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Sexta-feira, 19 de abril de 2024 II Série-B — Número 4
XVI LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2024-2025)
S U M Á R I O
Projetos de voto (n.os 5 e 6/XVI/1.ª): N.º 5/XVI/1.ª (BE) — De saudação à decisão do Parlamento Europeu em defesa da inclusão do direito ao aborto na Carta Europeia dos Direitos Fundamentais. N.º 6/XVI/1.ª (PSD) — De saudação pela celebração do 100.º aniversário do Recreio Desportivo de Águeda.
Inquérito Parlamentar n.º 3/XVI/1.ª (PCP): Inquérito Parlamentar sobre a privatização da ANA Aeroportos:
— Texto inicial; — Alteração do texto inicial do inquérito parlamentar.
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PROJETO DE VOTO N.º 5/XVI/1.ª DE SAUDAÇÃO À DECISÃO DO PARLAMENTO EUROPEU EM DEFESA DA INCLUSÃO DO DIREITO
AO ABORTO NA CARTA EUROPEIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
O acesso ao aborto legal, seguro e gratuito tem mobilizado as mulheres em todo o mundo. Em Portugal, a
consagração do acesso legal à interrupção voluntária da gravidez a pedido da mulher demorou várias décadas
e dois referendos para ser alcançada. Este avanço nos direitos das mulheres, com a aprovação da Lei n.º
16/2007, de 17 de abril, é hoje assumido como um marco de progresso do País.
Perante os retrocessos em matéria de direitos sexuais e reprodutivos e o aumento das restrições ao aborto
em vários países, no dia 11 de abril de 2024, o Parlamento Europeu aprovou a Resolução sobre a inclusão do
direito ao aborto na Carta dos Direitos Fundamentais da UE.
A proposta do Parlamento Europeu insta o Conselho Europeu a dar início a uma convenção para a revisão
dos Tratados, de forma a inscrever no artigo 3.º da Carta dos Direitos Fundamentais o seguinte direito: «Todas
as pessoas têm direito à autonomia sobre o corpo, ao acesso gratuito, informado, pleno e universal à saúde e
aos direitos sexuais e reprodutivos, e a todos os serviços de saúde conexos, sem discriminação, incluindo o
acesso a um aborto seguro e legal».
A decisão do Parlamento Europeu é um passo fundamental para a defesa da liberdade, da igualdade, da
justiça e da saúde sexual e reprodutiva em toda a União Europeia.
Assim, a Assembleia da República, reunida em sessão plenária, saúda a decisão do Parlamento Europeu
em defesa da inclusão do direito ao aborto na Carta Europeia dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
Assembleia da República, 12 de abril de 2024.
As Deputadas e os Deputados do BE: Joana Mortágua — Fabian Figueiredo — Isabel Pires — José Moura
Soeiro — Mariana Mortágua.
———
PROJETO DE VOTO N.º 6/XVI/1.ª DE SAUDAÇÃO PELA CELEBRAÇÃO DO 100.º ANIVERSÁRIO DO RECREIO DESPORTIVO DE
ÁGUEDA
O Recreio Desportivo de Águeda comemora 100 anos. Um longo percurso desportivo marcado por um
vasto trabalho desenvolvido em prol do desporto, alicerçado nos valores da cidadania, respeito e fraternidade.
O seu nome e história engrandecem e dignificam a cidade de Águeda e a região de Aveiro, com particular
enfoque na formação e inclusão de jovens, em diversas modalidades desportivas.
O Recreio de Águeda nasce em abril de 1924 pela mão de Ângelo Teles de Menezes, António de Sousa
Carneiro e Gastão Guerra. E, desde então, tem pautado a sua vida pelo ecletismo, nomeadamente através do
futebol e muitas outras modalidades que fizeram parte da sua história como a ginástica, o basquetebol, o ténis,
a canoagem, a natação e ultimamente também o atletismo.
