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Sábado, 20 de Julho de 1996

II Série-C — Número 23

DIÁRIO

da Assembleia da República

VII LEGISLATURA

1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1995-1996)

SUPLEMENTO

SUMÁRIO

Provedor de Justiça:

Relatório do Provedor de Justiça à Assembleia da República relativo à actividade do ano de 1994.................. 174-(2)

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174-(2)

II SÉRIE-C — NÚMERO 23

RELATÓRIO DO PROVEDOR DE JUSTIÇA À ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA —1994

Em cumprimento do disposto no artigo 23.°, n.° 1, da Lei n.6 9 /91, de 9 de Abril, tenho a honra de apresentar à Assembleia da República o Relatório da actividade do Provedor de Justiça referente ao ano de 1994.

No presente Relatório dá-se conta das queixas recebidas, das iniciativas empreendidas e medidas tomadas, dos resultados conseguidos, bem como da restante actividade deste Órgão de Estado, incluindo um relato das acções mais significativas.

Juntam-se, ainda, os Discursos e Intervenções que tive o ensejo de proferir no ano em apreço.

0 Provedor de Justiça, José Menéres Pimentel.

ÍNDICE

• 1 — Introdução.

2 — Da actividade processual:

2.1 — Estatística:

■ 2.1.1—Dados estatísticos.

2.1.2 — Comentário aos dados estatístico*.

2.2 — Recomendações legislativas ou de carácter genérico.

2.3 — Questões de inconstitucionalidade:

2.3.1 —Pedidos de declaração de inconstitucionalidade.

' 2.3.2 — Pedidos de verificação de inconstitucionalidade por omissão. . 2.3.3 — Casos em que se decidiu não pedir a fiscalização da constitucionalidade.

2.4 — Resumo de processos anotados.

3 — Da actividade para processual: 3.1—Relatórios e inspecções:

. 3.1.1 —Inspecção à Polícia Judiciária.

3.1.2 — Inspecção ao sistema prisional.

3.1.3 — Inspecção às Direcções Distritais de Finanças de Lisboa e de Faro.

3.2 — Apreciação do projecto de Regulamento Policial do Distrito de Lisboa.

. 3.3 — Actividade da linha telefónica «Recados de Criança». 3.4 — Ordem de serviço l/PJ/94.

4 — Da actividade extraprocessual:

4.1 — Participação do Provedor em reuniões internacionais.

4.2 — Discursos e intervenções do Provedor de Justiça.

1 — Introdução

1 —Durante o ano de 1994 procurou-se consolidar a reforma interna iniciada em 1992, com a aquisição de instalações próprias, e continuada em 1993, com a nova Lei Orgânica e as primeiras alterações a nível de pessoal e funcionamento. Na verdade, para além de se ter completado o preenchimento dé lugares do quadro da Assessoria, foram experimentados novos procedimentos internos, com vista à efectiva participação da assessoria nos respectivos casos. Esta experimentação culminou, após um intenso diálogo com todas as estruturas envolvidas no circuito processual, quer técnicas (Assessoria), quer administrativas (Secção de Processos), com a elaboração do conjunto sistematizado de normas correspondentes (Ordem de Serviço l/PJ/94, reproduzida neste Relatório). Por esta forma, ficou concluída a reorganização a que se fez referência na introdução ao Relatório de 1993, dotando a Provedoria de uma organização sólida, mais célere, perseverando, assim, na função de servir os mais nobres valores da Justiça.

2 — Concretizando o atrás exposto, embora tivesse continuado o crescimento do número de processos pendentes, com taxas para a transição 1992/93 de 6,9% e para a transição 1993/94 de 6,4%, durante o ano de 1994 alcançou-se, mercê de uma nova postura progressivamente assumida, que o crescimento das pendências não

ultrapassasse os 0,98%. Note-se que no cálculo destes números foi devidamente ponderado o contínuo aumento de processos organizados (3460 em 1992, 3511 em 1993 e 3811 em 1994).

O crescimento das pendências em 1994 é, assim, insignificante, sendo de realçar o facto de a taxa de eficácia não ter sofrido alteração em relação a 1993. A celeridade não comprometeu o sucesso. Esta evolução não foi mais que o prenúncio do que, face aos dados já disponíveis, se viria a verificar em 1995, podendo-se desde já projectar uma quebra de 8% no número de processos organizados e um decréscimo de cerca de 35% no número de processos pendentes. O Relatório de 1995 mostrará à saciedade, estou certo, a bondade dos métodos utilizados e que resultam, em grande parte, da experiência acumulada em 1994.

3 — Como exemplo dos casos mais relevantes que foram apreciados em 1994, posso citar, sem hierarquia, a análise de aplicação no tempo do regime introduzido pelo Decreto-Lei 351/93, de 7 de Outubro, quanto à compatibilidade dos licenciamentos urbanísticos com os Planos Regionais de Ordenamento do Território, a análise e subsequente recomendação quanto à situação dos trabalhadores não docentes contratados a termo pelo Ministério da Educação, a análise da Lei da Caça e múltiplas questões que levantou e levanta a análise do procedimento contratual de concessão do projecto LIPOR 13, a resolução de alguns dos conflitos surgidos a propósito da instalação do gasoduto, o estudo da remodelação do Museu do Abade de Baçal, em Bragança, bem como do procedimento conducente à construção dos acessos ao túnel da serra da Gardunha (IP 2), em Alpedrinha. Já no final do ano, em face dos acontecimentos ocorridos na Marinha Grande, de todos sabidos, fiz deslocar, de imediato, uma equipa para o local com o encargo de apurar, de forma independente, a factualidade ocorrida.

4 — Utilizando os poderes de inspecção que a Lei me confere, foram realizadas visitas às Direcções Distritais de Finanças de Lisboa e Faro, bem como a vários estabelecimentos prisionais. Foi divulgado no ano de 1994 o relatório da visita que oportunamente tinha realizado à Polícia Judiciária. Foi realizado um estudo exaustivo sobre o Projecto de Regulamento Policial do Distrito de Lisboa, que se inclui neste relatório e que resultou em várias Recomendações, de âmbito mais genérico. A linha «Recados da Criança», já referida no relatório de 1993, teve a sua inauguração oficial, possuindo já uma actividade apreciável, como se poderá ver no relato incluído adiante.

5 — No âmbito da fiscalização da constitucionalidade, para além dos relativamente escassos pedidos de fiscalização por acção, devo realçar o pedido de verificação de inconstitucionalidade por omissão de normas legislativas que tornem exequível, para os agentes administrativos, o direito à protecção no desemprego.

6 — No campo das relações externas, o Provedor de Justiça, em colaboração com o Conselho da Europa e com o prestimoso auxílio da Assembleia da República, organizou em Lisboa, em Junho de 1994, a 4.° Mesa Redonda dos Ombudsmen Europeus.

7 — O ano de 1994 foi ainda marcado, no plano interno, pelo primeiro provimento do lugar de Secretário--Geral da Provedoria de Justiça, bem como pela nomeação de um novo Director dos Serviços de Apoio Técnico e Administrativo. Se bem que a introdução do novo cargo administrativo não tivesse sido isenta de dúvidas e perplexidades, julga-se positiva tal inovação da Lei Orgânica aprovada em 1993, por ter permitido uma dinâmica administrativa muito diversa da que existia até então, nos quadros da orgânica anterior. A distinção entre o que resultava do plano pessoal e o que resultava do plano

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174.(3)

funcional muito ajudou, quer em 1994, quer após, a valorizar os quadros normativos actualmente existentes.

8 — 1992 foi o ano da infra-estrutura física; 1993 foi o ano da infra-estrutura orgânica; 1994 foi o ano da infra-estrutura procedimental; 1995 colherá, como já se consegue antever neste momento, os frutos dos três anos precedentes. A bem da Justiça; mas também a bem do Cidadão individualmente considerado, sem o que a busca da Justiça em si mesma de pouco vale.

2 — Da actividade processual 2.1 —Estatística 2.1.1 — Dados estatísticos

QUADRO I Movimento geral de processos

I — Número de Processos organizados

Queixas escritas...................................................... 3 375

Queixas verbais...................................................... 381

Total............................... 3 756

Iniciativas do Provedor......................................... 55

Total geral..................... 3811

das quais correspondem a processos de inconstitucionalidade....................................................... 28

II — Número de processos reabertos

De 1976 a 1988..................................................... 75

De 1989.................................................................. 44

De 1990.................................................................. 35

De 1991.......................................r......................... 70

De 1992 .................................................................. 24

De 1993................................................................._6

Total............................. 256

III —• Número de processos movimentados e a movimentar

Processos que transitaram de 1976 a 1988.......... 1 015

Processos que transitaram de 1989....................... 278

Processos que transitaram de 1990...,................... 460

Processos que transitaram de 1991....................... 1 669

Processos que transitaram de 1992...................... 1716

Processos qúe transitaram de 1993....................... 2 787

Processos reabertos................................................ 256

Processos organizados em 1994........................... 3 811

Total............................... li992

IV — Processos arquivados em 1994

Transitados de:

1976 a 1988.......................................... ■ 307

1989........................................................... 91

1990.............................................................. 136

1991.............................................................. 699

1992................................................:.............. 516

1993 ................................:.............................. 1208

Total............................... 2957

V — Totais flnaJs

Processos organizados............................................ 3 811

Processos movimentados...................................... 11 992

Processos arquivados............................. ...... 3 683

Processos organizados e terminados em 1994..... (*) 726

(*) Representando 19,7% do total de processos organizados. .

Recomendações...................................................... 212

Pedidos de Declaração de Inconstitucionalidade 6

QUADRO 2 "VER DIÁRIO ORIGINAL"

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

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174-(4)

II SÉRIE-C — NÚMERO 23

QUADRO 3

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

QUADRO 4

Classificação dos Processos por Assuntos

Administração da Justiça:

Processo penal:

Instrução................................................ 4

Prisão preventiva.................................. 6

Diversos................................................. 196

Processo de trabalho:

Demoras.:.............................-................ 2

Diversos............................................... 0

Demoras......................................................... 58

Questões gerais............................................. 136

Total.............................. 402

Administração Local............................................ 42

Administração Pública.......................................... 23

Agricultura e Pecuária:

Reforma agrária............................................. 0

Questões diversas.......................................... 52

— Total..............................._52

Aguas..............:....................................................... 2

Bancos..................................................................... ^

Comércio Externo.................................................. 0

Comércio Interno.................................•................. 20

Contribuições e Impostos..................................... 172

Crime...................................................................... 4

Descolonização...................................................... 2

Direitos Fundamentais:

Direito ao Ambiente e qualidade de vida... 102

Direito ao Ensino.......................................... I

Liberdade de informação.............................. 6

Direitos políticos........................................... 3

Outros............................................................ 328

Total............................... 440

Educação e Ensino................................................. 109

Empresas................................................................. 9

Expropriação e requisição de bens...................... 42

Habitação:

Arrendamento............................................... 26

Despejos......................................................... 12

Ocupações...................................................... 1

Diversos........................................................ 151

Total..............................._190

Indústria e Energia................................................. 6

Jogo........................'................................................. 4

Polícia/GNR........................................................... 105

Regime Prisional.................................................... 50

Registos e Notariado.............................................. 35

Saúde Pública......................................................... 89

Segurança Social:

Abono de Família......................................... 4

Aposentação e reforma................................. 238

Pensão de sobrevivência............................... 41

Diversos........................................................ 178

Total............................... 461

Seguros.................................................................... 35

Trabalho:

Administração Local:

Adidos.................................................... 0

Admissões.............................................. 0

Carreiras................................................. 4

Concursos.............................................. 10

Demissões e Despedimentos................ 3

Disciplina............................................... 0

Provimento............................................ 1

Reintegrações......................................... Q

Remunerações........................................ 14

Saneamentos.......................................... 0

Diversos................................................ 20

Total..............................._52

Administração Central e Regional:

Adidos.................................................... . 0

Admissões............................................. 3

Carreiras.....................!........................... 139

Concursos.............................................. 224

Demissões e Despedimentos................ 64

Disciplina.............................................. 25

Provimento............................................. 3

Quadro de Efectivos Interdepartamentais...................................................... 12

Reintegrações......................................... 19

Remunerações........................................ 171

. Saneamentos.......................................... 0

Diversos................................................ 426

Total............................... 1086

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174-(5)

Empresas Públicas......................................... 14

Sector Privado:

Despedimentos....................................... 14

Inspecções.............................................. 0

Diversos................................................_87

Total..............................._101

Total geral..................... 1253

Transportes e Comunicações................................. 38

Urbanismo e Obras Públicas:

Obras Ilegais................................................. 52

Licenciamento................................................ 37

Obras coercivas............................................. 2

Obras públicas.............................................. 10

Diversos...................................................... 44

Total.............................. 145

Diversos.................................................................. 49

Assunto incompreensível......................................._6

Total.............................. 3811

QUADRO 5 Entidades visadas nos processos

I — Administração Central

Governo.................................................................. 31

Primeiro-Ministro................................................... 1

Presidência do Conselho de Ministros................. 25

Ministério da Administração Interna.................... 308

Ministério dos Assuntos Parlamentares................ 0

Ministério da Defesa Nacional.............................. 76

Ministério dos Negócios Estrangeiros.................. 13

Ministério das Finanças......................................... 395

Ministério do Planeamento e Administração do

Território ...„........................................................ 48

Ministério da Justiça.............................................. 269

Ministérios da Agricultura................................. 64

Ministério da Educação........................................ 580

Ministério da Indústria e Energia......................... 12

Ministério das Obras Públicas, Transportes e

Comunicações......................................................... 70

Ministério da Saúde............................................... 205

Ministério do Emprego e Segurança Social......... 246

Ministério do Comércio e Turismo...................... 8

Ministério do Ambiente e Recursos Naturais...... 36

Ministério do Mar.................................................._6

Total............................... 2393

n — Administração Regional e Território de Macau

Açores.......................................................•••••••........ 10

Madeira................................................................... 19

Macau.................................;..................................•_0

III — Administração Local

Governos Civis....................................................... 13

Juntas Distritais...................................................... 0

Assembleias Distritais............................................ 0

Federações de Municípios..................................... 0

Câmaras Municipais.............................................. " 373

Assembleias Municipais......................................... 0

Serviços Municipalizados...................................... 18

Juntas de Freguesia................................................ 26

Assembleias de-Freguesia...................................... 4

Juntas de Turismo.................................................._0

Total............................... 434

IV — Outras entidades

Presidência da República....................................... 0

Assembleia da República..................................... 14

Provedoria de Justiça............................................. 0

Conselho Superior da Magistratura...................... 4

Tribunais................................................................ 353

Ministério Público.................................................. 12

Forças Armadas...................................................... 0

Comissão Nacional de Eleições............................ 0

Empresas públicas e sociedades de capital público 105

Comissões de recenseamento............................... 0

Entidades estrangeiras............................................ 3

Entidades particulares............................................ 379

Associações Públicas............................................. 0

Outras......................................................................_83_

Total............................... 955

QUADRO 6 Características das queixas A) Situação socio-profissional dos reclamantes I—Q jcixtt InSvkluti"

Agricultor........................................;....................... 18

Aposentado ou reformado..................................... 321

Comerciante............................................................ 19

Desempregado........................................................ 84

Doméstica................................................................ 19

Emigrante................................................................ 20

Estudante................................................................. 42

Industrial................................................................. 6

Militar..................................................................... 32

Profissão liberal...................................................... 118

Profissão não declarada......................................... 808

Proprietário.........................................,................... 30

Recluso................................................................... 91

Trabalhador da Administração Central, Regional

ou Local............................................................. 1420

Trabalhador de empresa pública ou nacionalizada 33

Trabalhador do sector privado.............................. 100

Outros..................................................................... 127

Total..............................._29

Total............................... 3317

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■ -OMbMeofccttm .

Associações profissionais....................................... 23

Comissões de moradores............................';.......... 60

Comissões de trabalhadores.................................. 19

Entidades públicas...............................................:.. 38

Partidos políticos.................................................... * 4,

Sindicatos e Associações Sindicais...................... 147

Sociedades.............................................................. 53

Outros....................................................................._95

Total............................... 439

Total geral.................... 3756

B) Origem geográfica das queixas

Aveiro..................................................................... 157

Beja......................................................................... 52

Braga....................................................................... 150

Bragança................................................................. 36

Castelo Branco....................................................... 73

Coimbra.................................................................. 179

Évora................................................................;...... 43

Faro..........................'............................................... 117

Guarda;.................................................................... 45

Leiria....................................................................... 83

Lisboa..................................................................... 1350

Portalegre................................................................ 37

Porto........................................................................ 576

Santarém................................................................ 132

Setúbal.................................................................... 345

Viana do Castelo.................................................... 61

Vila Real................................................................. 93

Viseu......................................................................_83

Total............................... 3612

I—R*gfÔM AitÚnoMi • Tvrftdrto dt Kku

Açores..................................................................... 39

Madeira................................................................... 33

Macau...................................................................._3

Total..............................._75

Estrangeiro.............................................................. 35

Não identificada................................................... 34

Total..............................._69

O Distribuição dos reclamantes por género

Sexo Feminino....................................................... 1212

Sexo Masculino...................................................... 1446

Entidade colectiva.................................................. 1098

NSo identificado....................................................._0

Total............................... 3756

D) Queixas oriundas de intermediário

Assembleia da República...................................... 0

Ministério Público................................................. 27

Total..............................._27

i

E) Natureza do Interesse em causa

Individual.......................................................... 2644

De grupo................................................................ 1070

Geral.......................................................................•_42

Total............................... 3756

2.1.2 —Comentários aos dados estatísticos

I — O número total de processos abertos em 1994 foi de 3811, o que correspondeu a um acréscimo de 300 processos, em relação ao ano anterior.

2—As queixas apresentadas por escrito foram 3375 e

as verbais 381, num total de 3756, sendo 55 os processos abertos por iniciativa do Provedor.

3 — Movimentaram-se ao todo 11 992 processos, tendo O número de processos que transitaram de anos anteriores sido de 1976 a 1988 de 1015, de 1989 de 278, de 1990 de 460, de 1991 'de 1669, de 1992 de 1716 e reabertos 256,

4 — Foram arquivados 3683 processos, sendo 307 processos de 1976 a 1988, 91 de 1989, 136 de 1990, 699 de 1991, 516 de 1992 e 1208 de 1993.

5 — Dos processos organizados em 1994, foram terminados 726, o que representa 19,70% do total dos processos organizados.

6 — Nos processos em que o Provedor tomou posição sobre o mérito, observou-se que formulou 212 recomendações. Das Recomendações, 65 foram acatadas e 15 não acatadas, não havendo ainda resposta sobre as restantes no final do ano em análise, por não ter passado ainda o prazo legal de resposta.

7 — O Provedor formulou e apresentou 6 pedidos de declaração de inconstitucionalidade, sendo 1 relativo a inconstitucionalidade por omissão.

8 — Em 1994 alcançou-se solução favorável aos interessados, em virtude da intervenção do Provedor e durante a instrução do processo, em 767 processos, o que corresponde a 20,82% do total dos processos arquivados. Somando a esses os resolvidos por via de Recomendação acatada (164), a percentagem foi de 25,26%.

9 — A taxa de estudo dos processos foi de 86,12% — restando 13,78% que correspondem aos arquivamentos liminares—, sendo a taxa de resolução de 81,52%, excluindo as improcedências e os arquivamentos liminares (incompetência e manifesta improcedência). A taxa de sucesso verificada foi de 74,71%, o que é demonstrativo da continuidade da eficácia da intervenção do Provedor de Justiça (vide quadro comparativo).

10 — As matérias mais tratadas foram: Trabalho (1253), com especial relevo para a Administração Pública Central, Regional e Local; Segurança Social (471); Direitos Fundamentais (440); Administração da Justiça (402); Habitação (190); Contribuições e Impostos (172); Urbanismo e Obras Públicas (145); Educação e Ensino (109) e queixas contra a Polícia e GNR (105). Referência ainda aos quantitativos relativos à Saúde Pública (89), Agricultura e Pecuária (52) e Regime Prisional (50). Mostra-se reduzido o número de processos respeitantes a Bancos (26), comércio (20), empresas (9), Indústria e energia (6), Crime (4), jogo (4), águas (2) e descolonização (2).

II — Dentro das queixas respeitantes à Administração central (2393), 580 foram dirigidas ao Ministério da Educação, 395 ao Ministério das Finanças, 308 ao Ministério da Administração Interna, 269 ao Ministério da Justiça, 246 ao Ministério do Emprego e Segurança Social e 205 ao Ministério da Saúde, repartindo-se as demais pelos restantes ministérios.

12 — Na Administração Local, as Câmaras Municipais foram as mais visadas com 373 processos, seguindo-se as Juntas de Freguesia com 26, os serviços municipalizados com 18 e as Assembleias de Freguesia com 4. Os Governadores Civis foram destinatários de 13 queixas.

13—De notar, na senda do ano anterior, o contínuo aumento do número de queixas contra entidades particulares.

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14 — A caracterização sócio-profissional predominante dos que se queixaram ao Provedor de Justiça realçou o elevado número dos trabalhadores da Administração Pública (1420), sendo seguidos dos aposentados ou reformados (321), dos profissionais liberais (118), dos trabalhadores do sector privado (100) e dos reclusos (91).

15 — De entre as queixas formuladas por entidades colectivas sobressaíram os sindicatos e associações sindicais com 147 queixas, seguidos das comissões de moradores (60), das sociedades (53), das entidades públicas (38) e

das associações profissionais (23). Foram ainda formuladas

4 queixas por associações partidárias.

16 — A repartição geográfica das queixas, segundo os distritos de origem, mantém as tendências anteriores. Assim, os distritos que receberam mais queixas foram: Lisboa (1350), Porto (576), Setúbal (345), Coimbra (179), Aveiro (157), Braga (150), Santarém (132), Faro (117), Vila Real (93), Viseu (83) e Leiria (83). Em contraposição, os distritos que deram origem a menos queixas foram: Beja (52), Guarda (45), Évora (43), Portalegre (37) e Bragança (36). Pouco elevados foram os quantitativos respeitantes aos Açores (39) e Madeira (33), verificando-se a manutenção da tendência anteriormente verificada.

17 — De entre as queixas individuais apresentadas 1446 provieram do sexo masculino e 1212 do sexo feminino.

As queixas apresentadas por entidades colectivas foram 1098.

Como pontos a frisar, realce para o aumento, quer em termos relativos, quer absolutos, de reclamantes do sexo feminino em relação ao ano anterior, bem como para a duplicação do número de pessoas colectivas a exercerem o direito de reclamação.

18 — O peso das questões respeitantes a interesses individuais foi o superior (2344), sendo seguido dos interesses de grupo (1070) e geral (42).

19 — Embora ainda não se tenha conseguido a redução do número de processos pendentes no final do ano, a uma taxa de crescimento de pendências, em 1992, de 7,6%, em 1993, de 7,7%, corresponde uma taxa em 1994 de 4,6%.

Se tomarmos em consideração o crescimento de queixas entradas em 1994, o aumento real foi de 0,93%. 20—De realçar que a diminuição do crescimento de

processos pendentes foi alcançada sem quebra da taxa de eficácia.

A taxa de eficácia, bem como a taxa de estudo, não apresenta variações face a 1993. A ligeira quebra na taxa de sucesso fica a dever-se à menor percentagem de processos que se resolvem sem intervenção do Provedor de Justiça.

2.2 — Recomendações legislativas ou de carácter genérico

94.01.04. R-606/92.

Ex."10 Senhor Presidente do Conselho de Administração da EDP-Electricidade de Portugal:

1 — Foi recebida nesta Provedoria de Justiça uma reclamação formulada pela Comissão de Trabalhadores dessa Empresa, relativa à situação que se passa a descrever.

1.1 —Está consignado no artigo 1.° do capítulo I do Estatuto Unificado de Pessoal que:

A Empresa complementa os benefícios concedidos pelas instituições oficiais de previdência nos casos e termos previstos nos capítulos seguintes.

No artigo 6.° do mesmo Estatuto contém-se a formula de cálculo do complemento de pensão, que é a seguinte:

Vi = 14/13 x R x p — Pi

sendo:

Ci = valor do complemento de pensão;

R = retribuição do mês anterior à passagem à situação de reforma;

p = percentagem em função da antiguidade;

Pi = valor da pensão de invalidez concedida pelas instituições oficiais de previdência.

Segundo o artigo 5° do Estatuto referido, este complemento (CO é pago treze vezes por ano, sendo uma em cada mês do ano civil e uma pelo Natal.

Prescreve-se depois, no artigo 13.°, que:

Sempre que tenha lugar um aumento na pensão concedida pelas instâncias oficiais de previdência, o complemento atribuído pela Empresa será diminuído da quantia igual ao aumento verificado de modo a que o total recebido pelo trabalhador (Çi+Pi) se mantenha invariável.

1.2 — Com a publicação da portaria n.° 470/90, de 23/ 6, que obriga a Segurança Social a pagar o 14.° mês aos reformados, a EDP alterou unilateralmente a fórmula de cálculo dos complementos de pensão a que atrás se fez referência, inserta no EUP, que foi negociado com a Comissão de Trabalhadores.

Essa fórmula foi, assim, substituída pela que segue:

Ci = 14/14 x R x p — Pi

1.3 — Não se conformando com esta actuação da Empresa, trabalhadores houve que recorreram aos tribunais, tendo sido já proferidos três acórdãos sobre a matéria, dois que reconhecem razão aos autores e um que julgou a acção improcedente, absolvendo a EDP.

Apoiando-se naqueles dois acórdãos, a Comissão de Trabalhadores reclama da aplicação da última fórmula de cálculo dos respectivos complementos de pensão.

2 — Ao debruçar-nos sobre os preceitos do EUP a que se faz referência no ponto 1, designadamente sobre o artigo 1.°, artigo 5.°, n.° 3, artigo 6.° e artigo 13.°, verifica-se que deles se podem extrair as seguintes coordenadas:

2.1 — Os complementos das pensões de reforma a que essa Empresa está vinculada devem ser pagos 13 vezes por ano (artigo 5.°, n.° 3);

2.2 — Tais complementos são calculados com base numa fórmula que os reporta ao seu valor mensal (artigo 6.°, n.° 1);

2.3 — A diminuição dos complementos assim calculados apenas está prevista para o caso do aumento da pensão concedida pela Segurança Social (artigo 13.°).

3 —Todavia, essa Empresa, ao fundamentar a adopção da fórmula em causa (Ci = 14/14 x R x p Pi) socorre-se da noção de pensão global anual, sustentando que o complemento da pensão corresponde sempre à diferença, quando positiva, entre aquele valor anual global e o valor anual global da pensão atribuída pela Segurança Social.

Conclui, assim, que, enquanto a Segurança Social pagou 13 meses de pensão, aquela diferença tinha um certo valor, mas quando começou a pagar o 14.° mês esse valor diminuiu dado ter aumentado o respectivo substractivo.

4 — Confrontando, porém, essa argumentação com as coordenadas que se extraíram dos artigos 15.°, n.° 3, 6.°

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e 13." do EUP, não pode deixar de se concluir que ela não quadra com o regime constante destes preceitos.

Com efeito, tanto a fórmula de cálculo do complemento contida no artigo 6.°, n.M, como os termos em que o artigo 5.°, n.° 3, está redigido («O complemento é pago treze vezes por ano, sendo uma em cada mês do ano civil e

uma peio Natal»), revelam que as partes, ao acordarem o

regime de complementos das pensões, visaram sempre o seu valor mensal e não o anual.

0 mesmo acontece com a pensão paga pela segurança

Social.

Logo, não se vê razão para, no artigo 13.°, se atribuir aos vocábulos «pensão» concedida pelas instituições oficiais de Previdência e «complemento» atribuído pela Empresa um sentido diverso do que esses termos têm nos preceitos anteriores, ou seja, um sentido que os referentes ao seu valor anual quando, nos demais preceitos, se visa o seu valor mensal.

. 5 — Neste contexto, há, necessariamente, que concluir que essa Empresa, ao substituir a fórmula de cálculo do complemento de pensão constante do EUP (Cid = 14/14 x xRxp — Pí) pela fórmula Ci = 14/14 xRxp — Pi, isto com fundamento na circunstância de a pensão anual paga pela Segurança Social ter aumentado por força da atribuição do 14.° mês, alterou unilateralmente esse EUP, infringindo, portanto, as cláusulas dos Acordos de Empresa que prescrevem que os regulamentos deles decorrentes só podem ser alterados com o acordo da empresa e das ERTs.

Estas razões que me levam a dirigir a essa Empresa a seguinte recomendação:

Que não aplique a alteração unilateral ao AE que consistiu na adopção da fórmula Ci = 14/14 x R x xp — Pi, para efeito de cálculo dos complementos de reforma.

(Recomendação não acatada.)

94.01.05. R-3393/93.

A Sua Excelência o Ministro do Planeamento e Administração do Território:

I

Exposição e motivos A

1 — Por forma a garantir a boa execução dos instrumentos regionais de planeamento urbanístico, foi aprovado o Decreto-Lei n.° 351/93, de 7 de Outubro, o qual entrou em vigor no dia imediatamente após.

2 — Afirma-se no seu preâmbulo que a sucessão de regimes de planeamento urbanístico determina necessariamente «a caducidade dos direitos conferidos por actos praticados anteriormente à entrada em vigor das novas normas de uso e ocupação do solo e cujo conteúdo seja contrário ao regime instituído».

3 — Tais actos, presumidamente caducados, recondu-zem-se às licenças de loteamento, de obras de urbanização e de construção, bem como as aprovações de localização e de anteprojecto ou de projecto de construção de edificações e empreendimentos turísticos.

4 — Registe-se que a propósito de loteamentos e obras de Urbanização, o Decreto-Lei n.° 488/91, de 29 de Novembro, dispõe expressamente sobre a caducidade, quer

das deliberações de licenciamento de operações de loteamento (artigo 14.°), quer das deliberações de licenciamento de obras de urbanização (artigo 27.°), bem como sobre a caducidade dos respectivos alvarás (artigo 38.°).

5 — Por seu tumo, o regime do licenciamento de obras

particulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 445/91, de 20

de Novembro, prevê a caducidade, tanto da deliberação que

haja licenciado a realização de obras (artigo 20.°), como

do respectivo alvará (artigo 23.°).

6 — Em qualquer destes casos, observe-se que a caduci-' dade consiste na extinção de um direito pelo decurso do tempo (vd. por todos, Marques, J. Dias, Noções Elementares de Direito Civil, 7.* ed., Lisboa, 1992, p. 118).

7 —A caducidade extingue, pois, direitos cuja duração é prevista na lei ou no seu acto constitutivo. Assim, em todo o caso, tratar-se-á sempre de situações jurídicas cuja limitação temporal é conhecida pelos sujeitos seus titulares desde o momento da sua constituição.

8 — Em bom rigor, as disposições citadas contemplam também regimes de prescrição desses direitos, porquanto ali se estatuem consequências negativas para a inércia dos particulares (v. g. artigo 23.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n.° 445/91, de 20 de Novembro, e artigo 38.°, n.° 2, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n.° 448/91, de 29 de Novembro).

9 — Há-de concluir-se da análise do Decreto-Lei n.° 351/93, de 7 de Outubro, não estarmos na presença de nenhuma forma de extinção de direitos pelo decurso do tempo. A extinção prevista funda-se num juízo de incompatibilidades de acto de licenciamento ou de aprovação com o disposto em planos regionais de ordenamento do território publicados ulteriormente. Caducidade em sentido próprio, encontra-se, porventura, na disposição contida no artigo 6.° deste diploma.

10 — Por via de regra, consideram-se extintos todos os direitos resultantes dos actos permissivos enunciados, esta-belecendo-se um mecanismo de salvaguarda restrito aos actos que demonstrem uma dupla validade: em relação às normas urbanísticas vigentes ao tempo da sua emanação e em relação aos planos regionais de ordenamento do território entretanto aprovados ou a aprovar no futuro.

11 — Refira-se que os planos regionais de ordenamento do território vigentes no momento da prática de tais actos permissivos eram já critério de aferição da sua validade, sendo certo que este juízo cabia exclusivamente aos municípios, com algumas raras excepções (nomeadamente, no âmbito dos empreendimentos turísticos).

12 — Assim, desde o momento da sua entrada em vigor, o PROT-ALGARVE, aprovado pelo Decreto Regulamentar n.° 11/91, de 21 de Março, o PROZESD, aprovado pelo Decreto Regulamentar n.° 60/91, de 21 de Dezembro, o PROZAG, aprovado pelo Decreto Regulamentar n.° 22/92, de 25 de Setembro, e o PROTALI, aprovado pelo Decreto Regulamentar n.° 26/93, de 25 de Agosto, constituíram todos eles, elemento vinculado dos actos urbanísticos em questão.

13 — Demonstraram-no suficientemente o artigo 13.°, n.° 1, alínea d), do Decreto-Lei n.° 448/91, de 29 de Novembro, ao vincular o indeferimento de pedidos de licenciamento que contrariam os planos regionais de ordenamento do território, o artigo 22.°, n.° 2, alínea a), e a cominação de nulidade estatuída no artigo 56.°, n.° 1, alínea b), para os actos administrativos respeitantes a operações de loteamento, a obras de urbanização ou a quaisquer obras de construção civil que «violem o disposto em instrumento de planeamento regional (...)».

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14 — Demonstra-o também o regime criado pelo Decreto-Lei n.° 445/91, de 20 de Novembro, quanto ao licenciamento de obras particulares, já que no seu artigo 52.° se dispõe serem nulos os actos administrativos que violem o conteúdo de um plano regional de ordenamento do

território.

15 — A extensão e alcance das normas contidas no Decreto-Lei n.° 351/93, de 7 de Outubro, são reconhecidamente mais vastos, excedendo a disciplina jurídica dos planos regionais de ordenamento do território definida através do Decreto-Lei n.° 176/88, de 18 de Maio, alterado pelo Decreto-Lei n.° 367//90, de 26 de Novembro.

16 — Muito embora o artigo 12." do Decreto-Lei n.° 176/88, de 18 de Maio, determine a vinculação pelos planos regionais de ordenamento do território de todas as entidades públicas e privadas, sob pena de nulidade das situações jurídicas desconformes, o certo é que em caso algum se dispõe sobre actos consolidados em momento anterior, isto porque é regra no nosso ordenamento jurídico que a produção retroactiva de efeitos jurídicos há-de resultar expressamente da nova lei (v. artigo 12.° do Código Civil).

17 — Ora, deve observar-se então que por via dr> disposto no Decreto-Lei n.° 351/93, de 7 de Outubro, é determinada a extinção dos seguintes direitos conferidos por actos urbanísticos permissivos:

a) Os praticados em momento anterior ao da entrada em vigor dos planos de ordenamento do território e cujos actos constitutivos não sejam sujeitos ao procedimento de avaliação da compatibilidade determinado pelo Decreto-Lei n.° 351/93, de 7 de Outubro, até ao termo previsto no seu artigo 2.°;

b) Aqueles em relação aos quais venha a ser proferida declaração expressa de incompatibilidade com os planos regionais de ordenamento do território posteriores;

c) Todos quantos não sejam exercidos no prazo de um ano contado a partir da data da confirmação da compatibilidade.

18 — A eficácia temporal das normas do citado diploma é, pois, complexa e heterogénea. Assim, encontram-se situações em que a lei dispõe apenas para o futuro, determinando, desde já, a precariedade e não definitividade dos actos urbanísticos enunciados nos artigos 1.°, n.° 1, e 3.°, por necessidade de um acto aferidor de compatibilidade com os PROT vigentes ou a aprovar. Detectam-se, por outro lado, situações de retroactividade sobre actos praticados anteriormente à entrada em vigor do diploma.

19 — Refira-se, por mais uma vez, a nulidade que recai sobre um acto urbanístico contrário a um plano regional de ordenamento do território vigente no momento da sua prática.

20 — Refira-se também que o novo regime, introduzido pelo Decreto-Lei n.° 351/93, de 7 de Outubro, teve o mérito de salvaguardar algumas situações constituídas em nome do princípio da tutela da confiança. Por isso, determina o artigo 1.°, n.° 4, a protecção de obras cujo início de execução remonte a data anterior à entrada em vigor de um plano regional territorialmente aplicável, desde que tal obra não tenha sofrido qualquer suspensão. Foi-se ligeiramente mais longe ao tutelar inclusivamente obras iniciadas após a entrada em vigor do PROT, desde que vão tenha ocorrido qualquer suspensão da mesma até ao termo da caducidade da respectiva licença.

21 —Não se questiona a fundamental importância dos planos de ordenamento territorial, seja qual for o seu âmbito. Eles representam um imperativo constitucional cometido fundamentalmente ao Estado e às Autarquias locais (cfr. artigo 9.°, alínea e), in fine; artigo 65.°, n.° 2, alínea a); artigo 6.°, n.° 2, alínea b)\ artigo 91.°; artigo 96.°, n.°2).

22 — Não se questiona, do mesmo passo, a produção de efeitos jurídicos sobre os particulares, a partir da vigência dos PROT. Neste sentido aponta o disposto no artigo 12.v, n.» 1, do Decreto-Lei n.° 176-A/88, de 18 de Maio.

23 — Importa, porém, fazer observar no planeamento urbanístico as normas e princípios constitucionais. Ora, não restam dúvidas quanto à inconstitucionalidade de parte das normas contidas no sempre citado Decreto-Lei n.° 351/93, de 7 de Outubro.

B

Da retroactividade

24 — Na ordem jurídico-constitucional .portuguesa, a retroactividade não é genericamente excluída. Assim se compreende a aludida disposição do Código Civil. Todavia, quanto a normas incriminadoras (artigo 29.°, n.° 1) e as normas restritivas de direitos, liberdades e garantias (artigo 18.°, n.° 3), não deixou a Constituição de formular verdadeiras proibições de retroactividade.

25 — A isto acresce o princípio da confiança dos cidadãos na ordem jurídica — verdadeiro corolário da consagração do Estado de direito —, o qual impede o legislador de atingir situações jurídicas constituídas no passado de modo manifestamente abusivo ou intolerável.

26 — Com efeito, haverá que ter em conta dois pontos de partida, quanto a este princípio. Se, por um lado, compete ao legislador, legitimo pela vontade popular, determinar em cada momento as melhores opções, ele deve vincular-se, por outro, à regra de o cidadão ficar em condições de prever as intervenções que o Estado poderá levar a cabo sobre ele ou perante ele e preparar-se para se adequar a elas (cf. Ac. 17/86, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, II vo!., p. 375).

27 — A premência das modificações caberá ao legislador soberanamente conhecê-la,' mas cingindo-se ao limite de introduzir na área de autonomia dos cidadãos e na confiança de que partem um mínimo de lesões.

28 — Note-se então não resultar do regime geral dos planos regionais de ordenamento do território (aprovado pelo Decreto-Lei n.° 176-A/88, de 18 de Maio), nem de cada um dos quatro planos regionais aprovados qualquer manifestação de retroactividade.

29 — Mesmo quando através de disposição contida no artigo 37.° do Decreto-Lei n.° 448/91, de 29 de Novembro, se habilita a entidade licenciadora a introduzir alterações-nas condições de licenciamento efectuadas, por forma a garantir a boa execução de instrumentos de planeamento territorial, em caso algum se trata de extinguir situações jurídicas constituídas.

30 — Além de tudo isto, a norma citada dispõe apenas para o futuro e relativamente a planos a aprovar em momento posterior.

31 — Ao invés, o regime trazido pelo Decreto-Lei n." 351/93, de 7 de Outubro, mais do que produzir efeitos sobre actos constituídos no passado, confere eficácia retroactiva a outros actos normativos, ou seja, aos quatro PROT vigentes à data da sua publicação.

32 — Por outro lado, não é forçoso admitir o jus aedi-ficandi como situação jurídica decorrente e concretizados

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de um direito de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, com a consequente aplicabilidade da proibição de retroactividade contida no artigo 18.°, n.° 3, da Constituição (ex vi artigo 17.°).

33 — Sustentam Freitas do Amaral e Paulo Otero que

lodos dos citados actos administrativos urbanísticos são

concretizações do jus aedificandi, entendido este «como parte integrante do direito de propriedade privada» (cfr. parecer, em anexo, p. 11), o que justifica a aplicação do mencionado regime das restrições legais a direitos, liberdades e garantias.

34 — Ainda que assim não venha a ser reconhecido, o certo é que se trata de uma liberdade económica protegida, entre outros, pelo artigo 61.°, tanto no que toca a sujeitos privados, como a cooperativas.

35 — Resultam restrições expressas do próprio enunciado constitucional quanto à livre iniciativa económica privada: a lei, outras normas e princípios constitucionais e o interesse geral.

36 — No entanto, claro está, tais restrições não poderão operar retroactivamente. De outro modo, o que será admissível é limitar ou mesmo condicionar situações jurídicas decorrentes daquela liberdade fundamental: «O condicionamento não reduz o âmbito do direito, apenas implica, umas vezes, uma disciplina ou uma limitação da margem de liberdade do seu exercício, outras vezes um ónus» (Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Tomo rv, 2.° edição, Coimbra, 1993, p. 297).

37 — De acordo com estes pressupostos, será admissível o conteúdo do já mencionado artigo 37.° do Decreto--Lei n.° 448//91, de 29 de Novembro, mas não as normas retroactivas dp Decreto-Lei n.° 351/93, de 7 de Outubro.

38 — Uma situação consiste tornar precários, doravante, actos urbanísticos permissivos (licenciamentos e aprovações); outra diversa é a de fragilizar situações já constituídas a que a lei reconhece a natureza de direitos e

não de meras expectativas (v. artigo 62.°, do Decreto-Lei n.° 445/91, de 20 de Novembro, e artigo 68.°, do Decreto--Lei n.° 448/91, de 29 de Novembro).

39 — Neste sentido, aliás, afirma Marcelo Rebelo de . Sousa que «entendem pacificamente a doutrina e a jurisprudência administrativas portuguesas que as licenças e aprovações citadas são actos administrativos e, mais especificamente, actos constitutivos de direitos, já que, no mínimo, permitem o exercício de direitos subjectivos pelos particulares, o que cabe no conceito mais amplo de acto constitutivo de direitos» (cf. parecer em anexo, p. 4).

40 — O Decreto-Lei n.° 351/93, de 7 de Outubro, opera uma revogação de actos constitucionais de direitos, além do mais, legais por que respeitadores do bloco de legalidade vigente desde a sua origem até 8 de Outubro de 1993, momento em que os quatro PROT aprovados assumiram uma eficácia temporal nunca antes prevista, nem previsível, tanto mais que a revogação de actos constitutivos de previsível, que a revogação de actos constitutivos de direitos estava intensamente condicionada através dos requisitos definidos pela LOSTA e posteriormente pelo Código do Procedimento Administrativo (artigo 140.°).

41 —Tais actos revogatórios, ainda que por hipótese, sejam conformes à Constituição, sempre gerarão uma obrigação de indemnização pelo Estado, nos termos previstos no Decreto-Lei n.° 48 051, de 21 de Novembro de 1967. Embora o Decreto-Lei n.° 351/93, de 7 de Outubro, não o preveja expressamente — ao invés do artigo 37°, n.° 4, do Decreto-Lei n.° 448/91, de 29 de Novembro—,

em caso algum, seria de excluir tal responsabilidade, quanto mais não fosse, por via do artigo 22." da Constituição.

C

Oa tutela exercida pelo Estado sobra Autarquias locais

42 — 0 Decreto-Lei n.° 351/93, de 7 de Outubro, confia «a confirmação de compatibilidade» exclusivamente ao Ministro do Planeamento e da Administração do Território, quanto aos licenciamentos e em conjunto com o Ministro do Comércio e Turismo, quanto às aprovações (edificações e empreendimentos turísticos).

43 — Os procedimentos respectivos viram, assim, acrescentada uma nova fase, a qual implica uma intervenção tutelar, na modalidade de tutela integrativa a priori. Nas palavras de Freitas do Amaral e Paulo Otero, «a confirmação de compatibilidade consubstancia um procedimento administrativo de segundo grau, sendo o mesmo da competência do Governo e tendo como objecto, quase sempre, actos primários praticados por autarquias locais» (ob. cit., p. 20).

44 — Para além do que isto possa implicar em matéria de violação da reserva parlamentar de competência legislativa por modificação inabilitada do estatuto das Autarquias locais [artigo 169.°, n.° 1, alínea s)], importa questionar este juízo de legalidade superveniente (confirmativo ou revogatório) por parte do Governo, face às normas que no texto constitucional restringem a intervenção tutelar central sobre o poder local.

45 — De acordo com o artigo 243.°, n.° 1, da Constituição, a tutela governamental cinge-se ao controlo da legalidade. Como explicam Freitas do Amaral e Paulo Otero, o novo regime introduzido consubstancia «um desvirtuamento da tutela de legalidade: esta foi criada para

controlar a validade de actos da entidade tutelada com a ordem jurídica vigente à data em que os mesmos foram praticados, não sendo admissível a sua utilização para controlar situações de desconformidade superveniente, quando é a própria entidade tutelar que define o novo padrão de legalidade» (cf. ob. cit., p. 23).

46 — Há, assim, uma aproximação aos meios de controlo de mérito, sob a aparência de um mero controlo de legalidade.

47 — A letra do texto constitucional permite, além do mais, reforçar o entendimento expressando, porquanto o artigo 243.°, n.° 1, limita o poder tutelar à verificação do cumprimento da lei. Ninguém exigirá, por certo, o cumprimento de uma lei (entendida aqui, como noutros passos da lei fundamental, no seu sentido mais lato) inexistente, ou melhor, de um plano regional de ordenamento do território cujo cumprimento é pura e simplesmente impossível quanto ao objecto.

48 — Nada possibilita, antes pelo contrário, consagrar uma tutela revogatória a exercer por parte da Administração Central quanto aos actos praticados pela Administração Local, como o faz o Decreto-Lei n.° 351/ 93, de 7 de Outubro.

49 — Se este argumento não encontra apoio explícito na letra do preceito contido no artigo 243.°, n.° l (Constituição da República Portuguesa), colhe decisivamente o favor dos princípios da descentralização e da autonomia local, não meramente programáticos, mas antes impostos perceptivamente pelo artigo 239." do texto constitucional.

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20 DE JULHO DE 1996

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n

Conclusões

A partir dos motivos expostos e não deixando de reiterar a orierosidade que significará para o erario público o pagamento de numerosas indemnizações resultantes da plena aplicação do Decreto-Lei n.° 351/83, de 7 de Outubro, entende o Provedor de Justiça," no exercício das competências conferidas no artigo20.°, n.°,l, alíneas a) e b\ do seu Estatuto, aprovado pela Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, recomendar:

1.° A revogação da produção de efeitos que retroajam à entrada em vigor dos planos regionais de ordenamento do território vigente à data da publicação do Decreto-Lei n.° 351/93, de 7 de Outubro;

2.° A alteração, mediante adequada autorização legislativa, dos actuais regimes de licenciamento de loteamento'urbanos, de obras de urbanização e de obras de construção, bem como o regime de aprovação de localização, de projecto e anteprojecto de edificações e de empreendimentos turísticos, com vista a sujeitar tais actos à condição resolutiva de incompatibilidade com. futuro plano regional de ordenamento do território, no caso de não terem sido iniciados as obras ou de se encontrarem suspensas óu abandonadas por motivo imputável ao titular do alvará à data da entrada em vigor do PROT ou dentro do prazo de validade fixado na respectiva licença;

3."'A imediata suspensão do prazo previsto no artigo 2.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 351/93, de 7 de Outubro, relativo ao início do procedimento de confirmação de compatibilidade ou de verificação dos pressupostos negativos previstos no artigo 1.°, n.° 4, do mesmo diploma, até à efectivação das medidas recomendadas nos pontos precedentes.

(Recomendação não acatada.)

94.01.06. R-1464/90.

A Sua Excelência o Ministro da Saúde:

1 — Queixas apresentadas por professores das Faculdades de Medicina levantaram o problema da execução do disposto no n.° 1 do artigo 4.° do Decreto--Lei n.° 246/89, de 5 de Agosto, relativamente às nomeações daqueles para o quadro complementar de supranumerários das instituições hospitalares ou estabelecimentos de saúde em que seja ministrado o ensino das disciplinas constantes dos planos de estudo das Faculdades de Medicina e da Ciências Médicas.

2 — Os serviços do Ministério da Saúde informaram não ser possível fazer os provimentos por ainda não ter sido cumprido o disposto no n.° 2 do artigo 2.° do Decreto--Lei n.° 246789, no que respeita à emissão de despacho conjunto dos Ministros das Finanças, Educação e Saúde a Fixar o número de lugares para aqueles quadros.

3 — Não se afigurando possível a existência de quadros não dotados dos respectivos lugares, será correcto não se fazerem nomeações, mas é de estranhar que ainda não tenha sido executado o disposto naquele diploma, tanto mais que o Decreto-Lei n.° 410/91, de 17 de Outubro, o

alterou, actualizando as categorias que devem integrar os quadros de supranumerários.

4 — Surgiram também dificuldades quanto às nomeações de médicos já titulares de lugares (de categoria inferior) nos quadros hospitalares ou de estabelecimentos de saúde, por os Serviços da Administração terem entendido que necessitavam de optar pela permanência no seu lugar dos quadros ou pelo provimento como supranumerários no quadro complementar, atendendo ao princípio da exclusividade de funções. Nestes termos, atendendo à falta de execução do disposto no Decreto-Lei n.° 246/89, de 5 de Agosto, quer quanto à fixação do número de lugares para os quadros complementares, quer no que respeita à exequibilidade das nomeações de médicos detentores de outros lugares na carreira médica, recomendo, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 20.° da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, a ponderação da revisão do diploma em termos adequados, designadamente concedendo os-mesmos direitos a todos os professores das Faculdades de Medicina, sejam ou não detentores de lugares nas carreiras médicas.

(Recomendação parcialmente acatada.)

10.01.94. R-1950/90.

A S. Ex." o Presidente da Assembleia Legislativa Regional dos Açores:

I

A Associação Nacional dos Beneficiários da Segurança Social, com sede em Angra do Heroísmo, solicitou ao Provedor de Justiça que providenciasse no sentido de tornar possível a sua participação de pleno direito nos órgãos de planeamento e gestão da Segurança Social.

No seguimento desse pedido, procedeu-se à análise dos preceitos legais que respeitam ao assunto, nos termos que adiante se expõem.

n

Estabelece-se, no artigo 63.°, n.° 2, da CRP, que incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado, com participação das associações sindicais, de outras organizações representativas dos trabalhadores e de associações representativas dos demais beneficiários.

m

t Prescreve-se no artigo 5.°, n.° 1, da Lei n.° 28/84, de 14/8, que o sistema de segurança social obedece aos princípios da universalidade, da unidade, da igualdade, da eficácia, da descentralização, das garantias judiciárias, da solidariedade e da participação.

Acrescenta-se, no n.° 9, que «a participação envolve a responsabilização dos interessados na definição, no planeamento e gestão do sistema e no acompanhamento e avaliação do seu funcionamento».

Por seu turno, o artigo 84.° da mesma lei dispõe que ele é aplicável às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, «sem prejuízo da regulamentação própria em matéria de organização e funcionamento e da regionalização dos serviços de segurança social».

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rv

Foi o Decreto Legislativo Regional n.° 11/87/A que, na

sequência da referida lei de bases da segurança social, regulou a orgânica do sistema de segurança social, dos Açores, remetendo para diplomas sob a forma de decretos regulamentares regionais a estrutura interna a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos e serviços.

Esse diploma é, no entanto, omisso quanto a estruturas de participação.

Nestes termos, ao abrigo do artigo 20.°, n.° 1, alínea b), da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, e tendo em atenção o artigo 84.° da Lei n.° 28/84, de 14/8, considero formular a seguinte recomendação:

Que seja legislado, tão breve quanto possível, no sentido da criação de uma estrutura que permita pôr em prática o princípio da participação em matéria de segurança social, a que se reportam o artigo 63.°, n.°2, da Constituição e ao artigo 5.°, n.° 9 da Lei n.° 28/84, de forma a responsabilizar os interessados na definição, no planeamento e na gestão do sistema, bem como no acompanhamento e avaliação dos seus funcionários.

Com o pedido de que me seja oportunamente comunicada a posição que vier a ser assumida relativamente a esta recomendação.

01.10.94. R-1950/90-D.I.-4.

A S. Ex.* o Secretário Regional dos Assuntos Fiscais da Região Autónoma da Madeira:

i

Considerando que, conforme se refere no ofício 5.12, n.° 3466, de 8 de Maio de 1993, a Lei Orgânica da Direcção Regional da Segurança Social, aprovada pelo Decreto Regulamentar Regional n.° 28/92//M-, de 1 de Outubro, consagra o princípio da participação a que se reporta o artigo 5.°, n.° 1, da Lei n.° 28/84, de 14 de Agosto, prevendo a criação de um Conselho Regional de Segurança Social integrado na estrutura orgânica do Centro de Segurança Social da Madeira.

Verificando-se que esse órgão, no entanto, ainda não foi constituído;

Considerando, ainda, que a aplicação do princípio da participação é um imperativo constitucional, impõe-se-me formular, ao abrigo do artigo 2.°, n.° 1, alínea b), da Lei n.° 9//91, de 9 de Abril, a seguinte recomendação:

Que, tão breve quanto possível, venha a ser criado o previsto Conselho Regional de Segurança Social.

(Recomendação acatada.)

01.12.94. R-2502/90.

A S. Ex.* o Primeiro Ministro:

1 — Em processo pendente na Provedoria de Justiça, tive ocasião de analisar o processo, de formação do Decreto-Lei n.° 321/90, de 15 de Outubro, relativo às carreiras de vigilante e guarda da natureza.

Para melhor elucidação, junto cópia das peças mais relevantes desse processo.

2 — Do estudo deste caso, pude concluir que as

associações sindicais do sector foram, de facto, ouvidas

sobre um projecto inicial do aludido diploma.

3 — Só que a sua versão final, designadamente no tocante à regulamentação da carreira de vigilante da natureza, diverge por forma substancial do regime previsto no inicial projecto.

4 — Ora, considero que este procedimento não respeita devidamente o espírito das normas constitucionais relativas à audição das associações sindicais em matéria de legislação laboral, nem, em particular, o do Decreto-Lei n.° 45-A/84, de 3 de Fevereiro, relativo à negociação colectiva no âmbito da Função Pública.

5 — É que, deste modo, as associações sindicais acabam, afinal, por não ter conhecimento, nem poder pronunciar-se, sobre o teor das normas que o legislador pretende, em última instância, aprovar e fazer publicar.

6 — Entendo, assim, que o respeito do princípio da boa fé, que deve nortear toda a actuação do Estado, mesmo enquanto legislador, exige que, em situações destas, se proceda a uma nova audição das associações sindicais.

7 — Só deste modo se salvaguardará aquele direito fundamental dos trabalhadores, que, enquanto tal, é da competência específica do Provedor de Justiça defender e fazer observar.

8 — Nestes termos, tenho por bem formular a seguinte recomendação:

Quando no decurso do processo de elaboração de legislação laboral se opere uma alteração substancial do projecto de diploma em causa, se promova sempre uma nova audição das associações representativas dos trabalhadores, mesmo que estas já hajam sido ouvidas sobre anterior versão do mesmo.

(Recomendação acatada)

14.01.94 R-1517/93.

Ex.mo Sr. Presidente de Acompanhamento das Reprivatizações:

1 — No processo R-1517/93, instaurado neste órgão de Estado, tendo por objecto a 3." fase de reprivatização do Banco Português do Atlântico, S. A., regulada pela Resolução de Conselho de Ministros n.° 44/93, de 21 de Maio, foi suscitada, entre outras questões de menor relevância, o alegado tratamento preferencial conferido aos grandes accionistas em detrimento dos pequenos accionistas, traduzido, na prática, na proporcionalidade atribuída em função das acções detidas pelos subscritores.

2 — Pesem embora os fundamentos invocados pelo reclamante no aludido processo se tenham' revelado improcedentes, no que diz respeito à operação de reprivatização do Banco Português do Atlântico, S. A. — entendimento também perfilhado por essa Ex.™ Comissão, no ofício n.° 40/93, 8 de Julho de 1993 —, certo é que remanescem ainda questões de pormenor, respeitantes à disciplina jurídica das operações de reprivatização, que importa realçar, visando especialmente o reforço da protecção dos pequenos subscritores das ofertas públicas de acções, a que tem recorrido o Governo, de uma forma generalizada, na reprivatização dos bancos nacionalizados.

3 — Um dos objectivos apontados às privatizações quer em sede de doutrina económica quer na respectiva Lei

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Quadro [(Lei 1/90, de 5 de Abril, no seu artigo 30.°, alinea c)], é justamente o de «possibilitar uma ampla participação dos cidadãos na titularidade do capital das empresas, através de uma adequada dispersão de capital, dando particular atenção aos trabalhadores das próprias empresas e aos pequenos accionistas», ou seja, a democratização do capital mediante o chamado accionarato laboral e popular.

4 — Dando consecução a este objectivo, tem-se procedido no sistema jurídico português à privatização total ou parcial das empresas públicas e nacionalizadas, passando, em primeira linha, pela transformação das empresas públicas de estrutura institucional em sociedades anónimas de capitais públicos, preparatória da privatização do respectivo capital, mediante a transmissão dos respectivos títulos ou acções.

5 — E nos modelos flexíveis que o legislador tem adoptado em relação à disciplina jurídica das operações de privatização — com salvaguarda, como é bem de ver, do disposto no artigo 296.° da Constituição e da Lei 11/ 90, de 5 de Abril, tem constituído prescrição essencial a fixação das quantidades mínimas e máximas individuais das aquisições de acções por accionistas, «na proporção das acções detidas», e, bem assim, tem sido determinado que as ordens de compra dos accionistas sejam efectivadas em lotes mínimos (5, 10, ou múltiplos destes) sujeitos a rateio, se necessário (v., por exemplo, Resolução do Conselho de Ministros n.° 44/93, de 21 de Maio).

6 — E em caso de rateio, tem provido o legislador, quase de modo uniforme, no sentido de que as acções dispon/veis para as ordens que não possam ser integralmente efectivadas devam ser distribuídas proporcionalmente às acções detidas.

7 — Ora, é justamente neste ponto específico que se pode e deve entender que a proporcionalidade estabelecida nas várias operações de privatização na modalidade de oferta pública de acções, quanto à distribuição das acções remanescentes em relação à procura não satisfeita, não deixou suficientemente acautelados os interesses dos pequenos subscritores, ao menos nalgumas reprivatizações levadas a cabo, como seja, a título de exemplo, a do Banco Português do Atlântico S. A., já atrás mencionada (Resolução do Conselho de Ministros n.° 44/93, de 21 de Maio).

8 — É que, bem vistas as coisas, se deve reconhecer ao que parece fundadamente, que o legislador, numa mais declarada protecção aos pequenos subscritores, deveria antes ter provido no sentido de que em caso de rateio — e embora sempre na proporção do número de acções cuja aquisição seja proposta — se devem satisfazer, em primeiro lugar, as ordens a que possam ser atribuídas, pelo menos, um «mínimo» de 10 acções, e que as acções, sobrantes devam, outrossim, ser atribuídas por lotes mínimos de 10 acções, mediante sorteio entre os subscritores não contemplados em primeiro lugar [cf., neste sentido preciso, Resolução do Conselho de Ministros n.° 40/92, in Diário da República, 1.* série-B, de 16 de Novembro de 1992, reprivatização da União de Bancos Portugueses, S. A.; artigo 4.°, alínea b), do Decreto-Lei n.° 170-B/90, de 28 de Maio — Alienação de 51 % do capital social do Banco Totta & Açores, S. A.].

9 — Considerando que por esta via regulamentar sairiam mais eficazmente protegidos os interesses dos pequenos subscritores e accionistas, na alienação pública ée acções, tidos na devida conta da Lei Quadro das Privatizações

[artigo 3.°, alínea e), in fine], tenho por bem recomendar a V. Ex.85 o seguinte:

Que nos pareceres ou informações a emitir pela Comissão de Acompanhamento das Privatizações, que o Governo entenda necessários sobre matérias relacionadas com os processos de privatização, seja tido na devida conta, nas operações a ocorrer no futuro e em que haja lugar a rateio, a satisfação, em primeiro lugar, das ordens a que possa ser atribuído, pelo menos, um mínimo de 10 acções, havendo depois lugar a sorteio, se necessário, entre os subscritores não contemplados em primeiro lugar.

14.01.94. R-2389/92.

A S. Ex.* o Ministro da Defesa Nacional:

1 —Em queixa que me dirigiu, um capitão, do Serviço Geral dos quadros permanentes da Força Aérea, actualmente na situação de reserva, alegou o seguinte:

1.1 —Tendo permanecido na situação de reserva cerca de 10 anos, na sequência de «saneamento revolucionário», requereu ulteriormente a revisão de sua situação militar, com vista a uma eventual reconstituição da carreira, conforme o previsto nos artigos 1.°, n.° 1, e 4.°, n.° 1, alínea a), do Decreto-Lei n.° 330/84, de 15 de Outubro.

1.2 — Apresentado o respectivo requerimento em 24 de Outubro de 1984 no CEMFA, em 8 de Março de 1985, verificando que o seu pedido de reintegração no activo não tinha sido ainda objecto de qualquer decisão, solicitou à mesma entidade lhe fosse dado a conhecer o despacho que porventura tivesse sido proferido (v. fotocópias anexas).

1.3 — Mas o pedido em causa só veio a ser deferido por despacho do CEMFA de 17 de Fevereiro de 1986, sendo o reclamante reintegrado no activo com o mesmo posto e antiguidade, por portaria de 4 de Março de 1986 publicada na OSFA, 2." série, n.° 22/86, ou seja cerca de ano e meio depois da apresentação do pedido.

1.4 — No entanto, como a decisão foi proferida em data muito próxima daquela em que o reclamante perfez 58 anos de idade — precisamente em 1 de Julho de 1986 — passou à reserva nos termos do artigo 71.° do antigo Estatuto do Oficial da Força Aérea, uma vez que atingiu o limite de idade para os militares com o posto de capitão permanecerem no activo.

1.5 — Em consequência desta situação, imputável no seu entender, à excessiva demora no deferimento do pedido de reintegração, o reclamante não teve possibilidade de frequentar o curso de formação legalmente exigível para a promoção ao posto imediato, consequência danosa que tem por injusta e discriminatória.

2 — Ouvido o CEM da Força Aérea, confirmou, no essencial, o precedente quadro factual e circunstancial, avançando a justificação de que a demora no deferimento do pedido de reintegração no activo, em causa, tal como outros de sentido paralelo, se deveu, presumivelmente, a dúvidas suscitadas na interpretação e aplicação do mencionado Decreto-Lei n.° 330/84, de 15 de Outubro (v. fotocópia do ofício n.° 69 208, de 30 de Dezembro de 1992, em anexo).

3 — Valorando juridicamente o quadro factual atrás descrito, devo reconhecer, desde logo, não estar em causa a legalidade intrínseca do despacho reintegiador proferido em 17 de Fevereiro de 1986 pelo CEMFA, dada a sua compatibilidade com a lei material [artigos 1." e 4.", n." 1,

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alínea b), do Decretó-Lei n.° 380/84, de 15 de Outubro]. No entanto já se revela censurável a dilação verificada na sua emissão, que se tem por indevida, por claramente excessiva, logo «não razoável» nas circunstâncias do caso. . •

4 — Com efeito, quer a jurisprudência do Tribunal Europeu, quer a perfilhada mais recentemente pelo Supremo Tribunal Administrativo, vem entendendo que embora os conceitos de «dilação» indevida e de «prazo razoável» seja o temporalmente adequado nas circunstâncias de cada caso.

5 — Foi justamente para evitar o arrastamento dos procedimentos administrativos que o Código de Procedimento Administrativo veio fixar, com carácter inovador, no respectivo artigo 71.°, um prazo comum concedido à Administração para a prática dos actos administrativos em geral (prazo de 15 dias).

6 — No caso vertente, na falta de prazo assinado na lei concretamente aplicada, deve ponderar-se que o prazo que mediou entre a apresentação do requerimento pelo oficial reclamante e o despacho que o reintegrou no activo —cerca de ano e meio— é manifestamente excessivo, atenta, sobremaneira, a circunstância de aquele satisfazer todas as condições especiais para a promoção ao posto imediato, à excepção do curso de formação, que a demora havida no despacho em causa impediu de frequentar.

7 — E não se afigura sequer atendível, nas circunstâncias, a justificação adiantada pelo CEMFA para a dilação verificada —dúvidas suscitadas na interpretação e aplicação do Decreto-Lei n.° 330/84, de 15 de Outubro —, considerando, por um lado, a clareza e alcance do seu conteúdo prescritivo, e por outro, o prazo concretamente utilizado para a apreciação e decisão do pedido formulado, que deve considerar-se não adequado no caso vertente.

8 — Noutra perspectiva, a omissão culposa da prática do acto decisório, no prazo temporalmente adequado, precludiu ao reclamante a promoção ao posto imediato, já que a passagem à reserva, por determinação da lei e em função da idade (58 anos), ocorreu justamente em 24 de Outubro de 19o6, ou seja, poucos meses após a sua reintegração no activo (Portaria n.° 22/86, de 4 de Março).

9 — Uma vez que se verificou, como parece decorrer da situação fáctica descrita, lesão efectiva nos direitos' interesses e expectativas legalmente protegidos do reclamante, resultou violado o artigo 266.° da Constituição, que consagra um princípio fundamental extensivo a toda a Administração Pública, tanto directa como indirecta, civil, ou militar, já que toda a actividade pública se acha sujeita à Constituição (cf., neste sentido preciso, Prof. Gomes Canotilho e Dr. Vital Moreira, Constituição Anotada, vol. 2.°, pp. 418 e 419).

10 — Finalmente, no condicionalismo descrito a conduta omissiva culposa posta em causa, demonstrado que seja o prejuízo e o nexo de causalidade com aquela, pode ainda consubstanciar responsabilidade extracontratual do Estado, em forma solidária com o titular de um órgão seu, consagrada no artigo 22." da Constituição e na lei ordinária (Decreto-Lei n.° 48 05\, de 21 de Novembro de 1968), responsabilidade eventualmente a apreciar em sede própria, pelo órgão jurisdicional competente.

U —Em face do precedentemente exposto, e visando especialmente evitar a repetição no futuro de condutas omissivas semelhantes, no âmbito das Forças Armadas; tenho por bem recomendar a Vossa Excelência, nos termos

da alínea b) do n.° 2 do artigo 20." da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, o seguinte:

Deve ser emitida providência regulamentar adequada na qual seja determinado o seguinte:

a) Os requerimentos formulados por militares dos três ramos das Forças Armadas quer no activo, quer na situação de reserva fora da actividade de serviço, designadamente os que se reportem à reconstituição e revisão de carreira, deverão ser decididos pela entidade militar competente, na falta de indicação expressa na lei, no prazo temporalmente adequado a cada caso, por forma a não lesar, ou por qualquer forma prejudicar, os direitos interesses e expectativas, legalmente reconhecidos, dos interessados;

b) De modo particular, deverão ser despachados com a urgência que for reclamada em cada caso, os requerimentos formulados por militares na iminência ou proximidade da passagem à reserva, em razões de idade, por

j forma a não precludir os seus legítimos

direitos ou expectativas de promoção ao posto imediato, especialmente nos casos em que a mesma esteja condicionada à frequência de cursos de formação, ou realização de concursos.

12 — Dignar-se-á.V. Ex.4 dar à presente Recomendação a divulgação interna no âmbito dos Estados Maiores dos três ramos das Forças Armadas, que entenda por adequada.

(Recomendação acatada.)

17.01.94. R-2612/92.

A Sua Excelência o Primeiro-Ministro:

.Num processo que corre termos nesta Provedoria de Justiça, constatei que se encontra em vigor o disposto no , artigo 33.° do Decreto-Lei n.° 38 523, de 23 de Novembro de 1951, extraindo desse preceito a regra de o Estado não dever segurar os seus servidores ou quaisquer indivíduos que lhe prestam serviço. Numa primeira análise parecem não conformes às regras do Estado social normas como aquela que acima refiro. Sabendo-se da deficiente protecção dos familiares dos sinistrados em caso de acidente de serviço, não vislumbro razões ponderosas para a manutenção da proibição de segurar. Afigura-se-me que tal norma pode constituir obstáculo à verdadeira realização do estudo e sistema de segurança social, que abrangerá as situações de falta ou diminuição dos meios de subsistência (cf. artigo 63.°, n.° 4, da CRP). De contrário, parece-nos que os sistemas de transferência de responsabilidade, através de celebração de contrato de seguro, poderia garantir uma maior amplitude, com maior celeridade, da protecção das vítimas de acidentes em serviço e seus familiares.

Face ao exposto, e porque não vislumbro razões para a vigência actual do disposto no artigo 33." do Decreto-Lei n.° 38 523, de 23 de Novembro de 1951, tenho por bem formular a V. Ex.* uma recomendação no sentido de ser

tomada uma medida legislativa que aponte no sentido da sua revogação.

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18.01.94. R-1031/90.

A S!'Ex.* o Secretário de Estado da Segurança Social:

1 — O Decreto-Lei n.° 321/88, de 22 de Setembro, que integrou na função pública os docentes do ensino particular e cooperativo para efeito do regime de segurança social aplicável, não salvaguardou as expectativas dos docentes que, à data da sua entrada em vigor, acumulavam a situação de aposentados por outro cargo público. Tinham essas expectativas por objecto a possibilidade de, quando se reformassem no âmbito do regime geral de segurança social em que estavam enquadrados, aqueles docentes virem a receber uma pensão que acumulariam com a pensão de aposentação que então já se encontravam a auferir.

2 — Verifica-se, assim, estar-se perante uma situação de direitos «em formação» que não foram devidamente protegidos. E não pode deixar de se reconhecer que competia, em princípio, à Secretaria de Estado da Segurança Social — departamento do qual este pessoal estava afecto — acautelar a salvaguarda de tais situações jurídicas, na sua transição para outro sistema (o da Caixa Geral de Aposentações). Neste termos, considero de formular a seguinte recomendação:

Que essa Secretaria de Estado diligencie pela emanação de uma medida legal que, configurando um regime transitório, permita aos docentes que, à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 321/88, já eram aposentados da função pública, a opção entre os dois regimes de segurança social.

(Recomendação não acatada.)

18-01.94. R^142/91.

A S. Ex.* o Secretário de Estado da Segurança Social-.

1 — Face a numerosas queixas que me têm sido dirigidas, formulei oportunamente a V. Ex* Recomendação insistindo na necessidade da publicação do diploma que regulamenta as condições em que pode ser reconhecido o direito aos benefícios por morte nas situações previstas no artigo 8." do Decreto-Lei n.° 322/90, de 18 de Outubro.

2 — De facto, depois de ter sido alcançado, com a publicação daquele diploma, o objectivo que há muito se aguardava de se atribuir relevância jurídica às situações de pessoas não casadas para efeitos de concessão de prestações sociais (à semelhança do que sucedia desde 1979 no regime de segurança social da Função Pública), não parece aceitável que os seus titulares continuassem, na prática, sem protecção social por manifesta inércia na adopção das providências legislativas que tornem exequível • o Decreto-Lei n.° 322/90, nesta matéria.

3 — Nessa conformidade, não posso deixar de, mais uma vez., chamar a atenção de Vossa Excelência para os inconvenientes e prejuízos daí decorrentes, traduzidos em numerosos pedidos de atribuição de benefícios, formulados ao abrigo do disposto no artigo 8.° do Decreto-Lei n.° 322/90.

4 — Por outro lado, referindo-se concretamente ao conteúdo da regulamentação cuja publicação se aguarda, aproveito a oportunidade para abordar a questão do regime de prova a estabelecer relativamente ao direito a alimentos de cuja existência depende o reconhecimento do direito às prestações por morte, aos casos em que o requerente invoque que vivia em união de facto com o beneficiário' falecido.

5 — É um facto que, nesta matéria, o Estatuto das Pensões de Sobrevivência relativo ao sector público, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 191-B/79, de 25 de Junho, apenas reconhece relevância à situação de união de facto prevista no artigo 2020.° do Código Civil, depois da sentença judicial que fixe ao interessado direito a alimentos (artigo 41.°, n.° 3).

6 — Esta exigência tem-se revelado, contudo, bastante restritiva, verificando-se que não são poucos os casos em que os que viveram maritalmente com outrem não intentam após a morte deste acção de alimentos contra a herança.

7 — E isto não deixa de ter a sua lógica. A pensão de sobrevivência tem, afinal também, uma finalidade «alimentar». Os que a requerem pensam que esse é o modo de suprir o sustento que lhe era proporcionado pelo falecido — sem terem de, além disso (embora antes, em termos cronológicos), pedir também alimentos aos herdeiros daquele.

8 — Por outro lado e para além de não parecer forçoso que a segurança social enverede por um regime tão restritivo como o da legislação referente ao sector público (cuja alteração foi por esse facto objecto de recomendação que dirigi a Sua Excelência a Secretária de Estado do Orçamento), o que é certo é que o próprio Decreto-Lei n.° 322/90 não obriga a que sobre as situações de união de facto tenha recaído sentença judicial a atribuir alimentos.

9 — Na verdade, o artigo 8.° do Decreto-Lei n.° 322/ 90, apenas se reporta àqueles «que se encontram na situação prevista no n.° 1 do artigo 2026.° do Código Civil». E essa situação é a de terem, pelo menos há dois anos, vivido em condições análogas à dos cônjuges.

10 — Valerá a pena ainda acrescentar que tão pouco se considera relevante a analogia que eventualmente se venha a invocar face à norma que exige sentença atribuidora de

alimentos relativamente ao ex-cônjuge divorciado ou separado judicialmente.

É que, nestas hipóteses, a situação é bem diversa, pois as pessoas já não viviam em comum à data da morte do trabalhador, ao contrário do que sucede na previsão do n.° 1 do artigo 2020.° do Código Civil.

11 — Consideram-se, pois, abertas outras formas de comprovar ou certificar o direito a alimentos, justificáveis nos casos em que não seja possível o recurso à prova judicial, face, nomeadamente, aos condicionalismos legais a que está sujeita a interposição da respectiva acção judicial.

12 — Para tanto bastará que se admitam outros meios que, de forma idónea,' provem que o requerente dependia economicamente do beneficiário, encontrando-se em situação de falta ou diminuição de meios de subsistência.

Face a todo o exposto, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 20.° da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, permito-me formular a Vossa Excelência a seguinte recomendação:

Que no diploma que vier a ser publicado para regulamentação do n.° 2 do artigo 8.° do Decreto-

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-Lei n.° 322/90, de 18 de Outubro, seja regulado em termos amplos (mas naturalmente seguros) e não restritivos o processo de prova das situações a que se refere aquele normativo. •

(Recomendação não acatada.)

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R-3321/92 (R-424/93, R-509/93, R-714/93, R-1020/93)

Ex.mo Senhor Director-Geral das Contribuições e Impostos:

1 — Diversos funcionários da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos dirigiram-me exposições em que contestam a legalidade da Ordem de Serviço n.° 24/92 do Director-Geral das Contribuições e Impostos, relativa à definição de regras para a concessão do abono de vencimento de exercício perdido nos termos dos n.05 2 e 4 do artigo 27.' do Decreto-Lei n.° 497/88, de 30 de Dezembro. Segundo esta Ordem de Serviço, a concessão do abono do vencimento do exercício perdido por funcionários dessa Direcção-Geral apenas seria autorizada aos funcionários cuja última classificação de serviço fosse de Muito Bom e, cumulativamente, não tivessem dado, no decurso dos três anos anteriores ao do evento, qualquer falta injustificada ou mais de seis /altas que implicassem a perda de vencimento ou de vencimento de exercício.

2 — Analisada a situação, concluí o seguinte:

2.1 — O artigo 27.°, n.° 4, do Decreto-Lei n.° 497/88, de 30 de Dezembro [diploma publicado no uso da autorização legislativa conferida pelo artigo 16.°, alínea b), da Lei 2/88, de 26 de Janeiro], determina que «o dirigente máximo do serviço pode, a requerimento do interessado e considerada a sua última classificação de serviço, autorizar, no todo ou em parte, o abono de vencimento de exercício perdido nos termos do n.° 2 do mesmo artigo», ou seja, o vencimento de exercício perdido nos primeiros 30 dias de fatias por doença.

2.2 — Este artigo confere um poder discricionário ao dirigente máximo do serviço, aferido pela utilização da expressão facultativa «pode», o que significa que o exercício do mesmo depende do critério de utilização do respectivo titular, que lhe dá a opção por várias soluções, todas legais. Essa liberdade de acção exprime-se pela liberdade de autorizar ou não autorizar; de, autorizando, considerar a classificação de serviço em termos restritivos ou ampliativos e de autorizar parcial ou totalmente o abono requerido.

2.3 — Mas, para ser legal, o exercício do poder discricionário deve respeitar as vinculações ou pressupostos legais e não desviar-se do fim que a lei teve em vista para o seu exercício.

2.4 — Ora o artigo 27.°, n.° 4, prevê determinadas vinculações legais ou pressupostos: em matéria de competência (dirigente máximo do serviço); em matéria de fim (benefício a conceder a funcionários com boas ou muito boas classificações de serviço); em matéria de formalidades (mediante requerimento do interessado).

2.5 — Na Ordem de Serviço 24/92 dessa Direcção-Geral acrescentam-se à motivação do acto, que decorre da Lei (a classificação de serviço), elementos respeitantes à assiduidade do funcionário, factor que não integra nem directa nem indirectamente os que devem ser valorados nos

termos do artigo 6.° do Decreto Regulamentar n.°44-B/83 e Portaria 642-A/83, ambos de 1 de Junho. Desse acrescentamento decorre que se coloca em paridade com o motivo previsto na lei outro motivo que a lei não contempla e que pode determinar o sentido positivo ou negativo da autorização.

2.6 — É certo que, nos termos do artigo 19.°, § único, da LOSTA, a Administração, no exercício do poder discricionário, não está impedida de prosseguir outros fins acessórios, para além dos fins previstos na lei, desde que, coexistindo vários fins, o fim principal ou legalmente prescrito seja o determinante do acto. É a teoria da irrelevância do motivo superabundante, que encontra expressão em jurisprudência do .Supremo.Tribunal Administrativo (cfr. entre outros, ACs do STA de 20/10/87 - AD 324, p. 1484; de 24/3/61 - AD 178, p. 128; 20/7/62 - AD 13/13; do TO de 22/6/83 - AD 264, p. 1511; de 23/2/63 - AD 5, p.617; de 7/3/74 - AD 152, p. 1032; de 11/5/62 - AD 10, p. 1223; de 18/5/62 - AD 10, p. 1234.,

2.7 — O que a Administração não pode é alterar o fim prescrito na lei (o fim é sempre um elemento vinculado em todos os actos discricionários, bem como a competência), ou acrescentar outro fim, que desvie a prática do acto do fim determinante previsto na lei, ou basear-se em motivos determinantes que não condigam com o fim visado pela lei.

2.8 — A Ordem de Serviço 24/92 consubstancia uma autovinculação do poder discricionário, ou seja, um conjunto de normas genéricas em que a Administração anuncia os critérios a que obedecerá na apreciação de determinado número de casos. Esta autovinculação está sujeita a limites idênticos aos que ocorreriam no exercício casuístico do poder discricionário, pois o despacho de autovinculação tem de respeitar os pressupostos legais ou elementos vinculados do acto, não podendo acrescentar motivos que não poderia ter em conta para o exercício daquele poder (cfr., entre outros, AC do STA de 13/1/87 - BMJ 363 - 1987 - pp. 303 e 304). '

2.9 — A Ordem de Serviço 24/92 viola o disposto no artigo 27.°, n.° 4, do Decreto-Lei n." 497/88, de 30 de Dezembro, violação da lei na modalidade de erro de direito sobre os pressupostos.

3 — Em face do exposto, ao abrigo da competência que me é conferida peio artigo 20.°, n.° 1, alínea d), da Lei n.°, 9/91, de 9 de Abril, formulo a V. Excia, a seguinte recomendação:

Que revogue a Ordem de Serviço n.° 24/92, dado a mesma violar o pressuposto legal respeitante ao fim constante do artigo 27.°, n.° 4, do Decreto-Lei n.° 497/88, de 30 de Dezembro.

(Recomendação acatada.)

94.01.24. R-1925/92.

Ex."10 Senhor Presidente do Conselho Directivo do Centro Regional de Segurança Social de Portalegre:

1 —Como é do conhecimento de V. Excia., a

Delegação de Portalegre do Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Sul e Açores reclamou para o Provedor de Justiça da posição que tem vindo a ser sustentada por esse Centro Regional de Segurança Socrak

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em matéria de recuperação de vencimento de exercício, relativamente às faltas dadas ao serviço para assistência a familiares doentes.

