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Sábado, 6 de Julho de 1996
II Série-C — Número 21
DIÁRIO
da Assembleia da República
VII LEGISLATURA
1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)
SUMÁRIO
Presidente da Assembleia da República:
Texto do Protocolo de Cooperação assinado entre a Assembleia da República Portuguesa e a Assembleia Federal da Federação da Rússia (a)................................ 136
Secretário-Geral da Assembleia da República:
Despachos de delegação de competências na directora de Serviços de Documentação e Informação e no director do Centro de Informática....................................................... 137
Comissões parlamentares:
Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação:
Conclusões e resolução aprovadas na Conferência lnterparlamentar no âmbito do projecto da comunidade de poises de Hngua portuguesa.................................... 138
Comissão de Ética:
Parecer n." 14/96 — Sobre o impedimento da celebração de contratos com o Estado e outras pessoas colectivas de
direito público.................................................................... 139
Parecer n.° 15/96 — Sobre a prestação de serviços profissionais a sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos............................................................ 142
Parecer n.° 16/96 — Sobre a situação do Deputado Carlos Marta enquanto presidente da Associação de Futebol de Viseu 143 Parecer n.° 17/96 — Sobre a situação do Deputado Macário Correia enquanto presidente da mesa da assembleia geral da Federação Portuguesa de Ciclismo 145 Parecer n.° 18/96 — Sobre a situação de compatibilidade do Deputado Gilberto Madail com as funções que desempenha enquanto presidente da Federação Portuguesa de Futebol 147
(a) V. Diário da Assembleia da República, 2.' série-C, n.° 19. de 25 de Marco de 1995.
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Protocolo de Cooperação assinado ertni a Assentida & Portuguesa e a Assembleia Federai da Federação da Rússia
Baseando-se nas relações de amizade entre a República Portuguesa e a Federação da Rússia;
Considerando o importante papel dos órgãos representativos no desenvolvimento e reforço do sistema democrático em cada um dos países ao serviço dos cidadãos e da sociedade;
Tomando em conta o desejo da Assembleia da República Portuguesa e da Assembleia Federal da Rússia de contribuírem plenamente para o desenvolvimento e reforço das relações de amizade entre os povos dos dois países, designadamente através da cooperação parlamentar;
Aspirando ao aperfeiçoamento e desenvolvimento da cooperação europeia e ao fortalecimento da paz e.da segurança internacionais;
Tomando ainda em conta o Tratado de Amizade e Cooperação entre a República Portuguesa e a Federação da Rússia, assinado em Moscovo em 22 de Julho de 1994:
A Assembleia da República Portuguesa e a Assembleia Federal da-Federação da Rússia, adiante designadas «Partes», acordam o seguinte:
Artigo 1.°
As Partes contribuirão para a promoção de amplos laços nas áreas política, económica, científica, cultural e humanitária entre a República Portuguesa e a Federação da Rússia e para a criação de possibilidades com vista ao seu desenvolvimento e aprofundamento.
Artigo 2.°
As Partes empenhar-se-ão na organização das trocas regulares de visitas dos dirigentes da Assembleia da República Portuguesa e das Câmaras da Assembleia Federal da Federação da Rússia e na cooperação permanente a nível dos comités e comissões parlamentares e a nível dos órgãos de apoio da Assembleia da República Portuguesa e das Câmaras da Assembleia Federal da Federação da Rússia, com vista a aprofundar e desenvolver os laços parlamentares.
Artigo 3.°
As Partes procederão a consultas recíprocas e a passos concretos com vista ao intercâmbio de informações e experiências no âmbito da actividade legislativa, designadamente através do envio de delegações parlamentares e grupos de peritos para a República Portuguesa e para a Federação da Rússia.
Artigo 4.°
As Partes manifestam a sua disposição em trocar informações sobre a actividade parlamentar, realização das reformas parlamentares democráticas, incluindo a troca de bases de dados sobre actividade das Partes, projectos de lei, registos de debates parlamentares abertos e outros documentos, de acordo com a legislação dos respectivos Estados.
Artigo 5.°
As Partes contribuirão para a realização de consultas recíprocas dos membros dos Parlamentos de Portugal e da
Rússia no quadro da União Interparlamentar, Assembleia Parlamentar da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa, Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, Parlamento Europeu e Assembleia Parlamentar do Atlântico Norte, com vista ao fortalecimento da paz e segurança internacionais e da não imposição de novas linhas de divisão da Europa.
Artigo 6.°
O presente Protocolo entra em vigor na data da sua assinatura e contínua válido para cada uma das Partes até expirarem três meses a contar da data em^que uma das Partes enviar à outra Parte a notificação escrita sobre a sua intenção de denunciar este Protocolo.
Feito em Moscovo, em 24 de Junho de 1996, em dois exemplares, um em língua portuguesa e outro em bngua russa, ambos os textos fazendo igualmente fé.
Pela Assembleia da República Portuguesa, o Presidente, António de Almeida Santos. — Pela Assembleia Federal da Federação Russa: E. S. Stroev — G. N. Selezniov.
ANEXO
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"VER DIÁRIO ORIGINAL"
Despacho n.a 99/SG/96
Delegação de competências na directora de Serviços de Documentação e Informação
1 — Tendo em consideração e necessidade de flexibilizar a gestão dos serviços e desburocratizar o processo decisório, delego, nos termos conjugados do artigo 35.° do Código do Procedimento Administrativo e do n.° 3 do artigo 22.° da Lei Orgânica da Assembleia da República, na directora de Serviços de Documentação e Informação, licenciada Maria José Silva Santos, as seguintes competências:
1.1 — Autorizar a aquisição de bens e serviços e as correspondentes despesas, até 100000$, desde que previamente cabimentadas;
1.2 — Assinar o expediente corrente da Direcção de Serviços de Documentação e Informação, encontrando-se excluída desta delegação a correspondência com o Gabinete de S. Ex .* o Presidente da Assembleia da República, os Gabinetes dos Grupos Parlamentares e de membros do Govemo ou de outros órgãos de soberania;
1.3 — Autorizar a alteração do mapa de férias de pessoal afecto à Direcção de Serviços de Documentação e Informação;
1.4 — Reafectar e colocar os funcionários no âmbito da Direcção de Serviços de Documentação e Informação;
1.5 — Determinar o exercício de funções em situação que dê lugar a reversão do vencimento de exercício, nos termos previstos na lei, e autorizar o respectivo processamento;
1.6 — Autorizar a prestação de trabalho em situações excepcionais de que decorra a aplicação do n.° 4 do artigo 52.° da Lei Orgânica da Assembleia da República;
1.7 — Autorizar a consulta pública aos documentos a cargo da Biblioteca e do Arquivo Histórico-Parlamentar.
2 — A Sr." Directora da Direcção de Serviços de Documentação e Informação mencionará sempre, no uso da delegação que aqui lhe é conferida, a'qualidade de delegada em que pratica os actos por aquela abrangidos.
3 — O presente despacho produz efeitos, desde a data da sua assinatura, ficando ratificados os actos praticados pela directora de Serviços de Documentação e Informação, com a minha concordância verbal, no âmbito das competências agora delegadas.
Assembleia da República, 27 de Junho de 1996. — A Secretária-Geral, Adelina Sá de Carvalho.
Despacho n.° 100/SG/96
Delegação de competências no director do Centro de Informática
1 — Tendo em consideração a necessidade de suprir as dúvidas decorrentes da previsão do n.° 2 do artigo 38.° da Lei Orgânica da Assembleia da República e ainda de flexibilizar a gestão dos serviços e desburocratizar o processo decisório, delego, nos termos conjugados do artigo 35.° do Código do Procedimento Administrativo e do n.° 3 do artigo 22.° da Lei Orgânica da Assembleia da República, no director do Centro de Informática, engenheiro António Camacho Rosado da Fonseca, as seguintes competências:
1.1 —As que decorrem dos n.™ 1, 2 e 4 do artigo 57.° da Lei Orgânica da Assembleia da República e dos mapas i e n, n.08 41 a 46, do Decreto-Lei n.° 323/89, de 26 de Setembro;
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1.2 — Autorizar a aquisição de bens e serviços e as despesas dela decorrentes, até 100 000$, desde que previamente cabimentadas:
1.3—Assinar o expediente corrente do Centro de Informática, desta delegação se encontrando excluída a correspondência com o Gabinete de S. Ex.1 o Presidente da Assembleia da República, os Gabinetes dos Grupos Parlamentares e de membros do Governo ou de outros órgãos de soberania;
1.4 — Autorizar a alteração do mapa de férias do pessoal afecto ao Centro de Informática;
1.5 — Autorizar a prestação de trabalho em situações excepcionais de que decorra a aplicação do n.° 4 do artigo 52.° da Lei Orgânica da Assembleia da República.
2 — O director do Centro de Informática mencionará sempre, no uso da delegação que aqui lhe é conferida, a qualidade de delegado em que pratica os actos por ela abrangidos.
3 — O presente despacho produz efeitos desde a data da
sua assinatura, ficando ratificados os actos praticados pelo director do Centro de Informática, com o prévio conhecimento, e incluídos no âmbito da presente delegação.
Assembleia da República, 27 de Junho de 1996. — A Secretária-Geral, Adelina Sá de Carvalho.
Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação
Conclusões e resolução aprovadas na Conferência Interpar-lamentar no âmbito do pro|ecto da comunidade de países de língua portuguesa.
Conclusões
Nos dias 24 e 25 de Junho de 1996, reuniram-se em Lisboa delegações dos Parlamentos de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe. O Brasil fez-se representar pelo seu embaixador em Lisboa presidente Itamar Franco.
Na reunião as delegações analisaram as perspectivas para o projecto da comunidade de países de língua portuguesa, a situação política nos diversos países e a questão de Timor Leste.
A Conferência Interparlamentar, reafirmando a sua adesão aos princípios da paz e da democracia, congratulou-se com a própria natureza da reunião, que possibilitou, num ambiente de amizade, um debate livre e descomplexado entre Deputados das diferentes forças políticas representadas nos diversos parlamentos nacionais.
A Conferência Interparlamentar manifestou o seu caloroso apoio à institucionalização da comunidade de países de língua portuguesa como meio de diálogo privilegiado entre o países que a compõem. Neste contexto, foi salientada a importância de princípios e valores comuns e a necessidade de a dimensão parlamentar estar presente no aprofundamento desta comunidade. A Conferência Interparlamentar sublinhou a especial vocação dos parlamentos nacionais para acompanharem a actividade dos respectivos governos no que diz respeito â concretização dos objectivos da comunidade de países de língua portuguesa.
Aderindo aos objectivos enunciados nos projectos de documentos constitutivos da comunidade de países de língua portuguesa, a Conferência Interparlamentar referiu, em particular, a necessidade de se proceder ao reforço da coo-
peração cultural, à luta contra o racismo e xenofobia, o combate ao tráfico de droga e estupefacientes e à melhoria do acolhimento aos cidadãos oriundos dos seus diversos países.
