECUNDÁRIO APROVADO PELO DECRETO-LEI N.º 139-

A/90, DE 28 DE ABRIL)

Parecer da Comissão de Educação e Ciência

Índice

Parte I – Considerandos

Parte II – Opinião da Deputada autora do parecer

Parte III – Conclusões

Parte IV – Anexos

Parte I – Considerandos

1.1. Nota introdutória

A Deputada única representante do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) tomou a iniciativa de

apresentar à Assembleia da República o Projeto de Lei n.º 81/XV/1.ª (PAN) com o título «Alteração do Estatuto

da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário aprovado pelo

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Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de abril».

A iniciativa em apreciação é apresentada pelo PAN, ao abrigo e nos termos do n.º 1 do artigo 167.º da

Constituição da República Portuguesa (Constituição) e do n.º 1 do artigo 119.º do Regimento da Assembleia

da República (Regimento), que consagram o poder de iniciativa da lei. Trata-se de um poder dos Deputados,

por força do disposto na alínea b) do artigo 156.º da Constituição e alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do

Regimento, bem como dos grupos parlamentares, por força do disposto na alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da

Constituição e da alínea f) do artigo 8.º do Regimento.

A iniciativa respeita os requisitos constitucionais e regimentais.

No entanto, destaca-se a chamada de atenção constante na nota técnica:

«Não obstante, assinala-se que a iniciativa prevê, na sua norma revogatória constante do artigo 3.º, a

revogação do artigo 2.º da Portaria n.º 334/2008, de 30 de abril, com a entrada em vigor da alteração ao

Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário,

aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de abril, sem que se tenha procedido à revogação da respetiva

norma habilitante, nomeadamente o n.º 4 do artigo 54.º do Estatuto da Carreira dos Docentes, aprovado pelo

Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de abril, que estabelece que «as características dos mestrados e

doutoramentos a que se referem os n.os 1 e 2 são definidos por portaria do membro do Governo responsável

pela área da educação».

Chama-se a atenção para o facto de existir alguma controvérsia doutrinal sobre a discricionariedade do

legislador parlamentar quanto a alterar ou revogar uma portaria. De acordo com o Acórdão do Tribunal

Constitucional n.º 214/2011, a não revogação da norma habilitante poderá «constituir uma apropriação

indevida da esfera de atuação do poder administrativo» e pode consubstanciar uma «inconstitucionalidade

material por violação do princípio da separação de poderes».

Citando ainda o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 24/98, «também para quem entenda que, podendo

haver, em determinadas situações, reservas específicas de regulamentação detidas pelo Governo, mas que,

porém, ainda nelas não é totalmente vedada uma atuação legislativa por parte da Assembleia da República,

contanto que o Parlamento, ao efetuá-la, revogue, derrogue ou abrogue, direta ou implicitamente, a

competência de regulamentação que, nessas situações, se encontrava deferida ao Governo […]».

O projeto de lei em apreciação deu entrada a 20 de maio de 2022, tendo baixado na generalidade, no dia

23 de maio, à Comissão de Educação e Ciência (8.ª), Comissão competente para a elaboração do respetivo

parecer.

1.2. Âmbito da Iniciativa

A Deputada única representante do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) propõe com a presente

iniciativa proceder à décima quinta alteração do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos

Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de abril, e

alterado pelos Decretos-Leis n.os 105/97, de 29 de abril, 1/98, de 2 de janeiro, 35/2003, de 27 de fevereiro,

121/2005, de 26 de julho, 229/2005, de 29 de dezembro, 224/2006, de 13 de novembro, 15/2007, de 19 de

janeiro, 35/2007, de 15 de fevereiro, 270/2009, de 30 de setembro, 75/2010, de 23 de junho, 41/2012, de 21

de fevereiro, e 146/2013, de 22 de outubro, e pelas Leis n.os 80/2013, de 28 de novembro, 12/2016, de 28 de

abril, e 16/2016, de 17 de junho, de forma a alterar os critérios de progressão dos docentes profissionalizados

com o grau de mestre e doutor.

1.3. Análise da Iniciativa

A iniciativa é composta por quatro artigos, os quais: definem o Objeto – procede à décima quinta alteração

do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário,

aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de abril, e alterado pelos Decretos-Leis n.os 105/97, de 29 de

abril, 1/98, de 2 de janeiro, 35/2003, de 27 de fevereiro, 121/2005, de 26 de julho, 229/2005, de 29 de

dezembro, 224/2006, de 13 de novembro, 15/2007, de 19 de janeiro, 35/2007, de 15 de fevereiro, 270/2009,

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de 30 de setembro, 75/2010, de 23 de junho, 41/2012, de 21 de fevereiro, e 146/2013, de 22 de outubro, e

pelas Leis n.os 80/2013, de 28 de novembro, 12/2016, de 28 de abril, e 16/2016, de 17 de junho; Alteração do

Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário – visa

alterar os n.os 1 e 2 do artigo 54.º do Estatuto1, na redação atual, que versa sobre a aquisição de outras

habilitações pelos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário

profissionalizados e integrados na carreira, nomeadamente mestrados e doutoramentos (artigo 2.º); Norma

revogatória – procede à revogação do artigo 2.º da Portaria n.º 334/2008, de 30 de abril, com a entrada em

vigor da alteração ao Estatuto (artigo 3.º); Entrada em vigor (artigo 4.º)

1.3.1. Iniciativas pendentes (iniciativas legislativas e petições)

Consultada a base de dados da Atividade Parlamentar (AP), verificou-se que se encontra pendente, neste

momento, uma iniciativa com objeto conexo com o do projeto de lei em análise:

N.º Título Data Autor Publicação

XV/1.ª – Projeto de Lei

80

Procede à revogação do atual sistema de acesso aos 5.º e 7.º escalões da carreira docente, procedendo à alteração do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário

2022-05-23 PAN

A consulta à AP devolve os seguintes antecedentes sobre matéria conexa com a da presente iniciativa:

N.º Título Data Autor Votação Publicação

XIV/3.ª – Projeto de Lei

1002

Alteração do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de abril

2021-10-28 PAN IniciativaCaducada

[DAR II Série-A n.º 26, 2021.10.27, da 3.ª SL da XIV Leg (pág. 40-42)]

1003

Procede à revogação do atual sistema de acesso aos 5.º e 7.º escalões da carreira docente, procedendo à alteração do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário

2021-10-28 PAN IniciativaCaducada

[DAR II Série-A n.º 26, 2021.10.27, da 3.ª SL da XIV Leg (pág. 42-44)]

N.º Data Assunto Situação na AR N.º Ass.

XIV/2.ª – Petição

216 2021-03-04 Pelo fim das vagas no acesso ao 5.º e 7.º escalão da carreira docente

Concluída 14 781

1.3.2. Enquadramento jurídico nacional e de legislação comparada

Remete-se, no que tange à análise das matérias de enquadramento jurídico nacional e internacional, para

o detalhado trabalho vertido na nota técnica que acompanha o parecer.

1 Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e Professores dos Ensinos Básico e Secundário

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101

Parte II – Opinião da Deputada autora do parecer

A signatária do presente parecer exime-se, nesta sede, de manifestar a sua opinião política sobre o Projeto

de Lei n.º 81/XV/1.ª (PAN) com o título «Alteração do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos

Professores dos Ensinos Básico e Secundário aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28 de abril»,

reservando o seu grupo parlamentar a sua posição para o debate em Plenário.

Parte III – Conclusões

O Projeto de Lei n.º 81/XV/1.ª (PAN) com o título «Alteração do Estatuto da Carreira dos Educadores de

Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-A/90, de 28

de abril»foi apresentado nos termos constitucionais, legais e regimentais aplicáveis, encontrando-se reunidos

os requisitos formais e de tramitação exigidos para que seja apreciado e votado em Plenário da Assembleia da

República.

Em sede de apreciação na especialidade, estando em causa a vinculação de docentes ao quadro de

pessoal e como tal uma alteração na sua situação laboral, deverá a 8.ª Comissão, promover a apreciação

pública da iniciativa, nos termos e para os efeitos do artigo 134.º do Regimento, para além da consulta das

seguintes entidades:

• Ministro da Educação;

• CNE – Conselho Nacional de Educação;

• Conselho de Escolas;

• ANDE – Associação Nacional de Dirigentes Escolares;

• ANDAEP – Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas;

• FENPROF – Federação Nacional dos Professores;

• FNE – Federação Nacional de Educação;

• AEEP – Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo;

• ANMP – Associação Nacional de Municípios Portugueses;

• CNIPE – Confederação Nacional de Educação;

• CONFAP – Confederação Nacional das Associações de Pais.

Palácio de São Bento, 7 de junho de 2022.

A Deputada Relatora, Cláudia André — O Presidente da Comissão, Alexandre Quintanilha.

Nota: O parecer foi aprovado, por unanimidade, com votos a favor do PS, do PSD, do CH, do IL e do PCP,

tendo-se registado a ausência do BE, na reunião da Comissão 7 de junho de 2022.

Parte IV – Anexos

A nota técnica referente à iniciativa em análise está disponível aqui.

———

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PROJETO DE LEI N.º 87/XV/1.ª

(ADOTA MEDIDAS DE OTIMIZAÇÃO DO DESEMPENHO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES DA

JURISDIÇÃO ADMINISTRATIVA E FISCAL, ALTERANDO O ESTATUTO DOS TRIBUNAIS

ADMINISTRATIVOS E FISCAIS)

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

Parte I – Considerandos

a) Nota introdutória

O Grupo Parlamentar do partido Pessoas-Animais-Natureza tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia

da República o Projeto de Lei n.º 87/XV/1.ª – Adota medidas de otimização do desempenho dos tribunais

superiores da jurisdição administrativa e fiscal, alterando o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

Em concreto, o projeto de lei procede à décima terceira alteração ao Estatuto dos Tribunais Administrativos

e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro, na sua redação atual, no sentido de aditar

um n.º 3 ao artigo 32.º que permita que, por deliberação do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e

Fiscais, sejam criadas nos Tribunais Centrais Administrativos subsecções especializadas em função da

matéria.

Além disso, o projeto sub judice altera também o n.º 7 do artigo 66.º e o n.º 6 do artigo 69.º no sentido de

alargar o prazo de validade dos concursos de acesso à carreira de juiz do Supremo Tribunal Administrativo

(STA) e dos tribunais centrais administrativos, no sentido de se prever que os concursos de acesso, a esses

tribunais têm a validade de dois anos, prorrogável por seis meses.

O projeto de lei foi apresentado nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º, do n.º 1 do

artigo 167.º e da alínea g) do n.º 2 do artigo 180.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e da alínea

b) do n.º 1 do artigo 4.º e do n.º 1 do artigo 119.º do Regimento da Assembleia da República (RAR),

observando o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 123.º do Regimento.

Apesar de a matéria da «[O]rganização e competência dos tribunais e do Ministério Público e estatuto dos

respetivos magistrados, bem como das entidades não jurisdicionais de composição de conflitos» ser reserva

relativa de competência legislativa da Assembleia da República de acordo com o disposto na alínea p) do n.º 1

do artigo 165.º da CRP, no caso sub judice apenas se habilita o Conselho Superior dos Tribunais

Administrativos e Fiscais (CSTAF) a criar secções especializadas e altera-se a duração dos concursos de

acesso à magistratura, pelo que é muito duvidoso que esteja incluído naquele preceito1.

O projeto de lei em apreciação deu entrada a 20 de maio de 2022, acompanhado da respetiva ficha de

avaliação prévia de impacto de género. Foi admitido no dia 23 de maio, data em que baixou na generalidade à

Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (1.ª), por despacho do Presidente da

Assembleia da República. Foi anunciada na sessão plenária no dia 24 de maio.

A discussão na generalidade desta iniciativa está agendada para dia 8 de junho (cfr. Súmula da

Conferência de Líderes n.º 6/XV, de 18 de maio de 2022).

b) Do objeto, conteúdo e motivação da iniciativa

O projeto de lei em epígrafe vem propor a «medidas de otimização do desempenho dos tribunais

superiores da jurisdição administrativa e fiscal» através da alteração aos artigos 32.º, 66.º e 69.º do ETAF,

aprovado em anexo a Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro.

Os proponentes invocam na exposição de motivos que «[A] justiça administrativa é um dos focos que

levanta mais preocupações e que mais carece de medidas que garantam as condições necessárias para o seu

funcionamento eficiente» e para tal propõem a possibilidade de serem criadas nos Tribunais Centrais

Administrativos subsecções especializadas em função da matéria por ser «a forma de assegurar uma resposta

1 V. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa anotada, volume II, 4.ª edição, Coimbra, 2010, pág.

332.

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103

não só ao congestionamento da justiça administrativa, mas, principalmente, à sua crescente complexificação,

nomeadamente nas áreas da contratação pública ou do direito do desporto.»

É proposto ainda «o alargamento do prazo de validade dos concursos de acesso à carreira de juiz do

supremo tribunal administrativo e dos tribunais centrais administrativos, por via de uma alteração do n.º 7 do

artigo 66.º e do n.º 6 do artigo 69.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, no sentido de se prever

que os concursos de acesso, respetivamente, ao cargo de juiz do Supremo Tribunal Administrativo e dos

Tribunais Centrais Administrativos, têm a validade de dois anos, prorrogável por seis meses. Esta alteração

revela-se necessária porque, atualmente, prevê-se que os concursos de acesso à carreira de juiz do Supremo

Tribunal Administrativo e dos Tribunais Centrais Administrativos, respetivamente, têm a validade de um ano,

prorrogável até seis meses, prazo que se afigura exíguo em face da complexidade e da duração do processo

de avaliação curricular dos candidatos a estes tribunais superiores.»

Finalmente, o artigo 3.º prevê que a lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

c) Enquadramento constitucional

O projeto em apreço versa sobre organização dos tribunais, sendo matéria da reserva relativa de

competência legislativa da Assembleia da República, nos termos da alínea p) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP.

Do ponto de vista material, o projeto convoca o disposto nos artigos 209.º, 212.º, 215.º, 216.º e 217.º da

CRP.

O artigo 209.º, relativo a «categorias de tribunais» estabelece, quanto à jurisdição administrativa e fiscal,

que esta compreende o Supremo Tribunal Administrativo e os demais tribunais administrativos e fiscais [cfr. a

alínea b) do n.º 1 do artigo 209.º].

Por sua vez, o artigo 212.º, sob a epigrafe «Tribunais administrativos e fiscais» determina que «[O]

Supremo Tribunal Administrativo é o órgão superior da hierarquia dos tribunais administrativos e fiscais, sem

prejuízo da competência própria do Tribunal Constitucional» (n.º 1) e que «[C]ompete aos tribunais

administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os

litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.» (n.º 3).

Assim, a criação de secções especializadas nos tribunais centrais administrativos, bem como a

prorrogação do prazo de validade dos concursos de acesso à carreira de juiz do STA e dos tribunais centrais

administrativos são matérias na total disponibilidade do legislador ordinário2.

Relevante é ainda o disposto no n.º 2 do artigo 215.º, nos termos do qual os requisitos e as regras de

recrutamento dos juízes dos tribunais judiciais de primeira instância são determinados pela lei, estabelecendo

ainda o n.º 3 que o critério do mérito deve prevalecer no recrutamento dos juízes dos tribunais judiciais de

segunda instância, por concurso curricular entre juízes da primeira instância.

A Constituição remete esta matéria quase na totalidade para a legislação ordinária3, podendo até ser

considerada uma regulamentação constitucional deficitária ou lacunosa que não define sequer os requisitos

para o cargo de juiz4.

O legislador pode, assim, prorrogar o prazo de validade dos concursos de acesso à carreira dos juízes para

o STA e para os tribunais centrais administrativos.

O n.º 1 do artigo 216.º estabelece o princípio da inamovibilidade dos juízes, os quais não podem ser

transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos previstos na lei.

Por seu lado, estabelece o n.º 2 do artigo 217.º que «a nomeação, a colocação, a transferência e a

promoção dos juízes dos tribunais administrativos e fiscais, bem como o exercício da ação disciplinar,

competem ao respetivo conselho superior, nos termos da lei.»

d) Enquadramento legal

No plano da legislação ordinária, a matéria da organização dos tribunais administrativos é, atualmente,

2 JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, Constituição Portuguesa anotada, volume III, 2.ª edição, Lisboa, 2020, pág.122. 3 Sendo duvidoso se cabe na reserva absoluta ou relativa de competência legislativa da AR, nos termos respetivamente da alínea m) do

artigo 164.º ou da alínea p) do n.º 1 do artigo 165.º, da CRP, como referem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, op. cit., pág. 581. Parecendo defender que é reserva absoluta, v. JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, op. cit., pág.148.

4 Neste sentido, JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, op. cit., pág.147.

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regulada pelo ETAF, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de fevereiro, na redação atual5.

Assim, nos termos do artigo 8.º, são órgãos da jurisdição administrativa e fiscal, o STA [alínea a)], os

tribunais centrais administrativos [alínea b)] e os tribunais administrativos de círculo e os tribunais tributários

[alínea c)]6.

O Capítulo IV do Título I do diploma versa sobre os TCA. Neste seguimento, «são tribunais centrais

administrativos o Tribunal Central Administrativo Sul, com sede em Lisboa, e o Tribunal Central Administrativo

Norte, com sede no Porto» (cfr. o n.º 1 do artigo 31.º7). De acordo com os n.os 3 e 4 da mesma norma, as

áreas de jurisdição dos tribunais centrais administrativos são determinadas por decreto-lei e a sua declaração

de instalação é efetuada por portaria do Ministro da Justiça, que fixa os respetivos quadros.

Em termos de organização interna de cada TCA, dispõe o artigo 32.º que cada um compreende uma

secção de contencioso administrativo e outra de contencioso tributário, as quais, por sua vez, se dividem por

subsecções, às quais se aplica o disposto para a secção respetiva. A competência da secção de contencioso

administrativo vem definida no artigo 37.º

No que se refere ao provimento de vagas nos TCA, dispõe o artigo 68.º que estas se fazem por

transferência de juízes de outra secção do tribunal ou por concurso. As normas aplicáveis ao concurso estão

definidas no artigo 69.º Por seu lado, a nomeação, a colocação, a transferência, a promoção a exoneração e a

apreciação do mérito profissional dos juízes da jurisdição administrativa e fiscal é competência do Conselho

Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 74.º

Repare-se que, na sua versão inicial, o novo ETAF previa apenas um TCA, sendo que foi por via do

Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de dezembro, que o alterou, que se assumiu a opção de o extinguir e de o

substituir por dois TCA, o TCA Norte e o TCA Sul. Este Decreto-Lei veio definir a sede, a organização e a área

de jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais. O artigo 2.º determina as áreas de jurisdição do Tribunal

Central Administrativo Norte8 e do Tribunal Central Administrativo Sul9. Pela Portaria n.º 1418/2003, de 30 de

dezembro, procedeu-se à instalação dos dois novos TCA.

e) Enquadramento e antecedentes parlamentares

Consultada a base de dados da atividade parlamentar (AP), verifica-se que não estão pendentes quaisquer

iniciativas ou petições relacionadas com o objeto do projeto de lei em apreço.

Consultada a mesma base de dados, verifica-se que, na XV Legislatura, não existiu qualquer iniciativa

conexa com o objeto do projeto de lei sub judice.

f) Pareceres

Em 1 de junho de 2022, a Comissão solicitou parecer às seguintes entidades: Conselho Superior dos

Tribunais Administrativos e Fiscais, Conselho Superior do Ministério Público e Ordem dos Advogados.

g) Cumprimento da lei formulário e observações de legística

A iniciativa encontra-se redigida sob a forma de artigos, tem uma designação que traduz sinteticamente o

seu objeto principal e é precedida de uma breve exposição de motivos, cumprindo os requisitos formais

previstos no n.º 1 do artigo 124.º do Regimento.

Observa igualmente os limites à admissão da iniciativa estabelecidos no n.º 1 do artigo 120.º do

5 Alterada pela Leis n.º 4-A/2003, de 19 de fevereiro, n.º 107-D/2003, de 19 de fevereiro, n.º 1/2008, 14 de janeiro, n.º 2/2008, de 14 de

janeiro, n.º 26/2008, de 27 de junho, n.º 52/2008, 28 de agosto, n.º 59/2008, de 11 de setembro, pelo Decreto-Lei n.º 166/2009, de 31 de julho, pelas Leis n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, n.º 20/2012, de 14 de maio, pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de outubro, e pela Lei n.º 114/2019, de 12 de setembro

6 Em termos idênticos, esta mesma categorização consta do artigo 145.º da LOFTJ. 7 Esta mesma estrutura vem prevista no artigo 147.º da LOFTJ. 8 Correspondente ao conjunto das áreas de jurisdição atribuídas no mapa anexo ao Decreto-Lei aos Tribunais Administrativos de Círculo

e Tributários de Aveiro, Braga, Coimbra, Mirandela, Penafiel, Porto e Viseu. 9 Correspondente ao conjunto das áreas de jurisdição atribuídas no mapa anexo ao Decreto-Lei aos Tribunais Administrativos de Círculo

e Tributários de Almada, Beja, Castelo Branco, Funchal, Leiria, Lisboa, Loulé, Ponta Delgada e Sintra.

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Regimento, uma vez que parece não infringir a Constituição ou os princípios nela consignados e define

concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa.

O título da presente iniciativa legislativa traduz sinteticamente o seu objeto, mostrando-se conforme ao

disposto no n.º 2 do artigo 7.º da Lei n.º 74/98, de 11 de novembro.

Observa o disposto no n.º 1 do artigo 6.º da lei formulário, segundo o qual os «diplomas que alterem outros

devem indicar o número de ordem da alteração introduzida e, caso tenha havido alterações anteriores,

identificar aqueles diplomas que procederam a essas alterações, ainda que incidam sobre outras normas».

No que respeita ao início de vigência, o artigo 3.º determina que a lei entra em vigor no dia seguinte ao da

sua publicação, mostrando-se assim conforme com o previsto no n.º 1 do artigo 2.º da lei formulário, segundo

o qual os atos legislativos «entram em vigor no dia neles fixado, não podendo, em caso algum, o início de

vigência verificar-se no próprio dia da publicação».

A elaboração de atos normativos da Assembleia da República deve respeitar as regras de legística formal

constantes do Guia de Legística para a elaboração de atos normativos10 por forma a garantir a clareza dos

textos normativos, mas também a certeza e a segurança jurídicas.

Parte II – Opinião da Deputada relatora

A Constituição confere total margem de liberdade ao legislador ordinário na matéria sub judice.

O projeto permite criação de secções especializadas nos tribunais centrais administrativos por decisão do

CSTAF e prorroga o prazo de validade dos concursos de acesso à carreira dos juízes para o STA e para os

tribunais centrais administrativos.

A criação de secções especializadas nos tribunais centrais administrativos está prevista no Plano de

Recuperação e Resiliência, e merece concordância.

Quanto à prorrogação dos prazos, sendo uma possibilidade interessante, deve ser enquadrada no âmbito

de uma reforma mais global da justiça administrativa.

Parte III – Conclusões

1 – O Grupo Parlamentar do partido Pessoas-Animais-Natureza tomou a iniciativa de apresentar à

Assembleia da República o Projeto de Lei n.º 87/XV/1.ª – Adota medidas de otimização do desempenho dos

tribunais superiores da jurisdição administrativa e fiscal, alterando o Estatuto dos Tribunais Administrativos e

Fiscais

2 – A iniciativa legislativa altera os artigos 32.º, 66.º e 69.º do ETAF, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19

de fevereiro, na sua redação atual, no sentido de permitir que, por deliberação do CSTAF, sejam criadas nos

tribunais centrais administrativos subsecções especializadas em função da matéria e também prorrogar o

prazo de validade dos concursos de acesso à carreira de juiz do STA e dos tribunais centrais administrativos.

3 – De acordo com a CRP, estas matérias estão na disponibilidade do legislador ordinário.

4 – As medidas propostas devem ser ponderadas no quadro de uma reforma mais global da justiça

administrativa.

5 – Face ao exposto no presente parecer, e não obstante as reservas suscitadas, a Comissão de Assuntos

Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias é de parecer que o Projeto de Lei n.º 87/XV/1.ª(PCP) reúne

os requisitos constitucionais e regimentais mínimos para ser discutido e votado em plenário.

Palácio de São Bento, 8 de junho de 2022.

A Deputada relatora, Alexandra Leitão — O Presidente da Comissão, Fernando Negrão.

Nota: O parecer foi aprovado, por unanimidade, com votos a favor do PS, do PSD, do CH, do IL do PCP,

10 Documento disponível no sítio da Internet da Assembleia da República

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do BE e do IL, tendo-se registado a ausência do PAN, na reunião da Comissão do dia 8 de junho de 2022.

