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Sábado, 8 de Junho de 1991
II Série-B - Número 34
DIÁRIO
da Assembleia da República
V LEGISLATURA
4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1990-1991)
SUMÁRIO
Voto n.° 220/V:
De protesto pelos comentários produzidos pelo director do canal 1 da RTP relativamente à mensagem enviada à Assembleia pelo Presidente da República sobre comunicação social.......................... 136
Inquéritos parlamentares (o):
Comissão Eventual de Inquérito a Actos Administrativos na Área do Ministério da Saúde:
Relatório final................................ 136
(a)' V. Diário da Assembleia da República, 2.* série-B, n.° 21, de 8 de Abril de 1989, 1.' série. n.° 73. de 3 de Maio de 1989, e 2." série-A, n.° 34, de \1 de Maio de 1989.
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Voto n.fl 220/V
De protesto pelos comentários produzidos pelo director do canal 1 da RTP relativamente à mensagem enviada à Assembleia pelo Presidente da República sobre comunicação social.
Face ao conteúdo ofensivo e desrespeitador do estatuto e figura do Presidente da República dos comentários produzidos pelo director do canal 1 da RTP no Telejornal do passado dia 5 de Junho, a Assembleia da República:
a) Considera inaceitáveis os termos em que o director do canal 1 da RTP se referiu à mensagem dirigida por S. Ex.* o Presidente da República à Assembleia da República;
b) Repudia o manifesto abuso de poder que tais declarações patenteiam;
c) Protesta contra mais esta ingerência manipulatória da RTP em matéria directamente relacionada com limitações da liberdade de informação.
Os Deputados Independentes: Jorge Lemos — José Magalhães.
Relatório final da Comissão Eventual de Inquérito a Actos Administrativos na Área do Ministério da Saúde
I
1 — Pela Resolução da Assembleia da República n.° 12/ 89, de 14 de Maio, foi constituída, ao abrigo dos artigos 169.°, n.° 4, e 181.9 da Constituição, do artigo 2.8 da Lei n.9 43/77, de 18 de Julho, e dos artigos 252.9 e seguintes do Regimento, uma comissão eventual de inquérito com vista a averiguar:
1) Da necessidade social, isenção, legalidade e resultados em custos e benefícios obtidos ou esperados com os processos relativos a:
a) Compra do edifício e logradouro, equipamento, instalação, gestão, informação pública e prazo de entrada em funcionamento do Hospital de São Francisco Xavier;
b) Aquisição, adaptação, instalação, informação pública e prazo de entrada em funcionamento do Centro das Taipas;
c) Remodelação, equipamento e prazo de realização das obras do banco de urgência do Hospital de Fafe;
d) Intervenção do Ministério da Saúde na instalação, abertura e funcionamento do Hospital da Prelada;
e) Adjudicação da construção e financiamento do Hospital de Almada;
f) Adjudicação da obra de construção dos Hospitais de Matosinhos e Amadora/ Sintra;
g) Informatização das administrações regionais de. saúde;
h) Acordo com a Associação Nacional das Farmácias, bem como a sua relação com a informatização das administrações regionais de saúde;
i) Comparticipação nos custos dos medicamentos e relacionamento com a indústria farmacêutica;
j) Anteprojectos de urbanização dos terrenos onde estão implantados os Hospitais de
Júlio de Matos e de Curry Cabral; f) Obras de adaptação das instalações do Departamento de Gestão Financeira dos Serviços de Saúde; m) Trabalhos em curso no Centro de Medicina Física e de Reabilitação do Alcoitão;
2) Da existência e responsabilidade de eventuais cursos de formação ao pessoal do Hospital de São Francisco Xavier;
3) Da isenção e legalidade verificadas nas transferências de pessoal entre o Ministério da Saúde e empresas de construção, equipamento e gestão de unidades hospitalares;
4) Da prática de actos administrativos conexos, da responsabilidade dos membros do Governo, bem como dos responsáveis pelos organismos dele dependentes, nomeadamente da Direcção-Geral de Instalações e Equipamentos de Saúde (DGIES), Departamento de Gestão Financeira do Serviço de Saúde (DGFSS), Direcção-Geral dos Hospitais (DGH), Administração Regional de Saúde de Lisboa, Serviços de Utilização Comum dos Hospitais (SUCH) e Serviço de Informática de Saúde (SIS);
5) Das condições em que se processou uma fuga de informação relativamente a um relatório da Inspecção-Geral de Finanças.
2 — A Comissão foi constituída pelos seguintes deputados:
António Fernandes Ribeiro (PSD). António Paulo Martins Pereira Coelho (PSD). António da Silva Bacelar (PSD). Carlos Manuel Pereira Baptista (PSD). Domingos Duarte Lima (PSD). Eduardo Alfredo de Carvalho Pereira da Silva (PSD). Joaquim Vilela Araújo (PSD). José Augusto Ferreira de Campos (PSD). José Francisco Amaral (PSD). José Mário Lemos Damião (PSD). Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD). "Luís Filipe Meneses Lopes (PSD). Maria da Assunção Andrade Esteves (PSD). Maria da Conceição Ulrich de Castro Pereira (PSD). Nuno Francisco Fernandes Delerue Alvim de Matos (PSD).
Valdemar Cardoso Alves (PSD). António Domingos de Azevedo (PS). António José Sanches Esteves (PS). Jo3o Rui Gaspar de Almeida (PS). Jorge Luís da Costa Catarino (PS). José Florêncio Botelho Castel-Branco (PS). José Luís do Amaral Nunes (PS). José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos (PS). António José Monteiro Vidigal Amaro (PCP). João António Gonçalves do Amaral (PCP). Isabel Maria da Costa Valentim Ferreira Espada (PRD).
José Luís Nogueira de Brito (CDS).
Herculano da Silva Pombo Marques Sequeira (PEV).
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Ocorreram, entretanto, as seguintes substituições de deputados:
13 de Setembro de 1989 —a Sr.? Deputada Maria Assunção Andrade Esteves é substituída pelo Sr. Deputado Manuel Maria Moreira (PSD);
26 de Outubro de 1989 — o Sr. Deputado Carlos Manuel Pereira Baptista é substituído pelo
Sr Deputado António Manuel Lopes Tavares (PSD);
26 de Outubro de 1989 —a Sr.? Deputada Isabel Maria da Costa Valentim Ferreira Espada 6 substituída pelo Sr. Deputado Francisco Barbosa da Costa (PRD);
26 dc Outubro dc 1989 — 0 Sr. Deputado José Florêncio Botelho Castel-Branco é substituído pelo Sr. Deputado Luís Filipe Nascimento Madeira (PS);
22 de Novembro de 1989 — o Sr. Deputado Domingos Duarte Lima é substituído pelo Sr. Deputado João Montenegro (PSD);
3 de Outubro de 1990 —o Sr. Deputado José Francisco Amaral é substituído pelo Sr. Deputado Armando Lopes Correia Costa (PSD);
5 de Dezembro de 1990— Sr.! Deputada Luísa Amorim é substituída pelo Sr. Deputado António Mota (PCP).
Não consta dos arquivos da Comissão a oficialização da substituição do Sr. Deputado Nogueira de Brito pelo Sr. Depuiado Narana Coissoró (CDS), embora figurem no livro de presenças assinaturas deste último Sr. Deputado, em regime de substituição.
3 — No dia 11 de Maio dc 1989, foi eleita a mesa da Comissão Eventual de Inquérito, dela fazendo parte os seguintes deputados:
Presidente — António José Monteiro Vidigal Amaro (PCP).
Vice-presidente — António da Silva Bacelar (PSD). Secretários:
António Domingos de Azevedo (PS). Maria da Conceição Ulrich dc Castro Pereira (PSD).
Ocorreram, entretanto, as seguintes substituições:
A 3 de Outubro de 1989 o Sr. Deputado João António Gonçalves do Amaral (PCP) assumiu a presidência da Comissão, mantendo-se os restantes membros da mesa até ao dia 13 de Outubro de 1989, data em que o Sr. Deputado Valdemar Cardoso Alves (PSD) assumiu a vice-presidência da Comissão por impossibilidade devidamente justificada do titular;
A 3 de Maio de 1990 o Sr. Deputado João Camilo Vieira Carvalhal Gonçalves (PCP) assume a presidência da Comissão;
Entre 3 e 16 dc Maio dc 1990 assume interinamente a presidência o Sr. Deputado Valdemar Cardoso Alves (PSD) por impossibilidade do titular.
4 — A Comissão Eventual de Inquérito deveria, nos termos da resolução da Assembleia da República, apresentar relatório no prazo de dois meses.
De facto, reuniu pela primeira vez cm 11 dc Maio de 1989 e decidiu que estava cm condições de ser elaborado o relatório final em 27 de Fevereiro dc 1991, lendo a última audiência lido lugar em 23 de Janeiro de 1991, isto é, 18
meses depois da data em que, por decisão da Assembleia, tinha mandato para apresentar relatório.
5 — A Comissão reuniu 91 vezes, num total de mais de 165 horas dc trabalho, contando as respectivas actas de 8376 páginas. Foram feitos, incluindo as insistências, 195 ofícios solicitando documentação que monta a mais de 11 200 folhas c procedeu-se à audiência de 52 depoentes,
alguns dos quais mais de uma vez. A saber:
Sr. Dr. Abreu Gomes da Silva.
Sr. Engenheiro Adelino Bento.
Sr. Dr. Alberto Santos António.
Sr. Engenheiro Alves Rodrigues.
Sr*. Dr*. Ana Maria Manso.
Sr. Engenheiro António Martins Ribeiro.
Sr. Prof. Doutor Ayres de Sousa.
Sr. Dr. Baptista Pereira.
Sr. Arquitecto Artur Bentes.
Sr.' Enfermeira Brito Gomes.
Sr. Prof. Doutor Caldas de Almeida.
Sr. Dr. Carlos Santos.
Sr. Arquitecto Castelo Branco.
Sr. Engenheiro Carlos Costa Freire.
Sr. Engenheiro Fernando Costa Freire.
Sr. Dr. Dias da Silva.
Sr. Dr. Dimantino Pereira Marques.
Sr. Engenheiro Eduardo Figueiredo.
Sr. Engenheiro Fernando Mateus.
Sr. Fernando Santos.
Sr. Humberto Gonçalves.
Sr. Dr. Ivo Martins.
Sr. Dr. João Cordeiro.
Sr. João Gonzalez.
Sr. Dr. João Salvada Ribeiro.
Sr. Dr. João Urbano.
Sr. Engenheiro Luís Andrade.
Sr. Manuel Cabral.
Sr. Dr. Manuel Martins Delgado.
Sr. Dr. Manuel Pinto.
Sr.* Dr.' Maria da Conceição Trigo dos Santos.
Sr.* Dr.' Maria Leonor Beleza.
Sr.1 Enfermeira Maria de Lourdes Silva.
Sr. Engenheiro Mendes Fernandes.
Sr. Engenheiro Moncada Sampaio.
Sr. Dr. Nogueira da Rocha.
Sr. Dr. Nunes Rodrigues.
Sr. Engenheiro Nuno Abecasis.
Sr. Dr. Nuno Miguel.
Sr. Prof. Doutor Paiva Lopes.
Sr.9 Engenheira Paula Melo.
Sr. Dr. Paulo Mendo.
Sr. Dr. Pinto dc Andrade.
Sr. Dr. Roque da Silveira.
Sr. Dr. Rui de Freitas.
Sr. Prof. Doutor Salles Luís.
Sr. Dr. Santos António.
Sr. Dr. Sena Carneiro.
Sr. Dr. Silveira Botelho.
Sr. Engenheiro Teixeira Duarte.
Sr. Arquitecto Tomás Taveira.
6 — Em reunião havida no dia 27 de Fevereiro de 1991, a Comissão elegeu por maioria, com os votos a favor do PSD, contra, dos deputados do PS e do PCP e com as ausências dos deputados do CDS e do PRD, o deputado Nuno Dcleruc (PSD) para apresentar o relatório e con-
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clusões no prazo dc 30 dias. Em reunião só realizada no dia 11 de Abril de 1991, em virtude da dificuldade que residiu na respectiva convocação como consequência do
anúncio do abandono da Comissão por parle dos deputados
do PS, do PCP, do CDS c do PRD, foi proposto o prazo
de apresentação do relatório até 10 de Maio de 1991, a pedido do relator e com fundamento na complexidade do
trabalho que lhe fora confiado.
7 — O presente relatório abordará as matérias que foram objecto de análise pela Comissão, e de que esta teve conhecimento, quer através de depoimentos prestados, quer através de documentação solicitada ou que lhe foi enviada. Assim, não inclui as matérias da alínea i) do n.B 1 e do n.8 5 da resolução que criou a Comissão, pois não foram sequer tratadas, o n.9 2 aparece referido no capítulo referente ao Hospital dc São Francisco Xavier e o n." 4 da resolução está disseminado em todos os números do relatório. Em relação ao n.° 3 da resolução, que se traia abreviadamente de imediato, é convicção da Comissão que nenhuma ilegalidade nem falta de isenção foi cometida, antes tendo funcionado o princípio da livre contratação.
Por outro lado, e embora se tenha conhecimento que noutras sedes decorreram aturadas e morosas investigações, em parte sobre as mesmas matérias, a Comissão, como aliás não podia deixar de ser, aprova o presente relatório elaborado com base na investigação própria que desenvolveu e na documentação dc que é possuidora, fugindo à tentação de comentar aspectos que, embora publicitados na comunicação social, ou não foram incluídos na Resolução da Assembleia da Republica n.9 12/89, dc 14 de Maio, ou não foram por ela tratados. Trata-se assim de uma apreciação política feita na base de depoimentos recolhidos e documentação consultada e não de uma tentativa, por certo perigosa, de tentar julgar processos que decorreram em paralelo c que ainda por cima se encontram longe de estar concluídos.
II
Hospital de São Francisco Xavier
1.1 —A compra do imóvel denominado «Clínica do Restelo» decorreu directamente das prioridades c critérios dc urgência definidos pelo Governo para a Área Metropolitana de Lisboa, conforme se extrai do preâmbulo do Decreto do Governo n.° 11/86, dc 5 dc Novembro.
A aquisição da Clínica, cujas condições particulares possibilitavam a entrada em funcionamento em curto prazo de um novo estabelecimento hospitalar dotado dc serviços de urgência — geral, obstétrica e pediátrica — e valências necessárias ao respectivo funcionamento, teve como objectivo fundamental a atenuação da sobrecarga sobre as respostas preexistentes pela criação dc nova área de influência hospitalar de urgência para a população de Lisboa. Visava-se nomeadamente diminuir a pressão existente sobre o banco de urgência dos Hospitais Civis de Lisboa, situado no Hospital de São José, largamente documentada na imprensa e nas intervenções políticas da época, e dotar de cuidados desse tipo uma larga zona da área da Grande Lisboa em muito melhores condições de acessibilidade; do mesmo passo, quebrava-se a bipolarização tradicional dos bancos de urgência de São José/Santa Maria, criando um terceiro pólo e reorientando a distribuição dos fluxos na área da Grande Lisboa.
1.2 _ A gravidade da situação das urgências na Área Metropolitana fora, de resto como sublinhou o Dr. Bapüsia
Pereira, desde há muito apontada pelos técnicos e, nomeadamente, por uma comissão de estudo nomeada pelo ministro Maldonado Gonelha, que, perante a carência que
se verificava na área dos concelhos da Amadora, SMra,
Cascais, Oeiras e nas nove freguesias actualmente abrangidas pela área da influência do Hospital de São Francisco Xavier, recomendava a tomada de medidas urgentes perante a situação de ruptura dos hospitais mais antigos, nomeadamente dos Hospitais Civis (acta n.B 27, pp. 6 e seguintes).
Neste contexto, aquele ministro tomara a decisão de adquirir à Companhia de Seguros Império o anügo Hospital da CUF «para o transformar num hospital de charneira, ou seja, num hospital que ia desafectando áreas degradadas dos hospitais amigos e colocando aí os serviços desses mesmos hospitais, à medida que se ia fazendo, por fases, a modificação e o melhoramento dos hospitais antigos», como relata o Dr. Baptista Pereira (p. 9), segundo o qual esse hospital serviria para nele instalar provisoriamente a Maternidade de Magalhães Coutinho, enquanto se procedia à remodelação desta, e posteriormente de «hospital de charneira, de hospital mutante de outros serviços hospitalares do grupo dos Hospitais Civis de Lisboa» (pp. 65 e66).
Ainda dc acordo com as afirmações do Dr. Baptista Pereira, esta decisão obtivera dos técnicos parecer desfavorável perante o estado e os acessos deploráveis apresentados pelo Hospital da CUF (pp. 10, 11 e 31).
De qualquer forma, e já no tempo da ministra Leonor Beleza, ainda se pensou numa ampliação do Hospital de Egas Moniz para a abertura de um serviço de urgência, que até poderia ser fisicamente distanciado daquele, tendo--se mesmo feito planos de ampliação do Hospital (depoimentos do Dr. Baptista Pereira, p. 53, e do Prof. Salles Luís. acta n.s 26, pp. 18 e 19).
A opção pela criação de um novo hospital decorre portanto da evolução de estudos anteriores e da possibilidade dc concretização de uma solução que se afigurava como tecnicamente a mais correcta.
Ficou provado perante a Comissão que, como afirmou o Prof. Salles Luís, «no comando, na governação, houve dois grupos políticos que intervieram na decisão e ambos colaboraram activamente para a mesma ideia» (p. 131; também depoimento do Dr. Baptista Pereira, acta n.° 43, pp. 145 c 146), o que, contudo, nao impediu a extrema politização de todo o processo.
1.3 — Provou-se que a localização da Clínica do Restelo corresponde praticamente à que em 1973 fora atribuída ao chamado «Hospital Ocidental de Lisboa», como se extrai do Dccreto-Lei n.9 115/73, de 22 de Março, e da planta parcelar dos terrenos escolhidos para esse fim, aprovada por despacho de 28 de Maio de 1973 do Ministro das Obras Públicas, publicado no Diário do Governo, 2' série, de 14 de Junho dc 1973. Esse Hospital Ocidental deveria servir as populações das freguesias ocidentais da cidade de Lisboa, bem como as dos concelhos de Oeiras, Amadora e Sintra. Seria um hospital de grande dimensão, com um número dc camas considerado um pouco excessivo para o desejável, o que não poderia ser evitado dado o elevado número de cidadãos em zonas de grande expansão que se propunha servir.
A criação do Hospital de São Francisco Xavier proporcionou assim a revisão do programa do até aí chamado «Hospital Ocidental de Lisboa», determinou o seu redimensionamento em termos técnicos e humanamente mais correctos c abriu caminho a uma notável melhoria da
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acessibilidade a cuidados hospitalares para os utentes residentes nos concelhos de Amadora e Sintra, evitando um desajustamento entre a distribuição dos recursos e a da população.
Neste sentido, afirmou o Prof. Salles Luís que «com a abertura do Hospital de São Francisco Xavier surgiu a ideia
de qi» o HospiíaJ realmente ocidental não deveria ficar
ali, mas na junção da Amadora com o concelho de Sintra, servindo mais directamente a Amadora. Creio que é correcta a solução» (p. 88). No mesmo sentido, afirmou o Prof. Ayres de Sousa, presidente da primeira comissão instaladora, que «o Hospital de São Francisco Xavier permitiu, com a sua existência, que se desse um passo, que se avançasse para essas zonas» (acta n.9 7, p. 170).
Aliás, o Dr. Baptista Pereira afirmou, referindo-se aos planos iniciais do Hospital Ocidental, que «o próprio Prof. Correia de Campos mostrou o seu receio relativamente ã dimensão do Hospital Ocidental, embora não discordasse porque sabia que não havia outra alternativa. Dizia que excedia um pouco a economia de escala pois, dizia ele, tinha 300 camas a mais, que foram aquelas que nós fomos tirar-lhe para colocar no Hospital de São Francisco Xavier» (pp. 52 e 53).
Este hospital forneceu assim a alternativa que até então não existira. Com efeito, modelos de hospitais como o de Santa Maria, em Lisboa, o de São João, no Porto, ou o do Hospital da Universidade de Coimbra estão a ser postos de lado dadas as dificuldades de humanização e de gestão que supõe a respectiva envergadura.
Para a população que serve, o Hospital de São Francisco Xavier configurou-sc desde o início como um benefício de indiscutível utilidade. De facto, para os cerca de 500 000 habitantes da sua área de influência, ele significa, como já foi dito, cuidados de saúde de alto nível em condições de muito maior acessibilidade. Mas para os utentes dos Hospitais Civis de Lisboa significa também uma menor pressão sobre a respectiva uülização e em particular sobre o banco de urgência de São José. Para aqueles que vivem nos concelhos da Amadora c de Sintra, significa ainda que o seu hospital, agora em construção, se situará «ao pé de casa», e não serão obrigados a, para a ele ter acesso, viajar até à zona do Restelo e muito menos, como agora, até ao Hospital de São José.
1.4 — A intenção inicial do Ministério da Saúde era ter o Hospital de São Francisco Xavier pronto no fim do ano de 1986 (depoimento do Dr. Nogueira da Rocha, então director-geral das Instalações e Equipamentos de Saúde, acta n.9 25, pp. 71 e 115).
