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Quarta-feira, 26 de julho de 2023 II Série-A — Número 265

XV LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2022-2023)

S U M Á R I O

Resolução (a):

Recomenda ao Governo que oriente as instituições de ensino superior para a criação de códigos de conduta. Projetos de Lei (n.os 867 a 869/XV/1.ª):

N.º 867/XV/1.ª (BE) — Medidas urgentes para assegurar o pleno funcionamento das urgências e outros serviços dos estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde, captar e fixar profissionais e garantir o acesso à saúde a toda a população. N.º 868/XV/1.ª (PAN) — Aprova um regime excecional de renegociação dos contratos de crédito aplicáveis às micro, pequenas e médias empresas, às instituições particulares de

solidariedade social, às associações sem fins lucrativos e às entidades da economia social: — Texto inicial. — Alteração do texto inicial do projeto de lei. N.º 869/XV/1.ª (PAN) — Prevê o fim do método do abate por trituração de pintainhos machos.

Projeto de Resolução n.º 847/XV/1.ª (PCP): Reforço dos comboios suburbanos, o novo canal de alta velocidade e a modernização da infraestrutura ferroviária em Vila Franca de Xira.

(a) Publicada em Suplemento.

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PROJETO DE LEI N.º 867/XV/1.ª

MEDIDAS URGENTES PARA ASSEGURAR O PLENO FUNCIONAMENTO DAS URGÊNCIAS E

OUTROS SERVIÇOS DOS ESTABELECIMENTOS DO SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE, CAPTAR E

FIXAR PROFISSIONAIS E GARANTIR O ACESSO À SAÚDE A TODA A POPULAÇÃO

Exposição de motivos

Desde final do ano passado que o Governo adotou uma estratégia de encerramentos rotativos em várias

urgências do Serviço Nacional de Saúde, em particular urgências obstétricas e urgências pediátricas.

A estratégia, apresentada como temporária, tem vindo a perpetuar-se no tempo e a cada novo plano são

cada vez mais as maternidades e urgências encerradas. Se no período da passagem de ano eram cinco as

urgências obstétricas encerradas (Caldas da Rainha, Loures, Barreiro, Beja e Portimão), no início de 2023 a

lista aumentou para nove (Santarém, Vila Franca de Xira, Amadora-Sintra, Abrantes, Caldas da Rainha, Lisboa,

Loures, Barreiro e Portimão) e agora, no chamado plano de verão, são onze as maternidades e urgências com

encerramentos contemplados, duas delas de forma prolongada. A essas acrescem urgências pediátricas que

seguem o mesmo esquema do chamado «encerramento rotativo» (Torres Vedras, Torres Novas, Loures, São

Francisco Xavier, Barreiro-Montijo, Hospital São Bernardo e Centro Hospitalar e Universitário do Algarve).

São ainda incluídas, pela primeira vez, maternidades privadas para as quais já estão a ser transferidas

grávidas do Serviço Nacional de Saúde.

O facto de ao longo destes meses a situação nas urgências apenas se ter degradado demonstra o falhanço

de toda a estratégia do Governo. Perante a falta gritante de profissionais no SNS, nomeadamente trabalhadores

médicos, o Governo optou por encerrar serviços em vez de captar e fixar mais pessoas para os hospitais e

centros de saúde. Perante a incapacidade de garantir escalas por clara falta de profissionais, o Governo aposta

em intensificar ainda mais o recurso a horas extraordinárias, muito para lá do limite legal.

O resultado está à vista: os encerramentos estão a tornar-se permanentes e definitivos, o maior hospital do

País encerra (não por obras, mas por falta de profissionais para garantir as escalas) e tem de enviar grávidas

para hospitais privados e a tal previsibilidade, tantas vezes propalada pelo Governo, é mera propaganda sem

qualquer adesão à realidade.

Essa tal «previsibilidade» afasta os serviços de saúde da população, desrespeita os direitos das mulheres

grávidas, faz com que o bloco de partos do maior hospital do País não consiga funcionar. Não consegue sequer

cumprir os planos de encerramentos que são publicitados: o Hospital de Santa Maria já não está, no mês de

julho, em pleno funcionamento, o Hospital de Chaves tem encerrado a urgência de pediatria por falta de

profissionais, no Hospital de Leiria os profissionais dizem que não é possível assegurar a escala da urgência

pediátrica nem receber todas as grávidas encaminhadas pelo hospital das Caldas da Rainha. O mesmo já foi

dito pelo Centro Hospitalar Tondela-Viseu.

Em suma, uma situação cada vez mais degradada, que o Governo quer tentar ignorar com meros slogans e

propaganda, mas para a qual não tem soluções.

Facto é que existe hoje um número intolerável de utentes sem médico de família. A cobertura universal deste

serviço essencial já deveria ter sido atingida há muito, mas a forma como o Governo do PS se recusou a melhorar

condições de trabalho e de carreira e a colocar em prática a exclusividade nos cuidados de saúde primários

levou a uma degradação da situação desde o final de 2019. Com quase 1,6 milhões de utentes sem médico de

família o acesso a cuidados de saúde está comprometido, principalmente em regiões como Lisboa e Vale do

Tejo, Alentejo e Algarve onde a percentagem de utentes a descoberto é mais alta.

A isto acresce uma situação hospitalar onde não se consegue fazer face às necessidades de saúde da

população, o que resulta em mais utentes em lista de espera. Em 2022, o número de utentes em lista de espera

para consulta hospitalar aumentou mais de 11 % em relação a 2021, com 583 mil pedidos de primeira consulta

não concluídos. O mesmo aconteceu em relação às cirurgias: o número de utentes a aguardar cirurgia aumentou

para 235 mil (o que compara com os 210 mil em 2021).

Por último, existe ainda a grave situação das urgências que continuará a agravar-se se nada for feito. O

problema é que o Governo parece estar apostado nisso mesmo: em nada fazer. Prova disso é a forma como

(não) negoceia com médicos, enfermeiros e farmacêuticos, entre muitos outros grupos profissionais que

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compõem o SNS. Os simulacros de negociação não escondem o essencial: o Governo não quer gastar mais

com os profissionais, não está disposto a tomar medidas realmente eficazes e entretém-se em protocolos

negociais que se arrastam, mas para os quais não leva propostas concretas.

Não foi este o Governo que disse aos farmacêuticos hospitalares que estava aberto a negociar tudo desde

que as matérias não tivessem impacto nas finanças? Não é este o Governo que aos médicos apenas tem

proposto um regime onde paga um pouco mais para muito mais horas de trabalho ou por listas de utentes muito

maiores? Não é este o Governo que acha que a solução passa por obrigar os médicos a trabalhar mais dois

meses por ano? Ou que corta os mapas de pessoal propostos pelos centros hospitalares e diz que eles têm de

trabalhar com muito menos recursos do que aqueles que são necessários?

A manter o caminho traçado pelo Governo PS a situação só tenderá a agravar-se e a privatização do SNS

tenderá a acentuar-se. Continuar-se-á a gastar mais para ter menos SNS, como aconteceu com os 170 milhões

gastos em tarefeiros em 2022 ou como está a acontecer com o envio de utentes para privados quando o SNS

deveria ter todas as condições para dar resposta às necessidades de saúde da população.

A iniciativa legislativa que o Bloco de Esquerda apresenta é um programa para estagnar a degradação do

SNS e impedir o encerramento gradual e consecutivo de serviços de saúde, nomeadamente de urgências

hospitalares. É um programa de urgência porque ninguém que defenda o SNS pode ficar de braços cruzados a

assistir a encerramentos atrás de encerramentos, à privatização de uma área – a da saúde materno-infantil –

que sempre foi especial para o SNS, à degradação dos cuidados prestados à população e às grávidas em

particular, à destruição de serviços como o de obstetrícia no Hospital de Santa Maria.

Assim, propomos que se abandonem os simulacros de negociações e que de uma vez por todas se assuma

como objetivo trazer mais profissionais para o SNS. Isso não se faz com o desrespeito que tem sido demonstrado

pelo Governo, mas sim com melhores condições de trabalho e de carreira. Em vez de uma suposta dedicação

plena, através da qual o Governo quer colocar os trabalhadores médicos a trabalhar mais dois meses por ano,

é preciso é avançar para uma dedicaçãoexclusiva para todos os profissionais que a queiram abraçar e que

resulte, de imediato, numa valorização de 40 %, como o Bloco de Esquerda tem proposto.

Essa é a primeira proposta: abrir, de imediato, um processo de adesão voluntária à exclusividade para todos

os trabalhadores do SNS e, ao mesmo tempo, abrir a possibilidade de profissionais de saúde do sector privado

e social poderem aderir a tal regime, integrando-se no SNS.

A abertura de tal processo, nomeadamente de captação de profissionais que estão fora do SNS, não é

compatível com os vetos de gaveta feitos pelo Governo às propostas de aumento de mapa de pessoal feitos

pelos centros hospitalares.

