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Sábado, 19 de Junho de 1993
II Série-C — Número 31
DIÁRIO
da Assembleia da República
VI LEGISLATURA
2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)
2.°SUPLEMENTO
SUMÁRIO
Comissão de Agricultura e Mar:
Audição parlamentar com vista a apurar da existência ou não em Portugal da encefalopatia espongiforme bovina:
Acta da l.' reunião da audição parlamentar, de 27 de
Moio de 1993............................................................... 258-(22)
Acta da 2.' reunião da audição parlamentar, de 28 de
Maio de 1993 ............................................................... 258-(34)
Acta da 3.' reunião da audição parlamentar, de 31 de
Maio de 1993............................................................... 15%-^
Acta da 4.' reunião da audição parlamentar, de I de
Junho de 1993.............................................................. 258-(73)
Acta da 5.' reunião da audição parlamentar, de 2 de
Junho de 1993............................................................. 258-Í82)
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Acta da 1.a reunião, de 27 de Maio de 1993, da audição parlamentar com vista a apurar da existência ou não em Portugal da encefalopatia espongiforme bovina.
O Sr. Presidente da Comissão de Agricultura e Mar
(Deputado do PSD Antunes da Silva): — Srs. Deputados, está aberta a reunião.
Eram 10 horas e 17 minutos.
Como todos sabem, esta reunião da Comissão de Agricultura e Mar tem por objecto proceder a uma audição parlamentar com o fim de apurar da existência, em Portugal, da doença vulgarmente designada por doença das vacas loucas, ou seja, a encefalopatia espongiforme bovina.
A reunião é pública, nos termos do Regimento, e, de acordo com o fixado na Comissão, ouviremos hoje o Sr. Dr. Mário Alberto Armada Nunes, quadro da Direcção Regional de Agricultura de Trás-os-Montes, a quem quero agradecer, desde já, a disponibilidade que desde o infcio manifestou para prestar aqui o seu depoimento sobre esta matéria
Peço-lhe que, quando da intervenção que vai fazer, proceda a sua identificação completa — nome, organismo oficial que aqui representa e funções que nele desempenha — porque, como esta reunião é gravada, isso facilitará o trabalho às pessoas que vão fazer o seu acompanhamento. Aliás, este pedido é extensivo aos outros depoentes e aos Srs. Deputados.
Dito isto, darei de imediato a palavra ao Sr. Dr. Armada Nunes, para se pronunciar sobre a matéria, nos termos que entender. Seguir-se-á um período em que os Srs. Deputados e eu próprio colocaremos algumas questões, a que o Sr. Dr. Armada Nunes, certamente, terá a gentileza de responder, nos termos que julgar convenientes.
Srs. Deputados, estão de acordo com esta metodologia?
Pausa.
Como não há qualquer contestação, tem a palavra o Sr. Dr. Mário Alberto Armada Nunes.
O Sr. Dr. Mário Alberto Armada Nunes (Médico Veterinário Principal da Direcção Regional de Agricultura de Trás-oS-Montes): — Chamo-me Mário Alberto Armada Nunes e sou médico veterinário principal da Direcção Regional de Agricultura de Trás-os-Montes.
Em relação ao problema da existência ou não, em Portugal, da BSE, a encefalopatia espongiforme bovina, também conhecida por doença das vacas loucas, quero esclarecer que o primeiro caso que detectei data do mês de Junho de 1990. Foi num animal que entrou no matadouro de Chaves, o qual apresentava todo um quadro clínico com sintomatologia de uma afecção que não era normal nos bovinos e que não tinha ainda sido diagnosticada por ninguém em Portugal. Porém nós, porque estávamos informados de que a doença poderia surgir em Portugal e dados os antecedentes do animal, ou seja, a sua origem, suspeitámos tratar-se de um caso de BSE.
Na altura foram contactados os serviços oficiais do Ministério da Agricultura, mais precisamente o director de serviços da Protecção à Produção Animal da Direcção Regional de Agricultura de Trás-os-Montes, que, de imediato, nos disponibilizou a possibilidade de contactarmos o Laboratório do Porto, na pessoa do Sr. Dr. Azevedo Ramos, para que ele pudesse fazer a colheita do material que permitisse àquele laboratório diagnosticar a doença.
Quero aqui fazer o alerta de que, embora a sintomatologia clínica possa levar-nos a uma conclusão em relação a uma doença, desde que ponhamos de parte um certo número de doenças que podem ser muito semelhantes, a única possibilidade que temos de ter a certeza da doença é através do exame histopatológico.- Digamos que só o Laboratório poderá, na verdade, diagnosticar a doença.
Algum tempo mais tarde soube, particularmente, através do Dr. Azevedo Ramos, que àquele animal tinha sido diagnosticado, histopatologicamente, a BSE. Portanto, este foi o primeiro caso de que tive conhecimento.
Um segundo caso aconteceu numa exploração em Montalegre — o primeiro deu-se numa exploração do Sr. António Carneiro, em Oura, concelho de Chaves, exploração essa que hoje está em nome de um seu filho, o Sr. Francisco Pintor Carneiro—, mais exactamente em Friães, com um animal importado de Inglaterra. Fui chamado para resolver um problema clínico desse animal e, após a sua história pregressa, do que tinha acontecido, da sintomatologia que apresentava, suspeitei, uma vez que já tinha tido uma primeira experiência em relação à doença, que se tratasse também de um caso de BSE.
De igual modo contactei o Laboratório do Porto, na pessoa do Sr. Dr. Azevedo Ramos, que ficou de me dar uma resposta, nos dias imediatos, em relação a esse caso. Tal resposta foi-me comunicada um ou dois dias depois, em data da qual não tenho a certeza. O animal foi adquirido à sua proprietária e enviado para o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária em Benfica, uma vez que o grande problema da BSE é que os animais portadores da doença precisam de ser queimados. Segundo a origem da doença, a BSE apareceu a partir de carne de ovinos que foram abatidos em Inglaterra e cujas carcaças foram transformadas em farinha de carne e em farinha de ossos. Foi essa farinha que originou a expansão da doença nos bovinos.
Assim, quando houve essa segunda suspeita de caso de' BSE, a única possibilidade que tínhamos de fazer o diagnóstico da doença e de providenciar a queima total do anima! era enviando-o para o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária em Benfica. Esse animal foi enviado para lá em 28 ou 29 de Janeiro de 1992 e soube mais tarde, também por informação do meu colega Azevedo Ramos, que lhe teriam sido, histopalogicamente, detectadas lesões de BSE.
Estes são, até ao momento, os casos de que tenho conhecimento.
Posso talvez dizer que, nesta altura, estamos numa situação de suspeita clínica da existência de um terceiro animal portador da doença, em Montalegre. Já foi feita a respectiva comunicação aos serviços oficiais e estamos à espera que se decida sobre o futuro desse animal.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Onde ocorreu isso?
O Sr. Dr. Mário Alberto Armada Nunes (Médico Veterinário Principal da Direcção Regional de Agricultura de Trás-os-Montes): — Também em Montalegre.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — E foi quando?
O Sr. Dr. Mário Alberto Armada Nunes (Médico Veterinário Principal da Direcção Regional de Agricultura de Trás-os-Montes): — O caso é recente, ocorreu no dia 14 deste mês. O animal ainda está vivo, a aguardar que digam qual o destino a dar-lhe.
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O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Muito obrigado pelo seu depoimento nesta primeira fase, Sr. Dr. Armada Nunes.
Inscreveu-se, para pedir esclarecimentos, o Sr. Deputado António Campos, e também eu tenho algumas questões para colocar-lhe.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): — Muito obrigado, Sr. Presidente, e muito obrigado, Sr. Dr. Armada Nunes, por se ter disponibilizado para vir a esta Comissão.
Penso que o Sr. Doutor já nos forneceu os elementos essenciais, mas queria colocar-lhe ainda algumas questões.
Em primeiro lugar, gostava de saber se é mais fácil fazer, sem análise, o diagnóstico clínico aos animais com encefalopatías espongiformes ou, por exemplo, a um animal com peripneumonia.
Em segundo lugar pedia-lhe que irte dissesse se, quando manda fazer análises de animais ao laboratório, recebe oficialmente o resultado dessas mesmas análises. No caso que descreveu, por que é que não lhe foi fornecido, oficialmente, o resultado da análise que mandou fazer?
Segundo sei, existem em Portugal dois grandes especialistas na matéria, que fizeram um estágio em Inglaterra para estarem habilitados a efectuar as análises da BSE, ou seja, das encefalopatías. São eles: o Sr. Dr. Azevedo Ramos — e chamo a atenção da Comissão para o facto de o Dr. Azevedo Ramos não constar da lista das pessoas a serem por ela ouvidas — e o Sr. Dr. Alexandre Galo.
A terceira questão é, pois, no sentido de que me confirme se essas duas pessoas são realmente os únicos especialistas, em Portugal, que fizeram estágios em laboratórios ingleses para poderem fazer o diagnóstico com precisão.
Quarta questão: Sr. Dr. Armada Nunes, o nosso Laboratório Nacional de Investigação Veterinária está em condições técnicas de poder fazer as análises? Segundo documentação em meu poder, o director desse laboratório, numa disputa com o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, afirmou claramente que o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária já não precisava da ajuda de laboratórios estrangeiros ou de qualquer outro tipo de laboratório para proceder às análises.
Quinta questão: Sr. Dr. Armada Nunes, esta doença é ou não de declaração obrigatória?
A exposição que o Sr. Doutor nos fez foi muito clara e estas são apenas pequenas questões sobre as quais gostava de ouvir a sua opinião.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — O Sr. Dr. Armada Nunes pretende responder já às questões que foram suscitada pelo Sr. Deputado António Campos?
O Sr. Dr. Mário Alberto Armada Nunes (Médico Ver terinário Principal da Direcção Regional de Trás-os-Mon-tes): — Respondo, sim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem a palavra.
O Sr. Dr. Mário Alberto Armada Nunes (Médico Veterinário Principal da Direcção Regional de Agricultura de Trás-os-Montes): — Relativamente à primeira pergunta que me foi colocada sobre o diagnóstico da encefalopatia e da PPCB (peripneumonia contagiosa dos bovinos), ou seja, qual é a mais fácil de detectar, devo dizer-lhe que as provas da PPCB são rotineiras, feitas às centenas de milhares por ano
(e quase que podia dizer por dia). Mesmo clinicamente, é muito mais fácil, para nós, veterinários, diagnosticar um animal com peripneumonia, dado tratar-se de uma doença que vemos todos os dias. Portanto, não é difícil concluirmos que um ou outro animal sofre de peripneumonia.
Já o diagnóstico da encefalopatia exige um certo número de conhecimentos quanto aos antecedentes do animal. Não podemos chegar a uma determinada exploração e, só porque o animal tem sintomatologia nervosa, pensar logo que é um caso de encefalopatia Digamos que tem de haver um conhecimento muito profundo da situação. Há que indagar muito bem junto do seu proprietário quais os sinais que o animal tem apresentado, para que possamos ter uma suspeição de um caso de encefalopatia. Naturalmente que não podemos chegar junto de qualquer proprietário e, só porque o animal dá um coice, tem uma quebra de produção láctea ou uma sintomatologia nervosa mais evidente, dizer-lhe que o animal sofre dessa doença.
Digamos que o diagnóstico clínico poderá ajudar, mas só o laboratório, através da histopatologia, de lesões a nível do cérebro, poderá, face ao que suspeitamos clinicamente, confirmar o diagnóstico. Esta, portanto, a minha resposta à sua primeira pergunta.
Em relação às análises que mando fazer, mais exactamente se recebo, normalmente, os seus resultados, efectivamente recebo-os sempre. No entanto, sobre os dois casos que referi nunca recebi qualquer boletim de análise. A razão por que não os recebi, não sei.
Quanto aos especialistas sobre a matéria existentes no nosso país, conheço, tanto o Dr. Alexandre Galo como o. Dr. Azevedo Ramos, dois histopatologistas por quem tenho grande apreço. Por isso, sempre que tenho um problema mais difícil telefono para o Dr. Azevedo Ramos, perguntando-lhe como irá ajudar-me a resolvê-lo.
Portanto, conheço muito bem esses dois colegas, pessoas com bastantes conhecimentos sobre o assunto e que fizeram um estágio em Inglaterra para o estudo dos casos de BSE.
Relativamente à sua pergunta sobre o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária posso esclarecer que ele tem condições técnicas para efectuar as análises de BSE e que é um laboratório de referência nacional — e até mesmo para a CEE — para grande parte das doenças. Portanto, penso que teremos de confiar no Laboratório Nacional de Investigação Veterinária como uma sede de diagnóstico para a doença destes animais. Esta é a minha opinião.
Perguntou-me ainda se a BSE é ou não uma doença de declaração obrigatória. Efectivamente, Sr. Deputado, é uma doença de declaração obrigatória.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Muito obrigado, Sr. Dr. Armada Nunes.
Já agora, embora algumas das questões que queria colocar-lhe já tivessem sido abordadas pelo Sr. Deputado António Campos, permito-me fazer-lhe ainda algumas perguntas.
Na sua intervenção inicial, afirmou que, em termos de sintomatologia, há muitas semelhanças entre várias doenças. Gostava que me dissesse se essa semelhança pode ou não, normal e vulgarmente, conduzir a erros de análise.
A segunda pergunta que quero fazer-lhe é sobre a confirmação da BSE. A confirmação da doença pode veriftcar--se com o animal ainda vivo ou só post mortem do animal ela pode confirmar-se definitivamente?
Gostava também que nos desse uma panorâmica da maneira como tudo se desenrola, desde o momento em que se desconfia que os animais são portadores da doença até à colheita de material e resultado da análise.
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Finalmente, embora aceite que esta não seja particularmente a sua especialidade, gostava de saber, se assim o entender, até que ponto esta doença, a encefalopatia espongiforme bovina, pode transmitír-se entre animais e, particularmente, ao homem.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Presidente, creio que esta Comissão visa só apurar se existe ou não casos de BSE ém Portugal. Portanto, a questão que acabou de colocar não está no seu âmbito. No entanto, caso a Comissão queira alargar a discussão, informo, desde já, que terei muito mais questões a colocar.
Penso, porém —e há um inquérito na própria Assembleia da República —, que o objectivo desta audição é o de provar se há ou não, em Portugal, casos de encefalopatía espongiforme bovina. •
Se o Sr. Presidente considerar que se deve alargar o âmbito da discussão, queira dizer-mo, visto que não era essa a intenção inicial desta Comissão.
O Sr. Presidente (Antunes' da Silva): — Aceito, sem qualquer constrangimento, a observação do Sr. Deputado António Campos.
De facto, o objecto desta audição é o de apurar da existência ou não da doença em Portugal e, portanto, a observação é pertinente. Por isso, retiro a minha última questão.
Para responder, tem a palavra o Sr. Dr. Armada Nunes.
O Sr. Dr. Mário Alberto Armada Nunes (Médico Veterinário Principal da Direcção Regional de Agricultura de Trás-os-Montes): — Quanto àprimeira pergunta, sobre a sintomatologia da BSE, como disse na minha intervenção, o clínico só pode concluir pela suspeita da existência de BSE
se fizer um diagnóstico diferencial em relação às outras
doenças. Na realidade, a BSE poderá ter algumas semelhanças com outras doenças nervosas, nomeadamente com a cetose de origem nervosa, com as hipócalcemias ou com as hipomagnèsiemias — portanto a falta de cálcio e a falta de magnésio —, ou mesmo com as encefalopatías por listéria. Só que, no caso concreto que temos, conseguimos fazer já o diagnóstico diferencial, isto é, fomos pondo de parte as hipóteses em relação à cetose, à hipomagnesiemia e à hipo-calcemia e continuamos com suspeição. No entanto, só única e simplesmente a histopatologia pode confirmar — e vai fazê-lo — se estamos perante um caso de BSE. É o laboratório que tem de confirmar se, efectivamente, a nossa suspeita clínica é um caso de BSE.
Esta resposta, penso eu, satisfaz também a segunda questão que me foi colocada.
Quanto à colheita do material, no primeiro caso que tive presente, perguntei ao laboratório como devia colher o material. Como sabem, o cérebro de um bovino é bastante grande, pesa cerca de '1,2 kg. Por isso é bastante difícil arranjarmos material para colocá-lo. Mas, na altura, conseguimos fazer a "colheita de material. O animal foi abatido, fez--se a colheita de material, pegou-se no cérebro, meteu-se num frasco: com formol e enviámo-lo, directamente, para o Laboratório do Porto.
Portanto, desde que se saiba como colher o material não há qualquer problema com a sua recolha.
Em relação ao segundo caso, a colheita foi efectuada pelo próprio Laboratório Nacional de Investigação Veterinária e penso que foi feita dentro das condições ideais.
0 Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Dr. Armada Nunes, permita-me insistir — e peço desculpa aos outros
Srs. Deputados que estão inscritos, até porque a deficiência, com certeza, é minha —, mas fiquei na dúvida se, de facto, a doença pode ou não ser confirmada com o animal ainda vivo ou se ela só pode ser confirmada post mortem.
O Sr. Dr. Mário Alberto Armada Nunes (Médico Veterinário Principal da Direcção Regional de Agricultura de Trás-os-Montes)): — Clinicamente nós suspeitamos da doença e a confirmação tem de ser feita pelo Laboratório. Portanto, a confirmação definitiva só pode dar-se depois do animal morto.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Maçãs.
O Sr. João Maçãs (PSD): — Sr. Dr. Armada Nunes, procurei tomar a maior atenção à exposição com que nos brindou e surgiram-me três ou quatro dúvidas. Peço-lhe que me esclareça, se tiver disponibilidade para isso.
Q Sr. Doutor disse que teve conhecimento, pessoalmente, de duas situações de BSE. Na primeira situação, o material para análise terá sido recolhido, enviado para o Laboratório do Porto e, passados alguns dias, teve a confirmação da doença. O segundo caso terá sido constatado em Janeiro de 1992, numa exploração em Montalegre, onde o procedimento foi o mesmo, só com a diferença de que o material foi enviado para o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, em Benfica, porquanto se terá chegado à conclusão de que os restos de um animal que apresenta este tipo de doença devem ser incinerados. Fiquei com a sensação de que estes foram os dois casos de encefalopatía espongiforme em bovinos que o Sr. Doutor conheceu pessoalmente.
A primeira questão que quero colocar-lhe é se, além destes dois casos, de que teve conhecimento directo, sabe da existência de outros animais igualmente portadores desta doença.
Gostava de saber também se ambos os animais de quê falou, bem como o terceiro, em relação ao qual existem suspeitas neste momento, foram importados de Inglaterra.
Queria ainda que me dissesse, caso o Sr. Doutor tenha conhecimento, não de uma forma directa, da existência de outros casos da doença em Portugal, se tais animais foram também importados.
Por outro lado, gostava de saber se a encefalopatia espongiforme é susceptível de contágio em animais vivos, isto é, se ela é transmissível de animais vivos para animais vivos.
Finalmente, Sr. Doutor, ouvi-o dizer — e fiquei um pouco na dúvida em relação a esta matéria — que nunca tinha recebido qualquer boletim de análise. Colheu o material, enviou-o para o laboratório, pois a análise era a única forma de obter um diagnóstico sério e correcto —por conseguinte, não é possível fazer um diagnóstico correcto sem recorrer a um laboratório—, mas nunca recebeu o respectivo boletim de análise.
Pergunto: não terá a Direcção Regional de Agricultura de Trás-os-Montes recebido essas análises, apesar de elas não terem chegado às mãos do Sr. Doutor? Ou será que o laboratório se limitou a dizer-lhe, de uma forma mais ou menos informal «sim senhor, confirma-se a doença», sem emitir qualquer tipo de documento — um certificado ou um boletim — para os serviços oficiais?
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): - Sr. Dr. Armada Nunes, tenho mais um Sr. Deputado inscrito para pedir-lhe esclarecimentos. Pretende responder já ou responde no fim?
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O Sr. Dr. Mário Alberto Armada Nunes (Médico Veterinário Principal da Direcção Regional de Agricultura de Trás-os-Montes): — Respondo já, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Então, tem a palavra.
O Sr. Dr. Mário Alberto Armada Nunes (Médico Veterinário Principal da Direcção Regional de Agricultura de Trás-os-Montes): — Em relação às perguntas que me foram postas, efectivamente temos dois casos da doença em animais importados de Inglaterra. Há, realmente, um terceiro caso, mas sobre esse existem apenas suspeitas. E continuo a bater na tecla «suspeito», pois só a histopatologia irá dizer-nos se aquele animal é ou não um caso de BSE.
Portanto, os dois casos que tenho confirmados e este terceiro caso de que se suspeita são em animais oriundos de Inglaterra.
Aliás, tenho acompanhado de perto as explorações onde existem animais importados da Inglaterra e não tenho conhecimento do aparecimento de qualquer outro caso de BSE.
Poderemos especular um bocadinho e dizer que, na primeira exploração —e a informação foi-nos dada pelo seu proprietário —, morreram outros dois animais importados de Inglaterra, que poderiam ser ou não portadores da doença. De qualquer maneira, o proprietário da exploração deu-nos a informação de que poderão ter surgido casos de outros animais que ele teve de abater porque viu que não era possível a respectiva recuperação clínica.
Portanto, pelo que sei —mas estão aqui presentes outras pessoas que têm maiores conhecimentos do que eu próprio sobre esta matéria e que poderão pronunciar-se melhor—, ainda não houve contágio entre animais vivos. O conhecimento que tenho, fruto da literatura que li, é que, efectivamente, ocorreu contágio entre animais, mas através da inoculação de material da BSE em ratinhos. Portanto, repito que esta é a única informação de que disponho e que nada sabemos sobre o contágio de animal para animal. No entanto, certo é que o período de incubação desta doença pode ser muito longo, pelo que, nesta primeira fase, embora possamos ter animais já contaminados ainda não manifestaram sinais da doença.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Doutor, quando diz «período longo» refere-se a quanto tempo?
O Sr. Dr. Mário Alberto Armada Nunes (Médico Veterinário Principal da Direcção Regional de Trás-os-Montes): — Sr. Deputado, o termo «período longo» significa que o período de incubação pode demorar entre 2 e 8 ou 10 anos.
Também me perguntaram que tipo de animais é que são afectados por esta doença. Ora, pelo que sei, a BSE atinge essencialmente os bovinos de leite e só com idade superior a 2 anos, isto é, antes desta idade, não têm sido diagnosticados casos de BSE.
Relativamente à pergunta que foi posta acerca dos boletins de análises, respondo que não recebi qualquer boletim de análise, mas não posso afirmar se os serviços de que dependo terão ou não recebido. Apenas posso dizer que recebi a informação por via particular e sigilosa.
' O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem agora a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Sr. Dr. Mário Alberto Armada Nunes, já respondeu à questão que queria colocar-lhe, mas, de qualquer modo, insisto nela, embora abor-dando-a num outro ângulo.
O Sr. Doutor afirmou a detecção de três casos, o último dos quais há 13 dias, estando confirmados os dois primeiros e o terceiro ainda em fase de suspeição. Ora, o Sr. Doutor referiu por duas vezes, e repetiu agora, que recebeu a informação de confirmação da doença por via particular e, acrescentou, sigilosa.
Assim, Sr. Doutor, sabe ou procurou saber as razões por que não lhe foi dada informação oficial, como seria normal, tendo sido por via particular e, ainda por cima, sigilosa?
O Sr. Dr. Mário Alberto Armada Nunes (Médico Veterinário Principal da Direcção Regional de Trás-os-Montes): — Sr. Deputado, o que me disseram na altura foi que, efectivamente, confirmava-se a doença mas que o resultado não poderia sair do laboratório e que, portanto, a informação era dada a título particular.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Quem é que lhe deu essa informação, Sr. Doutor?
O Sr. Dr. Mário Alberto Armada Nunes (Médico Veterinário Principal da Direcção Regional de Trás-os-Montes): — Foi o Dr. Azevedo Ramos.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.
O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): — Prescindo da palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Então, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte, que é o último orador inscrito para fazer perguntas ao Sr. Dr. Mário Alberto Armada Nunes.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Sr. Dr. Mário Alberto Armada Nunes, em primeiro lugar, quero pedir desculpa pelo meu atraso que me impediu de ouvir a sua exposição inicial, pelo que poderei colocar-lhe alguma questão à qual já tenha respondido.
O Sr. Doutor disse que o exame histopatológico é que confirma ou não a existência da doença. Gostaria de recordar que, no passado dia 4 de Maio, em comunicado público à imprensa, a entidade sanitária nacional afirmou o seguinte: «Os estudos laboratoriais efectuados aos animais suspeitos, em Junho de 1990, em Fevereiro de 1991 e em Janeiro de 1992, apresentaram exame histopatológico semelhante ao da referida doença — a BSE —, tendo, por outro lado, outros exames e bem assim a análise epidemiológica levado à conclusão da não confirmação da doença».
Perante isto, pergunto-lhe se quando lhe foi dada a confirmação, particular ou não, da doença terá sido na fase em que foi feito o diagnóstico histopatológico, antes de terem sido efectuados os outros exames laboratoriais, nomeadamente a referida análise epidemiológica.
Por outro lado, em sede de Plenário, foi afirmado que havia criadores que tinham sido atacados e que tinham morrido devido a encefalopatia embora a relação causa/efeito não esteja confirmada...
.0 Sr. António Campos (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra.
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O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Assim, nos casos em que acompanhou e deu apoio sanitário a explorações agrícolas, gostaria de saber se houve algum criador ou trabalhador dessas explorações que tenha sido atacado por encefalopatia e que, como tal, eventualmente, possa pôr a suspeição de haver alguma relação...
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra para uma interpelação à Mesa.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Em terceiro lugar, dos casos que conhece e em que houve suspeitas de BSE, qual foi o destino dado ao animal depois de morto e após lhe terem sido retiradas amostras de tecidos para análise laboratorial? Faço-lhe esta pergunta porque, cientificamente, está comprovado que a transmissão da doença pode fazer-se através dos restos dos animais. Assim, repito, gostaria de saber qual o destino dado a esses restos mortais nas explorações agrícolas em que ocorreram esses casos.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Sr. Deputado Carlos Duarte, para meu próprio esclarecimento, gostaria que me dissesse quem é a autoridade sanitária nacional a que se referiu.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Sr. Deputado, a autoridade sanitária nacional a nível de sanidade animal é a Di-recção-Geral da Pecuária, que. como referi, no passado dia 4 de Maio, tornou pública a nota que li há pouco, através de um comunicado à imprensa.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Presidente, peço a palavra para fazer uma interpelação à Mesa.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado António Campos, já vou dar-lhe a palavra, mas antes tenho algo a dizer.
Há pouco, eu próprio também tinha colocado uma outra questão que extravasava o âmbito da nossa audição. Ora, o Sr. Deputado António Campos, pertinentemente, interpelou a Mesa nesse sentido e, tal como afirmei na altura, retirei sem constrangimento a questão que tinha colocado. Portanto, julgo que este seu novo pedido de interpelação à Mesa vai no mesmo sentido do anterior, pelo que peço aos Srs. Deputados que circunscrevam as perguntas respectivas ao objecto desta audição, ou seja, o de apurar da existência ou não de BSE em Portugal.
Assim, Sr. Deputado António Campos, se o seu pedido de interpelação era nesse sentido, penso que pode prescindir da palavra e dá-la-ei de imediato ao Sr. Dr. Mário Alberto Armada Nunes, para responder. .
O Sr. Dr. Mário Alberto Armada Nunes (Médico Veterinário Principal da Direcção Regional de Trás-os-Montes): — Sr. Deputado, por acaso, não li o comunicado da autoridade sanitária nacional, mas se diz que, histopatologi-camente, têm lesões idênticas as da BSE e, depois, remete para o problema da epidemiologia, então, pergunto: se, his-topatologicamente, está confirmada a existência da BSE e se a epidemiologia nos diz que se trata de animais importados de Inglaterra, que outros estudos epidemiológicos são necessários para se chegar à conclusão de que, efectivamente, se trata de casos de BSE?
Portanto, se, efectivamente, é esse o teor do comunicado a que se referiu, remeto a pergunta para outras pessoas que possam responder-me.
Quanto à sua segunda pergunta, respondo-lhe que, pelos estudos que existem actualmente, não se sabe se a doença é ou não transmissível ao homem, embora se pense que não o é. Na verdade, julgo que os nossos criadores ainda não enlouqueceram por contágio com a doença das vacas loucas. Aliás, temos acompanhado particularmente as explorações onde têm surgido os animais doentes e as pessoas que lá trabalham são normais, pelo que, até à data, não há problema nenhum com eles.
•Assim, poderemos pensar que se trata de uma doença essencialmente de animais e que, em princípio, a transmissão terá de ser feita através de restos de animais que poderão ter adoecido com BSE.
Quanto ao destino dado à carcaça, posso dizer-lhe que o segundo animal foi transportado para o Laboratório de Benfica e foi incinerado. Relativamente ao primeiro animal, na altura, tentámos fazer o melhor que pudemos. Os Srs. Deputados decerto conhecem as condições em que funcionam os antigos matadouros municipais, em que não há incineradores nem tratamento de resíduos, pelo que repito que tentámos fazer o melhor que nos foi possível e que consistiu na destruição da carcaça.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Dr. Mário Alberto Armada Nunes, quero agradecer-lhe o seu depoimento e renovar-lhe os meus agradecimentos pessoais e da Comissão pela disponibilidade que manifestou.
Pausa.
Srs. Deputados, vamos agora dar início à audição do próximo depoente, Sr. Dr. José Carlos Pereira.
Entretanto, deu entrada na Sala o Sr. Dr. José Carlos de Azevedo Pereira.
Sr. Dr. José Carlos de Azevedo Pereira, começo por transmitir-lhe os meus agradecimentos pessoais e da Comissão pela sua presença.
Em primeiro lugar, solicito-lhe que faça um depoimento inicial em termos gerais para, depois, responder às questões que, eventualmente, os Srs. Deputados entendam colocar-lhe.
Dado que esta nossa reunião está a ser objecto de gravação, peço-lhe que se identifique antes de iniciar a sua intervenção.
Tem, então, a palavra.
O Sr. Dr. José Carlos de Azevedo Pereira (Técnico do Agrupamento de Defesa Sanitária da Cooperativa Agrícola de Barcelos): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Chamo-me José Carlos de Azevedo Pereira, sou médico veterinário e trabalho na Cooperativa Agrícola de Barcelos, no Agrupamento de Defesa Sanitária, pelo qual sou responsável.
Sobre esta matéria, começo por dizer que, em Barcelos, há um efectivo bovino muito elevado — mais de 40000 cabeças de gado leiteiro —, havendo algumas explorações que possuem gado inglês importado.
Não sei precisar a data, mas, por volta de 1991, numa das explorações a que presto assistência, ocorreu um caso que identifiquei clinicamente como sendo esta síndroma da encefalopatia espongiforme bovina.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Doutor, disse que tinha sido em 1991?
O Sr. Dr. José Carlos de Azevedo Pereira (Técnico do Agrupamento de Defesa Sanitária da Cooperativa Agrícola de Barcelos): — Não sei precisar bem a data, Sr. Presidente.
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Ora, ao contrário do que aqui foi dito pelo colega que me antecedeu, embora a patologia nervosa tenha um modelo de sintomatologia muito semelhante em todos os casos, no que toca à BSE, há particularidades específicas que a diferenciam dos restantes problemas. Assim, como se tratava de um bovino que tinha sido importado de Inglaterra, suspeitei da doença e declarei-a ao serviço competente, até por se tratar de uma doença de declaração obrigatória. Imediatamente, os serviços removeram o animal, indemnizaram o proprietário e os restos seguiram para análise. Não soube de mais nada, a não ser por meu interesse próprio quando, passado um tempo, perguntei ao responsável sanitário, que me disse ser uma encefalopatía provocada por um menin-goccocus, que é um agente bacteriano, e assim ficou a situação. Não sei se terei tido outro caso, mas este problema deixou de ter importância, uma vez que o outro caso não foi típico e, não o sendo, nem sequer pus o problema.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Doutor, penso que terminou a sua intervenção inicial. Os Srs. Deputados colocariam agora as suas questões, a que depois responderia.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Dr. José Carlos Pereira, muito obrigado por ter vindo a esta Comissão.
Sr. Doutor, foram importados de Inglaterra cerca de 12 000 animais. O efectivo inglês, numa proporção de 0,04%, estava afectado com encefalopatia espongiforme bovina e, quando a Comunidade tomou algumas medidas fortes e tornou obrigatória a declaração da doença, todos os técnicos sabiam que, em Portugal, havia casos de encefalopatia. Na proporção das importações, todos nós sabíamos que, pelo menos, existiriam em Portugal cerca de 20 a 30 casos. O Sr. Dr. Armada Nunes, há pouco, deu-nos aqui um elemento precioso, informando-nos que o tempo de incubação desta doença pode ir dos 2, 8 ou 10 anos. Gostaria de saber não só se a Direcção-Geral dos Serviços Pecuários, algum dia, criou algum serviço especial de acompanhamento do gado importado de Inglaterra mas também se o Sr. Doutor foi alguma vez avisado e preparado para o acompanhamento especial dos animais que tinham vindo de Inglaterra.
Disse o Sr. Doutor que, quando manda análises para o laboratório, recebe o resultado das mesmas na totalidade. Como é que, neste caso, reagiu quando não lhe deram oficialmente o resultado da análise que enviou?
Em terceiro lugar, o Sr. Doutor, com os seus conhecimentos técnicos — e estamos aqui a discutir três ou quatro casos—, e dado que o gado, quando veio para cá, não foi sujeito a nenhum teste, nem havia nenhuma forma de diagnóstico antecipado que permitisse a não existência desse gado em Portugal, confirma-nos que, de facto, deve haver muitos mais casos do que aqueles que são hoje conhecidos oficialmente em Portugal? Para o Sr. Doutor qual é o benefício e o sentido de esconder uma situação que, no fim de contas, implicava compromissos internacionais e nacionais de clarificação e de ajuda à comunidade cientifica nacional e internacional, dado que é uma doença que penso estar ainda num grau de desconhecimento bastante elevado, sabendo que o Governo português publicou legislação no sentido de tornar a declaração desta doença obrigatória, pois o Governo Português cumpriu o que tinha ficado assente na Comunidade? O que é que pensa que terá levado o Laboratório a ter dois tratamentos, dado que, para qualquer análise, lhe eram fornecidos os resultados e para esta isso não aconteceu?
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Para responder, tem a palavra o Sr. Dr. José Carlos de Azevedo Pereira.
O Sr. Dr. José Carlos de Azevedo Pereira (Técnico do Agrupamento de Defesa Sanitária da Cooperativa Agrícola de Barcelos): — Sr. Deputado, não há dúvida nenhuma de que, se os Ingleses tinham ou têm ainda nos seus efectivos quatro casos em 1000 de BSE e se Portugal importou 12 000 efectivos, é evidentemente presumível que alguns dos nossos animais teriam de vir infectados, uma vez que eles consumiram o agente infeccioso. Ora, sendo assim, dado existirem 4 casos em 1000 efectivos, em 12 000 efectivos teríamos 48 casos. Portanto, teoricamente, e respeitando a proporção da doença em Inglaterra, teriam vindo para Portugal 48 casos. No entanto, é preciso ver que esses bovinos foram importados, provavelmente, até 1989, data da última importação de gado inglês para os países exteriores. Esses efectivos foram importados desde 1982 até 1989 e mais de metade — bem mais de metade— está morto, foi abatido para consumo ou levou outros fins. O problema que se colocaria agora seria de descendência, se, de facto, a doença é transmissível verticalmente, o que não está provado. E, como não está provado, não tem nenhum efeito prático. De toda a forma, não me surpreende que, em Portugal, os casos tenham sido só cinco ou seis, porque, na realidade, esta doença é rara, não é uma doença que atinja um efectivo em escala. Os animais infectam-se por via oral e, por isso, só estarão doentes os que consumiram o agente infeccioso. Sendo assim, já foi uma felicidade — em termos científicos, evidentemente — termos encontrado 3 ou 4 casos.
Claro que ninguém foi avisado sobre o número de animais importados de Inglaterra, nem ninguém recebeu — pelo menos eu não recebi — nenhum aviso especial para tomar medidas especiais de precaução relativamente a esta doença.
Realmente, de todas as análises que são enviadas ao Laboratório obtemos respostas, mais cedo ou mais tarde. Nesta, como disse há pouco, não obtive resposta. Aliás, a que obtive foi diferente da realidade, porque vim a saber, recentemente, que o meu caso foi positivo depois de o assunto ter sido despoletado por um jornalista do semanário Expresso.
Quanto a haver um teste prévio que, quando o gado chegasse de Inglaterra, tornasse acessível o diagnóstico ou a presença de infecção nos animais, devo dizer que não existem testes para esse efeito. O único processo de diagnosticar a doença, como já aqui foi dito pelo meu colega, é o exame laboratorial. Só post mortem é que a doença é diag-nosticável. Mas, como disse, não haverá muitos casos, pelo menos presentemente. Se, como tudo indica, a doença não for transmissível aos descendentes, os animais que consumiram a infecção em Inglaterra, presentemente, em Portugal, são relativamente poucos, e, como tal, até é natural que não apareçam mais casos.
Quanto à questão de os serviços esconderem os resultados, devo dizer que, em minha opinião, a classe veterinária devia ter tido conhecimento da existência da doença. E isto para muitos efeitos, inclusivamente para permitir aos veterinários práticos, que muitas vezes encontram síndromas neurológicas que podem ser ou não de BSE, mas que são confundíveis com essa doença, uma investigação sobre esses assuntos, que há ainda a fazer, e, além do mais, o estudo das outras doenças neurológicas. Penso, portanto, que tinha interesse nacional e técnico que lhes fosse dado conhecimento da existência da doença, embora sabendo, à partida, que esta é realmente uma doença restrita. Neste momento, não se pode dizer que temos a doença em Portugal; só a tere-
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mos se algum animal adoecer. Hoje, a prevalência da doença é zero, até que um colega diga: «Hoje, 27 de Maio, tenho um caso em Barcelos ou em Braga.» Quando esse caso aparecer, nesse dia, a prevalência em todo o efectivo do País será aquele animal.
0 Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem a palavra
o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): - Sr. Doutor, a certo momento da sua exposição, referiu que teve um segundo caso, em que teria suspeitado da mesma doença, mas que não lhe teria dado seguimento, uma vez que o primeiro caso não foi considerado típico ou que lhe terá sido escondido o resultado do diagnóstico. O Sr. Doutor disse isso com um tom levemente irónico e distanciado. Gostava que precisasse melhor, isto é, o Sr. Doutor não levou para a frente o segundo caso de suspeição porque entendeu que não valia a pena, face às condições que tinha verificado no primeiro caso pelo facto de lhe terem escondido o diagnóstico da doença? Ou fê-lo por outra razão?
O Sr. Dr. José Carlos de Azevedo Pereira (Técnico do Agrupamento de Defesa Sanitária da Cooperativa Agrícola de Barcelos): — Pois, eu falei nisso, mas vou explicar melhor: não levei o segundo caso para a frente porque o animal durou muito pouco tempo — morreu. E, como morreu, não pus o problema da recolha de órgãos. Terei raciocinado depois e não me pareceu necessário fazê-lo. Pus de parte a questão, pois não chegou a ser uma suspeita Mas, se estivesse sensibilizado, se calhar era uma suspeita.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): —O Sr. Dr. José Carlos Pereira disse que, depois do primeiro caso —o da análise—, o Laboratório o informou de que se tratava de uma encefalopatia, mas provocada por um vírus...
O Sr. Dr. José Carlos de Azevedo Pereira (Técnico do Agrupamento de Defesa Sanitária da Cooperativa Agrícola de Barcelos): — Não, por um meningoccocus. Trata-se de uma bactéria. Essa informação foi-me dada, a título pes-soai, por um meu colega dos serviços.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Essa foi a informação que, particularmente, obteve dos responsáveis sanitários. Entretanto, o conhecimento que teve de uma eventual suspeita de BSE foi-lhe dado por um jornalista do semanário Expresso.
O Sr. Dr. José Carlos de Azevedo Pereira (Técnico do Agrupamento de Defesa Sanitária da Cooperativa Agrícola de Barcelos): — Sim.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Gostava de saber se, antes ou depois desta informação — e penso que o jornalista do Expresso, por maior capacidade que tenha a este nível, não será autoridade sanitária para poder, eventualmente, dar--Ihe essa informação—, houve qualquer outra informação que pudesse indiciar que o diagnóstico feito, e que lhe foi transmitido por um responsável sanitário, era contraditório ao da informação que lhe tinha dado anteriormente.
Uma outra questão que lhe quero colocar é no sentido de saber se teve conhecimento de que o Estado Português tenha enviado alguns técnicos sanitários, ou do Laboratório,
para Inglaterra, a fim de estudarem melhor toda a doença — a forma de diagnóstico e toda a forma de detecção da doença. Ou seja, se foi enviado alguém para Inglaterra no sentido de poder ter, eventualmente, alguma actuação com maior conhecimento de causa neste campo.
0 Sr. Presidente (Antunes da Sií va): — Tem a palavra o Sr. Dr. José Carlos de Azevedo Pereira.
O Sr. Dr. José Carlos de Azevedo Pereira (Técnico do Agrupamento de Defesa Sanitária da Cooperativa Agrícola de Barcelos): — O diagnóstico, como referi, foi-me dado naquela altura, através de um colega dos serviços, que me disse que seria uma encefalite corrente, por um motivo banal. E só soube do que se passava realmente por esse jornalista do Expresso, que primeiro me telefonou com o objectivo de indagar sobre como as coisas tinham acontecido, etc, ao que respondi: «Nada mais sei sobre isso e penso que nem sequer tem importância.» Como ele viu que eu não estava por dentro da matéria, nem sabia o resultado do Laboratório, telefonou-me duas horas mais tarde a dizer-me: «Esse caso foi, realmente, positivo. Eu tenho aqui, na minha mesa, uma fotocópia do despacho do Laboratório a dizer que se trata de um caso de encefalopatia espongiforme bovina.»
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Mas não chegou a mostrar-lhe a cópia do despacho!?
O Sr. Dr. José Carlos de Azevedo Pereira (Técnico do . Agrupamento de Defesa Sanitária da Cooperativa Agrícola de Barcelos): — Não, não me mostrou.
E foi só no dia seguinte, porque a Ordem dos Médicos Veterinários me convocou para um inquérito, que soube por um colega da Ordem que a análise tinha, realmente, sido positiva.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.
O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): — Sr. Dr. José Carlos Pereira, agradeço a disponibilidade que manifestou e vou colocar-lhe duas questões muito concretas.
Gostaria que identificasse não só o serviço ao qual comunicou o seu diagnóstico, mas também o técnico que lhe. deu a resposta relativamente ao resultado da análise do animal que comunicou.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Para responder, tem a palavra o Sr. Dr. José Carlos de Azevedo Pereira.
O Sr. Dr. José Carlos de Azevedo Pereira (Técnico do Agrupamento de Defesa Sanitária da Cooperativa Agrícola de Barcelos): — Sr. Deputado, o meu diagnóstico presuntivo, a minha suspeita foi comunicada ao chefe da Divisão de Sanidade Animal da Direcção Regional de Entre Douro e Minho, em Braga, Dr. Eduardo Maia Tavares.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho.
O Sr. António Martinho (PS): — Sr. Dr. José Carlos Pereira, tenho, nesta audição, ouvido os médicos veterinários a usarem a expressão «suspeição».
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Gostaria de saber se o Sr. Dr. José Carlos Pereira considera os médicos veterinários devidamente preparados para detectar estes casos e se estes tiveram, em tempo útil, acesso a informação considerada útil e de interesse, vinda do país, concretamente de Inglaterra, onde se detectou esta doença, de modo a poderem colher e utilizar essa mesma
informação.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Para responder, tem a palavra o Sr. Dr. José Carlos de Azevedo Pereira.
O St.Dr. José Carlos de Azevedo Pereira (Técnico do
Agrupamento de Defesa Sanitária da Cooperativa Agrícola de Barcelos): — Sr. Deputado, os médicos veterinários estão bem por dentro deste problema, até porque o sindicato dos médicos veterinários tem distribuído, oportunamente, publicações que trazem artigos sobre essa matéria — e tenho aqui duas revistas técnicas.
Uma dessas publicações é a Veterinária Técnica, de 1991, que traz exactamente um artigo de uma autoridade inglesa que estudou este problema, onde constam todos os dados da evolução da doença em Inglaterra. Portanto, os veterinários estão, realmente, por dentro do problema, porque as instituições veterinárias têm-se esforçado nesse sentido. Já em 1990, também aqui tenho a publicação de uma outra revista de medicina veterinária, a dar conta da situação que se vivia na altura e da evolução da doença em Inglaterra, comparando-a, aliás, com outras síndromas de outros animais, inclusivamente do homem.
Logo, como todos os médicos veterinários têm estas publicações, não há qualquer dúvida de que estão por dentro dos pormenores técnicos da doença.
O Sr. António Martinho (PS): — Todos?
O Sr. Dr. José Carlos de Azevedo Pereira (Técnico do Agrupamento de Defesa Sanitária da Cooperativa Agrícola de Barcelos): — Suponho! Não sei se estão todos, mas, pelo menos, foi a oportunidade que tiveram!...
O Sr. António Martinho (PS): — Calcula!
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Maçãs.
O Sr. João Maçãs (PSD): — Sr. Dr. José Carlos Pereira, peço muita desculpa, pois sou um leigo nesta matéria, mas gostaria de colocar uma questão de pormenor a fim de ver se se desvanece no meu espírito uma certa dúvida com que fiquei e que tem a ver com o que o Sr. Doutor disse.
A dado passo do início da sua intervenção, V. Ex." disse que teria identificado um caso clinicamente e que procedeu de acordo com o que é habitual: fez, naturalmente, a colheita do material, que enviou para o Laboratório. No entanto, não terá obtido por parte do Laboratório uma resposta e, a determinado passo, terá tido a informação de que se tratava de uma encefalopatia provocada por um meningoc-cocus. Pergunto: esta encefalopatia é também uma encefalopatia espongiforme?
Coloco esta questão porque fiquei com a sensação de que eram duas realidades diferentes. Numa parte da exposição, o Sr. Dr. José Carlos Pereira disse que tinha sido confirmada a encefalopatia e que a explicação que lhe fora dada foi a de que teria sido provocada por meningoccocus, uma bactéria, e agora, na fase já posterior, nas respostas dadas a um colega meu, o Sr. Dr. José Carlos Pereira disse que obteve
a informação de que se tratava de facto de uma encefalopatia espongiforme, através de um jornalista do Expresso, que dispunha de um despacho nesse sentido. Pergunto: é ou não a mesma coisa?
O Sr. Dr. José Carlos de Azevedo Pereira (Técnico do Agrupamento de Defesa Sanitária da Cooperativa Agrícola de Barcelos): — Não, não é!
O Sr. João Maçãs (PSD): — Portanto, o diagnóstico do Sr. Dr. José Carlos Pereira, no caso que identificou, foi de
que se Iratava de uma encefalopatia espongiforme ou de uma
. encefalopatia provocada por um meningoccocus, o que, por ■ conseguinte, não é espongiforme.
O Sr. Dr. José Carlos de Azevedo Pereira (Técnico do Agrupamento de Defesa Sanitária da Cooperativa Agrícola de Barcelos): — Na primeira tentativa de averiguar o problema junto do meu colega dos serviços, foi-me dado esse diagnóstico, que, provavelmente, foi um subterfúgio, e quem, na realidade, me deu o diagnóstico exacto foi o jornalista. Ele é que me disse que era realmente a BSE.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem, finalmente, a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): — O Sr. Dr. José Carlos Pereira sempre recebeu o resultado das análises sempre que se serviu do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária. O único caso em que não teve acesso ao resultado da análise foi neste caso apresentado. É isso? O Sr. Dr. José Carlos Pereira confirma?
O Sr. Dr. José Carlos de Azevedo Pereira (Técnico do Agrupamento de Defesa Sanitária da Cooperativa Agrícola de Barcelos):—Confirmo, sim!
O Sr. António Campos (PS): — Muito obrigado.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado António Campos, peço-lhe o favor de repetir a pergunta, uma vez que não foi audível para alguns Srs. Deputados.
O Sr. António Campos (PS): — Perguntei ao Sr. Dr. José Carlos Pereira se recebe sempre do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária o resultado das análises que necessita para concretizar os seus diagnósticos e se este caso foi o único em que não recebeu e o Sr. Dr. confirmou-me que neste caso não recebeu o resultado, que é o único em que isso aconteceu.
O Sr. Dr. José Carlos de Azevedo Pereira (Técnico do Agrupamento de Defesa Sanitária da Cooperativa Agrícola de Barcelos): — Sr. Presidente, gostaria de explicar um pouco melhor.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Faça favor.
O Sr. Dr. José Carlos de Azevedo Pereira (Técnico do Agrupamento de Defesa Sanitária da Cooperativa Agrícola de Barcelos): — Recebo sempre do Laboratório os resultados das análises que peço. Neste caso de encefalopatia que declarei aos serviços, o animal foi levantado pelos serviços e as análises foram feitas pelos serviços. Portanto, a única...
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O Sr. António Campos (PS): — Depois, foi o Sr. Dr. Eduardo Maia Tavares .quem ficou, responsável pelo animal. ■ .
O Sr. Dr. José Carlos de Azevedo Pereira (Técnico do Agrupamento de Defesa Sanitária da Cooperativa Agrícola de Barcelos): — Exactamente!
O Sr. António Campos (PS): — Muito obrigado.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Dr. José Carlos de Azevedo Pereira, muitíssimo obrigado pelo seu depoimento, e pela disponibilidade manifestada.
Pausa.
Entretanto, deu entrada na Sala o Sr. Prof. Doutor Manuel Cardoso Laje.
Vamos agora ouvir o Sr. Prof. Doutor Manuel Cardoso Laje, ao qual, em nome da Comissão,.agradeço a disponibilidade que manifestou para prestar aqui o seu depoimento sobre a existência ou não, em Portugal, da encefalopatia espongiforme bovina.
Seguindo a metodologia utilizada até agora, o Sr. Prof. Doutor Manuel Cardoso Laje fará, se assim o entender, claro, uma intervenção inicial e, depois, os Srs. Deputados colocarão as questões que entenderem.
Tem a palavra, Sr. Prof. Doutor Manuel Cardoso Laje.
O Sr. Prof. Doutor Manuel Cardoso Laje (Investigador--Coordenador do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Em primeiro lugar, quero cumprimentar o Sr. Presidente e os Srs. Deputados e colocar-me à disposição, com toda a simplicidade, para responder ao que souber, porque ao que não souber terão de se confrontar com a minha ignorância, que vai sempre sendo muita.
Se me dessem licença, começaria por fazer uma pequena introdução, para situarmos o problema, e depois estaria à vossa disposição. ' ' .
Sou investigàdor-coordenador do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária há mais de 30 anos e as pessoas ligadas ao campo, como é o caso do Sr. Engenheiro António Campos, já me conhecem, pois nem sempre estou no Laboratório, também vou para o campo. Fui professor de Histologia da Faculdade de Medicina Veterinária durante 14 anos. Preparei o meu doutoramento em Itália, precisamente em neuropatologia aviária. E, neste momento, sou professor catedrático convidado da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, no curso de Veterinária, de Patologia e Anatomia Patológica. Todos estes empolamentos são só para os situar, não têm qualquer importância...
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Têm, com certeza, importância, Sr. Professor. Peço desculpa por interrompê-lo.
O Sr. Prof. Doutor Manuel Cardoso Laje (Investigador--Coordenador do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — É que eu tive a felicidade, que outros não tiveram, de ter acesso a estas fontes dé estudo.
Entrando agora no problema da encefalopatia espongiforme dos bovinos, queria fazer uma pequena introdução, necessariamente, não muito agradável, mas é para VV. Ex.'* saberem até que ponto poderei prestar alguns esclarecimentos.
Com a recente polémica na Assembleia da República e nos órgãos de informação sobre a chamada «doença
das vacas loucas», a encefalopatia espongiforme dos bovinos (BSE), ficou a impressão, na opinião pública, de que o ex-director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, Dr. Matos Águas, não tinha declarado até agora a existência da encefalopatia espongiforme dos bovinos em Portugal, apenas por imposição do ex-director-geral da Pecuária, Dr. Machado Gouveia. Creio que não foi o caso.
O Dr. Matos Águas, como técnico consciente que é, sabe
perfeitamente que, na altura, não dispunha dc dados suficientemente seguros para fazer tal declaração. Certamente, também por culpa própria, já que, quanto a nós, o processo de diagnóstico da BSE foi mal conduzido, a nível do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, desde o início.
O Dr. Matos Águas, sem consultar o Departamento de Patologia do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, uma vez que de diagnóstico histológico se tratava, envia para o Central Veterinary Laboratory of Weybridge, no Reino Unido, para aprender as técnicas de diagnóstico histológico da BSE, o Dr. Alexandre Galo, que, dos patologistas, é o menos qualificado e sem prática de diagnóstico em histopatologia.
Como investigàdor-coordenador, na área da patologia, com mais de 30 anos de prática de campo e laboratório, com cerca de 20 anos a ensinar Histologia a centenas de veterinários, como professor da Faculdade de Medicina Veterinária e mais alguns anos como professor catedrático responsável pela Patologia e Anatomia Patológica do curso de Medicina Veterinária da UTAD e ainda, por coincidência, com um doutoramento em Neuropatologia preparado em Itália, na Faculdade de Medicina Veterinária de Milão, penso que seria curial eu ter sido ouvido. Mesmo assim, alertei na altura o Dr. Matos Águas aconselhando-o a ter cuidado e prudência na escolha dos técnicos, na interpretação dos dados e no diagnóstico da BSE. Daí resultou, embora a minha intenção fosse a melhor, a hostilidade e incompreensão do Dr. Galo e o meu afastamento de todo o processo pelo Dr. Matos Águas.
Comigo foi também marginalizado o Departamento de Patologia, onde trabalham, como chefe de departamento e chefe de serviço de Anatomia Patológica e Histopatologia, respectivamente, o Dr. Rui Baptista e a Dr." Madalena Monteiro, dois dos nossos melhores histopatologistas veterinários, também eles postos de parte sem nunca terem sido consultados nem informados sobre o assunto.
Passado algum tempo, vieram a confirmar-se os meus receios — foi enviado para o Central Veterinary Laboratory of Weybridge o Dr. Azevedo Ramos, director do Laboratório do Porto, esse sim, um histopatologista veterinário com larga experiência para, finalmente, alguém aprender as técnicas de diagnóstico da BSE. Nunca mais fomos consultados sobre o assunto e, até agora, apenas duas análises de vacas suspeitas de BSE deram entrada no Departamento de Patologia do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, uma das quais há poucas semanas.
É, no entanto, nossa convicção que devem existir em Portugal bovinos importados do Reino Unido com BSE. Como técnico, é essa a nossa convicção sem qualquer dúvida! Só que, até agora, não nos consta que tenham sido realizadas no Laboratório Nacional de Investigação Veterinária as provas laboratoriais necessárias e suficientes para declarar com fundamento científico seguro a existência de uma doença num país como Portugal, até agora oficialmente isento. E não é que o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária não disponha dos meios humanos e materiais necessários e suficientes para o poder fazer; para
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além do Departamento de Patología, no que concerne ao exame histopatológico, está equipado com uma boa Unidade de Microscopia Electrónica para observação e estudo das fibrilhas, com departamentos de virologia, bacteriologia e outros em condições de possibilitar um correcto diagnóstico diferencial, como se impõe.
Desejava fazer estas considerações de forma a W. Ex." compreenderem que, se bem que não esteja por dentro de algumas partes do processo — que, quanto a mim, não foi conduzido da melhor forma —, tal não significa que não esteja inteirado da doença.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Os meus agradecimentos, Sr. Prof. Doutor Manuel Cardoso Laje, pela exposição feita, bem como pela disponibilidade evidenciada.
Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados António Campos e Carlos Duarte.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Professor, agradeço as informações prestadas, mas gostava de colocar-lhe algumas questões.
Em primeiro lugar, depois de ter ouvido a sua intervenção, sou levado a concluir que o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária não aproveita os melhores e protege os piores técnicos.
De facto, tenho em meu poder alguma documentação segundo a qual o laboratório do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge quis importar priões só para pesquisa. O Laboratório Nacional de Investigação Veterinária proibiu-o e a argumentação, muito sólida, apresentada ao referido Instituto é do seguinte teor: «O Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, tanto em Lisboa como no Porto, encontra-se apto à realização das provas recomendadas pela CEE e pela OIE para o diagnóstico laboratorial das encefalopatías espongiformes dos animais, pelo que, se for considerada a realização de um tal estudo, não se toma necessário recorrer a outras instituições.» Mas a verdade é que dois técnicos do citado Laboratório deslocaram-se a Inglaterra para se especializarem nesta matéria.
Outra conclusão a que chego é a de que, apesar de as análises se terem realizado, os resultados nunca foram, como habitualmente, fornecidos aos técnicos. O Laboratório Nacional de Investigação Veterinária apoia o trabalho dos técnicos fornecendo-lhes o resultado das análises, mas tenho em meu poder um documento confidencial, dirigido ao di-rector-geral, no qual o Sr. Dr. Matos Águas diz o seguinte: «Conforme instruções de W. Ex.", escondo o resultado das análises.» Também penso que algumas análises foram repetidas em laboratórios ingleses.
Pergunto: sob o ponto de vista científico, que mais é necessário para provar que, em Portugal, há encefalopatia espongiforme bovina, sabendo, como o Sr. Professor já disse, não tratar-se de uma novidade para ninguém? De facto, importámos bastantes animais, pelo que me parece óbvio que, em Portugal, existam casos de encefalopatia.
Porém, Sr. Professor, recorro à sua autoridade profissional por não compreender alguns aspectos desta questão. De facto, trata-se de uma doença de declaração obrigatória e, em relação à produção de medicamentos que utilizam fígado, cérebro e tecidos nervosos dos bovinos, a Comunidade tomou medidas rigorosas de controlo.
Suponho que o Sr. Professor nos dirá que cientificamente esta doença não é totalmente conhecida, até pelo número de anos que o seu período de incubação pode durar. Assim, pergunto: num assunto de Estado desta natureza, assumindo
o Governo Português compromissos fortes no seio da Comunidade, quando todos os técnicos com quem conversei — e foram muitas dezenas — sabem que em Portugal há indícios desta doença, qual é a explicação científica para a falta de uma grande clareza e abertura, de um comportamento do Estado por parte dos responsáveis perante algo cujos efeitos desconhecemos?
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Para responder, tem a palavra o Sr. Prof. Dr. Manuel Cardoso Laje.
O Sr. Prof. Doutor Manuel Cardoso Laje (Investigador--Coordenador do Laboratório'Nacional de Investigação Veterinária): — Sr. Presidente, Sr. Deputado António Campos, sou, por feitio e hábito de trabalho — e já nos temos cruzado no campo no tempo em que me dedicava mais à avicultura —, uma pessoa aberta e acho que todas as pessoas podem contribuir para esclarecimento dos problemas.
Não tenho medo de confrontar as minhas opiniões com as de outras pessoas e entendo que todos o devemos fazer. Creio que o secretismo é, em ciência, absolutamente errado e que não conduz a qualquer lado, porque há pessoas que pensam que descobriram uma grande coisa, no fim, depois de destapada, verifica-se que nada tem dentro.
Na minha opinião —e estou absolutamente de acordo com o Sr. Deputado António Campos —, devia ter sido aceite a colaboração do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, tanto mais que conheço e sou muito amigo do professor Armindo Filipe, que é uma pessoa de muito valor e que tem estudado este assunto dos priões.
Como V. Ex." certamente sabe, porque se tem debruçado sobre o assunto, este agente é muito complicado; não é um vírus nem uma bactéria e é difícil estudá-lo até porque se trata de uma proteína com uma alteração tão pequena na sua constituição que nem sequer os anticorpos são capazes de detectá-la. É por essa razão que não é possível fazer provas prévias com animais vivos.
Já expliquei por que razão se deslocaram dois técnicos a Inglaterra e creio não podermos dizer que foram aprender a fazer o diagnóstico desta doença — em quatro dias, não se aprende a fazer o diagnóstico de coisa alguma — mas, sim, as técnicas de histologia. Foi por essa razão que, de início, disse ter sido errado enviar alguém sem prática.
Há 30 anos que faço observações ao microscópio e ainda hoje sinto algumas dificuldades. Aliás, podia mostrar a W. Ex.M uma listagem de mais de 40 doenças do sistema nervoso central que apenas podem ser detectadas por alguém experiente, por quem tenha visto dezenas, centenas, de cérebros com alterações, que são muitas, até de autólise. Os vacúoios podem querer dizer muito, mas não são tudo.
No caso do Dr. Azevedo Ramos — e presto-Jhe aqui a minha homenagem por tratar-se de um técnico com uma boa experiência —, com certeza que, com a bagagem que levava de Portugal, quatro dias foram suficientes para inieirar--se da técnica histológica, ou seja, das zonas onde se localizavam as lesões, porque a sua localização é precisa em determinados pontos do cérebro, em determinados núcleos nervosos. As vacas não são nada loucas —coitadas!—, se calhar, são menos loucas do que muitos de nós; o agente está centrado em determinados núcleos nervosos que comandam a locomoção e outras actividades do animal pelo que nem as proteínas nem o seu funcionamento é o norma).
Portanto, os referidos técnicos deslocaram-se a Inglaterra para aprenderem a forma de cortar e fixar os cérebros, o ponto em que podiam ser encontradas as lesões porque não
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se localizam em todo o cérebro. Essa característica vai permitir que distingamos, desta panóplia de-afecções do sistema nervoso central, esta neuropatía'—a BSE—, a qual tem de ser bilateral porque, se for observada só num lado, já nos causará algumas dúvidas.
Quanto ao não fornecimento dos resultados laboratoriais, estranha o Sr. Deputado António Campos que nada tenha sido dito, mas acabei de dizer a W. Ex.* que o secretismo deste processo começou no próprio Laboratório. Não se compreende que, havendo técnicos com grande experiência, eles tenham sido dele afastados. Se a base do diagnóstico é um exame ao cérebro, um exame histopatológico para detecção das lesões, como é possível ter-se confiado esse assunto a um técnico sem qualquer experiência, à excepção do Dr. Azevedo Ramos? ..
Eu também fui excluído. Não é devido a qualquer razão especial, mas, ao fim de 30 anos, só se realmente fosse burro é que ainda nada tinha aprendido. Tenho uma experiência, uma vivência de diagnóstico de microscópio que me permite ter um certo à-vontade, até para fugir das rasteiras que podem surgir. O Dr. Rui Baptista e a Dr.* Madalena Monteiro são dois dos melhores histopatologistas que temos e também eles, porque trabalhavam comigo no Departamento de Patologia, foram afastados. Talvez esse afastamento se tenha dado por termos dito que era preciso ter cuidado, atenção e prudência.
Com certeza que temos vacas com BSE, mas, num país onde a doença não existe, não pode proceder-se da mesma forma como em Inglaterra. Os Ingleses têm manadas de vacas com BSE; se de uma determinada manada adoecer uma vaca com alterações nervosas, basta-lhes analisar o cérebro para diagnosticar a doença e o Sr. Deputado António. Campos, que me acompanhou por estas andanças da agricultura, há uns anos, sabe perfeitamente que isso sucede. • Por exemplo, até declararmos a existência da peste suína africana em Portugal, tivemos de fazer o estudo do vírus, confirmar que não se tratava do vírus da peste clássica — mas da africana— nem de uma salmonela, etc. Só depois, de procedermos a todos esses estudos.é que concluímos haver peste suína africana em Portugal.
Nessa altura, quando nos deslocávamos ao Alentejo, bastava dar uma facada num cadáver de um porco vitimado, abri-lo e observá-lo para sabermos tratar-se de peste suína, africana, mas, até estar declarada a doença, não nos atrevíamos a fazê-lo.
-Em relação à peripneumonia (PPCB), que, na sua área de incidência, tem vitimado muitos animais, antes de afirmarmos que havia peripneumonia em Portuga), tivemos de fazer a pesquisa do agente, que é um micoplasma. Foi nè-ctSSÍtfio isolá-lo no laboratório, observar ao microscópio as lesões provocadas. Já fiz dezenas de observações em matadouros: chego lá, olho para um animal, para as lesões da pleura e pulmão e digo: «Isto é peripneumonia, ponha aí no papel.» Por vezes, tal é possível sem ser preciso ir ao laboratório.
Passa-se a mesma coisa com a leucose bovina, que, quanto a mim, é muito mais grave do que a BSE para a espécie humana. No que respeita à leucose bovina, de início nós tínhamos um bocado de dificuldade no diagnóstico. Hoje, isso já se faz mais facilmente, há mais possibilidades, pois temos outros meios. •; '
Isto só para dizer-lhes, Srs. Deputados, que. quando uma doença aparece pela primeira vez no País não pode usar-se a mesma facilidade, a mesma ligeireza de diagnóstico que aquela que é feita num país onde ela-já está grassando .(como é o caso da Inglaterra). Dizer que não há, não digo, porque
sou um técnico consciente e porque tenho a certeza de que temos cá a doença. Simplesmente; ter a percepção ou a certeza é uma coisa; agora eu, como cientista, escrever um papel a dizer que temos cá esta doença porque fizemos estas e estas provas não o faço, porque pessoalmente não tenho provas para isso. Aliás, não sei se, na altura, as haveria no laboratório.' Penso que não, mas, como disse, estive à margem do processo. De resto, não me consta que tenham sido feitas. Nós áté tínhamos recursos — temos um microscópio electrónico, etc. Isto não quer dizer que seja sempre necessário recorrer ao microscópio electrónico, porque uma vez instalada a doença, as lesões histopatológicas são capazes de ser suficientes para fazer o diagnóstico.
Na primeira vez, é conveniente estar baseado noutros exames e até fazer-se o diagnóstico diferencial, porque por exemplo a própria doença de' Aujeszky pode provocar alterações nervosas. Aliás, todas estas doenças que tenho aqui a listagem podem provocar alterações nervosas. Portanto, nos primeiros casos que aparecem há que fazer exames bacteriológicos, exames virulógicos e toda uma série de exames que não permitam que amanhã nos venham dizer: «A doença se calhar não é BSE, é Aujeszky.» Nós, laboratório, podemos dizer com toda a frontalidade: «Não é, porque nós fizemos diagnósticos diferenciais, nós pesquisámos todas as doenças possíveis, temos a certeza de que não é essa.» Portanto, essa é a chamada «verdade científica». Qualquer pessoa, qualquer jornalista —com todo o respeito que tenho por eles — pode afirmar nos jornais o que quiser sobre o BSE. Agora, um cientista não pode fazer o mesmo, não pode ■ proceder da mesma maneira.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente da Comissão de Agricultura e Mar, Deputado do PCP Lino de Carvalho.
O Sr. Presidente: — Muito obrigado, Sr. Professor. Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Muito obrigado, Sr. Professor, pela sua disponibilidade e pela intervenção que acabou de produzir.
. Afirmou que tinham sido enviados para o seu Departamento dois casos suspeitos. Gostava de saber se lhe foi dada alguma ordem de secretismo.dos resultados em relação a esses casos. Quando é que foram enviados? Relativamente a esses casos suspeitos, os exames podem indiciar a existência ou não da BSE?
Gostava também de saber o seguinte: relativamente ao comunicado a que há pouco aludi da Direcção-Geral da Pecuária do dia 4 de Maio passado, portanto antes de se iniciar a polémica na Assembleia da República, disse publicamente que os animais suspeitos de BSE — e refere as datas — apresentaram um diagnóstico histopatológico semelhante ao da referida doença, mas foram feitos outros exames e a análise epidemiológica levou à conclusão de que não havia a doença. Portanto, a doença não foi confirmada.
O Sr. Dr. Armada Nunes respondeu há pouco à minha pergunta dizendo que, depois do diagnóstico histopatológico, não havia mais nenhuns exames, que a análise epidemiológica poderia eventualmente não confirmar a doença, que o diagnóstico histopatológico era o último diagnóstico a ser feito.
Como autoridade científica que é em relação a esta matéria, gostaria de saber se considera ou não que, depois do
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diagnóstico histopatológico, háoutros exames a fazer e se a análise epidemiológica pode eventualmente vir dar ou não uma confirmação da doença. ' -
Gostava também de saber as datas precisas em que os dois animais foram enviados para o seu Departamento, qual o ponto da situação em relação ao diagnóstico e que exames estão a ser feitos.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): — Tem a palavra o Sr. Prof. Doutor Manuel Cardoso Laje.
O Sr. Prof. Doutor Manuel Cardoso Laje (Investigador--Coordenador do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Há pouco referi dois casos, porque,, como disse a VV. Ex.x, o meu Serviço de Patologia foi marginalizado em relação ao processo. Tenho conhecimento, designadamente através dos jornais, que em alguns animais a necropsia foi feita no Porto e na propriedade da Tocha, onde o Laboratório tem uma instalação. Mas os técnicos do' Laboratório de Investigação Veterinária do Serviço de Patologia não foram convocados para essas nècropsias.
Quanto a estes dois casos que entraram —e é possível que haja mais —, diria o seguinte: de um deles há material, não tendo eu conhecimento do resultado, e o outro foi precisamente o de um animal que foi enviado para o Laboratório de Investigação Veterinária para aí ser feita a necropsia. Por acaso, assisti a ela, tendo o animal sido abatido (como convém) para se poder fazer o diagnóstico. O animal foi abatido com uma injecção endovenosa e depois foi-lhe retirado o cérebro para a histopatologia poder ser feita nas melhores condições.
Dada a situação em que foi colocado o Departamento de Patologia, todo o processamento, de material de BSE, em termos de histopatologia, esteve a cargo dos Drs. Alexandre Galo e Azevedo Ramos. Portanto, os diagnósticos são da sua inteira responsabilidade. Neste último caso, o chefe de departamento assinou o boletim de saída. E tenho conhecimento (não directamente) de que, como V. Ex.a disse, num deles vinha lá que as lesões se enquadravam na BSE. Ora, nós, histopatologistas, empregamos muitas vezes essa expressão precisamente quando não temos uma garantia de que se trata dessa doença. Quer dizer, afirmamos que as alterações lesionais são lesões sobreponíveis, idênticas às da BSE. Só que não temos elementos suficientes que nos permitam afirmar que se trata de BSE, porque nos faltam muitas coisas, designadamente porque não temos possibilidades de jogar com os dados epidemiológicos a nível do laboratório ou porque não foi feito um estudo de fibrilhas (o que se justifica nos primeiros casos). Portanto, dizer que se enquadra não significa que seja um dado adquirido.
Quanto às afirmações que têm saído em comunicados de haver ou não a doença, como V. Ex.a deve compreender, a minha posição é um pouco melindrosa. Apenas diria isto e mais nada: uma coisa é os comunicados feitos por autoridades sanitárias e por colegas meus com responsabilidades;.outras é os que são feitos por mim como cientista, como histopatologista. Um boletim, um diagnóstico, um resultado, um relatório feito por um histopatologista, tem de ser feito de uma forma diferente do relato-, rio que é elaborado por um responsável pelos serviços, que terá razões que desconheço, mas que não são as minhas. Felizmente, os meus superiores — presto-lhes essa homenagem — nunca coarctaram a minha liberdade de fazer as afirmações que entender em termos científicos. Creio que a
ciência é para os cientistas e, com o devido respeito, a política é para os políticos. Se todos fizermos isso bem feito, penso que até as vacas agradecem.
Risos.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): — Só colocava uma questão para precisar melhor o sentido daquilo que V. Ex.° afirmou.
Disse que ao seu Departamento tinham sido levados dois casos mas que não tinham elementos suficientes, do ponto de vista cienüTico, que lhes permitissem dizer que havia a doença em Portugal.
Tendo eu em conta o somatório dos casos que os depoentes anteriores aqui vieram trazer (só os dois depoentes anteriores trouxeram quatro casos ou quatro suspeitas de casos) e dizendo V. Ex.a que não tem elementos suficientes para determimar se a doença existe, pergunto: isso deve-se a uma falta de elementos estatísticos ou porque o número de casos que teve em seu poder não foi suficiente para determinar a existência dessa doença? É capaz de dar as suas razões por que o Departamento de Patologia, que tem os melhores investigadores do Laboratório, foi marginalizado num processo que se destinava a conhecer com exactidão a dimensão da doença e a própria doença?
O Sr. Prof. Doutor Manuel Cardoso Laje (Investigador--Coqrdenador do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Em relação a esse termo «marginalizados», queria precisar que um técnico do Departamento foi escolhido pelo director, sem a nossa opinião. O director entendeu que esse seria o melhor, nós entendemos que não. Portanto, foi esse técnico que conduziu o processo.
Quanto a estes dois casos, relativamente a um deles tenho conhecimento do boletim de entrada de material mas não tenho conhecimento do boletim de saída de resultados; no segundo o resultado é estritamente histopatológico: nós só nos limitámos a fazer a necropsia — nem fomos nós que fizemos, foram os Drs. Alexandre Galo e Azevedo Ramos. O Departamento.deu saída ao boletim de análise, com o respectivo quadro histopatológico. O resto é da competência dos outros departamentos do Laboratório, que fazem a microscopia electrónica, a virulogia, a bacteriologia. Isso transcende-nos, pelo que não sei se foram ou não feitos outros exames. Este boletim a que me refiro foi feito estritamente pelo Serviço de Histopatologia. Nós limitámo-nos a fazer uma fixação do cérebro e a sua observação macroscópica e as pessoas responsáveis, os Drs. Azevedo Ramos e Alexandre Galo, verteram para o boletim as alterações que entenderam que viram no exame histopatológico. Portanto, isso é estritamente do âmbito da histopatologia. Agora, a pessoa que está à coordenar o processo é que terá de fazer o puzzle, juntando este boletim com os dados epizootológi-co e com os de outros exames que eventualmente possa ter mandado fazer. Essa pessoa é que terá, depois, de dar o resultado final. Não somos nós: nós limitamo-nos apenas a dar a nossa participação para o resultado.
O Sr. Presidente (Lino de Carvalho): — Como não há mais nenhum Deputado inscrito, dou por terminado o depoimento do Sr. Prof. Doutor Manuel Cardoso Laje, a quem agradecemos a presença e a disponibilidade para vir a esta audição.
Lembro aos Srs. Deputados que amanhã, sexta-feira, prosseguem os trabalhos, com a audição, às 10 horas, do Dr. Matos Águas.
Está encerrada a reunião.
Eram H horas e 55 minutos.
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Acta da 2.° reunião, de 28 de Maio de 1993, da audição parlamentar com vista a apurar da existência ou não em Portugal da encefalopatia espongiforme bovina.
O Sr. Presidente da Comissão de Agricultura e Mar
(Deputado do PSD Antunes da Silva): — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 10 noras e 18 minutos.
Srs. Deputados, Srs. Convidados: Vamos dar início a mais uma reunião da Comissão de Agricultura e Mar que, como sabem, visa desenvolver uma audição parlamentar que, por sua vez, tem como objecto apurar da existência, ou não, em Portugal da encefalopatia espongiforme dos bovinos.
Para esse efeito e de entre as pessoas que se julgou conveniente ouvir temos connosco o Sr. Dr. Matos Aguas, a quem desde já agradecemos a disponibilidade que manifestou para prestar depoimento.
Esta reunião, por força do próprio Regimento, é pública e temos entendido que algumas das pessoas que venham a prestar depoimento em fase posterior possam assistir a estes depoimentos na qualidade de cidadãos, pois não estamos a fazer comparação com um tribunal em que as testemunhas — que, aliás, aqui não o são — não se poderiam ouvir mutuamente.
A metodologia que temos seguido é a seguinte: a pessoa que presta o seu depoimento faz uma intervenção inicial e depois prestará esclarecimentos sobre questões que lhe sejam eventualmente colocadas pelos Deputados.
Assim sendo, tem a palavra o Sr. Dr. Matos Águas.
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Águas (ex-Direc-tor do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta Comissão está reunida para apurar se existe ou não, se existiu ou não, se foi diagnosticada ou não, em Portugal, a encefalopatia espongiforme dos bovinos (BSE) e sobre esse assunto tenho a afirmar que é verdade que foi diagnosticada no Laboratório Nacional de Investigação Veterinária (LNTV) encefalopatia espongiforme dos bovinos. Poderei até dar umas datas, que não tenho de memória, mas o primeiro caso foi identificado, se não estou em erro, em Junho de 1990; o segundo, em Fevereiro/Março de 1991; o terceiro, em Janeiro/Fevereiro de 1992, e o quarto, em Janeiro/Fevereiro de 1993 — digo Janeiro/Fevereiro porque o material entra no Laboratório numa data e só passadas duas ou três semanas é que é processado.
Estes animais vieram, o do primeiro caso, de Trás-os--Montes, enviado, se não estou enganado pelo Dr. Armada Nunes; o do segundo, da região de Barcelos e foi enviado pelo Dr. José Carlos Azevedo Pereira; o do terceiro também foi enviado pelo Dr. Armada Nunes; e o dó quarto foi enviado por um colega da região de Entre Douro e Minho.
Portanto, a BSE foi diagnosticada sem dúvida absolutamente alguma! Aliás, penso que só pessoas muito ignorantes da matéria, ou muito mal intencionadas, podem pôr em causa o diagnóstico realizado no Laboratório Nacional de Investigação Veterinária. Fico até muito admirado por ver que só agora nesta altura, passados três ou quatro anos, é que se põe em dúvida o diagnóstico efectuado no Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, pois o lógico era que se tivesse posto em dúvida naquela altura.
É que o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária comunicou esse resultado verbalmente e, mais tarde, por escrito à Direcção-Geral da Pecuária (DGP), que era a enti-Ôaae q"úe superintendia sobre a sanidade animal neste país e
a quem o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária tinha que dar essa informação. O Laboratório Nacional de Investigação Veterinária não tem que fazer comunicações de nada e nunca o fez pois isso cabe sempre ao poder político ou à Administração, no caso ao Ministério da Agricultura, se assim o entender. Esta é uma regra não só de Portugal mas de todos os outros países. Por exemplo, quando foi da identificação da BSE em Inglaterra foram o Sr. Ministro da Agricultura e o Sr. Secretário de Estado da Saúde ingleses que deram a notícia; em França foi o Sr. Ministro da Agricultura. Aqui, em Portugal, seria algum membro do Governo ou quando muito mandaria dar esse conhecimento através dos serviços competentes pois ao LNTV compete fazer investigação e diagnóstico, o que sempre tem feito.
É claro que se na altura, tivesse sido posto em causa o diagnóstico poder-se-ia ter recorrido a especialistas estrangeiros, mas hoje ainda é possível confirmá-lo se alguém entender que deve fazê-lo, embora eu ache absolutamente desnecessário, pois, por uma questão.de princípio, nós nunca fugimos a ser controlados por ninguém. Todavia, não se pode pôr em dúvida — e custa-me muito admitir que alguém o faça — a idoneidade e a competência científica de qualquer investigador do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária e muito menos dos dois investigadores que fizeram o diagnóstico!
E digo isto porque eles são os únicos investigadores em Portugal que estão habilitados a fazê-lo, dado que fizeram uma especialização, um curso, promovida pela Comissão da CEE, no Laboratório Central de Veterinária de Inglaterra em Weybridge. Se alguém põe em dúvida — parece que estão a pôr— a idoneidade destes colegas, posso dizer que o Sr. Dr. Azevedo Ramos, um dos investigadores que fez o diagnóstico, também detectou o primeiro caso de peripneumonia contagiosa dos bovinos em 1983 e que ninguém pôs em causa a sua idoneidade e os seus conhecimentos científicos. O Sr. Dr. Alexandre José Galo, além de ter estado dois anos talvez num dos melhores centros de investigação mundiais, no Laboratório de Plum Island, é conhecido e reconhecido internacionalmente como um investigador de categoria na medida em que até foi convidado pela Comissão Europeia para organizar e realizar em Portugal um workshop sobre a peste suína africana. E eu suponho que não é norma da Comunidade entregar essas realizações a qualquer pessoa.
Por outro lado, acho muito estranho que venha agora alguém pôr em dúvida o trabalho realizado no Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, pois então teríamos que pôr em dúvida todo o trabalho anterior e nunca ninguém pôs em dúvida aquando do diagnóstico da peste suína africana, da peste equina africana, do IBR, do BVD, da língua azul, da peripneumonia contagiosa, etc, etc. O Laboratório Nacional de Investigação Veterinária neste momento, embora infelizmente às vezes em Portugal não seja reconhecido o seu trabalho, é a nível mundial o laboratório internacional de referência para a peripneumonia contagiosa dos bovinos. Este é um reconhecimento do Office Internationale des Epizoo-ties que é a instância máxima internacional em sanidade animal. Por tudo isto custa-me muito que alguém possa pôr em dúvida este diagnóstico.
Evidentemente que existem, como é lógico, várias lesões que se podem assemelhar, ou não, á estes e que são provocadas pelos mais variados agentes, desde vírus herpeticus, retrovirus. paramixovirus, doenças hereditárias, intoxicações várias, doenças metabólicas, até o hexaclorofeno pode dar dois tipos de vacúolos, mas há uma diferença.
E, não sendo especialista na matéria, há uma diferença que toda a gente sabe. É que estas lesões são características e tem uma localização específica. Toda a vida, em todo o lado, se utilizou este diagnóstico não só para a BSE como
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também no homem, pois a creutzfeld-jakob é diagnosticada pela histopatologia. Por todos estes motivos não percebo como possa haver alguém que ponha em dúvida um diagnóstico deste tipo.
Internacionalmente as recomendações feitas pela Comunidade ou pelo Office apontam no sentido de que o diagnóstico confirmativo da doença é o diagnóstico histopatológico. Aliás, não sei o que mais possa dizer sobre o assunto. Mas o que posso repetir é que custa muito que alguém, seja quem for, possa pôr em dúvida um diagnóstico que está feito e que se pode confirmar em qualquer altura porque essas lâminas existem.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Muito obrigado, Sr. Dr. Matos Águas, pela sua exposição.
Inscreveram-se vários Deputados para pedir esclarecimentos, mas, se não me levam a mal, iniciarei eu mesmo as perguntas.
Assim, Sr. Dr. Matos Águas, V. Ex.a foi muito seguro ao afirmar que a doença foi diagnosticada em Portugal e a esse propósito a minha primeira pergunta é a seguinte: sem pôr em causa essa a sua afirmação, pode afirmar-se que a doença existe hoje em Portugal?
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Águas (ex-Direc-tor do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Eu não posso dizer se existe ou não, pois essas vacas foram abatidas, dado que o diagnóstico é sempre post mortem. No entanto, sei que neste momento existe pelo menos mais uma vaca suspeita. Mas também não sei se vai ser positiva.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — O Sr. Dr. também afirmou que há semelhanças entre doenças ou entre diagnósticos, não sei sc estou a ser rigoroso... .
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Águas (ex-Direc-tor do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Semelhanças, eu não posso considerar que as haja. Há lesões do mesmo tipo, mas isso não é só nesta doença. Todavia, há quem saiba diagnosticá-las. A lesão é característica e a localização é específica — tem que ser bilateral e não é em todo o sistema nervoso central que se encontra este tipo
de lesões. Aliás, esse não é um assunto que eu vá discutir, mas a Comissão, se assim o entender, poderá consultar especialistas.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Agradeço as suas explicações, mas a pergunta é muito simples: há alguma hipótese, em sua opinião, de haver «confusão» — permita--me o termo — com uma outra doença?
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Águas (ex-Direc-tor do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Não há absolutamente nenhuma hipótese de haver confusão.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Aproveito para agradecer ao Sr. Dr. Matos Águas o seu depoimento, que, pelas responsabilidades funcionais que teve no Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, poderá clarificar essa situação.
Por um lado, há uma questão que é inevitável e que se relaciona com o ofício que V. Ex.", como director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, em Abril de 1991, dirigiu ao director-geral de Pecuária no sentido de que,
no seguimento de uma eventual informação de instruções recebidas, mantinha secretos os resultados. Assim, a minha primeira questão: em que documento e por que forma foram dadas instruções? E essas instruções tinham a ver com a divulgação do diagnóstico final ou com a necessidade de evitar que qualquer fuga de informação a meio do diagnóstico pudesse dar azo a especulações ou alarmismos precipitados?
