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Sábado, 15 de Janeiro de 1994

II Série-C — Número 9

DIÁRIO

da Assembleia da República

VI LEGISLATURA

3.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1993-1994)

SUMÁRIO

Comissões:

Comissão de Agricultura e Mar.

Relatório de actividades da Comissão referente ao mês

de Dezembro de 1993 42

Comissão de Saúde:

Relatório da Comissão sobre um pedido de audição parlamentar acerca da hemodiálise em Évora............. 42

Mandato de Deputado:

Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias relativo à substituição de três Deputados do PSD e de um do PCP 42

Provedor de Justiça:

Recomendação sobre a necessidade de formulação legislativa quanto a alguns conceitos não constantes da Lei n.° 58/

90, de 7 de Setembro 43

Recomendação sobre o não acatamento de uma anterior recomendação legislativa 49

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Relatório de actividades da Comissão de Agricultura e Mar referente ao mês de Dezembro de 1993.

Dando cumprimento ao estatuído no artigo ll 7.° do Regimento da Assembleia da República, a Comissão de Agricultura e Mar informa a Assembleia da República de que, face ao acto eleitoral de 12 de Dezembro de 1993 e ao decurso da quadra natalícia, apenas efectuou uma reunião no dia 14 de Dezembro de 1993, a qual contou com a presença de 24 Deputados.

Palácio de São Bento, 4 de Janeiro de 1994.— O Presidente da Comissão, Antunes da Silva.

Relatório da Comissão de Saúde sobre um pedido de audição parlamentar acerca da hemodiálise em Évora.

Em Março de 1993 ocorreram algumas mortes de indivíduos hemodializados, que estavam a receber tratamento no Hospital Distrital de Évora. Ta) facto originou um pedido de audição parlamentar apresentado pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista. Tendo sido presente à Comissão Parlamentar de Saúde, a referida proposta de audição mereceu a unanimidade de todos os partidos e, após um breve debate, ficou decidido ouvir as entidades mais envolvidas no problema da hemodiálise em Évora.

Por ordem cronológica, foram ouvidas as seguintes personalidades:

Dia 20 de Abril — Ministro da Saúde e Secretário

de Estado da Saúde; Dia 28 de Abril — presidente da Câmara Municipal

de Évora;

Dia 28 de Abril — conselho de administração do

Hospital Distrital de Évora; Dia 29 de Abril — presidente da Comissão Nacional

de Diálise e Transplantação; Dia 29 de Abril — Autoridade Sanitária de Évora; Dia 20 de Maio — ex-responsável pela hemodiálise

do Hospital Distrital de Évora; Dia 6 de Julho — Ordem dos Médicos; Dia 6 de Julho — Associação Portuguesa dos

Insuficientes Renais; Dia 7 de Julho — directora do laboratório do Instituto

Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge; Dia 19 de Outubro — Administração Regional de

Saúde de Évora.

Foram recolhidas bastantes informações e o assunto foi acompanhado com o maior interesse pela Comissão, à qual não compete, no entanto, extrair conclusões definitivas, no quadro da «audição».

Todas as sessões foram abertas à comunicação social, algumas das quais foram divulgadas com algum detalhe. Entretanto, decorrem actos de apuramento no âmbito de outras entidades com poderes de investigação.

Assim, aguardaremos esses documentos como informação complementar.

Aprovado em reunião da Comissão de 6 de Janeiro de 1994.

O Presidente da Comissão, Macário Correia

Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

1 — Em reunião da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, realizada no dia 12 de Janeiro de 1994, pelas 10 horas e 30 minutos, foram observadas as seguintes substituições de Deputados:

a) Nos termos do artigo 5.°, n.°2, alínea a), do Estatuto dos Deputados:

Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata (PSD):

Carlos Alberto Pinto (círculo eleitoral de Castelo Branco) por Maria de Lurdes Borges Póvoa Costa, por um período não inferior a 45 dias, com início em 7 de Janeiro corrente, inclusive;

b) Nos termos do artigo 5.°, n.°2, alínea b), do Estatuto dos Deputados:

Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata (PSD):

Ál varo Roque de Pinho Bissaia Barreto (círculo eleitoral de Lisboa) por João Granja Rodrigues da Fonseca, por um período não inferior a 45 dias, com início em 11 de Janeiro corrente, inclusive;

c) Nos termos do artigo 20°, n.° 1, alínea c), do Estatuto dos Deputados:

Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata (PSD):

Carlos Miguel Maximiano de Almeida Coelho (círculo eleitoral de Santarém) por António Augusto Fidalgo, com início em 10 de Janeiro corrente, inclusive;

d) Nos termos do artigo 20.°, n.° I, alínea A), do Estatuto dos Deputados:

Solicitada pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português (PCP):

Manuel Rogério de Sousa Brito (círculo eleitoral de Setúbal) por Paulo Manuel da Silva Gonçalves Rodrigues, com início em 10 de Janeiro corrente, inclusive.

2 — Analisados os documentos pertinentes de que a Comissão dispunha, verificou-se que os substitutos indicados são realmente os candidatos não eleitos que devem ser chamados ao exercício de funções, considerando a ordem de precedência das respectivas listas eleitorais apresentadas a sufrágio pelos aludidos partidos nos concernentes círculos eleitorais.

3 — Foram observados os preceitos regimentais e legais aplicáveis.

4 — Finalmente, a Comissão entende proferir o seguinte parecer:

As substituições em causa são de admitir, uma vez que se encontram verificados os requisitos legais.

Palácio de São Bento, 12 de Janeiro de 1994. — A Comissão: Guilherme Silva (PSD), presidente — Vera

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Jardim (PS), vice-presidente — Odete Santos (PCP), secretário—"Carlos Oliveira Silva (PSD), secretário — Cipriano Martins (PSD) — Correia Afonso (PSD) — Fernando Condesso (PSD) — João Salgado (PSD) — Silva Marques (PSD) — Luis Pais de Sousa (PSD) — Correia de Jesus (PSD) — Maria Leonor Beleza (PSD) — Margarida Silva Pereira (PSD) — Braga de Macedo (PSD) — Alberto Costa (PS) — Alberto Martins (PS) — José Magalhães (PS) — Luís Amado (PS) — Maria Julieta Sampaio (PS) — António Filipe (PCP).

PROVEDORIA DE JUSTIÇA

Recomendação sobre a necessidade de formulação legislativa quanto a alguns concertos não constantes da Lei n.s 58/90, de 7 de Setembro.

1 — Várias reclamações têm-me vindo a ser dirigidas sobre a violência e sexo na televisão (junto fotocópia).

2 — Ouvida sobre o assunto, a RTP produziu a informação de que igualmente junto fotocópia, enviando a deliberação sobre a exibição de O Império dos Sentidos que aqui dou por reproduzida.

3 — Assim, entendo que a apreciação da legalidade, em sentido amplo, de actuação dos meios de comunicação social não estatizados pertence em exclusivo à Alta Autoridade para a Comunicação Social, que é um órgão independente, como resulta do artigo 39." da Constituição.

4 — Mas sendo a Alta Autoridade para a Comunicação Social e o provedor de Justiça órgãos independentes, não tem este poder para censurar os termos de intervenção da Alta Autoridade em relação a cada caso concreto. Já o mesmo se não diga, porém, no que concerne à RTP, em face do disposto no artigo 2.° da Lei n.°9/91, de 9 de Abril.

5 — Há que, ponderadamente, evitar situações de confli-tualidade analisando em cada caso concreto a decisão da A/ta Autoridade e as suas motivações e, só em situações de extrema gravidade e profunda divergência, dar solução ao caso concreto.

6 — No caso em apreço não divirjo das conclusões e fundamentação da deliberação tomada pela Alta Autoridade para a Comunicação Social.

7 — Nestes termos e atendendo à necessidade que se vem fazendo sentir, designadamente em termos de direito comparado, de, em sede de alteração da Lei n.° 58/90, de 7 de Setembro, se definirem os conceitos de pornografia e obscenidade e ainda que se defina por forma diferente o conceito horário nocturno, fixando o seu início para hora mais tardia, nomeadamente as 24 horas, recomendo a V. Ex.° que seja encarada a hipótese de formulação legislativa que abranja os aspectos em causa.

8 — Do seguimento dado a esta recomendação agradeço a V. Ex." que me seja dado conhecimento.

Apresento a V. Ex.° os meus melhores cumprimentos.

O Provedor de Justiça, José Meneres Pimentel.

ANEXO 1

Carta aberta ao Sr. Presidente da República, ao Sr. Prlmelro-Mlnistro e ao Sr. Ministro da Educação

Como educadora que sou já há II anos, tenho tido, como é óbvio, o contacto suficiente com crianças, dos 3 aos 14 anos, para saber o quanto os meios informativos são importantes na sua formação, sendo o mais determinante de todos «A caixa que mudou o mundo», ou seja a televisão.

