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Terça-feira, 5 de julho de 2022 II Série-A — Número 53
XV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2022-2023)
SUPLEMENTO
S U M Á R I O
Resolução: Parecer sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho sobre a transparência e o direcionamento da propaganda política.
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II SÉRIE-A — NÚMERO 53
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RESOLUÇÃO
PARECER SOBRE A PROPOSTA DE REGULAMENTO DO PARLAMENTO EUROPEU E DO
CONSELHO SOBRE A TRANSPARÊNCIA E O DIRECIONAMENTO DA PROPAGANDA POLÍTICA
A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição e do n.º 4 do artigo
2.º da Lei n.º 43/2006, de 25 de agosto, alterada pelas Leis n.os 21/2012, de 17 de maio, 18/2018, de 2 de maio,
e 64/2020 de 2 de novembro, dirigir ao Governo o seguinte parecer sobre a proposta de regulamento do
Parlamento Europeu e do Conselho, sobre a transparência e o direcionamento da propaganda política:
1 – A proposta de regulamento analisada promove uma harmonização das regras a nível da União Europeia
garantindo uma transparência elevada no que respeita à propaganda política e aos serviços conexos,
proporcionando uma maior segurança jurídica, especialmente para os prestadores de serviços. Limitada às
questões relacionadas com transparência e utilização de técnicas de direcionamento na propaganda política,
não interfere com outros aspetos regulados a nível nacional, como a legalidade do conteúdo da propaganda
política e os períodos durante os quais são permitidos anúncios, nem com a natureza dos participantes no
processo democrático.
2 – A presente proposta de regulamento assegura, através de regras específicas, a proteção das pessoas
singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais, nomeadamente restrições às técnicas de
direcionamento que se considera afetarem negativamente os direitos, quando utilizados no contexto da
propaganda política.
3 – Sem prejuízo de outros aspetos merecedores de análise mais detalhada, noutras fases do procedimento
legislativo, são desde logo de assinalar algumas questões jurídicas que se afiguram pertinentes para a avaliação
da proposta de regulamento, designadamente:
A norma que estabelece as definições relevantes para efeitos da proposta de regulamento suscita
dificuldades em algumas das escolhas adotadas, a saber:
a) O conceito de «propaganda política» afigura-se desnecessariamente difuso ao ir para lá das campanhas
eleitorais e referendárias, propondo-se incluir igualmente campanhas direcionadas a influenciar processos
legislativos ou regulamentares, matérias que se aproximam mais da atividade de representação de interesses
(lobbying), e em relação às quais não há determinação de períodos ou regras específicos para condução das
atividades de campanha, valendo exclusivamente um princípio de liberdade geral de comunicação e ação
política;
b) O conceito de «interveniente» é simultaneamente excessivo no seu escopo e confuso nas suas fronteiras
face a outras realidades.
Por um lado, é expansivo, incluindo partidos políticos, coligações, referidas como alianças, expressão que
pode não traduzir a diversidade de modalidades eleitorais de todos os Estados-Membros, partidos políticos
europeus, candidatos, quer a órgãos do poder político, quer a cargos de liderança de um partido político, não
sendo claro se apenas à liderança nacional e nem sequer sendo verificável na legislação de cada Estado-
Membro a existência de normas legais definidoras do respetivo estatuto de candidato interno ou sequer da
existência de regulação legal de campanhas e atos eleitorais internos dos partidos, funcionários eleitos, conceito
de difícil identificação no direito interno de inúmeros Estados-Membros, membros não eleitos de governos,
organização de campanha com ou sem personalidade jurídica, apontando num sentido de informalidade que
não é consentâneo com as exigências frequentes de direito eleitoral em matéria de identificação e prestação de
contas, ou qualquer pessoa singular ou coletiva que represente ou atue em nome de qualquer das demais
entidades referidas, gerando confusão sobre se há titularidade de órgãos internos, capacidade de vinculação
externa da entidade, ou mera promoção dos seus fins sem a devida articulação formal – o que suscita de novo
o problema da compatibilidade com regras estritas de prestação de contas e fiscalização comuns aos Estados-
Membros.
Por outro lado, não é claro em que medida se distingue ou confunde com o conceito de patrocinador, atenta
a sua significativa extensão, que se confronta com a simplicidade do conceito de patrocinador, «a pessoa
singular ou coletiva em cujo nome um anúncio político é preparado, colocado, publicado ou divulgado».
