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Quarta-feira, 19 de Junho de 1991

II Série-B — Número 35

DIÁRIO

da Assembleia da República

V LEGISLATURA

4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1990-1991)

SUMÁRIO

Voto n.° 221/V:

Sobre a nova ponte ferroviária sobre o rio Douro (apresentado pelo PS, pelo PCP e pela deputada independente Helena Roseta) ...................... 164

Inquéritos parlamentares

Comissão Eventual de Inquérito aos alegados perdões fiscais atribuídos ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais:

Relatório final, declarações de voto e respectivos anexos....................................... 164

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II SÉRIE-B — NÚMERO 3S

Voto n.9 221/V

Sobre a nova ponte ferroviária sobre o rio Douro

Considerando as notícias contraditórias e preocupantes relativas aos testes preliminares executados e a executar na nova ponte ferroviária sobre o Douro, bem como nos seus acessos e ligações;

Considerando a absoluta prioridade de salvaguardar a segurança dos utentes da nova ponte, valor que não pode ficar subordinado a quaisquer critérios de oportunidade ou elciloralismo;

Considerando a experiência e obras notáveis já realizadas pelo Prof. Edgar Cardoso, o respeito que o seu prestígio a nível mundial nos deve merecer a todos e a homenagem que lhe devemos por de novo ter concebido duas obras ímpares, uma quanto à concepção da ponte, outra quanto ao novo sistema de segurança ferroviário expressamente criado para este caso;

Considerando que os factos mais uma vez lhe estão a dar razão, não sendo aceitável que se menosprezem os incidentes já verificados, designadamente os descarrilamentos ocorridos:

A Assembleia da República apela ao Governo para que predomine a ponderação e o respeito pela opinião do Prof. Edgar Cardoso, só assim se garantindo as condições de segurança imprescindíveis, quer na fase de lestes quer na fase de futura operacionalidade da ponte.

Lisboa, 18 de Junho de 1991. — Os deputados: Rosado Correia (PS) — Álvaro Brasileiro (PCP) — Helena Roseta (Indcp.) — Raul Rêgo (PS) —Julieta Sampaio (PS) — Manuel dos Santos (PS) — Manuel Alegre (PS).

Relatório final da Comissão Eventual do Inquérito aos alegados perdões fiscais atribuídos ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

I — Introdução

1 — Motivos c objecto do inquérito

Perante o avolumar de dúvidas e desconfianças trazidas a público sobre a gestão do sistema tributário, designadamente quanto à concessão de facilidades de pagamento de obrigações de juros compensatórios e de mora, assim como dc multas, c convindo garanür «a mais completa transparência, isenção c equidade no funcionamento da administração fiscal», para reforço da credibilidade das instituições democráticas, de quem as serve e dc quem as dirige, os Grupos Parlamentares do Partido Socialista c do Partido Social-Dcmocrata (') propuseram a constituição de uma comissão eventual de inquérito aos alegados «perdões fiscais» atribuídos pelo Secretário dc Estado dos Assuntos Fiscais, com o objectivo de averiguar:

1) A natureza, base legal e critérios objectivamente praticados na utilização do perdão fiscal no período de tréguas fiscais consubstanciado no Dccrcio-lci n.9 53/88, dc 25 de Fevereiro;

2) A identificação dos beneficiários, montante das verbas não exigidas e as vantagens que terão ocorrido para o Tesouro nessa prática;

3) Possíveis prescrições, por esgotamento de prazos, de dívidas à Fazenda Nacional por parte de empresas e apuramento do seu montante global c discriminado;

4) Regras da administração fiscal com vista a evitar a prescrição de impostos;

5) Prática eventual de retenção dc processos administrativos fiscais;

6) A identificação dos níveis hierárquicos dos executores das orientações traçadas;

7) Implicações para a Celulose do Caima dos despachos proferidos e suas consequências, nomeadamente sc tal foi determinante para a compra da Cerâmica Campos, S. A.

2 — Metodologia e diligências

A Comissão Eventual dc Inquérito (CEI) iniciou os seus trabalhos solicitando (2) ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais a apresentação de um conjunto complexo de elementos (informações, pareceres, despachos, processos burocráticos) que lhe possibilitassem apreciar a situação dos serviços da Administração Fiscal antes da reforma fiscal; as medidas e os respectivos fundamentos, destinados a descongesüonar os serviços, através da resolução simplificada dos processos pendentes; as regras adoptadas pela administração fiscal com vista a evitar a prescrição, assim como a retenção dc processos administrativos fiscais; os montantes para a Fazenda Nacional dos procedimentos adoptados pela Administração e os níveis hierárquicos de execução das orientações traçadas.

Respondeu o SEAF com um pormenorizado e quantificado relatório que incluiu, como lambem fora solicitado pela CEI, cópia do processo relativo à fiscalização levada a efeito na Campos — Fábrica Cerâmicas, S. A., c de documentos respeitantes à liquidação de impostos (Cl) da empresa. Ao relatório da SEAF anexou a CEI o dossier confidencial que sobre o denominado caso Campos tinha sido apresentado na Comissão Permanente de Economia, Finanças c Plano por aquele membro do Governo.

Analisado o relatório, considerou a CEI ter ficado na posse dos elementos necessários ou úteis à formulação do juízo que, no quadro do controlo dos actos do Governo que lhe competia sobre os n™ 1 a 6 da Resolução n.9 6/91, sem necessidade de novas indagações sobre as matérias englobadas nos mencionados pontos da citada resolução da Assembleia da República O- Resolveu, no entanto, prosseguir os seus trabalhos quanto ao n.9 7 da resolução, propondo-sc averiguar:

a) «Praxe ou uso administrativo», em caso de insuficiência ou inexistência da base legal, de dispensa de pagamento de juros compensatórios com fundamento na satisfação de interesse público;

b) Poderes da administração fiscal relativamente a juros moratórios, compensatórios e multas;

c) Fundamentação do acto administrativo fiscal pelo SEAF cm 21 dc Maio de 1990;

d) Eficácia do mesmo acto, atendendo ao pedido formulado pela Campos, S. A., cm 17 de Maio de 1990, e à determinação concomitante dc diligências destinadas a apurar a actividade real da empresa;

e) Consequências práticas para a concretização de aquisição da empresa Campos, S. A., pela Celulose do Caima.

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Dando seguimento à metodologia aprovada, a Comissão Eventual de Inquérito ouviu os seguintes depoentes:

Peritos da prevenção tributária;

Coordenador do Núcleo de Fiscalização de Empresas

da Direcção de Finanças de Aveiro; Director de Finanças de Aveiro; Director de Serviços de Justiça Fiscal; Jornalista Dr. António Marinho; Presidente da Campos — Fábrica Cerâmicas, S. A.,

em Maio de 1990; Presidente do conselho de administração da Celulose

do Caima em Maio de 1990; Adjunto do Gabinete do Secretário de Estado dos

Assuntos Fiscais; Dr.* Helena de Castro, da empresa DECA, em Junho

de 1990;

Dr. Albino Jacinto, da empresa Ernst & Young, em Junho de 1990;

e analisou os pareceres dos seguintes jurisconsultos:

Prof. Doutor Diogo Leite Campos;

Prof. Doutor Alberto Xavier;

Prof. Doutor J. J. Gomes Canotilho;

Dr. Vítor Duarte Faveiro;

Prof. Doutor Marcelo Rebelo Sousa;

Prof. Doutor Freitas do Amaral.

A Comissão realizou 12 reuniões plenárias.

II — Matéria de facto relevante A—Respeitante à administração dos impostos

3 — Situação dos serviços da administração fiscal

3.1 — No final do ano de 1985, a situação dos serviços podia ser considerada de extrema gravidade quanto ao número dos processos pendentes, como melhor se vê dos dados fornecidos pela SEAF:

A existência, no final de 1985, de 2 908 537 processos em saldo, sendo 16 296 de reclamação, 9868 de impugnação, 270 664 de transgressão, 35 041 cartas precatórias e 2 576 668 de execução fiscal; correspondência dos processos dc execução fiscal a 89 % do volume total de processos pendentes; um valor de 176,5 milhões dc contos do total das dívidas em cobrança por execução fiscal; reduzida celeridade no andamento dos respectivos processos, computando-se a média da pendência nas repartições de finanças em 35, 34, 20 e 26 meses, para os processos de reclamação de impugnação de transgressão e de execução fiscal, respectivamente, e nos tribunais de 35 e 20 meses, para as impugnações e transgressões, de onde resulta uma média de pendência de mais de 5 anos e meio para os processos de impugnação e de 3 anos e meio para os processos de transgressão, respectivamente; com mais de 6 anos, 314 412 processos; com mais de 10 anos, 78 657; com mais de 15 anos, 43 104, e ainda com mais de 20 anos, 36 104 processos, sendo 1 de transgressão, 60 de impugnação, 188 de reclamação e 35 817 de execução fiscal e 38 deprecadas!...

Os dados apresentados demonstram a apreciável lentidão da marcha dos processos fiscais, graciosos ou contenciosos. Um atraso médio era de quatro anos e meio!

Tendo por fundamento as tendências confirmadas no biénio dc 1984-1985, um relatório da IGF previa para o final de 1987 que os saldos dos processos viessem a ascender a mais de 3 milhões de processos e cerca de 264 milhões dc contos por cobrar.

3.2 — Com vista a descongestionar os serviços dc justiça fiscal c a preparar as estruturas administrativas e técnicas para a reforma fiscal, o Governo aprovou o Decreto-Lei n.° 53/88, de 25 de Fevereiro, que, em substância, instituiu um período de tréguas fiscais e visou possibilitar a arrecadação de elevados montantes de impostos em dívida. Aos contribuintes, foi conferida a possibilidade de regularizarem as suas dívidas fiscais, tanto nos processos executivos como nos de transgressão, com dispensa de pagamento de juros, multas e custas (").

Para situações de «notórias dificuldades financeiras e previsíveis consequências económicas graves» aquele diploma legal previu a possibilidade de concessão de facilidades excepcionais.

A vigência do Decreto-Lei n.fi 53/88 foi prorrogada pelo Decreto-Lei n.9 244/88, de 13 de Julho.

O maior número dos casos que beneficiou das facilidades consagradas no Decreto-Lei n.9 53/88, de 25 de Fevereiro, foi objecto de tratamento automático, sem prévio despacho que atribuísse as facilidades. As verbas arrecadadas ascenderam ao valor de 46 425 milhares de contos, respeitando mais de 80 % daquele montante aos processos objecto de tratamento automático (5).

O saldo final dc todos os procedimentos levados a efeito avalia-se pela redução do número de processos pendentes, que passou dc 1 763 246 para 658 348, assim como pela cobrança de cerca de 47 000 milhares de contos.

E sabido que a lentidão dos mecanismos de recuperação agrava significativamente o montante das dívidas fiscais e dificulta a sua cobrança, como comprova o relatório do SEAF e confirmam as declarações prestadas pelo director de Finanças de Aveiro. Do levantamento feito, concluíram os serviços que as 134 multas superiores a 15 000 contos não foram pagas, com notórias consequências negativas para o tecido empresarial e a Fazenda Nacional. Não foram pagas as multas, nem os impostos, nem os juros, estando todos os processos afectos aos tribunais tributários, acrescenta o relatório da SEAF.

E segundo o mesmo relatório só um lote constituído por 158 processos foi objecto de despacho individual, dos quais 143 se referiam a impostos de anos anteriores a 1986, ano da publicação da lei de amnistia fiscal. A orientação definida pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais consistiu em que os processos cujo montante do imposto tivesse sido apurado por presunção — não fundamentada nos termos objectivos — se propusesse ou aceitasse o pagamento integral do imposto, com dispensa do pagamento de juros compensatórios e redução da multa a 5%. Abrangidos por essa orientação terão sido 284 casos, dos quais 238 dizem respeito a impostos gerados anteriormente a 1986.

3.3. — Por se tratar de um imposto novo e fora do âmbito de aplicação do Decreto-Lei n.9 53/88, de 25 de Fevereiro, merece referência especial o caso dos processos de concessão dc facilidades de pagamento no âmbito do IVA, cujos pedidos de entrega fraccionada do imposto não foram atendidos pela administração fiscal. Igualmente não foram relevadas as faltas e foi seguida a orientação de que deviam ser os próprios serviços do IVA a indeferir liminarmente os pedidos formulados.

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O pagamento de juros foi dispensado sempre que as faltas verificadas tivessem origem em motivo imputável à administração fiscal, por aplicação do artigo 89.° do CIVA (6).

