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Sábado, 4 de Fevereiro de 1995
II Série-C — Número 12
DIÁRIO
da Assembleia da República
VI LEGISLATURA
4.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1994-1995)
SUMÁRIO
Comissão de Saúde:
Relatório de actividades referente ao mês de Janeiro de
1995 ................................................................................... 68
Grupo Parlamentar do Partido Sodal-Democrata:
Aviso relativo à exoneração de um membro do Gabinete
de Apoio............................................................................ 68
Provedor de Justiça:
Comunicação sobre a recomendação n.°93/94, de 23 de' Maio de 1994, dirigida a S. Ex.a o Conselheiro Presidente do Conselho Superior da Magistratura, relativa a anúncio '1 publicado, na edição de 16 de Fevereiro de 1994 do jorna) Correio da Manhã, por ordem do juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, para efeitos de notificação de
arguido, que contém indicação da etnia do arguido........ 68
Comunicação sobre a recomendação n.° 42794. de 11 de Fevereiro de 1994, dirigida a S. Ex." o Ministro da Saúde, relativa a unidade de hemodiálise do Hospital DVsxiVui de Évora.................................................................................. ?l
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Relatório de actividades da Comissão de Saúde relativo ao mês de Janeiro de 1995
Reuniões
A Comissão efectuou reuniões nos dias 10, 19 e 24, tendo--se registado 14, 9 e 15 presenças, respectivamente.
Reuniões com outras entidades
A Comissão levou a efeito no dia 10 uma reunião sobre a eventual regulamentação da actividade funerária, tendo contado com a presença de representantes de associações dos profissionais do sector e dos Ministérios da Saúde, do Comércio e Turismo, da Administração Interna, do Emprego e da Segurança Social e da Justiça.
Assuntos em agenda
Criação do grupo de trabalho para a concretização do diploma sobre a utilização de cadáveres.
Iniciativas da Comissão
A Comissão sugeriu a S. Ex.a o Ministro da Saúde a realização de uma reunião de trabalho conjunta com vista à abordagem dos seguintes pontos:
Gestão privada das unidades de saúde (Amadora-Sintra, etc);
Lei de gestão hospitalar;
Convenções;
Dívidas a fornecedores;
Reuniões internacionais e cooperação;
Receitas do SNS nos consultórios privados.
Continua em agenda, por iniciativa da Comissão, a reunião pretendida com o Ministério da Agricultura para abordagem do assunto «Qualidade das carnes de consumo».
Representações da Comissão
A convite do Serviço Nacional de Bombeiros Portugueses, a Comissão esteve representada pelo seu presidente na Sessão Solene de Abertura das Comemorações dos 600 anos dos Bombeiros Voluntários Portugueses.
Diplomas
Deram entrada na Comissão os seguintes projectos de lei:
Projecto de lei n.° 479/VI, da iniciativa do PCP, que cria o relatório anual sobre a situação do País em matéria de toxicodependência, tendo em vista a intervenção da Assembleia da República na definição da política nacional de combate à droga;
Projecto de lei n.° 480M, da iniciativa do PCP, que cria uma rede de serviços públicos para o tratamento e a reinserção de toxicodependentes.
Foram nomeados relatores para os diplomas referidos os Srs. Deputados Jorge Roque da Cunha (PSD) e Alberto da Silva Cardoso (PS).
Expediente
Deu entrada na Comissão diverso expediente, o qual foi devidamente tratado, tendo-se registado 26 entradas e 29 saídas.
Subcomissões
A Subcomissão Parlamentar para a Defesa da Qualidade de Vida efectuou uma reunião.
Palácio de São Bento, 30 de Janeiro de 1995.— O Deputado Presidente da Comissão, José Macário Correia,
Aviso
Por despacho de 24 de Janeiro de 1995 da direcção do Grupo Parlamentar do Partido Social-Democrata:
José Sousa Alves — exonerado do cargo de secretário do Gabinete de Apoio do respectivo partido com efeitos a partir de 1 de Fevereiro de 1995.
Assembleia da República, 27 de Janeiro de 1995. —Pelo Secretáric-Geral, (Assinatura ilegível.)
Comunicação do Provedor de Justiça sobre a recomendação n.9 93/94, de 23 de Maio de 1994, dirigida a S. Ex.a o Conselheiro Presidente do Conselho Superior da Magistratura, relativa a anúncio publicado na edição de 16 de Fevereiro de 1994 do jornal Correto da Manhã, por ordem do juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, para efeitos de notificação de arguido, que contém indicação da etnia do arguido.
A S. Ex." o Presidente da Assembleia da República:
1 — Em 25 de Maio de 1994, enviei a S. Ex." o Conselheiro Presidente do Conselho Superior da Magistratura a recomendação n.° 93/94, ao abrigo dos poderes que me são confiados pela Lei n.°9/9l, de 9 de Abril, no artigo 20.°, n.° 1, alínea o) (cf. documento n.° 1).
2 — A exposição contida na recomendação n.° 93/94 conclui que a referência à etnia do arguido consubstancia uma violação da proibição constitucional de discriminação fundada na raça, explicitada no artigo 13." da Constituição e do disposto nos artigos 2° e 7° da Declaração Universal dos Direitos do Homem, propugnando a adopção pelo Conselho Superior da Magistratura de medidas preventivas da ocorrência de situações similares e de medidas procedimentais disciplinares.
3 — Em cumprimento do disposto no artigo 38.°, n.° 2, da Lei n.°9/91, de 9 de Abril, o M.™ Juiz-Secretário do Conselho Superior da Magistratura, através do ofício n.° 3655, de 8 de Julho de 1994, comunicou-me que o Conselho deliberara, por unanimidade, não acatar a recomendação n.° 93/94 (v. documento n.°2).
4 — Subsequentemente, expus o meu entendimento segundo o qual não procedem as razões enunciadas para justificar o não acatamento das medidas propostas e convidei o Conselho Superior da Magistratura a reconsiderar a sua posição (cf. documento n.° 3).
5 — Em sessão realizada em 6 de Dezembro de 1994, o plenário do Conselho Superior da Magistratura considerou
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que, ao tomar a deliberação mencionada no n.° 3, esgotou o exercício da sua competência (v. documento n.° 4).
Em face do exposto e nos termos do disposto no artigo 38.°, n.° 5, da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, sobcito a V. Ex.a que se digne transmitir a presente comunicação aos membros do órgão a que V. Ex." dignamente preside.
Com os meus cumprimentos e estima pessoal.
Lisboa 26 de Janeiro de 1995. — O Provedor de Justiça, José Menéres Pimentel.
DOCUMENTO N.° 1
PROVEDORIA DE JUSTIÇA
A S. Ex.a o Presidente do Conselho Superior da Magistratura:
Recomendação n.8 93£4
Tenho a honra de me dirigir a V. Ex." para envio de uma recomendação que entendo dever formular ao Conselho Superior da Magistratura, ao abrigo do artigo 20.°, n.° 1, alínea a), do Estatuto do Provedor de Justiça, constante da Lei n.°9/91, de 9 de Abril, nos seguintes termos:
Exposição de motivos
1 —Na edição do jornal Correio da Manhã, de 16 de Fevereiro de 1994, foi publicado anúncio, por ordem do M.mo Juiz de Direito José António Mouraz Lopes, do 3.° Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, nos termos do artigo 335.°, n.° 4, do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 78/87, de 17 de Fevereiro.
2 — A publicação do referido anúncio obedeceu ao desiderato de notificar o arguido para, no prazo de 30 dias a contar da segunda e última publicação do mesmo, se apresentar em juízo, sob pena de ser declarado contumaz, em conformidade com o disposto no n.° 1 do artigo 335.° do Código de Processo Penal.
3 — Passa-se a transcrever o primeiro parágrafo daquele anúncio, cujo teor é o seguinte:
Faz-se saber que por este Tribunal correm seus termos uns autos de processo comum registados sob o n.° 4339/93, da secção do 3.° Juízo, que Ministério Público move contra o arguido Carlos Manuel Monteiro, solteiro, maior, nascido a 10 de Maio de 1973, em Ovar, filho de Afonso Monteiro e de Maria Luísa, de raça cigana, com última residência conhecida em Cortegaça, Ovar, por haver cometido o crime de artigo 260.° do Código Penal, com referência ao disposto no artigo 3.°, n.° 1, cf. fls. in fine, da Lei n.° 207-A/75.
4 — O anúncio em questão deve identificar devidamente o arguido, contendo elementos necessários para o efeito, sob pena de ficar prejudicado o fim que determinou a sua publicação (cf. artigo 335.°, r\.°* 4 e 2, do Código de Processo Penal).
Não obstante a exigência de identificação do arguido, não se postula, nem tão-pouco se justifica, a alusão à respectiva
etnia.
Os elementos pessoais do arguido referidos, designadamente nome, estado civil, maioridade, data e local de nascimento, filiação e residência, são elementos que permitem, por si só, a perfeita identificação do arguido. A referência à etnia é desnecessária e, como tal, despropositada.
4.1 —A este respeito, atente-se no teor de outro anúncio publicado na mesma edição referida no n.° 1, por ordem do mesmo juiz de direito, o qual indica a filiação do arguido declarado contumaz, sem fazer qualquer alusão à etnia do arguido ou dos seus progenitores:
O Dr. José António Mouraz Lopes, juiz de direito deste Tribunal, faz saber que, por despacho de 10 de Janeiro de 1994, proferido nos autos de processo comum registados sob o n.° 2349/90, pendente neste Tribunal, que o Ministério Público move contra o arguido Fernando António de Azevedo Pereira da Silva, casado, inspector de seguros da UAP, nascido a 9 de Março de 1931, filho de Augusto Pereira da Silva e de Margarida do Carmo de Azevedo Pereira da Silva, portador do bilhete de identidade n.° 38840, emitido em 16 de Janeiro de 1984 pelo Arquivo de Lisboa, com última residência conhecida na Rua de Timor, 11, 2745 Queluz, ou Rua do Funchal, 1-B, Lisboa, por haver cometido o crime de emissão de cheque sem provisão, previsto e punido pelo artigo 24.°, n.° 2, alínea c), do Decreto n.° 13 004, de 12 de Janeiro de 1927, foi o mesmo arguido declarado contumaz — artigos 336." e 337.°, n.os 5 e 6, do Código de Processo Penal [...]
4.2 — Outro tanto sucede com a generalidade dos editais e anúncios que, continuamente, são afixados ou publicados ao abrigo do disposto no artigo 335.° do Código de Processo Penal, sem conterem quaisquer referências étnicas.
4.3 — Os próprios documentos de identificação pessoal, nomeadamente o bilhete de identidade, o passaporte e a carta de condução, não indicam a etnia do seu titular, do pai ou da mãe do mesmo, nem poderiam conter menção daquele teor, propícia, como pode ser, à ocorrência de práticas discriminatórias.
5\—Importa assim averiguar o alcance da indicação da etnia ao arguido à luz do princípio da igualdade.
5.1 —A discriminação praticada é injustificada, porquanto não se revela necessária em face da finalidade da publicação em questão, e é manifestamente desconforme à ordem de valores constitucionalmente consagrada.
O Tribunal encontra-se vinculado a respeitar o princípio da igualdade ao aplicar o direito ao caso concreto, o que se traduz não só na aplicação de direito igual a casos idênticos como na observância de um critério objectivo e razoável de igualdade, no que concerne à margem de livre apreciação, na actividade de concretização do direito.
Sustentou — e bem — a Comissão Constitucional que «as diferenciações de tratamento de situações aparentemente iguais se hão-de justificar, no mínimo, por qualquer fundamento material ou razão de ser que não se apresente arbitrário ou desrazoável por isto ser contrário à justiça e, portanto, à igualdade, de modo que a legislação, não obstante a margem livre de apreciação que lhe fica para além desse mínimo, não se traduza em impulsos momentâneos ou caprichosos, sem sentido e consequência» (v. parecer da Comissão Consíiíucíona/ n.° 14/78, de .4 de Maio de ¡978,
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in Pareceres da Comissão Constitucional, vol. 78, 1979, pp. 109-110).
Idênticas considerações importa tecer quanto à actividade judicial. A aplicação jurídica envolve uma ponderação normativa, na qual ocorre sempre um momento normativamente constitutivo. A concretização há-de ser uma tarefa normativamente orientada e objectivamente fundamentada.
5.2 — O tratamento diverso de situações idênticas traduz, no caso vertente, um comportamento arbitrário que consubstancia uma violação do princípio da igualdade.