Por isso, é com grande preocupação que tenho vindo a assistir à violação sistemática da nossa Constituição e das próprias cláusulas que regem os princípios da RTP.

Pela passagem constante de filmes sobre violência, assustadoramente realista (tão diferentes da Bonanza ou do Belfegor do meu tempo de criança) ou pela imoralidade crescente de uma sexualidade exibicionista e gratuita nos nossos ecrãs, assim se vai apodrecendo o tecido social — são os valores da dignidade e do respeito pelo ser humano a serem cada vez mais postos de lado, em nome de uma falsa «liberdade» que nos vai conduzindo insensivelmente e quase sem darmos por isso à degradação das nossas crianças e jovens.

Não tem qualquer espécie de lógica que, havendo uma classificação feita pela Direcção-Geral dos Espectáculos de filmes próprios e não próprios para crianças e jovens, a RTP passe sistematicamente filmes, que nem para 18 nem para 100 anos deveriam ser classificados, a horas acessíveis a qualquer um.

Mesmo o argumento de que os filmes impróprios para crianças são passados depois das 21-22 horas está completamente desfasado da realidade, pois grande partes das nossas crianças dos 4 aos 14 anos não vão para a cama às 21 horas (para não falar, é claro, dos jovens, os quais muitas vezes fazem «directas» umas atrás das outras);

As nossas crianças são aquelas que vivem em barracas, partilhando o único quadro com toda a família, frente a uma televisão ... «pela noite dentro»;

As nossas crianças são as que não têm demasiadas vezes a atenção de um responsável de educação atento que oriente a sua formação, independentemente do meio socioeconómico a que possam pertencer;

As nossas crianças são as que, nas escolas, nos ATL e noutras instituições afins, se comportam como bichinhos, apresentando já enormes dificuldades de adaptação social, prometendo o adulto atrofiado e limitado pela sua realidade de ser eminentemente «animal», em todo o sentido negativo que esta palavra possa conter;

As nossas crianças são as que andam pela rua e pelos transportes públicos, aos grupos, insultando os adultos com obscenidades, pois perderam todo o respeito por aqueles que também as não souberam respeitar;

As nossas crianças são aquelas que compram o Jornal de Sexologia, à venda em todas as bancas do País a preços acessíveis e nele adquirem, às escondidas dos adultos, toda uma série de noções de uma «pseudo-ciência» totalmente aberrante, do género de que: o lesbianismo, fenómeno frequente e gratificante, se começa desde a infância a manifestar nas raparigas que não gostam de brincar às bonecas, preferindo as brincadeiras de rapazes; ou de que o amor a três é algo de divertidíssimo, sobretudo quando existe um cão à mistura; ou ainda de que «as gatinhas de tal rua esperam por nós», afim de participarmos em alegres «orgias em família». Talvez algumas das crianças tenham até reconnecído nas imagens que enchem este interessante jornal os seus próprios familiares! Muito educativo.

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As nossas crianças são aquelas que muitas vezes se acabam por entregar à prostituição, ao crime, à corrupção, ao assassínio, à droga, ao aborto, ao suicídio ou simplesmente a vida cinzenta, vazia de sentido e vazia de ideal;

As nossas crianças, Dr. Mário Soares, Dr. Cavaco Silva e Dr. Roberto Carneiro, pertencem à CEE, da qual, infelizmente, temos a tendência de copiar tanto o bom como o mau (diz-se que nos outros países a licenciosidade é ainda maior e, como somos o País dos brandos costumes, aqui parece que não é tão mau como lá, mas mesmo assim já temos matéria suficiente para reescrever a Decadência do Império Romano ... do século xx.

Para onde caminhamos?

Para o Último Tango em Paris anunciado em grandes cartazes «Para Todos!!!»?

Dia 19 de Fevereiro, terça-feira, passaram na nossa RTP o filme cheio de cenas pornográficas O Império dos Sentidos. Às 21 horas e 55 minutos.

Numa data para esquecer, a RTP chegou a passar num domingo à tarde um filme sobre a guerra de Espanha, se não estou em erro, O Tambor, o qual foi de tal ordem que até a revista Sábado brindou a RTP com uma negra e vergonhosa «lua nova», em atenção as crianças!

O próprio director da revista acima mencionada, Joaquim Letria, parece ter uma apetência especial em chocar as pessoas, tendo já trazido aos seus programas televisivos duas mulheres que, gratuitamente, exibiem o seu corpo como se de mercadoria se tratasse. Qual será a sua ideia? Fazer um pouco «o gosto ao dedo» do ladozinho animal que todos nós temos? Mostrar que é muito «livre» e até já consegue fazer aquilo que lá fora se faz corrente e civilizadamente, com toda a linha?

Sr. Joaquim Letria, esta é para si: eu fui uma das muitas pessoas que deixou de comprar a revista Sábado (o que fazia pontualmente todas as semanas) quando soube que o senhor tinha sido tão baixamente substituído por outro director, devido à consideração que tenho por si. Por favor, não tome atitudes que não estão à altura da popularidade que ganhou junto do povo português!

No entanto, nem tudo é negro, pois, verdade seja dita, em poucos anos, a RTP tem vindo a evoluir de forma bem visível no que respeita a programações infantis e juvenis. Nota-se da sua parte um esforço em melhorar a qualidade e aumentar a quantidade desses programas, muitas vezes de excepcional qualidade.

Então, porquê esta incoerência? O ser humano é feito de contradições, é certo, mas um meio de comunicação com a responsabilidade da RTP (por mais pequeno e insignificante que Portugal seja no mapa-mundi, são muitas vidas que ela atinge), não pode apresentar esse subterfúgio, nem o de que uma televisão «deve mostrar um pouco de tudo» (neste caso tem sido muitíssimo de um pouco —sexo e violência), ou de que «estas coisas existem», «as crianças não devem ser educadas em algodão em rama», ou, pior argumento ainda «elas até sabem mais do que nós», «a RTP avisou de que as pessoas sensíveis não deviam assistir a esse programa», «as pessoas.só vêem se querem» e outros argumentos primários e mentirosos.

Felizmente que temos agora a APET — Associação Portuguesa de Espectadores de Televteão.

O seu número de sócios tem vindo incessantemente a aumentar, o que prova que há muitos que acreditam na RTP, desejam-na cada vez melhor e responsável, exigem dela que cumpra a função para que foi criada: servir_o povo português.

Termino esta carta, desejando que ela não vá cair em

«saco roto» e sabendo que estou a falar em nome de muitas pessoas que não tiveram ainda a oportunidade de manifestarem aquilo que realmente sentem e pensam.

Lisboa, Fevereiro de 1991. — Raquel A., educadora.

ANEXO 2

ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE ESPECTADORES DE TELEVISÃO (APET)

Ex."»0 Sr. Doutor Provedor da Justiça:

Excelência:

A Associação Portuguesa de Espectadores de Televisão, pessoa colecta n.° 501771301, com sede na Rua do Bolhão, 99, 2.°, F, 4000 Porto, vem expor e requerer a V. Ex.a o seguinte:

1 — Na sequência da queixa apresentada à Alta Autoridade para a Comunicação Social (de conteúdo análogo à exposição enviada a V. S.') foi proferida decisão de cujo conteúdo enviamos cópia.

2 — Pela mesma se verifica que a Alta Autoridade para a Comunicação Social, embora considerando incorrecto e merecedor de reparo o critério de programação seguido pela RTP, considerou sem apoio legal as queixas apresentadas.

3 — Para tanto, contribuiu o conceito legal subjectivo de «pornografia» e a sua possibilidade, ou não, de confusão com o de «obscenidade».

4 — Contribuiu ainda para tal decisão o facto de o horário nocturno de actividade televisiva começar às 22 horas.

5 — Assim, nos termos dos artigos 24.° e seguintes da Lei n.° 9/91 e para os efeitos do artigo 20.°, n.° I, alíneas a) e b), do mesmo diploma, vimos requerer a V. Ex."

a) Que dirija recomendação ao conselho de administração da RTP no sentido de evitar situações análogas ou semelhantes àquela que se verificou;

b) Que assinale as deficiências da legislação invocada na referida decisão, emitindo recomendações para a sua interpretação, alteração ou revogação no seguinte sentido:

I) Alteração do artigo 17° da Lei n.° 58/90, de 7 de Setembro, n.°* 1 e 3, no sentido de o conceito de «pornografia» e «obscenidade» serem integrados por elementos de previsão legislativa que os tornem de aplicação mais objectiva;

II) Ou pelo menos que se torne mais clara a distinção entre o conceito de «programa pornográfico» e o de «programa obsceno» — artigo 205.°, n.° 3, do Código Penal;

LU) Que sejam incluídos na previsão legal de «programas pornográficos ou obscenos» aqueles que, embora globalmente não possam ser considerados como tal, tenham no entanto sequências que mereçam tal classificação;

IV) Que seja alterado o n.° 4 do artigo 17." da Lei n.° 58/90, de 7 de Setembro, no sentido de o horário nocturno ter o seu início as 23 ou 24 horas.

