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Quinta-feira, 6 de junho de 2024 II Série-A — Número 41
XVI LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2024-2025)
S U M Á R I O
Projeto de Lei n.º 172/XVI/1.ª (Prevê o crime de ecocídio no Código Penal): — Alteração do texto inicial do projeto de lei. Projetos de Resolução (n.os 144 e 145/XVI/1.ª): N.º 144/XVI/1.ª (PAR) — Deslocação do Presidente da República à Suíça.
— Texto do projeto de resolução e mensagem do Presidente da República. N.º 145/XVI/1.ª (BE) — Recomenda ao Governo português que se associe ao processo relativo à aplicação da convenção para a prevenção e repressão do crime de genocídio na Faixa de Gaza (África do Sul contra Israel).
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PROJETO DE LEI N.º 172/XVI/1.ª (*)
(PREVÊ O CRIME DE ECOCÍDIO NO CÓDIGO PENAL)
Exposição de motivos
A Organização das Nações Unidas para o ambiente afirma que a atividade humana alterou todos os cantos
do planeta e que à medida que continuamos a invadir incansavelmente a natureza e a degradar os ecossistemas,
colocamos em sério risco a saúde humana. Salienta ainda a ONU que 75 % de todas as doenças infeciosas
emergentes são zoonóticas, ou seja, vírus originários da transferência de animais para humanos, decorrente da
forma como exploramos e depredamos a natureza, enquanto espécie e acrescentam que «no final do dia, a
saúde das pessoas e a saúde do planeta estão intimamente relacionadas». Veja-se a recente pandemia da
COVID-19 que demonstrou de forma clara e inequívoca que o modo como nos relacionamos com a natureza é
insustentável e nos expõe a perigos de saúde e a custos económicos que podem pôr em causa a vida como a
conhecemos.
Assistimos à prática de vários crimes sobre os ecossistemas, em particular de poluição e, bem assim, sobre
a exploração de recursos naturais, destruindo-os de forma impune. São exemplo disso a desflorestação da
Amazónia – um estabilizador fundamental do sistema climático global e habitat de uma vasta biodiversidade –
pela extração de madeira, mineração, plantio e produção de carne que poderá condenar espécies que já se
encontram em vias de extinção, desde mamíferos, peixes, aves e anfíbios.
Na Ásia, a destruição de vastos habitats para a exploração de óleo de palma; a «grande porção de lixo no
Pacífico» que consiste numa ilha rodopiante de 100 milhões de toneladas de pedaços de plástico e tampas de
garrafas; os impactos de cinquenta anos de extração de petróleo no Delta do Níger, que causaram um desastre
ecológico; no Equador, a Chevron despejou milhões de toneladas de petróleo bruto e águas residuais tóxicas
na Amazónia ao longo de duas décadas, criando uma lagoa oleosa no local de produção de petróleo de Guanta,
perto da cidade de Lago Agrio.
Também em Portugal assistimos a crime ambientais chocantes como os incêndios florestais que dizimam
largos hectares de floresta e da sua biodiversidade, a poluição hídrica causada por resíduos decorrentes de
atividades pecuárias, o abate de vastas áreas de floresta em terrenos classificados e protegidos da Rede Natura
2000 e Reserva Ecológica Nacional, como os que aconteceram na serra da Lousã ou que se pretendem realizar
em zona ameaçada pelas cheias, como o caso da Quinta dos Ingleses, projetos que integram áreas
classificadas, incluindo zonas de proteção especial (ZPE) e zonas especiais de conservação (ZEC) pertencentes
à Rede Natura 2000, quando o próprio Tribunal de Contas Europeu alertou para o facto de que mais de metade
do nosso território corre o risco de seca extrema.
Veja-se ainda o exemplo da emergente indústria de extração de minerais em mar profundo, biólogos
marinhos e cientistas ambientais preveem que a mineração de ouro, prata e cobre no fundo do mar poderá ser
o próximo grande desastre ecológico. O frágil ecossistema marinho do fundo do mar é uma fronteira sobre a
qual sabemos muito pouco e que poderá ter sérias implicações no sistema terrestre tendo em conta o papel
fundamental dos oceanos como sumidouro de carbono e fonte de biodiversidade.
Todos os atos que prejudiquem o equilíbrio dos limites planetários têm consequências diretas nos
ecossistemas, na vida humana e nos animais que o planeta acolhe. O sistema terrestre é um bem comum que
não deve poder ser destruído por alguns em prejuízo de todos os outros.
