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Quarta-feira, 20 de novembro de 2024 II Série-A — Número 132
XVI LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2024-2025)
S U M Á R I O
Projeto de Lei n.º 350/XVI/1.ª (PAN): Prevê a criminalização da prática de stealthing, procedendo à alteração do Código Penal. Projeto de Resolução n.º 445/XVI/1.ª (PCP): Aumento do salário mínimo nacional para 2025.
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PROJETO DE LEI N.º 350/XVI/1.ª
PREVÊ A CRIMINALIZAÇÃO DA PRÁTICA DE STEALTHING, PROCEDENDO À ALTERAÇÃO DO
CÓDIGO PENAL
Exposição de motivos
A violência sexual afeta a dignidade e os direitos fundamentais das vítimas e pode assumir diversas
formas. No caso específico do stealthing – a prática de remover o preservativo durante o ato sexual sem o
consentimento da/o parceira/o –, a violação da autonomia e integridade física da vítima é clara. Porém, em
Portugal, esta prática ainda não é devidamente criminalizada, ficando, consequentemente, as vítimas sem
proteção legal específica. Todavia noutros países, como Espanha, Reino Unido, Alemanha e Suíça, o
stealthing já é legalmente considerado como uma forma de agressão sexual ou violação.
A Convenção de Istambul, adotada pelo Conselho da Europa, estabelece normas rigorosas para prevenir e
combater a violência contra as mulheres e a violência doméstica. Portugal é signatário desta convenção, o que
obriga o Estado a tomar medidas para proteger os direitos das vítimas de violência sexual, incluindo o
fortalecimento da legislação penal para cobrir todas as formas de violação do consentimento. A Convenção de
Istambul define consentimento como «voluntário», ou seja, resultado da livre vontade da pessoa envolvida,
considerando qualquer ato sexual sem consentimento claro e inequívoco uma forma de violência sexual. Este
princípio baseia-se na ideia de que o consentimento deve ser contínuo, informado e específico, significando
que, se qualquer parte do acordo sexual for alterada – como a remoção do preservativo sem aviso – o
consentimento inicial é automaticamente anulado.
O stealthing, ao violar o acordo explícito de uso de preservativo, é uma transgressão direta deste princípio
de consentimento. Países como Espanha, onde o Código Penal foi alterado em 2022 para incluir de forma
mais abrangente o conceito de consentimento sexual, criminalizam o stealthing, ainda que não utilizando esta
designação.
Também nos Países Baixos, recentemente, foi condenado um homem por esta prática, marcando um
precedente importante ao considerar que a remoção do preservativo sem o consentimento configurava uma
violação do consentimento e, portanto, uma forma de agressão sexual. Estes avanços em vários países
europeus garantem que o consentimento seja respeitado em todas as suas vertentes.
No Reino Unido, o stealthing é tratado como violação dentro da lei de crimes sexuais, estabelecendo que o
consentimento dado para sexo com preservativo é condicionado, e a sua remoção não consensual constitui
uma quebra desse consentimento, sendo assim considerado violação.
Em Portugal, a lei ainda não abrange esta prática de forma específica, o que coloca as vítimas numa
situação de grande vulnerabilidade. De forma a responder a esta lacuna, um conjunto de cidadãos lançou uma
petição com o objetivo de criminalizar o stealthing em Portugal1. Esta petição, que já reuniu mais de 8700
assinaturas, solicita a revisão do Código Penal para incluir esta prática como crime de violação ou agressão
sexual, em consonância com o princípio de consentimento tal como defendido pela Convenção de Istambul. A
petição sublinha a necessidade urgente de garantir que o consentimento sexual seja respeitado em todas as
suas formas, e que qualquer violação desse consentimento tenha consequências legais claras.
A criminalização do stealthing em Portugal representaria, por isso, um passo crucial para assegurar que o
direito ao consentimento sexual seja sempre respeitado, independentemente da forma como o ato sexual se
desenrola. Além disso, a petição também pede a implementação de mecanismos mais eficazes de recolha de
provas e apoio às vítimas, como protocolos médicos e psicológicos adequados para quem sofre esta forma de
agressão. Isso seria um avanço na proteção das vítimas e no alinhamento de Portugal com outros países que
já reconhecem o stealthing como uma forma de violência sexual.
No contexto mais amplo, tal como expõe a ativista Clara Não, no seu artigo de opinião2, a criminalização do
stealthing também reforça a necessidade de uma maior educação sobre consentimento e literacia sexual.
A Convenção de Istambul não só destaca a importância da proteção legal das vítimas, mas também a
necessidade de prevenir a violência sexual através da educação e sensibilização. Campanhas de educação
1 Criminalização do Stealthing em Portugal: Uma Luta pelo Consentimento Sexual: Petição Pública 2 O que é stealthing? Uma forma de violência sexual ainda não criminalizada em Portugal - Expresso
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sexual, tanto nas escolas como para o público em geral, devem incluir uma compreensão clara do que
constitui consentimento e das consequências legais de violar a autonomia corporal de outra pessoa.