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6 — Na verdade, pensamos não poder deixar de se lamentar que uma situação, pela qual a RTP infringiu «a razoabilidade» «o bom senso» e a «prudência programática» [(sic) da AACS], não tenha qualquer cobertura legal que a proíba ou que a evite.

7 — Pensamos, assim, estar dentro das atribuições de V. Ex.' tomar as providências antes sugeridas e outras que, eventualmente, entenda por convenientes no sentido antes exposto.

O que respeitosamente vimos solicitar. Pela Requerente, (Assinatura ilegível.)

ANEXO 3

ALTA AUTORIDADE PARA A COMUNICAÇÃO SOCIAL

Assunto: Deliberação sobre a exibição de O Império dos Sentidos no Canal 2 da RTP.

A Alta Autoridade para a Comunicação Social, reunida em plenário no dia 24 do corrente, apreciou o assunto em epígrafe, tendo tomado, por maioria, a deliberação de que se junta fotocópia.

Com os melhores cumprimentos.

Lisboa, 2 de Maio de 1991. — O Presidente, Pedro Figueiredo Marçal, juiz conselheiro.

ANEXO

Deliberação sobre a exibição do filme O Império dos Sentidos no Canal 2 da RTP (aprovada na reunião plenária de 24 de Abril de 1991).

I — A questão

1 —No dia 19 de Fevereiro de 1991, no Canal 2, a Radiotelevisão Portuguesa exibiu o filme de origem nipó-

nico-francesa O Império dos Sentidos, realizado em 1976, por Nagisa Oshima.

Esse filme, que dura cerca de cento e cinco minutos e cujo género deve ser classificado como «tragédia», foi exibido cerca das 22 horas e 15 minutos, sendo certo que o mesmo se estreara em algumas salas portuguesas de cinema em Novembro de 1976.

2 — Nesse mesmo dia 19 de Fevereiro e no dia imediato, a Alta Autoridade para a Comunicação Social recebeu vários telefonemas de cidadãos, reagindo contra a exibição de tal filme e solicitando a intervenção deste órgão, através das medidas que julgasse adequadas.

3 — Também pelo que acaba de se expor, a Alta Autoridade para a Comunicação Social deu início ao presente processo, nele se integrando todas as queixas escritas que, entretanto, foram dando entrada nos seus serviços, bem como todos os recortes de artigos dos jornais que iam aludindo à exibição daquele filme.

4 — A Alta Autoridade para a Comunicação Social reviu o filme em questão, analisou múltiplas críticas que se publicaram sobre o mesmo e ouviu a gravação de diversas crónicas transmitidas pela rádio.

5 —Entretanto, e porque uma das queixas apresentadas (a da Associação Portuguesa de Espectadores de Televisão)

englobava, no seu conteúdo, o essencial de todas as outras, a Alta Autoridade para a Comunicação Social fez chegar cópia dela à direcção do Canal 2 da RTP e solicitou a tal direcção a informação do que julgasse conveniente sobre o assunto.

II — As queixas e a resposta

1 — Como é do conhecimento público, as várias queixas apresentadas sustentam que o filme O Império dos Sentidos deve ser classificado como pornográfico, ou, quando menos, como obsceno, já que explora excessivamente formas patológicas de violência física e psíquica, sob o ponto de vista sexual, para além de nele se exibirem actos que violam os sentimentos gerais da moralidade sexual.

2 — Nessas queixas ainda se refere que, tendo a RTP que prestar um serviço público, a ela compete a defesa dos valores culturais reinantes no País e a promoção do progresso social.

3—Com efeito, também se conclui dessas queixas que a exibição de O Império dos Sentidos não agradou a todos, porque «a RTP não é uma sala de cinema aonde só vai quem quen>, e porque o «filme em questão consiste apenas na repetíção quase ininterrupta do acto sexual, na prática de aberrações abomináveis e na obsessão de um revoltante sadismo».

4 — Por fim, e do resumo das queixas, ainda deriva que «a simples existência de uma só cena pornográfica ou obscena impediria que o respectivo programa pudesse emitir--se», e que «a hora da exibição do filme é a normal hora de descanso da população, e, por isso, ela tem direito a usufruir de um bom passatempo [...]».

5 — Nesse sentido, as queixas apresentadas, directa ou indirectamente, são unânimes em considerar que a obra cinematográfica em causa é atentatória da moral pública e diminuidora da dignidade humana, já que fere os princípios éticos colectivos dominantes e contraria gravemente a educação que, no entender dos queixosos, se pretende dar à juventude portuguesa.

6 — É dessa forma que os queixosos concluem pela ilegalidade do comportamento da direcção do Canal 2 da RTP e solicitam a esta Autoridade a respectiva e adequada intervenção.

7 — Alguns dos queixosos estribam as suas pretensões nos seguintes diplomas e comandos normativos:

a) Decreto-Lei n.° 254/76, de 7 de Abril, artigo l.°;

b) Portaria n.° 245/83, de 3 de Março, n.° 6.°;

c) Lei n.° 58/90, de 7 de Setembro, artigo 17.°, n.° 1;

d) Código Penal, artigo 205.°, n.° 3.

8 — Por seu turno, e na sequência de solicitação feita por esta Autoridade, o director do Canal 2 da Radiotelevisão Portuguesa, E. P., prestou os seguintes esclarecimentos quanto ao conteúdo objectivo das queixas:

8.1 —O filme O Império dos Sentidos foi classificado pela Comissão de Classificação de Espectáculos como «filme de qualidade», muito embora «interdito a menores de 18 anos» e com a menção de que «contém cenas eventualmente chocantes»;

8.2 — Dessa forma, a RTP cumpriu rigorosamente a lei (artigo 17.° da Lei n.° 58/90, de 7 de Setembro), antecedendo a exibição do filme da advertência das «cenas eventualmente chocantes» e fazendo acompanhar essa exibição com o identificativo apropriado (a pequena bola no canto superior direito do ecrã);

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8.3 — De resto, e também como a lei lhe impõe, só

exibiu o filme após as 22 horas, ou seja, no legalmente

designado «horário nocturno»;

8.4 — Em conclusão, a RTP, através do director do seu Canal 2, conclui pela total licitude da sua conduta.

9 — Importa ainda referir que a RTP, antes de se pronunciar sob o conteúdo objectivo da questão, invocou a ilegitimidade e a falta de representatividade da APET

(Associação Portuguesa de Espectadores de Televisão).

Todavia, a Alta Autoridade para a Comunicação Social considera irrelevante tal arguição, já que, se por um lado a cópia da queixa que a APET apresentou foi enviada à RTP apenas a título exemplificativo, por outro lado esta Autoridade não está obrigada a exercer as suas funções apenas a requerimento dos interessados.

Com efeito, a Alta Autoridade para a Comunicação Social, nos limites das suas competências, actua a requerimento de qualquer pessoal (singular ou colectiva) ou espontaneamente.

Portanto, ainda que a referida APET não tivesse legitimidade ou representatividade para apresentar a queixa, não estava, por isso, inibida esta Autoridade de desencadear o presente processo e de deliberar como se fará, a final.

De resto, e como já se disse, este processo teve o seu início instrumental antes de dar entrada a queixa da Associação Portuguesa de Espectadores de Televisão.

III — Audiências concedidas pela Alta Autoridade para a Comunicação Social também relacionadas com a questão era apreço

Com o objectivo de dar a conhecer as suas opiniões sobre a programação que a RTP tem vindo a desenvolver nos últimos tempos, a Associação Portuguesa de Espectadores de Televisão e um autodenominado e espontaneamente criado «Grupo Aberto» solicita audiências

à Alta Autoridade para a Comunicação Social.

Dando satisfação a tais solicitações, esta Autoridade recebeu dois representantes da APET, no dia 1 de Março de 1991, e dois representantes do já referido «Grupo Aberto», no dia 22 dos mesmos mês e ano.

Em tais reuniões, a Alta Autoridade para a Comunicação Social ouviu múltiplas queixas sobre a programação da RTP, no sentido de que esta vem violando a lei, ultrapassando os limites que ela lhe impõe, ao exibir filmes violentes e pornográficos.

Com efeito, quer a APET quer o referido «Grupo Aberto» entendem que a programação da RTP, para além de ser genericamente má, não cumpre a sua missão educacional, ao promover a exibição de filmes demasiadamente realistas e violentos, em detrimento de espectáculos de recreação e diversão.