A diferenciação estabelece-se com base numa condição, meramente subjectiva — a etnia do arguido —, sendo destituída de fundamento objectivo e razoável.
É, pois, desrespeitada uma das cláusulas de não discriminação que o legislador constituinte expressamente instituiu (cf. artigo 13.°, n.° 2, da Constituição).
Considerando que os ciganos constituem uma raça no sentido constitucional, «por mais complexo que seja o conceito científico desta» (Parecer n.° 14/80, de 15 de Maio, da Comissão Constitucional, in Pareceres da Comissão Constitucional, xn, [80], 1982, p. 168), a utilização da expressão «raça cigana» implica a violação da proibição constitucional de discriminação fundada na raça.
Aquela utilização atenta contra a idêntica dignidade social de todos os cidadãos que, nos termos do artigo 13.°, n.° 1, da Constituição, é a base constitucional do princípio da igualdade (Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.a ed., revista, p. 126), sendo manifestamente impertinente.
Também a Declaração Universal dos Direitos do Homem,
a qual constitui parâmetro de interpretação das normas constitucionais relativas aos direitos fundamentais, proclama a idêntica dignidade de todos os seres humanos e a igualdade dos indivíduos perante a lei e proíbe as discriminações em função da raça (artigos 1.°, 2.° e 7.°).
Conclusões
De acordo com o exposto, e tendo em vista a atribuição constitucional de pugnar pela prevenção e reparação de injustiças (artigo 23.°, n.° 1, d'à Constituição), entende o provedor de Justiça fazer uso dos poderes que lhe são conferidos pelo seu Estatuto (Lei n.° 9/91, de 9 de Abril), no artigo 20.°, n.° 1, alínea, a), e, como tal, recomendar
1° A adopção pelo Conselho Superior da Magistratura das medidas necessárias ao apuramento da responsabilidade disciplinar, nos termos dos artigos 4.°, n.° 2, e 82.° do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.° 21/85, de 30 de Julho.
2.° A adopção pelo mesmo órgão de medidas que previnam a ocorrência de situações semelhantes à descrita, ou seja, a publicação de anúncios, bem como a afixação de editais ou a prática de outros actos da mesma natureza que, em face do respectivo teor, estabeleçam um tratamento diferenciado de um ou mais cidadãos com base em condições meramente subjectivas, violando o disposto no artigo 13.°, n.° 2, da Constituição e nos artigos 2.° e 7.° da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Solicito a V. Ex." que me iníorme do seguimento dado a
esta nvirAva recomendação. Com ós meus cumprimentos.
Lisboa, 23 de Maio de 1994. — O Provedor de Justiça, José Menéres Pimentel.
1X)CUMENT0N02
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Ex.mo Sr. Chefe do Gabinete de S. Ex." o Provedor de Justiça:
Tenho a honra de comunicar a V. Ex.8 que, relativamente ao assunto em epígrafe, o plenário do Conselho Superior da Magistratura, na sessão de 28 de Junho de 1994, tornou a deliberação do seguinte teor:
Deliberou-se, por unanimidade, não aceitar a recomendação n.° 93/94 da Provedoria de Justiça, relativa a um anúncio publicado no jornal Correio da Manhã, por ordem do M.mo Juiz do Tribunal de Comarcajle Aveiro, por se entender que o conteúdo do mesmo não traduz qualquer discriminação, mas elementos tendentes à identificação, que se enquadra na norma processual penal.
Com os melhores cumprimentos.
Lisboa, 8 de Julho de 1994. — O Juiz-Secretário, Pedro Gonsalves Mourão.
DOCUMENTO N.° 3
PROVEDORIA DE JUSTIÇA
A S. Ex.a o Conselheiro Presidente do Conselho Superior da Magistratura:
Assunto: Recomendação n.° 93/94, de 23 de Maio de 1994, relativa a anúncio publicado no jornal Correio da Manhã, para efeitos de notificação de arguido, que contém indicação da etnia do mesmo.
Em 23 de Maio próximo passado, dirigi a V. Ex.°, na qualidade de presidente do Conselho Superior da Magistratura, recomendação sobre o assunto supramencionado, onde se conclui pela violação do princípio da igualdade e se propõe que o Conselho Superior da Magistratura instaure as competentes medidas procedimentais disciplinares e adopte medidas preventivas da prática de actos de natureza idêntica ao da notificação em causa, que, em face do respectivo teor, estabeleçam um tratamento diferenciado de um ou mais cidadãos com base em condições meramente subjectivas.
Em ofício de 8 de Julho de 1994, o Conselho Superior da Magistratura esclarece que o plenário da secção deliberou, por unanimidade, não aceitar á recomendação n.° 93/94, por se entender que o conteúdo do anúncio que a motivou «não traduz qualquer discriminação, mas elementos tendentes à identificação, que se enquadra na norma processual penal».
Com o devido respeito, é meu entendimento que não procedem as razoes enunciadas.
Com efeito, e como observei já por ocasião da elaboração da recomendação em causa, é manifesto que a indicação da etnia é alheia ao escopo do acto de notificação, por nao constituir elemento necessário à identificação do arguido.
Aos argumentos oportunamente aduzidos acresce que o anúncio publicado tem por destinatário o próprio arguido
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que, nos termos do artigo 335.°, n.0* 1 e 4, do Código de Processo Penal, fica notificado para se apresentar em juízo, no prazo de 30 dias a contar da segunda e última publicação do mesmo, sob pena de ser declarado contumaz.
Ora, haverá V. Ex.° de convir que dificilmente se sustentará que a menção da etnia é necessária para o arguido se identificar a si próprio.
Por outro lado, a menção da etnia não visará seguramente propiciar a melhor identificação do arguido por terceiros, como poderia suceder no caso de notificação de declaração de contumácia (sendo, aliás, de censurar igualmente tal referência nessa circunstância, por a etnia não constituir de qualquer forma elemento necessário à identificação).
Que tal inclusão é despropositada e arbitrária corrobora-o o facto, incontestado pelo Conselho Superior da Magistratura, de os demais actos de notificação, citação, ou que assumem natureza análoga a estes, e bem assim os actos de carácter administrativo que são continuamente praticados por órgãos jurisdicionais, e no exercício de funções jurisdicionais, não conterem menção dá etnia dos arguidos.
A não ser assim, convido respeitosamente o Conselho a que V. Ex.° dignamente preside a coligir alguns exemplos que infirmem o exposto e que permitam, portanto, considerar normal a prática da menção da etnia dos arguidos, e a remetê--Ios a este órgão do Estado.
A menção da etnia, na medida em que, por um lado, e até prova em contrário, se trata de uma referência sem paralelo na generalidade dos editais e anúncios afixados ou publicados ao abrigo do disposto no artigo 335.° do Código de Processo Penal, e em que, por outro, é susceptível de criar na sociedade uma associação entre a natureza criminosa do comportamento em causa e a etnia do arguido, atenta contra a honra e a dignidade da comunidade cigana..
Os poderes públicos encontram-se vinculados a observar as normas constitucionais relativas aos direitos fundamentais, como o é o direito à igualdade, não devendo o juiz utilizar, no exercício de poderes discricionários na aplicação do direito ao caso concreto, critérios desiguais.
A margem de livre ponderação do juiz na interpretação e consequente aplicação da norma jurídica não envolve aquela faculdade, porquanto, estando em causa um princípio constitucional, o juiz se encontra vinculado à sua observância.
É, pois, forçoso concluir pela prática de discriminação e pela violação do princípio da igualdade, que tem assento no artigo 13.° da Constituição, e do disposto nos artigos 2.° e 7." da Declaração Universal dos Direitos do Homem, texto que o legislador constituinte arvorou em elemento de interpretação das normas constitucionais relativas aos direitos fundamentais.
A esta luz e das demais considerações por mim tecidas no texto da recomendação n." 93/94, é descabido sustentar que o conteúdo do anúncio não traduz qualquer discriminação, por a etnia constituir elemento de identificação, o que encontraria legitimação bastante no desiderato da norma contida no n.° 1 do artigo 335.° do Código de Processo Penal.
Termos em que, demonstrada a improcedência da fundamentação aduzida pelo Conselho Superior da Magistratura, em cumprimento do disposto no n.° 3 do artigo 38.° da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, solicito a V. Ex.*, no üso dos poderes que me são conferidos pelo artigo 20.°, n." !, alínea a), e ao abrigo do disposto no n.° 3 do artigo 22.", ambos da^Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, que se digne esse Conselho reconsiderar á posição assumida sobre a recomendação n.° 93/94, de 23 de Maio de 1994, e adoptar as medidas
que nela se propugnam, informando-me do seguimento que vier a ser dado a este assunto. Com os melhores cumprimentos.
Lisboa, 4 de Outubro de 1994. — O Provedor de Justiça, José Menéres Pimentel.
DOCUMENTO N.°4
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Ex.mo Sr. Chefe do Gabinete de S. Ex.° o Provedor de Justiça:
Tenho a honra de comunicar que o plenário do Conselho Superior da Magistratura, na sessão de 6 de Dezembro de 1994, tendo apreciado o assunto versado no ofício em epígrafe, considerou ter esgotado o exercício da sua exclusiva competência, cuja decisão foi comunicada a V. Ex." através do nosso ofício n.° 3655, de 8 de Julho de 1994.
Com os melhores cumprimentos.
Lisboa, 14 de Dezembro de 1994. — O Juiz-Secretário, Pedro Gonsalves Mourão.
Comunicação sobre a recomendação n.9 42/94, de 11 de Fevereiro de 1994, dirigida a S. Ex.6 o Ministro da Saúde, relativa à unidade de hemodiálise do Hospital Distrital de Évora.
A S. Ex.* o Presidente da Assembleia da República:
Nos termos e para os efeitos do disposto no Estatuto do Provedor de Justiça, artigo 38.°, n.° 5, venho solicitar a atenção e expor a V. Ex." o seguinte:
1 — Por minha iniciativa foi aberto nesta Provedoria, em Abril de 1993, um processo no qual determinei que fossem acompanhados os acontecimentos que vieram a lume nos órgãos de comunicação social no início daquele mês e que indiciavam, no mínimo, negligência do Estado e seus agentes no tratamento de doentes insuficientes renais crónicos (IRC) assistidos continuadamente na unidade de hemodiálise do Hospital Distrital de Évora.
Recolhida e analisada a documentação, constituída quer pelo relatório final do processo de inquérito instaurado pelo inspec-tor-geral da Saúde quer por noticias e artigos relacionados com o assunto, foi a mesma confrontada com a legislação aplicável.
Fiquei convicto de que se verificara uma omissão legislativa por parte do Estado, o qual não disciplinara ainda os requisitos do licenciamento e o funcionamento dos serviços de hemodiálise, bem como os cuidados inerentes ao tratamento de IRC, não obstante a sua implementação e instalação em Portugal remontar ao fim da década de 70.
Mas, apesar da ausência de normativos específicos, do ordenamento jurídico português fazem parte regimes e disciplinas vinculativos -para os órgãos e agentes da Administração Pública, os quais, sendo respeitados, convergem no acautelar de situações limite como as que se verificaram no Hospital Distrital de Évora.
E, à luz desses regimes e disciplinas, concluí pela insuficiência das investigações realizadas no âmbito do Ministério da Saúde para apuramento de actos e omissões geradores de responsabilidade disciplinar e civil, assim como para a individualização dos seus autores.
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1 — Por isso, em 11 de Fevereiro de 1994, dirigi ao Ministro da Saúde a recomendação n.° 42/94, de que junto um exemplar (anexo n.° l).
Ali se conclui:
De acordo com o que ficou exposto e em nome da atribuição constitucional que lhe é conferida de conduzir à prevenção e reparação de injustiças (artigo 23.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa), entende o provedor de Justiça fazer uso dos poderes que lhe são confiados pelo seu Estatuto. (Lei n.° 9/91, de 9 de Abril), no artigo 20.°, n.° 1, alíneas a) e b), e, como tal, recomendar:
1 — Independentemente do apuramento da responsabilidade de cada titular de órgãos, funcionário ou agente, autores de actos ou omissões ilícitos e culposos,
. a assunção formal pelo Estado da sua responsabilidade civil solidária pelas lesões e mortes dos IRC assistidos na unidade de hemodiálise do Hospital Distrital de Évora,
2 — A criação célere de um instrumento legal que possibilite aos hemodialisados assistidos no Hospital Distrital de Évora, sobrevivos mas afectados, e aos familiares dos já falecidos o ressarcimento adequado (por exemplo, através da constituição de uma comissão perante a qual seriam apresentados os pedidos de indemnização).