Por tal, o PAN, com a presente iniciativa, pretende a criminalização do stealthing como uma medida
necessária e urgente para proteger adequadamente as vítimas de stealthing e garantir que este ato seja
punido de acordo com a sua gravidade, propomos assim a alteração ao Código Penal, a definição clara de
consentimento, bem como a adoção de protocolos de recolha de provas que incluam a análise médica e
campanhas de sensibilização para a importância do consentimento e os riscos do stealthing nas escolas e
espaços públicos, uma vez que, para o PAN, é fundamental educar as novas gerações sobre o respeito pela
autonomia corporal e a prática de uma sexualidade saudável e consensual.
Pelo exposto, e ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, a Deputada do partido
Pessoas-Animais-Natureza apresenta o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei procede à alteração do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de
setembro, com vista a criminalizar a prática de ato sexual mediante falsificação, fraude ou ocultação de
informações relevantes que condicionem o consentimento.
Artigo 2.º
Consentimento
1 – Para efeitos da presente lei, entende-se por consentimento, a manifestação livre, consciente, informada
e inequívoca da vontade de uma pessoa para autorizar qualquer ato sexual.
2 – O consentimento é válido apenas quando for dado de forma livre, informada, específica e inequívoca.
3 – O consentimento é considerado viciado em caso de fraude, coação, manipulação, ou omissão de
informações essenciais, incluindo atos que alterem a natureza ou as condições previamente acordadas do ato
sexual.
Artigo 2.º
Alteração ao Código Penal
É alterado o artigo 167.º do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, que
passa a ter a seguinte redação:
«Artigo 167.º
[…]
1 – […]
2 – […]
3 – Quem praticar ato sexual mediante falsificação, fraude ou ocultação de informações relevantes que
condicionem o consentimento, é punido com pena de prisão até três anos.»
Artigo 3.º
Medidas de apoio às vítimas
1 – As vítimas das condutas previstas na presente lei terão acesso imediato e gratuito aos serviços do
Serviço Nacional de Saúde, incluindo:
a) Profilaxia pós-exposição para prevenção de infeções sexualmente transmissíveis;
b) Aconselhamento psicológico e psiquiátrico;
c) Exames médicos especializados para documentar a ocorrência do crime.
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2 – As autoridades competentes deverão assegurar a confidencialidade e celeridade no atendimento às
vítimas.
Artigo 4.º
Campanhas de literacia sexual
1 – O Governo implementa campanhas nacionais de sensibilização sobre a importância do consentimento
informado e os riscos associados a práticas lesivas da autodeterminação sexual.
2 – A literacia sexual é integrada nos currículos escolares, abordando temas como a autonomia corporal, a
prevenção de infeções sexualmente transmissíveis e a promoção de relações saudáveis e respeitosas.
Artigo 5.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
Assembleia da República, 19 de novembro de 2024.
A Deputada do PAN, Inês de Sousa Real.
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PROJETO DE RESOLUÇÃO N.º 445/XVI/1.ª
AUMENTO DO SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL PARA 2025
Exposição de motivos
O Decreto‐Lei n.º 271/74, de 27 de maio, instituiu pela primeira vez em Portugal uma retribuição mínima
mensal garantida aos trabalhadores por conta de outrem, quer do setor público, quer do privado. Na senda da
Revolução de Abril, a instituição de um salário mínimo nacional visava, como parte de um conjunto de direitos
sociais garantidos aos trabalhadores num Portugal democrático, «[…] abrir caminho para a satisfação de
justas e prementes aspirações das classes trabalhadoras e dinamizar a atividade económica».
Meio século após a sua instituição, o salário mínimo nacional (SMN) está profundamente desvalorizado,
com atualizações abaixo do aumento dos rendimentos médios e do índice de preços ao consumidor, e viu até
o seu valor congelado entre 2011 e 2014. Aliás, se o SMN tivesse sido atualizado todos os anos, considerando
a inflação e o aumento da produtividade, o seu valor seria hoje muito superior.
A evolução da distribuição da riqueza em Portugal continua a ser demonstrativa de uma profunda injustiça
social. As assimetrias existentes na acumulação de riqueza não só não se esbatem, como confirmam que uma
pequena percentagem da população detém mais de metade da riqueza, enquanto a esmagadora maioria dos
portugueses ficam com uma pequena fatia dessa riqueza.
O Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, realizado em 2023 pelo INE sobre rendimentos do ano
anterior, indica um aumento da taxa de risco de pobreza, que se situou nos 17 % em 2022, sendo que o risco
de pobreza da população empregada se situava nos 10 %, sendo inegável que os baixos salários e em
particular o valor do salário mínimo nacional constitui uma das principais causas de pobreza.
Estes dados demonstram a injustiça na distribuição da riqueza e o processo de concentração da riqueza,
promovida por sucessivos Governos, que o Governo de maioria absoluta do PS deu continuidade e o atual
Governo do PSD/CDS agrava, e evidenciam as consequências desastrosas das opções políticas, em
particular no emprego, na produção nacional, nos serviços públicos e nas funções sociais do Estado, na
dependência externa e nas limitações à soberania nacional.
