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Sexta-feira, 19 de maio de 2023 II Série-A — Número 228
XV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2022-2023)
S U M Á R I O
Projetos de Resolução (n.os 707 e 708/XV/1.ª):
N.º 707/XV/1.ª (CH) — Recomenda ao Governo adaptar os sistemas judiciais e extrajudiciais aos direitos, interesses e necessidades específicas das crianças. N.º 708/XV/1.ª (PS) — Recomenda ao Governo que proceda às diligências necessárias com vista à defesa da biodiversidade e proteção das zonas húmidas do Algarve.
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 707/XV/1.ª
RECOMENDA AO GOVERNO ADAPTAR OS SISTEMAS JUDICIAIS E EXTRAJUDICIAIS AOS
DIREITOS, INTERESSES E NECESSIDADES ESPECÍFICAS DAS CRIANÇAS
Exposição de motivos
Ao longo dos Séculos XX e XXI a proteção das crianças e jovens tornou-se uma questão cada vez mais
relevante em todo o mundo. Como resultado, foram estabelecidos diversos mecanismos e instrumentos
jurídicos tanto no âmbito nacional como internacional com o objetivo de garantir a proteção e promoção dos
seus direitos.
Esses mecanismos e instrumentos jurídicos têm como objetivo assegurar que as crianças e jovens sejam
tratados com respeito, dignidade e igualdade, e que as suas necessidades e interesses sejam considerados
prioritários. Abrangem áreas como a educação, a saúde, a proteção contra abuso, exploração e violência, bem
como o direito de participação e expressão.
No âmbito internacional, diversas convenções e tratados têm vindo a ser adotados para proteger os direitos
das crianças. Destaca-se a Convenção sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas1, que estabelece um
conjunto abrangente de direitos para todas as crianças, independentemente da sua origem étnica, religião,
género ou qualquer outra condição. Estes instrumentos internacionais incentivam os diversos países a
adotarem medidas legislativas e políticas que estejam em conformidade com os padrões internacionais de
proteção das crianças.
São avanços jurídicos que refletem o reconhecimento da importância em garantir um ambiente seguro e
propício para o desenvolvimento saudável de crianças e jovens. No entanto, é fundamental que essas leis
sejam implementadas de forma eficaz e que haja um compromisso contínuo por parte dos governos e da
sociedade em geral para garantir que os direitos das crianças sejam respeitados e promovidos em todos os
contextos.
Em resposta às recomendações do Comité dos Direitos da Criança, Portugal elaborou a Estratégia
Nacional dos Direitos das Crianças 2021-2024 (ENDC 2021-2024)2, aprovada em 2020 e estruturada em cinco
prioridades e objetivos estratégicos, em prol da proteção e promoção dos direitos das crianças e dos jovens.
Uma das prioridades, designada Prioridade III, pretende promover a informação e o conhecimento das
crianças e jovens sobre os seus direitos e garantir a formação adequada aos profissionais que interagem
sistematicamente com crianças e jovens, entre outros, no sistema judicial, onde se incluem objetivos
operacionais dos quais destacamos:
● «Promover medidas de proteção dos direitos das crianças e jovens na intervenção dos organismos
públicos em todas as dimensões do seu âmbito de atuação»;
● «Implementar medidas e mecanismos favoráveis à participação das crianças e jovens»;
● «Melhorar o contacto das crianças e jovens com o sistema de justiça».
A quarta prioridade da ENDC 2021-2024 incide em proteger crianças e jovens contra todas as formas de
violência e abuso, incluindo violência doméstica, maus-tratos, exploração e abuso sexual. Essa prioridade
procura implementar estratégias e medidas de prevenção e combate à violência em diversos contextos, como
o lar, a escola, as comunidades e o mundo digital. Ela inclui dois objetivos estratégicos e doze objetivos
operacionais, que serão desenvolvidos através de planos de ação bienais, dos quais destacamos dois que
incidem no âmbito da justiça:
● «Qualificar as equipas de assessoria técnica aos tribunais (ATT)»;
● «Qualificar a intervenção no âmbito da justiça juvenil».