Mas, tal como no País, 1974 é um ano especial na história do Recreio Desportivo de Águeda. Quinze dias
antes da Revolução de Abril era inaugurado o Estádio Municipal de Águeda, cerimónia que contou com a
presença do então governador civil de Aveiro, o aguedense Dr. Horácio Marçal.
O Recreio iniciava nesse ano 31 épocas consecutivas nos campeonatos nacionais.
A figura incontornável do Eng.º Carlos Rodrigues transforma em definitivo as práticas desportivas no clube.
Neste glorioso período, a cidade e o clube abraçados viram passar pelo Recreio treinadores que se
tornaram referências nacionais como José Maria Pedroto, o «magriço» José Carlos e Mário Wilson.
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Na década de 80 o clube vê dois dos seus atletas da canoagem, António Brinco e António Monteiro nos
Jogos Olímpicos de Barcelona.
Culmina este tempo de glória com a memorável época de 1982/1983, na qual o Recreio Desportivo de
Águeda sobe à então 1.ª Divisão nacional de futebol.
Desde então o clube tem contribuído para a formação de crianças e jovens, promovendo o
desenvolvimento das suas personalidades, fortalecendo o espírito de entreajuda, a inclusão, a saúde e a
cultura física, sendo responsável por um efetivo e universal acesso ao desporto.
Este ano o clube volta aos Jogos Olímpicos de Paris com a atleta Susana Godinho na maratona.
O Recreio Desportivo de Águeda é o único clube do concelho com presença olímpica.
Nos seus 100 anos de história, o Recreio Desportivo de Águeda – clube de matriz popular – mereceu
reconhecimento público de várias entidades e é detentor de inúmeros trofeus nas várias modalidades.
A Assembleia da República saúda o Recreio Desportivo de Águeda, pela passagem do seu 100.º
aniversário, e felicita os seus atletas, os seus técnicos, os seus dirigentes, os seus trabalhadores, os seus
associados e todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para este percurso de cem anos do
clube, tão relevante para a cidade de Águeda.
Palácio de São Bento, 19 de abril de 2024.
Os Deputados do PSD: Paula Cardoso — Silvério Regalado — Ângela Almeida — Salvador Malheiro —
Almiro Moreira — Paulo Cavaleiro — Miguel Santos — Regina Bastos — Alexandre Poço — Ricardo Araújo —
Sofia Carreira — Andreia Bernardo — Eva Brás Pinho — Inês Barroso.
———
INQUÉRITO PARLAMENTAR N.º 3/XVI/1.ª INQUÉRITO PARLAMENTAR SOBRE A PRIVATIZAÇÃO DA ANA AEROPORTOS
(Texto inicial)
A empresa pública ANA Aeroportos foi vendida em 2013 pelo Governo PSD/CDS. A forma utilizada para a
vender foi um processo em duas fases: primeiro foi assinado com a ANA enquanto empresa pública um
contrato de concessão por 50 anos da rede aeroportuária nacional por 1200 milhões de euros, e depois foi a
própria empresa vendida por 1127 milhões de euros com o valor criado pela concessão.
Este processo mereceu ampla oposição na altura. Daqueles que se opõem à privatização dos ativos
estratégicos nacionais, mas também de muitos que não tendo essa posição de princípio não aceitavam a
privatização da ANA em concreto. Na altura da privatização da ANA só um outro país da União Europeia – o
Chipre – tinha a sua infraestrutura aeroportuária privatizada, apesar da imposição de venda partir da própria
Comissão Europeia (uma das componentes da troika que assinou o Memorando de Entendimento com PS,
PSD e CDS).
Como acontece com a generalidade destes processos, os contornos concretos da privatização foram
completamente escondidos do povo português e da própria Assembleia da República. De tal forma que o
Governo da altura se permitiu afirmar publicamente que tinha vendido a empresa por um valor (3,08 mil
milhões de euros) muito superior ao valor efetivo de venda (1,127 mil milhões de euros). Os responsáveis
políticos por este processo foram à data o Primeiro-Ministro Pedro Passos Coelho, o Ministro das Finanças
Vítor Gaspar, o Ministro da Economia Álvaro Santos Pereira e o Secretário de Estado das Infraestruturas
Sérgio Monteiro.