A Conferência Interparlamentar exprimiu o seu apoio à realização anual de uma conferência interparlamentar dos países de língua portuguesa e deliberou promover jornadas parlamentares, de periodicidade regular, orientadas para o debate de assuntos específicos. Neste domínio foi decidido dar prioridade a temas como o papel dos Parlamentos na consolidação da democracia, o poder local e a luta contra o tráfico de droga.
Ficou acordado que os presidentes das Comissões de Negócios Estrangeiros ou Relações Exteriores dos diferentes Parlamentos se manterão em contacto, tendo em vista a concretização destas reuniões.
A Conferência Interparlamentar apelou à intensificação da cooperação interparlamentar, quer a nível multilateral quer bilateral, com vista à troca de experiências e ao intercâmbio legislativo e de publicações, de forma que seja possível uma eficaz cooperação técnica entre os diferentes Parlamentos orientada no sentido da formação de quadros e da modernização dos Parlamentos.
A Conferência Interparlamentar procedeu a um debate aberto, frontal e sem constrangimentos na análise das diferentes situações políticas internas, percorrendo os domínios económico, social e político.
A Conferência Interparlamentar reiterou a sua solidariedade para com os países que vivem processos de consolidação da paz e reconciliação nacional e apelou ao respeito dos valores da paz, da democracia, dos direitos humanos, do desenvolvimento e da'justiça social.
A Conferência Interparlamentar recebeu uma delegação da resistência timorense e iTeafirrnou a sua vontade em concertar esforços para que o povo de Timor Leste exerça livremente o seu direito à autcxletenrdnação e expressou a sua condenação pelas violações dos direitos do homem praticadas naquele território.
A Conferência Interparlamentar adoptou uma resolução sobre esta matéria.
As delegações à Conferência Interparlamentar exprimiram o seu apreço por terem sido recebidas, em audiência, por S. Ex* o Presidente da República de Portugal, Dr. Jorge Sampaio.
A sessão solene de abertura foi presidida pelo Vice-Pre-sidente da Assembleia da República, Dr. João Amaral, em representação de S. Ex." o Presidente da Assembleia da República. As sessões de trabalho foram dirigidas pelo presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros, Comunidades Portuguesas e Cooperação, Dr. Durão Barroso. Participou na sessão de abertura S. Ex* o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr. Jaime Gama.
As delegações dos países visitantes manifestaram ao país anfitrião, à Assembleia da República e à respectiva Comissão dos Negócios Estrangeiros o seu reconhecimento pela iniciativa havida e pela hospitalidade dispensada.
Resolução
As delegações parlamentares de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe, reunidas em Conferência Interparlamentar, no âmbito do projecto da comunidade dos países de língua portuguesa, em 24 e 25 de Junho, em Lisboa, deliberam:
1 — Reafirmar a sua vontade em concertar esforços para que seja respeitado o direito do povo de Timor Leste à
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autodeterminação e exigir o pleno respeito pela Carta das Nações Unidas e pelas resoluções da Organização das Nações Unidas relativas a esta questão;
2 — Condenar as violações dos direitos do homem perpetradas pela Indonésia naquele território;
3 — Recomendar aos respectivos governos a adesão de
Timor Leste à comunidade dos países de língua portuguesa com o estatuto de observador ou estatuto afim, em condições a definir, e desde já delibera convidar uma delegação da resistência timorense a estar presente na próxima Conferência Interparlamentar, que voltará a debruçar-se sobre esta matéria;
4 — Exigir a libertação de Xanana Gusmão e seus companheiros, para que possam participar como homens livres nas conversações sobre o futuro de Timor Leste;
5 — Saudar as recentes tomadas de posição da União Europeia relativas à questão de Timor Leste;
6 — Associar-se ao espírito da Declaração de Lisboa, aprovada em Conferência Interparlamentar sobre Timor Leste, e à resolução do Parlamento Europeu sobre a situação em Timor Leste e o 20° aniversário da sua invasão pela Indonésia, aprovada em 14 de Dezembro de 1995.
Lisboa, 25 de Junho de 1996. — O Deputado Vice-Pre-sidente, Carlos Beja.
Comissão Parlamentar de Ética
Parecer n.9 14/96 — Sobre o impedimento da celebração de contratos com o Estado e outras pessoas colectivas de direito público.
I — Situação de facto
Com base em elementos fornecidos a esta Comissão pelo Sr. Deputado Henrique Neto, têm-se por apurados os seguintes factos relevantes:
a) O Deputado Henrique Neto é accionista, com uma participação de 50%, da Sociedade Iberornoldes, S. A.;
b) É também accionista da sociedade Iber-Oleff, S. A., com uma participação de 11,68%;
c) Participa ainda no capital da sociedade Aníbal H. Abrantes — Indústrias de Moldes'e Plásticos, S. A., com 0,07%, e no capital da sociedade SETSA — Sociedade de Engenharia e Transformação, com 0,01%;
d) A Iberornoldes, S. A., por sua vez, participa no capital de várias empresas, a saber:
Iber-Oleff—Componentes Técnicos em Plástico, S. A. (10%);
SETSA — Sociedade de Engenharia e Transformação, S. A. (99,96%);
Aníbal H. Abrantes — Indústrias de Moldes e Plásticos, S. A. (55,38%);
Edilásio Carreira da Silva, L."8 (95%);
CELECTRO — Centro de Maquinação por Electroerosão, L* (88%);
CEMAFRE — Centro de Maquinação por Fresagem, L."° (50%);
Portumolde— Moldes Portugueses, L."" (50%);
MTM — Moldes e Tecnologia de Moldação, L.*1 (70%);
Iberonorma — Estruturas e Acessórios para Moldes, L."* (86,75%);
e) O Deputado Henrique Neto é presidente do conselho de administração da Iberornoldes, S. A., e da SET — Sociedade de Engenharia e Transformação, S. A.„ e administrador da sociedade Aníbal H. Abrantes, S. A., além de presidente da mesa da
assembleia geral da Iber-Oleff — Componentes
Técnicos em Plástico, S. A.;
f) O Deputado Henrique Neto é gerente das sociedades INAMOL, L.**, e Edilásio Carreira da Silva L.*;
g) Todas as empresas anteriormente referidas são sócias do rberomoldes — Instituto de Tecnologia de Moldes, ACE;
h) O Iberornoldes — Instituto de Tecnologia de Moldes, ACE, é um agrupamento complementar de empresas sem fim lucrativo, que se dedica à formação profissional;
0 As sociedades Aníbal H. Abrantes, S. A., Edilásio Carreira da Silva, L.d\ CELETRO, L.d°, CEMAFRE, L* Portumolde, L.*\ MTM, L."0, e SET, S. A., entre outras, celebraram contratos com o IAPMEI — Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento no âmbito do PEDIP;
j) O Deputado Henrique Neto interveio em contratos celebrados com o Estado no âmbito do PEDIP, em representação das sociedades Aníbal H. Abrantes — Indústrias de Moldes e Plásticos, S. A., Edilásio Carreira da Silva, L."3, e STESA — Sociedade de Engenharia e Transformação, S. A., que se encontram em execução, ou em contratos do mesmo género que aguardam aprovação;
[) O Iberornoldes — Instituto de Tecnologia de Moldes, ACE, recebe apoios do Fundo Social Europeu; m) As sociedades CELETRO, L.<°, Edilásio Carreira da Silva, L.*, Iber-Oleff, S. A., e Portumolde, L."", além dos contratos já celebrados, aguardam a aprovação de novos contratos;
n) O Iberornoldes — Instituto de Tecnologia de Moldes, ACE, também pretende continuar a receber apoios do FSE.
II — Enquadramento Jurídico
A Lei n.° 24/95, de 18 de Agosto, estabelece, no seu artigo 21.°, n.° 3, alínea a), que é vedado aos Deputados, no exercício de actividades de comércio ou indústria, por si ou entidade em que detenham participação, celebrar contratos com o Estado e outras pessoas colectivas de direito público.
Por seu lado, o artigo 26." da mesma lei, ao regular o registo de interesses, considera especialmente susceptíveis de gerarem incompatibilidades ou impedimentos «os apoios ou benefícios financeiros ou materiais recebidos para o exercício das actividades respectivas, designadamente de entidades estrangeiras» [n.° 3, alínea c)].
A questão consiste, pois, em saber se, no caso do Sr. Deputado Henrique Neto, estamos ou não perante contratos celebrados com o Estado ou pessoas colectivas de direito público no exercício de actividades de comércio ou indústria e se os mesmos se traduzem (ou não) no recebimento de apoios ou benefícios financeiros ou materiais para o exercício das respectivas actividades.
Antes de mais, parece-nos pertinente separar os contratos celebrados com o IAPMEI dos apoios recebidos do Fundo Social Europeu.
Comecemos, pois, pelos contratos celebrados com o IAPMEI, no âmbito do PEDIP.
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Nos termos da carta-contrato que a empresa envia ao
IAPMEI. verifica-se que a relação daí decorrente tem por
objecto a concessão de um incentivo para aplicação na execução de um determinado projecto de investimento. Tal relação é minuciosamente regulada através de diversas cláusulas negociadas entre as partes: a cláusula 1.', depois de indicar o objecto do contrato, fixa o montante global do investimento; a cláusula 2.a, estipula sobre o montante do financiamento e as aplicações relevantes; a cláusula 3.*, sobre a componente de formação profissional; a cláusula 4.a, sobre pagamentos, admitindo-se que alguns dos pagamentos possam ser feitos contra a prestação de garantia bancária, sempre que esta for exigível; a cláusula 5.°, sobre as condições específicas de utilização do subsídio; a cláusula 6.*, sobre o acompanhamento e fiscalização do cumprimento das obrigações resultantes do contrato; a cláusula 7." enumera outras obrigações que impendem sobre a empresa promotora do investimento ou do projecto; a cláusula 8.° determina quem suporta os encargos com o contrato; a cláusula 9." prevê a hipótese de suspensão do contrato; a cláusula 10.* prevê a possibilidade de renegociação do mesmo; a cláusula 11 .* admite a possibilidade de cessão da posição contratual, mediante autorização ministerial; a cláusula 12.° ocupa-se da rescisão, e a cláusula 13." do início da vigência do contrato, que faz coincidir com a data da aceitação pelo IAPMEI.
O facto de as partes designarem este acto jurídico por «contrato» não seria suficiente para que lhe atribuíssemos natureza contratual. Mas, no caso em apreço, parece estarem efectivamente presentes os requisitos que justificam a sua qualificação como contrato.