A mesma intenção é comprovada pelo teor do ofício da Direcção-Geral das Instalações e Equipamentos de Saúde, datado de 4 de Fevereiro de 1987, dirigido pelo coordenador da fiscalização à engenheira coordenadora da assistência técnica das obras de alteração do Hospital (fls. 324 e 325 do anexo BI do processo de inquérito n.915/SUCH/ 4/88 da Inspecção-Gcral de Finanças).
Refere também o Prof. Ayres de Sousa, a quem fora confiado o arranque do Hospital, que as instruções precisas que recebeu «era andar depressa, porque o Hospital fazia falta naquela área de Lisboa», instruções que lhe foram dirigidas pelo director-geral dos Hospitais (pp. 8 e 9); aliás, e a propósito de acusações que mais tarde foram formuladas, e de forma ilustrativa da sua condução enquanto presidente da comissão instaladora do Hospital, afirmou que para a abertura do mesmo «as eleições não eram, nem nunca seriam, um ponto de referência» (p. 59).
De facto, provou-se não ter havido uma abertura do Hospital sem o correspondente suporte técnico, decorrente da segurança c do cuidado postos em todo o processo. No dia 22 de Abril de 1987, deram entrada no Hospital os primeiros 12 doentes, transferidos do Hospital de Egas Moniz para o serviço de medicina, operação realizada com toda a segurança e que resultava da decisão de transferir todo um serviço de medicina daquele hospital, incluindo o pessoal, de que o Prof. Salles Luís era e continua a ser no novo hospital o director; tratava-se de doentes renais que necessitavam das excelentes condições de funcionamento do novo hospital e que só beneficiaram com a mudança (depoimento do Prof. Salles Luís, pp. 24 e seguintes). Aliás, por condições de segurança, a abertura deste hospital, como a de qualquer outro, tinha de ser feita de forma faseada e progressiva.
As eleições, refira-se, só surgiram no horizonte político como próximas muito depois de todo o processo ter sido desencadeado e quando o Hospital já deveria estar aberto de acordo com os desígnios iniciais.
Ficou largamente provado, com efeito, que, face à situação de urgência na abertura do Hospital, a orientação política constante, muito antes de se falar em eleições, foi no sentido de avançar depressa, garantindo no entanto a segurança de todo o processo. Foi de resto esta orientação que justificou muito da forma como se desenrolou este.
Não obstante o Dr. Gomes da Silva, presidente da segunda comissão instaladora, ter referido que tinha havido uma recomendação estrita para que o serviço de urgência começasse a funcionar antes das eleições de 19 de Julho de 1987 (acta n.9 5, p. 37), ficou claramente provado que ao projecto em causa, desde Junho de 1986, fora atribuída a maior prioridade de forma a poder o Hospital no seu todo, e em particular o serviço de urgência, entrar o mais rapidamente possível cm funcionamento. Aliás, o próprio Dr. Gomes da Silva reconhece tratar-se de um hospital «que fazia muita falta na área onde está instalado» e que «o facto de o Hospital entrar em funcionamento era um bem que se estava a dar à população» (pp. 103 e 178). Na verdade, o momento da entrada em funcionamento do Hospital foi encontrado a partir da avaliação das possibilidades decorrentes dos recursos humanos c materiais disponíveis e de um enorme esforço para vencer inércias.
2.1 —O edifício da Clínica do Restelo era em 1986 propriedade da empresa Fundus — Administração e Participações Financeiras, S. A. Nele decorriam trabalhos de construção civil e obras de ampliação e de alteração por conta da 1SU — Estabelecimentos de Saúde e Assistência, S. A. (relatório de avaliação relativo à Clínica do Restelo elaborado pelo engenheiro Alfredo da Silva Neves, da Divisão de Obras e Avaliações da Direcção-Geral do Património do Estado, fls. 425 a 452 do anexo BI do processo de inquérito n.fi 15/SUCH/4/88 da Inspecção-GeraJ de Finanças).
O capital social das duas sociedades era deudo pela Companhia de Seguros Império, E. P. Segundo o Dr. Santos António, director desta companhia, «a Fundus seria o braço imobiliário da Império e a ISU o braço hospitalar» (acta n.° 31, p. 23). Era à ISU que estava destinada a exploração da Clínica do Restelo.
Em 1986 existia uma base de projecto rigorosa, cuja concretização era da responsabilidade da empresa PRO-CONSTROI, e que visava, de acordo com o depoimento do Dr. Diamantino Marques, à data presidente do conselho de administração da Império, desenvolver as valências do Hospital da CUF e aóapiar a Clinica às apetencias actuais
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por parte dos doentes, nomeadamente ampliando o número de quartos individuais e de enfermarias de reduzida dotação (acta n.° 9, pp. 40 e 41).
2.2 — Descoberto o imóvel pelos responsáveis do Ministério da Saúde, transfere-se definitivamente para ele o interesse na transacção e acaba vencida a resistência inicial por parte da Império, mais interessada na concretização da alienação do Hospital da CUF. Prova tal resistência a carta que o Dr. Diamantino Marques dirigiu à então Ministra da Saúde no dia 27 de Fevereiro de 1986, em que reproduz a posição do conselho de administração da Império no sentido de que estavam «muito interessados em vender o Hospital da CUF, conforme negociações anteriormente culminadas» e não estavam «interessados em vender a Clínica do Restelo, porque isso 'os' obrigaria a infiectir» a sua «orientação estratégica», acrescentando que, «atendendo ao interlocutor interessado», aceitavam «dialogar, na certeza de que só» se disporiam «a concretizar a operação mediante condições perfeitamente compensatórias». Juntava aliás em anexo umas «notas sobre o potencial contributo do Hospital da CUF no apoio às urgências na área de Lisboa como hospital especializado e de retaguarda».
Pela Companhia de Seguros foi levado em linha de conta o interesse da unidade para efeitos de saúde pública na área da Grande Lisboa, não em matéria de preço, mas no que respeita à anuência dada à solicitação do Ministério da Saúde no sentido da alienação da Clínica, como resulta do depoimento do Dr. Diamantino Marques (pp. 18 e 19).
Da parte do Ministério havia, por seu turno, interesse em ficar com a obra como eslava por causa da flexibilidade que isso introduziria, como o demonstram as declarações do mesmo depoente. Estando perto do términus do acabamento, «a infra-estrutura base estava feita, mas na altura ainda era possível infiectir num ou noutro sentido consoante as decisões e a orientação que o Ministério da Saúde entendesse dar» (pp. 37 e 38).
2.3 — As negociações tendentes à aquisição do edifício da Clínica do Restelo decorreram durante o 1.' trimestre de 1986. Uma fase preliminar foi desenvolvida entre técnicos da Companhia de Seguros Império, especializados em transacções ligadas à área hospitalar, e uma equipa de técnicos qualificados do Ministério da Saúde. Segundo o Dr. Diamantino Marques, ostécnicos que se encontraram para negociar o protocolo e o preço chegaram, «não a um consenso, mas a uma proximidade de valores, sem zona de sobreposição» (p. 20). O acerto final do preço foi feito directamente entre a Ministra da Saúde e o Dr. Diamantino Marques (depoimentos da Dr.' Leonor Beleza, acta n.B 17, pp. 47 e seguintes, e do Dr. Diamantino Marques, p. 23).
O preço global acordado, no valor de 2 490 000 contos, foi o resultante de uma avaliação reportada, como declara o Dr. Diamantino Marques, «ao momento e ao estádio de desenvolvimento das obras na unidade e ao nível do equipamento já instalado» (pp. 33 c 34). Trata-se, note-se, de uma alienação em lermos substanciais de uma empresa pública ao Estado — o mesmo é dizer, de facto, do Estado ao Estado.
2.4 — O documento onde se inscreveram as primeiras cláusulas contratuais foi um protocolo de compra e venda, celebrado entre as empresas Fundus — Administração e Participações Financeiras, S. A., ISU — Esutbelccimentos de Saúde e Assistência, S. A., e o Estado Português, representado pela Ministra da Saúde, que delineava o conteúdo jurídico da relação contratual acordada e foi assinado em 9 de Janeiro de 1987.
Mas o Estado tomara posse do imóvel muito antes, cerca do dia 30 de Junho de 1986, para execução das alterações
e modificações que cmcnrjeu realizar para o fim a que
destinara o imóvel. Este dado é confirmado pela electiva intervenção dos técnicos da Dircccão-Geral das Instalações e Equipamentos de Saúde no início de Julho de 1986 com o fim de o adaptar às exigências de um hospital (depoimento do Dr. Nogueira da Rocha, acta n.9 25, pp. 16 e 17).
Dispunha-se no n.9 2 do artigo 2.° do texto do protocolo que «por conta do [...] preço o Estado entregará às entidades vendedoras, até 31 de Janeiro de 1987, subse-quentemcnle ao cumprimento das necessárias formalidades exigidas por lei para a realização de despesas públicas, a quantia de 840 000 contos».
Este pagamento foi claramente assumido pela Companhia de Seguros Império como verdadeiro adiantamento em relação ao preço final pela aquisição da Clínica do Restelo, constituindo para aquela o montante e o prazo de pagamento respectivos, elementos essenciais do negócio realizado (depoimento do Dr. Diamantino Marques, pp. 39 e 40).
Ficou provado que as partes acordaram em que o adiantamento deveria ser efectuado à data em que a entidade compradora tomaria posse do imóvel (depoimento do Dr. Santos António, pp. 8 e 9).
2.5 — Na data da assinatura do referido protocolo de compra e venda — 9 de Janeiro de 1987—, já ocorrera efectivamente o pagamento de 840 000 contos por conta do preço final acordado.
Nos termos do despacho de 4 de Julho de 1986 do Secretário de Estado Adjunto da Ministra da Saúde foi, em execução do PIDDAC Saúde/86, paga pelo Serviço de Utilização Comum dos Hospitais (SUCH) a quantia de 750 000 contos à empresa Fundus — Administração e Participações Financeiras, como primeira prestação do preço do imóvel, no dia 8 de Julho do mesmo ano. A segunda prestação, no valor de 90 000 contos, foi recebida pela Fundus no dia 2 de Setembro de 1986, através também do SUCH.
Estes pagamentos, embora posteriores à data de tomada de posse pela entidade compradora, foram efectivamente realizados em data anterior à solicitação e concessão do visto pelo Tribunal de Contas.
Com efeito, ficou apurado na Comissão que, através de ofício de 26 dc Janeiro de 1987, foi enviada pelo chefe do Gabinete da Ministra da Saúde a minuta do contrato de compra e venda do imóvel denominado «Clínica do Restelo», acompanhada de três anexos e de fotocópia da portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Saúde, assinada em 22 de Dezembro de 1986.
Após o pedido c a prestação de alguns esclarecimentos, que incluíram a identificação do SUCH como entidade executora e a imputação ao seu orçamento (840 000 contos em 1986 e 750 000 contos em 1987) das verbas sobre cujo cabimento se pedia informação (documentos de fls. 88 a 98 do anexo B do processo de inquérito n.9 15/SUCH/4/ 88 da Inspccção-Geral de Finanças), a minuta do contrato veio a ser visada em 22 de Abril de 1987.
Mais tarde viria, aliás, a ser submetida a visto do Tribunal dc Contas uma segunda versão da minuta do contraio de compra e venda, alegando-se como razões justificativas no ofício de remessa «ligeiras alterações formais decorrentes, por um lado, do período de tempo entretanto decorrido e, por outro, da conveniência tabular em separar respectivamente as sociedades vendedora do
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imóvel e vendedora das benfeitorias e equipamento nele realizados e instalados». Esta minuta veio a obter o visto em 23 de Dezembro de 1987.
2.6 — Pelo facto de ter havido pagamentos anteriores à concessão do visto, ao contrário aliás do que constava da minuta do contrato de compra e venda inicialmente enviada ao Tribunal de Contas, suscitou a Inspecção-Geral de Finanças a eventual responsabilidade criminal nos termos das
disposições da L,ei n." 34/87 (responsabilidade dos titulares de cargos políticos).
Ora não só tal legislação não seria em nenhuma circunstância aplicável, dado que não estava ainda em vigor e que a lei penal incriminadora não é retroactivamente aplicável, como neste caso não há nenhum sinal de que tenha havido consciência de que o visto não estava ainda concedido. Acresce que o que se pagou foi exactamente o que fora acordado e constava do contrato c que não houve nenhum prejuízo para o Estado — aliás dificilmente haveria, dado que o Estado pagou a duas entidades cujo capital pertencia a uma empresa pública (a Império). Em termos financeiros, o Estado tirou de um bolso para pôr no outro, na medida em que a empresa vendedora é uma entidade cujos lucros, ainda que indirectamente, revertem sempre para o Estado.
Terá de facto acontecido que pagamentos tenham sido feitos sem o visto em virtude de o SUCH, que a eles procedeu, ser uma entidade sujeita ao direito privado — questão que é tratada adiante. Cumpridas as complicadas regras burocráticas de mobilização de dinheiros do PIDDAC, o processamento das verbas que surgem como adiantamentos em relação ao preço final é efectuado sem a verificação do visto do Tribunal de Contas, prévio à operação, na Direcção-Geral da Contabilidade Pública. A repartição desta junto do Ministério da Saúde terá por isso mandado processar regularmente a verba (depoimento do Dr. Baptista Pereira, p. 95).
Não se provou que a não obtenção prévia dc visto lenha decorrido de qualquer outra razão que não seja a anteriormente referida.
Suscitou também a Inspecção-Geral de Finanças a eventual responsabilização criminal de quem enviou o ofício ao Tribunal de Contas para visto da minuta do contrato sem referir que já tinham ocorrido pagamentos ou de quem tenha mandado fazer o ofício por falsificação. Todavia, não se verifica um elemento constitutivo essencial deste crime, que é a fé pública do documento, assim como não há nenhum indício de que tenha havido ocultação intencional de qualquer pagamento, ou de que o texto da minuta do contrato visasse obter esse resultado.
Acresce que, em sentido conuário ao da pretensão dc ocultar o que quer que seja, milita o facto de, com o ofício de remessa ao Tribunal de Contas, ter sido enviada cópia da portaria que fora aprovada em 22 de Dezembro de 1986 e que fora publicada no Diário da República, 2' série, de 24 de Janeiro de 1987, a qual autorizava o Estado a pagar, em 1986, 840 000 contos, escalonando entre 1986 e 1991 a obtenção das verbas necessárias ao pagamento. Isto é, em simultâneo com o envio da minuta do contraio, que de facto — ao contrário da ulteriormente enviada —, não referia o pagamento anterior de parte do preço, seguia o texto de uma portaria que «confessava» o pagamento de tal parte em 1986, quando o ofício é já de 1987. Não se vê assim onde esteja qualquer intenção de ocultar, vê-se antes mesmo o conuário. A minuta leria provavelmente sido feita há muito tempo e só tarde enviada ao Tribunal de Contas, o que explicará os seus termos.'
2.7 — Foi questionado o facto de não ter a compra do edifício da Clínica do Restelo sido antecedida de concurso público ou de dispensa do mesmo, apesar da existência de uma minuta cm que a então Ministra da Saúde solicitava tal dispensa ao Primeiro-Ministro. Todavia, a existência dessa minuta não prova que a carta em questão alguma vez tenha existido. Além disso, não se afigura no caso concreto justificada qualquer censura por aquele facto.
Com efeito, dificilmente seria imaginável um concurso público nas circunstâncias em causa. Estando desde há muito projectada a construção de um hospital na zona do Restelo, era suficientemente extraordinária a existência de um hospital pronto a abrir na mesma zona, para que fosse sério abrir um concurso com o objectivo de sugerir aos proprietários de hipotéticos hospitais na zona do Restelo, também hipoteticamente dispostos a vendê-los ao Estado, que apresentassem as respectivas propostas! É preciso ter em conta o facto de que o proprietário em causa até nem estava interessado em vender e provavelmente se não apresentaria a concurso. Do ponto de vista do Estado, a compra de um edifício para hospital decorreu da constatação da existência de um naquelas condições únicas — não a antecedeu, nem era aliás fácil antecipar tal existência! Nestas circunstâncias, o processo de negociação era o único que razoavelmente podia ser adoptado.
Acresce que a decisão de compra por parte do Estado da Clínica do Restelo se encontra consubstanciada em dois actos do Governo.
O primeiro, mais solene do que sempre seria a decisão de dispensa de concurso, é o Decreto do Governo n.8 11/ 86, de 5 dc Novembro, que criou o Hospital de São Francisco Xavier. Do seu preâmbulo consta expressamente que «o Governo decidiu adquirir o edifício denominado Clínica do Restelo para nele instalar um novo hospital, como a solução viável a curto prazo». Do texto do decreto resulta a decisão de contratar, bem como a escolha do objecto do contrato é por isso da identidade do co-contra-tante.
A deliberação do Governo que determina a aquisição daquele imóvel consta igualmente da portaria já referida dc 22 dc Dezembro de 1986, posteriormente alterada pela portaria de 28 de Abril de 1987, publicada no Diário da República, 2' série, de 8 de Maio de 1987, que opera a repartição por vários anos económicos dos encargos suportados por verbas do PIDDAC de 1986 e 1987 do Ministério da Saúde (1 590 000 000$) e por verbas da Dirccção-Gcral do Tesouro (900 000 000$).
Com efeito, consta do artigo 1.° que «é autorizado o Ministério da Saúde a celebrar contrato para a compra da Clínica do Restelo pela importância de 2 490 000 000$, acrescida dos encargos resultantes da assunção de dívidas que o mesmo contrato comporta».
3 — Encontrava-sc o Hospital de São Francisco Xavier em regime dc instalação, por efeito do Decreto do Governo n.fi 11/86, dc 5 de Novembro, acima referido. Tendo tal regime consequências ao nível das regras aplicáveis em vários domínios, cabe uma curta abordagem dos seus contornos.
O regime de instalação foi inicialmente estabelecido pelo Decreto-Lei n.* 31 913, de 12 de Março de 1942, e encontra-se hoje previsto nos artigos 79.9 e seguintes do Decreto--Lei n.° 413/71, de 27 de Setembro (Lei Orgânica do Ministério da Saúde).
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Os seus objectivos gerais sao os seguintes:
Corresponder com celeridade, na fase de arranque de novos estabelecimentos (bem como na remodelação OU ampliação de esiabelecimenios já existentes), a necessidade de realização de despesas, com . simplificação dos circuitos legais normais;
Permitir avaliar, com base na própria evolução dos serviços e nas mutações a que os mesmos estuo sujeitos num período de instalação, os encargos que a sua passagem ao regime normal de funcionamento acarretará.
Nos termos do artigo 81.8, n.° 4, do Decreto-Lei n.e 413/ 71, os estabelecimentos em regime de instalação podem adoptar, em alternativa, o regime de orçamento ou o regime de balancete.
Quando seja adoptado o regime de balancete, as despesas são feitas mediante despacho ministerial, por conta de dotações globais. O controlo das receitas e despesas é feito através da apresentação dos balancetes mensais a visto ministerial.
Quanto à necessidade de visto do Tribunal de Contas, era interpretação pacífica, antes da publicação do Dccreto--Lei n.9 41/84, de 3 de Fevereiro, que não estavam sujeitas a visto as admissões de pessoal nos serviços em regime de instalação e balancete, visto a inexistência de orçamento não permitir o controlo do cabimento em dotação discriminada. A mesma doutrina eoa seguida em matéria de aquisição de bens e serviços, cujos contratos, por esse motivo, não eram habitualmente remetidos ao Tribunal.
Depois da publicação do Decreto-Lei n.B 41/84, as admissões de pessoal passaram a estar sujeitas a visto, por força de disposição expressa constante dos seus artigos 1 .t, n.° 1, e 14.°, h." 2, embora o controlo do Tribunal não possa exercer-se no domínio da legalidade financeira, dada a impossibilidade de fiscalização do cabimento orçamental. No que se refere aos contratos de aquisição de bens e serviços, continuou a seguir-se a interpretação anterior, do que resulta não existir nenhuma resolução expressa do Tribunal de Contas concedendo ou negando o respectivo visto.
A questão apresenta-se menos clara no que diz respeito à exigência do processo de concurso para a realização de despesas com aquisição de bens e serviços. A jurisprudência do Tribunal de Contas sobre admissões de pessoal é flutuante, ora considerando não haver lugar à realização de concursos nos serviços em regime de instalação (resolução de 12 de Novembro de 1985), ora decidindo em sentido contrário (resolução de 28 de Junho de 1988). Em todo o caso, a analogia entre as duas espécies de actos — aquisições de bens e serviços e admissões de pessoal — é aqui menos evidente.
O que há que ter em conta é a adequação ou inadequação do processo de concurso ao regime de instalação, enquanto regime excepcional e transitório destinado a permitir o rápido arranque e entrada em funcionamento de novos serviços. Deste ponto de vista, pode defender-se a existência de uma incompatibilidade funcional entre os concursos e o regime de instalação. Mas não se conhece norma expressa ou jurisprudência que dêem base sólida a essa conclusão, pelo que aqui se deixa a questão levantada e a expressão das dúvidas que arrasta.
4 — As despesas do Hospital de São Francisco Xavier, incluindo o pagamento do seu preço, foram na fase inicial processadas através do SUCH, entidade cuja natureza e regime merecem também alguma reflexão.
O SUCH foi constituído ao abrigo do Decreto-Lei n.9 46 668, de 24 de Novembro de 1965, por iniciativa de um conjunto de instituições particulares com actividade na área hospitalar.