Entretanto, factos da maior relevância vieram alertar o povo português para o verdadeiro impacto desta
privatização, e fazer despertar as maiores suspeitas sobre a forma e os objetivos do processo de privatização.
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O primeiro facto foi o papel da ANA privatizada na oposição sistemática a qualquer tentativa de construção do novo aeroporto de Lisboa – NAL. Na altura da privatização, o País foi convencido que o NAL seria construído pela ANA mesmo depois de privatizada (alguns até juraram que seria graças à privatização).
A realidade dos últimos 10 anos é que a multinacional Vinci demonstrou que não quer, de forma nenhuma, sair
do Aeroporto Internacional Humberto Delgado, que considera altamente lucrativo para si. Ora, retirar o
aeroporto de dentro da cidade de Lisboa é um objetivo que está assumido pelo Estado português desde 1971.
A multinacional Vinci, agora detentora da ANA, tem agido sistematicamente para travar esse objetivo, e tem
usado para esse fim os imensos recursos públicos de que se apropriou com a privatização.
A realização de uma comissão parlamentar de inquérito torna-se incontornável perante um segundo facto:
a publicação do Relatório do Tribunal de Contas – Relatório de Auditoria 16/2023 sobre a Privatização da
ANA. Um relatório cujo conteúdo não pode ser ignorado, sob pena das graves conclusões que o mesmo retira
não terem consequências, nem políticas, nem mesmo criminais. Este Relatório, que esta Assembleia da
República solicitara em 2018, foi publicado a 5/01/2024, mais de dez anos depois da privatização e quase seis
anos depois de ter sido solicitado. Ignorar o conteúdo e as implicações desse relatório transformaria a
Assembleia da República num órgão conivente com um processo profundamente lesivo dos interesses
nacionais.
Uma ordem de questões prende-se com o valor da venda da empresa. O TdC demonstrou que a venda se realizou por 1127,1 milhões, quando o anúncio público foi de 3,08 mil milhões. E o Tribunal de Contas ainda
denuncia que foram oferecidos à Vinci os dividendos de 2012 no valor de 71,4 milhões de euros, quando em
2012 a empresa era pública. Há aqui três questões a apurar: a responsabilidade política de quem mentiu ao
povo português, a responsabilidade financeira da Vinci, que pode ter recebido um desconto ilegal, e a
responsabilidade criminal de quem ofereceu esse desconto.
Uma segunda ordem de questões prende-se com a avaliação prévia que era legalmente exigida, e que não
foi realizada. O TdC primeiro aponta que a avaliação intempestiva não substitui a avaliação prévia legalmente
exigida, depois constata que, entre a avaliação intempestiva realizada e a venda, o Governo alterou as
condições e o valor do ANA ao introduzir um conjunto de alterações nos contratos e na lei durante o próprio
processo de privatização. O Relatório evidenciou o desastroso negócio realizado, demonstrando que o
conjunto de dividendos que a multinacional retirará ao longo da concessão será superior a vinte mil milhões de
euros e que a divisão de receitas entre a multinacional e o Estado (incluindo nas receitas do Estado o preço de
venda e os valores a receber a partir de 10.º ano de concessão) será, na melhor das hipóteses, de 79% para a
multinacional e de 21% para o Estado, um valor absolutamente fora do vulgar, para mais tratando-se de um
conjunto de infraestruturas já construídas.
Uma terceira ordem de questões levantadas pelo Tribunal de Contas está relacionada com a
promiscuidade entre a gestão da administração pública e privada, tanto na fase de privatização como na fase
de gestão privada. A primeira situação apontada pelo Tribunal de Contas é a nomeação da última
Administração da ANA, já depois de iniciado o processo de privatização, quando o lógico seria manter uma
administração com experiência e conhecimento durante esse processo. Um mês depois de nomeada essa
nova administração, a multinacional Vinci publicamente informa que irá contratar essa mesma administração
para assumir a gestão privada da empresa, o que viria a ser concretizado, um ano depois, com a manutenção
de todos os gestores «públicos» na gestão privada. Estes factos são depois agravados com as suas
implicações, nomeadamente a mudança de posição da ANA sobre a proposta global da Vinci, que passa de
«irrealista e irrealizável» para «a mais forte e a mais competitiva».