3 — No caso de não aceitação pelos interessados da indemnização proposta pela comissão, e após mediação, eventualmente, do Provedor de Justiça, constituição de um tribunal arbitral com pressupostos a definir por convenção de arbitragem a negociar pelas partes e não imposta pelo Estado.
4 — No respeito dos valores de solidariedade social e da dignidade humana, a criação imediata de um fundo destinado a:
4.1 —Indemnizar provisoriamente os doentes afectados clinicamente e os familiares dos já falecidos, uns e outros na sequência dos acontecimentos verificados no Hospital Distrital de Évora, enquanto não estiver em funcionamento a comissão atrás proposta;
4.2 — Prestar assistência social (financeira, clínica e outra que se mostre necessária e adequada) aos doentes sobrevivos e aos agregados familiares dos já falecidos.
5 — A determinação da realização de novos inquéritos visando o apuramento de outros actos e omissões com incidência,disciplinar, para além dos já apurados, no âmbito dos órgãos, funcionários e agentes dos serviços integrantes ou dependentes dos Ministérios da Saúde e do Ambiente e Recursos Naturais.
Estes inquéritos devem ter lugar independentemente do conhecimento dos relatórios das autópsias dos IRC já falecidos e quaisquer que sejam as suas conclusões.
Admito a existência de outros actos e omissões insuficientemente apurados no inquérito realizado pela Inspecção-Geral de Saúde, por não aprofundamento da instrução ou porque parte dos factos estão fora de jurisdição do Ministério da Saúde.
3 — Em 17 de Maio de 1994 dirigi-me novamente ao Ministro da Saúde pelo ofício n.° 7491 (anexo n.° 2), insistindo por informação sobre a posição assumida face ao que lhe fora recomendado.
4 — O Ministro da Saúde respondeu em 31 de Maio de 1994, pelo ofício n.° 4013 (anexo n.° 3) e, em síntese, remeteu para os tribunais a decisão sobre o ressarcimento
dos danos causados no Hospital Distrital de Évora aos IRC, escusando-se a diligenciar a adopção de medidas imediatas de apoio social e financeiro.
5 — Por considerar insuficientemente fundamentada a resposta recebida, remeti ao Ministro da Saúde em 17 de Agosto de 1994 o ofício n.° 12 342 (anexo n.° 4), em que apelei ao seu sentido ético e de justiça e ao respeito pelos doentes sobrevivos e pelos familiares dos já falecidos em consequência da intoxição alumínica.
6 —O ofício n.° 7829, de 3 de Novembro de 1994 (anexo n.° 5), subscrito pelo Ministro da Saúde, continua a enjeitar a responsabilidade civil do Estado, insistindo na exigência do prévio apuramento judicial do nexo de causalidade entre, por um lado, as omissões e negligência do Estado e seus agentes e, por outro, as mortes e o agravamento das condições clínicas dos hemodialisados do Hospital Distrital de Évora.
7 — O Ministro da Saúde, na resposta referida no número anterior, usa argumentos improcedentes e em parte repetitivos do que já afirmara em 31 de Maio de 1994 (anexo n.° 3).
7.1 —Não vem cabalmente demonstrado que, dando eco ao rumor público no inquérito realizado, tenham sido perseguidos factos indiciadores do desrespeito por omissão, por parte do conselho de administração (CA) do Hospital, do seu dever de zelo traduzido no cumprimento dos princípios enunciados no artigo 6.° do Decreto-Lei n.° 19/88, de 21 de Janeiro, e nos artigos 4.°, 8.°, )0.°, 13." e 15.° do Decreto Regulamentar n.° 3/88, de 22 de Janeiro.
O dever de zelo expresso e particularizado nos normativos citados impõe ao CA a tomada de iniciativas e nãoa mera reacção a estímulos provindos dos agentes ou serviços dele dependentes.
7.2 — A exigência de um nexo de causalidade cujo estabelecimento constitui o melhor argumento que o Ministro da Saúde encontra para esgrimir contra o que lhe foi recomendado e adiar a assunção da responsabilidade do Estado, tratando-se de «prejuízos especiais e anormais resultantes do funcionamento de serviços administrativos excepcionalmente perigosos» é deslocada (cf. artigo 8.° do Decreto-Leí n.° 48 051, de 21 de Novembro de 1967, que considera a responsabilidade civil, nestes casos, fundada no risco. É por isso tanto maior quanto mais displicente tiver sido a prevenção dos perigos inerentes).
Complementarmente à dispensa do elemento subjectivo de culpa ou negligência no reconhecimento da responsabilidade do Estado, vem a doutrina portuguesa defendendo o princípio de faute du service e da vulnerabilização ou mesmo da inversão do ónus da prova do nexo de causalidade (v. Sinde Monteiro, in Direito da Saúde e Bioética, 1991, p. 147).
Ao reflectir sobre esta questão, não pode também deixar de atentar-se no facto de que os acontecimentos ocorridos em Évora são únicos e não só em Portugal. E se o estado das artes explicasse o sucedido, dado o impacte que o caso de Évora teve nos órgãos de comunicação social e na população em geral, depressa seriam inventariados e tornados públicos outros casos idênticos. Ora tal não se verificou.
8 — Assim, dirijo-me a V. Ex.a na expectativa de que, usando a influência e os meios que a Constituição e as leis lhe outorgaram, o justo ressarcimento e o apoio social aos doentes cuja situação se agravou e das famílias dos que faleceram abruptamente, e num curto período de tempo após tratamento prolongado na unidade de hemodiálise do Hospital Distrital de Évora, sejam em breve uma realidade.
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9 — Solicito a V. Ex." que determine a distribuição deste ofício e seus anexos aos grupos parlamentares e que mande comunicar-me o que sobre a matéria vier a ser concluído.
Com os melhores cumprimentos e elevada estima pessoal.
Lisboa, 26 de Janeiro de 1995. — O Provedor de Justiça, José Menéres Pimentel.
ANEXO N.° 1 PROVEDORIA DE JUSTIÇA A S. Ex.° o Ministro da Saúde:
Recomendação n.B 42/94
Assunto: Hospital Distrital de Évora, unidade de hemodiálise.
I - Antecedentes
1 —Em 1 de Abril de 1993, numa conferência de imprensa do Sindicato dos Médicos da Zona Sul foi referida a existência de graves deficiências de funcionamento da unidade de hemodiálise (UH) do Hospital Distrital de Évora (HDE), a qual provocara, no decurso do mês anterior, a morte de insuficientes renais crónicos (IRC), que ali recebiam assistência regular.
2 — Face ao impacte que aquela informação teve na comunicação social e as intervenções públicas de diversos responsáveis desse Ministério, foram por mim solicitadas, em 16 de Abril de 1993, ao inspector-geral de Saúde diversas informações, incluindo uma cópia do processo de inquérito preliminar então em curso.
Paralelamente, solicitei e recolhi junto de outras fontes variada documentação relativa ao mesmo assunto.
3 — Por ofício de 3 de Junho de 1993, o inspector-geral de Saúde remeteu-me, «para conhecimento e devidos efeitos», fotocópias certificadas do relatório final do processo de inquérito n.° 403/93-IGS.
4 — Do relatório extrai-se que no dia 1 de Abril de 1993 foi pelo inspector-geral de Saúde determinada a deslocação de um inspector assessor ao HDE para uma primeira abordagem da situação.
Na mesma data de 1 de Abril de 1993, recebeu o inspector-geral de Saúde ofício do conselho de administração (CA) do HDE solicitando «a instauração de um processo de averiguações», «visando o esclarecimento e resolução do problema».
5 — O relatório final, com as propostas nele feitas, sustenta o despacho de 25 de Maio de 1993 do Ministro da Saúde, que instaurou procedimento disciplinar a funcionários e agentes do HDE, cuja conclusão ainda desconheço.
6 — Depois de analisada a documentação reunida nesta Provedoria, passo a destacar o contexto e os factos que suportam a análise que posteriormente desenvolvo.
II - Contexto
7 — Verificava-se em princípios de 1993 uma situação generalizada de seca em todo o território nacional, com particular incidência no Alentejo.
A seca decorria desde o Inverno de 1991 e, além de notória, era referida frequente e dramaticamente nos órgãos de comunicação social.
8 — Entrara em vigor o Decreto-Lei n.° 74/90, de 7 de Março, fixando características mínimas de qualidade da água e regras objectivas para actuação da Administração Pública (directa, indirecta e autónoma).
9 — Estavam em vigor o Decreto-Lei n.° 19/88 e o Decreto Regulamentar n.° 3/88, respectivamente de 21 e 22 de Janeiro, que regem a natureza, a orgânica e o funcionamento dos hospitais públicos e regulam os órgãos de gestão hospitalar, sua composição, competência e funcionamento e responsabilidade dos respectivos titulares.
10—Fora aprovada a Lei de Bases da Saúde (Lei n.° 48/90, de 24 de Agosto), regulamentada em 15 de Janeiro pelos Decretos-Leis n.os 10/93 e 11/93.
O primeiro extinguiu a Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários (DGCSP) e criou a Direcção-Geral da Saúde (DGS), mantendo em funcionamento os serviços daquela até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 345/93, de 1 de Outubro.
Ill - Factos
11 —No processo de inquérito reconhecem-se as deficiências de funcionamento da central de tratamento de águas da UH do HDE.
12 — Apura-se que essas deficiências foram verificadas inicialmente em Setembro de 1990, mas que se tornaram frequentes a partir de Janeiro de 1992.
Essas deficiências traduziram-se na perda de rendimento do sistema de filtragem da água utilizada no tratamento dos IRC, repetidamente descendo o débito da água filtrada abaixo dos 380 l/h referidos como indispensáveis para a correcção e segurança do tratamento.
As sucessivas lavagens das membranas, substituição de filtros, membranas e módulos de osmose inversa não asseguravam a permanência do consequente aumento daquele débito de água e apurou-se que a insuficiência sistemática da água resultava da colmatagem das membranas e dos filtros com matéria orgânica e sais minerais transportados pela água da rede de abastecimento público.
Tal situação conduziu a empresa especializada que instalou e prestava assistência ao equipamento (Enkrott) a propor em Fevereiro-Março de 1992 a construção de um novo depósito para recolha de água pré-tratada.
A construção, não prevista no plano de actividades nem no orçamento do HDE, importando cerca de 3000 contos de encargos, foi considerada prioritária e autorizada pelo administrador-delegado, Dr. Manuel Fialho. Não obstante, iniciou-se apenas em Outubro de 1992.
Na mesma altura o administrador-delegado autorizou também a remodelação do sistema de filtração.
13 — Durante o mês de Março de 1993, faleceram 9 IRC que recebiam assistência no HDE, sendo, até esta data, de 22 o total de mortes conhecidas.
14 — Já em 1992, os resultados das análises ao sangue dos assistidos no HDE acusaram níveis muito elevados de alumínio sérico, situação que se repetiu em inícios de 1993, sem que tal, associado às deficiências assinaladas, tenha constituído um alerta quer para os médicos da unidade de hemodiálise, quer para o director clínico.
15 — Os IRC assistidos na UH, quando necessário, eram internados em medicina n.
Em 1992, verificaram-se 179 internamentos de IRC.
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Em Março de 1993, o Dr. Aniceto solicitou a intervenção do médico neurologista para examinar diversos IRC que apresentavam sintomatologia do foro neurológico (compatível com a encefalopatia metabólica/tóxica).
A UH, o serviço de medicina u e o serviço de neurologia funcionam sob a coordenação técnica' do director clínico.
16—Foram detectadas deficiências no tratamento e conteúdo analítico das águas das estações de tratamento de águas, no equipamento de dosagem do sulfato de alumínio e nas condutas da água de abastecimento público.
17 — As deficiências da água da rede suscitaram diversas reuniões de técnicos da Câmara Municipal de Évora (CME), da Administração Regional de Saúde de Évora (ARS), do HDE e da Enkrott, que foram sucessivamente sugerindo e adoptando diversas medidas correctoras.
Em Fevereiro-Março de 1992, a Enkrott aconselhou a CME a usar polielectrólitos.
Mas a maioria das sugestões e ou correcções foi ineficaz até 1 de Abril de 1993, quer quanto à água da rede de abastecimento público quer quanto à água utilizada na UH do HDE.
Todavia, nunca as autoridades ou serviços de saúde afirmaram à população a não potabilidade da água de consumo.
18 — Não resulta claro da documentação analisada que o pessoal afecto à UH tivesse sido devidamente formado e periodicamente reciclado quanto às diligências inerentes ao bom funcionamento da central de tratamento de água.
