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Sábado, 18 de Maio de 1991

II Série-C — Número 31

DIÁRIO

da Assembleia da República

V LEGISLATURA

4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1990-1991)

2.° SUPLEMENTO

SUMÁRIO

RELATÓRIO DO PROVEDOR DE JUSTIÇA À ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

1990

Provedor de Justiça:

Relatório do Provedor de Justiça à Assembleia da República relativo à actividade no ano de 1990... 202-(8}

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II SÉRIE-C — NÚMERO 31

RELATÓRIO DO PROVEDOR DE JUSTIÇA À ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

1990

PROVEDORIA DE JUSTIÇA

ÍNDICE

1 — Relatório a S. Ex.' o Presidente da Assembleia da República.

2 — Dados estatísticos e sua breve análise.

3 — Pedidos de declaração dc inconstitucionalidade.

4 — Recomendações legislativas.

5 — Relatórios de inspecções a serviços públicos.

6 — Algumas intervenções públicas do Provedor de Justiça.

7 — Relatório especial do Provedor de Justiça — Julho de 1990.

8 — Despachos do Provedor dc Justiça, com algumas das recomendações

formuladas em 1990.

9 — Outros despachos do Provedor de Justiça.

10 — Sumários de algumas das recomendações formuladas em 1990.

11 — Outros dados relacionados com a actividade do Provedor de Justiça.

1 — RELATÓRIO A S. EX.A O PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

Sr. Presidente da Assembleia da República: Excelência:

1 — Em cumprimenlo do que dispõe o n.9 1 do artigo 21.° da Lei n.° 81/77, de 22 de Novembro, apresento à Assembleia da República o relatório da actividade deste órgão do Estado referente a 1990.

Foi este o ano cm que, numa significativa outorga de confiança, a Assembleia da República —à qual, como deputado, muito me honrava de pertencer — me elegeu para o cargo que passei a exercer desde 5 dc Junho.

Como tive ocasião de salientar cm 24 de Fevereiro de 1988 no parecer dc que fui relator na Comissão dc Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades c Garantias, a que então presidia, sobre o projecto dc Lei n.° 175/V (Estatuto do Provedor de Justiça), não 6 o Provedor dc Justiça «um mero auxiliar ou longa manus do Parlamento».'"

«É um órgão autónomo, constitucionalmente configurado, que não depende politicamente da Assembleia da República. O relatório que anualmente lhe apresenta c que, depois de examinado pela Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades c Garantias, é apreciado pelo Plenário (artigo 21.* da Lei n.° 81/77), e, cm seguida, publicado no Diário da Assembleia da República, não traduzirá, por certo, uma prestação de contas; será uma forma dc melhor cooperação e dc rentabilização da actividade exercida. Ou talvez, um dar conta de uma actividade». (CiL Diário, 2.« série, n.° 51, dc 27 dc Fevereiro de 1988.)

Mas não menos certo será que numa democracia fundada nos valores da transparência c na ética da responsabilidade, não poderão prevalecer ilhas institucionais incomunicadas. Ora, nesta perspectiva, sem hesitação se alcançará que o órgão de soberania de que o Provedor está mais próximo, até porque dele emana, t o Parlamento.

Dele, ao ser eleito, recebe a sua legitimação; a ele poderá recorrer, numa exacta potenciação da sua valência como um dos promotores activos da modelação de um Estado de direito; desejável, é, assim, que a todo o tempo a sua acção sc coordene com o da Assembleia da República. Pertinente será, nesta medida, falar numa interacção disponível e criativa, posta ao serviço das realidades, interesses c esperanças do povo português.

2.1 —Por decorrência de condicionalismos diversos, deparou-sc o actual Provedor dc Justiça, ao assumir as suas funções, com patentes dificuldades internas de funcionamento do Serviço que lhe presta apoio: excessivo número dc processos pendentes, deficiências dc instalação, escassez dc meios materiais para fazer face a tarefas a que em curto prazo sc teria que dar resposta. Recebeu, entretanto, um legado dc dignidade c dc isenção dos seus ilustres antecessores, aos quais, não cm mera fórmula protocolar, presta justificada homenagem.

2.2 — Dessas dificuldades de actuação concreta deu, logo em 20 de Julho, circunstanciado conhecimento à Assembleia da República, cm relatório especial que para o efeito elaborou.

Ponto é reconhecer que o seu apelo encontrou a mais aberta receptividade da Assembleia da República e, manda a verdade que o afirme, do Governo — designadamente através do Ministério das Finanças.

Pelo Decreto Regulamentar n.° 36/90, dc 27 dc Novembro, foi, finalmente, actualizado o estatuto remuneratório dos coordenadores e dos assessores do Serviço do Provedor dc Justiça, com produção dc efeitos desde 1 dc Outubro dc 1989.

O orçamento aprovado para 1990, que se revelava manifestamente insuficiente para ocorrer aos encargos dimanados da aplicação do novo sistema retributivo da função pública (nele não previstos), foi reforçado cm 24 000 contos, dado o acolhimento que a justificação do Provedor dc Justiça encontrou na Assembleia da República c, mediatamente, no Governo.

Para o ano de 1991 foi aprovado um orçamento dc 300 000 contos, que se afigura suficiente para dar sentido a uma renovada eficácia deste órgão do Estado. Eficácia que, no entanto, terá dc ser complementada, a nível administrativo, com a reformulação da ultrapassada Lei Orgânica (Lei n.8 10/78, de 2 dc Março), após a aprovação da nova lei estatutária.

3 — Foi retomada a análise, na Comissão dc Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantías, do novo Estatuto do Provedor dc Justiça, com base no projecto dc lei n.e 175/V, do Partido Socialista.

Teve o Provedor uma intensa reunião dc trabalho com essa Comissão Parlamentar, tendo apresentado, sob sua solicitação, sugestões sobre alguns dos preceitos «msccq-üveis de serem incluídos no novo Estatuto. A 3.' Comissão, como sempre preparada para dar resposta ao que possa contribuir para o aperfeiçoamento das instituições democráticas, revelou-se receptiva a encarar algumas dessas sugestões, até porque em parte já perspectivadas aquando da apreciação, na generalidade, do parecer dc 24 dc Fevereiro dc 1988.

4 — Verificou-se, ao longo dos dois últimos anos, uma marcada propensão, oriunda de diversos quadrantes políticos, para um tentame dc criação dc provedores sectoriais; assim, designadamente, o promotor ecológico, o provedor do consumidor, a provedoria dos deficientes, o proverka militar; isto para além dos provedores municipais.

Sendo inquestionável que todos os meios c entidades que possam ser imaginados para a justa tutela dos direitos c interesses legítimos dos cidadãos c da sociedade cm que se inserem devem ser encarados com construtiva abertura, não menos certo se afigura que uma dispersão de recursos c dc actuações postulará uma necessária prudência.

E não é de esquecer que a Constituição configura um Provedor de Justiça vocacionado para uma polivalência que cobrirá iodas as áreas para que estariam destinados esses provedores sectoriais. Não é que a «Ombudsmania» a que sc referia, cm 1973, André Legrand, e a que em 1977 fizemos alusão («Provedor de Justiça», na Revista da

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Ordem dos Advogados, ano 37, máximo p. 92), corresponda, por si só, a um propósito negativo. Só que a nem todas as boas intenções correspondem resultantes produ-centes, sobretudo quando cias, para ganharem forma de vida, possam arrastar a uma inconveniente dispersão dos recursos globais c ao seu metodizado aproveitamento.

SA — Dc igual modo, começa a perspectivar-se a nível comunitário, a criação de um ombudsman «europeu». Mas se em tomo da ideia parecem desenhar-se alguns apoios, enquanto ideia mais ou menos vaga e dc natureza e contornos inconcludcntcs, não está, nem como ponto de partida, configurada qual seria a natureza e a forma da sua modelação se viesse a ser concretizada.

Existiria um único «ombudsman europeu» supranacional, que actuaria perante as instâncias comunitárias no que dissesse respeito a questões comunitárias?

Coexistiria, em cada Estado membro, um «ombudsman europeu» com o ombudsman nacional?

Quem designaria o «ombudsman europeu»? O Parlamento Europeu? A Comissão?

5.2 — Não será, por certo, fácil o caminho a percorrer, atendendo, para mais, a que nem em todos os Estados da Comunidade está criado um ombudsman nacional, sendo substancialmente diversas as expressões que ele assume naqueles Estados em que já existe. Ora as tradições não se inventam e a imagem e o prestígio dc um órgão fundamentalmente dotado de poderes de persuasão e de influência institucional não surgiriam de chofre, por mera decorrência da sua criação formal.

Dois pressupostos se afiguram inquestionáveis.

Primeiro, o de que os ombudsmen nacionais deverão ser postos ao corrente pelos respectivos Governos dos trabalhos preparatórios que porventura se vierem a desenrolar no âmbito comunitário para a criação do «ombudsman europeu».

Depois, o de que a actuação deste nunca deverá pôr em crise, ou relegar para segundo plano, o conteúdo funcional e orgânico dos ombudsmen nacionais. Aceitar uma solução diversa, que designadamente não fizesse confinar a acção do «ombudsman europeu» às instâncias comunitárias conduziria, inapclavclmcntc, a um mau serviço que se prestaria aos cidadãos dc cada Estado perante os poderes públicos do seu próprio país. O apelo ao «ombudsman europeu» cm nada ou em muito pouco contribuiria para resguardar os direitos e interesses dos cidadãos do mau uso dos poderes nacionais, nos quais a sua intervenção escassamente repercutiria. Isto mesmo no tocante à aplicação do próprio direito comunitário a nível nacional.

Dc salientar será, aliás, que a única hipótese que, com todas as pressenüvcis reticencias, surge como viável estará na criação de um único «ombudsman europeu», e não de um «ombudsman europeu» cm cada Estado membro, a par dos ombudsmen nacionais já existentes.

De assinalar será, finalmente, que o que muito cm síntese, c numa primeira aproximação, se acaba de ponderar não significa a adesão a qualquer solução, até porque tudo, ao que nos é dado saber, se encontra cm fase embrionária, sem que se tenha feito uma reflexão conjunta sobre qualquer projecto concreto. Este, como se viu, parece não existir ainda. O que sc terá esboçado lerá sido um propósito político desprovido de uma prévia análise cognitiva e participada.

6 — Dá-sc para além disso o caso de as tarefas postas a cargo do Provedor dc Justiça irem muito para além das que classicamente são atribuídas aos ombudsmen.

Isso mesmo 6 evidenciado, desde logo, na fórmula que, no âmbito da Comissão dc Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades c Garantias, foi encontrada como artigo l.9, n.9 12, do que virá a ser o novo Estatuto do Provedor

O Provedor dc Justiça é, nos termos da Constituição, um órgão do Estado eleito pela Assembleia da República, que tem por função principal a defesa e promoção dos direitos, liberdades, garantias e interesses legítimos dos cidadãos, assegurando, através dc meios informais, a justiça e a legalidade do exercício dos poderes públicos.

7 — Neste enquadramento entende o Provedor que deve, de facto, ser alargado o espaço da sua actuação, abrangendo áreas por assim dizer novas. Assim, e designadamente, não vê por que não deva intervir quando sejam postos em causa, pelos órgãos dc comunicação social do sector público, o direito à informação, a liberdade de imprensa e o pluralismo político e ideológico. Trata-se de segmentos fulcrais dc um Estado democrático dc direito que, embora acautelados por outros órgãos (com especial destaque para a Alta Autoridade para a Comunicação Social) tem a ver com a exacta configuração dc uma sociedade disponível e aberta, cm que a todos os cidadãos seja reconhecido o direito a participar — e a participar com «armas iguais» — nos destinos da comunidade. Isto, claro está, sem pôr, cm risco a independência da comunicação social, que é um incxpropriávcl valor da liberdade da imprensa, cm sentido amplo.

Dc igual passo parece dc perspectivar a intervenção do Provedor dc Justiça na tutela dos interesses colectivos, difusos ou fragmentados, quando os interesses a salvaguardar sejam afectados por acção de enüdades públicas.

Tem-se ainda como determinante para assegurar o rigor e a transparência da actividade administrativa que o Provedor esteja atento à exacta observância, quer cm termos legislativos, quer da imediata aplicação prática, do sistema do arquivo aberto, agora constitucionalizado no n.9 2 do artigo 268.9 da lei fundamental.

Isto até porque sc dá a circunstância dc, como aliás sempre sustentou o Provedor, tal preceito nem carecer de ser regulamentado, sendo, pois, dc aplicação directa c, desde já, vinculativo (n.91 do artigo 18.9 da Constituição).

Por assim acontecer, a legislação regulamentadora que venha a ser editada para identificar as excepções (ou seja, as matérias relativas à segurança interna c externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas) não poderá, cm caso algum, esvaziar ou cercear desproporcionadamente a regra do acesso. Suscitar-se-ão, por certo, as dúvidas maiores quanto à conceitualização da fórmula «segurança interna e externa».

Tal conceito, que dc certo modo representa uma cláusula geral ou uma fórmula aberta, deverá ser aferido prudcncialmcnte, tendo cm conta o espírito do sistema e os valores c interesses que com ele sc visaram prosseguir.

8 — Não obstante a quase inimaginável escassez dc recursos materiais com que o Provedor se deparou no 7? semestre dc 1990 entendeu-se de intensificar as acções dc inspecção a serviços públicos — que, em 1991, já com meios mais adequados à sua prossecução metodizada, irá continuar mais alargadamente.

Desnecessário será sublinhar que inspecções deste tipo, tendencialmente sem aviso prévio, criam por parte dos serviços ainda não inspeccionados uma natural expectativa de o poderem vir a ser, o que, compreensivelmente, contribuirá para a sua melhor adequação aos seus deveres c responsabilidades.

Continua o Provedor a pensar como pensava cm 1988, quando elaborou o aludido parecer sobre o projecto dc lei n.9 175/V:

A crescente intensificação do poder de intervenção administrativa não teve, em todos os países, uma contrapartida suficientemente humanizante, quer das

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estruturas do aparelho, quer da mentalidade dos agentes.

Ninguém fará, com pertinência, um juízo global de desfavor quanto à função pública, quando normalizadamente exercida. Mas o que acontece, não raramente, é que os funcionários, em vez de estarem ao serviço de uma função, se deixam enredar nas malhas, de sentido quase que «totalitário», da burocracia, que convola a função para os antípodas da disfunção. Passa como moeda corrente que a burocracia tende à expansão, embora se trate de uma disfunção articulada pela própria ineficiência dos serviços e pelo apego aos interesses pessoais dos que a per figuram. E ter-

-se-á. então, uma actividade administrativa convertida

num spoil system; as justas necessidades públicas cedem o passo à perduração de um status organizado cm termos de se exercer uma forma insidiosa de violência em relação aos cidadãos.

Certo é que pertencerá aos governos, quando responsáveis e quando possam governar sem crises gerais ou sectoriais à vista, promover acções continuadas de desburocratização c de reconversão de atitudes; essa desburocratização andará paredes meias com a desregulamentação: a intervenção estatal não deve indevidamente parametrar a liberdade c a confiança das pessoas; desde logo a confiança cm que os seus assuntos sejam eficaz e céleremente resolvidos.

Mas claro está que não será de mitificar ou de absolutizar a desregulamentação. O Estado não poderá remeter-se para a asséptica e cinzenta posição de espectador; sejam quais forem os pressupostos de que parta, terá de continuar a editar regras e a estabelecer vínculos de actuação. E dá-se mesmo o caso de a ordem jurídica não se poder demitir, cm muitas situações, de regulamentar a desregulamentação, encontrada para esta a excepção anglo-saxónica de desregulation, que comporia um acento fundamentalmente económico.

Questão diversa será a imrxraüvidadc de obviar a um excesso dc regulamentação; lai excesso, ao invés de reforçar a regra de direito, prorxndcrá à sua desvalorização. A intervenção legal, de qualquer Upo, deverá ser comedida e mantida na moldura do exequível. Salientou a este propósito Jacqucs Chevalier em Les enjeux de la aeré-glementaiion: «A proliferação dos textos c aceleração do ritmo da sua fxoduçSo toma muito difícil, mesmo impossível, o conhecimento e a assimilação do dircilo, quer para os administrados, quer para os profissionais de direito, ou para aqueles a quem cabe a sua aplicação [...] A partir do momento em que o dircilo atinge uma área de excessiva complexidade desponta inclutavclmente um défice dc execução.»

Ao que assim é dito no n.° 2 da Revue du droit public (p. 293) não escapou a realidade portuguesa: a inflação, a desconexão e a instabilidade da produção regulamentar têm afectado, desde há muito, o entendimento e a aplicação do direito pelos juristas e a inteligibilidade da lei (quer para os juristas, quer para os não juristas); uma inteligibilidade que estará paredes meias com a sua praticabilidade.

9 — Do que foi a actividade do Provedor de Justiça em 1990 dará conta uma súmula de algumas das recomendações produzidas, quer de carácter casuístico, quer dc natureza legislativa, e dos pedidos dc apreciação e declaração dc inconstitucionalidade apresentados ao Tribunal Constitucional.

A nível internacional, sem prejuízo dos contactos havidos com organizações ou pmòudsmen, há que registar a presença do Provedor Dr. Ângelo de Almeida Ribeiro nas v Jornadas dos Defensores dei Pucblo dc Espanha (Saragoça, 4-6 de Abril) e, acompanhado pelo adjunto Dr. Luís Silveira, no 7.° Colóquio Internacional sobre a Comissão Europeia dos Direitos do Homem (Copenhaga, Oslo e Lund, 30 dc Maio-2 de Junho).

O adjunto Dr. Luís Silveira participou ainda, em representação do actual Provedor, na 2* Coerência Europeia dc Om-budsmen (Bolzano, Itália, 28 dc Setembro-1 de Outubro).

O coordenador desembargador Dr. António Luís Oliveira Guimarães, acompanhado pelas Assessoras Dr." Maria

Helena Carvalho Fernandes e Maria Antonieta Cunha e

Silva, participou na 25.* Conferencia Internacional dc Acção Social (Malraqucche, 24-28 de Junho).

O adjunto desembargador Dr. Carlos Vaz Serra c Lima participou na Conferência do Instituto Intemacionai dc Ciências Administrativas (Madrid, 13-16 dc Novembro).

É ainda dc registar a participação do coordenador desembargador Dr. António Luís Oliveira Guimarães na Conferência Internacional sobre Segurança Social, que teve lugar cm Portugal (Sâo Miguel, Açores) em 20-21 de Setembro.

10 — Para melhor elucidação sobre a actividade desenvolvida por este órgão do Estado juntam-se alguns dados estatísticos.

Mário Raposo, Provedor dc Justiça.

2—DADOS ESTATÍSTICOS E SUA BREVE ANÁLISE Dados estatísticos relativos ao ano de 1990

QUADRO N." 1 Movimento geral dos processos 1 — Número dc processos organizados

Queixas escritas...................................................... 2 645

Queixas verbais...................................................... 414

Total............................... 3 059

Iniciativas do Provedor.......................................... 58

Total geral..................... 3117

Das quais correspondem a processos de declarações dc inconstitucionalidade:

Queixas................................................................... 55

Iniciativas do Provedor.........................................._1

Total..............................._56

II — Número de processos reabertos Reabertos em 1990:

De 1985......................................................... 1

De 1988......................................................... 2

De 1989........................................................._3

Total..............................._6

III — Número de processos movimentados e a movimentar

a) Processos que transitaram dc 1976 a 1985 .... \ S%Q

b) Processos que transitaram dc 1986................. 1 061

c) Processos que transitaram de 1987.................. 1 237

d) Processos que üTinsitaram de 1988 ................. I 284

e) Processos que transitaram dc 1989.................. 1 591

f) Processos reabertos........................................... 6

g) Processos organizados cm 1990 ...................... 3 117

Juntar-se-ão ainda algumas das intervenções públicas do Provedor.

Total............................... 9 876

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QUADRO N.» 2 Queixas rejeitadas

Rejeitadas liminarmente

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QUADRO N.» 3 Processos arquivados

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

Processos com conclusão final

-1-

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

QUADRO N.» 4

Classificação dos processos por assuntos

1) Administração da justiça:

a) Processo penal:

Instrução............................. 2

Prisüo preventiva................ 13

Questões diversas............... 179

6) Demoras.................................. 71

Questões diversas................... 137

c) Processo de trabalho:

Demoras..............................

Questões diversas...............

Questões gerais.................._21

Total........... 423

2) Administração local.......................... %

3) Administração Pública...................... 65

4) Agricultura e pecuária:

Reforma agrária................. 2

Questões diversas..............._16

Total........... \&

5) Águas.................................................

6) Bancos............................................... 26

7) Comércio externo............................. 6

8) Comércio intemo.............................. 12

9) Contribuições e impostos................. 164

10) Crime................................................. 14

11) Descolonização................................. 13

12) Direitos fundamentais:

Direito ao ambiente c qualidade

de vida...................................... 129

Direito ao ensino..........................

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Liberdade de informação............. 2

Direitos polílicos.......................... 2

Outros..........................................._89

Total........... 222

13) Educação c ensino............................ 76

14) Empresas:

Autogestão.................................... -

Intervenção estadual.....................

Nacionalização.............................. 1

Questões diversas........................._24

Total........... 25

15) Expropriação c requisição de bens.. 20

16) Habitação:

Arrendamento............................... 25

Despejos........................................ 15

Ocupações..................................... 1

Questões diversas........................._77

Total........... 118

17) Indústria e energia............................ 8

18) Jogo................................................... 1

19) Polícia/GNR...................................... 91

20) Processo administrativo.................... 1

21) Regime prisional............................... 61

22) Registos e notariado......................... 38

23) Saúde pública.................................... 44

24) Segurança social:

Abono de família......................... 4

Aposentação c reforma................ 9

Pensão de sobrevivência.............. 251

Questões diversas........................ 215

Total........... 479

25) Seguros.............................................. 40

26) Trabalho:

a) Administração local:

Adidos.................................

Admissões..........................

Carreiras............................. 7

Concursos........................... 15

Demissões c despedimentos

Disciplina............................

Provimento......................... 2

Reintegrações.....................

Remunerações..................... 4

Saneamentos.......................

Questões diversas..............._20

Total........... 48

b) Administração central c regional:

Adidos................................. 6

Admissões..........................

Carreiras............................. 98

Concursos........................... 140

Demissões c despedimentos 3

Disciplina............................

Provimento......................... 15

Reintegrações..................... 5

Remunerações..................... 57

Saneamentos....................... 4

Questões diversas.............. 292

Total........... 620

c) Empresas públicas.................. 43

d) Sector privado:

Despedimentos................... 3

Inspecções ..........................

Questões diversas..............._41

Total........... 44

27) Transportes e comunicações............ 31

28) Urbanismo e obras:

Obras ilegais................................. 2

Licenciamento............................... 37

Obras coercivas............................ 11

Obras públicas.............................. 6

Questões diversas........................._56

Total........... 112

29) Diversos............................................. 158

30) Assunto incompreensível.................. _-

Total geral. 3 117

QUADRO N.» 5 Entidades visadas nos processos I - Administração central

Governo.................................................................. 60

Primciro-Ministro...................................................

Presidência do Conselho de Ministros................. 32

Ministério da Administração Interna.................... 14

Ministro dos Assuntos Parlamentares...................

Ministério da Defesa Nacional.............................. 52

Ministério dos Negócios Estrangeiros.................. 12

Ministério das Finanças......................................... 214

Ministério do Planeamento e da Administração do

Território............................................................ 14

Ministério da Justiça.............................................. 263

Ministério da Agricultura, Pescas c Alimentação 49

Ministério da Educação......................................... 327

Ministério da Indústria e Energia......................... 46

Ministério das Obras Públicas, Transportes c Comunicações ......................................................... 62

Ministério da Saúde............................................... 556

Ministério do Emprego e da Segurança Social ... 95

Ministério do Comércio c Turismo...................... 16

Ministério do Ambiente c Recursos Naturais...... 22

Ministro Adjunto e da Juventude........................._1

Total........................ 1 835

Governo dc Macau................................................_I

Total........................_l

II — Administração regional

Governo Regional dos Açores.............................. 2

Governo Regional da Madeira.............................._z

Total........................_2

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III — Administração lacai

Governos civis........................................................ 12

Juntos distritais.......................................................

Assembleias distritais............................................. 1

Federações dc municípios...................................... -s

Câmaras municipais............................................... 323

Assembleias municipais......................................... 1

Serviços municipalizados....................................... 7

Juntas de freguesia................................................. 23

Assembleias de freguesia......................................

Juncas dc turismo..................................................._-

Total........................ 367

IV — Empresas públicas, nacionalizadas e Intervencionadas

Empresas públicas e nacionalizadas..................... 143

Empresas intervencionadas...................................._-

Total........................_143

V — Outras entidades

Presidência da República.......................................

Assembleia da República...................................... 10

Serviço do Provedor dc Justiça............................

Conselho Superior da Magistratura...................... 3

Tribunais................................................................. 411

Ministério Público.................................................. 4

Forças Armadas...................................................... 3

Comissão Nacional de Eleições............................ 1

Comissões dc recensamento..................................

Entidades estrangeiras............................................ -

Entidades particulares............................................ 138

Associações públicas.............................................. -

Outras.....................................................................•_|99

Total........................ 769

QUADRO N." 6 Características das queixas I - Situação soclo-proflsstonal dos reclamantes

1 — Queixas individuais

Agricultor................................................................ 29

Aposentado ou reformado..................................... 471

Comerciante............................................................ 33

Deficiente................................................................ 10

Desconhecido.......................................................... 720

Desempregado........................................................ 40

Doméstica............................................................... 44

Emigrante................................................................ 14

Esuangciro.............................................................. -

Estudante...............................................................» 27

Industrial................................................................. 20

Militar..................................................................... 57

Profissão liberal...................................................... 144

Ptottss&o x\5o declarada......................................... 33

Proprietário............................................................. 26

Recluso................................................................... 146

Sem profissão......................................................... 15

Trabalhador da administração central................... 639

Trabalhador da administração regionaJ................. 7

Trabalhador da administração local...................... 47

Trabalhador dc empresa pública ou nacionalizada 40

Trabalhador do sector privado.............................. 136

Total........................ 2 698

2-Queixas colectivas

Associações profissionais....................................... 23

Comissões de moradores....................................... 63

Comissões dc trabalhadores................................... 15

Entidades públicas.................................................. 33

Outros..................................................................... 91

Partidos políticos....................................................

Sindicatos e associações Sindicais....................... 83

Sociedades.............................................................._53

Total........................ 361

II - Origem geográfica das queixas 1 — Distritos continentais

Aveiro..................................................................... 167

Beja......................................................................... 30

Braga....................................................................... 128

Bragança................................................................. 29

Castelo Branco....................................................... 47

Coimbra.................................................................. 157

Évora....................................................................... 26

Faro......................................................................... Hl

Guarda..................................................................... 38

Leiria....................................................................... 84

Lisboa..................................................................... 1 245

Portalegre................................................................ 22

Porto........................................................................ 444

Santarém................................................................. 124

Setúbal.................................................................... 210

Viana do Castelo.................................................... 43

Vila Real................................................................. 51

Viseu......................................................................._83

Total........................ 3 039

2 — Regiões autónomas e território de Macau

Açores..................................................................... 24

Madeira................................................................... 16

Macau....................................................................._1

Total........................_43

3 — Estrangeiro e não identificada

Estrangeiro.............................................................. 25

Não identificada....................................................._10

Total........................ 35

III — Sexo, entidades colectivas, não Identificado

Feminino................................................................. 786

Masculino................................................................ 1 845

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18 DE MAIO DE 1991

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Entidade colectiva.................................................. 486

Não identificado....................................................._-

Total........................ 3 117

IV —Intermediário

Assembleia da República..................

Ministério Público...............................

V — Interesse/Natureza

Individual................................................................ 2 586

Dc grupo................................................................. 510

Geral........................................................................_21

Total........................ 3117

VI — Duração dos processos

Menos dc 15 dias.................................................. 198

1 mes................................................................... 264

2 meses................................................................ 148

3 meses................................................................ «93

4 meses................................................................ 176

5 meses................................................................ 163

6 meses................................................................ 161

7 meses................................................................ '21

8 meses................................................................ 121

9 meses................................................................ 98

10 meses............................................................... 64

11 meses.......................... ..................................... 50

12 meses............................................................... 103

18 meses............................................................... 248

24 meses............................................................... 207

30 meses............................................................... 111

36 meses............................................................... 145

42 meses............................................................... 75

48 meses............................................................... 70

54 meses............................................................... 59

60 meses............................................................... 133

66 meses............................................................... 152

72 meses............................................................... 106

78 meses............................................................... 36

84 meses............................................................... 24

90 meses............................................................... 6

96 meses............................................................... 8

102 meses............................................................... 4

108 meses............................................................... 1

114 meses............................................................... 2

120 meses............................................................... 1

126 meses............................................................... 3

132 meses............................................................... 1

\1& meses............................................................... 19

144 meses............................................................... ~

150 meses..............................................................•_~

Total geral.............. 3 271

QUADRO N.° 7 Medidas suscitadas pelos processos

Recomendações legislativas................................... 59

Recomendações administrativas............................ 51

Reparos................................................................... 11

Pedidos dc declaração dc inconstitucionalidade .. 6 Relatórios especiais enviados à Assembleia da

República............................................................ 1

QUADRO N." 8 Funcionamento administrativo do SPJ Correspondencia

Número dc ofícios recebidos................................. 11439

Número dc ofícios expedidos................................ 16 072

Comentário aos dados estatísticos

1 — O número total dc processos abertos cm 1990 foi de 3117, excedendo em 319 (11,4 %) o total do ano anterior.

2 — As queixas escritas foram 2645 c as verbais 414. Estas últimas representaram, assim, 13,5 % do louil das queixas recebidas.

3 — Os processos dc iniciativa do Provedor dc Justiça (58) mantiveram-se ao mesmo nível de 1989 (55).

4 — O número total de processos sobre questões dc inconstitucionalidade foi de 56, quantitativo também aproximado do do ano precedente (58).

5 — Movimentaram-se, ao todo, 9876 processos, ou seja, mais 514 (5,5 %) que cm 1989.

6 — Em 1990 encerraram-sc 3271 processos, o que denota um saldo positivo dc 154 processos.

7 — Para 1991 transitaram 6605 processos.

8 — Foram rejeitadas, sem decisão sobre o fundo da questüo, 390 queixas, correspondendo a 12,7% do total das mesmas — o que é uma percentagem sem dúvida baixa, em termos internacionais.

9 — Nos processos em que o Provedor tomou posição sobre o fundo das questões, verifica-se que ele formulou 19 recomendações legislativas, 51 recomendações administrativas, 3 reparos, 6 pedidos de declaração dc inconstitucionalidade e 1 relatório especial à Assembleia da República.

10 — Em 1990, alcançou-se solução favorável aos interessados, em resultado da intervenção do Provedor, cm 370 processos (11,9 % do total e 13,6 % daqueles cm que se tomou posição quanto ao fundo).

11 — As matérias mais tratadas foram, como vem sendo habitual: trabalho (707 — 22,7 % do total), com especial relevo para a Administração Pública central, regional c local (620 — 20%); segurança social (479—15,4 %); administração da justiça (423 — 13,6 %); direitos fundamentais (222 — 7,1 %); contribuições e impostos (164 — 5,3 %); habitação (118 — 3,8%).

12 — Dc entre as entidades visadas destacaram-sc, a nível da administração central, os seguintes Ministérios: Saúde (556— 17,8 %); Educação (327— 10,5 %); Justiça (263 — 8,4 %); Finanças (214 — 6,9 %).

Quanto à administração local, sobrelevam, como é corrente, OS processos em que são visadas câmaras municipais (323 —10,4 %).

Irrelevante é, uma vez mais, o elenco dc queixas contra o Governo de Macau (1) c contra autoridades da administração regional (Governo Regional da Madeira — 2; Governo Regional dos Açores — 0).

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II SÉRIE-C — NÚMERO 31

13 — A caracterização sócio-profissional predominante dos que cm 1990 se queixaram ao Provedor 6 análoga à dc anos anteriores: 869 (28,4 %) trabalhadores por conta

de outrem, dos quais 639 (20,9 %) pertencentes à administração central; 471 (15,4%) aposentados OU reformados; 146 (4,8 %) reclusos; 144 (4,7 %) membros dc profissão liberal; 57 (1,9%) militares.

Anotc-sc, dc lodo o modo, o aumento dc queixas de militares c o decréscimo dc queixas dc comerciantes.

Dc entre as entidades colectivas, sobressaíram os totais dc queixas oriundas dc sindicatos e associações sindicais (83 — 2,7 %); comissões dc moradores (63 — 2 %); e sociedades (53 — 1,7 %). Tem interesse notar, em relação a 1989, a duplicação dc queixas dc comissões de moradores.

14 — A repartição geográfica das queixas, segundo os distritos dc origem, mantém as tendências firmadas cm anos anteriores: Lisboa (1245 — 40,7 %); Porto (444 —14,5 %); Setúbal (210 — 6,9%); Aveiro (167 — 5,5%); Coimbra (157 — 5,1 %); Braga (128 — 4,2%); Santarém (124 — 4 %).

Os distritos que deram origem a menos queixas foram: Portalegre (22 — 0,7 %); Évora (26 — 0,8 %); Bragança (29 — 0,9 %); Beja (30 — 1 %).

Baixos continuam a ser os lotais dc queixas provindas da Regiões Autónomas dos Açores (24 — 0,8 %) e Madeira (16 — 0,5 %), bem como dc Macau (3 — 0,1 %).

15 — Dc entre as queixas individuais, 780 (30%) foram apresentadas por mulheres c 1845 (70 %) por homens.

16 — Não foi de desprezar, em 1990, o número dc processos relativos a interesses supra-individuais: interesses dc grupo (510— 16,4 %) c interesses gerais dos cidadãos (21—0,7%).

17 — Não sc receberam, no ano cm causa, quaisquer queixas através da Assembleia da República ou do Ministério Público.

18 — Do toial dc processos encerrados (3271), foram concluídos dentro de um mês 462 (14,1 %); no prazo dc seis meses 1303 (39,8 %) c no período dc um ano 1860 (56,9 %).

A duração média desics processos foi dc 22 meses, o que ficou, em larga medida, a dever-sc à conclusão, no ano cm referência, dc elevado número dc processos já pendentes há bastante tempo.

3 — PEDIDOS DE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE

Sobre incompatibilidades dos deputados ao Parlamento Europeu

O Provedor dc Justiça requer ao Tribunal Constitucional, nos termos da alínea d) do n.9 2 do artigo 281.9 da Constituição c do n.a 1 do artigo 51* da Lei n.9 28/82, dc 15 dc Novembro, a declaração de inconstitucionalidade, com força obrigatória gerai, da norma constante do n.e 1 da Lei n.9 56/90, dc 5 dc Setembro, na parte em que dá nova redacção ao n.°- 2 do artigo 7° da Lei n° 9190, de I de Março.

Funda-se no seguinte:

I

1.1 — Especificou a Lei n.9 14/87, dc 29 dc Abril, no artigo 6.9, o sistema dc incompatibilidades aplicáveis aos deputados ao Parlamento Europeu.

Embora não revogando ex professo o artigo 1.", n.e 1, da Lei n.9 144/85, dc 31 de Dezembro, aquela Lei n.9 14/ 87 regulou globalmente tal sistema; daí adveio, sem sombra

hermenêutica, a sua revogação tácita (n.e 2 do artigo 7.8 do Código Civil).

1.2 — E, por assim ser, deixaram de ter aplicabilidade aos deputados ao Parlamento Europeu as incompaübilidadcs previstas na legislação aplicável aos deputados à Assembleia da República.

O regime dc incompatibilidades para os deputados ao

Parlamento Europeu passou a ser o descrito no artigo 6.9

da lei n.° 14/87, com as remissões nele feitas.

Ora entre essas incompatibilidades não sc incluíam as dimanadas do exercício das funções de presidente ou dc vereador a tempo interior de câmara municipal.

1.3 — Tal incompatibilidade viria a surgir para os deputados à Assembleia da República por força da nova formulação que a Lei n.9 98/89, dc 20 de Dezembro, daria ao artigo 19.9, n.9 1, daquela Lei n.9 3/85.

2.1 —Aconteceu que a Lei n.e 9/90, dc 1 dc Março, veio remeter (artigo 11.9) «para lei especial» o regime dc incompatibilidades dos deputados à Assembleia da República.

Entretanto, a Lei n.9 56/90, dc 5 de Setembro, revogou, no artigo 2.9, esse artigo ll.9 e, em contrapartida, estabeleceu, no artigo 7.9:

1 — O regime dc incompatibilidades aplicável aos deputados à Assembleia da República é regulado por lei especial.

2 — Os deputados ao Parlamento Europeu estão submetidos ao mesmo regime dc incompatibilidades dos deputados à Assembleia da República.

2.2 — Decorre, pois, deste novo preceito (o n.9 2 do artigo 7.9 da Lei n.e 9/90, na redacção que lhe foi dada pelo artigo 1 ,e da Lei n.9 56/90) que o mandato dc dcpuiado ao Parlamento Europeu passa a ser incompatível com os cargos de presidente ou dc vereador a icmpo inteiro das câmaras municipais (alínea h)).

3.1 — Sc a Lei n.9 144/85 üvesse sobrevigorado à Lei Eleitoral para o Parlamento Europeu (ou seja, à citada Lei n.914/87), a conformidade constitucional do n.9 2 do artigo 7.9 da Lei n.9 9/90, tal como agora está, nem seria questionável.

Só que tal não se passou.

3.2 — Aliás, sc sc tivesse passado, a incompaübilidadc do mandato de deputado ao Parlamento Europeu com o cargo dc presidente (ou dc vereador a tempo inteiro) dc uma câmara municipal teria despontado da entrada cm vigor da Lei n.9 98/89 — problemática que nem sequw (oi esboçada — e não da Lei n.9 56/90, ao refazer o texto da Lei n.9 9/90, na parte que agora releva.

Com efeito, tal incompatibilidade, em relação aos deputados à Assembleia da República, foi incluída na listagem do artigo I9.9 da Lei n.9 3/85 [alínea h) do n.9 1 do artigo l.5] por aquela Lei n.9 98/89.

3.3 — Certo é que já na originária redacção da Lei n.9 3/85 sc previa, na alínea e) do n.9 1 do artigo 4.9, que o exercício das funções dc presidente da câmara municipal determinaria a «suspensão do mandato» dc deputado à Assembleia da República.

Só que o n.° 1 do artigo 1 9 da Lei n.9 144/85 (que, obviamente, lhe é posterior), não remetia para esse artigo 4.9 — remissão que seria inevitável, por dizer respeito ao núcleo essencial do mandato (que é o seu exercício).

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Nem parece de argumentar, assim, com o carácter exemplificativo dessa remissão, induzido pela expressão «designadamente»; cm matéria dc tão significativo relevo não sc poderá pensar que a intencionalidade do legislador possa ter sido a dc lançar para uma exegese mais ou menos conjuntural o preenchimento da enumeração feita. Com afoiteza sc concluirá que o propósito do legislador foi o de excluir o artigo 4." da Lei n.9 3/85 da moldura do n.B 1 do artigo 1." da Lei n.9 144/85.

4 — Ter-se-á, pois, com desnecessidade de mais prolongada indagação, que o n.° 2 do artigo 7." da Lei n." 9/ 90, na formulação da Lei n.8 56/90, corresponde a uma norma inovatória.

II

5.1 — Ora, sendo uma norma inovatória, nunca poderia, neste domínio, ter efeito imediato; acautelada deveria ler sido a situação jurídica (o estatuto) dos deputados ao Parlamento Europeu eleitos com base em todas as expressões da Lei n.8 14/87.

E esse objectivo poderia ter sido alcançado através de um regime transitório que, contemplando a vertente cm análise, resguardasse os deputados já eleitos (cm 1989) de serem surpreendidos com incompatibilidades que não existiam aquando da sua eleição.

Poderia, sim, a nova lei valer para o futuro, isto é, poderia tomar aplicável o novo sistema dc incompatibilidades a futuros destinatários — aos deputados ao Parlamento Europeu que viessem a ser ulteriormente eleitos.

5.2 — Tal como as coisas se passaram, o legislador criou uma norma restritiva de um direito fundamental — o direito de sufrágio (artigo 49.° da Constituição) — com efeito retroactivo.

Desde logo restringiu-o na sua dimensão passiva: o direito de ser eleito implica o direito dc manter inalterado o exercício do mandato, com suporte nos condicionalismos legais que o viabilizam.

Mas também o afectou na sua dimensão activa: o direito dos cidadãos a exercer o sufrágio postula que inalterado sc mantenha o estatuto dc quem for eleito.

5.3 — Não sofre, de resto, dúvida que o significado prático da eleição ficou, na circunstância, por completo esvaziado.

Sc, por vezes, é complexa a tarefa da captação c da configuração do «conteúdo essencial» dos preceitos constitucionais, ela surge aqui linearizada a um ponto máximo.

6 — O n.° 3 do artigo 18.° da Constituição impõe que qualquer lei restritiva de direitos, liberdades e garantias não pode ter efeito retroactivo.

Não consente distinções ou dicotomias quanto a essa retroactividade.

Toda a retroactividade, neste campo, é contrária ao categórico ditame consütucional.

O n.B 3 do artigo 18." tem que ser visto dissociadamente face à parte final do n.° 2.

Quer isto dizer que nem será dc aferir sc a restrição se limita ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

7.1 — Mas mesmo que fosse caso de indagar se outra qualquer regra constitucional justificava a restrição, com uma urgência e imediação tais que pudessem interromper o natural decurso do mandato, seria a resposta negativa.

O quadro normaüvo em que foi gerada a Lei n.° 14/87 não sc alterou: nem sequer no plano factual ou da vida vivida se evidenciaram supervindas razões dc moralidade administraüva ou política, dc independência dc funções ou de separação de órgãos c poderes.

Nada obsta a que a opção político-legislativa seja agora outra; mas a legitimidade e a comportabilidade constitucional dessa opção terá somente que valer para o futuro.

7.2 — Qualquer aportação que para o equacionar do problema pudesse advir de uma imperativa similitude da matéria de incompatibilidades dos deputados à Assembleia da República e dos deputados ao Parlamento Europeu não colheria.

Passa como moeda corrente que a eleição directa para o Parlamento Europeu confere aos deputados uma «nova legitimidade»: eles não são já emanação dos parlamentos nacionais; são, em suma, deputados europeus.

III

8.1 — A invocação do princípio da protecção da confiança, ínsita na ideia dc Estado dc direito democrático, só subsidiariamente será, face ao exposto, dc perspectivar.

Certo é que cie serve de «pano de fundo» a ioda a ordem constitucional, quando se possa concluir pelo carácter intolerável, inadmissível c arbitrário da retroaciividade cm causa. As pessoas e a comunidade devem viver cm segurança jurídica e têm que «acreditar» na ordem jurídica. A retroactividade das leis apenas poderá vulnerar essa confiança quando razões dc muito bem configurávcl interesse público a jusUfiquem.

O que não sc passaria na hipótese sub judice.

9.2 — Só que a essa frente dc problematização nem será necessário fazer apelo.

A norma em causa é inconstitucional por uma razão autónoma: a de violar, irrcmissivclmcnlc, o princípio do n.e 3 do artigo 18." da Constituição, quanto a um direito fundamental.

IV

10.1 — No Acórdão n.9 256/90 (Diário da República, 2.'- série, n.e 184, de 10 de Agosto dc 1990) pronunciou-se já o Tribunal Constitucional, cm 26 dc Julho dc 1990, sobre a questão agora em apreço, em sede dc fiscalização preventiva da constitucionalidade da mesma norma (artigo 1." do decreto da Assembleia da República n.9 248/V, na parle cm que dá nova redacção ao n.8 2 do artigo 7.9 da Lei n.9 9/90).

E decidiu, embora com opiniões dissidentes, no sentido da sua conformidade consütucional.

Depois dc promulgado, converteu-se o aludido decreto da Assembleia da República na Lei n.9 56/90.

10.2 — Dá-se, no entanto, o caso de a primeira pronúncia do Tribunal Constitucional, cm sede dc apreciação preventiva da constitucionalidade, embora não integre um «mero parecer», mas uma verdadeira decisão jurisdicional, com natureza idêntica à dos restantes acórdãos, não pre-cludir a possibilidade dc nova apreciação, agora cm sede de fiscalização abstracta sucessiva.

Assim julgou, com concludcncia, o Tribunal Constitucional (por exemplo, Acórdão n.9 66/84, de 3 de Julho dc 1984, e Acórdão n.' 85/85, de 29 de Maio de 1985).

V

Concluindo, dir-sc-á, pois, muito em síntese:

a) A Lei n.° 14/87, dc 29 de Abril, disciplinou globalmente o sistema de inelegibilidades eleitorais c dc incompatibilidades dos deputados ao Parlamento Europeu, revogando assim tacitamente

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II SÉRIE-C — NÚMERO 31

(artigo 7.9, n.8 2, do Código Civil) o artigo J.°, n.B 1, da Lei n.B 344/85, na parte cm que remetia para o artigo 19.° da Lei n.° 3/85, de 13 de Março;

b) O exercício do mandato do deputado ao Parlamento Europeu nao era incompaüvel, na moldura da Lei n.8 14/87 (artigos 5.9 e 6.9), com o exercício do cargo de presidente ou de vereador a tempo inteiro dc câmara municipal;

c) Para os deputados à Assembleia da República tal

incompatibilidade surgiu, qua tale, com a redacção dada ao artigo 19.9 da Lei n.9 3/85 pela Lei n.° 98/89, de 29 de Dezembro;

d) Só que tal incompatibilidade não é propagável aos deputados ao Parlamento Europeu — por falta de qualquer norma de remissão;

c) E a natureza dos mandatos dos deputados à Assembleia da República c ao Parlamento Europeu não é justaponívcl, até porque após a adopção da eleição directa estes não são uma emanação dos parlamentos nacionais;

f) A Lei n.9 56/90, dc 5 dc Setembro, ao dar nova redacção ao n.Q 2 do artigo 7.9 da Lei n.° 9/90, de 1 de Março, é inovatória, e, ao considerar aplicável de pleno aos deputados do Parlamento Europeu as incompatibilidades previstas para os deputados à Assembleia da República no artigo 19.9, n.9 1, da Lei n.e 3/85 (na redacção da Lei n.9 98/89), transgride o n.9 3 do artigo 18.9 da Constituição, na medida cm que, lendo cfciio retroactivo, restringiu um direito fundamental, que é o direito de sufrágio (artigo 49.9 da Constituição);

g) Criou incompatibilidades para os deputados ao Parlamento Europeu não previstas no sistema da Lei n.9 14/87, como, designadamente, a resultante dc estes serem presidentes ou vereadores a tempo inteiro dc câmaras municipais [alínea h)];

h) Podcr-sc-ia mesmo visionar, face ao condicionalismo subjacente, que a norma cm causa não reveste o carácter geral e abstracto pressuposto no n.B 3 do artigo 18.* da Constituição, uma vez que, indo às raízes fácúcas das suas resultantes por assim dizer objectivas, dela resulta o seu ajustamento apenas a uma pessoa, ou seja, ao actual presidente da Câmara Municipal do Porto;

0 Entretanto, não é apurávcl que tenha sido essa a sua intencionalidade subjectiva, até porque da sua icxtualização advirá a sua possível aplicabilidade a outras pessoas — embora de momento não determináveis;

j) A boa fé intrínseca do legislador não estará, pois, em jogo — mas apenas as consequências da decisão legiferante;

í) Só que essas consequências serão bastantes para fulminar a inovação legislativa, atrás suficientemente referenciada, dc inconstitucionalidade.

D. I. 45/90.

Sobre o visto do Tribunal de Contas erra certos contratos

O Provedor dc Justiça, nos termos da alínea d) do n.9 2 do artigo 281.° da Constituição e do n.e 1 do artigo 51.° da Lei n,° 28/82, de 15 dc Novembro, requer ao Tribunal Constitucional a declaração dc inconstitucionalidade, com

força obrigatória geral, da norma constante do n.9 2 do artigo 27.9 do Dccrcio-Lei n.B 105-A/9O, de 23 de Março, fundando-sc no seguinte:

l.9 Indo além do sistema anterior (máxime n.B 1 do artigo 16.9 do Dccreio-Lci n.° 390/82, de 17 dc Dezembro), veio a Lei n.9 86/89, de 8 dc Setembro (Reforma do Tribunal dc Contas), sujeitar à fiscalização prévia deste alto Tribunal todos os contratos celebrados pelas autarquias locais e associações e federações dc municípios [alínea f) do n.9 2 do artigo I.9].

2." Cuidou, porém, o n.9 3 do arügo 13.° da mesma te» de estabelecer:

Só devem ser remetidos ao visto do Tribunal dc Contas, para efeitos de fiscalização prévia, os contratos celebrados pelas autarquias locais, federações c associações dc municípios que excedam um valor superior a um montante a definir por lei.

3.9 Deu-se, todavia, o caso dc, enquanto o n.9 1 do artigo 27.» do Dccreto-Lci n.9 105-A/90, de 23 dc Março, fixou um limite mínimo para os contratos abrangidos (cm geral) por esse n.9 3 do artigo 13.9, o seu n.9 2 ter exceptuado:

O limite acima [no n.9 1] fixado para o n.9 3 do artigo 13.9 da Lei n.9 86/89, de 8 de Setembro, não se aplica aos contratos cujo objecto seja o exercício de funções ou prestações de serviços, por parte de entidades individuais, que estão sempre sujeitos a fiscalização previa, qualquer que seja o seu valor.

4.9 É neste contexto que a norma do n.9 2 do artigo 27.° do Dccrcto-Lci n.9 105-A/90 afronta a do n.9 3 do artigo 13.9 da Lei n.9 86/89.

5.9 Realmente, esta faz depender a sujeição a fiscalização previa, cm relação a quaisquer contratos, do facto dc eles excederem «um valor superior a um montante a definir por lei».

6.9 Ora aquele n.9 2 do artigo 27.9, reportando-se aos contratos cujo objecto seja o exercício dc funções ou a prestação dc serviços, impõe a sujeição a fiscalização prévia de todos eles, seja qual for o seu montante.

?.* Sem réstea dc dúvida, ter-sc-á que assim sc legislou sobre matéria da competência do Tribunal dc Contas: o n.9 3 do artigo 13.9 da Lei n.9 86/89 está inserido no capítulo ii, subordinado, precisamente, a essa epígrafe.

8.9 E da alínea c) do artigo 8.9 da mesma lei flui que aquilo que tenha a ver com a fiscalização prévia da legalidade c cobertura orçamental dos documentos geradores dc despesa ou representativos dc responsabilidades financeiras directas ou indirectas para as entidades referidas na alínea f) do n.° 2 do artigo l.9 releva da competência do Tribunal.

9.9 Nüo é, dc resto, difícil captar a ratio do n.9 3 do artigo 13.9 da aludida Lei n.9 86/89: teve-se em vista obviar a que o Tribunal de Contas viesse a ser invadido por bagatelas financeiras, não jusüfícativas da sua intervenção.

10.9 O desígnio do legislador foi esse. E, para tal, impôs a fixação de um limite mínimo («só devem ser remetidos ao Tribunal dc Contas [...]»). Ou seja, através dc uma norma injuntiva, criou como que uma alçada.

11 9 Pomo será indagar se a remissão que na parte final daquele n.9 3 do artigo 13.° («a definir por lei») é feita por uma lei formal, dimanada da Assembleia da República, ou para uma lei cm sentido amplo, abrangendo um decreto--lei do Governo.

12.9 Para o primeiro sentido apontará o confronto «yn\ a terminologia empregue na parte final do n.9 3 do artigo 67.9 da mesma Lei n.B 86/89, onde sc prevê a remissão

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para um decreto-lei (de desenvolvimento). Para um decreto--lei, e nüo para a lei.

13.° Em abono da segunda perspectiva dir-se-á que, até pelo próprio escopo em vista (uma actualização flexível e expedita do limite mínimo), o legislador se bastou cm remeter a fixação do limite mínimo para um dccreto-lei de desenvolvimento.

14." Nao releva, agora, decisivamente, tomar partido quanto a esta dualidade.

15.9 O que importa é que, em qualquer caso, terá de ser fixado um limite mínimo, que apenas quando ultrapassado fará ingressar a situação na moldura da competência do Tribunal dc Contas. Esta apenas começa quando finda tal limite.

16." Dispensando esse limite mínimo, o Decreto-Lei n.° 105-A/90 alterou o sistema de competência do Tribunal de Contas.

17." Ora este é um Tribunal, incluído na categoria dos tribunais, conforme a listagem feita no artigo 211.9 da Constituição [alínea c) do n.B 1].

18.9 E, por assim ser, a sua organização c competência enquadram-se na reserva relativa dc competência legislativa da Assembleia da República [alínea q) do n.9 1 do artigo 168.° da Constituição].

19.° Ingressou o Governo, deste modo, na esfera de competência legislativa parlamentar, sem estar munido dc autorização legislativa.

20.9 E na Lei n.° 101/89, de 29 de Dezembro, não se encontra qualquer suporte que legitime essa ingerência.

21." O n.° 2 do artigo 27.° do dccreto-lei sofre, pois, dc inconstitucionalidade, pelo menos orgânica.

22.° Dir-se-á que, pela lógica das coisas, e por aplicação do artigo 16.9 da Lei n.9 40/83, de 13 de Dezembro (Lei do Enquadramento do Orçamento do Estado), esse decreto--lci se aplicará apenas ao ano económico de 1990.

23." Mas o certo é que, quer a lei do orçamento, quer o dccreto-lei de execução, contem as características dc generalidade c de inovação próprias dc quaisquer outras normas jurídicas, nem tendo o preceito agora arguido dc inconstitucionalidade directamente a ver com matéria orçamental — como, aliás, no caso, advém do confronto catre o Decrcto-Lei n.9 105-A/90 c a Lei n.B 101/89.

24.9 Concluir-se-á, pois, dizendo:

a) O n.9 2 do artigo 27.« do Dccrcto-Lci n.9 105-A/90, de 23 de Março, dispõe sobre matéria relativa à competência do Tribunal dc Contas;

6) Esta matéria inclui-sc na reserva relativa da competência da Assembleia da República, por dizer respeito a um Tribunal [alínea q) do n.9 1 do artigo 168.Q da Constituição];

c) O Governo, ao editar o aludido decreto-lei, não actuou munido de autorização legislativa — não sendo operante a invocação que faz do artigo 16.° da Lei n.9 40/83 c da alínea c) do n.9 1 do artigo 201.a e da alínea b) do artigo 202.9 da Constituição.

Processo n9 2987/90.

Sobre benefícios fiscais em matéria de propriedade intelectual

O Provedor de Justiça, nos lermos da alínea a) do n.e 1 do artigo 281.9 da Constituição c do n.9 1 do artigo 51.9

da Lei n.9 28/82, dc 15 dc Novembro, requer ao Tribunal Constitucional a declaração dc inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do artigo 45.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo n.9 1 do artigo l.9 do Dccrcto-Lci n.9 215/89, de 1 dc Julho. Funda-se no seguinte:

l.° Pela Lei n.9 8/89, de 22 de Abril [artigo 4.9, alínea /'<)], foi o Governo autorizado a «dar tratamento especial, em sede de IRS, aos rendimentos da categoria B que decorrem do trabalho criativo no domínio artístico e literário».

2." Invocando essa norma dc autorização legislativa, cm matéria dc benefícios fiscais, aprovou o Governo, por aquele Decrcto-Lei n.9 251/89, de 1 de Julho, o Estatuto dos Benefícios Fiscais, em cujo artigo 45.° sc determina que «os rendimentos provenientes da propriedade intelectual, quando auferidos por pintores, escultores ou escritores, residentes cm território português, desde que sejam o titular originário, serão considerados no englobamento para efeitos de IRS apenas por 50 % do seu valor».

3.9 A própria Lei n.9 8/89, ao autorizar o Governo a legislar cm matéria dc benefícios fiscais, procedeu [artigo 4.9, alínea ií)] a uma restrição em relação à propriedade intelectual ou literária, científica e artística, em geral: só previu tais benefícios para os rendimentos da categoria B que decorram de trabalho criativo no domínio artístico e literário.

Deixou dc fora, pois, o trabalho criativo no âmbito científico.

4.9 Só que o Estatuto dos Benefícios Fiscais acabou, por sua vez, por ser ainda mais restritivo do que a Lei n.9 8/8?.

5.° É que no seu artigo 45.9 sc fala apenas dc «rendimentos da propriedade intelectual, quando auferidos por pintores, escultores ou escritores».

6.9 Ora, não são apenas «pintores, escultores ou escritores» que realizam «trabalho criativo no domínio artístico e literário».

Pense-sc, por exemplo, cm compositores musicais, actores teatrais, coreógrafos, autores dc design, etc.

7.9 O artigo 45.9 do Estatuto dos Benefícios Fiscais inobservou, assim, a Lei n.9 8/89, que foi a sua lei dc autorização legislativa.

8.° É que, tendo-sc decidido a legislar na matéria, o Governo estava obrigado a fa/.c-lo no âmbito previsto na lei dc autorização.

9.9 E esta impunha que não sc desse tratamento especial cm sede dc IRS a quaisquer rendimentos decorrentes do trabalho criativo no domínio artístico c literário. Tanto mais que a lei de autorização sc reportou «aos rendimentos» desse tipo (c não a rendimentos), para significar que quis abranger todos eles.

10.9 Restringindo o âmbito assinalado pela lei dc autorização [artigo 4.e, alínea ií), da Lei n.° 8/89), veio o Governo, com a redacção dada ao artigo 45.9 do Estatuto dos Benefícios Fiscais, a ofender a alínea e) do artigo 164." da Constituição.

11.9 O arügo 45.9 do Estatuto dos Benefícios Fiscais 6, pois, organicamente inconstitucional, por violação daquela alínea e) do artigo 164.9 c do n.9 2 do artigo 168.* da Constituição.

12.e O que, concluindo, determinará a sua inconsútu-cionalizaçüo, como sc pede.

Processo n.9 693/89.

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II SÉRIE-C — NÚMERO 31

Sobre a atribuição de funções de tipo jurisdicional a funcionários da administração fiscal

O Provedor de Justiça requer ao Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos artigos 281.9, n.9 1, alínea a), da Constituição e 51.a da Lei n.9 28/82, de 15 de Novembro, que declare, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade material da norma do n.fl 2 do artigo 60." do Dccrcto-Lci n.° 129/84, de 27 de Abril (Estatuto dos Tribunais Administraüvos e Fiscais — ETAF), com a alteração introduzida pelo artigo 1.9 da Lei n.° 4/86, de 21 de Março, bem como da primeira parte da alínea d) do artigo 40.° do Código de Processo das Contribuições e Impostos, fun-dando-se no seguinte:

l.9 Dispõe o n.9 2 do artigo 60.° do ETAF (redacção da Lei n.9 4/86, de 21 de Março) que os tribunais podem ser auxiliados pelos serviços da Direcção-Gcral das Contribuições e Impostos, nos termos estabelecidos na lei de processo, designadamente para efeitos de instauração e prosseguimento de cobranças coercivas.

2.9 Remete o aludido preceito para o regime actual do Código de Processo das Contribuições e Impostos, de cujas disposições [artigos 40.9, alínea d), e 152.9, § 2.9] parece resultar que os chefes da repartição de finanças terão competência para instaurar processo de execução fiscal e, nestes, praticar a generalidade dc actos, salvo a decisão sobre oposição, a verificação e graduação dc créditos, a extinção da execução, a anulação da venda c o incidente dc falsidade.

3.9 Assim, entre os actos cuja prática é consentida aos chefes de repartição, contam-se o juízo sobre a exequibilidade do título executivo, a decisão dc citação para nomeação dc bens à penhora, a decisão sobre a penhora c apreensão dc bens, cm geral, c a decisão sobre a avaliação da venda judicial.

4.9 Só que tais actos revestem, necessariamente, natureza jurisdicional, dada a directa incidência que têm sobre os direitos c interesses dos cidadãos.

Deste modo, terão de ser praticados pelos tribunais, como órgãos de soberania compostos por um ou mais juízes com competência para administrar a justiça (Constituição, artigos 20S.9, n." 1, e 217.9).

5? Aos tribunais, e somente a estes, cabe administrar a justiça.

6.9 Nomeadamente, não se afigura constitucionalmente possível a delegação dc poderes judiciais.

7.ff Entendimento contrário conduziria, aliás, à violação da separação de poderes consagrada no artigo 114.9 da lei fundamental.

8.9 Ora, o n.9 2 do artigo 60.9 do ETAF ao remeter, a propósito do direito dos tribunais à coadjuvação das outras autoridades (Constituição, artigo 205.9, n.9 3), para a lei dc processo, acaba por, através dc tal remissão genérica, possibilitar a prática dc alguns actos de natureza jurisdicional a funcionários da administração fiscal.

9.9 Arrasta isto a evidente violação dos princípios consignados nos artigos 114.9 c 205.9 da Constituição.

IO.9 O que faz, em conclusão com o n.° 2 do artigo 60.9 do ETAF, na sua actual formulação, bem como a primeira parte da alínea d) do artigo 40.° do Código de Processo das Contribuições c Impostos, sejam materialmente inconstitucionais.

Processo n.9 689/90.

Sobre as regras de distribuição das gratificações recebidas pelos empregados das salas de jogo dos casinos.

O Provedor de Justiça vem requerer a V. Ex.' —ao abrigo da alínea á) do n.9 1 do artigo 281.9 da Constituição— a apreciação da constitucionalidade do Despacho Normativo n.9 24/89, de 17 de Fevereiro, do Ministro do Emprego c da Segurança Social, publicado no Diário da República, 1.« série, n.9 62, dc 15 de Março de 1989.

Funda-se este pedido de fiscalização abstracta da aludida norma no seguinte:

l.fl Tal despacho normativo aprovou, com base nos §§ l.9 e 2.9 do artigo 13.° do Decreto n.9 41 812, de 9 dc Agosto dc 1958, na redacção do Decreto n.9 43 044, dc 2 de Julho dc 1960, as regras de distribuição, pelos empregados das salas de jogo dos casinos onde se praticam os jogos tradicionais referidos nos n.°* 1 e 2 do artigo 4.9 do Dccreto-Lci n.9 48 912, de 18 de Março dc 1969, das gratificações por eles recebidas.

2.9 Em síntese, impõe o despacho a obrigatoriedade de essas gratificações serem depositadas cm caixas para este fim existentes nas salas de jogos (n.9 2.1).

3.9 Dó montante destas gratificações são destinados:

a) Ao Fundo Especial da Segurança Social dos Profissionais da Banca dos Casinos — 12 %;

b) Aos empregados das salas de jogos abrangidos pelo despacho normativo — 88 % (n.9 4).

4.9 Sucede que as gratificações cm causa se configuram como verdadeiras doações ou transmissões em vida c a título gratuito do direito de propriedade. E tanto assim é que é insustentável defender a obrigatoriedade de tais atribuições pecuniárias c o correspondente direito dos seus beneficiários à inerente exigência.

5.9 Não se está, pois, perante um elemento integrador do conceito de retribuição nos lermos que tem sido defendidos pelo Supremo Tribunal de Justiça. Com efeito, para este Supremo Tribunal, a retribuição abarca todos os benefícios outorgados pela entidade patronal que sc destinem a composição do orçamento normal do trabalhador, conferindo-lhe expectativa do seu recebimento, dada a sua regularidade e continuidade. Só as gratificações pagas pela entidade patronal com regularidade c permanência — e apenas essas — sc enquadram, pois, conceito dc retribuição (Acórdão dc 8 de Março dc 1984, no Boletim do Ministério da Justiça, n.9 335, p. 214).

6.9 As gratificações abonadas aos empregados das salas dos casinos pelos frequentadores das mesas salas não têm subjacente alguma relação laboral, mas tão-someme um verdadeiro espírito dc liberalidade ou doação.

7.° E, enquanto doações, lais gratificações caem sob o regime do n.e 1 do artigo 62.° da Constituição, prccciio que garante o direito e transmissão da propriedade cm vida.

8.9 Mostra-se, por isso, inconstitucional, por ofensa testó, normativo, qualquer acto legislativo ou administrativo que proíba ou restrinja tal transmissão, como sucede com o Despacho Normativo n.° 24/89, dc 15 de Março, ao limitar o elenco dc donatários c o montante a atribuir a cada empregado.

9.9 O despacho normativo ofende ainda o artigo 13." da Constituição, ao estabelecer, sem fundamento bastante —ou seja, com apelo à respectiva categoria profissional—,

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diferenciação entre tres classes dc empregados das salas dc jogos dos casinos, cm função da qual procede à distribuição das gratificações recebidas a u'tulo gratuito.

10.a Na óptica da citada disposição constitucional, não poderá relevar a categoria profissional na distribuição das gratificações, atendendo a que estas são recebidas como meras liberalidades, pelas pessoas singulares que trabalham nas salas de jogos, e porque nestas trabalham. E também porque não tem sentido invocar a categoria profissional numa situação alheia a qualquer relação de trabalho.

11O que há é uma liberalidade do jogador, que nada tem a ver com o serviço prestado pelo empregado das salas dc jogo, c cuja repartiçüo não pode ser efectuada mediante

recurso a categorias profissionais.

12.° Entendo, assim, que os n.os 2, 3 e 4 do Despacho Normativo n.a 24/89, dc 15 de Março, são materialmente inconstitucionais, por ofenderem o direito de propriedade privada (artigo 62.8, n.9 1) e o princípio da igualdade (artigo 13.9, n.9 2), consagrados na Constituição da República.

Sobre discriminação em matéria de uniões de facto

Processo n.9 438/89.

Pedido apresentado pelo provedor dc Justiça Sr. Dr. Ângelo de Almeida Ribeiro.

Dc harmonia com o disposto no artigo 51.9 da Lei n.9 28/82, de 15 de Novembro, conjugado com o ar-ügo 281.9 da Constituição da República, requeiro a V. Ex.' que pelo Tribunal Consütucional seja declarada a inconstitucionalidade material, por ofensa ao disposto no artigo 36.9, n.9 4, da Constituição da República Portuguesa, do assento do Supremo Tribunal dc Justiça publicado no Diário da República, 1.* série, n.9 122, dc 28 de Maio dc 1987, na parte em que engloba os casos de uniões dc facto cm que haja filhos menores e, bem assim, a inconstitucionalidade por omissão dc uma medida legislativa que expressamente determine que as normas dos n.05 2, 3 e 4 do artigo 11 IO.9 do Código Civil são aplicáveis, com as necessárias adaptações, às uniões dc facto nos casos cm que há filhos menores.

Isto nos termos e pelos fundamentos seguintes: 19 Estabeleceu o referido assento que «as normas dos n.05 2, 3 c 4 do artigo 1110.9 do Código Civil não são aplicáveis às uniões dc facto mesmo que destas haja filhos menores».

2.9 É o seguinte o teor do citado artigo 11 IO.9:

1 — Seja qual (ot o regime matrimonial, a posição do arrendatário não se comunica ao cônjuge c caduca por sua morte, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte.

2 — Obtido o divórcio, ou separação judicial de pessoas c bens, podem os cônjuges acordar cm que a posição dc arrendatário fique pertencendo a qualquer deles.

3 — Na falta de acordo, cabe ao tribunal decidir, lendo cm conta a situação patrimonial dos cônjuges, as circunstâncias dc facto relativas à ocupação da casa, o interesse dos filhos, a culpa imputada ao arrendatário na separação ou divórcio, o facto de ser o arrendamento anterior ou posterior ao casamento, e quaisquer outras razões atendíveis; estando o processo pendente no tribunal de menores, cabe a este a decisão.

4 — A transferência do direito ao arrendamento para o cônjuge do arrendatário, por efeito do acordo ou decisão judicial, deve ser notificada oficiosamente ao senhorio.

3.9 Um juízo sobre a validade constitucional do assento em causa impõe que sc alente na fundamentação que lhe serviu dc base.

Percorrendo o acórdão, verifica-se que nele se partiu da regra geral consignada no artigo 424.9 do Código Civil, segundo a qual «no contrato com prestações recíprocas, qualquer das partes lem a faculdade dc transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contraio, consinta na transmissão».

Face a esta regra geral, dcfcndcu-sc no acórdão que o regime definido nos n." 2 e 3 do aludido artigo 11 IO.9 constituía uma excepção àquela regra.

Isto uma vez que nele se permite que o direito ao arrendamento se transmita entre os cônjuges ou ex-cônjuges, conforme sc trate de separação judicial, ou divórcio, sem que para o efeito seja necessário o consentimento do senhorio.

Como excepção que é, concluiu-se então que o regime consignado nos n.M 2 e 3 do artigo 1110.° do Código Civil não pode ser aplicado, por analogia, ao caso das uniões dc facto, mesmo que destas haja filhos menores, sob pena dc infracção do artigo 11.9 daquele Código.

4.9 A fundamentação e conclusão atrás referidas, correctas sob o ponto de vista do direito ordinário, colidem porém com o preceituado no n.9 4 do artigo 36.9 da Constituição da República Portuguesa.

5.9 Prcscrevc-se neste normativo constitucional que «os filhos nascidos fora do casamento não podem, por esse motivo, ser objecto dc qualquer discriminação c a lei ou as repartições oficiais não podem usar designações discriminatórias relativas à filiação».

6.9 Tal disposição, que consagra o princípio da não discriminação dos filhos em função de os seus progenitores serem ou não casados, insere-se no capítulo referente aos direitos, liberdades e garantias, pelo que, por força do artigo 18.9 também da lei fundamental, c directamente aplicável, vinculando entidades públicas c privadas, inclusivamente os tribunais.

7.9 Todavia, a obediência dos tribunais a essa norma ficou algo prejudicada com a emanação do assento cm causa.

8.9 Com efeito, impondo o artigo 1110.9 do Código Civil aos tribunais, no caso dc divórcio ou separação judicial dc pessoas e bens cm que os cônjuges não acordem sobre a transferência entre eles da posição dc arrendatário, a obrigação dc decidir sobre esse ponto lendo cm atenção, entre outros factores, o interesse dos filhos, mas não sendo esle regime, por força do mencionado assento, aplicável por analogia quando sc trate dc uniões dc facto mesmo quando haja filhos menores, ficaram os tribunais, nestes casos, impedidos dc atender ao interesse dc tais filhos, o que traduz, portanto, uma desigualdade dc tratamento dos filhos, conforme eles provêm ou não do matrimónio.

9.9 Assim sendo, o referido assento, na parte cm que engloba as uniões dc facto em que há filhos menores, viola o artigo 36.°, n.9 4, da Constituição da República Portuguesa, preceito que, como constitucional que é, sc tem dc sobrepor ao artigo ll.9 do Código Civil, segundo o qual as normas excepcionais são insusceptíveis dc aplicação analógica.

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10." Na eventualidade de esse venerando tribunal vir a declarar a inconstitucionalidade material do dito assento, ficam os tribunais dispondo da possibilidade de aplicar, por analogia, às uniões dc facto cm que haja filhos menores os n.os 2, 3 e 4 do anigo 1110." do Código Civil.

11.8 Todavia, como os tribunais são livres na interpretação e aplicação do ordenamento jurídico, nada garante que, apesar da eventual declaração de inconstitucionalidade,

esses órgãos entendam sempre que a aludida aplicação analógica dos n.05 2, 3 e 4 do artigo 1110.* do Código Civil é um imperativo constitucional.

12.* Entcnde-sc, assim, que se está também perante uma inconstitucionalidade por omissão dc uma medida legislativa que expressamente determina que as normas dos n.os 2, 3 e 4 do artigo 1110.° do Código Civil são aplicáveis, com as necessárias adaptações, às uniões de facto nos casos cm que há filhos menores.

4 — RECOMENDAÇÕES LEGISLATIVAS

Sobre a revogação expressa do Decreto n.2 13 458, de 12 de Abril de 1927

1 — Na sequência de processo organizado neste órgão do Estado pude constatar que o artigo 1." do Decreto n.° 13 458, dc 12 de Abril dc 1927, proibia a submissão dc novo a despacho ministerial dc «qualquer assunto de interesse particular sobre o qual já haja recaído algum despacho definitivo». No seu § l.9 cominava aos funcionários que transgredissem tal proibição a pena de suspensão dc vencimento por 15 dias sem dependência de qualquer outra formalidade. Na mesma pena incorriam (§ 2.9) os funcionários que no âmbito das respectivas competências não informassem devidamente que os assuntos já se encontravam resolvidos por despacho anterior.

2 — O regime proibitivo em causa veio a ser consagrado no Estatuto do Funcionaüsmmo Ultramarino ao determinar, no seu artigo 488.", que, «salvo no caso de reclamação ou recurso, serão arquivados os papéis em que os panicularcs requeiram que seja dc novo despachado o assunto de seu interesse sobre o qual já tenha recaído despacho definitivo sem que ofereçam novos fundamentos ou tenham modificado o pedido».

E no seu § único punia com a pena de suspensão agravada os funcionários que, por sua iniciativa ou a pedido dos interessados, submetessem a despacho assuntos em contrário do disposto no corpo do artigo.

O u'tulo deste era aliás sugesúvo:

Em regra nenhum assunto deve ser apresentado a despacho mais do que uma vez.

3 — Sem prejuízo do entendimento de que tal medida proibitiva, ou simplificativa na óptica dc alguns sectores, n2o teria razão dc ser perante as consequências da falta de impugnação atempada do indeferimento da pretensão constante do requerimento do particular (caso decidido com as inerentes consequências dc estabilidade provenientes das conveniências de segurança dc ordem jurídica) da prática dc acto confirmativo, ou da formação de acto de indeferimento tácito (que sempre inviabilizariam o desejo do particular de ser despachado requerimento com o mesmo objecto e causa dc pedir anteriormente indeferido), afigura-sc-mc que o Decreto n.9 13 458, de 12 dc Abril dc 1927, está a ser, indevidamente, invocado a nível da admi-

nistração central e local. Isto porque se encontra revogado, pelo menos tacitamente.

4 — Com efeito, quando o Decrcto-Lei n.B 256-A/77, de 17 dc Junho, veio reforçar as garantias dos particulares perante a Administração Pública, impôs a fundamentação expressa dc certas categorias dc actos (artigo l.8, n.9 t), designadamente dos que neguem, extingam ou restrinjam direitos ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções [alínea a)) ou decidam em contrário da pretensão

ou oposição formulada pelo interessado (.alínea d)). Por outro lado, determinou que, na falta de prazo fixado para a emissão de decisão administrativa sobre pretensão dirigida, a autoridade que tenha o dever legal dc a proferir confere ao interessado, salvo disposição em contrário, a faculdade dc presumir indeferida essa pretensão para poder exercer o respectivo meio legal de impugnação (artigo 3.", n.9 1).

5 — E a Constituição de 1976 (artigo 269.°) não só garantiu aos cidadãos o direito de informação sobre o andamento de processos em que sejam interessados e dc conhecimento das decisões (resoluções) definitivas que sobre eles foram tomadas (n." 1) como também o dc recurso contencioso com fundamento cm ilegalidade contra quaisquer actos administrativos definitivos c executórios (n.9 2). Paralelamente, a lei fundamental garantiu ao arguido, cm processo disciplinar, a sua audiência c defesa (artigo 270.9, n.9 3).

6 — Também no n.° 1 do seu artigo 49.° reconheceu a todos os cidadãos a faculdade dc apresentação, individual ou colccüvamcnte, dc petições, representações, reclamações ou queixas dos órgãos de soberania ou a quaisquer autoridades para defesa dos seus direitos, da Constituição c das leis ou do interesse geral. Trata-se de um direito político, fundamental num Estado dc direito democrático (artigo 2.9), o qual se não compadece, a meu ver, com a restrição (proibição do Decreto n.B 13 458). Perante cie, a entidade material e hierarquicamente competente não poderá deixar dc assumir uma posição.

7 — O que sc não mostra legítimo é o mecanismo instituído pelo Decreto n.° 13 458 para impedir os serviços dc submeter a despacho qualquer assunto sobre o qual já tenha recaído despacho definitivo. A manutenção de tal regime equivalerá, cm termos dc realidade, a conferir aos serviços um controlo indirecto sobre o andamento c apreciação das petições, reclamações e queixas dos cidadãos.

Só que tal mecanismo se não compadece com o nosso regime constitucional. E daí a sua insubsistência.

8 — Note-se que o artigo 52.8 da Consütuiçüo da República Portuguesa consagra o direito de petição com duplo conteúdo. Negativo porque o Estado e demais cnüdudcs públicas não podem impedir a sua dedução. Positivo porque o direito dc petição vincula as autoridades públicas a receber c, eventualmente, examinar c responder às petições.

9 — Assim sendo, a Administração, perante sucessivos requerimentos de particulares com o mesmo pedido c causa dc pedir — quando já haja tomado posição sobre a pretensão c não pretenda alterar a decisão de indeferimento —, não poderá deixar dc seguir uma de duas vias. Ou nada diz sobre o requerimento apresentado e então poder-sc-á formar acto de indeferimento tácito. Ou, na falta de novos elementos dc facto para reapreciação (ou de alteração do quadro legal em que a decisão foi tomada), limilar-se-á a proferir despacho confirmativo. Isio tendo cm consideração que só é confirmativo de outro o acto que em relação a esse outro apresenta identidade dc sujeito, pretensão e dc-

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cisão, sem que de um para outro haja alteração de pressupostos dc facto ou de direito.

0 que se não mostra aceitável é a proibição pura e simples de submeter a despacho da entidade competente o requerimento do particular, conforme dispunha o Decreto n.9 13 458.

10 — Para mais, a lei fundamental reconhece agora a faculdade dc interposição de recurso contencioso com base em ilegalidade contra quaisquer actos administrativos — e não já apenas, dos definitivos e executórios, independentemente da sua forma, desde que lesem direitos ou interesses legalmente protegidos (artigo 268.', n.° 4).

11 — Tendo em conta a formulação de direito de petição (artigo 52." da Constituição da República Portuguesa, antigo artigo 49.fl), estou em crer que as normas do Decreto n.a 13 458, dc 12 de Abril de 1927, foram revogadas ou tornaram-se caducas por força do disposto no n.9 1 do artigo 293." da Constituição da República Portuguesa (actual 290.9, n.9 2) sem prejuízo da necessidade de pronúncia do Tribunal Consútucional.

É dc salientar que, em relação aos §§ l.° e 2.9 do artigo l.9 do Decreto n.a 13 458, a revogação ó flagrante, devido à inviabilidade de aplicação das sanções disciplinares nele contempladas sem precedência de processo disciplinar [Constituição, artigos 270.°, n.fl 3 (versão de 1976), e 269.9, n.9 3 (versão de 1989)]. Aqueles parágrafos colidem ainda com os Estatutos Disciplinares de 1979 e de 1984 (artigos 36." e 40.° do Estatuto dc 1979 e artigo 38.9 do Estatuto de 1984).

Termos em que, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.9 1 do artigo 18.° da Lei n.9 81/77, de 22 de Novembro, recomendo que pelo Governo seja revogado, expressamente, o Decreto n.9 13 458, dc 12 de Abril dc 1927.

27 dc Agosto dc 1990.

Processo n.a 495/90.

Nota. — Pelo Governo (Secretaria dc Estado da Modernização Administrativa) foi comunicado ao Provedor dc Justiça que a recomendação iria ser acatada.

Sobre audição do arguido pelo juiz em caso de prisão preventiva

I

1 — Examinei a exposição do engenheiro Fernando J. Costa Freire datada de 1 de Novembro. É evidente que, quanto ao fundo da questão, não pode o Provedor de Justiça \ci qualquer intervenção, face à regra injuntiva do n.9 2 do artigo 20.9 do seu Estatuto (Lei n.9 81/77, de 22 de Novembro) e à circunstancia de o caso estar afecto aos tribunais.

2 — Refere, no entanto, o exponente que se encontra devido preventivamente «há mais de um mes, [...] sem sequer ter sido apresentado a um juiz dc instrução criminal durante as 48 horas seguintes à [sua] detenção em prisão preventiva» — o que, em seu entender, violaria a regra do n.9 1 do artigo 28.9 da Constituição.

Trata-se dc um direito fundamental e, nessa perspectiva, a elc não pode ficar alheio o Provedor dc Justiça, até para eventual recomendação legislativa, sc sc vier a revelar necessária quanto à lei ordinária.

3 — Desconheço, no entanto, com objectividade, se o exponente lançou mão do meio previsto nos artigos 220.9

e 221.9 do Código dc Processo Penal e se, caso o tenha feito, qual o resultado que obteve.

Desconheço, dc resto, para além do que incidentalmente li nos órgãos da comunicação social, tudo o que sc passa quanto a este caso.

4 — Assim sendo, e sublinhando que nüo pretendo interferir cm qualquer actividade jurisdicional, creio que, através do Conselho Superior da Magistratura, sc poderá diligenciar no sentido de apurar se alguma reacção processual foi desencadeada pelo exponente, quanto à eventual preterição da regra do artigo 20.9, n.9 1, da Constituição, e, na hipótese afirmativa, qual a decisão que sobre essa reacção recaiu. A solicitação será feita a coberto do n.° 3 do artigo 20.fl daquela Lei n.B 81/77.

Lisboa, 7 de Novembro de 1990.

Processo n.8 2515/90.

II

1 — O engenheiro Fernando Costa Freire apresentou neste órgão do Estado uma exposição em que afirma encontrar-se há mais dc um mês em regime de prisão preventiva, sem ter sido apresentado a um juiz de instrução — o que, como aduz, preterirá a garantia prevista no n.9 1 do artigo 28." da Constituição.

2 — Face à sua lei estatutária, não pode o Provedor dc Justiça interferir na actividade jurisdicional dos tribunais e, por decorrência, emitir juízos de valor sobre as decisões que por cies venham a ser proferidas. A função jurisdicional é insindicável pelo Provedor dc Justiça.

3 — Posto isto, e dado como inderrogávcl este postulado, não deverá o Provedor deixar de conhecer dc questões de ordem geral c não personalizáveis, que, no plano dogmático, tenham a ver com a sua condição dc promotor activo da tutela dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.

4 — Ora, nesta frente de indagação, é dc problematizar se um arguido em processo penal — qualquer arguido — pode ser mantido em prisão preventiva sem ser ouvido por um juiz.

Ao que me é dado saber, não têm surgido dúvidas no caso de a detenção haver sido operada por autoridade diversa de um juiz.

Em tal hipótese não sc questiona que o arguido delido que não deva ser dc imediato julgado deve ser interrogado pelo juiz dc instrução, no prazo máximo dc 48 horas após a detenção. Isto por aplicação (pacífica) do n.9 1 do artigo 141.9 do Código dc Processo Penal.

5 — Dúvidas terão, entretanto, surgido no caso dc a detenção ser ordenada por um juiz.

Do cotejo entre aquele n.9 1 do artigo 141.a c o artigo 194.a, n." 2, do mesmo Código não parece serem fundadas essas dúvidas de exegese.

Conforme assinala o conselheiro Maia Gonçalves, refere--sc o artigo 141.9 ao primeiro interrogatório judicial do arguido detido c destina-sc, fundamentalmente, a verificar se existem os requisitos legais justificativos da detenção, da prisão preventiva ou da substituição desta por outra medida (Código de Processo Penal Anotado, 1987, p. 200, em nota).

E a lei ordinária — como é o Código de Processo Penal — deve ser sempre entendida à luz da Constituição; c «na dúvida, os direitos devem prevalecer sempre sobre as restrições (in dúbio pro libértate), como é quase um lugar

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comum» (Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, iv, 1988, pp. 308-309).

6 — Dadas, porém, as dúvidas existentes, e no sentido de um direito fundamental como é o consignado no n.° 1 do artigo 28.° da Constituição encontrar equivalência real na lei processual —ou seja, nos artigos 141.° e 194." do aludido Código—, formulo à Assembleia da República uma recomendação legislativa, nos termos do artigo 18.°, n.B 1, alínea b), da Lei n.° 81/77, de 22 dc Novembro, e do artigo 262.9 do seu Regimento, no sentido dc, por via legal, se interpretarem aqueles preceitos cm ordem a que o arguido detido deva ser, em qualquer caso, interrogado pelo juiz no prazo máximo de 48 horas após a detenção.

7 — A presente recomendação é formulada à Assembleia da República por recair em matéria da sua competência (artigo 168.° da Constituição).

Lisboa, 12 de Novembro dc 1990.

Processo n.9 2515/90.

Sobre igualdade de tratamento em matéria de sisa

1 — Em decurso das queixas apresentadas neste órgão do Estado, foi suscitada a questão da sujeição a sisa, à taxa de 10 %, das transmissões de funções dc prédios urbanos ocorridas apenas no lapso de tempo compreendido entre 1 de Janeiro c 27 de Março dc 1989, com o argumento de que o Decrcto-Lei n.9 114-A/88, de 8 de Abril, que isentava as transmissões até ao montante dc 10 000 contos, teve a sua vigência limitada no ano de 1988 e dc que o Decrcto-Lei n.9 91/89, dc 27 de Março, que baixou o limite de isenção para 5000 contos, somente começou a vigorar cm 28 de Março dc 1989.

2 — Instruído c apreciado o processo, instaurado com base nas referidas queixas, pude constatar que o Dccrcto--Lci n.9 91/89, de 27 de Março, ao fixar a respectiva vigência a partir de 28 de Março de 1989, acabou por criar uma flagrante situação de injustiça fiscal no ano dc 1989. Desde logo porque veio, no mesmo ano fiscal, criar três tipos dc tributação no domínio da sisa, a saber:

a) O decorrente da diminuição para metade do valor que conferia direito à isenção (5000 contos, com a alteração do n.° 22 do artigo 11.9 do Código da Sisa) a contar de 28 dc Março dc 1989;

b) O proveniente do n.9 21 do artigo ll.9 do Código da Sisa, que reconhecia o direito à isenção na aquisição dc habitação para residência permanente do adquirente desde que o valor não ultrapassasse os 10 000 contos (redacção do Dccrclo-Lci n.9 144/86, de 16 dc Julho, artigo l.9) de 28 dc Março dc 1989 a 31 de Agosto de 1989 (artigo 3." do Decrcto-Lei n.9 91/89, de 27 de Março);

c) O correspondente ao hiato legislativo ocorrido entre 1 dc Janeiro dc 1989 c 27 de Março dc 1989, ao qual será de aplicar a laxa dc 10 %, no entender da própria Dirccção-Gcral das Contribuições e Impostos (ofício n.9 1691, dc 2 de Maio de 1990, da 4.* Direcção dc Serviços), com base no disposto no artigo 33.9 do Código da Sisa (redacção do Decrcto-Lei n.9 183-H/80, dc 9 dc Junho) por força do seu artigo 45.B

3 — Com efeito, no mesmo ano fiscal c na ausência do suporte material adequado, os adquirentes dc prédios urbanos ou suas fracções acabaram por ficar sujeitos a tratamentos completamente distintos.

Assim os que efectuaram aquisições entre 1 dc Janeiro de 1989 c 27 de Março de 1989 viram-se sujeitos à elevada taxa de 10 %, sendo certo que esia ma (marginal) viria a ser aplicável pelo Decrcto-Lei n.9 91/89, às aquisições situadas entre os 7500 contos e os 10 000 contos. E que a mesma laxa (única) dc 10 % foi tomada aplicável às aquisições acima dos 15 000 contos.

Porém os que adquiriram prédios urbanos ou fracções destes a partir de 28 de Março de 1989 viram-se beneficiados por dois tipos dc isenção.

A dos 5000 contos c, até 31 dc Agosto de 1989, a dos 10000 contos.

4 — Desde 1986 (v. artigo 2.9 do Decreto-Lci n.9 5/86, de 6 de Janeiro) as isenções de sisa vêm-se reportando ao período correspondente ao ano fiscal. Nesta linha de rumo tendente a garantir a igualdade de tratamento dos contribuintes e a evitar situações dc injustiça relativa enfileirou o Decreto-Lci n.9 114/88, de 8 dc Abril. Tudo no seguimento de autorizações legislativas constantes das leis dc aprovação do Orçamento do Estado [artigo 27.°, alínea b), da Lei n.9 9/86, dc 30 dc Abril, artigo 35.9, alínea c), da Lei n.9 49/86, dc 31 dc Dezembro, artigo 31.*, alínea a), da Lei n.° 2/88, de 26 de Janeiro, artigo 26.9 da Lei n.9 114/88, de 30 dc Dezembro, e artigo 27.9 da Lei n.9 101/89, de 29 dc Dezembro]. E será de salientar que todas as leis orçamentais no âmbito das matérias compreendidas no capítulo do sistema fiscal contemplam normas autorizando o Executivo a cobrar durante o ano as contribuições c impostos constantes dos códigos e demais legislação tributaria numa clara alusão à necessidade dc assegurar tratamento fiscal idêntico aos contribuintes, no período em causa.

5 — Embora numa pcrspccüva formalista sc possa entender que a administração fiscal obedeceu à lei, limitando--se à mera observância do princípio geral de que a relação tributária deverá ser regida pela lei vigente à data da respectiva constituição — o mesmo não poderá dizer-se caso sc encare a questão, como se impõe, pela sua vertente constitucional.

6 — Nesta óptica, da qual o Fisco não deverá alhear-sc, terá dc atender-sc a que o princípio da igualdade tributária proíbe discriminações injustificadas por via da lei, como a que resultou do tratamento diferenciado dc contribuintes no caso cm apreço.

7 — Nestes termos, c com vista a corrigir a situação de discriminação indevida dos contribuintes registada to domínio da sisa no ano dc 1989, sugiro ao Sr. Secretário dc Estados dos Assuntos Fiscais, ao abrigo do que dispõe a alínea b) do n.9 1 do artigo 18.9 da Lei n.9 81/77, dc 22 de Novembro (Estatuto do Provedor dc Justiça), que promova a aprovação, pelo Governo, dc legislação que repare a situação de flagrante injustiça detectada mediauvo, a. concessão dc igual tratamento na tributação em sisa cm 1989 a lodos os contribuintes.

Lisboa, 14 dc Dezembro dc 1990.

Sobre transplantações de tecidos e órgãos I

O artigo 5.* do Decreto-Let n.8 553/76. Posição do Provedor de Justiça e acórdão do Tribunal Constitucional (t%a\

1.1 —Em 1986, o Provedor dc Justiça suscitou perante o Tribunal Constitucional a questão da inconstitucionais

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dadc (material) do artigo 5.9 do Dccreto-Lci n.9 553/76, dc 13 de Julho, que define os termos cm que poderão ser colhidos no corpo dc pessoa falecida tecidos ou órgãos necessários para transplantação c outros fins terapêuticos.

A posição então assumida pelo Provedor de Justiça ba-scou-sc no excelente parecer elaborado pelo assessor Dr. Carlos Soares dc Brito, depois publicado na Revista da Ordem dos Advogados, ano 48, Abril de 1988, pp. 239-266.

1.2 — Dispõe aquele artigo 5." do Dccreto-Lci n.9 553/76:

Os módicos nao podem proceder à colheita quando,

por qualquer forma, lhes seja dado conhecimento da oposição do falecido.

1.3 — Em síntese, era esta a argumentação aduzida no parecer, adoptada pelo Provedor de Justiça:

Reconhece o artigo 5.9 o direito de oposição do falecido; só que não viabiliza o seu exercício.

A vontade do falecido, eventualmente contrária à colheita, apenas poderá ser comunicada aos médicos por terceiros. Mas, para isso, necessário se toma que eles tenham conhecimento da morte; assim, pelo menos os parentes mais próximos.

Não tem a família, ela própria, um direito dc oposição, não lhe cabendo autorizar a colheita. Mas deve ter o direito a conhecer da morte, para poder transmitir aos médicos a vontade expressa ou tácita do falecido.

Ao omitir a notificação do óbito ao círculo de pessoas capazes de fazer essa transmissão de vontade, compromete o artigo 5." o exercício do direito dc personalidade à disposição do corpo e, por decorrência, viola o n.9 1 do artigo 25." da Constituição (direito à integridade pessoal), o n.9 1 do artigo 26.° (outros direitos pessoais), os n." 1 e 2 do artigo 37.9 (liberdade de expressão e informação) e, reflexamente, o n.9 1 do artigo 41.9 (liberdade dc consciência).

Acresce que o artigo 5.9 do Dccreto-Lci n.9 553/76 deveria fixar um prazo para ser comunicada aos médicos a oposição do falecido e, simultaneamente, para a formação do silencio a partir do qual os médicos ficariam habilitados a efectuar a colheita.

2.1 — No Acórdão n.9 130/88, de 8 de Junho de 1988 (Diário da República, 2} série, n.9 205, de 5 dc Setembro de 1988, p. 8101), entendeu o Tribunal Constitucional, embora com três votos dissidentes, não ser de declarar a inconstitucionalidade.

Considerou, desde logo, ser liminarmente dc afastar a invocação dos artigos 37.° (liberdade de expressão e informação) e 26.9, n.8 1, da Constituição. Isto porque a liberdade de expressão e informação tem a ver com o direito dc manifestar publicamente ideias e factos c não com declarações dc vontade ou de ciência entre simples particulares; por outro lado nenhum dos direitos pessoais elencados no artigo 26.9, n.° 1, pode assumir relevo directo na hipótese.

Quanto ao direito à integridade pessoal (artigo 25.9, n.9 1), não sendo já o cadáver uma «pessoa», tem de se excluir a possibilidade de a colheita atentar contra a integridade «pessoal» de um cadáver..

2.2 — Problematizou, no entanto, o Tribunal Constitucional a questão noutro plano. Enquanto viva, tem a pessoa o direito a opor-sc à utilização do seu próprio cadáver para recolha de tecidos ou órgãos, «ao menos quando fun-

dado em razões éticas, filosóficas ou dc carácter religioso». A esse direito é de reconhecer relevo constitucional, num sistema radicado na dignidade da pessoa (artigos l.9 e 2.s da Constituição).

Só que o défice de regulamentação que o artigo 5.9 denota, não instituindo formalismos ou mecanismos desburocratizados para captar a vontade do falecido, poderá ser suprido por um ónus de zelo da pessoa enquanto viva, tomando então providências para que a sua oposição seja conhecida em lempo oportuno. E a imposição de um prazo

somente a partir do qual os módicos ficariam habilitados a

efectuar a colheita inviabilizaria muitas intervenções determinadas por interesses sociais cm igual plano merecedores dc tutela.

3.1 — Na sua declaração dc voto dissidente acompanha o conselheiro Raul Mateus o acórdão enquanto este atribui relevo constitucional ao direito dc oposição à colheita. Mas assinala uma vertente que a seu ver confere maior premência ao eficaz exercício do direito. É que os órgãos ou tecidos transplantados não morrem, em termos biológicos, com a pessoa a cujo corpo originariamente pertenciam. Sobrevivem-lhe, continuando a desempenhar as funções que lhe são típicas, embora integradas nos sistemas vitais do corpo beneficiário do transplante. Essa mescla de duas individualidades corporais não poderá ocorrer à revelia da pessoa de cujo cadáver se irão colher os órgãos ou tecidos.

Ora, se é certo que para assegurar plenamente o exercício do direito fundamental de oposição bastaria à lei impor às pessoas o ónus dc, cm vida, declararem essa vontade, não menos certo é que à declaração dc vontade produzida teria dc ser assegurada pelo menos uma provável eficácia prática — por exemplo, determinando a lei a armazenagem das declarações em computador centra! cujo banco dc dados fosse susceptível dc consulta através dc terminais existentes nos diversos estabelecimentos hospitalares. Mas nada disto sucede. Não é facultado o exercício efectivo do direito de oposição. «De que serviria, na verdade, que uma pessoa trouxesse permanentemente na carteira uma declaração dc proibição dc colheita — recurso porventura ü'pico e próprio dc um cidadão prudente, face ao apontado vazio legal — sc os médicos não tivessem, dc maneira alguma, o dever de aí a procurar?» Aliás este sistema resultaria altamente falível, já que as pessoas dc cujos cadáveres se recolhem órgãos ou tecidos para transplantes são, por regra, as vítimas de acidentes. Ora será comum a perda, por parte dos acidentados, da documentação que lhes respeita.