No dizer do Prof. Doutor João de Matos Antunes Varela (Das Obrigações em Geral, 2." ed., vol. i, p. 197), o contrato é um acordo vinculativo, assente sobre duas ou mais declarações de vontade (oferta ou proposta, de um lado, aceitação, do outro), substancialmente distintas, mas correspondentes, que visam estabelecer uma regulamentação unitária de interesses contrapostos mas harmónicos entre si. E neste conceito o autor expressamente acolhe os chamados «contratos normativos» ou «contratos tipo» e os «contratos de adesão».
Os contratos celebrados entre as empresas a que se encontra ligado o Sr. Deputado Henrique Neto não só correspondem à noção anteriormente apresentada como evidenciam os aspectos fundamentais do princípio da liberdade de contratar a liberdade de celebração, a liberdade de selecção do tipo contratual e a liberdade de estipulação, como ensina o Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida Costa (in Direito das Obrigações, p. 185).
E sobre a distinção entre liberdade de celebração e liberdade de estipulação, o Prof. Doutor António Menezes Cordeiro é particularmente elucidativo quando escreve que a primeira é a possibilidade, por parte dos particulares, de actuar in concreto, de modo a provocar efeitos jurídicos, v. g. celebrar ou não um contrato, enquanto a segunda, a liberdade de estipulação, é a possibilidade que os privados têm de determinar concretamente os efeitos jurídicos a produzir, v. g. através da escolha do conteúdo do contrato a celebrar (v. Direito das Obrigações, vol. 1, p. 122).
Nos contratos em apreço, não só a empresa promotora tinha a possibilidade de celebrar ou não o contrato, como lhe assistiu ainda o direito de-conformar o seu conteúdo, ao menos parcialmente.
Do ponto de vista jurídico, outra questão que se põe é a da admissibilidade de contratos de direito público. Há muito se generalizou na doutrina a ideia de que nenhuma razão
jurídica se opõe à aceitação da figura do comato de direito
público (v. Inocêncio Galvão Telles, in Manual dos Contratos em Geral, 3* ed., p. 47).
Hoje, não só a lei admite a realização de contratos entre o Estado (ou qualquer outra pessoa colectiva de direito público) e os particulares, como a generalidade da doutrina administrativística procede à sua caracterização teórica.
Sobressai, antes de mais, a lição sempre actual de Marcello Caetano, que, nas várias edições do seu Manual de Direito Administrativo, nunca deixou de abordar pacificamente a matéria dos contratos de direito público, dizendo, nomeadamente, que este tipo de contratos «nasce do encontro de vontades, resulta de verdadeiro acordo livre sobre um objecto determinado», para, logo a seguir, afirmar, peremptório, «nenhum dos sujeitos considera definida e constituída a relação sem se verificar o mútuo consenso». E conclui: «Este contrato [o contrato de direito público] integra-se no género a que pertence o contrato civil e define-se pelos mesmos elementos essenciais: capacidade dos contraentes, mútuo consenso, objecto possível» (v. Manual, 5." ed., p. 278, e 9." ed., pp. 569 e segs.).
Na esteira de Marcello Caetano, embora com as especificidades próprias de um pensamento autónomo e mais próximos dos nossos dias, seguem Diogo Freitas do Amaral e J. Sérvulo Correia. Para este professor da Faculdade de Direito de Lisboa, «a manifestação de vontade da Administração [...] pode assumir as figuras do acto administrativo ou do contrato administrativo» (in Noções de Direito Administrativo, p. 382).
Diogo Freitas do Amaral, depois de referir que «normalmente, a Administração Pública actua por via de autoridade e toma decisões unilaterais, isto é, pratica actos administrativos», acrescenta que «muitas vezes, porém, a Administração Pública actua de outra forma, desta feita em colaboração com os particulares, usando a via do contrato» (v. Direito Administrativo, vol. m, p. 417).
Depois de tomar posição clara a favor da admissibilidade do contrato no âmbito do direito público {ob. cit, p. 420), Freitas do Amaral ultrapassa o quadro clássico das principais espécies de contratos administrativos (v. g. empreitada de obras públicas, concessão de obras públicas, concessão de serviços públicos, concessão de uso privativo do domínio público, concessão de exploração de jogos de fortuna ou azar, fornecimento contínuo, prestação de serviços, onde se incluem o contrato de transporte e o contrato de provimento), admitindo outras espécies de contratos administrativos, de que dá os seguintes exemplos: contratos de concessão de exploração de bens do domínio público, contratos de fomento da exportação, contratos de desenvolvimento da habitação, «contratos-programa» (ob. cit., p. 452). A estes exemplos podemos acrescentar os contratos agora em questão, celebrados entre a Administração Pública e as empresas, no âmbito do PEDIP.
Sobre a qualificação da relação que se estabeleceu entre as empresas a que se encontra ligado o Sr. Deputado Henrique Neto e o IAPMEI, como relação contratual e quanto à sua admissibilidade no domínio do direito público, parece não subsistirem, pois, quaisquer dúvidas.
Para um melhor enquadramento jurídico da questão tem ainda interesse deixar registados os traços mais salientes do regime jurídico do Programa Estratégico de Dinamização e Modernização da Indústria Portuguesa (PEDIP n), que consta do Decreto-Lei n.° 177/94, de 27 de Junho, e de outros diplomas legais.
Logo no preâmbulo do Decreto-Lei n.° 177/94 se afirma que, com este programa de incentivos, se pretende «apoiar
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de forma selectiva a actuação das empresas nacionais» e o artigo 12.°, sob a epígrafe «Incentivos», admite que estes possam «ser graduados em função da verificação de critérios de selecção», que «os montantes dos incentivos poderão ser excedidos em situações devidamente justificadas, mediante despacho do Ministro da Indústria e da Energia» e, finalmente, que «o montante total do incentivo a conceder [...] não poderá exceder, no caso de entidades com fins lucrativos, dois terços do custo total do incentivo».
O artigo 18.° do mesmo diploma estabelece que o acompanhamento, controlo e fiscalização do programa compete, em primeiro nível, aos organismos e serviços competentes do Ministério da Indústria e Energia e o artigo 20.° deixa claro que a cobertura orçamental do PEDIP II será assegurada não só por verbas comunitárias mas também pelas verbas do Orçamento do Estado e do orçamento da segurança social.
Por seu lado, a Resolução do Conselho de Ministros n.° 50/94, de 1 de Julho, que define e caracteriza os sistemas de incentivos e os regimes de apoio integrados no PEDIP D, no seu ponto ra, dispõe que «a regulamentação técnica dos sistemas, regimes de apoio e acções de natureza voluntarista previstos na presente resolução é aprovada por despacho do Ministro da Indústria e Energia ou por despacho, conjunto deste e de outros ministros competentes em razão da matéria, se for o caso».
E o Despacho Normaüvo n.° 545/94, de 29 de Julho, veio regulamentar o Sistema de Incentivos a Estratégias de Empresas Industriais (SINDEPEDIP). O seu artigo 9.° regula a apresentação de candidaturas; o artigo 15.° estabelece que a decisão sobre os pedidos de atribuição de incentivos é da competência do Ministro da Indústria e da Energia; o artigo 16.° prevê que a formalização da concessão do incentivo se faça através de contrato; o artigo 17." ocupa-se do modo de pagamento dos incentivos, estabelecendo no seu n.° 3 que «a forma de pagamento [...] será definida por despacho do Ministro da Indústria e Energia, podendo ser previstos adiantamentos».
O regime completa-se com o despacho conjunto dos Ministros da Indústria e Energia e do Emprego e da Segurança Social de 29 de Julho de 1994, sobre apoios do Fundo Social Europeu no âmbito do PEDIP n.
Questão particularmente complexa seria a de delimitar com rigor o âmbito de aplicação temporal da Lei n.° 24/95, de 18 de Agosto, no caso de contratos de execução continuada. O problema, porém, perde autonomia e pertinência em face da já apurada matéria de facto, ou seja, que as empresas de que é administrador ou gerente o Sr. Deputado Henrique Neto têm pendentes pedidos de contratos no âmbito do PEDD?, que aguardam aprovação'do IAPMEI, e que tencionam candidatar-se, no futuro, a novos apoios.
Diversa parece ser a relação que intercede entre o Iberomoldes — Instituto de Tecnologia de Moldes, ACE, e o Fundo Social Europeu.
Com efeito, analisando a estrutura da relação que se estabelece naqueles casos, chega-se à conclusão de que a situação está mais próxima da relação entre o Estado e um particular, em caso de atribuição de um subsídio, do que de uma relação contratual. Não só não há a celebração de qualquer contrato como não existe negociabilidade sobre o conteúdo do acto. O Estado (ou o Fundo Social Europeu) prefigura as condições ou requisitos para a atribuição de verbas e, uma vez preenchidos esses requisitos, concede o apoio. É verdade que pode fiscalizar a aplicação das verbas e pedir responsabilidade aos beneficiários, mas tudo isso se „ desenvolve no âmbito dos poderes unilaterais da Administração Pública e não no quadro de qualquer contrato.
O bem fundado deste entendimento decorre, aliás, das diferenças de regime que a lei estabelece consoante o tipo de apoio que está em causa.
No caso dos apoios concedidos no âmbito do PEDIP, o Decreto-Lei n.° 177/94, de 27 de Junho, está claramente concebido na óptica do contrato. Não só estabelece, non." 1 do artigo 14.°, que a concessão dos incentivos será formalizada por contrato, de acordo com uma minuta tipo previamente homologada pelo ministro competente, mas admite, no n.° 2 do mesmo artigo, que o contrato possa ser objecto de renegociação ou, nos termos do n.° 3, objecto de cessão. E o artigo 15." do citado diploma regula as condições em que o IAPMEI poderá rescindir unilateralmente o contrato em caso de incumprimento por parte do promotor.
Ora, o esquema legal previsto para a concessão de apoios pelo Fundo Social Europeu é completamente diferente. Com efeito, nos termos do Decreto Regulamentar n.° 15/94, de 6 de Julho, os apoios ao emprego e formação profissional a conceder no âmbito da vertente Fundo Social Europeu do Quadro Comunitário de Apoio têm por fonte uma decisão da entidade gestora, que deverá ser notificada à entidade promotora (cf. artigo 17.° do citado decreto regulamentar). Esta tem o prazo de 15 dias para assinar o termo de aceitação e remetê-lo à entidade promotora (cf. artigo 18.°). Posteriormente, a entidade promotora pode rever a decisão (cf. artigo 25.°) ou revogá-la (cf. artigo 33.°). E o artigo 30.° prevê ainda que dos actos praticados por entidades gestoras de programas-quadro cabe recurso necessário para o Ministro do Emprego e da Segurança Social.
Assim: onde, no PEDIP, tínhamos um contrato, aqui, no Fundo Social Europeu, temos uma decisão unilateral, onde tínhamos-renegociação do contrato, aqui temos revisão da decisão, onde tínhamos rescisão do contrato por incumprimento, aqui temos revogação da decisão, onde era possível a cessão da posição contratual, aqui temos uma posição pessoal e intransmissível, onde tínhamos a discussão contenciosa das questões emergentes de um contrato, aqui, no Fundo Social Europeu, temos o recurso hierárquico necessário.
