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Sexta-feira, 7 de junho de 2024 II Série-B — Número 13
XVI LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2024-2025)
SUPLEMENTO
S U M Á R I O
Inquéritos Parlamentares (n.os 5, 6 e 7/XVI/1.ª): N.º 5/XVI/1.ª (CH) — Comissão parlamentar de inquérito para averiguação da gestão, transparência de funções e conduta dos anteriores responsáveis envolvidos nos desequilíbrios de contas e funcionamento da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. — Texto inicial;
— Alteração do texto inicial do inquérito parlamentar. N.º 6/XVI/1.ª (IL) — Comissão parlamentar de inquérito à gestão financeira e à tutela política da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML). N.º 7/XVI/1.ª (BE) — Comissão eventual de inquérito parlamentar à gestão estratégica e financeira da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
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INQUÉRITO PARLAMENTAR N.º 5/XVI/1.ª
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO PARA AVERIGUAÇÃO DA GESTÃO, TRANSPARÊNCIA
DE FUNÇÕES E CONDUTA DOS ANTERIORES RESPONSÁVEIS ENVOLVIDOS NOS DESEQUILÍBRIOS
DE CONTAS E FUNCIONAMENTO DA SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA
(Texto inicial)
No dia 29 de abril de 2024 foi anunciada a exoneração, com efeitos imediatos, de todos os membros da
Mesa da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), uma vez que se demonstraram incapazes de
solucionar os graves problemas financeiros agravados e operacionais da instituição, havendo uma clara
limitação do seu objeto essencial, ou seja, a prossecução da ação social.
Por conseguinte, no dia seguinte, foram emitidos dois despachos. O Despacho n.º 4702-B/2024, de 30 de
abril, concretiza a cessação de funções no cargo de Provedora da Mesa da Santa Casa da Misericórdia de
Lisboa da licenciada Ana Maria Teodoro Jorge, tendo sido considerado como motivo «a não prestação de
informações essenciais ao exercício da tutela, nomeadamente, a falta de informação à tutela sobre o relatório
e contas de 2023, mesmo que em versão provisória e sobre a execução orçamental do primeiro trimestre de
2024, bem como a ausência de resposta de todos pedidos de informação até agora solicitados» e « atuações
gravemente negligentes que afetam a gestão da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, nomeadamente a
ausência de um plano de reestruturação financeira, tendo em conta o desequilíbrio de contas entre a estrutura
corrente e de capital, desde que tomou posse até agora»1. Em simultâneo, é emitido o Despacho n.º 4702-
C/2024, de 30 de abril, este concretizando a cessação de funções nos cargos de membros da Mesa da Santa
Casa da Misericórdia, nomeadamente, do licenciado João José Garcia Correia, do licenciado Nuno Miguel
Ribeiro da Silva Alves, do licenciado Sérgio Rui Lopes Cintra e da mestre Teresa Mafalda de Andrade do
Passo de Sousa e aceitação da licenciada Ana Vitória Chagas Cardoso de Aragão Azevedo, tendo como
razão comum às citações supramencionadas.2
Desta forma, em suma, o Governo considerou que a administração cessante não tomou medidas
adequadas para solucionar a situação financeira de extrema gravidade e os riscos de insustentabilidade da
SCML, como não foi apresentado nenhum plano estratégico ou de restauração, nem os solicitados relatórios
de contas. Acresceu a tais motivos, o receio pela falta de diligência da Mesa e multiplicavam-se os alertas de
redução significativa da atividade da ação social da SCML em território nacional. Conforme o exposto, a Mesa
cessante não conseguiu dar respostas essenciais para a informação solicitada para execução da tutela.3
Sucede que, mesmo anteriormente, a Câmara de Lisboa já denunciava a falta de resposta da Santa Casa
em relação ao que lhe competia, isto é, a ação social. A vereadora da Câmara Municipal de Lisboa Sofia
Athayde referiu a carência de ação pela SCML, que não conseguia dar resposta a uma sociedade vulnerável,
acrescendo as necessidades sentidas.4 Assim, como o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos
Moedas, apelou também ao funcionamento da SCML, sendo que lamentava a crescente incapacidade de
resposta no domínio da ação social.5 Desta forma, já eram crescentes as críticas à administração da SCML e
à sua resposta insuficiente, aquém da sua finalidade.
No culminar da situação da demissão da Mesa da SCML, a 8 de maio de 2024, a Ministra do Trabalho,
Solidariedade e Segurança Social, Maria do Rosário Palma Ramalho, numa entrevista à RTP1, mencionou a
«situação muito difícil» que fora encontrada na Santa Casa da Misericórdia em Lisboa. Ao contrário do
esperado, confirmou que não existia nenhum plano de reestruturação e que houve uma total inação. Ainda
revela que não havia nenhum dado sobre a execução orçamental do primeiro trimestre. Acresce que houve
suspeitas de benefício «a si próprios» e àqueles que gerem a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.6
Em sentido oposto, a provedora exonerada, Ana Jorge, nega terem usufruído de benefício próprio,
reagindo novamente às acusações de inação.7 Em entrevista para a Rádio Renascença mencionou o
1 https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/despacho/4702-b-2024-863354525 2 https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/despacho/4702-c-2024-863354526 3 https://www.portugal.gov.pt/pt/gc24/comunicacao/comunicado?i=comunicado-santa-casa-da-misericordia-de-lisboa 4 https://www.publico.pt/2024/04/29/sociedade/noticia/camara-lisboa-denuncia-falta-resposta-santa-casa-accao-social-2088660 5 https://observador.pt/2024/04/29/governo-exonera-mesa-da-santa-casa-liderada-por-ana-jorge/ 6 https://www.rtp.pt/noticias/pais/nao-fez-nada-ministra-do-trabalho-acusa-provedora-da-santa-casa-de-total-inacao_n1569822 7 https://www.rtp.pt/noticias/politica/ana-jorge-nega-ter-retirado-beneficio-proprio-na-santa-casa-da-misericordia_n1569929
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seguinte: «Nego profundamente essa declaração e é preciso justificar qual é o benefício próprio.»8
A par das tais dissonâncias, evoluiu a polémica da internacionalização dos jogos sociais, sendo certo que
estes sempre constituíram uma grande parte da receita da SCML. Ora, tendo em conta que em 2022 os jogos
sociais representaram cerca de 80 % do total da receita corrente, contabilizando os 195 milhões de euros,
produzido um aumento de 4,6 % em relação aos 186,5 milhões registados. No entanto, a «instituição apenas
recebe 26,52 % das receitas líquidas geradas, sendo o remanescente dividido pelos restantes beneficiários».9
Deste modo, demonstra a constante dependência da instituição face aos jogos sociais.
Assim, a internacionalização dos jogos da Santa Casa gerava grandes expectativas de dinamização, mas
tais foram rapidamente destruídas revelando-se um verdadeiro desastre. É de frisar que a internacionalização
dos jogos da SCML, projeto audacioso como referido, foi acompanhado pela tutela. O ex-Provedor da SCML
Dr. Edmundo Emílio Mão de Ferro Martinho, reforça que terá obtido consentimento da anterior Ministra do
Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Dr.ª Ana Mendes Godinho, para a constituição de uma sociedade
detida pela SCML, que iria deter a designação de Santa Casa Global (SCG) para a exploração dos jogos a
nível internacional. Por sua vez, a anterior Ministra declara informações contraditórias sobre o
desenvolvimento dos negócios nos estrangeiros, nomeadamente numa audição parlamentar na Comissão de
Trabalho e Segurança Social, a ex-Ministra negou que tivesse obtido as informações concretas sobre as
operações realizadas pela SCG e os montantes aplicados.