O que se determina pela presente lei é que todas as instituições do SNS que não consigam garantir escalas

de serviços por falta de profissionais ou sem ser com o recurso a horas extraordinárias para lá do limite legal

ficam, de imediato, autorizadas a abrir vagas para contratações para preenchimento dos mapas desses mesmos

serviços e, sempre que necessário, ficam autorizadas a adaptar e aumentar o seu mapa de pessoal. Determina-

se ainda, para evitar tais vetos de gaveta, que todos os planos de atividades e orçamento dos hospitais têm

deferimento tácito a partir do dia 31 de janeiro e que qualquer alteração às propostas feitas pelas entidades do

SNS deve ter fundamentação justificativa por parte do Governo.

Para garantir um maior e melhor acompanhamento, em particular de situações de gravidez, propõe-se ainda

a majoração do atendimento complementar realizado nos cuidados de saúde primários, assim como a

contratualização de uma carteira de serviços para vigilância na gravidez. A verdade é que atualmente existem

milhares de mulheres, principalmente na Região de Lisboa e Vale do Tejo que estão sem acompanhamento na

gravidez, o que comporta riscos e sobrecarrega serviços de urgência. A proposta do Bloco de Esquerda é o

reforço desta vigilância, assim como do atendimento complementar, nos cuidados de saúde primários, medida

a vigorar até que a atual situação seja superada.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda

apresentam o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei cria medidas urgentes para assegurar o pleno funcionamento das urgências e outros serviços

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dos estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde, captar profissionais para e garantir o acesso à saúde a

toda a população.

Artigo 2.º

Processo de adesão ao regime de dedicação exclusiva com incentivos associados

1 – Com a presente lei é aberto um processo de adesão voluntária ao regime de dedicação exclusiva ao

Serviço Nacional de Saúde.

2 – Pode aderir ao regime de dedicação exclusiva qualquer profissional de saúde do Serviço Nacional de

Saúde, bastando para isso manifestar vontade junto do órgão de direção da instituição do SNS em que trabalhe

e demonstrar não ter incompatibilidades com este regime.

3 – Entende-se por incompatibilidade o desempenho de funções em instituições de saúde dos setores privado

e social, sejam de trabalho subordinado ou de prestação de serviços.

4 – Para cumprimento do previsto no n.º 2, os trabalhadores que adiram ao regime de exclusividade devem

apresentar no serviço ou estabelecimento onde exercem funções uma declaração de renúncia ao exercício de

atividades incompatíveis e, terminando essa renúncia, uma declaração correspondente. Para além dos

profissionais do SNS, os profissionais de saúde do setor privado ou social podem ingressar no Serviço Nacional

de Saúde em regime de exclusividade, podendo para tal ingressar no SNS em regime de exclusividade no

momento de contratação por instituição do SNS ou concorrendo aos concursos para contratação previstos no

artigo 4.º, ficando abrangidos pelo regime de incompatibilidades previsto nos números anteriores.

5 – Aos trabalhadores em exclusividade são concedidos os incentivos previstos no artigo seguinte.

Artigo 3.º

Incentivos associados à dedicação exclusiva

1 – Sem prejuízo de outros que venham a ser negociados e acordados com as estruturas representantes dos

trabalhadores, são incentivos à adesão ao regime de dedicação exclusiva os seguintes:

a) Majoração salarial em 40 % da respetiva posição remuneratória da TRU;

b) Majoração em 50 % dos pontos que relevam para progressão em carreira;

c) Aumento de dois dias de férias por cada cinco anos em regime de exclusividade.

2 – O regime de exclusividade e os incentivos previstos na presente lei são integrados nas carreiras

profissionais dos trabalhadores do Serviço Nacional de Saúde, sem prejuízo de outros incentivos que resultem

da negociação e acordo entre Governo e estruturas representantes dos trabalhadores.

Artigo 4.º

Autorização para abertura de concursos para contratação

1 – Ficam os órgãos máximos de gestão dos estabelecimentos inseridos no Serviço Nacional de Saúde

autorizados a abrir concursos e a celebrar contratos sem termo, nos termos da LTFP ou do Código do Trabalho,

consoante o caso, sempre que esteja em causa o recrutamento de trabalhadores para assegurar as escalas e

o pleno funcionamento de serviços.

2 – As contratações referidas no número anterior podem implicar o aumento dos mapas de pessoal.

3 – O aumento do mapa de pessoal, quando justificado pela necessidade de assegurar as escalas e pleno

funcionamento de serviços, não depende de autorização da tutela.

4 – Aos trabalhadores a recrutar nos concursos previstos no presente artigo é dada a opção de adesão ao

regime de dedicação exclusiva.

Artigo 5.º

Alteração ao Decreto-Lei n.º 52/2022, de 4 de agosto

São alterados os artigos 16.º, 17.º e 67.º do Decreto-Lei n.º 52/2022, de 4 de agosto, que aprova o Estatuto

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do Serviço Nacional de Saúde:

«Artigo 16.º

Regime de dedicação exclusiva

1 – As funções no SNS deverão ser exercidas preferencialmente em regime de dedicação exclusiva.

2 – Ao regime de dedicação exclusiva correspondem incentivos como a majoração remuneratória, a

majoração de pontos que relevam para a progressão de carreira, a redução do horário de trabalho, bem como

outros incentivos que venham a ser negociados com as estruturas representativas dos trabalhadores.

3 – O regime referido no número anterior prevê as modalidades de dedicação exclusiva obrigatória e

facultativa.

4 – A dedicação exclusiva é obrigatória no exercício de cargos de direção de departamentos e de serviços

de natureza assistencial, assim como de coordenação de unidades funcionais de cuidados de saúde primários.

5 – A dedicação exclusiva é facultativa, mediante adesão individual, no caso dos trabalhadores médicos e

de outros grupos profissionais que integram o Serviço Nacional de Saúde.

6 – O regime de dedicação exclusiva é incompatível com o desempenho de funções em instituições de saúde

dos setores privado e social, sejam de trabalho subordinado ou de prestação de serviços.

7 – (Revogado.)

8 – (Revogado.)

9 – (Revogado.)

10 – (Revogado.)

Artigo 17.º

[…]

1 –Nos casos em que a insuficiência devidamente fundamentada de profissionais de saúde possa

comprometer a prestação de cuidados de saúde, é da competência do órgão máximo de gestão dos

estabelecimentos e serviços do SNS a celebração de contratos de trabalho sem termo, nos termos da LTFP ou

do Código do Trabalho, consoante o caso.

2 – […]

3 – Para além do disposto nos números anteriores, é, ainda, da competência do órgão máximo de gestão

dos estabelecimentos de saúde integrados no Serviço Nacional de Saúde a celebração de contratos de trabalho

sem termo sempre que esteja em causa o recrutamento dos trabalhadores necessários ao preenchimento dos

postos de trabalho previstos no mapa de pessoal e no plano de atividades e orçamento aprovados ou sempre

que esteja em causa o recrutamento de trabalhadores para assegurar as escalas e o pleno funcionamento de

serviços.

4 – O aumento do mapa de pessoal, quando justificado pela necessidade de assegurar as escalas e pleno

funcionamento de serviços, não depende de autorização da tutela.

5 – (Anterior n.º 4.)

6 – (Anterior n.º 5.)

7 – (Anterior n.º 6.)

8 – (Anterior n.º 7.)

Artigo 67.º

[…]

1 – […]

a) a) […]

b) b) […]

c) c) […]

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2 – […]

a) (Revogado.)

b) […]

c) […]

d) […]

e) […]

f) […]

3 – Compete aos membros dos governos responsáveis pelas áreas das finanças e da saúde:

a) Aprovar os planos de atividade e orçamento;

b) [Anterior a).]

c) [Anterior b).]

d) [Anterior c).]

4 – Os planos de atividade e orçamento devem ser entregues ao governo até ao dia 31 de dezembro e ser

aprovados pelos membros dos governos responsáveis pelas áreas das finanças e da saúde até ao dia 31 de

janeiro do ano seguinte, data a partir da qual têm deferimento tácito.

5 – Qualquer alteração feita pelos membros dos governos responsáveis pelas áreas das finanças aos planos

de atividade e orçamento, em particular à proposta de mapa de pessoal, deve ser acompanhada de justificativa

para essa alteração.

6 – (Anterior n.º 4.)»

Artigo 6.º

Reforço dos cuidados de saúde primários

1 – São reforçados os serviços de atendimento complementar nos cuidados de saúde primários.

2 – São criadas carteiras adicionais de serviços para vigilância da gravidez, de forma que todas as grávidas,

sejam devidamente acompanhadas até ao momento do parto.