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O aumento previsto para o início de 2025, salário mínimo nacional de 820 euros para 870 euros mensais, é
claramente insuficiente para a reposição do poder de compra e para enfrentar o custo de vida, a agravar-se
todos os dias na vida dos trabalhadores e do povo, que vive diariamente com sérias dificuldades para fazer
face às necessidades mais elementares. Aumento que é ainda mais insuficiente para se atingir um salário que
signifique a valorização do trabalho e dos trabalhadores que se impõe como emergência nacional face à
situação do País.
Em Portugal, o SMN é a remuneração de referência para centenas de milhares de trabalhadores,
abrangendo, em 2023, 20,8 % dos trabalhadores com remunerações declaradas à segurança social.
Esta é uma realidade que prova que os baixos salários continuam a ser uma opção política e uma realidade
predominante no País, configurando uma das causas das enormes e gritantes desigualdades sociais.
Impõe-se por isso a necessidade de avançar para um aumento geral dos salários, incluindo o SMN para
1000 euros já em janeiro de 2025, objetivo que é inseparável da luta dos trabalhadores por aumentos salariais.
Uma luta justa que o PCP valoriza.
Impõe-se a revogação das normas gravosas da legislação laboral que visam o agravamento da exploração
e a perpetuação dos baixos salários, nomeadamente a eliminação da caducidade da contratação coletiva e a
reposição do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador.
É uma emergência nacional o aumento geral dos salários, a valorização das carreiras e das profissões e,
em particular, o aumento do SMN, para que uma parte maior da riqueza criada pelos trabalhadores seja
colocada a seu favor e não da acumulação do lucro do capital, para fazer crescer a economia e o emprego,
para aumentar as contribuições para a segurança social, aumento que melhore as condições de vida,
responda à desvalorização dos salários nas últimas décadas e aos elevados níveis de inflação, que se
continuam a verificar, para repor o poder de compra perdido com uma subida acentuada dos preços,
sobretudo dos bens de consumo, fruto das opções políticas e da política de direita levada a cabo desde há
muitas décadas.
É uma emergência nacional o aumento geral dos salários e, particularmente, o SMN, para assegurar o
direito aos jovens a ter filhos, a constituir família, para assegurar mais justiça na distribuição dos rendimentos.
Os argumentos invocados para não aumentar o salário mínimo nacional prendem-se com a falsa ideia do
peso das remunerações na estrutura de custos das empresas e no seu suposto efeito negativo para a
competitividade. Na verdade, as remunerações têm um peso muito inferior a um conjunto de outros custos,
designadamente com a energia, combustíveis, crédito ou seguros. Também os argumentos invocados sobre a
dificuldade de meios para o pagamento do novo valor do salário mínimo nacional por parte de empresas e
outras instituições, nomeadamente instituições particulares de solidariedade social, que têm contratos para
prestação de serviços ou compromissos de cooperação com o Estado e instituições públicas, tendo como
referência os valores anteriores, não colhe, uma vez que é possível renegociar esses contratos tendo em
conta os novos valores do SMN.
Segundo dados do Banco de Portugal relativos a 2021, os gastos com pessoal (sociedades não
financeiras) no geral não ultrapassam, em média, os 18,2 % da estrutura de custos de uma empresa. Isto
significa que não são os salários que têm um peso determinante na solvência das empresas mas, antes, a
manutenção de baixos salários tem sido peça fundamental à estratégia de lucro máximo levada a cabo pelos
vários setores de atividade.
Não se combate a pobreza, incluindo a pobreza infantil, sem assumir a necessária valorização dos salários
e o aumento do salário mínimo nacional de forma significativa.
Não se pode ter pensões mais elevadas no futuro sem aumentar os salários no presente, nomeadamente o
salário mínimo nacional.
Não se dinamiza a economia sem assumir que são os salários dos trabalhadores que influenciam o
consumo, a procura e a dinamização do mercado interno.
Não se defende a emancipação dos jovens sem assumir que, para que estes possam sair de casa dos pais
e concretizar projetos de vida, é fundamental que tenham vínculos estáveis e salários que lhes garantam
condições para construir, de forma autónoma, o seu caminho.
Não se combate a emigração de trabalhadores qualificados, nem se fixam trabalhadores na Administração
Pública, sem valorizar os salários, as carreiras e as profissões.
Não se pode falar de sustentabilidade da segurança social sem assumir que o aumento dos salários é
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determinante para esse objetivo.
Não há país desenvolvido sem trabalhadores valorizados. Para o PCP o aumento do salário mínimo
nacional é imperioso, por razões de justiça social e de uma mais justa distribuição da riqueza, mas também
por razões de carácter económico, em particular para as MPME, uma vez que assume especial importância no
aumento do poder de compra, na dinamização da economia e do mercado interno.
Assim, nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do
Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP propõem que a Assembleia da República adote a
seguinte
Resolução
A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição recomendar ao
Governo que aumente o salário mínimo nacional para 1000 euros a 1 de janeiro de 2025.
Assembleia da República, 20 de novembro de 2024.
Os Deputados do PCP: Paulo Raimundo — Paula Santos — António Filipe — Alfredo Maia.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.