A Sociedade Santa Casa Global, Unipessoal, L.da, 100 % de capital (5 milhões de euros) detida pela Santa
Casa da Misericórdia de Lisboa, foi criada em 10/09/202010, tendo como objetivo a implementação de um
modelo de negócio socialmente responsável. Certo é que o projeto pretendia estender-se na Europa e nos
demais países.11 Deste modo, houve vários investimentos de milhões12: na Ainigma, empresa com sede no
Reino Unido; no Peru, em parceria com a NextLot Juega Peru13; tentativa frustrada em Angola; e, embora já
não tivessem dinheiro para assumir mais responsabilidades financeiras, fizeram-no no Brasil, através da Santa
Casa Global Brasil.14
Em suma, o projeto da internacionalização, em vez de resultar num acréscimo, resultou num prejuízo a ser
suportado por todos, sem os devidos desenvolvimentos e sem responsáveis. O ex-Administrador da Santa
Casa, Francisco Pessoa e Costa, responsabilizou a provedora exonerada pelo insucesso do projeto de
internacionalização, considerando-a responsável de grande parte dos prejuízos atuais e futuros. Acrescentou
que «A anterior Mesa afundou num ano mais de 30 milhões de euros, além do que pode ainda vir a ser
conhecido»15.
Consequentemente, os grupos parlamentares procederam a requerimentos para audições aos
intervenientes da Mesa na gestão da Santa Casa Misericórdia de Lisboa. Desta forma, a audição 1-CTSSI-XVI
concretizou-se na audição do anterior Provedor, Dr. Edmundo Martinho, em relação à situação financeira da
instituição e sobre o negócio da internacionalização dos jogos sociais. O Dr. Edmundo Martinho mencionou a
fragilidade das receitas e que observavam como a SCML poderia desenvolver-se a nível internacional. Nesse
sentido, refere que o investimento realizado teve como objetivo robustecer a situação financeira da SCML.
Sequencialmente, a audição 2-CTSSI-XVI, sendo a audição da vice-provedora demissionária da SCML, Dr.ª
Ana Vitória Azevedo que proferiu «Quando cheguei havia chefias que eram chefes deles próprios», o que
desde logo ilustra, juntamente com o já noticiado, Crise na Santa Casa: instituição tem quase 500 chefes16
demonstra que há muito se desenvolvia uma situação de descontrolo, conhecida, que se agravava, onde
postos de chefia cresciam, mas sem nenhum se pronunciar claramente sobre o que sucedia, nem neste
momento, o que verdadeiramente sucedeu. Assim, embora o número de chefes, os resultados negativos são
claros e as culpas como se fossem inexistentes.
Posteriores audições se seguiram, embora pouco acrescentaram de relevo para a descoberta da verdade,
8 https://rr.sapo.pt/noticia/pais/2024/05/08/nego-profundamente-ana-jorge-recusa-acusacoes-de-beneficio-proprio-na-scml/377465/ 9 Os sete «pecados» na gestão da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa – ECO (sapo.pt) 10 https://www.racius.com/santa-casa-global-unipessoal-lda/ 11 https://onovo.sapo.pt/noticias/internalizacao-dos-jogos-da-santa-casa-foi-acompanhada-pelo-governo-ps/ 12 https://rr.sapo.pt/artigo/explicador-renascenca/2023/12/11/ha-novos-dados-sobre-o-caso-santa-casa-global-como-e-que-ana-mendes-godinho-aparece-nesta-investigacao/358685/ 13 https://www.santacasaglobal.pt/lancamento-da-operacao-santa-casa-global-no-peru/ 14 https://eco.sapo.pt/2024/05/15/ana-jorge-responde-a-ex-gestor-da-santa-casa-global-e-diz-que-proposta-para-venda-de-empresa-no-brasil-era-apenas-uma-e-generica/ 15 Ex-administrador da Santa Casa Global responsabiliza Ana Jorge pelos prejuízos com fim de internacionalização (dn.pt) 16 https://zap.aeiou.pt/santa-casa-chefes-599060
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da clareza e transparência esperada: a audição 3-CTSSI-XVI sendo a audição do anterior Administrador da
Santa Casa Global, Dr. Ricardo Gonçalves; audição 4-CTSSI-XVI sendo a audição do anterior Secretário de
Estado da Internacionalização, Eurico Brilhante Dias; audição 5-CTSSI-XVI sendo a audição do anterior
Administrador da Santa Casa Global Eng.º Francisco Pessoa e Costa; audição 7-CTSSI-XVI sendo a audição
da Sr.ª Provedora exonerada SCML, Dr.ª Ana Jorge; audição 8-CTSSI-XVI sendo a audição da anterior
Ministra do Trabalho da Sociedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho; e a audição 9-CTSSI-XVI
sendo a audição da Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Maria do Rosário Palma
Ramalho.
No entanto, não se considerou nenhum efetivo responsável pela gestão realizada, pelas opções, decisões,
atos preconizados e as contas. São os portugueses, os seus destinatários, os mais prejudicados, os que não
escolheram, mas que acarretam os prejuízos de uma gestão claramente duvidosa que mais sofrem com os
prejuízos causados. Ora, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa concretiza-se numa instituição de utilidade
pública administrativa que rege a sua atuação pela defesa de valores sociais, sendo uma peça essencial para
a sociedade portuguesa, especialmente para os que enfrentam situações de maior vulnerabilidade. Desta
forma, conduz a meios de garantia dos mais desfavorecidos, acautelando desde logo a igualdade e a
dignidade da pessoa humana, conforme artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.
Pelo exposto, considerando a importância da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa para contemplar os
direitos dos mais desfavorecidos e demais, face às questões controversas sobre a gestão, transparência e
conduta dos responsáveis tanto no estado atual financeiro da instituição, assim como o negócio da
internacionalização dos jogos sociais, entende o Chega que apenas uma comissão parlamentar de inquérito
permitirá realizar todas as indagações necessárias para descobrir todos os envolvidos neste caso. Assim
sendo, pretende-se compreender os motivos que levou à situação financeira atual da instituição, assim como o
negócio dos jogos sociais, analisando as irregularidades cometidas, os responsáveis pelos atos, averiguando-
se se efetivamente houve má-fé ou benefício próprio. Desta forma, tratando-se de quantias monetárias
respeitantes a todos nós, assim como funções que deveriam estar a favor do povo e não em interesses
próprios, importa que prevaleça a transparência da instituição, havendo o seu escrutínio.
Assim:
– Considerando que compete ao Parlamento escrutinar os atos do Governo e da Administração e que as
comissões parlamentares de inquérito são o instrumento mais adequado para esse fim;
– Considerando que os Deputados têm o dever de procurar a verdade e os portugueses têm o direito de a
conhecer;
– Considerando que o escrutínio dos atos do Governo e da Administração é um direito inalienável e um
dever dos Deputados;
Os Deputados, abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do Chega requerem, ao abrigo do disposto na
alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 5/93, de 1 de março, republicada pela Lei n.º 15/2007, de 2 de abril, a
constituição imediata de uma comissão parlamentar de inquérito com o objetivo de:
● Verificar os relatórios de Contas da Santa Casa da Misericórdia nos últimos três anos, consoante os
planos e estratégias em vigor, clarificando como foram aplicadas as quantias monetárias para afetação
do seu fim;
● Apurar todas as responsabilidades das decisões de gestão, verificando se as funções foram
desempenhadas de má-fé ou em benefício próprio;
● Examinar as decisões e possíveis atas para que não tenha sido movido esforços de recuperação quando
a instituição se encontrava em grande défice de meios económicos;
● Analisar o negócio da internacionalização dos jogos sociais, fundamentando-se as decisões tomadas e os
investimentos que geraram prejuízos desproporcionais aos lucros;
● Esclarecer o envolvimento da anterior Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana
Mendes Godinho, no consenso da internacionalização dos jogos sociais;
● Elucidar todo o processo de negociação da internacionalização dos jogos sociais;
● Calcular os custos para o erário público;
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● Investigar a existência de outros casos semelhantes num passado recente.