3 – Para as medidas previstas nos números anteriores é majorado em 50 % o valor pago por trabalho

suplementar nos cuidados de saúde primários ou aplicados os valores previstos no artigo 3.º do Decreto-Lei

n.º 50-A/2022, de 25 de julho, na sua atual redação, conforme o que for mais favorável ao trabalhador.

4 – De forma a conciliar a vida profissional e a vida pessoal e ainda a garantir a segurança dos profissionais

de saúde e dos utentes, os profissionais de saúde não podem ser obrigados a fazer horas suplementares para

além do limite legalmente estabelecido.

5 – São também abertos concursos para contratação sem termo em todos os centros de saúde com carência

de trabalhadores, com opção de adesão ao regime de dedicação exclusiva e aos incentivos no artigo 3.º da

presente lei.

6 – A carência de trabalhadores referida no número anterior refere-se a trabalhadores de qualquer grupo

profissional que componha a força de trabalho dos cuidados de saúde primários.

Artigo 7.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor com o Orçamento do Estado subsequente à sua publicação.

Assembleia da República, 25 de julho de 2023.

As Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda: Catarina Martins — Pedro Filipe Soares — Mariana

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Mortágua — Isabel Pires — Joana Mortágua.

———

PROJETO DE LEI N.º 868/XV/1.ª

APROVA UM REGIME EXCECIONAL DE RENEGOCIAÇÃO DOS CONTRATOS DE CRÉDITO

APLICÁVEIS ÀS MICRO, PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS, ÀS INSTITUIÇÕES PARTICULARES DE

SOLIDARIEDADE SOCIAL, ÀS ASSOCIAÇÕES SEM FINS LUCRATIVOS E ÀS ENTIDADES DA

ECONOMIA SOCIAL

(Texto inicial)

Exposição de motivos

De acordo com um estudo da Allianz Trade, o ano de 2023 será marcado pelo risco de uma onda de

insolvências, que devem disparar para números entre os 20 a 30%, depois de nos últimos quatro anos se ter

verificado uma redução do número de insolvências (devido a ajudas diretas à liquidez, aos regimes especiais de

layoff ou às moratórias de crédito criadas no âmbito da crise sanitária gerada pela COVID-19). Segundo o

mesmo estudo, este cenário negativo sucede por causa de fatores tão diversos como a potencial redução da

procura, a elevada instabilidade dos preços (com impacto na rentabilidade do negócio) e o aumento dos riscos

de incobráveis.

No entanto, o fator que mais contribui para este risco prende-se com o aumento dos custos de financiamento,

ditada por uma escalada das taxas de juro resultante de uma política insensível do Banco Central Europeu

(BCE), bem como uma maior dificuldade de acesso a financiamento bancário.

Face aos efeitos do aumento dos indexantes de referência de contratos de crédito à habitação, nos últimos

meses o Governo adotou um regime especial de renegociação destes créditos, deixando de fora, no entanto, os

contratos de crédito das micro, pequenas e médias empresas, das instituições particulares de solidariedade

social, das associações sem fins lucrativos e das entidades da economia social.

Todas estas entidades se encontram atualmente numa situação muito frágil e em alguns casos só se

mantiveram em funcionamento devido às medidas de apoio aprovadas em contexto de crise sanitária provocada

pela COVID-19, como foi o caso das moratórias de crédito.

Ciente da vulnerabilidade do setor empresarial e social no contexto de aumento desmesurado de taxas de

juro e da necessidade de medidas de apoio para mitigar tal vulnerabilidade, com a presente iniciativa o PAN

pretende que se aprove um regime excecional de renegociação dos contratos de crédito aplicáveis às micro,

pequenas e médias empresas, às instituições particulares de solidariedade social, às associações sem fins

lucrativos e às entidades da economia social.

Com o presente regime, assegura-se:

● Que os bancos passam a ter obrigatoriamente de avaliar o impacto da subida das taxas de juro na

capacidade financeira das entidades do setor empresarial e social que tenham contraído créditos, tendo

de aferir da existência de risco de incumprimento;

● A obrigatoriedade de renegociação dos créditos contraídos sempre que haja um agravamento significativo

da taxa de esforço ou haja uma taxa de esforço significativa da entidade mutuária em virtude do aumento

das taxas de juro, apresentando alternativas como o alargamento do prazo com possibilidade de retoma

do prazo contratualizado antes desse alargamento;

● O impedimento de que qualquer renegociação que venha a ocorrer traga um agravamento da taxa de juro

do empréstimo;

● A previsão da proibição de cobrança, pelos bancos, de comissões pela renegociação de contratos nestes

casos de renegociação;

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● A previsão de uma isenção de imposto de selo para renegociações de crédito em que ocorra a alteração

ou prorrogação do prazo do empréstimo ou a celebração de um novo contrato de crédito para

refinanciamento da dívida.

Com o regime que agora se propõe assegura-se um total alinhamento com os objetivos e metas fixados no

Acordo de Paris, no Pacto Ecológico Europeu e na Lei de Bases do Clima (a que o nosso País está vinculado),

propondo-se, por um lado, que só possam aceder a este regime as empresas que não atuem no âmbito de

setores com maior intensidade carbónica (como o da produção de energia de origem fóssil) ou que sejam

indiretamente responsáveis por um elevado volume de emissões de gases com efeito de estufa (como o das

indústrias intensivas em energia e da agropecuária intensiva), e, por outro lado, que o mesmo não possa servir

para renegociar créditos para financiar operações relacionadas com investimentos e atividades relacionados

com combustíveis fósseis.

Assegura-se ainda que este regime apenas pode beneficiar empresas com boas práticas sociais e em

matéria de direitos humanos e prevenção da corrupção, ao prever-se que só podem beneficiar deste regime

empresas que não tenham sido condenadas em processo-crime ou contraordenacional por violação da

legislação sobre trabalho de menores e discriminação no trabalho e emprego, nomeadamente em função do

sexo, da deficiência e de risco agravado de saúde. Mas também as empresas que não se encontrarem

referenciadas em listas oficiais relacionadas com a prevenção de branqueamento de capitais e financiamento

ao terrorismo publicadas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas ou pela União Europeia (algo

especialmente importante no contexto da invasão russa da Ucrânia).

Por fim e porque queremos que este regime se dirija a entidades mutuárias que dele realmente precisam

propomos que o mesmo só abranja as operações de crédito com montante em dívida igual ou inferior a 800 mil

euros, e que não se aplique a operações de crédito ou financiamento para compra de valores mobiliários ou

aquisição de posições noutros instrumentos financeiros, quer sejam garantidas ou não por esses instrumentos,

operações de crédito concedido a beneficiários de regimes, subvenções ou benefícios, designadamente fiscais,

para fixação de sede ou residência em Portugal, incluindo para atividade de investimento, com exceção dos

cidadãos abrangidos pelo programa Regressar, operações de crédito concedido a empresas para utilização

individual através de cartões de crédito dos membros dos órgãos de administração, de fiscalização,

trabalhadores ou demais colaboradores, e operações de créditos concedidos quanto a operações relacionadas

com atividades associadas a países terceiros ou Estados-Membros da União Europeia.

Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a abaixo assinada

Deputada do Pessoas-Animais-Natureza apresenta o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei estabelece um regime excecional de renegociação dos contratos de crédito aplicáveis às micro,

pequenas e médias empresas, às instituições particulares de solidariedade social, às associações sem fins

lucrativos e às entidades da economia social, por forma a mitigar os efeitos do aumento dos indexantes de

referência de contratos de crédito.

Artigo 2.º

Âmbito de aplicação

1 – Beneficiam do presente regime previsto na presente lei as empresas que preencham cumulativamente

as seguintes condições:

a) Tenham sede e exerçam a sua atividade económica em Portugal;

b) Sejam classificadas como microempresas, pequenas ou médias empresas de acordo com a

Recomendação 2003/361/CE, da Comissão Europeia, de 6 de maio de 2003;

c) Não estejam, a 1 de janeiro de 2024, em mora ou incumprimento de prestações pecuniárias há mais de

90 dias junto das instituições, ou estando não cumpram o critério de materialidade previsto no Aviso do Banco

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de Portugal n.º 2/2019 e no Regulamento (UE) 2018/1845 do Banco Central Europeu, de 21 de novembro de

2018, e não se encontrem em situação de insolvência, ou suspensão ou cessão de pagamentos, ou naquela

data estejam já em execução por qualquer uma das instituições;

d) Tenham a situação regularizada junto da Autoridade Tributária e Aduaneira e da Segurança Social, na

aceção, respetivamente, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e do Código dos Regimes

Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social;

e) Não tenham sido condenadas em processo-crime ou contraordenacional por violação da legislação sobre

trabalho de menores e discriminação no trabalho e emprego, nomeadamente em função do sexo, da deficiência

e de risco agravado de saúde, nem se encontrarem referenciadas em listas oficiais relacionadas com a

prevenção de branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo publicadas pelo Conselho de Segurança

das Nações Unidas ou pela União Europeia;

f) Não atuem no âmbito de setores com maior intensidade carbónica, como o da produção de energia de

origem fóssil, ou que sejam indiretamente responsáveis por um elevado volume de emissões de gases com

efeito de estufa, como o das indústrias intensivas em energia e da agropecuária intensiva; e

g) Tenham tido um agravamento significativo da taxa de esforço, em virtude do aumento dos indexantes de

referência dos contratos de crédito referidos no n.º 3.