Parte IV – Anexos

Nota técnica referente ao Projeto de Lei n.º 87/XV/1.ª (PCP) elaborada pelos serviços ao abrigo do disposto

no artigo 131.º do RAR.

———

PROJETO DE LEI N.º 93/XV/1.ª

(PROGRAMA EXTRAORDINÁRIO DE VINCULAÇÃO DOS DOCENTES)

Parecer da Comissão de Educação e Ciência

Índice1

Parte I – Considerandos

Parte II – Opinião da Deputada relatora

Parte III – Conclusões

Parte IV – Anexos

Parte I – Considerandos

a) Nota introdutória

O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda (BE) tomou a iniciativa de apresentar à Assembleia da

República, exercendo os poderes que aos Deputados são conferidos pela alínea b) do artigo 156.º da

Constituição e pela alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do RAR, o Projeto de Lei n.º 93/XV/1.ª (BE) – Programa

extraordinário de vinculação dos docentes.

A iniciativa deu entrada a 20 de maio de 2022, tendo sido admitida no dia 25 do mesmo mês, data em que

por despacho de S. Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, baixou, na generalidade, à Comissão de

Educação e Ciência.

O Projeto de Lei n.º 93/XV/1.ª (BE) é subscrito por cinco Deputados do Grupo Parlamentar do Bloco de

Esquerda.

O projeto de lei em apreço encontra-se, ainda, redigido sob a forma de artigos e é precedido de uma breve

justificação ou exposição de motivos, cumprindo, assim, os requisitos formais previstos nas alíneas a) e c) do

n.º 1 do artigo 124.º do RAR. Cumpre ainda o disposto no n.º 2 do artigo 7.º da lei formulário dos diplomas2 e

na alínea b) do n.º 1 do artigo 124.º do RAR, tendo um título que traduz sinteticamente o seu objeto principal.

Também os limites à admissão das iniciativas, previstos no n.º 1 do artigo 120.º do RAR, são respeitados,

na medida em que não parece infringir a Constituição ou qualquer princípio nela consignado e define o sentido

das modificações a introduzir na ordem legislativa.

Em caso de aprovação, revestirá a forma de lei, sendo objeto de publicação na 1.ª Série do Diário da

República, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da lei formulário.

O projeto de lei não suscita qualquer questão relacionada com a linguagem discriminatória em relação ao

1 Apenas as Partes I e III são objeto de deliberação por parte da Comissão, podendo os Deputados ou grupos parlamentares requerer a

sua votação em separado, bem como formular propostas de alteração – cfr. artigo 137.º do Regimento da Assembleia da República. 2 Aprovada pela Lei n.º 74/98, de 11 de novembro, com as alterações introduzidas pelas Lei n.º 2/2005, de 24 de janeiro, Lei n.º 26/2006,

de 30 de junho, Lei n.º 42/2007, de 24 de agosto, e Lei n.º 43/2014, de 11 de julho.

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género, tendo, conforme a ficha de avaliação de impacto de género (AIG), um impacto neutro.

Na nota de admissibilidade3 dá-se conta de que «A iniciativa parece poder traduzir, em caso de aprovação,

um aumento de despesas do Estado. No entanto, uma vez que a mesma estabelece o início da sua produção

de efeitos com ‘o Orçamento do Estado subsequente’, parece encontrar-se acautelado o limite à apresentação

de iniciativas previsto no n.º 3 do artigo 167.º da Constituição e no n.º 2 do artigo 120.º do Regimento,

comummente designado ‘lei-travão’».

Refere-se4, ainda, e replica-se na integra, que:

A iniciativa prevê a abertura de procedimentos concursais para a vinculação extraordinária de docentes

com três ou mais anos de serviço, concretizados nos artigos 2.º (Programa Extraordinário de Vinculação dos

Docentes) e 3.º (Abertura de Procedimentos Concursais para a Vinculação Extraordinária de docentes).

A abertura de um procedimento concursal parece consubstanciar um ato de natureza administrativa, pelo

que as normas em causa parecem interferir com o exercício da competência administrativa do Governo,

nomeadamente a estabelecida nas alíneas d) e e) do artigo 199.º da Constituição. Destaca-se ainda o n.º 5 do

artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 132/2012, de 27 de junho, que a iniciativa não altera, e que atribui competência na

matéria, determinando que «os concursos são abertos pelo diretor-geral da Administração Escolar (…)».

Nestes termos, a iniciativa parece poder levantar dúvidas quanto ao respeito pela autonomia do Governo

no exercício da função administrativa, consequência do princípio da separação de poderes, subjacente ao

princípio do Estado de direito democrático e previsto nos artigos 2.º e 111.º da Constituição.

A este respeito, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 214/20111 refere que, «dentro dos limites da

Constituição e da lei, o Governo é autónomo no exercício da função governativa e da função administrativa.

Nas zonas de confluência entre actos de condução política e actos de administração a cargo do Governo, a

dimensão positiva do princípio da separação e interdependência de órgãos de soberania impõe um limite

funcional ao uso da competência legislativa universal da Assembleia da República [artigo 161.º, alínea c), da

CRP], de modo que esse poder de chamar a si do Parlamento não transmude a forma legislativa num meio

enviezado de exercício de competências de fiscalização com esvaziamento (…) do núcleo essencial da

posição constitucional do Governo enquanto órgão superior da Administração Pública (artigo 182.º da CRP),

encarregado de dirigir os serviços da administração directa do Estado [artigo 199.º, alínea d), da CRP]». Neste

acórdão, o Tribunal considera que a Assembleia da República não pode ordenar ao Governo «a prática de

determinados actos políticos ou a adopção de determinadas orientações» e, «designadamente, não pode fazê-

lo sem previamente alterar os parâmetros legais dessa actividade, no domínio das competências

administrativas que a Constituição lhe comete como o de dirigir os serviços e a actividade da administração

directa do Estado, em que as escolas públicas e o seu pessoal docente se integram».

De acordo com o disposto no artigo 120.º do Regimento, não são admitidos projetos e propostas de lei ou

propostas de alteração que infrinjam a Constituição ou os princípios nela consignados.

Competindo aos serviços da Assembleia da República fornecer a informação necessária para apoiar a

tomada de decisões, assinala-se que, apesar de algumas das normas deste projeto de lei parecerem suscitar

dúvidas jurídicas sobre a sua constitucionalidade, as mesmas são suscetíveis de serem eliminadas ou

corrigidas em sede de discussão na especialidade».

A Comissão de Educação e Ciência é competente para a elaboração do respetivo parecer.

b) Motivação, objeto e conteúdo da iniciativa legislativa

Com a presente iniciativa visam os proponentes criar um programa extraordinário de vinculação dos

docentes com três ou mais anos de serviço.

Os proponentes abrem o momento expositivo dizendo que «Todos os anos a falta de professores na escola

pública faz-se sentir com mais força e mais cedo» e que «Este é um problema com causas identificadas: a

combinação do envelhecimento, da precariedade e da desvalorização da carreira docente.»

Continuam, dizendo que «À desvalorização sistemática da carreira docente corresponde a diminuição do

3 Ver página 1 da nota de admissibilidade, disponível em: DetalheIniciativa (parlamento.pt). 4 Ver página 2 e 3 da nota de admissibilidade, disponível em: DetalheIniciativa (parlamento.pt). Para análise mais detalhada, consultar

nota técnica, disponível no mesmo sítio.

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II SÉRIE-A — NÚMERO 39

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número de estudantes interessados nos cursos que formam para o ensino». E que «De acordo com a OCDE,

Portugal é dos países em que menos jovens dizem querer vir a ser professores e professoras».

Entendem que «Para cativar mais jovens para a docência é preciso começar por valorizar os profissionais

atuais e conseguir que muitos dos que abandonaram a profissão sintam o apelo para regressar. Sem

vinculação à carreira, os docentes precários não só vivem na incerteza e sem progressão como

frequentemente ficam sujeitos às flutuações salariais que resultam dos horários incompletos. Esta

desvalorização da carreira docente é uma injustiça para com as professoras, os professores e educadores de

infância e causa grandes prejuízos à Escola Pública».

Referem ainda o problema do envelhecimento do corpo docente, dizendo que «No seminário ‘Faltam

Professores! E agora?’, organizado pelo Conselho Nacional de Educação no passado dia 18 de maio de 2022,

o coordenador do estudo da NOVA SBE pedido pelo Ministério da Educação sublinhou que cerca de 40% dos

120 mil professores que estavam a dar aulas em 2018/19 previsivelmente estarão reformados até ao ano letivo

de 2030/31».

Concluem a exposição referindo que «A criação de um programa extraordinário de vinculação dos

docentes com três ou mais anos de serviço, devidamente negociado com as estruturas sindicais, é, portanto,

um instrumento necessário para o reforço da escola pública e para o combate à precariedade no Estado».

Para tal, apresentam o referido diploma, composto por 5 artigos:

• Artigo 1.º – Objeto;

• Artigo 2.º – Programa Extraordinário de Vinculação dos Docentes;

• Artigo 3.º – Abertura de Procedimentos Concursais para a Vinculação Extraordinária de docentes;

• Artigo 4.º – Regulamentação;

• Artigo 5.º – Entrada em vigor.

c) Enquadramento jurídico nacional e enquadramento parlamentar

Remete-se, no que tange à análise das matérias de enquadramento jurídico nacional e internacional, para

o detalhado trabalho vertido na nota técnica que acompanha o parecer.

Parte II – Opinião da Deputada relatora

A signatária do presente parecer exime-se, nesta sede, de manifestar a sua opinião política sobre o Projeto

de Lei n.º 93/XV/1.ª (BE), reservando a seu grupo parlamentar a respetiva posição para o debate em Plenário.

Parte III – Conclusões

O Projeto de Lei n.º 93/XV/1.ª (BE) foi apresentado nos termos constitucionais, legais e regimentais

aplicáveis, encontrando-se reunidos os requisitos formais e de tramitação exigidos para que seja apreciado e

votado em Plenário da Assembleia da República.

Palácio de São Bento, 7 de junho de 2022.

A Deputada Relatora, Lúcia Araújo Silva — O Presidente da Comissão, Alexandre Quintanilha.

Nota: O parecer foi aprovado, por unanimidade, com votos a favor do PS, do PSD, do CH, do IL e do PCP,

tendo-se registado a ausência do BE, na reunião da Comissão do dia 7 de junho de 2022.

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Parte IV – Anexos

A nota técnica referente à iniciativa em análise está disponível aqui.

———

PROJETO DE LEI N.º 120/XV/1.ª(*)

PROPÕE A CRIAÇÃO DE UMA REDE PÚBLICA DE CRECHES COMO FORMA DE GARANTIR OS

DIREITOS DAS CRIANÇAS

Exposição de motivos

Por proposta e iniciativa do PCP foram dados passos importantes no sentido da gratuitidade da creche,

com o reconhecimento desse direito e a sua concretização progressivamente alargada a milhares de crianças

desde 2020.

A inscrição desse objetivo no Programa eleitoral em 2019, a apresentação do Projeto de Resolução n.º

3/XIV/1.ª e do Projeto de Lei n.º 371/XIV/1.ª e a discussão do avanço dessa medida logo no começo da XIV

Legislatura, com o Orçamento do Estado para 2020, confirmam a iniciativa e a determinação do PCP para que

esse caminho fosse iniciado.

A par da defesa da gratuitidade da creche, o PCP tem igualmente defendido a criação de uma rede pública

capaz de suprir a carência de vagas que hoje se verifica em Portugal e que constitui, na prática, a negação do

direito à creche e da sua gratuitidade para milhares de crianças e respetivas famílias.

Não havendo um levantamento rigoroso da situação existente, estima-se que esteja em falta cerca de um

terço das vagas necessárias à cobertura integral das necessidades de resposta de creche. É uma carência de

cerca de 100 mil vagas para um universo total de cerca de 270 mil, numa situação em que a resposta está

dependente da oferta de instituições do sector social e cooperativo (na sua grande maioria) ou do setor

privado, sendo a carência mais sentida nas áreas metropolitanas.

Por isso o PCP tem defendido a criação de uma rede pública que permita, no prazo correspondente aos 4

anos de uma legislatura, assegurar essas 100 mil vagas que se estima estarem em falta, visando o objetivo de

assegurar a universalidade da resposta de creche em Portugal, assegurando a cobertura de todo o território

nacional e garantindo condições de igualdade a todas as crianças no acesso a uma resposta de qualidade

nesse âmbito, independentemente das suas condições socioeconómicas.

Estando Portugal confrontado com um grave défice demográfico essa medida assume particular relevância

nas possibilidades reais de inverter a situação pelo que constitui de estímulo à natalidade. Não é difícil

compreender o impacto positivo que tem na vida de uma jovem família a segurança de saber que, tomando a

decisão de ter um filho, tem assegurada a resposta de creche e que a mesma é gratuita. Sobretudo quando

vários estudos demonstram que os portugueses em idade fértil gostariam de ter mais filhos do que

efetivamente têm.

O PCP entende que as medidas que têm de ser adotadas para combater o défice demográfico que atinge o

País devem ter transversais mas tendo especialmente em conta duas dimensões: por um lado, o combate ao

desemprego e à precariedade, criação de emprego com direitos, valorização dos salários e redução do horário

de trabalho para todos os trabalhadores que assegure o direito de articulação entre a vida profissional e o

acompanhamento das crianças desde o seu nascimento e, por outro lado, o acesso a equipamentos de apoio

à infância, nomeadamente através da implementação da gratuitidade de acesso às creches para todas as

crianças, entre outras medidas de promoção dos direitos das crianças.

Insistindo na necessidade de se avançar de forma mais firme e decidida no sentido da gratuitidade da

creche para todas as crianças, o PCP propõe, com esta iniciativa legislativa, critérios, prazos e objetivos para

a criação de uma rede pública de creches que garanta essa resposta com caráter universal, considerando o

necessário faseamento.

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Propõe-se que a criação da rede pública assuma o objetivo de disponibilização de 100 mil vagas até 2026,

ficando a Segurança Social com a responsabilidade pelo investimento necessário à construção ou reabilitação

de imóveis para esse efeito.

Propõe-se ainda que, sem prejuízo desse prazo, o Ministério da Educação assuma desde já a

responsabilidade pela definição de orientações pedagógicas universais para as creches e que o Governo tome

as medidas necessárias para que a educação dos 0 aos 3 anos seja integrada no âmbito do sistema

educativo. Este objetivo não deve apenas traduzir-se na alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo, deve

sim contemplar o conjunto integral de medidas a concretizar para que essa alteração legal tenha efeito prático,

designadamente em termos de planificação e organização dos meios humanos, técnicos e financeiros,

consideração dos mecanismos adequados de seleção e recrutamento de pessoal, integração dos

trabalhadores que asseguram a resposta de creche nas respetivas carreiras, tanto ao nível dos educadores de

infância como dos auxiliares de ação educativa, incluindo a contagem do tempo de serviço e a progressão na

carreira, bem como de calendarização dos procedimentos necessários em termos legais, regulamentares e de

negociação coletiva.

A implementação da rede pública de creches representa o cumprimento de uma função social do Estado

que este deve chamar a si, na sua gestão e funcionamento, sem prejuízo do papel complementar, de

relevância, que deve caber às instituições de solidariedade social, assegurando a universalidade dessa

resposta a par da sua qualidade.

Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e da alínea b) do n.º

1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte

projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto e âmbito

1 – A presente lei cria a rede pública de creches.

2 – A rede pública de creches integra o conjunto de estabelecimentos sob responsabilidade da

Administração Central destinados a assegurar a resposta de creche a todas as crianças até aos 3 anos.

Artigo 2.º

Cobertura territorial

A rede pública de creches abrange todo o território nacional, visando o objetivo de assegurar a

universalidade do acesso à resposta de creche.

Artigo 3.º

Criação da rede pública

1 – A criação da rede pública de creches é da responsabilidade do Governo, assumindo o Instituto da

Segurança Social, IP, a responsabilidade pelo investimento necessário à disponibilização de vagas em creche,

incluindo a construção ou reabilitação de imóveis para esse efeito.

2 – É da responsabilidade do Governo o planeamento da criação da rede pública de creches considerando,

ente outros, os seguintes critérios e objetivos:

a) Assegurar até 2026 a disponibilização de, pelo menos, 100 mil novas vagas em creches ou soluções

equiparadas no sector público;

b) Planificar o desenvolvimento da rede pública de forma a assegurar o seu caráter universal e gratuito;

c) Estabelecer prioridades para a criação de vagas na rede pública a partir da identificação das zonas mais

carenciadas de resposta às necessidades das famílias;

d) Identificar imóveis que sejam propriedade do Estado e que possam ser utilizados para o efeito, bem

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como necessidades de construção de novos equipamentos;

e) Assegurar o financiamento público do investimento, inscrevendo as respetivas verbas no Orçamento do

Estado e criando condições para o máximo aproveitamento dos recursos provenientes de financiamento

comunitário, designadamente prevendo a possibilidade de garantir a contrapartida nacional por via do

Orçamento do Estado.

Artigo 4.º

Orientações pedagógicas

1 – Compete ao Ministério da Educação definir orientações relativas ao conteúdo, organização e apoios

pedagógicos adequados a este nível etário.

2 – As orientações previstas no número anterior assumem carácter universal, aplicando-se a todos os

estabelecimentos que assegurem a resposta de creche independentemente da sua natureza pública, particular

ou social e sem dependência do prazo previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 3.º

Artigo 5.º

Inclusão no sistema educativo

1 – Compete ao Governo a definição das medidas necessárias à integração da resposta de creche no

sistema educativo e da rede pública na tutela do Ministério da Educação.

2 – A integração da resposta de creche no sistema educativo deve ser feita até 2026 considerando, entre

outros, os seguintes critérios e objetivos:

a) o enquadramento da educação até aos 3 anos no sistema educativo, incluindo a correspondente

previsão na Lei n.º 46/86, de 14 de outubro – Lei de Bases do Sistema Educativo;

b) a adequada planificação e organização dos meios humanos, técnicos e financeiros;

c) a consideração dos mecanismos adequados de seleção e recrutamento de pessoal;

d) a consideração adequada das condições de integração dos trabalhadores nas respetivas carreiras, tanto

ao nível dos educadores de infância como dos auxiliares de ação educativa, incluindo a contagem do tempo

de serviço e a progressão na carreira;

e) a calendarização dos procedimentos necessários em termos legais, regulamentares e de negociação

coletiva.

Artigo 5.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República,8 de junho de 2022.

Os Deputados do PCP: Diana Ferreira — Paula Santos — Alma Rivera — Bruno Dias — João Dias —

Jerónimo de Sousa.

(*) O título e o texto iniciais foram publicados no DAR II Série-A n.º 36 (2022.06.03) e foram substituídos a pedido do autor em 8 de

junho de 2022.

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PROJETO DE LEI N.º 143/XV/1.ª

DETERMINA QUE A ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA DEVE AUTORIZAR O LEVANTAMENTO DE

IMUNIDADE DOS DEPUTADOS PARA EFEITOS DE PRESTAR DECLARAÇÕES OU SER CONSTITUÍDO

ARGUIDO SEMPRE QUE NÃO ESTEJA EM CAUSA FACTOS RELACIONADOS COM VOTOS E OPINIÕES

QUE ESTES EMITIREM NO EXERCÍCIO DAS SUAS FUNÇÕES

Exposição de motivos

A Constituição da República Portuguesa no artigo 117.º, define o Estatuto dos titulares de cargos políticos

dispondo, e bem, que «Os titulares de cargos políticos respondem política, civil e criminalmente pelas ações e

omissões que pratiquem no exercício das suas funções.» No número 2 do mesmo artigo, determina que «A lei

dispõe sobre os deveres, responsabilidades e incompatibilidades dos titulares de cargos políticos, as

consequências do respetivo incumprimento, bem como sobre os respetivos direitos, regalias e imunidades.»

Portanto, o legislador constitucional fez questão de deixar explícita a responsabilidade dos Deputados perante

os seus atos e omissões, deixando para o legislador ordinário o adensamento das regras relativas às

imunidades.

Em cumprimento do disposto na Constituição, foi aprovada a Lei n.º 7/93, de 1 de março, já sujeita a várias

alterações, que no seu Capítulo II dispõe especificamente sobre as Imunidades a que os Deputados estão

sujeitos. Este capítulo tem dois artigos, um relativo ao facto de os Deputados não poderem ser

responsabilizados relativamente aos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções, e outro

relativo às imunidades em específico. Neste âmbito, é determinado que os Deputados não podem ser detidos

ou presos sem autorização da Assembleia da República, salvo se se tratar de crime doloso a que corresponda

pena de prisão cujo limite máximo seja superior a 3 anos e que a detenção ocorra em flagrante delito. Para

além disso, verifica-se também a exigência de previamente ser levantada a imunidade do Deputado no caso

de o Ministério Público pretender constituí-lo arguido ou de este ter que prestar declarações no âmbito judicial.

Neste ponto, importa mencionar que caso se trate de crime doloso a que corresponda pena de prisão com

superior a três anos, é obrigatório o levantamento da imunidade.

Para além disso, a dedução de acusação definitiva pode implicar a suspensão do mandato do Deputado

em questão. Atualmente, os pedidos de autorização de levantamento de imunidade são apresentados pelo juiz

competente e dirigidos ao Presidente da Assembleia da República, que depois solicita a intervenção da

Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados.

Esse pedido de informação judiciária deve conter determinados elementos mínimos quanto à factualidade

que é objeto e quanto à sua temporalidade, o tipo legal em causa, a moldura penal, bem como a indicação do

elemento subjetivo do tipo. Neste âmbito, deve desde logo ser feita uma apreciação do que reportam os

factos, nomeadamente, se dizem respeito ao exercício do cargo de Deputado ou a outras atividades

profissionais ou pessoais. Da leitura do artigo 157.º da CRP, que o Estatuto dos Deputados praticamente

transcreve, parece dever interpretar-se, no sentido do n.º 2 dever ser articulado com o n.º 1. Isto é, os

Deputados não podem ser ouvidos como arguidos sem autorização da Assembleia da República, por forma a

que esta tenha possibilidade de aferir se o processo em causa diz respeito a alguma coisa que possa

consubstanciar uma responsabilização civil, criminal ou disciplinar pelos seus votos ou omissões. Ora assim

entendido, deve ficar claro que em quaisquer outras situações a autorização deve ser sempre concedida.

A imunidade parlamentar não é nem pode ser encarada como um privilégio individual dos Deputados, ou

como uma vantagem face aos restantes cidadãos. É, sim, uma prerrogativa da Assembleia da República, no

quadro da sua soberania, para decidir sobre a possibilidade de conceder ou levantar a imunidade parlamentar,

que apenas deve ser usada para questões relacionadas com a liberdade no exercício do cargo. Assim,

recebido um pedido de levantamento de imunidade por parte do Juiz, a Assembleia da República deve cingir-

se a verificar se se trata de algum tipo de responsabilização do Deputado em questão devido, por exemplo, a

um posicionamento político seu sobre determinada matéria, sendo que tudo o que extravase esse campo deve

ter imediatamente a aprovação do levantamento da imunidade, devendo ser aplicado ao Deputado o disposto

no Código de Processo Penal, como é a qualquer outro cidadão.

Em suma, o legislador constitucional pretendeu salvaguardar a independência dos Deputados e limitar as

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situações de perseguições políticas, não quis, certamente, conferir um privilégio aos Deputados de que o

cidadão comum não possa gozar.

Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Grupo

Parlamentar do Chega apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

O presente diploma determina que os Deputados podem ser ouvidos como declarantes ou como arguidos

sem autorização da Assembleia, sendo que para esse efeito altera o Estatuto dos Deputados, aprovado pela

Lei n.º 7/93, de 1 de março, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 24/95, de 18 de agosto, Lei n.º 55/98,

de 18 de agosto, Lei n.º 8/99, de 10 de fevereiro, Lei n.º 45/99, de 16 de junho, e alterado pela Lei n.º 3/2001,

de 23 de fevereiro, Lei n.º 24/2003, de 4 de julho, Lei n.º 52-A/2005, de 10 de outubro, Lei n.º 44/2006, de 25

de agosto, Lei n.º 45/2006, de 25 de agosto, Lei n.º 43/2007, de 24 de agosto, Lei n.º 16/2009, de 1 de abril.

Artigo 2.º

Alteração à Lei n.º 7/93, de 1 de março

É alterado o artigo 11.º da Lei n.º 7/93, de 1 de março, e posteriores alterações, que aprova o Estatuto dos

Deputados, o qual passar a ter a seguinte redação:

«Artigo 11.º

[…]

1 – […].