É que, em Abril de 1991, quando V. Ex.°, como director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, fez esse ofício, tinham sido detectados dois casos — um em 1990, o de Chaves, outro aquele acerca do qual ontem tivemos o depoimento do médico veterinário de lá. Aliás, as informações de que dispomos indicam que este caso demorou cerca de 15 dias e que por isso a amostra não estaria em condições de se poder fazer o trabalho laboratorial para diagnosticar.
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Águas (ex-Direc-tor do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Desculpe, Sr. Deputado, não percebi a sua pergunta.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — O que quero dizer é que a demora entre a morte do animal e a retirada da amostra passou o tempo máximo...
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Águas (ex-Direc-tor do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Fala do primeiro caso?
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Exactamente. Do caso de Chaves, em 1990.
Ora, por isso mesmo as conclusões laboratoriais nunca podiam ser confirmadas porque havia necroses.
O segundo caso foi já em cima de Abril de 199). Então, os diagnósticos de que V. Ex.a fala neste ofício de 1991 ainda não eram positivos? Ou havia diagnósticos positivos? Ou havia outros casos?
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Águas (ex-Direc-tor do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Sr. Deputado, relativamente à sua pergunta sobre a confidencialidade, devo dizer o seguinte: fui informado verbalmente
pelo então director-geral da Pecuária, ainda o diagnóstico não estava feito, e, quando lhe falei de que tínhamos um animal suspeito, pois medeia sempre um intervalo de cerca de três semanas entre a morte do animal e a possibilidade de fazer o exame, segundo as normas que estão estabelecidas internacionalmente (hão vou discutir aqui se são necessárias três semanas ou não, mas sei que há normas que mandam que se faça assim, e que são normas adoptadas pelo Office bcro como pelos ingleses), antes ainda de estar o diagnóstico feito, foi-me dito que o assunto era confidencial. Daí que não fosse divulgado.
Quanto ao primeiro caso, o cérebro chegou em condições ao Laboratório porque o animal foi abatido num matadouro de Trás-os-Montes e, segundo ás instruções que o Sr. Dr. Azevedo Ramos transmitiu ao colega que assistiu ao abate, o cérebro foi conservado em formol, numa solução de formol salgado -— o Laboratório de Weybridge dá a fórmula exacta como deve ser feita — e, por conseguinte, o cérebro estava em condições de ser examinado. Houve outros casos que chegaram ao Laboratório, de suspeitas várias, que não estavam em condições, pelo que não foram feitos exames, como é evidente. Não foram só estes quatro casos que chegaram ao Laboratório por suspeita de BSE...!
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Não sei se V. Ex." me fez mais alguma pergunta de que me tenha esquecido.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Não, foram só essas duas. A informação que há é a de que, entre o abate e a retirada da amostra, demoraram, pelo menos, cinco dias.
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Águas (ex-Direc-tor do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Sim, mas o primeiro cérebro chegou em formol, nas condições referidas, e estava em condições de fazer o diagnóstico.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Não havia necroses nem havia qualquer outra lesão advinda do tratamento da amostra que pudesse prejudicar?
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Águas (ex-Director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Não, a amostra chegou em condições de ser feito o diagnóstico porque, após a colheita do cérebro, foi metida em formol salgado.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Em relação à secretiza-ção dos dados, foi-lhe dada a instrução de não divulgar enquanto só houvesse suspeita ou mesmo após o diagnóstico final?
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Águas (ex-Direc-tor do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Mesmo depois de o diagnóstico estar feito. Como é evidente e é minha obrigação, dei conhecimento à Direçcão-Geral da Pecuária e foi-me dito que o assunto não devia ser falado, nem no Laboratório devia haver conhecimento — devia ser o número o mais restrito possível de pessoas a ter conhecimento do caso. Na altura, pensei que o Sr. Ministro, ou alguém, entenderia fazer uma comunicação — era normal que assim fosse, ao princípio. De modo que foi isso o
que fiz: dei conhecimento ao número o mais restrito possível de, pessoas.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Duas outras questões: ontem, ouvimos aqui o investigador-coordenador do Laboratório de que V. Ex.a era director, o Dr. Cardoso Laje, que aqui afirmou que tinham sido marginalizados, no interior do Laboratório, os especialistas em histopatologia que, em princípio, seriam as pessoas mais dotadas para poderem avançar no diagnóstico deste tipo de doenças; e que, por isso, o diagnóstico esteve errado desde o princípio, porque, em 1990, nem o Dr. Galo nem o Dr. Azevedo Ramos, que vinha da Inglaterra... e que, internamente, as pessoas mais capazes e competentes, que dominavam, técnica e cientificamente, esta matéria da Histopatologia, eram ps três, técnicos que trabalhavam com ele e que foram marginalizados. Primeira questão: quais foram as razões que levaram a esta eventual marginalização? Esta marginalização foi devida a orientações ou instruções da Direcção-Geral da Pecuária ou de outra estrutura que tutele o Laboratório? Que razões levaram a isso?
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Águas (ex-Direc-tor do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Não houve nem deixou de haver marginalização de ninguém! Os investigadores que fizeram o diagnóstico, são histopato-\ogistas tal como os outros — tal e qual como os outros! A especialidade deles é patologia —a especialidade deles, no Laboratório, é igual à dos outros a quem o Professor Laje se referia ontem.
Quanto ao facto de nãoestarem habilitados, é mentira! É mentira! O primeiro diagnóstico foi feito já depois do regresso do Dr. Alexandre Galo de Weybridge — ele já tinha ido a Weybridge quando o diagnóstico foi feito. Portanto, é mentira porque o Dr. Alexandre Galo já se encontrava habilitado, não só do ponto de vista cienüTtco como do ponto de.vista de credibilidade perante a Comissão das Comunidades Europeias! Ele foi fazer essa especialização a Weybridge antes de o diagnóstico ter sido efectuado.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Mas a marginalização, ou a escolha das pessoas para irem a Inglaterra foi por orientações suas, como director, ou obedeceu a instruções superiores?
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Águas (ex-Direc-tor do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Foram orientações minhas, como director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária! Fui eu que escolhi as pessoas para irem.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Não obedeceu a nenhuma instrução?
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Águas (ex-Director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — A nenhuma instrução! Era uma das atribuições do director do Laboratório. Além disso, o director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, tal como o de qualquer organismo, não pode mandar seja quem for para o estrangeiro sem autorização superior, inclusivamente de um membro do Governo. Essa proposta foi feita e foi aceite. A escolha foi minha e não me arrependo de a ter feito — não há razão alguma para que tivesse ido outra pessoa. Uma das razões por que escolhi aqueles dois investigadores, já o disse há pouco, foi a de que merecem a maior credibilidade; são pessoas que estão habilitadas, do ponto de vista da sua especialidade — qualquer deles, no concurso que fez para
investigador auxiliar, obteve a média de 19 valores. Por conseguinte, eram e continuam a ser pessoas capazes. Além disso, o Dr. Alexandre Galo já tinha o curso de especialização, feito em Weybridge, quando foi feito o diagnóstico.
Ainda a propósito da escolha e da ida, o director do Laboratório escolheu, propôs e houve alguém que autorizou, como é evidente — não foi nada secreto, nada não foi feito por baixo da mesa. Aliás, a autorização, neste caso, foi dada por um membro do Governo.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Uma outra pergunta que eu gostaria de fazer-lhe na sua qualidade de director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária era sobre se entende que o exame histopatológico é definitivo na identificação de uma doença como esta, em que há um quadro sintomatológico que outros estados de lesões cerebrais possam eventualmente indiciar e se um diagnóstico diferencial não é obrigatório nestes casos. Uma análise epidemiológica não é obrigatória? O diagnóstico histopatológico não é uma parte do diagnóstico global? Outros exames posteriores, nomeadamente a caracterização da etiologia da doença e a necessidade de identificar a proteína modificada, neste caso, não eram obrigatórios? Como técnico, como especialista, como responsável de um organismo técnico e científico deste sector, entende que o diagnóstico histopatológico é definitivo e que não poderá dar azo a uma não identificação completa da doença?
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O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Águas (ex-Direc-tor do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Sr. Deputado, o que sucede é que o agente não é cultivável in vitro, de maneira que não há hipótese de fazer outro tipo de diagnóstico. Normalmente, nas bactérias e vírus, é possível cultivá-los; mas este, suponho que talvez só haja um centro em todo o mundo que consiga cultivá-lo in vitro — e só muito recentemente —, e que possa reproduzi-lo em células nervosas cultivadas in vitro. De modo que não se pode ir por essa via.
Por outro lado, outras técnicas que existem, não de rotina mas de investigação, podem ser usadas, como, por exemplo, o westernblot; só que este (tenho aqui um trabalho, que posso mostrar, se quiserem) dá 81 % de fiabilidade enquanto que o exame histopatológico dá mais, dá cerca de 99%. Inclusivamente, o primeiro caso que foi diagnosticado na Irlanda foi por histopatologia, como é lógico e como tem sido em todo o lado — a técnica de rotina e confirmativa da doença é a histopatologia.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Mas isso não será, por exemplo, o caso de Inglaterra, em que há uma confirmação da doença, há manadas que estão contaminadas, pelo que o exame histopatológico, neste caso, é apenas para confirmar e, então aí, serve. Contudo, num caso como o de Portugal ou de outros países que importaram animais do Reino Unido, não será necessário, eventualmente, um quadro de análises completamente diferente do Reino Unido? Aqui, a pergunta que lhe faço (penso que a indiciou na sua resposta) é a seguinte: o exame histopatológico pode não ser a confirmação a 100% da doença; por isso, aqui neste quadro de análise, outros exames poderão ser obrigatórios para confirmar, nesta situação, a doença em si?
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Águas (ex-Direc-tor do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Sr. Deputado, só posso dizer-lhe o seguinte: se não houve exame epidemiológico neste caso, foi porque não era preciso, porque os animais têm sido todos importados de Inglaterra; no caso francês, em que apareceram animais que não foram importados de Inglaterra, ou na Suíça, é evidente que teria de se fazer um inquérito mais aprofundado — mas estes animais foram importados de Inglaterra. Assim, é simples: os colegas de Weybridge têm conhecimento dos animais que vieram para Portugal (são doze mil e tal) sabem as explorações de onde eles saíram, sabem tudo; se há aqui falta de um exame epidemiológico, essa negligência cabe a quem eu comuniquei o resultado, porque poderia ter perguntado para Inglaterra o que é que se passava— isso não compete ao Laboratório. De toda a forma, não era necessário porque o exame confirma em absoluto e, além disso, sabe-se a origem dos animais. Mas, se ainda pretendem o exame epidemiológico, quem falhou foi a entidade á quem foi dada a informação, porque essa é que devia tê-lo mandado fazer.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Mas o que eu estava a perguntar-lhe, como responsável, era se o exame epidemiológico e a análise em microscopia electrónica das amostras para identificar a etiologia da doença são ou não exames necessários numa situação como a de Portugal.
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Águas (ex-Direc-tor do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Não, não são necessários para fazer o diagnóstico da doença, mesmo em Portugal. E não são necessários até porque
as fibrilhas associadas, durante muito tempo, foram consideradas «artefactos» e faz-se o diagnóstico; no homem, nas doenças do mesmo tipo, faz-se exame histopatológico e o diagnóstico é definitivo. Basta haver uma sintomatologia — aliás, se V. Ex.a quiser, posso fornecer-lhe posteriormente as instruções dadas em Inglaterra, em França e noutros países segundo as quais, depois de um exame clínico animal que possa levantar a hipótese de existência da BSE, a confirmação é feita por histopatologia. O exame é muito preciso, na medida em que tem de ser feito numa determinada zona do tronco cerebral, as lesões têm de ser simétricas, etc. Não vou entrar em pormenores, porque não é a minha especialidade, nem interessa aqui; mas, se não fosse assim, estava tudo errado! Os franceses tiveram casos e nem todos os animais foram importados de Inglaterra — no nosso caso foi mais fácil, porque foram importados — mas, em França, foi feito um inquérito e verificaram que havia consumo (segundo dizem as notícias vindas de lá) de rações com farinha de carne importada de Inglaterra. Aqui, em Portugal, bastava-nos saber quais os animais importados; e, se alguma dúvida restasse, um telex, um fax, um telefonema para Inglaterra tinha tirado a dúvida. Mas, para fazer o diagnóstico isso não é necessário. Como lhe digo, a Assembleia, esta Comissão, quem quiser pode convidar os especialistas ingleses, ou de outra nacionalidade qualquer, porque as lâminas estão disponíveis para fazer o diagnóstico e então veremos o que é que eles dizem.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Mas, então, confirma que não houve informação epidemiológica?
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Águas (ex-Direc-tor do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Mas se o animal é importado! Nós até sabemos a exploração de onde ele vem!
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Doutor, peço desculpa pela interrupção, mas é só para dizer que aceitei o método da pergunta-resposta para facilitar, particularmente, a quem está a prestar depoimento. Pedia-lhes, por isso, que não estabelecessem diálogo porque, depois, em termos de gravação, é muito complicado fazer a transcrição do que aqui é produzido.
Faça favor de continuar, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Portanto, o Sr. Doutor afirma que não existiu uma informação epidemiológica e também que não foi feita uma comprovação evidente, através de análises de diagnósticos diferenciais, em relação a estes casos.
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Água (ex-Direc-tor do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — É que não há diagnósticos diferenciais!...
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Mas não foi feito. O método comprovativo...
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Água (ex-Direc-tor do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Quais eram os diagnósticos diferenciais que o Sr. Deputado queria fazer?
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Tal como o investi ga-dor-ccordenador Cardoso Lajes aqui afirmou ontem, há le-
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soes cerebrais e quadros sintomatológicos muito parecidos e são necessários diagnósticos diferencias para se poder eventualmente comprovar a doença.
Isto foi o que um cientista ontem aqui disse. E só partindo deste pressuposto é que queria perguntar ao Sr. Doutor se foram feitos esses diagnósticos diferenciais e se, como se afirma, a informação epidemiológica também não existiu.
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Água (ex-Direc-tor do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — A informação epidemiológica que temos é a proveniência dos animais.
Quanto, a exames diferenciais, na Escócia, por exemplo, existem cerca de 15% ou 16% de animais que têm uma certa sintomatologia mas que não é confirmada pelo exame histopatológico. E, geralmente, verifica-se que se trata de liste-riose. Mas, repito, não é confirmada pelo exame histopatológico.
O exame que confirma a existência da doença é o histopatológico, o qual está instituído em qualquer país do mundo pelas normas da Comissão e do Office.
Evidentemente que se podem fazer muitos mais estudos mas o Laboratório, ao ser-lhe dito que aquele assunto era confidenciai, não podia fazer mais estudos, como é evidente, porque, então, acabava por não ser confidencial.
Há, por exemplo, uma coisa que se pode fazer que é a inoculação em ratinhos. Pode fazer-se, é cerebral. Mas demorava, pelo menos, uns 500 dias para fazer o diagnóstico. E, depois, tínhamos que cortar o cérebro dos ratinhos e fazer exame histopatológico para confirmar.
Como é evidente, não era prático. As estirpes de animais transgenéticos produzidas ultimamente pela Prusiner fazem a doença em muito menos tempo. Mas nós não tínhamos acesso a essas estirpes e para termos esse acesso lá se ia a confidencialidade do assunto, como é lógico. Mas não era necessário!
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Sr. Doutor, disse que na Irlanda se fez mas que não era necessário e que o quadro de diagnóstico no Reino Unido tem sido diferente do dos outros países. Assim, perguntava-lhe: nos países em que nem tiveram animais importados do Reino Unido, como, por exemplo, a França e as ilhas Falkland, também foram detectados alguns casos? O método de diagnóstico foi só o exame histopatológico ou compreendeu também outros exames, nomeadamente o diagnóstico diferencial, a informação epidemiológica e outros exames intercalares, designadamente a microscopia electrónica para determinar a etiologia da doença, ou foi só o exame histopatológico? Isto, portanto, nesses outros países em que o efectivo bovino não estava contaminado como está no Reino Unido.
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Água (ex-Direc-tor do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — No caso da Irlanda, no primeiro caso que tenho aqui descrito, foi feito exame histopatológico na Universidade de Dublim.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): - Mas na Irlanda é diferente...
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Água (ex-Direc-tor do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Não, não. Não sei por que é que há-de ser diferente1. Em Inglaterra tiveram 90 e tal mi) casos e na Irlanda tiveram
50 e ta\ ou 60. Portanto, não sei por que é que há-de ser
diferente!...
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Ah! Considera que é igual o diagnóstico num país em que a manada está contaminada ao de outro país em que, por importação...
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Água (ex-Direc-tor do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Não. É que nós sabemos a proveniência dos animais. Temos exame clínico.
Sr. Deputado, se estiver interessado, forneço-lhe todos os elementos científicos — trabalhos publicados em inglês ou francês, como quiser —, em que se diz que «a confirmação é feita por exame histopatológico».
Outros exames foram efectuados aqui, em Portugal, desde o exame bateriológico para detectar algumas infecções que houvesse — e realmente até se apanharam algumas infecções oportunistas nalguns dos animais, embora sem significado. Também se fizeram esses exames.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Agora, a última pergunta: o Sr. Doutor desempenhou funções de director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária até quando? Ou seja, qual foi a data em que deixou de ter responsabilidades funcionais e técnicas naquele Laboratório?
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Água (ex-Direc-tor do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Sr. Deputado, passei à situação de «aguardar reforma» no dia 27 de Abril passado.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Foi na mesma altura em que se levantou a polémica pública sobre esta matéria.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Terminou o âmbito do depoimento, Sr. Deputado.
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Água (ex-Di-rector do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Ó Sr. Presidente, mas eu queria responder a isto. Posso responder? Dá-me licença? É que essa polémica pública...
Diálogo inaudível na gravação.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Srs. Deputados, vamos ver se conseguimos levar as coisas com objectividade e serenidade.
Invoco o meu exemplo de ontem quando tinha colocado uma questão que foi entendida fora do âmbito desta audição parlamentar e sem constrangimento — para utilizar a mesma expressão— retirei a pergunta.
Portanto, aceito a pergunta da data até à qual foi responsável por aquele organismo mas, quanto ao resto, tirará cada um a sua ilação.
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Água (ex-Direc-tor do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária):.— Mas se me desse licença, eu gostava de...
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Peço desculpa, Sr. Dr. Matos Água, mas ficou apenas a data de 27 de Abril.
Diálogo inaudível na gravação.
Srs. Deputados, ainda não dei a palavra a ninguém e pedia que me ouvissem. Vamos encen-ar este incidente. Ficamos
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na resposta do Sr. Dr. Matos Água sobre a data em que deixou de exercer funções no organismo em causa.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Campos, a quem peço que respeite o método de pergunta/resposta, que temos vindo a seguir, e que não entre em diálogo.
O Sr. Antonio Campos (PS): — Sr. Doutor, muito obrigado por ter vindo a esta Comissão e pelos esclarecimentos que já nos deu.
De qualquer forma, gostaria de fazer-lhe algumas perguntas. Assim, nós importámos cerca de 12 000 animais da Inglaterra, onde o efectivo estava tocado em 0,04% — o que daria para Portugal uns 40 e tal animais. Como alguns foram abatidos, todos os cidadãos metidos nisto saberiam que existiriam em Portugal casos de encefalopatia porque não havia forma alguma de diagnóstico para impedir a entrada de animais com encefalopatia.
Isto é verdade, Sr. Doutor?
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Água (ex-Direc-tor do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — É verdade.
O Sr. António Campos (PS): — Ora, se é verdade, isso quer dizer que os poucos casos que se apanharam foram-no por casualidade a que muitos mais haveria normalmente?
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Água (ex-Direc-tor do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Com certeza. Se se tem feito aquilo que fizeram outros países como, por exemplo, a França, isto é, em França também só começaram a aparecer casos de encefalopatia espongiforme dos bovinos, depois de uma correcta informação aos veterinários e aos produtores porque, sendo uma doença nova poderá ser confundida com outras como, por exemplo, as do foro metabólico, a cetose nervosa ou outra doença do tipo, com doenças do foro infeccioso, como já aqui se disse também. E em França mais ainda porque têm problemas de raiva em bovinos, o que dá paresias também, que podem ser confundidas com aquela doença.
Portanto, só depois de uma chamada de atenção e de se ter montado um sistema de vigilância epidemiológica em todo o País, que ainda está em funcionamento, é que começaram a aparecer os primeiros casos. E isso é natural. Aqui, em Portugal, se os colegas e os proprietários tivessem sido alertados e, mais ainda, se tivessem sido alertados sobre o modo como deviam mandar o material para Laboratório, não teria sucedido que tivéssemos recebido, por exemplo, pequenos fragmentos de cérebro que não davam hipótese para se fazer nada, outras amostras congeladas que não dão para fazer o exame histopatológico porque vai provocar artefactos que tomam impossível o exame e, ainda, outras amostras já meio putrefactas porque não foram conservadas devidamente!...
Evidentemente que as pessoas não estavam alertadas, não sabiam sequer o que deviam mandar para o Laboratório porque, se soubessem, com certeza que teriam sido diagnosticados mais casos. Como é evidente, não vou ao ponto de dizer que eram uns 40 ou 20 ou 30. Numa altura, escrevi e disse que devíamos ter à volta de entre 12 e 24 casos, mas os colegas ingleses eram de opinião que havia mais.
Se formos ver a Irlanda, por exemplo, qué importou menos animais do que nós da Inglaterra, tem à volta de 60 casos. Mas aí também havia muito comércio de rações e é natural que também tivessem sido contaminados os próprios animais que não tivessem sido importados, isto é, que tives-
sem nascido na Irlanda mas que tivessem consumido o mesmo tipo de rações. Isso até é provável, dado o comércio existente entre os dois países.
Aqui, em Portugal, como a importação de rações ou de farinhas de carne da Inglaterra, segundo consta, foi pequena o mais vulgar foi que aparecessem animais nascidos na Inglaterra e dali importados.
É evidente que, se se tivesse estabelecido esse dispositivo de informação, poderiam ter aparecido mais casos, como é natural. Agora, animais que apareceram com qualquer sintomatologia os proprietários venderam-nos, mataram-nos, enterraram-nos, tendo outros sido abatidos antes de chegar—o período de incubação é bastante longo— por outras razões.
Portanto, é natural que não se chegasse nunca ao número dos 40. Mas tínhamos mais que estes, isso é verdade que tínhamos. E tanto é verdade que, quando se começou a falar nisso, começam a aparecer mais. Assim, desde que se começou aqui a falar no problema das vacas loucas, segundo me consta, já há mais um caso suspeito que, provavelmente, tinha passado despercebido porque ninguém ligava àquilo. E se se tem falado mais cedo, provavelmente teria havido mais. Não sei quantos, mas teria havido.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem a palavra o Sr. Deputado António Campos, a quem peça ajuda no sentido de tentar economizar um pouco de tempo.
O Sr. António Campos (PS): — Com certeza, Sr. Presidente. Serei rápido nas perguntas que tenho só para clarificar as situações.
Sr. Doutor, esta doença era de declaração obrigatória, segundo um despacho do próprio Governo. O Governo não tinha culpa de as vacas terem encefalopatia espongiforme.
Ora, a pergunta que faço é a seguinte: sendo de declaração obrigatória na Comunidade, sendo de declaração obrigatória, internamente, para a comunidade científica nacional e internacional, a que é que o Sr. Doutor atribui esta situação de o Governo não cumprir as normas a que estava sujeito?
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Água (ex-Direc-tor do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Não atribuo a coisa .... porque senão... É que, Sr. Deputado, assim como deverão perguntar a V. Ex.a a razão por que isto foi despoletado, também V. Ex." terá de perguntar ao Governo por que é que fizeram...
O Sr. António Campos (PS): — O Sr. Doutor comunicou os casos ao Sr. Director-Geral da Pecuária. O Sr. Direc-tor-Geral da Pecuária nunca lhe pôs em causa a credibilidade do seu Laboratório quanto a esses dados, pois não?
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Água (ex-Direc-tor do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Não. E até mesmo se alguém tivesse de pôr em causa, era na altura que devia fazê-lo.
O Sr. António Campos (PS): — Sim, isso é óbvio e claro para todos nós. Só para alguns é que não é!...
Portanto, nunca foram postos em causa os resultados. O Sr. Doutor apanhou os resultados, comunicou-os ao di-rector-geral e a situação morre aí.
O Sr. Doutor tem documentos seus que provam que o Laboratório está tecnológica e cientificamente apetrechado
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e eu tenho conhecimento de que esses documentos estão também nas mãos do Sr. Director-Geral. Por exemplo, quando o Instituto Ricardo Jorge quis fazer algumas-importações, o Sr. Doutor fez uma informação ao Sr. Director-Geral que
a levou a sério e disse ao Instituto Ricardo Jorge: «Não, nós
temos não só qualidade tecnológica como também científica.»
É assim, não é, Sr. Doutor?!
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Águas (ex-Direc-tor do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Eu não sei a que é que o Sr. Deputado se está a referir!
O Sr. António Campos (PS): — Digo-lhe já, Sr. Doutor. Comigo é rápido!
É a uma importação de priões que o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge ia fazer.
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Águas (ex-Direc-tor.do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Em relação a esse, posso dar-lhe explicações!
O Sr. António Campos (PS): — E é o próprio director--geral que diz ao Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge: «De facto, nós não precisamos, porque o nosso Laboratório Nacional de Investigação Veterinária está apetrechado!»
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Águas (ex-Direc-tor do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — A resposta que foi dada pelo Laboratório foi a de que, se os priões eram de origem humana, o assunto não era com ele, antes devia ser tratado com o Ministério da Saúde, mas, se eram de origem animal, o Laboratório poderia trabalhar neles e, portanto, não havia necessidade de mandar importar mais. Foi isso que eu disse, mas frisando bem que, se ps priões eram de origem humana não nos competia a nós pronunçiar-nos sobre o assunto.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Dr. Matos Águas, outro dado importante para compreendermos este fenómeno é o período de incubação da doença, uma vez que as importações de Inglaterra foram paralisadas em 1988 ou 1989, suponho eu. Por isso gostaria que nos desse a sua opinião sopre ó período de incubação desta doença.
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Águas (ex-Direc-(or do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — O que posso dizer é o que verri escrito na literatura. O período de incubação é de cerca de cinco anos ou mais — a média anda à roda dos cinco anos. As vacas, segundo os nossos colegas ingleses, podem ter a doença desde os 2 anos e 9'meses até aos 11 anos de idade — isto são médias. É isto que está escrito nuns trabalhos — aliás, muito bem feitos — do inglês Dr. Wilesmith, e seus colaboradores sobre epidemiologia.
O Sr. António Campos (PS): - O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Águas, como o homem que'dirigiu o melhor laboratório nacional, não tem qualquer dúvida em afirmar, perante esta Comissão, que houve problemas de encefalopatia espongiforme dos bovinos em Portugal? Nenhuma dúvida? :.
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Águas (ex-Direc-tor do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Nenhuma dúvida!
O Sr. António Campos (PS): — Nenhuma dúvida. Em segundo lugar, o Sr. Dr. Matos Águas não tem qualquer dúvida de que deu a informação ao director-geral?
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Águas (ex-Director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Nenhuma dúvida.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.
. O Sr. António Murteira (PCP): — Em primeiro lugar agradeço ao Sr. Dr. Matos Águas a informação que nos deu e que, na minha opinião, é bastante clara e ajuda a resolver toda esta situação.
Em segundo lugar, pedia-lhe que esclarecesse um pouco mais algumas questões. Quando é que se prevê poderem ser conhecidos os resultados do caso suspeito que existe actualmente?
Na sua opinião — no caso de poder e querer pronunciar--se—, qual deveria ter sido o procedimento das entidades competentes, do ponto de vista legal e sanitário, ao serem conhecidos os diagnósticos positivos que nos referiu?
E — porque eu não consegui compreender bem — gostaria de saber de quem partiu a decisão de serem considerados confidenciais os diagnósticos, nos termos em que d Sr. Doutor colocou a questão.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Para responder, tem a palavra o Sr. Dr. Matos Águas.
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Águas (ex-Direc-tor do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Em primeiro lugar, devo dizer-lhe que não sei quando é que estará pronto o exame do último caso, até porque já não estou no Laboratório.
Em segundo lugar, pelas informações que tenho, a vaca estava viva e terá de morrer ou ser abatida...
O Sr. António Murteira (PCP): — De onde é o animal?
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos Águas (ex-Direc-tor do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Sei apenas que se trata de uma vaca do Norte do País, importada, segundo informações, de Inglaterra. Por outro lado, que essa vaca pariu há pouco tempo e, portanto, que tem uma vitela pequena.
Quero aqui acrescentar ainda que, como o Laboratório tem uma vitela, filha de uma vaca dos casos de encefalopatia espongiforme dos bovinos (BSE), seria conveniente, a meu ver, adquirir também esta para estudo numa das suas explorações.
Quero também chamar a atenção para o facto de, após o abate dessa vaca, termos de esperar cerca de três semanas para se poder fazer o exame. Repito: depois de a vaca ser abatida.
Quanto às medidas que deveriam ter sido tomadas, posso dar-lhe a minha opinião, embora não compita ao Laboratório tomar essas medidas.
Suponho que as redes de vigilância instituídas em Inglaterra e em França servem de modelo: aí, por cada região, existe um veterinário responsável pelo assunto, ao qual todos os outros comunicam os casos suspeitos, que ele imediatamente comunica aos serviços centrais. Depois, os especialistas dos laboratórios que trabalham nesse assunto vão ver
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os animais e decidem se hão-de levá-los para analise imediatamente, se hão-de deixá-los na exploração ou o que é "que lhes hão-de fazer.
Em França, existe até uma comissão nacional — de que, se não estou em erro, é presidente o Prof. Parodi—, que funciona em Alfort, mas cujo laboratório de referência é em Lyon, que decide, de acordo com os colegas de Lyon, quais são os animais que hão-de ir ou não para estudo. No primeiro caso, por exemplo, o laboratório dele comprou o efectivo todo e levòu-o para perto de Lyon para estudo.
A meu ver, é preciso que os veterinários estejam informados e haja, em cada direcção regional ou em cada região, um veterinário a quem sejam reportados todos os casos suspeitos, que, depois, os transmite aos serviços competentes. Pelo menos isto deve ser feito! Bom, mas como não sou especialista na matéria, esta é uma opinião puramente pessoal.
Desculpe, mas já não me recordo qual foi a-outra pergunta que o Sr. Deputado me fez!
O Sr. António Murteira (PCP): — De quem partiu a decisão de serem considerados confidenciais os diagnósticos...
O Sr. Dr. Joaquim Patrício de Matos. Águas (ex-Direc-tor do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — De quem partiu a decisão não sei, mas quem ma transmitiu foi o director-geral de Pecuária, Dr. Machado Gouveia.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Dr. Matos Águas, muito obrigado pelos seus esclarecimentos e pela sua disponibilidade.
Como o depoimento do Sr. Dr. Matos Águas foi mais longo do que esperávamos, peço desculpa ao Sr. Prof. Braço Forte Júnior pelo facto de o termos obrigado a este compasso de espera, agradecendo, desde já, a sua disponibilidade.
Vamos procurar ser tão breves quanto possível, sem prejuízo do apuramento das situações que se pretendam levar a efeito.
Como o Sr. Dr. Braço Forte Júnior teve oportunidade de observar, seguimos esta metodologia: o Sr. Doutor fará uma primeira exposição sobre esta matéria e, depois, responderá a quaisquer perguntas que os Srs. Deputados entenderem colocar-lhe. Se estiver de acordo com esta metodologia, segui-la-emos.
Tem a palavra o Sr. Prof. Dr. Braço Forte Júnior, apresentando a V. Ex.3, uma vez mais, o nosso pedido de desculpas pela espera.
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — Antes de mais quero apresentar a V. Ex.°, Sr. Presidente, e a todos os Srs. Deputados os meus cumprimentos e dizer-lhes que estou inteiramente à vossa disposição.
Pelos conhecimentos que tenho sobre a matéria e até porque fui director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária durante alguns anos, estou perfeitamente à vontade para poder acrescentar algumas coisas e esclarecer alguns pontos que aqui foram ditos pelo meu colega Matos Águas, que foi o director do Laboratório, que me seguiu quando eu saí.
Produzi um pequeno documento onde fiz um determinado número de considerações. No entanto, vou apenas fazer uma síntese, porque elas são, de algum modo, um pouco extensas e não quero que os Srs. Deputados percam o seu tempo com informações de ordem científica, que, certamente, terão muito interesse mas apenas no lugar apropriado.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Peço desculpa pela interrupção, mas quero aqui prestar um esclarecimento complementar: o Sr. Deputado António Campos está a fazer uma observação em relação ao conteúdo — que não se conhece —, da exposição do Sr. Professor. No entanto, penso que deveríamos dar-lhe toda a liberdade de fazer o seu depoimento nos termos que entender, uma vez que teve a gentileza de estar aqui connosco.
O Sr. António Campos (PS): — Dá-me licença, Sr. Professor?
O Sr. Prof. Dr. Manuel da Cruz Braço Forte Júnior
(Faculdade de Medicina Veterinária): — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. António Campos (PS): — Esta Comissão foi exclusivamente organizada para averiguar se houve ou se há problemas de encefalopatia espongiforme dos bovinos em Portugal; é este o âmbito exclusivo da discussão.
Temos todo o prazer em fazer, depois, a discussão científica, mas o que esta Comissão está encarregada de apurar e o que precisamos de saber é se houve casos de encefalopatia espongiforme dos bovinos em Portugal. E isto, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Obrigado pela sua observação.
Mais uma vez, peço desculpa ao Sr. Professor por estarmos a roubar-lhe ainda mais tempo,...
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — Não há qualquer problema!
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — ... mas é apenas para fazer uma consideração muito simples. Em primeiro lugar, penso que é minimamente de bom tom ouvir aquilo que o Sr. Professor queira dizer-nos e, em segundo lugar, entendo que, para apurar aquilo que é objecto desta
audição parlamentar — na minha óptica, porque sou um leigo nestas matérias —, será necessário abordar questões científicas. Sem isso, não vejo como é que podemos, seguramente, dizer se existe ou não a doença em Portugal. Registámos a observação...
O Sr. António Campos (PS): — Dá-me licença que o interrompa?
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Não. Depois já lhe dou a palavra.
O Sr. António Campos (PS): — E peço a interrupção imediata, porque preciso que o Sr. Presidente se comporte como se comportou ontem, com as mesmas afirmações no começo das audições. Foi tendo em atenção esse princípio que o interrompi. O Sr. Presidente ontem deu aos depoentes total liberdade para fazerem a sua intervenção, o que não aconteceu hoje com. o Sr. Professor e, por isso, é que lhe chamei a atenção de que o âmbito da intervenção...
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado, estamos a precipitar as coisas, porque ainda nãó ouvimos o Sr. Professor! Estamos aqui a criar um incidente que não tem qualquer razão de ser, porque estamos a precipitar os acon-
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teci mentos e estamos a ser, pelo menos, indelicados — poupem-me a expressão — perante uma pessoa que teve a gentileza de vir aqui.
Sr. Deputado António Campos, a Mesa comporta-se exactamente como se comportou ontem e como se comportará no futuro. Temos de ser objectivos e, na minha opinião, penso que não será possível chegar à afirmação segura de que existe ou não a doença em Portugal — e é isto que cumpre averiguar —, se não abordarmos aqui questões científicas, porque, de outra forma, estaríamos, com certeza, a laborar em terrenos menos claros ou menos objectivos.
Encerrado o incidente...
O Sr. António Campos (PS): —; É só um ligeiro protesto, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado António Campos, penso que está esclarecido.
Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior, pe-dimos-lhe desculpa por este incidente e pelo tempo que lhe roubámos. Tem a palavra.
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — Respondo já, em nota prévia, ao Sr. Deputado António Campos. Para mim, a encefalopatia espongiforme dos bovinos não está assinalada em Portugal.
O Sr. António Campos (PS): — Não está?!...
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — Não está assinalada cientificamente em Portugal. Digo isto antes de quaisquer outras declarações, para que, desde já, fique marcada a minha posição sobre a matéria.
Para mim há muita coisa a fazer para assinalar a encefalopatia espongiforme dos bovinos em Portugal.
Posto isto — para responder ao vosso aparte —, procurarei sintetizar as considerações que fiz durante um longo trabalho, que, de algum modo, posso pôr à disposição desta Comissão.
Em Portugal, para a adequada compreensão do problema ou dos problemas que se reportam à encefalopatia espongiforme dos bovinos, haverá que atender aos seguintes dados: o número de bovinos importados da Grã-Bretanha, entre 1981 e 1982 e em Abril de 1989, que são 12000 ^são muitos bovinos!; a prevalência da doença— a ser definitiva e oficialmente confirmada. Porque não está. Em termos epi-dersttOtógicos, será de 0,1% a 0,2%, de acordo com a posição assumida pelo Dr. Matos Águas e veiculada no seu ofício confidencial n.° 55-D/91, apesar de os técnicos ingleses terem admitido 0,4%. Esta prevalência traduzir-se-á em 12 a 24 vacas doentes, ao longo de um período que terá em linha de conta o tempo de incubação da doença, que sabemos ser de 2,5 a 8 anos.
Ouvi, há momentos, o Sr. Dr. Matos Águas, ex-director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, dizer que esse período pode ir até 11 anos. É a primeira vez que ouço essa informação, mas acredito que possa ser assim. '
Até hoje, os serviços laboratoriais da Direcção-Geral da Pecuária (Lisboa e Porto) ocuparam-se do estudo — em nossa opinião incompleto — de três casos, considerando que as alterações morfológicas ao nfvel do encéfalo, no local apropriado, verificadas pelo diagnóstico histopatológico, se poderão enquadrar — repito, se poderão enquadrar, isto é im-
portante que se diga — na encefalopatia espongiforme dos bovinos. Admite-se à partida que também podem não se enquadrar.
De resto, não foram aplicados ao estudo de qualquer um destes casos os meios complementares de diagnóstico que se impunham, para um total esclarecimento da etiologia do processo.
Assim, o relatório datado de 26 de Abril de 1991, da responsabilidade do investigador auxiliar Alexandre Galo, e com a informação de 29 de Abril de 1991 subscrita pelo Dr. Matos Águas, trata de dois desses casos.
Dos elementos constantes desse relatório, do qual extraímos os dados mais importantes para a conclusão correcta, parece-nos lícito admitir que a suspeita macroscopicamente posta de «meningite purulenta» será de valorizar, no sentido de um diagnóstico de miningite purulenta de origem bacteriana, confirmado pelos dados laboratoriais.
De facto, de entre as espécies bacterianas isoladas, consideramos como agente etiológico responsável o Streptococ-cus mitis, que se revelou patogênico para os animais de experiência, que foram coelhos.
É nosso entendimento que este dado foi minimizado e que não se considerou como possível que o processo inflamatório em desenvolvimento pudesse ser responsável por um tipo de vacuolização inflamatória dos neurónios, que, de algum modo, poderia obscurecer o resultado do exame histopatológico do cérebro, onde foram referidas lesões microscópicas exuberantes típicas da encefalopatia espongiforme.
Nãó devemos esquecer que, em termos de exame clínico, a meningite purulenta exibida pelo animal — e consta do processo—, se poderá traduzir por uma síndrome nervosa (incoordenação de movimentos, excitabilidade, atitude agressiva e deficiência de visão), síndrome clínica que podemos observar também na encefalopatia espongiforme, o que de certo modo é confundível com os aspectos clínicos tidos como exibidos na encefalopatia espongiforme dos bovinos.
Este é o segundo dos três casos que referi anteriormente. O terceiro caso, que consta do relatório apresentado pelos investigadores auxiliares Alexandre Galo e Azevedo Ramos, foi comunicado à ex-Direcção-Geral da Pecuária pelo ofício confidencial n.° 28-D/92 e também assinado pelo Dr. Matos Águas em 5 de Março de 1992. É acompanhado de uma ficha clínica, onde se relata uma síndrome pouco significativa, a qual poderá ser exibida em alguns morbos que podem afectar as vacas leiteiras, tais como a hipomagnesiemia e a acetonemia, sobretudo com a sua síndrome nervosa. Por fim, a vaca doente em causa acabaria por vir a fazer um quadro sintomático de «vaca a terra».
Desde já afirmaremos que se justificariam todos os esforços no sentido de se Conseguir um diagnóstico diferencial que atendesse não só aos aspectos clínicos como à etiologia de algumas doenças, que podem evoluir entre os bovinos adultos, e à própria encefalopatia espongiforme dos bovinos. Referimo-nos à listeriose, já aqui mencionada pelo Sr. Dr. Matos Águas; à hipomagnesiemia, uma doença metabólica; e à doença de Aujeszky; doenças estas que se podem confrontar com a encefalopatia espongiforme bovina.
Convirá, desde já, acentuar que o exame clínico, em qualquer destas situações — hipomagnesiemia, acetonemia, listeriose e encefalopatia espongiforme —, não é de modo algum esclarecedor em termos de diagnóstico, o que implicará o acesso a meios auxiliares de diagnóstico que contribuam de modo decisivo e insofismável para a resolução do problema clínico.
É claro que poderemos aqui citar, desde já, uma soma imensa de trabalhos, que permitiu a identificação da doen-
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ça, em Novembro de 1986, na Inglaterra, onde os animais estiveram submetidos a uma contaminação por via alimentar, pelo agente etiológico que estaria na origem desta doença:
Em Novembro de 1986, a Inglaterra identificou e caracterizou a doença;
Em Outubro de 1987 fez a primeira publicação no Veterinary Record;
Em Abril de 1988, a constituição de um grupo de trabalho presidido por Sir R. Southwood, que elaborou um relatório que seria, por assim dizer, seguido por todos aqueles que se debruçam sobre esta matéria;
Em Maio de 1988 fez a notificação à OIE;
Em 2\ de Junho de 1988 existiam 867 casos confirmados de BSE e a doença foi tomada como de declaração obrigatória;
Em 18 de Julho de 1988 houve interdição de incluir farinhas de carne como fonte de proteínas para os ruminantes;
Em 18 de Agosto de 1988, o abate obrigatório dos animais suspeitos de BSE e destruição total das carcaças;
Em 30 de Dezembro de 1988, interdição de venda e utilização do leite tirado de animais suspeitos de BSE, assim como para consumo humano ou animal;
Em 31 de Dezembro de 1988 já havia 2160 casos identificados em 1667 rebanhos;
Em 30 de Junho de 1989, 5375 casos em 4080 rebanhos;
Em 27 de Novembro de 1989, 8100 casos.
Convirá insistir em que os dados, epidemiológicos indicam que a encefalopatia espongiforme dos bovinos deriva da scrapie dos ovinos e caprinos, e que a doença pode ser devida a uma estirpe bovina do agente adaptada aos bovinos e responsável por uma forma subclínica não detectável.
Na Grã-Bretanha a doença é comum e está largamente espalhada. Desde 1981-1982 que se sabe terem estado os bovinos expostos, mas os primeiros casos da doença só ocorreram em 1985-1986, tendo sido responsabilizado, pela contaminação o consumo de farinhas de carne e osso, produzidas industrialmente para a alimentação do gado bovino.
Esta farinha de carne e de osso foi proveniente de carcaças e despojos de pequenos ruminantes, vítimas da scrapie.
Os criadores ingleses viram ser abatidas 5500 vacas, vítimas de um processo degenerativo do sistema nervoso central, tendo já em 1988 a encefalopatia atingido 3000 rebanhos, distribuídos por todo o território, sendo que nesta data a doença progredira à razão de 350 novos casos por mês.
Porém, a doença não se transmite horizontal ou verticalmente, e a maior parte dos casos clínicos deveram-se à contaminação alimentar dos animais antes de atingirem a idade adulta, situando-se a sua maior incidência na idade de 4-5 anos.
Embora se saiba que o agente patogênico da BSE não é veiculado pela placenta, estão neste momento em curso os estudos destinados a admitir ou não esta eventualidade.
Daqui que eu admita que o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, ou a ex-Direcção-Geral da Pecuária, tenha comprado a vitela de um animal que esteve doente, e abatido por encefalopatia.
No entanto, o diagnóstico da BSE baseia-se em: sinais clínicos, que não são demonstrativos nem específicos mas que dão evidentemente uma indicação do que é um processo nervoso; demonstração post mortem, em lugares apropriados do sistema nervoso central, dos .vacúolos; deve ter--se em conta que o aparecimento de neuronas vacuolizadas
nos ruminantes é relativamente frequente, em condições normais, em encéfalos normais que são capazes de dar vacuo-lização no neuropilo e em neuronas, ou por artefactos da própria técnica histológica. Por isso, alguns autores, como Garcia de Jalon e outros, recomendam a quantificação do número de vacúolos existentes.
Daqui que se possa afirmar que a espongiose não é considerada significativa porque pode ser facilmente obscurecida por alterações autolíticas — já aqui referidas — e pela desagregação ou disrupção dos tecidos nos processos técnicos de fixação do material.
Relativamente à fixação de material, sabemos que há colegas que mandam para o Laboratório fragmentos ou mesmo o encéfalo fixado. Aqui põe-se logo a questão: fixado em que quantidade de líquido? É porque, para fixar o sistema nervoso de modo a que as células nervosas não sofram a autólise, é necessária uma quantidade bastante grande de líquido, de 1 para 10, aproximadamente — isto está definido por indicação universal. São necessários cerca de 81 de soro fisiológico salgado para a imersão do encéfalo dos bovinos. Depois, o encéfalo fica durante três semanas em fixação e só ao fim desse tempo se podem fazer os cortes e a técnica histológica apropriada para fazer o diagnóstico.
Isto tudo implica esta ideia: é que, realmente, se não houver uma competência de ordem técnica que garanta, à partida um tratamento adequado do material que se envia para o laboratório, há muitos problemas que podem surgir e induzir em erro os técnicos e os especialistas que tenham de fazer o diagnóstico.
Por outro lado, tem interesse, no capítulo do diagnóstico, não menosprezar a intervenção da microscopia electrónica, que é essencial, sobretudo num país em que a doença ainda não foi detectada. Quando num país se faz o estudo de uma doença pela primeira vez, devemos recorrer a todos os meios auxiliares de diagnóstico, porque, de contrário, poderemos ser precipitados, não actuar com bom senso e elaborar um diagnóstico que, à partida, esteja errado.
Não digo que no caso em discussão até nem possa haver, de facto, problemas relacionados com a encefalopatia espongiforme. É natural que haja pois importámos de Inglaterra um determinado número de animais, um número bastante apreciável de animais, mas é preciso que, quando se detecta pela primeira vez uma doença num país, nos rodeemos de todas as cautelas para que o assunto seja estudado como deve ser. Se eu tivesse sido o director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, nessa altura, pese embora ao Sr. Dr. Matos Águas, não teria consentido na saída do diagnóstico para fora dos muros do Laboratório, nem mesmo para a Direcção-Geral da Pecuária. Eu ter-me-ia rodeado de todos os meios indispensáveis para que o Laboratório actuasse, servindo-se de todos os meios, desde a microscopia electrónica, com todas as técnicas por mais demoradas que fossem, até chegar a um diagnóstico positivo. De contrário, estaríamos a contribuir para criar um alarme à volta de uma decisão que já de si poderia ser alarmista. Isto está errado. Eu não actuaria como fez o meu colega, Matos Águas, por quem tenho a máxima consideração e estima — ele sabe-o e digo-o na sua frente, face a fa.ce, oara que não possa haver dúvidas sobre esta matéria.
Evidentemente, o Sr. Dr. Matos Águas falou no recurso ao murganho, ao ratinho. É evidente que poderia haver, de facto, uma certa demora. Falou em 500 dias, não iria a tanto, iria a 126 dias, mas, de algum modo, até podia recorrer, tentar encontrar estirpes adaptadas para que o período de
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incubação fosse mais curto: Mas, enfim, isso não se fez. O director do Laboratório e o Sr. Director-Geral lá sabem porquê.
Ao concluir estas minhas considerações, digo o seguinte, muito claramente: a encefalopatia espongiforme dos bovinos, apesar de todos os esforços dos serviços laboratoriais da ex-Direcção-Geral, não está comprovada no nosso país. Repito, não está comprovada no nosso país. A situação quanto a esta doença, em Portugal, é completamente diferente; está nos antípodas do que se passa na Inglaterra, onde existe uma conveniente preparação técnico-científica—que foi aqui referida pelo Dr. Matos Águas — e uma aproximação, um contacto, uma experiência com a doença que não existe aqui de modo algum. Aí, sim, o diagnóstico histopa-tológico pode ser hoje decisivo e confirmativo da doença, isto é, na Inglaterra ou nos países onde já existe a doença confirmada, mas, relativamente à situação no nosso país, é, pelo menos, precipitado ou, senão, atrevido.
Evidentemente, no nosso país, a partir do momento em que se importaram bovinos reprodutores da Grã-Bretanha, entre 1982 e 1989, há sem dúvida o risco do aparecimento da doença, mas não há a confirmação dó morbo. No entanto, ao surgir, a doença evoluirá no rebanho de uma forma esporádica. É o que acontece em 75% dos rebanhos em Inglaterra onde só se encontra um único caso, embora se saiba que em certos rebanhos a CKorrência é mais expressiva.
O Sr. Presidente: — Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior, muitíssimo obrigado pela sua exposição.
Neste momento, tenho alguns Srs. Deputados inscritos a quem vou dar a palavra e ainda bem que existe este espírito do contraditório.
Antes de dar a palavra, gostaria de afirmar que valeu a pena ouvir o Sr. Prof. Dr. Manuel da Cruz Braço Forte Júnior, independentemente da posição que se posssa retirar das suas palavras. Aquilo que disse tem directamente a ver com aquilo que estamos a apurar nesta audição.
Para formular um pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior, em primeiro lugar, agradeço--lhe a sua presença nesta Comissão e o contributo prestado. A primeira questão que gostava de colocar ao Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior era sobre a seguinte situação: Portugal enviou dois investigadores para Inglaterra, onde fizeram o seu estágio. Esses dois investigadores, bem como o director do Laboratório, confirmam casos de vacas loucas em Portugal.
Assim sendo, o Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior põe em causa a capacidade técnica dos únicos investigadores que temos em Portugal e que se especializaram em Inglaterra. .
0 Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — Claramente, ponho! É porque não são quatro dias no Laboratório Central do Weybridge que lhes concedem o título de especialistas. Aliás, quando esses técnicos lá foram, já eram especialistas do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária e, inclusivamente, já deviam saber qual era a técnica aplicada. Portanto, não tinham necessidade de gastar dinheiro ao erário público para estarem quatro dias em Inglaterra a aprender a técnica de fixação do material, técnica que já deviam ter aprendido quando foram estagiários do Laboratório Na-
cional de Investigação Veterinária. Portanto, ponho em dúvida isso. Não basta ir à China para ser chinês, não é verdade!?
Sr. Deputado, afirmo a V. Ex.° que quatro dias não são suficientes para conceder, digamos, o grau de especialista a quem quer que seja.
O Sr. António Campos (PS): — O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior pensa que existem em Portugal investigadores de maior qualidade é capazes de fazer essa investigação?
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — Acho, Sr. Deputado. Se estivesse no Laboratório de Benfica, seriam os técnicos mais competentes que seriam responsabilizados por um trabalho deste tipo. Aí, iria encontrar um Serviço de Patologia, iria encontrar os técnicos especialistas mais qualilifícados para tratar do assunto com toda a honestidade e com todo o rigor.
Mais: não faria só o diagnóstico histopatológico; recorreria à microscopia electrónica, ao Serviço de Virologia e para o diagnóstico diferencial — sem querer saber se o assunto era confidencial ou não, pois isso não me interessava minimamente — chamaria todos os serviços que julgasse necessários para a resolução do problema.
Sr. Deputado, nunca atiraria cá para fora um diagnóstico que, de algum modo, pudesse ser contestado, isso se realmente fosse — e até fui durante muitos anos — director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior, admitiu os números de 0,1 % e 0,2% de casos que existem em Inglaterra.
Portanto, gostava de saber se existe algum método — quando se importaram os 12 000 animais — que impedisse a proporção verificada em Inglaterra de poder verificar-se nos 12 000 animais que estão em Portugal.
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — Sr. Deputado, não há de momento qualquer método que permita detectar a encefalopatia espongiforme com os animais em vida. Não há situações pré-clínicas devidamente assinaladas, nem há meios tecnológicos adequados à identificação da doença quando os animais não estão doentes. Portanto, para detectar a doença é necessário que os animais estejam doentes.
Relativamente a estes animais que foram importados, devem ter estado submetidos a uma alimentação que comportava farinhas de carne e osso. Nessas circunstâncias, os animais já deviam ter feito, de facto, a contaminação. Mas quais foram os animais? Numa percentagem de 0,4%, segundo os técnicos do Weybridge, ou numa percentagem de 0,1% a 0,2%, segundo o Dr. Matos Águas.
É evidente que isto será possível e admito que sim. Seria estultícia da minha parte não admitir uma coisa destas. Mas digo — e direi mil vezes— que é necessário que se apliquem ao
estudo do problema todos os meios què estão à disposição do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária
O Sr. António Campos (PS): — Portanto, admitimos que há casos em Portugal por importação, na medida em que não há qualquer diagnóstico. E, partindo do ponto de que a percentagem lá é aquela, cá também teremos casos.
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — Sr. Deputado,
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do ponto de vista epidemiológico podemos admitir essa situação, porque admitimos que os animais estiveram sujeitos a uma alimentação incorporada de farinha de carne e osso proveniente de carcaças e despojos de ovinos e caprinos que sofriam da scrapie. Admito isso, mas é preciso demonstrar — quod est demonstrandum.
O Sr. António Campos (PS): — Portanto, o diagnóstico foi feito clinicamente no terreno!
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — O que está mal, Sr. Deputado.
0 Sr. António Campos (PS): — Ontem confirmámos aqui diagnósticos no terreno, os investigadores especialistas no laboratório garantem que são casos de encefalopatias, mas, agora, o Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior põe em causa o não haver complementos de diagnósticos no Laboratório!
Assim sendo, pergunto: o processo existente em Inglaterra é o que se faz em Portugal? Atendendo a que os animais vieram de Inglaterra, gostava de perguntar se as análises são iguais às que se fazem em Inglaterra ou se estamos no nosso Laboratório a falar em encefalopatias num processo completamente diferente da análise laboratorial que utilizam os ingleses.
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — Sr. Deputado, se bem entendo a questão que me colocou, quero dizer-lhe que em Inglaterra é completamente diferente. Inclusivamente, já tive a ocasião de o dizer.
Em Inglaterra há uma soma imensa de conhecimentos que informam todos os técnicos que estão envolvidos no processo, que têm contacto com um número bastante elevado de animais doentes e que já fizeram tratamento laboratorial de dezenas ou milhares de casos. Portanto, para eles isso é o pão nosso de cada dia».
Sr. Deputado, este caso é idêntico ao que ocorreu entre nós quando pela primeira vez, em 1957, se verificou a peste suína africana. Eu andei metido no campo, na luta contra a peste suína africana e havia na altura suspeitas diversas. Seria peste suína clássica ou a peste suína africana? Seriam as doenças oportunistas, que podem realmente aparecer, como são caso da pasteurelose da salmonelose?
Sr. Deputado, tentámos resolver o problema e socorremo--nos de todos os sectores e departamentos que o Laboratório possuía, bem como dos meios humanos indispensáveis para fazer o diagnóstico. Só então —anos depois— é que os técnicos que andaram envolvidos neste problema podiam chegar ao campo, fazer as autópsias e afirmar que aquilo era peste suína africana. Mas, ao fazer isso, serviam-se do exame clínico, do exame epidemiológico e do exame macroscópico. Quer dizer, a necropsia era suficiente porque já havia uma prática muito grande e já não era necessário fazer o exame histopatológico. Só nos casos duvidosos é que se recorria à serologia e à virulogia para resolver as dúvidas.
Portanto, admito perfeitamente que em Inglaterra já se opte pela observação clínica para detectar um animal doente e declará-lo suspeito de encefalopatia espongiforme. Admito isso mesmo — e que a colheita de material seja feita, como deve ser para evitar contaminações: colocada no líquido fixador durante três semanas, que se façam os cortes nos locais apropriados e que depois os técnicos com competência possam fazer, de facto, o respectivo diagnóstico.
Sr. Deputado, isto é verdade, mas não é o nosso caso... Amanhã, no futuro, daqui a uns meses, quando todos os meios laboratoriais tiverem sido esgotados e se tiver chegado à conclusão de que, de facto, a doença existe em Portugal, então é possível fazer o diagnóstico recorrendo à suspeição clínica complementada depois pelo exame histopatológico — e só por esse exame. E porque, neste momento, afirmo claramente, com a responsabilidade que lenho como técnico, como professor de Patologia Médica, como ex-director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, que a doença não está confirmada no nosso país. E daqui não há que fugir.
É evidente que V. Ex." tem alguma razão para levantar o problema, mas cuidado porque podemos ser precipitados na análise das questões.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior, desejava colocar apenas mais duas questões para clarificarmos esta situação.
O primeiro caso aparece em Portugal em 1990 e considero de extrema gravidade as afirmações que V. Ex.3 está fazer em relação ao Sr. Director-Geral da Pecuária. No entanto, explico porquê e explicarei qual é o meu raciocínio sobre esta matéria.
Tendo o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, em 1990, informado o Sr. Director-Geral de que havia casos de encefalopatia, este não colocou em causa a qualidade científica da informação ou, então, meteu-a na gaveta para não confirmar, pois não deu ordens ao Laboratório para a confirmação com outros processos complementares. E se o Sr. Director-Geral obrigou o laboratório a calar-se nos casos de diagnóstico? Mas presumo que fez uma outra coisa pior, que foi não obrigar o Laboratório a ir ao fundo das situações para se comprovar a existência ou não, em Portugal, das encefolapatias.
Com efeito, considero muito mais grave a questão da gaveta do que o diagnóstivo poder ser ainda mais comprovado.
A outra questão que se levanta é sobre a seguinte situação: sabendo que os dois técnicos que enviámos para Inglaterra — que são os únicos que no País têm experiência no terreno—, onde existe em maior quantidade esta doença, confirmam as encefolapatias e utilizam o processo e o conhecimento que de lá trazem, o. Sr. Professor diz-me que admite — todos temos de admitir com algum rigor — que, em Portugal, pelo volume de animais que importámos, tem de haver mais do que os quatro ou cinco casos. O que resta ao Sr. Professor para admitir que em Portugal há casos de encefalopatia? Resta só a incapacidade do director-geral da Pecuária de não ter obrigado o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária a obter os resultados complementares. E que, desde o primeiro caso diagnosticado, em Portugal, até hoje, já lá vão três anos!
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — O Sr. Deputado está a colocar-me uma questão delicada, mas não lhe fujo.
É que o culpado não foi o Sr. Director-Geral da Pecuária mas, sim, o Sr.- Director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária. E vou explicar porquê.
O Sr. Director do Laboratório, com a responsabilidade de técnico competente em muitos aspectos da sua actividade, tinha a obrigação estrita de determinar a todos os serviços do Laboratório que interviessem no estudo do problema!
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Não era o director-geral, porque o director-geraJ — temos de admiti-lo— é um dirigente que até pode ser ignorante em muitas matérias! E, nesta, era com certeza! Portanto, p Sr. Director dp Laboratório, como homem competente e sabedor destas matérias, é que tinha a obrigação de determinar quais os técnicos e os serviços que deviam intervir no esclarecimento de toda a situação. E mais: devia ter mandado, se fosse caso disso — mas não era —, ao Laboratório Central de Weybridge os técnicos mais competentes, e não, só porque eram investigadores auxiliares laureados com classificações de 19 valores, os senhores «A» ou «B».
Não! Porque nós até conhecemos qual a competência do «senhor A» e do senhor «B» em matéria de histopatologia. Posso afirmar isto porque fui director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária e trabalhei com eles! Para ser um pouco mais claro: o Dr. Alexandre Galo é um técnico, sim senhor! É um homem, de respeito, sim, senhor! Mas em matéria de histopatologia está a milhas de distância de alguns técnicos que existem no Laboratório Nacional de Investigação Veterinária! É um homem que se tem envolvido em outros trabalhos, particularmente em virulogia, onde fez um estágio que lhe deve ter sido muito útil mas cuja utilidade para o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, de Benfica ou mesmo para o País, ainda está por provar. Em qualquer dos casos, em Histopatologia, mandou-se um técnico ao Central Veterinary Laboratory of Weybridge, que trouxe o conhecimento da técnica usada em Inglaterra para o estudo do problema e, mais tarde, um outro técnico, o Dr. Azevedo Ramos, esse, sim, com uma experiência um pouco mais profunda em matérias de histopatologia, foi, na mesma linha procurar saber alguma coisa sobre a técnica seguida ém Inglaterra.
Mas não me venha dizer, Sr. Deputado António Campos, que eles são especialistas só porque estiveram quatro dias em Inglaterra! Já o eram, ou deviam sê-lo, quando para lá foram!
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Professor, desculpe--me mas tenho alguns problemas nesta matéria e gostaria de ficar com a minha consciência bem tranquila.
Vamos supor que o Sr. Professor era o director-gerãl... ou que o António Campos era o director-geral. Quando me aparece o resultado do Laboratório, dizendo: «isto é encefalopatia», a primeira questão que se coloca é a de o director--geral confirmar o diagnóstico, porque é a ele que compete informar os membros do Governo da existência ou não, desta doença.
Ora, o que o Sr. Director-Geral fez foi dizer ao Sr. Dr. Matos Águas: «Meta na gaveta; não diga a ninguém.»
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior
(Faculdade de Medicina Veterinária): —Meta na gaveta!?
O Sr. António Campos (PS): — É a documentação de que dispomos!
Esta é, então, uma.forma mais gravosa de sofisticar a verdade da existência, ou não, desta doença. É que o Sr. Director-Geral vai acumulando conhecimentos, desde 1990, e chega-se a 1993, com alguns cientistas a dizerem que não existe e outros a dizerem que existe. Por putro ladp, à comunidade cientifica nacional e internacional acaba por lhe ser sonegada esta informação. Tudo isto, dentro deste dilema de se fazer o mais íôcil, ou seja, de mandar confirmar em qualquer laboratório inglês a veracidade, ou não, da existência da doença, se o Governo ou o director-geral tivessem qualquer dúvida.
Assim sendo, gostaria de dizer duas coisas: o Sr. Professor diz que a doença não se transmite nem vertical nem horizontalmente. Porém, a mesma dúvida cientifica que existe em relação a essa afirmação é a mesma dúvida científica que haverá sempre sobre qualquer matéria referente a uma doença recente, que começa a ser estudada a partir de 1988. E o que me preocupa — desculpe-me dizê-lo— é seu tom afirmativo, ao dizer que cientificamente não se pode provar que existe encefalopatia espongiforme em Portugal. Ora, com os dados conhecidos acerca das vacas importadas, com a percentagem verificada da doença em Inglaterra e com os dois investigadores e o director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária a confirmarem-na, desde 1990, qual é o julgamento que o Sr. Professor faz do director-geral da Pecuária e do Governo que temos, que andam, há três anos, sem saber se existe, ou não, a referida doença?
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado António Campos, sejamos coerentes e circunscrevamo-nos ao objecto da nosssa audição.
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — É evidente que não vou responder a alguns aspectos da intervenção do Sr. Deputado António Campos, mas desejaria referir o seguinte: não digo que seja impossível determinar cientificamente a doença. Não! O que digo é que o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária não esgotou todos os meios auxiliares e complementares de diagnóstico para chegar a um resultado positivo, aqui, no País. Isso sim!
O Sr. António Campos (PS): — Mas quais eram os exames que faltavam?!
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — O exame ao microscópio electrónico, a inoculação experimental em ratinho e vários outros. Não os fez, não esgotou todos os meios!
O Sr. António Campos (PS): —: Em Inglaterra, também se fazem esses?
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — Não sei se se fez ou não! O que se faz, actualmente, em Inglaterra é só o exame histopatológico para confirmação. Mas aqui, em Portugal, não pode ser, porque, sendo a primeira vez, é o princípio científico que tem de ser tecnicamente respeitado. É a primeira vez que se vai assinalar no País uma determinada doença! E, então, poderiam gastar o tempo que quisessem e, até, recorrendo ao estrangeiro, pedir a vinda de técnicos estrangeiros para nos auxiliarem a trabalhar.
Mais ainda: não foi seguido um processo expedito, que era o de pedir à Faculdade de Medicina Veterinária de Lisboa um técnico anatomopatologista, de mão-cheia, para intervir na solução do problema. Isso não foi feito! E também não se fizeram muitas outras coisas: não se recebeu bem o pedido feito pelo Dr. Armando Filipe, que" é veterinário, ou pelo Dr. Amaral Mendes, que, como investigador assessor da Direcção-Geral da Pecuária também podia intervir na solução do problema Mas não se fez nada disso! E agora estão a imputar responsabilidades a um homem que, sendo director-geral da Pecuária é, de algum modo, dirigente e, como tal, tem muitas responsabilidades, mas não a de ter de saber quais os meios técnicos e científicos indispensáveis à resolução de um problema deste género!
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A minha afirmação é esta: não convém que se sofisme à volta daquilo que digo. Eu digo que se corre o risco de que a doença exista em Portugal e, possivelmente, já existe em Portugal! Simplesmente, não podemos nós, a comunidade técnico-científica deste país, assumir a responsabilidade de dizer que aquela é uma doença existente no País. É possível que exista..., mas, então, esgotem-se todos os meios necessários para fazer o estudo do problema!
É esta a minha' posição — «daqui não saio..., daqui ninguém me tira»!
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Professor, só coloco aí uma questão de base científica...
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — Técnico-científica!
O Sr. António Campos (PS): — ... técnico-científica, sim. É que, como cidadão não envolvido nisso, preciso de apurar a verdade. Ora, continuo a dizer-lhe: os dados foram enviados ao director-geral da Pecuária, que os reconheceu como verdadeiros e os mandou meter na gaveta.
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — Terá reconhecido como verdadeiros? Isso é que importa averiguar!
O Sr. António Campos (PS): — Bem, o director-geral, pelo menos, não fez qualquer diligência, desde 1990, para confirmar se os dados estavam errados. E penso que foi o director-geral que mandou estes investigadores à Inglaterra. Portanto, são homens de confiança do próprio director-geral, do Dr. Matos Águas! '
Gostaria de perguntar-lhe se o Sr. Professor faz ao Dr. Ramos o mesmo sentido apreciativo que ao Dr. Galo, que diagnosticou o primeiro caso, o do Porto, e se a sua concepção é igual à do Dr. Galo.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado António Campos, peço-lhe que qualquer questão que tenha a ver com o director-geral seja deixada para mais tarde. É que teremos oportunidade de ouvir nesta audição o director-geral e, por isso, não devemos estar a «massacrar» as outras entidades.
Assim sendo, todas as questões que tenham a ver com o Sr. ex-Director-Geral colocar-lhas-emos quando ele for ouvido.
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — Sr. Deputado António Campos, o problema que lhe coloco é sempre o mesmo: tenha o diagnóstico sido feito pelo Dr. Alexandre Galo ou pelo Dr. Azevedo Ramos, a minha posição é sempre a mesma, isto é, não foram esgotados todos os meios auxiliares de diagnóstico que permitissem chegar à conclusão de que se estava na presença da encefalopatia espongiforme dos bovinos. Por isso, eles dizem «no quadro» da encefalopatia espongiforme dos bovinos e nunca que é a encefalopatia espongiforme dos bovinos. É porque, se o disserem, são insensatos e precipitados, porque sabem que não foram aplicados ao estudo do problema todos os meios laboratoriais e humanos indispensáveis.
É esta a afirmação que faço e, com isto, não estou a defender ou a atacar seja quem for. Estou a defender uma posição que é isenta, na minha qualidade de professor de
Patologia e de Clínica Médica e de ex-director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária — e, se quiser, ainda na minha qualidade de investigador de um centro de patologia especial comparada.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte, a quem peço que, na medida do possível, procure ser breve.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte, penso que o seu contributo técnico--científico é importante para o esclarecimento desta verdade e para que nesta audição parlamentar, que o PSD propôs e contra a qual outros partidos votaram, em altura oportuna, se apure da existência, ou não, confirmada da doença em Portugal.
Em relação a esta situação, gostaria de fazer-lhe algumas perguntas. Primeira: é afirmado que existem dois técnicos em Portugal que foram a Inglaterra para estudar esta doença. Pergunto-lhe se estes dois técnicos não foram estudar a técnica histopatológica para o manuseamento, para o trabalho laboratorial de identificação, e se o diagnóstico confirmado comporta outros exames laboratoriais, para além desta matéria que eles foram estudar durante quatro dias a Inglaterra, sendo aqui essencial outros meios auxiliares e complementares de diagnóstico, nomeadamente a utilização da microscopia electrónica determinando a etiologia da doença, a utilização de diagnósticos diferenciais e a informação epidemiológica, e tendo, por isso, de envolver outras pessoas, nomeadamente do Laboratório.
Gostaria de saber se, como ex-director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, na altura até nomeado pelo Dr. António Campos, se nessa fase, quando algumas suspeitas de doenças novas apareceram, não havia o bom senso de, enquanto o diagnóstico não estivesse científica e tecnicamente confirmado, não empolar publicamente esses dados, no sentido de não provocar alarmismos fáceis, um pânico generalizado e, eventualmente, repercussões negativas para o sector. Nessa altura, não havia também esse cuidado de, até ao diagnóstico final, se manterem algumas informações circunscritas às pessoas envolvidas no processo laboratorial de diagnóstico e aos agentes veterinários envolvidos nestas situações?
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — Sr. Deputado, respondendo à questão que me colocou, devo dizer-lhe que, relativamente à presença dos meus colegas no Laboratório Central de Weybridge, penso que eles só tiveram contacto com a técnica histopatológica usada para o estudo das lesões. Não terão ido muito além disso, uma vez que estiveram lá apenas quatro dias e quatro dias — como já tive ocasião de dizer— não concedem, com certeza, a categoria de especialista em matéria nenhuma!
Quanto aos aspectos relacionados com o secretismo, é evidente que tem de haver todo o cuidado quando trabalhamos com um agente de uma doença que, de algum modo, pode pôr em causa um sector de produção e a própria comunidade consumidora. Os cuidados têm, pois, de ser reforçados: temos de ter cuidado e não transmitir para o exterior, de uma maneira insensata, informações que possam, de algum modo, provocar alarme nas populações, bem como nos sectores de produção.
É claro que, depois de termos todos os dados na mão, essa informação terá de ser dada, e será! E, então, que todo o secretismo vá às malvas! De facto, uma vez tendo em
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mãos um dado positivo, é necessário que se informe sobre este dado positivo e se diga que temos :neste país uma doença que é esta. • •' ••'
Ao mesmo tempo, há que declarar que, apesar de tudo, a doença — neste caso a encefalopatia espongiforme dos bovinos — não é assim tão grave como isso para o consumo
humano.
Porém, a verdade é que a comunidade consumidora não está, muitas vezes, à altura de compreender uma situação destas e, naturalmente, fica com medo de morrer demente. Não pode ser!
De algum modo, entendo que o secretismo, em determinadas circunstâncias e enquanto se trabalha, em termos de resolver de uma maneira definitiva as situações relacionadas com o diagnóstico, deve ser uma atitude defensável.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): —: Sr. Professor, uma outra questão que gostaria de colocar-lhe prendè-se com o facto de, ontem, termos ouvido dois veterinários, que acompanharam no terreno a' evolução de alguns casos suspeitos — os Drs. Armada Nunes e José Carlos Pereira—, a afirmarem, pelo menos um deles, o Dr. Armada Nunes, que tinha a confirmação da doença. É possível, a um médico veterinário que acompanha a sintomatologia em vida do animal,, confirmar ou não a doença no caso suspeito?
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — Sr. Deputado, por um exame clínico, nunca! Seria uma precipitação e um aventureirismo. • ; '
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Por isso, nenhum veterinário,que acompanhe no terreno...
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): -^Nenhum! Nem" mesmo ó mais competente dos técnicos veterinários ingleses é capaz de fazer uma afirmação dessas.
O que acontece é que há uma suspeita e, depois, o laboratório é capaz de' detectar, em Inglaterra, por simples exames histopatológicos. Mas no nosso país, porque não está detectada à doença, tem de se recorrer a outros meios auxiliares de diagnóstico. '
Portanto, nenhum veterinário poderia fazer essa afirmação. Porque existem várias doenças que têm uma síndrome clínica nervosa semelhante. É o caso, por exemplo, da síndrome nervosa acetonemia,- o dá própria encefalopatia espongiforme bovina, o da listeriose bovina. Portanto, a liste-riose, a acetonemia; adoença de Aujesky e a encefalopatia espongiforme bovina em termos clínicos podem-se confundir. Até a meningoencefaüte purulenta, simplesmente provocada por aquele agente que foi detectado num dos casos, pode perfeitamente confundir-se. É uma doença em relação à qual, quando muito, se poderá dizer que'se está na presença de uma síndrome" nervosa. E porque é numa vaca que foi importada de Inglaterra, até posso admitir que seja a encefalopatia espongiforme. Mas só o laboratório é que pode concretizar o diagnóstico em termos de histopatologia; de microscopia electrónica ê de diagnóstico biológico. Em contrário não há possibilidade.
É claro que daqui por uns anos, oú daqui por uns meses, é possível que o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária já tenha reunido todos os meios e diga: «Não, nós temos aqui todos os resultados dos exames laboratoriais auxiliares ou complementares que nos permitem fazer um diagnóstico e dizer que se trata de facto da BSE.» Más neste
momento é uma probabilidade que temos. Com certeza, é provável que exista a doença no País, mas daí a àfirmá-lo de unia maneira definitiva há uma imensidão de trabalho a fazer.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Sr. Professor, a outra questão que quero colocar-lhe tem em conta o contingente de animais importados de 1982 até 1989, ano em que acabaram as importações. Atendendo a que o período de incubação médio é de cinco anos, pensa que os animais importados entre 1987 e 1989 devem ser considerados como constituintes daquele contingente em que neste momento poderão estar a ocorrer casos que despoletem a situação?
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — É possível, mas não se esqueça, Sr. Deputado, de que o Sr. Dr. Matos Aguas já falou aqui em 11 anos para o período de incubação.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Mas penso que as informações científicas e técnicas, mesmo dos ingleses que dominam mais esta temática, afirmam que o pico de ocorrência deste tipo de situações se verifica cerca dos quatro a cinco anos.
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — Na Inglaterra a doença começa a decrescer em 1992.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Confrontando, por um lado, a previsão do Dr. Matos Águas no relatório que o Sr. Professor nos citou —de cerca de 0,1 a 0,2% de animais — e sabendo que foram importados cerca de 4000 animais entre 1987 e 1989 (previsivelmente), o número de casos que poderão ocorrer com esta previsão feita daria cerca de quatro a oito casos!?
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — Exacto, quatro a oito casos.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — O Sr. Professor consultou
os processos e viu os meios de diagnóstico utilizados. Entretanto, a autoridade sanitária nacional —a Direcção--Geral da Pecuária —, antes do despoletar público desta situação (aqui, em Plenário, e nos órgãos de comunicação social, no dia 4 de Maio), divulgou, através dos órgãos de comunicação social, que os estudos laboratoriais efectuados aos casos suspeitos levaram à conclusão da não confirmação da doença. Pelos conhecimentos científicos e técnicos que o Sr. Professor possui, pelo conhecimento dos processos em si, acha ou não que esta informação da autoridade sanitária nacional, divulgada ao País antes do despoletar público e do debate em Plenário desta situação, é correcta ou omitiu alguma verdade?
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — É evidente que eu não faria essa declaração nesses termos. Diria que a doença ainda não está diagnosticada, que não está confirmada. Isso está bem.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Está correcta a nota informativa da Direcção-Geral da Pecuária do dia 4 de Maio passado, antes do debate público?
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O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária):.— Não está confirmada a doença.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Penso que estão prestados os esclarecimentos resultantes das questões colocadas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos, a quem peço igualmente que, na medida do possível, procure economizar tempo.
O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): — Sr. Professor, quero também agradecer-lhe a disponibilidade que manifestou e colocar-lhe três ou quatro questões muito rápidas.
Primeira: há quanto tempo deixou de exercer funções no Laboratório Nacional de Investigação Veterinária?
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — Vamos ver se me recordo... Em 1986, creio eu.
O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): — Portanto, antes de 1990. É a questão que queria confirmar.
Gostava de saber se o Sr. Professor, enquanto cientista, tem desenvolvido algum trabalho relacionado com a BSE.
Não tem experiência científica neste ramo do conhecimento veterinário?
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — Só através da literatura.
O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): — Pergunto-lhe também, com muita clareza: se os resultados há pouco transmitidos pelo último director do Laboratório tivessem sido produzidos por um laboratório inglês confirmando este diagnóstico, o Sr. Professor pô-los-ia igualmente em causa nos mesmos termos?
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — Se a vaca estivesse em Inglaterra, se os técnicos...
O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): — No caso concreto, a vaca é oriunda de Inglaterra. Não seria, digamos, o trajecto da Inglaterra para Portugal que ia alterar...
O Sn Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — Para confirmar a doença...
O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): — Mas a um bovino, no caso concreto, oriundo da Inglaterra, independentemente de onde estivesse, se a análise fosse feita num laboratório inglês, nos mesmos termos em que o foi em Portugal, o Sr. Professor poria as mesmas reservas que pôs neste caso, ou hão?
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — Evidentemente que punha, porque era para marcar pela primeira vez a doença no nosso país.
O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): — Para o Sr. Professor, no caso concreto, determinante é o local onde a vaca teria manifestado os sintomas e não a sua origem?
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — Exacto. E o complexo de exames laboratoriais que tivessem concorrido para detectar, de facto, a origem etiológica da doença. Desde que fossem aplicados todos estes métodos, com certeza que admitia.
O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): — Sr. Professor, a última questão que quero colocar-lhe, e peço desculpa pela minha ignorância na matéria, é a de saber se na sua opinião é possível a partir das lâminas existentes, relativamente a estes casos, proceder aos meios complementares de diagnóstico que considera indispensáveis.
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — Não.
O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): — Portanto, do seu ponto de vista, os meios que faltam, cientificamente não são possíveis de concretizar nesta fase?
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — Sr. Deputado Capoulas Santos, falta fazer tudo para afirmar de uma maneira positiva que estamos na presença insofismável e indiscutível da encefalopatia espongiforme dos bovinos. Falta fazer tudo!
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira, a quem peço a maior brevidade possível.
O Sr. António Murteira (PCP): — Sr. Professor, as suas considerações suscitam-me duas ou três notas, que têm mais a ver talvez com a política de sanidade animal e de saúde pública no nosso país e que, quer se queira ou não, acabam por estar ligadas a este processo.
O Sr. Professor disse-nos aqui: «Para mim a encefalopatia espongiforme dos bovinos não está assinalada cientificamente em Portugal, mas é natural que haja, pois importamos animais de Inglaterra; há o risco da doença em Portugal.»
Depois também, quer por Deputados do PSD quer pelo Sr. Professor, foi muito sublinhado o critério de não provocar alarmismo. E é isto que me suscita os seguintes comentários: a pretexto de não se criar alarmismo — com o que posso estar de acordo —, não podemos ser levados a silenciar situações e ausência de medidas que, evidentemente, em termos de política de sanidade animal e de saúde pública se impunham em situações deste tipo. E concretamente pareceu-me perceber, ou entendi das suas palavras, que não estão criadas em Portugal as condições para detectar, diagnosticar e ter um procedimento correcto em relação a esta matéria que está aqui em causa. E isto então terá de se. considerar uma falha de política nesta matéria.
A outra questão é a de que também não estarão criadas condições de estudo e de diagnóstico que possam cientificamente ser aceites, pelo menos pelo Sr. Professor, que contesta o rigor científico dos quatro diagnósticos que hoje aqui nos foram apresentados.
Talvez mais do que perguntas, a minha contestação é esta: contesto radicalmente que a pretexto do alarmismo não sejam tomadas medidas de prevenção e não sejam criadas condições para atacar este problema.
Tal como para mim, apesar de tudo, não está claro porque são contestados dessa forma tão peremptória os diagnósticos que foram feitos.
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O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Antes de dar a palavra ao Sr. Prof. Manuel da Cruz Braço Forte Júnior, permito-me mais uma interrupção de dez segundos. Há questões que na minha óptica foram mais direccionadas à intervenção do Sr. Deputado do PSD do que ao Sr. Professor e essas ficarão para outro momento e para outro fórum.
Tem a palavra o Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior.
0 Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — Sr. Deputado António Murteira, é evidente que eu não disse que não existiam meios científicos para fazer o diagnóstico da encefalopatia espongiforme dos bovinos em Portugal. Existem, são operantes e têm realmente técnicos competentes para fazê--lo! Não está é feito, nem se fez o recurso a esses meios técnico-científicos, nem a meios humanos, nem à tecnologia que está ao nosso dispor.
Relativamente à questão da saúde pública, respondo-lhe da seguinte maneira: não desconhecemos, Sr. Deputado, que existem alguns pontos comuns entre as encefalopatías espongiformes transmissíveis do homem e dos ruminantes, verbi gratia dos pequenos ruminantes, os ovinos e os caprinos, e dos bovinos.
Assim, de acordo com o grupo de trabalho presidido por Southwood, será de implementar um determinado número de medidas que contrarie ao máximo a eventualidade do risco, representado pela encefalopatia espongiforme dos bovinos, para a saúde humana.
Deste modo, a carne e o leite provenientes dos animais suspeitos, bem como as vísceras dos bovinos com mais de seis meses deverão ser desviados do consumo humano. Trata-se de uma medida cautelar que se justifica perfeitamente, pois pode acontecer, e isso não está minimamente provado, que a doença seja transmissível ao homem. Em matéria de ciência, estamos sempre a aprender e toda a verdade, hoje, pode, amanhã, ser contestada Portanto, temos de aceitar estas medidas e actuar preventivamente no terreno, tal como propôs o Sr. Deputado António Murteira.
Aliás; ainda com o mesmo objectivo, o grupo dirigido por Soumwood recomenda o reforço dos estudos epidemiológicos, no que diz respeito às doenças espongiformes nos humanos, particularmente em relação a indivíduos profissionalmente expostos a risco potencial, como é o caso dos produtores, dos veterinários, dos trabalhadores de matadouros, etc.
Estas medidas têm de ser tomadas também em Portugal, mais tarde ou mais cedo, pois já estão a ser tomadas em Inglaterra e nos países onde a doença existe.
Efectivamente, é necessário distrair do consumo público determinados produtos que provenham de animais, quer sejam pequenos ou grandes ruminantes, que possam ter morrido com a encefalopatia espongiforme.
Por outro lado, já há matéria mais do que suficiente para que as entidades sanitárias se debrucem sobre o problema. No entanto, como é evidente, para que este assunto possa realmente ser tomado em consideração, é necessário que exista um diagnóstico positivo, no sentido de que a doença existe em Portugal, pois, caso contrário, não se podem tomar quaisquer medidas e as pessoas estão a trabalhar no «arame», o que não pode ser, Sr. Deputado.
Existem, de facto, instruções a nível internacional, que partiram da própria Inglaterra, do Office International des Epizooties (OflB), da França, e até de grupos de trabalho, no sentido de tomar mínimo o risco possível para os huma-
nos consumidores e para aqueles que trabalham com os animais, como já referi, os produtores, os veterinários, os técnicos dos matadouros.
Nesse caso, havendo um diagnóstico positivo, as medidas podem ser tomadas.
Por outro lado, Sr. Deputado, eu não disse que não existem meios científicos e humanos em Portugal que não possam fazer com rigor, exclusividade e competência o diagnóstico da encefalopatia espongiforme dos bovinos. Isso não
disse! Não é preciso irmos ao estrangeiro fazer o diagnóstico, porque temos, em Portugal, meios laboratoriais mais do que suficientes, não só no Laboratório Nacional de Investigação Veterinária como também na Faculdade de Medicina Veterinária e até resultantes da participação de outras instituições, como poderia ser o caso, por exemplo, do laboratório do Centro de Estudos de Zoonoses, dirigido pelo Dr. Armindo Filipe, um veterinário que também trabalha em medicina humana e em saúde pública e cuja colaboração deveria a meu ver, ter sido «agarrada» não com um dedo mas com todos, porque ele é um técnico de alta craveira científica que daria com certeza, uma contribuição muito útil para o estudo do problema.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — O Sr. Deputado Carlos Duarte inscreveu-se para pedir esclarecimentos complementares. Peço-lhe que seja muito breve, pois já estamos a ir muito além da hora prevista para terminar os nossos trabalhos.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Professor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior, quero apenas fa-zer-lhe duas perguntas.