2 – Beneficiam igualmente do regime previsto na presente lei os empresários em nome individual, bem como

as instituições particulares de solidariedade social, associações sem fins lucrativos e as demais entidades da

economia social, exceto aquelas que reúnam os requisitos previstos no artigo 136.º do Código das Associações

Mutualistas, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 59/2018, de 2 de agosto, que, à data de publicação do

presente decreto-lei, preencham as condições referidas nas alíneas c) a g) do n.º 1 e tenham domicílio ou sede

em Portugal.

3 – O presente regime aplica-se a operações de crédito com montante em dívida igual ou inferior a (euro)

800 000 concedidas por instituições de crédito, sociedades financeiras e sucursais de instituições de crédito e

de instituições financeiras a operar em Portugal, adiante designadas por «instituições», às entidades

mencionadas nos números anteriores.

4 – O presente regime não se aplica às operações:

a) De crédito ou financiamento para compra de valores mobiliários ou aquisição de posições noutros

instrumentos financeiros, quer sejam garantidas ou não por esses instrumentos;

b) De crédito concedido a beneficiários de regimes, subvenções ou benefícios, designadamente fiscais, para

fixação de sede ou residência em Portugal, incluindo para atividade de investimento, com exceção dos cidadãos

abrangidos pelo programa Regressar;

c) De crédito concedido a empresas para utilização individual através de cartões de crédito dos membros

dos órgãos de administração, de fiscalização, trabalhadores ou demais colaboradores;

d) De créditos concedidos quanto a operações relacionadas com atividades associadas a países terceiros

ou Estados-Membros da União Europeia;

e) De créditos concedidos para financiar operações relacionadas com investimentos e atividades

relacionados com combustíveis fósseis, incluindo utilizações a jusante.

5 – Para efeitos do disposto na alínea g) do n.º 1, considera-se que existe um agravamento significativo da

taxa de esforço quando o rácio entre o montante da prestação mensal calculada com todos os empréstimos das

entidades mutuárias e os seus rendimentos mensais:

a) atinja 36 %:

i. Na sequência de um aumento de cinco pontos percentuais face à taxa de esforço no período homólogo

ou, para contratos celebrados nos últimos 12 meses, face à data da sua celebração; ou

ii. Em consequência de um aumento igual ou superior do indexante de referência do contrato em causa

face ao valor considerado para efeitos da projeção do impacto do aumento futuro desse indexante,

realizada nos termos do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de junho, na sua redação atual,

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e com as devidas adaptações.

b) Ou fosse superior a 36 % no período homólogo e se verifique um aumento da taxa de esforço ou do

indexante de referência do contrato nos termos previstos nas subalíneas i) ou ii) da alínea anterior.

6 – Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se rendimento os montantes apresentados no

balancete analítico e nas demonstrações financeiras previsionais para o ano anterior e para o ano em curso,

disponibilizadas às instituições pelas entidades mutuárias.

7 – A definição dos setores referidos na alínea f), do n.º 1, é feita por portaria conjunta dos membros do

Governo responsáveis pelas áreas do ambiente, das finanças e da economia, no prazo de 30 dias após a

publicação da presente lei.

Artigo 3.º

Acompanhamento da evolução da taxa de esforço

1 – As instituições averiguam a existência de indícios de agravamento significativo da taxa de esforço ou de

verificação de taxa de esforço significativa com, pelo menos, 60 dias de antecedência relativamente à seguinte

refixação da taxa de juro.

2 – Para efeitos do disposto no número anterior, as instituições podem solicitar às entidades mutuárias as

informações e os documentos necessários e adequados para a verificação a seu cargo, designadamente

balancetes analíticos trimestrais, e utilizar a informação mais atual disponível na central de responsabilidades

de crédito.

3 – As entidades mutuárias presta a informação e disponibiliza os documentos solicitados, nos termos do

número anterior, no prazo de 10 dias úteis.

Artigo 4.º

Procedimentos das instituições

1 – As instituições procedem à aplicação com as devidas adaptações do disposto nos Capítulos I e II do

Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, na sua redação atual, com as necessárias adaptações, caso:

a) Detetem indícios de agravamento significativo da taxa de esforço ou de verificação de uma taxa de esforço

significativa das entidades mutuária; ou

b) A entidade mutuária lhes transmita factos que indiciem por essa via uma degradação da sua capacidade

financeira.

2 – Para efeitos do disposto no número anterior, as instituições:

a) Aplicam com as devidas adaptações o regime estabelecido no artigo 11.º-A do Decreto-Lei n.º 227/2012,

de 25 de outubro, na sua redação atual; e

b) Apresentam propostas à entidade mutuária, que sejam adequadas à mitigação do impacto do

agravamento significativo da taxa de esforço ou da verificação de taxa de esforço significativa, nos termos e

cumpridas as condições previstas no artigo 11.º-B do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, na sua

redação atual e com as devidas adaptações.

Artigo 5.º

Alargamento do prazo de amortização

1 – Para efeitos do disposto no artigo anterior e sem prejuízo de outras soluções que possam ser propostas,

as instituições podem igualmente propor às entidades mutuárias o alargamento do prazo de amortização do

contrato de crédito com opção de retoma do prazo contratualizado antes do alargamento previsto no presente

número.

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11

2 – As instituições apresentam às entidades mutuárias uma proposta de calendário de amortização ajustado,

acompanhada, nomeadamente, do impacto financeiro decorrente desse alargamento.

3 – Durante o período de aplicação do alargamento do prazo de amortização, o mutuário pode, mediante

solicitação dirigida à instituição em causa, retomar o prazo contratualizado com essa instituição antes do

alargamento previsto no n.º 1.

4 – Em cada um dos cinco primeiros anos após a aplicação do disposto no n.º 1, as instituições comunicam

às entidades mutuárias que beneficiem do alargamento do prazo de amortização, através de suporte duradouro,

nomeadamente por via do extrato bancário, a informação sobre o direito referido no número anterior.

5 – Caso a entidade mutuária manifeste a intenção de exercer o direito referido no n.º 3, a instituição em

causa:

a) Apresenta-lhe uma proposta de calendário de amortização ajustado, acompanhada, nomeadamente, do

impacto financeiro decorrente da retoma;

b) Informa o mutuário sobre as diligências necessárias à execução da retoma.

6 – As entidades mutuárias pode solicitar a retoma do prazo de reembolso contratualizado antes do

alargamento previsto no n.º 1 no prazo máximo de 10 dias após a disponibilização dos elementos previstos no

número anterior.

7 – A instituição em causa desenvolve as diligências necessárias à concretização do pedido no prazo máximo

de 10 dias após a receção do pedido referido no número anterior.

8 – A entidade mutuária que exerça o direito previsto no n.º 3 não pode beneficiar novamente do alargamento

do prazo com opção de retoma previsto no n.º 1.

Artigo 6.º

Suspensão temporária da exigibilidade da comissão de reembolso antecipado

Até 31 de dezembro de 2024 não é devida, nos contratos de crédito abrangidos pela presente lei, a comissão

de reembolso antecipado prevista.

Artigo 7.º

Supervisão e regulamentação

O Banco de Portugal supervisiona o cumprimento da presente lei e pode proceder à sua regulamentação,

nomeadamente em matéria de deveres de informação aos mutuários e de reporte para efeitos de supervisão.

Artigo 8.º

Regime sancionatório

O incumprimento, pelas instituições, dos deveres previstos na presente lei ou na respetiva regulamentação,

constitui contraordenação punível nos termos do artigo 210.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e

Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, na sua redação atual, sendo

aplicável ao apuramento da respetiva responsabilidade contraordenacional o regime substantivo e processual

previsto naquele regime geral.

Artigo 9.º

Encargos e emolumentos

Os atos decorrentes do cumprimento do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 4.º e no artigo 5.º estão

isentos do pagamento de taxas emolumentares, nomeadamente em matéria de registo predial.

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12

Artigo 10.º

Isenção de imposto do selo

1 – Estão isentas de imposto do selo, relativamente aos mútuos constituídos no âmbito dos contratos de

crédito às entidades referidas no artigo 2.º, n.os 1 e 2, e até ao montante do capital em dívida, as seguintes

operações:

a) Alteração do prazo da qual resulte imposto a pagar, em função do diferencial de taxa aplicável;

b) Prorrogação do prazo;

c) A celebração de um novo contrato de crédito para refinanciamento da dívida.