19 — As medidas que se revelaram eficazes na melhoria da qualidade da água para os dois fins acima referidos começaram a ser tomadas, atenta, persistente e eficazmente pelas entidades competentes dependentes do Ministério da Saúde a partir da denúncia pública das deficiências e mortes já aqui mencionadas.
20 — Evidenciam-se as conclusões dos peritos ouvidos no inquérito, segundo os quais «na instalação de um centro de hemodiálise é pressuposto que a água a ser utilizada provém da rede de abastecimento público. As características qualitativas especiais para tal utilização exigem tratamento específico, que é da inteira responsabilidade desse centro» (fl. 1057 dos autos).
21 —O inquérito promovido pelo inspector-geral de Saúde, assim como o ofício de 21 de Setembro de 1993 do inspector-geral de Saúde, repetidamente refere a inexistência de provas do envolvimento ou do simples conhecimento pelos membros do CA das práticas incorrectas e do funcionamento sem garantias de qualidade e segurança da UH.
22 — O CA do HDE terá tido conhecimento, através de uma primeira informação oral do nefrologista Dr. João Aniceto, em 23 de Março de 1993, da «situação que se estava a passar com os doentes [...]».
E a primeira informação escrita dirigida ao CA pelo mesmo médico data de 28 de Março de 1993.
23 — Não obstante, em 1 de Abril de 1993, o CA insistia em declarar e escrever que «o funcionamento da UH dava garantia de qualidade e segurança», o que também foi admitido pelo director-geral da Saúde em comunicado de 3 de Abril de 1993.
24 — Nos dias 4 e 5 de Abril de 1993, foram transferidos para outras UH de Lisboa doentes assistidos em Évora.
25—No» tstava aprovado, até 1 de Abril de 1993, o regulamento interno do HDE.
Apenas vigoravam algumas normas de procedimentos de .sectores pontuais, nas quais se não incluíam as referentes à UH que entrou em funcionamento em 1986.
Estas foram aprovadas sete anos depois em reunião do CA de 12 de Maio de 1993.
26 — A autoridade de saúde, antes de 1 de Abril de 1993, não desempenhou as suas funções de órgão do Estado responsável pela vigilância da actuação e decisões dos serviços públicos com reflexos na saúde pública nem tomou medidas coercivas sobre a matéria.
27 — Também a divulgação em 1 de Abril de 1'993 das ocorrências na UH não determinou a autoridade de saúde a proceder à oportuna e.discricionária tomada de medidas, inclusive a do encerramento daquela unidade.
28 — Os serviços de saúde e a Câmara não comunicavam regular e atempadamente à DGQA os resultados das análises cujos valores excediam os limites fixados, o mesmo sucedendo com a autoridade de saúde.
29 — Não resulta da documentação analisada que quer a Direcção-Geral da Qualidade do Ambiente (DGQA), quer a Direcção-Geral dos Recursos Naturais (DGRN), quer a Comissão Coordenadora da Região do Alentejo (CCRA) tenham tomado quaisquer iniciativas tendentes a zelar pela existência e> reforço das condições de abastecimento de água com qualidade, face ao prolongamento da situação de seca.
A DGQA limjtou-se a pedir, rotineiramente, em Julho de 1992 e Abril de 1993, os mapas com os registos das análises efectuadas nos anos imediatamente anteriores.
E a autoridade de saúde só em 22 de Abril de 1993, apesar de quase diariamente a comunicação social fazer referência ao sucedido na UH do HDE e ao excesso de alumínio na água da rede pública, solicitou a intervenção dos serviços da DGQA por recomendação do Ministro da Saúde.
30 — Os IRC que estiveram internados em unidades de Lisboa e, por isso, afastados do seu agregado familiar, deram origem a significativas despesas de transportes e alimentação de familiares que os visitaram, visitas que contribuíam para o bem-estar dos doentes muito afectados pelo desenraizamento e pelo dramatismo da situação.
31 — Os familiares dos IRC entretanto falecidos perderam na maioria, se não na totalidade dos casos, uma fonte de receita (as pensões de reforma ou de sobrevivência) essencial para a subsistência do agregado familiar cuja situação social se encontra significativamente agravada.
32 — As despesas com os funerais dós IRC excedem os valores do subsídio de funeral, havendo famílias endividadas e com graves carências.
33 — Cumprido o período de suspensão preventiva, o nefrologista responsável pela UH, Dr. João Aniceto, regressou ao seu posto de trabalho, o que, dados os acontecimentos conhecidos, afecta profundamente a relação de confiança médico-doente em que assenta a prestação de cuidados de saúde,, relação agravada face à demora na conclusão do processo disciplinar que lhe foi instaurado.
IV — O direito regulador da situação em análise. Aplicações
34 — O Decreto-Lei n.° 74/90, de 7 de Março:
34.1 — Define as categorias da água em função dos seus usos principais, destacando-se aqui a água para consumo humano [artigo 2.°, n.° 1, alínea a)].
34.2 — Caracteriza o tipo de acções que integram o «sistema de controlo de qualidade da água».
O «controlo» cabe à entidade responsável pela exploração dos recursos hídricos, no caso em apreço, à CME [v. artigo 4.°, n.° 13, alínea a)].
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A «fiscalização» é da competência das entidades gestoras de recursos hídricos para defender a saúde pública. No caso em estudo, a DGRN [v. artigo 4.°, n.° 2, alíneas f) e h)].
A «vigilância sanitária» é realizada «pelos serviços de saúde, nomeadamente no âmbito da exploração técnica dos sistemas de abastecimento de água para consumo humano».
Os serviços de saúde referidos no artigo 4.° são a DGCSP (hoje DGS) e as ARS (então regidas pelo Decreto-Lei n.° 254/82, de 29 de Junho), a quem compete «planear e assegurar a vigilância sanitária da qualidade da água para consumo humano» [artigo 4.°, n.° 3, alínea e)] e elaborar relatórios anuais sobre a qualidade da água [artigo 4.°, n.° 3, alínea fj\.
A «inspecção» é da competência da DGQA [n.° 1, alínea b), do artigo 4.° e artigo 18.°, n.os 1 e 2] e das CCR [artigo 4.", n.° 4, alínea a)].
As inspecções podem ser de iniciativa oficiosa (v. Código do Procedimento Administrativo, artigo 54."), mas as câmaras e os serviços de saúde estão vinculados ao dever de comunicar à DGQA, no prazo de três dias, sempre que os valores apurados nos seus controlos ultrapassam os limites fixados no anexo ix da lei (v. artigo 18.°, n.° 2).
Também, nos termos do n.° 1 do artigo 56.°, «qualquer das entidades competentes dará conhecimento à DGQA das ocorrências detectadas».
Estes deveres de informar não parece terem sido cumpridos antes de 1 de Abril de 1993, por qualquer das entidades competentes.
34.3 — Mas, «salvaguardados os imperativos de protecção da saúde pública», não são aplicáveis os parâmetros referidos nos anexos à lei, por exemplo em situação de seca [artigo 6.°, n.° 1, alínea a)}.
Esta diminuição de exigências «é obrigatoriamente confirmada pela enüdade com competência para a fiscalização na área correspondente (artigo 6.°, n.° 2), que, no caso em análise, julgo ser a DGRN, e comunicada à DGQA nos 15 dias subsequentes (artigo 6.°, n.° 3).
A iniciativa nesta matéria não parece depender de um pedido da entidade responsável pela qualidade da água de abastecimento para consumo humano (a CME), antes cabe às câmaras fornecer à DGQA e às ARS as informações que estas lhes solicitem [artigo 4.°, n.° 13, alínea c)].
A iniciativa de confirmação da situação de excepção pode ser oficiosa, considerando-se que teria sido indispensável sobretudo nos anos de 1992 e 1993 devido à prolongada situação de seca.
Por sua vez, a CME apenas requereu a declaração da situação de seca em 27 de Abril de 1993, não obstante dispor há muito de análises com resultados elevados em alguns parâmetros (matéria orgânica).
O pedido não mereceu provimento.
34.4 — As águas que «requeiram uma maior exigência de qualidade»-não são consideradas de abastecimento para consumo humano (artigo 15.°, n.os 1 e 2). É o caso da utilizada nas UH, à qual não se aplicam os normativos que vêm sendo citados.
34.5 — Entre as características de qualidade da água de abastecimento para consumo humano destaca-se: «não pôr em risco a saúde [pública], ser agradável ao paladar e à vista dos consumidores [...] — (cf. artigo 16.°, n.° 1).
O sulfato de alumínio é referido nos autos como tendo uma função «estética», fazendo precipitar substâncias que dão à água um aspecto turvo desagradável.
Mas a CME não dispunha de equipamento adequado para fazer o doseamento do sulfato de alumínio necessário, e isso poderá ter contribuído para exceder continuamente as exigências de potabilidade definidas no anexo ix que são, quanto ao alumínio, o VMR de 0,05 e o VMA de 0,2).
35 — O Decreto-Lei n.° 19/88 e o Decreto Regulamentar n.° 3/88, de 21 e de 22 de Janeiro, respectivamente (o regime da gestão hospitalar):
35.1 — Nos termos do Decreto Regulamentar n.° 3/88, os hospitais, têm um conselho de administração que deve acompanhar e avaliar periodicamente a execução dos princípios fundamentais de organização e funcionamento do hospital (artigo 4.°, n.° 1) e aprovar as directrizes necessárias ao melhor funcionamento dos serviços [artigo 4.°, n.° 2, alí-nea c)].
Não está determinado que o faça apenas através da leitura de relatórios dos diversos responsáveis ou que, passivamente, aguarde a chegada de informações (globais ou sectoriais); nem tal práüca revelaria uma boa, atenta e diligente actuação.
O Decreto-Lei n.° 19/88 refere nos artigos 6.° e 7.° os princípios que presidem à actuação dos órgãos dos hospitais.
Saliento o n.° 1, alíneas a) e f), do artigo 6.°: o respeito pelos direitos dos doentes e o acatamento das normas de ética profissional por parte de todos os que trabalham no hospital.
E o n.° 2 do mesmo artigo, ao qual julgo caber a competência para tomar a decisão de encerrar a UH e de transferir para outras unidades, a expensas do HDE, os doentes em diálise regular.
35.2 — O administrador-delegado elabora relatórios mensais, trimestrais e anuais do hospital e submete-os à aprovação do conselho de administração (artigo 10.", n.° 2).
E autoriza as despesas de simples conservação e reparação e beneficiações das instalações e do equipamento [artigo 11.°, n.° 1, alínea d)}.
35.3 — O director clínico (que é também um órgão de direcção técnica) coordena toda a assistência prestada aos doentes, assegura o funcionamento harmónico dos serviços de assistência, garante a correcção e prontidão dos cuidados de saúde prestados pelo hospital e, em especial, dirige a acção médica (artigo 13.°, n.° 1).
Cabe-lhe ainda «detectar permanentemente no rendimento assistencial global do hospital os eventuais pontos de estrangulamento [...)» [artigo 13.°, n.° 2, alínea b)].
É coadjuvado por adjuntos por si livremente escolhidos.
36 — A Lei n.° 48/90, de 24 de Agosto (os serviços de saúde e as autoridades de saúde):
36.1 —O Decreto-Lei n.° 74/90 só refere a competência dos serviços de saúde e não menciona as autoridades de saúde que, nos termos da Lei de Bases da Saúde, são órgãos do Estado situados a nível nacional (o Ministro e o director--geral da Saúde), regional (na época ainda não regulamentado, e, ainda que sem suporte legal, assegurado pela chamada «autoridade distrital») e concelhio (sediada nos centros de saúde).
Segundo o n.° 1 da base xix, as autoridades de saúde garantem a intervenção oportuna e discricionária do Estado em situações de grave risco para a saúde pública e exercem funções de vigilância das decisões dos órgãos e serviços executivos do Estado em matéria de saúde pública, podendo suspendê-las quando as considerem prejudicial (n.° 2 da
mesma base-).
36.2 — Não são confundíveis os papéis da DGS ou da ARS e dos serviços de engenharia sanitária (que fazem parte da sua estrutura orgânica) com os do órgão do próprio Estado «autoridade de saúde», apesar de os titulares deste órgão
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serem em regra médicos da carreira médica de saúde pública providos em lugares das ARS correspondentes ao grau e categoria que, por norma, obtêm mediante concurso.
36.3 — A figura «autoridade de'saúde distrital» não existia de jure. Era uma realidade de facto, designada por despacho ministerial, mas nenhum diploma consagrava então as respectivas competências (e a competência não se presume), o modo da sua articulação com as autoridades concelhias e nacionais e a sua área de influência.