Daí que, na realidade das coisas, o facto dc o artigo 5.9 do Decreto-Lei n.9 553/76 não obrigar os médicos, previamente à colheita de órgãos ou tecidos, a qualquer contacto com pessoas do círculo mais íntimo do falecido, com vista à captação da vontade deste (único meio verdadeiramente possível e eficaz) afecta o direito à disposição do próprio cadáver.

Quanto à fixação dc um lapso de tempo para a transmissão, por parte de familiares e amigos, da vontade do falecido, não impediria, na prática, muitos transplantes, sc a lei estabelecesse um período muito curto para o efeito, e permitisse que as consultas se iniciassem no decurso da fase de observação para accertamento da morte.

3.2 — Para o conselheiro Messias Bento, o artigo 5.°, ou qualquer ouua norma do aludido diploma, não impõe aos médicos qualquer dever dc diligenciar o conhecimento de qualquer eventual oposição do falecido. É um regime laxista que nem sc preocupa em garantir, com um mínimo

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dc eficácia, que as colheitas se façam só depois de haver a certeza da morte: «revogou a Portaria n.° 156/71, de 24 de Março, e nada dispôs sobre a verificação do óbito».

A inconstitucionalidade promana de os médicos poderem fazer a colheita sem diligenciarem em averiguar a eventual

oposição do falecido. E ilegítimo — salvo, naturalmente,

em casos muito graves e urgentes — que tais colheitas se

possam fazer contra a vontade do falecido. Daí a afectação do direito à integridade física e moral (artigo 25.°, n.9 1), do direito à reserva da intimidade da vida privada (artigo 26.9, n.fl 1) e da liberdade de consciência, dc religião c de culto (artigo 41.e, n.05 1, 3 e 6).

O artigo 5.° integrado no conjunto normativo do Decrcto-Lei n.B 553/76, arrasta à desvalorização do direito de dispor do próprio cadáver, à sua trivialização ou inutilização.

3.3 — Reitera o conselheiro Monteiro Dinis que o artigo 5.9 e todo o sistema do diploma criam a objectiva possibilidade de os médicos efectuarem colheitas sem que diligencia alguma, efectiva e real, haja de por eles ser feita no sentido de a averiguação de uma eventual oposição por parte do falecido. Não está instituído um sistema minimamente credível que impeça a imediata oposição dos médicos cm oposição à vontade do falecido. Aliás a ausência de um regime que imponha critérios legais, com base cm padrões científicos, para a determinação da morte, permite, pelo menos no plano das hipóteses, que possam ser recolhidos órgãos em indivíduos nao cadáveres. Todos os cidadãos estão transformados em potenciais dadores forçados. Está consentido o desenvolvimento dc iniciativas comerciais privadas, directamente relacionadas com os transplantes.

3.4 — O conselheiro Cardoso da Costa, tendo volado o acórdão, não deixou de, em declaração de voto, reconhecer que a disciplina legal da colheita de órgãos e tecidos apresenta «consideráveis deficiências ou insuficiências». Lembrou, no entanto, que do artigo 5.° já sc extrairá um certo dever de diligência ou de cuidado dos médicos — embora dc conteúdo imperfeitamente determinado— cm ordem a evitar-se a realização de colheitas contra a vontade do falecido.

II

As deficiências do Oecreto-Lel n.e 553/76

4.1 — São patentes as deficiências detectáveis no Decrcto-Lei n.fi 553/76, de 13 de Julho.

Desde logo, versa apenas sobre a colheita de órgãos e tecidos em cadáveres, omitindo por completo o enquadramento legal da extracção dc tecidos e órgãos dc pessoas vivas.

A Lei n.B 1/70, de 20 de Fevereiro, diz somente respeito à colheita de «produtos biológicos humanos» (como por exemplo sangue c leite — este nas «condições especiais» a fixar por portaria) e não de órgãos e tecidos.

4.2—O escasso apuro técnico do Decrcto-Lei n.9 553/76 poderá ser consequência da intencionalidade expedita que o determinou: a de substituição, quase que em «estado dc necessidade», do sistema do Decrelo-Lei n.9 45 683, de 25 de Abril de 1964, cm ordem a facultar soluções mais praticáveis no tocante às transplantações.

Dizia respeito este diploma dc 1964, dc igual modo, à colheita no corpo de pessoa falecida dc tecidos ou órgãos de qualquer natureza («nomeadamente ossos, cartilagens, vasos, pele, globos oculares e sangue»), quando cies fossem necessários «para fins terapêuticos ou científicos» e essa

intervenção, para ser útil, não pudesse aguardar «o decurso do prazo legal de prevenção contra a morte aparente» (artigo l.9).

Podia a colheita ser efectuada em «bancos gerais especializados em olhos ou outros órgãos ou tecidos» ou

em bancos instalados por cmiúaúcs particulares autorizadas

por alvará passado pelo Ministério da Saúde e Assistência — e ainda em clínicas c institutos universitários c hospitais públicos ou privados e casas de saúde autorizados por portaria do Ministério da Saúde e Assistência (arügo 3.9 e § único do artigo 2.9).

4.3 — Na execução das colheitas deveria observar-se rigoroso respeito pelo decoro do cadáver e evitar-se mutilações ou dissecções não necessárias para a recolha dos tecidos ou órgãos e para as verificações indispensáveis à utilização destes c por forma a, quanto possível, não prejudicar a realização da autópsia, se viesse a mostrar-se necessária. Depois da operação deveria ser restabelecida a morfologia do corpo, podendo usar-se para esse efeito elementos de prótese (artigo 13.9).

5 — A verificação da morte era objecto dc detalhada regulamentação, complementada depois pelas Portarias n.M 20 688, de 27 dc Julho dc 1964, c 156/71, de 24 dc Março.

6 — A gratuitidade da colheita — em relação ao dador ou a quem tivesse autorizado (a família) — era regra (artigo 8.9), apenas sendo válida a disposição pela qual o falecido tivesse imposto ao serviço que, por ele autorizado, determinasse a colheita, o encargo dc custear o seu funeral, até ao limite que fosse fixado em despacho ministerial (§ único desse artigo 8.9).

7 — Ainda que autorizadas pelo falecido, as colheitas não poderiam efectuar-se quando contrárias «à moral ou aos bons costumes» (§ l.9 do artigo l.9).

Significava isto que não poderiam ser efectuadas, por exemplo, transplantações do cérebro ou das glândulas sexuais, já que violadoras da dignidade humana (assim, v. g.. Lei italiana n.9 644, dc 2 de Dezembro de 1975).

8 — Ora, o Decrcto-Lei n.9 553/76, embora mantendo em vigor, em tudo o que o não contrarie, as Portarias n.05 20 799 e 20 800, ambas dc 10 de Setembro dc 1964, e 24 217, de 2 de Agosto de 1969 (que regulamentaram, respectivamente, a criação c funcionamento dos bancos de órgãos ou tecidos, gerais ou especializados, que vierem a ser criados em estabelecimentos oficiais, e a criação do banco de olhos dos Hospitais Civis de Lisboa, e que autorizou os Hospitais da Universidade de Coimbra a procederem à colheita dc tecidos ou órgãos), deu causa a uma certa indefinição quanto aos «estabelecimentos hospitalares» autorizados a proceder às colheitas (artigo 2.").

É, por outro lado, ambíguo quanto à gratuitidade ou não da colheita, se bem que o parecer n.9 35/52 da Pro-curadoria-Geral da República, de 27 dc Novembro, referenciado no preâmbulo, sc tivesse pronunciado no sentido da gratuitidade.

9.1 —O Dccrcto-Lci n.B 45 683 previa que a colheita se efectuasse para «fins terapêuticos ou científicos» (arügo l.B).

Já o Decrcto-Lei n.9 553/76 fala apenas em colheitas «para transplantação ou outros fins terapêuticos».

Será esta última formulação redutora cm relação à primeira, significando a primeira a efectivação de colheitas para «experimentação científica»?

No respeitante às colheitas em pessoas vivas tudo aponta para que elas se destinem exclusivamente a fins curativos imediatos e personalizados.

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Já no tocante às colheitas em cadáveres poderão elas ler fins terapêuticos imediatos ou diferidos, através da sua armazenagem em bancos de órgãos ou tecidos.

Mas quanto às colheitas para fins puramente experimentais, quer dc investigação, quer didácticos?

Não serão elas de arredar, em bem contados e prudentes casos, e sempre, claro está, no corpo de pessoas falecidas.

A Resolução n.B (78) 29 do Comité de Ministros do

Conselho da Europa (11 de Maio de 1978), sobre a

harmonização das legislações dos Estados membros relativamente às extracções, enxertos e transplantações de substâncias de origem humana, nas Regras que aprova prevê expressamente a extracção ou colheita para fins terapêuticos e de diagnóstico em benefício de outras pessoas que não o dador, e para fins de investigação (n.8 1 do artigo l.5).

9.2 — Curioso é assinalar que a Lei espanhola n.8 30/ 1979, dc 27 de Outubro, sobre extracção e transplantações, dispõe no artigo l.8 que se aplicará «à cessão, extracção, conservação, intercâmbio e transplante de órgãos humanos, para serem utilizados para fins terapêuticos».

Mas, sendo certo que abrange a colheita cm pessoas vivas c em cadáveres, vem no n.° 2 do artigo 5.8 preceituar que «a extracção de órgãos e outras peças anatómicas de falecidos se poderá realizar com fins terapêuticos ou científicos {...]». Trata-se dc uma aparente contradição com a moldura do artigo l.8, como refere Ramon Martin Mateo (Bioética y Derecho, 1987, p. 110) — que, aliás, considera a lei um texto jurídico «de excepcional qualidade» (ob. cit., p. 109).

Está-se em crer que a finalidade científica nominalmente referenciada não vai além da finalidade terapêutica ou curativa, embora com utilização diferida, mediante o seu armazenamento cm bancos.

E daí que, neste aspecto, a formulação do Dccrcto-Lci n.° 553/76 ganhe vantagem, por não consentir dúvidas, em relação ao diploma dc 1964.

Os transplantes são uma excepção como solução terapêutica, mas quando determinados por essa finalidade será forçado afirmar-se que se inserem, necessariamente, no campo da «investigação terapêutica», como argumenta Romeo Casabona em «Por una ética dc transplantes» (cm El País, de 25 de Novembro de 1984).

As modulações das finalidades prosseguidas melhor serão analisadas a propósito do tipo de consentimento prévio à extracção ou à colheita.

III

O consentimento do dador

10.1 — Dispõe o artigo 5.8 do Código Civil italiano que os actos de disposição do próprio corpo são proibidos quando conduzirem a uma diminuição permanente da integridade física (ou quando forem contrários à lei, à ordem pública ou aos bons costumes).

Só que o preceito não tardou em ser ultrapassado pelas realidades. Pensado, realmente, para situações como os transplantes de córneas, cartilagens, etc, dificultava ou poderia mesmo impedir transplantes depois usualmente praticados, como os do rim. E daí a sua interpretação correctiva, logo intuída, por exemplo, por Calógero Gangi (Persone fisiche e persone giuridiche, 1948, p. 175) c Adriano de Cupis (/ diriui delia personalità, 1950, pp. 61-69) e, depois, a sua derrogação, por força da Lei n.° 458, de 16 dc Junho de 1967 (a que sc seguiram as Leis n.°* 644, de 2 de

Dezembro de 1975, c 409, dc 16 dc Julho de 1977). Neste sentido, Santassousso, vox Trapianti (em Novíssimo digesto italiano, vol. xix, 1973, reimpressão de 1980, p. 508), e Ferrando Montovani, / Trapianti e la sperimentazioni umana nel dirilto italiano e straniero, 1974, p. 143.

10.2 — Que a pessoa não é dona do seu corpo é evidenciado pela condenação, de inspiração cristã e prevalentemente ética, do suicídio e da automuülaçHo. Nesta

linha dc posicionamento sublinhou J. Diez Diaz que a pessoa não é plenamente proprietária do seu corpo, mas apenas como que sua usufrutuária («el derecho à la disposición dei cuerpo», na Rev. Gen. de Leg. y Jurisp., 1967, I, p. 714),

Os corolários deste pressuposto são óbvios: a colheita terá de ter uma finalidade terapêutica imediata, com probabilidades de êxito, não podendo pôr em risco sério e objectivo a vida do dador, nem prejudicar de modo irremissível a sua integridade física global. A doação de um rim, por exemplo, não afectará essa totalidade física e humana.

Não é dc pôr de lado que a aludida Resolução n.B (78) 29 do Conselho da Europa dá uma certa abertura.

Assim no artigo 4.8 prevê que a extracção de substâncias não susccpu'vcis de regeneração, embora cm regra limitada às transplantações entre pessoas geneticamente aparentadas, possa ser feita quando existam hipóteses sérias dc exilo.

E no artigo 5.8 estabelece que a extracção dc substâncias de que desponte um risco previsivelmente grave para a vida ou a saúde do dador possa ser excepcionalmente admitida quando justificada por motivações do dador, pelas relações familiares que o ligam ao beneficiário c pelas exigências médicas do caso. O Estado poderá, no entanto, proibir uma lai extracção.

10.3 —Em síntese, poder-sc-á dizer que o princípio da inviolabilidade do corpo humano se opõe por regra à extracção dc um órgão ou tecido não regenerável. Qualquer excepção fundar-sc-á como que um num estado de necessidade (Grcnouillcau, «Commentaire de la Loi 76-1181 du 22 décembre 1976», Recueil Dalioz, 1977, p. 214).

Daí que antes dc qualquer extracção para fins terapêuticos o dador deva ser informado sobre todas as consequências previsíveis de ordem física e psicológica da extracção, assim como sobre todas as repercussões eventuais desta sobre a vida pessoal e profissional do dador (Dec. 78-501, de 31 de Março de 1978).

Entretanto alguns autores põem reservas quanto a esla posição, se os riscos forem graves: o ânimo de salvar uma vida não poderá justificar a extracção de um órgão que afecte a integridade física (Dussct, «Le don d'organes: un geste de solidarité», na Rev. Forum, «Dossier Santé», Maio de 1987, p. 14).

Tudo parece estar na procura de um ponto dc equilíbrio, dc uma solução de proporcionalidade (Michéle Harichaux, «Le corps objet», em Bioéthique et droit, ed. PUF, 1988, maxime p. 133).

11.1 —E quanto à dação por menores?

A aludida Resolução n.8 (78) 29 do Conselho da Europa prevê-a expressamente (n.8 1 do artigo 2.8): quando se tratar dc um menor ou dc outro incapaz (no ponto dc vista jurídico), o seu representante legal dever ser informado de modo adequado, ames da extracção, das possíveis consequências desta, designadamente médicas, sociais ou psicológicas, assim como do interesse que a extracção representa para o beneficiário.

Este ónus de informação vale também em relação ao dador maior e não incapaz; só que, obviamente, será ele próprio a ser informado.

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II SÉRIE-C — NÚMERO 31

Estabelece ainda o artigo 6." da mesma resolução:

1 — No que respeita aos juridicamente incapazes, as extracções dc substâncias susceptíveis de regeneração devem ser excepcionais.Tais extracções serão

possíveis quando necessárias por razões terapêuticas

ou de diagnóstico. Só poderão ser efectuadas com o

consentimento do representante legal do incapaz,

salvo oposição do próprio incapaz. Sc as extracções

apresentarem um risco para a saúde do incapaz, será também necesário obter a autorização de uma entidade (pública) competente.

2 — São proibidas as extracções de substâncias não susceptíveis de regeneração em juridicamente incapazes. No entanto, um Estado pode prever que, cm casos excepcionais, justificados por razões terapêuticas e de diagnóstico, uma extracção (dessa natureza) seja possível se o dador tiver discernimento c tiver dado o seu consentimento, se o representante legal e uma entidade (pública) competente a autorizarem, e sc o dador e o beneficiário esüvcrcm estreitamente aparentados geneticamente.

3 — As extracções de substâncias que impliquem um risco previsivelmente grave para a vida ou a saúde do dador, quando este for um juridicamente incapaz, são proibidas.

11.2 — Realmente, a ideia nuclear que subjaz ao consentimento do dador vivo é que ele seja pessoal, livre e expresso. Ora, para que o consentimento seja verdadeiramente livre necessário sc toma que, em princípio, o dador tenha pleno discernimento, isento dc pressões e com inteiro conhecimento de causa.

Daí que, a exemplo do que acontece com a legislação italiana, a Lei espanhola n.9 30/1979 expressamente imponha (artigo 4.9) que o dador seja maior de idade e que esteja no gozo dc plenas faculdades mentais. Não se prevê qualquer excepção a esta regra.

11.3 — A lei francesa dc 1976 prevê a dação feita por menores, desde que o beneficiário seja um irmão ou uma irmã c que seja obtida a autorização de três peritos médicos, podendo, em qualquer caso, o menor opor-sc à extracção, quando for possível obter o seu consentimento.

11.4 — É duvidoso que não se deva seguir a solução italiana ou espanhola.

IV

0 artigo 5.« da Lei n.« 553/76

12.1 — Quanto à colheita de órgüos e tecidos post mortem, nao resta dúvida de que no confronto do interesse «integridade» do corpo e projecção da dignidade da pessoa para alem da sua morte c do interesse da protecção da saúde dos vivos, beneficiários do transplante, deverá, como regra, prevalecer este úlümo.

Parece precipitado falar, sem mais, no risco da «nacionalização» ou da «socialização» do cadáver.

É inegável que o cadáver não é uma coisa, como asseverava, por exemplo, Dias Ferreira (Código Civil Português Anotado, I, 2' ed., 1984, p. 6); partindo da divisão rígida c conceptual izante entre pessoas c coisas, concluía dc que o cadáver, não sendo já uma pessoa, teria de ser uma coisa. E mesmo nesta perspectiva, nem haveria um direito real sobre o cadáver, susceptível dc transmissão sucessória: o cadáver sempre seria uma coisa fora do comércio.

A dignidade humana postula que o destino norma) do cadáver, no qual se projecta a essência da pessoa viva, seja, «o de ser dado à paz da sepultura», na frase dc Dc Cupis. Mas esse destino não sc desfigura quando contribua para promover a solidariedade, «n benefício ÚQS VIVOS.

Como já assinalava Cunha Gonçalves (Tratado de

Direito Civil, 1,1929, p. 304), sc pela morte a personalidade

jurídica fica extinta, o cadáver, como remancsccncia ou invólucro dessa personalidade, é ainda objecto de respeito. Gomes da Silva foi mais além:

Sobre [o cadáver] projccia-se [...] a dignidade da pessoa dc quem fez pane e, por isso mesmo, logo por exigência da moral e do direito natural, ele deve ser respeitado e venerado, em homenagem a essa mesma dignidade. [Isto porque] só pode ser tomado pelo direito como acessório ou extensão das pessoas. [Em Esboço de Uma Concepção Personalista do Direito, 1965, p. 185.]

12.2 — Precisamente por assim ser, um acto dc disposição cm vida do cadáver não fere a dignidade da pessoa. É um acto que radica no respeito da pessoa pelos outros, que sobreleva o poder autónomo que pudesse ser reconhecido aos familiares, designadamente para prestar qualquer autorização; esta apenas poderia ser entendida como, no caso dc não ser conhecida a vontade do falecido, uma transmissão ou uma «interpretação» dessa vontade, tácita ou explicitada.

13.1 —Só que a intervenção dos familiares pode não contribuir para o conhecimento da vontade do falecido. A tendência natural será a dc que a vontade declarada seja a sua própria vontade, expressa em momento dc natural perturbação emocional, que resvalará no ímpeto dc assegurar, à outrance, a incolumidade do cadáver.

Ou cniâo, poderá ser uma vontade gerada pela mira dc

lucratividade — o que por completo desfigura o sistema.

13.2 — Não existindo uma declaração positiva do falecido, emitida em vida, no sentido da vontade dc dar, ou uma declaração negativa, no sentido dc não dar, não colide com qualquer regra dc ética que sc estabeleça a presunção (probabilis conjectura) da vontade dc dar.

13.3 — O que se afigura é dc distinguir bem claramente entre as extracções para fins terapêuticos — e as extracções para fins científicos.

As primeiras são feitas ad vitam ou ad viialitaiem, c nelas sc poderá fazer uma subdistinçâo entre as que têm fins curativos apenas mediatos, para aprovisionamento dc bancos de órgãos (e aí o carácter ad vitam ou ad vtialiioiem esbater-sc-á a um ponto significativo), e as que são determinadas por fins curativos imediatos. A estas é que poderá aproveitar a ideia dc um genuíno «estado dc necessidade».

14.1 — É a Lei espanhola n.9 30/1979 paradigmática da orientação que valeu para o diploma português de 1976 (artigo 5.9).

Dispõe, com efeito, o n.9 2 do artigo 5.9 daquela Lei n.9 30/1979:

A extracção dc órgãos ou outras peças anatómicas dc falecidos poderá realizar-se com fins terapêuticos, ou cicnüTtcos, no caso dc estes não terem feito constar expressamente a sua oposição.

E acrescenta o n.e 3 desse mesmo anigo 5.9:

As pessoas presumivelmente sãs que falecerem cm acidente ou como consequência ulterior deste considerar-se-ão, mesmo assim, como dadores, sc nüo

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constar oposição expressa do falecido. Para tal, deve constar a autorização do juiz a quem caiba o conhecimento do processo, o qual a deverá conceder naqueles casos cm que a obtenção dos órgãos não dificulte a instrução do inquérito por estarem devidamente justificadas as causas da morte.

Corresponderá, de certo modo, o n.° 3 da lei espanhola ao artigo 4.8 da lei portuguesa.

14.2 — Tem a solução espanhola sido objecto de reparo quanto à extracção de órgãos para fins científicos — por demasiado simplificadora (assim, António Gordilho Carias, Trasplantes de ôrganos: «Pielas» Familiar y Solidaridad Humana, 7987, p. 77).

Essa crítica não colhe quanto à lei portuguesa, uma vez que respeita apenas à colheita para fins terapêuticos.

No que a lei portuguesa (o artigo 5.9) falhará é na total ausência dc regulamentação quanto aos meios de o dador, cm vida, manifestar a sua oposição com eficácia post mortem.

A Lei n.9 30/1979, ao invés, foi complementada pelo Decreto n.9 426/1980, de 22 de Fevereiro, que prevê a existência cm todos os centros hospitalares autorizados a fazer a extracção dc órgãos em cadáveres de um livro-registo de declarações dc vontade, quer positivas, quer negativas (artigo 8.9).

Em termos práticos, o regime espanhol funciona assim: não sc exige declaração expressa da vontade de efectuar a dação post mortem, ou o consentimento formal à futura extracção. Considera-se que este existirá sc não existir oposição expressa. Como refere Gordilho Carias, haverá então uma ficção (Juridicamente relevante) dc consentimento.

A solução, ao que sublinha o mesmo autor, tem cm vista facilitar os transplantes — na mesma linha da adoptada na Dinamarca, França, Grécia, Itália, Noruega, Suécia, etc. (ob. cit., p. 82).

14.3 — A lei espanhola pretendeu prescindir por completo da intervenção dos familiares do falecido.

O certo é que, como ainda informa Carias Gordillo (ob. cit., p. 84), «os médicos, não obstante, temem a reacção desses familiares perante o facto consumado dc uma extracção que não autorizaram».

E isto, em certa medida, porque, sem derrogar o sistema da íci que regulamenta (como é óbvio), o artigo 9.9 do Decreto n.9 426/1980 prevê que, «se as circunstâncias não o impedirem, [o médico] informará os familiares presentes no Centro sanitário sobre a necessidade, natureza e circunstâncias da extracção, bem como da consequente recomposição [do corpo], conservação c práticas de sanidade mortuária».

Trata-se dc um critério ambíguo cm termos dc realidade, porque permite de facto a intervenção decisória dos familiares, «os quais poderão manifestar a sua própria vontade fingindo uma oposição do falecido praticamente invcrificável» (Carias Gordillo, p. 87).

14.4 — Estamos em crer que o sistema do artigo 5.9 do Decrcto-Lei n.9 553/76, que confina a utilização do cadáver a fins meramente terapêuticos, apenas claudica enquanto não viabiliza que, em vida, o dador se oponha à utilização do seu corpo, depois da morte, para extracção dc órgãos ou tecidos.

A intervenção dos familiares quer no uso dc um direito próprio, quer como transmitentes da vontade do falecido, dará sempre lugar a dúvidas, imprecisões e riscos — sobretudo para os médicos, que se poderão ver confrontados

com a imputação da omissão dc um dever de diligência só aferível em lermos dc razoabilidade, e não de objectiva segurança.

15 — Não deve ser, no entanto, esquecido que a intervenção dos familiares como transmilenies da vontade expressa ou tácita do falecido não deixa de ler qualificados defensores.

Fala-sc mesmo no seu direito dc defesa c custódia do cadáver (Totensorgerecht), cm ordem a evitar qualquer agressão indevida e a exigir a sua incolumidade e respeito.

Nessa perspectiva, os familiares não poderiam dispor do cadáver, nem exercer cm relação a ele qualquer direito próprio: meros Treuhander, apenas lhes seria facultado opor-se a que ao cadáver fosse dado outro qualquer destino que não o da sepultura.

15.1 —E, como é sabido, cm alguns sistemas jurídicos (assim cm Inglaterra), os familiares podem mesmo usar dc um direito próprio, opondo-se à utilização do cadáver, mesmo que o falecido, em vida, a tenha conscnüdo.

Não deixa também dc se observar que na Dinamarca sc opera, neste momenio, uma inflexão ao regime vigente.

Em Outubro dc 1987 o Governo submeteu ao Parlamento um projecto de lei sobre transplantes, que prevê que a autorização da família seja uma condição para que eles se efectivem, sc o falecido não tiver dado o seu consentimento em vida (cf. Bulletin d'information sur les activités juridiques — publicação do Conselho da Europa, n.9 29, Fevereiro de 1989, p. 56).

V

A prestação do consentimento em vida

16.1 — Bem apuradas as coisas não creio que a solução dc fazer impender sobre os médicos um intensificado dever dc diligência, no sentido de rcconsútuir — designadamente através dc contactos com familiares ou amigos íntimos do falecido — a vontade do falecido, resultasse producente.

Como já referi, e como é óbvio, a omissão desse dever dc diligência seria alvo previsivelmente fácil dc possíveis responsabilizações, distorcendo por completo a limpidez dos objectivos do legislador.

16.2 — Não será dc arredar a criação dc um registo central de dados respeitante a colheitas, enxertos e transplantações, até porque, centralizando os dados a nível nacional, propiciará um fácil acesso. Ponto é que ele exista — o que cm Portugal não se tem como fácil, pelo menos em prazo avistável.

Solução alternativa será a dc inscrever no bilhete de identidade a opção feita pelo potencial dador, em vida.

Propenderei, no entanto, com todas as reservas que cia possa suscitar (e que suscitou, efectivamente, nas declarações dc voto do aludido acórdão do Tribunal Constitucional), para a criação de um cartão sanitário, padronizado, «onde, para além de outras menções (como por exemplo, a do grupo sanguíneo), se [incluiria] a opção sobre a colheita post mortem» (assim meu despacho n.° 60/86, dc 9 dc Junho de 1986, como Ministro da Justiça).

Rcdarguir-sc-á que será um sistema falível, já que, designadamente em caso de acidente, o cartão sanitário tendencialmente será destruído ou extraviado.

Só que o óptimo é inimigo do bom c, por certo, necessariamente inimigo do possível.

17 — A ideia de que os médicos deverão diligenciar pelo apuramento ou reconstituição, através dc contactos com os familiares do falecido, da vontade deste, induzirá

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nos já justificados riscos dc insegurança para os médicos. E dificilmente propiciará uma correcta indagação. É conhecida a veemência, quase que tabelar, com que os familiares, em transe emocional se opõem à autópsia, investindo todos os esforços para que cia seja dispensada.

Como figurar que, com objectividade, viessem a transmitir a vontade (expressa) do falecido ou a reconstituir a sua vontade tácita?

VI

A certificação da morte

18.1 — Preceitua o artigo 3.° do Dccreto-Lei n.8 553/76:

1 — A colheita pode fazer-se imediatamente após a morte, a qual terá se ser certificada por dois médicos, não pertencentes à equipa que a ela proceda, devendo, pelo menos, um deles ter mais de cinco anos de exercício profissional.

2 — Sem prejuízo do disposto no número anterior, o cirurgião e a respectiva equipa médica que procederam à colheita dos tecidos ou órgãos devem, igualmente, certificar a ocorrência do óbito.

18.2 — Não se estabelece qualquer critério para o preenchimento do conceito de «morte», nem quaisquer regras de semiologia médico-legal a adoptar.

Entretanto, o diploma de 1976, revogou expressamente a Portaria n.8 156/71, de 24 de Março, que, no âmbito da vigência do Dccreto-Lei n.8 45 683, regulava tal matéria.

Daí o ter sido solicitado parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (n.8 74/85, no Diário da República, 2.» série, n.° 272, de 26 de Novembro de 1985).

18.3 — Não está hoje cm dúvida que o critério da «morte» é o da morte cerebral (por exemplo, Gerber, «Brain death, murder and lhe law», em Medicai Journal of Australia, n.8 140/9. p. 536).

«Constitui hoje um dado adquirido que a inequívoca verificação da paragem-irreversível da função do tronco cerebral basta para demonstrar o facto — morte da pessoa» (despacho n.8 60/86, dc 9 de Junho de 1986, do Ministro da Justiça).

Já a referida Resolução n.8 (78) 29 do Conselho da Europa apontava para que, se a morte (cerebral) tivesse ocorrido, «a extracção poderia ser efectuada, mesmo que as funções de certos órgãos, que não o cérebro, estivessem artificialmente mantidas» (n.° 1 do artigo 11.°).

Caberá à Ordem dos Médicos fixar o conjunto de regras dc semiologia médico-legal a observar. Trata-se, com efeito, fundamentalmente, de um problema de deontologia médica, a analisar à luz da evolução da ciência. De qualquer modo, tais regras deverão ser como que «oficializadas» por portaria, para que resultem vinculantes.

19 — Supõe-se que ao sistema vazado no artigo 3.8 do Dccrcto-Lci n.8 553/76 não haverá que fazer substancial reparo. Dá-se mesmo a circunstância de ele ser mais rigoroso que o previsto no n.° 3 do artigo 12.8 da Resolução n.8 (78) 29.

Quando muito, poderá figurar-se que da equipa que verifica o óbito faça parte um neurocirurgião ou um neurologista. Não é de esquecer, na verdade, que o diagnóstico da morte cerebral é um processo clínico extremamente complexo.

VII

Onde se poderá efectuar a extracção ou colheita de órgãos ou tecidos para transplantações ou enxertos?

20.1 — Dispõe o artigo 2.8 do Decreto-Lci n.a 553/76 que a colheita sc deve efectuar cm «estabelecimentos hospitalares».

Tais estabelecimentos hospitalares poderão, pois, ser públicos ou privados, nada se dizendo sobre sc deverão estar ou não especificamente autorizados para o efeito, como se preceituava no artigo 3.8 do Dccreto-Lei n.8 45 683.

Tudo aponta para que tal deverá acontecer uma excessiva liberalização envolveria o risco de permissividade. Não se ignora que a essa liberalização se apegam alguns médicos dc inquestionável reputação e idoneidade.

Só que o controlo, neste caso, nem será burocraüzantc, já que a autorização constará dc um diploma normativo simplificado e expeditamente susceptível dc ser publicado.

Aliás, a Resolução n.s (78) 29 — à qual não pode ser imputado o «pecado» de um intervencionismo demasiado pesado — exige que, quer as extracções, quer os enxertos c transplantações, se processem, respectivamente, «em locais e condições apropriados» (n.8 1 do artigo 12.8) e «cm estabelecimentos públicos ou privados que possuam equipamentos e pessoal apropriado» (n.8 2 desse artigo 32.").

20.2 — Problemática diversa terá a ver com a colheita dc homoenxertos cm cadáveres (com o coração a não bater), não contemplada no actual diploma.

Ora é hoje prática corrente a colheita de produtos cm cadáveres em depósito nos laboratórios de anatomopato-logia, ou nos institutos de medicina legal.

Recordo, por exemplo, que cm 1985, ao que creio ainda no 9.8 Governo Constitucional, foi posta ao Ministro da Justiça essa questão, no sentido da criação dc um banco dc homoenxertos límpano-ossiculares na Faculdade dc Medicina de Coimbra — HUC.

É que sc dava o caso de, estando formalmente conua--indicada a colheita cm indivíduos que houvessem falecido por doenças infecto-contagíosas, cancro, etc., ser naqueles cuja morte tivesse resultado de causa violenta (cm que o traumatismo não afectasse o osso temporal) que deveria ser efectuada a exeresc do osso temporal e consequente colheita do homoenxerto tímpano-ossicutar.

Só que como a morte teria sido violenta (normalmente em consequência de acidentes), os cadáveres teriam dado entrada nos institutos dc medicina legal, para autópsia mó-dico-lcgal.

Mas tais institutos nao são estabelecimentos hospitalares, não se enquadrando, pois, na previsão do artigo 2? do Dccreto-Lei n.8 553/76.

Sugeriu-se então a hipótese dc, em portaria conjunta dos Ministérios da Justiça e da Saúde, se equipararem os institutos dc medicina legal, para o efeito, a cstabcAtcÁ-mentos hospitalares.

Colidia, no entanto, tal solução com a expressa injunção daquele artigo 2.° Foi ainda aduzido que ela implicaria também a atribuição de novas competências aos institutos dc medicina legal, não legalmente previstas.

Outra razão acrescia, porém: é que estava então cm estudo a reformulação dos institutos dc medicina legal, sendo hipotisado que as autópsias clínicas, pelo menos quando não houvesse suspeita dc que a morte tivesse resultado de acção criminosa, se realizassem cm estabelecimentos hospitalares públicos, até para se evitar a saturação da capa-

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cidade dc resposta dos serviços de tanatologia dos institutos. Claro está que as autópsias, assim realizadas nos hospitais, seriam efectuadas por peritos médico-legáis: a interligação entre os serviços médico-legáis e os estabelecimentos hospitalares está a ser, de resto, adoptada nas grandes cidades inglesas, norte-americanas, canadianas e de outros países.

Outra ideia foi então encarada no âmbito da reforma dos serviços médico-legais: a da criação de gabinetes médico-legais a funcionar em permanência nos grandes

hospitais públicos. Traiava-sc dc aproximar os serviços médico-legais (descentralizando-os) dos hospitais.

A questão ficou, todavia, em aberto e só depois de resolvida, no plano da reformulação do sistema médico--legal, poderá ter incidência na matéria agora especificamente cm análise.

VIII

A gratuitidade das dações

21.1 — Princípio que se pode considerar dominante é o da gratuitidade — quer no caso de colheitas em vida, quer post mortem.

Quanto a estas últimas nada dispõe o Decrcto-Lei n.o 553/76.

Mais detalhado, o Decreto-Lci n.8 45 683 regulava a questáo (artigo 8.8):

É ilícito e nulo o acto pelo qual alguém receba ou pretenda adquirir para si ou para outrem direito a receber alguma remuneração pelo facto de autorizar ou de não se opor a que se façam colheitas de órgãos ou tecidos no cadáver próprio ou no de outra pessoa.

Era válida, no entanto, «a disposição pela qual o falecido tenha imposto ao serviço que, por ele autorizado, determine a colheita dc tecidos ou órgãos do seu corpo, o encargo de custear o seu funeral, até ao limite que for fixado em despacho ministerial» (§ único desse artigo 8.8).

21.2 —Na Resolução n.fl (78) 29 o critério da gratuitidade (no caso de extracção dc órgãos ou tecidos em pessoas vivas) é expressamente acolhido (artigo 9.a). Ressalva, porém, o preceito ser admitido o reembolso das perdas de capacidade de ganho c os encargos dimanados da extracção e, dos exames prévios. E acrescenta:

O dador ou o dador potencial, para além do direito a indemnização por eventual responsabilidade médica, deve receber uma indemnização na hipótese de dano consequente a uma extracção ou aos exames prévios, por via do sistema dc segurança social ou de outro sistema de seguro.

Será, pois, de excluir o propósito de lucro. A Lei italiana n.° 644, dc 2 de Dezembro de 1975 (na linha da anterior Lei n.9 458, de 26 de Junho de 1967), exclui mesmo, categoricamente, qualquer forma dc compensação económica (artigos 19.s e 20.°).

Uma solução intermédia, próxima da acolhida na resolução do Conselho da Europa, será, ao que se crê, a mais certa.

«Não é de afastar por princípio qualquer compensação económica. É certo que podem surgir graves abusos se for exigível uma retribuição; mas seria exagerado considerar ilícita [...] qualquer retribuição [...]» (Javier Hcrvada, «Los trasplantes de órganos y cl derecho a disponer del propio cuerpo», em Persona y Derecho. Revista de Fundamenta-ción de las Instituciones Jurídicas, n, 1975, p. 251).

Quer isto dizer que é de repudiar por completo a comercialidade, o relevo patrimonial do próprio órgão ou tecido.

A intencionalidade da dação deve ser a do altruísmo ou da solidariedade humana.

Só que não se pode levar esta regra a um ponto excessivo.

Estabelece a Lei espanhola n.° 30/1979 (artigo 2.9):

Não se poderá receber qualquer compensação pela dação de órgãos. Arbitrar-sc-ão (no entanto) os meios para que a realização destes actos não seja em caso algum gravosa para o dador vivo nem para a família do falecido. Em nenhum caso existirá qualquer compensação económica para o dador, nem se exigirá ao beneficiário qualquer preço pelo órgão transplantado.

E a regulamentação da lei (Decreto n.° 426/1980, dc 22 dc Fevereiro) reitera c explicita no artigo 5.9:

Não se poderá receber qualquer compensação pela dação de órgãos nem existirá qualquer compensação para o dador, nem sc exigirá ao beneficiário qualquer preço pelo órgão transplantado. Não obstante, deverá garantir-se ao dador vivo a assistência necessária para o seu restabelecimento, assim como para cobrir qualquer despesa efectuada por ocasião da dação ou intervenção.

22 — Dc salientar será, no entanto, que para alguns autores, sobretudo cm França, haverá que disünguir entre a dação de órgãos regeneráveis e não regeneráveis.

Quanto a estes o dogma da não retribuição é absoluto, porque contrário à ordem pública. Apenas o altruísmo poderá justificar uma tão grave agressão ao corpo humano.

No que respeita aos órgãos regeneráveis, sc a gratuitidade continua a ser o pressuposto de base, não é dc excluir, nalguns casos, uma compensação económica — sobretudo quando se trata da dação de órgãos ou tecidos para fins terapêuticos não imediatos (armazenamento cm «bancos») ou para fins científicos (experimentação ou investigação). Não sc tratará, no entanto, dc um preço, mas dc uma indemnização, como advertiu o Comité Nacional dc Ética em Outubro dc 1984.

IX

Conclusões

1 — Quer no ponto de vista de técnica legislativa, quer no da comprecnsibilidade das soluções que apresenta, carece o Decrcto-Lei n.9 553/76 de ser revisto e completado.

2 — Pelo que se deixou sumariamente exposto, n2o contém o regime da colheita dc órgãos c tecidos cm pessoas vivas, para transplantações ou enxertos.

3 — Não estabelece, quer para este caso, quer para o da colheita em cadáveres, o princípio da gratuitidade, embora mitigado com as compensações económicas que acessoriamente podem ser atribuídas ao dador, designadamente pelos prejuízos sofridos ou encargos suportados.

4 — Ainda no que respeita à colheita em dadores vivos, não faz, como é óbvio, uma opção sobre se ela deverá apenas ter como protagonistas maiores ou sc, também, menores (ou outros incapazes no ponto de vista jurídico).

5 — Não toma posição sobre o critério da morte c sobre as regras de semiologia médico-legais aplicáveis.

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II SÉRIE-C — NÚMERO 31

6 — É omisso quanto ao problema nuclear da prestação, em vida, do consentimento ou da oposição do dador para a colheita post monem e não estabelece meios, do-

tados de praticabilidade mínima, para o conhecimento da

eventual oposição.

7 — Se a «filosofia» subjacente ao diploma (viabilização das colheitas em cadáveres) é a preconizável, e não coli-dente com os princípios ético-jurídicos invocáveis, a sua tcxtualização não é clara, comportando essenciais dúvidas dc interpretação e de aplicação.

8 — Por assim ser, e pelo mais que neste parecer se ponderou, o Provedor de Justiça, no uso da competência consignada na alínea b) do n.8 1 do artigo 18.8 da Lei n.8 81/77, dc 22 dc Novembro, assinalando as aduzidas deficiências legislativas, recomenda a reformulação do Dccreto-Lci n.9 553/76, dc 13 dc Julho.

9 — É essa reformulação da competência (relativa) da Assembleia da República, por estarem em causa matérias que têm a ver com direitos, liberdades e garantias [alínea b) do n.8 1 do artigo 168.9 da Constituição] e, complementarmente, com a definição de crimes e penas [alínea c) do mesmo n.8 1).

Lisboa, 23 dc Outubro de 1990.

Sobre o Código do IRS

1 — Formulei, oportunamente, recomendação ao Sr. Ministro das Finanças, a coberto do ofício n.° 4294, dc 28 de Março dc 1990, no sentido de ser alterada a alínea c) do n.9 3 do artigo 2.9 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) por forma a não ficarem abrangidos pelo conceito de rendimentos de trabalho dependente os subsídios de estudo.

2 — Tal recomendação não veio a merecer acolhimento do Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que, cm despacho de 14 de Maio dc 1990, concordou com os seguintes argumentos suscitados pela Direcção-Gcral das Contribuições c Impostos (S. A. I. R.):

a) A nüo sujeição a IRS dos subsídios dc estudo atribuídos quer ao trabalhador, quer aos seus dependentes, no âmbito da relação jurídico-laboral, abriria a porta à evasão fiscal, tanto no domínio dos impostos sobre o rendimento como no da parafiscal idade;

b) O legislador contemplou a tribulação dos benefícios ou regalias sociais, desde que indirectamente tenham a ver com a relação dc trabalho, excluindo, punindo casos dc injustiça social, a sujeição dos subsídios aos quais se refere o Dccrelo--Lci n.9 197/77, de 17 dc Maio (abono dc família, subsídio de casamento, subsídio dc nascimento, subsídio dc aleitação, subsídio dc funeral e subsídio mensal vitalício), bem como o subsídio dc refeição até ao montante abonado aos funcionários públicos;

c) Haverá, pois, a intenção de excluir da sujeição a impostos os subsídios e prestações de carácter geral, mas não os que dependem dc regime específico, designadamente através dc instrumentos dc regulamentação colectiva;

d) A não tributação dos subsídios dc estudo esvaziaria dc sentido de justiça social o abatimento consagrado ao artigo 55.8 do CIRS a título de despesas dc educação do sujeito passivo e seus dependentes.

3 — Cabe atentar, porém, cm que o subsídio dc estudo, embora conotado com a prestação dc trabalho, apenas pode ser concedido ao trabalhador que reúna certos pressupôs-tos — designadamente o dc ter filhos ou dependentes cm

situação escolar e limite etário justificativo" da COflceSSãO do abono pela entidade empregadora. Trata-se dc um benefício, em favor dc tcrcciro(s), concedido ao trabalhador pelo rcspecüvo dador dc trabalho. Só por ficção jurídica pode ser considerado rendimento de trabalho. É, antes de mais, uma prestação de inegável carácter social que é concedida ao trabalhador pela entidade patronal.

4 — E trata-se dc prestação cuja natureza nüo se afasta dos abonos previstos pelo Dccreto-Lci n.9 197/77, dc 17 dc Maio. Aliás, o apelo a este diploma não sc mostra decisivo, vislo que a opção pela não inserção dos abonos em causa (de família, de casamento, dc nascimento, dc aleitação, de funeral e mensal vitalício), que nüo diferem, pela sua natureza de prestações de cariz social, do subsídio dc esludos, parecia dever valer também para este. Trata-sc apenas dc critério selectivo, efectuado com base num diploma que visou regulamentar, de forma integrada, a matéria dc abono de família e prestações complementares. Critério ao qual não foi alheia a condicionante natureza económica, como sc pode ler, aliás, na parte preambular do Dccrcto-Lei n.9 197/77.

5 — Rcparc-se que a lei não fornece conceitos de abono dc família, limitando-se a dizer que a compensação dc encargos familiares é realizada medíanle a concessão de abonos dc família c de prestações complcmcnlares (artigo l.9 do Decreto-Lei n.9 197/77). Assim sendo, o subsídio dc estudos configura-se como parcela integradora do abono dc família c, como tal, susceptível de merecer tratamento idêntico ao dispensado aos demais subsídios inseridos no conceito amplo de abono dc família.

6 — Por outro lado, quando o artigo 55.8, n.8 1, alínea c), do CIRS sc refere a despesas com educação do sujeito passivo c dependentes, está a reportar-se a dispêndios efectuados pelo trabalhador, ou seja, da iniciativa deste.

Não a subvenções ou subsídios da enüdadc patronal para custear despesas com o estudo dos descendentes. Se, portanto, o trabalhador recebeu um certo montante dc subsídio dc estudos, o abaümcnto eventual apenas poderia efectuarse na parcela que ultrapassasse o valor do subsídio. Do mesmo modo, aliás, que as importâncias pagas c não reembolsadas respeitantes a despesas de saúde [alínea a) do n.9 1 do artigo 55.9 do cilado Código].

7 — Nestes termos, e por sc revelarem improcedentes as razões alinhadas contra a recomendação dc 28 dc Março dc 1990, afigura-sc-mc dc sugerir a SS. Ex.as o Presidente da Assembleia da República, o Primeiro-Ministro c o Ministro das Finanças que sejam accionados os mecanismos tendentes a efectivar a alteração legislativa oportunamente recomendada.

Lisboa, 27 de Novembro dc 1990.

Processo n.9 807/89.

Sobre assistência marítima e defesa contra a poluição

I

Assistência marítima e detesa contra a poluição

1 — Foi aprovada cm Londres, cm 28 dc Abril dc 1989, a Convenção Internacional sobre Assistência, dcSÍMuQã a

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substituir a Convenção Internacional de Bruxelas de 23 de Setembro de 1910 sobre Assistência e Salvação Marítima.

A sua mais decisiva inovação consiste no específico regime que nela se prevê no caso de a assistência ser prestada com o fim de prevenir ou limitar os danos que possam ser causados ao ambiente.

Nos termos da alínea d) do seu artigo l.°, «dano [causado] ao ambiente significa um prejuízo importante para a saúde do homem, para a fauna ou a flora marinhas, ou para os recursos do mar nas águas costeiras ou interiores ou nas zonas adjacentes, resultante de poluição, contaminação, incêndio, explosão ou de graves eventos análogos».

Trata-se, pois, de mais um mecanismo de combate à poluição e de preservação do equilíbrio ecológico do meio marinho.

Tem, assim, este novo instrumento de direito internacional convencional a ver, de modo muito significativo, com o direito fundamental consagrado no artigo 66.9 da Constituição, e daí o justificar-se a intervenção do Provedor de Justiça, como promotor activo da efectiva aplicação dos direitos fundamentais, em todas as suas expressões.

2 — Remonta a preparação da Convenção a 1979, quando a Comissão Jurídica da IMO, perante as graves sequelas da catástrofe do Amoco Cadiz, decidiu solicitar a cooperação do Comité Maritime International para a apoiar nos trabalhos de revisão, com esse escopo, da velha Convenção de 1910.

3 — A ideia inovadora da Convenção é a de assegurar ao assistente (ou seja ao que presta actos de socorro no mar) uma indemnização especial, que ultrapassa o âmbito do esquema tradicional da Convenção de 1910. Isto na hipótese de danos que possam repercutir no ambiente.

II

O sistema tradicional

4.1 — Assenta o sistema da Convenção de 1910 na regra consignada no artigo 2.°:

Todo e qualquer acto de assistência ou de salvação que houver tido um resultado útil dará lugar a uma remuneração equitativa. Nenhuma remuneração será devida no caso de o socorro não ter dado resultado útil. Em nenhum caso será devida quantia excedente ao valor das coisas salvas.

4.2 — Quer isto dizer que, se o contrário não estiver contratualmente estabelecido, o assistente não lerá direito a qualquer remuneração se da sua actividade não advier exilo: é a regra que no direito anglo-saxónico se sintetiza na fórmula no cure, no pay.

5 — Na hipótese de o acto de assistência não dar causa a um resultado útil, lerá o assistente direito ao reembolso das despesas efectuadas, mas não a título de assistência.

Advinha deste critério a falta de interesse dos assistentes em prestar socorro em caso de risco de poluição. Pago pelo armador, o assistente concentrava todos os seus esforços na salvação do navio, mesmo que com isso agravasse aquele risco. Foi exactamente por isso que, no rescaldo das grandes marés negras dos anos 70, foi o critério modificado: os P & I Clubs («seguradores» da responsabilidade do navio) passaram a estabelecer uma cobertura especial ao assistente que, tendo tentado evitar a poluição, nao houvesse conseguido salvar o navio. Passou o assistente, quando esse novo critério seja aplicável, a ter direito ao reembolso das despesas, acrescido de 15 %. É o

sistema designado por «safety net». Ou, na expressão de Martine Rcmond-Gouilloud (Droit maritime, 1988, p. 206), a fórmula no cure, no pay convolou-se para uma outra: no cure, Utile pay.

6 — Em qualquer das hipóteses, para que haja assistência necessário é que ocorra uma situação de perigo para o

navio ou para a sua carga. E uma situação de perigo dc

consistente gravidade, um perigo simplesmente anormal decorrente dos riscos dc navegação no mar não é suficiente (Nicolas Rcutcr, La notion d'assistance en mer, 1975, p. 178). E não bastará um perigo hipotético: importa que haja um perigo real, embora não iminente (Rodicrc, «Traité générale de droit mariline», Événements de mer, 1972, p. 184). ,

7 — E a assistência uma relação entre navios ou entre um navio c um engenho flutuante assimilável, e não um acto de socorro prestado por pessoas fora dele, ou dc terra (Rodicrc, ob. cit., p. 179). E o que, de resto, dimana da Convenção de 1910 (artigos 5.e c 15.9).

III

A Convenção de 1969

8 — Parece que, face aos termos da alínea d) do artigo l.9, a assistência deixou dc ter dc ser prestada por um navio.

Mas, como se referiu, a sua grande novidade, estará no artigo 14.9 e no artigo 22.9

9 — É que, pelo artigo 14.9, a assistência que seja prestada a um navio que, por si ou pela sua carga, ameace causar danos ao ambiente terá sempre direito a uma indemnização, a pagar pelo proprietário do navio, mesmo que da sua actuação não advenha um resultado útil, c mesmo que nada haja sido estipulado a esse respeito; será uma indemnização especial. Essa indemnização especial pode ser aumentada se o assistente tiver conseguido prevenir ou limitar os danos que advenham para o ambiente (Claude Douay, «Le régime juridique dc l'assistance en mer selon la Convention dc Londres...», em Le droit maritime français, 493, Abril dc 1990, pp. 211 c segs.).

10 — Por seu turno, o artigo 22.9 da Convenção dc 1989 prevê que o tribunal competente pode, numa decisão provisória, ordenar que o assistente receba uma indemnização equitativa c justa por conta da que lhe vier a ser atribuída.

Corresponderá essa indemnização à prevista no artigo 565." do Código Civil, em conjugação com o artigo 661.°, n.9 2, do Código dc Processo Civil?

É com alguma dificuldade que se perspectiva a adequação desta lei interna àquela regra internacional.

IV

A revisão do direito marítimo português

11 — Resulta evidente que Portugal terá o mais urgente interesse em aderir ou em ratificar a nova Convenção, o que já poderia ter feito desde 30 dc Junho dc 1990 (artigo 28.9).

E, no entanto, claro que ela, uma vez recebida na nossa ordem jurídica, continuará a constituir direito internacional (por exemplo, Paul Rcuter, Droit international public, 5.« ed., 1976, p. 58).

Afigura-se, pois, da maior conveniência adequar a lei portuguesa ao sistema da Convenção, pelo menos nas suas linhas determinantes.

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Ora o centenário Código Comercial continua a distinguir entre salvação e assistência e a exigir que qualquer delas

seja prestada por um navio («MVÍ0 Salvador OU aSSÍS" icnic» — artigos 688.° c 690.").

Isto para alem de outras patentes dissonâncias, que já existiam, dc resto, em relação à Convenção dc 1910.

Urge, pois, ainda aqui, proceder à revisão, faseada, do nosso direito comercial marítimo, sob pena dc sermos o país do mundo que, salvo no tocante aos contratos de utilização do navio, se basta com uma legislação por completo envelhecida. Estamos ainda no tempo da Ordenança de Colbcrt dc 1681.

Conclusão

Brevitatis causa referidos estes tópicos da nova legislação internacional sobre assistência no mar, agora interligada com a prevenção e o combate à poluição marítima e ao equilíbrio ecológico do meio marinho, o Provedor dc Justiça, no uso da competência que lhe atribui a alínea b) do n.s 1 do artigo 18." da Lei n.° 81/77, dc 22 dc Novembro, c com aplicação do artigo 262." do Regimento da Assembleia da República, formula uma recomendação legislativa no sentido da:

a) Vantagem em ser ratificada a Convenção de Londres de 24 de Abril dc 1989 sobre assistência;

b) Correlativa necessidade cm ser revista a legislação portuguesa sobre assistência c salvação, contida no livro itt do Código Comercial de 1888, e, genericamente, a relativa aos demais acontecimentos dc mar.

Lisboa, 31 dc Dezembro de 1990.

Sobre bioética I

Pessoa, ética e direito

1.1 —Sc bem que no nosso sistema institucional o Provedor dc Justiça não esteja exclusivamente vinculado à tutela dos direitos fundamentais ('), o certo é que para ela deverá estar prevalente e activamente atento.

Daí a expectativa que põe no efectivo funcionamento do Conselho Nacional dc Ética para as Ciências da Vida, criado pela Lei n.9 14/90, de 9 de Junho.

1.2 — É rcconstituível o percurso de que resultou, em Portugal, a criação desse Conselho.

Pelo Despacho n.9 37/86, dc 14 de Abril de 1986, do cnlão Ministro da Justiça, foi constituída uma Comissão para o Enquadramento Legislativo das Novas Tecnologias, integrada por personalidades de justificado prestígio científico. Disse-se nesse despacho, além do mais:

A espectacular evolução das ciências médicas, biológicas e bioquímicas abriu perspectivas e interrogativas em que o legislador não poderá deixar dc atentar. Está em causa a pessoa humana, na sua identidade e na sua dignidade fundamental. O quadro normativo em que a pessoa sc realiza terá que congregar os valores essenciais que lhe são próprios e 0 que possa ser consentívcl pelas novas tecnologias. (...] terão de ser criadas estruturas jurídicas de

resposta, que definam critérios e adeqúcm soluções. Subjacentes a elas deverão, no entanto, manter-se JÍIÇÓlumcs os essenciais valores da ética e da pessoa,

sem apego a uma cega morai áè COSlumeS, foctvBsía. a qualquer inovação, mas sem que, ao invés, a técnica, por um demissionismo de intervenção normativa, resvale na afectação daqueles essenciais valores. [...] É para fazer o levantamento e a ordenação das questões que as novas tecnologias põem à consciência do homem, e a que, portanto, o direito não poderá ficar alheio, que constituo uma Comissão que, após ler inventariado as várias fontes dc problematização, proporá as reformulações ou as novas formulações a fazer na legislação existente em Portugal.

1.3 — Não se tratava, no entanto, dc uma mera comissão dc elaboração dc diplomas legais, a partir dc dados adquiridos ou de certezas irrefutáveis.

Sublinhei esta vocação nas palavras que disse no acto dc posse í2):

Não tem a Comissão a que agora dou posse a por assim dizer clássica fisionomia das comissões dc preparação legislativa; não lhe é pedida, cataloga-damente, a revisão ou a reelaboração de um Código ou dc um acervo de leis arrumadas num identificado espaço do ordenamento positivo. Dela sc espera, claro está, que venha a preparar leis; mas o que dela prevalentemente sc aguarda é que equacione problemáticas prévias, que seleccione c sugira critérios, que confronte experiências comparatísticas e, sobretudo, realidades humanas —já que é a vida da pessoa, c a definição do seu estatuto temporal, no que ela tem dc mais decisivo e significativo (a vida c a morte), que estão em causa. Será, nessa linha, uma Comissão interdisciplinarmente criativa; ajudará a regular a lei, mas, de algum modo, a inventar o direito, neste fazendo confluir as vertentes da legalidade ou da positividade e a da legitimidade que, antes daquela, a pressupõe e justifica, c dc que se não pode dissociar. Por assim ser, e para além das suas tarefas específicas, estou em crer que deverá manter-se atenta ao que em seu redor, no mundo, nas pessoas e nas técnicas se vai passando. Vocacionada estará, pois, para — com nervo e reflexão, rasgo c prudência — assumir uma função consultiva quase que de carácter permanente [...] Será uma Comissão inquieta, responsável, diversificada. Por isso mesmo nasceu naturalmente, como tendencialmente nascem as pessoas, e os grupos plurais, que deverão estar vocacionados para dar respostas certas c naturais as interrogativas que se põem a uma sociedade que necessita, para ser nova e progressiva, de pensar mais nas políticas c de preocupar-sc menos com as actividades da «política». Ocorre hoje cm Portugal um fenómeno de escapisma face a problemas que preocupam a generalidade das pessoas dos outros países. Portugal é um país distraído, preso na fascinação de problemas que, devendo ter o seu lugar, dignificada e significativamente, não poderão, por certo, monopo/izar as atenções gerais.

1.4 — Proccssou-sc o trabalho da Comissão por mais dc 14 meses, tendo, cm 28 de Julho dc 1987, a 20 d/as do termo do X Governo Constitucional, apresentado o seu relatório e ires projectos dc lei, um dos quais sobre a criação de um Conselho Nacional de Bioética.

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Pressentia-se nele, até certo ponto, a influencia do Comité Consultatif National d'Éthique, instituído cm França por decreto de 23 de Fevereiro dc 1983, e que aí ganhou uma quase geral adesão. As escassas vozes discordantes tiveram, fundamentalmente, a ver com o excessivo número de membros do Comité e com a dominância, nele, de cientistas e médicos, em detrimento dos juristas e dos re-prcscnianics das grandes correntes de opinüo. Advertiu,

neste contexto, o Prof. Jean Morange, da Faculdade dc Direito de Limoges, que o Comité tenderá a ser um órgão meramente técnico, cujos pareceres não terão mais autoridade intrínseca do que os da Academia das Ciências ou os da Ordem dos Médicos. «En refusant sans doute de courir le risque d'être supplanté par un organe ayant une trop forte autorité morale, le pouvoir politique a peut-être empêché la recherche d'un consensus acceptable par les français, et pourtant indispensable dans un domaine où, moins que dans tout autre, la bipolarisation politique ne peut déboucher sur des solutions crédibles.» (3)

Curiosamente, no pólo oposto, estará a opinião do Prof. JoCl-Bcnoit d'Onorio, director do Departamento das Ciencias Jurídicas c Sociais da Faculdade de Direito d'Aix, que, em relação a todas as comissões oficiais dc ética e, concretamente em relação ao Comité francês, nelas vê uma fórmula de imposição de uma moral laica, com o perigo de traduzir uma moral do Estado. Aliás, d'Onorio condena a substituição da ideia dc moral pelo conceito dc ética. A tradicional sinonímia entre ética c moral lerá sido desfigurada; a ética dc hoje mais não é do que a ethics dos norte-americanos, com um conteúdo mais flexível, mais ligado às ciências humanas, mais contingente, mais «acomodaticio».

Tcr-se-á dissociado, assim, a moral dos seus pressupostos religiosos. «En vertu du pluralisme social, on passe de l'interdit religieux au religieux interdit [...].» «Il a fort à craindre que l'avènement de l'éthique ne soit qu'un subterfuge pour mieux contourner la morale.» (*)

2 —E, desde logo, patente que o Prof. d'Onorio peca por um enfoque demasiado «conservador» da questão. O que qualquer comissão de ética terá cm vista é contribuir, numa perspectiva que valha para uma sociedade necessariamente plural e heterogénea, para que preservada fique, perante as mutações tecnológicas, a dignidade da pessoa. E, para tal, não pode ficar alheia a uma cena ideia da pessoa. «O homem-pessoa é o pressuposto decisivo, o valor fundamental e o fim último que preenche a inteligibilidade humana do mundo humano do nosso tempo.» (5) Só que a ideia da pessoa, estruturada a partir da sua dignidade, não depende, necessariamente, dc um certo pressuposto confessional, mas da síntese dc valores coagulados num dado pressuposto cultural, do qual, como é óbvio, não são arredáveis as influências confessionais dominantes.

Na mensagem dirigida ao Colóquio sobre «genética, procriação c direito», no início de 1985, usou François Milierrand uma frase feliz:

A história dos direitos do homem é a história da própria noção da pessoa humana, da sua dignidade, da sua inviolabilidade (6).

Por assim ser, a configuração dc uma bioética (7), com uma forte componente dc moral «da vida física» (8) não ficará alheia a uma «ética colectiva», a uma «moral dominante», numa ambivalência significativa. E não pondo dc lado que cm tudo o que tenha a ver com a pessoa há que

procurar soluções que não contradigam a «natureza das coisas», ilusório seria esquecer a dualidade apontada por José Luis Aranguren: a moral como «estrutura» c a moral como «conteúdo». Com efeito, para ele a moral está omnipresente em toda a história da civilização: tem então um valor estrutural. Mas o seu conteúdo não se mantém

intocável: remodela-se, pelo menos nalguns pontos, ao

ritmo da evolução social O.

Seja como for, a moral não coincide necessariamente com o direito. E a própria Igreja Católica quem o afirma, ao distinguir as suas posições sobre a licitude ou ilicitude moral de certas práticas ou condutas e as sugestões que faz ao legislador; isto, precisamente, cm decorrência da aceitação do pluralismo da sociedade em matéria clica. O legislador não estará inteiramente adstrito a um sistema moral, mesmo ao definido pela Igreja Católica: não prevalece o antigo postulado que a fazia tomar-se como uma «sociedade juridicamente perfeita» perante o Esiado (10). Declarava, já cm 1956, Pio XII:

A moral e o direito têm um carácter próprio que importa salvaguardar. Eles exprimem a ordem da consciência e da lei (")•

É precisamente a captação e a configuração de uma ética dominante que, naquilo que tenha a ver com a ideia da dignidade da pessoa, ganha uma certa via expansiva, esbatendo as fronteiras entre a moral e o direito, de modo que a bioética tenderá para alguma propagação a um biodireito, que sobrestará a que cada pessoa possa definir a sua própria ética, desde que posta cm relação com os outros. A «apropriação» de direitos não reconhecidos c dc condutas eticamente reprováveis segundo o sentimento dominante, como, por exemplo, a absolutização do direito a procriar, é tributária do individualismo paroxístico a que aludia Gabriel Mareei:

O ser dissolve-se então totalmente no ter (l2). II

0 Conselho Nacional de Ética e o seu papel

3 — Coube ao Partido Socialista dar expressão efectiva ao propósito, já figurado em 1987, dc criar um Conselho Nacional dc Bioética. E com o projecto dc lei n.° 420/V submeteu a decisão parlamentar, cm Junho dc 1989, a criação do Conselho Nacional dc Ética para as Ciências da Vida. Por seu turno, o Governo viria a aprovar, na reunião do Conselho de Ministros de 26 dc Outubro dc 1989, uma proposta dc lei para a criação dc um Conselho Nacional dc Bioética, visivelmente tributário do previsto cm 1987, embora com alterações textuais. Seria a proposta dc lei n.v 125/V. O parecer da Comissão dc Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o projecto dc lei foi relatado pelo deputado Mário Raposo; o parecer sobre a proposta dc lei coube ao deputado Alberto Martins.

Abriram os debates cm plenário das duas iniciativas legislativas um importante espaço de reflexão; quase não foram prcssenlívcis as naturais dissonâncias ideológicas; a intersecção das novas tecnologias e dos pressupostos éticos fundamentais deu causa como que a que um «património comum» sobre a ideia da pessoa c da sua dignidade. As dúvidas que alcançaram alguma densidade tiveram a ver com a composição do Conselho, embora não se pusesse em dúvida que, como já se imaginara cm 1987, dele

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fizessem parte personalidades indicadas pela Academia das Ciências dc Lisboa, pelo Conselho dc Reitores das Universidades Portuguesas, pelo Instituto NâCtoAâl dê IltVfifi-tigaçao Científica, pela Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, pela Ordem dos Médicos e pela Ordem dos Advogados (l3).

4— O que acontece, no entanto, é que ao Conselho compete um papel meramente consultivo, como, aliás, sucede, designadamente, com o Comité francês. Isto mesmo sc assinalou no parecer da 3.1 Comissão sobre o projecto dc lei, lembrando que Jcan Bernard, presidente do Comité francês, entendia ser uma felicidade não dispor dc qualquer poder legislativo, «mas apenas dc um poder moral». Não lendo sequer por função preparar textos legislativos, é, por certo, ouvido quando eles são elaborados, sobretudo no que respeita às grandes opções a fazer.

Quanto ao Conselho português isto mesmo resulta do artigo 2.8 da Lei n.9 14/90, dc 9 de Julho.

O que, dc resto, bem se compreenderá: a função legislativa é intransferível e só a bem contados órgãos do Es-lado (como sc passa com o Provedor de Justiça) é cometido o dircito-dever dc formular recomendações legislativas.

5 — Esta a razão da presente intervenção, cm áreas cm que surgem cm constelação, ao ritmo dos meses, novos problemas c horizontes.

Perante cies, quando e como sc deve legislar?

Se hesitações consistentes não surgirão, por certo, no que respeita a algumas dessa áreas, como a das transplantações e enxertos ou a da transexualidade, ganharão cias, sem dúvida, significativa consistência no tocante a outras, como a do prolongamento artificial da vida c, com grande complexidade e diversificação de vertentes, as implicadas pela reprodução assistida e pelas manipulações genéticas.

De todo cm todo será desaconselhável, alé porque inviável, intcniar uma codificação: está-se num terreno cm que a natureza dos problemas e a mutabilidade da resposta Icgislaüva apontará, quando for caso de legislar, para a solução de editar leis avulsas.

Ninguém duvidará que o excesso dc leis avulsas provoca o generalizado fenómeno da inflação legislativa, da poluição legal, da atomização c da desconslrução do direito. «Le droil est abandonné pour une poussière de droits (...]» ('"), refere Pascal Dicner.

Só que os problemas em causa postulam soluções sectoriais, autonomamente tcxtualizadas, se houver que legislar.

6 — Exemplo típico da necessária intervenção do legislador será o do regime das transplantações e enxertos c exemplo quase típico da sua não intervenção, pelo menos com uma .intencionalidade directa, será o do prolongamento artificial da vida.

7 — Não está o homem «vocacionado» para nascer in vitro e morrer in machina; a fórmula, que incidentalmente usei, foi como que a síntese dos trabalhos da l.! Conferencia Ministerial Europeia sobre os Direitos do Homem (15). Realmente, o prolongamento artificial da vida (/í/e sustainning procedures), em situações de coma irreversível ou vegetativa, com extinção irrecuperável da actividade cerebral, embora sem paragem da função circulatória ou respiratória, põe quase que exclusivamente o problema de fazer «desligar a máquina». Problema que, na vida real, não é ião fácil dc enfrentar como em tese poderá parecer.

A dignidade da pessoa impõe o direito a morrer dc uma morte digna; quase diria, transpondo para esta situação

antitética a frase dc Miguel Torga a propósito da pena de morte, o direito a morrer «a sua própria morte». Por

conseguinte, mesmo antes da extinção da função cerebral

será dc evitar o exacerbamento terapêutico na fase termina) da vida, em caso de doença incurável. Na Declaração sobre a Eutanásia da Congregação para a Doutrina da Fé (5 de Maio dc 1980) regista-sc que, «se uma morte esliver iminente apesar de todos os esforços desenvolvidos, a consciência permite a decisão dc renunciar aos tratamentos que prolongariam a vida dc um modo precário e penoso, sem todavia sc interromper o tratamento normalmente devido a um doente em tal situação». É a distinção entre os meios ordinários ou normais (obrigatórios) e os meios extraordinários (não obrigatórios); entre os meios proporcionados e os meios desproporcionados. Mas quais as fronteiras entre a terapêutica exacerbada ou desproporcionada c a que decorre do dever dc assistência do médico? A questão propõe fundamentalmente opções éticas ou deontológicas, mais do que problemas jurídicos, até porque a eutanásia por omissão (eutanásia passiva) não é hoje punida no Código Penal.

O Natural Death Aci do Estado da Califórnia, dc 30 de Setembro de 1976, foi o primeiro diploma legal norte--americano a reconhecer a qualquer adulto, com plena capacidade dc discernimento, o direito a fixar por escrito as directivas a seguir pelos médicos aquando da fase terminal da sua vida; ulteriormente, 37 outros Estados norte-americanos editaram diplomas do mesmo estilo. Mas, onde não existe lei a admitir estes «testamentos biológicos» ou living wills, pôr-se-á sempre a dúvida sobre a sua validade (16). A qucsião tem, dc rcsio, a ver com a problemática mais ampla do direito a não receber cuidados médicos: «il diriuo di non curarsi, di trascurarsi, di lasctíirsi morirc», na síntese dc Ferrando Mantovani (17). Caberá aos códigos deontológicos, à consciência de cada médico e, cm cenas hipóteses, aos tribunais determinar se deve ou não manter-sc, cm cada caso, o exacerbamento terapêutico (l'acharnement thérapeutique), sendo embora certo que as linhas dc delimitação entre a eutanásia activa e a eutanásia passiva nem sempre são claras (18).

O que sc tem como prudente é não fazer imervir o legislador numa área cm que as soluções serão tendencialmente casuísticas.

III

A transexualidade

8.1 — Um certo «sensacionalismo» assotiávcl ao problema não poderá aliciar a uma «recatada» abstenção dc análise. Os tribunais portugueses têm sido chamados a pronunciar-se sobre diversos casos e o desencontro das soluções encontradas, face ao complcio vazio legislativo com que se deparam, é virtualmente gerador dc situações dc desigualdade e, por certo, dc infixidez jurisdicional.

Fazem os tribunais apelo à regra do n.8 3 do artigo 10.° do Código Civil para ultrapassar a omissão legislativa. É que as situações postas não podem ser reguladas «segundo a norma aplicável aos casos análogos» (n.9 1 oesst artigo 10.8)... porque não há casos análogos. Há, pois, que lançar mão daquele n.8 3 do artigo 10.9:

Na falta dc caso análogo, a situação 6 resolvida segundo a norma que o próprio intérprete criaria, sc houvesse de legislar dentro do espírito òo s&y&toi».

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O juiz, para não denegar justiça, é, pois, compelido a substituir-se ao legislador, criando, para cada caso, a própria norma.

Traia-se, obviamente, de uma solução de último recurso. É que uma realidade será urna jurisprudencia criativa, a partir dc textos legislativos existentes, outra coisa será a forçada Substituição do legislador pelo juiz.

Com salientei em 1985, «os tribunais [...] redimensionam, à medida das pessoas, as categorias friamente lógicas e abstractas (da lei)». «Sc ao juiz não pertencerá, por certo, criar a lei, caber-lhe-á, seguramente, jusü ficar o Direito, numa intransferível vocação de 'descoberta' (Rechtsftndung) da sua decisiva intencionalidade. Resulta a identidade da norma da decisão judicial; [...] esta será o acto normativo mais imediato, enquanto mais próximo das pessoas [...]. Os rigores de uma jurisprudência 'mecânica* [...]; o aviso que, em 1846, Mourlon acautelava dc que 'un bon magistral humilie sa raison devant ccllc dc la loi* está cm definitivo arquivado. (Mas) não será de pender para o pólo oposto. A soberania normativa do juiz não deixará dc ser uma soberania 'vinculada'. Ao definir o Direito, dando causa â realização da Justiça, o juiz aplicará a lei; só que esta relação dc sujeição terá apenas o sentido de sobrestar a que o juiz se substitua ao legislador.» (19)

Ora é isto que, precisamente, acontecerá na situação actual.

8.2 — E como as soluções jurisprudenciais são diversas, sc terão dc continuar a sê-lo, difícil não será de antever que, num futuro próximo, haja lugar à emissão de um assento, já que no «domínio da mesma legislação» (que não 6 nenhuma) poderão vir a ser proferidos dois acórdãos com soluções opostas da «mesma questão fundamental dc direito». E a incongruência institucional já implícita no instituto dos assentos (que é específico do nosso sistema jurídico), num confronto comparatístico adensar-sc-á pela circunstancia dc, nesta hipótese, um órgão jurisdicional criar um preceito geral e abstracto, aplicável a todos os casos futuros, sem qualquer suporte legislativo. Sendo os assentos verdadeiras «disposições legislativas» (Barbosa dc Magalhães, Paulo Cunha, Manuel Rodrigues, Cabral de Moneada, Adelino da Palma Carlos, Castanheira Neves e, dc algum modo, Ferrer Correia, Pires dc Lima-Antuncs Varela e Oliveira Ascensão), estar-sc-á, dc uma forma imparmente caracterizada, perante o exercício da função legislativa por um poder que dela não é dotado.

O legislador não pode ficar alheio a esta incongruência.

9.1—Como é sabido, resulta a transexualidade (ou transcxualismo) da obsessão dc pertencer ao sexo oposto daquele a que a pessoa biologicamente pertence. O sexo psicológico não coincide com o sexo fisiológico e, no essencial, com o sexo anatómico, não obstante as intervenções medicamentosas e cirúrgicas realizadas.

Alcnie-se num caso específico, que culminou num acórdão do Supremo Tribunal dc Justiça.

A. demandou o Estado Português pedindo que fosse declarado icr hoje o sexo feminino, cancelando-sc a menção do sexo masculino constante do seu assento dc nascimento e ordenando-sc que se procedesse ao averbamento, nele, do seu novo sexo.

Tratava-se dc um indivíduo do sexo masculino que casara, tendo desse casamento nascido um filho. Tivera sempre, no entanto, desde a infância, um comportamento tendencialmente feminino.

Já adulto, sujeilou-se a tratamentos hormonais e a uma intervenção cirúrgica que lhe fez acentuar os caracteres sexuais secundários femininos, tendo o aspecto exterior de uma mulher. A sua profissão é a dc bailarina.

O processo foi decidido na 1.' instância (sentença dc 11 de Fevereiro de 1985 do juiz do 8." Juízo Cível, na Colectânea de Jurisprudência, 1985,1.1, p. 351) cm sentido desfavorável. A aparência morfológica imediata dc A. passou a ser a dc uma mulher, mas continua a ser portador dç um cariólipo masculino. Houve modificação dos seus órgãos sexuais, mas dela resultou que, agora, A. nflo apresenta quaisquer órgãos sexuais cxlcmos. O que conseguiu foi obter um pseudo-sexo.

9.2— Corroborando a sentença da 1.' instância entendeu a Relação dc Lisboa (Acórdão de 6 de Fevereiro dc 1986, na cit. Colectânea, 1986, t. iv, p. 123) que, «posto que com a aparência de mulher, com morfologia c perfil psicológicos mais próximos do sexo feminino, o A. nüo logrou vencer uma lei da natureza, continuando a pertencer ao sexo masculino».

E, como aliás já fizera o juiz da 1.' instância, transcreveu parte do parecer da Ordem dos Médicos, junto ao processo:

[...] a designada mudança dc sexo por processos cirúrgicos e hormonais, proposta c algumas vezes efectivada no caso de transexuais é cientificamente um erro c logicamente um contra-senso: procura-sc adaptar um corpo sexuado c uma função sexual normais a uma identificação errada c a uma identidade falsa; é, pois, uma intervenção patogênica. Quer dizer: cm vez de se tratar um psiquismo doente que não reconhece o corpo são, deforma-se este à doença psíquica [...1.

Cita o aresto da Relação, além disso, o Código Deontológico da Ordem dos Médicos dc 1985 (n.91 do artigo 54.9 e artigos 55." c 56.9).

9.3 — Decidiu no mesmo sentido o Supremo Tribunal dc Justiça (Acórdão dc 16 dc Novembro dc 1988, na Tribuna de Justiça, Abril-Maio dc 1990, p. 187), confirmando, pois, o acórdão da Relação.

Mas o certo é que seis dos juízcs-consclhciros votaram no sentido da procedência da acção, entendendo que o A. tem actualmente o sexo feminino.

Duas opiniões dissidentes são dc destacar.

Uma, do conselheiro Abel Delgado, actual Presidente daquele Supremo Tribunal.

Começando por definir a transexualidade como sendo, essencialmente, a discordância cmrc o sexo físico e o sexo psicológico, diz a propósito dos tratamentos c intervenções clínicas a que o A. se sujeitou:

[...] não se compreende que se dê importância aos resultados dos aludidos tratamentos e intervenções, porquanto é precisamente porque não foi alcançado o objectivo pretendido que o A. é um transexual; sc a discordância desaparecesse, lolalmcnie, desapareceria a transexualidade.

E lembra que alguns países já tomaram posição sobre o problema: a Itália (Lei dc 14 dc Abril dc 1982), a Suécia (Lei dc 21 de Abril dc 1972), a República Federal da Alemanha (Lei de 11 dc Agosto dc 1980) c a Holanda (Lei dc 1 dc Agosto de 1985).

Por outro lado, noutros países que ainda não produziram legislação sobre a matéria os tribunais já reconheceram a transexualidade, como a Espanha, a França, a Grécia, a Turquia c a Suíça.

No seu voto de vencido, o conselheiro Joaquim Gonçalves estabelece uma restrição; embora sendo dc opinião

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que sc deveria ter concedido ao A. o estatuto de mulher,

fícar-.hc-ía negada afaculdâdê de Cõnlfáf tül

10 — Pelo menos dois acórdãos da Relação de Lisboa

— o dc 17 de Janeiro de 1984 (cit. Colectânea, 1984, L i, p. 109) e o dc 5 de Abril de 1984 (cit. Colectânea, 1984, t. ii, p. 124) — pronunciaram-se no sentido da legitimação da intcrsexual idade.

11 — Trata-se, em tese, de um problema controverso e será mesmo um exemplo típico da necessária intervenção do Conselho Nacional dc Ética para as Ciências da Vida, prévia ou posterior a qualquer iniciativa legislativa.

Mesmo a nível do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem não existe uma unanimidade dc pontos dc vista. É o que se mostra da sua mais recente decisão — de 27 de Setembro de 1990 (caso Cossey c/ Rcino-Unido), na Revue universelle des droils de lhomme, vol. 2, n.° 10, de 31 de Outubro de 1990, p. 353.

Fora recusada pelas autoridades britânicas à requerente

— que nascera com o sexo masculino— a alteração do seu registo de nascimento, o que ela considerou ser uma violação do artigo 8.° da Convenção Europeia (respeito pela vida privada). E o seu casamento com um indivíduo do sexo masculino fora anulado, o que, na perspectiva da requerente, violara o artigo 12.9 da Convenção (direito a contrair casamento).

Decidiu o Tribunal, por 10 votos contra 8, não ocorrer violação do arugo 8.° E, por 14 votos contra 4, não ter sido transgredido o artigo 12.B

12 — São, aliás, de considerar a resolução adoptada pelo Parlamento Europeu cm 12 de Setembro de 1989 e a Recomendação n.° II17 da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa de 29 de Setembro de 1989.

Em qualquer delas é preconizado aos Estados membros que editem legislação que reconheça aos transexuais o direito a mudar dc sexo através de tratamentos endocrino-lógicos, cirurgia plástica c de tratamentos estéticos.

13 — Está, pois, em causa uma questão que não pode ser considerada tabu pelo legislador. Tudo estará, obviamente, em evitar que as motivações que determinaram as intervenções clínicas não resultem dc mero caprichismo ou dc interesses não tuteláveis (por exemplo, vantagens artísticas, desportivas, etc.).

O drama do legislador é, por vezes, o dc optar. E, para que cie seja atenuado, deverá munir-sc de todos os elementos dc análise prévia que não conduzam à violcntação da normalidade da vida ou da consciência colectiva da comunidade.

IV

Procriação assistida e manipulações genéticas

14 — Elaborou a Comissão para o Enquadramento Legislativo das Novas Tecnologias, para além do anteprojecto sobre o Conselho Nacional dc Bioética, dois outros: um sobre a utilização de técnicas dc procriação assistida e outro sobre os centros de procriação assistida.

Foi ainda publicado no X Governo Constitucional o Dccreto-Lei n.° 319/86, de 25 de Setembro, dirigido a acautelar a idoneidade das práticas de procriação assistida que já então sc desenvolviam em Portugal.

Tratou-se de um pequeno diploma, que nunca veio a ser regulamentado, como nele sc previa (artigo 2.*).

15 — Sobre os dois anteprojectos de que não decorreu Qualquer actuação légiférante, é evidente que as soluções neles propostas —sobretudo no primeiro— terão dc ser reencaradas a uma luz mais actual e através dc uma reflexão mais alargada, na qual o Conselho Nacional dc Ética terá uma determinante palavra a dizer.

É dc questionar, aliás, se o âmbito da legislação a editar deverá ser tão amplo c se, ao invés, novos flancos de problematização não poderão ser encarados.

Que em certa e prudente medida haverá que legislar não sofrerá dúvida.

São os próprios biólogos e médicos a quesuonar os juristas: «Pedimos que sejam fixadas normas [...]; pretendemos directivas precisas e um consenso da sociedade (...]; estamos a ingressar no domínio dc uma medicina muito específica [...]. Mais do que nunca carecemos [...] que sejam estabelecidos limites», escrevia, já em 1985, Rcnc Frydman (M). «Os desafios ultrapassam largamente a nossa responsabilidade e as nossas competências [...]. Necessitamos que as instituições se pronunciem o mais urgentemente possível sobre a legalidade destas actividades», insistiria meses depois Frydman, então já na companhia de Jacques Tcstard í21). Este, que fora o pioneiro em França da fecundação in vitro, anunciaria depois, cm L'oeuf transparent, que não ousava ir mais além, c que punha termo às experiências (22).

No aludido Colóquio dc 1985, sublinhara Catherine La-brussc-Riou que a lei deve intervir, embora confinando-se ao indispensável. Esta, dc resto, a posição da Igreja Católica: da intervenção do legislador não despontará uma legislação que regulamente todas as técnicas actualmente existentes bastando-sc cm assegurar a protecção do direito à vida e à dignidade da pessoa.

Realmente o que hoje é actual amanha já o não será A evolução das tecnologias é vertiginosa e um legislador que a todas intentasse abarcar cairia no campo do precário c do transitório, sc não do utópico.

De rejeitar será, no entanto, a corrente individualisai c liberalizante, que postula a supressão dc quaisquer limites e o derrubar das barreiras da sociedade «burguesa» tradicional. Nada deve ser feito: qualquer regulamentação, qualquer «juridificação», é nociva, inútil e incongruente O2).

Uma visão tão fluida c permissiva não será dc aceitar. Põe ela de lado a identidade e o valor da pessoa, que não pode ser objecto inerte das concepções e do arbítrio da cada um. E esquece que, como ajustadamente lembrou Jean Carbonnicr, a lei, só por existir, produz efeitos simbólicos, que largamente excedem a sua eficácia directa: «légiférer, c'est consacrer» (}*).

16.1 — Desde 1987 muitas coisas se passaram, aliás. Graças a um novo método dc fertilização in vitro, as mulheres podem agora ter filhos depois da menopausa; a experiência foi realizada com pleno êxito pelo Prof. Mark Sauer, da Universidade da Califórnia do Sul. A escolha do sexo do embrião é já hoje uma realidade, e pratica-se largamente nos Estados Unidos, no Japão e em França; na índia assiste-sc a um verdadeiro «holocausto» dos embriões femininos C5). Ainda recentemente em Espanha, uma mulher, Espcranza Martin Cornejo, dc 43 anos, pretendeu ver judicialmente reconhecido o direito dc, através dc técnicas dc reprodução assistida, ler uma filha. A escolha ûo foi-lhe vedada í26).

As primeiras terapias génicas são levadas a cabo nos Estados Unidos (27).

A interacção entre a biologia c a informática, ainda cm fase não muito consolidada, poderá dar lugar a seres

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artificiais, criados a partir de matérias inertes, não biológicas C28).

16.2 — Decidiu o Conselho das Comunidades Europeias, em 29 de Junho de 1990, aprovar um programa específico de investigação e de desenvolvimento tecnológico tendente à análise do genoma humano, com respeito pelo direito à identidade genéüca, que «faz parte da integridade e da dignidade da pessoa».

Propõe-se essa investigação intencionalizada à utilização e aperfeiçoamento das novas biotecnologias, o estudo do genoma humano, com vista a uma melhor compreensão dos mecanismos das funções genéticas, bem como à prevenção e tratamento de doenças humanas. Ficará excluída dos objectivos do programa a alteração das células germinais (as que dão causa às células sexuais ou gâmetas) ou de qualquer fase de desenvolvimento embrionário com o objectivo de modificar de forma hereditária as características genéticas humanas.

É um ponto assente que a análise do genoma pode contribuir para a utilização e aperfeiçoamento de novas técnicas no sentido da protecção da saúde, através do diagnóstico precoce, da prevenção, do aperfeiçoamento do prognóstico e das terapêuticas. Mas não sofre dúvida, também, que, quando canalizada para outros fins, poderá conduzir a resultados reprováveis. É que, permitindo tal análise determinar precocemente as características da pessoa e os seus defeitos hereditários, antes que eles se manifestem visivelmente, se for empregue para a elaboração de mapas genéticos individuais, estes poderão, se não forem totalmente resguardados, ser fonte dc graves discriminações sociais. Assim em matéria de emprego, dc actuação policial, de celebração de contratos de seguro, por exemplo. E os riscos de novas expressões de eugenismo e de racismos tornam-se avistáveis í29).

17 — Há situações que indubitavelmente não são tuteláveis pela moral, pela lei ou pela consciência colectiva. Aí, sim, a convocação do sistema de integração de lacunas previsto no n.9 3 do artigo 10." do Código Civil (juiz-«le-gislador») resolveria qualquer caso que por absurdo pudesse vir a surgir.

Como figurar a fusão de gâmetas (células reprodutoras) ou embriões humanos com gâmetas ou embriões de outras espécies, com a finalidade de obter um indivíduo híbrido, ou a transferência de embriões humanos para o útero de outra espécie, ou vice-versa? E o mesmo se dirá com a possibilidade, já aventada (embora de difícil praticabilidade), da implantação de embriões na parede do intestino dc homossexuais, para poderem ter um filho (a «gravidez» masculina). E como encarar a clonagem?

18 — Problemas reais — isto é, em relação aos quais se terá de fazer uma opção a relativamente curto prazo — serão aqueles que dizem respeito a técnicas já praticadas, algumas com larga margem de assentimento.

Será de continuar a admitir-se a fertilização in vitro heteróloga, que é hoje, pura e simplesmente, proibida na Suécia desde 1988 e tendê-lo-á a ser na Alemanha, como resulta dos trabalhos da Comissão Jurídica do Bundestag aquando da preparação da lei para a defesa do embrião dc 26 de Outubro de 1990?

Na hipótese de inseminação artificial ou de fertilização in vitro heterólogas deverá prevalecer o critério do anonimato do dador, rejeitado, quanto à l.' (já que quanto à 2' o problema aí nem sequer se põe) pela lei sueca de 24 de Dezembro de 1984?

Minimizará o anonimato do dador a intervenção do terceiro na relação conjugal; intensificará, por outro lado, e

em lermos práticos, a existência de dadores — que porventura se retrairiam sc a sua identidade pudesse vir a ser revelada.

Propendeu a Comissão para o Enquadramento Legislativo das Novas Tecnologias, no seu relatório de 28 de Julho de 1987, por maioria, para a solução do anonimato. Isto porque assentou em que o direito do filho ao conhecimento da sua ascendência biológica, que constitui uma das vertentes do direito à identidade pessoal (artigo 26.", n.91, da Constituição), não é um direito absoluto, admitindo, portanto, restrições. E salientou ainda que, depois da maioridade, o filho tem o direito a conhecer o modo da sua concepção e, até, havendo sérias razões de natureza médica, as características genéticas do dador, com recurso, quando tal se mostre necessário, ao exame do DNA.

Pessoalmente, sou contrário à solução do anonimato do dador o filho tem, em nome do direito à identidade pessoal, a faculdade de conhecer a identidade, personalizada, do pai biológico.

E, encarando outra frente do debate suscitado em tomo da questão (o direito à intimidade da vida privada), estou em supor que a reserva da privacidade apenas deverá excluir o conhecimento do terceiro interveniente por estranhos, e não pelo filho.

Não creio, além disso, que a tese do anonimato possa ser abonada pelo bem-estar do próprio filho, assim posto a coberto de traumas psicológicos ao longo da vida (30). É que esses traumas resultariam, por certo, mais intensos se, podendo ter acesso às características genéticas do dador, não lhe fosse dado conhecer a sua identidade.

Aliás, o facto de ser conhecido pelo filho o nome do seu pai biológico (dador do esperma) não significa que a este possa ser imputado o estatuto jurídico de pai: a paternidade estabelecer-se-á em relação ao marido da mãe (paternidade social).

De salientar é, no entanto, não ser esta a solução que tem prevalecido no âmbito do Conselho da Europa. Tem--sc aí propendido para o anonimato do dador.

19 — Outros problemas terão de ser enfrentados por via legislativa, sem grande margem para controvérsia (ao que se supõe): o das «mães hospedeiras» ou «de substituição», o da criação de embriões com fins de investigação ou comerciais, o da conservação do esperma congelado após o falecimento do dador (mesmo que ele tenha consentido na sua utilização), etc.

Todas essas práticas parecem formalmente de proibir.

20 — Nunca será de mais insistir em que a fecundação artificial, ou fertilização extracorporal, não poderá ser encarada numa perspectiva mecanicista: implicará sempre uma alteração de natureza natural da vida. A ânsia obsessiva e narcisista de «ter filhos» a qualquer custo não poderá resvalar na fascinação de produzir, na «mutação da humanidade».

É de compreender o drama da esterilidade; sobretudo o da esterilidade da mulher. Castigo dos deuses, obra de feitiçaria, foi, desde sempre, entendido como um mal, que arrastava à desonra, ao repúdio, à marginalização (31).

Só que, designadamente no que respeita à esterilidade dos casais, ela é muitas vezes curável. O clássico exemplo de Yerma, dc Garcia Lorca, com os seus laivos de tragédia grega, será paradigmático. Casada há vários anos com Juan, dessa união não nasceu um filho. A Juan não lhe interessava ter filhos, mas tratar das suas terras e do seu gado. Yerma rejeitava a adopção de uma criança: «No quiero cuidar hijos de otros. Mc figuro que se me van a hclar los brazos de tenerlos.» E, culminando o seu desespero, mata Juan.

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Era um falso caso de esterilidade: nem Ycrma nem Juan eram estéreis. A «energia do instinto» dc Ycrma iransfor-mou-sc na necessidade de destruir.

A medicina de reprodução, quando cega, transformará a mulher numa «máquina dc fertilidade»: poderá ser de aceitar, em casos limite, mas deverá ser evitada, até onde o possa ser.

21 — Há que tomar posições reflectidas sobre o estatuto do embrião. A partir de que momento ele se torna uma

pessoa?

A posição da Igreja Católica, segundo a qual desde a concepção ele é uma pessoa, não andará longe da assumida pelo Comité National d'Éthique francês (22 de Maio de 1984 e 15 de Dezembro de 1986), que considera que, a partir desse momento, o embrião é uma pessoa potencial, merecedora de respeito, nem pela recente lei alemã.

Mas outras aludem a um estádio preembrionário desde a fecundação até ao 14.° dia, como, por exemplo, a Lei espanhola n.8 35/1988, de 22 de Novembro í32).

22.1—Parece ser, desde logo, na perspectiva de se considerar o embrião uma pessoa «potencial» que se deverá enfocar a problemática dos chamados embriões «excedentários» ou «supranumerários».

Deve ser evitado que eles existam, para além dos necessários à implantação no útero da mulher.

Poderá, no entanto, acontecer que, não obstante essa precaução, o seu número seja excessivo, dando causa ao risco de gravidez múltipla, com risco para a saúde e, porventura, para a vida da mulher.

Desponta então o problema de saber que destino dar a esses embriões não implantados. Parece que a sua congelação ou crioconservação, para implantação futura, será a solução mais aconselhável. Mas por quanto tempo? O anteprojecto da Comissão portuguesa fala cm dois anos; o Comité francês em 10 a 12 meses; a lei espanhola de 1988 cm cinco anos; o relatório Wamock cm 10 anos.

22.2 — Em seguimento à Recomendação n.8 874 (1979) da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, respeitante à Carta Europeia sobre os Direitos da Criança, que reconheceu o direito à vida desde o momento da concepção, pode-se afirmar que, por regra quase que absoluta, o embrião não pode ser considerado como que um material de laboratório; a sua utilização para fins de investigação lerá de ser muito especialmente necessária e muito significativamente útil ao progresso dos meios terapêuticos.

Trata-se de uma matéria do anteprojecto português sobre a qual deverá recair uma alargada reflexão — sendo dc lamentar que ela até agora não tenha sido impulsionada e nem sequer iniciada, pelo menos com expressão sensível.

A Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, na Recomendação n.8 1046 (1986), que complementou, neste domínio, a Recomendação n.8 934 (1982), preocupou-se com os rumores que circulavam sobre o comércio de embriões e de fetos mortos e apontou para que a utilização industrial dos embriões e dos fetos se processasse para fins terapêuticos que de outra forma não pudessem ser alcançados, proibindo a criação de embriões com fins de investigação. Na sua 7.* reunião (31 dc Maio a 3 dc Junho dc 1988), o CAHBI propôs ao Conselho de Ministros a adopção desta recomendação. Ela viria, entretanto, a ser completada pela Recomendação n.8 1100 (1989), sobre a utilização de embriões c fetos humanos na investigação científica, que reiterou que o embrião deve ser protegido desde a fecundação do óvulo. Pronunciar-se-ia o Conselho sobre as duas recomendações, aludindo, designadamente, à conveniência em ser preparada uma Convenção do Conselho da Europa sobre a Bioética.

23 — Na resolução de 16 de Março de 1989 sobre os problemas éticos e jurídicos da manipulação genética, o

Parlamento Europeu igualmente assentou em que o zigoto tem direito a ser protegido, apontando para a repressão penal de qualquer uülizaçüo comercial ou industrial de embriões ou de fetos e preconizando a crioconservação dc

embriões apenas por um período limitado e com o fim de provocar uma gravidez na mulher à qual tivessem pertencido os óvulos; o comércio de embriões criogenizados será de punir criminalmente, seja para fins científicos, industriais ou comerciais.

V

Conclusões

1 — Constituirá um pecado de omissão, para mais dis-pondo-se agora de uma Comissão Nacional de Ética, não enfrentar por via legislativa alguns dos problemas que as novas tecnologias médicas põem à consciência da pessoa e à normalidade da vida social.

2—Não se deverá legislar d outrance, até porque leis espectáculo cm nada contribuirão para resolver tais problemas.

3 — Mas deverá atentar-se em que, se a ciência evolui em passo estugado, o valor da pessoa permanece e lerá dc ser ressalvado.

4 — Afigura-se que terá dc ser encarada pelo legislador a situação jurídica da transexualidade.

5 — Igualmente o deverá ser a reprodução assistida e a manipulação genética, nos seus limites que exactamente o valor da pessoa toma inultrapassáveis.

6 — Assim, e num exemplo mais, se a terapia génica somática (assim em células da medula óssea) é dc admitir, tal não acontecerá, peremptoriamente, com a terapia génica em células da linha germinal (resolução de 16 dc Março dc 1989 do Parlamento Europeu).