2 – A Assembleia da República deve autorizar que os Deputados sejam ouvidos como declarantes ou como

arguidos, sempre que os factos subjacentes ao pedido não digam respeito a votos ou opiniões que emitirem

no exercício das suas funções.

3 – […].

4 – […].

5 – […].

6 – […].

7 – […].

8 – […].

9 – […].»

Artigo 3.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação em Diário da República.

Palácio de São Bento, 8 de junho de 2022.

Os Deputados do CH: André Ventura — Bruno Nunes — Diogo Pacheco de Amorim — Filipe Melo —

Gabriel Mithá Ribeiro — Jorge Galveias — Pedro dos Santos Frazão — Pedro Pessanha — Pedro Pinto —

Rita Matias — Rui Afonso — Rui Paulo Sousa.

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PROJETO DE LEI N.º 144/XV/1.ª

ALTERA O REGIME JURÍDICO DOS INSTRUMENTOS DE GESTÃO TERRITORIAL, DECRETO-LEI N.º

80/2015, DE 14 DE MAIO

Exposição de motivos

A Lei n.º 31/2014, de 30 de maio, estabeleceu as bases gerais de política pública de solos, do ordenamento

do território e do urbanismo, sendo posteriormente desenvolvida e concretizada através do Decreto-Lei n.º

80/2015, de 14 de maio, que aprovou o novo Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT).

O Decreto-Lei n.º 25/2021, de 29 de Março, que procedeu à segunda alteração ao Decreto-Lei n.º 80/2015,

de 14 de maio, alterado pelo Decreto-Lei n.º 81/2020, de 2 de outubro, que aprovou a revisão do Regime

Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT), incluiu o n.º 3 do artigo 199.º que determinou «Se, até

31 de março de 2022, não tiver lugar a primeira reunião da comissão consultiva, nos termos da alínea a) do n.º

1 do artigo 13.º da Portaria n.º 277/2015, de 10 de setembro, ou a conferência procedimental a que se refere o

n.º 3 do artigo 86.º do presente Decreto-Lei, por facto imputável ao município ou à associação de municípios

em questão, é suspenso o direito de candidatura a apoios financeiros comunitários e nacionais que não sejam

relativos à saúde, educação, habitação ou apoio social, até à conclusão do procedimento de alteração ou

revisão do plano territorial em causa, não havendo lugar à celebração de contratos-programa.»

Este prazo intercalar de 31 de março para a primeira reunião da Comissão Consultiva ou para a realização

da conferência procedimental encontra-se já ultrapassado, com sanções graves em matéria de financiamento

público e comunitário para os Municípios em situação de incumprimento.

Numa altura em que Portugal tem a oportunidade única de usufruir de verbas adicionais, graças ao Plano

de Recuperação e Resiliência, esta situação poderá ser dramática para os municípios que ficarão impedidos

de concretizar as suas políticas públicas de desenvolvimento territorial.

Na visão do Grupo Parlamentar do Partido Social Democrata, temos que ter em conta o período especial

que se viveu, no contexto de emergência de saúde pública e situação excecional face à epidemia SARS-CoV-

2 e à infeção epidemiológica por COVID-19, com as consequentes restrições associadas à situação

pandémica e atender também aos eventuais atrasos por parte dos municípios neste processo devido às

eleições autárquicas no final do ano de 2021.

Pelo exposto o Partido Social Democrata entende que não seria razoável, que os autarcas que foram

chamados a reagir rapidamente à situação epidémica e a mitigar os seus impactos sociais e económicos, que

tomaram decisões urgentes e inadiáveis em prol das suas populações, vissem agora os seus municípios e

populações fortemente penalizados no acesso a fundos comunitários.

Sempre defendemos uma administração local com rigorosos critérios de gestão, mas consideramos que é

imperiosa e urgente esta alteração, numa altura em que os autarcas foram e são chamados a interpretar um

papel de um guião que não estava escrito.

Acresce que o Governo que devia dar o exemplo, tem falhado na revisão e adequação dos planos de

âmbito nacional e regional ao regime jurídico em vigor, nos termos do artigo 2.º do Regime Jurídico dos

Instrumentos de Gestão Territorial.

Nesse sentido, os Deputados do Grupo Parlamentar do PSD, abaixo assinados, propõem as seguintes

alterações ao Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio, que cria o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão

Territorial, apresentando, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei procede à terceira alteração ao Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio, alterado pelo

Decreto-Lei n.º 81/2020, de 2 de outubro, que aprovou a revisão do Regime Jurídico dos Instrumentos de

Gestão Territorial (RJIGT), e pelo Decreto-Lei n.º 25/2021, de 29 de março, que procedeu à segunda alteração

ao Decreto-Lei n.º 80/2015.

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Artigo 2.º

Alteração ao Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio

Os artigos 27.º e 199.º do Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio, na sua redação atual, passam a ter a

seguinte redação:

«Artigo 27.º

[…]

1 – […].

2 – […].

3 – […].

4 – […].

5 – […].

6 – […].

7 – Nos termos do disposto no número anterior, o Governo tem até 31 de agosto de 2023, para adequar a

programas os planos de âmbito nacional e regional, de acordo com o disposto no artigo 2.º do presente

diploma.

Artigo 199.º

[…]

1 – […].

2 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, os planos municipais ou intermunicipais devem, até 31

de dezembro de 2023, incluir as regras de classificação e qualificação previstas no presente decreto-lei,

abrangendo a totalidade do território do município.

3 – Se, até 31 de dezembro de 2022, não tiver lugar a primeira reunião da comissão consultiva, nos

termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 13.º da Portaria n.º 277/2015, de 10 de setembro, ou a conferência

procedimental a que se refere o n.º 3 do artigo 86.º do presente decreto-lei, por facto imputável ao município

ou à associação de municípios em questão, é suspenso o direito de candidatura a apoios financeiros

comunitários e nacionais que não sejam relativos à saúde, educação, habitação ou apoio social, até à

conclusão do procedimento de alteração ou revisão do plano territorial em causa, não havendo lugar à

celebração de contratos-programa.

4 – […].

5 – […].

6 – […].

7 – O disposto no número 2 do presente artigo só se aplica para os municípios cujo território se encontre

coberto por instrumentos de ordenamento do território de âmbito nacional e regional devidamente adaptados

para programas, de acordo com o disposto no artigo 2.º do presente diploma.

8 – O prazo previsto no número 2 do presente artigo será até 31 de agosto de 2024, quando as entidades

competentes estiverem a rever e adequar os planos de âmbito nacional e regional para programa, conforme

estipulado no número 7 do artigo 27.º»

Artigo 3.º

Produção de efeitos

O disposto no artigo 199.º do Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio, na redação introduzida pelo presente

Decreto-Lei, produz efeitos a 31 de março de 2022.

Artigo 4.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

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Palácio de São Bento, 8 de junho de 2022.

As Deputadas e os Deputados do PSD: Paulo Mota Pinto — Fátima Ramos — Firmino Marques — João

Barbosa de Melo — Luís Gomes — Cristiana Ferreira — Firmino Pereira — Guilherme Almeida — Gustavo

Duarte — Joaquim Pinto Moreira — Jorge Paulo Oliveira — Maria Gabriela Fonseca — Germana Rocha.

———

PROJETO DE LEI N.º 145/XV/1.ª

LEGALIZA A CANÁBIS PARA USO PESSOAL

Exposição de motivos

A política proibicionista como forma de abordar a questão das drogas já provou ter falhado. A solução

repressiva não só não levou à redução do consumo das substâncias ilegalizadas como se traduziu em

inúmeras consequências nefastas para a sociedade: criação de um mercado negro muito lucrativo que é

explorado pelo crime organizado; manipulação da qualidade das drogas, o que se traduz num maior risco para

a saúde; promoção de consumo desinformado de várias substâncias e aumento da incidência de algumas

doenças junto dos utilizadores, são apenas alguns dos exemplos.

A política proibicionista não é uma solução, na verdade, ela é parte integrante do problema e potencia o

seu agravamento, protegendo a clandestinidade do tráfico e colocando em causa a saúde pública.

Como escreveu Koffi Annan na carta que divulgou no primeiro dia da Sessão Especial da Assembleia Geral

da ONU sobre drogas, «é tempo de percebermos que as drogas são infinitamente mais perigosas se deixadas

nas mãos de criminosos que não têm qualquer preocupação com saúde e segurança».

Também Jorge Sampaio, num artigo conjunto com Ruth Dreifuss, publicado em 2014, apelava no mesmo

sentido: «advogamos fortemente o fim da criminalização dos consumidores de drogas e apelamos aos países

para que continuem a explorar as diferentes opções em termos de saúde e de redução de riscos», incluindo

«regular, de maneira rigorosa, certas substâncias que hoje são ilegais».

De facto, manter a canábis na ilegalidade é deixar a política de drogas nas mãos de quem não tem

nenhuma preocupação com o interesse público ou com a saúde pública. Legalizar e regulamentar o acesso e

o consumo é, isso sim, ter uma política responsável, que defende o interesse da sociedade e promove a saúde

e a segurança.

Legalizar a canábis para uso pessoal – mais comummente conhecido por uso recreativo – é combater as

redes de tráfico e é combater as redes de crime organizado que muitas vezes se financiam através do tráfico

de substâncias como a canábis. Estima-se que o tráfico de substâncias ilícitas represente um negócio de

cerca de 300 mil milhões de dólares e que a canábis represente cerca de metade das receitas dos traficantes.

Por isso, a legalização seria uma forma eficaz de combater tráfico e traficantes.

Legalizar a canábis trará benefícios do ponto de vista de saúde pública. Os utilizadores passarão a poder

adquirir e consumir substâncias de qualidade controlada. Atualmente, estão expostos a substâncias

manipuladas genetica e quimicamente com o objetivo de aumentar o grau de THC presente, expondo-se ainda

a substâncias sintéticas que tentam mimetizar os efeitos psicoativos associados à canábis. As consequências

dos consumos destas substâncias não controladas podem ser infinitamente maiores do que as consequências

do consumo de canábis.

Sobre este aspeto são muito esclarecedores os dados do Observatório Europeu da Droga e da

Toxicodependência que mostram que na última década a potência média da resina de canábis e da canábis

herbácea aumentou brutalmentes, o que tem consequências óbvias em episódios de urgência e problemas de

saúde.

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Tal só é possível porque a ilegalização é o mercado desregulado, onde cabe aos traficantes decidir que

produtos é que são vendidos e onde a regra é intensificar a potência dos efeitos psicoativos. A legalização

impediria esta escalada e protegeria os utilizadores de canábis.

Da mesma forma, legalizar a canábis reduzirá o consumo de outras substâncias mais tóxicas e com mais

consequências. Exemplo disso são os estados dos Estados Unidos da América onde a canábis para fins

recreativos já foi legalizada e onde, a partir desse momento, se verificou uma redução do consumo e das

mortes por consumo de opióides.

Legalizar a canábis é uma medida que aumenta a segurança. Primeiro, porque ao combater redes de

tráfico combate redes de crime organizado; segundo, porque não obriga os utilizadores a contatar com estas

redes; em terceiro lugar, porque os recursos que atualmente são utilizados no combate ao consumo de

canábis e no levantamento e julgamento de contraordenações podem ser reorientados para o combate e

investigação de crimes violentos ou crimes económicos, por exemplo.

A legalização e posterior regulamentação promoverá um consumo consciente, livre e informado. Isso

reduzirá os padrões de consumo problemáticos, levará a uma maior consciência social sobre os efeitos da

utilização de substâncias psicoativas conseguidas através da planta da canábis e aumentará a informação

sobre os impactos na saúde individual. A informação é fundamental para reduzir dependências ou consumos

problemáticos. A ilegalidade é o campo de toda a desinformação e, por isso, é muito mais perigosa do que a

legalidade.

Estas são as consequências da legalização. Nenhuma delas é prejudicial para a sociedade ou para os

indivíduos. Já as consequências de manter a ilegalização são as de insistir numa estratégia falhada e que só

tem colocado a política de drogas nas mãos dos traficantes.

Exemplos na Europa e no mundo

Nos últimos anos foram vários os exemplos de legalização do uso de canábis para os chamados fins

recreativos. Estes exemplos internacionais, conjugados a evidência científica e prática sobre os impactos do

proibicionismo e sobre o efeito da canábis no ser humano, provam que a legalização da canábis é um passo

responsável e seguro.

Desde dezembro de 2020, por recomendação feita pela Organização Mundial de Saúde e por votação da

Comissão de Drogas das Nações Unidas, a canábis e a resina de canábis foram, finalmente, retiradas da

Tabela IV, a mais restritiva da lista de substâncias controladas pela Convenção Internacional de 1961.

As substâncias incluídas na Tabela IV são, por um lado, consideradas as mais perigosas para a saúde, e

por outro lado, sem qualquer valor medicinal. O facto de o uso terapêutico da canábis se ter desenvolvido nas

últimas décadas em muitos países, com uma profusão de estudos científicos a comprovar a eficácia de vários

componentes da planta, a par do inexistente risco de morte associado ao consumo, foram reconhecidos pela

Organização Mundial de Saúde como razões de sobra para retirar a canábis da tabela mais restritiva da

Convenção que controla as substâncias estupefacientes a nível mundial.

No panorama internacional vários são os países que legalizaram e regulamentaram o uso da planta, tanto a

nível medicinal, como a nível recreativo. Interessa-nos aqui analisar os modelos de legalização e

regulamentação para uso pessoal, assim como os resultados dessa mesma legalização.

Nos Estados Unidos da América são já 19 os Estados que legalizaram para uso pessoal (Washington,

Oregon, California, Nevada, Alasca, Arizona, Novo México, Colorado, Montana, Illinois, Michigan, New York,

Vermont, Maine, Massachusetts, Rhode Island, Connecticut, New Jersey, Virginia), aos quais acresce

Washington DC.

Ainda que a regulamentação varie de estado para estado, interessa perceber que resultados se atingiram

com esta medida.

Em janeiro de 2018, a Drug Policy Alliance publicou um relatório os impactos da legalização da canábis nos

EUA, de onde se retiram os seguintes dados: desde a legalização da canábis, estagnou (em alguns casos

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reduziu) o consumo entre jovens, reduziram-se os encargos com a justiça relacionados com consumo de

canábis na ordem dos 80% e reduziu-se em 23% só no estado do Colorado a despesa do combate à droga.

Também as acusações criminais relativas ao cultivo caíram 78,4%. Outro fator importante a ter em conta é

a taxa de consumo de opioides e mortes por overdose ser 25% mais baixa do que aquela que se verifica em

estados onde a legalização não aconteceu.

Em 2013, o Uruguai foi o primeiro país do mundo a legalizar a produção, a distribuição e o uso da canábis

para fins não medicinais. No modelo em questão o Governo controla toda a distribuição, através de uma rede

de pontos de venda licenciados, assim como também determina os preços de venda ao público. É ainda

permitido o cultivo de até seis plantas, bem como a criação de clubes onde é permitida uma maior produção.

Este tem sido um caminho longo, motivado pela necessidade de combater o narcotráfico e garantir o acesso a

produtos de qualidade controlada, reduzindo assim os riscos associados ao consumo e promovendo a saúde e

a segurança públicas.

No seguimento do modelo do Uruguai, o Canadá tornou-se, em finais de 2018, o segundo país a legalizar a

canábis para fins recreativos, depois de já ter legalizado o uso para fins medicinais em 2000. Os principais

objetivos do modelo canadiano é, de igual forma, combater o narcotráfico e promover a literacia sobre o

consumo de substâncias. O modelo seguirá agora uma legislação especifica para que cada governo provincial

possa definir a idade mínima de acesso, bem como o modelo para licenciamento das entidades que passarão

a vender os produtos ao público. Foi também imposto um limite de 30 gramas por venda, bem como a

possibilidade de autocultivo até quatro plantas, com exceção para o Quebeque e para Manitoba, onde o

autocultivo foi proibido.

Mais recentemente, Malta tornou-se o primeiro país da União Europeia a dar o passo da legalização. Neste

país será possível, não só a detenção de canábis para uso pessoal, como também será possível o cultivo de

até 4 plantas. Também a Alemanha se prepara para avançar para combater a desregulação e os ilícitos

próprios da ilegalidade, uma vez que a legalização da canábis é um dos pontos do acordo de Governo

estabelecido entre SPD e Verdes.

O que reter?

Como é possível verificar pelos modelos de legalização já existentes no mundo, eles têm como

consequência a responsabilização do Estado e a consciencialização do consumo, ao mesmo tempo que

retiram ao narcotráfico um negócio gerador de pelo menos metade da receita anual dos traficantes (calculada

em 300 mil milhões de dólares). O principal objetivo da legalização responsável e segura da canábis para uso

pessoal deve ser sempre a redução do consumo problemático, o combate eficaz ao tráfico de droga e o crime

associado, ao mesmo tempo que promove a saúde pública, a segurança, responsabiliza os cidadãos e previne

dependências.

Olhando para as experiências internacionais que legalizaram e regularam a produção, a aquisição e

consumo de canábis para uso pessoal, podemos dizer com certeza que estes modelos só trazem vantagens

em relação ao modelo de ilegalização. São essas vantagens que pretendemos atingir com a presente iniciativa

legislativa.

O que se propõe com a presente Lei

Com a presente Lei o Bloco de Esquerda propõe a legalização da canábis para consumo pessoal não-

medicinal, passando a Lei a regular os aspetos da produção e do cultivo, da comercialização, da aquisição,

detenção e consumo da planta ou derivados.

Para isso, o consumo, o cultivo, a aquisição ou detenção, para consumo pessoal, de plantas, substâncias

ou preparações de canábis deixam de constituir ilícito contraordenacional ou criminal, eliminando-se a

referência a canábis e derivados das tabelas anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, que define o

regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas.

Passa a ser permitido o comércio de canábis e de produtos derivados da planta com efeitos psicoativos em

estabelecimentos autorizados e licenciados para o efeito, estabelecendo-se na Lei os requisitos gerais a

cumprir para obtenção de tal autorização, sem prejuízo de regulamentação posterior com maior detalhe sobre

os processos de instrução de pedidos de autorização, cumprimentos de requisitos, manutenção e

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revogabilidade de autorizações. Estabelece-se ainda a possibilidade de cultivo para consumo pessoal,

impondo-se um limite de cinco plantas de canábis.

É proibida a venda de canábis sintética ou misturada com produtos que procuram potenciar o efeito

psicoativo, sendo também proibida a venda de canábis enriquecida com aromas, sabores ou aditivos que

procuram estimular o consumo e a procura.

É ainda limitada a quantidade de aquisição e de detenção, sendo essa a quantidade adequada e suficiente

para uma utilização pessoal e diária. Propõe-se, nesse sentido, que se limite a aquisição e a detenção ao

equivalente a 30 dias de uso médio diário.

Estabelecem-se restrições na venda destes produtos, vedando-a a menores de idade e a indivíduos com

anomalia psíquica. Proíbe-se a publicidade destes produtos fora dos estabelecimentos licenciados para

comércio. Regulamenta-se as embalagens e a rotulagem, estabelecendo que nelas deve constar informação

sobre o conteúdo do produto e percentagem de THC, bem como os potenciais efeitos secundários e

consequências para a saúde dos indivíduos.

Aplicam-se as restrições previstas na lei do tabaco sobre os locais onde é possível o consumo, proibindo-o

em espaços fechados e alguns locais públicos, nomeadamente junto de parques infantis.

O Estado deve regular todo o circuito de cultivo, produção e distribuição, podendo determinar um limite

máximo de THC, bem como o preço ao consumidor, de forma a combater o tráfico e o mercado ilegal.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de

Esquerda apresentam o seguinte projeto de lei:

Capítulo I

Disposições Gerais

Artigo 1.º

Objeto

1 – A presente lei define o regime jurídico aplicável ao cultivo, comercialização, aquisição e detenção, para

consumo pessoal sem prescrição médica, da planta, substâncias e preparações de canábis.

2 – O consumo, o cultivo, a comercialização, a aquisição ou detenção, para consumo pessoal, de plantas,

substâncias ou preparações de canábis não constituem ilícito contraordenacional nem criminal, desde que em

conformidade com o presente regime jurídico.

Artigo 2.º

Definições

Para efeitos da presente lei entende-se por:

a) «Planta, substâncias e preparações de canábis», as folhas e sumidades floridas ou frutificadas da planta

Cannabis sativaL.; resina separada, em bruto ou purificada, obtida a partir da planta Cannabisspp; óleo

separado, em bruto ou purificado, obtido a partir da planta Cannabis spp.; sementes da planta Cannabis Sativa

L.; todos os sais destes compostos;

b) «Produtos de canábis», os produtos com efeitos psicoativos abrangidos pelo âmbito da alínea anterior e

com autorização para fabrico e comercialização em Portugal;

c) «Fabrico», operações mediante as quais se obtêm produtos de canábis com vista à sua

comercialização;

d) «Comércio por grosso», compra de produtos de canábis e respetiva revenda a outros comerciantes,

grossistas ou retalhistas;

e) «Comércio a retalho», venda de produtos de canábis ao consumidor final, em estabelecimento

licenciados para o efeito;

f) «Cultivo para uso pessoal», o cultivo feito para consumo próprio, sem intenção ou objetivo comercial, e

limitado a 5 plantas por habitação própria e permanente.

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Capítulo II

Cultivo, fabrico, comércio por grosso, importação e exportação

Artigo 3.º

Autorizações

1 – O cultivo, fabrico, importação e exportação da planta, substâncias e preparações de canábis para

consumo pessoal sem prescrição médica e desde que para fins que não os medicinais estão sujeitos a

autorização da Direção-Geral de Alimentação e Veterinária.

2 – O comércio por grosso da planta, substâncias e preparações de canábis para consumo pessoal sem

prescrição médica e desde que para fins que não os medicinais está sujeito a autorização da Direção-Geral

das Atividades Económicas.

3 – Excetua-se da autorização prevista no número 1 do presente artigo, o cultivo para uso pessoal.

4 – O presente artigo não prejudica o disposto na Lei n.º 33/2018, de 18 de julho, sobre autorização para

cultivo, fabrico, comércio, importação e exportação de medicamentos, substâncias e preparações à base da

planta da canábis para fins medicinais.

Artigo 4.º

Comunicação de ingredientes

1 – Os fabricantes e os importadores de produtos de canábis, para além das autorizações previstas no

número anterior, ficam ainda obrigados a comunicar à Direção-Geral da Saúde, antes da comercialização

destes produtos:

a) Informação de todos os ingredientes, e respetivas quantidades, utilizados no fabrico dos produtos de

canábis;

b) Informações sobre a concentração de tetrahidrocanabinol (THC) presente em cada um dos produtos.

2 – Os fabricantes e os importadores de produtos de canábis devem igualmente comunicar à Direção-Geral

da Saúde qualquer alteração à composição de um produto que afete a informação prestada ao abrigo do

presente artigo.

3 – Sempre que a Direção-Geral da Saúde o determine, os fabricantes ou importadores são obrigados à

apresentação de mais dados sobre a composição dos produtos de canábis, documentos técnicos sobre os

ingredientes, dados toxicológicos e estudos sobre o impacto dos ingredientes utilizados no fabrico de produtos

de canábis na saúde dos consumidores.

Artigo 5.º

Limitações

1 – O Governo pode fixar, através de portaria do membro do Governo responsável pela área da saúde, um

limite máximo à concentração de THC nos produtos a comercializar.

2 – É proibida a adição de outras substâncias que não as próprias da planta da canábis com o objetivo de

potenciar o efeito psicoativo ou de criar dependência.

3 – É proibida a utilização de aditivos que confiram cor às emissões, bem como de aditivos que confiram

aromas ou sabores diversos dos que são próprios da planta, substâncias e preparações de canábis.

4 – É proibido o fabrico e comercialização de canábis sintética.

Artigo 6.º

Publicidade e patrocínios

1 – São proibidas todas as formas de publicidade e promoção aos produtos de canábis, incluindo a oculta,

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por parte de fabricantes, grossistas e distribuidores.

2 – É proibida a distribuição gratuita ou a venda promocional de produtos de canábis a retalhistas ou a

consumidores finais.

3 – É proibida a distribuição de brindes, atribuição de prémios ou a realização de concursos por parte de

empresas direta ou indiretamente relacionadas com o fabrico, distribuição ou venda de produtos de canábis.

4 – É proibida a introdução de cupões ou outros elementos estranhos nas embalagens e sobre embalagens

de produtos de canábis.

5 – É proibido o apoio ou patrocínio de empresas ligadas ao fabrico, distribuição e comercialização de

produtos de canábis.

Artigo 7.º

Rotulagem e Advertências de Saúde

1 – As embalagens de produtos de canábis são neutras, não podendo conter cores, logotipos, símbolos,

marcas comercias, mensagens ou outro tipo de informação que não a obrigatória pela presente lei e a

regulamentada em diploma próprio.