2 – A isenção prevista no número anterior não se aplica aos contratos referidos no artigo 2.º, n.º 4.

3 – As isenções previstas nos números anteriores aplicam -se aos factos tributários ocorridos entre 1 de

janeiro de 2024 e 31 de dezembro de 2024.

Artigo 11.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor na data de entrada em vigor do Orçamento do Estado subsequente à sua

publicação.

Palácio de São Bento, 24 de julho de 2023.

(Texto inicial substituído a pedido do autor)

Exposição de motivos

De acordo com um estudo da Allianz Trade, o ano de 2023 será marcado pelo risco de uma onda de

insolvências, que devem disparar para números entre os 20 a 30 %, depois de nos últimos quatro anos se ter

verificado uma redução do número de insolvências (devido a ajudas diretas à liquidez, aos regimes especiais de

layoff ou às moratórias de crédito criadas no âmbito da crise sanitária gerada pela COVID-19. Segundo o mesmo

estudo, este cenário negativo sucede por causa de fatores tão diversos como a potencial redução da procura, a

elevada instabilidade dos preços (com impacto na rentabilidade do negócio) e o aumento dos riscos de

incobráveis.

No entanto, o fator que mais contribui para este risco prende-se com o aumento dos custos de financiamento,

ditada por uma escalada das taxas de juro resultante de uma política insensível do Banco Central Europeu

(BCE), bem como uma maior dificuldade de acesso a financiamento bancário,

Face aos efeitos do aumento dos indexantes de referência de contratos de crédito à habitação, nos últimos

meses o Governo adotou um regime especial de renegociação destes créditos, deixando de fora, no entanto, os

contratos de crédito das micro, pequenas e médias empresas, das instituições particulares de solidariedade

social, das associações sem fins lucrativos e das entidades da economia social.

Todas estas entidades se encontram atualmente numa situação muito frágil e em alguns casos só se

mantiveram em funcionamento devido às medidas de apoio aprovadas em contexto de crise sanitária provocada

pela COVID-19, como foi o caso das moratórias de crédito.

Ciente da vulnerabilidade do setor empresarial e social no contexto de aumento desmesurado de taxas de

juro e da necessidade de medidas de apoio para mitigar tal vulnerabilidade, com a presente iniciativa o PAN

pretende que se aprove um regime excecional de renegociação dos contratos de crédito aplicáveis às micro,

pequenas e médias empresas, às instituições particulares de solidariedade social, às associações sem fins

lucrativos e às entidades da economia social.

Com o presente regime, assegura-se:

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● Que os bancos passam a ter obrigatoriamente de avaliar o impacto da subida das taxas de juro na

capacidade financeira das entidades do setor empresarial e social que tenham contraído créditos, tendo

de aferir da existência de risco de incumprimento;

● A obrigatoriedade de renegociação dos créditos contraídos sempre que haja um agravamento significativo

da taxa de esforço ou haja uma taxa de esforço significativa da entidade mutuária em virtude do aumento

das taxas de juro, apresentando alternativas como o alargamento do prazo com possibilidade de retoma

do prazo contratualizado antes desse alargamento;

● O impedimento de que qualquer renegociação que venha a ocorrer traga um agravamento da taxa de juro

do empréstimo;

● A previsão da proibição de cobrança, pelos bancos, de comissões pela renegociação de contratos nestes

casos de renegociação;

● A previsão de uma isenção de imposto de selo para renegociações de crédito em que ocorra a alteração

ou prorrogação do prazo do empréstimo ou a celebração de um novo contrato de crédito para

refinanciamento da dívida.

O regime que agora se propõe está inclusivamente alinhado com a fiscalidade verde e a necessidade de

alinhar os apoios com os objetivos e metas fixados no Acordo de Paris, no Pacto Ecológico Europeu e na Lei de

Bases do Clima (a que o nosso País está vinculado), propondo-se, por um lado, que só possam aceder a este

regime as empresas que não atuem no âmbito de setores com maior intensidade carbónica (como o da produção

de energia de origem fóssil) ou que sejam indiretamente responsáveis por um elevado volume de emissões de

gases de carbono (como o das indústrias intensivas em energia e da agropecuária intensiva), e, por outro lado,

que o mesmo não possa servir para renegociar créditos para financiar operações relacionadas com

investimentos e atividades com combustíveis fósseis.

Assegura-se ainda que este regime beneficie empresas com boas práticas sociais e em matéria de direitos

humanos e prevenção da corrupção, ao prever-se que só podem beneficiar deste regime empresas que não

tenham sido condenadas em processo-crime ou contraordenacional por violação da legislação sobre trabalho

de menores e discriminação no trabalho e emprego, nomeadamente em função do sexo, da deficiência e de

risco agravado de saúde. Mas também as empresas que não se encontrarem referenciadas em listas oficiais

relacionadas com a prevenção de branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo publicadas pelo

Conselho de Segurança das Nações Unidas ou pela União Europeia (algo especialmente importante no contexto

da invasão russa da Ucrânia).

Por fim e porque queremos que este regime se dirija a entidade mutuárias que dele realmente precisam

propomos que o mesmo só abranja as operações de crédito com montante em dívida igual ou inferior a 800 mil

euros, e que não se aplique a operações de crédito ou financiamento para compra de valores mobiliários ou

aquisição de posições noutros instrumentos financeiros, quer sejam garantidas ou não por esses instrumentos,

operações de crédito concedido a beneficiários de regimes, subvenções ou benefícios, designadamente fiscais,

para fixação de sede ou residência em Portugal, incluindo para atividade de investimento, com exceção dos

cidadãos abrangidos pelo programa Regressar, operações de crédito concedido a empresas para utilização

individual através de cartões de crédito dos membros dos órgãos de administração, de fiscalização,

trabalhadores ou demais colaboradores, e operações de créditos concedidos quanto a operações relacionadas

com atividades associadas a países terceiros ou Estados-Membros da União Europeia.

Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a abaixo assinada

Deputada do Pessoas-Animais-Natureza apresenta o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei estabelece um regime excecional de renegociação dos contratos de crédito aplicáveis às micro,

pequenas e médias empresas, às instituições particulares de solidariedade social, às associações sem fins

lucrativos e às entidades da economia social, por forma a mitigar os efeitos do aumento dos indexantes de

referência de contratos de crédito.

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Artigo 2.º

Âmbito de aplicação

1 – Beneficiam do presente regime previsto na presente lei as empresas que preencham cumulativamente

as seguintes condições:

a) Tenham sede e exerçam a sua atividade económica em Portugal;

b) Sejam classificadas como microempresas, pequenas ou médias empresas de acordo com a

Recomendação 2003/361/CE, da Comissão Europeia, de 6 de maio de 2003;

c) Não estejam, a 1 de janeiro de 2024, em mora ou incumprimento de prestações pecuniárias há mais de

90 dias junto das instituições, ou estando não cumpram o critério de materialidade previsto no Aviso do Banco

de Portugal n.º 2/2019 e no Regulamento (UE) 2018/1845 do Banco Central Europeu, de 21 de novembro de

2018, e não se encontrem em situação de insolvência, ou suspensão ou cessão de pagamentos, ou naquela

data estejam já em execução por qualquer uma das instituições;

d) Tenham a situação regularizada junto da Autoridade Tributária e Aduaneira e da Segurança Social, na

aceção, respetivamente, do Código de Procedimento e de Processo Tributário e do Código dos Regimes

Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social;

e) Não tenham sido condenadas em processo-crime ou contraordenacional por violação da legislação sobre

trabalho de menores e discriminação no trabalho e emprego, nomeadamente em função do sexo, da deficiência

e de risco agravado de saúde, nem se encontrarem referenciadas em listas oficiais relacionadas com a

prevenção de branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo publicadas pelo Conselho de Segurança

das Nações Unidas ou pela União Europeia;

f) Não atuem no âmbito de setores com maior intensidade carbónica, como o da produção de energia de

origem fóssil, ou que sejam indiretamente responsáveis por um elevado volume de emissões de gases com

efeito de estufa, como o das indústrias intensivas em energia e da agropecuária intensiva; e

g) Tenham tido um agravamento significativo da taxa de esforço, em virtude do aumento dos indexantes de

referência dos contratos de crédito referidos no n.º 3.

2 – Beneficiam igualmente do regime previsto na presente lei os empresários em nome individual, bem como

as instituições particulares de solidariedade social, associações sem fins lucrativos e as demais entidades da

economia social, exceto aquelas que reúnam os requisitos previstos no artigo 136.º do Código das Associações

Mutualistas, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 59/2018, de 2 de agosto, que, à data de publicação do

presente decreto-lei, preencham as condições referidas nas alíneas c) a g) do n.º 1 e tenham domicílio ou sede

em Portugal.