A participação efetiva das crianças nos processos judiciais que lhes digam respeito é crucial para melhorar
o funcionamento da justiça e garantir o princípio do superior interesse da criança. As crianças têm o direito de
1Cf. convencao_sobre_direitos_da_crianca.pdf (ministeriopublico.pt) 2 Cf. 0000200022.pdf (dre.pt)
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serem ouvidas e expressar as suas opiniões, e estas devem ser amplamente consideradas. No entanto,
apesar das mudanças legislativas que promovem o fortalecimento do papel da criança, a sua audição em
contexto judicial ainda não é garantida na prática judiciária e nem sempre são fornecidas as condições
adequadas, o que continua a configurar uma preocupação na União Europeia, apesar do reconhecimento nos
instrumentos europeus e internacionais sobre a importância da participação das crianças nos processos
judiciais.
Acresce referir que existem publicadas, desde 2020, as Diretrizes do Comité de Ministros do Conselho da
Europa sobre a justiça adaptada às crianças3, que têm como objetivo garantir um sistema de justiça que trate
as crianças com dignidade, respeito, cuidado e equidade e que seja acessível, compreensível e confiável.
A citada publicação contém diretrizes e exemplos de boas práticas para orientar os profissionais do sistema
judicial, incluindo juízes, agentes da autoridade, profissionais da saúde e do serviço social, defensores dos
direitos da criança, pais e cuidadores. A implementação efetiva destas diretrizes requer promoção, divulgação
e acompanhamento, além do apoio de parceiros internacionais, como a União Europeia e a UNICEF, e das
partes interessadas a nível nacional e da sociedade civil.
A Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA) publicou também, em 2015, um relatório
intitulado Uma justiça adaptada às crianças: perspectivas e experiências de profissionais4. O relatório revela
que os procedimentos judiciais ainda não estão totalmente adequados para crianças e existem variações entre
os Estados-Membros e também dentro de cada país.
Um sistema de justiça adaptado protege a criança, dá-lhe voz e atenção, interpreta as suas palavras sem
comprometer a confiabilidade da justiça ou o seu superior interesse.
Assim, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentalmente aplicáveis, os Deputados do Grupo
Parlamentar do partido Chega recomendam ao Governo que:
1 – Promova ações de capacitação e conscientização dirigidas aos profissionais do sistema judicial e
extrajudicial sobre os direitos das crianças, desenvolvimento infantil, questões psicossociais e técnicas de
comunicação apropriadas para lidar com crianças.
2 – Possibilite a participação ativa da criança em procedimentos judiciais e extrajudiciais, consentindo que
as mesmas se expressem de maneira apropriada ao seu nível de desenvolvimento.
3 – Desenvolva normas procedimentais que considerem as necessidades específicas das crianças,
nomeadamente as que resultam da sua idade, nível de maturidade, capacidade de compreensão e bem-estar
emocional.
4 – Desenvolva normas técnicas referentes a instalações, nomeadamente salas de audiência e ambientes
amigáveis para crianças.
5 – Promova o uso de linguagem clara e compreensível, permitindo sempre a presença de um profissional
clínico ou familiar para apoio emocional durante todo o processo.
6 – Garanta a proteção e segurança das crianças durante todas as fases, de forma a evitar qualquer
exposição ao risco, garantir a privacidade e confidencialidade das informações pessoais das crianças, e
implementar medidas de proteção reforçadas em casos de abuso, negligência ou qualquer outra forma de
violência.
7 – Promova a cooperação e coordenação interdisciplinar envolvendo os diferentes atores do sistema de
justiça e outros profissionais, nomeadamente, assistentes sociais, psicólogos, educadores e profissionais de
saúde.
Assembleia da República, 16 de maio de 2023.
Os Deputados do CH: André Ventura — Bruno Nunes — Diogo Pacheco de Amorim — Filipe Melo —
Gabriel Mithá Ribeiro — Jorge Galveias — Pedro dos Santos Frazão — Pedro Pessanha — Pedro Pinto —
Rita Matias — Rui Afonso — Rui Paulo Sousa.
———
3 Cf. 16806a45f2 (coe.int) 4 Cf. Justiça adaptada às crianças: perspetivas e experiências dos profissionais – Resumo (europa.eu)
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 708/XV/1.ª
RECOMENDA AO GOVERNO QUE PROCEDA ÀS DILIGÊNCIAS NECESSÁRIAS COM VISTA À
DEFESA DA BIODIVERSIDADE E PROTEÇÃO DAS ZONAS HÚMIDAS DO ALGARVE
O conhecimento científico alerta-nos para as dramáticas consequências das alterações climáticas e da
drástica redução da biodiversidade ao nível global que importa minimizar e reverter.
Portugal tem sido pioneiro na assunção de metas internacionais e de políticas estratégicas em matéria de
transição energética, até 2030 devemos alcançar uma meta de 70 % de energia de fonte renovável no
consumo final bruto de energia e dispor de 30 % do território nacional, terrestre e marítimo, sob um regime de
proteção ambiental.