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Além disso, é de estranhar a construção de um conceito tão vasto para não se vislumbrar uma utilização no
articulado da proposta de regulamento senão uma única vez, dominando sim o conceito de patrocinador nas
principais disposições substantiva do normativo;
c) O conceito de «período eleitoral» é igualmente pouco claro, parecendo remeter para a legislação de cada
Estado-Membro, embora não o faça expressamente, e não atendendo à diversidade de constrangimentos
temporais que as campanhas podem convocar, veja-se a título meramente exemplificativo o caso português,
em que são distintas as obrigações para entidades públicas e privadas em período de pré-campanha, campanha,
no dia de reflexão ou no dia da votação;
d) O conceito de «editor de propaganda política» também corre o risco de se mostrar equívoco, podendo
sobrepor-se ao de «serviço de propaganda política», se entendido no sentido de produtor desses conteúdos,
como a palavra editor denotaria, ou, em alternativa, de abranger qualquer pessoa que partilhe o conteúdo,
mesmo que através de redes sociais particulares.
No que respeita ao regime substantivo, a escala de obrigações associadas ao «aviso de transparência»
(artigo 7.º da proposta de regulamento), pode colocar em risco a eficácia da comunicação pretendida e aumentar
os custos associados à mesma, não se evidenciando com clareza a vantagem na sua inserção, para a
prossecução dos fins pretendidos, em particular em Estados-Membros em que as campanhas se encontram
reguladas e balizadas temporalmente e o aparecimento de anúncios se encontra devidamente contextualizado
nos meios tradicionais de comunicação, relativamente aos quais se aplica a presente proposta de regulamento.
Ou seja, ainda que a preocupação subjacente à proposta de regulamento seja de relevo no que respeita a
conteúdos partilhados em linha, em particular com recurso a redes sociais, onde se podem mais facilmente
confundir, intencionalmente ou não, com outros conteúdos não políticos, nos suportes clássicos a aplicação do
regime afigura-se desadequada.
No quadro particular da ordem jurídica portuguesa, as disposições da proposta de regulamento, na dimensão
da transparência, também apresentam dificuldades acrescidas de compatibilização com institutos jurídicos
próprios da comunicação política e com opções legislativas reguladoras das matérias. A título de exemplo
assinala-se o regime jurídico, constitucionalmente determinado e garantido, com previsão na legislação eleitoral
e referendária, do direito de antena ou as disposições da Lei n.º 72-A/2015, de 23 de julho, que «Estabelece o
regime jurídico da cobertura jornalística em período eleitoral, regula a propaganda eleitoral através de meios de
publicidade comercial», que mantêm a proibição de compra de publicidade comercial para fins de campanha
eleitoral e que as estendeu às plataformas em linha.
Ainda no quadro da tutela de direitos fundamentais, a proposta de regulamento não traça sempre fronteiras
claras entre o que se reconduziria à sua esfera de propaganda política e o que se poderia limitar a representar
o exercício das liberdades fundamentais de expressão ou de imprensa, em particular se atendermos ao facto de
os candidatos individualmente considerados serem integrados no conceito amplo de intervenientes.
Finalmente, o universo de disposições propostas no que respeita ao direcionamento e amplificação
convocam uma reflexão mais abrangente do que aquela que esta resposta parcelar em sede de propaganda
política aparenta oferecer. Efetivamente, deve ser debatida previamente com vista ao seu eventual
aprofundamento em normativo europeu da admissibilidade do recurso ao direcionamento e amplificação sempre
que realizados com sacrifício de direitos fundamentais dos cidadãos, em particular dos seus dados pessoais,
nomeadamente, mas não só, aqueles qualificáveis como sensíveis nos termos da legislação vigentes sobre
proteção de dados. Uma intervenção precoce nesta sede pode produzir o efeito inverso ao pretendido,
normalizando e legitimando a utilização sempre que a proposta de regulamento não o afaste, tendo em conta
que apenas se foca na salvaguarda dos dados sensíveis, abrindo caminho à utilização dos demais.
Nestes termos, a Assembleia da República considera pertinente que o Governo se abstenha, nas diferentes
configurações do Conselho onde for tomada qualquer decisão sobre a matéria.
Aprovada em 17 de junho de 2022.
O Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.