Depois de votados em assembleia geral dos associados, OS estatutos do SUCH foram aprovados pelo despacho do Minisuo da Saúde e Assistência de 22 de Abril de 1966, publicado no Diário do Governo, 3.* série, n.9 138, de 16 de Junho de 1966.
Os mesmos estatutos foram modificados, posteriormente, em assembleia geral de 17 de Março de 1972. A sua nova versão foi aprovada por despacho do Secretário de Estado da Saúde e Assistência de 6 de Abril de 1972 e foi publicada, juntamente com a versão inicial, no Diário da República, 3.» série, n.9 77, de 1 de Abril de 1980.
Sobretudo depois de 1974, o SUCH passou a integrar como associados, e consequentemente com beneficiários da sua acüvidade, um número elevado de estabelecimentos públicos de saúde, em virtude, designadamente, da transferência para o sector público de instituições hospitalares até aí pertencentes às misericórdias.
Por força do disposto no Decreto-Lei n.9 70/75, de 19 de Fevereiro, foi alargada aos serviços de utilização comum dos hospitais (todos aqueles que tivessem sido criados ao abrigo do Decreto-Lei n.° 46 668) a possibilidade de nomeação de comissões directivas, nos termos previstos pelo Decreto-Lei n.9 495/74, de 27 de Setembro. A partir desse momento, o SUCH passou a ser administrado por comissões directivas nomeadas pelo Ministro da Saúde.
É à luz destes elementos e, ainda, do artigo I0.fi do Estatuto Hospitalar, aprovado pelo Decreto-Lei n.s 48 357, de 27 de Abril de 1968, e do despacho normativo do Secretário de Estado da Saúde publicado no Diário da República, 2.'- série, n.9 123, de 29 de Maio de 1979, que SC tem de determinar a natureza jurídica do SUCH e o regime aplicável às despesas por ele efectuadas.
Independentemente da subsistência da sua qualificação como pessoa colectiva de utilidade pública administrativa, parece inegável que o SUCH não perdeu a natureza de pessoa colecüva de direito privado. Nem o carácter público de muitos dos seus associados, nem o regime de comissões administrativas, constituem obstáculo a esse entendimento.
Por um lado, a publicização de muitos dos hospitais associados constitui um facto superveniente na vida da instituição, que só por si não implica a sua transformação numa associação de direito público. O SUCH tem uma personalidade jurídica própria, distinta da dos seus associados. E nada impede que entre um certo número de entidades públicas se constitua uma associação de direito privado.
Por outro lado, a nomeação de comissões administrativas corresponde a um regime de intervenção e controlo da gestão, análogo ao que vigorou para muitas empresas privadas nos anos subsequentes a 1974. O seu objectivo é a substituição temporária dos órgãos normais de gestão, devendo as comissões administrativas exercer a competência que é atribuída pelos estatutos aos órgãos substituídos. Daí resulta que o regime de intervenção não opera uma transformação da entidade intervencionada nem faz que os seus actos obedeçam a um regime diferente do que seria aplicável em circunstâncias normais. Assim se entendeu sempre em relação às empresas privadas intervencionadas, mesmo quando a intervenção se prolongou até ao ponto de tornar difícil ou improvável o retorno a uma situação normal de gestão.
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Conclui-se, deste modo, que as despesas realizadas pelo SUCH não estão, de um ponto de vista estritamente formal, submetidas às regras da contabilidade pública, nomeadamente a visto do Tribunal de Contas.
Não invalida esta conclusão o facto de os fundos do SUCH provirem, em parte apreciável, de subsídios do Estado. Não é a origem das receitas que determina o regime
das despesas. Se assim não fosse, muitas entidades privadas Ficariam sujeitas a visto do Tribunal de Contas.
Irrelevante se deve considerar também o facto de alguns dos beneficiários das obras ou aquisições suportadas pelas verbas do SUCH serem estabelecimentos (públicos) não associados. A realização de despesas a favor de terceiros pode ser criticada do ponto de vista da sua conformidade com os estatutos, mas isso não altera os formalismos aplicáveis.
Cabe acrescentar, aliás, que sempre o SUCH foi utilizado para facilitar a realização de despesas sem os entraves resultantes das regras da contabilidade pública. Foi uma prática constante no Ministério da Saúde em todos os governos, que só se terá salientado em termos quantitativos durante o X Governo Constitucional porque a partir de então, em virtude da assunção por aquele Ministério da tutela da ex-Dirccção-Geral das Construções Hospitalares, passou o mesmo a controlar o PIDDAC Saúde e a dispor de verbas muito mais vultosas de investimento.
5 — Foi relativamente acidentado o processo de entrada em funcionamento do Hospital de São Francisco Xavier, o qual foi sucessivamente dirigido por três comissões instaladoras; verificou-se também a intervenção da Direc-ção-Geral das Instalações e Equipamentos de Saúde e da Direcção-Geral dos Hospitais, bem como a actuação de uma empresa privada, a PA. Por seu turno, as obras foram completadas pela PROCONSTRÓI, empresa que tinha já sido responsável pela construção do edifício, enquanto se destinava a clínica privada, e os equipamentos comprados por intermédio da ISU, empresa a quem anteriormente estava destinada a gestão da Clínica e um dos seus cx-proprielários.
O Hospital recebeu os seus primeiros doentes em Abril de 1987, como já foi referido. A abertura fez-se por fases sucessivas, tendo o serviço de urgência iniciado a sua actividade em Julho e atingido o seu pleno desenvolvimento, através da recepção e tratamento de poliirauma-tizados, no fim do ano.
A Direcção-Geral das Instalações e Equipamentos de Saúde foi o serviço do Ministério da Saúde que inicialmente se ocupou do Hospital. Coube-lhe a concepção e fiscalização da execução das alterações necessárias para a adaptação da Clínica a hospital (depoimento da engenheira Paula Melo, acta n.9 33, p. 33). Por seu turno, a PROCONSTRÓI estava no empreendimento para terminar a obra que tinha iniciado, agora em termos diferentes do inicialmente programado. O estaleiro respectivo estava montado e a empresa detinha como ninguém o conhecimento de todos os pormenores da construção e montagem do edifício e daquilo que nele se continha. Segundo a engenheira Paula Melo, prescindir da sua actuação custaria cerca de dois anos ou dois anos e meio de atraso, pelo que continuar com o mesmo empreiteiro se afigurava a solução mais prática e económica (pp. 47 e 48).
A primeira comissão instaladora do Hospital, constituída pelo Prof. Ayres de Sousa, como presidente, c pela enfermeira Brito Gomes, pelo Dr. Carlos Costa e pelo Dr. Manuel Delgado, como vogais, foi nomeada por despacho de 10 de Novembro de 1986, ainda antes do termo da
intervenção da Direcção-Geral das Instalações e Equipamentos de Saúde, e pela primeira vez no Ministério da Saúde antes de terminadas as obras (depoimento da engenheira Paula Melo, p. 93). Tal nomeação naquele momento visava permitir o acompanhamento pela comissão instaladora da conclusão do Hospital, «para se assenhorear da casa antes de começar a trabalhar e ainda para haver
uma sobreposição entre os técnicos que a construíram e os
técnicos que a vão utilizar» (depoimento do Dr. Baptista Pereira, pp. 24 e 131). Quebrava-se ainda um desfasamento de actuação que certamente provinha do tempo em que a direcção das obras do Ministério da Saúde lhe não era confiada.
No final de 1986, quando o processo de instalação e abertura do Hospital de São Francisco Xavier enfrentava dificuldades suscitadas pela necessidade de coordenação das diferentes operações materiais das entidades intervenientes, ocorre a intervenção da PA como entidade chamada a prestar apoio à comissão instaladora.
Tais problemas derivariam, segundo a engenheira Paula Melo, do facto de a Direcção-Geral das Instalações e Equipamentos de Saúde limitar a sua intervenção à realização das alterações necessárias e da incapacidade da PROCONSTRÓI em respeitar os prazos fixados para a entrega da obra e assumir a coordenação dos subempreiteiros (p. 10).
A PA terá aparecido no Hospital de São Francisco Xavier através de iniciativa do director-geral dos Hospitais e com autorização da Ministra, porque havia a convicção de que os trabalhos estavam atrasados em relação ao previsto e que aquela empresa teria capacidade para os fazer avançar (depoimentos do Dr. Silveira Botelho, acta n.s 28, pp. 8, 37 e 38, do Prof. Ayres de Sousa, actas n- 7, p. 26, e 18, p. 16, e do engenheiro Costa Freire, acta n.B 16, p. 23). A Comissão comprovou que a empresa em causa já havia sido encarregue por governos anteriores de trabalhos com responsabilidade (por exemplo, do apoio à introdução cm Portugal do IVA), tendo reputação de ser eficaz na sua actuação.
A intervenção da PA não gerou qualquer desarmonia institucional ou hierárquica, tendo-se mostrado decisivo o seu contributo; a Comissão ouviu no entanto de um dos dois membros da comissão instaladora exonerados pela Ministra da Saúde cm 9 de Fevereiro de 1987, o Dr. Manuel Delgado, uma opinião crítica em relação a essa intervenção, apesar de reconhecer que a comissão instaladora não conseguiria abrir o Hospital com os recursos que linha na altura (acta n.9 11, pp. 28, 45 e 46).
Aquelas exonerações foram aliás questionadas, mas não estranha à Comissão — pelo menos a do Dr. Manuel Delgado—, dada a discordância manifestada em relação às opções fundamentais do Ministério para o próprio Hospital de São Francisco Xavier (pp. 90 e seguintes), tendo inclusivamente afirmado que «o projecto de instalação do Hospital passaria pela comissão instaladora e não seria definido pela Sr.*- Ministra», quando lhe foi perguntado sobre por que tinha aceite a nomeação se não concordava com as opções, o que indicia que se propunha contribuir para subverter as instruções que eram dadas (p. 97).
Em meados de 1987, foi nomeada uma segunda comissão instaladora do Hospital, presidida pelo Dr. Gomes da Silva, e que integrava ainda a Dr.? Ana Manso e a enfermeira Brito Gomes.
Suscitou particular atenção o papel de facto desempenhado pela PA no processo. De notar que os responsáveis das comissões instaladoras não reconhecem gue se lhes
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tenha sobreposto (depoimentos do Prof. Ayres de Sousa, acta n.fi 18, pp. 60 e 61, do Dr. Gomes da Silva, acta n.9 5, p. 163, e da Dr.* Ana Manso, acta n.° 24, p. 13, que
sc refere ao papel da PA como uma tarefa de «anoio, de
assessoria relativamente àquela comissão, no que diz respeito as obras, aos equipamentos c à organização»),
A intervenção da PA traduziu-se manifestamente numa decisão de carácter político, com o objectivo de concretizar uma abertura do Hospital que tardava e veio a mostrar-se eficaz em relação aos objectivos visados.
6 — O processo de aquisição do equipamento para o Hospital de São Francisco Xavier foi objecto de um processo que, também pela primeira vez no Ministério da Saúde, garantiu uma larga participação dos futuros utilizadores. Foi conduzido pela Direcção-Geral das Instalações e Equipamentos de Saúde, tendo sido apurado que a esta cabia a elaboração dos cadernos de encargos e que houve uma ampla participação de consultores médicos, futuros directores de serviço daquela unidade hospitalar, que determinavam as especificações do equipamento em colaboração com os técnicos da Direcçâo-Gcral.
O processo de consulta às empresas fornecedoras foi realizado pela ISU, sendo a aprovação das propostas da competência da Direcção-Geral, que, de acordo com as declarações do Dr. Nogueira da Rocha, realizava a ponderação valorativa das qualidades técnicas do equipamento e o controlo dos respectivos preços (p. 154).
A empresa ISU veio posteriormente a facturar ao SUCH os serviços prestados, lendo o processo de aquisição do equipamento decorrido sobretudo em 1986. Constatou-se que a empresa PA não teve qualquer intervenção significativa no respectivo desenvolvimento, como aliás foi sublinhado pelo Prof. Salles Luís (p. 40).
Neste domínio verificou-se a existência de adequada ponderação técnica do equipamento, não se tendo constatado que tenha havido prejuízo patrimonial para o Estado.
A informatização do Hospital de São Francisco Xavier veio a ser efectuada pelas empresas PA e IBM, a partir do início de Fevereiro de 1987.
Em 9 de Março de 1987 a Ministra da Saúde autorizou o pagamento à empresa PA, através do SUCH, de factura no montante de 24 632 832$ e por despacho de 13 de Maio de 1987 do director-geral dos Hospitais foi autorizado o pagamento à IBM do valor dc 12 303 088$.
Ressalta a inobservância de diversos formalismos legais para este tipo de aquisições de bens. Também não se comprovou que a aquisição do equipamento informático tenha sido acompanhada de fiscalização suficiente do mérito objectivo da proposta apresentada.
Este facto 6 tanto mais importante quanto se sabe que a PA simultaneamente assessorava a comissão instaladora na aquisição de bens e serviços e ela própria os fornecia — o que prefigura um comportamento que a Administração ou não deveria ter permitido ou, a suceder, deveria ser rodeado de todas as cautelas, o que não terá sido o caso, ou, a ter acontecido, não deixou rasto escrito. Contudo, tal não obsta que, conforme depoimento do Dr. Luís Andrade, os preços contratados se tenham revelado como sendo os correntes no mercado (p. 80). Ou seja, as irregularidades ao nível do procedimento não se traduziram cm prejuízo para o interesse público, o que afasta a suspeição dc que o seu não cumprimento visava ocultar interesses ilegítimos.
No que respeita à validade do sistema informático instalado no Hospital dc São Francisco Xavier, a Comissão ouviu do Dr. Gomes da Silva o enumerar de diversas de-
ficiências susceptíveis de comprometerem a sua adequação às necessidades daquela unidade de saúde (pp. 69 a 71). Deficiências que também foram apontadas num parecer
do Dr. Luís Andrade dc W dc Julko dc 1967 t nouvro oe técnicos do Serviço de Informática da Saúde, elaborados por solicitação da segunda comissão instaladora do Hospital.
Das declarações prestadas pela Dr* Ana Manso resultou,
porém, que os ajustamentos requeridos foram efectuados após um processo de negociação com a empresa fornecedora sem que daí adviessem encargos para o Hospital (pp. 79 a 81).
De peritagem efectuada por técnicos do Instituto de Informática do Ministério das Finanças conclui-se que o sistema implantado é tecnicamente satisfatório, apresentando possibilidade de expansão e de adaptabilidade a necessidades futuras, não obstante serem aí sugeridas a necessidade de acertos que garantam uma maior segurança do sistema e a maior possibilidade de interligação e adaptação com outros sistemas (pp. 692 a 698 do processo n.9 315/87-1 da Inspecção-Geral dos Serviços de Saúde). A mesma conclusão é retirada da audição do Dr. Carlos Santos de 25 de Julho dc 1989 (p. 76).
Quanto ao custo do equipamento, confirmaram-se as conclusões contidas no relatório preliminar da Inspecção-Geral dos Serviços dc Saúde, dado estar dentro do correntemente adoptado no mercado à data, não se tendo verificado qualquer prejuízo patrimonial.
O processo de aquisição de equipamento informático para a Direcção-Geral dos Hospitais através de verbas destinadas ao Hospital de São Francisco Xavier indicia uma tentativa posterior de regularização pela ausência de concurso, com as propostas das empresas PDL, GTI e Evenco, comprovadamente ligadas entre si e com a mesma data, 2 dc Abril de 1987, dirigidas à Direcção-Geral dos Hospitais.
Terá na realidade ocorrido, conforme depoimentos do Sr. Manuel Cabral, um processo em que os serviços administrativos do Hospital se limitaram a fazer uma regularização a posteriori de uma aquisição que estava em curso e tinha sido ordenada pela Direcção-Geral dos Hospitais (acta n.9 15, pp. 43, 69 e 70)? Não foi possível apurar os termos exactos em que as coisas se terão passado.
Não há qualquer razão para julgar que o presidente da comissão instaladora, ao exarar, em 6 de Abril de 1987, o despacho em que declara optar pela firma PDL, conhecesse as ligações existentes entre as referidas empresas. Por seu turno, os elementos submetidos a apreciação ministerial pela Direcção-Geral dos Hospitais — proposta de dispensa de concurso público, elaborada pelo chefe do serviço de aprovisionamento do Hospital de São Francisco Xavier, datada de 30 de Março de 1987, e uma proposta de aquisição de equipamento informático à firma PDL — Companhia Portuguesa de Processamento de Dados, L.**, datada dc 1 de Abril dc 1987 (fls. 219, 220, 221, 627 e 628 do processo n.9 315/87-1) — permitiam legitimamente confiar na prévia livre competição entre as mencionadas propostas, configurando-se a proposta da empresa adjudicatária como a «mais vantajosa» para a satisfação do interesse colectivo.
Nada permite acreditar que a Dr.! Leonor Beleza tivesse, naquela data, conhecimento da ligação existente entre as três empresas, resultando do seu depoimento a reprovação da situação descrita (acta n.° 21, pp. 28, 116, 201 e 209).
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O equipamento informático, que foi pago com verbas destinadas ao Hospital de São Francisco Xavier, concretamente por uma verba de 55 000 contos, destinada a equipamento informático e atribuída mediante despacho de 31 de Março de 1987 da Ministra da Saúde, veio a ser efectivamente recebido na Direcção-Gcral dos Hospitais, tendo algum desse material sido posteriormente, e mediante protocolo, entregue às comissões intcr-hospitalares, encontrando-se ainda na sua parte mais significativa instalado na Direcção-Geral. Parte do equipamento com especificações menores ficou, como declarou no seu depoimento o Dr. João Urbano, no Hospital de São Francisco Xavier. Quanto à adequação do material informático fornecido às necessidades dos serviços, ficou provado que o equipamento entregue na Direcção-Geral dos Hospitais as satisfazia perfeitamente, encontrando-se ainda a funcionar. Aliás o Dr. João Urbano afirmou descobrir uma relação causa-efeito entre as especificações pretendidas pelo grupo de trabalho inserido na Direcção--Geral dos Hospitais e o equipamento comprado (pp. 39, 70, 99 c seguintes).
Não se verificou a intervenção do Serviço de Informática da Saúde. Porém, há que ter presente que a primeira reunião da nova comissão instaladora do Serviço de Informática da Saúde ocon-eu no dia 16 de Junho de 1987 (depoimento do Dr. Luís Andrade, p. 8) e que durante o início da sua actividade aquele serviço central do Ministério da Saúde atravessou uma crise (depoimento do Dr. João Urbano, p. 102).
7 — Em Junho de 1987 o Ministério da Saúde decidiu publicitar a abertura do Hospital de São Francisco Xavier. Tratava-se de uma unidade hospitalar funcional c de uma «novidade» de que, pelo menos, a última geração não tinha experiência. É que nos últimos 30 anos nüo havia sido construído na Arca Metropolitana de Lisboa nenhum hospital, pelo que a informação pública aos utentes era fundamental para que estes disfrutassem de cuidados de saúde prestados em melhores condições. Sendo evidente a coincidência entre a decisão de levar a cabo a campanha e o momento político-eleitoral que se vivia, não deixa também de ser verdade que a decisão de não fazer a campanha implicava o risco de não acessibilizar um bem só possível pelos dinheiros públicos. Acresce que a queda do X Governo Constitucional foi uma «surpresa» proporcionada pela maioria dos deputados da Assembleia da República e a consequente convocação de eleições da responsabilidade do Presidente da República. Assim sendo, não pode ser assacada à Ministra da Saúde a suspeição da coincidência entre os dois factos — eleições e informação pública — nem se vê que seja ilegítimo que um governo — qualquer governo— dentro dos limites do bom senso elucide os cidadãos sobre a existência dc um novo equipamento. Refira-se, dc passagem, que a campanha surtiu os efeitos desejados, pois o afluxo de doentes depois do seu início aumentou significativamente (depoimento do Dr. Gomes da Silva, acta n.° 5, p. 75).
Parece ter sido a eficácia demonstrada pela empresa PA e o seu conhecimento profundo do Hospital de São Francisco Xavier que ditou a decisão de lhe solicitar que estendesse a sua actuação a este caso. Tal não obsta contudo que se considerem aqui reproduzidas em relação a esta aquisição as críticas formuladas em relação à compra de material informático pela inobservância de procedimentos tendentes a assegurar a regularidade administrativa do processo.
A PA apresentou em 16 de Julho de 1987 a proposta para a realização da campanha publicitária em apreço no montante dc 41 783 818$; consistia na produção, montagem e colocação na imprensa, rádio e televisão de diversos anúncios e spots. A factura desta campanha é da mesma data da proposta e qualquer delas é posterior ao seu começo efectivo. De facto, c no que se refere à campanha na televisão — único aspecto que a Comissão investigou —, apurou-se que foi levada a cabo, sobre o Hospital, a emissão de 20 exibições no I.8 canal entre o dia 17 e 26 inclusive (duas vezes/dia) e 10 exibições no 2.° canal.
