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Terça-feira, 27 de Fevereiro de 1996
II Série-C — Número 12
DIÁRIO
da Assembleia da República
VII LEGISLATURA
1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)
SUMÁRIO
Parlamento paritário:
Documentos aprovados na reunião de 1 de Fevereiro de
1994...................................................... 80
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II SÉRIE-C— NÚMERO 12
Parlamento Paritário
0 Parlamento paritário, organizado e coordenado pelas Eurodeputadas portuguesas Maria Belo, Margarida Salema e Maria Santos, realizou-se na Assembleia da República, nos dias 31 de Janeiro e 1 de Fevereiro de 1994, tendo como objectivo debater a questão da participação política das mulheres, tornando-a mais evidente e natural nas mentalidades, e introduzir no vocabulário corrente a noção de paridade.
Em resultado do debate havido foram aprovados, em votação final, os três documentos que a seguir, se publicam.
Documento n.º 1
Recomendação sobre a cidadania
1 — Com a instauração do «pacto de fraternidade» pela Revolução de 1789, a nova classe política dela emergente julgou ter obtido um conjunto de direitos do homem e do cidadão que se perpetuaria num novo regime.
Mas isso significava também a exclusão radical do sexo feminino da esfera pública. Como conciliar então esta exclusão com os princípios da Revolução? No século xix e em parte do século xx assiste-se, assim, a uma tentativa de teorizar uma nova ordem democrática sem as mulheres, às quais é negado o voto.
Será necessário assistir à luta das sufragistas, a rupturas e a revoluções para que esse mais elementar direito de intervenção política seja generalizadamente reconhecido às mulheres, direito que se tornará posteriormente o símbolo da própria cidadania quando definida como um direito de participar normalmente nos assuntos políticos.
2 — Ser humano implica, por um lado, afirmar a identidade de maneira autónoma e, por outro, assumir as responsabilidades para com os outros e para com o mundo em geral. Cada mulher e cada homem devem ser simultaneamente livres e activos, ou seja, fiéis a si mesmos e capazes de contribuir para o desenvolvimento da cidadania.
3 — As liberdades próprias e as dos outros não devem ser definidas pela negativa, mas pela positiva, reforçando a identidade das pessoas. Não se trata, pois, de abolir diferenças entre mulheres e homens, enquanto tais, mas de garantir a igualdade de oportunidades para exercer a plena cidadania.
4 — Assim, a diversidade e o pluralismo da sociedade contemporânea devem permitir uma nova abordagem das liberdades individuais, suscitando a exigência do respeito pelas diferenças entre mulheres e homens.
5 — Não se trata, contudo, de substituir uma visão masculina, redutora, do mundo por outra simétrica, feminina, igualmente redutora; trata-se de reconhecer que todos, mulheres e homens, têm direito a aspirar a uma múltipla dimensão da vida — cívica, social, profissional e privada — em condições idênticas.
6 — À semelhança do que acontece noutras situações, também se verifica um défice democrático no exercício dos direitos e deveres da cidadania por parte das mulheres na nossa sociedade, particularmente evidente na sua diminuta presença nos órgãos do poder político.
7 — Apesar dos progressos feitos, o sistema partidário vigente ainda não alcançou, não obstante as suas virtualidades, nomeadamente ao nível local, os resultados desejáveis no capítulo da eliminação do défice democrático.
8 — Em Portugal, bem como nos diversos países ocidentais, há objectivos políticos que unem as mulheres para além das ideologias num combate comum pelo exercício da cidadania.
9 — A cidadania assume uma nova dimensão no Tratado da União Europeia, de que um dos principais objectivos é o reforço dos direitos, dos deveres e dos interesses dos nacionais dos Estados membros, mediante a instituição de üma cidadania da União.
10 — Qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado membro, definida por este, é cidadã da União. E a cidadania europeia acrescenta um conjunto de direitos e deveres àqueles que já decorrem da qualidade de cidadãos de um Estado membro. Estes passam a beneficiar do direito de eleger e ser eleito nas eleições municipais e europeias, qualquer que seja o Estado membro onde residam; a gozar de protecção diplomática e consular por parte das autoridades dos outros Estados membros, do direito de petição, do direito de se dirigir ao Provedor de Justiça, bem como do direito reafirmado da livre circulação.