O Algarve, sublinhe-se, possui já no presente cerca de 36 % do seu território sob um regime de proteção
ambiental, sendo de salientar, no Sotavento Algarvio, o Parque Natural da Ria Formosa e a Reserva Natural
do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António, na zona central, as áreas de Paisagem Protegidas
Locais da Rocha da Pena e da Fonte Benémola e, no Barlavento Algarvio, a ria de Alvor, incluída na Rede
Natura 2000, e o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina.
Mas a região, que ambiciona ser cada vez mais reconhecida como um território de excelência ambiental,
para além destas grandes áreas de vida e biodiversidade, possui um conjunto de outras pequenas zonas
costeiras de diversas origens e fisionomias, com relevante riqueza e importância ecológica, que importa
proteger e valorizar.
Por essa razão, em 2018, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresentou uma iniciativa com o
objetivo de proteger e valorizar um conjunto de pequenas zonas húmidas, áreas de sapal, paul, turfeira ou
água doce, que, ao longo da história, por desconhecimento ou incúria, foram considerados territórios pobres e
marginais, reconhecendo, pelo contrário, a importância central destes ecossistemas para a biodiversidade.
Atento à necessidade de proceder ao estudo, classificação e proteção destas zonas húmidas, o Ministério
do Ambiente viria a abrir um aviso, através do Fundo Ambiental, que resultou num estudo levado a efeito pela
associação ambientalista Almargem, em colaboração com outras ONG, sobre a caracterização da foz do
Almargem e do Trafal, em Loulé, a lagoa dos Salgados, em Silves e Albufeira, as Alagoas Brancas, em Lagoa,
e do paul de Lagos, em Lagos. Deste trabalho no terreno resultou um maior conhecimento científico sobre a
realidade ambiental destes territórios e diferentes propostas de intervenção.
No que se refere à foz do Almargem e ao Trafal, onde foram identificadas 137 espécies, com destaque
para as aves aquáticas invernantes e migratórias, a Câmara Municipal de Loulé decidiu suspender o Plano
Diretor Municipal e aprovar, com o voto contra do PSD, medidas preventivas sobre aquele território, propondo
a sua classificação enquanto Reserva Natural Local.
Em relação à lagoa dos Salgados, que integra uma vasta área conhecida por Praia Grande, onde ainda se
inclui uma outra zona húmida, o Sapal da Ribeira de Alcantarilha e onde foram identificados 12 habitats
naturais e seminaturais, 13 espécies de flora RELAPE (raras, endémicas, localizadas, ameaçadas ou em
perigo de extinção), incluindo um grande povoamento de linaria algarviana, e de aves com distribuição
reduzida ou mesmo ameaçadas de extinção em Portugal, como o colhereiro. Numa década foram identificadas
221 espécies de aves, o equivalente a cerca de 60 % do total de espécies registadas em toda a região. O
Governo veio propor, através do Ministério do Ambiente, a criação de uma reserva natural, a primeira área
protegida nacional a ser criada nos últimos 21 anos em Portugal.
Refira-se que entre Lagoa e Albufeira está ainda prevista a criação de uma outra reserva natural, deste
feito em espaço marítimo. Ao longo de 94 km2, do Farol da Alfanzina à Marina de Albufeira, existe um oásis a
30 metros de profundidade onde foram identificadas 1294 espécies marinhas, das quais 1020 invertebrados,
141 vertebrados e 133 espécies de algas e onde se propõe a criação de uma área marinha protegida de
interesse comunitário.
Já em Lagos, a câmara municipal vem desenvolvendo há vários anos, com o apoio da Sociedade
Portuguesa para o Estudo das Aves, a caracterização e valorização da várzea da ribeira de Bensafrim, onde
foram identificadas 210 espécies de avifauna, 32 espécies de mamíferos, 17 espécies de anfíbios e répteis, 37
de borboletas, 373 diferentes plantas vasculares, tendo sido igualmente identificados 9 habitats, um deles
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prioritário para a conservação. A autarquia já executou e aprovou o Plano de Pormenor, que prevê a criação
do parque ambiental do paul de Lagos, projeto a desenvolver numa área de 24,4 hectares, de forma a garantir
a melhoria e a diversificação dos habitats existentes e o aumento da biodiversidade daquele território.