3 – O presente regime aplica-se a operações de crédito com montante em dívida igual ou inferior a (euro)

800 000 concedidas por instituições de crédito, sociedades financeiras e sucursais de instituições de crédito e

de instituições financeiras a operar em Portugal, adiante designadas por «instituições», às entidades

mencionadas nos números anteriores.

4 – O presente regime não se aplica às operações:

a) De crédito ou financiamento para compra de valores mobiliários ou aquisição de posições noutros

instrumentos financeiros, quer sejam garantidas ou não por esses instrumentos;

b) De crédito concedido a beneficiários de regimes, subvenções ou benefícios, designadamente fiscais, para

fixação de sede ou residência em Portugal, incluindo para atividade de investimento, com exceção dos cidadãos

abrangidos pelo programa Regressar;

c) De crédito concedido a empresas para utilização individual através de cartões de crédito dos membros

dos órgãos de administração, de fiscalização, trabalhadores ou demais colaboradores;

d) De créditos concedidos quanto a operações relacionadas com atividades associadas a países terceiros

ou Estados-Membros da União Europeia:

e) De créditos concedidos para financiar operações relacionadas com investimentos e atividades

relacionados com combustíveis fósseis, incluindo utilizações a jusante.

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5 – Para efeitos do disposto na alínea g) do n.º 1, considera-se que existe um agravamento significativo da

taxa de esforço quando o rácio entre o montante da prestação mensal calculada com todos os empréstimos das

entidades mutuárias e os seus rendimentos mensais:

a) atinja 36 %:

i. Na sequência de um aumento de cinco pontos percentuais face à taxa de esforço no período homólogo

ou, para contratos celebrados nos últimos 12 meses, face à data da sua celebração; ou

ii. Em consequência de um aumento igual ou superior do indexante de referência do contrato em causa

face ao valor considerado para efeitos da projeção do impacto do aumento futuro desse indexante,

realizada nos termos do artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 74-A/2017, de 23 de junho, na sua redação atual,

e com as devidas adaptações.

b) Ou fosse superior a 36 % no período homólogo e se verifique um aumento da taxa de esforço ou do

indexante de referência do contrato nos termos previstos nas subalíneas i) ou ii) da alínea anterior.

6 – Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se rendimento os montantes apresentados no

balancete analítico e nas demonstrações financeiras previsionais para o ano anterior e para o ano em curso,

disponibilizadas às instituições pelas entidades mutuárias.

7 – A definição dos setores referidos na alínea f) do n.º 1 é feita por portaria conjunta dos membros do

Governo responsáveis pelas áreas do ambiente, das finanças e da economia, no prazo de 30 dias após a

publicação da presente lei.

Artigo 3.º

Acompanhamento da evolução da taxa de esforço

1 – As instituições averiguam a existência de indícios de agravamento significativo da taxa de esforço ou de

verificação de taxa de esforço significativa com, pelo menos, 60 dias de antecedência relativamente à seguinte

refixação da taxa de juro.

2 – Para efeitos do disposto no número anterior, as instituições podem solicitar às entidades mutuárias as

informações e os documentos necessários e adequados para a verificação a seu cargo, designadamente

balancetes analíticos trimestrais, e utilizar a informação mais atual disponível na central de responsabilidades

de crédito.

3 – As entidades mutuárias presta a informação e disponibiliza os documentos solicitados, nos termos do

número anterior, no prazo de 10 dias úteis.

Artigo 4.º

Procedimentos das instituições

1 – As instituições procedem à aplicação com as devidas adaptações do disposto nos Capítulos I e II do

Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, na sua redação atual, com as necessárias adaptações, caso:

a) Detetem indícios de agravamento significativo da taxa de esforço ou de verificação de uma taxa de esforço

significativa das entidades mutuária; ou

b) A entidade mutuária lhes transmita factos que indiciem por essa via uma degradação da sua capacidade

financeira.

2 – Para efeitos do disposto no número anterior, as instituições:

a) Aplicam com as devidas adaptações o regime estabelecido no artigo 11.º-A do Decreto-Lei n.º 227/2012,

de 25 de outubro, na sua redação atual; e

b) Apresentam propostas à entidade mutuária, que sejam adequadas à mitigação do impacto do

agravamento significativo da taxa de esforço ou da verificação de taxa de esforço significativa, nos termos e

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cumpridas as condições previstas no artigo 11.º-B do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro, na sua

redação atual e com as devidas adaptações.

Artigo 5.º

Alargamento do prazo de amortização

1 – Para efeitos do disposto no artigo anterior e sem prejuízo de outras soluções que possam ser propostas,

as instituições podem igualmente propor às entidades mutuárias o alargamento do prazo de amortização do

contrato de crédito com opção de retoma do prazo contratualizado antes do alargamento previsto no presente

número.

2 – As instituições apresentam às entidades mutuárias uma proposta de calendário de amortização ajustado,

acompanhada, nomeadamente, do impacto financeiro decorrente desse alargamento.

3 – Durante o período de aplicação do alargamento do prazo de amortização, o mutuário pode, mediante

solicitação dirigida à instituição em causa, retomar o prazo contratualizado com essa instituição antes do

alargamento previsto no n.º 1.

4 – Em cada um dos cinco primeiros anos após a aplicação do disposto no n.º 1, as instituições comunicam

às entidades mutuárias que beneficiem do alargamento do prazo de amortização, através de suporte duradouro,

nomeadamente por via do extrato bancário, a informação sobre o direito referido no número anterior.

5 – Caso a entidade mutuária manifeste a intenção de exercer o direito referido no n.º 3, a instituição em

causa:

a) Apresenta-lhe uma proposta de calendário de amortização ajustado, acompanhada, nomeadamente, do

impacto financeiro decorrente da retoma;

b) Informa o mutuário sobre as diligências necessárias à execução da retoma.

6 – As entidades mutuárias pode solicitar a retoma do prazo de reembolso contratualizado antes do

alargamento previsto no n.º 1 no prazo máximo de 10 dias após a disponibilização dos elementos previstos no

número anterior.

7 – A instituição em causa desenvolve as diligências necessárias à concretização do pedido no prazo máximo

de 10 dias após a receção do pedido referido no número anterior.

8 – A entidade mutuária que exerça o direito previsto no n.º 3 não pode beneficiar novamente do alargamento

do prazo com opção de retoma previsto no n.º 1.

Artigo 6.º

Suspensão temporária da exigibilidade da comissão de reembolso antecipado

Até 31 de dezembro de 2024 não é devida, nos contratos de crédito abrangidos pela presente lei, a comissão

de reembolso antecipado prevista.

Artigo 7.º

Supervisão e regulamentação

O Banco de Portugal supervisiona o cumprimento da presente lei e pode proceder à sua regulamentação,

nomeadamente em matéria de deveres de informação aos mutuários e de reporte para efeitos de supervisão.

Artigo 8.º

Regime sancionatório

O incumprimento, pelas instituições, dos deveres previstos na presente lei ou na respetiva regulamentação,

constitui contraordenação punível nos termos do artigo 210.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e

Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro, na sua redação atual, sendo

aplicável ao apuramento da respetiva responsabilidade contraordenacional o regime substantivo e processual

previsto naquele regime geral.

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Artigo 9.º

Encargos e emolumentos

Os atos decorrentes do cumprimento do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 4.º e no artigo 5.º estão

isentos do pagamento de taxas emolumentares, nomeadamente em matéria de registo predial.

Artigo 10.º

Isenção de imposto do selo

1 – Estão isentas de imposto do selo, relativamente aos mútuos constituídos no âmbito dos contratos de

crédito às entidades referidas no artigo 2.º, n.os 1 e 2, e até ao montante do capital em dívida, as seguintes

operações:

a) Alteração do prazo da qual resulte imposto a pagar, em função do diferencial de taxa aplicável;

b) Prorrogação do prazo;

c) A celebração de um novo contrato de crédito para refinanciamento da dívida.

2 – A isenção prevista no número anterior não se aplica aos contratos referidos no artigo 2.º, n.º 4.

3 – As isenções previstas nos números anteriores aplicam-se aos factos tributários ocorridos entre 1 de

janeiro de 2024 e 31 de dezembro de 2024.

Artigo 11.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor na data de entrada em vigor do Orçamento do Estado subsequente à sua

publicação.

Palácio de São Bento, 25 de julho de 2023.

A Deputada do PAN, Inês de Sousa Real.

———

PROJETO DE LEI N.º 869/XV/1.ª

PREVÊ O FIM DO MÉTODO DO ABATE POR TRITURAÇÃO DE PINTAINHOS MACHOS

Exposição de motivos

Todos os anos, milhões de pintos recém-nascidos são descartados e triturados vivos pela indústria pecuária,

nomeadamente a indústria dos ovos em Portugal e na União Europeia.