7 — A fecundação artificial in vivo e in vitro terá de ser encarada limitativamente. Não é de esquecer que, noutra resolução dc 16 de Março dc 1989, o Parlamento Europeu, «consciente da necessidade dc proteger a vida humana desde a fecundação» (o que não significa, segundo esclarece, uma tomada dc posição sobre a interrupção \o\v«vtá-ria da gravidez) e dos graves problemas causados pela procriação assistida, concluiu pelo carácter exclusivamente terapêutico da fecundação artificial iniracorporal ou in vitro homóloga; como meio de ultrapassar a esterilidade, c pela condenação, cm princípio, da fecundação intracorporal ou in vitro heteróloga.

8 — Assim sendo, e sugerindo a adopção dc medidas legislativas que ao «sonho da razão» façam substituir o «valor da pessoa», o Provedor de Justiça, no uso da competência que lhe é conferida pela alínea b) do n.8 1 do artigo 18." da Lei n.° 81/77, dc 22 de Novembro, e, com aplicação do artigo 262." do Regimento da Assembleia da República, assinala o vazio legislativo que nestes temas ocorre, abstendo-se dc preconizar soluções concretas e prefixadas, que à Assembleia da República ou ao Governo, dotado que seja de autorizações legislativas, pertencerá adoptar.

Lisboa, 31 de Dezembro de 1990.

(') Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, IV, 19S8, p. 26*7, em nota.

(*) O Despacho n.' 37/86 e as palavras ditas no acto de posse da Comissão estão reproduzidos na publicação do Centro de Direito Biomédico da Faculdade de Direito de Coimbra sobre a Comissão para o Enquadramento Legislativo das Novas Tecnologias. Cf, ainda, o Boieúm do Ministério da Justiça, 3S6.

(3) Em Libertés publiques, cd. PUF. 1985, p. 193.

(*) Em «Biologie, morale et droit», cm Juris-Classeur Périodique, Doctrine, 29 de Outubro de 1986. p. 3260.

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(3) Castanheira Neves, «Justiça e direito», no Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra, vol. u, 1975, máxime p. 257.

(*) Cf. as actas do Colóquio Gcnédiique, Procréation et Droit, Actes Sud. PUF, 1985. p. 14.

(7) O mais antigo instituto consagrado ao estudo da bioética é o Haslings Centcr (Nova Iorque), fundado em 1969 pelo filósofo católico Daniel Caliaghan. E a mais ampla recolha de dados básicos está na clássica Encyclopedia of Biothics, publicada pelo Kennedy Iroüluve Cerner íoi BiocÚYics, da Universidade de Georgetown, cm Washington, sob a direcção dc Reich (Nova Iorque, 1978). Para uma informação actualizada cf., por exemplo. Bioética y Derecho, de Ramón Martín Mateo, Barcelona, cd. Ariel, 1987, máxime pp. 21 e 59.

( ) A expressão «moral da vida física» é de Chiavacci, Morale delia vila física, Bolonha, 1979.

(*) Ética, Madrid, ed. Alianza Universidad, 1981, p. 16; cf. ainda Vladimir Jankelevich, La Paradoja de la Moral, trad. esp., Barcelona, ed. Tusqucts, 1983, p. 18.

( °) Patrick Valdrini, na obra colectiva Bioélhiaue et droit, estudos coligidos por Raphaël Drai c Michèle Harichaux, PUF, 1988, p. 226.

(") Cit. por Valdrini, p. 227.

(n) tire et avoir, Paris, 1935, p. 16.

(") A inclusão de um representante da Ordem dos Advogados estava já prevista no anteprojecto de 1987 e foi sugerida no parecer da 3.' Comissão sobre o projecto de lei n.8 420/V. Tal inclusão, espontânea, foi geralmente aceite c não decorreu de qualquer pressão ou alvitre estranhos à Assembleia da República (ou, em 1987, ao Ministro da Justiça). Foi, pois, com um sorriso (afectuoso) que se leu, no Boletim da Ordem dos Advogados, de Julho/Agosto de 1990 (p. 14), que, «apesar de o projecto inicial (do PS) o não prever, foi possível sensibilizar (sic) o legislador para a conveniência de na composição interdisciplinar do Conselho constar um elemento indicado pela Ordem dos Advogados». Só por sensibilização ... telepática.

('*) «Idée nominaliste et déconstruction du droit», nos Archives de Philosophie du Droit, L 28, 1983, máxime p. 232. André Tune escrevera, significativamente, sobre «Le droit en Miettes», nos mesmos Archives, L 22, 1977. p. 31.

(15) «Pessoa, ética e direito», no Boletim do Ministério da Justiça, 347.

(lé) P. Braun, «Le testament dc soins», em Psychologie et cancer, estudos coligidos por R. Frescot c J. Eslremet, ed. Masson, 1978, pp. 110-114. O autor encarou a possiblidade de se introduzir em Franca um diploma como o Natural Dealh Act.

( ) «Problemi penali dclle manipolazioni genetiche, na Revista italiana di dirilto e procedura pénale, 1986, fase 3, máxime p. 675.

(l8) Stéfano Rodóla, Éthique médicale, génétique et problèmes liés, relatório elaborado no âmbito do Instituto Universitário Europeu, de Florença, e apresnetado na Conferencia de Estraburgo sobre Os Direitos do Homem e a Comunidade Europeia: Rumo a 1992 e ao Futuro (Novembro dc 1989), p. 14.

«Os juízos, a Ici c o direito», no Boletim do Ministério da Justiça, 348, pp. 5 c segs.

(*>) Em La Croix, de 10 dc Julho dc 1985.

«Que faire des embryons congelés?», em Le Monde, de 4 de Dezembro dc 1985.

(a) Cf. ainda dc Jacques Testard, De V éprouvette au Bebé Spectacle, Bruxelas, ed. Complexe, 1984, c, sobretudo, cm conjunto com Nicole Athca e outros, «Procréatjque et désinformation», em Le Monde, de 17 de Dezembro dc 1987.

(23) Serge Regourd, «Les droits de 1' homme devant les manipulations dc la vie et dc la mort, na Revue du droit public, 1981, n.s 2, p. 403.

(*) Ob. cit., na nota 6, p. 83.

(u) Laurent Samuel e outros, «La naissance manipulée», na revista francesa Ça m'intéresse, n.fi 118, Dezembro de 1990, máxime p. 83.

f26) Cf., sobre a selecção do sexo, o bem elaborado artigo de Ana Rodrigues, «Menino ou menina 'à la carte'», cm O Jornal (Novas Tecnologias), dc 12 de Outubro de 1990, o artigo, como sempre sensacionalista, dc Jonli Coradion, cm Interviú, de 10 dc Setembro dc 1990, c a noticia, objectiva, do Público, de 14 dc Novembro dc 1990. A recente lei alemã proíbe a escolha do sexo, salvo em situações excepcionais (§ 3.°).

C27) Le Monde, dc 15 de Setembro dc 1990.

(*) «Les nouvelles créatures de la science», em L'Express, de 12 dc Setembro de 1990.

Í29) Albin Eser, «La moderna medicina de al reproducción y ingeniería genética», em Ingeniería Genética y Reproducción Asistida, tá. dc Marino Barbero Santos, 1989, pp. 267 e segs., máxime p. 293. Cf., ainda, Luis Archer, «Limites éticos à investigação científica», em CTS—Revista de Ciencia, Tecnologia e Sociedade, n." 10, Outubro-Dczcmbro de 1989, p. 24.

(3I) J. Gélis, L'arbre et le fruit, la naissance dans l' Occident moderne (xví-XDC? siècle), Paris, ed. Fayard, passim.

C2) Cf. a crítica a esta lei por Angeles López, «Presupuestos bioéti-cos y biojuridicos para una critica a la ley española .... cm 0 Direito, 1989. IV. p. 701.

5 — RELATÓRIOS DE INSPECÇÕES A SERVIÇOS PÚBLICOS

Visita aos Centros Regionais de Segurança Social de Braga, do Porto e de Aveiro

I

Na sequencia de visitas já efectuadas a outras instituições de segurança social, deslocaram-se, nos dias 2, 3 e 4 de Maio de 1990, aos Centros Regionais dc Segurança Social de Braga, do Porto e de Aveiro os elementos do Serviço do Provedor de Justiça adiante referidos:

O coordenador, juiz desembargador António Luís de

Oliveira Guimarães; A assessora Maria Helena Valez Carvalho Fernandes; A técnica Maria da Luz Garrido Vaz.

É ao relato destas visitas que a seguir se procede, começando por referir o que dc comum se verificou em todas elas, fazendo depois um apontamento, específico para cada uma das instituições visitadas, acerca dos aspectos mais importantes que nas mesmas foram ventilados, e por fim, concluindo sobre eventuais diligencias que, a nível do Serviço do Provedor de Jusüça, as mesmas visitas nos suscitaram.

II

A fim dc melhor introduzir os conselhos directivos das instituições contactadas no verdadeiro espírito destas visitas, desfazendo possíveis convicções dc que se pretendia exercer uma acção fiscalizadora, em todas cias sc começou por acentuar os objectivos então visados.

Salientou-se, assim, em primeiro lugar, uma finalidade dc natureza informativa, em ordem a tomar conhecimento de dificuldades c carências com que os Centros, na sua qualidade dc prestadores de benefícios sociais, eventualmente se debatam. Isto no pressuposto da competência do Provedor de Justiça para suscitar ao Governo c à Assembleia da República as medidas que repute justas.

Rcalçou-sc igualmente que quanto maior for o conhecimento dos condicionalismos e lermos em que as instituições exercem as suas funções melhor se poderá avaliar as reclamações que nesla área são apresentadas ao Provedor dc Justiça c sobre elas tomar posição.

Maniícstou-sc também interesse em conhecer o que, a nível dc acção social, existia em matéria de equipamentos, com possiblidade dc dar resposta às situações dc carência que, não raras vezes, se deparam ao Serviço do Provedor de Justiça c que necessitam de ser devidamente encaminhadas.

Nâo deixou igualmente de sc invocar a utilidade cm conhecer eventuais experiências que estejam a ser executadas com aproveitamento e eficácia, por cada um dos centros regionais, em ordem a, se for cado disso, poder sugerir a sua aplicação noutros locais.

III

Centro Regional de Segurança Social de Braga

1 — Participaram na reunião havida neste Centro, para além dos signatários, o presidente do respectivo conselho directivo, Dr. Fernando Rocha, e mais dois vogais.

Foi referido, cm primeira linha, a grave dificuldade com que se têm defrontado, resultante de os serviços do Centro Regional estarem dispersos por 12 locais, a qual, no cn-

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tanto, está cm vias de ser superada com a leve concentração desses serviços num único edifício.

2 — Teve-se conhecimento dc que o CRSS de Braga é um dos centros pilotos, isto há cerca de três anos, ao qual, nessa medida, está cometida a função de, para além dos benefícios a curto prazo, conceder também benefícios a longo prazo.

Quanto aos primeiros, salientou o presidente que a duração do seu processamento é considerada boa, já o mesmo não sucedendo com os segundos. Com efeito, a pensão de invalidez tem um tempo médio de processamento na ordem dos oito ou nove meses, não obstante ter já sido de dois anos. Esperam, no entanto, que essa duração venha a ser reduzida para dois meses, para o que estão a apostar na informatização.

Dispõem já de uma vasta rede dc terminais que lhes permite, a nível central, o conhecimento imediato dos diversos dados locais, mesmo dos mais remotos. Contudo, esses terminais não estão ainda articulados entre si.

Foi acentuado que a função de centro piloto, embora se trate de um distrito que movimente um grande número de receitas, cerca de 50 milhões de contos, isto com a integração da actividade têxtil, não implicou um acréscimo de pessoal. Para isso contribuíram, por um lado, a informatização dos serviços, e por outro, o recurso ao trabalho extraordinário por pane do pessoal existente. À aceitação desta última faceta não é estranho o facto de estar em causa uma região com elevada percentagem de emprego.

Referiu-se também que Braga é o distrito mais jovem do País, dispondo actualmente de 2,3 activos para I pensionista. Isto para uma população local dc 900 000 pessoas. ' 3 — Em matéria de pensões de invalidez, apenas 45 % dos pedidos são atendidos, depois de passarem pelos serviços de verificação de invalidez.

Inquiridos sobre eventuais dificuldades nesta matéria, acentuaram que os pedidos da pensão vêm mal instruídos dos médicos de família (estes do âmbito do Ministério da Saúde), ou seja, com falta de elementos auxiliares de diagnósüco suficientes, razão pela qual os médicos relatores dos SVIP os têm de solicitar aos serviços do Ministério da Saúde.

Sucede, porém, que estes serviços se negam muitas vezes a remetê-los, invocando que não os consideram necessários para o efeito, razão que leva a segurança social a financiá-los.

Ainda sobre esta matéria, foi feita alusão aos elevados gastos que os beneficiários por vezes suportam com os médicos da clínica privada, a que recorrem para efeito de fundamentarem os seus recursos das decisões das comissões dc verificação de invalidez.

Foi igualmente referido que as administrações regionais dc saúde têm ainda muitos processos dc pedidos da pensão de invalidez acumulados, a aguardar os exames médicos.

4 — Pelo que respeita à aplicação do recente regime das contra-ordenações, foi dito que se não têm apresentado dificuldades de maior, apenas se queixando do grande número dc processos, relativos sobretudo a entrada das folhas de férias fora de prazo e a falsas declarações.

Esses processos têm-se limitado, de uma maneira geral, à aplicação dc pequenas coimas e à advertência.

Foi também informado que ainda não há tempo suficiente para avaliar se o regime das contra-orderiações, enquanto processo intimidatório na prática dc ilegalidades, produz efeitos satisfatórios.

5 — Pelo que respeita a desemprego, dão prevalência à concessão de fundos para a realização de projectos, inclusivamente para primeiro emprego.

Esta medida já deu como resultado uma descida da taxa de desemprego para a ordem dos 10 %.

6 —Quanto a acção social, existem no distrito mis

de 100 instituições de solidariedade social, para além das instituições dependentes do Centro.

Dispõem de um apoio à terceira idade que consideram satisfatório, englobando a assistência domiciliária.

Possuem igualmente um núcleo de análise e encaminhamento de situações de crianças e jovens em risco, que, entre outras respostas, inclui o encaminhamento para a adopção nos casos em que tal se justifique, a integração em estruturas da comunidade, etc.

Pelo que respeita a apoio a deficientes, foi referido um programa de formação de jovens com vista ao apoio domiciliário a deficientes. Este programa será financiado pela CEE.

Contam também com as respostas dadas pela APPACDM, CERCIS e por outras instituições.

7 — Levantado o problema do trabalho infantil, informaram que se encontram articulados com a Inspecção do Trabalho com vista à detecção dessas situações.

Deram ainda conhecimento de que estava em preparação um projecto que visa actuar sobretudo a nível das carências de vária ordem, económica, social, cultural, etc, que estão na origem do trabalho infantil.

Colónia de Farias de Apúlia

Visitou-se também esta Colónia de Férias, instituição dependente do Centro Regional de Braga.

Trabalha a mesma com crianças e jovens, em turnos de catorze dias.

Fazem intercâmbio com o resto do país e com o esuan-geiro, não só na modalidade de colónia dc ferias mas também na de transplante de classes a nível primário.

Nesta instituição sobressaem os aspectos de higiene, de organização c de preocupações humanas.

IV

Centro Regional de Segurança Social do Porto

1 — Participaram na reunião, por parte do Centro Regional, o presidente do conselho directivo, Dr. Oliveira Ramos, e a vogal Dr.* Maria Isabel Branco.

Trata-se de um centro que também se encontra informatizado com terminais dispersos localmente.

Está articulado com o Centro Nacional de Pensões no que sc refere aos terminais centrais, pelo que sc não verifica o risco de um pensionista que exerce actividade ter dc repor subsídios de doença ou desemprego ilega\me.^tc concedidos por falta de conhecimento da situação dc pensionista.

Quanto à actualização das pensões dos pensionistas que exercem actividade profissional, informaram que não csião articulados nesse campo com o Centro Nacional

Assim e dado que a maioria das pensões tem a natureza de pensões «mínimas» (superiores à pensão estatutária), é desprovida de expressão a não actualização destas pensões por iniciativa do Centro.

Tais pensões só são, portanto, actualizadas quando os beneficiários o requerem.

2 — Pelo que respeita a pensão de invalidez, existe entre o requerimento e a atribuição da pensão uma duração média dc 9,9 meses.

A duração na atribuição da pensão social de invalidez está cm seis meses.

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No que concerne a verificação de incapacidades, salientaram que consideram errada a estrutura dos SVIPS.

Os processos vêm das administrações regionais de saúde, na generalidade, com deficiência de elementos auxiliares de diagnóstico e, quando depois o Centro Regional os solicita, demoram muito em ser obtidos.

Têm 400 processos a aguardar esses elementos e bem assim relatórios de especialidade.

Frisaram dispor da falta de verbas para os serviços médicos poderem funcionar.

Sublinharam ainda que a nível das administrações regionais de saúde estão processos desde 1987 a aguardar exame médico.

3 — Quanto ao sistema das contra-ordenações, embora a duração do mesmo ainda seja curta para avaliar da sua eficácia, reconhecem que trouxe uma melhoria na entrega dos boletins de inscrição e das folhas de ordenados.

Dispõem dc pouco pessoal para o efeito, pois em cerca de três já movimentaram 3000 processos.

Realçaram que cada processo implica uma despesa de 20 contos.

4 — Pelo que à acção social diz respeito, informaram que o problema de terceira idade, basicamente, está resolvido, pelo recurso a acordos com IPSS e ao apoio domiciliário. A infância também é considerada com boa cobertura.

Possuem um lar de pessoas acamadas em Santo Tirso.

Centro de Reabilitação Condessa de Lobão

Esta instituição, dependente do Centro Regional, recebe jovens deficientes a fim de lhes ministrar uma pré-profis-sionalização, em diversas áreas, tais como a de tecelagem, carpintaria, construção civil, jardinagem, bordados, etc.

Alguns dos jovens atingem mesmo uma profissionalização, ficando a exercer a sua actividade remunerada na própria instituição.

Lar do Monie dos Burgos

Trala-se de uma instituição tutelada pelo Centro Regional, mas com autonomia administrativa, em que se encontram internados indivíduos da terceira idade, de ambos os sexos, dc grande carência económica, alguns deles deficientes profundos.

Determinados pavilhões possuem um aspecto muito degradado.

A este respciio, o administrador do lar, Dr. Albano Mesquita, salientou que se encontra há ano e meio a aguardar o visto do Tribunal de Contas para poder proceder às respectivas obras. Assim, mostrou-se o mesmo um acérrimo defensor da autonomia na gestão, chegando mesmo a afirmar com toda a convicção que a eficácia sc não compadece com os formalismos processuais.

Centro Regional de Segurança Social de Aveiro

1 —Estiveram presentes na instituição o presidente do conselho directivo, Dr. Oliveira Antunes, e um vogal.

Trata-se de um distrito de 700 000 habitantes, dos quais 300 000 são activos.

É o terceiro distrito do País em movimentação de receitas.

O Centro Regional consegue arrecadar mais de 90 % das respectivas receitas. Os seus serviços encontram-se muito descentralizados.

2 — Quanto aos pedidos dc pensão de invalidez, é dc dois a três meses o tempo que decorre entre o pedido e o exame.

Queixam-se também dc a Administração Regional de Saúde fornecer elementos auxiliares de diagnóstico muito limitados, pelo que tem de ser o Centro Regional a custeá--los mediante médicos com que celebram protocolos.

Informaram que a Administração Regional de Saúde tem algumas centenas de processos de pensão de invalidez em atraso.

3 — Para comprovar as grandes alterações que se pretendem cometer no que concerne a pensões de invalidez, salientaram que, enquanto entram por mês, em média, 120 a 150 pedidos de pensões por velhice, entram entre 800 e 900 pedidos de pensão de invalidez. Destes, cerca de 50 % são satisfeitos.

Acentuaram que o trabalhador é sempre observado pelo médico relator, que prepara os processos, que, depois, são submetidos à comissão de verificação de invalidez. O médico relator não emite parecer.

A comissão é constituída por um médico e por um técnico do emprego.

Normalmente a comissão não observa o doente, podendo no entanto fazê-lo.

4 — Quanto a acção social, contam também, para além dc algumas instituições dependentes do Centro, com o contributo das instituições particulares de solidariedade social

Conclusões

1 — De tudo quanto se relatou, considera-se de realçar três notas, uma de feição positiva e as outras dc índole negativa.

A primeira é a de que há uma rede dc respostas à terceira idade satisfatória no âmbito dos três Centros Regionais visitados, já o mesmo não acontecendo relativamente à deficiência.

Pelo que respeita a processos de pensão por invalidez, os três Centros foram unânimes em declarar que as administrações regionais de saúde, para além de terem ainda várias centenas de processos pendentes, a aguardar os pareceres das juntas médicas (processos que já lá tinham dado entrada anteriormente à data em que os centros regionais passaram a assumir a respectiva competência), são, em variadíssimos casos, muito renitentes a satisfazer os pedidos de elementos auxiliares de diagnóstico que os centros, contrariamente às mesmas, entendem reputar dc indispensáveis para uma justa e adequada solução cm cada processo de invalidez.

Esta divergência consegue, porém, ser ultrapassada pelo recurso a médicos privados com quem os centros regionais celebram protocolos para o efeito.

2 — Quanto à referida acumulação de processos de pensão de invalidez que ainda se verifica nas administrações regionais de saúde, afigura-se que não é de intervir uma vez que se trata de uma situação que tende a reduzir-se dada a transferência para os centros regionais da competência nessa matéria.

Pelo que respeita à deficiente instrução dos pedidos de pensão de invalidez que transitam das administrações regionais de saúde para os centros regionais e consequente dificuldade do envio de elementos complementares considerados necessários pelos centros regionais, também se entende que não é de proceder a qualquer diligência porquanto se trata, afinal, de uma divergência de opiniões sobre aspectos de carácter essencialmente técnico.

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Visita aos Centros Regionais de Viseu e de Leiria

No seguimento da linha de acção em que têm decorrido as visitas já efectuadas a outros centros regionais de segurança social, deslocaram-se nos dias 9, 10 e 11 de Julho próximo passado aos Centros Regionais de Segurança Social dc Viseu e de Leiria;

O coordenador, juiz desembargador Anónimo Luís

dc Oliveira Guimarães; A assessora Maria Helena Valez Carvalho Fernandes.

É ao relato dessas visitas, naquilo que de mais significativo se encontrou, que passamos a proceder.

Centro Regional de Segurança Social de Viseu

Estiveram presentes na reunião havida os seguintes elementos do respectivo conselho directivo:

Dr.8 Helena Oliveira; Eng.° Lino Pimentel.

Da troca de impressões que teve lugar e que obedeceu à metodologia seguida nas visitas anteriores, apreenderam--se diversos aspectos do contexto em que funciona o Centro Regional, dos quais se alinham os que se nos afiguraram de maior interesse.

1 — Pelo que respeita ao lapso de tempo entre o requerimento da pensão de invalidez c a realização da correspondente junta médica, decorrem normalmente cerca dc três meses.

Este reduzido período, sobretudo quando comparado com o que nesta área se verifica noutros centros regionais, é devido ao facto de os médicos da Administração Regional de Saúde acumularem a função de médicos relatores.

Isto evita os inconvenientes que, em matéria de instrução dos respectivos processos de invalidez, ocorrem noutros centros regionais, resultantes da divergência de pontos de vista entre o médico relator e o médico assistente do beneficiário (médico da Administração Regional de Saúde) quanto à necessidade de elementos auxiliares dc diagnóstico para efeito de comprovação da invalidez.

A Administração Regional de Saúde não tem processos de invalidez acumulados.

2 — Pelo que respeita a infra-estruturas para a terceira idade, é a parte norte do distrito que se encontra mais desprotegida. A isto não é estranho o facto de ser essa uma zona altamente deficitária em termos económicos. Ao Centro Regional pertencem cerca de 80 % dessas estruturas.

Trata-se de um distrito economicamente pouco desenvolvido, o que, como é evidente, se repercute nas disponibilidades financeiras da segurança social local.

3 — Quanto a estabelecimentos para deficientes, o Centro dispõe de três:

Centro de Educação Especial; Scmi-Internato de Lamego; Casa do Infante.

Os deficientes vão para a família ou tutela nos fins de semana e nas férias.

Consideram que, a nível distrital, a deficiência está coberta.

4 — No que conceme à pobreza, está em execução um projecto mesmo no coração da cidade, que se tem vindo a revelar muito eficaz sobretudo a nível de integração dc crianças ciganas.

No norte do distrito têm a caracterização feita mas faltam-lhes os fundos.

5 — Em sede de aplicação do regime das contra-orde-nações, como dispõem de vários licenciados em Direito, não têm lido dificuldades.

6 — Assinalaram que lutam com falta de pessoal, esperando no entanto que a integração dos trabalhadores das casas do povo venha diminuir essa carência.

Estão também a apostar na formação do pessoal.

Centro Regional de Segurança Social de Leiria

Estiveram presentes os seguintes elementos do Centro Regional:

A presidente do conselho directivo, Dr.1 Maria de

Fátima Soares Pereira; O director de serviços Dr. Ildcbando Rei; A assistente social Dr.' Maria José de Castro.

1 — O primeiro aspecto focado pelo Centro Regionaf foi o da falta de pessoal em determinadas áreas, como seja a de acção social.

Foi salientado que, não obstante haver vagas nos quadros, os concursos ficam desertos, porque o pessoal que já é da função pública não tem interesse pelos lugares c o externo não pode concorrer por força da lei.

A solução, segundo entendem os elementos do respectivo conselho directivo, terá de passar pela realização de contratos a prazo.

2 — Pelo que respeita ao relacionamento com as administrações regionais dc saúde, têm com elas bom entendimento.

Sempre que os processos não vem bem instruídos daqueles serviços de saúde, recorrem a serviços dc profissionais avançados ou escolhidos pelos próprios beneficiários, sendo então estes reembolsados das despesas efectuadas.

O indeferimento dos pedidos de reforma por invalidez é comunicado aos interessados por carta registada.

3 — Em sede de contra-ordenações, consideram que o sistema, pedagogicamente, está a ser eficaz, principalmente a nível de entrega de boletins dc inscrição c de folhas de ordenados e salários.

4 — Quanto ao tempo médio de processamento das pensões de invalidez, ele é dc 7,6 meses até à comunicação ao Centro Nacional de Pensões.

No total, esse tempo é de 83 meses.

A pensão de reforma por velhice tem um tempo médio de processamento dc 4,8 meses, no toial.

A pensão de sobrevivência processa-se, cm média, dentro de 3,3 meses.

Relativamente aos recursos interpostos das decisões que indeferem os pedidos de reforma por invalidez, fo\ sublinhado que os médicos exigem somas exorbitantes peia sua actuação em tais recursos.

5 — Quanto ao desemprego, ele é diminuto naquela região, ocupando-se os trabalhadores sobretudo na cerâmica e faiança.

6 — Quanto à acção social, entendem que a cobertura da terceira idade é quase razoável, sendo a da infância muito boa.

Pelo que respeita às deficiências, têm, mais ou menos, dado resposta aos vários pedidos.

O Centro possui os equipamentos sociais que se encontram descritos no folheto anexo.

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Lar Residencial de Alcobaça

Na sequência da actuação havida em relação a outros centros regionais, mostrou-se interesse em visitar uma das instituições de acção social pertencentes ao Centro Regional de Segurança Social de Leiria.

Assim, foi pronunciada a visita ao Lar Residencial de Alcobaça.

Este lar, da terceira idade, que ocupa uma pane das instalações anexas ao Mosteiro de Alcobaça, começou por albergar 1000 utentes, sendo hoje de 600 a sua lotação.

É uma instituição de âmbito nacional, que revela boas condições de higiene e de atenção pelos seus utentes.

Sobressaem as actividades de ocupação de tempos livres, diversificadas por várias áreas (carpintarias, bordados, vergas, conserto de sapatos, etc.).

Também a música não é estranha a essas actividades, dispondo o lar de uma orquestra a cargo dos próprios utentes.

Visita ao Instituto de São José

1 — Esta visita realizou-se sem prévio aviso, no dia 10 de Julho de 1990, pelos seguintes elementos do Serviço do Provedor de Justiça: coordenadores António Luís Oliveira Guimarães e Mário Frederico Gonçalves Pereira, assessora Maria Helena Carvalho Fernandes e técnica Maria da Luz Garrido Vaz.

2 — O Instituto, situado em Vila Nova do Campo, (arredores de Viseu) depende da Direcçâo-Gcral dos Serviços Tutelares de Menores e foi construído em 1960, com mão-de-obra prisional, tendo inicialmente sido confiado à Ordem Religiosa das Irmãs do Bom Pastor, situação que se manteve até há 13 anos.

3 — Conta actualmente com 37 internados, cujas instalações ocupam apenas cerca de um terço da capacidade do edifício, mas já chegou a albergar, no início, mais de 100, segundo foi referido.

Tem o apoio, em Viseu, do Lar de Nossa Senhora da Conceição c do Lar de São José, pertencentes à mesma Direcção-Geral.

As instalações, em especial as sanitárias, encontram-se degradadas.

As menores encontram-se instaladas em camaratas, usufruindo de duche de água quente semanal.

4 — Na ausência em férias da directora Alcina Dias Abrunhosa Araújo, os elementos do Serviço do Provedor de Justiça foram acompanhados na visita pela assistente social Raquel Gomes Lobo e pela psicóloga Dr.s Ana Paula Brito Soeiro, que se mostraram empenhadas na boa condução da instituição.

5 — As menores podem ter escolaridade no Instituto, aqui existindo um curso de telescola para o ciclo preparatório; e três delas frequentam o ensino secundário na Escola de Abraveses.

A recuperação social tem sido encaminhada fundamentalmente para o serviço doméstico, mas tem fracassado, dada a falta de adaptação das menores e o estigma social que sofrem.

6 — Estão a funcionar, no Instituto, oficinas de tapetes de Arraiolos, costura, malhas, dactilografia (apoiada pelo Fundo Social Europeu) e já existiu lavandaria. Contudo, são raras as colocações posteriores à saída, no mercado de uabalho. Têm pedidos de cursos de floricultura e estofador, mas não conseguem interessadas.

7 — As jovens provêm dos bairros pobres de Lisboa e Porto, colaborando pouco nos trabalhos agrícolas (só nas

colheitas). Verifica-se uma média de dez evasões por ano, não havendo menores internadas originárias de Viseu desde há 12 anos.

8 — As internadas têm assistência de um médico avençado, duas vezes por semana, no Instituto; e, cm caso de urgência, recorrem ao sistema hospitalar.

Quanto a desportos, têm um campo de voleibol, podem aprender natação numa piscina do exterior e têm sessões de ginástica só uma vez por semana.

Durante o Verão, as menores frequentam uma praia da região de Aveiro, em transporte do estabelecimento, três vezes por semana.

9 — Viemos encontrar assistente social, educadora e psicóloga, em regime de permanência e fortemente motivadas para a sua tarefa. Não obstante, os meios são reduzidos c as possibilidades do Instituto, principalmente no aspecto agrícola, estão subaproveitadas.

10 — O período de internamento, que ronda em média o ano e meio, não facilita a aprendizagem profissional, única forma de incentivar as menores desta idade.

Todos pareceram compreender bem a missão que levou o Serviço do Provedor de Justiça a efectuar esta visita. 11—Conclusões:

a) As instalações do Instituto de São José apresentam-se com sinais de degradação, e subaproveitadas;

b) Haverá que reformular a aprendizagem das interessadas, de modo a habilitá-las com conhecimentos técnicos reconhecidos no mercado dc emprego;

c) Existindo vastas possibilidades do Instituto no campo agrícola e não sendo adequadas à formação das suas internadas, seria conveniente reformular o seu aproveitamento;

d) O número de evasões verificado deve conduzir à reflexão sobre o melhor esquema dc formação a usar, tomando em conta a origem social das menores.

IP 13/89.

Visita ao Estabelecimento Prisional de Leiria

1 — Esta inspecção foi realizada sem prévio aviso em 11 de Julho de 1990, pelos seguintes elementos do Serviço do Provedor de Justiça: juiz-coordenador Mário Frederico Gonçalves Pereira c técnica Maria da Luz Garrido Vaz, que foram acompanhados pelos respectivos director c director-adjunto durante toda a visita.

2 — As instalações compõem-se de uma residência (do director) e de pavilhões dispersos (alguns distam entre si mais de um quilómetro), o que lhe confere um carácter sui generis.

3 — Antiga Prisão-Escola de Leiria (denominação que ainda hoje continua a ser reinvindicada pela totalidade da sua população), tem capacidade para 254 reclusos, albergando neste momento 258, todos do sexo masculino, entre os 16 e os 21 anos de idade.

O pessoal de vigilância é composto apenas por 89 guardas prisionais (incluindo chefias), o que é considerado insuficiente, pois o número adequado seria dc 117, dada a dispersão das instalações e a necessidade de acompanhamento dos reclusos nas suas deslocações dentro do Estabelecimento.

Apesar disso, não tem havido muitas fugas.

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4 — A situação dos reclusos é deveras preocupante, já que, nao obstante se encontrarem numa idade em que é indispensável a actividade e o exercício, nem todos conseguem participar nas brigadas de trabalho (como desejariam), por falta de pessoal de vigilância.

Extinto o regime de semi liberdade, que tão bons frutos deu no passado, muitos deles encontram-se na situação de liberdade precária virada para o interior, dedicando-se a trabalhos no próprio Estabelecimento, sem necessidade de qualquer vigilância. Foi observado um recluso calcetando uma álea do passeio, completamente à vontade, facto demonstrativo do ambiente de confiança existente na instituição prisional.

Só um recluso se encontra em regime de liberdade precária virada para o exterior, trabalhando para a Câmara Municipal da Batalha.

5 — A demora verificada na remessa das certidões das sentenças, por parte dos tribunais, acarreta para os reclusos condenados inconvenientes que não lhes são imputáveis, com atraso na concessão das liberdades condicionais: o Tribunal da Execução das Penas de Coimbra não concede qualquer liberdade condicional, havendo processos pendentes contra o seu destinatário.

6 — Os reclusos têm assistência de um médico generalista contratado a tempo parcial, encontrando-se alguns especialistas (como seja médico psiquiatra) avençados.

Existe um enfermeiro permanente, quatro técnicos do Instituto de Reinserção Social dão o seu apoio, bem como quatro educadores; uma guarda prisional encarrega-se da revista às visitas do sexo feminino. Não tem havido problemas com o consumo de droga, actualmente.

7 — Não obstante a sua marcada tradição de estabelecimento dedicado à recuperação de jovens através da aprendizagem, nota-se de forma acentuada que tal faceta positiva está desaparecendo: há grande falta de mestres nas oficinas, e por isso algumas destas têm de encerrar. Alguns aposentaram-se (como aconteceu com os de marcenaria e mecânica), não tendo sido substituídos, pois os lugares não são postos a concurso fora do âmbito da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais.

Como último recurso, a Direcção tem lançado mão de guardas prisionais para colmatar essas brechas, como sucede com o cozinheiro (que é um guarda).

8 — Quanto às oficinas, que constituem o cerne do sistema deste Estabelecimento Prisional: a cerâmica está sofrendo uma completa remodelação, sendo instalados novos fornos; as oficinas de carpintaria, marcenaria, sapataria, serralharia civil, serralharia mecânica, trabalham só para as necessidades internas — o que também sucede com a de mecânica de automóveis, secção de pintura e construção civil (conservação dos pavilhões), sob a orientação de um guarda prisional. A Direcção já só consegue recrutar mesues entre os guardas prisionais.

Seria desejável que esta Prisão-Escola de Leiria adoptasse um regime similar aos estabelecimentos de ensino (embora especial) com possiblidade de recrutamento dos mestres fora da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais.

9 — Instalado na Quinta do Lagar de El-Rei (comprada pelo Estado em 1945), este Estabelecimento está muito virado para a agricultura, mas conta apenas com o concurso de um engenheiro técnico agrário, que, apesar da sua boa vontade, é manifestamente insuficiente.

10 — Os reclusos habitam celas individuais, uiiliiando diariamente balneários com água quente.

Está previsto um complexo desportivo para a prática de futebol, basquetebol, voleibol e ginástica. Dão assistência

aos reclusos um técnico de educação física e um professor

da especialidade.

11 — Nota-se acentuada diminuição dos meios humanos, designadamente de animadores sócio-culiurais.

Apesar das condições adversas, há 26 reclusos inscritos no ciclo preparatório e menos de 10 no ensino secundário. Alguns dos cursos de formação profissional têm sido subsidiados pelo Fundo Social Europeu (serralharia civil) e organizados pelo Instituto de formação Profissional. De realçar o levado a cabo pela Santa Casa da Misericórdia de Cascais, frequentado por 11 elementos, já todos empregados.

No entanto, é difícil efectuar a gestão destes cursos, dada a relativamente curta permanência do educando no Estabelecimento.

12 — A assistência religiosa, de brilhantes tradições na instituição, tem sido prosseguida sem soluções de continuidade. Inclusivamente, tem tido lugar anualmente a visita pascal.

13 — Realizam-se, com a frequência possível, desafios de futebol contra elementos de outras instituições (v. g. Regimento de Artilharia), peças de teatro, visita de ranchos folclóricos e grupos de visitas.

Iniciada a informatização da gestão do pessoal e dos reclusos, graças aos esforços do director-adjunto, segue-se a das remunerações do pessoal e dos reclusos.

14 — Um dos reclusos, Luís Miguel Vieira Leal, de 18 anos, pretendeu falar com o coordenador do Serviço do Provedor de Justiça (o que foi prontamente concedido) para abordar o seu desejo de se incorporar nas brigadas de trabalho, evitando a ociosidade.

Todos mostraram compreender bem a missão dos elementos deste Serviço e a função destas visitas.

15 — Conclusões:

a) Notou-se manifesta falta de pessoal, carência aliás generalizada;

b) E preocupante o gradual encerramento das oficinas, por falta de condições para o recrutamento dos respectivos mesues;

c) É urgente que sejam reforçados os meios tecnológicos para melhor exploração agrícola, os quais estão neste momento carenciados;

d) Será de recomendar que, dadas as suas características e a juventude da sua população, este Estabelecimento goze de um estatuto especial, virado para o sistema cducaüvo;

e) Toma-se indispensável dinamizar o dia-a-dia dos internados, retirando-os das celas e integrando-os em brigadas de trabalho, como demonstraram sei seu desejo.

IP 13/89.

Visita ao Estabelecimento Prisional Regional de Leiria

1 — Esta visita, programada por despacho de S. Ex.! o Provedor de Justiça, foi efectivada sem prévio aviso no dia 11 de Julho de 1990, pelos seguintes elementos Ao Serviço do Provedor de Justiça: juiz-coordenador Mário Frederico Gonçalves Pereira e técnica Maria da Luz Garrido Vaz.

2 — Na ausência do seu director (com quem foi mantido, no entanto, contacto telefónico), fomos recebidos pelo primeiro-subchefe Gil Fernando Miranda Agostinho, que nos acompanhou em todo o percurso.

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3 — Estabelecimento com capacidade para 65 reclusos, alberga presentemente mais do dobro: 132 presos, incluindo 12 mulheres e 29 preventivos. O número de guardas é de 33 (incluindo 2 tarefeiros), considerado amplamente insuficiente.

4 — Em cada uma das celas individuais estão instalados dois ou três reclusos, e há camaratas para 12, com chuveiro frio (estão a ser instaladas as novas caldeiras, para aquecimento de água).

A comida é confeccionada no Estabelecimento Prisional de Leiria, ao lado, e os reclusos comem nas celas. Vai-se aperfeiçoar o transporte da comida, em caixas térmicas.

5 — Existe uma cadeia de apoio, em Torres Novas, com 40 reclusos. Há dois carros celulares, que por vezes não chegam para as necessidades.

Conta-se com a assistência semanal dc médico avençado, recorrendo a serviços hospitalares e de odontologia, em caso dc necessidade.

Notou-se a falta de um enfermeiro em permanência, sendo tais funções levadas a cabo por um recluso, não habilitado.

O Instituto de Reinserção Social presta apoio com dois elementos, o assistente religioso celebra missa todos os domingos, e não há biblioteca organizada, pelo que é deficiente a ocupação dos tempos livres (jogo de futebol em campo empedrado).

6 — Estão, neste Estabelecimento Prisional Regional de Leiria, a funcionar oficinas de serralheiro civil, marceneiro, auto mecânica — fabricando asas para baldes, cestos de arame para máquinas de lavar louça, molas e barcos de fibra, tudo por encomenda.

Nestas oficinas, os reclusos manuseiam instrumentos perigosos (de aço), não tendo havido contratempos. E contam com o auxílio de mestres, que são ex-reclusos — o que é de salientar.

Reparam contentores e papeleiras para as autarquias.

As saídas precárias têm tido êxito, e o Tribunal de Execução das Penas de Coimbra tem acompanhado a situação prisional da população do Estabelecimento. Não têm surgido conflitos, notando-se uma boa relação entre os reclusos e o pessoal de vigilância. Uma tentativa de suicídio concretizou-se. Todos os dias, menos às sextas-feiras, há visitas aos reclusos.

7 — De notar que, da população prisional, só trabalham 50 reclusos — pouco mais de um terço.

Sete presas encontram-se acompanhadas pelos maridos ou companheiros (mas em celas separadas), graças à compreensão da administração penitenciária. Quanto às instalações, está prevista a reparação do telhado. Não existe qualquer espécie de aquecimento, pelo que no Inverno nota--se o desconforto.

8 — A visita processou-se em bom ritmo, e foi bem aceite a presença dos representantes do Serviço do Provedor de Justiça.

9 — Conclusões:

a) Notou-se compreensão do pessoal de vigilância, perante os problemas dos reclusos, não obstante a superlotação do Estabelecimento;

b) É manifesta a carência de meios para a sua administração penitenciária;

c) Toma-se absolutamente imprescindível a existência de um refeitório, evitando-se que os reclusos tenham dc tomar as refeições diariamente nas próprias celas.

Visita ao Estabelecimento Prisional Regional de Viseu

1 — De harmonia com o despacho de S. Ex.8 o Provedor de Justiça de 2 de Julho de 1990, realizou-se no dia 10 do mesmo mês, dc surpresa, a visita ao Estabelecimento Prisional Regional de Viseu, pelo juiz-coordenador Mário Frederico Gonçalves Pereira e pela técnica Maria da Luz Garrido Vaz, ambos do Serviço do Provedor de Justiça.

2 — Na ausência do seu director, Victor José Duarte Seara, em serviço na Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, fomos recebidos pelo primeiro-oficial Alda Maria Ferreira dos Santos Moreno, pelo segundo-oficial Alice Maria Mendes Figueiredo Burgos e pelo primeiro-subchefe Manuel Alves das Neves, que nos acompanharam em toda a visita.

3 — Instalado num edifício dc bom porte, dc alvenaria, construído nos arredores da cidade de Viseu com mão-de--obra prisional, entre 1928 e 1930, o Estabelecimento Prisional tem capacidade para 15 homens e 5 mulheres, contendo, no momento da visita, 21 homens e 3 mulheres, todos instalados em camaratas, dada a inexistência dc celas individuais.

4 — Existe uma cadeia de apoio, em São Pedro do Sul, onde ficam os presos de maior perigo, por falta de condições de segurança em Viseu. A entrada de todos os reclusos é feita em São Pedro do Sul. Há sete anos que não sc verificam evasões no Estabelecimento Prisional Regional de Viseu, muito embora o mesmo não esteja cercado.

5 — O número dc guardas, considerado insuficiente, é de 26 para os Estabelecimentos Prisionais dc Viseu c dc São Pedro do Sul.

Não têm surgido conflitos dc monta entre os reclusos ou que os oponham ao pessoal de vigilância.

6 — As camaratas dos homens estão funcionando no l.9 piso, porquanto as do 2.9 piso não têm quaisquer condições. Notámos que, com o calor que nesta época sc fazia scnür em Viseu, o alcatrão da cobertura chegou a liquefazer-se e a escorrer do tecto, pingando sobre o soalho e as camas dos reclusos.

Não estão previstas obras, por falta de verba.

7 — O Estabelecimento Prisional não tem autonomia financeira, pelo que não pode explorar serviço de bar (o que seria deveras vantajoso). A Direcção-Geral dos Serviços Prisionais faz todos os pagamentos.

8 — Os reclusos ganham, em média, 93S50 diários (incluindo faxinas), podendo ir até aos 160$ por dia, quando tiverem especialidade — salários fixados pela Direcção-Geral dos Serviços Prisionais.

9 — O Estabelecimento Prisional Regional dc Viseu não tem quaisquer oficinas, pelo que os reclusos têm de sc limitar aos trabalhos manuais, efectuando alguns dc madeira e candeeiros que vendem ao público. Em São Pedro do Sul, homens e mulheres fabricam tapetes dc Arraiolos.

10 — Uma vez por semana, é recebida a visita de um professor dc educação de adultos; e em São Pedro do Sul, há aulas de instrução primária para adultos, orientados pela esposa do director, que é bolseira, há vários anos, do Serviço de Educação de Adultos.

11 —Os reclusos têm assistência médica, por um clínico contratado pela Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, e contam com um enfermeiro que trabalha nos dois Estabelecimentos. Para os casos de urgência e de especialidades, recorrem aos serviços do Hospital Distrital.

Não se têm verificado tentativas de suicídio.

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12 — As camaratas cslüo equipadas com chuveiros, c os reclusos podem utilizar os balneários diariamente, sendo obrigatório o chuveiro uma vez por semana.

0 Instituto dc Rcinscrçáo Social dá apoio familiar c monetário, quando preciso, e apoia as saídas. Duas psicólogas do Instituto dc Reinserção Social visitam regularmente o Estabelecimento Prisional.

Também existe assistência religiosa pelos Padres Vicentinos, que visitam o Estabelecimento Prisional todos os sábados, c celebram missa uma vez por mês.

Mensalmente, o Estabelecimento Prisional recebe a visita do juiz da Execução das Penas dc Coimbra, concedendo várias liberdades precárias c condicionais. Neste momento, há dois reclusos cm regime aberto, que vão só comer ao Estabelecimento Prisional.

13 — A maioria da população prisional é originária da região, c foi condenada por crimes dc violência, ligados à posse da terra. Existem dois casos dc tráfico dc drogas c também consumidores.

Um dos reclusos é doente mental (psicopata), estando a ser acompanhado.

14 — Recebem visitas diárias de uma hora. Durante a ocupação dos tempos livres, para além do recreio só têm, como desporto, pingue-pongue, por falta dc espaço disponível. Projccia-sc a instalação dc campo dc jogos c oficina dc mecânica.

A alimentação é fornecida pelo Regimento de Infantaria dc Viseu, sendo bem confeccionada, e inclui fruta e legumes.

Notou-se a falta de roupas de cama, designadamente cobertores, embora a existente estivesse impecavelmente limpa. O pessoal que nos recebeu mostrou-se muito sensibilizado com a visita dos elementos do Serviço do Provedor dc Justiça, concordando com a sua utilidade manifesta.

15 — a) Em termos dc apreciação genérica, pudemos concluir que o pessoal dirigente deste Estabelecimento Prisional tem uma boa relação humana com os reclusos, privilegiando a sua função dc educadores, mas referiram que cm 13 anos era a primeira vez que eram visitados por qualquer entidade oficial.

b) As instalações encontram-sc degradadas, sobretudo no 1.9 piso, carecendo de obras urgentes.

c) Está sendo realizada a alfabetização, com os escassos meios disponíveis.

d) Será dc recomendar a utilização do pouco espaço circundante cm actividades ligadas à agricultura, pois a maioria dos reclusos c dc origem rural.

e) Os reclusos do sexo masculino encontram-se amontoados cm duas camaratas (12 numa c 9 noutra), quando

•■- o 2.9 piso está parcialmente desactivado, por falta dc obras adequadas.

f) Devem ser incentivadas as actividades desportivas.

Visita à Escola Superior de Educação de Santarém

1 — Esta visita, ordenada no âmbito da função inspec-liva do Provedor dc Justiça, teve lugar cm 7 dc Novembro dc 1990 c foi levada a cabo, conforme anunciado previamente, por dois elementos do referido Serviço: juiz-coordenador Mário Gonçalves Pereira c assessora Dr.5 Maria José Iria. Durante toda a visila, foram acompanhados pelo presidente da comissão instaladora, professor Santana Castilho.

2 — Instituto Politécnico dc Santarém. — O Instituto Politécnico dc Santarém é composto por cinco escolas superiores:

Escola Superior dc Educação;

Escola Superior Agrária;

Escola Superior dc Tecnologia (Tomar);

Escola Superior dc Gestão;

Escola Superior de Enfermagem.

O corpo discente destas Escolas é dc cerca dc 2000 alunos.

O corpo docente t composto por profcssorcs-coordcna-dores, profcssorcs-adjunlos, equiparados a professorcs--adjunlos, assistentes c equiparados a assistentes.

As instalações são amplas e foram recentemente restauradas, existindo assim um conjunto dc edifícios cm perfeitas condições dc funcionamento.

Os graus concedidas são: bacharelato c o diploma dc Estudos Superiores Especializados.

Dc referir, finalmente, que o Instituto continua cm regime dc instalação, embora desde 1987 venha sendo pedida a extinção deste regime.

3 — Escola Superior dc Educação. — A Escola Superior dc Educação deslina-sc essencialmente à formação dc professores:

Educadores dc infância; Professores do ensino primário; Profissionalização em serviço.

Aos educadores dc infância c professores do ensino primário é dada a formação inicial c o bacharelato, concedendo este grau o acesso â licenciatura após três anos dc experiência c posse do diploma de estudos superiores especializados.

As aulas de formação são ministradas aos professores colocados cm escolas do distrito que no l.9 ano dc profissionalização se deslocam um dia por semana a Santarém, c no 2.9 ano são acompanhados por professores mctodólo-gos da Escola Superior dc Educação dc Santarém que fazem a articulação com as Escolas.

No ano lectivo dc 1990-1991 foi indicada ao Ministério da Educação a possibilidade dc receber 1500 professores em profissionalização. No entanto, apenas foram aqui colocados 300 formandos.

A Escola tem presentemente cm curso um programa dc formação dc formadores dc Cabo Verde (cerca dc 1500 alunos) c possui um centro de apoio à Universidade Aberta (alunos do distrito).

Quanto a pessoal docente, foram-nos referidas dificuldades dc recrutamento dc profcssorcs-coordcnadorcs, c dc encontrar um professor qualificado para o Departamento Áudio-Visual.

4 — No que se refere à inserção da actividade do Instituto Politécnico nas actividades da região, fomos informados dc que apenas no sector da agricultura tal coordenação estava a ser realizada cm termos satisfatórios, havendo protocolos dc cooperação com a Estação Agrária da Fonte Boa, cm Vale dc Santarém.

Quanto às actividades industriais, apenas existiam contactos com alguns grupos empresariais, nada estando definido quanto a esse aspecto pela Comissão dc Coordenação competente.

5 — Visila às instalações. — As instalações foram remodeladas pelo que apresentam um ar moderno c funcional. Existem 45 gabinetes, com casa dc banho privativa, destinados aos professores.

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Não foram visitadas salas de aulas.

A Biblioteca dispõe de meios informáticos para busca de elementos de consulta, obras sobre educação, dispondo de um ficheiro informático subordinado a lemas de educação (ERIC).

A Escola dispõe igualmente de um auditório dotado de moderna aparelhagem áudio-visual onde são produzidas obras de carácter pedagógico.

Possui um bar, onde são servidas refeições ligeiras. O refeitório é amplo, e a ele têm acesso professores, alunos e pessoal administrativo e auxiliar.

Possui apenas 10 funcionários administrativos.

Não se registaram quaisquer queixas de alunos, professores ou pessoal administrativo.

6 — Conclusões:

a) A impressão geral é favorável;

b) Respira-se na Escola um ambiente dinâmico, encontrando-se limpas as instalações que visitámos;

c) Os métodos de gestão utilizados, e que nos foram referidos, têm obtido assinalado êxito, reforçando os meios financeiros da Escola;

d) Os edifícios do antigo Colégio Andaluz, comprados pelo Estado em situação de acentuada degradação, encontram-se notavelmente recuperados, apresentando-se com aspecto simples mas funcional;

e) As potencialidades da Escola, que são grandes no que respeita às suas tecnologias, podem não estar a ser integralmente aproveitadas, no que respeita ao desenvolvimento económico da região em que se encontra inserida, e também quanto à profissionalização de professores cm serviço;

f) Contactámos o professor Manuel Henrique Santana Castilho, a engenheira Cristina Rodrigues c outros elementos da Escola, todos mostrando compreender a função inspectiva que cabe ao Provedor de Justiça.

Visita ao Centro Regional de Segurança Social de Santarém

I

Realizou-se no dia 7 de Novembro de 1990 uma visita ao Centro Regional de Segurança Social de Santarém, na linha de orientação que tem vindo a ser prosseguida neste órgão do Estado, de se alcançar um contacto tanto quanto possível directo com as instituições que têm a seu cargo a aplicação dos regimes de segurança social e a realização de outras acções que visam a promoção do bem-estar económico e social das populações mais carenciadas.

A visita esteve a cargo do coordenador-juiz desembargador António Luís de Oliveira Guimarães e da assessora Maria Antonieta Cunha e Silva, que, na ausência, previamente anunciada, do presidente do conselho directivo do referido Centro Regional, foram recebidos pelos restantes vogais daquele conselho, tendo estado igualmente presente o director de serviços da Segurança Social.

II

Da troca de impressões havida com os representantes daquele Centro Regional procuraremos salientar, de forma sistematizada, os aspectos abordados c, em especial, os que se relacionam com as questões mais frequentemente colocadas em matéria de segurança social neste órgão.

1 — Aspectos gerais de organização e funcionamento. Intervenção no domínio da acçio social. Recursos humanos e formação.

1.1 — Estrutura c organização

A análise do folheto cedido pelos elementos do conselho directivo, que, pelo seu valor informativo, foi anexado ao presente processo, permite ter uma ideia global sobre a estrutura orgânica e funcional daquela instituição, como suporte indispensável à realização das várias tarefas que lhe estão cometidas a nível de realização da segurança social naquele distrito.

São igualmente elucidativos os elementos eslaüslicos relativos ao número de beneficiários abrangidos c de contribuintes distribuídos pelos vários regimes existentes, bem como os que respeitam aos dados financeiros cm termos de receitas arrecadadas e de prestações concedidas.

1.2— Acção social

Também quanto ao sector da acção social nos é dada uma panorâmica geral das suas várias atribuições no que respeita à protecção de carências específicas das crianças, jovens, família e comunidade, deficientes e idosos.

Entre essas acções destacam-se os serviços de acolhimento social e uma rede de equipamentos que abrange a totalidade do distrito, mas que não se considera ainda suficiente para satisfazer todas as necessidades.

Existem actualmente pedidos em lista de espera, especialmente de pessoas idosas que carecem de autonomia.

Assim, as maiores necessidades situam-se predominantemente a nível de lares para acamados.

Foi referido, a este propósito, que estão neste momento em construção alguns equipamentos.

13 — Recursos humanos e formação

Focado o aspecto particular da situação que se depara ao Centro Regional em termos de recursos humanos, sua gestão e formação, apurou-se que a instituição se debate com problemas.

Destes, destacam-se os que resultam de uma certa desmotivação c do acentuado envelhecimento dos quadros, com as consequências inevitáveis a nível dc produtividade e de qualidade das respostas que se pretendem garantir.

A essa desmotivação não é alheia a falta dc perspectivas de carreira dentro do actual quadro de pessoal do Centro Regional.

Por outro lado, foi criticado o actual sistema dc recrutamento de pessoal vigente na função pública, que, pela exigência de vínculo, restringe a possibilidade dc preenchimento das vagas existentes nos seus quadros.

Uma das formas encontradas para superar as actuais dificuldades, sobretudo na área da acção social, tem sido a de celebração de acordos atípicos com instituições particulares de solidariedade social que permitem o recrutamento dc técnicos de serviço social dessas mesmas instituições.

Por último referiu-se que está presentemente a funcionar um grupo dc trabalho nomeado com o objectivo de estudar e propor novas formas de admissão do pessoal necessário à actividade do Centro Regional.

O nível de formação garantido ao pessoal foi considerado cm geral satisfatório.

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2 — Aspectos especiais relacionados com a aplicação dos regimes de segurança social

2.1 — Atrasos no pagamento dos benefícios da segurança social

O Centro Regional de Santarém, como centro piloto, tem a seu cargo não só o processamento e pagamento dos benefícios imediatos como a instrução, organização e processamento dos benefícios diferidos — pensões de invalidez c velhice.

A nível do pagamento dos benefícios imediatos tem vindo a ser recuperados atrasos consideráveis, estando presentemente a ser pagos à boca do cofre 80 % daqueles benefícios, em que se incluem o abono dc família, subsídio de casamento, subsídio de funeral, subsídio de doença.

Para os resultados obtidos não terá sido despicienda a informatização dos serviços com ligações ao Centro Nacional de Pensões e outros centros regionais.

Foram, no entanto, reconhecidas algumas deficiências e, de um modo geral, o não aproveitamento de todas as potencialidades que o sistema oferece.

Quanto às pensões, o tempo médio que demora o deferimento das pensões de velhice é de dois a três meses a partir da data do requerimento.

Os maiores atrasos registam-se com as pensões atribuídas ao abrigo dc convenções internacionais de segurança social e dos regulamentos comunitários.

De todo o modo, salienta-se que na maior parte dos casos é a segurança social portuguesa que tem que aguardar a conclusão dos processos das pensões dos beneficiários abrangidos simultaneamente pela legislação de outros países, pois, ao contrário do que seria previsível, os atrasos quanto à definição dos direitos adquiridos nestes países são comparativamente superiores aos nossos.

12 — Pensões dc Invalidez — sistema dc verificação de Incapacidades permanentes

Mereceram interesse especial os aspectos relacionados com a forma como se está a processar o actual sistema de verificação de incapacidades permanentes de que depende a atribuição das pensões de invalidez e de outras prestações baseadas na incapacidade profissional dos beneficiários.

Salientou-se, neste domínio, o facto de o Centro Regional ler adoptado um sistema de avaliação descentralizado, colocando em cada sede de concelho um médico relator, dando-se prevalência aos interesses dos utentes, que assim beneficiam de uma maior aproximação dos serviços com vantagens evidentes, poupando-lhes, nomeadamente, o incómodo das deslocações e consequente perda de tempo a par das vantagens de ordem económica resultantes dessa mesma proximidade.

Existe, aliás, uma grande preocupação de as comissões de verificação atenderem prioritariamente as situações mais graves, razão pela qual entre os pedidos apresentados se dá prioridade absoluta aos requerimentos de grande invalidez, procurando-se encurtar, na medida do possível, o período de relatório e marcar tão brevemente quanto possível a realização de exame médico.

Tem sido também preocupação dos serviços do Centro Regional atender prioritariamente os pedidos que transitaram do anterior regime das juntas médicas da responsabilidade do Ministério da Saúde, cujos atrasos foram aliás assumidos pelo actual sistema.

Existem ainda pedidos anteriores a 1987 aguardando exames de verificação de incapacidades.

Outro aspecto focado foi o dc avaliação do actual sistema, comparativamente ao regime anterior, em que era reconhecida a extrema permissividade na concessão da invalidez.

O receio de que se esteja a cair no campo oposto levou a a que se colocasse a questão, mostrando-se interesse em conhecer, nomeadamente, o número de pedidos indeferidos com base em parecer desfavorável das actuais comissões de verificação.

Segundo foi referido, a experiência colhida, até ao momento, revela que as situações em que muitas vezes sc verifica desacordo são as dos produtores agrícolas que simultaneamente trabalham a terra, o que aliás é frequente dentro da estrutura dc minifúndio que predomina no distrito.

De facto, os serviços podem declarar que o beneficiário se encontra apto, porque foi apenas avaliada a capacidade para uma das actividades, continuando aquele incapaz para outro tipo de actividade.

Para que as situações sejam apreciadas correctamente considera-se necessário que o requerente indique logo no requerimento se, enquanto produtor agrícola, trabalha ou não a terra.

O ideal, para o Centro Regional, seria conseguir um esquema dc reforma antecipada dessas pessoas, eventualmente custeadas com o auxílio económico da Comunidade Económica Europeia.

No que se refere à constituição das comissões dc verificação de incapacidades permanentes, foi salientado o aspecto inovatório da sua integração por peritos de trabalho.

Contudo, reconheceu-se que, na prática, nem sempre é feita com o rigor que sc deseja a avaliação das repercussões sócio-económicas das incapacidades.

Reconhece-se também que foi alcançado progresso significativo em relação à exigência de fundamentação das decisões das comissões de verificação, hoje plenamente assegurada pelos relatórios que servem de base às respectivas deliberações.

A articulação dos SVIP com os centros de saúde é cm geral considerada satisfatória mesmo quando se justifica a requisição de elementos auxiliares de diagnóstico necessários à comprovação de situação de incapacidade do beneficiário.

Em matéria de recursos para comissões dc revisão e no que respeita aos encargos decorrentes da sua realização nos casos em que são imputáveis aos beneficiários, reconheceu-se a existência de situações em que há de facto alguma exploração económica dos beneficiários por pane dos médicos, que lhes exigem verbas avultadas pata acederem a representá-los em recurso.

No entanto, os elementos do conselho directivo com quem contactámos garantiram que, sempre que o beneficiário o requeira, alegando a insuficiência de meios económicos, o Centro Regional assegura a nomeação 4c médico que o represente.

Ainda no sector de invalidez foi analisado o problema de divergência entre decisões de instituições de segurança social dc países ao abrigo das quais o beneficiário requeira a respectiva pensão, não obstante tais decisões se basearem no relatório de um só país — o país de residência — ao tempo cm que é requerida a pensão.

Segundo o Centro Regional de Santarém as maiores dificuldades nesse domínio têm-se feito sentir com a Holanda, cujos serviços sao extremamente exigentes na veri-

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ficaçâo das situações de incapacidade, podendo dizer-se que existe até uma certa «desconfiança» em relação aos relatórios elaborados pelos serviços portugueses.

Há mesmo a assinalar casos em que os próprios médicos holandeses se deslocam ao nosso país para confirmar os seus pareceres.

Para o Centro Regional o caminho a seguir neste sector será o da uniformização dos conceitos de invalidez e dos critérios de avaliação, sobretudo a nível dos países da CEE, que deveriam mesmo adoptar uma tabela geral de incapacidades.

Em matéria de revisão de incapacidades referiu-se que neste momento não há tempo nem disponibilidade para se fazerem exames de revisão de forma sistemática, como aliás a lei prescreve.

Por isso, as dificuldades daí inerentes —situações de pensionistas revalidados em comissões de revisão — não se lôm feito sentir no âmbito da actuação deste Centro Regional.

Na opinião do Centro esses exames deverão incidir predominantemente sobre pessoas novas e nunca sobre idosas a fim de se evitarem situações irreversíveis a nível da obtenção de novo emprego.

Ainda relacionada com o problema da revisão de situações de incapacidade foi analisada a questão dc protecção social dos pensionistas considerados aptos cm comissões de revisão.

Reconheceu-se que é duvidosa a interpretação do Decreto-Lei n.° 79-A/89, dc 13 de Março, na medida em que parece restringir a concessão do subsídio de desemprego aos pensionistas trabalhadores por conta de outrem quando por força dc alteração da situação de incapacidade seja suprimida a pensão de invalidez.

Terá sido assim pertinente a abertura de processo autónomo neste Serviço com vista ao estudo da protecção a conceder em situações idênticas às anteriores no caso dc o pensionista ter sido trabalhador por conta própria.

23 — Subsídio dc doença

No âmbito de concessão da protecção na doença não foram referidas questões especiais, parecendo decorrer sem problema a aplicação da legislação actualmente cm vigor.

A isso não terá sido alheio o facto dc muitos dos problemas existentes, neste campo, terem sido solucionados mediante a adopção dc medidas contidas nos actuais diplomas reguladores do subsídio na doença, designadamente, os que se referem à transição do regime de protecção na doença para a invalidez.

E isto na medida cm que se prevê expressamente o pagamento de pensão provisória de invalidez nesses casos.

Em relação a este aspecto os representantes do Centro Regional tiveram ocasião de salientar que em muitos casos a instituição está já a assegurar o pagamento de pensão definitiva nessas mesmas situações.

2.4 — Problemas dc inscrição dos beneficiários da segurança social

A análise deste tema mereceu uma referência especial, pois não têm sido poucos os casos dc queixas apresentadas nesta matéria e, concretamente, de beneficiários do Centro Regional dc Santarém.

Em causa estão normalmente aspectos relacionados com a legalidade das decisões sobre anulações dc inscrição quer no que se refere à exigência de fundamentação das decisões, quer quanto à audiência prévia dos interessados,

dando-lhes a possibilidade dc contestarem os factos que lhes são imputados.

Houve, neste aspecto, da parte da instituição o reconhecimento de que as questões dc legalidade formal teriam sido por vezes descuradas para salvaguardar outros valores, tais como a detecção de situações dc inscrições fraudulentas, que são extremamente frequentes em determinados regimes de segurança social (domésticas, rurais, etc).

Esta atitude está hoje praticamente abandonada, pelo que a actuação do Centro se paulua actualmente pelas normas da actual Lei de Segurança Social (Lei n.B 28/84, de 14 de Agosto) na parte que respeitam à garantia da legalidade dos beneficiários perante o sistema de segurança social.

2.5 — Aplicação do novo regime de contra-ordenações

A experiência do Centro nesta matéria parece ser ainda incipiente, estando, no entanto, a ser realizados esforços com vista à total implementação do regime.

É possível prever desde já um grande número de processos.

A actuação do Centro Regional nesta matéria não vai além de acções de uma advertência e de exigência do pagamento da coima mínima à boca do cofre sempre que é detectada alguma infracção.

Pensa-se que tais acções poderão vir a fazer diminuir o número de processos a instruir e o que se tem constado, face aos resultados já obtidos, é que é mínimo o número de reincidentes.

O maior volume de processos recairá sempre no sector dos contribuintes.

2.6 — Fiscalização

Sendo este sector de fundamental importância, pois da intervenção correcta e eficaz dos serviços de fiscalização depende, em grande parte, a correcta aplicação dos regimes de segurança social c, naturalmente, a sua moralização através da detecção dc eventuais fraudes, não deixaram os signatários de colocar a questão cm termos de indagar das possíveis deficiências.

Foi salientado que está assegurada a cobertura de todo o distrito, embora se considere ainda insuficiente o número de funcionários.

Foi também assinalada a colaboração com outros centros regionais limítrofes e, nomeadamente, o de Évora, com vista à permuta, por determinados períodos, de funcionários dos serviços de fiscalização que actuam fora das suas áreas habituais.

Pretende-se assim que a familiarização e o conhecimento próximo das situações não afectem a imparcialidade que sc pretende garantir a este nível de intervenção. <'

3 — Visita ao Lar de São Domingos

Constituiu uma experiência gratificante a visita que efectuámos, na companhia da vogal do conselho directivo responsável pela área da acção social ao Lar de São Domingos.

Esta instituição sucedeu ao antigo Albergue da Polícia, tendo sido remodeladas as antigas instalações.

Funciona hoje cm condições que nos pareceram modelares, dados os aspectos organizativos que nos foi dado observar, o extremo asseio das instalações, o ambiente acolhedor e o clima de afecto que transparecia nas relações entre o pessoal da instituição e os próprios residenies.

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De notar que só com elevado espírito de dedicação e com assinalável esforço se terá conseguido assegurar o nível de funcionamento e a qualidade dos serviços prestados na referida instituição, dado que, do total de idosos que ali permanecem — 108—, a grande maioria é de idade avançada e em número elevado são pessoas sem autonomia, necessitando de assistência e acompanhamento permanentes.

4 — Conclusões

A abordagem das questões expostas permite-nos formular as seguintes conclusões:

1) Ressalta, em primeiro lugar, a impressão genérica, colhida na troca dc impressões mantida, de que a posição assumida pela instituição face às principais questões equacionadas é correcta;

2) Não foram detectados procedimentos que devam ser apontados por se afastarem do que se entende dever ser a aplicação correcta e uniforme dos diplomas legais cuja execução foi discutida;

3) Os principais problemas parecem residir mais na própria adequação da lei para uma solução justa e correcta das situações a resolver,

4) A ilustrar esse facto, verificou-se que os principais atrasos a nível da atribuição das pensões decorrem da aplicação dos instrumentos internacionais de segurança social e, concretamente, dos próprios regulamentos comunitários.

Dc facto, registam-se ainda lacunas no que respeita à articulação da legislação dos vários países, nomeadamente no que se refere à uniformização dos conceitos, em especial quanto à definição da invalidez que serve de fundamento à atribuição do direito à pensão;

5) É também factor dc atraso no pagamento das pensões a actual legislação que regula a acumulação das pensões de segurança social com outras pensões;

6) Ainda em termos de atrasos na atribuição das pensões apontam-se os existentes na regularização dos processos de pensões de invalidez cuja verificação foi requerida ao abrigo das anteriores juntas médicas;

7) Em matéria das decisões tomadas na apreciação da inscrição dos beneficiários nos regimes de segurança social, reconheceu-se a existência de casos cujo tratamento não terá sido feito em total consonância com as normas aplicáveis c que garantem a legalidade dessas decisões;

8) Haverá neste momento maior sensibilização dos serviços para se ultrapassar esses «desvios» de interpretação das leis em vigor, procurando-se maior rigor na aplicação dos diplomas da Lei n.B 28/84, de 14 de Agosto, aplicáveis na matéria;

9) A nível da fiscalização a actuação do Centro parece dinâmica, sublinhando-se as acções que estão a ser levadas a cabo em colaboração com os Serviços de Fiscalização dc outros centros regionais;

10) Reconhecc-se que, em termos de organização, existe uma preocupação dc descentralização, nomeadamente, a nível dos serviços de verificação de incapcidades permanentes;

11) A avaliação cm termos de aplicação do regime dc contra-ordenaçâo revela uma prática ainda

incipiente, com acções que visam apenas a detecção de pequenas infracções c a informação e sensibilização dos utentes, com vista à prevenção das infracções;

12) Assinala-se a carência de meios humanos que, no entanto, tem sido torneada através do recurso a meios alternativos por forma a resolver, ainda que transitoriamente, as situações que se deparam;

13) Regista-se o esforço que está a ser feito no âmbito da acção social, no sentido de assegurar que a protecção neste domínio se estenda a todo o distrito;

14) Nessa área parece, no entanto, que há ainda muito a fazer e isso dependerá, fundamentalmente dos meios financeiros e humanos que venham a ser conseguidos.

Visita à Direcção Regional de Educação da Zona Sul

1 — Esta visita teve lugar em 28 de Novembro de 1990, e nela participaram o juiz-coordenador Mário Gonçalves Pereira e a assessora principal Maria José Iria.

Ao longo do dia fomos acompanhados pelo Sr. Director Regional de Educação da Zona Sul, Dr. José Ventura da Cruz Pereira, subdirectores regionais Dr.' Ernestina de Sá e engenheiro Carneiro, e ainda pelos técnicos superiores Dr.' Margarida da Conceição Félix Projecto e Dr. José Manuel Magalhães Coelho.

2 — Direcção Regional de Educação da Zona Sul:

2.1 — A extensão geográfica da Zona Sul abrange lodo o Alentejo (distritos de Portalegre, Évora, Beja) e Algarve, a desanexar em breve.

2.2 — Em termos de recursos humanos, eslá-se aguardando o quadro de afectação desde finais dc 1989, reve-lando-se assaz difícil o recrutamento dc pessoal qualificado, quer pelo afastamento dos gTandes centros, quer pela assinalada indefinição legal relativamente ao quadro 4c afectação.

2.3 — O orçamento da DRES, embora abranja uma extensão geográfica muito superior à de outras direcções regionais, é idêntico em lermos globais a todos os ouuos, o que inviabiliza, por vezes, acções de grande interesse.

2.4 — A aquisição de instalações é da competência Sc-cretaria-Gcral do Ministério da Educação, facto que até aqui tem determinado a dispersão dos serviços da Direcção Regional por vários edifícios, todos localizados na cidade de Évora.

2.5 — Neste momento prestam serviço na DRES os seguintes elementos, todos requisitados do Ministério da Educação e ouuos serviços:

27 técnicos superiores; 40 professores requisitados; 17 funcionários administrativos; 9 funcionários auxiliares.

2.6 — Competências — a de todos as direcçôes-gerais. Excepções: Ensino Particular e Cooperativo GETAP (articulação com a DRES).

2.6.1 —Colocação de professores:

1 .* fase — nacional;

Coordenação da 2.* fase — distrital (2.°c 3* ciàoáy, Primário — Distrito Escolar; Miniconcurso — escolas.

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2.6.2 — Acções de alfabetização:

Equipa dc projecto da extensão educativa:

Curso de ensino básico; Cursos de adultos:

Junta de Freguesia; Escola-Casa do Padre;

Ensino especial — área educativa — APPCA (apoio

na área de recursos humanos); Equipa de projecto — coordenador de extensão

educativa:

Destacamento de professores; Equipamento especial.

2.6.3 — Incentivo à criação de associações de pais, dado que as existentes são poucas ainda que muito activas.

2.6.4 — Destacamento de um professor para o Projecto Vida — o Projecto Vida desdobra-se em formação:

Jovem a jovem; Pais a pais.

2.6.5 — Formação/intervenção — designação de substitutos itinerantes dos delegados acompanhantes dos formandos nas Escolas — articulando com o ensino superior e colocação dos estagiários.

Cooperação com as Escolas Superiores dc Educação de Faro, de Beja c de Portalegre, para apoio aos estagiários.

2.7 — Equipamentos educativos:

Expropriação (com apoio jurídico para implementação

a nível regional, a cargo da DRES); Concursos; Empreitadas;

Equipamentos (todos os níveis, com excepção de escola a nível do ensino primário).

2.8 — Articulação com as autarquias — a nível de transportes, cantinas e refeitórios.

2.9 — Conservação de edifícios dc escolas — a cargo da DRES, apenas os antigos.

2.10 — Não se registaram quaisquer queixas. 3 — Conclusões:

3.1— A impressão geral é favorável, pese embora a situação em que a DRES se encontra — em fase de instalação e de estruturação, atenta a cisão, para breve, de zona do Algarve que se transformará numa nova Direcção Regional.

3.2 — Verifíca-se, no entanto, um ambiente dinâmico e uma vontade enorme de ultrapassar as dificuldades existentes, que são muitas e variadas, especialmente a nível orçamental.

3.3 — A regionalização das direcções-gerais do Ministério da Educação encontra eco nos dirigentes da DRES, não obstante a exiguidade de estruturas detectada, que sempre poderá obviar à concretização dos objectivos tidos em vista, designadamente se o percurso, até à fase dc estabilização, for demasiadamente longo.

Visita à Delegação de Évora da Inspecção-Geral do Ensino

1 — Esta visita teve lugar em 29 de Novembro de 1990, e nela participaram o juiz-coordenador Mário Gonçalves Pereira e a assessora principal Maria José Iria.

Ao longo de toda a visita fomos acompanhados pelo Sr. Inspector Bartolomeu Magro c pela restante equipa de professores destacados nesta Delegação Regional.

Esta Delegação instalou-se em Outubro de 1990 no edifício actual, adquirido pelo Estado, após ter ocupado provisoriamente, durante oito anos, um pavilhão numa escola preparatória.

2 — A Delegação de Évora está dividida , para efeitos de serviço interno, em três coordenações de sectores (primário; preparatório e secundário; administrativo e financeiro), dirigidas por três coordenadores (assessores).

Cada sector tem habitualmente reuniões dc sector para aferição dos critérios adoptados. A seu cargo encontra-se igualmente a formação do pessoal, a nível inspectivo e regional.

3 — Para efeitos dc serviço externo, a área correspondente a esta Delegação compreende parte do distrito dc Setúbal e os distritos de Portalegre, Évora, Beja e Faro.

4 — Os recursos humanos compreendem:

Inspectores nos distritos;

Professores requisitados (serviços centrais — coordenadores dc sector, apoiados por pessoal de secretaria).

5 — A nível de competências, a Inspccçüo-Gcral do Ensino tem funções:

De acompanhamento no ensino primário;

Funções/escolas do ensino preparatório c secundário — funções de acompanhamento pedagógico. Cada inspector tem a seu cargo 10 a 12 escolas, que visita regularmente de três cm três semanas;

De instrução de processos disciplinares (embora a competência para aplicação das penas disciplinares pertença à DRES);

Inspectívas;

Dc articulação com o poder local — nas escolas primárias, uma vez que os edifícios pertencem às autarquias.

6 — Conclusões:

6.1 — A impressão geral é favorável.

6.2 — Esta Delegação encontra-se muito bem instalada, num edifício desafogado e bem situado.

6.3 — O quadro dc pessoal pareceu-nos suficiente, para as funções exercidas.

4 — Não obstante as acções de formação de pessoal ocorrerem na sede da Inspecção, tem-se procurado complementar as mesmas com acções a nível regional.

6 —ALGUMAS INTERVENÇÕES PÚBLICAS DO PROVEDOR DE JUSTIÇA

Acto de posse do actual Provedor de Justiça, em 5 de Junho de 1990

No acto de posse do actual Provedor dc Jusüça, o Sr. Presidente da Assembléia da República, Prof. Doutor Vítor Pereira Crespo, proferiu palavras que muito sensibilizaram e honraram o Provedor, seu antigo colega no Governo de Francisco Sá Carneiro.

Nelas salientou a indispensabilidade do Provedor dc Justiça numa sociedade democrática.

E disse, em certo passo, referindo-se às recomendações e análises do Provedor:

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Fortalecem a confiança nos serviços públicos; fazem com que cada um se sinta mais protegido; reduzem antagonismos, e ao mesmo tempo ajudam a criar condições para o apagamento de burocracias asfixiantes ou opressoras.

A acção do Provedor é, de certo modo, a palavra da consciência pública ou, para utilizar uma síntese do empossado, o povo a falar em voz alta, e para ser ouvido.

Mais adiante, ponderou o Sr. Presidente da Assembleia da República:

A simplificação, modernização e reorganização dos serviços toma mais claros e mais céleres os processos e práticas administrativos.

Impõe-se esconjurar, definitivamente, o anonimato e torres de marfim, franquear as portas para a familiarização do público com a Administração. Clarificar as fronteiras entre a lei e o regulamento.

Nos períodos dc acelerada transformação, proliferam regulamentos internos, circulares e disposições interpretativas, por vezes contraditórias, e que se não encontram ao alcance imediato do cidadão.

Tais situações provocam ansiedade, geram síndromas, perplexidades ou até mesmo fenómenos de rejeição. Que importa evitar.

0 labirinto das normas, a peregrinação pelas repartições e a profusão de impressos podem simplificar-sc, ou mesmo banir-se, pela introdução da informática e pelo desenvolvimento e utilização de bases de dados.

Bem sabemos que isso obriga ao refazer dc rotinas e a um esforço de codificação e normalização generalizadas, mas que tem a virtude de nos aproximar dos padrões administrativos e práticas modernas europeias, ou mais avançadas.

Deste modo estaremos mais apetrechados para dar ao público o que ele precisa, de satisfazer o direito que assiste aos cidadãos dc esperar que os serviços lhes ofereçam o que corresponda às suas aspirações justas.

E assim também sc aprofunda a democracia.

Pelo acréscimo de transparência, pelo mais perfeito conhecimento de como o cidadão deve actuar e comportar-se para colher os benefícios sem sacrifícios inúteis; libertar-se do emaranhado de decisões técnico-burocráticas c facilitar o melhor cumprimento dos seus deveres c obrigações.

Por seu turno, o novo Provedor de Justiça disse as seguintes palavras:

1 — Propuseram-me para este cargo o PSD e o PS; ao processo de formação dessa proposta fui por completo alheio e nem dele me apercebi; a única expressão de vontade que há cerca de um ano manifestara, ao ser hipoüsada tal indigitação, fora peremptória c sinceramente ncgaüva.

Não contabilizei — ao ser agora inesperadamente colocado perante uma situação que, para se consumar, faltava apenas ser por mim conhecida — ganhos e perdas pessoais; sc o tivesse feito, a minha posição continuaria a ser obviamente negativa. Persuadi-me, no entanto, por saber que o meu nome não surgira dc um arranjo partidário de circunstância; nenhum partido deu ou recebeu nada em troca; as duas direc-

ções partidárias descomprometidamente convergiram em alguém que consideraram adequado, esquecendo o pressuposto dc que estava em causa um deputado do PSD; na trilogia «PSD-PS-eu próprio» estou certo de que o único elo que careceu de ser «convencido» fui eu mesmo.

Na eleição, poderia a indigitação ter sido rectificada ou fragilizada; as orientações partidárias diluem-se, muitas vezes, sob a incontrolabilidadc do voto secreto. Mas tal não aconteceu. E o resultado da eleição, que teve lugar cm dia «quente», com o PSD irredutivelmente antagonizado face aos outros partidos numa outra votação, revelaria que apenas 10 deputados, de um universo de mais de 200, não concordaram com a candidatura apresentada em comum pelo PSD e pelo PS. E como a Assembleia da República é também integrada pelo PCP, pelo PRD, pelo CDS, pelos Verdes e pelos deputados independentes, estou em crer que o consenso foi quase geral. E posso concluir que, sendo a eleição feita por uma assembleia política, fui eleito, de algum modo, não por ser um deputado do PSD, mas... apesar de ser um deputado do PSD.

Inicio, pois, a actividade de Provedor dc Justiça com uma personalizada e reforçada legitimidade, que, se para mim será razão dc maior responsabilidade, igualmente o deverá ser para os poderes públicos c para todas as suas ramificações.

Não se espere de mim acomodação ou rotina; opto, enquanto tal é viável e sem que isso faça perigar a coerência ou a essencialidade das tarefas, pelos caminhos da persuasão e do consenso. Mas sempre acreditei no que faço e no que devo e posso fazer.

2 — Do que se mostra, por exemplo, do 1.6 relatório do Provedor dc Justiça, respeitante a 1976, estive ligado, desde antes de 1974, à institucionalização, em Portugal, de um ombudsman; como em 1972 escrevi, ele possibilitaria a cada cidadão o «poder viver cm condições de liberdade e de segurança, na medida em que, com total independência, censuraria c controlaria os erros, excessos e abusos dos poderes constituídos».

Conforme tive ocasião dc salientar, como Ministro da Justiça, na sessão solene comemorativa do 10." aniversário da criação do Provedor de Justiça, em 2 de Julho de 1986, «motivava-me a vinculação, que sempre reconheci, a Mounier, mas sem me afastar do generoso radicalismo de Alain; ambos confluíram, aliás, na mesma ideia de que o poder não controlado é ele próprio impelido para o abuso e de que a pessoa ganha o seu rosto social, como cidadão, enquanto possa reagir e criticar os poderes mal exercidos [...}. A mais funda dignidade da pessoa humana estará no universo ético que disponivelmentc assume, mas resultará também da dignidade social que se lhe promove; o conceito jurídico de pessoa é um conceÁv» pobre, desumanizadamente linear e dessubsianciali-zado; a pessoa é uma unidade convivida de viver, como a configurou Max Schcler. Não bastarão, pois, os paraísos textuais das leis que os homens inventam; preciso será que elas tenham como suporta e como desuno uma realidade em que as pessoas sc expandam e concretizem em liberdade, em respeito, em progresso moral e material».

Dá ainda conta aquele l.° relatório do Provedor de Justiça que, depois de 1974, como membro da

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Comissüo de Reforma Judiciária junto do Supremo Tribunal de Justiça, criada nos termos do Decrcto--Lei n.8 261/74, de 18 de Junho, propus, já em concreto, a inclusão na ordem institucional portuguesa de um Provedor de Justiça, designado pelo Parlamento; «personalidade inteiramente independente do Poder Executivo», teria como característica função a de «receber queixas específicas, emanadas dos particulares, visando uma injustiça ou um acto de corrupção ou de má administração».

Aconteceu que em fins de 1974 fui eleito bastonário da Ordem dos Advogados; e, ao que posso rememorar com base nos relatórios publicados pelo Conselho-Gcral relativamente aos anos de 1975, 1976 e 1977, uma não pouco significativa parte da minha actuação foi no sentido da consolidação e da preservação dos direitos do homem, então já numa sociedade democrática.

Logo no início de 1975 foi criada na Ordem a Comissão dos Direitos do Homem, à qual pedi fosse, avant la lettre, uma «provedora de justiça» (sic); pela Ordem passaram nesse ano os secretários-gerais da Amnistia Internacional e da Comissão Internacional de Juristas, Srs. Martin Ennals e Niall Mac Dcrmot, e o presidente da Liga Belga para a Defesa dos Direitos do Homem, Sr. Mare de Kock. Em 1976, nomeado como já estava, desde fins de 1975, o 1.° Provedor de Justiça, Sr. Coronel Manuel da Costa Brás, de imediato a Ordem estabeleceu com ele um contacto disponível; numa sessão do Instituto da Conferencia de Lisboa, em Fevereiro desse ano, em que eu próprio apresentei uma comunicação sobre «O Provedor de Justiça», desenhou também o Sr. Coronel Costa Brás, com memorável concludcncia, os traços dominantes do que viria a ser o novo instituto. E se em Julho de 1975 a Ordem promovera na sua sede o primeiro colóquio que em Portugal se realizou sobre o Conselho da Europa, organizaria cm 1976 um seminário sobre a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, com a participação de Rolland Müller, ao tempo director da Secção dos Direitos do Homem do Conselho da Europa, c dos especialistas dessa Secção, Srs. Guarneri e Salvia.

Foi precisamente cm 1976 que, com o impulso da Ordem, que para tal contou com o apoio de distintos magistrados e de outros juristas, se constituiu a Secção Portuguesa da Comissão Internacional de Juristas— Direito e Justiça, de que fui eleito presidente.

Finalmente, em 1977 participaram em sessões públicas na Ordem algumas destacadas personalidades no domínio dos direitos do homem, como, designadamente, Paul Sieghart, presidente executivo de Justice (Secção Inglesa da Comissão Internacional de Juristas) e do British Institute of Human Rights. E, como já se esboçava a integração comunitária, organizou a Ordem um Seminário sobre a Advocacia e a Europa, iniciado por uma conferência do Dr. Werner Dcuchler, presidente da Internacional Bar Association, na qual foram, precisamente, focados os novos direitos.

Não me distanciaram os percursos da vida da velha pregação. E a minha actividade como Provedor de Justiça será, assim, o retomar, durante quatro anos (espero que possíveis indiferenças, incompreensões ou bloqueamentos não me forcem a um antecipado «non possumus»), de uma causa pela qual tão insistentemente lutei.

3 — Conferiu a Constituição Portuguesa, desde 1976, um especial relevo ao Provedor de Justiça; o artigo 24.° de então (agora artigo 23.°) logo o incluiu no título i da parte i dos «Direitos e deveres fundamentais»; era o único órgão do Estado uninominal, não incluído nos órgãos de soberania, que a Constituição particularizava.

Membro nato ou por inerência do Conselho de Estado e detentor do direito de iniciativa da fiscalização abstracta da constitucionalidade e da legalidade de quaisquer normas e da declaração da inconstitucionalidade por omissão, viu o Provedor melhor explicitada a sua presença institucional na redacção dada ao artigo 23.° da lei fundamental na 2.5 revisão.

Remonta o seu actual Estatuto a 22 de Novembro de 1977 (Lei n.8 81/77) e carecerá, por certo, de ser actualizado, com base num feed-baclc de quase 13 anos. Dele se mostra, no entanto, que o Provedor de Justiça tem estatuto idêntico ao de ministro — o que, segundo me foi episodicamente contado pelos provedores com quem contactei nas quatro vezes em que eu próprio fui Ministro da Justiça, nem sempre era sabido pelos meus colegas de então. Pode efectuar, com ou sem aviso, visitas de inspecção a lodo e qualquer sector da administração central, regional e local, incluindo as empresas públicas, examinando documentos, ouvindo órgãos e agentes da Administração ou pedindo as informações que reputar convenientes. É-lhc ainda dada competência para proceder a todas as investigações que considere necessárias ou convenientes. E poderá solicitar a qualquer cidadão depoimentos ou informações sempre que o repular necessário para o apuramento dos factos, constituindo crime de desobediência a falta de comparência ou a recusa de depoimento não justificado.

Propositadamente, e a título de mera amostragem, referi estes pontos do estatuto do Provedor, para que se não pense, como neste país «funcionalista» e «imediatista» se poderá ser levado a pensar, que ele é como que uma «caixa de correio» de queixas dos cidadãos, a que os poderes constituídos darão seguimento ou atendimento quando estiverem em dia «sim».

4 — E não será caso de convocar agora a intervenção que a Lei de Defesa Nacional lhe comete no artigo 33.8, e as que de outros diplomas lhe dimanam, como, por exemplo, do Decrcto-Lci n.° 446/85, de 25 de Outubro, relativo às cláusulas contratuais gerais, ou contratos de adesão, cm que todas ou quase todas as estipulações são pré-redigidas, «massificando» a liberdade contratual e os legítimos direitos dos consumidores.

5 — No vol. iv das Lições de Direito Administrativo de 1984185, considera o Prof. Freitas do Amaral como essencial a garantia não jurisdicional do «apelo ao Provedor de Justiça», até porque só ela preenche domínios em que o recurso aos tribunais ou para as autoridades administrativas não daria resposta eficaz aos direitos dos particulares.

Pressupõe o ilustre administraiivista que o relevo institucional do Provedor fará com que a Administração Pública «se convença de que deve seguir as suas recomendações». Mas na hipótese de tal não acontecer tem o Provedor o direito de dar público conhecimento da inobservância, quer cm conferencias

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de imprensa, quer através do seu relatório anual, apresentado à Assembleia da República.

E acrescenta: «Nalguns países, designadamente em França e na Inglaterra, vai-se mais longe c estabclcce--se que, uma vez entregue o relatório anual [...] ao Planeamento, este deve pôr a funcionar uma comissão parlamentar especial cujo objectivo é o de chamar a depor perante ela as autoridades administrativas que não tenham cumprido as recomendações [...].» (P. 66.)

Nos termos do actual Regimento da Assembleia da República, de 1988, pode o Provedor comunicar à Assembleia que a Administração não actuou de acordo com as suas recomendações ou se recusou a prestar a colaboração pedida; esse relatório especial é publicado no Diário da Assembleia da República, onde, aliás, também são publicadas as recomendações legislativas que ele transmita (artigos 261.9 e 262.9).

Quanto ao relatório anual, deve ser debatido no Plenário da Assembleia, após recepção do parecer da comissão parlamentar especializada (artigo 260.9).

6 — Por exemplo em 1979 foram apresentadas 2336 queixas escritas ao Provedor e 601 queixas verbais, lendo ele tomado, independentemente dc queixa, 46 iniciativas; os processos de declaração de inconstitucionalidade foram nesse ano dc 51.

Em 1986 — ano a que se reporia o último relatório publicado — esses números foram, respectivamente, de 2876, 478, 22 e 65.

Tudo me leva a supor que o número dc queixas lerá aumentado desde então, até porque, como sc consigna no relatório desse ano, sc verificou «um espectacular aumento de esclarecimento público».

«Bastará anotar — diz-se aí — que houve 19 entrevistas concedidas à imprensa (contra 10 no ano anterior), 30 entrevistas concedidas à rádio (conira nenhuma no ano anterior), 6 entrevistas concedidas à televisão (contra 3 no ano anterior), 10 palestras proferidas pelo Provedor (contra 4 no ano anterior) e 2 palestras proferidas pelo adjunto do Provedor (contra nenhuma no ano anterior).»

Na realidade, a força da opinião pública, consciencializada através do direito a informar e a ser informada, é uma vertente nuclear de qualquer sociedade democrática, operando como um «plcsbicito quotidiano» dos poderes. A tutela da dignidade — não uma tutela mecânica e abstracta mas uma tutela efectiva c visível — passa por uma promoção activa do civismo, e o civismo não se traduz apenas em as pessoas cumprirem os seus deveres, mas em exercitarem, com conhecimento de causa, os seus direitos, quer em matéria de liberdades públicas, quer na área dos direitos sociais, culturais e económicos.

Daí que, impenitente defensor e — por que não dizê-Io? — promotor do acesso ao direito, acredite que uma das tarefas maiores do provedor de Justiça será a divulgação do conteúdo e da significação de cada um dos direitos e liberdades fundamentais — tarefa que, aliás, lhe é cometida pela alínea d) do n.9 1 do artigo 18.9 do Estatuto dc 1977.

E, na verdade, a democracia uma prática dc participação responsável. Ora só poderá participar quem conhecer. Há que aproximar o direito, desdobrado cm direitos, das pessoas, rctirando-lhc o sopro de mágica que o desumaniza.

7 — Por isso mesmo me sentia muito bem na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a que presidi durante quase três anos, num conjunto de colegas que, por tão qualificados, nunca mc fizeram sentir «presidente». Desta experiência poderei repetir o que em princípios dc 1978 disse, ao deixar a Ordem dos Advogados: «Valorizo já, com saudade e emoção, os momentos em que contactei com pessoas que ganharam presença firme no meu espírito c na minha afectividade. Vejo, assim, desde já, com uma ponta de tristeza, encerrar-se este ciclo da minha vida»; cm circunstâncias por vezes tabelarmcntc não muito fáceis pude sempre actuar «de harmonia com a minha consciência e num clima de generalizada compreensão c dc csümulantc simpatia humana.»

A lodos os Srs. Deputados, direi que, para além da mágoa da partida, poderão ter a certeza dc que elegeram um Provedor de Justiça independente, não por postura formal, mas por convicção bem precisa e firme. Transpondo de algum modo as clássicas palavras de Burke, ditas cm 1774 quando foi eleito deputado por Bristol, dir-vos-ei que foi eleito um deputado do PSD, mas que, uma vez eleito, ele será um Provedor de Justiça sem qualquer adstrição ou liame político-partidário.

A V. Ex.!, Sr. Presidente da Assembleia da República, dirijo as minhas muito amigas saudações, dc inalterado e sempre renovado apreço pelo muito que tem feito pela dignificação da instituição parlamentar.

Entre a aventura e a rotina (*)

1 — Contém a Constituição uma pormenorizada listagem de direitos fundamentais, que, na generalidade, estão formalmente transpostos para as leis. E logo, como ideia-força, proclama, no artigo l.°, que «Portugal 6 uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana c na vontade popular e empenhada na construção dc uma sociedade livre, justa c solidária». A pessoa é, pois, como não podia deixar de ser, o essencial valor programático do nosso direito.

Questão diversa será a dc apurar até que ponto os direitos formalmente consignados estão a ter equivalência na realidade; isto, mesmo aceitando que num programa normativo (como é o da Consumição, nesta área) interceda sempre um certo (e saudável) grau de utopia; só que o «apelo ao Céu (appeal to lleaven), dc que já falava Locke, apenas encontra resposta, em não muito bem contados casos, no purgatório.

Há direitos que somente estão nos textos (sobretudo nas áreas do social, do económico e do cultural), há percursos que, afirmados, ficaram a meio, há metas insuficientemente definidas.

Não sc ignora que há portugueses com fome, sem casa, sem emprego estável, sem segurança, sem o mínimo de qualidade de vida. Há demasiados direitos «adormecidos» e não poucos direitos ignorados. Para que dizer, por exemplo, como no desígnio constitucional (artigo 64.8), que «todos têm direito à protecção da saúde» se doentes graves, carecidos de intervenções cirúrgicas urgentes como condição de sobrevivência, aguardam meses a fio cm

(*) Depoimento publicado no Público, em 16 dc Setembro dc 1990.