Dos depoimentos do Dr. João Gonzalez e do Sr. Fernando Santos (acta n.9 60), respectivamente administrador e director comercial da RTC, resultou claro para a Comissão que o procedimento adoptado foi normal (p. 50), que não chegou à RTC nenhuma solicitação de suspender a campanha (p. 31), que o preço para a produção dos spots não parece exagerado (p. 89) e que não há rasto, na RTC, de um denominado filme institucional que consta da proposta da PA no valor dc 3 937 200$ (p. 57). Este item da proposta apresentada foi efectivamente pago pelo que a Comissão entende que a Administração deveria ter controlado o processo a fim de evitar a situação que se veio a verificar. Não o tendo feito até agora está contudo a tempo de junto da PA se considerar credora daquela importância, acrescida da percentagem de 15 % no valor de 590 580$, referente à comissão cobrada por aquela empresa.
8 — A Comissão não apurou que tivesse havido no Hospital dc São Francisco Xavier cursos de formação de pessoal, pelo que a suspeição da ligação da empresa PAM a este processo se revelou infundada.
9 — No domínio dos cuidados de saúde diferenciados, a situação dc pré-ruptura dos serviços de urgência da área dc Lisboa foi assumida pelo Ministério da Saúde como silução gravemente ameaçadora de bens colectivos essenciais. A abertura de uma terceira urgência hospitalar geral e de uma urgência pediátrica e obstétrica, encarada como necessidade prioritária como reconheceu o Governo quando emitiu o Decreto do Govemo n.° 11/86, de 5 de Novembro, que criou o Hospital, conduziu o Ministério a recorrer a mecanismos como o regime de instalação em que se encontrava o Hospital de São Francisco Xavier e a natureza jurídica de direito privado do SUCH para realizar os actos que se afiguravam indispensáveis ao interesse colectivo.
Verificou-se na verdade a inobservância de preceitos jurídicos normalmente aplicáveis num processo caracterizado pela excepcionalidade, já que nem o SUCH se configurou como sujeito das relações contratuais estabelecidas, nem o funcionamento próprio dos serviços c estabelecimentos do Ministério da Saúde em regime de instalação poderia ser invocado na totalidade das situações atrás mencionadas.
Há em qualquer caso que deixar expresso que a Administração se norteou pela prossecução do interesse público predeterminado, de forma a conseguir que naquele estabelecimento hospitalar fosse possível, em curto prazo, prestar com segurança e eficiência os cuidados de saúde necessários à população.
A circunstância de ter aberto no dia 22 de Abril de 1987 o primeiro serviço do Hospital de São Francisco Xavier, antes de decorrido um ano sobre a data da tomada dc posse pelo Estado do edifício inacabado e cinco meses após a publicação do decreto que crio» o Hospital, revela claramente a aptidão dos meios utilizados para a prossecução do fim pretendido.
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A aquisição da Clínica do Restelo, de acordo com o depoimento da Dr.5 Leonor Beleza, configurou-se como a melhor opção entre iodas aquelas que foram encaradas na altura porque permitiu simultaneamente abrir o terceiro banco de urgência numa zona da cidade particularmente carenciada de acesso a cuidados diferenciados, um maior equilíbrio dentro da cidade no acesso a esses cuidados por parte da população, aumentar, numa determinada medida, as camas existentes em Lisboa diminuindo o respectivo défice, e criar uma unidade de alta tecnologia em Lisboa (acta n.B 17, pp. 41 e 42).
A aquisição do imóvel denominado «Clínica do Restelo» revelou-se, na verdade, um excelente negócio para o Estado, já que ao valor apontado pela Inspecção-Geral de Finanças — 3 872 344 contos — há que deduzir, desde logo, o valor dos bens de equipamento de significativo peso financeiro que não ficaram no Hospital, tendo sido instalados noutras unidades de saúde.
Não se justifica ainda que no custo do investimento sejam incluídas as despesas de consumos correntes, citadas a fl. 13 do relatório da Inspecção-Geral de Finanças, no valor de 291 312 contos, como sublinhou a Dr.' Leonor Beleza (acta n.9 21, pp. 242 e 243).
Sublinhe-se a disponibilidade de cerca de 400 camas, numa segunda fase já prevista no momento da criação daquele hospital, dotado de alta tecnologia, ampliação que por utilizar basicamente as infra-estruturas que actualmente existem irá diminuir o custo por cama.
Relativamente aos resultados sociais obtidos com a criação do Hospital de S3o Francisco Xavier, há desde logo que concluir que o mesmo veio preencher graves lacunas, tendo contribuído decisivamente para a melhoria dos cuidados de saúde diferenciados na Area Metropolitana de Lisboa.
De acordo com os valores indicados pelo Dr. Carlos Santos, o Hospital em 1988, primeiro ano de actividade normal, efectuou 39 % das urgências dos Hospitais Civis e 61 % das urgências de Santa Maria. Ainda seguindo as mesmas declarações, em termos comparativos, o Hospital no mesmo ano, quanto à patologia clínica, fez 20 % dos parâmeuos analíticos dos Hospitais Civis e 31 % dos de Santa Maria, 135 % dos do Hospital de Egas Moniz, 90 % dos de Santa Cruz e 228 % dos do Hospital de Pulido Valente. Em termos de transfusões sanguíneas, 25 % das transfusões dos Hospitais Civis, 13 % das de Santa Maria, 147 % das do Hospital de Egas Moniz, 411 % das de Santa Cruz e 408 % das do Hospital de Pulido Valente. Em termos de operações — e aqui é de referir não só a cirurgia geral, mas também a cirurgia traumatológica e a neurocirurgia —, 12 % das intervenções dos Hospitais Civis, 30 % das de Santa Maria, 85 % das do Egas Moniz, 262 % das dc Santa Cruz e 176 % das do Hospital de Pulido Valente (pp. 124 e 125).
Valores que, dizendo respeito ao ano dc 1988 e tendo sido aquele estabelecimento hospitalar inaugurado no ano anterior, demonstram claramente a solução única que veio a configurar o novo hospital.
10 — Em conclusão, cabe referir:
O Hospital de São Francisco Xavier permitiu criar um terceiro pólo de urgência na área de Lisboa, dotar de recursos hospitalares acessíveis c de alta tecnologia uma zona da mesma área, diminuir o défice dc camas e a pressão sobre a urgência de São José, bem como desviar para a área da Amadora/Sintra o hospital que irá servir os dois concelhos. Todos os esforços foram feitos no senüdo de o abrir o mais depressa possível dada a premente
necessidade de contribuir para a resolução do problema das urgências da área da Grande Lisboa. Entre a tomada de posse pelo Estado e a abertura do Hospital decorreu um período relativamente curto, tendo o mesmo consumido a única solução, no contexto da época, que permitia obter os resultados alcançados.
O edifício do Hospital foi comprado pelo Estado à ISU e à Fundus, empresas cujo capital era detido pela Companhia de Seguros Império, E. P. A Império não estava interessado em vender e só aceitou fazê-lo dada a identidade da outra parte e as condições negociadas. Entre elas avultava o pagamento de parte do preço com a entrega do edificio. Oitocentos e quarenta mil contos vieram a ser pagos em duas vezes antes do envio do pedido de visto para o Tribunal de Contas. Não há nenhum sinal de que tenha havido consciência de que o visto não estava ainda concedido, nem houve prejuízo para o Estado, o que dificilmente sucederia dado que substancialmente o negócio foi celebrado com uma empresa pública, isto é, o Estado tirou dc um bolso para pôr no outro. Foi a natureza jurídica do SUCH que permitiu que a verba tenha sido processada sem o visto do Tribunal de Contas. Não houve concurso público nem dispensa do mesmo para a compra do Hospital, nem tinha dc haver.
O Hospital de São Francisco Xavier estava em regime dc instalação. Tal regime encontra-se previsto no Decreto--Lei n.9 413/71, de 27 de Setembro, e significa que os organismos em causa não estão sujeitos a muitas das formalidades do regime das despesas públicas.
Assim, e no que respeita ao visto, entende-se que desde o Decrcto-Lci n.9 41/84, de 3 de Fevereiro, ele é necessário para as admissões do pessoal, mas já não para os contratos de aquisição de bens e serviços. A questão é menos clara no que respeita a concursos. Quanto a admissões de pessoal a jurisprudência do Tribunal de Contas é flutuante. Em relação a aquisições de bens e serviços, deve ter-se em conta a adequação do processo de concurso ao regime dc instalação, podendo defender-se a existência de uma incompatibilidade funcional.
As despesas do Hospital de São Francisco Xavier foram na fase inicial processadas através do SUCH, entidade de direito privado, apesar da natureza pública que hoje detêm muitos dos seus associados. As despesas realizadas pelo SUCH não estão, de um ponto de vista estritamente formal, submetidas às regras da contabilidade pública, nomeadamente o visto do Tribunal de Contas. Não invalida esta conclusão o facto de os fundos do SUCH provirem, em parte apreciável, de subsídios do Estado. Sempre o SUCH foi uül izado, em todos os governos, para possibilitar a realização dc despesas sem os entraves resultantes das regras da contabilidade pública.
O processo de entrada em funcionamento do Hospital de São Francisco Xavier conheceu três comissões instaladoras, bem como a intervenção da Direcção-Gcral das Instalações e Equipamentos de Saúde, da Direcção-Geral dos Hospitais e de uma empresa privada, a PA. As obras foram completadas pela PROCONSTRÓI, empresa que construíra o edifício e nele mantinha estaleiro, pelo que podia completá-las em condições únicas. Quando no final dc 1986 o processo de abertura conhecia múltiplas dificuldades c se arrastava, ocorre a intervenção da PA para prestar assistência à comissão instaladora na coordenação das operações materiais de abertura. A intervenção da empresa traduziu-se numa decisão de carácter político e revclou-sc eficaz em relação aos objectivos visados.
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A aquisição do equipamento para o Hospital de Süo Francisco Xavier foi conduzido pela Dirccção-Gcral das Instalações e Equipamentos de Saúde, a quem cabia a elaboração dos cadernos de encargos mediante a participação dos directores de serviços, sendo o processo de consulta às empresas fornecedoras realizado pela ISU.
Neste domínio, verificou-se a existência de adequada ponderação técnica. A informatização do Hospital foi realizada pela empresas PA e IBM por ajuste directo, não precedido de consultas. Ressalta a inobservância de diversos formalismos legais, para além de que uma das empresas fornecedoras assessorava a administração do Hospital. Contudo os preços contralados revelaram-se como sendo os correntes no mercado e peritagem efectuada pelo Instituto de Informática do Ministério das Finanças concluiu que o sistema implantado é tecnicamente satisfatório. Através de verbas do Hospital de São Francisco Xavier foi comprado equipamento informático para a Dirccção-Geral dos Hospitais. Este processo indicia urna tentativa de regularização a posteriori, em que existem propostas das empresas PDL, GTI e Evenco, ligadas entre si. Nada permite julgar que o presidente da comissão instaladora ou a Ministra da Saúde conhecessem a referida ligação. Não houve prejuízo para o Estado.
Relativamente à campanha de informação ao público, constatou-se que a mesma resultou da necessidade de evidenciar um novo serviço de saúde que melhorava significativamente a acessibilidade dos utentes. Contudo, da análise dos documentos em poder desta Comissão ressalta a realização de ajuste directo sem precedencia de consultas, tendo sido apurada a existência de um crédito a favor do Ministério da Saúde no valor de 3 937 200S, a que acresce 15 % de comissão, pelo que se sugere ao Governo as diligências adequadas.
Não houve no Hospital de São Francisco Xavier cursos de formação de pessoal da responsabilidade da empresa PAM.
A avaliação dos resultados sociais obtidos revela que actualmente o Hospital de São Francisco Xavier é uma unidade bem equipada que veio superar graves carências, tendo decisivamente marcado uma melhoria qualitativa nu prestação de cuidados de saúde na zona da Grande Lisboa, quebrando a tradicional bipolarização entre os bancos de urgência de São José e de Santa Maria. O ritmo inabitual das obras e dos fornecimentos terá levado à preterição dc regras e processos de decisão destinados a assegurar a objectividade de critérios na escolha de co-contraiantc. Não decorreu, porém, de tal preterição prejuízo patrimonial para o Estado, dada a qualidade técnica do material adquirido e a dos serviços prestados.
III
Centro das Taipas
1 — O Centro das Taipas constitui uma unidade de saúde criada pelo Decreto do Governo n.° 20-A/87, de 12 de Junho, destinada ao «tratamento, recuperação e reinserção social dos toxicodependentes», e é dotado de personalidade jurídica c autonomia administrativa e financeira. Por outro lado, depende da Administração Regional de Saúde (ARS) de Lisboa e entrou cm regime de instalação, regime aliás em que também estava c se mantém aquela administração regional.
Constituiu o Centro das Taipas, no momento da sua criação, um novo modelo de tratamento da toxico-
dependência, de necessidade social e modelar concepção terapêutica tão evidentes que não são sequer discut '.
O Dr. Nuno Miguel, presidente da comissão instaladora do Centro das Taipas, relatou que foi contactado pelo Gabinete da então Ministra da Saúde em Abril de 1987, tendo-lhe sido perguntado da adequação do edifício onde até aí se albergara o Hospital do Trabalho para passar a conter um centro de tratamento de toxicodependentes e sugerido que elaborasse um programa para o or:'' resposta positiva quer num caso quer no outro, o út. iNu..u Miguel apresenta uma equipa e aceita começar imediatamente a trabalhar na montagem de nova unidade, aonde se instala (acta n.B 41, pp. 37 e seguintes). É constituído por despacho da Ministra da Saúde de 21 de Abril de 1987, na sua directa dependência, um grupo de trabalho «destinado a preparar o arranque de uma unidade terapêutica para toxicodependentes na região de Lisboa», formado por quatro pessoas, incluindo o Dr. Nuno Miguel, que preside, sendo três delas libertadas do seu trabalho anterior por requisição para se poderem dedicar completamente à nova missão que lhes é confiada (depoimento referido, pp. 40 e 41).
O Dr. Nuno Miguel e a sua equipa determinaram totalmente, com todo o pormenor, as transformações físicas, o equipamento e o programa de funcionamento da nova unidade, tendo acompanhado diariamente todo o trabalho realizado e, quando foi caso disso, sugerido as alterações que entenderam justificadas (pp. 48, 51 e 65). Segundo as declarações que emitiu, considera-se também responsável pela velocidade imprimida à execução do projecto, que justificou pela necessidade social premente de tratar muitos toxicodependentes e pela instabilidade política que então se vivia c gerava receio de eventualmente o projecto não ser levado adiante se entretanto não avançasse muito; referiu inclusivamente que, quando lhe foi solicitado o projecto para o novo centro, o fez com a sua equipa durante uma noite c o apresentou no dia seguinte (pp. 44 e seguintes). O documento está datado de 14 de Abril de 1987.
A verdade é que as obras terão sido iniciadas no dia 2 de Maio —e tratava-se de obras vultosas, de total adaptação do edifício — ca consulta externa abriu «por volta do dia 1 ou 2 de Junho», com as obras ainda em curso e propositadamente executadas por fases por forma a ir permitindo a utilização progressiva do edifício, dada a premência que se sentia (pp. 42 e 43). A abertura das várias valências foi ocorrendo em datas diferentes («penso que o internamento abriu a 10 de Agosto, o centro de dia a 17 de Agosto e que a urgência abriu a 1 de Setembro», p. 43). Mesmo com tudo já aberto, algumas obras foram ainda feitas e só terão terminado completamente em Janeiro de 1988 (p. 43).
Não oferece dúvidas a excepcional velocidade com que o projecto foi planeado, executado e posto cm funcionamento (também depoimentos do Dr. Salvada Ribeiro, acta n.9 41, pp. 91 c 92, e do Dr. Manuel Pinto, acta n.9 42, pp. 28. 90, 91 c 92).
2 — O edifício onde está instalado o Centro das Taipas foi obtido por trespasse, por meio de escritura celebrada cm 1 dc Julho de 1987, cm que os proprietários do Hospital do Trabalho transmitiram à ARS de Lisboa o seu estabelecimento e com ele a posição de arrendatário do imóvel. A ARS adquiria a obrigação de manter ao seu serviço os trabalhadores que estavam no Hospital do Trabalho c pagava o preço de 30 000 contos, dos quais entregara já perto de 8500 c em relação ao resto assumia uma dívida
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à segurança social de igual montante daquele estabelecimento. Conforme declarou o Dr. Manuel Pinto, ele ocupou-se desta questão (pp. 71 e 72).
Por um preço reduzido, o Ministério da Saúde adquiriu
assim a possibilidade de utilizar um prédio de grandes dimensões situado no centro de Lisboa e portanto dc elevado valor patrimonial. Tratou-se sem dúvida de um bom negócio para o Estado.
3— O prédio foi objecto de obras de adaptação de grande vulto e realizadas num prazo muito curto.
No dia 18 de Maio de 1987, a então Ministra da Saúde autorizou por despacho, sobre nota do presidente da comissão instaladora da ARS de Lisboa da mesma data, a dispensa de concurso c a realização do trabalho de «recuperação, remodelação e adaptação das instalações do que foi o Hospital do Trabalho» por 96 000 contos pela PA, «já convidada».
Na informação diz-se que «foi recebido nesta ARS, para informação, o processo anexo (bases analíticas relativas à unidade terapêutica para toxicodependentes na região dc Lisboa)», que era da responsabilidade da PA, do que resulta que tal «processo» não foi solicitado pela ARS. Invoca-se a urgência em pôr a funcionar a nova unidade e a experiência que a PA demonstrara já «pelo uabalho desenvolvido para o arranque de funcionamento do Hospital de São Francisco Xavier», jusiificando-se a dispensa de concurso nos termos da alínea a) do n.fl 4 do artigo 5.9 do Dccreto-Lei n.9 211/79, de 12 de Julho, que, apesar das considerações emitidas pela Inspccção-Gcral dc Finanças, se afiguram aplicáveis.
Propõe-se ainda que o processo seja remetido ao SUCH para a viabilização dos pagamentos, que as facturas sejam visadas por dois elementos do grupo de trabalho que fora designado c que, se necessário, a ARS preste apoio técnico ao grupo «através das suas Divisões de Instalações, Obras e Equipamentos e de Organização Informática, consoante a matéria de que se trate».
A nota da ARS traduz uma decisão que deveria ter sido entretanto tomada — e que não era a única solução possível — dc dc algum modo ligar àquela Administração a nova unidade de saúde. Um despacho de 20 de Maio da então Ministra determinava que «o apoio administrativo c financeiro» (ao grupo de uabalho) «corra pela ARS de Lisboa» e o Decreto n.9 20-A/87 consuma a dependência do Centro em relação a esta.
Na sequência do relatório da Inspccção-Geral dc Finanças vários problemas se vêm a levantar em tomo da informação e do despacho datados de 18 de Maio.
Em primeiro lugar, é posta uma questão em virtude dc ter sido declarado pelo Dr. Manuel Pinto que o processo lhe fora apresentado para ser assinado pela ARS dc Lisboa numa fase já adiantada, quando não fora ele a tomar a iniciativa, nem a contactar a PA ou o grupo de uabalho.
É manifesto que, cm relação à criação do Cenuo das Taipas, a /niciativa partiu da então Ministra e não, como muitas vezes acontece, de quaisquer serviços do Ministério. É manifesto que, no momento cm que surge a intervenção da ARS de Lisboa, já o local, o programa, a equipa e a empresa que procedia hs obras do Centro das Taipas estavam escolhidos; terá só sido posteriormente escolhida a integração na ARS, como já se disse.
Não há que discutir a legitimidade de um ministro tomar iniciativas como as que ficam referidas, dentro obviamente dos condicionalismos legais existentes. Não faria sentido que a iniciativa tivesse de partir dc um serviço dependente, seja ele qual for.
O Dr. Manuel Pinto limitou-se a receber instruções sobre uma decisão política do Ministério da Saúde que lhe cabia executar e ele próprio afirmou que considera que o assunto lhe fora submetido para informação dentro de toda a normalidade, já que seria a ARS a ocupar-se do assunto (pp. 73 e seguintes), que aderiu à necessidade de fazer uma unidade de saúde como a que estava em causa no prazo mais curto possível e à aplicação do regime de excepção que era o da dispensa de concurso público (pp. 80 e 81) e que de forma nenhuma fora obrigado a aceitar um documento com que não concordava (afirma «a minha consciência não foi violentada nunca», pp. 84 e 85, e «eu hoje subscreveria isso outra vez», pp. 86 e 87), visto que considera que se estava perante uma situação de urgência no desenvolvimento do projecto e que era exacta a experiência da empresa PA no Hospital de São Francisco Xavier.
Afirma o Dr. Manuel Pinto que desconhecia que as obras já estavam cm curso na data da informação em curso (pp. t0 e 11), mas invoca o ambiente de confiança que existia entre ele e o Gabinete, de que fora antes adjunto (P- 21).
E claro que seria mais correcto que o documento em causa fosse anterior à arrancada das obras que legitima. Mas é claro que a Ministra tinha tomado antes as decisões que nele se consubstanciam, o que aliás podia fazer, e provavelmente só a decisão sobre a inclusão na ARS terá atrasado a indispensável formalização de todo o processo. Por outro lado, nada foi pago antes da dispensa de concurso público (depoimento do Dr. Manuel Pinto, p. 87), apesar de a primeira factura datar de 13 de Maio, o que corresponderia a um adiantamento inicial considerado normal (pp. 89 e 90).
