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Sábado, 29 de Junho de 1996
II Sérle-C — Número 20
DIÁRIO
da Assembleia da República
VII LEGISLATURA
1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)
SUMÁRIO
Comissões:
Comissões de Saúde:
Votos de louvor e de reconhecimento ao trabalho desenvolvido por funcionários da Assembleia da República na preparação e acompanhamento do fórum «Sadde em Portugal», realizado pela Comissão nos dias 27 a 29 de Maio........................................................ 124
Comissão Eventual para a Revisão Constitucional:
Alteração ao artigo 9° do Regulamento da Comissão 124
Provedor de Justiça:
Recomendação n.° l/B/96, sobre a interpretação autêntica da norma contida na primeira parte do artigo 9.°, n.° 1,
. alínea a), da Lei n.° 87/89. de 9 de Setembro .:.............. 124
Recomentação n.° 4/B/96, sobre a adopção de medidas legislativas adequadas à regulamentação do exercício da
actividade sindical no seio da Administração Pública..... 126
Recomendação n." 16/B/9<>, sobre a eventual alteração da norma contida no artigo 3*. n.° 3, alínea 0. da Lei n.° 21/ 92, de 14 de Agosto......................................................... 128
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Comissão de Saúde
Voto de louvor
A Comissão de Saúde aprovou, em reunião de 5 de Junho de 1996, um voto de louvor à secretária desta Comissão, Sr.* Maria Emília Gomes Rodrigues Alcaide Henriques, pelo excelente trabalho que desenvolveu na preparação e realização do fórum «Saúde em Portugal», que decorreu na Assembleia da República nos dias 27, 28 e 29 de Maio. A eficácia do seu trabalho e a sua qualidade profissional contribuíram decisivamente para o êxito que teve esta realização.
Assembleia da República, 11 de Junho de 1996.— O Deputado Presidente, João Rui de Almeida.
Voto de reconhecimento
A Comissão de Saúde decidiu, em reunião de 5 de Junho de 1996, manifestar o seu reconhecimento à Sr.* Directora de Serviços Administrativos e Financeiros da Assembleia da República, Sr." Dr.* Fernanda Gama Vieira, pelo apoio que os funcionários da reprografia prestaram ao fórum «Saúde em Portugal», que se realizou na Assembleia da República nos dias 27, 28 e 29 de Maio, permitindo a distribuição atempada dos diversos dossiers distribuídos no decurso dos trabalhos.
Assembleia da República, 11 de Junho de 1996.— O Deputado Presidente, João Rui Almeida,
Voto de reconhecimento
A Comissão de Saúde decidiu, em reunião de 5 de Junho de 1996, manifestar o seu reconhecimento à Sr.* Directora de Serviços de Apoio e Secretariado da Assembleia da República, Sr.* Dr.' Margarida Miranda, pelo excelente apoio que os funcionários da Divisão de Secretariado às Comissões e da Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual prestaram directamente na preparação e concretização do fórum «Saúde em Portugal», que se realizou na Assembleia da República nos dias 27, 28 e 29 de. Maio.
Assembleia da República, 11 de Junho de 1996.— O Deputado Presidente, João Rui de Almeida.
Voto de reconhecimento
A Comissão de Saúde decidiu, em reunião de 5 de Junho de 1996, manifestar o seu reconhecimento à Sr.* Directora de Serviços de Documentação e Informação da Assembleia da República, Sr.* Dr.* Maria José Silva Santos, pelo excelente trabalho e apoio que os funcionários da Biblioteca prestaram ao fórum «Saúde em Portugal», que se realizou na Assembleia da República nos dias 27, 28 e 29 de Maio, quer através da realização de uma exposição de livros referentes ao tema em debate quer através da feitura de dossiers especializados sobre a mesma temática, trabalhos
estes que mereceram apreciações muito positivas por parte dos participantes neste fórum, dado ó seu elevado grau de qualidade.
Assembleia da República, 11 de Junho de 1996.— O Deputado Presidente, João Rui de Almeida.
Voto de reconhecimento
A Comissão'de Saúde decidiu, em reunião de 5 de Junho de 1996, manifestar o agradecimento a todos os funcionários da Assembleia da República que directamente colaboraram na preparação e concretização do fórum «Saúde em Portugal», que se realizou na Assembleia da República nos dias 27, 28 e 29 de Maio. A sua colaboração contribuiu de forma positiva para .o êxito desta realização.
Assembleia da República, 11 de Junho de 1996. — O Deputado Presidente, João Rui de Almeida.
Comissão Eventual para a Revisão Constitucional
Alteração ao artigo 9.a do Regulamento de Comissão
Artigo 9.° Deliberações
A sugestão ao Plenário de quaisquer propostas de alteração constantes de projectos de revisão e de textos de substituição, bem como as restantes deliberações, são tomadas nos termos gerais do Regimento da Assembleia da República.
Palácio de São Bento, 16 de Junho de 1996.— O Deputado Presidente, Vital Moreira.
Nota. — O Regulamento da Comissão encontra-se publicado no Diário da Assembleia da República, 2.' série-C, n.° 16, de 11 de Maio de 1996.
Provedoria de Justiça
Recomendação do Provedor de Justiça n.* 1/B/96, sobre e Interpretação eutêntica da norma contida na primeira parte do artigo 9.», n.» 1, alínea a), da Lei n.» 87/89, de 9 de Setembro.
A S. Ex.° o Presidente da Assembleia da República.
i
1 — Em resultado de diversos estudos elaborados na Provedoria de Justiça referentes à inelegibilidade como causa da perda de mandato dos membros dos órgãos autárquicos, vim a concluir pela necessidade de esclarecimento, do exacto alcance do preceito contido na primeira parte do artigo 9.°, n.° 1, alínea a), da Lei n.° 87/ 89, de 9 de Setembro, em face do que dispõe o artigo 50.", n.° 3, da Constituição, aditado pela revisão constitucional de 1989.
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2 — Estipula aquela norma a perda de mandato dos membros dos órgãos autárquicos que, «após a eleição, sejam colocados em situação que os torne inelegíveis ou relativamente aos quais se tornem conhecidos elementos supervenientes reveladores de uma situação de inelegibilidade já existente, mas não detectada previamente à eleição».
3 — Por seu turno, dispõe o artigo 50.°, n.° 1, quanto aos fundamentos e objectivos das incapacidades eleitorais passivas, que estes apenas se podem reconduzir à necessidade de salvaguarda da liberdade de escolha dos eleitores e à garantia da isenção e da independência do exercício dos respectivos cargos.
4 — Poder-se-á, assim, questionar se, não obstante a redacção genérica do artigo 9.°, n.° 1, alínea a), da Lei n.° 87/89, no sentido de que constitui pressuposto da perda de mandato a verificação de alguma das inelegibilidades constantes do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 701-B/76, de 29 de Setembro, a primeira parte daquele preceito se refere a todas as inelegibilidades ou se, pelo contrário, se deve entender que só abrange algumas.
5 — O n.° 3 do artigo 50.° da Constituição, aditado pela Lei Constitucional n.° 1/89, de 8 de Julho, veio resolver as divergências doutrinais e jurisprudenciais quanto à possibilidade de o legislador estabelecer restrições à capacidade eleitoral passiva nas eleições autárquicas, dada a ausência de preceito constitucional que expressamente previsse tal restrição ao direito de acesso aos cargos públicos (artigo 50.° da Constituição, aditado pela revisão constitucional de 1982).