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burocráticas «listas dc espera»? Qual o estado de espírito de muitos jovens que não podem, por decorrência de circunstâncias que lhes são alheias, escolher (ou exercer) uma profissão, constituir família, medir o futuro pelos palmos da esperança?

2 — Competirá ao Estado, que serve a pessoa (e não o inverso), melhorar, simplificar, dar sentido e horizonte à vida de todos nós. Mas caberá também a cada um de nós, «centros nervosos» que somos de uma sociedade participada, levar a que esta seja efectivamente mais «livre, justa e solidária».

Nem será cair num moralismo de compêndio pedir-se que o Estado respeite as pessoas e que as pessoas se inter--respeitem. O cu não somos apenas nós e a nossa circunstância; o eu somos nós e os outros.

3 — Claro que não há Estados nem sociedades perfeitos. A acção política transmuda-se não raramente numa estratégia do poder pelo poder; quantas vezes a aparentemente boa acção política não é apenas imagem, desenhada por bem preparados exercícios de marketing? E, por seu lado, à acção das pessoas subjaz, também não raramente, um individualismo arrogante, embora dc uma arrogância interior, exteriorizada por palavras (auto-) suficientemente brandas: «O ser disso! ve-se totalmente no ter» (Gabriel Marcel).

Sem ingénuas ilusões, pois o mundo é o mundo, e o Estado tende a ser possessivo, e os homens não são santos, há que ensaiar um Estado melhor e uma reforçada socialidade nas pessoas, induzindo-as (e induzindo-se cada uma delas a si mesma) a um mais praticado civismo.

No que ao Estado se refere, na sociedade mediática de hoje, o direiio-dcver de informar bem («subjectivamente» bem, já que a comunicação social é feita, c tem de ser feita, por pessoas livres c pensantes) será determinante para a conformação de uma opinião pública que possa escolher, sabendo o que e quem escolhe. Não foi por acaso que, num livro recente, já de 1990, François-Henri de Vi-ricu (o de L'heure de vérité da francesa Antena 2) falou dc um certo trânsito da democracia para uma mediacracia. Não se tratará, obviamente, de substituir aquela por esta; traiar-se-á, sim, dc acentuar o decisivo papel que uma informação responsável (responsável perante ela própria e os seus valores) poderá ter, e efectivamente tem, na revalorização de uma sociedade democrática.

4 — Por último, c quase que num «desabafo»: falta a Portugal um projecto colectivo com rasgo, grandeza, ambição, mobilizador das energias vitais. Cultivamos o instante e o precário, perdemo-nos na «fascinação da bagatela», gastamo-nos na política (pequeno) espectáculo. Daí as bolsas, cada vez maiores, de um certo saudosismo por figuras que protagonizaram um recente (e mau) passado. O balancear encre a aventura c a rotina continua a ser uma constante caracterológica dos Portugueses. Agora estamos em fase de rotina. Por mais que se figa o contrário.

Mário Raposo.

No 3.s Congresso Nacional dos Advogados (*)

1 — Impedido de estar presente, por razões de Estado, quis o Sr. Presidente da República que eu aqui o representasse: terá pensado no Ministro da Justiça do seu

(*) Palavras ditas na sessão dc abertura do 3.9 Congresso Nacional dos Advogados Portugueses, à qual o Provedor de Justiça presidiu, em representação dc S. Ex.. o Presidente da República (25 dc Outubro de 1990).

último Govemo antes dc ser eleito para a Presidência da República, mas ter-se-á, sobretudo, lembrado do advogado que foi bastonário e que, simbolicamente, como que mantém uma remanescência dc representatividade desta nossa Ordem.

Mais do que isso, porém. Pondo de lado o que ditaria o protocolo estrito, decidiu que, em vez de ler uma mensagem sua, eu deveria, por palavras minhas, dizer o que significa esta reunião maior dos advogados portugueses.

Esta outorga de confiança num advogado —agora transitoriamente in partibus — é bem a atitude do homem aberto, justo e solidário que sempre foi o Sr, Presidente da República. E é, dc igual modo, a espontânea atitude dc alguém que, por ser advogado, entende que o mandato representativo deve ser exercido com disponibilidade própria, resguardado o sentido essencial da vontade do representado e não transgredida que resulte a relação de fidelidade que é fundacional dever e vocação determinantemente conformadora da missão do advogado.

Creio que só um advogado «de raiz», como é o Sr. Presidente da República, assim procederia: não foi por acaso que por deliberações unânimes e autónomas do Conselho-Geral e do Conselho Superior lhe foi, pela primeira vez, atribuída, cm Dezembro de 1989, a medalha de ouro da Ordem. E com incontroversa pertinência o foi: em muito significativa medida devemos ao Sr. Dr. Mário Soares — à sua coragem cívica e ao persistente combate em que durante longos e difíceis anos se empenhou na procura de um Portugal diferente— a possibilidade de agora vivermos numa sociedade firmada nos valores da democracia c, por conseguinte, da pluralidade de pers-pccüvas, dc opiniões e dc caminhos escolhidos pelo povo português.

Não lendo podido, exactamente pelo muito que dc si deu à grande causa da liberdade (a maior de todas as causas), exercer uma duradoura actividade forense, é o Sr. Dr. Mário Soares um advogado a corpo inteiro; e quem o é, mesmo que circunstâncias institucionais (no caso as que o vieram depois a colocar no topo da hierarquia do Estado) o arredem formalmente do exercício da advocacia, nunca deixa de o ser — de se sentir e de se querer um advogado.

Coniou-me na época o Dr. Femando de Abranches-Ferrão — uma saudade que mc embacia os olhos — que, no acto com que assinalou o xxx aniversário do Jornal do Foro, deixou uma cadeira vaga a seu lado: era aquela que, por direito c mérito próprios, deveria ocupar o Sr. Dr. Mário Soares, cnlâo deportado em São Tomé.

Dc resto, nunca deixou dc pulsar neste espaço generoso e aberto que foi e queremos continue a ser o da nossa Ordem, um irreprimível sentido de alternância: bastonários como Barbosa de Magalhães, Catanho de Menezes ou Pedro Pitta alternaram com bastonários como Martins dc Carvalho, Pinheiro Chagas ou Domingos Pinto Coelho. Dissonantes nos ideários políticos, em momento algum deixaram de convergir na ideia comum que todos unham da Ordem, garante da inteireza do seu papel protagonístico, da sua firme independência e autonomia face aos poderes então convencionados para o Estado. E nunca nos seus mandatos a Ordem se fraccionou e nem mesmo sublimi-narmente se adequou ao que pudesse afectar a dignidade do direito ou o prestígio das instituições judiciárias e daquela que constitui como que o seu insubstituível suporte: a profissão forense.

2 — O Congresso que agora se inicia é um Congresso virado para o futuro. E ainda bem que assim é: o advogado

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continua, tem de continuar a ser, um agente, um nervo-motor da mudança necessária — quer nas ideias, quer nos

métodos de trabalho, quer nos horizontes de actuação. A vida em acto não pode mais ser encarada por lunetas do século passado; tudo hoje é quantitativamente maior e carece de ser mais rapidamente enfrentado. O direito é um direito mais urgente. A história acelera-se. O advogado, inventariando as possíveis soluções, terá, por vezes, dc inventar novas perspectivas.

Há, pois, que redimensionar capacidades, que potenciar valências, que não recusar uma tendencial especialização.

Mas, latentes no fundo, e comandando os actos e as opções de conjuntura, estarão as regras deontológicas, os padrões de convivência, o suplemento de calor humano, aquilo que não é apenas uma frase, mas o perene lema da nossa multissecular «nobreza»; a alma da toga. Esta, como valor referencial, será comum ao advogado dc empresa, ao advogado de gabinete, ao advogado internacional, ao advogado de barra. A toga não é uma roupagem: é um estado de espírito.

3 — Nesta acepção, a alma da toga é, realmente, um estado de espírito — e é uma responsabilidade. Ela impõe que o advogado seja mais exigente perante si mesmo e perante o Estado. E ela que o impele, em qualquer momento e em qualquer tarefa, para a defesa das liberdades e dos direitos fundamentais, para um reforçado civismo, para a procura de um exacto equilíbrio entre a democracia formal e a democracia real. É ela que impõe que o advogado reclame a transparência da Administração e daqueles que a prefiguram, e que exija a ultrapassagem do burocratismo ainda não dissipado, que complexifica o que deveria ser simples e natural.

Como eu próprio recordava no nosso 1.9 Congresso, em 1972, as palavras do advogado Jerónimo Silva Araújo, ditas no século xvHi, manter-se-ão sempre actuais, até porque nunca se alcançarão sociedades perfeitas:

Nunca o advogado [...] receie falar dentro dos limites da honestidade, nem tema os homens poderosos e belicosos. Fale viva c insistentemente contra os vícios e crime [...].

Fale, completarei agora, por apego à razão, por amor à verdade, por fidelidade ao seu constituinte e às leis do seu país.

E essa a nossa missão. O nosso destino. O nosso dever e — por que não dizê-lo? — a nossa «glória».

Depoimento (*)

Razões objectivas impedem-me dc, como tanto gostaria, estar presente no acto em que se constitui a Associação Portuguesa de Direito Judiciário.

Compartilho dos seus objectivos. Considero a denominação encontrada particularmente feliz, já que, não obstante todos os possíveis meios alternativos de composição de litígios (como, designadamente, a arbitragem), continuarão a ser os tribunais a forma mais natural de assegurar o acesso à justiça. E tenho como urgente um debate alargado e responsável, embora não comprometido, sobre os grandes temas dc um direito feito à medida das pessoas concretas e da comunidade em que elas efec-

tivamente, c não apenas por convenção ou concessão, possam participar.

Terão que se dar passos audaciosos, imaginativos e progressistas no encontro dc novos métodos e concepções; penso, por exemplo, na lei processual civil, a cuja reformulação não parece subjazer uma ideia bem definida; daí que o Código constituendo incorra no risco de vir a ser um texto pedestre e alastrado, que n3o virá resolver as grandes dificuldades que agora se atropelam.

Indo ao desfecho das coisas, direi que tudo terá dc ser feito com reflexão. Mas, de qualquer modo, entendo que ao direito mais valerá um saudável grão de utopia do que a esclerose dos mitos.

E, no fundo, estará sempre a convicção de que o direito é um caminho indispensável para que se promova uma mais sublinhada igualação entre as pessoas; já não se tratará da igualdade perante a lei, num nominalismo meramente legalista, mas de uma igualdade no direito, num exacto desígnio dc igualação social.

0 direito não é uma mágica, nem uma dogmáüca fria c distante, uma sobrecarga de palavras a esmagar a vida. Os rigores de uma jurisprudência mecânica (mechanical jurisprudence, na frase de Roscüe Pound) c a fórmula, que valia para o século xix, de que «un bon magistral humilie sa raison devant cellc de la loi», pertencem ao passado; em cada caso o juiz, ao aplicar a lei, lerá de dar calor dc vida às categorias friamente lógicas c abstractas dos textos. A sujeição do juiz à lei é uma sujeição inteligente c criativa; é uma sujeição independente; o seu sentido reconhecível será o dc que, como é óbvio, não se poderá substituir ao legislador.

E tantas metas mais se terão dc procurar! A de tomar mais compreensível e comunicável o direito, decorrente da vivência das pessoas e nela culturalmente incluído, então como agente motor dc uma reforçada «aparelhagem cívica». A dc não dissociar a justiça judiciária de uma mais próxima c palpável justiça social. A de actualizar os métodos dc trabalho e a de tornar mais coerente e aberto o ordenamento jurídico.

Em boa hora nasce, pois, esta Associação, como espaço dc diálogo e de análise. E se a Boa Hora, com todas as suas grandezas e poeiras, é como que um símbolo dos tribunais portugueses, por onde passaram e ainda hoje estão tantos e tantos magistrados c advogados que deram pres-lígio e grandeza moral as suas profissões, penso também que, como espaço físico, será um referencial para que a administração da justiça tenha, nas suas necessidades imediatas, respostas mais audíveis, uma compreensão mais concretizada, um papel mais protagonístico nas grandes opções do Estado.

Sobre o Acordo Ortográfico Depoimento (')

1 — Dir-se-á que, no tocante à ortografia, camada superficial da língua, esta não c estática. E, na verdade, Gil Vicente não escrevia como Eça; os nossos próprios avós não escreviam como agora se escreve.

Argumcntar-se-á ainda que «rectificar» a «forma» da língua não implicará, necessariamente, a sua «desnaciona-

(*) Texto enviado para o aclo dc constituição da Associação Portuguesa dc Direito Judiciário cm 13 de Dezembro dc 1990.

(*) Transmitido em 21 dc Dezembro dc 1990 a um órgão da comunicação social.

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Iização». E buscando, na tradicional tentação, o exemplo francês, lembrar-se-á, porventura, que ali, embora com peso, conta e medida, se estão a ensaiar alterações de grafia.

Aduzir-se-á, finalmente, que o grande móbil do Acordo é o de reforçar a «lusofonia», estreitando os liames culturais entre os sete países que usam o português.

Deste regaço de razões despontará o «milagre», que até poderá devolver para mais discreto plano outras iniciativas, por certo mais espinhosas, de aproximação cultural.

0 Acordo será o complemento nominalista, nesta ponta última do século XX, da esplêndida aventura planetária dos séculos xv e xvi. À mescla de valências culturais então

vivida seguir-sc-á agora, sc bem que menos historicamente, a mescla de ortografias. Isto porque Portugal não é «dono» do português, nem se pode empenhar no «imperialismo» da língua.

2 — Claro que em tudo isto haverá uma ponta de verdade. Mas só uma ponta.

É que, num esboço de contramitologia, poder-sc-á dizer que, para os Portugueses, as raízes da sua língua estarão e deverão continuar a estar em Portugal c que não pouco risco se corre quanto à sua «colonização», com peso excessivo, pelo afro-brasileiro.

Nestas coisas as soluções inventadas e impostas resvalam quase sempre no artificial. Não direi, por recato, no caricatural.

3 — Houve negociações. Mas tudo ou quase tudo se passou ao nível dos poderes e das chancelarias oficiais ou oficiosas. O problema passou ao lado das pessoas comuns. Não se fomentaram acções de debate prévio, não se estimulou a apetência pela questão, desleixou-se a boa (e pragmática) regra do envolvimento participativo. No meio de difusão mais penetrante de que se disporia (a TV) optou--se por «controvérsias» do estilo da de apurar quais os direitos dos fumadores e dos não fumadores, como se toda a gente não soubesse já que o tabaco faz mal à saúde própria e alheia e que os direitos daqueles nunca deverão afligir os direitos destes.

4 — O inglês é a mais universal das línguas de comunicação (e de trabalho) e, no entanto, o inglês britânico cada vez diverge mais do inglês dos Estados Unidos.

E dá-se a circunstância de o nosso Acordo Ortográfico, quando (e se) chegar a 1994, se arriscar a não ser cumprido pelos países lusófonos, a começar pelo primeiro deles, que é o dos Portugueses: os hábitos não se mudam por decisões político-legislativas, sobretudo se não se operarem, preliminarmente, adesões «existenciais». E, se acontecer isso, a nova ortografia ortopédica não só não remediará as disparidades externas, como será fonte de divergências (ortográficas, pelo menos ...) internas.

Por mim não me sinto «dono» da minha língua, tal como está. Mas sinto-me, e muito bem, seu legítimo «usufrutuário».

Os novos direitos do homem (*)

1 — Os anos passam mais depressa do que os dias. Pois parece ter sido ontem — e já passaram quase 20 anos! — que eu insistia que a Declaração Universal de 1948 deveria propagar a «universalidade democrática» ao nosso ordena-

(*) Intervenção, em 10 de Dezembro de 1990, na sessão comemorativa do 42.° Aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem, promovida, cm Lisboa, pela Ordem dos Advogados e poT «Direito e Justiça», Secção Portuguesa da Comissão Internacional de Juristas.

mento jurídico no tocante aos direitos fundamentais, nestes englobando não apenas os direitos civis e políticos, mas os direitos económicos, sociais e culturais.

O tempo e a mudança viriam ao meu encontro e, logo na formulação de 1976, ditaria a Constituição, no n.9 2 do artigo 16.9, que «os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem». Seja tal preceito uma regra hermenêutica, seja uma norma de recepção, o certo é que a nossa lei matricial acolhe cm pleno não apenas o catálogo dos direitos consagrados na Declaração, como o seu essencial «núcleo de valor», que é o da inalienável dignidade da pessoa.

Eliminadas em 1987 quase todas as reservas à Convenção Europeia —e as duas que remanescem escasso alcance prático assumirão hoje— e ratificados, logo em 1978, os dois Pactos dc Execução da Declaração Universal, Portugal está hoje dotado de um sistema articulado dc direitos fundamentais; desde logo a Constituição é aqui, desde o primeiro momento, ou seja, desde 1976, um modelo, numa perspectiva comparatística, e uma responsabilidade, no sentido de vincular os poderes do Estado a assegurarem cidadania plena a todos os portugueses. Dir--sc-á que o seu pendor programático escapa de algum modo às realidades da vida; mas que será desta quando não animada por um grão de saudável utopia, por assim dizer promocional, da dignidade da pessoa?

Alcançado o equilíbrio e a estabilidade das instituições, penso que a mela mais directamente a prosseguir será agora a da efectiva concretização dos direitos sociais, económicos e culturais, sem dificullações ou reticências. No plano das normas lamento, desde logo, que, estranhamente, não tenha sido ainda ratificada a Carta Social Europeia, 25 anos depois da sua entrada cm vigor; significativamente já em 1972 propunha esse acolhimento; só que os condicionalismos político-sociais cram-lhe enião adversos, o que hoje já não deveria acontecer.

Por mim penso que a tarefa maior do Estado, num país democrático, será a dc fazer valer, como valor programático do direito, uma efectiva cidadania social, económica c cultural; já não apenas a igualdade perante a lei, num frio legalismo nominalista, mas a igualdade no direito, numa incessante procura dc uma tanto quanto possível igualação social.

Penso mesmo que, por casualidade, teria sido eu, então na responsabilizante circunstância de presidente do 5.9 Colóquio Internacional sobre a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que leve lugar em Francofortc, em Abril dc 1980, sob a égide do Conselho da Europa, a promover iniciadoramente o alargamento da própria Convenção aos direitos sociais, económicos e culturais. Disso mesmo dá conta o n.a 296 do Boletim do Ministério da Justiça.

Claro está que o pressuposto necessariamente condicionante da efectiva concretização de uma democracia económica, social e culturalmente evoluída será o prévio reconhecimento das liberdades públicas c das garantias individuais. Mas o contrário também se verificará; nenhum sentido e dimensão terão os direitos civis e políticos, enquanto subsistirem indevidas desigualdades económicas e patentes injustiças sociais.

Urge, pois, assegurar uma equilibrada e audaciosa interacção entre os dois pólos dessa noção dc cidadania.

2 — Latente no fundo, mas assomando em cada passo e em cada medida dos poderes do Estado, estará a ideia

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da pessoa como valor determinante, da pessoa pessoal, embora existencial e vivencialmcnic inserida na comunidade: da pessoa pessoal na sua dimensão e validade social. Viver é conviver. «O Eu pressupõe e reclama o Outro, o ego} o alter.»

E neste contexto que sempre vi na Declaração Universal de 1948 a afirmação do valor da pessoa; o que a Declaração

representa, acima de tudo, 6 a emancipação, 3 Ufíl pOíltO máximo, da relatividade histórica na textualização dos direitos reconhecidos. Estes, enquanto traduzem uma conquista universalizada, servirão de limite à estadualidade do direito, à omnipotência dos Estados, um elenco de valores cristalizados para o qual a pessoa poderá fazer apelo, em todos os sistemas políticos e sociais.

E os tempos mais recentes vieram dar razão ao já velho texto. Embora existam ainda regimes autoritários ou ditatoriais, abriu-se um imparável processo de abertura; cm nome da história é de saudar a Declaração Universal de 1948, que marcou o ponto de partida e de referencia para a incessante aventura da liberdade c da libertação de todos os homens.

Nota (*)

Obviamente que não me cabe pronunciar em concreto sobre as circunstâncias que proximamente levaram o Sindicato dos Jornalistas a optar pelo recurso à greve na RTP. Trata-se de um direito constitucionalmente consagrado, cuja justificação, cm cada caso, aos trabalhadores pertence intransfcrivclmente avaliar.

Por mim tudo tenho feito, dentro das competências e responsabilidades institucionais que a Constituição e a lei me conferem, para — sem me pretender substituir ao sistema de relações entre a empresa e os trabalhadores — contribuir, em termos genéricos, para o restabelecimento de um clima de estabilidade e de respeito pelos direitos e deveres de cada um dos pólos da relação laboral.

Fi-lo sempre com razoabilidade e sentido de equilíbrio, embora com a firmeza que ninguém pode recusar a este órgão do Estado a que as democracias atribuem um relevo cada vez maior.

Terei, com isso, criado anticorpos, cm termos personalizados.

Terei, conseguido, ao invés, alcançar, em alguns aspectos (assim, designadamente, no caso dos «tarefeiros») resultados positivos.

Isso me bastará, já que não aceitei ser Provedor de Justiça para fomentar ou reforçar simpatias.

Espero ainda que a exacta noção do papel decisivo que o serviço público da televisão tem na vida do País ajude a encontrar soluções que aproveitem à comunidade — e aos justos interesses dos trabalhadores c da empresa.

21 de Dezembro de 1990.

7 —RELATÓRIO ESPECIAL DO PROVEDOR DE JUSTIÇA (JULHO DE 1990)

Relatório Especial do Provedor de Justiça

Estando em funções desde 5 do mês findo, supõe o Provedor de Justiça (PJ) dever dar sumária conta de certos aspectos do órgão do Estado agora à sua responsabili-

(*) Depoimento a um órgão da comunicação social.

dade — c dos muitos problemas c graves dificuldades com que cie se depara no seu funcionamento.

Por uma razão de ordem, começará por referir o que pode ser mudado no Estatuto do PJ.

Adverte, porém, que essa é a área do PJ onde não haverá que operar drásticas mudanças. É a zona de paz. A dignificada guerra surgirá depois com o evidenciar da

realidade diária e do funcionamcnio efectivo,

i

0 actual Estatuto

1—Lembra o então PJ, conselheiro Magalhães Godinho, no relatório anual respeitante a 1976, que a criação de um Ombudsman em Portugal era, já antes de 1974, uma ideia expressa por alguns juristas; assim, por ele próprio, pelo Dr. Vasco da Gama Fernandes e pelo agora PJ.

Foi, porém, depois de Abril de 1974 que decididamente se caminhou para a sua concretização.

No Plano de Acção do Ministério da Justiça, aprovado pelo Conselho de Ministros de 20 dc Setembro de 1974, desde logo se apontou para a criação do PJ.

E, tendo o Dccrclo-Lei n.9 261/74, de 18 de Junho, instituído várias comissões de reforma judiciária, foi, pouco depois, elaborado pelo vogal da Comissão dc Reforma Judiciária no Supremo Tribunal de Justiça Mário Raposo um relatório sobre as características do instituto: de designação parlamentar, independente, caber-lhe-ia prevalentemente receber queixas dos cidadãos fundadas em actos de injustiça, dc corrupção ou de má administração.

2.1 — Recebido o instituto na Constituição dc 1976 (artigo 24.9), foi, com base nela, publicado o respectivo Estatuto (Lei n.B 81/77, de 22 dc Novembro).

Neste, surge o PJ configurado como o mais significativo órgão do Estado, depois, claro está, dos órgãos dc soberania.

Órgão público independente, tendo como função principal a defesa dos direitos, liberdades e garantias e interesses legítimos dos cidadãos, assegurará, por meios informais, a justiça e a legalidade da Administração PúbVica (artigo l.9).

«Independente c inamovível», tem o PJ «honras, direitos, categoria, remunerações c regalias idênticas às de Ministro» (artigo 8.9).

2.2 —Cabe-lhe (artigo 18.9, n.9 1):

a) Dirigir recomendações aos órgãos competentes com vista à correcção de actos administrativos ilegais ou injustos, ou à melhoria dos serviços da Administração;

b) Assinalar as deficiências de legislação que veriü-car, formulando recomendações para a sua interpretação, alteração ou revogação ou sugestões para a elaboração dc nova legislação, as quais serão enviadas ao Presidente da Assembleia da República, ao Primeiro-Minisiro c ao ministro directamente interessado e, igualmente, se for caso disso aos presidentes das assembleias regionais e presidentes dos governos das regiões autónomas;

c) Emitir parecer, a solicitação da Assembleia da República, sobre quaisquer assuntos relacionados com a sua acüvidade;

d) Promover a divulgação do conteúdo e da significação dc cada um dos direitos e liberdades fundamentais, bem como da finalidade do Serviço do Provedor dc Justiça, dos meios da sua acção e dc como sc pode a ele recorrer.

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Rcfcrc-sc o n.9 2 desse artigo 18.° à intervenção do PJ cm sede dc declaração da inconstitucionalidade, em termos que hoje se acham desactualizados.

Na realidade, pode o PJ requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade de quaisquer normas ou dc ilegalidade [esta nos casos das alineas b), c) e d) do n.9 1 do artigo 281.9 da Constituição].

Para além desta intervenção do PJ na área dc fiscalização abstracta da constitucionalidade c da legalidade, estabelece ainda o n.9 1 do artigo 283.9, no tocante à inconstitucionalidade por omissão:

A requerimento do Presidente da República, do

Provedor de Justiça ou, com fundamento em violação de direitos das regiões autónomas, dos presidentes das assembleias legislativas regionais, o Tribunal Constitucional aprecia c verifica o não cumprimento da Constituição por omissão das medidas legislativas necessárias para tornar exequíveis as normas constitucionais.

2.3 — Dispõe o artigo 19.9 do aludido Estatuto:

No exercício das suas funções, o Provedor dc Justiça tem poderes para:

a) Efectuar, com ou sem aviso, visitas de inspecção a todo e qualquer sector da actividade da administração central, regional c local, incluindo as empresas públicas, examinando documentos, ouvindo órgãos c agentes da Administração ou pedindo as informações que reputar convenientes;

b) Proceder a todas as investigações que considere necessárias ou convenientes, podendo adoptar, em matéria dc produção de prova, todos os procedimentos razoáveis, desde que não colidam com os interesses legítimos dos cidadãos;

c) Procurar, cm colaboração com os órgãos c serviços competentes, as soluções mais adequadas à defesa dos interesses legítimos dos cidadãos e ao aperfeiçoamento da acção administrativa.

2.4 — Para a instrução dos processos resultantes de queixas dos cidadãos ou decorrentes da iniciativa do próprio P5 poderão este ou os seus colaboradores solicitar informações, efectuar inspecções, exames e inquirições ou adoptar qualquer procedimento razoável que não colida com os direitos fundamentais dos cidadãos.

Tal instrução realizar-se-á por meios informais «e expeditos», sem sujeição a regras processuais relativas à produção da prova (n.9 1 do artigo 26.9 do Estatuto).

«As diligências de prova serão efectuadas pelo Provedor dc Justiça e seus colaboradores, podendo também a sua execução ser solicitada directamente aos agentes do Ministério Público ou a quaisquer outras entidades públicas com prioridade e urgência, quando for caso disso.» (N.9 2 do artigo 26.e)

«Os titulares e agentes da Administração têm o dever de prestar todos os esclarecimentos e informações que lhes sejam solicitados pelo Provedor de Justiça.» (N.9 1 do artigo 27.9)

Sem prejuízo das restrições legais respeitantes ao segredo dc justiça ou da invocação do interesse superior do Estado, nos casos devidamente justificados pelo Governo,

em questões respeitantes à segurança, à defesa nacional ou às relações internacionais, «as autoridades públicas, bem como os órgãos dc qualquer entidade pública, prestarão ao Provedor de Justiça toda a colaboração que por este lhes for solicitada, designadamente prestando informações, efectuando inspecções através dos serviços competentes e facultando documentos e processos para exames, reme-tendo-os ao Provedor, se tal lhes for pedido» (n.M 2 c 3 do artigo 27.°).

2.5 — «O Provedor de Justiça poderá solicitar a qualquer cidadão depoimentos ou informações sempre que o

repute necessário para o apuramento dos factos.» (N.9 1 do artigo 28.9)

«No caso de recusa dc depoimentos, o provedor de justiça, se o julgar imprescindível, poderá notificar, mediante aviso postal registado, as pessoas que devam ser ouvidas, constituindo crime dc desobediência a falta dc comparência ou a recusa de depoimento não justificadas.» (N.° 2 do artigo 28.9)

2.6 — «Quando as circunstâncias o aconselhem, pode o Provedor ordenar a publicação de comunicados ou informações sobre as conclusões alcançadas nos processos ou sobre qualquer outro assunto relativo à sua actividade, utilizando, se necessário, os meios de comunicação social estatizados e beneficiando, num e noutro caso, do regime legal de publicação das notas oficiosas [...].» (N.9 2 do artigo 33.9)

2.7 — «Sc a Administração não actuar de acordo com as suas recomendações, ou se se recusar a prestar a colaboração pedida, o Provedor poderá dirigir-se à Assembleia da República, expondo os motivos da sua tomada de posição.» (N.9 3 do artigo 34.9)

3.1 —Criado, com a 1.* revisão constitucional (1982), o Conselho dc Estado, como órgão político dc consulta do Presidente da República, o PJ é um dos seus membros natos ou por inerência, a par do Presidente da Assembleia da República, do Primeiro-Ministro, do Presidente do Tribunal Constitucional e dos presidentes dos governos regionais (artigo 145.° da Constituição).

3.2 — Na 2.« revisão constitucional (1989), houve a preocupação de reforçar, embora quase que declarativamente, o relevo institucional do PJ.

Assim, ao artigo 23.9 da Constituição foram aditados dois novos números:

3 — O Provedor de Justiça é um órgão independente, sendo o seu titular designado pela Assembleia da República.

4 — Os órgãos e agentes da Administração Pública cooperam com o Provedor de Justiça na realização da sua missão.

3.3 — Significativo será notar que a independência do PJ passou, assim, a ser assimilável à dos tribunais (artigo 206.°) c que o dever de cooperação não se distancia do que a estes também é devido (n.9 3 do artigo 205.9 da Constituição).

4.1 — O PJ continua a ser eleito, como passou a acontecer depois da revisão constitucional de 1982, por maioria dc dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções [alínea h) do artigo 166.9 da Constituição].

No plano das realidades não deixa de ser verificável que, quanto maior e mais expressiva for essa maioria, maior legitimidade recolherá o PJ da sua eleição, sendo certo que o voto é secreto (e, portanto, insusceptível de controlo

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pelas direcções partidárias) e que, por mais distorções de imagem do Parlamento que possam ocorrer (sobretudo num

país cm que o verdadeiro poder, para muitOS, continua a ser o executivo, numa dificuldade de ultrapassagem do autoritarismo anterior), a Assembleia da República «é a assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses» (artigo 150.8 da Constituição).

4.2 — Entretanto contém o Regimento da Assembleia

da República algumas normas respeitantes à actuação do PJ.

Assim, c designadamente, prevê que o relatório anual do PJ, depois de sobre ele se ter pronunciado a comissão especializada competente, seja publicado no Diário da Assembleia da República, sendo depois objecto de debate generalizado em plenário (artigos 259.° c 260.e).

«Quando o Provedor de Justiça se dirija à Assembleia por a Administração não actuar de acordo com as suas recomendações ou se recusar a prestar a colaboração pedida, o Presidente envia a respectiva comunicação, bem como os documentos que a acompanham, à comissão competente [...] e aos grupos parlamentares e determina a sua publicação no Diário.» (Artigo 261,°)

«Quando o Provedor de Justiça dirija à Assembleia recomendações legislativas, são estas remetidas, com os documentos que as acompanham, aos grupos parlamentares para os fins que estes entendam convenientes c são publicados no Diário.» (Artigo 262.9).

II

Actualizar o Estatuto?

5.1 — Sem dúvida que, num ou noutro aspecto, o Estatuto de 1977 terá de ser actualizado, até pelas alterações constitucionais sobrevindas.

Mas, na essência, como tivemos ocasião de salientar, a concepção que lhe subjaz é correcta.

5.2^— A essas modificações pontuais se intencional izou o Grupo Parlamentar do Partido Socialista, apresentando, cm Fevereiro de 1988, um projecto de lei (o n.9 175/V). Num exacto critério de «logística», contém o projecto de lei o novo texto «corrido», com as modificações introduzidas.

O projecto baixou à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, do qual o agora PJ era então presidente; esta aprovou, cm 24 de Fevereiro de 1988, o parecer de que o signatário fora designado relator (cf. Diário da Assembleia da República, 2.- série, n.9 51, 1988, pp. 1010-1015).

5.3 — Cotejando o Estatuto cm vigor com o do projecto de lei, é de ressaltar:

o) Declara-se no projecto de lei, mais explicitamente,

que o PJ «goza de total independência no exercício das suas funções» (n.9 2 do artigo l.9);

b) Precisa-se, com flagrante oportunidade, que «o dever de sigilo não expressamente protegido pela Constituição e pela lei de quaisquer cidadãos ou entidades e o sigilo bancário cedem perante o dever de cooperação com o Provedor de Justiça no âmbito da competência deste» (n.° 2 do artigo ll.9);

c) Explicita-se que o livre acesso do PJ abrange «todos os locais dc funcionamento da administração central, regional, local e institucional, serviços civis e militares e demais entidades sujeitas

ao controlo do Provedor de Justiça» (n.9 2 do artigo 13.B);

d) Das causas dc cessação das funções do PJ antes

do termo do quadriénio para que foi eleito elimi-

na-se a destituição pela Assembleia da República,

agora prevista na alínea d) do n.° 1 do artigo 12.° do Estatuto (artigo 14.9, n.9 1, do projecto de lei);

e) Os actuais adjuntos do PJ passam a ser designados por vice-provedores, mantendo-se a regra da sua livre nomeação e exoneração pelo PJ (artigo 15.9);

f) A inobservância do dever de colaboração por parte das entidades civis e militares passa a constituir crime de desobediência qualificada, sem prejuízo do procedimento disciplinar que no caso couber (n.9 4 do artigo 28.9). Mas à recusa de depoimento continua a corresponder o crime dc desobediência (n.° 2 do artigo 29.9).

5.3.1 —No parecer de que na Comissão dc Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias fomos relator considerámos que a supressão da hipótese de destituição do PJ pela Assembleia da República, era «curial» (Diário cit., p. 1013). Isto, em síntese, porque o PJ «é mais do que um mero auxiliar ou longa manus do Parlamento. É um órgão autónomo, constitucionalmente configurado, que não depende politicamente da Assembleia da República».

Fizemos então algumas reflexões sobre o tema, que não será caso dc agora retomar.

5.3.2 — Alves Correia é igualmente de opinião de que o PJ não deve ser dcstituívcl no decurso do mandato (Do Ombudsman ao Provedor de Justiça, 1979, p. 45). E, no mesmo sentido, Jorge Miranda entende que tal hipótese é «dc não fácil compatibilização com a Constituição» (Manual de Direito Constitucional, iv, 1988, p. 267, cm nota).

O novo n.9 3 do artigo 23.9 da Constituição veio ainda tomar mais precariamente configuráveJ a revogabilidade do mandato. («O Provedor de Justiça é um órgão independente, sendo o seu titular designado pela Assembleia da República.»)

5.3.3 — Afigura-se que, no rigor dos princípios, esca solução será adequada. Só que, no terreno das realidades, a «independência e inamovibilidade» do PJ (artigo 6.8 do actual Estatuto) não poderão redundar uma garantia absoluta de incolumidade. Figure-se a hipótese de um PJ que, reiterada e notoriamente, inobserve os deveres do cargo para o qual foi eleito, pondo abertamente em crise o seu prestígio e dignidade. Não será ele dcstituívcl pelo órgão de soberania que o elegeu, depois de assegurada a sua audição, e desde que o seja pela maioria qualificada da alínea h) do artigo 166.9 da Constituição?

6.1.1 — Outros aspectos deverão ser objecto de reflexão:

Assim, e desde logo, não sc vê como possa ser conciliável a independência do PJ com a não existência de uma imunidade análoga à que possuem os deputados (que «não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas funções» — n.9 1 do artigo 160.9 da Constituição).

Mais pertinente e realisticamente o artigo 6.9, n.9 2, àa Lei Orgânica 3/1981, de 6 dc Abril, respeitante ao Defensor dei Pueblo, dispõe:

El Defensor dcl Pueblo gozará dc inviolabilidad. No podrá ser detenido, expedientado, perseguido o

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juzgado en razón a las opiniones que formule o a los actos que realice en el ejercicio de las competências propias de su cargo.

O mesmo acontece, aliás, com o Médiateur francês (que nem sequer é de emanação parlamentar, mas nomeado por decreto do Conselho de Ministros).

Estabelece, com efeito, o artigo 3.° da Lei n.° 73-6, de 3 de Janeiro dc 1973:

Le Médiateur ne peut être poursuivi, recherché, arrêté, détenu ou jugé à l'occasion des opinions qu'il émet ou des actes qu'il accomplit dans l'exercice de ses fonctions.

6.2 — A inobservância do dever de colaboração dos órgãos e agentes das entidades públicas, civis e militares face ao PJ, designadamente prestando todos os esclarecimentos c informações que por este lhe sejam solicitados, efectuando inspecções através dos serviços competentes e facultando documentos e processos para exame, passa, nos termos do artigo 28.9 do projecto de Ici n.9 175/V, a integrar o crime dc desobediência qualificada, sem prejuízo do procedimento disciplinar que no caso couber.

É inquestionável o acerto da solução, até para obviar a que a eficácia do dever dc cooperação (agora, para mais, constitucionalizado — n.B 4 do artigo 23.9) fique erradicada dc sentido.

Tem-se, no entanto, como útil a fixação de um prazo dentro do qual a actividade dc cooperação deverá ser cumprida, e como o deverá ser. Afigura-se que caberá ao PJ fixar o prazo e o modo, embora acauielando-se um li: mite temporal para a prática dos actos solicitados. Isto como cláusula dc salvaguarda para as enüdades nas quais recai o dever de cooperação.

A redacção do n.° 4 do artigo 28.° do projecto de lei poderia, nesta perspectiva, ser, por exemplo:

O nüo cumprimento do dever de colaboração previsto nos números anteriores no prazo fixado pelo Provedor de Justiça, o qual não poderá ser inferior a 15 (?) dias, constitui crime dc desobediência qualificada [...].

6.3 — A inobservância do dever dc cooperação implica o crime de desobediência qualificada, «sem prejuízo do procedimento disciplinar que no caso couber» (n.° 4 do artigo 28." do projecto de lei).

Mas a quem cabe esse poder disciplinar? Entre o PJ c qualquer funcionário ou agente público não intercede uma relac/ao hierárquica.

E dc ponderar, no entanto, a solução francesa (artigo IO.9 da citada Lei n.9 73-6):

À défaut de l'autorité compétente, le Médiateur peut, au lieu el place de celle-ci, engager contre tout agent responsable une procédure disciplinaire ou, le cas échéant, saisir d'une plainte la jurisdiction répressive.

7.1 — Os adjuntos do PJ, que podem ser dois (artigo 14.9, n.9 1, do actual Estatuto), são designados no projecto de lei por vice-provedores (n.9 1 do artigo 15.°). Essa designação, ou a equivalente adoptada quanto à Alta Autoridade contra a Corrupção (provedores-adjuntos), é inteiramente pertinente, até porque, tendo o PJ «honras, direitos, categoria, remunerações e regalias idênticas às de ministro», não dispõe de Gabinete. Daí que, numa primeira

aparência, um observador menos atento possa supor que os adjuntos do PJ são equiparáveis a adjuntos de Gabinete dc um membro do Governo.

Ora o certo é que pela Lei Orgânica do Serviço do Provedor de Justiça (Lei n.B 10/78, dc 2 de Março) os adjuntos do PJ «têm direitos, regalias e remunerações idênticas às de subsecretário de Estado» (n.9 3 do artigo 19.°).

7.2.1 — Oportuno é assinalar que, precisamente porque se trata dc um órgão de natureza tendencialmente transitório, sem O relevo constitucional do Provedor dc Justiça, a Alta Autoridade contra a Corrupção tem dois altos-comis-sários-adjuntos, com estatuto equivalente ao de director-ge-ral [alínea a) do n.° 1 do artigo 12.9 da Lei n." 45/86, dc 1 de Outubro].

Entretanto, nos termos do n.9 1 do artigo l.9 do Dccreto--Lei n.9 327/84, de 12 de Outubro, na redacção que lhe deu o artigo l.9 do Decreto-Lei n.9 446-A/88, de 9 dc Dezembro, «é aplicável à Alta Autoridade contra a Corrupção o disposto nos artigos 1." a 9.9 do Decreto-Lei n.a 262/88, de 23 de Julho, na parte referente aos gabinetes de ministros».

Significa isto que o Alto Comissário contra a Corrupção dispõe —e bem— de um gabinete constituído pelo chefe do gabinete, pelos adjuntos do gabinete e pelos secretarios pessoais (n.9 1 do artigo 2.9 daquele Decreto-Lei n.9 262/88).

Poderá dispor de cinco adjuntos e de quatro secretários pessoais e, por despacho seu, chamar a prestar colaboração no seu gabinete, para realização de estudos, trabalhos ou missões de carácter eventual ou extraordinário, especialistas (n.° 3 do artigo 2.9, n.9 2 do artigo 4.9 e n.9 2 do artigo 5.9 do mesmo Decreto-Lei n.9 262/88).

7.2.2 — Na vigência do Decreto-Lei n.9 369/83, dc 6 de Outubro, em que à Alta Autoridade contra a Corrupção era «conferido estatuto equivalente ao de secretário de Estado, incluindo direitos, regalias e remuneração» (artigo 8.9), já lhe era aplicável o disposto nos artigos 19, 2.9 e 4.9 do Decreto-Lei n.9 267/77, de 2 de Julho (ex vi do Decreto-Lei n.9 327/84, na redacção que entüo tinha o seu artigo l.9).

Quer isto dizer que seria apoiado no exercício das suas funções por um chefe do gabinete, dois adjuntos e dois secretários pessoais (n.9s 3 e 4 do artigo 2.9 do agora revogado Decreto-Lei n.9 267/77).

7.2.3 — Torna-se flagrante a disparidade dc tratamento entre os titulares dos dois órgãos do Estado, já que, nos termos do artigo 35.9 da Lei n.° 10/78, o Provedor dc Justiça apenas poderá dispor de dois secretários, «aos quais é aplicável o regime geral dos secretários dos gabinetes ministeriais».

7.2.4 — Quanto aos adjuntos do Provedor, que, como se lembrou, possuem «direitos, regalias e remunerações idênticas às de subsecretário de Estado» (n.9 3 do artigo 19.9 da mesma Lei n.9 10/78), nem sequer de um secretário podem dispor. Aliás, dada a espantosa precariedade das instalações do Serviço do Provedor de Justiça, nem sequer um «gabinete», em sentido físico, lhes é atribuído, já que têm ambos que trabalhar na mesma sala, com preterição da mais elementar dignidade institucional.

Comprecndcr-se-á, porventura, que não sejam dotados de gabinete, pela especificidade das suas funções c até porque o cargo de Provedor de Justiça é uninominal. Mas cada um deles deverá poder dispor de, pelo menos, um secretário pessoal.

7.2.5 — É, finalmente, dc referir que a fórmula usada no artigo ll.9, n.9 3, da Lei n.9 45/86, de l de Outubro, para Alto Comissário (transitada já do artigo 8.fl do Dc-

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crcio-Lci n.8 369/83 é mais expressiva do que a usada para o Provedor de Justiça no artigo 8." da Lei n.8 81/77. Isto, embora, seja, em substância, equivalente.

8.1 — À inexistência de um gabinete do PJ é, por completo, inaceitável e está na raiz de surtos de desprestígio

de que o cargo — nuclear na nossa estrutura democrática — não raras vezes é alvo.

Ora, como pertinentemente se assinalou no parecer n." 8/84, de 27 de Abril de 1984, da Procuradoria-Gcral da República, «o legislador quer que o Provedor de Justiça, por efeito das honras, direitos, categoria, remunerações e regalias que lhe atribui, se situe, realmente e não apenas em abstracto, ao nível das entidades cuja actuação lhe cumpre inspeccionar e fiscalizar» (no Boletim do Ministério da Justiça, 341, pp. 59 e segs., máxime p. 71).

... Enudadcs essas que poderão ser os próprios ministros, enquanto exercem uma actividade administrativa ou enquanto superintendem na Administração Pública

8.2 — Susceptível de ser posta será, aliás, a interrogativa sobre se o PJ apenas possa intervir na actividade administrativa do Governo. Não estabelece o n.° 1 do artigo 23.8 da Constituição qualquer demarcação, aludindo, generalizadamente, a poderes públicos. E daí que, por exemplo, Fausto Quadros pense que «ele não impede que o Provedor de Justiça possa fiscalizar não só o exercício da função administrativa como também o exercício da função políüca e da função legislativa». A ser assim, o Estatuto do PJ deveria ser revisto neste aspecto («Omissões legislativas sobre direitos fundamentais», nos Dez Anos da Constituição, obra colectiva organizada por Jorge Miranda, 1987, máxime p. 61).

A questão não encontrará, por certo, uma resposta unívoca. De resto, movendo-sc dentro dos parâmetros que o actual Estatuto já lhe define, poderá o PJ exercer uma acção que, sc conseguida, será decisiva na modelação dos comportamentos políticos.

Sempre se dirá, no entanto, que a intervenção do PJ em sede de fiscalização da inconstitucionalidade (abstracta c por omissão) e nas recomendações legislativas que pode apresentar terá a ver com a função política e legislativa.

Apenas não se compreende que não possa ser exercitável avant la lettre, ou seja, pronunciando-se, em tempo útil, sobre os projectos legislativos que tenham a ver com os direitos fundamentais.

III

Os meios de acção do Provedor

9.1 — Como do sumariamente exposto advém, o Estatuto do PJ carece de ser reformulado; isto nos pontos que foram aduzidos e em alguns mais.

Onde, porém, a acção do PJ está limitada em termos de peremptória inaceitabilidade é no que respeita aos meios de que dispõe o Serviço que o apoia.

Porque o PJ é uma pessoa, a sua actuação espectacular, por esta ou aquela razão, poderá servir de elemento compensatório da crise do sistema glogal e organizado do órgão que prefigura.

Mas as coisas não estão pensadas para serem assim. Se o PJ tem de exercer uma magistratura de prestígio, e a sua boa aceitação cm termos de opinião pública (melhor dizendo, em termos de comunicação social) é fundamental, ele terá de se situar, e de poder contar, com aquele sistema global e organizado. Os casos que são postos & sua responsabilidade não são apenas os sensacionais; são alguns milhares por ano, alguns sem rosto nem significativo relevo

exterior. Só que cada um deles é, para o cidadão que o protagoniza, o mais importante, o mais justo, o mais merecedor de apoio e patrocínio. De pronto apoio e patrocínio.

Ora, por decorrência das deficiências do sistema do PJ, estavam em 30 de Junho de 1990 pendentes 7076 proecs-

SÔS.

E a este número terá de ser adicionado o de algumas centenas de processos que, embora formalmente findos, aguardam seguimento por falia de pessoal que possa assegurar o escoamento das suas conclusões finais; esses processos ascendiam, em 20 de Julho, a 797. A não serem removidas as causas deste atraso logístico, tal número avolumar-se-á, de dia para dia.

9.2 — Os números falam por si.

De 1988 para 1989 transitaram 6568 processos. Em 1989 iniciaram-se 2798 processos, sendo:

2743 reclamações (com 56 pedidos de declaração de

inconstitucionalidade); 56 iniciativas do PJ (com um pedido de declaração

de inconstitucionalidade).

Porque em 1989 findaram 2596 processos, transitaram para 1990 6770 processos.

Em 1990, até 30 de Junho, iniciaram-se 1542 processos, sendo:

1516 reclamações (com 26 pedidos de declaração de

inconstitucionalidade); 26 iniciativas do PJ.

Porque até 30 de Junho findaram 1236 processos, o número de processos pendentes nessa data era de 7076.

Isto, como se disse, para além dos que estavam formalmente findos, mas sem andamento burocrático.

9.3 — Os 7076 processos pendentes em 30 de Junho de 1990 haviam sido iniciados nos seguintes anos:

Em 1976: 83;

Em 1977: 73;

Em 1978: 36;

Em 1979: 75;

Em 1980: 20;

Em 1981: 22;

Em 1982: 73;

Em 1983: 163;

Em 1984: 242;

Em 1985: 713;

Em 1986: 1005;

Em 1987: 1060;

Em 1988: 1083;

Em 1989: 1133;

Em 1990: 1295.

9.4 — Ora uma das fundamentais razões de ser da instituição do Ombudsman é a celeridade e a imediação. Ele é uma alternativa «para o — além de mais complicado, moroso, caro, limitado, formalista e desacreditado — controlo (da Administração) pelos tribunais» (Vieira de Andrade, «A imparcialidade da Administração como princípio constitucional», no Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, vol. L, 1974, pp. 219 e segs., máxime p. 293).

10 — Só que a actuação do PJ não se limitará, por certo, ao encaminhamento das queixas («feitas suas») dos cidadãos.

Para além, ou a partir de casos concretos, deverá ele efectuar, com ou sem aviso, visitas de inspecção aos serviços públicos ou equiparados, concretizando não aptvas,

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uma acção correctiva mas uma acção preventiva, ou «pastoral», do exacto cumprimento das tarefas que a cargo desses serviços estejam.

E deverá ser um promotor activo do civismo, designadamente através da divulgação do conteúdo e da significação de cada um dos direitos e liberdades fundamentais. Tratar-se-á de urna dignificada pedagogia dos direitos do homem.

Será o seu relatório anual «de leitura indispensável», cp.ro/> au>nx)ha Jorge Miranda (Manual cít.. p. 268, cm nota).

E com ele cumprirá a «relação fiduciária» que, seja qual for a posição de que se parta, o vincula à Assembleia da República.

11 — Acontece, no entanto, que, se o número c a qualidade técnica dos assessores do Serviço do PJ —c, antes dele dos dois adjuntos e dos dois coordenadores— é o bastante, sendo mesmo a qualidade assinalável, as instalações do Serviço do PJ são de tal modo precárias, insuficientes e não funcionais que a rentabilidade possível está substancialmente limitada.

O prédio onde se encontra instalado o Serviço do PJ não dispõe das condições mínimas.

Os dois adjuntos possuem, como se disse, apenas de um gabinete, o mesmo acontecendo com os dois coordenadores; na sala onde estes trabalham está, para além deles, instalada uma funcionária, que lhes presta o imediato apoio burocrático.

Quanto aos assessores, acotovelam-se em pequenos gabinetes, em grupos de dois, três ou quatro: apenas para três assessores existem pequenos gabinetes individuais, tipo «mansarda».

As condições de trabalho são péssimas.

Não existe uma sala de reuniões ou uma sala onde possam ser colhidos os depoimentos das pessoas convocadas para esse efeito. A própria sala de espera, que era comum ao PJ, aos adjuntos, aos coordenadores, aos assessores e ao público que ao Serviço se dirija para apresentar queixas terá de ser agora transformada num gabinete para uma funcionária contratada para prestar apoio burocrático aos adjuntos.

As inspecções externas dificilmente se poderão realizar, pois, até ao início de funções do actual Provedor, o Serviço apenas dispunha de dois velhos automóveis, qualquer deles com mais de 15 anos de uso, estando um afecto, nos termos legais, ao próprio Provedor.

O quadro aprovado pelo Decrcto-Lci n.9 314/88, de 8 de Setembro, prevê somente dois motoristas — o que significava que, no período de férias ou de doença dc um deles, o Serviço, ele mesmo, deixava de poder dispor de motorista.

Neste momento, foi transitoriamente afectado ao Serviço um elemento a ele estranho, que supre as mais instantes necessidades de deslocação dos coordenadores c assessores em funções dc inspecção, que estão agora a ser incentivadas.

Embora aquele decreto-lei preveja 10 lugares dc escriturario-dactilógrafo, encontram-se apenas preenchidos seis lugares, sendo os restantes quatro a extinguir.

Só que desses seis escriturarios-dactilógrafos apenas três escrevem ... à máquina. Dois traiam do manuseamento dc processos e um dá entrada à correspondência geral.

Até ao dia 30 de Junho de 1990 prestaram serviço no sector de processos 11 unidades:

a) Dois do quadro;

b) Dois do quadro de excedentes interdepartamental;

c) Seis fornecidos por empresas dc trabalhos temporários (tipo manpower).

Entretanto, desde 30 de Junho os três funcionários do QEI saíram do Serviço.

E cessaram também actividade, numa imperativa c drástica necessidade de compressão de encargos, quatro das unidades das empresas de trabalhos temporários. As

duas restantes, que trabalham no sector de processos, esiao

afectadas uma ao sistema informático C OUtra à expCdiÇÜO

dc correspondência.

O bloqueamcnto do trabalho de máquina é, assim, decisivamente preocupante.

Aliás, tendo sido informatizado o serviço a partir de 1 de Janeiro de 1989, não foi previsto um novo quadro para ele — ou o alargamento do existente.

Disto adveio, necessariamente, uma completa arritmia funcional, em termos de pessoal, já que o sistema de computadores passou a estar a cargo de funcionários que então desempenhavam outras tarefas — de insubstituível acompanhamento.

12 — As preocupações quanto a este estado de coisas sobem dc ponto quando sc verifica que o último relatório anual do PJ apresentado é o de 1986.

13.1 —Não dispõe o edifício do Serviço de qualquer dispositivo ou elemento de segurança.

O edifício está decadente, sem possibilidade de nele se efectuarem obras dc vulto (até porque se trata dc um edifício «classificado»), não oferecendo as mais elementares condições de eficácia e dignidade.

O serviço de acolhimento ao público está próximo do gabinete de trabalho do Provedor, contra tudo aquilo o que acontece cm serviços similares dc outros países.

13.2 — Não existe gabinete de imprensa — c nem sequer um assessor de imprensa.

13.3 — Não dispõe o Serviço do PJ, desde fins de 1986, de um estacionamento privativo ou condicionado frente às suas instalações. Para além dc tudo o mais, daí advém um evitável risco para as entidades que se desloquem em automóvel com motorista. Um evitável risco c uma frequente causa dc atritos que cm nada ajudam a dignificar o Serviço.

14 — Dispõe o pessoal que presta serviço na Alta Autoridade contra a Corrupção dc um regime especial dc prestação dc trabalho, podendo, a lodo ele, excepto ao Alto Comissário, ser atribuída uma remuneração suplementar (artigo 16.9, n.9 1, do Decreto Regulamentar n.9 3/84, de 12 de Janeiro, e artigo 2.9 do Decrcto-Lei n.9 327/84, de 12 dc Outubro).

Neste aspecto, o pessoal do Serviço do PJ está em flagrante situação dc inferioridade.

É sobretudo patente a falia dc adequação do estatuto remuneratório dos coordenadores c assessores, face ao carácter específico das suas funções.

Estão em curso diligências para a publicação de um diploma legal que atenuaria a actual situação de injustiça relativa.

A solução adequada seria, no entanto, a que vigora cm Espanha, por exemplo (n.91 do artigo 35.9 da Lei Orgânica 3/1981):

Las personas que sc encuentren al servicio dei Defensor dei Pueblo, y mientras permanezcan en el mismo, sc considerarón como personal al servicio dc las Cortes.

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IV

Um caso exemplar

15.1 — Em 29 de MaiO dvSte ano — ames, ponamo, da

minha posse — o PJ escreveu a um Ministro, formulando

uma recomendação.

A carta do PJ era dirigida a «S. Ex.* o Ministro [...]» e terminava nos seguintes termos:

Permito-me formular a seguinte:

Recomendação

[...]

Solicito a V. Ex.e que se digne mandar-me informar do seguimento que esta recomendação venha a ler.

Aproveito esta oportunidade para apresentar a V. Ex.? os meus melhores cumprimentos.

15.2 — Em 8 de Junho, foi recebido um ofício do chefe do Gabinete do Secretário de Estado Adjunto do Ministro em causa, dizendo, em síntese, que o Ministério iria analisar com dois outros Ministérios «a possível sequência a dar à matéria, na devida oportunidade, com vista a encontrar a solução que melhor sc ajustar ao assunto».

O ofício foi dirigido ao «Ex.mo Sr. Provedor de Justiça» e continha este intróito:

Relativamente ao assunto em epígrafe, encarrega--me S. Ex.' o Secretário de Estado Adjunto [...] dc informar V. Ex.1 do seguinte [...].

16 — Em nenhum país, pelo, menos europeu, onde exista um Ombudsman nacional (e não regional ou urbano) um membro do Governo se lembraria de não ser ele mesmo a corresponder-se com o Ombudsman.

Dá-se, para mais, o caso de, cm Portugal, o PJ, não apenas ter, expressamente, categoria de ministro, como o dc possuir um relevo constitucional muito especialmente acentuado.

17 — Claro está que a fórmula adoptada pelo Serviço do PJ —e na qual, por certo, o meu ilustre antecessor, signatário da carta, não terá atentado — era de algum modo propiciatória de uma situação como a que se criou — a qual, ao que vejo, é relativamente frequente.

É evidente que não mandei escrever ao chefe de gabinete, mas adoptarei, para o futuro, medidas cautelares adequadas, designadamente a dc, sendo eu, como PJ, a assinar as recomendações, não ser eu a enviá-las, mas o Serviço.

18 — A «explicação» dada pelo Gabinete do Secretário dc Estado em causa era, de resto, extremamente evasiva e tanto podia ser dada ao PJ, como a um simples particular, cm momento de generosidade espistolográfica.

19 — As «recomendações» do PJ não são cunhas ou sugestões de boa vontade. São uma figura constitucionalmente prevista, às quais deve ser conferido —quer por quem as emite, quer por quem as recebe— a adequada dignidade institucional.

Não deve o PJ pulverizar a sua actividade em «recomendações» de mera intenção; elas carecem dc ser fundamentadas, e n2o poderão, em caso algum, cair na banalidade.

Mas, verificados que sejam estes pressupostos, deve a entidade que as recebe — c que, obviamente não está adstrita ao seu incondicionado acatamento, sob pena dc o «histórico» perigo do «governo dos juízes» se transmudar ÍIO dO «gOVCfílO (JO JV» — fundamentar, em termos minimamente objectivos, a sua posição perante cias.

20—Assim, como as coisas se estão a passar, a actuação do PJ incorre no «fatalismo» de, ou ser espectacular, ou ser anodina e escassamente significativa em termos dc resultados práticos.

V

Um balanço sombrio

21 — A crise da instituição salta à vista e, a perdurar, tornar-se-á insuperável.

Mais valerá então que se tome uma opção sobre se deverá continuar a manter-se o artigo 23.° da Constituição ou se, na próxima revisão, ele deve ser suprimido, surgindo depois, em lugar do actual órgão constitucional, um cogumelo de provedores — ecológicos, dos deficientes, dos consumidores, urbanos, regionais, dos contribuintes, tudo o que a pena fácil do legislador possa imaginar.

22 — É com mágoa que o actual Provedor alcança, depois de cerca de um mês e meio de experiência vivida no Serviço, esta conclusão.

Enquanto Ministro da Justiça do X Governo Constitucional teve ocasião dc dizer, na sessão solene comemorativa do 10.9 aniversário do PJ (2 de Julho de 1986):

Cabe, realmente, ao Provedor de Justiça uma presença determinante na mais determinante das tarefas que as estruturas democráticas comportarão: a da tutela da dignidade. Não uma tutela mecânica e abstracta, mas uma tutela efectiva, visível — necessariamente visível.

E depois dc assinalar a tarefa que ao PJ compele no ensino e aprendizagem dos direitos do homem, referi:

E estes direitos não serão apenas, por certo, os direitos políticos, mas os direitos sociais, económicos e culturais. Na sessão do Instituto da Conferencia & Ordem dos Advogados dc 27 dc Maio — como dá conta a Revista da Ordem de 1977 (p. 417)— alguém «retirou da poeira dos papéis um já esquecido escrito em que eu acentuava que as liberdades cívicas ou políticas pressupõem condições sociais e económicas que confirmam conteúdo ao seu exercício». Repeti então —e não reluto em repetir o que em diversas ocasiões disse, já que a pequena «história» de todos nós é um continuado acto de temporal e coerente ressurreição — que «os valores democráticos somente se efectivarão e manterão numa sociedade economicamente estável, socialmente progressiva e politicamente pluralista, comparticipada, em todos esses planos e em todos os níveis, por homens responsáveis». [«O Provedor de Justiça — significado de uma data», no Boletim do Ministério da Justiça, 358, pp. 5 e segs.]

23 — Ora é precisamente à responsabilidade do Estado que com veemência apelo, cm razão do sentido da minha própria responsabilidade institucional.

Um apelo que não é um pedido, que n3o é o começo de uma negociação, dc solicitações para que, pouco a pouco, sc vão tapando os buracos—mas um apelo que co-

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-envolve ou que, pelo menos, deveria co-envolvcr os scus destinatários, se, neles, o ser ainda nao se tiver dissolvido irremediavelmente no ter (Gabriel Mareei).

24 — Creio, mesmo, que este apelo nunca terá antes sido feito em termos bem configurados, por mouvos conjunturais.

25—É inconcebível que as instalações do Serviço do

PJ tenham atingido o grau de degradação e de decadencia que logo à primeira vista se detecta.

26 — N3o é figurável que os técnicos do Serviço sofram de um estatuto remuneratório que os inferioriza no cotejo com os de organismos análogos, e que se vejam forçados a trabalhar em condições que só um grande apego à instituição poderá tomar suportáveis.

27 — Tenho como inadmissível que as instalações do Serviço do PJ não disponham de qualquer segurança e que o próprio Provedor, ao entrar na sala onde trabalha, possa ser confrontado com reclamantes menos conformados com os anos que sobre as suas reclamações — porventura justas — se acastelaram.

28 — Não me resigno com a ideia de neste momento existirem cerca de 8000 processos a aguardar vez, dentre os quais mais de 7000 em estado de pendência processual e próximo de 1000 em estado de pendência física, ou seja, sem pessoal que lhes possa dar andamento final.

29 — Creio que a proliferação de iniciativas legislativas tendentes à criação de uma Provedoria dos Deficientes, de um Promotor Ecológico ou de um Provedor dos Consumidores, ou a efectiva criação de um Provedor do Ambiente e da Qualidade de Vida Urbana de Lisboa, despontaram da dificuldade de resposta do Serviço do PJ a essas vertentes, decisivas na sociedade contemporânea.

A dispersão de meios e recursos desaconselha, sobretudo, a criação de novos Provedores nacionais. Mas, para isso, é indispensável que o Serviço do PJ funcione.

O único órgão nacional que, embora transitório, encontrará a médio prazo plena justificação será, por certo, a Alta Autoridade contra a Corrupção.

30 — Parece, aliás, de encarar a intervenção activa do PJ na tutela jurisdicional (legitimando-o para o impulso processual) dos interesses e direitos difusos, fragmentados ou colectivos. De certo modo, o projecto de lei de revisão constitucional n.° 2/V (apresentado pelo PCP) apostava para aí, numa linha de resto já prcsscntível noutros países e na doutrina (cf., por exemplo, Hein Kõtz, em Accès à la justice et Étal—Providence, obra colectiva publicada sob a direcção de Mauro Cappelletti, 1984, máxime p. 116).

31 —Estou em crer que se toma imprescindível até ao fim do ano em curso encontrar um complemento para as instalações do Serviço do PJ, em termos de descongestionar as actuais.

32 — Terão de ser disponibilizados significativos meios financeiros para que, através dos departamentos competentes do Estado e sob o seu directo controlo, sc renovem as actuais instalações, isentando-as do decadentismo que as toma impraticáveis, e que, com o previsto local complementar (a hipótese de um novo edifício onde se concentre todo o Serviço parece, a curto prazo, incon-figurável, cm termos de realidade), as possam desdobrar.

33 — É indispensável que o Serviço possa dispor de uma sala de reuniões e de uma sala onde se possa proceder à audição de cidadãos legalmente previstas.

34 — O PJ terá de dispor de um Gabinete, a exemplo do que, por exemplo, já acontece com a Alta autoridade contra a Corrupção.

35 — A acüvidade de inspecção aos serviços da administração central, regional c local, incluindo os institutos c empresas públicas, terá de se sistematizar, até porque através dela se exerce uma forma de participação das pessoas na vida do Estado, tomando transparente o que ainda hoje é, por vezes, opaco e ambígUO.

36 — Criar-se-á um departamento de publicações sobre direitos fundamentais e sobre a sua prática efectiva.

37 — Há que recuperar o tempo perdido. Cada dia que passa contribui para que acentue o desprestígio do Serviço, que não se pode apenas alicerçar na boa imagem e no relevo pessoa do Provedor. Aquela imagem e este relevo são condições necessárias, mas não suficientes.

Lisboa, 20 de Julho de 1990. — Mário Raposo, Provedor de Justiça.

8 — DESPACHOS DO PROVEDOR DE JUSTIÇA, COM ALGUMAS RECOMENDAÇÕES FORMULADAS EM 1990.

Direitos fundamentais. Liberdade de expressão. Televisão

1.! despacho I

1 —Para efeitos de queixa (artigo 23.° da Constituição e artigo 2.9 da Lei n.9 81/77, de 22 de Novembro) é-mc relatado pelo Sr. Engenheiro .... cm síntese, o seguinte:

1.1 —No dia 24 deste mês, uma equipa da RTP, composta por um jornalista, um operador de câmara c um ajudante, dcslocou-sc, por sua iniciativa (dela, RTP), à sede do Partido Socialista, no Largo do Rato, onde decorria uma reunião do Secretariado Nacional.

1.2 — Solicitou a jornalista da RTP aos dirigentes do Partido Socialista uma declaração destinada a ser incluída no Telejornal das 19 horas e 30 minutos, desde mesmo dia, sobre os trabalhos em curso.

1.3 — O Sr. Engenheiro .... que é deputado à Assembleia da República, «prestou as declarações solicitadas, no pressuposto óbvio de que, a serem transmiudas, a RTP as respeitaria na íntegra, o que, tratando-se de um meio dc comunicação áudio-visual, implicaria o respeito pelo texto e pela imagem».

1.4 — Sublinha o Sr. Engenheiro..., «que se não tratava de uma reportagem, mas de uma recolha de declarações, consentidas e prestadas com o propósito de, como tal, e só como tal, virem a ser utilizadas».

1.5 — Aconteceu, no entanto, que a RTP «veio a utilizar abusivamente, no Telejornal, parte das imagens recolhidas c a suprimir as declarações, substituindo-as por um texto [...] lido em voz ojf».

1.6 — Face à reacção depois manifestada pelo Sr. Engenheiro..., convidou-o a RTP a estar presente no 24 floras do dia imediato (25), para se pronunciar sobre o incidente por ela, RTP, criado.

1.7 — Nesse Telejornal «a jornalista de serviço conduziu a entrevista de modo a retirar uma conclusão absolutória do comportamento da RTP, em contradição com tudo o que [ele, Sr. Engenheiro...] havia afirmado, ao mesmo tempo que a este era abusivamente negada a possibilidade de contraditar tal conclusão, uma vez que lhe fora cortado

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o som no microfone que tinha tido à sua disposição durante

a entrevista».

2 —■ Com a sua exposição escrita, forneceu-mc o

Sr. Engenheiro... o registo magnético do Telejornal das 19 horas e 30 minutos do dia 24 e do 14 Horas do dia 25.

relativo à matéria em apreço.

3.1:—Entende o reclamante que a RTP violou, togo no Telejornal, o direito à imagem que a Constituição lhe assegura (artigo 26.°, n.91); esse direito à imagem assume um especial relevo quando se trata de um meio da comunicação social como a televisão, «onde a essência da missão informativa assenta precisamente na transmissão dc imagens e do texto a que essas imagens se reportam».

Ocorreu, assim, uma utilização abusiva da sua imagem, «para ilustrar um texto da responsabilidade da RTP que não corresponde na íntegra à declaração prestada».

3.2 — Entretanto, o que ocorreu no dia imediato veio tomar mais evidente a má fé com que a RTP actuou.

Com efeito, com a 2" entrevista não pretendeu a RTP «repor a verdade dos factos, mas tão-somente reincidir numa atitude atentatória da dignidade [dele, Sr. Engenheiro ...] e manifestamente contrária aos mais elementares valores da isenção e do rigor jornalísticos».

II

4 — É a RTP uma empresa pública e está cm causa a defesa de direitos fundamentais — o que, desde logo, toma pertinente e necessária a intervenção deste órgão do Estado (máxime artigos l.9 e 19.9, n.9 1, da referida Lei n.9 81/77 — Estatuto do Provedor dc Jusúça).

Cabe-me, pois, o dever dc pronúncia.

5.1 — Estrutura-se o nosso ordenamento constitucional no respeito pela dignidade da pessoa (artigo l.9 da Constituição da República Portuguesa), sendo uma das tarefas fundamentais do Estado a de «garantir os direitos c liberdades fundamentais» [alínea b) do artigo 9.9].

Subjacente ao sistema de valores que transparece na Constituição está, assim, o direito ao respeito pela dignidade da pessoa; como lembra Karl Larenz (Metodologia da Ciência do Direito, tradução portuguesa da 2' ed., 1978, p. 600), «aquilo que se deve ao homem — enquanto pessoa — é o respeito».

Não é, pois, por acaso que a Declaração dos Direitos e Liberdades Fundamentais aprovada pelo Parlamento Europeu cm 12 de Abril de de 1989 declaradamente acolhe, no n.9 1 do artigo 6.9, esse «direito ao respeito».

5.2 — Ora, desde logo, não resta sombra de dúvida que o respeito devido ao Sr. Engenheiro ... — enquanto pessoa, como cidadão, como homem público — foi preterido, sobretudo, cm meu entendimento, na 2} emissão televisiva.

6.1 — Sucede, no entanto, que o n.9 1 do artigo 26.9 da Constituição cataloga, expressis verbis, alguns dos direitos dc personalidade tutelados, numa intencionalizada sinonímia com os direitos fundamentais, pelo menos nesta área (cf., no entanto, numa oportuna precisão, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, rv, 1988, p. 59 c nota 1).

E, para além do direito à imagem, ajustadamente chamado àcolação pelo Sr. Engenheiro ....particulariza ainda o direito à identidade pessoal.

Passa hoje como moeda corrente que o direito à identidade pessoal excede cm muito o simples direito ao nome. Será o direito a que não seja afectada a própria imagem clica, social ou política; a posição da pessoa na realidade social, a «ideia» que os outros formam de alguém.

E daí, precisamente, que o direito á imagem e à identidade pessoal andem frequentemente associados na àouWWâ (por exemplo, Figône, «Tutóla deli' iámÚlh ÇCTSOUãle P

nuove prospeuive in tema di diritto ali' imagine, in Giur.

di mérito, i, 1981, p. 1264, e Giovanni Giacobbe,

«L'idcnlità personalc ...», na Rivista trimestrale di diriito

e procedura civile, ano xxxvii, Setembro de 1983, pp. 810

e segs., máxime p. 847).

6.2 — Ora, como salienta o Sr. Engenheiro..., aquilo que lhe foi solicitado, e que ele pressupõe fazer, foi um depoimento — que é de ver se desenvolvesse através dc palavras suas — e não um visionamento acompanhado dc um texto a que foi alheio.

7 — Aliás, e significativamente, na nova redacção do n.9 1 do artigo 26.9 da Constituição foi incluído — e por unanimidade — um novo direito: o direito à palavra.

Significa isto, na circunstância em análise, que a imagem do Sr. Engenheiro ... deveria ter sido acompanhada daquilo que ele próprio disse, e não de um icxto que, em seu entendimento, não exprimiu o sentido autêntico da mensagem que ele pretendeu uansmilir.

III

7.1 — Não pode o Provedor de Justiça, a contragosto, deixar dc assinalar que a RTP fez um uso inadequado dos poderes de que dispõe para o exercício de uma essencial função dc interesse público.

Aliás, sobretudo, o que se passou na 2.' emissão (a do dia 25) não deixa dc molestar, na parte final, a sensibilidade de qualquer observador imparcial; quase direi que foram esquecidas não apenas elementares normas de ética, mas até dc estética dc actuação.

7.2 — Já cm 1981 Roland Dumas, hoje Ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo Francês, e então advogado, sublinhava no seu Le Droit de l'Information (PUF, col. «Thémis», p. 31) que a influência da televisão tomava a sua «utilização tendenciosa particularmente perigosa».

Não pertence ao Provedor de Justiça ajuizar se, no caso, a referida actuação foi deliberadamente tendenciosa.

E não lhe pertence, também, ajuizar se deliberadamente está a ser preterido o comando constitucional do n.9 6 do artigo 38.9 da Constituição.

7.3 — Cabc-lhc, no entanto, pronunciar-se sobre o caso concreto que lhe é posto e formular acerca dele um juízo prévio inclutavclmente negativo, seja ou não esse caso um epifenómeno dc um mais alargado condicionalismo.

7.4 — Entretanto, porque não dispõe o Provedor dc Justiça da gravação das palavras efectivamente ditas peto Sr. Engenheiro ... aquando da prestação das suas declarações na 1.* emissão (dia 24), solicita-se ao conselho de gerência essa gravação.

E notifica-se o mesmo conselho de gerência para, caso o pretenda, dizer o que porventura considere útil para a apreciação do caso, no prazo máximo dc 10 dias.

Lisboa, 27 de Setembro de 1990. Processo n.° 2191/90.

2.s despacho

1 — Tenho perante mim uma carta, que me é nominalmente enviada pelo Sr. Chefe do Departamento de Noticiário e Actualidades da RTP, por incumbência do Sr. Director do canal 1 da mesma RTP, «ausente no estrangeiro».

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Como não escrevi, individualmente, qualquer «ofício» ao Sr. Director do Canal 1, estou cm crer que o processamento do expediente (no sentido de remessa de «ofícios») da RTP terá, na circunstância, decorrido de um mero lapso. Nem figuro que tenha havido qualquer desígnio racionalizado na situação assim defeituosamente criada.

2 — TeríÜndO fazer «convalescer» a situação, precisarei, no entanto:

a) Proferi, com efeito, no dia 27 de Setembro um despacho — no exercício das minhas funções de Provedor de Justiça —, sobre uma queixa que, no uso de um direito fundamental que a Constituição (n.9 1 do artigo 23.°) lhe atribui, foi a este órgão do Estado apresentada pelo Sr. Deputado

b) Foi esse despacho dc 27 de Setembro enviado ao conselho de gerência da RTP pelo Sr. Juiz-De-sembargador Oliveira Guimarães, como coordenador que tem a seu cargo o processo então aberto (R-2191/90);

c) Depreendo que o conselho de gerência da RTP terá querido, muito naturalmente, ouvir sobre o conteúdo do meu despacho o Sr. Director do Canal 1;

d) Face à sua «ausência no estrangeiro», o Sr. Director do Canal 1 terá endossado o caso, também muito naturalmente, ao Sr. Chefe do Departamento de Noticiário e Actualidades da RTP e este, por mero lapso, ter-me-á respondido a mim, em vez de ... ter prestado a sua informação ao conselho de gerência.

3 — Como, em termos pessoais, nada tenho a ver com o assunto, actuando muito simples e institucionalmente como Provedor de Justiça — ou seja, como titular dc um órgão do Estado que a Constituição especificadamente prevê e que estatunariamente a Lei n.9 81/77, de 22 de Novembro, define (assim, por exemplo, artigo 8.8), limito--me a mandar juntar ao processo a cana que me foi enviada.

Feita essa junção, deve o processo ser concluso ao Sr. Juiz-Coordcnador Desembargador Oliveira Guimarães.

4 — Não creio necessário, neste momento, fazer remeter este meu despacho ao conselho de gerência, mesmo para mero conhecimento.

Com isto evitarei, possivelmente, que acerca dele me responda, personalizadamente,... o substituto do Sr. Chefe do Departamento que subscreveu o anterior, no eventual «impedimento» deste.

5 — O que importa agora é dar conhecimento ao Sr. Engenheiro... da cassette VHS com o material de reportagem relativo à reunião do Secretariado do PS dc 25 dc Setembro para se, assim o pretender, a ela aqui ler acesso.

Lisboa, 9 de Outubro de 1990. Processo n.9 2191/90.

3.8 despacho

1 — Nos termos do meu despacho de 27 do mês findo, enviou a RTP, por ofício do dia 4, a cassette VHS com o malcrial de reportagem relativo à reunião do Secretariado do Partido Socialista de 25 de Setembro.

Com referência ao ofício da RTP de 4 de Outubro, exarei o meu despacho de 9 do corrente, que oportunamente

será enviado à Assembleia da República, com a demais documentação respeitante a este caso Oproccsso n.9 2191/90).

Nele, além do mais, solicitei ao Sr. Deputado. Eng.9... que, caso o pretendesse, se deslocasse a esta Provedoria, a fim de aqui ter acesso a essa cassette, a fim de, se poder

pronunciar, com conhecimento de causa, sobre as desconformidades que aponta na sua queixa dc 26 de Setembro entre o texto que foi lido em voz off, tendo como suporte a sua imagem, e as declarações que efectivamente prestou.

2 — O Sr. Deputado..., com a maior disponibilidade, deslocou-se efectivamente à Provedoria c perante cie foi visionada a cassette enviada pela RTP.

Logo se revelou, no entanto, a dificuldade em o Sr. Deputado poder, sem a transcrição do conteúdo da cassette, emitir um juízo suficientemente esclarecedor.

3 — Daí o que agora me solicita no seu requerimento de ontem — que aqui dou como integralmente transcrito.

4 — Conhecendo.

A cassette enviada pela RTP está incorporada no processo desta Provedoria e constitui um documento (artigo 362.° do Código Civil e anotação de Pires de Lima-Antuncs Varela em Código Civil Anotado, i, 1987, p. 321).

A reprodução dessa cassette, promovida pela Provedoria, sem que o original seja desentranhado do processo, equivale a uma certidão — que o Sr. Engenheiro ... tem o direito dc pedir, até por aplicação analógica do artigo 174 9 do Código de Processo Civil.

Não está em causa matéria reservada, até porque se trata dc declarações prestadas pelo próprio requerente.

5 — Por assim ser, faculte-se ao Sr. Engenheiro ... uma transcrição da aludida cassette enviada pela RTP, cujo original continuará nos autos.

Lisboa, 12 de Outubro dc 1990.

Processo n.9 2191/90.

4.s despacho

1 — Relativamente à reclamação apresentada pelo Sr. Deputado ... face ao procedimento adoptado pela RTP nos dias 24 e 25 dc Setembro último, cumpre-mc fazer uma apreciação final, visionada que foi a cassette enviada por aquela empresa pública e efectuado o seu confronto como texto lido em voz off naquele l.9 dia (24 de Setembro).

Foi ainda solicitado ao Sr. Deputado ... que, caso o entendesse, se pronunciasse sobre esse cotejo — uma vez que nao conhecia a cassette.

2 — Ora, liminarmente, observarei que, na realidade, o texto em off nüo corresponde à intencionalidade decisiva das declarações prestadas pelo reclamante.

O conteúdo político mais significativo dc tais declarações é, em relevante medida, neutralizado no texto em off. Ora não se pode ignorar que se trata dc declarações prestadas por um dirigente político, cm representação do seu partido político.

3 — Não reputo necessário, na presente circunstância, aprofundar mais este problema, nas precisas condições cm que se desenrolou.

Entendo, porém, dc — no exacto uso das minhas competências constitucionais e estatutárias— insistir na vertente que foi já objecto de anteriores despachos que, quanto a esta queixa, exarei.

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O ponto sensível da questão é o de que o Sr. Engenheiro ... foi solicitado a prestar declarações. A sua

imagem não surgiu no decurso de uma reportagem.

4 — Com o respeito que me merece qualquer órgão informativo, e com salvaguarda da independência e da dignificada autonomia dos jornalistas, não se me afigura que esteja em causa essa independência ou essa intransferível dignidade.

Dá-se até o caso de a minha intervenção ter tido como dcslinatário o conselho de gerência da RTP, e não qualquer departamento informativo da mesma empresa pública.

Não vejo como, numa perspectiva genérica, o conselho de gerência da RTP —que é uma empresa pública de comunicação social — se possa dissociar dos termos em que genericamente é exercida a prestação desse funda-mental serviço público. Salvo melhor opinião, não pode o conselho de gerência da RTP confinar-se como que a meras tarefas de gestão empresarial, como se pudessem ser comuns os critérios — repito, genéricos — de actuação dos departamentos informaüvos de uma empresa de comunicação social e os de uma empresa de transportes ou de prestação de quaisquer outros serviços análogos.

Desponta, precisamente, desta posição — que nada tem a ver com a liberdade de expressão ou com a independência dos jornalistas— o reparo que faço, e que tenho como socialmente útil e construtivo, à actuação da RTP, quer na emissão do dia 24, quer na do dia 25.

5 — O poder da RTP é um dos mais significativos poderes públicos — sobretudo numa sociedade democrática, como felizmente é a nossa.

Nunca deverá ser exercido, mesmo que possa não ser esse o propósito que determinar qualquer situação concreta, cm detrimento dos direitos fundamentais da pessoa ou do essencial respeito que lhe é devido.

Daí que esta minha intervenção, accionada pelos deveres que me são conferidos em benefício do Estado e da sociedade, se dirija exclusivamente ao conselho de gerência da RTP, não considerando pertinente estabelecer como que uma «polémica» com a direcção do canal 1 da mesma empresa pública, no estilo da que poderia ser propiciada pela carta «pessoal» (?) que me foi dirigida pelo Sr. Chefe do Departamento de Noticiários e Actualidades.

O que me determina é aferir das orientações gerais da empresa, no exercício da função de serviço público que lhe cabe assegurar.

6 — Comunique ao conselho de gerência da RTP e ao Sr. Deputado...

Vou remeter as principais peças deste processo à Assembleia da República, para conhecimento.

Lisboa, 2 de Novembro de 1990.

Processo n.B 2191/90.

Segurança social. Assistência médica. Reembolso de despesas

1 — Apresentou o engenheiro ... reclamação neste órgão do Estado, fundando-se em não lhe haverem sido reembolsadas as despesas que fizera com a deslocação e tratamento em Londres a cataratas que lhe afectaram o olho direito, reembolso que lhe fora indeferido pela Administração Regional de Saúde de Lisboa.

Contactada a comissão instaladora da aludida ARS, veio a mesma esclarecer, em 11 de Junho de 1986, que a Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários informara

que o tratamento efectuado em Londres não podia ler sido efectuado em Portugal, pelo que o reclamante fora intimado a apresentar os documentos de despesa, paia aprCCiaÇãO.

E o reembolso das despesas foi, na realidade, efectuado.

2 — Aconteceu, no entanto, que, quando apresentou os aludidos documentos, requereu o reclamante que a ARS de Lisboa lhe pagasse as despesas ocasionadas pela deslocação e traiamcnto em Londres de cataratas, desta vez no olho esquerdo.

Só que a ARS, depois de solicitar a comprovação de tais despesas, veio a indeferir o pedido, por decisão comunicada em 14 de Novembro, aduzindo que os documentos haviam sido apresentados após o decurso do prazo de 180 dias estabelecido superiormente, contado da data dos pagamentos.

3 — A orientação superior constara, segundo esclareceu depois a ARS, do despacho do Secretário de Estado da Saúde de 11 de Maio de 1981, publicado no Diário da República, 2.' série, de 29 de Maio.

4 — Daí ter o ... de novo feito apelo a este órgão do Estado, no sentido de obter o reembolso das despesas respeitantes à 2.s deslocação a Londres.

Ouvida a ARS de Lisboa, veio esta dizer, cm 18 de Abril de 1988 (processso n.s 142/86) que, na verdade, qualquer das duas intervenções cirúrgicas não poderia ler sido efectuada em Portugal.

Mas, quanto à 2.-, o reembolso foi solicitado em 15 de Julho de 1986, quando a deslocação se efectuara em 30 de Agosto de 1985 — decorridos, pois, os tabelados 180 dias.

Só que no mesmo ofício, informou a ARS de Lisboa que a documentação apenas é pedida depois de autorizada a deslocação.

Ora, como do mesmo ofício se mostra, tal autorização apenas foi concedida em 19 de Maio de 1986. Viria a ser comunicada ao reclamante em 11 de Junho dc 1986.

5 — Tudo faz crer que, por assim ser, não tem razão a ARS de Lisboa, pondo, com isso, cm causa, o legítimo direito à protecção da saúde do reclamante, constitucionalmente assegurado.

6 — Vê-se ainda do processo que o reclamante pretendeu entregar a documentação respeitante à 2.'- deslocação em Agosto dc 1985 — tendo-lhe então sido dito para aguar-dar. a respectiva autorização de reclamação.

7 — Pelo exposto, que tenho como perfeitamente concludente c controlável pelo Ministério da Saúde, recomendo ao Sr. Ministro da Saúde que determine que, através da Administração Regional de Saúde de Lisboa, se processe o urgente pagamento ao reclamante engenheiro... das despesas reclamadas, como era seu direito, em 15 dc Julho dc 1986, e ainda não pagas.

8 — Só agora é feita esta recomendação pelo atfaso verificado aos processos pendentes neste órgão do Esuido, o qual está agora a ser recuperado.

Lisboa, 27 de Novembro de 1990.

Processo n.B 150/86.

Administração local. Feiras e mercados. Sanção

1 — Na sequência da reclamação apresentada por ... apuraram-se os factos seguintes:

2 — A reclamante ... é concessionária da banca n.a ... do Mercado de Miralcjo concelho do Seixal.

3 — Tal mercado está submetido à jurisdição da Junta de Freguesia de Corroios.

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4 — Em 8 de Fevereiro de 1989 o marido da reclamante terá dirigido palavras injuriosas ao fiscal do Mercado.

5 — Embora a fl. 19 exista um auto onde se declara que ... terá confirmado as acusações que sobre ele pendiam, não existem quaisquer autos de declarações subscritas pelo marido da reclamante, onde assuma os factos.

6 — Quer à reclamante, quer ao marido desta, não foram feitas notificações para exercício do direito dc defesa.

7 — A titular da banca foi punida sem ser ouvida e por factos que não praticou.

8 — A reclamante foi punida por factos imputados ao marido da mesma.

9 — Em matéria de contra-ordenações existe apenas responsabilidade das pessoas colectivas quando a contra--ordenação é praticada por um seu agente (cf. artigo 7.9, n.9 2, do Dccreto-Lei n.6 433/82, de 27 de Outubro).

10 — Ora, estamos perante a figura de uma pessoa singular — reclamante — que não pode ser responsabilizada por actos individuais e imputáveis a título pessoal ao seu marido.

11 — De resto, desconhece-se que funções exercia o marido junto da banca de sua mulher, embora não seja dc afastar a ideia de o mesmo auxiliar a sua mulher.

12 — De qualquer modo, a verdade é que a reclamante não praticou quaisquer factos dignos de censura.

13 — Acresce que à mesma não foi reconhecido o direito de audiência previsto no artigo 50.9 do Decrcto-Lei n.9 433/82, de 27 de Outubro e, bem assim, no artigo 36.9, n.9 2, do Regulamento de Mercados no Concelho do Seixal.

14 — A deliberação que decidiu da aplicação da sanção à reclamante está ferida dc vício de nulidade por não ter sido precedida da audiência da arguida.

15 — Face ao exposto, tenho por bem recomendar a essa autarquia que delibere revogar a deliberação sancionatória, como forma de repor a legalidade e de reparar moralmente os danos sofridos pela reclamante.

Lisboa, 17 de Outubro de 1990.

Processo n.9 681/89.

Administração Pública. Direito de regresso

1 — Nos termos do disposto no n.9 1 do artigo 2.9 do Decreto-Lei n.9 48 051, de 21 de Novembro de 1967, «o Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes [...] resultante dc actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício».

2 — Quando pagarem qualquer indemnização nos termos do número anterior, «gozam do direito de regresso contra os titulares do órgão ou os agentes culpados, sc estes houverem procedido com diligência e zelo mani-ícstamente inferiores àqueles a que se achavam obrigados em razão do cargo» (n.9 2 do mesmo artigo 2.9).

3 — De acordo com o disposto no n.9 4 do artigo 271.9 da Constituição, é a lei que «regula os termos em que o Estado e as demais entidades públicas têm direito de regresso contra os titulares dos seus órgãos, funcionários e agentes».

4 — O exercício do direito de regresso por parte do Hospital cuja gerência entendeu dever indemnizar a utente exigiria a averiguação, em adequado processo, sobre se os agentes teriam procedido com diligência e zelo manifestamente inferiores àqueles a que se achavam obrigados.

5 — O inquérito sumário realizado não obedeceu ao prescrito nos artigos 85.9, n.9 5, e 88.9 do Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes da Administração Central, Regional e Local, aprovado pelo Decrcto-Lei n.9 24/ 84, de 16 de Janeiro.

6 — Em decorrência das aduzidas regras legais, ordenado e realizado o processo de averiguações, cabia ao instrutor propor:

a) O arquivamento, se entendesse não haver lugar a procedimento disciplinar,

b) A instauração do processo de inquérito se, verificada a existência de infracção, não estivesse ainda identificado o seu autor; ou

c) A instauração de processo disciplinar.

7 —Não ocorreria, assim, fundamento legal e de facto para se terem considerados responsáveis todos os trabalhadores do serviço, nem para se descontarem nos seus vencimentos as quantias em causa, face à recusa de pagamento voluntário.

8 — Face ao exposto, recomendo, seja anulada, por contrária à lei, a deliberação de 4 de Janeiro de 1989 do conselho de gerência do Hospital Distrital dc Tomar, com restituição das quantias retiradas.

Comunique.

Lisboa, 30 de Agosto de 1990. Processo n.9 2254/89.

Administração Pública. Indemnização

1 —Fui procurado por .... que, em representação da família do Sr. Dr. Aristides de Sousa Mendes, cx-cônsul--geral dc Portugal em Bordéus, me deu conta dc ainda não haver sido paga a indemnização a que alude o artigo 3.9 da Lei n.9 51/88, dc 26 de Abril.

Obviamente que o caso me mereceu todo o interesse — pelas razões justificativas daquela lei (cm cujos trabalhos preparatórios eu próprio intervim, então como presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República) c pela metodologia que adoptei de, tanto quanto possível, dar pronto seguimento às pretensões que com legitimidade me são postas.

2 — Acontece, no entanto, que do exame que fiz do problema concluí que terão de ser os herdeiros directos (filhos e netos, cm representação dos filhos porventura já falecidos) a requerer ao Ministério dos Negócios Estrangeiros a atribuição da indemnização, quantificando-a e fornecendo os elementos determinantes dessa quantificação.

O pedido deverá ser instruído com uma certidão da habilitação (notarial) de herdeiros e com procuração dos herdeiros ausentes, com poderes especiais para o acto, a favor do herdeiro ou herdeiro que se encontrar cm Portugal.

3 — Podcr-se-á suscitar a dúvida sobre se a indemnização deverá ser dirigida ao Ministro dos Negócios Estrangeiros ou ao Ministro das Finanças.

Estou cm crer que deverá ser ao primeiro, em razão da matéria e porque nem a Lei n.9 51/88, nem os diplomas para que ela remete deixam entrever que não seja competente o Ministério dos Negócios Estrangeiros.

4 — Abra-se processo e comunique-se com urgência este meu despacho ao interessado.

Lisboa, 21 de Novembro de 1990.

Processo n.9 2690/90.

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II SÉRIE-C — NÚMERO 31

Contribuições e impostos. Execução fiscal. Penhora

1 — Em processo organizado neste órgão do Estado com base cm queixa representada por no qual alegou ter-lhe sido instaurado processo de execução fiscal, apesar de não haver sido notificado para qualquer pagamento suplementar e de ter liquidado em tempo o imposto complementar relativo ao ano de 1983, apuraram-se os seguintes factos:

a) Os serviços detectaram erro na liquidação do referido imposto no montante de 3000$, tendo procedido, nos termos da lei então vigente, a liquidação adicional em 22 de Maio de 1985;

b) A notificação para pagamento foi expedida pelos serviços de informática, mediante carta registada com aviso de recepção, para a morada indicada na declaração do modelo n.° 1 e que constava do cartão do número de contribuinte;

c) A carta foi devolvida, com a indicação de que o contribuinte em causa se tinha retirado sem deixar nova morada;

d) Por se ter efectuado a notificação no 2.B dia posterior ao do registo, e por falta de pagamento da importância em dívida no mês do vencimento (Junho de 1989), o tesoureiro extraiu a certidão de relaxe que deu origem a processo de execução;

e) Citado por aviso postal em 9 de Outubro de 1989, e não tendo pago a dívida, foi ordenada a penhora de um sexto do vencimento do contribuinte e ora queixoso para pagamento da quantia exequenda c legais acréscimos totalizando a importância de 4936$, segundo despacho do juiz auxiliar da 1.* Repartição de Finanças do Concelho de Loures;

f) Este despacho foi notificado à respectiva entidade empregadora a coberto do ofício n.9 908, de 19 de Janeiro de 1990.

2 — Admitindo que o Fisco tenha procedido, formalmente, nos lermos legais, não poderá depreender-se, contudo, que haja actuado com a diligência que lhe seria exigível uma vez que a citação para o processo executivo foi efectuada para a morada que desde Junho do mesmo ano se sabia já não ser a do contribuinte c ora o queixoso.

3 — Bem poderia, pois a administração fiscal ter feito o que fez o juiz auxiliar quanto quis comunicar a penhora, ou seja, analisar o processo do imposto complementar, com visla a identificar a entidade patronal do contribuinte. Se tivesse providenciado por contactar o contribuinte através da respectiva entidade empregadora, a administração fiscal teria com certeza solucionado a questão sem dar origem ao processo executivo. Isto tanto mais que a liquidação adicional proveio de erro da liquidação imputável no próprio Fisco.

Termos em que, ao abrigo do que dispõe a alínea a) do n.9 I do artigo 18.° do Estatuto do Provedor de Justiça, entendo dever recomendar que a 1.* Repartição de Finanças dc Loures, se necessário através do Ministério Público junto do Tribunal de 1 .* Instância das Contribuições c Impostos de Lisboa, prescinda da penhora do vencimento do queixoso na parte correspondente a juros de mora, custas e demais encargos.

Lisboa, 3 de Agosto de 1990.

Contribuições e impostos. Imposto automóvel

1 — Estabelece o artigo 95.B do Tratado dc Roma:

Nenhum Estado membro fará incidir, directa ou indirectamente, sobre os produtos de outros Estados membros imposições internas, qualquer que seja a sua natureza, superiores às que que incidam, directa ou indirectamente, sobre produtos nacionais similares.

Além disso, nenhum Estado membro fará incidir sobre os produtos de outros Estados membros imposições internas de modo a proteger indirectamente outras produções [...].

2 — Dispõe o considerando n.9 6 do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades de 15 de Julho de 1982 — caso COGIS (in CJTJCE, 1982, pp. 2701 e segs.) — que este artigo «visa assegurar a livre circulação dc mercadorias enire os Estados membros, em condições normais de concorrência, pela eliminação de qualquer forma dc protecção que possa resultar de imposições internas discriminatórias relativamente a produtos originários de outros Estados membros».

E, mais adiante, que o artigo 95." «garante a perfeita neutralidade das imposições internas quanto à concorrência entre produtos nacionais c produtos importados».

3 — 0 artigo l.B, n.° 1, do Decreto-Lei n.B 152/89, de 10 de Maio, diz que «o imposto automóvel (IA) é um imposto interno incidente sobre os veículos automóveis ligeiros de passageiros — incluindo os de uso misto, os dc corrida c outros principalmente concebidos para o transporte de pessoas, com exclusão das autocaravanas —, importados, no estado de novos ou usados ou fabricados cm Portugal e que sejam matriculados».