Sendo assim, a APET e o «Grupo Aberto» consideram que a RTP deveria ter mais responsabilidade, atendendo ao aumento da criminalidade .e da marginalidade que ultimamente se vem verificando em Portugal.

Estas são, no essencial, as principais conclusões que esta Autoridade retira das reuniões de trabalho anteriormente relatadas com aquela Associação de Espectadores e com o grupo confessamente organizador de uma pequena concentração popular ocorrida no passado dia 26 de Fevereiro em frente das instalações da RTP (à Avenida de 5 de Outubro, em Lisboa), concentração que, de resto, foi profusamente noticiada petos jornais e que teve como

objectivo criticar ãs direcções de canal da RTP e reagir

contra os critérios programáticos que aquelas direcções têm

vindo a seguir.

IV — A dimensão da questão em apreço

É indiscutível que a exibição televisiva do filme O Império dos Sentidos gerou um indeterminado número de

críticas, umas favoráveis, outras desfavoráveis àquela exibição, de tal forma que se pode concluir, ainda-hoje, que o assunto foi polemizado a nível nacional. '<>

Com efeito, o assunto em causa desencadeou manifestações de opinião de inúmeros cidadãos anónimos, de jornalistas, de críticos cinematográficos, de políticos, de partidos políticos, de Deputados à Assembleia da República, de membros da Igreja e, até, de membros do Governo.

O assunto mereceu tão grande relevância pública que por causa dele foi desencadeado um processo de inquérito para esclarecimento, pelo Sr. Ministro da tutela, e até serviu de motivo para debate parlamentar, que culminou, inclusivamente, com um protesto (o voto n.° 187/V, de 22 de Fevereiro de 1991), apresentado por um dos partidos ali representados.

Não quis a Alta Autoridade para a Comunicação Social emitir imediatamente uma sua deliberação sobre o assunto, em primeiro lugar devido às responsabilidade que sobre ela recaem, em segundo lugar porque a precipitação e a prematuridade dessa hipotética deliberação seriam inimigas da prudência e cautela necessárias e, por fim, porque uma deliberação desta Autoridade no contexto temporal imediato à exibição daquele filme apenas serviria para acender a polémica e criar ainda mais atritos e conflitos do que aqueles que ocorreram.

Numa palavra, seria pasto para querelas, porventura insanáveis, que não se desejam...

No entanto, e atendendo às competências que legalmente lhe são atribuídas, não podia a Alta Autoridade para a

Comunicação Social deixar de emitir um parecer deliberatório sobre a questão, o que se fará nos pontos seguintes.

V — O filme e sua análise

O filme O império dos Sentidos é, como se disse, de origem nipónico-francesa e data de 1976.

Foi realizado por Nagisa Oshima, considerado pela crítica como um dos mais notáveis representantes do cinema japonês.

O filme descreve uma terrível paixão entre uma serva e o seu amo, ocorrida em 1936, na capital japonesa, e baseia-se, porventura, num acontecimento verídico.

Com efeito, O Império dos Sentidos traça o percurso desses dois amantes, que, em progressão desmedida vai culminar num final de sofrimento e morte, aliás previsivelmente detectado.

É uma história escandalosa sobre um relacionamento humano trágico, onde se esgotam e ultrapassam os limites do desejo, do erotismo e do sexo.

É um filme incómodo e gerador de profunda tensão.

Mas, apesar de grande número de cenas sexualmente ousadíssimas, o filme O Império dos Sentidos só aparentemente poderia ser interpretado como uma história irracional de sexo que vise estimular sexualmente o espectador.

É sobretudo a história de um drama emocional terrível, onde uma paixão exacerbadíssima, um prazer desmedido e a morte se confundem.

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Ora, pornográfico, apesar da subjectividade do conceito, é o que é puramente obsceno, é o que é apenas imundo... e o filme O Império dos Sentidos, quer na sua concepção, quer na sua análise, foi e vai mais além.

É um filme tremendo de tensão, apesar das suas sequências obscenas, quando abstractamente analisadas.

Mas a Radiotelevisão Portuguesa presta, como se sabe, um serviço público, e é pelo menos discutível que toda a população portuguesa consiga distinguir em O Império dos Sentidos a questão humanamente dramática que nele se desenvolve da pura obscenidade.

Na verdade, se o filme em causa for presenciado com desatenção, ou de leve ânimo, temos que concluir que nele são exibidas cenas que podem ser entendidas, realmente, como chocantes, inconvenientes e ofensivas da moral.

E era este cuidado que se deveria ter tido aquando da programação para a exibição do filme, porque nem a RTP é uma simples sala de cinema nem O Império dos Sentidos é um telefilme.

Parece que não bastará actuar como, desta vez, a direcção do Canal 2 da RTP actuou:

A saber:.

1.° O filme não foi classificado, pela Comissão de Classificação de Espectáculos, como pornográfico;

2.° Apesar disso, e porque ele é susceptível de influir negativamente na formação da personalidade das crianças ou adolescentes, ou de impressionar espectadores particularmente vulneráveis, foi transmitido depois das 22 horas, com advertência prévia expressa e com a pequena bola no canto superior direito do ecrã.

Pronto, desta forma «aligeirada», a RTP exibe numa hora de luxo e, obviamente, para muitos espectadores desprevenidos (... porque, ao contrário do que sucede no cinema, a televisão é vista por espectadores prevenidos e por espectadores desprevenidos) o filme O Império dos Sentidos o qual, como já se disse, sendo presenciado de forma abstracta, desatenta ou desprevenida, pode ser entendido como chocante, violento e obsceno.

Sem que a Alta Autoridade para a Comunicação Social se pretenda intrometer nos critérios da programação utilizados pelas direcções da Radiotelevisão Portuguesa, parece certo que a razoabilidade e o bom senso impunham que a exibição do filme em causa fosse feita no chamado fim de noite, porventura depois das 24 horas, precedida nos momentos imediatamente anteriores aos da sua exibição de avisos cuidados para o conteúdo de algumas imagens e acompanhada de debate formativo e análise criteriosa.

Ou seja, e em conclusão, apesar de esta Autoridade não considerar o filme O Império dos Sentidos como pornográfico, entende-se que a RTP não fez tudo o que estava ao seu alcance para evitar o choque que alguns, porventura muitos, cidadãos sofreram com a sua exibição.

O Império dos Sentidos, que versa também sobre a condição humana, é um filme para ser presenciado por adultos e não é adequado para consumo caseiro e familiar, que, normalmente, acontece às 22 horas ou pouco depois.

VI — Enquadramento legal da questão

Apesar de ter ficado já adiantada a deliberação que a Alta Autoridade para a Comunicação Social vai tomar quanto ao assunto em apreço, importa ainda fazer algumas reflexões sob o ponto de vista jurídico.

O artigo 17." da Lei n.° 58/90, de 7 de Setembro (Regime da actividade da televisão), prescreve, no seu n.° 1, que não é permitida a transmissão de programas pornográficos ou obscenos, e no seu n.° 3 que a transmissão de programas susceptíveis de influir negativamente na formação da personalidade das crianças ou adolescentes, ou de impressionar outros espectadores particularmente vulneráveis, designadamente pela exibição de cenas particularmente violentas ou chocantes, deve ser antecedida de advertência expressa, acompanhada de identificativo apropriado e ter sempre lugar em horário nocturno (ou seja, depois das 22 horas).

Ora, a Alta Autoridade para a Comunicação Social já procurou demonstrar as razões que a levam a entender que o filme O Império dos Sentidos não é um vulgar subproduto pornográfico.

Com efeito, e salvo o devido respeito, não bastará dizer que o filme em causa não é pornográfico porque uma Comissão de Classificação de Espectáculos o não classificou como tal, pelo que, e nessa medida, não pode colher o mais do que singelo argumento utilizado pela RTP.

Quatro razões se aduzem a este propósito:

a) A primeira consiste na circunstância de tal classificação ter como objecto filmes transmitidos em salas de cinema, e não na televisão.

Na verdade, e conforme consta do n.° 1 do artigo 4." do Decreto-Lei n.° 254/76, de 7 de Abril, «a comissão de classificação etária de espectáculos cinematográficos passará a classificá-los também em pornográficos e não pornográficos [...]».

E, não esquecendo que a redacção daquele comando normativo não foi alterada substancialmente pelo Decreto-Lei n.° 653/76, de 31 de Julho, se tivéssemos dúvidas em não abranger no conceito de «espectáculos cinematográficos» os filmes passados na televisão, elas dissipar-se-iam com a leitura do n.° 2 desse mesmo artigo 4.°: «Em relação aos filmes classificados de pornográficos [...] éproibida a entrada e assistência [...] de menores de 18 anos.»