6 — Estabelecendo um critério quanto aos fundamentos e fins das causas de inelegibilidade que o legislador ordinário pretenda vir a criar, estatui o artigo 50.°, n.° 3, da Constituição que as incapacidades eleitorais passivas apenas podem ter por fundamento a garantia da liberdade de escolha dos eleitores e a garantia da isenção e da independência do exercício dos respectivos cargos. Para além da vinculação teleológica do legislador, realça o preceito em análise o princípio da proibição do excesso em matéria de restrições aos direitos, liberdades e garantias, exigindo que as inelegibilidades se limitem ao necessário para assegurar tais valores (neste sentido, v. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3* ed., Coimbra, 1993, p. 273).
7 — Como tal, não faz sentido que a primeira parte do artigo 9.°, n.° 1, alínea a), da Lei n.° 87/89 se possa referir às inelegibilidades que visam garantir a liberdade de escolha dos eleitores quando o eleito, apenas super-venientemente, vem a encontrar-se numa situação que origina inelegibilidade, porquanto tal facto em nada afecta a liberdade de escolha dos eleitores, exercida na eleição antecedente.
8 — Incorrendo o titular de um órgão do poder local em qualquer uma das situações previstas nas várias alíneas do n.° 1 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 701-B/76, torna--se tal circunstância impeditiva do exercício do mandato autárquico, manifestando-se a inelegibilidade superveniente como causa da perda do mandato ou, mais precisamente, como uma incompatibilidade de exercício de tal cargo.
9 — Verificando-se a impossibilidade legal de exercício das funções e não estando em causa a validade do acto designativo, mas a perda de tal cargo (Jorge Miranda, Enciclopédia Verbo, loc. «Inelegibilidades», Lisboa, vol. 10.°, p. 1367), o artigo 9.°, n.° 1,.alínea a), converte as inelegibilidades legais em incompatibilidades.
10 — Certo é que a Constituição não adopta para as incompatibilidades uma regra semelhante ou equiparável à do artigo 50.°, n.° 3, não havendo um numerus clausus para os seus fundamentos, limitando-se o artigo 120.°, n.° 2, a remeter para a lei a definição das incompatibilidades dos titulares dos cargos políticos. Poderia mesmo retirar-se do artigo 269.°, n.° 4, a conclusão de que a regra geral seria a da incompatibilidade de empregos ou cargos públicos.
11 — Não obstante, porque o direito de acesso aos cargos públicos implica necessariamente o direito de exercer em efectividade o cargo, e sendo aquele um àireho beneficiário do regime dos direitos, liberdades e garantias, a lei que fixar as incompatibilidades está sujeita à observância dos limites fixados no artigo 18.° da Constituição, em especial aos princípios da necessidade e da proporcionalidade.
12 — Na verdade, as incompatibilidades são restrições ao direito de acesso aos cargos públicos na sua vertente de exercício do cargo, na medida em que significam que quem tiver uma específica actividade ou função, ou se encontrar em certa situação, não pode exercer determinado cargo público. Tratando-se da «impossibilidade legal do desempenho de certas funções públicas por indivíduo que exerça determinadas actividades ou se encontre em alguma das situações, públicas ou particulares, enumeradas pela lei» (Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. II, Coimbra, 1991, p. 721), é, pois, uma restrição para os cidadãos que desempenham essas funções ou se encontrem em tal situação.
13 — Assim, a pura e simples conversão em incompatibilidades das inelegibilidades estabelecidas com o fim de garantir a liberdade de escolha dos eleitores não encontra qualquer justificação à luz dos referidos princípios da necessidade e da proporcionalidade em matéria de restrições aos direitos, liberdades e garantias. Com efeito, verificando-se a causa determinante da inelegibilidade em momento posterior ao da eleição, não há, por imperativo lógico, possibilidade de afectação da liberdade de escolha dos eleitores, com ressalva, naturalmente, dos casos de fraude à lei.
14 — Em conclusão, a perda de mandato é uma medida inadequada e, por tal motivo, inconstitucional quando pressuponha uma inelegibilidade superveniente que tenha como fundamento e objectivo evitar a possibilidade de influência do sentido de voto.
15 — Revela-se tal medida adequada e proporcional se e na medida em que as funções e as circunstâncias legalmente previstas no artigo 4.°, n.° 1, do Decretò-Lei n.° 701-B/76 representarem impedimentos ao exercício isento e independente do mandato autárquico.
16 — Apenas se mostram necessárias, adequadas e proporcionais as inelegibilidades que apresentem como fundamento a necessidade de preservar a independência dos cargos electivos autárquicos e assegurar que os respectivos titulares desempenhem esses cargos com isenção e desinteresse, ou seja, com imparcialidade.
II — Conclusões
Em face do exposto, entendo, no uso dos poderes que me são conferidos no artigo 20.", n.° 1, alínea b), do Estatuto do Provedor de Justiça, constante da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, apresentar à Assembleia da República a seguinte recomendação:
A interpretação autêntica, por razões de segurança jurídica e de justiça, da norma contida na primeira parte
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da alínea a) do n.° 1 do artigo 9.° da Lei n.° 87/89, de 9 de Setembro, por forma a reduzi-la ideologicamente e garantir, assim, que apenas é determinante da perda de mandato a colocação, após a eleição, em situação de inelegibilidade por motivo imputável à necessidade de assegurar a isenção e independência do exercício dos respectivos cargos.
Lisboa, 12 de Janeiro de 1996. — O Provedor de Justiça, José Menéres Pimentel.
Recomendação do Provedor de Justiça n.* 4/B/96, sobre a adopção de medidas legislativas adequadas à regulamentação do exercício da actividade sindical no selo da Administração Pública.
A S. Ex.* o Presidente da Assembleia da República.
1 — O Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Sul e Açores apresentou, perante este órgão do Estado, queixa relacionada com as restrições ao exercício da actividade sindical que vinham sendo impostas aos funcionários e agentes civis dos serviços departamentais das Forças Armadas.
2 — Instruído o respectivo processo, concluiu-se ser a análise do problema levantado pela referida queixa forçosamente inseparável de uma abordagem global da questão, de âmbito mais geral, do exercício dos direitos sindicais na função pública.
3 — Com efeito, aos funcionários e agentes civis dos serviços departamentais das Forças Armadas passou a ser aplicável, a partir* da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 264/89, de 18 de Agosto, o regime respeitante aos funcionários e agentes da administração central, ou seja, o regime geral da função pública (artigo 1.°, n.° 1, do referido diploma legal).
4 — Aliás, encarregou-se este diploma de proceder à revogação do Decreto-Lei n.° 33/80, de 13 de Março, na parte que aprovou o Estatuto do Pessoal Civil dos Serviços Departamentais das Forças Armadas, bem como do Decreto-Lei n.° 434-A/82, de 29 de Outubro, que havia aprovado o Regulamento Disciplinar desse mesmo pessoal.
5 — Não restam, assim, quaisquer dúvidas, se é que algumas existiam ainda, sobre a não equiparação do pessoal civil das Forças Armadas ao pessoal militar e militarizado.
6 *— Sobre os militares e militarizados pode a lei fazer incidir restrições ao exercício de determinados direitos fundamentais. Tais restrições são legitimadas pelo próprio texto constitucional, no seu artigo 270.°
7 — O mesmo não acontece com os trabalhadores civis, que, como se viu, são equiparados a funcionários públicos.
