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II SÉRIE-A — NÚMERO 21

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que está em causa não é a «apreciação e votação» do projeto de resolução em apreço, mas tão-somente da

sua apresentação ao abrigo do poder de iniciativa reconhecido aos Deputados pela primeira parte da alínea b)

do artigo 156.º da Constituição da República Portuguesa e pela primeira parte da alínea b) do n.º 1 do artigo

4.º do Regimento da Assembleia da República, na sua redação atual. Como é consabido a apreciação e

votação desta iniciativa ficará dependente do seu posterior agendamento para debate em Plenário – sendo

que o poder de agendamento é distinto do poder de iniciativa e está na esfera exclusiva dos Deputados,

nomeadamente nos termos da segunda parte da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República

Portuguesa e da segunda parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º e dos artigos 60.º e 62.º do Regimento da

Assembleia da República. Daqui decorre, pois, que atendendo à inexistência de quaisquer prazos

constitucionais, legais ou regimentais para o agendamento desta iniciativa, a respetiva admissão não poderá

ser rejeitada com base em fundamentos atinentes ao respetivo agendamento, porquanto a recorrente não

exerceu esse seu poder que a Constituição e o Regimento lhe reconhecem e mesmo que o tivesse feito a

apreciação da admissibilidade do exercício de tal poder deverá ser feita a jusante e de forma autónoma.

5. Em terceiro lugar, importará sublinhar que do enquadramento constitucional da revisão constitucional

extraordinária não resulta, de forma expressa ou implícita, a existência de um qualquer limite circunstancial ou

temporal de revisão, que impeça a assunção de poderes de revisão constitucional extraordinária pela

Assembleia da República num momento em que esteja em curso um processo de revisão constitucional

ordinário. A inexistência de tais limites é manifestamente evidente na fundamentação apresentada no

Despacho n.º 87/XV que em lugar da apresentação das normas constitucionais concretamente violadas,

invoca «imperativo(s) lógico(s)», discorre sobre quais devem ser os objetivos de uma revisão constitucional

extraordinária e até sobre se haverá urgência associada aos factos invocados na exposição de motivos, que

são aspetos atinentes a opções de política e não estritamente jurídicos (que são os únicos que poderiam

fundamentar a decisão de não admissão de uma iniciativa).

6. De resto, a Constituição cuida de fixar expressamente limites circunstanciais de revisão – visto que, no

seu artigo 289.º, impede a revisão constitucional «na vigência de estado de sítio ou de estado de emergência»

– e limites temporais de revisão – visto que, no seu artigo 284.º, n.º 1, impede a revisão constitucional

ordinária antes de «decorridos cinco anos sobre a data da publicação da última lei de revisão ordinária». A

única norma constitucional referente à revisão constitucional extraordinária (artigo 284.º, n.º 2) afirma mesmo

que tais poderes poderão ser assumidos pela Assembleia da República «em qualquer momento», o que

significa que a Constituição não só não impede como permite que tal assunção de poderes possa ocorrer em

momento em que esteja em curso um processo de revisão constitucional ordinário ou em qualquer outro

momento – sendo que esta liberdade conferida aos Deputados é compensada pela exigência de uma maioria

especialmente qualificada na deliberação de assunção de poderes de revisão. Do disposto no referido artigo

284.º, n.º 2, da Constituição, resulta, pois, claro que não só não existe base literal para sustentar o

entendimento expresso no Despacho n.º 87/XV, como, também, que a base literal existente aponta para o

princípio geral de que os poderes de revisão constitucional extraordinária poderão ser assumidos pela

Assembleia da República «em qualquer momento» – o que incluirá necessariamente a situação em que esteja

em curso um processo de revisão constitucional ordinária.

7. Finalmente, em quarto lugar, mesmo que se entendesse que haveria uma lacuna relativamente à

possibilidade de haver uma assunção de poderes de revisão constitucional extraordinária num contexto em

que decorra um processo de revisão ordinária, não nos parece que o entendimento expresso no despacho

recorrido respeite as regras de interpretação jurídica da Constituição. Por um lado, porque, conforme nota

Maria Lúcia Amaral2, «a “letra” do texto é, portanto, simultaneamente, o ponto de partida e o ponto de chegada

de todo o caminho que o intérprete faz quando procura saber o que é que o texto quer dizer: em princípio, e

por mais longo e espinhoso que seja tal caminho, os resultados obtidos a final nunca poderão ser tidos como

resultados válidos se forem contra verbum, isto é, se não tiverem “[…] na letra da lei o mínimo de

correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”, como manda o artigo 9.º, n.º 2, do Código

Civil». Ora, os resultados da interpretação feita pelo Despacho n.º 87/XV, à letra do artigo 284.º, n.º 2, da

Constituição da República Portuguesa, que apontam para a alegada existência de um limite de revisão

temporal – que impediria a assunção de poderes de revisão constitucional extraordinária em contexto de um

processo de revisão ordinária – dão origem a uma interpretação contra verbum e que viola de forma grosseira

2 Maria Lúcia Amaral, A forma da República, Coimbra Editora, 2005, página 111.

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