Um massacre também conhecido como male chick culling, que se estima seja responsável pela morte, todos

os anos, de mais de 300 milhões de pintainhos machos, triturados vivos de forma legal, na União Europeia. O

abate acontece poucas horas após a eclosão, assim que os filhotes são separados de acordo com o seu sexo.

Enquanto as fêmeas são enviadas para indústrias de produção de ovos, os machos são considerados um

subproduto indesejável tanto para a indústria dos ovos, como para a indústria da carne, pois esses pintos

ganham peso muito lentamente e produzem apenas pequenas quantidades de carne na idade de abate.

Estes pequenos seres vivos, após a eclosão já possuem coração, sistema nervoso e pulmões. Logo depois

do nascimento já são capazes de comer sozinhos e caminhar atrás da mãe.

De acordo com o Regulamento do Conselho (EC) 1099/2009 sobre a proteção de animais no momento da

occisão, os métodos aprovados para o abate de pintos até 72 horas (os chamados «pintos do dia») são a

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maceração mecânica (trituração) ou o gaseamento. Um estudo de 20191 da Autoridade Europeia para a

Segurança dos Alimentos (EFSA, na sigla em inglês) descobriu, no entanto, que a maceração pode falhar em

proteger o bem-estar desses animais.

Mais especificamente, a EFSA identificou certos riscos para a proteção do bem-estar durante a maceração

(trituração) de pintos: Rotação lenta de lâminas ou rolos, sobrecarga de máquinas e rolos muito largos. Isso

pode resultar em falhas ao matar os filhotes, deixando-os conscientes, com dor, angústia e medo. Os métodos

mais comuns de abate dos animais que não têm, na perspetiva do produtor, interesse económico e praticados

pela indústria de ovos são a trituração dos animais ainda vivos e por asfixia.

Durante a reunião do Conselho de Agricultura e Pescas de 17 e 18 de outubro de 2022, as delegações de

Áustria, Bélgica, Chipre, Finlândia, França, Alemanha, Irlanda, Luxemburgo e Portugal apresentaram um

documento apelando ao fim da morte sistemática de pintos machos em toda a UE, desta forma cruel. Na carta,

referem que centenas de milhões de pintos machos são descartados anualmente após a eclosão, através do

seu abate, devido à falta de valor económico, para atender a elevada procura dos consumidores por ovos, só

interessando à indústria as fêmeas como galinhas poedeiras e para reduzir os custos de produção. Lembram

ainda que as galinhas poedeiras têm sido selecionadas em todo o mundo para produzir mais ovos, mas a prática

de matar pintainhos recém-nascidos não corresponde às expectativas e preocupações dos consumidores

europeus em matéria de bem-estar animal, que repudiam estas práticas.

No Conselho Europeu, a questão já tinha sido abordada em julho de 2021, tendo a Alemanha e a França

(com o apoio de Irlanda, Espanha, Luxemburgo, Áustria e Portugal) solicitado à Comissão Europeia uma

avaliação de impacto sobre uma possível proibição em toda a UE do abate sistemática de pintos machos tendo

em conta que, atualmente, esta prática cruel, de trituração de animais vivos, não faz qualquer sentido e contraria

todos os princípios e normas de bem-estar animal da UE.

A matança de pintainhos machos choca os consumidores, cada vez mais conscientes desta cruel realidade

em que a indústria faz prevalecer o interesse económico a evitar o sofrimento destes animais, pelo que

recentemente têm sido estudadas alternativas que procurem salvaguardar o mais possível o bem-estar animal

e até decidida a proibição desta prática nos países da União Europeia (UE), nomeadamente a Alemanha,

França, Itália, Luxemburgo e Áustria.

No caso da Alemanha, a trituração ou gaseamento de pintos machos foi banida a partir de 1 de janeiro de

2022. Os agricultores alemães passaram a ter de recorrer a tecnologia para impedir o nascimento de filhotes

machos, identificando o sexo do animal antes que ele ecloda do ovo. A Alemanha desenvolveu uma tecnologia

ótica que consegue determinar o sexo das crias no interior dos ovos, 72 horas após o início do processo de

incubação. Numa fase posterior da transição, que entrará em vigor em 2024, apenas será permitida a utilização

de métodos com o objetivo de garantir que os embriões não sintam qualquer dor. A decisão surgiu na sequência

de preocupações do Tribunal Administrativo Federal da Alemanha que, em 2019, decidiu que as preocupações

com o bem-estar animal superam os interesses económicos dos agricultores que praticam o abate destes

animais através da trituração de pintos e declarou que a prática só devia ser permitida apenas por um período

transitório.

Em França, a mesma tecnologia permitiu evitar que mais de 50 milhões de pintos fossem triturados vivos

todos os anos, tendo a proibição entrado em vigor também no início do ano de 2022.

De acordo com a Declaração de Cambridge sobre Consciência em Animais Não Humanos e vários estudos

científicos sobre cognição, emoção e comportamento de galinhas, é possível afirmar que esses animais

possuem, desde muito jovens, a capacidade de sentir e como tal, de sofrer.

No caso dos pintos, os primeiros nervos sensoriais do embrião desenvolvem-se no quarto dia de incubação,

mas uma conexão sináptica com a medula espinhal não está presente antes do sétimo dia de incubação. Já

após o nascimento, um pinto com apenas um dia de vida tem o sistema nervoso completamente formado e plena

capacidade de sentir dor. Facto que deverá nortear a lei e, assim, tal como países como a França, Alemanha e

Suíça, implementar-se a proibição da maceração (trituração) como método de occisão/abate destes animais.

Atualmente, existem meios menos cruéis de realizar o abate de animais considerados não produtivos para a

indústria. As técnicas de identificação de ovos não fertilizados ou do sexo do embrião permitem a identificação

do sexo do embrião poucos dias após a incubação, preconizando que essa identificação seja feita antes do

sétimo dia de incubação, pois assim garante-se que o processo de descarte do ovo não provocará dor no

1 Killing for purposes other than slaughter: Poultry.

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embrião, desde que o mesmo seja feito até ao sétimo dia de incubação, conforme explicitado supra.

O Federal Ministry of Food and Agriculture declarou que a tecnologia permitirá o fim da prática de trituração

em pintos machos. Em Itália, a Assoavi, associação comercial que representa os maiores produtores de ovos

no país, declarou que esta prática pode evitar completamente o nascimento de milhões de pintos machos e o

seu abate.

É dever do Estado desenvolver políticas públicas para preservar o bem-estar de animais independentemente

da finalidade com que são detidos, ou seja, mesmo que sejam criados para fins de consumo, não colocando

sempre os interesses da indústria acima do bem-estar animal e da sociedade que está cada vez mais

sensibilizada para a proteção animal e a necessidade de garantir a existência de práticas que não ponham em

causa o seu bem-estar.

Neste sentido, e perante a existência de alternativas viáveis à trituração de animais vivos, propõe-se abolir

estas práticas em Portugal, seguindo aquela que é uma orientação da própria União Europeia no âmbito das

suas políticas de bem-estar animal, no que à produção avícola respeita.

Nestes termos, a abaixo assinada Deputada do partido Pessoas-Animais-Natureza, ao abrigo das

disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, apresenta o seguinte projeto de lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei prevê o fim da maceração, eletrocussão, esmagamento, asfixia ou outros métodos similares

de occisão de pintos machos e demais aves, procedendo à primeira alteração ao Decreto-Lei n.º 113/2019, de

19 de agosto, que visa assegurar a execução, na ordem jurídica nacional, do Regulamento (CE) n.º 1099/2009,

relativo à occisão dos animais criados ou mantidos para a produção de alimentos, lã, peles, peles com pelo ou

outros produtos, bem como à occisão de animais para efeitos de despovoamento e operações complementares.

Artigo 2.º

Alteração ao Decreto-Lei n.º 113/2019, de 19 de agosto

Os artigos 1.º, 4.º, 7.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 265/2007, de 24 de julho, passam a ter a seguinte redação:

«Artigo 1.º

[…]

1 – […]

2 – [NOVO] O presente decreto-lei estabelece ainda normas específicas referentes aos métodos de occisão

de pintos machos ou demais aves, realizados em território nacional, concretamente os métodos de maceração,

eletrocussão, esmagamento, asfixia ou outros métodos de occisão similares.

Artigo 4.º

[…]

1 – Sempre que no âmbito de um controlo oficial se verifique que o operador de um matadouro ou do próprio

local da exploração não cumpre as normas do regulamento ou do presente decreto-lei, comprometendo,

designadamente, o bem-estar dos animais, o diretor-geral de alimentação e veterinária determina as medidas

de natureza administrativa consideradas adequadas, designadamente as previstas no artigo 22.º do

regulamento, destinadas a corrigir ou fazer cessar os incumprimentos detetados e que devem constar de

relatório devidamente fundamentado, contendo, entre outros, a descrição pormenorizada dos factos verificados.