Palácio de São Bento, 16 de maio de 2024.
(Substituição do texto inicial, a pedido do autor)
No dia 29 de abril de 2024, foi anunciada a exoneração, com efeitos imediatos, de todos os membros da
Mesa da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), uma vez que se demonstraram incapazes de
solucionar os graves problemas financeiros agravados e operacionais da instituição, havendo uma clara
limitação do seu objeto essencial, ou seja, a prossecução da ação social.
Por conseguinte, no dia seguinte, foram emitidos dois despachos. O Despacho n.º 4702-B/2024, de 30 de
abril, concretiza a cessação de funções no cargo de Provedora da Mesa da Santa Casa da Misericórdia de
Lisboa da licenciada Ana Maria Teodoro Jorge, tendo sido considerado como motivo «a não prestação de
informações essenciais ao exercício da tutela, nomeadamente, a falta de informação à tutela sobre o relatório
e contas de 2023, mesmo que em versão provisória e sobre a execução orçamental do primeiro trimestre de
2024, bem como a ausência de resposta de todos pedidos de informação até agora solicitados» e «atuações
gravemente negligentes que afetam a gestão da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, nomeadamente a
ausência de um plano de reestruturação financeira, tendo em conta o desequilíbrio de contas entre a estrutura
corrente e de capital, desde que tomou posse até agora»1. Em simultâneo, é emitido o Despacho n.º 4702-
C/2024, de 30 de abril, este concretizando a cessação de funções nos cargos de membros da Mesa da Santa
Casa da Misericórdia, nomeadamente, do licenciado João José Garcia Correia, do licenciado Nuno Miguel
Ribeiro da Silva Alves, do licenciado Sérgio Rui Lopes Cintra e da mestre Teresa Mafalda de Andrade do
Passo de Sousa e a aceitação da licenciada Ana Vitória Chagas Cardoso de Aragão Azevedo, tendo como
razão comum às citações supramencionadas.2
Desta forma, em suma, o Governo considerou que a administração cessante não tomou medidas
adequadas para solucionar a situação financeira de extrema gravidade e os riscos de insustentabilidade da
SCML, como não foi apresentado nenhum plano estratégico ou de restauração, nem os solicitados relatórios
de contas. Acresceu a tais motivos o receio pela falta de diligência da Mesa e multiplicavam-se os alertas de
redução significativa da atividade da ação social da SCML em território nacional. Conforme o exposto, a Mesa
cessante não conseguiu dar respostas essenciais para a informação solicitada para execução da tutela.3
Sucede que, mesmo anteriormente, a Câmara de Lisboa já denunciava a falta de resposta da Santa Casa
em relação ao que lhe competia, isto é, a ação social. A vereadora da Câmara Municipal de Lisboa Sofia
Athayde referiu a carência de ação pela SCML, que não conseguia dar resposta a uma sociedade vulnerável,
acrescendo as necessidades sentidas.4 Assim como o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos
Moedas, apelou também ao funcionamento da SCML, sendo que lamentava a crescente incapacidade de
resposta no domínio da ação social.5 Desta forma, já eram crescentes as críticas à administração da SCML e
à sua resposta insuficiente, aquém da sua finalidade.
No culminar da situação da demissão da Mesa da SCML, a 8 de maio de 2024, a Ministra do Trabalho,
Solidariedade e Segurança Social, Maria do Rosário Palma Ramalho, numa entrevista à RTP1, mencionou a
«situação muito difícil» que fora encontrada a Santa Casa da Misericórdia em Lisboa. Ao contrário do
esperado, confirmou que não existia nenhum plano de reestruturação e que houve uma total inação. Ainda
revela que não havia nenhum dado sobre a execução orçamental do primeiro trimestre. Acresce que, houve
suspeitas de benefício «a si próprios» e àqueles que gerem a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.6
Em sentido oposto, a provedora exonerada, Ana Jorge, nega terem usufruído de benefício próprio,
1 https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/despacho/4702-b-2024-863354525 2 https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/despacho/4702-c-2024-863354526 3 https://www.portugal.gov.pt/pt/gc24/comunicacao/comunicado?i=comunicado-santa-casa-da-misericordia-de-lisboa 4 https://www.publico.pt/2024/04/29/sociedade/noticia/camara-lisboa-denuncia-falta-resposta-santa-casa-accao-social-2088660 5 https://observador.pt/2024/04/29/governo-exonera-mesa-da-santa-casa-liderada-por-ana-jorge/ 6 https://www.rtp.pt/noticias/pais/nao-fez-nada-ministra-do-trabalho-acusa-provedora-da-santa-casa-de-total-inacao_n1569822
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reagindo novamente às acusações de inação.7 Em entrevista para a Rádio Renascença mencionou o
seguinte: «Nego profundamente essa declaração e é preciso justificar qual é o benefício próprio.»8
A par das tais dissonâncias, evoluiu a polémica da internacionalização dos jogos sociais, sendo certo que
estes sempre constituíram uma grande parte da receita da SCML. Ora, tendo em conta que em 2022 os jogos
sociais representaram cerca de 80 % do total da receita corrente, contabilizando os 195 milhões de euros,
produzindo um aumento de 4,6 % em relação aos 186,5 milhões registados. No entanto, a «instituição apenas
recebe 26,52 % das receitas líquidas geradas, sendo o remanescente dividido pelos restantes beneficiários».9
Deste modo, demonstra a constante dependência da instituição face aos jogos sociais.
Assim, a internacionalização dos jogos da Santa Casa gerava grandes expectativas de dinamização, mas
tais foram rapidamente destruídas revelando-se um verdadeiro desastre. É de frisar que a internacionalização
dos jogos da SCML, projeto audacioso como referido, foi acompanhado pela tutela. O ex-Provedor da SCML
Dr. Edmundo Emílio Mão de Ferro Martinho reforça que terá obtido consentimento da anterior Ministra do
Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Dr.ª Ana Mendes Godinho, para a constituição de uma sociedade
detida pela SCML, que iria deter a designação de Santa Casa Global (SCG) para a exploração dos jogos a
nível internacional. Por sua vez, a anterior Ministra declara informações contraditórias sobre o
desenvolvimento dos negócios nos estrangeiros, nomeadamente, numa audição parlamentar na Comissão de
Trabalho e Segurança Social, a ex-Ministra negou que tivesse obtido as informações concretas sobre as
operações realizadas pela SCG e os montantes aplicados.