1.1 — Segundo refere aquela Associação Sindical e foi corroborado por V. Excia. np ofício n.° 019034, de 21 de Setembro de 1992, dirigido a esta Provedoria, é entendimento vosso que as faltas para assistência a familiares doentes não são «passíveis de recuperação do vencimento», pois que se o legislador «pretendesse que existisse recuperação do vencimento nos casos de assistência a familiares, tê-lo-ia ou deveria ter feito expressamente de forma clara e inequívoca».

2 -^Permito-me, desde já, discordar dessa posição, por contrária à lei.

3 — O regime das faltas para assistência a familiares doentes consta do artigo 53.° do Decreto-Lei n.° 497/88, de 30 de Dezembro, da Lei n.° 4/84, de 5 de Abril, e do Decreto-Lei n.° 135/85, de 3 de Maio.

4 — Há que distinguir duas categorias de faltas para assistência a familiares doente: •

a) As faltas para assistência a descendentes e equiparados menores de dez anos (cfr. artigo 13.° da Lei n.° 4/84);

b) As faltas para assistência a descendentes e equiparados maiores de dez anos e outros familiares idenüficados no artigo 23.° da Lei n.° 4/84.

5 — Relativamente aos efeitos destas duas categorias de faltas, designadamente np que ao vencimento diz respeito, estabelece o artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 135/85, de 3 de Maio.

6 — Por seu turno sobre as faltas por doença do funcionário e também no aspecto do vencimento dispõem os n.°s 2 e 4 do artigo 27.° do Decreto-Lei n.° 497/88, de 30 de Dezembro.

7 — Da conjugação dos citados preceitos resulta de forma ciara e inequívoca o seguinte:

7.1 — As faltas para assistência a familiares, doentes menores de dez anos, têm um regime mais favorável do que as faltas por doença do próprio. São, efectivamente, consideradas prestações efectivas de trabalho, o que implica, desde logo, o não desconto na antiguidade para efeitos de carreira, independentemente do seu número. Implicam, todavia, a perda do vencimento de exercício, subsumindo-se expressamente no número de faltas que nos termos da lei dão origem à perda do vencimento de exercício, ou seja no número de trinta referido no n.° 2 do artigo 27.° do Decreto-Lei n.° 497/88 e consequente e logicamente na previsão do n.° 4 do mesmo artigo.

7.2. —As faltas para assistência aos demais familiares são equiparadas, para todos os efeitos legais, às faltas por doença do próprio. Esta equiparação não tem outro alcance que não seja á remissão global para o regime das faltas por doença do próprio funcionário e, obviamente, para o artigo 27.° do Decreto-Lei n.° 497/88.

Desta equiparação,' em termos práticos, resulta:

a) Descontam na antiguidade quando, somadas as faltas por doença do próprio, ultrapassam'trinta em cada ano;

b) Entram no número de trinta seguidas ou interpoladas que em cada ano civil determinam a perda do vencimento;

c) Integram-se na previsão do n.° 4 do artigo 27.° do Decreto-Lei n.° 497/88.

7.3. — Este mesmo entendimento é sustentado pela Direcção-Geral da Administração Pública (fotocópia anexa).

7.4 — Em resumo, estas duas categorias de faltas têm, no que se refere ao vencimento, o mesmo regime. Isto é, entram no cômputo das trinta que em cada ano civil determinam a perda do vencimento e consequente e logicamente podem dar lugar à concessão de recuperação do vencimento de exercício perdido.

7.5 — Do concluído e exposto nos pontos antecedentes resulta, por outro lado, que, atento o número de dias de faltas desta natureza que podem ser dadas em cada ano civil, trinta para assistência a familiares menores de dez anos (período que poderá ser superior em caso de internamento e que a duração pode coincidir com a daquele), artigo 13.°, n.° 2, da Lei n.° 4/84, e quinze para os demais familiares (cfr. artigo 13.° e 23.° da Lei n.° 4/84) —o número fixado no n.° 2 do artigo 27.° do Decreto-Lei n.° 497/88 pode ser totalmente esgotado por faltas desta natureza, sem inclusão de qualquer falta por doença do próprio, ou ser preenchido com faltas dessa e doutra natureza.

8 — É, pois, ilegal o entendimento sustentado por esse organismo, segundo o qual as faltas para assistência a familiares doentes não são passíveis de recuperação do vencimento de exercício, sendo igualmente ilegais os despachos que com fundamento exclusivo naquele entendimento têm recusado aquela recuperação. Ou seja, não constituindo a recuperação do vencimento do exercício um direito do funcionário ou agente, pode o mesmo ser denegado se houver razões objectivas que o fundamentem. Não é, porém, legítimo recusá-la com o exclusivo fundamento de que a lei o não admite.

9 — Nestes termos e ao abrigo do artigo 20.° da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, formulo a V. Excia. a seguinte recomendação:

a)' Que seja alterado p entendimento que sobre o assunto esse Centro Regional de Segurança Social erradamente vem sustentando e sejam consideradas abrangidas pelo disposto nos n.os 2 e 4 do artigo 27.° do Decreto-Lei n.° 427/88, de 30 de Dezembro, as faltas para assistência a familiares doentes.

b) Que sejam revistos e reapreciados todos os pedidos em que foi negada a recuperação do vencimento de exercício relativamente a faltas daquela natureza, com fundamento exclusivo de que a lei o não admite.

94.01.10. R-2551/92.

A Sua Excelência a Ministra da Educação:

1 — Vários professores aposentados antes do final do ano lectivo têm vindo a apresentar reclamações, considerando injusta a posição do Ministério de Educação ao recusar-lhes a atribuição de um montante correspondente ao terço do vencimento, após a aposentação, por funções efectivamente exercidas por imposição do Ministério de Educação, até ao final do ano lectivo em curso.

2 — Argumentam ainda que antes da publicação do Estatuto da Carreira Docente (ECD) existia legislação que lhes permitia acumular a pensão provisória de aposentação

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com um terço dos vencimentos correspondentes às funções exercidas.

2.1—De facto, ó Decreto-Lei n.° 221/80, de 11 de Julho, estatuía, no artigo Io, que os professores que no decurso do ano lectivo atingissem o limite de idade podiam manter-se até ao final do mesmo ano em funções docentes, mediante requerimento dirigido ao Director-Geral de Pessoal.

2.2 — Ainda e de acordo com o n.° 1 do artigo 3." do mesmo diploma que dispunha: «Pelo exercício de funções docentes poderão acumular a pensão provisória de aposentação que, nos termos legais em vigor, lhes vier a ser fixada com um terço dos vencimentos correspondentes às funções exercidas»; aos docentes em causa era atribuída uma compensação pela permanência no exercício de funções docentes, após a aposentação.

3 — Após a publicação do ECD veio o seu artigo 121 n.° 1, determinar a permanência no exercício de funções docentes até ao final do ano lectivo quando a situação de aposentação (voluntária ou por limite de idade) viesse a verificar-se depois do final do primeiro período.

4 — Não acautelou expressamente, no entanto, o referido diploma os interesses destes docentes; e daí, neste momento, a contestação.

5— Ouvido sobre o assunto o DPGF pronunciou-se nos termos que se dão por reproduzidos.

6 — Não parece, porém, sustentável a posição assumida pelo Ministério da Educação..

6.1 — Com efeito, o artigo 121.° do ECD não previu a possibilidade de os docentes nestas condições acumularem, como acontecia no domínio da legislação anterior, a pensão de aposentação com um terço do vencimento correspondente às funções exercidas até ao final do ano lectivo. Mas tão-pouco excluiu tal possibilidade.

6.2 — Apesar de.se tratar de norma especial que prevalece sobre as normais gerais da função pública, designadamente do Estatuto da Aposentação — artigos 78.° e 79." — cuja aplicação de acordo com o artigo 119.° (ECD) é supletiva, não deixará de ser legítima a colocação da questão do enriquecimento sem causa, caso de optasse pela posição excludente dessa aplicação.

6.3— Mas tal não é verdade; a norma especial não regula esta situação. Não prevendo tal acumulação, também não a afasta, pelo que há que recorrer, nessa parte não regulada, à norma geral, constante dos artigos 78." e 79.? do Estatuto da Aposentação, impondo-se deste modo o pagamento de um terço do vencimento.

7 — Neste momento, forçoso será dilucidar a questão sobre os seguintes aspectos:

7.1 — No domínio da legislação anterior o professor mantinha-se em funções quando fosse deferido o seu requerimento no sentido de permanecer em funções docentes até ao final do ano lectivo, ao passo que actualmente o docente exerce essas funções por imposição legal.

7.2 — O ECD constitui legislação especial relativamente ao Estatuto da Aposentação. •

7.3 — A permanência no exercício de funções docentes, resultante ex vi dos n.™ 1 e 2 do artigo 121.° do ECD, tem em vista a prossecução do interesse público, retirando evidentes benefícios pedagógicos das actividades escolares com o mesmo professor — não resultando de qualquer opção feita pelo docente.

7.4 — Por outro lado, sempre seria de levar em conta que, em termos absolutos, o exercício de funções sem qualquer contrapartida redunda em enriquecimento sem causa

por parte da Administração, facto que, em termos de princípio, sempre será de rejeitar.

7.5 — A legislação especial não regula este aspecto, pelo que há que recorrer à lei geral.

7.6 — Acresce, finalmente, que quer a Região Autónoma dos Açores quer a da Madeira resolveram o assunto pela publicação dos Decretos Legislativos Regionais n.0» 8/93/A e 13/93/M, respectivamente de 14 de Maio e de 14 de Agosto, expressamente consagrando, em legislação especial, tal direito e dando, assim, lugar a uma situação de desigualdade verdadeiramente intolerável, violadora de princípios constitucionais, por via da aplicação errada da lei por parte da administração central.

8 — Face ao que antecede, tenho por bem efectuar a seguinte recomendação:

Deverá esse Ministério providenciar para que seja cumprida a lei (artigos 78." e 79." do Estatuto da Aposentação), abonando aos professores que sejam aposentados antes do final do ano lectivo o terço do vencimento devido pelo exercício das funções docentes, em acumulação com a pensão de aposentação.

94.01.10. R-2834/91.

A. Sua Excelência o Secretário de Estado da Segurança Social:

Considerando que o Decreto-Lei n.° 380/89, de 27 de Outubro, relativo ao pagamento retroactivo de contribuições, não é aplicável ao pessoal do serviço doméstico;

Considerando que, nos termos do artigo 63.°, n.° 5, da Constituição, todo o tempo de trabalho contribuirá para o cálculo das pensões de velhice e de invalidez, independentemente do sector de actividade em que tiver sido prestado;

Considerando, assim, que se impõe a instituição de um regime legal que permita aos trabalhadores em causa que todo o seu tempo de serviço será levado em conta no cálculo das suas pensões, quer de velhice quer de invalidez;

Considero de formular a seguinte recomendação:

Que venha a ser emitido um diploma legal que permita ao pessoal do serviço doméstico o pagamento retroactivo de contribuições relativas a tempo de serviço prestado anteriormente ao enquadramento dessa actividade na segurança social, quer no território português quer no ex-ultramar.

(Recomendação não acatada.)

94.01.11 R-3075/93

A Sua Excelência o Presidente da Assembleia da República:

A Comissão de Trabalhadores da RTP, S. A., apresentou queixa na Provedoria de Justiça, relacionada com a aplicação que tem vindo a ser feita da Lei n.° 46/79, de 12 de Setembro, nesta empresa do sector empresarial do Estado.

Nesse âmbito, foi-me colocada a questão — que agora trago junto de Vossa Excelência — da falta de regula-

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mentação da mesma lei e, em particular, dos seus artigos 30.° e 31.°, que prevêem a eleição de representantes dos trabalhadores das empresas para os órgãos sociais e de gestão das mesmas. 0 MÚgo 4D.° àapuéia )ei estipula, mesmo, o pfa2o à&

60 dias, a contar da data da sua entrada em vigor, para que as comissões de trabalhadores dêem cumprimento ao dispWo nos referidos artigos 30.° e 31.° que, mais do que simples faculdades, consagram, pois, verdadeiros poderes--deveres das mesmas comissões de trabalhadores.

O exercício de tais poderes-deveres é, porém, fortemente limitado pela inexistência de diploma que, desde logo, defina os poderes dos representantes dos trabalhadores' nos órgãos das empresas e estabeleça o seu estatuto.

Pela sua actualidade e pertinência, permito-me transcrever aqui o ponto 6.° do sumário do Parecer n.° 177/79, de 15 de Novembro de 1979, da Procuradoria-Geral da República, publicado no Diário da República, 2." série, de 29 de Abril de 1980, a pp. 2934 e seguintes, cuja leitura, na íntegra, se revela de extrema utilidade na apreciação e melhor compreensão da importância da questão aqui em análise:

6." - Os artigos 30.° e 31.° não definem os poderes dos representantes dos trabalhadores nos respectivos órgãos da empresa, tornando-se necessário, em consequência, a sua regulamentação por diploma que estabeleça o seu estatuto, quer no que respeita a funções, quer no que concerne a responsabilidades.

Por outro lado, as próprias empresas, nos seus estatutos, não dão cumprimento ao disposto no n.° 2 do citado artigo 30.°, dado tais estatutos serem, frequentemente, omissos quanto ao número de trabalhadores a eleger e ao órgão social competente.

Não obstante tal omissão, foi por duas vezes nomeado, no caso da RTP, um representante dos trabalhadores junto do conselho fiscal o que, porém, não se verificou em relação aos restantes órgãos da empresa, demonstrando bem o carácter pouco rigoroso, senão mesmo aleatório, de que se reveste, actualmente, a representação dos trabalhadores junto dos órgãos sociais e de gestão das empresas.

Creio, pois, que a publicação de um diploma de regulamentação da Lei n.° 46/79 e, em particular, dos seus artigos 30.° e 31.°, penrútiria quer o pleno exercício do poder--dever atribuído às comissões de trabalhadores de eleger representantes dos trabalhadores para os órgãos sociais e de gestão das empresas quer a consagração expressa da obrigatoriedade, para as empresas destinatárias das normas contidas nos artigos em causa, de inclusão, nos respectivos estatutos, de disposição que esclareça, claramente, qual o número de trabalhadores a eleger e qual o órgão social competente.

Só deste modo, estou certo, serão concretizados os direitos constitucionais garantidos às comissões de trabalhadores pelas alíneas b) e f), do n.° 5 do artigo 54.° da Constituição da República Portuguesa e sanada, definitivamente, a inconstitucionalidade por omissão que se regista desde a data da entrada em vigor da Lei n.° 46/79, de 12 de Setembro.

Pelo exposto, recomendo a Vossa Excelência, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 20." da Lei n.°9/91, de 9 de Abril, a elaboração de diploma regulamentar da Lei n.° 46/79, de 13 de Setembro, nomeadamente dos seus artigos 30.° e 31.°, sem que os objectivos visados por aquelas disposições legais se revelarão fortemente comprometidos, senão mesmo de todo. inviabilizados, o

mesmo acontecendo, como se viu, com o exercício de direitos constitucionalmente garantidos.

Na mesma data, e ainda nos termos do disposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 20.° da supracitada Lei n.° 9/

91, dirijo igual recomendação a Sua Excelência o Senhor

Primeiro-Ministro, bem como a Sua Excelência o Senhor Ministro-Adjunto ao qual dirijo, ainda, recomendação no sentido de promover a alteração dos estatutos da RTP, S. A., aprovados pela Lei n.° 21/92 de 14 de Agosto, totalmente omissos no que respeita à obrigação constante do n.° 2 do artigo 30.° da Lei n.° 46/79, coartando, assim, desde logo, o exercício dos poderes-deveres a que venho fazendo referência.

94.01.19 R-1318/90

A Sua Excelência o Secretário de Estado do Ensino Superior:

1 — Pelos orientadores de estágio da Faculdade de Ciência do Porto foi-me dirigida uma reclamação que visava o pagamento de uma gratificação mensal prevista no n.° 2 do artigo 32.° do Decreto-Lei n.° 580/80.

2 — Fazia, ainda, esta reclamação referência à alteração legislativa que, sobre a actualização de gratificações dos orientadores de estágio, foi publicada em 26 de Janeiro, pelo Decreto-Lei n.° 37/90.

3 — Obtida resposta, remetida a esta Provedoria de Justiça em 19 de Setembro de 1991, pelo ofício n.° 3579 dessa Secretaria de Estado, foi prestada a seguinte informação: «Assim, entendeu-se como preferível a elaboração de um projecto de diploma visando alterar o artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 37/90, reportando a sua entrada em vigor para data que não afecte as expectativas em causa.»

4 — Desde então os reclamantes têm vindo a pedir a resolução do caso que pende nessa Secretaria de Estado há mais de três anos, por entenderem que lhes é devida uma gratificação dado que, quando iniciaram funções, foram encarregados pelo Conselho Científico para orientar os estágios pedagógicos dos Ramos Educacionais da Faculdade de Ciências, nos termos do artigo 7." da Portaria n.° 431/79, de 16 de Agosto.

5 — E posteriormente, de acordo com a legislação em vigor à data do início de funções (n.° 1 do artigo 6.° do Decreto-Lei n.° 78/82, de 9 de Março), aos professores universitários e aos orientadores responsáveis por cada núcleo de estágio «passa a ser devida a gratificação mensal prevista no n.° 2 do artigo 32.° do Decreto-Lei 580/80, paga durante 12 meses do ano».

6 — A existência desta gratificação resulta de a orientação dos estágios pedagógicos constituir uni trabalho para além do serviço docente normal, nomeadamente da necessidade de os orientadores de estágio se deslocarem aos estabelecimentos de ensino secundário para assistir às aulas dos estagiários.

7 — Só que no primeiro semestre desse ano lectivo foi publicado o Decreto-Lei n.° 37/90, de 26 de Janeiro, que actualiza as gratificações dos orientadores de estágio do ensino secundário, pondo fim às gratificações dos mesmos orientadores de estágio das Universidades, com efeitos retroactivos a 1 de Setembro.

8 — Consideram, assim, os reclamantes que tal procedimento, introduzindo alterações depois de ter decorrido

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mais de 50% do trabalho prestado, com efeitos retroactivos, viola as regras de segurança com que os cidadãos que se relacionam com. o Estado devem contar inequivocamente, podendo tal retroactividade configurar uma inconstitucionalidade.

9 — Possivelmente por ter considerado tal hipótese é que essa Secretaria de Estado terá prestado á informação que se dá por reproduzida.

10 — E nem parece que se trate de expectativa ainda não juridicamente tutelada, como refere a informação prestada por esse departamento, uma vez que à data do início do ano lectivo os reclamantes tinham direito à gratificação nos termos do n.° 1 do artigo 6.° do Decreto-Lei n.° 78/82 e mantiveram-na até à publicação do Decreto-Lei n.° 37/ 90, de 16 de Janeiro; prova de que não se tratava de mera expectativa foi a obrigação de reporem as gratificações que correspondiam ao exercício de trabalho efectivamente prestado e de boa fé. <

11 — Face ao que antecede tenho por bem recomendar a Vossa Excelência que seja publicada legislação no sentido de ser paga, aos reclamantes, a gratificação devida por orientação do estágio, no ano lectivo de 1989/1990.

94.01.13. R-1266/93. '

A Sua Excelência o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais:

Reporto-me ao parecer da Consultadoria Jurídica da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos acerca da impossibilidade de restituição de imposto do selo pago por estampilha, sancionado por despacho de 93/11/23, de Sua Excelência o Subsecretário de Estado Adjunto da Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento, exarado sobre a informação n.° 878, Livro 10/3216, proc. 6/1 da 6.* Direcção de Serviços.

Em 26 de Julho último havia dirigido uma recomendação ao Exm.° Senhor Director da 6* Direcção de Serviços da D.G.C.I., solicitando a restituição, aos Senhores .... da importância de 26.205S00 indevidamente paga em 19 de Maio de 1992.

O. parecer da Consultadoria Jurídica da D.G.C.I. proferido sobre o assunto, pretendendo justificar o não acatamento daquela minha recomendação, mais não faz, salvo o devido respeito, que recorrer a argumentos demasiadamente formais e atinentes à letra da lei, sem cuidar de apreciar a questão substantiva e de fundo que sempre deve, segundo os melhores princípios de interpretação das leis, prevalecer sobre os argumentos formais e literais. Senão, vejamos:

Uma vez resumida a matéria de facto — que me escuso a relatar por sobejamente descrita, quer no parecer em análise quer na minha recomendação, cujas cópias me permito juntar — começa a Exm* Assessora Principal por salientar e atribuir extrema importância ao facto de o processo de restituição do imposto do selo se não reger pelos princípios gerais do contencioso tributário, mas antes

por um contencioso especial, contido nos artigos 251.° a

257 .°-A do respectivo Regulamento.

Não ponho em causa tal afirmação. Aliás, precisamente

sobre o carácter especial não só do processo de restituição

como de todo o imposto do selo, escrevia já, em 1986,

4

Vítor Faveíro. a p. 43 das suas NoçòèS Furu^flmêníflíS ¿6 Direito Fiscal Português, vol. II, Coimbra Ed.:

Trata-se de um imposto condenado a sofrer profundas restrições, se não supressão total, por constituir um dos maiores entraves da vida económica ou mesmo social; e que, em muitos casos, implica situações manifestas de dupla tributação (sublinhado meu).

Pretendo com isto dizer, tão-só, que o carácter «especial» deste imposto não impede a aplicação, no seu âmbito, de noções e princípios de direito fiscal —como é o caso da dupla tributação ou duplicação de colecta, aliás já reconhecida, neste caso concreto, pela Direcção Distrital de Finanças de Setúbal — ou mesmo de direito civil: veja-se a figura do enriquecimento sem causa, plenamente aplicável ao caso em apreço, como facilmente se constata após análise dos artigos 473.° e seguintes do Código Civil.

Aliás, que as especificidades do imposto de selo não chegam ao ponto de inviabilizar qualquer restituição das quantias indevidamente pagas, prova-o o 1.° do artigo 254.° do Regulamento respectivo — aliás citado no douto parecer em análise.

Efectivamente, pago o imposto por estampilha, caso se venha a verificar ter havido pagamento superior ao devido por motivo imputável ao funcionário, fica este obrigado a restituir as. importâncias a mais que tenha feito desembolsar. Não colhe, pois, o argumento de que, pela própria natureza do imposto de selo, o montante despendido com o seu pagamento por estampilha não pode, em caso algum, ser reavido pelo contribuinte.

E não se argumente, como se faz no douto parecer em análise, que nos casos de restituição daquele montante pelo Estado, o facto de a compra e inutilização das estampilhas ocorrerem em momentos eventualmente distintos, impediria a restituição permitida (diria, antes, imposta) pelo artigo 35.° do DL n.° 155/92. de 28 de Julho. Tal facto não impede, como se viu, a restituição dos montantes despendidos por motivo imputável a funcionário da Administração Fiscal. Acresce que, uma leitura, ainda que breve, de várias disposições do Regulamento do imposto do selo permite concluir que a data a ter em consideração como sendo a do pagamento do imposto, quando pago por estampilhas, é a data da inutilização destas. Vejam-se, por todos, as alíneas c) e g) do artigo 237.° do referido Regulamento.

Pelo exposto, não posso deixar de discordar desta interpretação manifestamente literal, se não mesmo restritiva, da lei, pela Administração Fiscal. E se dúvidas existissem — que não existiam — quanto à vigência da 3." Carta de Lei, de 1908, o recentemente publicado, e já sobejamente citado, DL n.° 155/92, de 28 de Julho, não pode deixar de aplicar-se a casos como o presente sob pena de não ser aplicável de todo: é precisamente para fazer face a situações de manifesto enriquecimento sem causa do Estado — mesmo que contra elas o contribuinte não tenha reagido — que o seu artigo 35." mantém a imposição de restituição já constante do artigo 36." da Lei de 9 de Setembro de 1908.

Acresce que, ainda que legalmente a Administração Fiscal não estivesse obrigada à restituição destes montantes indevidamente pagos, sempre a chocante injustiça que a duplicação da colecta inevitavelmente configura imporia a minha intervenção — e, obviamente, o acatamento das recomendações por esta via formuladas — ao abrigo e em cumprimento do disposto nos artigos 1.°, n.° 1, e 20.°, n.° 1,

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alínea a), da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, onde, a par da garantia da legalidade, figura a não menos importante garantia da justiça do exercício dos poderes públicos.

Nestes termos, recomendo a Vossa Excelência, ao abrigo do disposto nos artigos 20.°, n.° 1, alínea a), e 38.°, n.° 4, da Lei n.°9/91, de 9 de Abril, que ordene a restituição aos contribuintes supra-identificados da importância de 26 205$ paga em duplicado, pelos motivos acima evidenciados e com a finalidade de garantir as indispensáveis legalidade e justiça na actuação da Administração Fiscal.

(Recomendação não acatada.)

94.01.19 R-3296/91

Ex.m0 Senhor Chefe do Estado-Maior do Exército:

1 — Informo V. Excia. que, após análise do processo de averiguações n.° 17/91, respeitante à morte do soldado N..., que ocorreu no dia 2 de Setembro de 1991, no Regimento de Infantaria de Castelo Branco, e depois de conhecido o despacho de abstenção do Digno Agente do Ministério Público proferido no P.° 842/91 dos Serviços do Ministério Público da Comarca de Castelo Branco, decidi proceder ao arquivamento do processo organizado nesta Provedoria de Justiça, por não ser possível estabelecer nexo de causalidade entre a prova física acabada de realizar e a morte do mesmo soldado.

2 — Há, todavia, um aspecto que me suscita algumas inquietações e que merece que sejam tomadas providências futuras por forma a que, dentro do possível, se possam prevenir outros eventos fatídicos.

3 — Trata-se da circunstância de o soldado em causa ter sido assistido na chegada ao quartel apenas por um socorrista e um enfermeiro, não lhe tendo sido prestada qualquer assistência pelo médico da unidade.

4 — Ninguém pode afirmar, com segurança, que o infeliz soldado, a ter sido assistido pelo médico, teria permanecido com vida.

5 — Porém, a verdade é que não pode ser desprezada a necessidade da permanência em serviço do médico da unidade sempre que sejam realizadas quaisquer provas físicas, particularmente em provas que envolvam grande esforço físico como é o caso da prova denominada «Marcor».

6 — Nestes termos, e como forma de evitar ou prevenir situações idênticas tenho por bem recomendar a Vossa Excelência que se digne diligenciar por instruir todos os comandos militares no sentido da necessidade da presença de um médico em toda e qualquer unidade militar sempre que sejam realizadas provas que envolvam grande esforço físico, designadamente no desenrolar e conclusão da prova de instrução denominada «Marcor».

(Recomendação acatada)

94.01.20 JP-49/93

A Sua Excelência a Ministra da Educação:

1 — Os serviços do Ministério da Educação vêm interpretando o artigo 104.° do Estatuto da Carreira dos

Educadores de Infância e dos Professores do Ensino Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 139-A/90, de 28 de Abril, no sentido de que, para efeitos da bonificação nele prevista, são descontadas todas as faltas dadas no consequente ano escolar, qualquer que seja a sua natureza. De facto, o citado preceito dispõe, expressamente, que:

Aos docentes que no decurso do ano escolar não derem faltas, ainda que justificadas, é concedida uma bonificação anual de tempo de serviço de 30 dias, para efeitos de aposentação, a qual, no total, não pode ser superior a dois anos.

2 — Exemplo típico desta situação é o ilustrado pelos documentos juntos.

3 — Entendo, porém, que há que fazer uma distinção fundamental entre as faltas justificadas.

Umas são, por assim dizer, meramente justificadas. Ou seja: não acarretam qualquer sanção correspondente à violação do dever de assiduidade; mas causam certas reduções ou condicionamento de direitos, em relação aos dias de ausência: perda de remuneração (total ou apenas do vencimento de exercício; diminuição na antiguidade, etc.)

Mas outras reportam-se a interesses sociais tão relevantes, ou decorrem de constrangimentos fácticos ou jurídicos de tal monta, que a lei prescreve que elas são equiparadas a «serviço efectivo» ou que «não envolvem a perda de quaisquer direitos ou regalias» — expressões estas que, aliás, devem ter-se por equivalentes.

4 — É este o caso, designadamente, das faltas dadas pelas seguintes razões:

a) Casamento (artigo 20.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 497/88, de 30 de Dezembro);

b) Nascimento (artigo 22.°, n.° 4, do mesmo diploma);

c) Falecimento de familiar (artigos 25.° e 26.°, n.° 3, de idêntico Decreto-Lei);

d) Maternidade, paternidade ou adopção (artigos 18.° da Lei n.° 4/84, de 5 de Abril, 12.°, 3.° e 7.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 135/85, de 3 de Maio);

e) Regime de trabalhador-estudante (artigos 3.°, n.° 2, e 6.°, n.° 1, da Lei n.° 26/81, de 21 de Agosto);

f) Equiparação a bolseiro (artigo 2.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 272/88, de 3 de Agosto);

g) Subsídio ou bolsa de estudo (artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 220/84, de 4 de Julho);

h) Doação de sangue, socorrismo ou cumprimento de obrigações (artigos 60.°, 61.° e 62.° do Decreto-Lei n.° 497/88).

5 — Mas, mesmo para além destes casos, o regime constante do mencionado artigo 104.° apresenta-se ilógico e injusto, em relação a todas as faltas equiparadas a serviço efectivo ou que não impliquem a perda de quaisquer direitos ou regalias.

Na verdade, se o legislador entender que a estas faltas deve aplicar-se tal regime, foi porque considerou que as razões sociais ou jurídicas que estão na sua génese são tão ponderosas que não devem provocar qualquer prejuízo aos que as dêem.

6 — Justifica-se, pois, em minha opinião, alterar a actual redacção do artigo 104.° do Estatuto em questão. Aliás, o artigo 151." deste diploma prevê a sua revisão no prazo mínimo de três anos, a qual, deste modo, até já deveria ter-se verificado.

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7 — Por tudo o exposto, considero, dever formular a seguinte recomendação

Que, no âmbito da revisão prevista no artigo 151.° do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básicos e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 139-A/90, de 28 de Abril, seja alterada a redacção do respectivo artigo 104.°, em termos de para o seu efeito não relevarem as faltas justificadas equiparadas a serviço efectivo que não envolvam a perda de quaisquer direitos ou regalias.

94.01.24. R-2687/92.

Ex."10 Senhor Presidente da Junta de Freguesia de S. Domingos de Benfica:

1 — Recebi uma reclamação de um licenciado relativa ao não fornecimento de elementos sobre o eventual recenseamento de D.residente na Rua .... em Lisboa.

2 — Dispõe o artigo 70.°, n.° 1, da Lei n.° 69/78, de 3 de Novembro, que «são obrigatoriamente passadas, a requerimento de qualquer interessado, no prazo de cinco dias, as certidões necessárias para o recenseamento».

3 — Entendeu a Procuradoria-Geral da República no seu parecer publicado na 2.* série do Diário da República, n.° 265, de 15 de Novembro de 1984, que as certidões relativas ao recenseamento, referidas no artigo 70.°, n.° 2, da Lei n.° 69/78, de 3/11, podem ser requeridas por qualquer pessoa, quando a certidão pretendida se mostre necessária ou útil para o exercício de qualquer direito ou tutela de qualquer interesse legítimo.

4 — Lê-se no n.° 2 do artigo 268.° da Constituição da República («direitos e garantias dos administrados») que «os cidadãos têm todo o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas».

5 — Acerca desta norma escreveram Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.* ed., revista, a p. 934:

No n.° 2 (aditado pela LC n.° 1/89) consagra-se o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, com o consequente princípio do arquivo aberto ou da administração aberta. A garantia de um tal direito, independentemente de estar em curso qualquer procedimento adminisü-ativo, é um elemento dinamizador da «democracia administrativa» e um instrumento fundamental contra o «segredo administrativo». Com as ressalvas legais em matéria de segurança interna e externa, investigação criminal e intimidade das pessoas, a Constituição torna claro que a liberdade de acesso é a regra, sendo os registos e arquivos um património aberto de colectividade.

6 — Este direito de acesso aos arquivos e registos administrativos é um direito fundamental sendo directamente arjUcáveU vinculando as entidades públicas e privadas.

7 —E pode ser exercido por qualquer cidadão, independentemente da prova de qualquer interesse para o efeito.

8 — É verdade que o.direito de acesso aos arquivos administrativos pode estar em conflito com bens constitucio-

nalmente protegidos, como o direito à intimidade das pessoas (artigo 26.°, n.° 1).

9 —Todavia, não se poderá entender, qualquer que seja

o âmbito constitucional deste direito, que haverá uma sua violação nos casos previstos no artigo 63,°, n.° 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Decreto-

-Lei n.° 84/84, 16 de Março que determina que o advogado pode requerer a passagem de certidões, nas quais se incluirão as de recenseamento, sem necessidade de exibir procuração.

10 — Não parece que os dados pessoais constantes da documentação relativa ao recenseamento não sejam publicados.

11 — Mas mesmo que assim se não entenda, quando um cliente procura um advogado para o exercício de qualquer direito está desde logo a consentir que ele obtenha os dados pessoais que por lei se mostrem necessários ao mesmo exercício, afastando-se assim a eventual violação do direito, constitucionalmente consagrado, à reserva da intimidade da vida privada e familiar.

12 — Entende-se, face ao exposto, que não existe qualquer motivo para uma Junta de Freguesia recusar a passagem de uma certidão de recenseamento requerida por um causídico, ainda que não apresente procuração, nos termos do artigo 63.°, n.° 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 84/84, de 16 de Março.

Nestes termos, recomendo à Junta de Freguesia de S. Domingos de Benfica, na pessoa de V. Ex.", que assim proceda, nomeadamente quanto ao caso do Dr.....

(Recomendação acatada.)

94.01.28. IP - 6/89.

A Sua Excelência o Ministro do Emprego e Segurança Social:

O Direito a Subsídio de Natal por parte dos trabalhadores contratados a termo na Função Pública tem sido objecto de diferentes processos abertos na Provedoria de Justiça, no âmbito dos quais se solicitaram esclarecimentos a diferentes entidades como ao Exmo Senhor Director-Geral da Administração Pública, através do ofício n.° 513, de 30 de Junho de 1988, e a Sua Excelência a Secretária de Estado do Orçamento, pelo ofício n.° 4428, de 24 de Abril de 1989, o qual foi respondido através do ofício n.° 3352, de 28 de Junho de 1989, dos quais, para melhor conhecimento, junto fotocópias, bem como dos documentos e pareceres que lhes são anexos.

Compulsando os vários documentos, constantes dos processos (designadamente os já acima citados), bem como o seu estudo, concluiu-se que: '

Há uma unidade formal, que significa que os contratos a termo no sector seguiriam o regime de Direito Privado, pois a legislação dos contratos a termo na Função Pública remete para o regime de contratos a prazo no sector privado;

Mas, contrariamente ao que sucede no tocante ao Subsídio de Férias, a Lei Geral do Trabalho não se ocupa do Subsídio de Natal, pelo que, a uniformização de situações similares é apenas e só proporcionada pela negociação colectiva;

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Como no âmbito da Função Pública, não existem contratos colectivos, a concessão ou não de Subsídio de Natal aos contratados a prazo tem dependido, caso a caso, da sua consagração ou não em cada um desses contratos individuais, acabando por verificar-se, na realidade, as situações que esta Provedoria de Justiça detectou, e que se traduzem numa diversidade de soluções, inclusive, no âmbito do mesmo Ministério.

Dado o teor das anteriores conclusões, dirigi uma Recomendação a Sua Excelência o Primeiro-Ministro, no sentido da publicação de diploma legal regulador do Subsídio de Natal aplicável aos contratados a termo, por forma a obviar à apontada disparidade de situações geradoras de injustiças relativas, tendo obtido como resposta o ofício n.° 372, de 11.03.1993, e, no seu seguimento o ofício do Gabinete de Sua Excelência a Secretária de Estado do Orçamento n.° 2336, de 3.12.1993, cujas fotocopias junto também para melhor conhecimento, bem como da Nota do mesmo Gabinete de 19.08.1993, que lhe é anexa e da qual realço designadamente a última parte.

Nestes termos, e pelo exposto, no uso da competência que a lei me atribui, entendo dever Recomendar a Vossa Excelência, que se digne providenciar no sentido da viabilidade da medida legislativa em apreço, eventualmente relativa a todo o universo dos trabalhadores que não beneficiam do Subsídio de Natal, e não especificamente em relação aos contratados a termo certo da Administração Pública, tendo em conta as especiais obrigações do Estado que conduzem ao cumprimento, não na generalidade, mas na totalidade das situações, assim determinando as diligências necessárias.

(Recomendação não acatada.)

94.01.28. R-1545/91.

Ex. Senhor Subdirector-Geral do SAIR:

O Sr. Dr. Contribuinte Fiscal n.° apresentou queixa na Provedoria de Justiça por discordar do entendimento perfilhado pela Administração Fiscal acerca'dos gastos que podem ser considerados despesas de educação para efeitos do abatimento ao rendimento líquido total previsto no artigo 55.°, n.° 1, alínea c), do Código do IRS.

Muito embora aquela disposição legal permita o abatimento das «despesas com educação do sujeito passivo e dos seus dependentes», considerou a Administração Fiscal que os montantes despendidos na compra de um computador e de uma máquina de calcular para um filho do reclamante, estudante universitário de engenharia na Universidade de Coimbra, não consubstanciavam despesas de educação susceptíveis de abatimento nos termos da supracitada disposição legal.

Inconformado, apresentou o contribuinte requerimentos dirigidos a Sua Excelência o Ministro das Finanças, com base nos quais foram instaurados, na Direcção de Serviços do IRS, os processos n.os 932/81 e 1173/91.

Através do ofício n.° 021768, de 12/08/91, foi-lhe comunicado o indeferimento da sua pretensão de ver consideradas tais despesas em relação ao IRS do ano de 1990,

pelo que interpôs o competente recurso hierárquico de que a Administração Fiscal acabaria por não tomar conhecimento, optando antes por manter a decisão recorrida e adiar a resolução do caso concreto para o momento posterior à liquidação (cf. Despacho de 04/12/ 91, de Sua Excelência o Subsecretário de Estado Adjunto da Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento exarado sobre a informação n.° 935/91, processo n.° 1173/91 da

Direcção de Serviços do IRS).

Independentemente da questão processual cuja análise, embora interessante, se reveste de menor importância no presente contexto, subsiste a questão de fundo acerca da qual foi solicitada a minha intervenção — a da concretização do conceito de «despesas de educação».

Da análise das informações e despachos proferidos no âmbito deste caso concreto resulta ter a Administração Fiscal vindo a perfilhar um entendimento altamente restritivo do referido conceito.

Efectivamente, tem vindo a ser aceite apenas a dedução de despesas «essenciais» ou «manifestamente necessárias» à frequência de um estabelecimento de ensino. A exigência de que tais despesas, para serem dedutíveis, sejam destinadas à «satisfação de necessidades básicas», tem permitido à Administração Fiscal considerar apenas as aquisições de material escolar cuja falta inviabilize, no seu entender, o normal funcionamento da actividade escolar, chegando mesmo ao ponto de excluir a possibilidade de abatimento dos montantes gastos na aquisição de livros escolares «facultativos", isto é, não obrigatórios (cf. Despacho de 27/02/89, Inf. n.° 106//89, in CIRS, anotado e comentado, 2..* edição, DGCI, 1990, p. 201), sendo que tal distinção é de todo inconcebível, no âmbito do ensino superior.

Esta interpretação restritiva da norma constante do artigo 55.°, n.° 1, alínea c), do CIRS torna-se tanto mais injustificada quanto é certo que os abatimentos permitidos ao abrigo de tal disposição legal se encontram já fortemente limitados, quantitativamente, pelo n.° 2 do mesmo artigo 55.° do CIRS.

Não pode, pois, a Administração Fiscal distinguir onde o legislador não quis distinguir, ou criar limites que o mesmo legislador não consagrou, certamente por considerar que os limites quantitativos existentes, acompanhados de uma correcta, mas não restritiva, interpretação da lei, seriam suficientes para garantir um controlo eficaz dos montantes abatidos ao rendimento líquido total a título de despesas de educação.

Acresce que, no caso concreto deste Reclamante, ainda que o entendimento restritivo perfilhado pela Administração Fiscal tivesse qualquer apoio legal —que não tem— sempre seria de considerar como despesa de educação a compra de um computador e de uma máquina de calcular para um aluno universitário do curso de engenharia.

Não pode ignorar-se, de facto, a evolução registada nos campos da electrónica e da informática, bem como a importância crescente que vêm adquirindo ao serviço de todas as áreas — a própria Administração Fiscal, cujas competências legais não possuem qualquer ponto de contacto com o mundo da informática, não pode, hoje, desempenhar cabalmente as suas funções sem o recurso à utilização de computadores, fortemente incrementado, aliás, na sequência da última Reforma Fiscal.

Incontestável se revela, pois, a essencialidade e a estreita conexão das despesas em causa com a actividade escota de um estudante universitário da área de engenharia, pelo

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que nem mesmo a interpretação restritiva perfilhada pela Administração Fiscal pode inviabilizar o abatimento dos montantes em causa, obviamente com o limite quantitativo vigente no ano em causa. Felo exposto, recomendo;

1) Que sejam dadas instruções aos Serviços, nomeadamente às Repartições de Finanças e postos de atendimento da DGCI, no sentido de os contribuintes serem informados da possibilidade de abater ao rendimento líquido total de JJRS todas as despesas de educação, devidamente comprovadas, suportadas no exercício normal deste direito constitucionalmente garantido.

A exigência da demonstração do carácter «essencial», «indispensável» e «obrigatório» da despesa deverá, pois, dar lugar à demonstração da «necessidade» e «utilidade» da despesa no exercício do direito à educação do sujeito passivo e dos seus dependentes, excluindo-se, apenas, as despesas de carácter supérfluo.

2) Que, no caso concreto do Reclamante, os montantes despendidos na compra do mencionado material'escolar sejam aceites como despesa de educação para efeitos do abatimento previsto no artigo 55.°, n.° 1, alínea c), do Código do IRS devendo, consequentemente, ser revogada a respectiva liquidação referente ao ano de 1990, nos termos do disposto no artigo 85.° do mesmo .Código.

(Recomendação não acatada.)

94.02.01. R-3166/93.

Ex."" Senhor Presidente do Conselho de Administração da LfPOR:

No seguimento da resposta à Recomendação por mim dirigida a V. Ex..' em 17 de Dezembro de 1993, e após análise e estudo da mesma, entendi por conveniente formular nova Recomendação com base nos argumentos que a seguir de expõem:

I

1 — Uma vez que a resposta do Conselho de Administração da LIPOR, veiculada por V, Ex.*, tem como único pilar de sustentação o Parecer a ela anexo, da autoria do Dr. Mário Esteves de Oliveira, cujo teor assume sem reservas, será a este que me reportarei ao longo da Recomendação.

2 — Começo por referir um aspecto em que são manifestamente despropositadas as considerações feitas nesse Parecer, assumidas por V. Ex.*

Como V. Ex.* certamente sabe, antes da emissão da Recomendação foi efectivamente ouvido o Conselho de Administração da LIPOR, em reunião que durou mais de três horas. E se mais não foi ouvido, tal deve-se exclusivamente, e como V. Ex.* também certamente saberá, à posição assumida pelo próprio Conselho de Administração da LIPOR, que manifestou total indisponibilidade para, por um lado, discutir questões técnicas, e, por outro lado, prestar esclarecimentos adicionais no âmbito de um procedimento que poderíamos qualificar de contraditório (com o argumento de que não estava perante um processo judicial).

Estranho, pois, as dúvidas manifestadas no Parecer sobre a actuação do Provedor de Justiça nesta matéria, e mais estranho ainda que V. Ex.* tenha feito suas essas dúvidas.

3 — Como questão prévia, e ainda antes de entrar na

questão de fundo, importa chamar a atenção de V. Ex.*

para o facto de o referido Parecer não ter manifestamente

assimilado de forma correcta o intuito e o alcance da minha Recomendação de 17 de Dezembro de 1993. Parece conveniente, pois, recordar aqui o que então recomendei:

Que o Conselho de Administração da LIPOR não proceda à adjudicação da Empreitada de Concepção, Construção e Exploração da Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos LIPOR II, permitindo derrogações e incumprimentos do Caderno de Encargos e do Processo de Concurso em geral, em clara violação das disposições legais citadas; e ainda, sem proceder previamente a uma reanálise de todo o processo de classificação das propostas, e sem dar conhecimento prévio aos concorrentes de todos os elementos efectivamente tomados em conta no processo de decisão, em termos de os concorrentes poderem tomar utilmente uma posição sobre eles.

Dado ser este, e apenas este, o alcance da Recomendação — dado, nomeadamente, qué não se recomenda a omissão ou a prática de qualquer acto, e muito menos com este ou aquele conteúdo concreto —, fácil se torna verificar qual o seu intuito, que consistia unicamente em alertar esse Conselho de Administração para uma série de aspectos menos claros relativos ao concurso público aqui em análise, sem o esclarecimento prévio dos quais não deveria, em minha opinião, ocorrer a adjudicação.

4 — Não tinha pois a referida Recomendação, a qual não constitui nenhum acto administrativo ou decisão judicial, necessidade de estar mais solidamente fundamentada do que o foi, pelo que tenho alguma dificuldade em compreender o alcance de algumas das críticas expendidas no, aliás douto. Parecer do Dr. Mário Esteves de Oliveira, nomeadamente a que se refere ao uso da expressão «parece», que tão violenta reacção despertou naquele Ilustre Jurisconsulto;

5 — Feitos estes esclarecimentos prévios, cabe agora rebater os argumentos aduzidos pelo Dr. Esteves de Oliveira, o que farei seguindo a ordem pela qual os mesmos se apresentam no Capítulo VI do Parecer:

a) A afirmação segundo a qual não existe nenhuma ilegalidade procedimental no facto de não se ter dado aos interessados conhecimento de alguns elementos do processo (Relatórios da Hidroprojecto, da Rambo)), Hannerman & Holjunf, AS e «Relatório Final de Avaliação de Propostas [Preliminar]»), na medida em que não foram tomados em conta no relatório de avaliação das propostas, nem no relatório da Comissão de Acompanhamento, nem na deliberação de intenção de adjudicação que nele se baseou, não pode deixar de suscitar um comentário crftico.

Quanto ao relatório da Hidroprojecto, S. A., único referido na Recomendação, não posso senão reiterar o que nessa Recomendação escrevi. O argumento avançado pelo Conselho de Administração da LIPOR, e agora retomado no Parecer, afigura-se-me sobremaneira artificial, e confunde fundamentação do acto com informação dos interessados finda a instrução do processo* A este propósito, convém referir o seguinte:

O Conselho de Administração deu cumprimento ao disposto nos artigos 100.° e seguintes do Código do Procedimento Administrativo. O Parecer, no entanto, parte

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do princípio de que isso foi uma «gentileza» do Conselho, na medida em que a tal não era legalmente obrigado, pelo que quaisquer vícios que se possam verificar nesse aspecto serão totalmente irrelevantes: sempre se teria feito mais do que o que a lei impunha.

Ora, isto não é correcto: o cumprimento do disposto nos artigos 100.° e seguintes do Código do Procedimento Administrativo é uma obrigação legal nestes casos. Com efeito, da conjugação dos artigos 181.°, e 2.°, n.° 2, alínea c) e n.° 6, daquele Código, resulta claramente a aplicação dos artigos 100.° e seguintes ao procedimento em causa.

O Decreto-Lei n.° 235/86, de 18 de Agosto, no seu artigo 232.°, não prevê expressamente a aplicação subsidiária do Código do Procedimento Administrativo (nem o podia fazer), mas este inclui-se certamente nas «leis e regulamentos administrativos que prevejam casos análogos», além de que, sendo posterior àquele Decreto-Lei, sobre ele prevalece. Assente este ponto, importa esclarecer uma outra questão:

Nos termos do artigo 125.°, n.° 1, do Código do Procedimento Administrativo, a fundamentação do acto pode consistir em mera remissão para pareceres anteriores, que passarão a fazer parte do acto, e que, portanto, devem ser notificados ao interessado conjuntamente com o acto stricto sensu.

Desta perspectiva, se a fundamentação do acto de adjudicação da empreitada em causa for feita por mera remissão para o Relatório da Comissão de Acompanhamento, este, (e só este) fará parte do acto de adjudicação, e só este deverá ser notificado aos interessados.

No entanto, no caso concreto, não estamos perante uma formalidade processual, através da qual se pretende dar aos interessados a possibilidade de se pronunciarem sobre todos os elementos constantes do processo, no sentido de melhor assegurar a legalidade e correcção do acto administrativo que vier a ser praticado.

Nada obsta, bem pelo contrário, a que a Administração comunique aos interessados o projecto de acto administrativo que pretende praticar, e que esse projecto remeta para um parecer ou relatório constante do processo.

No entanto, isso não significa que só esse parecer ou relatório é que deve ser comunicado aos interessados, com exclusão de quaisquer outros. Bem pelo contrário: aos interessados deve ser facultado o acesso a todos os elementos constantes do processo, e não só àqueles que foram tidos em consideração. Isto não só por aplicação dos princípios gerais constantes dos artigos 8.° e 62.° do Código do Procedimento Administrativo, mas também porque é lícito dos interessados vir a defender, precisamente, que elementos que não foram tidos em consideração o deveriam ter sido.

A não ser assim, esvazia-se completamente de sentido a formalidade de audiência dos interessados prevista nos artigos 100.° e seguintes do Código do Procedimento Administrativo.

Dir-se-á que o relatório da Hidroprojecto, S. A., não faz parte do processo, que é um documento meramente particular.

Mas esta argumentação não colhe. É evidente que não é admissível que um órgão administrativo encomende um relatório sobre um assunto que tem que decidir, relatório destinado a permitir-lhe controlar a bondade da solução que lhe é apresentado pelo ÓTgão instrutor do processo, que receba esse relatório e tome dele conhecimento, e que depois invoque que não faz parte do processo porque é um documento particular e não foi tomado em consi-

deração. Pode, efectivamente, não ter sido tomado em consideração, mas não é por isso que deixa de ser um elemento do processo, e de estar portanto abrangido pelo direito à informação dos interessados. Neste domínio, não pode haver «documentos particulares», sob pena de se subverter completamente o direito à informação dos interessados. a

b) Não posso igualmente deixar de contestar o entendimento expresso no Parecer, segundo o qual seria admissível a apresentação de propostas com condições divergentes das constantes do Caderno de Encargos, devido à especial natureza do concurso e do próprio Caderno de Encargos.

Convém, desde logo, deixar bem claro que o concurso em causa se rege pelo disposto no Decreto-Lei n.° 285/ 86, e 18 de Agosto: era essa a legislação vigente na altura e é a ela que se reportam o Programa do Concurso e o Caderno de Encargos em inúmeras disposições, e designadamente no ponto 15 do Programa do Concurso (Legislação Aplicável) e na Cláusula 34.° do Caderno de Encargos (Casos Omissos).

Por outro lado, importa também referir que, não obstante as inegáveis especialidades deste concurso, ele não é enquadrável no artigo 59.°, n.° 4, daquele Decreto-Lei n.° 235/86, como pretende o Dr. Esteves de Oliveira fazer crer.

Se assim fosse, não existiria, pura e simplesmente, Caderno de Encargos, como se prevê na referida disposição legal. Podendo ter sido, não foi esse, contudo, o entendimento da própria LIPOR — embora porventura mais maleável e flexível do que em casos de concurso de obras públicas com projecto do Dono da Obra, a verdade é que existe neste concurso um Caderno de Encargos. E existindo — o que, volto a salientar, acontece por expressa opção da própria LIPOR — então é claro que ele não se enquadra no artigo 59.°, n.° 4, sendo-lhe antes aplicáveis todas as disposições relativas aos concursos com Caderno de Encargos, designadamente as constantes dos artigos 62.°, n.° 1, alínea c), e n.° 2, 76." e 81.°, alínea d), do referido Decreto-Lei, citados na minha anterior Recomendação.

Ora, o artigo 62.°, n.° 1, alínea c), e n.° 2, do Decreto--Lei n.° 235/86, é claro ao afirmar que apenas é possível a apresentação de propostas de derrogações ao Caderno de Encargos se o Programa de Concurso o permitir expressamente.

É manifesto, também, que o Programa do Concurso não o permite. Forçoso se torna pois concluir que, neste concurso, o Caderno de Encargos é totalmente vinculativo, sendo obrigatório, não só respeitá-lo na íntegra, como também aceitá-lo na íntegra — e, consequentemente, não sendo admissível a apresentação de propostas no sentido da sua alteração.

Ora, a proposta da CNIM/Esys-Montenay (Proposta n.° 6) contém indiscutivelmente inúmeras propostas de alteração ao Caderno de Encargos, como se pode verificar consultando o seu volume IV, p. 1 e seguintes: aditamentos às cláusulas 3.*, 9.a 20.° e 26.*, modificações das cláusulas 5.', 6.', 7.*, 13.', 26.', 27.", 33.", 60.°, 80." e 86.°, para citar apenas os casos mais flagrantes.

Diversa é, evidentemente, a situação quando o próprio Caderno de Encargos prevê aditamentos ou modificações, como acontece nas cláusulas 35.° (2) e 36.° (3), referidas no Parecer. Mas não é isso que se verifica nas cláusulas acima elencadas, em relação às quais nenhuma denegação é possível.

Poder-se-á eventualmente contrapor que estamos aqui perante meras propostas ou solicitações de alteração do

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Caderno de Encargos, apresentadas pela CNIM/Esys-Montenay, mas de cuja aceitação não se faz depender a celebração do contrato — isso é verdade; mas como já referi, nem este tipo de propostas é admissível, ou pode ser tido em consideração.

Mais graves são outras situações em que o Concorrente estabelece que determinada alteração ao Caderno de Encargos «fará parte integrante do contrato» — ou seja, e para ser mais rigoroso, faz decorrer da adjudicação da empreitada a esse Concorrente a aceitação automática dessa alteração ao Caderno de Encargos, alteração que assim é erigida em elemento essencial e sine qua non da Proposta.

É o que se passa com a fixação de um limite máximo global para as multas por incumprimento ou defeituoso cumprimento do contrato por parte do adjudicatário. O Caderno de Encargos nada diz sobre este limite máximo global. Mas daí não se pode, evidentemente, retirar a conclusão que o Parecer retira-a de que se trata de uma lacuna, que o Concorrente se limita a colmatar. Se o Caderno de Encargos não fixa limite máximo global e nem sequer se refere à existência de tal limite, isso significa apenas, e como é claro, que não haverá limite máximo.

O estabelecimento de tal limite configura pois, indubitavelmente, uma alteração do Caderno de Encargos. E não se invoque que tal alteração depende de «comum acordo entre o Adjudicatário e o Dono da Obra» — não só estas alterações por acordo também são inadmissíveis, como é claro que não se pode compaginar isso com a afirmação de que essa alteração «fará parte integrante do contrato».

Em todo o caso, é manifesta a existência, na Proposta n.° 6, de inúmeras propostas de alteração do Caderno de Encargos, independentemente da essencialidade que assumam, pelo que, nos termos expostos, não posso deixar de reiterar o que a este propósito tive oportunidade de salientar na minha anterior Recomendação.

c) Quanto à propriedade da instalação, não posso deixar, antes de mais, manifestar a minha perplexidade pela primeira crítica que é feita à Recomendação: «aquele incrível 'parece', como diz o Parecer. Uma simples leitura do ponto 5 da Recomendação, ainda que distraída, basta para se aperceber sem margem para dúvidas, que em lugar algum nela se escreve o que naquele Parecer lhe é imputado, e que, designadamente, o «parece» não está no sítio onde o Parecer o coloca. O que aí se diz é que, «Quanto à propriedade da instalação parece decorrer do Caderno de Encargos, nomeadamente quando prevê a recepção da Estação, que a propriedade desta passaria para a LJPOR após a conclusão da obra. É aliás isso que é assumido pelo «Relatório Final de Avaliação de Propostas» (página 249) e corroborado no «Relatório da Comissão de Acompanhamento» (página 10)». Suscitaram-se-me, efectivamente, dúvidas quanto à regulamentação deste ponto pelo Caderno Encargos, dúvidas aliás partilhadas pelo Dr. Esteves de Oliveira (e, por remissão, pelo próprio Conselho de Administração da LJPOR) — nada mais.

De qualquer forma, a questão da propriedade da instalação perdeu toda a relevância com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 379/93, de 5 de Novembro, cujo artigo 7." dispõe que a propriedade dos bens pertence à concessionária enquanto durar a concessão, o que neste caso nem sequer levanta problemas, uma vez que é a concessionária que terá que construir a instalação ex novo. Ora, nos termos do artigo 18.°, n.° 1, do mencionado diploma, e corno melhor se verá adiante, não é possível celebrar um contrato de concessão depois da entrada em vigor desse diploma sem respeitar, entre outros, o seu artigo 7.°

d) Como se escreve na Recomendação, do Anúncio do Concurso resulta expressamente que o financiamento será assegurado pelo Adjudicatário [ponto 8, alínea a)]. Daí se concluiu ser esta a regra aplicável ao presente concurso.

Esta conclusão é impugnada no Parecer, com base em duas ordens de considerações: o .Anúncio não é um elemento normativo do concurso, e dos elementos normativos do concurso, Programa do Concurso e Caderno de Encargos, não decorre de forma alguma a exigência de que o financiamento seja assegurado pelo Adjudicatário. Ambas estas premissas são incorrectas, como passarei a demonstrar.

Para afirmar que só o Programa do Concurso e o Caderno de Encargos são a «lei» do concurso, socorre-se o Parecer do artigo 59.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 235/ 86. No entanto, esse normativo apenas dispõe que «O concurso terá por base ...» um caderno de encargos e um programa do concurso ...». Ora, «ter por base» não significa «ser exclusivamente regulado por». Tanto mais que o anúncio do concurso vem também regulado no mesmo diploma, no seu artigo 63.°, cujo n.° 2 dispõe que «O anúncio do concurso indicará: ... 1) As modalidades essenciais de financiamento ...».

É bom de ver, pois, que o anúncio do concurso também é «lei» do concurso, pelo menos, e no que aqui importa, quanto às modalidades essenciais de financiamento — exigindo a lei que o anúncio indique as modalidades de financiamento, não faz sentido considerar que essa indicação não é «normativa», ou não é «lei» do concurso.

Bastaria, pois, o que vem disposto no Anúncio do Concurso para se poder concluir, com certeza, que o financiamento da empreitada em causa deve ser assegurado pelo Adjudicatário. Mas a verdade é que, para além disso, o mesmo decorre, sem margem para dúvidas, do próprio Caderno de Encargos e do Programa do Concurso. Com efeito, e como também se reconhece no Parecer, em lugar nenhum destes documentos se faz qualquer referência ao regime de financiamento do projecto. A interpretação a dar a este facto é simples — a actividade objecto do concurso é uma actividade do adjudicatário: é este que tem que conceber, construir e explorar a Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos LD?OR U.

Sendo assim, não havendo no Programa de Concurso nem, sobretudo, no Caderno de Encargos («documento que contém, ordenadas por artigos numerados, as cláusulas jurídicas e técnicas gerais e especiais a incluir no contrato a

celebrar», como diz o artigo 61.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 235/86), qualquer obrigação de o dono da obra financiar o adjudicatário, é evidente que é este que tem que financiar a sua própria actividade — o dono da obra apenas tem que o remunerar segundo o preço fixado.

Mais uma vez, e ao contrário de que se defende no Parecer, a ausência de disposição expressa não configura aqui uma lacuna que os concorrentes podem preencher à sua vontade, mas sim a opção clara por uma determinada solução, ainda por cima confirmada pelo texto expresso do anúncio do concurso.

São, pois, totalmente discipiendas as alongadas considerações que no parecer se expendem a este propósito, na medida em que partem da premissa, errada, de que os elementos normativos do concurso não tinham optado por uma solução nesta matéria.

É claro que não ignoro as condicionantes que envolvem o financiamento deste projecto, nomeadamente a possibilidade de utilização de fundos comunitários. Mas trata-se aí de uma mera possibilidade, não de uma certeza, de uma

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possibilidade não quantificada, e de uma possibilidade sem qualquer reflexo vinculativo nos elementos normativos do concurso (Anúncio, programa e Caderno de Encargos), mas apenas referida expressamente na Nota Descritiva (Ponto 2. — Objectivos do Concurso). Neste contexto, é evidente, pois, que o que era exigido aos concorrentes era que apresentassem uma proposta em que assumissem integralmente o financiamento do projecto, para a hipótese, possível, de não haver financiamento comunitário, sem prejuízo das alterações que eventualmente viessem depois a ser introduzidas no contrato se esse financiamento fosse efectivamente concedido (alterações cuja contabilização deveria ser possível com base nos elementos fornecidos, desde logo, pelas próprias propostas).

Portanto, e ao contrário do que se sustenta no Parecer, não bastava aos concorrentes apresentar uma proposta de preço por tonelada de lixo tratado — era também preciso garantir que, a esse preço, o único esforço financeiro exigido da LIPOR seria o pagamento do lixo tratado.

Face ao exposto, e não sendo minimamente questionado o que na minha anterior Recomendação e no próprio «Relatório Final de Avaliação de Propostas» se considerou a respeito da Proposta da CNIM/Esys-Montenay, não posso, também aqui, deixar de reiterar o que naquela minha Recomendação escrevi a este propósito.

e) Quanto à questão dos critérios de' classificação e da metodologia' da sua aplicação, não posso deixar de concordar com o Dr. Esteves de Oliveira quando define os microcritérios a que fiz referência na minha anterior Recomendação como «mediações concretizadoras ou proposições intermédias» dos critérios fixados na Lei e no Programa de Concurso, consubstanciando-se então em processos auxiliares de determinação dos parâmetros abstractamente fixados.

lá não poderei no entanto partilhar da opinião do Ilustre Jurisconsulto segundo a qual a fixação dos referidos microcritérios em momento posterior ao da abertura das propostas não acarreta qualquer tipo de problema.

Com efeito, a fixação de quaisquer critérios de apreciação e classificação das propostas, sejam eles critérios de ordem geral ou «processos auxiliares de determinação de parâmetros abstractamente fixados», terá que ser feita, em obediência aos mais elementares ditames da boa fé, em momento anterior ao da abertura das propostas, sob pena de, perante uma tão grande abstracção dos referidos critérios de ordem geral, o estabelecimento de critérios especificadores poder ser feito «à imagem e semelhança» de uma das propostas concorrentes.

Não se ignora, certamente, que se está aqui no âmbito do exercício de um poder discricionário da Administração. Mas é precisamente por isso que se deverão aqui assegurar maiores garantias procedimentais. E uma dessas garantias, que se haverá de considerar essencial para assegurar um mínimo de transparência no exercício desse poder, é precisamente a fixação de «microcritérios», por um lado, e a sua fixação antes do conhecimento das propostas, por outro.

Dir-se-á, como diz o Parecer, que o procedimento adoptado não sofre, por isso, de qualquer invalidade, ou mesmo de qualquer irregularidade não invalidante. Talvez. Lembraria apenas que, nos termos dos artigos 1.°, n.° 1, e 20.", n.° 1, alínea a), da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, a actividade do Provedor de Justiça, designadamente a formulação de recomendações, não está sujeita a estritos critérios de legalidade, mas também a critérios de justiça e de boa administração.

Além do mais, mantenho plenamente o que na Recomendação ponderei a propósito da contradição entre a atribuição do valor residual zero ao estabelecimento finda a concessão e a penalização das propostas com mais alto rendimento energético, e que de forma alguma é abalado pelo que se escreve no Parecer.

Com efeito, não se substitui o «ponto de vista estritamente formal da lógica dos juristas» por qualquer outro ponto de vista válido e aceitável. Antes se fazem considerações totalmente descabidas, como esta: «De resto, prejudicar a durabilidade do equipamento por uma produção energética excessiva seria sempre prejudicar aquele valor zero final, que seria atingido, então, antes ou muito antes do termo do concurso, recolocando-se a questão e a coerência do juízo formulado pela Comissão a este propósito.»

Oral isto é esquecer completamente dois aspectos essenciais: por um lado, que, independentemente disso, todas as propostas foram igualmente classificadas quanto ao tempo de vida útil das diferentes componentes da instalação e, por outro lado, e mais importante, que o adjudicatário é obrigado pelo contrato de concessão-a manter o funcionamento da instalação até ao termo da concessão, pelo que qualquer material degradado terá que ser por ele (isto é, à sua conta), reparado ou substituído em moldes que possibilitem o cumprimento do contrato, não se colocando pois, em termos relevantes para o dono da obra, a hipótese de o valor zero se atingir antes do termo da concessão.

Finalmente, quanto ao que no Parecer se escreve sobre a impotência destas ilegalidades para invalidar o concurso, na medida- em que não implicam um reviravolta na classificação das propostas, cumpre-me salientar apenas dois pontos. Em primeiro lugar, que a contradição apontada é, bem vistas as coisas, uma contradição na fundamentação da intenção de adjudicar (e, a manter-se, do acto de adjudicação), o que, como bem saberá o Dr. Esteves de Oliveira, é por si só causa de invalidade. Em segundo lugar, que o que a Recomendação recomendava era a reanálise do processo, designadamente para se averiguar se, precisamente, não haveria mais ilegalidades do tipo da apontada, ilegalidades, que somadas pudessem conduzir então a uma alteração da ordem de classificação das propostas.

n

6 — De acordo com a «Nota de Imprensa» divulgada pelo Conselho de Administração da LIPOR, na sequência da reunião extraordinária desse órgão realizada no dia 4 de Janeiro p. p., foi adjudicada a Empreitada de Concepção, Construção e Exploração da Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos LJPOR JJ, ao Agrupamento de Empresas CNIM/Esys-Montenay, confirmándose, assim, a opção enunciada na intenção de adjudicação constante da deliberação aprovada na reunião de 20 de Outubro p. p.

Verifico, pois, que a minha recomendação apenas parcialmente foi acatada.

E digo parcialmente na medida em que o Conselho de Administração da LIPOR sempre teve o cuidado de, por intermédio do Parecer do Dr. Mário Esteves de Oliveira, ponderar o que constava da Recomendação, tentando defender a legalidade e correcção da sua anterior actuação.

Mas, como procurei demonstrar, não o conseguiu minimamente, pelo que sou forçado a concluir que se mantêm,

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na íntegra, as ilegalidades e incorrecções por mim' apontadas na referida Recomendação.

Tal facto bastaria, por si só, para justificar nova intervenção do Provedor de Justiça no processo em análise. Mas a verdade é que há mais razões.

Com efeito, até agora, todo o processo do concurso, bem como toda a contestação a ele movida pelos reclamantes, se tem baseado na legislação vigente à data da sua abertura, e que é a legislação que lhe é primeiramente aplicável — essencialmente, o Decreto-Lei n.° 235/86. E nessa tinha se insere a minha anterior Recomendação.

Mas a verdade é que ocorreram entretanto modificações legislativas cuja influência no concurso importa agora considerar.

Efectivamente, em 10 de Novembro de 1993, entrou em vigor o Decreto-Lei n.° 379/93, de 5 de Novembro, diploma que, conforme consta do seu artigo 1.°, pretende regular «o regime de exploração e de gestão dos sistemas multimunicipais e municipais de captação, tratamento e distribuição de água para consumo público, de recolha, tratamento e rejeição de efluentes e de recolha e tratamento de resíduos sólidos».

Sendo a LIPOR uma associação de municípios, constituída ao abrigo da Lei n:° 77/79, de 25 de Outubro, não pode deixar de se considerar que o objecto da presente concessão se encontra abrangido pelo âmbito material do citado Decreto-Lei n.° 379/93, de acordo com o exposto no n.° 3 do seu artigo 1.°, e tendo em conta a definição do objecto da concessão constante do artigo 9.°, n.™ 1 e 2.

Este diploma introduz algumas alterações no quadro legal em que decorria o concurso em apreço. E o problema está, evidentemente, em determinar qual a influência dessas alterações no concurso, quer quanto ao seu procedimento, quer quanto ao seu resultado final.

Começarei por salientar que não existe neste Decreto--Lei qualquer norma que estabeleça o seu âmbito temporal de aplicação, e, nomeadamente, não existe qualquer norma que determine que ele só é aplicável a processos iniciados (concursos abertos) depois da sua entrada em vigor, norma que é relativamente corrente em diplomas do género.

Significa isto que, nos termos gerais de direito, o diploma é imediatamente aplicável aos processos em curso, ou seja, que os autos processuais praticados depois da sua entrada em vigor têm que lhe ser conformes.

Por outro lado, dispõe o n.° 1 do artigo 18." deste Decreto-Lei que «As situações actualmente existentes relativas aos serviços municipais mencionados no presente diploma devem ser reajustadas ao regime agora estabelecido, no prazo máximo de 180 dias, a contar da data da entrada em vigor do presente diploma».

Desta disposição é possível concluir, desde logo, que o Decreto-Lei n.° 379/93 não se atribui eficácia retroactiva, isto é, não vem invalidar ou validar situações previamente existentes. A apreciação da validade dessas situações deve continuar a ser feita à luz da legislação que lhes era aplicável — esse é, aliás, o princípio geral em matéria de aplicação da lei no tempo (artigo 12." do Código Civil).

Se essas situações forem inválidas, não é o Decreto-Lei n.° 379/92 que vem sanar essa inviabilidade. Se essas situações forem inválidas, aplicar-se-1 o artigo 18.°, n.° 1, desse diploma, havendo, então sim, que proceder à adaptação aí prevista.

A aplicação deste artigo 18.°, n.° 1, levanta duas questões fundamentais: a de determinar o que se deve entender

por «situações actualmente existentes», e a de saber como, e em que medida se há-de proceder ao reajustamento dessas situações. Para responder a estas questões, importa distinguir várias situações, reportadas à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 379/93:

Processos em curso (designadamente, concursos abertos), mas em que ainda não há adjudicação;

Processos em que já houve adjudicação, mas ainda não foi outorgado o contrato de concessão;

Processos em que já foi outorgado o contrato de concessão.

Tudo aponta no sentido de se considerar que mesmo os contratos de concessão já outorgados devem ser reajustados (na medida do possível) à nova legislação — é essa também, aliás, a opinião defendida no Parecer, e subscrita portanto pelo Conselho de Administração da LIPOR.

É o que se deduz, desde logo, do artigo 18.°, n.° 2, no qual a referência a «situações actualmente existentes», inclui, claramente, e aliás essencialmente, concessões já outorgadas, por um lado, a mesma expressão deve ser interpretada da mesma maneira nos dois números do mesmo artigo e, por outro lado, torna-se claro que concessões outorgadas não estão ao abrigo do reajustamento.

A própria terminologia adoptada aponta no mesmo sentido: «situações actualmente existentes» inculca uma ideia de estabilidade, de situações definitivas. Além de que, se fosse intenção do legislador deixar de fora do artigo 18." as concessões já outorgadas, sempre poderia ter recorrido à terminologia, já consagrada, de «processos pendentes».

Ora, se os próprios contratos de concessão estão sujeitos a reajustamento, por maioria de razão o estarão as outras situações atrás referidas. Com uma diferença essencial entre elas: no caso de já ter havido, à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 379/93, uma adjudicação (válida), o reajustamento deverá necessariamente ter em conta o que decorre dessa adjudicação, uma vez que aquele diploma não a vem invalidar: o adjudicatário tem direito a que a concessão lhe seja feita a ele, e não a outro concorrente, e tem direito a que o reajustamento se faça com base na sua proposta, que deve ser alterada apenas no necessário para a tornar materialmente conforme o Decreto-Lei n.° 379/93. Mas essa conformidade (material) tem que ser total: na ausência, já assinalada, de norma em contrário, deve entender-se que o Decreto-Lei se aplica aos contratos celebrados depois da sua entrada em vigor, sendo nulos os que lhe forem contrários, em virtude do disposto no artigo 17.°

No caso de, à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 379/93, não ter ocorrido ainda a adjudicação, a situação é diferente. Com efeito, não existem então quaisquer direitos ou interesses legítimos constituídos a favor de qualquer concorrente, e que o dono da obra seja, consequentemente, obrigado a respeitar. A margem de manobra do reajustamento é, pois, muito mais ampla: ém última análise, irá mesmo, se for indispensável, até à possibilidade de recomeçar de novo o processo, a partir do zero.

Com esta latitude, haverá, pois, que reajustar a situação existente (validamente existente, claro, na medida em que, como já referi, o Decreto-Lei n.° 379/93 não vem validar situações ilegais anteriores), a fim de que o acto de adjudicação esteja já, ele próprio, em conformidade com a nova legislação (uma vez que é posterior à entrada em vigor desta).

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Era nesta estado, isto é, na fase da instrução anterior à adjudicação, que se encontrava o Concurso Público de Concepção, Construção e Exploração da Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos LJPOR II, aquando da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 379/93: os concorrentes tinham sido notificados da intenção de adjudicação — acto puramente instrutório, não constitutivo de quaisquer direitos ou interesses legalmente protegidos—, nos termos e para os efeitos dos artigos 100.° e segs. do Código do Procedimento Administrativo.

Deveria, pois, ter-se procedido, nessa altura, ao reajustamento do concurso, nos termos do artigo 18.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 379/93, o que, nos termos do exposto, implicaria, não o recomeço puro e simples do processo (na medida em que parte substancial do processado é aproveitável, visto que respeita o disposto naquele diploma), mas apenas a reformulação dos elementos do Concurso (Anúncio, Programa e Caderno de Encargos), a concessão de um prazo aos concorrentes admitidos para adaptarem as suas propostas aos novos circunstancialismos decorrentes da Lei e daqueles documentos, e a sua reapreciação global tendo em conta os novos parâmetros e conduzindo a uma nova decisão de intenção de adjudicar.

Só assim se obteria, afinal, um acto de adjudicação conforme com o Decreto-Lei n.° 379/93. E não se diga, como diz o Parecer, que a adjudicação ainda deveria ser feita com base na legislação anterior, sendo apenas necessário proceder a ajustamento (os ajustamentos possíveis) no contrato de concessão. Tal solução é manifestamente incongruente com dois aspectos já salientados a propósito da nova legislação, e que conjugados conduzem inequivocamente à solução aqui adoptada: a aplicação imediata e a necessidade de reajustamento..

Se com base na mera ideia de aplicação imediata se poderia ainda, eventualmente, construir uma solução que apontasse para aplicação imediata apenas das regras processuais — partindo da ideia de que não se pretendeu invalidar os documentos de concursos já abertos, que assim continuariam a reger esses concursos até ao fim —, a verdade é que a necessidade de reajustamento se opõe completamente a essa solução, na medida em que esse reajustamento é, essencialmente, um reajustamento material.

E, como é bom de ver, não faz sentido admitir que, depois da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 379/93, se pratique, com base na legislação anterior, um acto cuja consequência seja tornar substancialmente mais difícil o reajustamento exigido pelo art.° 18.°, n.° 2, daquele diploma.

7 — O Decreto-Lei n.° 379/93, de 5 de Novembro, foi publicado, como aliás se refere logo no seu preâmbulo, na sequência das alterações introduzidas à Lei n.° 46/77, de 8 de Julho, (vulgarmente conhecida por Lei de Delimitação de Sectores) pelo Decreto-Lei n.° 372/93, de 29 de Outubro.

Até então, e nos termos do disposto no art.° 4.°, n.° 1, alínea b), da referida Lei, na redacção dada pelo Decreto--Lei n.° 339/91, de 10 de Setembro, era vedado a empresas privadas e a outras entidades da mesma natureza o acesso à actividade económica no sector do saneamento básico.

Quer isto dizer que, quando foi aberto o Concurso Público de Concepção, Construção e Exploração da

Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos LIPOR II, estava vedado às entidades que a ele podiam concorrer o acesso a parte da actividade que iria ser objecto da concessão.

Este facto poderia levar à conclusão de que todo o Concurso estaria inquinado, desde o início, por manifesta ilegalidade, pelo que todos os actos que nele viessem a ser praticados estariam também irremediavelmente afectados por essa ilegalidade.

Tal não é, evidentemente o entendimento do Conselho de Administração da LIPOR, tal como não tem sido também o entendimento do Governo, manifestado em sucessivos despachos e protocolos celebrados com a LIPOR (Despacho Conjunto dos Ministros do Planeamento e da Administração do Território e do Ambiente e Recursos Naturais, de 15 de Setembro de 1991; Despacho Conjunto dos Secretários de Estado do Planeamento e do Desenvolvimento Regional e dos Recursos Naturais, de 25 de Fevereiro de 1993; Protocolo entre a LIPOR, a E.G.F.; a Direcção-Geral do Desenvolvimento Regional e a

Direcção-Geral do Ambiente, homologado pelo Secretário de Estado dos Recursos Naturais).

Esta é também a minha opinião. O que a Lei n.° 46/77 na sua versão anterior, vedava às empresas privadas e similares era o acesso à actividade económica na área do saneamento básico. Essa Lei só era violada quando alguma dessas empresas acedia efectivamente a essa actividade. No caso em apreço, só seria violada, pois, com a concessão da empreitada, ou, quando muito, com a adjudicação (dado que esta confere um direito à concessão), nunca antes.

Nesta medida, a abertura do Concurso, só por si, não violou a Lei n.° 46/77, na sua versão anterior. E aquando da adjudicação e da concessão já estava ou estará em vigor o Decreto-Lei n.° 372/93, com o qual aqueles actos são conformes.

O único argumento que se poderia invocar no sentido da invalidade de todo o Concurso seria o de que, aquando da sua abertura, este teria como objecto uma concessão contrária à lei, ou, se se preferir, que ele foi aberto a entidades que, a essa data, não poderiam exercer a actividade objecto da concessão.

Só que o Concurso não foi aberto para uma concessão -a outorgar nesse mesmo dia, mas sim num futuro mais ou menos próximo. E nada obsta, na lei, a que abra um concurso tendo em vista uma situação legal ainda não existente, mas que se prevê vir a existir — um concurso sob condição, digamos assim. E se essa condição se vier a verificar dentro do prazo de validade do concurso, não se vê qualquer razão para o considerar inválido.

No caso em apreço, a condição do Concurso era a possibilidade legal de empresas privadas ou similares acederem ao exercício na actividade económica no sector do saneamento básico. Essa condição verificou-se, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 372/93, ainda antes da própria adjudicação da Empreitada. Não descortino, pois, aqui qualquer invalidade.

8 — Nestes termos, e ao abrigo do disposto na alínea a), do artigo 2.° da Lei n.° 9/91, de 9 Abril, formulo a seguinte recomendação:

1 —Que o Conselho de Administração da LIPOR revogue, por ilegal, o acto administrativo que adjudicou a Empreitada de Concepção, Construção e Exploração da Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos LIPOR II ao agrupamento CNIM/ESYS-

-MONTENAY.

2 — Que, considerando as vastas alterações

introduzidas no processo do presente Concurso pela entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 379/93, de 5 de Novembro, se proceda, nos termos e no prazo fixados

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no n.° 1, do seu artigo 18.°, a todos os-reajustamentos necessários, designadamente:

Tornando-se compatíveis todos os documentos do concurso — Anúncio, Programa e Caderno de Encargos — com as exigências do novo diploma legal;

Concedendo aos concorrentes um prazo que permita a adaptação das suas propostas ao disposto naquele diploma e nos documentos do concurso assim adaptados;

Reapreciando globalmente todas as propostas assim alteradas de acordo com os novos parâmetros;

Proferindo nova decisão de intenção de adjudicar, nos termos e para os efeitos do artigos 100.° e seguintes do Código do Procedimento Administrativo.

04.02.94. R-590/92.

A S. Ex." o Ministro das Finanças:

1 — Um grupo de funcionários do quadro de pessoal da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos apresentou queixa na Provedoria de Justiça, pelo facto de não ter sido ainda publicado o Decreto-Lei previsto no n.° 2 do artigo 11." do Decreto-Lei n.° 187/90, de 7 de Junho.

1.1 — Tal diploma, relativo ao suplemento de risco a atribuir aos funcionários de acção externa nas áreas da justiça fiscal e da fiscalização tributária, fundamenta a sua razão de ser, conforme se refere no n.° 1 daquele artigo, «nos ónus decorrentes da prestação de trabalho em condições de risco».

■1.2—Este suplemento de risco encontra, o seu fundamento legal na alínea b), do artigo 19.°, do Decreto--Lei n.° 184/89, de 2 de Junho, e o n.° 3 do mesmo artigo, estabelece que a fixação das condições de atribuição dos suplementos definido por Decreto-Lei.

1.3 —Posteriormente, vem o Decreto-Lei n.° 353-A/89, de 16 de Outubro, confirmar este enquadramento jurídico, através da noção legal de suplemento, constante do seu artigo 11.°, e referindo a necessidade da publicação de Decreto-Lei para a fixação do regime e das condições da sua atribuição — cf. artigo 12."

