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Terça-feira, 9 de janeiro de 2024 II Série-A — Número 59
XV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2023-2024)
S U M Á R I O
Resoluções: — Primeiro orçamento suplementar da Assembleia da República para o ano de 2024. (a) — Deslocação do Presidente da República a Paris. (b)Projeto de Lei n.º 997/XV/2.ª (PCP): Revoga o Decreto-Lei n.º 103/2023, de 7 de novembro, que aprova o regime jurídico de dedicação plena no Serviço Nacional de Saúde e da organização e do funcionamento das unidades de saúde familiar.
Projeto de Resolução n.º 625/XV/2.ª (Valorização das longas carreiras contributivas e aplicação de um regime de aposentação específico para os professores e educadores): — Informação da Comissão de Administração Pública, Ordenamento do Território e Poder Local relativa à discussão da iniciativa, ao abrigo do artigo 128.º do Regimento da Assembleia da República. (a) Publicada em Suplemento. (b) Publicada em 2.º Suplemento.
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PROJETO DE LEI N.º 997/XV/2.ª
REVOGA O DECRETO-LEI N.º 103/2023, DE 7 DE NOVEMBRO, QUE APROVA O REGIME JURÍDICO
DE DEDICAÇÃO PLENA NO SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE E DA ORGANIZAÇÃO E DO
FUNCIONAMENTO DAS UNIDADES DE SAÚDE FAMILIAR
Exposição de motivos
O fim da possibilidade de opção pelo regime de dedicação exclusiva, determinado por um Governo do PS
em 2009, retirou ao Serviço Nacional de Saúde um dos principais instrumentos para a sua atratividade junto dos
profissionais médicos. Tratava-se de garantir condições de melhor remuneração dos médicos, como
contrapartida da sua plena dedicação ao Serviço Nacional de Saúde (SNS).
Essa decisão não foi inocente e correspondeu a um percurso, entretanto prosseguido por vários Governos e
acentuado nos últimos anos, de degradação das condições de trabalho, das carreiras e remunerações dos
médicos no SNS, com o objetivo evidente de abrir espaço para a sua contratação pelos grupos privados da
saúde, fragilizando os serviços públicos.
A situação grave que vivem muitas unidades e serviços do SNS tem como causa mais evidente, embora não
única, a carência de recursos humanos, particularmente médicos, que é fruto da desvalorização da profissão,
para dar lugar ao favorecimento do setor privado. De acordo com estudo publicado pela NovaSBE, da autoria
dos Prof. Pedro Pita Barros e Eduardo Costa, a remuneração dos médicos no SNS nunca recuperou dos cortes
efetuados no período do memorando da troica e do Governo PSD/CDS, sendo que a perda de valor real das
remunerações entre 2011 e 2022 foi de 18 %. Em simultâneo agravou-se para grande parte dos médicos a
sobrecarga nos horários de trabalho, bem como o aumento dos utentes para cada profissional ou serviço,
faltando outras condições essenciais, como, por exemplo, ao nível da renovação dos equipamentos e da
modernização das instalações.
Foi neste quadro que o Governo lançou há alguns anos o conceito de «dedicação plena», designação
propositadamente errónea e visando gerar confusão com o regime de dedicação exclusiva atrás revogado.
Depois de anos de indefinição sobre o conteúdo deste conceito, embora adivinhando-se que pouco teria de
semelhante à dedicação exclusiva, o Governo legislou sobre a matéria de forma unilateral, sem chegar a acordo
com os sindicatos representantes dos médicos, usando uma técnica legislativa inadequada, acrescendo que o
Decreto-Lei n.º 103/2023, de 7 de novembro, é publicado no dia em que o Primeiro-Ministro apresenta a sua
demissão.
Durante longos meses o Governo empatou as organizações sindicais em infrutíferas rondas negociais onde
sistematicamente não apresentava propostas concretas nem respondia às apresentadas pelos representantes
dos médicos. Entretanto e de supetão, o Governo decidiu legislar unilateralmente, sem acordo negocial, pondo
em causa os instrumentos de regulação coletiva anteriormente aprovados. No decreto-lei em causa o Governo
amalgamou o novo regime de dedicação plena e em simultâneo transformou por anexo o regime das USF,
igualmente sem acordo negocial com os sindicatos.