11 — Esta nova dimensão conferida à cidadania significa o reconhecimento e aprofundamento dos direitos políticos e civis a nível comunitário, que, contudo, não assumirá a sua plenitude humana se excluir os imigrantes inseridos na sociedade de acolhimento, qualquer que seja a sua origem nacional.
12 — Cada nova transformação da geografia política na Europa e no mundo deverá ser acompanhada por uma aplicação clara do princípio da paridade como expressão natural e visível do exercício da cidadania.
13 — Para concretizar o pleno exercício da cidadania pela mulher e pelo homem, é necessário promover e alargar a educação cívica na escola e a cultura cívica na vida social, profissional e política. As instituições educativas devem assumir a educação para a cidadania como uma aquisição cultural adequada ao mundo contemporâneo.
Aprovada, em 1 de Fevereiro de 1994.
A Presidência em Exercício: Maria Belo — Pedro Roseta.
Documento n.° 2 Proposta a incluir na «Recomendação sobre cidadania»
As «declarações de defesa dos direitos do homem», sendo em si uma referência histórica e inultrapassável, devem ser lidas actualmente enquanto consagração de plena igualdade de direitos de homens e mulheres.
Nesse sentido, a referência a esses direitos deve entrar na linguagem comum como direitos humanos, direitos de toda a pessoa humana, em plena igualdade.
Foi, aliás, nesse sentido que recentemente se pronunciou a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa ao aprovar uma recomendação relativa a este domínio.
Propomos, por isso, que, em nome da igualdade dos direitos universais, se passe a referir o histórico «direito do homem», mais rigorosamente, como direitos humanos ou direitos da pessoa humana.
Helena Torres Marques — Lourdes Pintasilgo — Alberto
Martins —Ana Maria Bettencourt—José Niza.
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Documento n.° 3 Carta para uma participação politica paritária
Tendo em conta a consagração do princípio da igualdade na Constituição da República Portuguesa;
Tendo em conta a Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, ratificada, sem reservas, por Portugal, em 1980;
Tendo em conta a Declaração sobre a Igualdade das Mulheres e dos Homens, adoptada pelo Conselho de Ministros do Conselho da Europa em 1988;
Tendo em conta a Carta dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, de 1989;
Tendo em conta o 3.° Programa de Acção Comunitário, a Médio Prazo, para a Igualdade de Oportunidades entre Mulheres e Homens (1991-1995), adoptado em Maio de 1991;
Tendo em conta o Tratado da União Europeia, assinado em Maastricht, em Fevereiro de 1992, em especial o seu artigo F, n.° 2, e o seu protocolo 14, artigo 2.°;
Tendo em conta a Declaração de Atenas, assinada, em Novembro de 1992, por mulheres com experiência em altos cargos políticos, a convite da Comissão das Comunidades Europeias;
Tendo em conta o voto n.° 66/VI, sobre a participação política das mulheres, aprovado por unanimidade, na Assembleia da República, em Março de 1993;
Nós, membros do Parlamento paritário, constituído por cidadãs portuguesas que exerceram o mandato à Assembleia Constituinte e exerceram ou exercem o mandato à Assembleia da República e ao Parlamento Europeu e um número igual de cidadãos portugueses que, preenchendo os mesmos requisitos quanto ao respectivo mandato, foram por aquelas convidados a integrar este «Parlamento», reunidos em Lisboa, em 31 de Janeiro e 1 de Fevereiro de 1994, adoptamos a seguinte Carta:
A) Considerando que a igualdade de direitos e oportunidades é um direito fundamental e uma exigência essencial da democracia;
B) Convictos de que o completo exercício da cidadania exige que todos os cidadãos, mulheres e homens, tenham acesso em termos de igualdade a todas as instâncias de decisão na vida política, económica, social e cultural;
C) Sabendo que a situação das mulheres nos países europeus, apesar do progresso já alcançado, é ainda de desigualdade, nomeadamente na vida política e no acesso às instâncias de decisão, e que a sua real contribuição para a sociedade não é, assim, completamente integrada e afirmada;