Por seu turno, o n.9 3 afirma que «o imposto é dc natureza específica, monofásica e variável em função da cilindrada, conforme tabela anexa ao presente diploma, que dele faz parte integrante».

4 — Decorre da observação da referida tabela a existência de uma situação discriminatória a que se encontram sujeitos os automóveis com cilindradas acima de 1500 cm3 (todos importados) relativamente aos de mais baixa cilindrada — os montados em Portugal não ultrapassam 1400 cm3 — sujeitos a uma tributação menos intensa.

5 — Com efeito, a progressividade do IA apresenta, <&. forma não justificada, um salto enorme a partir dos 1500 cm3 de cilindrada.

6 — Daí que se conclua que a discriminação apontada nas taxas do imposto, ao provocar a deslocação da procura para automóveis de mais baixa cilindrada, favorece a produção nacional.

7 — Há, assim, uma nítida desconformidade entre o regime em vigor do imposto automóvel e a norma do segundo parágrafo do artigo 95.9 do Tratado dc Roma.

8 — Entendo que, face ao princípio do primado do direito comunitário, as taxas do imposto automóvel terão que ser tomadas compatíveis com a supramencionada disposição do Tratado CEE.

9 — Disto mesmo é de dar conhecimento ao Gabinete de S. Ex.! o Ministro das Finanças.

24 de Agosto de 1990.

Processo n.9 605/90.

IP. 19/90.

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18 DE MAIO DE 1991

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Contribuições e impostos. Taxa de saneamento

1 — Através da deliberação n.8 17/CM/85, de 18 de Março, a Câmara Municipal de Lisboa havia enviado a tarifa de saneamento relativa à prestação de serviço pelo Município.

2 — Tal deliberação foi julgada inconstitucional pelo Acórdão n.° 67/88 do Tribunal Constitucional.

3 — Na sequência da declaração de inconsütucionali-dade, a Assembleia Municipal de Lisboa, sob proposta da Câmara Municipal, deliberou lançar de novo a tarifa de saneamento, em sessão de 20 de Maio de 1988, deliberação essa tomada executória através dos editais n.08 54/88 e 55/88, com efeito a partir de 4 de Junho do mesmo ano.

4 — Apesar da execução da deliberação ser reportada a 4 de Junho de 1988, a verdade é que a EPAL sujeitou ao pagamento da taxa os consumos ocorridos durante o mês de Maio de 1988.

5 — Tal comportamento não é adequado, porquanto em Maio não existia ainda a fonte de direito ou norma que lhe permitisse a respectiva cobrança, o que se traduziu em conferir retroactividade à tarifa criada.

6 — Efectivamente só após a nova criação da tarifa, através da publicação por edital da respectiva deliberação, como é princípio geral do direito, previa a mesma ser exigida dos consumidores, relevando neste campo apenas e só os consumos verificados após 4 de Junho de 1988.

7 — Nestes lermos, e por falta de base legal ou regulamento para a cobrança efectuada, recomendo à Câmara Municipal de Lisboa que devolva aos consumidores o valor da taxa de saneamento indevidamente cobrada e respeitante aos consumos verificados até 4 de Junho de 1988.

Lisboa, 4 de Outubro de 1990.

Processo n.8 2387/88.

Jogo. Jogos lícitos. Licenciamento

1 — A Sr.' Governadora Civil de Setúbal, por despacho de 19 de Outubro de 1989, indeferiu a petição em que ... solicitava o licenciamento de abertura do estabelecimento de jogos lícitos de que é proprietário, sito na Urbanização do Palhcirão, lote 44, rés-do-chão e cave, na vila da Moita.

2 — O pedido de licenciamento foi feito na sequência da decisão do Tribunal Administrativo de Círculo que anulara, por ilegal, um anterior despacho de 7 de Julho de 1988, que havia indeferido pedido de igual teor.

3 — Quer o despacho de 7 de Julho de 1988, quer o despacho de 19 de Outubro de 1989 louvam-se apenas em razões de ordem moral.

4 — Sem querer pôr em crise os valores éticos da Sr." Governadora Civil, que muito considero, a verdade é que inexiste norma legal que legitime o indeferimento por razões de ordem moral.

5 — E os salões de jogos lícitos proliferam em todo o País, dado que tal actividade não está proibida ou interdita por lei.

6 — Ora, sendo uma actividade permitida, só nos casos previstos na lei pode a Administração obstar ao seu normal exercício.

7 — Os actos administrativos devem respeitar o princípio da legalidade, não podendo aceitar-se como fundamentação as motivações éticas do autor do acto, que não estejam contempladas na lei.

8 — O despacho de 19 de Outubro de 1989, por não conter qualquer fundamentação de facto adequado à sua motivação, está inquinado de vício de violação da lei (vício de forma), por ofender o disposto no artigo l.fi, n.os 1, alíneas a) c d), e 2 e 3, do Decrcto-Lei n.8 256-A/77, de 17 de Junho.

9 — Entendo, pois, de recomendar, nos termos do artigo 23.8, n.8 1, da Constituição, e da alínea a) do n.° 1 do artigo 18.8 da Lei n.8 81/77, de 22 de Novembro, a revogação do despacho de 19 de Outubro de 1989 e a sua substituição por um outro que, apreciando o requerimento de licenciamento em causa, tenha apenas em conta as normas fixadas, no Regulamento Policial do Distrito de Setúbal, cm matéria de salão de jogos.

Lisboa, 15 de Outubro de 1990.

Processo n.° 2582/89.

Polícia. PSP. Disciplina

1 —Em 23 de Setembro de 1985 então emigrante em França, apresentou neste órgão do Estado a queixa de que junto fotocópia ut documento n.a 1.

A queixa foi remetida ao Sr. Chefe do Estado-Maior do Comando-Geral da Polícia de Segurança Pública cm 7 de Outubro de 1985.

Pelo Comando-Geral da PSP foi enviado a este órgão do Estado o ofício de que se junta fotocópia (documento n.° 2).

Em 13 de Março de 1986 foi enviado a este órgão do Estado o ofício daquele Comando-Geral, que acompanhava o processo disciplinar, a título devolutivo (documento n.° 3).

2 — Do processo interno deste órgão do Estado vê-se que o Sr. Assessor que emitiu o parecer de fl. 16 (29 de Março de 1986) chamou a atenção para a circunstância de a acusação deduzida contra o guarda Edgar Dias Rosa ter redundado no arquivamento do processo disciplinar. Emitiu de igual modo opinião no sentido de que o subchefe José Pinheiro da Silva também não deveria ter ficado imune a qualquer apreciação disciplinar do comportamento que parece ter revelado.

3 — Aconteceu, no entanto, que o processo se encontra concluso ao meu Ex.mo Antecessor desde 24 de Março de 1987, não tendo, por manifesta acumulação de serviço, lido seguimento ulterior.

4 — Foi-me agora pela primeira vez presente, com a sugestão de ser dado conhecimento do caso à Procuradoria--Gcral da República, para eventual procedimento criminal, e ao Comando-Geral da Polícia de Segurança Pública.

Dado o tempo decorrido e a falta de imediação probatória que ocorreria, mesmo que ultrapassado pudesse ser o escolho da prescrição do procedimento criminal [alínea c) do n.s 1 do artigo 117.° do Código Penal], abstenho-mc de remeter o caso à Procuradoria-Geral da República.

Mas entendo que este meu despacho deve ser remetido ao Comando-Geral da Polícia de Segurança Pública, para que S. Ex.' o General Comandante-Gcral possa tomar conhecimento do caso, que não parece ser, na verdade, consonante com a dignidade que é atributo daquela instituição policial.

Lisboa, 5 de Setembro de 1990.

Processo n.° 1809/85.

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II SÉRIE-C — NÚMERO 31

Polícia. PSP — Integração de oficial do Exército

1 — Sendo oficial do Exército, o reclamante encontrava--se colocado desde 6 dc Janeiro de 1981 na PSP, tendo, em 8 dc Agosto de 1985, sido nomeado 2.9 comandante da PSP dc Lisboa — da qual era comandante distrital o coronel...

Revela-se da sua queixa intercederem fortes laços de companheirismo e afectividade entre os dois oficiais; daí «que o coronel... e [ele, queixoso), muito a instâncias dele [queixoso] [tenham resolvido] requerer ambos a integração no quadro técnico-policial da PSP».

Sujeita à apreciação do Conselho Superior dc Polícia

(CSP) para a emissão do parecer previsto no n.9 1 do artigo 114.° do Estatuto da PSP (Dccreto-Lci n.9 115/85), foi a candidatura do queixoso aprovada, em votação secreta, sem um único voto desfavorável.

Só que o mesmo se não passou com a candidatura do coronelsobre a qual recaiu parecer desfavorável daquele CSP.

Com isto não se conformou o queixoso, face ao curriculum e à competência profissional do coronel...

Entende o queixoso que tal parecer foi «chocantemente injusto e atentório» (sic) da dignidade do mesmo coronel.

«Por isso, para a defesa de valores que lhe [pareciam] fundamentais», requereu o queixoso, cm 2 de Abril de 1987, ao Chefe do Estado-Maior do Exército, ao qual cabia o seguimento à tramitação do processo de integração (dele, queixoso) que «a suspendesse temporariamente».

2 — Em decorrência desta sua atitude, recebeu o queixoso, em 9 de Abril de 1987, uma guia de marcha onde lhe era comunicado que, por determinação superior, fora dada como finda a sua comissão de serviço na PSP e em que lhe era ordenado que regressasse ao Exército.

3 — Com a sua queixa ao Provedor dc Justiça juntou o tenente-coronel... a exposição dirigida ao Chefe do Estado--Maior do Exército.

Breviiatis causa, nela põe cm causa a forma como decorreu a reunião do CSP: nela não houve discussão prévia, nem relato, nem fundamentação das opiniões traduzidas na votação secreta. Teria ocorrido, assim, preterição das regras contidas nos n.°* 1, 2 e 3 do artigo 268.° da Constituição da República Portuguesa.

Acresce que a votação secreta permite «jogos de bastidores», manipulações, revanches, cedência a grupos de pressão político-partidaria ou outros, «pelo que se traduz numa eventual mas possível forma de saneamento, contrária aos princípios democráticos». Além disso, a votação secreta «permite a eliminação, sem fundamento bastante, ou melhor, sem fundamento algum, de potenciais candidatos ao cargo de futuro comandantc-gcral da PSP, cuja nomeação pertence ao Governo, tomando-se, por tal, um acto de possível cariz político».

A ausência de fundamentação do parecer do CSP torna impossível qualquer recurso, contendo, assim, uma nulidade insuprível.

Aconteceu ainda que o processo do CSP não foi objecto de relato, como estabelece o n.° 4.4 do Regulamento do CSP (aprovado por despacho do Ministro da Administração Interna de 24 de Janeiro de 1986).

Na sua exposição ao Chefe do Estado-Maior do Exército, o queixoso termina dizendo que «a sua dignidade, pundonor e brio profissionais de oficial do Exército se encontram ofendidos; que está em jogo o prestígio das Forças Armadas

e da própria Polícia de Segurança Pública; que a prática utilizada no processo dc integração de oficiais do Exércno na PSP lhe parece pouco transparente, menos digna, não isenta, propiciadora dc resultados antidemocráticos, produzindo saneamentos sem acusação nem defesa».

4 — Perante a posição assim assumida pelo queixoso, o então comandante-geral interino prestou informação, dizendo considerar que aquele usara de «expressões manifestamente inadmissíveis quanto à honorabilidade do funcionamento do Conselho e, de modo particular, em relação às decisões do seu presidente» — pelo que ficara «fortemente afectada a relação de confiança que deve existir entre o comandante-geral e aquele oficial».

Propôs, assim, ao Ministro da Administração Interna que fosse dada por finda, nos termos do artigo 156.9 do Regulamento da PSP, aprovado pelo Decreto n.9 39 550, e do Estatuto do Oficial do Exército, a comissão de serviço do aludido oficial.

Concordou o Ministro da Administração Interna, por despacho dc 8 dc Abril de 1987, com tal proposta.

E, por portaria dc 13 de Abril dc 1987, foi o queixoso exonerado do cargo de 2.9 comandante da PSP de Lisboa, com efeitos a partir de 9 de Abril de 1987.

5 — Não é agora o momento de apurar, em sede dc conformidade constitucional, da necessidade de fundamentação ou não fundamentação do parecer do CSP.

Está em curso no Tribunal Constitucional a apreciação da questão, sob impulso do Provedor de Justiça.

6 — O que tenho como certo estar em causa é o despacho do Ministro da Administração Interna que deu como finda a comissão dc serviço do queixoso: foi cia ou não fundamentada? tem ela ou não cabimento? foi ela ou não justa?

7 — Ora, incidindo sobre a informação do comandante--geral, tal despacho recebeu os fundamentos nela contidos — que se baseiam nos lermos manifesta (e desnecessariamente) inadequados da exposição do queixoso ao Chefe do Estado-Maior do Exército. O queixoso preteriu, sem que tal se revelasse pertinente ou útil à sustentação do seu ponto de vista, as regras da proporcionalidade (que também vale para os funcionários) e do comedimento.

8 — Não corroboro, assim, desta vez, a perspectiva expendida pelo Ex.m0 Assessor e determino que os autos sejam arquivados.

Devo, aliás, evidenciar que o parecer do Ex.mo Assessor é de 17 de Dezembro de 1987, tendo-se escoado desde então a imediação que deve sempre ocorrer nos processos afectos ao Provedor de Justiça.

9 — Comunique ao queixoso, ao Sr. Comandantc-Gcral da PSP e ao Gabinete do Sr. Ministro da Admtaisu^qão Interna.

Lisboa, 27 de Julho de 1990. Processo n.9 1177/87.

Polícia. Violência

1.1 — Em 1 de Outubro de 1985 foi recebida neste órgão do Estado, dirigida ao Provedor, uma queixa, apresentada portodos residentes na Calçada de São Francisco, nesta cidade.

Relatam os queixosos que, pelas 3 horas e 20 minutos de 20 do mês anterior, foram acordados por gritos provindos dessa via pública. Presenciaram então a agressão, a pontapé e a casse-tête, por cerca dc seis agentes úa

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dc um indivíduo que jazia à porta do n.e 10; outros agentes, alguns à paisana, assistiam aos gritos, todos indiferentes aos pedidos de clemência do agredido e aos protestos deles, queixosos. A agrcssüo ter-se-ia desenrolado durante cerca de 10 minutos. Durante ela, um dos agentes dizia constantemente ao agredido: «Com que então ias sacar de uma arma?!»

Depois dessa primeira fase de agressão, o indivíduo (que parecia estar inconsciente) foi arrastado pelas pernas até à Rua Nova do Almada; nesse trajecto a cabeça ia sucessivamente batendo em cada um dos degraus da Calçada.

Na Rua Nova do Almada foi ainda, durante cerca de mais dc um quarto de hora, agredido a pontapé por vários agentes.

Um dos queixosos chamou então pelo telefone o «115»; tanto quanto se pode ver, compareceu, cerca de 15 minutos depois, um carro-patrulha, sem aulomaca, no qual o agredido foi transportado.

1.2 — A queixa apresentada ao Provedor de Justiça foi reproduzida no semanário Expresso de 1 de Novembro de 1985.

1.3 — O processo foi correctamente instruído pelo serviço do Provedor de Justiça, com intervenção de um Ex.mo Adjunto, de um Ex.mo Juiz-Coordenador e de um Ex.mo Assessor.

2 — Na versão da PSP, o eventual agredido, nascido em 8 de Janeiro de 1951, sem profissão, descia a Rua do Carmo, dando pontapés nos recipientes do lixo.

Ao aperceber-se da aproximação de um guarda da PSP, pôs-se em fuga, sendo perseguido pelo guarda, que o localizou na aludida Calçada, escondido atrás de uns outros caixotes.

No momento passava no local.... que alertou o guarda de que o ... tinha uma pistola entalada no cinto c que se preparava para a empunhar.

O referido guarda, ajudado por uma sua colega, desar-mou-o e tentou conduzi-lo à esquadra. Mas o... resistiu e só com bastante dificuldade foi controlado, até porque simulava desmaios, atirando-se para o chão.

E, assim, foi conduzido por outros guardas — todos eles identificados — no carro-patrulha, para o Hospital de São José, não recebendo ali qualquer tratamento, por dele não carecer, seguindo o seu destino.

3.1 — Ouvido — em 17 de Fevereiro de 1986 — neste Serviço do Provedor de Justiça, o ... referiu, em súmula:

a) Que se encontrava por completo embriagado;

b) Que deu um pontapé num caixote de lixo, «caixote esse que rebolou pela rua abaixo»;

c) Que, em seguida, apareceram vários guardas da PSP, que o agrediram com os casse-têtes, a murro e a pontapé;

d) Que ele, agredido, não reagiu, embora, na verdade levasse consigo, junto ao cinto das calças, uma pistola que não funcionava, e pela qual não puxou;

e) Que tal pistola foi vista pelos guardas quando lhe bateram e depois de o apalparem;

f) Que foi conduzido pelos guardas a um hospital, que não sabe identificar;

g) Que do Hospital «foi levado pelos polícias para uma esquadra, que julga ser a [...], existente junto ao Teatro de D. Maria II, donde mais tarde foi mandado embora»;

h) Que no dia imediato tinha o corpo cheio de vergões e altos na cabeça, cm consequência da agressão de que foi vítima;

z) Que não chegou a ir a qualquer médico, mas que tem vizinhos «cuja identidade não pode fornecer neste momento», que observaram os sinais da agressão, designadamente a roupa rasgada e hematomas na cabeça;

j) Que não apresentou queixa-crime e nem se propõe fazê-lo, «por não querer mais incómodos».

2.2 — Ulteriormente, pelo telefone, forneceu a identificação de duas testemunhas.

2.3 — Ouvido, neste Serviço do Provedor de Justiça, em 11 de Novembro de 1986,... referiu que em dia de que não se recorda subia a Rua de Garrett, em direcção a casa, quando se apercebeu de um indivíduo «que a pontapé virava os caixotes de lixo que encontrava».

Ao deparar-se com um guarda e uma guarda da PSP, tal indivíduo fugiu em direcção à Calçada de São Francisco, onde se escondeu atrás de uns caixotes.

Quando os indivíduos chegaram junto do aludido indivíduo, este enfrentou-os e fez menção de puxar de qualquer coisa que tinha atrás das costas e que o depoente verificou depois ser uma pistola.

Que o mesmo não chegou a puxar pela pistola, por disso ter sido impedido pelo guarda.

Em seguida, o referido indivíduo atirou-se para o chão, «sem que tal queda tivesse sido provocada por qualquer acção dos polícias».

«Então, pelas escadas abaixo, o mesmo indivíduo levantava-se e caía a todo o momento, por acção própria.»

Não viu qualquer agressão de parte a parte.

3 — As duas testemunhas indicadas pelo agredido (n.B 2.2) referem que, cerca das 8 horas e 30 minutos do dia imediato ao do evento, estavam num café, em Miratejo, onde chegou .... «com a camisa rasgada c queixando-se de que linha dores na cabeça provocadas por uma tareia que tinha levado da Polícia na zona do Bairro Alto».

Que, para além de uns hematomas na cabeça, linha uns arranhões na zona do pescoço.

Que não se aperceberam de que estivesse embriagado e que, conhecendo-o muito bem, sabem que não é homem «de se meter em copos», embora naquela época estivesse a atravessar uma má fase, por estar desempregado.

4 — A ficha clínica de ... no Banco do Hospital dc São José, onde foi admitido às 3 horas e 48 minutos de 20 dc Setembro de 1985, revela «ligeiras alterações do dorso, sem outras mais dc evidência (?)».

5 — Nos seus depoimentos, os queixosos confirmam a queixa inicial.

6 — Os autos foram conclusos ao meu Ex.mo Antecessor em 6 de Maio de 1986, que nada ordenou, não obstante a proposta dos serviços no sentido de eles serem remetidos, para procedimento disciplinar, ao comandante-gcral da PSP.

7 — Cumpre tomar posição.

Há alguns elementos no processo que não deixam de ter algum relevo hermenêutico.

Na verdade, em resultado da agressão presenciada pelos queixosos — cuja boa fé e recta intenção não é legítimo pôr em causa— não apresentava sequelas graves, ao ser examinado, cerca das 4 horas da manhã no Banco do Hospital de São José (fl. 38).

E as 8 horas e 30 minutos imediatas, já se encontrava num café, com dois indivíduos que ele próprio indicou como testemunhas, apenas com a camisa rasgada, alguns hematomas c uns arranhões na zona do pescoço (fis. 25 v.s e 26).

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Depois do jantar, ficou completamente embriagado, dando um pontapé num caixote do lixo, caixote esse que

rebolou pela rua abaixo (suas declarações a fl. 16).

Era portador dc uma arma, que diz que não funcionava e da qual não pretendeu sacar — o que, obviamente, não era apcrcebível pelos guardas da PSP (fl. 16).

Não foi agredido na esquadra da PSP (fl. 16).

Não teve necessidade de ir a qualquer médico (fl. 16).

A agressão presenciada pelos queixosos ocorreu cerca das 3 horas e 20 minutos (queixa inicial, confirmada a íls. 32, 33, 46 e 46 v .9), mas o certo e que já cerca das 23 horas e 30 minulos/24 horas (o que coincide com a afirmação de que tudo começou ao fim de jantar) este já foi visto virando os caixotes de luto a pontapé, onde os encontrava (fl. 25).

Terá feito menção de puxar pela pistola (fl. 25), disso sendo impedido por um guarda da PSP.

Atirou-se depois voluntariamente ao chão (fl. 25), levantando-se e caindo a lodo o momento nas escadas da Calçada (idem).

8 — Mas n3o sofre dúvida que o depoimento dos quatro queixosos é impressionante.

9 — O processo encontra-se parado, concluso ao meu Ex.mo Antecessor, desde 6 de Maio de 1986.

Está prestes a findar o prazo do eventual procedimento disciplinar.

Creio ser este um caso exemplar de que o volume de trabalho deste Serviço pode dar lugar a situações de aparente inacção, que lhe fazem desvanecer a sua intervenção úul.

10 —Que fazer?

A menos de dois meses de vista em relação à prescrição do procedimento disciplinar, resta-me determinar que o processo seja, em fotocópia, com este meu despacho, integralmente enviado ao Ex."10 Comandante-Geral da PSP para os efeitos que ele ainda reputar adequados.

Perdeu-se a «frescura» probatória, para usar de uma expressão que ganhou foros de cidade na dogmática alemã. Toda a imediação se diluiu.

Mas não posso, em consciência, no próprio dia em que o processo me é presente, retirado dos milhares de outros que aguardam despacho, não tomar as únicas providências que agora estão na minha disponibilidade.

Lisboa, 30 de Julho de 1990.

Processo n.9 1866/85.

Segurança social. Aposentação. Manutenção da ordem pública

I

Os factos

I — O agente de l.! classe da Polícia Judiciária..., aposentado, reclamou para o Provedor de Justiça de a Caixa Geral de Aposentações lhe ter indeferido o pedido de aposentação que formulou ao abrigo do n.9 3 do artigo 54.9 do Estatuto da Aposentação, não reconhecendo, assim, que o acidente em serviço de que ele foi vítima tenha ocorrido na «manutenção da ordem pública».

Desse indeferimento resultou que o interessado ficou privado dc fruir a pensão por inteiro, dado que a desvalorização da sua capacidade geral dc ganho foi somente parcial.

Segundo informação da Directoria de Lisboa da Polícia Judiciária, o acidente ocorreu quando aquele agente, ao integrar, no dia 13 de Março de 1984, um grupo de agentes que, na tentativa de localizar um indivíduo ligado a um bando de perigosos cadastrados organizados a nível nacional, que vinha a assolar o País de norte a sul com a prática de assaltos à mão armada e a quem o mesmo fornecia armas, foi gravemente atingido por dois üros disparados por aquele.

Deste acidente em serviço derivou para o referido agente uma desvalorização da sua capacidade geral de ganho, que o obrigou a aposentar-se.

2 — A Caixa Geral de Aposentações não considerou, porém, que o acidente em causa tenha ocorrido numa situação de manutenção da ordem pública, pelo que se negou a aplicar ao caso o n.° 3 do artigo 54.° do Estatuto da Aposentação. Isto com fundamento no seguinte:

1 —O conceito de «serviço de manutenção da ordem pública», a que se refere o n.9 3 do artigo 54* do Estatuto da Aposentação (Decreto-Lei n.9 498/72, dc 9 de Dezembro), não abrange todas e quaisquer funções policiais nem tem uma relação directa com o risco que o exercício de tais funções possa envolver.

2 — De harmonia com o conceito definido pela doutrina da Procuradoria-Geral da República — v. parecer publicado no Diário do Governo, 2.' série, de 16 dc Fevereiro de 1967, sucessivamente reafirmado em ulteriores pareceres sobre a matéria—, o serviço de manutenção da ordem pública «pressupõe uma alteração da ordem pública ou, pelo menos, uma possibilidade próxima ou remota de tal alteração que obrigue a destacar forças para prevenir ou dominar o perigo que se teme ou que já está a efectivar-se. As forças utilizadas com tal objectivo é que estarão em serviço dc «manutenção da ordem pública».

3 — Ora, a situação em que ocorreu o acidente em serviço gerador da incapacidade determinante da aposentação do interessado descrita no auto de no\fò& — ser atingido nas costas sem que nada o fizesse prever — não configura um caso de manutenção da ordem pública, pelo que não há lugar à aplicação do citado n.9 3 do artigo 54.9 do Estatuto da Aposentação.

II

Análise do problema que os factos suscitam

I — Suscita-se no caso vertente o problema de saber se o acidente em serviço de que o reclamante foi vítima reúne os requisitos necessários para poder ser considerado, para efeitos do disposto no n.° 3 do artigo 54.9 do Estatuto da Aposentação, como tendo ocorrido na manutenção da ordem pública.

A expressão «manutenção da ordem pública», usada não só naquele normativo mas em diversos outros, como por exemplo no Decreto-Lei n.9 404/82, que regula a concessão das pensões de preço de sangue, e no Decreto-Lei n.fi 43/76, de 20 dc Janeiro, que estabelece um regime especial de assistência, reabilitação e reparação dos deficientes das forças armadas, não tem todavia uma definição expressa na lei.

Assim, há que atentar no que a jurisprudência e a doutrina sobre ela têm sustentado.

2.1 — A Procuradoria-Geral da República, no parecer emitido em 1967, que é invocado pela Caixa Geral de

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Aposentações para fundamentar o indeferimento do pedido do interessado, afirma, a propósito da aplicação do diploma das pensões de preço de sangue, que o serviço de manutenção da ordem pública «pressupõe uma alteração da ordem pública ou, pelo menos, uma possibilidade próxima ou remota de tal alteração que obrigue a destacar forças para prevenir ou dominar o perigo que se leme ou que já está a efectivar-se».

2.2 — Em meu entender, esta forma de conceber o serviço de manutenção da ordem pública, contrariamente ao que a Caixa Geral de Aposentações sustentou, antes abona o sentido favorável ao interessado.

Admite-se naquele parecer que existe um serviço de manutenção da ordem pública quando, havendo uma possibilidade próxima ou remota de que essa situação seja alterada, se destacam forças para prevenir um perigo que se teme.

Ora, relacionando esta noção com o objectivo que desencadeou a acção em que o reclamante foi atacado — localizar o indivíduo ligado a um bando de perigosos cadastrados que vinham efectuando pelo País assaltos à mão armada —, tem necessariamente de se entender que o acidente que o vitimou teve lugar no exercício de um serviço de manutenção da ordem pública.

3.1 — Também o parecer da Procuradoria-Geral da República n.8 79/86 presta um valioso contributo nesta matéria.

3.2 — Encara o mesmo a acção de um guarda da PSP que, ao enfrentar e tentar dominar um indivíduo armado, integrando um grupo de três num assalto a um estabelecimento bancário, foi por ele baleado, tendo ainda conseguido corajosamente ripostar com a arma de serviço.

Tal actuação foi considerada no aludido parecer como correspondendo ao tipo de actividade denominada de manutenção da ordem pública no n.8 2 do artigo l.8 do mencionado Decreto-Lei n." 43/76.

Admite-se no estudo então feito, que conduziu àquela conclusão, que o conceito de «manutenção da ordem pública» pode ser utilizado com maior ou menor amplitude, sendo possível que determinada situação possa ser-lhe subsumível para efeitos, por exemplo, de pensão de preço de sangue c já não para o regime de protecção especial dos deficientes das forças armadas.

Refere-se a definição de «ordem pública», feita por Jorge de Miranda (*) nos seguintes lermos:

O conjunto das condições externas necessárias ao regular funcionamento das instituições e ao pleno exercício dos direitos individuais.

Igualmente é feita referência à função tradicional de defesa da «ordem pública», que, segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira (**) abrange «a defesa da tranquilidade (manutenção da ordem na rua, lugares públicos,.etc.), da segurança (prevenção de acidentes; defesa contra catástrofes, prevenção de crimes) e da salubridade (águas, alimentos, etc.)».

Também Marcello Caetano (***) é citado no dito parecer n." 79/86, na parte cm que escreve:

O objecto próprio da polícia é a prevenção dos danos sociais, segundo o velho princípio de que mais vale prevenir que remediar.

(*) In Enciclopédia Verbo, vol. 14, p. 736.

(**) Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.* ed., 2.* vol., 1985, pp. 446 e segs.

(***) Manual de Direito Administrativo, 9.* ed., 1983, p. 1152.

Mas essa acção acautcladora, essa vigilância para evitar os danos, pode exercer-se cm várias oportunidades.

Existe perigo em que se produza o dano, devendo então impedir-se as acções donde possa resultar o facto danoso. Mas se o facto ocorreu e o dano já está produzido, importa atalhar de modo a restringi--lo sem o deixar ampliar.

Após serem citados vários outros autores como Garrido Falia, Giuseppe Conti, Guido Lorsi, é retirada a seguinte conclusão:

A Polícia de Segurança Pública actua na manutenção da ordem pública quando reage àquela tríade: tranquilidade, segurança e salubridade.

Acrescenta-se depois no mesmo parecer que «por isso encontra-se na manutenção da ordem pública o guarda da PSP que percorre as ruas da cidade, no seu giro habitual, pois a sua simples presença ou passagem é factor dissuasor da desordem, da intranquilidade e da insegurança.

Actua ainda na manutenção da ordem pública o guarda da PSP que põe termo a uma agressão física, que conduz à prisão um delinquente ou persegue um autor de um furto, [...]».

Por fim, formula-se a seguinte pergunta de ordem geral:

Mas serão então subsumíveis à previsão do n.8 2 do artigo 1* do Dccrclo-Lci n.9 43/76 os acidentes que os membros da PSP venham a sofrer no exercício da função da manutenção da ordem pública?

Entende-se depois que a resposta não pode ser abrangente tendo em atenção a razão de ser do diploma: recompensar os que se sacrificaram pela Pátria. Os que suportam um risco de tal modo agravado c anormal no exercício das suas funções que merecem um regime de privilégio, como o que está contemplado no Decreto-Lei n.8 43/76.

Acentua o mesmo parecer que «esta agravação do risco não pode ser apenas pensada para aquele caso-limite, cm que a tranquilidade c segurança dificilmente podem ser contidas pelas forças policiais e militares.

Tão-pouco se pensa ser de exigir as clássicas situações tumultuosas, de manifestações de rua, de aglomeração de pessoas contestatarias, etc., para invocar a aplicação do item 'manutenção da ordem pública' previsto no diploma.

Difícil será teorizar, e a casuística pode revelar-se perigosamente discricionária; pensa-sc, no entanto, que a prudência máxima se contentará, pelo menos, com a inserção no conceito de 'manutenção da ordem pública', previsto no Decreto-Lei n.9 43/76, das situações em que o agente da PSP actua correndo potencialmente o risco da própria vida, revelando abnegação e coragem, motivadoras de um sentimento de gratidão por parte da comunidade.

As regras da experiência dirão dessas realidades: a acção de um guarda da PSP que, ao enfrentar e tentar dominar um indivíduo armado, integrando um grupo de três num assalto a um estabelecimento bancário, foi por ele baleado, lendo ainda conseguido corajosamente ripostar com a arma de serviço, corresponde a um tipo de actividade previsto no 2.9 item — manutenção da ordem pública — do n.9 2 do artigo l.9 do Decrcto-Lei n.9 43/76».

3.3 — Da análise da expressão «manutenção da ordem pública» a que acabo dc me reportar, considero dignos de nota, entre outros, os seguintes pontos:

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II SÉRIE-C — NÚMERO 31

Quando a lei considera a «manutenção da ordem pública» como requisito de atribuição de um determinado regime de privilégio, está a pressupor que essa acção faz incorrer o autor num risco agravado e anormal em defesa da comunidade;

Esse regime de privilégio traduz a recompensa com que a colectividade premeia aquela acção.

Com efeito, só este entendimento pode justificar que a acção de um guarda da PSP que, ao enfrentar e tentar dominar um indivíduo armado que integrava um grupo de assalto a um banco, foi por ele baleado, tendo ainda conseguido ripostar com a arma de serviço, seja enquadrada no item «manutenção da ordem pública» usado no Decreto--Lei n.fl 43/76, diploma que estabelece um regime especial de assisiência, reparação e reabilitação para os deficientes das forças armadas.

III

Conclusão

1 — Aplicando as considerações expendidas ao caso vertente, é legítimo concluir que o acidente em serviço sofrido pelo reclamante ocorreu no exercício da manutenção da ordem pública, devendo por isso ser-lhe atribuída a pensão por inteiro.

Na verdade, tratando-se, tal como a PJ o confirmou, de uma acção em que se visava localizar o indivíduo que se apresentava como relacionado com um surto de assaltos à mão armada que vinham a ser efectuados a nível nacional por um grupo de perigosos cadastrados, não pode, em minha opinião, deixar de se entender que essa acção ocorreu em defesa da comunidade em geral.

Por outro lado, tem de reconhecer-se que aquela acção dos agentes da PJ revestiu um risco excepcional e agravado relativamente às funções normais desses agentes.

2 — Por tudo isto, se me afigura que o reclamante se incapacitou num quadro de acção que corresponde ao previsto no n.9 3 do artigo 54.9 do Estatuto da Aposentação, pelo que entendo dever recomendar que a Caixa Geral de Aposentações aplique ao mesmo o regime especial que consiste em receber a pensão de aposentação por inteiro, muito embora a desvalorização que sofreu na sua capacidade geral de ganho tenha sido somente parcial.

Lisboa, 26 de Julho de 1990.

Processo n.9 2640/89.

Segurança social. Aposentação. Pensões degradadas. Equivalências. Reposições

1 — São várias as reclamações que me têm sido dirigidas, em que os seus autores se queixam de a Caixa Geral de Aposentações lhes exigir a reposição de determinados montantes, que ascendem a dezenas e, por vezes, a centenas de milhares de escudos, não obstante possuírem, à data em que foram abonados, uma base legal válida.

Trata-se de aumentos que incidiram em pensões degradadas, previstas no Decreto-Lei n.9 245/81, de 24 de Agosto, cujo cálculo foi feito em função de equivalências de categorias funcionais constantes de tabelas aprovadas

por portarias publicadas, dc harmonia com aquele diploma, pelos Ministros das Finanças e do Planeamento e da Administração do Território.

Sucede, todavia, que, decorrido mais de um ano sobre a publicação dc algumas dessas portarias de equivalências, foram emitidas outras que, alterando as primeiras, contemplaram os interessados com aumentos da pensão menores do que aqueles que já tinham começado a ser-lhes atribuídos ao abrigo das anteriores.

2 — Esta actuação da Administração Pública levou diversos pensionistas a recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo; este tem firmado jurisprudência sobre a matéria favorável aos recorrentes.

Com efeito, aquele Supremo Tribunal tem entendido ultimamente que as portarias em questão assumem a natureza de actos administrativos constitutivos de direitos, pelo que a revogação de qualquer delas, decorrido mais de um ano sobre a mesma (prática que se tem vindo a verificar), é um acto administrativo que viola o disposto no artigo 18.9 da Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo.

Assim, têm vindo tais revogações a ser anuladas (v. Acórdão de 25 dc Janeiro de 1984, proferido cm tribunal pleno).

3 — Acontece que a Caixa Geral de Aposentações, conquanto reconheça a ilegalidade das portarias que alteram em termos desvantajosos para os pensionistas reclassificações funcionais instituídas há mais de um ano, está no entanto vinculada a dar-lhes execução enquanto as mesmas não forem revogadas ou anuladas judicialmente.

Deste modo, só os pensionistas que tenham recorrido para o Supremo Tribunal Administrativo dos actos que lhes exigem reposições com base em portarias feridas de ilegalidade têm conseguido subtrair-se a tais reposições.

4 — Tendo-se considerado injusto, e até discriminatório, este procedimento, foi oportunamente formulada pelo meu antecessor uma recomendação ao então Secretario de Estado do Orçamento, no sentido de vir a ser publicada uma portaria que, por forma genérica, revogasse as equivalências de categorias funcionais estabelecidas ao abrigo do Decreto-Lei n.9 245/81, de 24 de Agosto, mas feridas dc ilegalidades por terem substituído, prejudicando os destinatários, equivalências publicadas mais de um ano antes.

5 — Essa recomendação, cuja cópia se junta, não veio, porém, a ser acolhida, conforme resulta do despacho dc concordância que foi exarado na informação n.9 360/DRT/88 da Direcçâo-Geral da Administração Pública, dc que igualmente se anexa cópia.

A argumentação deduzida em favor do não acatamento da recomendação, foi a de que, sendo o vício das portarias revogatórias o da anulabilidade, elas se leriam convaíidado decorrido um ano sem que o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo tivesse sido interposto.

6 — Sucede, porém, que esse argumento releva para os actos constitutivos de direitos, mas não para os actos constitutivos de deveres (ou de posições negativas, em geral), como o são as portarias revogatórias dc outros que atribuírem direitos.

Por outro lado, ofende o princípio de igualdade o toa de situações idênticas receberem tratamento diverso, conforme os interessados recorrerem ou não judicialmente das portarias revogatórias das que fixaram as equivalências iniciais.

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Enfim, há que atentar em que os pensionistas ajustaram o seu nível de vida à pensão inicialmente fixada, constituindo prejuízo atendível a circunstância dc, mais de um ano depois, terem visto reduzir-sc o montante real da pensão, por razões que lhes não foram imputáveis.

7 — Por considerar inaceitável a posição do então Sr. Secreuirio de Estado do Orçamento, entendo de, através dc V. Ex.5, expor os motivos da minha tomada de posição à Assembleia da República, nos termos do n.° 3 do artigo 34.s da Lei n.9 81/77, dc 22 de Novembro.

Carta enviada a S. Ex.s o Presidente da Assembleia da República em 21 de Agosto de 1990.

Processo n.9 2736/87.

Segurança social. Aposentação. Tempo de serviço

1 —Foi apresentada neste órgão, do Estado uma reclamação subscrita por um trabalhador do cx-Grémio da Lavoura dc Tomar e Ferreira do Zêzere, que aí prestou serviço entre 1 dc Janeiro de 1952 c 22 dc Maio dc 1980, tendo posteriormente transitado para o Ministério da Agricultura, Pescas c Alimentação. Nela, o reclamante reage cm relação ao facto de não poder beneficiar do Dccrcto-Lci n.9 218/86, de 5 de Agosto, que tornou relevante para efeitos dc aposentação o tempo de serviço prestado nos ex-grémios da lavoura por trabalhadores que transitaram, a qualquer vítulo, para o referido Ministério.

A nao aplicação daquele diploma ao interessado foi devida unicamente ao facto de ele sc ter aposentado anteriormente à sua entrada cm vigor.

2 — Há, porém, que atentar no facto, aliás referido no próprio preâmbulo do Dccrcto-Lci n.° 218/86, dc ele ter obedecido ao objectivo de salvaguardar para lodos os efeitos legais, designadamente aposentação, o tempo dc serviço prestado nos ex-grémios da lavoura pelos trabalhadores que destes transitaram para departamentos do Estado.

Ora, por motivos de justiça, esta finalidade deve ser considerada operante para todos os trabalhadores que se encontrarem naquelas circunstâncias, independentemente, por isso, da data em que se tenham aposentado.

3 — Sucede, todavia, que tal solução só poderá verificar-se sc vier a ser encarada a publicação de um diploma legal que expressamente permita a aplicação do Dccrcto--Lci n.9 218/86 também aos trabalhadores que, reunindo os requisitos nele previstos, já se encontrassem aposentados à data da sua entrada em vigor.

Isxo devido a a Caixa Geral de Aposentações se encontrar vinculada ao princípio consagrado no seu estatuto, segundo o qual a aposentação se fixa com base na lei em vigor à data do facto que lhe dá origem.

É, pois, a preparação e aprovação de um diploma legal com aquela intencionalidade que se me afigura corresponder a um imperativo de justiça.

Lisboa, 2 de Outubro de 1990.

Processo n.9 288/88.

Segurança social. Pensão de aposentação. Cálculo

que, a seu pedido, a Caixa Geral de Aposentações operou na sua pensão ter produzido efeitos a partir somente dc Julho de 1989, não se reportando, assim, à data em que cia foi desligada do serviço, isto é, a Outubro de 1978.

Consistiu essa rectificação na revisão do cálculo da pensão em lermos dc nele serem incluídas as remunerações acessórias que a interessada tinha auferido nos últimos dois anos dc actividade mas que a Caixa, por lapso, tinha omitido, não obstante constarem as mesmas de uma declaração que instruía o seu processo.

2 — A Caixa Geral de Aposentações, muito embora tenha reconhecido que foi por motivo não imputável à pensionista que a sua pensão foi incorrectamente calculada, considerou que os efeitos da rectificação não podiam retroagir à data da primitiva resolução e isto com fundamento no artigo 58.°, n.9 1, do Estatuto da Aposentação, em que se contem a regra geral segundo a qual «a alteração de resoluções definitivas sobre o quantitativo da pensão, nos casos em que a lei a permita, só produzirá efeitos a partir do dia 1 do mês imediato àquele em que foi deliberada».

3 — Sucede, porém, que o caso vertente é susceptível, a meu ver, dc ser enquadrado numa das excepções previstas no n.9 2, alínea a), do mesmo artigo 58.9, cujo teor adkinte se transcreve:

Os efeitos da alteração rcporlar-sc-ão, todavia, à data em que a resolução anterior os produziu, nos casos seguintes:

a) Se a alteração derivar de recursos contencioso ou hierárquico, de rectificação da pensão ou de resolução revogatória da Caixa.

Face a este normativo, quer o correspondente enquadramento seja na figura da «rectificação» da pensão quer na da «resolução revogatória» da Caixa, os efeitos terão sempre de se reportar à data em que a resolução anterior os produziu.

3.1 — Pelo que respeita à «rectificação», interessa atender ao artigo 102.9 do Estatuto da Aposentação c ao artigo 249.9 do Código Civil.

De harmonia com aquele primeiro preceito, as resoluções finais podem ser rectificadas por erro de escriut ou de cálculo, nos termos gerais de direito.

Por seu turno, o arügo 249." do Código Civil dispõe que «o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias cm que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta».

Tendo em atenção o facto dc no processo de aposentação da reclamante constar a declaração dc que ela tinha auferido remunerações acessórias nos dois últimos anos de actividade, declaração que a Caixa reconhece ler, por lapso, sido ignorada, parece lícito entender que a primitiva resolução, na parte em que declara o montante da pensão, está viciada dc erro de cálculo, erro esse que sc revela através das circunstâncias em que a mesma foi emitida, ou seja, através do próprio processo dc aposenui-ção.

Ora, estando viciada de erro dc cálculo, pode a mesma resolução ser rectificada com base nos dois preceitos referidos, devendo os efeitos dessa rectificação reportar-se à data da resolução anterior, como prescreve o artigo 58.9, n.9 2, do Estatuto da Aposentação.

1—A aposentada... reclamou, fundamentadamente, para o Provedor de Justiça pelo facto dc a rectificação

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II SÉRIE-C — NÚMERO 31

3.2 — Se se enveredar pela figura da «resolução revogatória», há que admitir que a resolução da Caixa está ferida dc ilegalidade por erro nos pressupostos de facto.

Aliás, este entendimento é corroborado por Simões de Oliveira, quando no seu Estatuto da Aposentação Anotado

(fl. 212), afirma que são passíveis de revogação por ilegalidade, por exemplo, as decisões da Caixa que «rejeitem um outro número superior de anos de serviço ou uma outra remuneração superior».

Também este enquadramento jurídico da questão obriga a que a alteração do montante da pensão em causa remonte à data da primitiva resolução. Isto com base no citado artigo 58."

4 — Neste contexto, ao abrigo do artigo 18.e, n.B 1, alínea a), da Lei n.9 81/77, de 22 de Novembro, recomendo que a Caixa Geral de Aposentações considere que a alteração a que se procedeu no montante da pensão da interessada, por inclusão das citadas remunerações acessórias, produz efeitos desde a data da resolução anterior.

Lisboa, 6 de Agosto de 1990.

Processo n.9 477/90.

Trabalho. Empresa pública. Concurso. Preferências

1 — Os Telefones de Lisboa e Porto (TLP), S. A., aplicaram, no concurso para técnico administrativo anunciado no Diário de Notícias, de 8 de Julho de 1989, factores de preferência, nomeadamente o dc idade máxima, para a escolha de candidatos a submeter às provas, sem que os mesmos factores tenham sido publicitados no aviso de abertura do concurso.

2 — Verificou-se inicialmente grande desproporção entre os números de candidatos e o número de vagas, a ponto de tomar excessivamente onerosa a sua realização. Haveria então que anular tal concurso, realizando-se seguidamente outro com a publicação dos respectivos requisitos de admissão, desde que legais; só que deste modo se não procedeu.

3 — Adoptaram os TLP como um dos factores preferenciais a idade enuc os 20 e os 25 anos, o que ofende o princípio de igualdade consagrado no artigo 13." da Constituição, uma vez que, no caso vertente, não existem razões objectivas que justifiquem tal tratamento preferencial, estando em causa um concurso para técnico administrativo.

4 — O procedimento em análise dos TLP colide, aliás, também, com o exposto no artigo 58.9, n.° 3, alínea b), da Constituição, já que a igualdade dc oportunidades de que aí sc trata não respeita apenas, abstractamente, ao «tipo» de profissão ou trabalho em concreto; de outro modo, pouco interesse teria tal norma

5 — Dc resto, a Comissão Constitucional já admitiu que limitações de acesso a postos de trabalho em função dc idade, desde que não justificadas, violam aquele princípio da igualdade (artigo 13.° da dita Constituição da República) e da igualdade dc oportunidades no acesso ao trabalho (então artigo 51.9 da Constituição); assim, parecer n.9 28/ 81 da Comissão Constitucional, em Pareceres da Comissão Constitucional, 17.9 vol. pp. 23 e segs.

6 — Face ao exposto, nos termos do artigo 23.9, n.9 1, da Constituição e da alínea a) do n.9 1 do artigo 18.9 da

Lei n.a 81/77, dc 22 de Novembro, recomendo aos Telefones de Lisboa e Porto (TLP), S. A., o seguinte:

1) Que renovem o concurso em causa, de harmonia com os princípios acima expostos;

2) Se tal se revelar, porventura, muito oneroso, procederão os TLP em conformidade com lais princípios cm futuros concursos.

Lisboa, 17 de Outubro de 1990.

Processo n.' 2134/89.

Trabalho. Empresa pública. Despedimento. Dever de lealdade. Trabalho. Empresa pública. Tarefeiros

I

1 — O Sindicato dos Jornalistas deu conhecimento a este órgão do Estado de dois tipos de casos que ocorrem na RTP.

Tem um deles a ver com a Ordem de Serviço, n.9 5/90, de 3 dc Janeiro, epigrafada de «Dever leal de não concorrência».

Diz o outro rcspeiio à alegada circunstância dc cerca dc 100 jornalistas daquela empresa pública se encontrarem na situação real dc «tarefeiros» — embora outro possa ser o nomen júris utilizado.

2 — Examinados que foram, a nível interno deste órgão do Estado, os dois casos, neles exarei, respectivamente cm 2 c 3 de Agosto, dois despachos.

2.2 — Referia-se o do dia 2 ao caso da Ordem de Serviço, n.9 5/90.

Nele pus, liminarmente, a interrogativa, de carácter genérico, sobre se um jornalista que tenha como actividade principal a que exerce na RTP pode exercer, complementar ou subsidiariamente, uma outra actividade jornalística em outros órgãos da comunicação social, que não se insiram no espaço do audiovisual.

E logo adiantei que a mera virtualidade de verificação de uma certa circunstância ou de um dado evento sempre postulará uma avaliação subjectiva e a aplicação de um critério que para uns pode valer e que para oulros poderá ser fundadamente contestável.

Aproveita, aliás, ao jornalista a presunção dc que se mantém adstrito ao estatuto deontológico que o vincula. E ponderei que, prima facie, a aptidão de um jornalista, dc qualquer jornalista, poderá resultar potenciada pela diversificação de actividades na área do jornalismo; tal diversificação será mesmo um operante antídoto à massificação, à burocratização e à estagnação criativa. Ora, sc a independência do jornalista é um valor matricial que imporia csümular, ela, por certo, tanto mais se afirmará quanto mais apto o jornalista o for.

Salientei ainda, na indagação problema ti zante que esbocei, que, só por si, a diversificação de actividades dentro do jornalismo não Uansgrcdirá qualquer norma de ética profissional; a fronteira da licitude apenas será transposta se dessa cumulação promanarem em concreto situações dc concorrência desleal [alínea «) do capítulo i do Código Deontológico].

Não tomei cm definitivo qualquer posição sobre a aludida Ordem de Serviço. Pretendi, antes disso, apurar, através do conselho de gerência da RTP, qual a occasio daquela norma interna dc carácter genérico. Terá sido cia determinada por condicionalismos efectivamente cdt>«v tizados dc concorrência desleal ou por quaisquer outras

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razões que objectivamente tivessem repercutido no núcleo de interesses que ao conselho de gerência caberá com legitimidade acautelar?

Determinei, assim, nesta perspectiva, a audição do mesmo conselho de gerência.

Aliás, como se intuía da Ordem de Serviço, ela não abrangeria necessariamente apenas jornalistas — embora fosse a problemática que a estes envolveria a de mais significativa acuidade, até porque era a que me fora proposta pelo Sindicato dos Jornalistas.

2.3 — Quanto ao meu despacho de 3 deste mês, entendi que da existência de vínculos precários em relação a jornalistas advirá a afectação de reconhecíveis direitos individuais; desde logo da sua liberdade de actuação e da sua essencial independência.

E salientei que «só imperativas e transitoriamente inarredáveis razões de gestão [da RTP] poderiam atenuar a gravidade da situação».

Com este escopo, igualmente determinei que o conselho de gerencia da RTP comunicasse a este órgão do Estado, com a possível urgência, quais as causas da identificada situação, quais as funções efectivamente exercidas por esses seus colaboradores, qual a sua forma de remuneração, qual o seu horário de trabalho, qual o seu vínculo de subordinação à empresa e qual o respectivo estatuto em termos de segurança social.

2.4 — Foram os meus despachos de 2 e 3 do corrente mês entregues, respectivamente em 7 e 8, ao conselho de gerência da RTP, em ofícios subscritos pelo Ex.mo Coordenador, Sr. Juiz-Desembargador Oliveira Guimarães.

3.1 —Porque em 21 deste mês não fora recebido qualquer esclarecimento do conselho de gerência da RTP relativamente a qualquer dos dois casos em análise, entendi dar prioridade àquele que se afigurava dever ser mais urgentemente encarado, ou seja, o decorrente da Ordem de Serviço.

E vi-me forçado a lançar mão do dispositivo do artigo 28.« da Lei n.9 81/77, de 22 de Novembro (Estatuto do Provedor de Justiça).

3.2 — No dia fixado, compareceu neste órgão do Estado o Sr. Vice-Presidente do Conselho de Gerência da RTP, que fez entrega ao Sr. Juiz-Coordenador de uma exposição escrita, apoiada em diversos pareceres jurídicos.

Adicionalmente, elucidou o Sr. Vice-Presidente do Conselho de Gerência que este tinha como irrelevante a existência ou não de danos actuais ou efectivos para que ocorra concorrência desleal, bastando a simples concorrência potencial ou futura para que se possa considerar violado o dever de lealdade.

Assinalou, no entanto, que o recente aparecimento de novas publicações periódicas e de diversas estações de rádio se traduziu numa importante perda dc receitas publicitárias por parte da RTP —que, até há pouco tempo, absorvia mais de 50 % do mercado publicitário e que hoje vê a sua posição remeüda para menos de 50 %.

4.1 — Recordou o conselho de gerência da RTP que o caso da Ordem de Serviço se encontra pendente de apreciação judicial no foro do trabalho da comarca de Lisboa.

4.2 — Esta menção, à qual pode ser atribuída a intencionalidade de chamar a atenção deste órgão do Estado de que se deveria abster de formular qualquer ponderação sobre a aludida Ordem de Serviço, faz ponlualizar o seguinte:

Dispõe o n.9 2 do artigo 20." da cilada Lei n.B 81/77 que «ficam excluídos dos poderes de inspecção e fiscalização do Provedor de Justiça os órgãos de soberania (...]».

Ora, como os tribunais são órgãos de soberania, não deve o Provedor de Justiça interferir nas questões que lhes estejam afectas, nem «reapreciar» as sentenças que vierem a ser proferidas.

Só que nada disto se passa na circunstância cm apreço.

A Ordem de Serviço equiparar-se-á a um acto administrativo genérico, com um universo de destinatários que para o Provedor de Justiça nem será determinável — mas que ultrapassa, por certo, os trabalhadores (um? dois?) que até este momento optaram pela via judiciária.

Obviamente que não pretende o Provedor de Justiça interferir no desenrolar desse ou desses processos judiciais. Aliás, e como concludentemente estabelece a Constituição (n.9 2 do artigo 23.9), «a actividade do Provedor de Justiça é independente dos meios graciosos e contenciosos previstos [nela] e nas leis».

4.3 — Ao que este órgão do Estado muito simplesmente se propõe é, na tutela dos direitos, liberdades, garantias e interesses legítimos dos cidadãos, assegurar, através dc meios informais, a justiça e a legalidade da Administração (artigo l.9 da Lei n.° 81/77), nesta estando incluídas, sem réstea dc dúvida, as empresas públicas [alínea a) do n.9 1 do artigo 19.9].

É evidente que, se um acto administrativo ou equiparado tiver como destinatários uma pluralidade de cidadãos, não pode a circunstância de uma fracção —seja ínfima ou seja mesmo significativa— deles enveredar pela via judiciária, tolher a disponibilidade dc o Provedor de Justiça exercer o seu dever de pronúncia genérico, nomeadamente no desígnio de contribuir para a «melhoria dos serviços» [alínea a) do n.° 1 do artigo 18.° da Lei n.9 81/77]. Se assim não acontecesse, criar-se-ia como que uma situação artificial de «litisconsórcio (activo) necessário». Ou seja: forçar-se-ia a recorrer a tribunal aqueles que porventura esperassem (e pudessem) resolver a sua situação pelos meios informais que ao Provedor são atribuídos.

Aliás, pela lógica pressentívcl na menção feita pelo conselho de gerência da RTP, se da aplicação dc uma norma legal (o que não é a hipótese dc agora) eventualmente ferida de inconstitucionalidade ou ilegalidade advier uma acção judicial, logo ficará esvaziada a competência do Provedor para arguir tais vícios perante o Tribunal Constitucional.

4.4 — Posto isto, e com desnecessidade dc reiterar que este órgão do Estado não pretende tomar posição face a qualquer processo judicial em concreto, tem-se como inteiramente pertinente a actuação até agora por ele desenvolvida quanto à Ordem de Serviço genericamente considerada.

5 — Assim sendo, e concluindo:

a) Mantenho, quanto ao enquadramento constitucional e legal da Ordem de Serviço, n.9 5/90, a perspectiva já claramente assumida nos despachos dc 2 e dc 21 do corrente mês. O conselho de gerência não trouxe a este órgão do Estado qualquer justificação operante para a desproporcionada inibição que através dela criou aos seus destinatários em geral.

Recomendo, assim, ao mesmo conselho de gerência que reveja e corrija a sua atitude, virtualmente lesiva dc direitos fundamentais do universo dos seus possíveis destinatários.

b) Determino que se insista junto desse conselho dc gerência pela prestação, no prazo máximo de 15 dias, dos já solicitados elementos quanto aos colaboradores designáveis por «tarefeiros».

Lisboa, 29 de Agosto de 1990.

Processo n.9 fP 31/90.

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II SÉRIE-C — NÚMERO 31

II

1.1 —A resultante prática do ofício de 3 do corrente do conselho de gerência da RTP é a de que não acatou a recomendação que em 29 de Agosto formulei no sentido da revisão do critério subjacente à Ordem de Serviço, n.B 5/90 («Dever leal de não concorrência»).

1.2 — Diz, em síntese, o conselho de gerência que não foram por este órgão do Estado refutados «os argumentos e as razoes jurídicas e deontológicas em que [ele, conselho de gerência] se apoiou».

Refere ainda que aquele despacho de 29 de Agosto não se encontra «devidamente fundamentado», preterindo, assim, o disposto no n.fi 2 do artigo 268.9 da Constituição; com efeito, limita-se a problematizar, com carácter genérico, a posição por ele assumida, «virtualmente lesiva de direitos fundamentais do universo do[...] possíveis destinatários [da Ordem de Serviço]».

Finalmente, e uma vez mais, o conselho de gerência refere que a questão se encontra afecta ao foro do trabalho da comarca de Lisboa. Mas adita agora que aquilo que é objecto de apreciação jurisdicional «é a legalidade da Ordem de Serviço, n.B 5/90[...]e não apenas situações referentes à sua aplicação concreta e individualizada».

2 — Tenho como óbvio que, no presente estado de coisas, me deverei limitar a remeter os meus despachos e outros elementos do processo à Assembleia da República, até porque no âmbito do inquérito parlamentar constituído pela Resolução n.8 19/90 (Diário da República, 1.' série, de 4 de Agosto de 1990) se inclui, precisamente, a avaliação das implicações daquela Ordem de Serviço «ao nível da restrição da liberdade de expressão e de informação dos jornalistas» (ponto n.9 1.5).

3 — Duas precisões devo, no entanto, fazer.

Tem a primeira a ver com a chamada à colação do n.9 3 do artigo 268.° da Constituição. É evidente que o Provedor de Justiça não se integra na Administração Pública, sendo um órgão do Estado com uma fisionomia específica. Isso mesmo advém do artigo 23.9 da Constituição, agora precisado pelos novos n.0! 3 e 4. As recomendações que produz não são actos administrativos que repercutam na esfera jurídica dos destinatários. Caracterizam-se pela sua «informalidade» (artigo l.9 da Lei n.9 81/77, de 22 de Novembro). Daí o não serem susceptíveis de recurso contencioso, só podendo ser objecto de reclamação para o próprio Provedor (artigo 35.° desta lei). O que releva é que o seu sentido seja captável, a fim de que possa ser tomado em conta pela Administração (em sentido amplo).

Ora a intencionalidade e a razão de ser da recomendação capta-se, com concludente univocidade, dos meus despachos de 2, 21 e 29 de Agosto.

Movimentei-me no domínio da justiça (desde logo da justiça relativa, em confronto com o tratamento dado a outros trabalhadores da RTP, a todos os níveis) e, sem ingressar em análise de mero legalismo, procurei prevenir o que entendia poderem vir a constituir novas injustiças. Não foi, de resto, alheio à minha intervenção um marcado propósito de persuadir o conselho de gerência da RTP a encontrar uma forma de composição de interesses que não arrrastasse a resultantes que tinha como desproporcionadas.

Ao que se vê, o conselho de gerência não compreendeu que o Provedor de Justiça — desprovido como está de poderes decisórios — actuava num campo não coincidente com o da legalidade estrita.

4.1 — Tem a segunda precisão a ver com a reiteração, agora ampliada com uma nova vertente, de que o «caso» da Ordem de Serviço se encontrava afecto ao foro judicial.

Começo por manter por inteiro o que ponderei nos n.°5 4.1, 4.2, 4.3 e 4.4 do meu despacho dc 29 de Agosto.

Com efeito, e como concludentemente dispõe a Constituição (n.9 2 do artigo 23.9), «a actividade do Provedor dc Justiça é independente dos meios graciosos c contenciosos previstos na Constituição e nas leis».

A Lei n.9 81/77, complementando esta regra fundamental, preceitua no n.9 2 do artigo 20." que «ficam excluídos dos poderes dc inspecção e fiscalização do Provedor de Justiça os órgãos de soberania [...]».

Ora, como os tribunais são órgãos de soberania, deve o Provedor de Justiça abster-se de controlar o desenrolar dc processos judiciais pendentes, fiscalizando os actos dos juízes produzidos em casos bem concretos c definidos.

Nada disso aconteceu, no entanto, na hipótese em causa.

A Ordem de Serviço assim ilar-se-á a um acto administrativo genérico, com um universo de destinatários, a maioria dos quais não iniciou nem pretende iniciar qualquer actuação judicial; isto ao que é possível depreender.

Sem ingressar no domínio da apreciação da legalidade estrita desse acto genérico, ao Provedor não pode ser expropriada a faculdade —que constitucionalmente lhe é atribuída — dc emitir uma recomendação baseada, essencialmente, cm critérios dc justiça, de oportunidade — c de bom senso.

4.2 — 0 n.9 2 do artigo 17.9 da Lei Orgânica 3/1981, de 6 dc Abril, sobre o «Defensor dei Pueblo» espanhol, ajuda a clarificar este ponto dc vista:

O DP não entrará no exame individual das queixas que estejam pendentes de resolução judicial [...].

Mas para logo depois acrescentar

Isto não impedirá, no entanto, a investigação sobre os problemas genéricos propostos nas queixas apresentadas.

Há que distinguir, pois, entre os problemas individuais e os problemas genéricos (Victor Faisén Guillen, Ei Defensor dei Pueblo .... ii. 1986, p. 31).

4.3 — O artigo 11.9, primeira parte, da Lei n.9 73-6, de 3 de Janeiro dc 1973 (com a redacção dada pela Lei n.9 76-1211, de 24 de Dezembro de 1976), sobre o Mê-diateur francês, é ainda mais explicito:

O mediador não pode intervir num processo proposto num órgão jurisdicional, nem pôr em causa o bem-fundado de uma decisão judicial, mas tem a faculdade dc formular recomendações ao organismo em causa.

4.4 — No folheto de divulgação publicado, em 1978, pela Secretaria de Estado da Comunicação Social, sobre o Provedor de Justiça escreve-se na p. 8 que o Provedor de Justiça recusará a apreciação de reclamações «referidas a litígios cuja apreciação e resolução seja da competência dos tribunais».

Claro está que esse «esclarecimento» deve ser rectificado, pelo erro em que induz quanto ao âmbito dc actuação do Provedor de Jusüça.

Dá-se até o caso de, numa primeira leitura, se poder inferir que basta a possibilidade de recorrer a tribunal para que o interessado não lance mão do «apelo» ao Provedor dc Justiça.

Trala-se dc um clamoroso lapso, que a Lei n.B 81/77 frontalmente contraria.

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4.5 — As considerações agora aduzidas têm, essencialmente um propósito de orientação para futuros casos —já que, quanto ao actual, perderam relevo, dada a constatação feita de que, nele, se encontra esgotada a possibilidade de

intervenção útil deste órgão do Estado.

5 — Remeta-se este meu despacho, c os que antecederam, bem como os demais elementos reputados adequados, ao Gabinete de S. Ex.* o Presidente da Assembleia da República.

Dê-se igualmente conhecimento deste despacho ao Sindicato dos Jornalistas e ao conselho de gerência da RTP.

Lisboa, 20 de Setembro de 1990.

Processo n.8 D? 31/90.

Trabalho. Empresa pública. Integração

1 — ... apresentou uma queixa a este órgão do Estado (documento junto), referindo ter solicitado a sua integração na Electricidade de Portugal (EDP), E. P., ao abrigo do Acordo Especial de Cooperação no Sector Eléctrico entre os Governos de Portugal e dc Angola. Tal integração foi--lhe recusada, pelo motivo de ele não possuir a nacionalidade portuguesa.

2 — Ora dá-se o caso de, relativamente a este requisito de integração, ser de evidenciar o seguinte:

a) O queixoso, nascido cm Angola em 6 dc Setembro de 1945, foi sempre cidadão português, dado que os pais nasceram em Portugal (o pai no concelho de Vila Nova dc Ourém e a mãe no concelho de Pombal).

É, assim, de invocar o Decrcto-Lei n.8 308-A/75, de 24 de Junho;

b) Aduz o queixoso que nunca renunciou à nacionalidade portuguesa.

Aliás, mesmo que tivesse renunciado, tal renúncia apenas produziria efeitos após registo na Conservatória dos Registos Centrais (cf. citado Dccreto-Lei n.8 308-A/75 e parecer do Procurador-Geral da República publicado no Diário da República, 2.5 série, de 17 de Fevereiro de 1977), não contando esse registo da certidão por ele apresentada (documento junto).

3 — Por assim ser, face à lei portuguesa, é o queixoso cidadão português.

Daí que recomende ao conselho de gerência da EDP [n.9 1 do artigo 23.8 da Constituição e artigos 2.8 e 19.8, alínea d) do n.8 1] que reveja a posição assumida, com vista à pretendida integração.

4 — Comunique.

Lisboa, 2 de Outubro de 1990. Processo n.8 583/88.

Trabalho. Função pública. Concurso. Graduação

1 —... dirigiu-me uma exposição relacionada com a actuação do júri do concurso para inspector da carreira dc inspecção administraiivo-financcira aberto por aviso publicado no Diário da República, 2.* série, n.8 150, de 3 de Julho de 1987.

2 — Quando o interessado apresentou a sua queixa, faltava menos de um mês para os resultados do concurso sc consolidarem, o que tomava praticamente impossível uma actuação útil.

3 — Todavia, não pode deixar de fazer-se um reparo a um conjunto de ilegalidades cometidas pelo júri do concurso, tendo em vista a sua não repetição em casos futuros.

4 — A primeira — e porventura a mais essencial — foi a de que o júri não seguiu a ordem legal e lógica do processo de selecção: definição, primeiro, dos critérios gerais de selecção, e, depois, apreciação das candidaturas em função deles.

4.1 — Do ponto 3 da acta da reunião dc 28 de Novembro de 1988 resulta que o júri leu, primeiro, os processos de candidatura de cada um dos candidatos e apreciou os elementos deles constantes e só depois fixou os critérios de selecção. Isto explica que nos critérios de selecção tenham surgido factores de tal modo particularizados que o júri decerto os não teria podido definir, se houvesse estabelecido primária e genericamente os critérios de selecção. Trata-se, designadamente, de «chefe dc secção de gabinete de Direcção Provincial dos Serviços de Educação do Ultramar» (fl. 4 da acta da reunião de 28 de Novembro de 1988), da «organização dos Serviços do Instituto Gregoriano de Lisboa» (fl. 6 da mesma acta). A introdução destes factores, relativos, cada um deles, apenas a um candidato, fere até o princípio da imparcialidade.

5 — Ainda no tocante aos critérios de graduação, foi abertamente ilegal a atribuição de coeficientes diferentes ao curso geral de comércio e ao curso complementar de comércio. Mal se compreende, aliás, como um júri do Ministério da Educação desconhecesse que, na antiga estrutura do ensino técnico profissional, eles se equivaliam.

6 — Incongruente — e nessa medida desproporcionada — parece também a valorização do factor «monitor dc curso de formação jurídica» (acta da reunião do júri dc 28 de Novembro de 1988, fl. 5) em detrimento da monitorização de cursos de contabilidade. Isto, designadamente, tendo-se em conta que a habilitação desse concorrente c a do curso geral de comércio, em cujo plano de estudos a única disciplina com incidência jurídica era a de Noções de Comércio, dc Direito Comercial e de Economia Política.

7 — Enfim, também parece desproporcionada a baixa valorização dada ao trabalho administrativo nas escolas, em confronto com o serviço exercido em funções de ad-ministração-gcral nas ex-colónias. A explicação dada pelo Ministério da Educação (cf. fl. 2 do parecer anexo à informação n.8 8/GTJ/89) para este procedimento não se me afigura convincente.

8 — Acresce que o júri não fundamentou os critérios de selecção escolhidos nem as classificações dadas na entrevista, o que ofende o artigo l.8 do Decreto-Lei n.8 256-A/ 77, de 17 de Junho (cf. sobre a matéria o parecer da Pro-curadoria-Geral da República n.° 106/88, in Diário da República, 2} série, de 21 de Abril de 1989).

Lisboa, 7 de Dezembro dc 1990.

Processo n.8 20/90.

Trabalho. Função pública. Diuturnidades

1 —terceiro-oficial do Centro dc Saúde da Amadora, apresentou queixa ao Provedor de Justiça, por, em

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1080. lhe terem deixado de ser pagas diufjirnidades. além dc ter sido exigida a reposição das quantias que a esse título recebera.

2 — A queixosa, que trabalhara numa empresa privada, fora, em 1976, por despacho do Secretário de Estado da Segurança Social, integrada, juntamente com todos os trabalhadores que o quiseram, nos Serviços Módico-Sociais,

com salvaguarda de todos os direitos adquiridos.

3 — Os Serviços pagaram-lhe diuturnidades, entrando em conta com o tempo de serviço prestado na empresa privada, até 1980. Nesta data, porém, considerando-se não haver para tal fundamento legal, cessaram os pagamentos c foi determinado o reembolso, conforme despacho do Secretário dc Estado do Orçamento de 12 de Maio de 1982.

4 — Considerando que os actos administrativos concretos através dos quais foram concedidas as diuturnidades ainda que fossem julgados ilegais, se consolidaram, na ordem jurídica, porque, criando para os seus destinatários situações jurídicas posiüvas, eram, sem dúvida, actos constitutivos de direitos que não foram revogados dentro do prazo de um ano nos termos do artigo 18." da Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo, tem de entender-se não poderem agora ser postas em causa essas diuturnidades, que se transformaram em direitos adquiridos, nem invocar-se que os serviços abonaram as diuturnidades «por lapso», como foi informado.

Termos em que emito a seguinte recomendação:

a) Devem ser restituídas as quantias em causa e não exigidas quaisquer reposições;

b) Devem ser pagas as diuturnidades devidas, até à sua extinção pelo novo regime retributivo.

Lisboa, 30 de Julho de 1990.

Processo n.9 2648/89.

Trabalho. Função pública. Faltas injustificadas

1 — Em exposição apresentada neste órgão do Estado, em 4 de Setembro de 1989, por .... dá-se conta dos factos e argumentos que, seguidamente, se transcrevem:

1.1 — É funcionário da APDL (Administração dos Portos do Douro e Leixões) e, em 17 de Julho de 1989, segunda-feira, apresentou, ao abrigo do artigo 279.8, alínea e), do Código Civil e do n.9 3 do artigo 28.° do Decreto--Lci n.9 497/88, de 30 de Dezembro, um atestado médico comprovativo de que se encontrava doente desde 11 de Julho e por um período provável de oito dias.

1.2 — A APDL, considerando que o atestado fora apresentado para além do prazo estipulado no n.° 3.9 da Portaria n.B 501/88, dc 27 dé Julho, considerou as faltas dos dias 11 a 16 — seis dias — como injustificadas, já que deveria ter apresentado o atestado no 4.9 dia.

1.3 — Ora, a Portaria n.9 501/88, de 27 de Julho, é anterior ao Decrcio-Lci n.° 497/88, de 30 dc Dezembro, que alterou o regime jurídico das férias, faltas e licenças dos funcionários c agentes da Administração Pública, e que é aplicável aos institutos públicos (artigo 1.°).

1.4 — No enianto, a APDL não aceita o período temporal estatuído no n.9 3 do artigo 28.9 do Decreto-Lei n.9 497/88, embora exija o cumprimento dos requisitos de forma e substância constantes dos artigos 27.9, 28.9 e 29.9 desse mesmo diploma.

Rejeita, pois, apenas, o limite temporal.

2 — Ponderado o assunto. também sc mc afigura inconsistente, salvo melhor opinião, a argumentação desenvolvida no ofício n.9 4075, de 14 dc Novembro de 1989 e anexo, fundamentadora da orientação que, sobre a matéria em apreço, tem vindo a ser seguida pela APDL. Não creio com efeito, convincente a posição sustentada, e isto por duas ordens de razões:

21 — Antes de mais, e apesar de o Decreto-Lei tv? 497/88 não conter qualquer expressa norma de prevalência sobre anteriores regimes especiais, resulta de toda a sua economia, e do respectivo preâmbulo, que o legislador pretendeu nele regular integralmente toda a matéria dc férias, faltas e licenças da administração central, regional e local, «inclusive os institutos públicos» (como as AGP) — artigo l.9

Assim sendo, terá revogado a legislação anterior sobre a matéria, não só a de natureza geral, mas também a de natureza especial.

2.2 — Mas nem seria, em rigor, necessário recorrer a este argumento para concluir da aplicabilidade ao caso vertente da regra de participação dc faltas constantes do n.9 3 do artigo 28." do Decreio-Lci n.° 497/88.

É que, a meu ver, o próprio diploma legal específico das administrações dos portos para ele afinal remete.

2.3 — É certo, como a APDL salienta, que os institutos dc gestão portuária, como é o caso, são regulados por lei especial — o Estatuto aprovado pelo Decreto-Lei n.9 101/88, de 26 de Março.

Mas não parece exacto afirmar que a relevância do regime geral de férias, faltas e licenças surja apenas a titulo supletivo, nos termos do n.9 2 do artigo 19 desse Estatuto.

2.4 — Isso é verdade no tocante à legislação do funcionalismo, em geral.

2.5 — Mas, precisamente no tocante a férias, faltas e licenças, o citado diploma próprio e específico das administrações dos portos contém uma norma que não sc

pode pôr à margem.

Traia-se do seu artigo 56.°, que dispõe:

1 — Às férias, faltas e licenças do pessoal das administrações é aplicável o regime legal que vigorar para os funcionários civis do Estado [...].

2 — O ministro da tutela regulamentará, por portaria, o regime dc participação, justificação de faltas e de concessão de licenças ilimitadas, sem retribuição e para tratamento, nos termos da lei.

2.6 — Isto é: por força do n.B 1 deste artigo 56.9 parece inegável que hoje vigora também para as administrações--gerais dos portos, em matéria de faltas, férias e licenças, o Decreto-Lei n.9 497/88.

Este Dccrcto-Lei n.° 497/88 não é, pois, perante o Estatuto em causa, apenas uma lei geral, face a lei especial.

Em matéria de férias, faltas e licenças, ele aplica-se directamente, por efeito da expressa remissão dum preceito deste último — o seu artigo 56.Q, n.° 1.

2.7 — Sendo assim, mal se entenderia (por incongruente) que, apesar de, por força dessa remissão, vigorar na APDL o Decreto-Lei n.9 497/88 —e o seu artigo 28.°, n.° 3, no respeitante à participação de faltas—, houvesse, mesmo assim, nesta matéria, que aplicar as normas, dele discrepantes, da Portaria n.9 501/88 e, designadamente, do seu n.9 3.9, n.91.

2.8 — Aliás, face a uma eventual contradição, sempre relevaria a norma dc superior valor hierárquico.

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2.9 — Mas, afinal, nem sequer tal contradição existe, face ao artigo 56.° do Estatuto em análise. É que o seu n.9 2 remete para portaria ministerial a regulamentação das matérias nele previstas «nos termos da lei».

Quer dizer: em concordância com a sua natureza regulamentar, tal portaria não poderia nunca contradizer o regime legal aplicável, mas apenas desenvolvê-lo e completá-lo.

2.10 — E esse regime legal é hoje, por expressa remissão do n.9 1 do artigo 56." do referido Estatuto, o do Decreto-

■Lei /?.» 497/88.

2.11 — Há, pois, que entender que a Portaria n.a 501/88 só

vigora, face ao Decreto-Lei n.9 497/88, regulamentando--o, quanto aos aspectos cm que este não disponha cm termos diversos.

3 — Em face do exposto, ao abrigo do preceituado no artigo 18.9 da Lei n.9 81/77, de 22 de Novembro, formulo a seguinte

Recomendação

Que, tendo em conta as considerações acima expendidas, seja reapreciado o caso do queixoso e aceite o atestado que apresentou, revogando-se a injustificação de faltas aplicada.

Lisboa, 16 dc Outubro de 1990.

Processo n.9 1980/89.

Trabalho. Função pública. Licença ilimitada

1 — Em processo organizado neste órgão do Estado, a partir de uma queixa de .... apurou-se que a este foi concedida licença ilimitada em 11 dc Julho de 1967, apesar de não possuir, sequer, a qualidade de funcionário, e de não estar vinculado no quadro do pessoal civil do Exército.

Aliás, tal quadro apenas viria a ser criado em 1977 (Decreto-Lei n.° 103/77, de 22 de Março).

2 — Aconteceu que o Estado-Maior do Exército somente se deu conta do lapso cometido em Setembro de 1988, quando o ora queixoso requereu o reingresso à actividade.

E veio então aduzir a inexistência dc relação dc emprego não precária com o Estado (contratação por um ano, por força do artigo l.9 do Docrcto-Lei n.° 43 977, de 21 de Outubro de 1961).

E indeferiu liminarmente o pedido.

3 — Mas, em nosso entender, sem razão.

Embora ilegal, o acto dc concessão de licença ilimitada apenas será anulável.

Não tendo sido anulado, e porque constitutivo dc direitos, consolidou-se um ano após a sua prática.

É um caso típico de convalidação.

4 — Certo é que se poderiam alegar dificuldades de concretização do regresso ao quadro.

Só que, entretanto, foram criados novos quadros, nos quais sc integraram todos os que na situação do queixoso se encontravam (artigo 3.9, n.9 2, do Decreto-Lei n.9 1 03/77).

Daí que tenha passado a ser possível o reingresso do queixoso, num lugar do quadro dos trabalhadores civis das Forças Armadas.

5 — Afigura-se-me, assim, de — nos termos da alínea a) do n.9 1 do artigo 18.9 da Lei n.9 81/77, de 22 de Novembro — recomendar ao Sr. Ministro da Defesa Nacional que seja revista a posição adoptada pelo Estado-

-Maior do Exército, por forma a ser considerada a pretensão do queixoso, juridicamente na situação dc licença ilimitada, para ocupar a 1.* vaga da sua categoria que surja após o seu pedido.

Lisboa, 24 de Agosto de 1990.

Processo n.9 2861/88.

Trabalho. Função pública. Médicos. Horário do serviço de urgência

1 — Um grupo de médicos de clínica geral dc um ceniro de saúde apresentou queixa por lhes ter sido exigida a prestação do serviço de urgência cm dois períodos dc seis horas e não em um período de doze horas, como, cm seu entender, a lei prescreve.

2 — Ouvidos, sucessivamente, a Dircçcão-Gcral dos Cuidados de Saúde Primários c o Departamento dos Recursos Humanos do Ministério da Saúde, pronunciaram-se no sentido de competir ao coordenador do sector organizar as escalas de serviço, determinando a distribuição semanal das doze horas de acordo com as necessidades do serviço c o seu período dc funcionamento.

3 — O recente Decreto-Lei n.9 73/90, de 6 de Março, estabelece, no n.9 5 do artigo 24.9, que os médicos de clínica geral «deverão prestar, quando necessário e consoante o respectivo horário semanal seja de quarenta c duas ou trinta e cinco horas, um período semanal máximo dc doze ou seis horas em serviço de urgência ou de atendimento permanente [...]».

4 — A prática geral, confirmada em ofício da Dirce -ção-Gcral dos Recursos Humanos, é a de serem prestadas as doze horas seguidas. A Direcção-Gcral, no entanto, entende não ser forçoso que as escalas tenham sempre essa duração.

Com vista ao estabelecimento dc uma actuação uniforme e atendendo a que a letra da lei enferma de alguma ambiguidade, recomendo que a questão seja devidamente explicitada e regulada, fixando-sc, até, sc for caso disso, além do máximo semanal de horas de urgência, a quantidade dc períodos interpolados cm que estas se poderiam distribuir.

Lisboa, 21 dc Agosto de 1990.

Processo n.9 2441/88.

Trabalho. Função pública. Nomeação

1—Analisada a reclamação apresentada por..., deve entender-sc que a carta que ele dirigiu cm 18 de Junho dc 1985 ao Sr. Dircctor-Gcral dos Serviços Prisionais no sentido da sua desistência do concurso poderia ter sido considerada como renúncia ao seu direito ao provimento se, cm momento subsequente, não tivesse sido reposicionado no fim da lista classificativa {Diário da República, 2.» série, n.9 170, dc 26 de Julho de 1985) e, em 18 de Fevereiro dc 1986, não tivesse sido nomeado provisoriamente guarda do serviço de vigilância por despacho visado pelo Tribunal dc Contas em 18 dc Maio de 1986 e publicado no Diário da República, 2.- série, n.9 153, dc 7 dc Julho de 1986.

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2 — O despacho de nomeação do reclamante de 18 de Fevereiro dc 1986 é um acto constitutivo de direitos, que poderia, eventualmente, ter sido revogado por ilegalidade (erro) no prazo de um ano após a sua emissão (artigo 18.a da LOSTA); 6 também acto dotado de plena exequibilidade, dado já ler sido visado e publicado no Diário da

República (cf. artigo 3.a do Decreto-Lei n.° 146-C780, de 22 de Maio).

3 — Como o referido despacho não foi revogado no

prazo legalmente previsto, já não pode sê-lo agora e qualquer ilegalidade de que o mesmo enfermasse convalidou--se na ordem jurídica.

4 — Assim, assiste ao reclamante o direito à nomeação e vaga para o prover (cf. ofício dessa Direcção-Geral n.° 1501/processo n.9 1.8.ROG/7.29.434, de 27 de Julho dc 1989).

5 — A melhor doutrina tem entendido que a posse é apenas «uma condição de eficácia da nomeação» e que «o acto da nomeação, só por si, produz um único efeito: o de habilitar a pessoa designada a manifestar a vontade de aceitar a investidura no lugar para que é designado» (Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, 8.* ed., t. ii, p. 594; cf., ainda, João Alfaia, Conceitos Fundamentais do Regime Jurídico do Funcionalismo Público, p. 373). O provimento confere um direito subjectivo à subsequente investidura. Estas posições têm consagração legal, já que o artigo 4.*, n.9 5, do Decreto-Lei n.9 427/89, de 7 de Dezembro, expressamente determina que «a nomeação confere ao nomeado a qualidade de funcionário», constituindo, nos termos do n.9 4 do mesmo artigo, a aceitação um requisito de eficácia da nomeação.

6 — Independentemente de não terem sido cumpridos os prazos legais para a tomada dc posse (cf. artigo 4.8 do Decreto-Lei n.9 34 945, de 27 de Setembro de 1945, hoje revogado pelo artigo 45." do Decreto-Lei n.e 427/89, de 7 de Dezembro), o certo é que cia foi solicitada pelo reclamante c negada pela Administração (cf. ponto 13 do ofício n.9 339/processo GA-20.2, de 19 de Novembro de 1988), o que o exime de tal incumprimento.

7 — Finalmente, é de atentar em que se trata, ainda, de nomeação como guarda provisório (artigo 13.", n.9 1, do Decreto-Lei n.e 399-D/84, de 28 de Dezembro), só se lhe seguindo a nomeação definitiva sc revelar aptidão para o exercício das respectivas funções.

8 — Em face do anteriormente exposto, ao abrigo da competência que me é conferida pelo artigo 18.°, n.9 1, alínea a), da Lei n.9 81/77, de 22 de Novembro, recomendo que seja conferida posse a ... como guarda provisório do quadro provisório do quadro de pessoal de vigilância dos Serviços Prisionais.

Lisboa, 16 de Outubro de 1990.

Processo n.9 2836/87.

Trabalho. Função pública. Provimento

Após a análise do processo, concluí o seguinte: 1 —Na reclamação de ... detecta-se uma situação de desigualdade no confronto com outras situações de facto e de direito idênticas e relativas ao provimento de funcionários para igual categoria da Direcção Regional de Agricultura do Alentejo que o Tribunal de Contas visou, enquanto recusou o visto no provimento do reclamante.

2 — Está fora da competência legal deste órgão do Estado controverter decisões do Tribunal de Contas. Mas, de qualquer modo, tratando-se de uma situação de desigualdade de tratamento, deveria a Administração ter promovido o pedido de reapreciação de visto junto daquele Tribunal com melhor qualidade argumentativa, invocando de forma

expressa os processos já anteriormente visados pe(o Tribunal c também ter solicitado a fixação de jurisprudência

por meio dc assento (cf. artigo 6.8 da Lei n.° 8/82, de 26 de Maio).

3 — Entretanto, c face ao actual estado dc coisas e atendendo aos antecedentes do caso, importa que a Administração promova a criação de uma vaga de segundo oficial da carreira de oficial administrativo dc modo a viabilizar a integração do reclamante no quadro.

4 — Comunique ao Gabinete do Sr. Secretário de Estado da Agricultura.

Lisboa, 6 de Agosto de 1990.

Processo n.9 3053/88.

Trabalho. Função pública. Remunerações. Desconto

1 — Fundamentos. — Em 19 de Maio dc 1988 foi apresentada ao Provedor Uma reclamação por em que sc alegava que começara a trabalhar no Hospital Distrital de Leiria cm 14 de Julho de 1983, no serviço dc radiologia, com subordinação à hierarquia, disciplina e horário paralelos aos do funcionalismo.

Em Maio de 1986, deixou de fazer o serviço de dia c passou a fazer apenas prevenções (das 0 às 8 horas da manhã). Em fins de Fevereiro de 1988, deixou de trabalhar no Hospital Distrital de Leiria.

Em Agosto de 1987, o seu recibo de vencimento revelava um desconto, tendo-lhe sido informado, que, por ordem da Administração, lhe tinham sido descontados 2204$ + 5100$, reportados, respectivamente a uma noite de prevenção (em que não tinha esiado presente) e ao custo da deslocação da ambulância que tinha transportado o doente, que, devido à ausência do reclamante, não tinha sido possível ser radiografado naquele Hospital.

Pelo Hospital Distrital de Leiria foi esclarecido que ç> desconto dc 2204$ correspondia a uma noite dc serviço dc prevenção cm que o reclamante, além de se não encontrar no estabelecimento, não pudera também ser contactado na sua residência.

Por isso e por ele não ter telefone em casa, vivera de ser enviado um taxi para o buscar, com vista a prcsiar serviço urgente — embora, afinal, sem sucesso.

Entretanto o Hospital vira-se obrigado a uansferir o doente para o Hospital Distrital de Coimbra, em ambulância requisitada à Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários, pagando a factura do custo do serviço prestado, no montante de 5100$.

2 — Conclusão. — Do estudo de todos os elementos constantes do processo, vem-se a concluir que:

a) Quanto ao desconto dc 2204$ não há dúvida de que o reclamante, estando em serviço dc prevenção, tinha de estar disponível para se apresentar no Hospital se fosse necessário. E não há dúvida, também, de que, trabalhando cm regime

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de contrato de tarefa, não podia ser remunerado por trabalho que, por sua exclusiva falia, não cumpriu, pelo que foi legal e justo o desconto em questão.

Já, porém, quanto à despesa com o serviço da ambulância que o foi buscar à sua residência, não há qualquer disposição legal que permita que ela seja descontada na remuneração mensal do reclamante.

Nestes termos, no âmbito da competência que a lei me atribui, recomendo que seja devolvida ao interessado a importância de 5100$ que indevidamente lhe foi descontada no seu vencimento respeitante ao mês de Agosto de 1983.

Lisboa, 16 de Agosto de 1990. Processo n.9 1175/88.

9 —OUTROS DESPACHOS DO PROVEDOR DE JUSTIÇA

Conhecimento imediato das queixas pelo Provedor

Considero útil ter conhecimento das reclamações e outros pedidos que vão dando entrada na Provedoria, à medida que eles aqui vão ingressando. Com isso se obstará a que, inesperadamente, seja confrontado publicamente com a existência de processos de que denoto não ter conhecimento, o que é perfeitamente natural por mais célere que seja a sua tramitação.

Assim sendo, e sem em nada alterar a distribuição de funções já por mim estabelecida, designadamente em relação aos Ex."** Juízes-Coordenadores, determino aos serviços dc apoio que seja obtida diariamente uma fotocópia de cada reclamação ou carta que dê entrada na Provedoria.

Organizar-se-á, no meu Gabinete, um dossier com essas fotocópias de que será depois também dada vista aos Ex."*" Provedorcs-Adjunios e aos Ex."™ Juízes-Coordenadores.

Assim se alcançará uma «universalidade» de conhecimento mais integrado a nível geral da Provedoria.

Lisboa, 21 de Novembro de 1990.

Acto preparatório de uma audiência

1 — Ao que vejo do extracto publicado no Diário da República, 2.s série, n.B 189, de 18 dc Agosto de 1989, foi a Associação Nacional de Sargentos constituída por escritura de 14 de Julho do mesmo ano, constando dos respectivos estatutos ter por fim a promoção de actividades cívicas, nomeadamente de dignificação social e cultural dos associados, com respeito pelos princípios de deontologia profissional, e a criação de um espaço de convívio com a realização de actividades recreativas, desportivas e culturais que estimulem o inter-relacionamento dos associados. Dela podem ser sócios todos os sargentos das Forças Armadas.

2 — Compagina-se esse objecto estatutário com o disposto no n.° 6 do artigo 31.* da Lei n.9 29/82, de 11 de Dezembro (Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas) que veda, nesta área, associações de natureza política, partidária ou sindical — restrição que é constitucionalmente comportável (artigo 270.8). Daí o preceituado, por decorrência, na alínea g) do artigo 2.° da Lei n.8 11/89, de 1 de Junho (Bases Gerais do Estatuto da Condição Militar) e no artigo 19.° do Estatuto dos Militares dâs Forças Armadas, aprovado pelo Decreto-Lei

n.9 34-A/90, de 24 de Janeiro.

3 — Sendo o Provedor dc Justiça um órgão do Estado ao qual, por especial destinação, cabe a tutela dos direitos fundamentais, está, de igual passo, muito especialmente adstrito à observância da legalidade democrática.

4 — Por assim acontecer, e porque o pedido de audiência que, por carta de 12 do corrente mês, me é formulado pelo Sr. Presidente da Direcção da Associação Nacional dc Sargentos, se limita a mencionar que, nela, a mesma direcção pretende «abordar aspectos de índole associativa, nomeadamente o associativismo militar», entendo ser pertinente e necessário solicitar que sejam, com maior precisão, especificados os aspectos que poderão vir a ser tratados nessa audiência.

5 — Comunique-se, portanto, ao Sr. Presidente da Direcção da Associação Nacional dc Sargentos que, como acto preparatório da audiência, seja elaborada uma nota onde, com objectividade, se esclareça qual a finalidade da audiência, sendo certo que ela se deverá situar na moldura estatutária da mesma Associação Nacional de Sargentos e no sistema resultante da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas e demais diplomas referenciados.

Lisboa, 15 de Novembro dc 1990. Processo n.9 2621/90.

Esclarecimento (interno) de uma referência

No semanário O Independente do passado dia 14 de Dezembro corrente e em reportagem que focou a atribuição dc casas pertencentes à segurança social, referiu o Sr. Presidente do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social que, de cada vez que vaga uma casa, o seu gabinete se enche de pedidos.

E escreve-se textualmente:

Vindos [aqueles pedidos] de todos os lados. Desde o mais alto magistrado da Nação até a organismos como o Serviço do Provedor de Justiça.

Parecendo, de todo o contexto da reportagem, que os alegados «pedidos» deste órgão do Estado não foram institucionais, relativos à matéria de reclamações apresentadas por cidadãos, solicita-se que, tendo cm vista eventual inquérito interno tendente à averiguação de responsabilidades, nos seja informado com precisão quais as circunstâncias dos aludidos contactos e quais as identidades dos seus autores.

Lisboa, 26 de Dezembro de 1990.

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MINISTÉRIO DO EMPREGO E DA SEGURANÇA SOCIAL

SECRETARIA DE ESTADO DA SEGURANÇA SOCIAL

Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social

CONSELHO DIRECTIVO

Ex.""» Sr. Dr. Oliveira Guimarães, Dig.m0 Juiz--Desembargador (Serviço do Provedor de Justiça, Avenida de 5 de Outubro, 38, 1094 Lisboa Co-dex):

Assunto: Vosso ofício n.° 001, de 3 de Janeiro de 1991.

Tendo presente a solicitação de V. Ex.*, expressa no despacho de 26 de Dezembro de 1990, relativa a alegadas declarações do signatário ao semanário O Independente e insertas em reportagem sobre a atribuição de casas da segurança social, informo que a afirmação citada está não só retirada do contexto da conversa havida, como lhe falta ainda a continuação da frase sem a qual o sentido da afirmação feita fica profundamente alterado.

A conversa com a jornalista abordou numa fase a temática das actuais condições de atribuição dos fogos de habitação social, explicando o presidente do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social que a indisponibilidade de fogos criava situações muito complexos em resposta aos problemas que constantemente nos eram colocados, factor que também havia sido tido em atenção na formulação da política de alienação do património.

Em concreto, foi referido que, sempre que se sabia existir uma vaga, muitos eram os pedidos de atribuição das habitações c que em muitas das situações os interessados recorriam à intervenção de altas entidades. Houve oportunidade para salientar que as referências às entidades citadas não eram personalizadas, servindo apenas para transmitir uma ideia da diversidade de instituições ou personalidades cujo apoio os pretendentes invocam. Referi também e sublinhei o facto de que muitos dos pedidos traduziam situações de pura carência, perante as quais muitas vezes o Instituto ficava sem competência ou capacidade de resolução.

Feita esta correcção e situada a intervenção do signatário no contexto correcto, devo acrescentar que os contactos mantidos com o Serviço do Provedor de Justiça, decorrem sempre de parecer institucional e em circunstâncias resultantes de esclarecimentos ou reclamações apresentadas pelos cidadãos. Era este o sentido da afirmação feita a O Independente referindo o Serviço do Provedor de Justiça.

Esperando ter contribuído para total esclarecimento desla situação, apresento a V. Ex.? os melhores cumprimentos.

Lisboa, 23 de Janeiro de 1991. — O Presidente do Conselho Directivo, João Gamito Faria.

10 — SUMÁRIOS DE ALGUMAS DAS RECOMENDAÇÕES FORMULADAS EM 1990, COM INDICAÇÃO DA SUA ULTERIOR EVOLUÇÃO

Sumário: Administração da justiça. Acto judicial.

Objecto: Autorização judicial para o levantamento da importância respeitante a indemnização fixada em acção ordinária.

Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada. Processo: N.° R. 2728/89.

Síntese

1 — Dirigiu-se ao Provedor de Justiça, solicitando a sua intervenção, determinada queixosa, alegando, essencialmente, que, havendo sido fixada, a seu favor, por saneador--sentença do juiz do 12." Juízo Cível da Comarca dc Lisboa, em acção ordinária, indemnização atinente ao valor da compra de três prédios, sisa e demais despesas, haviam transcorrido mais de 10 meses sem que tivesse entretanto sido autorizado, por despacho do juiz competente, o levantamento da importância da indemnização, com os graves prejuízos de ordem económica daí decorrentes.

2 — Solicitada a intervenção do Conselho Superior da Magistratura, veio este a comunicar que, na sequencia de tal intervenção, o juiz de direito do 12.° Juízo Cível da Comarca de Lisboa havia já despachado o processo em causa, no sentido da autorização do levantamento, pela interessada, da importância respeitante à indemnização depositada já à ordem do processo.

3 — Regularizada a situação, com satisfação da pretensão da queixosa, foi o processo arquivado.

Sumário: Administração da justiça. Custódia de réus presos.

Objecto: Censura do procedimento dc um guarda prisional que, findo um julgamento dc homicídio, levou o recluso a um café das imediações do tribunal.

