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Segunda-feira, 10 de abril de 2023 II Série-A — Número 201
XV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2022-2023)
S U M Á R I O
Projeto de Lei n.º 711/XV/1.ª (CH): Aplica o regime sancionatório de combate ao terrorismo a quem seja reincidente na prática do crime de incêndio florestal (quinquagésima sétima alteração ao Código Penal).
Projeto de Resolução n.º 599/XV/1.ª (PSD): Acesso aos apoios e prestações sociais decorrentes da detenção do atestado médico de incapacidade multiuso em caso de incumprimento do prazo de realização da junta médica.
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PROJETO DE LEI N.º 711/XV/1.ª
APLICA O REGIME SANCIONATÓRIO DE COMBATE AO TERRORISMO A QUEM SEJA REINCIDENTE
NA PRÁTICA DO CRIME DE INCÊNDIO FLORESTAL (QUINQUAGÉSIMA SÉTIMA ALTERAÇÃO AO
CÓDIGO PENAL)
Exposição de motivos
No período compreendido entre 1 de janeiro e 15 de outubro de 2022, os incêndios florestais consumiram
mais de 110 mil hectares, constituindo a maior área ardida desde 2017, segundos dados provisórios da base de
dados nacional de incêndios rurais do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), e mais do
que o triplo da área ardida em 2021.
No ano passado, por outro lado, registaram-se 10 449 incêndios rurais, ou seja, em comparação com 2021
o número de incêndios aumentou 37,3 % (mais 2839), sendo o mais elevado desde 2017.
Em declarações recentes, o Sr. Ministro da Administração Interna afirmou que os dados e indicadores
existentes apontam para uma probabilidade de o risco de incêndio ter aumentado 40 % relativamente ao que
existia no ano de 2022. Tendo em conta o número de incêndios rurais e a extensão de área ardida em 2022,
não é deslocado dizer que as perspetivas para este ano não são animadoras, no que concerne ao combate aos
incêndios florestais.
O Código Penal inclui o crime de incêndio na lista dos crimes de perigo comum, previstos nos artigos 272.º
a 286.º do Código Penal.
É próprio dos crimes de perigo que não seja condição de punibilidade a efetiva lesão do bem jurídico tutelado:
basta, para que haja crime, a verificação de um risco efetivo ou presumido de lesão do bem jurídico, e é essa
situação de perigo que constitui o objeto da tutela penal.
É próprio dos crimes de perigo comum, por seu turno, que a potencialidade de causar um dano incontornável
recaia sobre bens juridicamente tutelados de natureza vária: além da vida, da integridade física e do património
de outrem, não custa aqui incluir o ecossistema florestal, incluindo matas, pastagens, mato e quaisquer outras
formações vegetais espontâneas tal como estão definidos no Inventário Florestal Nacional, publicado pelo
Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas.
O crime de incêndio florestal foi criado pela Lei n.º 19/86, de 19 de julho, que previa um conjunto de crimes
e de contraordenações com um elo comum, a saber, o de se tratar de condutas que causam incêndios florestais
ou que propiciam a respetiva ocorrência.
O crime de incêndio florestal só foi tipificado no artigo 274.º do Código Penal pela Lei n.º 59/2007, de 4 de
setembro, que simultaneamente revogou os artigos 1.º a 4.º da Lei n.º 19/86, de 19 de julho, que previam alguns
tipos legais de crime e o correspondente regime sancionatório.
Posteriormente, a Lei n.º 56/2011, de 15 de novembro, alargou o tipo legal a incêndios em terrenos agrícolas,
tal como eles se encontram definidos no dito inventário e a Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto, aditou o regime
sancionatório que atualmente consta do artigo 274.º-A do Código Penal.
Este novo regime sancionatório foi ditado pela intenção de assegurar «[…] uma resposta sancionatória de
natureza penal que seja simultaneamente mais adequada à tutela dos bens jurídicos protegidos pela
incriminação e à reintegração do condenado na sociedade. Para o efeito, propõe-se o alargamento do âmbito
de aplicação da pena relativamente indeterminada e prevê-se a obrigação de permanência na habitação, com
fiscalização por meios técnicos de controlo à distância. Continua a prever-se a medida de segurança de
internamento de inimputável por período coincidente com os meses de maior risco de ocorrência de fogos, mas
agora sob a forma de alternativa à medida de segurança prevista no artigo 91.º do Código Penal.
Em relação a certos agentes imputáveis com acentuada inclinação para a prática de crime de incêndio
florestal, a pena aplicada tem vindo a revelar-se insuficiente do ponto de vista preventivo. Propõe-se, por isso,
que lhes possa ser aplicada a pena relativamente indeterminada, sanção orientada, na sua execução, no sentido
de eliminar essa acentuada inclinação, atendendo não apenas à culpa, mas também à perigosidade criminal do
agente […]» – cf. Proposta de Lei n.º 90/XIII/2.ª (GOV).