A Sociedade Santa Casa Global, Unipessoal, L.da, 100 % de capital (5 milhões de euros) detida pela Santa
Casa da Misericórdia de Lisboa, foi criada em 10/09/202010, tendo como objetivo a implementação de um
modelo de negócio socialmente responsável. Certo é que o projeto pretendia estender-se na Europa e nos
demais países.11 Deste modo, houve vários investimentos de milhões12: na Ainigma, empresa com sede no
Reino Unido; no Peru, em parceria com a NextLot Juega Peru13; tentativa frustrada em Angola; e, embora já
não tivessem dinheiro para assumir mais responsabilidades financeiras, fizeram-no no Brasil, através da Santa
Casa Global Brasil.14
Em suma, o projeto da internacionalização, em vez de resultar num acréscimo, resultou num prejuízo a ser
suportado por todos, sem os devidos desenvolvimentos e sem responsáveis. O ex-Administrador da Santa
Casa, Francisco Pessoa e Costa, responsabilizou a provedora exonerada pelo insucesso do projeto de
internacionalização, considerando-a responsável de grande parte dos prejuízos atuais e futuros. Acrescentou
que «A anterior Mesa afundou num ano mais de 30 milhões de euros, além do que pode ainda ver a ser
conhecido»15.
Consequentemente, os grupos parlamentares procederam a requerimentos para audições aos
intervenientes da Mesa na gestão da Santa Casa Misericórdia de Lisboa. Desta forma, a audição 1-CTSSI-XVI
concretizou-se na audição do anterior Provedor, Dr. Edmundo Martinho, em relação à situação financeira da
instituição e sobre o negócio da internacionalização dos jogos sociais. O Dr. Edmundo Martinho mencionou a
fragilidade das receitas e que observavam como a SCML poderia desenvolver-se a nível internacional. Nesse
sentido, refere que o investimento realizado teve como objetivo robustecer a situação financeira da SCML.
Sequencialmente, a audição 2-CTSSI-XVI foi a audição da Vice-Provedora demissionária da SCML, Dr.ª Ana
Vitória Azevedo, que proferiu «Quando cheguei havia chefias que eram chefes deles próprios», o que, desde
logo, ilustra, juntamente com o já noticiado, Crise na Santa Casa: instituição tem quase 500 chefes16.
Demonstra que há muito se desenvolvia uma situação de descontrolo, conhecida, que se agravava, onde
postos de chefia cresciam, mas sem nenhum se pronunciar claramente sobre o que sucedia, nem neste
momento, o que verdadeiramente sucedeu. Assim, embora o número de chefes, os resultados negativos são
7 https://www.rtp.pt/noticias/politica/ana-jorge-nega-ter-retirado-beneficio-proprio-na-santa-casa-da-misericordia_n1569929 8 https://rr.sapo.pt/noticia/pais/2024/05/08/nego-profundamente-ana-jorge-recusa-acusacoes-de-beneficio-proprio-na-scml/377465/ 9 Os sete «pecados» na gestão da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa – ECO (sapo.pt) 10 https://www.racius.com/santa-casa-global-unipessoal-lda/ 11 https://onovo.sapo.pt/noticias/internalizacao-dos-jogos-da-santa-casa-foi-acompanhada-pelo-governo-ps/ 12 https://rr.sapo.pt/artigo/explicador-renascenca/2023/12/11/ha-novos-dados-sobre-o-caso-santa-casa-global-como-e-que-ana-mendes-godinho-aparece-nesta-investigacao/358685/ 13 https://www.santacasaglobal.pt/lancamento-da-operacao-santa-casa-global-no-peru/ 14 https://eco.sapo.pt/2024/05/15/ana-jorge-responde-a-ex-gestor-da-santa-casa-global-e-diz-que-proposta-para-venda-de-empresa-no-brasil-era-apenas-uma-e-generica/ 15 Ex-administrador da Santa Casa Global responsabiliza Ana Jorge pelos prejuízos com fim de internacionalização (dn.pt) 16 https://zap.aeiou.pt/santa-casa-chefes-599060
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claros e as culpas como se fossem inexistentes.
Posteriores audições se seguiram, embora pouco acrescentaram de relevo para a descoberta da verdade,
da clareza e transparência esperada: a audição 3-CTSSI-XVI foi a audição do anterior Administrador da Santa
Casa Global, Dr. Ricardo Gonçalves; a audição 4-CTSSI-XVI foi a audição do anterior Secretário de Estado da
Internacionalização, Eurico Brilhante Dias; a audição 5-CTSSI-XVI foi a audição do anterior Administrador da
Santa Casa Global Eng.º Francisco Pessoa e Costa; a audição 7-CTSSI-XVI foi a audição da Sr.ª Provedora
exonerada da SCML, Dr.ª Ana Jorge; a audição 8-CTSSI-XVI foi a audição da anterior Ministra do Trabalho da
Sociedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho; e a audição 9-CTSSI-XVI foi a audição da Ministra do
Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Maria do Rosário Palma Ramalho.
No entanto, não se considerou nenhum efetivo responsável pela gestão realizada, pelas opções, decisões,
atos preconizados e as contas. São os portugueses, os seus destinatários, os mais prejudicados, os que não
escolheram, mas que acarretam os prejuízos de uma gestão claramente duvidosa que mais sofrem com os
prejuízos causados. Ora, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa concretiza-se numa instituição de utilidade
pública administrativa que rege a sua atuação pela defesa de valores sociais, sendo uma peça essencial para
a sociedade portuguesa, especialmente para os que enfrentam situações de maior vulnerabilidade. Desta
forma, conduz a meios de garantia dos mais desfavorecidos, acautelando desde logo a igualdade e a
dignidade da pessoa humana, conforme artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa.
Pelo exposto, considerando a importância da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa para contemplar os
direitos dos mais desfavorecidos e demais, face às questões controversas sobre a gestão, transparência e
conduta dos responsáveis tanto no estado atual financeiro da instituição, assim como o negócio da
internacionalização dos jogos sociais, entende o Chega que apenas uma comissão parlamentar de inquérito
permitirá realizar todas as indagações necessárias para descobrir todos os envolvidos neste caso. Assim
sendo, pretende-se compreender os motivos que levou à situação financeira atual da instituição, assim como o
negócio dos jogos sociais, analisando as irregularidades cometidas, os responsáveis pelos atos, averiguando-
se se efetivamente houve má-fé ou benefício próprio. Desta forma, tratando-se de quantias monetárias
respeitantes a todos nós, assim como funções que deveriam estar a favor do povo e não em interesses
próprios, importa que prevaleça a transparência da instituição, havendo o seu escrutínio.
Assim:
– Considerando que compete ao Parlamento escrutinar os atos do Governo e da Administração e que as
comissões parlamentares de inquérito são o instrumento mais adequado para esse fim;
– Considerando que os Deputados têm o dever de procurar a verdade e os portugueses têm o direito de a
conhecer;
– Considerando que o escrutínio dos atos do Governo e da Administração é um direito inalienável e um
dever dos Deputados;
Os Deputados, abaixo assinados, do Grupo Parlamentar do Chega requerem, ao abrigo do disposto na
alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 5/93, de 1 de março, republicada pela Lei n.º 15/2007, de 2 de abril, a
constituição imediata de uma comissão parlamentar de inquérito com o objetivo de:
● Verificar os relatórios de Contas da Santa Casa da Misericórdia nos últimos três anos, consoante os
planos e estratégias em vigor, clarificando como foram aplicadas as quantias monetárias para afetação
do seu fim;
● Apurar todas as responsabilidades das decisões de gestão, verificando se as funções foram
desempenhadas de má-fé ou em benefício próprio;
● Examinar as decisões e possíveis atas para que não tenha sido movido esforços de recuperação quando
a instituição se encontrava em grande défice de meios económicos;
● Analisar o negócio da internacionalização dos jogos sociais, fundamentando-se as decisões tomadas e os
investimentos que geraram prejuízos desproporcionais aos lucros;
● Esclarecer o envolvimento da anterior Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana
Mendes Godinho, no consenso da internacionalização dos jogos sociais;
● Elucidar todo o processo de negociação da internacionalização dos jogos sociais;
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● Calcular os custos para o erário público;
● Investigar a existência de outros casos semelhantes num passado recente.