Não há, pois, dúvida de que o legislador concebeu o regime de concessão de apoios, no âmbito, do Fundo Social Europeu, na óptica do acto administrativo, da relação Administração Publica-particular, o que nos parece perfeitamente justificado em face dos fins de interesse público que com esses apoios visa prosseguir emprego e formação profissional.
ID — Apreciação ético-política
A apreciação dos factos numa óptica ético-política supõe, antes de mais, uma clara tomada de posição sobre os fins e os valores que a Lei n.° 24/95, de 18 de Agosto, pretendeu acautelar.
Temos por líquido que a mencionada lei pretendeu fundamentalmente o seguinte:
a) Salvaguardar a liberdade e isenção do Deputado no exercício das suas funções, máxime da sua função de fiscalização em relação ao Govemo e à Administração Pública em geral;
b) Impedir que o Deputado possa servir-se do seu cargo para obter vantagens especiais para si, seus parentes próximos ou entidades a que se encontra ligado;
c) Evitar que o Deputado, no exercício de qualquer actividade, se cruze com dinheiros públicos.
Ora, na situação em apreço, verifica-se que o facto de o Sr. Deputado Henrique Neto ter celebrado contratos com
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uma pessoa colectiva de direito público, em representação de empresas de que é administrador, põe potencialmente em causa o prosseguimento dos fins da lei. A conclusão apresenta-se flagrante quando, nos termos da cláusula 6.* dos contratos celebrados com o IAPMEI, o Sr. Deputado pode vir a estar simultaneamente na situação de entidade fiscalizadora da actividade da Administração Pública, como Deputado, e na situação de fiscalizado, na qualidade de administrador ou gerente das sociedades promotoras.
Acresce que, da análise do regime jurídico do PEDD? JJ, que, no essencial, foi referido anteriormente, se retira que, em diversas situações, o beneficiário dos incentivos, quer nos preliminares do contrato quer durante a sua execução, se encontra numa relação subjectiva com os poderes públicos ou numa relação objectiva com verbas do Orçamento do Estado — tudo propício a que, sendo Deputado, aí possa exercer a sua influência em benefício próprio ou da empresa que representa.
Admitimos que, residualmente, o Deputado pequeno industrial ou comerciante, ou o Deputado pequeno agricultor, possa vir a receber alguns apoios nas mesmas condições em que os recebe qualquer cidadão comum, se da análise de cada caso concreto resultar que, pela sua exiguidade ou pelo carácter de excepção, tais apoios não têm relevância para pôr em causa a sua independência ou isenção e que em caso algum lhe foram concedidos em atenção à sua qualidade de Deputado ou por força de influências que nessa qualidade tenha exercido.
IV — Conclusões
1 — As relações que existem entre as sociedades a que o Sr. Deputado Henrique Neto se encontra ligado, como administrador ou gerente, e o IAPMEI são relações contratuais, formal e substancialmente.
2 — Os apoios recebidos do Fundo Social.Europeu pelo Iberomoldes — Instituto de Tecnologia de Moldes, ACE, de que o Sr. Deputado Henrique Neto é presidente, não configuram contratos.
3 — Só a primeira situação gera, pois, o impedimento da alínea a) do n.° 3 do artigo 21.° do Estatuto dos Deputados, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 24/95, de 18 de Agosto.
4 — Dada, porém, a legitimidade das dúvidas apresentadas pelo Sr. Deputado Henrique Neto, deverá ser-lhe concedido o prazo de 30 dias para pôr termo ao impedimento pela suspensão ou renúncia ao cargo de administrador daquelas empresas ou ao mandato de Deputado.
Tal é, salvo melhor, o meu parecer.
Palácio de São Bento, 20 de Junho de 1996. — O Deputado Relator, Correia de Jesus. — O Deputado Presidente, Mário Videira Lopes.
Parecer n.* 15/96 —Sobre a prestação de serviços profissionais a sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos.
1 — O Sr. Deputado Jorge Rato colocou à Comissão Parlamentar de Ética a seguinte questão: sendo funcionário da Companhia de Seguros Fidelidade, S. A., empresa do grupo Caixa Geral de Depósitos, e, por via disso, sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos, e tendo sido sondado para a possibilidade de poder continuar a prestar serviços pontuais remunerados, à hora, a essa mesma em-
presa, pretende ver esclarecida a questão da compatibilidade desses serviços com o exercício do mandato de Deputado da Assembleia da República.
2 — 0 artigo 21.° da Lei n.° 7/93, de 1 de Março, com a redacção que lhe foi dada na Lei n.° 24/95, de 18 de Agosto, dispõe, no seu n.° 1, «que. os Deputados podem exercer outras actividades desde que não incompatíveis com o disposto no números seguintes, devendo comunicá-las, quanto à sua natureza e identificação, ao Tribunal Constitucional».
Dos números seguintes resulta que, para além das incompatibilidades que decorrem do artigo 20." do Estatuto dos Deputados, referentes à titularidade de outros cargos políticos e altos cargos públicos, e das que decorram de lei especial, são ainda incompatíveis com o exercício do mandato de Deputado à Assembleia da República:
a) A titularidade de membro de órgão de pessoa colectiva pública e, bem assim, de órgão de sociedade de capitais exclusiva ou maioritariamente públicos ou de concessionário de serviços públicos;
b) A prestação de serviços profissionais, de consultadoria, assessoria e patrocínio a pessoas colectivas públicas, a concessionários de serviços públicos ou a empresas concorrentes a concursos públicos e servir de perito ou árbitro, a título remunerado, em qualquer processo em que sejam parte o Estado e demais pessoas colectivas de direito público;
c) Cargos de nomeação governamental não autorizados pela Comissão Parlamentar de Ética.
3 — Excluídas, no caso em apreço, as previsões referidas nas alíneas a) e c), o que está em causa é tão-só a prestação de serviços profissionais regulada na alínea b) do n.° 2 do artigo 21.° do Estatuto dos Deputados.
Aí se dispõe que tais serviços são incompatíveis com o exercício do mandato de Deputado da Assembleia da República quando prestados a pessoas colectivas públicas, a concessionários de serviços públicos ou a empresas concorrentes a serviços públicos.
4 — A Companhia de Seguros Fidelidade, S. A„ é uma sociedade anónima cujo capital social pertence maioritariamente à Caixa Geral de Depósitos, que, por sua vez, é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos.
A propósito da natureza de uma empresa com características basicamente semelhantes à Companhia de Seguros Fidelidade, concluiu esta Comissão Parlamentar de Ética estar perante uma sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos, mas, indubitavelmente, de direito privado, cuja organização e funcionamento se encontram regulados no Código das Sociedades Comerciais (v. parecer n.° 7/96, a propósito da natureza e estatutos da SOPORCEL, S. A., e respectivas declarações de voto).
Não sendo relevante para a aplicação da norma em apreço averiguar a titularidade do capital social, mas tão-só da natureza pública ou privada da Companhia de' Seguros Fidelidade, S. A., obviamente se conclui pela sua natureza de sociedade de direito privado.
5 — Por outro lado, a sociedade em referência dedica-se a um ramo de actividade (seguros) que não constitui nenhum serviço público, tal como esta expressão é pacificamente entendida na doutrina administrativa. E muito menos essa actividade resulta de qualquer concessão por parte do Estado.
6 — A Companhia de Seguros Fidelidade, S. A., não é, pois, uma pessoa colectiva pública nem uma empresa concessionária de serviço público e, portanto, nestas condições,
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não se verificaria nunca o impedimento previsto no artigo 21.", n.° 2, alinea b), do Estatuto dos Deputados.
7 — Pode, todavia, como aliás acontece com qualquer outra empresa, concorrer a concursos públicos.
E sabe-se que isso até acontece por vezes, designadamente quando o Estado ou outra pessoa colectiva de direito público abrem concursos para a adjudicação de um ou de vários seguros em que estejam interessados.
8 — 0 problema que se coloca no caso vertente é, assim, o de esclarecer se um Deputado está ou não impedido de prestar serviços profissionais a uma empresa que potencial ou efectivamente concorre a concursos públicos.
A resposta terá de basear-se na natureza ou no âmbito dos serviços prestados.
Se estes se relacionam, seja de que modo for,' com a participação da empresa nestes concursos, é então evidente que não poderá fazê-lo.
Valem, a este propósito, as considerações ético-políticas que esta Comissão vem defendendo na generalidade dos pareceres que tem elaborado e aprovado no que concerne à salvaguarda das hipóteses de o Deputado poder, eventualmente, servir-se do seu cargo para obter vantagens especiais para si ou para pessoas ou entidades a que se encontra ligado e de, no exercício de qualquer actividade, se cruzar com dinheiros públicos.
Mas se os serviços profissionais em causa não se relacionam com a participação da empresa em concursos públicos, então nada impede que os preste.
Em nosso entender, é, pois, esta a ratio legis do preceito normativo em referência.
9 — Ora, o caso apresentado pelo Sr. Deputado Jorge Rato insere-se nesta segunda vertente, tanto quanto esta Comissão pôde apurar.
Assim sendo, é de concluir que a prestação pelo Sr. Deputado de serviços profissionais à Companhia de Seguros Fidelidade, S. A., não é incompatível com o exercício do seu mandato à Assembleia da República em regime de acumulação, já que esses serviços nunca terão nada a ver com a participação da empresa em concursos públicos.
Faz-se notar, porém, a existência do dever legal de declarar o exercício de tais actividades ao Tribunal Constitucional, nos termos do n.° 1 do artigo 21.* do Estatuto dos Deputados, com a redacção qué lhe foi dada na Lei n.° 24/ 95, de 18 de Agosto, bem como de inscrevê-las no registo de interesses criado na Assembleia da República por força do artigo 26.° do mesmo diploma.
Tal é, salvo melhor opinião, o meu parecer.
Palácio de São Bento, 20 de Junho de 1996. — O Deputado Relator, António Filipe. — O Deputado Presidente, Mário Videira Lopes.
Parecer n.e 16/96 —Sobre a situação do Deputado Carlos Marta enquanto presidente da Associação de Futebol de Viseu.
I — Situação factual
1 —Por carta de 10 de Novembro de 1995 veio o Sr. Deputado Carlos Marta solicitar ao presidente desta Comissão parecer sobre se existem ou não incompatibilidades ou impedimentos no exercício simultâneo do seu mandato de Deputado e da função de presidente da Associação de Futebol de Viseu, função que frisa exercer sem remuneração.
2 — Mais informou o Sr. Deputado que o financiamento da Associação consiste, sobretudo, em taxas das actividades desportivas, receitas dos jogos e subsídios da Federação Portuguesa de Futebol, recebendo ainda apoios provenientes do Totobola. Afirmou ainda que a Associação a que preside preenche os requisitos necessários para poder celebrar contratos-programa com o INDESP, nos termos dos artigos 11.°, 27.° e 34.° da Lei de Bases do Sistema Desportivo.