É, pois, mais do que evidente que a classificação do filme feita pela referida Comissão disse respeito à sua exibição em salas de cinema e não no televisor de cada cidadão, pelo que, e nessa medida, a Alta Autoridade para a Comunicação Social jamais poderia sujeitar-se a essa classificação ocorrida em 1976.

b) Por outro lado, e como há-de notar-se dos preâmbulos dos diplomas e das próprias normas em si, a classificação dos filmes em pornográficos e não pornográficos existe, sobretudo, para efeitos tributários desestimuladores da sua importação e procura.

Com efeito, do preâmbulo do Decreto-Lei n.° 254/76, de 7 de Abril, extrai-se que «neste domínio (o dos filmes) avançou-se apenas até à sua classificação como pornográficos e não pornográficos, para o efeito da aplicação aos primeiros de sobretaxas de algum modo desestimulantes da sua importação e da sua procura».

Assim, o n.° 2 do artigo 4.° deste diploma, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 653/76, de 31 de Julho, consagrou que «em relação aos filmes classificados de pornográficos, serão agravadas as taxas de distribuição e as incidentes sobre os preços dos bilhetes [...]».

Também o preâmbulo do Decreto-Lei n.° 654/76, de 31 de Julho, refere que tanto o distribuidor como os espectadores «terão de ver agravadas as taxas da sua responsabilidade, como factor de desincentivação da importação, exibição e procura dos filmes que forem classificados como pornográficos».

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Portanto, também por esta razão se conclui que a classificação feita em 1976 pela Comissão de Classificação de Espectáculos mais não pode ser do que um simples elemento a ter em conta, e nunca o último limite a tomar em consideração para o exercício de raciocínio decisório que a Alta Autoridade para a

Comunicação Social deve fazer.

c) Entretanto, poder-se-ia pensar que, tendo a referida Comissão classificado O Império dos Sentidos como filme

exibido em salas de cinema, e não havendo critério classificativo nem comissão específica para o classificar (nem a esse, nem a outro qualquer) como filme exibido em televisão, aquela primeira (e única) classificação poder-se-ia aplicar ao caso em apreço, por analogia.

Era errada tal conclusão, por não atender ao artigo 10." do Código Civil.

Na verdade, só há analogia quando no caso omisso (como é o presente) procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei, e, na questão que vimos analisando, é claro e indiscutível que as razões justificativas da regulamentação da exibição de filmes nas casas dos milhões de portugueses podem não ser as mesmas das dos filmes exibidos em salas de cinema.

De resto, no caso em apreço, jamais se poderia aplicar por analogia a classificação feita em 1976 de O Império dos Sentidos como filme não pornográfico, pela simples e óbvia razão de que é o próprio legislador que não pretende que isso aconteça.

De facto, do preâmbulo do Decreto-Lei n.° 396/82, de 21 de Setembro, extrai-se que «à Comissão de Classificação de Espectáculos [...] competirá essencialmente a classificação dos espectáculos cinematográficos e teatrais», e o n.° 3 do artigo 1.° desse diploma prescreve que «a classificação dos espectáculos de radiodifusão visual será regulada por diploma próprio», o que quer significar o que já se disse: que o legislador pretendeu e deve pretender que o critério classificativo dos filmes televisivos não seja o mesmo dos exclusivamente cinematográficos.

Portanto, e ainda por esta razão se demonstra que a classificação efectuada em 1976 não releva essencialmente para d caso presente.

d) Por último, dir-se-á que o conceito de pornografia, embora subjectivo, é um conceito comum, que não pode ser definido (para este efeito) por quaisquer diplomas, como acontece na Portaria n.° 245/83, de 3 de Março.

Poder-se-ia referir, ainda, que, apesar de não se considerar O Império dos Sentidos um filme pornográfico, o certo é que ele é, pelo menos, obsceno, e que, portanto, a sua exibição também estava proibida pelo n.° I do artigo 17° da Lei n.°58/90, de 7 de Setembro.

Há, todavia, um erro de raciocínio em tal conclusão, porque a lei (para este efeito, pelo menos) jamais fez distinção entre as duas «imagens»: pornografia e obscenidade.

Com efeito, o n.° 2 do artigo 1." do Decreto-Lei n.° 254/ 76, de 7 de Abril, equiparou-as, referindo que «[...] são considerados pornográficos ou obscenos os objectos e meios referidos no número antecedente que contenham palavras, descrições ou imagens que ultrajem ou ofendam o pudor público ou moral pública».

Dir-se-á que estamos agora a aplicar a analogia jurídica a que nos recusámos anteriormente, mas isso não corresponde à verdade, porque se o legislador de 1990 [Lei n.° 58/90, de 7 de Setembro (Lei da Televisão)] voltou a fazer referências a programas pornográficos ou obscenos

(impedindo a sua exibição, no n.° 1 do artigo 17.°), e, conhecendo a lei anterior, não pretendeu introduzir qualquer alteração ou distinção entre essas duas «imagens», é porque admitiu e até desejou que elas continuassem a ser consideradas como sinónimos.

Sendo assim, e por maioria de razão, ao não podermos, sem mais, classificar o filme O Império dos Sentidos como pornográfico, também não o poderemos classificar como obsceno.

Mas isto não quer significar, como já se disse, que a Alta Autoridade para a Comunicação Social não repare que a razoabilidade e o bom senso programático teriam imposto que o filme em questão não fosse exibido à hora em que foi (a hora nobre actual da reunião da família) e que a direcção do Canal 2 da Radiotelevisão Portuguesa poderia ter ido mais além, no que diz respeito às tarefas preventivamente pedagógicas e formativas que se impunham.

VII — Conclusões

Em face do exposto, e a propósito da exibição do filme O Império dos Sentidos no Canal 2 da Radiotelevisão Portuguesa, no passado dia 19 de Fevereiro, cerca das 22 horas e 15 minutos, a Alta Autoridade para a Comunicação Social delibera que:

1." O filme O Império dos Sentidos não é, puramente, um filme pornográfico ou obsceno, não obstante conter sequências que, abstracta, desprevenida ou isoladamente perspectivadas, são susceptíveis de ofender a sensibilidade de muitos espectadores

2." Dessa forma, e embora a direcção do Canal 2 da RTP não tenha infringido qualquer comando legal, a razoabilidade, o bom senso e a prudência programática impunham que o filme em questão fosse exibido no vulgarmente designado fim de noite, porventura depois das 24 horas, para além de serem ainda possíveis outras diligências preventivamente pedagógicas e formativas.

3.° Na verdade, o filme O Império dos Sentidos, representando uma tragédia sobre a condição humana, é um filme próprio para adultos mas não o será para a reunião caseira e familiar que, normalmente, acontece às 22 horas ou pouco depois.

4.° Assim, em síntese, a Alta Autoridade para a Comunicação Social julga merecedor de reparo o critério de programação seguido, mas considera sem apoio legal as queixas apresentadas.

Esta deliberação foi aprovada por maioria.

Alta Autoridade para a Comunicação Social, 24 de Abril de 1991. — O Presidente, Pedro Figueiredo Marçal, juiz conselheiro.

RADIOTELEVISÃO PORTUGUESA, E. P.

CONSELHO DE GERÊNCIA

Assunto: Reclamação da Sr.* D. Raquel A. — V/referência 007379 — processo R-558/91.

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Em resposta ao ofício de V. Ex.* acima referenciado, que era acompanhado da reclamação da Sr.ª D. Raquel A., de Fevereiro passado, cumpre-me informar o seguinte:

As críticas formuladas na reclamação em causa afiguram-se destituídas de qualquer fundamento sério.

Na verdade, as afirmações da reclamante acerca da emissão pela RTP de filmes contendo cenas de violência assustadora e de sexo exibicionista não são minimamente concretizadas, não podendo, assim, ser objecto que qualquer comprovação.

Do mesmo modo, não tem qualquer correspondência com a realidade a afirmação de a RTP exibir filmes classificados para maiores de 18 anos em horários acessíveis a todos.

A reclamante, após referir várias situações que nada têm a ver com a RTP, menciona a exibição dos filmes O Império dos Sentidos e O Tambor.

Em relação ao primeiro, foi o mesmo objecto de apreciação pela Alta Autoridade para a Comunicação Social, que considerou improcedente a queixa apresentada, aceitando que se tratava de um filme de qualidade e cuja emissão foi Todeada das necessárias cautelas.

Quanto ao filme O Tambor, não se compreende a crítica, dado o filme não conter quaisquer cenas chocantes, sendo, por outro lado, um filme de indiscutível qualidade, do malogrado realizador Fassbinder.