Resta abordar a questão extremamente importante de se ter no documento em causa autorizado a realização de obras c despesas no valor de 96 000 contos e de ter de facto vindo o Estado a pagar em relação ao Centro das Taipas uma quantia muito superior, no valor de 372 000 contos.
As descrições da forma como o processo decorreu levam à percepção dc que ele foi desenvolvido em constante readaptação, com decisões tomadas passo a passo. Sabe-se que o início das obras não foi precedido da elaboração de todos os planos habituais e que a comissão instaladora ia sucessivamente, em cima do terreno, escolhendo as soluções que entendia as melhores.
O documento acima referido dizia respeito àquilo que, no momento inicial, era confiado à PA, nomeadamente obras de construção civil. Posteriormente, ter-lhe-á sido pedido que se ocupasse da compra do equipamento, em articulação minuciosa com o grupo de trabalho/comissão instaladora, e da publicidade. Não é já a PA que aparece como a entidade que fez ainda algumas obras após Agosto de 1987, mas a EDIBLOCO, que fora subempreiteira daquela.
E claro que, em relação às despesas não abrangidas pela dispensa de concurso público, se põem problemas de legalidade anteriormente referidos quanto ao Hospital de São Francisco Xavier, já que o Centro das Taipas se encontrava em regime dc instalação como a ARS em que se integrou e que as despesas foram também aqui processadas pelo SUCH.
Apurou-se no entanto a existência de um processo de desenvolvimento muito «basista» em que o grupo de uabalho/comissão instaladora ia propondo novas aquisições e adaptações a que a PA e depois a EDIBLOCO iam procedendo (depoimento do Dr. Manuel Pinto, p. 83, do
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Dr. Nuno Miguel, pp. 41, 42, 45, 48, 77 e 78, e do Dr. Salvada Ribeiro, pp. 90 e 107) e acompanhando diariamente o que era feito desde o princípio (Dr. Nuno Miguel, pp. 51 e 52), sem grandes preocupações de limites financeiros, afirmando mesmo o Dr. Nuno Miguel: «Estávamos na perspectiva de não nos preocuparmos com o dinheiro que fosse gasto; queríamos era que as coisas foss&m bem feitas.» (Pp. 60 e 61 e ainda 66 e 67.)
Resulta também dos depoimentos que poderá não ter havido o controlo necessário em relação à realização das obras e à recepção do equipamento, como era determinado no despacho da Ministra da Saúde, e que, quanto a este ponto, há uma invocação de competência da outra entidade entre o Dr. Manuel Pinto (pp. 33 e seguintes e 96) e o Dr. Nuno Miguel (pp. 51 e seguintes; depoimento ainda do Dr. Salvada Ribeiro, pp. 99, 102, 108 e 109, e ofício dirigido pelo Centro das Taipas à Comissão de Inquérito).
4 — Do que ficou dito resulta evidente a necessidade de elucidar os cidadãos sobre a existência desta nova unidade de saúde.
De resto, o Dr. Nuno Miguel reconhece-o ao afirmar que «a campanha nao criava artificialmente toxicodependentes [eles existiam] e contribuiu, de facto, para que eles se dirigissem a uma instituição dc tratamento» (p. 69), o que é reafirmado no depoimento do Dr. Manuel Pinto (pp. 65 e seguintes).
Porém, se a necessidade é indiscutível, já o processo utilizado para a sua implementação enferma das irregularidades descritas no n.9 7 do capítulo n, pelo que se dispensa aqui a sua repetição.
A PA apresentou em 29 de Junho dc 1987 uma factura à ARS de Lisboa no montante de 40 479 576S, a que acresce em 10 de Julho um aditamento no valor de 51 157 944$, embora parte deste montante respeite a uma campanha do INEM de divulgação da medicalização do «115», que acabava de ser feita na zona de Lisboa. Do que a Comissão apurou ficou provado que a inserção por quatro vezes no 1." canal do filme institucional de dois minutos nunca se verificou, pelo que o Estado é credor da importância de 3 937 200S, acrescida da percentagem de 15%, no valor de 590 580S, para o que se sugere o procedimento já anteriormente referido a propósito de situação similar verificada na campanha do Hospital de São Francisco Xavier.
5 — O Centro das Taipas é uma unidade de saúde que a experiência veio a provar de enorme uülidade social e com um sucesso de funcionamento em grande parte demonstrado pela intensa procura de que continua a ser objecto num domínio em que já é muito positiva a própria busca de tratamento. Refere o Dr. Nuno Miguel que «tivemos 272 casos no mês de Junho, 523 no mês de Julho, 286 no mês de Agosto» (p. 68) c reforça o Dr. Salvada Ribeiro: «Num mês tivemos um número de utentes igual ou superior àquele que, por exemplo, o Centro de Estudos de Profilaxia da Droga da Zona Sul teve durante o ano anterior — o ano de 1986» (pp. 93 e 94), referindo-se obviamente ao início do funcionamento.
A procura intensa verificou-se desde essa altura e continua a verificar-se, tendo o Centro das Taipas constituído o modelo para outras iniciativas e aberto «antenas» em vários locais, só se lamentando que já seja hoje largamente insuficiente para o nível das necessidades detectadas.
6 — Em conclusão, cabe referir:
O Centro das Taipas constitui uma unidade de saúde de primeira necessidade e dc resultados muilo positivos. Para
a sua instalação, conseguiu-se um trespasse a favor do Estado que constituiu um bom negócio e foi entregue à empresa PA a realização das obras, a aquisição de equipamento e a realização de uma campanha de informação, tendo sido legal a dispensa inicial de concurso público, mas verificando-se alguns posteriores alargamentos da sua intervenção, justificados pela extrema urgência e por sucessivas sugestões do grupo de trabalho/comissão instaladora, que acompanhou permanentemente todo O desenvolvimento do projecto. Terá no entanto havido uma falta de controlo das obras e das aquisições, provavelmente por recíproca atribuição de responsabilidades entre a ARS e o Centro das Taipas.
IV
Banco de urgência do Hospital de Fafe
1 — O Hospital de Fafe — ou aquilo a que correspondia esse nome— encontrava-se em estado deplorável no ano de 1987. Tal facto foi objecto de prova concludente perante a Comissão, nomeadamente através dos depoimentos — todos coincidentes neste ponto — do Dr. Baptista Pereira (acta n.a 43, pp. 9, 10, 65 e 71), da enfermeira Maria de Lourdes Silva (acta n.9 43, pp. 160, 164, 177 e 178), do Sr. Humberto Freitas Gonçalves (acta n.9 44, pp. 35, 37, 60, 70 e 71), do Dr. Martins Ribeiro (acta n.9 45, pp. 32 e 34), do engenheiro Carlos Costa Freire (acta n.B 46, pp. 169 e seguintes), do Dr. Sena Carneiro (acta n.° 47, pp. 7, 18 e 19), da Dr.5 Maria da Conceição Trigo dos Santos (acta n.9 48, pp. 9 e seguintes e 26) e do arquitecto Artur Bentes (acta n.9 48, pp. 46 e 50). O Hospital estava praticamente parado e quem conhecia a sua situação entendia que era urgente remediá-la, já que a população que deveria ser servida pelo Hospital se encontrava desprovida do tipo de cuidados que ele deveria prestar. São, aliás, eloquentes as queixas dos três membros cm 1987 da comissão instaladora do Hospital (o Dr. Sena Carneiro, o Sr. Humberto Gonçalves e a enfermeira Maria de Lourdes Silva) em relação às iniciativas infrutíferas que tinham tomado até à data, e desde que alguns anos ames tinham parado obras entretanto realizadas, em que se tinha deilado abaixo praticamente sem construir (depoimento da enfermeira Maria de Lourdes Silva, pp. 160 e seguintes, referindo a última actuação a 1985).
Em particular, o banco de urgência do Hospital, que se mantinha apesar de tudo em funcionamento, foi objecto de atenção prioritária, já que as obras que se vieram a realizar começaram por aí.
Os testemunhos são coincidentes no sentido dc que as obras começaram no dia 29 de Junho de 1987 e de que a urgência abriu completamente remodelada a 15 de Agosto, o que foi considerado um prazo de execução extremamente curto e correspondente ao que linha sido programado (enfermeira Maria de Lourdes Silva, pp. 152 c 159, Sr. Humberto Gonçalves, pp. 20, 21 e 28, e Dr. Sena Carneiro, pp. 3, 8 e 34).
Ficou provado que a iniciaüva da realização de obras no Hospital de Fafe partiu do então director-geral dos Hospitais, Prof. Jacinto de Magalhães, entretanto falecido. Nesse sentido apontam os depoimentos da Dr,! Maria da Conceição Trigo dos Santos [que disse ter-lhe mostrado fotografias «impressionantes» do estado do Hospital que lhe tinham sido entregues pelo director, as quais tinham deixado o director-geral «extremamente chocado» e decidido a intervir (pp. 9 e seguintes)], do arquitecto Artur
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Bentes [que disse terem-lhe sido mostradas umas fotografias, presume-se que as mesmas, pelo director-geral, que pedira a sua ajuda para resolver o problema (p. 45)], do Dr. Baptista Pereira [que disse que o director-geral dos
Hospitais lhe solicitara que encontrasse os meios financeiros necessários e que fora com ele ao Hospital de Fafe (pp. 9, 10 12, 24 e 71)] e do Dr. Nogueira da Rocha [que disse que o director-geral dos Hospitais lhe falara sobre a necessidade de fazer obras em Fafe, mas que não deveriam ser confiadas à DGIES (acta n.B 49, p. 4)].
2 — A fase das obras que terminou com a inauguração do banco de urgência foi da responsabilidade da empresa PA.
Terminada aquela fase e na sequência da nomeação do então director-geral da PA como Secretário de Estado da Administração de Saúde, cuja posse ocorreu em 17 de Agosto de 1987, a PA retira-se e mais tarde as obras são reiniciadas, em relação a novas fases, pela empresa ED1BLOCO, até aí subemprciteira da PA, tendo-se provado que aquela, primeiro nesta qualidade e depois como adjudicatária, executou substancialmente a construção civil e forneceu o equipamento (depoimentos da enfermeira Maria de Lourdes Silva, pp. 157, 174, 179 e 180, do Sr. Humberto Gonçalves, pp. 21, 22, 28 e seguintes e 64 e seguintes, do Dr. Sena Carneiro, pp. 10 e seguintes, 24, 25 e 31, do engenheiro Carlos Costa Freire, pp. 6 e seguintes, 14, 15 e 23, e do engenheiro Eduardo Figueiredo, acta n.e 46, pp. 184 e seguintes). No entanto, na primeira fase poucos se terão apercebido da presença da EDIBLOCO, apesar de ser esta empresa que aparece na Câmara Municipal de Fafe para o processamento do licenciamento das obras, que até Março de 1990 não fora concedido (depoimento do Dr. Martins Ribeiro, acta n.9 45, pp. 23, 52 e 84), tendo aquelas, contudo, sido realizadas sem que a Câmara levantasse obstáculos.
Não ficaram totalmente esclarecidos os passos que levaram à contratação inicial da PA, cm relação ã qual as declarações do engenheiro Carlos Cosia Freire (pp. 23 e 24) e do engenheiro Figueiredo (pp. 198 e 214) fazem supor a convicção de que abrangeria a totalidade da obra de construção civil, no valor de 300 000 contos [que o engenheiro Figueiredo diz seria quanto a PA prometera pagar à EDIBLOCO p. 214)], aliás como sugere a proposta da PA de 17 de Maio de 1987, bem como a factura datada de 29 de Junho de 1987, que se refere a «um terço do trabalho», embora mencione, basicamente, trabalho no serviço de urgência, referindo o recibo respectivo, de 7 de Agosto, que se trata de «adiantamento» sobre a factura.
Sabe-se que o então director-geral dos Hospitais dirigiu em 14 de Maio de 1987 ao SUCH uma carta dos «itens pretendidos» em relação ao Hospital de Fafe, após fornecimento de elementos orientadores pela Direcção-Geral dos Hospitais, e em que se indica em nota que devem ficar estabelecidas «multas por não cumprimento de prazos», o que parece seguimento da sugestão da Dr.1 Maria da Conceição Trigo dos Santos (depoimento, pp. 14, 23 e 33).
Sabe-se também que tinha entretanto o director-geral diligenciado no sentido de obter verbas que permitissem executar a obra que ele considerava de urgência absolutamente imperativa. Tais diligências datavam pelo menos do fim de 1986, isto é, de quando a Dr.1 Maria da Conceição Trigo dos Santos levara ao director-geral conhecimento, através de fotografias, do estado do Hospital de Fafe (depoimento, pp. 11 e 12) c obtiveram finalmente êxito através da mobilização para o Hospital de verbas até
aí incluídas numa rubrica do PIDDAC/87 não desagregada atribuída a um programa de «humanização de serviços». Tal mobilização obedeceu a um complexo processo burocrático, de que cabe respigar alguns contos de uma carta
que o Secretário de Estado Adjunto da Ministra da Saúde dirigiu em 24 de Julho de 1987 ao Secretário de Estado do Planeamento e Desenvolvimento Regional, justificando aquela. Diz-se aí que o programa do PIDDAC em causa visava responder a «necessidades prementes resultantes de profunda degradação física de algumas instalações de saúde infelizmente ainda existentes no País, que pela sua gravidade se tornassem agressivas e representassem na verdade um desrespeito pela própria dignidade dos doentes».
Acrescentava-se: «O Hospital de Fafe constitui um dos miais evidentes testemunhos da situação atrás referida, porque, tratando-se de um estabelecimento que é o único recurso para a população que serve, c tendo atingido um estado de degradação indescritível, não pode ser encerrado para a recuperação necessária, impondo-sc uma acção que se não compadece com os habituais rituais burocráticos.»
Foi a dificuldade no processo de disponibilização da verba em causa por via do PIDDAC que levou a enião Ministra da Saúde a determinar por despacho de 30 de Julho de 1987 que o Departamento de Gestão Financeira adiantasse 100 000 contos ao SUCH, a reembolsar logo que fosse depositada no mesmo SUCH —a entidade gestora da rubrica do PIDDAC — a correspondente verba por via deste.
Sabe-se ainda que a ideia inicial do director-geral dos Hospitais era encarregar o SUCH das obras de que carecia o Hospital de Fafe, conforme depoimentos na Comissão do arquitecto Artur Bentes (pp. 46 e 50) e da Dr.8 Maria da Conceição Trigo dos Samos (pp. 12 e seguintes, 19 e 20). Sabe-se que O SUCH apresentou efectivamente, uma proposta, que consta do processo, e que em 9 dc Julho de 1987 o director-geral lhe dirigiu um ofício informando não interessar tal proposta à Direcção-Geral.
Ainda segundo os depoimentos acima referidos, perante os prazos muito diferentes das propostas — quatro meses para a PA, 455 dias para toda a intervenção do SUCH — e apesar de o SUCH apresentar um preço inferior — 210 000 contos mais custo de fiscalização contra 300 000 contos da PA —, o director-geral escolheu a PA, que propunha ainda uma área coberta de construção de 5500 m2, enquanto a área de intervenção prevista pelo SUCH era de 3000 m\
Com efeito, o arquitecto Bentes refere expressamente, cm relação ao director-geral: «Penso que fez um contacto com o SUCH c, depois, chamou-me novamente para me dizer que não podia dar aquela obra ao SUCH porque demoraria muito tempo e que teria que ser uma coisa muito rápida porque se tratava dc uma calamidade e não se podia admitir que um hospital funcionasse daquela maneira. Posteriormente, depois da anulação por parte do SUCH, entrou a PA a trabalhar comigo» em relação a plantas da obra a relizar (pp. 46 e 47, confirmação da mesma ideia na p. 50). Acrescentou que admitia então a possibilidade de fazer a obra em quatro meses (p. 55).
Já a Dr.' Maria da Conceição Trigo dos Santos declarou que seria impossível fazer a obra em quatro meses, pela experiência que ela própria linha de como as coisas costumam funcionar (pp. 22 e seguintes). Mas, em relação à decisão entre o SUCH e a PA, embora não de uma forma categórica, deixa antever que o director-geral se decidira pela PA. Com efeito, descrevendo que inicialmente se
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pensou no SUCH, diz que apareceu depois o engenheiro Costa Freire e textualmente: «O Sr. director-geral dos Hospitais chamou-me e disse-mc: 'Afinal parece que nüo vai ser o SUCH.' E eu perguntei: .'Mas porque?' Dissc--me: 'A PA compromete-se a acabar o Hospital cm quatro meses.' Eu disse: 'É impossível.' 'Eles dizem que vüo acabar em quatro meses.'» (P. 14.) E mais adiante, lendo--lhe sido lembrado o tempo em que o Hospital dc São Francisco Xavier abrira e o trabalho aí feito pela PA, responde: «É caso único e penso que foi isso que levou o nosso director-geral dos Hospitais a convencer-se de que Fafe seria um caso idêntico ao Hospital de São Francisco Xavier penso que foi isso que o convenceu que esses quatro meses seriam mesmo de cumprir.» (Pp. 25 e 26.)
Quanto a uma possível intervenção da DGIES, segundo o relato do então responsável por esta, foi o próprio director-geral dos Hospitais que afastou a possibilidade da sua intervenção (p. 4).
Face aos elementos disponíveis, incluindo o desconhecimento prévio da comissão instaladora sobre o que se ia passar (depoimentos do Dr. Sena Carneiro, pp. 3 c 4, do Sr. Humberto Gonçalves, pp. 20 e 48, e da enfermeira Maria de Lourdes Silva, pp. 157 e 158), não resulta que a alguma outra pessoa que não o director-geral dos Hospitais tenha correspondido a decisão substancial sobre quem ia fazer as obras em Fafe.
3 — A PA veio de facto a cumprir o prazo que tinha sido estabelecido, para o que foi sistematicamente chamado na Comissão de «primeira fase» das obras do Hospital, isto é, no essencial, o que dizia respeito ao banco de urgência, como aliás já foi acima referido. Mas nunca se veio a verificar se seria ou não capaz de cumprir o prazo total de quatro meses, porque, conforme também já se referiu, deixou de se ocupar das obras na altura em que o seu director-geral assumiu funções como secretário de Estado.
Não é possível, na ausência de contrato escrito e de testemunhos concludentes, dado nomeadamente o facto de ser impossível ouvir o então director-geral dos Hospitais, saber exactamente os contornos do acordo que terá sido estabelecido. Sobre a legalidade de ta) procedimento, e tendo em atenção que o Hospital dc Fafe, tal como o de São Francisco Xavier, eslava em regime dc instalação, e ainda que as despesas foram processadas pelo SUCH, que aliás era a entidade gestora do programa do P1DDAC executado, valem as considerações acima feitas sobre as respectivas regulamentações jurídicas.
Por outro lado, é legítimo, face aos elementos do processo, julgar que se actuou debaixo da convicção da situação da extrema necessidade dc obras no Hospital [falou-se na Comissão de «calamidade» e de situação «deplorável» e «deprimente» (depoimentos do arquitecto Artur Bentes, referindo-se ao director-geral dos Hospitais, p. 46, e do Dr. Baptista Pereira, pp. 65 e 71)].
O único pagamento feito à PA no contexto do Hospital de Fafe lraduziu-se no já referido valor de 108 000 contos. Referiu-se também que a PA apresentou uma factura em 29 de Junho de 1987, isto é, quando as obras começaram. As muitas considerações feitas na Comissão à volta dc tal procedimento caem pela base face ao facto de que o Ministério só determinou o respectivo pagamento mais tarde, no dia 7 de Agosto, quando as obras dc urgência estavam perto da conclusão. Seria legítimo um adiantamento — como tal pagamento é designado no recibo—, mas, no caso concreto, ele terá sido efectuado de facto com a obra da urgência perto da conclusão.
4 — Depois de 17 dc Agosto de 1987, permanece no Hospital de Fafe a empresa EDIBLOCO, até aí subem-preiteira da PA, a quem mais tarde vêm a ser adjudicadas as novas fases das obras. É porque foi essa a empresa que dc facto, embora em qualidades diferentes, sempre se ocupou das obras, que expressamente alguns depoentes referem que eram os mesmos que, com escassas mudanças, permaneciam no Hospital, havendo quem nem se tenha apercebido da mudança (depoimentos do Sr. Humberto Gonçalves, pp. 30, 64 e seguintes, do Dr. Sena Carneiro, pp. 10 e seguintes, 24, 25 e 31, e da enfermeira Maria de Lourdes Silva, pp. 179 e 180), bem como é por isso que é a EDIBLOCO que aparece a tratar do licenciamento das obras, desde o início, na Câmara Municipal de Fafe (depoimento do Dr. Martins Ribeiro, pp. 23 e seguintes).
O processo que teve lugar depois de 17 de Agosto de 1987 no que respeita à adjudicação das obras à EDIBLOCO poderá encontrar justificação na simples saída da PA, situação cm que facilmente se poderá julgar estar a sua subempreiteira em melhores condições para prosseguir a obra. Mas pensa a Comissão que se poderá igualmente procurar razões na insuficiência de forma que o processo até aí conhecera, e em necessidade portanto de, ultrapassada a fase em que a situação dc emergência provocara uma resposta também de excepção, reconduzir todo o processo à forma legal e normal de procedimento no âmbito da Administração Pública.