8 — Facilmente se conclui, pois, que a resposta a dar aos problemas que afligem os trabalhadores civis dos serviços departamentais das Forças Armadas, relacionados com as restrições ao exercício de direitos sindicais, passa, necessariamente, pela procura da solução dada ao mesmo tipo de problemas no que concerne aos funcionários públicos em geral, desde logo no plano legal. Existindo legislação reguladora do exercício da actividade sindical na função pública, o problema do exercício dessa mesma actividade por parta dos trabalhadores civis das Forças Armadas estará, em tal plano, solucionado.
9 — Simplesmente, e no que se reporta à função pública em geral, a questão não se encontra resolvida nesse mesmo
plano legal. A legislação reguladora do exercício da actividade sindical na função pública não existe, ou, pelo menos, não existe na medida necessária ao escla-recimento de todas as dúvidas que neste campo se têm vindo a colocar.
10 — Senão, vejamos: a actividade sindical rege-se, na sua essência, pelo regime estabelecido no Decreto-Lei
n.° 215-B/75, de 30 de Abril (usualmente conhecido por Lei Sindical). Torna-se, assim, necessário verificar se tal regime abrange os funcionários públicos.
11 — Numa primeira análise parece que sim. O artigo 1.° do diploma em questão dispõe que o mesmo regula o exercício da liberdade sindical por parte dos trabalhadores, sendo considerado trabalhador, para os efeitos nele previstos, aquele que, mediante retribuição, presta a sua actividade a outra pessoa, sob direcção desta [artigo 2.°, alínea a)].
12 — Assim sendo, parece que os requisitos necessários para que alguém possa ser considerado trabalhador pela Lei Sindical não conduzem à exclusão, pelo menos à partida, dos funcionários públicos (entendendo-se por funcionários públicos os trabalhadores do chamado «sector público administrativo», não incluindo, portanto, os trabalhadores do sector empresarial do Estado, em relação aos quais se não colocam quaisquer dúvidas no que diz respeito à aplicação da Lei Sindical).
13 — Com efeito, os funcionários públicos prestam a sua actividade, mediante retribuição, a outra pessoa, sob direcção desta. Essa pessoa é a pessoa colectiva Estado (ou outra pessoa colectiva pública de carácter não empresarial).
14 — Assim, e não saindo do plano deste primeiro exame superficial, centrado na alínea a) do artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 215-B/75, torna-se perfeitamente possível, e até pertinente, o entendimento segundo o qual aos funcionários públicos é aplicável este regime geral.
15 — Admito que o seja, mas não de uma forma integral. São pelo menos enormes as dúvidas que se levantam a propósito da aplicação aos funcionários públicos de alguns preceitos do diploma em análise.
16 — O Decreto-Lei n.° 215-B/75 reflecte nitidamente, em alguns dos seus preceitos, uma preocupação do legislador em salvaguardar os direitos dos trabalhadores abrangidos pelo regime geral jurídico-laboral (regime geral privado).
17 — Não quer isto dizer que não houvesse intenção de tornar subsidiariamente aplicáveis aos funcionários públicos algumas destas normas, naquelas matérias que não fossem reguladas por lei especial aos mesmos destinada.
18 —Só assim se explica o teor do artigo 50.°, de acordo com o qual «lei especial regulará o exercício da liberdade sindical dos servidores do Estado, das autarquias locais e dos institutos públicos' que não sejam empresas públicas ou estabelecimentos de natureza comercial ou industrial».
19 — Esta lei especial nunca foi, no entanto, e até hoje, publicada, o que conduziu a que, nas matérias em relação às quais a aplicação directa da -Lei Sindical aos funcionários públicos suscita maiores dúvidas, tenham surgido, e continuem a surgir, os problemas que estão na base das numerosas queixas que, versando esta problemática, têm dado entrada nesta Provedoria.
20 — Convirá talvez esclarecer que, quando me refiro à não publicação da tal lei especial, prevista no artigo 50." do Decreto-Lei n.° 215-B/75, estou a pensar num diploma regulador do exercício da liberdade sindical na função
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pública em todos os seus aspectos e não apenas num ou noutro aspecto específico. Creio que era também um diploma deste tipo que o legislador de 1975 tinha em mente.
21 —Afigurava-se necessário este esclarecimento em virtude da publicação, em 3 de Fevereiro de 1984, do Decreto-Lei n.° 45-A/84, que veio regular o exercício da liberdade sindical na função pública, mas apenas e exclusivamente no que se reporta a um dos seus aspectos específicos — o direito de negociação —, não resolvendo, pois, a questão em todas as outras suas vertentes.
22 — Ora uma dessas vertentes, talvez mesmo aquela em que os problemas se colocam com maior intensidade, é precisamente a que se relaciona com o exercício da. actividade sindicai no local de trabalho.
23 — Esta é, de facto, uma das matérias, senão mesmo a principal, em que a aplicação directa da Lei Sindical suscita as maiores dúvidas.
24 — Concretizemos a razão de ser deste entendimento. . O capítulo do Decreto-Lei n.° 215-B/75 que regula a matéria agora em análise (capítulo III) tem por título «Do exercício da actividade sindical na empresa». E os vários preceitos nele contidos utilizam sempre o termo «empresa» ou a expressão «unidade de produção». Eis aqui por de mais evidente o reflexo daquilo que já atrás havia referido. O regime contido na Lei Sindical foi moldado para os trabalhadores de organizações empresariais (de natureza industrial ou comercial) abrangidos pelo regime jurídico--laboral privado (leis gerais do trabalho).
25 — Sendo evidente que os trabalhadores de serviços administrativos do Estado, ou de outro ente público de carácter não empresarial, não exercem a sua actividade numa empresa, poder-se-á colocar a questão de saber se não será possível tornar os preceitos em causa aplicáveis a estes trabalhadores pela via da interpretação extensiva.
26 — Parece-me um tanto forçado equacionar aqui uma hipótese deste tipo. A'tanto se opõe, na minha opinião, e não deixando de ter em conta o elemento sistemático que sempre deverá estar na base da interpretação das normas jurídicas, o teor do já referido artigo 50.° da Lei Sindical, o qual é demonstrativo da intenção do legislador de se dirigir especificamente aos trabalhadores do regime privado, pelo menos em algumas das áreas ali reguladas, não tendo a utilização do termo «empresa» aparecido por mero acaso.
27 — Não me parece igualmente aconselhável a via da integração analógica, uma vez que o mesmo artigo 50." permite concluir que a lacuna existente é intencional e que a vontade do legislador aponta no sentido de vir a estabelecer-se por via legal a regulamentação necessária para lhe pôr termo.
28 — A nível constitucional, o problema não encontra igualmente resolução. Com efeito, nesta questão específica do exercício da actividade sindical no local de trabalho, a Constituição não fornece uma base suficiente para que, no que à função pública íliz respeito, se possa considerar que tal exercício está constitucionalmente assegurado, independentemente de regulamentação a nível da lei ordinária.
29 — O n.° 2 do artigo 55." da Constituição, ao enumerar o rol de direitos sindicais constitucionalmente garantidos aos trabalhadores, elege, na sua alínea d), como um desses direitos o de exercício de actividade sindical na empresa.
30 — Eis que de novo aparece, tal como sucede na Lei Sindical, o termo «empresa», deixando antever que o direito de exercício de actividade sindical no local de
trabalho apenas beneficia de reconhecimento constitucional, pelo menos de forma expressa e inequívoca, no que se refere às organizações de natureza empresarial.