Suscitam-se por isso fundadas dúvidas sobre a constitucionalidade deste diploma, designadamente quanto
ao respeito das disposições da Constituição relativas à participação das organizações sindicais na elaboração
da legislação laboral e ao direito à contratação coletiva.
O novo regime de dedicação plena visa no fundamental aumentar o horário de trabalho dos médicos –
acrescentando nalgumas situações mais um dia de trabalho semanal, consagrando uma jornada de trabalho
diária de 9 horas, aumentando o número de horas extra obrigatórias para 250 e condicionando o direito ao
descanso compensatório com prejuízo de horário. Esta legislação cria um regime obrigatório para os médicos
em determinadas funções e modelos organizativos, sendo legítimo questionar a imposição de regimes laborais
diferenciados para profissionais com funções semelhantes.
As alterações legislativas em causa não visam a melhoria das condições profissionais dos médicos.
Rejeitando um aumento substancial da remuneração base, que permitisse compensar a perda de poder de
compra real dos últimos anos, o Governo optou por impor sem acordo negocial um agravamento dos horários e
da carga laboral, por exemplo com mais utentes por médico, com uma compensação financeira que, bem vistas
as coisas, está muito aquém do que foi propagandeado pelo executivo e da perda real de poder de compra.
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A aplicação obrigatória da dedicação plena aos médicos de saúde pública, prejudica o regime que lhes atribui
um suplemento remuneratório, tendo em conta a sua função específica. A aplicação deste regime a USF e a
CRI, independentemente das considerações possíveis sobre as limitações destes regimes, criará
inevitavelmente uma forte perturbação em muitas destas unidades. A aplicação da dedicação plena de forma
obrigatória às direções de serviço poderá vir a decapitar muitas delas, com difíceis condições de substituição.
Trata-se de um diploma que aposta num encolhimento da capacidade de resposta pública e na precarização
das condições de trabalho dos profissionais, o que se traduzirá certamente numa diminuição da atratividade do
SNS para novos profissionais e num impulso acrescido para a saída dos que nele trabalham, o que é de facto o
objetivo do Governo.
Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do
Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Revogação do Decreto-Lei n.º 103/2023, de 7 de novembro
1 – É revogado o Decreto-Lei n.º 103/2023, de 7 de novembro.
2 – São repristinados o Decreto-Lei n.º 298/2007, de 22 de agosto, e o artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 177/2009,
de 4 de agosto.
Artigo 2.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação.
Assembleia da República, 9 de janeiro de 2024.
Os Deputados do PCP: João Dias — Paula Santos — Alma Rivera — Bruno Dias — Duarte Alves — Alfredo
Maia.
–——–
PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 625/XV/2.ª
(VALORIZAÇÃO DAS LONGAS CARREIRAS CONTRIBUTIVAS E APLICAÇÃO DE UM REGIME DE
APOSENTAÇÃO ESPECÍFICO PARA OS PROFESSORES E EDUCADORES)
Informação da Comissão de Administração Pública, Ordenamento do Território e Poder Local
relativa à discussão da iniciativa, ao abrigo do artigo 128.º do Regimento da Assembleia da República
1 – Seis Deputados do Partido Comunista Português tomaram a iniciativa de apresentar o Projeto de
Resolução n.º 625/XV/1.ª (PCP), ao abrigo do disposto na alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República
Portuguesa e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República (RAR).
2 – A iniciativa deu entrada na Assembleia da República a 14 de abril de 2023, foi admitida a 18 de abril de
2023 e baixou nessa data à Comissão de Administração Pública, Ordenamento do Território e Poder Local.
3 – O projeto de resolução contém uma designação que traduz o seu objeto e bem assim uma exposição
de motivos.