2 — Colocada a questão ao competente membro do Governo, foi recebido na Provedoria de Justiça, o ofício n.° 1015, de 24 de Julho de 1992, do Gabinete de Sua Excelência a Secretária dé Estado Adjunta e do Orçamento, a que era junto o ofício do Senhor Director-Geral das Contribuições e Impostos (fotocópias anexas) em que se remetia a regulamentação do suplemento de risco para posterior momento, dado revelar-se de maior utilidade e racionalidade começar por preparar a reestruturação e redimensionamento dos serviços da Direcção-Geral das

Contribuições e Impostos.

2.1 — Acontece que ó Decreto-Lei n.° 408/93, de 14 de Dezembro, veio adequar e reajustar a estrutura da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos às exigências decorrentes do novo sistema de tributação directa e indirecta. Assim sendo, deixa de existir qualquer argumento que continue a sustentar a posição até agora assumida pela Administração Fiscal.

2.2 — Acresce que o suplemento de risco já foi atribuído aos funcionários da Inspecção-Geral das Finanças, pelo Decreto-Lei n.° 353-A/90, de 16 de Outubro, e aos da Direcção-Geral das Alfândegas, através do Decreto-Lei n.° 274/90, de 7 de Setembro, com efeitos reportados a 1 de Outubro de 1989.

2.3 — Atendendo a que a atribuição do suplemento de risco aos funcionários da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos incumbidos da acção externa nas áreas da justiça fiscal e da fiscalização tributária, constitui um direito destes funcionários, que decorre de forma directa e imediata do disposto no artigo 11.°, n.° 1, do Decreto--Lei n.° 187/90, de 7 de Junho;

3.1 — Atendendo a que o n.° 2 do artigo em causa apenas refere que serão fixadas por Decreto-Lei as condições de atribuição do subsídio de risco devido àqueles funcionários;

3.2 — Atendendo a que a exequibilidade da norma em questão deve ser aferida pelos princípios da boa-fé enformadores de um Estado de Direito, que não se compadecem com esta omissão legislativa recomendo:

Que seja elaborado e publicado o diploma previsto no n.° 2 do artigo 11.°, do Decreto-Lei n.° 187/90, de 7 de Junho, com produção de efeitos reportados a 1 de Outubro de 1989, nos termos do disposto no artigo 15.° deste diploma, pagando-se ainda aos titulares do direito ao subsídio de risco os juros já vencidos.

14.02.94. R-708/92.

A S. Ex.* o Ministro da Justiça:

1 — Pelo Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Norte foi apresentada reclamação pelo facto de o artigo 89.° do Decreto-Lei n.° 204/83, de 20 de Maio não ter sido ainda regulamentado, o que causa prejuízos de monta aos seus associados.

2 — Sendo incontestável que o referido pessoal exerce funções de risco evidente, e não sendo de esquecer que há outros trabalhadores desse Ministério, a exercer funções em condições de trabalho semelhantes, que são muito legitimamente beneficiados com o subsídio de risco (cf. Decreto Regulamentar n.° 38/92, de 7 de Julho), parece impor-se que a situações idênticas se apliquem regimes legais semelhantes.

3 — Por outro lado, tendo já passado dez anos sobre a vigência de norma a regulamentar, parece não poder justificar-se a passividade da Administração Pública ao não criar os mecanismos legais a que está legalmente obrigada.

4 — Face ao exposto, tenho por bem recomendar a V. Ex.* que, com a urgência possível, crie as condições para se concretizar a regulamentação do artigo 89.° do Decreto-Lei n.° 204/83, de 20 de Maio, por forma a que o pessoal do Instituto de Reinserção Social possa beneficiar do subsídio de risco.

(Recomendação não acatada.)

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23.02.94. R-3404/91.

A S. Ex.* o Secretário Regional dos Assuntos Sociais:

1 — Uma auxiliar de acção médica do Centro Hospitalar do Funchal solicitou intervenção ao Provedor de Justiça, por lhe ter sido aplicada a pena de demissão da função pública, em virtude de ter faltado ao serviço para acompanhar o marido ao continente.

2 — A Secretaria Regional, no ofício n.° 0530, de 4 de Fevereiro de 1992, esclareceu ter-se tratado da aplicação de pena por falta de assiduidade, em processo que foi instaurado a referida funcionária por se encontrar a faltar ao serviço sem justificação, desde 2 a 21 de Maio de 1991.

3 — Diz ainda que a interessada pedira a concessão de licença sem vencimento de longa duração em 27 de Fevereiro e em 13 de Abril de 1991, que fora indeferida face às informações prestadas pelos serviços do Centro Hospitalar do Funchal.

4— Reconheço que em termos estritamente legais a • pena aplicada tem fundamento bastante, dado que a arguida não terá alegado e provado, por forma directa, bastante e convincente, que passou a faltar para acompanhar o marido ao continente, com vista a tratar-se de grave doença.

5 — O certo, porém, é que, se a versão dada for verdadeira, se compreende o dilema em que se terá visto, entre cumprir os deveres de funcionária e a obrigação de auxílio e apoio ao marido.

6 — Nestes termos sugeri à interessada que peça a revisão do processo disciplinar, provando agora, por forma bastante, a natureza da doença do marido e a necessidade (ou pelo menos a urgência e razoabilidade) de o acompanhar ao continente para tratamento.

7 — Assim, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.° 1 do artigo 20.° da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, considero de formular a V. Ex.° a seguinte recomendação

Se tal for feito, proceda à revisão do processo disciplinar e não deixe de ponderar, em qualquer caso, a possibilidade de substituição da pena de demissão pela de aposentação compulsiva, por forma a não retirar em absoluto à queixosa um meio de subsistência decerto essencial para o casal.

(Recomendação acatada.)

\9.02.94. R-1386/91.

Ex."10 Sr. Director-Geral das Relações Colectivas de Trabalho:

1 —Como é do conhecimento de V. Ex.1*, pende na Provedoria de Justiça um processo relacionado com uma queixa apresentada por uma funcionária da Delegação de Braga dessa Direcção-Geral, na qual reclama dos critérios utilizados por esse organismo para a concessão ou negação da recuperação do vencimento de exercício, previsto no artigo 27.°, n.° 4 do Decreto-Lei n.° 497/88, de 30 de Dezembro, definidos no despacho de V. Ex.* de 10 de Outubro de 1990.

2 — A este assunto se refere o ofício de V. Excia. n.°918, de 30 de AgostQ de 1991.

3 — Analisado aquele despacho à luz da disposição legal citada e tendo em conta o objectivo pretendido pelo legislador — controle do pequeno mas frequente absentismo nem sempre,coincidente com verdadeiras situações de doença — e sem esquecer que a recuperação do vencimento de exercício perdido constitui uma faculdade a que corresponde da parte de Administração um poder discricionário, concluiu-se serem os critérios definidos para a terceira situação no mesmo contemplada — excepcionais qualidades de serviço aliados a excepcionais aspectos sociais — contrários ao espírito do legislador, desajustadas ao instituto em questão e injustos.

4 — Efectivamente, o instituto de recuperação do vencimento do exercício perdido por faltas por doença devidamente justificada, não tem o carácter de excepcionalidade que por aquele despacho lhe é conferido.

Além de que as qualidades de serviço são apreciadas e colocadas sobre diversos aspectos na classificação de serviço — único factor obrigatório de ponderação nesta matéria — não sendo congruente a exigência de outras excepcionais qualidades do serviço para além dos que são notados, na classificação de serviço.

5 — Face ao que antecede e ao abrigo do n.° 1, alínea a), do artigo 20.° da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, formulo a V. Ex* a seguinte recomendação:

a) Que revogue o seu despacho de 10.10.90, na parte em que se refere a «excepcionais qualidades de serviço aliados a excepcionais aspectos sociais»;

b) Caso seja possível, proceda a reapreciação de todos os pedidos de recuperação de vencimento que foram recusados com base naqueles critérios, designadamente o da reclamante atrás identificada.

17.02.94. R-1221/90.

A S. Ex.' o Presidente do Governo Regional dos Açores:

1 — Uma enfermeira-supervisora apresentou queixa ao Provedor de Justiça por ter sido nomeada directora do Serviço de Enfermagem do Hospital de Ponta Delgada uma enfermeira com a categoria de enfermeira-chefe.

2 — Afirmava que tal tinha acontecido porque o Decreto Regional n.° 19/90, de 20 de Março, determina que a nomeação de enfermeiros-directores especialistas, esquecendo os enfermeiros-supervisores, embora estes sejam de grau superior àqueles.

3 — A Secretária Regional de Saúde e Segurança Social, ouvida sobre o assunto, afirma ter-se procurado estabelecer uma área de recrutamento mais flexível que a existente na Administração Central.

4 — Estabelecendo o artigo único do Decreto-Lei n.° 401/89, de 10 de Novembro, que o enfermeiro-director seja nomeado de entre enfermeiros do grau 4 e 5 da carreira de- enfermagem, com a possibilidade de recair em enfermeiros-chefes (grau 3) com determinados requisitos, não se entende o argumento invocado.

5 — Quanto à questão concretamente levantada pela queixosa, a Secretaria Regional respondeu ser hábito, em

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termos de técnica legislativa, que as áreas de recrutamento sejam entendidas como áreas mínimas, pelo que qualquer funcionario com categoria superior à indicada está sempre abrangido, embora admitisse que a redacção do artigo melhorasse com a introdução da expressão «pelo menos».

6 — Informou ainda não considerar necessário alterar o diploma, o que comunicou à queixosa.

7 — O facto é que foi nomeada para o lugar uma enfermeira menos graduada.

8 — Em princípio, conforme dispõe o artigo 9.° do

Código Civil, presume-se que o legislador se exprime em termos adequados.

9 — Há também a considerar que a matéria regulada, respeitante à estrutura e organização hospitalar, não deverá divergir do quadro orgânico geral estabelecido no Decreto--Lei n.° 19/88, de 21 de Janeiro, para os hospitais do Serviço Nacional de Saúde, regulamentado, quanto aos órgãos de administração e direcção técnica, pelo Decreto Regulamentar n.° 3/88, de 22 de Janeiro.

10 —O Decreto-Lei n.° 401/89, de 10 de Novembro, introduziu, precisamente, uma alteração de modo a possibilitar o alargamento da área de recrutamento aos enfermeiros-professores, de grau 5, e a enfermeiros-chefes, de grau 3, que reúnam determinados requisitos, passando assim a abranger outros graus além do 4, como acontecia anteriormente.

11 — Nestes termos entendo, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 20.° da Lei 9/91, de 9 de Abril, formular a seguinte recomendação:

Que se proceda à alteração do disposto no artigo 30° do Decreto Regulamentar Regional n.° 12/90, de 20 de Março, dê modo a harmonizá-lo com o artigo único do Decreto-Lei n.° 401/89, de 10 de Novembro.

(Recomendação acatada.)

11.02.94. -IP-13/93.

A S. Ex.° o Ministro da Saúde: I

Antecedentes

1 — Em I de Abril .de 1993, numa conferência de imprensa do Sindicato dos Médicos da Zoria Sul foi referida a existência de graves deficiências de funcionamento da unidade de hemodiálise (UH) do Hospital Distrital de Évora (HDE) a qual provocara, no decurso do mês anterior, a morte de insuficientes renais crónicos (IRC) que ali recebiam assistência regular.

2 — Face ao impacte que aquela informação teve na comunicação social e as intervenções públicas de diversos responsáveis desse Ministério, foram por mim solicitadas em 16.04.93, ao Inspector-Geral de Saúde (IGS) diversas informações, incluindo uma cópia do processo de inquérito preliminar então em curso.

Paralelamente, solicitei e recolhi junto de outras fontes variada documentação relativa ao mesmo assunto.

3 — Por ofício de 3 de Junho de 1993 o IGS remeteu-me «para conhecimento e devidos efeitos», fotocópias certificadas do Relatório Final do processo de inquérito n.° 403/93-IGS.

4 — Do Relatório extrai-se que no dia Ide Abril de 1993 foi pelo IGS determinada a deslocação de um inspector assessor ao HDE para uma primeira abordagem da situação.

Na mesma data de 1 de Abril de 1993 recebeu o IGS ofício do Conselho de Administração (C. A.) do HDE solicitando «a instauração de um processo de averiguações», «visando o esclarecimento e resolução do problema».

5 — O Relatório Final, com às propostas nele feitas,

sustenta o despacho de 25 de Maio de 1993 do Ministro

da Saúde, que instaurou procedimento disciplinar a funcionários e agentes do HDE, cuja conclusão ainda desconheço.

6 — Depois de analisada a documentação reunida nesta Provedoria passo a destacar o contexto e os factos que suportam a análise que posteriormente desenvolvo.

n

Contexto

7 — Verificava-se em princípios de 1993 uma situação generalizada de seca em todo o território nacional, com particular incidência no Alentejo.

A seca decorria desde o Inverno de 1991 e, além de notória, era referida frequente e dramaticamente nos órgãos de comunicação social.

8 — Entrara em vigor o Decreto-Lei n.° 74/90, de 7 de Março, fixando características mínimas de qualidade da água e regras objectivas para a actuação da Administração Pública (directa, indirecta e autónoma).

9 — Estavam em vigor o Decreto-Lei n.° 19/88 e o Decreto Regulamentar n.° 3/88, respectivamente de 21 e 22 de Janeiro, que regem a natureza, orgânica e funcionamento dos hospitais públicos, e regulam os órgãos de gestão hospitalar, sua composição, competência e funcionamento, e responsabilidade dos respectivos titulares.

10 — Fora aprovada a Lei de Bases da Saúde (Lei n.° 48/90, de 24 de Agosto) regulamentada em 15 de Janeiro pelos Decretos-Leis n.os 10 e 11/93.

O primeiro extinguiu a Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários (DGCSP) e criou a Direcção-Geral da Saúde (DGS), mantendo em funcionamento os serviços daquela até à entrada em vigor do Decreto-Lei a° 345/ 93, de 1 de Outubro.

ffl Factos

11 — No processo de inquérito reconhecem-se as deficiências de funcionamento da Central de Tratamento de Águas da UH do HDE.

12 — Apura-se que essas deficiências foram verificadas inicialmente em Setembro de 1990, mas que se tornaram frequentes a partir de Janeiro de 1992.

Essas deficiências traduziram-se na perda de rendimento do sistema de filtragem da água utilizada no tratamento dos IRC, repetidamente descendo o débito da água , e apurou-se que a insuficiência sistemática da água resultava da colmatagem das membranas e dos filtros com matéria orgânica e sais minerais transportados pela água da rede de abastecimento público.

Tal sifuação conduziu a empresa especializada

que instalou e prestava assistência ao equipamenxo

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(ENKROTT) a propor em Fevereiro-Março de 1992 a construção de um novo depósito para recolha de água pré-- tratada.

A construção, não prevista no plano de actividades, nem no orçamento do HDE, importando cerca de 3000 contos de encargos, foi considerada prioritária e autorizada pelo administrador-delegado, Dr. Manuel Fialho. Não obstante, iniciou-se apenas em Outubro de 1992.

Na mesma altura o administrador-delegado autorizou também a remodelação do sistema de filtração.

13 — Durante o mês de Março de 1993, faleceram 9 IRC que recebiam assistência no HDE, sendo até esta data de 22 o total de mortes conhecidas.

14 — Já em 1992, os resultados das análises ao sangue dos IRC assistidos no HDE acusaram níveis muito elevados de alumínio sérico, situação que se repetiu em inícios de 1993, sem que tal, associado às deficiências assinaladas da UH, quer para o Director Clínico.

15 — Os IRC assistidos na UH, quando necessário, eram internados em Medicina n. Em 1992, verificaram-se 179 internamentos de IRC. Em Março de 1993, o Dr. Aniceto solicitou a intervenção do médico neurologista para examinar diversos IRC que apresentavam sintomatologia do foro neurológico (compatível com a encelopatia metabólica/tóxica). A UH, o Serviço de Medicina II e o Serviço de Neurologia funcionam sob a coordenação técnica do Director Clínico.

16 — Foram detectadas deficiências no tratamento e conteúdo analítico das águas das Estações de Tratamento de Aguas, no equipamento de dosagem do sulfato de alumínio, nas condutas da água de abastecimento público.

17 — As deficiências da água da rede suscitaram diversas reuniões de técnicos da Câmara Municipal de Évora (CME), da Administração Regional de Saúde de Évora (ARS), adoptando diversas medidas correctoras.

Em Fevereiro-Março 92, a ENKROTT aconselhou a CME a usar poliectrólitos.

Mas a maioria das sugestões e/ou correcções, foram ineficazes até 1 de Abril de 1993, quer quanto à água da rede de abastecimento público, quer quanto à água utilizada na UH do HDE.

Todavia nunca as autoridades ou serviços de saúde afirmaram à população a não potabilidade da água de consumos.

18 — Não resulta claro da documentação analisada que o pessoal afecto à UH tivesse sido devidamente formado e periodicamente, reciclado quanto às diligências inerentes a bom funcionamento da Central de Tratamento de Agua.

19 — As medidas que se revelaram eficazes na melhoria da qualidade da água para os dois fins acima referidos começaram a ser tomadas, atenta, persistente e eficazmente pelas entidades competentes dependentes do Ministério da Saúde a partir da denúncia pública das deficiências e mortes já aqui mencionadas.

20 — Evidenciam-se as conclusões dos peritos ouvidos no inquérito, segundo os quais «na instalação de um centro de hemodiálise é pressuposto que a água a ser utilizada provém da rede de abastecimento público. As características qualitativas especiais para tal utilização exigem tratamento específico que é da inteira responsabilidade desse Centro» (fl. 1057 dos autos).

21 — O inquérito promovido pela IGS, assim como o ofício de 21 de Setembro de 1993 do IGS, repetidamente referem a inexistência de provas do envolvimento ou do simples conhecimento pelos membros do C. A. das práticas incorrectas e do funcionamento sem garantías de qualidade e segurança da UH.

22 — O C. A. do HDE terá tido conhecimento, através de uma primeira informação oral do Nefrologista Dr. João Aniceto, em 23 de Março de 1993, da «situação que se estava a passar com os doentes (...)».

E a primeira informação escrita dirigida ao C. A. pelo mesmo médico data de 28 de Março de 1993.

23 —Não obstante, em 1 de Abril de 1993, o C. A. insistia em declarar e escrever que «o funcionamento da UH dava garantia de qualidade e segurança» o que também foi admitido pelo Director-Geral da Saúde em comunicado de 3 de Abril de 1993.

24 —Nos dias 4 e 5 de Abril de 1993 foram transferidos para outras UH de Lisboa doentes assistidos em Évora.

25 — Não estava aprovado, até 1 de Abril de 1993, o Regulamento Interno do HDE.

Apenas vigoravam algumas normas de procedimentos de sectores pontuais, nas quais se não incluíam as referentes à UH que entrou em funcionamento em 1986. Estas foram aprovadas sete anos depois em reunião do C. A. de 12 de Maio de 1993.

26 — A autoridade de saúde, antes de 1 de Abril de 1993, não desempenhou as suas funções de Órgão do Estado responsável pela vigilância da actuação e decisões dos serviços públicos com reflexos na saúde pública nem tomou medidas coercivas sobre a matéria.

27 — Também a divulgação em 1 de Abril de 1993 das ocorrências na UH não determinou a Autoridade de Saúde a proceder à oportuna e discricionária tomada de medidas, inclusive a do encerramento daquela unidade.

28 — Os serviços de saúde e a Câmara não comunicavam regular e atempadamente à DGQA os resultados das análises cujos valores excediam os limites fixados, o mesmo sucedendo com a autoridade de saúde.

29 — Não resulta da documentação analisada que, quer a Direcção-Geral da Qualidade do Ambiente (DGQA), quer a Direcção-Geral dos Recursos Naturais (DGRN), quer a Comissão Coordenadora Regional do Alentejo (C.C.R.) tenham tomado quaisquer iniciativas tendentes a zelar pela existência e reforço das condições de abastecimento de água com qualidade, face ao prolongamento da situação de seca.

A DGQA limitou-se a pedir, rotineiramente, em Julho de 92 e Abril de 93, os mapas com os registos das análises efectuadas, nos anos imediatamente anteriores.

E a Autoridade de Saúde só em 23 de.Abril de 1993, apesar de quase diariamente a comunicação social fazer referência ao sucedido na UH do HDE e ao excesso de alumínio na água da rede pública, solicitou a intervenção dôs serviços da DGQA por recomendação do Ministro da Saúde. 1

30 — Os IRC que estiveram internados em unidades de Lisboa e, por isso, afastados do seu agregado familiar, deram origem a significativas despesas de transportes e alimentação de familiares que os visitaram, visitas que' contribuíram para o bem estar dos doentes muito afectados pelo desenraizamento e pelo dramatismo da situação.

31 — Os familiares dos IRC entretanto falecidos perderam na maioria, se não na totalidade dos casos, uma fonte de receita (as pensões de reforma ou de sobrevivência) essencial para a subsistência do agregado familiar cuja situação social se encontra significativamente agravada.

32 — As despesas com os funerais dos IRC excedem os valores do subsídio de funeral, havendo famílias endividadas e com graves carências.

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33 — Cumprido o período de suspensão preventiva, o nefrologista responsável pela UH, Dr. João Aniceto, regressou ao seu posto de trabalho o que, dados os acontecimentos conhecidos, afecta profundamente a relação de confiança médico-doente em que assenta a prestação de cuidados de saúde, relação agravada face à demora na conclusão do processo disciplinar que lhe foi instaurado.

rv

0 direito regulador da situação em análise. Aplicações

34—0 Decreto-Lei n.° 74/90, de 7 de Março.

34.1 — Define as categorias da água em função dos seus usos principais, destacando-se aqui a água para consumo humano [artigo 2.°, n.° 1, alínea a)].

34.2 — Caracteriza o tipo de acções que integram o «sistema de controlo de qualidade da água».

O «controlo» cabe à entidade responsável pela exploração dos recursos hídricos, no caso em apreço, à CME [v. artigo 4.°, n.° 13, alínea a)).

A «fiscalização» é da competência das entidades gestoras de recursos hídricos, para defender a saúde pública. No caso em estudo, a DGRN [(v. artigo 4.°, n.° 2 alíneas f) e h)].

A «vigilância sanitária» é realizada «pelos serviços de saúde», nomeadamente no âmbito da exploração técnica dos sistemas de abastecimento de água para consumo humano.

Os serviços de saúde referidos no artigo 4." dão a GCSP (hoje DGS) e as ARS (então regidas pelo Decreto-Lei n.° 254/82, de 29 de Junho), a quem compete «planear e assegurar a vigilância sanitária da qualidade da água para consumo humano» [artigo 4.°, n.° 3, alínea e)] e elaborara relatórios anuais sobre a qualidade da água [artigo 4.°, n.° 3, alínea/)].

A «inspecção» é da competência da DGQA [n.° 1, alínea b), do artigo 4.° e no artigo 18.°, n." 1 e 2] e das C.C.R [artigo 4.°, n.° 4, alínea a)].

As inspecções podem ser de iniciativa oficiosa (v. Código do Procedimento Administrativo, artigo 54.°), mas as câmaras e os serviços dé saúde estão vinculados ao dever de comunicar à DGQA, no prazo de 3 dias, sempre que os valores apurados nos seus controlos ultrapassam os limites fixados no Anexo IX da Lei (v. artigo 18.°, n.° 2).

Também; nos termos do n.° 1 do art.° 56.°, «qualquer das entidades competentes dará conhecimento à DGQA das ocorrências detectadas».

Estes deveres de informar não parece terem sido cumpridos, antes de 1 de Abril de 1993, por qualquer das entidades competentes.

34.3 — Mas «salvaguardados os imperativos de protecção da saúde pública», não são aplicáveis os parâmetros referidos nos anexos à Lei, por exemplo, em situação de seca [artigo 6.°, n.° 1, alínea a)].

Esta diminuição de exigências «é obrigatoriamente confirmada pela entidade com competência para a fiscalização na área correspondente (artigo 6.°, n.° 2), que, no caso em análise, julgo ser a DGRN, e comunicada à DGQA nos dias subsequentes (artigo 6.°, n.° 3).

A iniciativa nesta matéria não parece depender de um pedido da entidade responsável pela qualidade da água de água de abastecimento para consumo humano (a CME),

antes cabe as entidades que lhes solicitem [artigo 4.°, n.°

13, alínea c)].

A iniciativa de confirmação da situação de excepção pode ser oficiosa, considerando-se que teria sido indispensável sobretudo nos anos de 1992 e 1993 devido à prolonga situação de seca.

Por sua vez, a CME apenas requereu a declaração da situação de seca em 27 de Abril de 1993, não obstante dispor há muito de análises com resultados elevados em alguns parâmetros (matéria orgânica).

O pedido não mereceu provimento.

34.4 — As águas que «requeiram uma maior exigência de qualidade não são consideradas de abastecimento para consumo humano (artigo 15.°, n.m 1 e 2). É o caso da utilizada nas UH, à qual não se aplicam os normativos que vêm sendo citados.

34.5 — Entre as características de qualidade da água de abastecimento para consumo humano destaca-se: «não pôr em risco a saúde (pública), ser agradável ao paladar e à vista dos consumidores [...] (cf. artigo 16°, n.° 1).

O sulfato de alumínio é referido nos autos como tendo uma função «estética», fazendo precipitar substâncias que dão à água um aspecto turvo desagradável.

Mas a CME dispunha de equipamento adequado para fazer o doseamento do sulfato de alumínio necessário, e isso poderá ter contribuído para exceder continuamente as exigências de potabilidade definidas no anexo ix que são, quanto ao alumínio, o VMR de 0,05 e o VMA de 0,2).

35 — O Dec-Lei n.° 19/88 e o Decreto Regulamentar n.° 3/88, de 21 e 22 de Janeiro, respectivamente (Regime da Gestão Hospitalar):

35.1 — Nos termos do Decreto-Regulamentar n.° 3/88, os hospitais têm um Conselho de Administração que deve acompanhar e avaliar periodicamente a execução dos princípios fundamentais de organização e funcionamento do hospital (artigo 4.°, n.° 1) e aprovar as directrizes necessárias ao melhor funcionamento dos serviços [(artigo 4.°, n.° 2, alínea c)].

Não está determinado que o faça apenas através da leitura de relatórios dos diversos responsáveis ou que, passivamente, aguarde a chegada de informações (globais ou sectoriais): nem tal prática revelaria uma boa, atenta e diligente actuação.

O Decreto-Lei n.° 19/88 refere nos artigos 6.° e 7.° os princípios que presidem à actuação dos órgãos dos hospitais.

Saliento o n.° 1, alíneas a) ef), do artigo 6.°: o respeito pelos direitos dos doentes e o acatamento das normas de ética profissional por parte de todos os que trabalham no hospital.

E o n.° 2 do mesmo artigo no qual julgo caber a competência para tomar a decisão de encerrar a UH e de transferir para outras unidades, a expensas do HDE, os doentes em diálise regular.

35.2 — O administrador-delegado elabora relatórios mensais, trimestrais e anuais do hospital e submete-os à aprovação do CA. (artigo 10.°, n.° 2)

E autoriza as despesas de simples conservação e reparação e beneficiações das instalações e do equipamento [artigo 11.°, n.° 1, alínea d)].

35.3 — O director clínico (que é também um órgão de direcção técnica) coordena toda a assistência prestada aos doentes, assegura o funcionamento harmónico dos serviços de assistência, garante a correcção e prontidão dos cuidados de saúde prestados pelo hospital e, em especial, dirige a acção médica (artigo 13.°, n.° 1).

Cabe-)he ainda «detectar permanentemente no rendimento assistencial global do hospital os eventuais

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pontos de estrangulamento [...]» [artigo 13.°, n.° 2, alínea b)].

É coadjuvado por adjuntos por si livremente escolhidos.

36 — A Lei n.° 48/90, de 24 de Agosto (os Serviços de Saúde e as Autoridades de Saúde):

36.1 — O Decreto-Lei n.° 74/90 só refere a competência dos serviços de saúde e não menciona as autoridades de saúde que, nos termos da Lei de Bases da Saúde, são órgãos do Estado situados a nível nacional (o Ministro e o director-geral da Saúde), regional (na época ainda não regulamentado, e, ainda que sem suporte legal, assegurado pela chamada «autoridade distrital») e concelhia (sediada nos centros de saúde).

Segundo o n.° 1 da base xix, as autoridades de saúde garantem a intervenção oportuna e discricionária do Estado em situações de grave risco para a saúde pública e exercem funções de vigilância das decisões dos órgãos e serviços executivos do Estado em matéria de saúde pública, podendo suspendê-las quando as considerem prejudiciais (n.° 2 da mesma base).

36.2 — Não são confundíveis os papéis de DGS ou da ARS e dos serviços de engenharia sanitária (que fazem parte da sua estrutura orgânica) com os do órgão do próprio Estado «autoridade de saúde», apesar de os titulares deste órgão serem em regra médicos da carreira médica • pública providos em lugares das ARS correspondentes ao

grau e categoria que, por norma, obtêm mediante concurso.

36.3 — A figura «autoridade de saúde distrital» não existia de jure. Era uma realidade de facto, designada por despacho ministerial, mas nenhum diploma consagrava então as respectivas competências (e a competência não se presume), o modo da sua articulação com as autoridades concelhias e nacionais, a sua área de influência.

Informalmente, constituía um apoio especializado do órgão máximo de gestão da então designada ARS, dialogando com as autoridades concelhias implantadas no seu distrito.

37 — A CRP, o Código Penal, o Estatuto Disciplinar, o Estatuto Hospitalar, o Decreto Regulamentar n.° 3/88, de 22 de Janeiro (a responsabilidade disciplinar)

37.1 — Os artigos 22." e 271.° da Constituição (CRP) fazem decorrer a responsabilidade, e a subsequente solidariedade do Estado ou de outras entidades públicas, de actos ou omissões dos titulares dos órgãos, funcionários e agentes.

Da mesma forma, o artigo 10." do Código Penal, para os crimes de resultado, equipara a comissão por acção à comissão por omissão.

O. n.° 1 do artigo 56." do Estatuto Hospitalar aprovado pelo Decreto Lei n.° 48357, de 27 de Abril de 68, estabelece que «o pessoal dos hospitais e dos serviços de organização hospitalar (...) ficam sujeitos ao regime disciplinar dos servidores civis do Estado».

A responsabilidade disciplinar decorre da mera culpa do autor do acto ou omissão (artigo 3.°, n.° 1 do Estatuto Disciplinar) do qual resulte violação de algum dos deveres gerais ou especiais decorrentes da função que exerce.

Deveres, para fins disciplinares, são todos os que visam assegurar o regular funcionamento dos serviços, destacando-se aqui os deveres gerais de zelo e de lealdade, definidos, respectivamente, nos n.os 6 e 8 do artigo 3.° do Estatuto Disciplinar.

O primeiro «consiste em conhecer as normas legais e regulamentares e as instruções dos seus superiores hierárquicos, bem como possuir e aperfeiçoar os seus conhecimentos técnicos e métodos de trabalho de modo a exercer as suas funções com eficiência.e correcção».

Desdobra-se em diligências e competência.

O segundo «consiste em desempenhar as suas funções em subordinação aos objectivos do serviço e na perspectiva da prossecução do interesse público».

Embora o artigo 33 do Decreto Regulamentar n.° 3/88, de 22 de Janeiro, refira que os membros dos órgãos da administração e direcção técnica são responsáveis disciplinar, civil e criminalmente, nos termos da lei, pelos actos que pratiquem no exercício das suas funções, não podem considerar-se excluídas da mesma responsabilidade as omissões dos citados titulares.

37.2 — Dos elementos constitutivos da infracção destaco a culpa e a ilicitude. °

A culpa é apreciada «pela diligência de um bom pai de família» (cf. código civil, artigo 487.°, n.° 1).

Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, «o julgamento (da culpa) não está vinculado às práticas de desleixo, de desmazelo ou de incúria que porventura se tenham generalizado, se outra for a conduta exigível dos homens de boa formação e de são procedimento» (in Código Civil Anotado, vol. i, 3.* ed., p. 462).

Por isso, a «referência expressiva ao bom pai de família acentua mais a nota ética ou deontológica do bom cidadão [...] do que o critério puramente estatístico do homem médio» (idem).

A ilicitude disciplinarmente traduz-se na violação de valores superiormente protegidos (v. g., os direitos a vida, à integridade pessoal, à protecção da saúde) que devam ser prosseguidos pela Administração.

38 — Aplicação do regime de responsabilidade.

38.1 —Quando o relator do processo de inquérito que decorreu na IGS ou o próprio inspector-geral afirmam a não existência de provas de que o C. A., tenha praticado actos susceptíveis de o fazerem incorrer em responsabilidade, está claramente a excluir as omissões que se traduzem na violação dos deveres de zelo e de lealdade.

Ora, como atrás se disse (cf. pontos 11 e 12) ao autorizar em inícios de 1992 a construção de um novo depósito para reserva de água a utilizar na UH, o Administrador tomou conhecimento claro da existência de problemas sérios que justificaram a atribuição de prioridade a uma obra não prevista no plano de actividades nem no orçamento do HDE e cujos encargos não podem ter-se por insignificantes.

Através do Eng.° Miranda e da ENKROTT, o Administrador-Delegado tomou conhecimento das repetidas deficiências de funcionamento e autorizou despesas subsequentes, factos que não podem deixar de ser valorizados e incluídos na previsão do n.° 1 do artigo 13." do Decreto Regulamentar n." 3/88.

Tal facto, bem como a frequência com que foi necessário adquirir, trocar e lavar membranas, módulos e filtros, deveriam ter sido comunicados para aprovação ao C. A., se não de outra forma, num dos seus relatórios mensais, trimestrais ou anuais.

Não ter levado o assunto a reunião do C. A. constitui omissão culposa e ilícita.

Se as relações entre o director-cliente e o seu adjunto Dr. Aniceto eram efectivamente de confiança, dificilmente se compreende que, sobre acontecimentos tão perturbadores como a morte de 8 a 9 IRC desde ò início até ao fim do mês de Março de 1993 (antes de o assunto se tornar do domínio público) e face à colaboração pedida ao neurologista perante a sintomatologia apresentada pelos hemodialisados, não tenha havido curiosidade científica, solicitação de informações ou qualquer manifestação de preocupação por parte do director clínico.

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A inércia traduz-se numa omissão culposa e ilícita do C. A., com destaque quer para o administrador-delegado, quer para o director-clínico, este responsável, e por isso com o dever de iniciativa para assegurar e verificar o

funcionamento dos serviços de assistência e garantir a correcção dos cuidados prestados.

38.2 — Assim como também as DGQA, DGRN e CCRA parecem não ter cumprido o dever de zelo ou diligência a que, no âmbito das suas competências, estão obrigadas.

Atende-se na forma rotineira e extemporânea com que em Junho 92 e Abril de 1993, a DGQA solicitou à CME os resultados das análises à água respeitantes aos anos de 1991 e 1992, dos anos seguidos de seca excepcional.

Verifica-se por isso também (e face às informações disponíveis no processo) omissão culposa e ilícita.

38.3 — O mesmo pode ser afirmado em relação à Câmara que não diligenciou atempadamente no sentido de efectuar uma dosagem correcta do alumínio a introduzir na água de abastecimento público, nem deu conhecimento dos resultados das análises à DGQA.

38.4 — Relativamente aos serviços de saúde e à qualidade da água de abastecimento, torna-se difícil separar os papéis desempenhados e as responsabilidades inerentes, dado que vem de há muito a confusão entre as ERS e as «suas» autoridades de saúde. O próprio legislador, não poucas vezes, usa cada uma das expressões incorrectamente.

Tal incorrecção não será excluída quando o Decreto--Lei n.° 74/90 comete expressamente a vigilância sanitária à ARS e à DGCSP, e não ao órgão do Estado (autoridade de saúde) que é apoiado em termos normativos, técnicos, humanos e logísticos por aqueles serviços.

Retira-se da documentação disponível que houve empenhamento da DGCSP no sentido de obter financiamento (Programa LIFE) para apetrechar os laboratórios das ARS com os meios necessários ao cumprimento da parte das exigências que lhe faz a lei. Mas, dé facto, tais exigências não foram integral e regularmente satisfeitas por periodos de seca em que a necessidade de vigilância era mais óbvia e premente.

A DGCSP não logrou fazer aprovar tempestivamente [ainda que o possa ter tentado no cumprimento do disposto no artigo 4.°, alínea c), 13.°, n.° 1, e 19.°, alínea a), do Decreto-Lei n.° 74-C/84, de 2 de Março] as medidas legislativas agora concretizadas no Decreto-Lei n.° 392// 93, de 23 de Novembro, e regulamentadas na Portaria n.° 60/94, de 25 de Janeiro.

A prova da sua urgente necessidade foi a aprovação, como norma interna do HDE, em Maio de 93, depois da morte de muitos IRC, do regulamento para a UH.

Fizeram-se reuniões, espaçadas no tempo, com participação da engenharia sanitária (ARS e DGCSP) para discutir os problemas e aconselharam-se algumas medidas correctoras, quer à Câmara, quer ao Hospital.

Mas não se conhece, antes dos acontecimentos serem divulgados na comunicação social, qualquer comunicado alertando a população para o perigo decorrente do consumo da água da rede para a saúde pública, não obstante a matéria orgânica e os teores de alumínio serem frequentemwle superiores aos recomendados.

38.5 — Todavia, as responsabilidades relativamente à qualidade e potabilidade da água de abastecimento público são distintas das referentes às águas cuja utilização requer uma maior exigência de qualidade.

38.6 — Estão neste caso, e a coberto da excepção do n.° 2 do artigo 15.° do Decreto-Lei n.° 74/90, as águas utilizadas em hemodiálise, num hospital em que as particulares e rigorosas exigências de pureza devem ser asseguradas pelo serviço utilizador da água, em termos adequados às circunstâncias, conclusão a que também chegaram os peritos que depuseram no inquérito da 1GS.

No HDE repetidamente se verificou a inexistência de condições para proceder, com garantia de qualidade e segurança, ao tratamento adequado dos IRC ao seu cuidado.

Consequentemente o C. A. do HDE deveria ter-se informado pormenorizadamente do funcionamento da UH, pelo menos dia 01.04.3, antes de emitir um comunicado onde assegurou que a UH continuava a pautar-se por todos os parâmetros de garantia de qualidade e segurança exigidos.

Muito antes dessa data deveria ter providenciado, a expensas suas, a redução do número de doentes assistidos (eram 72) dada a diminuição do débito.da água e diligenciar a transferência dos doentes para outras unidades, enquanto procedesse à determinação inequívoca das causas das anomalias e promovesse as correcções indispensáveis para garantir a qualidade da prestação dos cuidados aos IRC.

Esta medida que acabou por ser tomada a 4 e 5 de Abril não actuou de acordo com os seus poderes de determinar a substituição integral das fontes de abastecimento de água até à reposição dos valores do alumínio dentro dos teores aconselhados.

39.1—A Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado.

39. — O artigo 22.° da CRP declara o «Estado e as demais entidades públicas (...) responsáveis, em foram solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por actos ou omissões praticados no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem».

Consagra assim uma formulação lata do princípio da responsabilidade civil extracontratual do Estado, não exigindo culpa desses titulares, funcionários ou agentes, desde que, por força do exercício das suas funções sejam violados direitos, liberdades e garantias ou causados prejuízo a outrem.

Sobre este entendimento, confronte-se Jorge Miranda in Direitos, Liberdades e Garantias — Estudos Sobre a Constituição», IJJ vol., 1979, pág. 65; Marcelo Rebelo de Sousa in «Princípio da Legalidade Administrativa na Constituição», Revista de Liberdade e Democracia», n.° 13, pág. 15; Vital Moreira e Gomes Canotilho in Constituição da República Portuguesa Anotada, 1978. Deste último extrai-se a seguinte passagem:

O texto constitucional, ao falar de acções e omissões praticadas no exercício das funções, sem qualquer restrição, ao ser interpretado no sentido da aceitação da responsabilidade estadual para além dos actos ilícitos e culposos.

Este entendimento lato de responsabilidade civil extracontratual do Estado é o adequado à existência de um Estado de Direito (cfr. Jorge Miranda, obra citada).

39.2 — Esta tese da responsabilidade imediata do Estado por actos praticados pelos titulares dos seus órgãos, ou pelos seus funcionários e agentes, no exercício das suas funções e independentemente da culpa destes, tem sido geralmente admitida pela doutrina e jurisprudência que tem

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qualificado como «faute le du service» factos danosos que resultem de ausência, do irregular ou do não oportuno funcionamento de um serviço público que não podem, ou enquanto não podem, ser atribuídos a um comportamento concreto de um qualquer órgão ou agente.

Cófttó refere Jean Rivero (in Direito Administrativo, Almedina, 1981, pág. 319),. trata-se de «deficiências no funcionamento normal do serviço atribuível a um ou a vários agentes da Administração, mas que não lhes é imputável a título pessoal, ligando-se directamente à pessoa pública a que pertence aquele agente».

Com o mesmo entendimento, refiro Freitas do Amaral (in Direito Administrativo, JJI vol., 1989, pág. 502) e Dimas de Lacerda (in Contencioso Administrativo-Responsabilidade Extracontratual do Estado, Associação Jurídica de Braga, pág. 252).

Também a jurisprudência tem feito aplicações deste entendimento. Vejam-se os Acórdãos do STA (in AD n.° 51/ 32\, e 240/1450) e o de 18.03.78 no Proc. 11129, bem como o Acórdão do Tribunal de Conflitos, in Apêndice ao Diário da República de 04.11.75.

E o Decreto-Lei n.° 48051, de 27.11.67 (que, segundo VitaJ Moreira e Gomes Canotilho «na parte em que não for incompatível com a Constituição deverá considerar-se como continuando em vigor» — obra citada) prevê no artigo 8.° a responsabilidade pelos prejuízos especiais e anormais resultante do funcionamento de serviços administrativos excepcionalmente perigosos ou de coisas e actividades da mesma natureza» independentemente do apuramento de culpa de quaisquer titulares de órgãos ou de agentes. '

A responsabilidade funda-se objectivamente no risco da actividade exercida por serviços do Estado.

39.3 — A responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas, por actos de gestão pública, rege-se ainda pelo Dec-Lei n.° 48051 de 21.11.67.

Esta responsabilidade decorre de um facto (acto ou omissão) culposo, praticado por órgão ou agente da Administração no exercício das suas funções e que, por causa desse exercício (nexo de casualidade) ofende (dano) direitos de terceiros ou desrespeita normas legais que visam protegê-íos (ilicitude).

A culpa é apreciada nos termos do Código Civil e os titulares dos direitos ofendidos devem ser indemnizados pelos danos sofridos e provados.

Posto isto, e não obstante não ter agido a Administração segundo critérios de diligência e cuidado pressupostos pela actividade de risco em questão, não deixo de ponderar a questão da determinação de um nexo de causalidade.

Desconhecendo ainda os resultados das autópsias mas considerando provável que entre as causas das mortes figure a intoxicação alumínica crónica ou aguda, é possível desde já estabelecer a alta probalidade daquele nexo entre os problemas da água deficientemente tratada na UH com todas ou algumas das mortes dos IRC assistidos no HDE.

Todavia, se não viesse a ser possível a demonstração de um nexo de causalidade entre as apontadas condutas da Administração e as mortes verificadas 22 IRC bem como as lesões provocadas nos sobrevivos, ficariam estes e os familiares daqueles num posição de manifesta fragilidade.

Neste tipo de casos, vem a doutrina reconhecendo a necessidade de vulnerabilizar o ónus da prova. Como afirma o SINDE MONTEIRO («Aspectos Particulares da Responsabilidade Médica», in Direito da Saúde e Bioética,

Ed. Lex. 1991, Lisboa, p. 147), «podem entender-se que a 'criação de um risco injustificado' ou o 'agravamento dos riscos' culposamente provocados pelo acto médico são um fundamento válido para aligeirar a prova do nexo causal, podendo levar à inversão do ónus».

Todavia, a prova do nexo causal por quem invoca o direito a uma indemnização por actos de gestão pública ilícitos, tomar-se-ia na situação vertente, lenta e demasiado onerosa.

E contudo, face às circunstâncias deve sublinhar-se o posicionamento, em desfavor do Estado, dos seguintes aspectos:

a) A posição débil, de quase sujeição, dos doentes que fazem regularmente hemodiálise, a qual lhes restringe intensamente qualquer domínio de facto sobre os citados actos médicos e sobre os demais actos de gestão pública conexos — impondo, assim, uma necessária cedência da regra geral sobre o ónus da prova, em termos equitativos;

b) O não cumprimento de deveres de cuidado quanto aos riscos inerentes, designadamente a utilização de água da rede não tratada indiciando negligência.

Não pode por isso ficar dependente do apuramento de eventuais culpas dos agentes do Estado a imediata assunção por este, como pessoa de bem que é, da sua responsabilidade pela indemnização das vítimas.

Nem tal assunção prejudica as simultâneas ou posteriores diligências tendentes ao apuramento da existência de actos ou omissões culposas dos indivíduos ao serviço do Estado.

Apurando-se a culpa, haverá então lugar à aplicação do regime do artigo 2.° do Dec-Lei 48051, e eventualmente ao direito de regresso previsto no n.° 2.

Não se apurando culpas individuais, aplicar-se-á integralmente o princípio da existência de «faute du service» ficando o Estado como único responsável perante as vítimas.

39.4 — A tudo isto ainda poderá acrescer a responsabilidade por omissão quanto à não publicação de normas regulamentares ou legislativas que determinassem a aplicação de conhecimentos científicos, técnicos e de apoio logístico adequados à correcta e segura prestação de assistência médica.

A ideia de responsabilidade do Estado por omissões legislativas ou regulamentares, mesmo fora do âmbito da inconstitucionalidade por omissão, encontra suporte no artigo 22." da Constituição. Nesse sentido, pode afirmarle, com Rui Medeiros (in Ensaio sobre a Responsabilidade Civil do Estado por Actos Legislativos, Liv. Almedina, Coimbra, 1992, p. 353, que:

Os danos devem ser imputados à Administração quando o órgão ou agente administrativo goza de liberdade na fixação do conteúdo do acto ou regulamento ou pode, inclusivamente, não o emitir. Assim, havendo discricionaridade da escolha ou da decisão, o lesado pode fundamentar o seu pedido de indemnização não só na Constituição, mas também nos preceitos legais que regem a responsabilidade objectiva da Administração.

39.5 — O meio processual adequado ao estabelecimento do direito e do valor da indemnização decorrente da

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. responsabilidade do Estado seria a acção cível interposta

no Tribunal Administrativo competente.

Mas a onerosidade e delonga habitual nessas acções não se compadece com a situação anímica e social fragilizada dos doentes sobrevivos e dos familiares dos falecidos.

O. Estado, enquanto pessoa de bem, deve providenciar um outro meio mais expedito e isento para determinar e fazer pagar os valores das indemnizações que venham a ser devidas bem como prestar o indispensável e imediato apoio social.

É assim juridicamente indispensável e eticamente aconselhável a: procura urgente pelo Estado de uma solução adequada ao ressarcimento célere e justo das vítimas da negligência da Administração (directa, indirecta e autónoma).

Tal como para os seropositivos infectados na sequência de tratamentos com sangue ou seus derivados, também no presente caso de justifica a previsão da celebração de convenções de arbitragem, posteriores à frustação dos resultados da intervenção da comissão adiante preconizada, julgando os árbitros sem prejuízo do direito ao recurso . constitucionalmente consagrado.

V

Conclusões

40 — De acordo com o que ficou exposto e em nome da atribuição constitucional que lhe é conferida de conduzir à prevenção e reparação de injustiças (artigo 23.°, n." 1, CRP), entende o Provedor de Justiça fazer uso dos poderes que lhe são conferidos pelo seu Estatuto (Lei n.° 9/91, de 9 de Abril), no artigo 20.° n.° 1, alíneas a) e b), e, como tal, recomendar:

40.1 — Independentemente do apuramento da responsabilidade de cada titular de órgãos, funcionários ou agente, autores de actos ou omissões ilícitos e culposos, a assunção formal pelo Estado da sua responsabilidade civil solidária pelas lesões e mortes do insuficientes renais crónicos assistidos na Unidade de Hemodiálise do Hospital Distrital de Évora.

40.2 — A criação célere de um instrumento legal que possibilite aos hemodializados assistidos no Hospital Distrital de Évora.

40.3 — No caso de não aceitação pelos interessados da indemnização proposta pela comissão, e após mediação, eventualmente, do Provedor de Justiça, constituição de um tribunal arbitral com pressupostos a definir por convenção dè arbitragem a negociar pelas partes e não imposta pelo Estado.

40.4 — No respeito dos valores de solidariedade social e da dignidade humana, a criação imediata de um fundo destinado a:

40.4.1 — Indemnizar provisoriamente os doentes afectados clinicamente e os familiares-dos já falecidos, uns e outros na sequência dos acontecimentos verificados no Hospital Distrital de Évora, enquanto não estiver em funcionamento a comissão atrás proposta;

40.4.2 — Prestar assistência social (financeira, clínica e outra que se mostre necessária e adequada) aos doentes sobrevivos e aos agregados familiares dos já falecidos.

40.5 A determinação da realização de novos inquéritos visando o apuramento de outros actos e omissões com incidência discipünar, para além dos já apurados, no âmbito dos órgãos, funcionários e agentes dos serviços integrantes ou dependentes do Ministério da Saúde e do Ambiente.

Estes inquéritos devem ter lugar independentemente do

conhecimento dos relatórios das autópsias do IRC já falecidos, e quaisquer que sejam as suas conclusões.

Admito a existência de outros actos e omissões insuficientemente apurados no inquérito realizado pela Inspecção-Geral de Saúde, por não aprofundamento da instrução, ou porque parte dos factos estão fora de jurisdição do Ministério da Saúde.

(Recomendação não acatada)

94.02.11. IP-13/93.

Ex.mo Senhor Presidente da Câmara Municipal de Évora:

I

Antecedentes

1 —Em 01.04.93, numa conferência de imprensa do Sindicato dos Médicos da zona Sul foi referida a existência de graves deficiências de funcionamento da Unidade de Hemodiálise (TJH) do Hospital Distrital de Évora (HDE) a qual provocara, no decurso do mês anterior, a morte de insuficientes renais crónicos (IRC) que ali recebiam assistência regular.

2 — Face ao impacte que aquela informação teve na comunicação social e às intervenções públicas de diversos responsáveis do Ministério da Saúde foram por mim solicitados esclarecimentos em 16.04.93, ao Inspector-Geral de Saúde (K3S)

n

Contexto

3 — Por ofício de 03.06.93 o IGS remeteu-me «para conhecimento e devidos efeitos», fotocópias certificadas do Relatório Final do processo de inquérito n.° 403/93 — IGS.

4 — Do Relatório extrai-se que no dia 01.04.93 foi pelo IGS determinada a deslocação de um inspector assessor ao HDE para uma primeira abordagem da situação.

Na mesma data de 01.04.93 recebeu o IGS ofício do Conselho de Administração (C. A.) do HDE solicitando «a instauração de um processo de averiguações», visando o esclarecimento e resolução do problema».

5 — O Relatório Final, com as propostas nele feitas, sustenta o despacho de 25.05.93 do Ministro da Saúde, que instaurou procedimento disciplinar a funcionários e agentes do HDE, cuja conclusão ainda desconheço.

6 — Depois de analisada a documentação reunida nesta Provedoria, passo a destacar o contexto e os factos que suportam a análise que posteriormente desenvolvo (DGS), mantendo em funcionamento os serviços daquela até à entrada em vigor dos Dec-Lei n.° 345/93, de 1 de Outubro.

7 — Verificava-se em princípios de 1993 uma situação generalizada de seca em todo o território nacional, com particular incidência no Alentejo.

A seca decorria desde o Inverno de 1991 e, além de notória, era referida frequentemente e dramaticamente nos órgãos de comunicação social.

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8 — Entrara em vigor o Dec-Lei n.° 74/90, de 7 de Março, fixando características mínimas de qualidade da água e regras objectivas para actuação da Administração Pública (directa, indirecta e autónoma).

9 — Estavam em vigor o Dec-Lei n.° 19/88 e o Decreto Regulamentar n.° 3/88, respectivamente de 21 e 22 de Janeiro, que regem a natureza, orgânica e funcionamento dos hospitais públicos, e regulam os órgãos de gestão hospitalar, sua composição, competência e funcionamento, e responsabilidade dos respectivos titulares.

10 — Fora aprovada a Lei de Bases da Saúde (Lei n.° 48/90, de 24 de Agosto) regulamentada em 15 de Janeiro pelos Dec-Leis n.os 10 e 11/93.

O primeiro extinguiu a Direcção-Geral dos Cuidados de Saúde Primários (DGCSP) e, criou a Direcção-Geral da Saúde diversas informações, incluindo uma cópia do processo de inquérito preliminar então em curso.

Paralelamente, solicitei e recolhi junto de outras fontes variada documentação relativa ao mesmo assunto.

JU Factos

11 — No processo de inquérito reconhecem-se as deficiências de funcionamento da Central de Tratamento de Águas da UH do HDÉ.

12 — Apura-se que essas deficiências foram verificada inicialmente em Set/90, mas que se tornaram frequentes a partir de Jan/92.

Essas deficiências traduziram-se na perda de rendimento do sistema de filtragem da água utilizada no tratamento dos IRC, repetidamente descendo do débito da água filtrada abaixo dos 3801/h referidos como indispensáveis para a correcção e segurança do tratamento.

As sucessivas lavagens das membranas, substituição de filtros, membranas e módulos de osmose inversa não asseguravam a permanência do consequente aumento daquele débito de água, e apurou-se que a insuficiência sistemática da água resultava da colmatagem das membranas e dos filtros com matéria orgânica e sais minerais transportados pela água da rede de abastecimento público.

Tal situação conduziu a empresa especializada que instalou e prestava assistência ao equipamento (ENKROTT) a propor em Fev/Março de 1992 a construção de um novo depósito paia a recolha de água pré-tratada.

A construção, não prevista no plano de actividade, nem no orçamento do HDE, importando cerca de 3.000 contos de encargos, foi considerada prioritária e autorizada pelo Administrador-Delegado, Dr. Manuel Fialho. Não obstante, iniciou-se apenas em Outubro/92.

Na mesma altura o Administrador-Delegado autorizou também a remodelação do sistema de filtração.

13 — Foram detectadas deficiências no tratamento e conteúdo analítico das águas das Estações de Tratamento de Águas, no equipamento de dosagem do sulfato de alumínio, nas condutas de água de abastecimento público.

14 — As deficiências da água da rede suscitaram diversas reuniões de técnicos da Câmara Municipal de Évora (CME), da Administração Regional de Saúde de Évora (ARS), do HDE e ENKROTT aconselhou a CME a usar polielectrólitos.

Mas a maioria das sugestões e/ou correcções, foram ineficazes até 01.04.93, quer quanto à água da rede de abastecimento público, quer quanto à água utilizada na UH do HDE.

Todavia nunca as autoridades ou serviços dé saúde afirmaram à população a não potabilidade da água de consumo.

15 — As medidas que se revelaram eficazes na melhoria da qualidade da água para os dois fins acima referidos começaram a ser tomadas, atenta, persistente e eficazmente pelas entidades competentes dependentes do Ministério da Saúde a partir da denúncia pública das deficiências e mortes já aqui mencionadas.

16 — Evidenciam-se as conclusões dos peritos ouvidos no inquérito, segundo os quais «na instalação de um centro de hemodiálise é pressuposto que a água a ser utilizada provém da rede de abastecimento público. As características qualitativas especiais para tal utilização exigem tratamento específico que é da inteira responsabilidade desse Centro» (fls. 1057 dos autos).

17 — A Autoridade de Saúde, antes de 01.04.93, não desempenhou as suas funções de Órgãos do Estado responsável pela vigilância da actuação e decisões dos serviços públicos com reflexos na saúde pública nem tomou medidas coercivas sobre a matéria.

18 — Também a divulgação em 01.04.93 das ocorrências na UH não determinou a Autoridade de Saúde a proceder à oportunidade e discricionária tomada de medidas, inclusive a do encerramento daquela Unidade.

19 — Os serviços de saúde e a Câmara não comunicavam regular e atempadamente à DGQA os resultados das análises cujos valores excediam os limites fixados, o mesmo sucedendo com a Autoridade de Saúde.

20 — Não resulta da documentação analisada que, quer a Direcção-Geral da Qualidade do Ambiente (DGQA), quer a Direcção-Geral dos Recursos Naturais (DGRN), quer a Comissão Coordenadora Regional do Alentejo (CCR) tenham tomado quaisquer iniciativas tendentes a zelar pelas existências e reforço das condições de abastecimento de água com qualidade, face ao prolongamento da situação de seca.

A DGQA limitou-se a pedir, rotineiramente, em Julho de 92 e Abril de 93, os mapas com os registos das análises efectuadas, nos anos imediatamente anteriores.

E a Autoridade de Saúde só em 22.04.93, apesar de quase diariamente a comunicação social fazer referência ao sucedido na UH do HDE e ao excesso de alumínio na água da rede pública, solicitou a intervenção dos serviços da DGQA por recomendação do Ministro da Saúde.

rv

Legislação Reguladora da Situação em análise. Aplicações

21 — O Dec-Lei 73/4/90, de 7 de Março.

21.1 — Define as categorias da água em função dos seus usos principais, destacando-se aqui a água para consumo humano [artigo 2.°, n.° 1, alítiea a)).

21.2 — Caracteriza o tipo de acções que integram o «sistema de controlo de qualidade da água».

O «controlo» cabe à entidade responsável pela exploração dos recursos hídricos, no caso em apreço, à CME [v. artigo 4.°, n.° 13, alínea a)].

A «fiscalização» é da competência das entidades gestores de recursos hídricos, para defender a saúde pública. No caso em estudo, a DGRN [v. artigo 4.°, n.° 2, alíneas/) e h)].

A vigilância sanitária» é a realizada «pelos serviços de saúde, nomeadamente no âmbito da exploração técnica dos sistemas de abastecimento de água para consumo humano».

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Os serviços de saúde referidos no artigo 4." são a DGCSP (hoje DGS) e as ARS (então regidas pelo Decreto--Lei n.° 254/82, de 29 de Junho), a quem compete «planear e assegurar a vigilância sanitária da qualidade da água para consumo humano» [artigo 4.°, n.° 3, alínea e)] e elaborar relatórios anuais sobre a qualidade da água [artigo 4.°, n.° 3, alínea f)].

A «inspecção» é da competência da DGQA [n.° 1, alínea b), do artigo 4." e no artigo 18.°, n.os 1 e 2] e das CCR [artigo 4.°, n.° 4, alínea a)].

As inspecções podem ser de iniciativa oficiosa (v. Código do Procedimento Administrativo, artigo 54.°), mas as câmaras e os serviços de saúde estão vinculados ao dever de comunicar à DGQA, no prazo de 3 dias, sempre que os valores apurados nos seus controlos ultrapassam os limites fixados no Anexo IX da Lei (v. artigo 18.°, n.° 2).

Também, nos termos do n.° 1 do artigo 56.°, «qualquer das entidades competentes dará conhecimento à DGQA das ocorrências detectadas».

Estes deveres de informar não parece terem sido cumpridos, antes de 01.04.93, por qualquer das entidades competentes.

21.3 — Mas, «salvaguardados os imperativos de protecção da saúde pública», não são aplicáveis os parâmetros referidos nos anexos à Lei, por exemplo, em situação de seca [artigo 6.°, n.° 1, alínea a)].

Esta diminuição de exigências «é obrigatoriamente confirmada pela entidade com competência para a fiscalização na área correspondente (artigo 6.°, n.° 2), que, no caso em análise, julgo ser a DGRN, e comunicada à DGQA nos 15 dias subsequentes (artigo 6.°, n.° 3).

A iniciativa nesta matéria não parece depender de um pedido da entidade responsável pela qualidade da água de abastecimento para consumo humano (a CME), antes cabe às câmaras fornecer à DGQA e às ARS as informações que estas lhes solicitem [artigo 4.°, n.° 13, alínea c)].

A iniciativa de confirmação da situação de excepção pode ser oficiosa, considerando-se que teria sido indispensável sobretudo nos anos de 1992 e 1993 devido à prolongada situação de seca.

O pedido não mereceu provimento.

21.4 — As águas que «requeiram uma maior exigência de qualidade « não são consideradas de abastecimento para consumo humano (artigo 15.°, n.05 1 e 2). É o caso da utilizada nas UH, à qual não se aplicam os normativos que vêm sendo citados.

21.5 — Entre as características de qualidade da água de abastecimento para consumo humano destaca-se: «não põe em risco a saúde (pública), ser agradável ao paladar e à vista dos consumidores (...) — (cfr. artigo 16.°, n.° 1).

O sulfato de alumínio é referido nos autos como tendo uma função «estética», fazendo precipitar substâncias que dão à água um aspecto turvo desagradável.

Mas a CME não dispunha de equipamento adequado para fazer o doseamento do sulfato de alumínio necessária, e isso poderá ter contribuído para exceder continuamente as exigências de potabilidade definidas no Anexo LX que são, quanto ao alumínio, o VMR de 05,05 e o VMA de 0,2.

22 — A CRP, o Código Penal, o Estatuto Disciplinar (A Responsabilidade Disciplinar)

22.1 —Òs artigos 22.° e 271.° da Constituição (CRP) fazem decorrer a responsabilidade, e a subsequente solidariedade do Estado ou de outras entidades públicas, de actos ou omissões dos titulares dos órgãos, funcionários e agentes.

Da mesma fornia, o artigo 10.° do Código Penal, para os crimes de resultado, equipara a comissão por acção à comissão por omissão.

A responsabilidade disciplinar decorre da mera culpa do autor do acto omissão (artigo 3.°, n.° 1, do Estatuto Disciplinar) do qual resulte violação de algum dos deveres gerais ou especiais decorrentes da função que exerce.

Deveres, para fins disciplinares, são todos os que visam assegurar o regular funcionamento dos serviços, destacando-se aqui os deveres gerais de zelo e de lealdade, definidos, respectivamente, nos n.os 6 e 8 do artigo 3.° do Estatuto Disciplinar.

O primeiro «consiste em conhecer as normas legais e regulamentares e as instruções dos seus superiores hierárquicos, bem como possuir e aperfeiçoar os seus conhecimentos técnicos e métodos de trabalho de modo a exercer as suas funções com eficiência e correcção.

Desdobra-se em diligência e competência.

O segundo «consiste em desempenhar as suas funções em subordinação aos objectivos do serviço e na perspectiva da prossecução do interesse público».

Embora o artigo 33 do Dec. Reg. n.° 3/88, de 22 de Janeiro, refira que os membros dos órgãos da administração e direcção técnica são responsáveis disciplinar, civil e criminalmente, nos termos da lei, pelos actos que pratiquem no exercício das suas funções, não podem considerar-se excluídas da mesma responsabilidade as omissões dos citados titulares.

22.2 — Dos elementos constitutivos da infracção destaco a culpa e a ilicitude.

A culpa é apreciada «pela diligência de um bom pai de família» (cfr. C. Civil, artigo 487.°, n.° 1).

Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, «o julgamento (da culpa) não está vinculado às práticas de desleixo, de desmazelo ou de incúria que porventura se tenham generalizado, se outra for a conduta exigível dos homens de boa formação e de são procedimento» (in Código Civil Anotado, vol. I, pág. 462, 3,a ed.).

Por isso, a «referência expressiva ao bom pai de família acentua mais a nota ética ou deontológica do bom cidadão (...) do que o critério puramente estatístico do homem médio» (idem).

A ilicitude disciplinar traduz-se na violação de valores superiormente protegidos (v. g. os direitos à vida, à integridade pessoal, à protecção da saúde) que devam ser prosseguidos pela Administração.

23 — Aplicações do Regime de Responsabilidade

23.1 — A Câmara não diligenciou atempadamente no sentido de efectuar uma dosagem correcta do alumínio a introduzir na água de abastecimento público, nem deu regularmente conhecimento à DGQA dos resultados das análises que excediam os valores de referência.

Fizeram-se reuniões, espaçadas no tempo, com participação da engenharia sanitária (ARS e DGCSP) para discutir os problemas e aconselharam-se algumas medidas correctoras, quer à Câmara, quer ao Hospital.

Mas não se conhece, antes dos acontecimentos serem divulgados na comunicação social, qualquer comunicado alertando a população para o perigo decorrente do consumo da água da rede para a saúde pública, não obstante a matéria orgânica e os teores de alumínio serem frequentemente superiores aos recomendados.

23.2 — Todavia, as responsabilidades relativamente à qualidade e potabilidade da água de abastecimento público são distintas das referentes às águas cuja utilização requer uma maior exigência de qualidade.

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23.3 — Estão neste caso, e a coberto da excepção do n.° 2 do artigo 15.° do Dec-Lei n.° 74/90, as águas utilizadas em hemodiálise, num hospital em que as particulares e rigorosas exigências de pureza devem ser asseguradas pelo serviço utilizador da água, em termos adequados às circunstâncias, conclusão a que também chegaram os peritos que depuseram no inquérito da I.G.S.

V

Conclusões

24 — De acordo com o que ficou exposto e em nome da atribuição constitucional que lhe é conferida de conduzir à prevenção e reparação de injustiças (artigo 23.°, n.° 1,

CRP), entende o Provedor de Justiça fazer uso dos poderes que lhe são confiados pelo seu Estatuto (Lei n.° 9/91, de 9 de Abril), no artigo 20.°, n.° 1, alíneas a) e b), e, como tal, recomendar:

A determinação da realização de inquéritos visando o apuramento de actos e omissões com incidência disciplinar, verificados no contexto atrás descrito (ver pontos 7 e 8), no âmbito das competências dos órgãos, funcionários e agentes dos serviços integrantes desse Município.

Estes inquéritos devem ter lugar independentemente do conhecimento dos relatórios das autópsias dos IRC já falecidos, e quaisquer que sejam as suas conclusões.

Admito a existência de outros actos e omissões insuficientemente apurados no inquérito realizado pela Inspecção-Geral de Saúde, por não aprofundamento da instrução, ou porque parte dos factos estão fora de jurisdição do Ministério da Saúde.

Quanto aos actos ou omissões eventualmente não investigados pela IGS, envio também-nesta data uma Recomendação ao Ministro da Saúde.

(Recomendação acatada.)

94.03.29. R-1071/93.

A Sua Excelência o Secretário de Estado da Segurança Social.

1 —Entre as alterações introduzidas pelo.Decreto-Lei n.° 322/90, de 18 de Outubro, destacam-se algumas das disposições que regulam o processo de atribuição dos benefícios por morte.

2 — Assim:

Os direitos à pensão de sobrevivência e ao subsídio por morte caducam se não forem requeridos no prazo de cinco anos a contar da data do falecimento (artigo 48.°).

Aquele requerimento é instruído com os documentos comprovativos do óbito e dos demais factos condicionantes do direito (artigo 50.°, n.° 1).

Os processos para atribuição das prestações que, por motivos imputáveis 'aos requerentes, não tenham andamento no prazo de 90 dias, contados da data da comunicação aos interessados para suprirem as deficiências, são arquivados (artigo 50.°, n.° 2).

Nessa hipótese, o processo será aberto se novo requerimento for apresentado, devidamente instruído, antes de decorrido o prazo de caducidade (artigo 50°, n.° 2).

3 — Há que convir que este sistema introduz algumas melhorias, favorecendo os titulares do direito àqueles benefícios, mas não tem a amplitude desejável dada a natureza dos direitos em causa.

Por outro lado, a sua interpretação está longe de se fazer sem margem para dúvidas.

4 — A caducidade em processos desta natureza, em princípio, não tem razão de ser, na medida em que o direito à pensão de sobrevivência e ao subsídio por morte têm uma natureza iminentemente social.

A existência de prazos para o requerimento destas prestações levanta sérias críticas e afigura-se particularmente injusta no que respeita à pensão de sobrevivência, mesmo tendo em conta que a sua não observância apenas acarreta a caducidade parcial do direito.

De facto, trata-se de prestações cuja finalidade é a de cobrir carências económicas que se prolongam no tempo pelo seu carácter repositivo da perda de rendimentos do beneficiário, não fazendo sentido impor a sua extinção pelo facto de o respectivo direito não ser atempadamente exercido.

5 — Por se tratar de benefício com finalidade diferente, já em relação ao subsídio por morte se admite a sua cessação se este não for requerido no prazo regulamentar pois, de acordo com a lei, o seu objectivo está directamente relacionado com a proximidade do evento.

6 — Mas, mesmo nos casos em que se deva manter a existência de um prazo de caducidade, reportar o seu início à data da ocorrência do facto natural — a morte — é, pelo menos injusto, na medida em que, não tem em atenção a possibilidade de os titulares do direito a esse benefício não terem conhecimento da morte antes de consumada a caducidade ou dela só terem conhecimento depois de ter decorrido parcialmente aquele prazo.

7 — Mais admissível seria que o prazo de caducidade começasse a contar da data em que os titulares do direito tivessem conhecimento da morte, incumbindo a estas a prova do momento em que tivessem conhecimento desse facto, fazendo equivaler ao seu tardio conhecimento os casos em que, por justo impedimento, só tardiamente houve a possibilidade de obter o documento comprovativo do óbito.

8 — Daqui decorre que o processo de candidatura à concessão do direito deve ser apresentado por simples declaração de morte do beneficiário, acompanhado da identificação dos titulares do direito, tendo o requerente e os candidatos identificados o prazo de 30 dias para vir juntar o documento comprovativo do óbito e-dos demais factos condicionantes do direito.

Beneficiarão, ainda de um prazo adicional de 60 dias após comunicação feita a todos os interessados identificados na declaração para virem juntar os documentos necessários.

9 — Após esse prazo se, por motivo imputável aos candidatos — o que permitirá alegar e provar o justo impedimento — não forem juntos esses documentos, o processo será arquivado.

Este será reaberto após novo requerimento devidamente instruído, observando-se quanto ao início da pensão o disposto no n.° 1 do artigo 36.°

Em face do exposto, ao abrigo da competência que me é conferida pelo artigo 20.°, n.° 1, alínea b) da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, formulo a Vossa Excelência a seguinte Recomendação:

d) Que sejam tomadas as necessárias providências para que o artigo 48. ° do Decreto-Lei n.0 322/90,

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de 18 de Outubro venha a ser alterado no sentido de passar a ser aplicado apenas ao subsidio por morte e de o mesmo prazo passar a ser contado a partir da data em que os titulares tiverem a possibilidades de exercer o seu direito;

b) Que Cartigo 50.° do mesmo diploma seja alterado em termos de passarem a ser adoptados na instrução do processo de atribuição dos benefícios por morte os procedimentos nos n.° 8 e 9 da presente recomendação;

c) Que às referidas modificações legislativas seja atribuída eficácia retroactiva em termos de as normas

que vierem a ser aprovadas passarem a ser aplicáveis às situações constituídas à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 332/90.

(Recomendação não acatada.)

94.02.24. R-1480/93.

A Sua Excelência o Ministro das Finanças:

Foi objecto de estudo nesta Provedoria de Justiça a seguinte questão, suscitada pela Ex.™ Sr* D. Auxiliar de Serviços do Quadro Geral do Pessoal civil da Força Aérea:

1) A funcionária foi admitida, em 17 de Outubro de 1977, como funcionária eventual a tempo inteiro;

2) Em 1 de Novembro de 1980 entrou para o Quadro dos Fundos Privativos da Unidade (Despacho 20/80);

3) Entrou para o Quadro dos Fundos Privativos da Unidade (Despacho 20/80);

4) Foi integrada no Novo Sistema Retributivo no Escalão 3, ao qual corresponde o índice 130, em 1 de Outubro de 1989, com base no vencimento que tinha naquela data, ao abrigo do artigo 30." do Decreto-Lei n.° 353-A/89, de 16 de Outubro;

5) Em 1 de Janeiro de 1991, passou para o Escalão 4, índice 140, ao abrigo da alínea a) do n.° 2 do artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 204/91, de 7 de Junho;

6) A passagem ao Escalão 5 só se efectuará a partir de 1 de Janeiro de 1995, de acordo com o artigo 19.a do Decreto-Lei n.° 353-A/89, de 16 de Outubro;

7) Houve colegas da funcionária que, prestando serviço desde a mesma data ou até posteriormente, e que não se encontrando com a sua situação regularizada face à Administração (pois mantinham-se como funcionárias eventuais a tempo inteiro) foram abrangidas pelo regime do Decreto-Lei n." 427/89, de 7 de Dezembro, e, nessa medida, foram contratadas por contrato administrativo de provimento, vindo mais tarde a ser nomeadas para lugares no Quadro;

8) A tais funcionárias e de acordo com o disposto no n.° 9 do artigo 38.° do referido Decreto-Lei, foi contado todo o tempo de serviço prestado em situação irregular como prestado na categoria de ingresso da respectiva carreira;

9) Tais funcionárias encontram-se presentemente no Escalão 5, índice 150, desde 1 de Janeiro de 1991.

Não há ilegalidades ou sequer irregularidades a apontar à Administração no desenrolar de todo este processo. Porém, ressalta claramente um desvio à justiça material, que importa reparar.

É que, na verdade, a única diferença entre as funcionárias reside na vinculação que detinham perante a Administração — uma detinha uma situação regular e estável, enquanto as outras detinham uma situação irregular— e tal facto, por si, não é suficiente para fundamentar a diferença de posicionamento a nível

remuneratório.

O que está em causa é o tempo de serviço, que pode ser decisivo em termos de carreira e assim, formulo a seguinte recomendação:

Que seja elaborado um diploma, dispondo no sentido de ser contado todo o tempo de serviço prestado na Administração, por todos quantos, embora não abrangidos pelo regime do Decreto-Lei n.° 427/89, de 7 de Dezembro, tenham prestado aquele antes do início da vigência deste último diploma, embora em situação irregular.

(Recomendação acatada.)

94.03.08 R-1883/91

A Sua Excelência o Presidente da Assembleia da República:

1 — Como decorre da lei em vigor, o funcionário ou agente pode faltar ao serviço por motivo de doença devidamente comprovada (cf. artigo 27.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 497/88, de 30 de Dezembro).

2 — No mesmo diploma legal são ainda estabelecidos os meios de comprovação de doença (cf. artigo 28.° e seguintes).

3 — Do disposto no artigo 27.°, n.° 2, do diploma em análise deverá inferir-se que o legislador considera dois tipos de doença para efeitos de perda do vencimento de exercício, ou seja, de um lado, o período de doença até 30 dias, de outro lado, o período de doença superior a 30 dias.

4 — Privilegiou, assim, o legislador as doenças de longa duração, desvalorizando as doenças de período curto, penalizando, ainda, as doenças de longa duração relativamente aos primeiros 30 dias.

5 — Pretendeu-se combater, por essa via, um certo grau de absentismo dos funcionários, relativamente às enfermidades curtas.

6 — É certo que, com grande margem de discricionari-dade que, muitas vezes, se converterá em pura arbitrariedade, o dirigente máximo do serviço pode autorizar o abono do vencimento de exercício perdido, nos termos do n.° 4 do citado artigo 27."

7 — Todavia, parece-me que a razão de ser dos preceitos em causa se não ajusta à consequência de as faltas dadas por doença deverem ser justificadas nos termos da lei.

8 — Com efeito, se são justificadas por doença, obviamente por razões não imputáveis aos trabalhadores, não se compreende que o trabalhador seja penalizado dupla-

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mente: primeiro, pela própria doença e, logo de seguida, pela perda do vencimento de exercício.

9 — Ou se entende que o vencimento de exercício só poderá ser recebido por quem exerça efectivamente as funções e, nesse caso, haverá perda nos casos de doença ou se entende que a justificação das faltas por doença deve ser equiparada ao exercício efectivo de funções para efeitos de percepção do vencimento de exercício.

10 — O legislador optou seguramente por considerar que as faltas por doença não devem determinar perda do vencimento de exercício (cfr. artigo 27.°, n.° 1 e n.° 2 do Decreto-Lei n.° 497/88).

11 — Porque o sistema jurídico deve ser coerente e lógico, não tem qualquer justificação o disposto no n.° 2 do artigo 27." e, consequentemente, o disposto no n.° 4 do indicado preceito.

12 — Não pode, em caso algum, a eventual fraude na comprovação das doenças determinar soluções legais penosas para aqueles que violam o dever de assiduidade por razões sérias de doença.

13 — Face ao exposto tenho por bem recomendar que seja tomada uma medida legislativa por forma a que sejam revogados os n.os 2 e 4 do artigo 27.° do Decreto-Lei n.° 497/88, de 30 de Dezembro.

94.03.02 IP - 36/91

A Sua Excelência o Ministro da Defesa Nacional:

1 — Como é do conhecimento de Vossa Excelência esta Provedoria de Justiça organizou um processo por iniciativa própria para averiguar das circunstâncias que rodearam a

morte de um soldado recruta, morte essa que ocorreu em 19 de Setembro de 1992 e que tinha ligação com a prova «Marcor 12» realizada no Campo de Tiro de Alcochete em 17 de Setembro do mesmo ano.

2 — Tendo em conta os elementos disponíveis, esta Provedoria de Justiça concluiu o que consta do ofício n.°7439, de 01.06.1993, que foi remetido ao Gabinete de Vossa Excelência, e que aqui se reproduz para todos os efeitos (Anexo I).

3 — Formulados os quesitos ao Conselho Médico Legal, foi elaborado parecer onde se conclui que a causa básica da morte do soldado não foi um golpe de calor.

4 — Igualmente do mesmo parecer se infere que o golpe de' calor de esforço resultou «muito provavelmente» da intensa actividade física do soldado, desenvolvida em condições climatéricas adversas.

5 — Como se salienta no referido parecer foram condições propiciadoras do golpe de calor as circunstâncias seguintes:

d) Prática de actividade excessiva do ponto de vista físico, que ultrapassou a actividade programada;

b) Enorme cansaço denotado pelos instruendos antes de iniciar a prova «Marcor»;

c) Realização da prova com o equipamento completo;

d) Falta de descanso proporcionado pelo sono;

e) Incontinência urinária do soldado.

f) Excessiva desidratação dos instruendos atendendo às condições climatéricas;

g) Condições climatéricas adversas;

6 — Das declarações de três soldados acometidos de desfalecimento no final da prova, é possível concluir o seguinte:

d) Todos eles denotavam grande cansaço ao iniciar a prova «Marcor»;

b) Sentiram tonturas durante a prova e mais acentuadamente na sua parte final;

c) Não lhes foi distribuída água durante a prova;

d) Sentiram perda de visão na execução da prova;

e) Sentiram excesso de esforço físico ao longo do dia;

f) Mal descansaram durante a noite precedente.

7 — De acordo com as declarações dos soldados atrás referidas poderemos ainda dar como assente que no decurso da prova alguns dos instruendos sentiram os chamados «sinais premonitórios» do golpe de calor apontados pelo Conselho Médico Legal.

8 — Dos factos dados como assentes no ofício 7439, de 01.06.93, que aqui reproduzo, e considerando o teor do parecer do Conselho Médico Legal, afigura-se-me poder, com alguma segurança, considerar que a morte do soldado recruta se ficou a dever às circunstâncias adversas em que foi realizada a prova Marcor.

9 — Na verdade, tendo em conta o grande cansaço físico a que os instruendos foram submetidos durante o dia, a falta de descanso nocturno, a grande desidratação em que se encontravam, era manifestamente contra-indicada a realização da prova num dia de intenso calor, sendo certo, ainda, que os instruendos eram comandados por um oficia] que os desconhecia, além de não terem sido realizados exames médicos durante o dia para aquilatar da situação física dos instruendos, e, sobretudo, por não existir no local — campo de Alcochete — um meio de transporte que possibilitasse uma evacuação rápida e em cima dos acontecimentos.

10 — Impunha-se, assim, que os responsáveis pela instrução do 5.° Pelotão, em que estava integrado o soldado, tivessem providenciado no sentido de não realizar a prova «Marcor» num dia de intenso calor e depois de prolongado esforço físico dos instruendos durante o dia.

11 — Proponho, assim, a estabelecer um seguro nexo de causalidade adequada entre a falta de cuidado dos responsáveis de instrução e a morte do soldado.

12 — Ao compulsar os diversos processos de averiguações, que estiveram juntos aos autos e que oportunamente foram remetidos pelo Ministério da Defesa Nacional, não descortinei a existência de quaisquer sinais que pudessem consubstanciar comportamento culposo de vítima ou de terceiros, a não ser eventualmente dos responsáveis pela instrução.

13 — Pelo contrário, infere-se ainda que têm sido realizados estudos determinados pelo Despacho n.° 150/91, de 21 de Outubro do Senhor Chefe do Estado-Maior do Exército.

E, como não podia deixar de ser, dos estudos realizados, apurou-se que na prova Marcor havia necessidade, de observar rigorosamente os seguintes condicionalismos:

a) Cumprimento rigoroso do Manual Técnico de Educação Física do Exército;

b) Programação de instrução com distribuição equilibrada do esforço dispendido durante o dia;

c) Fiscalização dos Serviços de Educação Física do Exército;

d) Inspecção frequente do Serviço de Saúde;

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e) Execução da instrução após aprovação dos respectivos programas pela Direcção da Arma da Infantaria.