B — O denominado caso da Campos, S. A.

4 — Os factos e os actos

4.1 —Primeira fiscalização. —Na sequência de declarações prestadas em processo crime que corria trâmites no Tribunal de Instrução Criminal de Aveiro, em Agosto de 1988, por accionistas da empresa Campos, S. A., referindo terem sido distribuídos entre si dividendos com origem em proveitos da empresa não contabilizados por omissão de vendas nos registos contabilísticos, a DDF de Aveiro ordenou as diligências que ao caso cabiam para efeitos de averiguação de eventual ilícito fiscal (4 de Novembro de 1988).

O exame à escrita daquela empresa efectuado pelo Núcleo de Fiscalização de Empresas da DDF de Aveiro revelou a necessidade de que fosse corrigida a contabilidade daquela, por forma a serem considerados os valores correspondentes à actividade não registada nos livros da empresa, para efeitos de incidência do IT e IVA, assim como da Cl, tudo quanto aos exercícios de 1984 a 1988.

4.2 — Tributação pelo sistema do grupo B. — Concluída a fiscalização, a DDF de Aveiro, dando cumprimento a uma orientação da DSFG, propôs, em 12 de Julho de 1989, ao SEAF a sujeição do exercício de 1984 da Campos, S. A., ao sistema de tributação do grupo B da Cl com vista a que fossem tributados os lucros presumidos e evitada a caducidade da liquidação referente ao mencionado exercício.

O SEAF concordou com a proposta em 6 de Novembro de 1989, despachando o processo, que entrou no seu Gabinete a 3 de Novembro de 1989.

4.2 — Primeiro requerimento. — A Campos, S. A., em 30 de Outubro de 1989, dirigiu ao SEAF um requerimento pelo qual solicita a faculdade de pagar em 10 prestações semestrais o imposto que vier a ser determinado, «com perdão total de juros e sem imposição de qualquer multa, ou em alternativa que esta venha a ser reduzida a importância não superior a 5 % do imposto liquidado [...] face à impossibilidade prática de poder pagar os valores» apurados no âmbito «de uma inspecção levada a efeito pelos Serviços de Fiscalização do Distrito de Aveiro, que, conforme alega, teve por génese outro processo que envolve um accionista da empresa».

O requerimento baixou para informação da Subdixecçâo--Geral de Fiscalização Geral.

4.4 — Segundo requerimento. — A Campos, S. A., em 9 de Fevereiro de 1990, entregou no Gabinete do SEAF um segundo requerimento. Neste dá conta de ter sido notificada para pagar ao Estado a importância total de cerca de 80 000 contos referentes a IT e IVA, aos quais ainda deveriam acrescer valores de Cl presumidos, juros compensatórios e multas, o que não aceita por terem sido apurados com base numa conta bancária da administração da Campos, S. A., e por não terem sido tomadas em consideração despesas inerentes à actividade produtiva da empresa, iguaimente suportadas pela mencionada conta. No mesmo requerimento solicita que da parte já fixada e que SC refere ao IT e ao IVA de 1984 a 1988, no montante de 45 861 979$, seja autorizada a fazer o respectivo pagamento no prazo de 30 dias, mas sem multas, juros

compensatórios e outros acréscimos. Solicita ainda no que respeita à fixação da matéria colectável da Cl, a suspensão do respectivo processo, até que sejam «clarificadas e corrigidas as verbas referentes aos acréscimos de IT e IVA», assim como pretende que sejam arquivados os processos de execução do IT de 1984 e da Cl do mesmo ano, se o pedido, nos termos formulados, for aceite.

O requerimento baixou à Subdirecção-Gcral de Fiscalização em 9 de Fevereiro de 1990.

Em 4 de Abril de 1990, a DSJF, embora considerando que a pretensão não tinha cobertura legal, emite o parecer no sentido de que deve ser deferido o pedido de pagamento no proposto prazo de 30 dias, contados a partir da data do despacho de deferimento, com dispensa do pagamento de juros compensatórios, juros de mora e multas. Pronuncia--se desfavoravelmente quanto às restantes pretensões da requerente.

Com o parecer concordam o director de serviços e o subdirector-geral.

O SEAF não tomou uma decisão final, antes solicitou informação sobre a rendibilidade fiscal da Campos, S. A., que resultava dos lucros presumidos, a fim de comparar fiscalmente com os valores agregados.

4.5—Reunião com a presença do SEAF. — Em 3 de Maio de 1990 reuniram numa das salas contíguas ao Gabinete do SEAF, com a presença deste, representantes da Campos, S. A., e da Celulose do Caima para analisarem a situação da empresa Campos, S. A., perante o fisco e, eventualmente, conhecerem da disposição da administração fiscal relativamente à exigibilidade dos impostos, juros e multas considerados em dívida, em resultado da fiscalização efectuada pela DDF de Aveiro.

Segundo os depoimentos recolhidos, o SEAF, após ouvir as razões da empresa, sublinhou a preocupação das mesmas em pretenderem regularizar a situação tributária da Campos, S. A., antes da concretização da transacção em vista e manifestou a disposição da administração fiscal para precisar e indicar o débito fiscal da empresa Campos, S. A., que a empresa pretendia saüsfazer logo que fosse determinado, tendo acrescentado nesse contexto que a administração fiscal não iria inviabilizar a transacção, em curso.

O despacho proferido em 21 de Maio de 1990 pelo SEAF confirma, segundo a Caima, o que aquele membro do Governo dissera na reunião de 3 de Maio.

4.6 — Terce'iro requerimento. — A empresa Campos, S. A., em 17 de Maio de Maio, seguindo o procedimento adoptado quanto aos dois anteriores requerimentos, apresentou na SEAF um terceiro requerimento no qual afirma terem concluído os serviços da administração fiscal que a empresa deveria pagar ao Estado, de uma só vez, sob pena de relaxe e consequente procedimento judicial, a quantia global de 181 563 contos relativos a IT, IVA, Cl, IESL e IC, acrescidos dos respectivos juros e multas. Acrescenta não concordar com os valores presumidos por os considerar manifestamente exagerados, propondo-se todavia a pagar «de pronto» a totalidade dos impostos presumidos em dívida, mas com dispensa do pagamento dos juros e multas que viessem a ser determinadas. No entanto, a empresa declara expressamente que não desiste das reclamações oportunamente apresentadas, porquanto decorrem negociações tendo em vista a alienação da maioria do capital social (da empresa).

Diferentemente dos requerimentos anteriores, o SEAF solicita agora informação a um adjunto do seu Gabinete.

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Aquele membro do Gabinete do SEAF, no dia 15 de Maio de 1990, admitindo que a empresa apresentou «em diversos anos uma situação financeira extremamente deficitária mercê de uma estrutura de custos estruturalmente desequilibrada»; que o exame à escrita efectuado pelos serviços de fiscalização, «motivado por denúncia radicada em factores de ordem exógena», apurou que a empresa terá procedido à realização de operações tributáveis sem que para tanto tenha operado a respectiva relevação contabilística; atendendo à oportunidade de proceder em termos vantajosos à alienação de toda a fábrica a um grupo empresarial que pretende entrar no sector, assim como ao pressuposto de que a «requerente dificilmente satisfaria» os montantes em dívida, os quais, presumidos como foram, até poderiam não corresponder aos efectivamente em dívida, propõe ao SEAF que «excepcionalmente se autorize o solicitado».

4.7 — Despacho de 21 de Maio de 1990 do SEAF. — Sobre a informação-parecer referida no ponto anterior o SEAF exarou o seguinte despacho:

Concordo.

Autorizo conforme proposto.

21 de Maio de 1990.— J. de Oliveira e Costa.

E a seguir:

O meu despacho de concordância tem muito a ver com o facto de me parecerem francamente exagerados os valores apurados, realidades de evidência meridiana, dado tratar-se de uma empresa que labora num sector que esteve em crise acentuada até ao limiar de 1987 e que há muitos anos vinha laborando com graves dificuldades.

A estes factos junta-se a oportunidade de transacção, que não deve ser inviabilizada, por dúvidas que possamos ter.

Deve, pois, ser enviada à empresa uma nova equipa de fiscalização tendo em vista rever todo o trabalho anteriormente feito com rigor e objectividade.

21 de Maio de 1990. — /. de Oliveira e Costa.

A Campos, S. A., foi notificada, em 30 de Maio, de todo o despacho de 21 de Maio de 1990, como expressamente o declarou na CEI o, ao tempo, seu presidente, Dr. Mota Figueiredo, lendo o ofício da DDF de Aveiro O pelo qual lhe foi comunicado o mencionado despacho do SEAF.

A transacção das acções representativas do capital social da Campos, S. A., foi concretizada em data posterior, com uma cláusula de salvaguarda da situação fiscal da empresa, como declarou à CEI o presidente da Caima (8).

4.8 — Despachos internos subsequentes do SAF. — Em 25 de Junho de 1990, inquirindo sobre o início de uma segunda acção de fiscalização, precisamente a determinada no seu despacho de 21 de Maio; em 2 de Julho de 1990, a insistir no sentido da realização da segunda fiscalização; em 9 de Julho de 1990 a deslocação do subdirector-geral da Fiscalização à cidade de Aveiro com a finalidade de colher a informação disponível na Direcção Distrital sobre o caso da Cerâmica Campos, atendendo às notícias que a comunicação social publicava sobre o caso da Cerâmica Campos e que revelavam a existência de elementos que o SEAF desconhecia.

4.9 — Memorando do subdirector-geral. — Nesse documento, o subdirector-geral da Fiscalização reconhece que

o trabalho executado pelos Serviços de Fiscalização de Aveiro foi «bem feito»; «que não é possível recorrer a outros meios senão à presunção» para corrigir a contabilidade da empresa; que é a sua convicção de que nova brigada de fiscalização não chegará a valores nem a conclusões muito diferentes dos apurados pela fiscalização da DDF de Aveiro; que a tributação pelo sistema do grupo A da Cl «implicará naturalmente uma impugnação judicial pela empresa que ela ganhará, com prejuízo para a Fazenda Nacional». E ainda a existência de elementos abrangidos pelo segredo dc justiça em processo crime no Tribunal de Instrução Criminal dc Aveiro.

4.10 — Despacho de 18 de Julho de 1990 do SEAF. — Sobre uma informação da Direcção de Serviços de Fiscalização de Empresas que consubstancia um «ponto de situação do exame à escrita da empresa Campos — Fábrica Cerâmicas, S. A., respeitante aos exercícios de 1984 a 1988» e que confirma omissões nos registos de vendas — reconhecidas pelo técnico de contas da empresa e admitidas pelos próprios administradores —, considera correcto o procedimento adoptado pelo Serviço de Fiscalização de Aveiro ao propor a aplicação aos exercícios dc 1984 a 1988 da empresa a aplicação do sistema do grupo B da Cl.

O despacho exarado pelo SEAF, evocando o extemporâneo conhecimento de elementos susceptíveis de influenciarem uma decisão final sobre o assunto, determina que deverá considerar-se prejudicado o seu despacho de 21 de Maio de 1990, na parte relativa à exünção dos processos de execução instaurados e levantamento das apreensões de bens para garanüa. No entanto, o SEAF insiste em que devem continuar os esforços tendentes à reconstituição da escrita da empresa para efeitos de decisão sobre a aplicação do regime do grupo B da Cl.

4.11 —Despacho n.°- 108190-Xi do SEAF. — Com um relatório que historicia, fundamenta e precisa o entendimento da administração fiscal e a sua actuação no «caso da empresa Campos, S. A.», bem como autoriza a tributação da empresa pelo regime do grupo B da Cl relativamente ao exercício de 1985.

III — Apreciação

5 — Delimitação

Tendo em conta a matéria de facto especificada, as questões suscitadas e resolvidas em sede de análise documental e a recolha de depoimentos escritos e orais, mostra-se conveniente arrumar as matérias sobre que incidirá o juízo, que no quadro do controlo dos actos do Governo é exigido a esta Comissão, de acordo com a seguinte condensação:

a) Critérios legais e económicos adoptados na concessão dc facilidades ou dispensa de pagamento de juros e multas pela aplicação do Decreto-Lei 53/88, de 25 dc Fevereiro, da administração fiscal;

b) Procedimento da administração fiscal quanto à definição da situação fiscal da empresa Campos — Fábricas Cerâmica, S. A., e suas eventuais implicações na compra das acções representativas do seu capital social pela Celulose do Caima:

0 Determinação da matéria colectável e dos impostos cm dívida — intervenção inicial do SEAF;

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ii) Concessão de facilidades ou dispensa de

pagamento de juros e multas — despacho de 25 de Maio de 1991 e sua fundamentação;

iii) Implicações na transacção entre a empresa Caima e sócios da Campos, S. A. — venda de acções representativas do capital social desta.