Resta, por último, a referência ao strip-tease, incluído no programa Joaquim Letria. Ao contrário do que a reclamante afirma, a sua inclusão não foi gratuita, justificando-se na sequência de uma entrevista com a artista convidada e tendo a sua emissão ocorrido depois das 23 horas.

Crê-se, assim, serem improcedentes as críticas à RTP, formuladas na reclamação em causa.

Apresento a V. Ex.° os meus cumprimentos. — Pelo Presidente do Conselho de Gerência, (Assinatura ilegível.)

de 1993, com cópia também anexa, em que, depois de rebater ponto por ponto e com argumentos de ordem legal, toda aquela fundamentação, se insistia pela reapreciação do assunto.

3 — Em 6 de Setembro de 1993, recebi um outro ofício do Secretário de Estado da Segurança Social — ofício n.° 10 033— do qual também segue cópia, em que se manifesta o entendimento de que a última recomendação assenta numa interpretação meramente literal.

4 — Sucede que esse entendimento é ostensivamente contrário ao teor de tal recomendação.

Ele esquece que, para além dos fundamentos de ordem literal invocados na alínea a) do ponto iv, são chamados à colação e comprovados os elementos histórico [ponto iv, B)], o sistemático (ponto v) e o racional (pontos vil e viu).

5 — Acresce que se afirma ainda no mesmo ofício que «a mens legis foi a de abarcar, na exclusão do direito ao subsídio de doença, todos os titulares de pensões por incapacidade permanente, seja em função da idade seja por motivo de invalidez».

Só que tal afirmação não se encontra minimamente fundamentada.

6 — Os factos expostos, dos quais sobressai o firme propósito de não acatamento da recomendação sem que para isso sejam apresentados argumentos válidos, levam-me a concluir que não houve, no caso vertente, a desejada colaboração da administração com o provedor de Justiça, pelo que ao abrigo do artigo 38." n.° 5, da Lei n.°9/91, de 9 de Abril, submeto o assunto à apreciação desse órgão do Estado.

Apresento a V. Ex." os meus melhores cumprimentos. O Provedor de Justiça, José Meneres Pimentel.

Recomendação sobre o não acatamento de uma anterior recomendação legislativa

1 —Em 20 de Novembro de 1992, no seguimento de diversas reclamações recebidas nesta Provedoria de Justiça, dirigi ao director-geral dos Regimes de Segurança Social uma recomendação devidamente fundamentada cuja cópia junto, no sentido de ser transmitido aos centros regionais de segurança social que os pensionistas da Caixa Geral de Aposentações que exerçam actividade no sector privado se não incluem no âmbito de aplicação da alínea a) do n.° 2 do artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 132/88, de 20 de Abril, preceito em que se dispõe que:

Não é reconhecido o direito ao subsídio de doença em razão da concorrência da cobertura de riscos aos beneficiários que:

a) Sejam pensionistas de invalidez ou de velhice que exerçam actividade profissional.

2 — A essa recomendação respondeu o Secretário de Estado da Segurança Social com o ofício n.° 3326, de 24 de Março de 1993, de que igualmente junto cópia, que exprimia não ter sido a mesma acatada.

A fundamentação desse não acatamento mereceu-me uma nova recomendação, esta remetida em 19 de Junho

ANEXO 1

MINISTÉRIO DO EMPREGO E DA SEGURANÇA SOCIAL

SECRETARIA DE ESTADO DA SEGURANÇA SOCIAL

Assunto: Acumulação de subsídio de doença com pensão da função pública.

Relativamente ao assunto supracitado, cumpre-me informar V. Ex.' do seguinte:

A recomendação recebida assenta na argumentação técnico-jurídica e nas conclusões constantes dos pontos n a viu, que se dão aqui por reproduzidas.

Passando à análise crítica da recomendação, oferece-me tecer as seguintes considerações:

No fundo, está em causa o entendimento restrito ou amplo a dar à expressão «pensionistas dè invalidez e velhice» constante no Decreto-Lei n.° 132/88.

O regime de função pública não é um sistema de protecção social divorciado do sistema de segurança social, pois são numerosas as interligações existentes entre ambos os sistemas, já que:

a) A Lei de Bases prevê, inclusivamente, a sua integração (artigo 70.");

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b) Na concessão das prestações familiares é aplicável a mesma legislação;

c) A legislação sobre protecção na maternidade é, em geral, idêntica;

d) É garantida a totalização dos períodos contributivos para o preenchimento dos prazos de garantia;

e) A situação de pensionistas da Caixa Geral de Aposentações é relevante para isentar os trabalhadores independentes do pagamento de contribuições para o respectivo regime de segurança social;

f) A qualidade de subscritor da Caixa Geral de Aposentações é relevante para o efeito de pagamento retroactivo de contribuições;

g) As regras de acumulação de pensões de ambos os sistemas são semelhantes;

h) O regime de pensão unificada agrega as carreiras contributivas obtidas no regime geral e no da função pública.

O facto de a alínea a) do n." 2 do artigo 7." do Decreto-Lei n.° 132/88 usar a expressão «pensionistas de invalidez ou de velhice» não significa que apenas estejam em causa os pensionistas do sistema de segurança social.

O legislador teve em mente, apenas, a identificação dos titulares das pensões decorrentes das referidas eventualidades, sejam elas cobertas pelo sistema de segurança social, pelo da função pública ou por regimes estrangeiros.

Aliás, o próprio Decreto n.° 45 266, de 23 de Setembro de 1963, no artigo 87.°, chama pensão de reforma e não de velhice à pensão atribuída por motivo de idade.

A seguir-se a interpretação literal, este artigo nem se aplicaria aos pensionistas por velhice do sistema de segurança social.

Por outro lado, quando o artigo 25.° do Decreto-Lei n.° 132/88 reitera, embora noutra perspectiva, o princípio da não acumulação das prestações compensatórias da perda de remuneração do trabalho, exceptua duas situações, uma das quais (acidente de trabalho) referente a uma protecção de um regime exterior ao sistema, ou seja, o segurador, com o qual o sistema de segurança social tem muito menos relações.

Logo, parece lógico defender-se que, como princípio geral, caberão todas as outras prestações substitutivas de rendimentos, integrem-se ou não, no sistema de segurança social propriamente dito.

Que não era erro do intérprete o entendimento de que o legislador não queria estender a protecção na doença aos pensionistas, resulta do Despacho n.° 126/SESS/91('), que retirou da taxa contributiva global o valor correspondente à eventualidade em causa.

Esta mudança do regime não quis significar que anteriormente o subsídio fosse devido mas, tão-somente, que seria mais ajustado não exigir a taxa correspondente a uma eventualidade que se não cobria.

Em Portugal, o pensionista por velhice, como tal, não tem qualquer limitação de exercício de actividade profissional nem do valor da pensão. No que respeita ao pensionista por invalidez, as limitações no âmbito do nosso sistema são redu2Ídas t ôÀt-se-ia mesmo, na prática, nulas.

(') Publicado no Diário da República, 2* série, n.*278, de 3 de Dezembro de 1991.

A concederem-se estes benefícios, teríamos que, para substituir um rendimento, poderiam existir cumulativamente duas prestações conducentes a uma sobrevalorização do rendimento de substituição.

Tomemos um exemplo máximo:

Última remuneração do trabalhador— 200 contos; Remuneração média do trabalhador— 160 contos; Pensão com carreira completa— 128 contos.

Se o beneficiário continuar a exercer a mesma actividade ou uma actividade semelhante, com análoga remuneração, ocorrendo uma situação de doença, poderia receber, pelo menos, durante quatro anos (65+4=69), mais I30 000$/mês. Quer dizer, a legitimidade de acumulação de duas prestações substitutivas de um mesmo salário dar-lhe-ia um rendimento de cerca de 125 % do seu último salário.

Afigura-se-nos que não haveria regime básico que aguentasse um tal esquema de benefícios nem pessoas que pudessem contribuir com a correspondente taxa, para só falar no aspecto financeiro.

Sendo certo que a defesa desta posição por V. Ex." apenas se situa nos pensionistas da Caixa Gerai de Aposentações que exerçam actividade no âmbito do sistema de segurança social, são manifestas as dificuldades em encontrar argumentos que justifiquem procedimentos contraditórios dentro do regime geral, conforme se trate, ou não, de pensionista da função pública.

Com os melhores cumprimentos de muita estima.

Lisboa, 24 de Março de 1993. — O Secretario de Estado da Segurança Social, José Luís Vieira de Castro.

ANEXO 2 Recomendação

[Lei n.»9/91, de 9 de Abril, artigo 20°, n* 1, alínea a)]

Através do ofício com a referência Ent. 2615/SESS/93, processo n." 93/1032, de 24 de Março de 1993, transmite-me V. Ex.* a argumentação que esteve na origem do não acatamento da minha recomendação relativa à acumulação do subsídio de doença com pensão da segurança social do sector público.