D) Registando que uma tal desigualdade é um dos mais sérios obstáculos à realização completa da democracia e impede que sejam ponderados os interesses específicos das mulheres na nossa sociedade;
E) Convictos de que a participação da mulher na vida política, bem como em qualquer área onde se tomem decisões que afectem o bem-estar da comunidade, é um elemento essencial na construção de uma sociedade mais equilibrada e justa;
F) Considerando urgente que o princípio da paridade, no quadro de uma cidadania plena, tenha tradução prática, designadamente numa efectiva participação e maior presença das mulheres europeias a todos os níveis da decisão política;
G) Recordando as experiências existentes de mecanismos que propiciam o aumento da participação das mulhe-
res nos diversos planos da vida pública e partidária e sua avaliação:
1 — Recomendamos aos Estados membros da União Europeia para que integrem a dimensão da igualdade nos planos e políticas globais e para que os respectivos governos incluam nas suas prioridades políticas as medidas necessárias à concretização daquele objectivo, em especial, a participação das mulheres em altos cargos públicos, tendo em vista uma democracia paritária.
2 — Reclamamos urgência para a regulamentação da legislação que, sobretudo nos domínios do trabalho e sociais, traduz o princípio da igualdade consagrado constitucionalmente.
3 — Recomendamos às instituições da União Europeia, em particular à Comissão, que adoptem medidas e programas positivos que conduzam à mais ampla participação das mulheres na tomada de decisão.
4 — Apelamos aos partidos políticos a nível nacional e a nível europeu que assegurem e promovam a igualdade de oportunidades para as mulheres no acesso a cargos partidários a todos os níveis, a listas eleitorais e a cargos resultantes de nomeação.
5 — Apelamos igualmente a todos os sindicatos, às organizações de trabalhadores e às associações patronais, a nível nacional e europeu, para que assumam plenamente as consequências da participação crescente das mulheres no mercado de trabalho, assegurando os mecanismos necessários para a igualdade a todos os níveis nessas organizações, incluindo nas suas estruturas de decisão.
6 — Apelamos às instituições comunitárias e nacionais para que tenham em atenção a necessidade de efectivar a igualdade de oportunidades no que se refere à utilização das novas tecnologias, designadamente quanto às redes electrónicas de comunicação.
7 — Recomendamos que se tomem as medidas necessárias para que a maternidade não funcione como uma forma de penalização das mulheres na sua inserção no mercado de trabalho e na sua promoção profissional.
8 — Saudamos e encorajamos as organizações não governamentais, cujo domínio de acção incida directamente na promoção do princípio da igualdade, a prosseguir os seus esforços no sentido de contribuir para que as mulheres exerçam efectivamente a cidadania e apoiamos a sua reivindicação do estatuto de parceiro social.
9 — Exortamos os profissionais da comunicação social a tratarem das matérias referentes à igualdade de direitos e oportunidades como uma das áreas e forma de concretização do princípio constitucional da igualdade.
10 — Apelamos às mulheres e aos homens para que aceitem as implicações do princípio da paridade mulher e homem nas suas próprias vidas, escolhas pessoais e responsabilidades, contribuindo assim para a edificação de uma democracia genuína e duradoira na Europa.
11 — Finalmente, apelamos às mulheres como primeiras interessadas na promoção da igualdade para que, desde logo, no seio da sociedade civil saibam encontrar formas vigorosas, dinâmicas e solidárias da conquista do lugar a que têm direito, por forma a participarem em todos os planos da vida social e política.
Aprovada, em 1 de Fevereiro de 1994.
A Presidência em Exercício: Maria Belo — Pedro Roseta.
A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.
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II SÉRIE-C— NÚMERO 12
Depósito legal n.° 8819/85
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