6 — Concessão de facilidades no pagamento de juros e multas

6.1 —O procedimento da administração fiscal, em matéria de concessão de facilidades de pagamento de juros e multas, vem descrito no ponto IX do relatório apresentado pelo SEAF à CEI com a observação de que «tanto quanto é possível assegurar, numa organização tão complexa como é a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos [...] todos os problemas postos tiveram o mesmo tratamento, quando equivalentes».

Seria materialmente impossível, no período de tempo de que dispunha a CEI, confirmar pela análise directa a conformidade da observação com a realidade.

Todavia, o método usado na aplicação do Decreto-Lei n.9 53/88, de 25 de Fevereiro, que instituiu um período de tréguas fiscais, afigura-se correcto e permitiu dispensar, na maioria dos casos, o despacho administrativo de concessão das facilidades.

Os problemas de maior complexidade localizar-se-ão nos casos em que houver presunção da matéria colectável e cuja orientação geral foi definida no sentido de que fosse aceite pela administração fiscal o pagamento do imposto presumido, sem juros compensatórios e com multa reduzida a 5 % ?)•

Quanto ao IVA, já se disse anteriormente, o princípio seguido foi o de não penalizar os contribuintes pelo funcionamento deficiente da administração fiscal, dispensando-se o pagamento dos juros à administração fiscal pelo atraso ou irregularidade na liquidação.

É de anotar o esforço desenvolvido nos últimos anos no sentido de introduzir transparência, objectividade e rigor na execução concreta da política fiscal, designadamente quanto à denominada despesa fiscal, onde se inclui a concessão de facilidades no pagamento de obrigações ü-t'6utárias. Não se pode também deixar dc salientar a disposição da recente Lei do Enquadramento do Orçamento do Estado no sentido de obrigar a publicação de todos os benefícios concedidos pela Administração aos contribuintes, pelo controlo que esta medida irá permitir quanto à uniformidade dos inúmeros actos concretos da Administração em matéria de concessão de facilidades no pagamento de obrigações tributárias.

Os casos individuais presentes à CEI não contrariam as orientações gerais definidas.

6.2 — A doutrina parece inclinar-se maioritariamente para a conclusão de que só em matéria de elementos essenciais dos impostos (incidência, taxa, benefícios fiscais) é que o princípio de legalidade da Administração revestirá a natureza de uma reserva absoluta da lei formal.

Revestindo os juros moratórios e compensatórios a natureza de sanção civil sujeita ao direito comum, podem ser objecto dc actos de disposição, desde que tais actos atendam ao interesse público c obedeçam aos limites do poder discricionário (10).

Convergentemente, admite o Prof. Gomes Canotilho que

o uso ou praxe administrativa poderá justificar a prática reiterada de actos por motivo de interesse público, não obstante a insuficiente ou mesmo inexistente base legal.

A dispensa do pagamento de juros poderá não ser conduta administrativa arbitrária quando se prove que tem como fundamento a satisfação do interesse público (viabilidade económica de empresas, estabilidade de postos de trabalho).

No mesmo sentido o Dr. Vítor Faveiro, que considera os juros compensatórios ou moratórios como «meios ou elementos de indemnização pelos danos decorrentes de factos ilícitos» com uma natureza diferente e inconfundível com a de obrigação tributária.

Entende-se ainda que não é de desprezar a observação avisada do Dr. Vítor Faveiro no sentido de que a exigência coerciva de juros pode produzir mais danos do que aqueles que o juro se destina a reparar, assim sucedendo nos casos em que o devedor da obrigação tributária, não possuindo património exequível suficiente para cobrir todas as suas responsabilidades, se disponha a cumprir a obrigação a pronto ou em prestações, se for dispensado do pagamento de juros. Não se trata em ta] caso de perdão mas sim de opção entre o recebimento do crédito com renúncia ou dispensa à indemnização e o não recebimento de qualquer valor com opção pelo lançamento da situação em termos de execução morosa, incerta, arriscada e inútil.

6.3 — Não obstante o que ficou dito quer quanto ao procedimento da administração fiscal em matéria de concessão de facilidades no pagamento de juros compensatórios e moratórios quer quanto à orientação da doutrina a que se teve acesso sobre a mesma matéria, seria interessante e útil avaliar os efeitos da Lei n.9 16/86, de 11 de Junho, que aprovou a amnistia [artigo l.9, alínea i)), sobre a regularização das situações fiscais. Todavia não se dispôs de elementos suficientes nem este é objecto do presente inquérito.

7 — O caso da Campos, S. A.

7.1 —A intervenção iniciai do SEAF. — O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais não aceitou como rigorosos e inquestionáveis os montantes apurados pela fiscalização levada a efeito no ano de 1989 a empresa Campos, S. A., por os considerar exagerados face ao conhecimento que ele próprio tinha do ramo de actividade em que a empresa se insere (durante vários anos em crise); por admitir que o «exagerado» volume dos proveitos poderia ter outra origem que não a actividade económica directa da empresa (actividade ilícita); por duvidar do rigor dos métodos usados na presunção dos rendimentos pelos serviços de fiscalização da DDF de Aveiro (um sistema posto de parte pela reforma fiscal); por estar convencido de que haveria continuidade jurídica entre a empresa J. P. Campos e a Campos, S. A. (possibilidade do reporte de prejuízos).

Todavia, apesar da atitude crítica do SEAF relativamente aos resultados da fiscalização da DDF de Aveiro, que irá pautar toda a sua intervenção no processo fiscal da empresa Campos, S. A., não se pode inferir que a empresa tenha sido protegida ou alvo de um tratamento mais favorável. A verdade é que o SEAF autorizou — e só ele o poderia fazer — a aplicação do sistema de tributação do grupo B da Cl, o que permiuu imputar à empresa Campos, S. A., proveitos extracontabilísticos do exercício de 1984 e coleclá-los em Cl, IT, IVA e outros impostos. Se assim não procedesse, à empresa aproveitaria a caducidade da

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liquidação respeitante ao mencionado exercício, como reconhece o director distrital de Finanças de Aveiro no seu depoimento.

Além disso, o SEAF, apesar das dúvidas que tinha quanto aos montantes presumidos, não aceitou a proposta do director de Serviços de Justiça Fiscal, no sentido de que fosse deferido o segundo requerimento da Campos, S. A., no qual solicitava a dispensa do pagamento de juros e multas respeitantes a impostos em dívida.

Obviamente que nenhum daqueles actos é censurável, nem em nosso entender o são as determinações no sentido de confrontar o trabalho dos serviços de fiscalização de Aveiro com os valores agregados do sector.

Estava o SEAF na presença de montantes presumidos de que duvidava. Procurou a resposta na utilização dos «índices» da DGCI, o que é perfeitamente justificável. São instrumentos de análise comparativa susceptíveis de evidenciarem desvios que tanto podem servir para agravar como para desagravar situações fiscais dos contribuintes.

O conhecimento que este tinha do sector, as notícias verdadeiras que corriam sobre um processo crime — contrabando — que envolvia a administração da Campos, S. A., e o método utilizado pelo NFE de Aveiro podem justificar as reticências relativamente aos valores apurados pela fiscalização da DGF.

É legítimo ao membro do Governo procurar averiguar do rigor e objectividade dos trabalhos de natureza técnica que lhe são submetidos para definição de um direito subjectivo, para uma decisão definitiva. Trata-se de um comportamento que se subsume no quadro dos poderes de orientação c tutela, sempre exigível no caso de um despacho que não aceita a fundamentação técnica como suporte de decisão. Não se vislumbra neste procedimento do SEAF qualquer irregularidade, ilegalidade ou até menor consideração devida aos subordinados.

A intervenção do SEAF, em casos da natureza e complexidade como a do que se aprecia, é justificável e foi, aliás, solicitada por diversas vezes. Ao membro do Governo é que compete assegurar os valores da imparcialidade e da uniformidade da actividade administrativa, como fazer prevalecer o interesse público.

«A intervenção do Secretário de Estado como instância de recursos, revisão ou substituição é necessária como instância mais qualificada para realizar a interpretação/ aplicação das normas de direito fiscal nos quadros do sistema jurídico português, não só porque é membro do Governo como porque lhe compete orientar a execução de política fiscal (")•» No caso em apreço, a intervenção do SEAF, mesmo determinada pelo facto de considerar exagerados os montantes presumidos, não se desviou da defesa dos interesses do Estado (Fazenda Nacional). Prova-o a decisão sobre a aplicação do sistema de tributação do grupo B da Cl. Nem deixou de se pautar por propósitos de rigor e objectividade, como resulta do seu procedimento relativamente à não aceitação da proposta da Direcção de Serviços de Justiça Fiscal.

7.2 — O despacho de 21 de Maio de 1990 do SEAF. — Parece não haver dúvidas —reconhece expressamente o próprio Secretario de Estado dos Assuntos Fiscais e testemunham-no as empresas Campos, S. A., e Celulose do Caima— de que o terceiro requerimento da Campos, S. A., que mereceu o despacho de 21 de Maio de 1990 do SEAF, é originado pela necessidade de clarificar e quantificar a situação da empresa perante o Fisco, tendo em vista a venda de um substancial lote de acções representativo do seu capital social, precisamente à Celulose do Caima.

Nesse seu terceiro requerimento, a Campos, S. A., solicita: que seja aceite o pagamento dos impostos em dívida com dispensa de pagamento de juros e multas; que sejam declarados extintos os processo de execução pendentes; que se considere, para o efeito de encontro de contas, a quantia já paga pela empresa; que a decisão que venha a merecer o requerimento não prejudique as reclamações contra os montantes presumidos oportunamente apresentados pela empresa e das quais não desiste.

Sobre o requerimento, informado por um membro do seu Gabinete, decidiu o SEAF, admitindo que o fazia com fundadas dúvidas sobre os montantes presumidos e a sua conformidade com a actividade real da empresa, mas que a transacção não deveria ser inviabilizada.

Determina ainda no mesmo despacho a realização de uma segunda fiscalização que reveja todo o trabalho, com rigor e objectividade.

Embora o despacho de 21 de Maio de 1990 do SEAF tenha recaído sobre uma informação com o n.9 162/90, elaborada por um membro do seu Gabinete, que se pronunciava no sentido de ser dada resposta favorável aos requerimentos formulados pela Campos, S. A. (consideração da quantia de 1 018 920S paga; dispensa do pagamento de juros e multas; extinção das execuções instauradas e levantamento das apreensões; não preclusão das reclamações efectuadas), não é linear que ele tenha concordado com toda a informação, sobretudo com o seu alcance.

No mencionado despacho de 21 de Maio de 1990, o SEAF renova as dúvidas sobre os montantes presumidos, que lhe parecem francamente exagerados, pois que se trata de uma empresa que vinha laborando com graves dificuldades num sector que esteve em crise acentuada até ao limiar de 1987 e determina uma nova fiscalização, tendo em vista rever todo o trabalho anteriormente feito, com rigor e objectividade.

Cerca de um mês depois o SEAF, indagando sobre o início da fiscalização ordenada, reiterará as suas dúvidas sobre os montantes presumidos e sublinhará não ter querido prejudicar o processo negocial em curso.

Resulta claro que o SEAF nunca considerou definitiva a situação da empresa perante o Fisco. O seu despacho pecara todavia por não consubstanciar uma «resposta clara e fundamental» ao pedido da empresa Campos, S. A., talvez porque tenha querido conciliar a viabilização da transacção em curso com a não definição da situação tributária da empresa e simultaneamente arrecadar para os cofres do Estado a quantia de 181 563 contos, a pronto, o que de outro modo não iria conseguir.

O despacho de 21 de Maio de 1990 do SEAF não é constitutivo, definidor de um direito subjectivo.

Não tem, por isso, carácter conclusivo, fazendo depender a definição da situação do contribuinte dos resultados de uma segunda fiscalização que apurasse valores reais, que com «rigor e objectividade» fixasse definitivamente, a obrigação fiscal. A definição da situação fiscal da empresa Campos, S. A., ficou suspensa por uma condição: os resultados da nova fiscalização determinada cm 21 de Maio de 1990. Trata-se do estabelecimento dc uma condição voluntária dc eficácia do acto administrativo praticado (12).