2 – Cada embalagem deve conter obrigatoriamente:

a) Informação sobre os componentes presentes no respetivo produto, assim como as suas quantidades e

concentrações;

b) Advertências e informação sobre potenciais consequências para a saúde.

Capítulo III

Comércio por Retalho

Artigo 8.º

Comércio por retalho

Entende-se por comércio por retalho de plantas, substâncias ou preparações de canábis a venda ao

consumidor final destes produtos em estabelecimentos devidamente autorizados e nas condições definidas

neste diploma.

Artigo 9.º

Autorização

1 – O comércio por retalho de plantas, substâncias ou preparações de canábis para consumo pessoal sem

prescrição médica e desde que para fins que não os medicinais, está sujeito a autorização da Direção-Geral

das Atividades Económicas.

2 – Os estabelecimentos devidamente autorizados pelas autoridades previstas no presente artigo, podem

proceder à venda online, devendo o Governo proceder à regulamentação dos termos da venda online, nos

termos do disposto no artigo 26.º da presente Lei.

Artigo 10.º

Características dos estabelecimentos

1 – O estabelecimento deve ter, apenas e só, como atividade o comércio de plantas, substâncias ou

preparações de canábis.

2 – Excetuam-se do número anterior os estabelecimentos comerciais cuja atividade principal é a venda de

equipamentos, máquinas e plantas agrícolas ou similares, onde é permitido o comércio de sementes de

canábis.

3 – O estabelecimento deve ficar situado a uma distância superior a 500 metros de estabelecimentos de

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ensino pré-escolar, básico e secundário.

Artigo 11.º

Produtos de comercialização proibida

Os estabelecimentos autorizados para comércio por retalho de plantas, substâncias ou preparações de

canábis estão impedidos de comercializar os produtos identificados no artigo 5.º

Artigo 12.º

Publicidade

1 – É interdita qualquer forma de publicidade, propaganda, patrocínio e utilização pública da denominação

comercial ou marca associada ao estabelecimento autorizado para comércio a retalho.

2 – Não é permitida a existência de mensagens, no exterior ou no interior do estabelecimento, de promoção

do consumo de produtos de canábis.

3 – É proibida a distribuição gratuita ou a venda promocional de produtos de canábis dentro do

estabelecimento.

Artigo 13.º

Interdições de venda

Não é permitida a venda ou disponibilização com interesses comerciais da planta, substâncias e

preparações de canábis para consumo pessoal e com fins que não os medicinais a quem não tenha

completado 18 anos de idade, a quem se encontre visivelmente alcoolizado ou sob efeito de substâncias

psicoativas e a quem tenha anomalia psíquica.

Capítulo IV

Consumo, detenção e cultivo para uso pessoal

Artigo 14.º

Permissão de aquisição, consumo e detenção

A aquisição, consumo e detenção da planta, substâncias e preparações de canábis é legal e não

representa ilícito contraordenacional ou criminal, desde que realizada em conformidade com o presente regime

jurídico.

Artigo 15.º

Limites à Aquisição

A quantidade a adquirir por cada indivíduo não pode exceder a dose média individual calculada para 30

dias, tomando-se por referência os valores previstos no mapa da Portaria n.º 94/96, de 26 de março.

Artigo 16.º

Proibição de consumo em determinados locais

É interdito o consumo de produtos de canábis:

a) Nos locais de trabalho;

b) Em locais fechados de frequência pública;

c) Em locais destinados a crianças e jovens, sejam eles fechados ou ao ar livre;

d) Nos transportes públicos, veículos de aluguer e turísticos, táxis e veículos de transporte de doentes.

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Artigo 17.º

Cultivo para uso pessoal

1 – É permitido o cultivo para uso pessoal até um limite máximo de 5 plantas por habitação própria e

permanente.

2 – O cultivo para uso pessoal é feito, obrigatoriamente, com sementes autorizadas e adquiridas nos

estabelecimentos licenciados para o efeito.

3 – É proibida a venda ou qualquer uso comercial do produto obtido através do consumo para uso pessoal.

4 – As limitações e proibições constantes do artigo 5.º são aplicáveis ao cultivo para uso pessoal.

Capítulo V

Preço e tributação

Artigo 18.º

Preço

1 – O Governo fixa, por portaria, um preço máximo de venda ao consumidor final dos produtos de canábis

autorizados para comercialização, com o objetivo de combater o tráfico e o mercado ilegal.

2 – Para efeitos do número anterior, o preço máximo definido não deve ser superior ao preço médio

praticado no mercado ilegal.

2 – O preço máximo de venda fixado pelo Governo incorpora já a tributação a aplicar aos produtos de

canábis.

Artigo 19.º

Tributação

Pode ser criado, no âmbito do Código dos Impostos Especiais de Consumo, um imposto sobre a planta,

substâncias e preparações de canábis, a entrar em vigor com o Orçamento do Estado subsequente à entrada

em vigor da presente lei.

Artigo 20.º

Consignação de receitas fiscais

A receita do imposto especial de consumo sobre a planta, substâncias e preparações de canábis é

consignada:

a) Em 50% à promoção da redução do consumo de substâncias psicoativas, dos comportamentos aditivos

e à diminuição das dependências, nomeadamente através da prevenção, dissuasão e tratamento;

b) Em 50% a projetos de redução de riscos e minimização de danos.

Capítulo VI

Das autorizações

Artigo 21.º

Natureza das autorizações

1 – As autorizações previstas no presente diploma são intransmissíveis, não podendo ser cedidas ou

utilizadas por outrem a qualquer título.

2 – Dos pedidos de autorização deve constar a indicação dos responsáveis pela elaboração e conservação

atualizada dos registos e pelo cumprimento das demais obrigações legais.

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3 – Só podem ser concedidas autorizações a pessoas ou entidades cujos titulares ou representantes

ofereçam suficientes garantias de idoneidade.

4 – No caso de falecimento, substituição do titular ou mudança de firma, o requerimento de manutenção da

autorização deve ser apresentado às entidades responsáveis pela autorização no prazo de 60 dias.

5 – A autorização caduca em caso de cessação de atividade ou, nos casos previstos no número anterior,

se não for requerida a sua renovação no prazo estabelecido.

6 – A revogação das autorizações ou a sua suspensão até 6 meses, têm lugar, conforme a gravidade,

quando ocorrer acidente técnico, subtração, deterioração ou outra irregularidade passível de determinar risco

significativo para a saúde ou para o abastecimento ilícito do mercado, bem como no caso do incumprimento

das obrigações que impendem sobre o titular da autorização.

Capítulo VII

Controlo e Fiscalização

Artigo 22.º

Participação urgente

1 – A subtração ou extravio de plantas, substâncias ou preparações de cannabis são, logo que conhecidos,

participados pela entidade responsável pela sua guarda à autoridade competente pelo licenciamento da sua

atividade, à autoridade policial ou ao Ministério Público e ao Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento.

2 – A participação prevista no número anterior deve ser também efetuada em caso de subtração,

inutilização ou extravio de documentos ou registos exigidos pelo presente diploma.

Artigo 23.º

Ilícitos criminais

Quem, sem que para tal se encontre autorizado nos termos do presente regime, cultivar, produzir, fabricar,

extrair, preparar, vender, comercializar, distribuir, importar ou exportar plantas, substâncias ou preparações de

canábis, é punido nos termos da lei.

Artigo 24.º

Contraordenações

1 – Os factos praticados com violação dos condicionalismos e obrigações impostos pelos artigos 6.º, 7.º,

10.º, 11.º, 12.º, 13.º e 15.º são considerados contraordenações e sancionados com coimas, de acordo com o

disposto em decreto regulamentar.

2 – Com a aplicação da coima podem ser aplicadas como sanções acessórias a revogação ou suspensão

da autorização concedida para o exercício da respetiva atividade e a interdição do exercício da profissão ou

atividade por período não superior a três anos.

Capítulo VIII

Disposições finais e transitórias

Artigo 25.º

Norma revogatória

É revogada a Tabela I-C do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na sua versão atual, bem como as

demais disposições legais que se mostrem incompatíveis com o presente regime.

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Artigo 26.º

Regulamentação

O Governo regulamenta a presente lei no prazo de 120 dias a partir da sua entrada em vigor.

Artigo 27.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor com a publicação do Orçamento do Estado que segue à sua aprovação.

Assembleia da República, 8 de junho de 2022.

As Deputadas e os Deputados do BE: Catarina Martins — Pedro Filipe Soares — Mariana Mortágua —

Joana Mortágua — José Moura Soeiro.

———

PROJETO DE LEI N.º 146/XV/1.ª

ESTATUTO DO SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE

Exposição de motivos

A rutura em urgências e outros serviços hospitalares, as demissões de responsáveis no SNS ou os pedidos

de escusas de responsabilidade de profissionais por falta de condições não são novidade nem resultado da

pandemia. São fruto de décadas de estrangulamento do SNS e, sendo certo que o imediato obriga a medidas

de muito curto prazo, só uma nova organização do SNS pode resgatá-lo da crise permanente que a pandemia

acelerou e garantir condições estáveis de acesso à saúde para toda a população.

O modelo de permanente contratualização externa falhou. O SNS é já hoje, em muitos setores, uma

plataforma rotativa de dinheiro do Orçamento do Estado para os privados: contratualização das cirurgias e

tratamentos que não consegue fazer, da quase totalidade dos exames complementares de diagnóstico e

terapêutica que os cuidados primários requerem e até de profissionais para as urgências e não só, contratados

à hora a empresas privadas fornecedoras de mão de obra. Este caminho tornou a vida de profissionais e

utentes um calvário: não há equipas estáveis, não há informação organizada sobre os utentes, não são claras

as portas de acesso a cuidados de saúde, e até um problema simples de saúde pode obrigar a diversas

deslocações e marcações.

Como a pandemia provou, em Portugal e como no resto da Europa, o serviço público de saúde é a

segurança das populações. Um serviço com uma cultura de dedicação à população por parte dos

profissionais, com instituições capazes de articulação e adaptação, onde é possível tratar o doente sem

pensar no negócio. Em Portugal, o SNS mostrou ainda a sua maior força: a confiança da população,

demonstrada na adesão à vacinação, e que foi justamente conquistado pelo papel fundamental do SNS no

acesso de toda a população a cuidados de saúde de qualidade. É esta capacidade que é fundamental

preservar. O que está em causa é salvar o SNS.

O SNS deve recuperar capacidade perdida; com carreiras e organização que permitam fixar os seus

profissionais, reativação de valências (meios complementares de diagnóstico e terapêutica, mas não só) e

investimento na inovação. Manter o SNS estrangulado para criar um mercado para o setor privado da saúde,

garantido pelo Orçamento do Estado, é o modelo da anterior Lei de Bases da Saúde, que se provou errado e

que o parlamento rejeitou em 2019.

Com a aprovação da Nova Lei de Bases da Saúde foi possível criar as bases para um novo estímulo para o

Serviço Nacional de Saúde e para os seus profissionais. Removeram-se normas que previam a transferência

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de recursos do setor público para o setor privado, o privilégio dos privados, a subordinação do SNS à cartilha

do negócio, a generalização dos seguros de saúde ou a asfixia orçamental do serviço público de saúde.

A nova Lei de Bases não pode, no entanto, ser letra morta. O novo estímulo ao nosso serviço público de

saúde não pode conviver com outra legislação paralela e contraditória. São exemplos disso o Decreto-Lei n.º

23/2020, de 22 de maio, que em vez de regulamentar a Lei de Bases sobre «os termos da gestão pública dos

estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde», veio, afinal, definir os termos em que as PPP podem

continuar a ser celebradas ou o Decreto-Lei n.º 23/2019, de 30 de janeiro, que sob a capa de uma

descentralização de competências, vem afinal colocar em causa a unidade estruturante do SNS, divide

equipas por tutelas diferentes e abre portas à gestão privada de edifícios. A nova Lei de Bases da Saúde e o

seu espírito não podem, da mesma forma, continuar a conviver com a possibilidade de USF-C, ou seja, com a

possibilidade da privatização dos cuidados de saúde primários.

Por tudo isto, a presente iniciativa legislativa, de forma a cumprir com a nova Lei de Bases da Saúde,

procede à revogação das várias disposições legais que hoje insistem em considerar a privatização, a

destruturação ou a fragilização do SNS. Dessa forma, propõe-se a revogação do Decreto-Lei que estabelece

as regras para a celebração de contratos de parceria de gestão na área da saúde, do Decreto-Lei que que

concretiza o quadro de transferência de competências para os órgãos municipais e para as entidades

intermunicipais no domínio da saúde e das disposições que possibilitam a privatização dos cuidados de saúde

primários.

Se é facto que a Nova Lei de Bases da Saúde não pode conviver com a legislação atrás referida, mais

gritante se torna a incompatibilidade com o Estatuto do SNS em vigor, elaborado para uma lei de bases

privatizadora, com foco na constituição de convenções e contratos com entidades externas ao SNS e

desatualizado nas atuais exigências de funcionamento e de necessidades da população.

Só em outubro de 2021, mais de dois anos depois da aprovação da nova Lei de Bases da Saúde, é que o

Governo colocou a discussão pública uma proposta de Estatuto do SNS. Foi, não obstante os dois anos de

demora, uma proposta que falhava no essencial e em alguns aspetos parecia até dar passos atrás em relação

à Lei de Bases.

Questões como o investimento plurianual ou os sistemas locais de saúde eram abordadas de forma vaga e

pouco concretizada, as questões da educação, formação e investigação não tinham qualquer relevância na

proposta do Governo, enquanto pouco ou nada se dizia sobre carreiras e condições de trabalho dos

profissionais de saúde, focando-se mais em questões avulsas como regimes excecionais de contratação,

trabalho suplementar e mobilidade.

Nessa mesma proposta abandonava-se a ideia de exclusividade, substituindo-a agora por um regime em

que os profissionais trabalhariam mais horas e poderiam, afinal, continuar a acumular funções no público e no

privado, incluindo os diretores de serviço. Também a autonomia das instituições se resumia à enunciação de

intenções: a autonomia do diretor do ACES para a realização de despesas limitava-se, afinal, a 20 mil euros, o

que é quase igual a nada; já a autonomia das instituições para contratação ficava dependente, ora da

aprovação do plano de atividades e orçamento por parte do Governo, ora de um limite temporal de 12 meses.

Mas era na relação entre público e privado e na necessária separação de águas entre estes dois setores

que se davam mais passos atrás em relação à Lei de Bases: para além de admitir a integração de entidades

privadas no SNS, assim como a gestão privada de instituições do SNS, previa-se ainda a possibilidade de

autorizar cedências de exploração de serviços hospitalares e a participação do estabelecimento de saúde EPE

em sociedades anónimas.

De facto, a proposta do Governo para Estatuto do SNS não servia nem aos profissionais nem aos utentes e

falhava ao próprio SNS, optando por se socorrer em vários casos de legislação e de princípios contrários ao

espírito e à expectativa criada com a Lei de Bases da Saúde.

Um novo Estatuto é necessário, sem dúvida, mas deve ser um Estatuto que aprofunde o caminho da Lei de

Bases e impeça a privatização do SNS. Esse Estatuto é a proposta legislativa que se apresenta e que resulta

de uma ampla discussão e participação da sociedade, de defensores do SNS, de pensadores da política de

saúde, de profissionais e utentes.

Nesta proposta releva-se o paradigma da saúde em todas as políticas, aumenta-se a articulação e

integração de políticas em várias áreas e atribui-se ao SNS também o desígnio de melhoria de condições e

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determinantes de vida; criam-se os sistemas locais de saúde para que sejam possíveis planos de saúde locais

e políticas próximas das necessidades das populações; aumenta-se a articulação e integração de vários

organismos e serviços públicos de saúde, integrando-os no Serviço Nacional de Saúde.

Para além destas medidas possibilita-se o desenvolvimento futuro dos cuidados de saúde primários ao

permitir a criação de novas unidades funcionais e redimensionam-se os agrupamentos de centros de saúde de

forma a torná-los mais eficientes e próximos da população.

Fica claro que todas as unidades do SNS devem ter autonomia, nomeadamente para investimento e

contratação de profissionais e que o paradigma a seguir é das parcerias público-público e não das parcerias

público-privadas. Assim preconizam-se sinergias entre entidades públicas da área da saúde e de outras e

deixa-se claro que a gestão das unidades do SNS é integralmente pública.

Ao contrário do que acontecia na proposta de Estatuto do Governo, nesta proposta não se esquecem as

vertentes do ensino e investigação, muito menos se esquecem os profissionais de saúde que devem ser

contratados como trabalhadores do setor público com carreiras dignas e previsão de progressão nessas

carreiras e com trabalho em exclusividade. Os contratos individuais de trabalho passam a exceção enquanto

as carreiras fortes e estruturadas passam a ser a regra.

Com estas propostas construímos um SNS próximo da população e das exigências atuais: respondendo às

especificidades do local, articulando com várias áreas, integrando todas as políticas que influenciam a saúde

pessoal e comunitária, mais participado e democrático e com capacidade de atrair e fixar profissionais por via

de melhores carreiras e boas condições de trabalho. Com estas propostas respondemos ainda a alguns dos

principais problemas do SNS, a começar pela promiscuidade entre público e privado. Nesta proposta são

separadas águas, é determinada a gestão pública das instituições e incentivada uma verdadeira exclusividade.

É ainda criada uma verdadeira autonomia para as instituições, assim como regras de transparência para a

constituição de administrações e conselhos, ficando dependentes de concursos e planos de ação públicos e

não de preferências partidárias.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de

Esquerda apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Aprovação do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde

É aprovado o Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, adiante designado por Estatuto, anexo a este

diploma, do qual faz parte integrante.

Artigo 2.º

Âmbito da aplicação do Estatuto

O Estatuto aplica-se às instituições e serviços que constituem o Serviço Nacional de Saúde e às entidades

articuladas com o Serviço Nacional de Saúde.

Artigo 3.º

Transição de pessoal

No caso de se tornarem necessárias, as transições de pessoal far-se-ão segundo as regras de mobilidade

dos trabalhadores do estado de acordo com a legislação aplicável.

Artigo 4.º

Transição patrimonial

Os direitos e obrigações, incluindo as posições contratuais, transmitem-se, independentemente de

quaisquer formalidades, para as novas unidades criadas, seguindo a necessária adequação.

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Artigo 5.º

Alteração ao Decreto-Lei n.º 298/2007, de 22 de agosto

O artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 298/2007, de 22 de agosto, na sua atual versão, passa a ter a seguinte

redação:

«Artigo 3.º

[…]

1. As USF são as unidades elementares de prestação de cuidados de saúde, individuais e familiares, que

assentam em equipas multiprofissionais, constituídas por médicos, por enfermeiros e por pessoal

administrativo e que podem ser organizadas em dois modelos de desenvolvimento: A e B.

2. […]

3. A lista de critérios e a metodologia que permitem classificar as USF em dois modelos de

desenvolvimento são aprovadas por despacho do membro do Governo responsável pela área da saúde,

mediante prévia participação das organizações profissionais.

4. […]

5. […]».

Artigo 6.º

Norma revogatória

São revogados os seguintes diplomas:

a) Decreto-Lei n.º 11/93;

b) Decreto-Lei n.º 254/82, de 29 de junho, e toda a legislação subsequente referente às ARS;

c) Decreto-Lei n.º 111/2012, de 23 de maio;

d) Decreto-Lei n.º 18/2017, de 10 de fevereiro;

e) Decreto-Lei n.º 23/2019, de 30 de janeiro;

f) Decreto-Lei n.º 23/2020, de 22 de maio.

Artigo 7.º

Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor 30 dias após a data da sua publicação.

ANEXO

(a que se refere o artigo 1.º)

Estatuto do Serviço Nacional de Saúde

Capítulo I

Disposições Gerais

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei define o Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, adiante designado por Estatuto, consagrado

na Constituição da República e na Lei de Bases da Saúde, designadamente nos domínios de organização,

funcionamento, gestão, pessoal e recursos.

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Artigo 2.º

Âmbito

O Estatuto aplica-se aos serviços e estabelecimentos públicos, constitutivos do Serviço Nacional de Saúde,

e às entidades e profissionais em regime de trabalho independente com aquele articulado nos termos da Lei

de Bases da Saúde, salvaguardadas as devidas adaptações às regiões Autónomas.

Artigo 3.º

Natureza

1 – O Serviço Nacional de Saúde, adiante designado SNS, é o conjunto ordenado e hierarquizado de

instituições e serviços do setor público do Estado, dirigido pelo ministério responsável pela área da saúde,

que, direta ou indiretamente, responde às necessidades de saúde sociais e pessoais, contribuindo através da

promoção da saúde, da prevenção da doença, da saúde em todas as políticas, do diagnóstico, do tratamento,

do acompanhamento, da reabilitação e da paleação para o desenvolvimento pleno e harmonioso ao longo da

vida de todos os cidadãos portugueses ou, nos termos da legislação aplicável, residentes em Portugal.

2 – Além do ministério responsável pela área da Saúde podem intervir no SNS outros ministérios cujos

serviços regionais e locais se considerem indispensáveis para atingir os fins definidos pela Organização

Mundial da Saúde, considerando que a saúde não se limita à ausência de doença, mas que abrange o bem-

estar físico, social e psicológico dos indivíduos e das comunidades.

Artigo 4.º

Objetivo

O SNS tem como objetivo a efetivação, por parte do Estado, da responsabilidade constitucional que lhe

cabe na garantia da promoção e proteção da saúde individual e coletiva de todos os cidadãos de acordo com

os princípios da universalidade, da generalidade, da gratuitidade, da integração, da equidade, da qualidade, da

proximidade, da participação, da sustentabilidade e da transparência definidos na Lei de Bases da Saúde.

Capítulo II

Organização, funcionamento e gestão

Secção I

Princípios gerais

Artigo 5.º

Organização geral

1 – O SNS cobre todo o território nacional e organiza-se de forma hierarquizada e matricial numa rede

articulada, integrada, intersectorial e colaborativa de serviços e estabelecimentos sob tutela do ministério

responsável pela Saúde, com as necessárias adequações nas Regiões Autónomas, de forma a:

a) Contribuir para a promoção da saúde em todas as etapas da vida, incluindo nos ambientes onde as

pessoas vivem, estudam e trabalham, no pleno respeito dos valores culturais e cívicos, proporcionando as

respostas que se considerem necessárias e adequadas aos problemas reais e sentidos pelas populações e

pelos indivíduos, clinicamente atempadas e de qualidade;

b) Salvaguardar a soberania nacional nos domínios da saúde pública, coletiva e individual;

c) Contribuir para a saúde, pessoal e comunitária dos indivíduos, não só através da melhoria do nível de

literacia para a saúde, mas ainda pelo incentivo à prática e aprendizagem de autocuidados que protejam a

saúde mental, física, espiritual e social;

d) Descentralizar, desconcentrar e diversificar as estruturas e as ações de saúde, de modo a proporcionar

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um elevado sentido de participação das populações, uma adequada inserção no meio comunitário e níveis de

decisão eficientes;

e) Contribuir para a correção das assimetrias de desenvolvimento regional e local, devendo incrementar

em todas as regiões do país a equidade no acesso aos cuidados e demais intervenções de saúde;

f) Contribuir para desenvolver o espírito e a prática democráticos, através da adoção de estruturas e

processos participativos na definição da política de saúde, na administração e gestão do SNS e na experiência

de saúde quotidiana, em que se integram todos os intervenientes no processo de saúde, em especial os

profissionais de saúde, os cidadãos e as famílias;

g) Contribuir para a promoção da saúde a nível nacional e de todos os cidadãos e para o reforço do

humanismo e da crescente interdependência e necessária solidariedade entre todos os povos do mundo.

2 – O SNS assegura nomeadamente o cumprimento das normas decorrentes da Carta dos Direitos de

Acesso aos Cuidados de Saúde pelos Utentes do SNS e da Carta para a Participação Pública em Saúde.

3 – Os serviços e unidades do SNS no exercício das suas atribuições específicas, contribuem para a

conceção de orientações, planeiam as estratégias e atividades do seu âmbito de intervenção, coordenam as

entidades sob sua responsabilidade, gerem recursos, executam e monitorizam nas áreas que lhes estão

acometidas assegurando um funcionamento em rede, eficaz e de qualidade, em colaboração, conforme as

necessidades, com os demais serviços e estabelecimentos do SNS e de outros parceiros das comunidades

locais.

Artigo 6.º

Natureza Jurídica

Os serviços e estabelecimentos do SNS estão sob administração direta ou indireta do Estado e incluem as

instituições prestadoras de cuidados de saúde do sector público empresarial do Estado.