14 — A simples não verificação dos condicionalismos referidos no número anterior mais reforça o grau de responsabilidade que existiu na realização da prova «Marcor» no dia 17 de Setembro de 1991.

15 — Assim, em meu entender, existe' o dever de indemnizar por parte do Estado, nos termos do artigo 8.° do Dec-Lei 48051, de 21 de Novembro de 1967, ou mesmo com base em mera «culpa de serviço» que os artigos 22.° e 271.° da Constituição da República Portuguesa parecem admitir (neste sentido, Prof. Doutor Diogo Freitas do Amaral a p. 503 do DI vol. do seu Direito Administrativo, Prof. Doutor Rogério Ehrardt Soares em nota a p. 312 de Direito Administrativo, Jean Rivero, traduzido pela L. Almedina, e Ac. do STA de 4/7/81 in Ac. Dout. do STA, n.°210, p.. 1450).

16 — São titulares do direito à indemnização os pais do soldado, devendo a indemnização abranger a perda do direito à vida e, bem assim, os danos não patrimoniais sofridos pelos pais (cfr. artigo 496.°, n.° 2, do Código Civil).

17 — Põe-se o problema do valor de indemnização.

18 — A vida humana sendo de valor incalculável, sobretudo para um jovem de 21 anos de idade, não pode valer, a título de danos não patrimoniais, importância •inferior a 3 000 000$.

19 — Penso, assim, que o valor equilibrado da indemnização seria de 9000 contos, sendo 3000 contos para

ressarciar o direito à vida e 3000'contos para ressarciar as

dores e os desgostos sofridos por cada um dos pais (danos morais) — neste sentido, Acórdãos da Relação de Lisboa de 20.02.90 e 17.03.92, in Col. Jur. de 1990, 1, p. 188, e de 1992, e p. 167, e do STJ de 13.05.86, 11.10.89 e 02.02.93 in respectivamente BMJ, 357 p. 399, 390, p. 124, e Col. Jur. Ac. do STJ, 1993, 1, p. 128.

20 — Acresce que importa assumir uma atitude preventiva, regulamentando em concreto as condições da prática

. de actividades físicas de grande intensidade em tempo quente e húmido, adoptando uma tabela de graduação de esforço de acordo com as condições de temperatura e humidade, conforme aconselha a Organização Mundial de Saúde.

Atente-se que normas médicas recomendam até mesmo que as provas de esforço físico de meia maratona (16 kms) não tenham lugar quando a temperatura de depósito húmido exceda 28°C.

Tratando-se de treino militar, as equipas médicas de apoio devem dispor de ambulâncias equipadas com ar condicionado ou outro sistema que permita o rápido arrefecimento do corpo.

Crê-se que este tipo de medidas — aliás, já adoptadas em outros países desenvolvidos — contribuirá grandemente ' para a diminuição de situações como a ocorrida.

21 — Face ao exposto tenho por bem recomendar que:

a) O Estado deve pagar aos pais do soldado uma indemnização de valor não inferior a 9 000 000$, sendo 3 000 000$ pela perda do direito à vida e 3 000 000$ pelos danos morais sofridos por cada um dos pais;

b) No momento da selecção dos mancebos deverão realizar-se estudos psicológicos ou sociológicos, em ordem a ter-se um conhecimento perfeito do

cidadão com vista à sua integração no grau específico das exigências da vida militar;

c) Nos exercícios físicos praticados deve haver um rigoroso cumprimento do Manual Técnico de Educação Física do Exército;

d) Em caso algum pode ser posto em prática um programa.de instrução sem aprovação prévia;

e) Toda a instrução militar deve ser objecto de fiscalização e inspecção permanente por parte dos Serviços de Educação Física e dos Serviços de Saúde;

f) A realização de provas físicas do tipo de prova «Marcon> deve ser rodeada das maiores cautelas, sobretudo em dias de condições climatéricas adversas;

g) Em dias de grande calor deve mesmo ser impedido o esforço físico intenso e estar disponível sistema de emergência médica que permita um arrefecimento eficaz.

(Recomendação não acatada.)

94.03.17

R-2190/91 - R-2346/91

A Sua Excelência a Ministra da Educação:

1 — Um numeroso grupo de médicos dos Centros de Medicina Pedagógica apresentou, em Julho de 1991, queixa

ao Provedor de Justiça por não lhes ter sido ainda aplicado

o regime das carreiras médicas constantes do Decreto-Lei n.° 73/90, de 6 de Março.

2 — À data, tendo em conta que o problema tinha sido apresentado simultaneamente a várias entidades públicas, inclusive o Ministério da Educação, entendeu-se não se justificar qualquer intervenção.

3 — Porém, passados quase dois anos os queixosos voltaram a insistir, pelo que, atendendo a que o problema continuava por resolver, se ouviu a Senhora Secretária-Geral.

4 — Foi comunicado, em 93.08.10, estar o assunto em estudo quer do ponto de vista jurídico quer dos correspondentes encargos financeiros.

5 — Informação de igual teor fora transmitida pelo Gabinete do antecessor de Vossa Excelência, em Maio de 1993, em processo relativo à mesma questão.

6 — Considerando que:

a) A actividade de estes médicos será idêntica à data de outros que trabalham em estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde;

b) Se mantém em situação de desigualdade há anos;

c) O Decreto-Lei n.° 221/91, de 17 de Junho, tornou extensivo o regime legal das carreiras médicas ao pessoal médico que presta serviço nas instituições dependentes da Direcção-Geral do Ensino Superior, entendo de, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 20.° da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, formular a seguinte recomendação:

Que se proceda à publicação de Decreto-Lei, conforme se prevê no artigo 2.°, n.° 3 do Decreto-Lei n.° 73/90, de 6 de Março, para extensão do regime, legal das carreiras médicas aos médicos dos Centros de Medicina Pedagógica.

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94.03.25 R^O/91

A Sua Excelência o Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações:

' 1 — Foi-me apresentada uma reclamação na qual é colocada a questão da atribuição do subsídio de férias nos anos de 1990 e 1991 a um controlador do tráfego aéreo, da ANA — Aeroportos e Navegação Aérea, EP, colocado na situação de «dispensa de serviço» por ter atingido o limite de idade para o exercício de funções operacionais.

2 — Esta questão, sobre a qual pontualmente formulei uma recomendação ao Senhor Presidente do Conselho de Gerência daquela empresa, suscita uma outra mais ampla que se prende com o destino a dar e a situação em que permanecem os controladores do tráfego aéreo quando atingem a idade limite para o exercício de funções operacionais.

3 — Efectivamente, nos termos do artigo 27.° do Decreto-Lei n.° 503/75, de 13 de Setembro — Estatuto do Controlador do Tráfego Aéreo — «o limite de idade para o exercício de funções operacionais é fixado em 52 anos».

Este diploma é, todavia, omisso quanto ao desuno e situação daqueles profissionais quando perfazem aquela idade.

3.1 —Com vista a suprir esta omissão da lei a ANA, EP, inicialmente por Acto de Gestão de 15.01.81 e posteriormente por Protocolo celebrado em 09.2.87, com o Sindicato dos controladores do Tráfego Aéreo, depois recebido no Acordo de Empresa outorgado com aquela mesma associação sindical, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.° 20, I Série, de 29.05.89, (cfr. n.° 7 da cláusula 6.*) definiu a situação daquele pessoal, passando-a à situação de «dispensa do serviço», cujas características foram definidas, ainda que de forma bastante exígua, no mesmo protocolo.

4 — Constata-se, pois, a necessidade de pela via legislativa definir a situação em que permanecerão os controladores do tráfego aéreo ao atingirem 52 anos de idade e que por força da lei ficam impedidos do exercício de funções operacionais.

A solução a encontrar poderá passar por uma solução semelhante à de pré-aposentação dos agentes da Polícia de Segurança Pública.

5 — Nestes termos e ao abrigo da alínea b) do artigo 20.° da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, recomendo a Vossa Excelência que tome as procedências necessárias com vista à elaboração de medida legislativa definidora do destino a dar e da situação em que permanecerão os controladores do tráfego aéreo ao atingirem o limite de idade (52 anos) para o exercício de funções operacionais.

94.04.13 R-2510/93

A Sua Excelência o Ministro da Justiça:

1 — Em resultado de um inquérito realizado por um elemento da Provedoria de Justiça na Região Autónoma da Madeira, foi possível concluir pela nítida insuficiência dos serviços tutelares de menores regionais na resposta as necessidades existentes.

2 — Na verdade e como decerto é do conhecimento de Vossa Excelência, existe um único estabelecimento tutelar de menores na Região —o Centro Polivalente do Funchal — o qual, para além dessa natureza, assume igualmente o carácter de estabelecimento de reabilitação social, dependendo, nessa medida, da Secretaria Regional dos Assuntos Sociais.

3 — Sucede que o número de menores que frequenta o estabelecimento — quer em regime de internato, quer em regime de semi-internato — excede, normalmente, as vagas existentes.

4 — Acresce que, revestindo tal estabelecimento a tripla natureza de estabelecimento de reeducação, lar de semi--internato e estabelecimento de reabilitação social (nos termos dos artigos 2.° e 5." do Decreto-Lei n.° 180/81, de 30 de Junho), presta assistência a menores em situações substancialmente diversas.

5 — Na verdade, àquele estabelecimento podem recorrer quer os menores em situação de perigo para a segurança, saúde, formação moral e educação, quer os que revelem grave inadaptação social e familiar e ainda os jovens imputáveis a quem tenha sido aplicado o regime previsto no artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 401/82, de 23 de Setembro (os quais, em muitos casos, revelam problemas de toxicodependência e alcoolismo).

6 — Não se afigura isenta de dúvidas a questão de saber se é preferível promover o tratamento diferenciado dos menores que revelam maiores dificuldades de adaptação —cor-rendo-se o risco do agravamento da respectiva segregação social, em detrimento da integração dos mesmos com menores em situações diversas —, desta feita envolvendo o perigo da eventual influência nociva do comportamento daqueles junto destes e de o regime aplicável a estes, naturalmente mais permissivo, propiciar a fuga dos jovens com maiores dificuldades de adaptação, dificultando-se deste modo a acção reeducativa.

7 — De todo o modo, sempre se pode afirmar que o nosso ordenamento jurídico admite a necessidade de, pelo menos em certos casos, se efectuar a reeducação em estabelecimento diferenciado de menores que revelem especiais dificuldades educativas e disciplinares (cfr. arti-•go 100.° da OTM).

8 — Ora, ainda que dados de natureza estatística venham a revelar desnecessária a criação na Região Autónoma da Madeira de uma estabelecimento vocacionado exclusivamente para a reeducação especial, imperioso se torna, ao menos, melhorar os serviços tutelares de menores existentes no sentido de emitir um tratamento diferenciado de alguns menores, quando tal se revele necessário. Função que a sobrelotação e a exiguidade das instalações do Centro Polivalente do Funchal não lhe permitem prosseguir.

9 — A falta de resposta da Região conduz, por vezes, a que se promova a reeducação dos menores nos estabelecimentos tutelares do território continental, vindo, assim, a ser aplicada àqueles menores a "sanção" claramente excessiva do desenraizamento e desintegração do meio cultural e social que conhecem.

10 — Nessa medida e tendo em conta que, nos termos do artigo 71.° da Organização Tutelar de Menores, os estabelecimentos tutelares de menores dependem do Ministério da Justiça, tenho por bem formular a Vossa Excelência a presente Recomendação, no sentido de serem tomadas as medidas necessárias tendentes à melhoria dos serviços tutelares de menores da Região Autónoma da Madeira, quer mediante a criação de novos estabelecimentos tutelares,

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quer mediante a dotação do Centro Polivalente do. Funchal dos meios logísticos e humanos necessários a uma resposta' cabal às exigências da Região.

(Recomendação acatada.)

94.04.15 R-3166/93

A Sua Excelência a Ministra do Ambiente e Recursos Naturais:

1 — Em 3 de Fevereiro p. p., através do ofício n.° 1805, enviei a Vossa Excelência cópia da 2*. Recomendação que entendi por bem dirigir ao Conselho de Administração da LIPOR a propósito do Concurso Público de Concepção, Construção e Exploração da Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos LIPOR'II. Nesse texto recomendava, desde logo, «Que o Conselho de Administração da LIPOR revogue, por ilegal, o acto administrativo que adjudicou a Empreitada de Concepção, Construção e Exploração da Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos LIPOR I ao agrupamento CNIM/ESYS-MONTENAY».

Embora não tenha, até ao momento, obtido resposta do Conselho de Administração da LIPOR a esta minha Recomendação, parece-me evidente, a julgar pelas declarações repetidas de membros daquele Conselho aos Órgãos de comunicação social, que essa Recomendação não será acatada.

2 —Entretanto, tomei conhecimento de que, a solicitação de Vossa Excelência, o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República aprovou, em sessão de 24 de Março p. p., o Parecer n.° 1/94, relativo ao mencionado Concurso, Parecer que foi homologado por V. Ex.° em 5 de Abril p. p.

Tal Parecer, embora enveredando por via ligeiramente diferente da seguida na minha Recomendação, acaba por alcançar exactamente as mesmas conclusões de fundo. Destaco aqui a conclusão 13°, segundo a qual «a adjudicação em referência, desconforme às normas imperativas do Decreto-Lei n.° 379/93, é ilegal, sendo o respectivo acto contenciosamente anulável, nos termos da lei — artigos 135." e 136.°, n.° 2, do CPA, e 28." da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais (LPTA), aprovada pelo Decreto-Lei n.° 267/85, de 16 de Julho».

Permito-me, ainda, referir, a conclusão 15.", nos termos da qual «... poderá o Governo, directamente, ou através do governador civil do distrito, participar ao magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Administrativo de Círculo, o vício que afecta a adjudicação efectuada, com vista à interposição do competente recurso contencioso — artigo 5.°, 1 e 2, e 7.°, alínea c), da Lei n.° 87/89, de 9 de Setembro, 136.°, do CPA, e 28.°, n.° 1, alínea c), da LTPA».

3 — Nestes termos, recomendo a Vossa Excelência que promova, directamente ou através do Governador Civil do Distrito do Porto, a participação ao magistrado do Ministério Público, junto do Tribunal Administrativo de Círculo do Porto do vício que afecta o acto de adjudicação da Empreitada de Concepção, Construção e Exploração da Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos LIPOR II, a fim de ser interposto o competente recurso contencioso.

94.05.05 R-3088/91

Ex."10 Senhor Presidente da Câmara Municipal de Óbidos:

1 — Em face de queixa que me foi dirigida por um cidadão, tendo presentes os termos do ofício de resposta de V. Ex* (n.° 4139 de 10.12.91), depois de analisados todos os aspectos da questão em apreço, a lei a ter em conta e os fundamentos daquela queixa, devo concluir pela legalidade e justeza desta.

2 — Na verdade, o pedido de informação e, porventura, de correcção da obra objecto de licenciamento camarário formulado pelo reclamante é perfeitamente legal e legítimo.

3 — Em primeiro lugar, o queixoso, no requerimento dirigido a essa Câmara Municipal, cita e invoca expressamente os diplomas legais que entende aplicáveis ao caso: a Lei n.° 43/90, de 10 de Agosto, e o Decreto-Lei n.° 129/ 91, de 2 de Abril.

Isto é tanto assim que a própria Câmara, na sua resposta ao reclamante, repete aqueles diplomas para exigir a indicação dos artigos em que o queixoso se baseia para legitimar o seu pedido de informação. Aliás, e ainda quando tais diplomas não tivessem sido expressamente invocados, sempre se poderia, pelo menos, esperar que a Câmara os conhecesse e os tivesse em conta no atendimento a dar à petição do interessado.

Acresce que, nos termos do artigo 9.° da Lei n.° 43/90, de 10 de Agosto, que em matéria de formalismo de exercício do direito de petição se contenta com o mínimo estritamente indispensável, é totalmente descabida a exigência de que o peticionário indique expressamente as disposições legais em que. funda o seu direito de petição.

4 — Em segundo lugar, a Lei n." 43/90, de 10 de Agosto, é particularmente clara no sentido de outorgar ao cidadão o direito «universal» (artigo 5.°), enquanto instrumento de participação política democrática (artigo 4.°, n.° 1), de chamar a atenção de uma autoridade pública relativamente a certa situação ou acto, com vista à sua revisão ou à ponderação dos seus efeitos (artigo 2.°, n.° 2), ou ainda de denunciar qualquer ilegalidade (artigo 2.°, n.° 4), para defesa, não só dos direitos dos cidadãos, como ainda da Constituição, das leis ou do interesse geral (artigo 1.°):

5 — O acabado de enunciar, transcrito do próprio texto legal, é suficiente para demonstrar que cabe a qualquer cidadão português (artigo 4^°, n.° 1) o direito de conhecer os actos das autoridades públicas para, assim, promover a correcção do que está errado ou ilegal.

Ora, no presente caso, o queixoso tem o direito de alertar a Câmara Municipal para o facto de certa obra, sujeita a licenciamento camarário, estar a ser executada em contravenção à lei com o beneplácito da mesma Câmara e promover que a edilidade em causa providencie a reparação do erro e a conformação da obra às exigências da lei.

E nos termos do artigo 8.°, n.° 1, da Lei n.° 43/90, tem ainda o direito de conhecer a decisão da Câmara Municipal sobre o assunto.

6 — Isto é assim quanto é certo que o mesmo diploma (Lei n.° 43/90) dispõe, nos seus artigos 12.° e J3.°, que perante uma petição desta natureza a Câmara interpelada só pode tomar uma de duas atitudes: ou indeferir liminarmente a petição, se entender que é o caso, o que essa Câmara não fez (e a fazê-lo teria de fundamentar a sua decisão); ou apreciar a petição e dar-lhe o andamento

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e resposta devidos para informação do peticionário (artigo 13.°, n.°l), mesmo que, porventura, acabe por mandar arquivar o processo sem atender a pretensão daquele (artigo 13.°, n.° 3, in fine).

Mas o que a Câmara não pode é deixar de dar urna resposta directa sobre o caso exposto pelo cidadão (artigo 8.°, n.° 1)

7 — Simultaneamente, e em reforço da obrigatoriedade de uma resposta, há que referir o disposto no artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 129/91, de 2 de Abril, segundo o qual «Toda a correspondência, queixas, reclamações, sugestões, críticas ou pedidos de informação cujos autores se identifiquem, dirigida a qualquer serviço, será objecto de análise e decisão, devendo ser objecto de resposta com .a maior brevidade possível, que não excederá em regra, duas semanas».

De notar que aquele prazo pode ser alongado, como diz o próprio artigo 4.°, no seu n.° 2, devendo então, e entretanto, ser informado disso mesmo o interessado, ainda quanto a esta questão de prazo é de atentar no artigo 13.°, n.° 1, da Lei n.° 43/90, onde se refere, não um prazo certo, mas «a máxima brevidade».

8 — É, pois, de concluir que a Câmara Municipal de Óbidos, ao não apreciar a queixa do reclamante, averiguar o que se estava a passar, decidir em conformidade com a lei, e responder oportunamente ao queixoso, desrespeitou a Lei n.° 43/90 e o Decreto-Lei n.° 129/91.

9 — Finalmente, não tem cabimento invocar aqui o artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 400/84, de 31 de Dezembro, porque, enquanto este preceito tem apenas que ver com o licenciamento de uma obra no interesse particular de um cidadão, os diplomas anteriormente citados têm em vista a participação de qualquer cidadão na fiscalização do cumprimento das leis, incluindo a própria Constituição da República, e do melhor prosseguimento do interesse geral.

10 — Em face do exposto, tenho por bem recomendar a V. Ex.a., nos termos do disposto no artigo 20.°, n.° 1, alínea a), da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, o seguinte:

Que a Câmara Municipal de Óbidos se digne providenciar por uma resposta cabal à petição do reclamante, averiguando previamente se a obra em causa está devidamente licenciada e executada em conformidade com as disposições aplicáveis, bem como que, em todos os casos futuros, dê o devido cumprimento ao disposto no articulado legal acima referido.

(Recomendação acatada.)

94.05.04 R-3365/93

Ex."10 Senhor Presidente da Comissão Recenseadora da Freguesia do Estoril:

I

Exposição e Motivos

1 — Um cidadão eleitor, dessa Freguesia, apresentou--se ao acto eleitoral de 12.12.1993, junto da 20.* Mesa, a fim de exercer o seu direito de voto.

2 — Q exercício desse direito veio a ser-lhe obstado pelo facto de o seu nome e qualidade de eleitor não constarem dos cadernos eleitorais.

3 — Em diligências efectuadas, de imediato, pela Junta de Freguesia, foi encontrado o registo correspondente ao seu cartão de eleitor, ou seja, o verbete de inscrição na comissão recenseadora local, tudo indiciando a prática de um erro, provavelmente de digitação informática, em operações de actualização dos cadernos eleitorais.

4 — Impedida a correcção dos cadernos eleitorais no decurso das votações, em cumprimento da proibição incidente sobre os trinta dias anteriores a cada acto eleitoral (artigo 33.°, n.° 2, da Lei n.° 69/78, de 3 de Setembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 81/88, de 20 de Julho) —e, a posteriori, no dia designado para o acto eleitoral — o referido eleitor viu-se impossibilitado, involuntariamente, de exercer o direito de voto, dado resultar do artigo 8.°, n.° 1, da citada lei, a contrario sensu, uma presunção, no seu caso inilidível, da qualidade de eleitor, a partir de inscrição em caderno eleitoral.

. 5 — A inscrição nos cadernos eleitorais, de cidadãos com capacidade e possuidores de vínculo territorial a certa comissão recenseadora, constitui um dever, também, da respectiva comissão, a qual se sujeita em tal matéria a um princípio de oficiosidade (artigo 4.°, n.° 2, da Lei n.° 69/ 89, de 3 de Setembro, com a nova redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 81/88, de 20 de Julho).

n

Conclusão

Face ao exposto, e admitindo constar dos verbetes de inscrição o eleitor, entendo por bem, por forma a prevenir situação semelhante e no acto eleitoral próximo, dispensar o cumprimento da audiência prévia e no exercício da competência consignada no artigo 20.°, n." 1, alínea a), da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, recomendar:

Que a Comissão Recenseadora da Freguesia do Estoril altere os cadernos eleitorais, nos termos do disposto no artigo 4.°, n.° 2, da Lei n.° 81/88, de 20 de Julho, por forma a neles ser feita menção do eleitor.

94.05.13 R-1614/93

Ex.™0 Senhor General Comandante Geral da Polícia de Segurança Pública:

1 — Informo V. Ex.* que na sequência do ofício n.° 113 GABCMDTGER/94, de 23 de Fevereiro, aceitei inteiramente as razões de não instauração de processo disciplinar ao primeiro-subchefe.

2 — Todavia, a questão de fundo da Recomendação formulada a coberto do ofício n.° 15583, de 02-12-1992, mantém-se integralmente havendo que prevenir situações futuras análogas que consubstanciam objectivamente violação dos pressupostos legais do bloqueio e remoção de viaturas.

3 — Assim, na esteira da Recomendação atrás indicada, tenho por bem recomendar a V. Ex.a que o pessoal da PSP afecto à fiscalização do trânsito seja instruído por forma a proceder apenas ao bloqueio e remoção de veículos nos casos previstos taxativamente no artigo 3.°, n.° 1 e 2, do Decreto-Lei n.° 57/76, de 22 de Janeiro.

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II SÉRIE-C — NÚMERO 23

4 — Agradeço que me seja comunicado o teor do Despacho que recair sobre a Recomendação ora formulada.

(Recomendação acatada.)

94.05.23 R-459/94

A Sua Excelência o Presidente do Conselho Superior da Magistratura:

Tenho a honra de me dirigir a Vossa Excelência para envio de uma Recomendação que entendo dever formular ao Conselho Superior da Magistratura, ao abrigo do artigo

20.°, n.° 1, alínea a), do Estatuto do Provedor de Justiça, constante da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, nos seguintes termos:

I

• Exposição e Motivos

1 — Na edição do jornal «Correio da Manhã» de 16 de Fevereiro de 1994, foi publicado anúncio, por ordem do Meritíssimo Juiz de Direito, do 3.° Juízo dó Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, nos termos do artigo 335.°, n.° 4, do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 78/87, de 17 de Fevereiro.

2 — A publicação do referido anúncio obedeceu ao desiderato da notificar o arguido para, no prazo de 30 dias a contar da segunda e última publicação do mesmo, se apresentar em Juizo, sob pena de ser declarado contumaz, em conformidade com o disposto no n.° 1 do artigo 335.° do Código de Processo Penal.

3 — Passa-se a transcrever o primeiro parágrafo daquele anúncio, cujo teor é o seguinte:

Faz-se saber que por este Tribunal correm seus termos uns autos de processo Comum registados sob o n.° 4339/93 da secção 3.° Juízo, que o Ministério Público move contra o arguido C..., solteiro, maior, nascido a 10 de Maio de 1973, em Ovar, filho de A... e de R..., de raça cigana, com última residência conhecida em C..., por haver cometido o crime do artigo 260.° do Cód. Penal com referência ao disposto no artigo 3.°, n.° 1, cf. fls... infine, da Lei n.°207/75.

4 — O anúncio em questão deve identificar devidamente o arguido, contendo elementos necessários para o efeito, sob pena de ficar prejudicado o fim que determinou a sua publicação (cfr. artigo 335.°, n.os 4 e 2, do Código de Processo Penal).

Não obstante a exigência de identidade do arguido, não se postula, nem tão pouco se justifica, a alusão à respectiva etnia.

Os elementos pessoais do arguido referidos, designadamente nome, estado civil, maioridade, data e local de nascimento, filiação e residência, são elementos que permitem, por si só, a perfeita identificação do arguido. A referência à etnia é desnecessária e como tal despropositada.

4.1 — A este respeito, atente-se no teor de outro anúncio publicado na mesma edição referida em 1, por ordem do mesmo Juiz de Direito, o qual indica a filiação do ar-

guido declarado contumaz, sem fazer qualquer alusão à etnia do arguido ou dos seus progenitores:

O Doutor J..., Juiz de Direito deste Tribunal faz saber que por despacho de 10 de Janeiro de 1994, proferido nos autos de processo comum registados sob o n.° 2349/90, pendentes neste Tribunal, que o Ministério Público move contra o arguido C... por haver cometido o crime de emissão de cheque sem provisão p.p pelo artigo 24.°, n.° 2, alínea c), do Decreto n.° 13 004, de 12 de Janeiro de 1927, foi o mesmo arguido declarado contumaz — artigos 336.° e337.°, n.°s 5 e 6 do CPP[...]

4.2 — Outro tanto sucede com a generalidade dos editais e anúncios que, continuadamente, são fixados ou publicados ao abrigo do disposto no artigos 335.° do Código de Processo Penal, sem conterem quaisquer referências étnicas. • •

4.3 — Os próprios documentos de identificação pessoal nomeadamente o bilhete de identidade, o passaporte e a artigo de condução, não indicam a etnia do seu titular, do pai ou da mãe do mesmo, nem poderiam contar menção daquele teor, propícia, como pode ser, à ocorrência de práticas discriminatórias.

5 — Importa assim averiguar o alcance da indicação da etnia do arguido, à luz do princípio da igualdade.

5.1 —A discriminação praticada é injustificada, porquanto não se revela necessária em face da finalidade da publicação em questão e é manifestamente desconforme à ordem de valores constitucionalmente consagrada.

O Tribunal encontra-se vinculado a respeitar o princípio da igualdade, ao aplicar o direito ao caso concreto, o que se traduz, não só na aplicação de direito igual a casos idênticos, como na observância de um critério objectivo e razoável de igualdade, no que concerne à margem de livre apreciação, na actividade de concretização do direito.

Sustentou — e bem — a Comissão Constitucional que as diferenciações de tratamento de situações aparentemente iguais se hão-de justificar, no mínimo, por qualquer fundamento material ou razão de ser que não se apresente arbitrário ou desrazoável, por isto ser contrário à justiça e, portanto, à igualdade, de modo que a legislação, não obstante a margem livre de apreciação que lhe fica para além desse mínimo, não se traduza em impulsos . momentâneos ou caprichosos, sem sentido e consequência (vd. Parecer da Comissão Constitucional n.° 14/78, de 4 de Maio de 1978, in Pareceres da Comissão Constitucional, v. 79, 1979, p. 109-110).

Idênticas considerações importa tecer quanto à actividade judicial. A aplicação jurídica envolve um ponderação normativa, na qual ocorre sempre um momento normativamente constitutivo. A concretização há-de ser uma tarefa normativamente orientada e objectivamente fundamentada.

5.2 — O tratamento diverso de situações idênticas traduz, no caso vertente, um comportamento arbitrário que consubstancia uma violação do princípio da igualdade.

A diferenciação estabelece-se com base num condição meramente subjectiva — a etnia do arguido —, sendo destituída de fundamento objectivo e razoável.

É, pois, desrespeitada uma das cláusulas de não discriminação que o legislador constituinte expressamente instituiu (cfr. artigo 13.°, n.°2, da Constituição).

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Considerando que os ciganos constituem uma raça no sentido constitucional, «por mais complexo que seja o conceito científico desta» (Parecer n.° 14/80, de 15 de Maio, da Comissão Constitucional, in Pareceres da Comissão Constitucional, XJJ, [80], 1982, p.168), a utilização da expressão «raça cigana» implica a violação da proibição constitucional de discriminação fundada na raça.

Aquela utilização atenta contra a idêntica dignidade social de todos os cidadãos que, nos termos do artigo 13.°, n.° 1, da Constituição, é a base constitucional do princípio da igualdade (Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, 3* edição revista, p. 126), sendo manifestamente impertinente.

Também a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a qual constitui parâmetro de interpretação das normas constitucionais relativas aos direitos fundamentais, proclama a idêntica dignidade de todos os seres humanos e a igualdade dos indivíduos perante a lei e proíbe as discriminações em função da raça (artigos 1.°, 2." e 7.°).

n

Conclusões

De acordo com o exposto, e tendo em vista a atribuição •constitucional de pugnar pela prevenção e reparação de injustiças (artigo 23.°, n.° 1, da Constituição), entende o Provedor de Justiça fazer uso dos poderes que lhe são conferidos pelo seu Estatuto (Lei n.° 9/91, de 9 de Abril), no artigo 20.°, n.° 1, alínea a), e, como tal, recomendar o seguinte:

l.°A adopção, pelo Conselho Superior da Magistratura, das medidas necessárias ao apuramento da responsabilidade disciplinar, nos termos dos artigos 4.°, n.° 2, e 82.° do Estatuto dos Magistrados Judiciais, aprovado pela Lei n.° 21/ 85, de 30 de Julho.

2.° A adopção pelo mesmo órgão de medidas que previnam a ocorrência de situações semelhantes à descrita, ou seja, a publicação de anúncios, bem como a afixação de editais ou à prática de outros actos da mesma natureza que, em face do respectivo teor, estabeleçam um tratamento diferenciado de um ou mais cidadãos com base em condições meramente subjectivas, violando o disposto no artigo 13.°, n.° 2, da Constituição e nos artigos 2.° e 7.°, da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

(Recomendação não acatada.)

23.05.94. R-361/93.

A S. Ex.* o Ministro das Finanças:

1 — Dezenas de Contadores do Tribunal de Contas dirigiram-se ao Provedor de Justiça, através de uma comissão que os representa, por considerarem ter sido vítimas de discriminação, quando não foi permitido, em 1989, que a reestruturação da sua carreira fosse aplicada com efeitos a 1 de Janeiro de 1988, contrariamente ao que determinava o artigo 15." do Decreto-Lei n.° — 265/88, de 28 de Julho, quanto aos técnicos abrangidos pelo regime geral.

2 — A Senhora Directora-Geral daquele Tribunal informou que, ainda que inicialmente tivesse existido um projecto que continha uma norma de retroactividade igual à daquele diploma, tal não se consagrou no Decreto-Lei n.° 312/89, de 21 de Setembro, por o Decreto-Lei n.° 98/ 89, de 29 de Março, estabelecer, no artigo 8.°, que «quando a execução de um diploma legal esteja dependente, em matéria pecuniária, da aprovação de outras medidas legais, o pagamento das remunerações por elas abrangido reporta--se à data da entrada em vigor destas últimas».

3 — Os funcionários queixosos referem e tal foi comprovado que numerosos diplomas da mesma natureza tiveram a sua eficácia em matéria remuneratória retroagida até aquela data.

4 — Assim, acontece com os: •

DL n.° 131/90, de 20 de Abril (Instituto do Emprego e Segurança Social), DL n.° 303/89; de 4 de Setembro (Inspecção Geral de Segurança Social), DL n.° 402/88, de 9 de Novembro (Inspecção Geral de Finanças), DL n.° 1/89, de 5 de Janeiro (Inspecção Geral do Ensino), DL n.° 462/88, de 14 de Dezembro (Inspecção Geral de Saúde), DL n.° 54/89, de 22.02 (Inspecção do Ministério da Agricultura), DL n.° 159/89, de 12.05 (Inspecção Geral de Jogos), DL n.° 60/89, de 23.02 (Inspecção Ministério das Obras Públicas), DL n.° 185/89, de 02.06 (Instituto Português do Património Cultural), DL n.° 433/88, de 11.21 (Chefes de Serviços Administrativos do Ministério da Saúde).

5 — Se relativamente a alguns dos diplomas referidos se pode dizer terem sido publicados antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 98/89, tal não se verifica com os DL n.°s 303/89, de 4 de Setembro, 159/89, de 12 de Maio, 185/89, de 2 de Junho e 131/90, de 20 de Abril.

6 — Aliás, o Decreto-Lei n.° 98/89 actualizou òs vencimentos respeitantes a 1989 e deixou de vigorar com a publicação do Decreto-Lei n.° 353-A/89, de 16.10, que estabeleceu o novo regime de vencimentos dos funcionários públicos e contém, no artigo 44.°, um dispositivo de prevalência sobre «quaisquer normas gerais ou especiais».

7 — Nestes termos, atendendo a que, em execução do disposto no artigo 15.° do Decreto-Lei n.° 265/88, de 28 de Julho, as revalorizações e reclassificação nele estabelecidas relativamente aos quadros técnicos produziram efeitos desde 1 de Janeiro de 1988, considero de justiça que o mesmo se tivesse verificado na reclassificação dos Contadores da Direcçãc-Geral do Tribunal de Contas, à semelhança do que se verificou com muitas outras carreiras especiais, designadamente as do Departamento acima enunciados.

8 — Pelo que, ao abrigo do disposto nas alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 20.° da lei n.°9/91, de 9 de Abril, formulo a V. Ex.* a seguinte recomendação:

Que seja publicada lei a conceder efeitos retroactivos, a 1 de Janeiro de 1988 ao Decretó-Lei n.° 312/89, de 21 de Setembro, de acordo com o projecto já apresentado pelo Tribunal de Contas.

(Recomendação não acatada; comunicação à Assembleia da República)

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II SÉRIE-C — NÚMERO 23

13.07.94 IP-12/94

A S. Ex." o Ministro da Justiça:

1 — Tendo sido apresentadas por vários operadores judiciários queixas sobre o modo de organização dos turnos aos sábados, domingos, feriados e férias nos Tribunais Judiciais, tomei a iniciativa de verificar o seu funcionamento e ouvir esse Ministério, que se pronunciou a 4 de Maio de 1994 pelo ofício n.° 408, da Secretaria de Estado da Justiça. Verificou-se que, na sequência do Despacho de V. Ex." n.° 61/91, inserto no DR, D. Série, n.° 150, de 3 de Julho de 1991, se iniciou em Julho de 1991 uma nova estrutura de turnos (NET) com permanência nos Tribunais de Lisboa e Porto, para além da anteriormente existente (que se manteve), nova estrutura essa que passou a funcionar entre as 12 e as 20 horas de sábado e entre as 9,30 horas e as 20 horas de domingos e feriados.

Indo-se para além do mínimo imposto pelo artigo 28.°, n.° 1 da Constituição da República Portuguesa com vista à melhor defesa dos direitos do cidadão, visou-se possibilitar o cumprimento do disposto no Código de Processo Penal, nomeadamente nos seus artigos 259.° e 382.", conforme logo no início se fez constar. Integraram então tais turnos somente delegados do Procurador da República e funcionários de justiça, os quais foram compensados conforme previsto naquele despacho com as quantias de, respectivamente, 12 000$ e 10 000$, vindo os primeiros a efectuar relatórios que foram remetidos à hierarquia.

2 — Com a entrada em vigor do Dec-Lei n.° 312/93, de 15 de Setembro, passaram também os magistrados judiciais e todos os do Ministério Público (procuradores, inclusive) a organizar 3 turnos permanentes nessas duas comarcas, funcionando no Tribunal de Instrução Criminal, no Tribunal de Polícia e no Tribunal de Menores — a fim de se dar também cumprimento ao disposto em várias disposições da Organização Tutelar de Menores, nomeadamente nos artigos 48." e 49." O Sr. Director-Geral dos Serviços Judiciários emitiu então a circular n.° 38/GAT, na qual estabeleceu que o serviço prestado pelos funcionários judiciais aos sábados, domingos e feriados seria compensado nos termos da lei geral, o que até à presente data não aconteceu por alegada falta de cobertura financeira. Entretanto, quer o Conselho Superior da Magistratura, quer o Conselho Superior do Ministério Público vieram deliberar, no sentido, de que tais turnos funcionassem apenas dentro do horário da secretaria (o primeiro órgão de gestão) e que fora das comarcas de Lisboa e Porto bastaria que os magistrados estivessem contactáveis, embora devessem comparecer no Tribunal territorialmente competente quando lhes fosse dada notícia de qualquer ocorrência (o segundo órgão de gestão).

3 — A 15 de Junho veio a ser publicado o Decreto-Lei n.° 167/94, o qual determina:

1." A realização de turnos de férias por partido, de magistrados e funcionários em todos os Tribunais judiciais de 1* instância, a organizar dentro de 60 dias (artigos 1.°, n.° 1, e 2.°, n." 1 e 2);

2.° Que se organizem também turnos remunerados de magistrados em Tribunais judiciais de 1.* instância aos sábados, domingos e feriados (artigos 1.°, n.°2, e 2.°, n.os l e 3) — Tribunais que, por ora, são apenas os constantes da Portaria n.° 514/94, de 8 de Julho;

3.° A possibilidade de noutros Tribunais se organizarem turnos para esse efeito com base no contacto permanente dos magistrados e funcionários (artigos 1.°, n.°3, 3.° e 4.°);

4." Que as secretarias devam abrir ao público em tais dias, salvo no 3." caso em que, havendo funcionários que asseguram o contacto permanente, as secretarias só executarão o serviço urgente que surja, admitindo-se mesmo a possibilidade de então tal só acontecer nas sedes dos círculos judiciais ou em conjuntos de comarca (artigos 3." e 4.°).

4 — Ora, os propósitos em vista com esta legislação, para corresponderem às necessidades sentidas pelos cidadãos, devem ser acompanhados das necessárias reformas processuais, institucionais e judiciárias que não só levem em conta a forte concentração populacional no litoral, mas ainda um adequado enquadramento em estabelecimento tutelar ou prisional (se for caso disso), que seja baseado num julgamento célere — Tal diploma é de aplaudir, enquanto aperfeiçoamento de um processo penal democrático, relativamente recente, carente de outras actualizações, como a relativa à tutela dos agentes policiais que passaram a ser fundamentalmente vistos como órgãos de polícia criminal.

Sem a adopção de tais medidas a reforma introduzida será sempre de difícil exequibilidade e de contestável utilidade.

5 — Contudo, alguns aspectos consagrados quanto aos turnos não podem deixar de merecer reparo, começando logo pela insuficiência do Despacho n.° 61/91, com base no qual foi pago o acréscimo de trabalho àqueles magistrados e funcionários que participam nos turnos organizados pelo Ministério Público, mas cuja execução não contou com a colaboração dos magistrados judiciais.

Por outro lado, acresce o facto de a partir do Decréto--Lei n.° 312/93 nem sequer os valores no mesmo Despacho previstos terem continuado a ser pagos a todos os magistrados (então já a participarem nos mesmos) e funcionários, que tinham a duração e intensidade do seu trabalho acrescidas. A atribuição de um regime compensatório a todos aqueles que prestaram trabalho nestas condições afigura-se de essencial justiça, não mais consagrando esta posição que o disposto no artigo 59.°, n.° 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa.

6 — É certo que os suplementos previstos no Despacho * acima mencionado se enquadravam entre os referidos na alínea/) do n.° 1 do artigo 19.° do Decreto-Lei n.° 184/89, de 2 de Junho, ou seja, por «participação em reuniões, comissões ou grupos de trabalho, não acumuláveis com a alínea a)» — que por sua vez se refere a «trabalho. (...) em dias de descanso semanal ou feriados, em disponibilidade permanente» —, e que, nos termos do seu n.° 3, a atribuição de tais suplementos só é possível por Decreto-Lei. Todavia, tal invalidade não afectou a realização dos turnos, que continuam a ser efectuados na expectativa de serem remunerados.

7 — Quanto ao regime instituído pelo Decreto-Lei n.° 167/94, vários aspectos necessitam ser corrigidos, esclarecidos e complementados, nomeadamente quanto ao modo de funcionamento dos turnos nas comarcas, grupos

de comarcas ou círculos em que existe uma estrutura de turnos sem o dever de permanência em horário preestabelecido. A solução de deixar na mão dos operadores judiciários a sua organização dificilmente conseguirá dar

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cabal cumprimento ao disposto na lei processual penal e tutelar de menores, para além de criar um conjunto de problemas com o pessoal que intervenha nos mesmos, em relação ao qual, ao ser colocado na disponibilidade, é exercido o poder determinativo da sua prestação, situação .Çlie, como já di&se, é das que podem justificar suplemento de remuneração (vd. supra n.° 6). Mas um outro grupo de problemas surge, associado ao facto de não estar completamente regulado o modo como os intervenientes nos turnos devem ser compensados no seu descanso semanal, nos termos dos artigos 5.°, n.° 2, e 28.° do Decreto-Lei n.° 187/88, de 27 de Maio, aplicáveis por força do disposto nos artigos 32.° do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ) aprovado pela Lei n.° 21/85, de 30 de Julho, 86." da Lei Orgânica do Ministério Público (LOMP) aprovada pela Lei n.° 47/86, de 15 de Outubro, e 182.°, n.° 1, do Estatuto dos Funcionários de Justiça (EFJ) aprovado pelo Dec-Lei n.° 367/87, de 11 de Dezembro. Segundo aquelas disposições —que não se vêem contrariadas pelos artigos 9." do EMJ e 65.° da LOMP—, a prestação de trabalho autorizada ministerialmente em dia de descanso semanal (domingo) deve ser compensada, para além do acréscimo remuneratório, com um dia de descanso na semana de trabalho seguinte, enquanto a prestação de trabalho em dia de descanso complementar apenas será compensada com acréscimo remuneratório.

8 — Finalmente, devo salientar que não me parece justificável a tão grande diferença de tratamento remuneratório entre os magistrado e funcionários que participam nos turnos em regime de permanência e os que neles participam em regime de contactabilidade ou disponibilidade. Na verdade, não só em ambos os casos há uma oneração dos magistrados e funcionários, como também é certo que a disponibilidade pode sempre, a qualquer momento, transformar-se em serviço efectivo. Nestes termos, tenho por bem Recomendar a Vossa Excelência, ao abrigo do disposto no artigo 20.°, n.° 1, alínea», da Lei n.°9//91 de 9 de Abril que:

1.° Providencie, em respeito pela lei, pela atribuição de compensações a todos os magistrados e funcionários que tenham intervindo nos turnos iniciados na sequência do Despacho de Vossa Excelência n.° 61/91, até vigência de novo regime compensatório; '

2.° Seja estabelecido por nova portaria o alargamento dos turnos, com horário de permanência de magistrados e funcionários, aos sábados, domingos e feriados, em comarcas, conjuntos de comarcas e círculos judiciais que, pela conjugação do Decreto-Lei n.° 167/94, de 15 de Junho, com a Portaria n.° 514/94, de 8 de Julho, ainda não estejam abrangidos por esse sistema, por forma a ficar coberto todo o território nacional;

3.° Enquanto vigorar o actual regime, se estipule que os magistrados e funcionários colocados na disponibilidade a que alude .o artigo 3.°, al d), do citado Dec-Lei n.° 167/94, sejam compensados com metade do suplemento referido na al d) do seu artigo 2.°, n.° 3, ou, caso prestem serviço efectivo em Tribunal, com a sua totalidade.

(Recomendação não acatada.)

26.07.94 JP-20/94

A S. Ex.' a Ministra da Educação:

Como V. * Ex.1 estará decerto recordada, o processo de candidatura ao Ensino Superior para o ano lectivo que agora decorre foi perturbado por contestações várias, possibilitadas por uma regulamentação que, em muitos pontos não seria a mais adequada para consolidar e legitimar nos alunos e seus pais eventuais resultados menos favoráveis.

No ano transacto, o núcleo essencial do direito dos alunos de acesso às suas provas, na circunstância as específicas, foi preservado, mediante a consulta presencial.

Este ano, essa consulta presencial foi substituída pelo fornecimento de fotocópias da prova, método que se tem por preferível e mais interessante, quer para alunos, quer para a administração escolar.

Se em rigor os dois modos de acesso deveriam ser cumulativos (cf. artigo 62° do CPA), de um ponto de vista pragmático não se objectará à solução propugnada na Portaria 129-A/94, de 3 de Março.

É, pois, com um sentimento de vivo aplauso que saúdo os grandes avanços introduzidos pelo Regulamento das Provas de Aferição realizadas este ano —'■ Estou seguro que uma maior transparência só terá efeitos benéficos na diminuição da natural crispação que um processo de acesso ao Ensino Superior sempre acarreta, contribuindo para a legitimação do processo.

Há, apenas, um aspecto que não posso deixar em claro.

A Lei 65/93, de 26 de Agosto, no seu artigo 12.°, n.° 2, é bem expressa ao determinar que o preço das fotocópias de documentos a fornecer não poderá ser superior ao seu custo. Não repetirei aqui argumentos no sentido da aplicabilidade deste normativo, por terem sido expostos à exaustão no conjunto de recomendações que tive o ensejo de dirigir no ano transacto à Comissão das Provas Específicas de Acesso ao Ensino Superior, que junto em anexo. Neste quadro, parece-me desadequada a exigência de três mil escudos para o fornecimento de cópias.

Por não ser solicitada qualquer outra importância, percebe-se ter esta quantia por escopo a moderação dos alunos em solicitarem a reapreciação das suas provas. Nada há a opor a tal intenção, já que apenas se quererá evitar uma sobrecarga no corpo de revisores por utilização chicaneira ou leviana do direito à reapreciação da prova. Isto apesar de a possibilidade de a reapreciação poder redundar em diminuição da classificação atribuída servir já como travão aos pedidos inconsequentes. O que se contesta, nesta

orientação, é o momento ém que esse pagamento é devido.

Sem um acesso à prova, o aluno não poderá ter consciência plena se se justificará ou não pedir uma reapreciação. Nunca se poderá, pois, presumir uma intenção malévola ou menos ponderada na requisição da cópia da prova. Não há aqui nenhum impulso negativo a moderar.

' Pelo contrário, a exigência dessa pagamento no momento fixado pela Portaria arrisca-se a ter efeitos perversos. Assim, um aluno que tenha já pago a quantia em causa e verificado a cópia da sua prova, será sem dúvida alguma bastante tentado a apresentar reclamação da prova, qualquer que seja a sua convicção sobre a justeza da subida de classificação; visto que nada tem a perder, particularmente se a sua classificação for baixa. Num golpe de sorte, se recorrer, ainda poderá tentar subir algumas décimas e recuperar a guantia despendida.

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0 importante, todavia, é que, no momento da consulta,

ainda não há iniciativa que comprometa a Administração a rever a prova; não se deve, obrigar aó pagamento de um serviço que não se tem a certeza se será utilizado, maxime se a decisão dessa utilização depender de circunstacialismos não disponíveis: a consulta da prova e a convicção da possibilidade de melhoria de nota.

Julgo, aliás, como referi supra, que uma maior transparência, rectius um maior e mais fácil acesso às provas, só beneficiará a Administração e, em particular, a necessária legitimação do processo tão importante como a atribuição de vagas no Ensino Superior.

O adiantado da data pode justificar medidas transitórias para o corrente ano que, arriscando-se a parecerem geradoras de potenciais injustiças, acabam por ser o único meio de reconstituir naturalmente a situação ideal acima propugnada.

Em face do exposto, ao abrigo do artigo 20.°, n.° 1, alínea a), do Estatuto do Provedor de Justiça (Lei n.° 9/ 91, de 9 de Abril), formulo a Vossa Excelência a seguinte recomendação:

Que seja alterada a Portaria 129-A/94, designadamente no seu artigo 27.°, passando a prever o pagamento da quantia de 3000$ apenas se e quando for requerida a reapreciação da prova, após a possibilidade de consulta da mesma;

Que a mesma orientação seja seguida em regulamentação de concursos futuros;

Que, se o adiantado da data não permitir outro meio, seja devolvida a quantia em causa aos alunos que, tendo requerido as cópias da sua prova, não tenham entregue o pedido de reapreciação.

26.07.94. EP-20/94.

A S. Ex.' o Presidente da Comissão Nacional das Provas Específicas de Acesso ao Ensino Superior:

Como V. Ex.' estará decerto recordado, o processo de candidatura ao Ensino Superior para o ano lectivo que agora decorre foi perturbado por contestações várias, possibilitadas por uma regulamentação que, em muitos pontos, não

seria a mais adequada para consolidar e legitimar nos alunos e seus pais eventuais resultados menos favoráveis.

No ano transacto, o núcleo essencial do direito dos alunos de acesso às suas provas foi preservado, mediante a consulta presencial.

Este ano, essa consulta presencial foi substituída pelo fornecimento de fotocópias da prova, método que se tem por preferível quer para alunos, quer para a administração escolar.

Se em rigor os dois modos de acesso deveriam ser cumulativos (cf. artigo 62.° do CPA), de um ponto de vista pragmático não se objectará à solução propugnada no Edital 1/94.

É, pois, com um sentimento de vivo aplauso que saúdo os grandes avanços introduzidos pelo Regulamento das Provas Específicas a realizar este ano. Estou seguro que uma maior transparência só terá efeitos na diminuição da natural crispação que um processo de acesso ao Ensino Superior sempre acarreta, contribuindo para a legitimação do processo.

Há, apenas, um aspecto que não posso deixar em claro.

A Lei 65/93, de 26 de Agosto, no seu artigo 12.°, n.°2, é bem expressa ao determinar que o preço das fotocópias

de documentos a fornecer não poderá ser superior ao seu

custo. Não repetirei aqui argumentos tio sentido da aplicabilidade deste normativo, por terem sido expostos a exaustão no conjunto de recomendações que tive o ensejo de dirigir a essa Comissão no ano transacto. Neste quadro, parece-me desadequada a exigência de três mil e quinhentos escudos para o fornecimento de cópias.

Por não ser solicitada qualquer outra importância em momento posterior, percebe-se ter esta quantia por escopo a moderação dos alunos em solicitarem a reapreciação das suas provas. Nada há a opor a tal intenção, já que apenas se quererá evitar uma sobrecarga no cargo de revisores por utilização chicaneira ou leviana do direito à reapreciação da prova. Isto, apesar de a possibilidade de a reapreciação poder redundar em diminuição da classificação atribuída servir já como travão aos pedidos inconsequentes. O que se contesta, nesta orientação, é o momento em que esse pagamento é devido. Sem um acesso à prova, o aluno não poderá ter consciência plena se se justificará ou não pedir uma reapreciação. Nunca se poderá, pois, presumir uma intenção malévola ou menos ponderada na requisição da cópia da prova. Não há aqui nenhum impulso negativo a moderar. Pelo contrário, a exigência desse pagamento no momento fixado, pelo Edital arrisca-se a ter efeitos perversos. Assim, um aluno que tenha já pago a quantia em causa e verificado da sua prova, será sem dúvida alguma bastante tentado a apresentar reclamação da prova, qualquer que seja a sua convicção sobre a justeza da subida de classificação, visto que nada tem a perder, particularmente se a sua classificação for baixa. Num golpe de sorte, se recorrer, ainda poderá tentar subir algumas décimas e recuperar a quantia despendida.

O importante, todavia, é que, no momento da consulta, ainda não há iniciativa que comprometa a Administração a rever a prova; não se deve, pois, obrigar ao pagamento de um serviço que não se tem a certeza se será utilizado, maxime se a decisão dessa utilização depende de circunstancialismos não disponíveis: a consulta da prova e a convicção da possibilidade de melhoria de nota.

Julgo, aliás, como supra, que uma maior transparência, rectius um maior e mais fácil acesso às provas, só beneficiará a Administração e, em particular, essa Comissão.

Em face do exposto, ao abrigo do artigo 20.°, n." 1, alínea a), do Estatuto do Provedor de ]usúça (Lei 9/9J, de 9 de Abril), formulo à Comissão Nacional das Provas Específicas de Acesso ao Ensino Superior, á que a V. Ex.' dignamente preside, a, seguinte Recomendação:

Que seja revisto o Edital 1/94, designadamente no seu n.° 04.03.06, passando a prever o pagamento da quantia de 3 500$ apenas se e quando for requerida a reapreciação da prova, após possibilidade de consulta da mesma.

(Recomendação acatada.)

16.08.94. R-1446/93.

A S. Ex.° o Ministro da Agricultura: I

Exposição e Motivos

1 — A Lei n.° 30/86, de 27 de Agosto, procedeu a uma profunda restruturação do regime jurídico da caça, vindo

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a ser regulamentada pelo Decreto-Lei n.° 311/87, de 10 de Agosto, o qual veio a ser revogado pelo Decreto-Lei 274-A/88, de 3 de Agosto, tendo sido este, por sua vez, revogado pelo Decreto-Lei n.°251/92, de 12 de Novembro.

2 — Nos termos do seu artigo 19.°, foram estabelecidos dois regimes para o exercício da actividade cinegética

nos'terjMDs de caça —o gera) e o especial — cancte-

rizando-se o primeiro pela possibilidade de exercício da actividade venatória condicionada apenas ao disposto na

fei gerai e o segundo pela sujeição suplementar aos planos de ordenamento e de exploração próprio de cada uma das zonas a ele afectas.

3 — O artigo 19." fixa, no seu n.°6, quatro tipos de zonas de regime cinegético especial: as zonas de caça nacionais, as zonas de caça sociais, as zonas de caça associativas e as zonas de caça turísticas.

4 — Qualquer dos tipos de zona de caça acima referidos pode ser constituído sobre terrenos do sector privado, preferencialmente, tratando-se de zonas de caça associativas ou turísticas (cf. artigos 24.°, n.° 2, 25.°, n.° 2, 26.°, n.° 2, e 27.°, n.° 2, da Lei n.° 30/86, de 27 de Agosto).

5 — A sujeição de um terreno do sector privado a regime cinegético especial requer o acordo prévio do proprietário, e, se os houver, dos titulares dos direitos reais menores que onerem aquele terreno e arrendatários. É esta a regra contida no artigo 21.°, n.° 1, da Lei n.° 30/86, de 27 de Agosto, e desenvolvida no artigo 70." do Decreto-Lei n.° 251/92, de 12 de Novembro.

6 — Há excepções, porém. A primeira consta do artigo 24.°, n.° 3, da Lei n.° 30/86, de 27 de Agosto, e do artigo 70.°, n.°4, do Decreto-Lei n.° 251/92, de 12 de Novembro, os quais permitem a afectação administrativa de terrenos a zonas de caça nacionais desde que declarada a utilidade pública dos mesmos, ficando os seus titulares e gestores investidos no direito a uma retribuição com base no contributo que prestem para a criação, fomento e conservação das espécies cinegéticas (artigo 21.°, n.° 2, da Lei n.° 30/86, de 27 de Agosto).

7 — A outra excepção encontra-se no artigo 28.°, da Lei n.° 30/86, de 27 de Agosto, e no artigo 82.°, do Decreto--Lei n." 251/92, de 12 de Novembro, ao facultar a agregação a zonas de caça do regime cinegético especial de terrenos que constituam enclaves em zonas de caça, desde que a superfície daqueles não exceda 10 % da superfície resultante dessa agregação, sendo considerados enclaves as parcelas cujo perímetro esteja limitado em mais de três antigos partidos por uma zona de caça do regime cinegético especial (artigo 28.°, n.° 2, da Lei n.° 30/86, de 27 de Agosto, e artigo 82.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 251/ 92, de 12 de Novembro).

8 — Finalmente, pode ainda considerar-se excepção à regra da agregação negocial o caso em que a afectação é obtida nos termos do processo especial previsto nos artigos 71.° e ss., do Decreto-Lei n.° 251/92, de 12 de Novembro. Neste caso, o consentimento dos titulares e gestores dos terrenos em causa, editalmente notificados (artigo 72.°, n.°2, e 75.°, n.° 1), é ficcionado com base na falta de participação na assembleia referida no artigo 72.° e na falta de oposição administrativa à afectação (artigo 76.°, a contrario).

9 — Verifica-se, pois, existir um leque amplo de situações em que terrenos do sector privado podem ser afectos a zonas de regime cinegético especial sem o consentimento expresso dos seus titulares ou gestores, com a consequente adstrição, de forma mais ampla do que no regime cinegético geral, dos direitos reais ou pessoais de gozo em

causa, mercê da mais intensiva exploração dos recursos cinegéticos que os planos de ordenamento e exploração inevitavelmente traduzirão.

10 — Acresce que, sendo característica comum a qualquer zona de regime cinegético especial a limitação no acesso ao exercício da caça (que vai do simples condicionamento — nas zonas de caça nacionais —, à reserva do exercício da caça aos associados — nas zonas de caça

associativas —, passando pelo condicionamento aliado ao

pagamento de taxeis — nas zonas de caça sociais —, ou ao pagamento do preço (em geral) — nas zonas de caça turísticas — cf., respectivamente, artigos 24.°, n.° 5, 25.°, n.° 6, 26.°, n.° 9, e 27.°, n.° 6 da Lei n.° 30/86, de 27 de Agosto) o proprietário, o detentor de direito real menor sobre a coisa, e o arrendatário poderão ver-se impedidos de caçar no terreno objecto do seu direito real ou pessoal de gozo.

11 — No nosso ordenamento jurídico, o direito à caça não integra o conteúdo do direito de propriedade, pois exerce-se relativamente a coisas que não são fruto do objecto do direito de propriedade — o prédio. Com efeito, as espécies cinegéticas não integram a qualificação de «fruto» dada pelo artigo 212.°, n.° 1, do Código Civil, constituindo antes verdadeiras res nullius, susceptíveis de ocupação nos termos do artigo 5.° da Lei n.° 30/86, de 27 de Agosto, e do artigo 7." do Decreto-Lei n.° 251/92, de 12 de Novembro.

12 — O fundamento do direito à caça deve ser procurado, ao invés, num princípio geral de liberdade (cf. Renato Alessi in Enciclopédia dei Diritto, vol. V, 1959, p. 750), nos termos do qual é permitido aos cidadãos desenvolver toda e qualquer actividade a que se determinem desde que não vedada pelo ordenamento jurídico, não faltando mesmo quem, indo um pouco mais longe, caracterize o direito à caça como um direito de personalidade (cf, apontando neste sentido, J. Manso-Preto, in Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol. D,

Coimbra, 1972, p. 18).

13 — Todavia, a diferença de natureza existente entre o direito à caça e o direito de propriedade não implica que a actividade desenvolvida no âmbito de cada um deles não se repercuta no conteúdo do outro. Ao permitir-se o exercício da actividade venatória em todos os terrenos (artigo 13." da Lei n.° 30/86, de 27 de Agosto), está a ser adstringido o direito de propriedade pelo direito de caça de terceiros, devido ao atravessamento e permanência nos terrenos de caça, em concomitância com a prática dos actos venatórios tendentes à captura da fauna cinegética; ao excepcionar-se dessa regra os terrenos ocupados com culturas agrícolas ou florestais durante determinados períodos do seu ciclo vegetativo, quando seja necessário proteger aquelas culturas e as suas produções [artigo 14.°, n.° 1, alínea b), da Lei n.° 30/86, de 27 desgosto], está a restringir-se o direito à caça por força do direito de propriedade.

14 — O que diferencia essa relação entre o direito de propriedade e o direito de caça em cada um dos regimes cinegéticos é que enquanto no regime cinegético geral a oneração do direito de propriedade se deve a uma actividade susceptível de ser exercida por todos os caçadores licenciados, fundando-se essa oneração em interesses sociais ou comunitários, já no regime cinegético especial, particularmente no caso das zonas de caça associativas, taJ oneração aparece mais remotamente ligada a uma função social ou comunitária, uma vez que o exercício da actividade que consubstancia — a actividade cinegética — está

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reservada a terceiros, no interesse próprio destes, ficando em princípio interdito o seu exercício aos proprietários, aos

titulares de direitos reais menores e aos arrendatários dos terrenos de caça em causa.

15 — Ora, não pode deixar de reputar-se injusta e desproporcionada esta situação. Seja qual for o regime cinegético a que estiverem sujeitos os prédios, os titulares de direitos reais ou pessoais de gozo que, sobre eles incidam encontram a sua situação jurídica tangida, ainda que de modo qualitativamente diverso - no regime cinegético especial haverá, por um lado, um desagravamento, ao permitir-se o exercício da actividade venatoria a um número muito mais restrito de caçadores, e por outro, e mais significativamente, um agravamento, traduzido na exploração intensiva dos recursos cinegéticos, efectuada de acordo com os planos de ordenamento e exploração de cada zona do regime cinegético especial. Todavia, da compressão dos direitos dos titulares dos terrenos de caça sujeitos a regime cinegético especial não lhes advém qualquer benefício em termos de exercício da actividade venatoria, contrariamente ao que sucede relativamente aos titulares dos terrenos de caça do regime cinegético geral, em que da oneração dos prédios decorre a permissão do exercício da actividade cinegética.

16 — Parece, pois, no caso dos terrenos de caça sujeitos a regime cinegético especial, romper-se o equilíbrio (urdido ao longo dos séculos, mas definitivamente consagrado nas Cortes Gerais Extraordinárias e Constituintes de 1821—cfr. J. Manso-Preto, in Dicionário cit., pp. 17--18) entre o exercício do direito de caça e o carácter tendencialmente absoluto do direito de propriedade, encontrando-se agora os titulares de tais terrenos numa situação

iníqua e inigualitária relativamente ao exercício da actividade cinegética.

n

Conclusões

De acordo com o exposto, e tendo em vista a atribuição de pugnar pela prevenção e reparação de injustiças (artigo 23.°, n.° 1, da Constituição) entende o Provedor de Justiça, no uso dos poderes conferidos no artigo 20.°, n.° 1, alíneas a) e b), do seu Estatuto, aprovado pela Lei n.° 9/ 91, de 9 de Abril, recomendar:

A alteração do actual regime jurídico da caça, com vista a permitir aos proprietários, aos titulares de direitos reais menores e aos arrendatários de terrenos de caça afectos ao regime cinegético especial, que não tenham consentido expressamente nessa afectação, o exercício da actividade cinegética nesses terrenos, bem como a extensão dessa permissão aos que com aqueles titulares coabitem.

(Recomendação acatada.)

23.08.94 R-3166/93

A S. Ex.° Presidente do Conselho de Administração da LJPOR:

1 — Na sequência das minhas anteriores Recomendações dirigidas a V. Ex.\ com datas de, respectivamente,

17 de Dezembro de 1993 e 1 de Fevereiro de 1994, respeitantes ao assunto referido em epígrafe, e que têm

vindo a ser, muito embora dt forma t\Ct&ÍVoffil&*\(&

. morosa e graduai e nem sempre pacífica, acatadas pelo

Conselho de Administração da LIPOR — a que não terão

sido alheios os doutos pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, homologados por Sua Excelência a'Ministra do Ambiente e Recursos Naturais, que veiculam também o conteúdo essencial das minhas Recomendações —, entendo que a deliberação do Conselho de Administração da LJPOR de 01 de Agosto p. p. justifica a emissão de nova Recomendação, pelos fundamentos que passo a referir.

2 — Conforme decorre da citada deliberação, o Conselho de Administração da LIPOR resolveu, finalmente, adaptar os documentos normativos do concurso —Programa e Caderno de Encargos — ao regime constante do Decreto-Lei n.° 379/93, de 5 de Novembro, designadamente quanto a aspectos que se mostravam essenciais para o cabal respeito de normas imperativas deste diploma e que, até então, tinham sido de todo ignorados — especificação do objecto da concessão, regimes da reversão, do sequestro, do resgate e da rescisão, prestação de caução, proibição da admissibilidade de variantes, prévia enunciação dos critérios e microcritérios de avaliação das propostas, proibição de transmissão da concessão e poderes do concedente e correlativos deveres do concessionário. Há, no entanto, dois aspectos em que a reformulação ficou ainda aquém do legalmente exigido.

3 — Em primeiro lugar, impõe-se que o Conselho de Administração da LJPOR dê a conhecer qual a composição da comissão de avaliação das propostas reformuladas. Trata-se, com efeito, de um elemento que, por imposição

legal, deve constar do programa do concurso — cfr. artigo 10.°, n.° 2, alínea b), do Decreto-Lei n.° 379/93, de 5 de Novembro. Ora, a comissão inicialmente designada cessou funções com a elaboração do relatório que conduziu à adjudicação de 4 de Janeiro p.p., entretanto revogada, e a reformulação das propostas, aliada à fixação de novos critérios de avaliação, implica obrigatoriamente uma nova avaliação global das propostas. Torna-se, pois, necessário designar nova comissão de avaliação, e publicitar a sua composição, nos termos legais referidos.

Sobre este aspecto, a deliberação do Conselho de Administração da LJPOR de 1 de Agosto p. p. é omissa, quando o não deveria ser.

4 — Em segundo lugar, considero ser ainda ilegal a partido da deliberação acabada de referir no que respeita à omissão do montante da caução a prestar pelo adjudicatário. Este elemento deve obrigatoriamente constar do programa do concurso —cfr. artigo 10.°, n.° 2, alínea/»), do Decreto-Lei n.° 379/93, de 5 de Novembro—, não podendo o Conselho de Administração da LJPOR fazer apenas uma referência genérica para o montante mínimo abstractamente fixado naquela norma — 30% do valor da concessão —, sem indicar clara e concretamente qual o seu valor, remetendo a sua definição para o momento da assinatura do contrato, e de acordo com os esclarecimentos prováveis do Governo sobre a interpretação do que seja «o montante da caução».

E não só deve o Conselho de Administração da LIPOR esclarecer qual o montante da caução, como o deve fazer antes de começar a correr o prazo para a reformulação das propostas. Tal decorre, não só da própria lei — o montante da caução deve constar do programa do concurso, que deve ser publicitado antes de começar o prazo de apresentação

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das propostas, pelo que, paralelamente, em caso de reformulação, o programa de concurso com todas as reformulações necessárias (incluindo a caução) deve ser tornado público antes de começar o prazo para reformulação das propostas —, mas também de exigências de boa-fé, transparência e seriedade da reformulação; sendo o montante da caução um dos elementos a ter em conta na (re)formulação das propostas, designadamente ao nível da avaliação dos respectivos custos financeiros, é claro que só se pode (re)formular uma proposta com um mínimo de seriedade se previamente se tiver conhecimento desse montante.

5 — É de todo evidente que as alterações introduzidas nos documentos normativos do concurso, a acrescentar às inicialmente feitas através da deliberação de 22 de Abril p.p. (e mesmo sem contar com aquelas que ainda se mostram necessárias), vieram trazer profundas modificações nos aspectos técnico, jurídico, económico e financeiro do concurso, com evidentes implicações no conteúdo das propostas dos concorrentes, que terão, também elas, de ser objecto de adequada reformulação (e profunda reformulação, se tivermos em conta, desde logo, que os critérios de avaliação foram alterados, pelo que os concorrentes devem, evidentemente, poder adaptar as suas propostas aos novos critérios — a não ser assim, não faria sentido a exigência de publicidade dos critérios de avaliação, e da sua alteração).

6 — Já na minha anterior Recomendação de 1 de Fevereiro de 1994 me pronunciava pela necessidade de conceder «aos concorrentes um prazo que permita a adaptação das suas propostas ao disposto (no Decreto-Lei n.° 379/93, de 5 de Novembro) e nos documentos do concurso assim adaptados».

Consta da última deliberação desse Conselho de Administração a necessidade de «proporcionar a todos os concorrentes o prazo de vinte dias úteis, a contar do dia em que se efectivar a notificação desta deliberação, para, querendo, reformularem as respectivas propostas se, e só na medida em que, os reajustamentos efectuados, agora e os já notificados em consequência da deliberação de 22 de Abril, (uns e outros, aqui enunciados em conjunto), o determinarem».

Para o Provedor de Justiça, este prazo fixado pelo Conselho de Administração da LIPOR, atendendo à sua curtíssima duração, é ilegal e inadmissível, por violar o disposto no artigo 10.°, n.° 2, alínea c), do Decreto-Lei n.° 379/93, de 5 de Novembro, e os princípios da igualdade, da justiça e da boa-fé.

7 — Se outras razões não existissem, bastava ser minimamente razoável para concluir que um prazo de 20 dias úteis é manifestamente insuficiente para permitir aos concorrentes a reformulação das suas propostas, atendendo à complexidade das matérias em causa e ao próprio âmbito das reformulações possíveis. A isto acresce o facto de o mês de Agosto ser o aproveitado por excelência para o gozo de férias, o que, no caso dos concorrentes, é agravado pela circunstância de muitas das empresas envolvidas nos consórcios e vários consultores serem de países do centro e norte da Europa, pelo que durante o mês de Agosto se encontram encerradas e no gozo de férias.

Anote-se, como termo de comparação, que o próprio Conselho de Administração da LIPOR necessitou de mais de três meses para proceder à adaptação (quase) completa dos documentos normativos do concurso — desde a deliberação de 22 de Abril p. p. até à deliberação de 01 de Agosto p. p.

8 — Não posso, quanto a este aspecto, deixar de transcrever o referido nas conclusões 3." e 4." do douto Parecer da Procuradoria Geral da República de 24 de Junho p. p., homologado por despacho de Sua Excelência a Ministra do Ambiente e Recursos Naturais de 30 de Junho p. p.:

3.* Todavia, projectando-se os reajustamentos sobre questões materialmente significativas das propostas, ou da respectiva avaliação, deveria ter sido proporcionado prazo aos concorrentes para a respectiva reformulação, com vista à sua reapreciação, dirigida à escolha do virtual adjudicatário, praticando-se os demais actos e formalidades impostos pelo procedimento;

4.* De outro modo, ocorre desrespeito pelos princípios da igualdade, da justiça e da boa fé, introduzindo-se nos documentos normativos do concurso, adaptações conformadoras que, na prática, têm natureza meramente formal, não se extraindo consequências quanto ao posicionamento — jurídico, económico e técnico — dos concorrentes perante os reajustamentos realizados.

Nesta perspectiva, a notificação agora feita aos concorrentes para reformulação das suas propostas, pelo prazo manifestamente insuficiente que fixa para o efeito, revela--se claramente o mero cumprimento formal de uma obrigação legal, destituído de qualquer efeito prático e substancial, constituindo uma pura fraude à lei e violando os princípios da justiça e da boa fé.

9 — Atendendo à complexidade e ao alcance das reformulações que se podem tornar necessárias para adequar as propostas aos documentos do concurso agora alterados, e tendo em conta os princípios da imparcialidade, justiça e boa fé, entendo que o prazo mínimo que deve ser dado aos concorrentes para o efeito não pode ser inferior ao mínimo fixado pelo artigo 10.°, n.° 2, alínea c), do Decreto-Lei n.° 379/93, de 5 de Novembro — 90 dias. Nos termos já referidos, tal prazo só poderá começar a correr depois de completada a reformulação dos documentos do concurso nos termos legalmente exigíveis, designadamente depois de publicitados o montante da caução e a composição da comissão de avaliação das propostas.

10 — Não pode V. Excia. esquecer, se os argumentos expostos não fossem desde já e por si só suficientes, que o regime de exploração e gestão dos sistemas municipais de tratamento de resíduos sólidos, tal como, aliás, toda a actividade administrativa, está sujeito aos princípios gerais da prossecução do interesse público e da eficiência — cfr. artigo 2.°, h.° 1, alíneas a) e c), do Decreto-Lei n.° 379/ 93, de 5 de Novembro —, que não poderão deixar de ser violados com a concessão de um prazo que constitui um obstáculo inelutável à correcta reformulação de propostas que visa permitir, pondo-se assim em causa a possibilidade de os concorrentes alterarem as suas propostas de forma a melhor se adequarem ao interesse público agora redefinido.

E não se invoque a necessidade de celeridade processual para justificar prazo tão curto. Por esta altura já deveria ser claro para o Conselho de Administração da LIPOR que só o cumprimento escrupuloso e boa-fé da lei poderá evitar novos atrasos no processo, como aqueles que até agora se verificaram por responsabilidade exclusiva da postura negativa, renitente e "contrariada" desse Conselho de Administração.

Termos em que, no uso do poder que me é conferido pelo artigo 20.°, n.° 1, alínea a), da Lei n,° 9/91, ÒC 9 óe

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Abril, recomendo a V. Excia. que o Conselho de Administração da LJPOR:

1) Torne pública a composição da comissão de avaliação das propostas reformuladas, conforme exige o artigo 10.°, n.° 2, alínea b), do Decreto-Lei n.° 379/93, de 5 de Novembro;

2) Indique expressamente qual o montante da caução a prestar pela adjudicatário, como previsto no artigo 10.°, n.° 2, alínea h), do citado diploma;

3) Conceda aos concorrentes o prazo mínimo de 90 dias, a contar das alterações acima recomendadas, para a reformulação das suas propostas decorrente da adaptação dos documentos normativos do concurso ao regime introduzido pelo Decreto-Lei n.° 379/93, de 5 de Novembro.

(Recomendação não acatada.)

94.10.04 R-1798/94

Ex."™ Senhor Director de Serviços de Identificação Civil:

Na sequência de queixa apresentada na Provedoria de Justiça acerca do caso particular de uma cidadã que apresentou, perante os Serviços que V. Excia. dirige, reclamação acerca de lapso ocorrido na emissão do seu Bilhete de Identidade, tendo a mesma sido considerada extemporânea, entendi formular a presente Recomendação, por considerar que as normas que regem a contagem dos prazos de reclamação sobre Bilhetes de Identidade já passados, ofendem as garantias de defesa daqueles que, por imposição legal, se dirigem a esses Serviços.

No caso em apreço, que descreverei sumariamente a fim de melhor provar a V. Excia, a iniquidade da situação, a Reclamante requereu junto da Conservatória do Registo Civil de Portimão, em meados de Novembro de 1993, a renovação do seu bilhete de Identidade e, simultaneamente, a alteração do local de residência constante do mesmo.

Aquele Serviço de Recepção procedeu, à data, ao envio do pedido aos Serviços de Identificação, indicando à Reclamante, como prazo provável de entrega, 3 meses contados da data do requerimento.

Porém, o documento em questão viria a ser emitido em 26.11.93, segundo informação do referido serviço de Recepção, junto do qual a interessada não reclamou o Bilhete de Identidade senão perto da data inicialmente prevista.

Em Março do corrente ano, após o levantamento do documento junto da Conservatória de Portimão, constatou a Reclamante que a requerida alteração de morada não havia sido efectuada, pelo que dirigiu a competente reclamação à Direcção de Serviços de Identificação Civil, tendo posteriormente tomado conhecimento do teor do vosso documento com a referência STAC 6562 e data de 06.05.94, dando-lhe conta da extemporaneidade da reclamação, pelo que deveria organizar novo processo, o que significa, evidentemente, suportar os respectivos custos.

Sendo certo que o prazo para reclamar, em tais casos, é de 90 dias, perguntar-se-á como é possível —salvo em casos de manifesta negligência — reclamar extemporaneamente.

É que tal prazo é contado, como V. Excia. bem sabe, nos termos das instruções divulgadas aos Serviços através da Circular n.° 6/88, de 16.03.88, e constantes do impresso mod. 18 destinado à elaboração de reclamações, não a partir da data em que o requerente recebe o documento e verifica a sua exactidão mas, antes, da data de emissão do mesmo documento.

Ora, se no caso dos Bilhetes de Identidade requeridos directamente junto dos Serviços emissores é relativamente fácil prever o prazo para a sua emissão, quando o requerimento é apresentado junto de um Serviço de Recepção, o seu posterior envio aos Serviços Centrais e reenvio ao Serviço de Recepção para entrega ao requerente, tornam o processo não só mais moroso como de duração imprevisível, por factores que V. Excia. certamente conhecerá melhor que ninguém.

Deste modo, sempre que se verifique — como no presente caso, uma relativa divergência entre a data prevista para a emissão do Bilhete de Identidade e a data em que tal emissão efectivamente ocorre, a contagem do prazo para a reclamação apresentar-se-á necessariamente falseada, uma vez que se iniciou muito tempo antes de o interessado poder, sequer, exercer o direito de reclamação cuja caducidade ocorre por força do decurso daquele prazo.

Tratando-se de um prazo de caducidade, tem aqui aplicação o disposto no artigo 329.° do Código Civil que me permito transcrever:

O prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido.

Não pode o interessado, evidentemente, exercer o seu direito de reclamação antes de ter conhecimento do conteúdo do acto reclamado, ou, neste caso concreto, antes de lhe ser entregue o Bilhete de Identidade requerido, pelo que antes desta data não poderá, nunca, iniciar-se a contagem do prazo de reclamação.

Atente-se, uma vez mais, para comprovar o que acima ficou dito, no caso da Reclamante:- requerido o Bilhete de Identidade em meados de Novembro de 1993 e de acordo com o prazo provável de entrega que lhe foi comunicado (três meses), nunca se apresentaria a interessada a reclamar o seu Bilhete antes de meados de Fevereiro de 1994, fazendo-se, talvez, prudentemente, uns dias mais tarde, uma vez que aquele prazo era o prazo provável. Tendo o documento sido emitido em 26.11.93 o prazo para reclamação — teoricamente de 90 dias — terminaria em 26 de Fevereiro de 1994, isto é, em data muito próxima — eventualmente até anterior — à data do levantamento do Bilhete de Identidade.

Concordará V. Excia. que a situação descrita não pode manter-se, sob pena de violação da lei e de os cidadãos, se encontrarem sujeitos a perdas de tempo e à realização de despesas que não lhes cumpre suportar.

Acredito, no entanto, que à data da elaboração da norma de contagem do prazo em questão, não tenha sido prevista a possibilidade de a sua aplicação prática gerar a situação que venho de descrever. Constatando-se, porém, que assim acontece, recomendo:

J..° Que seja alterada a norma interna que estipula a forma de contagem do prazo para reclamação de Bilhete de Identidade já emitido, no sentido de aquela passar a referir, expressamente, que a contagem do referido prazo só tem início na data

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do levantamento do Bilhete de Identidade cuja emissão ou renovação se requereu, de acordo com o disposto no artigo 329." do Código Civil; 2.° Que, quanto ao caso particular da Reclamante, seja revogada a decisão constante do v/ofício com a referência STAC 6562, datado de 06.05.94, que recaiu sobre a reclamação apresentada pela interessada poucos dias após o levantamento do seu Bilhete de Identidade junto da Conservatória do Registo Civil de Portimão, por a contagem do prazo de reclamação não ter obedecido ao comando do supra citado artigo 329." do Código Civil;

3." Que a decisão assim revogada seja substituída por outra que aceite a reclamação em causa e ordene a restituição do montante que, entretanto, a interessada já despendeu na elaboração de novo processo de obtenção de Bilhete de Identidade, só necessário por manifesto lapso dos Serviços que, não obstante requerimento nesse sentido, não actualizaram a morada constante do Bilhete de Identidade anterior.

94.10.06 R-860/94

A Sua Excelência o Presidente da Assembleia da República:

1 — De entre as diversas questões inerentes à recolha e administração de sangue, assume, actualmente, especial relevância a questão da c.onservação da informação relativa àquelas actividades.

2 — Constitui nota dominante da legislação sobre arquivos a inexistência de normas de carácter genérico sobre a avaliação, selecção, prazos de conservação e forma de eliminação — que deverão ser fixadas caso a caso —, opção que certamente tem em vista a salvaguarda da especificidade dos serviços donde provém cada arquivo.

3 —Na verdade, o Decreto-Lei n.° 447/88, de 10.12, remete para Portaria conjunta do ministro que superintende nos serviços e entidades envolvidos e do membro do Governo responsável pela cultura, a aprovação das normas que regulam a denominada «pré-arquivagem», ou seja, a avaliação, selecção e eliminação de documentos e a definição dos prazos de conservação (entre outros aspectos).