31 —É certo que, como defendem Gomes Canotilho e Vital Moreira na sua Constituição da República Portuguesa Anotada, os funcionários públicos são seguramente abrangidos pelo conceito constitucional de trabalhador, já que, não contendo a lei fundamental qualquer definição expressa a este respeito, deverá tal conceito ser definido a partir do conceito jurídico comum. Assim, será considerado trabalhador, para efeitos constitucionais, o trabalhador subordinado, ou seja, aquele que trabalha ou presta serviços por conta e sob direcção e autoridade de outrem, independentemente da categoria dessa entidade (privada ou pública) e da natureza do vínculo (contrato de trabalho privado, função pública, etc). Verifica-se, pois, que o conceito constitucional não difere, na sua essência, do conceito da Lei Sindical, ao qual já havia sido feita referência anteriormente.
32 •— E é também verdade que o n.° 1 do já referido artigo 55.° reconhece a todos os trabalhadores, sem excepção, a liberdade sindical, a qual deverá, ainda segundo os mesmos autores, ser entendida não só como liberdade de associação, mas também como liberdade de actividade sindical.
33 — No entanto, é também inegável que a Constituição, ao especificar as formas que directamente reconhece de exercício dessa mesma actividade sindical no local de trabalho, apenas faz alusão à «empresa».
34 — Tal como já havia referido a propósito do capítulo IH da Lei Sindical, também aqui tenho muitas dúvidas sobre a legitimidade de uma interpretação extensiva da alínea d) do n.° 2 do artigo 55.° da Constituição, pois parece-me forçado considerar que o legislador constituinte, ao referir-se a «empresa», tinha em mente abranger também neste conceito o sector público administrativo. A proceder desta forma, não se estará a ultrapassar aquele mínimo de correspondência verbal na letra da lei exigido pelas regras gerais de interpretação previstas no artigo 9." do Código Civil?
35 — De qualquer das formas, e ainda que se considere possível encontrar solução para este problema com recurso às potencialidades proporcionadas ao intérprete pelas regras da interpretação e da integração, sempre se poderá duvidar da eficácia de tal solução do ponto de vista da clareza na definição das situações.
36 — Com efeito, a melhor solução, na perspectiva da clareza e segurança na definição dos meios de exercício da actividade sindical ao dispor dos funcionários públicos, residirá, na minha opinião, na regulamentação de tal exercício em diploma próprio, em cumprimento, alias, do disposto no artigo 50.° da Lei Sindical.
37 — Só desta forma se tornará possível colocar um ponto final no conjunto de indefinições e incertezas que vêm caracterizando a situação dos trabalhadores da função pública em matéria de liberdade de exercício da actividade sindical.
38 — São, aliás, Gomes Canotilho e Vital Moreira quem, na sua Constituição da República Portuguesa Anotada, nos fornece a prova de que existe, a nível constitucional, alguma indefinição nesta matéria.
39 — Referem estes autores que «a liberdade sindical é hoje mais do que uma simples liberdade de associação perante o Estado. Verdadeiramente, o acento tónico coloca--se no direito à actividade sindical, perante o Estado e perante o patronato, o que implica, por um lado, o direito
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de não ser prejudicado pelo exercício de direitos sindicais e, por outro lado, o direito a condições de actividade sindical (direito de informação e de assembleia nos locais de trabalho, dispensa de trabalho para dirigentes e delegados sindicais, etc.)» (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.* ed., revista, Coimbra Editora, 1993, anotações ao artigo 55.°, pp. 299 e 300).
40 — Mais adiante, ainda nas anotações ao artigo 55." da Constituição e em comentário à utilização da expressão «sem qualquer discriminação», constante do n.° 2, refere--se que, «mais do que a reafirmação do princípio constitucional da igualdade (artigo 13.°, n.° 2), trata-se de não deixar dúvidas — se dúvidas pudesse haver — de que todos os trabalhadores, qualquer que seja a entidade para quem trabalham (seja uma empresa privada, seja uma empresa pública, seja directamente o Estado) e qualquer que seja o sector (indústria, agricultura, etc), gozam dos direitos e liberdades sindicais, não sendo lícita qualquer interdição legal» (p. 300).
41 —Porém, ainda mais adiante, na anotação relativa à alínea d) do n." 2 do mesmo artigo 55.°, explica-se que a «Constituição menciona apenas [a actividade sindical na empresa], mas, mesmo que haja de entender-se que a actividade sindical nos locais de trabalho só está constitucionalmente garantida nas organizações empresariais, nada impede que a lei a reconheça em todos os casos (nomeadamente nos serviços públicos e nas instituições privadas sem carácter empresarial)».
42 — Parece daqui resultar não ser de forma alguma líquido, para Gomes Canotilho e Vital Moreira, que o direito de exercício de actividade sindical nos locais de trabalho esteja também constitucionalmente garantido nas organizações não empresariais.
43 — Tanto assim é que os mesmos autores acabam por reconhecer, ainda na sua Constituição da República
Portuguesa Anotada, que, «em relação a alguns direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, a sua fruição parece estar constitucionalmente garantida apenas para os trabalhadores de organizações empresariais — como sucede com o direito a constituir comissões de trabalhadores (artigos 54.° e 55.*) e com o direito ao exercício de actividade sindical nos locais de trabalho [artigo 55.°, n.° 2, alínea d)] —, o que, no âmbito da Administração Pública (em sentido amplíssimo), só abrange directamente as empresas públicas (cujos trabalhadores, porém, não possuem normalmente estatuto do funcionalismo público) e os estabelecimentos agrícolas, industriais ou comerciais do Estado geridos sob a forma de serviço administrativo. Todavia, a lei não está impedida de estender tais direitos aos demais trabalhadores da função pública» (anotações ao artigo 269.°, p. 946).
44 — Acontece que, como tive ocasião de referir e se torna fácil concluir na sequência do que atrás foi exposto, a indefinição prevalece igualmente ao nível da lei ordinária, pelo que urge pôr-lhe termo.
45 — Este órgão do Estado empreendeu já, por mais de uma vez, iniciativas nesse sentido.
46 — Assim, em 20 de Outubro de 1981, foi dirigida recomendação a S. Ex." o Primeiro-Ministro na qual se chamava a atenção para a necessidade de tomar medidas tendentes à ultimação de um projecto de diploma destinado a regular o exercido de direitos sindicais na função pública, e que se encontrava a ser objecto de reapreciação no âmbito do plano de acção legislativa do então Ministério da Reforma Administrativa.
47 — A entrada em vigor de tal diploma viria pôr termo a uma fase transitória que, na matéria em causa, se havia iniciado com a circular do referido Ministério de 7 de Abril de 1978.
48 — Não tendo, no entanto, sido obtidos os desejados resultados —a Direcção-Geral da Administração Pública informou que não se encontrava em elaboração qualquer anteprojecto sobre direitos sindicais na função pública, continuando a matéria a ser regulada pelo Decreto-Lei n.° 45-A/84, de 3 de Fevereiro, bem como pela circular de 7 de Abril de 1978 do ex-Ministério da Reforma Administrativa —, foi dirigida recomendação à Assembleia da República para que, no âmbito da respectiva reserva relativa de competência legislativa, aprovasse legislação reguladora do exercício da actividade sindical na função pública, uma vez que, por um lado, o Decreto-Lei n.° 45-A/ 84, de 3 de Fevereiro, se reportava apenas a um aspecto específico desse exercício — o direito de negociação — e que, por outro lado, a circular de 7 de Abril de 1978 do ex-Ministério da Reforma Administrativa, para além de não revestir, pela sua própria natureza, a desejada força vinculativa, não era de forma alguma, do ponto de vista formal, o instrumento adequado para a regulamentação da matéria em análise.