Artigo 7.º

Níveis e domínios

O SNS compreende estruturas, serviços e estabelecimentos de nível nacional, regional autónomo, regional

e local que asseguram, direta ou indiretamente, a prestação de cuidados de saúde nos domínios

emergenciais, dos cuidados de saúde primários, cuidados hospitalares, cuidados continuados e cuidados

paliativos assim como atividades de formação e investigação com eles conexas.

Secção II

Âmbito e Organização

Artigo 8.º

Âmbito Local

O âmbito geográfico da organização local é intermunicipal correspondendo ao Nível III da Nomenclatura

das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos (NUTS), designadamente:

a) Na Região Norte:

– Alto Minho

– Alto Tâmega

– Área Metropolitana do Porto

– Ave

– Cávado

– Douro

– Tâmega e Sousa

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– Terras de Trás-os-Montes

b) Na Região Centro:

– Beira Baixa

– Beiras e Serra da Estrela

– Médio Tejo

– Oeste

– Região de Aveiro

– Região de Coimbra

– Região de Leiria

– Viseu Dão-Lafões

c) Na Área Metropolitana de Lisboa

d) Na Região do Alentejo:

– Alentejo Litoral

– Alentejo Central

– Alto Alentejo

– Baixo Alentejo

– Lezíria do Tejo

e) No Algarve

Artigo 9.º

Âmbito Regional

No âmbito regional do continente o SNS estrutura-se nas seguintes cinco áreas geográficas

correspondendo ao Nível II da Nomenclatura de Unidades Territoriais para Fins Estatísticos (NUTS):

a) Norte, com sede no Porto;

b) Centro, com sede em Coimbra;

c) Área Metropolitana de Lisboa, com sede em Lisboa;

d) Alentejo, com sede em Évora;

e) Algarve, com sede em Faro;

Artigo 10.º

Âmbito Regional Autónomo

Nas Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores o SNS obedece às especificidades decorrentes da

Constituição e da legislação aplicável.

Artigo 11.º

Âmbito Nacional

O SNS dispõe de estruturas e serviços de nível nacional, qualquer que seja a sua designação, com

atuação de âmbito vertical que se regem por legislação própria.

Artigo 12.º

Organização Local

1 – Em cada delimitação geodemográfica referida no artigo 8.º, os Sistemas Locais de Saúde (SLS),

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enquanto estrutura comunitária que combina as orientações gerais da política de saúde com as diferenças e

especificidades loco regionais, constituem a base da organização do SNS mais próxima das necessidades

populacionais.

2 – Os SLS incluem todas as tipologias de serviços e entidades prestadoras de cuidados de saúde no seu

âmbito de ação, nomeadamente:

a) os agrupamentos de centros de saúde (ACES), incluindo os serviços de saúde pública, e os Centros de

Saúde (CS);

b) os centros hospitalares (CH), os hospitais (H) e os centros regionais do Instituto Português de Oncologia

(IPO), independentemente da sua personalidade jurídica;

c) outras entidades do SNS com intervenção no local.

3 – São também coordenadas pelos SLS as atividades de Saúde com incidência:

a) na ação e segurança social;

b) na educação, ensino e formação;

c) na emergência e proteção civil.

Artigo 13.º

Organização Regional

Em cada delimitação geodemográfica referida no artigo 9.º os Serviços Regionais de Saúde, previstos na

Lei de Bases da Saúde, adiante designados SRS, são entidades descentralizadas que exercem funções de

apoio, monitorização e observatório em estreita articulação com os Sistemas Locais de Saúde.

Artigo 14.º

Organização Nacional

As estruturas e serviços nacionais do SNS reportam-se a cuidados de saúde específicos e a intervenções

articuladas de âmbito vertical podendo assumir diferentes designações e tipologias, entre as quais se incluem:

a) Administração Central do SNS (ACSNS);

b) Centro de Atendimento do SNS (SNS24);

c) Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM);

d) Instituto Português do Sangue e da Transplantação (IPST);

e) Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA);

f) Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (INFARMED);

g) Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD);

h) Redes de Referenciação Hospitalar do SNS (RRHSNS);

i) Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI);

j) Rede Nacional de Cuidados Paliativos;

k) Centro de Emergências em Saúde Pública – CESP;

l) Autoridade Nacional de Saúde (ANS);

m) Instituto para a Promoção da Qualidade em Saúde;

n) Observatório da Saúde e do SNS.

Artigo 15.º

Administração Central do Serviço Nacional de Saúde

A Administração Central do Serviço Nacional de Saúde (ACSNS) é o organismo sob administração direta

do ministério responsável da Saúde que tem as seguintes funções primordiais:

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a) Contratualização com os SLS;

b) Planeamento dos recursos humanos;

c) Planeamento das tecnologias de informação, infraestruturas e equipamentos;

d) Avaliação da qualidade do desempenho do SNS;

e) Estabelecer as redes de referenciação;

f) Todas as competências atribuídas aos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde que serão extintos

com este diploma.

Artigo 16.º

Natureza Jurídica

Os serviços e estabelecimentos do SNS estão sob administração direta ou indireta do Estado e incluem as

instituições prestadoras de cuidados de saúde do sector público empresarial do Estado.

Secção III

Orgânicas internas

Artigo 17.º

Orgânica dos Centros de Saúde

1 – Os centros de saúde são unidades de prestação de cuidados de saúde de proximidade que garantem a

cooperação entre diversas unidades funcionais.

2 – Os centros de saúde podem compreender as seguintes unidades funcionais:

a) Unidade de saúde familiar (USF);

b) Unidade de cuidados na comunidade (UCC);

c) Unidade de saúde pública (USP);

d) Unidade de recursos assistenciais partilhados (URAP);

e) Outras unidades ou serviços, aprovados por despacho membro do governo responsável pela área da

saúde.

Artigo 18.º

Orgânica dos Agrupamentos de Centros de Saúde

1 – Os Agrupamentos de Centros de Saúde (ACES) são constituídos por Centros de Saúde e organizam-se

em estruturas de coordenação e apoio dos centros de saúde.

2 – A dimensão dos ACES, no sentido do cumprimento duma gestão de proximidade, deve atender como

limite mínimo populacional os 50 000 habitantes e como limite máximo os 100 000 habitantes, tendo em

atenção as características geodemográficas da sua área de influência.

3 – São órgãos do ACES:

a) O Conselho Diretivo;

b) O Conselho Clínico;

c) O Fiscal Único.

Artigo 19.º

Orgânica das Unidades Hospitalares

1 – Os centros hospitalares, hospitais e os hospitais especializados organizam-se de acordo com as

normas e critérios técnicos definidos pelo membro do Governo responsável pela área da Saúde em função das

suas atribuições e áreas de atuação específicas, no sentido de garantir a integração de cuidados, uma gestão

descentralizada e multiespecializada com a necessária autonomia.

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2 – Os respetivos regulamentos internos terão de prever a estrutura orgânica com base em serviços

agregados em centros de responsabilidade, englobando unidades funcionais, bem como estruturas orgânicas

de gestão intermédia e centros de prática integrada e multidisciplinar.

3 – São órgãos dos centros hospitalares, hospitais e os hospitais especializados:

a) O Conselho de Administração;

b) O Conselho Clínico;

c) Os órgãos de fiscalização previstos na Lei.

Artigo 20.º

Orgânica dos Sistemas Locais de Saúde

1 – Os Sistemas Locais de Saúde constituem-se de acordo com diploma do membro do Governo

responsável pela área da saúde.

2 – Os Sistemas Locais de Saúde elaboram o seu regulamento interno incluindo as várias entidades que os

constituem.

3 – São órgãos dos Sistemas Locais de Saúde:

a) O Conselho Coordenador;

b) O Conselho de Representantes da Comunidade;

c) O Conselho Fiscal e o Revisor de Contas;

d) O Fiscal Único.

Artigo 21.º

Orgânica dos Serviços Regionais de Saúde

1 – Os Serviços Regionais de Saúde são estruturas desconcentradas com um Conselho Coordenador

nomeado pelo membro do Governo responsável pela área da saúde.

2 – Cada Serviço Regional de Saúde dispõe de um órgão de fiscalização.

Secção IV

Funções e Funcionamento

Artigo 22.º

Funcionamento geral

1 – O SNS garante a prestação dos cuidados de saúde com qualidade em tempo útil e no integral respeito

pelas normas de ética e deontologia das profissões da saúde.

2 – Os serviços e estabelecimentos do SNS funcionam com base no planeamento estratégico, na

cooperação e na integração comunitária por forma assegurar a melhor utilização dos recursos disponíveis bem

como a articulação, integração e continuidade entre os vários cuidados de saúde, assegurando que estes são

prestados de acordo com as necessidades e nos tempos clinicamente adequados.

3 – As unidades locais de prestação direta de cuidados retiram o melhor proveito dos recursos ao seu

dispor para garantir os seus objetivos de ação e as suas responsabilidades num bom ambiente de trabalho

colaborativo entre si e promotor do envolvimento dos profissionais e da salvaguarda dos seus direitos

profissionais, pessoais e familiares.

4 – O funcionamento do SNS a todos os níveis garante o respeito pela dignidade e a preservação da vida

privada dos cidadãos assim como o dever de sigilo por parte dos profissionais do SNS.

Artigo 23.º

Dos Centros de Saúde

Os Centros de Saúde através das suas unidades funcionais visam:

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a) Contribuir para a promoção da saúde e do bem-estar, a vigilância da saúde e a prevenção da doença;

b) Prestar cuidados à pessoa com doença, visando a generalidade e a coordenação dos cuidados,

garantindo a continuidade e a ligação a outros tipos de prestação de cuidados em saúde;

c) Manter e melhorar a saúde dos indivíduos com patologia crónica ou cuja autonomia funcional esteja

comprometida ou em risco, designadamente através do acompanhamento, readaptação ou reinserção familiar

e social;

d) Prestar, sempre que seja identificada a necessidade de cuidados domiciliários, assistência aos

indivíduos e às famílias, nos seus locais de residência, de maneira a promover, manter ou recuperar a saúde,

maximizando o nível de independência ou minimizando os efeitos da deficiência ou da doença terminal;

e) Assegurar a qualidade de vida e a prestação de cuidados humanizados de doença incurável ou grave e

com prognóstico vital limitado;

f) Manter o apoio aos cuidadores informais de pessoas dependentes;

g) Possibilitar que as pessoas aumentem o controlo sobre a sua saúde e a possam melhorar;

h) Garantir o acesso aos serviços através dos cuidados de saúde primários e do centro de atendimento

SNS 24 como portas de entrada preferenciais do SNS;

i) Contribuir, em articulação com os serviços de saúde, nomeadamente os de saúde pública, para o

aumento do nível de literacia para a saúde e capacitação dos indivíduos e das comunidades, bem como o

acesso à informação da saúde da comunidade, incluindo a vigilância epidemiológica e a observação e

investigação em saúde;

j) Incentivar a participação dos indivíduos, das organizações locais e dos profissionais de saúde, na

definição de planos locais de saúde, tendo em vista a saúde em todas as políticas;

k) Promover a autonomia da vida em sociedade através da mobilização de parceiros sociais e a

articulação de cuidados entre os diferentes serviços, setores e níveis de diferenciação;

l) Prestar assistência em saúde incluindo, se necessário, o internamento, visando-se a prevenção e o

alívio de todo o tipo de sofrimento físico, psicológico e espiritual.

Artigo 24.º

Dos Serviços de Emergência

Os serviços de emergência e urgência visam:

a) Atuar de forma integrada, estruturada e multidisciplinar para o tratamento imediato e o adequado

encaminhamento das vítimas de traumatismos, doença súbita, agudização de doença crónica ou acidente;

b) Assegurar a estabilização, acompanhamento e vigilância durante o transporte até à admissão em

unidade de saúde adequada.

Artigo 25.º

Dos Hospitais

Os hospitais e os centros hospitalares visam, nomeadamente:

a) Assegurar cuidados que impliquem concentração de tecnologia diagnóstica ou terapêutica e abordagem

multiespecializada na identificação de indivíduos com risco de doença, na promoção de programas de

vigilância e rastreio, e na definição e acompanhamento de condições de risco ou de doença reconhecida;

b) Proporcionar cuidados geridos multidisciplinar e multiprofissionalmente no domínio do internamento, do

internamento domiciliário e do ambulatório especializado;

c) Organizar estratégias de redução de risco, lidar com agudizações, acompanhar de forma continuada e

compreensiva o individuo doente ou em risco;

d) Garantir a igualdade dos indivíduos na assistência na doença, na equidade do acesso e dos meios

complementares de diagnóstico;

e) Desenvolver atividades de epidemiologia clínica, investigação científica e formação e capacitação de

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recursos humanos conexas com os objetivos expressos nas alíneas anteriores.

Artigo 26.º

Dos Sistemas Locais de Saúde

1 – Os SLS são uma parceria público-pública e têm funções de gestão estratégica e contratualização do

respetivo contrato-programa.

2 – Os SLS funcionam como rede intersectorial de análise dos problemas e de aplicação das soluções,

elaboram o plano local de saúde e fixam as metas locais de saúde e o respetivo orçamento, promovem o

desenvolvimento de processos cooperativos de utilização de todos os recursos da comunidade, estimulam o

relacionamento centrado na informação partilhada, na negociação e na complementaridade.

3 – Os SLS asseguram a coordenação de todas as entidades de saúde locais por forma a garantir

respostas em tempo adequado, continuadas e articuladas de toda a tipologia de cuidados e podem constituir

Centros de Responsabilidade.

4 – Os SLS integram a dimensão local dos serviços de saúde pública nomeadamente na sua função de

vigilância epidemiológica, de observatório de saúde e de intervenção nos domínios da saúde que lhe são

próprios.

5 – Os SLS articulam a partilha de recursos e a mobilidade de pessoal entre diferentes unidades locais por

forma a assegurarem complementaridades e as melhores condições de resposta aos cidadãos.

6 – Os SLS dinamizam a intervenção da saúde em todas as políticas locais nomeadamente nos domínios

da promoção e da prevenção.

7 – Dada a sua natureza intersectorial, compete ao Conselho Coordenador gerir os recursos necessários

para a realização das atividades do SLS.

8 – O Conselho Coordenador é responsável pela negociação do orçamento do plano local com a instância

que a nível central gere o financiamento do SNS.

9 – Considerando que cada parceiro social goza de autonomia financeira, compete a cada um financiar a

parcela associada à natureza da sua intervenção, definida de acordo com o respetivo plano de ação e as

atividades em que se compromete a participar.

10 – O Conselho Coordenador é responsável pela avaliação do cumprimento do plano local de saúde.

Artigo 27.º

Dos Serviços Regionais de Saúde

Os SRS apoiam, monitorizam e observam a política de saúde na respetiva região nomeadamente no

domínio dos recursos e na articulação com os SLS tendo, nomeadamente, em vista:

a) Avaliar o estado de saúde da população abrangida pelos SLS da região, devendo, para o efeito, adotar

um sistema de indicadores de desempenho e de resultados em saúde, integrado no sistema de informação do

SNS, com base na informação produzida pelo SLS;

b) Apoiar e monitorizar o desempenho dos SLS;

c) Assegurar apoio técnico e logístico aos serviços de saúde de âmbito local;

d) Constituir-se como instância descentralizada de distribuição de bens de utilização pelos serviços de

saúde;

e) Apoio ao planeamento estratégico dos SLS, incluindo prestar o apoio informático e jurídico aos SLS.

Secção V

Gestão

Artigo 28.º

Descentralização e participação

1 – A gestão no SNS é pública e em rede devendo assegurar a cada nível a descentralização técnica e

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funcional assim como a participação democrática dos profissionais do SNS, dos cidadãos e das populações,

nomeadamente através das suas organizações representativas.

2 – A gestão interna dos estabelecimentos e serviços do SNS fomenta a autonomia para a realização de

objetivos de saúde, a responsabilização dos níveis intermédios de gestão, o trabalho colaborativo e em equipa

com a prevalência dos critérios de natureza científica.

Artigo 29.º

Autonomia

1 – Os Agrupamentos de Centros de Saúde e os centros hospitalares e outras entidades hospitalares são

serviços dos Sistemas Locais de Saúde com autonomia administrativa, técnica, funcional e financeira.

2 – Os Sistemas Locais de Saúde são organizações descentralizadas e têm autonomia administrativa,

financeira, técnica e funcional.

3 – Mantendo cada parceiro do SLS a sua autonomia administrativa, técnica e financeira, o Conselho

Coordenador do SLS tem como principais funções elaborar o plano local de saúde, acompanhar a sua

aplicação, estabelecer os mecanismos de relacionamento e cooperação entre os parceiros e prestar contas ao

Conselho de Representantes da Comunidade.

4 – Os Serviços Regionais de Saúde são estruturas desconcentradas da administração do Estado.

Artigo 30.º

Constituição dos órgãos dos ACES

1 – O Diretor do ACES é nomeado mediante procedimento concursal público de recrutamento e seleção.

2 – O Conselho Clínico do ACES é eleito, após candidatura de programa de ação em saúde, de entre os

profissionais de saúde do ACES respetivo.

3 – O Coordenador de cada Unidade Funcional dos ACES é eleito por todos os profissionais que nela

exercem funções, qualquer que seja o seu grupo profissional e vínculo laboral.

4 – O Conselho Diretivo é formado por um Diretor e pelo Conselho Clínico.

5 – O Conselho Clínico é constituído perlo diretor e por quatro profissionais prestadores diretos de cuidados

de saúde.

6 – Compete ao Conselho Diretivo:

a) Elaborar o plano de ação e o respetivo orçamento;

b) Coordenar as atividades que estão atribuídas ao ACES;

c) Avaliar periodicamente a execução do plano de ação e do respetivo orçamento;

d) Estabelecer relações de cooperação e entreajuda com os ACES do respetivo SLS;

e) Prestar contas anualmente a todos os profissionais do ACES de toda a atividade desenvolvida;

7 – Compete ao Conselho Clínico:

a) Apoiar o Conselho Diretivo na execução do plano de ação e do respetivo orçamento;

b) Promover um ambiente de cooperação e de boas relações entre todos os profissionais;

c) Promover ações de formação e atualização científica;

d) Realizar ações periódicas com todos os profissionais para discussão de aspetos relacionadas com a

melhoria contínua da qualidade.

Artigo 31.º

Constituição dos órgãos da Entidades Hospitalares

1 – O Presidente do Conselho de Administração das entidades hospitalares referido no art.º 17 é nomeado

mediante procedimento concursal público de recrutamento e seleção de entre profissionais habilitados com

conhecimento, competências, atitude e programa para o desempenho do cargo.

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2 – Do Conselho de Administração das entidades hospitalares farão obrigatoriamente parte o Diretor

Clínico e o Diretor de Enfermagem eleitos pelos seus pares de entre os profissionais mais qualificados

segundo as respetivas carreiras.

3 – O Presidente do Conselho de Administração indica os restantes 2 vogais de preferência de entre os

profissionais do hospital membros dos restantes grupos profissionais, como técnicos superiores de diagnóstico

e terapêutica e assistentes operacionais.

4 – O Conselho Clínico das entidades hospitalares é constituído pelos diretores dos serviços ou dos

centros de responsabilidade de acordo com a organização do hospital.

5 – O Conselho Fiscal das entidades hospitalares será constituído de acordo com a legislação aplicável.

6 – O Conselho Geral das entidades hospitalares incluirá todos os grupos profissionais do hospital e da

comunidade envolvente de acordo com regras a desenvolver.

Artigo 32.º

Constituição dos órgãos dos SLS

1 – O Conselho Coordenador é constituído pelo Diretor clínico de cada ACES, o Diretor Clínico de cada

entidade Hospitalar ou um seu representante, bem como por um representante das estruturas locais de ação e

segurança social, um representante dos agrupamentos de escolas, um representante da emergência e

proteção civil e um representante do conjunto dos municípios abrangidos.

2 – A Comissão Executiva é eleita pelo Conselho Coordenador de entre os seus membros e é constituída

por um Diretor Clínico de ACES, um Diretor Clínico de entidade Hospitalar e um representante dos restantes

membros do Conselho Coordenador.

3 – O Conselho de Representantes da Comunidade (CRC) integra um representante de entidades públicas

como Câmaras Municipais, Juntas de Freguesia, Assembleias Municipais e de Assembleias de Freguesia, um

representante de um representante de cada associação sindical dos diferentes grupos profissionais atuantes

no SLS, das instituições de cidadãos com necessidade especiais, das comissões de utentes da saúde, das

associações de doentes, dos cuidadores informais, das instituições de ensino superior e de investigação, das

associações culturais, desportivas e ambientais, das associações de pais, das associações de estudantes, das

associações de imigrantes, das associações humanitárias, dos agrupamentos de escolas e das forças de

segurança, podendo ainda integrar um representante das entidades privadas e de solidariedade social

abrangidas na área do SLS.

4 – O Conselho de Representantes da Comunidade tem funções consultivas e deverá ser ouvido, pelo

menos, sobre o orçamento e sobre o plano local de saúde.

5 – O Conselho de Representantes da Comunidade tem uma direção própria, por si eleita, constituída por

entre 3 e 5 membros eleitos em lista e elabora o seu regimento.

6 – Por inerência, mas sem direito a voto, têm assento no Conselho de Representantes da Comunidade os

membros do Conselho Coordenador do SLS.

Artigo 33.º

Constituição dos órgãos dos SRS

1 – Os Conselhos de Coordenação dos SRS são constituídos pelos membros do Conselho de

Administração, pelo Presidente de cada SLS abrangido, por um representante de cada entidade nacional com

intervenção na região, por três representantes de diferentes grupos de profissionais da saúde, por dois

representantes das associações de doentes.

2 – O coordenador dos SRS é nomeado pelo membro do governo responsável pela área da saúde

mediante procedimento concursal público de recrutamento e seleção conforme com os princípios de

transparência, isenção, rigor e independência de entre profissionais habilitados com conhecimento,

competências, atitude e apresentação de programa para o desempenho do cargo.

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Secção VI

Cooperação e contratos

Artigo 34.º

Ensino e Investigação

1 – As instituições e os serviços do SNS devem facultar aos estabelecimentos de ensino dependentes dos

Ministérios da Justiça, da Defesa, da Educação, do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, da Ciência e

Tecnologia, dos Negócios Estrangeiros e da Saúde campos de exercício da prática profissional, de

demonstração e de investigação científica, mediante a celebração de protocolos que estabeleçam a natureza

da colaboração, as obrigações a que as partes ficam obrigadas e a repartição dos encargos financeiros ou

outros resultantes daquela colaboração.

2 – As ações do número anterior revestem-se de reciprocidade para com os profissionais do SNS.

Artigo 35.º

Contratos e Convenções

1 – As relações dos SLS com os setores privado e social são de supletividade dos segundos para com os

primeiros, conforme estabelecido na Lei de Bases da Saúde.

2 – As instituições privadas referidas no número anterior ficam obrigadas a:

a) receber e cuidar das situações clínicas, em função do grau de urgência, nos termos dos contratos que

sejam celebrados;

b) tratar e cuidar dos doentes em tempo clinicamente adequado e com a pertinência clínica exigida pela

situação;

c) cumprir as orientações emitidas pela administração do SNS.

3 – O SNS pode celebrar contratos programa, protocolos ou acordos de cooperação, de âmbito nacional,

regional ou local, com associações de utilidade pública com vista à colaboração em áreas específicas de

saúde.

4 – Os contratos ou convenções são precedidos da realização de concurso público e a sua abertura deverá

ser precedida de demonstração da evidente existência da premência de colmatar necessidades temporárias

não supríveis pelo SNS.

5 – As entidades com as quais o SNS estabeleça convenções deverão reger-se por mecanismos de

negociação coletiva conformes com a legislação em vigor.

6 – As entidades contratadas ou convencionadas têm a obrigatoriedade de inserir no sistema de

informação do SNS os dados clínicos atinentes à prestação de cuidados.

7 – O SNS não pode celebrar contratos ou convenção com pessoas coletivas privadas que sejam titulares

de casas de saúde, clínicas, laboratórios farmacêuticos e unidades de diagnóstico, tratamento e reabilitação,

assim como com outras sociedades, em que qualquer profissional do SNS detenha, direta ou indiretamente,

por si mesmo ou conjuntamente com o cônjuge, ascendentes ou descendentes, participação superior a 10%

no respetivo capital ou exerça funções de gerência ou direção.

Capítulo III

Recursos Humanos e Materiais

Secção I

Recursos Humanos

Artigo 36.º

Princípios

1 – A política de recursos humanos do SNS é definida pelo membro do governo responsável pela área da

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saúde.

2 – É aplicável ao pessoal do SNS o regime dos funcionários e agentes da administração pública.