Decisão: Reclamação procedente. Situação resolvida para

0 futuro, com instruções claras e inequívocas quanto à custódia dc presos antes e depois dos julgamentos.

Processo: N.° R. 2327/88.

Síntese

1 — Um familiar dc uma vítima de um crime de homicídio queixou-se a este órgão do Estado peto facto de um guarda prisional ter acompanhado o arguido do respectivo crime a um café das imediações do tribunal, logo após a sentença condenatória, o que terá provocado a ira c a dor da família e dos amigos da vítima.

2 — Instaurado o processo disciplinar na Dirccção-Gcral dos Serviços Prisionais, viria o mesmo a ser arquivado, muito embora o respectivo dircclor-gcral tenha entendido dever difundir pelos estabelecimentos prisionais instruções tendentes a evitar situações semelhantes.

3 — Consultado o processo, concluiu-se que havia, indícios dc infracção disciplinar, acabando por se compreender o sentido pedagógico da decisão do director-ge-ral.

4 — Todavia, para além das instruções sobre custódia de presos que foram elaboradas e difundidas pela Dircc-çâo-Geral dos Serviços Prisionais, importava dar explicações satisfatórias da ocorrência à família da vítima c, nesse sentido, foi sugerido à Direcção-Geral cm causa o adequado procedimento.

5 — Devidamente acatada a sugestão, e dadas explicações aos familiares da vítima, foi o processo arquivado.

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Sumário: Administração da justiça. Processo penal. Intérprete.

Objecto: Nomeação dc intérprete cm processo de cidadão

alemão na situação dc prisão preventiva. Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada. Processo: N.fi R. 659/90

Síntese

1 — A Embaixada da República Federal da Alemanha solicitou a intervenção do Provedor de Justiça relativamente à situação do capitão de um navio mercante alem3o detido cm prisão preventiva desde 11 de Março de 1990 (20 horas) c que em 22 dc Março dc 1990 continuava sem ter sido ouvido pelo juiz por não haver intérprete à sua disposição (processo n.9 3941/90/D/LSB — l.8 Juízo do Tribunal de Instrução Criminal dc Lisboa).

2 — Um dos adjuntos do Provedor de Justiça contactou telefonicamente a Procuradoria da República junto dos Tribunais de Instrução Criminal dc Lisboa e o delegado do Procurador da República competente no DIAP. Através destes contactos, apurou-se que o cidadão estrangeiro fora apresentado sob prisão ao Juízo de Instrução Criminal de Lisboa. Porque não dispunha dc intérprete, este magistrado não interrogou o arguido e, porque entendeu que estava ultrapassada a fase do interrogatório previsto no artigo 141.9 do Código dc Processo Penal, legalizou e manteve a prisão do dcüdo c remeteu os autos para o Ministério Público c para interrogatório do arguido sob a sua égide. O processo seguira para o DIAP, onde o arguido terá vindo a requerer o seu interrogatório, mas a audição do detido não chegou a ser efectuada. O magistrado do Ministério Público, atendendo à situação do arguido, à partida do ofendido para a República Federal da Alemanha c à presumível demora na instrução, promoveu no sentido da libertação do cidadão alemão sob caução, proposta que foi indeferida pelo juiz, pelo que os autos regressaram ao DIAP.

3 — Dado que o arguido se mantinha em 30 dc Maio de 1990 sem interrogatório (da competência dc um juiz dc instrução) c sem conhecimento dos lermos da acusação c dos direitos que lhe assistiam [contra o que dispõem os artigos 28.8, n.8 1, da Constituição, 141.9, n.9 1, do Código de Processo Penal, 6.9, n.9 3, alíneas a) e e), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem c 14.9 do Pacto Internacional Relativo aos Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas], o Provedor de Justiça, com o objectivo de ultrapassar a inadmissível situação, ofereceu ao Tribunal a colaboração, como intérprete, do seu ouuo adjunto.

O interrogatório do arguido acabou por ter lugar cm 5 de Setembro de 1990, com a intervenção, como intérprete, do adjunto do Provedor de Justiça.

4 — O Provedor dc Justiça deu conhecimento das anomalias verificadas ao Procurador-Gcral da República c ao conselheiro vicc-prcsidenic do Conselho Superior da Magistratura, tendo umbem determinado a abertura dc novo processo de sua iniciativa no sentido de alertar o Ministério da Justiça para a tomada dc medidas necessárias ao estabelecimento de uma eficaz intervenção dc interpretes cm todas as diligencias em que essa intervenção é exigida pelas leis portuguesas e internacionais. Este novo processo enconua-sc pendente de um inquérito que a Dirccção-Gcral dos Serviços Judiciários está a conduzir junto dos tribunais com vista a apurar o correcto dimensionamento das necessidades cm termos de tradutorcs-iniérprctcs c a estudar as soluções correspondentes para o problema.

Sumário: Administração Pública. Atrasos c dificuldades na inscrição na ADSE.

Objecto: Dificuldades verificadas na inscrição, na ADSE, de uma filha maior a frequentar estabelecimento dc ensino universitário, com a consequente demora na passagem do respectivo cartão.

Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.

Processo: N.9 R. 806/90.

Síntese

1 — Um professor associado da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra queixou-se ao Provedor de Justiça pela demora verificada na passagem do cartão da ADSE a favor da sua filha, de 21 anos de idade, solteira, a frequentar a Universidade Internacional, em Lisboa.

2 — Ouvida a Reitoria da Universidade de Coimbra, apurou-se que a demora verificada se ficara a dever fundamentalmente à necessidade dc celebrar um acordo com a Direcção-Gcral dc Protecção Social aos Funcionários e Agentes da Administração Pública (ADSE) na sequência da Lei da Autonomia das Universidades, razão esta que se considerou atendível.

3 — Tendo sido, entretanto, ultrapassada a situação e passado o pretendido cartão, o Provedor de Justiça decidiu arquivar o processo.

Sumário: Águas. Servidão dc aqueduto. Utilidade pública. Objecto: Reposição da servidão pelo seu escoamento natural.

Decisão: Reclamação procedente. Situação resolvida. Processo: N.9 R. 2090/87.

Síntese

1 —Um munícipe de Mortágua queixou-se pelo facto dc um outro habitante da mesma povoação ter edificado um barracão em terreno seu desviando para tal um «agueiro» para a via pública, o que originou que os moradores e os utentes do caminho público fossem prejudicados com esse desvio, dolosamente provocado.

2 — Numa primeira fase, solicitou-se à Câmara Municipal dc Mortágua a realização dc um inquérito tcndenic a apurar o caso da existência do «agueiro», respectivo local, e prejuízos causados.

3 — Realizado o inquérito, apurou-se a existência, desde tempos imemoriais, da servidão de aqueduto pelo local onde fora constituído o barracão e que o desvio provocado pelo dono da obra causava os alegados danos no caminho público c moradores da povoação, que viam os currais e as próprias casas dc habitação invadidas pela água proveniente do «agueiro».

4 — Mais sc apurou que o autor da construção havia ocultado à fiscalização municipal a existência do «agueiro» c só por isso o licenciamento lhe fora concedido.

5 — Face à matéria dc facto dada como assento, foi recomendado à autarquia em causa que intimasse o autor da construção a repor o «agueiro» na situação anterior.

6 — Face à recomendação formulada, a autarquia, pela via consensual, c com o apoio directo da Junta dc Freguesia respectiva, conseguiu o acordo das partes interessadas, rcalizando-sc as obras adequadas por forma a salvaguar-darem-se os interesses dos moradores da povoação.

7 — Face à solução encontrada, determinou-sc o arquivamento do processo.

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Sumário: Comércio cxicrno. Importação dc veículos automóveis por emigrantes. Utilização do veículo importado para transporte de passageiros.

Objecto: Anulação da apreensão com possibilidade de

afectação do veículo ao serviço de aluguer. Decisão: Reclamação procedente. Recomendação acatada. Processo: N.9 R. 911/89.

Síntese

1 — Um cidadão emigrante, ao regressar a Portugal, trouxe consigo um veículo no regime dc importação.

2 — Passado algum tempo, passou a afectá-lo ao transporte dc passageiros, até que, em Março dc 1989, a Alfândega do Porto procedeu à apreensão do mesmo por entender que a situação em causa constituía «oneração» nos lermos do artigo 6.9, n.9 2, do Decreto-Lei n.9 455/88, de 9 de Outubro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.9 212/89, de 2 de Julho.

3 — Ouvida a Direcção-Gcral das Alfândegas, esta veio a defender a legalidade da apreensão, por considerar, mais uma vez, que a afectação ao transporte de passageiros de um veículo importado para fins particulares constituía «oneração» nos termos da lei.

4 — Analisado o processo, concluiu-se que a proibição da constituição dc «ónus» sobre veículos importados apenas fazia sentido dentro do conceito legal de «ónus real», pretendendo assim a lei apenas evitar que os proprietários constituam encargos sobre o veículo a favor dos beneficiários do ónus, e ainda mais do que isso.

5 — Formulada a recomendação, no scniido da revogação de apreensão, viria a mesma a ser inteiramente acatada pela Dirccção-Geral das Alfândegas, restituindo o veículo e procedendo à alteração do procedimento adoptado cm casos semelhantes.

Sumário: Contribuições e impostos. Imposto de mais-va-lias.

Objecto: Tributação em imposto de mais-valias de prédio rústico.

Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada. Processo: N.9 R. 662/90.

Síntese

1 — Um contribuinte apresentou queixa ao Provedor dc Justiça alegando ter sido tributado pelo imposto de mais--valias, não obstante se tratar de transmissão dc prédio rústico operada por escritura pública de compra e venda outorgada em 7 de Fevereiro dc 1983, e ter pago o referido tributo com juros dc mora.

2 — No seguimento de diligencias efectuadas por este órgão do Estado e de anterior exposição endereçada pelo queixoso ao titular da pasta das Finanças, apurou-se que o objecto da transmissão foi um «terreno de lavradio». A natureza rústica do prédio em causa resultava da inscrição da matriz, da escritura da compra e venda e da própria participação do modelo n.9 1 do imposto dc mais--valias efectuada pelo queixoso. Para além disso, as informações oficiais vieram confirmar que o terreno vendido pelo queixoso não estava situado cm zona urbanizada ou compreendido em plano de urbanização c que no mesmo não foi iniciada qualquer construção.

3 — Perante a factologia apurada, a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos viria a decidir a anulação do imposto dc mais-valias, inicialmente liquidado no montante de 327 000$.

Sumário: Contribuições e impostos. Imposto sobre o rendimento. Retenção na fonte.

Objecto: Indevida retenção na fonte, mediante errada qualificação como trabalhador independente.

Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.

Processo: N.° R. 573/89.

Síntese

1 — Um trabalhador da Câmara Municipal de Vila Verde apresentou queixa ao Provedor de Justiça pelo facto dc, prestando serviço como encarregado de vigilância c limpeza das respectivas instalações sanitárias, estar a ser sujeito a retenção na fonte, para efeitos do IRS, da ordem de 2096S, para uma gratificação mensal dc 13 000$, sendo certo que é portador dc deficiência num braço c numa pema.

2 — A questão foi colocada à autarquia nos seguintes termos:

a) Na sequência da queixa apresentada neste Serviço por um prestador dc serviços de vigilância e limpeza dessa Câmara, sobre descontos efectuados na respectiva retribuição, apurou-se ter sido efectuado desconto de 4190$, a título de IRS, relativo aos meses dc Janeiro e Fevereiro de 1989;

b) Sendo dc 13 000$ a remuneração mensalmente paga ao reclamante, afigura-se que a mesma não está sujeita a IRS, face ao estipulado nas tabelas práticas anexas ao Decreto Regulamentar n.9 43-A/88, de 9 de Dezembro;

c) Pelos motivos expostos, sugere-se que, com a possível brevidade, seja reapreciada a situação, mediante reembolso ao reclamante da quantia dc 4190$.

3 — A Câmara Municipal respondeu que:

a) Em virtude dc o serviço prestado pelo reclamante não poder ser considerado rendimento da categoria A — trabalho dependente —, atendendo à sua situação dc invalidez, c, por outro lado, patoue lodo c qualquer rendimento do trabalho deve ser enquadrado numa das categorias previstas no Código do IRS, optou-se por incluir o mesmo na categoria B, tendo-lhe sido aplicada a taxa dc 16 %;

b) Face ao grau de invalidez daquele prestador de serviços que, segundo ele, o impossibilita de exercer qualquer actividade, e até porque não existe qualquer forma de contrato escrito que o ligue a esta autarquia, pois se aguarda esclarecimento do Centro Regional de Segurança de Braga, sobre a situação do mesmo, solicito a V. Ex.! se digne reanalisar a queixa apresentada nesse Serviço.

4 — No seguimento da resposta camarária, o Provedor dc Justiça assumiu a seguinte posição, transmitida à referida autarquia:

a) O tipo de actividade desempenhada pelo reclamante — vigilância e limpeza de rnsAalaçôes

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sanitárias — pode considerar-se abrangido pelos n." 1 e 2 do artigo 2.9 do Código do IRS, mos-trando-se forçado o tratamento do mesmo como trabalhador independente (artigo 3.°);

b) A própria designação dada à retribuição daquele agente — gratificação — ajusta-sc melhor ao que preceitua o n.° 2 do artigo 2.° do mesmo Código;

c) Tratando-se de deficiente — situação a comprovar pelos meios adequados —, mais razão haverá para tributar aquele contribuinte nos termos mais favoráveis, de acordo com as tabelas práticas anexas ao Decreto Regulamentar n.9 43-A/88, de 9 de Dezembro;

d) Pelos motivos indicados, e mostrando-se perfeitamente correcta a sugestão formulada a coberto do ofício n.9 5282, de 11 de Maio de 1989, deste Serviço, recomendo que seja revista a decisão em causa, nos termos do que naquele oficio se sugerira.

5 — O presidente da Câmara veio, de seguida, informar que não voltou a efectuar descontos, a título dc IRS, ao queixoso, após a recomendação do Provedor, e que, em virtude de as quantias retidas já terem dado entrada nos cofres do Estado, o reembolso das importâncias indevidamente retidas só poderá ter lugar no início do ano de 1990, através da Repartição dc Finanças.

de 9 dc Dezembro, ou a fórmula prevista nos artigos 6.° e 10.9 do mesmo diploma legal, conforme estipula o n.9 3 do artigo 92.9 e o ponto u, n.9 1, alínea a), da circular já referida.

Quanto aos prémios recebidos ao abrigo do n.9 1 da cláusula 85.' do CCTV da empresa e do protocolo assinado entre a administração e a comissão dc trabalhadores, incluir-se-iam neste grupo, se excedessem o limite de isenção mencionado no n.° 4 do artigo 2.9, o que não se verifica, já que esse limite seria dc 2 510 144$, conforme se demonstra:

tcljKUx"°y 14 = 25.0 144$

¿7) Mostra-se incorrecta a retenção efectuada pela empresa, sendo, contudo, inviável proceder-se ao cálculo exacto daquela por insuficiência de elementos designadamente do número de dependentes, da definição da situação de retenção entre «casado único titular» e «casado dois titulares» e da disparidade de dados fornecidos pela empresa e pelo contribuinte;

c) Deverá, com vista a regularizar o erro material cometido pela empresa, lançar mão do mecanismo da reclamação previsto no artigo 131.9 do Código do IRS para que lhe seja restituído o imposto a mais liquidado.

Sumário: Contribuições e impostos. Imposto sobre o rendimento. Retenção na fonte.

Objecto: Retenção na fonte de IRS, em caso de cessação dc contrato de trabalho.

Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.

Processo: N.9 R. 782/89.

Síntese

1 — Um reformado apresentou queixa ao Provedor dc Justiça por entender incorrecta a retenção na fonte, efectuada pela empresa para que trabalhava, sobre subsídio de férias, subsídio de Natal, vencimentos e prémios pagos em Janeiro dc 1989, após ter passado à situação de pensionista.

2 — Após sucessivas diligências junto do queixoso e da empresa, com vista a obtenção de elementos respeitantes às importâncias postas à disposição do trabalhador em consequência da cessação do contrato dc trabalho, foi contactada a Direcçâo-Geral das Contribuições e Impostos (DGd), Núcleo dos Impostos sobre o Rendimento, para esclarecer sobre o procedimento adoptado pela empresa.

3 — A Direcção de Serviço de Imposto sobre o Rendimento (SAIR) prestou a propósito os seguintes esclarecimentos".

o) A retenção de rendimentos respeitantes a anos anteriores à entrada em vigor do IRS, pagos ou postos à disposição dos sujeitos passivos no ano de 1989, seguia as regras gerais regulamentadas pelos n." 1 e 3 do artigo 92.9 e pela circular n.° 13/89, série C, de 3 de Agosto, isto é: ao vencimento do mês de Janeiro de 1989 adicionar-se--ão as remunerações variáveis e as férias aplicando-se ao total desta soma a tabela prática mensal, aprovada pelo Decreto Regulamentar n.9 43-A/88,

4 — Porque os referidos esclarecimentos se revelaram conformes à lei vigente, e suscepdvcis de respeitar os interesses do queixoso, não foi considerada oportuna a realização dc outra diligencia e, por conseguinte, decidido o arquivamento do processo.

5 — Aconselhou-se o queixoso a proceder como preconizou a DGCI, para recuperação da incorrecta retenção na fonte.

Sumário: Contribuições e impostos. Imposto sobre o rendimento. Retenção na fonte.

Objecto: Ilegal retenção na fonte, com base em desconto irregular no vencimento.

Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.

Processo: N.9 R. 589/90.

Síntese

1 — O marido de uma professora queixou-se ao Provedor dc Justiça, alegando que a Direcção Escolar dc Setúbal passou à mulher uma declaração de vencimentos dc quantitativo superior àquela que deveria indicar, por não ter atendido no desconto de importância relativa a perda de vencimentos de exercício efectuado indevidamente.

2 — Ouvido o serviço visado, veio este a referir o seguinte:

à) Por erro de número mecanográfico, foi descontada, indevidamente à interessada, a importância de 17 600$ no mês dc Julho de 1989;

b) Foi abonada de vencimento base 75 200S - 17 600$ = 57 600$, líquidos;

c) Detectado o erro, foi a interessada compensada dc desconto indevido, no mês de Outubro: vencimento base 87 900$ + 17 600$ = 105 500$;

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d) Verifica-se facilmente que a imrx^rtância em causa descontada em Julho e compensada em Outubro, tudo no ano de 1989, nao afeita 0 total auferido, nem consequentemente o respectivo IRS;

e) Nesta ordem de ideias, esta Direcção Escolar confirmou o montante auferido em 1989, num total de 1 378 083$, constante da relação mecanográfica fornecida pelos serviços de informática e enviada às Finanças para verificação de IRS;

f) Verifica-se, conforme fotocópia junta ao ofício n.° 1356-D, processo n.8 2081-B, üv. 77, div. 40. que a reclamação da interessada foi atendida pela 11.8 Delegação da Direcção-Geral da Contabilidade Pública, entidade a quem compete a última palavra sobre o assunto.

3 — A questão foi colocada à DGCI nos seguintes termos:

a) Em relação a Julho, os Serviços Fizeram ao queixoso um pretenso «desconto», ilegal;

6) Mas calcularam o IRS, retido na fonte, com base no ordenado ilíquido;

c) Em Outubro, compensaram o lapso cometido, pagando a mais ao queixoso o correspondente ao dito «desconto»;

d) Mas calcularam o IRS, a reter na fonte, em Outubro, com base em tudo o que ele recebeu nesse mês — ordenado, mais compensação;

é) Assim, o queixoso ficou, sem dúvida, prejudicado;

f) Correcto teria sido, além disso, mencionar, na declaração referente ao modelo n.8 1, a quantia indicada pela DGCP no seu ofício de 27 de Março de 1990, e não a que a Direcção Escolar indicou, que compreendeu, no fundo, duas vezes, a mesma quantia;

g) Não me parece, sem mais, assegurado que o Fisco proceda à correcção necessária;

h) Solicita-se, pois, confirmação sobre se pela Repartição de Finanças competente vai ser tida em conta a situação descrita, procedendo-se à correspondente correcção do IRS devido;

i) E também informação, em termos gerais, sobre se lais situações são sempre detectáveis pelos serviços da Direcção-Geral, com a consequente correcção oficiosa.

4 — A resposta da referida Direcção-Geral foi dada pelo SAIR, que referiu:

a) «Que a ll.1 Delegação da Direcção-Geral da Contabilidade Pública dá razão ao sujeito passivo, visto, no seu ofício n.8 1356-D, de 27 de Março de 1990, que enviou ao interessado, referir que a importância a indicar na declaração de rendimentos deveria ter sido de 1 360 483S. Assim, parece que a importância que efectivamente deve constar da declaração de rendimentos, bem como da relação a que se refere a alínea c) do n.9 1 do artigo 114.° do Código do IRS, é de 1 360483$; aliás, é a própria Direcção Escolar de Setúbal, que no ponto 9 do ofício de 19 de Abril de 1990 salienta que é a 11.5 Delegação da DGCP a entidade a quem compete a última palavra sobre o assunto»;

b) Este tipo de situações não são possíveis de ser detectadas pela administração fiscal, a menos que 0 SüJGllQ ÇdSSivo indique na declaração de rendimentos um valor diferente daquele que è indicado pela entidade pagadora na relação do artigo 114.°; no entanto, lais anomalias só são detectadas pela administração fiscal após o cruzamento informático entre as declarações de rendimento e as referidas relações;

c) Como é possível aos serviços verificar o número de declarações apresentadas pelo sujeito passivo, bem como verificar os elementos que nelas constam, chegou-se à conclusão de que o sujeito passivo apresentou duas declarações de rendimentos, tendo sido uma apresentada no dia 21 de Fevereiro de 1990 e outra no dia 29 de Março de 1990;

d) Verificou-se também que, na última declaração apresentada pelo sujeito passivo, consta como rendimentos do trabalho dependente — categoria A a importância de 1 360 483S, ou seja, aquela que é entendida como correcta;

5 — Perante a posição da administração fiscal, favorável à pretensão do queixoso, foi decidido o arquivamento dos autos.

Sumário: Contribuições c impostos. Imposto sobre o rendimento. Retenção na fonte.

Objecto: Prazo para a emissão de documentos pelas entidades que efectuam retenções na fonte (artigo 114.° do Código do IRS).

Decisão: Reclamação procedente. Recomendação legislativa acatada.

Processo: N.9 R. 767/90.

Síntese

1 — Um contribuinte apresentou queixa ao Provedor de Justiça fundada em recusa de emissão por estabelecimento bancário de declaração de rendimentos de capitais para efeitos de IRS, sob o pretexto de a data limite para emitir tais declarações ser de 15 de Março, conforme instruções da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, e também na incompreensão de tal posição, considerando que os profissionais livres (situação do queixoso) devem apresentar as respectivas declarações de rendimentos até 10 de Maio.

2 — Embora a situação estivesse, expressamente, prevista no artigo 114.9 do Código do IRS, em termos de a declaração dever ser entregue até 20 de Janeiro, este órgão do Estado quesüonou a Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais sobre a razão que teria lcvaóo a Vd a. fixar um termo tão distante do final do prazo das correspondentes declarações de rendimentos — 10 de Maio de cada ano — e sugeriu eventual fixação, por via legislaüva, desses termos em data posterior, atendendo a que se trata de documentos a expedir a solicitação dos interessados.

3 — Por despacho de 30 de Julho de 1990 o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, dando acolhimento à posição do Provedor, determinou a inclusão, na proposta de lei do Orçamento do Estado para 1991, de preceito que

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alargará o prazo para a entrega de documentação comprovativa das importâncias devidas no ano anterior, do imposto retido na fonte e das deduções a que eventualmente haja lugar (n.9 2 do artigo 114.* do Código do IRS).

Sumário:- Contribuições ô impostos. Imposto do selo. Reembolso.

Objecto: Reembolso da quantia respeitante ao imposto do selo, devido por transferência dc funcionário, pago por «guia», anteriormente ao «desconto» efectivado no vencimento.

Decisão: Reclamação procedente. Situação resolvida. Processo: N.9 R. 198/90.

Síntese

1 —Queixou-se, em 24 dc Janeiro de 1990, um oficial de justiça do Tribunal do Trabalho de Tomar, porque, havendo já pago, por «guia», a importância dc 1000S, de imposto do selo, referente à sua transferência, a mesma importância lhe fora descontada no seu vencimento, pelo que requereu ao Gabinete de Gestão Financeira do Ministério da Justiça o reembolso da mesma quantia, sendo informado, posteriormente, de que deveria requerer aquele reembolso à Repartição de Finanças de Tomar.

2 — Ulteriormente, viera a ser informado, nesta Repartição, de que deveria fazer uma exposição ao Ministro das Finanças, c, mais tarde, de que o assunto transitará, entretanto, para o Gabinete do Secretário de Estado do Orçamento.

3 — Decorrido um ano sobre a data do primeiro requerimento a solicitar o rembolso pretendido, a Administração não havia ainda solucionado o assunto, por forma adequada.

4 — Em ofício dirigido ao chefe do Gabinete do Secretário de Estado do Orçamento, este órgão do Estado, analisando a questão colocada na queixa, solicitou a indicação dos motivos que estiveram na base da demora alegada no «reembolso» da quantia paga, a título de imposto do selo, por forma indevidamente repetida, e bem assim a solução adequada do caso, a curto prazo.

5 — Após diligências várias, junto do referido Gabinete governamental e da Direcção-Geral das Contribuições e impostos, que, primeiramente, entendeu não ter o reclamante direito a restituição do imposto do selo, cm virtude de incorrecção dos pagamentos que efectuou, por não ajustados à «taxa» dc imposto aplicável, veio o chefe do Gabinete do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais comunicar que o pedido de restituição do imposto do selo fora autorizado por despacho de 20 de Abril de 1990.

6 — Satisfeito, por forma adequada, o objecto do processo, foi ordenado o seu arquivamento.

Sumário: Contribuições e impostos. Processo fiscal. Juízes auxiliares.

Objecto: Atribuição, aos chefes de repartição de finanças, dc poderes dc natureza judicial.

Decisão: Reclamação procedente. Comunicação ao Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

Processo: N.9 R. 1418/88.

Síntese

l — Um advogado apresentou queixa ao Provedor de Justiça contra a intervenção dos chefes das repartições de

finanças, como juízes auxiliares, em actos de natureza processual, alegando que:

á) No exercício da sua actividade profissional e pela leitura dc anúncios publicados nos jornais tem constatado que diversos chefes de repartições de finanças, nomeadamente, de Espinho, Coimbra, Loures, Cascais e Seixal, instauram execuções fiscais por dívidas ao Estado, procedem a citações, penhoras, hastas públicas e pagamentos dos débitos, intitulando-sc juízes auxiliares dc execuções fiscais ou do tribunal tributário de 1." instância;

b) Só podem exercer jurisdição fiscal os órgãos enumerados no artigo 2.9 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) (Decreto-Lei n.9 184/84, de 27 de Abril), de entre os quais não constam os chefes de repartições de finanças;

c) Estes funcionários têm vindo a justificar a sua actividade jurisdicional com a nova redacção que a Lei n.9 4/86 introduziu no artigo 60.9, n.9 2, do referido Estatuto, segundo a qual os tribunais podem ser auxiliados pelos serviços da Direcção--Geral das Contribuições e Impostos (DGCI) nos termos estabelecidos na lei de processo, designadamente para efeitos de instauração e prosseguimento de cobranças coercivas;

d) Os trabalhos preparatórios da Lei n.9 4/86 também não abonam a interpretação dada pelos chefes das repartições de finanças ao artigo 60.9, n.9 2, do referido Estatuto, na sua nova redacção;

e) Concluía, pois, que está a ser violado por esses funcionários públicos o artigo 2.9 do ETAF;

f) O artigo 114.° da Constituição da República prescreve a separação entre os órgãos de soberania— Presidente da República, Assembleia da República, Governo e tribunais;

g) Os chefes das repartições de finanças são agentes da Administração Pública dependentes hierarquicamente do Governo.

2 — Instruído o processo e apreciada a questão suscitada, o Provedor de Justiça decidiu submetê-la à consideração do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, invocando os seguintes argumentos:

0.) O n.9 2 do artigo 60.9 do Estatuto dos Tribunais Adminisuativos c Fiscais (redacção dada pelo artigo l.9 da Lei n.9 4/86, de 21 de Março) permite que os tribunais sejam auxiliados pelos serviços da DGCI, nos termos da lei de processo, designadamente para efeitos de instauração e prosseguimento de cobranças coercivas;

b) Na ausência de formulação mais clara sobre o modo como deve traduzir-se a colaboração a prestar aos tribunais pela administração fiscal, não será de excluir o entendimento dc que, no auxílio a prestar àqueles órgãos de soberania, se inserem os actos ou operações não jurisdicionais a definir caso a caso por cada tribunal. Será a este que

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caberá estabelecer, na falta de mais elementos,

Qüsi o tipo de colaboração a emprestar pela administração fiscal. A esta não compete, pois, estabelecer o âmbito da colaboração em termos genéricos;

c) Apenas aos tribunais caberá definir o auxilio de que carecem no plano extrajurisdicional. Será desta forma que, portanto, a questão deverá ser equacionada. Não pelo prisma da iniciativa da administração fiscal, cuja actuação se confina à prestação da colaboração que lhe for, pontualmente, requerida por cada tribunal. Trata-se de situação próxima do instituto da delegação de poderes, lendo em conta que é ao tribunal — enquanto órgão detentor originário de poderes — que cabe definir a colaboração a prestar e os actos a praticar pelos órgãos e agentes da administração fiscal;

d) Também se afigura merecer concordância a crítica à designação incorrecta de «juízes auxiliares», mas ressalvando sempre a perspectiva de que os poderes dos «auxiliares» devem ser fixados pelo juiz competente;

e) O citado artigo 60.e, n.B 2, do ETAF parece remeter para o regime actual do Código de Processo das Constituições e Impostos.

Aliás, é esse o entendimento da DGCI;

f) Ora, da conjugação dos artigos 40.9, alínea d), e 152.", § 2.B, do Código de Processo das Contribuições e Impostos, parece resultar que os chefes de repartição terão competência para instaurar processos de execução fiscal e, nestes, praticar a generalidade dos actos, salvo:

Decisão sobre a posição; Verificação e graduação de créditos; Extinção da execução; Anulação da venda; Incidente de falsidade;

g) Se assim é, afigura-se que o regime em causa padece de inconstitucionalidade material;

h) Entende-se, com efeito, que são actos necessariamente de natureza jurisdicional, pelo menos, ainda os seguintes:

1) Juízo sobre a exequibilidade do título executivo;

2) Decisão de citação para a nomeação de bens à penhora;

3) Decisão sobre a penhora e apreensão de bens, em geral;

4) Decisão sobre a realização de venda judicial;

0 Todos estes actos têm, na verdade, incidência sobre direitos das partes;

j) E nem parece, em rigor, que os poderes jurisdicionais sejam delegáveis.

3 — O Provedor de Justiça resolveu, além disso, mandar abrir, por sua iniciativa, um processo destinado ao estudo da constitucionalidade dos preceitos que atribuem aos chefes de repartição de finanças alguns poderes que se afiguram ter natureza judicial.

Sumário: Contribuições e impostos. Taxa de televisão. Objecto: Melhoria das condições técnicas dc recepção de

imagem televisiva c recusa óe pagamento de. t\Q,£

anos cm que se verificou a anomalia. Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada. Processo: N.9 R. 2713/89.

Síntese

Um grupo de moradores do Bairro da Barragem dc Belver, freguesia de Ortiga, concelho de Mação, queixou--se ao Provedor de Justiça referindo que a Radiotelevisão Portuguesa, E. P., lhes estava a exigir o pagamento da taxa de televisão respeitante ao período compreendido entre 1982 e 1988, período em que não haviam podido utilizar o serviço público de televisão, cm virtude de, na zona referida, o nível de intensidade de campo portadora dc imagem se situar abaixo dos valores mínimos admissíveis (cinco vezes menos).

Exposta a questão ao conselho de gerência da RTP, designadamente acerca das condições técnicas de recepção de imagem na zona e da exigência do pagamento em causa, este informou, em Julho de 1990, que os referidos moradores do Bairro da Barragem de Belver passaram, desde Março de 1988, a ter um nível de sinal suficiente para garantir uma boa recepção do serviço público de televisão emitido pela RTP.

Quanto ao pagamento das taxas em atraso, o mesmo conselho comunicou que iriam ser arquivadas as execuções intentadas conira aqueles moradores por débito das taxas respeitantes a anos anteriores a 1988.

Sumário: Contribuições e impostos. Taxa de televisão. Objecto: Isenção dc pagamento dc taxa de televisão. Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada. Processo: N.9 R. 955/90.

Síntese

1 — Um cidadão dirigiu-se, em Abril de 1990, ao Provedor de Justiça, referindo que seu pai, falecido em 31 de Dezembro de 1989 na situação de reformado, havia, em devido tempo, pedido à RTP a isenção do pagamento àa taxa de televisão respeitante a 1987, estranhando, pois, que a Repartição de Finanças local (Mesão Frio) estivesse a exigir o pagamento coercivo da mesma taxa.

Exposto o assunto à Radiotelevisão Portuguesa, E. P., aquela empresa pública informou que tal pedido de isenção havia sido indeferido em 1987 em virtude de o atestado da Junta de Freguesia remetido pelo interessado para o efeito não estar em devida ordem. Mais informou a RTP que, porém, tendo em conta a intervenção deste órgão do Estado e a situação económica e a idade da viúva do titular do registo do televisor, havia acatado a sugestão do Provedor, promovendo o arquivamento do processo de execução fiscal.

Sumário: Descolonização. Trabalhadores de empresa pública.

Objecto: Pedido de integração na EDP de ex-trabalhador de Cabota Bassa.

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Decisão: Reclamação procedente. Situação resolvida. Processo: N.° R. 2358/88.

Síntese

1 — Um ex-trabalhador da Barragem de Cabora Bassa dirigiu-se, em Setembro de 1988, ao Provedor de Justiça, referindo ter-lhe sido negada a integração na EDP em virtude de a sua profissão (chefe de sector de armazém) não ser enquadrável nos postos de trabalho da orgânica daquela empresa pública.

Mais referiu aquele reclamante que alguns dos seus colegas dc trabalho, em condições análogas, cujos nomes indicou, haviam sido integrados.

2 — Analisado o caso, pôde confirmar-se a alegada desigualdade de tratamento.

3 — Exposta a questão à Secretaria de Estado da Energia, e após várias diligências, foi recebida informação de que havia sido estabelecido acordo com o reclamante visando a integração do mesmo nos quadros daquela empresa pública.

Sumário: Desporto. Federação Portuguesa de Futebol. Carteira profissional: curso dc treinadores e entidade emitente.

Objecto: Pedido de carteira profissional de treinadores de futebol. Falta dc documentação comprovativa da habilitação do reclamante.

Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.

Processo: N.B R. 1252/89.

Síntese

1 — Um professor do ensino primário queixou-se ao Provedor de Justiça alegando ter a Federação Portuguesa de Futebol recusado o envio da respectiva carteira profissional de treinador dc futebol, não obstante haver frequentado em 1964, e com aproveitamento, o respectivo curso, então promovido por aquela Federação desportiva em colaboração com o Sindicato dos Treinadores de Futebol (agora designada por Associação Nacional dos Treinadores de Futebol).

2 — Suscitada a dúvida sobre a inclusão da queixa no âmbito da competência do Provedor de Justiça, veio a en-tender-se que: consagrando constitucionalmente (artigo 23.°, n.s 1, da Constituição da República Portuguesa), e a propósito do direito de petição dos cidadãos aos órgãos do Estado, a competência genérica do Provedor de Justiça para apreciar, quer as acções, quer as omissões dos poderes públicos — e com essa expressão pretendendo-se abranger todas as entidades investidas numa missão de serviço público e no exercício de prerrogativas de autoridade pública —, apenas haveria que averiguar se, em concreto, o acto de que se reclama tinha ou não, à época a que se reportam tais factos, a natureza de verdadeiros «actos admwúsirativos» ou, ao invés se tratava de mero «acto interno», desprovido de autoridade. Legitimamente se concluiu pela 1.* asserção tanto mais que, atento o entendimento expendido nessa matéria por diversos acórdãos do Tribunal Constitucional (Acórdãos n.°» 5272/86 e 91/85), te.s\il\a claramente que o condicionamento do exercício de profissões impõe-se por razões de ordem pública e, por conseguinte, só uma entidade dotada de prerrogativas de

autoridade (e no exercício efectivo dessas prerrogativas) poderia emitir tais carteiras condicionantes do acesso à profissão de «treinador de futebol».

3 — Reposta, portanto, a questão subjacente, importava agora saber qual a entidade a quem linha sido conferido tal poder.

Face à legislação então vigente (Decreto-Lei n.9 29 931, de 15 de Setembro de 1939), seria competente para o efeito a respectiva estrutura sindical — 1.' classe. Tal preceito veio, no entanto, a ser alterado pelo Dccrcto-Lci n.° 358/84, de 13 de Novembro, o qual contém uma disposição transitória que, se por um lado, manteve em vigor os regulamentos dais carteiras profissionais aprovadas ao abrigo daquele mencionado decreto-lei (n.81 do artigo 8.°), por outro afastou expressamente a competência conferida àqueles sindicatos, passando as mesmas a ser unicamente conferidas pelos serviços competentes do Ministério do Trabalho e Segurança Social, isto é, pelas delegações regionais da Inspecção-Geral do Trabalho (artigo 8.9, n.9 2). Em qualquer caso constata-se a dupla eficácia da intervenção do Provedor de Justiça no caso em apreço.

4 — Exposta a questão àquela Federação e à Associação Nacional dos Treinadores de Futebol, vieram tais entidades a alegar a insuficiência documental, comprovativa da habilitação profissional do reclamante, pelo que se encontraria momentaneamente inviabilizada tal pretensão.

5 — Face à prova incontestável e patente naqueles actos, quanto à qualidade profissional do reclamante, conse-guiu-se finalmente obter os dados necessários tendentes à emissão de um certificado de graduação em tal curso dc treinadores por parte da Federação Portuguesa de Futebol, elemento indispensável e suficiente para que lhe possa ser conferida a respectiva carteira profissional (a ser emitida pelo director-delegado da Inspecção-Geral do Trabalho competente).

6 — Assim se obteve, pois, a emissão da pretendida carteira profissional.

Sumário: Direitos fundamentais/nacionalidade. Objecto: Aceleração de procedimentos relativos a concessão de nacionalidade e outros conexos. Decisão: Reclamação procedente. Pretensão satisfeita. Processo: N.° R. 203/90.

Síntese

1 —Um cidadão guineense que anteriormente à independência da Guiné-Bissau tinha a nacionalidade portuguesa e que desde Agosto de 1983 trabalhava como enfermeiro no Hospital de Pulido Valente, em regime de larcfa, dada a impossibilidade legal de adquirir o estatuto dc funcionário público em virtude da sua condição de estrangeiro, pediu a intervenção do Provedor de Justiça no senüdo de:

Ser acelerada a concessão de autorização de residência a sua mulher pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (Ministério da Administração Interna);

Ser despachado o seu processo de concessão da nacionalidade até fins de Fevereiro, dam cm que terminava o prazo por que fora provido;

Interceder junto do Hospital de Pulido Valente para que, caso não viesse a conseguir a resolução atempada do problema, não fosse despedido, sendo

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desde logo iniciado o processo de provimento mantendo-o em aberto até que lhe fosse concedida a nacionalidade portuguesa.

2 — A razão invocada para extrema urgência baseava--se em que, lendo sido publicado o Decreto-Lei n.° 427/89, de 7 de Dezembro, de cuja aplicação o interessado poderia beneficiar, e atento o teor do seu artigo 38.°, o mesmo havia sido informado pela Secretaria do citado Hospital de que, «a não ser que até 11 de Março adquira a nacionalidade portuguesa, será dispensado, por impossibilidade legal de manutenção ao serviço público».

3 — Sobre o assunto foram empreendidas várias diligências directas por funcionários da Provedoria de Justiça junto dos departamentos para o efeito competentes, designadamente do Ministério da Administração Interna (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e Serviço de Nacionalidade), do Gabinete do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça e da Repartição Administrativa do Hospital de Pulido Valente.

4 — Na sequência das mesmas ficaram solucionadas as questões para as quais o reclamante pedira a intervenção do Provedor de Justiça, a saber:

Concessão de autorização de residência ao cônjuge; Passagem da declaração relativa à atribuição da nacionalidade portuguesa ao interessado; Realização do contrato com o Hospital.

Sumário: Habitação. Arrendamento. Avaliação. Objecto: Demora no funcionamento de comissão de avaliação em Braga. Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada. Processo: N.° R. 249/90.

Síntese

1 — Um cidadão apresentou queixa ao Provedor de Justiça contra a atitude assumida pelo conservador do Registo Predial de Braga de não dar seguimento a pedido de avaliação fiscal de fracção autónoma de prédio urbano entregue na 2.e Repartição de Finanças de Braga em Junho de 1988 e enviado oportunamente ao mesmo conservador.

2 — A Repartição de Finanças veio informar que o atraso no andamento do processo de avaliação em causa se devia apenas a falta de cumprimento, pelo conservador do Registo Predial, como presidente da comissão de avaliação, dos prazos legalmente estipulados para o efeito, bem como de apresentação, pela referida entidade, de alguma justificação para a posição por ela assumida.

3 — Por sua vez, o conservador do Registo Predial enviou fotocópia de informação que enviou, a propósito, ao inspector superior da DGRN, nos termos seguintes:

a) Até ao Verão de 1986, o conservador do Registo Predial não presidia a qualquer comissão de avaliação, não tendo sido ouvido sobre a sua nomeação, que não desejava;

b) A Conservatória vinha a registar um aumento de serviço e a fazer o mesmo com atraso;

c) Quando o sipatário concorreu para o cargo que vem exercendo nesta Conservatória, sabia que não teria de presidir a qualquer comissão dc avaliação, funções que detesta;

d) Continuando o serviço a ser executado com atraso, estando criada há mais de um ano uma 2.- Conservatória (que ainda não se sabe quando entrará em funcionamento), há que definir qual o serviço que tem preferência: o da Conservatória ou o das avaliações.

4 — Contactado o inspector superior da DGRN sobre o assunto, veio o mesmo esclarecer que se chamou a atenção daquele funcionário para o facto de a função dc presidente da comissão de avaliação ser inerente à de conservador, não havendo prioridade legalmente estabelecida de uma sobre a outra, competindo-lhe conciliá-las da melhor maneira possível.

Sumário: Segurança social. Acidente em serviço. Pensão vitalícia.

Objecto: Pagamento, pela Caixa Nacional de Previdência, pensão vitalícia a viúva, por acidente sofrido pelo marido, ex-funcionário dos Caminhos de Ferro de Moçambique, fixada por sentença proferida em 15 de Maio de 1974 pelo Tribunal da Beira.

Decisão: Reclamação procedente. Situação resolvida.

Processo: N.B R. 2555/89.

Síntese

1 — Queixou-se ao Provedor de Justiça a viúva dc cx--funcionário dos Caminhos de Ferro da antiga colónia dc Moçambique, por não lhe haver sido paga, pela Caixa Nacional de Previdência, a pensão vitalícia fixada por decisão do Tribunal de Trabalho da Beira, com base tww acidente de serviço, de que fora vítima o seu marido, e a que se julgava com direito.

2 — Contactada, a Caixa Nacional de Previdência entendia que havia já caducado o prazo para requerer aquela pensão, nos termos do Decreto n.° 17 335, de 13 de Setembro de 1929, em vigor à data do acidente de trabalho em causa pelo que indeferiu o pedido da reclamante.

3 — Inconformado com a posição adoptada pela Caixa Nacional de Previdência, o Provedor dc Justiça salientou, à Direcção-Geral do Tesouro, e, depois, ao Secretário de Estado do Orçamento, não ser aplicável ao caso em apreço o diploma legal invocado pela Caixa, uma vez que a pensão vitalícia em causa fora fixada pelo Tribunal de Trabalho da Beira, em processo próprio, quando Portugal ainda exercia, plenamente, a sua soberania no território da cx--colónia de Moçambique.

4 — Após insistências sucessivamente promovidas por este órgão do Estado, veio a Secretaria dc Estado do Orçamento a comunicar que, reapreciado, devidamente, o assunto cm causa, decidira, por despacho de 31 de Maio de 1990, atribuir à reclamante a pensão vitalícia reclamada, e bem assim abonar-lhe todas as prestações mensais não prescritas.

5 — Assim, tendo-sc alcançado o objectivo essencial da reclamação, foi o processo arquivado.

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Sumário: Obras públicas. Ocupação dc terrenos privados.

Objecto: Pedido dc indemnização pelos prejuízos causados numa propriedade privada em consequência dc trabalhos de construção dc uma via dc comunicação.

Decisão: Reclamação procedente. Situação resolvida.

Processo: N.» R. 3014/88.

Síntese

1 — Um cidadão apresentou queixa ao Provedor dc Justiça contra a Câmara Municipal de Lagos, alegando que a mesma, para execução dc trabalhos dc abertura dc uma via dc comunicação, ocupara parle dc um terreno dc que o reclamante era comproprietário, havendo inutilizado diversas árvores dc fruto nele existentes c extraído areia da propriedade dos interessados, sem prévio contacto c consentimento destes últimos.

2 — Ouvida sobre o assunto, a Câmara confirmou a ocupação do aludido terreno, mas contestou o número de árvores dc fruto inutilizadas, bem como a extracção dc areia da propriedade dos interessados.

Dc qualquer forma, invocou que na situação exposta pelo reclamante a autarquia não estava obrigada ao pagamento dc qualquer indemnização aos proprieüírios do questionado terreno, face ao disposto nos artigos 483.* c 562.9 do Código Civil c à inexistência dc danos que ml justificassem.

Isso, considerando que a valorização que a abertura da cilada via dc comunicação trouxera à propriedade dos interessados era muito superior aos prejuízos alegados pelo queixoso, mais do que compensando a touil idade dos danos por ele mencionados.

3 — Apreciado o assunto, o Serviço do Provedor dc Justiça entendeu que a argumentação aduzida pela Câmara Municipal não linha força suficiente para afastar a responsabilidade que lhe advinha das normas convertidas nos artigos 90.B c 91.9 do Dccrcio-Lci n.° 100/84, dc 29 dc Março, cm matéria de responsabilidade funcional dc autarquias e da responsabilidade pessoal dos titulares dos seus órgãos e dos respectivos agenics, já que:

a) Face ao disposto no artigo 62.9 da Constituição c no artigo l.8, n.8 1, do Código dc Expropriações, o Município só podia ter ocupado terreno pertencente ao queixoso e a outros comproprietários, bem como destruído árvores nela existentes, para o fim cm vista, no âmbito do processo dc expropriação por utilidade pública c mediante pagamento dc justa indemnização;

b) Não havendo sido esse o caso, não lendo o Município negociado com os interessados a aquisição daqueles bens pelos meios dc direito privado, nem havendo alcançado a anuência dos com proprieüírios para a ocupação do terreno c a destruição das árvores cm foco, a título puramente gracioso, independentemente de quaisquer formalidades c compensações monetárias, a autarquia agira ilicitamente, tendo-sc constituído no dever dc indemnizar os lesados pela ofensa dos seus direitos patrimoniais;

c) A Câmara Municipal não podia pretender afastar a sua responsabilidade diluindo o montante dos prejuízos causados à dita propriedade na valorização dc que veio a beneficiar cm resultado da construção da via que a afcclou, sem afrontar o estatuído no artigo 62.9 da Constituição c no artigo 1.°, n.° 1, do Código dc Expropriações.

Dc contrário, concluir-sc-ia, ao arrepio daquelas normas, que, sempre que o Município pretendesse construir qualquer via dc comunicação, poderia entrar livremente pelos terrenos, dcsUuindo árvores, derrubando muros ou oulras consUuçõcs, etc, sem consentimento dos interessados c independentemente do processo dc expropriação por utilidade pública, desde que, a final, pudesse citar-lhes que as respectivas propriedades ficaram valorizadas pela construção da mencionada via.

Seria, naturalmente, a subversão do quadro jurídico-conslitucional cm vigor e do Estado de direito que nele se apoia, mal-grado o artigo 266.", n.8 2, da Constituição dizer textualmente que «os órgãos c agentes administiativos estão subordinados à Constituição c às leis [...]»; d) Aliás, a própria autarquia não deixaria de beneficiar, certamente, com a aprovação e a execução do loteamento dos terrenos da propriedade cm causa, através da criação, pelo lotcador, dc outras infra-estruturas urbanísticas, da cedência dc terrenos para equipamentos urbanísticos ou outros fins, c, ainda, do pagamento dc mais-valias ao Município.

4 — Assim, concluiu o Serviço do Provedor dc Justiça que a Câmara Municipal de Lagos deveria diligenciar no sentido dc compensar os cidadãos interessados do valor do terreno que então ocupara ilegalmente na propriedade que lhes pertencia, bem como do valor das árvores que lhes destruíra (c, também, do valor da areia que porventura houvesse sido retirada da mesma propriedade, sc tal sc verificara), para adequada c justa resolução do problema suscitado.

E, cm seguimento de tal posição, o referido órgão autárquico esclareceu, posteriormente, que estava a desenvolver negociações com o queixoso, com vista ao pagamento da indemnização devida aos comproprietários lesados.

Daquelas negociações veio a resultar uma proposta dc solução que o reclamante considerou razoável c aceitável, tendo dado por encerrado o problema exposto ao Serviço do Provedor dc Justiça.

5 — Satisfeita, pois, a reclamação cm causa, arquivou--sc o respectivo processo.

Sumário: Segurança social. Acidente dc trabalho. Pensão desactualizada.

Objecto: Não actualização dc uma pensão dc acidente dc trabalho que, por isso, conservava ainda o valor que tinha cm 1980, data cm foi atribuída.

Decisão: Reclamação procedente. Esclarecimento do interessado quanto às diligencias judiciais necessárias à satisfação da sua pretensão.

Processo: N.° R. 1659/88.

Síntese

1 —Foi dirigida ao Provedor dc Justiça uma reclamação formulada por um ex-trabalhador ferroviário, que sofrera uma desvalorização dc 10 % no acidcnic dc trabalho ocorrido cm 28 dc Maio dc 1963, no Cais do Sodré, na qual

o mesmo sc queixava dc a pcnsüo que lhe foi atribuída cm atenção a essa desvalorização, com origem no Despacho

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II SÉRIE-C - NÚMERO 31

SET/MTG n.9 118/80, publicado no Diário da República, 2.- serie, de 8 de Oulubro de 1980, manter ainda o valor

de 280S mensais.

2 — No seguimento desta reclamação, foi ouvido o Gabinete do Secretário de Estado dos Transportes Interiores sobre a possibilidade de a dita pensão, que é paga ao interessado pela Sociedade Estoril, vir a ser remida, já que aquela importância não tem hoje qualquer sentido. Após variadíssimas insistências, foi recebida, em 16 de Abril de 1990, a seguinte resposta:

a) A exiguidade da verba mensal dc 60 000$ concedida, a título precário, por determinação ministerial (Despacho n.9 118/80), pela CP à Sociedade Estoril, para satisfação das pensões do reclamante e outros pensionistas e o repúdio por parte da CP de qualquer responsabilidade de remição da pensão através daquela verba;

b) Caberá ao reclamante socorrer-se dos meios judiciais competentes a fim dc obter não só a actualização da pensão, se lhe for devida, mas também, nos termos da Portaria n.° 427/77, ordem do tribunal no sentido de a Caixa Nacional dc Seguros e Doenças Profissionais passar a assegurar a correspondente prestação;

c) No âmbito da solução preconizada na alínea b) será a mesma Caixa, ao que se julga, a entidade competente para proceder à remição da pensão que, segundo os elementos fornecidos, é obrigatória.

3 — Face ao teor desta resposta, e de elementos colhidos no mesmo sentido da Secretaria de Estado da Segurança Social, informou-se o reclamante de que dispunha do direito à remição da pensão, pelo que poderia requerê-la no Tribunal do Trabalho por onde correu o respectivo processo.

Essa acção desencadearia um processo executivo, o que permitiria, após a certificação da inexistência de bens penhoráveis da responsável ex-Sociedade Estoril, o juiz emitir despacho ordenando que, ao abrigo do artigo 4.9 do Regulamento do Fundo de Garantia e Actualização de Pensões, fosse satisfeito o pagamento do capital de remição.

Após este esclarecimento prestado ao interessado, foi o seu processo arquivado na Provedoria de Justiça.

Sumário: Segurança social. Acidente dc trabalho. Trabalho moderado.

Objecto: Colapso sofrido em serviço mas não considerado acidente de trabalho, ainda que, no dia em que ocorreu, lenha sido atribuído ao interessado trabalho para além do que lhe foi clinicamente recomendado.

Decisão: Reclamação procedente. Recomendação acatada.

Processo: N.fl R. 1208/88.

Síntese

1 — Em reclamação dirigida ao Provedor de Justiça, um carteiro ao serviço dos Correios e Telecomunicações de Portugal queixou-se de a doença que o afecta e o impede

dc exercer funções nao ter sido considerada contraída em serviço.

No seguimento dessa reclamação, solicitaram-se à empresa determinados elementos relativos ao processo do trabalhador, através dos quais se pôde verificar que, após exame médico a que o mesmo linha sido submetido em

17 de Setembro de 1987, veio a ser considerado «apto condicionalmente», tendo-lhe sido recomendado que não deveria executar tarefas que exigissem transporte manual dc cargas superiores a 10 kg, conduzir motorizadas, nem efectuar trabalho extraordinário.

2 — Ora, sucedeu que, em 10 de Dezembro de 1987, o trabalhador sofreu um colapso quando em serviço, sobre o qual foi realizado na empresa um inquérito.

Nesse inquérito, veio a concluir-se que se tratou de um acidente em serviço e isso em virtude de, não obstante o estado de saúde do interessado e as recomendações clínicas a que anteriormente se fez referência, lhe ter sido atribuído, no dia do acidente, trabalho para além do normal, o que, aliado a uma ligeira discussão com o seu chefe, lhe causou um tal estado dc nervosismo que lhe provocou o desfalecimento.

3 — Apesar do que foi concluído nesse processo de inquérito, o trabalhador veio a ser submetido a uma junta médica, também na empresa, com vista a apurar se a queda e as consequentes lesões sofridas tinham resultado exclusivamente de predisposição patológica.

Essa junta média concluiu cm sentido afirmativo, pelo que foi definitivamente entendido que se não tratou de um acidente dc trabalho.

4 — Tcndo-sc consultado o processo organizado na empresa sobre o caso, constalou-se que a proposta dc submissão do interessado à junta médica se tinha limitado a inquirir «se a queda e consequentes lesões resultaram exclusivamente de predisposição patológica», omitindo-se assim qualquer referencia às circunstâncias que foram

provadas no processo dc inquérito.

5 — Considerando que só seria possível concluir fundamentalmente pela exclusividade da predisposição palo-lógica conhecendo-se as circunstâncias que precederam o colapso do trabalhador c que, eventualmente, poderiam ter funcionado como causa próxima das respectivas lesões, o Provedor de Justiça recomendou aos Correios e Telecomunicações de Portugal que:

a) O caso fosse revisto, em termos de colher da junta módica que observou o interessado, ou de outra que o viesse a observar, o seu parecer sobre se a sobrecarga de serviço que se verificou no dia da desmaio e a tensão nervosa cm que o mesmo se encontrava perante esse aumento dc trabalho, que, aliás, lhe fora clinicamente desaconselhado, tinham sido também factores determinantes do acidente;

b) Na hipótese afirmativa, que fosse adoptada no caso vertente a orientação que vem sendo seguida em pareceres da Procuradoria-Geral da República proferidos em casos semelhantes, dos quais se destacava o que foi publicado no Diário àa República, 2.» série, de 18 de Abril de 1986, segundo a qual há responsabilidade da administração pelo acidente não só nos casos em que ele resulte unicamente de uma causa externa, súbita e violenta, mas também naqueles cm qas,, oaa-comitantemente com essa causa, existe uma predisposição patológica do funcionário, mesmo que esta seja fundamental.

6 — Em Abril de 1990, a empresa em causa informou o Provedor dc Justiça dc que, em cumprimento da recomendação formulada, havia sido ouvida a junta médica que observara o interessado.

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No entanto, linha a mesma concluído que era dc manter o parecer dado em 1988, uma vez que este tinha sido emitido tendo em atenção todas as circunstâncias constantes do processo de inquérito então realizado, nomeadamente as recomendações resultantes do exame médico efectuado pelos Serviços de Saúde Ocupacional cm 17 dc Abril de 1987, bem como a conversa havida com o chefe directo do trabalhador que teria, eventualmente, causado um estado de nervosismo.

Assim, entendia a mesma não haver fundamento para aplicar ao caso sub judice a orientação que vem sendo seguida pela Procuradoria-Geral da República na recomendação.

Acrescentava-se, que, contudo, o trabalhador vinha a beneficiar do regime do AE em vigor, o qual lhe garantia um sucedâneo da retribuição.

7 — Face ao exposto, e dado tratar-se de uma questão dc discricionariedade técnica, o processo do reclamante foi arquivado na Provedoria de Justiça.

Sumário: Segurança social. Acidente dc viação. Subsídio de doença.

Objecto: Exigência do reembolso de subsídio de doença pago durante o período de baixa resultante de acidente de viação.

Decisão: Reclamação procedente. Recomendação acatada. Processo: N.fl R. 305/88.

Síntese

1 — Um trabalhador abrangido pela Caixa de Previdência e Abono de Família dos Ferroviários, que sofreu um acidente de viação relativamente ao qual correu termos em juízo uma acção especial de indemnização com base no artigo 68." do Código da Estrada, reclamou para o Provedor de Justiça de aquela Caixa lhe ter exigido o reembolso da quantia de 205 701$, referente ao subsídio de doença que lhe foi pago enquanto, cm resultado do acidente, esteve com baixa.

2 — A fim de sc poder aquilatar dc todas as circuns-tâsvcY&s que rodearam o caso, procedeu-se à consulta do processo que sobre o acidente correu cm tribunal, tendo--se constatado o seguinte:

o) Não ter a Caixa, ao tomar conhecimento de que estava a decorrer cm juízo o processo, reclamado o reembolso das prestações que, em atenção à doença do autor, lhe concedeu, faculdade prevista no artigo 1.", n.9 2, do Decreto-Lei n.s 162/77, de 21 de Abril, e que foi exercida pelo Centro Nacional de Pensões e Hospitais Civis de Lisboa; i

6) Na descrição dos prejuízos sofridos pelo trabalhador, e cuja indemnização ele inicialmente requereu no processo, não estar incluída a perda dc salários durante a doença (isto certamente devido ao facto de cie se encontrar a receber subsídio de doença, ou seja, um substituto do salário), o que teve como efeito não ter a importância que ele recebeu com base na transacção verificada em juízo coberto essa eventualidade;

c) Que a instância foi extinta por transacção, não chegando, assim, a haver julgamento, o que impediu que fosse apurada a responsabilidade dos réus.

3 —Tendo em atenção os aspectos apontados, concluiu--se que o caso se não enquadrava no artigo 34.°, n.9 1, alínea b), do Decreto n.9 45 266, de 23 de Setembro de 1960, preceito que, subtraindo a doença da cobertura pela segurança social sempre que ela resulte dc terceiro responsável, foi invocado pela Caixa para fundamentar o reembolso exigido ao interessado.

Pelo que, em 28 dc Março dc 1990, o Provedor de Justiça recomendou à Caixa de Previdência c Abono de Família dos Ferroviários que revogasse a decisão de exigir ao reclamante o reembolso do respectivo subsídio de doença.

4 — Em 2 de Maio de 1990, foi recebida a comunicação de que a comissão administrativa da referida Caixa tinha deliberado mandar arquivar o processo respeitante à reposição do subsídio dc doença que fora pago ao beneficiário.

Sumário: Segurança social. Aposentação. Rectificação da

pensão. Rctroacção de efeitos. Objecto: Rectificação da pensão, por erro dc facto não

imputável ao aposentado, sem efeitos rectroactivos à data

do desligamento do serviço. Decisão: Reclamação procedente. Recomendação atendida. Processo: N.9 R. 447/90.

Síntese

1 — Determinada subscritora da Caixa Geral de Aposentações reclamou em 28 dc Fevereiro de 1990 para o Provedor de Justiça do facto de a rectificação que, a seu pedido, aquela Caixa operou na sua pensão de aposentação ler produzido efeitos, não desde a data em que ela foi desligada do serviço, mas apenas a partir do dia 1 do mês seguinte ao da respectiva resolução da referida Caixa.

Consistiu essa rectificação na inclusão, no cálculo da pensão, das remunerações acessórias que a interessada tinha auferido nos últimos dois anos dc actividade mas que a Caixa, por lapso, tinha omitido, ainda que elas constassem dc uma declaração que instruía o processo de aposentação.

Muito embora tenha reconhecido que foi por motivo não imputável à pensionista que a sua pensão fora incorrectamente calculada, a Caixa Geral de Aposentações considerou que os efeitos da rectificação não podiam rctfoagir à data da primitiva resolução c isto com fundamento no artigo 58.9, n.9 1, do Estatuto da Aposentação, cm que sc contém a regra geral segundo a qual «a alteração dc resoluções definitivas sobre o quantitativo de pensão, nos casos em que a lei a permita, só produzirá efeitos a partir do dia 1 do mês imediato àquele em que foi deliberada».

2 — Analisado o caso em face da legislação aplicável, o Provedor de Justiça entendeu recomendar à Caixa que reportasse os efeitos da inclusão das aludidas remunerações acessórias no cálculo da pensão à data da primitiva resolução.

E isto com base em qualquer dos possíveis enquadramentos do caso na alínea à) do n.B 2 do artigo 58." do Estatuto da Aposentação, cujo teor adiante sc transcreve:

Os efeitos da alteração reportar-sc-ão, todavia, à daia em que a resolução anterior os produziu, nos casos seguintes:

a) Se a alteração derivar dc recursos contencioso ou hierárquico, de rectificação da pensão ou de resolução revogatória da Caixa.

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2.1 — Enveredando-sc pela figura da «rectificação», impunha-se atender ao artigo 102.9 do mesmo Estatuto c ao artigo 249.° do Código Civil.

Dc harmonia com o primeiro desses preceitos, as resoluções finais podem ser rectificadas por erro de escrita ou de cálculo, nos termos gerais de direito.

Por sèu turno, o artigo 249.8 do Código Civil dispõe que «o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta».

Tendo em atenção o facto de, no processo de aposentação da reclamante, constar a declaração de que ela tinha auferido remunerações acessórias nos dois últimos anos de actividade, declaração que a Caixa reconhece ter, por lapso, sido ignorada, parecia lícito entender que a primitiva resolução, na parte em que declara o montante da pensão, estava viciada de erro de cálculo, erro esse revelado aUavés das circunstâncias em que a mesma foi emitida, ou seja, no próprio processo de aposentação.

Ora, estando viciada de erro de cálculo, podia a mesma resolução ser rectificada com base nos dois preceitos referidos, devendo, por conseguinte, os efeitos dessa rectificação reportar-se à data da resolução anterior, conforme prescreve o artigo 58.9, n.9 2, do Estatuto da Aposentação.

2.2 — Se se optasse pela figura da «resolução revogatória», havia que admitir que a resolução da Caixa estava ferida de ilegalidade por erro nos pressupostos dc facto.

Este entendimento é, aliás, corroborado por Simões dc Oliveira, quando, no Estatuto da Aposentação Anotado, p. 212, afirma que são passíveis de revogação por ilegalidade, por exemplo, as decisões da Caixa que «rejeitem um outro número superior de anos de serviço ou uma outra remuneração superior».

Também este enquadramento jurídico da questão obrigava a que a alteração do montante da pensão em causa remontasse à data da primitiva resolução. Isto com base também no citado artigo 58.9

3 — Em resultado da referida recomendação, a Caixa Geral de Depósitos comunicou que, por despacho da respectiva administração, proferido cm 6 de Setembro de 1990, tinha sido decidido, na sequência dc ponderação do caso, acatar aquela recomendação, no sentido dc dotar de eficácia ex tunc a alteração da pensão da reclamante.

Sumário: Segurança social. Aposentação. Reintegração.

Objecto: Produção de efeitos do despacho de reintegração de um funcionário que linha sido demitido da função pública por motivos políticos. Contagem do tempo para efeitos de aposentação.

Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.

Processo: N.9 R. 2093/86.

Síntese

1 — Um ex-funcionário da Camara Municipal de Vila Real, demitido do exercício das suas funções por motivos dc ordem política, em 1947, queixou-se ao Provedor de Justiça por a Caixa Geral de Aposentações só lhe ter contado para efeitos de aposentação o tempo em que esteve no desempenho efectivo de funções e aquele que mediou entre a data do afastamento e a data do despacho de reintegração.

Entendia o queixoso que deveria ser contado todo o tempo cm que esteve afastado até à data da publicação ÓO despacho da reintegração.

2 — Da análise do processo de aposentação resultava o seguinte quadro factual:

a) O reclamante exerceu funções na Câmara Municipal de Vila Real de 27 de Julho de 1943 a 7 de Novembro de 1947, com uma interrupção de 15 de Janeiro de 1945 a 3 de Abril de 1945;

b) Por razões dc natureza política foi, por deliberação camarária de 8 dc Novembro dc 1947, demitido do exercício das suas funções a partir desta mesma data;

c) Em 13 dc Julho de 1978 requereu a sua reintegração ao abrigo do Decreto-Lei n.9 173/74, dc 26 de Abril;

d) Por acórdão da Comissão para a Reintegração dos Servidores do Estado de 29 de Junho de 1979, homologado por despacho do Ministro da Administração Interna de 17 de Julho de 1979, publicado no Diário da República, 2.1 série, de 18 de Dezembro de 1979, foi reintegrado na 1.* classe da 2.1 categoria do quadro geral administrativo;

e) Em 7 de Novembro de 1980 foi o reclamante notificado pelo Gabinete de Apoio às Autarquias Locais de que, após a publicação do despacho de reintegração (que àquela data já linha sido publicado sem que tivesse sido dado conhecimento ao interessado), deveria optar pela aposentação ou por regressar ao serviço;

f) No convencimento dc que o despacho de reintegração produzia efeitos a partir da sua publicação, e porque nessa data, na medida em que para aposentação lhe contava o tempo em que esteve demitido, já tinha 36 anos de serviço e 60 dc idade, optou o reclamante pela aposentação, tendo para o efeito apresentado o respectivo requerimento, em Abril dc 1980, no Gabinete de Apoio às Autarquias Locais, que o encaminhou paia Caixa Geral dc Aposentações;

g) O pedido de aposentação fundamentava-se precisamente na circunstância de ter 36 anos dc serviço e 60 de idade;

h) A Caixa Geral dc Aposentações, apoiando-se num parecer do Gabinete de Apoio às Autarquias Locais, considerou que o despacho dc reintegração produzia efeitos a partir da data em for fora proferido, isto é, a partir de 17 de Julho dc 1979.

Nesta conformidade, substituindo-se ao interessado e sem previamente o consultar, a Caixa Geral dc Aposentações, ilícita e ilegitimamente, alterou o fundamento do pedido, mandando-o submeter à Junla Médica da Caixa;

í) A sujeição à Junla Médica verificou-sc passados mais de quatro anos sobre a data do pedido dc aposentação, cm 17 de Setembro de 1984, sendo o reclamante considerado absoluta e permanentemente incapaz para o exercício de funções;

j) Por despacho da Caixa Geral de Aposentações de 17 de Abril dc 1985, foi-lhe atribuída açunsão dc aposentação, com efeitos a 17 de Setembro dc 1984, calculada com base em 35 anos e 7 meses dc serviço e o vencimento que teria à data da homologação do despacho de reintegração, isto é, 11 dc Julho de 1979, ainda que já actualizada

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de acordo com as percentagens estabelecidas nos diplomas dc actualização de vencimento e pensões.

3 — Como se extrai da situação factual descrita, a questão fundamental a decidir era a de determinar a partir de que momento produzia efeitos o despacho de reintegração, o que conduzia a saber o tempo que deveria ser contado para aposentação.

E isto porque, nos lermos do artigo l.° do Decreto-Lei n.B 476/76, de 16 dc Junho, «a todos os servidores civis e militares reintegrados ao abrigo do DccretO-Lei n.9 173/74, de 26 de Abril, será contado, para efeitos de aposentação, o tempo relativo ao período ou períodos de interrupção de funções por motivos de natureza política, sem o pagamento de quotas para a Caixa Geral de Aposentações».

4 — A resolução da questão referida no número anterior passava pela análise de uma outra, qual seja a de saber se o despacho de reintegração estava ou não sujeito a publicação no Diário da República.

5 — Sobre a publicidade dos actos praticados pelos órgãos de soberania dispunha o artigo 122.' da Constituição da República Portuguesa na versão primitiva (em vigor à data do acto dc reintegração).

Depois de definir no n.B 1 os actos que carecem de publicação (ou seja, os actos de eficácia externa) e de enunciar no n.B 2 os que são publicados no Diário da República, previa no n.9 3 que «a lei determina a forma de publicidade dos demais actos».

E o n,M do mesmo preceito constitucional cominava com a inexistência jurídica a falta de publicidade.

5.1 — Constitui entendimento doutrinal (cf. parecer da Procuradoria-Geral da República n.° 44/84, in Diário da República, 2.- série, de 9 de Maio de 1985) e jurisprudencial (cf. Acórdãos da 1 ? Secção do Supremo Tribunal Administrativo de 9 dc Novembro de 1978, 15 de Março de 1979 e 23 de Outubro de 1980, publicados, respectivamente, nos Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, n.M 205, 212-213 e 228, e Acórdão do tribunal pleno de 16 de Julho de 1980, in Acórdãos Doutrinais do Supremo Tribunal Administrativo, n.B 234) o de que na expressão «demais actos» do n.° 3 do artigo 122.9 da Constituição da República, na primitiva versão, í& abrangiam os actos administrativos praticados pelo Governo, sendo juridicamente inexistentes os que, devendo por lei ser obrigatoriamente publicados, o não tivessem sido.

Por outro lado, é pacífico que a expressão «lei» utilizada no mesmo normativo constitucional comporta tanto a lei em sentído formal como a lei em sentido material, considerando-se, cm conformidade, que a aludida expressão abrange o Decreto n.9 365/70, de 5 de Agosto, na parte em que esteja em vigor e na qual se inclui o artigo 2.9, n.a 1, alínea b), que dispõe:

l.B Serão publicadas na 2} série:

a)......................................................................

b) Com exclusão do que respeitar ao pessoal das forças armadas, da terra, mar e ar c das empresas públicas, os actos relativos à situação e ao movimento do funcionalismo do Estado e dos serviços públicos autónomos, excepto os de concessão de licença que não seja a ilimitada.

5.2 — O despacho de reintegração, na medida em que define a situação jurídica dc um certo funcionário,;cnqua-dra-se no normativo transcrito.

Como tal, o despacho dc reintegração do ora reclamante carecia dc ser publicado na 2.* série do Diário da República, sob pena dc ser considerado inexistente.

E, de facto, verificou-se essa publicação em 18 de Dezembro de 1979.

5.3 — Estando sujeito a publicação, o aludido despacho só ficava perfeito e produzia efeitos após aquela, a não ser que expressamente lhe fossem atribuídos efeitos retroactivos, o que não foi o caso.

5.4 — Nem se pode, como o fez o Gabinete de Apoio às Autarquias Locais, invocar, contra a tese da necessidade de publicação, o disposto no artigo 5.9 do Decreto-Lei n.9 139/76, de 9 de Fevereiro, na medida cm que se trata de uma norma excepcional, e como tal não pode, dc acordo com os princípios de interpretação e aplicação da lei, ser aplicada por analogia (cf. artigo ll.9 do Código Civil).

5.5 — Nestes termos, concluiu-se ter sido incorrecta a interpretação feita pela Caixa Geral de Aposentações, ao considerar que o despacho de reintegração produzia efeitos a partir da data da sua prolação e ao contar o tempo só até 17 de Julho de 1979, e não até 18 de Dezembro de 1979, como seria correcto e legal.

6 — Em ofício circunstanciado, em que se ponderou tudo o atrás exposto, foi sugerido à Caixa Geral dc Aposentações que revisse a pensão de aposentação do reclamante, fazendo integrar no tempo de serviço os cinco meses que mediram entre 12 de Julho de 1979, data da prática do acto, e 18 de Dezembro dc 1979, data da sua publicação.

7 — Do mesmo passo, fez-se sentir àquela instituição ler sido ilegítima e incorrecta a sua actuação, ao proceder à alteração do fundamento do pedido de aposentação sem que previamente auscultasse o interessado, com vista a saber se este pretendia manter o pedido de aposentação ou regressar ao serviço, já que só lhe faltavam cinco meses para ter direito à pensão por inteiro.

Atitude esta tanto mais censurável, se se tiver cm consideração que o queixoso esteve mais de quatro anos a aguardar a admissão à junta médica da Caixa Geral dc Aposentações, num caso em que o não deveria ler sido, e que só o foi por errada interpretação da lei.

8 — Tendo a sugestão sido acatada, e em consequência revista a pensão de aposentação e pagas ao reclamante as respectivas diferenças, desde a data em que lhe tinha sido reconhecido o direito à aposentação (17 de Setembro dc 1984), foi determinado o arquivamento do respectivo processo.

Sumário: Segurança social. Aposentação. Tempo dc serviço. Cooperante.

Objecto: Contagem para aposentação do tempo de serviço prestado como cooperante na República Democrática dc São Tomé e Príncipe.

Decisão: Reclamação procedente. Situação resolvida.

Processo: N.° R. 2195/89.

Síntese

1 — O Sindicado dos Professores da Zona Norte, cm representação de um seu associado, apresentou queixa ao Provedor dc Justiça da recusa da Caixa Nacional dc Previdência (Caixa Geral de Aposentações) em considerar para

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efeitos dc aposentação o tempo durante o qual o seu associado (professor) estivera como cooperante na República Democrática de São Tomé e Príncipe, dc 26 de Novembro de 1978 a 31 de Agosto de 1981.

2 — À data em que foi contratado como cooperante, o professor em causa não linha qualquer vínculo ao Estado, não sendo como tal subscritor da Caixa Geral de Aposentações.

O contrato de cooperação foi celebrado ao abrigo do Dccrcto-Lei n.° 180/76, de 9 de Março.

O interessado requereu a contagem daquele tempo para efeitos de aposentação em Março de 1983, tendo o seu pedido sido indeferido em Novembro de 1988.

3 — O indeferimento do pedido assentou basicamente na circunstância de o interessado, à data da celebração do contraio, não ter a qualidade de subscritor da Caixa Geral dc Aposentações pelo que, de acordo com o artigo 12.9 do Decrcto-Lci n.9 363/85, de 10 de Setembro, que revogou o Dccreio-Lei n.9 180/76, aquele tempo só poderia relevar para efeitos de reforma nos termos do regime geral dc segurança social.

4 — O Provedor solicitou â Caixa que revisse a sua posição, aduzindo:

a) O princípio geral dc direito administrativo de que os actos devem ser analisados à luz da lei em vigor à data da sua produção;

b) À data cm que o professor em causa foi cooperante vigorava o Dccrcto-Lci n.9 180/76, dc 7 dc Março, pelo que a sua situação dc cooperante, bem como os direitos desta decorrentes deveriam ser apreciados à luz do que nele se dispunha;

c) O disposto no n.9 5 do artigo 9." deste diploma sobre os cooperantes não funcionários ou agentes administrativos, cm cujos termos, se viessem a ingressar na função pública, leriam direito à contagem do tempo de serviço prestado como cooperante para efeitos dc aposentação, mediante o pagamento dos descontos respectivos nos termos da lei;

d) Os princípios gerais sobre a aplicação da lei rio tempo, ao abrigo dos quais não poderia invocar--sc o Dccreto-Lei n.9 363/85, dc 10 dc Setembro, para analisar uma situação que se tinha constituído c consolidado muito antes da sua entrada em vigor. ,.

5 — A Caixa Geral de Aposentações comunicou ter acatado a sugestão do Provedor, contando, ao interessado, para efeitos da aposentação o tempo de serviço que prestou como cooperanie na República Democrática de São Tomé c Príncipe.

Sumário: Segurança social. Assistência medicamentosa. ADSE.

Objecto: Atribuição dc contribuição pela ADSE de produto dietético destinado a prescrição transitória em certas situações de intolerância alimentar.

Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.

Processo: N.° R. 2674/88.

Síntese

1 —Uma beneficiária da Assistência na Doença aos Servidores do Estado reclamou pelo facto de ter deixado de lhe ser comparticipado pela ADSE um produto dictó-

tico (Nutramigen), contrariamente ao que sucede com os utentes do Serviço Nacional dc Saúde, produto com o qual sua filha sempre fora alimentada em exclusivo, por sofrer de intolerância à proteína do leite, sendo imprevisível quando a referida incompatibilidade se viria a extinguir, o que comprovou com declaração médica.

2— Apreciado o assunto e feitas as diligências consideradas necessárias, foi obtido, dc um pediatra dc renome, a informação dc que o Nutramigen é absolutamente indispensável em tais casos clínicos: efectivamente, a criança morre se não o tomar c beber leite de vaca. Tratava--sc, assim, de um verdadeiro medicamento.

3 — Apurou-se, ainda, que aquele produto dietético era abrangido pelo Despacho do Ministro da Saúde n.9 9/85, de 13 dc Maio, publicado no Diário da República, 2.-série, n.9 143, dc 25 de Junho dc 1980, o qual é comparticipado aos utentes do Serviço Nacional dc Saúde em 50% desde que prescrito nas unidades oficiais dc cuidados de saúde, regime esse que nüo era aplicado aos beneficiários da ADSE.

4 — A Provedor recomendou, pois, que o produto dietético cm causa fosse também suscepüvel dc comparticipação através da ADSE — o que de facto veio a suceder, com a publicação do aviso da Direcção-Gcral da ADSE de 2 dc Janeiro dc 1990 publicado no Diário da República, 2.» série, n.916, de 19 do mesmo mês, que passou a aplicar ao medicamento em questão o mesmo regime já vigente para o Serviço Nacional de Saúde.

Sumário: Segurança social. Complemento por cônjuge a cargo. Reposição.

Objecto: Pedido de autorização da restituição cm prestações dc determinada verba resultante do pagMtvnuo indevido do complemento por cônjuge a cargo.

Decisão: Reclamação atendida.

Processo: N.9 R. 2039/89.

Síntese

1 —Um pensionista da segurança social, tendo «Ádo notificado pelo Centro Regional dc Segurança Social de Coimbra para proceder à reposição dc determinada quantia relativa ao pagamento indevido do complemento por cônjuge a cargo, no período que decorreu dc 1976 a 1989, reclamou para o Provedor de Justiça, alegando não ter possibilidades económicas dc efectuar essa reposição.

2 — Levado o assumo ao conhecimcnlo do Centro Regional dc Segurança Social, esie, depois de avaliada a situação económica do beneficiário e do respectivo agregado familiar, viria a reconhecer que a sua precária situação económica justificava que a devolução da reíerioa quantia pudesse ser feita através dc dedução mensal da pensão no valor de 2878$.

Perante a actuação da enlidade visada, que pareceu razoável, face ao montante total da dívida — 188 930$—, foi decidido o arquivamento do processo, sendo desse íacio informado o reclamante.

Sumário: Segurança social. Contribuições. Juros dc mora.

Objecto: Devolução dc juros dc mora cobrados com fundamento no pagamento fora dos prazos legalmente estabelecidos das contribuições devidas para a segurança social.

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Decisão: Reclamação parcialmente procedente. Situação

regularizada. Processo: N.9 R. 2333/88.

Síntese

1 — Uma empresa requereu a intervenção do Provedor dc Justiça no sentido de obter a devolução de determinada quantia que lhe foi exigida pelo Centro Regional de Segurança Social de Setúbal, com fundamento no pagamento fora dos prazos legalmente estabelecidos das contribuições devidas para a segurança social respeitantes a diferenças salariais devidas pela empresa a trabalhadores seus no período compreendido entre Novembro de 1984 e Setembro de 1986.

2 — Em apoio da sua pretensão, referia a aludida empresa que era ilegal a exigência de juros de mora, uma vez que a obrigação do pagamento de contribuições a que diziam respeito tinha sido pontualmente cumprida — isto é, a partir do mês seguinte ao do pagamento das remunerações cm causa, que, no caso, se teria verificado em Abril de 1987.

Assim, entendia que o pagamento dos juros fora efectuado «a titulo condicional» e «sob condição suspensiva», até ser definitivamente decidida a questão de dívida subjacente.

3 — Após diligências efectuadas junto do Centro Regional de Segurança Social dc Setúbal, viria, porém, a apurar-se que a situação de facto não coincidia com a versão apresentada pela entidade reclamante.

E isto, desde logo, no que sc refere ao pagamento das remunerações em atraso, que, segundo o Centro Regional, baseado em investigações da Inspecção-Geral do Trabalho, teria sido efectuado em Outubro de 1986, e não em Abril dc 1987, tal como alegava a referida empresa.

4 — Atendendo a que, segundo o regime legal vigente, cm matéria dc pagamento de contribuições para a segurança social, estes são devidos a partir do mês seguinte àquele em que foi efectuado o pagamento das remunerações, o facto dc a reclamante ter realizado o pagamento dás contribuições a partir de Abril dc 1987 justificava a cobrança de juros desde Maio dc 1986, data cm que se vencera a dívida do pagamento das contribuições com base nas remunerações pagas em Abril desse mesmo ano.

5 — No âmbito das referidas diligências, o Centro Regional de Setúbal viria a reconhecer, porém, com base no entendimento legal de que a dívida de juros só nasce com o efectivo pagamento de salários, que, efectivamente, uma parte dos juros pagos pela empresa fora cobrada indevidamente, pois se referia a período anterior ao do pagamento dos salários.

Por esse facto, tendo em vista a necessidade de repor a legalidade de situação, a entidade visada rectificou o seu procedimento, creditando a favor da contribuinte a verba correspondente aos juros que se não consideravam legalmente devidos.

6 — Em face da actuação do Centro Regional, que se considerou correcta, foi a empresa reclamante devidamente informada, arquivando-se de seguida o processo.

7 — Este viria a ser posteriormente reaberto, a pedido da mesma empresa, que, nomeadamente, alegava que o pagamento das remunerações tinha sido efectuado cm 1986, apresentando para o efeito declarações assinadas pelos respectivos trabalhadores.

Por outro lado, manifestava interesse na devolução dos juros indevidamente cobrados, não pretendendo aceitar que fossem creditados na sua conta corrente.

Levantava ainda a questão dc eventual lapso cometido quanto à guia dc pagamento das contribuições respeitantes a Fevereiro de 1986, sustentando serem as mesmas respeitantes a Fevereiro de 1987, pois acompanhavam as folhas de remunerações respeitantes a esse ano.

8 — Levado de novo o assunto à apreciação do Centro Regional de Setúbal, esta instituição viria a atender a pretensão da empresa no que se refere aos dois últimos aspectos mencionados, prontificando-sc a proceder à restituição directa dos juros creditados inicialmente, bem como a decidir a anulação dos que haviam sido exigidos com base na guia de contribuições respeitantes ao mês de Fevereiro de 1986.

E isto porque a instituição confirmara o lapso cometido pela própria empresa no preenchimento da guia aonde deveria contar, não o mês dc Fevereiro dc 1986, mas o de Fevereiro dc 1987.

9 — Contudo, no que respeita à questão de fundo, da determinação da data do pagamento das remunerações cm dívida, a instituição manteve a sua posição inicial, tendo o Provedor de Justiça entendido que as declarações assinadas pelos trabalhadores não poderiam prevalecer sobre as conclusões das averiguações levadas a efeito pela Inspcc-ção-Gcral do Trabalho, aliás documentada com os próprios talões de vencimentos emitidos pela empresa e assinados pelos trabalhadores em Outubro de 1986.

10 — Por último, tendo sido levantada também pela empresa reclamante a questão de responsabilização do Centro Regional de Setúbal pelo pagamento dc juros de mora pelas importâncias por este referidas indevidamente, cntcndcu-sc que, não estando o Estado, face à lei actual, sujeito ao seu pagamento, não seria dc efectuar qualquer intervenção concreta a esse respeito.

Aliás, a injustiça desse regime geral dera já origem à abertura de processo de iniciativa do Provedor de Justiça, o qual ainda sc encontra pendente.

Sumário: Segurança social. Contribuições. Pagamento.

Objecto: Não pagamento de contribuições à segurança social relativamente a uma empregada de limpeza de um Tribunal.

Decisão: Reclamação procedente. Pretensão satisfeita. Processo: N.s R. 1414/88.

Síntese

1 — Em reclamação dirigida ao Provedor de Justiça em Junho de 1988, queixava-se uma encarregada de limpeza do Palácio da Justiça de Vila do Conde dc, não obstante exercer aquelas funções há cerca de 16 anos, ao pretender reformar-se por invalidez, lhe ser negado esse direito, c isso com base no facto dc o respectivo Tribunal, cm relação a ela, nunca ter contribuído para a segurança social.

2 — Face a esta reclamação, inquiriu-se a secretaria do Tribunal Judicial de Vila do Conde sobre o motivo de a reclamante não ter sido oportunamente inscrita na Caixa Geral de Aposentações, sugerindo-sc ao mesmo tempo que se procedesse agora à sua inscrição, mas com efeitos reportados ao início dc funções.

3 — Em resposta, a referida secretaria informou não possuir elementos que permitissem conhecer o motivo de a interessada não ter sido inscrita na segurança social à data cm que iniciou funções, naquele Tribunal, ou seja, cm 1972.

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Todavia, acrescentava que essa inscrição tinha sido requerida em Dezembro dc 1986 à Caixa Geral dc Aposentações, tendo, porém, esse pedido sido indeferido, conforme constava do boletim dc que juniava cópia.

4 — Analisados os termos desse boletim, constatou-se que nele sc inseriam duas declarações contraditórias.

Por um lado, referia-sc que a interessada estava sujeita à direcção e disciplina do serviço, mas, por outro, afir-mava-sc que ela sc não encontrava vinculada como funcionária ou agente.

Este, pois, o motivo de o boletim dc inscrição ter sido rejeitado pela Caixa Geral de Aposentações.

Face a estes elementos, voltou a oficiar-sc à Secretaria Judicial do Tribunal de Vila do Conde, salientando-lhe a incongruência daquelas duas afirmações, c sugerindo-se a remessa à Caixa dc um novo boletim de inscrição, devidamente preenchido.

Obicvc-sc então a informação dc que o assunto estava a ser tratado directamente entre a Delegação do Porto da Dirccção-Gcral dos Serviços Judiciários c o Gabinete do Ministro da Justiça.

5 — Perante essa informação, contaciou-sc a Dirccção--Gcral dos Serviços Judiciários, solicitando-lhc que fosse dado conhecimento sobre o estado actual do caso.

Soube-se então que o problema estava a ser considerado no âmbito do Gabinete dc Gestão Financeira.

Inquirido esse Gabinete, foi-nos informado que tinha seguido um ofício para a secretaria do Tribunal dc Vila do Conde, dando instruções para que o caso fosse resolvido a nível da segurança social do sector privado, isto é, junto do Ccnuo Regional dc Segurança Social do Porto.

6 — Tcndo-sc continuando a acompanhar o desenrolar da questão, rcccbcu-sc, finalmente, cm Julho de 1990, um ofício do Ccnuo Regional dc Segurança Social do Porto, a informar que o referido Tribunal já linha remetido as folhas dc remunerações e os documentos comprovativos do exercício de actividade c das importâncias pagas à reclámame, desde Junho dc 1972, encontrando-sc já regularizada a sua situação contributiva.

Tendo, assim, sido satisfeita a pretensão da inlcrcssada, foi o seu processo arquivado na Provedoria dc Jusliça.

Sumário: Segurança social. Acidente cm serviço. Pagamento dc despesas dc deslocação para tratamentos.

Objecto: Não pagamento das despesas dc deslocação para tratamentos exigidos pelo agravamento da doença proveniente de acidente cm serviço.

Decisão: Reclamação procedente. Pretensão satisfeita.

Processo: N.9 R. 1101/88.

Síntese

I — Uma enfermeira do Hospital da Força Aérea Portuguesa reclamou para o Provedor dc Justiça por não lhe terem sido pagas as importâncias relativas à deslocação da sua residência, em Carcavelos, para aquele Hospital, para efeitos dc tratamentos dc fisioterapia exigidos pelo agravamento dc doença provcnicnic dc um acidente cm serviço sofrido cm 20 dc Março dc 1981.

Pretendia a interessada que lhe fosse aplicado o regime constante da Portaria n.9 1337/82, dc 31 dc Dezembro, que prevê um subsídio dc viagem para a deslocação dos trabalhadores do Estado por motivo de serviço público, quando essa deslocação é feita cm automóvel próprio.

2 — A Força Aérea, por seu lumo, entendia que o regime em causa não podia cobrir o caso dc acidente cm serviço c isto com base no fucto dc a referida portaria sc reportar expressamente às deslocações por motivo dc serviço público. Acrescentava ainda que o Dccrcto-Lci n.9 38 523, dc 23 dc Novembro dc 1951, rclaúvo aos acidentes cm serviço, ao referir-sc apenas ao pagamento das despesas de transporte, exigia que lais despesas fossem efectivamente provadas a fim dc poderem ser cobertas, o que, segundo a mesma, sc não conciliava com o critério do pagamento por quilómetro, aplicável nas deslocações cm automóvel próprio.

3 — Tendo-sc procedido ao csiudo do caso, chegou-sc à conclusão dc que o subsídio dc viagem contemplado na aludida Portaria n.9 1337/82, não obstante ter sido instituído para as deslocações cm serviço, podia ler lugar nos casos previstos n.9 5.9 do artigo 17.° do Dccrcio-Lci n.9 38 523 (deslocações para tratamentos exigidos pela ocorrência de um acidente cm serviço).

É isso porque sc trata, afinal, dc deslocações que, cm última análise, tiveram como motivo o exercício da função pública, no âmbito da qual ocorreu o acidente cm serviço, sendo o Estado, na süa qualidade dc pessoa dc direito público, o seu responsável.

Accntuando-sc que esta interpretação sc revelava como uma exigência do princípio dc jusliça, solicitou-se ao Ministério da Defesa Nacional que providenciasse no sentido dc ela vir a ser acolhida pela Força Aérea Portuguesa.

4 — Em Junho dc 1990, aquele departamento ministerial informou o Provedor dc Jusliça dc que linha sido reconhecido à reclamante o direito ao pagamento das despesas cm questão c que o Comando Logístico-Admi-nistraüvo do Estado-Maior da Força Acrca estava a proceder ao cálculo da respectiva importância para efectivação daquele pagamento.

Tendo, assim, sido satisfeita a pretensão da inlcrcssada, foi o seu processo arquivado pelo Provedor de Justiça.

Sumário: Segurança social. Contribuições. Trabalhadores intelectuais.

Objecto: Atribuição de um subsídio previsto no úcspv&V& conjunto dos MinisUos dos Assuntos Sociais c da Cultura c Coordenação Científica dc 25 dc Fevereiro cie 1982 (in Diário da República, 2.« série, n.9 68, dc 23 dc Março do mesmo ano).

Decisão: Reclamação procedente. Pretensão satisfeita.

Processo: N.9 R. 307/87

Síntese

1 — Determinado autor literário, beneficiário da segurança social, suscitou a intervenção do Provedor dc Justiça no sentido dc vir a ser reembolsado pelo Ministério da Cultura dc 50% dos descontos que efectuara desde janeiro dc 1982 a Dezembro dc 1986, atendendo a que este departamento nüo contribuíra com a parte que lhe cabe, invocando para tal o articulado do Dccrcto-Lci n.9 11/82, dc 19 dc Janeiro.

2 — Apreciado o assumo, foi o interessado informado ser da sua conveniência que sc dirigisse ao Centro Regional dc Segurança Social dc Beja, solicitando que lhe fosse aplicado o despacho conjunto dos Ministros dos Assunte Sociais c da Cultura c Coordenação Científica dc 25 dc Fevereiro dc 1982, publicado no Diário da República, 2' série, n.9 68, dc 23 dc Março do mesmo ano.

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Este despacho prevê que aos autores obrigados à inscrição no regime de trabalhadores independentes da segurança social, e que não aufiram, em certo ano, rendimentos superiores ao salário mínimo nacional, o Estado concederá um subsídio de valor correspondente às contribuições por ela pagas.

3 — Ao abrigo da referida legislação foi proferido despacho do Secretário de Estado da Cultura autorizando a concessão dos subsídios correspondentes ao que o interessado pagara de contribuições nos anos de 1985 e 1986.

4 — Atendendo a que o despacho em causa prevê a concessão do subsídio apenas em relação às contribuições com respeito às quais, no ano anterior, o trabalhador tiver tido rendimento inferior ao salário mínimo nacional e a que, efectivamente, no caso da reclamante, só em relação aos referidos dois anos, tal requisito se verificou, foi satisfeita a pretensão da mesma, na medida em que era legalmente possível.

Sumário: Segurança social. Deficiente das Forças Armadas. Qualificação.

Objecto: Dificuldade em conseguir, a nível da Administração, a indicação do departamento competente para instruir o processo de um ex-funcionário da PSP de Moçambique com vista a ser qualificado como deficiente das Forças Armadas.

Decisão: Reclamação procedente. Pretensão satisfeita.

Processo: N.° R. I553-B-1.

Síntese

1 — Foi recebida na Provedoria dc Justiça, em Agosto de 1985, uma reclamação formulada por um ex-funcionário da PSP de Moçambique, que perdera as duas pernas em zona dc guerra, em que o mesmo se queixava de, não obstante ter diligenciado junto do Ministério da Defesa Nacional e do Comando-Geral da PSP no sentido de um qualquer desses departamentos o vir a qualificar como deficiente das Forças Armadas, não o ter ainda conseguido, por os mesmos se considerarem incompetentes para o efeito.

2 — Face a tal reclamação, começou por se inquirir o Ministério da Defesa Nacional sobre os fundamentos da recusa contestada pelo interessado.

Em resposta, aquele departamento informou, em Outubro de 1985, que Linha apurado que, à data do acidente, o reclamante se encontrava vinculado à PSP de Moçambique, destacado na Direcção dos Serviços dos Portos, Caminhos de Ferro e Transportes, pelo que, tendo actuado na qualidade de polícia, não se poderia entender que o acidente tivesse ocorrido durante uma operação militar. Consequentemente, não poderia ser enquadrado no Dccreto--Lci n.9 319/84, dc 1 de Outubro, para ser qualificado como deficiente civil ao serviço das Forças Armadas.

3 — Pelo que ao Comando-Geral da PSP respeita, averiguou-se que o indeferimento da pretensão do interessado se alicerçou na circunstância de ele não pertencer aos quadros daquela Polícia.

4 — Perante este panorama, de lodo desfavorável ao reclamante, ouviu-se a Secretaria de Estado da Administração Pública sobre a possibilidade de o processo lá ser accionado, aliás onde também tinha corrido o seu processo de reforma.

Como resposta, foi obtida a indicação de que competia ao Ministério da Defesa Nacional a qualificação do interessado como deficiente das Forças Armadas, após instrução do processo no ramo respectivo.

Esta solução, tinha no entanto, como atrás se referiu, já sido negada por aquele Ministério.

5 — Cientes, porém, de que o interessado não actuava como militar aquando do acidente, nem tão-pouco como civil a colaborar com as Forças Armadas, não se tratando igualmente dc um elemento que tenha pertencido à PSP do continente, sugeriu-se a esta corporação que fosse extraída uma solução do disposto no n.9 5 do artigo l.° do Decreto-Lei n.9 632/75, dc 14 de Novembro, aditado pelo Decreto-Lei n.B 89/81, de 28 de Abril, segundo 0 qual OS agentes pertencentes às polícias de segurança pública dos territórios ultramarinos, aposentados, gozam dos mesmos direitos e regalias dos aposentados da Polícia de Segurança Pública.