Nem a empresa requerente quis que o despacho que viesse a recair sobre o seu terceiro requerimento fixasse definitivamente a sua situação tributária, porquanto expressamente declarou naquele seu requerimento não desistir das «reclamações oportunamente apresentadas».

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Assim, pode admitir-se que o recebimento dos 181 563 contos equivale a um «pagamento por coma» permitido pela legislação fiscal (CPCI e Decreto-Lei n.9 705/76, de 30 de Setembro).

Traía-se, obviamente, de uma questão essencialmente jurídica que acabará por ser dirimida no STA, que conhecerá ou não da irrevogabilidade do acto administrativo fiscal praticado pelo SEAF em 21 de Maio de 1990, mas por certo que não deixando de ter em conta «as condições e os termos da sua projecção no mundo das situações jurídicas concretas» que interferiram claramente na sua eficácia jurídica.

7.3 — Repercussões na transacção entre os sócios da empresa Campos, S. A., e a Celulose do Caima. — Parece--nos que não se trata de uma questão essencial, porquanto a definição da situação da Campos, S. A., perante o Fisco foi prevenida no âmbito de uma cláusula de salvaguarda da regularização da situação fiscal, como é usual preverem contratos desse natureza e com objecto semelhante. De resto isso mesmo admitiu o presidente da Caima nas declarações que prestou à CEI.

De qualquer modo a questão tem mais a ver com o preço do contrato, que se ampliará ou reduzirá na razão inversa do débito fiscal, do que com a eficácia, condicionada ou não, do despacho de 21 de Maio de 1990 da SEAF. Isto mesmo foi admitido pelo então presidente do conselho de administração da Campos, S. A., em declarações que prestou à CEI, declarando estar à espera da definição da situação perante o Fisco da Campos, S. A., para receber o remanescente do preço da venda das acções.

O âmbito da relação jurídica entre sócios da Campos, S. A., e da Caima tendo em vista a aquisição de uma pane substancial do capital social daquela, não é e não deve ser objecto do inquérito, ou mesmo análise, da CEI.

De qualquer modo, sempre se sublinhará que a Campos, S. A., foi notificada de todo o despacho de 21 de Maio de 1990 do SEAF, tendo, por conseguinte, tomado conhecimento da situação fiscal da empresa, ao mesmo tempo. Se assim não fosse, ninguém conseguiria explicar a razão de ser da determinação da segunda fiscalização à empresa a efectuar com «todo o rigor e objectividade».

IV — Conclusões

Em face de tudo quanto antecede somos chegados às seguintes conclusões:

l.' O procedimento da administração fiscal, em matéria de concessão de facilidades no pagamento de juros compensatórios ou moratórios e multas, observou, em regra, o disposto na Lei n.9 16/86, de 11 de Junho, ou as determinações do Decreto--Lei n.9 53/88, de 25 de Fevereiro, com excepção

das decisões tomadas no âmbito da aplicação do

imposto sobre o valor acrescentado, onde o princípio geral, e uniformemente adoptado foi o de não penalizar os contribuintes por culpa de deficientes liquidações imputável à administração fiscal;

2.9 A intervenção do SEAF na fase inicial do processo tributário da empresa Campos, S. A., com o sentido de confirmar os montantes presumidos pelos Serviços de Fiscalização da DDF de Aveiro é justificável face aos escassos elementos que sobre a actividade da empresa eram então do seu

conhecimento e operou-se no quadro do poder/ dever de orientação e tutela de que está incumbido. É ao membro do Governo que compete fazer prevalecer o interesse público e assegurar a uniformidade da actividade administrativa;

3.' O despacho de 21 de Maio de 1990 do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, embora sobre um parecer pouco claro e exarado com deficiente formulação jurídica, é um despacho administrativo condicionado por fazer depender a sua plena eficácia dos resultados de uma nova fiscalização à escrita da empresa Campos, S. A., devendo entender-se a quantia entregue pela empresa como um «pagamento por conta» de um débito fiscal ainda por determinar com definitividade. Todo o despacho do SEAF exarado no dia 21 de Maio de 1990 foi comunicado à empresa Campos — Fábricas Cerâmicas, S. A.

4.' Aos intervenientes no contrato de compra e venda de um substancial lote de acções representativas do capital social da empresa Campos, S. A., foi comunicado todo o despacho de 21 de Maio de 1990 do SEAF, pelo que se pode concluir que deviam estar cientes da determinação da segunda fiscalização à escrita da empresa, e das suas consequências.

Como é evidente, a nova fiscalização tanto poderia apurar um débito fiscal de montane global inferior ao presumido pela DDF de Aveiro, conforme desejavam os intervenientes na transacção do lote de acções representativas do capital social da Campos, S. A., e admitia possível o SEAF, como determinar um valor superior, o que veio efectivamente a acontecer.

O resultado apurado pela segunda fiscalização efectuada à escrita da empresa Campos, S. A., fixa definitivamente a sua situação perante o Fisco, e poderá ter que ver com o valor da transacção do lote de acções, mas é subsumível no âmbito de uma usual cláusula contratual de salvaguarda de regularização da situação fiscal;

5.' Os indícios referidos em órgãos da comunicação social e em declarações prestadas perante a CEI pelo jornalista do Expresso Dr. António Marinho sobre eventual arbitrariedade na concessão de facilidades no pagamento de juros e multas, prática de perdões fiscais para proteger empresas, amizades pessoais com incidência política, celeridade — não habitual — do despacho de 21 de Maio 1990, elaboração do terceiro requerimento e do parecer do adjunto do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais na Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, não sendo apoiados por qualquer meio de prova, são objectivamente insuficientes para fundamentar qualquer juízo do mesmo de mera probabilidade quanto à transparência ou equidade do comportamento da administração fiscal no processo da Cerâmica Campos.

Os indícios elencados no parágrafo anterior assentam, como expressamente declarou perante CEI quem os publicitou, em convicções pessoais ou em factos ou actos de que tomou conhecimento por terceiros;

6.! O inquérito não apurou factos que permitam fundamentar qualquer juízo de censura indiciador de uma responsabilidade penal ou mesmo de uma

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actividade administrativa culposa imputável ao Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

A investigação a que se procedeu permite sim concluir pela conveniência em introduzir aperfeiçoamentos gerais nos meios de defesa dos contribuintes e em particular no que toca a esta matéria dos perdões de multas e juros fiscais as alterações destinadas a conferir parâmetros cada vez mais claros e precisos para o exercício do poder administrativo discricionário que tem caracterizado a competência dos membros do Governo com autoridade no domínio fiscal.

Palácio de São Bento, 12 de Junho de 1991. — O Deputado Relator, Álvaro Cordeiro Dâmaso.

(') Projectos de resolução n.°* 20/V e 21/V. O Ofício n." 2/CEI/SEAF/91. 0) Relatório preliminar.

(4) V. pp. 42 a 47 do relatório apresentado pelo SEAF. C) V. pp. 125 e seguintes do relatório do SEAF. (*) V. informação do director-geral do SIVA remetida à CEI em 28 de Maio de 1990.

O V. depoimento prestado. C) V. depoimento prestado. O P. 128 do relatório.

("0 V. parecer do Prof. Doutor Alberto Xavier. (") V. a este propósito o parecer do Prof. Diogo Leite Campos. (I2) V., a propósito, A Revogação dos Actos Administrativos, do Doutor José Robin de Andrade.

Nota. — O relatório foi aprovado com votos a favor do PSD, do PRD e do CDS e votos contra do PS e do PCP.

ANEXO Despacho n.9 108/90-XI

1 — A expressão pública que indevidamente veio a tomar aquilo que passou a designar-se pelo caso «Campos» aconselhava ao seu tratamento definitivo através de um único despacho. Contudo, aproximando-se rapidamente o prazo de caducidade dos impostos referentes ao ano de 1985, deve esta lógica ser preterida, avançando-se, desde já, com a apreciação final relativa a esse ano.

Pelo meu despacho de 21 de Maio de 1990, determinei que a Campos — Fábricas Cerâmicas, S. A., fosse objecto de uma nova acção de fiscalização, dado que os elementos de que então dispunha suscitavam fundadas dúvidas sobre a correcção das conclusões para que apontava a informação dos Serviços de Fiscalização Tributária da DDF de Aveiro.

Na verdade, a consulta à base de dados da contribuição industrial do sector do barro vermelho — CAE 369 110 — colocava desde logo em evidência um enorme desfasamento entre os lucros apurados por presunção e os dados agregados da referida base, mesmo considerando o terceiro quartil, circunstancialismo que dificilmente se ajustava à situação de um sector reconhecidamente em crise.

Acrescia a conhecida ligação de um elemento da gerência da empresa a toda a problemática do contrabando de Aveiro, realidades que, conjugadas com a relevância atribuída pela equipa de fiscalização da DDF Aveiro às contas bancárias movimentadas pela administração e pretensamente «alimentadas» por vendas feitas à margem dos registos contabilísticos, determinaram a convicção de que esses rendimentos podiam não ler sido gerados na empresa.

Também a alteração do regime de tributação preconizada pela DDF Aveiro na base do § 1.° do artigo 54.9 do CCI se revelou carecida da indispensável invocação e demonstração da existência das razões objectivas que tornassem impossível a determinação da matéria colectável pela escrita. Aliás o procedimento adoptado na presunção do valor das vendas baseado na amostragem (não científica) dos documentos de suporte às contas da empresa — 10 facturas dos primeiros 10 dias de Janeiro mais 10 facturas dos segundos 10 dias de Julho mais 10 facturas dos terceiros 10 dias de Dezembro e consequente extrapolação para o ano inteiro — configura, pela sua evidente subjectividade, o exemplo talvez paradigmático da discricionariedade que importa afastar aquando do recurso à mutação do regime de tributação, nos termos do normativo citado.

Finalmente, tinha-se naquela oportunidade como pressuposto adquirido que a empresa detinha prejuízos acumulados suficientes para absorver os lucros que eventualmente viessem a ser determinados por recurso à reconstituição da escrita.

3 — Como decorrência lógica do exposto, toda a disciplina fixada no aludido despacho não poderia deixar de revestir uma natureza eminentemente precária, posto que condicionado aos resultados da acção de fiscalização que através dele ordenei.

E se esta é a solução que decorre da sua letra, à mesma seremos levados no campo da coerência dos princípios. Pois se a proposta da nova equipa de fiscalização reflecte o rigor e a objectividade solicitados, não se anteolha como se poderão rejeitar as propostas inicialmente formuladas, sem automaticamente pôr em causa o despacho que sobre elas recaiu, a menos que, como é o caso, se aceite o seu carácter precário.

Convirá ainda sublinhar que o recurso a este expediente, tendo por causa a superação das dificuldades colocadas à transacção da empresa, radica a sua justificação num juízo de viabilidade da mesma c de total impossibilidade para gerar produção que desse lugar a tão elevadas quantias de facturação paralelas, como as apontadas pela DDF de Aveiro.

Neste enquadramento, o meu despacho não poderá ser entendido senão como dirigido ao recebimento de um montante que de facto só parcialmente constituía o pagamento de dívidas ao Estado, no convencimento de que o excedente seria o bastante para cobrir todas as dívidas já debitadas para cobrança ou ainda por liquidar, incluindo juros e multas.

Não parece na realidade vislumbrável outro entendimento, se se atentar que em primeiro lugar, como acima se esclarece, se estava numa fase em que a questão da existência de dívidas se encontrava decidida afirmativamente apenas relativamente ao ano de 1984 e, em segundo, porque não se encontrando os cofres do Estado em condições de legalmente exigir o pagamento de quaisquer impostos, juros ou multas reportados ao ano de 1985 e seguintes, não poderia qualquer despacho dispor com eficácia sobre uma realidade então desconhecida nos seus aspectos qualitativo e quantitativo.

4 — Clarificadas e demonstradas as preocupações que, de forma expressa ou implícita, procurei imprimir ao despacho em apreço, seria normal esperar, por parte dos seus destinatários ou não, a aceitação dessa disciplina, até à decisão final a proferir na sequência da fiscalização que então determinei. Todavia, têm-se-Ihe pretendido assacar efeitos constitutivos de direitos, aduzindo-se com esse

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objectivo a circunstância de, no plano literal, o despacho e o documento que lhe serve de suporte inculcarem um irrestrito perdão de juros e multas.