4 – Não tendo sido solicitado por qualquer grupo parlamentar que a respetiva discussão se realizasse em
reunião plenária, nos termos do artigo 128.º do RAR, a mesma teve lugar na reunião da Comissão de
Administração Pública, Ordenamento do Território e Poder Local de 4 de janeiro de 2024 nos seguintes termos:
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• O Sr. Deputado Alfredo Maia (PCP) introduziu a discussão, dizendo que, apesar de o texto do projeto de
resolução ser sobejamente conhecido, gostava de salientar o conjunto de propostas que o PCP tem apresentado
no sentido da valorização das longas carreiras contributivas em geral e especialmente daquelas profissões que,
pelas suas características específicas, impõem um desgaste muito acentuado, que é o caso, nomeadamente,
dos educadores e dos professores. Questionou se uma educadora com 64 ou 65 anos estará em condições de
educar uma criança com o nível de exigência físico que isso comporta, porque não está em causa apenas a
prática pedagógica em geral, mas aquilo que é exigível, que uma educadora acompanhe crianças nas mesas
pequeninas, nas cadeiras pequeninas, que pegue nela ao colo…
Referiu que também poderia dizer-se dos professores em geral que é um grupo profissional que está
altamente envelhecido e que necessita de um forte rejuvenescimento. Mas, do ponto de vista da sua condição
específica, cada um destes profissionais tem já o direito a uma reforma tranquila, sem qualquer penalização.
Salientou que será de plena justiça que o grupo profissional dos educadores, entre outros corpos especiais
da Administração Pública e dos assalariados em geral, veja serem criadas condições para uma reforma sem
penalização a partir dos 40 anos completos de carreira contributiva.
Da parte resolutiva do projeto de resolução consta o seguinte:
«A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea b) do artigo 156.º e do n.º 5 do artigo 166.º da
Constituição da República, recomendar ao Governo:
1. Que no imediato, promova a valorização das longas carreiras contributivas considerando a
possibilidade de antecipação da idade de acesso à pensão de velhice, sem penalizações, para todos
os trabalhadores dos setores público e privado, nos quais se incluem os professores e educadores,
que tenham completado 40 anos de carreira contributiva, independentemente da idade;
2. Que aos trabalhadores das carreiras e categorias especiais, incluindo os professores e educadores,
seja contabilizado, para efeitos de aposentação, todo o tempo de serviço prestado, procedendo-se
ao recálculo do valor das pensões no caso de quem esteja já aposentado.
3. Avalie o impacto que a eliminação dos regimes específicos de aposentação e a fixação das novas
regras tiveram no funcionamento dos serviços públicos e de outras entidades, nomeadamente quanto
ao número de trabalhadores que se aposentaram, aos que se aposentaram com e sem penalizações
e aos que, caso o regime não tivesse sido alterado, já teriam podido aposentar-se, bem como quanto
à evolução da idade média dos trabalhadores em cada serviço e carreira profissional, apresentando
à Assembleia da República as respetivas conclusões;
4. Sem prejuízo do previsto no n.º 1, progrida na aplicação de melhores condições gerais de aposentação
para os trabalhadores da administração pública, salvaguardando regimes específicos de
aposentação anteriormente consagrados ou a consagrar em condições mais favoráveis, incluindo
para os professores e educadores, identificando as medidas e condições necessárias à sua
concretização, em particular quanto ao início dos procedimentos negociais com as organizações
sindicais.
5. Promova o rejuvenescimento da profissão docente, assegurando condições de trabalho com dignidade
e estabilidade, a valorização da carreira docente e da profissão, a garantia da progressão, e o
combate à precariedade.»
• Interveio de seguida a Sr.ª Deputada Lúcia Araújo Silva (PS) para dizer que as questões relacionadas
com a aposentação carecem de uma análise transversal, tendo como referência o conjunto de trabalhadores da
Administração Pública, dado que as regras vigentes aplicáveis à aposentação dos professores não são
específicas desta carreira. Lembrou que, naturalmente, o Ministério da Educação tem uma especial
preocupação, não com a duração da carreira contributiva, porque se trata de uma matéria transversal, mas sim
com a manutenção de condições por parte dos docentes mais velhos para assegurarem a lecionação nos seus
diferentes níveis. É por isso que o Estatuto da Carreira Docente consagra a redução da componente letiva dos
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docentes de acordo com a idade e o número de anos de serviço e foi também com este propósito que o Ministério
da Educação iniciou em 2023 um processo de alteração das condições de redução da componente letiva dos
docentes que lecionam em regime de monodocência.