49 — Todavia, também esta recomendação não foi acatada, continuando a não existir diploma regulador do exercício da actividade sindical na função pública.
Assim, e em face de tudo quanto foi exposto, recomendo a V. Ex.' que sejam adoptadas as medidas legislativas adequadas à regulamentação do exercício da actividade sindical no seio da Administração Pública.
Lisboa, 1 de Fevereiro de 1996.—O Provedor de Justiça, José Menéres Pimentel.
Recomendação do Provedor de Justiça n.° 16/B/96, sobre a eventual alteração da norma contida no artigo 3.s, n.» 3, alínea /). da Lei n.° 21/92, de 14 de Agosto.
A S. Ex.' o Presidente da Assembleia da República. I — Exposição de motivos
A — 1— Pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista da Madeira à Assembleia Legislativa Regional daquela Região Autónoma e pelo Sr. Dr. Alvarino Manuel de Meneses Pinheiro, residente no concelho de Praia da Vitória, foi-me apresentada queixa contra as condições em que se processa o acesso dos cidadãos residentes nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira ao serviço público de televisão.
2 — Em especial, é suscitada a questão da inconstitucionalidade da norma contida no artigo 3.°, n.° 3, alínea t), da Lei n.° 21/92, de 14 de Agosto, diploma que opera a transformação da Radiotelevisão Portuguesa, E. P., em sociedade anónima. ,
3 — Entre as obrigações da concessionária do serviço público de televisão enumeradas no artigo 32.°, n.° 3, consta da citada alínea a emissão de dois programas de cobertura de âmbito geral, um dos quais abrangerá as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
4 — Obrigado a garantir, nos termos do disposto no artigo 38.°, n.° 5, da Constituição, a prestação de um serviço público de rádio e de televisão e assumindo esta norma a natureza de garantia institucional da preservação de um sector público de comunicação social, pelo menos
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no domínio da rádio e da televisão, está o Estado adstrito ao cumprimento de um dever objectivo de assegurar uma prestação específica, que se traduz no exercício da actividade de rádio e de televisão nos domínios da produção e da emissão de programas (artigo 3.°, n.° 1, dos Estatutos da Radiotelevisão Portuguesa, S. A., aprovados pelo artigo 11." da Lei n.° 21/92, de 14 de Agosto).
5 — Por seu turno, na actividade de produção normativa desuñada a cumprir o desiderato constitucional e na actividade material de produção e emissão de programas pela entidade pública criada para tal efeito, encontra-se o Estado, enquanto legislador e enquanto administrador, vinculado ao cumprimento dos princípios e normas respeitantes aos direitos fundamentais, designadamente à obrigação de garantir em condições de igualdade a satisfação das necessidades colectivas neste campo.
B — 6 — Cumpre, assim, como ponto prévio à análise do actual quadro normativo em matéria de serviço público de televisão, proceder a uma breve análise da disciplina em que se vem processando a prestação da actividade de televisão, em especial relativamente aos arquipélagos dos Açores e da Madeira.
7 — A primeira intervenção legislativa específica em matéria de televisão registou-se em 29 de Janeiro de 1930, através do Decreto n.° 17 899, diploma que veio sujeitar a actividade televisiva ao regime de monopólio estatal. Não obstante, apenas em 1955 o Decreto-Lei. n.° 40 341, de 18 de Outubro, veio determinar a constituição de uma sociedade anónima de responsabilidade limitada à qual seria atribuída a concessão do serviço público de televisão em território português e aprovar, do mesmo passo, em anexo, as bases da concessão.
A base i obrigava a concessionária a explorar uma cadeia de centros de emissão que cobrisse as regiões de maior densidade populacional, abrangendo, pelo menos, as regiões de Lisboa, Porto e Coimbra, incumbindo-lhe elaborar planos de cobertura de outros centros populacionais do território. Contudo, o Governo poderia determinar a ampliação do serviço a qualquer região do continente, ilhas adjacentes e províncias ultramarinas.
8 — Na sequência da Revolução de 25 de Abril de 1974, veio a ser suspensa a concessão atribuída à RTP, S. A. R. L., e atribuída a gestão do serviço público de televisão ao Governo (Decreto-Lei n.° 278/74, de 25 de Junho). Em 1975, o Decreto-Lei n.° 674-D/75, de 2 de Dezembro, nacionaliza as participações privadas no capital social da RTP, S. A. R. L., resgata o contrato de concessão e cria a Radiotelevisão Portuguesa, E. P., com o objectivo de prestar, em regime de exclusividade, o serviço público de televisão.
9 — Por força do sistema de autonomia política e legislativa regional consagrado pela Constituição de 1976, o Decreto-Lei n.° 156/80, de 24 de Maio, extinguiu as delegações locais da RTP, E. P., dos Açores e da Madeira, criando, em simultâneo, dois centros regionais, aos quais competia organizar e elaborar programas de interesse e âmbito regional e transmitir programas informativos ou outros sobre acontecimentos ou factos da vida nacional e internacional.
10 —No artigo 3." dos Estatutos da RTP — Radiotelevisão Portuguesa, E. P., aprovados pelo Decreto-Lei n.° 321/80, de 22 de Agosto, previa-se que esta empresa possuísse delegações regionais nos Açores e na Madeira, as quais seriam objecto de um regime especial que veio a constar do Decreto-Lei n.° 283/82, de 22 de Julho, diploma que, com intuitos de aperfeiçoamento, veio substituir a disciplina contida no Decreto-Lei n.° 156780, de 24 de Maio.
11 — Para além do citado artigo 3.°, não possuíam os Estatutos da RTP, E. P., ou a Lei da Radiotelevisão à data vigente (Lei n.° 75/79, de 29 de Novembro) qualquer disposição relativa à distribuição do sinal de radiotelevisão nas Regiões Autónomas.
12 — Assim, o Decreto-Lei n.° 283/82, de 22 de Julho, veio criar, como representações descentralizadas da RTP nas Regiões Autónomas, os centros regionais. Esta solução representava, de acordo com o teor do preâmbulo do diploma e na esteira do regime constante do Decreto-Lei n.4 156/80, uma manifestação do regime constitucional de autonomia política e administrativa das Regiões Autónomas.
13 — Tendo por parâmetros o interesse específico das Regiões e o reforço da unidade nacional, constituem finalidade dos centros regionais (artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 283/82, de 22 de Julho) organizar e elaborar programas de informação e de divulgação, de comentário e de criftica, de pedagogia, culturais, recreativos, desportivos e infantis, de interesse e âmbito regionais, e retransmitir, em directo ou em diferido, integral ou parcialmente, programas informativos ou outros sobre acontecimentos e factos da vida nacional e internacional elaborados fora dos centros regionais.
14 — Neste enquadramento, as Regiões Autónomas passaram a dispor de um específico canal regional, cuja programação teria por fim a prossecução dos objectivos referidos, os quais seriam a expressão, neste domínio, da interacção constitucional entre os interesses específicos das Regiões Autónomas, o reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses (artigos 227.°, n.° 2, e 231.°, n.° 1, da Constituição).