Informalmente, constituía um apoio especializado do órgão máximo de gestão da então designada ARS, dialogando com as autoridades concelhias implantadas no seu distrito.
37 — A Constituição da República Portuguesa, o Código Penal, o Estatuto Disciplinar, o Estatuto Hospitalar, o Decreto-Regulamentar n.° 3/88, de 22 de Janeiro (a responsabilidade disciplinar):
37.1 — Os artigos 22." e 271.° da Constituição da República Portuguesa (CRP) fazem decorrer a responsabilidade, e a subsequente solidariedade do Estado ou de outras entidades públicas, de actos ou omissões dos titulares dos órgãos, funcionários e agentes.
Da mesma forma, o artigo 10.° do Código Penal, para os crimes de resultado, equipara a comissão por acção à comissão por omissão.
O n.° 1 do artigo 56.° do Estatuto Hospitalar, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 48 357, de 27 Abril de 1968, estabelece que «o pessoal dos hospitais e dos serviços de organização hospitalar [...] ficam sujeitos ao regime disciplinar dos servidores civis do Estado».
A responsabilidade disciplinar decorre da mera culpa do autor do acto ou omissão (artigo 3.°, n.° 1, do Estatuto Disciplinar) do qual resulte violação de algum dos deveres gerais ou especiais decorrentes da função que exerce.
Deveres, para fins disciplinares, são todos os que visam assegurar o regular funcionamento dos serviços, destacando--se aqui os deveres gerais de zelo e de lealdade, definidos, respectivamente, nos n.os 6 e 8 do artigo 3.° do Estatuto Disciplinar.
O primeiro «consiste em conhecer as normas legais e regulamentares e as instruções dos seus superiores hierárquicos, bem como possuir e aperfeiçoar os seus conhecimentos técnicos e métodos de trabalho de modo a exercer as suas funções com eficiência e correcção».
Desdobra-se em diligência e competência.
O segundo «consiste em desempenhar as suas funções em subordinação aos objectivos do serviço e na perspecúva da prossecução do interesse público».
Embora o artigo 33.° do Decreto Regulamentar n.° 3/88, de 22 de Janeiro, refira que os membros dos órgãos da administração e direcção técnica são responsáveis disciplinar, civil e criminalmente, nos termos da lei, pelos actos que pratiquem no exercício das suas funções, não podem considerar-se excluídas da mesma responsabilidade as omissões dos citados titulares.
37.2 — Dos elementos constitutivos da infracção destaco a culpa e a ilicitude.
A culpa é apreciada «pela diligência de um bom pai de família» (cf. Código Civil, artigo 487.°, n.° í).
Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, «o julgamento [da culpa] não está vinculado às práticas de desleixo, de desmazelo ou de incúria que porventura se tenham generalizado, se outra for a conduta exigível dos homens de boa formação e de são procedimento» (in Código Civil Anotado, vol. i, 3." ed., p. 462).
Por isso, a «referência expressiva ao bom pai de família acentua mais a nota ética ou deontológica do bom cidadão [...] do que o critério puramente estatístico do homem médio» (idem).
A ilicitude disciplinarmente traduz-se na violação de valores superiormente protegidos (v. g., os direitos à vida, à integridade pessoal, à protecção da saúde) que devam ser prosseguidos pela Administração.
38 — Aplicações do regime de responsabilidade:
38.1 —Quando o relator do processo de inquérito que decorreu na Inspecçâo-Geral de Saúde ou o próprio inspec-tor-geral afirmam a não existência de provas de que o conselho de administração tenha praticado actos susceptíveis de o fazerem incorrer em responsabilidade, está claramente a excluir as omissões que se traduzem na violação dos deveres de zelo e de lealdade.
Ora, como atrás se disse (cf. n.m 11 e 12), ao autorizar em inícios de 1992 a construção de um novo depósito para reserva de água a utilizar na UH, o administrador tomou conhecimento claro da existência de problemas sérios que justificaram a atribuição de prioridade a uma obra não prevista no plano de actividades nem no orçamento do HDE e cujos encargos não podem ter-se por insignificantes.
Através do engenheiro Miranda e da Enkrott, o administrador-delegado tomou conhecimento das repetidas deficiências de funcionamento e autorizou despesas subsequentes, factos que não podem deixar de ser valorizados e incluídos na previsão do n.°l do artigo 13.° do Decreto Regulamentar n.° 3/88.
Tal facto, bem como a frequência com que foi necessário adquirir, trocar e lavar membranas, módulos e filtros, deveriam ter sido comunicados para aprovação ao CA, se não de outra forma, num dos seus relatórios mensais, trimestrais ou anuais.
Não ter levado o assunto a reunião do CA constitui omissão culposa e ilícita.
Se as relações entre o director clínico e o seu adjunto Dr. Aniceto eram efectivamente de confiança, dificilmente se compreende que sobre acontecimentos tão perturbadores como a morte de oito ou nove IRC desde o início até ao fim do mês de Março de 1993 (antes de o assunto se tornar do domínio público) e face à colaboração pedida ao neurologista perante a sintomatologia apresentada pelos hemodialisados não tenha havido curiosidade científica, solicitação de informações ou qualquer manisfestação de preocupação por parte do director clínico.
A inércia traduz-se numa omissão culposa e ilícita do CA, com destaque quer para o administrador-delegado quer para o director clínico, este responsável e por isso com o dever de iniciativa para assegurar e verificar o funcionamento dos serviços de assistência e garantir a correcção dos cuidados prestados.
38.2 — Assim como também a DGQA, a DGRN e a CCRA parecem não ter cumprido o dever de zelo ou diligência a que, no âmbito das suas competências, estão obrigadas.
Atente-se na forma rotineira e extemporânea com que em Junho de 1992 e Abril de 1993 a DGQA solicitou à CME os resultados das análises à água respeitantes aos anos de 1991 e 1992, dois anos seguidos de seca excepcional.
Verifica-se por isso também (e face às informações disponíveis no processo) omissão culposa e ilícita.
38.3 —- O mesmo pode ser afirmado em relação à Câmara, que não diligenciou atempadamente no sentido de efectuar uma dosagem correcta do alumínio a introduzir na água de abastecimento público nem deu conhecimento dos resultados das análises à DGQA.
38.4 — Relativamente aos serviços de saúde e à qualidade da água de abastecimento, torna-se difícil separar os papéis desempenhados e as responsabilidades inerentes, dado que vem de há muito a confusão entre as ARS e as «suas»
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autoridades de saúde. O próprio legislador, não poucas vezes, usa cada uma das expressões incorrectamente [...]
Tal incorrecção não está excluída quando o Decreto-Lei n.° 74/90 comete expressamente a vigilancia sanitaria as ARS e à DGCSP, e não ao órgão do Estado (autoridade de saúde), que é apoiado ém termos normativos, técnicos, humanos e logísticos por aqueles serviços.
Retira-se da documentação disponível que houve empenhamento da DGCSP no sentido de obter financiamento (Programa LIFE) para apetrechar os laboratórios das ARS com os meios necessários ao cumprimento da parte das exigências que lhe faz a lei. Mas, de facto, tais exigencias não foram integral e regularmente satisfeitas nó período de seca em que a necessidade de vigilância era mais óbvia e premente.
A DGCSP não logrou fazer aprovar tempestivamente [ainda que o possa ter tentado no cumprimento do disposto nos artigos 4.°, alínea c), 13.°, n.° 1, e 19.°, alínea a), do Decreto-Lei n.° 74-C/84, de 2 de Março] as medidas legislativas agora concretizadas no Decreto-Lei n.° 392/93, de 23 de Novembro, e regulamentadas na Portaria n." 60/94, de 25 de Janeiro.
A prova da sua urgente necessidade foi a aprovação, como norma interna do HDE, em Maio de 1993, depois da morte de muitos IRC, do regulamento para a UH.
Fizeram-se reuniões, espaçadas no tempo, com participação da engenharia sanitária (ARS e DGCSP) para discutir os problemas e aconselharam-se algumas medidas correctoras quer à Câmara quer ao Hospital.
Mas não se conhece, antes de os acontecimentos serem divulgados na comunicação social, qualquer comunicado alertando a população para o perigo decorrente do consumo da água da rede para a saúde pública, não obstante a matéria orgânica e os teores de alumínio serem frequentemente superiores aos recomendados.
38.5 — Todavia, as responsabilidades relativamente à qualidade e potabilidade da água de abastecimento público são distintas das referentes às águas cuja utilização requer uma maior exigência de qualidade.
38.6 — Estão neste caso, e a coberto da excepção do n.° 2 do artigo 15.° do Decreto-Lei n." 74/90, as águas utilizadas em hemodiálise, num hospital em que as particulares e rigorosas exigências de pureza devem ser asseguradas pelo serviço utilizador da água, em termos adequados às circunstâncias, conclusão a que também chegaram os peritos que depuseram no inquérito da IGS.
No HDE repetidamente se verificou a inexistência de condições para proceder, com garantia de qualidade e segurança, ao tratamento adequado dos IRC ao seu cuidado.
Consequentemente o CA do HDE deveria ter-se informado pormenorizadamente do funcionamento da UH pelo menos no dia 1 de Abril de 1993, antes de emitir um comunicado onde assegurou que a UH continuava a pautar-se por todos os parâmetros de garantia, de qualidade e segurança exigidos.
Muito antes dessa data deveria ter providenciado, a expensas suas, a redução do número de doentes assistidos (eram 72), dada a diminuição do débito da água, e diligenciar a transferência dos doentes para outras unidades enquanto procedesse à determinação inequívoca das causas das anomalias e promovesse as correcções indispensáveis para garantir a qualidade da prestação dos cuidados aos IRC.
Esta medida acabou por ser tomada a 4 e 5 de Abril [...]
38.7 — Face ao acervo de informação reunido, parece poder concluir-se que também a autoridade de saúde
concelhia não actuou de acordo com os seus poderes de determinar a substituição integral das fontes de abastecimento de água até à reposição dos valores do alumínio dentro dos teores aconselhados.
39 — A responsabilidade civil extracontratual do Estado: 39.1—0 artigo 22.° da CRP declara o «Estado e as demais entidades públicas [...] responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por actos ou omissões praticados no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem».
Consagra assim uma formulação lata do princípio da
responsabilidade civil extracontratual do Estado, não exigindo culpa desses titulares, funcionários ou agentes, desde que, por força do exercício das suas funções, sejam violados direitos, liberdades e garantias ou causados prejuízos a outrem.
Sobre este entendimento, confrontem-se Jorge Miranda, in Direitos, Liberdades e Garantias — Estudos sobre a Constituição, vol. in, 1979, p. 65; Marcelo Rebelo de Sousa, in «Princípio da Legalidade Administrativa na Constituição», Revista de Liberdade e Democracia, n.° 13, p. 15, e Vital Moreira e Gomes Canotilho, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 1978. Deste último extrai-se a seguinte passagem:
O texto constitucional, ao falar de acções e omissões praticadas no exercício das funções, sem qualquer restrição, pode ser interpretado no sentido da aceitação da responsabilidade estadual para além dos actos ilícitos e culposos.
Este entendimento lato de responsabilidade civil extracontratual do Estado é o adequado à existência de um Estado de direito (cf. Jorge Miranda, ob. c/f.).
39.2 — Esta tese da responsabilidade imediata do Estado por actos praticados pelos titulares dos seus órgãos, ou pelos seus funcionários e agentes, no exercício das suas funções e independentemente da culpa destes, tem sido geralmente admitida pela doutrina e jurisprudência que tem qualificado como faute du service factos danosos que resultem de ausência, do irregular ou do não oportuno funcionamento de um serviço público que não podem, ou enquanto não podem, ser atribuídos a um comportamento concreto de um qualquer órgão ou agente.
Como refere Jean Rivero (in Direito Administrativo, Almedina, 1981, p: 319), trata-se de «deficiências no funcionamento normal do serviço atribuível a um ou a vários agentes da Administração, mas que não lhes é imputável a título pessoal, ligando-se directamente a pessoa pública a que pertence aquele agente».
Com o mesmo entendimento, refiro Freitas do Amaral (in Direito Administrativo, vol. in, 1989, p. 502) e Dimas de Lacerda (in Contencioso Administrativo — Responsabilidade Extracontratual do Estado, Associação Jurídica de Braga, p. 252).
Também a jurisprudência tem feito aplicações deste entendimento. V. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, in Acórdãos Doutrinais, n.os 51, p. 321, e 240, p. 1450, e o de 18 de Março de 1978 no processo n.° 11 129, bem como o acórdão do tribunal de conflitos, in apêndice ao Diário da República, de 4 de Novembro de 1971.
