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Sábado, 23 de novembro de 2024 II Série-B — Número 43
XVI LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2024-2025)
SUPLEMENTO
S U M Á R I O
Inquérito Parlamentar n.º 8/XVI/1.ª (IL):
Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar à Tutela Política da Gestão do Grupo Efacec.
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INQUÉRITO PARLAMENTAR N.º 8/XVI/1.ª
COMISSÃO EVENTUAL DE INQUÉRITO PARLAMENTAR À TUTELA POLÍTICA DA GESTÃO DO
GRUPO EFACEC
Exposição de motivos
A Efacec é uma empresa cuja história tem mais de um século. Fundada em 1905 como «A Moderna»
Sociedade de Serração Mecânica foi-se reinventando e adaptando à realidade do mundo. A 12 de agosto de
1948 a empresa passou a EFME – Empresa Fabril de Máquinas Eléctricas, SARL, dando origem ao nascimento
da marca e do projeto Efacec. O capital da empresa estava então distribuído entre a Electro-Moderna (nome
que a empresa tinha desde 1921), com 20 %, os ACEC – Ateliers de Constructions Électriques de Charleroi com
igual participação, a CUF – Companhia União Fabril, com 45 %, estando os restantes 15 % distribuídos por
outros acionistas.
Desde então, a empresa foi evoluindo e os seus acionistas foram mudando com os tempos. Em 2015, a
maioria do capital da empresa foi comprada pela Winterfell (grupo detido por Isabel dos Santos), que
permaneceu enquanto acionista maioritária até ao surgimento do caso Luanda Leaks, que visava, entre outras
pessoas, a própria Isabel dos Santos. Com a exposição pública da principal figura acionista, o subsequente
congelamento dos ativos e a pandemia de COVID-19 a atingir não só as pessoas mas a economia à escala
mundial, o Governo português tomou a decisão de nacionalizar os 71,73 % da empresa detidos por Isabel dos
Santos através da sociedade Winterfell 2 Limited, arrestada pela justiça na sequência do caso Luanda Leaks.
Na conferência de imprensa de anúncio desta decisão, a então Ministra da Presidência, Mariana Vieira da
Silva, considerou que «a intervenção do Estado procura viabilizar a continuidade da empresa, garantindo a
estabilidade do seu valor financeiro e operacional e permitindo a salvaguarda dos cerca de 2500 postos de
trabalho». Já o então Ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, destacou que a empresa é «essencial» no
percurso de transição energética e «num contexto de reindustrialização do país».
Segundo Pedro Siza Vieira, «a intervenção do Estado deve ainda ser feita por período restrito no tempo e
com vista à resolução temporária da respetiva situação, estando prevista a sua imediata reprivatização, a
executar no mais curto prazo possível». Dessa forma, o processo de privatização foi, segundo o Governo da
altura, desde logo iniciado. Contudo, foi particularmente atribulado. Surgiram 47 potenciais candidatos a comprar
a Efacec, que se transformaram em 27 letters of interest, mas só 24 assinaram acordos de confidencialidade.
Depois, 10 apresentaram propostas não vinculativas, mas só a DST e a Sodécia avançaram com propostas
vinculativas. O Governo, na altura, abriu uma terceira fase para a chamada best and final offer (BAFO), à qual
apenas a DST se apresentou. O grupo acabou sozinho nessa fase do processo e após meses de negociação,
mesmo sem concorrência, acabou por desistir.
Falhado este processo, o Governo lançou então um novo processo de privatização. O caderno de encargos,
aprovado em Conselho de Ministros em novembro de 2022, incumbiu a Parpública de adotar «medidas de
reestruturação» para manter a empresa em funcionamento. Todavia, nunca foram conhecidos quaisquer
detalhes desta reestruturação. Segundo o jornal ECO, a 10 de novembro de 2022, o Estado já tinha gastado
165 milhões de euros com a Efacec, dos quais 115 milhões em garantias a financiamentos bancários e 50
milhões em injeções de capital. A estes somar-se-iam, até ao final de fevereiro de 2023, mais cerca de 39
milhões de euros.