Mantendo embora que a formulação do despacho é insuscepü'vel de tal previsão, mas admitindo como hipótese académica a sua possibilidade, importa então conhecer o concreto alcance do sobredito entendimento.

Antes de mais, a assumpção dessa posição terá de levar em linha de conta a circunstância de a informação sobre a qual o despacho em apreço foi exarado se referir textualmente à «totalidade impostos em dívida». Ora, conforme deixei já evidenciado, naquela data como ainda hoje, só estavam liquidados impostos relativos ao ano de 1984. E, assim sendo, a alegada dispensa de juros e multas nunca poderia referir-se aos que, eventualmente, vierem a ser determinados na decorrência do acto de liquidação dos impostos relativos ao ano de 1985 e seguintes. Este princípio, que se me afigura intocável, a admitir-se a tese de o despacho comportar efeitos constitutivos de direitos, seria então determinante para a consideração dos juros e multas fixados para o ano de 1984, no montante de 26 353 contos, como dispensados.

Porém, a eventual defesa e acolhimento de uma solução assim prefigurada seria causa justificativa bastante, aí sim, para se inflectir na doutrina fixada na matéria pelo meu despacho, uma vez que, tendo a conduta do seu destinatário dado causa a erros de facto, se considera estarem em aberto condições objectivas de revogabilidade do meu despacho de 21 de Maio de 1990, na parte que se entenda haver perdoado os juros e multas.

De facto, parte da documentação disponibilizada pela empresa em complemento dos requerimentos entregues determinou na análise do processo uma errada concepção e valoração do interesse público, resultante da convicção criada no sentido de a Campos deter em Dezembro de 1983 prejuízos acumulados de 660 000 contos, susceptíveis de serem deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais cinco anos posteriores.

Ora, esses prejuízos acumulados respeitavam à empresa J. P. Campos & Filhos, S. A., entidade jurídica diversa da Campos, facto que naturalmente impossibilita o respectivo reporte, sendo certo que essa realidade só veio ao meu conhecimento em 10 de Julho de 1990.

5 —Tendo-me sido agora presente o relatório do exame à escrita da Campos — Fábricas Cerâmicas, S. A., relativo ao ano de 1985, em conformidade com o por mim determinado, pode constatar-se, através dele, um efectivo desfasamento entre a contabilidade da empresa e a sua real actividade, bem como a impossibilidade de reconstituição da sua escrita mesmo na base de elementos extraconta-bilísticos. Desde logo, não foram apresentados os registos diários de produção, circunstancialismo que impossibilitou a determinação do lucro tributável do exercício. Por esse facto, a quanudade de produtos vendidos em 1985, à margem da contabilidade, foi presumida na base dos registos da produção efectiva de 1988, enquanto a determinação do preço médio aplicado às vendas feitas à margem da contabilidade assentou no preço real das vendas, recolhido por verificação directa dos valores constantes da contabilidade da empresa. Na verdade, pode agora confirmar-se que as contas bancárias movimentadas pela administração da empresa eram, de facto, numa parte substancial, alimentadas com o produto das vendas não reflectidas nos registos contabilísticos.

Releve-se a propósito a circunstancia dc a empresa haver sido notificada no sentido de apresentar todos os

documentos consabidamente existentes e susceptíveis de propiciarem a reconstituição da escrita, designadamente justificativos de despesas efectuadas mas não evidenciadas contabilisticamenie, o que não fez, alegadamente porque os mesmos estavam indisponíveis, por se encontrarem apreendidos e apensos a um outro processo que corre os seus tramites no 3.* Juízo, l.! Secção, do Tribunal de Instrução Criminal dc Aveiro, conforme expressamente se refere no auto de declarações junto ao dossier da nova fiscalização. Deste modo, ficou demonstrada a impossibilidade objectiva de determinação da matéria colectável pelas regras específicas do grupo A.

Não se verificando em conformidade as circunstâncias atípicas previstas na lei para a manutenção do direito que assiste à empresa de ser tributada pelo regime do grupo A, autorizo que o seu lucro tributável seja determinado nos termos conjugados do artigo 114.° e do § 4.° do artigo 54.", ambos do CCI.

6 — Atendo-me, então e agora, aos resultados desta nova acção dc fiscalização, julgo que comprovantes existem para a bondade das razões que a determinaram.

Em primeiro lugar, porque das diferenças resultantes entre os lucros apurados pela primeira fiscalização e os elementos fornecidos pela base de dados da contribuição industrial do sector do barro vermelho resultava para a Campos, uma rentabilidade fiscal que, por exemplo, no ano de 1986, era seis vezes superior ao conjunto de empresas mais eficientes, realidade que, a não ser confirmada, suscitaria sempre as mais fundadas dúvidas sobre o rigor adoptado na presunção efectuada.

Veja-se a este propósito a posição da empresa com os lucros fornecidos pela primeira fiscalização, no quadro da rentabilidade do sector, em anexo. Para o ano de 1985 o número de empresas constantes do cadastro é de 353, que, no seu conjunto, apresentam a rendibilidade fiscal de 27,1 % no primeiro quartil, 88 % na mediana e 0,5 % no terceiro quartil, enquanto a posição da Campos com base nas já aludidas presunções se eleva a 3,49 %. Nesse mesmo ano de 1985 os lucros gerados no sector deram lugar à contribuição industrial global de 20 291 contos, contribuição industrial que para a Campos ascenderia a 3970 contos.

Em segundo lugar, porque o relatório dessa fiscalização, embora fruto de um trabalho que importa reconhecer foi meritório, para além de não demonstrar a impossibilidade de determinação da matéria colectável pela escrita, se apoiou cm critérios dotados de manifesta subjectividade' na fixação dos lucros presumidos.

E tanto assim é que, de um ratio de rentabilidade de 3,49 para 1985, a segunda fiscalização vem propor um lucro tributável de que resulta para esse mesmo ano uma rentabilidade fiscal de 0,91, valor que, sendo ainda superior ao do terceiro quartil (0,5), dele se aproxima em termos que poderão considerar-se normais para uma empresa que releve nesse sector.

Esta constatação permite, mesmo assim, questionar a verdade fiscal do sector, dado que não é normal esperar de uma empresa em fase de relançamento (a sua produção iniciou-se em Maio do ano anterior) uma rentabilidade com tal expressão. As consequências desse facto decorrentes retirar-se-ão, naturalmente, em sede própria.

Acresce a substancial redução agora proposta para o lucro tributável da empresa, que de 9880 contos passa para 2521 contos, em resultado das preocupações de rigor adoptadas na determinação da quantidade de produtos vendidos à margem da contabilidade e dos preços médios

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reais das vendas, circunstancialismo determinante para que o imposto presumido passe de 3308 contos para 756 contos.

7 — Finalmente, dou o meu acordo à forma e ao resultado do novo apuramento feito relativamente às vendas efectuadas à margem da contabilidade, para efeitos do imposto de transacções, bem como aos restantes procedimentos propostos neste domínio.

8 — Em conformidade e para satisfação integral de toda a dívida relativa ao exercício de 1985 — impostos, juros e multas que ao caso couberem —, deve utilizar-se o quantitativo pecuniário a mais entregue nos cofres do Estado e ainda não afecto à satisfação das dívidas relativas ao ano de 1984.

9 — Notifique-se de imediato a empresa.

8 de Novembro de 1990. —J. de Oliveira Costa.

Declarações de voto

Votei a favor do relatório porquanto (tendo seguido com atenção todas as inquirições efectuadas pelos colegas especializados em matéria fiscal, que, aliás, desde o início, tinham já um conhecimento profundo das questões em apreço, anteriormente debatidas na Comissão Parlamentar de Economia), considero que se pôde fazer uma investigação séria, propriciadora de uma votação decidida em consciência.

O debate essencial, neste momento, prende-se com a análise das peças jornalísticas que lhe deram origem e do texto com que se fecha o inquérito, ou seja, o relatório.

Em jeito de comentário global às peças referidas e às respostas dos inquiridos na Comissão, cumpre realçar que os textos da imprensa se baseiam em factos que os inquiridos não comprovaram, sendo certo que esses factos sempre seriam irrelevantes mesmo que tivessem sido comprovados, a menos que nos tivessem levado, isso sim, a outros factos com implicações directas na legalidade da actuação da administração fiscal.

Que importa, para a estrita questão da legalidade do despacho governamental, analisar o tipo de letra que enforma o requerimento da Campos que teve solução favorável? Se é igual ou não ao de uma máquina de escrever da SE? Que importa, por si só, que, para acelerar o resolução de um problema urgente, de que dependia uma transacção que podia salvar uma empresa, com tudo o que isso significa no plano dos interesses económicos e sociais da região e do País, se disponibilizasse o uso de alguma máquina, porventura livre, existente nos serviços?

Isto não ficou provado, mas mesmo que pudesse criticar--se esta cortesia da Administração, o que nunca poderia era concluir-se pela ilegalidade dos despachos, apelidando--os «de favon>, a partir do facto de a máquina usada ter sido da Administração.

É um indício de amizade entre entidades da Administração e da empresa? Mas isto, mesmo que se tivesse provado, o que não aconteceu, poderia funcionar apenas como pista para investigar se o despacho favorecera ilegalmente a empresa. Se isto acontecesse, então saberíamos a explicação. Não havendo ilegalidade, todos os chamados «indícios» ou «pistas» perdem qualquer interesse.

Que importa que o SE tenha recebido os representantes da empresa Campos e da Caima? Que o dono da Campos

tivesse sido pensado para possível cabeça de lista a uma dada câmara municipal da região por alguém do partido do SE? Que o SE entendesse ser importante ajudar à alienação das acções da Campos, salvando assim a empresa, desde que o faça dentro do quadro legal?

O que importa averiguar é se a Administração favoreceu a Campos, «enriquecendo-a» ilegitimamente ou aos seus sócios ou se, pelo menos, os favoreceu em relação a terceiros, de modo intencional, usando claramente dois pesos e duas medidas. O articulista assim pensava, crendo que o SE efectuava «perdões» para empresas tituladas em apoiantes partidários distritais e não o fazia em relação a adversários. Mas apenas se tomou conhecimento de dois casos no distrito: a Campos e as Caves Aliança, e ambos tiveram o mesmo tipo de resposta do SE. Aliás, este, mal se apercebe dos erros nas informações sobre que se baseara, imediatamente modificava o seu despacho, que aliás tem em si próprio (independentemente da justificação que dá para as diligências que toma) a origem dos esclarecimentos correctores porque foi ele que ordenou uma segunda fiscalização. Tudo isto mostra a boa-fé, a intenção de jogar com a verdade, mesmo que, por informações erradas que tem, a verdade com que contava fosse outra.

O que importa é saber se o tratamento dado à Campos prejudicou o Estado de modo indevido. Se tratou a Campos em termos que não têm cobertura legal ou vão claramente contra o enquadramento do nosso ordenamento jurídico (não como gostaríamos que ele fosse, e poderá vir a ser no futuro, depois dos melhoramentos que se forem considerando úteis, mas tal como ele é).

Ora o SE ou actuou no âmbito dos Decretos-Leis n.°* 16/86 e 53/88 ou enquadrou as soluções em termos da procura da justiça fiscal, que à Administração também incumbe, desde que proceda com equidade.

Quer a exegese dos textos quer os testemunhos trazidos à Comissão levam à conclusão da inexistência de elementos que tornem censurável quer a administração fiscal em geral, quer a actuação do SE (independentemente de numa sociedade democrática dinâmica ser desejável que se vão introduzindo melhoramentos legislativos que acautelem, cada vez mais, os direitos e clarifiquem os deveres dos contribuintes).

A esta Comissão compete efectuar um juízo político sobre o comportamento do Secretário de Estado, mas esse juízo não pode ser feito à margem dos juízos jurídicos sobre esse comportamento.

Não que devamos julgar, substituindo-nos aos tribunais na apreciação do valor e do alcance dos despachos, mas valorando o comportamento que sempre ficaria politicamente em causa se, no mínimo, não se conformasse conscientemente com os limites legais cm que pode actuar. Ora, quanto ao ponto essencial do inquérito e com maior projecção na opinião pública —os perdões à empresa Campos — a analise fundamental da actuação do SE, que nos interessa, prende-se apenas com a análise do seu comportamento ligado ao proferimento do seu despacho de 25 de Maio de 1990.

E a Comissão concluiu, sem qualquer margem de dúvida, que o teor da decisão do SE (tendo embora dois textos datados e rubricados no mesmo dia) foi comunicado na totalidade e no mesmo momento, ou seja, como um todo, aos destinatários.