E o Decretc^Lei n.° 48 051, de 27 de Novembro de 1967 (que, segundo Vital Moreira e Gomes Canotilho, «na parte em que não for incompaí/veJ com a Constituição deverá
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considerar-se como continuando em vigor» —ob. cil), prevê no artigo 8.° a «responsabilidade pelos prejuízos especiais e anormais resultante do funcionamento de serviços administrativos excepcionalmente perigosos ou de coisas e actividades da mesma natureza» independentemente do apuramento de culpa de quaisquer titulares de órgãos ou de agentes.
A responsabilidade funda-se objectivamente no risco da actividade exercida por serviços do Estado.
39.3 — A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas, por actos de gestão pública, rege-se ainda pelo Decreto-Lei n.° 48 051, de 21 de Novembro de 1967.
Esta responsabilidade decorre de um facto (acto ou omissão) culposo, praticado por órgão ou agente da Administração no exercício das suas funções e que, por causa desse exercício (nexo de causalidade) ofende (dano) direitos de terceiros ou desrespeita normas legais que visam protegê--los (ilicitude).
A culpa é apreciada nos termos do Código Civil e os titulares dos direitos ofendidos devem ser indemnizados pelos danos sofridos e provados.
Posto isto, e não obstante não ter agido a Administração segundo critérios de diligência e cuidado pressupostos pela actividade de risco em questão, não deixo de ponderar a questão da determinação de um nexo de causalidade.
Desconhecendo ainda os resultados das autópsias mas considerando provável que entre as causas das mortes figure a intoxicação alumínica crónica ou aguda, é possível desde já estabelecer a alta probabilidade daquele nexo entre os problemas da água deficientemente tratada na UH com todas ou algumas das mortes dos IRC assistidos no HDE.
Todavia, se não viesse a ser possível a demonstração de um nexo de causalidade entre as apontadas condutas da Administração e as mortes já verificadas de 22 IRC, bem como as lesões provocadas nos sobrevivos, ficariam estes e os familiares daqueles numa posição de manifesta fragilidade.
Neste tipo de casos, vem a doutrina reconhecendo a necessidade áevulnerabilizar o ónus da prova Como afirma Sinde Monteiro («Aspectos particulares da responsabilidade médica», in Direito da Saúde e Bioética, ed. Lex, 199t, Lisboa, p. 147), «pode entender-se que a criação de um risco injustificado ou o agravamento dos riscos culposamente provocados pelo acto médico são um fundamento válido para aligeirar a prova do nexo causal, podendo conduzir à inversão do ónus».
Todavia, a prova do nexo causal por quem invoca o direito a uma indemnização por actos de gestão pública ilícitos, tornar-se-ia, na situação vertente, lenta e demasiado onerosa.
E, contudo, face às circunstâncias, deve sublinhar-se o posicionamento, em desfavor do Estado, dos seguintes aspectos:
d) A posição débil, de quase sujeição, dos doentes que fazem regularmente hemodiálise, a qual lhes restringe intensamente qualquer domínio de facto sobre os citados actos médicos e sobre os demais actos de gestão pública conexos — impondo, assim, uma necessária cedência da regra geral sobre o ónus da prova, em termos equitativos;
b) O não cumprimento de deveres de cuidado quanto aos riscos inerentes, designadamente a utilização de água da rede não tratada, indiciando negligência.
Não pode por isso ficar dependente do apuramento de eventuais culpas dos agentes do Estado a imediata assunção
por este, como pessoa de bem que é, da sua responsabilidade pela indemnização das vítimas.
Nem tal assunção prejudica as simultâneas ou posteriores diligências tendentes ao apuramento da existência de actos ou omissões culposas dos indivíduos ao serviço do Estado.
Apurando-se a culpa, haverá então lugar à aplicação do regime do artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 48 051, e eventualmente ao direito de regresso, previsto no n.° 2.
Não se apurando culpas individuais, aplicar-se-á integralmente o princípio da existência de faute du service ficando o Estado como único responsável perante as vítimas.
39.4 — A tudo isto ainda poderá acrescer a responsabilidade por omissão quanto à não publicação de normas • regulamentares ou legislativas que determinassem a aplicação de conhecimentos científicos, técnicos e de apoio logístico adequados à correcta e segura prestação de assistência médica.
A ideia de responsabilidade do Estado por omissões legislativas Ou regulamentares, mesmo fora do âmbito da inconstitucionalidade por omissão, encontra suporte no artigo 22.° da Constituição. Neste sentido, pode afirmar-se, com Rui Medeiros (in Ensaio Sobre a Responsabilidade Civil do Estado por Actos Legislativos, Livraria Almedina, Coimbra, 1992, p. 353) que:
Os danos devem ser imputados à Administração quando o órgão ou agente administrativo goza de liberdade na fixação do conteúdo do acto ou regulamento ou pode, inclusivamente, não o emitir. Assim, havendo discricionariedade da escolha ou da decisão, o lesado pode fundamentar o seu pedido de indemnização não só na Constituição mas também nos preceitos legais que regem a responsabilidade objectiva da Administração.
39.5 — O meio processual adequado ao estabelecimento do direito e do valor da indemnização decorrente da responsabilidade do Estado seria a acção civil interposta no tribunal administrativo competente.
Mas a onerosidade e delonga habitual nessas acções não se compadece com a situação anímica e social fragilizada dos doentes sobrevivos e dos familiares dos falecidos.
O Estado, enquanto pessoa de bem, deve providenciar um outro meio-mais expedito e isento para determinar e fazer pagar os valores das indemnizações que venham a ser devidas, bem como prestar o indispensável e imediato apoio social.
É assim juridicamente indispensável e eticamente aconselhável a procura urgente pelo Estado de uma solução adequada ao ressarcimento célere e justo das vítimas da negligência da Administração (directa, indirecta e autónoma).
Tal como para os seropositivos infectados na sequência de tratamentos com sangue ou seus derivados, também no presente caso se justifica a previsão da celebração de convenções de arbitragem, posteriores à frustração dos resultados da intervenção da comissão adiante preconizada, julgando os árbitros sem prejuízo do direito ao recurso constitucionalmente consagrado.
V — Conclusões ,
40 — De acordo com o que ficou exposto e em nome da atribuição constitucional que lhe é conferida de conduzir à prevenção e reparação de injustiças (artigo 23.°, h.° 1, da CRP),
V'. . ', " •'
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entende o provedor de Justiça fazer uso dos poderes que lhe são confiados pelo seu Estatuto (Lei n.° 9/91, de 9 de Abril), no artigo 20.°, n.° 1, alíneas a) e b), e, como tal, recomendar
40.1 — Independentemente do apuramento da responsabilidade de cada titular de órgãos, funcionários ou agentes, autores de actos ou omissões ilícitos e culposos, a assunção formal pelo Estado da sua responsabilidade civil solidária pelas lesões e mortes dos IRC assistidos na UH do HDE.
40.2 — A criação célere de um instrumento legal que possibilite aos hemodialisados assistidos no HDE, sobrevivos mas afectados, e aos familiares dos já falecidos o ressarcimento adequado (por exemplo através da constituição de uma comissão perante a qual seriam apresentados os pedidos de indemnização).
40.3 — No caso de não aceitação pelos interessados da indemnização proposta pela comissão, e após mediação, eventualmente, do provedor de Justiça, constituição de um tribunal arbitral com pressupostos a definir por convenção de arbitragem a negociar, pelas partes e não imposta pelo Estado.
40.4—No respeito dos valores de solidariedade social e da dignidade humana, a criação imediata de um fundo destinado a:
40.4.1—Indemnizar provisoriamente os doentes afectados clinicamente e os familiares dos já falecidos, uns e outros na sequência dos acontecimentos verificados no HDE, enquanto não estiver em funcionamento a comissão atrás proposta.
40.4.2 — Prestar assistência social (financeira, clínica e outra que se mostre necessária e adequada) aos doentes sobrevivos e aos agregados familiares dos já falecidos.
40.5 — A determinação da realização de novos inquéritos visando o apuramento de outros actos e omissões com incidência disciplinar, para além dos já apurados, no âmbito dos órgãos, funcionários e agentes dos serviços integrantes ou dependentes dos Ministérios da Saúde e do Ambiente e Recursos Naturais.
Estes inquéritos devem ter lugar independentemente do conhecimento dos relatórios das autópsias dos IRC já falecidos e quaisquer que sejam as suas conclusões.
Admito a existência de outros actos e omisssões insuficientemente apurados no inquérito realizado pela Inspecção-Geral de Saúde, por não aprofundamento da instrução ou porque parte dos factos estão fora de jurisdição do Ministério da Saúde.
Recordo a V. Ex.a ser a presente recomendação formulada ao abrigo do disposto no artigo 20.°, n.° 1, alíneas a) e b), do estatuto aprovado pela Lei n.° 9/91, de 9 de Abril.
Como tal, vincula o seu destinatário ao cumprimento dos deveres contidos no artigo 38.°, n.05 2 e 3, do citado diploma, sem prejuízo da informação a este órgão do Estado sobre todas as medidas eventualmente tomadas quanto aos fins visados, nos termos do artigo 29.°, n." 4 (idem), para cujo cumprimento é fixado o prazo máximo de 20 dias.
Com os melhores cumprimentos.
Lisboa, 11 de Fevereiro de 1994. — O Provedor de Justiça, José Menéres Pimentel.
ANEXO N.» 2
PROVEDORIA DE JUSTIÇA
i
A S. Ex." o Ministro da Saúde: Assunto: Hospital Distrital de Évora. Unidade de hemodiálise.
1 —Em 11 de Fevereiro de 1994 enviei a V. Ex.* a recomendação n.° 42/94 (ofício n." 2235), relativa ao assunto em epígrafe.
Nela recordei a V. Ex.a que, sendo a recomendação formulada nos termos do disposto no artigo 20.°, n.° 1, alíneas a) e b), do estatuto aprovadopela Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, o seu destinatário está vinculado ao cumprimento dos deveres expressos no artigo 38.°, n.os 2 e 3, do mesmo estatuto.
2 — O prazo ali referido expirou no dia 11 do corrente. Não obstante as notícias veiculadas pela imprensa de que
V. Ex.a teria anunciado uma resposta para breve, não me foi comunicada a posição assumida sobre o assunto.
3 — Venho, por isso, solicitar o cumprimento urgente dos dispositivos citados, dignando-se V. Ex." tomar posição quanto:
á) À constituição do fundo de indemnização as vítimas e familiares;
b) À assistência social que está a ser prestada aos doentes sobrevivos;
c) k realização de novos inquéritos para apuramento de actos e omissões, entre outros, dos elementos do conselho de administração, para além dos já apurados no âmbito desse Ministério;
sem o que me verei obrigado a adoptar o procedimento previsto nos n.05 4 e 5 do artigo 38.° da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril.
Com os melhores cumprimentos.
Lisboa, 19 de Maio de 1994. — O Provedor de Justiça, José Menéres Pimentel.
ANEXON.°3 MINISTRO DA SAÚDE Ex.1"0 Sr. Provedor de Justiça:
Em resposta à recomendação n.° 42/94, sobre o caso da unidade de hemodiálise do Hospital Distrital de Évora, formulada por V. Ex.a ao abrigo do disposto nas alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 28.° da Lei n.° 9/81, de 9. de Abril, venho informá-lo, nos termos do n.° 2 do artigo 38° do Estatuto do Provedor de Justiça, do seguinte:
1 — Quanto à realização de novos inquéritos para apuramento de outros actos e omissões, com incidência disciplinar, para além dos já apurados no âmbito dos órgãos, funcionários e agentes dos serviços integrantes ou dependentes do Ministério da Saúde e do Ambiente:
No que respeita ao Ministério da Saúde, importa, em primeiro lugar, verificar se é admissível proceder à reabertura de novo inquérito.
Como é do conhecimento geral, aquela reabertura somente deve ocorrer quando se conheçam novos elementos de prova que possam invalidar as conclusões do inquérito.
A protecção do direito dos cidadãos à presunção da própria inocência e os valores da segurança e da certeza do direito tornam inquestionável a exigência do respeito pêlos actos da Administração que produzam efeitos na sua esfera jurídica.