3 – É prevista em legislação especial matérias como constituição de carreiras próprias, duração dos

períodos de trabalho, defesa contra riscos de exercício profissional e garantia de independência técnica e

científica.

Artigo 37.º

Carreiras

1 – Os profissionais do SNS têm direito a retribuição e carreira compatíveis com as suas habilitações e

responsabilidades profissionais e sociais.

2 – As carreiras profissionais especiais têm um trajeto profissional de consagração da diferenciação e

reconhecimento técnico-profissional, são reguladas interpares e a progressão faz-se mediante a prestação de

provas públicas, com a decorrente hierarquização de competências.

Artigo 38.º

Contratos individuais de trabalho

Em situações excecionais, por urgente necessidade, devidamente demonstrada, os estabelecimentos de

saúde podem proceder à admissão de pessoal, por períodos variáveis, com sujeição ao regime geral do

contrato individual de trabalho.

Artigo 39.º

Quadros de pessoal

Os quadros de pessoal são aprovados pelas instituições que têm autonomia de contratação de pessoal.

Artigo 40.º

Concursos

1 – Sem prejuízo da autonomia administrativa, técnica, funcional e financeira das unidades prevista em

artigos anteriores, os concursos de provimento nacionais são a regra e obedecem a um planeamento da força

de trabalho do SNS.

2 – Os concursos de provimento são organizados segundo as carreiras profissionais e efetuados pelas

instituições, de acordo com a política nacional de pessoal.

3 – Em situações em que as vagas abertas não tenham sido ocupadas por concurso nacional há a

possibilidade de utilização dessas vagas para concursos regionais ou locais.

4 – Os procedimentos abertos nos termos do número anterior podem estabelecer no respetivo aviso de

abertura a obrigatoriedade de permanência mínima de três anos de ocupação de posto de trabalho do quadro

de pessoal do serviço ou organismo.

Artigo 41.º

Mobilidade profissional

1 – Os SLS podem instituir mecanismos de colaboração que justifiquem a mobilidade de profissionais entre

diversas entidades locais do SNS tendo em vista a melhoria da prestação de cuidados.

2 – O membro do governo responsável pela área da saúde autoriza a mobilidade envolvendo profissionais

de ou para as instituições de âmbito nacional do SNS.

Artigo 42.º

Regime de trabalho

1 – As funções públicas no SNS deverão ser exercidas preferencialmente em regime de dedicação

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exclusiva.

2 – Ao regime de dedicação exclusiva correspondem incentivos como a majoração remuneratória, a

majoração de pontos que relevam para a progressão de carreira, a redução do horário de trabalho, bem como

outros incentivos que venham a ser negociados com as estruturas representativas dos trabalhadores.

3 – O regime referido no número anterior prevê as modalidades de dedicação plena obrigatória e

facultativa.

4 – A dedicação exclusiva é obrigatória no exercício de cargos de direção de departamentos e de serviços

de natureza assistencial, assim como de coordenação de unidades funcionais de cuidados de saúde primários.

5 – A dedicação exclusiva é facultativa, mediante adesão individual, no caso dos trabalhadores médicos e

de outros grupos profissionais que integram o Serviço Nacional de Saúde.

6 – O regime de dedicação exclusiva é incompatível com o desempenho de funções em instituições de

saúde dos setores privado e social, sejam de trabalho subordinado ou de prestação de serviços.

7 – Aos trabalhadores do SNS não abrangidos pelo regime de exclusividade pode ser colocado um limite

de horas semanais em acumulação de funções, observando-se para o efeito o direito ao descanso e a

necessidade de garantir prestação de cuidados em segurança para si e para o utente.

Secção II

Recursos materiais

Artigo 43.º

Rede

1 – Compete ao Estado criar uma rede de estabelecimentos públicos de cuidados de saúde que cubra as

necessidades de toda a população.

2 – O planeamento da rede de estabelecimentos públicos de cuidados de saúde deve contribuir para a

eliminação de desigualdades e assimetrias locais e regionais, por forma a assegurar a igualdade de acesso

aos cuidados de saúde.

Artigo 44.º

Instalações

1 – As Instalações de saúde devem ser planeados na ótica de um equipamento integrado e ter suficiente

flexibilidade para permitir, sempre que necessário, a sua adaptação a alterações técnicas e epidemiológicas

emergentes e incorporação de novas tecnologias ou métodos de trabalho clínico.

2 – A estrutura das instalações de saúde deve ter em conta, para além da eficiência na prestação dos

cuidados de saúde, as necessárias condições para o acolhimento e suporte ao cidadão, nomeadamente

conforto, dignidade e proteção da saúde dos demais.

3 – A densidade dos estabelecimentos de cuidados de saúde públicos e as dimensões dos edifícios devem

ser ajustadas às características e necessidades regionais e locais de forma a garantir o acesso aos cuidados

de saúde em tempo clinicamente adequado.

4 – Na conceção das instalações de saúde e na escolha do equipamento devem ser tidas em conta as

pessoas com diversidade funcional.

Artigo 45.º

Outros recursos de saúde

1 – Constituem recursos de saúde todos os meios materiais utilizados para conveniente realização das

atividades de saúde.

2 – São recursos de saúde privilegiados, a exigirem especial atenção:

a) Os equipamentos pesados de diagnóstico e terapêutica

b) Os equipamentos laboratoriais;

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c) A tecnologia medicamentosa;

d) Os equipamentos perecíveis e não perecíveis, nomeadamente os equipamentos de proteção individual

e reagentes indispensáveis para a elaboração de testes de diagnóstico e de medicamentos de comprovada

efetividade.

3 – Para o apoio e complementaridade dos recursos de saúde existentes ao nível local e regional e ainda

com o objetivo de racionalizar o uso dos meios disponíveis, será incentivada a criação de serviços de

distribuição regional que disponham de inventário e capacidade de aprovisionamento e alocação dos recursos

apropriados, de acordo com as necessidades de saúde.

Secção III

Recursos Financeiros

Artigo 46.º

Orçamento

1 – As verbas destinadas ao SNS devem ser distribuídas com equidade em função das prioridades

estratégicas do desenvolvimento da saúde da população, atendendo às características epidemiológica,

socioeconómica e demográfica.

2 – O SNS disporá de orçamentação anual e plurianual própria no âmbito do Plano e do Orçamento do

Estado aí considerado como uma das prioridades nacionais.

3 – Será elaborado um plano plurianual de investimento para desenvolvimento, incluindo necessariamente

o pessoal e os recursos materiais, assim como as datas previstas de execução.

4 – Além do orçamento próprio do SNS devem ser afetas ao seu funcionamento verbas orçamentadas para

outras áreas de governação com intervenção nos sistemas locais de saúde.

5 – O financiamento do SNS deverá satisfazer as legítimas e reconhecidas necessidades de saúde dos

cidadãos e das comunidades.

Capítulo IV

Disposições finais e transitórias

Artigo 47.º

Administração Central do Sistema de Saúde

Até à publicação de legislação própria a Administração Central do Sistema de Saúde assume as funções

previstas no artigo 14.º da ACSNS integrando as funções dos atuais SPMS que serão extintos.

Artigo 48.º

Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados

As atuais unidades de cuidados de saúde personalizados (UCSP) deverão ser progressivamente extintas à

medida da sua transformação em USF.

Artigo 49.º

Desenvolvimento da lei

O Governo fará publicar no prazo de 90 dias a legislação complementar necessária para a concretização

do disposto na presente lei, nomeadamente nos seguintes domínios:

a) Serviços Locais de Saúde;

b) Serviços Regionais de Saúde;

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c) ACES e centros de saúde;

d) Centros hospitalares e hospitais;

e) Administração Central do Serviço Nacional de Saúde (ACSNS);

f) Carreiras e Licenças;

g) Quadros e Mobilidade;

h) Serviços de natureza vertical;

i) Novo regime jurídico e estatutos aplicáveis às unidades de saúde do Serviço Nacional de Saúde,

incorporando-se no novo regime as disposições da presente lei.

Assembleia da República, 8 de junho de 2022.

As Deputadas e os Deputados do BE: Catarina Martins — Pedro Filipe Soares — Mariana Mortágua —

Joana Mortágua — José Moura Soeiro.

———

PROPOSTA DE LEI N.º 16/XV/1.ª

OITAVA ALTERAÇÃO À LEI N.º 19/2003, DE 20 DE JUNHO, LEI DO FINANCIAMENTO DOS

PARTIDOS POLÍTICOS E DAS CAMPANHAS ELEITORAIS, REVOGANDO OS BENEFÍCIOS FISCAIS

ATRIBUÍDOS AOS PARTIDOS POLÍTICOS

Exposição de motivos

É universal o reconhecimento de que os partidos políticos são determinantes para o bom funcionamento

democrático e fundamentais para o sistema político.

Desse modo, resulta do quadro normativo vigente no ordenamento jurídico português o reconhecimento

da importância dos partidos políticos enquanto pessoas coletivas de natureza associativa privada, com um

regime especial, sendo este justificado com a utilidade pública e persecução de fins e funções constitucionais

de natureza política no sistema democrático português.

Em Portugal, vigora uma democracia eleitoral e uma democracia de partidos e, como tal, é necessário

assegurar o direito de os partidos divulgarem os seus ideais junto da nação, e de os cidadãos os

conhecerem, a fim de estes poderem, de forma livre e consciente, influenciar as políticas públicas por

intermédio da eleição dos seus representantes.

Para o efeito, a igualdade de oportunidades das candidaturas pressupõe que os partidos disponham de

meios para se aproximarem dos cidadãos, resultando na necessidade do financiamento público dos partidos

políticos e das campanhas eleitorais, como forma de garantir a independência dos partidos e das

candidaturas perante forças ou interesses particulares estranhos ao interesse geral, evitando-se a

subordinação da democracia ao poder económico.

Com isto, pretende-se eliminar fatores de suspeição sobre a vida pública, afastando situações de

corrupção e de influências nefastas sobre as decisões e decisores políticos, e atribuir equidade à ação

pública das forças políticas, sem prejuízo de controlar-se os gastos e a despesa. Com isto, os partidos

políticos espelham as condições económico-sociais do país, estando mais próximos da realidade económico-

social vivenciada pela população e partilham responsabilidades.

Por sua vez, o contexto sanitário global e o impacto económico-financeiro que daí resultam, bem como as

restrições financeiras impostas pelo Estado e a perceção pública das consequências económicas e sociais

resultantes do agravamento da carga fiscal – com evidentes reflexos na contabilização do PIB, com maior

impacto na classe média, no investimento público e nas prestações sociais, incrementaram a urgência da

adoção de uma atitude de responsabilidade e solidariedade dos partidos políticos para com os cidadãos.

Entende-se, por isso, que existem benefícios fiscais atribuídos aos partidos com enquadramento legal na

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Lei n.º 19/2003, de 20 de junho, na sua versão atual, que devem ser eliminados com vista à reposição da

igualdade contributiva entre os cidadãos, em geral, e os partidos políticos, por não constrangerem os fins e a

missão a que este se propõe, a saber: imposto sobre sucessões e doações, imposto municipal sobre as

transmissões onerosas de imóveis, imposto municipal sobre imóveis e imposto automóvel nos veículos que

adquiram para a sua atividade.

Verifica-se que os partidos políticos declararam, à Entidade de Contas e Financiamento dos Partidos,

imóveis que ascendem, na sua globalidade, a largas dezenas de milhões de euros, estando a maioria destes

imóveis isentos do pagamento de imposto municipal sobre imóveis, vulgo IMI, por exemplo.

Em virtude do exposto, a eliminação desses benefícios acarreta mais receita para o Estado e/ou para os

municípios, e menos custos para os contribuintes. Afigura-se, por isso, incontestável como sendo um meio

para se alcançar uma fórmula fiscal mais justa, equitativa e transparente, obrigando a uma gestão

equilibrada e cautelosa do património dos partidos políticos com recurso ao erário público.

Assim, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, ao abrigo do disposto na alínea f) do

n.º 1 do artigo 227.º e no n.º 1 do artigo 232.º da Constituição da República Portuguesa e na alínea b) do n.º

1 do artigo 36.º do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, apresenta à Assembleia

da República a seguinte proposta de lei:

«Artigo 1.º

Objeto

A presente lei procede à oitava alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de junho, Lei do Financiamento dos

Partidos Políticos e das Campanhas Eleitorais, revogando os benefícios fiscais atribuídos aos partidos

políticos.

Artigo 2.º

Alteração à Lei n.º 19/2003, de 20 de junho

O artigo 10.º da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho, passa a ter a seguinte redação:

«Artigo 10.º

[…]

1 – […]:

a) […];

b) […];

c) [Revogada];

d)[Revogada];

e) [Revogada];

f) [Revogada];

g) […];

h) […].

2 – [Revogado.]

3 – […].»

Artigo 3.º

Republicação

É republicada em anexo ao presente diploma, do qual faz parte integrante, a Lei n.º 19/2003, de 20 de

junho, alterada e republicada pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, pela Lei n.º 64-A/2008, de

31 de dezembro, pela Lei n.º 55/2010, de 24 de dezembro, pela Lei n.º 1/2013, de 3 de janeiro, pela Lei n.º

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5/2015, de 10 de abril, pela Lei n.º 4/2017, de 16 de janeiro, e pela Lei n.º 1/2018, de 19 de abril, com as

alterações introduzidas pelo presente diploma.

Artigo 4.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.»

Aprovada pela Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, na Horta, em 10 de maio de

2022.

O Presidente da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, Luís Carlos Correia Garcia.

ANEXO

(a que se refere o artigo 3.º)

Republicação da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho

Capítulo I

Disposição geral

Artigo 1.º

Objeto e âmbito

A presente lei regula o regime aplicável aos recursos financeiros dos partidos políticos e das campanhas

eleitorais.

Capítulo II

Financiamento dos partidos políticos

Artigo 2.º

Fontes de financiamento

As fontes de financiamento da atividade dos partidos políticos compreendem as suas receitas próprias e

outras provenientes de financiamento privado e de subvenções públicas.

Artigo 3.º

Receitas próprias

1 – Constituem receitas próprias dos partidos políticos:

a) As quotas e outras contribuições dos seus filiados;

b) As contribuições de candidatos e representantes eleitos em listas apresentadas por cada partido ou

coligações ou por estes apoiadas;

c) As subvenções públicas, nos termos da lei;

d) O produto de atividades de angariação de fundos por eles desenvolvidas;

e) Os rendimentos provenientes do seu património designadamente, arrendamentos, alugueres ou

aplicações financeiras;

f) O produto de empréstimos, nos termos das regras gerais da atividade dos mercados financeiros;

g) O produto de heranças ou legados;

h) Os donativos de pessoas singulares, nos termos do artigo 7.º

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2 – As receitas referidas no número anterior, quando em numerário, são obrigatoriamente tituladas por

meio de cheque ou por outro meio bancário que permita a identificação do montante e da sua origem e

depositadas em contas bancárias exclusivamente destinadas a esse efeito, nas quais apenas podem ser

efetuados depósitos que tenham essa origem.

3 – Excetuam-se do disposto no número anterior, os montantes de valor inferior a 25% do indexante de

apoios sociais, abreviadamente designado por IAS, criado pela Lei n.º 53-B/2006, de 29 de dezembro, desde

que, no período de um ano, não ultrapassem 50 vezes o valor do IAS, sem prejuízo do disposto no artigo

12.º

4 – São permitidas as contribuições em espécie, bem como a cedência de bens a título de empréstimo, as

quais são consideradas pelo seu valor corrente de mercado e obrigatoriamente discriminadas na lista a que

se refere a alínea b) do n.º 7 do artigo 12.º

Artigo 4.º

Financiamento público

Os recursos de financiamento público para a realização dos fins próprios dos partidos são:

a) As subvenções para financiamento dos partidos políticos;

b) As subvenções para as campanhas eleitorais;

c) Outras legalmente previstas.

Artigo 5.º

Subvenção pública para financiamento dos partidos políticos

1 – A cada partido que haja concorrido a ato eleitoral, ainda que em coligação, e que obtenha

representação na Assembleia da República é concedida, nos termos dos números seguintes, uma

subvenção anual, desde que a requeira ao Presidente da Assembleia da República.

2 – A subvenção consiste numa quantia em dinheiro equivalente à fração 1/135 do valor do IAS, por cada

voto obtido na mais recente eleição de deputados à Assembleia da República.

3 – Nos casos de coligação eleitoral, a subvenção devida a cada um dos partidos nela integrados é igual

à subvenção que, nos termos do número anterior, corresponder à respetiva coligação eleitoral, distribuída

proporcionalmente em função dos deputados eleitos por cada partido, salvo disposição expressa em sentido

distinto constante de acordo da coligação.

4 – A cada grupo parlamentar, ao Deputado único representante de um partido e ao Deputado não

inscrito em grupo parlamentar da Assembleia da República é atribuída, anualmente, uma subvenção para

encargos de assessoria aos Deputados, para a atividade política e partidária em que participem e para

outras despesas de funcionamento, correspondente a quatro vezes o IAS anual, mais metade do valor do

mesmo, por Deputado, a ser paga mensalmente, nos termos do n.º 6.

5 – Os grupos parlamentares originários de partidos que tenham concorrido em coligação ao ato eleitoral

são considerados como um só grupo parlamentar para efeitos do número anterior.

6 – As subvenções anteriormente referidas são pagas em duodécimos, por conta de dotações especiais

para esse efeito inscritas no orçamento da Assembleia da República.

7 – A subvenção prevista nos números anteriores é também concedida aos partidos que, tendo

concorrido à eleição para a Assembleia da República e não tendo conseguido representação parlamentar,

obtenham um número de votos superior a 50 000, desde que a requeiram ao Presidente da Assembleia da

República.

8 – A cada partido que haja concorrido a ato eleitoral, ainda que em coligação, e que obtenha

representação na Assembleia Legislativa da região autónoma é concedida uma subvenção anual, desde que

a requeira ao Presidente dessa Assembleia Legislativa, que consiste numa quantia em dinheiro fixada no

diploma que estabelece a orgânica dos serviços da respetiva Assembleia Legislativa, adequada às suas

necessidades de organização e de funcionamento, sendo paga em duodécimos, por conta de dotações

especiais para esse efeito inscritas no orçamento da respetiva Assembleia Legislativa, aplicando-se, em

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caso de coligação, o n.º 3.

Artigo 6.º

Angariação de fundos

1 – As receitas de angariação de fundos são obrigatoriamente registadas nos termos do n.º 7 do artigo

12.º

2 – Considera-se produto de angariação de fundos o montante que resulta da diferença entre receitas e

despesas em cada atividade de angariação.

3 – As iniciativas que, complementarmente, envolvam a oferta de bens e serviços, devem ser objeto de

contas próprias, com registo de receitas e despesas e do respetivo produto, nos termos do n.º 7 do artigo

12.º

Artigo 7.º

Regime dos donativos singulares

1 – Os donativos de natureza pecuniária feitos por pessoas singulares identificadas estão sujeitos ao

limite anual de 25 vezes o valor do IAS por doador e são obrigatoriamente titulados por cheque ou

transferência bancária.

2 – Os donativos de natureza pecuniária são obrigatoriamente depositados em contas bancárias

exclusivamente destinadas a esse efeito e nas quais só podem ser efetuados depósitos que tenham esta

origem.

3 – Sem prejuízo dos atos e contributos pessoais próprios da atividade militante, os donativos em

espécie, bem como os bens cedidos a título de empréstimo, são considerados, para efeitos do limite previsto

no n.º 1, pelo seu valor corrente no mercado e serão discriminados na lista a que se refere a alínea b) do n.º

3 do artigo 12.º

4 – Consideram-se donativos e obedecem ao regime estabelecido no n.º 1 as aquisições de bens a

partidos políticos por montante manifestamente superior ao respetivo valor de mercado.

Artigo 8.º

Financiamentos proibidos

1 – Os partidos políticos não podem receber donativos anónimos nem receber donativos ou empréstimos

de natureza pecuniária ou em espécie de pessoas coletivas nacionais ou estrangeiras, com exceção do

disposto no número seguinte.

2 – Os partidos políticos podem contrair empréstimos junto de instituições de crédito e sociedades

financeiras nas condições previstas na alínea f) do n.º 1 do artigo 3.º

3 – É designadamente vedado aos partidos políticos:

a) Adquirir bens ou serviços a preços inferiores aos praticados no mercado;

b) Receber pagamentos de bens ou serviços por si prestados por preços manifestamente superiores ao

respetivo valor de mercado;

c) Receber ou aceitar quaisquer contribuições ou donativos indiretos que se traduzam no pagamento por

terceiros de despesas que àqueles aproveitem.

Artigo 8.º-A

Cedência de espaços

1 – Não se considera receita partidária ou de campanha a cedência gratuita de espaços que sejam

geridos ou propriedade do Estado ou de pessoas coletivas de direito público, incluindo autarquias locais, de

entidades do setor público empresarial ou de entidades da economia social, tais como as definidas no artigo

4.º da Lei n.º 30/2013, de 8 de maio.

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2 – Da cedência dos espaços referidos no número anterior não pode resultar a discriminação entre

partidos políticos ou candidaturas.

Artigo 9.º

Despesas dos partidos políticos

1 – O pagamento de qualquer despesa dos partidos políticos é obrigatoriamente efetuado por meio de

cheque ou por outro meio bancário que permita a identificação do montante e a entidade destinatária do

pagamento, devendo os partidos proceder às necessárias reconciliações bancárias, nos termos do artigo

12.º

2 – Excetuam-se do disposto no número anterior, os pagamentos de montante inferior ao valor do IAS

desde que, no período de um ano, não ultrapassem 2% da subvenção estatal anual, sem prejuízo do

disposto no artigo 12.º

Artigo 10.º

Benefícios

1 – Os partidos não estão sujeitos a IRC e beneficiam ainda, para além do previsto em lei especial, de

isenção dos seguintes impostos:

a) Imposto do selo;

b) Imposto sobre sucessões e doações;

c) [Revogada];

d) [Revogada];

e) [Revogada];

f) [Revogada];

g) Imposto sobre o valor acrescentado na aquisição e transmissão de bens e serviços que visem difundir

a sua mensagem política ou identidade própria, através de quaisquer suportes, impressos, audiovisuais ou

multimédia, incluindo os usados como material de propaganda e meios de comunicação e transporte, sendo

a isenção efetivada através do exercício do direito à restituição do imposto;

h) Imposto sobre o valor acrescentado nas transmissões de bens e serviços em iniciativas especiais de

angariação de fundos em seu proveito exclusivo, desde que esta isenção não provoque distorções de

concorrência.

2 – [Revogado.]

3 – Os partidos beneficiam de isenção de taxas de justiça e de custas judiciais.

Artigo 11.º

Suspensão de benefícios

1 – Os benefícios previstos no artigo anterior são suspensos nas seguintes situações:

a) Se o partido se abstiver de concorrer às eleições gerais;

b) Se as listas de candidatos apresentados pelo partido nessas eleições obtiverem um número de votos

inferior a 50 000 votos, exceto se obtiver representação parlamentar;

c) Se o partido não cumprir a obrigação de apresentação de contas, nos termos da presente lei.

2 – A suspensão do número anterior cessa quando se alterarem as situações nele previstas.

Artigo 12.º

Regime contabilístico

1 – Os partidos políticos devem possuir contabilidade organizada, de modo que seja possível conhecer a

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sua situação financeira e patrimonial e verificar o cumprimento das obrigações previstas na presente lei.

2 – A organização contabilística dos partidos rege-se pelos princípios aplicáveis ao Sistema de

Normalização Contabilística (SNC), com as adaptações e simplificações adequadas à natureza dos partidos

políticos.

3 – São requisitos especiais do regime contabilístico próprio:

a) O inventário anual do património do partido quanto a bens imóveis sujeitos a registo;

b) A discriminação das receitas, que inclui:

i) As previstas em cada uma das alíneas do artigo 3.º;

ii) As previstas em cada uma das alíneas do artigo 4.º;

c) A discriminação das despesas, que inclui:

i) As despesas com o pessoal;

ii) As despesas com aquisição de bens e serviços;

iii) As contribuições para campanhas eleitorais;

iv) Os encargos financeiros com empréstimos;

v) Os encargos com o pagamento das coimas previstas nos n.os 1 e 2 do artigo 29.º;

vi) Outras despesas com a atividade própria do partido;

d) A discriminação das operações de capital referente a:

i) Créditos;

ii) Investimentos;

iii) Devedores e credores.

4 – As contas nacionais dos partidos deverão incluir, em anexo, as contas das suas estruturas regionais,

distritais ou autónomas, de forma a permitir o apuramento da totalidade das suas receitas e despesas,

podendo, em alternativa, apresentar contas consolidadas.