De acordo com o n.º 4 deste artigo 274.º-A, são pressupostos de aplicação da pena relativamente
indeterminada, quanto ao crime reiterado, a prática de crime doloso de incêndio florestal a que devesse aplicar-
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se concretamente pena de prisão efetiva; quanto ao crime anterior, é pressuposta a prática de crime doloso de
incêndio florestal a que tenha sido ou venha a ser aplicada pena de prisão efetiva. A dificuldade que estes
requisitos suscitam prende-se com o facto de «[…] a exigência de que ao crime anterior e ao reiterado
corresponda a aplicação de uma pena de prisão efetiva exclui do âmbito de aplicação da pena relativamente
indeterminada os crimes de incêndio florestal que sejam punidos com pena de substituição, mas já não os casos
em que a pena de prisão efetiva aplicada seja executada em regime de permanência na habitação, ao abrigo
do artigo 43.º do CP»1.
Daí que se proponha a eliminação da referência a pena de prisão «efetiva».
Por outro lado, é de considerar o seguinte:
A lei de combate ao terrorismo — LCT (Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto) inclui, no conjunto de condutas que
devem ser consideradas infrações terroristas, contanto que a sua intencionalidade se subsuma ao disposto no
proémio do n.º 3 do artigo 2.º, nada mais nada menos que «[…] a provocação de incêndios […] que coloquem
em perigo vidas humanas» [alínea g)]. Significa isto que o crime de perigo comum de incêndio florestal pode ser
considerado um crime terrorista, sempre que se verifique o referido dolo específico e quando ponha em risco,
pelo menos, o bem jurídico da vida humana.
Para o Chega, quem incendeia e destrói deve ser considerado terrorista.
Nestes termos, quem incendeia e destrói, sendo reincidente na prática do crime de incêndio florestal e
revelando acentuada inclinação para a prática deste crime, deve ser punido com prisão efetiva — em vez de ser
objeto da aplicação de uma pena relativamente indeterminada —, punição essa, que terá como referência o
regime incriminatório previsto na LCT, na parte aplicável.
Pelo exposto, e nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados
apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei aplica o regime sancionatório previsto na Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto, a quem seja
reincidente na prática do crime de incêndio florestal e revele acentuada inclinação para a prática deste crime.
Artigo 2.º
Alteração ao Código Penal
O artigo 274.º-A do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, na sua redação
atual, passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 274.º-A
[…]
1 – […]
2 – […]
3 – […]
4 – Quem praticar crime doloso de incêndio florestal a que devesse aplicar-se concretamente prisão efetiva
e tiver cometido anteriormente crime doloso de incêndio florestal a que tenha sido ou seja aplicada pena de
prisão ou pena substitutiva, é punido com pena de prisão de dois a 10 anos ou com a pena
correspondente ao crime praticado, agravada de um terço nos seus limites mínimo e máximo, se for
igual ou superior àquela, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 41.º do Código Penal, sempre que a
avaliação conjunta dos factos praticados e da personalidade do agente revelar uma acentuada inclinação para
a prática deste crime, que persista no momento da condenação.
1 ANTUNES, Maria João, et al. — O novo regime sancionatório do crime de incêndio florestal. Crime de Incêndio Florestal: E-book. Lisboa: CEJ, 2018, p. 14.
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5 – À incriminação prevista no número anterior é correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 4.º,
5.º-A, 6.º-A e 8.º da Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto.
Artigo 3.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Palácio de São Bento, 6 de abril de 2023.
Os Deputados do CH: André Ventura — Bruno Nunes — Diogo Pacheco de Amorim — Filipe Melo — Gabriel
Mithá Ribeiro — Jorge Galveias — Pedro dos Santos Frazão — Pedro Pessanha — Pedro Pinto — Rita Matias
— Rui Afonso — Rui Paulo Sousa.
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 599/XV/1.ª
ACESSO AOS APOIOS E PRESTAÇÕES SOCIAIS DECORRENTES DA DETENÇÃO DO ATESTADO
MÉDICO DE INCAPACIDADE MULTIUSO EM CASO DE INCUMPRIMENTO DO PRAZO DE REALIZAÇÃO
DA JUNTA MÉDICA
Exposição de motivos
O atestado médico de incapacidade multiuso é um documento emitido após avaliação da junta médica e que
atesta o grau e tipo de incapacidade, física ou mental, permanente ou temporária, de uma determinada pessoa.