A ser aceite esta sugestão, o processo de qualificação do interessado como deficiente das forças armadas poderia ser instituído no Comando-Geral da PSP, à semelhança do que sucede com os aposentados daquela Polícia.

Também esta tentativa dc solução do caso não logrou acolhimento, e isto com o fundamento dc que o interessado, aquando do acidente, já tinha sido exonerado, a seu pedido, da PSP de Moçambique, encontrando-sc na situação de chefe do sector do Corpo de Polícia dos Serviços dos Portos de Moçambique, organismo militarizado, mas que se não integrava na PSP de Moçambique, conforme se depreende do Decreto-Lei n.9 127/72, de 22 de Abril, que procedeu à sua criação.

6 — Rcconheccndo-sc a injustiça, e até o absurdo, da situação de os membros do aludido Corpo dc Polícia dos Serviços dos Portos, que, não obstante disporem do direito de poderem ser qualificados como deficientes das Forças Armadas à face do Decreto-Lei n.9 319/84, de 1 dc Outubro, estavam privados dc o exercer, e, por conseguinte, impedidos dc usufruir as respectivas regalias, só pelo facto de se não deparar no âmbito da Administração uma en-üdade que se considerasse competente para a instrução do correspondente processo, ouviu-se o Ministério da Administração Interna sobre a viabilidade dc uma medida legislativa contemplar este tipo dc situações.

Ainda que aquele departamento tivesse, em princípio, sido receptivo a uma medida desse género, não veio a mesma a ser implementada, por se desconhecerem mais casos idênticos c não sc afigurar razoável legislar com vista à solução de um caso isolado.

7 — Continuando a entender-sc que a gravidade do caso e os mais elementares valores de justiça impunham uma solução positiva, voltou a reiterar-se ao Ministério da Administração Interna o entendimento a que sc alude no ponto 5 desta síntese, o que dispensaria a emanação de qualquer diploma legal especial.

Seria, assim, o Comando-Geral da PSP a instruir o processo do interessado, e isto com base no cilado n.9 5 do artigo l.B do Dccrcto-Lci n.9 632/75, aditado pelo Decrcto--Lci n.9 84/81, em que se prescreve que os agentes pertencentes às polícias dc segurança pública dos territórios ultramarinos, aposentados, gozam dos mesmos direitos e regalias dos aposentados da PSP.

Foi então, finalmente, recebida do Ministério em questão, em 12 de Dezembro de 1989, a informação dc que tinha sido solicitada ao Comando-Geral da PSP a instrução do processo destinado a qualificar o interessado como deficiente das Forças Armadas.

Tendo sido satisfeita a pretensão do reclamante, foi assim arquivado o seu processo na Provedoria de Justiça.

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Sumário: Segurança social. Desemprego. Subsídio dc desemprego. Salários em atraso.

Objecto: Indeferimento do subsídio social de desemprego por não terem decorrido ainda 360 dias sobre a cessação do subsídio concedido na situação dc salários cm atraso.

Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada. Processo: N.° R. 2450/88.

Síntese

1 —O Sindicato Nacional dos Operários da Construção Civil e Ofícios Correlativos do Funchal solicitou a intervenção do Provedor de Justiça junto da Secretaria Regional dos Assuntos Sociais da Madeira com vista a demovê-la da posição que assumiu no seguinte caso concreto.

Alguns associados daquele Sindicato, que prestavam serviço numa empresa sediada no Funchal, recorreram, em Agosto de 1986, ao disposto na Lei n.9 17/86, de 14 de Junho, relativa a salários em atraso, tendo optado pela suspensão da sua prestação de trabalho e consequente reconhecimento do subsídio de desemprego previsto naquela lei.

Em Março de 1988, parte desses trabalhadores retomou o seu serviço normal, tendo os demais sido forçados a rescindir os seus contratos de trabalho em virtude de a empresa ter alegado que não tinha capacidade para lhes dar ocupação e pagar os correspondentes salários.

Na sequência dessa rescisão, cada um desses trabalhadores requereu o subsídio social de desemprego ao abrigo do Decreto-Lei n.9 20/85, de 17 de Janeiro.

Esse subsídio foi-lhes, porém, recusado com o argumento, aduzido pela Secretaria Regional dos Assuntos Sociais, segundo o qual a tal atribuição se opunha o artigo 33.9 do citado Decreto-Lei n.9 20/85, na medida em que prescreve que o trabalhador só poderá requerer novo subsídio social de desemprego desde que tenham decorrido 360 dias sobre a cessação do anterior, o que no caso não acontecia.

A este entendimento se opôs o Sindicato, invocando que o subsídio que é concedido no âmbito da Lei n.817/86 tem uma natureza distinta do subsídio de desemprego propriamente dito, isto é, o que foi instituído pelo Decreto-Lei n.° 20/85.

2 — Com a posição assumida pelo Sindicato concordou o Provedor de Justiça, fundamentando-se na seguinte análise, que pôs à consideração da referida Secretaria Regional:

a) Ao refleetir-se sobre o teor do citado artigo 33.°, que prescreve que o trabalhador só poderá requerer novo subsídio social de desemprego desde que tenham decorrido 360 dias sobre a cessação do anterior, não pode deixar de se entender que se trata de uma medida relativa à concessão sucessiva de dois subsídios da mesma natureza, qual seja a dc serem ambos atribuídos ao abrigo do Dccreio--Lei n.9 20/85;

b) Sucede, porém, que, no caso que originou a reclamação, o que se questionou não foi a existência de dois subsídios de desemprego baseados naquele diploma, mas um subsídio instituído pela Lei n.9 17/86, seguido de um subsídio de desemprego, este sim, de harmonia com o Decreto-Lei n.° 20/85;

c) Ora, o subsidio previsto na Lei n.9 17/86 parece obedecer a uma filosofia diversa da que esteve presente no Decreto-Lei n.° 20/85.

Na verdade, enquanto o primeiro respeita à situação dc suspensão da prestação de trabalho em resultado da existência de salários em atraso, o segundo foi concebido para os casos dc extinção do contrato de trabalho; d) Esta interpretação leva a concluir que o mencionado artigo 33.9 do Decreto-Lei n.9 20/85 nao é de invocar nos casos em que o trabalhador, após ter beneficiado do subsídio instituído pela Lei n.9 17/86, vem a rescindir o contrato de trabalho com justa causa, requerendo, em sequência, o subsídio social de desemprego.

3 — Em resposta, a Secretaria Regional informou que havia chegado a conclusões que coincidiam com as do Provedor de Justiça.

Sumário: Segurança social. Inscrição.

Objecto: Esclarecimento da posição perante a segurança social do pessoal impropriamente dito «tarefeiro» que, ao serviço do Estado, passou a estar vinculado a um contrato de trabalho a termo certo.

Decisão: Sugestão acatada pela Administração.

Processo: IP-45/89.

Síntese

1 — Por iniciativa do Provedor de Justiça, foi aberto um processo com vista a precisar a situação perante a segurança social do pessoal impropriamente dito «tarefeiro», que se encontrava ao serviço do Estado cm situação irregular e que, por ter menos de três anos dc exercício de funções ou por trabalhar a tempo parcial, ficou vinculado a um contrato de trabalho a tempo certo, por força do artigo 37.9, n.9 2, do Dccrcto-Lci n.9 427/89, de 7 dc Dezembro.

No âmbito desse processo, foi submetido à consideração da Secretaria de Estado da Segurança Social o facto de o referido pessoal, precisamente por ter sido contratado a termo certo, nào reunir condições para ser inscrito na Caixa Geral de Aposentações.

Salientou-se igualmente que se impunha, portanto, que o referido pessoal ficasse a dispor da possibilidade de. descontar para a segurança social do sector privado.

2 — Em resposta, a Secretaria dc Estado da Segurança Social comunicou que os trabalhadores contratados a termo certo nos termos do Decreto-Lei n.9 427/89 deviam ser inscritos no regime geral de segurança social, dc harmonia com o Decreto-Lei n.8 140-D/86, de 14 de Junho, com as alterações introduzidas pelo Dccrcto-Let n.8 295/86, de 19 de Setembro, e isso por força do Decreto-Lei n.° 343/79, de 28 de Agosto.

Face a esta posição, coincidente com a que fora sugerida, o Provedor de Justiça determinou o arquivamento do processo.

Sumário: Segurança social. Inscrição.

Objecto: Anulação da inscrição com fundamento no facto,

não provado, dc que a respectiva prestação de serviço

não era remunerada.

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Decisão: Reclamação procedente. Revogação do despacho

contestado. Processo: N.9 R. 1689/89.

Síntese

1 —Em 21 de Outubro de 1988, foi recebido no Centro Regional de Segurança Social de Aveiro o boletim de inscrição da reclamante como profissional do serviço doméstico.

Em 31 de Outubro de 1988, o Serviço de Fiscalização do Centro Regional concluiu que não podia a mesma ter sido inscrita em virtude de não prestar serviço doméstico remunerado, informação esta obtida por uma vizinha da reclamante com quem a mesma afirmava estar de relações cortadas.

Em 10 de Julho de 1989, foi a interessada notificada de

De tal anulação, reclamou a interessada para o Provedor de Justiça.

Na sequência desta reclamação, procedeu-se à consulta do respectivo processo que correu termos no referido Centro Regional.

Verificou-se, então, que tinham sido contactados alguns vizinhos da reclamante, designadamente num estabelecimento comercial, tendo sido apurado que esta efectuava trabalhos domésticos duas vezes na semana, cm casa de um seu tio, onde, nos dias 4 e 8 de Agosto de 1989, foi encontrada pelos serviços de fiscalização a lavar roupa.

Constava igualmente do processo que se linha provado que essa situação ocorria desde Outubro de 1988, embora a trabalhadora não dispusesse de recibos do correspondente pagamento.

Constatou-se também que, posteriormente, foram inquiridos, no Centro Regional, o tio da trabalhadora em casa de quem ela exercia trabalhos domésticos, a própria trabalhadora e três testemunhas por ela indicadas.

Dos depoimentos prestados aos serviços dc fiscalização depreendeu-se:

Em casa do contribuinte (tio da trabalhadora) não havia, para além dela, outra profissional do serviço doméstico;

Anteriormente à data em que aquela iniciou funções, tinham trabalhado na mesma casa outras profissionais do serviço doméstico, todas elas auferindo remuneração.

2 — Estes dados de facto, por um lado, e a circunstância de o contribuinte aparentar possuir um nível económico superior ao da sobrinha, uma vez que se iratava de um capitão do Exército que, dispondo de viatura própria, ia por vezes buscá-la para prestar serviço em sua casa, levaram a Provedoria de Justiça a considerar como muito pouco provável que aquele usufruísse o trabalho daquela sem lhe conceder a justa contrapartida.

Consequentemente, concluiu-se que se não encontrava devidamente fundamentada a alegação de que o caso não consubstanciava uma relação de trabalho mas uma mera relação de apoio familiar sem remuneração.

Quanto à também invocada falta de passagem do documento previsto no artigo 13.9, n.9 4, do Decreto-Lei n.° 503/80, de 21 de Outubro, relativo às remunerações pagas, entendeu-se que era de atender a que, na prática, raramente esse documento é emitido.

Com base nesta perspectiva do caso, foi sugerida a revisão da solução que lhe tinha sido dada.

3 — O conselho directivo do referido Centro Regional comunicou ao Provedor de Justiça que o despacho de indeferimento da inscrição da reclamante fora revogado, o que lhe iria ser comunicado.

Tendo assim sido satisfeita a pretensão da reclamante, foi o processo arquivado na Provedoria de Justiça.

Sumário: Segurança social. Inscrição. Revogação. Suspensão da pensão de velhice.

Objecto: Revogação da inscrição no regime de segurança social dos trabalhadores de serviço doméstico de que resultara a suspensão da pensão de velhice.

Decisão: Reclamação parcialmente procedente. Reparo à actuação do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa

Processo: N.9 R. 1063/88.

Síntese

1 — A filha de uma beneficiária da segurança social solicitou a intervenção do Provedor de Justiça a propósito da revogação da inscrição de sua mãe na segurança social, da qual resultara a suspensão da pensão de velhice que lhe vinha sendo atribuída pelo Centro Nacional dc Pensões.

2 — Alegava a interessada que sua mãe, durante o tempo em que esteve inscrita na segurança social, sempre trabalhara como doméstica, por sua conta, não podendo os laços familiares em que se fundamentava a relação de trabalho justificar a anulação dessa inscrição.

3 — Após diligências efectuadas junto do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa, esta instituição informaria o Serviço do Provedor de Justiça de que a decisão tomada contra a beneficiária não se fundamentava na existência da relação dc parentesco entre a interessada e a alegada entidade patronal, mas no facto de ler sido obtida informação de testemunhas que afirmavam não exercer aquela actividade profissional como empregada doméstica.

Contudo, informou o Centro Regional de Segurança Social que, perante a apresentação de testemunhas oferecidas pela beneficiária, iria proceder a novas averiguações, com vista à eventual revisão da decisão.

4 — Após reapreciação do assunto, o Centro Regional de Lisboa manteve, porém, a decisão da anulação de inscrição em causa, pois da análise de todos os elementos constantes do processo de averiguação levado a efeito pelos respectivos serviços de fiscalização concluíra que o trabalho prestado não revestia as características dc que tem de revestir-se o trabalho dc serviço doméstico, enquanto actividade profissional a cuja definição se refere o artigo 2.9 do Dccrcio-Lei n.9 508/80.

5 — Por outro lado, como elemento decisivo era apontado o facto de o marido da interessada ter beneficiado de complemento por cônjuge a cargo durante o período a que se reportava a sua inscrição na segurança social, o que revelava que, a ser correcta a atribuição desta prestação, a interessada não podia ler exercido actividade profissional remunerada, dada a incompatibilidade das duas situações.

6 — Não obstante as conclusões alcançadas pelo Centro Regional de Segurança Social de Lisboa, este órgão do Estado fez questão dc analisar o processo de averiguação levado a efeito neste caso.

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7 — A sua apreciação não viria a pôr em causa a validade da decisão tomada pela entidade visada, mas nem por isso deixou de se dirigir reparo à sua actuação relativamente à forma como fora conduzido e organizado o processo que culminou nessa decisão.

E isto, fundamentalmente, por nele não terem inicialmente sido proporcionadas às interessadas as imprescindíveis garantias de defesa, nem do mesmo constarem os depoimentos das testemunhas que levaram à revogação da

inscrição.

Ponderou-se, designadamente, que estes reparos deveriam ser tidos em conta em futuros processos similares.

Sumário: Segurança social. Pensão de aposentação. Cálculo.

Objecto: Revisão do montante da pensão de aposentação

com base no vencimento correspondente à 6.s fase. Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada. Processo: N.9 R. 913/89.

Síntese

1 — Um professor do ensino primário, aposentado por limite dc idade, em 13 de Maio de 1988, com 45 anos e 4 meses de serviço, queixou-se ao Provedor de Justiça por a sua pensão de aposentação ter sido calculada com base no vencimento correspondente à 5.' fase (letra D), quando o deveria ter sido com base no vencimento da letra C, correspondente à 6.! fase.

Alegou que esta fase lhe foi reconhecida por despacho publicado no Apêndice ao Diário da República, 2? série, de 15 de Abril de 1988, com efeitos reportados a 1 de Janeiro do mesmo ano.

2 — Em diligências efectuadas junto da Caixa Geral de Aposentações apurou-se ter sido a sua pensão provisória de aposentação calculada com base no vencimento da letra D, por à data em que fora desligado do serviço, por limite de idade (13 de Maio de 1988), e Ficara a aguardar aposentação, se desconhecer ainda a publicação da 6.? fase.

Aquela instituição Ficou a aguardar que a Direcção Escolar a que o reclamante pertencera lhe comunicasse a data da publicação da 6.e fase na folha oficial, comunicação que só teve lugar em Março de 1989 e de forma imperfeita c ambígua.

3 — Só pela intervenção do Provedor de Jusliça a Caixa Geral de Aposentações tomou perfeito conhecimento da publicação da 6.5 fase atribuída ao queixoso, tendo, cm conformidade, procedido à revisão da respectiva pensão.

Sumário: Segurança social. Pensão de aposentação. Reposição. Boa fé.

Objecto: Reposição de quantias recebidas de boa fé e dotadas dc base legal válida, à data em que foram abonadas.

Decisão: Reclamação procedente. Recomendação não acatada. Exposição do caso à Assembleia da República. Processo: N.° R. 2736/87.

Síntese

1 — São várias as reclamações que têm sido dirigidas ao Provedor de Justiça em que os seus autores se queixam de a Caixa Geral de Aposentações lhes exigir a reposição

de montantes, que orçam dezenas e até, por vezes, centenas de contos, não obstante terem lido os mesmos, à dam em que foram abonados, uma base legal válida.

Trata-se de aumentos que incidiram em pensões degradadas previstas no Dccrcto-Lei n.9 245/81, de 24 dc Agosto, e calculados em função de equivalências de categorias funcionais constantes de tabelas aprovadas por portarias.

Sucede, porém, que não raros têm sido os casos em

que, decorrido mais de um ano sobre a publicação da portaria que contém as equivalências de categorias, é publicada outra, que altera a anterior mas em lermos de proporcionar aos interessados um aumento de pensão menor do que aquele que já lhe estava a ser pago.

2 — Esta actuação tem levado diversos pensionistas, que, como é evidente, se sentiram prejudicados, a recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo, o que determinou que se tenha estado a Firmar jurisprudência favorável aos interessados.

Assim, aquele Tribunal tem vindo ultimamente a entender que as portarias em questão assumem a natureza de actos administrativos constitutivos de direitos, pelo que a revogação de qualquer delas efectuada decorrido mais de um ano sobre a sua publicação ó um acto administrativo que viola o disposto no artigo 18.9 da Lei Orgânica do Supremo Tribunal Administrativo.

Tais revogações têm, por isso, sido anuladas (v. Acórdão de 25 dc Janeiro de 1984, proferido em tribunal pleno).

3 — Sucede, contudo, que a Caixa Geral dc Aposentações, conquanto reconheça que as portarias que alteram em termos desvantajosos para os pensionistas reclassificações funcionais feitas há mais dc um ano são actos administrativos ilegais, está no entanto vinculada a dar-lhes execução enquanto as mesmas não forem revogadas pelos respectivos membros do Governo ou anuladas judicialmente.

Daí resulta que só os pensionistas que recorrem para o Supremo Tribunal Administrativo da exigência das reposições para que são notificados com base nas portarias feridas de ilegalidade conseguem subtrair-se a tais reposições.

4 — Revelando-sc esta forma de agir injusta e até discriminatória, o Provedor de Justiça sugeriu ao Ministro do Planeamento e da Administração do Território e ao Secretário de Estado do Orçamento, membros do Governo que têm interferido nas portarias em causa, que fizessem emitir numa podaria o que, de um modo genérico, revogasse as equivalências de categorias funcionais estabelecidas ao abrigo do Decreto-Lei n.9 245/81 mas feridas de ilegalidade por terem substituído, prejudicando os destinatários, equivalências publicadas mais de um ano antes.

5 — Tal recomendação não foi, porém, acolhida e isto com a argumentação de que, sendo o vício das portarias revogatórias o da anulabilidade, elas se leriam convalidado decorrido um ano sem que o recurso para o Supremo Tribunal Administraúvo tivesse sido interposto.

6 — Face a tal entendimento, o Provedor de Justiça decidiu, nos termos do n.9 3 do artigo 34.9 da Lei n.9 81/77, de 22 de Novembro, expor os motivos da sua tomada de posição à Assembleia da República, salientando ainda., a título de contra-argumeniação relativamente àquele entendimento, o seguinte:

A concepção de que, sendo o vício das portarias revogatórias o da anulabilidade, elas sc leriam convalidado decorrido um ano sem que o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo tivesse sido interposto, releva paia

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os actos constitutivos dc direitos, mas não para os actos constitutivos de deveres (ou posições negativas, em geral) como o são as portarias revogatórias de outras que atribuíram direitos.

Por outro lado, ofende o princípio da igualdade o facto de situações idênticas receberem tratamento diverso, conforme os interessados recorreram ou não judicialmente das portarias revogatórias das que fixaram as equivalências iniciais.

Acresce que há que atentar cm que os pensionistas ajustaram o seu nível dc vida à pensão inicialmente fixada, constituindo prejuízo atendível a circunstância dc, ma'»s de um ano depois, terem visto reduzir-se o montante real da pensão, por razões que lhes não foram imputáveis.

Sumário: Segurança social. Pensão de invalidez. Suspensão do pagamento.

Objecto: Esclarecimento acerca do valor correspondente à pensão atribuída pela segurança social portuguesa. Suspensão do pagamento da pensão decidida pelo organismo de segurança social alemão, por considerar a beneficiária incapaz de gerir a sua pessoa e bens.

Decisão: Reclamação procedente. Situação resolvida.

Processo: N.° R. 390/89.

Síntese

1 —A Comissão da Condição Feminina pediu a intervenção do Provedor de Justiça no sentido de se desbloquear o assunto respeitante ao pagamento de uma pensão de invalidez de que era titular uma trabalhadora, ex-emigrante na Alemanha, c que, em face da situação dc carência em que se encontrava, recorrera àquele organismo.

De facto, a pensão em causa fora-Ihe atribuída em 22 dc Junho de 1988, com efeitos a partir de 1 de Junho de 1977, não tendo sido efectuado o seu pagamento, porquanto os serviços de saúde alemães verificaram que a pensionista sofria de perturbações mentais que a incapacitariam de administrar a sua pessoa e bens.

2 — Para além dessa questão, a Comissão da Condição Feminina alertava também o Provedor de Justiça para o facto de a pensão recebida pela interessada através da segurança social portuguesa ser inferior ao valor que lhe teria sido comunicado pelo Centro Nacional de Pensões.

3 — Sobre esta questão foi ouvido o Centro Nacional de Pensões, que, posteriormente, informaria acerca do valor que legalmente correspondia à pensão em causa, esclare-cenòo que o montante inicialmente fixado eslava a ser objecto de dedução para compensação de um débito resultante do abaixamento da pensão em consequência da limitação a que a mesma fora sujeita, nos termos das normas legais sobre acumulação de pensões.

4 — Quanto à primeira questão, foi inicialmente solicitada a intervenção do Departamento de Relações Internacionais e Convenções da Segurança Social, como entidade de ligação para a Convenção de Segurança Social Luso-Alcmü, no sentido de proceder às diligências necessárias à nomeação de tutor ou curador da referida pensionista.

Soube-se depois que esse mesmo Departamento requerera já ao Ministério Público a propositura da respectiva acção de interdição, que, entretanto, se encontrava a correr os seus tramites num tribunal da comarca de Lisboa.

5 — Contudo, tendo chegado posteriormente ao conhecimento da Provedoria dc Justiça que a situação económica

e social da interessada se agravara, sem que se pudesse prever a rápida decisão do processo judicial em curso, tentou-se obter uma solução alternativa que, sem interferir no normal andamento da acção, pudesse ser aceite transitoriamente pelas entidades alemãs.

6 — Nesse sentido, foi pedida a colaboração da Santa Casa da Misericórdia dc Lisboa, que, nessa qualidade, assumiria a responsabilidade de gerir, no interesse da beneficiária, as verbas correspondentes às pensões retídas.

7 — Enquanto se aguardava a resposta da referida instituição, viria a ser recebida comunicação da Comissão da Condição Feminina, segundo a qual a questão teria sido ultrapassada depois da intervenção directa do Departamento de Relações Internacionais c Convenções da Segurança Social junto da entidade da segurança social alemã.

Na sequência das diligências encetadas, a referida entidade aceitou levantar a suspensão do pagamento das pensões em causa, mediante o depósito dos valores correspondentes em conta aberta em nome da interessada e da advogada que a representa no processo ainda em curso, para nomeação de tutor ou curador, mediante interdição por anomalia psíquica.

A mesma advogada assumiu a responsabilidade de acompanhar a administração desses montantes até que o tribunal se pronunciasse sobre a capacidade ou não da interessada para reger a sua pessoa e bens.

8 — Em face da resolução do assunto foi decidido o arquivamento do processo.

Sumário: Segurança social. Pensão de reforma. Cálculo.

Objecto: Falta de informação por parte do Centro Nacional de Pensões relativamente à discriminação e especificação dos vales remetidos para pagamento da pensão.

Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.

Processo: N.° R. 2570/89.

Síntese

1 —Um retornado das ex-colónias, pensionista da segurança social, queixou-se ao Provedor de Justiça com base no facto de não ter sido suficientemente esclarecido pelo Centro Nacional de Pensões relativamente ao pagamento da pensão devida por este organismo.

2 — Dc facto, estando em causa o pagamento da pensão requerida pelo queixoso, e dos retroactivos devidos, o Centro Nacional dc Pensões limitara-se a proceder ao envio dc vales de diversas importâncias, mas sem qualquer especificação das prestações a cuja liquidação se destinavam.

3 — Perante tal procedimento, o reclamante decidiu devolver ao Centro Nacional de Pensões todos os vales recebidos, aguardando, sem resposta, o esclarecimento e resolução do assunto.

4 — Isso, porém, só viria a ser conseguido após a intervenção do Provedor de Justiça, que, através de diligências efectuadas junto do Centro Nacional de Pensões, obteve os esclarecimentos requeridos pelo reclamante, inlcirando-se também dc que a situação se encontrava regularizada.

5 — Este órgão do Estado não deixaria, por fim, de fazer significar à entidade visada o facto de não ter informado, como devia, o interessado acerca da natureza e fundamento das quantias enviadas e, simultaneamente, dc chamar a atenção da mesma entidade para a necessidade

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de, em casos futuros, observar estritamente as disposições que garantem o direito à informação dos beneficiários da segurança social e que a própria Lei n.9 28/84 — Lei da Segurança Social — expressamente consagra.

Sumário: Segurança SOCial. Pensüo de reforma — complemento de reforma.

Objecto: Relevância, para o cálculo do complemento de reforma prevista nos termos do artigo 17.° da Portaria n.° 193/79, de 21 de Abril, do tempo de serviço prestado em Casa do Povo.

Decisão: Reclamação improcedente face à lei vigente. Sugestão de alteração legislativa.

Processo: N.9 R. 2449/89.

Síntese

1 — Foi apresentada reclamação ao Provedor de Justiça por um pensionista da invalidez da segurança social, solicitando a sua intervenção no sentido de lhe ser concedido o complemento da pensão de reforma previsto nos termos do artigo 170.9 da Portaria n.B 193/79, de 21 de Abril.

2 — Analisada a questão, logo se concluiu pela improcedência da reclamação apresentada.

E isto porque o reclamante, enquanto funcionário da referida Casa do Povo, apenas descontara para a segurança social a partir de 1 de Janeiro de 1968.

Ora, nos termos do artigo 178.° da Portaria n.9 193/79, apenas se considera relevante para o cômputo do complemento de reforma o tempo de serviço prestado em organismos corporativos relativamente ao qual se tenha verificado o pagamento de contribuições para a segurança social.

Não obstante esta posição, não deixou dc ser encarada a questão de se admitir a contagem do referido tempo de serviço mediante o pagamento retroactivo das contribuições.

Considerando, porém, que tal solução não se encontra consagrada no âmbito do actual regime de pagamento retroactivo de contribuições previsto no Decreto-Lei n.9 880/ 89, de 27 de Outubro, foi suscitada junto da Secretaria de Estado da Segurança Social a questão do alargamento daquele regime legal aos pensionistas da segurança social.

No seguimento de tal diligência, este órgão do Estado viria a ser informado dc que se encontrava já em fase de aprovação um projecto de diploma que permitiria o pagamento retroactivo de contribuições a quem já fosse titular de pensão.

No pressuposto de que a pretensão do reclamante poderá vir a ser contemplada face à comunicada alteração legal, foi o mesmo oportunamente elucidado, arquivando--se, de seguida, o processo.

Sumário: Segurança social. Pensão de reforma. Diuturnidades. Actualização.

Objecto: Falta de resposta do Ministério da Administração Interna a um requerimento formulado por um sapador--bombeiro aposentado, em que solicitava que as diutur-

nidades fossem actualizadas nos termos em que o são as do pessoal da PSP no regime de pré-aposentaçâo.

Decisão: Reclamação procedente. Receptividade da Administração à ponderação do problema.

Processo: N.° R. 1729/88.

Síntese

1 — Foi dirigida ao Provedor de Justiça uma reclamação formulada por um sapador-bombeiro em que este SC queixava de o Ministério da Administração Interna lhe nao ter dado resposta a um requerimento em que solicitava que as diuturnidades de que, na sua situação de reformado, fruía fossem actualizadas nos termos em que o são as do pessoal no activo, como sucede com os reformados da PSP, isto é, segundo um regime especial de pré-aposentação.

2 — Na sequência dessa reclamação, e em vista â emanação da necessária medida legislativa, oficiou-se ao Gabinete do Ministro da Administração Interna, salientando o seguinte:

1 — O Decreto-Lei n.9 405/75, de 29 dc Julho, reconhecendo a injustiça de os elementos dos batalhões de sapadores-bombeiros não beneficiarem, cm toda a sua extensão, das regalias e benefícios que o Estado confere as suas corporações militarizadas, às quais aqueles têm estado sempre equiparados, veio estabelecer que o regime e quantitativo das suas diuturnidades passavam a ser iguais aos fixados para o pessoal da PSP.

Especificou o mesmo diploma que tais diuturnidades são contadas para o cálculo das pensões de reforma ou aposentação.

Esse normaüvo é, todavia, omisso quanto à actualidade das diuturnidades do pessoal já aposentado, contrariamente ao que sucede relativamente aos elementos da GNR e GF, bem com da PSP, conforme se depreende dos Decretos-Lcis n.M 172-E/86 e 172-F/86, de 30 dc Junho, em que se faz referencia expressa às diuturnidades dos militares reformados e dos agentes aposentados.

Deste modo, torna-se justo que o pessoal dos batalhões de sapadores-bombeiros beneficie das regalias do pessoal militarizado, dinâmica que o Dccreio--Lei n.9 405/75 pôs em prática, se bem que incompletamente.

3 — No seguimento do referido ofício, e após inúmeras comunicações de que o assunto se encontrava em apreciação, o Ministério da Administração Interna, cm Maio de 1990, informou o Provedor de Justiça dc que o estatuto remuneratório dos bombeiros eslava a ser estudado, sendo essa a sede própria para a definição do regime da pré-aposentação e da sua aplicabilidade aos mesmos.

Acrescentava aquele departamento que «a morosidade deste projecto de diploma deve-se à complexidade do instituto jurídico que se visa instituir — numa transição entre a actividade de serviço e a aposentação — e os vários departamentos do Estado que necessariamente têm de intervir na feitura de um diploma, que se pretende claro e operante dc forma a permitir a sua aplicação efectiva».

4 — Tcndo-sc, assim, verificado que o assunto estava em apreciação a nível legislativo, procedeu-sc ao seu arquivamento na Provedoria de Justiça.

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Sumário: Segurança social. Pensão de reforma. Revisão do cálculo.

Objecto: Dedução na pensão de reforma do subsídio de

doença que não tinha sido efectivamente pago. Decisão: Reclamação procedente. Pretensão satisfeita. Processo: N.8 R. 1217/87.

Síntese

1 — Foi dirigida ao Provedor de Justiça uma reclamação formulada por um beneficiário da segurança social do sector privado em que o mesmo se queixara de lhe não terem sido pagas as pensões a que tinha direito desde Julho de 1984 a Julho de 1986, e isto com o fundamento em que lhe tinha sido pago naquele período subsídio de doença de montante superior, subsídio que o interessado alegara não ter recebido.

2 — Na sequência desta reclamação, foram solicitados ao Centro Nacional de Pensões o calculo de trabalho da respectiva pensão de invalidez e a indicação das deduções efectuadas.

Analisados os mesmos, verificou-se que, embora tivessem sido aplicados no cálculo da pensão os devidos preceitos legais, o certo é que as deduções por subsídio de doença recebido durante dois anos é que constituíram o facto contestado pelo reclamante com a argumentação de que não recebera tal subsídio.

Procedeu-se, de novo, a nova inquirição do Centro Nacional de Pensões, salientando a divergência entre os factos alegados por aquele e os invocados pelo interessado.

Foi ulteriormente comunicado ao Provedor dc Justiça que se verificara um lapso, pelo que tinha já sido paga ao beneficiário, em Abril de 1989, a quantia dc 201 570$.

Tendo sido satisfeita a pretensão do reclamante, procedeu-se ao arquivamento do processo.

Sumário: Segurança social. Pensão de sobrevivência. Objecto: Revisão da pensão de sobrevivência fixada a viúva

de l.8 subchefe da PSP em serviço na ex-colónia de

Angola, falecido cm 1972. Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada. Processo: N.8 R. 2166/89.

Síntese

\ —Determinada pensionista da sobrevivência, viúva de ex-subchefe da PSP na ex-colónia de Angola, onde falecera cm 1972, solicitou a intervenção do Provedor dc Justiça, em virtude de considerar incorrectamente calculada a pensão de sobrevivência que lhe fora fixada pela Caixa Nacional de Previdência, em cujo cálculo não teria sido tomado em consideração todo o tempo de serviço efectivamente prestado pelo falecido marido no ex-ultramar português, designadamente, o prestado no antigo Estado Português da índia.

Mais alegou a reclamante já haver formulado à Caixa Nacional de Previdência pedido de rectificação do montante da pensão de sobrevivência em causa, sendo o mesmo desatendido.

2 — Ouvida a Caixa Nacional de Previdência, esta informou que o pedido de rectificação no sentido apontado, formulado pela reclamante, fora indeferido, por extemporâneo, uma vez que, fixada a pensão dc sobrevivência em 1973, estavam de há muito ultrapassados os prazos para se proceder à rectificação pretendida.

3 — Este órgão do Estado, inconformado com a posição adoptada, no caso cm apreço, pela Caixa Nacional de Previdência, solicitou, de novo, em circunstanciado ofício dirigido àquela instituição a reapreciação do processo, realçando a possibilidade legal da revisão oficiosa da «resolução» reclamada, invocando as especiais razões sociais verificadas no caso concreto, e, ainda, a circunstância, relevante, de a Caixa dispor de todos os documentos comprovativos do tempo de serviço prestado, bastantes para a revisão pretendida.

4 — Após insistências várias, sucessivamente veio o director-coordenador dos serviços da Caixa Nacional de Previdência comunicar que, por despacho de 30 de Maio de 1990, fora decidido alterar a pensão de sobrevivência da reclamante, com efeitos desde 1 de Setembro de 1981, levando em conta o tempo de serviço militar anterior a 20 dc Fevereiro de 1951, e o tempo prestado no ex-Estado Português da índia, com o consequente ajustamento das diuturnidades devidas.

5 — Satisfeito, plenamente, o objecto do processo, foi ordenado o seu arquivamento.

Sumário: Segurança social. Pensão de sobrevivência. Data

a que é reportado o início da pensão. Objecto: Não atribuição de relevância, para efeitos de

pensão de sobrevivência à viúva, do requerimento dc

pensão de preço de sangue por ela oportunamente

apresentado.

Decisão: Reclamação procedente. Pretensão satisfeita. Processo: N.Q 83-R. 2155-B-l.

Síntese

1 —A viúva de um guarda da PSP requereu, logo após o falecimento do seu marido, ocorrido em 17 de Abril de 1982, uma pensão com base no então invocado acidente em serviço por ele sofrido.

Como, porém, tal acidente não veio a ser confirmado pelas instâncias competentes como tendo ocorrido em serviço, teve a mesma de requerer cm 19£4 pensão de sobrevivência ao abrigo do regime geral.

Assim, foi a aludida pensão reportada à data daquele requerimento (1984) c não à do óbito (1982).

Não conformada com esta situação, reclamou a interessada para o Provedor dc Justiça.

2 — Analisando o caso, por recurso à consulta das peças do processo por acidente em serviço que tinha corrido termos na PSP, verificou-se que o marido da reclamante tinha sido considerado pelo Comando Distrital de Coimbra da PSP como vítima de um acidente em serviço, o que a levou a requerer cm 1982 a respectiva pensão de preço de sangue.

Constatou-se também que só muito posteriormente é que a interessada veio a ter conhecimento, sem que tal demora lhe pudesse ser imputável, de que o respectivo comandante--geral não tinha reputado o acidente como cm serviço.

Este o motivo de apenas em 1984 ter requerido a pensão de sobrevivência.

Com base nestes factos, salientou-se à Caixa Geral de Depósitos a justiça de uma solução que admitisse que o primitivo requerimento, da pensão de preço de sangue, fosse convertido cm requerimento de pensão de sobrevivência, por forma a que esta pensão de sobrevivência fosse atribuída com efeitos reportados a Dezembro dc 1982.

Em resposta, aquela Caixa informou que, dadas as peculiares circunstâncias que rodearam o caso, linha sido, a título excepcional, satisfeita a pretensão da requerente.

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II SÉRIE-C — NÚMERO 31

Sumário: Segurança Social. Subsídio de doença. Objecto: Atribuição de subsídio de doença devido relativamente a baixa ocorrida há mais de um ano. Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada. Processo: N.9 R. 2945/88.

Síntese

1 — Uma empregada doméstica beneficiária da segurança social reclamou pelo facto de, tendo estado com baixa por doença desde 20 dc Agosto de 1987, não haver recebido o subsídio que lhe era devido, decorrido mais de um ano c não obstante as sucessivas insistências feitas junto do Centro Regional de Segurança Social dc Castelo Branco, tanto pela própria como pela respectiva entidade patronal.

2 — A razão invocada pelo Centro Regional à interessada, quer à entidade patronal, quer, posteriormente, à Provedoria de Justiça, foi a de que o subsídio não havia sido pago por a beneficiária ter entrado com contribuições no período em que constava com baixa, ou seja, de Agosto de 1986 a Setembro de 1987 (obviamente não é possível acumular subsídio de doença com entrada de contribuições).

3 — Apurou-se, porém, que tal facto fora devido à circunstância dc o local de trabalho da reclamante estar situado em localidade diferente do da sede da empresa onde se processam as referidas contribuições, facto que explicava que os serviços da sede não tivessem conhecimento da situação de doença em que a trabalhadora se encontrava desde 20 dc Agosto de 1986. Por isso, e devido a lapso, fora processado o pagamento de contribuições, como se a trabalhadora estivesse ao serviço, o que não fora o caso, relativamente ao período que medeia entre a referida data e 31 dc Dezembro do mesmo ano.

4 — Não obstante quer a entidade patronal quer a trabalhadora terem, por varias vezes, insistido junto do Cenuo Regional invocando o lapso havido, foi só após a intervenção do Provedor de Justiça que a questão ficou resolvida.

5 — Lamentável é que o subsídio de doença só houvesse sido pago cerca de dois anos depois da situação a que correspondia.

E isso, designadamente, tendo em conta, por um lado, que pelo menos já antes de Novembro de 1987 a entidade patronal da interessada chamara a atenção para o lapso que cometera ao continuar a pagar contribuições em nome dela.

E, por outro lado, que ainda em 6 de Fevereiro de 1989 o Centro Regional defendia, em ofício dirigido à Provedoria de Justiça, a correcção da decisão que inicialmente tomara.

6 — Foi o processo arquivado após chamada de atenção ao organismo responsável pela demora na atribuição do subsídio.

Sumário: Segurança Social. Subsídio de doença. Suspensão a título de penalidade.

Objecto: Suspensão do subsídio de doença durante vinte e quatro meses com fundamento no exercício de actividade remunerada que, em parte, se provou não o ter sido.

Decisão: Reclamação procedente. Remuneração atendida.

Processo: N.9 R. 3312/87.

Síntese

1 — O reclamante, na sua situação de carpinteiro dc uma empresa, obteve baixa médica em 1 de Outubro de 1985.

Em 28 de Julho dc 1986, foi-lhe, porém, comunicado pelo Centro Regional dc Segurança Social dc Aveiro que tinha sido deliberado puni-lo com 24 meses dc suspensão dc benefícios (dc 1 dc Outubro dc 1985 a 1 de Outubro dc

1987) e a consequente obrigação de restituir o subsídio de

doença entretanto já pago.

Foi então invocado como razão dessa penalidade o facto de ter sido apurado que ele linha realizado actividade por conta própria no seu domicílio.

Esta conclusão extraiu-a o Centro Regional de um documento em que o reclamante requereu a notificação judicial avulsa de um indivíduo para efeito dc saber as razões de este lhe não ter pago a quantia de 50 000$ mediante a qual se comprometeu a construir certos instrumentos musicais.

Em sua defesa, invocou o interessado que foram os filhos que efectivamente executaram o trabalho pelo qual foi penalizado, tendo-se ele limitado a orientar e a dirigir essa actividade.

Acrescentou o mesmo que, no decurso do período cm que lhe foram suspensos os benefícios, mais concretamente, em 18 de Novembro dc 1986, lhe foi reconhecida incapacidade definitiva para o exercício das suas funções, pelo que transitou para a situação de reforma por invalidez.

2 — Atento o exposto, não pode deixar de se reconhecer que a aplicação rígida ao caso vertente do artigo I.9, alínea c), do Decreto Regulamentar n.9 45/82, dc 29 de Julho, segundo o qual os beneficiários das instituições dc segurança social serão suspensos de benefícios por 12 a 36 meses, se intencionalmente defraudarem os interesses da instituição dc segurança social, designadamente por, estando na situação de incapacidade com baixa por doença, exercerem actividade remunerada ou qualquer outra actividade com fim lucrativo, permitia concluir que a punição fixada ao beneficiário tinha base legal.

Todavia, considerou-se que o facto de, no decurso do período de suspensão de benefícios, aproximadamente um ano após o seu início, ele ter sido reconhecido como definitivamente incapacitado de trabalhar na sua profissão podia funcionar como circunstância atenuante da intrac-ção de que foi acusado.

Com efeito, essa invalidez definitiva revela que não veio o mesmo a recuperar da incapacidade para o uabalho que motivou a sua situação dc baixa médica em que sc encontrava aquando da execução do uabalho por que fo\ penalizado.

Ora, não se tendo verificado essa recuperação, torna-se perfeitamente aceitável a versão do reclamante dc que quem executou realmente a obra em causa foram os filhos, limitando-se ele a orientá-los nessa tarefa.

Face ao exposto, o Provedor dc Jusliça, movido não só por imperativos de justiça como até por uma razão de pura lógica, dirigiu ao Cenuo Regional de Segurança Social de Aveiro uma recomendação no sentido de que, tendo cm atenção a argumentação expendida, a solução do caso fosse revista em termos de redução da pena aplicada ao interessado, redução de que não deveria resultar suspensão de benefícios por período superior ao compreendido enuc o início da suspensão do subsídio de doença (1 dc Outubro de 1985) e o início da pensão de reforma por invalidez (18 dc Novembro dc 1986).

Isto no pressuposto de não ser totalmente eliminada a penalidade em causa, solução que sc afigurava a mais adaptada às circunstâncias do caso.

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3 — O Centro Regional começou por responder que mantinha a sua opinião quanto ao caso.

Acrescentou, todavia, que o «respeito institucional» que o Provedor de Justiça lhe merece o levaria a acatar a recomendação, se este insistisse nela.

O Provedor assim fez, pois não encontrou razão para mudar de atitude.

4 — Em 9 de Novembro de 1990, foi então recebida do referido Cenüo Regional a comunicação dc que tinha sido

dado cumprimento à recomendação do Provedor dc Justiça, pelo que a suspensão de benefícios aplicada ao interessado passou a abranger apenas o período entre o início da concessão do subsídio dc doença (1 de Outubro de 1985) e o início da pensão de reforma por invalidez (18 de Novembro de 1986), tendo assim a pena sido reduzida em cerca de 10 meses.

Sumário: Segurança social. Subvenção por serviços prestados em defesa da liberdade e democracia. Lei orçamental.

Objecto: Indeferimento do pedido de subvenção mensal vitalícia por, à data em que foi formulado, já ter decorrido o ano referente à lei orçamental que criou tal benefício.

Decisão: Reclamação procedente. Sugestão não acatada pela Caixa Geral de Aposentações. Recomendação à Assembleia da República.

Processo: N.° 2203/88.

Síntese

1 — Em 6 de Setembro de 1988 foi dirigida ao Provedor de Justiça uma reclamação contra a Caixa Geral de Aposentações por esta ter indeferido num determinado caso concreto o pedido dc concessão da subvenção mensal vitalícia instituída no artigo ll.9 da Lei n.9 49/86, de 31 de Dezembro (lei que aprovou o Orçamento do Estado para 1987), em favor dos cidadãos nacionais que estiveram internados no campo de trabalho do Tarrafal.

Salientava o reclamante, comprovando-o, que a Caixa alegara, em defesa desse indeferimento, o facto de à data do requerimento (25 de Maio de 1988), já ter decorrido o prazo para o efeito, porquanto a vigência da citada lei linha terminado no final do ano de 1987, dada a regra orçamental da anualidade.

2 — Em face de tal fundamentação, procedeu a Provedoria de Justiça à seguinte análise:

Suscita-se, no caso vertente, a questão dc saber se a norma constante do aludido artigo 11.8 da Lei n.9 49/86 é, na sua essência, uma disposição exclusivamente orçamental ou se, pelo contrário, reveste igualmente a natureza de uma verdadeira lei em sentido material.

A resolução desta questão implica que se atente no conceito e natureza jurídica do orçamento.

O orçamento é, fundamentalmente, uma previsão de receitas e de despesas relativamente a determinado período.

Esta ideia, que é comum a lodo e qualquer orçamento, tem, porém, de ser completada quando se trata do orçamento dc um Estado: neste caso, acresce àquela noção simplista a figura da autorização política, que engloba o consentimento pelo Parlamento do gasto público e dos sacrifícios necessários para o financiar (v. António Sousa Franco, Finanças Públicas e Direito Financeiro, 1987, p. 268). Distinguem-se no orçamento funções económicas, funções políticas e funções jurídicas (v. ob. cit., p. 310).

As funções económicas derivam dc o orçamento permitir uma gestão racional c eficiente dos dinheiros públicos e traduzir os elementos fundamentais da política económica global do Estado.

As funções políticas resultam de o orçamento ser a garantia da liberdade e do património dos cidadãos contra as prepotências e abusos do Estado.

As funções jurídicas advêm do facto á& ser através do orçamento que se autoriza o exercício dos poderes financeiros da Administração e sc fixam os seus limites (v. António Braz Teixeira, Introdução ao Direito Financeiro, p. 35).

Pelo que respeita à natureza jurídica do orçamento, há quem na doutrina sustente que ele deve ser considerado uma lei em sentido material, visto que é através dele que a Administração adquire o direito a receber as receitas c a afectá-las à realização de certas despesas, consistindo, assim, numa norma inovadora, que introduz alterações na ordem jurídica anteriormente existente.

Contra esta posição, manifestam-se aqueles que entendem que o orçamento, embora revista a forma de lei, não tem conteúdo legislativo, uma vez que não consagra normas gerais e permanentes, tendo a sua validade c vigência circunscritas ao período anual. Dentro desta mesma corrente, há ainda quem admita que o orçamento possa ter a natureza de lei material mas isso apenas nos casos em que contenha verdadeiras normas jurídicas com a natureza e a eficácia das leis materiais (v. António Braz Teixeira, ob. cit., p. 57).

Tais normas, que transcendem as funções do orçamento, são dotadas dc eficácia permanente, não devendo estar, por conseguinte, sujeitas à regra da anualidade.

De acordo com esta orientação doutrinal, concluiu-se que seria esse o caso da norma do artigo ll.9, em apreço.

3 — Posto este entendimento à consideração da Caixa Geral de Aposentações, foi recebida a comunicação de que mantinha a concepção, já assumida, de que a norma cm questão deixara de estar em vigor a partir do 1 de Janeiro de 1988, porque a Lei do Enquadramento do Orçamento do Estado —Lei n.9 40/83, de 13 de Dezembro— prescreve que o orçamento é anual e que o ano económico coincide com o ano civil.

Acrescentava-se que essa posição já tinha sido sancionada pelo Secretário de Estado do Orçamento, subli-nhando-sc que era ao Governo que competia conceder ou não a subvenção cm causa.

4 — Neste contexto, concluiu-se que não era viável qualquer outra diligência quanto ao caso concreto, pelo que foi o mesmo arquivado na Provedoria de Justiça.

5 — Todavia, no plano geral, o Provedor de Justiça entendeu ser de expor à Assembleia da República os argumentos atrás aduzidos c com base neles recomendar que:

a) Pondere, de acordo com os objectivos do artigo 11." da Lei n.9 49/86, da justiça de vir a legislar, inierpretando-a autenticamente, por forma a evitar a referida interpretação restritiva da Administração Pública cm matéria orçamental c permitindo assim que os beneficiários das pensões nela instituídas as possam requerer a todo o tempo;

b) Tome cm consideração este tipo de situações por forma a que futura legislação cuja eficácia se pretende duradoura não venha a permitir, na sua aplicação, uma interpretação restritiva como a que a Administração Pública defende, decorrente da inclusão das correspondentes normas em diplomas orçamentais.

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6 — Foi ulteriormente recebido na Provedoria de Justiça o ofício n.e 567/GAB/90 do Gabinete do Presidente da Assembleia da República, informando que a referida

recomendação se encontrava ÔITl apreCÍ9Ç20 nãS COtuiSSÕeS dc Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades c Garanüas e de Economia, Finanças e Plano.

Sumário: Segurança social. Subvenção vitalícia aos ex-presos do Tarrafal.

Objecto: Indeferimento da atribuição da subvenção vitalícia a um ex-preso do Tarrafal, ao abrigo do artigo 11.» da Lei n.9 49/86, de 31 de Dezembro.

Decisão: Reclamação procedente. Solução obtida por via legislativa.

Processo: N.9 R. 86/89.

Síntese

1 — Um cidadão ex-preso do Tarrafal apresentou queixa ao Provedor de Justiça contra o indeferimento da subvenção prevista no artigo ll.B da Lei n.B 49/86, de 31 de Dezembro, conforme decisão proferida pela Caixa Geral de Depósitos, fundamentada na caducidade do respectivo direito, uma vez que fora requerido depois de decorrido o período dc vigência da referida Lei n.B 49/86.

2 — Mantendo a posição já defendida anteriormente, o Provedor de Justiça entendeu que, apesar de a Lei n.° 49/86 ser uma lei orçamental, nem todas as suas disposições deste tipo de actos normativos caducam no termo do ano a que respeitam.

O Provedor sustentou, com efeito, que as leis orçamentais podem conter normas de eficácia duradoura — tudo dependendo da interpretação correcta da intenção do legislador.

3 — No caso em vista, acresciam ponderosas razões de justiça, pois o alcance social de subvenção prevista no citado artigo 11.° da Lei n.B 49/86 justificava a sua atribuição para além do termo do ano orçamental a que sc reportava.

4 — A Caixa Geral dc Depósitos não aceitou, porém, esta posição doutrinária do Provedor.

5 — Foram então efectuadas diligências junto do Ministério das Finanças, preconizando-se como via de solução para a questão cm causa a adopção de adequada providência legislativa, que expressamente mantivesse o direito à atribuição da subvenção anteriormente referida.

6 — Esse objectivo viria a ser alcançado com a publicação da Lei n.B 101/89, que, efectivamente, estabeleceu, no artigo 58.°, a reabertura do prazo para requerimento do referido subsídio para os ex-presos do Tarrafal.

Ainda que com a limitação que decorreu da sua integração, de novo, numa lei orçamental, a medida consagrada viria a permitir a resolução da situação do queixoso e dc outros eventuais interessados desde que requeressem o benefício em causa até Dezembro de 1990.

7 — Obtida, assim, por via legislativa a resolução do assunto, procedeu-se ao arquivamento do processo.

Sumário: Trabalho. Administração local. Classificação de serviço. Comissão paritária.

Objecto: Processo de eleiçíio dos representantes dos trabalhadores notados na comissão paritária.

Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada. Processo: N.B R. 1443/89.

Síntese

1 — Um funcionário da Câmara Municipal da Azambuja dirigiu ao Provedor de Justiça uma reclamação relacionada com o processo de eleição dos trabalhadores notados na comissão paritária prevista no artigo 5.° do Decreto Regulamentar n.B 45/88, de 16 de Dezembro, que adaptou à clarificação de serviço do pessoal da administração autárquica as normas do Decreto Regulamentar n.° 44-B/83, de 1 de Junho.

Segundo alegou o impetrante, o presidente da Câmara Municipal, ao organizar, nos lermos do artigo 25.", n.9 1, do Decreto Regulamentar n.B 44-B/83, o processo de eleição dos representantes dos notados, determinara que os trabalhadores deviam elaborar e apresentar listas dos candidatos a vogais daquela comissão, em número de quatro (sendo dois efectivos e dois suplentes).

2 — Ouvido sobre o assunto, o presidente da Câmara Municipal esclareceu que tal processo de eleição tivera apenas em vista o facto de alguns trabalhadores não saberem ler nem escrever, e, por consequência, a salvaguarda do voto secreto.

Entendeu-se, porém, que aquele critério de eleição dos representantes dos notados na comissão paritária, por listas de quatro membros (sendo dois efectivos e dois suplentes), poderia contribuir para salvaguardar o sigilo de voto dos trabalhadores que não sabiam ler nem escrever, mas já não parecia igualmente capaz de garantir, de modo cabal, a possibilidade de eleição de todo e qualquer trabalhador para a referida comissão, ou até de assegurar uma plena liberdade de escolha dos votantes quanto aos elementos que desejassem ver como seus representanies na mesma comissão.

Com efeito, ficando a eleição dos representantes dos notados na comissão paritária limitada aos quatro elementos constantes da lista ou das listas apresentadas a sufrágio, os trabalhadores votantes poder-se-iam ver impedidos de fazer recair a sua escolha sobre qualquer outro trabalhador não constante daquela ou daquelas listas, ainda que o julgassem como o mais idóneo para o efeito em vista.

É que, embora fosse livre a apresentação daquelas listas por qualquer número de trabalhadores, sempre ficaria prejudicada, à partida, a possibilidade de eleição dos trabalhadores que delas não fizessem parte (por nelas não haverem sido incluídos, por não desejarem concorrer em conjunto com outros membros das mesmas listas, por não terem conseguido organizar lisias próprias, etc).

3 — Assim, concluiu-se que o procedimento mais curial consistiria em deixar aos trabalhadores interessados completa liberdade dc votarem em quem lhes parecer mais idóneo para os representar na comissão paritária, em vez de lhes impor uma limitação decorrente da sujeição a listas de sufrágio previamente organizadas para o efeito.

Com tal procedimento se garantiria mais cabalmente a liberdade de escolha dos representantes dos notados na comissão paritária.

E, quanto à participação de trabalhadores que não saibam ler nem escrever no acto dc eleição dos representantes dos notados na aludida comissão, poderiam eles —^ o desejassem — solicitar a alguém da sua confiança a inscrição dos nomes dos seus escolhidos nos respectivos boletins de voto (caso fosse essa a forma de votação adoptada).

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4 — O entendimento perfilhado pelo Provedor veio a ser acolhido pelo presidente da Câmara Municipal da Azambuja para adopção em anos futuros, pelo que se procedeu ao arquivamento do respectivo processo.

Sumário: Trabalho. Administração local. Funções. Disciplina.

Objecto: Falta de atribuição, a um funcionário municipal, da execução de quaisquer tarefas incluídas no âmbito das funções que lhe estavam atribuídas. Instauração de um processo disciplinar com base em factos relacionados com a reclamação formulada pelo mesmo funcionário ao Provedor de Justiça, a propósito daquele assunto.

Decisão: Reclamação procedente. Situação parcialmente

solucionada e em vias de completa regularização. Processo: N.9 R. 1845/89.

Síntese

1 — Um funcionário da Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto queixou-se ao Provedor de Justiça contra aquele órgão autárquico, alegando o facto de não lhe estar a ser cometida a execução de quaisquer tarefas no âmbito das funções de chefe da Repartição de Obras Particulares e Vistorias, que lhe haviam sido atribuídas.

2 — Ouvida sobre o assunto, a Câmara Municipal esclareceu que os respectivos serviços tinham sido objecto de uma reestruturação, na qual se previa que as tarefas cometidas aos diferentes serviços seriam especificadas em regulamento interno.

Já fora elaborado um projecto daquele regulamento interno, que ia ser brevemente apreciado, discutido e votado pelo executivo camarário. Após a sua aprovação ficariam definidas as tarefas correspondentes à mencionada Repartição.

3 — Posteriormente, porém, o queixoso comunicou que o citado regulamento interno já entrara em vigor, dele lendo resultado a imediata distribuição de serviço pelos competentes funcionários, mas não pelo impetrante.

Acrescentou ainda o interessado que lhe fora movido um processo disciplinar com base em factos relacionados com a sua anterior reclamação ao Provedor de Justiça.

4 —Perante a situação descrita, ponderou-sc à Câmara Municipal a manifesta inadmissibilidade (por ilegal e abusiva) da instauração do referido processo disciplinar, face ao direito de queixa dos cidadãos, por actos ou omissões dos poderes públicos, consagrado na Constituição (artigo 23.«).

Por outro lado, a Câmara Municipal confirmara a situação exposta na precedente reclamação do impetrante, cujo dever de trabalhar era inseparável do seu direito ao trabalho (artigo 58.° da Constituição).

Além disso, o queixoso não sofrera pena disciplinar da qual resultasse o seu afastamento compulsivo do efectivo exercício de funções, nem impendia sobre ele medida de suspensão preventiva ordenada no âmbito de qualquer processo disciplinar (artigo 54.9 do Estatuto Disciplinar aprovado pelo Decrelo-Lei n.9 24/84, dc 18 dc Janeiro).

Acrescia, ainda, ser inteiramente descabido configurar as expressões transcritas na nota de culpa deduzida contra o arguido como infracção disciplinar nos termos do artigo 23." do correspondente Estatuto (sem se concretizar, aliás, o seu enquadramento face às diversas alíneas do n.9 2 do mesmo artigo), pois tais expressões não revelavam

«negligencia» ou «má compreensão dos deveres funcionais» de quem pretendia — e muito justamente — que lhe fossem atribuídas as tarefas inerentes às funções em que eslava investido.

Por isso. deveria cessar imediatamente qualquer âGUlâ* Ção disciplinar conta o funcionário visado, com base na reclamação pelo mesmo dirigida anteriormente ao Provedor de Justiça. Simultaneamente, suscitou-se a atenção da Câmara Municipal para o facto de ainda não haver sido adequadamente resolvida a situação funcional do reclamante, apesar da entrada cm vigor do regulamento interno dos serviços autárquicos.

5 — Em resposta, a Câmara Municipal esclareceu que o mencionado processo disciplinar fora mandado arquivar, em seguimento da proposta formulada pelo respectivo instrutor no seu relatório final.

E, havendo-sc salientado que a absolvição do arguido não diminuía, de modo algum, a pertinência das considerações anteriormente formuladas acerca do carácter ilegal c abusivo da instauração daquele processo disciplinar, a Câmara invocou, posteriormente, o carácter discricionário do exercício do seu poder disciplinar sobre os respectivos funcionários.

Alegou também a Câmara Municipal que ainda não tinha sido possível implementar completamente a reestruturação dos serviços autárquicos, por falta dc conclusão dc obras no local onde passaria a funcionar a Divisão de Obras e Urbanismo na qual se integrava a Repartição cuja chefia fora atribuída ao impetrante; mas já haviam sido tomadas algumas medidas relacionadas com o funcionamento dc tais serviços.

6 — Assim, procedeu-se ao arquivamento do processo em causa, sem prejuízo das diligências cm curso com vista à resolução definitiva do problema da instalação dos mencionados serviços e da situação funcional do interessado.

Suscitou-se, entretanto, a atenção da Câmara Municipal para o facto dc o Provedor nao ler posto cm causa os pressupostos abstractos do exercício do poder disciplinar dos órgãos autárquicos sobre os respectivos funcionários, nem haver questionado, lão-pouco, a natureza discricionária daquele mesmo poder.

Mas um poder discricionário está confiado aos órgãos autárquicos em vista de um fim legal específico, qual é o dc assegurar a disciplina dos serviços e o cumprimento dos deveres dos funcionários. E não era possível entender objectivamente que algum daqueles pressupostos estava a ser lesado, ou ameaçado de lesão, por um funcionário que, exercendo um direito consagrado na Constituição, se queixar ao Provedor de Justiça — e com razão — contra a actuação de uma Câmara Municipal que ofendia o disposto nos artigos 58.°, n.9 2, e 54.9, n.9 1, alínea b), da Constituição da República.

Sumário: Trabalho. Contrato dc prestação de serviço. Trabalhadores da administração regional. Rescisão.

Objecto: Readmissão de agente à qual fora rescindido o contrato sem justa causa.

Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.

Processo: N.9 1110/89.

Síntese

1 —Uma escrituiária-daclilógrafa da Secretaria Regional da Educação e Cultura da Região Autónoma dos Açores reclamou junto do Provedor dc Justiça pelo facto de lhe

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ICÍ 5ÍdO ífiSÇindidO o contrato que celebrou com aquela

Secretaria dc Estado, tendo como justificação O artigo 4 A n.° 2, do Decreto-Lei n.° 49 397, dc 29 dc Novembro de 1969.

2 — A Secretaria Regional informou ter celebrado com a reclamante um contrato dc prestação eventual de serviço ao qual era aplicável o artigo 4.* do Decreto-Lei n.9 49 397, pelo que' podia ser denunciado pela Administração, com comunicação à exponente com a antecedência de 60 dias, desde que devidamente fundamentada.

Pára além do mais, o artigo 16.° do Decreto-Lei n.9 ÍOO-A/87, de 5 de Maio, possibilitara aos contratados com mais de três anos a candidatura a concursos internos a abrir até finais de 1987, disposição ao abrigo da qual a reclamante concorrera, tendo ficado excluída, pelo que o n.9 2 do mesmo artigo previa que os serviços prescindissem do pessoal nessas condições.

3 — Resolveu-se pedir parecer à Direcção-Geral da Administração Pública sobre dois aspectos:

a) Qualificação jurídica do conuato como contrato de tarefa ou como conuato por tempo indeterminado;

b) Na hipótese de se tratar de contrato sem prazo, legalidade da sua rescisão nos lermos do artigo 4.9, n.9 2, do Decreto-Lei n.9 49 397, sem a invocação de justa causa.

4 — Segundo parecer da Direcção-Geral da Administração Pública, o contrato celebrado com a reclamante revestia a natureza de um conuato de uabalho subordinado, pois aquela exercia funções em regime de tempo completo, com subordinação à hierarquia e disciplina dos serviços, estava inscrita na Caixa Geral de Aposentações, no Montepio dos Servidores do Estado e na ADSE, tendo--lhe sido concedido também o direilo a diuturnidades. Não se estando perante um contrato de execução instantânea, nem decorrendo da lei ou das cláusulas contratuais o prazo da sua vigência, teria de presumir-se que as partes o celebraram por tempo indeterminado.

Por outro lado, entendeu a mesma Direcção-Geral que o disposto no artigo 4.9, n.9 2, do Decreto-Lei n.9 49 397 colidia com o disposto no artigo 53.9 da Constituição, que proíbe despedimentos sem junta causa. Com efeito, o regime do artigo 53.9 abrange todos os uabalhadores (do sector público e do privado), devendo entender-se também que no conceito de justa causa só seriam subsumíveis comportamentos culposos e censuráveis do trabalhador, o que não ocorria na situação objecto do processo.

5 — A posição daquela Direcção-Geral, à qual o Provedor deu a sua concordância, foi transmitido à Secretaria Regional de Educação com o pedido de reanálise da questão, tendo a mesma readmitido a reclamante no exercício das funções que exercia.

Sumário: Trabalho. Trabalhadores civis das Forças Armadas. Enfermeiros. Objecto:

1 — Ao pessoal civil de enfermagem das Forças

Armadas deve ser extensivo o direito ao abono do subsídio de dedicação exclusiva.

2 — Aprovação do regulamento de concursos do

mesmo pessoal e do quadro de pessoal ao qual se refere o n.9 2 do artigo 20.9 do Dccrcto-Lci n.9 294/87, dc 31 dc Julho.

Decisão: Reclamação procedente. Recomendações acatadas.

Processo: N.c R. 155/88.

Síntese

1 — Quatro enfermeiros dos hospitais militares subscreveram queixa ao Provedor de Justiça na qual suscitaram as seguintes questões:

a) Deveria ser-lhes aplicada a «estrutura da carreira a partir da data indicada no Decreto-Lei n.9 305/81, de 12 de Novembro, e não a partir do Decreto-Lei n.9 133/84, de 2 de Maio;

b) Às enfermeiras-chefes deveria ser atribuído o suplemento de 40 % sobre o vencimento base, cm execução do Decreto-Lei n.9 178/85, de 23 dc Maio (artigo 17.9), a partir da data fixada no seu artigo 19.9;

c) Impor-se-ia a abertura de concursos para possibilitar o acesso dos enfermeiros aos graus superiores e o preenchimento de vagas em tempo oportuno, por forma a evitar situações em que profissionais exerçam funções de chefia sem terem sido colocados no grau, letra c vencimento a que poderiam ter-se habilitado se tivessem sido abertos concursos;

d) Para que o Decreto-Lei n.9 294/87 fosse executado, deveria ser aprovado novo quadro de pessoal, sendo justo que todas as alterações que se registassem nas carreiras do pessoal do Ministério da Saúde lhes fossem imediata e integralmente aplicadas.

2 — De acordo com a informação prestada pelos queixosos, o brigadeiro da DSP terá proferido despacho, em 3 dc Agosto de 1987, no qual não tomou conhecimento de requerimentos que lhe foram dirigidos, por alegada incompatibilidade das pretensões com a disposição supletiva do artigo 23.9 do Dccrcto-Lei n.9 133/84.

3 — O Ministério da Defesa Nacional respondeu às questões que lhe foram colocadas pelo Serviço do Provedor de Justiça (ofício de 20 dc Maio dc 1988, fis. 33 c 34) nos seguintes termos:

l.9 O pedido da aplicação retroactiva das disposições do Decreto-Lei n.9 305/81, para além de extemporâneo, face ao disposto no Decrevo-L^ n.9 294/87, foi objecto de indeferimento do titular da pasta da Defesa Nacional, de 3 de Junho de 1987, recaído em pedido idêntico ao apresentado anteriormente pelo Sindicado dos Enfermeiros da Zona Sul e Açores;

2.9 O pessoal dc enfermagem regia-se pelas disposições do Dccrcto-Lei n.9 380/82, e não pelas do Decreto-Lei n.9 305/81, específico das carreiras do antigo Ministério dos Assuntos Sociais;

3.9 Daí que a remissão feita peJo artigo 23.9 do Dccrcto-Lci n." 133/84, para o Decreto-Lei n.° 305/81 seja de índole subsidiária, isto é, relativa a matérias não reguladas nos diplomas específicos do pessoal civil dos Serviços Departamentais das Forças Armadas;

4.9 O Decreto-Lei n.9 133/84 entrou em no 5.B dia após a sua publicação (Lei n.9 6/83, de 29 de Julho, artigo 2.9), ou seja, no dia 7 de Maio de 1984, uma vez que o diploma não marcou data diferente para o respectivo início de vigência;

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5.8 Quanto à atribuição aos enfermciros-chefes do suplemento de 40 % sobre o vencimento base, o Decreto-Lei n.8 178/85 não é aplicável ao pessoal de enfermagem militar, estando actualmente regido pelo Decreto-Lei n.9 294/87;

6.8 Relativamente à abertura de concursos e à execução do Decreto-Lei n.8 294/87, trata-se de matérias de competência do Estado-Maior do Exército.

4 — Relativamente à aplicação com eficácia retroactiva das normas do Decreto-Lei n.9 305/81, de 12 de Novembro, revogado pelo Decreto-Lei n.9 178/85, de 23 de Maio [artigo 20.°, n.8 1, alínea 6)1. importará ter presente que as normas do primeiro diploma foram consideradas, supletivamente, aplicáveis aos enfermeiros das Forças Armadas (pessoal civil) pelo artigo 23.9 do Decreto-Lei n.9 133/84, de 2 de Maio (reestruturação da carreira de enfermagem nos Serviços Departamentais das Forças Armadas).

O artigo 23.9 do Decreto-Lei n.9 133/84 considerou aplicável o Dccrcto-Lei n.9 305/81 em tudo o que nâo colidisse com a especificidade orgânica e funcional das Forças Armadas. Só que o Decreto-Lei n.° 133/84 aprovou a nova carreira de enfermagem do pessoal civil das Forças Armadas, à luz do Decreto-Lei n.9 305/81, não se limitando a contemplar a mera aplicação das disposições deste diploma aos enfermeiros civis dos serviços departamentais militares.

Dir-se-á que, para que houvesse igualdade dc tratamento dc lodo o pessoal dc enfermagem, o Decreto-Lei n.9 133/ 84 deveria ter previsto a produção de efeitos reportada a 13 de Novembro, data da entrada em vigor do Decreto--Lei n.9 305/81, artigo 22.° Mas tal não sucedeu.

Ao reformular o regime da carreira de enfermagem do pessoal civil das Forças Armadas, o legislador assumiu os princípios e regras do Decreto-Lei n.9 305/81, mas apenas para o futuro. E isso sem prejuízo da aplicação subsidiária das normas deste diploma.

Não parece que com isso se haja produzido alguma ofensa de princípios constitucionais, atendendo a que, a nível da Administração Pública, a reformulação do regime de carreiras e quadros de pessoal previsto no Decreto-Lei n.9 248/85, de 15 de Julho, tem vindo a ser, lentamente, aplicado em diversos departamentos, mas sem que de aplicação retroactiva se trate.

Perante o carácter excepcional desta, nâo é viável defender a tese dos reclamantes, tanto mais que tem vindo a afirmar-se o princípio (v. g. artigo 46.9, n.s 10, do Decreto--Lei n.9 248/85, de 15 dc Julho) de que da aplicação dos diplomas recstruturadores de carreiras não pode, em caso algum, resultar a atribuição retroactiva de remunerações, havendo apenas direito aos novos vencimentos e outras remunerações a partir da dada da posse nos respectivos lugares.

Por outro lado, o Decreto-Lei n.8 133/84 aplicou o Decreto-Lei n.9 305/81 ao pessoal civil dc enfermagem com adaptações, nas quais se não inclui a aplicação com eficácia retroactiva a 13 de Novembro de 1981 —data da entrada em vigor do segundo diploma.

5 — Quanto ao regime de dedicação exclusiva e ao pagamento dc correspondente subsídio (40 % sobre o vencimento base) nos termos do n.9 1 do artigo 17.9 do De-creio-Lei n.8 178/85, de 23 de Maio, verifica-se que tal regime se aplica, directamente (artigo l.9), aos enfermeiros providos cm lugares de quadros ou mapas de pessoal dc estabelecimentos e serviços dependentes do Ministério

da Saúde, e que só mediante portaria de extensão será aplicável ao pessoal de outros departamentos e organismos do Estado (n.8 2 do artigo l.8). E isto, independentemente da necessidade de regulamentação do regime em causa c de despacho prévio do titular da pasta da Saúde (n.° 4).

Como esse regime especial não estava contemplado no Decreto-Lei n.8 133/84, nada impedia que fosse ^aplicável ao pessoal civil de enfermagem das Forças Armadas, pela via da disposição supletiva do seu artigo 23.° O que se não podia, nem pode, defender é a aplicação directa do Decreto-Lei n.9 178/85 àquele pessoal sujeito ao estatuto específico definido no Decreto-Lei n.e 133/84 c depois no Decreto-Lei n.9 294/87, de 31 de Julho. Muito menos a do artigo 19.8 do Decreto-Lei n.9 178/85.

Sucede que também neste último não foi contemplada norma idêntica à do artigo 17.° do Decreto-Lei n.9 178/85.

6 — Ora, se foi inequívoca intenção do Dccrcto-Lei n.9 294/87, de 31 de Julho, aproximar a carreira de enfermagem do pessoal civil das Forças Armadas da do pessoal de enfermagem do Ministério da Saúde (Dccretos--Leis n.°* 178/85, de 23 de Maio, e 134/87, dc 17 dc Março), como se lê no segundo parágrafo da parle preambular daquele diploma legal, estaremos confrontados com um caso de lacuna, cuja integração lerá de processar-se através do recurso à analogia.

Neste ponto justificava-se alertar o Ministério da Defesa para a indispensabilidade de colmatar essa lacuna mediante a utilização de analogia (Código Civil, artigo IO.9). E que carece, em absoluto, de fundamento a posição do Ministério da Defesa, de que o Decreto-Lei n.9 178/85 não é aplicável ao pessoal civil de enfermagem das Forças Armadas, uma vez que o estatuto deste pessoal csuí regido pelo Dccreio-Lei n.9 294/87. Não só pelas razões já aduzidas, mas também porque a defesa de tal entendimento conduziria a situações dc injustiça relativa — pessoal na mesma situação funcional mas submetido a diferente tratamento remuneratório — rejeitada pela Constituição da República (artigo 13.8)

7 — Tocantemente às questões de abertura de concursos e à execução do Dccreio-Lei n.° 294/87, caberá referir o seguinte:

o) A abertura dc concursos deverá processar-se de acordo com as necessidades dos departamentos em causa, mas sem esquecer as normas dc progressão na carreira (artigo 10.° do Dccrcto-Lei n.9 194/87);

b) Os concursos de ingresso e acesso süo regulados por despacho do Ministério da Defesa segundo regulamentação estabelecida para a carreira pelo Ministério da Saúde, desconhecendo-sc se já terão sido aprovados os regulamentos para o efeito (artigo ll.8);

c) O Decreto-Lei n.8 294/87 previu que a aprovação do quadro de pessoal tivesse lugar no prazo dc 60 dias a contar da respectiva publicação (artigo 20.9, n.9 2), mediante portaria conjunta dos titulares das pastas das Finanças e da Defesa, o que significa que tal quadro deveria ter sido aprovado até 1 de Outubro de 1987;

d) Se tal aprovação ainda se não verificou, cia deveria ser recomendada ao Ministro da Defesa, e não ao Estado-Maior do Exército (artigo 20.9, n.8 2, do Decreto-Lei n.8 294/87), como sugeriu o Gabinete daquele membro do Governo, por se tratar dc matéria da competência específica do Ministro em causa.

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8:— De quanio fica exposto pôde-se concluir que:

l.9 Improcede a pretensão de aplicação retroactiva do Decreto-Lci n.» 305/81, de 12 de Novembro, ao pessoal civil de enfermagem dos Serviços Departamentais das Forças Armadas, face ao regime específico fixado pelo Decreto-Lei n.9 133/84, de 2 de Maio;

2.9 Justificava-se formulação de recomendação ao titular da pasta da Defesa Nacional para que o regime de dedicação exclusiva e o abono do respectivo subsídio (artigo 17.° do Decreto-Lei n.9 178/85, de 23 de Maio) seja aplicável ao pessoal civil de enfermagem das Forças Armadas, por se tratar de matéria não prevista pelo Decreto-Lei n.9 294/87, de 31 de Julho, e atendendo aos objectivos visados por este diploma;

3.a No domínio da abertura de concursos, deveria in-

dagar-se junto do Ministério da Defesa se já fora aprovado o regulamento ao qual se refere o artigo ll.9 do Decreto-Lei n.B 294/87, e, em caso negativo, recomendar-se a rápida aprovação do mesmo, por forma a facultar o desenrolar normal da carreira dc enfermagem; 4.9 Prevenindo a hipótese de não ter sido ainda aprovado o quadro de pessoal ao qual se refere o n.9 2 do artigo 20.9 do Decreto-Lei n.9 294/87, deveria ser recomendada a respectiva aprovação ao Ministério da Defesa.

9 — As recomendações acima aludidas vieram a ser

acatadas.

Sumário: Trabalho. Empresas públicas. Faltas.

Objecto: Revogação da decisão de dedução de doze horas ao período de dispensa anual de um trabalhador, por necessidade dc comparência em tribunal.

Decisão: Reclamação procedente. Recomendação.

Processo: N.9 R. 1779/88.

Síntese

1 — Um trabalhador da Siderurgia Nacional, E. P., veio queixar-se ao Provedor de Justiça, alegando, além do mais, que, tendo estado presente na sessão de audiência e julgamento dc um processo de trabalho, em que era tutor, e para a qual tinha sido legalmente convocado pelo tribunal, a sua entidade patronal por tal facto lhe descontara doze horas no seu período de dispensa anual, não obstante ter conhecimento de tal convocação.

2 — Ouvida a Siderurgia Nacional, E. P., sobre o assunto, esta veio dizer, em síntese, que tal desconto de doze horas se baseou em que a presença pessoal do referido trabalhador no julgamento não era obrigatória, já que o mesmo se poderia ter feito representar por advogado. Acrescentou, ainda, ser este o entendimento que vinha seguindo em casos congéneres.

3 — Dado que esta prática se afigurava ilegal, o Provedor de Justiça enviou ao presidente do conselho de gerencia da Siderurgia Nacional, E. P., uma recomendação em que, fundamentalmente, invocou a obrigatoriedade de, cm processos dc trabalho, autor e réu comparecerem pessoalmente em julgamento, independentemente de se fazerem representar por advogado no processo em geral, e isto por força do preceituado no artigo 89.9 do Código dc Processo do Trabalho.

E, consequentemente, concluía tal recomendação no sentido de, no caso concreto relatado, ser revogada a dedução aplicada e de futuramente cm casos análogos, a mesma empresa pública proceder de harmonia com 2 doutrina da recomendação.

4 — Ainda não se obúvera, cm 1990, resposta da Siderurgia Nacional sobre o acatamento ou não da recomendação.

Sumário: Trabalho. Função pública. Concurso. Classificação.

Objecto: Classificação indevida cm concurso para auxiliar administrativa.

Decisão: Reclamação procedente. Recomendação parcialmente aceite.

Processo: N.a R. 2248/88.

Síntese

1 — Um servente, opositor ao concurso interno dc ingresso para o preenchimento de uma vaga de auxiliar administrativo de 1.* ou 2.* classe do Instituto para a Cooperação Económica, veio queixar-se ao Provedor de Justiça da classificação e graduação que lhe foram atribuídas na respectiva lista classificativa final.

2 — Procedcndo-se à averiguação dos factos invocados, veio a apurar-se que:

a) Da lista classificativa final dos candidatos ao concurso em questão, o queixoso interpôs recurso hierárquico necessário para o Secretário dc Estado dos Negócios Estrangeiros;

b) Sobre aquele recurso pronunciou-sc a Auditoria Jurídica do respectivo Ministério, que, reconhecendo, embora, que, face aos fundamentos invocados pelo recorrente, o recurso devia ser considerado improcedente, apontou vários vícios dc que enfermaria o citado concurso, opinando que «nada impede que o recorrente venha a invocar aqueles outros vícios c, por virtude disso, obtenha a anulação contenciosa do concurso»;

c) Não consta do processo o despacho minisvctvá que teria recaído sobre o recurso ou aquele parecer, mas, visto ter havido posteriormente interposição de recurso contencioso, concíuíu-se que o recurso hierárquico cm causa foi indeferido.

3 — Considerando que, reconhecida, como foi, pela própria Auditoria Jurídica, a ilegalidade dos termos em que o concurso foi aberto, deveria este ter sido imediata e espontaneamente anulado pela entidade competente para o fazer, e não ficar a aguardar que aquela anulação viesse a ser posteriormente determinada pelo tribunal, sc o interessado viesse a recorrer contenciosamente;

Atendendo a que no critério de avaliação do mérito dos candidatos, de que veio a resultar a sua classificação e graduação na lista classificativa final, no factor «enuevista» não fora respeitado o sistema de avaliação determinaào pelo n.ft 2 do artigo 34.° do Decreto-Lei n.9 44/84, então vigente — ilegalidade, aliás, que no próprio parecer da Auditoria Jurídica cm referência se reconhece:

O Provedor dc Justiça recomendou ao Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros que:

d) Sc o prazo para tanto ainda não estivesse esgotado, fosse mandado anular, por enfermar de ilegalidade, o concurso em questão;

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b) Nos concursos que viessem a ser futuramente abertos, se passasse a aplicar à entrevista a escala de valorização legalmente prevista;

c) Ao detectar-se uma ilegalidade em processo de concurso, este fosse espontaneamente anulado, na parte por aquela afectada, sem necessidade de eventual interposição de recurso contencioso.

4 — Em resposta, foi comunicado que as recomendações supratranscritas tinham sido pelo Ministério respectivo «devidamente anotadas», continuando, porém, o serviço competente a aguardar a decisão do Tribunal Administrativo para o qual o interessado tinha oportunamente recorrido.

5 — Considerando que a Administração não é legalmente obrigada a acatar as recomendações do Provedor de Justiça, e pela circunstância de o caso estar afecto a Tribunal, foi mandado arquivar o processo.

Sumário: Trabalho. Função pública. Carreira. Objecto: Termo do regime de instalação das administrações regionais de saúde. Decisão: Recomendação. Processo: N.8 R. 58/89.

Síntese

1 — Numerosos médicos, clínicos gerais nas administrações regionais de saúde, apresentaram queixa por, apesar de desempenharem as suas funções há mais de uma dezena de anos, se manterem numa situação de instabilidade profissional em virtude dc estarem contratados em prestação eventual de serviços, a que o regime de instalação daquelas instituições obriga.

2 — A Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários informou não ter havido condições para pôr fim ao regime de instalação, tendo em conta o processo dc revisão constitucional, a aprovação da Lei de Bases da Saúde c alterações consequentes ao nível dos vários departamentos do Ministério da Saúde.

3 — Reconhecendo que a reformulação da política da saúde terá reflexos a nível das administrações regionais, não se deixou de notar que um regime legalmente previsto para um período máximo de dois anos se prolongava já há mais de 10.

4 — Ainda que, na prática, alguns efeitos negativos na carreira profissional tivessem sido minorados após a publicação do Dccreto-Lei n.° 413/86, de 13 de Dezembro, entendeu-se razoável que os médicos e os restantes trabalhadores estivessem descontentes, não só por lerem sido prejudicados em termos dc carreira, como por se encontrarem numa situação de emprego juridicamente precária.

5 — Nestes termos, além de chamar a atenção para o facto, o Provedor de Justiça recomendou ao Ministro da Saúde que, com a possível brevidade, fosse publicada legislação que pusesse termo ao regime de instalação nas administrações regionais de saúde, bem como fossem acautelados os direitos dos seus trabalhadores, desde que tivessem três anos de serviço.

6 — O Ministro da Saúde respondeu que com a entrada em vigor da Lei de Bases da Saúde se não justificava qualquer alteração que proceda a regulamentação daquela lei.

Tal regulamentação iria obviar aos inconvenientes apontados na recomendação do Provedor.

Sumário: Trabalho. Função pública. Colocação. Objecto: Colocação de um funcionário num determinado

estabelecimento de ensino por conveniência do serviço

e contra a vontade do interessado. Decisão: Reclamação procedente. Recomendação. Processo: N.° R. 2424/88.

Síntese

1 —Uma auxiliar da acção educativa de 1.' classe do quadro dc vinculação do distrito de Aveiro queixou-se ao Provedor de Justiça por ter sido colocada no ano lecüvo de 1988-1989, no Jardim Infantil de São Bento, freguesia de São João de Ver, solicitando a intervenção do Provedor de Justiça para que regresse ao estabelecimento dc ensino onde, desde 1974, desempenhava funções, isto é. Escola Primária de Fonte Seca da mesma freguesia.

Fundamentou a sua pretensão de regressar à Escola Primária de Fonte Seca cm razões dc ordem familiar, decorrentes da necessidade de prestar assistência a seu marido, que, de acordo com atestado médico que juntou, sofre de doença do foro psiquiátrico, necessitando por vezes dc assistência urgente da sua mulher.

A reclamante reside em frente à Escola Primária dc Fonte Seca, distanciando, segundo refere, o estabelecimento onde foi colocada 5 km da sua residência.

2 — Nas diligências efectuadas junto da Direcção Escolar dc Aveiro, entidade que, nos termos do artigo 13.° do Decreto-Lei n.8 223/87, de 30 de Maio, tem competência para a distribuição do pessoal não docente pertencente ao quadro de vinculação do distrito de Aveiro pelos diversos quadros de afectação do mesmo distrito, apurou-se:

a) A deslocação da reclamante para o Jardim-dc-In-fância de São Bento foi imposta pela necessidade de suprir carências de pessoal, em consequência dc afectação de uma auxiliar educativa daquele estabelecimento no Jardim-dc-Infância dc Pontão, em Santa Maria da Feira;

b) A Escola de Fonte Seca tinha pessoal excedentário;

c) O critério utilizado na escolha do funcionário a deslocar foi o da maior antiguidade;

d) Distanciar a residência da queixosa aproximadamente 1850 m do Jardim-de-Infância de São Bento.

3 — Nos termos do Decreto-Lei n.° 223/87, de 30 de Maio, o pessoal não docente dos estabelecimentos de educação pré-escolar, dos ensinos primário, preparatório e secundário e das escolas do magistério primário e normais de educadores dc infância é provido em quadros dc vinculação, criados a nível distrital, e distribuído pelo respectivo director escolar por quadros de afectação.

3.1 — Os quadros de afectação compreendem os estabelecimentos de ensino situados na mesma localidade. Entende-se por localidade, nos termos do mesmo diploma, «a cidade ou vila onde se situam os estabelecimentos dc ensino dependentes do Ministério da Educação e, no caso das escolas primárias e jardim-dc-infância, a freguesia».

3.2 — Assim, a Escola Primária de Fonte Seca e o Jardim-de-Infância de São Bento integram o mesmo quadro de afectação.

3.3 — A distribuição do pessoal pelos diversos estabelecimentos que integram o mesmo quadro de afectação é feita anualmente e é realizada por exclusivo interesse da

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II SÉRIE-C — NÚMERO 31

Administração, sem prejuízo de poderem ser respeitadas as solicitações dos interessados (cf. artigo 13.° do diploma citado).

4 — Do exposto concluiu-se não haver, numa perspectiva estritamente legal, qualquer censura a fazer ao procedimento do director escolar de Aveiro. De facto, a afectação da reclamante para o Jardim-de-Inlãncia de São Bento está suficientemente fundamentada sc o critério utilizado para a escolha do funcionário a deslocar da Escola Primária de Fonte Seca para aquele estabelecimento for objectivo.

5 — Não obstante este reconhecimento, o Provedor de Justiça, atenta a situação familiar da queixosa, que, além do marido doente, linha um filho em idade escolar (ensino primário), entendeu formular uma recomendação ao director escolar de Aveiro no sentido de no ano lectivo seguinte ser reponderada a possibilidade de a reclamante voltar a ser colocada na Escola Primária de Fome Seca — isto, atendendo, naturalmente, não só à situação de funcionária, como, também, aos interesses do ensino.

6 — Tal reponderação veio a ler lugar, mas a decisão anterior manteve-se, por razões que se afiguraram correctas, face ao comportamento conflituoso que o marido da reclamante vinha tendo, antes mesmo da sua saída para o Jardim-dc-Infância de São Bento (e que se manteve posteriormente), para com o corpo docente da Escola dc São João de Ver e nas suas imediações. O retomo da reclamante, por estas razões, seria prejudicial ao bom funcionamento da Escola e desaconselhável para as crianças.

Sumário: Trabalho. Função pública Comissão dc serviço. Objecto: Apreciação de eventual ilegalidade na cessação de funções.

Decisão; Reclamação procedente. Recomendação não

acatada. Processo: N.9 1053/89.

Síntese

1 — O então chefe de serviço de cirurgia geral do Hospital de Santa Cruz apresentou queixa por ter sido dada por finda, em 21 de Abril de 1989, a sua comissão de serviço naquelas funções, sem que o acto da administração tenha sido fundamentado, considerando ilegal e discriminatório o seu afastamento.

2 — Apurados os factos, com base nos documentos enviados pelo queixoso e pela Direcção-Geral dos Hospitais, entretanto ouvida sobre o assunto, concluiu-sc que:

2.1 — Em 1983, estando o referido Hospital em regime de instalação, o médico reclamante foi nomeado, cm comissão de serviço, chefe de serviço hospitalar.

2.2 — Publicado o quadro do Hospital, em 28 de Junho de 1985 (em anexo ao Decreto-Lei n.9 215/85, dc 28 de Junho), com uma regra de integração de todo o pessoal no quadro, os médicos, chefes de serviço como o queixoso, tiveram as suas nomeações publicadas no Diário da República, em 16 e 19 de Fevereiro de 1987, o mesmo não se tendo verificado quanto a ele.

3 — Analisados todos os elementos processuais, consi-derou-se ilegal a cessação de funções.

Efcctivamente._o_artigo 16.9 do Decreto-Lei n.9 215/85, de 28 de Junho, determina, no seu n.9 1:

Serão integrados no quadro anexo a este diploma os funcionários que, a qualquer título, estejam em serviço no Hospital de Santa Cruz e tenham vínculo a algum quadro da Administração Pública.

Trata-se de uma norma imperativa e de âmbito muito lato, perante a qual cede a prevista no n.9 4 do artigo 82." do Dccrcto-Lei n.9 413/71, dc 27 de Setembro, uma vez que, sendo aquela uma regra especial, sobrepõe-se ao regime geral aplicável às instituições cm regime dc instalação.

4 — Assim deixam dc ser legítimas quaisquer considerações, como as que foram feitas pelas entidades hospitalares, acerca da caducidade da nomeação em comissão de serviço, que até nem podia ter tido lugar, pois, de acordo com o próprio regime da instalação, as nomeações só caducam se os admitidos não vierem a ingressar nos quadros.

5 — Nem se pode considerar, como dizia a Direcçâo--Gcral dos Hospitais, que o queixoso se encontrava em situação irregular desde a data em que teria cessado o seu mandato, pois o facto dc, então, se cumprirem três anos sobre a data da sua nomeação em comissão de serviço não releva, já que a nomeação, a terminar, o deveria ser com o termo do regime de instalação, o que, como sc viu, se não poderia ter verificado.

6 — Também não é aceitável o entendimento do conselho dc administração do Hospital de que, nos termos do n.91 do artigo 2.9 do Decreto-Lei n.9 215/85, o provimento do pessoal tinha de ser feito por nomeação provisória ou comissão de serviço durante o período dc um ano. Trata--se de uma norma geral de provimento dos lugares do quadro que não tem dc ser aplicada em conjugação com o artigo 16.9 e define um prazo de provisoriedade dos primeiros provimentos. Aliás, o Decreto-Lei n.9 215/85 não fixa um prazo para dar cumprimento à integração no quadro, prevista no artigo 16.9, que, cm princípio, devia ser imediata (embora, quanto aos colegas do queixoso, tivesse tido lugar passado mais de um ano).

7 — Nada obstando a que se procedesse à nomeação do reclamante, pondo termo a uma situação que a própria Administração (ainda que, através de gestões anteriores) criara, o Provedor de Justiça recomendou, em 12 de Janeiro de 1990, a revogação, por ilegalidade, do acto dc cessação de funções do reclamante c a sua nomeação para lugar correspondente do quadro do Hospital dc Santa Cruz, nos lermos cm que o foram os outros médicos, cm situação similar.

8 — Inquirido o conselho de administração sobre a sequência dada à recomendação, este disse aguardar a sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, para o qual o interessado recorrera.

9 — O Provedor de Justiça realçou que o facto de pender recurso contencioso não obstava à possibilidade dc ser atendida a sua recomendação.

10 — A Administração manteve, entretanto, a sua posv ção.

Sumário: Trabalho. Função pública. Concurso. Graduação.

Auxiliar de segurança. Objecto: Revogação do despacho homologalório de lista

de classificação final. Decisão: Reclamação procedente. Recomendação acatada,

para futuro. Processo: N.9 R. 1622/87.

Síntese

1 — Uma candidata a concurso para auxiliares de segurança da Polícia Judiciária apresentou ao Provedor de

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Justiça uma exposição em que contestava a legalidade da actuação do júri desse concurso, aberto por avisos publicados no Diário da República, 2.- série, de 19 de Dezembro de 1986 e 11 de Junho de 1987, por o mesmo:

d) Ter suprimido a área dc Matemática na prova de conhecimentos, com ofensa do disposto no ponto 6.1 do aviso de abertura do concurso e artigo 37.9, n.9 2, do regulamento do concurso;

b) Ter adoptado como tema da prova na área de Língua Portuguesa «A Policia Judiciária — seus objectivos e a integração das actividades do serviço dc segurança na concretização desses objectivos», matéria bastante específica, o que contraria o disposto no mesmo ponto 6.1 do aviso dc abertura do concurso e artigo 37.", n.° 2, do regulamento do concurso, na medida em que estabelecem que as provas sejam sobre conhecimentos adquiridos no âmbito da escola ou resultantes da vivência do cidadão comum.

2 — Consultado o júri do concurso, veio o mesmo aduzir os seguintes argumentos:

a) O disposto no artigo 37.9, n.9 2, do regulamento dos concursos define as áreas sobre as quais poderá incidir a prova de conhecimentos, mas não exige que a mesma abranja todos, tendo o júri entendido que os conhecimentos de Matemática adquiridos ao nível da escolaridade obrigatória em nada contribuirão para a avaliação das capacidades exigidas para o exercício da função de auxiliar de segurança;

b) A prova de Língua Portuguesa, embora versando sobre aspectos específicos dos objectivos da Polícia Judiciária e da inserção do serviço de segurança na concretização desses objectivos, visava fundamentalmente avaliar a capacidade de expressão escrita dos candidatos, a lógica interna do discurso, bem como a força de o desenvolver e estruturar.

3 — Analisado o processo, concluiu-se o seguinte:

d) O artigo 37.9, n.6 2, do regulamento especial aplicável a este concurso pré-scleccionou as áreas sobre as quais deveriam versar as provas de conhecimentos — Língua Portuguesa e Matemática —, não podendo concluir-sc da sua redacção a faculdade de o júri do concurso poder excluir qualquer delas;

b) O artigo 18.", alínea f), do mesmo regulamento determina que, nos casos em que haja prestação de provas, os avisos de abertura dos respectivos concursos deverão enumerar as provas a prestar pelos candidatos e as matérias sobre que as mesmas versam; esta exigência foi cumprida no concurso em apreciação, e do ponto 6.1 do aviso de abertura deste concurso, publicado no Diário da República, 2' série, de 19 dc Dezembro de 1986, constava expressamente que as provas incidiriam «particularmente nas áreas de Língua Portuguesa e Matemática;

c) Os júris dos concursos estão vinculados ao cumprimento das normas legais e regulamentares aplicáveis a cada concurso, bem como às regras que constam dos avisos de abertura, as quais, mesmo na hipótese de não resultarem de exigência

de normas legais ou regulamentares (o que não sucede obviamente neste caso, dada a redacção do artigo 37n.9 2, do regulamento), funcionam como regras de cumprimento obrigatório, na medida em que representam a figura da au-tovinculação do poder discricionário;

d) Por outro lado, a temática da prova de Língua Portuguesa, pela sua especificidade, não sc inscreve num processo de avaliação de conhecimentos adquiridos ao nível da escolaridade obrigatória ou resultantes da vivência do cidadão comum (conforme exigido pelo artigo 37.6, n.9 2, do regulamento dos concursos e ponto 6.1 do aviso de abertura), já que o nível de preparação académica dos candidatos não potencia uma forma de exposição que não se cingisse a aspectos puramente descritivos, os quais estão sempre condicionados ao conhecimento concreto das temáticas sobre que versam;

é) A selecção dc um tema tão específico também não era sugerida, com um mínimo de previsibilidade, pelos concorrentes, cm face das exigências constantes do regulamento e do aviso dc abertura do concurso, o que ofende o «princípio da divulgação atempada dos métodos c provas de selecção a utilizar» constante do artigo 4.9, alínea c), do Decreto-Lei n.9 44/84, de 3 de Fevereiro (aplicável como legislação subsidiária), bem como o princípio da divulgação prévia das matérias sobre que versam as provas, a que sc refere o artigo 18.9, alínea b), do regulamento especial desse concurso.