5 – Para efeito do número anterior, a definição da responsabilidade pessoal pelo cumprimento das

obrigações fixadas na presente lei entre dirigentes daquelas estruturas e responsáveis nacionais do partido é

fixada pelos estatutos respetivos.

6 – A contabilidade das receitas e despesas eleitorais rege-se pelas disposições constantes do Capítulo

III.

7 – Constam de listas próprias discriminadas e anexas à contabilidade dos partidos:

a) Os extratos bancários de movimentos das contas e os extratos de conta de cartão de crédito;

b) As receitas decorrentes do produto da atividade de angariação de fundos, com identificação do tipo de

atividade e data de realização;

c) O património imobiliário dos partidos, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 3.

8 – São igualmente anexas às contas nacionais dos partidos, para efeitos da apreciação e fiscalização a

que se referem os artigos 23.º e seguintes, as contas dos grupos parlamentares e do deputado único

representante de partido da Assembleia da República.

9 – Para os efeitos previstos no número anterior, as contas das estruturas regionais referidas no n.º 4

anexam as contas dos grupos parlamentares e do Deputado único representante de partido da Assembleia

Legislativa da região autónoma, assim discriminando, quanto aos apoios pecuniários para a atividade

política, parlamentar e partidária, atribuídos por essa Assembleia Legislativa, os montantes utilizados pelos

partidos e os montantes utilizados pelos grupos parlamentares ou Deputado único representante de partido.

10 – Para efeitos da necessária apreciação e fiscalização, a que se referem os artigos 23.º e seguintes,

com as necessárias adaptações, os deputados não inscritos em grupo parlamentar da Assembleia da

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República e os deputados independentes das Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas

apresentam, à Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, as contas relativas às subvenções

auferidas, nos termos da presente lei.

Artigo 13.º

Fiscalização interna

1 – Os estatutos dos partidos políticos devem prever órgãos de fiscalização e controlo interno das contas

da sua atividade, bem como das contas relativas às campanhas eleitorais em que participem, por forma a

assegurarem o cumprimento do disposto na presente lei e nas leis eleitorais a que respeitem.

2 – Os responsáveis das estruturas descentralizadas dos partidos políticos estão obrigados a prestar

informação regular das suas contas aos responsáveis nacionais, bem como a acatar as respetivas

instruções, para efeito do cumprimento da presente lei, sob pena de responsabilização pelos danos

causados.

Artigo 14.º

Contas

As receitas e despesas dos partidos políticos são discriminadas em contas anuais, que obedecem aos

critérios definidos no artigo 12.º

Artigo 14.º-A

Número de identificação fiscal

1 – Os grupos parlamentares, quando existam, podem dispor, se o pretenderem, de número de

identificação fiscal próprio, sendo-lhes também aplicável, os direitos e obrigações de natureza fiscal

estabelecidos na lei para os partidos políticos.

2 – Dispõem de número de identificação fiscal próprio:

a) A coligação de partidos candidatos a qualquer ato eleitoral;

b) Os grupos de cidadãos eleitores candidatos a qualquer ato eleitoral.

c) Os candidatos a Presidente da República.

3 – O número de identificação fiscal próprio referido no número anterior é atribuído, uma vez admitida a

candidatura, no início de cada campanha eleitoral e expira com a apresentação das respetivas contas à

Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.

Capítulo III

Financiamento das campanhas eleitorais

Artigo 15.º

Regime e tratamento de receitas e de despesas

1 – As receitas e despesas da campanha eleitoral constam de contas próprias restritas à respetiva

campanha e obedecem ao regime do artigo 12.º

2 – Nas campanhas eleitorais para os órgãos das autarquias locais, a conta tem base municipal, sem

prejuízo da existência de conta respeitante às despesas comuns e centrais.

3 – Às contas previstas nos números anteriores correspondem contas bancárias especificamente

constituídas para o efeito, onde são depositadas as respetivas receitas e movimentadas todas as despesas

relativas à campanha.

4 – Até ao último dia do prazo para a entrega das candidaturas, os candidatos, partidos, coligações e

grupos de cidadãos eleitores apresentam à Entidade das Contas e Financiamentos Políticos o seu

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orçamento de campanha, em conformidade com as disposições da presente lei, em suporte informático.

5 – Os orçamentos de campanha são disponibilizados no sítio oficial do Tribunal Constitucional na

Internet a partir do dia seguinte ao da sua apresentação.

Artigo 16.º

Receitas de campanha

1 – As atividades da campanha eleitoral só podem ser financiadas por:

a) Subvenção estatal;

b) Contribuição de partidos políticos que apresentem ou apoiem candidaturas às eleições para a

Assembleia da República, para o Parlamento Europeu, para as Assembleias Legislativas Regionais e para

as autarquias locais, bem como para Presidente da República;

c) Donativos de pessoas singulares apoiantes das candidaturas à eleição para Presidente da República e

apoiantes dos grupos de cidadãos eleitores dos órgãos das autarquias locais;

d) Produto de atividades de angariação de fundos para a campanha eleitoral.

2 – Os partidos podem efetuar adiantamentos às contas das campanhas, designadamente para

liquidação de despesas, contabilisticamente considerados como dotação provisória à campanha e a

reembolsar após o recebimento da subvenção estatal, devendo estes, bem como as contribuições previstas

na alínea b) do número anterior, ser certificados por documentos emitidos pelos órgãos competentes do

respetivo partido.

3 – Apenas é contabilizada como receita de campanha, sendo considerada como contribuição do partido

político, nos termos da alínea b) do n.º 1, a parte dos adiantamentos referidos no número anterior que se

destinem ao pagamento de despesas para as quais sejam insuficientes as receitas previstas nas alíneas a),

c) e d) do n.º 1.

4 – As receitas previstas nas alíneas c) e d) do n.º 1 podem ser obtidas mediante o recurso a angariação

de fundos, ainda que no âmbito de campanha dirigida para o efeito, estando sujeitas ao limite de 60 IAS por

doador, e são obrigatoriamente tituladas por cheque ou por outro meio bancário que permita a identificação

do montante e da sua origem.

5 – As receitas referidas no número anterior, quando respeitantes ao último dia de campanha, são

depositadas até ao terceiro dia útil seguinte.

6 – A utilização dos bens afetos ao património do partido político, bem como a colaboração de militantes,

simpatizantes e de apoiantes, não são consideradas nem como receitas, nem como despesas de campanha.

Artigo 17.º

Subvenção pública para as campanhas eleitorais

1 – Os partidos políticos que apresentem candidaturas às eleições para a Assembleia da República, para

o Parlamento Europeu, para as Assembleias Legislativas Regionais e para as autarquias locais, bem como

os grupos de cidadãos eleitores dos órgãos das autarquias locais e os candidatos às eleições para

Presidente da República, têm direito a uma subvenção estatal para a cobertura das despesas das

campanhas eleitorais, nos termos previstos nos números seguintes.

2 – Têm direito à subvenção os partidos que concorram ao Parlamento Europeu ou, no mínimo, a 51%

dos lugares sujeitos a sufrágio para a Assembleia da República ou para as Assembleias Legislativas

Regionais e que obtenham representação, bem como os candidatos à Presidência da República que

obtenham pelo menos 5% dos votos.

3 – Em eleições para as autarquias locais, têm direito à subvenção os partidos, coligações e grupos de

cidadãos eleitores que concorram simultaneamente aos dois órgãos municipais e obtenham representação

de pelo menos um elemento diretamente eleito ou, no mínimo, 2% dos votos em cada sufrágio.

4 – A subvenção é de valor total equivalente a:

a) 20 000 vezes o valor do IAS para as eleições para a Assembleia da República;

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b) 10 000 vezes o valor do IAS para as eleições para a Presidência da República e para o Parlamento

Europeu;

c) 4000 vezes o valor do IAS para as eleições para as Assembleias Legislativas Regionais.

5 – Nas eleições para as autarquias locais, a subvenção é de valor total equivalente a 150% do limite de

despesas admitidas para o município, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 20.º

6 – A subvenção é solicitada ao Presidente da Assembleia da República nos 15 dias posteriores à

declaração oficial dos resultados eleitorais, devendo, em eleições autárquicas, os mandatários identificar o

município ou os municípios a que o respetivo grupo de cidadãos eleitores, partido ou coligação apresentou

candidatura.

7 – A Assembleia da República procede ao adiantamento, no prazo máximo de 15 dias a contar da

entrega da solicitação referida no número anterior, do montante correspondente a 50% do valor estimado

para a subvenção.

8 – Caso, subsequentemente ao adiantamento referido no número anterior, a parte restante da

subvenção não seja paga no prazo de 60 dias a contar da entrega da solicitação prevista no n.º 6, vencerá

juros de mora à taxa legal aplicável às dívidas do Estado.

Artigo 18.º

Repartição da subvenção

1 – A repartição da subvenção é feita nos seguintes termos: 20% são igualmente distribuídos pelos

partidos e candidatos que preencham os requisitos do n.º 2 do artigo anterior e os restantes 80% são

distribuídos na proporção dos resultados eleitorais obtidos.

2 – Nas eleições para as Assembleias Legislativas Regionais, a subvenção é dividida entre as duas

Regiões Autónomas em função do número de deputados das Assembleias respetivas e, no seio de cada

Região Autónoma, nos termos do número anterior.

3 – Nas eleições para as autarquias locais, a repartição da subvenção é feita nos seguintes termos: 25%

são igualmente distribuídos pelos partidos, coligações e grupos de cidadãos eleitores que preencham os

requisitos do n.º 3 do artigo anterior e os restantes 75% são distribuídos na proporção dos resultados

eleitorais obtidos para a assembleia municipal.

4 – A subvenção não pode, em qualquer caso, ultrapassar o valor das despesas efetivamente realizadas.

5 – O eventual excedente proveniente de ações de angariação de fundos, relativamente às despesas

realizadas, reverte para o Estado.

6 – Apenas 25% da subvenção pode ser canalizada para despesas com a conceção, produção e afixação

de estruturas, cartazes e telas que se destinam à utilização na via pública.

Artigo 19.º

Despesas de campanha eleitoral

1 – Consideram-se despesas de campanha eleitoral as efetuadas pelas candidaturas, com intuito ou

benefício eleitoral, dentro dos seis meses imediatamente anteriores à data do ato eleitoral respetivo.

2 – As despesas de campanha eleitoral são discriminadas por categorias, com a junção de documento

certificativo em relação a cada ato de despesa.

3 – O pagamento das despesas de campanha faz-se obrigatoriamente, por instrumento bancário, nos

termos do artigo 9.º, com exceção das despesas de montante inferior ao valor do IAS desde que, durante

este período, estas não ultrapassem o valor global de 2% dos limites fixados para as despesas de

campanha.

4 – As despesas de campanha eleitoral passíveis de serem pagas em numerário nos termos do número

anterior podem ser liquidadas por pessoas singulares, a título de adiantamento, sendo reembolsadas por

instrumento bancário que permita a identificação da pessoa, pela conta da campanha eleitoral.

5 – As despesas realizadas no dia de eleições com a apresentação ao público e à comunicação social da

reação política aos resultados são consideradas despesas de campanha eleitoral.

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Artigo 20.º

Limite das despesas de campanha eleitoral

1 – O limite máximo admissível de despesas realizadas em cada campanha eleitoral, nacional ou

regional, é fixado nos seguintes valores:

a) 10 000 vezes o valor do IAS na campanha eleitoral para Presidente da República, acrescido de 2500

vezes o valor do IAS no caso de concorrer a segunda volta;

b) 60 vezes o valor do IAS por cada candidato apresentado na campanha eleitoral para a Assembleia da

República;

c) 100 vezes o valor do IAS por cada candidato apresentado na campanha eleitoral para as Assembleias

Legislativas Regionais;

d) 300 vezes o valor do IAS por cada candidato apresentado na campanha eleitoral para o Parlamento

Europeu.

2 – O limite máximo admissível de despesas realizadas nas campanhas eleitorais para as autarquias

locais é fixado nos seguintes valores:

a) 1350 vezes o valor do IAS em Lisboa e Porto;

b) 900 vezes o valor do IAS nos municípios com 100 000 ou mais eleitores;

c) 450 vezes o valor do IAS nos municípios com mais de 50 000 e menos de 100 000 eleitores;

d) 300 vezes o valor do IAS nos municípios com mais de 10 000 e até 50 000 eleitores;

e) 150 vezes o valor do IAS nos municípios com 10 000 ou menos eleitores.

3 – No caso de candidaturas apresentadas apenas a assembleias de freguesia, o limite máximo

admissível de despesas é de um terço do valor do IAS por cada candidato.

4 – Os limites previstos nos números anteriores aplicam-se aos partidos políticos, coligações ou grupos

de cidadãos eleitores proponentes, de acordo com o determinado em cada lei eleitoral.

5 – Para determinação dos valores referenciados no n.º 1, devem os partidos políticos ou coligações

declarar à Entidade das Contas e Financiamentos Políticos o número de candidatos apresentados

relativamente a cada ato eleitoral.

Artigo 21.º

Mandatários financeiros

1 – Por cada conta de campanha é constituído um mandatário financeiro, a quem cabe, no respetivo

âmbito, a aceitação dos donativos previstos na alínea c) do n.º 1 do artigo 16.º, o depósito de todas as

receitas e a autorização e controlo das despesas da campanha.

2 – O mandatário financeiro nacional pode designar mandatário financeiro de âmbito distrital, regional ou

local para todos os atos eleitorais, o qual será responsável pelos atos e omissões que no respetivo âmbito

lhe sejam imputados no cumprimento do disposto na presente lei.

3 – A faculdade prevista no número anterior é obrigatoriamente concretizada nos casos em que aos

órgãos das autarquias locais se apresentem candidaturas de grupos de cidadãos eleitores.

4 – No prazo de 30 dias após o termo do prazo de entrega de listas ou candidatura a qualquer ato

eleitoral, o partido, a coligação, o grupo de cidadãos ou o candidato a Presidente da República promovem a

publicação, em jornal de circulação nacional, da lista completa dos mandatários financeiros.

Artigo 22.º

Responsabilidade pelas contas

1 – Os mandatários financeiros são responsáveis pela elaboração e apresentação das respetivas contas

de campanha.

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2 – Os candidatos a Presidente da República, os partidos políticos ou coligações, os primeiros candidatos

de cada lista ou o primeiro proponente de cada grupo de cidadãos eleitores candidatos a qualquer ato

eleitoral, consoante os casos, são subsidiariamente responsáveis com os mandatários financeiros.

Capítulo IV

Apreciação e fiscalização

Artigo 23.º

Apreciação pelo Tribunal Constitucional

1 – O Tribunal Constitucional pronuncia-se, em sede de recurso, sobre as coimas aplicadas nos termos

da presente lei.

2 – Os acórdãos proferidos pelo Tribunal Constitucional, nos termos do número anterior, são publicados

gratuitamente na 2.ª série do Diário da República e disponibilizados no sítio oficial do Tribunal Constitucional

na Internet.

3 – Para os efeitos previstos neste artigo, o Tribunal Constitucional pode requisitar ou destacar técnicos

qualificados de quaisquer serviços públicos ou recorrer, mediante contrato, aos serviços de empresas de

auditoria ou a revisores oficiais de contas para a realização de peritagens ou auditorias.

4 – Os contratos referidos no número anterior podem ser celebrados por ajuste direto e a sua eficácia

depende unicamente da respetiva aprovação pelo Tribunal.

5 – Sem prejuízo do disposto no n.º 3, o Tribunal Constitucional poderá, ainda, vir a ser dotado dos meios

técnicos e recursos humanos próprios necessários para exercer as funções que lhe são cometidas.

Artigo 24.º

Entidade das Contas e Financiamentos Políticos

1 – A Entidade das Contas e Financiamentos Políticos é um órgão independente que funciona junto do

Tribunal Constitucional e tem como funções a apreciação e fiscalização das contas dos partidos políticos e

das campanhas eleitorais, bem como a aplicação das respetivas coimas.

2 – A Entidade das Contas e Financiamentos Políticos exerce a sua competência relativamente aos

partidos políticos e às campanhas eleitorais para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu,

para as Assembleias Legislativas Regionais, para as autarquias locais e para Presidente da República.

3 – A Entidade das Contas e Financiamentos Políticos pode realizar, por sua iniciativa, inspeções e

auditorias de qualquer tipo ou natureza às contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais.

4 – As inspeções e auditorias realizadas nos termos do número anterior, bem como as auditorias

obrigatórias às contas dos partidos políticos e às contas das campanhas eleitorais e demais atos inspetivos,

são feitas em nome e por conta da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos.

5 – Até ao dia de publicação do decreto que marca a data das eleições, deve a Entidade das Contas e

Financiamentos Políticos, após consulta de mercado, publicar uma lista indicativa do valor dos principais

meios de campanha, designadamente publicações, painéis publicitários e meios necessários à realização de

comícios.

6 – A lista do número anterior é disponibilizada no sítio oficial do Tribunal Constitucional na Internet no dia

seguinte à sua apresentação e serve de meio auxiliar nas ações de fiscalização.

7 – A Entidade das Contas e Financiamentos Políticos pode solicitar a quaisquer entidades, públicas ou

privadas, as informações e a cooperação necessárias.

8 – A lei define o mandato e o estatuto dos membros da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos

e estabelece as regras relativas à sede, à organização e ao seu funcionamento.

Artigo 25.º

Composição da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos

1 – A Entidade das Contas e Financiamentos Políticos é composta por um presidente e dois vogais,

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designados pelo Tribunal Constitucional, dos quais pelo menos um deverá ser revisor oficial de contas.

2 – A Entidade das Contas e Financiamentos Políticos pode requisitar ou destacar técnicos qualificados

de quaisquer serviços públicos ou recorrer, mediante contrato, aos serviços de peritos ou técnicos

qualificados exteriores à Administração Pública, a pessoas de reconhecida experiência e conhecimentos em

matéria de atividade partidária e campanhas eleitorais, a empresas de auditoria ou a revisores oficiais de

contas.

3 – Os contratos referidos no número anterior podem ser celebrados por ajuste direto e a sua eficácia

depende unicamente da respetiva aprovação pelo Tribunal Constitucional.

Artigo 26.º

Apreciação das contas anuais dos partidos políticos

1 – Até ao fim do mês de maio, os partidos enviam à Entidade das Contas e Financiamentos Políticos,

para apreciação, as contas relativas ao ano anterior.

2 – A Entidade das Contas e Financiamentos Políticos pronuncia-se sobre a regularidade e a legalidade

das contas referidas no artigo 14.º, no prazo máximo de um ano a contar do dia da sua receção.

3 – Para efeitos do número anterior, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos pode solicitar

esclarecimentos aos partidos políticos, bem como, verificada qualquer irregularidade suscetível de ser

suprida, notificá-los para procederem à sua regularização, no prazo que lhes for fixado e nas contas relativas

ao ano em que foi detetada.

4 – O prazo referido no n.º 2 suspende-se até ao termo do prazo fixado para efeitos do número anterior.

Artigo 27.º

Apreciação das contas das campanhas eleitorais

1 – No prazo máximo de 90 dias, no caso das eleições autárquicas, e de 60 dias, nos demais casos, após

o pagamento integral da subvenção pública, cada candidatura presta à Entidade das Contas e

Financiamentos Políticos as contas discriminadas da sua campanha eleitoral, nos termos da presente lei.

2 – No domínio das eleições autárquicas, cada partido ou coligação, se concorrer a várias autarquias,

apresentará contas discriminadas como se de uma só candidatura nacional se tratasse, sem prejuízo do

disposto no n.º 2 do artigo 15.º

3 – As despesas efetuadas com as candidaturas e campanhas eleitorais de coligações de partidos que

concorram aos órgãos autárquicos de um ou mais municípios podem ser imputadas nas contas globais a

prestar pelos partidos que as constituam ou pelas coligações de âmbito nacional em que estes se integram,

de acordo com a proporção dos respetivos candidatos.

4 – A Entidade das Contas e Financiamentos Políticos aprecia, no prazo de um ano, a legalidade das

receitas e despesas e a regularidade das contas referidas no número anterior.

5 – A Entidade das Contas e Financiamentos Políticos pode, nas eleições autárquicas, notificar as

candidaturas para que, no prazo máximo de 90 dias, lhe seja apresentada conta de âmbito local.

6 – A Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, quando verificar qualquer irregularidade nas

contas, deve notificar a candidatura para apresentar, no prazo de 30 dias, as contas devidamente

regularizadas.

Artigo 28.º

Sanções

1 – Sem prejuízo da responsabilidade civil ou penal a que nos termos gerais de direito haja lugar, os

infratores das regras respeitantes ao financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais previstas nos

capítulos II e III ficam sujeitos às sanções previstas nos números e artigos seguintes.

2 – Os dirigentes dos partidos políticos, as pessoas singulares e os administradores de pessoas coletivas

que pessoalmente participem na atribuição e obtenção de financiamento proibidos são punidos com pena de

prisão de 1 a 3 anos.

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3 – Os mandatários financeiros, os candidatos às eleições presidenciais ou os primeiros proponentes de

grupos de cidadãos eleitores que não observem na campanha eleitoral os limites estabelecidos no artigo 20.º

ou que obtenham para a campanha eleitoral receitas proibidas ou por formas não previstas na presente lei

são punidos com pena de prisão de 1 a 3 anos.

4 – Em iguais penas incorrem os dirigentes de partidos políticos, as pessoas singulares e os

administradores de pessoas coletivas que pessoalmente participem nas infrações previstas no número

anterior.

5 – [Revogado.]

Artigo 29.º

Não cumprimento das obrigações impostas ao financiamento

1 – Os partidos políticos que não cumprirem as obrigações impostas no Capítulo II são punidos com

coima mínima no valor de 10 vezes o valor do IAS e máxima no valor de 400 vezes o valor do IAS, para além

da perda a favor do Estado dos valores ilegalmente recebidos.

2 – Os dirigentes dos partidos políticos que pessoalmente participem na infração prevista no número

anterior são punidos com coima mínima no valor de 5 vezes o valor do IAS e máxima no valor de 200 vezes

o valor do IAS.

3 – As pessoas singulares que violem o disposto nos artigos 4.º e 5.º são punidas com coima mínima no

valor de 5 vezes o valor do IAS e máxima no valor de 200 vezes o valor do IAS.

4 – As pessoas coletivas que violem o disposto quanto ao Capítulo II são punidas com coima mínima

equivalente ao dobro do montante do donativo proibido e máxima equivalente ao quíntuplo desse montante.

5 – As pessoas coletivas que violem o disposto no artigo 8.º-A são punidas com coima mínima no valor de

10 vezes o valor do IAS e máxima no valor de 200 vezes o valor do IAS.

6 – Os administradores das pessoas coletivas que pessoalmente participem nas infrações previstas nos

n.os 4 e 5 são punidos com coimas mínima no valor de 5 vezes o valor do IAS e máxima no valor de 200

vezes o valor do IAS.

7 – A não apresentação das contas no prazo previsto no n.º 1 do artigo 26.º determina a suspensão do

pagamento da subvenção estatal a que o partido tem direito até à data da referida apresentação.

Artigo 30.º

Perceção de receitas ou realização de despesas ilícitas

1 – Os partidos políticos que obtenham receitas para a campanha eleitoral por formas não consentidas

pela presente lei ou não observem os limites previstos no artigo 20.º são punidos com coima mínima no valor

de 20 vezes o valor do IAS e máxima no valor de 400 vezes o valor do IAS e à perda a favor do Estado dos

valores ilegalmente recebidos.

2 – As pessoas singulares que violem o disposto no artigo 16.º são punidas com coima mínima no valor

de 10 vezes o valor do IAS e máxima no valor de 50 vezes o valor do IAS.

3 – As pessoas coletivas que violem o disposto no artigo 16.º são punidas com coima mínima equivalente

ao triplo do montante do donativo proibido e máxima equivalente ao sêxtuplo desse montante.

4 – Os administradores das pessoas coletivas que pessoalmente participem na infração prevista no

número anterior são punidos com coima mínima no valor de 10 vezes o valor do IAS e máxima no valor de

200 vezes o valor do IAS.

Artigo 31.º

Não discriminação de receitas e de despesas

1 – Os mandatários financeiros, os candidatos às eleições presidenciais, os primeiros candidatos de cada

lista e os primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores que não discriminem ou não comprovem

devidamente as receitas e despesas da campanha eleitoral são punidos com coima mínima no valor do IAS

e máxima no valor de 80 vezes o valor do IAS.

2 – Os partidos políticos que cometam a infração prevista no número anterior são punidos com coima

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mínima no valor de 10 vezes o valor do IAS e máxima no valor de 200 vezes o valor do IAS.