Por fim, coloca-se a questão da fidedignidade da documentação, expressamente levantada pelo Tribunal
de Contas, que por diversas vezes dá conta da sua perplexidade por várias inconformidades na documentação
entregue pela Parpública, que «revelam o risco material de deturpação de documentação processual» ou,
noutra expressão, o «risco material de falta de fidedignidade de documentação processual».
Este conjunto de questões levantadas pelo Tribunal de Contas na sua auditoria, e aqui apresentadas,
seriam suficientes para a realização imediata de uma comissão parlamentar de inquérito ao processo de
privatização da ANA. A dissolução do Parlamento pelo Presidente da República impediu a apresentação dessa
iniciativa, que se mantém tão atual como então.
Coloca-se ainda uma terceira e fundamental razão para a realização desta comissão de inquérito: a própria gestão privada, a forma como esta se tem desenvolvido, os prejuízos que tem trazido para o
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país e a necessidade de travar essa gestão, reverter a privatização e salvaguardar o interesse público. E as razões de queixa vão muito mais fundo que as já apontadas sobre o papel da multinacional na questão
do NAL. É preciso constatar a queda brutal do investimento com a privatização (menos de metade do
investimento realizado nos 10 primeiros anos de gestão privada face aos 10 últimos anos de gestão pública);
constatar a profunda degradação do aeroporto de Lisboa, transformado nestes 10 anos num dos piores da
Europa; constatar a própria degradação da qualidade do serviço noutros aeroportos nacionais. É necessário
apurar as condições concretas da «compra» das Lojas Francas à TAP, num processo de chantagem realizada
em prejuízo de uma empresa nacional. É necessário ainda avaliar a verdadeira dimensão do aumento global
de taxas praticada com a privatização e dos impactos desses aumentos na atividade económica em Portugal;
avaliar o impacto sobre os trabalhadores da ANA, a crescente precariedade e recurso à subcontratação, a
degradação salarial e de direitos, e o impacto destas políticas na vida dos trabalhadores e na resposta
operacional da empresa. Tudo isto sem esquecer, e exatamente tendo em conta, a importância do transporte
aéreo para a economia nacional.
É indispensável, portanto, analisar e escrutinar com rigor o processo de privatização da ANA Aeroportos e,
nomeadamente, apurar:
1 – Foram cometidas ilegalidades no processo de privatização, incluindo no processo de entrega da
concessão à ANA dos aeroportos, como aponta o Tribunal de Contas?
2 – Essas ilegalidades cometidas, foram cometidas por quem? Quais os efeitos jurídicos dessas
ilegalidades sobre a concessão e sobre a privatização?
3 – Quais as causas concretas para o atraso extraordinário na realização desta Auditoria? Quais as
dificuldades geradas pelo facto de o decreto-lei de privatização apenas salvaguardar a documentação por
cinco anos? O que significa estar em causa «a fidedignidade da documentação» como alerta o TdC? Quais os
responsáveis por essa situação? Que medidas é possível realizar para repor a fidedignidade da
documentação?
4 – A informação pública dada ao povo português – de que o preço de venda havia sido de 3,08 mil
milhões de euros – resultou de uma ação intencional para enganar o povo português?
5 – Quem autorizou e qual a legalidade do desconto de 71,4 milhões de euros feito ao preço de compra?
6 – Qual o grau de consciência dos diferentes decisores sobre o péssimo negócio que estava a ser
conduzido pelo Estado português – perdas em 50 anos de cerca de 20 mil milhões, além das dificuldades
acrescidas de decisão nas questões estratégicas do sector?