Referiu também que a Associação de Futebol de Viseu reúne condições para auferir subsídios das autarquias locais, bem como do governo civil.
n —Situação jurídica
1 — A Associação de Futebol de Viseu, enquanto agrupamento de clubes desportivos, tem por fim, à semelhança de outras associações desportivas, a promoção, regulamentação e direcção da prática do futebol no distrito de Viseu e a representação dos seus associados e do futebol regional ou distrital, sendo filiada na Federação Portuguesa de Futebol.
2 — Dos estatutos e do regulamento da Associação de Futebol de Viseu não resulta, directamente, tratar-se de uma pessoa colectiva sem fins lucrativos. No entanto, uma análise mais aprofundada permite-nos concluir que, seja pelos seus fins, seja pela estrutura funcional, seja ainda pelo estatuto de utilidade pública de que a Associação é dotada, tudo aponta para um agrupamento de clubes sem intuito lucrativo.
3 — Por outro lado, resulta não existir o órgão «presidente», mas sim uma direcção, composta por sete membros, de entre os quais três formam a comissão executiva de que o Sr. Deputado Carlos Marta é presidente. À direcção são atribuídos, cumulativamente, poderes executivos (de gerência social, administrativa e financeira) e de representação (artigo 37.° dos estatutos).
4 — Entre as competências da direcção encontram-se, nomeadamente, a representação, a administração dos fundos da Associação, a elaboração do orçamento ordinário e dos orçamentos suplementares e o auxílio aos sócios ordinários, de harmonia com os fundos disponíveis.
5 — De acordo com o artigo 37.°, § 1, o presidente exercerá a representação da Associação de Futebol de Viseu, excepto em caso de deliberação em contrário da direcção, competindo-lhe especialmente convocar e dirigir as reuniões da direcção e da comissão executiva, representar a direcção em todos os actos em que deva comparecer e assinar, juntamente com o tesoureiro, os cheques, documentos, contratos ou outros títulos de que resultem para a Associação obrigações de carácter financeiro (artigo 42.°).
6 — Cumpre-nos, pois, apreciar estes factos à luz do disposto nos artigos 21." e seguintes do Estatuto dos Deputados, com a redacção dada pela Lei n.° 24/95, de 18 de Agosto, visto a situação em apreço não integrar as actividades incompatíveis previstas no artigo 20.°
7 — 0 artigo 21.°, n.° 3, alínea a), do Estatuto dos Deputados dispõe que é vedado aos Deputados, em regime de acumulação, «no exercício de actividade de comércio ou indústria, por si ou entidade em que detenham participação, celebrar contratos com o Estado e outras pessoas colectivas de direito público, participar em concursos de fornecimento de bens, de serviços, empreitadas concessões, abertos pelo Estado e demais pessoas colectivas de direito público, e, bem assim, por sociedades de capitais maioritária ou exclusivamente públicos ou por concessionários de serviços públicos».
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8 — Não havendo dúvidas quanto à natureza contratual da relação jurídica entre os contratantes, apesar de celebrados no âmbito do direito público, sendo certo que a Associação tem motivos e fundamentos legais para celebrar con-
tratos com o Estado ou outras pessoas colectivas de direito
público, como sejam os contratos celebrados com o INDESP ou com autarquias locais; parecendo claro que, em virtude do cargo de presidente da comissão executiva que ocupa, o Deputado em apreço tem competências alargadas no âmbito da actividade da Associação a que preside, nomeadamente poderes contratuais de estipulação e celebração, resta saber se, a serem celebrados tais contratos, estes integram a previsão do n.° 3 do artigo 21.°, ou seja, cumpre apreciar, por um lado, se pode considerar-se a actividade da Associação de Futebol de Viseu como actividade de comércio ou de indústria, se a celebração de eventuais contratos ocorre no exercício desse tipo de actividade e, por outro, se deve entender-se que é o Deputado, por si ou entidade em que detenha participação, que os celebra.
9 — Nos termos do artigo 2.° do Código Comercial, «serão considerados actos de comércio todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste Código e, além deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário
do próprio acto não resultar».
Por seu lado, o artigo 13.° do mesmo Código estabelece que são comerciantes «as pessoas que tendo capacidade para praticar actos de comércio fazem deste profissão» e também «as sociedades comerciais».
Acresce que o n.° 1 do artigo 14." do Código Comercial proíbe expressamente a profissão do comércio «às associações ou corporações que não tenham por objecto interesses materiais», o que deverá ser estendido, segundo o Prof. Doutor Oliveira Ascensão, às pessoas colectivas de fim interessado mas não económico (in Lições de Direito Comercial, p. 223).
Ora, a Associação de Futebol de Viseu é uma pessoa colectiva de direito privado sem intuito lucrativo, logo não tem como objecto social principal actos de comércio, mas sim o desenvolvimento do futebol como modalidade desportiva.
10 — Os contratos-programa celebrados com o INDESP, bem como outros contratos celebrados com outras pessoas colectivas de direito público, têm como objecto a concessão de comparticipações financeiras ou subsídios às associações desportivas dotadas de utilidade pública, mediante a observância de requisitos como, por exemplo, a apresentação de programas de desenvolvimento desportivo e sua caracterização pormenorizada, especificação de formas, meios e prazos para cumprimento, apresentação dos custos e aferição dos graus de autonomia financeira (artigos 11.°, 27.°, 33.°, 34." e 36." da Lei de Bases do Sistema Desportivo).
Não se trata, pois, de uma comparticipação excepcional, mas sim de uma forma de incentivo e apoio de que beneficiam, em geral e em larga medida, as federações e associações desportivas.
11 — A celebração dos contratos acima indicados não tem, assim, natureza comercial ou industrial. Esta conclusão vale para a óptica subjectiva, pois nenhuma das partes tem a qualidade de comerciante, mas é também válida em termos objectivos, pois a concessão de apoios financeiros não se encontra especificamente regulada no Código Comercial como acto de comércio. Refira-se, porém, que, apesar de o artigo 17.° do Código Comercial negar ao Estado e às autarquias locais a qualidade de comerciante, lhes reconhece expressamente a capacidade para a prática de actos de co-
mércio. Tal consideração em nada altera, no entanto, o facto de o Deputado não estar a agir «no exercício de actividade de comércio».
E é esta —e não outra— a incompatibilidade que foi
visada pelo legislador na letra da lei. Se a apreciação das
situações de incompatibilidade tem de ser feita de forma rigorosa e séria, não podemos, por outro lado, proceder a uma interpretação extensiva da lei, criando incompatibilidades ou impedimentos que não se encontram na sua letra. A liberdade de exercício de funções em regime de acumulação é um direito dos Deputados, pelo que quaisquer limitações legais do mesmo deverão ser interpretadas restritivamente.
12 — Por outro lado, enquanto presidente da comissão executiva, o Sr. Deputado Carlos Marta tem, de facto, poderes de representação da Associação em matéria contratual, não se devendo, no entanto, considerar que «detenha» qualquer «participação» na Associação de Futebol de Viseu, visto tratar-se de uma associação desportiva e não de uma sociedade comercial.
13 — Muito embora a situação em análise não se enquadre nas disposições relativas aos impedimentos, não deixa de ter relevância para efeitos da posição do Deputado face às limitações inerentes ao seu mandato. O n.° 3 do artigo 26.° do Estatuto dos Deputados, ao regular o registo de interesses, considera especialmente susceptíveis de gerarem incompatibilidades ou impedimentos pontuais e subsequentes o «desempenho dé cargos sociais, ainda que a título gratuito», e os «apoios ou benefícios financeiros ou materiais recebidos para o exercício das actividades respectivas [...]» [v. alíneas b) e c)].
14 — Por seu lado, o artigo 27." estabelece especialmente como «causas de eventual conflito de interesses», «serem os Deputados [...] membros de órgãos sociais [...] de sociedades ou pessoas colectivas de fim desinteressado cuja situação jurídica possa ser modificada por forma directa pela lei ou resolução a tomar pela Assembleia da República» [n.° 2, alínea b)], pelo que o Deputado em causa deverá, de acordo com o n.° 1 do artigo 27.°, «quando apresente projecto de lei ou intervenha em quaisquer trabalhos parlamentares, em comissão ou em Plenário, declarar a existência de interesse particular na matéria em causa», ficando assim salvaguardada a situação de um Deputado se encontrar simultaneamente no papel de autoridade e potencial beneficiário.
ID — Apreciação ético-política
1 — Cumpre apreciar a situação em causa e o seu enquadramento jurídico à luz de uma interpretação teleológica das normas relativas a impedimentos £ incompatibilidades do Estatuto dos Deputados, tentando encontrar a verdadeira vontade do legislador ao regular esta matéria.
2 — A Comissão Parlamentar de Ética tem entendido que, ao elaborar a Lei n.° 24/95, de 18 de Agosto, o legislador pretendeu, essencialmente, evitar três situações:
Que a liberdade e isenção do Deputado possa ser prejudicada, nomeadamente no que se refere à sua função fiscalizadora do Governo e da Administração Pública em geral;
Que o Deputado utilize o seu estatuto para obtenção de vantagens especiais para si ou outras pessoas ou entidades a que se encontre ligado;
Que o Deputado, no exercício de qualquer actividade, se cruze com dinheiros públicos.
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3 — São estas as premissas a que deve obedecer qualquer interpretação e integração das disposições legais sobre incompatibilidades e impedimentos. Sucede, porém, que estes principios orientadores não podem ser precludidos pelo principio da certeza jurídica e da interpretação restritiva da lei quando esteja em causa a limitação ou restrição de direitos. O direito e liberdade dos Deputados ao exercício de actividades, profissionais ou não, em regime de acumulação com o seu mandato, só poderá ser cerceado e restringido no exacto limite do texto da lei e, em caso de dúvida, por uma leitura restritiva da mesma. Qualquer interpretação extensiva ou aplicação analógica será de afastar.
Vejamos se os princípios orientadores acima enunciados são cumpridos ao não afastar liminarmente o exercício, em regime de acumulação, do mandato de Deputado e do cargo de presidente da Associação de Futebol de Viseu.
4 — O valor étíco-polítíco de isenção e imparcialidade que o Estatuto dos Deputados pretendeu acautelar parece estar suficientemente salvaguardado pelas obrigações impostas nos artigos 26.° e 27.°, onde estão previstas medidas de prevenção e deveres de comunicação obrigatória perante casos pontuais de impedimentos ou incompatibilidades.
5 — Por seu lado, a preocupação de impedir que o Deputado em causa utilize o seu cargo para benefício próprio não parece, tão-pouco, ser posta em causa, pois os modos de financiamento da Associação enunciados pelo Deputado, como sejam as taxas provindas das actividades desportivas, as receitas dos jogos, os subsídios atribuídos pela Federação Portuguesa de Futebol, os apoios do Totobola e a celebração de contratos-programa com o INDESP, são definidos por diplomas legais, genericamente aplicáveis aos clubes e associações desportivas.