2 – Para além do disposto no número anterior, pode também ser determinada a proibição da colocação no

mercado dos produtos provenientes do abate ou occisão e operações complementares realizados em violação

das normas do regulamento ou do presente decreto-lei, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 26.º do

regulamento.

3 – […]

4 – […]

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5 – […]

Artigo 7.º

[…]

1 – […]

a) O desrespeito pelo disposto nos artigos 3.º a 7.º e 9.º a 11.º do Regulamento e artigos 3.º-A e 3.ºB do

presente Decreto-Lei relativos aos requisitos gerais aplicáveis à occisão e às operações complementares;

b) […]

c) […]

d) […]

e) […]

f) […];

g) […]

h) […]

i) […]

2 – A tentativa e a negligência são puníveis.

3 – […]

Artigo 10.º

[…]

[…]

a) […]

b) […]

c) 40/prct. para os cofres do Estado;

d) 20/prct. para universidades públicas para aplicação em pesquisas e programas de bem-estar animal de

animais criados para consumo.»

Artigo 3.º

Aditamento ao Decreto-Lei n.º 113/2019, de 19 de agosto

São aditados os artigos 3.º-A e 3.º-B ao Decreto-Lei n.º 113/2019, de 19 de agosto, que passam a ter a

seguinte redação:

«Artigo 3.º-A

Métodos de occisão proibidos em território nacional

1 – A maceração, eletrocussão, esmagamento, asfixia e outros métodos similares de occisão de pintos

machos e demais aves é proibido no território nacional.

2 – É proibida a occisão de pintos machos recém eclodidos por meio de maceração, eletrocussão,

esmagamento, asfixia ou outros métodos similares.

3 – A partir do sétimo dia de incubação, é proibida a occisão através de métodos como a maceração,

esmagamento, asfixia, eletrocussão ou similares, durante ou após a aplicação de um procedimento de

determinação do sexo num ovo de galinha.

4 – Para efeitos da presente lei, entende-se por maceração o método descrito e previsto no Capítulo II e

Anexo I a que se refere o artigo 4.º do Regulamento (CE) n.º 1099/2009.

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Artigo 3.º-B

Método de identificação in ovo

1 – Os produtores e empresas avícolas desenvolvem e utilizam o método de identificação do sexo dos pintos

in ovo, ou seja, em fase embrionária, mediante a utilização de laser ou método semelhante desenvolvido para o

efeito.

2 – A utilização da tecnologia descrita no número anterior visa a identificação de ovos não fertilizados ou

pintos machos, permitindo o seu descarte ou occisão, no caso de embriões, até ao sexto dia após a incubação,

evitando o seu desenvolvimento após essa data e subsequente occisão.

3 – Os produtores e empresas avícolas que comercializam aves recém-eclodidas terão o prazo de um ano

para adequarem a sua atividade ao previsto na presente lei.

Artigo 4.º

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Palácio de São Bento, 25 de julho de 2023.

A Deputada do PAN, Inês de Sousa Real.

———

PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 847/XV/1.ª

REFORÇO DOS COMBOIOS SUBURBANOS, O NOVO CANAL DE ALTA VELOCIDADE E A

MODERNIZAÇÃO DA INFRAESTRUTURA FERROVIÁRIA EM VILA FRANCA DE XIRA

Exposição de motivos

A modernização e desenvolvimento da rede ferroviária nacional constitui um objetivo estratégico para o País

a fim de melhorar e acolher o tráfego ferroviário nos serviços suburbanos, regionais, longo curso e alta

velocidade. Esse investimento, necessário ao País deve servir para melhorar o serviço, em vez de o condicionar

e contribuir para a requalificação dos territórios em vez de criar e mais graves problemas.

Na região de Lisboa, a Linha de Cintura, entre as estações Roma-Areeiro e Braço de Prata, e a Linha do

Norte após a estação de Alverca (ambos os casos ainda em via dupla) constituem trechos condicionantes da

infraestrutura, em especial para os tráfegos suburbanos com término em Castanheira do Ribatejo e Azambuja,

estações para esse efeito apenas localmente dotadas de quatro linhas de serviço.

A este condicionamento da infraestrutura acresce a insuficiência da oferta de transporte no serviço suburbano

neste canal ferroviário, decorrente da falta de investimento e da crónica escassez de material circulante da CP,

prejudicando o acesso aos transportes públicos a milhares de cidadãos. Por outro lado, o troço de via dupla da

Linha do Norte entre Alverca e Azambuja é ainda particularmente sobrecarregado pelo tráfego de mercadorias

do terminal da Bobadela (que tudo indica aqui se manterá por largos anos), e com diverso tráfego regional,

intercidades e alfa.

Estamos, assim, perante o troço de maior intensidade de ocupação da infraestrutura da Linha do Norte, onde

circula grande parte da oferta ferroviária nacional, pelo que a proposta de quadruplicação da via entre Alverca e

o Carregado deveria estar enquadrada com a melhoria da oferta do serviço suburbano, em termos

infraestruturais e de material circulante.

Face a esta situação, torna-se evidente o quadro de preocupações perante a opção, que o Governo pretende

concretizar, de inserir o novo serviço de alta velocidade precisamente neste troço mais ocupado da Linha da

Norte (embora aqui obviamente praticando as velocidades atuais). É uma opção cuja fundamentação está por

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demonstrar.

Mesmo que a quadruplicação da via entre Alverca e o Carregado viesse a acontecer, verifica-se que é

precisamente entre a estação do Oriente e a estação de Alverca que a linha está particularmente

sobrecarregada, apesar de já se encontrar em via quádrupla. A ir por diante a opção que o Governo apresenta,

para acomodar a nova ligação de alta velocidade, tal opção iria secundarizar o serviço de comboios suburbanos

atual, que já hoje é insuficiente, ou mesmo implicar a redução da oferta, particularmente na Linha da Azambuja,

quando o que se impõe é o seu reforço.

Por outro lado, se a linha de alta velocidade tiver também um traçado em canal autónomo, como se prevê

para o restante traçado, e com ligação direta à estação do Oriente, isso irá permitir aumentar significativamente

a oferta do transporte suburbano. Tal permitirá ainda desviar tráfego de longo curso para essa ligação direta

entre Carregado e Oriente.

O PCP entende que a modernização da via a norte de Alverca deve então ser considerada enquanto

importante fator para a melhoria da oferta de comboios suburbanos, bem como da restante oferta de transporte

ferroviário na Linha do Norte. A alta velocidade não tem de ser, nem deve ser, um investimento que implique a

degradação de toda a restante oferta na ferrovia. Por esse motivo, a opção certa para o projeto de alta velocidade

neste troço é ter um canal próprio para acesso à estação do Oriente.

Aliás, o projeto de alta velocidade de 2008 já previa esse traçado por canal autónomo, e o atual projeto

chegou a considerar, na fase 6, esse mesmo traçado. No entanto, tem vindo a ser agora colocada a utilização

prioritária do atual canal da Linha do Norte entre o Carregado e a estação Oriente – sendo que estão por

fundamentar os custos, os prazos e o impacto operacional e territorial desta opção de itinerário.

Noutra perspetiva ainda, a concretização da terceira travessia do Tejo e a decisão sobre o novo aeroporto

de Lisboa podem fazer surgir uma outra alternativa de ligação à estação do Oriente, que entendemos que deve

ser já neste momento devidamente estudada e ponderada. Em Vila Franca de Xira, independentemente das

opções tomadas, a Linha do Norte deve desde já ser objeto de aprofundado estudo de viabilidade do seu

soterramento integrado num com um projeto urbanístico necessariamente mais amplo de modernização e

revitalização da frente ribeirinha.

Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do

Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a

seguinte

Resolução

A Assembleia da República, nos termos n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, recomenda ao

Governo que:

1 – Considere, no projeto de nova linha de alta velocidade ferroviária entre o Porto e Lisboa, a construção

de um novo traçado em canal autónomo de acesso a Lisboa, com ligação direta à estação do Oriente;

2 – No âmbito da modernização da Linha do Norte, promova o estudo e a opção preferencial do

soterramento da infraestrutura, nomeadamente na área urbana consolidada de Vila Franca de Xira, integrado

com um plano urbanístico em articulação com as autarquias locais, que tenha em conta a proteção do património

histórico e ambiental e a qualidade de vida das populações;

3 – Esclareça de forma pública e transparente o fundamento das opções estudadas, designadamente em

termos de custos, prazos de concretização e impactos nos tráfegos existentes na Linha do Norte;

4 – Suspenda todos os projetos que signifiquem a inviabilização dos objetivos acima referidos.

Palácio de São Bento, 25 de julho de 2023.

Os Deputados do PCP: Bruno Dias — Alma Rivera — Duarte Alves — Paula Santos — João Dias — Manuel

Loff.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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