7 – No processo de privatização, sobre o futuro do Aeroporto Internacional Humberto Delgado e a
necessidade do seu progressivo encerramento, houve má-fé negocial da Vinci, ou foi o Estado português (e
por intermédio de quem) que aceitou deixar cair esse objetivo estratégico nacional?
8 – O conjunto de atitudes da Vinci na questão do Aeroporto Internacional de Lisboa revela apenas o
comportamento natural e inaceitável de uma multinacional apenas preocupada com os seus lucros e
dividendos, ou revela também a submissão a objetivos estratégicos de outro Estado nacional?
9 – Que critérios presidiram à nomeação do último Conselho de Administração da ANA enquanto empresa
pública? Por que razão se decidiu nomear um CA diferente para conduzir a privatização? Por que razão o
Estado português manteve a confiança nesse CA quando a multinacional Vinci anunciou publicamente, um
mês depois, a sua contratação para se manterem na gestão privada caso fosse ela a ficar com o direito de
receber a ANA, como veio a acontecer?
10 – Por que razão o Governo escolheu para presidir à NAV e à ANAC dois membros do Conselho de
Administração em gestão privada da ANA (Jorge Ponce de Leão e Luís Ribeiro)? Porque manteve essa sua
opção, mesmo quando sucessivamente alertado para a incompatibilidade gerada? Que decisões – sobre a
ANA e sobre o NAL – foram de facto tomadas por essas duas instituições no período de gestão desses dois
administradores, e quais os impactos dessas decisões? Quais os «impactos materiais» sobre a auditoria do
TdC destas incompatibilidades?
11 – Qual a avaliação da gestão privada da ANA? Qual a queda de investimento nos aeroportos nacionais
depois da privatização? Qual o aumento de taxas registado nos aeroportos nacionais com a privatização?
Quais as razões para o número de trabalhadores da ANA diminuir, particularmente na relação entre número de
trabalhadores por número de voos e de passageiros? Qual o impacto da crescente precariedade nos
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aeroportos nacionais? Quais as verdadeiras razões para a «venda» das Lojas Francas de Portugal à ANA?
Quais as causas da profunda degradação do funcionamento do Aeroporto Internacional Humberto Delgado
com a privatização? Quais as responsabilidades da multinacional?
12 – É necessário realizar a renacionalização da ANA? Qual a melhor forma de proceder?
Assim, o Grupo Parlamentar do PCP vem propor, ao abrigo da Lei n.º 5/93, de 1 de março, republicada
pela Lei n.º 15/2007, de 3 de abril, e da alínea i) do artigo 8.º do Regimento da Assembleia da República, a
criação de uma comissão eventual de inquérito parlamentar, nos termos previstos dos artigos 233.º a 237.º do
Regimento da Assembleia da República, pelo prazo de 120 dias, tendo por objeto apurar as responsabilidades
políticas e administrativas dos governos e dos Conselhos de Administração da ANA Aeroportos que
envolveram a privatização da empresa e as suas implicações para o Estado e a gestão da rede aeroportuária
nacional.
Assembleia da República, 8 de abril de 2024.
(Substituição do texto inicial a pedido do autor)
A empresa pública ANA Aeroportos foi vendida em 2013 pelo Governo PSD/CDS. A forma utilizada para a
vender foi um processo em duas fases: primeiro foi assinado com a ANA enquanto empresa pública um
contrato de concessão por 50 anos da rede aeroportuária nacional por 1200 milhões de euros, e depois foi a
própria empresa vendida por 1127 milhões de euros com o valor criado pela concessão.
Este processo mereceu ampla oposição na altura. Daqueles que se opõem à privatização dos ativos
estratégicos nacionais, mas também de muitos que, não tendo essa posição de princípio, não aceitavam a
privatização da ANA em concreto. Na altura da privatização da ANA só um outro país da União Europeia – o
Chipre – tinha a sua infraestrutura aeroportuária privatizada, apesar da imposição de venda partir da própria
Comissão Europeia (uma das componentes da troika que assinou o Memorando de Entendimento com PS,
PSD e CDS).