4 — Ao abrigo deste diploma, apenas foram publicadas três portarias, as quais regulam os arquivos da Direcção--Geral dos Cuidados de Saúde Primários e das Administrações Regionais de Saúde (Portaria n.° 835/91, de 16.8), da Maternidade Dr. Alfredo da Costa (Portaria n.° 1125/ 91, de 30.10) e do Hospital Distrital de Castelo Branco (Portaria n.° 102/94, de 10.2), esta já na vigência do Decreto-Lei n.° 16/93, de 23 de Janeiro.

5 — O Decreto-Lei n.° 16/93, de 23 de Janeiro, pretendeu consagrar «o regime geral dos arquivos e património arquivístico», definindo arquivo, no respectivo artigo 4:°, como o «conjunto de documentos, qualquer que seja a sua data ou suporte material, reunidos no exercício da sua actividade por uma entidade, pública ou privada, e conservados, respeitando a organização original, tendo em vista objectivos de gestão administrativa, de prova ou de informação, ao serviço das entidades que os detêm, dos investigadores e dos cidadãos em geral».

6 — Saliente-se, aliás, que se a formulação de tal definição é clara quanto à amplitude do âmbito de aplicação do mencionado diploma, não deixam, contudo de se suscitar dúvidas quanto à actual configuração do regime jurídico dos arquivos.

Na verdade, o regime constante do mencionado Decreto--Lei n.° 16/93 parece pouco apto para regular a arquivagem da documentação que resulta da actividade corrente da Administração — como é o caso, por exemplo, dos estabelecimentos hospitalares — afigurando-se, ao invés, especialmente vocacionado para os arquivos de interesse histórico e político. Atente-sè, para tanto, nas competências atribuídas aos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo (artigos 8.°, 14." e 15.°).

E por essa razão não podem também deixar de subsistir na mente do intérprete' dúvidas quanto à manutenção em vigor do Decreto-Lei n.° 447/88, de 10.12.

7 — De todo o modo, a opção do Decreto-Lei n.° 16/ 93 não é diversa da aludida em 2, quanto à definição das normas reguladoras dos arquivos.

Impondo-se aos serviços de origem a «implantação de sistemas de gestão de documentos» (artigo 14.°), ou seja, de operações e procedimentos que visam a racionalização e eficácia na criação, organização, utilização, conservação, avaliação, selecção e eliminação de documentos, nas diversas fases do arquivo (artigo 13.°), e aos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo (artigo 15.°, n.° 1) a sua promoção e apoio, devolve-sé para decreto regulamentar a definição dos critérios de avaliação e selecção, assim como dos prazos de conservação e da forma de eliminação de documentos (artigo 15.° n.° 2).

8 — Casos há, a meu ver, em que tal preocupação de respeito pela especificidade de cada arquivo deverá ceder perante a necessidade de estabelecimento de regras uniformes, em função da natureza da informação arquivada e não do serviço que em concreto o origina.

Em tais casos encontra-se, sem dúvida, o dos arquivos dos processos de sangue, entendendo-se, por estes, toda a informação relativa quer à recolha, quer à administração de sangue em unidades de cuidados de saúde.

Na verdade, o exercício do direito ao ressarcimento dos danos causados com contaminação resultante de transfusão de sangue e derivados exige o acesso do lesado a toda a informação relativa àquela acção, bem como à sua conservação e justifica a adopção de procedimentos uniformes, de modo a que tal direito não seja, consoante a unidade de cuidados de saúde em questão, efectivo nuns casos e de exercício impossível noutros.

9 — A primeira necessidade dé regulação uniforme, nesta matéria, diz respeito ao tempo de conservação dos processos de sangue.

A duração do período de manifestação de algumas patologias — bastante longo nalguns casos — impõe que a informação relativa ao sangue seja conservada pelo tempo suficiente para, manifestada a doença, se apurar se a mesma teve ou não origem na transfusão, sob pena de inviabilização do exercício do direito ao ressarcimento dos respectivos danos.

10 — Atendendo, por um lado, à inevitável evcAução da medicina e, portanto, à possibilidade de virem a ser identificadas novas patologias com períodos de manifestação mais longos do que os conhecidos actualmente e, por outro lado, à existência de métodos simples e pouco dispendiosos de conservação dos documentos, sou forçado a concluir pela mais-valia da conservação ilimitada daquela informação.

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11 — Objecto de regulação uniforme deve ser, ainda, a questão do conteúdo da informação a conservar ilimitadamente.

Também neste ponto, o exercício efectivo do direito de ressarcimento no caso de contaminação proveniente de transfusão impõe que as unidades de recolha e administração de sangue reunam toda a informação necessária ao estabelecimento do nexo de causalidade entre a lesão verificada no receptor de sangue e aquela transfusão.

12 — Para tanto, os processos de sangue deverão permitir o acesso a toda a informação relevante no que toca quer ao sangue administrado — nomeadamente os resultados dos exames efectuados — quer ao respectivo dador, sem deixar, contudo, de garantir o sigilo quanto à identificação deste.

A determinação concreta dos elementos que deverão constar dos referidos processos, a efectuar à luz das respectivas legis anis, há-de ter como critério orientador o objectivo de permitir estabelecer o nexo de causalidade supra referido.

13 — Por último, importará fixar sanções para o incumprimento das obrigações por parte das unidades de recolha e administração de sangue.

Não obstante ser possível a aplicação de sanções pecuniárias bem como de carácter disciplinar, o certo é que o desrespeito culposo da obrigação de recolha e conservação da informação relevante dos processos de sangue deverá, ainda, determinar a inversão do ónus da prova, quando esteja em causa o estabelecimento do nexo de causalidade entre uma transfusão e o aparecimento de uma patologia, transmissível por essa via.

Desse modo se acolherá a doutrina constante do n.° 2 do artigo 344." do Código Civil, nos termos do qual «há também inversão do ónus da prova quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado (...)».

Não se prevendo tal cominação para a violação culposa da obrigação descrita, inviabilizar-se-ía a qualquer cidadão o exercício do aludido direito de ressarcimento, uma vez que a este se tornaria impossível a prova de que a lesão proveio de transfusão, impossibilidade a cuja origem o mesmo seria totalmente alheio. Afigura-se, pois, de evidente justiça fazer recair sobre o órgão público faltoso o ónus de refutar o facto cuja prova impossibilitou.

14 — Em face do exposto, tenho por bem formular à Assembleia da República a presente Recomendação, no sentido de serem consagradas legislativamente regras específicas quanto ao arquivo dos processos de recolha e administração de sangue, as quais deverão conter, nomeadamente-.

a) A obrigatoriedade de conservação ilimitada de toda a informação relevante no que respeita à recolha e administração de sangue;

b) A definição da informação que, nodecprrer das actividades de recolha e administração de sangue, deve ser obtida e conservada ilimitadamente, definição a efectuar em obediência às legis anis da medicina e à luz do critério orientador que tem por objectivo permitir estabelecer o nexo de causalidade entre uma transfusão e a manifestação de uma patologia;

c) A cominação da violação culposa da obrigação de recolha e conservação ilimitada da informação relevante com sanções, nas quais se contará, para além de sanções disciplinares e pecuniárias, a inversão do ónus da prova.

(Recomendação acatada.)

94.10.04 R-2373/93

A Sua Excelência o Ministro do Emprego e da Segurança Social:

I

Exposição de motivos

1 —Em 18 de Outubro de 1990 foi publicado o Decreto-Lei n.° 322//90 que veio regular os benefícios por morte concedidos pela Segurança Social, estabelecendo um regime unitário para as pensões de sobrevivência ( prestações continuadas ) e subsídio por morte dos beneficiários do regime geral da Segurança Social (prestação única).

2 — Entre as inovações do citado diploma, e como se pode ler no último parágrafo do seu preâmbulo, «impona referir a disposição inovatória que inclui, no regime ora criado, as situações de facto previstas no anigo 2020." do Código Civil, embora se remeta para regulamentação específica a sua aplicação, designadamente no que diz respeito à caracterização das situações e à produção de prova».

3 — Com efeito, o regime de protecção é alargado às situações de facto análogas às dos cônjuges, por via do disposto no n.° 1, do artigo 8.°, do Decreto-Lei n.° 322/ 90, de 18 de Outubro, o qual preceitua que:

O direito às prestações previstas neste diploma e o respectivo regime jurídico são tornados extensivos às pessoas que se encontrem na situação prevista no n." 1 do anigo 2020." do Código Civil.

4 — Por efeito da norma citada foi atribuído o direito às referenciadas prestações da Segurança Social a todo «aquele que, no momento da mone de pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges.» (cfr. n.° 1 do artigo 2020.° do Código Civil, primeira parte).

5 — No entanto, a regulação do procedimento de prova das situações abrangidas, bem como a definição das condições de atribuição das prestações devidas para decreto regulamentar, conforme se pode ler no n.° 2 da disposição legal sempre invocada.

6 — A não publicação do mencionado regulamento nos primeiros três anos de vigência do Decreto-Lei n.° 322/ 90, de 18 de Outubro, motivou a minha Recomendação de 29 de Dezembro p. p., cujo acatamento dei por parcialmente verificado com a publicação do Decreto Regulamentar n.° 1/94, de 18 de Janeiro (DR, I Série-B, n." 14, de 18.01.94). v

7 — Este diploma regulamentar estabeleceu como condição do pagamento das prestações sociais por morte do cônjuge de facto a interposição prévia de acção judicial de reconhecimento do direito a alimentos. Assim como se dispõe do artigo 3.°, n.° 1, o direito às prestações exigíveis depende de decisão judicial que reconheça o direito a alimentos da herança, nos termos do disposto no artigo 2020." do Código Civil.

8 — Sendo esta uma condição de atribuição dos benefícios sociais por morte, mais exige o regulamento — em sede de prova — que os interessados instruam o requerimento das prestações com certidão da decisão judicial que

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fixa o direito a alimentos, tal como se retira da primeira parte do artigo 5."

9 — Caso não seja reconhecido o direito a alimentos, com fundamento na inexistência ou insuficiência de bens do acervo da herança, pode ainda o interessado interpor, contra a instituição de Segurança Social competente, acção declarativa para reconhecimento judicial da qualidade de titular das prestações. Juntará posteriormente ao requerimento certidão da sentença que o declare com a qualidade de titular do direito às prestações sociais em causa. Isto resulta da articulação entre as disposições contidas no artigo 3.°, n.° 2, e na parte final do artigo 5.°, do Decreto Regulamentar n.° 1/94.

10 — Descritas as condições de atribuição das prestações de segurança social por morte e o respectivo regime de prova, tal como foram recentemente reguladas, pelo Decreto Regulamentar n.° 1/94, de 18 de Janeiro, cumpre apreciar os problemas revelados pela aplicação desse diploma, em termos que limitam o exercício efectivo do direito conferido por lei aos Cônjuges de facto.

11 — As exigências regulamentares quer no que toca aos requisitos a preencher, quer no que toca ao regime probatório perante a Administração Pública, mostram-se restritivas do próprio direito às prestações. Obsèrve-se porquê.

12 — A remissão operada por via do n.° 1 do artigo 3.° do Decreto Regulamentar n.° 1/94 para o disposto no artigo 2020." do Código Civil significa, não apenas que devem ser respeitados os pressupostos contidos neste preceito, como também que a acção judiciai a interpor encontra ali o seu regime.

13-—Ora, o direito a pedir alimentos da herança só pode ser exercido judicialmente no prazo de dois anos contados da morte do de cujus (artigo 2020.°, n.° 2, do Código Civil).

14 — Trata-se de acção declarativa condenatória [exigir a prestação duma coisa ou de um facto, pressuposto ou prevendo a violação de um direito, como diz o artigo 4.', n.° 2, alínea b), do Código do Processo Civil] a interpor contra a herança. Em abstracto, obterá procedência, verificados os pressupostos aludidos supra (vd. 12. e 13):

1 — Se o alimentado, no momento da morte do companheiro, conviver more uxorio, com pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens, há mais de dois anos.

2 — Se não puder obter alimentos de outra pessoa, nos termos legais [Gomes da Silva, Nuni Espinosa, Reforma do Código Civil, 1981, p. 85].

15 — Acresce ainda que, neste domínio, vale a regra segundo a quaí «presta alimentos quem pode, recebe quem deles precisa», o que se traduz na proporcionalidade do montante dos alimentos aos meios de quem os presta e às necessidades de quem deles tira proveito ( cfr. artigo 2004.° do Código Civil).

16 — Entende-se, assim, a ratio da disposição contida no artigo 3.°, n.° 1, do Decreto Regulamentar citado, porquanto, ao condicionar a atribuição das prestações ao direito de exigir alimentos, mais não faz que alargar o regime de protecção por morte àqueles que façam prova de se encontrarem numa situação de dependência do falecido em termos que o justifique.

17 — Melhor se justifica o regime de protecção no caso de não vir a ser judicialmente reconhecido o direito de exigir alimentos, com fundamento na inexistência ou insuficiência do acervo da herança.

18. A eventualidade é acautelada no artigo 3.°, n.° 2, do Decreto Regulamentar n.° 1/94, de 18 de Janeiro, onde é prevista, para tal situação, a interposição de acção judicial contra a instituição de Segurança Social competente para atribuir as prestações devidas, com o desidarato de ser reconhecida ao interessado a qualidade de titular dessas prestações. A certidão da respectiva sentença servirá, igualmente, para a instrução do requerimento dos benefícios sociais a conceder (cfr. artigo 5.°, parte final, do referido Decreto Regulamentar).

19 — Esta segunda condição de atribuição das prestações por morte não se apresenta como alternativa da primeira, nem pode com ela ser cumulada. Conjugando os n.M 1 e 2 do artigo 3.° do regulamento, resulta que deve ser intentada a acção com vista ao reconhecimento do direito de exigir alimentos da herança, e só no caso de este não vir a ser reconhecido por falta ou insuficiência da herança é que resta a possibilidade de interposição de um pedido de reconhecimento judicial da qualidade de titular das prestações por morte.

20 — Tal acção não é, pois, autónoma, mas antes subsidiária, da primeira, ainda que razões de economia processual abram a faculdade de serem os dois pedidos formulados na mesma acção, porque ficam respeitados os pressupostos do artigo 469." do Código de Processo Civil, nomeadamente os que concernem à coligação (artigos 30.° e 31.° idem, ex vi artigo 469.°, n.° 2).

21 —A acção para reconhecimento do direito a alimentos deve ser intentada no prazo de dois anos após a morte do cônjuge more uxoria, pois o direito em causa — que apenas pode ser exercido pela via judicial — caduca no termo do prazo mencionado.

22 — A segunda acção, em bom rigor, pode ser admitida a todo o tempo, dependendo, não obstante, do resultado da primeira, cuja improcedência tenha sido devida à escassez da herança.

23 — Expostas as considerações precedentes, importa assinalar alguns problemas que só a aplicação deste regime permitiu verificar.

24 — Na verdade, o direito conferido pelo Decreto-Lei n.° 322/90, de 18 de Outubro, apenas veio a ser desenvolvido no princípio do ano em curso, facto que suspensivamente condicionou a exequibilidade do seu exercício.

25 — Acontece que, à data da publicação do Decreto Regulamentar n.° 1/94, já nem sempre era possível o exercício do direito consagrado no artigo 8.°, n.° 1, do Decreto--Lei n.° 322/90, pese embora a circunstância de o citado Decreto Regulamentar ser aplicável, conforme sua expressa disposição, «às situações decorrentes de óbitos de beneficiários que se tenham verificado após a entrada em vigor do Decreto-Lei n." 322/90, de 18 de Outubro» (cfr. artigo 9.°).

26 — Em muitos desses casos, está ultrapassado já o prazo de caducidade fixado na lei cível para o exercício do direito a alimentos por conta da herança (prazo esse que é de dois anos), em virtude da regulamentação tardia do regime de prova e da definição das condições de atribuição.

27 — Assim, muitas pessoas vêem-se excluídas do sistema de protecção social, quando é certo que preenchem os requisitos legalmente estipulados para o efeito: basta que a morte do beneficiário tenha ocorrido nos primeiros anos de vigência do Decreto-Lei n.° 322/90, de 18 de Outubro, para que no momento cm que foram as conhecidas as condições de pagamento da pensão tenha

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já caducado o direito de exigir alimentos da herança do falecido, determinando a improcedência da acção interposta

com esse fim.

28 — E não se afirme, por outro lado, que subsiste a

possibilidade de interpor acção com vista ao reconhecimento da qualidade de titular do direito às prestações, nos termos do artigo 3.°, n." 2, , do Decreto Regulamentar n.° 1/ 94, de 18 de Janeiro, pois, embora não seja fixado um prazo de caducidade para o exercício do correspectivo direito, não foi'autonomizada a respectiva acção.

29 — A relação de subsidiariedade desta acção em relação à acção para obtenção de alimentos — já acima focada (vd. n.os 9 e ss.) — representa um obstáculo inexorável para todos aqueles que não exerceram em tempo o seu direito a alimentos, fazendo sobre os mesmos recair a tangencia do brocardo dormientibus non sucurrit jus, ao arrepio de qualquer manifestação de negligência da sua parte.

30 — Nem tão-pouco se poderá pretender que o poderiam ter feito independentemente da regulação específica e dos efeitos atribuídos pelo Decreto Regulamentar n.° 1/ 94. Em primeiro lugar, porque estes específicos efeitos

— como condição da atribuição das prestações sociais por morte — mais reforçam a necessidade de interposição da acção alimentar, cuja utilidade consequente não era conhecida nem razoavelmente previsível até à publicação do regulamento em 18 de Janeiro de 1994. Em segundo lugar, por não ser de descurar a hipótese de o não terem feito, precisamente, em razão da manifesta insuficiência

— ou mesmo, inexistência — de bens da herança para a

prestação de alimentos necessitada.

31 — Este segundo tópico merece, a meu ver, a maior atenção. Ao morrer o beneficiário em momento anterior ao conhecimento das vantagens consequentes ou reflexas da interposição da acção de alimentos, ou seja, antes da publicação do Decreto Regulamentar n.° 1/94, na falta de meios da herança para assegurar os mesmos alimentos, não é sequer exigível que aos interessados que tempestivamente tivessem exercido judicialmente o direito de alimentos. Todavia, é-lhes vedada, do mesmo passo, a hipótese de accionarem a instituição de Segurança Social competente para verem reconhecida a qualidade de titulares das prestações sociais — hipótese que Regulamento meritoriamente previu —, porquanto esta depende de prévia improcedência

do pedido de alimentos, não com fundamento na extinção

deste direito deste direito por caducidade, mas tão só, e exclusivamente, na falta ou insuficiência dos bens da herança, conforme dispõe o artigo 3.°, n.° 2, do Decreto Regulamentar n.° 1/94.

32 — Outra conclusão não se retira que seja a da exclusão das situações mais carenciadas — e, como tal, justificando maior protecção social — do âmbito de aplicação da norma contida no artigo 8, n.° 1, do Decreto--Lei n.° 322/90, de 18 de Outubro, sem, no entanto, se detectar qualquer expressa determinação nesse sentido por parte do legislador.

33 — Anteriormente à publicação do Decreto-Lei n o 322/90, de 18 de Outubro, contudo, a nossa ordem jurídica protegia já, ao nível social, as situações de facto análogas às dos cônjuges, por constitucionalmente se encontrarem cindidos o direito a constituir família e o direito a contrair casamento (artigo 36.°, n.° 1, da CRP).

34 — Refiro-me ao regime especial da protecção social dos servidores do Estado, em parte ainda vigente. Com efeito, o Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 142/73, de 31 de Março, veio receber

profunda alteração com a publicação do Decreto-Lei n." 191-B/79, de 25 de Junho. A redacção que este conferiu

do artigo 40.° do Estatuto alargou o sistema de protecção por morte aos cônjuges de facto, prevendo-se no respectivo n.° 1 que:

Têm direito à pensão de sobrevivência como herdeiros hábeis dos contribuintes, verificados os requisitos que se estabelecem nos artigos seguintes:

a) (...) as pessoas que estiverem nas condições do artigo 2020." do Código Civil.

35 — Os requisitos consistem na exigência de sentença judicial que fixe o direito a alimentos, nos termos do artigo 41.°, n.° 2, do Estatuto (na redacção do Decreto-Lei n.° 191-B/79, de 25 de Junho).

36 — A fixação dos requisitos (ou, se se preferir, das condições de atribuição das pensões de sobrevivência a cônjuges de facto) permitiu à Jurisprudência, por comparação do regime especial dos servidores do Estado com o regime geral da Segurança Social entender como suficiente a interposição de uma acção de simples apreciação com vista ao reconhecimento do direito a alimentos, independentemente do decurso do prazo de caducidade previsto na lei cível.

37 — É ilustrativo do quanto ficou exposto no parágrafo anterior o Acórdão de 16 de Março de 1989, da Relação de Évora (Secção Cível), publicado na* Colectânea de Jurisprudência (1989, JJ, pp. 274 e ss.) em cujo sumário, da autoria de João Augusto M. Ribeiro Coelho, se pode ler:

I — O reconhecimento da existência de direito a alimentos nos termos do artigo 2020° do C. Civil, com vista à obtenção de pensão de sobrevivência a cargo da Previdência, não está sujeito a prazo de caducidade e a acção deve ser proposta contra a instituição de previdência.

38 — Com algum desenvolvimento, considerou aquele Tribunal superior que:

Dispõe o n." 1 do artigo 2020° do C. Civil que «aquele que no momento da morte de pessoas não casada viva com ele há mais de dois anos em condições análogas ás dos cônjuges, tem direito a exigir alimentos da herança do falecido se os não puder obter nos termos das alíneas a) e b) do artigo 2009». E dispõe o n." 2 que o direito caduca se não for exercido nos dois anos subsequentes à data da morte do autor da sucessão.

Consequentemente, se fosse pretensão da A. exigir alimentos da herança do falecido, é óbvio que o respectivo direito teria sido atingido pela caducidade por ter sido exercido mais de dois anos depois da data da morte do autor da sucessão. Mas como a A. pede tãô-somente que se declare que tem direito a alimentos por .ter vivido com o falecido João Assunção em condições análogas às dos cônjuges durante mais de dois anos, é óbvio que o respectivo direito se não mostra atingido pela caducidade.

(...)

Nos termos do artigo 41.' do Decreto-Lei n. ° 142/ 73, de 31/3, «aquele que no momento da morte do contribuinte estiver nas condições previstas no artigo 2020." do C: Civil só será considerado herdeiro hábil, para efeitos de pensão de sobrevivência, depois

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de sentença judicial que lhe fixe o direito a alimentos. Mas é óbvio que esta sentença, referindo-se à relação jurídica de que são sujeitos o beneficiário e a Caixa de Previdência, tem de ser proferida numa acção que oi." intente contra a 2."

39 — Este entendimento jurisprudencial, porque circunscrito a diverso quadro normativo, não pode ser transposto, sem mais, para a interpretação e aplicação dos artigos 3.° e 5." do Decreto Regulamentar n.° 1/94, de 18 de Janeiro.

40 — Com efeito, a disposição contida no artigo 3.°, n.° 1, do citado Decreto Regulamentar remete expressamente para a acção alimentar prevista no artigo 2020.° do Código Civil, sendo que esta acção — destinada a exigir alimentos da herança — não pode deixar de ter em conta o decurso do-prazo de caducidade. Ao invés, a formulação do artigo 41.°, contempla apenas uma acção de simples apreciação do direito a alimentos para o efeito de ser atribuída prestação social por morte.

41 — Relativamente à acção de reconhecimento da qualidade de titular das prestações — admitida no artigo 3.°, n.° 2, do regulamento —, porque desprovida de autonomia em face da procedência da acção alimentar (já que deverá ser intentada apenas na hipótese de esta improceder por falta ou insuficiência dos bens da herança e não igualmente pelo facto de o insucesso da referida acção se dever à caducidade do próprio direito de pedir alimentos), não é apta para acautelar os direitos de aqueles que, no desconhecimento dos benefícios que tal poderiam decorrer, não exerceram tempestivamente o seu direito de exigir alimentos.

42 — Importa precisar aqui que a referência ao desconhecimento dos benefícios e correspectivas exigências tem em vista apenas aqueles casos em que o óbito do contribuinte ocorreu entre a entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 322/90, de 18 de Outubro, e a do Decreto Regulamentar n.° 1/94, de 18 de Janeiro.

43 — Não se trata pois, de ignorância da lei — que a ninguém aproveita —, mas de naturalíssima falta de previsão do que a lei viria a dispor no futuro.

44 — A injustiça resultante é bem visível e, certamente não desejada nem prevista pelo legislador: todos os que viviam em união de facto há mais de dois anos com um contribuinte da Segurança Social, ocorrida a morte deste após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 322/90, de 18 de Outubro, passaram a beneficiar do direito a uma prestação periódica. Todavia, nem todos podem exercer o seu direito, em razão do simples facto de não terem sido,

em devido tempo, regulamentadas as condições do seu conhecimento. Gerada ficou, pois, uma situação injustificada de desigualdade entre os potenciais beneficiários de um direito" que a ordem jurídica, à luz de valores constitucionais, houve por bem conceder.

45 — De acordo com o que vem sendo exposto, entendo dever interceder, de novo, sobre esta matéria, no seguimento da minha Recomendação de 29 de Dezembro p. p. sobre a necessidade de regulamentação do artigo 8.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 322/90, de 18 de Outubro.

46 — Na verdade, e como se vê, aquela minha Recomendação apenas parcialmente foi acatada pela publicação do Decreto Regulamentar n.° 1/94, de 18 de Janeiro, na medida em que continuam a verificar-se situações em que, existindo um direito conferido pelo Decreto-Lei n.° 322/90, tal direito não pode ser exercido por falta de (adequada e completa) regulamentação.

• n

Conclusões

Invocando a atribuição que a Constituição (artigo 23.°, n.° 1) confia ao Provedor de Justiça, no sentido da prevenção e reparação de injustiças, entendo por bem, no uso do poder que me é conferido pelo artigo 20.°, n.° 1, alínea a) da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, recomendar:

A publicação de uma norma transitória que habilite aqueles que por via do artigo 8.° do Decreto--Lei n.° 322/90, de 18 de Outubro, passaram a beneficiar do direito a pensão por morte do cônjuge de facto ao exercício desse mesmo direito quando a morte tenha ocorrido antes da publicação do Decreto Regulamentar n.° 1/94, de 18 de Janeiro, através de interposição autónoma de acção judicial contra a - competente instituição de Segurança Social para reconhecimento do direito a alimentos, ainda que tenha caducado o direito de os pedir judicialmente à herança.

94.10.20 R-2985/90

A Sua Excelência o Presidente da Assembleia da República:

1 — O regime jurídico da nulidade da inscrição na segurança social encontra-se regulado nos artigos 22.° e 41.°-C, n.° 4, da Lei n.° 28/84, de 14 de Agosto.

O artigo 22.° daquela Lei comina com a sanção de nulidade as inscrições feitas sem observância dos respectivos requisitos materiais, dispondo o artigo 41.°, n.° 4, que declaração da nulidade pode ser feita a todo o tempo mas só produz efeitos retroactivos até ao limite do prazo de revogação referido no n.° 3 do mesmo preceito, ou seja, no prazo previsto pela lei geral para os actos constitutivos de direitos.

2 — Este último preceito contém alguns aspectos próprios do regime geral da nulidade, afirmando a sua natureza declarativa e a possibilidade de a declaração de nulidade ser feita a todo o tempo.

Afasta-se, no entanto, daquele regime, enquanto a produção de efeitos não opera ex tunc (nos termos gerais) mas a partir do início do ano imediatamente anterior à declaração de nulidade, aproximando-se, nesta matéria, mais do regime geral instituído para a revogação dos actos

inválidos.

3 — O regime estabelecido terá sido instituído tendo em atenção as situações em que, para além do pagamento das contribuições correspondentes à segurança social terá havido também prestações desta a favor dos beneficiários.

De facto, se a declaração de nulidade operasse ex tunc, deixaria de haver qualquer título legal justificativo da atribuição de prestações, devendo o beneficiário repor todas as prestações recebidas.

A lei atenua, porém, os seus efeitos dispondo que o beneficiário só será obrigado a repor as prestações que tenham sido recebidas no ano imediatamente anterior à data da declaração de nulidade.

4 — Nos casos em que a declaração de nulidade tem efeitos exclusivos quanto à inscrição e não também quanto às prestações já recebidas pelo beneficiário em consequência de tal inscrição, o regime previsto no artigo 41. °,

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n.° 4, é mais desvantajoso pois, neste caso, a lógica e a justiça deveriam obrigar a administração da segurança social a devolver aos beneficiários as contribuições na sua totalidade.

5 — Considerando que a actual formulação do artigo 41.° da Lei n.° 28/84, não permite a interpretação auras referida, impõem-se a alteração do preceito opor forma a incluir na sua previsão as situações em que há simples declaração de nulidade da inscrição e ao beneficiário não foram atribuídas quaisquer prestações decorrentes de tal inscrição.

Nestes casos, a produção de efeitos deveria ser sempre ex tunc, com a a obrigação de a administração da segurança social restituir integral e oficiosamente as contribuições pagas.

Perante o exposto, ao abrigo do preceituado no artigo 20.°, n.° 1, alínea b), da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril formulo a Vossa Excelência a seguinte recomendação:

Que o artigo 41.°, n.° 4, da Lei n.° 28/84, de 14 de Agosto seja alterado nos seguintes termos:

1 — A declaração de nulidade da inscrição pode ser feita a todo o tempo:

a) Nos casos em que tenha havido já concessão de prestações, a declaração só produz efeitos retroactivos até ao limite do prazo de revogação referidos no número anterior;

b) Nos restantes casos, a declaração produz efeitos à data do início das contribuições, devendo a Administração restituir integral e oficiosamente as contribuições pagas.

94.10.11 R-2481/93

A Sua Excelência o Presidente da Assembleia da República:

Foi solicitada a minha intervenção no sentido de obviar à manutenção de uma situação de manifesta desigualdade de tratamento entre contribuintes que, como se comprovará adiante, de encontram em idêntica situação no que toca ao cumprimento das obrigações declarativas no âmbito do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS).

Trata-se da questão da entrega das declarações anuais de IRS pelos contribuintes que se encontram separados de facto.

No caso concreto exposto à Provedoria de Justiça, um dos cônjuges, na sequência da separação de facto, optou por passar a entregar declaração dos seus próprios rendimentos, nos termos do disposto no artigo 59.", n." 2, do CIRS, enquanto o outro, por ter sido afectado de doença incapacitante a 100%, veio a ser, de facto, integrado no agregado familiar de seus pais, dos quais depende física e, em parte, materialmente, uma vez que aufere rendimentos inferiores ao salário mínimo nacional wtòis elevado.

Esta dependência factual do cônjuge separado de facto em relação ao agregado familiar de seus pais, levou a que estes o incluíssem, durante alguns anos, na respectiva declaração anual de rendimentos, como seu dependente,

uma vez que o mesmo não fazia, de facto, parte de qualquer outro agregado familiar.

Porque a questão não se apresentava clara e pretendendo esclarecer quaisquer dúvidas acerca da bondade deste entendimento, dirigiram os pais do deficiente em causa, à Direcção de Serviços do IRS, exposição no sentido de clarificar a mesma e obter uma resposta afirmativa da administração fiscal quanto à possibilidade de o cônjuge deficiente continuar a ser incluído na declaração de seus pais, como dependente.

Tal pretensão viria a ser indeferida, por despacho de 31.05.93, do Ex.™1 Senhor Subdirector-Geral das Contribuições e Impostos, «com base na conjugação do disposto na alínea a) do n.° 3 do artigo 14.° do CIRS com o disposto no n.° 6 do mesmo artigo ...».

Atendendo a que a mera invocação destas disposições legais se revelava insuficiente para a compreensão de uma decisão com a importância da que, por esta forma, se tomava, tanto mais que a informação sobre a qual fora exarado o despacho (inf. n.° 383/93, processo n.° 883/93 dá Direcção de Serviços do IRS) era no sentido do deferimento do pedido do Reclamante, solicitou a Provedoria de Justiça ao Exmo. Senhor Director-Geral das Contribuições e Impostos esclarecimentos adicionais àquela informação, tendo sido remetido a este Órgão do Estado, em resposta, o ofício cuja fotocópia se anexa e que, efectivamente, aborda já a questão de forma mais elaborada.

A interpretação sistemática dos artigos 14." e 59." do CIRS defendida pela Administração Fiscal neste documento não merece reparo.

Em bom rigor, nenhum dos dois artigos estipula, directa ou indirectamente, que a separação de facto tem como consequência, para efeitos de tributação, a dissolução do agregado familiar, admitindo-se, tão só, o recurso ao expediente consagrado no artigo 59.°, n.° 2, a fim de facilitar o cumprimento das obrigações declarativas dos contribuintes separados de facto.

Deste modo, o preenchimento e entrega das declarações anuais de IRS será efectuado pela forma que se apresente mais fácil e que melhor traduza a real situação de cada um, continuando a permitir-se a entrega de uma declaração conjunta mas também, em alternativa, a entrega de declarações autónomas, uma vez que, no plano da realidade factual, cada cônjuge se apresenta como um sujeito passivo

autónomo, sem qualquer vínculo de facto que justifique a.

entrega de uma só declaração conjunta.

Certo é, porém, que a situação dp separado de facto a que tenho vindo a fazer referência não foi contemplada pelo legislador. Este, tendo resolvido a questão dos agregados familiares dissolvidos de facto, mas não de direito, nos casos em que os cônjuges podem agir como contribuintes sujeitos a tributação autónoma, permitindo-lhes entregar declarações independentes, não previu hipótese de algum dos cônjuges — ou ambos — poder agir, em termos de obrigações declarativas, como se de um dependente se tratasse e ser, portanto, incluído na declaração de outro agregado familiar, enquanto dependente.

Nesta situação estão, para além do contribuinte a que tenho vindo a fazer referência, todos os separados de facto que reúnam as condições previstas nas alíneas b) e c) do n.°4 do artigo 14.° do CIRS, uma vez que as restantes alíneas prevêem situações não compatíveis com a separação de facto (menores não emancipados e menores sob tutela).

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Não deixará, certamente, Vossa Excelência de concluir, como eu próprio, que a referência do artigo 59.°, n.° 2, do CIRS aos separados de facto peca por defeito ao permitir apenas aos cônjuges que auferem rendimentos susceptíveis de tributação autónoma a facilidade de entrega de declarações separadas, esquecendo aqueles que, pela situação particularmente difícil em que se encontram, acabam por ser, de facto, reintegrados no agregado familiar ao qual, afinal, pertenceriam se não fossem casados.

Esta situação de desigualdade de tratamento dos contribuintes separados de facto, sendo consequência de factores que não justificam tratamento diferenciado, ou melhor, que a justificarem tratamento diferenciado seria em benefício daqueles que física e materialmente não podem subsistir sem a ajuda de terceiros, razão pela qual o Código prevê a possibilidade de serem considerados dependentes, esta situação de desigualdade manifesta, dizia, não só não tem qualquer fundamento, como não é irremediável.

Pelo exposto, Recomendo a Vossa Excelência que diligencie no sentido de ser alterada a actual redacção do artigo 59.°, n.° 2, do CIRS, de modo a que passem a ser - aí previstos, para além dos casos que actualmente o texto do artigo refere, aqueles que não podem ter sido omitidos senão por manifesto lapso do legislador fiscal.

A fim de melhor esclarecer o verdadeiro sentido desta minha Recomendação, permito-me sugerir a Vossa Excelência a redacção que, salvo melhor opinião, julgo traduzir mais claramente o objectivo da alteração proposta:

Artigo 59." do CIRS

1— ........................................................................

2 — Havendo separação de facto, cada um dos cônjuges pode apresentar declaração dos seus próprios rendimentos e dos rendimentos dos dependentes a seu cargo, ou ser incluído na declaração apresentada por outro agregado familiar, como dependente, caso reúna os requisitos previstos nas alíneas b) ou c) do n.° 4 do artigo 14.°

3 — Quando os cônjuges optem por apresentar declaração dos seus próprios rendimentos e dos rendimentos dos dependentes a seu cargo, observar-se-á o seguinte:

á) Os abatimentos referidos no n.° 2 do artigo 55.° não podem exceder os menores dos limites nele previstos;

b) Não é aplicável o disposto no artigo 72.°;

c) Cada um dos cônjuges terá direito à dedução a que se refere a alínea b) do n.° 1 do artigo 80.°

Só assim se alcançará, estou certo, não só a indispensável igualdade de tratamento de situações que, no que ao caso interessa, se apresentam idênticas, como a sempre desejável aproximação entre os regimes aplicáveis a cada caso e a situação de facto que lhe está subjacente.

Nesta data, remeto a Sua Excelência o Primeiro-Mi-nistro e a Sua Excelência o Ministro das Finanças Recomendação análoga à presente, em cumprimento do disposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 20.° da Lei n.° 9/ 91, de 9 de Abril.

94.10.14 R-l 954/94

A Sua Excelência o Secretário de Estado do Ensino Superior:

Foi-me apresentada uma queixa pela Associação de Estudantes do Instituto Superior de Contabilidade e Administração do Porto, relacionada com o não cumprimento, por parte do Instituto Politécnico do Porto, do disposto no artigo 2.°, do Decreto-Lei 524/73, de 13 de Outubro, e do disposto no artigo 2.°, n.° 1, da Lei n.° 54/ 94, de 14 de Março.

Atendendo à urgência na resolução do problema e o teor dos ofícios apresentados pela citada Reclamante (o ofício IPP/CI. 853/93. de 12.10.93, do Instituto Politécnico do Porto, e o ofício n.° 5332, Ent». 5362, Proc.° 12-7.1/93.101, de 20.12.1993, do Chefe de Gabinete de Sua Excelência o Secretário de Estado do Ensino Superior), considerou--se dispensável a observância do disposto no artigo 34.°, da Lei n.°9/91, de 9 de Abril.

O Instituto Politécnico do Porto, com base na proposta feita à Secretaria de Estado do Ensino Superior e que mereceu despacho de concordância do dia 15 de Dezembro de 1993, tem entendido que os Cursos de Estudos Superiores Especializados são Cursos de pós-graduação e, como tal, sujeitos somente ao disposto no artigo 8.° da Lei n.° 5/94, de 14 de Março.

Além disso, o Instituto Politécnico do Porto também considera que a criação dos Cursos de Estudos Superiores Especializados está condicionada ao seu autofinanciamento, entendendo, por isso que a legislação relativa ao sistema de propinas não se aplica na parte que diz respeito à redução ou isenção das mesmas.

Esta posição tem consequências que levam ao incumprimento do disposto no artigo 2.°, do Decreto-Lei n.° 524/ 73, de 13 de Outubro, e do disposto no artigo 2.°, n.° 1, da Lei n.° 5/94, de 14 de Março, o que não parece possível, tendo-se ignorado as situações que, devidamente justificadas, merecem o. benefício da redução ou isenção de propinas nos termos da legislação vigente.

Foram-me apresentados casos concretos de agentes de ensino que se matriculam nos Cursos de Estudos Superiores especializados, sem lhes ter sido concedida a isenção de propinas ao abrigo do artigo 2.°, 'do Decreto--Lei n.° 524/73, de 13 de Outubro, diploma este ainda não revogado, bem como de alunos beneficiários de bolsas de estudo no ano lectivo de 1993/94, mas que foram sujeitos ao pagamento de propinas para a frequência dos Cursos de Estudos Superiores Especializados, o que colide-com o disposto no artigo 2.°, n.° 1, da Lei n.° 5/94, de 14 de Março.

Julgo não ser necessário aduzir mais argumentação já que a questão do não cumprimento dos regimes de isenção de propinas foi objecto de discussão atempada, tendo em conta os casos ocorridos a nível do ensino universitário (nos últimos dois anos lectivos) e para cuja resolução contribuiu o pareceT n.° 21/93, da Procuradoria--Geral da República (publicado noD/f, II Série, n.° 245, de 19.10.93, e homologado por Despacho do dia 25/05/ 1993, de Sua Excelência o Secretário de Estado do Ensino Superior).

Ao que apurei, o procedimento do Instituto Politécnico do Porto não é seguido nos restantes Institutos Politécnicos do Pais.

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Nestes termos e ao abrigo do artigo 20.° da Lei n.° 9/ 91, de 9 de Abril, formulo a Vossa Excelência a seguinte recomendação:

Que seja cumprida a legislação vigente relativa ao sistema de propinas, em especial no que concerne à sua isenção, nomeadamente no caso concreto de alunos beneficiários de bolsas de estudo (ao abrigo do disposto no artigo 2.°, n.° 1, da Lei n.° 5/94, de 14 de Março) e no caso concreto de agentes de ensino (ao abrigo do disposto no artigo 2.°, do Decreto-Lei n.° 524/73, de 13 de Outubro), que se matricularam nos Cursos de Estudos Superiores Especializados.

94.10.14 R-2218/92

Ex.mo Senhor Director-Geral dos Serviços Prisionais:

I

Na sequência de uma queixa apresentada por um grupo de reclusos, determinei inspecção ao Estabelecimento Prisional de Caxias, tendo-se realizado visitas, ainda em Maio de 1994 à Secção de Regime Aberto de Monsanto e ao Hospital S. João de Deus, visando o funcionamento em geral e, em particular, as circunstâncias do falecimento de um recluso, cuja morte por enforcamento se verificou em 03.08.92.

n

Quanto ao funcionamento em geral dos ditos estabelecimentos, atingiram-se as conclusões seguintes:

1) Manifesta sobrelotação de reclusos e falta de pessoal, que abrange guardas, educadores, mestres de oficina e psicólogo. Particularmente grave é a falta de um médico e um enfermeiro que assegurem a assistência durante as horas para além do expediente, nas férias e feriados, no Estabelecimento Prisional de Caxias.

2) Falta de espaço e de instalações suficientes, encontrando-se os detidos preventivos e os condenados a conviver nas mesmas celas e camaratas.

3) Gestão descentralizada que deixa nos reclusos a imagem de anarquia e de falta de autoridade e conduz a demasiada demora no acesso dos mesmos ao director e à informação sobre os seus requerimentos e pretensões.

4) Falta de estruturação das oficinas e actividade, designadamente por não haver orientação da produção para o exterior nem salários próximos do valor da lei da oferta e da procura.

5) A secção de regime aberto do Monsanto encontra-se em funcionamento virado à ressocialização é reinserção, mas com um total de 23 reclusos, aquém da ocupação plena da capacidade de 60 (30 para o exterior e 30 para o interior).

6) O Hospital S. João de Deus funciona de forma aceitável e globalmente positiva, mas verifica-se a inexistência de um sector próprio para as mulheres; a direcção queixa-se da falta de pessoal de vigilância e administrativo e assinala a carência das instalações.

7) A proximidade do Hospital S. João de Deus e Estabelecimento Prisional de Caxias não tem proporcionado vantagens recíprocas e para o sistema prisional em geral.

m

Quanto à morte do recluso concluiu-se que:

1) O referido, após se encontrar em liberdade condicional, foi colocado em prisão preventiva no E.P. de Caxias em 17.07.92, por transferência do E.P. da Polícia Judiciária, vindo a obter várias consultas de clínica geral e psiquiátrica, e a ser sujeito a exames radiológicos, revelando--se como notório toxicodependente, profundo e antigo, muito exigente, em permanente agitação e ansiedade.

2) Em 27.07.92 foi à consulta de psiquiatria, e ensaiou uma tentativa de evasão e foi levado ao Hospital de S. Francisco Xavier, ainda no mesmo dia, queixando-se de ter engolido objectos, o que se revelou ser falso.

Sem ouvir o detido, a directora em exercício (por o titular se encontrar de férias) Maria da Piedade Martins, aplicou-lhe a «medida de internamento em cela de habitação por 10 dias», impondo-lhe o pagamento de 1000$ pela deslocação injustificada ao hospital.

3) Em 29.07.92, no Hospital S. João de Deus, tentou evadir-se e foi recapturado no exterior.

4) No dia 03.08.92, de manhã, ouvido no inquérito pela tentativa de evasão, declarou:

Sente-se mal em recintos fechados, sente medo e foge das pessoas que o rodeiam; que se sente mal neste estabelecimento... Referiu, ainda, que o melhor que lhe podia ter acontecido era ter levado um tiro, para não estar de novo preso.

5) No dia 03.08.92, pelas 17 horas e30 minutos, o recluso apareceu pendurado de um retalho de lençol, suspenso da grade da janela da cela, morto, depois de 7 (sete) dias de isolamento, sem qualquer assistência médica.

No próprio dia, gritou pedindo um médico, durante várias horas e engoliu um cabo de colher, como forma de protesto, por não ser clinicamente assistido.

6) O recluso não foi informado do resultado de vários pedidos que formulou para mudar para o Estabelecimento Prisional de Lisboa, assim como do desfecho de um protesto contra as condições da assistência médica.

7) Não tendo sido examinado, nem antes, nem durante os sete dias de internamento, por qualquer médico, nem tendo sido ouvido pela dita subdirectora quanto à medida de internamento, sofrida em situação de grande ansiedade e depressão, pode concluir-se que a direcção praticou uma dupla ilegalidade (violação das prescrições dos artigos 131." e 137.° do DL n.° 265/79, de 1/8).

8) É ilegal, por violar o comando do artigo 137° do DL n.° 265/79, de 1/8, o entendimento da direcção, então em exercício no E.P. de Caxias,

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ao ter como dispensável a audiência do médico e por ter omitido assistência clínica antes e durante o isolamento.

9) A morte do recluso verificou-se no quadro de ansiedade e depressão provocado pelo isolamento em cela individual durante sete dias e sem qualquer assistência médica.

10) Considera-se que os factos integram, por parte da direcção do estabelecimento, a prática de infracção disciplinar prevista no artigo 24.° n.° 1, alínea e), do Estatuto Disciplinar, amnistiada por força do artigo 1.°, alínea j), da Lei n.° 15/94, de 11/5.

Acresce que a dita subdirectora Maria Piedade Martins não terá responsabilidade agravada já que não se apurou o nexo causal entre a omissão dos deveres funcionais e o resultado.

Face à prova produzida é conclusões enumeradas, quanto ao funcionamento em concreto dos três estabelecimentos prisionais centrados em Caxias e à actuação a ter lugar em casos de isolamento e morte de reclusos, e ao abrigo da competência que me é conferida pelo artigo 20.°, n.° 1, alínea a),'da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, formulo a Vossa Excelência a seguinte recomendação:

1." Que se proceda à separação entre reclusos condenados e preventivos, cumprindo-se o disposto no artigo 210.°, n.° 5, do DL n.° 265/79, de 1/8.

2.' Que se torne obrigatória e efectiva a informação ao detido, em 24 horas, sobre os despachos, deliberações ou decisões que o afectem e, em cinco dias, sobre o andamento das petições apresentadas.

3.* Que seja colocado pessoal em número suficiente nos Estabelecimentos Prisionais de molde a assegurar o horário para além do expediente, faltas, fins de semana e férias, designadamente directores, subdirectores, guardas, educadores, mestres de oficina e psicólogo, além de um médico e enfermeiro em serviço permanente.

4.' Que seja aproveitada a proximidade entre o Estabelecimento Prisional de Caxias e o Hospital S. João de Deus, com -vantagens recíprocas, para aquele receber os reclusos em tratamento ambulatório neste, assim libertando camas, fornecendo--lhe este Hospital médico e enfermeiro permanentes por forma a economizar meios ao sistema prisional.

5.' Que seja encarada a possibilidade de activar e pôr em funcionamento o pavilhão gémeo do reduto norte para suprir a falta de instalações do Estabelecimento Prisional de Caxias, destinado a criação de novos espaços administrativos e actividades de reclusos e proporcionar a abertura de refeitório e sala de convívio.

6.' Que seja criada uma secção feminina no Hospital S. João de Deus e particularmente no anexo psiquiátrico.

7.' Que seja ocupada, segundo adequados critérios, com um número não inferior a 60 reclusos (30 exteriores e 30 interiores) a secção de regime aberto de Monsanto, por esta ser a capacidade desejada para um bom funcionamento adequado.

8.* Que sejam esclarecidos os directores e seus substitutos da necessidade de cumprir o seguinte:

a) Em relação aos presos preventivos, a colocação em isolamento só dever ocorrer mediante ordem de incomunicabilidade do magistrado que tenha assinado o mandado de internamento, conforme decorre do disposto no artigo 211.°, n.° 1, alínea a), do DL n.° 265/79, de 1 de Agosto;

b) No caso de algum recluso vir a falecer, dever proceder-se a comunicação nos termos dos artigos 470.°, n.° 1, e 478.° do Código de Processo Penal ao Tribunal competente para a exaustão da pena que o Tribunal competente para a execução da pena que é, em princípio, o Tribunal da aplicação da medida ou que tenha sido proferida a condenação;

c) No caso de aplicação de medida de incomunicabilidade, isolamento ou disciplinar de internamento deve previamente chamar-se o médico a fim de ter lugar a sua audição prévia escrita e, posteriormente, prestar controlo clínico diário rigoroso de acordo com os artigos 137.° e 211.° do DL n.° 265/79, de 1/8, e 38.° das Regras Penitenciárias Europeias adoptadas pela Recomendação R(87) 3 do Conselho da Europa.

(Recomendação acatada parcialmente.)

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Ex.™ Senhor Director-Geral das Contribuições e Impostos:

1 — No âmbito do processo acima referenciado, foi realizada pela Provedoria de Justiça uma inspecção aos Departamentos de Justiça Fiscal das Direcções Distritais de Finanças de Lisboa e de Faro, da qual resultou o Relatório que junto envio para conhecimento de Vossa Excelência.

2 — Esse Relatório traz à luz diversos casos de incumprimento da lei, de deficiente organização e de mau funcionamento dos serviços, de que resultam inequívocas e graves violações dos direitos dos contribuintes (para além de eventual má utilização de recursos públicos). É uma situação a que urge por cobro.

3 — Nestes termos, dado o exposto nesse Relatório, e por remissão para os seus pontos abaixo discriminados, e ao abrigo do disposto no artigo 20.°, n.° 1, alínea o), da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, recomendo o seguinte:

a) Pontos 2.1., 2.2.1. e 3.2.1.. do Relatório: Recomendo que sejam tornados compatíveis os organogramas funcionais das Direcções Distritais de Finanças de Lisboa e de Faro com o disposto no Decreto-Lei n.° 408/93, de 14 de Dezembro;

b) Ponto 2.2:1. do Relatório: Recomendo que seja imediatamente publicado o despacho de delegação de competências do Director Distrital de Finanças de Lisboa no Director de Finanças responsáve/

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pela Divisão de Justiça Tributária, ratificando-se todos os actos invalidamente praticados desde i de Março de 1994;

c) Pontos 2.2.3. e 3.2.3. do Relatório: relativamente ao ficheiro geral dos processos, Recomendo que seja criado e disponibilizado a todas as repartições de finanças, direcções distritais de finanças e Serviços Centrais um programa informático que possibilite ter um ficheiro geral de todos os processos que contenha todos os elementos necessários à sua gestão;

d) Ponto 2.2.3. do Relatório: quanto à inexistência, na Divisão de Justiça Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, de uma máquina que atribua números sequenciais ao expediente, recomendo que a mesma venha a ser rapidamente disponibilizada;

e) Ponto 2.2.3. do Relatório: quanto à ausência de acesso da Divisão de Justiça Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa ao sistema de informação da DGCI, recomendo que o mesmo seja ali rapidamente instalado;

f) Pontos 2.2.4., 2.5. e 3.5. do Relatório: Recomendo que, na Divisão de Justiça Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, seja criado, com carácter de urgência, um espaço próprio e adequado ao atendimento de contribuintes, e que o existente na Direcção Distrital de Finanças de Faro seja reforçado no número de funcionários que ali prestam serviço;

g) Pontos 2.4. e 3.4. do Relatório: Recomendo a afectação de mais funcionários licenciados às Áreas da Justiça Tributária, se necessário por recrutamento através de concurso externo, e um empenhamento na realização de cursos de formação profissional nas matérias objecto dos processos administrativo e contencioso tributários;

h). Pontos 2.7. e 3.7. do Relatório: Recomendo a execução de um programa informático que torne possível a obtenção de informação credível relativa aos saldos dos processos e que forneça informações efectivamente relevantes e imprescindíveis à gestão e administração tributárias (tipo de processo, imposto, montante, ano, unidade orgânica, estado do processo, etc); recomendo ainda que seja executado um programa extraordinário de recuperação dos saldos alarmantes dos processos de reclamação graciosa que existem nas direcções distritais de finanças e que aguardam decisão ou a sua concretização informática;

i) Pontos 2.6., 2.8., 3.6. e 3.8. do Relatório: Recomendo que a DGCI faça um estudo sobre os motivos que mais levam os contribuintes a reclamar e que possibilite a criação de formas expeditas de os resolver;

j) Pontos 2.8., 3.8., 2.12. e 3.12. do Relatório: Recomendo a criação de mecanismos de controlo de cumprimento dos prazos constantes do Código do Processo Tributário, no que se refere à decisão das reclamações graciosas e, sobretudo, ao envio para os tribunais tributários das impugnações judiciais;

k) Ponto 3.6. do Relatório: Recomendo que, paulatinamente e dentro das limitações orçamentais da

DGCI, seja feito um claro esforço no sentido de equipar os serviços locais com terminais informáticos de acesso à rede de informação da DGCI.

94.10.12 IP-39/94

A Sua Excelência o Presidente da Assembleia da República:

1 —No âmbito do processo acima referenciado, foi realizada pela Provedoria de Justiça uma inspecção aos Departamentos de Justiça Tributária das Direcções Distritais de Finanças de Lisboa e de Faro, da qual resu/tou o Relatório que junto envio para conhecimento de Vossa Excelência.

Tem a presente Recomendação por base o referido nos pontos 2.7., 2.8.; 3.7. e 3.8. do referido Relatório.

2 — Entre muitos outros factos, a inspecção promovida pela Provedoria de Justiça aos Departamentos de Justiça Tributária das Direcções Distritais de Lisboa e de Faro veio revelar que as alterações introduzidas pelo Código do Processo Tributário, em vigor desde 1 de Julho de 1991, no que respeita ao processo de decisão das reclamações graciosas de actos tributários, provocaram uma acumulação enorme de processos nas direcções distritais de finanças, onde aguardam decisão durante muitos meses.

Tudo porque se entendeu preferível que a competência para a prática deste acto passasse dos chefes das repartições de finanças — cerca de 300 em todo o País — para os directores distritais de finanças — apenas 23.

Compreende-se a intenção do legislador, ao pretender que a decisão de um processo de reclamação tivesse uma qualidade acrescida, decorrente do menor número e da maior habilitação dos funcionários envolvidos no processo decisório. Simplesmente, mais de três anos passados sobre aquela alteração, os resultados são, para o Provedor de Justiça, muito preocupantes, atendendo ao saldo destes processos nas direcções distritais de finanças — número que, desde 1989 até à presente data, subiu.de forma alarmante—, e às inadmissíveis demoras na decisão de processos que na esmagadora maioria das situações são de uma enorme simplicidade..

Prova disto é que nos Departamentos de Justiça Tributária das Direcções Distritais de Finanças de Lisboa e de Faro o tempo médio durante o qual um processo aguarda decisão é de, respectivamente, 14 meses e 7 meses.

Atente-se ainda que, entre Dezembro de 1989 e Maio de 1994, na primeira unidade orgânica o saldo dos processos pendentes subiu cerca de 7758% (ou 1000%, consoante os dados que estejam correctos), e na segunda este aumento foi de 753%.

Por outro lado, nenhum processo foi decidido dentro do prazo de 90 dias após o qual a reclamação se considera tacitamente indeferida.

O processo decisório criado revelou-se manifestamente muito moroso e demasiado burocrático, quando, afinal, é o próprio Código do Processo Tributário, na alínea a) do artigo 96.°, a impor como regra fundamental do processo gracioso de reclamação a «simplicidade dos termos e brevidade das resoluções».

3 — Nestes termos, e ao abrigo do disposto no artigo 20.°, n.° 1, alínea b), da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril,

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Recomendo a Vossa Excelência que seja alterada a norma contida no artigo 99.° do Código do Processo Tributário, no sentido de a entidade competente para a decisão dos processos de reclamação graciosa ser, pelo menos na maioria das situações, o chefe da repartição de finanças da área do domicílio ou sede do contribuinte ou da situação dos fc>e.T\s.

A alteração legislativa pode, sem deixar de atingir os seus objectivos, ser feita de diferentes modos:

Através da atribuição de competência própria, em todas ou algumas situações, aos chefes das repartições de finanças;

Através de delegação de competências dos directores distritais de finanças nos chefes das repartições de finanças, que poderá abranger todas ou algumas decisões.

Na hipótese de se optar pela atribuição aos chefes das repartições de finanças de competências próprias ou delegadas para a decisão de apenas alguns processos de reclamação graciosa, o montante do imposto liquidado, o montante do imposto objecto de reclamação, ou a natureza dos rendimentos, poderão constituir elementos para a delimitação dessa competência. Por exemplo, se os chefes das repartições de finanças tivessem competência para decidir as reclamações graciosas da liquidação do IRS — modelo 1 (rendimentos do trabalho dependente) —, poderiam desde logo ser resolvidas 70% das reclamações existentes e que presentemente se acumulam nas direcções distritais de finanças.

Por outro lado, ainda que se admitisse recurso das decisões dos chefes das repartições de finanças para os directores distritais de finanças, estes sempre veriam a sua tarefa muita aligeirada, na medida em que, como refere o Relatório, a esmagadora maioria das reclamações são decididas em sentido favorável ao contribuinte, pelo que delas não será interposto recurso.

4 — Nesta data foram enviadas a Sua Excelência o Primeiro-Ministro e a Sua Excelência o Ministro das Finanças Recomendações idênticas à presente.

94.11.09 IP-17/93

A Sua Excelência o Ministro das Finanças:

Recomendação n.* 169/94

(Art.° 20.", n.° 1, al. b), da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril)

1 — Em 16.10.89 foi publicado o Decreto-Lei n.° 353--A/89, estabelecendo o Novo Sistema Retributivo (NSR) da Função Pública, em execução de alguns princípios consagrados no Decreto-Lei n.° 184/89, de 2 de Junho.

1.1 — Ao contrário do que era esperado pela generalidade dos funcionários e agentes, esta reforma não visou «um aumento generalizado da função pública, mas antes proceder a uma reforma estrutural susceptível de comportar melhorias qualificativas e quantitativas».

1.2 — Substituiu-se o sistema de letras, vigente desde 1935 (Decreto-Lei n.c 26115, de 23.11.35), por um sistema de base indiciária, com o objectivo de devolver «coerência e dotar de equidade, quer no plano interno, quer no âmbito do mercado de emprego em geral» o sistema retributivo

então vigente (cfr. preâmbulo do Decreto-Lei n.° 353-A/ 89).

2 — Os princípios orientadores e estruturadores do NSR foram desde logo traçados no Decreto-Lei n.° 184/89, de 2 de Junho, mais precisamente nos seus artigos 13.° e 21.° Destacam-se, de entre eles, os princípios da equidade interna e da equidade externa, definidos no artigo 14.°

2.1 — Se, relaüvãmente à equidade externa, não se dispõe de meios que permite afirmar ou infirmar que tenha sido conseguida, já em relação à equidade interna, tal como ela é definida no n.° 2 do citado artigo 14." do Decreto--Lei n.° 184/89, de 2 de Junho, as diversas queixas apresentadas nesta Provedoria são. bem demonstrativas de que a mesma, pelo menos nesta fase inicial, está longe de ter sido alcançada.

Efectivamente, são muitas as situações de injustiça relativa e de inversão do posicionamento salário/categoria, ou salário/carreira, entretanto criadas.

Nos quadros D a XI dão-se exemplos de situações deste tipo retiradas das centenas de queixas relativas ao NSR que deram entrada na Provedoria de Justiça.

3 — Além da introdução de escalas de base indiciaria para as diversas categorias e carreiras da função pública, o NSR apresenta outros aspectos inovadores que convém assinalar:

a) A abolição das remunerações acessórias, sem prejuízo da sua consideração para à transição para os escalões, nos casos em que elas existiam;

b) A extinção das diuturnidades, quer gerais, quer especiais;

c) A existência simultânea de promoção (na vertical) e progressão (na horizontal) nas carreiras verticais;

d) A agressão de várias categorias de determinadas carreiras numa única categoria, com relevância de

todo o tempo prestado para efeitos de progressão nos escalões.

Penso que também esta agregação de categorias foi geradora de situações de injustiça e de inversão do posicionamento salarial, sobretudo a nível das carreiras do pessoal operário qualificado e do operário semiqualificado, como se pode ver dos quadros anexosi

4 — As regras de transição para o NSR estão definidas no artigo 30.° e seguintes do Decreto-Lei n.° 353-A/89, de 16 de Outubro, sendo a regra geral a de que a integração ou transição para a nova estrutural salarial se faz:

a) Na mesma carreira e categoria;

b) Em escalão a que corresponda na estrutura de categoria remuneração igual ou se não houver coincidência a remuneração imediatamente superior.

Este dispositivo contém ainda a salvaguarda de nunca poder resultar a redução das remunerações efectivamente auferidas (cfr. n.° 5 do cit. artigo. 30.°), constando o conceito de remuneração, para efeitos de transição, dos n.os 2 e 3 do artigo citado.

4.1 —De salientar, desde já, que ó princípio de salvaguarda de direitos, estabelecida no n.° 5 do artigo 30.° do Decreto-Lei n.° 353-A/89, de 16 de Outubro, ficou aquém do consagrado no artigo 40.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 184/ 89, de 2 de Junho.

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Este último dispositivo legal salvaguarda, em primeiro lugar, que a aplicação do NSR não pode resultar redução de remuneração já auferida. Por outro lado, garante a não «diminuição das expectativas de evolução decorrentes quer da carreira em que se insere, quer do regime de diuturnidades vigentes».

5 — Tal como se preceituava no artigo 38.°, a aplicação do NSR seria faseada, obedecendo a progressão nos diversos escalões à calendarização estabelecida no seu n.° 2 e processando-se a contagem do tempo de acordo com as regras que viessem a ser definidas nos respectivos diplomas de descongelamento.

Excepcionavam-se do congelamento da progressão nos escalões os casos de aposentação que se verificassem entretanto (cfr. n.° 4).

6 — Cumprindo a calendarização fixada no citado artigo 38.° foram publicados sucessivamente os Decretos-Lei n.°393/90, de 11 de Dezembro descongelamento), n.° 204/91, de 7 de Junho (2.° descongelamento) e n.° 61/ 92, de 15 de Abril (3.° e último descongelamento).

6.1 — A filosofia dos dois primeiros descongelamentos foi idêntica, fazendo-se por um ou dois escalões, em função da antiguidade na categoria ou na carreira, consoante se tratasse de carreiras verticais ou de carreiras horizontais e «agregadas», a contar do escalão em que o funcionário estava integrado.

6.2 — Já no descongelamento determinado pelo Decreto-Lei n.° 61/92, de 15 de Abril, foi adoptada orientação diferente erri relação ao escalão a partir de qual se faria o posicionamento ou/e reposicionamento. Ou seja, este é feito no escalão correspondente à antiguidade na categoria ou na carreira, segundo módulos de tempo de quatro e

cinco anos, entre 1 de Janeiro e 30 de Setembro de 1992, e de três e quatro anos em 1 de Outubro de 1992, consoante se trata de carreiras verticais ou horizontais, contados a partir do escalão 1.

7 — Após o 1descongelamento constatou-se que os funcionários promovidos após 01.10.89 ficaram em posi-. ção menos favorável do que aqueles que não tinham sido promovidos, pois que não puderam beneficiar, por falta da antiguidade exigida, daquele descongelamento. Esta situação viria a ser ultrapassada pelo artigo 3." do Decreto--Lei n.° 204/91, de 7 de Junho.

7.1 — Corrigindo aquelas situações de distorção salarial e de injustiça relativa, não deixou o normativo em questão de ser ele próprio originador de outras situações de injustiça tão ou mais graves das.que corrigiria. É que ao contemplar apenas, os funcionários, promovidos após 01.10.89, deixou de fora todos aqueles que tinham sido promovidos (anteriormente, em 1987, 1988 e mesmo em 1989), portanto mais antigos na categoria e que, todavia, permaneciam integrados em escalões inferiores, sem hipótese de poderem beneficiar de qualquer dos de congelamentos, entretanto verificados. Esta situação viria a ser parcialmente ultrapassada pelo Decreto-Lei n.° 61/ 92, de 15 de Abril, (último descongelamento). E parcialmente por apenas ter abrangido os casos de promoção anteriores a 01.10.89, mas resultantes do mesmo concurso (cfr. artigo. 3.°, n.° 2). Em anexo apresento exemplos do que resulta de tal situação (quadros II a XI e XV).

7.2 — Salienta-se, desde já, que as situações não acauteladas pelo artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 61/92 se revestem de grande injustiça, não só porque se trata de funcionários com maior antiguidade na categoria de acesso e, em muitos casos, com a mesma ou maior antiguidade na carreira e que não beneficiaram de qualquer descongelamento.

Efectivamente, nestes casos, o que se verificou foi a mudança de escalão em Novembro de 1992, em resultado do Decreto-Lei n.8 353-A/89 produzir plenamente todos OS seus efeitos, a partir de Outubro, designadamente no que respeita ao seu artigo 19."

E esta situação de injustiça, aparentemente transitória, vai reflectir-se no desenvolvimento futuro da carreira dos funcionários, criando-lhes sempre uma situação de desvantagem comparativamente com a dos outros funcionários abrangidos pelo artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 204/91 ou pelo artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 61/92.

7.3 — Em matéria de promoções verificadas após 01.10.89, há ainda a assinalar as ocorridas antes do Decreto-Lei n.° 420/91, de 29 de Outubro, e as realizadas depois da entrada em vigor deste diploma 01.11.92.

7.3.1 —Este procedeu, entre outras medidas, à revalorização dos índices correspondentes a alguns escalões de certas categorias, designadamente das 3.°, 2° e 1.° oficial administrativo, e à revogação do n.° 4 do artigo 42." do Decreto-Lei n.° 353-A/89. Esta norma, que previa um índice excepcional e sem correspondência a qualquer escalão para os escriturários dactilógrafos posicionados no 8." escalão que transitassem para 3.° oficial, foi ela própria geradora de situações de injustiça (quadro I).

7.3.2 — Em anexo apresento casos ilustrativos daquelas situações, sem prejuízo de se reconhecer que muitas delas foram ultrapassadas com o artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 61/92 (quadros XVI e XDC).

8 — Ainda que se tenha sempre feito referência às carreiras de regime geral, com particular incidência para a carreira administrativa, situações de inversão do posicionamento salarial em consequência das promoções, antes ou depois de Outubro de 1989, verificam-se também noutras carreiras e até em corpos especiais.

São exemplos:

8.1 — A carreira de investigação cientifica (corpo especial), cujo NSR consta dos Decretos-Leis n.OT 408/89, de 18 de Novembro e 347/91, de 19 de Setembro.

Também nesta carreira se verifica que os investigadores principais promovidos antes de 01.10.89 auferem vencimentos inferiores aos investigadores auxiliares (que muitas vezes coordenam) com a mesma antiguidade na carreira e também inferiores aos de alguns investigadores principais promovidos em data posterior à sua, mais Concretamente, depois de 01.10.89.

8.2 — A carreira dos liquidadores tributários e técnicos (Decreto-Lei n.° 187/90, de 7 de Junho) (quadro XX).

8.3 — A carreira de enfermagem (Decreto-Lei n.° 34/ 90, de 24 de Janeiro, alterado pelo Decreto-Lei n.° 38/91, de 18 de Janeiro).

8.4 — A carreira do pessoal técnico da Polícia Judiciária (Decreto-Lei n.° 295-A/90, de 21 de Setembro, e Decreto--Lei n.° 421/91, de 29/10) (quadro XXI).

9 — Após a aplicação dos três descongelamentos referidos atrás verificou-se que situações houve em que o tempo na categoria não aproveitou (por escasso) para qualquer, descongelamento ou que excedeu o necessário para os descongelamentos.

E este tempo não aproveita para futura progressão nos escalões na medida em que esta se faz, de acordo com artigo 19.° do Decreto-Lei n.° 353-A/89, de 16 de Outubro, decorridos três ou quatro anos no escalão imediatamente anterior.

Parece, pois, que aquele tempo de serviço deverá relevar para futura progressão.

Em anexo junto caso exemplificativo (quadro XXJJ).

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10 — Face ao exposto e sem deixar de reconhecer a existência de outros aspectos pontuais do NSR que também mereceriam uma reflexão, urge tomar medidas que permitam ultrapassar estas situações, que passarão pela aplicação de certos princípios ou medidas excepcionais aos quais deverá ser atribuída eficácia retroactiva, designadamente:

a) A adopção do princípio de que nenhum funcionário com categoria superior e com a mesma antiguidade na carreira pode ter vencimento inferior ao de outro funcionário da mesma carreira com a categoria imediatamente inferior;

b) Contagem para efeitos dos descongelamentos entretanto verificados de todo o tempo de serviço prestado na categoria anterior;

c) Contagem para futura progressão nos escalões da respectiva categoria de tempo de serviço que não aproveitou para os descongelamentos ou que excedeu o necessário para aqueles.

10.1 —A adopção do princípio descrito na alínea a) afastaria a medida da alínea b) e vigoraria não só para o passado como também se aplicaria no futuro nos casos em que se viesse a verificar distorção salarial.

10.2 — Faço notar que a medida sugerida na alínea b) já foi adoptada para carreiras integradas em corpos especiais, designadamente, na carreira dos técnicos de diagnóstico e terapêutica (cfr. artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 34/90, de 24 de Janeiro, alterado pelo Decreto-Lei n.° 38/91, de 18 de Janeiro). É o que tenho a honra de, ao abrigo do artigo 20.°, n.° 1, alínea b), da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, recomendar a Vossa Excelência.

quadroi

Ace93o a tercelro-oflclal — escriturárlo-dactilógrafo

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

Observações

1. O funcionário B, sendo escriturário dactilógrafo e :om a mesma antiguidade na Função Pública, a partir de L/7/1990 (1.° descongelamento), teve sempre vencimento uperior ao funcionário A, que era 3." oficial.

2. Ao ingressar nesta categoria, continuou a ter venci-nento superior ao outro que já tinha 3 anos de antiguidade ia categoria de 3.° oficial.

3. Se ambos tivessem sido promovidos a 2." oficial, por hipótese em Janeiro de 1994, o funcionário A seria posicionado no escalão 3, índice 230 e o funcionário B no escalão 4, índice 240. Esta situação voltará a repetir-se no acesso a 1.° oficial.

QUADRO II Inversão

Terceiro-oficial — escriturario-dactilógrafo

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

Observações

1. O funcionário B, com a mesma antiguidade na Função Pública e menor categoria, auferiu de 1/10/1989 a 1/7/1990 vencimento idêntico ao do funcionário A e a partir desta última data vencimento superior.

2. Se, por mero acaso, tivesse ingressado na categoria de 3.° Oficial até Novembro de 1991, teria o índice 225 (sem correspondência a qualquer escalão da categoria de 3.° Oficial).

3. Mesmo que ingressasse em data posterior a Novembro de 1991 na categoria de 3.° Oficial, seria posicionado, por força da alteração introduzida pelo Decreto--Lei 420/91, de 29 de Outubro, ao artigo 18." do Decreto--Lei 353-A/89, no escalão 4, índice 215.

4. De salientar que a este escalão só progrediu o funcionário A em Novembro de 1992, tendo já, nessa data, 5 anos de categoria.

quadro iii Inversão na mesma carreira Segundo-oficial — terceiro-oficial

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

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"VER DIÁRIO ORIGINAL"

Observações

1. O funcionário B, sendo menos antigo na Função Pública e possuidor de categoria inferior, tem vencimento mais elevado que o funcionário A, mais antigo na Função Pública e com categoria superior.

2. Se o funcionário B vier a ser promovido a 2." Oficial, é imediatamente posicionado no escalão 5, índice 240 desta categoria. O funcionário A só progredirá a este escalão, se entretanto não for promovido, em Novembro de 1998.

quadro iv Inversão na mesma carreira Segirado-ofidal — terceiro-oficial

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

Observações

1. 0 funcionário à só mudará ás es-çaJãp m imm

de 1995 (escalão 3, índice 220).

2. O funcionário B, com a mesma antiguidade na carreira mas com categoria inferior, ganha mais do que o funcionário A.

3. Se o funcionário B vier a ser promovido a 2.° Oficial, será, desde logo, posicionado no escalão 5, índice 240, desta categoria, escalão a que o funcionário A só progredirá em Janeiro de 2001.

4. Se os dois funcionários forem promovidos a 1.° Oficial na mesma altura, por hipótese em Outubro de 1995, o funcionário B será integrado no escalão 4, índice 250, e o funcionário B no escalão 2, índice 230, da categoria citada.

QUADRO V Inversão na mesma carreira Oficial administrativo principal — primeiro-oficlal

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

Observações

1. O funcionário A, com a mesma antiguidade na Função Pública e na carreira- mas com categoria superior, tem vencimento inferior ao do funcionário B.

2. O funcionário B é posicionado no escalão 4, índice 280 se, ao fim de 3 anos na categoria for promovido a Oficial Administrativo Principal, o-que pode verificar-se em 1995.

3. Ao escalão referido só progredirá o funcionário A,

que já é Oficial Administrativo Principal desde Dezembro de 1991, em Outubro de 1998.

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QUADRO VI Inversão salarial Escriturario-dactilógrafo — 3." oficial — 2.° oficial

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

Observações

1.0 funcionário B, escriturario-dactilógrafo, ganhou durante quase dois anos vencimento superior ao do funcionário A, 2.° Oficial, tendo ambos a mesma antiguidade na Função Pública.

2. Também o funcionário C, 3." Oficial, auferiu vencimento superior ao do funcionário A, 2.° Oficial, desde 1 de Janeiro de 1991 até 1 de Novembro de 1991, sendo certo que ambos tinham a mesma antiguidade na Função Pública e apesar de A ser mais antigo na carreira.

3. O funcionário C, ao ser promovido a 2." Oficial em 11/2/1992, foi imediatamente posicionado no escalão 5, índice 240. O funcionário A, que nessa data já tinha quase quatro anos de antiguidade na categoria, só ascenderá ao escalão 5, índice 240, em Novembro de 1998.

QUADRO vn Inversão salarial/promoção Terceiro-oficial — segundo-oficial

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

Observações

1. O funcionário B, sem qualquer antiguidade na categoria de 2.° Oficial, auferiu desde Janeiro de 1992 um vencimento superior ao do seu colega que, àquela data, já tinha 5 anos e meio de antiguidade na categoria de 2.° Oficial.

QUADRO VIII Distorção

Primeiro-oficial — maior antiguidade — menor salário

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

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"VER DIÁRIO ORIGINAL"

Observações

1. O funcionário B, com menos sete anos na categoria de 1.° Oficial, tem actualmente 2 escalões acima do funcionário A. Este só atingirá o escalão 5, índice 260, em 1997.

QUADRO IX Inversão Segundo-oficial — primeiro-oficlal

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

Observações

1. O funcionário B, com a mesma antiguidade na Função Pública e na carreira, mas com categoria inferior à do funcionário A, entre 1/11/1991 e 1/11/1992 teve vencimento inferior.

2. A partir de 1/11/1992, auferem os dois o mesmo vencimento.

3. O funcionário B, se entretanto for promovido a 1.° Oficial (a partir de 1/11/1991), será posicionado no escalão 5, índice 260. A este escalão o funcionário A só progredirá em Novembro de 1995.

4. Se ambos forem promovidos a Oficial Administrativo Principal na mesma altura (Janeiro de 1995, v. g.), o funcionário A, que nessa data já tem quase dez anos de antiguidade na categoria-de 1.° Oficial, transita para o escalão 3, índice 265, e o funcionário B será posicionado no escalão 4, índice 280.

QUADRO X Inversão Segundo-oficial — terceiro-oficial

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"VER DIÁRIO ORIGINAL"

Observações

•1.0 funcionário B, com a mesma antiguidade na Função Pública e na carreira, mas com categoria inferior à do funcionário A, tem, desde 1/11/1991, vencimento superior (15 pontos)

2. Se porventura tiver sido, desde 1/11/1991, ou vier a ser promovido, é de imediato colocado no escalão 5, índice 240, da categoria de 2." Oficial. A este escalão só progredirá o funcionário A, com mais seis anos de categoria, em 1998.

3. Se o funcionário B tiver sido promovido a 2.° Oficial em Janeiro de 1992 (escalão 5, índice 240), e se ambos forem promovidos a 1.° Oficial em Agosto de 1995, o funcionário A será colocado no escalão 2, índice 230, ao passo que o funcionário B o será no escalão 4, índice 250.

QUADRO XI Inversão

Oficial administrativo principal — segundo-oficial

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Observações

1. O funcionário B, como 2." Oficial, ganhou desde 1/7/ 1990 mais 10 pontos que o funcionário A, à data 1.° Oficial.

2. Entre 1/11/1991 e Outubro de 1992, o funcionário B ganhou mais 5 pontos que o funcionário A, então já Oficial Administrativo Principal.

QUADRO XII Operário semlquallficado

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

Observações

1. O funcionário B, como operário jardineiro, ganha mais dez pontos, desde 1/1/1991, ou quinze pontos, desde 1/11/1991, do que o funcionário A, com a categoria de operário principal.

2. Só em Novembro de 1992 as duas situações se equivaleram.

3. Se o funcionário B vier a ser promovido a jardineiro principal é, desde logo, colocado no escalão 5, índice 205. A este escalão só progredirá o funcionário A em Novembro de 1995.

QUADRO XIII Operário qualificado

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

Observações

1. O funcionário B, com menor categoria na carreira, a partir de 1/7/1990 ganhou sempre mais que o funcionário A, que é operário principal e tem a mesma antiguidade na carreira e na Função Pública.

2. Se o funcionário B vier a ser promovido a operário principal é de imediato colocado no escalão 6, índice 225. De referir que a este escalão só progredirá o funcionário A no ano 2004, altura em que já terá 13 anos de antiguidade na categoria de operário principal.

3. De salientar que a situação dos operários semi-qualifi-cados e qualificados principais, comparativamente à dos operários, agravou-se após o Decreto-Lei 420/91, de 29 de Outubro, o qual revalorizou os escalões desta última categoria, deixando inalterados os da categoria de operário principal.

QUADRO XIV Carreira de técnico-adjunto

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

Observações

1. O funcionário B, que a partir de 1/1/1991 auferia vencimento idêntico ao do funcionário A com categoria superior, por força da revalorização dos escalões operada pelo Decreto-Lei 420/91 passou a auferir vencimento superior.

2. Tal inversão ocorreu porque o citado Decreto-Lei só revalorizou a categoria de técnico adjunto de 2.a classe, mantendo inalterados os índices das outras categorias.

3. Se o funcionário B tiver sido, após 1/11/1991, ou vier a ser promovido a Técnico adjunto de 1." classe, será posicionado no escalão 4, índice 235. A este escalão só progredirá o funcionário A em Abril de 1998.

4. A inversão aqui verificada resultou em grande parte da revalorização dos escalões da categoria de técnico adjunto de 2." classe.

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QUADRO XV

Promoções em 1989/Concursos diferentes

(artigo 3.°, n.B 2, do Decreto-Lei n.° 61/92)

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

Observações

1. O concurso em que foi opositor o funcionário A caducou pelo preenchimento das vagas para que tinha sido aberto.

2. O concurso em que ficou colocado o funcionário B foi aberto em finais de Junho de 1989.

3. Se o funcionário A tivesse sido promovido em consequência do mesmo concurso, a sua situação seria corrigida com efeitos a Janeiro de 1992, ficando em situação semelhante à do funcionário B. Ainda que corrigida não deixavam de se verificar prejuízos pois que, a partir de 1/7/1990 e com maior antiguidade na categoria, começou a ter uma situação remuneratória inferior.

4. Como o concurso foi diferente, o funcionário A terá que aguardar pelo menos mais três anos para atingir o escalão do funcionário B, ou seja, apenas em Outubro ou Novembro de 1995.

5. Mais grave se torna a situação caso, entretanto, sejam ambos promovidos a Oficial Administrativo Principal. Neste caso, o funcionário A será colocado no escalão 2, índice 255, e o funcionário B no escalão 3, índice 265.

6. Se esta promoção ocorrer após Janeiro de 1994, o funcionário B será posicionado no escalão 4, índice 280, e o funcionário A no escalão 2, índice 255.