Em particular no que se refere aos contratos-programa a celebrar com o INDESP, trata-se de um tipo de comparticipação financeira por parte do Estado a que têm direito todas as associações desportivas dotadas de utilidade pública, desde que observados determinados requisitos previstos na lei (v. artigos 27.°, 33." e 34.° da Lei de Bases do Sistema Desportivo) e de que beneficiam uma grande percentagem de associações desportivas. O Estado pretende, desta forma, incentivar e apoiar determinadas entidades, que considera serem de utilidade para os cidadãos, não ficando a sua concessão na dependência de quaisquer critérios arbitrários, susceptíveis de serem influenciados, pelo menos directamente, pelo Deputado.
Refira-se, mais uma vez, que sempre que esteja em causa uma iniciativa legislativa que possa suscitar conflitos de interesses, nomeadamente por aquela poder alterar a situação jurídica da Associação, o Deputado estará condicionado pelo artigo 27.° da Lei n.° 24/95, de 18 de Agosto.
6 — Finalmente, cumpre averiguar se a preocupação do legislador em evitar que o Deputado, no exercício de qualquer actividade, lide com dinheiros públicos é acautelada. Esta será, porventura, a premissa menos segura na apreciação do problema colocado pelo Sr. Deputado Carlos Marta. Na verdade, o Deputado em causa, enquanto presidente da Associação de Futebol de Viseu, tem acesso a dinheiros públicos, provenientes, por exemplo, dos contratos-programa. Contudo, tendo em vista o objecto não lucrativo desta entidade e a não distribuição de lucros, bem como a afectação de fundos e comparticipações a fins específicos e determinados, somos levados a crer que o Deputado não poderá, em princípio, utilizar os dinheiros públicos a que tem acesso para proveito próprio ou de outra pessoa, singular ou colectiva a que esteja ligado.
IV — Conclusão
1 — Face ao exposto, sou de parecer que a situação do Sr. Deputado Carlos Marta, no que se refere à titularidade do cargo de presidente da comissão executiva da Associação de Futebol de Viseu, não implica, à partida, qualquer incompatibilidade ou impedimento, nos termos do previsto nos artigos 20.°, 21.° e 21.° da Lei n.° 24/95, de 18 de Agosto.
2 — No entanto, deverá recordar-se ao Sr. Deputado a obrigatoriedade de observância do disposto nos artigos 2ó!° e 27.° do Estatuto dos Deputados. Esta norma prevê um dever de comunicação, por parte do Deputado, do conflito pontual de interesses que existe quando, em sede de Comissão ou de Plenário, esüverem em causa iniciativas legislativas ou de resolução que possam alterar a situação jurídica da Associação de que o Sr. Deputado Carlos Marta é presidente da comissão executiva.
Lisboa, 20 de Junho de 1996. — O Deputado Relator, Paulo Portas.—O Deputado Presidente, Mário Videira Lopes.
Parecer n.9 17/96 — Sobre a situação do Deputado Macário Correia enquanto presidente da mesa da assembleia geral
da Federação Portuguesa de Ciclismo.
1 — Em carta de 12 de Março de 1996 veio o Sr. Deputado Macário Correia informar esta Comissão que ocupa o cargo de presidente da mesa da assembleia geral da Federação Portuguesa de Ciclismo, enquadrando-se os estatutos desta entidade no regime legal das federações desportivas de utilidade pública (Decreto-Lei n.° 144/93, de 26 de Abril).
Mais informa o Deputado em apreço que a Federação celebra contratos-programa designadamente com o INDESP, com vista ao desenvolvimento da modalidade, faculdade conferida a estas associações pelos artigos 27.°, 33.° e 34." da Lei de Bases do Sistema Desportivo (Lei n.° 1/90, de 13 de Janeiro) e pelo n.° 3 do artigo 11." do citado regime legal das federações desportivas.
2 — A Federação Portuguesa de Ciclismo é uma pessoa colectiva que, integrando agentes desportivos, clubes ou agrupamentos de clubes, se constituiu sob a forma de associação sem fim lucrativo, tendo essencialmente como objectivos promover, regulamentar e dirigir a prática do ciclismo em todas as suas especialidades, representar perante a Administração Pública os interesses dos seus filiados e do ciclismo em geral, representar a modalidade junto de organizações congéneres internacionais e promover a ética e a lealdade na prática do ciclismo.
3 — Nos termos do artigo 27.° dos estatutos da Federação, é da competência da mesa dirigir as reuniões da assembleia geral. Ao presidente da mesa da assembleia geral compete, em particular, a convocação das reuniões, a sua orientação, bem como a direcção e disciplina dos trabalhos e demais funções que lhe sejam atribuídas pelos estatutos ou pelo regulamento interno da própria assembleia e pelas deliberações desta.
4 — De acordo com informações prestadas pelo Sr. Deputado Macário Correia a esta Comissão, o presidente da mesa da assembleia geral não interfere seja nas decisões tomadas em assembleia geral seja nos contratos celebrados com entidades públicas ou privadas.
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5 — No que diz respeito aos contratos-programa celebrados com o INDESP com vista à obtenção de comparticipações financeiras públicas, o Deputado em causa afirma ter mero conhecimento da sua existência, não interferindo ou participando na celebração dos mesmos.
6 — Cumpre-nos, pois, apreciar estes factos à luz do disposto nos artigos 21." e seguintes do Estatuto dos Deputados, com a redacção dada pela Lei n." 24/95, de 18 de Agosto, visto que a situação em apreço não integra as actividades incompatíveis previstas no artigo 20.°
' 7 — Em causa estão os contratos celebrados entre a Federação e o Estado ou outras entidades de direito público e, em particular, os contratos-programa celebrados com o LNDESP, pessoa colectiva de direito público, para obtenção de comparticipações. Reza a alínea a) do n.° 3 do artigo 21.° do Estatuto dos Deputados que é vedado aos Deputados, em regime de acumulação, «no exercício de actividade de comércio ou indústria, por si, ou entidade em que detenham participação, celebrar contratos com o Estado e outras pessoas colectivas de direito público, participar em concursos de fornecimento de bens, de serviços, empreitadas concessões, abertos pelo Estado e demais pessoas colectivas de direito público, e, bem assim, por sociedades de capitais maioritária ou exclusivamente públicos ou por concessionários de serviços públicos».
' 8 — Não restando qualquer dúvida quanto à natureza de pessoa colectiva de direito público do LNDESP nem quanto à natureza contratual da relação jurídica entre os contratantes, apesar de celebrados no âmbito do direito público, coloca-se a questão de saber se, por um lado, pode considerar-se a actividade da Federação Portuguesa de Ciclismo como actividade de comércio ou de indústria, se a celebração dos contratos-programa ocorre no exercício desse tipo de actividade, e, por outro, se deve entender-se que é o Deputado, por si ou entidade em que detenha participação, que os celebra.
9 — Não parece ser de considerar qualquer dessas hipóteses. Se não, vejamos:
Nos termos do artigo 2." do Código Comercial, «serão considerados actos de comércio todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste Código e, além deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio acto não resultar». Por seu lado, o artigo 13." do mesmo Código estabelece que são comerciantes «as pessoas que, tendo capacidade para praticar actos de comércio, fazem deste profissão» e também «as sociedades comerciais».
Todavia, a Federação Portuguesa de Ciclismo é uma pessoa colectiva de direito privado sem intuito lucrativo, não tendo como objecto social principal a actividade de comércio, mas sim o desenvolvimento do ciclismo como modalidade desportiva.
Por outro lado, os contratos-programa celebrados com o INDESP têm como objecto a concessão de comparticipações financeiras às associações desportivas dotadas de utilidade pública, mediante a observância de requisitos legalmente previstos (v. artigos 27°, 33." e 34.° da Lei de Bases do Sistema Desportivo).
Os contratos celebrados com o INDESP não têm, quer subjectivamente, em função da qualidade de comerciante das partes, quer objectivamente, em função dá sua tipificação como tal na lei, natureza comercial. Refira-se, porém, que, apesar de o artigo 17.° do Código Comercial negar ao Estado e às autarquias locais a qualidade de comerciante, lhes reconhece, expressamente, a capacidade para a prática de
actos de comércio; tal consideração em nada altera, no entanto, o facto de o Deputado não estar a agir «no exercício de actividade de comércio», a incompatibilidade que a lei pretende prevenir.
Enquanto presidente da mesa da assembleia geral, não se pode considerar que o Sr. Deputado Macário Correia «detenha» qualquer «participação» na Federação Portuguesa de Ciclismo, pois não se trata de uma sociedade comercial mas sim de uma associação de direito privado sem fins lucrativos.
Finalmente, o cargo que ocupa nem sequer confere ao Deputado em apreço poderes para estipular os termos ou celebrar os contratos, quer com o INDESP quer com quaisquer outras entidades, em representação da Federação. A presidência da assembleia geral é um cargo representativo e de coordenação, mas não executivo nem deliberativo.
10 — Podemos, assim, concluir que a acumulação de actividades pelo Sr. Deputado Macário Correia não comporta, em princípio, impedimentos ou incompatibilidades.
As preocupações do legislador ao regular esta matéria vão no sentido de salvaguardar a liberdade e isenção do Deputado no exercício do seu mandato, não permitindo que se coloque em simultâneo no papel de potencial beneficiário e fiscalizador, impedir que se criem situações em que o Deputado utilize o seu mandato para obter vantagens e evitar que o Deputado tenha um acesso privilegiado a dinheiros públicos. Todos estes aspectos estão devidamente acautelados, desde logo, porque o cargo de presidente da mesa da assembleia geral tem funções que não são executivas.
11 — Por outro lado, os seus poderes, ainda que reduzidos, são igualmente limitados pelo disposto nas alíneas b) e c) do n.° 3 do artigo 26.° do Estatuto dos Deputados, que consideram especialmente susceptíveis de gerar incompatibilidades ou impedimentos pontuais o «desempenho de cargos sociais, ainda que a título gratuito», e também os «apoios ou benefícios financeiros ou materiais recebidos para o exercício das actividades respectivas».
12 —Por seu lado, o artigo 27.° estabelece especialmente como «causas de eventual conflito de interesses», «serem os Deputados [...] membros de órgãos sociais [...], de sociedades ou pessoas colectivas de fim desinteressado cuja situação jurídica possa ser modificada por forma directa pela lei ou resolução a tomar pela Assembleia da República», pelo que o Deputado em causa deverá, «quando apresente projecto de lei ou intervenha em quaisquer trabalhos parlamentares em Comissão ou em Plenário, declarar a existência de interesse particular na matéria em causa».