Palácio de São Bento, 16 de maio de 2024.
Os Deputados do CH: Felicidade Vital — Vanessa Barata — João Ribeiro — Armando Grave — Pedro
Pinto.
———
INQUÉRITO PARLAMENTAR N.º 6/XVI/1.ª
COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO À GESTÃO FINANCEIRA E À TUTELA POLÍTICA DA
SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA (SCML)
Exposição de motivos
A situação financeira da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) tem sido objeto de amplo debate,
uma vez que se tornou do conhecimento público a existência de desequilíbrios orçamentais que colocam em
causa o normal funcionamento da instituição, tal como identificado no Plano de Atividades e Orçamento
relativo ao ano de 2024, onde se reconhece a degradação financeira e no qual até se prevê uma provável
rutura de tesouraria, dada a existência de um défice de 25 milhões de euros e a necessidade de um reforço
entre 55 e 65 milhões para satisfazer compromissos inadiáveis, nomeadamente despesas com pessoal.
As ameaças à sustentabilidade financeira são elencadas no Plano de Atividades e Orçamento de 2024, no
qual se pode ler que «foram identificadas previsões excessivas nos orçamentos de receitas, como vendas de
imóveis de valor elevado, que permitiam inscrever excessivas dotações de despesas sem cobertura em
disponibilidade reais». De acordo com uma análise do jornal Eco, «Em 2021, as receitas ficaram 14 % abaixo
do orçamentado e em 2022 a 17 %»1.
Se, por um lado, existe um problema relacionado com a receita, verifica-se, por outro, uma dificuldade ao
nível da despesa que é de salientar, uma vez que, de acordo com o último Relatório de Gestão e Contas
público, relativo ao ano de 2022, a SCML empregava 6080 trabalhadores e no orçamento para o ano de 2024
previa uma despesa com pessoal na ordem dos 163 milhões de euros. Isto numa estrutura em que, entre 2017
e 2022, durante o mandato do Provedor Edmundo Martinho, foram contratados mais de mil trabalhadores. As
despesas com pessoal da SCML representam assim 63 % do total de receitas anuais, o que só por si é
revelador da pouca margem orçamental restante para o desenvolvimento da sua missão social. Ademais, é
necessário esclarecer e analisar a gestão política de uma instituição que chegou a possuir 484 cargos de
chefia e onde, de acordo com a ex-Vice-Provedora Ana Vitória Azevedo existiriam chefes sem equipa.
Ainda no Plano de Atividades e Orçamento de 2024 são elencadas como uma ameaça à sustentabilidade
financeira as garantias prestadas ao Hospital da Cruz Vermelha – Sociedade Gestora Hospitalar e à Santa
Casa Global no valor de 13,8 e 14,1 milhões de euros respetivamente, assim como as atuais participações na
área da saúde que, na opinião da Mesa da SCML, não são «sustentadas em avaliações e estratégias
racionais, claras e sustentáveis».
As críticas às participações da SCML na área da saúde constam igualmente da carta de demissão de Ana
Vitória Azevedo. Nela, a ex-Vice-Provedora realça que são diversos os problemas que «concorreram para a
aceleração da degradação financeira da SCML, nomeadamente os vários investimentos que, por razões de
ordem política, a Santa Casa se viu obrigada a fazer, designadamente a Fundação Ricardo Espírito Santo,
Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa e Clínica Oriental de Chelas».
Ana Vitória Azevedo sublinha na sua carta de demissão que razões de ordem política fundamentaram
1 https://eco.sapo.pt/2024/05/08/os-sete-pecados-na-gestao-da-santa-casa-da-misericordia-de-lisboa/
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estes investimentos, que se têm revelado manifestamente prejudiciais para a saúde financeira da instituição,
pelo que tais negócios devem ser escrutinados pela Assembleia da República e avaliados do ponto de vista
político, financeiro, legal e do interesse público.
Os investimentos financeiros avultados da SCML vieram reforçar a urgência e a necessidade de
diversificação de receitas para que seja possível uma melhoria da situação financeira. De facto, a principal
fonte de receita, os jogos sociais, representam 80 % do total arrecadado pela instituição, espelhando, portanto,
a enorme dependência de uma rubrica que tem vindo a decrescer fruto das apostas digitais e da evolução do
jogo online.
A identificada necessidade de diversificação de fontes de receita fundamentou a tomada de decisões
estratégicas ao longo dos anos, tais como a entrada no mercado das apostas hípicas, nos NFT e na
internacionalização dos jogos sociais, sem que, contudo, estes investimentos se tenham traduzido num retorno
suficiente para equilibrar a contabilidade da instituição.
No que respeita ao processo de internacionalização dos jogos sociais, a SCML já reconheceu perdas de 53
milhões e não exclui que este valor possa aumentar em face de incumprimentos contratuais ou da execução
de garantias financeiras emitidas sob a forma de cartas de conforto à SCG e às suas subsidiárias.
A necessidade de aferir corretamente as responsabilidades políticas e legais relacionadas com o negócio
da internacionalização dos jogos sociais levou a SCML, por iniciativa da Provedora Ana Jorge, a contratar uma
auditoria forense à BDO, mas também esta adjudicação parece assumir contornos pouco claros, sendo visada
e contestada pelos antigos administradores da SCG, ouvidos em comissão parlamentar, por aparentemente a
auditora ter sido beneficiada aquando da adjudicação por ajuste direto no valor de 168 480 €, ao qual acresce
IVA.
Todavia, ainda sem estar finalizada a referida auditoria, em novembro de 2023, os gestores da SCG
Francisco Pessoa e Costa e Ricardo Gonçalves foram destituídos por, presumivelmente, terem sido detetadas
irregularidades no estabelecimento das parcerias comerciais da Santa Casa Global Brasil.
Concomitantemente, a gestão da Provedora Ana Jorge, tal como descrito no Plano de Atividades e Orçamento
de 2024, suspendeu parte das operações de internacionalização, o que pode ter originado incumprimentos
contratuais passíveis de agravarem a situação financeira da SCML, os quais importa averiguar em sede de
comissão parlamentar de inquérito.
Após diversas audições parlamentares, fica patente que existem divergências quanto à extensão das
autorizações concedidas pela tutela governamental, bem como ao grau de detalhe da informação partilhada
entre Mesa, Provedoria e tutela, o que é manifestamente inaceitável numa instituição que se encontra sob a
alçada do Executivo e que presta um relevante serviço público.
Importa notar que das audições realizadas na Comissão de Trabalho, Segurança Social e Inclusão
resultam fundadas suspeitas de má gestão que não se encerram no processo de internacionalização.
Na audição parlamentar no dia 8 de maio de 2024, o antigo provedor Edmundo Martinho afirmou ter
convidado o filho, a quem identificava «particular aptidão para as questões tecnológicas», a fazer uma
apresentação, a título meramente gratuito, à Mesa da SCML, sobre a questão da blockchain, das
criptomoedas e dos NFT, tendo igualmente confirmado a contratação da empresa Utrust, sem especificar os
detalhes do contrato ou quais os serviços prestados pela empresa.
Sucede que, naquilo que o ex-Provedor Edmundo Martinho apelidou de uma «coincidência das
coincidências»,o filho trabalhava na empresa Utrust, que seria, segundo afirmou, a única exchange autorizada
pelo regulador em Portugal.