Artigo 32.º

Não prestação de contas

1 – Os mandatários financeiros, os candidatos às eleições presidenciais, os primeiros candidatos de cada

lista e os primeiros proponentes de grupos de cidadãos eleitores que não prestem contas eleitorais nos

termos do artigo 27.º são punidos com coima mínima no valor de cinco vezes o valor do IAS e máxima no

valor de 80 vezes o valor do IAS.

2 – Os partidos políticos que cometam a infração prevista no número anterior são punidos com coima

mínima no valor de 15 vezes o valor do IAS e máxima no valor de 200 vezes o valor do IAS.

3 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, a não prestação de contas pelos partidos políticos

determina a suspensão do pagamento da subvenção estatal a que o partido tenha direito até à data da sua

efetiva apresentação.

Artigo 33.º

Competência para aplicar as sanções

1 – A Entidade das Contas e Financiamentos Políticos é competente para a aplicação das coimas

previstas no presente capítulo.

2 – A Entidade das Contas e Financiamentos Políticos atua, nos prazos legais, por iniciativa própria ou

mediante queixa apresentada pelos cidadãos eleitores.

3 – O produto das coimas reverte para o Estado.

4 – A Entidade das Contas e Financiamentos Políticos pode determinar a publicitação de extrato da

decisão, a seu requerimento, em local próprio no sítio na Internet do Tribunal Constitucional.

Capítulo V

Disposições finais e transitórias

Artigo 34.º

Revogação e entrada em vigor

1 – É revogada a Lei n.º 56/98, de 18 de agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 23/2000, de

23 de agosto, e pela Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto, sem prejuízo do disposto no número

seguinte.

2 – A presente lei entra em vigor em 1 de janeiro de 2005, com exceção do disposto no artigo 8.º e

consequente revogação do n.º 2 do artigo 4.º da Lei n.º 56/98, de 18 de agosto, com as alterações

introduzidas pela Lei n.º 23/2000, de 23 de agosto.

———

PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 76/XV/1.ª

(DESLOCAÇÃO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA AO RIO DE JANEIRO, A SÃO PAULO E A

BRASÍLIA)

Parecer da Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas

A Comissão de Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas, nos termos constitucional e

regimentalmente aplicáveis, é favorável ao assentimento para ausência do território nacional, requerido por

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Sua Excelência o Presidente da República, para o período compreendido entre os dias 1 e 5 do próximo mês

de julho, tendo em vista a sua deslocação à República Federativa do Brasil, designadamente a Brasília, a

convite do Presidente da República deste país, ao Rio de Janeiro, onde participará na Comemoração do

centenário da primeira travessia aérea do Atlântico sul, e a São Paulo, para a inauguração do dia de Portugal

na Bienal do Livro.

Palácio de São Bento, 7 de junho de 2022.

O Presidente da Comissão, Sérgio Sousa Pinto.

Nota: O parecer foi aprovado, por unanimidade, com votos a favor do PS, do PSD, do CH e do IL, tendo-se

registado a ausência do BE e do PCP, na reunião da Comissão do dia 7 de junho de 2022.

———

PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 92/XV/1.ª

RECOMENDA AO GOVERNO PORTUGUÊS QUE PROMOVA A CRIAÇÃO DE UM TRATADO

INTERNACIONAL PARA OS OCEANOS E REFORCE A AMBIÇÃO NAS METAS DE GESTÃO E

CLASSIFICAÇÃO DAS ÁREAS MARINHAS PROTEGIDAS

Exposição de motivos

Apesar da inquestionável importância dos oceanos na vida e na conservação do equilíbrio do nosso

planeta e da atual situação de ameaça em que se encontra, não existe um tratado internacional para a

conservação dos oceanos, que promova políticas conjuntas que visem a sua proteção, nem uma cooperação

entre os diferentes países da União Europeia com vista a responder à emergência que os oceanos enfrentam.

Isto, apesar de a pandemia causada pelo SARS-CoV-19 ter evidenciado que não existem fronteiras em se

tratando do impacto da voracidade e insustentável ação humana, o mesmo sucedendo em matéria de

emissões de gases com efeito de estufa, potenciadores das alterações climáticas.

Com efeito, o sistema terrestre funciona de forma holística, sob influência de processos físicos, químicos e

biológicos que interagem com o planeta. Por isso, é fundamental evoluirmos de abordagens parciais para uma

abordagem do sistema terrestre como um todo.

A Stockholm Resilience Centre1 definiu os «limites planetários», um conceito que envolve processos do

sistema terrestre que contêm limites ambientais, nas vertentes das alterações climáticas, biodiversidade, uso

do solo, acidificação dos oceanos, uso de água potável, processos biogeoquímicos, concentração de ozono e

aerossóis na atmosfera e poluição química. O objetivo da definição dos referidos «limites planetários» foi a

possibilidade de estipular um «espaço operacional seguro para a humanidade» como pré-condição para um

desenvolvimento sustentável. Existem evidências científicas de que as ações humanas, desde a Revolução

Industrial, se tornaram no principal motor das mudanças ambientais globais. De acordo com os cientistas que

definiram estes conceitos, «transgredir um ou mais limites planetários pode ser prejudicial ou até catastrófico,

devido ao risco de cruzar limiares que desencadearão mudanças ambientais abruptas não lineares em

sistemas de escala continental e planetária», alterando a vida na Terra, tal como a conhecemos.

Desde 2009, quatro dos nove limites planetários já foram ultrapassados, nomeadamente, as alterações

climáticas, a perda de biodiversidade, o uso do solo e os processos biogeoquímicos, enquanto os restantes

correm um risco iminente de serem ultrapassados, com especial destaque para a acidificação dos oceanos.

No que se refere às alterações climáticas, o cenário é dramático. Os níveis de CO2 na atmosfera atingiram

414,3 partes por milhão (ppm) em 2021, um aumento de cerca de 2,4 ppm em relação a 2020. Todos os anos

1 https://www.stockholmresilience.org

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aumentamos mais de 2 partes por milhão de dióxido de carbono. Todos os anos aumentamos mais de 2

partes por milhão de dióxido de carbono.

Considerando os chamados efeitos de «autoalimentação climática», como o permafrost, a desflorestação

da amazónia e o degelo, entre outros, não podemos ultrapassar as 430 ppm2 para garantir que não

excedemos a barreira dos 2 graus centígrados. No dia de hoje, estamos a 7 anos do ponto de não retorno

para garantir a nossa sobrevivência neste planeta.

Os oceanos têm um papel crítico no abrandamento do ritmo das alterações climáticas uma vez que atuam

como sumidouro, absorvendo entre 30 e 50% do CO2 gerado pela queima de combustíveis fósseis. O reverso

da medalha é que esta capacidade de captura de gases com efeito de estufa tem aumentado, de forma

significativa a acidez dos oceanos, já em mais de 30% face à era pré-industrial.

Estudos recentes revelam que na União Europeia 81% dos recursos pesqueiros estão esgotados ou sobre-

explorados. Segundo um estudo publicado na revista Science (designado «Impacto da perda de

biodiversidade nos serviços do ecossistema oceânico») ao ritmo atual, podemos esgotar os nossos recursos

pesqueiros em 2048. Neste sentido, é muito importante que se promovam sistemas de monitorização das

pescas que garantam a reversão do atual cenário de sobre-exploração dos recursos pesqueiros, e de

degradação dos oceanos.

A acidificação dos oceanos, para além de conduzir a uma redução da biodiversidade marinha e costeira,

que por si só, tem impactos negativos nas alterações climáticas, também diminui as concentrações do

chamado «DMS» (enxofre biogénico dimetilsulfeto), que é a maior fonte natural de enxofre atmosférico,

aumentando, por isso, a energia que atinge a superfície da Terra, e acelerando as alterações climáticas. Ou

seja, sendo os oceanos um importantíssimo sumidouro de gases com efeito de estufa, assistimos, por isso, a

um aumento da acidificação dos oceanos e, quanto maior é a acidificação menor é a capacidade de libertação

de enxofre o que, também acelera o aquecimento global. Desta forma, a capacidade de os oceanos

diminuírem o ritmo das alterações climáticas é cada vez menor, ao longo do tempo.

Por outro lado, o degelo, em virtude do aquecimento global, ao reduzir a salinidade da água, está a

provocar uma desaceleração na Circulação Meridional do Atlântico (AMOC – Atlantic Meridional Overturning

Circulation), estimada já em cerca de 20%. Para além dessa corrente ter um papel crucial na regulação do

clima a nível mundial, bem como na subida do nível do mar, o facto de estar a desacelerar provoca uma menor

capacidade de transportar calor para zonas mais profundas dos oceanos, reduzindo, adicionalmente, a

capacidade de captura e armazenamento de gases com efeito de estufa.

Em síntese, as emissões de gases com efeito de estufa estão a diminuir a capacidade natural que os

oceanos têm de abrandar as alterações climáticas e a provocar impactos devastadores na biodiversidade

marinha e costeira.

Outro flagelo que assola os oceanos é a poluição marinha, nomeadamente as redes e artefactos de pesca

e os plásticos de utilização única. Os prejuízos para os ecossistemas marinhos são dramáticos através da

contaminação da fauna marinha que, por sua vez, ao serem ingeridos, seja por aves, seja por humanos,

perpetuam o ciclo de contaminação.

Só no que respeita ao material de pesca, são depositados todos os anos 640 000 toneladas de material

nos oceanos, pelo que é fundamental implementar sistemas de recolha de resíduos marinhos, através da

responsabilidade partilhada de todos os estados parte na sua recolha e tratamento.

Os oceanos são essenciais para todos os aspetos do bem-estar e da subsistência humana. Fornece

serviços essenciais como regulação do clima, ciclo do carbono e ciclo dos nutrientes. Os oceanos são o lar de

uma biodiversidade que varia de micróbios a mamíferos marinhos que formam uma grande variedade de

ecossistemas.

Portugal tem uma profunda responsabilidade de atuação ao nível dos oceanos, tendo em consideração a

extensa zona marítima do nosso território e deve, por isso, ter uma ação decisiva, seja a nível nacional, seja a

nível internacional, na proteção dos oceanos.

No entanto, para que se consiga reverter de forma eficaz o atual processo de destruição dos oceanos, é

necessário promover estratégias conjuntas e concertadas entre os diferentes países em conjunto com as

autoridades nacionais e comunidade científica.

Um dos grandes problemas para a eficácia das políticas de conservação dos oceanos é a falta de

2 https://www.pnas.org/content/115/33/8252 – Trajectories of the Earth System in the Anthropocene

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cooperação e de harmonização dos diferentes quadros legislativos. Os problemas que afetam os nossos

oceanos estendem-se por diferentes países e continentes e, sem uma estratégia comum entre os diferentes

países, não podemos ter resultados significativos e que se traduzam em benefícios para a conservação dos

oceanos.

Alguns especialistas têm salientado a ausência de um tratado relacionado com a conservação dos

oceanos, que permita responder à emergência que enfrentamos a nível global. Desta forma, e sendo Portugal

um país historicamente ligado aos oceanos, o PAN defende que o Governo deve promover, junto das Nações

Unidas, a adoção urgente de um tratado internacional para os oceanos, que garanta um sistema de

governação internacional para a proteção dos oceanos e dos seus ecossistemas. Apesar do papel crucial dos

oceanos para a vida e para o combate às alterações climáticas, existe atualmente uma total omissão da sua

importância no Acordo de Paris e nos mecanismos legais das Nações Unidas.

Além disso, e ao nível da União Europeia, é também importante e urgente que se promova uma

harmonização e reforço da legislação comunitária no que diz respeito às áreas marinhas protegidas,

designadamente os mecanismos de regulamentação e gestão bem como o alargamento das zonas de

proteção total.

O Tratado Internacional dos Oceanos deve procurar alcançar vários objetivos, nomeadamente a criação de

um sistema de governação internacional para a proteção dos Oceanos e dos seus ecossistemas que responda

aos vários problemas que afetam a vida marinha, como a pesca intensiva e de arrasto, a poluição dos oceanos

através da descarga de efluentes contaminados, resíduos de pesca, plásticos, etc., o aumento das espécies

ameaçadas e em risco de extinção, a acidificação, a destruição de grandes áreas de coral ou a perda de

habitat.

A nível nacional, o PAN defende que o Governo reforce a legislação relativa às áreas marinhas protegidas,

designadamente os mecanismos de regulamentação e gestão bem como o alargamento das zonas de

proteção total que, atualmente, apenas representam 0,01% do território marítimo.

Nestes termos e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a Deputada Única do

PAN abaixo assinada, propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:

1 – Promova, junto das Nações Unidas, uma proposta para a adoção urgente de um tratado internacional

para os Oceanos, que garanta um sistema de governação internacional para a proteção dos Oceanos e dos

seus ecossistemas;

2 – Promova, junto da União Europeia, uma harmonização da legislação em termos de áreas marinhas

protegidas.

Palácio de São Bento, 8 de junho de 2021.

A Deputada do PAN, Inês de Sousa Real.

———

PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 93/XV/1.ª

AUMENTO DA REDE NACIONAL DE ÁREAS MARINHAS PROTEGIDAS E CRIAÇÃO DE «HOPE

SPOTS» MARÍTIMOS E «NO TAKE ZONES»

Exposição de motivos

O oceano cobre três quartos do planeta. Cerca de 2/3 dos serviços ecossistémicos são fornecidos pelo

meio marinho, igualmente responsável por mais de metade do oxigénio que respiramos, além de ser um

importante sumidouro de dióxido de carbono (CO2), absorvendo entre 30 e 50% do CO2 gerado pela queima

de combustíveis fósseis.

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Um oceano saudável, resiliente e com uma boa governança é essencial para travar a crise climática e para

uma transição energética e social justa. De acordo com as Nações Unidas, que definiu 8 de junho como o Dia

Mundial dos Oceanos, para criar um oceano saudável com vida selvagem abundante e para estabilizar o

clima, é fundamental que pelo menos 30% das terras, águas e oceano do nosso planeta estejam protegidos

até 2030 (30x30).

A organização internacional «Mission Blue» defende a criação de «hope spots» («pontos de esperança»)

nos oceanos. Os «Hope Spots» são locais especiais cientificamente identificados como críticos para a saúde

do oceano. Enquanto cerca de 12% da terra está protegida, sob alguma forma, menos de 6% do oceano tem

alguma forma de proteção. Os «hope spots» permitem-nos planear o futuro e olhar além das atuais áreas

marinhas protegidas (AMP), onde os usos de exploração, como pesca e mineração em alto mar, são restritos.

Os «hope spots» são frequentemente áreas que precisam de nova proteção, mas também podem ser áreas

marinhas protegidas (AMP) existentes com ações de proteção reforçadas. Adicionalmente, a Mission Blue

defende que a seleção de «hope spots» deva ter a participação da sociedade civil.

Em 2018, uma equipa liderada por uma investigadora da Universidade de Aveiro cruzou diferentes

informações sobre a biodiversidade na plataforma continental portuguesa, a partir de monitorizações já feitas,

e concluiu que uma parte dos locais mais importantes não têm proteção assegurada.

Contudo, a ausência de proteção de zonas marinhas relevantes, como habitats berçários ou as chamadas

pradarias marinhas e demais ecossistemas põe em causa a biodiversidade que existe na nossa plataforma

marítima, onde se incluem espécies emblemáticas como as jamantas, os golfinhos, as baleias ou cavalos-

marinhos, entre tantas outras.

No âmbito da legislação comunitária, na subdivisão do Continente existem à presente data 11 zonas de

proteção especial (ZPE) e dez sítios de importância comunitária (SIC) com área marinha em espaço marítimo,

com exceção do SIC Estuário do Sado, cujas águas marinhas se localizam fora do espaço marítimo nacional.

A gestão destes SIC e ZPE enquadra-se no Plano Setorial da Rede Natura 2000 (PSRN2000), à exceção do

SIC Ria de Aveiro (PTCON0061), do SIC Maceda/ Praia da Vieira e do SIC Banco Gorringe – PTCON0062 (e

que é o único exclusivamente localizado para além do mar territorial).

Existem já em Portugal as denominadas AMP que são espaços marinhos integralmente delimitados em

águas oceânicas, com o propósito de reforçar a conservação da natureza e da biodiversidade marinha. São

dotadas de legislação específica e dos meios necessários para cumprir o seu objetivo. São criadas para

salvaguardar espécies e ecossistemas e contribuem para uma utilização sustentável dos recursos naturais

associados ao mar.

A classificação das AMP é feita em função de critérios de proteção distintos, que resultam de legislação e

regulamentação diversa. Esta decorre sobretudo dos princípios incorporados na Estratégia Nacional para o

Mar e de compromissos internacionais assumidos por Portugal, quer no âmbito da UE, quer no âmbito da

Convenção OSPAR.

Compete à Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM) propor a criação

de áreas marinhas protegidas, em articulação com a autoridade nacional para a conservação da natureza e

biodiversidade. Compete ainda à DGRM assegurar a gestão das AMP de interesse nacional e colaborar na

gestão das que são de âmbito regional ou local, nomeadamente através da elaboração, avaliação e revisão de

planos de ordenamento específicos.

No sentido de intensificar a proteção de zonas marinhas, fundamental também para o equilíbrio climático

do nosso planeta, o PAN vem propor a criação de um regime jurídico para os chamados «hope spots», em

cumprimento dos n.os 1 e 2 do artigo 336.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que permita reforçar a

proteção e dos habitats marinhos e eleger entre as áreas marinhas protegidas «pontos de esperança», com a

participação da sociedade civil, que, beneficiando desse regime de proteção especial, vejam o seu regime de

proteção acrescido e constituam exemplos, a nível mundial, de proteção de ecossistemas marinhos.

Por outro lado, é igualmente fundamental assegurar que se procede ao aumento das áreas marinhas

protegidas, assegurando o compromisso político de classificar cerca de 30% da área marítima sob jurisdição

nacional até 2030.

O Parque Marinho Professor Luiz Saldanha, na Arrábida, foi a última área marinha a ser reconhecida, já lá

vão 24 anos. Em 2017, o Governo criou «um grupo de trabalho com a missão de avaliar as áreas marinhas

protegidas existentes, propor a designação de novas áreas e propor uma rede nacional de áreas marinhas

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protegidas ecologicamente coerente.» Chegou a ser produzido pelo referido Grupo de Trabalho um relatório,

aprovado em Conselho de Ministros em 2019. No entanto, desde então, não houve qualquer consequência

decorrente do relatório elaborado.

Importa ainda garantir que dentro das áreas marinhas protegidas se estabelecem as chamadas «No Take

Zones», ou seja, zonas de reservas marinhas «sem captura» que impeçam a pressão da pesca e demais

atividades humanas de áreas-chave do ecossistema marinho, como desova, berçário, alimentação ou habitats

de abrigo para espécies vulneráveis ou protegidas.

Lisboa acolhe, entre 27 de junho e 1 de julho, a 2.ª Conferência do Oceano das Nações Unidas,

coorganizada pelos Governos de Portugal e do Quénia. Sob o lema «Salvar o oceano, proteger o futuro», a

conferência dedica-se ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14 – «Proteger a vida debaixo de água».

Esta conferência afigura-se como, particularmente, determinante, numa altura em que exigimos compromissos

ambiciosos, corajosos e que respondam com eficácia à crise provocada pela emergência climática e da

biodiversidade. Muitos países, inclusivamente Portugal, têm-se posicionado publicamente nos últimos anos na

linha da frente da conservação marinha. Mais do que nunca urge passar das palavras aos atos, com olhos

postos já na Cimeira da Biodiversidade das Nações Unidas (COP-15) em setembro.

Assim, a Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, por intermédio do

presente projeto de resolução, recomenda ao Governo que:

1 – Em 2022, em cumprimento do n.º 1 do artigo 336.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, o Governo

cria um regime jurídico especial para a constituição dos chamados «hope spots» ou «pontos de esperança», a

eleger entre as áreas marinhas protegidas, com a participação da sociedade civil, que, beneficiando desse

regime de proteção especial, vejam o seu regime de proteção acrescido e constituam exemplos, a nível

mundial, de proteção de ecossistemas marinhos.

2 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, em 2022 o Governo, em cumprimento do n.º 2 do artigo

336.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, promove igualmente a criação de um programa anual de

participação cidadã que vise eleger os «hope spots» ou «pontos de esperança» marinhos.

3 – Em 2022, o Governo toma as diligências necessárias para iniciar o processo de incremento da Rede

Nacional de Áreas Marinhas Protegidas até pelo menos 30% das águas territoriais abrangidas por regimes de

proteção até 2030, fazendo coincidir com a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.

4– Até ao final do ano de 2022, o Governo estabelece um plano para a efetivação de «no take zones» no

âmbito das áreas marinhas protegidas.

Palácio de São Bento, 8 de junho de 2022.

A Deputada do PAN, Inês de Sousa Real.

———

PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 94/XV/1.ª

PELA PRESERVAÇÃO E DEFESA DA TAPADA DAS NECESSIDADES COMO ESPAÇO PÚBLICO

A Tapada das Necessidades, localizada na freguesia da Estrela, em Lisboa, é um espaço classificado de

Interesse Público desde 1983, cujos 10 hectares são propriedade do Estado e são compostos por população

arbórea extensa e rara, bem como por edifícios com valor histórico e patrimonial. Tendo passado por várias

transformações ao longo dos anos, tem, hoje, uma função importante de espaço verde e convívio.

Em 2008, foi assinado um protocolo entre o então Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e

das Pescas e a Câmara Municipal de Lisboa, que transferiu a «gestão, reabilitação, manutenção e utilização»

da Tapada para a autarquia. No entanto, durante mais de uma década, a requalificação da Tapada das

Necessidades não aconteceu, mantendo-se o abandono dos edifícios.

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A Câmara Municipal de Lisboa, ao invés de cumprir o estipulado no protocolo, avançou, em 2019, para a

concessão do espaço a privados e aprovou um plano de requalificação da Tapada que implicará demolições

de parte do antigo Jardim Zoológico.

Já em 2021, o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa anunciou que as intervenções estarão sujeitas a

um Plano de Salvaguarda da Tapada que estará terminado em outubro do presente ano, mas nada adiantou

sobre a concessão a privados.

O plano aprovado para a transformação da Tapada das Necessidades prevê a requalificação do jardim e

da Tapada, mas também a concessão de vários espaços para estabelecimentos de restauração que serão

geridos pela Banana Café Emporium, que ganhou o concurso em 2016. Esta empresa comprometeu-se a

investir cinco milhões de euros no espaço e a realizar a reabilitação do mesmo. Ao contrário do que mandam

as regras da transparência, o contrato de concessão entre a Câmara Municipal de Lisboa e a empresa Banana

Café Emporium não é público.

O projeto de requalificação da Tapada das Necessidades e o a concessão do espaço público a privados foi

contestada pela população de Lisboa que se mobilizou, apresentando uma petição que ultrapassou as 10 mil

assinaturas. A população considera que não foi ouvida pela Câmara de Lisboa e opõe-se ao acesso a carros,

às demolições que estão previstas no plano de requalificação e à construção de edifícios dentro da Tapada.

Fica patente que a CML não cumpriu o acordado no protocolo com o Ministério da Agricultura, que, pela

falta de investimento, contribuiu para a degradação da Tapada das Necessidades, e que pretende avançar

com uma concessão do espaço a privados que atenta contra o património único do local, contra o espaço

público de usufruto livre e contra o direito à cidade.

A preservação e defesa de espaços como o da Tapada das Necessidades nas nossas cidades é

fundamental de ser garantida, bem como é fundamental garantir que os e as cidadãs são ouvidas nestes

processos. Como agravante neste caso, os protocolos existentes com o Estado não foram cumpridos, pelo

que se considera que o interesse público deve ser salvaguardado.

O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda apresentou este projeto de resolução na Legislatura passada,

mas acabou por não ser agendado e discutido. Assim, reapresentamos o Projeto de Resolução n.º

1318/XIV/2.ª

Assim, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco

de Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo:

1 – Revogue o protocolo entre a Câmara Municipal de Lisboa e o Ministério da Agricultura, considerando o

reiterado incumprimento do mesmo, pela salvaguarda do interesse público e cumprimento do regime de

proteção das matas nacionais.

2 – Inste a Câmara Municipal de Lisboa a suspender a concessão a privados da Tapada das

Necessidades, tendo em conta o superior interesse público do espaço.

3 – Proceda a um processo de auscultação e participação pública, que inclua autarcas, munícipes e

demais entidades competentes, sobre o futuro do espaço.

Assembleia da República, 8 de junho de 2022.

As Deputadas e os Deputados do BE: Pedro Filipe Soares — Mariana Mortágua — Catarina Martins —

Joana Mortágua — José Moura Soeiro.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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