C— 15 — A falta de uma actividade televisiva simultânea e integral para todo o território nacional proporcionou, assim, a manutenção do modelo de serviço público de natureza regionalizada nos Açores e na Madeira, em termos que, embora acompanhando o aprofundamento da autonomia regional, deixou por cumprir plenamente os princípios constitucionais apontados.
16 — O quadro legislativo aplicável nesta matéria à data da revisão constitucional de 1989 permanece intocado até hoje, apesar das dúvidas sobre a caducidade do Decreto--Lei n.° 283/82, de 22 de Julho (centros regionais da RDP, E. P., e da RTP, E. P.), levantadas com o Acórdão n.° 450/95 dó Tribunal Constitucional (Diário da República, 2.' série, n.° 235, de 11 de Outubro de 1995): prestam o serviço público nas Regiões Autónomas dois canais com características regionalizadas (emissão composta de programas produzidos na Região e programas produzidos no continente), sem que, concomitantemente, seja facultado o serviço público de âmbitos nacional e internacional.
17 — Na sequência da abolição, pela revisão constitucional de 1989, do regime de monopólio público de televisão, a Lei n.° 58/90, de 7 de Setembro, veio estabelecer o regime do exercício da actividade de televisão pelo operador público e pelos Operadores privados.
18 — A par da expressa previsão, quanto a estes, do regime de licença a atribuir mediante concurso público (artigos 38.°, n.° 6, da Constituição e artigo 3.°, n.° 3, da Lei n.° 58/90), a Lei n.° 58/90 refere que o serviço público de televisão não carece de licença (artigo 3.°, n.° 3), estabelece o regime da concessão para a sua existência e funcionamento (artigo 3.°, n.° 2) através de um operador de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos e atribui, desde logo, a concessão à Radiotelevisão Portuguesa, E. P., pelo prazo de 15 anos, renovável por igual período.
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Nos termos do artigo 5.°, n.° 1, desta lei, a concessão do serviço público de televisão abrange as redes de cobertura de âmbito geral que integram as frequências correspondentes aos 1.° e 2.° canais.
19 — Previa o artigo 3.°, n.° 5, da Lei n.° 58/90 a aprovação por decreto-lei do estatuto do operador de serviço público e o artigo 65.°, n.° 1, do mesmo diploma, a revisão, no prazo de 120 dias, do estatuto da empresa pública concessionária do serviço público de televisão. Neste sentido, veio a ser publicada a Lei n.° 21/92, de 14 de Agosto, que transformou a RTP, E. P., em sociedade anónima, determinou a sucessão desta no património e na universalidade dos direitos e obrigações da empresa pública, entre eles a concessão do serviço público de televisão, e aprovou ainda os respectivos estatutos.
20 — A concessão tem por objecto a prestação do serviço público de televisão, o qual consiste, com específica observância do disposto no artigo 3.°, n.08 2 e 3, da Lei n.° 21/92, em exercer a actividade de televisão, produzindo e emitindo programas através das redes de cobertura de âmbito geral que integram as frequências correspondentes aos 1." e 2.° canais (artigo 3.°, n.° 1, dos Estatutos da RTP, S. A., artigo 2.°, n.° 2, da Lei n.° 21/92 e artigo 5.° da Lei n.° 58/90).
21 —Nestes termos, a concessão do serviço público de televisão tem por objecto o exercício da actividade de televisão através das redes de cobertura de âmbito geral que integram as frequências correspondentes aos 1.° e 2." canais.
22 — Trata-se, assim, de assegurar «a transmissão ou retransmissão de imagens não permanentes e sons através de ondas electromagnéticas ou de qualquer outro veículo apropriado» e destinadas à recepção pelo público (artigo 1.°, n.° 2, da Lei n.° 58/90). Para definição do âmbito territorial, corresponde o serviço público de televisão ao exercício da actividade televisiva com cobertura de âmbito geral, definida esta, pelo artigo 4.°, n.° 1, alínea a), da Lei n.° 58/90, como abrangendo, com o mesmo programa e sinal recomendado, todo o território nacional ou, pelo menos, o território continental português.
23 — No desenvolvimento da Lei da Televisão, o Decre-to-Lei n.° 401/90, de 20 de Dezembro, que aprovou o plano técnico de frequências, dispõe que as bandas, canais e potências de emissão previstos para as 1.' e 2.* redes de cobertura de âmbito geral, constantes do mapa t aprovado em anexo, ficam afectos ao serviço público de televisão correspondente aos 1." e 2." canais (artigo 2.°, n.° 2, do Decreto--Lei n.° 401/90).
24 — Por seu turno, o mapa I, anexo ao Decreto-Lei n.° 401/90, prevê para todas as redes de cobertura de âmbito geral a existência de estações de emissão localizadas nas Regiões Autónomas (Barrosa Cabeço Gordo, Morro Alto e Santa Bárbara, nos Açores, e Pico do Silva, na Madeira).
25 — Assim, considerando que no artigo 4.°, n.° 1, alínea a), da Lei n.° 58/90 é definida a actividade televisiva com cobertura de âmbito geral como abrangendo, com o mesmo programa e sinal recomendado, todo o território nacional ou, no mínimo, o território continental, parece decorrer do Decreto-Lei n.° 401/90 a existência de condições técnicas que permitem a emissão dos canais de serviço público de televisão nas Regiões Autónomas ou, pelo menos, um rumo apontado nesse sentido.
26 — De acordo com as disposições legais referidas, o serviço público de televisão será exercido através de duas redes de cobertura de âmbito geral, que integram as frequências correspondentes aos 1.° e 2.° canais, sendo que se encontram atribuídas frequências para estações de emissão localizadas nas Regiões Autónomas.
27 — Terminologia diversa, porém, é aquela que se encontra no artigo 4.°, n.° 3, alínea i). da Lei n.° 21/92, de 14 de Agosto. De acordo com esta disposição, constitui obrigação da concessionária de serviço público de televisão emitir dois programas de cobertura geral, um dos quais abrangerá as Regiões Autónomas.
28 — Não obstante, à expressão «programa de cobertura geral» terá de ser atribuído o significado de rede de cobertura de âmbito geral.
29—Com efeito, nos termos do artigo 5.° da Lei n.° 58790 e do disposto no artigo 2.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 401/90, são as redes de cobertura de âmbito geral que integram as frequências correspondentes aos 1." e 2." canais que são compreendidas no âmbito da concessão do serviço público de televisão (cláusula 2." do contrato de concessão). A actividade de televisão exercida através destas duas redes constitui, por si, o serviço público de radiotelevisão concessionado.
D — 30 — Definido o âmbito material e territorial da concessão do serviço público de televisão, importa determinar quais as especificidades que o quadro normativo em análise comporta no que concerne ao exercício da actividade televisiva pela RTP, S. A., nas Regiões Autónomas.
31 —Na enumeração das obrigações da concessionária do serviço público de televisão prevê-se, no artigo 3.°, n.° 3, alínea 0, a emissão de «dois programas de cobertura geral, um dos quais, pelo menos, abrangerá as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira». De forma diferente, a alínea J) do n.° 3 do artigo 4.° da proposta de lei (proposta de lei n.° 6/VI, in Diário da Assembleia da República, 2° série-A, n.° 9) constituía a concessionária na obrigação de assegurar a emissão para as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, o que permitia concluir que estaria a concessionária vinculada a emitir para as Regiões Autónomas nos mesmos termos em que emite para o restante território nacional.