13 — São estes normativos os únicos que podem, eventual e pontualmente, aplicar-se à situação apresentada pelo Sr. Deputado Macário Correia, no caso, naturalmente, de se verificarem as hipóteses previstas na lei.
Conclusão
Face ao exposto, sou de parecer que a situação do Sr. Deputado Macário Correia, no que se refere à titularidade do cargo de presidente da mesa da assembleia geral da Federação Portuguesa de Ciclismo, não implica, à partida, qualquer incompatibilidade ou impedimento, sem prejuízo da obrigatoriedade de observância do disposto nos artigos 26.° e 27.° do Estatuto dos Deputados.
Lisboa, 20 de Junho de 1996.— O Deputado Relator, Paulo Portas. — O Deputado Presidente, Mário Videira Lopes.
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Parecer n.B 16796 — Sobre a situação de compatibilidade do Deputado Gilberto Madall com as (unções que desempenha enquanto presidente da Federação Portuguesa de Futebol.
I — Situação de facto
1—Em carta datada de 7 de Fevereiro de 1996 o Sr. Deputado Gilberto Madail solicitou que esta Comissão se pronunciasse sobre a existência de impedimentos ou incompatibilidades no exercício simultâneo do seu mandato de Deputado e da função de presidente da Federação Portuguesa de Futebol, associação sem fins lucrativos e dotada de utilidade pública desportiva, nos termos da Lei de Bases do Sistema Desportivo (Lei n.° 1/90, de 13 de Janeiro) e do regime jurídico das federações desportivas (Decreto-Lei n.° 144/93, de 26 de Abril).
2 — Na primeira audição, prevista pelo Regulamento desta Comissão, o Sr. Deputado Gilberto Madail declarou que a Federação a que preside celebra vários tipos de contratos, nomeadamente:
Patrocínios para as selecções nacionais de futebol;
Contratos-programa com o Instituto do Desporto (JNDESP), nos termos dos artigos 33.° e 34.° da citada Lei de Bases, para concretização do processo de cooperação técnica e financeira entre as partes contratantes, tendo em vista o desenvolvimento das actividades da Federação, designadamente nas áreas técnica, formativa, administrativa e de apetrechamento logístico;
Acordo para promoção da EXPO 98;
Contratos específicos com o Governo para a organização de provas internacionais de futebol.
0 Sr. Deputado Gilberto Madail considerou ainda que a Federação não tem qualquer intuito lucrativo, seguindo antes o interesse público e utilizando as diferentes fontes de receita para cobrir as despesas inerentes à sua função reconhecida, sendo que os eventuais lucros não são distribuídos mas sim incorporados como reservas.
Indicou ainda poder vir a ser constituída, no futuro, uma sociedade para comercialização dos diversos direitos de imagem a cargo da Federação, nomeadamente dos eventos organizados pela Federação, como sejam os campeonatos nacionais, das diversas categorias e escalões, de Portugal, a Taça de Portugal e os jogos das selecções nacionais.
II — Enquadramento legal
1 — No que se refere à legislação aplicável, relevam a Lei de Bases do Sistema Desportivo (Lei n.° 1/90, de 13 de Janeiro) e o regime jurídico das federações desportivas dotadas do estatuto de utilidade pública (Decreto-Lei n.° 144/ 93, de 26 de Abril). Estes diplomas definem federação desportiva como uma pessoa colectiva que, integrando agentes desportivos clubes ou agrupamentos de clubes, se constitua sob a forma de associação sem fim lucrativo e preencha, cumulativamente, os seguintes requisitos:
Deve prosseguir os objectivos gerais de promover, regulamentar e dirigir, a nível nacional, a prática de uma modalidade desportiva ou modalidades afins, representar perante a Administração Pública os interesses dos seus filiados e representar a sua mo-
dalidade desportiva, ou conjunto de modalidades afins, junto das organizações congéneres estrangeiras ou internacionais; Deve obter a concessão de estatuto de pessoa colectiva de utilidade pública desportiva.
2 — Por seu lado, o artigo 27.° da Lei de Bases do Sistema Desportivo estabelece que só as federações desportivas podem beneficiar de subsídios, comparticipações ou empréstimos públicos, bem como de apoios de qualquer natureza, seja a nível técnico, material ou humano. Prevê-se adiante, nos artigos 33.° e 34.°, o tipo de requisitos a que está subordinada a concessão dos diferentes tipos de apoios, sujeitando-se a atribuição de comparticipação financeira do Estado à celebração prévia de contratos-programa de desenvolvimento desportivo que carecem de publicação oficial.
5 — O artigo 27." do regime jurídico das federações de utilidade pública desportiva e o artigo 42." dos estatutos da Federação Portuguesa de Futebol estabelecem os fins principais desta. Assim, a Federação existe para, nomeadamente, promover, dirigir, incentivar e regulamentar, em todas as especialidades, a prática do futebol, representar perante a Administração Pública os interesses dos seus filiados, representar o futebol português a nível nacional e internacional e organizar e patrocinar a realização de provas internacionais. :
Ao presidente da Federação compete representá-la perante a Administração Pública e todas as demais entidades públicas e privadas, bem como executar a gestão corrente dos negócios da Federação.
'4 — De acordo com o artigo 70.° dos estatutos, consideram-se receitas da Federação Portuguesa de Futebol, entre outras, as quotas de inscrição e transferência de jogadores, os donativos e subvenções, os rendimentos de contratos ou acordos celebrados com quaisquer entidades privadas, bem como as verbas provenientes de contratos-programa celebrados com a Administração Pública, e ainda as receitas provenientes de protocolos a celebrar com o Organismo Autónomo da Federação.
Ill — Apreciação face ao Estatuto dos Deputados
1 — Perante os factos expostos e a legislação aplicável, cumpre, pois, apreciar é emitir opinião sobre a compatibilidade do mandato de Deputado com o exercício do cargo de presidente da Federação Portuguesa de Futebol, à luz do disposto nos artigos 20.° e seguintes do Estatuto dos Deputados, com a redacção dada pela Lei n.° 24/95, de 18 de Agosto.
2 — Podemos desde logo excluir a aplicação do artigo 20.° do Estatuto dos Deputados ao caso vertente, visto que este não integra nenhuma das situações de incompaübi-lidade previstas naquele preceito. De facto, não só o Sr. Deputado Gilberto Madail não é titular de nenhum dos órgãos de soberania ou outros aí referidos, como também não é «membro de conselho de gestão de empresa pública, de capitais públicos ou maioritariamente participadas pelo Estado, e de instituto autónomo».
Devemos, por isso, averiguar se o cargo de presidente da Federação Portuguesa de Futebol e as atribuições que lhe são inerentes constituem impedimentos ao exercício do mandato de Deputado, nos termos dos artigos 21." e seguintes daquele diploma.
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3 — Em causa estão os contratos celebrados entre a Federação e o Estado ou outras entidades de direito público e, em particular:
Os contratos-programa celebrados com o INDESP, que é um instituto equiparado a pessoa colectiva de direito público, para obtenção de comparticipações;
Os contratos de concessão dos direitos de imagem com canais públicos de comunicação social;
Os contratos de patrocínio com pessoas colectivas de direito público ou de capitais maioritariamente públicos, como é o caso da EXPO 98, sociedade anónima de capitais públicos.
4 — Impõe a alínea a) do n.° 3 do artigo 21." do Estatuto dos Deputados que é vedado aos Deputados, em regime de acumulação, «no exercício de actividade de comércio ou indústria, por si ou entidade em que detenham participação, celebrar contratos com o Estado e outras pessoas colectivas de direito público, participar em concursos de fornecimento de bens, de serviços, empreitadas, concessões, abertos pelo Estado e demais pessoas colectivas de direito público, e, bem assim, por sociedades de capitais maioritária ou exclusivamente públicos ou por concessionários de serviços públicos».
5 — Começando pela apreciação da natureza jurídica da relação entre os contratantes, quer no âmbito do contrato--programa com o INDESP quer no de outros contratos com pessoas colectivas de direito público, cumpre assinalar que a doutrina é pacífica no sentido de entender que o contrato consiste num acordo vinculativo, assente sobre duas ou mais declarações de vontade, substancialmente distintas mas correspondentes, que visam estabelecer uma regulamentação unitária de interesses contrapostos mas harmónicos entre si (Prof. Doutor Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, 2° ed., vol. i), independentemente de uma ou ambas as partes ser o Estado ou outra pessoa colectiva de direito público (a doutrina generalizada, entre a qual destacamos o Prof. Doutor Diogo Freitas do Amaral, in Lições de Direito Administrativo, vol. ra, Prof. Marcello Caetano, in Manual de Direito Administrativo e Prof. Inocêncio Galvão Telles, in Manual dos Contratos em Geral, tem entendido, pacificamente, que nada obsta à celebração de contratos entre o Estado — ou outra pessoa colectiva de direito público — e entidades particulares: os denominados «contratos de direito público». Estes contratos contêm todos os elementos que integram o contrato de direito civil, ou seja, capacidade dos contratantes, objecto possível e liberdade de celebração e de estipulação).
Assim, um contrato de direito público, como é o caso dos contratos-programa com o INDESP, contém os elementos essenciais do contrato civil, isto é, a liberdade de estipulação pelas partes, tal como a liberdade de celebração, com vista à produção de efeitos consensuais (Prof. Doutor Diogo Freitas do Amaral, in Direito Administrativo, vol. nj, p. 452).
6 — Cabe agora averiguar se, ao intervir na celebração de contratos do tipo acima indicado, o Sr. Deputado Gilberto Madail agiu, «por si ou enüdade em que detenha participação» e «no exercício de actividade de comércio ou de indústria».
7 — Em primeiro lugar, cumpre esclarecer que, qualquer
que seja a actividade no âmbito da qual o Deputado tenha agido, não o fez por si, mas, quando muito, em representação de uma entidade.
No entanto, prevê a letra da lei que se trate de uma enüdade em que o Deputado detenha participação, o que parece apontar para uma participação no capital de uma estrutura societária, como sejam as quotas ou as acções,
pressupondo um direito a parte do capital social. Ora, no caso em apreço estamos perante uma estrutura do tipo associativo, de direito privado e sem fins lucrativos, não sendo de entender que o estatuto de associado e de titular de órgão associativo consista numa participação.
8 — Cumpre agora averiguar se os contratos foram celebrados «no exercício de actividade de comércio».
Nos termos do artigo 2.° do Código Comercial, «são considerados actos de comércio todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste Código [Código Comercial] e, além deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio acto não resultar».
Ou seja, o Código Comercial vem admitir uma dupla possibilidade de actos de comércio, existindo os actos que são comerciais por estarem previstos no Código Comercial e, como tal, é-lhes atribuído um efeito específico, e os actos que são comerciais por serem praticados por comerciantes, isto é, por quem faz dos actos de comércio a sua profissão.
9 — Analisemos, antes de mais, a óptica objectiva dos contratos celebrados pela Federação com o Estado ou outras pessoas colectivas de direito público.