Assim, não nos importa tanto saber se o despacho é constitutivo de direitos e com que amplitude —questão que interessa à Campos e à Caima e a dirimir apenas pelo poder judicial, o qual não nos compete suosíiíUir —, mas

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sobretudo constatar que esse despacho, independentemente da sua maior ou menor correcção formal, se baseou em notas e informações dos serviços, em estudos de rentabilidade do sector existentes na altura — e que seriamente se procurou testar quando se colocaram sérias reservas à sua veracidade— e a dados transmitidos pela própria empresa. O que permite compreender o estado de espírito do SE, e portanto o seu desejo de rever posteriormente esse despacho, corrigindo a sua posição anterior, mostrando claramente, independentemente da questão da sua eficácia a ditar pelos tribunais, que não perseguia um desejo de favorecimento de alguém mas apenas de fazer justiça, mesmo que tenha errado por má informação, que não lhe é imputável, não lhe sendo exigível, na altura, outro tipo de conhecimento da situação em que baseara o seu despacho. É este desejo de perseguir a justiça fiscal que tem que ser aqui ponderado, independentemente da decisão que o poder judicial, a final, vier a tomar sobre esse segundo despacho.

Que o enquadramento dos diferentes despachos não tem uma interpretação com um único sentido, mostra-o os pareceres divergentes da doutrina apreciada. E mesmo que todos os juristas os considerassem viciados (o que não acontece, sendo perfeitamente admissível, para o efeito do nosso juízo de censura, a consciência, pelo SE, da não legalidade da sua actuação ou, pelo menos, a culpa do mesmo ao actuar erradamente, para poder merecer o nosso juízo políüco negativo, o que não acontece de todo em todo, antes se inserindo a sua actuação em práticas, praxes, da administração fiscal.

Não posso deixar de felicitar o relator quer pelo carrea-mento dos elementos fácticos e de algumas notas doutrinais pertinentes, quer pela sistematização bem conseguida apesar da densidade da matéria seleccionada, quer fundamentalmente por ter valorizado correctamente os elementos apurados. Como não posso deixar de felicitar o presidente da Comissão pelo modo como organizou os trabalhos (pcrmiündo a eficácia necessária ao cumprimento atempado do inquérito) e pela proposta conclusiva, de ordem construtiva, não ligada embora ao inquérito (visando necessariamente a actuação da pessoa do SE), mas pertinente e útil, porque, aproveitando a reflexão global, faz o apelo a um impulso que pode levar à melhoria do quadro legislativo sobre a matéria dos chamados «perdões fiscais», o que, tal como em geral a melhoria de toda a temática da actuação da administração fiscal, sobretudo quando mexe com os direitos e os deveres dos cidadãos, deve ser saudado.

O Deputado do PSD, Fernando Condesso.

O deputado abaixo assinado, do Partido Socialista, vota contra o relatório e conclusão da Comissão Eventual de Inquérito aos alegados perdões fiscais atribuídos ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, pois pelo mesmo são omitidos, ou não suficientemente relatados, depoimentos e factos ocorridos no seu âmbito, de entre os quais destacamos:

Y) Omtie-se o facto, devidamente provado, de uma reunião prévia que antecedeu o despacho de 21 de Maio de 1990, realizada no dia 2 de Maio de 1990 na Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais — em que estiveram presentes, para além do SEAF, o

presidente da empresa Cerâmica Campos, o presidente da Celulose do Caima, o representante da Ernest Young e o representante da DECA — na qual foram dadas peremptórias garantias de perdão das multas e juros compensatórios, formulando a Cerâmica Campos o requerimento apresentado em 15 de Maio de 1990, com base nos elementos previamente assentes entre o SEAF e os outros intervenientes;

2) Omite-se o facto de o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, quer na documentação que enviou à Comissão Eventual de Inquérito quer quando pela mesma foi inquirido, nunca se haver referido à aludida reunião onde tudo foi decidido;

3) Não se avaliam em profundidade as razões de ser da convicção do SEAF do exagero dos valores encontrados pelos técnicos da DDF de Aveiro e a sua conexão com o despacho do SEAF de 21 de Maio, quanto à nova fiscalização, que teria como único objectivo, confessamente por parte do SEAF, alterar para menos os valores encontrados pelos técnicos do DDF de Aveiro;

4) Relatos que confirmam este entendimento foram prestados pelo presidente da Cerâmica Campos e pelo presidente da Celulose do Caima e não foram desmentidos pelos restantes intervenientes, facto que jusüfica a ausência dc reacção ao despacho do SEAF em que ordenava a realização de uma nova fiscalização, pois a mesma, nos termos do acordado na aludida reunião, não prejudicava o despacho de perdão de multas e juros compensatórios, tendo apenas como único objectivo reduzir a matéria colectável;

5) Assim, a propalada precariedade do despacho de 21 de Maio de 1990 invocada pelo SAEF em que se perdoam juros e multas poderá até encontrar qualquer justificação jurídica, do que os órgãos competentes não deixarão de ajuizar. Para o que não existe justificação é para defraudar a boa-fé e credibilidade que os particulares devem ler nos compromissos formalmente assumidos por um membro do Governo. Aliás, a questão da precariedade do despacho foi invocada apenas depois de a imprensa ter levantado a questão do perdão concedido, sendo nossa convicção de que se o assunto não fosse tomado público, nunca se argumentaria com a aludida precariedade, transformando-se em definitivo o que ora se diz ser provisório;

6) Não se provou a concomitância da nota confidencial do SEAF, exarada sobre a informação n.B 162/90, com o despacho de perdão dos juros e multas à Cerâmica Campos, S. A.;

7) Não foram desmentidas afirmações produzidas nas inquirições realizadas pela Comissão de que no âmbito da Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais a maioria dos despachos era dada em função de compadrios e das ligações políticas dos requerentes;

8) Provou-se em face da documentação enviada à Comissão pela SEAF que o tratamento de situações fiscais análogas nem sempre foi homogéneo, indiciando discricionariedade dos serviços que numas situações apunham o seu parecer de despacho favorável e remetiam à consideração superior, limitando-se noutras situações a indeferir liminarmente o requerimento, sem que para tanto

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carecessem de remeter a sua decisão à consideração superior;

9) Ignora-se o facto de todos os pareceres solicitados pelo SE AP quanto à legalidade do acto vedarem a este o perdão das multas aplicadas, concluindo da reserva absoluta da lei para o efeito, limitando-se neste capítulo a Administração a regular a aplicação das multas, atendendo ao grau de culpa e causalidade.

De tudo resulta que no mínimo se verificou incúria e superficialidade por parte do SEAF, pelo que, nestes termos, o inquérito devia concluir por uma censura política.

Assembleia da República, 12 de Junho de 1991. — O Deputado do PS, António Domingues de Azevedo.

1 — Todos os depoimentos relevantes para este processo (excepto, como é óbvio, os do próprio Secretário de Estado e do seu adjunto) são peremptórios no que é essencial no despacho de 21 de Maio de 1990, isto é, concorda e autoriza, conforme proposto, perdão das multas e juros de mora e compensatórios.

E como a Cerâmica Campos considera que os impostos apurados estão sobreavaliados e refere no seu requerimento que não considera precludido o direito de reclamação quanto aos valores apurados, o Secretário de Estado despacha também e à parte que se proceda a uma nova fiscalização, esperando assim fazer baixar tal valor.

2 — Portanto, é para mim perfeitamente claro que o Sr. Secretário de Estado concedeu o perdão das multas e juros de mora e compensatórios, tendo como contrapartida (como refere o citado requerimento) o pagamento a pronto do valor dos impostos em dívida apurados.

Não importa, para aqui, saber se o Secretário de Estado vai ou não cobrar até ao último escudo — como ele próprio refere —, pois tais afirmações apenas são produzidas após o tratamento jornalístico do semanário Expresso e do pedido de audição parlamentar e requerimento apresentados na Assembleia da República pelo PS.

3 — Aquele despacho, estranhamente ou talvez não, dividido em duas partes, é bem claro acerca da intenção do Sr. Secretário de Estado, até porque — e cito — não pretendia inviabilizar a venda, em condições vantajosas, de Cerâmica Campos à Celulose do Caima.

4 — Ficou bem claro ainda, pelos depoimentos não só do presidente do conselho de administração da Cerâmica Campos e do conselho de administração da Celulose do Caima, directamente interessados no processo, mas também pela Dr.5 Helena de Castro (da DECA), pelo Dr. Albino Jacinto (da Ernest and Young) e, bem assim, pelo jornalista Dr. António Marinho, que a transacção não se efectuaria se as multas e juros de mora e compensatórios não fossem perdoados.

5 — E a convicção dos intervenientes nesta transacção é tanto assim que o contrato-promessa de compra e venda da citada empresa continha uma cláusula de salvaguarda que — como referiu a Dr.s Helena de Castro — caiu com o pagamento a pronto de cerca de 182 000 contos referentes aos impostos em dívida apurados.

Como se não bastasse a referida convicção, a nota de liquidação dos impostos cm dívida tem todas as carac-

terísticas (incluindo o próprio impresso em que é processada) de definitiva e nunca de um pagamento por conta, como agora se pretende concluir.

6 — Era este o objectivo concreto do pedido de inquérito apresentado pelo PS e as conclusões não referem inequivocamente estes factos, para mim perfeitamente provados, bastando para tanto ler atentamente as actas do processo de inquérito, que felizmente irão ser tomadas públicas.

Assim, não me resta outra alternativa que não seja votar contra o relatório e respectivas conclusões.

O Deputado do PS, Hélder Filipe.

Votei contra o projecto de relatório final apresentado à Comissão Eventual de Inquérito aos alegados perdões fiscais atribuídos ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais porque entendo que algumas das mais significativas conclusões, bem como os considerandos que as suportam, não podem, de forma inquestionável, resultar da análise dos meios de prova que foram carreados para o inquérito e, nomeadamente, das declarações prestadas por uma maioria das pessoas que foram chamadas a depor.

O «inquérito», sendo a síntese (compromisso possível) de duas propostas diferentes, apresentadas respectivamente por deputados do PSD e do PS, tinha no plano político como objectivos principais os seguintes:

a) Apreciação do comportamento do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, em matéria de perdões fiscais, face à legislação em vigor e nomeadamente face ao Decreto-Lei n.9 53/88, de 25 de Fevereiro;

b) Existência ou não existência de critérios de objectividade, em matéria de perdão de dívidas fiscais, que permitissem anular a presunção, decorrente de generalizada denúncia por parte da comunicação social da existência de critérios de acentuado favoritismo na prática dos correspondentes actos por parte da administração fiscal e, nomeadamente, por parte do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais;

c) Clarificação da intervenção do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais no chamado caso Cerâmicas Campos, visando determinar se, neste caso concreto, teria sido respeitado integralmente o espírito e a letra da legislação aplicável, se a prática administraüva consubstanciava um perdão fiscal que atingia montantes elevados (da ordem das centenas de milhares de contos), se esse eventual perdão fiscal resultava de um tratamento de favor do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais para com os proprietários (de então) da empresa Campos e se a negociação posterior da empresa, por venda à CAIMA, tinha decorrido e incorporado a situação fiscal anteriormente referida.

Os três objectivos políticos do inquérito que atrás referi foram, obviamente, objecto de tratamento específico diferenciado.

Ficou claro que o que «realmente» acabou por interessar á Comissão foi o esforço de apuramento da verdade no

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chamado caso Campos, não tendo, provavelmente, sido alheia a esta atitude a notariedadc que o referido caso de perdão fiscal assumiu junto da opinião pública.

Pode, assim, afirmar-se que a Comissão deu como adquirido, sem que lenha havido lugar a fortes discordâncias, que a generalidade do «procedimento da administração fiscal, em matéria de facilidades no pagamento de juros compensatórios ou moratórias e multas, observou, em regra, o disposto na Lei n.-10186, de 11 de Junho, ou as determinações do Decreto-Lei n.q 53/88, de 25 de Fevereiro», embora conclua «pela conveniência em introduzir, nesta matéria de perdões de multas e juros fiscais, aperfeiçoamentos legislativos que dêem parâmetros mais claros e precisos para o exercício do poder dos membros do Governo com autoridade no domínio fiscal».

Estes juízos constam, de resto, das conclusões, e porque respondem significativa e claramente ao primeiro dos três objectivos políticos do inquérito (segundo a interpretação que eu próprio faço da realidade política que o condiciona), têm a minha concordância.