Uma delas prende-se com a questão suscitada pelo Deputado Luís Capoulas Santos, no sentido de que os meios de diagnóstico não são iguais em Portugal e em Inglaterra.
Assim, aquilo que pretendo saber é se estão em causa os meios técnicos para o diagnóstico ou se essa afirmação resulta do facto de, na Inglaterra estar já confirmada a doença e o agente causador da mesma e estar também realizado todo o estudo epidemiológico, o que não acontece em Portugal, onde ainda não há confirmação da doença sendo, por isso, necessário outro cuidado no diagnóstico, utilizando meios auxiliares.
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — Sr. Deputado, a isso respondo-lhe da seguinte forma: os meios de diagnóstico que temos em Portugal são idênticos aos que existem em Inglaterra, simplesmente, na Inglaterra, porque a doença já atingiu um grande número de casos, os técnicos de campo e os técnicos de laboratório estão perfeitamente identificados com ela, bastando-lhes recorrer ao exame histopatológico para fazer o diagnóstico. Aliás, eles partem do mesmo princípio que nós quando fazemos o diagnóstico da peste suína africana ou seja até o exame macroscópico serve mas, se temos alguma dúvida, recorremos à serologia ou ao exame histopatológico e fazemos o diagnóstico. Não temos, pois, necessidade de fazer todo o trabalho laboratorial que fizemos quando a doença apareceu pela primeira vez em Portugal.
Há tudo a fazer em matéria de encefalopatia espongiforme dos bovinos, a fim de que todos nós possamos ficar, em consciência sem parti pris. Pela minha parte, é evidente que estou aqui, sem parti pris, a defender uma posição com calor — aquele calor que costumo dar aos debates em que inter-
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venho —, porque entendo que as coisas são realmente assim. Não estou envolvido em questões de ordem pessoal, que, de algum modo, possam motivar a minha intervenção aqui.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — A última pergunta que quero fazer- lhe tem a ver com a postura dos serviços relativamente aos animais suspeitos, ou seja, quando os retirou do agricultor e os pôs no laboratório, alguns em Benfica, permitindo que as carcaças fossem destruídas.
Os serviços acautelaram ou não eventuais repercussões negativas na saúde pública pela utilização indevida dos restos dos animais suspeitos de sofrerem daquela doença?
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — Bem, Sr. Deputado, não sei o que fizeram a esses animais, mas era hábito queimar todo o material, e suponho que continua a ser, visto que temos lá pelo menos, dois fomos crematórios. No entanto, se esses animais foram ou não cremados, não sei.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Sr. Professor, se isso foi feito, entende que estão acauteladas eventuais repercussões negativas na saúde pública?
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina. Veterinária): — Com certeza, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado Carlos Duarte, ficamos mais tranquilos por saber que esses animais são incinerados, mas, de facto, estamos a extravasar um pouco do objecto da nossa reunião.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fialho Anastácio.
O Sr. Fialho Anastácio (PS): — Sr. Presidente, Sr. Professor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior, vou colocar-lhe uma questão breve.
Há suspeição de que a doença existe efectivamente, o que resulta também das palavras e das fortes convicções do Sr. Professor.
Nesta circunstância, enquanto se desenvolveram estudos de forma a confirmar essas desconfianças, foram, com certeza, tomadas algumas medidas de precaução. Assim, o que lhe pergunto é se ò Sr. Professor tem conhecimento das medidas que foram tomadas e se julga que foram as necessárias e suficientes para este tipo de situações ou, caso contrário, quais as que entende que deveriam ter sido tomadas, como precaução.
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — Sr. Deputado, gostaria muito de responder-lhe, mas não estou dentro dessa questão. De facto, não sei quais as medidas que foram tomadas para, digamos, acautelar a hipotética, muito hipotética transmissão da doença aos humanos.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado Fialho Anastácio, o Sr. Professor já afirmou que não está por dentro dos passos que foram dados relativamente a esta questão e peço-lhe desculpa mas trata-se de uma matéria que vai além do objecto da nossa audição.
Não sei se 'o Sr. Deputado tem mais alguma questão para colocar?
O Sr. Fialho Anastácio (PS): — Sr. Presidente, posso não concordar com aquilo que acaba dé dizer, mas tenho de
aceitar á sua posição. No entanto, esta questão era importante para termos um quadro exacto que nos permitisse a clarificação da verdade.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado, em todo o caso, mesmo admitindo que a questão tem essa validade, o Sr. Professor já disse que não está por dentro das medidas que foram tomadas.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos, a quem peço para ser muito breve.
0 Sr. António Campos (PS): — Sr. Presidente, Sr. Professor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior, vamos fazer um ponto da situação, para ver se chegamos a uma conclusão.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Isso é só.no final da audição, Sr. Deputado.
O Orador: — As vacas detectadas vieram de Inglaterra; os técnicos foram a Inglaterra; o processo de diagnóstico da encefalopatia espongiforme é igual ao de Inglaterra. Isto significa que em Inglaterra há encefalopatia e em Portugal, porque não está cientificamente clarificado o processo, não há encefalopatia. Parece-me que é assim.
Ora, desde 1990, continuamos sem saber, com rigor, se o processo de diagnóstico que temos de utilizar é o de Inglaterra ou se são formas mais complementares.
Na opinião do Sr. Professor, a quem é que vamos dirigir-nos para resolver esta situação? Isto porque entendo que o Sr. Professor não põe em dúvida que as vacas doentes, de que temos conhecimento, vieram de Inglaterra, que os técnicos foram a Inglaterra, que o processo de diagnóstico que temos é igual ao de Inglaterra, e que em Inglaterra o diagnóstico está feito mas que em Portugal não é possível fazê--lo.
Ora, como andamos nesta situação desde 1990, e já estamos em 1993, precisamos de sair dela.
O Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior (Faculdade de Medicina Veterinária): — Sr. Deputado, gostaria de responder-lhe, mas a posição em que V. Ex.a me coloca é mefistofélica. E depois de tudo aquilo que já disse, voltarei a dizer o mesmo.
Realmente, querer conduzir-me para afirmar qual a pessoa a quem se deve dirigir... É o Dr. Matos Água...
Vozes inaudíveis na gravação.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — O Sr. Deputado António Campos já colocou a questão e não me parece que o Sr. Professor deva repetir, pois já foi suficientemente claro.
Quero agradecer, uma vez mais, ao Sr. Prof. Doutor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior e ao Sr. Dr. Matos Águas a disponibilidade manifestada, bem como às restantes .entidades que quiseram participar nesta audição.
Por último, peço desculpa aos Srs. Representantes da comunicação social pela falta de condições para desenvolverem o vosso trabalho. De qualquer modo, a culpa não foi da Comissão de Agricultura e Mar, pois pretendíamos levar os nossos trabalhos a efeito na Sala do Senado, onde há condições de trabalho para os Srs. Deputados e para as pessoas que querem participar, particularmente para a comunicação social. Portanto, pedimos desculpa, embora as culpas não nos sejam atribuíveis.
Está encerrada a reunião.
Eram 12 horas e 26 minutos.
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Acta da.3.8 reunião, de 31 de Maio de 1993, da audição parlamentar com vista a apurar da existência ou não em Portugal da encefalopatia espongiforme bovina.
O Sr. Presidente da Comissão de Agricultura e Mar
(Deputado do PSD Antunes da Silva): — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 15 horas e 35 minutos.
Srs. Deputados, como sabem, esta reunião da Comissão de Agricultura e Mar tem por objectivo, em audição parlamentar, ouvir algumas entidades no sentido de apurar da existência ou não, em Portugal, da ehcefalopatía espongiforme dos bovinos.
Nesta primeira fase, á pessoa qué está indicada para prestar o seu depoimento é o Dr. Edmundo Andrade Pires.
Antes, porém, de lhe dar a palavra, quero, em primeiro lugar, dar conhecimento de que esta reunião, pela sua natureza, é pública, isto é, está aberta a todos quantos desejarem participar. Em segundo lugar! agradeço a disponibilidade do Dr. Edmundo Andrade Pires e a de todos os presentes que manifestam o seu interesse por esta questão.
Sr. Dr. Edmundo Pires, caso esteja de acordo, usaremos a metodologia que temos seguido, ou seja, a pessoa que presta o seu depoimento faz uma intervenção inicial e depois, se o entender, disponibiliza-se para dar os esclarecimentos complementares a questões que, eventualmente, os Srs. Deputados possam colocar.
Tem, pois, a palavra o Sr. Dr. Edmundo Andrade Pires.
O Sf. Dr. Edmundo Andrade Pires (Director de Sanidade Animal da ex-Direcção-Geral da Pecuária): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: De facto, reconheço que a tarefa de que estais incumbidos não é simples. Daí que, por dever cívico, tenha aceite o vosso convite para, na medida das minhas fracas possibilidades, prestar esclarecimentos nesta questão, que me parece absolutamente indispensável, e assim o entendeu também o Governo ao solicitar à comissão que procedesse à audição.
É evidente, que não posso deixar de vos dizer, desde já, depois dos titãs, em termos científicos, que aqui estiveram a prestar essas mesmas contribuições no dia 28 de Maio, que a minha contribuição será muitíssimo parca. Contudo, farei os possíveis por poder ajudar-vos a formar um juízo acerca desta matéria. •
Começarei, então, por me apresentar. Sou Edmundo Gouveia Andrade Pires, licenciado em Medicina Veteriná-ria,.èm 1976, da Escola Superior de Medicina Veterinária, tendo iniciado ás minhas funções, de imediato, como funcionário público na Junta Nacional dos Produtos Pecuários, em Évora, organismo que, como sabem, foi extinto e substituído pelo actual IROMA (Instituto Regulador e Orientador dos Mercados Agrícolas), onde trabalhei durante dois anos. Fui depois transferido para Lisboa, para o serviço de comércio de gado da mesma'Junta Nacional dos Produtos Pecuários, que eia um organismo de coordenação económica, que tinha a ver, sobretudo, 'com o estabelecimento de uma rede nacional de recolha e parques de gado, avaliação do mesmo e a instituição daquilo que hoje constituem os leilões de gado, a maioria deles já entregues, felizmente, a organizações de produção. ■
Já na nova sede da Junta Nacional dos Produtos Pecuários, em Lisboa, fui convidado para trabalhar no serviço de peles e curtumes, que era um serviço que se encontrava des-
falcado de técnicos. Aí desenvolvi um trabalho durante cinco anos, que acabou, de alguma forma, por se perder com a extinção desse mesmo serviço.
Depois disso, fui convidado pelo anterior director-geral da Pecuária, Dr. Carlos Fontes, para exercer o cargo de chefe de Divisão de Profilaxia Médica e Sanitária, que é, ao fim e ao cabo,, a matéria que, de alguma maneira, tem a ver, fundamentalmente, com o assunto que aqui nos traz hoje.
Portanto, fui chefe de divisão até 1989 e, em 1990, fui convidado, e aceitei com muitíssima relutância, o lugar de Director de Serviços de Saúde Animal. E digo com «muita relutância» porque entendi que, efectivamente, três anos de trabalho, ainda que aturado, como chefe de Divisão de Profilaxia Médica e Sanitária não seria o' estágio suficiente para arcar com uma responsabilidade ■— como podeis ter ocasião de reparar quando eu ler, muito sinteticamente, as atribuições desse serviço— a nível nacional que me parecia sobrelevar a minha capacidade ao tempo.
Contudo, estive em regime de substituição, digamos que em estágio, durante uns tempos, até que os meus superiores hierárquicos entenderam que eu deveria assumir em definitivo esse lugar. Tomei, então, posse e durante três anos e meio ocupei este lugar.
A Direcção de Serviços de Saúde Animal, dentro das atribuições da ex-Direcção-Geral da Pecuária, tem competências que vêm muito capazmente descritas no decreto regulamentar dessa mesma direcção-geral. Peço, pois, a vossa atenção para a leitura de um dos seus artigos, sem entrar em especificações. 0 artigo 30.° diz o seguinte: «A Direcção de Serviços de Saúde Animal tem como atribuições promover, coordenar e orientar a defesa sanitária dos animais domésticos, dos silvestres, dos aquáticos e das abelhas, bem como as acções de defesa de saúde pública contra as enfermidades dos animais transmissíveis ou prejudiciais ao homem. A Direcção de Serviços de Saúde Animal assegura as ligações com as direcções regionais de agricultura, outras unidades do Ministério de Agricultura, Comércio e Pescas, ou a ele estranhas, tendo em vista garantir a efectivação das atribuições que lhes estão cometidas.»
Esta Direcção de Serviços compreende três chefias de divisão: uma de epidemiologia e administração sanitária; uma de profilaxia médica sanitária e outra, designada por meios de defesa de saúde animal, que, fundamentalmente, está encarregue de todos os problemas de farmacovigilância e registo.de medicamentos — tarefas, aliás, complicadas. Como vêem, essas tarefas têm directamente a ver com a matéria que aqui nos traz, e sobre a mesma eu teria de fazer um depoimento.
No entanto, tenho de pedir a vossa maior compreensão para duas questões. Prezo muito a ética, quer do ponto de vista da Administração Pública — e sou funcionário público em regime de exclusividade desde que assumi funções de chefia—, ética que não contende, bem pelo contrário, compatabiliza-se e reforça a ética que a minha profissão é obrigada, perante a sociedade, a respeitar; quer do ponto de vista da deontologia profissional.
Devo dizer que, infelizmente, me desagradaram algumas das afirmações aqui produzidas, talvez no calor não direi do debate mas da pergunta/resposta a questões que possam envolver colegas meus... Eximo-me a tal, pedindo a vossa melhor compreensão para não fazer apreciações nesta sede, pois parece-me que não vêm acrescentar literalmente nada ao objecto que estamos aqui a estudar e terei o maior gosto e prazer em responder aquilo que eu souber.
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Entrando na questão da encefalopatia espongiforme dos bovinos, não quero ser muito repetitivo em relação ao que os colegas já disseram, mas é, efectivamente, uma doença de declaração obrigatória no nosso país desde 1990.
O quadro legal em que se enquadra é um despacho assinado pelo então Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação de 28 de Maio de 1990, curiosamente na mesma data em que aqui prestavam depoimentos alguns colegas. E, se me permitem, gostaria de chamar a atenção para o ponto 4 deste documento, que diz que todos os animais da espécie bovina que, por observação clínica ou por ocasião de-inspecção ante mortem (...) — e faço aqui um pequeno parêntesis, porque efectivamente alguma da linguagem aqui utilizada poderá ser um pouco ecléctica relativamente aos Srs. Deputados, não falo no ante mortem, que toda a gente conhece, mas tentarei traduzir alguns dos termos técnicos—, apresentem sintomas clínicos que levem a suspeitar de encefalopatia espongiforme dos bovinos devem ser retidos, abatidos separadamente e o seu cérebro submetido a um exame histopatológico para pesquisa dessas encefalopatias. Caso se confirme a presença da citada encefalopatia, as carcaças e as miudezas dos animais atingidos devem ser destruídos.
Pareceu-me que seria bom trazer este esclarecimento, porque o artigo 4.° sintetiza, em boa verdade, algumas das questões que foram aqui colocadas. Aquilo a que a. lei portuguesa obriga — e esta lei foi feita em consequência da harmonização, aliás como vem no seu preâmbulo, com a legislação comunitária — é a um diagnóstico através do exame histopalogógico.
É evidente que seria uma pretensão da minha parte entrar aqui em matéria científica porque, tal como vos disse no início, não sou de maneira alguma a pessoa mais avalizada para discutir aqui matéria do foro científico profundo. Aliás, os serviços têm por obrigação estudar a legislação, questionar, propor e, acima de tudo, fazê-la executar. Donde, nos tenhamos habituado a que se a legislação contunde de alguma maneira com aquilo que a prática do mundo e a vida nos vem ensinando, nessa altura, propomos superiormente as alterações convenientes à legislação.
No caso vertente, nunca nos chegou aos ouvidos que este diagnóstico pudesse ter a contestação que está neste momento a-sofrer. Em boa verdade, os serviços sempre actuaram desta forma, ou seja, de acordo com a legislação que regula o combate às diversas doenças e, naturalmente, não seria excepção a encefalopatia espongiforme dos bovinos.
Há um outro diploma legal que também gostaria de citar: a Portaria n.° 768/91, que, no seguimento da legislação da harmonização comunitária, vem trazer para o direito nacional a importância e a comunicação obrigatória à Comissão da Comunidade Europeia de diversas doenças. De entre as diversas doenças — infelizmente ainda temos algumas —, na alínea s) do artigo 1.° vem referida a encefalopatia espongiforme bovina.
O mesmo diploma impõe qual a estrutura de comunicação a adoptar, consoante se trate de focos primários ou secundários. «Focos primários» significa o aparecimento da doença pela primeira vez num país ou o seu reaparecimento, depois de um período considerado de silêncio de qualquer destas doenças. A partir daí, quando as doenças são, efectivamente, infecto-contagiosas, estamos perantes focos secundários.
Assim, as informações são transmitidas por codificação, por via computorizada, para os serviços da Comissão da Comunidade, em Bruxelas. Ora, tal impõe que os focos, quer primários quer secundários, que surjam durante o período
da semana precedente sejam devidamente comunicados à Comissão, de forma que esta possa ter o seu registo absolutamente actualizado, relativamente aos 12 Estados membros, sobre o que se vai passando nos diversos países. Isto com fins de saúde pública e animal.
As razões e os porquês de tal actuação W. Ex.K conhecerão melhor do que eu! De facto, estão em causa razões profundamente comerciais, mas também de saúde pública. Aliás, em termos genéricos, dir-se-á que a partir de Janeiro deste ano tudo move a menos que razões de natureza de saúde animal ou de saúde pública imponham uma qualquer restrição. Hoje em dia, sem fronteiras, é assim que as coisas se passam.
Nos últimos anos temos vindo a trabalhar no sentido de cumprir com as metas que nos foram solicitadas pelo Governo e, por sua vez, em cumprimento daquilo que são os acordos comunitários.
Sintetizando: a encefalopatia espongiforme dos bovinos é de declaração obrigatória em Portugal, desde 1990; por lei, o diagnóstico da doença é feito através da histopatologia e é, também, uma doença de declaração obrigatória para a Comunidade, no âmbito da legislação nacional.
Uma outra questão que gostaria de trazer a este depoimento prende-se com alguma confusão que possa existir entre o conceito de diagnóstico clínico e o de confirmação laboratorial. Não vou aprofundar o assunto, mas em quase todas as doenças :—e, por maioria de razão, nesta —, a situação da suspeita clínica só tem uma hipótese de ser denunciada: através de um médico veterinário, de um criador ou de uma pessoa minimamente adestrada com o comportamento animal que denuncie que qualquer coisa vai mal relativamente a um determinado bovino.
Ora bem, a situação põe-se assim de forma a deixar perfeitamente claro que a doença, quando foi do conhecimento — e presumo que foi o que aconteceu em todos os casos de que se tem conhecimento — dos serviços, através de uma denúncia do criador, em primeiro lugar ao seu médico veterinário assistente, e, depois desse, aos serviços, teve na sua base problemas comportamentais.
O médico veterinário, uma vez chamado ao local, a primeira coisa que faz é tentar saber qual é a história do animal — através de uma praxis vulgaríssima—, designadamente determinar quando começaram os sintomas, qual é a alimentação, o que se passa com o animal, se houve modificações da sua alimentação ou se foram introduzidos outros animais no rebanho, de modo a procurar saber se aquele comportamento tem alguma coisa a ver cóm à etiologia ou com o comportamento do animal em termos de saber quem é quem dentro do rebanho.
Faz-se, portanto, uma história muito exaustiva relativamente às alterações que são visualizadas pelo médico veterinário. Depois, este vai, sobretudo, actuar nesta doença em três vertentes: a que se manifesta em termos comportamentais — é a única que se manifesta de uma forma absolutamente exuberante —, a que se manifesta em termos de hipersensibilidade a diversos estímulos e também aquela que se refere a características gerais que podem levar a consolidar a suspeita.
Digamos que para um médico veterinário, suficientemente experimentado no terreno — e, por acaso, os médicos veterinários que diagnosticaram ou denunciaram a suspeita tinham larguíssima experiência: mais de uma dezena de anos de prática clínica continuada, tendo um deles a seu cargo cerca de 26 000 bovinos da Cooperativa de Barcelos —, a hipótese de confundir esta doença com as hipomagnesie-
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mias, com acetonemia ou, eventualmente, com uma intoxicação ou uma febre vitular é, naturalmente, remota mas... ■— e tive o cuidado de o questionar aos colegas.
Contudo, esses médicos veterinários fizeram mais: instituíram terapêuticas aos animais, terapêuticas essas que, naturalmente, tiveram insucesso e, assim, tiveram de colocar outras hipóteses.
É evidente que, em rigor, não se poderá dizer que o diagnóstico está feito, razão que leva os nossos colegas, como lhes compete e como a lei determina, por comunicação aos serviços, a solicitar a intervenção do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, no sentido de colher material para a confirmação desse mesmo diagnóstico.
Ora, tanto quanto sei, de há pouco tempo a esta parte, o material foi, efectivamente, enviado a tempo e horas; o laboratório procedeu ao respectivo diagnóstico histopatológico e remeteu ulteriormente os resultados a quem de direito.
A Direcção de Serviços de Saúde Animal, relativamente aos quatro primeiros casos, não teve conhecimento oficial da doença, o que, de alguma maneira, impediu que, na sequência do aparecimento de um caso destes, fossem instituídas medidas que são absolutamente indispensáveis, tal como a vigilância na exploração. É verdade, diga-se de passagem, que os animais em que se manifestaram esses sinais foram imediatamente adquiridos e levados para o laboratório para investigação e, portanto, não entraram na cadeia alimentar. É, pois, absolutamente indispensável que isto fique claro!
Contudo, justificava-se a instituição de várias outras medidas; a ter lugar após o conhecimento oficial da doença
Acontece que a Direcção de Serviços de Saúde Animal não teve conhecimento oficial da doença Houve, de facto, conhecimento das suspeitas, uma vez que, felizmente, sempre mantivemos uma ligação bastante estreita com os nossos colegas que se encontravam no terreno — somos quase todos contemporâneos e, devido a essa ligação estreita ou, mesmo, amizade que existe, tem-se conseguido superar muitas das insuficiências administrativas. Aliás, todos sabem que com esta metodologia — o conhecimento pessoal — têm--se ultrapassado e resolvido problemas gravíssimos colocados pelos criadores.
Gostaria de chamar a atenção para uma outra questão absolutamente indispensável: é que a nível comunitário o diagnóstico histopatológico é aquele que na Grã-Bretanha na Irlanda, na Irlanda do Norte, na França, na Suíça e também nas Ilhas Falkland e no Sultanato de Omã, onde apareceram alguns casos, tem sido, como rotina, utilizado.
Sem desprimor, antes pelo contrário, pelas intervenções aqui produzidas pelos meus colegas, sobretudo pelos mais ligados à ciência, seria bom que estabelecêssemos a diferença entre o que são as atribuições dos serviços, em termos de profilaxia e o que é a praxis da investigação, um trabalho absolutamente indispensável mas que se desenvolve a par e passo, acompanhando — às vezes à frente, outras mais recuado — aquilo que se passa no terreno.
Aos serviços compete, tão rapidamente quanto possível, instituir as medidas no sentido de evitar que as doenças possam alastrar e que alguns riscos para a saúde pública ou animal possam ocorrer. Esta, repito, é a função dos serviços, talcbmo atalhar, na medida do possível, a doença por vezes através de medidas absolutamente radicais, como seja o abate dos animais e, até, de efectivos inteiros.
Assim, após a confirmação das doenças pelo Laboratório Nacional de Medicina Veterinária, devo afirmar que é, no
mínimo, estranho que a Direcção de Serviços de Saúde Animal não tenha sido chamada, efectivamente, a cumprir aquilo que a própria legislação lhe impunha.
Não vou entrar em detalhes sobre a patogenia, a etiologia ou a histopatologia da doença, pois não sou, de maneira nenhuma a entidade indicada para vos trazer os esclarecimentos convenientes, contudo permitam-me sugerir que, se possível, tragam a este fórum, para prestar os seus depoimentos, os dois colegas patologistas que, efectivamente, diagnosticaram a doença. Eles terão, com certeza um apport importante a trazer, em termos de-esclarecimento relativamente ao que fizeram, porque e como fizeram.
Peço desculpa de voltar um pouco atrás mas, como já
comecei por referir, não devemos confundir a praxis do desenvolvimento da investigação com a praxis dos serviços, no que diz respeito à tomada das medidas pertinentes, a tempo e horas, para evitar que as doenças se expandam e, em consequência, apareçam perigos para a saúde pública e animal.
Para terminar, todos sabemos que este assunto foi bastante estudado e que tem merecido, da parte dos cientistas e de institutos, tanto veterinários como de medicina humana, em franca cooperação, uma investigação aturadíssima. Estamos longe de ter todos os testes que nos possam dar uma garantia a 100% mas, de todas as doenças — pelo menos daquelas que conheço — posso afirmar, com conhecimento de causa que há uma entre as demais que grassam no nosso país e, em segundo lugar, aí sim, por literatura científica que vem publicada nas mais prestigiadas revistas de medicina veterinária internacional, como seja o Veterinary Re-cord. Assim, repito que posso afirmar-vos que o diagnóstico histopatológico da encefalopatia espongiforme bovina tem uma margem de fiabilidade da ordem dos 99,6%. É verdade que este teste é feito post mortem, mas se em qualquer das outras doenças, como a peripneumonia, a tuberculose, a leucose ou a brucelose, pudéssemos contar com uma fiabilidade de teste desta natureza, então, de certeza absoluta, não teríamos nenhuma destas doenças no nosso País. Infelizmente, todos os testes referentes a estas doenças são bastante mais falíveis, daí que sejam muitíssimo difíceis as lutas que temos vindo a empreender desde há dezenas de anos.
Pouco mais quero acrescentar até porque julgo que os pontos que foquei constituem o enquadramento mais importante que me permitirá responder às perguntas que venham a colocar-me.
Termino, agradecendo mais uma vez à Comissão, na pessoa do Sr. Presidente, a paciência que teve em ouvir-me.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Dr. Edmundo Pires, nós é que temos de agradecer a sua disponibilidade para se deslocar a esta Comissão a fim de prestar-nos os esclarecimentos de que carecemos.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Campos para pedir esclarecimentos.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Dr. Edmundo Pires, começo por agradecer-lhe a sua exposição que, quanto a mim, foi das mais claras que ouvi desde que iniciámos esta audição. No entanto, ainda tenho algumas dúvidas, não em relação ao diagnóstico da existência de BES em Portugal, o que, para mim, é claro que já existe há muito tempo, mas quanto a comportamentos e até a álibis posteriores.
No mês de Março, numa conferência de imprensa, declarei que havia casos de encefalopatia em Portugal. Antes de fazer essa declaração, telefonei ao Sr. Director-Geral, que me informou que, em Portugal, não existia nenhum caso desta doença nem sequer se desconfiava que houvesse.
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No dia seguinte a essa conversa dei a referida conferência de imprensa. Posteriormente, o Sr. Secretário de Estado convocou os jornalistas para o seu gabinete e desmentiu a minha afirmação. Portanto, antes de ter trazido a questão para o Parlamento, repito que já eu próprio a tinha colocado por ocasião de uma conversa com os jornalistas.
Ora, tal como o Sr. Dr. Matos Águas já aqui declarou, sabemos que já tinha obtido os resultados dos testes e que os tinha entregue ao Sr. Director-Geral, o qual o tinha aconselhado a manter um certo silêncio nesta matéria. Perante isto, começo por fazer uma primeira pergunta ao Sr. Dr. Edmundo Pires.
Sabendo-se que o referido director-geral, primeiro, tinha conhecimento do caso, segundo, tinha mandado técnicos a Inglaterra para se especializarem sobre esta doença, terceiro, o quadro legislativo em Portugal estava conforme com os acordos comunitários sobre BSE, o que acha que poderá ter levado tanto o director-geral como o Secretário de Estado a sonegarem esta informação?
Ainda tenho mais perguntas a formular mas, se estiver de acordo, proponho-lhe que comece por responder à que
acabei de fazer e, depois, colocar-lhe-ia outras.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado, a metodologia que sugere é diferente da que temos seguido. No entanto, se o Dr. Edmundo Pires não se opuser, dou-lhe a palavra para responder.
O Sr. Dr. Edmundo Andrade Pires (Director de Sanidade Animal da ex-Direcção-Geral da Pecuária): — Sr. Deputado, começo por debruçar-me sobre um termo que utilizou que, de alguma maneira, é controverso e que gostaria de esclarecer.
Foi aqui afirmado — e muito bem — que, antes de se deslocarem ao Reino Unido, os meus colegas eram especialistas mas também foi aqui afirmado—e, novamente, muito bem — que um trabalho de quatro ou cinco dias não produz especialistas. Isto é, os meus colegas de maneira nenhuma podem ser aqui ridicularizados devido a um mal--entendido.
Os meus colegas deslocaram-se ao Reino Unido para aprofundar e harmonizar, na prática, um diagnóstico que está uniformizado ao nível dos Estados membros, ou seja, foram aprofundar a harmonização de um diagnóstico, o que está longe das afirmações de que foram «especializar-se» aquando da sua deslocação. Portanto, se o Sr. Deputado me permite, este é um dos aspectos que eu não queria deixar passar em claro.
Quanto à pergunta que me colocou, respondo-lhe que não tenho de pronunciar-me acerca das razões que levaram o Sr. Director-Geral a tomar a atitude a que se referiu. Francamente, não me sinto abalizado a adivinhar, não sou muito dado a artes divinatórias, pelo que o Sr. Director-Geral é que é a pessoa que deverá ser questionada sobre essa matéria.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Dr. Edmundo Pires, não fique preocupado com esse aspecto porque, de facto, essa questão extravasa de alguma forma o objecto da nossa audição parlamentar, o qual tem é a ver com a existência ou não de BSE em Portugal.
Aliás, não fiz qualquer observação neste sentido ao Sr. Deputado António Campos, mas penso que não estranhará que eu interrompa o depoente para nos centrarmos no objecto desta nossa audição.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Dr. Edmundo Pires, diz que vieram a esta Comissão dois professores que nada têm a ver com este caso e que declararam nada poderem comprovar do ponto de vista científico.
Ora, sabendo-se que a Direcção-Geral tem um Conselho Técnico, será que o Sr. Director-Geral alguma vez convocou este órgão para colocar as dúvidas que pudessem surgir-lhe sobre a existência ou não, em Portugal, da encefalopatia espongiforme bovina?
O Sr. Dr. Edmundo Andrade Pires (Director de Sanidade Animal da ex-Direcção-Geral da Pecuária): — Sr. Deputado, mais uma vez, peço desculpa, mas gostaria de tecer algumas considerações antes de responder a essa questão que, efectivamente, me parece caber na entourage desta audição.
Tanto quanto é do meu conhecimento, embora o director-geral não possa estar a convocar o Conselho Técnico por tudo e por nada mas apenas quando a natureza das questões o impõe, como foi no caso da peste equina, no da nova doença hemorrágica dos coelhos e noutros, a verdade é que aquele órgão da Direcção-Geral bem como outros foram convocados a pronunciar-se.
O Conselho Técnico é um órgão de consulta da mais extrema valia. Aliás, veja-se os sucessos obtidos no combate à peste equina, conseguido num prazo record, o que, seguramente, terá a ver com a convocação daquele Conselho Técnico, em sede do qual várias entidades chamadas a colaborar sentiram-se auto-responsabilizadas para avançar.
Portanto, repito, Sr. Deputado, que, relativamente a este caso, tanto quanto é do meu conhecimento, não foi convocado o Conselho Técnico, na sua fórmula magna. Contudo, embora não prevista na legislação, existe uma outra figura, a do Conselho Técnico restrito. No entanto, também não é do meu conhecimento que este último órgão tenha sido convocado.
Convém esclarecer que, a verificar-se uma reunião do Conselho Técnico magno, a Direcção de Serviços de Sanidade Animal teria de estar representada por imposição legal, enquanto poderá ou não estar em sede do Conselho Técnico restrito. No caso vertente, se se realizou tal reunião, a Direcção de Serviços não foi convocada. Quanto a saber se a referida reunião se realizou ou não, Sr. Deputado, lamento mas não posso responder-lhe.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Dr. Edmundo Pires, na sua qualidade de responsável pelos serviços da Direcção--Geral de Saúde Animal, também nunca lhe foi comunicado pelo Sr. Director-Geral nenhum dos resultados obtidos através do Sr. Dr. Matos Águas?
O Sr. Dr. Edmundo Andrade Pires (Director de Sanidade Animal da ex-Direcção-Geral da Pecuária): — Não, Sr. Deputado.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Dr. Edmundo Pires, fez uma afirmação que, para nós, é de uma enorme importância. É que já tínhamos informação de que o diagnóstico que é feito em Portugal não é o que se faz em Inglaterra. É assim que, quando transportada para Portugal, uma vaca de origem inglesa que sofre de encefalopatia já não sofreria da doença, embora a tivesse em Inglaterra e nos outros países da Comunidade, pois, segundo algumas declarações que aqui ouvimos, seriam necessários outros exames para estabelecer o diagnóstico.
Perante isto, gostaria de saber se confirma ou não que o exame que tem sido referido é o normal que se faz em Inglaterra e em todos os outros países comunitários e que também foi feito cá em Portugal, no Laboratório Nacional de Investigação Veterinária
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O Sr. Dr. Edmundo Andrade Pires (Director de Sanidade Animai da, ex-Direcção-Gèral da Pecuária): — Sr. Deputado, também aí. reside alguma controvérsia e é bom não confundir.
Em Portugal, temos a doença e, hoje em dia, não tenho dúvidas sobre isto até porque não estou habituado a questionar — e mal de nós se o fizéssemos!—a competência do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária ou de alguns dos respectivos investigadores. Quando os resultados saem daquele Laboratório têm a chancela do investigador, do chefe de departamento e do director do laboratório. Daí que eu não vislumbre a possibilidade de questionar os resultados obtidos pelos exames do Laboratório.
•Hoje, sei que, efectivamente, aquele Laboratório diagnosticou a doença, enquanto que, naquela ocasião, de facto, não sabia. Contudo, no geral, a situação é a de que os serviços não podem... sob pena de todo o trabalho, realizado ou a
realizar ser deitado por água abaixo. Os serviços relativos à sanidade animal — permita-se-me a expressão — têm de «coser-se» com umas linhas quase castrenses. Imagine--se, por exemplo, que todos os diagnósticos eram contestados. Então, não haveria possibilidades de actuar neste país e nunca por nunca termos conseguido......
Sr. Deputado, é que, sem querer «puxar a brasa à nossa sardinha», permito-me dizer-lhe que através de um esforço conjunto dos serviços regionais da Direcção-Geral da Pecuária e dos criadores nacionais, entre 1987 e 1992, no caso da tuberculose bovina, conseguiu baixar-se ós índices da doença'de 0,25% para 0,05%, no caso da peripneumonia, de 0,85% para 0,28%, no caso da brucelose bovina, de 0,74% para 0,41%, no caso da brucelose dos pequenos ruminantes, de 5,36% para 2,9%. Ora, isto é resultado da disciplina que tem de ser imposta. Portanto, • repito que, de forma nenhuma,' os resultados laboratoriais podem ser. contestados.
A questão concreta que o Sr. Deputado me colocou foi no sentido de saber, se os resultados dos exames são ou não válidos e respondo-lhe que, na minha modesta opinião, a questão não se me coloca, pelo que não podem deixar de ser resultados válidos. Quanto às afirmações que aqui foram feitas pelo Dr. Matos Águas, respondo-lhe que estou rendido perante elas e que nada mais tenho a dizer.
O Sr. Presidente (Antunes^da Silva): -r- Sr. Deputado António Campos, antes de continuar a fazer as suas perguntas queria clarificar um aspecto.
E que, se bem entendi, a pergunta concreta que fez é no sentido de saber se, em Portugal, o método de diagnóstico é o mesmo que o aplicado nos outros países, designadamente da Comunidade. ■ • " '
O Sr. Dr. Edmundo Andrade Pires (Director de Sanidade Animal da ex-Direcção-Geral da Pecuária): — Sr. Presidente, muito obrigado pela clarificação. , Respondendo concretamente à pergunta, com-efeito, o método de diagnóstico èm Portugal é idêntico ao dos outros países. No entanto, também nesse domínio posso dizer-lhe .que o conhecimento que tenho —e não é parco— adquiri--o em sede de diversas reuniões do Comité Veterinário Per-nnanenle, efectuadas,em Bruxelas, em que estas matérias foram tratadas e a que tive ocasião de assistir em representação de Portuga) e da. Direcção-Gera) da Pecuária. Não só. através dessas reuniões como ainda da literatura publicada pela Comissão das Comunidades a que temos acesso, ficou.claro que — a comprová-lo está essa literatura —r é este ó diagnóstico de rotina. :>,',/
Entenda-se que existem comités científicos veterinários também no âmbito da Comissão da Comunidade Europeia. Contudo, o Comité Científico Veterinário é um órgão com muitíssimo prestígio, constituído por entidades independentes, cientistas como aqueles que aqui estiveram —o Dr. Matos Aguas e o Prof. Dias Correia, que, tanto quanto sei, vem hoje a esta Comissão, fizeram parte desse mesmo órgão — a quem são feitos convites pessoalizados. Mas não confundamos: trâta-se de. órgãos consultivos — e cá está a tal diferença entre o caminho da ciência e o da prática, isto é, a profilaxia, aquilo que põe a andar as coisas, entre os diversos países do Mercado Único. Ao fim e ao cabo, o Comité Veterinário Permanente é que é o órgão deliberativo. A votação é feita precisamente com a mesma ponderação da do Conselho de Ministros e se o assunto for deliberado favoravelmente no Comité Veterinário Permanente, salta para
o Conselho de Ministros como ponto A e não c sequer discutido. O diagnóstico de rotina é, efectivamente, o histopatológico.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Muito obrigado, Sr. Dr. Edmundo Pires.
Sr. Deputado António Campos, desculpe-me a interrupção e, para pedir esclarecimentos, tem desde já a palavra.
O Sr. António Campos (PS): — O Sr. Doutor informou a Comissão que a declaração obrigatória era clara e fazia três exigências: a observação clínica; os sintomas clínicos; o exame histopatológico.
É assim, não é?
O Sr. Dr. Edmundo Andrade Pires (Director de Sanidade Animal da ex-Direcção-Geral da Pecuária): — Sim, digamos que o diagnóstico envolve essas três componentes.
O Sr. António Campos (PS): — Estas três questões foram observadas em Portugal?
O Sr. Dr. Edmundo Andrade Pires (Director de Sanidade Animal da ex-Direcção-Geral da Pecuária): — Sem dúvida nenhuma que isso é uma verdade de Monsieur de La Palisse, excepção feita talvez para a última que, hoje, não tenho qualquer dúvida de que foi realizada. Aliás, nenhuma dessas etapas pode deixar de ser realizada para dar sequência à outra e a última é já feita com o animal morto. Portanto, elas estão numa sequência perfeitamente lógica.
O Sr. António Campos (PS): — O Sr. Doutor citou-nos um aspecto muito importante, que aqui, na Comissão, não tinha sido ainda registado: o de que a fiabilidade nas análises feitas é de 99,6%.
Sr. Doutor, nos animais portadores de peripneumonia —e já abatemos alguns milhares de vacas com essa doença — qual é o grau de fiabilidade das respectivas'análises?
Se calhar, pela mesma lógica, ou seja, pela lógica do raciocínio de algumas das pessoas que aqui estiveram, não temos peripneumonia em Portugal.
O Sr. Dr. Edmundo Andrade Pires (Director de Sanidade.Animal da ex-Direcção-Geral da Pecuária): — Sr. Deputado, para me centrar num quadro muito claro, posso responder-lhe, muito singelamente, que, de facto, o nosso grau de segurança relativamente às análises realizadas nos animais com peripneumonia está muito longe, em termos percentuais, da fiabilidade deste resultado. Contudo, sabemos todos que os resultados da peripneumonia são obtidos
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in vivo. Com o animal post mortem as lesões, digamos assim — e isto é para estabelecer um paralelismo absolutamente idêntico -r-, no matadouro, elevadas a um diagnóstico histopatológico, também se aproximarão da percentagem relativa à BSE. Mas, mesmo assim, estou convicto que o resultados das análises é capaz de ser menos fiável, porque existem, de facto, muitas outras entidades patológicas a nível do pulmão que poderão, de alguma maneira, ocasionar uma certa confusão.
Se, por acaso, adoptássemos entre nós a atitude que é tomada por um determinado país, que me eximo de citar, relativamente à peripneumonia, então poderíamos talvez dizer que tínhamos um terço do grau de infecção que temos. A importância da harmonização dôs diversos diagnósticos a nível comunitário tem a ver, precisamente, com isto. O estabecimento da confiança mútua entre as administrações veterinárias tem a ver, precisamente, com isto. Daí eu recear — e esta observação é meramente pessoal — que esta avaliação seja um episódio que talvez radique em razões muitíssimo ponderosas, que eu desconheço. Já o mesmo não posso dizer relativamente às suas consequências, que conheço, quer a nível dos nossos colegas que integram o Comité Veterinário Permanente, quer ao de alguns chefes de serviços veterinários da Europa. Construímos, duramente, uma imagem muitíssimo credível, Portugal tem uma imagem respeitável e isto é um episódio que, de alguma maneira, não nos ajuda à preservação desta imagem, que é absolutamente indispensável para que as coisas sejam tratadas numa Mesa desta natureza. Entre colegas as coisas seriam postas muito claramente, em verdades técnicas e científicas, para que as coisas pudessem harmonizar-se. É este o meu receio relativamente ao futuro deste episódio.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Muito obrigado Sr. Deputado António Campos e Sr. Dr. Edmundo Pires.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte. •
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Sr. Doutor, começo por agradecer a disponibilidade que manifestou para comparecer perante esta Comissão e a intervenção aqui produzida, que pode esclarecer algo mais sobre o objecto desta audição parlamentar.
O Sr. Doutor disse què não se podia estar constantemente a pôr em causa o diagnóstico histopatológico, o trabalho laboratorial feito nesses animais.
Quero dizer-lhe que esta Comissão, para além dos cientistas que ouviu na sexta-feira, ouviu também, na quinta-feira, o investigador-coordenador do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, o Sr. Prof. Manuel Cardoso Laje, responsável máximo pelo seu departamento histopatológico, que nos disse ser este diagnóstico completamente incorrecto, dado que todo o trabalho laboratorial estava mal feito.
Penso que reconhecerá ao Prof. Cardoso Laje alguma capacidade e competência para analisar e que, dados os conhecimentos'e a experiência que possui a nível deste tipo de análise e do seu manuseamento histopatológico, ele terá alguma razão no que afirmou.
Como o Sr. Dr. Edmundo Pires acompanhou a extracção das amostras do cérebro dos animais para seguirem para o laboratório, gostava de saber se teve capacidade para ver se o seu manuseamento foi feito correctamente.
Por outro lado, segundo disse, não teve acesso aos processos dos vários animais. Em audições que aqui fizemos foi afirmado que um dos animais, o do primeiro caso, só
chegou ao laboratório cinco dias depois de morto e que o outro, o do segundo caso, teria uma meningite purulenta, susceptível de prejudicar o diagnóstico histopatológico.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Seguindo a metodologia inicial, para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Dr. Edmundo Pires.
O Sr. Dr. Edmundo Andrade Pires (Director de Sanidade Animal da ex-Direcção-Geral da Pecuária): — Sr. Deputado, não me limito a reconhecer ao meu colega Cardoso Laje — e já não me lembro, exactamente, os termos que referiu— alguma competência na matéria, reconheço-lhe toda a competência, mas também toda a responsabilidade — e essa é dele — nas afirmações que fez.
Quero explicitar, agora sim, o quadro em que produzi as minhas afirmações. Elas foram feitas num sentido em que talvez não me tenha feito entender, como era minha obrigação, o de que eu, com o cargo em que me posiciono ná Administração Pública, não posso e não devo duvidar dos resultados emanados do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, assinados pelo chefe de departamento e peto director do Laboratório. Não posso, Sr. Deputado — e tente compreender o quadro em que estou a inserir-me —, pelas consequências que isto acarreta, como tive a ocasião de tentar transmitir, pôr em causa todo o trabalho que vem reflectido aqui, nestes números.
Por outro lado, em termos científicos, tenho de reconhecer as minhas incapacidades. Não sou um investigador ou um patologista, apenas reconheço a maior competência ao meu colega Prof. Cardoso Laje e a sua total responsabilidade pelas afirmações que fez.
Quanto à questão muito concreta que me colocou, ou seja, se assisti ou não à colheita do material, digo-lhe que não. Aliás, vou mais longe e digo-lhe mesmo que nem mesmo saberia colher o material. Contudo, ele foi recolhido por um dos dois investigadores que trabalharam no assunto, em nome do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária. Donde, sem querer estar a iludir questões, voltou ao princípio: na minha posição, não posso questionar a matéria, não só por ignorância científica, que reconheço, mas também dada a posição que, administrativamente, ocupo, sob pena de coisas piores poderem acontecer. O Sr. Deputado desculpe mas não posso dizer mais.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Sr. Doutor, uma outra questão que quero colocar-lhe é a seguinte: foi aqui afirmado, pelo Dr. Matos Águas, que os técnicos não estavam sensibilizados, não tinham conhecimento disto.
Gostava de saber se, como responsável da ex-Direcção--Geral da Pecuária, nunca mandou qualquer bibliografia ou informação sobre a matéria, se não desenvolveu qualquer acção de sensibilização dos técnicos em relação a esta problemática, no sentido de alertá-los em relação aos sintomas que poderiam aparecer em alguns animais, que pudessem indiciar a suspeita da existência da doença em Portugal. Não foi feito nada e só agora é que os técnicos estão a ser informados, ou a Direcção-Geral da Pecuária já tinha feito alguma coisa no passado e permitiu que alguns técnicos, no terreno, perante alguma sintomatologia,, pudessem comunicar superiormente a suspeição da existência da doença?
O Sr. Dr. Edmundo Andrade Pires (Director de Sanidade Animal da ex-Direcção-Geral da Pecuária): — Sr. Deputado, aí já estou mais à vontade para responder-lhe.
Com efeito, a Direcção-Geral da Pecuária tem trabalhado sempre na mais estreita colaboração com os órgãos re-
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presentativos dos médicos veterinários, a Ordem dos Médicos Veterinários e o Sindicato Nacional dos Médicos Veterinários. Neste caso concreto, trabalhou com. a Sociedade Portuguesa de Ciências Veterinárias, uma organização talvez pouco conhecida dos Srs. Deputados mas que, para nós,
é, por assim dizer, a nata da nossa profissão em termos técnicos e .científicos.
Dir-lhe-ei que os serviços da Direcção-Geral da Pecuária sempre tiveram uma colaboração muito estreita com estes organismos —sobretudo com dois deles, porque um terceiro, na altura, ainda não estava criado—, porque os fins a prosseguir eram comuns: combater as doenças que aparecem na área em que trabalham.
Ao tempo dava-se a coincidência, feliz ou infeliz, de eu pertencer aos órgãos directivos de uma destas associações, concretamente do Sindicato Nacional dos Médicos Veterinários, onde era vice-presidente, que tem um órgão informativo com uma tiragem de mais de 2000 exemplares. Na altura, foi pedido a várias pessoas que aproveitassem a ocasião — e isso foi feito numa perspectiva económica, na tentativa de não gastar dinheiro demais à Administração — para fazer uma abordagem da matéria. O Sindicato anuiu e publicou uma revista dedicada ao assunto. Por sua vez, a Sociedade de Ciências Veterinárias realizou uma sessão científica sobre a matéria em Vila Real, na sua secção da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro — isto em 1990.
Quanto aos serviços, terei de reconhecer que, supletivamente, os serviços poderiam ter, também eles, feito uma divulgação formal, através do seu Boletim Zoo-Samtário, que tinha nascido há pouco tempo, um aperçu sobre a matéria. Sei que, em contactos pessoais, quer com colegas do Laboratório dé Investigação Veterinária do Porto, quer com alguns colegas de Direcções Regionais aquando de reuniões que tratavam de outras matérias, da coordenação da tuberculose, da brucelose e da leucose, houve trocas de impres-' soes. Em boa verdade, tenho de confessar que pela parte dos serviços não se fez tudo aquilo que seria desejável — nunca sé faz tudo aquilo que é desejável! A prova de que os médicos veterinários estavam, de alguma maneira, conscientes da situação, são os diagnósticos que estão feitos. Não sei se o facto de serem mais informados conduziria a mais diagnósticos; geralmente, mais diagnósticos «apanham-se» (isto diz-nos a história dos países vizinhos) quando é colocada em lei a exigência de declaração obrigatória da doença — então, sim, aparecem os casos porque as pessoas têm penalidades se não reportarem a doença.
Por outro lado, e em termos de formação contínua, é uma obrigação dos médicos veterinários manterem-se actualizados porque até fazem um juramento nesse sentido. Portanto,-julgo que os médicos veterinários de terreno estão suficientemente sensibilizados para esta matéria (não para colher material, porque os casos previsíveis são tão poucos que é preferível não correr o risco de deteriorar o material que, naturalmente, é escasso) e que os laboratórios têm possibilidades de se deslocar e de fazer uma colheita que nos dê resultados mais fiáveis.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Então V. Ex.* assume que não foi fornecida nenhuma informação por parte da Direcção-Geral aos técnicos veterinários sobre esta doença, bem como alguma bibliografia internacional ou nacional que pudesse elucidá-los e esclarecê-los e.m relação aos sintomas.
O Sr. Dr. Edmundo Andrade Pires (Director de Sanidade Animal da ex-DirecçãorGeral da Pecuária): — Pela par-
te da Direcção-Geral da Pecuária, estive à procura de material sobre a BSE, foi feito o referido aperçu, mas acabou por não ser publicado, nem no Boletim Hígio-Sanitário, nem tenho provas de que tenha saído em circular.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Queria ainda colocar-lhe
mais uma questão, que se prende com o diagnóstico em si.
V. Ex." leu uma parte do despacho do Sr. Ministro da Agricultura de 28 de Maio de 1990, em que, no n.° 4, fala na pesquisa da encefalopatia espongiforme bovina através do exame histopatológico — só que isto refere um considerando anterior, no intróito, que diz as medidas a tomar relativamente a algumas partes do animal quando do abate de animais suspeitos. Como compreende, não é num despacho que se deve pôr a forma e os métodos a utilizar para o diagnóstico em si. O despacho pretende, acima de tudo e no meu entendimento, elucidar sobre aquilo que entende o Governo que deve ser o manuseamento — e cito, «algumas medidas suplementares relativas a alguns tecidos e órgãos do animal» — e as medidas a tomar em relação a tecidos e órgãos de animais que estão sob suspeita. Há alguma bibliografia internacional, nomeadamente algumas revistas veterinárias francesas, que diz que os diagnósticos diferenciais são essenciais para a confirmação de uma doença. Assim, queria perguntar-lhe se, dentro da bibliografia que leu sobre esta matéria, não viu também que é necessária uma confirmação, principalmente naqueles países em que não está declarada a doença.
É que é entendimento de muitas pessoas que aqui já ouvimos que o método de diagnóstico não pode ser igual em Portugal e no Reino Unido—nos vários países do Reino Unido está confirmada a doença, por isso a metodologia de diagnóstico tem de ser diferente para os outros países. Conhece V. Ex." os métodos utilizados, por exemplo, em França, que foi outro Estado membro em que apareceram alguns casos de BSE, e se se restringiram única e simplesmente à análise histopatológica ou se foram utilizados outros meios auxiliares e complementares de diagnóstico, nomeadamente a microscopia electrónica e a informação epidemiológica, que pudessem dar uma confirmação ao diagnóstico em si e uma .maior certeza em relação a esse diagnóstico?
O Sr. Dr. Edmundo Andrade Pires (Director de Sanidade Animal da ex-Direcção-Geral da Pecuária): — Responderei pela mesma ordem das questões que me colocou: salvo melhor opinião (não queria estabelecer controvérsia), a interpretação que é dada pelos serviços ao n.° 4 está aqui perfeitamente expressa— o n.° 4, não um n.° 3.2.3! Assim como no n.° 1, «a encefalopatia espongiforme bovina é considerada doença de declaração obrigatória incluída no quadro nosológico, anexo ao Decreto-Lei n.° 39 209». Este é o único diploma legal que, entre nós, refere como deve ser feito o diagnóstico da encefalopatia espongiforme dos bovinos.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Más a utilização da microscopia electrónica e a necessidade de uma informação epidemiológica, a necessidade de utilização de outros meios auxiliares e complementares de diagnóstico não cabe também nesse despacho? Colide com o texto do.despacho, em sua opinião?
O Sr. Dr. Edmundo Andrade Pires (Director de Sanidade Animal da ex-Direcção-Geral da Pecuária): — Sr. Deputado, não colide, de maneira nenhuma. Simplesmen-
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te, como referi, existem cânones no diagnóstico de rotina tal como existem cânones naquilo que é investigação. Donde, a situação que se coloca, uma vez mais, é a de que todos os métodos de diagnóstico para a encefalopaüa espongiforme dos bovinos ou para doenças conhecidas há imensos lustres, como por exemplo, a tuberculose, ainda estão em aberto, continuam a aparecer novos métodos de diagnóstico. A pergunta concreta que me fez, é se, para a doença ser diagnosticada em Portugal, os inquéritos epidemiológicos têm ou não importância, se a microscopia electrónica tem ou não importância —do ponto de vista científico, tudo tem importância; mas, do ponto de vista prático, os inquéritos epidemiológicos foram, efectivamente, feitos.
Antes de mais, devemos entender o que é o inquérito epidemiológico — ao fim e ao cabo não é muito diverso de um inquérito feito pela Polícia Judiciária para apurar seja o que for: tenta-se, antes de mais, identificar a exploração de origem, através da documentação; questiona-se o criador acerca de variadíssimos aspectos, do comportamento do animal, da alimentação, etc; vai-se saber, dentro da área onde o animal se insere, qual é a eventualidade da ocorrência de casos semelhantes, frequências; tudo isto são dados indispensáveis a um conhecimento global da doença. No caso vertente, os bovinos foram importados do Reino Unido, e é importante dizer que a doença não é autóctone de Portugal! Não é esta, como não é um IBR, como não é um BVD, como não são muitas outras. Neste caso, em termos comunitários, as coisas estão mais avançadas— nós ainda não temos a livre circulação de pessoas e bens, mas as doenças já há muito que estão liberalizadas, não só no espaço europeu como, infelizmente, a nível mundial.
A situação é esta: sem dúvida nenhuma que deveriam ter sido dados os meios indispensáveis à investigação para prosseguir os seus estudos. Mas algo distinto é a competência e a responsabilidade dos serviços operativos no sentido de utilizarem um método de diagnóstico que é, efectivamente, o que é adoptado a nível comunitário — por isso foi harmonizado e por isso foi lá que foram os nossos colegas aprofundar e trocar impressões com os demais sobre como é que deveriam ser os procedimentos a adoptar — e que é o diagnóstico histopatológico. Todos são necessários, não só para esta doença, como para as outras.
Ma$, diga-me Sr. Deputado, acha V. Ex.1 que deveríamos aguardar por uma qualquer reconfirmação da microscopia electrónica, ou de uma pesquisa das fibrilhas do tipo da scrapie, ou outras matérias sobre as quais o Sr. Professor António Dias Correia estará mais habilitado a falar? Aquilo de que se tratava era de obter, imediatamente, um diagnóstico com aquela fiabilidade, com um inquérito epidemiológico feito no qual está provado que os animais são todos oriundos do Reino Unido — não são animais autóctones de Portugal! Se o fossem, não tenha dúvida nenhuma de que, aí sim, iríamos questionar o que é que se passava e isso iria ser uma revolução completa naquilo que é o conhecimento científico actual da doença: se nós, felizmente, não temos cá a scrapie, se importámos qualquer coisa como 500 t de farinha de carne do Reino Unido, que é algo que se dilui na alimentação animal de-forma perfeitamente irrisória, e se aparecesse num animal autóctone a BSE, então aí as coisas fiavam de outra maneira. Mas o animal veio do Reino Unido! Nós importámos aquela infecção! Nós apenas teríamos de tomar medidas, fechar o ciclo, eliminar o animal, não deixar que ele entrasse no consumo. Mas, Sr. Deputado, nunca por nunca infira das minhas palavras que eu entendo por bem que a investigação científica seja parada — bem pelo contrário! Trata-se de caminhos paralelos.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — O Sr. Dr. Matos Águas assumiu que não foi feita informação epidemiológica, que não foi feita microscopia electrónica nem outros meios auxiliares e complementares; se não existem, o inquérito epidemiológico não foi feito — isto foi assumido pelo ex-di-rector do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, que também assumiu que não era necessário. Esta foi a postura dele, que foi rebatida por outro cientista, mas isso não interessa: ele assumiu que não tinha essa informação e que não foram feitas essas medidas de auxílio ao diagnóstico.
Agora, coloco-lhe a mesma questão, na sua qualidade de director dos Serviços de Saúde Animal da Direcção-Geral da Pecuária, dado que não teve contacto com os animais suspeitos nem com os processos do diagnóstico, e dado que não é especialista do sector histopatológico, pelo que a informação que nos traz aqui é a do desconhecimento das situações, que não passaram por si, bem como a de um leigo na matéria que não pode rebater os apports científicos que outras pessoas aqui ouvidas, em sede de Comissão, trouxeram e que referem a necessidade de determinados métodos auxiliares e complementares de diagnóstico para a confirmação da doença
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): —Tem a palavra, Sr. Dr. Edmundo Pires.
O Sr. Dr. Edmundo Andrade Pires (Director de Sanidade Animal da ex-Direcção-Geral da Pecuária): — O Sr. Deputado não. me fez nenhuma pergunta, mas sim uma constatação! É uma interpretação!...
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Só queria saber se confirmava ou não este tipo de situação e perguntar-lhe também se ainda é director dos Serviços de Saúde Animal ou se já cessou as suas funções.
O Sr. Dr. Edmundo Andrade Pires (Director de Sanidade Animal da ex-Direcção-Geral da Pecuária): — Começo já pelo fim: neste momento, de acordo com o Estatuto da Função Pública, enquanto não for nomeado um novo director de serviços, continuo a ser responsável pelo sector. Não fui demitido por qualquer outra razão senão a que decorre do teor da lei: houve uma transformação na Direcção--Geral da Pecuária que foi extinta, criando-se um novo instituto — mas, enquanto não aparecer um novo director de serviços, decorre do meu estatuto como funcionário público continuar a assumir estas funções até passar a pasta a quem de direito. Neste momento continuo responsável (e sinto-me como tal) e cumpro aquilo que julgo ser o meu dever.
Quanto aos métodos auxiliares de diagnóstico, Sr. Deputado, também não quero jogar muito com as palavras. São, de facto, métodos auxiliares e complementares de diagnóstico, não indo, neste caso concreto, contrariar o diagnóstico feito. Se, por acaso, houver dúvidas relativamente aos quadros que aparecerem elas terão de ser colocadas às pessoas especializadas na matéria. E, Sr. Deputado, não me assumi aqui como tal e foi algo que declarei logo no princípio. São questões que têm de ser equacionadas a quem de direito, aos investigadores que realizaram o diagnóstico. A mim não!
Uma segunda questão importante é esta: a Direcção-Geral da Pecuária não pode, como é óbvio, acompanhar pelo País estas operações do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária. No caso vertente, ainda que muita curiosidade tivesse, não podia tê-lo feito, porque não foi informada
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O Sr. Presidente (Antunes da-Silva): —.Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Sr. Dr. Edmundo Pires, em relação a esta matéria, V. Ex.a disse que não conheceu os animais suspeitos, que não viu em si o processo de diagnóstico, que não teve conhecimento de nada, que só obteve informações particulares e que a experiência que aqui nos transmitiu decorre do seu exercício profissional. Ora, o que gostaria de perguntar-lhe era se, .em relação aos cinco casos suspeitos, não tem mais nenhuma informação que possa carrear para esta audição parlamentar.
O Sr. Dr; Edmundo Andrade Pires (Director de Sanidade Animal da ex-Direcção-Geral da Pecuária): — Exactamente, Sr. Deputado, o que, de resto, acontece à semelhança de uma centena de milhares de casos de peripneumonia, de larguíssimos milhares de>casos de tuberculose, de leuco-se, de brucelose de pequenos ruminantes, em que assumi as responsabilidades que me cabiam de parceria, com a confiança nos serviços e no laboratório. É assim que as coisas se passam! Estará, eventualmente, mal? Não creio. Acho que não pode ser de outra maneira.
Relativamente ao inquérito epidemiológico, parece-me subsistir ainda alguma dúvida relativamente ao que isso significa. Foi feito um inquérito epidemiológico, Sr. Deputado, e o meu colega Eduardo Tavares poderá...
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Então, foi identificado o agente causador da doença? A doença transmite-se pela alimentação animal, não é?
O Sr.Dr. Edmundo Andrade Pires.(Director de Sanidade Animal da ex-Direcção-Geral da Pecuária): — Sr. Deputado, que eu saiba, não foi identificado esse agente, mas essa é uma questão que deve ser colocada aos meus colegas que realizaram o diagnóstico.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem a palavra o Sr, Deputado João Maçãs.
O Sr. João Maçãs (PSD): — Sr. Presidente, sugiro que não se mantenha o sistema há pouco proposto, com a melhor das boas vontades, pelo Sr. Deputado António Campos, porque ele, de facto; esta a tornar esta audição extremamente morosa. O «diz-tu, direi, eu» e o sistema tipo pergunta/resposta tornam, repito, estas audições externamente morosas.
Vou rapidamente colocar uma questão ao Dr.. Eduardo Pires, à qual me responderá se assim o entender. De qualquer forma, ficarei muito grato se o fizer.
Estou aqui em-desvantagem, na medida em que na sexta-feira não tive oportunidade de assistir à audição feita ao Dr. Matos Aguas e a um outro cientista pela Comissão de Agricultura e Mar. Não sei se isso me trará algum inconveniente, porque tudo aquilo- que aqui ouvi já tinha ouvido aquando da audição feita aos seus dois colegas que cá estiveram. Por conseguinte, a exposição que V. Ex.° aqui fez não .constitui grande novidade, à excepção de uma ou duas questões que o Sr.Deputado António Campos já referiu, (como é o caso daquela que respeita à percentagem) mas que, de qualquer forma, não são muito relevantes para este processo. ■•
Gosüy»?l de* sabei — e peço-Vhft Vs.toc.OTtv toda a franqueza, sem nenhuma intenção, pois apenas quero organizar minimamente as minhas ideias —o que- é que a Direcção-Ge-ral da Pecuária tem, ao fim e ao cabo, a ver com todo este
processo. A minha intenção é, pois, a de ver se consigo entender todo este processo, obtendo da sua boca, como pessoa responsável que foi e ainda é por essa direcção, um esclarecimento.
Tanto quanto me apercebi na audição de quinta-feira dos
dois médicos veterinários, o que se passou foi o seguinte:
apareceram dois ou três casos suspeitos, que foram encaminhados para o laboratório. Ora, gostaria de saber — e questiono-o porque ainda não foi feita aqui essa pergunta — quem foi a entidade que mandou para o laboratório esses animais ou esse material.
A minha primeira questão é no sentido de saber se V. Ex.° tem ou não conhecimento de quem é que mandou estes dois ou três animais. Um dos médicos veterinários que aqui esteve foi o Dr. José Carlos Pereira, que está à frente do ADS de Barcelos, sendo responsável pelo tal núcleo dos vinte a tal mil animais. Como é que ele mandou esse material? Foi através da Direcção Regional de Agricultura? Isso foi feito directamente? Esta é uma questão importante para nós ficarmos minimamente esclarecidos. Quer dizer, isto pode ter sido feito através da ADS, por modo próprio, como clínico etc, mas creio que qualquer médico veterinário tem a responsabilidade de, quando surge qualquer questão que se lhe afigure como tendo a ver com uma situação grave, comunicar esse facto aos serviços que oficialmente têm a responsabilidade de zelar para que a doença não se transmita, para que possa ser erradicada ou combatida desta ou daquela forma. Como é natural, os serviços que têm essa responsabilidade são as direcções regionais de agricultura e, a nível central (portanto, em termos de ligação estreita e intima com os serviços regionais), a Direcção-Geral da Pecuária, a quem compete, nestes casos, dar instruções e fazer a ligação com os serviços regionais. Ora, creio que neste caso não houve nada disto!
Será que esta encefalopatia espongiforme bovina mereceu assim tão pouca atenção — e isso aconteceu eventualmente porque foram poucos os casos — e tão pouca preocupação, que fez com que a Direcção-Geral não reunisse o conselho técnico (e talvez não tivesse de fazê-lo, porque não era caso para isso) e não se preocupasse suficientemente no sentido de se reunir com as direcções regionais e transmitir determinado tipo de orientações, de preocupações de forma a criar no espírito dos médicos veterinários das várias regiões a sensação de que a doença existia ou eventualmente poderia vir a existir e, consequentemente, havia que estar preparado para a combater desta ou daquela forma? Parece-me que, na realidade, há uma certa desconexão neste processo. :
Uma outra questão é esta: a Direcção-Geral da Pecuária, designadamente a direcção de serviços responsável directamente por esta matéria, e de que o senhor é director de serviços, não tinha a noção de que esta questão era de grande importância? Será que agora já tem essa noção? Se a tem, tê-la-á apenas porquê a questão foi levantada — e não interessa saber como nem por quem? Se a questão não tivesse sido levantada, a direcção de serviços de sanidade animal já estaria hoje desperta de uma forma diferente para esta realidade do que estava aqui há um ou dois anos atrás? Esta era, ao fim e ao cabo, a questão que queria colocar.
A Direcção-Geral não viveu esta situação — como o meu colega aqui acabou de dizer — porque, naturalmente, o director de sanidade animal não tem de acompanhar no campo coisa nenhuma. Sendo ele director de sanidade de animal da Direcção-Geral da Pecuária, não tem serviço directo no campo. Não o tendo, compreendo perfeitamente que o senhor não tenha acompanhado no campo e não tenha tido
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nenhuma suspeita e, por conseguinte, não tenha canalizado o processo. Mas a questão é esta: o senhor como director de serviços tinha conhecimento de dois ou três casos suspeitos de animais com encefalopatia ou, pura e simplesmente, ninguém lhe disse nada? As regiões não lhe comunicaram minimamente nenhum tipo de preocupação? O laboratório também não lhe comunicou nada em termos de resultados? Mesmo que não tenha sido V. Ex.\ a sua direcção de serviços, a mandar para lá, se existisse algum caso parece-me que seria extremamente importante que o laboratório comunicasse à Direcção-Geral da Pecuária e dissesse: «vocês têm a responsabilidade, estejam atentos, porque notámos aqui um, dois ou três casos de encefalopatia». Portanto, também não aconteceu isso? Da parte do laboratório, também não houve o reflexo destas preocupações que foram levantadas pontua/mente aqui ou ali, também não houve a preocupação de transmitir este facto à direcção de serviços e, por conseguinte, ao director de serviços nem eventualmente à Direcção-Geral? .
A minha pergunta é esta: neste momento a Direcção-Geral não tem condições para concluir, em termos oficiais, que há encefalopatia? Oficialmente, a direcção-geral tem ou não condições para poder dizer que existe encefalopatia espongiforme bovina em Portugal? Isto em termos oficiais, porque em termos de mera suspeita cada um pode dizer aquilo que quiser. V. Ex.a particularmente pode fazer o que quiser e cada um de nós pode fazer as especulações que entender. Mas, em termos oficiais, há da parte do laboratório alguma coisa que faça com que a Direcção-Geral da Pecuária e a direcção de serviços a que V. Ex.° preside diga «existem, de facto, casos de encefalopatia»?
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): —- Tem a palavra o Sr. Dr. Edmundo Pires.
O Sr. Dr. Edmundo Andrade Pires (Director de Sanidade Animal da ex-Direcção-Geral da Pecuária): — Sr. Deputado, vou tentar recorrer à minha capacidade de síntese para responder às questões que levantou.
Começaria por dizer que, efectivamente, a Direcção-Geral da Pecuária inclui no seu quadro orgânico o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária. Se a questão que me coloca é no sentido lato, isto é, se pretende saber se a Direcção-Geral da Pecuária conhecia esse facto, pois dir-lhe--ei que sim. A direcção de serviços de sanidade animal é que não. E porquê? E que o circuito destas questões é feito da seguinte maneira: os serviços regionais estão incumbidos de realizar as tarefas com o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária do Porto ou de Lisboa, que envia os resultados para a Direcção-Geral da Pecuária, que deveria endereçá-los, depois, aos respectivos serviços. E assim que se passa. De faclo, são dezenas de boletins de diagnósticos que passam diariamente pela Direcção de Serviços de Sanidade Animal.
A Direcção de Serviços de Sanidade Animal desconhecia-o. Se era ou não sua preocupação a encefalopatia espongiforme dos bovinos antes das coisas ocorrerem? Pois com certeza que sim! O caso desta doença é idêntico ao de outras doenças, que, felizmente, não temos mas que devemos evitar que tenhamos. Daí'que exista dentro da direcção de serviços um coordenador nacional dos planos de alerta, que naturalmente respeitam à febre aftosa, mas que se adaptam a todas as demais doenças.
Portanto, esta não é uma preocupação da Direcção de Serviços de Sanidade Animal. É uma preocupação constante da Direcção-Geral da Pecuária, como tal. Aliás, sempre o
foi e, nesse caso, ninguém pode acusar a Direcção-Geral da Pecuária de não ter, pelo menos num passado recente, actuado «em tempo e em força», enfim, parafraseando alguém.
De facto, este caso constitui, para mim, um episódio lamentável.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem a palavra o Sr. Deputado José Júlio Ribeiro.
O Sr. José Júlio Ribeiro (PSD): — Dado o adiantado da hora e para respeitar a audição de todas as pessoas, punha apenas a seguinte questão: o Sr. Doutor referiu-se à investigação pura, segundo creio, na sua fase inicial, quando afirmou «a contestação que está a ser feita a esta doença». Portanto, posso deduzir das palavras do Sr. Doutor que há desfasamentos entre quem trabalha na área da investigação pura e quem trabalha na área da investigação aplicada?
Se isto corresponder às palavras do Sr. Doutor ou à ideia que aqui deixou, perguntava-lhe se, de algum modo, isso quer significar que pretende atribuir maior importância a uma ou a outra área de investigação.
O Sr. Dr. Edmundo Andrade Pires (Director de Sanidade Aninal da ex-Direcção-Geral da Pecuária): — Muito obrigado, Sr. Deputado.
Peço desculpa se dei essa imagem porque, de facto, não pretendi atribuir mais ou menos importância a uma ou a outra área da investigação, pois são áreas que têm, forçosamente, de se complementar. Contudo, embora baseando-se realmente umâ na outra, a investigação desenvolve-se em caminhos paralelos, com mais ou menos frequência de interligações com aquilo que é o desenvolvimento das nossas campanhas profilácticas relativamente a diversas doenças.
As controvérsias no seio da investigação —e não lhe chamaria pura porque, para mim, investigação é investigação e o.resto são conceitos em que não deveríamos entrar aqui — são coisas a que todos os homens da investigação estão habituados. E essas controvérsias são duras. As pessoas, enfim... como ouviram aqui o Professor Braço Forte, que é um homem que...
Agora, isto nada tem a ver, nem poderia ter, com aquilo que é, no âmbito da legislação aplicável e no âmbito da prática dos serviços de sanidade animal, em qualquer parte do mundo, uma doença nova que aparece, que tem um método de diagnóstico que é fiável e que é o mais simples, sendo, naturalmente, aquele por que todos os países se conduzem até porque é o mais barato, é o mais simples e, como disse, é fiável.
Portanto, essa será a razão, talvez, porque o teste histo-patológico foi adoptado, digamos, em termos comunitários, como um teste harmonizado, o que não exclui, como meios auxiliares, outros diagnósticos, evidentemente mais sofisticados, mais caros, mais difíceis. De resto, uma certa economia de meios também se impõe.nalguma prática dos serviços como, aliás, julgo, é exigível pelos cidadãos.
O Sr. José Júlio Ribeiro (PSD): — Posso, portanto, concluir que não há desfasamento de opiniões entre as diferentes áreas da investigação?
O Sr. Dr. Edmundo Andrade Pires (Director de Sanidade Animal da ex-Direcção-Geral da Pecuária): — Há e deve haver, Sr. Deputado. E ainda bem, entenda-se. Senão, enfim... Os nossos investigadores, naturalmente, são cartesianos e devem-no ser! Já o mesmo não pode ser exigido a
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pessoas que, como eu, o meu colega ou outros médicos veterinários, não podem estar a. questionar sempre. Nós temos, de facto, toda a confiança nos nossos cientistas.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Muito obrigado, Sr. Doutor, pelo seu depoimento e pelos esclarecimentos que prestou às perguntas dos Srs. Deputados.
Foi suscitada, aqui, entretanto, a questão da metodologia. Eu próprio também já tencionava fazê-lo.
Peço desculpa aos Srs. Declarantes mas, de facto, temos de adaptar uma metodologia diferente sob pena de estarmos a fazer esperar, de uma forma despropositada, as pessoas que tiveram a gentileza de vir até nós.
•Portanto, os Srs. Declarantes terão a paciência de registar as perguntas que forem feitas pelo Srs. Deputados e, conjuntamente, responderão às questões suscitadas.
Antes de dar a palavra ao Sr. Dr. Eduardo Maia Tavares, queria renovar os pedidos de desculpa por este atraso. Vamos procurar recuperar para que o Sr. Prof. Dias Correia e, depois, o Dr. João Cotta Dias não sofram esse mesmo atraso. ■ >
Assim, dentro da metodologia em que assentámos, daria a palavra ao Sr. Doutor para uma intervenção inicial e, depois, seguir-se-ia a eventual colocação de questões por parte do Srs. Deputados a que o Sr. Doutor, globalmente, depois responderia.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Dr. Eduardo Maia Tavares.
O Sr. Dr. Eduardo Manuel Maia Pimentel Tavares
(Chefe da Divisão de Sanidade Animal da Direcção Regional de Agricultura de Entre Douro e Minho): —• Antes de mais, devo dizer que exerci, em comissão de serviço, desde 1989, as funções de Chefe da Divisão de Sanidade Animal da Direcção Regional de Agricultura de Entre Douro e Minho, funções essas que cessei desde a saída da nova lei orgânica do Ministério da Agricultura, embora continuando a assumir a responsabilidade da coordenação da Divisão na área da Direcção Regional de Entre Douro e Minho.
Vou ser muito breve e não vou entrar em comentários legais pois, parece-me, o Dr. Edmundo Pires já foi suficientemente claro. Por isso, vou limitar-me a reportar os dois casos que aconteceram na área da Direcção Regional de Entre Douro e Minho.
O primeiro caso foi notificado à Divisão de Sanidade Animal em Fevereiro de 1991, tendo sido comunicado, por via telefónica, pelo Dr. José Carlos Pereira, que estaria numa exploração perante um animal que lhe pareceria apresentar sintomatologia de encefalopatia espongiforme.
Dc imediato, desloquei-me à exploração, observei o animal e, pelos dados epidemiológicos que recolhi na altura, nomeadamente os referentes à origem do anima) em causa, e pela sintomatologia observada de (passo a ler) «in-coordenação motora, principalmente a nível dos anteriores, hiperestesia, fácies alterado, demonstração de agressividade com humanos e bovinos co-habitantes, ranger de dentes, apetite normal. Sintomatologia em evidência há cerca de 30 dias, não tendo-o animal sido sujeito a nenhum tratamento».
Face a esta situação, tudo me levou a crer tratar-se de uma situação potencialmente- suspeita de se tratar de encefalopatia espongiforme bòviria.
Entrei, imediatamente, em contacto quer com o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária quer com a própria Direcção-Geral da Pecuária.
Foi acordado proceder-se à aquisição do animal.'Assim, foi adquirido e transportado, de imediato, para as instalações do Laboratório na Tocha.
Na altura, foi enviado um relatório completo da situação ao Laboratório Nacional de Investigação Veterinária.
Relativamente a este caso —portanto, em Fevereiro de 1991 —, na minha posição, como chefe da Divisão, não tive absolutamente mais nenhum conhecimento sobre o desenrolar da situação nem sobre o resultado do exame, ou de eventuais exames, a que o animal tenha sido sujeito.
O segundo caso foi-me reportado neste ano de 1993, mais precisamente no mês de Janeiro. O processo de notificação foi exactamente o mesmo do caso anterior.
Esta situação foi detectada numa vacaria que era assistida pelo médico veterinário Dr. Luís Almeida, que, de imediato, reportou também a suspeita à Direcção Regional de Agricultura.
Desloquei-me, também de imediato, à exploração e observei no animal a seguinte sintomatologia: «incoordenação completa com prostração, agressividade, exoftalrnia e contracções espásticas dos membros».
Os dados epidemiológicos foram colhidos na altura. Havia a certeza de o animal ter sido importado de Inglaterra.
O comportamento relativamente a este caso foi exactamente o mesmo: o animal foi adquirido por intermédio da Direcção Regional de Agricultura, foi transportado para as instalações do Laboratório — desta vez em Lisboa — e o relatório foi enviado à Direcção-Geral da Pecuária.
Desta vez, da Direcção-Geral da Pecuária recebi instruções para a exploração ser colocada sob vigilância sanitária, na pessoa do médico veterinário assistente, a quem dei conhecimento deste facto. A partir dai, desconheço qualquer exame que tenha sido executado bem como os seus resultados.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Doutor, muito obrigado pela forma sintética e objectiva como fez a sua primeira declaração.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): — Muito obrigado, Sr. Doutor.
Tenho duas ou três questõezinhas para lhe colocar.
Em primeiro lugar, começaria por lhe perguntar se quando o Sr. Doutor ou os seus colegas mandavam para o Laboratório o pedido de diagnóstico recebiam, normalmente, sempre a resposta e se, nestes casos, de facto, não a receberam.
A segunda questão refere-se à melhoria que houve, pois parece-me que quanto ao caso de 1991 não houve vigilância sanitária e que nem sequer informação de vigilância sanitária teria recebido. Portanto, já melhorou mais qualquer coisa o funcionamento do director-geral.
Terceira questão: quando ouvimos aqui o Sr. Dr. José Carlos Pereira fiquei com a sensação de que era um homem completamente desiludido, pois tinha referenciado um caso, nunca tinha recebido resposta e a única resposta que tinha recebido — como até referiu — foi pelo próprio Expresso, isto é, foi o Expresso que lhe deu conhecimento da situação.
Também deu a entender que talvez outros casos lá teria havido mas que já não valia.a pena porque já tinha percebido que se os mandasse do Laboratório depois nunca teria resposta.
Falámos aqui de quatro ou cinco casos mas porque importámos 12000 animais de Inglaterra e porque se presume, à semelhança do que sucede na Inglaterra, que a percentagem de animais com encefalopatia seja de 0,2% a 0,4%,
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perguntava ao Sr. Doutor se o facto de terem aparecido esses casos constituiu alguma surpresa ou apenas lhe deu a certeza de que, de facto, a doença existia em Portugal na medida em que não havia nenhuma forma prévia de impedir que os animais importados entrassem no nosso País.
Neste sentido, continuo a fazer a mesma pergunta que faço a toda a gente: como é que o Sr. Doutor interpreta este comportamento? Enfim, mesmo sendo eu da oposição não podia, sequer, acusar o Governo de ser o culpado de cá haver casos de encefalopatia. Portanto, mais explicitamente, perguntava-lhe a que é que atribui esta situação esquisita de funcionamento do Ministério.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Vou dar, de imediato, a palavra ao Sr. Dr. Eduardo Maia Tavares. Mas, porque o Sr. Deputado António Campos insiste em fazer uma pergunta que extravasa, claramente, o âmbito da nossa audição, quero informar o Sr. Doutor que não será obrigado a responder.
O Sr. Dr. Eduardo Manuel Maia Pimentel Tavares
(Chefe da Divisão de Sanidade Animal da Direcção Regional de Agricultura de Entre Douro e Minho): — Respondo brevemente, Sr. Presidemte.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): —Tem V. Ex." a palavra.
O Sr. Dr. Eduardo Manuel Maia Pimentel Tavares
(Chefe da Divisão de Sanidade Animal da Direcção Regional de Agricultura de Entre Douro e Minho): — Relativamente à primeira questão, devo dizer que é norma e que é norma) obter resposta relativamente a qualquer tipo de material que se envie ao Laboratório para qualquer tipo de diagnóstico. A vigilância sanitária, no segundo caso, foi determinada oficialmente pela Direcção-Geral da Pecuária, o que t\ão quer dizer que a primeira exploração não tenha ficado sob vigilância sanitária. Para qualquer dos efeitos, a suspeita não me foi confirmada, nem me foi negada.
Em segundo lugar, faz parte das minhas atribuições técnicas, pelo menos, alertar o colega que reportou o caso para qualquer ocorrência fora do normal que me seja comunicada. Relativamente à posição.do Dr. José Carlos Pereira, é uma posição que ele assume, e o problema de ele estar desiludido é um problema do Dr. José Carlos Pereira.
Quanto ao não se sentir necessidade de reportar novos casos, não interpreto essas coisas assim e entendo que, perante qualquer situação que me apareça de futuro, é minha obrigação deontológica, pelo exercício da profissão que tenho e como funcionário público, continuar a reportar as suspeitas deste ou de outros casos.
Relativamente a comportamentos que tenha havido, penso que não me compete pronunciar-me sobre os comportamentos nem da Direcção-Geral da Pecuária nem do Ministério da Agricultura.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Sr. Dr. Maia Tavares, agradeço-lhe o seu depoimento, que nos deu a perspectiva no terreno dos casos que aconteceram na região de Entre Douro e Minho.
A primeira questão que lhe quero colocar é relativa à situação verificada em Barcelos, que não foi uma situação
normal em que é enviada unia amostra para o Laboratório, uma vez que a Direcção Regional de Entre Douro e Minho adquiriu o animal e este foi enviado para o Laboratório. Não se tratou, portanto, de uma situação normal, que obrigasse a que o Laboratório enviasse o diagnóstico final. Não é isso que se passa normalmente. Normalmente, a amostra é enviada e, depois, o Laboratório comunica o diagnóstico. Ora, neste caso, houve uma aquisição do animal em si, tratando--se, por isso, de um caso diferente do normal.
A segunda questão que lhe quero colocar é a seguinte: disse o Sr. Doutor que enviou um relatório desse animal para a Direcção-Geral da Pecuária e que recebeu, dessa Direcção-Geral, a indicação para ter um cuidado especial em relação ao acompanhamento sanitário do efectivo. Gostaria de saber se mandou esse relatório directamente para o director-geral da Pecuária, se nos poderia informar da data em que esse relatório foi enviado, bem como quem lhe enviou e em que data esse ofício no sentido de ter maior cuidado no acompanhamento do efectivo.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem a palavra o Sr. Dr. Eduardo Maia Tavares.
O Sr. Dr. Eduardo Manuel Maia Pimentel Tavares (Chefe da Divisão de Sanidade Animal da Direcção Regional de Agricultura de Entre Douro e Minho): — Relativamente à questão do envio de material para o Laboratório, devo dizer que não é caso único enviar um cadáver inteiro. Neste caso foi um animal vivo, o que também não é caso único. Quando exerci actividade privada, várias vezes enviei animais vivos ou cadáveres de animais inteiros para o Laboratório; é uma situação perfeitamente idêntica à de mandar uma peça colhida no cadáver do animal.
Neste caso, penso que o facto de haver interesse, quer na investigação do caso, quer na própria observação da sintomatologia evidenciada pelos investigadores do Laboratório, quer até para ser tomado um maior cuidado na colheita do
material, é que terá levado a que o animal fosse enviado em vida para o Laboratório. Mas quanto à resposta ao pedido de análise, penso não haver qualquer diferença se tivesse enviado unicamente o cérebro do animal.
Quanto ao relatório do segundo caso, foi enviado à Direcção-Geral da Pecuária no dia 27 de Janeiro de 1993, o animal foi transportado no dia 29 de Janeiro de 1993 e a resposta da Direcção-Geral da Pecuária foi dada no dia 29 de Janeiro de 1993.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Foi o próprio director que fez a resposta?