A doutrina tem entendido que não basta a mera previsão de determinado acto no Código Comercial, só devendo considerar-se comerciais os actos previstos a que seja atribuído um regime especial. Ou seja, é a actividade que deverá ser considerada comercial, não o acto em si (Prof. Doutor Oliveira Ascensão, in Direito Comercial — Parte Geral, pp. 57 e segs.).
O artigo 230." do Código Comercial veio criar uma categoria de actos comerciais objectivos. Tomemos um exemplo de actos que poderiam parecer aplicáveis à Federação em virtude da exploração de provas internacionais: o n.° 4 do artigo 230.° considera comerciais as empresas que se proponham «explorar quaisquer espectáculos públicos». Este artigo visou conferir a determinadas actividades a natureza objectivamente comercial; só de modo derivado é que o empresário é considerado comerciante (ob. cit., pp. 64 e segs. e 125 e segs.)
Vários obstáculos surgem, no entanto, à aplicação desta disposição à Federação. Em primeiro lugar, a Federação não é uma empresa cujo fim, à semelhança das sociedades comerciais, pressupõe o intuito lucrativo (artigos 157.° e seguintes do Código Civil).
Em segundo lugar, a mera exploração de espectáculos não confere, em si, a natureza comercial ao acto. O legislador pretendeu, outrossim, que seja considerada comercial a actividade da empresa, não qualquer acto de exploração por si mesmo. Daí podermos concluir, no mesmo sentido da doutrina expressa nomeadamente pelo Prof. Doutor Oliveira Ascensão, que os actos previstos no artigo 230." do Código Comercial deixam de ser comerciais quando forem meramente acessórios em relação a actividades não comerciais.
Tal será também o caso dos contratos de transmissão celebrados com órgãos de comunicação social, a título meramente complementar e acessório em relação ao objecto principal da Federação — o desenvolvimento da modalidade desportiva.
Cumpre aqui relembrar que estaríamos perante uma verdadeira actividade comercial no caso da venda dos direitos de transmissão, se esta fosse realizada por uma sociedade de comercialização da imagem da Federação, cuja constituição, aliás, o Sr. Deputado Gilberto Madail antevê. Mas a Comissão não aprecia hipóteses, só factos objectivos e presentes.
Não sendo permitida a analogia, nem se vislumbrando a integração dos contratos celebrados pela Federação em ac-
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tividades de comercio (a título de actividade principal, entenda--se), como sejam o penhor, o depósito, o empréstimo, a fiança ou o mandato, está afastada a hipótese de considerar os actos platicados pela Federação como objectivamente comerciais.
10 — Consideremos, pois, a possibilidade de a actividade ser subjectivamente comercial, nos termos da segunda parte do artigo 2.° do Código Comercial.
O artigo 13.° do Código Comercial estabelece quem pode ser comerciante: as pessoas que, tendo capacidade para praticar actos de comércio,' fazem desta profissão (constituem elementos da profissionalidade a habitualidade, o fim lucrativo e a comercialidade substancial dos actos praticados) e também as sociedades comerciais.
A disposição, ao incluir as pessoas, singulares ou colectivas, que «façam profissão» dos actos de comércio, pressupõe uma prática reiterada desses actos com intuito lucrativo. Todavia, como sabemos, a Federação é uma associação sem fins lucrativos, pelo que fica prejudicada a previsão do n.° 1 do artigo 13.° Por outro lado, fica liminarmente afastado o n.° 2 do artigo 13.°, porquanto a Federação não é certamente uma sociedade comercial, de acordo com a tipificação do artigo 1,° do Código das Sociedades Comerciais, mas sim uma pessoa colectiva de direito privado.
De resto, o artigo 17.° proíbe, desde logo, a profissão de comércio às associações que não tenham por objecto interesses materiais, adiantando o Prof. Doutor Oliveira Ascensão que a proibição se estende às associações que tenham fins materiais mas não económicos.
Temos, pois, que os contratos celebrados pela Federação com pessoas colectivas de direito privado também não se inserem na categoria das actividades de comércio em sentido subjectivo.
11 — Cumpre ainda assinalar que os contratos-programa celebrados com o INDESP têm como objecto a concessão de comparticipações financeiras às associações desportivas dotadas de utilidade pública, mediante a observância de requisitos como a apresentação de programas de desenvolvimento desportivo e sua caracterização pormenorizada, a especificação de formas, meios e prazos para cumprimento ou a apresentação dos custos e aferição dos graus de autonomia financeira (artigos 27.°, 33.° e 34.° da Lei de Bases do Sistema Desportivo).
Não se trata, portanto, de uma comparticipação excepcional que p Deputado aufira pela sua qualidade de parlamentar, mas sim uma forma de incentivo e apoio de que beneficiam, em gera) e em larga medida, as federações e associações desportivas, sem distinção quanto aos titulares dos respectivos órgãos associativos.
12—Face ao que acima foi referido, não se poderá considerar que quer os contratos-programa com o INDESP quer os contratos de patrocínio sejam celebrados no «exercício de actividade de comércio», pelo que não integram o disposto na alínea d) do n.° 3 do artigo 21." da Lei n.° 24795, de 18 de Agosto.
13 — No entanto, tendo o legislador previsto a sensibilidade e complexidade deste tipo de situações que se encontram no limiar da previsão legal de impedimento, decidiu estipular o chamado «conflito de interesses». Na verdade, o n.° 3 do artigo 26." do Estatuto dos Deputados considera especialmente susceptíveis de gerar incompatibilidades ou impedimentos pontuais ou subsequentes o «desempenho de cargos sociais, ainda que a título gratuito», e os «apoios ou benefícios financeiros ou materiais recebidos para o exercício das actividades respectivas» [v. alíneas b) e c)].
13 — Por seu lado! o artigo 27.° estabelece especialmente como «causas de eventual conflito de interesses», «serem os Deputados [...] membros de órgãos sociais [...] de so-
ciedades ou pessoas colectivas de fim desinteressado cuja situação jurídica possa ser modificada por forma directa pela lei ou resolução a tomar pela Assembleia da República» [abnea b) do n.° 2], pelo que o Deputado em causa deverá, de acordo com o n.° 1 do artigo 27.°, «quando apresente projecto de lei ou intervenha em quaisquer trabalhos parlamentares, em Comissão ou em Plenário, declarar a existência de interesse particular na matéria em causa», ficando assim clarificada a situação de um Deputado se encontrar simultânea e teoricamente no papel de potencial beneficiário e de autoridade fiscalizadora.
IV — Enquadramento ético-político
1 — Apreciados que foram os factos numa óptica puramente jurídica, cabe analisá-los na dimensão ético-política, tentando apurar se a intenção teleológica do legislador foi alcançada.
A Comissão Parlamentar de Ética tem entendido que, ao elaborar a Lei n.° 24/95, de 18 de Agosto, o legislador pretendeu, essencialmente, evitar três situações:
Que a liberdade e isenção do Deputado possa ser prejudicada, nomeadamente no que se refere à sua função fiscalizadora do Governo e da Administração Pública em geral;
Que o Deputado utilize o seu estatuto para obtenção de vantagens especiais para si ou outras pessoas ou entidades a que se encontre ligado;
Que o Deputado, no exercício de qualquer actividade, se cruze com dinheiros públicos.
2 — São estas as premissas a que deve obedecer qualquer interpretação e integração das disposições legais sobre incompatibilidades e impedimentos. Sucede, porém, que estes princípios orientadores não podem ser precludidos pelo princípio da certeza jurídica e da interpretação restritiva da lei quando esteja em causa a limitação ou restrição de direitos fundamentais. O direito e liberdade dos. Deputados ao exercício de actividades, profissionais ou não, em regime de acumulação com o seu mandato só deverá ser cerceado e restringido no exacto limite do texto da lei e, em caso de dúvida, por uma leitura restritiva da mesma. Qualquer interpretação extensiva ou aplicação analógica será de afastar.
No caso em apreço, encontramo-nos perante uma situação em que a vontade teleológica do legislador não será necessariamente salvaguardada, mas que a letra da lei não nos permite objectivar enquanto impedimento ou incompatibilidade genéricas.
3 — A liberdade e isenção do Deputado em causa não estarão necessariamente limitadas pelo facto de desempenhar o cargo de presidente da Federação Portuguesa de Futebol, porquanto a intervenção do Deputado será devidamente salvaguardada pela obrigatoriedade de comunicação do eventual conflito de interesses previsto nos artigos 27.° e 28."
4 — Quanto ao receio de que o Deputado possa servir-se do cargo para obtenção de vantagens especiais, para si ou para entidade a que se encontre ligado, como é o caso da Federação, remete-se para o acima aludido quanto ao carácter genérico da atribuição de comparticipações por via de contratos-programa com o INDESP. Trata-se de uma forma de incentivo prevista na Lei de Bases do Sistema Desportivo, largamente divulgada entre as federações desportivas com estatuto de utilidade pública, sendo que mais de 70 % des-
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sas entidades beneficiam desses apoios. É, portanto, exagerado e mesmo injusto concluir que, à partida, do exercício do cargo de Deputado possam resultar especiais vantagens para a Federação de que o mesmo é presidente.
5 — Finalmente, cumpre averiguar se a preocupação do legislador em evitar que o Deputado, no exercício de qualquer actividade, lide com dinheiros públicos é acautelada. Esta será, porventura, a premissa que, no caso em apreço, se revela mais insegura, pois o Deputado em causa enquanto presidente da Federação Portuguesa de Futebol, tem acesso a dinheiros públicos, competindo-lhe, inclusivamente, geri--los quando integrem parte das receitas da Federação.
Contudo, tendo em vista o objecto não lucrativo desta entidade, a não distribuição de lucros, bem como a afectação de fundos e comparticipações a fins específicos e determinados, somos levados a crer que o Deputado não poderá, em princípio, utilizar os dinheiros públicos a que tem acesso para proveito próprio ou em benefício lucrativo de outra pessoa, singular ou colectiva, a que esteja ligado.
V — Conclusão
1 — Face ao exposto, sou de parecer que a situação do Sr. Deputado Gilberto Madail no que se refere à titularidade do cargo de presidente da Federação Portuguesa de Futebol não implica, à partida, qualquer incompatibilidade ou impedimento nos termos gerais.
2 — No entanto, deverá recordar-se ao Sr. Deputado a obrigatoriedade de observância do disposto nos artigos 26." e 27.° do Estatuto dos Deputados.. Esta norma prevê um dever de comunicação, por parte do Deputado, do conflito pontual de interesses que existe quando, em sede de Comissão ou de Plenário, estiverem em causa iniciativas legislativas ou de resolução que possam alterar a situação jurídica da Federação a que o Sr. Deputado preside.
Lisboa, 20 de Junho de 1996. — O Deputado Relator, Paulo Portas. — O Deputado Presidente, Mário Videira Lopes.
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