Os elementos do processo de adjudicação à EDIBLOCO incluem convites a apresentar uma proposta, em ofício da Secretaria dc Estado da Administração da Saúde de 9 de Setembro dc 1987, dirigidos à Sociedade de Construções Tomás Fonseca, L.11*, Consultécnico — Gestão de Engenharia, Arquitectura e Construção e à EDIBLOCO — Construção Civil e Obras Públicas, L.**, os quais continham cm anexo, para além de esclarecimentos sobre o âmbito da empreitada, o programa do concurso, o caderno de encargos e o programa base do Hospital de Fafe. A empreitada abrangia obras de construção civil, equipamento e gestão da compra deste: a dc construção civil e de gestão dc serviço dc compras era por preço global, a de equipamento, à despesa.
O processo inclui as propostas da EDIBLOCO, datadas de 18 dc Setembro, verificando-se que, em relação à parte dc construção civil, discriminada em três blocos, o preço total é de 200 000 contos. Segundo o engenheiro Figueiredo informou na Comissão de Inquérito, não houve pagamento por trabalhos a mais nem revisão de preços (pp. 233, 249 e seguintes), mas foi feita mais obra do que o previsto (p. 236).
5 — Já sc viu que os membros da comissão instaladora do Hospital referiram que não tinham sido avisados do começo das obras c que estas se processaram praticamente à sua margem, reconhecendo apesar disso que ficaram satisfeitos com o arranque e realização delas e, inclusivamente, no que respeita ao então director do Hospital, que elas beneficiaram mais este do que aquilo que ele vinha insistentemente pedindo (depoimento do Dr. Sena Carneiro, pp. 19 c 30).
Se tal falta de aviso c de participação pode surpreender, surpreende também certamente a passividade com que a comissão instaladora terá reagido, bem como a sensação que fica de que não linha de participar, certamente em virtude da necessidade absoluta das obras e dos termos pacíficos cm que terão corrido as relações com as empresas que as realizaram.
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Mas a verdade c que as declarações de não participação
não parecem facilmente compatíveis com o facto dc ter em nome da comissão instaladora sido solicitado à Câmara Municipal, em 6 de Julho de 1987, autorização para colocar andaimes e para proceder à abertura de um acesso aos serviços de urgência, o que, pela data cm que foi feito, se relacionava obviamente com as obras da urgência.
Por outro lado, a participação da comissão instaladora aumentou consideravelmente em relação à escolha do equipamento (depoimentos do Dr. Sena Carneiro, pp. 14, 26 e seguintes, e do Sr. Humberto Gonçalves, pp. 25 e seguintes e 41). Aliás, em relação ao equipamento a comissão instaladora controlou a respectiva recepção (depoimentos do Dr. Sena Carneiro, p. 28, e do Sr. Humberto Gonçalves, pp. 27 e 40).
Já em relação ao resto ressalta alguma fragilidade nos mecanismos de fiscalização, assistindo-se, como cm relação ao Centro das Taipas, a algum «passar de bola» sobre a respectiva responsabilidade (depoimentos do Dr. Sena Carneiro, pp. 13 e 14, do Sr. Humberto Gonçalves, pp. 23, 24 e 40, e da enfermeira Maria de Lourdes Silva, pp. 157, 158, 166 e 167). O Dr. Nogueira da Rocha diz, aliás, que não há nenhum serviço central que deva — entenda-se, em termos clara e legalmente estabelecidos — fiscalizar as obras no Ministério da Saúde (pp. 11, 12,17 e 18). Mas parece que o controlo será mais efectivo desde que o Sr. Humberto Gonçalves é director do Hospital (seu depoimento, pp. 28 e 43).
Cabe no entanto referir que o próprio Secretário dc Estado Adjunto da Ministra se deslocou ao Hospital e que o director-geral dos Hospitais o fez também, o que estranhamente não é mencionado pelos membros da comissão instaladora (depoimentos do Dr. Baptista Pereira, p. 71, e do engenheiro Carlos Costa Freire, pp. 106 c 149) e que na segunda fase o fez o Secretário de Estado da Administração da Saúde (depoimento do Sr. Humberto Gonçalves, pp. 31 e 35, e do Dr. Nogueira da Rocha, p. 6).
Terão funcionado os mecanismos dc controlo de verbas do PIDDAC, o que transparece de vários documentos do Departamento dc Estudos e Planeamento da Saúde, e a presença do SUCH no fim do prazo das obras (depoimento do Sr. Humberto Gonçalves, pp. 33 e 44, e da Dr.* Maria da Conceição Trigo dos Santos, p. 27) terá certamente sido determinada pelo Governo.
6 — Não oferecem dúvidas, nem cabe gastar muito tempo a demonstrá-lo, as vantagens para a população servida pelo Hospital resultantes das obras realizadas. Não tinham de facto hospital e hoje têm-no. É um bom hospital de nível 1, moderno e bem equipado, onde os cidadãos são tratados cm condições humanas, muito longe da situação que se vivia em 1987.
7 — Em conclusão, cabe referir:
Ficou provado que as obras ocorridas no Hospital de Fafe, no que respeita ao seu banco de urgência, a cargo da PA, decorreram em tempo record entre 29 de Junho de 1987 e 15 de Agosto do mesmo ano, tendo sido conseguido substituir rapidamente instalações em condições degradantes por um serviço capaz e em boas condições. O processo até aí seguido, conduzido pela Direcção-Geral dos Hospitais, terá prescindido da forma normal dc contratação da Administração Pública dado o estado dc necessidade em que o Hospital se encontrava.
Posteriormente as obras prosseguiram já sem participação da empresa que inicialmente fora responsável, a PA, dado o respectivo director-geral ter sido empossado como secretário de Estado. O projecto foi então objecto de
regularização, através de uma consulta limitada, c arrastou--se a partir daí no tempo, por razões não totalmente esclarecidas, tendo sido alargado à compra do equipamento e terminado no início de 1989, já com intervenção do SUCH, certamente por determinação do Governo. Não oferecem dúvidas a necessidade social e premência da realização das obras, bem como as vantagens que delas resultaram.
V
Hospital da Prelada, ou do Or. Domingos Braga da Cruz
1 — O Hospital da Prelada constitui uma unidade de saúde privada, pertencente à Santa Casa da Misericórdia do Porto.
Nos termos do acordo de cooperação celebrado em 24 de Outubro de 1988, ao abrigo do disposto no n.° 2 do artigo 4.9 do Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social, aprovado pelo Dccreto-Lei n.9 119/ 83, de 25 dc Fevereiro, entre o Estado e a Santa Casa, o referido hospital foi considerado integrado na rede hospitalar nacional em regime de cooperação (n.9 1).
Comprometeu-se então a Santa Casa a receber no Hospital todos os utentes do Serviço Nacional dc Saúde do foro das valências de cirurgia plástica e reconstrutiva, ortopedia, fisiatria e queimados que a ele se dirigissem, nos termos em que o faria um hospital do Estado (n.9 2); por seu lado comprometeu-se o Serviço Nacional de Saúde a suporuu* os custos de tratamento dos seus utentes internados de harmonia com o método dos grupos de diagnóstico homogéneos (n.9 16 e anexo) e, em relação ao ambulatório e a exames de diagnóstico, nos termos das tabelas em vigor estabelecidas em acordos com as misericórdias (n.9 17).
O Hospital disporia de um corpo clínico em regime de exclusividade (n.9 6) e todos os profissionais de saúde teriam dc preencher os requisitos dc qualificação profissional exigidos nos hospitais centrais (n.9 7). Seriam imediatamente recebidos doentes em lista de espera em outras unidades, nomeadamente no Hospital de Santo António (n.9 10). Foi regulamentada a recepção de doentes consoante a urgência (n." 11 a 15) e foi estabelecido um prazo de vigência do acordo por cinco anos renováveis.
Nos termos do anexo ao acordo, estabeleceram-se as condições dc financiamento pelo método dos grupos de diagnóstico homogéneos e previu-se que nos três primeiros meses dc funcionamento seriam transferidos 120 000 contos mensais, «de forma a que o Hospital possa fazer face às despesas do arranque inicial, nomeadamente o abastecimento dc stocks, sendo após esta data o financiamento efectuado pelo custo dos grupos de diagnóstico homogéneos, deduzindo o diferencial positivo inicial nos 12 meses seguintes e em igual número de prestações mensais».
Em data não determinada, mas que se deve situar por Julho dc 1989 — dado o montante dos pagamentos desde aí feitos ao Hospital da Prelada pelo Serviço Nacional de Saúde — foi acrescentado um anexo n ao acordo de cooperação, em que se reconhecia que o regime de financiamento inicialmente adoptado se tinha mostrado desajustado cm termos de valores, como resultava de «informação do responsável pelo Sistema de Informação para a Gestão dos Serviços de Saúde», em que se confessavam dificuldades na fixação dos GDH, e sc visava assegurar a elevada produtividade entretanto alcançada c a qualidade do serviço prestado. Determinava-se assim que, «até à correcção por parte do Ministério da Saúde dos
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valores dos GDH, o Hospital [...] será financiado pelo custo do exercício mensal do atendimento dos doentes beneficiários do Serviço Nacional de Saúde» (n.fi 1), valor fixado em 70 000 contos/mês a contar do início do funcionamento do Hospital (n.° 2), devendo proceder-se a acmo de contas de acordo com os GDH logo que o Ministério da Saúde os fixasse (n.° 3). O que só veio a acontecer mais tarde, de acordo com o anexo m ao acordo, datado de 4 de Janeiro de 1990, que explicitou um regime diferente para os doentes internados em medicina física e reabilitação, bem como na unidade de queimados.
2 — O acordo de cooperação foi celebrado alguns dias após a abertura efectiva do Hospital e consubstanciava uma opção política por uma determinada solução de funcionamento que se seguia a um longo período de construção, de indefinição e de desacordos, como resulta das audições dos Drs. Paulo Mendo, Pinto de Andrade e José de Freitas (respectivamente em 3 de Janeiro de 1991, nomeadamente pp. 4 e seguintes, 64, 65 e 97 e seguintes, 9 de Janeiro de 1991, nomeadamente pp. 23 e seguintes, e 9 de Janeiro de 1991, pp. 98 e seguintes).
A construção do Hospital tivera início muitos anos antes, por iniciativa do então provedor da Misericórdia Dr. Domingos Braga da Cruz, quando a Santa Casa era proprietária e gestora, nomeadamente, dos Hospitais de Santo António c do Conde de Ferreira, sendo a grande entidade prestadora de cuidados de saúde na cidade do Porto e integrando-se o futuro hospital em plano de desenvolvimento próprio. A assunção pelo Estado, após o 25 de Abril, da gestão das grandes unidades de saúde da Misericórdia, antes da conclusão do referido hospital, perturbou todo o plano que estava gizado e abriu caminho a várias hipóteses (compra ou locação do Hospital pelo Estado, para transferir os serviços que funcionavam no Hospital de Rodrigues Scmide) que o tempo e os desacordos iam afastando.
A obtenção de um acordo só foi possível depois da eleição da mesa da Misericórdia, presidida pelo brigadeiro Aires Martins. A mudança de atitude por parte da Misericórdia permitiu à Ministra da Saúde celebrar um negócio viável para o Estado e politicamente aceitável por ambos os lados, como resulta dos depoimentos dos Drs. Paulo Mendo (pp. 17 c seguintes) e José de Freilas (pp. 140 e seguintes).
A solução acolhida não correspondeu à que fora trabalhada durante algum tempo no sentido da transferência integral dos serviços e do pessoal do Rodrigues Semide, o que frustrou expectativas de profissionais e deu lugar a alguma controvérsia (depoimentos do Dr. Paulo Mendo, pp. 31 e seguintes, e do Dr. Pinto de Andrade, pp. 23 e seguintes). Entende-se que ela correspondeu a uma opção perfeitamente razoável da Misericórdia e a uma linha de actuação de abertura à iniciativa privada de solidariedade social por parte do Governo cuja legitimidade não oferece dúvidas; a alternativa seria a nacionalização mais ou menos directa do Hospital.
3 — A Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento concedeu à Misericórdia do Porto cm 1987 um empréstimo no montante de 850 000 contos cm condições especialmente favoráveis para permitir adquirir o equipamento necessário à entrada em funcionamento do Hospiutl da Prelada. A própria Fundação exigiu como condição para o efeito que a Misericórdia dotasse o Hospital de uma gestão autónoma e profissionalizada, como foi referido nos depoimentos do engenheiro Nunes Rodrigues (acta n.9 78, pp. 9, 18, 26 e 39) e do Dr. José de Freitas (pp. 115 e seguintes).
A Misericórdia do Porto veio a contratar por duas vezes uma empresa privada, a Hospitália, primeiro em Março de 1988 para coordenar o arranque do Hospital e depois para o gerir durante o ano de 1989. A Hospitália deixou o Hospital da Prelada no fim deste ano e em Maio de 1990 o Hospital passou a ser administrado pelo Dr. Ivo Martins, administrador hospitalar de carreira que trabalhara para a Hospitália, conforme ele próprio referiu (acta n.9 79, p. 7).
A Hospitália concebeu o esquema de funcionamento do Hospital e, entre outras actividades, procedeu às operações de compra do equipamento que foi adquirido por menos de 500 000 contos, quando o cálculo inicial feito pelo engenheiro Nunes Rodrigues se cifrava em cerca de 1 milhão de contos, e terá gerido o Hospital em termos equilibrados, conforme resulta dos depoimentos dos Drs. Pinto de Andrade (pp. 30 e seguintes, 39 e 60, entre outras) e Ivo Martins (pp. 12, 13, 23, 27, 31 e seguintes, 48 e seguintes e 70 e seguintes, entre outras), apesar das afirmações feitas em contrário por alguns membros da Comissão de Inquérito e não apoiadas em qualquer prova produzida. Coube à Misericórdia do Porto a responsabilidade pela sua escolha e pelos termos em que foi contratada (depoimento do Dr. José de Freitas, pp. 170 e seguintes), bem como a decisão de em 1990 alterar o esquema de gestão, embora, nos termos dos depoimentos dos Drs. Pinto de Andrade e Ivo Martins, se tenha mantido o Hospital com a concepção e as regras de funcionamento iniciais.
4 — Nos termos já descritos do acordo de cooperação e seus anexos entre o Estado e a Misericórdia do Porto, o Serviço Nacional de Saúde paga a esta os serviços prestados pelo Hospital em relação à parte mais substancial dos internamentos pelo método dos grupos de diagnóstico homogéneos, sendo aparente alguma dificuldade na determinação dos valores destes. Daqueles textos resulta que as transferências feitas a favor da Misericórdia o não foram a fundo perdido, mas sempre — enquanto os valores não foram fixados — para posterior acerto de contas. Dos depoimentos dos Drs. Paulo Mendo (p. 82), Pinto de Andrade (pp. 32 e 87) e Ivo Martins (pp. 29, 30 37, 38, 60, 61, 69 e 77), resulta também a inexistência de financiamentos a fundo perdido.
As transferencias no tempo da Dr.s Leonor Beleza como Ministra da Saúde e desde a celebração do acordo foram as seguintes, nos termos constantes do Diário da República:
Conkjs
Outubro de 1988......................................... 120 000
Novembro de 1988..................................... 120 000
Janeiro de 1989........................................... 120000
Fevereiro de 1989....................................... —
Março de 1989............................................ —
Abril de 1989.............................................. —
Maio de 1989 .............................................. 60000
Junho de 1989............................................. 100000
Julho de 1989 ............................................. 70000
Agosto de 1989........................................... 70000
Setembro de 1989....................................... 70 000
Outubro de 1989 ......................................... 70000
Novembro de 1989 ..................................... 70 000
Dezembro de 1989 ..................................... 70 000
5 — Da entrada em funcionamento do Hospital da Prelada resultaram benefícios indiscutíveis para a prestação de cuidados de saúde na área e especialidades abrangidas.
O Hospital aumentou notavelmente a oferta de serviços de saúde [o Dr. Paulo Mendo referiu-se a «uma melhoria
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de oferta espectacular» (p. 9)] e contém hoje o único serviço altamente especializado em tratamento de queimados do Norte do País. A fase de abertura processou-se em tempo muito curto, funciona em termos inovadores escolhidos pela própria Misericórdia, com um grau elevado de qualidade, de rentabilidade e de satisfação dos utentes c com boas relações com os outros hospitais, em particular com o Hospital de Santo António, como resulta dos depoimentos dos Drs. Paulo Mendo (pp. 12, 39, 67 e seguintes), Pinto de Andrade (pp. 3,4, 8 e seguintes, 12, 52, 59 e 62) e Ivo Martins (pp. 27, 28, 35,49 e 80 e seguintes) e do conhecimento directo de alguns dos membros da Comissão de Inquérito.
Por outro lado, a Prelada tem constituído a primeira experiência prática de financiamento da parte mais substancial do internamento pelo método dos grupos de diagnóstico homogéneos, simultaneamente oferecendo tal hipótese ao Ministério da Saúde e permitindo a utilização de um instrumento exigente em termos de rentabilidade.
O Hospital da Prelada resulta, em consequência, um bom negócio para o Estado — isto é, para os cidadãos utentes e contribuintes—, já que permite a oferta em boas condições de cuidados de saúde que eram indiscutivelmente necessários a custos que tudo indica são inferiores aos praticados nos hospitais do Estado, pondo-se mesmo a hipótese de alguns preços pagos pelo Estado serem injustamente baixos (depoimentos dos Drs. Paulo Mendo, pp. 83 e seguintes, Pinto de Andrade, pp. 60, 62, 81, 91 e 94) e Ivo Martins (pp. 79, 89, 90, 97 e seguintes, 103 e 104).
6 — Em conclusão, cabe referir.
Os termos em que se processou o relacionamento entre o Estado e a Misericórdia do Porto a respeito do Hospital da Prelada não revelam qualquer anomalia, traduzem uma determinada opção política legítima para ambas as partes e significam um bom negócio para o Estado, isto é, para os cidadãos utentes e contribuintes. Não foram detectados subsídios a fundo perdido nem interferências ilegítimas por parte do Estado.
VI
Adjudicação da construção e financiamento do Hospital de Almada
A decisão políüca referente à construção cm Almada de uma nova unidade hospitalar remonta a 1976. Tratou-se de um processo que seguiu a tramitação normal à data, ou seja, tutela da obra pela DLrecçâo-Geral das Construções Hospitalares do Ministério das Obras Públicas, encomenda do projecto a uma empresa privada — no caso a PROFA-BREL — e consequente concurso público internacional para a construção.
Como é sabido, o X Governo Constitucional decidiu no seu organograma de funcionamento atribuir ao Ministério da Saúde a responsabilidade da gestão das suas obras, tendo para o efeito sido criada a Direcção-Gcral das Instalações e Equipamentos de Saúde (DGIES), a qual, por sua vez, possui delegações regionais que se encarregam do lançamento e acompanhamento das obras em função da sua localização geográfica.
Em 1987, ou seja, 11 anos depois da decisão de construir o Hospital, a decisão não havia sido executada! A Comissão apurou que a par do argumento da possível existência de uma fuga de informação no respeitante à empresa ganhadora do concurso (depoimento do Dr. Nogueira da Rocha, acta n.B 61, pp. 15 e 63). terá sido a necessidade
de uma maior celeridade na tomada de decisões (depoimentos da engenheira Paula Melo, acta n.s 57, p. 38, e do arquitecto Artur Bentes, na mesma acta, pp. 84 e 85) que determinou a constituição da Comissão de Análise de Propostas (CAP) institucionalizada por despacho do Secretário de Estado da Administração da Saúde.
Embora se tenha tratado de um expediente que veio a ter naturais resistências da «máquina» da DGIES, demonstradas, de resto, no testemunho do Dr. Nogueira da Rocha, a Comissão apurou que a decisão políüca tomada teve a ver com a necessidade sentida de envolver nos processos de apreciação de novas unidades de saúde técnicos com origens nos vários serviços centrais do Ministério, que não sendo «donos da obra» se sentia deverem ter uma participação activa nos processos. Por exemplo, parece indiscutível à Comissão que a Direcção-Geral dos Hospitais (DGH) opine sobre um novo hospital que se entenda lançar ou que o Departamento de Gestão Financeira (DGF) se preocupe não só com o custo da unidade a criar mas também com as despesas de funcionamento consequentes.
Refira-se ainda que os elementos que constituíram a CAP foram indicados pelos respectivos serviços de origem e na maior parte dos casos tratou-se dos técnicos que habitualmente mais de perto lidavam com estas matérias quando a metodologia era diferente. Não se vê assim que tivesse havido por parte do Secretário de Estado da Administração da Saúde qualquer intenção de constituir uma equipa «dócil», perto de si e como tal fácil de controlar e influenciar.
Por último, a Comissão apurou que a CAP decidiu por unanimidade (depoimento da engenheira Paula Melo, acta n.9 57, p. 19) propor a adjudicação do Hospital em apreço, tendo a Ministra da Saúde decidido em conformidade.
À laia de conclusão importa assinalar que o processo de adjudicação da construção e financiamento do Hospital de Almada só teve de «excepcional» o facto de a proposta ler sido feita pela novel CAP criada por despacho do Secretário de Estado da Administração da Saúde com o intuito de institucionalizar o diálogo horizontal entre os serviços centrais do Ministério.
Esta Comissão, que se aceita a título transitório, permitiu acelerar o processo de apreciação e consequentemente a tomada de decisão num processo com mais de 10 anos dc passado.