O Sr. Dr. Eduardo Manuel Maia Pimentel Tavares
(Chefe da Divisão de Sanidade Animal da Direcção Regio-
nal de Agricultura de Entre Douro e Minho): — Não, a resposta foi feita pelo Sr. Director-Geral.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Srs. Deputados, não há mais incrições. Bem avisado andava eu quando manifestei a certeza de que iríamos recuperar tempo.
Sr. Dr. Maia Tavares, muito obrigado pelos esclarecimentos que nos trouxe. Se entender continuar connosco, teremos muito prazer nisso.
Pausa,
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Prof. Doutor Dias Correia, em nome da Comissão, renovo as desculpas
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do nosso atraso è-agradeço-lhe a sua disponibilidade para estar presente nesta Comissão. Se estiver de acordo, dar-lhe-ia de imediato a palavra para uma intervenção inicial, a que se seguiriam as questões dos Srs. Deputados.
O Sr. Prof. Doutor António Dias Correia (Professor da Escola Superior de Medicina Veterinária):—Com certeza, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem a palavra o Sr. Prof. Dr. António Dias Correia. •
O Sr. Prof. Doutor António Agostinho Dias Correia
(Professor da Escola Superior de Medicina Veterinária): — Charho-me António Agostinho Dias Correia, sou licenciado em Medicina Veterinária há 40 anós,-docente da Escola Superior de Medicina Veterinária há 34 anos, professor catedrático de Bioquímica da Faculdade de Medicina Veterinária há 12 anos e ex-perito da CEE nó Comité Científico da Secção de Saúde Pública Veterinária, onde, na última reunião, tive a Oportunidade de tratar precisamente do problema da BSE.
Muito agradecido pelas palavras amáveis que me dirigiram e muito agradecido ainda pela oportunidade que me concedem de tentar contribuir para os esforços que possam levar, no futuro próximo, a uma harmonização de pontos de vista sobre esta matéria. • -
Começaria por dizer que pensamos quê os exames clínicos e os exames histopatológicos efectuados no nosso país pelo Laboratório Nacional de Investigação Veterinária apontam fortíssimas suspeitas da existência do processo nos animais em causa. Pensamos, no entanto, que não podemos perder iríais tempo, tornando-se necessário completar os
exames efectuados com outro tipo de exames, para esclarecer,- de forma directa e inequívoca, a situação, procurando as causas e não apenas os possíveis efeitos. De facto, já em informação inglesa, disponível em Outubro de 1990, se afir- •* mava que a doença só podia'ser confirmada no exame post mortem através da vacuolização do cérebro e pelas fibrilhas associadas. Em relação a este último ponto, supomos que nada foi feito por ora no nosso país.
Numa perspectiva inglesa, digamos assim, é para um país onde já grassa a doença, convencionou-se qué o exame histopatológico, feito em determinadas condições, permite aos serviços actuar' de forma eficiente no campo da profilaxia sanitária, defendendo a saúde pública e a saúde animal. Numa perspectiva portuguesa, pensamos que, apesar de termos lido 12 000 bovinos importados de Inglaterra entre 1982
e 1989 —dos quais 20 a 40 poderiam vir a ser afectados pela BSE antes de a doença se vir a extinguir naturalmente — e uma vez que processo nunca fõi assinalado no nosso país, torna-se necessário completar as fortíssimas suspeitas provenientes' dos exames clínicos e histopatológicos realizados com outros exames que não são de rotina.
E esses exames são, por exemplo: 1.° Pesquisa das mi-crofibrilhas dos priões por microscopia electrónica, matéria em que existem no nosso país alguns especialistas,-que, por volta de 1968, estudavam priões de Scrapie em ratinhos e que são citados por autoridades mundiais nestes domínios; 2.° Caracterização electrofprética e por técnicas de imunoblotting de priões glicosilados purificados a partir de bovinos suspeitos; 3.° Marcação com anticorpos específicos concentrados anti-PrP glicosilado; 4.° Inoculação por via intra-cerebral ou peritoneal de material purificado em ratinhos — o período de incubação é de, pek> menos,'292 dias e, com o material suspeito no nos-
so país-em 1990, já poderíamos ter dados indicativos; 5.° Inoculação por via intracérebral em bovinos de material suspeito purificado.
Nada disto foi feito no nosso país desde 1990, quando apareceu O primeiro caso suspeito. Saliente-se que, em Inglaterra, em 1985 e 1986, foi assinalada a existência de BSE, tendo esta sido estudada em grande parte dos aspectos que-
acabámos de referir. Quando, em 1989, em Bruxelas, a Comissão Européia reuniu os Comités Científicos Veterinários de Saúde Animal e de Saúde Pública Veterinária — em que Portugal esteve representado pelo Dr. Matos Águas e pela minha pessoa—, todos estes dados já tinham sido estudados, havendo, portanto* prova directa por caracterização e identificação do agente. No entanto, só em 1989 é que foi sustida pela Comunidade a importação de bovinos de Inglaterra.
Pensamos que no nosso país já perdemos demasiado tempo — desde 1990— e que se torna urgente confirmar as fortíssimas suspeitas existentes em certezas iniludíveis. Claro que, para exames de rotina, depois da doença (BSE) declarada e implicitamente provada no país, não temos dúvidas de que o exame histopatológico feito em determinadas condições, e só por si, é um meio poderosíssimo para actuação profiláctica. Terá esta Comissão e a opinião pública em geral que gerar um clima desapaixonado e favorável à continuação das investigações necessárias ao esclarecimento possível deste problema. Transformemos, pois, estas sessões de trabalho num ambiente de estímulo para a realização do trabalho de investigação necessário.
Quanto à saúde pública e à saúde animal, dadas as características biológicas de transmissibilidade da BSE e as práticas adoptadas pelos serviços competentes no nosso país, a nosso ver, tem sido salvaguardadas a saúde dos consumidores c a saúde animal, não tendo a possível dualidade de critérios, da existência ou da inexistência da doença em Portugal, prejudicado esta situação.
Por último, pensamos que os não alarmismos sobre todo este processo, em conjunto com as medidas adoptadas pela Administração — aquisição dos animais suspeitos e sua destruição total após o abate — poderão contribuir, sem fazer perigar a saúde dos consumidores e dos animais, para que o consumo de carne bovina no nosso país não seja afectado, como sucedeu, por exemplo, em Inglaterra, em 1990.
E era este o depoimento que tinha para lhes transmitir.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Depoimento que nós agradecemos, Sr. Professor. Registámos, com particular
interesse, o apelo que fez relativamente à natureza dos nossos trabalhos, ou seja, que estes- possam ser um estímulo e um contributo para pacificar e apurar' aquilo que deve ser apurado nesta matéria.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Prof. Dias Correia, muito obrigado pelo depoimento que nos prestou.
Sr. Professor, nesta Comissão somos confrontados com várias situações: com a situação de, no terreno, encontrarmos casos que, em princípio, são de encefalopatia; com a situação de terem sido importadas 12 000 vacas, que logicamente trouxeram encefalopatia para Portugal; e com a legislação nacional e comunitária em relação à encefalopatia, relativa àquelas que são as bases de diagnóstico a nível oficial da encefalopatia.
' Dado que o primeiro caso aparece em Portugal em 1990, a pergunta que lhe faço é no sentido de saber se o
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Sr. Professor, em 1990, quando este primeiro caso apareceu, teve; conhecimento de haver casos de diagnóstico realizado pelos meios normais da Comunidade e pelos meios normais feitos em Inglaterra, da existência em Portugal de BSE. É que nós já tivemos aqui o depoimento do Sr. Dr. Matos Águas que foi muito claro quando disse que o Sr. Director--Geral suspendeu o conhecimento, fosse a quem fosse, do resultado do diagnóstico de 1990.
Assim, levantam-se dois problemas. Um problema levanta-se à comunidade científica porque esta é agora confrontada com uma situação diagnosticada e encoberta em 1990 e que me leva a perguntar ao Sr. Professor se nesse ano teve conhecimento (ou se tem conhecimento) de algum professor que tivesse levantado a questão de clarificar a parte científica, é que, como deve compreender, estamos aqui a julgar situações de convénios internacionais portugueses e de funcionamento normal de um Estado que tem que respeitar, não só perante a comunidade científica internacional, mas também perante a comunidade científica nacional, os compromissos que assume. Esta a primeira pergunta.
Entretanto, tenho conhecimento que o Instituto Ricardo Jorge quis importar priões de encefalopatías bovinas para Portugal mas que o Sr. Director-Geral proibiu garantindo que o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária (LNTV) estava em condições de diagnóstico total e que o Instituto Ricardo Jorge não devia importar esses priões pois,' quer a nível de material humano quer de outro material indispensável, o LNTV estava devidamente apetrechado.
Mas neste momento aparecem — e desculpe, colocar a questão— aqui varias pessoas a dizer que é preciso comprovar cientificamente aquilo que está comprovado em Inglaterra. E como os animais são daí importados, a terceira pergunta que coloco ao Sr. Professor é a seguinte: se esta mesma vaca que veio para Portugal estivesse em Inglaterra, de acordo com o diagnóstico normal feito pelo LNTV, tinha encefalopatia mas, como a vaca está em Portugal, já não tem e são precisos alguns exames suplementares para confirmar a doença? Isto é, a mesma vaca tem que ser vista com critérios científicos dos cientistas portugueses ou dentro do critério científico já adquirido pela própria Comunidade, pelos próprios cientistas comunitários nesta matéria?
Outra questão é a que me parece mais gravosa. Inicialmente, quando levantei este problema, estava convencido que o Director Geral só tinha sonegado os dados à comunidade científica nacional e internacional por razões que não têm explicação. Mas o Sr. Professor vem agora falar na questão do consumo. E eu pergunto-lhe: é mais importante, em termos da comunidade, não só nacional como internacional, clarificar esta situação e, no fim de contas, responder aos compromissos internacionais que foram adquiridos ou vale a pena sonegar, isto é, sonegar para não prejudicar o consumo? A pergunta é muito simples: o vil metal está acima dos interesses científicos da comunidade nacional ou internacional?
A outra pergunta que lhe faço tem a ver com a saúde pública. Falou-se em saúde pública e de tudo o que li nesta matéria não há, neste momento, dado o prazo de incubação da doença, que pode ir até aos oito/nove anos, um conhecimento perfeito — e penso que o mesmo cuidado científico se tem de pôr em relação ao diagnóstico — de quais os efeitos da BSE na saúde pública.
No entanto, a comunidade científica tomou algumas medidas. Nos países em que a doença foi declarada tomou medidas em relação à recolha do fígado para os fortificantes, bem como em relação a outros tecidos. E tomou-as porque não tem hoje conhecimento de quais são os efeitos na
saúde pública duma situação destas, pois não está provado que haja qualquer transmissão nem vertical nem horizontal mas há, neste momento, dúvidas dado que se trata de uma doença recente e com um período de incubação muito grande. Portanto, não há nenhum cientista, em matéria de saúde pública, que afiance que isto não tem importância e que podemos comer vacas com encefalopatias tal como comemos o charolês criado no Ribatejo sem hormonas e sem be-tagonistas.
Uma outra pergunta também relativa à saúde pública. O Sr. Professor diz que há fortíssimas suspeitas e que o LNTV não faz o diagnóstico como fazem os franceses, os ingleses ou qualquer outro país. Mas a França declara as encefalopatias pelo mesmo processo de exame que se faz em Portugal. Assim, a questão que coloco é: em Portugal devemos utilizar outra metodologia ou, dado que tudo isto é um acordo comunitário, o exame feito pelo LNIV, tal como fazem a Inglaterra ou a França, serve de prova ou não?
E, para mim, continua esta a coisa espantosa! Já lá vão três anos desde o primeiro caso e foi bom levantarmos esta situação para se levantarem agora as questões das chamadas formas complementares de diagnóstico e para a comunidade científica vir — e na minha opinião bem — ajustar contas com o Sr. Director-Geral porque prejudicou a comunidade científica bem como com V. Ex.a, com o Prof. Braço Forte, o Prof. Lage. É que W. Ex." vieram aqui agora, ,mas se em 1990. lhes têm sido comunicados os resultados, não viriam.com a dúvida que têm actualmente. É que o Sr. Director Geral, quando obriga o Dr. Matos Águas a não entregar os elementos, a não divulgá-los, a escondê-los de toda a gente, prestou um péssimo serviço, não só a V. Ex.J, mas também ao Prof. Braço Forte, ao Prof. Lage, na medida em que cientificamente — e os senhores são cientistas — estão prejudicados com três anos de atraso nesses tais exames complementares destinados a provar com todo o rigor as encefalopatias. É assim, Sr. Professor?
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Para responder às perguntas formuladas, tem a palavra o Sr. Prof. António Dias Correia.
O Sr. Prof. Doutor António Agostinho Dias Correia
(Professor da Escola Superior de Medicina Veterinária): — Vou procurar responder às seis questões que me colocou o Sr. Deputado António Campos, mas se for omisso em relação a algum dos pontos agradecia que me ajudasse a explicitar a minha resposta.
Em primeiro lugar, em 1990, ou por volta dessa data, realizou-se um colóquio no LNIV sobre a BSE e em que estiveram presentes o Professor Castro Caldas, da Faculdade de Medicina, o Dr. Matos.Águas, como palestrantes, o Professor Nunes Petisca, o Professor Penha Gonçalves e eu próprio. Portanto, em 1990, já depois dessa reunião em Bruxelas em que se tratou desse assunto, realizámos, no LNIV, um colóquio especificamente dedicado a esta matéria. No entanto, Sr. Deputado António Campos, não lhe posso dizer com certeza, mas, provavelmente, na altura falaram-nos das dúvidas, das suspeitas que existiriam. Repare, eu continuo a admitir neste momento as fortíssimas...
O Sr. António Campos (PS): — Mas o Sr. Director-Geral já tinha essas.análises na mão.
O Sr. Prof. Doutor António Agostinho Dias Correia (Professor da Escola Superior de Medicina Veterinária): — Sim, sim.
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' O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado António Campos, peço-lhe que não interrompa o Sr. Professor quando ele está no uso da palavra,
O Sr. Prof. Doutor António Agostinho Dias Correia
(Professor da Escola Superior de Medicina Veterinária): — Em função das análises que o Sr. Director-Geral tinha na mão — até há dias tive oportunidade de ver nas mãos do distinto investigador Azevedo Ramos fotografias da BSE obtidas no microscópio óptico e idênticas a outras que tenho na pasta —, e dado que, para mim, como disse há pouco, e bem, o Sr. Deputado, este é um processo que está a ser estudado há relativamente poucos anos. Essas lesões podem hão ser inequívocas e manifestam apenas um efeito do processo, e não reflectem nada em relação ao agente. E é por isso mesmo que proponho —e já propusemos em 1990 — que fossem feitos outros exames, que não caracterizassem efeitos mas sim o agente responsável pela BSE, que são as tais microfibrilhas, a tal microscopia electrónica, a tal electroforese, etc. Portanto, em 1990, todas essas questões tinham sido levantadas.
Aliás, essas metodologias não são de rotina, e é claro que a utilização da microscopia óptica, tal como o LNTV fez depois de terem ido a Inglaterra investigadores frequentar dois cursos em que obtiveram aprovação — os cursos podem ser frequentados e as pessoas não serem aprovadas e podem não ficar capacitadas para fazer um diagnóstico —, é um diagnóstico que tem um valor igual às análises clínicas em que por vezes se faz uma e posteriormente são precisas outras para clarificar todo o processo.
E é por aí, repare, que eu, pessoalmente, e dada a minha formação bioquímica, senti que era necessária mais qualquer coisa pois para mim não era suficiente, neste contexto e neste momento, agarrar apenas no exame histopatológico porque este exame pode não transmitir essa certeza, embora o Dr. Azevedo Ramos me tenha dito que esta situação, com um grande grau de certeza, estava correlacionada em 90% com situações de BSE.
Todavia, acho estranho, por duas ordens de razões. Em primeiro lugar, o material tem de ser colhido em condições muito especiais. Repare que no primeiro caso, em 1990, o animal fez uma fractura femoral, foi abatido e só cinco dias depois é que o material foi enviado ao LNTV. Mas para um diagnóstico da BSE é preciso unv processo de fixação especial. Tenho dúvidas, embora depois no dignóstico histopatológico se tivessem confirmado aspectos lesionais característicos. É estranho num animal que teve já um certo grau dé autólise e após a morte há um quadro característico que
coincide com a BSE, e de duas uma: ou esse quadro pode aparecer em situações que não sejam específicas de BSE ou então não há dúvida de que a informação dos ingleses, quando nos dizem que não pode ocorrer autólise, não é suficiente.
Portanto, tentei responder à primeira pergunta, mas não sei se está satisfeito.
O Sr. António Campos (PS): — Mas é que são cinco casos! Em relação a um ainda podíamos admitir.
O Sr. Prof. Doutor António Agostinho Dias Correia
(Professor da Escola Superior de Medicina Veterinária): — Mas continuo a dizer-lhe o mesmo. Para mim há fortíssimas suspeitas mas é necessário esclarecê-las. Todavia, tenho re\utância em só com aquele exame assumir internacionalmente a posição clara de dizer que há. É que os ingleses, em 1989, quando nos apareceram em Bruxelas e
lhes- foi proibida a exportação de bovinos, já tinham feito o resto, já tinham visto o prião em microscopia electrónica,
tinham feito electroforese, inoculações, etc. .Portanto, eles já
tinham caracterizado e identificado o agente.
E isto encaixa na pergunta, muito interessante, que me fez há pouco: «se fosse em Inglaterra como era? Este animal, se fosse em Inglaterra, tinha BSE ou não?» Sr. Deputado, eu não sei se ele teria BSE. Sabe que por vezes paga o justo pelo pecador, como viu há dias na televisão em relação à peste suína africana e em que animais suspeitos, mas dos quais não se tinha certeza de terem a doença, são abatidos.
Portanto, esta prova, este exame histopatológico é magnífico como rotina para fazer uma prospecção, especialmente em Inglaterra, um país onde já está declarado o processo. Quanto a mim; utilizar apenas este processo, para dizer que existe... Para mim era necessário ir mais além. E oxalá que os Srs. Deputados consigam, com a vossa força, impulsionar a investigação científica para que isto venha a ser confirmado, porque teremos, nessa altura, provas seguras de que este exame histopatológico foi realizado nas melhores condições: ■
Passando à segunda pergunta, sobre a importação de priões realizada pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, e que o Ministro proibiu, devo dizer que não estou bem dentro do assunto...
O facto de o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária querer fazer as coisas, isso podem ser questões de hegemonia. Não percebo por que razão todos os sectores, laboratórios e pessoas interessadas no processo não o hão--de estudar. A grande autoridade mundial nesta matéria é um homem da neuroquímica humana que trabalha num laboratório de bioquímica e biofísica nos Estados Unidos da América: o Dr. Prusiner.
Há pouco, quando falava na microscopia electrónica, não referi os cientistas portugueses que identificaram isto com grande facilidade em 1968. São o Professor David Ferreira, que está na Faculdade de Medicina, e a esposa, uma senhora sueca que colabora com ele. Portanto, não percebo o facto de o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge querer e não...
O Sr. António Campos (PS): — Também não percebo!
O Sr. Prof. Doutor António Agostinho Dias Correia (Professor da Escola Superior de Medicina Veterinária): — Pois! Quantas mais pessoas estiverem a trabalhar nisto, melhor. Mas o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária é que se opôs. Tenho o maior respeito e admiração pelo Laboratório, onde trabalhei alguns anos, e pelo Dr. Matos Águas, que é uma pessoa que se tem preocupado, de alguns anos a esta parte, com esta matéria e é um profundo conhecedor em matéria de priões. Sei isso.
A terceira pergunta está respondida. A prova serve para efeitos de triagem. Quando, em 1989, os ingleses reconheceram na CEE que o processo lá existia, não se basearam apenas no exame histopatológico, todos os outros exames tinham sido feitos: as microscopias electrónicas, as microfibrilhas, as SAF estavam caracterizadas, tinha-se visto com alguns reagentes químicos, etc.
Quanto à quarta questão, sobre se o director sonegou dados à comunidade por razões mais importantes em termos de consumo, não o sei esclarecer sobre esse assumo
porque não- estou dentro dele, mas penso que a preocupação do director-geral da Pecuária, na medida em que não criou alarmismos na opinião pública...
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Todos vimos o que se passou em 1990, em Inglaterra. Aparecia o Sr. Secretário de Estado da Agricultura, na televisão, a comer hamburgers, para levar a população ao consumo de carne bovina, que tinha diminuído drasticamente. Na minha óptica, esta posição do Sr. Director-Geral da Pecuária, pelo menos, atenuou até agora a possibilidade de se verificar essa situação.
O Sr. António Campos (PS): - Dá-me licença que o interrompa?
O Sr. Prof. Doutor António Agostinho Dias Correia
(Professor da Escola Superior de Medicina Veterinária): — Faça favor.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Professor, em 1990 aparece o primeiro caso, depois aparecem vários casos. Passaram três anos e ainda não sabemos se temos encefalopatia ou não. Na minha opinião, que não sou cientista, sou Deputado e tenho de preservar interesses, entendo claramente que temos casos de encefalopatia, porque importámos 12 000 vacas, todas inglesas. O processo que ocorre aqui é o mesmo de Inglaterra, pelo que não preciso desses diagnósticos complementares. Tenho a certeza de que há entre 20 a 40 animais com encefalopatia. A minha perspectiva é de critica por não ter havido informação. Isso, a meu ver, é claro como cidadão e não como cientista, porque não havia nenhum processo de as impedir de entrar. Depois, com as provas normais feitas pelo Laboratório, como aconteceu em Inglaterra, para mim, essa questão também está arrumada.
A questão do conflito, sim, é gravíssima. Sonegar-se, desde 1990, informação... E isto pode ser um processo de intenção, porque o director-geral poderia ter razões de natureza ética e profissional que o obrigassem a esconder... Agora, o consumo não é aceitável, porque com a guerra que, hoje, a comunidade científica — nacional ou internacional — trava para preservar a saúde pública, esta está acima de todos os consumos, índices e interesses.
Quando digo isso posso admitir até que se tratou de um processo de intenção ao director-geral, mas penso que ele deve ter razões, que depois nos virá explicar, sob o ponto de vista profissional, para impedir isso. Mas o consumo é que nunca é aceitável!
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado António Campos, como o ex-director geral da Pecuária vem aqui esclarecer estas questões, sugiro-lhe que não suscite esses problemas, que podem ser esclarecidos não com o Sr. Professor mas com o Dr. Machado Gouveia.
Sr. Prof. Doutor António Dias Correia, faça favor de continuar.
O Sr. Prof. Doutor António Agostirtho Dias Correia (Professor da Escola Superior de Medicina Veterinária): — O Sr. Deputado António Campos colocou-me questões sobre a saúde pública e a sua defesa, o período de incubação, e referiu o facto de não estarem estudados os efeitos. Afirmo piamente o que trazia escrito no início, e que deixarei ao Sr. Presidente da Comissão.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — E que agradecemos desde já. St. Professor.
O Sr. Prof. Doutor António Agostinho Dias Correia
(Professor da Escola Superior de Medicina Veterinária): — A meu ver, as práticas adoptadas pela Administração salva-
guardaram a saúde pública, porque, como — e bem — disse o Sr. Deputado António Campos, não há transmissão horizontal ou vertical. Em todos os casos suspeitos, os animais foram adquiridos e queimados, portanto, não houve a mínima hipótese de transmissão ao consumo público. De resto, essa transmissão parece realizar-se mais pelo consumo de farinhas de proteínas de origem animal, normalmente tratadas com solventes orgânicos, porque o prião é muito resistente a certas temperaturas. Portanto, penso que, no País, essa questão está perfeitamente salvaguardada e defendida.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Professor, obrigado pelas suas declarações. Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Sr. Professor, queria apenas colocar-lhe duas questões.
É convicção do Sr. Professor que, apesar das fortíssimas suspeitas existentes neste quatro animais detectados, é necessário realizar exames complementares —estes cinco que aqui especificou — para confirmar a doença. Sem esta confirmação, apenas com o exame histopatológico, no seu caso, com os seus conhecimentos, se fosse director-geral, confirmava a doença?
O Sr. Professor entende que deve ser o director-geral da Pecuária a dizer ao director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária que métodos deve utilizar, ou deve ser o próprio director a utilizar todos os métodos possíveis? Até porque, tal como o Sr. Professor disse, já era do conhecimento do Dr. Matos Águas, em 1990, a necessidade destes vários métodos auxiliares e complementares para um diagnóstico ser confirmado. Se o Sr. Professor fosse director-geral assumia este diagnóstico histopatológico como confirmação da doença ou solicitava ao Laboratório que avançasse para outros métodos, no sentido de confirmar esta doença?
Finalmente, pergunto-lhe se entende que a actuação dos serviços oficiais, ao detectarem algumas suspeitas, adquirirem o animal, fazerem os exames histopatológicos e destruírem a carcaça, é uma actuação correcta, que preservou qualquer hipótese de contaminação ou de prejuízo para a saúde pública ou para outro efeito nocivo. Pensa que esta postura é correcta ou outras medidas podiam e deviam ser tomadas pela Administração, de forma a acautelar a saúde pública? "
O Sr. Prof. Doutor António Agostinho Dias Correia
(Professor da Escola Superior de Medicina Veterinária): — Começando pela segunda pergunta, Sr. Deputado, entendo que foi correcta a posição assumida pela Administração. À aquisição dos animais suspeitos e, depois, a sua destruição total quebrou o ciclo, pelo que não é possível resultarem daí inconvenientes para a saúde pública ou para a saúde animai, pois a transmissão aos animais, tanto quanto se
sabe até hoje, parece que se faz por via oral, em condições especiais e com farinhas. De resto, admite-se até que a origem da BSE tenha sido a scrapie, que já há séculos ocorre em Inglaterra.
Em relação à primeira pergunta, coloca-me numa situação difícil, porque eu, provavelmente, nunca poderia ser director-geral, dada a minha formação intrinsecamente virada para a investigação e... não digo cientista que é um termo empolado e pretensioso, mas toda a minha vida tenho feito docência universitária e investigação científica, pelo que não poderia ser director-geral.
Agora, entendo que, provavelmente, o Sr. Director-Geral não quis sonegar aos colegas que assistiam os animais essa
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informação. Os colegas saberiam sempre por «portas travessas». Esta é uma situação, semelhante à que existe quando se põe a questão de dizer a um doente que se suspeita de
que ele tem um cancro Vamos dizer-lhe ou não? Penso que os veterinários saberiam; mais ou menos, o que estava a acontecer. O problema de fundo é saber se, na realidade, haveria ou não a certeza absoluta de que se tratava de BSE. Havia três, quatro casos, um quadro histopatológico de fortíssimas suspeitas, mas, a meu ver, faltava a confirmação. Eu compreendo esta dualidade de posições. Como é que eu procederia? Não lhe sei dizer, Sr. Deputado. A posição de director-geral deve sér extraordinariamente.difícil.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — O Sr. Deputado António Campos aprestava-se a interpelar a Mesa. Com certeza com razão, porque houve aqui algumas questões que... Mas, de qualquer forma, Sr. Deputado...
O Sr. António Campos (PS):—Pretendia apenas pedir um esclarecimento ao Sr. Professor:
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Dar-lhe-ei a palavra para pedir o esclarecimento complementar. Mas, Sr. Deputado António Campos, não podemos ter «dois pesos e duas medidas». Admiti que se extravasasse do âmbito da nossa audição parlamentar, fazendo-se apreciações num determinado sentido. Por uma questão de equidade também teria de aceitar-que se fizessem considerações no sentido contrário. Mas peço aos Srs. Deputados que se circunscrevam ao objecto da nossa audição. •
Pará colocar uma última questão ao Sr. Professor, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos. •
O Sr. António Campos (PS): — Que -é, de facto, aquela que extravasa um pouco. •
O Sr. Presidente (Antunes da Silva):— Então, peço-lhe que não' a faça. ;
O Sr-António Campos (PS): — Não, tenho de a fazer porque ela está registada e preciso de...
O Sr. Professor disse que a acção da estrutura oficial fòicorrecta e que o director-gerál actuou correctamente. O director-geral e o Governo Português tinham assumido acordos internacionais. A doença é de declaração obrigatória, o Estado Português comporta-se de uma forma Uneár nessa matéria, porque a partir desse momento cria legislação interna, alguns'investigadores vão a Londres para se enquadrarem no-processo de análise, e tudo está
correcto até aí. Só não está correcto quando, em 1990, •aparece o primeiro caso e a Administração Portuguesa não reúne o conselho técnico da Direcção-Geral para imediatamente haver uma comprovação científica, no caso 'de haver alguma'dúvida. '-■ '"
Portanto, há aqui um processo de sonegação que ocorreu entre 1990 e 1993 e que não posso deixar ficarem claro, como atitude reprovável e cuja explicação nos vai ter de ser dada nó fim desta audição. Mas, a documentação de que disponho, a forma como foram calados os técnicos e nenhum técnico do terreno teve conhecimento... Òs únicos casos em que eles não tiveram acesso às análises ou a qualquer informação foram esses próprios casos, Sr. Professor. Portanto, não posso deixar passar em claro que a actuação é correcta quando, sob o ponto de vista profissional, da ética profissional, do Estado Português, dos acordos • internacionais, da comunidade científica- nacional, da comunidade científica
internacional, tudo isto é altamente reprovável e terá de ser penalizado num Estado de direito, porque, felizmente, também há leis para penalizar estas situações.
Está aqui Um colega seu que mandou aromais e mmca recebeu qualquer resposta. Recebemos aqui veterinários que tiveram casos entre mãos e só tiveram conhecimento agora pelos jornais — casos de 1990. Não é, pois, admissível, Sr. Professor, eu deixar passar em claro a afirmação que foi feita.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Professor António Dias Correia, tem a palavra.
O Sr. Prof. Doutor António Agostinho Dias Correia
(Professor da Escola Superior de Medicina Veterinária): — Quero dizer apenas ao Sr. Deputado António Campos que quando rotulei de correcta a actuação do Sr. Director-Geral da Pecuária estava a pensar sobretudo nos problemas do consumo público. Não estava a pensar em sentido total e amplo, porque desconheço em pormenor a forma como actuou interna e externamente o Sr. Director-Geral da Pecuária.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Professor, agradeço-lhe o depoimento que teve a gentileza de fazer, a disponibilização do documento que em parte o consubstanciou e a disponibilidade que manifestou para prestar esse mesmo depoimento. Uma vez mais, apresento-lhe as nossas desculpas pela demora, que não estava prevista no programa dos nossos trabalhos.
Se quiser dar-nos o prazer e a honra de continuar connosco, temos muito gosto nisso.
Pausa.
Sr. Dr. João Cotta Dias, muito obrigado pela sua presença Renovamos, desde já—penso que não é demais fazê-lo —, os nossos pedidos de desculpa pelo atraso com que vai prestar as suas declarações. O Sr. Dr. João Cotta Dias não teve oportunidade de ouvir as considerações prévias que fiz no início dos nosso trabalhos, mas esta reunião é pública, como já se apercebeu.
Estamos a seguir uma metodologia que se traduz na possibilidade de a pessoa que vem prestar o seu depoimento fazer uma declaração inicial nos termos que entender e, posteriormente, se assim o desejar, ficar, disponível para prestar os esclarecimentos que os Deputados entendam, eventualmente, pedir-lhe.
Assim sendo, pedia ao Sr. Dr. João Cotta Dias que, antes de iniciar o seu depoimento, se indentificasse para ficar no
registo da gravação desta nossa reunião. Sr. Dr. João Cotta Dias, tem a palavra.
O Sr. Dr. João Manuel Cotta Agostinho Dias (Técnico da Secretaria de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar): — Sr. Presidente, o meu nome é João Manuel Cotta Agostinho-Dias e concluí a licenciatura em Medicina Veterinária em 1952.
Na minha -vida profissional posso- destacar o facto de ter sido responsável, durante 10 ou 11 anos, por lodo o sistema de classificação e inspecção de leite no País, nomeadamente pela selecção de leite destinado à Central Pasteurizadora de Leite de Lisboa, sendo esta cidade, na altura, o maior centro consumidor de leite pasteurizado do País. Posteriormente, fui vice-presidente de um organismo de coordenação económica, que era responsável pelo abastecimento do País em produtos de origem animal, quer destinados à ali-
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mentação humana, quer destinados à indústria. Após uma episódica passagem por uma grande empresa de lacticínios fui subdirector-geral do Instituto de Qualidade Alimentar. Nesta circunstância estive quatro anos e, posteriormente, em 1986, assumi a presidência daquele Instituto de onde saí em 1990.
Srs. Deputados, em primeiro lugar, quero dizer que não sou cientista, não sou professor, mas, apenas, um técnico que
serviu a Administração Pública em lugares de responsabilidade, mormente aqueles que desempenhei a partir de 1986.
Relativamente à encefalopatia espongiforme dos bovinos (BSE), pouco mais sei do que aquilo que é relatado nos jornais. Inclusivamente, devo dizer-lhes que o se passa na comunicação social — não só nos jornais — deixa-me um tanto apreensivo, porque, efectivamente, exerci funções de decisão em termos de salvaguarda da saúde pública. Foram momentos particularmente delicados, nomeadamente quando se deu o acidente de Chernobyl, em que era obrigatório controlar todos os géneros alimentícios e animais vivos provenientes de vastas regiões do globo. Num outro aspecto mais restrito — e ainda nessas condições — tive ainda de assumir responsabilidades quando surgiu na Europa um surto de nsteriose, que provocou a morte em cidadãos suíços e franceses.
Nessa circunstância, passe a minha modéstia olho estes problemas com algumas reticências. Na minha formatura em Ciências Veterinárias, já lá vão muitos anos, aprendi que um diagnóstico tem de ser feito com um conjunto de informações para ser possível caracterizar e dizer que é a doença x ou y. Se assim não fosse, limitávamo-nos a colher os sintomas, a introduzir esses sintomas ou os resultados laboratoriais num computador e teríamos uma resposta.
Daí que esta matéria é extremamente melindrosa e, por isso, o diagnóstico diferencial e identificação de agente causador da doença são fundamentais para a definir.
Ora, por aquilo que ouvi, parece-me que esta situação não ocorreu. Admito que existam fortes suspeitas de que houve quatro casos de BSE em bovinos importados de Inglaterra. Mas isto não é a mesma coisa que dizer que há em Portugal BSE. O facto de entrar no País um indivíduo com febre amarela, não quer dizer que em Portugal há febre amarela.
Se fosse, porventura, director-geral da Pecuária, tinha de ser muito cauteloso para não acontecer o fenómeno que é muito frequente em países como o nosso, um pequeno país, de grande sensibilidade, onde o consumidor deixa de consumir logo que se noticia a existência de uma doença nos bovinos ou em qualquer outra espécie. De um modo geral, atendendo a que é matéria extremamente complicada, as pessoas não estão em condições de entender os meandros de uma situação destas.
Srs. Deputados, estamos no campo da biologia, que não é matemático. O velho aforismo de Hipócrates de que não há doenças mas doentes é muito certo e aplicável nesta circunstância.
Primeiro, é uma doença em relação à qual existe uma suspeita muito forte, mas não há uma certeza; segundo, estamos perante uma doença que não é transmissível, nem horizontal nem verticalmente como é afirmado por alguns cientistas através dos documentos que tive oportunidade de ler; terceiro, é uma doença que tem um período de incubação relativamente longo, e os animais jovens não são atacados.
Até agora, em relação aos animais que apareceram com esta sintomatologia, ou com a doença que foi diagnosticada em Inglaterra, a causa foi determinada. Mas aqui em Portugal tal não aconteceu. Portanto, em primeiro lugar, pàrece-
-me que a posição da Direcção-Geral da Pecuária era defender a saúde pública. Isso foi feito. Mas, mais do que isso, era preciso não alarmar a população portuguesa, porque sabemos quais são os efeitos desses alarmes.
Srs. Deputados, fui duas vezes à televisão aquando do acontecimento de Chernobyl: ao 24 Horas, a primeira vez, e ao Telejornal das 20 horas pela segunda vez. A minha preocupação primeira foi a de não alarmar a população, o que consegui. Por exemplo, ninguém sabe, provavelmente, que rejeitámos um barco com 30 000 t de trigo que devolvemos à procedência — aqui era devolver à procedência não aceitar e destruir— frutos secos provenientes da Turquia, como também ninguém sabe que foram inutilizados largos quilos de queijo do tipo camembert, que entraram pelo porto de Setúbal.
Quando se dá o alarme de que algo se passa no gado bovino, a primeira coisa que acontece é baixar a procura da carne desta espécie. Poderia não haver qualquer risco, mas a reacção é sempre a mesma: quer o consumidor quer o produtor ficam alertados, e perante a dúvida o primeiro deixa de comprar o segundo deseja vender. A ampliação de oferta leva a baixa de preço no mercado que, por sua vez, cria no sector uma situação de crise. Penso que foi esta situação que o director-geral da Pecuária quis, efectivamente, evitar.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Dr. João Cotta Dias, muitíssimo obrigado pelas declarações. Tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Presidente, o Sr. Dr. João Cotta Dias fez aqui uma intervenção fora do quadro normal do funcionamento do Estado de direito, pois o Estado Português, o Estado Francês e o Estado Inglês assumiram compromissos. Tanto quanto tenho conhecimento, os casos que surgiram em França estão relacionados com as vacas inglesas, aliás como em outros países da Comunidade onde foi declarada a própria doença.
O apelo que o Sr. Dr. João Cotta Dias fez é mais ou menos o seguinte: são casos de vacas importadas — todos sabemos isso — e pode haver entre 20 a 40 casos de encefalopatías em Portugal!...
Sr. Doutor, todos sabemos isso nesta Comissão, na medida em que fazemos as contas tendo por base a percentagem inglesa e as vacas que importámos!
, Aliás, o primeiro diagnóstico feito num país foi em Inglaterra. A Comunidade, quando faz a declaração obrigatória estabelece um método de diagnóstico que é utilizado na própria legislação portuguesa, bem como nas legislações inglesa e francesa.
Com efeito, o Sr. Dr. João Cotta Dias diz que são poucos casos, que não vale a pena alargar..., ou, então, somos um país de cientistas especiais, de um grande quadro científico, e que os outros países obedecem às bases de diagnóstico que fazemos!... Até talvez tenhamos uma estrutura científica muito diferente da dos outros páises e, portanto, temos a obrigação de fazer o complemento daquilo que os outros países não fazem, apesar de mais ricos do que Portugal, que têm uma estrutura científica muito maior do que a nossa, mas devo dizer que, enquanto país pequeno, devíamos ter uma grande estrutura científica.
Talvez fosse por essa via, mas não é esse o caso que estamos a debater e, portanto, o Sr. Doutor vem fazer aqui — desculpe o pequeno aparte, e o Sr. Presidente vai deixar--me fazê-lo — a história dos metagonislas e das hormonas
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em Portugal, com o ministro a dizer na televisão «comam isso que não faz mal à saúde pública». É dentro dessa perspectiva que o Sr. Dr. João Cotta Dias fez a intervenção: o
que é preciso é salvar os preços; não há grande problema
porque os preços são internacionais; nós importamos em grande quantidade e estamos numa economia aberta e como temos uma importação em volume de tal natureza em carnes não nos preocupa isso... Mas preocupa-se muito com a saúde pública e com o funcionamento normal de um Estado democrático, de um Estado de direito..
Relativamente ao problema dos bovinos, a questão que coloco é a seguinte: o Sr. Dr. João Cotta Dias põe em causa os seus colegas e os resultados laboratoriais? Põe em causa os homens que detectaram os casos e que foram fazer um estágio a Inglaterra para utilizarem cá a metodologia que lá aprenderam? O Sr. Doutor pensa que o director-geral, ao «meter no bolso» essa informação e ao proibir o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária de dar informações aos técnicos e aos veterinários procedeu bem? E colo-
co-lhe estas questões não como homem que está no posto em que está, mas como veterinário que é!
O Sr. Doutor tem conhecimentos científicos superiores aos dos Drs. Matos Águas, Alexandre Galo ou Azevedo Ramos para poder pôr aqui em causa a existência da doença? Trabalha nalguma área profissional ligada a esta matéria que permita um diagnóstico de forma a termos aqui informação precisa e novidades? Concorda que o Estado Português assine acordos, passe para a legislação portuguesa esses acordos — porque cumpre em termos legislativos — e que depois tudo isso fique no escuro e ninguém queira apurar a verdade? Tudo isto se passa desde 1990, e porque o Sr. Director-Geral não tem dúvidas quanto ao diagnóstico — até seria mais grave se as tivesse!
Compreenderá que se o Sr. Director-Geral tivesse alguma dúvida quanto ao diagnóstico, ele, que é um profissional, um veterinário, aquando do primeiro caso de 1990, teria chamado logo ali quem lhe fizesse o complemento do diagnóstico. O Sr. Director-Geral, tenho a certeza, não tem dúvida alguma! E, por isso mesmo, sonegou a informação. É que se tivesse alguma dúvida, desde 1990, ele teria pedido aos cientistas portugueses resultados complementares e, nesse caso, teria faiado com o Srs. Professores António Dias Correia, Braço Forte e Manuel Cardoso Lage.
A questão mais grave que se coloca é que, nem sob o ponto de vista científico, o Estado Português quis confirmar! Se o tivesse feito em 1990, aquando do primeiro caso, tinha imediatamente chamado as pessoas para fazerem os diagnósticos complementares.....
O Sr. Doutor não pode fazer-nos aqui um depoimento em TftaXéria alimentar, de saúde animal e de saúde pública, porque, como disse —e muito bem—, é uma doença nova, em relação à qual a Comunidade tomou medidas legislativas. E nós, quando colocamos o problema, fazemo-lo de uma forma soft. Ora, quem vai..desmentir essa afirmação é o Sr. Secretário de Estado, o que me obriga a«trazê-lo» ao Parlamento. É.que, quando um membro do Governo tem, desde 1990, elementos na mão e, em vez de procurar a verdade, chama-me mentiroso, o Sr. Doutor há-de compreender'que estou numa situação em que tenho de obrigar o Estado Português a cumprir aquilo que assinou e a clarificar a situação.
O seu depoimento não vai no sentido da clarificação mas, sim, no de dizer que o que interessa é defender o preço da carne e não a saúde pública. Foi esta a interpretação que fiz."
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado António Campos, invocou a minha benevolência. Ela é muita, mas não tanta que não me obrigue a dizer-lhe o seguinte:
temos de saber distinguir o que é acordo com um depoimento do que é a aceitação desse depoimento. E não podemos ter a veleidade de pensar que vamos impor, seja a quem for, o tipo ou o conteúdo de depoimento que as pessoas aqui nos trazem. A minha benevolência é, de fado, muita, mas não tanta ao ponto de deixar de dizer-lhe isto. Tem a palavra o Sr. Dr. João Cotta Dias.
O Sr. Dr. João Manuel Cotta Agostinho Dias (Técnico da Secretaria de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar): — Sr. Deputado António Campos, a maior parte dos meus colegas que citou trabalharam lado a lado comigo no Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, nomeadamente o Dr. Matos Águas, que conheço muitíssimo bem. E conheço também muitos outros, que, suponho, já aqui estiveram, como os Srs. Professores Braço Forte,
Manuel Cardoso Laje e António Dias Correia, meu companheiro no Laboratório durante alguns anos.
Sr. Deputado, cada vez me convenço mais que estamos perante uma situação de suspeita e não de certeza, porque pessoas como os Srs. Professores António Dias Correia, Braço Forte e Manuel Cardoso Laje falam de fortes suspeitas e não de certezas...
O Sr. António Campos (PS): — Esconderam-lhes o material!
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado, faça o favor de não interromper.
O Sr. Dr. João Manuel Cotta Agostinho Dias (Técnico da Secretaria de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar): — Desculpe, Sr. Deputado, mas isso são palavras! Faço o depoimento que posso. Se ele é útil ou não o problema não é meu e não fico ofendido se o rejeitarem. Faço o depoimento que devo e não estou aqui para fazer fretes a quem quer que seja, porque nunca os fiz na vida, ao longo de 42 anos de exercício de funções, como profissional e como funcionário.
Em matéria de saúde pública e de saúde animal há uma coisa que é fundamental, para além de todas as investigações que se façam — é o senso. E quem quer saber ler os papéis que o faça! A Direcção-Geral de Pecuária alertou os veterinários portugueses para a existência dessa doença, trans-mitindo-lhes a sintomatologia. Por isso, o diagnóstico sintomatologia) foi feito. A Direcção-Geral, através do despacho do Sr. Ministro da Agricultura publicado no Diário da República, de 28 de Março de 1990, também põe o problema da proibição de importações. Em 28 de Maio, a Direcção--Geral da Pecuária volta a dar conhecimento de um novo despacho do Gabinete do Sr. Ministro. Quer dizer, este é um assunto perfeitamente conhecido.
O Sr. Deputado perguntou-me se, no caso de eu ser director-geral, chamaria os Srs. A ou B. O que posso dizer-lhe — e tenho maior experiência disso que o Sr. Deputado —, porquanto fui director-geral durante quatro anos e subdirector-geral durante oito anos no exercício destas funções, houve um aspecto que sempre respeitei, a opinião dos serviços que constituíam a Direcção-Geral. E de acordo com os serviços sempre tomei as atitudes que se impunham. Aliás, a Direcção-Gera) tomou-as, na medida em que mandou funcionários fazer estágios para Inglaterra.
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O Sr. António Campos (PS): — Que depois escondeu!
O Sr. Dr. João Manuel Cotta Agostinho Dias (Técnico da Secretaria de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar): — Qual escondeu, Sr. Deputado! O senhor confunde o senso com o esconderijo! Mas isso são duas coisas perfeitamente distintas!
Gostaria de saber se o Sr. Deputado, quando foi Secretário de Estado do Fomento Agrário e da Estruturação Agrária, deu essa transparência à sua actividade como membro do Governo...
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Presidente, terei de responder a esta observação. Para isso, peço a palavra.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Doutor, orgulho-me dessa transparência! Nunca fiz do Ministério da Agricultura um ministério clandestino, que sonega informações num Estado de direito. Coloquei sempre os cidadãos acima dos interesses. Nessa matéria, estou à vontade.
O Sr. Dr. João Manuel Cotta Agostinho Dias (Técnico da Secretaria de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar): — Sr. Deputado, já esperava essa resposta. Mas devo dizer-lhe que eu também nunca soneguei coisa alguma, fui sempre transparente e mantive sempre as portas abertas! E estou em condições muito peculiares para apreciar as atitudes- dos outros.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Vou agora dar a palavra ao Sr. Deputado Carlos Duarte, a quem peço que seja tão breve quanto possível. Solicito-lhes, igualmente, Srs. Deputados, que procurem afastar-se de apreciações que vão para além do objecto da nossa audição.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): - Sr. Dr. João Cotta Dias, penso que o seu depoimento é importante pela sua experiência como dirigente no Ministério da Agricultura em algumas áreas que têm a ver com esta matéria.
Vou colocar-lhe duas breves questões. A primeira tem a ver com o que foi afirmado pelos cientistas e pelos técnicos que ouvimos, ao dizerem que há fortes suspeitas relativamente a certas situações de alguns animais mas que é necessário existirem determinados exames complementares de diagnóstico. Pergunto-lhe, pois, o seguinte: se estivesse a exercer uma função de responsabilidade no campo da sanidade animal a nível nacional, perante estes dados assumiria a confirmação da doença ou exigiria outros métodos auxiliares e complementares de diagnóstico que a viessem confirmar?
Por outro lado, a própria Direcção-Geral de Pecuária, no princípio de Maio, ou seja, antes da polémica pública relacionada com esta matéria, em nota informativa à comunicação social, disse o seguinte: «Três animais importados do Reino Unido evidenciaram sintomas semelhantes aos descritos para a doença BSE. Os estudos laboratoriais efectuados àqueles animais apresentaram diagnóstico histopatológico semelhante ao da referida doença. Entretanto, não foi feita a confirmação da doença em Portugal.»
O Sr. Doutor pensa que este comunicado da entidade sanitária nacional é correcto e que, sem alarmar a opinião pública, esclareceu a situação a nível do diagnóstico da doença? Ou é da opinião de que a entidade sanitária nacional devia ter feito algo mais para esclarecer esta matéria publicamente?
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem a palavra o Sr. Dr. João Cotta Dias.
O Sr. Dr. João Manuel Cotta Agostinho Dias (Técnico da Secretaria de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar): — Sr. Deputado, esta situação é particularmente melindrosa, pois tudo aqui se passa no foro da biologia
Numa outra vez —já fui ouvido aqui nesta Comissão, sobre uma questão complicada que se levantou no País para a qual se exigiam explicações mais profundas, nessa altura estava à frente do Instituto da Qualidade Alimentar — disse que havia coisas difíceis de explicar à opinião pública, porque nem todos estão preparados para interpretar correctamente aquilo que se diz e até para entender as palavras. Concretamente, quando mencionei termos técnicos, tive de ensinar como se escrevia e explicar o seu significado, o que não admira, por se tratar de linguagem científica e não corrente.
O que digo é se, em semelhante circunstância, será de dar grandes explicações à opinião pública, se isso não irá confundir mais do que esclarecer, porque estou a dirigir-me a uma população cuja capacidade de absorção e de análise é heterogénea. Os esclarecimentos à opinião pública sobre estas matérias devem ser dados com conta, peso e medida, para não gerar situações de pânico, quer nos consumidores quer nos produtores.
Não conheço esse comunicado da Direcção-Geral da Pecuária, não o li, mas acredito naquilo que o Sr. Deputado me disse. Perguntou-me, se fosse eu a fazê-lo, se poderia acrescentar mais alguma coisa, ou se o que foi elaborado está bem feito. Sr. Deputado, não estou aqui para avaliar os actos de quem está no exercício das suas funções, porque outros, melhor colocados do que eu, poderão fazê-lo. Assim, não me passa pela cabeça avaliar aqui actos de um Sr. Director-Geral. Quem o faz são os respectivos ministros e secretários de Estado — esses sim!
Quanto a outra questão que me colocou, relativamente aos três casos verificados no País, a verdade é que não sou patologista, nem histopatologista, nem virulogista.
Fazer a afirmação de que existe no País BSE é extremamente complicado. Não há nenhum surto de BSE no País. Existiam quatro animais —eventualmente poderão existir mais — importados da Inglaterra, e tudo indica que terão contraído a doença lá; como a doença tem um periodo de incubação muito longo veio a ser detectada aqui. Mas como a doença não é contagiosa não posso dizer que no País haja um surto de BSE, porque efectivamente nenhum animal nascido e criado no País teve BSE.
Daí que, volto a repetir, esta matéria requer, a meu ver, muita sensatez e muita cautela em termos de opinião pública, assim como muito estudo e muito aprofundamento científico nas áreas de investigação.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho.
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, Q,Sr. António Martinho (PS): — Sr..Doutor, ouvi a sua exposição, mas não a retive com precisão, pelo que, antes de mais, lhe quero colocar esta questão: quando surgiu o primeiro caso desta doença, entre os vários em análise, em 1990, V. Ex.a desempenhava funções no Instituto da Qualidade Alimentar?
O Sr. Dr. João Manuel Cotta Agostinho Dias (Técnico da Secretaria de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar): —Em 1990, depende da época pois desempenhei funções no Instituto da Qualidade Alimentar até 20 de Junho de 1990. Se as coisas se passaram depois dessa data, não lhe sei responder.
O Sr. António Martinho (PS): — Também não sei qual foi a data. Já houve declarações nesse sentido, mas não sei qual foi a data do primeiro caso.
O Sr. Dr. João Manuel Cotta Agostinho Dias (Técnico da Secretaria de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar): — O primeiro caso foi exactamente no dia 19 de Junho de 1990, na véspera de eu abandonar as funções.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado António Martinho, tentando ajudar V. Ex.a, embora carecendo de confirmação, penso que os casos que foram aqui referidos ocorreram antes de Junho.
O Sr. Dr. João Manuel Cotta Agostinho Dias (Técnico da Secretaria de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar): —O primeiro caso ocorreu no dia 19 de Junho de' 1990, no concelho de Chaves — uma vaca que foi importada do Reino Unido em 27 de Julho dé 1987, sacrificada por fractura coxo-femural no dia 22 de Junho de 1990. Abandonei o IQA no dia 20 de Junho de 1990. A data a que. foi feita à necropsia e a entrega do material no Laboratório é a de 27 de Junho de 1990.
O Sr. António Martinho (PS): — Sr. Presidente, não vou fazer ás restantes perguntas visto que quando a hipotética doença (segundo alguns dizem) foi declarada em Portugal o Sr. Dr. Cotta Dias estava a deixar de exercer essas funções.
Contudo, quero frisar aqui um aspecto que considero importante, resultante das afirmações do Sr. Doutor e que se relaciona com a obrigação que nós, Deputados, temos de ter presente que há direitos dos consumidores, com previsão legal a"nível comunitário, devendo estar atentos quanto à sua defesa. Por isso, quando nos preocupamos com questões que foram aqui afloradas, com perguntas queforam aqui colocadas, fazemo-lo no sentido de, em nome dos cerca de 10 milhões de portugueses, exercer um direito, que é o de exigir que os direitos dos consumidores sejam tidos em consideração nestas questões. Somos consumidores de bens, como ò caso da carne de bovinos, que porventura podem estar infectados por uma determinada doença, ou carne que pode ser importada de países onde há uma doença e que são países comunitários; somos cidadãos com direito à protecção da saúde.
O St. Presidente (Antunes da Silva): — Dou a palavra ao Sr. Dr. João Cotta Dias para responder, se assim o entender, embora esta questão me pareça estar perfeitamente clarificada, uma vez que os animais considerados suspeitos ...
O Sr. Dr. João Manuel Cotta Agostinho Dias (Técnico da Secretaria de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar): — Foram incinerados.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — ... não entraram na rede comercial. Embora eu considere, e devo fazê-lo de uma forma expressa que as preocupações do Sr. Deputado António Martinho são a de todos nós na salvaguarda dos direitos dos consumidores. Mas neste caso penso que podemos estar tranquilos dadas as informações que temos vindo a colher nesta audição.
O Sr. João Maçãs (PSD): — (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar a pergunta do orador.)
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado, penso que este esclarecimento é suficiente dados os depoimentos já obtidos a propósito desta questão, mas se o Sr. Doutor quiser acrescentar algo mais fará o favor.
O Sr. Dr. João Manuel Cotta Agostinho Dias (Técnico da Secretaria de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar): — Não propriamente, mas apenas para dizer que também sou consumidor, tendo mesmo estado na dupla função de ser consumidor e responsável pela qualidade dos géneros alimentícios lançados no mercado para consumo. Daí que comungue perfeitamente das preocupações do Sr. Deputado António Martinho. Mas (há sempre um mas) nós, responsáveis que exercemos essas funções —nós todos como consumidores — ou responsáveis pela gestão de algum departamento da Administração (os Deputados também) devemos ter sempre a preocupação de «não contundir a nuvem com Juno». E isto da biologia é extremamente complicado. Face a esta doença que não existe em Portugal, pois é uma doença detectável em animais provenientes de Inglaterra — doença essa que não se transmite a bovinos, que não se transmite ao homem; mais, nos animais doentes não está provado que a carne, o leite e o sangue possam transmitir a doença —, não compreendo (palavra de honra que não compreendo!) por que é que, havendo no País tantas coisas importantes, se levanta tanta celeuma.à volta de uma questão que não tem importância. Isto não entendo! Quando no sector da saúde pública e dos géneros alimentícios há muita coisa importante, muito mais grave, vamos buscar um caso que realmente não é caso!
O Sr Presidente (Antunes da Silva): — Com equívocos, ou sem eles, terminamos os nossos trabalhos por hoje. Agradeço em nome da Comissão ao Srs. Doutores Edmundo Pires e Eduardo Maia Tavares, ao Sr. Prof. António Dias Correia e ao Sr. Dr. João Cotta Dias a vossa disponibilidade. Renovo-vos as nossas desculpas pelo arrastamento relativamente ao programa previsto. Obrigado pelos vossos depoimentos, às pessoas que quiseram assistir e nos quiseram honrar com a sua presença o nosso agradecimento também.
Srs. Deputados, a nossa reunião de amanhã inicia-se às 10 horas e 45 minutos, pois vamos prescindir da audição da Associação de Produtores de Bovinos de Raça Frízia pelas razões conhecidas.
Está encerrada á reunião.
Eram ¡8 horas e 45. minutos.
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Acta da 4." reunião, de 1 de Junho de 1993, da audição parlamentar com vista a apurar da existência ou não em Portugal da encefalopatia espongiforme bovina.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Srs. Deputados, está aberta a reunião.
Eram 10 horas e 55 minutos.
Antes de mais, Srs. Deputados, quero lembrar que ontem, quando nos apercebemos de que haveria a hipótese de, em nome da Associação de Produtores de Bovinos de Raça Frízia, vir prestar declarações o Dr. Matos Agua, entendemos prescindir dessa audição, uma vez que não fazia sentido ouvir duplamente a mesma pessoa, embora a título diferente.
No entanto, ainda ontem à noite, foi-nos comunicado, com a diligência habitual da secretária de apoio à Comissão, que, em nome da referida Associação, não viria o Dr. Matos Água mas, sim, o Dr. José Carlos Duarte, secretário-geral da Associação de Produtores de Bovinos de Raça Frízia.
Já tive oportunidade de pedir desculpa ao Dr. José Carlos Duarte por este atraso e por este desfasamento, renovando esse pedido de desculpa em meu nome pessoal e em nome . da Comissão de Agricultura e Mar.
Antes de dar a palavra ao Sr. Dr. José Carlos Duarte, quero apenas dizer que a reunião é pública e, como sabem, esta audição parlamentar tem por objecto apurar da existência ou não, em Portugal, da encefalopatia espongiforme dos bovinos e, como tal, é sobre esta matéria que gostaríamos de ouvir o Sr. Dr. José Carlos Duarte, na qualidade de secretário-geral da Associação de Produtores de Bovinos de Raça Frízia
Sn Dr. José Carlos Duarte, por razões de economia de tempo, estamos a utilizar a seguinte metodologia: o Sr. Doutor faz uma intervenção inicial, se assim o entender, e de seguida os Srs. Deputados colocarão, eventualmente, algumas questões, a que responderá em bloco.
Se estiver de acordo, tem a palavra, de imediato, para uma intervenção.
O Sr. Dr. José Carlos Duarte (Secretário-Geral da Associação de Produtores de Bovinos de Raça Frízia): — Sr. Presidente, o meu nome é José Carlos Duarte, sou veterinário e desempenho funções, há cerca de um ano, na se-cretaria-geral da Associação de Produtores de Bovinos de Raça Frízia.
Sr. Presidente, já agora, aproveitando um pouco este pequeno desfasamento e tentando substituir, digamos assim, a audição do Dr. Matos Água, quero dizer que ele faz parte do colégio de directores da Associação, pela terceira vez, e é, pela segunda vez, presidente da referida Associação.
A Associação de Produtores de Bovinos de Raça Frízia tem estabelecido no estatuto uma direcção colegial, pelo que me parece que o facto de coincidir na mesma pessoa uma audição a vários títulos não obviaria a que a opinião da Associação fosse aqui ouvida.
Por outro lado, Sr. Presidente, se me permite, faria uma nota introdutória. As associações do nosso país ainda têm pouco peso e são pouco ouvidas, em contraste com as nossas congéneres da Comunidade Europeia. Parece-me que em relação a associações como a nossa, que pretendem actuar de uma forma eficaz no terreno, junto da produção, prestando serviços, é de toda a utilidade darmos também a nossa opinião, até porque, no que diz respeito a este caso da BSE (encefalopatia espongiforme dos bovinos) e a outros que
num passado mais ou menos recente foram diagnosticados pelo Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, não é nova.
Na verdade, a Associação nunca contestou qualquer tipo de diagnóstico vindo do Laboratório, como, por exemplo, os relativos à peripneumonia contagiosa dos bovinos, aos IBR, aos BVD, enfim, às doenças que existem no nosso país e que foram diagnosticadas pelo Laboratório. Podíamos, inclusive, falar de outras doenças, como a peste equina e a peste suína, morbos que também foram diagnosticados no Laboratório e, tanto quanto sei, nem a nossa Associação nem quaisquer outras levantaram questões a esse diagnóstico.
Com a BSE, a situação é semelhante e, portanto, o comportamento da Associação mantém-se, ou seja, acreditamos que a doença foi diagnosticada no Laboratório e, como tal, existe e tem uma expressão, que é pública, de quatro casos ou eventualmente mais algum que possa aparecer.
Esta nossa convicção decorre de que, na verdade, consideramos o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária uma instituição nacional de investigação, com técnicos creditados, considerado de referência mundial no que diz respeito a alguns morbos e, para além disso, a Associação não põe em causa, como nunca pôs, diagnósticos realizados por técnicos que considera conceituados.
Em relação aos produtores, de uma forma geral, e aos nossos associados, de uma forma particular, entendemos que o misticismo, a auréola misteriosa colocada em volta destes assuntos desequilibra fortemente o binómio produtor/consumidor,. sempre com prejuízos para o produtor, que vê criar-se na opinião pública, eu diria, «fantasmas», que levam a que, no momento da compra do produto, neste caso, do leite e da carne, as pessoas optem por alternativas ao leite e consumam outras espécies em vez de carne. E falo na carne, porque a raça frízia corresponde a 60% da carne que se abate no País e, portanto, que é consumida.
Assim, e para concluir, a Associação vê, com preocupação, estes mistérios sobre um caso que é pontual e que talvez nem tenha grande importância para a saúde pública, pois não está provado que a doença se transmita ao homem.
Assim, em nossa opinião, este assunto devia «desmontar--se» rapidamente, assumindo-se que, na verdade, existem três ou quatro casos, e era natural que nos coubessem alguns, uma vez que importamos milhares de vacas da Inglaterra.
A Associação entende que é perfeitamente natural que estes casos tenham aparecido e admite que, eventualmente, ainda possa vir a aparecer mais um ou outro.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Muito obrigado, pela sua intervenção inicial, Sr. Dr. José Carlos Duarte.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Presidente, dado que raramente temos na Comissão de Agricultura e Mar associações ligadas a este tipo de produção, quero pedir-lhe autorização para conversar com o Sr. Dr. José Carlos Duarte num âmbito um pouco mais alargado do que o da BSE.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado António Campos, peço desculpa pela interrupção.
Não sei exactamente o que vai dizer, mas se há conexão entre aquilo que vai dizer e a questão que temos em «mãos», vamos, com certeza, ouvi-lo com muito interesse.
O Sr. António Campos (PS): — Obrigado, Sr. Presidente.
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0 Sr. Dr. José Carlos Duarte levantou uma questão que me parece ser de extrema importância que foi a da relação entre o produtor e o consumidor e a confiança que tem de haver entre as duas entidades, entre quem produz e quem consome, Na minha opinião, o elo intermédio da confiança,
da credibilidade e do rigor que pode ajudar a resolver este tipo de problemas deverá ser um corpo de inspecção sanitária que garanta, em Portugal, ao consumidor que não está a ser lesado na sua saúde.
Foram levantadas muitas questões ligadas ao problema da BSE, mas, por razões que desconheço, a imprensa pegou muito na BSE, relativamente à qual está provado que existe e parece-me que ninguém o pode pôr em dúvida, não só porque importámos 12 000 animais de Inglaterra e a percentagem que lá existe é conhecida, mas também porque o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária nos garante rigor, nunca tendo sido posto em causa nenhum diagnóstico seu de outras doenças.
No entanto, parece-me que estas questões não teriam qualquer interesse se o Estado se comportasse com dignidade perante os produtores e os consumidores, o que não acon-. teceu. O Estado escondeu este caso e um outro caso que me parece afectar ainda mais a relação produtor/consumidor, que é o dos betagonistas e das hormonas.
Como o Sr. Dr. José Carlos Duarte sabe, a Comunidade Europeia tem criado legislação cada vez mais forte para a defesa dos consumidores, mas, em Portugal, é o próprio Ministro da. Agricultura que aparece na televisão — num Telejornal, em Fevereiro — a garantir que a utilização de betagonistas e de hormonas não faria mal à saúde pública. Ora, hoje, é admitido em todos os relatórios de carácter científico e em toda a legislação que está a ser criada na Europa que há uma forte interferência entre a utilização de hormonas e de betagonistas e a saúde pública.
Por outro lado, verifica-se também o esconder das questões ligadas, desde 1990...
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado, peço desculpa pela interrupção, mas estamos a fugir claramente do objecto da nossa reunião.
O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, por isso mesmo lhe pedi autorização para fugir do âmbito da questão.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado, não sabia o que o Sr. Deputado ia dizer, mas agora, estando a ouvi-lo, tenho de o chamar à atenção.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Presidente, temos aqui uma associação de produtores e a conversa com ela tem de ser diferente, porque a questão decisiva...
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado António Campos, aguarde um momento por favor..
A matéria que o Sr. Deputado está a suscitar tem todo o interesse, e isso ninguém contesta. No entanto, entendo que teremos oportunidade de tratar dessas questões noutra ocasião e em circunstâncias diferentes.
O Sr. António Campos (PS): — Certo, Sr. Presidente, mas vai ver que agora nós vamos à questão...
O Sr. Presidente (Antunes da Silva):—Parece-me muito bem que se tratem esses assuntos e outros, particularmente o que acabou de referir, cuja relevância ninguém contesta.
mas peço ao Sr. Deputado que se circunscreva ao objecto da nossa audição, até porque começámos com um grande atraso e possivelmente já se encontra à espera, para ser ouvido, o representante da Ordem dos Médicos Veterinários. Devemos procurar compensar o nosso atraso.
Pode prosseguir, Sr. Deputado.
O Sr. António Campos (PS): — Nesse caso, para terminar, a primeira questão que coloco é no sentido de saber se o Sr. Dr. José Carlos Duarte, como presidente de uma associação, entende que o Estado deve ser o garante da confiança entre o produtor e o consumidor — e quem diz o Estado, diz organizações capazes de garantir essa confiança — e que sem essa credibilidade há sempre problemas entre os produtores e os consumidores.
A segunda questão que quero colocar diz respeito às encefalopatias. O primeiro caso, em Portugal, foi diagnosticado em 1990 e admito que em relação a ele tivessem havido todos os cuidados científicos para se poder determinar, com rigor, se, em Portugal, havia ou não encefalopatias.
Estranhamente, depois de o problema ter sido levantado publicamente, de o Ministério da Agricultura ter desmentido que existia e de termos confirmado junto do Sr. Director--Geral que este havia impedido o Laboratório Nacional de transmitir à comunidade científica, não só nacional como internacional, a existência de encefalopatias, aparecem-nos aqui opiniões no sentido de que as análises deviam ter alguns complementos.
Ora, estamos a usar o mesmo tipo de análises que se usam em Inglaterra e em França, os nossos investigadores foram fazer estágios em Inglaterra, utilizando em Portugal o mesmo processo que se utiliza lá, o Estado Português criou legislação, posteriormente à Comunidade Europeia ter determinado, em 1988, que a doença era de declaração obrigatória e que deviam ser cumpridas todas as formalidades legais.
Nestes termos, o que é que o Sr. Dr. José Carlos Duarte entende acerca do facto de o Estado Português ter escondido, desde 1990 e até 1993, não só à comunidade nacional como internacional, aquilo que por lei era obrigado a comunicar. Qual é o entendimento do Sr. Dr. José Carlos Duarte acerca desta actuação?
O Sr. Dr. José Carlos Duarte (Secretário-Geral da Associação de Produtores de Bovinos de Raça Frízia): — Sr. Presidente. Sr. Deputado, vou responder de uma forma geral, digamos assim, enquadrando um pouco o cenário extremamente negativo e complicado, que decorre para a agricultura portuguesa, nomeadamente para os produtores de leite, pois é disso que se trata e é nessa qualidade que aqui estou.
Na verdade, este tipo de situação pouco clara, de desinformação da opinião pública, leva a que os produtores de leite, já altamente vergastados por uma política de contenção de cotas, de decréscimo no preço dos seus bezerros, que já se não vendem, a nenhum preço, de baixa no preço dos quilos de carne das vacas de refugor vejam, neste pulular desinformativo — digamos assim —, agravada a sua situação de produção de leite do dia-a-dia, que é altamente es-cravizante para a quem a ela se dedica, pois é sujeita a um ciclo diário de ordenhas e com pouco tempo para pensar em outras coisas.
Vou responder de uma maneira geral, o que quer dizer que não vou entrar em pormenores, pois não sou técnico e há técnicos qualificados para entrar nos problemas dos be-tagonismos e, enfim, das BSE.
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Penso que todo este tipo de situação tem de ser claramente veiculada para a informação pública — se há, tem de se assumir que há—, no sentido de se informar correctamente e de se transmitir ao público informações que não lhe obviem o consumo de uma forma que, mais tarde, venha a prejudicar os produtores por verem falta de escoamento das suas produções e os preços dos seus produtos a baixarem constantemente, que é um facto já decorrente do enquadramento da entrada do nosso país na Comunidade e agora agravado com estas situações particulares.
0 Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Paulo Casaca.
O Sr. José Paulo Casaca (PS): — Sr. Dr. José Carlos Duarte, antes de lhe colocar uma questão, se me permitir, faria, em primeiro lugar, algumas considerações.
Actualmente, encontro-me ligado a uma associação de consumidores e, desse ponto de vista, considero que o problema da saúde pública, e, portanto, da sanidade animal, é da maior importância. Penso que compreendo inteiramente o seu ponto de vista, aliás devo dizer-lhe que, enquanto Deputado eleito pela Região Autónoma dos Açores, onde, como sabe, a produção leiteira é extraordinariamente importante, sempre me fez confusão o facto de muita gente pensar que a produção leiteira é uma coisa fácil de se fazer. É exactamente o que acabou de dizer: extremamente escravizante. Quando se vai aos Açores, pensa-se, por vezes: «Bom, as pessoas nada fazem!» apenas porque não andam com uma enxada às costas. De facto, as pessoas não fazem a mínima ideia do que estão a dizer, do que estão a falar.
Entendo perfeitamente o seu ponto de vista, embora não seja veterinário, sou economista. De qualquer maneira, daquilo que conheço do assunto, também me parece que problemas como a listéria e a brucelose, estes nos Açores, são muito mais graves para a saúde pública do que eventualmente será a encefalopatia espongiforme. Porém, a questão que agora se coloca é saber se, perante o eclodir deste problema na opinião pública, que teve uma repercussão desproporcionada — o que é, em certa medida, natural, visto ser uma doença nOva, logo desconhecida, e, nesse sentido, terá sempre condições para atrair atenções —, não teria sido muito mais inteligente, do ponto de vista da defesa dos próprios produtores e dos interesses nacionais, que se mantivesse uma relação adulta de informação clara e transparente, dizendo, nomeadamente, o que V. Ex.a há pouco disse, que é: «Bom, se de facto importámos tantos milhares de vacas de Inglaterra e se a doença existe aí há não sei quantos anos, é natural que aconteça, que haja algumas..., mas tomámos as medidas A, B, Ce D, aconselhamos mais A, B, C e D e, por isso, a questão está perfeitamente controlada.» Não seria muito mais inteligente, mesmo do ponto de vista dos produtores, fazer isso do que esconder e dizer-se, como ontem aqui ouvi, que, de facto, a informação tem de ser condicionada, porque, no fundo, se entende que os portugueses não têm capacidade mental para estarem informados, pelo que tem de se condicionar a informação.
O Sr. João Maçãs (PSD): —Não é nada disso!
O Sr. José Paulo Casaca (PS): — Sr. Deputado João Maçãs, peço imensa desculpa, mas ainda ontem ouvi isso aqui e só não me referi a tal facto porque seria uma falta de educação da minha parte estar a falar sobre uma intervenção à qual não assisti na totalidade. Mas ontem ouvi aqui,
claramente, um técnico do sector dizer que não se pode dizer tudo aos Portugueses, porque, senão, pode-se causar o pânico. É uma atitude que, do meu ponto de vista, tem a ver com uma mentalidade do passado, uma atitude que não vê, que desconfia da capacidade das pessoas para compreenderem os problemas e que aposta na ocultação em vez de apostar na transparência.
Penso que foi exactamente essa atitude que fez com que o problema adquirisse muito mais importância e se revelasse muito mais grave para os próprios produtores do
que teria sido se a atitude tivesse sido outra. Depois de
ouvir o que ouvi ontem, estou convencido de que quando suspeitar da existência de qualquer problema, até mesmo através da imprensa internacional, fico logo em estado de alerta, com medo, e ponha reticências sobre esse produto, porque, de facto, não posso confiar se as pessoas que têm a seu cargo a sanidade animal são iguais às que ontem fizeram aqui as afirmações que ouvi. Sendo assim, devo dizer-lhe que fico com a maior das desconfianças. Fico alarmadíssimo. Este é que é, segundo me parece, o problema, e era esta a questão que queria colocar-lhe.
Não acha que uma política de transparência —é claro que qualquer informação pode ser distorcida e pode tornar-se completamente alarmante — que acompanhasse com rigor e com verdade este problema teria sido mais benéfica para o próprio sector?
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Antes de dar a palavra ao Sr. Dr. José Carlos Duarte, para responder, gostaria de dizer que, para que fiquemos todos com essa certeza, ninguém aqui, nesta Comissão, passou qualquer atestado de menoridade ao povo português, talvez não tenham sido estas as palavras do Sr. Deputado José Paulo Casaca. Ou seja, não quero dizer que as palavras do Sr. Deputado José Paulo Casaca encerrassem essa avaliação do povo português. Mas, para todos os presentes, fique a certeza de que não houve esse tratamento ao povo português.
Tem a palavra o Sr. Dr. José Carlos Duarte.
O Sr. Dr. José Carlos Duarte (Secretário-Geral da Associação de Produtores de Bovinos de Raça Frízia): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Eu utilizaria uma imagem que, talvez, defina um pouco melhor a situação. Diria que no oceano das nossas doenças isto é um copo de água, sem interesse, e é como este, que nem cheio está.
Os Srs. Deputados, os Srs. Directores, os Srs. Políticos, agarraram no copo de água e resolveram fazer uma tempestade lá dentro. Quem está no terreno não está verdadeiramente preocupado com a BSE. Existe ou não? Já dei o nosso ponto de vista e, portanto, quem está no terreno está verdadeiramente preocupado com outro tipo de situação.
O Sr. Deputado José Paulo Casaca referiu a brucelose e eu já referi a peripneumonia a norte e outro tipo de situações, noutras espécies até. A minha posição e a posição da Associação que represento é clara. Os produtores de leite, hoje, não estão francamente preocupados com a BSE, porque sabem que não se transmite de vaca para vaca, que não se transmite para o homem e que há casos isolados, eventualmente, de quem importou vacas de Inglaterra, e podem ter o azar de lhe calhar alguma.
Portanto, os veterinários estão hoje, mais do que nunca, avisados para o assunto e, no oceano das doenças, é o copinho de água.
Logo, penso que tanto o meu ponto de vista como o da minha Associação se podem traduzir um pouco desta
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forma: a partir daqui a tempestade que quiserem fazer lá dentro, é convosco; assisto a ela curiosamente, mas fico -me por aqui.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Sr. Dr. José Carlos Du-
arte, penso que a Associação de Produtores de Bovinos de Raça Frízia ocupa-se, essencialmente, do livro genealógico da raça frízia.
O Sr. Dr. José Carlos Duarte (Secretário-Geral da Associação de Produtores de Bovinos de Raça Frízia): — Exactamente!
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Ora, os animais que podem ser portadores dessa doença são essencialmente os de raça frízia.
A primeira pergunta que coloco é a seguinte: algum dos associados denunciou à Associação a existência de casos suspeitos desta doença na sua exploração agrícola?
Foi referida no Plenário desta Assembleia a existência de criadores atacados por encefalopatia, que os levou à morte. Pergunto: Sr. Dr. José Carlos Duarte, como secretário-geral de uma associação de produtores, sabe de algum caso de algum criador que tenha sido atacado por encefalopatia e que tenha morrido?
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Dr. José Carlos Duarte.
O Sr. Dr. José Carlos Duarte (Secretário-Geral da Associação dos Produtores de Bovinos de Raça Frízia): — Na verdade, a Associação nasceu por via do livro genealógico, como referiu, mas hoje tem muitas outras acções no terreno, nomeadamente em termos de identificação animal e do contraste leiteiro. Posso dizer-lhe que temos cerca de 80 000 vacas inscritas no livro, que fazemos contraste leiteiro a cerca de 15 000 animais, do Mondego para o Sul, visto que a norte é desempenho de algumas cooperativas de grandes unidades do sector.
Temos, enfim, hoje um grupo de vulgarizadores no terreno. Há, na verdade, uma prestação de serviços que se alarga muito para além do livro genealógico.
Na verdade, destes quatro casos que apareceram, nenhum foi denunciado à Associação. Penso que as pessoas, na altura, estavam mais preocupadas com o decorrer da evolução da patologia do que propriamente interessadas em denunciar ou não esse facto à associação. Não sei. O facto é que não denunciaram, e também não conheço criadores que tenham morrido atacados pela doença.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Dr. José Carlos Duarte, desculpe voltar ao assunto, mas faço-o porque se estava a querer minimizar a questão, que tem a ver com um Estado de direito.
Portugal assinou convénios com a Comunidade, criou legislação interna em relação às encefalopatias espongifor-mes. Assumiu responsabilidades nacionais e internacionais
de declaração e, portanto, a.questão não se coloca pela sua
quantidade, mas pelo comportamento do próprio Estado português, assim como em relação à atitude do Sr. Director--Gera) de sonegar esses elementos.
Assim, o que aqui estamos a discutir é algo que tem a ver com o Estado de direito e não com o efeito na produção. Foi por esta razão que levantámos o problema numa conferência de imprensa, sem lhe dar qualquer expressão.
Era uma conferência de imprensa dedicada à utilização das
betagonistas e das hormonas, em Portugal.
Posteriormente, o Ministério vem, de uma forma desabrida chamar-me mentiroso, quando eu tinha elementos na mão que comprovavam a existência de encefalopatia. Ora, como deve compreender, a questão que se coloca é a do funcionamento normal de um Estado democrático e de um Estado de direito perante as suas responsabilidades nacionais e internacionais, é a irresponsabilidade de um Estado que não cumpre os seus deveres.
Em relação à outra situação que aqui se colocou, gostaria de dar a minha opinião pessoal, pois não sou cientista, sou um leigo nesta matéria, mas tive de ler algumas coisas sobre esta situação antes de me envolver nela e, rigorosamente, nada mais.
Não está provado qualquer causa/efeito, mas também ninguém pode garantir o contrário, porque a doença é nova, começou a ser estudada em 1986, com um período de incubação que pode ir até aos oito anos, e há, de facto, criadores ou pessoas que manuseiam com o gado que morreram com encefalopatia. Para seu conhecimento, dou-lhe apenas um exemplo verificado em Portugal, que é o do sobrinho do Sr. Dr. Paisana — não do Sr. Dr. Paisana, aqui presente—, da Malveira, que tem uma grande exploração de gado.
O Sr. Dr. José Carlos Duarte (Secretário-Geral da Associação dos Produtores de Bovinos de Raça Frízia): — De Caneças!
O Sr. António Campos (PS): — Exactamente. Mas, como dizia, V. Ex." poderá averiguar que esse senhor morreu, de facto, com encefalopatia, diagnosticada no Hospital de Santa Maria. Isto não quer dizer que haja de facto alguma causa-efeito e criar uma situação de alarme na opinião pública, mas também não se pode é pensar, que não há causa-efeito apenas porque não está provado cientificamente e atirar para o saco dos papéis o assunto, porque também não está provado que possa ter alguma ligação futura e que a ciência possa fazer esse diagnóstico pela via inversa.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado António Campos, peço desculpa por interrompê-lo, mas V. Ex.a, com a benevolência de todos nós, vai insistindo em aspectos que não têm a ver com esta audição parlamentar, além de que alguns deles escaparão à área de intervenção do Sr. Dr. José Carlos Duarte, que lhe responderá oú não, conforme entender.
De qualquer modo, Sr. Deputado António Campos, permita-me que lhe faça uma observação, que até agora nunca lhe tinha feito. Na minha opinião, o Sr. Deputado insiste em criar situações de alarme. Com efeito, embora eu não seja especialista — como, aliás, penso que o Sr. Deputado António Campos também não é —, creio que há imensas encefalopatias humanas, pelo que, reconhecendo que não há aqui uma relação de causa-efeito, não vamos fazer afirmações deste tipo, ou seja afirmações tão alarmistas. Permita-me,
Sr. Deputado António Campos, este comentário!
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De facto, parece-me que toda a gente reconhece que há encefalopatias humanas, mas não vamos por isso criar situações de alarmismo, estabelecendo relações de causa-efeito, que realmente não existem.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Presidente, não posso deixar de salientar que tive de trazer à colação esta ideia: cientificamente, ninguém pode provar que há conhecimento total da doença e do efeito total da doença. A própria Comunidade tomou medidas rigorosas em relação aos estratos de fígado para os fortificantes em animais com encefalopatias. Portanto, trata-se de uma questão que não pode ser tratada com a leveza como se estava a procurar tratá-la.
Independentemente de o Estado de direito não estar a funcionar, há um desconhecimento científico sobre toda esta matéria que não permite afirmar que todos nós, responsáveis pela saúde pública, não devemos tomar as medidas necessárias para a de defender. Embora, neste momento, não exista um conhecimento rigoroso sobre esta matéria, pensamos que não há relação causa-efeito, mas a dúvida mantém-se a nível da saúde pública.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado, agradeço as suas palavras e o ter-me permitido fazer o comentário de há pouco, quando registei o que V. Ex.a acabou de afirmar agora. Se, de facto, não há um conhecimento rigoroso sobre esta matéria, então é bom que haja alguma contenção, pois é capaz de ser a atitude mais indicada.
Tem, agora, a palavra o Sr. Dr. José Carlos Duarte.
O Sr. Dr. José Carlos Duarte (Secretário-Geral da Associação dos Produtores de Bovinos de Raça Frízia): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em meu entender, não havendo uma certeza, penso que será um pouco abusiva qualquer conclusão desse tipo. Aliás, conheço muito bem a família Paisana, trabalhei para ela muito tempo e, de alguma forma também, assisti ao drama da morte dele, ocorrida há cerca de dois meses, mas penso que não se pode estabelecer uma relação de causa-efeito que nos possa levar, de forma inequívoca, a essa conclusão. A concluirmos desse modo, de forma pública e notória, estaremos a fazer mais uma agressão ao consumo e ao público e há que ter cuidado com esse tipo de atitude.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Agradeço ao Sr. Dr. José Carlos Duarte e a todos os Srs. Deputados que contribuíram para o esclarecimento desta matéria.
Agora, de acordo com a nossa ordem de trabalhos, vamos ouvir o Sr. Dr. Fernando Paisana, na qualidade de bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários.
Entretanto, e uma vez mais, agradeço ao Sr. Dr. José Carlos Duarte a disponibilidade que demonstrou para estar aqui nesta Comissão e gostaria de dizer-lhe que se quiser ter a gentileza e concerder-nos a honra de continuar connosco, temos muito gosto nisso.
Ao Sr. Dr. Fernando Paisana apresento as nossas desculpas por este atraso. Creio que ouviu a explicação inicial, mas posso adiantar-lhe que se admitiu a hipótese de não ser ouvida a Associação, pelo que «empurrámos» — permita-se--me a expressão — o início desta audição para a hora a que estava previsto ouvir-se a Ordem dos Médicos Veterinários, que o Sr. Dr. Fernando Paisana representa.
Certamente, já se apercebeu da metodologia do. nosso trabalho e se entender segui-la, posteriormente os
Srs. Deputados colocarão algumas questões que V. Ex." responderá como considerar mais conveniente.
Tem, portanto, a palavra o Sr. Dr. Fernando Paisana.
O Sr. Dr. Fernando Paisana (Bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por dizer que estou aqui em representação da Ordem dos Módicos Veterinários e agradeço, desde já, a gentileza de me terem convocado, felicitando a Assembleia da República e, em especial, esta Comissão por se ter interessado por um assunto que se insere inteiramente no foro da classe veterinária, e que consideramos ser de grande responsabilidade.