Invoca-se naquele ofício que o regime da função pública não é um sistema divorciado do sistema da segurança social do sector privado, pois são numerosas as interligações existentes entre ambos.

Alinham-se a seguir, no mesmo ofício, oito orientações normativas para comprovar tais interligações.

Reconheço que essas orientações, ou melhor, esses diversos regimes, traduzem, efectivamente, uma íntima ligação entre os sistemas de segurança social do sector público e do sector privado.

Só que se trata de regimes com expressa consagração legal.

Assim :

a) Pelo que respeita ao artigo 70.° da Lei n.° 28/84, de 14 de Agosto (Lei da Segurança Social), e contrariamente ao que no aludido ofício se pretende provar, admite-se nele que os regimes de segurança social se mantêm até serem integrados num regime unitário.

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Acrescenta-se que essa integração será feita gradualmente, sem prejuízo de disposições mais favoráveis;

b) A circunstância de, em matéria de prestações familiares, ser aplicada a mesma legislação, quer aos trabalhadores da função pública quer aos trabalhadores vinculados por contrato individual de trabalho, resulta de ser a própria lei a dizê-lo (v. Decreto-Lei n.° 197/77, de 17 de Maio, artigo 2.°, e Decreto-Lei n.° 170/80, de 29 de Maio, artigo 2.°);

c) Quanto à legislação sobre protecção na maternidade ser, em geral, idêntica para o sector público e sector privado, o que é verdade é que existem dois diplomas para o efeito: o Decreto-Lei n.° 135/85, de 3 de Maio, para os trabalhadores da Administração Pública e o Decreto-Lei n.° 136/85, de 3 de Maio, para os demais;

d) Relativamente ao facto de se poder atender ao tempo de contribuição para a segurança social do sector público para efeito de se dar como vencido o prazo de garantia previsto no regime de segurança social do sector privado, e vice-versa, também existe lei a admiti-lo expressamente: artigo 189.° do Decreto n.° 45 266, de 23 de Setembro de 1963, e artigo 37.°, n." 4, do Estatuto da Aposentação (Decreto-Lei n.° 498/72, de 9 de Dezembro);

e) Também a situação de pensionista da Caixa Geral de Aposentações como causa de isenção de contribuições para o regime de segurança social dos trabalhadores independentes está claramente consagrada no artigo 3.0 do Decreto-Lei n. ° 307/ 86, de 22 de Abril, quando prescreve que «o disposto no artigo \.° aplica-se igualmente aos trabalhadores independentes que, concomitantemente, sejam pensionistas de invalidez ou velhice de regimes obrigatórios de protecção social [..,]».

Este preceito, na medida em que especifica que os pensionistas de invalidez e velhice a que se reporta são de regimes obrigatórios, de protecção social, está, necessariamente, a contemplar os pensionistas da Caixa Geral de Aposentações;

f) No que concerne à qualidade de subscritor da Caixa Geral de Aposentações ser relevante para efeito de pagamento retroactivo de contribuições, regime que se apreende do n.° 2, alínea b), do artigo 3° do Decreto-Lei n.° 380/89, de 10 de Março, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 72/ 93, de 10 de Março, há que ter em conta que o que é determinante para efeito de pagamento retroactivo de contribuições não é aquela qualidade de subscritor mas sim o exercício de actividade profissional no sector privado.

Esse preceito veio fazer referência a tal qualidade porque, anteriormente, a faculdade de pagamento retroactivo de contribuições por trabalho naquele sector era só atribuída aos trabalhadores que descontavam' para a segurança social do sector privado (artigo 3." do Decreto-Lei n.° 380/89, na primitiva redacção);

g) A circunstância, igualmente invocada, de as regras de acumulação de pensões de ambos os sistemas serem semelhantes, em minha opinião, também não pode servir de fundamento à interpretação ex-

tensiva que se faz da expressão «pensionistas de invalidez e velhice» constante do Decreto-Lei n.° 132/88, porquanto se não trata de um elemento auxiliar da interpretação; h) O facto de o regime da pensão unificada agregar as carreiras contributivas obtidas no regime geral e no da função pública, não abona, também, no sentido da interpretação extensiva da norma em causa, uma vez que é a própria lei (Decreto-Lei n.° 159/92, de 31 de Julho, que, por forma expressa, unifica essas carreiras contributivas.

Em face do exposto, sou forçado a concluir que a argumentação que acaba de ser rebatida não é susceptível de fundamentar, juridicamente, o não acatamento da minha recomendação no sentido de o termo «pensionistas», constante do n.° 2, alínea a), do artigo 7." do Decreto-Lei n.° 132/88, ser interpretado em sentido restrito, de forma a abranger, unicamente, os pensionistas da segurança social do sector privado.

E, a não existir um fundamento objectivo para a interpretação que tem vindo a ser adoptada no âmbito dessa Secretaria de Estado, tenho de admitir que está a ser violado o princípio constitucional da confiança.

Nestes termos, permito-me recomendar que o assunto seja reapreciado por essa Secretaria de Estado.

Com o pedido de que me venha a ser comunicado o que for entendido sobre o assunto, apresento a V. Ex.° os meus melhores cumprimentos.

19 de Julho de 1993. — O Provedor de Justiça, José Meneres Pimentel.

ANEXO 3

MINISTÉRIO DO EMPREGO E DA SEGURANÇA SOCIAL

GABINETE DO SECRETÁRIO DE ESTADO DA SEGURANÇA SOCIAL

Assunto: Regime geral de segurança social. Prestações de doença. Recomendação da Provedoria de Justiça.

Relativamente ao assunto mencionado em título, comunico a V. Ex.* o seguinte:

A recomendação de V. Ex." no sentido de o termo «pensionistas de invalidez ou velhice» constante da alínea a) do n.°2 do artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 132/88 dever ser entendido como restrito aos pensionistas da segurança social, não abrangendo, portanto, os aposentados da função pública, assenta numa interpretação meramente literal restringindo a exclusão do direito ao subsídio de doença apenas aos titulares de pensões de invalidez ou velhice no âmbito da segurança social.

No entanto, aquela disposição parece não poder ser interpretada dessa forma literal pois que a sua mens legis foi a de abarcar, na exclusão do direito ao subsídio de doença, todos os titulares de pensões por incapacidade permanente, seja em função da idade (velhice) seja por motivo de invalidez.

Ora, a aposentação dos funcionários públicos traduz-se, sem dúvida, numa pensão — a chamada pensão de aposentação — que, tal qual a pensão de invalidez ou de velhice no âmbito da segurança social, tem também por causa exclusivamente ou a invalidez ou a velhice do seu titular.

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Tal emana, afinal, do princípio, consagrado no artigo 25.° do Decreto-Lei n.° 132/88, da não acumulação do subsídio de doença com quaisquer outras prestações compensatórias da perda de rendimentos de trabalho, independentemente do regime de protecção social a que respeitem, sendo inequívoco que a pensão de aposentação é uma compensação da perda do vencimento auferido na função pública por motivo de invalidez ou de limite de idade.

E compreende-se que o sentido do artigo 7.°, n.° 2, alínea a), seja o de vedar o acesso ao subsídio de doença dos pensionistas, sejam eles da segurança social sejam da função pública (aposentados), por em todos se verificar uma concorrência de cobertura de riscos: a incapacidade permanente que determinou a atribuição da pensão sobrepõe-se à incapacidade temporária de que advém o direito ao subsídio de doença, sendo certo que a esta são especialmente vulneráveis os inválidos e os idosos.

As razões da exclusão do subsídio de doença são, assim, comuns quer aos pensionistas da segurança social quer aos da função pública (ou aposentados), já pela referida concorrência da cobertura de riscos já por imposição do princípio da não acumulação, numa interpretação lógica ou racional que deve prevalecer sobre a mera interpretação à letra.

Reitera-se, a propósito, a argumentação aduzida no nosso ofício n.° 3326, de 24 de Março de 1993, de que o que o legislador teve em mente foi apenas a identificação dos titulares das pensões decorrentes da invalidez ou da idade, independentemente do sistema a que os titulares pertençam, sendo impensável que na referida alínea a) do n.° 2 do artigo 7." pudessem ser vazadas todas as designações adoptadas pelos diversos regimes. Aliás, o próprio Decreto n.°45 266, de 23 de Setembro de 1963, no seu artigo 87.°, chama de reforma à pensão atribuída por motivo da idade.

A seguir-se estritamente a interpretação literal feita por V. Ex.°, este artigo nem se aplicaria aos pensionistas por velhice do sistema da segurança social.