A garantia dos cidadãos com deficiência no acesso a todas as medidas e benefícios que contribuam para a
sua integração e inclusão depende da emissão e apresentação deste documento. Assim, a necessidade em
obter o atestado médico de incapacidade multiuso é urgente e imediata, na medida em que só através da
apresentação do mesmo é dada a possibilidade de acesso a diversos apoios sociais (para além de benefícios
fiscais) como:
− Prestação Social para a Inclusão;
− acesso a assistência pessoal através de Centros de Apoio à Vida Independente (CAVI);
− cartão de estacionamento para pessoas com deficiência condicionadas na sua mobilidade, emitido pelo
IMT (nos termos do Decreto-Lei n.º 307/2003, de 10 de dezembro);
− crédito à habitação bonificado: bonificação na taxa de juro para compra ou construção da habitação. Se
a incapacidade for declarada depois da celebração do contrato de crédito, a instituição bancária é
obrigada, por lei, a convertê-lo de forma a beneficiar deste regime (nos termos do Decreto-Lei n.º 230/80,
de 16 de julho);
− limitações no aumento da renda de casa;
− isenção do pagamento de taxas moderadoras no Serviço Nacional de Saúde;
− comparticipação de medicamentos e do acesso a transporte não urgente de doentes;
− bonificação do abono de família;
− subsídio de educação especial;
− subsídio para assistência a filho com deficiência ou doença crónica;
− quota de emprego na Administração Pública;
− incentivos do IEFP à contratação de pessoas com deficiência no setor privado;
− prioridade no atendimento ao público;
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− acesso a contingentes especiais e a bolsas de estudo no ensino superior;
− descontos em transportes públicos;
− financiamento a 100 % de produtos ou tecnologias de apoio para pessoas com deficiência e incapacidade;
− descontos em telecomunicações.
Importa referir que, para aceder à maioria destes apoios é necessário ter um atestado multiuso que comprove
um grau de incapacidade de, pelo menos, 60 %.
Sucede que o prazo legalmente estipulado para aceder a uma junta médica é de 60 dias. Porém, atualmente,
tem-se verificado um incumprimento generalizado, persistente e reiterado deste prazo, sendo o tempo de espera
do cidadão para aceder ao referido certificado muito superior, ascendendo a mais de três anos para ser avaliado.
Ora, esta demora na realização da junta médica e consequente emissão do Atestado Médico de Incapacidade
Multiuso causa graves prejuízos a todos os que se encontram em condições no acesso aos apoios sociais acima
identificados. Penalizando os mais vulneráveis, os mais frágeis, aqueles a quem o Estado não pode falhar.
Recorde-se, aliás que, nos termos da Constituição, o Estado tem especiais deveres, no âmbito das políticas
de reabilitação e integração dos cidadãos com deficiência, tendo obrigação de assegurar a sua efetiva
realização.
Urge, assim, garantir que os cidadãos com deficiência ou presença de uma condição clínica grave tenham
efetivo acesso, e em tempo útil, a todas as medidas e benefícios que contribuam para a sua integração e inclusão
e que não vejam negado o acesso a qualquer direito por motivos que lhes sejam totalmente alheios. Nessa
sequência, e sem prejuízo da necessidade de adoção de medidas estruturais, que de forma sistémica e global
permitam ultrapassar os constrangimentos verificados na obtenção dos referidos atestados, importa desde já,
assegurar que o cidadão não é penalizado por incumprimentos e atrasos que não lhe são imputáveis.
Assim, pelo exposto e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados do
PSD abaixo assinados propõem que a Assembleia da República recomende ao Governo que regulamente, no
prazo de 60 dias, que o acesso a todos os apoios e prestações sociais decorrentes da detenção do atestado
médico de incapacidade multiuso sejam garantidos a partir do 61.º dia a contar do respetivo requerimento,
mesmo que não se verifique a realização de junta médica no prazo previsto dos 60 dias.
Palácio de São Bento, 10 de abril de 2023.
As Deputadas e os Deputados do PSD: Clara Marques Mendes — Ricardo Baptista Leite — Luís Gomes —
Nuno Carvalho — Rui Cristina — Sofia Matos — Helga Correia — Cláudia Bento — Pedro Melo Lopes — João
Barbosa de Melo — Isabel Meireles — António Maló de Abreu — Isaura Morais — Emília Cerqueira — Fátima
Ramos — Fernanda Velez — Firmino Marques — Firmino Pereira — Germana Rocha — Guilherme Almeida —
Hugo Maravilha — Joana Barata Lopes — Pedro Roque — Carla Madureira — Francisco Pimentel — Gabriela
Fonseca — Hugo Patrício Oliveira — Inês Barroso — João Prata — Jorge Salgueiro Mendes — Jorge Paulo
Oliveira — Lina Lopes — Miguel Santos — Mónica Quintela — Olga Silvestre — Patrícia Dantas — Paula
Cardoso — Sónia Ramos.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.