Tenho pena de não poder, talvez, ajudar muito, pois, como é do conhecimento geral, a Ordem tem um ano e pouco de existência, mas quando, através da imprensa, da rádio e da televisão, foi dado o alarme sobre a existência da BSE, em Portugal, ficou preocupada e tomou determinadas medidas que a levassem ao desempenho cabal das suas funções, entre as quais está, na verdade, a defesa da saúde pública em primeiro lugar, e o acompanhar das acções que os profissionais em veterinária possam exercer, de modo que eles tenham a ética e a deontologia necessárias a garantir o prestígio da classe;
Assim, em fins de Abril — salvo erro —, solicitámos ao Sr. Ministro da Agricultura e Mar, que nos pareceu ser a pessoa indicada para nos informar, que nos esclarecesse sobre o que é que se passava no País nessa matéria:
Como a resposta demorasse, recorremos ao Sr. Primeiro--Ministro, insistindo na necessidade de que a Ordem deveria ser esclarecida pelo Governo sobre o que no País já se falava e a imprensa insistia em chamar para as primeiras páginas dos jornais.
Recebemos do Governo um pouco tardiamente a resposta sobre estes elementos e, paralelamente, surgiram dúvidas na Ordem sobre se, desde o terreno, na comunicação, do diagnóstico clínico, não teria havido precipitação ou especulação de algum técnico veterinário. Perante esta dúvida entendeu a Ordem que deveria esclarecer o assunto e mandou abrir um inquérito que fizesse o levantamento total da situação, desde o terreno, e que possibilitasse assim um completo esclarecimento. Na sequência desse inquérito, foi elaborado um relatório pelo instrutor que havíamos nomeado para o efeito, que nos dava conta, na verdade, do que se havia passado ao nível dos técnicos que fizeram a denúncia das situações através do diagnóstico clínico e do diagnóstico do laboratório da responsabilidade de outros profissionais devidamente habilitados, porque, felizmente, já tínhamos na altura no País técnicos habilitados para fazerem o diagnóstico laboratorial da doença.
Ficámos tranquilos, porque desse mesmo relatório se depreendia não ter havido, de maneira alguma, quebra do respeito pela ética ou pelos princípios deontológicos que a Ordem exige que sejam seguidos pelos profissionais que estão nela inscritos, e enquanto exercem as suas funções.
A Ordem precisava de saber a verdade, precisava de ser esclarecida, sobre a existência ou não da doença, porque, como já aqui ouvi referir, trata-se de uma matéria importante que poderá ter reflexos na saúde pública. Esperamos que o desenrolar do processo esclareça breve e definitivamente a questão.
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Por enquanto, o conhecimento que a Ordem tem sobre a história da BSE resume-se, praticamente, ao que acabei de referir.
Para terminar, e para não me alongar demasiado, diria apenas que, depois desta Comissão ter tido conhecimento
de que haveria, entre,os vários profissionais, considerações diferentes sobre os métodos de diagnóstico laboratorial utilizados, pois alguns interrogavam-se se eles seriam ou não suficientes, considerámos a hipótese de pedir autorização ao Sr. Ministro da Agricultura e Mar para, se fosse caso disso, a Ordem poder solicitar a colaboração de especialistas em BSE, a fim de que eles, com o material de que dispomos, nos pudessem dar o seu parecer, para que, em última análise, com este conhecimento e os pareceres dos técnicos habilitados, que temos, chegarmos a uma conclusão definitiva e podermos solicitar também medidas de carácter definitivo para resolver a situação.
Sr. Presidente, como já referi, e peço imensa desculpa de não poder ajudar mais, a situação da Ordem é paralela à vossa. Em primeiro lugar, queremos, sem sombra de dúvida, saber a verdade sobre toda esta matéria E, em segundo lugar, queremos acompanhar as posições, sob o ponto de vista deontológico, que. foram sendo tomadas ou têm vindo a ser tomadas pelos profissionais veterinários para que a Ordem, dentro da sua competência actue, se entender que o deve fazer.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Dr. Fernando Paisana, os meus agradecimentos pela sua intervenção, que, para nós, tem grande importância, embora V. Ex.* tenha dito o contrário. O seu depoimento será muito útil.
Tem agora a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): — Começo por agradecer ao Sr. Dr. Fernando-Paisana a sua presença nesta reunião, pois penso que os seus problemas também são os nossos.
V. Ex.a referiu que a Ordem solicitou ao Ministério da Agricultura e ao Primeiro-Ministro esclarecimentos sobre esta matéria. Gostaria de saber as respostas que obteve.
Depois, disse também que a Ordem abriu um inquérito que finalizou com a elaboração de um relatório. Ouvimos aqui, em sede de Comissão, os veterinários que estão no terreno, que fizeram o diagnóstico clínico, ouvimos o Sr. Dr. Matos Aguas, que nos deu a garantia do diagnóstico das encefalopatías e sabemos que o Estado Português, através de um decreto-lei, criou as normas de base à elaboração do diagnóstico completo — o diagnóstico clínico e o do laboratório.
O diagnóstico do laboratório era o mesmo que está consagrado no decreto-lei, isto é, o mesmo exame que foi feito em Portugal, que é feito em França ou em qualquer outro país, para diagnosticar as encefalopatias.
• Ora, em.relação à chamada estrutura, sob o ponto de vista ético, não temos nada a opor^ até porque informaram o nível superior. Mas, em meu entender, houve um canal que falhou e que se portou de uma forma irresponsável, na medida em que «tapou» a informação. Na verdade, o laboratório comunicou ao director-geral, mas este; a partir de 1990, meteu a informação na gaveta.
A questão foi levantada publicamente e agora, três -anos passados, aparecem aqui alguns cientistas a dizer que são precisos complementos de diagnóstico em relação aos que se praticam e que são habituais na comunidade in-
ternacional e que, segundo a afirmação do Sr. Dr. Edmundo Pires, têm uma fiabilidade de. mais de 99%. Se inicialmente-se poderia ter posto em dúvida o diagnóstico, e, em minha opinião, ele até poderia ter sido complementado com outro tipo de análises, a pergunta que coloco é
a seguinte: se depois Em face disto, retiro a conclusão de que há aqui um certo oportunismo científico ou, então, será outra coisa. Mas a verdade é que se-verificam falhas éticas a nível superior. Por exemplo, em Inglaterra, foi o Secretário de Estado da Agricultura que comunicou a existência da doença não só publicamente como a nível da Comunidade e, em França, foi o próprio Ministro da Agricultura que fez essa comunicação. Mas em Portugal há um conluio intolerável, sob o ponto de vista ético e de um Estado de direito democrático, entre o direclor-geral e o próprio secretário de Estado. Pergunto ao Sr. Doutor se está de acordo com o meu raciocínio relativamente ao diagnóstico que deve fazer-se e o comportamento ético do Sr. Director-Geral. O Sr. Presidente (Antunes da Silva): -—Para responder, tem a palavra o Sr. Dr. Fernando Paisana. O Sr. Dr. Fernando Paisana (Bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários): — Em relação às perguntas colocadas pelo Sr. Deputado, posso informar que o Sr. Ministro respondeu chamando a atenção para uma realidade: tem de haver uma certa prudência na difusão destes casos, pois os reflexos no. consumo que possam advir afectam não só o próprio consumidor outras classes tanto de produtores como de técnicos. Aliás, os outros países procedem da mesma forma, isto é, só os casos completamente esclarecidos, em relação aos quais não existe qualquer dúvida, é que são divulgados ao público em geral. Logo, não pode dizer-se que o público português seja diferente do de qualquer outro país, porque os procedimentos são absolutamente semelhantes. Por exemplo, ao longo da minha vida profissional, assisti à circunstância de estarem a abater cães com raiva na Alemanha e, no entanto, o representante do Governo Alemão em reunião do OIE em Paris dizia desconhecer a existência de raiva na Alemanha. Era a época do turismo... Dou-lhe razão, Sr. Deputado, quando refere ter decorrido bastante tempo. A doença é grave, tem muitas, incógnitas, não sabemos bem com que é que estamos a lidar e que consequências terá futuramente. Portanto, em minha opinião, deveria haver outra razão que justificasse essa atitude: o sigilo. O inquérito a que mandámos proceder incluía a audição do Sr. Director-Geral da ex-Direcção-Geral da Pecuária o qual, como se compreende perfeitamente, se escusou a prestar declarações, uma vez que estavam em pleno andamento as audições desta Comissão Parlamentar e entender ser este o local próprio para justificar alguns aspectos duvidosos. Daí poder afirmar ao Sr. Deputado que o nosso relatório está incompleto, porque não temos o testemunho de algumas entidades, designadamente da que foi mencionada, uma vez que, entretanto, evoluíam as audições que W.- Ex.°* estão a procurar levai a cabo.
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Mas evidentemente que, nestas coisas, tem de haver bom senso pelo que considero que não deveria prolongar-se uma situação sem a definir concretamente. E até a talhe de foice, se me dá licença, Sr. Presidente, eu desempenhava um cargo de responsabilidade no País e, a determinada altura, estava para exportar a primeira grande remessa de borregos para a Suíça quando surgiu um alarme de um colega meu no sentido de que, no Norte, na região de Barcelos, se suspeitava de um caso de febre aftosa, pois uma vaca parece ter apresentado sintomas dessa doença. O negócio já não se
concretizou, a vaca desapareceu, não houve qualquer surto
de febre aftosa, mas as consequências foram graves. Há que haver bom senso.
Em 1990, apareceu um animal, proveniente de Inglaterra, com manifestações de encefalopatia, de acordo com um diagnóstico clínico elaborado por técnicos que podemos garantir que são competentes, mas só o laboratório poderia afirmar definitivamente se o referido diagnóstico era na verdade correcto. Logo, concordo inteiramente com a posição do Sr. Ministro — nada de provocar alarmes precipitados, nada de provocar o caos num sector porque, passado algum tempo, poderia haver um arrependimento total. Simplesmente, já ninguém conseguiria evitar os prejuízos.
Quanto ao facto de esta situação se ter arrastado, quem esteja dentro do assunto, como é o caso do Sr. Director--Geral, poderá dar uma noção mais correcta sobre a razão por que se registaram poucos casos, apareceram esporadicamente e muito distanciados no tempo. Não quero estar a adivinhar nem a fazer-vos perder tempo, pois não sou eu a pessoa capaz de justificar esse procedimento.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte.
Ó Sr. Carlos Duarte (PSD): — Como responsável pela Ordem, queria confrontá-lo com alguns aspectos éticos e deontológicos.
Já aqui ouvimos alguns colegas seus que, nesta matéria, são especialistas, nomeadamente o Sr. Prof. Cardoso Lage, investigador-coordenador do Laboratório, que na respectiva audição parlamentar afirmou peremptoriamente que o diagnóstico estava errado dò princípio ao fim — trata-se de um técnico especialista de histopatologia.
Ouvimos o Sr. Prof. Braço Forte Júnior que também contestou acerrimamente este diagnóstico por considerá-lo incompleto e por entender que seria necessário utilizar outros métodos auxiliares e complementares de diagnóstico.
Ontem, ouvimos o Sr. Prof. Dias Correia —que participou, juntamente com o Sr. Doutor Matos Aguas, no seio da Comunidade, no Comité Científico Veterinário— afirmar que, desde 1990, era aceite internacionalmente, quer por toda a bibliografia inglesa produzida por cientistas ingleses que sobre esta matéria se debruçaram, quer pelo próprio comité da Comunidade, que era necessário, para além do estudo da vacualização do cérebro, o estudo das fibrilhas, tendo enumerado cinco métodos necessários e imprescindíveis para a confirmação da doença.
Entende ou não o Sr. Doutor que a necessidade de confirmação da doença deve ser feita a nível científico, o que, directamente, nada tem a ver com a Direcção-Geral, mas com o Laboratório e os cientistas?
Por outro lado, não crê que esses cientistas deveriam ter utilizado todos os métodos disponíveis a nível científico devido à necessidade de confirmação da doença, ou seja.
todos ou outros métodos auxiliares e complementares de diagnóstico, tal como o Professor Dias Correia ontem aqui afirmou?
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Para responder, tem a palavra o Sr. Dr. Fernando Paisana.
O Sr. Dr. Fernando Paisana (Bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários): — Sr. Presidente, Sr. Deputado Carlos Duarte, já mencionei quais os especialistas q_ue havia no País em BSE; especialistas em histopatologia, temos muitos
e foram por si referidos alguns de primeiro plano.
A determinada altura, o País investiu dinheiro neste campo, pois foram enviados investigadores a Inglaterra para se prepararem de modo a poderem fazer o diagnóstico desta doença. Suponho que esta Comissão já ouviu estes especialistas ou, então, ainda os vai ouvir, porque foram eles que se deslocaram a Inglaterra para aprenderem, à custa do erário público, a fazer o diagnóstico laboratorial desta doença; foram eles que, em Portugal, se encarregaram de proceder ao diagnóstico laboratorial, de maneira que me parece que são eles que devem esclarecer os Srs. Deputados sobre as possíveis falhas ou não do diagnóstico laboratorial que fizeram.
Estes especialistas, investigadores, custaram dinheiro, foram preparar-se e certamente que algo trouxeram. Eu, como bastonário e encarregado da Ordem, como disse aos Srs. Deputados, mantenho a mesma posição: não estou a querer dizer, de maneira alguma, que a verdade esteja de um dos lados; entendo que este problema é nacional e que não pode ser partidarizado nem eu quero que o seja e, pelo menos, ao nível da Ordem, não o será. Pretendo que a verdade seja totalmente esclarecida, o que implica, como disse, a audição daqueles que, na verdade, são especialistas nesta matéria. No nosso país, a situação é diferente infelizmente, mas noutros países, há centenas de especialistas na defesa da saúde pública e veterinária porque cada um trabalha numa determinada doença e, por vezes, fazem-no a vida inteira.
Espero o desenrolar deste inquérito e, se for tudo esclarecido, fico encantado da vida, a Ordem vai socorrer-se de W. Ex." para poder actuar, mas, se tal não suceder, vou pedir ao Sr. Ministro, inclusivamente, como lhes disse, a vinda de especialistas em BSE do país de origem, que há 8 ou 10 anos só trabalham nesta doença, para nos darem a sua colaboração, até porque esse procedimento é habitual. Não estou, de maneira alguma, a pretender dizer que os nossos técnicos são piores que os outros. Quem trabalha em investigação, sabe que é corrente qualquer investigador ou especialista que trabalha um processo contactar os seus parceiros internacionais para discutirem e trocarem pontos de vista. Parece que, neste caso, isso não pôde ser feito porque o assunto era confidencial. Mas se não pôde ser feito na altura, pode ser feito agora.
Em meu entendimento, é altura de se apurar a verdade definitiva sobre este assunto para serem tomadas as tais medidas que são necessárias e que a Comunidade já aconselhou.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado António Campos, gostava de pedir-lhe um esclarecimento.
Colocado perante esta questão da valia do diagnóstico efectuado, o Sr. Doutor remeteu, penso que com alguma lógica, para especialistas que já foram ou que venham a ser ouvidos, o que se entende perfeitamente. No entanto, tendo em conta a sua autoridade formal e técnica, mes-
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mo admitindo, para efeitos de raciocínio; que" estes diagnósticos são correctos e qué se confirmam em quatro' casos, acha que isto equivale a dizer que a BSE existe em Portugal?
0 Sr, Dr, Fernando Paisana (Bastonário Qrdem. do§
Médicos .Veterinários): — Se o diagnóstico laboratorial, sem qualquer dúvida, é positivo, a doença existe em Portugal — morreram animais com essa doença em Portugal.
Pode o Sr. Presidente perguntar: «Mas qual é a contagio-sidade, a epidemiologia que a doença pode .acarretar?», ao que responderei: «Quando morrerem todas as vacas que foram importadas de Inglaterra durante aquele período — o período de incubação—a própria doença desaparecerá do País». ...
Mas não podemos afirmar, mesmo tendo sido feito um diagnóstico positivo e havendo ainda vacas importadas de Inglaterra na mesma altura ou posteriormente, que outros casos não poderão continuar aparecer. •
0 Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Doutor, foi exactamente com base nesse aspecto que coloquei a questão. Se, relativamente aos casos diagnosticados, os animais foram mortos, incinerados, e se hão existem, por enquanto, outros casos suspeitos — embora admitamos-que possam vir a surgir, pois não conhecemos o dia de amanhã nem queremos adivinhá-lo, o que retiraria valor à própria vida —, será correcto afirmar-se que a doença existe em Portugal? Esta é que é a'questão concreta que desejava colocar-lhe.
,0 Sr. Dr. Fernando Paisana (Bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários): — Sr. Presidente, talvez não possa dar uma explicação completa mas posso fazer uma analogia com outras doenças. Por exemplo, no caso da peste suína, estabeleceu-se um período de tempo mínimo — seis meses depois do último caso. registado é que essa doença pode ser, considerada isenta. Desconheço esta doença e confesso não poder esclarecê-lo mas, relativamente a outras de carácter idêntico,, há. sempre um período de segurança sem que se verifique.qualquer caso para que o país possa ser considera-, do indemne ;da referida doença. Ou seja, o facto de hoje não existir qualquer doente não quer dizer que amanhã não apareçam'outros.
Não sei se, em relação a esta doença, já foi fixado esse período — confesso que não sou técnico da matéria — mas, para todas as outras, está fixado'.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva):— Gostava de colocar-lhe ainda uma última questão.
Uma vez que afirmou que não está definido o período...
O Sr.Dr. Fernando Paisana (Bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários): - Não sei, desconheçoro. Só afirmei que desconheço.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Mais uma razão para termos a tal prudência que. o Sr. Doutor aqui aconselhou — e muito bem — relativamente à afirmação ou infirmação da doença. Não será assim?
O Sr. Dr. Fernando Paisana (Bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários): — Como disse, não sei o que é que está, em referência, fixado em relação à BSE. Qualquer cer-
tificado internacional exige que doenças como a febre aftosa, a brucelose, etc, não grassem no país há mais de seis meses/um ano. Só nessa altura essa zona ou esse país pode considerar-se indemne, antes não.
Podemos estar a considerar o país libertado e, amanhã, termos o azar dé verificar o aparecimento de outros casos,
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Aproveito para pedir desculpa ao Deputado António Campos por estar a alongar-me mais tempo do que queria, mas essa questão da necessidade de um período de tempo que permita declarar umá coisa ou outra parece-me importante. O Sr. Doutor tem presente quando foi diagnosticado o último caso em Portugal?
O Sr. Dr. Fernando Paisana (Bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários):—Tenho aqui um relatório do qual vou passar a citar referências concretas sobre essa matéria. Aliás também há referências a outros animais cujos donos os mataram, tendo-os queimado e enterrado: O último caso que aqui tenho registado, indica que em 29 de Janeiro de 1993, foi transportado um animal doente, no dia 1 de Fevereiro de 1993, para as instalações do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária em Benfica. Este é o último caso que tenho assinalado.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado António Campos, tem a palavra.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Doutor, desculpe-me voltar a falar no mesmo mas trata-se de afirmações que considero graves, feitas por alguns dos Srs. Deputados e que só se justificam por razões de desconhecimento.
Em 4 de Junho de 1991, através de uma insistência do Instituto Ricardo Jorge para a importação de priões que lhe permitissem fazer complementos de diagnósticos, o Sr. Director-Geral proíbe a importação e, entre outras coisas, diz que «é óbvio tratar-se de um assunto da competência do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, o qual se encontra apto à realização das provas recomendadas pela CEE e pela OLE para o diagnóstico laboratorial das encefalopatías espongiformes dos animais, pelo que, se for considerada a realização de um tal estudo, não se torna necessário recorrer a outras instituições». Como dfsse, isto foi.escrito pelo Sr. Director-Geral, em 4 de Junho de 1991, proibindo o Instituto Ricardo Jorge de fazer esses estudos.
Portanto, o Sr. Director-Geral recebe a comunicação do primeiro caso em 1990, tem um laboratório apetrechado, técnica e humanamente, capaz de obter todos os resultados, e proíbe o Insituto Ricardo Jorge de se imiscuir nos complementos de estudo desta doença. .
Entretanto, vão aparecendo casos da doença e, agora, ao fim de três anos, põe-se em causa os resultados. Isto é, a mesma vaca que aqui está referida e que é tida como sofrendo de encefalopatia, se fosse em França, teria encefalopatia se fosse em Inglaterra, teria encefalopatia mas como está em Portugal, onde há uma comunidade científica especial que, aliás, tem um mérito internacional superior ao dos outros países, a desgraçada da vaca já não tem encefalopatía!
Como deve compreender, esta é uma questão de má-fé e de mentira para encobrir o desleixo e a irresponsabilidade com que este assunto foi tratado, porque o próprio Instituto Ricardo Jorge quis participar nos estudos e foi proibido.
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enquanto o referido director-geral garante que está tudo em ordem, que mais nada há a fazer, que «nós estamos dentro das normas da CEE».
Pergunta-se: o director-geral cumpriu as normas da CEE? Cumpriu sob o aspecto legislativo, ou seja, o Estado Português declarou a doença como era obrigatório e emitiu as normas de diagnóstico que foram todas cumpridas.
Assim, como deve compreender, põe-se aqui uma situação de outro nível que, de facto, põe em causa questões éticas, de direito e de funcionamento normal de um Estado.
É porque não pode haver dúvida que, em relação a uma mesma vaca, se estivesse em França teria encefalopatia, se fosse em Inglaterra também teria e só a grande comunidade científica portuguesa é que, ao fim de três anos, descobre que não era possível fazer o diagnóstico com os meios normais que a CEE ou outros organismos internacionais determinam.
Alguns professores vieram pôr em causa a qualidade dos investigadores, o que, aliás, está registado nas actas destas reuniões— percebemos que, devido a interesses, alguns dos quais são estranhos à comunidade científica.
Por mim, que conheço razoavelmente o funcionamento normal do Ministério, reconheço que muitas das questões colocadas ultrapassam a questão científica porque, por exemplo, enquanto um dos depoentes tinha sido director do Laboratório houve outro que foi substituí-lo, havendo um outro que era director de um determinado departamento do Laboratório que considera ter sido marginalizado pelos outros investigadores, etc. Ou seja, face aos grandes problemas nacionais e à necessidade de colocar a situação clara perante o povo português, as pessoas, mesquinhamente, estão a confundir isto com os seus assuntos pessoais. Para mim, isto é claro e evidente e direi mesmo que é o diagnóstico que faço perante algumas das intervenções que foram feitas nesta Comissão.
No entanto, aqui há, de facto, uma quebra ética por parte de um senhor que tem o cargo de director-geral, já que não pode obrigar o investigador do Laboratório a manter sigilo acerca dos elementos constantes desta matéria. E, desde 1990 até 1993, não é possível admitir-se que haja qualquer dúvida.
É que se tivesse ocorrido um único caso, eu admiti-lo-ia e teria de ter esse espírito, de que há pouco falou, no sentido de haver um certo controlo de uma situação. Quando apareceu o segundo caso, já teria de levar a questão a sério. Quando ocorreu o terceiro caso, teria de debruçar-me sobre o assunto. E quando surgiu o quarto caso, já teria de estar no terreno com toda a força, pois quando apareceu o quinto caso, eu já teria de ter o esquema todo montado.
Sabemos que, em princípio, esta doença só desaparecerá de Portugal em 1996, porque as últimas importações de animais ocorreram em 1989 e, decorrido o período de incubação de oito anos, vai até 1996 ou 1997. Assim, os senhores vão ser confrontados com este problemma até 1996 ou 1997. Porque, sabendo que de Inglaterra vêm 0,4% dos animais infectados, temos de ver isto com clareza e sem nenhuma paixão, mas não podemos permitir situações que têm estado a passar-se. Aliás, no momento oportuno, iremos denunciá-las com toda a veemência.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Dr. Fernando Paisana, tem a palavra.
O Sr. Dr. Fernando Paisana (Bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários): — O Sr. Deputado António Campos já tinha feito essas considerações e trata-se de dúvidas que,
na verdade, só poderão ser esclarecidas pelo Sr. ex-Director-Geral da Pecuária. Aliás, como lhe disse, aquando do nosso inquérito, este senhor não participou e eu próprio compreendi a sua situação, uma vez que estava a decorrer o inquérito promovido por esta Assembleia.
No entanto, é evidente que a Ordem vai acompanhar este caso, tal como tem feito em relação às declarações que aqui foram feitas e é claro que, dentro do que determinam os respectivos estatutos, vai estar atenta ao que continuar a pas-sàr-se e terá oportunidade de, junto do Sr. ex-Director-Ge-
ral, completar o inquérito que eu próprio não considero concluído.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Não havendo mais inscrições, está terminada a audição. Agradecemos ao Sr. Dr. Fernando Paisana a sua disponibilidade para vir a esta Comissão, renovando as nossas desculpas por termos ido até mais longe do que contávamos.
O Sr. Dr. Fernando Paisana (Bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários): — Sr. Presidente, eu é que renovo as minhas desculpas por ter ajudado pouco mas o que é certo é que não é essa a minha função, havendo especialistas que podem ajudar muito mais do que eu próprio.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Doutor, foi importante termos ouvido a sua opinião, reforçada pela sua posição e pelos seus próprios conhecimentos. Muito obrigado.
Pausa.
Srs. Deputados, o próximo depoente deveria ser um representante do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, mas os serviços informam-me que não está ninguém presente...
O Sr. António Campos (PS): — Não há ninguém nomeado... O Laboratório está fechado para obras... Quando abrir, então, ouviremos alguém de lá.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Essa afirmação é da sua exclusiva responsabilidade, Sr. Deputado António Campos. Pela nossa parte, sabemos que não está formalmente nomeado nenhum director para o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, embora admitíssemos a hipótese da presença aqui de algum dos respectivos investigadores.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Sr. Presidente, por vezes, há quem seja nomeado para desempenhar interinamente essas funções.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Exactamente. Pausa
Srs. Deputados, após confirmação dos serviços, informo--vos que, em termos práticos, não está presente nenhum representante do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária para ser ouvido.
; Assim, vamos interromper os nossos trabalhos, retoman-do-os para a habitual reunião às 15 horas e 30 minutos. Estão suspensos os trabalhos.
Eram 12 horas e 5 minutos.
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Acta da 5.8 reunião, de 2 de Junho de 1993 (1.fi período), da audição parlamentar com vista a apurar da existência ou não em Portugal da encefalopatia espongiforme bovina.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Srs. Deputados,
está aberta a reunião. Eram'10 horas.
Vamos dar início aos trabalhos desta audição parlamentar, começando por ouvir o depoimento do Sr. Dr. Alexandre José Galo, a quem agradecemos ã disponibilidade que mostrou para aqui estar, uma vez que nem sequer estava inicialmente prevista a sua audição. A convocação foi feita um pouco em cima da hora e o Sr. Dr. Alexandre Galo prestou-se, prontamente, a vir aqui, o que reforça essa disponibilidade, atitude que agradecemos.
Como sabe, estamos em audição parlamentar pública, que tem por fim apurar da existência ou não, em Portugal, da encefalopatia espongiforme dos bovinos. Portanto, será sobre essa questão que iremos debruçar-nos.
Temos por metodologia, como certamente já teve a oportunidade de verificar, deixar a cargo do depoente uma primeira intervenção, a que se seguirão os pedidos de esclarecimento que os Srs. Deputados queiram colocar.
Caso esteja de acordo com este esquema tem, desde já, a palavra. .
O Sr. Dr. Alexandre José Galo (Investigador Auxiliar do Laboratório Nacional de Veterinária): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais quero agradecer, penhorada-mente, a oportunidade que W. Ex." me dão de também, para além do questionário a que serei submetido, poder, nesta hora, de alguma forma, defender a minha integridade como técnico investigador, que nos últimos dias foi vítima de torpe calúnia.
Como VV. Ex." adivinharão, tenho acompanhado, ma medida do possível, os depoimentos que aqui têm sido prestados e por dois desses depoentes, os Srs. Professores Manuel Lage e Braço Forte Júnior, foi posta em causa a minha competência científica, com o fim de — presumo eu —, por arrastamento, contestarem o diagnóstico da encefalopatia espongiforme dos bovinos, que eu também realizei, porque esse diagnóstico, como é sabido, foi feito também por outro investigador do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, o Dr. Azevedo Ramos.
Penso que esse tipo de argumentação tem como base o facto de, na realidade, estes dois Srs. Professores não terem, certamente, argumentos válidos para fazerem essa mesma contestação. Penso mesmo que as suas afirmações prosseguem outros interesses e desígnios que não são, certamente, os do apuramento da verdade sobre a existência da encefalopatia espongiforme nos bovinos no nosso país, em vacas importadas do Reino Unido.
Srs. Deputados, retiro do meu curriculum; muito sumariamente, algumas anotações. Como disse, sou investigador do Laboratório Nacional de Veterinária, na área científica da patologia.
Licenciei-me pela Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Técnica de Lisboa, no ano lectivo de 1973-1974.
Em Agosto de 1979 ingressei no Instituto Nacional de Veterinária, percursor do actual Laboratório Nacional de Investigação Veterinária.
Em Abril de 1983, por despacho do então Sr. Director--Geral da Pecuária, fui designado substituto legal do direc-
tor do Laboratório Nacional de Investigação -Veterinária, funções que exerci até recentemente. Nessa qualidade, para além de, diariamente, coadjuvar o director do Laboratório, assumi, por diversas vezes, por períodos bastante prolongados, que foram, nalguns casos, até quatro meses consecutivos, a direcção do mesmo Laboratório, em substituição do titular do cargo.
De Julho de 1986 a Julho de 1988, num período de dois anos, fui bolseiro da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica e da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento. Nessa qualidade permaneci nos Estados Unidos da América, no departamento de biopatologia de um laboratório de alta segurança, que nós designamos por Laboratório P4, cujo nome é Plum Island Animal Disease Center.
Nesse laboratório norte-americano, um dos mais sofisticados do mundo, preparei a minha tese sobre peste suína africana crónica, a qual foi objecto de provas públicas em Lisboa, em Outubro de 1988. Fui classificado, nessas provas, com 19 valores e do júri fizeram parte três professores universitários e um investigador-coordenador. Realço aqui que um dos professores universitários que compuseram o júri foi o Sr. Prof. Manuel Cardoso Lage.
-Sou detentor de cursos, estágios e missões de estudo noutros laboratórios estrangeiros, noomeadamente em França, Alfort e Ploufragan, na Alemanha, na Faculdade de Han-nover, na Bélgica, na Universidade de Ghent, na Holanda, no Laboratório de Lelystad, e, na Inglaterra, no Laboratório de Weybridge.
Publiquei mais de uma vintena de trabalhos científicos e sou membro de várias sociedades científicas, nacionais e estrangeiras.
Fui secretário-geral da Sociedade Portuguesa de Ciências Veterinárias, no triénio de 1989-1992, depois de convidado pelo Sr. Prof. Manuel Lage, para integrar a lista eleita. Integrou essa mesma lista, como presidente da direcção, o Sr. Prof. Manuel Lage.
Possuo vários louvores, cartas abonatórias da minha competência técnica, científica e estatuto moral, provenientes de entidades nacionais e estrangeiras, mas vou pedir a paciência de W. Ex.K para a leitura de apenas uma delas. É diri-ga ao Sr. Presidente da Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, Avenida de D. Carlos I, 126, 1.°, 1200 Lisboa. Diz assim: «Para os devidos efeitos declaro que o Sr. Dr: Alexandre José Galo, assistente de investigação do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, trabalha comigo no Departamento de Patologia há cerca de uma dezena de anos, no melhor espírito de colaboração e amizade.
Conheci o Dr. Alexandre Galo nos primeiros anos da sua actividade profissional, na Região Autónoma da Madeira, onde, desde logo, me impressionou muito favoravelmente, pela sua aplicação, competência, interesse e espírito de iniciativa.
Desde o seu ingresso no LNTV, para o qual me felicito ter contribuído em parte, não me tem iludido nas esperanças nele depositadas.
Uma constante preocupação de actualização, uma cuidada preparação profissional e uma permanente curiosidade científica, são para mim uma garantia de que o Dr. Alexandre Galo fará uma auspiciosa carreira na investigaçãpo.
É, pois, com muita satisfação que, pessoalmente, como chefe do Departamento de Patologia do LNTV, venho testemunhar á V. Ex." toda a confiança que deposito, desde já, nos bons resultados dos trabalhos que agora se propõe realizar.»
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Assina esta carta o Sr. Prof. Manuel Cardoso Domingos da Lage, professor agregado da Universidade Técnica de Lisboa e investigador principal do Ministério da Agricultura, na altura chefe do Departamento de Patologia do LNTV.
Srs. Deputados, diz o povo que «para bom entendedor meia palavra basta». Deixo claro que o Sr. Prof. Manuel Lage, que tão negativamente criticou a minha competência, foi. movido por interesses que não confessou.
Não vou enveredar pelo mesmo caminho.
Certamente teria também algumas apreciações a fazer à sua pessoa. No entanto, penso que as animosidades pessoais não entram neste caso e que elas têm sede própria para serem resolvidas..
' Sobre a critica do Sr. Prof. Braço Forte Júnior relativamente a algum tipo de incompetência que diz reconhecer--me, apesar da consideração que me merece a sua idade, oferece-se-me dizer que nunca trabalhei com ele directamente. A nossa relação foi puramente administrativa e corresponde a um período de tempo do início da minha carreira científica no Laboratório Nacional de Investigação Veterinária — entre 1980-1981 e suponho que ainda em 1982—, que se sobrepõe à época em que foi director do Instituto Nacional de Veterinária.
Depois disso, nenhuma relação profissional existiu entre nós, pelo que hão lhe reconheço qualquer capacidade de crítica relativa à minha carreira no Laboratório Nacional de Investigação Veterinária.
As declarações do Sr. Prof. Braço Forte Júnior seguem--se na esteira das pronunciadas pelo Sr. Prof. Manuel Lage e têm os mesmos fins. Teria sido digno que o Sr. Prof. Braço Forte Júnior, que se reformou há alguns anos por limite de idade, se tivesse retirado com nobreza de uma época que teve a sua oportunidade. As afirmações técnicas que proferiu provam que o seu saber está algo recuado.
Relativamente as declarações prestadas por outras pessoas acerca do diagnóstico da BSE, devo dizer que os seus autores estão fora da área científica em questão, ou não são especialistas dessa questão. Serão, eventualmente, autoridades noutras áreas científicas, mas não nesta.
Penso que, chegados a esta fase, a intenção de gerar alguma confusão em todo este processo está conseguida. E possível que, depois disto, aqui apareça alguém a dizer que a notificação da doença não foi feita nessa altura e que também ele (ou essa pessoa) teria dúvidas e afinal tinha razão, não acreditou no diagnóstico que foi feito.
Lembro a VV. Ex." que nunca antes o diagnóstico foi contestado, antes pelo contrário. As instruções foram de guardar sigilo sobre o assunto, tendo-me .mesmo sido recusada a possibilidade de enviar as lâminas histológicas para o laboratório de Weybridge, a fim de, tal como tinha sido acordado com o Dr. Bradley, chefe do departamento de patologia do referido laboratório e um dos cientistas que têm investigado a doença, poder vir não a confirmar-me aquilo que eu sabia, porque não o necessitava, mas sim a publicar uma nota sobre o assunto no Veterinary Record, revista científica que tem vindo a reportar os sucessivos casos de diagnóstico de BSE.
O diagnóstico da encefalopatia espongiforme dos bovinos foi feito. É um diagnóstico muito fácil para quem sabe efectuá-lo, mas bastante mais difícil para quem nunca o praticou, não reconhecendo, portanto, os locais próprios, sede das lesões histopatológicas, ou as alterações morfológicas microscópicas que lhe são características.
Com a finalidade de harmonizar o diagnóstico da BSE rra Comunidade Europeia, a Comissão da CE promoveu dois cursos no Central Veterinary Laboratory, em Wesbridge, o primeiro dos quais eu frequentei.
Foi intenção da Comissão, consciente de que casos de BSE apareceriam noutros países da Comunidade, qualificar, pelo menos, dois peritos no diagnóstico da doença nos respectivos países.
A matéria do curso, como consta dos relatórios que então elaborámos, foi eminentemente versada na histopatolo-gia. Foram esses conhecimentos, Srs. Deputados, que aplicámos no diagnóstico dos casos positivos que reportámos.
Interessa distinguir diagnóstico e investigação. Nós não fizemos investigação da doença; fizemos, sim, diagnóstico — e bem feito—, à luz dos critérios adoptados na Comunidade Europeia e à luz, também, dos critérios internacionais, num sentido muito mais lato.
Se nos tivéssemos proposto fazer investigação, com certeza que outras metodologias teríamos usado. Também as conhecemos, mas não porque o diagnóstico efectuado nos tivesse deixado qualquer dúvida, antes, sim, por curiosidade científica que é, aliás, nosso apanágio.
No entanto, o sigilo que nos foi imposto impediu-nos de prosseguir tal propósito.
Srs. Deputados, o material de diagnóstico histopatológi-co, ao contrário do que acontece quando se usam outras metodologias, não se perde. Ele é constituído por cortes com mais ou menos quatro ou cinco micra dos tecidos que vamos examinar e que, depois, são apostos em lâminas de vidro e observados ao microscópico, evidentemente depois de alguns tratamentos laboratoriais.
As lâminas a que me refiro e que consubstanciam o diagnóstico da BSE em discussão, estão disponíveis, em qualquer momento, para novas observações.
Rejeito, peremptoriamente, a contestação feita ao diagnóstico que realizei por pessoas que nunca observaram essas lâminas, que nunca tiveram contacto técnico ou científico com a doença para além do bibliográfico e que não estão, portanto, habilitadas para fazê-lo.
A atestar a incoerência das afirmações aqui proferidas quando se pretendeu apoucar o diagnóstico realizado, transcrevo, em tradução literal, o texto da acta da reunião dos chefes veterinários oficiais da Comunidade, realizada em Copenhague no dia 12 do mês corrente, no que ao assunto se refere: «Capítulo BI — Outros Assuntos — I — Declaração acerca da BSE (declaração da delegação portuguesa). Os chefes veterinários oficiais tomaram nota de uma declaração da delegação portuguesa, a qual, referindo-se a recentes rumores declarando a existência de vários casos de BSE no território português, foi declarado pelos serviços veterinários de Portugal, os quais são competentes nesta matéria, poder informar o Grupo que os resultados obtidos, depois de detalhadas investigações e exames que levaram a efeito, confirmaram a ausência de qualquer caso de BSE em Portugal.»
Afinal, Srs. Deputados, os exames efectuados foram insuficientes ou foram investigações e exames detalhados?
Se, depois disto, restar alguma dúvida sobre a positividade do diagnóstico efectuado, peço a W. Ex."5, encarecidamente, que ponham ponto final nesta discussão, solicitando o depoimento de cientistas do laboratório de Weybridge que a esta doença se dedicam sobre: primeiro, se o diagnóstico histopatológico positivo feito em Portugal em animais provenientes do Reino Unido, com uma sintomatologia clínica condizente com a doença, é ou não suficiente para assumir a existência da mesma; segundo, se, perante a observação das lâminas histopatológicas dos casos por nós reportados, o diagnóstico está correcto ou não. Se esta Comissão não colher os depoimentos agora solicitados, para salvaguarda da minha dignidade, tenho a certeza de que alguém o fará. Desde já, agradeço.
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O Sr. Presidente (Antunes da Silva): t~ Sr. Dr. Alexandre Galo, agradeço a sua exposição. Penso que todos os Srs. Deputados estarão de acordo comigo ao dizer que se justifica perfeitamente a intervenção que V.. Ex.3 aqui fez, perante aquilo que se tem vindo a passar, e que é algo que todos nós devemos fazer, ou seja, preservar a nossa própria dignidade. Percebemos, por isso, perfeitamente, a exposição que V. Ex.3 aqui fez.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Dr. Alexandre Galo, agradeço-lhe a sua vinda aqui — penso que o seu contributo foi de extrema importância e que valeu a pena ouvi-lo, mas gostaria de o questionar sobre algumas situações.
V. Ex.3 publicou muitos trabalhos, mas por que é que não publicou nada ligado ao primeiro aparecimento de encefalopatia?
A segunda questãorefere-se à carta que V. Ex.a nos leu, onde lhe é reconhecida alta competência profissional: é do mesmo Professor Lage que esteve aqui a depor, ou é de outro professor, ou de outra pessoa?
V. Ex.3 informou-nos de que foi obrigado a guardar sigilo. Conhecemos o percurso: já aqui estiveram colegas seus que fizeram o diagnóstico no terreno; já tivemos aqui o Sr. Dr. Matos Aguas, que confirmou que o director-geral o obrigou a manter sigilo; já sabemos que, numa questão desta natureza, quem tem de actuar é o director-deral'e o próprio Governo (em Inglaterra foi o Secretário de Estado da Agricultura, em França foi o próprio Ministro da Agricultura quem tratou destas situações). O que gostaria de saber é se houve algum contacto entre V. Ex.a e o director-geral.
Outra questão que gostaria que nos esclarecesse, é se, quando começou a especializar-se nesta doença, foi o próprio director-geral que o mandou especializar nesta matéria. • . c
Ainda outra questão, que também aqui referiu, é a da recusa de.enviar as lâminas para Inglaterra, para confirmar o diagnóstico. O primeiro diagnóstico foi feito em 1990, já estamos em 1993 e. aparecem-nos agora aqui alguns professores a dizer que era: preciso fazer mais exames (já passaram três anos e alguns países declararam a doença com dois casos apenas, fazendo declaração obrigatória ao detectar a existência de dois casos) mas a nós, desde .1990, que nos estão a ser sonegados, apesar de haver compromissos comunitários e de haver legislação portuguesa para o diagnóstico:
Uma outra pergunta. Há um decreto-lei que estabelece:a forma de diagnóstico em Portugal (e que não é só em Portugal, existe em todos os países da Comunidade), contudo, encontramo-nos hoje nesta situação ridícula: há vacas que têm encefalopatia em França, em Inglaterra ou na Suíça mas, em Portugal essas mesmas vacas não têm encefalopatia. Poderá dizer-nos sé o processo utilizado por eles é o mesmo ou não que V, Ex." utilizou?
V. Ex.3 fez a esta Câmara uma revelação importantíssima sobre a reunião do Comité dos Veterinários (penso que é essa a designação), que já é posterior ao levantamento da situação em Portugal, e sobre a posição e a postura.dá delegação portuguesa na qual foi referido «após exames detalhados»,- o que quer dizer que, além das fornias tradicionais de diagnóstico estabelecidas por lei, a Direcção-Gerâl fez mais diagnósticos, e mais exames complementares que permitiam ao próprio director-geral (que, suponho, era quem encabeçava essa delegação) referenciar a situação com toda a clareza e com toda a autoridade. A mesma autoridade que
usou comigo porque, antes de declarar isto publicamente, telefonei-lhe a perguntar se havia e quantos casos havia, e ele mentiu-me, informando-me que não havia casos de encefalopatia espongiforme bovina em Portugal.
Portanto, gostaria que nos indicasse outros exames detalhados que o director-geral tenha mandado fazer para poder fazer essa afirmação nessa reunião do Comité, porque se V. Ex.3 estava a trabalhar nesse assunto presumo que o próprio director-geral o tivesse contactado para esses outros trabalhos.
Para nós, não há qualquer dúvida sobre a existência da encefalopatia espongiforme bovina em Portugal, porque, utilizando a mesma metodologia que se usa em qualquer país da Comunidade, nós tivemos, por sorte, acesso a esses diagnósticos; Assim, é estranho —e é aquilo que mais me preocupa — o comportamento do Estado português, porque assinou acordos internacionais, criou legislação, preparou investigadores. Ora, havendo um quadro legislativo, havendo um laboratório altamente preparado (tenho documentação em que o próprio director-geral o considera como tal), recusando até a importação de priões para o Instituto Nacional Ricardo Jorge para complementos de trabalho — isto em 1991 —o Sr. Director-Geral não só não confirmou a doença publicamente como também evitou qualquer outro exame complementar que o comprovasse; isto acrescido da recusa como V. Ex.3 aqui referiu, do Sr. Director-Geral, que impediu o envio das lâminas para Inglaterra.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Antes de dar a palavra ao Sr. Dr. Alexandre Galo, gostaria de esclarecer uma dúvida.
O Sr. Deputado António Campos referiu na sua intervenção, por duas vezes, a recusa do envio das lâminas para Inglaterra. O que percebi da intervenção do Dr. Alexandre Galo foi que as lâminas estavam disponíveis para qualquer outro exame que se quisesse fazer.
Tem a palavra Sr. Dr. Alexandre Galo.
O Sr. Dr. Alexandre Galo (Investigador Auxiliar do Laboratório Nacional dé Veterinária): — Tentarei esclarecer essa situação. Prometo tentar ser breve mas as perguntas foram muitas e tenho medo de me alongar um pouco —a conversa é conio«as cerejas» e corremos o risco de ficar aqui tempos intermináveis. A primeira pergunta, por que não publiquei nenhum trabalho sobre esta doença tendo publicado muitos outros trabalhos'— a determinada altura, nós, pessoas que trabalhamos em ciência, vivemos para e de este tipo de trabalho, que tem como consequência imediata a publicação; todo o nosso curriculum, ou a apreciação do nosso curriculum, é baseado, sobretudo, nos trabalhos que publicamos e na respectiva qualidade. Era minha intenção e teria sido muito grato para mim que, na altura em que alguém faz o diagnóstico do primeiro caso de encefalopatia espongiforme dos bovinos, ele pudesse ter sido publicado e reportado, sobretudo, como era o caso e estava combinado, numa revista reconhecida como uma das boas revistas internacionais, o Veterinary Reco rd; mas a realidade é que o sigilo que foi imposto impediu-me de fazer essa publicação. Devo dizer que optei por outra solução e acabei por fazer uma tradução de um trabalho, que publiquei com a anotação dè que era tradução minha, de um autor inglês, que foi publicada numa revista técnica que é editada pelo Sindicato Nacional dos Médicos Veterinários e que tem uma difusão de cerca de 1500 ou 2000 exemplares e é de distribuição gratuita aos veterinários.
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A carta que o Sr. Deputado refere e que eu li é do Sr. Professor Manuel Lage. De resto, as nossas relações, para além daquelas que são descritas nessa carta, como tive ocasião de dizer, referem-se também à nossa participação conjunta, ele como director da Sociedade Portuguesa de Ciências Veterinárias e eu como secretário geral. Talvez nessa época o Professor Lage — e lembro que essa relação correspondeu ao período de 1989-1992 — não tivesse falado da minha incompetência como falou há uns dias atrás.
Sobre o sigilo que foi imposto, perguntou-me quem me impôs esse sigilo: foi-me pedido pelo director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, na altura o
Sr. Dr. Matos Águas. Nunca tive nenhum contacto sobre este
assunto com o director-geral da Pecuária — nunca ele me falou neste assunto.
Quanto a quem me mandou fazer a especialização em Weybridge: a Comissão das Comunidades, a determinada altura, contactou o Laboratório no sentido de habilitar peritos nos países membros a fazer este diagnóstico, porque, Srs. Deputados, não é suficiente ser patologista ou, com mais precisão, ser histopatologista para se fazer o diagnóstico. Suponho que qualquer histopatologista faz o diagnóstico histopatológico da BSE mas, primeiro, tem de se habilitar a fazê-lo e há razões para isso, porque esse diagnóstico é feito em locais próprios: o material é retirado de sítios próprios do cérebro, os cortes são feitos em sítios próprios e as lesões características têm sede própria dentro desses mesmos cortes. O que quero dizer é que, depois de se saber onde é que isso acontece, qualquer histopatologista faz o diagnóstico — mas tem que saber isso primeiro.
Quando a Comissão pensou - porque a Comissão sabe perfeitamente que todos os Estados membros da Comunidade que têm laboratórios têm com certeza histopatologistas — e sentiu a necessidade de que alguns desses patologistas, no caso vertente dois patologistas de cada país, se deslocassem a Weybridge, onde a experiência já era muito grande, de forma a ficarem habilitados a fazer o diagnóstico nos respectivos países, porque tinham consciência de que a doença ia aparecer nesses países, sobretudo naqueles que importaram quantidades razoáveis de animais, mas, quando esse convite chegou, a direcção do Laboratório pensou quem deveria mandar. Por razões que se prendiam com a especialidade que tenho e pelo facto — que, na altura, foi considerado uma razão forte— de o curso ser ministrado em língua inglesa e eu estar bastante à vontade nessa língua, dada a minha permanência durante uns anos nos Estados Unidos, pensou-se que eu seria uma das pessoas indicadas para ir a Weybridge. Essa foi a razão por que foi feita uma proposta nesse sentido, suponho que ao Sr. Secretário de Estado, que a sancionou.
Pergunta-me o Sr. Deputado António Campos como aconteceu a recusa de envio das lâminas para Inglaterra. Sobre essa questão devo dizer o seguinte: quando surgiu o primeiro caso suspeito de encefalopatia espongiforme nos bovinos, eu ainda não tinha ido a Inglaterra. O material foi colhido, foi mandado para o laboratório do Porto, esse material exige uma preparação prévia de cerca de três semanas de fixação, e foi exactamente nesse período em que o material estava a fixar que chegou a convocatória para fazer deslocar o primeiro perito a Weybridge. Nessa altura, eu não tinha ainda instruções nenhumas sobre sigilo ou não e, quando me encontrava em Weybridge e é dito pelos monitores desse curso que provavelmente iriam aparecer casos suspeitos noutros países, nomeadamente em Portugal, tive a ocasião de lhes dizer: «Nós temos um caso suspeito, que está em esludo — o material está a fixar — e ainda bem què este
curso acontece porque, quando eu chegar a Portugal, vou ter a oportunidade de, com propriedade, poder observar esse material.» Nessa altura, o Dr. Bradley, que é chefe do departamento de patologia em Weybridge e é também um dos investigadores que se têm dedicado ao estudo desta doença e que, por essa razão, foi há dias condecorado em Paris, no Office International des Épizooties, disse-me: «Então, se se confirmar o diagnóstico da doença, faça o favor de me mandar essas lâminas porque vamos fazer uma publicação conjunta desse trabalho.»
Quando comuniquei ao director do Laboratório que tinha
o caso positivo e que, de acordo com aquilo que tinha combinado com o Dr. Bradley, iria mandar as lâminas para Weybridge, a primeira reacção do director foi dizer-me: «Sim senhor, mande, acho muito interessante que façam essa publicação.» Não sei agora exactamente quando, mas umas horas depois, não sei se no dia seguinte, mas sei que foi logo a seguir — não posso precisar o espaço temporal — o director do Laboratório veio ter comigo e disse-me: «Não mande as lâminas para Weybridge.» «Mas porquê?», perguntei-lhe. «Não mande, porque foi-me pedido rigoroso sigilo sobre este assunto», respondeu-me.
Foi, portanto, essa a razão por que não mandei as lâminas para Weybridge. Devo dizer que estas seriam enviadas para Weybridge, não no sentido de confirmar o diagnóstico mas antes no sentido de fazer uma publicação, pois o diagnóstico esse não tinha dúvidas nenhumas de que estava confirmado.
Perguntou, também, o Sr. Deputado por que não se fizeram mais exames; porque não era necessário, Sr. Deputado. Para além daquele despacho do Sr. Ministro da Agricultura que mencionou e, mesmo que ele não existisse, se eu reconhecesse serem necessários mais exames, tê-los-ia feito, pois também os sei fazer. O que acontece é que nós aproveitámos os ensinamentos dos ingleses. Os investigadores ingleses detectaram os primeiros casos de existência de uma doença estranha por volta de 1985-1986 e só em 1988, salvo erro em Novembro, é que foi publicado o primeiro artigo que diz que a doença é aquela doença misteriosa que estava a matar as vacas inglesas em grande quantidade.
E isto porquê? Porque, sendo aquela uma doença absolutamente desconhecida nos bovinos, não havia qualquer conhecimento técnico ou científico sobre o que poderia ser o seu agente causal. E é natural que os cientistas britânicos nessa altura tenham feito todos os esforços possíveis e imaginários para a identificar. Levaram uns anos para fazer o seu rastreio e o seu inquérito epidemiológico e para chegar à conclusão de que aquela doença era causada por um púão, ou mais modernamente, dada a grande ignorância que existe sobre este agente causal, um agente transmissível não convencional. Nessa altura, justificou-se que os britânicos tivessem demorado tanto tempo a fazerem a declaração da doença, porque eles não sabiam de que doença se tratava. Sabiam que havia uma doença estranha e usaram metodologias, como por exemplo, a microscopia electrónica, bem como — porque o vi —metodologias que envolveram a imunocitoquí-mica, da qual devo dizer que sou um especialista, pois o meu trabalho nos Estado Unidos versou sobre essa matéria.
O que acontece relativamente à nossa posição é que fomos a Inglaterra aproveitar os conhecimentos que eles adquiriram durante esse período de investigação e aquilo que nos disseram devermos fazer é consequência desse conhecimento. Foi, portanto, esse conhecimento que aplicámos em Portugal. Hoje, os ingleses não fazem mais exame nenhum — como de resto os outros países da Comunidade— que não seja o exame histopatológico.
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. Vou pedir a vossa paciência para ler duas linhas de uma fotocópia que extraí do manual do Office International des Épizooües. Este manual é um manual de referência para todos os técnicos e cientistas veterinários que trabalham na área da ciência, é uma edição recente, de fins de 1992 — existe um, anterior, de uma outra edição de há dois ou três anos, que diz exactamente a mesma coisa, o que comprova que aquilo que se dizia há dois ou três anos atrás continua a ser válido — e. a propósito da BSE. diz o seguinte: «Para confirmar o diagnóstico da encefalopatia espongiforme o exame neuro-histológico do cérebro é necessário: A correlação entre o diagnóstico clínico e o diagnóstico neuro-histológico pode, com uma experiência apropriada, ser superior a 90%.» Devo-lhes dizer que este número pode ser mais elevado. Mas, continuando, diz ainda o manual: «O exame histopatológico também permite o diagnóstico diferencial nos casos em que haja patologia alternativa. As lesões patogno-mónicas.( o termo 'patognomónico* é usado em ciência para dizer que são definitivas, que não há mais discussão; quando a lesão é patognomónicá é aquela mesma, é característica, é própria da doença e não existe em mais doença nenhuma) são simétricas, bilaterais, espongiformes na substância cinzenta, no neurópilo e também apresentam va-cuolização nos neurónios em certas partes do cérebro.» Mais à frente, a propósito de outros exames, diz-se o seguinte: «A demonstração das fribilhas características nos bovinos, por intermédio de contraste negativo ao microscópio electrónico, depois de extraídas com um detergente, e também a sua detecção por intermédio de separação electroforética e imunobloting são métodos adicionais de diagnóstico. Eles são particularmente úteis quando o diagnóstico histopatológico é difícil ou impossível devido a decomposição post morte m».
Faz-me, ainda, o Sr. Deputado outra pergunta sobre o processo de diagnóstico noutros países. Já respondi que o processo que usamos nos nossos trabalhos é o mesmo processo que usam neste momento os ingleses.
Relativamente ao problema que coloca sobre a acta de Copenhaga, que terei muito prazer em deixar aqui ficar, não
sei efectivamente que outras investigações foram feitas, mas posso garantir que não foram feitas no Laboratório Nacional, de Investigação Veterinária. Penso que, depois do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, ninguém mais em Portugal trabalhou neste assunto.
. Relativamente às,razões por que o director-geral não notificou a doença quando esta foi notificada nos outros países, não sei dizer nada, Sr. Deputado. Penso que teria sido prudente, dado que esta doença não é uma doença, mas, como ouvi dizer ontem, uma gota num copo de água, que, ■na altura em que ela foi diagnosticada, tivesse sido declarada e se tivessem alertado as populações, sem grandes parangonas, para o facto de esta não ser uma doença ou de não estar provado que seja .uma doença de tal forma apreensiva, em termos de saúde pública, que venha a causar o pânico. Nessa altura, sim, na altura do primeiro diagnóstico da doença, teria sido de bom senso que, calmamente, como se fez noutros países, se tivesse alertado a opinião pública da melhor maneira.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): —Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte.
O St. Cartos Duarte (PSD): — Sr. Dr. Alexandre José Galo, penso que o seu testemunho é importante nesta nossa audição pela experiência que teve no diagnóstico dos casos suspeitos.
A primeira pergunta que lhe queria colocar é relativa à dimensão dos casos suspeitos que possam existir no contingente de animais que importámos de Inglaterra, dado que não se pode falar no montante de 300 000 animais que existe no efectivo nacional, mas apenas nos animais importados, que foram cerca 12 000 animais, entre 1982 e 1989. Atendendo ao período de incubação da doença e ao tempo já decorrido — e penso que o contingente A-l, de 4000 a/jj-
mais. tenha sido importado entre 1987 e 1989—. c atendendo às informações dadas pelo Director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, Dr. Matos Águas, nomeadamente no ofício confidencial de 1991, em que se diz que a percentagem previsível para Portugal será entre 0,1 % e 0,2%, o que, neste momento, em Portugal, nos dá um montante entre 4 e 8 animais, gostaria que, se lhe fosse possível e dentro dos conhecimentos disponíveis nos contactos internacionais e nas acções em que participou, definisse, mais ou menos, até para termos uma noção da dimensão do que poderá acontecer a nível de suspeitas nos animais que estão em Portugal, qual a quantidade de efectivos em que a doença poderá acontecer.
Gostaria, ainda, de colocar-lhe uma outra questão, que é a seguinte: o Sr. Doutor leu uma parte de um artigo do OIE, em que se diz que também é necessário, quando há uma patologia diferente, um diagnóstico diferenciado. Ora, acontece — e refiro-me ao primeiro caso, o de Chaves — que algumas pessoas aqui ouvidas disseram que, depois da morte do animal, o material demorou cinco dias a entrar no Laboratório e que apresentava sintomas de autólise. No entanto, os cientistas ingleses dizem que, quando uma amostra tem sintomas de autólise, já não é possível fazer o diagnóstico histopatológico confirmado. Se assim é, esse diagnóstico de Chaves, de 1990, levanta dúvidas a nível histopatológico.
Em relação ao segundo caso, de Barcelos, também foi aqui afirmado por algumas pessoas ouvidas que tiveram acesso aos boletins que havia sido diagnosticada uma meningite purulenta, o que podia, eventualmente, prejudicar o diagnóstico histopatológico único.
Assim, queria perguntar-lhe se estes dados que nos foram aqui transmitidos na audição estão ou não correctos e se afectam ou não o diagnóstico histopatológico.
Por outro lado, penso que não se põe em causa o diagnóstico histopatológico, mas a necessidade ou não de outros métodos auxiliares e complementares de diagnóstico, métodos esses que foram utilizados em Inglaterra antes da declaração da doença. Diz o Sr. Doutor que assim aconteceu por eles não conhecerem a doença, mas, dado que, por exemplo, em França já houve declaração da doença, pergunto- -lhe se aí só foram feitos os exames histopatológicos ou se as entidades sanitárias e laboratoriais avançaram para outros métodos antes de confirmar a doença.
E que é entendimento de grande parte das pessoas que ouvimos que a metodologia de diagnóstico deve ser diferente antes e depois da confirmação da doença. No caso de
Inglaterra, foi depois da confirmação da doença e de ter surgido uma informação epidemiológica em relação a toda a manada nacional. Por isso, já não era necessário proceder a outros exames em Portugal ou noutro país; até à confirmação da doença, eram necessários esses exames. Diz, nomeadamente, o Prof. Dias Correia, veterinário e membro do Comité Europeu de Veterinários, juntamente com outras pessoas, como o director do Laboratório, Dr. Matos Águas, que é aceite a nível internacional, desde 1990, a necessidade de alguns exames complementares. O Sr. Dr. Matos
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Águas caracterizou mesmo alguns deles. Diz ele que, para além da necessidade de analisar a vacuolização do cérebro, é também preciso analisar as fibrilhas associadas.
Por é que o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária não fez isso desde há três anos? Disse-se que o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária tem priões, tanto assim que o Laboratório Ricardo Jorge quis importar priões, mas o director-geral da Pecuária não permitiu tal importação dizendo que o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária os tinha. O Laboratório Nacional de Investigação Veterinária tinha esses priões? Se os tinha, por que não os utilizou?
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): —Tem a palavra o Sr. Dr. Alexandre Galo, a quem solicito a brevidade possível, uma vez que já registei as inscrições dos Srs. Professores Amaral Mendes e Apolinário Vaz Portugal, que cumprimento desde já, pedindo-lhes desculpa pelo atraso que está a verificar-se nos nossos trabalhos.
O Sr. Dr. Alexandre Galo (Investigador Auxiliar do Laboratório Nacional de Veterinária): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tentarei ser breve, o que pòr vezes não é fácil.
A prevalência da doença não é já de 0,1 % a 0,2% Essa foi, no Reino Unido, a prevalência da doença no seu estado inicial. Suponho que neste momento a prevalência da doença se situa entre os 0,4 % e os 0,5%. E, pois, possível que, de acordo com o período de incubação da doença, venhamos a ter mais casos de encefalopatia. O problema é detectá-los. Creio que os veterinários do campo já estão um pouco mais alertados para o problema e é possível que os venham a encontrar.
De resto, penso mesmo que iremos ter muitos casos suspeitos que nada têm a ver com a doença em causa. Estes problemas também têm o seu reverso. Se até aqui as pessoas tinham alguma dificuldade em suscitar este tipo de suspeita, é possível que agora a suscitem demais e venhamos a ser assoberbados com um número de casos e amostras que nada têm a ver com a doença, mas com outras coisas.
Assim sendo, é possível, Sr. Deputado Carlos Duarte, que a actual prevalência da doença se altere, porque o período de incubação da doença é muito longo. Como é muito longo, tem, numa fase inicial, uma determinada dimensão e à medida que o tempo vai passando prolonga-se o tempo de incubação e acaba por ter uma prevalência diferente, que é a que se regista agora. Creio, no entanto, que não iremos ter excessivamente muitos casos. É um pouco difícil dizer quantos iremos ter, mesmo fazendo alguma aritmética rápida, porque — devo dizer-vos — muitos destes animais importados têm um ciclo produtivo e um tempo de vida curto: uns vão para o matadouro e outros morrem por outras causas, pelo que muitos deles terão sido já abaüdos.
Por isso, dizer-vos agora quantos mais casos irão aparecer é fazer um pouco de futurologia, o que não gostaria de fazer. Uma aritmética, sem futurologia, poderia levar-me a dizer que aparecerão mais 10 ou 11 casos, se forem detectados.
No que respeita à questão colocada pelo Sr. Deputado sobre os cinco dias para o material entrar no laboratório, dir--lhe-ía que a ideia transmitida é absolutamente incorrecta. Não interessa quanto tempo demora o material a entrar no laboratório. O que interessa é que o material, quando é colhido (tem de ser colhido fresco, na altura da morte do animal), seja imediatamente fixado em formol a 10%, a solução própria para este efeito. Esta fórmula sofreu hoje, aliás,
uma modificação, mas continua a ser a solução mais comum (o formol a 10%). Se esse material for colhido e imediatamente fixado em formol a 10%, não interessa saber se esse material dá entrada cinco horas, cinco dias ou três meses depois. De resto, é nesse período de fixação em formol que deixamos o material durante três semanas. Não interessa se ele se encontra no laboratório ou no sítio onde se abateu o animal. Não interessa, pois, se o material entrou no laboratório cinco horas ou cinco dias depois. Deve é ter sido fixado imediatamente após a sua colheita.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Mas não havia autólise, não é assim?
O Sr. Dr. Alexandre Galo (Investigador Auxiliar do Laboratório Nacional de Veterinária): — Sim, Sr. Deputado. Se o cérebro foi colhido logo após a morte, não há, com certeza, autólise.
A autólise começa, em qualquer tecido, imediatamente após a morte, mas o material é mais ou menos fresco conforme o momento em que se colhe e se fixa. Aliás, a fixação é, segundo alguém dizia, a última expressão da vida, porque quando se fixa um tecido ele fica exactamente como estava no momento em que foi fixado. Se, de resto, a autólise for prolongada, esta também é visível no exame histo-patológico. Uma coisa que aprendemos é a distinguir as lesões da autólise de outras lesões, o que não gostaria que fosse posto em causa.
Questionou-me depois o Sr. Deputado sobre as análises que referiam a meningite purulenta. É verdade, Sr. Deputado, que uma dessas análises mostrava lesões macroscópicas (aquelas que se vêem à vista desarmada) de opacidade das meninges, de tal forma que, quando as vi, pensei mesmo que poderia ser porventura uma meningite.
O que acontece é que qualquer processo patológico provoca sempre uma quebra de resistência orgânica, ou seja, uma quebra no organismo do animal. Em consequência dessa quebra de resistência, é fácil o enxerto de outros processos que designamos por complicações secundárias, que na maior parte das vezes são provocadas por aquilo a que chamamos microrganismos oportunistas. Foi isso provavelmente o que aconteceu. Havia nesse animal uma meningite purulenta, tendo-se inclusivamente isolado o seu agente causa),
o streptococcus. Só que isso não impede que seja feita a observação histopatológica, que tem as suas lesões características. Não era minha intenção nem meu interesse, de forma alguma, estar a inventar BSE no País. Não tenho dúvidas — reafirmo — de que existiam processos concomitantes no caso desse animal, um dos quais era esse processo de meningite.
Quanto à necessidade ou não de outros meios auxiliares de diagnóstico, é evidente, Srs. Deputados, que, se amanhã aparecer em animais nascidos em Portugal qualquer coisa que se pareça com a encefalopatia espongiforme dos bovinos, serão feitos, com certeza, estudos detalhados, exames complementares e todos aqueles exames que possam auxiliar e coadjuvar o diagnóstico histopatológico. É, com certeza, lícito pensar, propor e fazer esses exames a vacas nacionais, que aqui nasceram e nunca saíram daqui. Tais exames' terão de ser feitos. Não há é qualquer necessidade de estar a desenvolver trabalhos em vacas importadas do Reino Unido (com toda uma história pregressa atrás de si) que não seriam feitos, com certeza, em Inglaterra, seu país de origem. Não é o facto de as vacas terem sido transportadas de Inglaterra para Portugal que irá implicar necessariamente a feitura de outros exames.
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1 Foi essa, Srs. Deputados, uma das razões por que não se fez a ultramicroscopia. Posso, em-todo o caso, indicar-vos outras razões, uma das quais.passo de imediato a explicar. A ultramicroscopia é um exame muito bom, também peremptório, mas um exame quase de acaso, por nem.sempre se encontrarem as fibrilhas em casos positivos. Esse exame serve eventualmente para investigação, que foi uma coisa que não fizemos, pois só procedemos ao diagnóstico como estava preconizado. O referido exame serve para investigação, para confirmar, em termos de investigação, o que já foi feito através do diagnóstico histopatológico, mas não é obrigatório para fazer o diagnóstico da doença.
Por outro lado, quando se preconiza que o diagnóstico histopatológico obriga à fixação pelo formol da peça —a parte anatómica do cérebro (neste caso o tronco cerebral) ou o cérebro inteiro (como se fazia inicialmente em Inglaterra) — que vai ser trabalhada, esse mesmo material já não pode ser usado em microscopia electrónica, porque no microscópio electrónico se usa material fresco. O material tem de ser colhido, pode ser, quando muito, congelado e depois, quando chegar a altura, quando for oportuno, é trabalhado. O que pretendo sublinhar é que, se é feito o exame histopatológico e se fixa esse material, ele já não pode ser usado, depois, pela microscopia electrónica e os sítios onde as fibrilhas aparecem — os locais-sede próprios dessas fibrilhas — são exactamente os locais próprios da vacuolização, ou seja, os locais onde temos de pesquisar a vacuolização quer do neurônio quer do períkarion.
Nessas circunstâncias, não é de todo impossível, mas toma-se difícil,, fazer os dois exames no mesmo material. O que os ingleses faziam era um pouco diferente: abatiam, na altura, 500 a 600 vacas por semana, faziam um exame histopatológico a umas vacas e aproveitavam outras com sintomatologia condizente com a doença para fazer outros exames complementares, nomeadamente a microscopia electrónica. Então, sim, extraíam desses animais amostras de cérebro fresco para fazer a microscopia electrónica.
Como não me recordo da última questão colocada pelo Sr. Deputado Carlos Duarte, solicitar-lhe-ia, com a permissão do Sr. Presidente, que a repetisse.
O Sr. Presidente (Antunes da.Silva): — Tem a palavra, Sr. Deputado Carlos Duarte.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Questionei o Sr. Dr. Alexandre Galo sobre o que se passou em França antes da declaração obrigatória, ou seja, se para confirmar a doença os franceses utilizaram só o exame histopatológico ou também outros métodos auxiliares e complementares.
O Sr. Dr. Alexandre Galo (Investigador Auxiliar do Laboratório Nacional de Veterinária): — Sr, Deputado Carlos Duarte, o perito francês que subscreve a nota científica reportando o primeiro caso de BSE em Portugal foi um dos meus companheiros de curso,- que fez, como o Prof. Parodi, o exame histopatológico.; Aliás, refere isso mesmo nos seus documentos. Suponho até que foi entregue nesta Assembleia um documento que contém, pelo menos, 14 artigos, descrevendo como se fez e se faz o diagnóstico histopatológico. • .
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Encontram-se ainda inscritos os Srs. Deputados António Murteira e António Martinho, a quem, sem prejuízo dos esclarecimentos que pretendemos, solicito que sejam o mais breves possíveis, porque estamos muito atrasados. ■
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira..
O Sr. António Murteira (PCP): — Quero agradecer, em primeiro lugar, ao Sr. Dr. Alexandre Galo as opiniões que nos trouxe aqui.
A maior parte das perguntas que lhe queria colocar já foram aqui respondidas por V.Ex.a, no entanto, pedia-lhe ainda que, de uma forma p mais simples possível, me desse a sua opinião sobre duas ou três questões.
A primeira questão, sobre a qual acabou dc falar, é se, depois de todas essas considerações que fez, considera que a recolha e o procedimento com as amostras dos quatro animais que foram diagnosticados foram feitas correctamente e em condições.
A segunda é se, nessa base, se pode concluir cientificamente que, nesses quatro casos, existia a BSE.
A terceira é se é possível precisar qual a data em que foi feita a declaração pelos veterinários portugueses em Bruxelas e quais os fundamentos para o tipo de declaração que foi feita.
Por outro lado, solicitava-lhe que disponibilizasse, se possível, essa declaração para tirar fotocópias e pedia à Mesa que providenciasse no sentido de, ainda hoje, as mesmas nos serem entregues, pois tínhamos interesse nelas.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): - Para responder, tem a palavra o Sr. Dr. Alexandre Galo.
O Sr. Alexandre Galo (Investigador Auxiliar do Laboratório Nacional de Veterinária): — Devo dizer que só não recolhi o material do primeiro caso que surgiu, pois ele foi recolhido pelo meu colega do Porto, que, suponho, prestará depoimento logo à tarde e poderá, portanto, dizer como é que isso foi feito.
No que se refere aos outros três animais, eu próprio recolhi esse material. Devo dizer que esses animais foram para o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, tendo um ido para as instalações de Tocha e dois para as instalações de Lisboa.
Por outro lado, devo referir que, quando os animais foram sacrificados, foi, de imediato, recolhido o material necessário para o diagnóstico, portanto, confirmo que a recolha foi feita na altura certa e bem feita e o diagnóstico da BSE que, na altura, reportei.
Quero ainda dizer que a declaração a que se refere não foi feita em Bruxelas mas, sim, em Copenhague, no dia 12 de Maio, e que terei todo o gosto em fornecer a V. Ex.a uma fotocópia, como me pediu.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Martinho, a quem solicito que seja breve.
O Sr. António Martinho (PS): — Sr. Presidente, serei breve.
Para meu total esclarecimento, agradecia ao Sr. Dr. Alexandre Galo que me respondesse a algumas questões. V. Ex.a falou, a certa altura da sua intervenção, em agente transmissível não causal...
O Sr. Alexandre Galo (Investigador Auxiliar do Laboratório Nacional de Veterinária): — Não convencional, desculpe!
O Sr. António Martinho (PS): —... não convencional, por isso desejava saber se pode dizer-nos, com base nos seus
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conhecimentos técnicos, se esta doença é ou não transmissível ao homem e também, visto que V. Ex.J traduziu e fez pubiicar artigos de carácter científico sobre a doença...
O Sr. Alexandre Galo (Investigador Auxiliar do Laboratório Nacional de Veterinária): — Um artigo apenas!
O Sr. António Martinho (PS): — ... um artigo de carácter científico, que foi publicado na revista da Ordem dos Médicos Veterinários, julgo eu,...
O Sr. Alexandre Galo (Investigador Auxiliar do Laboratório Nacional de Veterinária): — Do sindicato!
O Sr. António Martinho (PS): —... do Sindicato dos Veterinários, se considera que os veterinários que estão no terreno — alguns dos quais já foram aqui ouvidos — puderam ter acesso a informação suficiente que os tenha habilitado a presumir que determinados casos constituíam casos de doença da BSE.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — O Sr. Deputado António Martinho colocou algumas questões que nós temos vindo a retirar, dado que não preenchem o objecto da nossa audição parlamentar, de qualquer modo, se o Sr. Dr. Alexandre Galo a elas se quiser referir, poderá fazê-lo.
Tem a palavra o Sr. Dr. Alexandre Galo.
O Sr. Alexandre Galo (Investigador Auxiliar do Laboratório Nacional de Veterinária): — Pergunta-me o Sr. Deputado se a doença é ou não transmissível ao homem. O que lhe posso dizer é que não está provado que e/a seja transmissível ao homem e que esse é um dos pontos da investigação em curso que está a ser realizada por grupos especializados.
De facto existem no homem outras doenças, essas bem reconhecidas, que são originadas por este tipo de agente também, no entanto, não se provou ainda —e nem sei se se provará!—, mas as notícias que temos e que nos vão chegando por intermédio da bibliografia são as de que existem muito poucas hipóteses de esta doença ser transmissível ao homem.
Relativamente à outra pergunta, isto é, se chegou informação suficiente aos veterinários, sobretudo àqueles que, no campo, lidam com os animais, devo dizer que a única informação, de que tenho conhecimento, que lhes chegou foi o artigo que traduzi e publiquei na revista do Sindicato dos Veterinários. Não tenho conhecimento de qualquer outro tipo de informação que lhes tenha chegado, mas não sei se lhes chegou ou não.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Dr. Alexandre Galo, muito obrigado pelo seu depoimento e pela disponibilidade que manifestou em estar aqui presente e peço-lhe desculpa pelo atraso que nós próprios provocámos.
Sr. Prof. Dr. Amaral Mendes, quero agradecer a disponibilidade que manifestou para prestar aqui o seu depoimento e apresentar-lhe as nossas sinceras desculpas pelo atraso com que o vai fazer, por culpa que só pode ser atribuída a esta Comissão.
O Sr. Professor, com certeza, já se apercebeu da metodologia que temos vindo a seguir nesta audição, nos termos da qual V. Ex.a fará uma primeira intervenção e, depois, eventualmente, responderá às questões que os Srs. Deputados entendam colocar-lhe.
Se estiver de acordo, tem a palavra.
O Sr. Prof. Doutor Amaral Mendes (Universidade de Évora): — Sr. Presidente, muito obrigado. Tenho muito prazer em vir aqui a esta Comissão dar o meu contributo e penso que a metodologia está correcta.
Vou procurar ser sumário e objectivo, como tenho sido sempre, pois já não é a primeira vez que venho à Assembleia da República e que falo com elementos desta Casa, dado o interesse que tenho por todos estes assuntos.
Em primeiro lugar, gostaria de me identificar em relação àquilo que sou e que tenho feito. Propositadamente, não escrevi qualquer depoimento porque, no princípio, trabalhei 10 anos em Inglaterra, adquiri uma metodologia muito especial, e, portanto, terei muito prazer em fazer, depois, um relatório detalhado sobre todas as questões que me forem postas e sobre todos os assuntos abordados, porque a complexidade deste problema é tremenda.
Fui envolvido já bastante tarde em todo este processo e gostaria de, com a metodologia que aprendi em Inglaterra, que me tem caracterizado e que é conhecida de todos aqueles que comigo colaboram, consubstanciar, de maneira bastante positiva e científica todas as declarações que terei de fazer.
Sou assessor científico da Direcção-Geral da Pecuária, desde há 15 anos na área da poluição e sanidade ambiental no seu moderno conceito ecológico. Sou licenciado, quer em medicina humana, quer em medicina veterinária, e fiz o meu doutoramento em radiobiología na Universidade de Londres, o que me permitiu tentar uma integração dos aspectos centrais e patológicos numa área da saúde pública, que é hoje caracterizada por saúde pública ambiental. É isso que me preocupa hoje!
É nesta área que tenho dado a minha colaboração desde sempre, pois toda a minha actividade profissional e científica tem sido feita na área da sanidade ambiental, da saúde pública veterinária e agora, modernamente, da toxicologia ambiental.
Da colaboração que lenho dado à Direcção-Geral da Pecuária, realço a realização do projecto da Iria, que levou cerca de. 14 anos, com umas dezenas de trabalhos meus publicados, em que, além dos efeitos das poeiras sobre as populações e sobre o coberto vegetal da actividade agrícola, tive oportunidade de revelar aspectos absolutamente inéditos no País, como, por exemplo, o impacte das explorações suínas no ambiente natural. Isto foi marcante há cerca de 15 anos, está. tudo publicado e cada qual qual faz a utilização que pretender desses trabalhos.
Na Direcção-Geral da Pecuária, na minha qualidade de assessor, fui um dos controladores da legislação sobre os produtos animais, de que fiz 14 revisões. Nunca chegou a ser publicada como legislação portuguesa —e, entretanto, ela veio de Bruxelas —, porque, institucionalmente, havia variadas entidades que se opunham à Direcção-Geral da Pecuária a quem devo prestar a minha homenagem porque, através destes anos, tem sido exemplar e irrepreensível em todos estes aspectos da sanidade animal.
Dediquei-me também ao estudo da poluição atmosférica sobre as áreas urbanas, quer a nível experimental, quer a nível urbano, e, neste campo, fiz, por exemplo, o estudo da poluição da área City de Londres — e nunca consegui fazer a de Lisboa porque me faltaram os meios. Tenho vivido sempre um pouco como um estrangeiro na minha terra, porque, inclusivamente, o meu próprio doutoramento em radiobiología na Universidade de Londres não está, ainda hoje, devidamente legalizado pela legislação portuguesa.
Entretanto, além de assessor da Direcção-Geral da Pecuária e das diversas designações que estes serviços têm tido,
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tenho dado a minha colaboração também, desde há muitos anos, ao Instituto de Anatomia Patológica da Faculdade de Medicina de Coimbra, no domínio da patologia experimental, nas instalações do biotério da problemática de experimentação animal — um problema que veio agora a ser posto da maneira mais acutilante — e, ao mesmo tempo, acompanhei, como médico, a patologia humana.
Um aspecto que é muito importante e que quero realçar aqui é que tenho acompanhado a grande mutação no domínio das ciências biomédicas, que é uma autêntica revolução, já que nós, patologistas, nós, médicos, encontramo-nos hoje num caos total, pois o desenvolvimento espectacular da imumologia, da biologia molecular e da citogenética é, inclusivamente, um acidente trágico.
Eu, que sou sócio, desde há 20 anos, da Sociedade Portuguesa de Anatomia Patológica, acompanhei esta modificação. Há, inclusivamente, uma coisa que é posta em cheque que é, por exemplo, a validade da iatntificação morfológica, isto é, a histopatologia/nível óptico. Há a morfologia ao nível da microscopia óptica e depois houve uma invasão pelos chamados biomédicos — indivíduos altamente qualificados e extremamente bem preparados em biologia molecular e imuno-química—, e nós, os patologistas, que temos obrigação de integrar todos esses aspectos, vimo-nos e desejamo-nos.
As licenciaturas com mais de 15 anos estão completamente ultrapassadas, quer sejam médicos ou veterinários. Por isso, torna-se necessário que haja uma reactualização de todos estes profisionais, pois uma das coisas que tenho verificado, no contacto que tenho tido com este problema especial que nos acupa aqui, é que o conceito de doença, de patologia, é levado a um ponto muito fixista que existe da época pasteuriana, não levando em linha de conta, digamos, este dinamismo tremendo que tomou todo este complexo.
Tive o cuidado, através de consulta de computador, através da Med-Line, de fazer a actualização de todos estes processos patológicos, em que se inclui esta doença ou, pelo menos, esta chamada doença — e tenho de a chamar assim, porque, a nível internacional, mesmo na área da investigação, o problema é extremamente complicado e ainda não está perfeitamente definido.
Dada a minha experiência no domínio da patologia de sanidade ambiental, fui convidado, há cerca de seis anos, para organizar no Instituto Nacional de Saúde, um departamento de saúde e toxicologia ambientais, o CESTA. Isto é, o que poderemos considerar a agressiologia da vida moderna, a agressiologia química das reduções electromagnéticas, o próprio comportamento microbiológico de toda esta problemática, que estamos a enfrentar e que tem sido exposta desta maneira tão crua e tão evidente, é um problema que tem de se levar em linha de conta.
Portanto, todos estes problemas estão completamente ultrapassados, não é um problema estritamente veterinário, não é um problema estritamente médico, é um problema de ciência básica que não pode ser só acessível a determinado tipo de área, muito sectorial, muito vectorizada.
Uma das grandes dificuldades que tenho encontrado no nosso país, dado que estou numa área multidisciplinar, tipi-, camente ecológica, é que os cientistas técnicos das diferentes áreas criam uma mentalidade reducionista, atomizam todos os problemas e só a integração transdisciplinar de colaboração de várias áreas permite que seja possível a abordagem de um determinado tipo de problemas, em que se pode incluir o problema a que chamamos, convencionalmente, a doença do BSE, aquilo que os senhores entenderem, porque, ao nível nacional, o que tenho visto é que a comunidade científica não está ainda definitivamente de acordo.
Não tive tempo suficiente de fazer a pesquisa bibliográfica, mas devo dizer que ouvi com muita atenção a exposição do meu colega veterinário, o Dr. Alexandre Galo. Aliás, já o tinha ouvido numa conferência na Faculdade de Veterinária, que apreciei bastante, porque ele está num campo extremamente actualizado — e recordo-me até que nessa conferência o director-geral de então fez-lhe um grande elogio e tem-lhe dado grande apoio, mais do que me tem dado a mim.
Nos últimos anos, tenho ensinado na Universidade de Évora, nos cursos de Engenharia Biofísica e Arquitectura Paisagística, as matérias de ecologia da poluição, toxicologia ambiental e medicina do ambiente. Pela primeira vez, consegui introduzir nas universidades portuguesas todos estes conceitos.
Inclusivamente, o director-geral da Pecuária, devido à sua compreensão, e a UNISUL (que é uma associação universidade/empresa, tal como a UNINOVA e a IDARN) assinámos um convénio em que dou a minha colaboração no sentido de montarmos na região do Alentejo, ou futura região administrativa, um laboratório de toxicologia ambiental.
Em relação a este conceito, não o confundam com a toxicologia forense, dos venenos, que se refere a situações forenses em que têm de ser julgados casos de envenenamentos, casos pontuais, portanto, é a «toxicologia dos mortos»; enquanto a toxicologia ambiental é a que está de acordo com a qualidade de vida, é a toxicologia das populações, a toxicologia da saúde e do seu estudo no sentido da prevenção.
Estamos interessados em criar condições nesse laboratório, no Alentejo, não só tecnológicas mas académicas, para o estudo de anabolizanies, pesticidas, metais, dioxinas, aditivos. Aliás, numa conversa que tive com o Sr. Deputado António Campos — que admiro pela franqueza com que enfrenta os problemas — referi que o problema é extremamente grave. Não temo o problema dos anabolizantes, dessa complexidade química toxicológica, o que temo é a ignorância, o desfasamento, a dificuldade, o equilíbrio cívico, a falta de actualização do nosso meio social. Esse é que é o nosso grande problema, o nosso grande desafio.
Já apresentei superiormente, há cerca de seis anos, um projecto de protecção toxicológica das cadeias alimentares humanas —e tenho comigo umas cópias que vos vou deixai— em que chamava a atenção para a necessidade conjuntural de os organismos do Ministério da Agricultura com o Instituto Nacional de Saúde estabelecerem um critério de fluxo, dada a agressão toxicológica que estabelece a cadeia alimentar, e que nós os humanos vamos, mais tarde, sofrer. Tem, pois, de haver uma visão antropogénica. E o facto de eu ter sido da patologia veterinária e de ter tido uma experiência como médico e como patologista dá-me, hoje, uma sensibilidade completamente diferente destes aspectos.