QUADRO XVI Promoção antes do Decreto-Lei n.9 420/91

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

Observações

1. Em Outubro de 1992 (aplicação do Decreto-Lei 420/ 91) ao escalão 3 de 1.° Oficial passou a corresponder o índice 240.

2. A partir desta data, porque os escalões de oficial administrativo principal não foram revalorizados, deixou

de se verificar a diferença dos dez pontos garantida pelo artigo 17.°, n.° 2, do Decreto-Lei 3S3-A/89.

3. Se a promoção tivesse ocorrido depois da entrada em vigor do Decreto-Lei 420/91, o funcionário teria sido posicionado no escalão 2, índice 255, da categoria de Oficial Administrativo Principal.

4. Este diploma é omisso sobre qualquer possibilidade de revisão da situação remuneratória do funcionário A, após a sua entrada em vigor.

5. Esta disparidade terá sido ultrapassada com a entrada em vigor do Decreto-Lei 61/92, de 4 de Abril. Por aplicação do seu artigo 2.°, n.° 1, e tendo em conta a antiguidade que o funcionário tinha na categoria de \° Oficial em 1/ 10/1992, ficcionou-se os seu posicionamento nesta categoria, passando para o escalão 4, índice 250. Uma vez que tinha sido promovido a Oficial Administrativo Principal, era recolocado no escalão 3, índice 265, desta categoria.

6. Mesmo nesta última hipótese ocorreu um prejuízo efectivo para o funcionário.

QUADRO XVII Promoção antes e depois do Decreto-Lei n.a 420/91

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

Observações

1. Se este funcionário tivesse sido promovido a 1.° Oficial antes do Decreto-Lei 420/91, v. g. em Setembro de 1991, seria colocado no escalão 4, índice 245, depois revalorizado para o índice 250.

2. Se a promoção se verificasse depois da entrada em vigor do Decreto-Lei 420/91, ou seja, após 1/11/1991, o funcionário seria colocado no escalão 5, índice 260.

QUADRO XVIII Promoção antes do Decreto-Lef n.s 420/91

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Observações

1. Pelo Decreto-Lei 420/91, de 29 de Outubro, ao 4.° escalão da categoria de Técnico Adjunto de 2." classe passou a corresponder o índice 225.

2. Se o reclamante tivesse sido promovido depois de 1/ 11/1991, seria colocado no escalão 4, índice 235, da categoria de técnico adjunto de 1." classe.

3. Como foi promovido antes desta data, não permitindo o Decreto-Lei 6.1/92 a correcção da situação, a justiça imporia a revisão do seu caso, de modo a garantir a diferença

de dez pontos.

4. No entanto o Decreto-Lei 420/91, sem eficácia retroactiva, não o permite fazer.

5. A ser assim, o funcionário só atingirá o escalão 4, índice 235, da categoria de técnico adjunto de 1." classe em Agosto de 1996.

6. Este caso coloca-se igualmente a um funcionário que cateris paribus seja promovido em 29/9/1991 ou mesmo em 29/10/1991.

QUADRO XIX Promoção antes e deoola do Decreto-Lei n.8 420/91

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

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Observações

1. A situação do funcionário A, ao contrario do caso ai terior, não é resolvida pela aplicação do Decreto-Lei 61/9:

\ QUADRO XX

Carreira de técnico tributário — liquidador tributário

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"VER DIÁRIO ORIGINAL"

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

Observações

1. O funcionário B, com categoria superior, tem um vencimento inferior ao do funcionário A, entre 1/1/1991 e 1/10/1995.

QUADRO XXI Técnicos de polícia — policia judiciária

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QUADRO XXII

Tempo excedente

Tempo que sobra após a aplicação dos descongelamentos e reposicionamento ou que não aproveitou para estes nem aproveitará para futuras progressões.

Primeiro exemplo:

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

Observações

1. Há um período de mais de dois anos, sobrante apds o descongelamento de Outubro de 1992, que não é considerado, para efeito de progressão nos escalões da categoria de 1.° Oficial.

2. Em Janeiro de 1993, o funcionário Ajá tem antiguidade bastante na categoria para, de acordo com os módulos de três anos previstos no artigo 19.° do Decreto-Lei 353-A/89, progredir ao escalão 5, índice 260.

3. De jure condito, o funcionário A SÓ alcançará 0 esca-)âo 5, índice 260, em Outubro de 1995.

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II SÉRIE-C — NÚMERO 23

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

Observações

1. Não beneficiou de qualquer descongelamento ou reposicionamento.

2. Em Novembro de 1992, ao progredir para o 3.° escalão, o funcionário já tinha quatro anos na categoria.

3. Parece justo que pudesse recuperar o ano sobrante para futura progressão, já que, nas condições actuais só alcançará o escalão 4, índice 230 em Novembro de 1995, data que seria antecipada num ano se se pudesse contar o tempo excedente.

94.11.25 R-799/94

A Sua Excelência o Ministro das Finanças:

1 — Foi-me dirigida uma reclamação onde se denuncia a discriminação resultante de a Lei n.° 1/89, de 31.1 (e respectivo diploma regulamentar — Decreto Regulamentar n.° 25/90, de 9.8) não abranger os cidadãos integrados no esquema de protecção social dos servidores do Estado, restringindo o seu âmbito de aplicação aos beneficiários do regime geral de segurança social.

2 — Aquele diploma consagra, com efeito, subsídios e garantias a conceder aos cidadãos que sofram de paramiloi-dose familiar «no âmbito do regime geral de segurança social».

3 — Questionada a posição desse Ministério sobre o assunto e, nomeadamente, se estão em curso medidas tendentes a reparar a enunciada injustiça, foi remetido à Provedoria de Justiça, por Sua Excelência o Secretário de Estado do Orçamento, o parecer da Caixa Geral de Aposentações sobre o assunto, datado de 24 de Agosto último.

4 — Entende a Caixa Geral de Aposentações, em síntese, que naquele diploma não está contida qualquer restrição quanto ao âmbito pessoal de aplicação: todos os cidadãos portugueses, mesmo os subscritores da Caixa Geral de Aposentações, têm direito aos benefícios ali previstos, desde que reúnam os restantes requisitos, nomeadamente quanto à invalidez de que são vítimas. A Lei apenas determina que a entidade processadora dos subsídios em causa é a «Segurança Social».

5 — Por essa razão — conclui-se no aludido parecer — deverá o Decreto Regulamentar n.° 25/90, de 9 de Agosto (na parte em que delimita o respectivo âmbito de aplicação às pessoas enquadradas nos regimes contributivo e não contributivo de segurança social) ser interpretado «em conformidade à lei», subsumindo os subscritores da Caixa Geral de Aposentações ao conceito de «beneficiários do regime não contributivo».

6 — Não posso deixar de manifestar a minha discordância relativamente à interpretação formulada no referido parecer quanto ao âmbito de aplicação da Lei 1/89, bem como do respectivo diploma regulamentar.

6.1 — Em primeiro lugar, a tese defendida não tem um

mínimo de correspondência com a letra da lei.

Expressões como «regime geral de Segurança Social»

e «regime contributivo» têm um significado específico na legislação de segurança social (cfr. artigos 18.° e 28." Lei de Bases da Segurança Social — Lei n.° 28/84, de 14 de Agosto), pelo que a sua interpretação de modo a abranger os funcionários públicos desvirtua, integralmente, o respectivo sentido literal.

Atente-se, a propósito, no disposto no artigo 70.°, n.° 1, da mencionada Lei de Bases: «Os regimes de protecção social da função pública mantêm-se até serem integrados com o regime geral de segurança social num regime unitário». Ora, presumindo que o legislador se exprimiu de modo lógico e coerente, é forçoso concluir que ao dispor que certos benefícios serão atribuídos nó âmbito do regime geral de segurança social está, necessariamente, a excluir os funcionários públicos, pelo menos até que aquela integração se concretize.

6.2 — Por outro lado, defender a posição supradescrita em 3. e 4. é aceitar que a lei determine a atribuição de uma prestação de segurança social por uma entidade diferente daquela que recebeu as contribuições do beneficiário dessa prestação.

E não subsiste nenhuma razão válida para tal regime anómalo. Não se compreende, na verdade, que motivo levaria o legislador a permitir um tal locupletamento à Caixa Geral de Aposentações, com o correspondeníe prejuízo para as instituições de Segurança Social.

7 — Em sentido idêntico se pronunciou, aliás, a Direcção-Geral de Regimes de Segurança Social, uma vez confrontada com o parecer da Caixa Geral de Aposentações (ofício dirigido à Provedoria de Justiça n.° 871, de 3.11.94):

(...) Aliás, não faria sentido que, havendo legislação e instituições específicas para o enquadramento dos furjcionários públicos no que respeita à protecção

na invalidez e na velhice, esta situação fosse objecto

de alteração pelo facto de se tratar de subscritores portadores de paramiloidose familiar.

Isto é, não se compreenderia que enquanto o funcionário estivesse a exercer actividade pagasse as quotizações para a Caixa Geral de Aposentações e depois, verificada a invalidez por paramiloidose, beneficiasse das prestações do regime .geral de segurança social ao qual nunca esteve vinculado.

Se é certo que a Lei não se encontra redigida de modo isento de dúvidas, não o é menos e a doutrina vem-no-lo ensinando, que a interpretação tem de ser feita partindo do princípio que o legislador é inteligente, esclarecido e justo.

Assim sendo, a satisfação daquilo que parece set o objectivo do legislador — dar a todas as pessoas que sofram de paramiloidose uma especial protecção — passa, no nosso ponto de vista, pela aprovação de legislação adequada em cada sistema de protecção social no âmbito da respectiva pensão de invalidez.

8 — Do exposto se conclui que a pensão prevista na Lei n." 1/89 só pode ser concedida no âmbito dos regimes de segurança social e, portanto, aos respectivos beneficia-

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rios. Deste modo, os cidadãos abrangidos pelo sistema de protecção social dos funcionários públicos que sofrem de paramiloidose familiar encontram-se privados daqueles benefícios.

9 — Não se vislumbra, contudo, qualquer razão válida para a diferença de tratamento detectada.

Com efeito, uma vez que o regime especial de protecção consagrado na Lei 1/89 se fundamenta, primacialmente, nas características específicas da afecção em causa, a qual «.pela sua gravidade e evolução, dá origem, por vezes com

acentuada rapidez, a situações extremamente invalidantes,

em escalões etários ainda baixos» (cfr. o preâmbulo do diploma regulamentar) a diferenciação com base no carácter público ou privado das respectivas funções aftgura--se injusta e injustificada.

10 — Estamos nitidamente perarite um caso de trataT mento desigual de situações idênticas, em claro desrespeito do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.° da Constituição da República Portuguesa e que urge corrigir mediante a publicação de diploma legislativo que atribua benefícios paralelos aos previstos na Lei n.° 1/89 às pessoas integradas na protecção social dos servidores do Estado. Em face do exposto, tenho por bem formular Recomendação no sentido de serem consagradas normas legislativas que prevejam a atribuição de benefícios aos servidores do Estado que sofram de paramiloidose (PAF) idênticos ou paralelos aos previstos na Lei n.° 1/89, de 31.1.

(Recomendação não acatada.)

94.12.05

R-2222/93

IP-44/91

A Sua Excelência o Ministro dos Negócios Estrangeiros:

Reportando-me ao assunto constante da Recomendação que entendi por bem formular a Vossa Excelência em 24.9.92 (ofício n.° 13604) a que foi dada resposta em 8.2.94 (ofício n.° 458) cumpre-me voltar à presença de Vossa Excelência a fim de chamar a atenção para alguns aspectos que merecem, a meu ver, atenta consideração. Refere Vossa Excelência no aludido ofício que subsistem alguns casos de trabalhadores dos postos consulares sem qualquer espécie de protecção social (não inscritos na Caixa Geral de Aposentações nem na Segurança Social local e não abrangidos por seguro privado).

É, ainda, reconhecido, em tal ofício, que diversas vicissitudes impediram o integral cumprimento do normativo do Decreto-Lei n.° 451/85, de 28 de Outubro, não tendo sido, nomeadamente, tomadas as medidas tendentes à integração dos trabalhadores dos postos consulares, na função pública.

Assim sendo e tendo sobretudo em consideração encontrar-se em preparação diploma legislativo contendo o novo estatuto do pessoal dos serviços externos, cumpre-me formular a presente Recomendação no sentido de:

a) No novo regime do pessoal dos serviços externos em definição, serem salvaguardadas as expectativas dos trabalhadores dos postos consulares que exerceram a opção prevista no artigo 2.° do

Decreto-Lei n.° 451/85, de 28 de Outubro e que, no entanto, não foram integrados nos quadros respectivos da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros; e, b) Enquanto tal estatuto não for publicado, ser dado cumprimento ao disposto nos artigos 26.° e 27.° do Decreto-Lei n.° 451/85, de 28 de Outubro, sendo, em consequência, desenvolvidos todos os esforços no sentido de todos os trabalhadores dos

serviços externos beneficiarem de um regime de segurança social (inscrição na Caixa Geral de Aposentações, Segurança Social local ou regime de seguro, na falta deste último).

(Recomendação acatada.)

94.12.07 R-3166/93

Ex.™> Senhor Presidente do Conselho de Administração da Lipor:

1 — Os reclamantes no processo em epígrafe trouxeram ao meu conhecimento a acta da reunião extraordinária do Conselho de Administração da LIPOR de 14 de Novembro de 1994, na qual foi deliberado, quanto ao Concurso Público de Concepção, Construção e Exploração da Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos LIPOR II, aprovar e apropriar os Relatórios da Comissão de Acompanhamento (com data de Outubro de 1993) e da Comissão de Avaliação (com data de Outubro de 1994), considerar como proposta mais vantajosa a Proposta n.° 6, apresentada pelo agrupamento CNDM/ESYS-MONTENAY e, consequentemente, manifestar a intenção de adjudicar a este agrupamento a concessão em concurso.

Perante tais deliberações, vejo-me compelido no exercício das competências que constitucional e legalmente me são atribuídas, a dirigir nova recomendação ao Conselho de Administração a que Vossa Excelência preside, nos termos e com os fundamentos que passo a expor:

2 — Seria de esperar, nesta altura, e atendendo às evoluções deste acidentado processo, que o Conselho de Administração da LIPOR assumisse uma postura de integral respeito pelo princípio da legalidade, de modo que as suas deliberações fossem, de um ponto de vista jurídico, absolutamente inquestionáveis, para o que teria bastado o acatamento atempado, integral e substancial das recomendações do Provedor de Justiça e dos pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República.

A ser assim, há muito tempo que este complexo processo estaria terminado, a adjudicação feita, o contrato de concessão celebrado e as obras de construção da incineradora de resíduos sólidos da Área Metropolitana do Porto provavelmente já começadas.

Não foi essa, no entanto, a opção do Conselho de Administração da LIPOR. Ao tomar uma primeira deliberação de adjudicação ilegal e ao protelar reiteradamente os necessários reajustamentos no processo do Concurso, esse Conselho foi o único responsável pelos primeiros atrasos neste processo.

Agora ao deliberar o que deliberou na sua reunião de 14 de Novembro, em manifesto desrespeito pelos princípios e normas jurídicas aplicáveis, esse Conselho torna-se o único responsável por outros atrasos que se venham a

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II SÉRIE-C — NÚMERO 23

verificar. As entidades que, tendo por missão constitucional e legal defender a legalidade e os direitos dos particulares perante a administração vêm apontando e tratando corrigir as ilegalidade e irregularidades verificadas ao longo de todo este processo, mais não têm feito que cumprir a sua

missão.

3 — Conforme reconheceu esse Conselho de Administração — ofício n.° 1271, de 9 de Agosto de 1994 —, só contrariamente, e apenas quando a isso foi obrigado, modificou o processo do presente concurso, adequando-o, parcialmente, e de forma paulatina ao longo do último ano, às exigências decorrentes dos princípios e normas jurídicas que o regem.

Não posso, neste ponto, deixar de reconhecer que, em alguns aspectos importantes do processo do Concurso, tem esse Conselho de Administração, tardiamente embora, e na sequência dos dois doutos pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, homologados por Sua Excelência a Ministra do Ambiente e Recursos Naturais, acatado alguns pontos das sucessivas recomendações que me vi forçado a dirigir-lhe.

Infelizmente, tal facto não significa que o Conselho de Administração da LJPOR tenha, ainda que de forma renitente e «a conta-gotas», reconhecido a razão do Provedor de Justiça, ou sequer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República ou de Sua Excelência a Ministra do Ambiente e Recursos Naturais. É manifesto agora, com a deliberação que supostamente resulta de todas as alterações introduzidas no desenrolar do Concurso, que o cumprimento da lei foi apenas aparente e formalista, ao arrepio de todas as opiniões, pareceres'e recomendações das referidas entidades.

Na verdade, o que o Conselho de Administração da LIPOR acabou por deliberar na reunião extraordinária de 14 de Novembro do corrente ano — ao recuperar na íntegra o Relatório da Comissão de Acompanhamento de Outubro de 1993 e ao apropriar um novo Relatório da Comissão de Avaliação das Propostas que, no que tem de substancial, se limita a remeter o «Relatório Final de Avaliação de Propostas» elaborado pela EGF — foi, na prática, fazer tábua rasa de todas as conclusões até agora alcançadas e tomar agora de novo a mesma deliberação já tomada em 20 de Outubro de 1993.

4 — Na sequência das minhas anteriores recomendações e dos pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria--Geral da República, procedeu faseadamente esse Conselho de Administração, através das deliberações de 22 de Abril, de 27 de Julho , de I de Agosto e de 26 de Agosto de ¡994, à adaptação do processo do Concurso — Anúncio, programa do Concurso e Caderno de Encargos — ao regime normativo constante do Decreto-Lei n.° 379/93, de 5 de Novembro. Foram, assim, objecto de modificações alguns aspectos deste processo de concurso, de que salientarei, entre outros, os relativos ao regime de reversão da propriedade dos bens afectos à concessão, estabelecimento do regime de sequestro e do resgate, fixação do montante da caução a pagar, proibição da admissibilidade de variantes, enumeração dos critérios e sub-critérios de adjudicação, enunciação dos poderes do concedente e correlativos deveres do concessionário, proibição da transmissão, total ou parcial, da concessão e regime da rescisão da concessão.

Torna-se elementar afirmar, como já o fiz na minha Recomendação n.° 136/94, de 23 de Agosto, e no ofício que enviei a Vossa Excelência em 20 de Setembro p.p., que a modificação dos documentos do concurso, atenta a

sua profundidade e amplitude, deveria necessariamente ter dado'lugar à possibilidade de idêntica reformulação profunda e ampla das propostas dos concorrentes. Não repetirei aqui, por desnecessário, o que na altura tive a ocasião de salientar.

■ Ora, o que aconteceu foi que esse Conselho de

Administração deliberou não dar aos concorrentes essa possibilidade. O reduzidíssimo prazo para reformulação das propostas, de 20 mais 10 dias úteis (e nestas circunstâncias

não será errado dizer que 20 mais 10 dias não é igual a 30 dias, porque poderá eventualmente haver quem se teria abalançado à reformulação com um prazo de 30 e que tenha considerado que ela era impossível com o prazo inicialmente fixado de 20 dias), e ademais começado a correr quando ainda não estava terminada a alteração dos documentos do Concurso, tornava impossível, na prática, qualquer reformulação das propostas que as pudesse adaptar adequadamente às modificações introduzidas no Concurso. E tanto é assim que nenhuma reformulação foi efectuada.

Não podendo os concorrentes ter em consideração as modificações introduzidas nos documentos do Concurso, estas tornaram-se, evidentemente, letra-morta. É como se nunca tivessem sido feitas.

5 — O facto de nenhuma das propostas ter sido reformulada significa que essas propostas violam agora normas do Decreto-Lei n.° 379/93, de 5 de Novembro. É o caso, designadamente, de todas as propostas que admitem variantes, expressamente proibidas pelo artigo 10.°, n.° 2, alínea g), do Decreto-Lei n.° 379/93 e pelo artigo 9.°, n." 8, do Programa do Concurso.

A conclusão inelutável que o Conselho de Administração da LIPOR deveria ter retirado desse facto é a de que nenhuma proposta poderia ser considerada nesta fase do Concurso, por nenhuma respeitar a «lei» do Concurso. Não foi isso, no entanto, que aconteceu, uma vez que o Conselho de Administração da LIPOR, ao arrepio de qualquer princípio jurídico ou mesmo de qualquer regra de simples senso comum, deliberou considerar e apreciar todas as propostas, não obstante elas não corresponderem ao que era exigido no Concurso.

É certo que não estamos aqui perante um novo concurso, mas perante a reformulação de um concurso preexistente, tal como é certo que as propostas agora consideradas já tinham sido objecto de apreciação similar, que tinha concluído pela sua admissibilidade (erradamente, aliás pelo menos quanto à proposta do agrupamento CNIM-ESYS-MONTENAY, como referi na minha Recomendação de 17 de Dezembro de 1993).

Mas não é menos verdade que, implicando a adaptação do Concurso ao disposto no Decreto-Lei n.° 379/93 a alteração dos documentos do Concurso e a consequentemente reformulação das propostas, não pode deixar também de implicar uma nova apreciação da admissibilidade das propostas (quer essa apreciação seja feita liminarmente quer seja, por imperativos de celeridade processual, efectuada aquando da avaliação final das propostas). Admitir e considerar propostas que não respeitam as reformulações introduzidas nos documentos do Concurso, como fez esse Conselho de Administração, significa também, aqui, que essas reformulações ficaram letra-morta.

6 — A desconsideração a que esse Conselho de Administração votou as reformulações do processo do Concurso não se fica, porém, por aqui. Essas reformula-

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ções não foram sequer consideradas na avaliação e classificação das propostas.

Com efeito, e como resulta da respectiva acta, na sua reunião de 14 de Novembro de 1994 o Conselho de Administração da LD?OR «delibera, por unanimidade: o) aprovar e apropriar o Relatório da Comissão de Acompanhamento bem como o Relatório da Comissão de Avaliação nomeada por deliberação de vinte e sete de Julho de mil novecentos e noventa e quatro», relatórios cujas apreciações faz suas, e que «aqui se dão por integralmente reproduzidos, ficando apensos à acta, dela fazendo,

por isso, parte integrante, para todos os efeitos» (pág. 6

da acta).

Como se pode ler na pág. 4 do seu Relatório, a extinta Comissão de Acompanhamento tinha, entre outras atribuições, a de «Superintender na avaliação das propostas concorrentes ao Concurso Público, supervisionando a estrutura técnica de análise, nos precisos termos definidos no Caderno de Encargos a este propósito (.;.)».

É evidente que as profundas alterações introduzidas no Caderno de Encargos, bem como nos restantes documentos do concurso, impedem o recurso a um Relatório elaborado com base em pressupostos muito diferentes daqueles em que agora veio a ser utilizado e que, obviamente, não foram — como não podiam ter sido — equacionados e ponderados aquando da sua elaboração.

Por outro lado, refere-se a pág. 6 desse Relatório que o «Concurso rege-se pelo DL n.° 235/86 de 18 de Agosto, bem como pela restante legislação aplicável», o que, naturalmente, tendo em conta a data da conclusão do Relatório — Outubro de 1993 —, não incluía ainda, por nem sequer ter sido publicado, o diploma que finalmente viria a reger o Concurso — Decreto-Lei n.° 379/93, de 5 de Novembro.

A este respeito, sempre se poderá dizer que as limitações do Relatório da Comissão de Acompanhamento acabam, afinal, por ser nele mesmo reconhecidas, ao referir, na pág. 10, que «não considera, entretanto, a Comissão de Acompanhamento, que seja, no momento presente, relevante para este trabalho — análise das propostas — as reflexões que o consultor EGF faz, nomeadamente, sobre as modificações legislativas que se presumem virem a ser publicadas para este sector dos resíduos sólidos a breve prazo, e mais genericamente no domínio do Saneamento Básico, que serão equacionadas aquando da sua publicação».

Como parece evidente, a publicação do Decreto-Lei n.° 379/93, de 5 de Novembro, veio tornar relevantes para a classificação das propostas determinados factores que em Outubro de 1993 não foram tidos em conta pela Comissão de Acompanhamento pelo simples facto de nessa data serem desconhecidos — é a própria Comissão que o diz. Hoje, não pode o Conselho de Administração da LJPOR fazer seu o Relatório da Comissão de Acompanhamento e simultaneamente esquecer o que nesse mesmo Relatório se escreve quanto à relevância de futuras alterações a nível legislativo. Essas alterações são, de facto, relevantes, deveriam ter sido «equacionadas aquando da sua publicação», mas a verdade é que não o foram.

Quanto ao Relatório da Comissão de Avaliação nomeada em 27 de Julho p.p. por deliberação desse Conselho de Administração, limita-se a remeter genericamente para o Relatório Final de Avaliação de Propostas elaborado pela EGF, e no qual se baseou o já referido Relatório da Comissão de Acompanhamento — documento, portanto, tão «datado» juridicamente como este —, apenas apreciando e valorando de novo as propostas guanto ao recém-

-introduzido macrocritério «Segurança da Prestação do Serviço». Mas fá-lo atribuindo igual ponderação a todas elas, o que, no mínimo, é curioso e não acontece na valoração de mais nenhum macrocritério ou microcritério, e tem o resultado óbvio: mantendo idêntica a ponderação de todos os outros macrocritérios, a introdução de um elemento neutro determina a manutenção das posições relativas das diversas propostas. Ou seja, aparentemente muda-se alguma coisa para que na realidade tudo fique na mesma. Até esta alteração dos documentos do Concurso foi tornada irrelevante.

7 — Ao arrepio da lógica e dos princípios, a Comissão de Avaliação partiu da premissa de que a não modificação das propostas equivalia à manutenção da sua anterior apreciação e classificação, esquecendo que, embora não tenha sido alterado o respectivo parâmetro, o que não pode deixar de ter reflexos naquele apreciação e classificação, desde logo ao nível da própria admissibilidade das propostas.

Mas convém sublinhar que esta atitude estava já prefigurada na deliberação desse Conselho de Administração de 27 de Julho. Na verdade, pode ler-se na acta da respectiva reunião que «ponderando ainda que se irá proporcionar aos Concorrentes a possibilidade de reformularem as suas propostas face aos reajustamentos a introduzir no procedimento, o que determina a necessidade da existência de uma comissão de Avaliação com vista à reapreciação global das propostas, se alguma ou algumas delas vieram a ser reformuladas», e mais adiante que «À atrás nomeada Comissão competirá verificar, previamente à reapreciação global, se as eventuais reformulações das propostas se adequam aos reajustamentos ou se excedem o que tais reajustamentos impõem».

Ou seja: a reapreciação global das propostas depende da reformulação das propostas e não da reformulação dos documentos do Concurso, e por outro lado a apreciação liminar incide só sobre as eventuais reformulações (e não sobre as propostas, reformuladas ou não), e mesmo aí só para verificar se não excedem o imposto, não para verificar se o não atingem.

8 — Em conclusão, podemos traçar o seguinte quadro geral: reformulados, ainda que contrariadamente e a «conta-gotas», o Anúncio do Concurso, o Programa do Concurso e o Caderno de Encargos, por forma a compatibilizá-los com a alteração do regime jurídico surgida com a publicação do Decreto-Lei n.° 379/93, de 5 de Novembro, todo o procedimento do Concurso se desenrolou a partir daí como se não tivesse havido qualquer reformulação — não foi dada aos concorrentes a possibilidade real de

• adaptarem as suas propostas a essa reformulação; não tendo havido adaptações, as propostas originais aos documentos reformulados; e por fim, essa apreciação foi feita sem ter em conta a reformulação, quer por efeito de mera remissão para documentos anteriores, quer «neutralizando» as consequências dessa reformulação.

Estamos aqui, objectivamente, perante uma clara fraude à lei: respeito aparente, na forma, desrespeito real, na substância. Pode dizer-se que existem, efectivamente, dois Concursos Públicos de Concepção, Construção e Exploração da Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos LIPOR II: p Concurso Formal, baseado na lei e nos documentos reformulados de acordo com a lei, e que não é o mesmo que o outro, o concurso real, para o qual foram apresentadas as propostas e no qual elas foram apreciadas.

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• 9 — A repetição agora das deliberação tomada em 20 de Outubro de 1993, com apropriação dos documentos em que aquela se tinha já baseado, vem, evidentemente,

renovar a actualidade e pertinência das observações que a propósito da referida deliberação formulei na minha Recomendação de 17 de Dezembro de 1993 e reiterei na

Recomendação n.° 30/94, de 1 de Fevereiro, e que me

dispenso de repetir aqui, por desnecessário.

10 — Dado o exposto, não tenho quaisquer dúvidas em afirmar que a deliberação do Conselho de Administração da LIPOR de 14 de Novembro de 1994 é ilegal, devendo, portanto, esse Conselho revogá-la.

Verifico, também, que, por responsabilidade exclusiva do Conselho de Administração da LIPOR — que, nos termos referidos, protelou indevidamente as necessárias reformulações do processo do Concurso e, depois, fez tábua rasa dessas reformulações —, se encontra já largamente ultrapassado o prazo de 180 dias concedido pelo artigo 18.°, n.° 1, do Decreto-Lei n." 379/93 para o reajustamento da situação do Concurso na altura ao disposto naquele diploma, sem que tal reajustamento tenha sido concretizado ou esteja em vias de o ser.

Para esse efeito, seria necessário, nesta altura, fazer regressar o procedimento ao momento da deliberação desse Conselho de Administração de 1 de Agosto de 1994, com as precisões e clarificações entretanto introduzidos quanto à divulgação da composição da comissão de avaliação das propostas e quanto ao montante da caução, concedendo aos concorrentes um prazo suficiente para que pudessem proceder a uma efectiva reformulação das suas propostas (prazo que, nos termos expostos na minha Recomendação n.° 136/ 94, entendo ser o de 90 dias), e procedendo-se depois a uma apreciação das propostas que tivessem efectivamente em conta a reformulação (ou não) das propostas e a alteração dos documentos do Concurso.

Ora, tal regresso ao passado não se afigura agora exequível, em termos de respeitar minimamente o artigo 18.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 379/93, se não na sua letra, pelo menos nos seu espírito, que é claramente o de não deixar perpetuar no tempo situações contrárias ao disposto nesse diploma.

Encontra-se, pois, esse Conselho de Administração perante a impossibilidade de sanar a ilegalidade de que enferma a sua deliberação de 14 de Novembro de 1994, Uegalidade que se transmitirá irremediavelmente à deliberação de adjudicação e que, nos termos do artigo 17." do Decreto-Lei n.° 379/93, condenará à nulidade qualquer contrato de concessão que na sequência dela venha a ser celebrado.

11 — Face ao exposto, e ao abrigo do poder que me é conferido pelo artigo 20.°, n." 1, alínea a), da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, Recomendo ao Conselho de Administração da LIPOR que:

Anule o Concurso Público de Concepção, Construção e Exploração da Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos LIPOR II, dado que o mesmo se encontra viciado por ilegalidades determinantes da nulidade do contrato de concessão que venha a ser celebrado e as situações geradoras dessa invalidade

não podem já ser objecto de modificação.

Informo ainda que dei.conhecimento do conteúdo

desta Recomendação a Sua Excelência a Ministra do

Ambiente e Recursos Naturais e a Sua Excelência o

Procurador-Geral da República.

94.12.07 R-3166/93

A Sua Excelência a Ministra do Ambiente e Recursos Naturais:

Os reclamantes no processo acima referenciado trouxeram ao meu conhecimento a acta da reunião extraordinária

de 14 de Novembro p.p. do Conselho de Administração da LIPOR, na qual foi deliberado manifestar a intenção de adjudicar a empreitada em epígrafe ao agrupamento CNIM/ESYS-MONTENAY, deliberação de que certamente terá já' sido dado conhecimento a Vossa Excelência.

Tendo em consideração o conteúdo da referida deliberação, entendi por bem dirigir àquele Conselho de Administração a Recomendação de que agora envio cópia a Vossa Excelência.

Atendendo ao exposto na citada Recomendação, de que salientarei o facto de a deliberação do Conselho de Administração da LIPOR se basear, na sua quase totalidade, no Relatório da extinta Comissão de Acompanhamento, de Outubro de 1993, que não teve em consideração — como não podia ter tido — as alterações introduzidas no processo do concurso pelo Decreto-Lei n.° 379/93, de 5 de Novembro, concluí estar a mencionada deliberação inquinada por uma ilegalidade, não sanável, e que não pode deixar de conduzir à nulidade do contrato de concessão que venha a ser celebrado.

Assim, e no uso da faculdade que me é conferida pelo artigo 20.°, n.° 1, alínea a), da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, Recomendo a Vossa Excelência que, para salvaguardar o respeito pelos princípios da legalidade, da prossecução do interesse público e da eficiência, se digne solicitar ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República parecer sobre a legalidade das deliberações constantes da acta da reunião extraordinária do Conselho de Administração da LIPOR de 14 de Novembro de 1994.

94.12.08

R-2580/94 e 2581/94

A Sua Excelência a Ministra da Educação:

I

Antecedentes

1 —Em 19.9.94, pelo ofício n.° 13641, expus a Vossa Excelência a grave situação de milhares de trabalhadores não docentes de estabelecimentos de ensino não superior ex-contratados a prazo pelo Ministério da Educação, em que procedi a uma breve análise do condicionalismo factual e legal destas admissões, tendo proposto uma medida excepcional para a sua regularização.

2 — Através da leitura da resposta que Vossa Excelência me dirigiu (ofício n.° 2492, de 19.10.94) verifico que não foi rebatida a argumentação legal utilizada para a exigência da permanência destes trabalhadores no exercício de funções, como também foram invocados argumentos rebatendo afirmações que não fiz.

3 — Vossa Excelência contesta o número de trabalhadores indicados na epígrafe da recomendação, invocando «que o próprio título da pré-recomendação deturpa a dimensão do problema uma vez que o número indicado

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não tem qualquer fundamento». Esse número foi-me referido pela reclamante do processo. E Vossa Excelência não rectificou tal número, comunicando-me o número exacto de pessoas que cessaram funções e não foram colocadas no concurso.

4 — Por outro lado, se se reanalisar o conteúdo da minha pré-recomendação, verificará que a mesma está dividida em duas partes: na primeira faz-se um enquadramento da matéria em termos legais e factuais e expõe-se a posição da Federação de Sindicatos. Só a partir da parte JJ, pontos 5 a 9 consta a posição tomada pelo Provedor de Justiça.

5 — Ora, em parte alguma da parte II da pré-recomendação é proposta a «anulação do concurso», «a invocação de prioridades na ocupação de vagas por aqueles que não obtiveram classificação no concurso» ou se sugere «que se atribuam vagas a quem já exercia funções independentemente da graduação dos opositores». É que o Provedor de Justiça não desconhece os direitos que assistem aos concursados de serem providos nos lugares vagos segundo a ordenação das respectivas listas de classificação final (artigo 35." n.° 2 do Decreto-Lei n.°498/ 88, de 30 de Dezembro) e a obrigatoriedade da nomeação dos candidatos aprovados em concurso para os quais existam vagas que tenham sido postas a concurso (artigo 4." n.° 3 do Decreto-Lei n.° 427/89, de 7 de Dezembro).

6 — Questão diferente desta consistirá em saber se o Ministério da Educação tratou toda esta questão da forma mais adequada e justa, tendo em atenção o condicionalismo em que ocorreram tais admissões e os preceitos legais às mesmas aplicáveis.

Mas isto já é matéria das partes seguintes desta recomendação, em que procurarei explicitar melhor e reiterar os fundamentos da posição então tomada.

n

Os factos

7 — Os trabalhadores visados nesta recomendação foram admitidos no regime do contrato a termo certo nos termos do artigo 9.° do Decreto-Lei n.° 184/89, de 2 de Junho, e arts. 18.° a 21.° do Decreto-Lei n.° 427/89, de 7 de Dezembro.

8 — Na pendência destes contratos foi assinado, em 25.1.93, um protocolo entre o Governo, representado por Suas Excelências os Secretários de Estado dos Recursos Educativos e Adjunta e do Orçamento e a Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública, em cujos considerando se reconhece que:

A renovação e ampliação do parque escolar implicou nos últimos anos a entrada em funcionamento de grande número de escolas dos ensinos básicp e secundário.

Para assegurar o funcionamento das referidas escolas o Ministério da Educação procedeu à contratação de pessoal não docente a termo certo e em regime de contrato administrativo de provimento.

Em grande número de casos aqueles contratos vêm satisfazendo necessidades efectivas e permanentes dos estabelecimentos de ensino onde prestam funções. [Sublinhado meu.]

A cessação de um grande número de contratos a termo criará graves problemas ao funcionamento de um número considerável de estabelecimentos de ensino.

Existe vantagem em ter no sistema educativo pessoal com vínculo estável que possa assumir-se como parte integrante das escolas e envolvido no seu projecto educativo.

9 — Com base em tais pressupostos, acordaram o Governo e a Federação de Sindicatos da Função Pública que:

a) Os quadros distritais de pessoal não docente dos estabelecimentos de ensino não superior seriam alargados tendo em atenção as suas necessidades

funcionais, duradouras e efectivas;

b) Que no prazo máximo de 90 dias seriam abertos concursos de recrutamento para o preenchimento das vagas devendo ser tida em conta, como factor de preferência, a «experiência profissional adquirida no sistema educativo»;

c) Que o Governo adoptaria as medidas necessárias à prorrogação até ao fim do ano lectivo dos contratos a termo certo celebrados com o pessoal em causa;

d) Que seria estudada, no âmbito do reordenamento da rede escolar, a problemática dos quadros do pessoal não docente.

10 — Em execução do protocolo, o Governo tomou as seguintes medidas:

a) No Decreto-Lei de execução do orçamento do OE para 1993 (Dec.-Lei n.° 83/93, de 18 de Março, artigo 23.°, n.° 7) previu-se a possibilidade de renovação dos contratos a termo certo do pessoal não docente dos estabelecimentos de ensino não superior, em exercício de funções em 1/1/93, até 31/8/93;

b) A Portaria n.° 518-A/93, de 13 de Maio, aumentou os quadros distritais de vinculação do pessoal não docente das escolas de ensino não superior em 6442 vagas;

c) O Despacho Normativo n.° 77-A/93, de 19 de Maio descongelou 3.300 dessas vagas (2.500 de auxiliar de acção educativa, 500 de guarda nocturno e 300 de ajudantes de cozinha);

d) As vagas descongeladas foram postas a concurso (com excepção de 5 vagas de guarda nocturno) por aviso publicado no DR, TL Série de 18.6.93;

e) O Decreto-Lei n.° 187/94, de 5 de Julho, veio permitir o preenchimento, em determinadas condições, de lugares vagos em número superior aos inicialmente postos a concursos;

f) O Despacho Normativo n.° 465-A/94, de 1 de 9 Julho, descongelou mais 2000 vagas de auxiliares

de acção educativa e 798 de guardas-nocturnos, as quais poderiam ser preenchidas pelos candidatos aprovados no concurso indicado em d), por aplicação do Decreto-Lei n.° 187/94;

g) A Lei n.° 71/93, de 26 de Novembro (artigo 2.° n.° 1 — orçamento suplementar ao Orçamento do Estado para 1993) prorrogou os contratos a prazo do pessoal não docente até 31.8.94 ou até à conclusão dos concursos indicados em d), na hipótese de os provimentos se verificarem em data anterior a 31.8.94.

11 — O número de vagas criadas e descongeladas (6.093) não forem número correspondente ao número de

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pessoas, cujos contratos foram renovadas; aos concursos externos para o provimento daquelas vagas candidataram--se cerca de 42 000 pessoas, foram aprovados 27 167 e excluídos 11 815.

É previsível a existência de um número substancial de trabalhadores anteriormente contratados, que não foram colocados nas vagas postas a concurso, tendo os seus contratos sido rescindidos a partir de 21.8.94.

111

0 direito aplicável

12 — Os contratos a termo certo celebrados pela Administração Pública obedecem «ao disposto na Lei geral de trabalho sobre contratos a termo, salvo no que respeita à renovação, a qual deve ser expressa e não pode ultrapassar os prazos estabelecidos na lei geral quanto à duração máxima dos contratos a termo» — artigo 9.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 184/89, de 2 de Junho.

A Lei geral de trabalho aplicável, ex vi do Decreto-Lei n.° 184/89, é o Decreto-Lei n.° 64-A/89, de 27 de Fevereiro.

Por outro lado, nos artigos 18.° a 21.° do Decreto-Lei n.° 427/89, de 7 de Dezembro estabelecem-se regras específicas para os contratos a termo certo celebrado pela Administração Pública quanto à admissibilidade, selecção dos candidatos, estipulação do prazo e renovação do contrato e limites à sua celebração.

a) A questão dos pressupostos do contrato a termo certo

13 — Nos termos da legislação da função pública o contrato de trabalho a termo certo é reservado para pessoal que satisfaça necessidades transitórias de serviço (artigos 7.° e 9.° do Decreto-Lei n.° 184/89 e artigo 18.° do Decreto-Lei n.° 427/89, de 7 de Dezembro).

14 — Na lei geral de trabalho, a tipificação das situações de' admissibilidade de celebração de contrato a termo constam do artigo 41°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 64-A/89, situações que no regime geral da função pública constam do artigo 18.° do Decreto-Lei n.° 427/89

Para além desta tipificação, o n.° 2 do mesmo artigo 41.° comina com a sanção da nulidade da estipulação do termo a celebração de contratos a termo fora dos casos previstos na lei.

15 —Temos, assim, uma especialidade dos contratos a termo certo celebrados pela Administração Pública que é uma tipificação das situações da sua admissibilidade no artigo 18.° do DecretoLei n.° 427/89, diferente da constante do artigo 41.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 64-A/89, aplicável exclusivamente a contratos celebrados pelô sector privado. ......._____

E temos também um regime comum aplicável indiferentemente à Administração Pública e ao sector privado — o regime da nulidade constante do artigo 41.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 64-A/89, que não foi afastado por qualquer norma específica do regime da função pública e, ao invés, foi recebido pelo artigo 9.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 184/ 89. Em jeito de conclusão poderá dizer-se que na Administração Pública a tipificação dos pressupostos ou requisitos de admissibilidade do contrato a termo constam do artigo 18.° do Decreto-Lei n.° 427/89; o regime de nulidades aplicável é o do artigo 41.° n.° 2 do Decreto-Lei n.° 64-A/89.

16 — Não obstante as exigências feitas no artigo 18.° n.° 1 do Decreto-Lei n.° 427/89 de tais contratos a termo certo se destinarem à «satisfação de necessidades transitórias dos serviços», no protocolo assinado em 21.1.93 pelo Governo e pela Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública reconhece-se de forma expressa que «em grande número de casos aqueles contratos vêm satisfazendo necessidades efectivas e permanentes dos estabelecimentos de ensino onde prestam funções» e que «a cessação de um grande número de contratos a termo criará graves problemas de funcionamento de um número considerável de estabelecimentos de ensino».

17 — Este reconhecimento expresso indicia no sentido de terem sido violados os pressupostos legais previstos no artigo 18." do Decreto-Lei n.° 427/89 para a celebração do contrato a termo: foi utilizado o regime de contrato a termo certo para a satisfação de necessidades permanentes dos serviços.

18 — Verificada a ofensa da lei, a situação passa a ser sancionada pelo disposto no artigo 41." n.° 2 do Decreto--Lei n.° 64-A/89, ou seja, a nulidade de estipulação do termo. E nulidade de estipulação do termo significa que o regime legal aplicável a tais contratos é o regime do contrato sem termo da lei laboral geral.

b) A questão da duração do contrato

19 — O prazo máximo de duração dos contratos a termo é idêntico, tanto na Administração Pública (artigo 9.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 184/89), como no sector privado (artigo 44.°, n.° 2 , do Decreto-Lei n.° 64-A/89, de 27 de Fevereiro): três anos.

20 — O Decreto-Lei n.° 427/89, publicado para desenvolver o regime jurídico estabelecido no Decreto-Lei n.° 184/89, veio restringir o período de duração dos contratos a termo certo na Administração Pública, fixando a sua duração em um ano e determinando a impossibilidade de celebração de novo contrato com o mesmo trabalhador e a mesma natureza e objecto antes de decorrido o prazo de seis meses (artigo 20.°, n.05 I e 5, do Decreto-Lei n.° 427/89).

21 —Na Administração sPública e no sector privado considera-se como único contrato aquele que seja objecto de renovação (artigo 20.°, n.° 3, do Decreto-Lei n.° 427/ 89 e artigo 44°, n.° 4, do Decreto-Lei n.° 64-A/89).

22 — Duas providências legais sucessivas renovaram estes contratos: o artigo 23.°, n.° 7, do Decreto-Lei n.° 83/ 93, de 18 de Março até 31.8.93; e o artigo 2°, n.° 1, da Lei n.° 71/93, até 31.8.94.

23 — Realça-se que duas ilações com significação jurídica se podem extrair destas renovações:

23.1 —Em primeiro lugar, foram celebrados contratos a termo certo por período superior ao previsto na legislação gera] da função pública;

23.2 — Em segundo lugar, nalguns casos, tais contratos excederam até o prazo máximo previsto, quer na legislação laboral geral, quer na da função pública (três anos), sendo certo também que deve ser considerado como único contrato aquele que seja objecto de renovação.

24 — Quanto à primeira ilação, ela é importante porque o artigo 43.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 427/89, proíbe a constituição de relações de emprego com carácter subordinado por forma diferente das previstas no diploma.

Isto significa que, por via de legislação avulsa, a estes trabalhadores foi aplicado um regime contratual atípico, di-

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ferente do originariamente previsto no Decreto-Lei n.° 427/ 89: o regime do contrato a termo por período superior a um ano.

Se à primeira vista nada obsta a esta «criação legal», desde que operada por diplomas legais com força idêntica ou superior à do Decreto-Lei n.° 427/89 (como foi o caso do Decreto-Lei n.° 83/93 e da Lei 71/93), ela conhece pelo menos dois limites; a) — o da boa-fé, pois o Estado, que é simultaneamente entidade patronal e órgão legislativo com competência para alterar as regras contratuais, não pode invocar o artigo 43.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 427/ 89 para diminuir as garantias dos trabalhadores — tal significaria ventre contra factum proprium; b) — o segundo limite é o das garantias dos trabalhadores que preexistiam antes da publicação do Decreto-Lei n.° 83/93 e da Lei 71/93 — entre essas garantias, por aplicação conjugada do artigo 9.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 184/89 e artigo 47.° do Decreto-Lei n.° 64A/84, incluía-se a da conversão em sem prazo do contrato a termo por período superior a três anos.

25 — Quanto à segunda ilação, acentua-se que os contratos a termo certo na Administração Pública estavam protegidos por três válvulas de segurança: a proibição de tais contratos durarem por período superior a um ano (artigó 20.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 427/89), a proibição do estabelecimento de relações de emprego diferentes das previstas no Decreto-Lei n.° 427/89 (artigo 43.°, n.° 1) e a fixação genérica de um limite máximo de duração destes contratos em três anos (artigo 9.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 184/89). Válvulas de segurança que, como vimos, o Estado-legislador afastou nos contratos celebrados com o pessoal auxiliar do Ministério da Educação.

c) Os direitos que assistem aos trabalhadores

26 — Verificamos, assim, que em consequência da assinatura do protocolo e da publicação dos Decreto-Lei n.° 83/93 e Lei 71/93, estes trabalhadores passaram a ser regidos por um regime contratual atípico, face à definição dos vínculos prevista no Decreto-Lei n.° 427/89 e, nalguns casos, por contratos a termo por período superior a três anos, o que é proibido quer pela lei geral de trabalho, quer pela específica da Administração Pública.

27 — Igualmente, pela aplicação das normas sanciona-tórias dirigidas à entidade patronal Estado, os contratos celebrados com violação dos pressupostos definidos no artigo 18.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 427/89 (para o exercício de actividades permanentes) converteram-se em contratos sem prazo; como se converteram também em sem prazo todos os contratos celebrados por período superior a três anos, estes por aplicação do artigo 9.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 184/89 e artigo 47.° do Decreto-Lei n.° 64-A/89.

28 — Ora as situações indicadas nos números anteriores devem ser qualificadas como excepcionais, sendo a excepcionalidade da segunda mais gravosa para os trabalhadores, pois o regime do contrato sem prazo previsto na lei laboral geral não é obviamente o tipo de vínculo previsto no regime geral da função pública para o exercício de funções a título permanente. Esse vínculo é a nomeação (artigo 3.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 248/85 e artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 427/89).

29 — A manutenção desta situação criaria-uma grave desigualdade do regime estatutário destes trabalhadores no confronto com o conjunto dos trabalhadores da função pública no exercício de funções idênticas. Desigualdade, aliás, que tendo decorrido de uma sanção legal prevista

para a entidade patronal Estado, ir-se-ia repercutir nos direitos dos trabalhadores.

30 — Se é inquestionável que, por força dos preceitos legais aplicáveis, o Estado deve reconhecer a estes trabalhadores o direito de permanecerem no exercício de funções, a partir de 31 de Agosto de 1994, no regime do contrato individual sem prazo, certo é também que se impõe, de forma positiva, a regularização subsequente destas situações a fim de as reconduzir ao tipo de vínculo aplicável ao exercício de funções a título permanente na Administração Pública — a nomeação.

rv

Princípios invocáveis para garantia dos direitos dos trabalhadores

a) A Constituição laboral e a vinculação da Administração aos direitos dos trabalhadores

31 — A Constituição tem um reflexo importante nos vários ramos jurídicos, sendo esse reflexo particularmente grave no direito laboral, mesmo o de natureza pública, podendo afirmar-se que o juslaboralismo ocupa um lugar de charneira dentro dos temas constitucionais.

32 — Primeiro, existe uma especial vinculação das entidades públicas ao respeito pelos direitos fundamentais, resultante da aplicação conjugada dos artigos 17.° e 18.°, n.° 1, da Constituição. Significa isto que a vinculação deve ser total, ou seja, as entidades públicas não só não deverão contrariar os preceitos constitucionais que garantem as liberdades fundamentais, como têm a obrigação de, através dos seus actos, promover e assegurar o respeito por esses preceitos.

33 — Segundo, a «Constituição laboral» — conjunto descritivo das regras constitucionais com relevo directo para o Direito do Trabalho — integra princípios de nível preceptivo, dos quais importa destacar a «segurança no emprego» (artigo 53.°) que implica, nomeadamente, a proibição de despedimentos sem justa causa.

Ainda neste âmbito de aplicação da «Constituição laboral», importa referir o nível de eficácia constitucional interpretativo-aplicativo. Neste nível, a Constituição tem influxos extensos em todo o processo de realização do Direito. Desde logo ocupa um papel essencial na formação do pré-entendimento do intérprete e do aplicador. Daqui se retira que se devem evitar as vias interpretativas que conduzam a resultados inconstitucionais, que os elementos constitucionais devem ser integrados nos modelos de decisão e, finalmente, que perante uma igualdade de circunstâncias, deve escolher-se, das vias interpretativas em presença, a que melhor se coadune com a mensagem constitucional.

34 — Assim, salva-se exclusivamente no caso em apreço a interpretação da lei que obedeça, por um íado, ao princípio da «segurança no emprego», e, por outro, à melhor solução face às directrizes laborais vertidas na Constituição.

b) 0 princípio do favor laboratorls

35 — O princípio do favor laboratorls, ou do «tratamento mais favorável do trabalhador, desempenha um papel fulcral. E este papel consiste em munir o intérprete de uma presunção fundamental: a presunção de

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que a norma a interpretar admite especificação para mais, no sentido da maior vantagem para o trabalhador. Ou seja, a presunção de que as normas jurídico-laborajs, comportam sempre um limite quanto à protecção mínima do trabalhador e uma possibilidade de especificação para mais. Ora, segundo este entendimento, mesmo aquela norma que se mostra expressamente limitativa — caso da norma contida no artigo 43.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 427/89 — comportará uma especificação para mais, sob pena de preterição do princípio do favor laboratoris, en formador de todo o direito laboral.

• 36 — Este princípio desempenha pois uma função de um prius relativamente a todo o esforço interpretativo, no sentido de obrigar o intérprete-aplicador a reconduzir a solução do caso concreto à melhor solução para o trabalhador. O favor laboratoris opera simultaneamente como um elemento interpretativo, e como o enquadramento da própria interpretação das normas laborais. Por isso, considerar uma qualquer solução que não seja aquela que proteja o trabalhador, na perspectiva da garantia da sua relação jurídico-laboral, corresponde a grave violação da lei. A dignidade da pessoa humana, bem como a função económica e social do Direito do Trabalho não se compadecem com interpretações que não sejam aquelas que salvaguardam a posição do trabalhador — parte mais fraca da relação jurídica.

c) O princípio dá «boa fé»

37 — Também o princípio da «boa fé» se reveste de especial importância no âmbito laboral. Tal decorre directamente da própria natureza da relação jurídica em causa que confere maiores poderes ao empregador, em correspondência com maiores sujeições do trabalhador. Na referida prevalência do empregador não pode incluir-se a criação de «falsas» expectativas jurídicas, nem, por maioria de razão, a criação de factos que venham depois a ser alegados em seu benefício. Tal consubstancia uma clara situação de venire contra factum proprium. Por exemplo, é abusiva a actuação do senhorio que, tendo estimulado a instalação de uma indústria doméstica, intenta, com fundamento na presença desta, o despejo (Acórdão da Relação de Lisboa de 17 de Julho de 1970).

38 — Transpondo para o caso sub judice, foi a Administração que gerou o facto em análise: a conversão dos contratos a termo em contratos sem termo, ou por via das sucessiva prorrogações, e/ou por via da celebração de contratos com termo fora das situações previstas na lei, por inexistência dò preenchimento dos pressupostos materiais. Logo, não pode a Administração utilizar o disposto no já referido artigo 43.° do Decreto-Lei n.° 427/ 89, para impedir uma consequência (que aliás funciona ope legis) de um facto por si criado.

d) O princípio da igualdade

39 — O princípio da igualdade constante do artigo 13." da Constituição postula o tratamento igual de situações iguais ou semelhantes e um «fundamento material razoável» para a diferenciação dos regimes legais na sua aplicação concreta as várias situações. São directrizes dirigidas, quer ao órgão de aplicação da lei, quer ao legislador.

40 — Ora o princípio da igualdade comporta, várias aplicações na situação versada nesta recomendação, tanto na perspectiva da entidade patronal como na do trabalhador.

41 —Na perspectiva da entidade patronal, não pode admitir-se que, no domínio da legislação semelhante, aplicável a situações semelhantes, o Estado entidade patronal se exima do cumprimento de deveres (nomeadamente a aplicação de normas sancionatórias), que, em

situações equiparáveis, exige aos empresários privados.

42 — Na perspectiva dos trabalhadores, é também contrário à ordem de valores constitucional que os trabalhadores admitidos pelo Estado no regime geral de trabalho beneficiem de menores garantias do que os trabalhadores em semelhante situação admitidos pelas empresas. Como também ofende o princípio da igualdade que os trabalhadores, a quem deve ser reconhecida a permanência no exercício de funções no regime do contrato individual sem prazo, se mantenham no exercício de funções permanentes com um vínculo diferente do aplicável aos restantes funcionários e agentes do Estado.

43 — De tudo o anteriormente exposto, ao abrigo da competência que me é conferida pelo artigo 20.°, n.° 1, alíneas a) e b) da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, formulo a Vossa Excelência a seguinte Recomendação:

Que reconheça aos trabalhadores visados o direito à permanência em funções, desde 31 de Agosto de 1994, no regime do contrato individual sem prazo;

Que promova, dentro do espírito do sistema, um processo de regularização excepcional para a recondução destas situações ao regime geral da função pública.

(Ausência de resposta que motivou a comuniéação à Assembleia da República.)

12.12.94 IP-30/92.

A S. Ex." o Ministro da Saúde:

Desde 1992, têm vindo a ser apresentadas múltiplas reclamações visando o regime das taxas moderadoras estabelecido no Decreto-Lei n.° 54/92, de 11 de Abril, nomeadamente a insuficiência da lista das isenções contempladas no seu artigo 2.°, n.° 1, bem como a indefinição dos meios de prova correspondentes e referidos no n.° 2 do mesmo normativo.

A maior parte das reclamações têm como objecto o disposto no artigo 2.°, n.c 1, que prevê em termos insuficientes, as razões de natureza médica susceptíveis de isentarem determinados grupos de cidadãos do pagamento no acesso aos cuidados de saúde.

Invocam que, para além das patologias contempladas, muitas outras deveriam ser consideradas, pois pela sua cronicidade e agudizações obrigam os doentes a recorrerem frequentemente aos cuidados de saúde, situação que se traduz em custos, por vezes incomportáveis, com os seus meios de subsistência.

Tendo em vista o início da instrução das mesmas reclamações, bem como a tentativa de delinear os traços essenciais^ e orientadores da estratégia a adoptar relativamente ao assunto ora em apreço e, designadamente, com o objectivo de percepcionar a posição das várias entidades visadas quanto às questões fulcrais em causa, foram solicitados esclarecimentos a diversas enudaàe&.

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Estudada a matéria na sua generalidade e analisado o conjunto de questões que se colocam acerca da problemática das taxas moderadoras e do direito à saúde, privilegiei uma dupla perspectiva (jurídica e médica), procurando delimitar os problemas que se colocam à luz de princípios de justiça, equidade e correcção legal do sistema.

Compulsando todos os elementos reunidos, nomeadamente os que resultaram das diligências anteriormente referidas, entendo, ao abrigo da competência que me é conferida pelo artigo 20.°, n.° 1, alínea b), da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, dever recomendar a Vossa Excelência se digne proceder à alteração do actual sistema das taxas moderadoras, previsto no Decreto-Lei n.° 54/92, de 11 de

Abril, nos seguintes termos:

I

Princípios gerais

Correcção do sistema segundo os princípios da justiça e da equidade.

De acordo com aqueles dois princípios, alguns dos que actualmente pagam taxas moderadoras, deverão ser colocados na categoria de isentos, e outros, actualmente isentos, passarão a pagar taxa moderadora.

O actual sistema de gratuitidade tendencial consagrado na Constituição, assume uma dupla perspectiva objectiva (enquanto qualificativa do Serviço Nacional de Saúde) e subjectiva (enquanto relacionada com as condições económicas e sociais dos cidadãos), o que permite estabelecer uma conexão entre gratuitidade e carência económica dos destinatários.

Na verdade, na medida em que o texto constitucional faz depender o carácter tendencialmente gratuito do Sistema Nacional de Saúde das condições económicas e sociais dos cidadãos dele beneficiários, tal preceito viabiliza várias soluções, desde a gratuitidade absoluta para os mais carenciados à fixação de taxas moderadoras.

No entanto, a linha de fronteira entre uns e outros é, em termos de rendimentos, o salário mínimo nacional.

n

Correcções ao Decreto-Lei n.8 54/92, de 11 de Abril

Artigo 2.°, n.« 1, alínea b)

Deverão estar isentos do pagamento das taxas moderadoras os beneficiários do abono de família e não apenas as crianças até aos 12 anos de idade.

A dependência dos pais em termos económicos prolonga-se ou pode prolongar-se até final da formação escolar.

É esse o critério utilizado pelo Decreto-Lei n.° 197/77, de 17 de Maio, no que se refere ao limite de idade para a concessão do abono de família.

Equiparar tais condições às de isenção do pagamento de taxas moderadoras, significa pugnar pela harmonia do sistema jurídico como um todo, nomeadamente quando as circunstâncias e as situações devam ter consequências comuns. Se é possível beneficiar-se do abono de família até aos 24 anos de idade, não se encontra fundamento para não se poder beneficiar de isenção de pagamento das taxas

moderadoras até semelhante idade, sendo certo que em ambos os casos se atenderia aos encargos familiares.

O sistema de fiscalização desta isenção poderia ser idêntico ao do abono de família, isto é, isenção de qualquer justificação escolar até aos 14 anos; justificação de matrícula em estabelecimento de ensino secundário ou equiparável, dos 14 aos 18 anos e de justificação de matricula em estabelecimento de ensino superior ou equiparável, dos 18 aos 25 anos.

Artigo 2.B, n.8 1, alínea c)

Deverão ser contemplados pela isenção de pagamento das taxas moderadoras todos os deficientes pelo facto de o serem.

A isenção ora em apreço, deve ter como fundamento e ser atribuída em função da deficiência, e apenas desta, e não das condições para se beneficiar da pensão social ou de invalidez, ou do rendimento que aufere, ou do rendimento do agregado familiar como actualmente acontece. Na verdade, o abono complementar à crianças e jovens deficientes é concedido até aos 24 anos de idade, em função da deficiência (artigo 5.° do DL n.° 170/80, de 29 de Maio), mas, com idade superior a 24 anos, terão direito a um subsídio mensal vitalício, se não estiverem em condições de beneficiar da pensão social ou de invalidez (artigo 6.°, idem);

Fazer depender a isenção de pagamento das taxas moderadoras da deficiência e não de outro qualquer benefício de segurança social é também uma reclamação da Associação Portuguesa de Deficientes, pois alega que o novo Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, relativamente a pessoas com deficiência, não preveniu os dispositivos necessários e adequados com vista a simplificar, a todos os níveis, o acesso à saúde por parte destes utentes privilegiados.

Com efeito, a elevada frequência com que têm de recorrer aos serviços de saúde, a inacessibilidade prática ao ensino e a grande percentagem de desemprego que os afecta, justificam a isenção proposta.

Artigo 2.9. n." 1, alínea e)

Relativamente a contribuintes casados, deverá consagrar--se na lei o quociente conjugal utilizado na legislação fiscal (splitting system) e no § 4 da circular normativa n.° 4 de 28/4/92 (Doe. 1).

Igualmente, deverá estabelecer-se uma ponderação percentual a acrescer aos rendimentos sujeitos a isenção por cada dependente a cargo. Este alargamento deverá ser acompanhado de um maior rigor na verificação das situações em que é excedido o salário mínimo nacional, quer nos casos em que os pensionistas auferem mais que uma pensão, quer naqueles em que são simultaneamente trabalhadores no activo e inscritos na Segurança Social ou Caixa Geral de Aposentações e, tendo pensão de sobrevivência, auferem outros rendimentos.

Artigo 2.*, n.° 1, alínea I)

Os trabalhadores independentes deverão ser incluídos nesta alínea e sujeitos a limites idênticos aos dos trabalhadores por conta de outrem, já que não se vislumbra qualquer razão para um tratamento desigual.

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Relativamente a contribuintes casados, e quando existam dependentes a cargo, aplica-se regime idêntico ao proposto

a esse respeito a propósito da alínea e) do n.° 2 do artigo 2.°

Artigo 2?, n.» 1, alínea j)

Deverão ser também isentos do pagamento das taxas moderadoras os acidentados do trabalho com incapacidade não inferior a 50%.

Sempre que o exame seja feito por ordem do Tribunal,

a cobrança da taxa moderadora deve efectuar-se à entidade responsável mediante apresentação de factura passada em seu nome e não directamente aos utentes.

Artigo 2.9, n.M, alínea /)

Devem ser estabelecidos critérios e parâmetros de gravidade e cronicidade das doenças, aferidas por relatório médico, que possibilitem, para além do estabelecimento de uma lista exemplificativa de situações nosológicas, o seu constante alargamento e apreciação individual de casos não compreendidos na referida listagem.

Esta apreciação individual poderá ser feita por uma Comissão que avalie as condições de isenção do pagamento de taxas moderadoras, ou de outros benefícios facilitadores da assistência pelos serviços oficiais, conforme sugestão do Colégio de Medicina Interna no ofício n.° 2193/CE de 29/6/94 (Doe. 2).

Assim, deve ser mantida uma lista não taxativa de situações nosológicas, já que a sua existência é absolutamente indispensável como elemento de referência.

Todavia, como a lista actualmente consagrada no artigo 2.°, n.° 1, alínea 1) é manifestamente insuficiente, deverão acrescentar-se as patologias que os vários Colégios de Especialidade entenderam poderem fundamentar a isenção de pagamento das taxas moderadoras (Does. 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11 e 12).

Nestes termos:

a) Na área da cardiologia:

a.l) Insuficientes cardíacos crónicos; a.2) Doença coronária; a.3) Doentes valvulares crónicos; a.4) Arritmias; a.5) Hipertensão arterial; a.6) Cardiopatias congénitas com necessidade de vigilância ou terapêutica regular.

b) Na área da imuno-alergologia:

Asma brônquica.

c) Na área das doenças infecciosas:

cl) Hepatites vincas; c.2) Sífilis; e

c.3) Todas as doenças sexualmente transmissíveis.

d) Na área dá medicina física e reabilitação:

d.l) Hemiplegia; d.2) Paraplegia; d.3) Tetraplegia; d.4) Doença motora cerebral; d.5) Doença degenerativa do sistema nervoso central;

d.6) Amputação de membros;

d.7) Insuficiência vascular periférica grave; d.8) Insuficiência respiratória crónica;

d.9) Artrite reumatóide e

d. 10) Outros reumatismos inflamatórios.

e) Na área da dermatologia:

e.l) Neoplasias cutâneas malignas; e.2) Genodermatoses com compromisso funcional ou expressão clínica importante;

e.3) Dermatoses crónicas (psoríase, úlcera de perna, outras dermatoses crónicas com compromisso funcional ou expressão clínica importante;

e.4) Doença de Bechet;

e.5) Dermatoses bolhosas;

e.6) Doenças transmitidas sexualmente;

e.7) Lepra; e

e.8) Tuberculose cutânea.

f) Na área da endocrinologia:

f.l) Tumores hipofisánòs;

f.2) Hipopiruitarismos;

f.3) Insuficiências suprarenais crónicas;

f.4) Hipotiroidismo congénito; e

f.5) Doenças metabólicas deformantes dos ossos.

g) Na área da oftalmologia:

g.l) Glaucoma; g.2) Diabetes ocular.

h) Na área da medicina interna:

h.l) Doentes transplantados;

h.2) Doentes insuficientes respiratórios crónicos por doenças neuromusculares, ou da parede toráxica ou broncopulmonares que necessitem de oxigenoterapia diária domiciliária,

ou de ventilação mecânica domiciliaria e

h.3) Mucoviscidose.

0 Na área da neurologia — doentes neurológicos crónicos e/ou irreversíveis que requeiram apoio médico, terapêutico e/ou meios complementares de diagnóstico, com carácter regular.

j) Na área da reumatologia:

j.l) Artrite reumatóide;

j.2) Lupus eritematoso sistémico;

j.3) Esclerodermia;

j.4) Osteoporose documentada;

0 Na área da pediatria:

1.1) Fibrose quística;

1.2) Paralisia cerebral;

1.3) Displasias broncopulmonares;

1.4) Erros inatos do metabolismo;

1.5) Anemias crónicas;

1.6) Coaqulopatias crónicas;

L7) todas as doenças do tecido conjuntivo;

1.8) Doenças auto-imunes;

1.9) Cardiopatias congénitas ou adquiridas crónicas;

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1.10) Epilepsia;

1.11) Hidrocefalia;

1.12) Doença celíaca e outras doenças de má absorção e intolerâncias alimentares;

1.13) Cromosopatias;

1.14) Doença inflamatória crónica do intestino;

1.15) Hepatopatias crónicas;

1.16) Hipertensão portal;

1.17) Epidermolise bolhosa;

1.18) Endocrinopatias crónicas;

1.19) Neuropatías crónicas;

1.20) Todos os atrasos mentais;

1.21) Doenças neurológicas degenerativas;

1.22) Displasias ósseas;

1.23) Miopatias;

1.24) Artrogripose;

1.25) Deficites imunitários congénitos ou adquiridos (sem ser HIV);

1.26) Deficites sensoriais;

1.27) Doenças malformativas; e

1.28) Deficites motores.

Artigo 2.a, n.« 1, alínea o)

Deverão ser abrangidos os alcoólicos crónicos e toxicodependentes, mesmo que não inseridos em programas de recuperação no âmbito de serviços oficiais, desde que tenham idêntico objecto.

m

Situações omissas no artigo 2.9

1 — O cuidado de saúde deve ser prestado independentemente do pagamento, como decorre da circular n.° 6/ 92, de 21/4/92 (Doe. 13).

Esta regra deveria constar do Decreto-Lei.

2 — Os reclusos deveriam incluir-se na alínea f) do n.c 1 do artigo 2.°;

3 — O regime das pessoas sem recursos — indigentes — deveria constar de uma nova alínea do n.° 1 do artigo 2.°, desde que sujeitos a prova de insuficiência de rendimentos.

4 — Os beneficiários das Misericórdias, deveriam ser abrangidos no artigo 2." n.° 1 alínea g).

IV

Artigo 2.a, n.9 2 — Meios de prova

A inserção dos meios de prova em lei ou regulamento é limitativa e pode ter efeitos perversos. Porém:

1 — É útil a sua divulgação em desdobrável explicativo e nele deverão constar todos os esclarecimentos e interpretações já efectuados nas circulares normativas n.° 2 de 31/3/92, n.° 3/ DO de 11/3/92 e n.° 6 de 21/4/92 (Does. 14, 15 e 13), bem como as que venham a ser publicadas sobre a matéria.

2 — Devem ser aceites todos os meios de prova, incluindo a testemunhal (cfr. n.° V da Resolução 21/87 do Conselho de Ministros, in DR, 1.* série, de 29/5/87).

V

Informação

É necessário providenciar meios para uma maior informação sobre as taxas moderadoras, para evitar que pesem

mais nos orçamentos das famílias de médios e baixos recursos. Na verdade, nem todos os cidadãos isentos de pagamento das taxas moderadoras usufruem do seu direito, essencialmente por falta de informação.

O utente de médios e baixos recursos, não está informado nem sobre as consequências da doença ou disfunção, nem sobre as soluções alternativas para as controlar, havendo utentes realmente necessitados que serão dissuadidos de recorrer ao sistema de saúde tempestivamente, vindo a utilizá-lo mais tarde.

Com mais informação evita-se na maior parte dos casos a duplicidade de cuidados.

Impõe-se a divulgação em termos mais eficientes do significado dos diversos Serviços de Atendimento Permanente, com o objectivo de estes cumprirem na prática e efectivamente a sua missão alternativa às urgências.

(Recomendação não acatada.)

94.12.30 R-2363/93

A Sua Excelência o Ministro do Emprego e da Segurança Social:

I

Foram apresentadas na Provedoria de Justiça várias queixas e instaurados os respectivos processos, relativas à interpretação e aplicação que pelas entidades envolvidas vem sendo feita do disposto no artigo 9.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 25/93, de 5 de Fevereiro.

Conforme é do conhecimento público, este diploma foi publicado com os objectivos de suprir e atenuar os graves e previsíveis problemas que se fizeram sentir em todo o sector aduaneiro com a abolição das fronteiras fiscais e dos controlos aduaneiros relativos às trocas intracomunitárias, decorrente da criação do mercado interno comunitário a partir de 1 de Janeiro de 1993.

Contém este diploma um conjunto de medidas de excepção com vista à minoração das consequências negativas que, ao nível do emprego, se iriam fazer sentir no sector após aquela data e que apresentam duas vertentes diferenciadas: por um lado, um conjunto de prestações de carácter'social e, por outro, um conjunto de apoios à formação e reconversão profissional dos trabalhadores e à criação de empregos.

É relativamente à primeira vertente e, concretamente, à medida integradora constante da alínea d), do artigo 3.°, do Decreto-Lei n.° 25/93, de 5 de Fevereiro, que foi solicitada a intervenção deste Órgão do Estado.

Esta medida especial que se refere à compensação por cessação de contrato de trabalho, encontra-se prevista no artigo 9.° do diploma e é nesta norma legal que reside toda ' a problemática que seguidamente se descreve.

Os vários reclamantes que, individual ou conjuntamente, apresentaram queixa e ainda o Sindicato dos Trabalhadores Aduaneiros em Despachantes e Empresas, expuseram a sua posição que consiste, sumariamente, nos seguintes considerandos:

1 — No sector aduaneiro desde sempre se verificou uma grande mobilidade de trabalhadores devido à facilidade de mudança de empregador, favorecida

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pelas regras próprias acordadas ao nível da contratação colectiva entre entidades patronais e seus representantes, e os trabalhadores e seus representantes;

2 — A especificidade das actividades desenvolvidas no sector propiciavam uma aglutinação dos interesses das entidades patronais e dos trabalhadores;

3 — No contrato colectivo de trabalho actualmente em vigor, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, .1." série, n.°' 44, de 29/11/1979, estão

definidas as regras que regulam a admissão de um

trabalhador numa nova entidade patronal (cláusula 13.*: «Na admissão de qualquer trabalhador será tomado em linha de conta o tempo de serviço e a categoria já alcançada noutra ou noutras entidades patronais, não podendo o trabalhador ser admitido com prejuízo da sua antiguidade na profissão»), regra esta que sempre pautou as actuações das entidades patronais do sector;

4 —No mesmo instrumento de regulamentação colectiva de trabalho encontra-se ainda previsto o processo de cálculo da indemnização devida ao trabalhador por cessação do contrato, e que é de um mês de vencimento por cada ano de serviço ou fracção (regra, aliás, de conteúdo idêntico à do n.° 3, do artigo 13.°, do Decreto-Lei n.° 64-A/89, de 27 de Fevereiro);

5 — Da conjugação das normas constantes do contrato colectivo de trabalho referido resulta claramente que sobre a entidade patronal impende o dever de indemnizar, em caso de cessação do contrato de trabalho que origine direito a recebimento de indemnização, por todo o tempo de serviço do trabalhador no sector;

6 — Esta é a correcta interpretação e aplicação das normas estabelecidas a nível contratual, e que desde há muito vêm regulando as relações de trabalho dentro do sector;

7 — Também a mesma regra de raciocínio deverá pautar a interpretação e a aplicação do disposto no artigo 9.° do Decreto-Lei n.° 25/93, de 5 de Fevereiro,

pois embora se tratem de normas especiais, a partir

do momento em que se pretende criar um regime de excepção mais benéfico para os trabalhadores há que partir, não da base legal, que determina os parâmetros mínimos (esta é a regra geral no âmbito dq Direito do Trabalho), mas das regras consignadas no instrumento de regulamentação colectiva, nascidas do acordo entre as partes. Acresce que esta foi a posição oportunamente aceite e assumida por Sua Excelência a Secretária de Estado Adjunta e do Orçamento, aquando da fase anterior à publicação do Decreto-Lei, que envolveu numerosas reuniões entre as partes interessadas;

8 — Assim não sendo esta a interpretação e aplicação dos Centros Regionais de Segurança Social, os trabalhadores com vinte ou mais anos de serviço no sector, vêm a receber a indemnização correspondente apenas a três ou quatro anos de serviço, ou mesmo menos, dependendo do tempo que prestaram na última entidade patronal;

9 — Mostra-se clara a disparidade entre o benefício que se pretendeu alcançar com o diploma em causa e o que de facto dele decorre, se essa for a interpretação e aplicação que lhe for dada;

10 — Pretendem, em suma, os Reclamantes, que sejam alterados os procedimentos, quer dos Centros Regionais de Segurança Social, quer das Delegações do IDICT, que têm vindo a defender e a aplicar a interpretação mais restritiva da norma contida no n.° 1, do artigo 9.°, do Decreto-Lei n.° 25/93, de 5 de Fevereiro, e prejudicado, assim, todos quantos por ela se encontram abrangidos.

n

Solicitados os esclarecimentos pertinentes aos Ex."™ Senhores Chefes dos Gabinetes de Suas Excelências o Secretário de Estado do Orçamento (ofício n.° 3790, de 12 de Março p.p.) e Secretário de Estado da Segurança Social (ofício n.° 3791, de 12 de Março p.p.), e apesar do envio de ofícios de insistência, datados de 11 de Maio p.p., não foram recebidas quaisquer respostas.

Do Gabinete de Sua Excelência o Secretário de Estado da Segurança Social e assinado pelo Ex.1"0 Senhor Chefe do mesmo, foi recebido um ofício datado de 20 de Maio de 1994, com o n.° 3906 e relativo ao processo ali aberto com a referência 93/2280, em que era informado ter sido o assunto encaminhado para o Gabinete de Sua Excelência o Ministro do Emprego e Segurança Social, porquanto a matéria em apreciação se inseria no âmbito da legislação laboral, cujo tratamento, no caso concreto, caberia à Ins-pecção-Geral do Trabalho (Doc.l).

Posteriormente, foi recebido do Gabinete de Sua Excelência o Secretário de Estado do Orçamento, através do Ex."10 Senhor Chefe do Gabinete, em ofício datado de 17 de Junho de 1994 e com o n.° 1389, o esclarecimento que sobre o assunto havia sido elaborada a informação n.° 06/TE(MC)/94, de 28 de Fevereiro de 1994, da Inspec-ção-Geral de Finanças (junta ao ofício) e que, naquela mesma data havia o processo sido remetido à Secretaria de Estado da Segurança Social (Doc.2).

Da informação supra-referida retira-se considerarem a Inspecção-Geral de Finanças e Sua Excelência o Secretário de Estado do Orçamento ser da exclusiva competência do Ministério do Emprego e Segurança Social o cálculo do valor das referidas indemnizações, derivando tal entendimento do facto de ser aquela entidade a responsável pela gestão, controlo e pagamento daqueles montantes (vide ponto 3 da informação n.° 06/TE (MC)/94).

Na instrução de outro processo respeitante ao mesmo assunto, foram solicitados esclarecimentos ao Ex.mo Senhor Inspector-Geral do Trabalho, em 2 de Fevereiro de 1994, através do ofício n.° 1762, ao qual foi dada resposta em 2 de Março de 1994, pelo Ex.m0 Senhor Inspector-Geral, através do ofício com a referência GIG/90 (Doc.3), onde se considera relevante para efeitos do cálculo indemnizatório «sem margem de dúvidas, a antiguidade na empresa, a qual se inicia com a celebração do contrato de trabalho».

Deste ofício retira-se-claramente qual a posição das entidades envolvidas, no caso, o Centro Regional de Segurança Social de Viana do Castelo e a Delegação do IDICT de Viana do Castelo, tendo a posição expressa por esta última entidade obtido a concordância do Ex."10 Senhor Inspector-Geral do Trabalho (vide pontos 7 e 8).

Por outro lado, o Ex.1"0 Senhor Inspector-Geral do Trabalho elaborou uma Informação que, submetida a despacho superior, foi objecto de concordância com o entendimento anteriormente expresso.

Quanto a esta interpretação apenas se dirá que os argumentos e exemplos nela expendidos seriam completamente

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aceitáveis, se estivéssemos face a uma situação económica, social e laboral que pudesse ser considerada «normal» dentro de um sector de actividade. Contudo, as «profundas alterações ao nível do sector aduaneiro» e a «previsível redução da actividade dos despachantes oficiais, com as inerentes consequências para as empresas e para os trabalhadores ao seu serviço» foram exactamente os motivos ponderados e que teleologicamente dominaram a elaboração do Decreto-Lei n.° 25/93, ao pretender criar um conjunto de medidas de excepção especialmente dirigidas aos trabalhadores em despachantes oficiais, fazendo assim cair pela base as considerações ali feitas.

Acresce que existe uma contradição entre estas posições e a que em momento anterior foi assumida por Sua Excelência a Secretária de Estado do Orçamento, garantindo a relevância da antiguidade no sector.

m

Tendo analisado a questão, retirei as seguintes conclusões:

1 .* A compensação por cessação de contrato de trabalho, a que se refere a alínea d), do artigo 3.°, do Decreto-Lei n.° 25/93, de 5 de Fevereiro, e a comparticipação em um terço do valor que resulta da aplicação do n.° 3, do artigo 13.°, do Decreto-Lei n.° 64-A/89, de 27 de Fevereiro, referida no n.° 1 do artigo 9.° do Decreto-Lei n.° 25/93, de 5 de Fevereiro, devem ser interpretadas no sentido de ser dada à expressão «antiguidade» o sentido de antiguidade no sector. A não ser essa a interpretação feita, haverá que concluir do completo esvaziamento das normas em apreço, já que compensação calculada nos termos de antiguidade na empresa era a forma geral e normal que abrangeria estes trabalhadores, decorrente da lei geral relativa à matéria.

2.* Se é certo que a comparticipação financeira do Estado nas compensações devidas aos trabalhadores por cessação dos contratos de trabalho constitui uma especialidade do regime em apreço, também é verdade que tal facto decorre de uma alteração profunda da situação do sector do despacho alfandegário, nascida das implicações da abolição de fronteiras ao comércio intracomunitário, tendo o Estado, para o efeito, assumido um compromisso com estes trabalhadores no sentido de criar e zelar pelo cumprimento de regras que melhor os protegessem do quase inevitável desemprego e da frustração das suas expectativas laborais.

