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29 DE JUNHO DE 2023

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equivale, no rigor material das coisas, a uma extensão da norma revogada, que seria determinada pela teleologia

que uma particular conceção do intérprete considerasse presente no plano do legislador ao formular a sequência

normativa na execução de uma ideia, diretamente expressa, de política legislativa. Mas nem tal conceção

teleológica é patente (bem em diverso, a nova ideia de política criminal foi precisamente a descriminalização do

consumo de drogas como resulta da intenção política enunciada na Resolução do Conselho de Ministros n.º

46/99, de 26 de maio, que aprovou a Estratégia Nacional de Luta contra a Droga, sobre o tratamento

sancionatório do consumo de droga) nem a consequente extensão teleológica (descriminalização do consumo

apenas quando o consumidor detivesse produto para o consumo de 10 dias) é admissível como instrumento

metodológico com o efeito de adensar a dimensão penal de comportamentos, enfraquecendo e encurtando o

princípio da legalidade.»

O resultado da aplicação da referida Jurisprudência sobre a subsistência da criminalização da detenção de

droga para consumo é inequívoco e preocupante. Conforme refere o Relatório Anual de 2018 do Serviço de

Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), foram condenadas 1820 pessoas ao

abrigo da Lei da Droga em 2018, cerca de 57 % foram-no por tráfico, 43 % por consumo e menos de 1 % por

tráfico-consumo. O relatório é claro sobre esta matéria ao afirmar que «É de notar que as condenações por

consumo que aumentaram a partir de 2009 – relacionado com a fixação de jurisprudência sobre as situações

para consumo próprio em quantidade superior à necessária para o consumo médio individual durante 10 dias –

têm registado um acréscimo significativo nos últimos anos. Em cerca de 99 % das condenações por consumo

em 2018 foi feita a referência expressa a este Acórdão»5.

Neste conspecto, importa afirmar que a mera posse de droga para consumo individual não é uma

«antecâmara necessária de uma linha evolutiva para um estágio criminal de nível superior como é o caso do

tráfico», uma conclusão feliz de José Tomé de Carvalho e Rui Pedro Luís6. Aliás como bem sintetiza Faria

Costa7, não há nenhuma razão para «o legislador querer continuar a punir como crime, em função de um critério

puramente quantitativo, uma conduta que, com fundamentos vários, decidiu despenalizar».

Mais de 20 anos passados desde a instituição de um novo paradigma nesta matéria pode dizer-se que o

destino vaticinado por muitos, de que Portugal se transformaria num paraíso de consumidores em níveis

alarmantes, com uma insegurança urbana incontrolada, falhou clamorosamente.

À luz do dados que constam do Relatório Europeu sobre Drogas de 2019, elaborado pelo Observatório

Europeu da Droga e da Toxicodependência, designadamente os que respeitam às estimativas de prevalência

de consumo do nosso País, medidas em contexto Europeu, são bastante favoráveis, assinalando-se, aliás, que

são consideravelmente melhores do que as que apresentam a grande maioria dos países onde se mantém com

rigor a criminalização do consumo. A título exemplificativo, relativamente à prevalência do consumo de cannabis

em 2019, Portugal encontra-se no escalão entre 5,1 e 10, abaixo de países que criminalizam o consumo,

nomeadamente França (>15) e Alemanha, Inglaterra, Finlândia e Noruega (10,1-15), assim como de países que

punem o seu consumo administrativamente, designadamente Espanha e Itália (>15). Relativamente à cocaína,

Portugal situa-se no primeiro escalão, entre 0 e 0,5, bastante inferior a toda a Europa Ocidental e do Sul

(Espanha, França e Inglaterra com >2,5; Itália, Alemanha e Bélgica com resultados entre o 1,1 e 2,5).

Como conclui o Sumário Executivo do Relatório Anual de 2018 do SICAD8, «Portugal continua a surgir abaixo

dos valores médios europeus nas prevalências de consumo recente de cannabis, de cocaína e de ecstasy (e

ainda mais quando se trata da população de 15-34 anos), as três substâncias ilícitas com maiores prevalências

de consumo em Portugal.»

Vale isto por dizer que o cenário catastrofista que muitos vaticinavam não se concretizou. A descriminalização

em Portugal não só não produziu um aumento exponencial do consumo, como os seus resultados indicam que

a descriminalização per si não representa nenhum fator de incentivo ao consumo.

Torna-se, pois, necessária, como conclui Eduardo Maia Costa9, uma intervenção legislativa «no sentido de

considerar toda a detenção/aquisição de estupefacientes descriminalizada, desde que se prove evidentemente

que se destina a consumo pessoal (…). O limite quantitativo apenas poderá funcionar como mero indício de

5 Pág. 112. 6 «Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça do Pleno das Secções Criminais n.º 8/2008. Fixação de Jurisprudência ou um verdadeiro Assento? – As hipotéticas questões constitucionais que podem afetar a compatibilidade do aresto com a Lei Fundamental», in Revista JULGAR, n.º 23, Almedina, 2014, pág. 228. 7 Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 134, n.º 3930, fls. 275 ss. 8 Pág. 8. 9 Cfr. Eduardo MAIA COSTA, «Consumo de estupefacientes, evolução e tensões no direito português», Julgar, 32, maio-agosto de 2017.

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