Uma vez que já unha sido decidido o processo de inquérito pelas entidades com competência própria para tal, somente com base em factos novos se poderia justificar a reabertura
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deste processo, o que não se verifica, nos termos da recomendação emitida por V. Ex.a Vejamos:
Quanto ao conselho de administração do Hospital Distrital de Évora, escreve-se nesta recomendação (n.° 38.6) que este órgão deveria ter-se informado pormenorizadamente do funcionamento da unidade de hemodiálise, «pelo menos no dia 1 de Abril de 1993, antes de emitir um comunicado onde assegurou que a unidade de hemodiálise continuava a pautar-se por todos os parâmetros de garantia de qualidade e segurança exigidos» e que «muito antes dessa data deveria ter providenciado, a expensas suas, a redução do número de doentes assistidos [eram 72], dada a diminuição do débito da água, e diligenciar a transferência dos doentes para outras unidades, enquanto procedesse à determinação inequívoca das causas das anomalias e promovesse as correcções indispensáveis para garantir a qualidade da prestação dos cuidados dos insuficientes renais crónicos. Esta medida acabou por ser tomada a 4 e 5 de Abril» (cf n.° 38.6).
As dúvidas lançadas pela Provedoria de Justiça em relação a este órgão gestor e no tocante às situações acabadas de referir não têm fundamento. Com efeito, quando, em 22 de Março de 1993, o conselho de administração, através do administrador-delegado, toma conhecimento verbal (na sequência da comunicação oral do Dr. João Aniceto e engenheiro Miranda) do que se estava a passar na CTA, são prontamente desencadeadas diligências que ocasionam no dia subsequente a substituição das membranas de osmose pela Enkrott.
Entretanto, em 28 de Março de 1993, o Dr. João Aniceto expôs a situação por escrito ao CA, sendo a partir de então encetado um conjunto de medidas que consistiram:
Na normalização da produção de osmose através da substituição da água de abastecimento em 29 de Março de 1993 —já que as membranas novas colocadas em 23 de Março de 1993 se encontravam colmatadas, devido ao excesso de sais minerais (e matéria orgânica) na água da rede —, acção que se revelaria decisória na solução do problema, pois com a substituição da água da rede por outra fonte alternativa (Viana do Alentejo) acabavam definitivamente as deficiências na CTA; e,
Em 1 de Abril de 1993 foram postas em marcha importantes medidas de carácter terapêutico, instituído um programa de desintoxicação e equacionada a transferência de doentes clinicamente mais debilitados, e isto, sublinhe-se, em resultado de decisões de ordem clínica que contaram a partir de então com a acção determinante da comissão de diálise e transplante renal, além de que todo este programa foi acompanhado pela Direcção-Geral da Saúde e pelo próprio Secretário de Estado da Saúde.
Nesta medida, não se vê a razão de ser do questionado pela Provedoria de Justiça, uma vez que somente na noite de 22 de Março de 1993 o Dr. João Aniceto se inteirou (e terá compreendido) que a água utilizada na diálise não estava a ser desmineralizada e afinal o by-pass que vinha sendo praticado passou a ser interpretado como o facto desen-cadeador dos efeitos perversos nos doentes, daí que, em 24 de Março de 1993, o mesmo médico entendesse a necessidade de valorização e determinação da pesquisa do alumínio na água e no sangue dos doentes.
Nestas condições, entendo que não procede a argumentação da Provedoria de Justiça quanto ao desem-penho do CA nas áreas referenciadas, não se vislumbrando quaisquer atitudes com repercussão no campo jurídico--disciplinar.
Quanto ao administrador-delegado (n.° 38.1), refere-se na recomendação que, «ao autorizar, em inícios de 1992, a construção de um depósito para reserva da água a utilizar na Unidade de hemodiálise, o administrador tomou conhecimento claro da existência de problemas sérios, que justificavam a atribuição de prioridade a uma obra não prevista [...]
Através do engenheiro Miranda e da Enkrott o administrador-delegado tomou conhecimento das repetidas deficiências do funcionamento e autorizou despesas subsequentes», aduzindo-se que «tal facto, bem como a frequência com que foi necessário adquirir, trocar e lavar as membranas, módulos e filtros, deveriam ter sido comunicados para aprovação ao CA, se não de outra forma, num dos seus relatórios mensais, trimestrais ou anuais».
Também aqui não se constatam elementos que com fundamento válido permitam sequer suspeitar do desempenho profissional, neste campo, do administrador-delegado. Na verdade, demonstram os autos que os pedidos de aquisição ou substituição de equipamento da CTA eram considerados normais, dada a deficiente qualidade da água da rede pública que serve Évora e que não encontra paralelo com outras regiões do País, em que este problema em termos qualitativos não se faz sentir. De resto o administrador-delegado sempre actuou de acordo com os ditames da Enkrott e do engenheiro Miranda, elementos cuja especial capacidade técnica tornavam inquestionáveis as recomendações pertinentes. E daí que a construção do depósito de armazenagem e decantação da água ocasionasse, por sugestão da Enkrott e do engenheiro Miranda, em Março de 1992, uma resposta «imediata», uma vez que, sendo uma obra que não estava orçamentada e de dimensões e características técnicas assinaláveis, não se descurou que os estudos e preparações prévias à adjudicação da obra, normalmente sujeitos a delongas, fossem mesmo assim conclusos dentro de sensivelmente três meses, possibilitando a decisão do CA constante da acta de 29 de Julho de 1992, que levaria a que à construção do depósito fosse dado imediato seguimento, por forma que em Março de 1993 o mesmo estivesse concluído, como veio a verificar-se.
Por outro lado e contrariamente à interpretação da Provedoria de Justiça, o CA estava a par das aquisições neste sector, não existindo o «divórcio» que se pretende sugerir entre administrador-delegado e CA, tendo sempre, pelo contrário, actuado como um todo.
Quanto ao director-clínico (n.° 38.1.) afirma-se na mesma recomendação que, «se as relações entre o director clínico e o seu adjunto Dr. Aniceto eram efectivamente de confiança», dificilmente se compreende que, sobre «acontecimentos tão perturbadores como a morte de oito ou nove insuficientes renais crónicos desde o início até ao mês de Março de V993 e face à colaboração pedida ao neurologista perante a sintomatologia apresentada pelos hemodialisados, não tenha havido curiosidade científica solicitando informações ou qualquer manifestação dé preocupação por parte do director clínico».
Nesta parte a Provedoria limita-se a «suspeitar», sem apresentar fundamento concludente.
Com efeito, não se encontrou um elemento de prova que permita conhecer que, antes de final de Março de 1993, o
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director clínico tivesse discutido ou lhe fosse comunicado qualquer facto atinente às ocorrências, por parle do Dr. João Aniceto ou por qualquer profissional de saúde da unidade, ou mesmo do Hospital. E assim não tem fundamento dizer--se que a consulta feita pelo Dr. João Aniceto em Março de 1993, junto do neurologista Dr. Leitão, tivesse ultrapassado a esfera destes dois médicos, já que basta uma consulta aos seus depoimentos para assim se chegar à conclusão de que o director clínico não foi colocado a par da discussão etiológica então travada.
Por tudo isto também não se encontra indiciado comportamento antidisciplinar por parte do referido director clínico.
Quanto à Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários, Administração Regional de Saúde de Évora e autoridade de saúde concelhia desta cidade (n.05 38.4 e 38.7), na recomendação são-lhes imputadas responsabilidades que vão desde a não aprovação de medidas legislativas até à ausência de fiscalização da água da rede de Évora.
Ora também aqui não se vislumbra que assista razão à Provedoria de Justiça. Em primeiro lugar, a Direcção-Geral da Saúde, e não a Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários, que tinha sido extinta pelo Decreto-Lei n.° 10/93, de 15 de Janeiro, não pode ser responsabilizada, já que, não existindo legislação apropriada sobre o assunto (diálise), as regras de actuação vigentes nas unidades de diálise hospitalares e extra-hospital ares assentavam na prática nefrológica, da responsabilidade do médico dirigente do serviço, no caso o Dr. João Aniceto.
Por outro lado, a água de abastecimento público da rede de Évora apresentava problemas de agressividade desde 1985, tendo os Serviços Municipalizados da Câmara Municipal de Évora, por esse facto, recebido desde essa altura diversas chamadas de atenção por parte dos serviços competentes da Administração Regional de Saúde de Évora, só que tais comunicações, como resulta da prova feita, não mereceram até finais de Março de 1993 o acolhimento devido, desco-nhecendo-se se foi dirigida alguma recomendação à Câmara Municipal de Évora.
2 — Quanto à assistência social prestada pela Administração Regional de Saúde de Évora aos doentes hemodialisados, traduziu-se na disponibilidade total para o transporte gratuito dos doentes transferidos e respectivos acompanhantes.
Durante o período de tempo em que os doentes transferidos permaneceram em Lisboa, as despesas com alojamento, alimentação e comunicações telefónicas foram inteiramente suportadas pelo Serviço Nacional de Saúde.
Os doentes hemodialisados e respectivas famílias puderam ainda contar com o apoio permanente de uma assistente social.
3 — Quanto à constituição de um fundo de indemnização às vítimas e familiares, como é sabido, a sua constituição extravasa a esfera de competência do Ministério da Saúde.
Por outro lado, entendo que existem órgãos com competência própria — os tribunais — para apurarem do direito a um ressarcimento adequado por parte dos doentes hemodialisados sobrevivos e dos familiares dos falecidos, objecto da recomendação de V. Ex.a
Com os melhores cumprimentos.
Lisboa, 31 de Maio de 1994. — O Ministro da Saúde, Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
ANEXO N.° 4
PROVEDORIA DE JUSTIÇA
A S. Ex.a o Ministro da Saúde: Assunto: Hospital Distrital de Évora. Unidade de hemodiálise.
1 — À minha recomendação n.° 42/94, de 11 de Fevereiro, de 1994, respondeu V. Ex.a através do ofício em referência.
Face ao que ali se refere, mas sobretudo perante o muito que julgo dever ter sido afirmado e o não foi, não posso deixar de vir insistir junto de V. Ex.a no sentido de ser revista a argumentação ali expendida, dando acolhimento ao que já recomendei.
2 — Com efeito, começa o primeiro ponto do ofício em referência por tratar da realização de novos inquéritos, tecendo diversas considerações acerca da impossibilidade da sua reabertura sem que se conheçam novos elementos de prova que possam invalidar.as conclusões do inquérito já realizado.
E avança, como fundamentos para a não reabertura, com a presunção de inocência dos cidadãos, os valores de segurança e a certeza do direito. Fundamentos estes respeitáveis, mas não no contexto e no caso em que vêm inseridos.
2.1 —Não se trata da reabertura do inquérito já realizado, mas sim da realização de novos inquéritos acerca, inclusive, da actuação ou omissão do conselho de administração do Hospital.
Segundo o n.° 3 do artigo 85.° do Estatuto Disciplinar, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 24/84, de 16 de Janeiro, «o inquérito tem o fim de apurar factos determinados». Ou, como afirma Marcello Caetano, «o inquérito é ordenado para apurar se num serviço foram efectivamente praticados factos de que há rumor público ou denúncia popular e qual o seu carácter e imputação (...] O inquérito pode concluir pela prova de que os factos indicados foram efectivamente praticados e pela individualização dos seus autores» (in Manual, 8." ed., p. 769).
Em processo de inquérito, não há, ab initio, um ou mais arguidos. «A figura do arguido vai emergindo no decurso das averiguações, adquirindo contornos gradualmente mais definidos.» (Cf. Leal Henriques, in Procedimento Disciplinar, pp. 146 e 147.)
Por isso, não vejo a necessidade do pré-conhecimento de factos novos para determinar a abertura ou a reabertura de um inquérito. Tal argumento é contraditório com o próprio conceito de inquérito, que se destina a concluir pela existência ou inexistência de factos e de provas não conhecidos ou confirmados à data do início daquele.
2.2 — É certo que o titular da pasta do Ministério àa Saúde afirmou aos órgãos de comunicação social, em Abril de 1993, que não poderia ainda manifestar-se quanto aos factos porque os mesmos estavam já em fase de inquérito, mas que a responsabilidade era da Câmara Municipal.
E que também o inspector-geral da Saúde afirmou publicamente não haver razões para alargar o inquérito à actividade do conselho de administração, por não terem sido apurados factos que inculpem os seus membros.
2.3 — Sucede que os acontecimentos largamente descritos na imprensa, inclusivamente com recurso a explicações ou interpretações de técnicos e cientistas da área, traduziram manifestações agudas de um longo e arrastado processo eivado de acções e omissões.
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O inquérito superiormente determinado privilegiou as acções, «não se vislumbrando quaisquer atitudes com repercussão no campo jurídiço-disciplinar».