Como acontece com a generalidade destes processos, os contornos concretos da privatização foram
completamente escondidos do povo português e da própria Assembleia da República. De tal forma que o
Governo da altura se permitiu afirmar publicamente que tinha vendido a empresa por um valor (3,08 mil
milhões de euros) muito superior ao valor efetivo de venda (1,127 mil milhões de euros). Os responsáveis
políticos por este processo foram à data o Primeiro-Ministro Pedro Passos Coelho, o Ministro das Finanças
Vítor Gaspar, o Ministro da Economia Álvaro Santos Pereira e o Secretário de Estado das Infraestruturas
Sérgio Monteiro.
Entretanto, factos da maior relevância vieram alertar o povo português para o verdadeiro impacto desta
privatização, e fazer despertar as maiores suspeitas sobre a forma e os objetivos do processo de privatização.
O primeiro facto foi o papel da ANA privatizada na oposição sistemática a qualquer tentativa de construção do novo aeroporto de Lisboa – NAL. Na altura da privatização o País foi convencido que o NAL seria construído pela ANA mesmo depois de privatizada (alguns até juraram que seria graças à privatização).
A realidade dos últimos 10 anos é que a multinacional Vinci demonstrou que não quer, de forma nenhuma, sair
do Aeroporto Internacional Humberto Delgado, que considera altamente lucrativo para si. Ora, retirar o
aeroporto de dentro da cidade de Lisboa é um objetivo que está assumido pelo Estado português desde 1971.
A multinacional Vinci, agora detentora da ANA, tem agido sistematicamente para travar esse objetivo, e tem
usado para esse fim os imensos recursos públicos de que se apropriou com a privatização.
A realização de uma comissão parlamentar de inquérito torna-se incontornável perante um segundo facto:
a publicação do Relatório do Tribunal de Contas – Relatório de Auditoria 16/2023 sobre a Privatização da
ANA. Um relatório cujo conteúdo não pode ser ignorado, sob pena das graves conclusões que o mesmo retira
não terem consequências, nem políticas, nem mesmo criminais. Este Relatório, que esta Assembleia da
República solicitara em 2018, foi publicado a 5/01/2024, mais de dez anos depois da privatização e quase seis
anos depois de ter sido solicitado. Ignorar o conteúdo e as implicações desse relatório transformaria a
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Assembleia da República num órgão conivente com um processo profundamente lesivo dos interesses
nacionais.
Uma ordem de questões prende-se com o valor da venda da empresa. O TdC demonstrou que a venda se realizou por 1127,1 milhões, quando o anúncio público foi de 3,08 mil milhões. E o Tribunal de Contas ainda
denuncia que foram oferecidos à Vinci os dividendos de 2012 no valor de 71,4 milhões de euros, quando em
2012 a empresa era pública. Há aqui três questões a apurar: a responsabilidade política de quem mentiu ao
povo português, a responsabilidade financeira da Vinci, que pode ter recebido um desconto ilegal, e a
responsabilidade criminal de quem ofereceu esse desconto.
Uma segunda ordem de questões prende-se com a avaliação prévia que era legalmente exigida, e que não
foi realizada. O TdC primeiro aponta que a avaliação intempestiva não substitui a avaliação prévia legalmente
exigida, depois constata que, entre a avaliação intempestiva realizada e a venda, o Governo alterou as
condições e o valor da ANA ao introduzir um conjunto de alterações nos contratos e na lei durante o próprio
processo de privatização. O Relatório evidenciou o desastroso negócio realizado, demonstrando que o
conjunto de dividendos que a multinacional retirará ao longo da concessão será superior a vinte mil milhões de
euros e que a divisão de receitas entre a multinacional e o Estado (incluindo nas receitas do Estado o preço de
venda e os valores a receber a partir de 10.º ano de concessão) será, na melhor das hipóteses, de 79% para a
multinacional e 21% para o Estado, um valor absolutamente fora do vulgar, para mais tratando-se de um
conjunto de infraestruturas já construídas.