Quanto ao apuramento da existência ou não existência de critérios de objectividade, em matéria de perdão de dívidas fiscais, os depoimentos recolhidos e relevantes para a matéria ou apontaram claramente para a existência de situações de favoritismo (desde logo as declarações do Sr. Dr. António Martinho, jornalista do Expresso, e, de certo modo, as declarações do Sr. Dr. Mota Figueiredo, da Cerâmica Campos) ou foram insuficientes (e contraditórios) para anularem essa presunção (nomeadamente a declaração do adjunto do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Dr. Catarino).

Acresce ainda que constam dos autos informações relativas a comportamentos diferenciados perante situações fiscais, aparentemente similares, que não podem ser ignoradas (Caves Aliança, António Pessoa, L.da, METALTQRRE — Sociedade de Montagens e Estruturas Metálicas, L.d', RAPIDAUTO — Reparações Rápidas em Automóveis, L.da, SIVA — Sociedade de Importação de Veículos Automóveis, L.a>, etc.). Porque assim é, não posso aderir à conclusão do inquérito que aponta para a inexistência de arbitrariedade na concessão de facilidades no pagamento de juros e multas, mesmo considerando que tal afirmação assenta apenas na insuficiência objectiva dos indícios existentes, para comprovar uma prática de perdões fiscais destinados a proteger empresas, amizades pessoais ou cumplicidades políticas.

No que respeita ao apuramento e tratamento da situação fiscal da empresa Campos, a minha discordância com o relatório (c respectivas conclusões) é ainda mais acentuada.

Com efeito:

1 —A empresa Cerâmica Campos requereu, em 15 de Maio de 1990, ao Secretario de Estado dos Assuntos Fiscais, perdão total dos juros e multas eventualmente exigíveis, sem prejuízo de manter as reclamações oportunamente apresentadas, quanto ao valor dos impostos entretanto apurados.

2 — Este requerimento, apresentado na sequência de dois requerimentos anteriores (Novembro de 1987 e 6 de Fevereiro de 1990), é elaborado depois da realização (em 3 de Maio de 1990) de uma reunião na Secretaria de Estado, com o objectivo exclusivo de tratar este assunto. Como ficou provado, por declarações diversas, nesta teunião esteve presente o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

3 — Ao contrário do que sucedeu com os dois requerimentos anteriores, cujos propósitos eram semelhantes, o

terceiro requerimento foi enviado para informação a um técnico da dependência directa do Secretário de Estado e da sua máxima confiança, pois desempenha funções de adjunto no respectivo Gabinete.

4 — O referido técnico produziu uma informação que

entregou em 21 de Maio dc 1990 onde, inequivocamente, recomenda ao Secretario de Estado dos Assuntos Fiscais que, excepcionalmente, autorize o que é solicitado pela empresa, ou seja, como se refere na aludida informação:

Que seja levada em conta a quantia de 1 018 928S já paga;

Que sejam perdoados juros e multas;

Que sejam extintos os processos de execução instaurados e levantadas as apreensões de bens para garantia;

Que se considere não precludido o direito de reclamar contra as fixações apuradas.

5 — Esta informação, ao contrário do que é referido nas conclusões do relatório, constitui um parecer muito claro sobre a globalidade da situação fiscal, como a empresa a apresenta e nos exactos termos em que a requer, e não pode ser reduzida, como contraditoriamente pretendeu o adjunto do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais nas declarações que prestou à Comissão, a uma afirmação exclusivamente produzida «para especialistas» sobre a situação fiscal da Campos relativa ao ano de 1984.

6 — Consequentemente, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, quando despachou, em 21 de Maio de 1990, «Concordo. Autorizo conforme proposto», estava, de harmonia com o mais elementar bom-senso, a despachar favoravelmente o que lhe era requerido pela empresa, nomeadamente o perdão dos juros e multas relativos a todos os impostos já apurados ou a apurar pela Cerâmica Campos.

7 — Não se trata, ao contrário do que se conclui no relatório, de um despacho condicionado quanto ao perdão dos juros e multas, antes se apresenta, neste domínio específico, como um despacho claramente definitivo.

8 — Com efeito, o que ficou indeterminado é o que consta de um novo despacho (com a mesma data) proferido sobre a mesma informação, ou seja, os valores dos impostos em dívida anteriormente apurados, porque — e só porque — pareceram ao Secretário de Estado exagerados face às condições existentes no sector onde a empresa laborava.

Daí que se tenha determinado uma nova fiscalização à empresa.

Não é relevante, como é óbvio, para a matéria objecto do inquérito (existência ou não de um perdão fiscal) que a nova inspecção tenha confirmado, praticamente, e ao contrário do que eram as expectativas do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, os valores anteriormente determinados.

9 — Ficaram suficientemente comprovados a existência de uma relação directa entre a realização da reunião de 3 de Maio de 1990 (onde estiveram presentes representantes da Cerâmica Campos, da empresa CAIMA, da empresa DECA e da empresa Ernst & Young e o Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais), as respectivas conclusões e compromissos, a forma e a data de apresentação do terceiro requerimento e o teor do despacho do Secretario de Estado.

10 — Esta relação directa e o entendimento generalizado da sua existência foram determinantes para a concretização do negócio de venda da Cerâmica Campos à empresa CAIMA, bem como à fixação do respectivo valor de transacção.

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11 — Todos os intervenientes na referida reunião (com a excepção, obviamente, do Sr. Secretário de Estado) confirmaram que dessa reunião saiu o compromisso inequívoco de esclarecer a situação fiscal da Cerâmica Campos e de proceder ao perdão de juros e multas de natureza fiscal.

Nestes termos, o despacho do Sr. Secretário de Estado de 21 de Maio de 1990, quando foi conhecido, foi avaliado como a concretização do compromisso assumido na referida ceuatSo.

Ninguém, com excepção do Sr. Secretário de Estado, considerou que, no que respeitava ao pagamento de juros e multas fiscais, o despacho fosse condicionado ao apuramento de uma outra verdade fiscal.

12 — Resulta de tudo o que venho referindo que o recuo do Secretário de Estado (que, aliás, se louva, se permitir à administração fiscal arrecadar receitas que lhe são devidas) se verifica exclusivamente depois de este assunto ser conhecido da opinião pública, ser objecto de tratamento da comunicação social e ser matéria de discussão na Assembleia da República.

13—Não está em causa, porque isso (sim) não foi provado — e teria sempre de o ser —, qualquer juízo negaüvo sobre a honorabilidade pessoal do Sr. Dr. José de Oliveira e Costa. Realça-se, mesmo, a colaboração que deu à Comissão Eventual, pois nunca se furtou a responder a todas as perguntas e a fornecer todos os dados que lhe foram solicitados.

14 — A realidade política, no entanto, é incontroversa: o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais despachou favoravelmente e com carácter definitivo (segundo, mais elementar senso comum) um pedido de perdão de juros e multas fiscais que lhe foi apresentado pela Cerâmica Campos; este comportamento foi, no mínimo, controverso (pois se o não fosse não havia agora que o negar) e não foi, generalizadamente, aplicado a situações similares.

15 — Poderá dizer-se que o despacho é superficial (por isso posteriormente se corrige) e tem por base uma informação que, embora muito clara, é insuficiente quanto à fundamentação jurídica (apesar de ser produzida por um jurista), mas isto não nos impede, antes pelo contrário, de pensarmos que há lugar à formulação de um juízo de grave censura política ao Sr. Secretário de Estado.

Foi assim, por todas estas razões, que votei desfavoravelmente o relatório, incluindo as conclusões, da Comissão Eventual de Inquérito aos alegados perdões fiscais atribuídos ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

O Deputado do PS, Manuel dos Santos.

Votei contra o relatório final da Comissão de Inquérito por estar profundamente convencido de que as suas conclusões não espelham com rigor e objectividade todas as consequências aos factos apurados peia Comissão, como se demonstra no texto anexo a esta declaração de voto e que dela faz parte integrante.

Por razões de natureza política, os deputados do PSD omitiram no relatório final a conclusão central apurada durante os trabalhos da Comissão.

O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais concedeu de facto, e teve manifesta intenção de conceder, um perdão de juros e multas, no montante de 236 600 contos, à Cam-

pos — Fábrica de Cerâmicas, S. A., através do seu despacho de 21 de Maio de 1991.

E de tal modo é certo e inequívoco que o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais concedeu aquele perdão de juros e multas, que ele próprio, posteriormente, veio a elaborar um novo despacho (108/90-XI, de 9 de Novembro) procurando revogar o de 21 de Maio.

Não colhe o argumento dos deputados do PSD, constante do n.° 2 das conclusões, alegando desconhecimento de elementos essenciais da empresa Campos. Não faz qualquer sentido vir posteriormente invocar o desconhecimento de factos fundamentais que constam, de forma clara e inequívoca, da informação sobre a qual recaiu o despacho.

A não ser que se admita que o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais «despachou de cruz», sem ler a informação, por já ter tomado anteriormente a decisão de deferimento das pretensões da empresa!

Do mesmo modo, não pode ter acolhimento sério o argumento dos deputados do PSD (expresso no n.8 3 das conclusões) de que o despacho de 21 de Maio de 1990, concedendo embora o perdão de juros e multas, era condicionado.

A verdade é que a concordância expressa no despacho de 21 de Maio de 1990 não é acompanhada de nenhuma condição nem limitação de qualquer espécie.

De facto, havia várias formas de o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais elaborar um despacho com carácter transitório, condicionando a decisão à obtenção de novos elementos ou clarificações.

Só que o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais não o fez. O despacho que deu em 21 de Maio de 1990, como o demonstram juridicamente os dois únicos pareceres de professores de Direito, que sobre a matéria foram presentes à Comissão, é um acto materialmente definitivo e executório.

Na verdade, o que sucedeu foi que o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais desautorizou com arrogância e superficialidade os resultados de uma fiscalização efectuada pelos serviços da administração fiscal, sobrepôs o interesse privado da alienação de uma empresa ao interesse público presente nas receitas fiscais e no processo de crimes de associação criminosa, burla e abuso de confiança que então corria no Tribunal Judicial de Aveiro. Quis, por razões que se não conhecem, perdoar os juros e as multas devidas pela reiterada e confessada fuga ao fisco praticada pela Campos.

O facto de, posteriormente, designadamente depois de o perdão ter sido publicitado pela imprensa, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais se ter arrependido de conceder o que concedeu não pode iludir a questão central de ter beneficiado a Campos com um efectivo perdão de juros e multas que ele próprio veio, depois, a reconhecer totalmente injustificado.

Na hipótese mais favorável para o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, ele foi, manifestamente, negligente e violou, no exercício das suas funções, os princípios da defesa do interesse público, bem como os da proporcionalidade e da justiça.

O que é grave, num membro do Governo que se arroga o poder de, discricionariamente, perdoar com um simples despacho centenas de milhares de contos.

O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais tem, pois, uma efectiva responsabilidade objectiva e política no perdão que concedeu.

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Responsabilidade que a Comissão de Inquérito tinha o dever de publicamente reconhecer e censurar.

A maioria da Comissão só não o fez por razões de natureza política: porque o Secretário de Estado é membro

do PSD e de um governo do PSD.

Anexo à declaração de voto

1 — A questão central do inquérito parlamentar incidia na apreciação dos actos do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF) relativos ao caso da Cerâmica Campos, S. A.

De facto, foram os alegados perdões de juros e multas àquela empresa, no montante de 236 600 contos, que suscitaram e despoletaram os requerimentos para a realização do inquérito e foram eles que estiveram no centro dos trabalhos da Comissão para o efeito criada.

Aliás, bem se pode afirmar que foi essa a única questão que esteve presente nos trabalhos da Comissão, incluindo as audições a que houve lugar, já que em relação à matéria mais geral respeitante à administração dos impostos e à situação dos serviços da administração fiscal a Comissão de Inquérito se limitou a receber e tomar conhecimento de um extenso relatório enviado pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, julgando em causa própria.

2 — Circunsrita a questão central do inquérito, foi desde o início aceite por lodos os membros da Comissão, e pelo próprio SEAF, que a ter havido o perdão de juros e multas à Cerâmica Campos, S. A., ele não assentava em qualquer base legal específica (nomeadamente o Decreto-Lei n.B 57/88, de 25 de Fevereiro, dito das «tréguas fiscais»), antes tendo como único suporte uma decisão discricionária da administração fiscal representada pelo SEAF, cuja plena legalidade, pese embora a reiterada prática destes «comportamentos claudicantes sob a prática dos princípios do Estado de direito e Estado democrático» ('), não foi objecto de apreciação pela Comissão por pertencer ao foro dos tribunais.