Contudo, tal não corresponde à verdade, uma vez que, à data, já existiriam outras três empresas –
exchanges – autorizadas a operar no mercado português e a negociar criptomoedas por moeda corrente2. As
certezas que aparentam existir são de que o investimento da SCML no negócio das NFT resultou num prejuízo
de 500 mil euros, conforme relatado em diversos órgãos de comunicação social.3
A internacionalização dos jogos sociais e a aposta na venda de arte digital sob a forma de NFT não foram
as únicas tentativas goradas de alargar as fontes de receita da SCML que resultaram em prejuízo para a
instituição. Já há quase dez anos, a SCML iniciou o estudo de mercado para a disponibilização de apostas
hípicas, num país sem qualquer tradição cultural ou histórica relacionada com apostas em corridas de cavalos.
2 https://poligrafo.sapo.pt/fact-check/edmundo-martinho-diz-que-empresa-onde-trabalhava-o-seu-filho-era-a-unica-em-portugal-autorizada-a-fazer-transacoes-de-criptomoeadas/ 3 https://www.jornaldenegocios.pt/mercados/criptoativos/detalhe/santa-casa-investiu-meio-milhao-em-nft-mas-o-negocio-fracassou
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Segundo o jornal Público4, foram investidos 8,4 milhões de euros num projeto que não saiu da gaveta e que
ainda hoje em dia é, alegadamente, responsável por uma despesa mensal de dois mil euros gastos na guarda
do material publicitário adquirido para a promoção das apostas hípicas aquando do seu eventual, mas nunca
concretizado, lançamento.
Além dos acontecimentos supramencionados, a Mesa da SCML encontra-se neste momento em gestão,
dado que a Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Maria do Rosário Palma Ramalho,
exonerou toda a Mesa da SCML, incluindo a sua atual Provedora, Ana Jorge, alegadamente pela recusa de
apresentação de um plano de reestruturação para a instituição, que tinha sido solicitado pela tutela a 12 de
abril de 2024.
Considerando que a SCML é uma pessoa coletiva de direito privado e utilidade pública administrativa, nos
termos dos respetivos estatutos, com tutela exercida pelo membro do Governo que superintende a área da
segurança social, é da maior relevância que sejam prestados à Assembleia da República e aos portugueses
todos os esclarecimentos, não só sobre a internacionalização dos jogos Santa Casa, o papel de cada um dos
intervenientes nesse processo e apuramento de responsabilidades pelas perdas financeiras provocadas na
SCML devido à operação da SCG (e empresas subsidiárias), mas também sobre as eventuais motivações e
interferências políticas no conjunto de acontecimentos acima descritos.
Além destes, importa também averiguar a fundo a relação entre a Provedoria, a Mesa da SCML e a tutela
política e ministerial e escalpelizar de que forma a aparente permeabilidade da SCML, das suas subsidiárias e
das instituições de saúde que lhe pertencem a decisões aparentemente influenciadas por motivações
partidárias – da política de investimentos à gestão dos quadros de pessoal – contribuiu para, na última década,
beliscar a sustentabilidade financeira da SCML. De igual modo, urge investigar como é que ao longo dos
últimos anos foram assumidas responsabilidades financeiras e contratuais que colocam em risco a operação
da instituição, tal como reconhecido nos documentos oficiais da própria SCML. Por todos estes fatores impõe-
se a constituição, por parte da Assembleia da República, de uma comissão parlamentar de inquérito.
Assim, os Deputados, abaixo assinados, requerem, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º
da Lei n.º 5/93, de 1 de março, a constituição imediata e obrigatória de uma comissão parlamentar de inquérito
à gestão financeira e à tutela política da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) que permita cumprir os
seus objetivos, não ultrapassando os 90 dias, com o seguinte objeto:
1 – Apurar as responsabilidades políticas, contratuais, legais e financeiras relativas à atual situação da
Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e aos atos de administração que a trouxeram até à referida situação,
nomeadamente:
a. Avaliar o exercício e as responsabilidades das tutelas políticas envolvidas na SCML e suas subsidiárias
desde o projeto de investimento nas apostas hípicas até à efetiva internacionalização dos jogos sociais;
b. Escrutinar a responsabilidade política dos diversos provedores e dos membros das respetivas
administrações da SCML e suas subsidiárias;
c. Clarificar e escrutinar as decisões dos vários investimentos realizados ao longo do últimos 10 (dez)
anos, a avaliação de risco desses investimentos, o acompanhamento jurídico e financeiro e a fiscalização que
estes mereceram ao longo deste período;
d. Escalpelizar as decisões de gestão no processo de internacionalização dos jogos sociais e que
constituíram um risco para a sustentabilidade financeira da SCML;
e. Esclarecer quais serão, no total, os encargos para a SCML e para o Estado português dos
investimentos realizados pela SCML (e suas subsidiárias) na última década.
2 – Escrutinar o papel e a relação das diferentes tutelas políticas com a SCML e clarificar a intervenção
dos XIX, XX, XXI, XXII, XXIII e XXIV Governos Constitucionais sobre a gestão política e financeira da SCML,
designadamente no que respeita aos procedimentos para autorizações de investimentos, à partilha de
informação entre os executivos e as sucessivas Mesas e aos mecanismos de controlo jurídico e financeiro dos
4 https://www.publico.pt/2023/11/26/sociedade/noticia/apostas-hipicas-custaram-84-milhoes-santa-casa-governo-meteu-projecto-gaveta-2071527
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diversos atos de gestão da SCML e das suas subsidiárias.
Palácio de São Bento, 16 de maio de 2024.
Os Deputados da IL: Mariana Leitão — Bernardo Blanco — Carlos Guimarães Pinto — Joana Cordeiro —
Mário Amorim Lopes — Patrícia Gilvaz — Rodrigo Saraiva — Rui Rocha.
———
INQUÉRITO PARLAMENTAR N.º 7/XVI/1.ª
COMISSÃO EVENTUAL DE INQUÉRITO PARLAMENTAR À GESTÃO ESTRATÉGICA E FINANCEIRA
DA SANTA CASA DA MISERICÓRDIA DE LISBOA
A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) tem como fins «a realização da melhoria do bem-estar das
pessoas, prioritariamente dos mais desprotegidos, abrangendo as prestações de ação social, saúde, educação
e ensino, cultura e promoção da qualidade de vida». Pelos seus estatutos, tem como compromisso originário
atuar em prol da comunidade, promovendo, apoiando e realizando atividades que visem a inovação, a
qualidade e a segurança na prestação de serviços na área social e de saúde, na realização de estudos e na
promoção da informação, bem como o desenvolvimento de iniciativas no âmbito da economia social e formas
de ação cultural. No caso de Lisboa, a Santa Casa é grande protagonista da ação social na cidade.
Ao abrigo do Decreto-Lei n.º 235/2008 de 3 de dezembro, a SCML encontra-se tutelada pelo Governo, por
via do membro que superintende a área da segurança social, tutela essa que abrange, «além dos poderes
especialmente previstos nestes estatutos, a definição das orientações gerais de gestão, a fiscalização da
atividade da Misericórdia de Lisboa e a sua coordenação com os organismos do Estado ou dele
dependentes». A SCML assegura a exploração dos jogos sociais do Estado, de acordo com o Decreto-Lei
n.º 56/2006, de 15 de março, em regime de exclusividade para todo o território nacional, e a consequente
distribuição dos resultados líquidos, sendo essa a sua principal fonte de financiamento – em 2022, estes
correspondiam a 80 % da sua receita.