A Stockholm Resilience Centre (adiante SRC)1 – um centro internacional de investigação multidisciplinar no
domínio dos sistemas socioecológicos, isto é, sistemas nos quais os seres humanos e a natureza são estudados
como constituindo um todo integrado tem apontado a necessidade de a abordagem ao «sistema terrestre» ser
integrada. O «sistema terrestre» corresponde aos processos físicos, químicos e biológicos que interagem com
o planeta e inclui a terra, oceanos, atmosfera, polos e os ciclos naturais do planeta – carbono, água, azoto,
fósforo, enxofre entre outros. A SRC definiu os «limites planetários», um conceito que envolve limites ambientais,
nas vertentes das alterações climáticas, da biodiversidade, do uso do solo, da acidificação dos oceanos, do uso
de água potável, dos processos biogeoquímicos, da concentração de ozono e aerossóis na atmosfera e da
1 Dados disponíveis em: https://www.stockholmresilience.org/research/planetary-boundaries.html
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poluição química. O objetivo da definição dos referidos «limites planetários» possibilitou estipular um «espaço
operacional seguro para a Humanidade» como pré-condição para o desenvolvimento sustentável. De acordo
com as evidências científicas, as ações humanas, desde a Revolução Industrial, tornaram-se no principal motor
das mudanças ambientais globais. De acordo com os cientistas que definiram estes conceitos, «transgredir um
ou mais limites planetários pode ser prejudicial ou até catastrófico devido ao risco de cruzar limiares que
desencadearão mudanças ambientais abruptas não lineares em sistemas de escala continental a planetária»,
alterando a vida na Terra, tal como a conhecemos.
Desde 2009, quatro dos nove limites planetários já foram ultrapassados, nomeadamente, as alterações
climáticas, a perda de biodiversidade, o uso do solo e os processos biogeoquímicos, enquanto os restantes
correm um risco iminente de serem ultrapassados.
No que se refere às alterações climáticas, o cenário é muito preocupante. Estamos a menos de seis anos do
ponto de não retorno ao nível da estabilidade climática mundial. A questão do ponto de não retorno é de extrema
importância. Depois de atingirmos uma determinada concentração de gases com efeito de estufa, o que se
prevêem-se eventos climáticos extremos, como cheias, furacões, secas, incêndios florestais, subida do nível do
mar, escassez de água potável, desertificação de extensos territórios, disseminação de doenças, entre outros
efeitos. Sobre a disseminação de doenças os cientistas preveem que ocorra via as atuais doenças tropicais mais
a norte do globo e mais a sul (consoante os hemisférios) e também por via dos milhares de vírus e bactérias
que estão inativos nas terras congeladas do Ártico (permafrost), terras essas que estão já a descongelar2.
Do ponto de vista económico, como já reiteradamente tem sido afirmado por entidades como a OCDE e o
Banco Mundial, o custo de não reduzir emissões de gases de carbono é muito superior ao custo da redução de
emissões, seja pelos custos de resposta às diferentes catástrofes provocadas pelas alterações climáticas seja
pelos custos da adaptação dos territórios às mesmas.
Mais, face ao eminente colapso dos limites planetários, importa perceber como é que cá chegámos, que
fatores estão a contribuir mais para as alterações climáticas quem mais sofrerá com o impacto das alterações
climáticas e o que poderemos ainda fazer.
Entre a década de 50 e o final dos anos 80, atingimos as 350 partes por milhão de dióxido de carbono na
atmosfera, valor limite do que é considerado o «espaço seguro para a humanidade», o acréscimo anual da
concentração de CO2 na atmosfera foi de cerca de 1,2 partes por milhão. Desde então e até ao ano 2000, o
acréscimo anual da concentração de CO2 na atmosfera acelerou para 1,6 partes por milhão. Na primeira década
do Século XXI assistimos a um acréscimo anual de concentração de CO2 de 2,1 partes por milhão. Continuamos
a acelerar as emissões de gases de carbono na última década. Entre 2010 e 2015 tivemos um acréscimo anual
de 2,4 partes por milhão e, entre 2015 e 2019, o acréscimo anual foi de 2,5 partes por milhão. Estes números
demonstram bem que, até agora, o mundo tem sido incapaz de travar o acréscimo de emissões e evitar esta
catástrofe global.
O Banco Mundial estima que as alterações climáticas, até 2050, irão criar mais de 14 milhões de migrantes
de zonas da África, América Latina e Sul da Ásia.