A partir daqui, competia à Comissão analisar e concluir, com base nos factos provados e nas intenções que se tornassem evidentes, se o SEAF concedeu ou não, de facto, um perdão de juros e multas à Cerâmica Campos, S. A.

3 — Nessa perspectiva os factos mais relevantes confirmados pela Comissão podem sintetizar-se no seguinte:

a) Em 3 de Maio de 1990 o SEAF teve um encontro, em instalações do seu próprio Gabinete, com o presidente do conselho de administração da Campos, S. A., e um administrador da Celulose do Caima, que lhe expõem o facto de necessitarem de uma clarificação do montante da dívida fiscal da Campos como condição sine qua non para que se efectue a compra pela Caima da maioria do capital social da Campos, S. A.

O SEAF prontifica-se a elaborar, com brevidade, um despacho que vá de encontro a essa pretensão, isto é, que clarifique o montante em dívida pela Campos à administração fiscal.

Importa realçar que esta reunião foi omitida pelo SEAF, quer no relatório que enviou à Comissão quer quando por esta foi ouvido no âmbito do inquérito parlamentar!

b) Em \1 de Maio de 1990 dá entrada no Gabinete do SEAF um terceiro requerimento da Campos, S. A., com conteúdo e pretensões não coincidentes com os dois anteriores, enviados em 30 de Outubro de 1989 e em 9 de Fevereiro de 1980.

c) Diversamente do que sucedeu com os dois anteriores, que haviam sido despachados para os Serviços de Fiscalização, o SEAF despacha este terceiro requerimento para um adjunto do seu próprio Gabinete.

d) Quatro dias depois (incluindo um fim-de-semana),

no dia 21 de Maio dc 1990, o referido adjunto elabora a

informação n.9 162/90, na qual, aceitando todas as

pretensões da Campos, S. A., propõe concretamente ao

SEAF «que excepcionalmente se autorize o solicitado no pressuposto dc que seja pago em oito dias a notificar», sendo certo que o solicitado pela Campos é que «seja excepcionalmente autorizada a efectuar de pronto o pagamento da totalidade dos impostos em divida desde que [entre outras três condições] sejam perdoados juros e multas».

è) Nesse mesmo dia o SEAF despacha a informação elaborada pelo adjunto do seu Gabinete.

Nessa altura o SEAF eslá consciente (como o mostram o teor da informação e dos seus próprios despachos): de que a Campos, S. A., confessou ter defraudado o fisco ao longo de vários anos; de que se realizou uma fiscalização à empresa por serviços da administração fiscal que apurou o montante das efectivas dívidas ao fisco; de que a pretensão da Campos, S. A., visa possibilitar a sua venda à Caima; de que a Campos está envolvida no chamado caso «Aveiro Connection», relacionado com contrabando em larga escala; de que o que lhe é proposto é autorizar o pagamento dos impostos em dívida pela Campos, desde que lhe sejam perdoados os juros e multas.

f) O despacho do SEAF é constituído, afinal, por três despachos.

O primeiro tem por teor: «Concordo. Autorizo conforme proposto.»

No segundo despacho o SEAF justifica o primeiro, afirmando, nomeadamente: «O meu despacho de concordância tem muito a ver com o facto de me parecerem francamente exagerados os valores apurados [...]. A estes factos junta-se a oportunidade de transacção, que não deve ser inviabilizada por dúvidas que possamos ler. Deve pois ser enviada à empresa uma nova equipa de fiscalização tendo em vista rever todo o trabalho anteriormente feito com rigor e objectividade.»

O terceiro despacho, dito confidencial (tão confidencial que numa primeira fase foi escamoteado à própria Procuradoria-Geral da República), tem a ver com o relacionamento da Campos, S. A., ao caso «Aveiro Connection».

g) Em 30 de Maio de 1990, a 2.- Repartição de Finanças do Concelho de Aveiro elabora uma «Nota discriminativa organizada para cumprimento do despacho de S. Ex.q o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de 21 de Maio de 1990 e relaüva às contribuições e impostos liquidados em função do resultado da visita efectuada à firma Campos — Fábricas Cerâmicas, S. A.».

Essa nota, que após notificação foi paga pela empresa Campos, S. A., discrimina todos os impostos em dívida desde 1984 a 1988, no montante de 181 959 837$, expurgados de todos os juros e multas.

h) Em 18 de Julho de 1990 (já depois dc despoletado por órgãos da comunicação social o caso do «perdão fiscal» à Campos, S. A.), o SEAF elabora um novo despacho em que, nomeadamente, determina: «Deverá considerar-se prejudicado o meu despacho de 21 de Maio de 1990 na parte relativa à extinção dos processos de execução instaurados e levantamento das apreensões de bens para garantia».

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19 DE JUNHO DE 1991

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Realce-se que este novo despacho do SEAF pretende anular o seu despacho de concordância de 21 de Maio em relação a duas das condições apresentadas pela Campos, S. A., mas não em relação à condição de que «sejam perdoados juros e multas».

i) Em 9 de Novembro de 1990, através do Despacho n.8 108/90-XI, Ionto de oito páginas, o SEAF dá todo o dito por não dito e procura provar que o seu despacho de 21 de Maio de 1990 só por má interpretação poderia ser considerado como tendo concecido o perdão de juros e multas à Campos — Fábrica de Cerâmicas, S. A.

4 — O conjunto de factos atrás elencados (todos eles documentalmente comprovados pela Comissão de Inquérito), bem como alguns dos depoimentos que constam das actas da Comissão, mostram que no seu despacho de 21 de Maio de 1990 o SEAF quis perdoar, e perdoou de facto, à Cerâmica Campos, S. A., os juros e multas devidos pelas dívidas fiscais, no montante de 236 600 contos.

Comprovam-no, designadamente:

O seu primeiro despacho de 21 de Maio de 1990 sobre a informação n.9 162/90 («Concordo. Autorizo conforme proposto.»);

A primeira parte do segundo despacho daquela data sobre a mesma informação («O meu despacho de concordância [...]»);

A nota de liquidação dos impostos em dívida pela Campos elaborada pela 2.* Repartição de Finanças de Aveiro, de 30 de Maio de 1990 (liquidação expurgada de todos os juros e multas);

O facto de, na sequência daquela nota de liquidação, os serviços fiscais term recebido da Campos, S. A., o valor dos impostos em dívida sem qualquer exigência de juros e multas;

O despacho de 18 de Julho de 1990, com o qual o SEAF pretende anular parcialmente o seu despacho de 21 de Maio de 1990, não o fazendo, porém, em relação ao perdão de multas e juros.

Como igualmente comprovam que quando concedeu aquele perdão o SEAF estava consciente de que havia factos que relacionavam a Campos com o processo de contrabando «Aveiro Connecüon» e que; mesmo assim, preferiu não inviabilizar a transacção entre a Campos c a Caima.

Do mesmo modo que resulta, ao menos com «meridiana evidência», que a ordem de realização de uma segunda fiscalização à Campos, para além de não colidir com o perdão de juros e multas, unha como pressuposto o facto de o SEAF estar plenamente convencido que de uma fiscalização com maior «rigor e objectividade» resultaria um montante de impostos a pagar pela Campos inferior aos 181 959,8 contos. O que significaria um benefício suplementar para a Campos, S. A.!

5 — A generalidade dos deputados que votaram favoravelmente o relatório e as conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito têm pleno conhecimento e consciência clara destes factos.

Não quiseram, porém, tirar deles as necessárias consequências em matéria de conclusões.

Por razões de natureza político-partidária.

Verdade se diga, no entanto, que, desta vez, diferentemente do que tem sido norma noutras comissões de inquérito, procuraram ligar à força numérica dos votos argumentos que a pudessem sustentar.

O primeiro desses argumentos está consubstanciado no ponto 2 das conclusões da Comissão: à data do seu despacho de 21 de Maio de 1990, o SEAF não teria um conhecimento completo dc todos os elementos sobre a actividade da empresa Campos, S. A. Tal facto, não pode, porém, iludir a questão central do inquérito: O SEAF concedeu, de facto, um perdão de multas e juros à Campos.

Para além do mais, tinha, como ficou provado, conhecimento de factos e elementos essenciais. Alguns dos quais, aliás, foram subestimados e mesmo rejeitados, pela proverbial jactância e arrogância do SEAF. Aos factos apurados por técnicos experientes da administração fiscal sobrepôs a sua própria e provinciana presunção. À recomendável prudência na defesa dos interesses do Estado sobrepôs o interesse do negócio privado entre a Campos e a Caima.

Por outro lado, a hipótese, aventada naquela segunda conclusão, de o SEAF, aquando do seu despacho de 21 de Maio de 1990, ter sido enganado por alguém lhe ter escamoteado elementos «essenciais» poderia colocar a questão de saber quem o enganou, e porquê. O que certamente seria fácil de clarificar. Desde que o SEAF o quisesse! Tal hipótese, porém, não pode anular, não anula, o conteúdo substancial desse despacho nem a concomitante responsabilidade objectiva do SEAF.

O segundo argumento encontra-se expresso em letra de forma no ponto 3 das conclusões da Comissão. É o argumento de que, juridicamente, o primeiro despacho de 21 de Maio de 1990 seria um «despacho administraüvo condicionado» pelo segundo despacho da mesma data.

Factualmente é inequívoco que a haver algum condicionamento ele se reporta em exclusivo ao montante dos impostos, mas não aos juros e multas, que foram liminarmente perdoados.

Juridicamente é questão que não tem que ser, não pode ser, dirimida por uma comissão parlamentar dc inquérito, mas sim pelos tribunais. Designadamente pelo Supremo Tribunal Administrativo, onde a questão está já colocada pela empresa Caima, como era do conhecimento da Comissão.

Mas, se ainda assim os deputados que maioritariamente aprovaram o relatório e conclusões quisessem apreciar a questão de saber, no plano estritamente jurídico, se o despacho de 21 de Maio dc 1990 tinha natureza precária ou definitiva, então o que se lhes exigia era que tivessem em devida conta os únicos pareceres jurídicos que, sobre a matéria, foram recebidos na Comissão: os dos professores dc Direito Marcelo Rebelo dc Sousa e Diogo Freitas do Amaral.

A verdade é que aqueles deputados não quiseram ter em conta estes pareceres.

6 — E bem se percebe porquê: qualquer daqueles pareceres concluía, de forma inequívoca, contra a tese da precariedade ou condicionalismo do despacho do SEAF de 21 de Maio de 1990!

Nomeadamente, c por todos, conclui o Prof. Marcelo Rebelo de Sousa:

Não é juridicamente admissível, no caso vertente, invocar como fundamento de erro nos pressupostos e conhecimento superveniente de «concorrência desleal», não contabilização de operações de fuga ao fisco, tudo factos constantes do requerimento da empresa interessada e da informação que sobre ela recaíra, e, antes disso mesmo, justificativos da própria tributação adicional fixada pelos serviços competentes;

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II SÉRIE-B — NÚMERO 3S

Em particular, o primeiro despacho do Secretário de Estado de 21 de Maio de 1990 sobre o requerimento de Campos — Fábricas Cerâmicas, S. A., é um acto administrativo definitivo e executório constitutivo de direitos;

E ainda um acto homologatório, coincidindo a fundamentação que absorve da proposta que homologa com a constante do segundo despacho justificativo, da mesma data;

O despacho do SEAF de 8 de Novembro de 1990, sobre a matéria da Campos — Fábricas de Cerâmicas, S. A., não pode substituir-se ao primeiro despacho de 21 de Maio de 1990 na fundamentação deste;

Aquele despacho não consegue afastar o carácter definitivo e executório e constitutivo de direitos do primeiro despacho de 21 de Maio de 1990;

O mesmo despacho (de 8 de Novembro de 1990) é ilegal, encontrando-se viciado de desvio de poder — na parte em que não invoca qualquer ilegalidade para revogação — e de violação da lei — na parte em que invoca ilegalidade inexistente —, tudo determinando a sua anulabilidade.

7 — Anulabilidade que significa um prejuízo para o Estado de 236 600 contos e um ganho de igual montante para a Campos — Fábrica de Cerâmicas, S. A.!

(') Prof. José Joaquim Gomes Canoulho.

14 de Junho de 1991. — O Deputado do PCP, Octávio Teixeira.

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