No Plano de Atividades para 2024 é identificado um problema grave de tesouraria na SCML. Este problema
parece ter razões estruturais e outras mais conjunturais. Entre as estruturais está a diminuição das receitas do
jogo, com a entrada em cena do jogo virtual, no qual a SCML não detém qualquer monopólio. Entre as razões
conjunturais contam-se os efeitos da pandemia da COVID-19, a maior necessidade de prestar apoio, por parte
da SCML, o que teve consequências diretas no aumento de despesa; o contexto de aumento da inflação, com
influência direta no aumento do custo de vida; e um conjunto de decisões que tinham como objetivo a
diversificação das fontes de financiamento. De entre as decisões com maior impacto financeiro no
desequilíbrio das contas da SCML, e que mais debate público têm suscitado, estão o projeto de
internacionalização do jogo, o investimento em NFT, o investimento no projeto de apostas hípicas e a compra
de 54 % do capital da sociedade gestora do Hospital da Cruz Vermelha.
O projeto de internacionalização, lançado em 2020, correspondeu a uma tentativa de diversificação das
fontes de financiamento, mas que contribuiu para deixar a balança financeira da SCML mais deficitária. Para a
concretização deste projeto foi criada a Santa Casa Global (SCG), «entidade operadora de lotarias e jogos de
apostas orientada para a criação de parcerias internacionais para implementar e gerir operações fora do
território português, incluindo a prestação de serviços especializados de aconselhamento técnico e apoio à
gestão». A empresa investiu no Peru, Brasil e Moçambique e tinha como administradores Francisco Pessoa e
Costa e Ricardo Gonçalves. No âmbito do desenvolvimento deste projeto foram ainda criadas empresas
subsidiárias e adquirida uma participação, corresponde a 55 %, da empresa MCE. Da compra desta
participação resulta uma dívida de financiamento ao Banco Santander Brasil que corresponde a 12 milhões de
euros. A SCG tem ainda uma dívida contraída junto da lotaria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj), com quem
a empresa MCE celebrou um contrato, e que se encontra em incumprimento pelo não pagamento da venda
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dos bilhetes ao Estado, cujo montante ultrapassará os cinco milhões de euros.
A decisão de internacionalização é uma das que carece de grande escrutínio. Além de prejuízos globais,
cujo volume global está por apurar com rigor, mas que poderá ascender às dezenas de milhões de euros, a
empresa e os associados poderão estar envolvidos em negócios geradores de responsabilidade civil e
criminal. Importa notar que os administradores da SCG, Francisco Pessoa e Ricardo Gonçalves, foram
destituídos por alegadas irregularidades que os envolviam na condução do processo de exploração do jogo no
Brasil, tendo sido suspensas as transferências financeiras da SCML para a SCG, por decisão da Mesa
presidida pela ex-Provedora Ana Jorge.
Um segundo investimento de efeito duvidoso, preparado durante vários anos, consistia no lançamento das
apostas hípicas mútuas de base territorial em Portugal, previsto para o ano de 2020. O projeto terá sido
autorizado em 2015, envolvendo uma equipa dedicada que investiu em estratégias de marketing digital e
desenvolveu estudos sobre a importância do cavalo na história de Portugal. Além disso, foram adquiridos
cinco mil jóqueis publicitários com o objetivo de serem colocados como mediadores quando o jogo fosse
lançado, mas este investimento está arrumado num armazém dos CTT, em Lisboa. A Santa Casa da
Misericórdia de Lisboa terá gastado mais de 8 milhões de euros a preparar um novo jogo de apostas em
corridas de cavalos. Mas até hoje sem qualquer resultado e sem ver a luz do dia.
Outros investimentos parecem igualmente aventurosos. É o caso dos NFT, non-fungible token, ou bens
virtuais não fungíveis. Sendo um investimento de grande risco, foi tomada a decisão, difícil de compreender,
de investir neste negócio de venda de arte digital, sob a forma de NFT. Para além de ser uma opção já de si
questionável, a operação, que terá implicado um prejuízo de pelo menos 500 mil euros, está rodeada de
outros aspetos que adensam as dúvidas relativamente a esta escolha, já que envolveu a contratação de uma
empresa, a Utrust, que seria, de acordo com o ex-Provedor, «a única empresa com a capacidade de
exchange, ou seja, de converter estas vendas concretizadas em criptomoeda em moeda corrente», o que,
entretanto, foi desmentido pela imprensa. O negócio envolve também o filho do ex-Provedor, que trabalhava
nessa empresa.
A participação no capital social do Hospital da Cruz Vermelha está também rodeada de polémica. Em 2020,
a SCML comprou a participação (54 %) que a Cruz Vermelha Portuguesa detinha na sociedade gestora do
Hospital da Cruz Vermelha. De acordo com o Plano de Atividades para 2024, esta compra foi realizada sem
uma avaliação clara e sustentada e a ex-Provedora Ana Jorge prestou declarações públicas referentes à
necessidade de venda daquela participação, uma vez que foram já prestadas garantias pela SCML, no valor
de 13,8 milhões de euros.
Após a tomada de posse, a 2 de maio de 2023, da então Mesa da SCML, foi realizado um diagnóstico
financeiro preliminar que foi dado a conhecer à anterior Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança
Social Ana Mendes Godinho, que, em consequência, determinou que a Mesa promovesse uma auditoria
externa à Santa Casa Global e às suas participadas e às contas da SCML de 2021, 2022 e 2023, ainda não
homologadas.
No âmbito destes processos de auditoria interna, perante a gravidade das situações identificadas, foi
apresentada pela Mesa que se encontrava em funções à data uma queixa-crime contra desconhecidos junto
do Ministério Público e solicitado ao Tribunal de Contas a abertura de um processo de auditoria.
A este contexto de dificuldades e polémicas somou-se a decisão, por parte do atual Governo, de
exoneração da ex-Provedora e da Mesa da SCML, em abril de 2024, num processo intempestivo e cujos
argumentos trazidos para a praça pública pela tutela foram contraditórios, com versões descoincidentes dos
factos nos relatos dos diferentes protagonistas e com motivações políticas que importa esclarecer de forma
mais minuciosa.
A gestão financeira mais recente da SCML foi alvo de escrutínio nas audições que se realizaram na
Comissão de Trabalho, Segurança Social e Inclusão no mês de maio de 2024. Foram ouvidos o ex-Provedor
da SCML Edmundo Martinho; a ex-Provedora da SCML Ana Jorge; a ex-Vice-Provedora Ana Vitória Azevedo;
os ex-Administradores da Santa Casa Global (SCG) Francisco Pessoa e Costa e Ricardo Gonçalves; a ex-
Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social Ana Mendes Godinho; o ex-Secretário de Estado da
Internacionalização Eurico Brilhante Dias; e a atual Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social,
Maria do Rosário Palma Ramalho.
Estas audições apresentaram versões muito diferentes dos acontecimentos recentes na SCML. Embora
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tenham permitido ouvir diferentes leituras sobre estes processos, e de ter sido remetido ao Parlamento um
conjunto de documentos relevantes para o esclarecimento destes processos, ficaram muitos factos por apurar,
mantêm-se grandes contrastes na leitura das decisões destes últimos anos, não estão esclarecidas as
responsabilidades concretas de cada um dos agentes envolvidos e não se recuou o tempo suficiente para se
poder apurar a origem de alguns destes problemas.