Merece ainda referência, em Aljezur, a recente constituição e aprovação pelo Instituto de Conservação da
Natureza e das Florestas, da Área Protegida Privada do Vale das Amoreiras. Um bosque autóctone de
sobreiros e carvalhos de grande porte onde ao longo de cerca de 10 hectares se podem encontrar algumas
espécies raras em Portugal, como o carvalho-de-monchique ou a senecio lopezii, planta endémica da
Península Ibérica que, em Portugal, apenas existe no Algarve e que, segundo a Lista Vermelha da Flora
Vascular de Portugal Continental, encontra-se em perigo de extinção.
Nesta lista ficou, contudo, mais atrasada a intervenção nas Alagoas Brancas, em Lagoa. Trata-se de uma
zona húmida de água doce e carácter sazonal, no concelho de Lagoa, que, não obstante a sua pequena
dimensão, o estado de abandono com entulho e lixo e a proximidade de atividades humanas, por estar
inserida, segundo o Plano Diretor Municipal, numa zona urbana (ladeado por uma estrada nacional,
hipermercados e várias habitações) foram identificadas 114 espécies de aves, 13 espécies de repteis e 71
espécies de insetos e outros artrópodes.
A proximidade das Alagoas Brancas com importantes locais de alimentação de diversas aves aquáticas,
como é o caso dos arrozais de Lagoa, não pode estar dissociada da importância do local, em particular para
espécies invernantes, que aproveitam este sítio quando está alagado, sendo de destacar durante o período de
inverno a concentração de Íbis-preta que pode representar até 1 % da população regional.
Em face das limitações, tanto legais como de degradação, na recuperação deste ecossistema, que do
ponto de vista da hierarquia da biodiversidade não é comparável com outras zonas húmidas estudadas e aqui
referidas, mas ainda assim, tendo presente a importância das bacias de água doce como locais de nidificação
e concentração de aves, bem como de outras espécies, o município de Lagoa tem mostrado vontade e
disponibilidade para recriar, em zona próxima, um habitat mais protegido das atividades humanas e onde seja
possível efetuar uma gestão adequada dos caudais de água doce durante todo o ano, de forma a restaurar um
ecossistema que proteja as espécies identificadas no local e até potencie a biodiversidade que hoje podemos
identificar nas Alagoas Brancas. A intenção, reconhecemos, não recolhe unanimidade, mas parece-nos um
caminho que em face das limitações e atuais circunstâncias pode e deve ser estudado e explorado.
Tendo em conta que o próprio ICNF não encontrou razões ambientais para a classificação nacional das
Alagoas Brancas, remetendo a sua eventual proteção para decisão de nível local e/ou regional, e atendendo a
que as próprias Nações Unidas apontam em determinadas circunstâncias a possibilidade de restaurar e
relocalizar um ecossistema e que essa parece ser a opção da autarquia de Lagoa, o Grupo Parlamentar do
Partido Socialista formula o presente conjunto de recomendações de intervenção.
Assim, nos termos regimentais e constitucionais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo
Parlamentar do Partido Socialista apresentam o seguinte projeto de resolução:
A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República
Portuguesa, recomendar ao Governo que, no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência e do apoio a
projetos para o setor agrícola:
1. Avance com a institucionalização da Reserva Nacional da Lagoa dos Salgados e da Área Marinha
Protegida de Interesse Comunitário da Pedra do Valado, envolvendo na sua gestão os municípios e os
agentes da região (universidade e ONG);
2. Apoie, científica e financeiramente, os municípios de Loulé, Lagoa e Lagos na prossecução da Reserva
Natural Local da Foz do Almargem e Trafal, da eventual restauração das Alagoas Brancas e da criação do
Parque Ambiental do Paul de Lagos;
3. Consolide o projeto de proteção das pradarias de ervas marinhas, refúgio e habitat dos cavalos-
marinhos na Ria Formosa e apoie o projeto de criação em cativeiro desenvolvido pela Universidade do Algarve
(CCMar);
4. Apoie a conservação da comunidade de adelfeirais na serra de Monchique, relíquia da floresta de
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laurissilva que ocupou a Península Ibérica em épocas geológicas passadas, quando o clima dominante era
tropical;
Palácio de São Bento, 19 de maio de 2023.
As Deputadas e os Deputados do PS: Luís Graça — Jamila Madeira — Jorge Botelho — Isabel Guerreiro
— Francisco Pereira de Oliveira — Ricardo Pinheiro — Maria da Luz Rosinha — António Monteirinho —
Nelson Brito — Raquel Ferreira.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.