Situação que não deve ser alheia a Portugal, uma vez que é o País da Europa em que alterações climáticas
têm maior impacto.
As Nações Unidas apresentaram um relatório sobre direitos humanos no qual evidenciavam «a distribuição
desigual dos impactos das alterações climáticas nas regiões em desenvolvimento e regiões desenvolvidas
coloca o mundo em risco de “apartheid climático”», no qual «os ricos pagam para escapar ao sobreaquecimento,
fome e conflito enquanto o resto do mundo sofre.»
A situação em que o planeta se encontra é injusta e irracional. Irracional porque não defendemos o bem mais
precioso que é a vida e irracional porque mesmo do ponto de vista económico representará uma perda para
todos, como já repetidamente alertado pela OCDE, injusta porque será uma catástrofe especialmente sentida
por quem menos para ela contribuiu, ou seja, os países mais desfavorecidos.
A justiça ambiental continua a penalizar quem menos contribuiu para a crise climática, na medida em que os
50 países menos desenvolvidos do mundo contribuíram juntos com menos de 1 % das emissões globais de
carbono antropogénico, enquanto os 10 % mais ricos contribuíram com cerca de 50 % do carbono.
O PAN para além de defender a consagração do crime de ecocídio, no âmbito do Estatuto de Roma3,
2 http://www.bbc.com/earth/story/20170504-there-are-diseases-hidden-in-ice-and-they-are-waking-up 3 http://gddc.ministeriopublico.pt/instrumento/estatuto-de-roma-do-tribunal-penal-internacional-22
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pretende, com a presente iniciativa, incentivar uma mudança que urge fazer, de forma a desincentivar a
destruição de ecossistemas: prever o crime de ecocídio no Código Penal.
A criminalidade ambiental é a quarta maior atividade criminosa do mundo4 e uma das principais fontes de
rendimento da criminalidade organizada, a par da droga, das armas e do tráfico de seres humanos. Em
dezembro de 2021, a Comissão apresentou uma proposta para reforçar a proteção do ambiente na UE através
do direito penal5, com o objetivo de combater o número crescente de infrações penais ambientais.
O Parlamento Europeu aprovou novas regras sobre crimes ambientais e sanções conexas.
A diretiva, acordada com o Conselho em 16 de novembro de 20236, foi aprovada por 449 votos a favor, 100
votos contra e 23 abstenções e contém uma lista atualizada de infrações penais, incluindo o comércio ilegal de
madeira, o esgotamento dos recursos hídricos, as violações graves da legislação da União Europeia (UE)
relativa aos produtos químicos e a poluição causada por navios. Os eurodeputados asseguraram que as novas
regras abrangem as chamadas «infrações qualificadas», como os incêndios florestais em grande escala ou a
poluição generalizada do ar, da água e do solo, que conduz à destruição de um ecossistema e é, por
conseguinte, comparável ao ecocídio.
A referida diretiva prevê ainda que os crimes ambientais cometidos por pessoas e representantes de
empresas serão puníveis com pena de prisão consoante a duração, a gravidade ou a reversibilidade dos danos.
As infrações qualificadas poderão ser punidas com oito anos de prisão; as que causem a morte de uma pessoa,
com 10 anos, e as outras infrações, com até cinco anos.
Todos os infratores serão obrigados a restaurar o ambiente danificado e a indemnizar os danos causados.
Para as empresas, as coimas atingirão 3 ou 5 % do seu volume de negócios anual a nível mundial ou, em
alternativa, 24 ou 40 milhões de euros, dependendo da natureza do crime. Os Estados-Membros poderão decidir
se instauram processos por infrações penais que não tenham ocorrido no seu território.
Nesta senda, e sem prejuízo da necessária transposição da diretiva, cujo prazo se encontra a decorrer, é
essencial prever, desde já, o crime de ecocídio no Código Penal. A criação deste delito, tal como foi feito em
França, para casos de poluição ambiental.
França aprova criação do delito de «ecocídio» para punir poluição ambiental praticados de forma intencional,
no âmbito de uma lei sobre o clima, é essencial para garantir a justiça intergeracional e travar, pelo ponto de
vista da prevenção geral e especial que se pretende com a criminalização desta conduta que hipoteca o futuro
das presentes e futuras gerações.
Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a abaixo assinada
Deputada do Pessoas-Animais-Natureza apresenta o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei prevê o crime de ecocídio, procedendo à alteração do Código Penal, aprovado pelo Decreto-
Lei n.º 48/95, de 15 de março.