Por estes motivos, o Provedor dc Justiça dirigiu ao director da Polícia Judiciária uma recomendação no sentido da revogação do despacho homologatório da lista de classificação final do concurso, determinando a abertura dc novo concurso ou a repetição das provas de conhecimentos pelos candidatos constantes da lista definitiva de admissão ao concurso.

4 — O director da Polícia Judiciária veio responder que a prova concreta dc Matemática não tinha forçosamente de ser efectuada e que a prova de Português poderia ter versado sobre o tema «Polícia Judiciária e seus objectivos», já que a mesma é tema diário na comunicação social, a actividade da Polícia Judiciária faz parte da bagagem de conhecimentos gerais do cidadão comum, esses conhecimentos devem ser exigíveis a candidato à integração naquela Polícia e outros elementos seriam ponderados através do texto apresentado pelos candidatos, nomeadamente, expressão redactorial, construção da frase, correcção ortográfica, etc.

Por outro lado, a anulação do concurso, que só linha sido objecto de um recurso hierárquico para o Ministro da Justiça (não atendido) e de nenhum recurso contencioso, iria colidir com os direitos dos 23 primeiros classificados já providos e em exercício de funções, e com expectativas dos 115 candidatos aprovados para preenchimento das vagas surgidas no quadro, dentro dos dois anos dc validade do prazo do concurso. Tendo em aienção as considerações expostas, a recomendação foi acatada com o sentido de orientação para melhoria dos serviços.

5 — O Provedor de Justiça deu o seu acordo ao entendimento sugerido pelo dircctor-geral, no sentido de a recomendação dever ser entendida como orientação para melhoria dos serviços, com projecção em futuros concursos.

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II SÉRIE-C — NÚMERO 31

Sumário: Trabalho. Função pública. Concurso. Objecto: Não provimento de uma concorrente em lugar

que lhe pertencia, pela ordem de graduação, na lista

classificativa final de concurso. Decisão: Reclamação procedente. Recomendação aceite. Processo: N.° R. 834/88.

Síntese

1 — Uma opositora a um concurso aberto para provimento dos lugares de segundo-oficial do quadro de pessoal de estabelecimentos de ensino não superior e direcções escolares queixou-se ao Provedor de Justiça por não ter sido provida num dos lugares postos a concurso e a que se candidatara, quando haviam ficado lugares vagos ainda por preencher, com a agravante de ter sido provida outra candidata com classificação e graduação, na lista classificativa final, inferiores às suas.

2 — Tendo-se procedido à instrução do respectivo processo, através de diligências feitas junto dos serviços competentes, veio a apurar-se que:

a) Os dois lugares vagos, à data da abertura do concurso do estabelecimento de ensino a que a reclamante se candidatara, tinham sido preenchidos por opositores mais graduados que a reclamante;

b) No entretanto, e ainda dentro do prazo dc dois anos da validade do concurso, ficou vago mais um lugar de segundo oficial, por promoção do seu titular, em 2.* fase do concurso para primeiro--oficial, cuja abertura ocorrera na mesma data daquele auto em referência.

3 — Nestes termos, o Provedor de Justiça recomendou ao director-geral da Administração Escolar que a reclamante fosse provida naquele último lugar posteriormente vago, a menos que concorrente mais graduado que ela se não encontrasse ainda colocado.

E isto, embora tivessem já decorrido dois anos sobre a abertura do concurso, pois, nos termos do artigo 14.8 do Decreto-Lei n.B 44/84, então vigente, o concurso se mantém aberto enquanto estiverem por preencher vagas surgidas durante o seu prazo de validade.

4 — Embora a Direcção-Geral da Administração Escolar lenha aceite a recomendação, a reclamante não veio a ser provida no lugar, visto se ter apurado existir outra candidata mais graduada e que tao-pouco tinha obtido colocação na vaga em questão.

Sumário: Trabalho. Função pública. Concurso. Objecto: Concurso de acesso para primeiros-oficiais.

Fornecimento de textos de apoio desactualizados. Decisão: Reclamação parcialmente procedente. Processo: N.s R. 330/89.

Síntese

1 — Um segundo-oficial do Centro Hospitalar de Vale de Sousa queixou-se ao Provedor de Justiça do modo como decorreu o concurso de acesso para preenchimento de ires lugares de categoria dc primciro-oficial do quadro do pessoal daquele Centro Hospitalar, aberto por aviso publicado no Diário da República, 2* série, de 20 de Agosto dc 1988, no qual não obteve aprovação.

1.1 — Concretamente baseou a sua queixa no seguinte:

o) A legislação que lhe foi fornecida como texio de apoio para preparação das provas estar já revogada;

b) Não ter sido submetido à entrevista.

2 — Analisado o caso, e feitas as necessárias diligências, comprovou-se efectivamente que os textos de apoio fornecidos aos candidatos conúnham legislação já revogada, designadamente o Decreto-Lei n.9 191-C/78, de 26 de Junho, que linha sido expressamente revogada pelo Decreto-Lei n.9 248/85, de 15 de Julho, sem que se fizesse qualquer referência expressa a este facto.

3 — Sobre este aspecto fez-se significar ao director-geral dos Hospitais, como entidade coordenadora dos estabelecimentos de saúde, a necessidade de em futuros concursos ser fornecida legislação actualizada, ou então, quando dos textos de apoio viesse a constar legislação já revogada, de se fazer menção expressamente desse facto.

4 — Relativamente à entrevista não foi feita qualquer censura, uma vez que se apurou que a não submissão do reclamante se ficara a dever ao facto dc na prova dc conhecimentos ter obüdo classificação inferior a 10 valores. Prova esta que nos termos do artigo 32.° do Regulamento dos Concursos para Lugares dc Ingresso e Acesso do Pessoal Administrativo e Suas Chefias dos Estabelecimentos Dependentes c Integrados no Ministério da Saúde, publicado no Diário da República, 2.* série, de 9 de Janeiro de 1984, tinha carácter eliminatório, se a pontuação obtida fosse inferior a 10 valores.

5 — Mas fez-se reparo pelo facto de ter sido fornecida legislação revogada aos candidatos.

Considerou-sc que essa atitude podia ser tida por enganosa — a menos que os concorrentes fossem expressamente alertados para o facto.

Sumário: Trabalho. Funçüo pública. Concurso. Recurso.

Segundo-oficial. Objecto: Revogação do despacho homologatório da lista

dc classificação final do concurso. Decisão: Reclamação procedente. Recomendação acatada

para o futuro. Processo: N.9 795/89.

Síntese

1 — Duas reclamantes, segundos-oficiáis do Instituto Nacional de Defesa do Consumidor, apresentaram ao Provedor de Justiça uma exposição cm que punham em causa a legalidade da actuação do júri designado para a selecção dos candidatos a um concurso para primeiros--oficiais desse organismo.

2 — Analisando o processo, o Provedor de Justiça emiúu uma recomendação dirigida ao Secretário dc Estado competente no seniido da revogação do despacho homo-logaiório da lista dc classificação final, tendo em atenção as seguintes justificações:

a) Insuficiente fundamentação da classificação dada na entrevista aos vários candidatos, por da acta t\ía constarem os parâmetros de avaliação utilizados pelo júri para a atribuição da nota da entrevista, pois o peso de subjectividade de uma prova deste lipo é inconciliável com a mera indicação da nota

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correspondente (parecer da Procuradoria-Geral da República n.° 106/88, no Diário da República, 2.» série, n.a 93, de 24 de Abril de 1989, e Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (pleno) de 24 dc Fevereiro de 1987 no Apêndice ao Diário da República de 4 de Novembro dc 1988]; b) Falta de conhecimento, em devida forma, dos critérios de selecção utilizados pelo júri do concurso, por tais critérios não constarem nem do aviso de abertura do concurso, nem dos actos do júri, que apenas mencionavam a aplicabilidade de um regulamento interno não publicado no Diário da República. Ora, não tendo o mesmo sido publicado oficialmente, tais critérios deveriam ter constado expressamente do aviso de abertura ou dos actos do júri.

3 — O Secretário de Estado do Ambiente e Recursos Naturais acatou a recomendação feita para futuros concursos dado entretanto uma das reclamantes já ter sido provida em vaga do mesmo concurso e a ouua ter recorrido contenciosamente, o que impediria eventual revogação do acto recorrido.

Sumário: Trabalho. Funções públicas. Concurso de acesso.

Recurso hierárquico. Provimento. Objecto: Decisão dos recursos hierárquicos interpostos do

despacho dc homologação da lista de classificação final

de um concurso de acesso. Decisão: Reclamação procedente. Situação resolvida. Processo: N.° R.2508/89.

Síntese

1 — Um engenheiro técnico agrário principal do quadro da Direcção Regional dc Agricultura de Enttc Douro e Minho solicitou a intervenção do Provedor de Justiça para que fossem decididos o mais rapidamente possível os recursos hierárquicos interpostos do despacho de homologação da lista de classificação final dum concurso de acesso para técnico especialista daquele organismo, na qual obtivera o primeiro lugar.

2 — Foi o seguinte o quadro factual em que assentou o pedido do queixoso:

a) Por aviso publicado no Diário da República, 2.! série, de 31 de Dezembro de 1987, foi aberto concurso de acesso para provimento de lugares de categoria de técnico especialista da carreira de engenheiro técnico agrário do quadro da Direcção Regional dc Enue Douro e Minho, tendo a lista de classificação final, na qual o reclamante obteve o primeiro lugar, sido homologada por despacho dc 24 de Outubro de 1988;

b) Deste despacho foram interpostos recursos hierárquicos para o Secretário dc Estado da Agricultura, que, dando provimento aos mesmos, revogou aquele despacho ordenando a repetição de algumas fases do concurso;

c) Na sequência desta repetição, foi elaborada nova lista de classificação final, homologada por despacho de 18 dc Outubro de 1989, na qual o reclamante voltou a ficar posicionado em primeiro lugar;

d) Também deste despacho de homologação foram apresentados alguns recursos hierárquicos para o Secretário de Estado da Agricultura;

e) Perfazendo o queixoso 70 anos dc idade em finais de Dezembro de 1989, e perante alguma morosi-

dade que já se verificava na decisão dos recursos referidos na anterior alínea, solicitou ao Provedor dc Justiça que interviesse junto daquele membro do Governo para que os recursos fossem decididos o mais rapidamente possível, de modo que pudesse ser provido no lugar dc técnico especialista antes da data em que atingiria o limite de idade para o exercício de funções públicas e consequentemente a pensão de aposentação que lhe viesse a ser atribuída pudesse ser calculada com base no vencimento daquela categoria.

3 — Mediante a intervenção do Provedor de Justiça foram os recursos decididos a tempo de o reclamante ser provido antes de completar 70 anos de idade e ser obrigatoriamente aposentado.

Sumário: Trabalho. Função pública. Curso de formação. Objecto: Definição das prioridades de frequência no curso

de especialização em enfermagem de reabilitação. Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada. Processo: N.a R. 261/90.

Síntese

1 — Uma enfermeira da Administração Regional de Saúde de Braga apresentou queixa por não ter sido admitida à frequência do curso de especialização em Enfermagem de Reabilitação, apesar de haver sido classificada em l.9 lugar, por ter sido concedida prioridade a uma candidata que estaria na situação de aluna supranumerária.

2 — Após audição da Escola de Enfermagem Pós-Bá-sica do Porto e do Departamento de Recursos Humanos da Saúde, realizou-se nova diligência junto do Departamento de Ensino de Enfermagem.

Salientou-se que não se considerava claro que, face aos critérios de selecção fixados no despacho ministerial de 14 dc Junho de 1989, tivesse sido afastada uma candidata seleccionada com base nos critérios de admissão, por ser dada preferência a uma repetente, situação para que estava prevista a admissão como supranumerário.

Realçava-se a necessidade de clarificar os termos da aceitação de candidatos supranumerários.

3 — Posteriormente, a dircctora-geral do Departamento dc Recursos Humanos da Saúde comunicou que, após reapreciação do assunto, se considerara haver razão na queixa. Determinou, por isso, que a enfermeira reclamante viesse a ser admitida automaticamente e como supranumerária no próximo curso de especialização em Enfermagem de Reabilitação, sendo dispensada da realização dc nova prova de conhecimentos.

Chamou-se ainda a atenção da Escola para a necessidade de aplicar escrupulosamente os critérios fixados para a selecção dos candidatos.

Sumário: Trabalho. Função pública. Disciplina. Objecto: Aplicação da sanção disciplinar por comportamento digno de censura. Decisão: Reclamação procedente. Sugestão acatada. Processo: N.9 R. 1323/88.

Síntese

1 —Um cidadão queixou-se pelo facto de ter sido agredido por um guarda prisional quando ambos se en-conuavam numa cervejaria na cidade de Lisboa.

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2 — Organizado o processo disciplinar, viria o mesmo a ser arquivado, essencialmente pela circunstância de o queixoso ser um cidadão com um grande cadastro criminal.

3 — Analisado, porém, o processo disciplinar na Provedoria de Justiça, concluiu-se não haver margem para dúvidas quanto à existência de infracção disciplinar, independentemente da personalidade do ofendido, e, por isso, o Provedor de Justiça chamou para esse facto a atenção do director-geral dos Serviços Prisionais. O dircctor-geral concordou com a perspectiva do Provedor, decidindo a aplicação da adequada sanção disciplinar.

Sumário: Trabalho. Função pública. Disciplina. Demissão. Objecto: Revogação do despacho punitivo. Decisão: Reclamação procedente. Recomendação. Processo: N.9 R. 476/90.

Síntese

1 — Um funcionário do Ministério da Educação apresentou ao Provedor de Justiça uma exposição em que se reclamava do despacho do Secretário de Estado Adjunto do Ministério da Educação de 31 de Janeiro de 1990 que indeferira recurso interposto da decisão da mesma entidade que lhe aplicara a pena de demissão.

2 — Depois de ouvidos os serviços competentes do Ministério da Educação e exame dos documentos relacionados com o processo disciplinar, o Provedor de Justiça exarou o seguinte despacho:

2 — Analisado o processo, concluí que o despacho de 31 de Janeiro de 1990 enferma de várias ilegalidades.

2.1 —Não é exacta a posição defendida na informação n.9 23/GJ/90, de 22 de Janeiro de 1990, ao sustentar que o despacho de demissão de 11 de Outubro de 1989 era insusceptível de recurso hierárquico. Era-o, sim, de recurso hierárquico necessário. Mas sempre podia dele ser interposto recurso hierárquico facultativo, possibilidade ajustada ao instituto da delegação de poderes (cf. Robin de Andrade, A Revogação dos Actos Administrativos, pp. 317 e 318 e 323 e 324). Esta posição aparece hoje legalmente consagrada, na medida em que o Decrelo-Lei n.9 323/89, de 29 de Setembro (artigo 15.9, n.° 3) dispõe que «as delegações não prejudicam, em caso algum, o direito de avocação ou de direcção e o poder de revogar os actos praticados».

2.2 — Por outro lado, não poderia o Sr. Secretário de Estado decidir um recurso interposto de acto seu. A tanto se opõe o artigo l.9, n.9 1, alínea g), e o princípio da imparcialidade. E confirma-o expressamente o n.9 5 do artigo 15.9 do Decreto-Lei n.B 323/89, ao prescrever que «o delegado não pode conhecer do recurso hierárquico dos actos por si praticados no âmbito dc delegação, interposto para o delegante, sendo nulos os actos de decisão de lais recursos praticados pelo delegado.

2.3 — Finalmente parece duvidoso que o acto do Sr. Secretário de Estado esteja fundamentado (sobre o significado do despacho de «indeferido» e da fundamentação por referência, por remissão ou per relationem —cf. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo em plenário da 1.* Secção de 5 de Abril de 1990, em i4c<5rdaos Doutrinais, n.9 346, p. 1253).

Conclusões:

1) Nos actos praticados por delegação (hoje os Secretários de Estado não dispõem de competência própria) deve ser sempre feita essa menção;

2) A entidade que praticou o acto não pode decidir recurso hierárquico interposto de acto seu;

3) Ao recurso apresentado pelo reclamante deve ser dado legal seguimento para despacho do Sr. Ministro da Educação.

3 — No termo do caso, dcsconhecia-sc ainda o seguimento dado às recomendações constantes daquele despacho.

Sumário: Trabalho. Função pública. Diuturnidades.

Objecto: Contagem para efeitos de atribuição de diuturnidades do tempo dc serviço prestado nas campanhas da pesca do bacalhau.

Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.

Processo: N.9 R. 2858/88.

Síntese

1 — Um funcionário do Instituto Regulador c Orientador dos Mercados Agrícolas (1ROMA) queixou-se ao Provedor de Justiça por não lhe ser contado para efeitos de concessão de diuturnidades o tempo de serviço que prestou nas campanhas da pesca do bacalhau (mais de seis anos seguidos, entre 23 de Junho de 1970 c 1 de Dezembro de 1979).

2 — Sobre a questão foi dirigido ofício circunstanciado ao presidente do IROMA, no qual se ponderou, entre outros aspectos, o seguinte:

a) Da nota 6, ¿7), do quadro n.9 2 anexo à Portaria n.9 13 330, de 17 de Outubro de 1950, resulta com clareza que a participação cm seis campanhas seguidas da pesca do bacalhau substitui a prestação do serviço militar obrigatório;

b) Para efeitos de diuturnidades, releva todo o tempo de serviço militar, independentemente das condições em que foi prestado, com excepção do tempo acrescido (cf. ponto 4 da circular n.9 820, série A, da Dirccção-Geral da Contabilidade Pública;

c) Deve assim o tempo dc serviço prestado nas, campanhas do bacalhau, desde que, no mínimo, em número de seis seguidas, relevar para efeitos de atribuição dc diuturnidades.

3 — Na sequência deste ofício, o IROMA reviu a situação do queixoso, bem como a de outros funcionários em igualdade de situação, contando-lhes o tempo de serviço prestado nas campanhas do bacalhau para diuturnidades.

Sumário: Trabalho. Função pública. Educadoras dc infância.

Objecto: Contagem de tempo de serviço. Eliminação dc 30 dias devidos às educadoras de infância no ano lectivo de 1986-1987.

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Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada. Processo: N.9 R. 647/89.

Síntese

1 — Vários educadores de infância requereram ao Ministério da Educação que lhes fosse contado o tempo de serviço correspondente a 30 dias que não lhes haviam sido levados em consideração no ano lectivo de 1986-1987, por terem sido aplicados diferentes critérios nas diversas direcções dos distritos escolares do País.

2 — A Direcção-Geral da Administração Escolar indeferiu a pretensão dos reclamantes. Essa atitude levou à apresentação da queixa junto do Provedor de Justiça, que encetou, de seguida, diligências no sentido de resolver a questão.

3 — Ouvida sobre o assunto, a então Direcção-Geral de Administração e Pessoal entendeu que deviam ter sido contados os 30 dias de serviço correspondentes ao mês de Setembro do ano lectivo de 1985-1986, de acordo com o disposto no artigo 48.° do Decreto-Lei n.fi 180/82, de 15 de Maio.

4 — É que, embora só houvessem sido colocadas em meados de Setembro do ano em causa, as interessadas, por pertencerem ao quadro, deveriam considerar-se colocadas desde o dia 1 desse mês.

Apesar de ser favorável aos educadores de infância, a posição assumida pela DGAP em nada veio resolver o assunto.

5 — Assim, e após várias diligências junto da Direcção do Distrito Escolar de Castelo Branco, acabou por se resolver a questão tendo sido contados os 30 dias correspondentes ao mês de Setembro no ano lectivo de 1985-1986.

6 — Satisfeita a pretensão dos reclamantes, foi determinado o arquivamento do processo.

Sumário: Trabalho. Função pública. Efectivos interdepartamentais. Prova de nacionalidade.

Objecto: Ingresso no quadro de efectivos interdepartamentais de ex-funcionário da administração ultramarina, ao abrigo da alínea f) do n.91 do artigo 9.9 do Decrcto--Lei n.9 42/84, de 3 de Fevereiro, por lhe haver sido conservada a nacionalidade portuguesa.

Decisão: Reclamação procedente. Recomendação atendida.

Processo: N.9 R. 219/88.

Síntese

J — Um ex-funcionário dos Serviços de Portos, Caminhos de Ferro e Transportes da ex-colónia de Angola queixou-se ao Provedor de Justiça por se não conformar com o despacho de 17 de Dezembro de 1987, confirmado depois por despacho do director-geral de Integração Administrativa, que indeferira o seu pedido de ingresso no ex-quadro geral de adidos, com o fundamento de que o pedido dc conservação de nacionalidade que formulara só havia sido apresentado sete anos após o pedido de ingresso no quadro geral de adidos, ficando, deste modo, prejudicada a integração no quadro de efectivos interdepartamentais, ao abrigo do disposto no n.9 1, alínea f), do artigo 9.9 do Decreto-Lei n.9 42/84, de 3 de Fevereiro.

2 — Realizada a instrução do processo, com audição da D/recção-Geral da Administração Pública e Secretaria de

Eslado do Orçamento, perfilaram-se, acerca do objecto da queixa, duas teses contrárias:

a) A defendida pela Direcção-Geral da Administração Pública que entendeu não assistir ao reclamante o direito de ingresso, nem no extinto quadro geral dc adidos, nem no quadro dc efectivos interdepartamentais, uma vez que, à daia da extinção do quadro geral de adidos (30 de Junho de 1984), aquele não provara ter conservado a nacionalidade portuguesa, e, à data em que entregou a prova deste facto à Administração (ou seja em 29 de Maio de 1987), esta só aceitaria, como relevante, essa prova, se o mesmo demonstrasse não lhe ser imputável a morosidade na entrega do seu suporte documental [n.° 1, alínea j), do artigo 9.9 do Decreto-Lei n.° 42/84, de 3 de Fevereiro], hipótese em que lhe seria reconhecido o direito de ingresso no quadro de efectivos interdepartamentais;

b) Ao invés, o Provedor dc Justiça, analisando com detalhe todos os elementos disponíveis do processo, firmou o entendimento de que nenhum obstáculo, quer substancial quer formal, existia, para a integração do reclamante no quadro dc efectivos interdepartamentais, dada a extinção entretanto operada do quadro geral de adidos, onde, aliás, haveria de ter ingressado, em resultado da interpretação e aplicação adequadas do Despacho Normativo n.9 60/83, de 18 de Fevereiro. E isto, designadamente, atendendo aos efeitos retroactivos legalmente reconhecidos à conservação da nacionalidade.

3 — Assim, o Provedor de Justiça formulou a seguinte recomendação:

Que seja corrigida a situação, de conteúdo negativo, existente, em ordem a vir o reclamante a ser efectivamente integrado no quadro de efectivos interdepartamentais, com os devidos efeitos jurídicos retroactivos.

4 — Precedendo proposta da Direcção-Geral da Administração Pública — na qual se tiveram em conta os fundamentos factuais e legais invocados pelo Provedor de Justiça —, foi autorizado, por despacho da Secretaria de Eslado do Orçamento, o ingresso do reclamante no quadro de efectivos interdepartamentais, com efeitos retroactivos a partir dc 1 de Julho dc 1984, ao abrigo do disposto no n.9 1, alínea/), do artigo 9.9 do Decreto-Lei n.9 42/84, de 3 de Fevereiro, na categoria de operário qualificado dc 3.* classe, leira Q.

5 — Acatada a recomendação formulada e satisfeito, no essencial, o objecto da reclamação, procedeu-se ao arquivamento do processo.

Sumário: Trabalho. Função pública. Falias para assistência a familiares doentes.

Objecto: Possibilidade de um irmão faltar ao serviço para prestar assistência inadiável e imprescindível a um irmão doente, quando se prove ser aquele o único familiar em condições para a prestação da necessária assistência.

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II SÉRIE-C — NÚMERO 31

Decisão: Reclamação procedente. Sugestão de revisão

legislativa. Processo: N.9 R. 1280/90.

Síntese

1 — Um funcionário do Ministério do Ambiente e Recursos Naturais solicitou a intervenção do Provedor de Justiça no senüdo de ser alterada a Lei n.fl 4/84, de 5 de

Abril, e Decreto-Lei n.8 135/85, de 3 de Maio, respeitante

às faltas para assistência a familiares doentes, de modo

que fosse permitido aos irmãos faltar ao serviço para prestar assistência inadiável e imprescindível a um irmão, em condições idênticas às previstas para o cônjuge, ascendentes e descendentes, quando se prove ser ele a única pessoa em condições de prestar a assistência exigida pelo estado da doença.

2 — Ponderada a questão, concluiu-se que do ponto dc vista dc justiça social a mesma deveria merecer adequada tutela legal.

3 — Para este efeito, foram feitas diligências junto da Direcção-Geral da Administração Pública, que concordou com a sugestão do Provedor de Justiça, informando que o assunto iria ser estudado e ponderado no âmbito da revisão, em curso, do Decreto-Lei n.e 135/85, de 3 de Maio.

4 — Estando o assunto a ser estudado pela entidade competente, o Provedor de Justiça decidiu arquivar o processo.

Sumário: Trabalho. Função pública. Faltas injustificadas. Objecto: Justificação de faltas para frequência de curso de formação.

Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada. Processo: N.B R. 828/88.

Síntese

1 — A queixosa, chefe de secção, reclamou da actuação da administração do Hospital de Santiago do Cacém que considerara injustificadas três faltas correspondentes a dias em que participara num curso de formação que fora devidamente autorizada a frequentar.

2 — A direcção do Hospital, ouvida sobre o assunto, justificou-se comunicando que as falias da funcionária ocasionaram prejuízo para o serviço.

3 — Não se considerando satisfatória a resposta recebida, solicitou-se à Inspecção-Geral dos Serviços dc Saúde instauração de um processo de inquérito.

4 — Em relatório final do processo de averiguações, a referida Inspecçao-Geral concluiu que a injustificaçâo das falias não terá sido a medida mais adequada, recomendando a justificação das mesmas.

Na verdade, apurou-se que a queixosa não entregara, no prazo normal, certa documentação cuja elaboração lhe compelia. Fora por considerar que esse atraso era devido à frequência do curso que a direcção do Hospital não justificara as faltas em questão.

A verdade, porém, é que a funcionária fora autorizada a frequentar o curso e não lhe havia sequer sido comunicado que tal frequência não poderia prejudicar o atempado cumprimento das suas normais funções.

5 — Posteriormente, foi comunicado ter a comissão de delegados do Hospital deliberado justificar as faltas, com o que se arquivou o processo.

Sumário: Trabalho. Função pública. Médicos. Internato. Objecto: Desvinculação e subsequente contratação em regime de tarefa dos médicos que terminam o internato

geral.

Decisão: Reclamação procedente. Recomendação aceite. Processo: N.9 R. 1867/89.

Síntese

1 — Um médico trabalhando num Hospital em regime

de tarefa dirigiu ao Provedor de Justiça uma reclamação,

em que fundamentalmente se queixou dc que:

a) Os médicos que, por contrato de provimento, exerciam nos hospitais funções em regime de internato geral, terminado este, eram desvinculados e lançados para o desemprego, ou, pelos mesmos hospitais contratados em regime de tarefa, para exercerem as mesmas funções;

b) Deste modo, embora continuando a exercer precisamente as mesmas funções que vinham exercendo, vinham a ser remunerados com vencimentos muito inferiores.

Além disso, viam-se privados de todo o direito à assistência médico-medicamentosa, o tempo de serviço não lhes era contado para evolução em carreira, nem para efeitos de aposentação, e eram colocados numa situação de absoluta insegurança quanto à manutenção do emprego.

2 — Tcndo-se procedido ao apuramento dos factos junto do Ministério da Saúde, veio a apurar-se que:

d) Uma vez concluído o internato geral, cuja frequência é efectuada mediante a celebração de contratos administrativos de provimento, OU O médico ingressa, através dc concurso, numa das vagas do internato complementar (e entao mantém-se vinculado, porque celebra com a administração novo contraio de provimento), ou não ingressa, e, nesse caso, tem dc ser necessariamente desvinculado, uma vez que esgotou o período õe duração do correspondente contraio e, nessa medida, cessou o fundamento do vínculo que o unia ao departamento onde tinha sido colocado;

b) A contratação de médicos em regime de «tarefa» silua-se no domínio do direito privado, rclaciona--se com uma política de gestão de pessoal assente na preocupação de não aumentar os efectivos da função pública e destina-se a satisfazer necessidades de carácter excepcional, e dc urgência tendo em conta os interesses do serviço;

c) Acresce que a generalidade dos médicos contentados em regime dc tarefa pelos, hospitais, por possuírem apenas o grau de clínica geral, não poderiam ser integrados nos quadros daqueles, já que os mesmos só contêm lugares de assistente hospitalar e de chefe de serviço.

3 — Considerando a situação de insegurança c de injustiça dos médicos que, terminado o seu internato geral, continuam a exercer as mesmas funções, mas agora como «tarefeiros», em relação aos dos seus colegas em regime de internato geral ou complementar, o Provedor dc Justiça recomendou ao Ministro da Saúde que, face ao que no Decreto-Lei n.9 427/89, de 27 de Dezembro, é estaoc/c-cido quanto a contratos a termo certo (artigos 18.9 e seguintes), tendo em conta a legislação anterior que lhes diz

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respeito e para a qual aquele diploma remete (artigo 14.B, n.fl 3), e atendendo à definição do contrato de tarefa (que não envolve subordinação hierárquica), os médicos desvinculados por haverem cessado o internato geral ou complementar fossem, quando necessário, contratados a termo certo, e não sob o regime da chamada «tarefa». 4—Em resposta, foi comunicado que:

a) A partir do Decreto-Lei n.9 427/89, de 7 de Dezembro, o recrutamento do pessoal médico passaria a ser efectuado nas modalidades por aquele diploma tipificadas (nomeação, contraio administrativo de provimento e contrato a termo certo);

b) A situação dos médicos que se encontravam em regime de «tarefa», não possuindo título jurídico adequado, estava a ser objecto de processo de regularização, por força do disposto nos artigos 37.a e 38.9 do citado Decreto-Lei n.9 427/89.

5 — Ultrapassada, assim, a questão que originara, ordenou-se o seu arquivamento.

Sumário: Trabalho. Função pública. Nomeações. Objecto: Reapreciação de nomeações ilegais. Decisão: Reclamação procedente. Recomendação acatada. Processo: N.9 R. 404/87.

Síntese

1 — Este processo foi aberto com base na remessa, pelo Alto Comissário contra a Corrupção, de uma queixa que lhe fora apresentada, por entender haver matéria que cabia na competência deste órgão do Estado.

2 — As questões suscitadas referiam-se a várias situações que já tinham sido denunciadas ao Provedor de Justiça, dando lugar à abertura do processo n.9 85/R.1093, em que, após a realização de múltiplas diligências, se fizera uma recomendação ao Ministério da Saúde.

3 — O problema principal respeitava à nomeação de um auxiliar contabilista que desempenhava interinamente funções de chefe dc secção, como chefe de repartição substituto, na Direcção-Geral dos Hospitais, mantendo-se no lugar após ter teemiuado a interinidade, pelo regresso do respectivo titular, tendo ainda sido nomeado chefe de secção supranumerário.

4 — Entendcndo-se que, de acordo com o disposto no artigo 4.9 do Decreto-Lei n.9 106/78, de 24 de Maio, e n.9 5 do artigo ll.9 do Decreto-Lei n.9 191-F/79, de 26 de Junho, os chefes de secção podiam ser nomeados chefes de repartição, em regime de substituição, duvidava-se dc que o pudessem ser também quando apenas detentores da situação precária de interinidade.

5 — Questão tanto mais legítima quanto se verificava a acumulação de duas situações precárias, e o Tribunal de Contas, em Acórdão de 19 dc Junho de 1984 (in Boletim, n.9 21/1985, p. 320), levantara dúvidas sobre se a categoria de chefe de secção é susceptível de regime de interinidade, por a intenção do legislador ser no sentido «do encurtamento dos limites temporais deste regime de excepção».

6 — De mais duvidosa legalidade era ainda a nomeação como chefe de secção supranumerário que, entretanto, ocorrera.

A Direcção-Geral dos Hospitais justificava a nomeação com base no disposto no n.9 1 do artigo l.9 do Decreto-

-Lei n.9 130/76, de 14 de Fevereiro, qualificando a categoria de chefe de secção como lugar de ingresso. Ainda que tal categoria possa ser considerada de ingresso, designadamente nos serviços do Ministério da Saúde, quando o lugar for provido por diplomado com curso superior adequado, conforme prevê o n.9 10 do artigo 60.9 do Decreto-Lei n.9 413/71, de 27 de Setembro, nao o terá sido, certamente, quando foi nomeado chefe de secção um funcionário administrativo de cuja carreira é cargo de chefia, como prevê o n.° 4 do artigo 3.9 do Decreto-Lei n.9 465/80, de 14 de Outubro.

7 -r- Mesmo que se tivesse considerado tratar-se de uma nomeação interina em lugar de ingresso, não se teria aplicado correctamente a lei, uma vez que o despacho ministerial de 26 de Maio (citado pelos serviços da Di-recção-Gcral dos Hospitais) veio esclarecer que a proibição de nomeações interinas para lugares de ingresso, estabelecida no artigo 2.9 do Decreto-Lei n.9 130/76, de 14 dc Fevereiro, não é aplicável aos vinculados definitivamente à Administração no pressuposto de que, possuindo estes funcionários o seu lugar de origem, não lhes viria a ser aplicável a previsão do artigo l.9 da nomeação como supranumerários, situação a que o diploma quis expressamente pôr termo. Aliás, comparando o teor dos artigos 1.9 e 2.9, face ao texto preambular, resulta que o artigo l.9 foi de aplicação temporária, pois a partir da sua entrada em vigor não era permitida a nomeação interina cm lugares de ingresso.

8 — Ainda que a figura do funcionário supranumerário não tenha sido muito tratada, nem na doutrina nem na jurisprudência, nao deixa de se poder considerar que confere uma situação equiparada à titularidade da categoria (dando até preferência na ocupação de vagas da categoria correspondente dos respectivos quadros), o que, no caso de ser concedida a quem não possua a categoria respectiva, contraria a regra geral, estabelecida no artigo 5.9 do Decreto-Lei n.9 44/84, de 3 de Fevereiro, de recrutamento por concurso.

9 — Nestes termos, foi emitida recomendação cm Fevereiro dc 1987, no sentido dc ser dada por finda a substituição como chefe de repartição, considerando a ilegalidade, quer da nomeação quer da sua manutenção, após a extinção da situação que a justificou, e ainda de ser revogado o acto de nomeação como chefe de secção supranumerário, ferido de ilegalidade, por contrariar o disposto no n.9 1 do artigo l.9 do Decreto-Lei n.9 130/76. Estranhou--se também que um chefe de repartição de uma direcção--gcral pudesse estar ausente da sua repartição ires dias por semana, mesmo que para prestar colaboração numa instituição hospitalar. Em 10 de Agosto de 1988 foi comunicado ter sido revogado o despacho que havia nomeado o funcionário em causa chefe de secção supranumerário, após anterior comunicação em que se informava ter o mesmo deixado de exercer funções como chefe de repartição na Direcção-Geral dos Hospitais, por ter sido nomeado, na mesma categoria, para o Hospital Distrital do Barreiro.

10 — Entretanto, foram apresentadas novas queixas que deram origem aos processos n.os R.88/1651 e R.89/1906, relativamente às situações criadas no Hospital Distrital do Barreiro, com a referida nomeação do então primeiro-ofi-cial administrativo para o lugar de chefe de repartição, cm comissão de serviço, e de outros oficiais da carreira administrativa, sem a realização de concursos.

11 — Levantou-se, junto da Direcção-Geral dos Hospitais, o problema de saber em que termos fora provido como chefe de repartição (lugar que, legalmente, só podia ser

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preenchido por chefes de secção ou licenciados) um pri-mciro-oftcial, argumentando-se a nulidade de tal nomeação, face ao disposto no artigo 88.° do Decreto-Lei n." 100/84, de 29 de Março, aplicável à administração central por força do disposto no Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo (artigo 103." do regulamento anexo ao Decreto n.° 41 234, de 20 de Agosto de 1957), por se tratar de nomeação de funcionário sem concurso, faltando-lhe os requisitos exigidos por lei.

12 — Após várias insistências junto da Direcção-Geral dos Hospitais e do Gabinete do Ministro da Saúde, foi comunicado ter sido determinada a apresentação do funcionário em causa no seu lugar de origem, de primeiro--oficial, em 30 de Outubro de 1989, dado não possuir requisitos para ser integrado no quadro como chefe de repartição.

Foram ainda prestadas informações quanto à regularização de várias situações incorrectas, o que incluiu: considerar-se nula a nomeação, em substituição, de uma chefe de secção; dar-se por finda a prestação de serviços de dois tarefeiros; ser submetido a concurso um oficial administrativo, antes da nomeação para o quadro, etc.

13—Os aspectos remuneratórios e outros correlacionados com estes processos passaram a ser investigados na Inspccção-Geral dos Serviços de Saúde e na Alta Autoridade contra a Corrupção.

14 — Regularizadas as situações que deram origem às queixas, foram simultaneamente arquivados os processos n.os R. 1093/85, R.. 659/86, R. 404/87, R. 1651/88 e R. 1906/89.

Sumário: Trabalho. Função pública. Provimento. Nomeação. Concurso. Vaga.

Objecto: Concurso aberto, por lapso, para mais vagas do que as realmente existentes.

Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.

Processo: N.9 R. 2656/87.

Síntese

1 — Uma reclamante apresentou uma exposição ao Provedor de Justiça em que relatou a seguinte situação: por aviso publicado no Diário da República, foi aberto concurso, pelo Instituto de José de Figueiredo, para a contratação de quatro estagiários na área dos têxteis, correspondentes a quatro lugares vagos de artífices de 2° classe. A reclamante, que ficou classificada em 4.9 lugar, realizou o estágio com aproveitamento — mas, após o mesmo, não foi integrada nos quadros do organismo em causa, por, posteriormente, o mesmo ter concluído que o número de lugares vagos a prover era apenas de três, e não de quatro, como fora anunciado.

2 — Após várias diligências junto da referida instituição, invocando que o erro do anúncio fora imputável a lapso dos serviços e que de tal actuação resultara situação lesiva dos direitos e interesses profissionais da reclamante, promoveu-sc junto da entidade competente que diligenciasse no sentido da ultrapassagem da situação, por lhe caber por inteiro a responsabilidade na criação de uma expectativa que não veio a concretizar-se por motivo que lhe era imputável.

3 — O organismo em causa argumentou que o prazo de validade do concurso já terminara (artigo 14.', n.9 1, do Dccrcio-Lci n.9 44/84, de 3 de Fevereiro), o que obstaria

ao provimento da reclamante, e que todos os concursos são fonte de meras expectativas jurídicas, não geradores de direitos subjectivos, pelo que a reclamante teria dc aguardar a atribuição dc uma nova quota de descongelamento, a fim de poder candidatar-se a novo concurso externo.

4 — Refutou-se, contudo, tal posição, acentuando-sc que os antecedentes do caso sugeriam que a Administração deveria desenvolver todos os esforços na procura de uma

solução equitativa para a resolução do assunto. Poderia também invocar-se que, nos termos do n.9 2 do aviso dc abertura do concurso, o mesmo mantinha o seu prazo dc validade, por não terem sido preenchidos os quatro lugares nele anunciados, e, com a devida explicação ao Ministério das Finanças, deveriam desenvolver-se esforços para a criação e dotação de um quarto lugar de artífice de 2° classe, descongelando essa vaga a fim de propiciar o provimento da reclamante.

5 — O Instituto dc José dc Figueiredo, justificando a não adopção da solução propugnada pelo Provedor por se encontrar em fase de estudo o redimensionamento e racionalização dos quadros de pessoal, veio a dar outra solução ao caso: celebrou com a reclamante um contrato administrativo de provimento (artigos 37.°, n.0* 1 e 3, e 38.e do Decreto-Lei n.9 427/89, de 7 de Dezembro) na categoria de ingresso da carreira, correspondente às funções de artífice de 2.' classe, e comprometeu-se a abrir posteriormente concurso interno, ao qual a reclamante teria obrigatoriamente de candidatar-se.

Assim se alcançou, na medida do possível, uma solução aceitável para o caso.

Sumário: Trabalho. Programa dc Ocupação Temporária dc

Jovens. OTJ/88. Subsídio de almoço. Objecto: Pagamento do subsídio de almoço aos jovens que

integraram o Programa OTJ/88.

Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada. Processo: N." R. 787/88.

Síntese

1 — Um grupo de jovens apresentou queixa ao Provedor de Justiça alegando que, tendo integrado o Programa OTJ/88, não lhes havia sido pago o subsídio de refeição a que alegadamente unham direito.

2 — Analisada a reclamação, este órgão do Estado veio a concluir pela justeza de tal pretensão, atento o disposto no Programa/Regulamento OTJ/88, e, nesta conformidade, oficiou à Secretaria de Estado do Emprego e Formação Profissional, que remeteu a resolução do problema para as entidades onde tais jovens tinham trabalhado, no âmbito do referido OTJ/88, e que haviam sido as Escolas Secundária e Prepararória dc Ponde de Sor.

3 — Instadas estas Escolas, as mesmas vieram dizer, c demonstrar, não só que, ao candidatar-se ao referido Programa, requereram logo à Direcção Regional de Educação do Sul autorização para o pagamento do subsídio acima referido, sem que até à data tivessem üdo resposta, mas também que, logo de início, e antes de começarem a trabalhar, deram conhecimento aos jovens inscritos de que o pagamento do subsídio dc refeição era incerto, pois dependia da requerida autorização.

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4 — Não se considerou relevante esta alegação das Escolas, pois a verdade é que a regulamentação aplicável atribuía, sem margem para dúvidas, direito ao subsídio em questão.

5 — Depois dc obtida das Escolas a informação de que não unham podido fornecer a alimentação em espécie, pois não dispunham de cantina, oficiou-se à Direcção do Gabinete de Gestão Financeira do Ministério da Educação, fazendo-se ressaltar o direito que assistia aos reclamantes, e sugeríndo-se a regularização de tal estado de coisas.

6 — Em resposta, esta entidade veio comunicar que, por despacho de 20 de Março de 1990 do Secretário de Estado Adjunto, tinha sido autorizado o abono do subsídio dc refeição durante o ano de 1988 aos jovens que integraram o Programa OTJ/88.

Sumário: Trabalho. Função pública. Reclassificação.

Auxiliar técnico. Objecto: Transição de contínua de l.! classe para auxiliar

técnico nos termos do artigo 48.9, n.9 3, do Decreto-Lei

n.9 223/87, de 30 de Maio. Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada. Processo: N.9 R. 2000/88.

Síntese

1 — Uma continua de 1.' classe com mais de três anos de serviço nessa categoria e igual tempo no exercício de funções no Laboratório da Escola de Vila Verde apresentou ao Provedor de Justiça uma exposição em que reclamava da sua não integração na carreira de auxiliar técnico, prevista no n.9 3 do artigo 48.9 do Decreto-Lei n.9 223/87, de 30 de Maio. A exposição vinha acompanhada de declaração do conselho directivo da Escola, que atestava o apoio da referida contínua ao Laboratório dc Físico--Química e Ciências desde Outubro de 1973 até Setembro de 1981 nas instalações denominadas «Antigo Hospital», e, desde Outubro de 1981 até Dezembro de 1987, o apoio ao Labaratório da Escola.

2 —O n.9 3 do artigo 48.9 do Decreto-Lei n.9 223/87, de 30 de Maio, determinava que transitariam para a carreira de auxiliar técnico os actuais continuos de l.! e 2' classes que, de harmonia com a declaração do respectivo conselho directivo, prestassem serviço nos laboratórios há pelos menos três anos.

3 — A posição da reclamante foi inicialmente refutada pela Direcção-Geral de Administração c Pessoal do Ministério da Educação, invocando os factos dc os laboratórios não fazerem parte dos estabelecimentos do ensino preparatório, mas tão-somente das escolas de ensino secundário, de no Estatuto do Ciclo Preparatório do Ensino Secundário (Decreto-Lei n.° 48 572, de 9 de Setembro de 1948) não existir referência a laboratórios, ao contrário do que sucedia no Estatuto do Ensino Liceal (Decreto-Lei n.9 36 508, de 17 de Setembro de 1947, capítulo v), e ainda de nos estabelecimentos dc ensino preparatório existir apenas material didáctico que visa a iniciação científica dos alunos, o qual não poderia confundir-se com o conjunto organizado de meios materiais tendentes a realizar experiências ou operações características, específicas e próprias do conceito de laboratório.

4 — Contestou-se essa posição, alegando-se que o Estatuto do Ciclo Preparatório também não previa a existencia de bibliotecas nas escolas preparatórias (ao invés do

Estatuto Liceal), embora elas existissem de facto nalgumas daquelas escolas, e, ainda, que, nos termos dos programas dc Ciências da Natureza do ciclo preparatório, o ensino se deveria realizar em sala própria — não a clássica sala dc aulas, mas uma espécie de laboratório com mesas de trabalho individual ou em grupos, e que no material a utilizar estariam sempre incluídos instrumentos de precisão, os quais exigiriam para a sua manutenção c guarda a existência de pessoal de apoio com responsabilidades e formação (mesmo prática) especiais. 5 — Posteriormente, o Ministério da Educação veio a

reconhecer que o pessoal auxiliar em exercício de funções nas salas dc Ciências Naturais pode necessitar de formação adequada ao desempenho das tarefas que lhe estão cometidas, que a lei não exclui a possibilidade da existência de laboratórios em escolas preparatórias e que, existindo tais laboratórios, confirmados pelos conselhos directivos, o pessoal aos mesmos afecto deveria transitar par a carreira de auxiliar técnico, já que a lei em causa se baseava no nível das funções exercidas ou a exercer e na exigência profissional subjacente.

Por isso, a Direcção-Geral acabou por aceitar a reclassificação da reclamante.

Sumário: Trabalho. Função pública. Remunerações. Objecto: Ajudas de custo a médicos de clínica geral para

frequência de acções de formação em exercício. Decisão: Recomendação legislativa acatada. Processo: N.9 R. 2925/87.

Síntese

1 — Um numeroso grupo de médicos dc clínica geral apresentou queixa por sc julgar com direito ao pagamento de ajudas de custo e despesas de viagem pelas deslocações para fora do seu local de trabalho, a fim de frequentar um curso de formação em exercício, necessário à progressão na sua carreira profissional.

2 — Ouvida a Administração Regional de Saúde de Faro, onde os médicos desempenhavam funções, e a Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários, foi confirmado não estar previsto o pagamento de ajudas de custo aos médicos nesta situação, pois a Portaria n.9 712/86, de 26 de Novembro, que regula a formação específica dos médicos de clínica geral, só estabelece o pagamento de ajudas dc custo c despesas dc transporte aos orientadores dos cursos.

3 — Instada, novamente, aquela Direcção-Geral —porque se considerou injusta a situação —, esta veio comunicar ter sido autorizado aos médicos na situação dos reclamantes o pagamento de algumas importâncias, conforme as distâncias a percorrer, a cargo dos institutos de clínica geral.

4 — O Instituto de Clínica Geral do Sul, também ouvido, esclareceu não ter sido possível, por motivos de d> dem económica, o pagamento total de ajudas de custo aos médicos nesta situação, que, embora dispensados do serviço, continuavam a receber os seus vencimentos na situação de comissão gratuita de serviço, tendo, em alguns casos, de ser substituídos por outros nos respectivos centros de saúde. Para minorar as despesas que tinham de fazer, fora conseguido, através de verbas de formação profissional, fazer alguns pagamentos, a título de bolsas de estudo.

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5 — Estando os médicos em causa afastados da sua actividade normal, dispensados de comparecer nos seus locais habituais de trabalho, em situação de comissão gratuita de serviço público que lhes dá direito a manterem o respectivo vencimento, não estão preenchidas as condições de concessão de ajudas de custo pelo que tal nâo podia ser

legalmente exigido. fâCÔ 30 regime gcTâl.

6 — O Provedor considerou, assim, dever recomendar

a publicação dc legislação que regule a concessão de ajudas de custo ou bolsas de estudo que cubram os custos acrescidos pela deslocação aos locais onde a formação é ministrada.

7 — Na sequência desta recomendação, foi publicada a Portaria n.9 425/90, de 11 de Junho, que, estabelecendo o Regulamento dc Formação Específica dos Médicos de Clínica Geral, passou a prever o pagamento dc ajudas de custo e transportes para a frequência dos cursos em questão.

Sumário: Trabalho. Função pública. Remunerações. Objecto: Contagem de tempo na situação de agente. Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada. Processo: N.9 R. 2101/88.

Síntese

1 — Um técnico superior da função pública apresentou queixa contra a Secretaria Regional da Habitação e Obras Públicas da Região Autónoma dos Açores, por esta não ter tomado em conta, para efeito do ano do vencimento de exercício perdido, o tempo do serviço que prestara à Administração, antes da sua entrada para o quadro do funcionalismo.

2 — Ouviu-sc aquele departamento, apontando-se que desde a publicação do Decreto-Lei n.9 656774, de 23 de Novembro, o disposto no artigo 9.° do Decreto n.9 19 478, de 18 de Março de 1931, deveria ser interpretado em termos de abranger não apenas os «funcionários» propriamente ditos, mas também os trabalhadores com a qualidade de agentes, o que levaria a que fossem considerados todos os anos de serviço, e não apenas os prestados no «quadro».

3 — Após múltiplas diligências, foi comunicado ter sido autorizada a recuperação do vencimento de exercício nos termos propostos, o que determinou o arquivamento do processo.

Sumário: Trabalho. Função pública. Remunerações. Objecto: Remuneração de médicos destacados do «seu»

hospital para prestar serviço de urgência em hospital

recém-instalado. Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada. Processo: N.9 R. 51/89.

Síntese

1 — Um médico, assistente hospitalar no Hospital de Egas Moniz, apresentou queixa por ainda não ter recebido qualquer remuneração pelo seu trabalho no serviço de urgência do Hospital de São Francisco Xavier (doze horas em cada semana e vinte e quatro horas, cm fim de semana, duas vezes por mês), recentemente instalado.

2 — Após audição das administrações dos dois hospitais em causa e da Dirccção-Geral dos Hospitais, apurou--se que se verificavam dúvidas acerca da instituição que deveria pagar as remunerações em causa.

3 — Parecendo inaceitável a situação, foi esta posição exposta ao Ministério da Saúde, que viria a resolver o problema, determinando que os encargos com as remunerações das equipas que prestavam serviço de urgência

no Hospital de São Francisco Xavier fossem da responsabilidade dos estabelecimentos aos quais se encontravam vinculados os elementos que as compunham.

Sumário: Trabalho. Função pública. Remunerações. Grati-

fícações indevidas. Objecto: Alteração do regime do Decreto-Lei n.9 650/76. Decisão: Recomendação legislativa acatada. Processo: IP-14/89.

Síntese

1 — Através da exposição de diversas reclamantes, o Provedor de Justiça tomou conhecimento da existência dc irregularidades no processamento de gratificações em laboratórios dependentes da Faculdade de Medicina de Coimbra, ao abrigo do Decreto-Lei n.9 650/76, de 31 de Julho. Após intervenção do Provedor de Jusüça, a situação concreta veio a ser ultrapassada pela emissão de despacho do Secretário de Estado do Ensino Superior, tendente a esclarecer dúvidas e clarificar procedimentos.

2 — Contudo, da análise do regime do Decreto-Lei n.9 650/76 concluiu-se existir a necessidade de uma reformulação legal do diploma e da publicação de regulamentação do mesmo, aliás prevista no seu artigo 2.9, n.9 2, pelo que o Provedor dc Justiça determinou a abertura de processo tendente à análise do assunto numa perspectiva genérica, pois o regime legal vigente era insuficiente e propiciava a ocorrência da abertura de situações semelhantes à que tinha sido objecto da reclamação.

3 — Após contacto com o Gabinete do Secretário de Estado do Ensino Superior, este concordou com a elaboração de novo diploma sobre a prestação de serviços à comunidade pelas universidades.

Sumário: Trabalho. Função pública. Remunerações.

Remuneração extraordinária. Certificados àe aforro. Processo: N.9 R. 142/89.

Síntese

1 — Vários funcionários públicos, de modo particular, e em conjunto, subscrevendo abaixo-assinado, solicitaram a intervenção do Provedor de Justiça, no sentido de serem apreciados, sob a perspectiva de conformidade com a Constituição, as normas dos n.°» 2 e 4 do artigo 3.9 do Decreto-Lei n.9 450-A/88, dc 12 de Dezembro, que atribuíram, aos funcionários c agentes da Administração Pública, uma remuneração extraordinária e eventual de 1,5 %, pagável em número se o seu montante nao fosse superior a 12000$, e em certificados de aforro, imobilizados por seis meses, quando dc valor superior.

2 — Fundamentando-se no carácter «antidemocrático» e «arbitrário» da medida legislativa questionada, relevaram

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ainda os reclamantes que a mesma violava o princípio da igualdade (artigo 13.9 da Constituição) e as regras, também constitucionalmente consagradas, quanto à retribuição do trabalho prestado, e modo de pagamento, pelo que solicitaram ao Provedor de Justiça que fizesse uso da faculdade que a Constituição lhe confere [artigo 281.", n.4 2, alínea d)], requerendo ao Tribunal Constitucional a declaração da inconstitucionalidade das normas postas em causa.

3 — No desenvolvimento da instrução do processo, foi ouvido o Governo, através do Secretário de Estado do Orçamento. Entendeu o Governo que a medida legislativa posta cm crise assumira natureza excepcional e eventual, não introduzindo qualquer alteração às remunerações base para 1988, e fora emanada por razões de política económica, designadamente controlo da procura e inflação.

No tocante à participação e audição prévia das associações sindicais, informou ainda o Governo que ouvira quer a UGT, quer a CGTP/IN, acerca da emissão daquela medida legislativa excepcional.

4 — Ao invés, as associações sindicais mais representativas — designadamente a Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública— vieram trazer informação ao processo de sinal contrário, asseverando, com a devida fundamentação, haverem sido ouvidas de modo genérico, acerca da revisão salarial para o ano de 1989, mas não de modo particular ou autónomo, sobre a mencionada «remuneração extraordinária» de 1,5 %.

5 — Ultimada a instrução do processo, foi emitido longo e circunstanciado parecer, no qual foram a final fumadas as seguintes conclusões de ordem essencial:

1 — A remuneração «eventual e extraordinária» atribuída pelo Decreto-Lei n.9 450-A/88, de 12 de Dezembro, foi integrada nas remunerações base dos funcionários e agentes da Administração Pública, c incluída nas respectivas «tabelas» remuneratórias, corrigidas pelo Decreto-Lei n.° 487/88, dc 30 de Dezembro. Logo, ficou sujeita, em princípio, ao regime legal dos vencimentos da função pública.

2 — O abono da mencionada remuneração extraordinária foi efectivado —de harmonia com a prescrição do n.9 2 do artigo 3.9 do citado diploma legal —, em numerário, quando o montante a atribuir não fosse superior a 12 000$, e através da emissão e entrega de certificados de aforro, pelo valor global líquido da remuneração, quando superior àquele montante.

3 — Os certificados de aforro são, na classificação legal, títulos de dívida pública nominativos, e, no caso em apreço, não mobilizáveis ou reembolsáveis, no prazo de seis meses — logo, não conferindo, aos titulares, poderes de disponibilidade, naquele prazo.

4 — A mencionada revisão salarial extraordinária foi voluntariamente adoptada pelo Governo, na sua qualidade de órgão superior da Administração (artigo 185." da Constituição), no uso da sua competência, constitucionalmente reconhecida [alíneas e) e c) do artigo 202.9).

5 — O regime da função pública é estatutário e objectivo, isto é, livremente modificável por lei nova, conquanto com ressalva dos direitos já adquiridos, ou subjectivados, conforme entendimento, a bem dizer generalizado e constante, do Supremo Tribunal Administrativo.

6 — A regra do pagamento do salário, obrigatoriamente em numerário, consagrada na Convenção n.9 95 da OIT, relativa à protecção do salário —ratificada por Portugal, através do Decreto n.9 88/81, de 14 de Julho—, é apenas aplicável ao regime laboral convencional, que não ao da função pública, pese embora possa revestir um valor jurídico referencial.

7 — Nesta conformidade, o Governo podia, cm princípio, proceder a uma revisão salarial extraordinária e correctiva, como a que foi operada pelo Decreto-Lei n.9 450-A/88, de 12 de Dezembro, desde que sem ofensa dos preceitos ou princípios constitucionais.

8 — No caso vertente, deve ponderar-se que não houve violação de direitos adquiridos, sequer de expectativas legitimamente fundadas, dos funcionários e agentes abrangidos, dada a não vinculação do Governo à emissão da providência em causa, a qual revestiu, outrossim, carácter extraordinário e eventual.

9 — Também, do mesmo passo, não foi violado o princípio da igualdade, já que este se exprime, constitucionalmente, na proibição do arbítrio e da discriminação, e ainda na consideração essencial de que a situações desiguais seja dado tratamento desigual, mas proporcionado, sendo certo que a diferenciação operada na lei, quanto à forma do abono da remuneração cm causa, privilegiou os funcionários e agentes em posição inferior na escala remuneratória.

10 — Também não resultaram igualmente ofendidos, no caso, quer o princípio da confiança dos cidadãos — que visa sobretudo proteger os cidadãos do «arbítrio» legislativo, da discriminação infundada—, quer o do primado do Estado de direito democrático que lhe anda umbilicalmente ligado, e se reveste de natureza estruturante e aglutinadora —já que no caso em apreço não pode falar-se de «arbítrio legislativo», nem, lão-pouco, de «discriminação intolerável», nem, noutra perspectiva, de ofensa ao chamado «princípio dc justiça», implícito ou pressuposto no juízo dc valor acerca da inconstitucionalidade da lei.

11 — Na linha das considerações atrás explanadas, e alento o quadro dc referências jurídico-consti-tucionais que lhe vai implicado, será lícito concluir que o disposto no artigo 2.9 (m. n.9 2) do Dccrcto--Lei n.9 450-A/88, de 12 dc Dezembro, não infringiu qualquer preceito constitucional de fundo, nem tão--pouco qualquer dos princípios consagrados no texto fundamental.

12 — Todavia, resulta da prova recolhida no processo a inexistência de «negociações» cm sentido próprio, com parte muito significativa das associações sindicais, preliminares à elaboração e publicação da providência legislativa cm causa, con-erctizadora da remuneração extraordinária e eventual de 1,5 %, pelo que faleceu um pressuposto objectivo, um elemento integrativo do acto normativo em causa — sendo, em consequência, violado o artigo 56.9, n.9 2, alínea a), da Constituição (*).

(*) Texto de harmonia com a Lei Constitucional n.° 1/89, dc 8 de Julho (2.* revisão constitucional), correspondente ao artigo 57.B, n.° 2, alínea c), da versão anterior.

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13 — Em consequência, deverá ser usada, pelo Provedor de Justiça, a faculdade de requerer ao Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 281.° [n.os 1, alínea c), e 2, alínea d)], a inconstitucionalidade formal do Decreto-Lei n.9 450-A/88, de 12 de Dezembro —dada a incin-dibilidade lógico-sistemática do seu articulado—, com os efeitos que aquele alto Tribunal entenda mais adequados, no caso em apreço, ao abrigo do disposto no n.6 4 do artigo 282.9 da Constituição.

6 — Sobre este parecer do assessor encarregado do processo proferiu o adjunto do Provedor a seguinte informação:

1 —Concordo com a extensa e sólida fundamentação do parecer do Sr. Assessor.

2 — A meu ver, aliás, o diploma em causa ainda padece de outras inconstitucionalidades, além da relativa à não audição das associações sindicais.

3 — Antes de mais, ele enferma também de inconstitucionalidade orgânica, por não provir da Assembleia da República, nem ter sido emanado sob sua, autorização.

É que compete à Assembleia da República legislar sobre as bases do regime e âmbito da função pública [artigo 168.°, alínea v), da Constituição].

Ora tem decerto a ver com tais bases um diploma que vem estatuir uma remuneração que não assume a forma de numerário, mas a de atribuição de meros títulos de dívida pública como os certificados de aforro.

4 — E mais.

Considero mesmo que o diploma contém inconstitucionalidade material, na medida cm que admite, para uma parte das remunerações extraordinárias que atribuiu, o tal pagamento em certificados de aforro.

5 — Na verdade, entendo — contra o que o Ministério das Finanças sustenta — que se está aqui perante verdadeira parte do vencimento, e não mero subsídio eventual ou extraordinário.

Provam-no:

a) O facto de tal remuneração relevar para efeitos de aposentação, sofrendo os correspondentes descontos;

b) A circunstância de ela ser considerada no tocante à actualização do vencimento do ano seguinte, de 1989;

c) A verificação de que no próprio preâmbulo do Decreto-Lei n.9 450-A/88 ela é lida em conta para se concluir que a revisão salarial dc 1988 teria atingido 9,5 %.

6 — Ora considero que, constitucionalmente, a retribuição do trabalho (vencimento, no caso dos funcionários) tem de assumir a forma de um valor imediatamente líquido — numerário, espécie, títulos imediatamente utilizáveis — e não, como aqui, em parte, a de certificados de aforro não reembolsáveis pelo período mínimo de seis meses.

Na realidade:

a) A Constituição designa por «salário» a retribuição do trabalho [artigo 59.9, n.9 1, alínea a)] — e o salário envolve a noção dc valor imediatamente líquido e utilizável;

b) O salário destina-se, fundamentalmente, a ser aplicado no sustento do trabalhador c sua família — o que poderia ficar comprometido se só se tornasse líquido após certo período.

7— O pagamento da retribuição em causa mediante certificados dc aforro ofende tal regra constitucional.

8 — Aliás, se ele fosse legítimo — e por absurdo —, poderia até o trabalhador ficar totalmente desprovido de sustento. Com efeito, se tal pagamento fosse possível, até se teria de admitir que todas as remunerações poderiam ser pagas mediante certificados de aforro ...

9 — Acresce que, se o preâmbulo do Decreto-Lei n.9 450-A/88 considerou esta remuneração para a composição da revisão salarial de 1988, ofende a própria natureza de tal noção só permitir a sua liquidação seis meses depois.

É que a revisão salarial de 1988 teve em vista compensar a inflação nesse ano verificada ...

10 — Só que não me pareceria ajustado pôr o problema ao Tribunal Constitucional.

11 — É que seria praticamente certo que o Tribunal Constitucional não iria pronunciar-se sobre a questão.

Se ainda decorresse o semestre exigido para reembolso dos certificados de aforro, a declaração do Tribunal Constitucional poderia relevar, obrigando o Estado ao pagamento imediato, cm numerário.

Tal semestre já se esgotou — portanto, os titulares dos certificados já puderam obter o respectivo reembolso — e, se não o fizeram, foi porque não o quiseram.

12 — Sabe-se que o Tribunal Constitucional não se tem pronunciado sobre situações relativamente às quais a sua decisão já não teria qualquer efeito útil.

13 — E isto porque decerto o Tribunal Constov^-cional não se decidiria por uma declaração dc inconstitucionalidade retroactiva do Decreto-Lei n.8 450-A/88.

Além dc a sua aplicação ser decerto muito difícil, ela poderia acabar por se virar contra os próprios funcionários, que, sc não obtiveram o reembolso dos certificados, foi porque o não quiseram.

14 — Assim, creio que seria preferível:

a) Dirigir recomendação ao Governo, no sentido de não voltar, no futuro, a atribuir remuneração através de certificados de aforro;

b) Explicar qual a razão por que se não apresenta o caso ao Tribunal Constitucional.

7 — No despacho final, proferido no processo, foi resolvido, pelo Provedor de Justiça, não requerer a dccla-ração da apontada inconstitucionalidade das normas dos n.os 2 e 4 do artigo 3.9 do Decrclo-Lei n.B 450- A/88, dc 12 dc Dezembro, em virtude dc tal procedimento não poder revestir, já, o efeito útil visado.

Na verdade, as remunerações em causa já haviam sido pagas — e eventual declaração de inconstitucionalidade até poderia prejudicar os funcionários, pois nüo havia a garantia de o Governo aceitar atribuir dc novo essas remunerações, com estipulação dc correcta forma de pagamento.

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Determinou, contudo, o envio dos mencionados pareceres aos Gabinetes dc SS. Ex.as o Primeiro-Ministro e o Ministro das Finanças, para conhecimento, e com a finalidade, deixada expressa, de ser evitado, para o futuro, semelhante procedimento.

Sumário: Trabalho. Função pública. Actualização de vencimentos de professores.

Objecto: Pedido de liquidação de retroactivos devidos a professores.

Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada. Processo: N.« R. 835/90.

Síntese

1 — Dois professores solicitaram ao Ministério da Educação que lhes fossem liquidados os vencimentos devidos pela progressão na carreira (transição de letra F para a letra E) em virtude de terem adquirido habilitação própria para a docência.

2 — Durante cerca de três anos e meio, renovaram o pedido de liquidação de retroactivos a que tinham direito.

3 — Por fim, solicitaram a intervenção do Provedor de Justiça, que, após diligencias junto da Direcção-Geral de Administração Escolar, conseguiu que fosse enviada para publicação no Diário da República a nomeação definitiva dos reclamantes como professores do quadro.

4 — Após essa publicação, foram abonadas aos reclamantes todas as diferenças de vencimento a que, nos termos legais, designadamente os do Decreto-Lei n.fl 100/86, de 17 dc Maio, tinham direito.

5 — Satisfeita a pretensão dos reclamantes, foi arquivado o processo.

Sumário: Trabalho. Função pública. Vencimento.

Objecto: Definição do conteúdo da expressão «remuneração por inteiro» na licença de maternidade e do vencimento nos subsídios de férias e de Natal do pessoal da carreira de enfermagem.

Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.

Processo: N." R. 2271/89.

Síntese

1 — Uma enfermeira do Hospital Universitário de Coimbra apresentou queixa por lhe ter sido recusado o pagamento do excedente devido pelo tempo completo prolongado nos períodos de maternidade e de férias que usufruiu entre 3 de Agosto e 31 de Outubro de 1988; isto com base no argumento de o Despacho n.9 19/89 da Ministra da Saúde não ter efeitos retroactivos.

2 — Esiranhando-sc a decisão referida, na medida em que o despacho não é, nem podia ser, inovador, em matéria legalmente regulada, sugeriu-se ao conselho de administração dos Hospitais da Universidade de Coimbra a revisão do decidido.

3 — Com efeito, o n.° 10 do artigo 13." do Decreto-Lei n.9 178/85, de 23 dc Maio, determina que «no regime de tempo completo prolongado os enfermeiros auferirão um acréscimo de 40 % sobre o seu vencimento base» e o n.9 11 que «a remuneração suplementar referida no número anterior implica o pagamento de subsídios dc férias e de Natal de igual valor.

4 — Quanto à licença de maternidade, estabelece o artigo 7.9 do Decrcto-Lci n.9 135/85, dc 3 dc Maio, que a trabalhadora tem direito à remuneração por inteiro, havendo vasta jurisprudência, bem como pareceres da Procurado-ria-Geral da República, que considera incluídos naquela designação todos os acréscimos com carácter habitual, incluindo gratificações mensais e abonos para falhas.

5 — A entidade visada aceitou a posição definida por este órgão do Estado, tendo pago à queixosa as quantias pretendidas.

Sumário: Trabalho. Função pública. Vencimento. Pagamento. Reposição.

Objecto: Reposição de vencimento que não tinha sido recebido pelo interessado.

Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.

Processo: N.9 R. 924/88.

Síntese

1 — Um funcionário dos Serviços Municipalizados de Gondomar queixou-se ao Provedor de Justiça por ter sido obrigado a repor um vencimento que não tinha recebido, requerendo o seu reembolso.

2 — Foi no seguinte quadro factual que se suscitou a questão:

a) O reclamante, oriundo do ex-uliramar, esteve integrado no ex-quadro geral de adidos até 31 de Dezembro de 1980;

b) Em 1 de Janeiro dc 1981, foi integrado nos Serviços Municipalizados de Gondomar, passando o respectivo vencimento a ser pago por estes Serviços;

c) Apesar de deixar de pertencer ao ex-quadro geral de adidos, a Direcção-Geral da Administração Pública continuou, durante os anos de 1981 e 1982, a emitir os recibos de vencimento c a enviá-los para a Repartição de Finanças de Vila Nova de Gaia para efeitos dc pagamento ao interessado;

d) O reclamante nunca levantou qualquer destes recibos;

e) Em Novembro dc 1987, foi notificado para repor a quantia correspondente ao vencimento do mes de Março de 1982, que indevidamente tinha recebido;

f) Apesar dos esforços desenvolvidos pelo reclamante junto das entidades visadas (Repartição de Finanças de Vila Nova de Gaia e de Gondomar c Direcção-Geral da Administração Pública), no sentido de demonstrar não ter recebido o referido vencimento, designadamente provando ser a sua assinatura diversa da aposta no recibo, acabou por repor a quantia que lhe era exigida, e da qual pretendia ser reembolsado.

3 — Nas diligências efectuadas junto da Repartição de Finanças envolvida, comprovou-se efectivamente a alegada disparidade entre a assinatura do reclamante c a que constava do recibo, tendo sido concluído que o mesmo tinha sido pago a pessoa diversa do seu titular, sendo dc exclusiva responsabilidade dos funcionários da repartição a prática daquele acto, já que não tomaram os cuidados necessários no que se refere à confirmação da assinatura.

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Por esta razão alguns funcionários prontificaram-se, com vista a reparar o erro cometido, a pagar dois terços da quantia que o reclamante tinha reposto.

4 — Não concordando com esta solução, e porque a

responsabilidade pela indemnização ao reclamante é, em primeiro lugar, da Administração, foram feitas diligências junto da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, alegando-se, entre outros, o princípio, consubstanciado no artigo 770.° do Código Civil, de que «quem paga mal paga duas vezes».

5 — Não o entendeu assim a Direcção-Geral, que defendeu também que a responsabilidade pelo pagamento era do funcionário ou funcionários envolvidos, pelo que, se estes não procedessem voluntariamente ao reembolso pretendido pelo reclamante, este poderia accionar os meios judiciais adequados.

6 — Finalmente, foi a questão colocada ao Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais cm ofício no qual se argumentava que, nos termos do artigo 2." do Decreto-Lei n.B 48 051, de 21 de Novembro dc 1967, contrariamente à posição da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, é a Administração que deverá indemnizar o reclamante, podendo posteriormente exercer o direito do regresso face ao funcionário ou funcionários responsáveis.

7 — Conforme comunicação posterior, o reclamante foi indemnizado da quantia que indevidamente unha sido obrigado a repor, tendo sido arquivado o respectivo processo.

Sumário: Trabalho. Função pública. Remunerações. Vencimento de exercício perdido. Enriquecimento sem causa.

Objecto: Abono de vencimento de exercício pelo desempenho de funções de chefia. Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada. Processo: N.B R. 1850/88.

Síntese

1 — A presidente do conselho directivo da Escola Secundária de Patrício Prazeres apresentou ao Provedor de Justiça a exposição dc uma funcionária daquele estabelecimento referente ao abono de vencimento de exercício pelo desempenho de funções dc chefia naquela Escola.

Na verdade, tal funcionária, com a categoria de primeiro--oficial, tivera de exercer, por certo período —e dada a falta de ulular do lugar — as funções de chefe do serviço administrativo da Escola.

2 — Solicitados esclarecimentos aos organismos competentes do Ministério da Educação, verificou-se não ser possível processar tal abono à reclamante, devido a deficiente condução do processo, nomeadamente pela não publicação da nomeação da funcionária em causa (como chefe de serviço administrativo) no Diário da República, paia efeitos do disposto no artigo 3.° do Decreto-Lei n.B 146-C/80, de 22 de Maio.

3 — Após intervenção deste órgão do Estado, o Ministério da Educação decidiu promover a publicação de diploma legal no sentido da tutela da situação, com efeitos retroactivos, de modo a contemplar a pretensão da exponente e dc muitas outras funcionárias em situações análoga.

Sumário: Trabalho. Função pública. Tarefeiro. Horário. Objecto: Descontos no vencimento correspondente a uma

noite de prevenção que o «tarefeiro» não cumpriu. Decisão: Reclamação procedente. Recomendação aceite. Processo: W R. 1175/88.

Síntese

1 — Um técnico de radiologia queixou-se ao Provedor de Justiça de que, tendo sido admitido num hospital distrital, em regime de tarefa, em 14 de Julho de 1983, embora trabalhando com subordinação hierárquica e disciplinar e horário do serviço de radiologia, onde exercia funções, nunca, por aquela insütuição, lhe fora reconhecido o direito ao gozo de licença para férias ou o direito aos subsídios de férias, de Natal e para alimentação.

Do mesmo modo reclamou contra o facto dc lhe não ter sido possibilitado o ingresso no respectivo quadro de pessoal, pois que, dos dois concursos entretanto abertos, um em 1985 e outro em 1987, o primeiro fora interno, e o segundo destinado a lugares da categoria dc técnico principal, tendo-lhe sido recusadas as respectivas candidaturas.

Finalmente, queixou-se de que em Agosto de 1987 o seu vencimento revelara um desconto, tendo-lhe sido informado pelo hospital que, por ordem da administração, lhe haviam sido descontados 2204$ + 5100$, reportados, respectivamente, a uma noite dc serviço cm regime de prevenção (em que não tinha estado presente) e ao custo da deslocação da ambulância que tinha transportado o doente para outro hospital, porque, devido à ausência do reclamante, não o tinha sido possível radiografar naquele hospital.

2 — Realizadas as necessárias averiguações junto dos serviços competentes, veio a apurar-se que:

a) O reclamante tinha prestado serviço no Hospital Distrital de Leiria nos períodos de 26 de Julho de 1983 a 21 de Janeiro de 1984 e 28 dc Fevereiro de 1984, em regime de prestação eventual de serviço ao abrigo do artigo 6.8 do Decreto-Lei n.B 135/80, dc 20 de Maio; de 28 de Agosto dc 1984 a 28 dc Fevereiro de 1988, na situação de contratado à tarefa, ao abrigo do artigo 17.° do Dccreio-Lei n.9 41/84, de 3 de Fevereiro. Deste modo, nunca tinha tido vínculo à função pública, pelo que não era titular dos direitos que reivindicava — gozo de licença de férias e subsídios de férias, de Natal e de alimentação, apenas pela lei estabelecidos para os funcionários c agentes da função pública;

b) O reclamante só poderia concorrer a um concurso interno, se tivesse a qualidade de funcionário ou agente administrativo, o que não era o seu caso.

O concurso aberto em 6 de Maio de 1985 foi interno e não externo, porque, embora pelos serviços tivesse sido solicitado o descongelamento de vagas, que o permitisse, a verdade é que \a\ não fora autorizado.

Aliás, a abertura de concurso externo para ingresso na carreira, mesmo que para a categoria houvesse lugar vago, o que não era o caso, visto não ter sido autorizado o respectivo descongeta-mento, não era obrigatório, dependendo da conveniência e gestão do serviço. Quanto ao 2.° concurso, aberto a 4 de Dezembro de 1987,

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averiguou-se que o mesmo o fora nos termos do Decreto-Lei n.° 384-B/85, de 30 de Setembro, e da Portaria n.9 256-A/86, de 28 de Maio, e do despacho conjunto publicado no Diário da República, 2* série, de 4 dc Março dc 1987, para as vagas existentes de três lugares rje técnico

principal de radiologia da carreira de técnico de diagnóstico e terapêutica do quadro do Hospital em referência, pelo que, sendo um concurso de acesso, nunca ao mesmo (por não ser funcionário ou agente administrativo) o reclamante poderia ser opositor;

c) Finalmente, e quanto ao facto dos descontos de 2204$ e 5100$ feitos na remuneração do reclamante, correspondentes a uma noite cm regime de prevenção, que não cumpriu, e ao custo da ambulância que o foi buscar, para o efeito, à sua residência, concluiu-se que não havia dúvida de que, estando em serviço de prevenção, o reclamante linha de estar disponível para se apresentar no Hospital se fosse necessário, o que não unha acontecido, visto não ter sido encontrado na sua residência. E não havia também dúvida de que, sendo «tarefeiro», não podia ser remunerado por trabalho que, por sua falta, não tinha cumprido.

Já, porém, quanto ao desconto feito na remuneração do reclamante e correspondente à despesa com o serviço de ambulância, reconheceu-se que não havia qualquer disposição legal que o permitisse.

3 — Nestes termos, foi pelo Provedor de Justiça recomendado ao conselho de administração do Hospital Distrital em referência que fosse devolvida ao interessado a importância dc 5100$ que indevidamente lhe tinha sido descontada no seu vencimento respeitante ao mês de Agosto de 1987.

4 — Em resposta, por aquele conselho de administração foi comunicado que, concordando com a recomendação, tinha sido mandada devolver ao reclamante a quanüa cm questão.

Sumário: Trabalho. Função pública. Tempo de serviço para

efeito de diuturnidades. Objecto: Reposição de diuturnidades recebidas. Decisão: Reclamação procedente. Situação resolvida. Processo: N.9 R. 2403/89.

Síntese

1 — Um sindicato representativo dos trabalhadores da função pública apresentou queixa no interesse de uma funcionária do Hospital de Curry Cabral, a quem fora exigida a reposição de 134 030$, por alegada diferença na contagem de diuturnidades.

2 — Analisada a questão, concluiu-se que tal facto se devera ter-se consideração não poder relevar para efeito de diuturnidades o tempo de serviço prestado numa Misericórdia, por o mesmo não ser tido em conta para aposentação.

3 — Atendendo a que não teria sido tomada em consideração a natureza do organismo em que a trabalhadora prestara a actividade, sugeriu-se a revisão do despacho que ordenava a reposição.

4 — É que, de acordo com o disposto no n.9 1 do artigo 3.9 e no artigo 2.9 do Decreto-Lei n.9 330/76, de 7 de Maio, releva para efeito dc diuturnidades o tempo de serviço prestado «nos organismos considerados pessoas colectivas de utilidade pública administrativa com fins dc saúde ç assistência», de que as Misericórdias são um caso típico.

5 — Nestes termos, entendeu-se ter sido correcta a inicial concessão de diuturnidades, sugerindo-se, por isso, que não tivesse lugar a reposição e se procedesse ao pagamento de 5.* diuturnidade, desde a data em que se perfizera o devido tempo de serviço.

6 — O problema foi solucionado pela administração do Hospital em conformidade com a sugestão feita.

Sumário: Trabalho. Função pública. Transferência. Objecto: Deslocação de médico por alegada redução do

número de utentes a ele afectos. Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada. Processo: N.° R. 1340/89.

Síntese

1 — Uma médica, colocada num centro de saúde dc Lisboa, apresentou queixa por ter sido decidido, contra sua vontade, a mudança da «extensão» onde trabalhava, apesar de ser o clínico com mais antiguidade na carreira existente nessa unidade.

Alegava estar em situação idêntica à de outros médicos que também não tinham inscrição de utentes em número suficiente para preencher as dotações previstas e poderem resultar prejuízos para estes que, de nível etário elevado, teriam dificuldade em deslocar-se ao novo local de trabalho previsto.

2 — Consultada a Administração Regional de Lisboa, cm ofício cm que se salientava parecerem razoáveis os motivos apresentados para ser evitada a deslocação, foi comunicado ter sido decidido, em reapreciação do assunto, manter a queixosa no seu local de trabalho.

Sumário: Trabalho. Militar. Licença ilimitada. Objecto: Recusa de licença ilimitada a militares da Força Aérea.

Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada. Processo: N.9 R. 423/88.

Síntese

1 — Um oficial da Força Aérea solicitou a intervenção do Provedor de Justiça alegando que:

a) O oficial da FAP solicitou em 15 de Julho dc 1987 ao Sr. General Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, a concessão de licença ilimitada a partir de 19 de Setembro dc 1987, nos termos da alínea e) do artigo 187.9 e alínea./) do artigo 188.9, e também nos termos dos artigos 193.9 e 195.9 do Estatuto do Oficial da Força Aérea (RFA—102-1);

b) O pedido foi indeferido em 4 de Agosto seguinte «por falta de base legal»;

c) Nos primeiros dias de Setembro seguinte, foi o referido oficial notificado de que deveria apresentar novo requerimento idêntico, o que fez logo a seguir,

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d) ESIC Segundo requerimento foi igualmente indeferido, mas sem indicação do fundamento, por despacho do Sr. Chefe do Estado-Maior da Força Aérea de 24 de Setembro dc 1987, conforme transcrição constante da Ordem de Serviço, n.9 187, de 30 de Setembro de 1987.

2 — Pelo Gabinete do Ministro da Defesa Nacional foram prestadas as seguintes informações:

à) Os indeferimentos dos pedidos de passagem à situação de licença ilimitada de vários oficiais por despacho do S-CEMFA (PES) de 23 de Setembro dc 1987 ficaram a dever-sc à «falta de base legal e ainda por não poderem ser dispensados do serviço nos termos do artigo 143.9 do EOFAP (Decreto n.9 377/71 de 10 de Setembro);

b) A licença ilimitada «não pode ser concedida por mais dc seis anos consecutivos conforme estabelece o artigo 64.9 do EOFAP», não sendo por conseguinte «o meio próprio para quem pretenda sair definitivamente da Força Aérea»;

c) As licenças ilimitadas não são, portanto, concedidas «aos militares que não reúnam as condições dc mudança de situação referidas no artigo 48.9 do EOFAP, isto é, que não tenham pelo menos oito anos de serviço efectivo na Força Aérea como oficiais do quadro permanente, sendo certo que os oficiais cm causa tem apenas, no máximo, cerca de cinco anos dc serviço como oficiais daqueles quadros»;

d) O novo pedido de concessão de licença ilimitada «apresentado pelo CAP/PILAV Pinto Soares em

12 de Fevereiro de 1988 será considerado para o 2.° semestre do corrente ano, jumamente com os requerimentos dos outros militares que solicitaram passagem à situação de reserva ou de licença ilimitada entre 1 de Janeiro de 1988 e 15 de Maio de 1988 conforme dispõe a adenda n.9 2 à Directiva n.9 5/80, de 28 de Outubro, do S-CEMFA (PES), publicada na Ordem de Serviço, n.9 29, de

13 de Julho de 1981, da Direcção de Pessoal»;

e) O pedido de concessão de licença ilimitada apresentado pelo capitão Pinto Soares com data dc 12 dc Janeiro de 1988 veio a ser indeferido por despacho do Sr. Chefe do Estado-Maior da Força Aérea de 9 de Junho de 1988 sob a alegação, em síntese, dc que o referido oficial faria falta ao serviço.

3 — O Provedor de Justiça sustentou a propósito, a seguinte posição:

a) Dos estatutos dos oficiais das Forças Armadas resulta que a licença ilimitada é concedida por períodos não inferior a um ano e não superior a seis anos àqueles que possam ser dispensados do serviço c hajam prestado mais de oito anos dc serviço efectivo, podendo, todavia, ser interrompida, cm qualquer ocasião, quando concedida a oficiais na situação do activo.

A concessão dc tal licença está ligada ao objectivo de interrupção dc serviço por razões de ordem particular [artigo 187.9, alínea e), do EOFAP] e não aos outros indicados nas demais alíneas do citado preceito.

Pelo regime a que está sujeita pode ser recusada sob a invocação e a demonstração de inconveniência para a Força Aérea.

Não é, pois, a licença ilimitada a via adequada para o oficial se desvincular da Força Aérea; í>) Foi legalmente indeferido cm 4 de Agosto de 1987 e 24 de Agosto de 1987 o primeiro pedido para concessão dc licença ilimitada apresentado pelo queixoso, em 15 de Julho de 1987, sob o pretexto dc «falta dc base legal» respeitante ao tempo mínimo de serviço efectivo (oito anos) a prestar na FAP uma vez que tal requisito apenas foi preenchido pelo mesmo queixoso em 17 de Setembro de 1987;

c) Já assim não sucedeu com o despacho de indeferimento de 24 de Setembro dc 1987 do SCEMFA transcrito na Ordem de Serviço, n.9 187, dc 30 de Setembro de 1987, e do qual não constam as razões de tal decisão, considerando que, naquela data, já o queixoso tinha completado os oito anos dc serviço efectivo c a FAP não invocou nem demonstrou inconveniente para a concessão da licença pretendida;

d) Tal despacho de indeferimento, ainda que ilegal, não foi impugnado pelos oficiais requerentes da licença em causa, designadamente pelo capitão piloto aviador Pinto Soares;

e) O pedido dc concessão de licença ilimitada (o 3.9 pedido do queixoso) com data dc 12 dc Fevereiro dc 1988 veio também a ser indeferido por despacho de 9 dc Junho dc 1988 sob a mera alegação de que o queixoso fazia falia ao serviço;

f) Acontece que a simples invocação da conveniência de serviço —conceito por natureza indeterminado ou fórmula abstracta c que envolve o exercício dc poder discricionário, segundo a jurisprudência administrativa— não basta, só por si, para fundamentar o despacho de indeferimento dc 9 dc Junho de 1988;

g) Carece, por conseguinte, aquele conceito de ser integrado com a exposição dc factos que permitam concluir pela existência da inconveniência para serviço decorrente da concessão de licença ilimitada pretendida;

h) No caso vertente não constam factos integrados da alegada conveniência para o serviço proveniente da concessão da licença ilimitada;

í) O despacho de 9 dc Junho de 1988 está, por falta de fundamentação, eivado de vício de forma que o torna anulável.

4 — Tendo o Gabinete daquele membro do Governo informado que o mesmo pedido de revisão consiilum çfe-jecto de recurso hierárquico do oficial queixoso, considerado improcedente, o Provedor dc Justiça decidiu insistir pela revisão da situação originadora da recomendação atendendo a que:

a) O recurso hierárquico n3o foi considerado procedente, fundamentalmente porque a FAP veio alegar que a concessão dc licença ilimitada prejudicaria os interesses da Força Aérea devido à manifesta falta de oficiais do quadro c à dificuldade de substituir um piloto qualificado como é o queixoso;

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b) Não se mostra aceitável a lese defendida pelo auditor jurídico de que os novos fundamentos invocados pela FAP — pelo menos só agora foram conhecidos — possam considerar-se parte integrante do despacho do CEMFA de 9 de Junho de 1988. Com efeito, na data em que foi apreciada a situação do queixoso pelo Provedor e formulada a recomendação ao Ministro da Defesa Nacional (9 de Dezembro de 1988) verificou-se completa falta de fundamentação do despacho de indeferimento do mesmo despacho. O mesmo havia, aliás, sucedido com o despacho dc 24 de Setembro de 1987 do SCEMFA (Ordem de Serviço, n.° 187, de 30 de Setembro de 1987).

A FAP não poderia, pois, na ausência de inconvenientes para o serviço e verificando-se os demais requisitos legais para a concessão da licença pretendida pelo queixoso, denegá-la;

c) Tudo indica que a fundamentação apresentada, a posteriori, pela FAP traduz a prática de novo acto de indeferimento. Tanto assim é que no parecer de 16 de Fevereiro de 1989 se reconhece, sem equívocos, que «em informação prestada pelo chefe da 2* Repartição da Direcção do Serviço de Pessoal —que mereceu despacho de concordância— vem agora apresentada a seguinte fundamentação»;

d) Se relativamente às carências de oficiais pilotos o despacho de indeferimento («confirmativo») não merece, só por si, censura (num quadro dc 176 pilotos faltam 48), o mesmo não poderá dizer-se da substituição do queixoso. E isto porque pelos elementos disponíveis verifica-se que o queixoso se encontra há vários meses afastado do serviço activo ou operacional e colocado atrás de uma secretaria a «produzir» — se é que algo faz — trabalho de índole meramente burocrática. Há no que tudo indica um círculo vicioso que importará romper. O queixoso quer afastar-se da FAP por esta não lhe conceder a licença pretendida porque precisa dele, enquanto piloto qualificado ... para realizar serviço não operacional.

Ora não faz sentido defender a indisponibilidade do referido oficial por falta de pilotos e dificuldade em substituí-lo se o mesmo não se encontra a realizar qualquer tipo de actividade na FAP.

Se, na realidade, faz falta ao serviço, a FAP terá de restituí-lo ao pleno exercício de funções de piloto aviador. O que não poderá — sob pena de contradição flagrante— é mante-lo fora do serviço operacional da FAP e recusar-se a deixá--lo sair a pretexto de que faz falta a esse serviço;

e) Não se põe, portanto, em causa a faculdade de invocação da conveniência de serviço pela FAP, aspecto, aliás, oportunamente apreciado. O que se questiona é o modo como tal conceito tem vindo a ser interpretado e aplicado pela FAP e pelo Ministério da Defesa Nacional;

f) Há que determinar se o reclamante está ou não definitivamente impossibilitado de pilotar.

Na hipótese afirmativa, deverá ser explicada a necessidade do serviço dele num lugar administrativo da FAP.

Não se tratando de impossibilidade definitiva, deverá ser indicado o que está a ser feito para a recuperação do piloto e qual a data provável do seu regresso a funções operacionais.

5 — Aquele Gabinete viria a esclarecer que, após a junta médica ter considerado o referido oficial inapto definitivamente para o serviço aéreo, o mesmo oficial foi transferido para o quadro dc oficiais técnicos de pessoal e apoio administrativo.

6 — Entretanto, o Supremo Tribunal Administrativo, por Acórdão de 4 de Dezembro dc 1989, anulou o despacho de indeferimento cm causa por falta dc fundamentação integradora do vício de fornia.

7 — Este órgão do Estado voltou a solicitar ao Gabinete ministerial informação sobre as razões impeditivas do deferimento do pedido de concessão de licença formulada em 10 de Maio de 1988 pelo queixoso, tendo em consideração os aspectos seguintes:

a) Anulação, por falta de fundamentação, do despacho do Sr. Chefe do Estado-Maior da Força Aérea de 9 de Junho de 1988 que indeferiu o pedido de concessão dc licença ilimitada pelo motivo de fazer falta ao serviço, por Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (l.s Secção) dc 4 de Dezembro de 1989 (recurso n.9 26 323);

b) Não estar definida a indispensabilidade do referido oficial no quadro para o qual foi transferido no seguimento das juntas médicas às quais foi submetido;

c) Ter esse departamento ministerial reconhecido o quase nulo aproveitamento, a partir dc 5 de Janeiro de 1989, do oficial cm questão do QOT-PAA (35 dias de serviço prestados num período de 232 dias) perante as sucessivas situações de licença por doença comprovadas pelas juntas dc saúde da FAP.

8 — Foi ulterior, e finalmente, recebida, em Março de 1990, comunicação dc que fora deferida a pretensão do reclamante.

11 — OUTROS DADOS RELACIONADOS COM A ACTIVIDADE DO PROVEDOR DE JUSTIÇA

Sequência de pedidos de declaração de inconstitucionalidade de anos anteriores

1 — Administração local. Referendo

Processo n.9 DI-60/88.

O Tribunal Constitucional, pelo Acórdão n.9 36/90, de 4 dc Julho (Diário da República, 2° série, dc 4 de Julho de 1990), decidiu não declarar a inconstitucionalidade por omissão, requerida pelo Provedor, com relação à aprovação do regime dos referendos locais.

A respectiva regulamentação veio a ser publicada cm 24 de Agosto de 1990, através da Lei n.9 49/90.

2 — Seguros. Mediação. Reformados e pré-reformados

Processo n.9 85/R. 1614-DI-49.

Por acórdão de 12 de Julho de 1989 (Diário da República, 2} série, de 30 de Janeiro de 1990), o Tribunal Constitucional decidiu não declarar a inconstitucionalidade

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dos artigos 23.9, n.B 1, alínea f), e 26.9, n.9 2, alínea c), do Decreto-Lei n.8 336/85, de 11 de Agosto (v. relatório de 1985, pp. 57-62).

3—Trabalho. Horário de trabalho. Mapa

Processo n.9 R. 494/87-DI-29.

Pelo Acórdão n.9 262/90, de 20 de Dezembro (Diário da República, 2.» série, de 20 de Novembro de 1990), o Tribunal Constitucional resolveu não declarar a inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.9 65/87, de 6 de Fevereiro.

4 —Transportes e comunicações. Código da Estrada, inibição de conduzir

Processo n.B 85/R. 1451-DI-59.

Pelo Acórdão n.9 224/90, de 5 de Agosto (Diário da República, 2.- série, de 8 de Agosto de 1990), o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade do artigo 46.9, n.9 2, alíneas a), b), c) e e), do Código da Estrada.

Sequência de processos de anos anteriores

1 — Contribuições e Impostos

Correspondendo a uma reiterada recomendação do Provedor, o Decreto-Lei n.9 103-A/90, de 22 de Março, veio permitir que os deficientes motores beneficiem de isenção de imposto automóvel na respectiva importação, mesmo que não possuam carta de condução e não sejam eles a conduzir o veículo — desde que nele se façam transportar.

2 —a) Direitos fundamentais. Direito ao ambiente. Protecção do património cultural

Processo n.9 IP-110/82.

O Decreto-Lei n.9 701/90, de 28 de Setembro, veio finalmente instituir como Museu o Mosteiro de São Martinho de Tibães, por cuja conservação o Provedor há muito se vinha batendo.

b) Direitos fundamentais. Uberdade do exercício de profissão. Odontologlstas

Aceitando expressamente recomendação do Provedor, a Ministra da Saúde emitiu despacho (n.9 1/90, Diário da República, 2} série, de 23 de Janeiro de 1990) permitindo, com base no princípio da não discriminação cm relação a outros elementos a quem fora concedido idêntico benefício, que os odontologislas que comprovassem efectivo

exercício de profissão antes de 1982 pudessem ainda requerer a sua legalização — antes imçedida por não estarem sindicalizados.

3—a) Segurança social. Penalidades. Subsidio de férias

Aceitando uma recomendação do Provedor de há vários anos atrás, o Ministério do Emprego e da Segurança Social consagrou, através da Portaria n.8 470/90, de 23 de Junho, a atribuição, aos pensionistas, de subsídio de férias.,

b) Segurança social. Pensão de sobrevivência. União de facto

Processo n.° IP-13/87.

Correspondendo a uma posição preconizada pelo Provedor em processo dc sua iniciativa, o Decreto-Lei n.9 322/ 90, de 18 de Outubro, veio admitir (artigo 8.9) que o direito às pensões e outras prestações por morte seja extensivo às pessoas que viviam em união de facto com o falecido.

E, por outro lado, deixou de prever o — contestado pelo Provedor, porque inconstitucional — motivo de cessação da pensão de sobrevivência consistente na situação de união marital com terceiro, consignado no anterior regime jurídico e a ela aplicável.

Actividades de formação

1 — Em 1990, frequentaram, com obtenção do respectivo diploma, o curso de Direito do Ambiente organizado pela Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica o adjunto do Provedor Des. Dr. Carlos Vaz Serra Lima e os assessores Drs. João Sequeira Osório e Manuel Cunha Pina.

2 — Em 17 dc Maio de 1990, o assessor Dr. José Porto proferiu uma conferência sobre «O Provedor de Justiça — suas atribuições e competências» na Escola Secundária da Amadora, a qual foi largamente concorrida por alunos e docentes do estabelecimento.

Visitas à Provedoria de Justiça

1 —Em 5 de Junho de 1990, visita esta instituição, para se inteirar da sua natureza e funções, o juiz P. J. Oliver, vice-presidente da Comissão de Direito da República da África do Sul.

2 — Em 6 de Dezembro de 1990, a Provedoria de Justiça foi visitada pelos alunos de Direito Administrativo õo 5.9 ano do curso de Direito da Universidade Lusíada, acompanhados pelo regente da cadeira, Dr. João Caupers.

Foi-lhes feita, pelos adjuntos do Provedor, uma exposição, seguida de debate, sobre atribuições e métodos de actuação da instituição.

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