Uma terceira ordem de questões levantadas pelo Tribunal de Contas está relacionada com a
promiscuidade entre a gestão da administração pública e privada, tanto na fase de privatização como na fase
de gestão privada. A primeira situação apontada pelo Tribunal de Contas é a nomeação da última
Administração da ANA, já depois de iniciado o processo de privatização, quando o lógico seria manter uma
administração com experiência e conhecimento durante esse processo. Um mês depois de nomeada essa
nova administração, a multinacional Vinci publicamente informa que irá contratar essa mesma administração
para assumir a gestão privada da empresa, o que viria a ser concretizado, um ano depois, com a manutenção
de todos os gestores «públicos» na gestão privada. Estes factos são depois agravados com as suas
implicações, nomeadamente a mudança de posição da ANA sobre a proposta global da Vinci, que passa de
«irrealista e irrealizável» para «a mais forte e a mais competitiva».
Por fim, coloca-se a questão da fidedignidade da documentação, expressamente levantada pelo Tribunal
de Contas, que por diversas vezes dá conta da sua perplexidade por várias inconformidades na documentação
entregue pela Parpública, que «revelam o risco material de deturpação de documentação processual» ou,
noutra expressão, o «risco material de falta de fidedignidade de documentação processual».
Este conjunto de questões levantadas pelo Tribunal de Contas na sua auditoria, e aqui apresentadas,
seriam suficientes para a realização imediata de uma comissão parlamentar de inquérito ao processo de
privatização da ANA. A dissolução do Parlamento pelo Presidente da República impediu a apresentação dessa
iniciativa, que se mantém tão atual como então.
Coloca-se ainda uma terceira e fundamental razão para a realização desta comissão de inquérito: a própria gestão privada, a forma como esta se tem desenvolvido, os prejuízos que tem trazido para o país e a necessidade de travar essa gestão, reverter a privatização e salvaguardar o interesse público. E as razões de queixa vão muito mais fundo que as já apontadas sobre o papel da multinacional na questão
do NAL. É preciso constatar a queda brutal do investimento com a privatização (menos de metade do
investimento realizado nos 10 primeiros anos de gestão privada face aos 10 últimos anos de gestão pública);
constatar a profunda degradação do aeroporto de Lisboa, transformado nestes 10 anos num dos piores da
Europa; constatar a própria degradação da qualidade do serviço noutros aeroportos nacionais. É necessário
apurar as condições concretas da «compra» das Lojas Francas à TAP, num processo de chantagem realizada
em prejuízo de uma empresa nacional. É necessário ainda avaliar a verdadeira dimensão do aumento global
de taxas praticada com a privatização e dos impactos desses aumentos na atividade económica em Portugal;
avaliar o impacto sobre os trabalhadores da ANA, a crescente precariedade e recurso à subcontratação, a
degradação salarial e de direitos, e o impacto destas políticas na vida dos trabalhadores e na resposta
operacional da empresa. Tudo isto sem esquecer, e exatamente tendo em conta, a importância do transporte
aéreo para a economia nacional.
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É indispensável, portanto, analisar e escrutinar com rigor o processo de privatização da ANA Aeroportos e,
nomeadamente, apurar:
1 – Foram cometidas ilegalidades no processo de privatização, incluindo no processo de entrega da
concessão à ANA dos aeroportos, como aponta o Tribunal de Contas?
2 – Essas ilegalidades cometidas, foram cometidas por quem? Quais os efeitos jurídicos dessas
ilegalidades sobre a concessão e sobre a privatização?
3 – Quais as causas concretas para o atraso extraordinário na realização desta auditoria? Quais as
dificuldades geradas pelo facto de o decreto-lei de privatização apenas salvaguardar a documentação por
cinco anos? O que significa estar em causa «a fidedignidade da documentação» como alerta o TdC? Quais os
responsáveis por essa situação? Que medidas é possível realizar para repor a fidedignidade da
documentação?