VII
Adjudicação da obra de construção dos Hospitais de Matosinhos e Amadora/Sintra
Depois do que ficou dito no capítulo vi do presente relatório c que se toma como reproduzido nos aspectos adequados para a apreciação das matérias em epígrafe, importa referir que o trabalho da Comissão neste ponto se centrou no facto de a Comissão de Análise de Propostas (CAP) haver classificado em l.9 lugar nos dois concursos a empresa Teixeira Duarte e a Ministra da Saúde ter decidido atribuir-lhe unicamente a construção do Hospital de Amadora/Sintra, sendo a construção do Hospital de Matosinhos atribuída à empresa Construções Técnicas.
Os dois concursos em apreciação ensaiaram uma metodologia sem precedente no Ministério dá Saúde, pois tratava-se, em ambos os casos, dc projectos de concepção/ construção, para os quais foi aberto o correspondente concurso público internacional, tendo por base uma grelha de apreciação de propostas que a Comissão averiguou ter sido preparada com todo o cuidado.
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Importa referir que a metodologia seguida veio a revclar--se tão exigente quanto eficaz, já que a experiência demonstra que um hospital mal concebido é, normalmente, irrecuperável (depoimento do Dr. Nogueira da Rocha, acta n.9 61, p. 70).
Assim, a grelha para a análise das propostas concebida pela Direcção-Geral das Instalações e Equipamentos de Saúde e aprovada superiormente excluía todos os concorrentes que tivessem menos de 14 pontos na concepção, tendo a Comissão constatado que a classificação final das empresas que chegaram à fase final do consenso era muito idêntica — todas tinham mais de 14 pontos e, simultaneamente, todas ficaram aquém dos 15 pontos — (mesmo depoimento, na mesma página), ou seja, a diferença cm termos de classificação entre o primeiro e o segundo concorrente era de poucas décimas, numa escala de 0 a 20.
Os concursos em apreciação respeitaram a dois hospitais da maior importância em termos de suprimento de carências sentidas há décadas nas regiões das Areas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, a que acresce o facto de as empresas ou consórcios concorrentes, ao lerem que assegurar o correspondente financiamento, permitirem que as obras arrancassem de imediato, o que valorizava a importância de os prazos previstos serem religiosamente cumpridos.
A CAP, depois da apreciação exaustiva que fez dos projectos, alertou para o facto de a empresa classificada em primeiro lugar em ambos ter de assegurar no mesmo período de tempo mais 12 milhões de contos de obras para um só cliente — Ministério da Saúde — c mais preocupante ainda, na indicação nominal da equipa de obra, de planeamento e de projecto feita pela empresa Teixeira Duarte se haver constatado tratar-se exactamente das mesmas pessoas (depoimento da engenheira Paula Melo, acta n.9 57, pp. 11 e 12), o que poderia inviabilizar a consuução simultânea dos dois hospitais, que distam 300 km um do outro (mesmo depoimento, p. 30).
Assinale-se que o montante envolvido nos dois contratos ultrapassava 50 % da facturação da Teixeira Duarte nesse ano, e, se excluirmos as obras especiais em que a empresa é perita, aquela percentagem aumenta significativamente, isto para além de a empresa ter ganho importantes empreitadas de obras públicas no ano em apreço.
Foi o conjunto destas razões que vieram a determinar a adjudicação, por despacho fundamentado da Ministra da Saúde, do hospital de maior custo à empresa com melhor pontuação e o outro à segunda classificada.
Desta decisão recorreu a empresa para o Supremo Tribunal Administrativo, tendo posteriormente desistido da acção não só por esta não ter efeitos suspensivos mas também por entender ser «desagradável» ter um contencioso com o dono da obra, a propósito do Hospital de Matosinhos, mantendo com a mesma entidade relações de diálogo a propósito da adjudicação que lhe tinha sido feita (depoimento do engenheiro Pedro Teixeira Duarte, acta n.9 59, p. 6).
Por último importa referir que a totalidade das opiniões da CAP foi tomada por consenso entre os seus membros, tendo a Comissão constatado que o mesmo argumento que serviu para criticar a criação da CAP por concentrar cm meia dúzia de técnicos decisões sobre milhões de contos, cai por base quando simultaneamente se critica a decisão da Ministra da Saúde ao entender como mais prudente para a defesa dos interesses do Estado não seguir a classificação que lhe foi indiciada por aquela comissão.
Concluindo: a decisão da Ministra de não seguir a classificação indiciada pela CAP traduz a melhor defesa dos superiores interesses do Estado, não acautelado se duas empreitadas desta relevância social tivessem comodamente sido entregues a uma mesma empresa. Esta, de resto, ao apresentar a mesma equipa para as duas obras, assumia as suas limitações de recursos humanos que por certo resultam do facto de nem todos os anos haver uma obra deste tipo, quanto mais duas lançadas no mesmo momento.
VIII
Informação das administrações regionais de saúde
Malgrado o grande esforço de informatização que o País em geral e a Administração Pública em particular ainda estão a fazer, o Ministério da Saúde era, em meados da década de 80, um sector com grandes carências quer em termos de organismos centrais, quer em termos dc organismos dependentes [nomeadamente administrações regionais dc Saúde (ARS) e hospitais]. Tal facto originava dificuldades dc planeamento e gestão, o que para um orçamento em 1987 superior a 200 milhões de contos dispensa comentários suplementares.
Sc é certo que a saúde não tem preço, não deixa dc ser igualmente verdadeiro que o Ministério da Saúde tem orçamento cuja rentabilização é imprescindível por forma a adequar as receitas quase exclusivamente oriundas das contribuições dos cidadãos, à prestação de serviços naturalmente mais caros, porque mais universais c mais sofisticados.
Ora uma das «fatias» mais relevantes no orçamento da saúde é a factura de medicamentos que correspondia, à data que o presente inquérito se reporia, a cerca de 60 % dos orçamentos das ARS c a 30 % do orçamento do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Trata-se assim de um sector nevrálgico em que, por razões de ordem vária, se verifica um certo consumismo gerador dc despesa pública nada despicienda e de difícil controlo já que quem receita não é quem toma c quem toma não é quem paga.
Em 1987 tentava-se ainda implementar um sistema nacional de controlo dc facturas de medicamentos e de meios auxiliares de diagnóstico c terapêutica que tinha nascido 10 anos antes, mas que naquela data só funcionava parcialmenie na ARS dc Lisboa (depoimento do engenheiro Alves Rodrigues, acta n.9 73, pp. 13 c 17), controlando 30 a 40 farmácias (mais ou menos 10 % do total). A desactualização c desadequação do equipamento distribuído às ARS da província levou inclusivamente a que estas o procurassem rentabilizar fazendo, por exemplo, a gestão de seus stocks.
Para esta situação terá contribuído a instabilidade que sempre se viveu no Serviço de Informática da Saúde (SIS), o qual cm oito anos teve nove comissões instaladoras e cuja direcção era rotativamente exercida por um dos directores-gerais dos serviços centrais do Ministério, modelo este que a Comissão apurou ser desadequado da importância do serviço e da relevância das tarefas que lhes estavam cometidas.
Em meados dc 1987 c com a factura de medicamentos a crescer assustadoramente (37 % de 1985 para 1986 e 25 % dc 1986 para 1987), a comissão instaladora do SIS estudava uma proposta interna que, concretamente, cm relação ao hardware, cometia ao SIS a responsabilidade da sua importação, montagem, distribuição e posterior assistência (depoimento já referido, p. 30). Com a mudança
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de responsável foi este modelo considerado completamente desadequado, havendo então sido realizada uma avaliação do processo e o apontar de soluções, as quais, depois da concordância da Ministra, obtiveram total apoio do Instituto de Informática do Ministério das Finanças (IIMF) (mesmo depoimento, p. 32).
Refira-se que o parecer pedido ao IIMF já incluía a solução técnica a ser adoptada, pelo que a Comissão é de opinião que aquando dos concursos realizados por cada ARS para a aquisição do respectivo equipamento o mesmo era dispensável.
Definida a metodologia, o modelo seguido para a sua concretização passou para um sistema descentralizado em termos de decisão e centralizado no que respeita ao pagamento dos custos, ou seja, cada ARS abriu o respectivo concurso auscultando empresas com implantação na sua área de influência, sendo os pagamentos assegurados pela rubrica do PIDDAC do SIS prevista para o efeito. Foi, assim, um processo que envolveu dezenas de fornecedores com a especificidade, que se refere por precisão, dc a empresa que forneceu as unidades dc alimentação ser sempre a mesma porque, sendo a única que as construía, era obviamente a única que as vendia.
O custo total do equipamento não terá ultrapassado os 100 000 contos (depoimento já referido, p. 39) c a Comissão é de opinião que este montante, quando comparado com as enormes vantagens resultantes da implementação do sistema —conhecimento dos reflexos financeiros de decisões políticas acerca da comparticipação de novos medicamentos, conhecimento da incidência geográfica da prescrição, definição do perfil dos prescritores, imputação da despesa a quem de facto a gerava, etc. —, traduz uma acertada decisão política e resultou num acto dc gestão que contribuiu para não despender milhões de contos (a comparticipação de medicamentos só cresceu 12,9 % dc 1987 para 1988, com 60 % a 70 % do sistema dc conferência de facturas a funcionar e 8 % dc 1988 para 1989 com o sistema a funcionar em pleno).
Dc facto, e contrariamente ao que por vezes se disse e se pensa, e muito embora outros factores tenham contribuído para estes números, a Comissão apurou que as decisões tomadas no sentido de reduzir ou mesmo anular a comparticipação de alguns produtos farmacêuticos leve uma importância diminuta para que se tivessem atingido aqueles resultados (depoimento do Dr. Dias da Silva, acta n.° 74, p. 40) pelo que os benefícios resultantes da sua implementação são inequívocos.
Em resumo, e como conclusão, refira-sc que o processo de informatização das ARS, há muitos anos em gestação no Ministério da Saúde, foi concretizado com eficácia c cumprimento das normas aplicáveis, num processo descentralizado e participado, e que veio a revelar-se fundamental para controlar a fatia dos custos da comparticipação pelo Estado dos medicamentos, cujo crescimento, a manier-se aos níveis dc 1985/1987, levaria, por ecrio, à
ruptura do orçamento do SNS.
IX
Acordo com a Associação Nacional de Farmácias, bem como a sua relação com a Informação das administrações regionais de saúde
Em 16 de Novembro de 1988 o Diário da República publicou o conteúdo dc um acordo estabelecido entre o Ministério da Saúde e a Associação Nacional de Farmácias
(ANF) referente ao modo de pagamento do custo imputado ao Estado pela comparticipação no preço dos medicamentos prescritos no âmbito do Serviço Nacional de Saúde.
Tal acordo previa que as administração regionais de saúde (ARS) pagassem mensalmente aos delegados distritais da ANF os montantes respeitantes à sua área de jurisdição para todas as farmácias que aderissem ao esquema negociado e deixassem de, como até então, ter de todos os meses emitir mais de 2400 cheques, o que resultava não só em atrasos geradores de rupturas ou ameaças de ruptura no fornecimento de medicamentos aos beneficiários do Serviço Nacional de Saúde mas também numa carga administrativa de custos relevantes.
O sector dos medicamentos é ainda hoje em Portugal totalmente condicionado pelo Governo: os medicamentos e respectivas embalagens são autorizados pelo Ministério da Saúde, os preços definidos pelo Ministério do Comércio c Turismo, as farmácias têm de possuir alvarás e existe condicionamendo de propriedade e instalação. Contudo, o que manifestamente as farmácias não têm é que conceder crédito ao Estado na medida em que o fornecimento de um produto farmacêutico pressupõe pronto pagamento. Para haver crédito é necessário haver entendimento entre as partes e o acordo em apreciação fixou, pela primeira vez, as condições em que tal se verificaria no que se reporta aos utentes do Serviço Nacional de Saúde.
Refira-se que embora o acordo tenha sido assinado no consulado da ministra Leonor Beleza, o seu conteúdo vinha sendo negociado há 10/12 anos (depoimento do Dr. João Cordeiro, acta n.fi 72, p. 18), tendo a Comissão constatado que, inclusivamente, o então ministro Maldonado Gonelha só o não implementou por dissolução do IX Governo Constitucional. De facto, também nesta matéria a instala-bilidadc govcmaüva foi inimiga de concretizar decisões governamentais: responsáveis governamentais com semivida média inferior a um ano impediram, por certo, que um acordo similar fosse conseguido mais cedo. De resto, a ministra Leonor Beleza só anuiu com o seu conteúdo quando já era responsável pela pasta há mais de dois anos.
Sendo o acordo com o Ministério da Saúde novidade, refira-sc que a ANF tem acordos similares com mais de 20 entidades, desde a ADSE às Forças Armadas, passando pelos CTT, GNR, PSP, EDP, etc, subscritos e ou avalizados por executivos que vão do governo do coronel Vasco Gonçalves ao I Governo Constitucional. O esquema acordado não se traduziu cm nenhum prejuízo para o Estado, tendo a Comissão constatado que, pelo menos em 1989, o acordo resultou num prejuízo financeiro para a ANF: de facto, os atrasos nos pagamentos das ARS obrigaram-na a negociar créditos que não foram integralmente cobertos pelos lucros das aplicações dos montantes recebidos e não imediatamente transferidos para as farmácias. Acresce que para o Estado, e para além da pacificação a que este acordo deu origem, este viu-sc igualmente liberto de um peso bu-rocrálico-administrativo que, nalgumas ARS e com os meios existentes, correspondia ao trabalho diário de dezenas dc funcionários.
No que se refere à relação entre a assinatura deste acordo e a informatização das ARS, a Comissão averiguou não haver relação nenhuma. O sistema de informática que a ANF desenvolveu para as suas associadas com o apoio da empresa PA começou a ser discutido em 1981 (mesmo depoimento, p. 77) e mesmo entre o sistema informático das ARS e o que é propriedade de cerca de 400 das 2440 farmácias existentes não existe qualquer ligação física
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(depoimento do engenheiro Alves Rodrigues, acta n.Q 73, p. 85) tratando-se, assim, de processos completamente independentes c sendo o último da exclusiva responsabilidade daquelas entidades privadas.
Concluiu-se pois que a cooperação estabelecida entre o Ministério da Saúde e a ANF resultou num bom acordo para ambas as partes c numa garantia para os cidadãos dc fornecimento de medicamentos sem sobressaltos: sendo uma prática normal defendida e ou implementada por governos de todas as cores políticas não se vê sequer claramente as razões da celeuma que provocou, até porque a ligação existente entre este acordo e a informatização da ARS (ou o inverso) é inexistente.
XI
Anteprojectos de urbanização para as éreas dos Hospitais de Júlio de Matos e de Curry Cabral
1 —Em 1987, o Ministério da Saúde desencadeou um processo com vista a proceder à alienação dos terrenos onde esião implantados os Hospitais de Júlio dc Matos e de Curry Cabral, substituindo-os por outras unidades dc saúde e obtendo por essa via meios financeiros destinados a serem investidos no sector.
Com tais objectivos, dirigiu o Gabinete do Secretário de Estado da Administração da Saúde em 27 de Agosto de 1987 cartas-convite ao arquitecto Tomás Taveira, à COMPAVE e à PROCONSTRÓI.
As mesmas foram elaboradas na sequência de um despacho do próprio Secretário de Estado de concordância e submissão à consideração superior, aposto em informação, ambos datados de 26 de Agosto, em que, com o argumento de que não se entendia apropriada a publicitação do plano, se sugeria a dispensa de concurso público para a «obtenção dos estudos e projectos de concepção urbanística e arquitectónica». Este documento por sua vez fora elaborado na sequência de uma reunião tida no mesmo dia 26 dc Agosto, conforme resulta do depoimento da engenheira Paula Melo (reunião de 2 dc Maio dc 1990, p. 15).
As cartas-convite, uma em relação ao Hospital de Júlio de Matos c ouua em relação ao Hospital de Curry Cabral, sugeriam aos três destinatários que preparassem c enviassem propostas para a elaboração de «um plano de urbanização e anteprojectos», e ainda para «os procedimentos necessários para as respectivas aprovações por parte da Câmara Municipal de Lisboa para poder realizar a alienação referida nas melhores condições possíveis». As propostas deviam abranger as seguintes questões: metodologia, prazo de execução, preço, condições de pagamento c currículo detalhado em trabalhos similares, enumeradas por esta ordem, mas sem outra indicação quanto à sua importância relativa. Era solicitada resposta até âs 17 horas do dia 11 de Setembro.
Segundo veio a referir o arquitecto Tomás Taveira, em depoimento prestado no dia 30 de Maio de 1990 (pp. 34 e seguintes e 56 c seguintes), tal carta-convite fora precedida de um contacto pessoal do engenheiro Costa Freire, em data não precisada mas sempre posterior à da posse deste como Secretário dc Estado, que ocorrera no dia 17 de Agosto, cm que lhe fora perguntado da disponibilidade que teria para um trabalho do tipo daquele. Igualmente o arquitecto Castelo Branco, administrador da COMPAVE, disse ter sido convocado c recebido pelo engenheiro Costa Freire para ser ouvido e lhe ser exposto o âmbito do
trabalho e a respectiva urgência (reunião de 26 de Abril de 1990, pp. 8 e seguintes, 52 e 53).
No dia 7 dc Setembro deu entrada no Ministério da Saúde a proposta do arquitecto Tomás Taveira e no dia 11 as propostas da COMPAVE, que, em relação ao Hospital dc Júlio dc Matos, apresentava duas alternativas, e do arquitecto Paiva Lopes, a quem a PROCONSTRÓI endereçara o convite que lhe fora dirigido. A úlüma proposta só abrangia o terreno do Hospital de Curry Cabral; as duas primeiras abrangiam os terrenos dos dois hospitais.
No dia 15 de Setembro, sobre informação subscrita pelo Dr. Rui de Freitas, mas da responsabilidade também da engenheira Paula Melo, que chefiava a Comissão de Análise de Propostas dc Novos Hospitais c Centros de Saúde e não assinara por não estar presente (conforme seu depoimento, p. 54, c depoimento do Dr. Rui de Freitas, em reunião dc 2 de Maio de 1990, p. 142) a qual sugeria a adjudicação em relação aos dois hospitais ao arquitecto Tomás Taveira, o Secretário de Estado despachou concordando e de novo submetendo a consideração superior, não sendo conhecido, em relação a este documento como em relação aos outfos deste processo, despacho da então Ministra da Saúde.
Segundo a informação, utilizaram-se como critérios de adjudicação o preço, o prazo de apresentação e o tipo de urbanização que se pretendia efectuar. Quanto ao Hospital dc Júlio dc Matos, entendeu-se que era excessivamente longo o prazo apresentado pela COMPAVE, «cerca de 11 meses cm quaiquer das hipóteses apresentadas, o que retira â proposta a sua utilidade».
A proposta do arquitecto Tomás Taveira reuniria as melhores condições, quer relativamente ao prazo, quer ao «tipo de especificações que o projecto final apresenta», embora «as condições de pagamento [...) não sejam as mais favoráveis». Em relação ao Hospital de Curry Cabral, julgou-se que a proposta do arquitecto Paiva Lopes não respondia de forma satisfatória à consulta efectuada por só apresentar «os estudos de urbanização», enquanto o preço apresentado só relativamente ao estudo prévio era «bastante superior às outras propostas». A COMPAVE apresentava um preço global e um prazo de execução superior à do arquitecto Tomás Taveira, pelo que se considerou esta a melhor proposta. Foi ainda dito que, em termos de análise curricular, «as três entidades podiam responder satisfatoriamente ao pedido».
No dia 15 de Setembro, foi dirigido um ofício a Arquitecto Tomás Taveira, S. A. R. L., comunicando-lhe a adjudicação. No dia 25 de Setembro, são enviados ofícios à PROCONSTRÓI e à COMPAVE, informando-as da não adjudicação. O arquitecto Castelo Branco informou a Comissão de que obteve mais lardc do engenheiro Costa Freire a explicação de que fora preterida a COMPAVE por razões de prazo (pp. 11 e seguintes).
Existe também no processo um documento datado de 28 de Agosto em que o Dr. Rui de Freitas e a engenheiro Paula Melo sugerem a dispensa de contrato escrito, fazendo alusão à adjudicação ao arquitecto Tomás Taveira no dia «15 p. p.», sobre o qual há despacho de concordância do Secretário dc Estado e submissão uma vez mais à consideração da Ministra da Saúde, com a mesma data de 28 dc Agosto.
2 — Este último ponto suscitou dúvidas, dado que o despacho dc adjudicação está datado de 15 de Setembro — e o prazo para a entrega das propostas terminava a 11 dc Setembro —, ao passo que aquele documento está
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datado de 28 de Agosto, supõe a adjudicação feita e refere mesmo esta como tendo ocorrido a «15 p. p.».
A engenheira Paula Melo (pp. 7 e seguintes) e o Dr. Rui de Freitas (pp. 136 e seguintes, 184 e seguintes e 199 c seguintes) sustentaram na Comissão de Inquérito que a data aposta no documento resulta de um lapso, já que ele não pode ter sido elaborado antes do fim de Setembro. A correcção da data seria incompatível com a lisura dc todo o processo, como é óbvio. O Secretário de Estado, por sua vez, ter-se-ia limitado a copiar a data da informação, o que é admissível.