É evidente que respeito muito a personalidade e a competência dos seus técnicos veterinários mas devo dizer que quando comecei, há uns anos, em Benfica, onde fiz a minha especialização como anatomopatologista veterinário — em que trabalhei gratuitamente como patologista, porque nunca consegui ser contratado —, verifiquei, nessa altura, a diferença fundamental que há entre a patologia animal, na sua especificidade veterinária, que são dois aspectos completamente distintos, e a patologia humana. Há Uma coisa trágica que é o factor tempo. Só o homem envelhece e sofre a agressão e a deteriorização própria de processos degenerativos e neoplásicos. Isto é muito importante.
Mais tarde, fiz um doutoramento em radiobiología, em Londres, no Hospital de São Bartolomeu — aliás, foi o pri-
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meiro doutoramento em Inglaterra nesta área —, em que tive como tutor o Prof. Rottblat, que os senhores não conhecem mas foi um físico nuclear, colaborador do Prof. Oppenhei-mer, que concebeu a primeira bomba atómica e que era uma pessoa com uns recursos mentais fabulosos. Tive de fazer um doutoramento em Radiobiología, com bases físicas muito avançadas, que me deu um insight e uma realização extremamente exigentes.
Portanto, quando trouxe para Portugal esse tipo de preparação, tive sempre muita dificuldade em que todos esses conceitos fossem introduzidos. Mas, por exemplo, de 1957 a 1965 fiz o primeiro rastreio, ao nível do nosso país, da poluição, da contaminação radioactiva do ambiente, como resultado das experiências atómicas no fim dos anos 50. Fi-lo em colaboração com o Instituto de Alta
Cultura e o Instituto Português de Oncologia. Os cerca de 11 ou 12 trabalhos que publicámos foram completamente esquecidos, nunca ligaram nada. Tivemos os níveis radioactivos mais elevados de todo o Ocidente e foi preciso esperar 16 anos, com o acidente de Chernobyl, para que alguém começasse a compreender que a radio-actividade é um problema que existe e que, ao nível científico, foi identificado no nosso país.
Eu era um patologista experimental comparado, porque sempre tive a noção de que não existe a patologia humana ou a patologia animal. A patologia tem de ser integrada num contexto científico e, a partir dela, temos de tirar as conclusões. Isto é muito importante para que todos estes processos possam ser analisados.
Devo dizer-lhes que, quando me refiro à toxicologia, à agressão do ambiente, da sociedade em que vivemos, tenho contacto directo, porque trabalhei, durante seis anos, numa clínica de radioterapia do Dr. Heraldo Ribeiro, que está integrado nos Hospitais Civis. Portanto, durante seis a sete anos trabalhei com cancerosos, acompanhei-os, vi morrer dezenas deles, porque tive de os acompanhar em estudos, e isto marcou-me profundamente. Por isso, escolhi a área da toxicologia como uma área da minha dedicação e é isso que tenho procurado trazer para a Direcção-Geral da Pecuária, que é um departamento do Ministério da Agricultura e, ao mesmo tempo, colaboro, através do CESTA do Ministério da Saúde. Não há interface, são áreas transdisciplinares e a responsabilidade do Ministério da Agricultura nestes aspectos é importantíssima, porque atentemos que a maior parte da cinogénese ambiental é feita através da nossa alimentação. Daí, o cuidado e a insistência que tenho tido em apresentar estes projectos. Por que é que não foram para a frente? Isso não me compete a mim estar agora a discutir.
Em relação ao BSE sucedem coisas muito curiosas porque, em 1957, integrado numa missão de estudo da FAO sobre estes problemas da radioactividade, fui acompanhado pelo engenheiro Almeida Alves — que está hoje jubilado, que é um distintíssimo químico, foi um dos que trabalhou na Estação Agronómica Nacional — e, numa das visitas que fizemos a Inglaterra (a utilização de isótopos e das radiações em ciência animal, naquela altura tinha um grande impacte), visitámos em Compton, na Pathology Study Stati-on do Ministério da Agricultura, um antigo hangar da aviação, onde fui encontrar cerca de 600 animais divididos em células, e cada célula correspondia a uma das diferentes raças de ovinos e caprinos de Inglaterra.
Nessa altura, os patologistas veterinários alemães que me acompanharam disseram que os ingleses estavam a estudar «uma coisa muito bizarra, o scrapies», e perguntaram-me se tal existia em Portugal. Respondi-lhes que não sabia do que se tratava.
Estou convencido de que este problema deve ter começado já nessa altura — por volta do fim dos anos 50 — em Inglaterra. Como sabem, depois desta experimentação maciça que os ingleses tiveram, houve o aproveitamento das carcaças, designadamente para farinha de carne e rações. Ora, o controlo da unidade infecciosa do vírus — ou do que lhe têm chamado— escapa a todas as dimensões porque não há ainda estudos perfeitamente definidos.
Portanto, é muito provável que este problema tenha tido aí a sua origem. É que, ainda que a doença tenha sido identificada em Inglaterra há mais de 250 anos, este surto resultou, de facto, da produção de farinhas alimentares, consumidas na Inglaterra e exportadas para França e Suíça, onde deram origem a casos não autóctones mas exóctones. Ou
seja, do ponto de vista da epidemiologia, é uma situação
idêntica à do nosso país; ou melhor, no nosso país vive-se uma situação idêntica à que se viveu na Alemanha. Isto, de acordo com as informações que consegui colher.
Por coincidência, há cerca de sete anos, pela primeira vez em Coimbra, um colega neurologista, numa sessão dedicada à neuropatologia — tenho sempre interesse em assistir a estas reuniões —, referiu-se a umas infecções neurológicas: o Creutzfeldt/Jacob, dizendo que eram provocadas pelos vinis lentos. Acrescentou ainda que grande parte do trabalho básico tem sido feito pelos veterinários, ou seja, a contribuição do veterinário é muito importante, não na patologia propriamente dita, mas na patologia degenerativa, que é uma coisa completamente diferente. E que do ponto de vista antropogénico a patologia humana é uma monstruosidade e, como disse, nós, patologistas amantes, vivemos hoje uma ansiedade porque é difícil coordenar a avalanche permanente de conhecimentos de imunologia e de citogenética.
Mas, relativamente a esse aspecto, há uns quatro ou cinco anos, também surgiu em Coimbra um caso de Creutzfel-dt/Jakob, identificado na zona centro por um meu amigo e condiscípulo de curso, médico de Coimbra e que, por acaso, foi vosso colega aqui, na Assembleia da República. Refiro-me a Fernando Gomes. Discuti esse problema com ele, pois, do ponto de vista comparado, interessa-me o problema do mecanismo básico. De facto, não faço distinção entre toda esta explicação básica fundamental de informação genética.
Nos últimos três anos, tenho visto muitos trabalhos e estou já muito familiarizado com o assunto. Aliás, faço um esforço extraordinário nesse sentido, pois nos últimos cinco anos gastei cerca de 3000 contos da minha algibeira para assistir a cursos de aperfeiçoamento em Patologia Molecular, além de que, na minha estada na Faculdade de Medicina de Coimbra, fiz a minha especialização em Microscopia Electrónica e, inclusivamente, fui membro da comissão instaladora do Departamento de Microscopia Electrónica na Faculdade de Medicina de Coimbra.
Trata-se, portanto, de uma tecnologia com a qual estou perfeitamente familiarizado. No entanto, devo dizet <\ue a própria microscopia electrónica já não é suficiente para este tipo de situações.
Mas outra pessoa com quem discuti o assunto foi o meu colega Santana Maia, hoje distinto bastonário, com quem tive também o prazer de trabalhar na enfermaria do Sr. Prof. Antunes de Azevedo, em Coimbra.
Tudo isto, para vos dizer que tive — e tenho — o cuidado fundamental de dialogar e de procurar contactos com as pessoas, o que é extremamente difícil, como já vos disse, pois as pessoas atomizam aqui as suas áreas. De facto, tudo o que estamos a discutir poderia ter sido resolvido de forma muitíssimo mais simples se as pessoas falassem e se aca-
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bássemos, definitivamente, com todas estas confusões, deficiências e altercações. Inclusivamente, gostaria de fazer alguns reparos em relação à má exposição do Professor Alexandre Galo, mas penso que seria injusto, uma vez que não podemos conversar com ele aqui.
Contudo, do ponto de vista de um patologista comparado e de acordo com a experiência que adquiri —que tem de ser, necessariamente, muito mais pretensiosa:—, os elementos que recolhi não são suficientes para mim.
A técnica histopatológica e a própria designação da sociedade portuguesa de anatomia patológica está hoje a ser posta em causa por colegas meus extremamente qualificados, como é o caso do Professor Sobrinho Simões, no Porto, e do Professor Jorge Soares, em Coimbra.
Desde logo, a propósito da evidência morfológica numa determinada situação, há que distinguir entre evidência morfológica óptica, feita com o microscópio normal, e evidência da microscopia èlecuónica, que exige cuidados extremamente precisos de recolha (não é só o formol, por exemplo, tem de ser o glutaldeído).
Por outro lado, o que tenho lido e visto em documentos é já muito mais complicado: há outras estruturas ao nível molecular, ao nível das membranas, mas que têm de ser procuradas «lá em baixo», com uma metodologia e uma exigência que nós — a comunidade científica — não temos. De facto, somos muito mal tratados, faltam-nos os meios, sobretudo, nos laboratórios nacionais.
Comecei a minha vida profissional no Laboratório de Investigação Veterinária, que, naquela altura, não estava vocacionado para os aspectos da saúde pública, área a que me dediquei, pelo que gostaria de lhe ter dado sempre a maior colaboração. Tal nunca foi possível, mas não por mim!
•Mas, insisto nestes aspectos de saúde e toxicologia ambientais —já-vim, inclusivamente, à Assembleia—, porque a toxicologia ambiental, de um ponto de vista ético, tem de integrar todos estes aspectos. Aliás, falei disto ao meu colega, Dr. Ferraz de Abreu, anterior presidente da Comissão de Saúde e, mais.recentemente, ao Sr. Engenheiro Macário Correia, transmitindo-lhes as minhas preocupações, pois vivo para a investigação — ela é para mim um- sacerdócio —, onde gasto tudo aquilo que é preciso. A primeira vez que ganhei uns «patacos», em vez de comprar um automóvel, comprei um computador!
A.experiência que tive, ao ver morrer dezenas de pessoas com carcinoma brônquico, com tumores cerebrais ou com o glioblastoma multiforme, fez com que ficasse, a partir daí, um pouco familiarizado com a histopatologia do cérebro.
Com isto, não quero ser pretensioso mas apenas dizer-lhe que os patologistas têm a obrigação.de integrar todos estes aspectos e, para isso, têm de criar equipas. Tem de haver diálogo, é esta a razão por que procuro sempre as pessoas.
Em relação ao problema que aqui se põe, daquilo que tenho lido e de acordo com as suas linhas gerais, entendo que se trata de um problema actual, mais da cultura biomédica e do conhecimento científico básico.
Os senhores, com certeza, têm ouvido falar da sida, dos programas, das pessoas, da dimensão e do que se gasta. Ora, o vírus da sida, propriamente, está identificado —é o caso do vírus da peste suína africana— e, apesar disso, não se consegue encontrar uma vacina. É difícil dominá-los!
Ora, o problema é. ainda mais complicado quando não se sabe Sfc o ageme è uma unidade de informação: há uma etiologia genética ou uma transmissibilidade experimental?
É, pois, necessária uma consulta permanente de bibliografia, uma vez que esta doença não está ainda perfeitamente
definida. Há aspectos mais ou menos seguros: por exemplo, a hipótese de transmissibilidade ao homem neste momento afigura-se-nos como uma possibilidade extremamente improvável. Contudo, de um ponto de vista teórico, este tipo de alteração metabólica é feita ao nível molecular, já muito abaixo, digamos, dos conceitos pasteurianos, que teremos de abandonar completamente.
Portanto, é muito provável que as gerações futuras venham a encontrar este tipo de problemas. Muito mais doenças virão, necessariamente, a ser identificadas, porque elas
apareceram, subitamente, há cerca de 20 anos,
Não queria maçá-los mais com estes aspectos técnicó--científicos, porque a maior parte deles ainda decorrem da investigação operacional, um tipo de trabalho em que a pessoa tem de ir identificando o que lhe é posto em causa com base no conhecimento adquirido.
Certamente irão colocar-me perguntas a que procurarei responder, mas o que trago aqui é, sobretudo, a minha grande experiência como patologista veterinário, que foi sempre orientada para a patologia experimental, isto é, para a reprodução correcta e rigorosa de determinados parâmetros, com base na metodologia que aprendi em Inglaterra. Isso transformou completamente a minha vida e tem-me causado grandes dificuldades, dada a muita disciplina científica de que necessitamos.
Fico completamente à vossa disposição para as questões que quiserem colocar-me mas, antes disso, quero dizer-vos que entre a documentação que me foi apresentada há uma que não posso deixar de citar.
Sei que, a certa altura, o Ministério da Saúde requereu ao Instituto Nacional de Saúde informação sobre estas doenças. Esse pedido foi transmitido a um colega meu, extremamente competente, o Professor Armindo Filipe, director do Centro de Zoonoses, em Águas de Moura, pessoa altamente qualificada ao nível internacional e que, inclusivamente, esteve indigitado para professor de Microbiologia da Faculdade de Medicina de Coimbra, sob proposta do Professor Carvalho Araújo. Ele solicitou, através do laboratório do Instituto Nacional de Saúde, autorização para importar.
Não tenho de comentar a resposta que lhe foi dada. Apenas posso assinalar tratar-se de uma pessoa que tem conhecimento desse tipo de doença. Sei-o porque tenho com ele discutido o assunto, pois é uma pessoa de que preciso para a futura organização deste departamento na Universidade de Évora, na região do Alentejo. Na realidade, queremos aí implantar, em termos da toxicologia ambiental, um sistema que possibilite dar resposta a todos os problemas que nos aparecem.
Sr. Deputado António Campos, o problema dos anaboli-zantes, que tem referido, é extremamente difícil, dado que a fraude se nos adianta, está sempre à nossa frente. Nos últimos dias...
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Prof. Amaral Mendes, tomo a liberdade — e peço desculpa por isso ...
O Sr. Prof. Amaral Mendes (Universidade de Évora): — Eu termino já, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Não é isso. Enfim, já agora tomava a liberdade de pedir que fosse breve, mas o que ia solicitar-lhe era que não entrasse agora em outras questões, para não prolongar os nossos trabalhos.
O Sr. Prof. Amaral Mendes (Universidade de Évora): — Acontece que este problema da BSE —ou daquilo que os
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senhores queiram chamar-lhe, dado que há uma grande imprecisão de definição—, tem de ser apreciado no contexto do nosso país, tendo em conta não só o estado de evolução da nossa ciência mas também o do nosso desenvolvimento cívico, de organização, etc. Na verdade, tudo isto é fundamental e não pode ser sectorizado;
Eu tenho tido essa experiência, pois há anos que quero organizar o departamento de saúde e toxicologia ambientais que referi, um sistema de saúde pública moderna, baseado em conceitos modernos. No entanto, tenho lido a maior dificuldade em fazê-lo, porque as pessoas, por tradição, por cultura, recusam-se a dialogar. Esse é o maior obstáculo que tenho encontrado.
Não quero entrar na discussão de afirmações que foram aqui feitas, até porque não há possibilidades de réplica. Porém, se houver necessidade de escrever ou de fazer quaisquer outras declarações, estou à disposição da Comissão. Posso, desse modo, manifestar-lhes — e isso na medida da minha competência — o que encontrar de desproporcionado.
Na realidade, há muita coisa com que discordo, porque a patologia, hoje, é uma coisa medonha, que nos transcende muitíssimo e que, felizmente, ainda não nos atinge, como humanos. Quero, no entanto, adiantar que, mesmo sob o ponto de vista da patologia veterinária, este incidente foi lastimável e acho que a culpa é dos ingleses, «virou-se o feitiço contra o feiticeiro». Isto lembra-me a minha célebre ida a Compton, onde fizeram aquela experiência maciça em 600 animais e não sei o que é que daí saiu. O caso ocorreu à volta de 1957/1958 e depois a tecnologia própria, a que aqui está representada pelo chamado rendering, os subprodutos animais, potencializou o erro muito mais. Isto é, o agente inactivo ultrapassou todas aquelas barreiras sanitárias, depois dessiminou-se e criou este problema que felizmente está controlado.
Desculpem ter-me alongado e ter posto uma certa ênfase pessoal na questão, mas o problema humano é aqui muito importante e não podemos ignorá-lo.
Parece-me que o Sr. Deputado António Campos está ansioso por fazer-me perguntas e eu gostarei de responder-lhe.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Muito obrigado, Sr. Professor, pela disponibilidade que manifestou para o fornecimento de alguns documentos como esclarecimento complementar.
Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Carlos Duarte, António Campos e António Murteira.
Peço-lhes, sem prejuízo de aprofundarmos os esclarecimentos que julgarmos necessários, que sejam o mais breves possível.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Sr. Professor, vou colocar uma primeira questão, que foge um pouco do tema da audição parlamentar. No entanto, atendendo à formação profissional, académica do Sr. Professor, bem como à sua experiência, não posso deixar de colocá-la, tanto mais que ela tem vindo a ser referida em algumas audições. Prende-se com a saúde pública, que, para nós, é fundamental acautelar.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado Carlos Duarte, tem toda a liberdade para colocar essa questão, uma vez que, não obstante ter sido suscitado o problema da sua pertinência no início dos nossos trabalhos, a pergunta tem sido feita e tem havido tentativas de resposta. Portanto, ponha a questão com inteira liberdade.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Sr. Professor, dada a sua experiência profissional, o cuidado que tem tido em relação à saúde pública e dado que, para nós, salvaguardar a saúde pública é uma preocupação essencial, gostava de pôr-lhe a seguinte questão: a Direcção-Geral da Pecuária, após a recolha de amostras para análise nos animais suspeitos de doença, mandou incinerar as respectivas carcassas, procurando, com isso, salvaguardar a saúde pública. Acha que esse comportamento é correcto?
Por outro lado, gostava que me dissesse se é correcto falar-se em qualquer possibilidade de contágio público, ao homem, da doença de que estes animais possam ser portadores. E correcto e honesto dizer-se que, no caso da suspeita da existência da doença em Portugal, pode haver perigo para a saúde pública?
A outra questão que quero colocar-lhe — e aqui apelo para a sua experiência e para a sua formação como patologista— não estamos a querer entrar em contradições, mas apenas ouvir os depoimentos de várias pessoas, nas suas vertentes quer experimentais quer de formação — é se considera que nos casos específicos que estamos a tratar o exame histopatológico é suficiente para um diagnóstico confirmativo da doença ou se pensa que serão necessários outros exames (alguns deles até já foram referidos nesta comissão parlamentar por alguns professores) que funcionem como meios auxiliares e complementares de diagnóstico. Acha ou não que, neste caso, antes da constatação da doença, devem ser utilizados esses meios para que a sua confirmação seja a 100%?
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Para responder de imediato, se assim o entender, tem a palavra o Sr. Prof. Amaral Mendes. •
O Sr. Prof. Amaral Mendes (Universidade de Évora): — Sr. Presidente, prefiro responder a todas as perguntas em conjunto, dado que algumas delas podem sobrepor-se.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Então, para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): — Muito obrigado, Sr. Professor, por ter vindo fazer-nos este depoimento.
Reconheço que um cientista tem extremas dificuldades — e, consequentemente, tem de ter extremo cuidado — com uma doença que, sendo muito recente, não tem ainda um
grande historial. De facto, só a partir de 1988 ela passou a ser levada a sério pela Comunidade.
No entanto, vivemos num Estado de direito, num Estado democrático, que tem convénios, que tem ligações internacionais, que tem de respeitar todas essas ligações. Aconlece que, em 1988, a doença tornou-se de declaração obrigatória. O Estado Português assumiu esse compromisso, juntamente com vários outros Estados. Chamo a vossa atenção para o facto de até mesmo o Sultanato de Omã ter declarado a doença quando detectou um caso no país. Assim que dele teve conhecimento, declarou-o à comunidade científica nacional e internacional.
O Sr. Professor é assessor científico da Direcção-Geral dos Serviços Pecuários e a primeira pergunta que quero fazer--Ihe é a seguinte: o Sr. Director-Geral daqueles Serviços, ao ter conhecimento do primeiro caso que existiu em Portugal, chamou o Sr. Professor, que é seu assessor, para arranjar meios complementares de diagnóstico ou ficou completamente satisfeito com o relatório que o Sr. Dr. Alexandre Galo lhe enviou e face ao qual ordenou silêncio?
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Segunda questão: o Sr. Professor falou em problemas éticos, profissionais e eu respeito que deva precaver todas estas situações. No entanto, gostava de ouvir a sua opinião, na qualidade de cientista e sob o ponto de vista ético, sobre o facto de, em 1990, aparecer o primeiro caso de encefalopatia espongiforme e o director-geral mandar calar os técnicos e impedir, até, outros trabalhos e, tanto quanto tenho conhecimento, impedir também outros laboratórios de trabalhar nesta situação.
O Sr. Professor teve, conforme expressão que utilizou, «uma actuação que é exemplar da Direcção-Geral dos Serviços Pecuários», mas que eu acho que põe de rastos a comunidade científica nacional e internacional e todos os investigadores e cientistas portugueses. Mas mais: na minha perspectiva como cidadão com muito respeito pela ciência, considero que a estratégia que utilizou, ou seja, o facto de impedir que seja estudado um problema, é um gTande crime nacional, independentemente de haver o Estado de direito e os acordos internacionais a funcionar.
Sr. Professor, nós vamos conversar os dois, de certeza absoluta, sobre os betagonistas e as hormonas por uma razão muito simples e que explico: o meu grande acto de revolta...
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Oh, Sr. Deputado António Campos!...
O Sr. António Campos (PS): — Só tinta segundos, Sr. Presidente.
Como dizia, o meu grande acto de revolta foi quando vi o Ministro da Agricultura de Portugal, na televisão, referir: «Essa coisa das hormonas e dos betagonistas não faz mal nenhum à saúde pública.» Perante isto, disse para comigo: «Qualquer dia vejo o Ministério da Agricultura a fazer reclame às hormonas e aos betagonistas.» Por isso mesmo é que levantei o problema. E, portanto, vamos conversar porque o Estado Português não pode estar desarmado...
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): - Sr. Deputado António Campos, peço-lhe que respeite o âmbito da nossa audição.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Professor, a V. Ex.a
fica bem pôr tudo em dúvida porque um cientista deve pôr sempre em dúvida tudo. É a função do cientista. Mas a questão concreta é que importámos animais de Inglaterra, ali há encefalopatias e o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária detectou essas doenças pelo exame que foi imposto por despacho do próprio Ministro que se desünava a dar conhecimento à comunidade. Trata-se, com efeito, do mesmo exame que se faz na Inglaterra, na Suíça e em França. Portanto," nós não podemos estar dependentes da evolução da ciência para cumpriras nossas obrigações e para o nosso Estado de direito funcionar.
Por isso, acho que as medidas de precaução tomadas pela comunidade internacional são decisivas para a defesa da saúde pública e que vale mais prevenir a mais do que prevenir a menos.
Portanto, a questão que se coloca é a de se saber se o Sr. Professor é favorável a uma prevenção a mais ou a uma prevenção a menos da saúde pública, hoje, em Portugal.
O Sr. Professor diz: «Estes exames não são rigorosos.» Ora, já vimos outros técnicos e outros cientistas dizen «Este exame tem o rigor de mais de 99%.» E isto quer dizer que, a nível laboratorial, na maior parte dos dignósticos de outras doenças, a percentagem de rigor do diagnóstico é inferior a esta, conforme elementos que nos foram fornecidos.
Se o «Emirato de Omã não é um Estado civicamente mais adiantado ou menos adiantado do que Portugal», é uma questão que não aceito seja colocada nesses termos, isto é, não aceito que a questão possa ser colocada em relação ao estado de compreensão da população mas, sim, em relação à legislação existente em Portugal.
Neste sentido, gostaria de saber se o Sr. Professor me acompanha quanto ao facto de essa matéria da questão cívica e da questão do conhecimento da população não ter influência.
O Sr. Professor também pôs aqui a questão — e muito bem — de que, hoje, não há nenhum conhecimento de cau-sa-efeito em relação à saúde pública. Mas o Sr. Professor
também nos disse, há pouco, que a evolução dos priões pode levar, amanhã, a uma adaptação originando uma situação imprevisível.
A certa altura — e peço desculpa por o dizer—, até percebi que o Sr. Professor estaria a pôr em dúvida, cientificamente, a existência, na própria Inglaterra, das encefalopatias espongiformes bovinas. Mas isso, penso, foi por má compreensão dessa situação, da minha parte.
Retomando o meu raciocínio, o que ia dizer era o seguinte: a Comunidade tomou também medidas em relação ao fabrico de medicamentos para a saúde pública, que são extraídos principalmente do fígado, do cérebro e de alguns tecidos nervosos dos bovinos e, principalmente em relação aos extractos de fígado de que se fazem os fortificantes e todos esses medicamentos ligados à saúde humana, tomou medidas rigorosas.
Considero um grande crime nacional a actuação do Sr. Director-Geral e do próprio Secretário de Estado. E o que acho mais ridículo no Estado Português é que, depois da minha denúncia desta situação, o Sr. Director-Geral ainda vai ao Comité Internacional dos Veterinários dizer «que fez exames complementares», o que não fez e, por isso, mentiu. De resto, ele a mim também mentiu porque, antes de fazer a declaração, telefonei-lhe e ele disse-me que não havia nenhum caso.
Portanto, o que queria dizer-lhe é que, num Estado de direito e num Estado democrático, não é aceitável o comportamento que houve quanto a esta matéria.
O Sr. Professor pode dizer que «é preciso pôr tudo em dúvida». Acho muito bem que ponha tudo em dúvida, mas também acho que há o Estado de direito, que há o Estado democrático e há compromissos internacionais que temos de respeitar.^
Neste sentido, gostaria de saber se o Sr. Professor é ou não a favor do respeito desses compromissos e por toda essa situação.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Muito obrigado, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira, a quem solicito seja o mais breve possível.
O Sr. António Murteira (PCP): — A minha pergunta é muito rápida e pedia ao Sr. Professor que, na medida do possível, me respondesse da forma mais simples.
Assim, perguntava-lhe se considera que o diagnóstico histopatológico da BSE, em Inglaterra e noutros países da Comunidade, merece credibilidade, podendo, nessa base — como foi feito —, afirmar-se que essa doença existe nesses países. E, relativamente a Portugal, faço a mesma pergunta, isto é, se o mesmo diagnóstico histopatológico, feito no nosso país, merece credibilidade e se, com base nele, se pode dizer que há, em Portugal, detectados, até agora, quatro casos da mesma doença.
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O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Para responder às questões que foram suscitadas, tem a palavra o Sr. Professor Amaral Mendes.
O Sr. Prof. Amaral Mendes (Universidade de Évora): — Uma vez que as perguntas não se sobrepõem, vou começar por responder às questões colocadas pelo Sr. Deputado Carlos Duarte.
Assim, relativamente ao problema da saúde pública (salvaguarda da possibilidade de contacto) —está, aliás, em relação com um aspecto posto pelo Sr. Deputado António Campos sobre a possibilidade de transmissibilidade à espécie humana —, quando digo que há uma possibilidade, não quero dizer que seja já na vivência dos nossos dias ou desta geração, mas, sim, em relação ao futuro, digamos que daqui por um século ou coisa assim, porque a alteração de informação de transcrição genética que se deu pode dever-se a um erro metabólico ou pode haver um fenómeno epige-nético, isto é, um fenómeno que não é condicionado pela informação genética. E é neste aspecto que me interessa muito — tenho aqui até uns trabalhos que lhe vou deixar — porque a área em que trabalho é a chamada área dos bio-marcadores.
Portanto, este é o grande problema que se põe aos cientistas. É que, de futuro, pode haver esse erro metabólico. E é um erro metabólico que se reproduz. Hoje, na comunidade internacional, está assente como sendo uma forma, de facto, virulenta que tem personalidade própria.
Agora, as dimensões deste vírus infectante por comparação, por exemplo, com o vírus da sida, é uma coisa monstruosoa. O vírus da sida podemos concebê-lo, talvez, como sendo do tamanho de uma sala e o vírus infectante como sendo, talvez, do tamanho de uma cadeira. Há, portanto, uma disparidade muito grande na dimensão do projecto.
Quem se preocupa com estes problemas da biologia teórica pura e as suas implicações futuras pode vir a encontrar não só estas formas, agora identificadas, mas também novas formas que possam vir a surgir. Houve, de facto, uma atitude pasteuriana de que as doenças seriam imutáveis, ficariam estáticas. Mas nós próprios, através das introduções, estamos a evoluir. E, por isso, a toxicologia ambiental, que me leva a actuar assim, vai modificar o nosso ambiente e condiciona a criação de vácuos ecológicos, digamos assim, cujas doenças bacterianas ou foram ultrapassadas ou as próprias bactérias se adaptaram.
A vida tem mecanismos e a personalidade científica dos biologistas é extremamente exigente, pois trata-se de pessoas altamente qualificadas e competentes, com uma formação matemática que lhes permite dar este enquadramento que é extremamente difícil para um mortal como eu, por exemplo, acompanhar.
Agora, vou passar a responder à sua segunda pergunta sobre o histopatológico. Do meu ponto de vista como patologista e da experiência que tive — eu afastei-me da área da anatomia patológica veterinária, que não é a mesma coisa que a anatomia patológica animal, pois são os animais que nós utilizamos para exploração económica—, a patologia animal tem maior amplitude, mas em relação à patologia humana ela é ainda maior, uma vez que, do ponto de vista antropogénico, as exigências também são muito maiores. E, ao contrário do que acontece em Espanha, onde os patologistas espanhóis da patologia animal reúnem com os seus colegas da patologia humana, o grande drama que se opera, hoje, na sociedade portuguesa da anatomia patológica é o facto de existir essa separação.
Devo dizer que, em minha opinião, a histopatologia e a evidência morfológica ao nível óptico, isto é, ao nível do microscópio normal, são insuficientes e temos de utilizar a microscopia electrónica mesmo em relação ao problema das fibrilhas. Hoje, com as técnicas evoluídas que existem, a metodologia e a rotina, há já muitos aspectos definidos, que podem ser considerados — não direi patognomónicos, porque todos estes aspectos estão agora a nascer — mas, ao nível da biologia molecular dos estudos histomunoquímicos, pontos de identificação que podem ser precisos e que são necessários.
Portanto — e tentando já responder à pergunta do Sr. Engenheiro António Campos —, penso que é preciso ver as condições em que os estudos são feitos em Inglaterra, onde o aparecimento deste surto de doença se deve a uma razão qualquer. Aquando da visita que fiz a Compton, há já
alguns anos, tomei conhecimento de que os ingleses justificam o aparecimento da doença com a utilização de farinhas. Mas isso já os Srs. Deputados sabem!
E aproveito, desde já, a oportunidade para dizer que estou convencido que quer em Inglaterra, quer mesmo no Emirado de Omã, um dos maiores produtores de petróleo, deve existir um equipamento tecnológico e laboratorial muito superior ao nosso, que, aliás, é uma autêntica pelintrice. Não tenho qualquer dúvida disto! De facto, quando estive na Universidade de Birmingham, soube que as universidades inglesas tinham celebrado convénios com todos os emirados e com todos os países africanos, e até estou convencido de que existem patologistas britânicos a trabalhar em Omã, o que me leva a pensar que os laboratórios que lá existem devem estar muito bem equipados, muito melhor do que os nossos, até porque têm muito mais dinheiro do que nós.
Com toda a honestidade, e na qualidade de patologista veterinário, envolvido agora neste drama com que nós, os patologistas humanos, nos deparamos, devo dizer que só a histopatologia não é suficiente para resolvê-lo. O meu mestre, o Professor Renato Trincão, marcou uma época, onde tudo era definido através da identificação histológica, que era fundamental para, por exemplo, a identificação dos processos malignos ou não malignos. Isto é muito importante, mas temos de ir mais além, porque a identificação clínica de um processo fica muitas vezes aquém da identificação biológica, até porque são duas coisas completamente diferentes. Já «senti isto na pele», quando contactava com cancerosos. Muitas vezes, nos seres humanos, o processo é identificado muito tarde e o mesmo não acontece com os animais porque não os deixamos viver. Se eles vivessem, teriam o mesmo drama. Simplesmente, o que acontece é que temos de os abater em condições para os consumirmos. Trata-se, de facto, de uma ética utilitária, que é diferente da que se utiliza para com os humanos.
Respondendo agora a outra pergunta que me foi feita, e em face da consulta que fiz à Med-Line, posso dizer que, em relação à Inglaterra, não estou a pôr nada em causa, até porque mantenho ligações com a Universidade de Birmingham e com o Hospital de Saint Bartholomeo, em Londres, onde fiz o meu doutoramento, e são eles que me permitem manter-me actualizado sobre estas matérias.
Em relação ao sector veterinário, posso dizer que também tive em Weybridge, nessa atara, para estudar a planificação para a identificação do problema da radioactividade, mas não sei, exactamente, se as citações da comunidade científica, em Inglaterra, se referem só à veterinária, uma vez que há também a comunidade que está ao serviço da patologia humana, a qual é muito mais exigente e, portanto,
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nós, os patologistas, consideramos que a análise histopatológica não é suficiente para as. nossas necessidades e devemos ir muito mais além. . ■ .
Por outro lado, não posso deixar de referir que a análise histopatológica mantém-se, porque um diagnósúco histopa^ tológico, do ponto de vista remunerativo, é extremamente aliciante, em virtude de uma análise histopatológica custar aproximadamente entre 7500$ e 10000$. Em muitas circuns- . tâncias, perante a identificação de determinado processo, numa determinada altura em que o processo é intersectado, essa análise é uma foto de um processo estático que está
em permanente evolução e interessa ir muito mais atrás,
dando-lhe continuidade para ter a noção da evolução gradual do processo. Ora, neste aspecto, de acordo com a minha formação, sou bastante mais exigente.
O Sr. António Murteira (PCP):—Então, nesse caso, em face do raciocínio que o Sr. Professor expressou, não se pode afirmar que em Inglaterra e em outros países comunitários, onde é praticada essa forma de diagnóstico, haja, de facto, a BSE.
O Sr. Prof. Amaral Mendes (Universidade de Évora): — Com efeito, o que sucede é que em Inglaterra, além do exame histopatológico, existe uma espécie de clínica com centenas de animais que foram atingidos, o que lhes dá uma experiência enorme ao nível epidemiológico, ao nível clínico, pois eles não se ficaram só pela histopatologia e foram mais além, foram muito mais exigentes: Não é isso que tem acontecido ho nosso país, onde o esforço desenvolvido pelos meus colegas do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, em Benfica, é, de facto, meritório — isso não se pode negar—, mas temos de fazer ainda muitíssimo mais. • Como já, há pouco, disse, não quero pôr em causa a forma como alguns documentos foram elaborados, até porque o problema em discussão não é estritamente.do âmbito veterinário, pois trata-se de um .problema biológico na sua essência e na sua filosofia, que nos interessa, porque pode ter repercussões na saúde pública.
Com efeito, discuti esse problema com alguns colegas neurologistas, como, por exemplo, o seu antigo colega e meu condiscípulo, Fernando Gomes, com o bastonário da Ordem dos Médicos, o Sr. Dr. Santana Maia, com o Dr. António Lacerda, neurologista e professor da Faculdade de Ciências Médicas, pelo que eles estão a par de toda esta matéria. Inclusivamente, em Coimbra, quando foi identificado o problema do Creutzfeldt/Jacob, numa altura em que surgiu o primeiro caso, houve logo uma pessoa que' tentou relacionar uma coisa com a outra — como sabem, continúo a colaborar com a escola de Coimbra.
Sabemos que é assim! Mas a prevalência na patologia humana é «negligível». Existe a possibilidade de que este tipo de situação completamente nova, que nunca tinha sur- ~ gido, possa vir a multiplicar-se no futuro, .não digo que seja daqui a cinco anos,, mas daqui por décadas. "
Quero referir que, como patoiogista, sempre me dediqueL, e me interessei rñuito pela citogenética e quando, aqui há muitos anos, o Professor Ferreira Dias presidiu a uma con-, ferência realizada no antigo Laboratório Nacional de Investigação Veterinária e disse que tinha descoberto a vacina contra a peste suína africana,.eu limitei-me a comentar, simplesmente, que a variabilidade, genética e os conhecimentos já eram tão evidentes que, naturalmente, iria ser um falhanço estrondoso. Escrevi isto mesmo a um colega, que guardou este escrito no cofre-forte. Esta foi a minha-previsão, mas penso que para a fazer não é preciso ser bruxo nem invulgar, pois faz parte do nosso conhecimento gradual.
Com efeito, não digo que em Inglaterra não tenham identificado o processo, mas eles próprios estão insatisfeitos e a procura, em cada dia que passa, é mais difícil, uma vez que-o processo é completado com novos aspectos, cada vez mais exigentes.' E isto acontece não propriamente pelo âmbito veterinário mas porque,. do ponto de vista patológico, a comunidade e a saúde pública estão a ser ameaçadas por este problema muito mais seriamente do que pela sida, que, teoricamente, se prevê que vá ter um desenlace.
Agora para este caso, se a transmissão natural se vai fazer ou se ela pode operar através de uma intervenção de
um processo epigenético, isto é, se há uma agressão provocada por um tóxico qualquer que leva a uma alteração da
transformação daquela informação genética e que pode provocar esta situação, de facto, a comunidade internacional define já hoje o prião como um elemento e está a dar-lhe personalidade de transmissibilidade, mas há muitas contradições, tanto de um lado como do outro.
Gostava de ter conhecimento daquilo que se passa em Inglaterra, não só do ponto de vista veterinário, mas também do ponto de vista humano, pois têm sido investidas neste processo verbas muito avultadas. Foi por essa razão que conversei com o Professor Armindo Filipe, que vem acompanhando este processo há muito tempo, está devidamente mandatado no nosso Instituto Nacional, com o qual tenho colaborado, e merece-nos o maior respeito já que o Centro de Zoonoses em Águas de Moura está suficientemente equipado para responder a este tipo de solicitações.
O Sr. Deputado António Campos colocou outras questões. A doença foi declarada em Inglaterra em 1988 mas, como lhe disse, já tinha sido identificada clinicamente há 250 anos e, de um ponto de vista experimental, dá-me a impressão de que deve ter havido aquele...
Não sei o que se passou em Compton mas, relativamente à experimentação maciça em cerca de 600 animais, estou convencido de que todos os elementos da comissão da FAO que aí se deslocaram comigo podem testemunhar o que vimos nessa altura. É muito provável que a doença lenha surgido nessa zona, mas esta afirmação pode ser especulativa, embora seja um facto que os ingleses já se preocupavam bastante com a doença.
Creio já ter esclarecido a questão relativa a Omã.
Por outro lado, fui, de facto, assessor científico do Sr. Director-Geral da Pecuária, bem como dos últimos cinco, mas na área da minha competência, que é a da saúde e a da toxicologia ambientais. De resto, não me vou meter onde não sou chamado pois respeito a dignidade e a competência de cada um.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Professor, há um conselho técnico que, normalmente, reúne quando há problemas. Nunca foi convocado para esse conselho técnico, pois não?
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado António Campos, peço desculpa pela interrupção mas, como os nossos trabalhos estão a prolongar-se bastante, se vamos discutir agora aspectos que escapam à nossa audição, então, vamos demorar muito mais.
O Sr. António Campos (PS): — Nesse aspecto, estamos de acordo.:
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Portanto, todos os assuntos que têm a ver com o comportamento da Direcção-Geral poderão ser apreciados noutro momento e noutra sede, pelo que pedia ao Sr. Deputado António Campos que
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se dispensasse de fazer agora e aqui referências nesse âmbito e tomava também a liberdade de solicitar ao Sr. Professor que se escusasse a responder a essas questões.
Para responder, tem a palavra o Sr. Prof. Amaral Mendes.
O Sr. Prof. Amara) Mendes (Universidade de Évora): — Mas tenho de dizer ao Sr. Deputado que, quando refiro a actuação impecável da Direcção-Geral da Pecuária, estou a pensar no seu extraordinário historial. Este país esteve isento de raiva durante uma série de anos e resolveu o problema da peripneumonia, o que foi notável.
Tendo experiência, no campo da saúde, da sanidade veterinária e humana, da actuação do Ministério da Saúde, e devo dizer-vos que a organização que havia na antiga estrutura das intendências pecuárias era soberba, muitíssimo superior à actuação das antigas delegações de saúde. Tenho de fazer esta justiça aos meus colegas veterinários que são extraordinários neste aspecto!
O Sr. António Campos (PS): — Este é que estragou tudo!
O Sr. Prof. Amaral Mendes (Universidade de Évora): — Sr. Deputado António Campos, tenho tanta consideração pelo Dr. Machado Gouveia como por si e gostaria que tudo isto não existisse. O Dr. Machado Gouveia consultou-me, na qualidade de assessor, sobre determinados problemas relativamente aos quais lhe respondi de acordo com as minhas qualificações. Sobre o resto, não posso pronunciar-me.
Parece que a França e a Suíça importaram quantidades consideráveis de rações de Inglaterra e, portanto, os casos que aí se verificam são autóctones e não exóctones. Em Portugal, os casos que estão a ser identificados assemelham--se, por exemplo, ao surgimento de paludismo oriundo de África mas ainda no outro dia, a televisão, erradamente, maltratou o Professor Braço Forte Júnior, por não referenciar a sua condição de patologista e de professor catedrático, mostrando um determinado número de vacas de norte a sul do País. Trata-se de uma doença altamente específica; não constitui um problema veterinário, mas biológico, atinge só os animais leiteiros e a transmissão natural é extremamente problemática, difícil e ainda deverá ser provada.
A situação em França e na Suíça é um pouco diferente da que se vive entre nós, porque não só registaram dezenas de casos como ainda importaram as rações. Pode dizer-se que são detalhes e, como os meus colegas especialistas veterinários são muito mais responsáveis do que eu, não gosto de me meter naquilo em que não sou chamado. Dedico-me aos aspectos básicos da investigação e tenho tentado congregar as duas áreas mas sem êxito, pelos vistos.
Não há prevenção a mais ou a menos; a prevenção tem de ser honestamente única e efectiva. Nem é de mais nem de menos.
São referidos nos documentos níveis de rigor da ordem dos 0,1%, 11,2%. Foram importados não sei quantos milhares de animais e os casos que apareceram são relativamente insignificantes e não se comparam em nada com o sucedido em Inglaterra pois todos aqueles animais foram contaminados maciça e oralmente, de uma maneira absolutamente natural. Essa situação faz parte da história e não me compete a mim estar a discutir esses aspectos.
Mas, de um ponto de vista epidemiológico e estatístico, não é comparável o que se passa em Inglaterra com o que se passa em Portugal, onde foram registados não sei se três se quatro casos... Ouvi o que o Dr. Galo disse na audição que precedeu a minha — e não quis estar a referir números,
mas é muito provável que possam vir a surgir mais casos. Creio que admitir a existência, em Portugal, de casos autóctones de animais que não foram importados é equivalente a admitir que a doença tem uma transmissibilidade biológica evidente, o que não parece ser verdade.
Falou-se no comportamento cívico da população. Penso que a população deve ser devidamente informada mas, quando passam na TV 2 programas como o que já referi, este canal presta um mau serviço não só à população mas também aos Srs. Deputados porque estão empenhados em resolver uma situação que tem de ser esclarecida e clarificada com uma linguagem acessível.
Quando estive em Inglaterra, pediam-me para ser claro, lógico e não utilizar frases de duplo sentido. Inclusivamente, nos últimos quatro anos, tenho-me dedicado à toxicologia ambiental e tenho tido, nesse âmbito, as melhores relações com o ETSDAR, em Atlanta, que é uma das agências do Ministério da Saúde dos Estados Unidos, faço a leitura dos relatórios apresentados ao Congresso e posso dizer que são autênticos modelos de didáctica científica, porque obrigatoriamente repetem-se explicando claramente aquilo que é necessário para que não haja, nas entrelinhas, a menor
dúvida. E é desta forma que temos de proceder.
A investigação de que se tem aqui falado é relativa ao sector veterinário em Inglaterra, mas a referente ao sector humano, pelo que tenho visto, está muitíssimo mais alargada, porque há justificados receios de que, de um ponto de vista teórico, este possa vir a ser um problema muito complicado.
No que respeita aos convénios internacionais...
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Professor, com o devido respeito, tomava a liberdade de pedir que procurasse sintetizar as suas respostas.
O Sr. Prof. Amaral Mendes (Universidade de Évora): — Sr. Presidente, suponho que já .respondi a todas as questões colocadas.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): - Creio que ainda está em aberto uma questão colocada pelo Sr. Deputado António Murteira, que, se bem entendi, pretendia saber se são ou não credíveis os exames histopatológicos feitos a nível da Comunidade e, particularmente, em Portugal.
O Sr. Prof. Amaral Mendes (Universidade de Évora): — A colheita de material, sobretudo para o estudo da microscopia electrónica —estou familiarizado com qualquer uma das técnicas —, tem de ser impecável, porque exige-se que o animal seja morto em situações muito especiais. Não queria entrar em detalhes, mas, segundo me disseram, um dos animais foi abatido com a pistola de abate, o que provocou um traumatismo craniano de natureza vascular extremamente lesiva.
Portanto, a recolha de material tem de ser feita de uma maneira.muito hábil, num material fresco e tem de ser congelado; no que respeita à microscopia electrónica, c o conservante. É muitíssimo mais difícil esta tecnologia da microscopia electrónica. Nisso, tenho experiência prática e posso dizer-lhes que, conhecendo os recursos que existem lá fora, estou convencido de que os meus colegas fazem aquilo que é humanamente possível,, mas lá fora fazem muitíssimo mais.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.
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O Sr. António Murteira (PCP): O Sr. Professor disse que o diagnóstico de histopatologia, tal como é feito, não chega para se dizer que existe BSE. Ora, já foi dito por várias pessoas, investigadores e cientistas dessa área, que esse é o método utilizado em Inglaterra e noutros países da Comunidade. Mas, se não chega em Portugal, também não chega nesses países.
Então, pela lógica, e segundo a opinião do Sr. Professor, também não chega para os não sei quantos mil casos que foram detectados em Inglaterra. Também segundo foi aqui dito, houve cientistas portugueses que foram a Inglaterra harmonizar os procedimentos para se fazer o diagnóstico, o que dá ideia de que as situações são similares.
Ora, se se considera que em Inglaterra o diagnóstico é válido e em Portugal não é, sinceramente, não sendo cientista mas apenas um vulgar cidadão, tenho muita dificuldade em compreender este tipo de raciocínio. Mesmo que se invoquem todos os pergaminhos científicos para que se faça esse raciocínio, não compreendo!
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado, o Sr. Professor já se referiu a essa questão, pelo que isso está registado em acta. Não nos cabe agora a nós dizer se concordamos ou não com o Sr. Professor. O Sr. Professor é livre de expor aqui a opinião que entender sobre estas questões.
O Sr. Prof. Amaral Mendes (Universidade de Évora): — Sr. Presidente, não quero que haja mal-entendidos, porque o diagnóstico histopatológico é válido: é uma das peças, mas há mais. Devo dizer-lhe que, em Inglaterra, houve milhares de casos, houve todo um contexto epidemiológico e houve acompanhamento por veterinários qualificados, o que é uma situação completamente diferente da que existe entre nós.
Creio que temos quatro casos, mas um deles é posto em causa pelos especialistas pelo problema da recolha e outro tinha um processo que não tem nada a ver com a encefali-te. Não digo que não seja indicada ou que seja insuficiente. O que digo é que, como patologista, neste novo conceito (que é aquele por que me bato e que, tal como todos os meus colegas, estamos a tentar fazer evoluir, sobretudo do ponto de vista das situações humanas), não seria suficiente.
Quer dizer, aíém da histopatologia, teríamos de usar a microscopia electrónica, não só das fibrilhas, mas também exames muito mais detalhados, muito mais profundos, de his-toquímica. Este é um ponto de vista científico e não quer dizer que o trabalho não tenha sido válido e que não possa contribuir para que a doença seja identificada. Não fiquemos com essa ideia! Respeito o trabalho que foi feito.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem a palavra o Sr. Deputado José Paulo Casaca.
O Sr. José Paulo Casaca (PS): — Com efeito, ouvimos aqui uma longa intervenção, que será, com certeza, interessantíssima, sobre temas como a visão antropogénica do Sr. Prof. Amaral Mendes, sobre os níveis de radioactividade existentes em Portugal, què dariam oportunidade para outras sessões com outras temáticas e com outras ordens de trabalho. No entanto, esta audição procura esclarecer uma questão: saber se há ou não há, em Portugal, detectada, a BSE. Esta é uma questão clara e objectiva.
Devo dizer que a audição anterior, feita ao Professor Alexandre Galo, e confesso que não estive presente em todos os trabalhos, mas, de tudo o que ouvi, foi, de longe, a mais clara, inequívoca, transparente e inquestionável. Perante
esta intervenção, das duas, uma: ou o Sr. Professor Alexandre Galo sabe o que é que está a fazer e o que está a dizer, ou não sabe — a questão é esta!
Portanto, o problema central é exactamente aquele que o Sr. Deputado António Campos colocou há pouco, e que é este: se, de facto, havia tais dúvidas sobre os resultados obtidos pelo Professor Alexandre Galo, por que razão é que o Sr. Director-Geral da Pecuária não pediu a um dos seus assessores científicos (como seja o Sr. Prof. Amaral Mendes) para esclarecer inequivocamente o que é que se passava e para fazer os testes que fossem necessários? Esta é que é a questão central! E eu fico perfeitamente boquiaberto quando ouço, como resposta, o Sr. Professor dizer: «Não me vou meter onde não sou chamado!»
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado, hoje ainda teremos oportunidade de colocar estas questões ao Sr. Director-Geral da Pecuária. Dado o adiantado da hora, creio que pouparíamos tempo se pudéssemos prescindir dessas questões nesta fase dos trabalhos.
O Sr. José Paulo Casaca (PS): — Certamente, Sr. Presidente. Aliás, tenho observado que V. Ex.a tem sido extraordinariamente compreensivo, dado que estivemos imenso tempo a falar de coisas que não vejo que relação possam ter com esta questão! Mas, finalmente, temos aqui uma única que tem a ver e que é a questão central.
Ora, naturalmente, como estamos perante variadíssimas versões contraditórias dos mesmos acontecimentos, V. Ex.° desculpar-me-á mas eu não ficaria satisfeito por ter apenas a opinião do Sr. Director-Geral da Pecuária — que, certamente, também será solicitada — sobre este assunto. Gostaria de ter a opinião do Sr. Prof. Amaral Mendes.
Assim, para terminar, diria que a razão pela qual o Sr. Professor aqui está é porque tem a ver com o assunto. Porque, se não tivesse, não teria sido convidado para estar nesta audição. Portanto, esta é que é a questão central: como é que é possível que o Sr. Director-Geral da Pecuária, dadas as tão grandes dúvidas sobre os resultados obtidos, não tenha pedido na altura o seu parecer? E por que é que só agora é que esta questão está a ser colocada, numa altura completamente extemporânea e na qual. não faz o mínimo sentido? Porque, em minha opinião, isso só faria sentido há três anos atrás.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.
O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): — Há pouco, o Sr. Prof.. Amaral Mendes referiu que uma das razões pelas quais se poderia pôr em dúvida o resultado do diagnóstico efectuado foi a da forma pela qual tinha sido abatido um dos animais — e eu vislumbrei, nesse momento, um gesto do Dr. Alexandre Galo, que me pareceu não confirmar essa sua afirmação. Tendo o Sr. Prof. Amaral Mendes trazido para aqui o rigor do cientista, era importante que esclarecesse como é que teve conhecimento da forma como foi abatido o animal, porque me parece que, nessa sua afirmação, não houve rigor, uma vez que, como disse, esse gesto do Dr. Alexandre Galo me pareceu contestar essa versão, anulando uma das dúvidas que poderiam sustentar a sua opinião sobre os resultados.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem a palavra o Sr. Prof. Amaral Mendes.
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O Sr. Prof. Amaral Mendes (Universidade de Évora): — As informações que obtive foram-me transmitidas verbalmente pelo Sr. Director-Geral e é ele que terá de lhe responder, bem como os patologistas responsáveis. Devo dizer que tenho o maior respeito quer pelo Professor Manuel Laje quer pelo Dr. Alexandre Galo, que estão qualificados para isto. Eu trago aqui a minha experiência, muito mais abrangente e de outras perspectivas; não venho aqui propriamente para esclarecer uma situação em que seja forçado a afirmar que não estou de acordo.
O trabalho feito pelo Professor Alexandre Galo é valioso, indispensável, mas, do meu ponto de vista e do ponto de vista comparado, sei que pode ser e deveria ter sido feito muito mais — mas, repito, de maneira nenhuma vou contra aquilo que foi feito.
A existência de doença no nosso país é uma situação diferente de haver uma doença que é importada; uma nasce no país, é autóctone, e a outra vem de fora. São duas situações que foram bem definidas pelo Professor Galo. O que temos aqui, em Portugal, é o prolongamento de uma situação que nasceu em Inglaterra e que tem de ser definida aqui. E, no meu entender, como patologista molecular e com as exigências que procuro fazer, numa perspectiva humana, digo aquilo que me parece credível e razoável.
Quanto a outras situações, há quem deva vir responder por elas, porque eu não fui conselheiro para estes assuntos, especificamente, para o Sr. Director-Geral da Pecuária, que tem os seus assessores, pelo que o problema deve ser posto de outra maneira: eu dou a minha contribuição como cientista na área de um problema que me preocupa grandemente porque as implicações são bastante sérias.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): —Sr. Professor, os nossos agradecimentos pelas suas declarações bem como pela colaboração prestada. Peço desculpa pelo facto de esta audição ter sido mais morosa do que tínhamos imaginado.
De seguida, vamos ouvir o Sr. Prof. Vaz Portugal, a quem começo por agradecer a disponibilidade de vir a esta Comissão de Agricultura e Mar prestar o seu depoimento, no âmbito da audição parlamentar que tem por objecto o apuramento da existência ou não em Portugal da doença denominada «vacas loucas».
Caso assim o entenda, V. Ex.a poderia começar por fazer uma exposição, após o que os Srs. Deputados, eventualmente, lhe colocarão algumas questões às quais V. Ex.° responderá globalmente no final. Desta forma, tem a palavra, Sr. Prof. Vaz Portugal.
O Sr. Prof. Apolinário Vaz Portugal (Estação Zootécnica Nacional, Vale de Santarém): — Antes de mais, quero saudar esta Comissão e dizer que, ao «reflectir» sobre a minha presença numa sessão deste tipo, resolvi trazer uma intervenção escrita sobre esta matéria. Matéria que, terei de dizer, com muita franqueza, me parece extremamente importante e que desenhou determinado tipo de cenário de actuação que não me parece ser o mais correcto, na forma e no conteúdo, como temos sido «bombardeados» pela comunicação social. Dividi esta minha intervenção em quatro pontos, e passo a abordar o primeiro: a razão da nossa presença na Assembleia da República.
Solicitado a depor sobre esta matéria, não deixo de manifestar a minha preocupação deontológica por ver assunto desta natureza ser tratado fora dos palcos adequados e onde, por uma questão científica e de ética profissional, devia ter sido tratado e esgotado em todos os seus aspectos relevantes. Uma nota prévia: há questões que são aqui colocadas e
que, compreendo isso, devem provocar extremas dificuldades por parte dos Srs. Deputados para as interpretarem. Se eu estivesse no vosso lugar, a tratar de outros assuntos, ou de outras matérias para as quais W. Ex."5 estarão certamente mais preparados do que nós, senüria dificuldades para seguir o tipo de discussão que se forja.
Mas retomemos a análise específica da matéria em discussão. Ao não ter acontecido assim, terei de considerar que se trata, na sua essência, de uma intervenção, leitura e polémica políticas, geradas e motivadas por circunstâncias que, nos locais próprios, terão de ser clarificadas, dada a forma como se formou e processou o conhecimento da documentação, a difusão da informação e a forma de divulgação do seu conteúdo. Interrogo-me se uma doença, com as características desta e seguindo, processualmente, o controlo adequado, merecia toda esta agitação de arrastamento para acontecimento político!
Como especialista veterinário da produção animal, não posso deixar de dizer que lamento os reflexos causados no sector produtivo, na sequência da imagem pública e da reacção do consumidor às situações criadas, e que exigiam uma informação e comportamentos diferentes. Importándose animais do Reino Unido, estava aberta a possibilidade, no tempo, de correr o risco de identificar a BSE em Portugal. Portanto, o problema não está apenas em haver ou não haver BSE em Portugal — está na forma como se chega e se reduziu intencionalmente o problema a este dilema. Cada país tem as suas circunstâncias (não vou trazer novidade nenhuma a esta Assembleia) e, face ao coeficiente de importação de animais vivos, nomeadamente do país infectado, expõe-se a vir a ter a doença. Assim, julgo que teria sido mais útil, com serenidade e com profundidade, acautelando sempre a imagem pública da produção animal (foi isso o que fizeram os outros países) e a salvaguarda da saúde pública, analisar os casos suspeitos, controlar os acontecimentos e evitar, sobretudo, alarmismos que, face aos dados disponíveis — insisto — exigiam mais prudência e estudo detalhado, com abertura a outra participação científica e com a profundidade resultante de outros meios a utilizar no diagnóstico.
O problema também não está apenas e só em questões como as que já ouvi esta manhã: se este diagnóstico serve ou não serve pois tudo depende das condições que se instalem para o fazer. Agora e sempre o cientista tem de ir mais longe, tem de exigir mais de si e dos outros, abrindo-se na procura da solução que tranquilize. O que se fez: o contrário! Mais: porquê esta agitação que se precipita no tempo? Destaca-se a utilização, agora, desta situação que origina, necessariamente, aproveitamento e leitura pob'ticas, face à forma como foi tratada esta matéria. Pergunta-se quem é ou quem são os responsáveis pelos acontecimentos que sc vivem? Ao provocar directa ou indirectamente a situação alarmista, gerada pela confusão estabelecida e aproveitada, quem se assume, face aos prejuízos causados ao sector produtivo, neste caso, à bovinicultura nacional e, sobretudo, à zona do minifúndio? As circunstâncias exigem outra postura, outra atitude informadva-formativa de opinião e a exclusão do aproveitamento, a que se assiste, de uma situação que de anormal só tem a forma como se interpretam e usam os acontecimentos e as decisões que geraram.
Aspectos específicos da BSE. Estas matérias já foram analisadas e tratadas por individualidades de reconhecido mérito científico e técnico, dentro desta Assembleia. O juízo de valor sobre as opiniões aqui manifestadas não pode deixar de ser feito em função da capacidade científica dos
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intervenientes e da formação e posição científicas dos mesmos, obtidas estas últimas através da competência conquistada, evidenciada e referenciada, que marca a diferença, para já, da competência administrada e facultada. A Comissão de
Agricultura e Mar da Assembleia da República ouviu vários intervenientes e, por conseguinte, não vai deixar, como nós já o fizemos, embora fora da nossa especialidade, de estabelecer juízo de valor relativo em função do que se ouviu e de quem se ouviu. Também não vamos, propositadamente, dar nota aqui do nosso juízo de valor sobre os intervenientes neste caso, pois este não é c local próprio para a nossa afirmação riesta matéria — os Srs. Deputados o farão, necessariamente. Contudo, não me furto -a deixar algumas reflexões, dúvidas-e interrogações que entendemos não trair princípios de comportamento deontológico e postura ética entre pares.
Insisto: não se deve colocar o problema de termos em Portugal, ou não, a encefalopatia espongiforme bovina; o que se deve discutir, face à evolução da situação criada e explorada, é a forma como se desenvolveu o problema, a metodologia científica, direi, apressadamente utilizada (visava-se o fim sensacionalista ou a oportunidade de registo curricular?), o não recurso a uma comprovação e consequente confirmação e a oportunidade de declaração oficial da doença (escolher o timing para a declarar). A comprovação da doença exige outro tipo de abertura e diálogo, ou seja, outro tipo de postura científica. Da suspeita da doença passa-se à localização personalizada da afirmação de que existe, facuitando-se a abertura científica para dar Força à comprovação. Há especialistas, há histopatologistas, neuropatologis-tas e ouiros, a nível nacional e mesmo no Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, que não são solicitados ou ouvidos. Com apreensão, constata-se a não abertura ao diálogo científico como casos destes exigiam.
Impressiona-nos a forma restrita como este assunto (preparação' e intervenção nas acções e decisões) foi tratado, quando da procura da confirmação laboratorial das suspeitas. Veja-se que o Departamento de Anatomia Patológica e Histopatologia não é ouvido nem participa, sendo este o local adequado para estudar o caso. A metodologia científica utilizada sairia reforçada (não vou dizer que não é útil aquilo qiie se fez —estou a dizer que sairia reforçada) se se recorresse à outros meios complementares de diagnóstico e se se fizesse o diagnóstico diferencial. Havia abertura, havia tempo e'exigia-o a situação de novidade no País. Estas atitudes não evitam, face ao cenário nacional e ao momento, que se tenham dúvidas sobre a natureza e'intencionalidade na condução do processo—pelo menos eu tehho-as! Há que acelerar e incendiar a opinião pública, sem-se recorrer à prudência que situações destas exigem, sobretudo neste momento. Outra forma de luta que a ciência regista mas não pode apoiar, porque rejeita.
■ Farei agora algumas considerações sobre a morbilidade e transmiss/bi/idade da doença e atitude a tomar face ao problema. Parece não restarem dúvidas quanto às características da doença, tal como quanto à necessidade da declaração da sua existência quando «na altura, se dispuser de dados suficientemente seguros-para fazer a declaração». Isto foi aqui dito, riesta Assembleia. Acrescentaremos que a declaração da doença considerará é pesará a oportunidade para fazer a sua declaração pública (esta é uma atitude política), dado que estavam salvaguardadas as exigências da saúde pública e da saúde animal; enfim, estavam e estão tomadas as precauções para dominar o acontecimento — alertar, circunscrever, analisar
e açtoÇuíiàat o àiagnósiico.
Foi assegurada, assim, â vigilância epidemiológica face às características da doença e atendeu-se à sua origem diferente. Não havia segredo de actuação face à suspeita — havia atitude reservada, rigor e sentido político a gerar a estratégia ou estratégias adequadas. Porquê, então, esta agitação e confusão lançadas na formação da opinião pública? Esta é que não é, necessariamente, pelos reflexos contidos nela, a estratégia política a ser recomendada. Pelo menos eu não a recomendo. Considerando o tipo e as características da doença e avaliando a fase em que se encontrava o processo, tudo recomendava e recomenda a continuidade dos trabalhos de diagnóstico, a localização e o controlo dos casos verificados, a aceitação da atitude de suspeição para a situação em que se estava envolvido e o apoio logístico à observação dos casos a assinalar, evitando a criação de uma atmosfera de intranquilidade. É fácil depreender, face ao que se passou, onde esta se provocou e se situa! Por razões sócio--económicas, havia que evitar o pânico. A população portuguesa e o sector da produção bovina mereciam outra atenção e outro respeito!
Face ao diagnóstico e à forma como se preparou o mesmo — estudo incompleto, falta de abertura a recursos existentes no País, o não seguimento da rigidez da metodologia científica nestes domínios (não tenho dúvidas nenhumas em fazer estas afirmações) — tudo recomendava uma atitude reservada e o saber-se por quem e como aparece divulgada e referenciada a doença, mesmo tratando-se de documentação sigilosa.
De ignorância, não me atrevo a caracterizar a atitude; mas de intencional, sim, e a dever merecer da estrutura hierárquica superior outro tipo de intervenção. Aqui, o Sr. Director--Geral da Pecuária, estrutura orgânica do Ministério da Agricultura infelizmente desaparecida (insisto: infelizmente desaparecida), falhou ao não interferir de uma forma mais determinada, pois o então director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária centrou em si e restringiu a seus distinguidos esta tão delicada e exigente matéria. Devia ter sido posta em causa pelo Sr. Director-Geral da Pecuária a
atitude de auto-suficiência face às exigências específicas que tal assunto pedia — nesta matéria, o Sr. Director-Geral falhou.
Não se deve confundir, em matéria de diagnóstico, atitude de reserva com segredo: a primeira abre-se à confirmação e gera que, até se obter esta, se não divulgue; a confirmação passa pela abertura e diálogo e não restrição na formação do diagnóstico. Somos contra o segredo nestas matérias, mas apoiamos o sentimento de reserva e ponderação. O tipo e características da doença até favoreciam esta tomada de decisão, pois não é doença que se adapte às tendências imaginativas, que recriaram a situação alarmante e tendenciosamente explorada que se vive e-que, já em outras épocas, se verificou quando, em outras situações e acções, bem mais epidemiológicas, fizeram história e ciclos da veterinária portuguesa: a peripneumonia, a «língua azul», a vacina da peste suína africana, etc. Só que, desta vez, o destino não facilitou e houve, para actuação algo semelhante, uma errada escolha do tipo de doença.
Lamenta-se que o diálogo científico-técnico não se tenha alargado antes de as intervenções tombarem na análise política e no domínio público sem a devida informação formativa. Ter-se-ia, de forma mais discreta e incisiva, analisado este problema, evitando o que, de forma apaixonada e escondendo, possivelmente, outras intenções, se está a fazer agora. Informar e formar a opinião é uma coisa; incendiar o meio é outra.
Considerações finais. Até se provar que a BSE existe, fica a dúvida. E eu tenho dúvidas, embora aceite a sua possível
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existência. Está afirmada e abalizada esta dúvida, não sou eu que a coloco; são os especialistas, aqueles especialistas que têm dimensão para o poderem fazer. Quando em cenário de dúvida, mesmo existindo frágeis possibilidades de existir dúvida, não se confirma a doença — controlam-se os riscos e continua-se a trabalhar.
Nesta situação, o comportamento entre todos terá de ser diferente; as opiniões factuais têm o peso que têm e, na fase em que nos encontramos, visam, obviamente, outras finalidades e criam outro clima a que não é estranha a distracção verificada em alguns. Provoca-se o aproveitamento menos aconselhável, por menos sereno e mais tendencioso, de situações que deviam ter outro tratamento e outro local de discussão. Isto sem menos apreço pela Assembleia da República e pela sua Comissão Parlamentar!
A situação descrita e assumida exige que se responsabilizem os culpados ou os intencionalmente envolvidos. A sociedade tem de julgar; os órgãos e os palcos adequados para a discussão entre conhecedores devem assumir abertamente a análise do problema. Não basta dizer que se deseja a clarificação, tem de se provar que é essa a intenção e nada deve ser feito que ponha em causa esta atitude serena de intervenção.
Face às informações obtidas, ao peso das opiniões vertidas nesta matéria e à tomada das decisões políticas verificadas, decidiríamos pela tomada de uma atitude reservada e cuidada, semelhante àquela que se verificou, insistindo na abertura científica à solidificação do diagnóstico por quem de direito e categoria, ultrapassando as fragilidades evidenciadas no tratamento deste assunto. Desta acção resultaram prejuízos económicos e de expressão profissional, o que significa que deverão ser penalizados os que agiram com outro tipo de intenções ao provocar o alarmismo na opinião pública e, obviamente, no consumidor. Face a esta iniciativa da Assembleia da República sugere-se que se publiquem os relatórios apresentados e se faça a história da situação vivida pesando a informação a debitar na formação da opinião pública, abalada e confusa face ao desenrolar dos acontecimentos. Deve-se ir mais longe e denunciar, no nosso entender, o alarmismo provocado.
São estas, Sr. Presidente, as considerações que eu não podia deixar de fazer.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Prof. Vaz Portugal, agradeço a sua exposição. De acordo com a metodologia dos nossos trabalhos, tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Prof. Vaz Portugal, começo por felicitá-lo pela brilhante intervenção política que acabou de fazer. Reparo que está com saudades do lugar de Ministro da Agricultura porque estávamos à espera de um depoimento, com todo o interesse, de alguém que ocupou o cargo mais importante no sector e estávamos com grande curiosidade em ouvir o tratamento que V. Ex." daria a todo este problema. Infelizmente, isso não sucedeu e a intervenção é uma boa intervenção política o que terá de ter a respectiva resposta nos mesmos termos em que o Sr. Professor a colocou.
Portanto, peço licença ao Sr. Presidente, dado que a intervenção não tem nada a ver com o assunto que estávamos aqui a tratar, para ter a mesma liberdade de poder discutir esta questão politicamente com o Professor Vaz Portugal.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado António Campos, dou-lhe essa liberdade, mas peço-lhe que o faça com a contenção e a brevidade possíveis.
O Sr. António Campos (PS): — Vou explicar o processo para se ver como a intervenção do Sr. Professor está completamente minada por duas situações: uma, por falta de informação; outra, por falta de conhecimento de todo este processo.
Tive conhecimento da existência de um caso por acaso; telefonei ao Sr. Director-Geral, que me negou que houvesse em Portugal qualquer caso ligado a encefalopatías, tendo chamado a atenção para o facto de eu ser Deputado. Numa conversa com jornalistas referi que seria normal haver em Portugal encefalopatia espongiforme bovina na medida em que tínhamos importado animais, 0,4% do efectivo inglês estava contaminado e, como não havia nenhum processo de detecção antecipada nessa importação (lógica de La Polisse!), haveria em Portugal encefalopatia espongiforme bovina. Apesar desta lógica, o Sr. Secretário de Estado convoca uma conferência de imprensa para o seu gabinete e diz que o Deputado António Campos era mentiroso, era isto, era aquilo, era aqueloutro! A partir daí, e porque isto é um assunto de Estado e V. Ex.a é um cientista e também um homem de Estado, restava-me a mim trazer ao lugar indicado a situação e procurar clarificar aqui, nesta Casa (foi para isso que os cidadãos me elegeram), a situação e o comportamento do Sr. Secretário de Estado da Agricultura e do Sr. Director-Geral dos Serviços Pecuários. É óbvio que não falei com ninguém em termos públicos sem ter falado com o director-geral mas, quando percebi que ele era irresponsável e que Untava os assuntos de Estado como assuntos de foro individual e pessoal, não me restava outra atitude. Então, uouxe-o para o palco que devia trazer.
Sr. Professor, o que está em causa aqui é o funcionamento do Estado de direito — não confunda as situações! O que está em causa é que havia acordos internacionais, havia legislação portuguesa feita por este próprio Governo, havia homens que tinham sido mandados especializar-se por este Governo e havia uma questão de compromisso. Chamo a atenção para o facto de que a França tem, neste momento, oito casos detectados e declarou publicamente a doença ao segundo caso. Declarou-a em 1991, quando apareceu a segunda!
Em Portugal, já vamos na quinta e a primeira apareceu em 1990! Já estamos em 1993 e, em termos políticos, o Sr. Professor devia vir aqui dizer-nos: «Como é que é possível que, de 1990 a 1993, não se tenha ainda provado nada?» Porque já há vários casos, já vamos no quinto caso! E, como sabe, há muito mais casos que nem sequer foram detectados porque os próprios médicos veterinários não estavam vocacionados ou alertados para essa situação. Todos sabemos que, se tivermos a mesma percentagem, há muitos mais casos. A Suíça fez isso, outros países da Comunidade também o fizeram e cumpriram-no escrupulosamente.
Julguei que V. Ex.a viria aqui colocar a questão da falta da irresponsabilidade do Secretário de Estado e do director--geral, que andaram de 1990 a 1993 a fazer a «jogatina» que foi feita. Como V. Ex." ouviu o Dr. Galo dizer, em relação ao primeiro caso, ele quis levar as lâminas para Inglaterra mas foi proibido! Como sabe, o Dr. Galo fez várias diligências para poder até fazer outros exames, mas existe um despacho em que o próprio Governo cria o diagnóstico para esta doença — o exame que está no despacho é aquele que foi feito pelo Dr. Galo ou pelo homem do laboratório do Porto, em todas essas situações. O que é condenável, sob o ponto de vista político, é o falhanço do Estado Português,
encobrindo à comunidade científica nacional e internacional
uma situação deste tipo, bem como à averiguação. Pensei que V. Ex.a vinha aqui revoltar-se por essa actuação. Em
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vez disso, reparei que V. Ex.a está muito preocupado com o consumo, está muito preocupado com os animais, mas, esqueceu-se das pessoas!
A Comunidade criou legislação forte, como já disse há pouco,, em relação à utilização de órgãos dos animais
para a produção de medicamentos. Como a doença é
nova, .não, há conhecimentos... Mas, se calhar, são uns palermas aqueles tipos da Comunidade! Aqueles cientistas que estão por lá são uns tolos, porque em França o diagnóstico foi o mesmo que fez o Dr. Galo — mais nada! Na Suíça, quando foi declarada, foi com o mesmo diagnóstico do Dr. Galo! Nas Malvinas, a mesma coisa! Há pouco referi aqui, pelo ridículo da situação, o Sulta-nado de Omã, onde, com um caso apenas, foi usado o mesmo método que o Dr. Galo utilizou. A Comunidade Europeia também o utiliza. Mas nós somos uns cidadãos... Ao Sr. Professor, vejo-o de uma maneira; mas a V. Ex." vejo-o de outra. Porque ele procurou, dentro da actividade dele, integrar o assunto; mas V: Ex.° fez uma intervenção meramente política, sem nenhum sentido científico e também sem nenhum sentido técnico. É nessa perspectiva que estou a criticar.
Ora, o director-geral reduziu todas as possibilidades, por exemplo, uma que, para mim e também para o Professor Amaral, era decisiva e que era a de o Instituto. Ricardo Jorge poder participar nesta actuação mas o Sr. Director-Geral proibiu a importação da pesquisa de priões.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Está a fazer essa afirmação com base em quê?
O Sr. António Campos (PS): — Numa informação do Dr. Matos Águas, que era um homem da confiança dele, tal como o Dr. Galo e o Dr. Ramos o eram! Eram homens de confiança dele e só deixaram de o ser a partir do momento em que eu levanto este sarilho! Porque, aí, não há ética! V. Ex." falou em ética, mas não há ética profissional, nem do Sr. Director-Geral, nem do Sr. Secretário de Estado! Impediram a obtenção de mais resultados porque impediram mais análises e esconderam aqueles que havia!
Portanto, não é possível —e o Sr. Professor conhece isto tão bem como eu porque já cá anda há muitos anos — V. Ex.a fazer a intervenção que fez, porque não havia outro sítio para colocar esta questão," na medida em que o faço privadamente e me é negada informação. E sou insultado em praça pública como irresponsável, como mentiroso e com outros nomes! Mas eu já tinha a documentação comprovativa em meu poder! E chamei a atenção de que estava a falar na qualidade de Deputado! Talvez V. Ex." esteja mal informado em relação a essa situação. De facto, se não houve abertura à comunidade científica, como foi referido, se o Dr. Armindo Filipe tentou trabalhar a situação e foi impedido, se o Dr. Galo tentou levar âs lâminas para Londres e foi impedido, V. Ex.a não pode vir aqui justificar que o único responsável é o Secretário de Estado e o director-geral por isso não ter sido feito. Como sabe, temos documentação em que ele impedia o Dr. Matos Águas de referenciar os casos! V. Ex.a foi ministro e sabe como é: o laboratório faz o diagnóstico, comunica ao director-geral, este comunica ao
Secretário de Estado, que faz a opção entre ser ele a tratar
do assunto publicamente ou ser o próprio Ministro.
Já aqui referi que, em Inglaterra, foi o Secretário de Es-Udo da K%ñcu\luta e, em França, foi o próprio Ministro da Agricultura que tratou do assunto — oito casos, um dos quais o de uma vaca oriunda da própria França, cuja doença se pensa que esteja ligada à importação de rações.
Não é uma situação de alarme, mas do funcionamento normal das instituições e dos compromissos internacionais e nacionais de defesa da saúde pública. V. Ex.a já me conhece há muitos anos e devo dizer-lhe que o «vil metal», para mim, é secundário em relação à defesa das próprias pessoas. Quando V. Ex.1 diz que o meio se incendiou, pensei que V. Ex." pretendia penalizar a forma como tudo isto foi tratado, a falta de ética profissional da estrutura superior do Ministério da Agricultura! Estava à espera de que fizesse uma intervenção como cientista, dado que conhece a matéria em causa e sabe que a metodologia é a mesma dos outros países.
Não me venha, dizer que esta vaca tem direito a morrer com encefalopatia em Inglaterra, mas que, coitada, a mesma vaca, que foi importada para Portugal, cá, não pode morrer com encefalopatia! É que o critério científico do Sr. Professor impõe que a vaca em Inglaterra tenha tido encefalopatia, mas que em Portugal essa mesma vaca não possa ter a mesma encefalopatia! O Sr. Professor e a comunidade científica portuguesa têm que nos dizer, então, qual é o nome que, em Portugal, vamos usar para designar essa doença! Como sabe, a doença foi detectada em animais importados e, por isso, na minha opinião, a comunidade cientifica podia e devia ter alargado os seus conhecimentos e ter trabalhado sobre eles na base do diagnóstico. Mas, para o que estamos aqui a discutir, esta é uma coisa perfeitamente irrelevante, que não tem nenhuma importância.
Vamos, portanto, apenas as questões de honestidade profissional e até pessoal. Há problemas de encefalopatia em Portugal, porque houve importações, e há diagnósticos feitos pelos mesmos processos que são utilizados em qualquer país da Europa e que têm o mesmo grau que os que são feitos em França, na Suíça, nas Malvinas ou em Inglaterra! Vamos ser honestos nesta brincadeira! E não vamos criar subterfúgios para procurar esconder os responsáveis, vindo para aqui com intervenções políticas.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem a palavra o Sr. Prof. Apolinário Vaz Portugal.
O Sr. Prof. Apolinário Vaz Portugal (Estação Zootécnica Nacional, Vale de Santarém): — Sr. Deputado, é claro que não é viável nem possível, depois de terem sido ouvidos por esta Comissão especialistas de diferente peso, eu vir aqui fazer uma intervenção num domínio que não é o meu. Foi dito a esta Comissão que o diagnóstico foi precipitado; eu, como cientista que sou, procuro a opinião mais credível, mas o Sr. Deputado António Campos procurou outras opiniões. Está no seu pleno direito de o fazer! Agora, eu não trago aqui para este palco uma discussão de natureza deontológica:e de ética profissional; terei de a fazer nos locais próprios.
E, atenção, quando eu disse que este comportamento incendiou e alarmou o consumidor, não quis dizer que foi da responsabilidade da Assembleia da República. Aí, possivelmente confundi o seu espírito. Eu tenho todo o respeito pe)os Srs. Deputados; que, em face da informação que receberam, não tiveram possivelmente outro recurso que não fosse o de fazer esta audição parlamentar. Mas não é esse o problema
que expus. 0 problema 6 saber quem provocou e trouxe para
esta Assembleia informações que deveriam ter tido outro tratamento e em outros locais, onde se teriam de pesar e abalizar as opiniões que aqui vertidas provocam outro tipo de análise e de aproveitamento.
Mas não quero entrar mais nessa questão. Recuso-me a fazê-lo. Tenho a minha opinião, que debitarei no local pró-
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prio. Não vou dizer, por exemplo, que o senhor A não é credível em termos de opinião em relação ao senhor B. Não o vou fazer aqui! Os Srs. Deputados é que terão de o fazer. Os Srs. Deputados, que têm informações de base, trazidas aqui por determinados intervenientes com larga experiência e larga capacidade científica, só têm de pesar aquelas que são mais credíveis. E para isso têm que avalizar as origens das mesmas.
Agora, dizer-me que em França se fez assim e que em Inglaterra também!... Sr. Deputado António Campos, sinto--me altamente satisfeito por estarmos a reviver tempos antigos ao vê-lo manifestar com tanta dose de confiança e segurança as afirmações que faz e os conhecimentos de que quer dar mostra! Eu não as faria, se estivesse no seu lugar! E não as fazia, porque teria, ao contrario do Sr. Deputado, que ir mais fundo na análise da questão. A informação que lhe chega, possivelmente, e tenho de o colocar assim, não é a mais correcta. Porque a França fez os seus diagnósticos diferenciais e a Inglaterra também. Mas não quero entrar, como é óbvio, nessa questão.
Veja bem, Sr. Deputado António Campos, eu não tenho que trazer a esta Assembleia — porque nessa altura seria louco — um problema de uma especialidade com a qual não tenho nada a ver. Eu tenho a ver é com a cadeia e com a fdeira de interesses subjacentes ao desenrolar desta matéria. E, de facto, a produção animal neste país está afectada por uma imagem pública que se criou. O consumidor está afectado. E eu, aqui desta bancada, afirmo que, ao almoço, vou comer um bife de vaca, venha mesmo ele das vacas loucas! Porque aquilo que mais me preocupa é o sector económico e o agricultor. E tenho de solicitar, muito claramente, que o Sr. Deputado me diga onde houve ruptura no cumprimento das medidas adoptadas, em termos de defesa da saúde animal e da saúde pública.
O Sr. António Campos (PSD): — Não foi declarada a publicação dos...
O Orador: — Peço desculpa, mas coloque essa questão ao Sr. Director-Geral, que, possivelmente, estará aqui esta tarde e lhe poderá responder. Eu não lhe posso responder. A informação que me chegou é que foram cumpridas rigorosamente as regras de política de saúde pública e de política de sanidade animal. Foram salvaguardadas todas as medidas recomendadas.
É que, Sr. Deputado, todos nós sabemos, cientistas e outros, que a declaração de uma doença depende muito do momento político para o fazer. Veja o que o Professor Amaral Mendes disse ao referir-se aos ingleses: demoraram mais de 10 ou 15 anos a denunciar a existência da própria doença! Portanto, é preciso ter atenção a isso e não esquecer que mais importante que a declaração da doença é controlar rigidamente os acontecimentos hígio-sanitários.
Mas essa questão do timing na declaração da doença não me preocupa, como não me preocupa o facto de se provar existir a doença em Portugal. Aquilo que afirmo, face aos dados de diagnóstico que se tinham e face aos reflexos no sector produtivo, se deveria ter tido outra atitude. Não digo, nem disse que foi a Assembleia da República a responsável. Atenção, se ficou com essa ideia, desfaça-a, porque não foi essa a minha mensagem. Preocupa-me a formação da opinião pública. Criou-se um clima que foi explorado, porque não se fez a formação da opinião. Não se fez. Deu-se a imagem tétrica de que, de facto, estava tudo mal, de que estava tudo incontrolado e que não havia cumprimento de
regras de jogo. E o Sr. Deputado sabe tão bem como eu como isto se reflecte em quem produz e em quem vende.
Relativamente a outras questões que me foram colocadas pelo Sr. Deputado António Campos, peço desculpa, mas terá de as fazer necessariamente à pessoa mais indicada para lhe responder, porque eu não posso responder-lhe. Aquilo que deixei aqui bem claro foi uma análise ao comportamento científico, ao tratamento dado a toda esta matéria. Caso eu fosse director-geral, a meu pedido, o Sr. Director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária teria aberto esta situação à colaboração e ao esclarecimento científico. Eu, como director-geral, exigi-lo-ia. Sei que não houve abertura.
O Sr. António Campos (PS):—Está ali a carta assinada.
O Orador: — Pois, as informações são-lhe facultadas à medida dos interesses envolvidos e o Sr. Deputado procura apenas a leitura que mais fortalece a sua opinião.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado António Campos, pedia-lhe que não interrompesse o Sr. Professor quando este está a usar da palavra para lhe responder. Faça favor de continuar, Sr. Professor.
O Orador: — Eu vou terminar, Sr. Presidente.
Já o disse, mas repito: a primeira questão que se me coloca como homem da ciência, que penso que sou, é uma condução metodológica errada deste processo. Segunda questão a esclarecer a minha posição é a visão política do acontecimento, pois não poderia deixar de a ter, uma vez que não sou anatomopatologista, nem neurofisiologista, nem neuropatologista; sou um homem da produção animal. Produção animal essa que está a ser afectada. Portanto, tenho de dizer que, em minha opinião e atendendo a outras análises que faço de informações de pessoas a quem reconheço diferente capacidade científica na matéria, a informação não foi suficientemente cuidada e preparada e alguém alarmou o consumidor. É esta a minha posição.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Obrigado, Sr. Professor, pela sua brilhante exposição e pela forma como colocou o problema, que penso ter tido um conteúdo científico, mas também a dignidade com que este deve ser aqui abordado.