3.* A não ser este o entendimento a dar à expressão antiguidade, criam-se situações de profunda e flagrante injustiça, como sejam todas —e não são poucas—, em que um trabalhador, apesar de ter trabalhado trinta ou mais anos no sector mudou nos últimos anos de entidade patronal e que acabará por receber uma compensação financeira inferior à de outros que tendo trabalhado um menor número de anos naquela actividade do despacho alfandegário, o fizeram sempre para a mesma entidade patronal. Conclui-se daqui que, ao interpretar-se antiguidade como antiguidade na empresa (e não como antiguidade no sector) se está a penalizar um sem número de trabalhadores que durante anos trabalharam e criaram expectativas de, mesmo ao verem os seus postos de trabalho extihguirem-se, serem compensados por todo esse tempo.

rv

Nestes termos e ao abrigo do disposto na alínea b), do n.° 1 do artigo 20.° da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, recomendo a Vossas Excelências:

a) A elaboração de um Despacho Conjunto relativo à interpretação a ser dada ao artigo 9.°, do Decreto-Lei n.° 25/93, de 5 de Fevereiro, no sentido de a expressão antiguidade usada no n.° 3 do artigo 13.° do Decreto-Lei n.° 64-A/89, de 27 de Fevereiro, para efeitos de aplicação do Decreto-Lei n.° 25/93, de 5 de Fevereiro, ser entendida como antiguidade no sector e não como antiguidade na empresa;

b) Por outro lado, e quanto ao prazo de vigência do Decreto-Lei n.° 25/93, de 5 de Fevereiro, apesar

de o n.° 1 do artigo 17." reportar a produção dos seus efeitos a 1 de Janeiro de 1993 e, nos termos do n." 2, o diploma ter um prazo de vigência de 24 meses, a verdade é que a caducidade do mesmo apenas ocorrerá em 10 de Fevereiro de 1994, visto que não foi fixada qualquer data para a sua entrada em vigor e, nessa medida, o começo de vigência do diploma ter ocorrido após o decurso da vacatio legis, nos termos do artigo 2.° da Lei n.° 6/83, dé 29 de Julho, na versão dada pelo Decreto-Lei n.° 1/91, de 2 de Janeiro.

Considerando que se encontram ainda alguns trabalhadores do sector no activo mas cujas perspectivas de futuro se afiguram assaz preocupantes, recomendo a prorrogação da vigência do Decreto-Lei n.° 25/93, de 5 de Fevereiro por um prazo que se afigure razoável de modo a permitir que tais trabalhadores beneficiem do regime especial criado pelo Decreto-Lei n.° 25/93, de 5 de Fevereiro.

R-1887/94.

A S". Ex." o Ministro da Administração Interna:

Tenho a honra de me dirigir a V. Ex.* para envio de uma recomendação que entendo dever formular ao abrigo do disposto no artigo 20.°, n.° 1, alínea b), do Estatuto do Provedor de Justiça, constante da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril.

I

Exposição de motivos

1 — Deu entrada nesta Provedoria uma reclamação relativa ao preceituado por algumas das disposições contidas no Projecto de Regulamento Policial do Distrito de Lisboa, publicado no Diário da República, 2.a série, n.° 80, de 6 de Junho de 1994, pp. 3083 e segs.

2 — Na sequência da mencionada reclamação, foi o mesmo objecto de uma apreciação integral, consubstanciada no parecer que em anexo se junta, a qual abrangeu a respectiva norma legal habilitante.

3 — Remete-se, assim, para as considerações tecidas no referido parecer, o qual mereceu a minha concordância, constituindo fundamento e motivação da presente Recomendação, bem como de outra que entendi formular à Ex.1™1 Senhora Governadora Civil do Distrito de Lisboa.

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4 — Do mesmo passo, importa observar que a escassa densidade normativa do disposto no artigo 4.°, n.° 3, alínea c), do Decreto-Lei n.° 252/92, de 19 de Novembro, compromete a validade de todas as normas regulamentares que contenham medidas de polícia, em face do disposto no artigo 272.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa.

JJ

Conclusões

Nestes termos, e na prossecução da atribuição que me é conferida pelo artigo 23°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa, entendo fazer uso dos poderes que me são confiados pela Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, no seu artigo 20.°, n.° 1, alínea b), e como tal recomendar a alteração da redacção do artigo 4.°, n.° 3, alínea c), do Estatuto dos Governadores Civis, constante do Decreto-Lei n.° 252/92, de 19 de Novembro, por forma a eliminar a expressão «que não sejam objecto de lei ou regulamento geral», e, consequentemente, a alteração de todos os regulamentos policiais distritais em que se contenha limitação semelhante.

R-1887/94.

À Ex.™ Governadora Civil do Distrito de Lisboa:

Tenho a honra de me dirigir a V. Ex.* para dar a conhecer uma Recomendação que entendo dever formular ao abrigo do disposto no artigo 20.°, n.° 1, alínea b), do Estatuto do Provedor de Justiça, constante da Lei n.° 9/ 91, de 9 de Abril.

I

Exposição de motivos

1 — Deu entrada nesta Provedoria uma reclamação sobre algumas das disposições contidas no Projecto de Regulamento Policial do Distrito de Lisboa, publicado no Diário da República, 2.' série, n.° 80, de 6 de Junho de 1994, pp. 3083 e segs.

2 — Na sequência da mencionada reclamação, foi o projecto regulamentar objecto de uma apreciação integral, consubstanciada no parecer que em anexo se envia.

3 — Remete-se, assim, para as considerações tecidas no referido parecer, o qual foi objecto da minha concordância, constituindo fundamento e motivação da presente Recomendação.

n

Conclusões

Nestes termos, e na prossecução da atribuição que me é conferida pelo artigo 23.*, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa, entendo fazer uso dos poderes que me são confiados pela Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, no seu artigo 20.°, n.° 1, alínea b), e como tal Recomendar que no procedimento conducente à elaboração do Projecto de Regulamento Policial do Distrito de Lisboa, a submeter à aprovação de Sua Excelência 0 Ministro da Administração Interna, nos termos do disposto no artigo 4.°, n.° 3, alínea c), do Estatuto dos Governadores Civis, constante do Decreto-Lei n.° 252/92, de \9 de Novembro, sejam

adequadamente ponderadas e nele reflectidas as alterações propostas no parecer elaborado neste Órgão do Estado.

2.3. Questões de inconstitucionalidade

2.3.1. Pedidos de declaração de inconstitucionalidade

94.02.03 R-1266/92

O Provedor de Justiça, exercendo o poder que lhe confere a Constituição da República Portuguesa através do seu artigo 281.°, n.°s 1 e 2, alínea d), reproduzido pelo artigo 20.°, n.° 3 da Lei 9/91, de 9 de Abril, requer a fiscalização, para efeito de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, da norma constante do n.° 1 do artigo 53." do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 442/91, de 15 de Novembro, na parte em que nega às associações sindicais legitimidade para iniciar o procedimento administrativo e para nele intervir.

Entende o Provedor de Justiça ser tal norma inconstitucional, por desconforme com o preceituado nos artigos 56.°, n.° 1, 267.°, n.° 1 e 18.°, n.os 2 e 3, nos termos da fundamentação que se passa a expor:

I

Introdução

1.° Dispõe-se no n.° 1 do artigo 53.° do Código do Procedimento Administrativo que:

Têm legitimidade para iniciar o procedimento administrativo e para intervir nele os titulares de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos, no âmbito das decisões que nele forem ou possam vir a ser tomadas, bem como as associações sem carácter político ou sindical que tenham por fim a defesa desses interesses.

2.° Por procedimento administrativo entende-se à «sucessão ordenada de actos e formalidades tendentes à formação e manifestação da vontade da Administração Pública ou à sua execução», conforme a noção perfilhada pelo artigo 1.°, n.° 1, do mesmo Código.

3.° Essa vontade da Administração pode consistir na produção de efeitos num caso individual e concreto, consubstanciando um acto administrativo (artigo 178.° do CPA):

4.° Pode traduzir-se num acto bilateral de constituição, modificação ou extinção de uma relação jurídica administrativa — o contrato administrativo (artigo 178.° do CPA);

5.° E pode consistir ainda numa actividade normativa — a actividade regulamentar da Administração Pública — que culminará no regulamento administrativo (artigos 114.° a 119.° do CPA).

6.° Por outro lado, no procedimento administrativo tanto podem estar envolvidos direitos subjectivos dos administrados, como interesses colectivos.

7.° Inclusivamente, é o próprio Código que alarga o âmbito de protecção da norma aos interesses difusos (artigo 53.°, n.° 2, do CPA).

8.° Interesses difusos que se concretizam e tutelam bens como a saúde, a habitação, a educação, o património cultural, o ambiente, o ordenamento do território e a qualidade

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de vida (cfr. Freitas do Amaral e outros, nota ao artigo 53.°, Código do Procedimento Administrativo Anotado, Coimbra, 1992, p. 93).

9." Noutro sentido, nos termos do artigo 267.°, n.° 1, da Constituição, consagra-se um princípio de participação dos interessados na gestão da Administração Pública.

10.° Princípio esse que é acolhido de forma genérica pelo Código do Procedimento Administrativo, no seu artigo 8."

11Refira-se ainda a este propósito que este preceito, cZaramente impõe a «(...) participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito (...)».

12." Ainda em jeito de intróito, e quanto às atribuições das associações sindicais, diga-se que a estas compete defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representam, conforme se estatui no n.° 1 do artigo 53.° da lei fundamental.

13.° Apresentadas, ainda que sumariamente, as noções que se afiguram deverem estar presentes na interpretação da norma sub judice e às quais o legislador ordinário não atendeu, demonstrar-se-á a inconstitucionalidade da norma do Código do Procedimento, constante do artigo 53.°, n.° 1, in fine, com vista à sua declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, pelo Tribunal Constitucional.

n

Da inconstitucionalidade do artigo 53.g, n. 1, in fine, do Código do Procedimento Administrativo

14.° O artigo 56." da Constituição, integrado no capítulo «Direitos, Liberdades e Garantias dos Trabalhadores», dispõe no seu n.° 1 que:

Compete às associações sindicais defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores que representam.

15." Da letra do preceito extrai-se, que o texto constitucional confere às organizações sindicais competências para defenderem e promoverem quaisquer direitos e interesses dos seus representados.

16.° Quaisquer direitos e interesses porque o texto constitucional não delimita materialmente a aoção dos sindicatos.

17." Mas, da noção de sindicato, «associação permanente de trabalhadores para defesa e promoção dos seus interesses sócio-profissionais», contida no n.° 2, alínea b) do Decreto-Lei n." 215-/75 (Lei Sindical), tenderia a resultar uma diminuição das atribuições dos sindicatos.

18." Contudo, tal conclusão é apenas aparente, pois do cotejo desse preceito com os artigos. 55.°, n.° 1 e 56.°, n.° 1 da Constituição, retira-se afinal que os interesses a promover não se restringem apenas aos sócios-profissionais.

19." De facto, um núcleo inicial, mais propriamente laboral, limitava a acção dos sindicatos a um quid funcional no domínio sócio-profissiqnal, que se concretizava, nomeadamente, na contratação colectiva e na declaração de greve.

20.° Como refere Menezes Cordeiro, «a evolução posterior facultaria um contínuo alargar do âmbito dos sindicatos: eles vieram, deste modo, a desenvolver actuações no campo cultural, da mutualidade e assistência e, finalmente, na política, na gestão e na finanças» (cfr. Manual de Direito do Trabalho, Coimbra, 1991, pág. 443).

21." Tal é comprovado pela própria lei fundamental que reconhece outros direitos às associações sindicais.

22.° Nomeadamente, o direito de antena (artigo 40.°, n." 1), o direito de participar na definição do sistema de segurança social (artigo 63.°, n.° 2) ou na definição e aplicação da política agrícola (artigo 101).

23.° Nada impede, por outro lado, que os direitos das associações sindicais sejam atribuídos por lei.

24.° Entre outros, o de declarar a greve (Lei 65/77, de 26 de Agosto), bem como o de participar em vários organismos da administração consultiva.

25.° Constitui pois entendimento pacífico que as associações sindicais têm legitimidade para participar em outros procedimentos — processos burocráticos, nas palavras de Marques Guedes — para além do legislativo-laboral, do contratual ou do de representação em organismos de concertação social.

26.° Logo, quando num procedimento administrativo esteja em jogo um direito ou interesse legalmente protegido de uma pessoa enquanto trabalhador, será legitimo concluir que nele poderá intervir a organização sindical que, como tal, a represente.

27." Independentemente de à.associação sindical ser atribuída legitimidade activa per si, por via da aplicação do artigo 12.°, n.° 2 da Constituição.

28.° Aliás, esse Tribunal, no acórdão 75/85, publicado no DR, n.° 118, 1.° série, de 23 de Maio de 1985, ao declarar inconstitucional a norma do Estatuto do Pessoal Civil dos Serviços Departamentais das Forças Armadas, aprovado pelo D.L. n.° 380/82, de 15 de Setembro, na parte em que estabelece que a representação e defesa dos interesses individuais «serão feitos, directamente, pelos próprios, perante os respectivos chefes», por violação do disposto no n.° 1 do artigo 57.° e no n.° 1 do artigo 52.° da Constituição, acolhe a tese ora expendida.

29.° Refere expressamente o acórdão que «quando a Constituição, nb n.° 1 do seu artigo 57.°, reconhece a estas associações competência para defenderem os direitos e interesses dos trabalhadores que representem, não restringe tal competência à defesa dos interesses colectivos desses trabalhadores: antes supõe que ela se exerça igualmente para defesa dos seus interesses individuais» (itálico nosso).

30." Também o já o mencionado artigo 63.°, n.° 2, da Constituição, referido a título de integração sistemática das atribuições e legitimidade das associações sindicais, fornece um contributo precioso no sentido da legitimidade procedimental, com força constitucional, de tais organizações iniciarem e participarem no procedimento administrativo.

31.° Acresce que a nossa arquitectura constitucional entende a legitimidade não como qualidade pessoal, mas à luz dos princípios democráticos- da administração participada (cfr. neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22 de Janeiro de 1981, in Acórdãos Doutrinais.uno XX, n.° 232, pág. 457 e segs.).

32." O princípio da participação dos interessados na Administração Pública é reconhecido pelo artigo 267.°, n.° 1, da Constituição.

33.° Este princípio vai consagrar a possibilidade dos particulares intervirem na gestão da administração.

34.° Poder-se-ia afirmar, em tese geral, que a participação dos particulares se limitaria à eleição dos órgãos administrativos, concretamente dos órgãos das Autarquias locais.

35.° Ora, tal não é verdade, pois o princípio consagrado no já referido artigo 267. °, n.° 1, da Constituição, tutela a

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possibilidade de intervenção do particular na tomada das decisões administrativas: participação na gestão efectiva.

36.° Para este princípio ter eficácia será necessário o concurso de duas condições essenciais:

37.° Primeiro, que a administração seja organizada de molde a que os particulares possam efectivamente participar, através de consultas ou mesmo de orientações — vertente orgânica;

38.° Segundo, que exista uma lei que regulamente a participação desses particulares — vertente funcional ou material;

39.° Esta segunda vertente do princípio decorre do artigo 267.°, n.° 4, da Constituição — verdadeira obrigação legiferante — e encontra cumprimento legislativo no Código do Procedimento Administrativo.

40.° Inclusivamente, é o próprio preâmbulo do Decreto--Lei n.° 442/91, de 15 de Novembro, no seu ponto 4, alínea c), que assume como um dos objectivos fundamentais de um Código do Procedimento Administrativo:

Assegurar a informação dos interessados e a sua participação na formação das decisões que lhes digam directamente respeito.

41.° A participação dos cidadãos no processo de tomada das decisões administrativas é, pois, imposição constitucional e característica de uma Administração Pública Democrática.

42.° Permite aos administrados a protecção dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

43° O que aumenta a eficácia da própria actividade administrativa pelo maior grau de tutela desses direitos e interesses legalmente protegidos.

44.° Podemos ainda distinguir, nesse «direito de participação», duas vias de concretização:

45.° Por um lado, a participação colectiva que se traduz nas formas de representação democrática dos interessados e de que não podemos desvincular os sindicatos;

46.° Por outro lado, a participação individual, que consubstancia a intervenção do particular no procedimento, do qual não se pode preterir o «trabalhador».

47.° Essa garantia da participação dos interessados na formação das decisões ou deliberações administrativas (artigo 267.°, n.° 4, segunda parte) implica assim a intervenção no processo de formação das mesmas, seja por uma ou outra via.

48." Acresce que essa participação é independente do número e natureza dos interessados (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.11 ed., Coimbra, 1993, pág. 931).

49." Neste sentido, devemos considerar o procedimento como um «pré-efeito.da garantia do direito fundamental» (cfr. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 5° ed., Coimbra, 1991, pág. 652).

50.° Isto significa que a garantia dos direitos fundamentais exige, para a sua realização, uma participação por via do procedimento.

51.° Daí a necessidade, como refere Gomes Canotilho,

de «as Jeis dinamizarem dimensões participatórias procedimentais a fim de, através de um due process, se garantirem eficazmente posições jurídicas fundamentais» (idem, pág. 653).

52.° Tal equivale a dizer que os administrados, seja qual for a sua natureza, estão dotados de um verdadeiro status activus processualis que ao legislador compete não apenas promover, mas defender.

53." Assim, o princípio de participação, constitui, antes de mais, um direito activo dos cidadãos, cujo exercício deve ser assegurado pela Administração.

54.° E tal princípio encontra-se ainda em íntima relação com o princípio da colaboração da Administração com os particulares (artigo 7.° do CPA), cotnplementando-se ambos os princípios mutuamente e caracterizando o modelo de uma nova Administração (cfr. António Francisco de Sousa, Código do Procedimento Administrativo Anotado, Lisboa, 1993, pág. 81).

55.° Ora, a redacção do preceito que gera este pedido, não se coaduna nem concretiza, inversamente desobedece, ao espírito e ao imperativo constitucional do direito de participação.

56.° A evolução da Administração na prossecução de interesses económicos e sociais e de justiça, conduz necessariamente a um alargamento do papel da participação.

57.° Como bem sustenta Rui Machete, deverá a participação no procedimento, «permitir que os interesses,-que as pessoas singulares ou colectivas podem chamar à colação no decurso do procedimento, venham a adquirir umà relevância e sejam ponderados em termos que de outro modo o não seriam» (cfr. «Os Princípios Gerais do Código do Procedimento Administrativo», in O Código do Procedimento Administrativo, TN A, 1992, pág. 47).

58.° E continua o mesmo autor, referindo que essa ideia de ponderação de interesses, vai permitir, ainda, atribuir um outro significado ao princípio da imparcialidade (idem).

59." Também Sérvulo Correia, citando SATTA, encontra na participação essa «publicidade do procedimento», que se traduz numa garantia de imparcialidade e objectividade da decisão administrativa (cfr. Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Coimbra, 1987, pág. 166).

60." Nestes termos, parece legítimo concluir que o legislador ordinário, ao não obedecer aos ditames do hodierno princípio da administração participada, negando às associações sindicais legitimidade quer para iniciar, quer para intervir no procedimento, restringe, de facto, o consequente direito de participação.

61." E essa restrição tem que ver directamente com o direito em si, com a sua extensão objectiva.

62.° Jorge Miranda, sobre esta matéria, claramente refere que «a restrição afecta certo direito, envolvendo a sua compressão ou, doutro prisma, a amputação de faculdades que a priori estariam nele compreendidas» (cfr. Manual de Direito Constitucional, IV, Coimbra, 1988, pág. 300).

63.° O preenchimento ou desenvolvimento legislativo do conteúdo de um direito constitucional, pode gerar uma ampliação do mesmo, com base na cláusula aberta do artigo 16.°, n.° 1, da Constituição.

64." Nunca poderá é reverter, sob pena de «desvio de poder legislativo», em restrição (cfr. Jorge Miranda, ob. cit., pág. 301).

65.° Ora, a norma do Código do Procedimento sub Júdice, vem restringir quer o direito de participação, quer os direitos constitucionalmente reconhecidos aos sindicatos — artigo 56.°, n." 1.

66.° Assim, o artigo 53.°, n.° 1, in fine do Código do Procedimento, apresenta-se como uma verdadeira lei restritiva.

67.° Não obsta a este entendimento, o facto de não nos confrontarmos com uma lei especialmente dirigida à restrição de direitos.

68.° De facto, como refere Vieira de Andrade, leis restritivas são quaisquer normas que afectem o conteúdo de um

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direito, constitucionalmente garantido (cfr. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1987, pág. 229 e nota 31).

69.° Por outro lado, como no início se disse, o artigo 56." da Constituição está integrado no capítulo Direitos, Liberdades e Garantias dos Trabalhadores.

70." Deste modo, aplica-se-lhe o regime dos direitos, liberdades e garantias, conforme o ditame Constitucional vertido no artigo 17."

71.° Regime esse que é encontrado pela remissão às disposições constitucionais que se referem expressamente aos «direitos, liberdades e garantias».

72.° É o caso do artigo 18.°, 19.°, n.° 1 e 3, 21.°, 22.°, 168.°, n.° 1, alínea g), 272, n.° 3 e 288, alínea d) (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., pág. 140).

73.° Ao que aqui nos interessa, para que a restrição seja constitucionalmente legítima torna-se necessária a verificação cumulativa de determinadas condições.

74." Primeiro, que a restrição seja expressamente admitida pela própria Constituição (artigo 18.°, n.° 2, 1'. parte),

75.° Segundo, que a restrição vise expressamente salvaguardar outro direito ou interesse constitucionalmente protegido (n.c 2, in fine).

.76.° Terceiro, que a restrição seja exigida por essa salvaguarda, seja apta e se limite à medida necessária para alcançar esse objectivo (n.° 2, 2.° parte),

77." E por último, que a restrição não aniquile o direito em causa, isto é, que preserve o seu «núcleo essencial» (n.° 3, infine).

78.° Ora, no caso concreto, não parece verificar-se sequer qualquer um destes requisitos.

79." Pelo contrário, a lei de autorização legislativa — Lei n.° 32/91 de 20 de Julho — que autorizou o governo a legislar sobre o procedimento administrativo e a actividade da Administração Pública, no seu artigo 2.°, alínea c), claramente especifica como sentido fundamental:

Assegurar o direito de informação dos particulares e a sua participação ha formação das decisões que lhes digam directamente respeito.

80° Quanto à densificação do conceito de «núcleo essencial», resulta desde logo que tal constitui um mínimo de valor inatacável (cfr. Vieira de Andrade, ob. cit., pág. 234).

81.° O «núcleo essencial» de um direito fundamental, constitui um reduto último e intransponível por qualquer medida legal restritiva (cfr. Gomes Canotilho, ob. cit., pág. 633).

82.° Mesmo seguindo a tese dos «limites imanentes» (cfr. Vieira de Andrade, ob. cit., pág. 215 e segs.), não encontramos no texto Constitucional limitações expressas que possam diminuir o direito consagrado no artigo 56.°, n.° 1, de modo a legitimar uma restrição como a que resulta do artigo 53.° do Código do Procedimento.

83.° Por outro lado, não existe nem necessidade, nem adequação da medida legal em causa.

84.° Ou seja, afastar-se as associações sindicais do procedimento administrativo, não se mostra adequado nem .aos fins dos sindicatos e suas competências, nem ao fim que se pretende atingir com a participação procedimental.

85.° Assim, a norma legal sub judice não se conforma aos objectivos que presidem ao próprio procedimento administrativo.

86.° Fica pois demonstrado que a restrição introduzida pelo artigo 53.°, n.° 1, in fine do Código do Procedimento,

não se funda na Constituição, nem expressa, nem implicitamente.

87.° Mesmo se dúvida houvesse, os direitos devem prevalecer sempre sobre as restrições (cfr. Jorge Miranda, ob. cit., pág. 308).

88.° De acordo com o exposto, apresenta-se como conclusão pacífica o facto de o legislador ordinário negar legitimidade activa às associações sindicais, afastando-as dò procedimento administrativo, contrariando desse modo as premissas subjacentes à solução de jure condito constitucionalmente recebida.

Conclusão

Nestes termos, requer-se a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, de modo parcial e originário, da norma constante do artigo 53.", n.° 1 do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 442/91, de 15 de Novembro, na parte em que nega às associações sindicais legitimidade para iniciar e intervir no procedimento administrativo, por violação dos artigos. 56.°, n.° 1, 267.°, n.° 1 e 18.°, n.os 2 e 3 da Constituição.

94.09.12 R-1446/93

O Provedor de Justiça, no exercício do poder que lhe é conferido pelo artigo 281.°, n.° 2, alínea d), da Constituição, reproduzido no artigo 20.°, n.° 3, do seu Estatuto, aprovado pela Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, requer ao Tribunal Constitucional, em cumprimento do disposto no artigo 51.°, n.° 1, da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, a apreciação e declaração com força obrigatória geral da inconstitucionalidade das normas constantes dos n.os 3 e 4 do artigo 56.° do Decreto-Lei n.° 251/92, de 12 de Novembro, por entender violarem as referidas normas o artigo 168.°, n.° 1, alínea z), da Constituição, nos termos e com os fundamentos seguintes:

1.° O Decreto-Lei n.° 251/92, de 12 de Novembro, tem por objecto, nos termos do seu artigo 1,°, o regime jurídico do fomento, exploração e conservação dos recursos cinegéticos.

2.° O artigo 56.° desse Decreto-Lei dispõe, no seu n.° 3, que as águas e terrenos do domínio público fluvial e lacustre existentes no interior das zonas do regime cinegético especial consideram-se, salvo determinação legal ou regulamentar em contrário, abrangidas pelas mesmas, independentemente de qualquer formalidade, e, no seu n.°4, que os diplomas que criem zonas do regime cinegético especial podem determinar que as águas e terrenos do domínio público fluvial e lacustre existentes no seu perímetro sejam abrangidas, na totalidade ou em parte, pela respectiva zona de caça.

3.° A Constituição, no seu artigo 168.°, n.° 1, alínea z), inclui a definição e regime dos bens do domínio público na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, pelo que o Governo só poderia legislar sobre essa matéria precedendo autorização legislativa.

4.° O Decreto-Lei n.° 251/92, de 12 de Novembro, ao prever, no seu artigo 56.°, n.os 3 e 4, a submissão de terrenos do domínio público fluviai e lacustre ao regime cinegético especial, está a estabelecer um regime específico de

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utilização, em termos de actividade cinegética, daqueles bens do domínio público.

5.° As citadas normas desse Decreto-Lei foram aprovadas sem que para tal o Governo dispusesse da necessária autorização legislativa.

6.° No seu preâmbulo, o Decreto-Lei n.° 251/92 assume--se como desenvolvimento da Lei n.° 30/86, de 27 de Agosto (Lei da Caça), invocando expressamente a alínea c) do n.° 1 do artigo 201.° da Constituição.

7." No entanto, os n.05 3 e 4 do artigo 56.° desse Decreto-Lei são claramente inovatórios, não se limitando a reproduzir ou a extrair consequências necessárias do regime constante dos artigos 19.° e segs. da Lei n.° 30/86.

8.° De qualquer forma, o artigo 168.°, n.° 1, alínea z), da Constituição abrange toda a legislação sobre definição e regime dos bens do domínio público, e não apenas as respectivas bases gerais, pelo que mesmo para o desenvolvimento de bases gerais o Governo necessitaria de autorização legislativa.

9° Resulta assim clara a inconstitucionalidade do artigo 56.°, n.M 3 e 4, do referido Decreto-Lei n.° 251/92, por violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República estabelecida no artigo 168.°, n.° 1, alínea z), da Constituição.

Termos em que se requer a declaração com força obrigatória geral da inconstitucionalidade das normas constantes dos n.os 3 e 4 do artigo 56.° do Decreto-Lei n.°251/92, de 12 de Novembro, para os efeitos previstos no artigo 282.°, n.° 1, da Constituição.

94.03.21 R-2542/92

O Provedor de Justiça, no exercício do poder que lhe é conferido pelo disposto no artigo 281.°, n.° 2, alínea d), da Constituição, reproduzido no artigo 20.°, n.° 3, do seu estatuto, aprovado pela Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, requer ao Tribunal Constitucional, em cumprimento das disposições enunciadas no artigo 51.°, n.° 1, da Lei n.° 1, da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, a fiscalização da constitucionalidade da norma contida no despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado dos Recursos Educativos, aprovado em 23 de Outubro de 1992, através do qual homologou o parecer n.° 6/92, da Auditoria Jurídica do Ministério da Educação, de 18 de Fevereiro do mesmo ano, por entender ser a referida norma violadora das normas e princípios constitucionais apontados na fundamentação que ora se expõe:

I

Introdução

1.° O despacho de 23:10.1992, de Sua Excelência o Secretário de Estado dos Recursos Educativos, homologatório do parecer n.° 6/92, da Auditoria Jurídica do Ministério da Educação, pretende esclarecer «o âmbito de aplicação dos artigos 128." e 129." do ECD, bem como do artigo 3." e da alínea o) do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 120-A/92, de 30 de Junho».

2.° Determina-se desta forma que as referidas normas contidas em actos legislativos abrangem «apenas os professores que realizaram, com sucesso, as provas de Exame de Estado» a que se reportam o Estatuto do Ensino Liceal,

aprovado pelo Decreto n.° 36508, de 17.09.47, o Decreto--Lei n.° 48868, de 17.02.69, o Decreto-Lei n.° 49 119, de 14.07.69, bem assim como ainda, o Decreto n.° 49204 e o Decreto n.° 49205, ambos, de 25.08.69.

3." Na origem do despacho em causa está a formulação dos critérios de dispensa de apresentação do trabalho de natureza educacional e de dispensa da candidatura para efeitos de acesso ao 8.° escalão da carreira docente, tal como é estruturada a partir do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 139--A/90, de 28 de Abril e doravante designado, simplesmente, por Estatuto da Carreira Docente (ECD).

4." Com efeito, já o Decreto-Lei n.9 409/89, de 18 de Novembro, fazia depender o acesso ao 8." escalão da aprovação em processo de candidatura (artigo 10.°, n.° \), criando um meio de promoção a este escalão.

5.° Ao invés, o desenvolvimento da carreira docente até ao 8." escalão «faz-se por decurso do tempo de serviço efectivo prestado em funções docentes, por avaliação do desempenho e pela frequência com aproveitamento de módulos de formação» (artigo 9.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 409/89, de 18 de Novembro), ou seja, por progressão (automática) na carreira, desde que verificados determinados pressupostos — modo que é retomado após o cumprimento do 8.° escalão, nos dois últimos escalões da carreira.

6.° A candidatura ao 8." escalão sofre desenvolvimentos no ECD, esclarecendo-se o procedimento da candidatura, apreciada por um júri, em provas públicas, envolvendo a apresentação do curriculum do docente e de um trabalho de natureza educacional (cfr. artigo 36.° do ECD, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 139-A/90, de 28 de Abril).

7.° Veio o legislador admitir, contudo, duas situações de desvio à regra do acesso ao 8.° escalão por promoção fundadas em candidatura e prestação de provas públicas. A primeira consiste na dispensa da própria candidatura (artigo 129." do ECD), convertendo-se, pois, numa simples progressão na carreira, enquanto a segunda faculta a dispensa de apresentação de um trabalho de natureza educacional (artigo 128.° do ECD), resumindo-se o procedimento à apresentação de candidatura acompanhada do curriculum do docente.

8.° Em ambos os casos, o legislador socorreu-se de dois fundamentos que entendeu como justificativos de uma exclusão, no todo ou em parte, do condicionamento de acesso ao 8.° escalão definido no artigo 36.°, os quais deram lugar a dois critérios alternativos enunciados pelos referidos artigos. 128." e 129.°, retomados pelo regime excepcional para o ano de 1992 (artigos 3.° e 4." do Decreto-Lei n.° 120-A/ 92, de 30 de Junho) e, no tocante à dispensa de apresentação do trabalho de natureza educacional, pelo regulamento do processo de avaliação (artigo 7." do Decreto Regulamentar n.° 13/92, de 30 de Junho).'

9.° Encontra-se um critério fundado na antiguidade, através do qual se entendeu que a posse de vinte e cinco mais anos de serviço docente ou equiparado confere, por si, a dispensa de apresentação do trabalho de natureza educacional (artigo 128.°, n.° 1, do ECD) e que a posse de vinte e nove anos de serviço docente ou equiparado faculta, inclusivamente, a dispensa de candidatura (artigo 129.°, n.05 2 e 3, do ECD).

10.° Encontra-se um outro critério fundado na razoabilidade, pelo qual «os professores dos ensinos preparatórios e secundário que tenham realizado com sucesso as provas dè Exame de Estado previstas no Decreto t\.° 36508, de

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17 de Setembro de 1947, e legislação subsequente», independentemente do tempo de serviço docente ou equiparado, ficam dispensados da apresentação do trabalho de natureza educacional (artigo 128.°, n.° 2, do ECD).

11." A cumulação deste requisito com posse de vinte e cinco ou mais anos de serviço tem como efeito a dispensa de candidatura — redundando, pois, numa simples progressão — para os professores dos ensinos preparatórios e secundário (artigo 129.°, n.° 1, do ECD). Quando se verifique

a sua cumulação com a posse de vinte e nove ou mais anos, os mesmos docentes terão progredido ao 9.° escalão, em 1991 (artigo 129.°, n.° 3, do ECD) e ao 10.° em 1992 ou 1993, consoante sejam ou não licenciados (artigo 129.°, n.° 4.°, do ECD).

12." Em 21 de Maio de 1992, entendeu o Conselho de Ministros «criar um dispositivo excepcional» para esse ano, como se pode ler no preâmbulo do Decreto-Lei n.° 120--A/92, de 30 de Junho e, assim, veio a ser determinado o marco cronológico habilitador da dispensa de candidatura ou da dispensa de apresentação de trabalho de natureza educacional em função do tempo de serviço, fixando-se a data de 31 de Dezembro de 1992.

13.° De resto, é uma vez mais retomado como critério a aprovação «nas provas de exame de Estado previstas no Decreto n.° 36508, de 17 de Setembro de 1947, e legislação subsequente» [artigo 3.°, alínea a), e artigo 4.°, alínea a)], reproduzindo exactamente as expressões utilizadas no articulado do Estatuto da Carreira Docente, salvo na parte em que este exige a realização com sucesso das aludidas provas, quando o faz (artigos 128.°, n.° 2, e 129.°, n.05 1 e 3).

14.° Também o Decreto Regulamentar n." 13/92, de 30 de Junho, se absteve de introduzir desenvolvimentos ou concretizações na formulação do critério fundado na realização subsequente, possivelmente por se entender até então que in claris non fit interpretatio. Razoavelmente foi reconhecido que o preenchimento de determinados requisitos pelos docentes, no passado, lhes conferira a legítima expectativa de não serem submetidos a critérios de justiça administrativa (no sentido que lhe confere Freitas do Amaral—Direito Administrativo, vol. JJ, Lisboa, 1987, pág. 333) até ao termo das respectivas carreiras.

15.° Esta preocupação é, aliás, vertida nos fundamentos do despacho cuja norma ora se impugna por violação de disposições constitucionais.

16." Com efeito, pode ler-se em tais fundamentos que se considerou ter a realização com sucesso de «provas que constituíam o Exame de Estado com a estrutura, modelo, natureza e grau de exigência das que eram objecto de regulamentação nos Decreto n.° 36508, de 17.09.47, Decreto--Lei n.° 48868, de 17.02.69, Decreto-Lei n.° 49119, de 14.7.69 e ainda Decretos n.05 49204° e 49205, de 25.08.69 (...) valor qualitativo não inferior à avaliação do trabalho de natureza educacional prevista, para efeitos de promoção ao 8.° escalão».

17.° O despacho em questão revela, pela primeira vez, desde a publicação do Decreto-Lei n.° 409/89, de 18 de Novembro, a intenção de esclarecer o que há de entender--se por realização com sucesso das provas de exame de Estado previstas no Decreto n." 36508, de ¡7 de Setembro de ¡947, e legislação subsequente.

18." O certo é que tal intenção ficou consubstanciada numa norma delimitativa daquele âmbito, cuja natureza interpretativa ou modificativa, colide directamente com o disposto no artigo 115,°, n.° 5, da Constituição, já que, a for-tiori, se é vedado à lei criar actos de outra natureza que,

com eficácia externa, interpretem ou modifiquem normas contidas em actos legislativos, também não será permitido a actos de natureza regulamentar arrogarem-se fazê-lo.

19.° À margem da ilegalidade que vicia tal acto regulamentar (a qual, a verificar-se relevará tão-só no domínio do contencioso administrativo), há-de concluir-se pela violação directa da referida norma constitucional.

20." Melhor se observará ulteriormente por que razão não é a norma impugnada meramente confirmativa das

normas inscritas nos artigos 128.° e 129.° do Estatuto da Carreira Docente supra-apontadas.

21." Por outro lado, sustentar-se-á o carácter discriminatório da mesma norma regulamentar, assim como se indicará a colisão directa com o princípio da tutela da confiança, para poder concluir no sentido da violação do princípio da igualdade (artigo 13.°, n.M 1 e 2, da CRP) e da desconformidade com um dos corolários imediatos da consagração do Estado de direito levada a cabo no artigo 2.° do texto constitucional.

22.° Para tanto, importará, ainda preliminarmente, descrever o percurso das provas de exames de Estado, previstas pelo Decreto n.° 36 508, de 17 de Setembro de 1947, e legislação subsequente (não necessariamente consequente).

n

Preliminares; da evolução no tempo das provas de exame de Estado previstas no Decreto-Lei n.8 36 508, de 17 de Setembro de 1947.

23.° O Estatuto do Ensino Liceal, promulgado através do Decreto n.° 36 508, de 17 de Setembro de 1947, reconhecendo embora as insuficiências do exame de Estado e diferindo para momento posterior a criação de um estabelecimento de ensino de Ciência Pedagógicas, manteve a referida prova como condição de acesso a professor efectivo, auxiliar ou agregado.

24." Posteriormente, através do Decreto-Lei n.° 48 868, de 17 de Fevereiro de 1969, permitiu requerer o Exame de Estado, com dispensa de frequência do estágio, a certos profissionais com alguma experiência, ainda que lhes fosse exigido a habilitação em Ciências Pedagógicas. O seu exame exigia a apresentação e discussão de uma dissertação, entre outros requisitos. Este diploma, porém, circunscrevia a sua aplicação aos ensinos técnico-liceal e profissional.

25.° Assim e por isso, foi aprovado o Decreto-Lei n.°49 119, de 14 de Julho de 1969, o qual criou uma estrutura congénere para o ciclo preparatório, tendo-se regulado com minúcia o respectivo estágio.

Do mesmo passo, permitiu-se até à revisão do Estatuto do Ensino Liceal a dispensa da frequência do estágio com o direito consequente de requerer exame *ie Estado a profissionais qualificados.

26.° Logo após, o Decreto n.° 49 204 (professores do ensino liceal) e o Decreto n.° 49 205 (professores do ensino técnico-profissional), ambos de 25 de Agosto de 1969, dispuseram, também minuciosamente, sobre as exigências referentes aos estágios pedagógicos. Continuou a ser, pois, o exame de Estado o mais elevado requisito para se atingir o topo da carreira.

27." Este quadro normativo encontrava-se em vigor com a eclosão do movimento revolucionário, em 25 de Abril de 1974. Pouco tempo após, foram suspensos os exames de Estado, ao abrigo do Decreto-Lei n." 47587, de 10 de

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Março de 1967, por despachos do Ministro da Educação e Cultura.

28.° Tal suspensão foi considerada excepcional e restrita ao ano escolar em curso, mas abrangeu todos os docentes

dos ensinos preparatório e secundário, bem como os docentes do magistério primário que, encontrando-se em condições de admissão a exame de Estado, requeressem ser dispensados.

29." De tal dá conta expressamente o preâmbulo do Decreto-Lei n.° 405/74, de 29 de Agosto, o qual dispôs no seu artigo 1.°, n.° 1, que se consideram «para todos os efeitos legais como habilitados com o Exame de Estado para o magistério primário os indivíduos que, no ano lectivo de 1973-1974» tivessem obtido aprovação no estágio e preenchessem as condições de admissão ao exame de Estado.

30.° O mesmo diploma, através da disposição contida no seu artigo 3.°, n.° 1, usando a mesma terminologia, considerou «como habilitados com o Exame de Estado os indivíduos que, no ano lectivo de 1973-1974 tenham obtido aprovação no estágio pedagógico para a docência no ensino preparatório ou no secundário».

3}.° Por forma a ser completa a habilitação assim determinada, providenciou-se, inclusivamente, quanto ao modo de cálculo da classificação final de cada docente (artigo 2.° e artigo 4.°, do citado diploma), assim como sobre a contagem do tempo de serviço, para cujo efeito se dispôs que a data de entrada em vigor no Decreto-Lei n.° 405/74 substituiu a da aprovação no exame de Estado (artigo 5.°).

32." Inclusivamente, em momento anterior, o Decreto--Lei n.° 302/74, de 5 de Julho, dispusera a correspondência, «para todos os efeitos legais, ao Exame de Estado» das licenciaturas professadas nas Faculdades de Ciência do ramo de formação educacional (artigo 1.°).

33.° Em 1975, o legislador reconheceu «que só através de restruturação do funcionamento e organização dos estágios pedagógicos se deverá tomar uma atitude definitiva no que respeita ao Exame de Estado», como se pode ler no preâmbulo do Decreto-Lei n.° 294-A/75, de 17 de Junho. De acordo com esta orientação, foi mantido em vigor o Decreto-Lei n.° 405//74, de 19 de Agosto, quanto aos docentes dos ensinos preparatórios e secundário até se levar a cabo a citada reestruturação.

34.° Mais tarde, com a publicação do Decreto-Lei n.° 616/76, de 17 de Julho, os bacharelatos em ensino conferidos pela Universidade do Minho foram feitos corresponder, para todos os efeitos legais, ao exame de Estado (artigo 1.°).

35.° Esta disposição veio a ser alargada a todas as instituições em que se processem os bacharelatos em ensino, por força do artigo 1.°, do Decreto-Lei n.° 218/78, de 27 de Julho, no qual se estatui:

Os 'bacharelatos em ensino conferidos por Universidades, Institutos Universitários e Institutos Politécnicos correspondem, para todos os efeitos legais, ao Exame de Estado previsto nos Decretos n.05 49 204 e 49 205, de 25 de Agosto de 1969, e no Decreto-Lei n.° 49 119, de 14 de Junho de 1969.

36° Para que não Testassem quaisquer dúvidas, veio a

ser aprovado, em 5 de Julho de 1978, o despacho n.° 21/ 78, do Secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário, onde se reconheceu expressamente a profissionalização, para todos os efeitos legais desde 17.06.1975, nos docentes que ao abrigo do já citado Decreto-Lei n.° 294-A/75

houvessem sido considerados habilitados com Exame de Estado para os ensinos preparatório ou secundário.

37.° Logo após — e desta vez, sem qualquer limitação temporal — o Decreto-Lei n.° 423/78, de 22 de Dezembro, fez corresponder, também para todos os efeitos legais, as

licenciaturas em ensino conferidas por Universidades e Institutos universitários ao Exame de Estado.

38.° Por fim, refira-se a.este propósito o Decreto-Lei n.° 519-T1/79, de 29 de Dezembro, que fixara dois objectivos: atenuar a mobilidade anual do pessoal docente e reformular o sistema de estágios.

39." Apesar desta última finalidade, deixou, porém, inalterado o regime anteriormente exposto, já que apenas revogou o Decreto-Lei n.° 169-A/77, de 29 de Abril. Isto, por uma lado. Por outro, embora no mesmo sentido, refere-se em algumas das suas disposições a «efectivação» sem se exigir do mesmo passo qualquer Exame de Estado (cfr. artigos 45.° e 46.°). Doravante, o Exame de Estado encontrar--se-ia arredado do sistema de efectivação, respeitando-se, contudo, as situações constituídas ao abrigo do regime do exame de Estado, o qual inclui necessariamente o regime transitório aplicado durante a sua suspensão.

40.° Será conveniente não esquecer o facto de o Exame de Estado ter sido suspenso com fundamento na sua própria disciplina jurídica, já que foi para tanto invocado o Decreto-Lei n.°47 587, de 10 de Março de 1967.

41.° Ora, este diploma regulava as experiências pedagógicas, as quais foram consideradas, segundo o preâmbulo, «maneira segura de aferir o mérito das inovações projectadas, antes de as pôr em vigor, e como forma também de

as tornar conhecidas e lhes proporcionar maiores condições de êxito».

42.° A suspensão do Exame de Estado foi, como não pode deixar de se observar, uma medida tomada em continuidade-com a legislação subsequente ao Decreto n.° 36 508, de 17 de Setembro, mantendo sempre a preocupação de manter como matriz o Exame de Estado, com a inerente produção de todos os efeitos gerados por aquela habilitação. De onde se compreende a preocupação do legislador, reiteradamente manifestada, de conceder a produção de todos os efeitos gerados pela prestação com sucesso das provas de Exame de Estado, tanto no presente, como para o futuro.

in

Da violação do disposto no artigo 115.4, n.a 5, da CRP

43." Pressuposto essencial da fiscalização da constitucionalidade de um acto é tratar-se de um acto normativo, ainda que aqui se admita um conceito meramente formal ou funcional de nonria. «Diversamente de outros sistemas jurídicos, onde a fiscalização da constitucionalidade tem apenas por objecto as leis ou actos equiparáveis (actos normativos primários), o controlo de normas é, entre nós, extensivo a todos os actos jurídico-normativos vigentes na ordem jurídica portuguesa (abrange, portanto, os chamados actos normativos secundários e terciários, como regulamentos, despachos normativos, etc.)» J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 6.° ed., Coimbra, pág. 990).

44." Considera-se violado o disposto no artigo 115.°, n.° 5, da CRP, pela norma interpretativa contida no despacho impugnado, porque, antes de mais, se reconhece em tal norma uma eficácia externa.

45." O facto de o despacho em causa atingir situações jurídicas de funcionários ou agentes da Administração

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Pública, enquanto tais, poderia levar a concluir pela sua eficácia meramente interna.

46." Todavia, não é assim. A revelação do conteúdo do conceito de legislação subsequente ao Decreto n.° 36 508, de 17 de Setembro de 1947, não se limita a simples aspectos organizatórios. Pode afirmar-se com Freitas do

Amaral, que este regulamento é externo, pois não projecta

a SUa eficácia «apenas na esfera jurídica de uma pessoa pública ou, através do dever de obediência hierárquica, nos funcionários públicos ao seu serviço» (Direito Administrativo, Vol. Uí, Lisboa, 1985, p. 31).

47.° No mesmo sentido, aponta Jorge Miranda, quando afirma:

Verifica-se eficácia externa no tocante aos funcionários ou agentes do Estado e de outras entidades . públicas, quando a lei define a sua situação jurídica, prevendo direitos e deveres, e não simplesmente os insere na estrutura do aparelho administrativo. (Funções, Órgãos e Actos do Estado, Lisboa, 1990, pág. 245, nota 1.)

48." Por outro lado e voltando um pouco atrás, não se questionará o carácter normativo do despacho de 23.10.1992, apesar de o seu conjunto de destinatários ser determinável — tanto pela positiva (os docentes a quem o despacho reconhece a aplicação de dispensa, limitando--se, nesta parte, a repetir o que da lei resultava), como pela negativa (os docentes que ficam excluídos e onde o despacho modifica o conteúdo de normas legislativas e até de normas regulamentares de posições hierárquica superior, como é o caso das disposições contidas sobre o acesso ao 8.° escalão no Decreto Regulamentar n.° 13/92 de 30 de Junho).

49.° Por uma vez mais, recorrendo a Freitas do Amaral, ver-se-á que o «comando relativo a um grupo restrito de pessoas, todas determinadas ou determináveis (...); será acto se contiver a lista nominativa dos indivíduos abrangidos, devidamente identificados» (idem, pág. 40).

50." Importa ainda deixar expressa a natureza de violação directa — e não simplesmente de norma interposta— da norma constitucional inscrita no artigo 115.°, n.° 5, da CRP, já que a não ser verificado este pressuposto de controlo pela Justiça Constitucional, restaria o domínio da ilegalidade de normas regulamentares, cujo contencioso compete aos Tribunais Administrativos e Fiscais, nos termos do artigo 3." do ETAF, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 129/84, de 29 de Abril, e de acordo com as normas processuais enunciadas no artigos 63." e segs. da Lei do Processo nos Tribunais Administrativos (Decreto-Lei n.° 267/85, de 16 de Julho).

51.° Não é o caso. A violação do disposto no artigo 115.°, n.° 5, da CRP pelo despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado dos Recursos Educativos, de 23 de Outubro de 1992, através do qual homologa o parecer n.° 6/92, da Auditoria Jurídica do Ministério da Educação, não constitui uma mera inconstitucionalidade indirecta, em posição passiva face a uma consunção pela ilegalidade administrativa da norma regulamentar ali contida.

52.° Com efeito, é o intérprete confrontado com uma pretensão explícita de interpretação (rectius, esclarecimento) do conteúdo de diversos comandos legislativos.

53." Fosse ou não essa interpretação conforme à lei e à Constituição, respeitasse ou não as regras e princípios fundamentais da hermenêutica jurídica, o certo é que o despacho ora impugnado sempre colidiria com a proibição con-

tida no artigo 115.°, n.° 5, da CRP por pretender esclarecer um conceito contido em facti species legislativa.

54.° Na verdade, deve entender-se haver violação directa daquela norma constitucional, pelo menos quando se torne desnecessário conhecer o conteúdo da norma legislativa interposta. Sempre que se torna imprescindível fazê-lo para ajuizar sobre a violação de lei por norma regulamentar, há tão só ilegalidade administrativa.

55.° No entanto, quando seja o acto de natureza diferente à do acto legislativo a tomar explicitamente o poder de dispor contrariamente (revogando ou simplesmente derrogando), de suspender a sua eficácia ou de interpretá--lo normativamente (i.e., no mínimo com generalidade e heterovinculação), a inconstitucionalidade é directa, preenchendo as exigências que a jurisprudência e a doutrina constitucionais têm retirado do artigo 277.°, n.° 1, da CRP.

56.° Assim, afirma Jorge Miranda, sobre a caracterização e análise do fenómeno da inconstitucionalidade:

Não basta que um acto (um tipo de acto) tenha o seu estatuto ou um aspecto principal da sua regulamentação na Constituição. É necessário ainda que o acto em concreto contradiga uma norma constitucional de fundo, de competência ou de forma; que contradiga essa norma, e não uma norma interposta, situada entre a Constituição e esse acto. (Manual de Direito Constitucional, Tomo II, 3." ed., Coimbra, 1991, pág. 315.)

57.° E neste sentido o ilustre constitucionalista, em lugar de negar a sindicabilidade constitucional dos regulamentos, mesmo que não autónomos, evidencia a sua posição, louvando-se, aliás, no Acórdão n.° 209/87, de 25 de Junho (in DR, I, n.° 155, 09.07.1987), quando faz incluir no catálogo dè actos sujeitos a fiscalização da constitucionalidade os actos normativos da Administração Pública:

Nesta categoria compreendem-se quer os regulamentos, de qualquer tipo ou forma, quer os actos para-regulamentares emanados no âmbito da estrutura interna da Administração, mormente no âmbito de relações de hierarquia (resoluções, instruções, directivas). Também estes, quando violem directamente a Constituição, hão-de poder ser apreciados em. sede de inconstitucionalidade. (Idem, pág. 419.)

58." Deve afirmar-se acrescidamente não merecer acolhimento uma eventual argumentação de sinal contrário, nos termos da qual o entendimento sustentado quanto ao enunciado no artigo 115.°, n.° 5, da CRP, vedaria por completo a interpretação de normas contidas em acto legislativo pela Administração pública. Não é assim.

59." Recentemente, pôde o Tribunal Constitucional afirmar:

A administração e os tribunais não podem deixar de interpretar e integrar as leis quando as aplicam. O que se pretende proibir é a interpretação (ou integração) autêntica das leis através de actos normativos não legislativos, ou seja de natureza administrativa (regulamentos), seja de natureza jurisdicional (sentenças). (Acórdão n.° 810/93), de 7 de Dezembro de 1993. Proc.° 474/88, in DR, II, n.° 51, 02.03.94, pág. 1984.)

60.° Não é assim, em primeiro lugar porque uma coisa é executar a iei, através da prática de actos concretos e

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individuais e outra é conferir-lhe execução por meio de normas. Num caso ou noutro, terá lugar a interpretação de normas, mas.no segundo caso essa execução implica a afectação da esfera jurídica de terceiros, nunca podendo assumir-se, mais ou menos discretamente, como se de interpretação autêntica se tratasse.

61° De resto, sempre haverá controlo jurisdicional sobre a interpretação projectada nos actos da Administração Pública, por meio do controlo que aos Tribunais compete sobre esses mesmos actos e sobre a sua fundamentação.

62.° E não se argumente também com a margem de livre apreciação confiada à Administração por conceitos vagos e indeterminados, porquanto, ainda que viesse a admitir-se ser esse o caso vertente, não permitiria a letra do sempre citado artigo 115.°, n.° 5, outorgar a üm acto regulamentar com eficácia externa o poder de fazê-lo.

63." Nem se argumente com um hipotético resultado de fragmentação da actividade administrativa ao qual conduziria a ausência de um poder interpretativo uniforme no seio da Administração, dado que as relações de hierarquia administrativo a tanto obstarão em qualquer caso (vd. Paulo Otero, Conceito e Fundamento da Hierarquia Administrativa, Coimbra, 1992, pág. 204).

64." Onde a lei não efectuava qualquer distinção, por se reportar a todos quantos houvessem logrado alcançar os efeitos propiciados pelo Exame de Estado, até à extinção deste como matriz de referência (através do Decreto-Lei n.° 519-T1/79, de 29 de Dezembro), veio o Governo, no exercício de poderes administrativos, fazê-lo, quando poderia ter recorrido à via legislativa para interpretar autenticamente normas contidas em acto legislativo. Contudo e como adiante se observará, a interpretação sufragada sempre violaria materialmente princípios constitucionais.

65.° Há-de concluir-se, assim, em conformidade com o exposto, ter o despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado dos Recursos Educativos, de 23 de Outubro de 1992, a natureza de acto normativo, e por sê-lo, violar directamente a norma constitucional do artigo 115.°, n.° 5.

IV

Da violação do principio da igualdade (Artigo 13.9, da CRP)

66.° De entre a sua vasta e complexa acção na origem jurídicoconstitucional, o princípio da igualdade faz resultar a proibição do tratamento discriminatório, ou seja, proibição do tratamento desigual atribuído a situações essencialmente iguais infundadamente, como também do tratamento igual conferido a situações essencialmente diversas.

67.° Partindo de um ou de outro corolário, a norma ora impugnada colide com o dispositivo constitucional do artigo 13.°, n.° 2.

68.° Isto é, a norma impugnada, quer por excluir certo benefício a determinado conjunto de professores (a dispensa de apresentação de trabalho de natureza educacional ou mesmo a dispensa de candidatura, caso possuam

cumulativamente peto menos vinte cinco anos de serviço docente) quando o concede a outros em situação fundamentalmente idêntica, quer por lhe negar esse mesmo benefício fundando-se numa falsa similitude com o conjunto mais vasto de professores excluídos, colide em

qualquer dos casos com a proibição do tratamento arbitrário.

69.° Com efeito e como pôde ser descrito supra, após a suspensão da realização de provas de Exame de Estado,

em 1974 e até à data reformulação operada pelo Decreto--Lei n.° 519-T1/79, de 29 de Dezembro, no tocante à

profissionalização e efectivação, um significativo conjunto

de professores dos ensinos primário, preparatório e secundário, bem como outros docentes, recebeu plena habilitação correspondente à realização, com sucesso, das provas de Exame de Estado. Para tanto, esses docentes cumpriram a sequência dos requisitos que os colocariam em posição de prestar provas de Exame de Estado, designadamente a aprovação no estágio para a docência.

70." O meio utilizado pelo legislador no Decreto-Lei n.° 302/74, de 5 de Julho («... correspondem, para todos os efeitos legais, ao Exame de Estado...»), no Decreto--Lei n.° 405/74, de 29 de Agosto («... são considerados para todos os efeitos legais como habilitados com o Exame de Estado ...»), no Decreto-Lei n.° 294-A/75, de 17 de Junho (fazendo prosseguir a vigência do diploma precedentemente citado), no Decreto-Lei n.° 616/76, de 27 de Julho («... correspondem, para todos os efeitos legais, ao Exame de Estado ...»), no despacho n.° 21/78, de 5 de Julho (onde se consideram profissionalizados «para todos os efeitos legais» alguns docentes a quem foi feito corresponder o Exame de Estado) e no Decreto-Lei n.° 210/78, de 27 de Julho («... correspondem, para todos os efeitos legais, ao Exame de estado ...»), ao ser entendido, admitamos, como uma ficção legislativa.

71." Ficção legislativa no sentido que se lhe reconhece comumente, tal como a descreveu Baptista Machado:

Estas funcionam, em última análise, em regra, como remissões implícitas: em vez de expressamente remeter para normas determinadas que regulam determinados factos ou situações, o legislador estabelece que o facto ou situação a regular é ou se considera (como se juridicamente fosse) igual àquele facto ou situação para que se acha já estabelecido um regime na lei. (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 6.* reimp., Coimbra, 1993, pág. 108.)

72.° E adianta o ilustre Professor:

É este um processo que já não tem que nos surpreender, pois já vimos que o jurista-intérprete, ao operar com conceitos que circunscrevem as facti-spe-cies legais para fins de aplicação do direito, tem muitas vezes de reconduzir realidades novas, porventura ainda não conhecidas no tempo em que a lei foi elaborada, a conceitos legais pré-existentes. (Idem, pág. 108.)

73." Em todo e qualquer caso tem de considerar-se a cisão efectuada pela norma regulamentar ora impugnada como discriminatória porque arbitrariamente geradora de tratamento desigual, dado o reconhecimento, entre 1974 e 1979, da identidade essencial de situações.

74,° Ainda que se viessem a aferir na actualidade alguma dissemelhança entre a situação dos docentes que 'hajam efectivamente prestado com sucesso as provas de Exame de Estado — aferição essa que sempre colidiria com o princípio da tutela da confiança, conforme se verá infra — o certo é que o seu tratamento não pode ser pura e simplesmente idêntico ao dos docentes nunca habilitados ou equiparados à realização com sucesso das provas de Exame de Estado.

75.° Melhor se compreenderá, então, a referência supra efectuada a uma discriminação pela face e pelo verso: discriminação no tratamento prejudicial por comparação com

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o conjunto dos docentes que prestaram materialmente as citadas provas e em relação aos quais foram equiparados em termos absolutos; discriminação por não auferirem qualquer benefício por comparação com os docentes não abrangidos pela legislação aprovada entre 1974 e 1979, a qual pressupunha a simples suspensão do Exame de Estado.

76.° Não restam dúvidas, por fim, quanto ao carácter discriminatório — porque desprovido de fundamento constitucionalmente válido — da distinção levada a cabo pelo despacho de 23.10.1992, de Sua Excelência o Secretário de Estado dos Recursos Educativos.

77° Bem recentemente, teve o Tribunal Constitucional oportunidade de enunciar o alcance do princípio da igualdade no que importa para o caso vertente:

Se o princípio da igualdade não proíbe que haja diferenças de tratamento na lei, antes por vezes as impõe directa ou indirectamente, o que com segurança se pode dizer é que tal princípio proíbe, isso sim, as discriminações arbitrárias, irrazoáveis ou infundadas, sendo tidas como tais todas as que não encontrem um apoio suficiente na distinta materialidade das diferentes situações que se contemplam ou na compatibilização do aludido princípio da igualdade com outros princípios constitucionalmente acolhidos. (Acórdão n.° 806/93, Proc.° 204/91, in DR, II, n> 24, 29.01.1994.)

78.° Isto é assim, dado que ao elenco das causas de discriminação positiva no artigo 13.°, n.° 2, da CRP, não se concede natureza taxativa, desde logo, porque a letra da norma contida no artigo 7.°, da Declaração Universal dos Direitos do Homem não o consentiria.

79.° O arbítrio do tratamento desigual é tão mais sentido na esfera jurídica dos seus destinatários quanto se permita retirar dá impossibilidade de realização das provas de exame de Estado por motivo que lhes foi inteiramente alheio — a suspensão das provas determinada por despacho ministerial, ao abrigo do regime resultante do Decreto n.° 36 508, de 17 de Setembro de 1947 e legislação subsequente, até 1979 mantido inalterado nos seus traços essenciais.

80.° Por outro lado, a atender-se — como se fez observar — a permissão constitucional de certos tratamentos desiguais porque ancorados em outros valores constitucionalmente valorados, há-de preservar-se em todo o caso a adequação, necessidade e razoabilidade da medida diferenciadora em ordem à tutela ou à prossecução dos aludidos valores.

81.° Ora, na verdade, ainda que por mera hipótese viesse a consentir-se à Administração diferenciar aquilo que a lei Fizera assimilar, teria de concluir-se pela ausência de proporcionalidade na medida da diferença oferecida aos docentes contemplados por legislação e regulamentação aprovadas no período de 1974 a 1979 que é a mesma que recebem os restantes (efectivados posteriormente) e aqueles que prestaram materialmente provas de Exame de Estado antes da sua suspensão.

82.° Por forma a concluir este ponto, cujo desiderato consiste na demonstração do carácter discriminatório da norma ora impugnada, dir-se-á não ficarem em nada precludidas as asserções precedentes no caso hipotético de se considerarem os diplomas habilitadores aprovados entre 1974 e 1979 como estando situados à margem do conceito de legislação subsequente empregue nos artigos 129.° e

130.° do ECD, bem como no Decreto-Lei n.° 120-A/92, de 30 de Junho e no Decreto-regulamentar n.° 13/92, da mesma data.

83." Mesmo em tal hipótese, nada habilitaria o despacho em causa a produzir a exclusão daqueles que, por direito próprio, beneficiaram da habilitação, para todos os efeitos legais, à realização com sucesso das provas de exame de Estado.

84.° Não o tendo afirmado o regime definido no Decreto-Lei n.° 409/89, de 18 de Novembro, não o tendo deixado expresso o ECD, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 139-A/90, de 28 de Abril, não o tendo jamais reconhecido a legislação ulterior, o silêncio não admite dúvidas quanto à subsistência da equiparação para todos os efeitos, porquanto ubi lex non dixit, tacúit.

85.° Assim, entendida praeter ou contra legem a norma impugnada— a qual, se admitindo o primeiro caso não será meramente interpretativa — sempre colide com o princípio inscrito no artigo 13.°, n.° 2, da CRP e com o artigo 7.°, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, razão pela qual é materialmente inconstitucional.

V

Da violação do princípio da tutela da confiança por parte dos cidadãos na ordem jurídica, enquanto corolário imediato do Estado de Direito, consagrado no artigo 2.°, da CRP.

86.° Colhendo bons frutos do aprofundamento das relações do Direito Constitucional com os conhecimentos alcançados no domínio juscivilístico, não se torna difícil caracterizar a sucessão de comandos por parte do Estado (habilitação, para todos os efeitos legais, a realização com sucesso das provas de Exame de Estado/exclusão de benefícios aos mesmos habilitados) como um comportamento colisor com a proibição de ventre contra factum proprium.

87.° Esta proibição deve ser compreendida no sentido segundo o qual «há venire contra factum proprium, em primeira linha, numa de duas situações: quando uma pessoa, em termos que, especificamente, não a vinculem, manifeste a intenção de não ir praticar determinado acto e, depois, o pratique e quando uma pessoa, de modo, também, a não ficar especificamente adstrita, declare pretender avançar com certa actuação e, depois, se negue» (António Menezes Cordeiro, Da Boa Fé no Direito Civil, vol. D, Coimbra, 1984, pág. 746).

88.° Não restam dúvidas, hoje, quanto à subordinação do Estado ao direito que ele próprio cria. Isto não redunda, naturalmente, na imutabilidade da ordem jurídica. Antes significa que no exercício do poder legislativo, o Estado há-de respeitar limitações decorrentes dos seus actos tomados pretéritamente, a começar pelos actos legislativos, em razão das situações jurídicas que se constituem e se consolidam sob a sua eficácia.

89." «Assegurar expectativas e direccionar condutas são indubitavelmente funções primárias do direito.

Por um lado, assegurar expectativas. Assegurar desde logo a confiança fundada nas condutas comunicativas das 'pessoas responsáveis', fundada na própria credibilidade que estas condutas reivindicam. Entré essas 'pessoas responsáveis' (ou 'pessoas de bem' ou 'pessoas de juízo' se deve contar o próprio Estado Legislador, que 'responde' pelas expectativas criadas pelas próprias leis que edita» (João Baptista Machado, «Iniciação ao Mundo do Direito»,

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in Obra Dispersa, vol. JJ, Scienti Jurídica, Braga, 1993, pág. 481).

90.° Eis, então, os traços essenciais do princípio da confiança na ordem jurídica, traduzido na esfera jurídica dos membros de uma mesma comunidade política-jurídica, no direito de poder confiar nos actos praticados pelos respectivos órgãos de poder, quando esse poder se Submete ao direito.

91." No caso vertente, a norma regulamentar impugnada não se limita a colidir com o princípio da confiança em termos de frustar intoleravelmente expectativas legítimas dos cidadãos. A norma em questão actua de forma visivelmente mais intensa, porquanto desrespeita um verdadeiro direito subjectivo público dos docentes habilitados com o Exame de Estado ao abrigo da citada legislação de 1974--1979 a reclamarem a aplicação de um estatuto idêntico ao dos docentes que hajam obtido sucesso na prestação das aludidas provas.

92.° Nestes termos, os destinatários de estatuições de correspondência ou de habilitação para todos os efeitos legais, indiferentemente, lograram alcançar uma permissão normativa específica de aproveitamento de todas as vantagens (e desvantagens) conferidas ou a conferir a quem haja prestado efectivamente e com resultado positivo as provas previstas no Decreto n.° 36 508, de 17 de Setembro de 1947 e legislação subsequente.

93.° De outro modo, deixaria de ser compreensível o reporte a todos os efeitos legais obtidos com a aprovação em provas de Exame de Estado; incompreensibilidade essa que é arredada pela presunção hermenêutica de ter o legislador consagrado a solução mais acertada e sabido exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.°, n.° 3, do Código Civil).

94." E não se admita retorquir com a previsibilidade do facto de um dia, mais tarde, com a aprovação do Decreto--Lei n.° 409/89, de 18 de Novembro (artigo 10.°), ter vindo o legislador a criar um meio -de promoção semelhante ao modelo do Exame de Estado, já que seguramente até à publicação do Decreto-Lei n.° 529-T1/79, de 29 de Dezembro, esta prova foi mantida, tendo sido apenas suspensa, como se fez notar supra.

95.° Ora, como resultado do desrespeito por comandos anteriormente assumidos, valida e eficazmente, através da norma restritiva do despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado dos Recursos Educativos, de 23 de Outubro de 1992, concluiu-se pela colisão com o princípio da confiança e pela violação do princípio constitucional inscrito no' artigo 2.°, quando este preceito consagra o Estado de direito, acrescendo não se encontrar fundamento em outra norma ou princípio constitucionalmente relevante que o justifique.

96." Conclusivamente, quanto a este ponto e para melhor ilustração da posição sustentada, cita-se o Acórdão n.° 17/84, do Tribunal Constitucional na parte em que nele se afirmou:

O cidadão deve poder prever as intervenções que o Estado poderá levar a cabo sobre ele ou perante ele e preparar-se para se adequar a elas. Ele deve poder confiar em que a sua actuação de acordo com o direito seja reconhecida pela ordem jurídica e assim permaneça em todas as suas consequências juridicamente relevantes. Esta confiança é violada sempre que o legislador ligue a situações de facto consti: tuídas e desenvolvidas no passado consequências jurídicas mais desfavoráveis do que aquelas com que

o atingido podia e devia contar. Um tal procedimento legislativo afrontará frontalmente o princípio do Estado de direito democrático (In Acórdãos do Tribunal Constitucional, \.° vol., pág. 375).

97.° Assim, por violação do princípio do Estado de direito, resultado expresso do artigo 2.°, da CRP, é a norma

ora impugnada, por uma razão mais, materialmente inconstitucional.

IV

Conclusões

A) A norma contida no despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado dos Recursos Educativos, de 23 de Outubro de 1992 (do qual se faz juntar cópia), assume-se como norma interpretativa de normas contidas em actos legislativos, como sejam as normas dos artigos. 128.° e 129.°, n.w 1, 3 e 4, do ECD, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 139-A/90, de 28 de Abril e dos artigos 3.° e 4.°, alínea a), do Decreto-Lei n.° 120-A/92, de 30 de Junho. Independentemente de colisão ou simples desconformidade com aquelas normas legislativas, a norma interpretativa regulamentar viola directa e formalmente a norma constitucional inscrita no artigo 115.°, n.° 5, na parte em que esta veda a actos de outra natureza a interpretação com eficácia externa de normas contidas em actos legislativos. Dado que proíbe estes últimos de consentirem, eles próprios, a interpretação normativa dos seus preceitos, fica afortiori arredada qualquer veleidade de autonomamente um acto regulamentar o fazer.

B) A norma ora impugnada ofende directa e materialmente a proibição do tratamento legislativo discriminatório, consequente do princípio .inscrito no artigo 13.°, n.° 2, da CRP, porquanto confere a professores expressamente habilitados, para todos os efeitos legais, com a aprovação em Exame de Estado (artigo 1." do Decreto-Lei n.° 302/ 74, de 5 de Julho; artigos 1.° e 3.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 405/74v de 29 de Agosto; Decreto-Lei n.° 294-A/75, de 17 de Junho; artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 616/76, de 27 de Julho; Despacho n.° 21/78, da Secretária de Estado do Ensino Básico e Secundário, de 5 de Julho; e artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 210/78, de 27 de Julho) o mesmo tratamento que recebem os docentes que jamais obtiveram essa habilitação, sem que qualquer fundamento constitucional o permita justificar.

C) A norma ora impugnada viola reiteradamente o mesmo princípio constitucional, ao conceder arbitrariamente tratamento diferenciado aos docentes que por via da legislação e regulamentação citadas receberam habilitação à aprovação em Exame de Estado, a par daqueles que, porque puderam, cumpriram a realização das provas de exame de Estado, com sucesso. A norma que é objecto do presente pedido de fiscalização de constitucionalidade, deixou à margem tal habilitação, justificada pela suspensão da realização das provas ao abrigo de legislação insofismavelmente subsequente ao Decreto n.° 36 508, de 17 de Setembro de 1947, como é o caso do Decreto-Lei n.° 47 587, de 10 de Março de 1967. A mesma norma não consente admitir que tal habilitação poderia, inclusivamente, ter sido levada a cabo, sem ter havido qualquer suspensão das provas de Exame de Estado (cfr., por exemplo, o Decreto-Lei n.° 616/76, de 27 de Julho e o Decreto-Lei n." 210/78, de 27 de Julho, com especial nota de atenção para os seus preâmbulos).

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D) A norma regulamentar em causa viola directa e materialmente o princípio/garantia da confiança que os cidadãos podem depositar na unidade e integridade da ordem jurídica, o qual se revela como corolário imediato do princípio do Estado de direito, consagrado no artigo 2.° da CRP. Isto, sucintamente, porque o despacho SERE de 23 de Outubro de 1992 põe em crise a habilitação operada

pela citada legislação de 1974/78, determinando a

revogação de direitos constituídos, sem que para tanto se encontre fundamento jurídico-constitucional apto.

E) a norma que é objecto da presente iniciativa, ainda que, por mera hipótese, não se tratasse de norma interpretativa sempre pretenderia assumidamente modificar norma contida em actos legislativos sucessivos ao Decreto-Lei n.° 302/74, de 5 de Julho, violando o disposto no artigo 115.°, n." 5, da CRP. Isto se for admitido que os citados actos legislativos não devam conceber-se como legislação subsequente ao Decreto n.° 36 508, de 17 de Setembro de 1947, caso em que não pode deixar de reconhecer-se a subsistência da eficácia das habilitações para todos os efeitos legais, complementando as normas contidas nos artigos. 128." e 129.°, n.05 1, 3 e 4, do ECD e nos artigos. 3.° e 4.°, alínea o), do Decreto-Lei n.° 120--A/92, de 30 de Junho.

F) A norma ora impugnada, mesmo que de norma contida em acto legislativo se tratasse, realizando interpretação autêntica das normas citadas imediatamente supra, sempre seria inconstitucional, por violação dos princípios da igualdade e da tutela da confiança na unidade da ordem jurídica, decorrentes, respectivamente, dos artigos 13.° e 2.° da Constituição.

Nestes termos, pela motivação exposta e por violação das normas e princípios constitucionais enunciados, pede o Provedor de Justiça, exercendo o poder que lhe é conferido no artigo 281.°, n.° 2, alínea d), da Constituição, a declaração com força obrigatória geral, pelo Tribunal Constitucional, da norma contida no despacho SERE de 23.10.1992 (cópia em anexo), para os efeitos previstos no artigo 282.°, n.° 1, da CRP.

94.06.09 R-2796/93

O Provedor de Justiça vem, ao abrigo do disposto no n.° 1 e na alínea d) do n.° 2 do artigo 281.° da Constituição da República Portuguesa e do disposto no n.° 3, do artigo 20.°, da Lei ,n.° 9/91, de 9 de Abril, requerer a apreciação da constitucionalidade das normas contidas na alínea d) do n.° 3 do artigo 2." da Lei n.° 14/89, de 30 de Junho, no artigo 79.° do Decreto-Lei n.c 422/89, de 2 de Dezembro, e na Portaria n.° 1159/90, de 27 de Novembro, nos termos e com os fundamentos seguintes:

1.° O artigo 79.° do Decreto-Lei n.° 422/89, de 2 de Dezembro, ao abrigo do disposto na Lei n.° 14/89, de 30 de Junho (lei de autorização legislativa), permitiu, expressamente, aos empregados dos quadros das salas de jogos aceitar as gratificações espontaneamente dadas pelos frequentadores daquelas salas (n.° 1), proibindo, porém, a percepção individual das referidas liberalidades (n.° 2).

2." A mesma disposição legal previu, desde logo, que as regras de distribuição das gratificações pelos empregados com direito à sua percepção fossem fixadas por portaria, ouvidos os representantes dos trabalhadores (n.° 3).

3.° E que em tais regras pudesse determinar-se que uma percentagem das gratificações, não superior a 15%, reverteria para o Fundo Especial de Segurança Social dos Profissionais da Banca dos Casinos, ou para outros fundos a constituir, ouvidos os representantes dos trabalhadores (n.°4).

4.° Efectivamente, a Portaria n.° 1159/90, de 27 de Novembro, veio a aprovar as regras de distribuição das gratificações percebidas pelos trabalhadores das salas de jogos tradicionais e privativas de máquinas dos casinos.

5." Ora, se já a mera proibição da percepção individual de gratificações e a autorização para criação de regras disciplinadoras da sua distribuição se apresenta de constitucionalidade duvidosa, o alargado âmbito da citada Portaria realça tal vício, agravando-o. É o que se procurará, de seguida, demonstrar.

I

Da violação do artigo 62.fi, n.a 1, da Constituição

6.° Como afirma o jurisconsulto Dr. Vítor Faveiro, a fls. 20 do douto parecer proferido acerca deste assunto (que se anexa ao presente articulado):

As gratificações espontâneas, dadas pelos frequentadores dos casinos têm (...) a natureza de negócios jurídicos unilaterais, inominados, abstractos, tendo por objecto a manifestação e execução da vontade do gratificante de enriquecer o património do gratificado, por motivos puramente subjectivos e não revelados, compreendendo, entre outros, a mera exibição ou ostentação do prazer de ganhar (...). Não existindo, nas gratificações, qualquer relação jurídica entre o gratificante e a entidade patronal do gratificado, não pode a entidade patronal avocar a si, ou exercer a qualquer título, o direito ou função de dispor do objecto da gratificação em termos de o atribuir, por si, a quem melhor entender, possivelmente a pessoa diversa da vontade do gratificante substituindo-se, assim, a essa vontade, ou contra-riando-a mesmo; ou retirando ao destinatário da gratificação um direito privado de titularidade sobre a importância que lhe é dada.

7.° Ora, como o mesmo autor vem a concluir, ainda no citado parecer, também o legislador, por força do supracitado preceito constitucional, não pode contrariar a vontade do gratificante, atribuindo a outros, que não àqueles a quem directamente foi entregue a gratificação, o respectivo valor.

8.° É que o direito à transmissão da propriedade privada, consagrado no n.° 1 do artigo 62." da Constituição, só será respeitado se, e enquanto, o beneficiário da transmissão for aquele que o transmitente quiser, efectivamente, compensar. Por outro lado,

9.° A partir do momento em que ao trabalhador é entregue qualquer montante a título de gratificação, por qualquer um dos motivos subjectivos mencionados, exemplificativamente, no supra citado parecer, o respectivo montante — que foi ofertado àquele trabalhador em particular e não a qualquer outro, nem, tão pouco, ao estabelecimento onde trabalha —, passa a integrar a sua esfera jurídica, o mesmo é dizer, passa a ser sua propriedade privada, caindo sob a protecção do já sobejamente citado artigo 62.°, n.° 1, da Constituição.

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10." Ocorre, pois, que as normas supra-identificadas, cuja declaração de inconstitucionalidade agora se requer, constantes da Lei n.° 14/89, de 30 de Junho, do Decreto-

-Lei n.8 422789, de 1 de Dezembro, ê dâ Portaria íl.° 1159/ 90, de 27 de Novembro, violam duplamente o direito constitucional de propriedade privada, enquanto, por um lado,-contrariam a vontade do gratificante, manifestada ao exercer o seu direito de transmissão da propriedade a favor de alguém em particular, e enquanto, por outro lado, estipulam a distribuição, por um grupo — e. mesmo, a favor de um ou mais «fundos» — daquilo que cada trabalhador já integrou, como seu, na respectiva esfera patrimonial.

n

Da violação do artigo 13.8 da Constituição

11.° Também em relação ao artigo 13." da Constituição as citadas normas consubstanciam uma dupla inconstitucionalidade: é que, se a existência de regras impondo a distribuição das gratificações recebidas apenas pelos empregados dos quadros das salas de jogos, viola o princípio da igualdade por controlar, apenas, um dos muitos grupos profissionais que auferem gratificações durante o exercício da sua actividade.

12.° Certo é, também, que o modo como as regras de distribuição que se vêm criticando foram elaboradas gerou uma outra desigualdade: a de tratamento entre membros do mesmo grupo profissional — o dos trabalhadores das salas de jogos — que titulam diferentes categorias dentro desse grupo (vejam-se as Partes II e III da Portaria n.° 1159/90, de 27 de Novembro).

13." Dir-se-á que a distribuição das gratificações de acordo com a respectiva categoria profissional é um critério justo porque objectivo e independente da vontade de terceiros ou de outros critérios eventualmente menos claros e mais «flutuantes». Não é assim.

14.° Como já ficou dito, a atribuição de gratificações não tem qualquer ligação com a relação laboral existente entre entidade patronal e gratificado, à qual o gratificante é totalmente alheio.

15." Assim, não pode a lei — muito menos um diploma regulamentar como é a Portaria n.° 1159/90, de 27 de Novembro — estabelecer qualquer diferenciação em função das categorias dos trabalhadores para gerir uma distribuição de verbas auferidas independentemente da titularidade de uma ou outra categoria.

m

Da violação do artigo 168.fi, n.fi 1, alínea d), da Constituição

16.° A alínea b) da regra 23.* da Parte I, da Portaria n.° 1159/90 estabeleceu que o direito à gratificação se mantém «durante o período de suspensão preventiva da prestação de trabalho, por motivo de procedimento disciplinar, até ao limite de 60 dias».

17.° Este limite de 60 dias não se encontra, porém, consagrado na legislação laboral (artigo 11.°, n.° 1, do Decreto--Lei n.°64-A/89, de 2.7 de Fevereiro), nem no Estatuto Disciplinar dos Funcionários e Agentes (artigo 54.°, do Decreto-Lei n.° 24/84, de 16 de Janeiro), aplicáveis aos trabalhadores de banca dos casinos perante a dupla sujeição destes, no plano disciplinar, determinada pelo artigo 138.°, do Decreto-Lei n.° 422/89, de 2 de Dezembro.

18." Assim, e uma vez que o Decreto-Lei n.° 422/89 não consagrou, para além da referida dupla sujeição disciplinar, qualquer outra especificidade em termos disciplinares, não poderia um diploma dc execução c dependente

deste Decreto-Lei, como o é a Portaria n.° 1159/90, fixar regime diverso do contido na lei (Lei ou Decreto Lei) que lhe serve de fundamento, como resulta da determinação constitucional patente no artigo 115.°, n.° 7, da Lei Fundamental, tanto mais que a matéria em questão é da competência relativa da Assembleia da República [cfr. artigo 168.°, n.° 1, alínea d), da Constituição].

19.° Tendo-o feito, ou seja, tendo a Portaria n.° 1159/ 90 ultrapassado o âmbito dentro do qual lhe era autorizado regulamentar — através da inclusão da norma, manifestamente inovadora, da alínea b) da regra 23.° da respectiva Parte I — a referida norma sofre de inconstitucionalidade por ofensa do artigo 168.°, n.° 1, alínea d), da Constituição.