4 – A informação pública dada ao povo português – de que o preço de venda havia sido de 3,08 mil
milhões de euros – resultou de uma ação intencional para enganar o povo português?
5 – Quem autorizou e qual a legalidade do desconto de 71,4 milhões de euros feito ao preço de compra?
6 – Qual o grau de consciência dos diferentes decisores sobre o péssimo negócio que estava a ser
conduzido pelo Estado português – perdas em 50 anos de cerca de 20 mil milhões, além das dificuldades
acrescidas de decisão nas questões estratégicas do sector?
7 – No processo de privatização, sobre o futuro do Aeroporto Internacional Humberto Delgado e a
necessidade do seu progressivo encerramento, houve má-fé negocial da Vinci, ou foi o Estado português (e
por intermédio de quem) que aceitou deixar cair esse objetivo estratégico nacional?
8 – O conjunto de atitudes da Vinci na questão do Aeroporto Internacional de Lisboa revela apenas o
comportamento natural e inaceitável de uma multinacional apenas preocupada com os seus lucros e
dividendos, ou revela também a submissão a objetivos estratégicos de outro Estado nacional?
9 – Que critérios presidiram à nomeação do último Conselho de Administração da ANA enquanto empresa
pública? Por que razão se decidiu nomear um CA diferente para conduzir a privatização? Por que razão o
Estado português manteve a confiança nesse CA quando a multinacional Vinci anunciou publicamente, um
mês depois, a sua contratação para se manterem na gestão privada caso fosse ela a ficar com o direito de
receber a ANA, como veio a acontecer?
10 – Por que razão o Governo escolheu para presidir à NAV e à ANAC dois membros do Conselho de
Administração em gestão privada da ANA (Jorge Ponce de Leão e Luís Ribeiro)? Porque manteve essa sua
opção, mesmo quando sucessivamente alertado para a incompatibilidade gerada? Que decisões – sobre a
ANA e sobre o NAL – foram de facto tomadas por essas duas instituições no período de gestão desses dois
administradores, e quais os impactos dessas decisões? Quais os «impactos materiais» sobre a auditoria do
TdC destas incompatibilidades?
11 – Qual a avaliação da gestão privada da ANA? Qual a queda de investimento nos aeroportos nacionais
depois da privatização? Qual o aumento de taxas registado nos aeroportos nacionais com a privatização?
Quais as razões para o número de trabalhadores da ANA diminuir, particularmente na relação entre número de
trabalhadores por número de voos e de passageiros? Qual o impacto da crescente precariedade nos
aeroportos nacionais? Quais as verdadeiras razões para a «venda» das Lojas Francas de Portugal à ANA?
Quais as causas da profunda degradação do funcionamento do Aeroporto Internacional Humberto Delgado
com a privatização? Quais as responsabilidades da multinacional?
12 – É necessário realizar a renacionalização da ANA? Qual a melhor forma de proceder?
Assim, em face da publicação do Relatório do Tribunal de Contas – Relatório de Auditoria 16/2023 sobre a
Privatização da ANA e do papel da ANA privatizada na oposição sistemática a qualquer tentativa de
construção do novo aeroporto de Lisboa, o Grupo Parlamentar do PCP vem propor, ao abrigo da Lei n.º 5/93,
de 1 de março, republicada pela Lei n.º 15/2007, de 3 de abril, e da alínea i) do artigo 8.º do Regimento da
Assembleia da República, a criação de uma comissão eventual de inquérito parlamentar, nos termos previstos
nos artigos 233.º a 237.º do Regimento da Assembleia da República, pelo prazo de 120 dias, tendo por objeto
apurar as responsabilidades políticas e administrativas dos Governos e dos Conselhos de Administração da
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ANA Aeroportos que envolveram a privatização da empresa e as suas implicações para o Estado e a gestão
da rede aeroportuária nacional.
Assembleia da República, 10 de abril de 2024.
Os Deputados do PCP: António Filipe — Paula Santos — Paulo Raimundo — Alfredo Maia.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.