Em suma, mantém esta Secretaria de Estado a sua posição de que o legislador teve em vista, com o artigo 7.°, n.° 2, alínea a), do Decreto-Lei n.° 132/88, excluir do acesso ao subsídio de doença todos os pensionistas, incluindo os da função pública, que exerçam actividade profissional, exclusão essa em razão da qual foram recentemente, aliás, reduzidas as taxas das contribuições para a segurança social (') não se encontrando justificação valida para procedimentos contrários dentro do regime geral consoante se trate ou não de pensionista da função pública.

Com os melhores cumprimentos de muita estima.

Lisboa, 1 de Setembro de 1993. — O Secretário de Estado da Segurança Social, José Luís Vieira de Castro.

ANEXO 4 Recomendação

\Lb> n.» 9/91, de 9 de Abril, artigo 20.", n." 1, alínea a)l 1

Diversas reclamações têm dado entrada na Provedoria de Justiça, tendo por objecto e interpretação que essa

(f) "Despacho n.° 126VSESS/91, publicado em 3 de Dezembro de 1991.

Direcção-Geral tem vindo a fazer do Decreto-Lei n.° 132/ 88, de 20 de Abril, na parte em que ele nega o subsídio de doença aos pensionistas que exerçam actividade profissional.

II

Atribui esse Departamento ao termo «pensionistas» constante da alínea a) do n.° 2 do artigo 7." daquele diploma um sentido lato, de modo a abranger quer os titulares de pensões concedidas pelo Centro Nacional de Pensões (prestações de substituição de salário por trabalho no sector privado) quer os beneficiários de pensões atribuídas pela Caixa Geral de Aposentações (prestações de substituição de vencimentos por actividade na função pública).

m

Estabelece o n.°2 do artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 132/ 88, que:

Não é reconhecido o direito ao subsídio de doença, em razão da concorrência da cobertura de riscos aos beneficiários que:

a) Sejam pensionistas de invalidez ou de velhice que exerçam actividade profissional.

Face a este preceito e em articulação com o artigo 25.° do mesmo diploma, segundo o qual «O subsídio de doença não é acumulável com outras prestações compensatórias da perda de remuneração de trabalho, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte» (*), considera essa Direcção-Geral que um pensionista da Caixa Geral de Aposentações que exerça actividade profissional no sector privado não tem direito, no caso de doença, ao respectivo subsídio (v. ofício PFTr/TT, 50, de 18 de Janeiro de 1991, remetido ao conselho directivo do Centro Regional de Segurança Social do Porto).

IV

Não posso subscrever o referido entendimento pelas razões que passo a alinhar:

a) Um argumento de ordem literal pode desde logo ser apontado.

Os titulares de pensões calculadas em função de remunerações por trabalho na função pública são designados por aposentados e as suas pensões qualificadas de pensões de aposentação, reservando a lei a expressão «pensão de invalidez» para as pensões concedidas aos militares que, não sendo subscritores da Caixa Geral de Aposentações, se incapacitam no exercício do serviço militar obrigatório (v. capítulo iv da parte e capítulo n da parte n do Estatuto da Aposentação).

b) Reconheço que a interpretação que essa Direcção-Geral perfilha, em termos de incluir na expressão «pensionistas de invalidez e velhice» os pensionistas da Caixa Geral de Aposentações está de acordo com o princípio da unidade do sistema de segurança social, consagrado no artigo 63.°, n.° 2, da Constituição da

(*) No artigo seguinte regula-se a acumulação do subsídio de doença no caso de acidentes de trabalho e doenças profissionais.

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15 DE JANEIRO DE 1994

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República Portuguesa e no artigo 5.° da Lei n." 28/84, de 14 de Agosto (Lei da Segurança Social).

Há, todavia, que ter em atenção que a harmonização dos dois sistemas de segurança social e a sua articulação em obediência àquele princípio tem vindo a ser gradualmente implementada, mediante diplomas legais adequados.

Isto com vista, nomeadamente, a evitar possíveis situações de ruptura, dadas as acentuadas heterogeneidades entre as estruturas de segurança social dos dois sistemas e as diversificadas situações de especialidade sócio-profissional sedimentadas no âmbito de cada um desses sectores.

A este respeito afigura-se-me elucidativo o seguinte passo do preâmbulo do Decreto-Lei n.° 143/88, de 22 de Abril, que instituiu a pensão unificada:

A harmonização não é facilmente atingível em todas as prestações, face às divergências mais profundas entretanto criadas pelos regimes e ao respeito das legítimas expectativas dos trabalhadores, que a Segurança Social defende e pratica, mas não impede, em muitos aspectos, a progressiva adopção de medidas de aproximação dos dois sistemas. [O sublinhado é nosso.]

Reputa-se, igualmente, significativo o período que segue:

Assim, na perspectiva de que uma pensão unificada poderia trazer nalguns casos perda de direitos dos interessados, manteve-se o respeito por melhores expectativas, garantindo o valor total das duas pensões quando superior ao da pensão unificada.

Ainda mais sintomática de uma orientação contrária à que está a ser focada se me apresenta esta parte do preâmbulo, que se segue imediatamente à que acaba de ser transcrita:

Nesta linha, e tendo em vista razões práticas de ordem administrativa, apenas se previu este cálculo no caso de as actividades terem sido exercidas sucessivamente, uma vez que, em regra, a prática simultânea das actividades apontaria para a concessão das duas pensões. [O sublinhado é nosso.]

V

Neste contexto, parece-me lícito concluir que a interpretação extensiva que essa Direcção-Geral sustenta para a alínea a) do n.° 2 do artigo 7." do Decreto-Lei n.° 132/88, de molde a negar subsídio de doença aos pensionistas da Caixa Geral de Aposentações que, por motivo dessa eventualidade, se viram compelidos a suspender a sua actividade profissional no sector privado, não está de harmonia com a letra desse preceito nem com a preocupação que o legislador tem vindo a revelar, de respeito pelas melhores expectativas dos beneficiários e de possibilitar o recebimento de duas pensões nos casos em que ocorra o exercício de actividades simultâneas nos dois sectores, o público e o privado, ou mesmo de actividades sucessivas desde que os interessados fiquem prejudicados com o sistema da pensão unificada (artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 143/88 e artigo 8.° do Decreto-Lei n.° 159/92).

VI

Ainda que o Decreto-Lei n.° 132/88, diploma em causa, não verse sobre a acumulação de pensões, mas sim sobre

a acumulação de pensão de aposentação com subsídio de doença, o que é verdade é que a interpretação que essa Direcção-Geral faz da alínea a) do n.° 2 do seu artigo 7." não respeita as expectativas que os aposentados tinham de receberem o subsídio de doença sempre que preenchessem os requisitos legais constantes do regime geral de segurança social.

Essa expectativa advinha-lhes pois do regime vigente à data em que começaram a acumular a situação de aposentado com a de activo no sector privado, anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 132/88.

vn

Acresce que os beneficiários que reclamam da interpretação em causa contribuíram para o regime geral de segurança social nos termos de qualquer trabalhador, pelo que, sendo o subsídio de doença uma prestação que substitui o salário perdido nessa eventualidade, têm os mesmos direito a esse benefício.

E não se argumente com o Despacho n.° 126/SESS/91, publicado no Diário da República, 2." série, n.° 278, de 3 de Dezembro de 1991, que veio reduzir a taxa de contribuição dos trabalhadores que simultaneamente são pensionistas de invalidez e velhice, porquanto, não só os casos concretos que pendem nesta Provedoria são anteriores à entrada em vigor desse despacho, como também não tem este normativo força suficiente para impor ao Decreto-Lei n.° 132/88 um sentido que ele não comporta.

VIII

Por outro lado, há que atentar em que o citado n.° 2 do artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 132/88 tem por finalidade evitar a concorrência da cobertura de riscos, concorrência esta que, na hipótese em análise, se não verifica.

Com efeito, o que nesta está em jogo é a existência de dois riscos diversos (a incapacidade definitiva para o exercício da actividade que os interessados exerciam na função pública e a doença que os impediu temporariamente de trabalhar no sector privado), dando cada um origem à perda de uma remuneração distinta daquela que é afectada pelo outro, o que, por conseguinte, justifica duas prestações de substituição: a pensão de aposentação e o subsídio de doença.

Neste contexto, considero de formular a seguinte recomendação:

Que, tendo em conta a argumentação atrás expendida, essa Direcção-Geral transmita aos centros regionais de segurança social que os pensionistas da Caixa Geral.de Aposentações (aposentados) que exerçam a actividade no sector privado não se incluem no âmbito de aplicação da alínea a) do n.° 2 do artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 132/88.

Com o pedido de que me seja oportunamente comunicada a posição que vier a ser assumida relativamente a esta recomendação, apresento a V. Ex." os meus melhores cumprimentos.

20 de Novembro de 1992, O Provedor de Justiça, José Meneres Pimentel.

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