32 — Estar-se-ia, assim, perante emissões simultâneas e integrais dos 1.° e 2." canais. Com efeito, e numa interpretação conforme à Constituição, atento o princípio interpretativo ubi lex non distinguit, nec interpres distinguere debet, seria de concluir que o legislador havia pretendido que as emissões abrangessem todo o território nacional nos mesmos moldes, uma vez que o preceito não faz qualquer distinção entre as emissões do Canal 1 e do Canal 2, nem tão-pouco quanto à possibilidade de emissões em diferido ou de retransmissões de programas destes canais.
33 — Sem que resulte claro do enunciado legal, a Lei n.° 21/92, de 14 de Agosto, parece pressupor que as redes de cobertura de âmbito geral que integram as frequências atribuídas aos 1.° e 2." canais apenas abrangem, de acordo com a possibilidade aberta pelo artigo 4.°, n.° 1, alínea a), da Lei da Televisão, o território continental português, sendo necessário prever como específica obrigação de serviço público a actividade de emissão para as Regiões Autónomas.
34 — Por seu turno, o contrato de concessão do serviço público de televisão, celebrado entre o Estado e a RTP, S. A., em 17 de Março de 1993, prevê, na cláusula 4.°, entre as obrigações gerais da concessionária, o dever de emissão de dois programas com cobertura geral da população do território continental, um, que corresponde ao actual 1canal, de carácter eminentemente generalista, com opções diversificadas e destinado a servir a generalidade da população, e o segundo vocacionado para servir públicos potencialmente minoritários e integrando programas de carácter educativo nos domínios da literatura, da ciência, da música, do teatro, da ópera, do bailado e das artes plásticas.
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35 — No que se reporta ao serviço público de televisão nos Açores e na Madeira, o contrato de concessão limita-se a estabelecer, no n.° 3 da referida cláusula, que, nos termos da Lei n.° 21/92, de 14 de Agosto, um dos canais abrangerá as Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira. É, assim, à concessionária que cabe determinar qual deles será difundido nos arquipélagos.
E— 36 — Importa agora apreciar se a solução legal é conforme e suficiente em face da norma constitucional contida no artigo 38.°, n.° 5.
37 — Introduzida esta disposição na revisão constitucional de 1989, veio a consagrar um sistema misto, ao incumbir o Estado de garantir a existência e o funcionamento de um serviço público de televisão e ao prever a existência de operadores privados de radiotelevisão.
38 — Nos termos do n.° 6 do mesmo preceito, o sector público de rádio e televisão está sujeito a um regime especial relativamente aos órgãos de comunicação social privados, no tocante à respectiva estrutura e ao funcionamento, o qual deve salvaguardar a respectiva independência perante o Governo, a Administração e os demais poderes públicos, bem como assegurar a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião.
39 — A previsão constitucional de um serviço público de televisão e rádio constitui uma garantia institucional da liberdade e pluralismo da comunicação social (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3." ed., Coimbra, p. 233; Jorge Miranda Manual de Direito Constitucional, t. iv, 2.° ed., Coimbra, 1993, pp. 402 e 403; «Serviço público de televisão e Regiões Autónomas», in O Direito, ano 125.°, 1993, i-n, pp. 129 e segs.).
40 — Esta norma vincula o Estado em termos objectivos enquanto fundamenta um dever que, embora não estando em relação com qualquer titular concreto, obriga a pessoa colectiva pública em questão ao desempenho de uma específica actividade administrativa para satisfação de uma necessidade de interesse geral (Jean Rivero, Direito Administrativo, 1981, p. 494). Neste sentido, alude Gomes Canotilho (Direito Constitucional, Coimbra, 1991, pp. 544 e 546), as «normas de direitos fundamentais objectivas», as quais se fundamentam no especial significado para «a colectividade, para o interesse público, para a vida comunitária».
41 — Atenta a manifesta importância da rádio e da televisão como veículos privilegiados de informação, estão estas actividades subordinadas à possibilidade de realização dos direitos fundamentais de «se informar» e a «ser informado» (artigo 37.°, n.° 1), bem como do direito de participação na vida pública (artigo 48.°, n.° 2). O exercício destes direitos constitui, por sua vez, condição indispensável para a formação de uma opinião pública livre e, mais genericamente, do funcionamento dos próprios mecanismos democráticos.
42 — Foi exactamente com base nas considerações relativas à acepção funcional ou objectiva da liberdade de comunicação social e à existência de uma função estatal de criação de uma opinião pública livre que se desenvolveram as discussões parlamentares relativas à formação do texto do artigo 38.°, n.08 5 e 6. Foi considerado que, atenta a lógica empresarial privada a que, necessariamente, não deixariam de estar sujeitas as televisões privadas, ao Estado incumbiria garantir o acesso genérico pela comunidade à rádio e à televisão e, por essa via, garantir o pluralismo em matéria de direito à informação, educação e cultura (Diário da Assembleia da República, 1." série, n.° 70, pp. 3341, 3347, 3348, 3352, 3353 e 3360 e segs., e n.° 71, pp. 3423 e segs.).
43 — Vistas, em geral, as possibilidades reais de exercício do poder pelos órgãos de comunicação social, por imperativo do princípio do Estado de direito e do regime democrático, a garantia do pluralismo impõe um regime de carácter intervencionista (neste sentido, cf. Jorge Miranda, Manual, cit., pp. 400, 402 e 408), traduzido nas obrigações do Estado em assegurar a divulgação da titularidade e dos meios de financiamento dos órgãos de comunicação social, garantir a liberdade e a independência dos órgãos de comunicação perante os poderes político e económico, impor o princípio da especialidade das empresas titulares de órgãos de comunicação social, impedir a concentração das empresas titulares de órgãos de comunicação social, designadamente através de participações múltiplas ou cruzadas, e a obrigação de assegurar os direitos de antena, de resposta e de réplica política (cf., respectivamente, artigos 38.°, n.os3 e 4, primeira, segunda, terceira e quarta partes, e 40." da Constituição).
44 — Resulta ainda da Constituição uma estreita conexão entre a comunicação social em geral e os órgãos de comunicação do sector público em especial, com as obrigações que incumbem ao Estado em sede de promoção dos direitos culturais. Com efeito, ao Estado cabe incrementar a democratização da cultura, incentivando o acesso de todos à fruição e criação culturais, em colaboração com os órgãos de comunicação social (artigos 73.°, n.° 3, e 78.°, n.° 2, da Constituição).
45 — A garantia constitucional dà existência e funcionamento de um serviço público de televisão e rádio aparece, assim, como um instrumento da possibilidade de realização dos direitos fundamentais à informação e à participação na vida política (artigos 37." e 4.°, n.° 2, da Constituição), bem como surge vinculada à obrigação estadual de generalização do acesso à educação, à cultura e à fruição cultural, exigindo ao Estado uma acção conformadora positiva que possibilite o exercício destes direitos.
46 — Neste sentido, duvidoso parece que se compadeça o texto constitucional com uma restrição à garantia institucional do serviço público de televisão, que se traduza numa prestação diferenciada, em termos geográficos, de um serviço que a Constituição consagra como meio de expressão de outros direitos.fundamentais e, em última análise, como garantia do funcionamento dos mecanismos próprios do Estado de direito democrático.