Em primeiro lugar, dado que foi agora referido pelo Deputado António Campos o pedido feito pelo Prof. Armindo Filipe e como tive acesso aos documentos que comprovam isto, gostaria de dizer à Mesa —só para que fique esclarecido — que o pedido do Centro de Estudos de Zoonoses, do Prof. Armindo Filipe, à Direcção-Geral da Pecuária, foi enviado para o Laboratório e que o director do Laboratório fez uma extensa exposição em que fundamenta o indeferimento desse pedido, dizendo, nomeadamente, o seguinte: «As investigações actualmente em curso em diversos centros estrangeiros ou outras que possam vir a interessar desenvolver-se sobre estas doenças infecciosas, neurodegenerativas, e sua etiologia, socorrem-se de vícwcas laboratoriais, de foro da biologia molecular e da microscopia electrónica.» — Depois são referidos os restantes considerandos em que fundamenta o indeferimento.
É importante realçar que, pela primeira vez, vejo um documento assinado pelo próprio Dr. Matos Aguas, em que este assume que a metodologia do diagnóstico deve também
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utilizar a microscopia electrónica —está~aqui escrito neste ofício. O Sr. Prof. Amaral Mendes disse que nos facultava este ofício, que é a resposta do Sr. Director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, Dr. Matos Águas, ao Sr. Director-Geral, em que este último fundamenta o indeferimento e pede para ser negada a autorização da importação desses priões. Mas, para mim, é também de realçar aqui, neste momento da audição, a referência, em Junho de 1991,
já depois de alguns casos suspeitos terem sido detectados, à utilização da histopatologia a. nível laboratorial para o diagnóstico. O Sr. Dr. Matos Águas assumiu a necessidade da utilização da microscopia electrónica—o que é assumido também por todas as instâncias científicas estrangeiras.
Assim sendo, queria perguntar-lhe, Sr. Professor — e aqui
entroncava a minha primeira questão—, se entende que deve ser o director-geral da Pecuária a definir os métodos científicos e técnicos da elaboração dos diagnósticos ou se deverão ser as próprias entidades, nomeadamente o Laboratório, com o seu corpo científico e técnico, que, ao ter conhecimento de determinados meios auxiliares e complementares de diagnóstico necessários para a confirmação da doença, deverão fazê-lo ou se deverão aguardar qualquer orientação ou directiva vinda da DirecçãOTGeral da Pecuária.
A outra questão que gostaria de colocar ao Sr. Professor prende-se com a afirmação que fez —que, do meu ponto de vista, é correcta — de que, perante esta situação, não se confirmando a doença, se deveriam controlar os riscos. Penso que os riscos eram um problema essencial e, analisando a postura da Administração Pública, que procedeu à aquisição de alguns animais, levando-os para o Laboratório, incinerando os cadáveres e tendo disponibilizado alguma informação para os técnicos, gostaria de saber se acha que a mesma Administração Pública actuou correctamente ao ter cautela quanto à divulgação pública, não caracterizando os dados, mas pondo-os sob reserva, aguardando pela confirmação e tomando medidas paralelas que pudessem acautelar os riscos. Gostaria de saber se entende que este foi um comportamento correcto ou se alguma outra medida deveria ter sido tomada por parte da Administração de forma a que esses riscos fossem acautelados.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — O Sr. Deputado Carlos Duarte, à semelhança do que foi aqui feito, colocou algumas "questões que também vão para além do objecto da nossa audição. No entanto, como outros Srs. Deputados já o fizeram, as questões ficam colocadas e lançadas ao Sr. Professor.
Tem a palavra o Sr. Professor Apolinário Vaz Portugal.
O Sr. Prof. Apolinário Vaz Portugal (Estação Zootécnica Nacional, Vale de Santarém): — Sr. Deputado Carlos Duarte, vou ser muito sintético. Quanto à primeira questão que me coloca, relativa aos métodos científicos (não vou entrar propositadamente na questão da solicitação do Instituto Ricardo Jorge, porque os Srs. Deputados terão ocasião esta tarde de a colocar directamente ao Sr. Director-Geral), não posso deixar de dizer, porque conheço essa matéria, que o despacho do Sr. director-Geral é feito na base de uma informação que lhe foi facultada e que essa informação é assinada pelo Director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, que se isola no tratamento desta matéria e recusa abertura.
Quanto à .questão- do controlo dos riscos, é inegável que, estando controlados os riscos e colocando-se dúvidas de diagnóstico decisivo que são inerentes ao espírito de abertura científica e de dimensão científica das pessoas, eu conti-
nuaria os trabalhos para confirmar a existência ou.a não existência da doença. Este é o meu ponto de vista, de que não abdico, nem saio um milímetro. E disse-o claramente. Estando salvaguardados os riscos, caso eu fosse director-geral da pecuária, o único erro que não teria cometido, pois não me sentiria satisfeito com a informação que o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária me facultou, era o de
não ter pedido que se aprofundasse o diagnóstico e abertura de diálogo científico. Esta matéria exigia-o, até porque já houve exemplos em anos anteriores de situações semelhantes, casos da peripneumonia, da língua azul, da descoberta da vacina da peste suína africana, etc. Haveria diálogo científico e abertura, porque ficaria intranquilo, com. «uma pedra no sapato» — permitam-me a expressão. Não admito, por ética, por comportamento e por postura, quer na vida, quer profissionalmente, que não se esclarecesse e se reforçasse a suspeita: sim Senhor, vamos abrir o processo a outros, para que participem no diálogo sobre o diagnóstico. É de facto o único erro que encontro na condução desta matéria. Eu não ficava satisfeito. Admito que o Sr. Director-Geral tenha, ficado. Foi uma informação da sua equipa e, quando esta chegou até ele com este tipo de informação, penso que ele teria apenas duas atitudes a tomar: ou.mandava fazer o que acabo de reforçar (abertura para confirmação) ou demitia o Sr. Director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, porque não o tinha satisfeito nas exigências que situações destas pedem. De facto a posição do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária não me tinha satisfeito cientificamente em relação às dúvidas que se mantinham! Não tenho dúvidas nenhumas em expressar esta atitude. Eu tinha-o feito assim.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): —Sr. Prof. Apolinário Vaz Portugal, muito obrigado.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.
O Sr. António Murteira (PCP): — Mais talvez do que fazer muitas perguntas, gostaria de me pronunciar quanto a algumas considerações relacionadas com a intervenção que o Sr. Professor teve a amabilidade de nos trazer aqui, embora algumas delas possam, eventualmente, extravasar o objectivo específico desta audição.
Em primeiro lugar — e não vou discuti-lo aqui, mas queria deixar isto claro —, quero dizer que, por aquilo que ouvi ao Sr. Professor e pelo que conheci da sua actuação enquanto esteve à frente dos desígnios da nossa agricultura, na verdade, em relação ao entendimento de tácticas e de estratégias na condução da nossa, política agrícola, temos divergências bastante profundas. Mas não é essa a questão que, agora, interessa aqui; quis apenas deixá-la registada.
O Sr. Professor Apolinário Vaz Portugal (Estação Zootécnica Nacional, Vale de Santarém): — Então, vamos adiante, Sr. Deputado.
,t
O Sr. António Murteira (PCP): — O Sr. Professor referiu estes aspectos e referiu-os longamente na sua intervenção, eu não tenho roubado muito tempo a esta audição e gostava que me deixasse expressar os meus pontos de vista, porque é para isso que aqui estamos.
O objecto desta audição parlamentar é no sentido de se procurar apurar se houve ou não esta doença, a BSE, no nosso país — refiro-o.porque penso que é importante e tem a ver também com a intervenção produzida pelo Sr. Professor. Por outro lado, é a Assembleia, nos termos constitucionais, que fiscaliza o funcionamento do Governo, e não o
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contrário! E nenhum governante —mas ninguém!— pode alterar isto, a não ser que altere a Constituição! Nem o Governo, nem as direcções regionais podem alterar esta realidade sem alterar a Constituição e fazer interpretações restritivas ou até omitivas das leis em vigor.
Ora, isto leva-me a relembrar, todos o sabemos, que esta doença, segundo o que tem sido aqui dito por todos, é de declaração obrigatória, o que significa que a direcção regional — o Governo — tinha obrigação de declarar a doença ao País e à Comunidade Europeia. No entanto, vimos que ainda há um mês atrás, tanto quanto parece por um relatório que há pouco aqui recebemos, o próprio director-geral voltou a dizer que não, que não havia nada.
E esta questão leva-nos a uma outra: o Sr. Professor disse que gostaria que isto tivesse tido outro tratamento e noutro local. Se calhar, eu até lhe daria razão se esta questão estivesse já completamente verificada, sem polémica, do ponto de vista científico, o que, no entanto, julgo será impossível porque, hoje em dia, não existe essa unanimidade, seja em que campo for. Não é só no campo científico; hoje em dia essas coisas não existem. Teria sido bom, mas não foi possível.
Agora, resta saber quem é que o impossibilitou. E a sua intervenção dá-me ideia que altera e deturpa as realidades. Na minha opinião — igualmente susceptível de estar errada —, essa possibilidade foi cerceada à partida, quando é imposto o sigilo aos resultados dos quatro diagnósticos positivos. Isto tem que se dizer! Há quatro diagnósticos positivos em Portugal e esse é o único dado objectivo que há. Todos os outros são opiniões pessoais e nada mais do que isso. Quando é imposto esse sigilo, cerceia-se a possibilidade de qualquer discussão. E esse sigilo não é imposto durante um, dois, três, quauo ou dez meses: é durante três anos! Creio que temos de ter em conta estes factos.reais, pois, de contrário, não estaremos sequer a produzir teoria, mas apenas a especular.
E o qué ainda é mais grave e, em minha opinião, contradiz um pouco o que diz o Sr. Professor é que não só é imposto esse sigilo como, que eu tenha conhecimento ou que até agora alguém tenha apresentado provas concretas, durante esses três anos, não foram nem dadas orientações, nem tomadas medidas concretas para confirmação dos diagnósticos feitos. Se foram — e eu depreendi que poderiam ter sido feitas —, então, pedia ao Sr. Professor que nos dissesse quais as medidas que foram tomadas e quais os resultados delas ou quem é que nos pode informar dessas medidas, uma vez que, até agora, que eu saiba, nestas audições parlamentares ninguém o fez. E isto, na minha opinião, é grave.
Repito: os únicos dados objectivos que temos como ponto de partida para podermos avançar nos nossos trabalhos são esses quatro diagnósticos feitos cientificamente e com procedimentos harmonizados com os outros países comunitários, designadamente com o Reino Unido. Estes dados foram aqui igualmente confirmados por especialistas e creio que, neste caso, o Sr. Professor nem sequer terá conhecimento directo disso. Talvez saiba que foi feito assim; se não sabe, dir-lhe-ei que isso tem sido aqui informado insistentemente e não desmentido nas audições.
Mas para além destes dados objectivos, temos outros, que são as declarações ainda recentes —que referi há pouco — do director-geral e de membros do Governo, procurando camuflar esta questão. No entanto, chegou--se a um ponto em que não era mais possível manter a situação, e o Governo, julgo que através do próprioo Secretário de Estado, remeteu para úma audição parlamentar, o que estamos aqui a fazer.
Quando foi proposto pelos membros do PSD na Comissão que esta matéria fosse submetida a uma audição parlamentar, porque, dado o melindre e a implicação deste processo, entendia ser mais adequado do que fazer-se um inquérito parlamentar, eu abstive-me de me pronunciar, mas o decorrer das audiências realizadas até agora —e esta é uma opinião modesta e pessoal — aponta que, na realidade, para que se pudesse apurar a verdade e determinar as responsabilidades, talvez tivesse sido mais adequado o inquérito parlamentar.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Dado o adiantado da hora, pedia aos Srs. Deputados que fossem o mais breves possível, sob pena de estarmos a comprometer os trabalhos de hoje à tarde, dado que temos marcada uma audição para as 15 horas.
Tem a palavra o Sr. Prof. Apolinário Vaz Portugal.
O Sr. Prof. Apolinário Vaz Portugal (Estação Zootécnica Nacional, Vale de Santarém): — Sr; Deputado António Murteira, começo pela sua última questão. No meu entender, de facto, deveria ter sido feito um inquérito parlamentar — perdoe-me o PSD. Não foi assim. Mas devo dizer também que, em minha opinião, toda esta matéria deveria ter sido discutida em outros palcos — e não me estou a referir à Assembleia da República, mas as organizações da profissão.
Quando eu disse — e retomo esse tipo de afirmação — que não se seguiram preceitos éticos e deontológicos, não me estava a referir à Assembleia da República, porque esta, uma vez que lhe tomba este tipo de informação, está no exercício da sua nobre função. Como também penso está no seu papel saber a forma como esta informação chegou até ela. E aí, Sr. Deputado António Murteira, os senhores ouviram aqui várias pessoas, de peso científico variado. Houve opiniões divergentes. É aos senhores que cabe a função de julgar o peso das afirmações e a respectiva idoneidade científica de quem as produziu. Eu não vou dizer aqui —já o afirmei claramente—se o senhor A tem um peso de opinião superior ao senhor B. Não o vou dizer. Mas tenho a minha ideia e formei a minha própria opinião. Os Srs. Deputados julgarão por vós.
Foi aqui dito, por individualidades que eu respeito e que estão em confronto com outras, que não estava confirmada a doença, e se perdeu tempo. A única coisa que pergunto é se, nesse tempo, se fez mais alguma coisa para se obter a confirmação do diagnóstico. E quanto a isto tenho certezas. Nada se fez. Acho que se torna urgente transformar as fortíssimas suspeitas existentes em certezas iniludíveis — os senhores ouviram-no aqui. Portanto, quando há suspeição num diagnóstico, não se pode dizer que há doença, como lambem não se pode dizer que não há doença. Tem é que procurar-se a confirmação do diagnóstico, sem alarmismos e com abertura.
Sr. Deputado, penso ter respondido às questões que me colocou.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem a palavra o Sr. Deputado António Campos. Pedia-lhe, Sr. Deputado, que não repetisse questões já colocadas.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Presidente, são poucas as questões que vou colocar. O Sr. Professor diz que se deveriam ter feito mais diagnósticos, mas sabe, como eu, que o director-geral e o Secretário de Estado o impediram. Portanto, tomo isso como um grande ataque ao Sr. Director--Geral e ao Sr. Secretário de Estado, na medida em que obri-
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garam a calar e obrigaram a parar o processo. Tomo isso como uma forte critica.
Agora, quanto à questão das várias declarações de cientistas que tivemos a oportunidade de ouvir, quer que lhe dê uma opinião pessoal?
O Sr. Prof. Apolinário Vaz Portugal (Estação Zootécnica Nacional, Vale de Santarém): — Não, muito obrigado. E não, porque não devo participar nela. Mas, em termos pessoais, quando quiser e fora deste palco, estou ao seu dispor.
(O orador reviu.)
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem a palavra o Sr. Deputado José Paulo Casaca, a quem peço a mesma brevidade.
O Sr. José Paulo Casaca (PS): — Sr. Presidente, de facto, quando lhe pedi a palavra não lhe disse qual era o motivo da minha inscrição, mas, efectivamente, a razão dela é mais uma interpelação à Mesa do que propriamente para colocar uma questão ao Sr. Professor Vaz Portugal, embora essa interpelação tenha a ver com a sua intervenção.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Faça favor, Sr. Deputado.
O Orador: — A questão é a seguinte: de facto, o único dado objectivo e positivo que me parece estar relacionado com esta audição que aqui foi feita é o de que deveremos de ter em atenção o peso dos vários depoimentos, nomeadamente o seu peso científico.
Nesse sentido, quero dizer que recebi uma carta — suponho que todos os Deputados a receberam — da parte da Faculdade de Medicina Veterinária de Lisboa.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado, ia referir-me a essa carta.
O Orador: — Aquilo que pedia, Sr. Presidente, e era nesse sentido a minha interpelação à Mesa, era que se dissesse, para que essa informação actualizada esteja disponível quando começarmos a próxima reunião, quem são exactamente os técnicos que apresentaram aqui depoimentos referenciados, a essa instituição, mas a quem a própria instituição não reconhece capacidade para o fazer. Pedia, portanto, esse esclarecimento, não necessariamente para agora, mas para o início da próxima reunião.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado, obrigado pela sua interpelação. Ia referir-me a essa carta agora mesmo e direi quem foram as entidades que, por razões curriculares — e nada mais do que isto —, foram erradamente indicadas como professores da Faculdade de Medicina Veterinária de Lisboa: o Professor Manuel da Cruz Braço Forte Júnior e o Professor António Dias Correia. Mas, repito, esta indicação foi apenas uma nota de natureza curricular. Creio que era a explicação que pretendia.
O Sr. José Paulo Casaca (PS): — Muito obrigado, Sr..Presidente. Era exactamente essa a explicação que solicitei.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Professor Amaral Mendes, Sr. Prof. Apolinário Vaz Portugal, os nos-
sos sinceros agradecimentos pelas vossas declarações e as nossas desculpas por termos arrastado um pouco no tempo as vossas audições. Obrigado pela vossa disponibilidade e agradeço também ao Sr. Dr. Alexandre Galo, que ainda aqui se encontra, essa mesma disponibilidade, bem como o tempo que lhe roubámos.
Srs. Deputados, às 15 horas recomeçamos os nossos trabalhos. Está encerrada a reunião.
Eram 13 horas e 34 minutos.
Acta da 5.* reunião, de 2 de Junho de 1993 (2.a período), da audição parlamentar com vista a apurar da existência ou não em Portugal da encefalopatia espongiforme bovina.
O Sr. Presidente da Comissão de Agricultura e Mar
(Deputado do PSD Antunes da Silva): — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro reaberta a reunião.
Eram 15 horas e 7 minutos.
Srs. Deputados, vamos recomeçar os nossos trabalhos no âmbito desta audição parlamentar. Temos já connosco o Sr. Dr. Azevedo Ramos, a quem desde já agradecemos a sua disponibilidade, tanto mais que, não estando inicialmente previsto o seu depoimento, foi chamado a prestar declarações em cima da hora e, não obstante isso, quis corresponder ao nosso apelo, estando aqui presente. Agradecemos-ihe particularmente por isso.
Como o Sr. Dr. Azevedo Ramos sabe, estamos reunidos para proceder a uma audição parlamentar que tem por objecto o apuramento da existência ou não da encefalopatía espongiforme dos bovinos em Portugal. Este é o âmbito da nossa audição parlamentar. Trata-se de uma audição pública que está a ser gravada, como já se apercebeu, e temos seguido a seguinte metodologia: as pessoas que tiveram a gentileza de vir até nós fazem uma primeira intervenção, a que se seguem as perguntas que os Srs. Deputados acharem por bem colocar, às quais o Sr. Dr. responderá globalmente. Se estiver de acordo com esta metodologia, dar-lhe-ia de imediato a palavra, renovando os nossos agradecimentos pela sua presença.
O Sr. Dr. Azevedo Ramos (Técnico do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Com certeza, Sr. Presidente. Começaria por dizer que não cumpro mais do que a minha missão como cidadão ao comparecer perante esta Comissão para tentar esclarecer um pouco este problema. É evidente que tenho a lamentar algumas afirmações e intervenções que aqui têm sido proferidas. Não me vou debruçar sobre elas porque não me compele fazê-lo, nem é a ocasião para isso, mas lamento o facto de se terem dito aqui algumas inverdades. Creio que ao longo destes dias se colocaram em causa os ensinamentos que eu e o Sr. Dr. Alexandre Galo colhemos no Central Veterinary Laboratory, em Weybridge, Reino Unido, durante cinco dias úteis de curso intensivo de preparação dos técnicos da Comunidade para o diagnóstico da encefalopatia espongiforme dos bovinos.
Esta doença é detectada clinicamente, mediante um quadro clínico bastante expressivo e muito característico, o qual, em certas áreas do Reino Unido, é suficiente para fazer o diagnóstico —o que não é correcto no nosso país. Após a suspeita clínica, é feito sempre o abate do animal, através de anestésicos, especialmente dos barbitúricos, e é colhido
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o seu sistema nervoso central e fixado em formol salgado a 10% durante três semanas, para posterior observação no exame histopatológico.
Se, efectivamente, surgirem lesões características desta doença em áreas muito específicas e em centros típicos, que não acontecem noutros processos patológicos, podemos afirmar que estamos perante um processo de encefalopatia espongiforme dos bovinos. Por vezes acontece que as lesões não são exuberantes, não são bem evidentes, não sendo, portanto, suficientes para classificar o processo como tal e é nesses casos, e só nesses casos, que se devem fazer exames complementares. Penso que se tem feito um pouco de confusão relativamente à metodologia a seguir.
Quero aqui lembrar, também, que o exame histopatológico é o método de referência adoptado no Reino Unido e adoptado, a partir de 1989/1990, nos países da Comunidade, bem como, a partir de 1992, como método de referência, é adoptado pela OIE. Aliás, isto vem expresso ha obra Subacut Spongiform Encepnalopathies, publicada pela Comissão das Comunidades Europeias, se não estou em erro no ano de 1991, obra que foi subscrita pelo Dr. Bradley, do Central Veterinary Laboratory, de Weybridge, Reino Unido, pelo Dr. Mare Savey, do Laboratório de Patologia Bovina, de Lyon, em França, e pór Brian Marchand, da Comissão das Comunidades Europeias. Penso que é uma obra que merece confiança e que tem credibilidade.
Além disso, a revista científica e técnica da OIE, organismo de que Portugal é também membro, no seu n.° 2 do volume xi, de Junho de 1992, refere todos esses trabalhos e, nesse volume, está explícito qual é a prova que permite fazer o diagnóstico sem dúvidas, desde que as lesões sejam evidentes — porque há casos em que as lesões não são evidentes, o que é preciso ressalvar. E, até mais: há casos em que os animais têm sintomatologia clínica e não se observam lesões, o que não quer dizer que não tenham BSE e é então, nestes casos, que são necessárias as tais provas complementares.
Do curso que pessoalmente frequentei no Central Veterinary Laboratory, em Weybridge, de 8 a 12 de Abril de 1991, tenho aqui o programa — se quiserem podem ficar com cópia —, de cinco dias úteis de curso intensivo (não foi brincadeira alguma), apenas no segundo dia, no espaço de 30 minutos, o Dr. Scott falou da detecção das fibrilhas por microscópio electrónico. E isto porquê? Porque, efectivamente, no Reino Unido, os especialistas que trabalham intensamente nesta matéria — não os especialistas de livro, nem de revistas — concluíram que este método não é de se aplicar em rotina em casos em que se encontrem as lesões típicas nos exames histopatológicos, que não deixem dúvidas algumas, e que só é de utilizar este método ou outros quando o diagnóstico mereça dúvidas. Por esta razão, nós não tivemos qualquer tipo de preparação sobre este método. O curso foi exclusivamente dedicado ao diagnóstico histopatológico.
Posso apresentar um dossier, que foi distribuído neste curso, que tem por título «BSE Diagnosis». Segundo o workshop no qual eu estive presente, realizado para técnicos da Comunidade Europeia, em Abril de 1991, este dossier — de que, se quiserem, poderei fornecer cópia à Comissão — para fazer o diagnóstico da BSE, apenas menciona as técnicas histopatológicas. Não menciona mais nenhuma técnica. Inclusivamente, distribuiram um dossier com fotografias das lesões típicas e também de lesões, que não são de BSE — são os chamados artefactos — que apenas menciona os exames histopatológicos.
Entretanto, na bibliografia internacional, o departamento de patologia animal do Serviço de Anatomia Patológica da Faculdade de Veterinária da Universidade de Saragoça, o Professor Garcia Jalón Lajeras e o Professor Badiola publicam um artigo sobre a encefalopatia espongiforme dos bovinos e, quando chegam ao capítulo «Diagnóstico», além de alertarem para o diagnóstico diferencial de alguns processos, que evidentemente é preciso ter em atenção, como sejam as hipomagnesiemias, as cetoses nervosas e a listeriose, declaram neste artigo, de Outubro de 1990, que o único método para diagnosticar com segurança um caso de BSE é o estudo histopatológico do sistema nervoso central, para confirmar a encefalopatia espongiforme dos bovinos. Temos também um artigo do manual da OIE, no volume III, sobre encefalopatías espongiformes dos bovinos, que refere o mesmo tipo de argumentação.
Por tal, ao pôr-se em causa o diagnóstico feito pelo Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, estão a ser postas em causa as pessoas que nele intervieram, e eu sou uma delas a partir do terceiro caso. Ao passar um atestado de incompetência e de irresponsabilidade a estas pessoas, estamos, por extensão, a passar um atestado de incompetência aos professores, cientistas especializados nesta matéria e aos monitores do Central Veterinary Laboratory, de Weybridge, bem como a um outro grupo de investigadores do Institute for Animal Health, da unidade de neuropathogene-sis, em Edimburgo, na Escócia — são estas duas unidades que, na Grã-Bretanha, trabalham intensamente sobre este processo.
Srs. Deputados, estou à vossa disposição para responder às questões que entederem colocar-me.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Doutor, muito obrigado pela sua exposição. Tal como previmos, seguir-se--ão agora as perguntas dos Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Sr. Dr. Azevedo Ramos, em primeiro lugar, quero agradecer a sua presença nesta audição e a exposição que fez, até porque os casos suspeitos ocorreram numa região em que o Sr. Doutor é responsável a nível do Laboratório que cobre toda essa região. Por essa razão, o Sr. Doutor poderá aqui trazer um contributo, tal como já o fez na sua exposição inicial, que pode ser essencial para o objectivo desta audição parlamentar que promovemos.
Penso que, no cômputo geral, não se pôs em causa o diagnóstico histopatológico, mas sim se esse diagnóstico histopatológico podia ser definitivo. Ou seja, se, num país em que não está confirmada a doença, haveria necessidade ou não de utilizar outros meios auxiliares e complementares de diagnóstico antes da confirmação da doença. Quanto a isto, houve, por exemplo, o caso do Professor Dias Correia, que enumerou cinco métodos essenciais para o diagnóstico da doença que complementam o diagnóstico feito a nível histopatológico.
É nesse sentido a minha primeira pergunta, que é a seguinte: foi dada alguma limitação por parte da Direcção--Geral da Pecuária ao Laboratório no sentido de limitar ou condicionar a auscultação técnica ou científica, de forma a que não se fizessem outros exames complementares do diagnóstico histopatológico? Ou não houve nenhuma orientação nesse sentido e, por isso, o Laboratório considerou que este exame era definitivo e não se preocupou em fazer outros exames complementares, que o Professor Dias Correia — que, como sabe, foi membro do Comité Europeu de
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Veterinários até 1992— referiu serem considerados, desde 1990, na própria bibliografia a nível científico internacional, como essenciais para a confirmação da doença?
A segunda pergunta que faço prende-se com alguns casos que ocorreram na região de Entre Douro e Minho, que são os casos que até agora se consideram como suspeitos. O primeiro caso aparece, em 1990, em Chaves, o Sr. Doutor não tinha ainda frequentado o curso em Inglaterra, estava a frequentá-lo o Dr. Alexandre Galo e a colheita foi feita num animal que, segundo informação que nos foi dada hoje de manhã pelo Sr. Dr. Vaz Portugal, foi morto com um tiro na cabeça. O animal, depois da morte, demorou cinco dias a chegar ao Laboratório, a respectiva análise demonstrava algumas autólises na própria amostra. Tudo isto é verdade, e se o é, não entende o Sr. Doutor que este tipo de circunstâncias não poderiam prejudicar um pouco o exame histo-patoló- gico? .
Quanto ao segundo caso suspeito que apareceu em Barcelos, em 1991, foi detectada pelo exame morfológico e outros a existência de uma meningite purulenta, que poderia provocar alguma opacidade na amostra que pudesse prejudicar o exame histopatológico. Como o Sr. Dr. acompanhou os dois casos —pelo menos estes dois—, gostaria de saber se estas circunstâncias foram verdadeiras e se esses factores não poderiam ter prejudicado a eficácia e a veracidade do exame histopatológico.
Por outro lado, refiro ainda um ofício em que o próprio director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, de Abril de 1991, assume a necessidade de que este tipo de doenças sejam confirmadas através de técnicas laboratoriais e também através da microscopia electrónica. Sendo a microscopia electrónica um dos meios auxiliares e complementares do diagnóstico, não poderia também ter sido utilizada para confirmar a existência da doença, isto para além dos outros meios todos que a bibliografia internacional e os cientistas assumem como necessários para confirmar este tipo de doenças num País em que a doença não é assumida?
Outra questão que quero ainda colocar é no sentido de saber, dada a experiência que teve nos contactos internacionais e nos cursos que frequentou e dada a experiência que tem no terreno, se confirma que esta doença não existe a nível dos 300 animais, que são o efectivo nacional; é apenas confirmada no universo de animais importados de Inglaterra.
No que respeita ao período de incubação da doença fo-ram-nos referidos prazos diversos, mas julgo ser assumido que o pico da doença surgirá entre os quatro e os cinco anos. Por isso, não podemos referir-nos ao efectivo animal importado entre 1982 e 1989, que totaliza 12 000 animais, mas somente ao contingente importado entre 1987 e 1989, o que equivale a 4000 animais. Portanto, a não ser que queiramos distorcer um pouco a incidência da doença em Portugal, não podemos falar em 12000 animais más sim nos tais 4000.
Assim, gostaria de saber qual será a percentagem previsível da doença nesses.4000 animais. É que o Sr. Dr. Matos Águas diz que, em 1990, em Inglaterra assumia-se que a percentagem de animais doentes seria de 0,1% a 0,2%, tendo questionado um pouco a possibilidade de esta mesma percentagem ocorrer em Portugal. Perante isto e face à sua própria experiência e aos seus conhecimentos, qual é o universo que poderá ser atingido em Portugal, a nível de percentagem e do número de animais que poderão vir a ser mçstos de terem esta doença?
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem a palavra
o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Dr. Azevedo Ramos, começo por agradecer-lhe a sua presença porque consideramos o seu depoimento de extrema importância como, aliás, os de todas as pessoas que lidaram pessoalmente com os casos e que são especialistas. É que, ao longo desta audição, foram tomando corpo duas filosofias distintas: por um lado, a daqueles que lidam com os casos e são especialistas e, por outro, a dos que nada têm a ver com os casos e nem dominam estes assuntos. Assim, vou colocar-lhe algumas perguntas cujas respostas agradeço desde já.
O quadro legal de diagnóstico foi estabelecido a nível da Comunidade e, depois, através de um despacho do Ministério da Agricultura. O exame que o Sr. Doutor fez é aquele que vem imposto no despacho do Ministério da Agricultura para detectar a doença?
Em segundo lugar, foram-nos dadas informações segundo as quais o circuito normal das análises foi sujeito a interferências de cima para baixo. Isto é, sempre que o Sr. Doutor fazia análises fornecia o respectivo resultado aos seus colegas que estavam no terreno. Ora, nos casos que detectou, por que é que foi impossibilitado de entregar o resultado das análises aos seus colegas veterinários que estavam no terreno e que tinham feito o diagnóstico? É que um deles declarou aqui que tinha tido conhecimento do diagnóstico através do jornal Expresso.
Em terceiro lugar, o Sr. Doutor confirma que há encefalopatia espongiforme bovina em Portugal, através do resultado das análises e da metodologia utilizada não só pelo seu Laboratório como por outros franceses e ingleses porque, hoje em dia, é norma geral da Comunidade trabalhar com esse diagnóstico.
Em quarto lugar, estamos perante uma doença de declaração obrigatória. O Estado Português cumpriu todo o quadro legal, aceite em sede da Comunidade, posteriormente, emitiu o despacho, criando as normas de elaboração do diagnóstico, depois, emitiu outro despacho, considerando a doença de declaração obrigatória, e o primeiro caso surgiu em 1990. Hoje, estamos em 1993, penso que muitos dos casos devem ter passado despercebidos a grande parte dos veterinários porque a Direcção-Geral dos Serviços Pecuários nunca tomou medidas no sentido de serem detectados os casos nas vacas importadas. Assim, foi devido ao brio profissional dos próprios veterinários que estavam no terreno e às leituras que os próprios tinham feito, mas não ao alerta da Direcção-Geral, que foram diagnosticados os quatro ou cinco casos de BSE conhecidos em Portugal. Portanto, gostaria de saber se o Sr. Doutor tem conhecimento de acções feitas pela Direcção-Geral dos Serviços Pecuários sobre os animais que tinham sido importados e de quais as medidas tomadas após a aceitação da declaração obrigatória da doença.
Uma outra pergunta é referente à situação que, hoje, se põe quanto a três cientistas que aqui vieram depor, reivindicando outros exames complementares.
Ora, o primeiro caso aparece em 1990, agora estamos em 1993, pelo que lhe pergunto se algum dia lhe foi pedido para fazer algumas análises complementares relativamente aos casos diagnosticados. Ou será que, como especialista nesta matéria o Sr. Doutor não tinha dúvidas sobre os resultados do exame já feito?
Coloca-se ainda uma outra questão que passo a expor.
Vieram a esta Comissão uns cientistas reivindicar agora a realização de exames complementares. Ora, a doença
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é «importada», é devidamente conhecida no Reino Unido e a metodologia comunitária e do Reino Unido é a que o Sr. Doutor utilizou.
Aliás, deixe-me fazer aqui um pequeno aparte porque fico surpreendido com a capacidade da comunidade científica portuguesa que tem necessidade de efectuar estudos científicos para comprovar situações, contrariamente ao que acontece em países com comunidades científicas mais fortes do que a nossa própria. Digo isto porque apareceram-nos casos de três cientistas que não acreditam nos seus próprios colegas e, uma vez que têm uma autoridade especial nesta matéria, acham que têm de ver alguns resultados complementares. Perante esta situação, pergunto ao Sr. Doutor se acha que, por norma de diagnóstico, esses exames complementares aos que o Sr. Doutor efectua são fundamentais nesta situação.
Por outro lado, o Sr. Doutor é um investigador. Quando lhe aparece um caso destes, para si é de grande interesse, jião é verdade? Em Portugal, os dois investigadores que detectaram estes problemas, o senhor próprio e o Sr. Dr. Alexandre Galo, nunca publicaram nada sobre esta matéria no nosso país. Assim, pergunto-lhe por que é que nunca publicou nada sobre a encefalopatia espongiforme bovina.
Para mim, é importante a resposta que dará à questão de saber por que razão os seus colegas que detectaram a doença no terreno não tiveram acesso às análises respectivas.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.
O Sr. António Murteira (PCP): — Em primeiro lugar, quero agradecer ao Sr. Dr. Azevedo Ramos as informações que nos trouxe e vou colocar-lhe cinco questões muito concretas no âmbito da audição parlamentar que estamos a fazer no sentido de se procurar apurar se existe ou não BSE em Portugal. Nas perguntas que vou colocar parto do pressuposto de que se trata de uma doença de declaração obrigatória.
Embora o Sr. Doutor já tenha aflorado esta minha primeira questão, gostaria de saber se a recolha de amostras e os rOTcedimentos posteriores levados a efeito nos quatro animais suspeitos foram feitos em condições científicas rigorosas.
A segunda questão é no sentido de saber se os diagnósticos clínico e histopatológico dos quatro casos positivos são suficientes para comprovar a existência de BSE nesses animais e, também, se este método é o mesmo que o utilizado nos outros países da Comunidade Europeia, particularmente em Inglaterra.
Em terceiro lugar, gostaria de saber se poderá haver outros casos de BSE, tendo em conta o período de incubação da doença.
A quarta questão é a de saber se o Laboratório recebeu instruções para manter o sigilo sobre os diagnósticos com resultados positivos relativos a estes quatro casos que constituem a base objectiva e concreta que se nos depara.
Em quinto e último lugar, gostaria de saber se conhece — e, na sua opinião, que possibilidades haverá — impactos desta doença na saúde pública ou se tal ainda não é suficientemente conhecido.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Casaca.
O Sr. José Paulo Casaca (PS): — Sr. Dr. Azevedo Ramos, também quero começar por agradecer a sua exposição que foi extremamente clara e inequívoca.
Penso que estamos a chegar ao fim desta audição parlamentar em que depuseram variadíssimas pessoas. Sinceramente, julgo que quem quer que tenha assistido à maior parte das audições que aqui tiveram lugar não terá grande dúvida de que foi detectada, pelos meios científicos standardizados e aceites pela comunidade científica internacional, a existência de BSE em Portugal. Repito que, honestamente e com alguma objectividade, se trata de algo que não poderá ser posto em causa, pelo que não lhe porei essa questão directamente.
Assim, gostaria de colocar-lhe um outro problema que tem a ver com a possibilidade de existir alguém envolvido no processo, seja como clínico seja como cientista, que, eventualmente, possa pôr em causa este diagnóstico.
Faço-lhe esta pergunta porque, até agora, de facto, não apareceu ninguém que tenha posto isso em causa. Isto é, apareceram alguns cientistas que não estiveram directamente relacionados.com o processo, em relação aos quais a própria Faculdade de Medicina Veterinária fez questão de enviar-nos uma carta esclarecendo que os mesmos não estavam mandatados para falarem em seu nome. Portanto, do ponto de vista científico, acho que a questão ficou esclarecida para qualquer um de nós.
Assim, basicamente, o meu problema é o de que, quer do ponto de vista clínico quer do de investigação científica, não há ninguém que tenha estado ligado ao processo — e, obviamente, não me refiro a quem tenha feito declarações de carácter político — e que ponha em causa estas conclusões.
Quero reafirmar o que acabo de dizer porque compreendo perfeitamente as declarações do Sr. Dr. Azevedo Ramos quando falou em pôr-se em causa a credibilidade científica, até porque acho que foi precisamente isso que foi feito, o que considero extremamente lamentável.
Agora, pedindo licença ao Sr. Deputado Carlos Duarte, vou fazer duas referências às perguntas que colocou no sentido de clarificá-las, pois julgo que terá sido por mero lapso.
É que o Sr. Deputado Carlos Duarte mencionou uma questão que teria sido colocada pelo Sr. Prof. Vaz Portugal mas que, efectivamente, foi posta pelo Sr. Prof. Amaral Mendes que, hoje, aqui falou na possibilidade de um dos animais ter sido morto a tiro. Aliás, parece-me que a questão já tinha ficado esclarecida e completamente ultrapassada pela intervenção do meu colega de bancada, Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.
Ainda relativamente às perguntas colocadas pelo Sr. Deputado Carlos Duarte, certamente terá havido lapso na referência que fez às percentagens de 0,1% a 0,2%. É que, efectivamente, na declaração do Sr. Dr. Matos Águas consta que, até certa altura, se pensou que a incidência da doença entre os animais situar-se-ia entre 0,1% e 0,2%. Mas, depois, o mesmo depoente diz que, actualmente, a percentagem de animais afectados pela doença no Reino Unido aproxima-se de 0,4%. Repito que julgo que se tratou de um mero lapso do Sr. Deputado Carlos Duarte mas que queria clarificar.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado José Paulo Casaca, obrigado pelos seus esclarecimentos mas, como sabe, tudo isso consta da acta.
Entretanto, o Sr. Deputado Carlos Duarte solicitou a palavra para completar o seu anterior pedido de esclarecimentos. Assim, tem a palavra, mas peço-lhe que seja breve.
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O Sr. Carlos Duarte (PSD): — O meu pedido de esclarecimento prende-se com uma afirmação tecida pelo Sr. Deputado António Campos relacionada com o despacho emitido pelo Ministério da Agricultura sobre esta matéria.
Existe um conjunto de despachos, emitido em 1990, antes da ocorrência de qualquer caso suspeito, que constitui a transcrição para o quadro jurídico nacional de algumas directivas da Comunidade para além de algumas precauções preventivas que o Estado Português queria ver acauteladas...
O Sr. António Campos (PS): — Isso foi no dia 28 de Maio de 1990.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — No dia 28 de Maio de 1990, o Sr. Ministro da Agricultura assinou um despacho em que diz, nomeadamente: «Considerando que deve ser acautelada a saúde pública e tomadas determinadas precauções, devem ser adoptadas algumas medidas suplementares relativas a determinados tecidos e órgãos.» O n.° 4 do mesmo despacho, referente à polémica aqui introduzida por algumas pessoas, diz o seguinte: «Todos os animais da espécie bovina que, por observação clínica ou por ocasião de inspecção ante mortem, apresentem sintomas clínicos que levem a suspeitar da encefalopatia espongiforme bovina devem ser abatidos separadamente e o seu cérebro submetido a um exame histopatológico para pesquisa de encefalopatia espongiforme bovina. Caso se confirme a presença da citada encefalopatia, as carcaças e as miudezas dos animais atingidos devem ser destruídas.»
Tendo em conta este despacho que acabei de ler, pergunto ao Sr. Doutor se entende que ele define o tipo de exame,a fazer ou se define o conjunto de precauções a assumir por parte da Administração, por forma a ser acautelada a saúde pública, uma vez que determina a destruição das carcaças dos animais suspeitos, devendo ser recuperados os órgãos ou tecidos para exame histopatológico, sem prejuízo de outros exames que, eventualmente, a comunidade científica e técnica entenda como necessários e que não são definidos pelo poder político.
A segunda pergunta é no sentido de saber se o Sr. Doutor reconhece capacidade científica e técnica ao Sr. Prof. Manuel Lage, investigador-coordenador do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, ao Sr. Prof. Braço Forte Júnior, ao Sr. Prof. Dias Correia e a um conjunto de cientistas que vieram depor nesta audição parlamentar, tendo questionado a necessidade de utilização de outros meios auxiliares e complementares de diagnóstico que confirmassem ou não a doença, após o exame histopatológico ter sido feito pelo Laboratório.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Não há mais inscrições, pelo que tem a palavra o Sr. Dr. Azevedo Ramos, para responder.
O Sr. Dr. Azevedo Ramos (Investigador do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Sr. Deputado Carlos Duarte, pôs a questão de o Sr. Prof. Dias Correia ter colocado a possibilidade de se utilizarem outros meios auxiliares de diagnóstico. Ora, é evidente que eles existem — ninguém deve negá-lo — mas é para contribuir para o esclarecimento de casos duvidosos.
Os outros exames complementares podem ser: as alterações electroquímicas na urina, os métodos de imunofluorescência, a pesquisa das scfapie-associated fibrils, os métodos de immunobtotting, os de westemblotting, a imu-nocitoquímica dos astrócitos e até a inoculação inter cerebral
de ratinhos. Estes são vários métodos que existem para confirmar casos duvidosos ou até mesmo no caso de animais que tenham um quadro clínico típico de BSE e cujo exame histopatológico não revele lesões. Nestas circunstâncias, podem e devem ser utilizadas estas provas, o que não foi o caso.
Seguidamente, o Sr. Deputado colocou a questão de saber se havia limitação pela DGP (Direcção-Geral da Pecuária) relativamente ao LNTV (Laboratório Nacional de Investigação Veterinária) para a utilização de outros métodos complementares ou se- o LNTV considerou que o exame histopatológico era definitivo, dado que seriam essenciais outros métodos complementares.
Ora, é evidente que, mercê da formação que adquiri no Reino Unido bem como da literatura que trouxe comigo, quer seja da Comunidade, quer seja da CEE, quer mesmo de
outros Estados que não fazem parte da CEE, como é o caso
dos Estados Unidos da América, posso responder-lhe que não são essenciais outros métodos complementares. Como disse na minha intervenção inicial, o exame histopatológico é suficiente desde que as lesões sejam evidentes, nos locais adequados, e que não mereçam dúvidas. É que estas lesões não aparecem ad hoc em qualquer área do sistema nervoso centra) mas sim numa fracção do bolbo raquidiano,, numa porção chamada «obex», essencialmente em três áreas muito importantes: no trajecto do solitário, no trajecto do trigémeo e nos núcleos do solitário e do vago dorsal. As lesões também aparecem noutras áreas, mas é nestas pequenas fracções daquela porção anatómica que é típico. Como se diz no citado livro da OIE, são patognomónicos, o que significa que define, que não merece dúvidas.
Puseram-mè também o caso do primeiro animal que foi abatido no matadouro de Chaves, com um tiro na cabeça, que só terá chegado ao Laboratório cinco dias depois e que, portanto, terá sofrido processos de autólise, o que poderá ter prejudicado as operações. Ora, a questão não é bem essa.
É evidente que, mercê do animal que foi tratado em Chaves e que foi seguido pelo clínico durante vários dias, tornava-se desumana a sua sobrevivência. Na verdade, os animais têm uma alteração de comportamento, mercê de o sistema nervoso ter alterações neurológicas profundas, cujas lesões, conforme se vão agravando, vão criando sofrimento bastante desumano - desculpem repetir o termo mas é mesmo este: sofrimento desumano - e, neste caso, foi decidido pelos responsáveis regionais de sanidade veterinária fazer o abate no matadouro de Chaves para impedir que o animal continuasse a sofrer, dado que estava numa fase de automu-tilação. Devo dizer que um dos quadros clínicos da doença é o do animal automutilar-se, deitado, fazendo chagas de decúbito, etc, podendo, depois, dar origem a outros processos infecciosos, através da «porta de entrada» de feridas que façam entretanto.
O animal foi abatido no dia 22 de Junho de 1990, no matadouro de Chaves, e chegou ao Laboratório do Porto no dia 27 de Junho, tendo passado, portanto, os tais cinco dias. Só que também tenho de esclarecer que, no matadouro de Chaves, o cérebro foi introduzido num frasco com formol, com uma capacidade de cinco litros, tendo sido transportado para o Laboratório da Direcção Regional, em Mirandela, o qual se encarregou do respectivo transporte até ao Laboratório do Porto. Portanto, não houve qualquer alteração de natureza autolítica ou outra, tendo havido o cuidado de seguir rigorosamente as normas que os técnicos ingleses distribuíram pelo mundo inteiro, especialmente para a Comunidade.
Seguiram-se, pois, todas as normas que estão estabelecidas para um caso destes, após o que se procedeu ao corte
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histológico e foi feita a observação. Portanto, repito, não houve qualquer atropelo técnico às normas que estão determinadas pela Comunidade relativamente a este processo.
Quanto ao segundo caso, o de Barcelos, existe uma informação segundo a qual o anima) tinha uma meningite purulenta que, possivelmente, dava opacidade na amostra, o que prejudicaria a eficácia e a viabilidade da execução do exame histopatológico. Por acaso, fui testemunha da necropsia deste cadáver e não me recordo que houvesse uma meningite purulenta exuberante. Reconheço que poderia haver uma certa opacidade das meninges, só que era ao nível das meninges e não ao nível do tronco cerebral, nem ao nível do trajecto do solitário, nem do trajecto do trigémeo, nem sequer do núcleo do solitário ou do vago dorsal pois aí não há meningite. Realmente, podia haver meningite ao nível das serosas que envolvem a massa encefálica — isto é possível, sim senhor — mas isso não iria criar opacidade alguma na observação dos locais específicos para observação das lesões histopatológicas da BSE.
Há ainda uma outra questão de que não tomei devida nota e que diz respeito a um ofício do LN1V. Assim, peço ao Sr. Deputado Carlos Duarte para repetir a pergunta.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Num oficio, assinado pelo director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, no sentido de não autorizar a importação de priões para o Laboratório do Instituto Ricardo Jorge e, mais propriamente, para o Centro de Estudos de Zoonoses, afirma-se, para além de outros considerandos, que «as investigações actualmente em curso em diversos centros estrangeiros ou outras a nível nacional, permitem afirmar que estas doenças infecciosas neurodegenerativas e a sua etiologia socorrem-se de técnicas laboratoriais do foro da biologia molecular e da microscopia electrónica, indiciando a necessidade da utilização da microscopía electrónica para o diagnóstico da doença».
Perante o que acabei de ler, pergunto ao Sr. Doutor qual o seu entendimento da necessidade ou não da microscopia electrónica para definição da etiologia da doença como um dos métodos complementares do diagnóstico histopatológico.
O Sr. Dr. Azevedo Ramos (Investigador do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — Sr. Deputado, não estou inteiramente a par dessa situação e julgo mesmo que estou a ouvir esse ofício pela primeira vez.
De qualquer forma, não é só nos bovinos que existe a encefalopatia espongiforme e há várias espécies animais, inclusive o homem, que têm processos desta natureza. É por isso mesmo que, no Reino Unido, existe o Institute for Animal Health, cuja unidade de neuropatogenia, situada em Edimburgo, na Escócia, está a trabalhar em conjunto com o Central Veterinary Laboratory, em Weybridge, e este instituto de Edimburgo faz o estudo da biologia molecular, não só dos priões dos bovinos mas também de outras espécies animais. No entanto, há que salientar que o trabalho deste Instituto é feito a nível de investigação para esclarecer o futuro, não fazendo o diagnóstico, isto é, faz investigação aplicada e pura. Penso que seria nesse contexto que estava escrito o texto a que se refere, embora não saiba. É porque isso é feito pelos ingleses, como será feito pelos franceses e como nós próprios poderemos vir a fazer, visto que não é proibido fazer microscopia electrónica, como não é proibido fazer outras provas, só que estas não são necessárias desde que as lesões sejam evidentes.
Quanto a o período de incubação desta doença ser de quatro ou cinco anos, posso dizer-vos que, do ponto de vista epidemiológico, está estudado pelos investigadores e cientistas ingleses que trabalham nesta matéria que o referido período varia entre dois anos e meio e oito anos.
Assim, penso que quando falam de quatro ou cinco anos, devem querer referir-se à idade em que a doença aparece com maior frequência, isto é, atinge um pico entre os quatro, cinco ou seis anos de idade dos animais. Pode também aparecer noutras idades, quer mais precocemente quer mais tardiamente, mas, realmente, é na idade de quatro ou cinco anos que, tal como está estatisticamente provado, a doença aparece com maior incidência, aliás, como acontece com outras doenças.
Não sei como é que o Sr. Deputado obteve o número de 4 000 animais. Tenho informações que me foram dadas...
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Dr. Azevedo Ramos, interrompo-o para dar a palavra ao Sr. Deputado Carlos Duarte que talvez possa clarificar a sua ideia relativamente a esse número.
Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Considerando que, tal como o Sr. Dr. agora afirmou, a idade mais provável de ocorrer a doença é entre os três e os seis anos, então, é o contingente importado a partir de 1986-1987 e até 1989 que constitui o efectivo onde, eventualmente, é susceptível ocorrer a doença...
O Sr. Dr. Azevedo Ramos (Investigador do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — É o contingente com maior percentagem de probabilidades de ter a doença, mas nos outros também vai aparecer...
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — ... e, por isso, não se pode falar nos 12 000 animais importados entre 1982 e 1989, até porque a maioria destes ou já tem um ciclo reprodutivo diferente das raças autóctones ou já foi abatida ou, então, já passou o período máximo de incubação da doença. Assim, repito que apenas deve considerar-se o efectivo importado entre 1987 e 1989, que é o que, neste momento, ainda está em condições de, eventualmente, vir a manifestar alguma sintomatologia da doença, o qual é constituído por cerca de 4000 animais.
Aproveito ainda para lhe perguntar se considera que o diagnóstico histopatológico confirma em 100% a BSE.
O Sr. Dr. Azevedo Ramos (Investigador do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária): — O diagnóstico histopatológico confirma a doença em 99,6%, quando há lesões exuberantes.
Já disse há pouco que há casos de animais com a encefalopatia espongiforme dos bovinos que podem ter a doença mas em relação aos quais o diagnóstico histopatológico pode não ser exuberante, ou melhor, poderão não apresentar lesões nos núcleos em que se observam especificamente. É nestes casos — e só nestes casos — que devem ser utilizados os métodos complementares de diagnóstico. Assim, quando aparecem lesões exuberantes típicas e que não merecem dúvidas, não há necessidade de proceder a exames complementares.
Quando frequentei o workshop em Weybridge, verifiquei que os valores considerados genéricos, como taxa de animais afectados, são da ordem de 0,1% a 0,2%. Só que os estudos epidemiológicos feitos até Janeiro de 1991, no Rei-
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no Unido, já apontavam para valores.de 3;9/l 000, isto é, aproximadamente, U\4%. Daí que me tenha sido comunicado que, possivelmente, teríamos 20 a 40 casos da doença em Portugal. Mas isto é muito variável porque muitos destes animais importados até 1989 já tinham sido abatidos para consumo corrente.
Portanto, em Portugal, podemos considerar que a percentagem de incidência poderá situar-se entre 0,1% e 0,4%, isto confiando nos dados dos epidemiologistas ingleses, que são a autoridade a nível mundial que. mais tem trabalhado nesta matéria. . .;■
O Sr. Deputado António Campos colocou a questão do quadro legal do diagnóstico, a nível da Comunidade relativamente ao Ministério da Agricultura.
É evidente que o Sr. Ministro da Agricultura transpôs unia directiva comunitária para a legislação portuguesa e seguiu as normas que são adoptadas na Comunidade relativamente a esta doença. Ora, visto que está adoptada pelá Comunidade e pela própria OIE a norma de .que o exame histopatológico é o método de diagnóstico, foi isso que foi transcrito, cumprindo assim o que está definido e penso que foi uma acção correcta.
Perguntou-me também se o circuito das análises teria tido influência no diagnóstico. Ora, foram-nos dadas indicações — e, no meu caso, foram verbais — no sentido de mantermos sigilo até que as coisas se esclarecessem-e foi o que aconteceu. Pessoalmente, confirmo que existe encefalopatia espongiforme dos bovinos, perante a metodologia que é adoptada por nós e pelos outros países da Comunidade.
Quanto às acções feitas pela Direcção-Geral da Pecuária após a aceitação da obrigatoriedade de declaração da doença, não sei nem posso responder-lhe e só os serviços da própria estrutura é que poderão informá-lo. Repito que, pessoalmente, obtive informações bastantes-porque tive a felicidade de ter frequentado um workshop, tendo tido acesso a mais bibliografia complementar. Portanto, quanto à sua questão, não posso pronunciar-me com consciência porque desconheço as acções que possam ter sido desenvolvidas.
Perguntou-me também se alguma vez foram solicitadas provas complementares e respondo-lhe que-não houve nenhum pedido nesse sentido e que, pela nossa parte, nunca nos ocorreu fazê-las porque no curso que frequentámos nunca nos foi colocada essa. questão. Como é evidente, se adivinhássemos, tê-las-iamos; feito.
Quanto a saber se, por norma, o diagnóstico deve ser apoiado em métodos complementares, respondo-lhe que, tal como já afirmei, só devem utilizar-se métodos complementares nos casos em que haja dúvidas, em que houver autólise ou quando tiver sido feita congelação do material. Isto é, mediante um quadro clínico muito típn co, muito forte e muito suspeito de encefalopatia espongiforme, apesar de o material nos chegar congelado, é possível fazerem-se as provas complementares para tentar fazer-se um diagnóstico.
Quando o animal morre e se faz uma necropsia passadas vinte e quatro ou quarenta e oito horas, esse cérebro não está em condições de ser observado através do exame histopatológico, dado que o sistema nervoso central é um tecido muito sensível, entra em autólise muito rapidamente — aliás, é dos primeiros tecidos a entrar em autólise — e cria falsas imagens, o que está descrito nestes livros que trago comigo. Portanto, nestes casos, não deve fazer-se o exame histopatológico, se bem que essas falsas imagens apareçam essencialmente tia matéria branca e não na matéria cinzenta onde é feito o diagnóstico. Mas, por questão de precaução, repito, não deve fazeT-se o exame histopatológico, para evU tar dúvidas.
O Sr. Deputado perguntou-me por que é que os meus colegas veterinários não tiveram acesso aos resultados do diagnóstico efectuado. Foi porque tínhamos instruções no sentido de que deveríamos manter sigilo durante um período que ficou por definir, até para se ver o que iria acontecer após o primeiro e o segundo casos e havia que estudar bem a questão. Aliás, estes primeiro e segundo casos — e outros— não foram comunicados levianamente e tivemos o cuidado de elaborar uma informação do ponto de vista epidemiológico. Isto é, tivemos de saber, primeiro, qual era o quadro clínico, o qual podia perfeitamente enquadrar-se na encefalopatia espongiforme dos bovinos; depois, a idade dos animais, que também se enquadrava nos quatro ou cinco anos, e qual a origem dos animais, que confirmámos que tinham vindo de Inglaterra. Aliás, temos outros casos suspeitos de BSE, que não são processos de encefalopatia espongiforme dos bovinos, dizendo respeito a animais vindos da Alemanha e de França. Eis aqui os tais outros processos de que falei, que têm uma manifestação neurológica e cujos diagnósticos, como é evidente, foram dados como negativos.
Passo agora a responder às perguntas que foram colocadas pelo Sr. Deputado António Murteira.
Todas as amostras de que tenho conhecimento através do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária foram recolhidas utilizando os métodos indicados pelos investigadores ingleses. Temos um dossier que nos dá indicações muito rigorosas, onde se diz que é preferível dar um resultado com segurança do que um mau resultado, e nós sempre seguimos, desta forma, esses casos.
No primeiro caso, o animal foi abatido, mercê do seu estado que era altamente degradante, dado que estava a sofrer bastante enquanto em vida; nos outros casos, os animais foram abatidos por meios mais humanos, tendo-se utilizado barbitúricos, e, após o abate, foi imediatamente feita a necropsia, tal como as regras o impõem e como nós próprios fizemos durante as aulas práticas que frequentámos no Laboratório de Weybridge. Aliás, os investigadores que lá se deslocaram, entre os quais me encontro, foram habilitados a fazer diagnósticos, não só por terem frequentado o curso, o que era insuficiente, por ter havido quem não tenha tido aproveitamento. Na verdade, fomos sujeitos a um teste durante um dia e, no final, perante as respostas dispostas numa grelha, só quem não tivesse falhado uma percentagem que desconheço é que ficava habilitado.
O Sr. Deputado perguntou-me também se o diagnóstico clínico e histopatológico destes animais é o adequado no nosso país e na Comunidade. Respondo-lhe que sim, uma vez que Portugal faz parte da Comunidade Europeia e porque o processo de diagnóstico é o que vem descrito, quer neste livro publicado pela Comissão da Comunidade quer na publicação da OLE, de Junho de 1992.
Quanto a saber se poderá haver outros casos de BSE, é possível que sim. É que, muitas vezes, os criadores têm uma vaca leiteira que é agressiva, que tem quebra dc produção de leite, que cria problemas de ordenha e que agride as pessoas ou os outros animais e, nestas condições, o primeiro impulso dos criadores é desfazer-se do animal. Portanto, esses casos ter-nos-ão passado à margem pois é possível que tenham ocorrido situações daquelas.
Quanto a saber se há impacto desta doença na saúde pública, o conhecimento de que disponho pessoalmente até hoje é o de que não há quaisquer informações que nos confirmem que a doença seja contagiosa para o ser humano ou que haja contágio horizontal, bovino a bovino. Isto não está provado. Os investigadores ingleses têm estudado bastante
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e repito que, até hoje, isso não está provado. É evidente que, se alguém quiser arriscar-se a ingerir o sistema nervoso central de um bovino com encefalopatia, corre riscos, mas isso é da responsabilidade da pessoa que o fizer, embora pense que ninguém o fará.
Aliás, o scrapie, isto é, o tremblant dos pequenos ruminantes é muito usado como padrão. Pelo País fora, penso que, ainda hoje, há milhares de crianças e até de adultos que comem mioleiras mexidas com ovos e nas zonas onde existe elevada percentagem de scrapie não se tem constatado um aumento da Creutzfeldt/Jacob disease, que, nos seres humanos, é a encefalopatia mais próxima desta. Até a nível mundial, as estatísticas confirmam o que acabo de dizer. No entanto, é uma questão de precaução e temos uma regra de ouro segundo a qual, em caso de dúvida, rejeita-se e é por isso que se faz o expurgo, a destruição e mesmo a incineração total não só destas vísceras como das carcaças provenientes de bovinos com BSE. Portanto, não está provado que haja contágio ao ser humano. Pensamos que o músculo possa consumir-se mas, por uma questão de precaução, rejeita-se.
Igualmente não está provado o contágio animal a animal. Inclusive amamentando crias com leite, não está provado que haja contágio.
O Sr. Deputado Paulo Casaca inquiriu-me quanto à possibilidade de existir alguém envolvido no processo clínico ou científico que possa pôr em causa o diagnóstico.
Posso dizer-lhe que, até hoje, nunca houve clínicos que tenham posto em causa o diagnóstico, quando muito contestam os casos que consideramos como negativos mas, perante isso, explicamos que há outros processos que dão manifestação neurológica. Quanto a cientistas, foi a primeira vez que me disseram que havia contestação, o que me surpreendeu.
O Sr. Deputado Carlos Duarte referiu-se ao n.° 4 do despacho ministerial de 28 de Maio e é evidente que o mesmo define o exame a executar no caso de suspeita clínica de encefalopatia espongiforme do bovino e também pretende defender a saúde pública. Não são necessários outros exames e, aliás, o despacho é explícito e não diz «outros exames» mas, sim, «exame histopatológico». Como já referi, o despacho transcreve, para este processo, as instruções dadas perante o Comité Científico.
O Sr. Deputado perguntou-me se reconheço capacidade técnica e científica ao conjunto de professores que aqui vieram depor e que questionaram os exames complementares. Ora, pessoalmente, julgo que são pessoas competentes, embora lamente o que aqui foi afirmado, especialmente por certas pessoas com responsabilidades. Portanto, penso que são pessoas competentes, são cientistas que me merecem respeito, mas que não têm experiência sobre esta matéria. Penso que devem ter lido bastante e adquirido algumas informações mas talvez devessem ter lido ainda mais, porque, tal como já afirmei, os exames complementares são extremamente úteis e é de executá-los quando houver dúvidas e só nesse caso.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Dr. Azevedo Ramos, gostava de colocar-lhe uma questão muito simples, cuja resposta estará, com certeza, subentendida nas suas palavras anteriores.
O Sr. Doutor, quer na sua intervenção quer na resposta que deu aos Srs. Deputados, afirmou que o exame histopatológico só é necessário quando as lesões não são .exuberantes e evidentes. Pode dizer-se claramente, Sr. Doutor, que nos casos detectados eram exuberantes e evidentes?
O Sr. Dr. Azevedo Ramos (Técnico do Laboratório de Investigação Veterinária do Porto): — Sim, senhor. Aliás, se me permite, o material existe, está no Laboratório Nacional de Investigação Veterinária e, se assim entenderem, podem chamar as autoridades conhecedoras da matéria que elas dirão de sua justiça.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Já calculava que a resposta estivesse subentendida nas suas afirmações anteriores. De todo o modo, foi importante ter essa resposta directa e clara.
Não havendo mais inscrições, resta-me agradecer, em nome da Comissão de Agricultura e Mar, a presença do Sr. Doutor Muito obrigado pela exposição que aqui nos trouxe e obrigado, uma vez mais, pela disponibilidade que manifestou.
Vamos prosseguir a nossa audição e se o Sr. Doutor quiser ou puder continuar connosco, honra-nos com a sua presença.
Pausa.
Srs. Deputados, vamos passar à audição do Sr. Dr. João Manuel Machado Gouveia.
Sr. Dr. Machado Gouveia, antes de mais, quero agradecer-lhe a sua presença e a disponibilidade que manifestou para comparecer perante esta Comissão e, depois, pedir-lhe desculpa pela alteração da hora prevista inicialmente para a sua audição. Aconteceu, porém, que foi entendido ouvir outras entidades e, por isso, tivemos de alterar a hora prevista.
Srs. Deputados, o Sr. Dr. Machado Gouveia é a última entidade que ouviremos no quadro fixado para esta audição parlamentar. Pelas funções que assume, o seu depoimento reveste-se — e, com certeza, estarão de acordo comigo — de particular interesse. Por isso, tomo a liberdade de solicitar aos Srs. Deputados que procurem conduzir esta audição com serenidade e objectividade.
Como sabem, Srs. Deputados, a nossa audição tinha por objecto apurar da existência ou não da encefalopatia espongiforme dos bovinos em Portugal. Dado estarmos na presença do Dr. Machado Gouveia, que teve responsabilidades de director-geral da ex-Direcção-Geral de Pecuária, é natural que se coloquem questões que ultrapassem o objecto concreto da audição. Vamos permitir que se alargue o âmbito da audição sem, contudo, deixar de voltar a pedir que os esclarecimentos sejam solicitados com a objectividade e com a serenidade possíveis a todos e a qualquer um de nós.
Sr. Dr. Machado Gouveia, como teve oportunidade de ver, a nossa metodologia é a seguinte: se assim entender, o Sr. Doutor fará uma primeira declaração c, depois, também se assim o entender, responderá às questões que os Srs. Deputados, eventualmente, lhe colocarem. Admito que sejam muitas e, por isso, o nosso tempo de audição ultrapassará, possivelmente, os quarenta e cinco minutos que admitimos como suficientes.
Tem a palavra, Sr. Dr. João Manuel Machado Gouveia.
O Sr. Dr. João Manuel Machado Gouveia (ex-Direc-tor-Geral da ex-Direcção-Geral da Pecuária): — Muito obrigado, Sr. Presidente.
Realmente agradeço a possibilidade de ler um pequeno memorando que elaborei, para enquadrar a minha posição em todo este processo, na medida em que, como sabem, tenho — e tinha, na altura — atribuições de dirigente da Administração e não propriamente de cientista da mesma. Como
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tal, é nesse enquadramento que lerei este pequeno memorando, para desenvolver os aspectos que me pareceram fundamentais numa abordagem inicial.
Srs. Deputados, o desenvolvimento constante de notícias face à BSE está a criar tudo quanto a Administração pretendeu evitar, ou seja, o alarmismo injustificado, nomeadamente tendo em vista dois factores fundamentais: a saúde pública e a saúde animal.
Como é reconhecido internacionalmente, a doença em causa é uma doença individual dos bovinos, considerados como o seu único e último hospedeiro, acrescida, no caso de Portugal, que as poucas suspeitas clínicas referidas desde 1990 até ao. presente se reportam a animais importados e, como tal, sem a constatação de transmissibilidade da doença no País, pese embora a existência daquelas suspeitas, na nossa óptica não convenientemente confirmadas.
Assim, haverá que, em primeiro lugar, referenciar as orientações e a legislação próprias ao controlo das importações, do Reino Unido, de animais e de carnes, e identificar que foram assumidas pelos serviços, através da divulgação da literatura disponível, indicações à área veterinária, através das direcções regionais de agricultura, do conhecimento da doença, o que, aliás, hoje se encontra justificado na presença das suspeitas clínicas levadas a cabo por vários médicos veterinários.
Como importante desta acção da epidemiovigilãncia resultou, igualmente, a possibilidade de os serviços terem determinado a aquisição dos animais suspeitos, para estudo e ulterior destruição.
Ficaram, assim, salvaguardados os aspectos de saúde pública, tanto mais que não há qualquer hipótese de método para detectar, em vida, a existência da doença nos animais, pelo que haveria sempre que aguardar a manifestação da respetiva sintomatologia.
Foi exactamente o que se fez, preservando-se e salvaguar-dando-se a saúde pública, um dos aspectos fundamentais da orientação e da determinação da Direcção-Geral da Pecuária.
Como é evidente, as atitudes oficiais a assumir no quadro desta ou de outra doença animal serão, certamente, diferentes face à existência de um surto instalado — o que não é o caso presente— ou na presença de algumas reduzidas suspeitas.
No primeiro caso, a prática e a técnica aconselham a eliminação dos animais logo que simples sinais se manifestem, a par de outras medidas de política sanitária. Assim se mandou proceder durante a luta contra a peste equina ou contra a peste suína africana e outras doenças.
No segundo caso, necessariamente será indispensável ir ao.limite da confirmação, a fim de, perante ela, se identificarem os meios e sistema de luta que a situação justificar.
Renovarse a ideia de que a doença, a grassar no País, teria de consubstanciar a existência do agente, transmitido através da alimentação animal, como é reconhecido cientificamente, o que não se prova face aos dados epidemiológicos existentes das diferentes explorações onde foram verificadas, clinicamente, as suspeitas.
Como é do conhecimento geral, cabe à Administração, pesados que sejam os elementos laboratoriais existentes —o conhecimento da doença, nomeadamente a sua reduzida incidência, por exploração, no Reino Unido (dois animais por exploração), a análise óos diagnósticos diferenciais, o seu elevado grau de erro em termos clínicos (na ordem dos 13%), os factores epidemiológicos—, definir, com precisão, a ocorrência da doença em determinado país, face à obriga-
toriedade de declaração de suspeita quer pelos clínicos quer pelos utentes dos animais.
No caso vertente, há situações técnicas que colocam dúvida à sua diagnose, dada a ausência de diagnóstico diferencial com outras doenças de sintomatologia idêntica, à não
relação entre os animais suspeitos, ao tempo decorrido entre o abate e o exame laboratorial, no primeiro caso —o que já foi há pouco aqui referido —, e ao diagnóstico da meningite purulenta e isolamento de bactéria que vitimou o animal de experiência, no segundo caso, à não constatação de dados objectivos de identificação do agente causal, à possível semelhança do quadro histopatológico com outros estados cerebrais idênticos, bem como com outros quadros clínicos semelhantes. Isto para não referir já que dois dos animais foram importados do Reino Unido após 1988, ou seja, após a declaração obrigatória da doença no Reino Unido, o que quer dizer que, em princípio, a área de origem devia estar convenientemente identificada em termos da própria doença.
Face a esse conjunto de interrogações, não podia a Administração assumir a existência da doença, pese embora a dúvida existente face ao conteúdo do diagnóstico histopatológico. Assim, entendeu-se não estarem identificados os fundamentos indispensáveis para definir a existência da doença no nosso país ou a informação da sua suspeita, para evitar atitudes alarmistas tão prejudiciais à normal actividade dos criadores e ao interesse dos consumidores.
Aqui devo referir que, só no período de 1989, quando começou a ser propalada, em termos de opinião pública, a existência da doença no Reino Unido, em Portugal, segundo informação das entidades que comercializam a carne, houve, durante largo tempo, uma redução de cerca de 50% na venda da carne.
A nossa posição aqui expressa foi — e agora necessariamente, depois do que foi divulgado publicamente, mais correctamente no dia 13 de Maio—, como óbvio se tornava, reportada a todos os serviços veterinários da Comunidade Europeia, através da declaração que tenho aqui e que pode ficar anexa à acta de audição, dos quais não ouvimos uma única palavra de crítica, o que demonstra a normal aceitação da nossa posição, como, aliás, igualmente ocorreu com outros Estados mebrqs, como sejam a Alemanha e a própria Itália. Devo referir que a Alemanha teve, exactamente, uma situação idêntica à nossa —e tenho-a aqui identificada —, ou seja, um quadro clínico de BSE, com exame histopatológico semelhante à BSE. No entanto, a Alemanha, como não pôde fazer mais exames, não declarou, oficialmente, qualquer caso de BSE.
Mais uma vez se refere que a doença, até aos dias de hoje, apenas foi verificada em animais que se alimentaram com rações contaminadas, o que não é o caso português. Foi também constatado que ela não é transmissível por via natural, quer horizontal ou verticalmente considerada, e não ficou definido, cientificamente, que as carnes desses animais sejam perigosas.
Cientificamente, o tecido nervoso e linfático foi tido, ao nível da Comunidade Económica Europeia, como factor de risco a eliminar, como precaução e para sossego dos consumidores.
Esta simples descrição de factos e de atitudes, acrescida dos relatórios dos exames laboratoriais e de identificação dos elementos.técnicos disponíveis, permitem referenciar, certamente, a justeza da nossa posição.
Este um pequeno documento, Sr. Presidente, que quis ler, para que pudesse, inclusive, ser entregue à pópria Comissão, se assim o entenderem.
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O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Muito obrigada por disponibilizar esse documento e pela sua intervenção inicial.
Inscreveram-se, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados António Campos, Carlos Duarte e António Murteira. Tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): — Muito obrigado, Sr. Dr. Machado Gouveia, por estar aqui.
Peço ao Sr. Presidente que me desculpe, mas ouvir o ex--director-geral da ex-Direcção-Geral da Pecuária é, para nós, uma questão das mais importante. Por isso vou fazer uma intervenção mais longa, começando pelo historial do caso em apreço, para chegar à discussão final do assunto.
Portanto, peço ao Sr. Presidente um pouco de paciência para esta situação.
Começarei por destacar que tanto o então Sr. Director--Geral como o Governo aceitaram esta doença como de declaração obrigatória a partir de 1988 e determinaram, por despacho, qual era a norma de diagnóstico desta mesma doença. Por outro lado, mediante aprovação do Secretário de Estado, mandou investigadores da sua confiança a Inglaterra, para aí fazerem um estágio sobre a matéria, ou seja, especializou pessoal.
Temos em nosso poder documentos, assinados pelo Sr. Director-Geral, comprovativos de que o Laboratório Nacional de Investigação Científica estava em totais condições de fazer todas as análises necessárias à detecção da BSE.
Estou a.fazer esta referência porque, quando o o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge quis importar priões, o Sr. Director-Geral, depois de uma informação do Director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, Dr. Matos Águas, impediu tal importação, alegando que o LNTV, sob os pontos de vista técnico e científico, estava totalmente em condições de fazer os diagnósticos.
Quando foi imposta a declaração obrigatória, todos nós sabíamos que a medida, em grande parte, foi tomada por causa das vacas importadas de Inglaterra.
A este propósito quero dizer que, por exemplo, a França, que fez a declaração, ainda hoje só tem oito casos de BSE; a Suíça fez também a declaração logo que apareceram os primeiros casos e tem ligeiramente mais, como já aqui referi; o Sultanato de Omã fez a declaração só porque apareceu um caso e as ilhas Malvinas porque apareceram três casos. E ficamo-nos por aqui, embora pudéssemos continuar a discutir estas situações.
Isto acontece porque há uma comunidade científica a trabalhar numa doença totalmente desconhecida, que começou a ser investigada em 1988 e tem um período de incubação que pode ir até aos oito anos. Quer isto dizer que até 1996 teremos alguns problemas e que o Sr. Dr. e o Governo Português assinaram convénios de declaração obrigatória da doença.
A certa altura, fui confrontado com o conhecimento pessoal de um caso de encefalopatia espongiforme. Antes da realização de uma conferência, telefonei ao Sr. Director-Geral pedindo-lhe que me confirmasse a existência da doença e quanto eram os casos, em Portugal, de ecefalopatia espongiforme bovina, ao que o Sr. Doutor respondeu: «não tenho conhecimento de um único caso». Aliás, fez também essa declaração na Comunidade Europeia há meia dúzia de dias e aí dizendo até que, para tal informação, se baseava não só nos resultados normais das análises mas também em alguns exames complementares. Disse depois que não ia indicar quais foram esses resultados complementares.
Assim, no decorrer de uma conferência de imprensa realizada nessa mesma tarde na Secretaria de Estado, o titular do cargo disse abertamente que eu estava a mentir, pois não existia qualquer caso de encefalopatia espongiforme bovina no nosso país. Penso, aliás, que o Sr. Secretário de Estado falou pela boca do Sr. Director-Geral e que é ele o responsável por esta situação.
Está claro, para mim, que o Sr. Director-Geral continua a negar a existência de casos de encefalopatia espongiforme bovina em Portugal. Fê-lo já antes de eu ter sido obrigado a trazer a questão ao Parlamento, dado funcionarmos num Estado de direito democrático, onde as leis e os compromissos têm de ser cumpridos, e, portanto, vi-me obrigado a trazer ao Parlamento uma situação que considero ter saído de todas as normas de funcionamento de um Estado de Direito.
Agora, o Sr. Doutor veio dizer-nos esta coisa «gira»: «Não tenho a certeza da existência da doença no nosso país porque não foram feitos os exames complementares de diagnóstico.»
Quer dizer, o Sr. Doutor faz um despacho, que é assinado pelo Sr. Secretário de Estado, a dizer quais são as normas de diagnóstico da encefalopatia espongiforme —que, aliás, são as aceites pelo Sr. Dr. e pelo Estado Português na Comunidade — e que a doença é de declaração obrigatória. Portanto, faz publicar tanto as normas técnicas de diagnóstico como as jurídicas e agora, passados três anos após o aparecimento da questão, vem falar-nos em medidas complementares.
Passo agora a uma situação que lamento —é-me mesmo doloroso falar nela— e que é a seguinte: durante estas audiências vi cientistas confundirem questões pessoais com o conteúdo científico da matéria e com as declarações que fizeram e lamento profundamente o que se passou nesta audição.
Vi aqui o anterior director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, só porque o outro lhe tirou o lugar, a confundir as situações. Foi esse o tipo de pessoas que o Sr. Doutor mandou para cá...
Vi aqui o Prof. Braço Forte Júnior dizer, só porque tinha sido substituído pelo Dr. Matos Águas, que eram precisos diagnósticos complementares.
Vi aqui o Sr. Prof. Manuel Laje...
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Peço desculpa, Sr. Deputado, mas isso não contribuirá para o esclarecimento das suas questões.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Presidente, tem de ter paciência...
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado António Campos, paciência tenho eu e muita. Tempo é que tenho pouco.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Presidente, tenho de esclarecer esta situação.
Como dizia, vi aqui o Sr. Prof. Manuel Laje insultar alguns dos investigadores que vieram a esta Comissão só porque o seu departamento tinha sido marginalizado na situação do diagnóstico.
Foram situações deste estilo aquelas a que aqui assisti, o que me doeu profundamente, pois penso que isto é um assunto muito sério. E ainda hoje tive aqui conhecimento de uma carta, da Faculdade de Medicina Veterinária, a contestar as pessoas que vieram depor perante esta Comissão, por não terem sido indicadas pela própria Faculdade.
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Mas, Sr. Doutor, deixe-me ainda colocar-lhe uma outra questão, que considero importante, a da saúde pública. Dado tratar-se de uma doença desconhecida, nem o
Sr. Director-Geral nem ninguém, até hoje, pode declarar que não tem impacto na saúde pública -r~ a única declaração que se pode fazer é a de que, até ao momento, não tem— e, assim, a Comunidade, independentemente da declaração obrigatória e da incineração, também tomou medidas em relação ao fabrico de medicamentos baseados na extracção de; elementos do fígado e do sistema central dos bovinos, principalmente em relação aos fortificantes e a outros medicamentos utilizados sobretudo pela terceira idade e pela juventude.
Portanto, Portugal foi dos países onde o diagnóstico foi feito mas que não cumpriu os seus compromissos, porque na altura em que a doença se tornou de declaração obrigatória já tínhamos conhecimento que ela poderia incidir sobre os animais importados.
Aliás, dos oito casos que se detectaram em França, há um único caso de uma vaca que não foi importada e que foi contagiada através da .alimentação, ou seja, das rações fabricadas à base farinhas de carne e de ossos.
No entanto, o Sr. Director-Geral confunde as questões de saúde pública com a questão da economia, partindo do princípio que esta era uma situação alarmista. Porém, era bom que o Sr. Director-Geral e o Governo tivessem untado disto dentro do quadro legal, porque não teria havido alarmismo nenhum,, pois toda a gente sabe que estes casos aparecem nas vacas importadas e todos nós conhecemos hoje que não há transmissão horizontal ou vertical dessas situações.
Portanto, o que ponho em causa é, em primeiro lugar, a atitude do Sr. Director-Geral ao desmentir a um Deputado a existência desta situação. Penso que se o.Sr. Director-Geral conhecesse as regras normais de funcionamento de um Estado de direito e de um Estado democrático não podia responder-me como o fez.
Em segundo lugar, penso que houve muita irresponsabilidade no comportamento do Sr. Director-Geral ao proibir o Dr. Matos^Aguas de. divulgar a questão e de aprofundá-la. Ainda hoje, de manhã, ouvimos o Sr. Dr. Alexandre Galo dizer que, a certa altura, quis levar as lâminas para Inglaterra, dado o conhecimento que tinha com cientistas ingleses que com ele tinham feito o estágio, e isso foi-lhe impedido. A certa altura o Sr. Dr. Alexandre Galo pensou também escrever sobre esta matéria e foi aconselhado a não o fazer. Soubemos ainda que os veterinários que estavam no campo
mandavam as análises para o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária e este via-se impedido de lhes mandar o resultado dos exames, dadas as instruções recebidas do Sr. Director-Geral.
:Isto é"um comportamento irresponsável que, aliás, sob o ponto de vista profissional e ético, eu contesto, começando por contestar, desde logo, a capacidade do Sr. Director-Geral, como contesto também uma outra questão: a irresponsabilidade em questões de Estado.
Mas quando o Sr. Director-Geral confunde as questões de consumo com as dos acordos internacionais, o~ conhecimento fundamental da comunidade científica e a necessidade de elementos para o conhecimento da. comunidade científica nacional e internacional em situações cujo desconhecimento é bastante elevado, há também um comportamento irresponsável sob o ponto de vista científico.
E ele é irresponsável porque o GoNtrao Português assumiu compromissos com a Comunidade e. sabia que unha em Portugal entre 20 a 40 casos, pelo volume das vacas importadas. Aliás, todos o sabíamos, não era preciso sequer a
confirmação por diagnóstico, pois a percentagem seria idêntica. Precisamos só, sob o ponto de vista nacional, de ter esse elemento como prova, pois sabíamos que elas existiam cá, e, portanto, o Governo Português também não assume os seus acordos internacionais e nacionais perante a comunidade científica.
E o que me deixou perplexo foi ver a comunidade científica vir aqui afirmar que deviam ter sido feitos exames complementares de diagnóstico, não se coibindo de atacar o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária e os investigadores que procederam às análises e que são especialistas nesta questão, só para defender o Director-Geral, que impede essa evolução tecnológica, que impede o Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge de proceder aos seus testes. Embora este Instituto esteja sujeito à informação do Director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, foi o Sr. Director-Geral quem comunicou ao Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge que não podia proceder à importação de priões.
E, das duas uma, Sr. Director-Geral: ou os homens que estavam no Laboratório Nacional de Investigação Veterinária e os que foram fazer a investigação não eram da sua confiança ou o Sr. Director-Geral não pode, nesta altura de aflição, em que tem de justificar-se perante esta Casa, deixar de assumir, com verticalidade, as suas responsabilidades nisto tudo, sem procurar atirá-las para os homens dos laboratórios ou para os investigadores.
Não aceito, sob o ponto de vista ético, que o Sr. Director-Geral chegue aqui e nos diga, passados três anos, que não tem elementos complementares de diagnóstico, que eles não foram feitos, porque era o Sr. Director-Geral quem, em 1990, tinha de, imediatamente, dizer ao Dr. Azevedo Ramos ou ao Dr. Alexandre Galo que não estava satisfeito com estes diagnósticos e queria que, no próximo caso que aparecesse, fossem tomadas medidas complementares de diagnóstico. O Sr. Director-Geral não o fez e aparece, passados três anos, com a justificação, que não podemos admitir, de que para se dizer que há essa doença eram ainda precisas, segundo a estratégia definida nesta audição não pelas pessoas que contactaram com os casos ou que estão a trabalhá-los mas, sim, por pessoas a eles laterais, medidas de diagnóstico especiais.
Não há qualquer alarmismo para o consumo!... O que há é uma irresponsabilidade por parte do Estado Português e do Sr. Director-Geral, não só nesta matéria mas também na que se relaciona com os betagonistas e as hormonas, que
criaram no consumidor uma situação de insegurança e o deixou sem a certeza de ter um Estado a defender a sua saúde. É isto que causa o grande alarmismo!... Temos legislação que nos defende, só que ela não é aplicada devido a normas de consumo...
Portanto, Sr. Director-Geral, não pode vir dizer-nos, passados três anos, que para admitir, perante a comunidade internacional ou esta Casa, que havia encefalopatia espongiforme — o senhor, que mandou esconder tudo, que mandou paralizar tudo —, precisava de exames complementares de diagnóstico.
Gostaria que o Sr. Director-Geral me explicasse — e peço-lhe que deixe de parte essas pequenas questões e entremos no fundo do problema, que é a declaração da doença — a parte legislativa que o senhor e o Sr. Secretário de Estado mandaram, publicar e a sua atitude de proibir o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária de evoluir com estas situações. Aliás, se tivesse algumas dúvidas sob o ponto de vista técnico, como o senhor é um veterinário, com certeza tinha preparação profissional para tirá-las, porque nós não
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aceitamos aqui defesas políticas. Estamos num Estado de direito, num Estado democrático, e só aceitamos aqui a demonstração, que certamente o Sr. Doutor vai fazer, de que não tinha possibilidades de fazer a declaração por outra qualquer razão que não aquela que aqui nos indicou —e isso passados três anos—, a de que não tinha meios de diagnóstico complementares.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — O Sr. Deputado António Campos referiu aqui a existência de uma carta proveniente da Faculdade de Medicina Veterinária, pondo em causa, segundo o Sr. Deputado, algumas entidades que aqui vieram prestar declarações.
Sr. Deputado António Campos, não posso deixar passar em claro essa sua afirmação...