Em janeiro de 2023, surgiram notícias que davam conta da gravidade da situação da empresa, que exigiria
que o Estado, como acionista maioritário, injetasse cerca de dez milhões de euros mês desde novembro de
2022. De acordo com as contas da Efacec, até ao final de fevereiro estava prevista uma injeção de quase 40
milhões de euros para suprir necessidades de tesouraria. Tudo porque as contas deterioraram-se em 2022, com
queda da faturação, dívida em crescendo, prejuízos avultados e a situação de falência técnica, que determinou
necessidades de tesouraria permanentes para pagamento de salários e de manutenção do nível de atividade.
O relatório e contas da empresa de 2022 espelha uma situação insustentável em termos financeiros, incluindo
capitais próprios negativos (cerca de 52 milhões de euros), um prejuízo operacional superior a 105 milhões de
euros e, mesmo beneficiando de um mecanismo contabilístico relativo a imposto sobre o rendimento (diferido),
o prejuízo líquido consolidado foi aproximadamente de 53 milhões de euros. Pior: o volume de negócios da
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Efacec passou de 224 milhões de euros em 2021 para 161 milhões de euros em 2022. Entre esses mesmos
anos, o passivo não corrente passou de 188 milhões de euros a 215 milhões de euros e o passivo corrente de
295 milhões de euros a 335 milhões de euros (cf. páginas 114 e 115 do R&C 2022).
Em março de 2023, O Jornal Económico adiantava que as contas da empresa continuavam a piorar e que
era a Parpública que assegurava a atividade, nomeadamente o pagamento de salários, o pagamento de dívida
à banca e até mesmo os impostos. A média mensal rondaria os 14 milhões de euros.
Apesar destas garantias, a Efacec foi, desde a nacionalização, perdendo muitos quadros para outras
empresas tecnológicas, assim como fornecedores, algo que prejudicou a gestão da empresa e a sua capacidade
de responder às encomendas dos clientes. A Efacec passou de 2531 trabalhadores, em 2019, para 1928, em
2022. Mesmo tendo perdido mais de um quinto dos trabalhadores em três anos, existem relatos de trabalhadores
inativos e capacidade subaproveitada.
O Governo sempre se recusou a dar muitos detalhes sobre o processo de privatização, escudando-se no
segredo negocial e na defesa da posição negocial do Estado português. A 1 de novembro de 2023, um dia após
a discussão na generalidade do Orçamento do Estado para 2024, o então Ministro da Economia, António Costa
Silva, anunciou que a «venda» da Efacec ao fundo alemão Mutares foi «um dia feliz para a economia
portuguesa». Esta declaração veio acompanhada de alguns factos preocupantes na ótica da defesa do interesse
financeiro dos contribuintes. Desde logo, porque o Estado dava como perdidos os 200 milhões que tinha posto
na Efacec como suprimentos, desde abril de 2022. Seguidamente, porque os gastos do Estado não pareciam
ficar por aqui: iriam ser utilizados ainda cerca 190 milhões de euros provenientes de fundos do Plano de
Recuperação e Resiliência (PRR) e do Banco Português de Fomento (BPF).
Dada a situação financeira da empresa, e para fazer o saneamento financeiro da mesma, optou-se por uma
operação harmónio. Este tipo de operações traduz-se na realização de uma redução de capital (para cobrir
prejuízos), seguida de um aumento de capital (subscritas pelos próprios acionistas ou por novos acionistas).
Para a Efacec, isto levou à redução do capital social de 309 milhões de euros para zero. Os acionistas
minoritários (TMG e Grupo Mello) não acompanharam o subsequente aumento de capital para 300 milhões de
euros, subscrito pelo Estado em 201 milhões de euros, parcialmente por conversão de dívida. Na ocasião em
que a operação foi apresentada, o então Secretário de Estado das Finanças, Nuno Mendes, revelou que existia
uma expectativa de remuneração equivalente a uma taxa interna de rentabilidade (TIR) de 14 % por ano,
admitindo, no entanto, que esta remuneração não era garantida, dado que está dependente da performance
futura da Efacec.