47 — Estando as garantias institucionais sujeitas ao regime dos direitos fundamentais (neste senüdo, Jorge Miranda, Manual, cit., t. iv, p. 70), qualquer restrição só será admissível nos termos do artigo 18.° (para além, naturalmente, do regime do artigo 19.°, embora sem aplicação no caso presente). Demonstrado que o legislador ordinário entendeu que a garantia do serviço público de televisão se reconduz à difusão de dois programas ou canais (com o conteúdo previsto na cláusula 4." do contrato de concessão), não se vislumbram quais os valores constitucionais que possam justificar o acesso diferenciado a esse serviço por parte dos cidadãos residentes nos arquipélagos dos Açores e da Madeira.
48 — Mesmo reconhecendo, como expressamente assinala Jorge Miranda (Manual, cit., t. iv, pp. 70 e 71), que a garantia constitucional se reconduz à existência do serviço público e não ao modo concreto como o legislador ordinário a venha a concretizar, certo é que, na actividade de produção normativa a tanto destinada, está o legislador vinculado à observância dos princípios e normas constitucionais, no caso em presença ao princípio da igualdade, ao princípio da unidade do Estado e ao princípio da solidariedade para
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com as Regiões Autónomas (artigos 13.°, 6.°, 227.°, n.° 2. e 23." da Constituição).
49 — Competindo ao Estado, por si ou através de uma entidade pública constituída para o efeito, assegurar uma prestação específica destinada a promover o pluralismo político e social, bem como o bem-estar económico, social e cultural, o princípio fundamental a observar quanto à possibilidade de fruição destas utilidades consistirá não só na liberdade de acesso, estando a utilização dependente de um mero acto de vontade do utente (Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Coimbra, 1991, 10." ed., pp. 1079 e 1080), como também no tratamento igualitário de todos os residentes no território nacional no que ao acesso e à utilização do serviço se refere.
50 — Assim, como salienta Jorge Miranda («Serviço público», cit., p. 241), a prestação do serviço público de televisão não deverá revestir apenas natureza universal, no sentido de uma oferta generalizada, disponível para todos, independentemente da sua localização geográfica, mas também natureza não discriminatória, o que obriga à existência de «emissões de âmbito nacional, simultâneas, idênticas para todo o território».
51 — Radica o citado autor esta exigência tanto no princípio constitucional de reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses (artigo 227.°, n.° 2, segunda parte, da Constituição), como também no princípio da igualdade (artigo 13.°), especialmente na sua vertente positiva ligada à efectivação dos direitos económicos, sociais e culturais [artigo 9.°, alínea d), da Constituição].
52 — A mesma exigência resulta do carácter unitário do Estado (artigo 6.° da Constituição), assim como também dos princípios da solidariedade e da cooperação com as Regiões Autónomas (artigos 227.°, n.° 2, e 231.° da Constituição). No que ao conteúdo do princípio da solidariedade concerne, reveste particular acuidade a exigência de igualdade material entre os cidadãos residentes no continente e nos arquipélagos, atento o desiderato constitucional de correcção das
desigualdades derivadas da insularidade (artigo 231.°, n.° 1, da Constituição).
53 — Em face deste objectivo específico do regime de autonomia política e legislativa das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira e observado o carácter instrumental da garantia institucional em análise relativamente ao princípio da democracia económica, social e cultural constante do artigo 9.°, alínea d), da Constituição, mais injusto se manifesta o regime legal instituído, ao permitir à concessionária escolher qual o canal que irá ser difundido nas Regiões Autónomas. Com efeito, o carácter generalista do 1.° canal condicionará tal opção, com prejuízo significativo no que respeita à educação, à fruição e ao desenvolvimento cultural e ao reforço do pluralismo, objectivos para que se encontra vocacionado o 2.° canal.
54 — É justamente na relação intrínseca que entendo existir entre a garantia constitucional em análise e a possibilidade de realização dos direitos fundamentais de informação, participação na vida pública, educação e cultura que considero que a presente questão excede o âmbito da função política, enquadrando-se na atribuição de promoção dos direitos, liberdades, garantias e interesses legítimos dos cidadãos cuja salvaguarda se me encontra estatutariamente atribuída.
55 — Das considerações expostas resulta que, encontrando-se o Estado vinculado a assegurar a existência e o funcionamento de um serviço público de televisão e compreendendo o serviço público a gestão de duas redes de cobertura
de âmbito geral, que correspondem às frequências atribuídas aos 1." e 2.° canais, a garantia constitucional apenas se encontra satisfeita se e na medida em que o cumprimento de tal obrigação assuma carácter universal e homogéneo em relação a todos os residentes no território português, designadamente porque qualquer restrição violaria directamente o disposto no artigo 13.°, n.° 2, da Constituição, que não admite diferenças de tratamento normativo em função do território.
56 — E esta violação do princípio da igualdade mais se evidencia por estar em causa uma norma constitucional que beneficia do regime dos direitos, liberdades e garantias, pois, como sustenta Gomes Canotilho, «se o legislador actua voluntariamente criando uma certa disciplina legal, então ele fica obrigado a não deixar inconsiderados os casos essencialmente iguais aos previstos no Tatbestand legal» (Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador — Contributo para a Compreensão das Normas Constitucionais Programáticas, Coimbra, 1982, p. 335).
57 — Assim, o que resulta como necessário e conforme à Constituição é assegurar que o serviço público de televisão revista, nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, no mínimo, a mesma configuração que no território continental, consubstanciando-se, actualmente, nas distribuição simultânea e integral dos 1.° e 2.° canais.
58 — Neste sentido, e com fundamento no princípio da solidariedade para com as Regiões Autónomas e no princípio do reforço da unidade nacional, foram formuladas pelas Assembleias Legislativas Regionais as Resoluções n.08 3/92/M, 12/94/Mv 2/92/A e 2/94/A, respectivamente publicadas no Diário da República, 1.° série-B, de 2 de Março de 1992, 10 de Setembro de 1994, 6 de Fevereiro de 1992 e 22 de Abril de 1994.
Em todas as resoluções se refere a necessidade de emissão nas Regiões Autónomas de, pelo menos, um dos canais de serviço público de televisão, bem cçmo a manutenção
do canal regional como serviço público regional.
59 — Quanto à manutenção de um canal regional, a consideração acima exposta quanto à violação do princípio da igualdade não obsta, como considera Jorge Miranda («Serviço público», cit., p. 242), à existência de programas produzidos e emitidos pelos centros regionais. Tal facto resultará de um «diferencialismo natural», expressão do princípio da promoção e da defesa dos interesses regionais, fundamento da própria autonomia regional (Carlos Blanco de Morais, A Autonomia Legislativa Regional, Lisboa, 1993, p. 407).
II — Conclusões
Em face do quanto fica exposto, entende o Provedor de Justiça exercer o poder que lhe é conferido pelo artigo 20°, n.° 1, aKnea b), da Lei n." 9/91, de 9 de Abril, e como tal recomendar:
Que seja devidamente ponderado pelos Ex."105 Deputados vir a ser desencadeado procedimento legislativo com vista à alteração da norma contida no artigo 3.°, n.° 3, alínea i), da Lei n.° 21/92, de 14 de Agosto, no sentido de garantir que a emissão através das redes de cobertura de âmbito geral que integram as frequências atribuídas aos 1.° e 2." canais compreenda todo o território nacional, por forma a suprir uma situação de inconstitucionalidade.
Lisboa, 11 de Junho de 19%. — Ò Provedor de Justiça, José Menéres Pimentel.
A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.
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