E destas (as acções), o ofício de V. Ex.* destaca, quanto ao conselho de administração, as diligências desencadeadas a partir de 22 de Março de 1993, quando a situação aguda se tinha já instalado, designadamente com a verificação de várias mortes no decurso desse mesmo mês.
Mas nada refere quanco a diligências reiteradas, ao longo dos anteriores dois anos de seca, em que o reforço dos cuidados era indispensável.
2.4 — Também afirma V. Ex." que o conselho de administração estava a par das repetidas aquisições de material e substituições de equipamento para a unidade de hemodiálise e que tal era considerado normal.
E conclui que, quanto a eventuais omissões culposas do director clínico, a Provedoria se limita a «suspeitar», sem apresentar fundamento concludente.
De facto, no silêncio do inquérito promovido por esse Ministério quanto ao conteúdo dos relatórios mensais, trimestrais e anuais do administrador-delegado e quanto as matérias tratadas (ou omitidas) nas reuniões do conselho de administração, designadamente por iniciativa do director clínico, o provedor só pode mesmo ter suspeitas. E, além de estranhar que tanto V. Ex.a como o Sr. Inspector-Geral as não tenham, entende que elas justificam a realização de um inquérito para que sejam confirmadas ou definitivamente afastadas.
É preciso provar, pela positiva, que o conselho de administração estabeleceu as directrizes necessárias ao melhor funcionamento da unidade de hemodiálise [Decreto Regulamentar n.° 3/88, de 22 de Janeiro, artigo 4.°, n.° 2, alínea c)], que o director clínico coordenou activamente toda a assistência prestada aos insuficientes renais crónicos assistidos naquela unidade e garantiu a correcção e prontidão dos cuidados de saúde prestados e, em especial, dirigiu a acção médica, tomando as medidas necessárias e adequadas (idem, artigo 13°, n.os 1 e 2).
Que o tenham feito e que, não obstante, os acontecimentos tenham assumido a gravidade que é do conhecimento público é o que alimenta as suspeitas do provedor de Justiça.
Por isso, insisto em que acho necessários mais inquéritos.
2.5 — Afirma ainda V. Ex.a que a Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários (e não a Direcção-Geral da Saúde, que só foi criada quando se aproximou a fase aguda dos acontecimentos —15 de Fevereiro de 1993) não pode ser responsabilizada, porque não havia legislação apropriada sobre diálise. É justamente por isso que os seus dirigentes são (foram) responsáveis: cabia-lhes desencadear o processo de elaboração de normas, que culminaria com a aprovação das medidas legislativas indispensáveis. Admito que o tenham
feito, mas as normas não foram aprovadas.
Verifica-se por isso uma omissão legislativa do Estado, que, sendo da sua própria responsabilidade, não pode invocar em sua defesa, por uma questão elementar de boa fé.
2.6 — Quanto à agressividade da água da rede de Évora, verificada eventualmente desde 1985, é um motivo mais para o reforço das cautelas e atenções não só dos médicos prestadores de cuidados especializados como do conselho de administração, em particular do director clínico.
E uma vez que V. Ex.a afirma desconhecer se o provedor dirigiu alguma recomendação à Camara Municipal de Évora,
aproveito para informar que sim e que a imprensa se fez eco do facto.
Acrescento que a Câmara acolheu a recomendação que lhe foi dirigida.
3 — Relativamente à assistência social mencionada nas pp. 7 e 8 do ofício de V. Ex.a, permita-me que não a entenda como tal.
A transferência dos doentes para Lisboa foi uma medida
de recurso mal explicada, que os serviços desse Ministério tomaram (impuseram) e que se traduziu no seu desenraizamento, bem como dos familiares que os acompanharam ou visitaram, com a inerente realização de despesas de outro modo desnecessárias.
Face ao número de doentes atingidos e à rapidez com que, depois de o assunto sair do segredo do Hospital, as mortes e o agravamento da situação clínica se sucederam, os serviços do Ministério não podiam fazer pelos insuficientes renais crónicos menos do que fizeram.
Mas podem — devem — fazer muito mais.
4 — O essencial da minha recomendação, na medida em que propõe um ressarcimento de prejuízos cuja responsabilidade cabe ao Estado, mereceu a V. Ex." oito linhas de texto.
4.1 —As três primeiras reconhecem implicitamente que a criação de um fundo de indemnização é uma deliberação do Conselho de Ministros.
Cabe a V. Ex." pôr a proposta na mesa.
4.2 — As restantes linhas afirmam a existência de tribunais competentes para a decisão da matéria.
E confunde, ou sobrepõe, duas questões a dirimir sucessivamente em tribunais distintos: por um lado, as causas de cada uma das mortes, com a determinação e imputação da responsabilidade criminal; por outro, à interposição por cada um dos interessados de acção de indemnização pelos danos materiais e não materiais sofridos.
Ora o dever de indemnizar, nos termos do artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 48 051, de 21 de Novembro de 1967, «não depende do exercício pelos lesados do seu direito de recorrer».
5 — Recordo, Sr. Ministro da Saúde, que a Constituição (artigo 23.°) criou o provedor de Justiça como órgão do Estado cuja actividade é independente dos meios graciosos e contenciosos. E que o estatuto aprovado pela Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, confere ao provedor competência para recomendar à Administração a correcção de actos ou omissões ilegais ou injustos, visando a defesa e promoção dos direitos dos cidadãos.
Ao protelar sine die o ressarcimento devido pelos prejuízos e danos sofridos pelos insuficientes renais crónicos e seus familiares, V. Ex.a está a acentuá-los è a revelar insensibilidade para o drama de ontem e de hoje por eles vivido.
Espero que à mal fundamentada recusa de V. Ex.a em promover uma intervenção expedita, assumindo a responsabilidade civil da Administração, por acção e omissão, nas mortes e agravamento do estado de saúde dos insuficientes renais crónicos, se sobreponha o sentido ético, o espírito de justiça e o respeito a que os doentes sobrevivos e os familiares dos falecidos têm direito e que tarda a ser--lhes reconhecido.
Com os melhores cumprimentos.
Lisboa, 17 de Agosto de 1994. — O Provedor de Justiça, José Menéres Pimentel
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4 DE FEVEREIRO DE 1995
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ANEXO N° 5
MINISTRO DA SAÚDE
Ex.mo Sr. Provedor de Justiça: Assunto: Hospital Distrital de Évora. Unidade de hemodiálise.
Após a minha resposta à recomendação n.° 42794, de 11 Fevereiro de 1994, veio V. Ex.a insistir com fundamento nos argumentos já invocados e em relação aos quais entendo que é de reafirmar a posição do Ministério da Saúde.
De facto, Sr. Provedor, ao provedor de Justiça compete, nos termos da Constituição e da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, dirigir recomendações aos órgãos competentes, mas devo dizer-lhe que não é sem algum espanto e bastante perplexidade que o vejo dirigir aos órgãos da Administração Pública juízos de valor sobre as suas condutas, pondo em causa a garantia de isenção e imparcialidade que esse órgão deve manter.
Venho, assim, nos termos do n.° 1 do artigo 38.° da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, comunicar-lhe o seguinte:
1 — Quanto à realização de novos inquéritos, V. Ex." cita o Prof. Doutor Marcello Caetano: «O inquérito é ordenado para apurar se num serviço foram efectivamente praticados factos de que há rumor público ou denúncia popular e qual o seu carácter e imputação [...] O inquérito pode concluir pela prova de que os factos indicados foram efectivamente praticados e pela individualização dos seus autores.»
Ora, foi exactamente o que se fez no Ministério da Saúde, através do processo n.° 403/89-1, levado a efeito pela Inspecção-Geral da Saúde.
Nesse inquérito, cuja instrução se realizou em múltiplas direcções, de maneira a averiguar todas as eventuais responsabilidades, foi também averiguada a actuação do conselho de administração do Hospital Distrital de Évora.
Não se vislumbra razão válida para instaurar um novo inquérito acerca da actuação do conselho de administração, a qual foi já investigada no referido processo de inquérito e cujas conclusões se alicerçaram em vasta prova testemunhal e documental, incluindo várias perícias efectuadas por eminentes nefrologistas e outros especialistas do País.
Tal procedimento, além de incorrecto, seria ilegal.
De facto, tal permitiria que os valores da certeza e segurança jurídica pudessem ser, a todo o tempo, postos em causa, colocando os visados à mercê da vontade discricionária e das diferentes convicções de quem possa ter, em momentos diversos, o poder de decidir da responsabilidade disciplinar.
Assim, contrariamente ao sustentado por V. Ex.a, entendemos que, se houvesse que realizar novas diligências sobre a actuação do conselho de administração, as mesmas deveriam efectuar-se no âmbito do inquérito levado a efeito, e não em novo inquérito, sendo necessário trazer-se à colação novos elementos de prova que pudessem invalidar as conclusões havidas.
E isso porque se deve aplicar, por força do n.° 3 do artigo 35." do Estatuto Disciplinar, o disposto no artigo 279.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, que estabelece que «[...] o inquérito só pode ser reaberto se surgirem novos elementos de prova que invalidem os fundamentos invocados», não tendo sido apresentados na recomendação emitida novos elementos de prova susceptíveis de determinar aquela reabertura.
Por outro lado, quando V. Ex.a diz que o meu ofício «nada refere quanto a diligências reiteradas ao longo dos anteriores dois anos de seca, em que o reforço dos cuidados era
indispensável», informo-o de que o conselho de administração do Hospital Distrital de Évora respondeu sempre, de imediato, a todas as solicitações técnicas que tinham a ver com a aquisição de material e equipamento necessário ao funcionamento da central de tratamento de águas (CTA), conforme consta dos autos do inquérito efectuado.
Era sabido em Évora que havia problemas com a matéria orgânica da água da rede pública, e através dos contactos e reuniões que, amiudadas vezes, se estabeleciam entre o responsável pelo Serviço de Instalações e Equipamentos e o administrador-delegado do Hospital foram sendo tomadas as medidas concretas que se impunham, na grande maioria sugeridas pela própria empresa Enkrott, designadamente a aquisição e reforço de novos filtros e células.
Tanto assim que, quando em Março de 1992 o responsável pelo Serviço de Instalações e Equipamentos sugeriu ao conselho de administração a construção de um depósito que permitisse a melhor decantação da água, esse órgão desenvolveu, de imediato, todo o trabalho no sentido dessa construção, sendo certo que a mesma nem sequer havia sido orçamentada. Não obstante isso, foi efectuado, por sua iniciativa, todo o estudo e preparação prévias à adjudicação da obra e foi esta adjudicada à firma URBÉVORA, conforme se pode ver da acta da reunião do conselho de administração de 29 de Julho de 1992.
2 — Quanto àquilo a que V. Ex.a chama «omissão legislativa do Estado», dir-se-á que a mesma, a ter existido, só poderia implicar responsabilidade se, por um lado, não existissem razões que a tivessem justificado e, por outro, se houvesse nexo de causalidade entre essa eventual omissão e os efeitos danosos ocorridos.
Para além da dificuldade em estabelecer tal nexo face aos factos verificados, sempre se dirá que entre as razões para aquela justificação se pode encontrar a grande preocupação de estabelecer as normas mais adequadas para matéria tão delicada, obrigando a estudos e consultas que, por sua vez, exigem ponderação, com alguma demora.
3 — Reafirmando a posição que já transmiti referente à prestação de uma eventual «assistência social» recomendada por V. Ex.a, anoto ainda que a «realização de despesas de outro modo desnecessárias» suportadas pelos insuficientes renais crónicos e seus familiares como consequência da sua transferência para Lisboa se traduz em danos indemnizáveis nos mesmos termos em que o devem ser os restantes, a que acrescem.
Não parece que faça muito sentido estar a ressarcir uns danos através de indemnização a ser processada e paga através de um processo e verbas próprios e outros danos através de uma «assistência social» não qualificada e fora das atribuições do estabelecimento responsável.
A circunstância de o dever de indemnizar poder ser independente do exercício pelos lesados do seu direito de recorrer não exclui a possibilidade de ser estabelecida judicialmente a existência daquele dever e a fixação dos danos e do montante indemnizatório.
No caso em apreço, e dada a diversidade das situações concretas, nomeadamente para a determinação, em cada caso, dos danos materiais sofridos, a apreciação pelo tribunal, sendo absolutamente isenta, garante de forma correcta o direito dos lesados e afasta a possibilidade de utilização de critérios arbitrários ou estabelecidos por via administrativa.
Com os melhores cumprimentos.
Lisboa, 3 de Novembro de 1994. — O Ministro da Saúde, Adalberto Paulo da Fonseca Mendo.
A DrvisÀO de Redacção e Apoio Audiovisual.
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