Quanto ao referido no presente projeto de resolução sobre o rejuvenescimento da profissão docente e
valorização da carreira, esclareceu que o Ministério da Educação tomou diversas medidas nesse sentido em
2023. Referiu-se à revisão das condições de formação inicial dos docentes e à instituição de estágios
remunerados através do Decreto-Lei n.º 112/2023, de 29 de novembro, que veio alterar o regime jurídico da
habilitação profissional para a docência na educação pré-escolar e no ensino básico e secundário, de modo a
atrair à profissão docente mais candidatos e a reter mais profissionais, introduzindo-se regras específicas para
a aquisição da habilitação profissional para a docência e passando assim os estagiários a serem também
remunerados tendo por referência o índice 167 da escala indiciária, tal como consta do estatuto da carreira
docente, dos professores, dos educadores e também professores de ensino básico e secundário.
Por outro lado, referiu-se ao Decreto-Lei n.º 32-A/2023, de 8 de maio, que estabelece o novo regime de
gestão e recrutamento do pessoal docente dos ensinos básicos e secundário e dos técnicos especializados para
formação, para dizer que veio garantir o ingresso mais célebre nos quadros, tornando por esta via a carreira
docente mais atrativa. Salientou que, com a respetiva entrada em vigor, foi instituído o mecanismo de vinculação
dinâmica já que, logo que o docente completa três anos de serviço, entra nos quadros, o que garante
estabilidade na carreira dos docentes, combate a precariedade e permite a sua valorização salarial. Disse que
importava ainda recordar que, ao abrigo deste regime, foi feita, em 2023, a maior vinculação de professores dos
últimos 18 anos, garantindo-se assim a sua entrada nos quadros e a valorização salarial, o que se traduz numa
maior atratividade da carreira para os mais jovens, face à muito significativa redução do tempo previsto para a
vinculação. Concluiu dizendo que é claro que os últimos anos foram de combate à precariedade na carreira
docente, com medidas inovadoras que permitiram, de facto, uma valorização salarial e da carreira docente.
• Por seu lado, a Sr.ª Deputada Joana Barata Lopes (PSD) começou por dizer que aquele projeto de
resolução – que, como o Sr.ª Deputado Alfredo Maia também referiu, não versa sobre uma nova matéria, porque
o PCP já anteriormente tinha apresentado iniciativa com idêntico conteúdo – não é específico dos professores.
O que está em causa é o regime de aposentação, de valorização das longas carreiras contributivas, onde se
incluem professores e educadores. Assinalou que um dos pontos tem a ver com a eliminação dos regimes
específicos – de facto, havia um regime especial de aposentação na Administração Pública – que se verificou
em 2006 com o Governo Socialista. Também está relacionado com aspetos como o rejuvenescimento da
profissão docente, com as condições de trabalho, de dignidade, de estabilidade, de valorização da carreira
docente e da profissão, com a garantia de progressão e combate à precariedade.
Reiterou que o projeto de resolução em nenhum momento é dirigido especificamente aos professores e
educadores, nem sequer é dirigido apenas à Administração Pública, porque o que está em causa são as longas
carreiras contributivas.
Precisou que o projeto de resolução tem a ver com a valorização das longas carreiras contributivas – ou seja,
60 anos, 40 anos de descontos –, sem penalizações, que, ao dia de hoje, não é o que acontece. Daí que o que
está em causa é se devem ou não ser eliminadas as penalizações no acesso à pensão de reforma no que diz
respeito às longas carreiras contributivas.
Nesse sentido, reconhecendo a coerência do PCP, que já várias vezes trouxe este tema aqui à discussão,
disse que o GP do PSD, também em coerência, afirma que este não é um tema que possa ser abordado sob a
forma de mera recomendação ao Governo, porque exige uma responsabilidade que afeta todo o sistema público
de segurança social, pelo que exigiria um outro tipo de discussão.
• O Sr. Deputado Bruno Nunes (CH), na sequência das palavras da Sr.ª Deputada Joana Barata Lopes
(PSD), a que se associou, afirmou que iria manter a sua coerência, razão pela qual não emitiria mais nenhuma
opinião.
A discussão foi gravada em suporte áudio, constituindo a mesma parte integrante da presente informação, o
que dispensa o seu desenvolvimento nesta sede.
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5 – Realizada a discussão do Projeto de Resolução n.º 625/XV/1.ª (PCP) remete-se esta informação a S.
Ex.ª o Presidente da Assembleia da República, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 128.º do
Regimento da Assembleia da República.
Assembleia da República, 4 de janeiro de 2024.
A Presidente da Comissão, Isaura Morais.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.