Protestos do Sr. Deputado António Campos.
Sr. Deputado, agora estou eu a falar. Não devemos deixar desvirtuar as situações e os factos.
Começarei por ler o respectivo parágrafo da carta e, depois, referirei a explicação que já foi dada na parte da manhã.
A carta reza o seguinte: «Acautelando a utilização abusiva da autoridade desta Faculdade, vimos sublinhar que esta instituição não foi contactada e, consequentemente, não deu indicação de qualquer especialista capaz de se pronunciar sobre a matéria.»
Realmente, a Faculdade de Medicina Veterinária não foi contactada e estiveram aqui duas entidade, designadamente o Sr. Prof. Manuel da Cruz Braço Forte Júnior e o Sr. Prof. António Dias Correia, que só por razões meramente curriculares — e sublinho por razões meramente curriculares— indicamos serem professores da Faculdade de Medicina Veterinária.
Portanto, parece-me que esta carta não tinha razão de ser, e muito menos as considerações que o Sr. Deputado António Campos teceu à volta dela.
O Sr. António Campos (PS): - Sr. Presidente, peço-lhe o favor de ler a carta toda, para ficar registada em acta.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Remeto esse documento ao Serviço de Redacção, para que fique transcrito em acta.
A referida carta, proveniente da Faculdade de Medicina Veterinária, dirigida ao Sr. Presidente da Comissão de Agricultura e Mar, Sr. Deputado Antunes da Silva, e assinada pelo presidente do conselho directivo, Sr. Prof. Catedátrico Tito H. Fernandes e pelo presidente do conselho científico, Sr. Prof. Catedrático Armando C. Louzã, é do seguinte teor:
Com extensa cobertura dos meios de comunicação social áudio-visuais e da imprensa escrita, tem sido objecto de notícias profusamente documentadas as sessões de audição pública da Comissão Parlamentar de Agricultura sobre o tema «Encefalopatia Espongiforme dos Bovinos» ou, na sinomínia internacional, mais conhecida pelas iniciais da denominação inglesa «BSE» (Bovine Spongiform Encephalopaty).
Foi com surpresa e completo desconhecimento dos órgãos de gestão da Faculdade de Medicina Veterinária que constatámos terem sido chamados a depor técnicos referenciados a esta instituição.
Acautelando a utilização abusiva da autoridade desta Faculdade, vimos sublinhar que esta institui-
ção não foi contactada e, consequentemente, não deu indicação de qualquer especialista capaz de se pronunciar sobre a matéria.
Esperamos que o presente esclarecimento possa contribuir, de algum modo, para levar os vossos trabalhos a bom termo.
Com os melhores cumprimentos.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Sr. Dr. Machado Gouveia, penso que o seu testemunho final é importante para o aclarar de muitas situações.
Em primeiro lugar, antes de lhe fazer algumas perguntas, gostava de referir um ponto prévio, para registar um ligeiro protesto a algumas afirmações proferidas pelo Sr. Deputado António Campos, segundo as quais vieram aqui, para serem ouvidas, algumas pessoas mandatadas pelo Sr. Director-Geral.
Ora como isso não é verdade, quero esclarecer que, depois de afirmações feitas em Plenário, o PSD, preocupado com a situação, com os reflexos que elas podiam ter a nível do mercado de carnes, preocupado com a saúde pública, promoveu, em sede de Comissão Parlamentar de Agricultura e Mar, um pedido de audição parlamentar.
O Sr. António Campos (PS): — Ah!...
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Nessa altura, pedimos a todos os partidos que indicassem técnicos, cientistas, pessoas deste circuito que pudessem trazer um contributo positivo para se apurar da existência ou não da encefalopatia espongiforme em Portugal.
É importante referir que esta audição parlamentar foi aprovada com os votos favoráveis do PSD e os votos contra do PS, que as pessoas foram elencadas para esta audição parlamentar pelo PSD, pelo Partido Socialista e por todos os partidos que quiseram fazê-lo e que foram aceites todas as sugestões dadas sobre as entidades, individualidades e cientistas que aqui deveriam vir. Consequentemente, foram ouvidos todos aqueles que os partidos entenderam como necessários.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado Carlos Duarte, interrompo-o só para confirmar, em nome da Mesa que assim aconteceu.
Aprovada que foi a audição parlamentar, todos os partidos indicaram as entidades que acharam por bem e todas elas foram aceites. Não aconteceu nada mais nem nada menos do que isto e, por isso, vamos passar à matéria que aqui nos tem.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Presidente, tem de deixar-me clarificar duas situações!
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado, eu dou-lhe a palavra, mas, se é sobre isto, julgo que está tudo perfeitamente clarificado.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Presidente, sobre esta matéria o PS pediu um inquérito parlamentar.
Como sabe, a questão foi levantada muito antes e só depois veio para o Parlamento, apenas porque eu não conseguia resolver o problema por outros meios legais. Por isso,
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o PS pediu a realização de um inquérito parlamentar, que é votado amanhã, e espero que o PSD o vote favoravelmente.
Portanto, como éramos favoráveis a um inquérito parlamentar e não a uma audição parlamentar, votámos contra ela.
O Sn Presidente (Antunes da Silva): — Feito este esclarecimento, vamos, finalmente, à matéria que temos de tratar nesta audição.
Faça o favor de continuar, Sr. Deputado Carlos Duarte.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): -— Sr. Presidente, quero explicar que faço estas considerações depois das afirmações aqui tecidas no sentido de que alguém fora da Comissão de Agricultura e Mar teria indicado nomes de cientistas para nela serem ouvidos.
O que aconteceu foi que todos os partidos indicaram nomes, essas pessoas foram convocadas, e o desenrolar desta audição- parlamentar provou que o PSD tinha razão quando a promoveu, porque ela permitiu-nos ouvir um conjunto de técnicos e de cientistas que, em relação a esta matéria, nos trouxeram conhecimentos e informações que, penso eu, são decisivos para o aclarar desta situação.
Sr. Dr. Machado Gouveia, há uma questão que, para nós é fundamental: o problema da saúde pública e a salvaguarda de qualquer reflexo negativo.
Temos conhecimento, pelos depoimentos que aqui nos foram prestados e por algumas outras informações que foram encaminhadas para a Comissão de Agricultura e Mar, que a Administração Pública adquiriu os animais suspeitos, atenuando, assim, os prejuízos dos seus proprietários, e incinerou os cadáveres depois da recolha de material para
análise.
Gostava que me dissesse se, internacionalmente e em situações semelhantes, é este o comportamento da administração pública ou se há outros comportamentos que possam, eventualmente, acautelar qualquer reflexo negativo a nível de saúde pública.
Ainda em relação a esta matéria, gostava de lhe perguntar — e isto com base num ofício confidencial que foi utilizado em Plenário como uma arma de arremesso e de crítica — qual foi o comportamento da Administração Publica quanto ao «secretizar» esta situação ou eventuais diagnósticos sobre alguns animais suspeitos. » Sr. Dr. Machado Gouveia, como director-geral da Pecuária, alguma vez, por escrito, limitou ou condicionou a divulgação, dentro dos serviços técnicos e científicos da Administração Pública, da existência destes casos suspeitos? Ou, antes, procurou que houvesse uma informação reservada, para que não houvesse divulgação pública de suspeitas que pudessem provocar um alarmismo a nível da opinião pública que mais tarde viesse a demonstrar-se que era injustificada?
A este respeito, gostaria ainda de perguntar-lhe se, em relação ao Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, alguma vez, como director-geral da Pecuária, condicionou a audição de cientistas nacionais ou estrangeiros sobre as análises e impediu que outros métodos complementares e auxiliares do diagnóstico fossem efectuados durante estes três anos.
Por outro lado, foi aqui feita uma outra afirmação pelo Sr: Dr. Matos Águas, na passada sexta-feira, que para nós é relevante: disse ete que 6 despoletar público da situção, as notícias que vieram a público através da comunicação social e de outros meios, provocou uma sensibilização dos técnicos que poderá levar a que, nos próximos tempos, apareçam
outros casos suspeitos, pois, no passado, não existia esta informação aos técnicos.
O Sr. Dr. Edmundo Pires, director dos Serviços de Sanidade Animal da Direcção-Geral da Pecuária, afirmou depois, na segunda-feira, aquando da sua audição, que a Direcção--geral da Pecuária nunca transmitiu qualquer informação aos
técnicos, no terreno, sobre esta doença.
Para nós, é importante averiguar se a Direcção-Geral da Pecuária, independentemente de haver casos suspeitos ou não de animais portadores da doença, procurou divulgar alguma bibliografia, alguns conhecimentos, bem como promover alguns seminários ou encontros com técnicos especialistas da matéria, no sentido de alertá-los, no terreno, em relação à sintomatologia desta doença, para que qualquer caso suspeito pudesse ser imediatamente informado à tutela e, esta, tomasse as medidas necessárias.
Gostava também de saber se, eventualmente, terão aparecido outros casos suspeitos que, por deficiência de informação dos técnicos, não foram detectados.
Em relação à importação de priões por parte do Laboratório Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, gostava que me dissesse, Sr. Director-Geral, se a proibição da importação de priões, que não foi autorizada, foi uma medida tomada por si, como director-geral da Pecuária, ou se teve por base uma informação emanada do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, segundo a qual não devia ser autorizada a importação de priões por parte do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, dado ser o LNTV a única autoridade nesta matéria, a nível veterinário, e dispor do equipamento, dos técnicos e dos cientistas capazes de estudá-la.
Em relação à dimensão das suspeitas, fala-se que não é nos 300 000 animais do País que a doença existe e que apenas podem ser seus eventuais portadores os animais do contingente importado. Por isso, na minha perspectiva, não pode afirmar-se que existe a doença em Portugal. Quanto muito, poder-se-á dizer que alguns animais que importámos são portadores dessa doença.
Sabemos que há 300 000 animais em Portugal e que foram importados 12 000 entre 1982 e 1989. Alguns desses animais, até porque o seu ciclo reprodutivo é diferente, já foram abatidos ou já morreram devido à sua situação biológica. Gostava de saber, Sr. Director-Geral, qual é o efectivo que, neste momento, poderá estar sob suspeita de BSE? Será o que foi importado entre 1987 e 1989 que, segundo as informações que tenho, é de cerca de 4000 animais, ou serão os 12 000 animais? E, em relação a este efectivo, em que percentagem previsível poderá haver suspeitas da existência da doença?
Faço-lhe esta pergunta porque se fala em percentagens diversas. Pelas informações que tem, quer do serviço que tutela quer da comunidade científica que, eventualmente, tenha consultado, que percentagem poderá haver e por isso, no global, que quantidade de animais suspeitos poderão vir a existir em Portugal?
Uma outra questão que não posso coibir-me de referir é a preocupação que algumas entidade e alguns técnicos aqui demonstraram por estar-se, há três anos, sem divulgar publicamente a doença. Para nós é preocupante que, caso houvesse dados confirmativos da existência da doença, se tivesse demorado três anos a confirmá-la.
Relativamente a esta preocupação, que aqui foi manifestada por alguns técnicos, por responsáveis de alguns serviços, nomeadamente do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, gostava de saber se alguma vez, durante
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estes três anos, essas entidades pressionaram o Sr. Director--Geral no sentido da necessidade de declarar a doença publicamente, da necessidade de alertar os técnicos no terreno a fim de prevenir outras consequências negativas ou se este time de revelação pública, esta preocupação desses responsáveis, que, agora, aparece, têm a ver não com a saúde pública, não com as preocupações que possa haver a nível de sanidade animal, não com as preocupações científicas ou técnicas, mas, sim, com outras razões que possam existir e ter originado que, neste momento, este tipo de preocupações possa ter sido veiculado por esses responsáveis, neste momento.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Muito obrigado, Sr. Deputado Carlos Duarte.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Murteira.
O Sr. António Murteira (PCP): — Sr. Dr. Machado Gouveia, como sabe, o objecto desta audição é de procurarmos saber se existiram casos de BSE em Portugal e, de certa forma também, se foram cumpridas as normas legais, designadamente aquela que diz que «é uma doença de declaração obrigatória».
Objectivamente, durante o decorrer da audição que está a chegar ao fim, conseguimos obter um dado: o diagnóstico que confirma a existência de BSE em quatro animais. Isso é o que temos de mais objectivo, até agora, na minha opinião.
Neste quadro, gostava de lhe colocar três questões muito concretas.
Primeira questão: os médicos veterinários que lidaram directamente com estes quatro casos, e que para isso estavam cientificamente preparados, como ficou demonstrado ao longo da audiência, declararam a esta Comissão que os diagnósticos feitos, com a metodologia legal em vigor no País t também na Comunidade, comprovaram a existência da BSE nos quatro animais e que, nas condições em que foram feitos estes quatro diagnósticos, não precisavam de exames complementares, os quais também não são feitos no Reino Unido e noutros países comunitários.
O Sr. Doutor, que eu saiba, não tratou directamente com os quatro casos. Não sei se cientificamente a isso estava obrigado, mas registei que, em sua opinião, não são fiáveis os resultados positivos dos quadro diagnósticos que referi.
Assim, pergunto-lhe porque é que tem essa opinião, se tem resultados complementares que o possam levar a fazer essa afirmação e, se os tem, se os pode apresentar a esta Comissão, porque, até agora, que se saiba, não foram apresentadas provas concretas e rigorosas que possam desmentir os quatro diagnósticos referidos.
Segunda questão: o Sr. Doutor sabe, também, que a BSE é uma doença de declaração obrigatória. Contudo, deu instruções ao Laboratório Nacional de Investigação Veterinária para (e passo a citar um extracto de um comunicado que foi entregue a esta Comissão) «não serem comunicados os resultados dos exames efectuados no Laboratório Nacional de Investigação Veterinária em que foi diagnosticada a encefalopatia espongiforme dos bovinos.
Assim, perguntava: por que razão o fez, se nos pode dizer isso e se nos pode também dizer de quem recebeu essas instruções ou se são da sua inteira responsabilidade e ainda se, nessas instruções, a Direcção-Geral tomou ou não medidas para serem feitas provas complementares.
Terceira questão: recentemente, em Copenhaga —e a Comissão da Audição Parlamentar foi hoje disso informada —, o Comité de Veterinários (não sei se é este o nome mas creio
que saberá ao que me refiro), quando lhe foi perguntado sobre a existência ou não da BSE em Portugal, pelo voz do seu responsável, declarou que, após apurados estudos — creio que utilizou uma expressão deste tipo— se poderia concluir que não havia BSE em Portugal.
Ora, que seja do nosso conhecimento, os únicos quatro diagnósticos clínicos e patológicos conhecidos confirmam exactamente o contrário, ou seja, que sim, que a BSE foi diagnosticada em quatro animais.
Pergunto-lhe, Sr. Doutor, se poderá ter a amabilidade de esclarecer esta contradição, até porque foi ocultada a verdade em Copenhaga há um mês, em Maio, e, portanto, muito recentemente.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): —■ Obrigado, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Casaca.
O Sr. Paulo Casaca (PS): — Agradeço ao Sr. Dr. Machado Gouveia a sua exposição que, na minha opinião, teve basicamente duas partes: a primeira, factual, sobre a questão aqui em apreço, ou seja, a da existência da BSE no nosso país, e a segunda sobre a conveniência ou não de divulgar essa existência.
Quanto à primeira questão, devo dizer que, nesta altura, não me parece que seja possível ter mais dúvidas sobre o problema. Todos os veterinários, sem excepção, e todos os investigadores que estiveram em contacto directo com o problema e que vieram aqui — e, como já foi esclarecido, se não vieram outros foi exactamente porque ninguém os solicitou —, todos eles têm uma opinião clara e inequívoca de que houve BSE registada em Portugal. E essa conclusão não foi contestada por ninguém que estivesse ligado tecnicamente, como clínico ou como cientista, ao processo.
Há, no entanto, declarações de pessoas que não estiveram ligadas ao processo mas que têm, de facto, no seu currículo académico, graus importantes nesse domínio, as quais fizeram declarações, não substanciadas quanto a um contacto com o processo, em sentido contrário.
Ora, isso é bom que seja esclarecido porque, ao fim de três anos, parece-me perfeitamente inconcebível que, se algum desses cientistas ou algum desses veterinários teve alguma dúvida, não tivesse feito as análises, até porque, como acabámos de ouvir, ainda agora, pela boca do Dr. Azevedo Ramos, no caso de alguém ter dúvidas, ainda é possível reanalisar ou investigar em alguns casos.
Mas a prova de que ninguém teve dúvidas é que ninguém o fez, ninguém pediu exames complementares. E a prova de que a própria legislação considerava o processo perfeitamente claro é o facto de não contemplar a existência obrigatória desses exames complementares.
Todavia, está mais do que esclarecido que, quando existirem dúvidas, dever-se-á, então, proceder a exames complementares. Ora, as pessoas envolvidas viram claramente que não havia dúvidas e, portanto, não procederam a esses exames complmentares.
Esta é uma questão lateral que foi trazida aqui vezes sem conta e que não tem qualquer tipo de substância. Portanto, o que considero interessante é que todas as declarações que aqui ouvi no sentido de pôr em causa a existência da BSE no nosso país começaram, de facto, por fazer estas argumentações laterais, dizendo: «bom, diagnósticos completares... De facto, a ciência é uma coisa complexa...» Ou, então, diziam: «isto é uma questão política», ou coisas do género. E, começando por fazer essas considerações
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perfeitamente laterais, depois, dedicaram-se largamente a dizer «que a política de segredo é necessária para não provocar o alarmismo».
Esta foi, de facto, a constante dessas intervenções e, parece-me, o fundamental da intervenção dessas pessoas, nas quais incluo a sua, é o facto de pensarem que, efectivamente, a melhor política para a defesa dos produtores e dos consumidores é a do segredo sobre esta questão.
Assim, chegados a este ponto, não posso deixar de colocar a seguinte questão: quando o Sr. Doutor diz que o consumo de carne diminuiu em 50% por causa de tudo o que se falou relativamente a esta doença, não será que isto se teria evitado se este assunto tivesse sido tratado com transparência, com lisura, se as autoridades dissessem «bom, de facto, isto é uma doença proveniente da Inglaterra e, porque importámos animais ingleses, é provável que aconteçam alguns casos, mas não está provado que a doença se transmita às pessoas, pois, de facto, o problema é só dos cérebros dos animais e nós vamos tomar todas as providências»?
Portanto, se a actuação das autoridades transmitisse à impressão de que o consumidor podia confiar na suas declarações, não será que, se isso se tivesse passado, provavelmente, nem os produtores nem os consumidores teriam sofrido aquilo que sofreram? Será que o âmago do problema está exactamente na concepção de que não deve haver uma transparência por parte da Administração?
Na sexta-feira, não estive presente nesta audição e uma das razões foi porque estive, nesta mesma sala, a assistir a uma sessão sobre «Administração aberta nos Estados Unidos da América». E, acerca dessa sessão, diria que foi das
coisas mais instrutivas que podia ter sobre esta mesma temática que aqui está a ser considerada.
Considero que o problema fundamental —e permita-me, Sr. Presidente, que lhe faça esta sugestão— é exactamente o de a cultura adminisUativa existente no nosso país considerar, de facto; o segredo como a principal forma de encarar estes problemas.
Face a isto, perguntava-lhe se, de facto, com calma e com frieza, olhando para trás, não terá sido esta sua opção a responsável por todos os danos que foram causados aos produtores e aos consumidores. É que, se tivesse sido seguida uma política de transparência, estaríamos noutra situação completamente diferente e, provavelmente, todos os envolvidos, sem esquecer os produtores e os consumidores, estariam melhor. E relativamente à comunidade científica, julgo que um dos aspectos mais ultrajantes e mais indignos a que pude assistir foi o de ver pôr em causa a dignidade científica de investigadores que, por gozarem de uma reputação acima de qualquer suspeita, não mereciam ver o seu nome manchado de uma forma que considero perfeitamente indigna.
O'Sr. Presidente (Antunes da Silva): -r— Muito obrigado, Srs. Deputados.
• Esgotadas as inscrições, tem a palavra, para responder às questões que lhe foram suscitadas, o Sr. Dr. Machado Gouveia.
O Sr. Dr. João Manuel Machado Gouveia (ex-Direc-tor-Geral da ex-Direcção-Geral de Pecuária):- Muito obrigado, Sr. Presidente.
' Vou tentar responder a tudo, se bem que algumas ques-VÕCS ttaduzam informações c não propriamente perguntas. Quanto a essas informações, também vou tentar tirar delas alguns indicadores que estiveram em causa. Aliás, há algu-
mas situações que se repetem e, por isso, espero poder- esclarecê-las com uma só resposta.
Referiu-se aqui muito, em várias intervenções dos Srs. Deputados, o problema da declaração obrigatória, tendo em consideração a declaração obrigatória que Portugal definiu, na sua lei interna, como «um acto de execução para o exterior».
Ora, não é assim. A declaração obrigatória tem a ver com a declaração interna dos médicos veterinários ou dos utentes, como disse na fase inicial, a reportar qualquer situação à entidade ou autoridade sanitária nacional, que, neste caso, é a Direcção-Geral de Pecuária.
Portanto, a situação para o exterior não é um acto de declaração obrigatória, mas um acto de notificação. E o acto de notificação previsto na doutrina comunitária, mais propriamente na sua Directiva 82/894, refere, explicitamente, «que deve ser feito sempre que um foco for determinado». E «um foco» é efectivamente aqui definido como «a exploração ou local situado sobre o território da Comunidade onde os animais se encontram agrupados e onde é oficialmente confirmada».
Nestes termos, a notificação às entidades exteriores requer um acto oficialmente confirmado. É isso o que diz a directiva que tenho aqui presente.
Por sua vez, a declaração obrigatória, na base do 39 209, tem a ver com a estrutura interna, ou seja, uma Administração quando determina, através de um despacho governamental, a declaração obrigatória, obriga os seus técnicos ou mesmo os produtores a, sempre que haja um acto de suspeita, reportarem à entidade, neste caso, veterinária regional, que, depois, por sua vez, remeterá para a entidade nacional.
Portanto, gostaria que isto ficasse claro porque muito do que aqui foi referido, tendo em vista este esquema de declaração, não é, efectivamente, aquilo que a Administração refere.
O Sr. Deputado António CampoS referiu também uma declaração obrigatória de 1988 mas não é efectivamente desse ano, como sabe. A declaração obrigatória portuguesa é de 1990 e não de 1988.
O Sr. António Campos (PS): — Não é exacto!
O Sr. Dr. João Manuel Machado Gouveia (ex-Director-Geral da ex-Direcção-Geral da Pecuária): — Não, Sr. Deputado. A de 1988 é do Reino Unido; a de 1990 é da Comunidade e é também de 1990 a de Portugal.
Portanto, convém assentar nisto para que, efectivamente, fiquem todos os dados objectivados.
Quanto ao problema da nota do diagnóstico, devo referir que o problema do diagnóstico, até ele mesmo, foi evoluindo no sistema. E posso, efectivamente, referir aos Srs. Deputados que o documento da OIE, a p. 424, fala no prião e diz: «Sempre que um caso suspeito de BSE aparece inopinadamente — e é o caso de Portugal —, é imperativo dispor de um diagnóstico seguro. Nestas circunstâncias, a detecção de SAF ou da PRP, que é o prião modificado, é um complemento últil ao diagnóstico histopatológico.» Portanto, a OLE refere «os casos inopinados». E frizo este facto porque, como referi aos Srs. Deputados na leitura inicial, não podemos comparar a situação do Reino Unido, em 1985, 1986; 1987, 1988, e por aí adiante, em que há uma situação verdadeiramente instalada, com centenas de casos por semana, com uma situação de um caso passível, como foi o caso de Portugal.
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Nestas situações, a Administração tem obrigação de ir ao fundo da questão para saber realmente confirmar a situação. Foi isso que, quanto a nós, não foi feito.
Por outro lado, a situação, no Reino Unido, começa em 1985. Isto é, o Reino Unido, a partir de 1985, começa a detectar as primeiras situações e vai até 1988 para obrigar à declaração obrigatória. Há, aqui, uma evolução perfeitamente normal, o que, portanto, justifica os cuidados da Administração em termos de uma definição para o exterior dela mesma.
Há um aspecto que o Sr. Deputado trouxe à colação —e, suponho, não haverá mais ninguém a poder dizer o que o Sr. Deputado disse ou o que eu disse —, que se refere a um telefonema que me fez na manhã, suponho, do dia da conferência de imprensa que deu, ou no dia anterior, em que o Sr. Deputado liga para o meu gabinete pedindo-me esse tipo de informação. E, agora, vem reportar aqui a sua qualidade de Deputado ao fazer-me essa pergunta verbal.
Sr. Deputado, aquilo que eu lhe disse foi que «havia suspeitas não confirmadas, pelo que eu não confirmava a doença». Isto foi dito e tenho, inclusive, pessoas que estavam ao meu lado no gabinete e que podem testemunhar.
Portanto, o Sr. Deputado, possivelmente, reteve a última frase mas não reteve a primeira que lhe referi. Isto, nesse mesmo dia.
Quanto ao problema dos acordos internacionais, pois suponho que, por aquilo que acabei de informar relativamente às obrigações que estão na lei, está perfeitamente identificada a situação.
Quanto ao problema do «Ricardo Jorge», já agora que o trouxeram à colação, devo dizer que, para nós, foi algo de estranho ver a resposta que, efectivamente, me foi dada pelo Director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária relativamente ao pedido formulado pelo Professor Armindo Filipe quando, anteriormente —e era do conhecimento dos próprios serviços —, havia a obrigação de uma relação estreita entre a área da saúde e a área da veterinária, tanto que temos, aqui, documentação demonstrativa de que, sempre que houvesse documentação conveniente, ela deveria ser emitida para essa entidade, visto que o Professor Armindo Filipe dirige o Centro de Zoonoses do Ricardo Jorge.
Ora bem, esta informação foi lida e tida por mim no estrito entendimento daquilo que o Sr. Dr. Matos Águas me refere, ou seja, o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária dispõe de todas as condições para atingir todos os fins.
Pelos vistos, tinha mas não as utilizou. E isso é que nós estranhámos, porque há aqui um outro aspecto de fundo que me parece indispensável esclarecer. É que o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária depende da Direcção--Geral da Pecuária, mas o mesmo Laboratório é também um órgão de investigação, isto é, não é só um órgão de acções de rotina mas é também de investigação. E, por isso mesmo, ele tem o chamado CRAF (Conselho Responsável pelas Actividades de Formação), ou seja, tem uma comissão que gere a área da ciência e da investigação. O director-geral da Pecuária nem tão pouco tem assento nesse CRAF.
Portanto, a situação da investigação assumida pelo Laboratório é da sua inteira responsabilidade e o director-geral não deve, nem pode, condicionar a investigação. E isto porque, senão, Sr. Deputado, se na realidade a Direcção-Geral e o seu director-geral na altura, quisessem obstaculizar a qualquer situação, eu não teria, então, autorizado que fossem feitos os exames, que fossem adquiridos os animais, que fosse executada a função.
Nunca por nunca se referenciou ao Sr. Dr. Matos Águas que não fizesse aquilo que, cientificamente, devia ser feito para... E isto porque a Direcção-Geral e o director-geral não devem nem podem condicionar a investigação. E aqui está a prova de que não houve condicionalismo a essa investigação.
Creio que o «secretismo», de que aqui têm falado, é muito difícil de identificar. E é muito difícil de identificar porque, certamente, todas as pessoas do Laboratório viram as vacas que foram adquiridas, para efeito de exames. O processo decorreu sem qualquer sigilo nessa matéria. O único sigilo que pedi ao Sr. Dr. Matos Águas foi no respeitante ao resultado. E, aí, sinto-me no direito, enquanto autoridade sanitária nacional, para ser a entidade que recebe a informação do resultado final para, conjuntamente com os outros elementos de que disponho para definir uma situação de doente ou de doença, vir a definir a estrutura e aquilo que se deve implementar. E esta, e foi esta só, a atitude que assumimos.
Porque, reparem os Srs. Deputados, eu não pus em dúvida, inclusive nos meios de comunicação social onde estive presente, há uns dias-largos atrás, quando se iniciou este processo a nível da comunicação, a situação da suspeita através do exame histopatológico. Eu, como autoridade da Administração, tenho de pesar a informação laboratorial, os dados epidemiológicos e outras situações para definir, tal como diz na lei, o que é a doença ou o doente.
A titulo de exemplo, posso dar uma imagem que talvez se aproxime muito, desta situação. Assim, nós todos, em Portugal, conhecemos casos de malária, de paludismo. E importamos, com certeza, malária e paludismo. Mas, que eu saiba, na Organização Mundial de Saúde, Portugal não se encontra como país de malária. A situação presente é, de algum modo, idêntica, na medida em que os casos de suspeição, através do exame histopatológico, não tinham ligação entre eles — a haver uma doença teria de haver transmissibilidade e esta não existe e o agente, que é fundamentalmente veiculado pela alimentação animal, não é existente.
Portanto, continuo a dizer: a doença não existe, pese embora a suspeita que possa existir por força dos exames histopatológicos relativamente a alguns casos suspeitos. Esta foi sempre a posição da Administração e não tinha que, por isso mesmo e por aquilo que aqui referi em termos de legislação, reportar.
Aliás, posso passar a ler aos Srs. Deputados um elemento que é exactamente aquilo de que tive conhecimento relativamente à Alemanha, em que eles dizem que «tiveram uma vaca de Gallways, de Highlands, Escócia, importada pela RFA, no dia 28 de Junho de 1989, com 15 meses. Ora, nesta data, já a região estava sob regime especial tal qual como as outras duas últimas vacas que aí referiram. O rebanho era de 40 vacas, etc. E em 21 de Fevereiro de 92, um bovino apresenta sintomas de BSE, que originaram a morte do animal. Foram pesquisados aujeszki, listeriose, raiva, com resultados negativos. Foi feito um exame diferencial, Sr. Deputado. Aqui nunca me deram essa informação. Continuaram as análises em Hannover — e suponho que não serão pessoas de pouca qualidade científica — e o cérebro apresentou sitwús. histopatológicos semelhantes. O cérebro teria estado dezasseis horas em má conservação. A partir daqui, por não ter havido possibilidade de outros exames complementares, a Alemanha não declarou a doença.
O Sr. António Campos (PS): - E tudo bem!
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O Sr. Dr. João Manuel Machado Gouveia (ex-Direc-tor-Geral da ex-Direcção-Geral da Pecuária): — Desculpe, Sr. Deputado, mas foi aquilo que nós fizemos. Não sei se é do diálogo... Parece-me que ouvem mal ou, então, interpretam mal e cada um interpreta como entende.
Em relação ao aspecto, aqui referenciado também, do domínio da saúde pública, onde a Direcção-Geral tem inteira intervenção e onde, desde o início, tomámos todas as medidas, que urge, para que, efectivamente, qualquer situação fosse evitada, os últimos elementos disponíveis da própria Comunidade Económica Europeia referem —e posso mostrar— a negatividade de todos os tecidos e órgãos, inclusive os linfáticos, à excepção efectivamente do cérebro.
Portanto, tudo o resto está, neste momento, perfeitamente identificado como negativo.
Por outro lado — e agora tenho de socorrer-me novamente dos elementos dos Srs. Deputados —, creio que, em relação ao Sr. Deputado António Campos e pelas elementos que consegui tirar da sua exposição, não tenho outra indicação além da declaração da doença e da atítude face ao Laboratório, tendo-me já referido a ambas.
O Sr. Deputado Carlos Duarte coloca-me questões relativamente às atitudes assumidas quanto à divulgação das informações a todos os colegas.
Sobre isto e a título de exemplo, devo referir que tenho em mão um elemento que solicitei a uma direcção regional, pelo qual se verifica que esta entidade remeteu a um veterinário, em 11 de Agosto de 1989, informação específica sobre a BSE relativamente a todos os aspectos de sintomatologia e de medidas profiláticas.
Ora, este documento foi enviado para todas as direcções regionais. E, como sabem, pela estruturação existente no Ministério da Agricultura, a Direcção-Geral reporta às direcções regionais e estas, por sua vez, reportam aos técnicos da sua área de intervenção.
Portanto, este documento constitui prova de que, efectivamente, foi divulgado. Mais: foi divulgado...
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Dr. Machado Gouveia, seria possível facultar esses elementos à Comissão?
O Sr. Dr. João Manuel Machado Gouveia (ex-Direc-tor-Geral da ex-Direcção-Geral da Pecuária): — Com certeza, Sr. Presidente. Todos os elementos que tenho referido são passíveis de ser entregues depois desta sessão.
Por outro lado, tenho também uma outra circular, emitida pelo próprio Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, em 2 de Julho de 1990, que refere,, exactamente, não só os aspectos sintomatológicos como também os aspectos relativos à própria diagnose da doença. Está, portanto, aqui referenciada toda a indicação sobre a matéria.
Poderia ainda mostrar muitas mais circulares, como, por exemplo, a de 22 de Junho de 1990, relativamente à estratégia a implementar pelos serviços em termos de salvaguarda das importações de animais e das respectivas carnes do Reino Unido.
Tenho presente também elementos que respondem, de alguma maneira, àquilo que, há pouco, o Sr. Deputado referenciava quanto às importações efectuadas durante os anos de 1987, 1988 e 1989. E posso dizer-lhe que, em 1987. foram 2852 animais, em 1988, 1039, e, em 1989, 615, o que dá 4400 animais, tantos quantos foram os importados, concretamente, durante esse período.
Por outro lado, posso também indicar que a importação de rações é mínima e foi, fundamentalmente, para o chama-
do petfood, para os pequenos animais. Tratou-se, com efeito, de importações da ordem das 500 t, quando Portugal, nos anos de 1985 a 1989, consumiu de 635 000 a 938 000 t/ano.
Portanto, todos estes elementos tiveram de ser pesados pela Administração, no sentido de definir a sua posição em relação à matéria.
O Sr. Deputado Carlos Duarte perguntava também relativamente ao secretismo do Laboratório, à informação reservada dos resultados e aos condicionalismos de outros cientistas.
Como acabei de referir, nunca por nunca o director-geràl disse ao director do Laboratório que deveria ser A, com B ou com C. As pessoas que foram indicadas ao director-geral para irem fazer o estágio em Weybridge — que a Direcção-Geral pagou e isso constitui mais uma prova de que não estava a escamotear coisa nenhuma nem a dar secretismo nenhum — foram indicados pelo Dr. Matos Águas e não foram escolhidas por nós, como era óbvio, visto que nós não interferimos na área científica do Laboratório.
Até porque se diz, exactamente, na legislação própria — de que vou socorrer-me, com o pedido de desculpas pela demora na consulta— do CRAF (Conselho Responsável pelas Actividades de Formação) do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, que é específico para Laboratório, nas suas alíneas e), f) e g): «Analisar e dar parecer sobre o programa anual das actividades de ID a desenvolver pelo LNIV; acompanhar a eficiência das actividades de ID desenvolvidas; dar parecer sobre quaisquer assuntos de índole científica do LNIV sempre que lhe sejam presentes pelo director». Ora, que eu saiba, não foi. Possivelmente, o Sr. Dr. Matos Águas dirá que «não foi por força da reserva» que ele instituiu a nível interno do seu Laboratório, mas aquilo que o Director-Geral lhe pediu foi a reserva dos
resultados para ele próprio, como autoridade sanitária nacional.
Em relação à informação aos técnicos, para além das circulares que acabei de referir, posso dizer também que houve várias reuniões - e espanta-me muito que o Sr. Dr. Edmundo Pires se esqueça das reuniões que fez, ao nível da Direcção-Geral, com os vários directores de serviço das várias direcções regionais, inclusivamente aquela onde foi passado o vídeo que o Reino Unido nos tinha possibilitado para ser visualizado por esses colegas.
Sobre a importação dos priões, no que diz respeito ao «Ricardo Jorge», tenho aqui exactamente toda a área de informação sobre a matéria, contendo uma primeira informação ao Dr. Armindo Filipe, remetendo toda a literatura disponível acerca da encefalopatia espongiforme dos bovinos, como tinha ficado acordado.
Em relação ao problema do pedido do Dr. Armindo Filipe, é facto, Sr. Deputado, que fui eu quem assinou o ofício, como assinei todos os ofícios que saíam da Direcção--Geral, em nome da mesma. Simplesmente, esse ofício foi executado pela Direcção de Serviços de Saúde Animal, a partir de um ofício do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, que era de tal maneira acintoso em relação à pessoa do Dr. Armindo Filipe que eu solicitei que a resposta, pelo menos, não atingisse a pessoa daquele investigador.
Simplesmente, repito, ao director-geral não cabe interferir no domínio da área de investigação do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária. Por isso mesmo, assumi esta informação como aquela que me é dada pela entidade cientifica do Laboratório.
E aqui não há incompatibilidade alguma relativamente à atitude que, depois, assumi, Sr. Deputado. E avanço, desde
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já, para esclarecer que isso é uma situação e outra é a definição da doença e que é à autoridade sanitária a quem incumbe ter a análise de todas as vertentes do problema para definir uma estratégia final.
Sobre «os três anos sem divulgação, pressionado ou não pressionado o Sr. Dr. Matos Águas», como disse o Sr. Deputado, considero que tal problema não deveria ser explicado por mim porque, de facto, é qualquer coisa que transcende a minha pessoa. Por isso, só o Dr. Matos Águas é que pode responder porque é que, quando eu lhe pedi a reserva dos resultados, não me disse de imediato: «Sr. Fulano, eu não aceito essa atitude e vou escreven>.
Agora, de facto, ao fim destes três anos, vir levantar o problema — é que não fui eu que o levantei —, acho efectivamente estranho.
E já agora, só para identificar algumas coisas que, porventura, possam Ficar desconexas neste processo, devo dizer que nunca o director-geral da Pecuária, durante os quatro anos da sua actividade como dirigente daquela instituição ou durante os outros anos que esteve como dirigente de outros departamentos do Ministério da Agricultura, nomeadamente como intendente de Pecuária de Portalegre, nunca, dizia, fez sair qualquer ordem de serviço em que recordasse ao funcionários o artigo 3.°, n.° 9, do Estatuto Disciplinar da Administração Central, Regional e Local, nem o artigo 24.° do mesmo Estatuto, como, por exemplo, o Dr. Matos Águas fez relativamente a um dos seus departamentos.
O referido artigo 3.° — e suponho que o Sr. Deputado conhece bem o código — diz especificamente: «O dever de sigilo consiste em guardar segredo profissional relativamente aos factos de que tenha conhecimento em virtude do exercício das suas funções e que não se destinem a ser do domínio público».
E no artigo 24.°, alínea g), que também se refere a esta questão mas noutro contexto, diz-se: «Cometer inconfidências, revelando factos ou documentos não destinados a divulgação, relacionados com o funcionamento dos serviços ou da Administração em geral».
Srs. Deputados, eu não fiz isto ao Sr. Dr. Matos Águas. A única coisa que referi ao Sr. Dr. Matos Águas, no estrito entendimento daquilo que é a relação entre o director-geral e o director do Laboratório, foi «Sr. Dr. Matos Águas, os resultados dessa matéria —quando surgiram, visto que ele falou-me pelo telefone — são para mim, porque quero ser a primeira pessoa a ter conhecimento disso para depois poder assumir as medidas que entenda por convenientes, verificados os outros aspectos condicionantes do processo».
Por sua vez, o Sr. Deputado António Murteira fala também da declaração obrigatória. Ora, sobre esta matéria, suponho que já dei resposta na fase inicial.
O Sr. Deputado fala-me também noutros países onde a atitude foi assumida. Só que, quanto ao exame histopatológico,. já demonstrei, pela informação relaúva à Alemanha, que não é assim.
Devo, porém, dizer outra coisa aos Srs. Deputados e, talvez, identificá-los com a situação: o Reino Unido exporta bovinos para três países, potencialmente: para a Holanda, para a França e para a Alemanha.
Pode-se, pois, concluir daqui que nem a Holanda apresentou qualquer informação, nem a França o tinha feito quando informou. No entanto, o Sr. Deputado diz-me que, dos oito casos, somente um era referente a animal indígena. Ora, sobre isso, a informação técnica e oficial que existe diz que a situação não é essa, dizendo-se no seu texto: «A informação relativamente à França e à Suíça refere que se trata de bovinos autóctones e não de bovinos importados». Por
isso mesmo se refere o Omã e outro como sendo de bovinos importados. Aliás, tenho presente a informação da própria OIE, que em qualquer momento posso apresentar à mesa, Sr. Presidente, e essa indicação que está expressa num destes vários documentos da organização oficial das epi-zootias, mas preciso de algum tempo para procurar.
0 teor do documento, que passo a ler, é: «Foram igualmente reconhecidos ainda casos de BSE em França (nessa altura eram cinco), na Suíça (oito), em Omã (dois) e na Ilhas Folkland (um), sendo estes três últimos os únicos casos reportados como importados da Grã-Bretanha».
Portanto, os outros não foram importados da Grã-Bretanha. Aliás, isso é natural, Sr. Deputado. A França era um país que importava muita ração de Inglaterra e como o veículo do agente era exactamente a ração e aquela ração, que, por razões de utilização de produtos de ruminantes e porque o processo tecnológico não permitiu, na altura, a eliminação do agente, através da baixa de temperatura, era, portanto, natural que em todas as entidades onde se usasse essas rações existisse uma possibilidade grande de haver doença nos animais autóctones.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Dr. João Manuel Machado Gouveia, peço desculpa pela interrupção, mas a sua intervenção suscitou-me uma questão. O Sr. Doutor afirmou que os principais países importadores de animais da Inglaterra eram a Holanda, a França e a Alemanha.
O Sr. Dr. João.Manuel Machado Gouveia (ex-Direc-tor-Geral da ex-Direcção-Geral da Pecuária): — Exacto!
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Ora, o Sr. Doutor já referiu os casos da França e da Alemanha, nos termos em que o fez. Relativamente à Holanda, tem alguma indicação?
O Sr. Dr. João Manuel Machado Gouveia (ex-Direc-tor-Geral da ex-Direcção-Geral da Pecuária): — Sr. Presidente, não fiz referência à Holanda exactamente para deixar a interrogação, como calcula, porque sendo a Holanda um dos grandes importadores de bovinos de Inglaterra ainda não apareceu nada.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): - Sr. Doutor, peço desculpa se estraguei a surpresa.
O Sr. Dr. João Manuel Machado Gouveia (ex-Director--Geral da ex-Direcção-Geral da Pecuária): — O Sr. Deputado António Murteira falou também do problema da razão dos resultados, de quem era a responsabilidade, que acabei de referir, no que diz respeito à relação entre o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária e as medidas para os exames complementares.
Ora, esta é exactamente uma das situações relativamente à qual, se o director-geral da Pecuária ou a Direcção-Geral da Pecuária não quisesse que existisse informação sobre a matéria, não teria autorizado a realização da investigação. Quando o Dr. Matos Águas lhe referenciou o aparecimento de um suposto doente, o primeiro doente, o director-geral da Pecuária, pura e simplesmente, se queria secretismo, se queria boicotar o sistema, teria dito «abate-se o animal» e mais nada. Não foi essa a posição que assumimos, nunca quisemos mentir ou esconder nada, tivemos foi o cuidado de ser cautelosos em relação ao exame das situações para que elas não tivessem repercussões injustificadas.
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No que diz respeito à última informação do Sr. Deputado António Murteira, relativa à afirmação feita na Dinamarca, devo dizer que ou há má leitura ou há má tradução, pois aquilo que eu disse na Dinamarca foi exactamente aquilo que aqui referi hoje. Reportei a todos os colegas da Comunidade Económica Europeia exactamente o que, hoje, aqui referi em relação aos aspectos da análise histopatológica e em relação aos outros aspectos, que, quanto a mim, também são importantes, da ausência de diagnósticos diferenciais e da parte epidemiológica, dizendo-lhes que era essa a razão da minha posição em relação à doença e ao doente. E posso dizer-lhe, Sr. Deputado, que a reacção dos Onze foi no sentido da aceitação daquilo que transmiti. Não houve uma voz negativa e o relatório está aí para quem o quiser ver, sem indicar nenhuma atitude negativa quer da parte da Comissão quer da parte dos países membros.
O Sr. Deputado José Paulo Casaca falou nos 50% da baixa do consumo. Não sei se o Sr. Deputado acompanhou convenientemente a minha dissertação, mas quando falei na baixa do consumo não me reportei ao presente e sim a 1989, data em que a doença só estava declarada no Reino Unido. E já nessa ocasião houve 50% de baixa do consumo, em Portugal, em resultado de afirmações veiculadas pela imprensa especificamente em relação a uma doença que se localizava no Reino Unido e relativamente à qual não havia sinais em mais nenhum país.
Ora, o Sr. Deputado tem de compreender que o director--Geral da Pecuária, como entidade dirigente da Administração, tem de pesar todos os pratos da balança quando assume a atitude de vir à praça pública dizer que a doença existe. E continuo a dizer, Srs. Deputados, aliás, nunca o neguei, que há suspeita de doentes, mas não há doença, porque não há transmissão da mesma.
Por último, não vou comentar afirmações feitas pelos Srs. Deputados, porque não tenho a vossa imunidade e, como tal, não posso abordá-las aqui. Deixo isso à consideração de todos.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): —• Muito obrigado, Sr. Dr. João Manuel Machado Gouveia, pelas respostas as questões suscitadas nesta primeira ronda de perguntas.
Entretanto, inscreveram-se os Srs. Deputados Lino de Carvalho e António Campos. Na medida do possível e uma vez mais, sem prejuízo do esclarecimento que se pretende, peço-lhes que sejam breves.
Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Dr. Machado Gouveia, a minha pergunta destina-se a obter, com precisão, um esclarecimento que me parece fundamental para caracterizar a evolução do processo e, sobretudo, o comportamento e a atitude assumida pelo então director-geral da Pecuária.
O Sr. Dr. Machado Gouveia, ao definir o conceito de declaração obrigatória da doença, fê-lo, digamos, em dois níveis, dizendo que a declaração obrigatória tem por referência uma formulação interna, para efeitos internos dos serviços, a que se segue a notificação para efeitos externos, de acordo com a directiva comunitária, notificação essa que só é feita quando há confirmação oficial. Parece-me que foram estes os termos utilizados pelo Sr. Doutor.
Claro que poderia apelidar esta formulação de sofística, na medida em que quem tem de fazer a confirmação oficial não a faz, apesar de ter as declarações internas, elaboradas.
enfim, por via dos serviços ou por via de quem diagnostica a doença e, como tal, nunca haverá notificação ou declaração obrigatória da doença.
O Sr. Doutor radicou a sua posição —e se não estiver a ser rigoroso, por favor, interrompa-me —, afirmando que não o fez porque não havia um diagnóstico seguro, uma vez que, para além dos exames histopatológicos, eram necessários outros exames complementares, diagnósticos diferenciais e exames epidemiológicos para definir um perfil completo do processo e, portanto, uma estratégia—posição prudente, diria eu.
Assim, coloco-lhe a seguinte questão: face aos, salvo erro, quatro casos de suspeita de doença na primeira fase, na fase
do exame histopatológico, que foram referidos nesta audição parlamentar, que medidas concretas é que o Sr. Doutor adoptou no que diz respeito aos diagnósticos complementares que era necessário realizar para ter, então, o perfil completo e a estratégia final a definir? Que exames complementares foram feitos? Quando foram feitos? Quais os resultados obtidos? Em que «pé» está o processo, neste momento?
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem agora a palavra o Sr. Deputado António Campos, a quem peço, se possível, a mesma brevidade.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Presidente, Sr. Dr. Machado Gouveia, tenho estado a analisar as suas intervenções e a primeira impressão que retiro delas é a de que o Sr. Doutor não é o responsável máximo pelo sector, pelo que as situações se colocam noutro âmbito, ou seja o Sr. Doutor é uma pessoa à parte e não tem responsabilidades nenhumas nesta matéria. Os investigadores, os laboratórios, os clínicos que fazem a detecção no terreno confirmam uma situação, o Sr. Doutor não permite a divulgação dessa situação e, agora, apresenta-se aqui como não tendo responsabilidade pelo facto de não se ter ido ao fundo da questão e de não se ter procurado, se surgiu algum espírito de dúvida em relação aos diagnósticos feitos.
Assim, a primeira sensação pessoal que tenho é a de que o Sr. Doutor é um homem à margem de tudo isto, não tem responsabilidades nenhumas e, portanto, os responsáveis são todos os outros que fizeram maus diagnósticos. Além disso, como nunca houve os tais diagnósticos complementares, não há doença em Portugal.
No entanto, Sr. Doutor, vamos por aqui, porque esta questão de existir ou não a doença, é que é a questão de fundo. É verdade ou não que o diagnóstico em Inglaterra, em França, ou em qualquer outro país, é feito como o foi em Portugal? Isto é, os veterinários apanham os animais com os respectivos sintomas, recolhem o material e fazem o mesmo exame laboratorial que foi feito em Portugal? O Sr. Doutor vai informar-nos se é ou não assim que se trabalha em Inglaterra, em França ou em qualquer outro país.
Por outro lado, sabendo eu que este exame é o que se faz em qualquer país e que é dessa forma que se diagnostica a doença, o Sr. Doutor vem aqui e diz que não existe a doença, existe suspeita da doença. Ora, o Sr. Doutor, que foi o director-geral da Pecuária e o responsável desde 1990 até 1993, nunca exigiu outros exames complementares dos que lhe eram apresentados tradicionalmente, aquando do aparecimento dos casos, mas agora aparece aqui, porque é sujeito a uma audição parlamentar, e diz «bem, faltam os exames complementares».
Assim, a questão que lhe quero colocar é a seguinte: aqueles quatro ou cinco casos detectados e confirmados em Portugal, se o tivessem sido em Inglaterra seriam casos de
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encefalopatia? É assim ou não? Se o fossem em França, seriam casos de encefalopatia! Se o fossem na Suíça, seriam casos de encefalopatia! Em Portugal, não são casos de encefalopatia, porque faltam os tais complementos de diagnóstico que o Sr. Doutor, director-geral da Pecuária desde 1990 até 1993, nunca definiu.
Outra questão que se coloca diz respeito ao facto de os cientistas, os investigadores que vieram aqui, à Comissão de Agricultura e Mar, terem dito «nós não temos nenhuma dúvida sobre o diagnóstico feito de encefalopatia». O mesmo se diga em relação aos veterinários que estão no terreno e que foram ouvidos nesta Comissão, que disseram «nós não tivemos nenhuma dúvida de que os sintomas eram característicos da encefalopatia e, portanto, precisávamos da confirmação laboratorial, que, infelizmente, nunca conseguimos».
Sr. Doutor, todos somos adultos, possivelmente temos uma compreensão limitada e não conseguimos atingir o que o Sr. Doutor quis dizer, mas não percebemos este tipo de argumentação, passados três anos. É que se o primeiro caso que apareceu tivesse suscitado alguma dúvida e o Sr. Doutor, no segundo caso, tivesse mandado fazer exames complementares — aliás, parece-me que as colheitas teriam de ser feitas de outra forma—, tudo bem, mas não, o Sr. Doutor nunca actuou sobre esta matéria. A única actuação que o Sr. Doutor teve nesta matéria, como director-geral, foi a de esconder os resultados. A única actuação que conhecemos da parte do, então, director-geral da Pecuária foi a de dizer «escondam-se os resultados». Agora, passados três anos, vem aqui dizer-nos: «nós ainda precisamos de alguns exames complementares».
Mas há outra situação que também considero grave. Como o Sr. Doutor mandou especializar o Dr. Matos Águas, gostaria que me confirmasse — e isto porque nomeou o Dr. Matos Águas ou trabalhavam em equipa, o Sr. Doutor como director-geral e o Dr. Matos Águas como director do Laboratório Nacional de Investigação Veterinária, que estava dependente da sua Direcção-Geral—, se nunca pediu ao Dr. Matos Águas outras provas de confirmação. Quer dizer, a única coisa que pediu ao Dr. Matos Águas foi: «Cale--se com os casos?!» Não pediu qualquer outra forma complementar de diagnóstico?
Gostaria de classificar esta situação —o Sr. Director-Geral é capaz de ficar chocado, mas não me inibo de o fazer — como uma situação de má fé! É uma situação de má fé porque o Sr. Dr. Machado Gouveia, durante três anos, não pede qualquer forma complementar de diagnóstico e passado esse tempo vem à Assembleia da República dizer: «Faltam-me provas complementares de diagnóstico.» E, mais grave ainda, em toda a conversa, o Sr. Dr. Machado Gouveia vai insinuando questões em relação à capacidade do Dr. Matos Águas.
Gostaria que o Sr. Dr. Machado Gouveia me confirmasse se tem confiança pessoal nos investigadores que fizeram o respectivo estágio. Isto porque também ouvimos o Sr. Dr. Matos Águas, que, aliás, declarou não ser especialista nesta matéria e que confiava, acima de tudo, nos seus especialistas nesta matéria. Mas porque o Sr. Dr. Machado Gouveia diz «dei ordens ao Dr. Matos Águas e ele devia ter recusado», devia ter recusado as ordens de esconder...
Ora, não é assim que funciona circuito normal. O Dr. Matos Águas dá conhecimento ao director-geral; o Director-geral dá conhecimento ao Secretário de Estado e a situação é resolvida entre o Secretário de Estado e o Ministro.
No entanto, gostaria ainda de saber se o Sr. Dr. Machado Gouveia deu conhecimento ao Secretário de Estado des-
ta proibição ao Laboratório, de manterem em segredo a situação, e qual foi o comportamento do Secretário de Estado perante essa informação. Isto porque o Sr. Dr. Machado Gouveia diz: «nós nunca quisemos mentin> — foi uma expressão utilizada.
Ora, temos aqui a confirmação dos dois especialistas portugueses de que houve doença, de que o diagnóstico tem rigor e de que não há qualquer dúvida de que a doença existe. Porém, o Sr. Dr. Machado Gouveia vem dizer--nos: «não existe a doença. Há suspeitas, mas não existe a doença.» Há suspeitas! Precisamos clarificar esta situação.
Porém, surgem-nos dois investigadores, os dois homens que percebem deste assunto, que foram especializados, os dois que detectaram, em termos de laboratório, toda esta situação, a confirmar que há doença e que diagnosticaram sem qualquer dúvida! É o que eles dizem, está gravado! Existe, sem qualquer dúvida, a doença. Agora, o Sr. Dr. Machado Gouveia vem aqui e diz: «a doença não existe. Há suspeitas»! Foi a expressão que o Sr. Dr. Machado Gouveia utilizou, mas precisamos de clarificar esta situação, de saber claramente, porque é esse o nosso objectivo, se houve ou não encefalopatia espongiforme em Portugal. Precisamos de clarificar esta situação hoje, aqui. Temos mesmo de o fazer!
Portanto, como o Sr. Dr. Machado Gouveia repara, há aqui um antagonismo total entre a afirmação de V. Ex.J e a afirmação dos técnicos preparados, da confiança do Sr. Dr. Machado Gouveia, do Laboratório e investigadores.
Mas como as lâminas estão disponíveis, se o Sr. Dr. Machado Gouveia quiser, o que podemos fazer é pegar nessas lâminas e mandar qualquer investigador inglês confirmar as situações, para se saber se há ou não. Não podemos é ficar na situação de os clínicos do terreno chegarem aqui e dizer «é encefalopatia», os investigadores dizerem «é encefalopatia, não temos a mais pequena dúvida», o Sr. Dr. Matos Águas dizer «foi-me confirmado pelos investigadores que era encefalopatia» e depois aparecer o director-geral a afirmar «não há doença, mas só a suposição de que existe encefalopatia». Logo, o Sr. Dr. Machado Gouveia tem de clarificar esta situação.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Encontram-se inscritos, para pedir esclarecimentos, os Srs. Deputados Luís Capoulas Santos e Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Pedi a palavra apenas para complementar o que o Sr. Deputado António Campos acaba de dizer, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sendo assim, com autorização do Sr. Deputado Luís Capoulas Santos, tem a palavra.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Há pouco, quando o Sr. Dr. Machado Gouveia se referiu à declaração feita na Dinamarca, eu não tinha os documentos na minha posse.
Sr. Dr. Machado Gouveia, quando se referiu a essa declaração, afirmou, a certa altura, ter havido algum erro óe tradução, na medida em que o que teria saído da Dinamarca, da reunião dos responsáveis veterinários, tinha sido exactamente o que aqui foi dito.
Sendo assim, vou ler o que está nas actas dessa declaração, para depois se confrontar, e espero que me desculpem o meu mau inglês: «The veterinary services of Portugal can inform lhe group that results obtained after detailed reseor-ches and examinations they have carried out confirmed the
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absence of.any case of BSE in Portugal». Sublinho,«[...] after detailled researches and examinations (...) the absence of any case [...]».
Isto quer dizer, para aqueles que, porventura, saibam o mínimo de inglês, que os serviços veterinários de Portugal informaram o grupo da Comunidade competente nesta matéria de que os resultados obtidos, depois de detalhadas investigações e exames que levaram a efeito, confirmaram a ausência de qualquer caso de BSE em Portugal.
O Sr. António Campos (PS): — Isso já depois de aqui termos feito a audição!
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Ora, como não acredito que só passados três anos o Sr. Dr. Machado Gouveia venha aqui dizer que é preciso fazer exames complementares, insisto na questão que coloquei e queria respostas, muito precisas. Que exames complementares foram feitos, durante este período, para justificar estas detalhadas investigações e exames, uma vez que o exame básico histopatológico tinha já concluído pela doença existente? Isto porque, para que o director-geral tivesse suporte cientifico, para não dar seguimento a esses exames de base, teve naturalmente de fazer este conjunto de exames complementares para definir a tal estratégia final. Quais foram, quando foram feitos, em que momentos até, e com que resultados?
Quero respostas precisas, Sr. Director-Geral, e não quero retorquilhos.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Foi um complemento um pouco longo, mas está feito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.
O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): — Sr. Dr. Machado Gouveia, as duas questões que iria colocar acabaram por serem, de alguma forma, colocadas nas intervenções imediatamente anteriores.
De qualquer modo, gostaria que o Sr. Director-Geral precisasse, tanto quanto possível, os termos em que ocorreu o relato desta circunstância ao membro do Governo de quem depende e que orientações precisas dele recebeu, porque penso que casos desta gravidade e tendo ocorrido pela primeira vez em Portugal, certamente suscitaram, da sua parte, o relato de uma situação, que era preocupante, e, da parte do membro do Governo do qual depende, instruções precisas sobre o procedimento a adoptar.
Sr. Director-Geral, na sua intervenção inicial referiu não ser especialista na matéria e, por outro lado, acaba por concluir-se que pôs em dúvida o resultado das análises ao não aceitá-lo como definitivo, mas nem sequer ordenou meios complementares de diagnóstico. Hoje, foi dito aqui, de manhã, por um assessor da Direcção-Geral da Pecuária, que sobre esta matéria nunca foi consultado pelo Sr. Director-Geral.
Gostaria de saber, na medida em que o Sr. Director-Geral se assumiu como não especialista na matéria e recusou, como definitivo, o resultado, não tendo procedido a diligências para obtenção de meios diagnósticos complementares, se essa sua opinião se fundamenta em outros contactos e em outras consultas que fez e, em caso afirmativo, quem, quais e se pode, documentalmente, comprovar essa afirmação, em período anterior a ter sido suscitada esta polémica.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Srs. Deputados, não há mais inscrições e penso que vamos encerrá-las definitivamente porque, a meu ver, não vale a pena repetirmos
as questões, já que não é com isso que se vai esclarecer mais profundamente o problema.
Sendo assim, para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Dr. Machado Gouveia.
O Sr. Dr. João Manuel Machado Gouveia (ex-Direc-tor-Geral da ex-Direcção-Geral de Pecuária): — Relativamente ao pedido de esclarecimento do Sr. Deputado Lino de Carvalho, volto a repetir que a definição de declaração obrigatória e a definição de notificação não se devem à minha pessoa, são as que existem nas leis e foram essas as que utilizei. Portanto, não há aqui qualquer sofisma mas, pura e simplemente, a utilização das respectivas definições.
Devo dizer que tenho conhecimento, em termos de relatório, dos três primeiros casos, embora eu tenha conhecimento de um quarto e até de um suposto quinto caso, que me foi dado a conhecer, tendo-se mandado adquirir os animais, para se proceder ao respectivo exame.
Em relação aos outros diagnósticos, Sr. Deputado, volto a repetir, é preciso entender o que eu há pouco disse. O director-geral não pode nem deve condicionar, porque a lei assim o determina, a área de investigação. Eu não posso, à face do CRAFT, estar a identificar ou a determinar que se faça isto ou aquilo, porque senão estou a cercear a própria investigação. Isso, Sr. Deputado,...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Está a querer duvidar de mim?!
O Sr. Dr. João Manuel Machado Gouveia (ex-Direc-tor-Geral da ex-Direcção-Geral de Pecuária): — Desculpe--me, Sr. Deputado,...
O Sr. António Campos (PS): — O Sr. Dr. Machado Gouveia nunca pôs em causa?!
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Srs. Deputados, peço que não estabeleçam diálogo, por favor.
O Sr. Dr. João Manuel Machado Gouveia (ex-Direc-tor-Geral da ex-Direcção-Geral de Pecuária): — Mas o CRAFT não pôs em causa o resultado, refere precisamente isso...
Protestos do PS.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): - Srs. Deputados, peço-vos que não estabeleçam diálogo, porque senão é difícil o Sr. Dr. Machado Gouveia dar as informações.
O Sr. Dr. João Manuel Machado Gouveia (ex-Direc-tor-Geral da ex-Direcção-Geral de Pecuária): - Volto a frisar o que há pouco referi: se fosse um acto de investigação assumido pelo director-geral, ele podia cerceá-lo em qualquer momento; por isso mesmo, esta atitude não existe.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — O que é que o Sr. Director-Geral fez?
O Sr. Dr. João Manuel Machado Gouveia (ex-Director-Geral da ex-Direcção-Geral de Pecuária): — O que o director-geral fez foi compatibilizar a informação que tinha do Laboratório com todas as outras informações, relativamente ao conhecimento da doença, à epidemologia, ao facto de serem animais importados. Todos esses factores tiveram de ser analisados em conjunto para definir uma estratégia em relação aos...
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O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Mas quais foram os exames complementares?
O Sr. Dr. João Manuel Machado Gouveia (ex-Director-Geral da ex-Direcção-Geral de Pecuária): — Sr. Deputado, já lhe disse! Não seria eu, nem podia ser, a mandar fazer os exames complementares. Agora, a legislação, que há pouco invoquei, demonstra que nos casos, como Portugal, em que aparecem situações inopinadas devem ser feitos outros exames que não sejam, meramente, os histopatológicos...
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Peço desculpa, Sr. Presidente, mas isto é essencial para o complemento do processo.
Permita-me que o interrompa, Sr. Director-Geral, pois
apenas quero, com muito boa fé, perceber a sua posição. O Sr. Director-Geral é a autoridade sanitária nacional.
O Sr. Dr. João Manuel Machado Gouveia (ex-Director-Geral da ex-Direcção-Geral de Pecuária): — Sim, sim!
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Portanto, tem, como o Sr. Director-Geral refere, de ter todos os elementos na mão para poder fazer a declaração, se ela for de fazer, a tal notificação. Logo, o Sr. Director-Geral, mais do que ninguém, como autoridade sanitária nacional e como, simultaneamente, director-geral da Pecuária, deveria, com certeza, promover as iniciativas necessárias no plano da investigação téc-nico-científica para se apurar se havia ou não BSE.
O Sr. Director-Geral não pode vir aqui dizer que recebeu os resultados e que, para ter conhecimento final do processo, teria de haver outros exames, mas, como não foram feitos e o Sr. Director-Geral nunca os mandou fazer, ficou tudo fechado no cofre. Isto é «uma pescadinha de rabo na boca»! Se todas as autoridades sanitárias tivessem assumido essa posição, nunca se saberia, em Portugal, de qualquer doença. Isto é absolutamente absurdo!
O Sr. Dr. João Manuel Machado Gouveia (ex-Direc-tor-Geral da ex-Direcção-Geral de Pecuária): — Não!...
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Srs. Deputados, penso que já estão colocadas todas as questões,...
O Sr. António Campos (PS): — É só mais uma, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado António Campos, se o Sr. Dr. Machado Gouveia não levar a mal, dou-lhe a palavra para colocar essa questão, mas depois encerramos mesmo a audição. No entanto, peço-lhe, Sr. Deputado António Campos, que não se repita, que coloque algo de concreto, que ainda não tenha sido...
O Sr. António Campos (PS): — Vou aguardar o fim das explicações do Sr. Director-Geral, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — De qualquer modo, deixo a observação. Dar-Ihe-ei a palavra esperando que não seja para repetir o que já foi n vezes dito durante esta audição.
Faça favor de continuar, Sr. Dr. Machado Gouveia.
O Sr. Dr. João Manuel Machado Gouveia (ex-Direc-tor-Geral da ex-Direcção-Geral de Pecuária): — O Sr. Deputado António Campos falou no problema de Inglaterra, no
da França, mas não falou nò problema da Alemanha, que eu referi. A Alemanha fez exactamente o exame histopatológico e não definiu a doença, embora o exame histopatológico...
Protestos do Deputado do PS Luís Capoulas Santos.
O Sr. Dr. João Manuel Machado Gouveia (ex-Direc-tor-Geral da ex-Direcção-Geral de Pecuária): - Desculpe, Sr. Deputado, tanto faz um como 20, o problema é o mesmo. A posição é exactamente a mesma.
Protestos do PS.
Qual formol, Srs. Deputados! Desculpem lá...
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Srs. Deputados, saibamos respeitar-nos mutuamente. Deixem que o Sr. Dr. Machado Gouveia possa prestar os esclarecimentos que lhe foram pedidos.
O Sr. Dr. João Manuel Machado Gouveia (ex-Director-Geral da ex-Direcção-Geral de Pecuária): — Se o histopatológico fosse patognomónico, era-o tanto aqui como na Alemanha. O Sr. Deputado referiu-se também ao diagnóstico complementar e a minha resposta é a mesma em relação ao diagnóstico complementar.
Quanto ao problema de má fé e de confiança nos especialistas, eu nunca pus em dúvida nem tenho de o fazer, porque o director do Laboratório é que é reportado a essa matéria, tal como eu referi: a área de investigação nunca esteve directamente na minha dependência, por força de orgânicas legais que existem sobre a matéria.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Doutor, permita-me interrompê-lo mas gostaria de clarificar um pouco esta matéria, porque esta é a questão chave disto tudo.
V. Ex." recebe o primeiro relatório em 1990 e vai recebendo outros relatórios de outros casos que vão surgindo; como director-geral da Pecuária nunca convoca o seu conselho técnico, não diz o Laboratório que tinha dúvidas sobre os resultados e, passados três anos, diz-nos que faltam elementos complementares! Os investigadores, os profissionais, os «capazes» em Portugal — que são os veterinários que estiveram no terreno e os investigadores que estiveram no Laboratório — dizem-nos: «Nós confirmamos, sem qualquer dúvida, a encefalopatia.» V. Ex.a chega aqui e diz: «Não há encefalopatia em Portugal, embora haja suspeitas.» Sr. Doutor, como e em que dados é que se baseia para nos dizer isso? Tem de nos dizer onde é que foi buscar os outros meios complementares para pôr em dúvida a afirmação feitas pelos únicos que trabalharam nesta situação. Caso contrário, qual é a conclusão que temos de tirar?
O Sr. Dr. João Manuel Machado Gouveia (ex-Direc-tor-Geral da ex-Direcção-Geral de Pecuária): — O Sr. Deputado tirará a conclusão que entender — suponho que é para isso que está aqui. Aquilo que eu digo, e repito, é que, à data em que a situação teve de ser assumida pelo director--geral, ele considerou que os elementos que detinha não eram suficientemente confirmativos para definir publicamente uma situação de doença, embora pudesse existir uma suspeita de um doente. São duas coisas completamente distintas!
O Sr. António Campos (PS): — Sem critério científico! É um critério meramente político!
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O Sr. Dr. João Manuel Machado Gouveia (ex-Direc-tor-Geral da ex-Direcção-Geral de Pecuária): — Não é critério político coisa nenhuma!
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Srs. Deputados, a questão foi colocada ao Dr. Machado Gouveia, que responde nos termos que entende — por muito que possa agradar-nos ou desagradar-nos, não vale a pena estarmos a forçar outro tipo de resposta. O depoente dá a informação que entende sobre as questões suscitadas.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Sr. Presidente, permíta-me que faça uma interpelação à mesa. Peço à mesa que procure fazer com que os depoimentos, tanto quanto possível, dêem respostas às questões, porque, face a diagnósticos médico-científicos, não se pode responder com estatísticas do LNE! Há um diagnóstico médico-científico e nós dizemos: temos aqui uns elementos do LNE que dizem que, face ao número de animais importados, às percentagens da doença, etc, isto não é compatível; portanto, não há doença!
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Vamos pôr fim a este incidente. Vamos prosseguir a audição do Dr. Machado Gouveia. Penso que todos nós, em igualdade de circunstâncias, queremos apurar esta situação, mas não podemos forçar o depoente a responder de forma diferente daquela que ele entenda — isto sem prejuízo de que todos nós buscamos o esclarecimento das situações. O que temos, é de tirar as ilações das afirmações produzidas e é isso o que nos cabe fazer no final dos nossos trabalhos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Duarte.
O Sr. Carlos Duarte (PSD): — Apenas queria perguntar ao Sr. Dr. Machado Gouveia se, quando recebeu, da parte do director do Laboratório, os boletins de análises histopa-tológicas dos casos, lhe disse que considerava esses resultados como definitivos, pedindo-lhe para guardar segredo, ou se os considerou incompletos, pelo que haveria mais diligências a fazer? Qual a posição que assumiu?
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem a palavra o Sr. Dr. Machado Gouveia.
O Sr. Dr. João Manuel Machado Gouveia (ex-Direc-tor-Geral da ex-Direcção-Gèral de Pecuária): — Para já, vou responder ao Sr. Deputado Lino de Carvalho, que referenciou o problema estatístico: devo dizer que a epidemiologia tem muito disso mas não só! Por isso mesmo é que digo que há muitos factores a ter em linha de conta para definir uma situação e não só um.
Quanto ao problema da confiança nos especialistas, já respondi que é um acto que compete à entidade que gere o Laboratório e foi ele que nos apresentou para efeitos de. Mais nada! Não tirei ilação nenhuma, o Sr. Deputado, possivelmente, é que o fez.
O Sr. António Campos (PS): -r- Então, existe incoerência.
O Sr. Dr. João Manuel Machado Gouveia (ex-Direc-tor^Geral.da ex-Direcção-Geral de Pecuária): - Em relação às pessoas, não tirei ilação nenhuma, falo em relação à doença! Aliás, acerca disso, foi aqui dito, pelo que ouvi há pouco, pelo Professor Manuel Lage, que o Departamento de Anatomia Patológica do Laboratório tinha ficado fora da situação. Ele refere isso e eu creio que aquilo que ele diz é
a verdade dos factos, embora o Dr. Matos Águas, no segundo relatório, diga que houve colaboração do Departamento de Patologia do Laboratório. Mas acho estranho que tenha havido, visto que tudo continuou a ser assinado pelos mesmos dois técnicos, que ninguém pôs em causa, pelo menos, pela minha parte.
Quanto às questões que se referem ao Sr. Secretário de Estado e ao Sr. Ministro, como calculam, Srs. Deputados, face à natureza e sensibilidade desta matéria, reportei-a verbalmente a ambos, dizendo-lhes também exaciameme aquilo que a Direcção-Geral, enquanto autoridade sanitária nacional, entendia sobre esta matéria, o que já aqui expus, e foi-me corroborada a posição que eu tinha assumido.
Tenho aqui uma outra pergunta, que foi colocada pelo Sr. Deputado Lino de Carvalho e que se refere ao texto em inglês. Mas eu tenho aqui o texto em francês e não é igual ao seu! Por isso eu fiz aquele comentário, há pouco, sobre as traduções. Posso ler-vos aqui o texto em francês: «Les directeurs-généraux et chefs des services vétérinaires ont pris connaissance d'une déclaration de la délégation portuguaise qui, évocant certaines récents rumeurs faisant état d'éxistance en 1991 et 1992, de trois cas de BSE sur le territoire du Portugal, concernant des animaux importés du Royaume Uni, a démontré que les résultats obtenus à issue des recherches et examens effectués par le soin des services vétérinaires portuguais responsables dans la matière, ne leurs ont pas permis de confirmé l'éxistance de BSE au Portugal.» Isto é significativamente diferente daquilo que V. Ex.a leu em inglês! É o mesmo documento, da Dinamarca, o documento n.° 6727/93, da Comissão.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem a palavra o Sr. Deputado Lino de Carvalho.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Sr. Presidente, peço à Mesa que, através dos serviços oficiais da Assembleia, confirme com a Comunidade, enviando os dois textos das actas, no senüdo de saber qual é a acta oficial.
O Sr. Dr. João Manuel Machado Gouveia (ex-Direc-tor-Geral da ex-Direcção-Geral de Pecuária): — Sr. Deputado, se me permite posso dizer-lhe que este relatório chegou anteontem à minha mesa e limitei-me a fotocopiá-lo. Como vê, a fotocópia é relativa a diversos pontos: o n.° 2 é o do grupo dos chefes dos serviços veterinários da CEE e, depois, peste suína clássica, da delegação alemã. Suponho que seja o mesmo texto que V. Ex.a tem. Já agora, também quero dizer-lhe que, em relação às traduções na Comunidade, isto acontece muitas vezes com a língua inglesa e com a francesa.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP). — Mas eu não sei se a tradução exacta é esta ou essa!
O Sr. Dr. João Manuel Machado Gouveia (ex-Director-Geral da ex-Direcção-Geral de Pecuária): — A única coisa que posso dizer, quanto a isso, é que tenho comigo aquilo que disse em português e corresponde ao que tenho em francês.
O Sr. Lino de Carvalho (PCP): — Mas eu também tenho a versão portuguesa, portanto...
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado Lino de Carvalho, peço-lhe que nos faculte uma cópia do
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seu documento, tal como ao Dr. Machado Gouveia, que já se disponibilizou para o fazer conjuntamente com outros documentos que irá fornecer-nos.
Tem a palavra, Sr. Dr. Machado Gouveia.
O Sr. Dr. João Manuel Machado Gouveia (ex-Direc-tor-Geral da ex-Direcção-Geral de Pecuária): — Em relação à questão colocada pelo Sr. Deputado Luís Capoulas Santos, referente ao problema do Sr. Secretário de Estado, já o disse, e não tenho outra declaração a fazer.
Quanto ao facto de eu não ser especialista, portanto, se se deveria ter feito ou não os exames complementares, o Sr. Deputado sabe bem, porque esteve muitos anos no serviço do Ministério, que há uma diferença entre autoridade sanitária nacional e a entidade de investigação — são duas situações completamente distintas. Assumo aque/a que sou, que é a autoridade sanitária nacional, e tenho de me reportar, dentro da minha qualidade, às informações que obtenho das diferentes áreas que me permitam formular a perspectiva em termos dessa autoridade sanitária nacional e foi aquilo que fiz. Entendi que os elementos que tinha na mão justificavam uma suspeita de um doente mas não uma atitude de doença, razão pela qual e tendo em consideração problemas de alarmismos anteriores, que já tinham existido, e outras situações à data, entendi que, efectivamente, não era de reportar porque não tinha significância nesse sentido.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Capoulas Santos.
O Sr. Luís Capoulas Santos (PS): - O Sr. Director--Geral acabou de confirmar que, na sua qualidade de autoridade sanitária, recebeu os resultados das análises e entendeu pô-los em causa, entendeu não os considerar suficientes, porque, não se assumindo como entidade coordenadora ou responsável pela investigação sobre essa matéria, não quis pronunciar-se. Mas então, assim sendo, do ponto de vista da autoridade sanitária, que argumentação é que o levou a concluir que os elementos não lhe permitiam chegar à conclusão a que tinham chegado os investigadores que lhos apresentaram e relativamente aos quais V. Ex.a se assumiu como cientificamente não competente para os desmentir? A questão crucial é esta!
Permito-me enfatizar isto porque considero que esta é a questão essencial deste debate: objectivamente, os técnicos cientificamente habilitados, cuja competência o Sr. Director-Geral não pôs em causa, chegaram categoricamente a uma conclusão e o Sr. Director-Geral, sem explicitar porquê, no âmbito do exercício das suas funções enquanto autoridade sanitária, pô-los em causa. Gostaria de saber com que fundamento. Não considero esta questão esclarecida e gostaria que pudesse precisá-la.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Tem a palavra o Sr. Deputado António Campos.
O Sr. António Campos (PS): — Peço desculpa por insistir nesta situação, mas fizemos uma audição e estamos agora a ouvir «a peara chave» nesta matéria. Portanto, não podemos questionar o Sr. Director-Geral com a mesma brevidade com que o fizemos com outros depoentes. Temos de clarificar bem todas as questões porque, aqui, o poder político também está envolvido.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — A mesa não tenciona prejudicar o esclarecimento de quaisquer factos, mas não vale a pena estar a repetir as mesmas coisas, porque não ficamos mais esclarecidos com essa repetição.
O Sr. António Campos (PS): — Certo, Sr. Presidente.
Há pouco, o Sr. Dr. Machado Gouveia disse que a declaração obrigatória era uma notificação à Direcção-Geral da Pecuária. O laboratório cumpriu o seu dever e notificou o Sr. Director-Geral da existência de encefalopatia espongiforme dos bovinos, mas parece que o Sr. Director-Geral, depois, não deu andamento ao processo. Temos em nosso poder documentação sobre a comunicação que lhe foi feita, mas de nada mais dispomos e, de facto, como é a autoridade sanitária, se não for verdade o que estou a afirmar, fará o favor de o contestar.
Por outro lado, enquanto autoridade sanitária, o Sr. Director-Geral, por sua alta recriação e sem qualquer base científica, resolveu dizer: «Estes exames de confirmação, a mim, não me chegam.» E se digo que o fez sem qualquer outra base deve-se ao facto de o Sr. Director-Geral, até agora, ainda não nos ter dito a quem pediu, de 1990 a 1993, exames complementares para confirmar a existência da doença.
Portanto, o Sr. Director-Geral encontra-se numa posição ambígua: não desmente os investigadores e diz que possivelmente a doença existe, embora não tenha a certeza desse facto. Tanto quanto percebi, o Sr. Doutor não «meteu essa situação na gaveta», mas também não fez qualquer diligência, desde 1990, que lhe permitisse confirmar dúvidas.
Gostava de saber em que termos se dirigiu o Sr. Director-Geral ao Secretário de Estado e ao Ministro, nomeadamente, se se fez acompanhar dos resultados do laboratório e das opiniões de especialistas ou se apenas se muniu da sua opinião pessoal no senüdo de que essa doença não existe em Portugal.
Precisamos de saber em que termos foi feita essa comunicação, porque uma coisa é o Sr. Doutor, sem qualquer critério científico, ter formado uma opinião — só dispomos do critério científico da confirmação do laboratório —, outra é o Sr. Doutor, por sua alta recriação, porque não nos disse a quem pediu exames complementares de diagnóstico, chegar junto do Secretário de Estado dizendo-lhe: «O laboratório confirma-me a existência da doença, mas entendo que os resultados não são de aceitar.»
Gostava de conhecer igualmente a resposta dada pelo
Secretário de Estado perante este caso, se pediu ao Sr. Director-Geral que fossem realizados exames complementares ou se ficou satisfeito com a sua opinião pessoal no sentido de não haver casos de encefalopatia espongiforme dos bovinos em Portugal.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Para responder, tem a palavra o Sr. Dr. Machado Gouveia.
O Sr. Dr. João Manuel Machado Gouveia (ex-Director-Geral da ex-Direcção-Geral de Pecuária): — Sr. Presidente, Sr. Deputado, em relação à questão levantada, tenho de voltar a repetir que os problemas fundamentais da Direcção-Geral têm a ver com saúde pública e com saúde animal. Relativamente à saúde pública, tudo tinha sido feito no sentido de desviar do domínio do público, da alimentação das pessoas, os animais com a mesma sintomatologia ou, pelo menos, idêntica à da doença. Por outro lado, em relação à saúde animal, o problema estava perfeitamente clarificado na medida em que se tratava de animais importados e não havia uma correlação, etc, etc. Ou seja, foi tomado peta Administração um conjunto de atitudes, depois de pesados todos estes itens.
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Volto a dizer que, possivelmente, o Sr. Deputado gostaria que eu pusesse na minha boca aquilo que tem vindo a dizer. Peço-lhe imensa desculpa mas a minha opinião era ontem, é hoje e será amanhã a mesma.
O Sr. António Campos (PS): — Ou seja, é uma decisão política?
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado
António Campos, não interrompa o Sr. Dr. Machado Gouveia, por favor.
O Sr. Dr. João Manuel Machado Gouveia (ex-Direc-tor-Geral da ex-Direcção-Geral de Pecuária): — Volto a repetir: essa é a sua opinião, não a minha, Sr. Deputado!
Aliás, até estou agradecido, de alguma forma, pela realização desta audição parlamentar pois insignes cientistas de diferente formação, muitos do domínio das patologias, puseram, de uma maneira e de outra, o problema e suscitaram dúvidas.
O Sr. António Campos (PS): — Mas, de 1990 a 1993, o Sr. Doutor nunca convocou o conselho técnico da sua Di-recção-Geral. Como é que é possível?
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado António Campos,...
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Presidente, peço desculpa, mas trata-se de uma questão séria, de uma questão de Estado...
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado António Campos, em primeiro lugar, está a interromper o orador sem que ele lhe tenha dado permissão para tal; em segundo lugar, nem sequer o solicitou à Mesa e, se a Mesa existe, é para alguma coisa...
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Presidente, peço-lhe que me desculpe.
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Deputado, concordo que o Sr. Dr. Machado Gouveia permita que o Sr. Deputado António Campos introduza algum dado novo para que possa ser esclarecido, mas não vale a pena se vai repetir-se.
O Sr. António Campos (PS): — Sr. Doutor, alguma vez o Sr. Director-Geral convocou o conselho técnico da sua Di-recção-Geral para discutir esta situação ou para a pôr em dúvida?
Algum o dia o Sr. Director-Geral fez uma reunião com os investigadores e pôs em causa, perante eles, os resultados obtidos?
Algum dia o Sr. Director-Geral fez uma reunião com os veterinários que, no terreno, apanharam os animais e manteve com eles uma conversa pondo em causa a situação?
Parece-me que o Sr. Director-Geral se comporta como se pensasse o seguinte: «É uma questão política, fecho-me em copas; os cientistas não têm interesse para o diagnóstico desta doença.»
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — O Sr. Dr. Machado Gouveia estava no uso da palavra. Faça o favor de continuar.
O Sr. Dr. João Manuel Machado Gouveia (ex-Director-Geral da ex-Direcção-Geral de Pecuária): — O director--geral não convocou o conselho técnico porque considerou — como há pouco referi —, tendo em vista todo o melindre que envolvia, desde 1988, este sistema...
Protestos do Deputado António Campos.
Sr. Deputado, posso falar? Suponho que me encontro nesta Comissão na qualidade de convidado, pelo que agradeço que me dê esse direito.
Como disse, a saúde pública foi defendida a outrance, aspecto que tem andado arredado do debate e esta ideia é fundamental em termos da Administração Pública bem como do cargo que exercia.
Vou ter de repetir-me de novo: toda a informação de que dispunha suscitava-me dúvidas e tanto assim era lógica a minha apreciação que, ao longo desta audição parlamentar, surgiram dúvidas por parte de indivíduos com um gabarito científico que não pode ser posto em causa. Ora bem, se eles próprios têm dúvidas, será que o director-geral as não pode ter?
Em relação às reuniões, se havia dúvidas, por que razão, então, ao longo destes três anos, não marcou o Sr. Director do Laboratório uma reunião do CRAFT, que tem um carácter científico, sobre a mesma matéria?
0 Sr. António Campos (PS): — Dúvidas?
O Sr. Presidente (Antunes da Silva): — Sr. Dr. Machado Gouveia, muito obrigado pelos esclarecimentos que nos prestou e pela sua disponibilidade.
Srs. Deputados, terminámos os nossos trabalhos por hoje. Penso, Sr. Deputado António Campos, que de nada adianta voltar a dar-lhe a palavra e espero que não invoque ter sido afectada a sua liberdade em ser esclarecido.
Está encerrada a reunião.
Eram 18 horas e 20 minutos.
A Divisão de Redacção da Assembleia da República.
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da Assembleia da República
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