A Comissão de Inquérito não vê razões para não aceitar as explicações dadas. Vários argumentos militam nesse sentido. Em primeiro lugar refere-se no documento a adjudicação feita no dia «15 p. p.». Ora efectivamente a adjudicação foi feita no dia 15 dc Setembro, pelo que será desse mês também o documento. Mas, mais do que isso, no dia 15 de Agosto o engenheiro Costa Freire não era ainda Secretário de Estado, pelo que não poderia ter adjudicado coisa nenhuma. Acresce que o dia 15 dc Agosto é feriado, e por isso dia cm que dificilmente se teria feito alguma adjudicação. Por outro lado, não se ajustaria às descrições feitas pelos depoentes engenheira Paula Melo (nomeadamente, pp. 4 e seguintes) c Dr. Rui dc Freitas (pp. 136 c 200) dc todo o processo que a adjudicação tivesse ocorrido antes de 28 de Agosto; por exemplo, teve lugar em 26 de Agosto a reunião que o desencadeou c a engenheira Paula Melo, uma das pessoas que o conduziu desde o princípio, entrou em funções no dia 25 de Agosto.
3 — Julga a Comissão também que não foi demonstrada qualquer actuação ilegítima na adjudicação ao arquitecto Tomás Taveira, embora os critérios pudessem ter sido tornados mais claros na carta-convite dirigida a três entidades.
É certo que, num caso destes, a margem de decisão deveria ser razoavelmente ampla, já que o Ministério da Saúde não buscava manifestamente o anteprojecto mais barato, mas aquele que garantisse maiores vantagens financeiras na alienação final dos terrenos (depoimentos da engenheira Paula Melo, pp. 56, 62, 69 e 70, c do Dr. Rui de Freitas, p. 135). Ora o próprio custo dos anteprojectos está relacionado com o valor final da obra cm causa, o que faz que, de certa maneira, quanto mais valioso aquele for —desde que, obviamente, possa ser executado—, melhores resultados financeiros se poderão obter no fim (confirmando tal ideia, depoimento do arquitecto Castelo Branco, pp. 105 e seguintes, depoimento do arquitecto Paiva Lopes, acta n.° 54, p. 121, c depoimento do arquitecto Tomás Taveira, pp. 6 e seguintes). Basta tal constatação para inviabilizar a apreciação do preço em si como um elemento determinante da decisão, transferindo tal questão para a da avaliação do valor do produto final encarado, não afastando obviamente a necessidade de considerar a razoabilidade em si do preço.
É manifesto por outro lado o desnível existente entre, por exemplo, o valor mais elevado dc anteprojecto proposto para o Hospital de Júlio de Matos — o do arquitecto Tomás Taveira, de 106 000 contos — e os valores referidos como susceptíveis de serem alcançados — a engenheira Paula Melo fala em mais de 10 milhões dc contos (p. 57), o Dr. Rui de Freitas em 5 a 7 milhões dc contos (p. 138), o arquitecto Castelo Branco em 30 milhões dc contos ou 9 a 10 (pp. 40 e 41), o engwucito A.bccas\s cm 50 a 60 milhões dc contos (p. 45) c o arquitecto Taveira cm 10 milhões de contos (p. 29). Tal desnível minimiza consideravelmente as considerações de preço dos anteprojectos em si.
Tratando-se, como neste caso se tratava, de obter um verdadeiro estudo dc hipóteses, poderia até entender-se que se podia fazer um ajuste directo [alínea f) do n.e 4 do artigo 5." do Decrcto-Lei n.° 211/79, de 12 de Julho]. No entanto, foi dc facto feita uma consulta a três entidades, a qual, face aos elementos acima referidos, não deveria senão dar margem a uma apreciação relativamente ampla, dada a relevância relativamente irrisória do preço do anteprojecto face ao que se pretendia obter e sobretudo a ligação entre o seu preço c o valor do resultado final.
Foram levantadas suspeitas no sentido de que teria havido favorecimento ilegítimo em relação à adjudicação ao arquitecto Tomás Taveira.
Tendo cm consideração que poderia ter sido emitido, neste caso concreto, um julgamento sobre quem asseguraria à partida um melhor negócio para o Estado, e de que tal julgamento teria sempre uma razoável dose de subjectividade, vejamos os vários moúvos que poderiam indiciar aquele procedimento.
Em primeiro lugar, o preço proposto pelo arquitecto Tomás Taveira não é o mais barato em relação ao Hospital dc Júlio de Matos. Com efeito, ele pedia 106 000 contos para os estudos do Júlio dc Matos e 39 000 contos para os do Curry Cabral; simultaneamente a COMPAVE propusera, consoante as alternativas, 40 000 ou 21 000 contos pelo terreno do Hospital de Júlio de Matos e 45 000 contos pelo terreno do Hospital de Curry Cabral. Já acima se discorreu sobre a importância do preço neste contexto.
Acresce que do documento que contém o despacho de adjudicação resulta que pesou especialmente, em relação ao Hospital dc Júlio de Matos, o factor tempo. Com efeito, o arquitecto Tomás Taveira propunha-se entregar o trabalho no prazo dc dois meses e meio, enquanto a COMPAVE o faria no prazo de 11 meses.
Resta saber se o preço a mais era ou não compensado pelo prazo a menos, mesmo abstraindo de todos os outros factores, sobretudo estando em consideração os elevadíssimos valores que poderiam resultar da alienação do terreno.
Mesmo sem entrar em contas muito precisas, parece relativamente despicienda, face ao valor no tempo do montante final cm causa, a diferença de preço. A legitimidade dc tal sobrevalorização do tempo é sustentada, como era normal supor, pela engenheira Paula Melo, (pp. 55 e seguintes), pelo Dr. Rui de Freitas (pp. 139, 140 e 173) e pelo arquitecto Tomás Taveira (pp. 19 e seguintes, 37 e seguintes e 106 e seguintes), neste último caso em termos particularmente convincentes e com exemplos concretos, defendendo cm tese que pode ser irrisório o valor dos honorários do arquitecto face aos pesadíssimos prejuízos que podem resultar de atrasos na realização de obras. Mas é ainda sustentada pelo engenheiro Nuno Abecasis (acta n.B 55, pp. 64,77 e 78). Acresce aliás que a própria rapidez dc execução dos anteprojectos lhes aumenta o custo.
Não vê a Comissão razão para julgar ilegítima a actuação de quem valorizou, nestas condições, mais o tempo que o preço. Mas ainda assim poderia questionar-se se tal era razoável face ao texto da carta-convite, que não referia expressamente a intenção de tal sobrevalorização.
Mesmo admilindo-se, como já se referiu acima, que se poderia ter sido algo mais explícito, a verdade é que dificilmente poderiam os candidatos julgar que o preço e o prazo ou o prazo e o preço — estava aliás o prazo referido antes do preço — não seriam elementos determinantes. E a verdade é que, face ao que fica dito, a consideração conjugada dos dois elementos resultava a favor da proposta do arquitecto Tomás Taveira.
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Questionada foi ainda a possibilidade de o arquitecto Tomás Taveira elaborar os estudos cm prazo tão diminuto. Se de facto nao fosse possível conseguir tal resultado — co prazo foi de facto cumprido —, demonstrado ficaria o conhecimento prévio que teria tido do que ia suceder, c com isto o favorecimento, a menos que por qualquer razão já tivesse anteriormente trabalhado hipóteses semelhantes.
É claro que o próprio arquitecto Taveira entende que havia tempo suficiente (pp. 19 e seguintes) c dc facto houve. Mas tal é também confirmado pelo engenheiro Abecasis (pp. 33 e seguintes, sobretudo 36, 37, 72 c 73), que disse conhecer a forma de trabalhar do arquitecto Taveira, a qual lhe permite realizar trabalho em tempo extremamente curto e que testemunha que entre uma reunião em que ele próprio fez exigências cm relação à configuração do anteprojecto e o momento cm que o mesmo entrou remodelado na Câmara Municipal para autorização decorreu um prazo que lhe «pareceu quase inverosímil».
O próprio arquitecto Taveira fez referência, como já sc disse, a um contacto pessoal do engenheiro Costa Freire, anterior à carta-convite. Não parece que tal facto possa modificar substancialmente o juízo que aqui sc deixa. Primeiro porque, sendo tal facto conhecido apenas porque o arquitecto Taveira o refere, essa é a demonstração dc que ninguém terá tido nada dc ilegítimo a esconder. Em seguida porque nem para responder à consulta nem para efectuar o estudo ele poderia ter significado uma vantagem decisiva, face às diferenças de prazos com que se trabalhou. Veio, aliás, o arquitecto Taveira a não esgotar sequer o prazo de apresentação da proposta, no que poderá ter quase «queimado» o que dc avanço lhe poderia ter permitido o contacto prévio, cm face das datas que estão cm causa. Também o arquitecto Castelo Branco refere aliás um contacto pessoal, ignorando-se o que aconteceu com a PROCONSTRÓI.
Finalmente, de acordo com a proposta do arquitecto Taveira, este apresentou as facturas para pagamento cm 15 de Outubro e em 4 de Novembro de 1987. Ao contrário do que consta do relatório da Inspecçüo-Gcral dc Finanças, elas não só não são superiores ao acordado como não foram pagas nessas datas, mas antes em 27 de Novembro c 22 dc Dezembro, respectivamente. Também aqui não sc afigure ter havido comportamento menos claro por parte do Ministério da Saúde.
4 — Como é do domínio público, o projecto de alienação do terreno do Hospiial de Júlio dc Matos veio a ser abandonado pelo actual Ministro da Saúde. Tal sucedeu quando o anteprojecto tinha sido já aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa (depoimento do engenheiro Abecasis, p. 27, e depoimento do arquitecto Taveira, p. 9), mas pareciam manter-sc alguns problemas com a Dirccção-Gcral de Aeronáutica Civil (depoimento do engenheiro Nuno Abecasis, p. 27 c seguintes, 42 c 43), apesar dc o arquitecto Taveira afirmar que poderiam estar ultrapassados (pp. 22 e seguintes) mediante colaboração entre os Ministérios das Obras Públicas, Transportes e Comunicações e da Saúde.
Do que não subsiste qualquer dúvida, face aos elementos carreados para o processo, é da execução, por parte do arquitecto Taveira, do contraio que realizara com o Ministério da Saúde, quer cm relação ao Hospiutl dc Júlio dc Matos, quer em relação ao Hospital de Curry Cabral.
No entanto, quanto a este, o processo encontrava-se menos adiantado, dadas as dúvidas que suscitara a eventual utilização de parte do terreno respectivo para a nova Central
Ferroviária dc Lisboa (depoimento do engenheiro Abecasis, pp. 20, 135 c seguintes, e depoimento do arquitecto Taveira, pp. 44 e seguintes).
Eslava-sc assim à espera dc conhecer melhor a situação exacta, como resulta dos elementos recolhidos pela Comissão de Inquérito, após o que o processo poderia avançar, cabendo ao arquitecto fazer as alterações necessárias.
5 — Parece evidente que, a terem ido para a frente estes processos, tal teria significado importantes vantagens financeiras para o Ministério da Saúde, com as consequentes possibilidades de investimentos acrescidos e de melhor capacidade dc resposta em prestação de cuidados de saúde.
Não teve a Comissão conhecimento do que estaria programado cm relação ao processo que menos avançou, isto é, o do Curry Cabral, para além da referência contida no documento já referido de 26 de Agosto de 1987 onde se sugeria que haveria substituição dos serviços aí prestados através dos novos Hospitais dc Almada, Amadora/Sintra e Cheias.
Em relação ao Hospital de Júlio de Matos, o depoimento do Prof. Caldas de Almeida (acta n.B 54) deixou claro que as propostas alternativas, incluídas num plano sólido de reestruturação dos serviços de saúde mental que estava em curso, estavam estudadas e preparadas, pelo que, face a todas as garantias de que dispunha e no que a estes aspectos respeita, estava assegurada a solidez com que poderia ser executada a alienação do terreno (sobretudo pp. 4 e seguintes, 21, 55, 56, 61 c 62).
6 — Resumindo, cabe concluir:
Embora pudesse ter sido mais explícita a caria-conviie dirigida a ires entidades para apresentarem propostas para os anteprojectos de urbanização para as áreas dos Hospitais dc Júlio dc Matos e de Curry Cabral, não se afigura à Comissão que tenha havido qualquer tratamento ilegitimamente favorável do Estado para com o arquitecto Tomás Taveira, parecendo que teria sido possível retirar importantes vantagens da alienação do terreno dos Hospitais e que era sólido em termos técnicos o projecto dc substituição do Hospital de Júlio dc Malos a nível de respostas na área da saúde mental.
XII
Obras de adaptação das instalações do Departamento de Gestão Financeira dos Serviços de Saúde
O Departamento de Gestão Financeira dos Serviços de Saúde (DGF) ocupava três pisos na Avenida da República quando, cm 1987, o Secretário dc Estado da Administração da Saúde entendeu por bem concentrar nesse edifício outro serviço central do Ministério, pelo que ao DGF foi destinada uma moradia na Avenida de Gago Coutinho, à data não ocupada, propriedade do Serviço de Utilização Comum dos Hospitais (SUCH). Sendo o imóvel propriedade do SUCH e tendo este as verbas para proceder às obras de adaptação necessárias, bem como à aquisição dos equipamentos, a intervenção do DGF foi, tão-só nesta matéria, a definição do respectivo íay-out.
A mudança de instalações veio a verificar-se em meados de 1988 c pelo fim de Novembro, atendendo às condições climatéricas que se faziam sentir em Lisboa, houve uma preocupante inundação na cave do imóvel e na dependência onde estava instalado parte significativa do material informático. Rcfira-sc que a altura do ano corresponde ao maior volume dc trabalho do DGF com a elaboração dos orça-
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mentos, do controlo das contas dos hospitais, etc, facto este que veio a condicionar as decisões tomadas, pois mostrava-se impossível parar o funcionamento do Departamento e problemático proceder a uma alteração física do espaço atingido (depoimento do Dr. Moncada Sampaio, acta n.8 71, p. 11).
Assim, o DGF contactou o SUCH que accionou o seu Núcleo de Acção Directa no sentido de resolver o problema. Atendendo à urgência da situação c à possibilidade legal de assim proceder cm face do estatuto jurídico daquele serviço, foi contactada uma empresa conhecida do dono da obra —a EXPOLITO— na altura a trabalhar noutra instituição de saúde e que se presumia ter disponibilidade para atacar a situação de imediato (mesmo depoimento, p. 7).
Em face da discussão técnica lida na apreciação das obras a realizar, foi entendido que o valor estimado cm 6500 contos mais IVA era razoável e configura os preços de mercado correntes à data. Acresce que o empreiteiro em causa normalmente quando concorria a uma pequena obra lançada pelo Ministério da Saúde a ganhava pelo preço e capacidade de resposta.
Numa frase, tratou-se de uma actuação em que a Comissão não apurou a existência de qualquer irregularidade, tendo, pelo contrário, constatado que os serviços manifestaram capacidade de resposta ao obsiar que um problema de menor importância pudesse vir a ter proporções e consequências bem mais graves.
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Trabalhos em curso no Centro de Medicina Física e de Reabilitação do Alcoitão
Em 1983 verificou-se o abatimento de uma placa no Centro de Medicina Física e de Reabilitação do Alcoitão. Trata-se de um edifício amigo, com mais de 25 anos, propriedade da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, a qual assumiu a responsabilidade de proceder às obras de reforço da ala onde se linha verificado o abatimento. Contudo, a nova Mesa da Santa Casa, entretanto eleita, recusou-sc a terminar as obras, delegando essa responsabilidade no Ministério da Saúde (depoimentos do Dr. Roque da Silveira e engenheiro Fernando Mateus, actas n.8 65 e 64, p. 7). Contudo, e independentemente de quem viria a ser o dono da obra, o administrador hospitalar à data, Dr. Roque da Silveira, sentindo a necessidade de terminar as obras, consultou informalmcmc quatro empresas que lhe deram preços que rondavam os 60 000-70 000 contos, valor esic similar ao indiciado pelo Sr. Engenheiro Bívar — adjunto do provedor da Santa Casa.
A Comissão apurou a este respeito que os montantes referidos não se baseavam em nenhum estudo aprofundado, revestindo exclusivamente o carácter de estimativas grosseiras, pois não só não foi elaborado nesta fase o imprescindível caderno de encargos como também as empresas, compreensivelmente, não se disponibilizaram para proceder à elaboração de propostas por escrito, na medida em que a consulta revestia a forma de mera sondagem.
Em 4 de Maio de 1988, o Secretário de Estado da Administração da Saúde, engenheiro Fernando Costa Freire, acompanhado do director do SUCH, engenheiro Moncada Sampaio, e do engenheiro Reis visitaram o Ccniro, lendo decidido que, sendo imperioso resolver o problema de forma definitiva, o SUCH procederia às formalidades
necessárias na medida em que, por questões de celeridade e pela não existência de verbas no orçamento do Centro, o dono da obra seria aquela entidade. Ficou claro para a Comissão que foi por ser esta a metodologia seguida que se levantaram resistências por parte de responsáveis do Centro, na medida em que a sugestão que foi feita de serem consultadas as empresas já anteriormente sondadas não foi seguida pelo SUCH ao assumir a responsabilidade de conduzir o processo.
Assim foram consultadas três empresas que apresentaram as seguintes propostas:
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tendo o SUCH entregue a obra à empresa que apresentou o preço mais baixo e o prazo mais curto, ou seja, a Severo de Carvalho.
A Comisão investigou ainda a aparente disparidade entre qualquer destes valores e o montante de 60 000-70 000 contos que nos foi referido pelo depoimento do Dr. Roque da Silveira. Diz-se aparente, porque, tratando-se de uma estimativa apresentada oralmente, não tendo por base um caderno de encargos e por empresas que naquela fase do processo desejariam, por razões evidentes, ter preços que as colocassem na corrida à obra, corre-se o risco certo de estar a comparar como iguais coisas que são diferentes (por exemplo o parecer entretanto solicitado ao LNEC veio a provocar alterações ao projecto inicial).
Assim, c concluindo, na medida em que qualquer das propostas recebidas é de mais do dobro dos valores por que se julgava ser possível realizar a obra e entre elas a variação n3o excede os 13 %/15 %, a que acresce o facto dc o processo ter sido conduzido sem irregularidades processuais, com celeridade e eficácia, a Comissão é de opinião que, tirando o facto de ser pouco curial que o caderno dc encargos elaborado pelo SUCH não tivesse sido sujeito a parecer do conselho de gerência do Centro, nada mais há a apontar na matéria em apreço.
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Considerações finais
Analisadas uma a uma as várias questões elencadas na resolução que determinou a constituição da Comissão de Inquérito, cabe ainda, e finalmente, proceder a algumas considerações que a seguir se explicitam.
Nos casos do Hospital de São Francisco Xavier, do Ccniro das Taipas e do Hospital de Fafe, verificaram-se algumas situações dc desvios em relação às regras normais dc disciplina financeira, bem como, simultaneamente, a existência de regime dc instalação, a realização de pagamentos através do SUCH e uma grande premência social na abertura com brevidade das unidades de saúde cm causa.
Resulta do que antes ficou dito que se podem colocar dúvidas sobre o alcance e os contornos exactos do regime de instalação, bem como que o SUCH não está, ele próprio, sujeito ao cumprimento das regras da contabilidade pública.
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As situações descritas e as necessidades sociais que lhes estavam subjacentes obrigam a levantar a questão de saber até que ponto os formalismos legais actualmente vigentes em matéria de despesas publicas süo compaüveis, cm condições de especial premência, com uma gestão eficaz e oportuna dos interesses públicos.
Estas considerações valem, nomeadamente, para as regras sobre as situações que permitem a dispensa dc concursos, os limites de valores actualmente estabelecidos e os entraves colocados à aquisição de material informático, hoje em irreversível rotina de utilização.
Como n3o se advoga a irregularidade como processo de reforma do Estado, urge considerar estas matérias com a profundidade e a serenidade que merecem, com o objectivo de possibilitar a realização dos interesses fundamentais da sociedade sem a necessidade de recurso a determinados métodos ou a entidades artificialmente introduzidas nos processos.
É obvio que a um qualquer ministro em qualquer governo podem e devem sempre ser assacadas responsabilidades políticas pelas decisões que toma, ou que outros tomam sob a sua alçada. Mas o sentido que esta respon-
sabilidade deve assumir não pode ser avaliado desligado do objectivo que norteou a tomada de decisão, do seu resultado final e da seriedade que presidiu à actuação.
Ora, quer nos casos atrás referidos quer nos outros que foram objecto de análise, estes três aspectos são de resposta inequívoca: o objectivo era a prossecução do interesse público, o resultado final traduziu-se na melhoria evidente das estruturas de prestação de cuidados de saúde disponibilizadas aos utentes c a seriedade da actuação da titular da pasta da Saúde à data é uma verdade que a Comissão refere e reforça.
Acresce que os empreendimentos existem, o que, para além do julgamento político, permite o da opinião pública, que o tempo se encarregará de revelar.
Lisboa, 5 de Junho de 1991. — O Presidente da Comissão, Valdemar Cardoso Alves. — O Relator, Nuno Delerue de Maios.
Nola. — O relatório foi aprovado por unanimidade dos membros da Comissão presentes (PSD), estando ausentes os representantes do PS, do PCI', do PRD c do CDS.
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