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II SÉRIE-A — NÚMERO 21

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de Esquerda, Chega e Partido Socialista. Tal sucede, precisamente porque, no final de 2021, um acórdão da

3.ª Secção do Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização concreta, julgou, pela primeira vez,

inconstitucional a norma que prevê e pune o crime de maus-tratos a animal de companhia (artigo 387.º do

Código Penal), onde, pela primeira vez, o Tribunal considerou «inevitável concluir pela inexistência de

fundamento constitucional para a criminalização dos maus-tratos a animais de companhia, previstos e punidos

no artigo 387.º do Código Penal». Desde então, surgiram já diversas decisões de inconstitucionalidade, seja

da versão mais recente da lei e sobre a sua versão original, todas em sede de fiscalização concreta da

constitucionalidade. No entanto, tendo existido pelo menos já cinco decisões sobre a mais recente versão da

lei e seis sobre a versão original, o Ministério Público desencadeou o processo destinado a declarar a

inconstitucionalidade geral e abstrata da lei em apreço. Um processo obrigatório por parte do Ministério

Público, sempre que os juízes conselheiros considerem, em três casos concretos, a inconstitucionalidade de

determinada norma ou diploma legal. Ora, é verdade que pelo menos os três casos de fiscalização concreta

da constitucionalidade ocorreram antes da entrada dos projetos de revisão constitucional ordinária, no entanto,

parece-nos por demais claro que a protelação no tempo da resolução deste tema é altamente prejudicial e

proporcional ao aumento do risco de uma declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral. Um

risco que significará, e que infelizmente, e ainda que de forma errada, na medida em que ainda não foi

declarada a inconstitucionalidade com força obrigatória geral, tem resultado em sucessivos arquivamentos em

processos-crime de maus-tratos e morte de animais de companhia. A dilação no tempo da clarificação deste

tema que tem mostrado amplo consenso entre os partidos na revisão ordinária em curso, mas que corre o

risco de não se ver resolvida exatamente por não se chegar a consenso em outras matérias distintas que se

encontram a ser abordadas na revisão constitucional em curso, significará que, a qualquer momento pode ser

declarada a inconstitucionalidade da norma que criminaliza os maus-tratos a animais de companhia. Este risco

traduz-se em arquivamentos, devolução de animais à guarda dos seus agressores e, eventualmente,

indemnizações aos agressores, para além de se traduzir igualmente num profundo desrespeito do clamor

social em torno da matéria da proteção animal. Veja-se que, em março de 2023, a sociedade civil, em pouco

menos de três meses reuniu numa petição «em defesa da lei que criminaliza os maus-tratos a animais» mais

de 92 mil assinaturas e, mais recentemente, no presente mês, foi entregue uma nova petição com mais de 31

mil assinaturas, para além do manifesto subscrito por mais de 70 juristas em nome do progresso civilizacional

já alcançado pela ordem jurídica portuguesa. Ainda assim, e apesar do exposto, não se alcança o pretendido

com a fundamentação do Senhor Presidente da Assembleia da República, uma vez que o n.º 2 do artigo 284.º

da CRP, e já acima transcrito, dispõe que «a Assembleia da República pode […] assumir em qualquer

momento poderes de revisão extraordinária por maioria de quatro quintos dos Deputados em efetividade de

funções» e não se prevê na Lei Fundamental qualquer tipo de limitação quanto à ocorrência de factos

anteriores ou posteriores à revisão constitucional ordinária e, consequentemente, a sua limitação para a

revisão constitucional extraordinária. Veja-se até que não consta nos limites materiais ou tampouco

circunstanciais de revisão, nos termos e para os efeitos do previsto nos artigos 288.º e 289.º da CRP,

respetivamente. Por tal, ainda que sempre se entenda que existem factos posteriores que agravam a situação

em apreço e, consequentemente, o risco, mesmo que assim não fosse não é este fundamento suficiente para

fundamentar ou justificar a não admissibilidade e por tal um impedimento grave de iniciativa de um partido

político e de um Deputado.

11. Finalmente, no Despacho n.º 87/XV, o Senhor Presidente da Assembleia da República invoca, ainda,

como fundamento da não admissão o facto de o objeto da revisão constitucional ordinária em curso estar

delimitado e de a eventual assunção pela Assembleia da República de poderes de revisão constitucional

extraordinária poder alterar tal objeto. Tendo ficado já claro que a matéria que pretendemos que seja tratada

no âmbito do processo de revisão constitucional extraordinária já está inserida no âmbito do processo de

revisão ordinária em curso – o que torna infundado o receio de alargamento do respetivo objeto –, será

relevante assinalar duas notas complementares referentes à delimitação do objeto de revisão constitucional.

Por um lado, importará lembrar que, de acordo com o entendimento de Jorge Miranda e Rui Medeiros4,

«factos supervenientes – suscetíveis porventura de justificar a assunção de poderes de revisão extraordinária

– possam legitimar, ainda com base numa ideia de regra de condensação, a apresentação de propostas de

alteração que extravasem do âmbito da revisão inicialmente delimitado» e que «no âmbito do debate político-

4 Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra Editora, 2005, página 903.