Artigo 2.º
Alteração ao Código Penal
São alterados os artigos 119.º, 274.º, 279.º e 279.º- A do Código Penal que passam a ter a seguinte redação:
«Artigo 119.º
[…]
1 – […]
2 – […]
a) […]
4 https://www.eurojust.europa.eu/publication/report-eurojusts-casework-environmental-crime 5https://www.europarl.europa.eu/RegData/docs_autres_institutions/commission_europeenne/com/2021/0851/COM_COM(2021)0851_PT.pdf 6https://www.europarl.europa.eu/news/pt/press-room/20230929IPR06108/environmental-crimes-deal-on-new-offences-and-reinforced-sanctions
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b) […]
c) […]
d) Nos crimes previstos nos artigos 279.º a 280.º-A, desde o dia do conhecimento do facto.
3 – […]
4 – […]
5 – […]
Artigo 274.º
[…]
1 – […]
2 – […]
a) […]
b) […]
c) […]
3 – […]
4 – […]
5 – […]
6 – […]
7 – […]
8 – […]
9 – Quando os danos provocados pelo incêndio florestal forem de tal forma irreparáveis, aplica-se igualmente
o disposto no artigo 280.º-A, para o crime de ecocídio.
Artigo 279.º
[…]
1 – […]
2 – […]
a) […]
b) […]
c) […]
d) […]
3 – […]
4 – […]
5 – […]
6 – […]
a) […]
b) […]
c) […]
d) […]
e) […]
7 – […]
8 – […]
9 – Sempre que os danos provocados pela violação dos artigos anteriores sejam de difícil reparação ou
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revistam carácter duradouro, aplica-se o previsto no artigo 280.º-A, para o crime de ecocídio.
Artigo 279.º-A
[…]
1 – […]
2 – […]
3 – […]
4 – Sempre que os danos provocados pela violação dos artigos anteriores sejam de difícil reparação ou
revistam carácter duradouro, aplica-se o previsto no artigo 280.º-A, para o crime de ecocídio.»
Artigo 3.º
Aditamento ao Código Penal
É aditado o artigo 280.º-A ao Código Penal que passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 280.º-A
Ecocídio
1 – Quem, mediante a sua ação ou omissão, emita para a atmosfera, descarregue ou escoe para águas
superficiais, subterrâneas ou marítimas, direta ou indiretamente, uma ou mais substâncias cuja ação ou reação
cause efeitos nocivos graves, de difícil reparação e duradouros sobre a saúde, a flora e a fauna, é punido com
pena de prisão até seis anos.
2 – Estão excluídas da aplicação do número anterior:
a) As emissões para a atmosfera, dentro dos valores-limite de emissão fixados por decisão da autoridade
administrativa competente;
b) As operações de descarga e a utilização de substâncias autorizadas, quando em cumprimento dos
requisitos constantes de autorização emitida, definidos pela autoridade administrativa competente.
3 – São considerados duradouros os efeitos nocivos para a saúde ou os danos à flora, fauna ou à qualidade
dos solos ou águas superficiais ou subterrâneas que possam durar ou persistir pelo menos sete anos.
4 – O limite máximo da pena prevista no número anterior é elevado ao dobro se os factos forem praticados
com dolo ou negligência grosseira ou se o agente obteve, para si ou para terceiro, vantagem económica
decorrente da prática infração.»
Artigo 4.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Assembleia da República, 6 de junho de 2024.
A Deputada do PAN, Inês de Sousa Real.
(*) O texto inicial da iniciativa foi publicado no DAR II Série-A n.º 40 (2024.06.05) e substituído, a pedido do autor, em 6 de junho de
2024.
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 144/XVI/1.ª
DESLOCAÇÃO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA À SUÍÇA
Texto do projeto de resolução
Sua Excelência o Presidente da República requereu, nos termos do n.º 1 do artigo 129.º e da alínea b) do
artigo 163.º da Constituição, o assentimento da Assembleia da República para se deslocar à Suíça, nos dias
15 e 16 de junho, para participar na Conferência para a Paz na Ucrânia.
Assim, apresento à Assembleia da República, nos termos regimentais, o seguinte projeto de resolução:
A Assembleia da República resolve, nos termos da alínea b) do artigo 163.º e do n.º 5 do artigo 166.º da
Constituição, dar assentimento à deslocação de S. Ex.ª o Presidente da República à Suíça, nos dias 15 e 16
de junho, para participar na Conferência para a Paz na Ucrânia.
Palácio de São Bento, 6 de junho de 2024.
O Presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco.
Mensagem do Presidente da República
Estando prevista a minha deslocação à Suíça nos dias 15 e 16 do corrente mês de junho, para a participar
na Conferência para a Paz na Ucrânia, venho requerer, nos termos dos artigos 129.º, n.º 1, e 163.º, alínea b),
da Constituição, o necessário assentimento da Assembleia da República.
Lisboa, 5 de junho de 2024.
O Presidente da República,
(Marcelo Rebelo de Sousa)
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 145/XVI/1.ª
RECOMENDA AO GOVERNO PORTUGUÊS QUE SE ASSOCIE AO PROCESSO RELATIVO À
APLICAÇÃO DA CONVENÇÃO PARA A PREVENÇÃO E REPRESSÃO DO CRIME DE GENOCÍDIO NA
FAIXA DE GAZA (ÁFRICA DO SUL CONTRA ISRAEL)
O território palestiniano da Faixa de Gaza tem sido alvo de ataques continuados por parte do Estado de Israel
desde outubro de 2023. A agressão militar israelita provocou 36 mil vítimas mortais civis, entre as quais mais de
15 mil crianças, um número de vítimas infantis superior ao de todas as guerras eclodidas no mundo nos últimos
quatro anos, a que acrescem mais de 80 mil feridos. O Governo de Israel tem impedido a entrada de ajuda
humanitária, apesar dos sucessivos apelos da comunidade internacional, e tem inclusivamente destruído as
instalações de saúde existentes na Faixa de Gaza, de onde resultam mortes pela sede, fome, doença e falta de
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acesso a cuidados de saúde.
Esta é a dimensão da catástrofe humanitária que está a acontecer naquele território confinado, do qual não
há fuga possível. Jornalistas, funcionários da ONU e trabalhadores de ONG também são recorrentemente alvo
dos ataques israelitas. Campos de refugiados, ambulâncias, infraestruturas e serviços públicos têm sido
igualmente atingidos de forma indiscriminada pelas forças israelitas.
Apesar de o Tribunal Internacional de Justiça ter ordenado a Israel a suspensão da ofensiva, nomeadamente
sobre Rafah, e de o Tribunal Penal Internacional ter emitido mandados de detenção, nomeadamente contra o
Primeiro-Ministro Benjamin Netanyahu e o Ministro da Defesa Yoav Gallant, o Governo e o exército israelitas
não têm cessado o extermínio.
Depois de um cerco de três semanas à cidade de Jabalia, mais de uma centena de corpos palestinianos
foram retirados dos escombros de um campo de refugiados totalmente destruído. Valas comuns têm sido
descobertas junto a hospitais que foram ocupados e desativados. Escolas geridas pela UNRWA (Agência das
Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Próximo Oriente) têm sido bombardeadas,
provocando vítimas mortais e a destruição de espaços seguros para deslocados palestinianos e, não menos
importante, o colapso do sistema de ensino.
A comunidade internacional tem a responsabilidade de pôr termo a este genocídio. O Estado de Israel deve
responder na justiça pelos seus crimes. A 29 de dezembro de 2023, a África do Sul avançou com uma ação no
Tribunal Internacional de Justiça, principal órgão judicial da Organização das Nações Unidas e cuja jurisdição é
reconhecida pela República Portuguesa, ao abrigo da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de
Genocídio.
Diversos Estados associaram-se a esta ação, sendo o mais recente o Estado espanhol, tendo constatado a
evidência de o Governo de Israel ter desobedecido à decisão do Tribunal Internacional de Justiça que
determinava a suspensão imediata da ofensiva militar ou de qualquer outra ação na província de Rafah que
possa infligir aos palestinianos em Gaza condições de vida suscetíveis de provocar a sua destruição física total
ou parcial. À semelhança da declaração de intervenção apresentada a 10 de julho de 2022 no processo da
Ucrânia contra a Federação Russa, Portugal deve também acompanhar a iniciativa sul-africana e assim
contribuir ativamente para o respeito do direito internacional e da Organização das Nações Unidas.
Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de
Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:
A República Portuguesa, invocando o artigo 63.º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça, apresente
junto deste Tribunal uma declaração de intervenção no processo relativo à aplicação da Convenção para a
Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio na Faixa de Gaza (África do Sul contra Israel).
Assembleia da República, 6 de junho de 2024.
As Deputadas e os Deputados do BE: Fabian Figueiredo — Marisa Matias — Joana Mortágua — José Moura
Soeiro — Mariana Mortágua.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.