Acrescem ainda duas preocupações, que, somadas àquelas, justificam a realização de um inquérito
parlamentar. Uma é o apuramento exaustivo das condições estruturais de funcionamento e de
sustentabilidade da SCML, rompendo a opacidade que, a vários títulos, tem prevalecido, quer relativamente a
investimentos, quer à gestão do património, quer à política de gestão do pessoal, com particular incidência nas
chefias, no recrutamento e na organização dos diversos departamentos. A outra é o facto de os aspetos de
desequilíbrio conjuntural estarem a ser pretexto, por parte do atual governo, para um processo de
restruturação que parece querer impor na SCML uma visão estritamente financeira da gestão e uma
penalização dos trabalhadores por decisões e desequilíbrios que não lhes podem ser imputados. É importante
sublinhar que são os trabalhadores da SCML quem garante a prossecução dos fins sociais e das
responsabilidades assistenciais da instituição, pelo que devem ser combatidas as narrativas de acordo com as
quais estes representariam um peso excessivo do ponto de vista orçamental.
O apoio nas áreas da infância e juventude, da família e comunidade, da população idosa, das pessoas com
deficiência, assim como na saúde, educação e ensino, cultura e promoção da qualidade de vida, depende da
existência de trabalhadores e trabalhadoras que, em grande parte dos casos, recebem o valor correspondente
ao salário mínimo nacional. Na audição convocada pela Comissão do Trabalho, Segurança Social e Inclusão,
a ex-Provedora Ana Jorge afirmou que, a propósito do plano de reestruturação da SCML, foi questionada pela
atual Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança, de forma direta, sobre qual o número de trabalhadores
que iriam ser despedidos. A resposta da ex-provedora terá sido «nenhum».
No que diz respeito a chefias, pelo contrário, tanto a ex-Provedora Ana Jorge como a ex-Vice-Provedora
Ana Vitória Azevedo afirmaram que fizeram cessar 40 comissões de serviço e cargos equiparados, o que
correspondeu a uma redução de despesas no total de 1 milhão de euros. Com efeito, é importante distinguir a
existência de excessivos níveis hierárquicos e de chefias (nomeadamente as situações em que, para utilizar a
expressão da ex-Vice-Provedora Ana Vitória Azevedo, as «pessoas que eram chefes de si mesmas»),
apontada no Plano de Atividades para 2024, do grosso das despesas com pessoal. De facto, há que distinguir
o escrutínio da política de recrutamento do pessoal e a avaliação do quanto a estrutura da SCML e a sua
organização interna e chefias têm sido vulneráveis a recrutamentos espúrios ou a critérios políticos que não
respondem à eficácia da operação, do argumento liberal de acordo com o qual é excessivo que 63 % do
orçamento da SCML diga respeito a despesas com pessoal.
A ex-Provedora Ana Jorge realçou que os trabalhadores e trabalhadoras da SCML não eram aumentados
desde 2017 e que, no caso dos técnicos superiores, para além dos 52 €, determinados pelo Governo, muitos
trabalhadores e trabalhadoras apenas tiveram um aumento de 1 € no seu salário. Ou seja, o equilíbrio da
SCML pode exigir aumentar as despesas com pessoal e recrutar mais trabalhadores, combatendo
simultaneamente desperdícios e disfunções organizacionais, e não despedir pessoas, como parece ter sido
sugerido pela atual ministra.
Um outro ponto, que é também estrutural, prende-se com o património imobiliário e mobiliário pertencente à
SCML. É essencial que seja apresentado um levantamento exaustivo destes bens, do seu valor, dos encargos
que recaem sobre os mesmos, dos ónus registados e também das receitas que são extraídas. Na realidade, a
SCML é uma das grandes proprietárias de imobiliário na cidade de Lisboa, património esse que deve ter um
fim eminentemente social. A gestão desse património é fator-chave que merece escrutínio, também para
impedir que se concretize agora, à boleia da necessidade de restruturação e obedecendo a uma visão
financeira da gestão, uma alienação em barda desse património, com negócios rentáveis para operadores
privados, que permitiriam um encaixe financeiro imediato para a SCML, mas que podem significar um recuo na
missão social da instituição ou um contributo, na sequência desses negócios imobiliários, para processos
geradores de desigualdade e de segregação territorial, como os que se associam ao fenómeno da
gentrificação da cidade de Lisboa.
Por tudo o que ficou exposto, impõe-se a realização de uma comissão parlamentar de inquérito àgestão
estratégica e financeira da SCML, capaz de permitir o escrutínio das razões conjunturais e estruturais do seu
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desequilíbrio financeiro. As várias audições realizadas na Comissão de Trabalho, Segurança Social e Inclusão
acabaram por expor um processo de gestão que foi pouco rigoroso e pouco transparente, com inúmeras
decisões erradas e duvidosas do ponto de vista financeiro, negócios que colocaram em causa a liquidez da
SCML, milhões de euros em investimentos que não tiveram qualquer retorno.
As audições realizadas sobre a gestão estratégica e financeira da SCML demonstraram a necessidade de
aprofundar o escrutínio que deve ser realizado a esta instituição, para intimar os responsáveis políticos e os
administradores que compuseram e que compõe a SCML e as suas associadas e subsidiárias a explicar as
suas decisões, a facultar o acesso a documentos necessários, a clarificar os termos dos vários negócios, para
escrutinar o cumprimento da lei e o respeito pelo interesse público que obriga quem geriu a SCML nos vários
momentos, mas também quem a tutelou.
Assim, as Deputadas e os Deputados, abaixo assinados, requerem, ao abrigo do disposto na alínea a) do
n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 5/93, de 1 de março, republicada pela Lei n.º 15/2007, de 3 de abril, a constituição
imediata e obrigatória de uma comissão parlamentar de inquérito à gestão estratégica e financeira da Santa
Casa da Misericórdia de Lisboa que permita cumprir os seus objetivos, não ultrapassando os 90 dias, com o
seguinte objeto:
1 – Inquirir as decisões de gestão estratégica e financeira efetuadas por parte da SCML, associadas ou
subsidiárias, desde 2011, que possam ter contribuído para o desequilíbrio financeiro da SCML;
2 – Avaliar a definição das orientações gerais de gestão e de fiscalização da atividade de gestão da SCML
por parte da tutela governativa no mesmo período (2011-2024);
3 – Avaliar e esclarecer as decisões efetuadas pelas Mesas da SCML em funções e respetivos Provedores
quanto à diversificação das fontes de financiamento, avaliação do risco, apoio jurídico e financeiro aos
negócios efetuados nesse contexto, nomeadamente relacionados com a internacionalização, novas áreas de
negócio no âmbito do jogo ou compra de novos equipamentos;
4 – Apurar a estratégia definida para os ativos líquidos da SCML, imobiliários ou mobiliários,
designadamente através do conhecimento exaustivo do património da SCML, dos negócios em curso ou já
concluídos neste domínio e documentos de suporte aos mesmos;
5 – Escrutinar o processo de recrutamento de pessoal e de organização dos níveis superiores e
intermédios, avaliando os termos da política de contratação pessoal nos últimos três mandatos da SCML;
6 – Avaliar e clarificar a estratégia definida e as decisões tomadas relativas ao quadro de pessoal da
SCML, do ponto de vista de carreiras e aumentos salariais, despedimentos e rescisões e ainda perspetiva
futura para manutenção dos postos de trabalho.
Assembleia da República, 22 de maio de 2024.
As Deputadas e os Deputados do BE: José Moura Soeiro — Mariana Mortágua — Fabian Figueiredo —
Marisa Matias — Joana Mortágua.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.