A 1 de outubro de 2024 foi distribuído aos Deputados o Relatório de Auditoria n.º 9/2024 do Tribunal de
Contas, referente ao Financiamento Público da Efacec. Neste relatório são confirmadas algumas das
preocupações que têm sido reportadas ao longo do período em que a empresa foi nacionalizada e,
subsequentemente, o próprio processo da venda.
De entre as conclusões do Tribunal de Contas verificam-se aspetos preocupantes, por exemplo, que a
«Nacionalização da Efacec foi realizada sem fundamentação, técnica e independente, do interesse público», «O
Estado nacionalizou-a sem validar as alegações da sua administração», «Nenhum dos objetivos da
Nacionalização foi alcançado», «O financiamento da Efacec até à reprivatização […] foi solicitado pela empresa,
sem apreciação técnica da Parpública que validasse a sua razoabilidade», «A reprivatização culminou, até
17/05/2024, no financiamento público de 484 M€ (…) E há risco de subir até 564 M€:», e, por fim, que a venda
em 5 anos projetada pela Mutares, mas dependente do sucesso desse projeto, «prevê o retorno de 385 M€ para
a Parpública e de 178 M€ para Mutares (que “gastou” 15 M€)», ou seja, confirmando grande parte das
preocupações que foram sendo noticiadas durante o período em que a empresa era detida pelo Estado.
Assim, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 5/93, de 1 de março, republicada
pela Lei n.º 15/2007, de 3 de abril, a Iniciativa Liberal propõe a constituição imediata e obrigatória de uma
comissão parlamentar de inquérito à tutela política da gestão do Grupo Efacec com os seguintes objetivos:
• Avaliar o exercício e as responsabilidades das tutelas políticas envolvidas na gestão das empresas do
Grupo Efacec (Efacec Power Solutions, SGPS, S.A., e empresas subsidiárias) desde o processo
conducente à nacionalização da empresa em 2020 até à data de conclusão do processo de privatização;
• Escrutinar as decisões de gestão tomadas desde a nacionalização e de que forma essas decisões
conduziram à queda de receitas, perda de fornecedores e quadros qualificados que ocorreram nesse
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período;
• Esclarecer o envolvimento dos decisores públicos, como a Parpública ou o Banco Português de Fomento,
na tomada de decisão nas empresas do Grupo Efacec;
• Clarificar as razões do atraso em todo o processo de venda, atendendo a que, ainda em 2020, enquanto
procedia à nacionalização, o Governo comprometeu-se a reprivatizar a empresa no mais curto intervalo
de tempo possível;
• Esclarecer quais serão, no total, os encargos para os contribuintes assumidos pelo Estado português com
a Efacec, desde os fundos injetados de 390 milhões de euros aos apoios indiretos que não sejam ainda
do domínio público e que venham a ser concedidos à entidade compradora;
• Avaliar a forma como foram utilizados os fundos injetados pela Parpública desde 2020 e os mecanismos
que levaram a sua injeção;
• Esclarecer os critérios e processo de decisão que levaram à escolha da Mutares como melhor candidata à
privatização da Efacec, assim como a eliminação de outros candidatos;
• Esclarecer todo o processo de negociação com a Mutares desde que a best and final offer (BAFO) foi
submetida até às condições finais que vigoraram no fecho do negócio;
• Esclarecer que análises custo-benefício foram realizadas para justificar cada passo no processo desde a
nacionalização.
Palácio de São Bento, 1 de outubro de 2024.
Os Deputados da IL: Bernardo Blanco — Carlos Guimarães Pinto —, Mariana Leitão — Mário Amorim Lopes
— Joana Cordeiro — Patrícia Gilvaz — Rodrigo Saraiva — Rui Rocha.
A DIVISÃO DE REDAÇÃO.