IV

Conclusões

20.° Entendo, assim, que as normas contidas na alínea d) do n.° 3 do artigo 2.° da Lei n.° 14/89, de 30 de Junho, no artigo 79.° do Decreto-Lei n.° 422/89, de 2 de Dezembro, e na Portaria n.° 1159/90, de 27 de Novembro, são materialmente inconstitucionais por ofenderem o direito à propriedade privada (artigo 62.°, n." 1, da Constituição) e o princípio da igualdade (artigo 13.° da Constituição) e que a norma contida na alínea b) da regra 23.° da Parte I da citada Portaria, viola, ainda, o disposto na alínea d), n." 1, do artigo 168.° da Constituição.

Nestes termos, e nos mais de direito, deve ser concedido provimento ao presente requerimento e, por conseguinte, declarada a inconstitucionalidade das aludidas disposições, com todas as legais consequências.

2.3.2 — Pedido de verificação de inconstitucionalidade por omissão

94.11.15 R-165/93

No exercício do poder que lhe é conferido pelo artigo 283.°, n.° 1, da Constituição, reproduzido no artigo 20.°, n.° 4, da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, o Provedor de Justiça vem requerer ao Tribunal Constitucional que aprecie e verifique a inconstitucionalidade por omissão por falta de normas legislativas adequadas que cabalmente confiram exequibilidade à norma contida no artigo 59.°, n.° 1, alínea e) da Constituição, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:

1.° A Constituição consagra no seu artigo 59.°, n.° 1, alínea e), o direito dos trabalhadores a assistência material, quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego.

2.° O referido direito fundamental já integrava a Constituição na sua versão originária, no artigo 52.°, alínea a), 2.* parte, tendo sido deslocado para o artigo 60°, n.° 1, alínea e), através da Lei Constitucional n.° 1/82, de 30 de Setembro e, posteriormente, transferido para o artigo 59.°, n.° 1, alínea e), pela Lei Constitucional n.° 1/89, de 8 de Julho, e nele foi mantido pela Lei Constitucional^." 1(92., de 25 de Novembro.

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3." A localização sistemática do preceito, no Capítulo I (Direitos e deveres económicos), do Título IH (Direitos e deveres económicos, sociais e culturais), da Parte I da Constituição (Direitos e deveres fundamentais), aliada ao facto de no Título I (Direitos, liberdades e garantias) ser autonomizado um capítulo dedicado aos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores (o III), poderia levar a concluir que o direito fundamental em causa gozaria, tão só, do regime dos direitos económicos, sociais e culturais, ou seja, para o que ora importa, não seria directamente aplicável.

4.° Não é, porém, assim. O facto de, nominalmente, se tratar de um direito económico e, estruturalmente, de um direito a uma prestação, não impede que lhe possa ser reconhecida, em parte, natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, beneficiando do regime destes, nos termos do artigo 17.° da Constituição.

5." O âmbito de aplicação do regime dos direitos, liberdades e garantias deve resultar, como sustenta Vieira de Andrade, «de surpreender uma diversidade de convicção (determinação) na intenção normativa dos direitos fundamentais: em relação a alguns deles, deve entender-sè que as normas constitucionais são capazes de fornecer todos os elementos e critérios necessários e suficientes para a sua aplicação, ou seja, os direitos são determinados por opções constitucionais; em relação aos restantes, só a intervenção autónoma do legislador ordinário pode definir o seu conteúdo, concretizando os preceitos respectivos e desenvolvendo assim a intenção normativa em termos de produzir direitos certos e determinados (...)» (Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Lisboa, 1983, p. 199). E logo prossegue o ilustre Autor: «A linha de separação introduzida por este critério leva a incluir no âmbito de aplicação do regime dos direitos, liberdades e garantias (além dos direitos de defesa, imediatamente aplicáveis) os direitos a prestações (faculdades) que tenham por objecto um comportamento estadual que possa dizer-se de execução vinculada da Constituição» (ibidem).

6." Estabelecida a possibilidade de um direito a uma prestação poder, não obstante a sua estrutura, gozar do regime jurídico específico dos direitos, liberdades e garantias, possuindo natureza análoga à destes, cabe procurar, no direito fundamental aqui em causa, essa analogia de natureza, a qual deve, segundo Vieira de Andrade, «respeitar cumulativamente a dois elementos: tratar-se de uma posição subjectiva individual que possa ser referida de modo imediato e essencial à ideia de dignidade da pessoa humana; poder essa posição subjectiva ser determinada a um nível que deva ser considerado materialmente constitucional» (ob. cit., p. 211).

7.° No caso do direito dos trabalhadores à assistência material quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego, a analogia da sua natureza com a dos direitos, liberdades e garantias revela-se, desde logo, na sua ligação com o direito fundamental que é condição prévia da existência de todos os outros direitos das pessoas singulares e condição primeira da dignidade humana: o direito à vida.

8.° Com efeito, como notam Gomes Canotilho e Vital Moreira, «o direito à vida significa também direito à sobrevivência, ou seja, direito a viver. Neste sentido, o direito à vida traduz-se no direito a dispor das condições de subsistência mínimas, integrando designadamente o direito ao trabalho (ou ao subsídio de desemprego, na falta

daquele)» (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.' ed., Coimbra, 1993, anot. artigo 24.°, VI, p. 176).

9.° Não se podendo considerar o direito ao trabalho, consagrado no artigo 58." da Constituição, como tendo natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias (cfr., por todos, Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., anot. artigo 58.°, II, P. 315), nada permite deixar, sem mais, de admitir essa natureza ao direito dos trabalhadores à assistência material quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego, como forma residual de assegurar as condições mínimas de subsistência necessárias para a salvaguarda do direito à vida.

10." Tendo em vista o exposto, não será difícil concluir que decorre da Constituição a obrigatoriedade para o legislador de estabelecer uma assistência material mínima para todos os trabalhadores que involuntariamente se encontrem em situação de desemprego.

11.° E esse mínimo será encontrado através do referencial supra mencionado das condições mínimas de subsistência, que corporizam assim, a concreta imposição legiferante do legislador constituinte ao legislador ordinário.

12.° Do acervo de razões expostas parece, pois, resultar como fundada a atribuição de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias ao direito dos trabalhadores à assistência material quando involuntariamente se encontrem desempregados, como entende, aliás, parte da doutrina (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., anot. artigo 59.°, I, p. 318; Nunes Abrantes, «O Direito do Trabalho e a Constituição», in Estudos de Direito do Trabalho, Lisboa, 1991, pp. 59 e segs. (80).

13." O direito dos trabalhadores involuntariamente desempregados à assistência material é reconhecido, no proemio do artigo 59.°, n.° 1, da Constituição, a todos os trabalhadores.

14.° A noção constitucional de trabalhador, por seu turno, deverá abranger «todo aquele que trabalha ou presta serviço por conta e sob a direcção e autoridade de outrem, independentemente da categoria deste (actividade privada ou pública) e da natureza jurídica do vínculo (contrato de trabalho privado, função pública, etc.)» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., anot. artigo 53.°, IH, p. 286). Por forma a não restar margem para dúvidas, acrescentam os mesmos ilustres Autores: «Estão assim seguramente abrangidos pelo conceito os funcionários públicos» (ibidem).

15.° Deve, pois, concluir-se que também os funcionários ou agentes da Administração Pública têm constitucionalmente direito à assistência material quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego, por virtude do artigo 59.°, n.° 1, alínea e), da Constituição.

16.° A concretização legislativa de tal direito dos trabalhadores encontra-se, hoje, contida no Decreto-Lei n.° 79-A/89, de 13 de Março.

17.° Nos termos do disposto no artigo 1.° desse diploma — e na senda do previsto nos regimes anteriores —, apenas os trabalhadores por conta de outrem beneficiam da prestação nele prevista, designada por subsídio de desemprego.

18.° E da análise do diploma, nomeadamente do preâmbulo e do artigo 10.°, infere-se claramente que os beneficiários da assistência material, consubstanciada no subsídio de desemprego, são apenas os trabalhadores vinculados por contrato individual de trabalho, ou seja, tão só os trabalhadores por conta de outrem sujeitos de relações jurídicas privadas.

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19.° Ora, essa delimitação exclui do âmbito de aplicação do citado Decreto-Lei, no qual se esgota a disciplina da assistência material aos trabalhadores quando se encontrem involuntariamente em situação de desemprego, os funcionários e agentes da Administração Pública, pois a sua relação jurídica de emprego é regulada no Decreto-Lei n.° 427/ 89, de 7 de Dezembro (e em estatutos especiais, como é o caso do Estatuto da Carreira Docente, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 139-A/90, de 28 de Abril), e não pelo regime jurídico privado do contrato individual de trabalho, cuja matriz contínua a ser o Decreto-Lei n.° 49408, de 24 de Novembro de 1969.

20.° No que respeita aos funcionários e agentes da Administração Pública, se há casos em que as causas de extinção da relação jurídica de emprego não permitem configurar situações de desemprego involuntário — caso da exoneração, prevista no artigo 29.° do Decreto-Lei n.° 427/89, de 7 de Dezembro —, não deixam de ocorrer, em número apreciável, situações que não mereceram a atenção do legislador no sentido de obter um desenvolvimento adequado à plena exequibilidade do direito contido no artigo 59.°, n.° 1, alínea e), da Constituição.

21." Uma dessas situações encontra-se prevista no artigo 6.°, n.° 10, do Decreto-Lei n.° 427/89, de 7 de Dezembro, onde se admite a exoneração por despacho da entidade que tiver nomeado o funcionário, no decurso do período probatório, sem prejuízo do regime do estágio de ingresso.

22." Também o caso dos funcionários e agentes a quem seja aplicada a pena disciplinar de demissão, prevista no artigo 11.°, n.° 1, alínea f), do Decreto-Lei n.° 24/84, de 16 de Janeiro, é configurável como situação de desemprego involuntário, em termos idênticos à dos trabalhadores vinculados por contrato individual de trabalho, cujo desemprego decorrente de despedimento com justa causa é considerado, nos termos do artigo 3.°, n.° 1, alínea a), do Decreto-Lei n.° 79-A/89, de 13 de Março, involuntário.

23.° De igual forma, no caso dos funcionários e agentes considerados pessoal disponível, nos termos do Decreto--Lei n.° 247/92, de 7 de Novembro, a necessidade de opção por alguma das medidas excepcionais de descongestionamento da função pública previstas no artigo 6.° desse diploma pode vir a conduzir à extinção inelutável da relação jurídica de emprego público, na medida da impossibilidade prática da activação, em cada caso concreto, da totalidade das alternativas ali elencadas.

24." Por outro lado, no caso dos agentes administrativos, isto é, do pessoal cuja relação jurídica de emprego nasce da celebração com a Administração Pública de contrato administrativo de provimento, regista-se que, para além da caducidade do mesmo (dada a sua natureza transitória, como expressamente se reconhece no artigo 15.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 427/89, de 7 de Dezembro), são verificadas situações de extinção da relação jurídica de emprego por simples denúncia da entidade empregadora, sem que se reconheça qualquer elemento de voluntariedade por parte do agente administrativo (artigo 30.°, n.° 1, alínea b), idem].

25." Outro tanto sucede no regime especial definido no Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensino Básico e Secundário — vulgo, Estatuto da Carreira Docente —, aprovado pelo Decreto--Lei n.° 139-A/90, de 28 de Abril, a propósito das situações de nomeação provisória, período probatório e contrato administrativo (artigos 30.°, 32.° e 33.°, respectivamente).

26." Assim sendo, e não existindo qualquer outro regime normativo que tenha como objecto o direito dos trabalhadores à assistência material quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego, há-de concluir-se que o direito conferido no artigo 59.°, n.° 1, alínea e), da Constituição, não encontra concretização legislativa no que toca aos agentes administrativos e a algumas situações respeitantes aos funcionários públicos, apesar de nada permitir — antes pelo contrário — um tratamento desigual face aos trabalhadores de contratação privada.

27.° E estando em causa, como vimos, um direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, não é dada ao legislador ordinário total margem de livre decisão no tocante à oportunidade de concretização do direito, pois não se está face a um direito «sob reserva do possível» (Vieira de Andrade, ob. cit., p. 201), facto que a autorizaria o poder legislativo ordinário a diferir a sua concretização ou desenvolvimento de acordo com uma opção que tomasse relativamente à afectação de recursos disponíveis.

28.° Do que veio a ser exposto resulta que, encontrando-se o direito à assistência material dos trabalhadores involuntariamente desempregados, apresente já na versão originária da Constituição — portanto, desde 25 de Abril de 1976 —, e constituindo um direito fundamental beneficiário do disposto no artigo 17.°, é configurada, de há muito, uma omissão inconstitucional das medidas legislativas necessárias a tornar exequível a norma constante do artigo 59.°, n.° 1, alínea e), da Constituição.

29.° Mesmo que, por hipótese, se considerasse não estarmos perante um direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, caso em que seria deixada ao legislador significativa margem de livre decisão quanto à oportunidade da sua concretização, ainda assim se verificaria, em todo o caso, uma omissão inconstitucional, no sentido do artigo 283.°, n.° 1, da Constituição.

30." A omissão em causa é relativa e não total ou absoluta, pois há concretização legislativa da norma constitucional; apenas essa concretização é incompleta, deixando de fora uma parte dos trabalhadores destinatários da protecção constitucional.

31.° O legislador, ao instituir um regime de assistência material para os trabalhadores que involuntariamente se encontrem em situação de desemprego, o qual apenas cobre os trabalhadores vinculados por contrato individual de trabalho (abrangendo, salvo melhor opinião, os contratos de trabalho a termo), deixando de fora alguns trabalhadores da função pública, violou o princípio da igualdade previsto no artigo 13.° da Constituição. Este princípio é, como se deixou entender supra, concretizado no proémio do artigo 59.°, n.° 1, para o caso vertente, ao prever expressamente que todos os trabalhadores têm todos os direitos consagrados no seu articulado.

32.° E essa violação do princípio da igualdade não é menos evidente por, eventualmente, se considerar estar em causa um direito fundamental sem natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, pois como sustenta Gomes Canotilho «se o legislador actua voluntariamente criando uma certa disciplina legal, então ele fica obrigado a não deixar inconsiderados os casos essencialmente iguais aos previstos no Toibestond legal» (Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador — Contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas, Coimbra, 1982, p. 335).

33.° Nestes termos, poderia parecer indicado recorrer aos mecanismos de fiscalização por acção, como parece enten-

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der Jorge Miranda (cfr. Manual de Direito Constitucional, Tomo II, Coimbra, 1991, p. 522), cumulando uma inconstitucionalidade por acção, a partir da violação do princípio da igualdade, com inconstitucionalidade parcial por omissão.

34." Porém, e citando de novo Gomes Canotilho: «(...) censurável pode não ser o acto legislativo em si mas o esquecimento de outros Tatbestände em situações rigorosamente iguais às previstas na regulamentação legal» (ob. eh., p. lol).

35.° Assim, o que resulta como necessário e conforme à Constituição, neste caso, não é extinguir a assistência material aos trabalhadores vinculados por. contrato individual de trabalho, mas estender essa assistência aos restantes trabalhadores por conta de outrem que não estejam abrangidos, através de formulação de medidas legislativas adequadas.

36." Isso mesmo já foi reconhecido pelo Tribunal Constitucional quando, em sede de fiscalização abstracta sucessiva, se debruçou sobre esta questão no Acórdão n.° 423/87 (DR, I, 26.11.1987, pp. 4126, 4139 e 4140), ao admitir que a concretização de direitos fundamentais em violação do princípio da igualdade deve ser subestimada relativamente à extensão do seu regime, colocando termo a uma omissão parcial.

Nestes termos requer-se a verificação do não cumprimento da Constituição por omissão das medidas legislativas necessárias para conferir plena exequibilidade, no que aos trabalhadores da função pública diz respeito, à norma contida no artigo 59.°, n.° 1, alínea e), da Constituição, na qual se inscreve o direito dos trabalhadores à assistência material quando involuntariamente se encontrem em situação desemprego.

2.3.3 — Casos em que se decidiu não pedir a fiscalização da inconstitucionalidade

R-2768/88

Assunto: Associações Públicas; Ordens Profissionais. Decreto-Lei n.° 212/75, de 12 de Julho

1 — Retomando o nosso parecer de fls. 44 e habilitados que estamos, agora, com os esclarecimentos que, na sequência das diligências, entretanto, efectuadas, nos foram prestados pela Direcção-Geral dos Hospitais e pela Direccção-Geral de Assuntos Farmacêuticos podem concluir, em definitivo e seguramente pela improcedência do pedido das reclamantes quanto à Declaração de Inconstitucionalidade do Decreto-Lei n.° 212/75, de 12 de Julho.

Das razões e fundamentos desta nossa posição é proficientemente elucidativo o extenso e exaustivo Parecer que, a propósito deste assunto, foi elaborado pelo Prof. Dr. Jorge Miranda, anexo aos autos, a que damos a nossa inteira concordância e nos dispensamos de reproduzir.

2 — Através da análise que nele é feita, demonstra-se, claramente, que a actividade colegial das ordens, quer na sua vertente histórica como doutrinal, se insere numa função disciplinadora da profissão e na defesa deontológica de valores que sempre caracterizam as profissões liberais através de vários regimes políticos, tanto entre nós, como nalguns Países Estrangeiros (com alguma contestação, admitamos — sobretudo, em França, em relação aos médicos — quanto à questão da quotização e à própria obrigatoriedade de inscrição). E ponderando acerca do seu

enquadramento legal, à luz das instituições de predominância nas ordens de características mais próximas deste último, de que decorre natural e justificada a legitimação das exigências impostas aos respectivos profissionais, ditadas que são por razões de interesse público.

No caso em apreço — a Ordem dos Farmacêuticos — divisam-se, com efeito, todos os requisitos das Associações Públicas Profissionais, visto que ela moldura e disciplina uma profissão livre de grande tradição e projecção na sociedade portuguesa, cujo correcto exercício se identifica com interesses colectivos de saliente relevo que está apta a prosseguir e salvaguardar.

Por isso mesmo não parece suscitar dificuldades, nomeadamente, à face da regra constitucional da liberdade de profissão, a inscrição obrigatória na Ordem. Como conclui Jorge Miranda, «existe um interesse público da regência da actividade profissional por associação pública que determina uma adequada regulamentação nesses termos (e não verdadeira restrição) do exercício da profissão».

3 — Relativamente à questão suscitada pelo Ex.mo Senhor Adjunto, na alínea c), ponto e), do seu despacho de 95.12.18, quanto a uma eventual inconstitucionalidade orgânica do referido diploma, dela, igualmente trata o Prof. Jorge Miranda daquele seu parecer, nos termos que seguidamente, transcrevemos:

A matéria das associações públicas está hoje incluída na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República; mas o estatuto da Ordem dos Farmacêuticos, aprovado por Decreto-Lei, em 1979, não padece de inconstitucionalidade orgânica, porque anterior à Revisão Constitucional de 1982.

4 — Não cremos, ainda, salvo melhor opinião — e continuando a ponderar sobre as questões levantadas no supra citado Despacho — que, face ao exposto, se possa considerar, incorrecta a actuação da Administração Pública no caso em análise. Entendemos, com efeito, que a experiência, ora feita, aos funcionários diplomados em Farmácia que exerçam a profissão, de inscrição na respectiva Ordem, apenas peca por ser tardia e demasiado condescendente e não, como vimos, por falta de legitimidade. Temos para nós que quando se trate — como no caso em apreço — de corrigir ou rectificar condutas de alguém a quem o dever de ofício pressupõe e impõe, o conhecimento correcto da lei, se justifica sempre, tomar como regra e pôr em prática o velho adágio popular «mais vale tarde que nunca».

5 — Assim, e salvo critério superior, afigura-se-nos improcedente o pedido das Reclamantes, e propomos o arquivamento dos presentes autos, com elucidação às mesmas e expedimento habitual.

Este parecer mereceu despacho concordante do Senhor Provedor de Justiça em 27 de Setembro de 1994.

R-98/88

Assunto: Aposentação compulsiva; direito de ocupação efectiva; lei de autorização legislativa; artigo 16.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 43/94, de 3 de Fevereiro..

O Senhor D, aposentado, queixoso no processo em epígrafe, peticionou o exercício da minha competência de iniciativa do processo de fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade de normas jurídicas, em relação ao artigo 16.°, n.° 2.do Decreto-Lei»."43/34 âe 3 de Fevereiro.

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II SÉRIE-C — NÚMERO 23

Analisados os fundamentos jurídicos invocados pelo queixoso, os pareceres da Exma. Assessora, do Ex."10 Coordenador e do Ex."10 Provedor-AdjuntO, decido não utilizar o poder que a C. R. P., nos termos do seu artigo 281.°, n.° 2, d)¡ reproduzido no artigo 20.°, n.° 3,

da Lei 9/91, de 9 de Abril, me confere, pelos motivos que seguem.

I

Da inconstitucionalidade orgânica do artigo 16.°, n.fi 2, do Decreto-Lei n.8 43/84, de 3 de Fevereiro

1 — Na análise da questão sub judice, deve levantarse, antes de mais, o problema da eventual preterição da lei de autorização legislativa — Lei n.° 14/83, de 25 de Agosto — pelo Decreto-Lei n.° 43/84, de 3 de Fevereiro, concretamente pelo seu artigo 16.°, o que consubstanciaria uma inconstitucionalidade orgânica, por violação do artigo 168.°, n.° 1, alínea v), e n.° 2, ou uma ilegalidade por desrespeito do sentido fixado nessa autorização.

Confere a Lei n.° 14/83, de 25 de Agosto, autorização ao Governo para tomar medidas de política de emprego e de gestão de recursos humanos na função pública e de descongestionamento para subsequente extinção do quadro geral de adidos. Nesse sentido, dispõe o n.° 1 do artigo 1.° que:

1 — O Governo é autorizado a legislar:

a) Em matéria referente ao desenvolvimento e aperfeiçoamento de medidas de emprego da função pública e a uma adequada gestão dos seus recursos humanos, em particular o pleno aproveitamento dos excedentes e a sua efectiva mobilidade, podendo a aplicação de tais medidas ser alargada à administração local;

b) Em matéria referente ao descongestionamento e subsequente extinção do quadro geral de adidos, incluindo os excedentes constituídos ao abrigo do Decreto-Lei n.° 294/ 76, de 24 de Abril, e legislação complementar.

Em sequência, o Decreto-Lei n.° 43/84, de 3 de Fevereiro, dispõe no artigo 16.° que:

1 — Durante o primeiro ano de disponibilidade podem os excedentes, desde que possuam o tempo mínimo de serviço para efeitos de aposentação, independentemente da idade e de submissão a junta médica, requerer a aposentação, voluntária, sendo a respectiva pensão calculada nos termos do n.° 2 do

artigo 34." do Decreto-Lei n.° 41/84, de 3 de Fevereiro.

2 — Os excedentes que reunam os requisitos constantes do n.°l do artigo 34.° do Decreto-Lei n.° 41/84, de 3 de Fevereiro, e cumulativamente se encontrem na situação de disponibilidade há mais de 2 anos, seguidos ou interpolados, serão obrigatoriamente, aposentados, sem direito a bonificação.

Ora, e ainda antes de avaliar se este preceito encontra cobertura rta lev de autorização legislativa, cumpre determinar se a mesma é, ou não, válida, perante as exigências do normativo constitucional.

2 — As autorizações legislativas, têm um carácter concreto, bem determinado, incidindo sobre um objecto indivi-

dualizado, com um sentido prefixado por certo tempo (cfr. Jorge Miranda, Funções, Órgãos e Actos do Estado, Lisboa, 1990, pág. 470). Consequentemente, qualquer auto-rização legislativa está sujeita a quatro ordens de limites: substanciais, formais, subjectivos e temporais.

Quanto aos limites' substanciais, nada obsta ao seu cumprimento. Em primeiro lugar, a matéria em causa — base do regime da função pública — encontra-se no elenco das matérias susceptíveis de autorização legislativa ao governo [artigo 168.°, n.° 1, alínea v), da CRP]; em segundo lugar, a lei de autorização define tanto o objecto, como a extensão da autorização (artigo 168.°, n.° 1, CRP), bem como o sentido, a orientação fundamental, da autorização, ou seja, o objectivo e o critério da disciplina legislativa a estabelecer pelo governo.

Quanto aos demais limites, do mesmo modo, nada coloca em crise a validade da lei de autorização, pois esta constitui lei autónoma, da Assembleia da República ao Governo e tem duração limitada (120 dias), conforme o artigo 2.° da mesma.

Assim, a autorização legislativa em causa, cumpre o disposto no artigo 168.°, n.° 2 da Lei Fundamental, preenchendo todos os requisitos exigidos para a sua validade jurídica.

3 — Estabelecida a validade da Lei n.° 14/83, de 25 de Agosto, vejamos, então, se o artigo 16.° do Decreto-Lei n.° 43/84, de 3 de Fevereiro, encontra aí cobertura e fundamento bastantes, para a estatuição da aposentação compulsiva, prevista no seu n.° 2.

A lei de autorização define os parâmetros essenciais das normas cuja emissão autoriza (cfr. Sérvulo Correia, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Coimbra, 1987, pág. 54), e, ao que aqui nos interessa, expressamente consagra o descongestionamento e subsequente exünção do quadro geral de adidos, incluindo os excedentes constituídos ao abrigo do Decreto-Lei n.° 294/76,e legislação complementar [alínea b), n.° 1, do artigo 1.° da Lei n.° 14/83, de 25 de Agosto].

E essa densidade normativa da lei de autorização na fixação dos parâmetros essenciais sai claramente reforçada do n.° 3 do citado artigo 1.°:

3 —A autorização a que se refere a alínea b) do n." 1 visa a adopção de medidas de aposentação obrigatória, quando for caso disso, e ainda medidas (...) (itálico nosso).

Assim, em conformidade, o artigo 16.° concretiza esta autorização predefinida pelo parlamento. Ou, dito de outro modo, o governo executa o título para legislar no sentido da aposentação compulsiva. Aliás, o Tribunal Constitucional, no acórdão n.° 285/92, sustenta igual tese ao claramente referir a existência de credencial parlamentar que expressamente identificava a especificidade do mecanismo da aposentação obrigatória, em relação à norma em apreço (in DR, I-A, de 17 de Agosto de 1992).

Nestes termos, o artigo 16.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.°43/ /84, de 3 de Fevereiro, não se configura organicamente inconstitucional, nem ilegal, pois consagra solução previamente definida e autorizada. Ou seja, o governo àvb-punha de competência para legislar no sentido em que o fez, pois esse era afinal o sentido predefinido pela Assembleia da República e fixado pela lei de autorização legislativa.

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Da inconstitucionalidade material do artigo 16.s, n.e 2, do Decreto-Lei n.8 43/84, de 3 de Fevereiro

1 — Quanto à eventualidade da norma em causa se apresentar materialmente desconforme à Constituição, po-der-se-ía aventar dois modos distintos de configurar esse desvalor constitucional. Primeiro, por desrespeito do direito de ocupação efectiva, que trataremos de seguida; segundo, por preterição do princípio da igualdade.

O direito de ocupação efectiva decorre do artigo 53.° da CRP — Segurança no emprego —"integrado no capítulo Direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores. Embora a concretização mais evidente deste preceito seja a proibição dos despedimentos sem justa causa, tal não esgota, contudo, a garantia constitucional da segurança no emprego. Implica também o direito do trabalhador ao efectivo exercício do emprego, não podendo dele ser afastado ou impedido de o exercer, isto é, o «direito à ocupação efectiva» (cfr. José Nunes Abrantes, Estudos de Direito do Trabalho, Lisboa, 1991, pág. 70; também Jorge Leite e Coutinho de Almeida, Colectânea de Leis do Trabalho, Coimbra, 1980, pág. 247).

Este direito de ocupação efectiva sai reforçado, por via do elemento sistemático, pelo reconhecimento no artigo 59.°, n.° 1, alínea b), da Constituição, de uma dimensão humana, de realização pessoal (para além de meramente profissional) do direito ao trabalho, que não se compadece com a arbitrária disponibilidade do seu uso ou não uso pelo empregador.

Do mesmo modo, não obsta a este entendimento tese que sustentasse a inaplicabilidade deste direito à Administração Pública, pela sua manifesta improcedência. A noção constitucional de trabalhador, há-de ser definida a partir do conceito jurídico comum, complementado pelas qualificações e valores constitucionais. Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, «haverá por isso de considerar-se trabalhador para efeitos constitucionais o.trabalhador subordinado, ou seja, aquele que trabalha ou presta serviços por conta e sob direcção de outrem, independentemente da categoria deste (entidade privada ou pública) e da natureza jurídica do vínculo (contrato de trabalho privado, função pública, etc.)» (cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 1993, pág. 286). Só assim se compreende o artigo 269.°, ou o artigo 18.°, n.° 1, ambos da Constituição. Estão assim seguramente abrangidos os funcionários públicos (vide Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 285/92, in DR, I-A, de \7.08.92).

Assim, o âmbito da protecção do direito ao trabalho (artigo 58.°) e segurança no emprego (artigo 53.°), consubstancia um «direito a exercer efectivamente a actividade correspondente ao seu posto de trabalho, sendo proibida a manutenção arbitrária do trabalhador na inactividade (...) ou a suspensão não justificada nos termos da lei» (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., pág. 315), bem como o «direito a não ser privado do posto de trabalho alcançado» (idem).

Por outro lado, o complexo normativo que engloba a segurança no emprego e o direito ao trabalho, funcionarão, no /imite, como referência valorativa (cfr. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, I, Coimbra, 1991, pág. 56).

Também a jurisprudência tem reconhecido este direito, nomeadamente no acórdão, da Relação de Évora, de 12-5-88 (in CJ, 1988, 3, 325), no acórdão, do STJ de

12-7-85 (in BMJ, 349, 329), ou no acórdão., também, da Relação de Évora de 19-11-87 (in CJ, 1987, 5, 297), que expressamente afirma que o direito à ocupação efectiva do trabalhador de um posto de trabalho está reconhecido constitucionalmente.

.2 — Contudo, apesar do reconhecimento da existência, com valor constitucional, do direito de ocupação efectiva, tal não é sinónimo de o considerar como um direito absoluto. Facilmente se compreende a necessidade de introduzir restrições a esse direito, como resulta claro da própria

Constituição ao permitir o despedimento com justa causa, ou, em relação aos funcionários públicos, o regime de incompatibilidades de empregos ou cargos públicos (artigo 269.°, n.os 4 e 5, da CRP).

O direito laboral admite que a extinção de postos de trabalho se opere por motivos económicos ou de mercado, por motivos tecnológicos ou estruturais, relativos à empresa (artigo 26.° do Decreto-Lei n.° 64-A/89, de 27 de Fevereiro, vulgo Lei dos despedimentos e da contratação a termo).

Mesmo Gomes Canotilho, que considera inconstitucional o alargamento do conceito de justa causa para justa causa objectiva, acaba por admitir que os motivos objectivos podem ser valorizados positivamente, nomeadamente para despedimentos colectivos (cfr. Gomes Canotilho e Jorge Leite, A Inconstitucionalidade da Lei dos Despedimentos, Coimbra, 1988, pág. 40), o que encontra acolhimento no artigo 16.° do último diploma citado.

3 — No que respeita à aposentação na função pública, constam os princípios fundamentais que regulam tal matéria do Estatuto da Aposentação (aprovado pelo Decreto-Lei n.° 498/72, de 9 de Dezembro). E também aí se prevê a aposentação obrigatória, nos arts. 36.°, n.° 3, e 41.°, e a aposentação compulsiva, no artigo 42.°

Assim, o artigo 16." do Decreto-Lei n.° 43/84, de 3 de Fevereiro, não se apresenta como norma inovadora, pois regula uma situação já típica do regime jurídico da função pública.

Conforme o exposto, retiramos que a aposentação se configura com um quid jurídico distinto do despedimento, sendo, se assim quisermos dizer, uma restrição reconhecida e lícita ao direito à segurança no emprego. Tanto mais que os mecanismos de segurança social permitem a manutenção do status económico.

Mais, se se permite o despedimento, por maioria de razão permitir-se-á a aposentação, não interferindo tal conclusão com o direito de ocupação efectiva, vista a necessidade de este não ser encarado como um direito absoluto, antes admitindo restrições, nomeadamente as ocasionadas por motivos objectivos.

4 — Mas, será que a norma em apreço não viola o princípio da igualdade ínsito no artigo 13.° da Constituição?

Estabelece o n.° 1 que se confere aos excedentes, no primeiro ano de disponibilidade, desde que possuam o tempo mínimo de serviço para efeitos de aposentação, independentemente da idade e de submissão a junta médica, a faculdade de requerer a aposentação bonificada (aposentação nos termos do fl." 2 do artigo do artigo 34.° do Decreto-Lei n.° 41/84, de 3 de Fevereiro) e, diversamente, no n.° 2 impõe-se a aposentação, sem qualquer bonificação, aos excedentes que reunam 60 anos de idade e 20 anos de serviço, ou 30 de serviço, independentemente da idade, desde que se encontrem na situação de disponibilidade há mais de dois anos. Contudo, esta diversidade de tratamento dificilmente, a nosso ver,

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poderá sustentar uma inconstitucionalidade material por violação do princípio da igualdade. Vejamos.

Sempre se poderá afirmar que a circunstância de um funcionário estar, dois anos na disponibilidade faz supor que ele não reúne condições para ser reintegrado, o que

já não é necessário e igualmente válido no caso de o

período de disponibilidade ser menor. Tais razões poderão pois estar na origem de, no primeiro caso, a aposentação ser facultativa, ainda que estimulada, mas coactiva no segundo.

Trata-se, por conseguinte, de regimes diversos para situações também diversas na sua essência, o que não infringe o princípio da igualdade, conforme os ensinamentos da doutrina.

5 — A proibição de discriminações imposta pelo n.° 2 do artigo 13.° da CRP «não significa uma exigência de igualdade absoluta em todas as situações, nem proíbe diferenciações de tratamento» (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. c/r., pág. 127). O sentido da proibição do arbítrio projectar-se-á, em sede de razoabilidade das medidas legislativas, na exigência de tratamento em termos de um critério de proporcionalidade, das situações desiguais, relativamente iguais ou semelhantes (cfr. João Martins Claro, «O Princípio da igualdade», in Nos Dez Anos da Constituição, 1986, pág. 35).

É necessário ter presente na abordagem desta temática que, como ensina Jorge Miranda, «igualdade não é identidade e igualdade jurídica não é igualdade natural ou naturalística» (cfr. Manual de Direito Constitucional, IV, Coimbra, 1988, pág. 239). E, continuando na mesma lição, a igualdade jurídica exige o tratamento igual de situações iguais (ou tratamento semelhante de situações semelhantes), bem como um tratamento desigual das situações desiguais, no sentido de substancial e objectivamente diferentes, ou seja, impostas pela diversidade das circunstâncias ou pela natureza das coisas.

Nestes termos, estabelecida a desigualdade objectiva das duas situações versadas no artigo 16.° do Decreto-Lei n.° 43/84, de 3 de Fevereiro, a previsão legal de diversidade de tratamento das mesmas apresenta-se conforme ao princípio da igualdade, não sendo procedente argumentação que descortinasse aí um qualquer desvalor constitucional.

6 — Ao exposto, acresce que o Decreto-Lei n.° 247/92, de 7 de Novembro, veio operar a revogação (expressa) do diploma onde a norma em apreço se insere, pelo que deixou a mesma de vigorar no ordenamento jurídico.

Tal não afastaria, em definitivo, a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral pretendida pelo reclamante, pois nos termos do n.° 1 do artigo 282.° da CRP, a declaração produz efeitos desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional ou ilegal, isto é, assume eficácia retroactiva ex tunc. Mas é imperioso lembrar que poderá o Tribunal Constitucional fixar os efeitos da inconstitucionalidade ou da ilegalidade com alcance mais restrito (n.° 4).

Contudo, como se demonstrou, o regime criado pelo artigo 16.° do Decreto-Lei n.° 43/84, de 3 de Fevereiro, não se apresenta nem orgânica, nem materialmente inconstitucional, nem sequer ilegal, obstando, desse modo, à procedência do pedido.

Conclusão

Com estes fundamentos, arquive-se o processo com referência em epígrafe, comunicando-se ao queixoso o teor deste despacho.

R-153/93

Assunto: Militares; passagem à reserva; direito de ocupação efectiva; artigo 7.°, n.° 1, alínea a), da Lei n.° 15/92, de 5 de Agosto.

1—O Exmo. Sr. General N... apresentou uma reclamação nesta Provedoria de Justiça, onde pretende reagir contra' a sua passagem à reserva, decorrente da aplicação do artigo 7.°, n.° 1, alínea a), da Lei n.° 15/92, de 5 de Agosto, norma que entende violadora dos seus direitos, liberdades e garantias e como taj inconstitucional.

Alegou, em síntese, os seguintes factos:

I ) Era oficial do quadro permanente com a categoria de Oficial General e o posto de General de 4 Estrelas;

fj) Em 1981 foi nomeado Chefe do Estado-Maior do Exército, tendo sido exonerado de tais funções em 22 de Novembro de 1983; Hl) Desde 23 de Novembro de 1983 que passou a estar apresentado no Estado-Maior do Exército a aguardar colocação; rV) Apesar de ao longo dos anos se ter dirigido a várias entidades no sentido de ser encontrada uma colocação compatível, a verdade é que foi mantido em completa inactividade;

V) Passou à reserva em 31 de Dezembro de 1992, por aplicação do disposto no artigo 7.°, n.° 1, alínea a), da Lei n.° 15/92, de 5 de Agosto.

2 — Perante o exposto, cumpre averiguar da existência, ou não, da violação do normativo constitucional, concretamente em sede de:

Preterição dó dever de ocupação efectiva;

Violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança ínsitos no princípio do Estado de Direito (artigo 2.° da CRP), concretamente pela violação do princípio da não retroactividade das leis restritivas de um direito — artigo 18.°, n.° 3, da CRP).

3 — Quanto ao primeiro aspecto — preterição do dever de ocupação efectiva — e sem mais, a esse dever corresponde o direito à ocupação efectiva, que é um direito fundamental que dimana do Direito do Trabalho e que tem consagração no artigo 59.°, alínea b), da Constituição. Isto significa o direito do trabalhador ao efectivo exercício do emprego, não podendo dele ser afastado ou impedido de o exercer.

O direito ao trabalho comporta, pois, uma dimensão humana, de realização pessoal, que não se compadece com a arbitrária disponibilidade do seu uso ou não uso pelo empregador.

Também se entende que este direito se aplica aos militares, devendo, no entanto, atender-se à especificidade decorrente do seu estatuto, nomeadamente por se tratar de um conjunto de «pessoas que se encontram numa situação especial geradora' de mais deveres e obrigações do que aqueles que resultam para o cidadão como tal» (Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 1991, pág. 636).

Ora, quanto à situação de reserva, não parece possível sustentar-se que esta viole per si o direito à ocupação efectiva, sendo que esta consubstancia uma situação norma) da vida militar, como aliás decorre da lei.

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No entanto, sempre se poderia argumentar que a Administração Militar, arbitrariamente, não tinha colocado o reclamante a exercer quaisquer funções e como tal, ainda no activo, encontrava-se impedido de exercer a sua profissão.

Ora, sem embargo do reconhecimento de que o reclamante procurou junto de várias entidades e por várias vezes colocação, é igualmente forçoso reconhecer que essa colocação era difícil atendendo ao seu posto e categoria.

Mais, o reclamante oportunamente interpôs uma acção judicial contra o Estado, cujo pedido foi o ressarcimento

cie danos não patrimoniais que computou em 10 milhões de escudos e cuja causa de pedir foi a situação de inactividade em que foi colocado ao longo dos anos por omissão culposa da Administração, não tendo conseguido obter ganho de causa. Decisão essa já transitada em julgado.

Temos, pois, que não houve quebra do direito de ocupação efectiva, nem quanto à situação de reserva, nem quanto à situação antecedente de não colocação.

4 — Quanto à segunda possibilidade indiciada, cumpre averiguar se houve violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança, concretamente pela violação do princípio da não retroactividade das leis restritivas de um direito (artigo 18.°, n.° 3, da CRP).

Vejamos:

O artigo 7.°, n.° 1, alínea a), da Lei 15/92, de 5 de Agosto, veio estabelecer:

1 — Durante os anos de 1992 e 1993 passam à situação de reserva os militares que possuam tempo de serviço igual ou superior a 36 anos e preencham uma das seguintes condições:

a) Sendo oficiais generais, se encontrem em 30 de Novembro de 1992, ou venham a encontrar-se a partir desta data, por um período superior a um ano, sem colocação definida em estrutura das Forças Armadas;

Ora, a passagem à reserva não pode deixar de ser considerada uma restrição de um direito, e como tal não pode a lei conferir-lhe carácter retroactivo, como resulta do disposto no artigo 18.°, n.° 3, da Constituição.

De resto, a não retroactividade das leis restritivas de direitos está intimamente ligada à ideia de protecção da confiança e da segurança dos cidadãos, defendendo-os contra o perigo de nunca atribuir aos seus actos passados ou às situações transactas efeitos jurídicos com que razoavelmente não podiam contar (vide G. Canotilho e V. Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 1993, pág. 153).

Mas, será que a norma sub judicio é retroactiva, como tal violadora do princípio da não retroactividade das leis, pilar delimitador do Estado de Direito Democrático, firmado no artigo 2.° da Lei Fundamental? Efectivamente não.

Repare-se que o diploma em que a norma está contida é de 5 de Agosto de 1992, entrando em vigor após o período normal de vacatio legis. Ora, a produção de efeitos depende, conforme resulta expressamente do citado artigo 7.°, n.° 1, alínea a), de se encontrarem oficiais generais em 30 de Novembro de 1992, ou que venham encontrar--se a partir dessa data, por um período superior a um ano, sem colocação.

Assim, a lei dispõe efectivamente para o futuro. O legislador não pretendeu a produção imediata de efeitos jurídicos (diferentemente seria se a norma dispusesse que passariam imediatamente à situação de reserva os oficiais generais que se encontrem na data da entrada em vigor da lei na situação x ou y), antes a diferiu no tempo.

A produção de efeitos jurídicos não está dependente de um acontecimento passado, mas sim da não verificação de um acontecimento futuro: a não colocação.

Repare-se, ainda, que à data da publicação da Lei n.° 15/92, nada poderia garantir que o reclamante não iria.

ser colocado até 30 de Novembro de 1992 ou que a partir dessa data estaria sem colocação definida por um período superior a um ano na estrutura orgânica das Forças Armadas.

Em face do exposto, não se verifica lesão jurídico--constitucional dos princípios da segurança jurídica e da confiança. A norma em causa não atribuiu relevância jurídica exclusiva a eventos passados, antes se reportando à verificação de um evento futuro.

5 — Nestes termos, entendo não utilizar a faculdade que me é conferida pelo artigo 20.°, n.° 3, da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, visto não se verificar qualquer violação do ordenamento jurídico-constitucional.

R-2419/92. R-2938/92. R-2806/92.

Assunto: Função Pública; extinção dos Centros de Saúde Mental; transferência e requisição de pessoal; Decreto--Lei n.° 127/92, de 3 de Julho.

Nestes processos são colocadas várias questões sobre o regime previsto no Decreto-Lei n.° 127/92, de 3 de Julho, que procedeu à extinção dos Centros de Saúde Mental e Centros de Saúde Mental Infantis e Juvenis, previu a transferência das suas atribuições para hospitais centrais e distritais, bem como a colocação nestes de parte do respectivo pessoal, a requisição para outros serviços públicos e a colocação de outra parte no regime dos disponíveis regulado pelo Decreto-Lei n.° 43/84, de 3 de Fevereiro, e fez cessar os regimes de horários de trabalho de 42 horas anteriormente estabelecidos.

As medidas de racionalização abrangeram um total de 1198 funcionários, dos quais foram integrados nos quadros de hospitais centrais e distritais 985; 137 foram requisitados por outros serviços públicos e 76 foram colocados nos disponíveis (cfr. listas a fls. 25/38).

1.* questão

1 — O artigo 7." do Decreto-Lei 127/92, de 3 de Julho, fez cessar o horário de trabalho de 42 horas, de que gozavam médicos e enfermeiros dos Centros de Saúde Mental extintos, salvo se não fossem objecto de confirmação.

1.1—Segundo os reclamantes dos Proc. R-2419/92 e R-2138/92 o artigo 7." viola os artigos. 2.° e 53.° da Constituição que consagram, respectivamente, os princípios da confiança, previsão e determinibilidade das leis e segurança no emprego.

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1.2 — O regime de segurança no emprego (artigo 53.°) deveria com mais propriedade ser colocado a propósito do artigo 6.° e não do 7.°, que consubstancia uma alteração de direitos integradores do «regime de trabalho». Dir-se-á, contudo, que as soluções previstas para os funcionários dos Centros de Saúde Mental extintos não se traduzem num

despedimento: uns são integrados nos quadros dos

Hospitais receptores das atribuições (artigo 5.°); outros adquirirão a qualidade de excedentes (artigo 6.°), mantendo o vínculo à função pública. Por este motivo, julgo não estar em causa a aplicação do artigo 53.° da Constituição.

1.3 — Já a conformidade do artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 127/92 com o artigo 2." da CRP merece algumas explicitações.

É jurisprudência pacífica do STA que a situação jurídica dos funcionários públicos é objectiva e estatutária, unilateralmente modificável por lei ou regulamento, o que significa a possibilidade de o horário previsto para médicos e enfermeiros poder ser alterado mediante providência genérica.

No caso concreto, não se trata de alteração de um regime estatutário, em termos abstractos, mas da supressão, por via legal (o artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 127/92) de horários de trabalho de 42 horas concedido a pessoal médico e de enfermagem enquanto no exercício de funções nos Centros de Saúde Mental extintos.

Como assinala a Senhora Assessora, este horário de trabalho tem como subjacentes «razões de interesse público» — cfr. artigo 24.° n.° 3 do Dec-Lei n.° 73/90, de 6 de Março — e não interesses particulares dos médicos, não obstante o n.° 4 do mesmo artigo prever a possibilidade da sua cessação «a pedido dos médicos».

Ora, a propósito de um direito de conteúdo mais intenso — a manutenção no exercício de funções por funcionários em lugar e serviço em que estão investido a título funcional, já o Tribunal Constitucional entendeu que é «constitucionalmente legítimo que o Governo proceda à introdução de modificações estruturais na Administração Pública, que determinem consequências no plano da relação laboral efectiva dos funcionários e serviços abrangidos por tais medidas de reorganizações e reestruturação» — cfr. Ac. cit., pp. 3969, e que «causas objectivas ligadas à restruturação e racionalização de serviços podem levar à compreensão do estatuto jurídico dos funcionários» — cfr. ibidem, p. 3973.

Parecè-me que a fixação de determinado horário foi um direito subjectivo em determinado contexto em que tal exercício se tornava necessário. Suprimido ou extinto o serviço público onde esse horário era praticado, o médico ou enfermeiro não o transporta para o novo serviço público onde passará a exercer funções e menos ainda para o quadro de excedentes. Trata-se, assim, de um direito que, embora subjectivado, não integra a título permanente a esfera jurídica do funcionário (como é, por exemplo, o direito a determinada categoria ou o direito à nomeação definitiva) mas que exige, quer para a sua concessão, quer para a sua manutenção, um condicionalismo específico — razões de necessidade ditadas pelo interesse público.

2.* questão

2 — O mesmo artigo 1? v\o\a o disposto no artigo 57.°, n.° 2, alínea a), da Constituição, por não ter sido objecto de audição dos Sindicatos?

2.1 — Concordo com a apreciação constante do parecer no sentido da não inconstitucionalidade.

Acrescentaria ainda que não se trata de «legislação do trabalho» no sentido em que é definido nos Acórdãos do Tribunal Constitucional n.05 31/84, 451/87, 15/88, 107/88, 201/90, 203/90, 93/92, 146/92 e 155/92. Não houve alteração do regime jurídico genérico relativo à prestação do horário das 42 horas previsto para médicos e enfermeiros, respectivamente, nos artigos 24.° do Decreto-Lei

n.° 73/90, de 6 de Março, e 54.°, n.° 5. do Decreto-Lei n.° 437/91, de 8 de Novembro; houve apenas a cessação deste horário de trabalho que fora acordado com aqueles profissionais de saúde enquanto no exercício de funções em Centros de Saúde Mental, posteriormente extintos. A cessação deste regime, enquanto relação jurídica individual está fora da previsão do artigo 6.°, n.° 1, alínea a), do Decreto-Lei n.° 45-A/84, de 3 de Fevereiro. Embora o artigo 7.° conste de um Decreto-Lei, a sua verdadeira natureza é de um acto administrativo plural, ou seja, dirigido a um número predeterminado de pessoas no qual se esgota o conteúdo da norma. Diferentemente, já um acto normativo caracteriza-se por ser «susceptível de ser aplicado em número indeterminado de vezes a um número indeterminado de pessoas», para usar a expressão de Michel Fromont (cfr. Acórdão do STA, de 21/01/88, in AD 323/1417, de 22/03/91, in AD 356/969, de 19/12/89, in AD 346/1180, de 27/10/87, in AD 317/631, de 27/11/ 86, e in AD 308/1128.

Ora, quando o artigo 56.°, n.° 2, alínea a), da Constituição fala em «legislação do trabalho» está a referir--se a disposições normativas e não a actos administrativos.

3.' questão

3 — Os artigos 5." e 6." do Decreto-Lei n.° 127/92 não estabelecem os critérios a observar para a selecção do pessoal que é transferido para outros serviços, daquele a quem são aplicados instrumentos de mobilidade e do que transita para o quadro de excedentes, como é exigido pelo artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 43/84, de 3 de Fevereiro, lei quadro sobre a matéria.

3.1 — Como consideração prévia realça-se que o texto do artigo 3.° citado tem formulação ambígua e confusa: no n.° 1 determina-se que os diplomas a publicar na sequência de medidas de racionalização estabelecerão os critérios a observar para a selecção do pessoal que transitará para outros serviços públicos, daquele a quem serão aplicados instrumentos de mobilidade e do que irá constituir excedentes de pessoal; no n.° 2 do mesmo artigo estabelecem-se as linhas orientadoras para a definição desses critérios quanto ao pessoal de mobilidade; adequação das características e qualificações profissionais aos novos postos a promover, com selecção mediante o recurso à última classificação de serviço e, na sua falta, ao resultado do concurso para a respectiva categoria; no n.° 3 do mesmo artigo 3.° indicam-se desde Jogo os critérios a adoptar para a constituição dé excedentes (sucessivamente menor antiguidade na categoria, na carreira e na função pública).

Poderão legitimamente colocar-se outras duas questões: uma, a da utilidade ou da necessidade de utilização de critérios, para além dos que resultam da lei quadro; a segunda, a da eventual ilegalidade de um decreto-lei que não defina quaisquer critérios, como exigido no n.° 1 do artigo 3.°

Ora, o que é certo é que nem o artigo 5.° nem o artigo 6." do Decreto-Lei 127/92, de 3 de Julho, utilizam quaisquer critérios para seleccionar o primeiro grupo de pessoal

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que foi transferido para correspondentes lugares "dos quadros dos Hospitais e o segundo grupo — a quem foram aplicados instrumentos de mobilidade ou colocado no quadro de excedentes — cfr. lista a.fls. 30/38 e 25/29. E a resposta do Ministério de Saúde de fl. 18 é pouco esclarecedora sobre o assunto.

Dos elementos juntos ao processo só é possível concluir ter sido utilizado o «critério da exclusão de partes»: foi colocado no regime de excedentes ou requisitado para outros organismos (artigo 6.°) o pessoal que não transitou para lugares do quadro, de acordo com princípios de necessidade focados no artigo 5.°, n.° 1, do Decreto-Lei

tí." 127/92. Mas como este pessoal foi seleccionado, nada esclarece nem o Decreto-Lei n.° 127/92, nem as listas de pessoal publicados, nem a resposta do Ministério da Saúde.

3.2 — A admitir-se violação do artigo 3." do Decreto-Lei n.° 43/84 pelos artigos 5.° e 6.° do Decreto-Lei'n.° 127/ 92 não está em causa nenhuma inconstitucionalidade, mas uma simples ilegalidade. O Decreto-Lei n.° 43/84 foi publicado no uso de autorização legislativa por legislar sobre «bases do regime e âmbito da função pública» [artigo 168.°, n.° 1, alínea u), da Constituição na versão da Lei Constitucional n.° 1/82], O Decreto-Lei n.° 127/92 assume--se na ordem jurídica como decretos-lei de desenvolvimento do Decreto-Lei n.° 43/84. Dada a função destes dois decreto-leis dentro do ordenamento constitucional, existe uma relação de vinculação especial do Decreto-Lei n.° 127/ 92 ao Decreto-Lei n." 43/84, a mesma que determina a subordinação ou adequação entre leis de bases gerais e os seus decreto-leis de desenvolvimento (cfr. artigo 115.°, n.° 2, in fine, da Constituição).

4.' questão

4 — O Decreto-Lei n.° 43/84, de 3 de Fevereiro, e a sua lei de autorização legislativa (n.° 14/83, de 25 de Agosto) não foram previamente submetidos à apreciação das associações sindicais, o que ofende o disposto no artigo 56.°, n.° 2, alínea a), da Constituição.

4.1 — O Decreto-Lei n.° 43/84 omite no seu preâmbulo a audição das organizações representativas dos trabalhadores. O Tribunal Constitucional, em jurisprudência constante (Acs. 31/84, 451/87, 157/88, 201/90, 203/90, 61/ 91, 355/91 e 24/92) considera que na ausência de tal menção se deverá presumir que ela não teve lugar, cabendo ao órgão autor da norma ilidi-la (Ac. 93/92).

4.2 — Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem considerado, por maioria (embora com declarações de voto de conselheiros vencidos) que as leis de autorização legislativa são «legislação do trabalho» para efeitos da obrigatoriedade de audição das organizações representativas dos trabalhadores (cfr. Acs. 107/88, 64/91 e 285/92).

É a chamada tese da dupla audição aceite também por Sua Excelência o Provedor (cfr. despacho de fls. 32/50 no Proc. R-535/92, maxime a fls. 38/41).

4.3 — Podem questionar-se razões de oportunidade para solicitar a declaração de inconstitucionalidade da Lei n.° 14/83 e do Decreto-Lei n.° 43/84, ambas publicadas há mais de dez anos e o segundo já revogado (cfr. artigo 28.°, alínea e), do Decreto-Lei n.° 247/92, de 7 de Novembro), razões também ponderadas no despacho de Sua Excelência o Provedor de 29/7/93 a propósito da Lei 10/83 —cfr. fls. 48/49 do Proc. R-535/92, anexo.

4.4 — Acresce ainda que, embora o Tribunal Constitucional não se indisponibilize a apreciar normas re-

vogadas quando haja «interesse útil», o certo é que, mesmo que a Lei 14/83 e o Decreto-Lei n.° 43/84 fossem declarados inconstitucionais, o Tribunal limitaria necessariamente os efeitos da declaração da inconstitucionalidade nos termos do artigo 282, n.° 4, da Constituição por «razões de interesse público».

5 — De todo o exposto, em resumo e conclusão:

5.1 — O artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 127/92 não ofende os artigos 53." e 2." da Constituição.

5.2 — 0 artigo 7.° do Decreto-Lei n.° 127/92 não constitui «legislação do trabalho» para efeito da aplicabilidade do regime previsto no artigo 57.°, n.° 2, alínea a), da Constituição.

5.3 — Não estão cabalmente esclarecidos os critérios utilizados para a selecção do pessoal a quem foram aplicados os regimes dos artigos 5." e 6." do Decreto-Lei n.° 127/ 92, realçando-se também a ambiguidade da formulação legal constante do artigo 3.° do Decreto-Lei 43/84; a existir ofensa deste artigo pelo Decreto-Lei n.° 127/92, ela configura uma simples ilegalidade.

5.4 — O Decreto-Lei n.° 43/81 é inconstitucional (inconstitucionalidade formal), dado a Lei n.° 14/83 não ter sido objecto de audição das associações representativas dos interesses dos trabalhadores, mas julga-se inoportuno o pedido de declaração da sua inconstitucionalidade.

6 — Consequentemente, propõe-se:

6.1 —Que não sejam accionados os pedidos de inconstitucionalidade acima referidos constantes dos Processos R-2419/91, R-2938/92 e R-2806/92.

6.2 — Todos os processos poderiam ser arquivados, a menos que se pretenda manter a pendência do Proc. R-2419/92 para esclarecimento dos critérios utilizados para a selecção do pessoal abrangido pelos regimes dos artigos 5.° e 6.° do Decreto-Lei n.° 127/92.

Este parecer mereceu despacho concordante do Provedor de Justiça èm 6 de Outubro de 1994.

2.4 — Resumos de processos anotados R-622/78.

Assunto: Trabalho — Administração Pública.

Objecto: Revogação e anulação da deliberação que decidiu do aplicação de pena de aposentação compulsiva ao reclamante.

Decisão: Recomendação no sentido de revogação da deliberação punitiva. Recomendação não acatada. Sugestão ao reclamante para pedir a intervenção do Ministério Público para interposição de recurso que anulou a deliberação em causa. Arquivado o processo por não ser possível outro tipo de intervenção.

Síntese

1 —Um funcionário de uma Câmara Municipal foi punido, por deliberação de 29 de Novembro de 1974, com a pena de aposentação compulsiva.

2 — Apresentou queixa nesta Provedoria de Justiça, que veio a recomendar a aceleração do processo disciplinar, o que foi acatado por deliberação de 9.12.1987.

3 — Em 28.12.987 foi reiniciado o processo disciplinar, que viria a terminar com a aplicação da mesma pena em 16.11.1988.

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4 — Mais uma vez foi formulada recomendação no sentido da revogação da deliberação o que viria a ser acatado por decisão de 20.09.89.

5 — Na sequência de novo processo disciplinar o reclamante voltou a ser punido com a mesma pena por deliberação de 21.11.91.

6 — Fundamentalmente por se considerar que, mais uma

vez, havia manifesto erro de enquadramento jurídico-

-disciplinar da infracção judicial, foi, de novo, formulada recomendação no sentido de revogação da decisão punitiva, o que não viria a ser acatado.

7 — Entretanto o Digno Adjunto do Ministério Público havia interposto recurso contencioso no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa, e por se saber que a decisão estava demorada foi formulada Recomendação ao Senhor Presidente do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais no sentido de diligenciar por forma que fosse proferida decisão com urgência, o que veio a ser realizado.

8 — Por sentença de 11 de Outubro de 1994 foi anulada a deliberação em causa.

9 — Com a prolação da sentença considerou-se esgotada a capacidade de intervenção deste órgão do Estado, e, por isso, foi ordenado o arquivamento do processo.

R-683/92.

Assunto: Incompatibilidade no exercício de funções públicas com actividades privadas.

Objecto: Autorização para o exercício da actividade industrial de construção civil, acumulação com funções públicas exercidas como técnico superior (arquitecto, no Ministério de Educação), fora do horário normal da prestação de serviço.

Decisão: Recomendação acatada. Reapreciação do caso pela Administração.

o

Síntese

1 — Um arquitecto de 1." classe, do quadro único do pessoal dos Organismos e Serviços Centrais e Regionais do Ministério da Educação, em queixa que dirigiu ao Provedor de Justiça, alegou que, havendo solicitado autorização para exercer a actividade de industrial de construção civil fora das horas normais de serviço, tal pretensão lhe havia sido indeferida por despacho da Ex.™ Secretária-Geral do Ministério da Educação com o fundamento de que se verificava incompatibilidade no exercício dos diversos actividades nos termos do disposto no n.° 4 do artigo 15.° do Decreto-Lei n.° 100/88, de 23 de Março, conjugado com o n.° 3, alínea d), do artigo 32.° do Decreto-Lei n.° 427/88, de 7 de Dezembro, e ainda artigo 3.° do Decreto-Lei n.° 235/86, de 18 de Maio.

2 — Tal despacho foi mantido, em sede de reclamação, pelo Senhor Secretário de Estado dos Recursos Educativos, recusando a referida autorização com base nos mesmos fundamentos invocados no despacho reclamado.

3 — Organizado e instruído o processo na Provedoria de Justiça, foi feito valer à Administração através de ofício dirigido à Ex.™ Secretária-Geral do Ministério da Educação, o entendimento de que não se achava caracterizada, no caso em apreço, a «incompatibilidade» entre a qualidade de técnico de uma empresa titular de

alvará de construção civil, tendo por objecto social a realização de obras promovidas por particulares com actividade de técnico superior (arquitecto, exercida no Departamento de Equipamentos Executivos) desde que aquelas funções não colidissem com o horário estabelecido

no serviço público e não comprometessem, por outro lado, a imparcialidade e isenção no desempenho de funções

públicas.

4 — Por outro lado, também se censurou a falta de fundamentação expressa do despacho de indeferimento do pedido de autorização, o qual fez apelo, tão-somente, às disposições legais concretamente invocadas.

5 — A Administração manteve, no entanto, a posição pelo sentido negativo já adoptada no caso, pelo que o Provedor de Justiça emitiu Recomendação, que dirigiu ao Senhor Secretário de Estado dos Recursos Educativos, no sentido da reapreciação do caso, à luz da interpretação adequada da lei aplicável que enunciou, e consequente substituição do despacho de indeferimento por outro, devidamente fundamentado do ponto de vista fáctico e legal, de harmonia com a Constituição e a lei ordinária (artigo 1.°, n.M 2 e 3, do Decreto-Lei n.° 256-A/77, de 17 de Junho).

6 — Em ofício que dirigiu à Provedoria de Justiça a Ex.ma Secretária-Geral do Ministério da Educação, deu conta do acatamento da Recomendação emitida, desde que fosse mantido, pelo reclamante, o interesse e oportunidade no pedido de autorização, o que veio a ser declarado expressamente pelo interessado.

R-839/93

Assunto: Polícia — Intervenção.

Objecto: Função fiscalizadora da Polícia de Segurança Pública em matéria de ruídos provocados em casas particulares.

Decisão: Recomendação no sentido de os elementos da P.S.P. serem instruídos quanto ao procedimento a adoptar em casas de habitação.

Recomendação acatada com difusão de directrizes a todos os Comandos da P.S.P.

Síntese

1 — Um cidadão queixou-se de facto de ter pedido a intervenção da P.S.P. por estar a decorrer uma festa no andar superior àquele onde residia da qual resultaram enormes ruídos que impossibilitavam o direito ao repouso.

2 — Estudado o assunto considerou-se não ser tolerável a passividade da P.S.P. em casos semelhantes, dado estarse perante a violação de um direito de personalidade que tem tutela civil (artigo 70.° do Código Civil), cabendo à P.S.P. exercer uma função fiscalizadora em matéria de ruídos (cfr. artigo 33.° do Decreto-Lei n.° 251/87, de 24 de Janeiro).

3 — Em casos similares a P.S.P., uma vez alertada para a situação de barulho, deve averiguar o que se passa e a confirmar-se a denúncia deve tentar pela via persuasória que a mesma seja feita cessar, e, em caso de inêxito, levantar o adequado auto de notícia.

4 — Formulada Recomendação, foi a mesma inteiramente acatada pelo Comando-Geral da P.S.P. e, por isso, se procedeu ao arquivamento do processo.

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IP-36/91

Assunto: Serviço Militar — Óbito de soldado.

Objecto: Ressarcimento dos danos morais sofridos pelo pai do militar.

Decisão: Arquivamento do processo após Recomendação no sentido de o Estado dever indemnizar os pais do falecido e face ao acatamento por parte do Ministério da Defesa Nacional.

Síntese

1 — Na sequência de uma prova de exercícios finais denominado «MARCOR», que teve lugar no Campo de Tiro de Alcochete, veio a falecer o soldado N...

2 — Das diligências realizadas designadamente após a perícia médíco-legal, veio a apurar-se que a causa básica da morte do soldado foi um golpe de calor.

3 — Mais se apurou que o golpe de calor resultou muito possivelmente da intensa actividade física do soldado, desenvolvida em condições climatéricas adversas.

4 — Concluiu-se, assim, existir um seguro nexo de causalidade entre a falta de cuidado dos responsáveis pela instrução e a morte do soldado N...

5 — Foi, assim, formulada Recomendação no sentido de o Estado dever pagar aos pais a importância de 9.000.000$00, sendo 3.000.000$00 pela perda do direito à vista e 3.000.000S00 pelos danos morais sofridos por cada um dos pais.

6 7—Foi, ainda, recomendada a realização de estudos psicológicos ou sociológicos no centro de selecção de mancebos, com rigoroso cumprimento do Manual Técnico de Educação Física do Exército, e, ainda, a fiscalização e inspecção de toda a instrução militar por parte dos Serviços de Educação Física e do Serviço de Saúde.

7 — A Recomendação foi acatada parcialmente, no que respeita aos cuidados a ter na instrução militar, não o tendo sido relativamente ao pagamento de indemnização com o argumento de que ao caso era aplicável a legislação sobre pensões de sangue.

8 — A tese do Ministério da Defesa Nacional foi impugnada por se entender que em casos similares se deve permitir que os lesados exerçam o direito de opção pelo regime de reparação dos danos que lhes seja mais favorável, tendo-se insistido pelo acatamento da Recomendação.

9 — O Ministério da Defesa Nacional continuou a insistir na sua tese, escusando-se a acatar a recomendação.

10 — Por estarem esgotadas as possibilidades de intervenção deste Órgão de Estado, foi ordenado o arquivamento do processo.

R-2276/92

Assunto: Polícia — Contravenção — Dupla autuação.

Objecto: Análise da dupla autuação pela mesma infracção e restituição do valor de uma das multas indevidamente paga.

Decisão: Formulada Recomendação no sentido da restituição do valor da multa. Recomendação acatada e consequente arquivamento do processo. ,

Síntese

1 — Uma cidadã queixou-se do facto de ter sido autuada em dois dias seguidos por ter deixado o veículo de sua propriedade estacionado sobre o passeio existente junto à sua residência.

2 — Ouvida a P.S.P. sobre se a situação de facto que consubstancia as duas infracções era diferente, veio aquela corporação informar que as autuações tinham sido levadas a cabo por dois agentes diferentes.

3 — Não tendo a P.S.P. alegado e demonstrado que tinha havido duas infracções autónomas, consubstanciadas nas duas resoluções da vontade do eventual infractor, traduzidas nas atitudes de retirada e colocação do veículo no

mesmo local, em momentos diferentes, era inequívoco que se estaria, apenas, perante uma única infracção embora prolongada no tempo.

4 — É, porém, princípio geral do direito penal que, por uma única infracção, não podem ser aplicadas duas sanções em obediência ao princípio nón bis in idem (cfr. artigo 32.°, n.° 5, da Constituição da República Portuguesa).,

5 —• Foi então decidido formular Recomendação ao Senhor Comandante-Geral da Polícia de Segurança Pública no sentido de ser restituído à reclamante o valor de uma das multas indevidamente pago.

6 — Tal Recomendação foi acatada, e, por isso, procedeu-se ao arquivamento do processo.

R-335/93

Assunto.GNR — Pena acessória — Cessação.

Objecto: Cessação da situação de transferência como pena acessória, aplicada no decurso de um processo disciplinar.'

Decisão: Recomendação no sentido de o reclamante ser colocado em Posto, Secção ou Serviço da G.N.R. o mais próximo possível do local onde residia o agregado familiar; Recomendação acatada.

Síntese

1 — Um cabo da G.N.R., punido disciplinarmente, foi transferido para Castro Marim.

2 — Analisada a reclamação concluiu-se que a transferência preventiva do Posto de Lagoa para a Secção de Silves se encontra justificada face aos indícios existentes da actuação irregular do arguido e por se considerar a sua presença prejudicial ao decoro do serviço e ao desenrolar normal das averiguações a realizar no âmbito do processo disciplinar.

3 — Já a transferência para Castro Marim como pena acessória não encontrava fundamento na lei aplicável e, por isso, importava pôr-lhe termo, tanto mais que o reclamante se encontra já afastado do agregado familiar há cerca de dois anos.

4 — Face ao exposto, foi recomendado ao General Comandante da Guarda Nacional Republicana que pusesse termo à situação, diligenciando pela colocação do reclamante em local o mais próximo possível da sua residência.

5 — A Recomendação foi acatada e o reclamante colocado no Comando do Destacamento Territorial de Silves.

6 — Alcançado o objectivo da reclamação, foi ordenado o respectivo arquivamento.

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II SÉRIE-C — NÚMERO 23

R-153/93

Assunto: Trabalhador Militar — Ocupação efectiva — Reintegração — Colocação na reserva.

Objecto: Pedido de intervenção do Provedor de Justiça no sentido de suscitar a declaração de inconstitucionalidade do artigo 7.°, n.° 1, alínea a), da Lei 15/92, de 5 de Agosto.

Decisão: Reclamação improcedente. Arquivamento do processo pelo facto de o Provedor de Justiça não ter usado a faculdade de pedir a declaração de inconstitucionalidade ao Tribunal Constitucional.

Síntese

1 — Um oficial general apresentou reclamação reagindo contra a sua passagem à reserva, decorrente da aplicação do artigo 7.°, n.° 1, alínea a), da Lei n.° 15/92, de 5 de Agosto, por entender que esta norma é violadora dos seus direitos, liberdades e garantias e, por isso, inconstitucional.

2 — Alegou ter estado na situação de inactividade desde Novembro de 1983 e a aguardar colocação no Estado--Maior do Exército, passando à reserva em 31 de Dezembro de 1992 ao abrigo do dispositivo legal acima indicado.

3 — Colocou-se no presente processo o problema de saber se a Administração havia violado o dever de ocupação efectiva do militar em causa e, ainda, se o disposto no artigo 7.°, n.° 1, alínea a), da Lei n.° 15/92, de 5 de Agosto, viola os princípios da segurança jurídica e da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2.° da Lei Fundamental.

4 — Sem embargo de se reconhecer que o Direito de Ocupação Efectiva consagrado no artigo 59.°, alínea b), da República Portuguesa é aplicável aos militares, considerou-se que o posto e categoria do reclamante tornaria difícil à Administração encontrar colocação adequada para o mesmo, e, por isso, não foi formulada censura quanto à situação criada, que, de resto, não poderia ser actualmente resolvida face à passagem à reserva de mesmo oficial general.

5 — Quanto às alegadas inconstitucionalidades foi decidido não haver violação do princípio da segurança e da confiança, uma vez que.a mesma norma em causa só produziu efeitos em relação a situação ainda não existente em 30 de Outubro de 1992.

6 — Assim, dispondo a lei para o futuro, por ser aplicável a situação de não colocação que Venham a verificar-se em momento posterior, foi entendido não ser a norma retroactiva e, consequentemente, o Provedor de Justiça não usou a faculdade de pedir a declaração de inconstitucionalidade ao Tribunal Constitucional, procedendo-se ao arquivamento do processo.

R-2301/89

Assunto: Estado — Responsabilidade Contratual — Mora.

Objecto: Pagamento de dívida por prestação de serviços ao EsAado (ex-Instituto de Apoio aos Retornados Nacionais, acrescida dos juros de mora legalmente devidos.

Decisão: Queixa procedente. Pagamento efectuado.

Síntese

1 — Determinada Sociedade prestadora de Serviços, em queixa que dirigiu ao Provedor de Justiça, veio alegar, em síntese, que havendo já reclamado insistentemente o pagamento por parte da Secretaria de Estado da Segurança Social de avultada quantia em dinheiro, por serviços prestados ao ex-IARN, acrescida dos juros legais desde 1977, e de já ter sido entretanto firmado acordo com a

Comissão Liquidatária daquele Instituto Publico, superiormente sancionado, tal pagamento não fora ainda efectivado, pelo que vinha solicitar a intervenção do Provedor de Justiça no caso.

2 — Instaurado e instruído processo, não reconheceu a Secretaria de Estado da Segurança Social, desde logo, a exigibilidade da dívida reclamada, com apoio em parecer tirado na Auditoria Jurídica do Ministério das Finanças, homologado pelo Secretário de Estado do Orçamento, mas face à insistência da Sociedade do reclamante, e à intervenção da Provedoria de Justiça, emissão de Parecer respeitante à matéria objecto da reclamação.

3 — No desenvolvido Parecer que emitiu — homologado pelo Senhor Ministro das Finanças —, veio a Procuradoria-Geral da República entender que devia ser reconhecida pela Administração a existência da dívida reclamada, a qual devia ser paga num quadro transaccional, revelando-se competente no caso, o Ministério do Emprego e Segurança Social, com sujeição à jurisdição do Tribunal de Contas:

4 — Após várias e sucessivas diligências promovidas pela Provedoria de Justiça junto do Gabinete do Senhor Ministro do Emprego e Segurança Social tendo em .vista a solução adequada ao caso, no quadro de referências legais apontado no Parecer da Procuradoria-Geral da República, veio o Exmo. Chefe de Gabinete de Sua Excelência o Secretário de Estado da Segurança Social, dar conta à Provedoria de Justiça que o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, havia já pago à Empresa reclamante, após a observância do devido formalismo legal, a quantia acordada em transacção, recebendo a competente quitação, pelo que o Estado se considerava desonerado de qualquer dívida à reclamante.

Em face de tal afirmação, foi arquivado o processo.

R-1333/92

Assunto: Pessoal Civil do Exército — Contagem de Antiguidade — Lei aplicável.

Objecto: Revisão da antiguidade e integração do reclamante no Quadro do Pessoal Civil do Exército, de harmonia com o disposto rio n.° 2 do artigo 1.° do Decreto-Lei 182/80, de 3 de Junho, aplicável, analogicamente, à situação.

Decisão: Reclamação atendida. Situação regularizada.

Síntese

1 — Um técnico auxiliar de 2.* classe do Quadro de Pessoal Civil do Exército, a prestar serviço no Colégio Militar, em queixa que dirigiu ao Provedor de Justiça, solicitou a sua intervenção no sentido de lhe ser revista a contagem de antiguidade, e data relevante da sua integração no QPCE, em conformidade com o disposto no n.° 2 do artigo I." do Decreto-Lei n.° 82/80, de 3 de I\Mvt\o.

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A hierarquia militar entendeu não ser aplicável tal disposição às Forças Armadas, por falta de indicação expressa na lei, mas antes o Decreto-Lei n.° 42/84, de 3 de Fevereiro (artigo 3.°, n.° 1), tal como foi aliás decidido no despacho do Sub-Director da Direcção do Pessoal Civil do Estado Maior do Exército, de 31 de Outubro de 1988, com o qual se não conformava o reclamante.

2 — Organizado e instruído processo na Provedoria de Justiça com base na mencionada queixa, e ouvida a Direcção-Geral da Administração Pública, que se pronunciou pela aplicação analógica do Decreto-Lei n.° 182/80, de 3 de Junho, no caso em apreço, a Provedoria de Justiça faz valer este entendimento, tido como ajustado à letra e ao espírito da lei, em ofício que dirigiu ao Gabinete de Sua Excelência o Ministro da Defesa Nacional, solicitando a reapreciação do caso, numa perspectiva de justiça relativa e de equidade, uma vez que o mencionado diploma, sendo inquestionavelmente aplicável ao. pessoal integrado na Administração Central e Local, deveria exigir um tratamento paralelo para todos os funcionários integrados, procedentes do extinto Quadro-Geral de Adidos.

3 — Por ofício dirigido à Provedoria de Justiça, veio o Chefe de Gabinete de Sua Excelência o Ministro da Defesa Nacional, dar conta que, por despacho do Exmo. General Chefe do Estado Maior do Exército, havia sido determinado que a integração no QPCE do reclamante seria reportada ao início da prestação de serviço no Colégio Militar, de harmonia com o critério enunciado no n.° 2 do artigo 1." do Decreto-Lei n.° 182/80 dé 3 de Junho.

R-2746790

Assunto: Direitos fundamentais. Integridade física.

Objecto: Cassação de licenças de uso de porte de arma a pessoas sem idoneidade para o efeito.

Decisão: Arquivamento do processo depois de se ter reconhecido existirem indícios de falsificação no processo municipal que levou a concessão de. licença.

Síntese

1 — Um cidadão queixou-se do facto de uma Câmara Municipal ter concedido licença de uso e porte de armas de caça a indivíduos com cadastro criminal.

2 — Ouvida a Câmara Municipal em causa, informou esta ter observado o procedimento administrativo utilizado para casos semelhantes e que, além do mais, a Junta de Freguesia da área de residência do mesmo se havia pronunciado favoravelmente quanto à concessão da licença.

3 — Questionada a Junta de Freguesia em causa, veio comunicar que jamais tinha sido ouvida sobre o assunto.

4 — Obtida cópia do requerimento a pedir o parecer da licença, desde logo se concluiu que a assinatura do Presidente da Junta de Freguesia constante do tal requerimento não era a mesma constante de ofícios existentes nos autos.

5 — Assim, ao abrigo do disposto no artigo 35.°,'n.° 1, da Lei n.°9/91, foi dado conhecimento dos indícios existentes ao Delegado do Procurador da República de Santa Comba Dão para efeitos de instrução do adequado inquérito.

6 — E por não haver mais diligências a realizar foi ordenado o arquivamento do processo.

R-3224/87

Assunto: Trabalhador da Função Pública — Processo Disciplinar — Prescrição de pena disciplinar.

Objecto: Aplicação de pena disciplinar.

Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.

Síntese

1 — Um trabalhador dos Serviços Sociais da Universidade de Coimbra apresentou uma exposição em que reclamava contra a aplicação pelo Vice-Presidente daqueles serviços, da pena disciplinar de repreensão, por violação do n.° 4 do artigo 1.° do Decreto n.° 19478, de 18.03.39. O qual, determina que: «Chegada a hora de saída em cada dia nenhum funcionário se retirará sem que o chefe de repartição, director de serviços, chefe de delegação e posto declare terminado o trabalho naquele dia.»

2 — Analisado o processo disciplinar concluiu-se que terá ocorrido punição do respectivo procedimento.

3 — Sendo que é do conhecimento geral que a referida disposição deixara, na prática, de ser aplicada, o que reconheceu, logo que contactada, a própria Direcção-Geral da Administração Pública, foi recomendada a revogação do despacho que aplicou ao reclamante a pena de repreensão registada.

4 — Não tendo sido acatada a recomendação, foi esta reiterada, vindo a infracção disciplinar a ser amnistiada pela Lei n.° 23/91, de 4 de Janeiro.

5 — Por este facto, foi determinado o arquivamento do processo, por inutilidade do seu prosseguimento.

R-295/92

Assunto: Trabalhador de Administração Regional — Demissão.

Objecto: Apreciação de Processo disciplinar que culminou com a aplicação de pena da demissão.

Decisão: Recomendação não acatada sem qualquer outro procedimento. Arquivamento do processo.

Síntese

1 — Uma professora do ensino básico de uma Escola Primária situada nà Região Autónoma dos Açores apresentou queixa ao Provedor de Justiça da aplicação da pena de aposentação compulsiva na sequência do processo disciplinar que lhe fora instaurado em 84.01.16.

2 — Analisados os processos disciplinares instaurados à docente, e ouvida a Secretaria Regional de Educação dos Açores nos termos da Recomendação no sentido de que a professora, se para tanto desse anuência, fosse submetida a exame psiquiátrico destinado a apurar a sua situação mental na data dos factos que lhe foram imputadas quer por ocasião do processo disciplinar que lhe foi movido e que culminou.com a aplicação da pena de aposentação compulsiva aquela entidade veio informar que não lhe era possível acatar a Recomendação considerando o lapso de tempo entretanto decorrido.

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II SÉRIE-C — NÚMERO 23

3 — Esgotadas as hipóteses de intervenção e atendendo à razoabilidade das motivações invocadas pela Secretaria Regional de Educação dos Açores para o não acatamento da Recomendação, foi o processo arquivado.

R-1710/92

Assunto: Educação e Ensino — Ensino Universitário — Acesso.

Objecto: Publicação dos Estatutos da Universidade Aberta.

Decisão: Recomendação acatada. Arquivamento do processo.

Síntese

1 — Um cidadão dirigiu ao Provedor de Justiça uma queixa por se sentir lesado pela omissão do cumprimento do artigo 21.° da Lei n.tt 46/86, de 14 de Outubro, e do Decreto-Lei n.° 444/88, de 2 de Dezembro, por parte da Universidade Aberta. .

2 — Ouvida sobre o assunto a Universidade Aberta veio informar que sendo uma instituição recente com apenas 4 anos de funcionamento não tinha tido oportunidade de cumprir todos os seus objectivos designadamente os de fazer publicar e aprovar os seus Estatutos.

3 — Foi então Recomendado ao Reitor daquela Universidade que elaborasse e fizesse aprovar e publicar com a brevidade possível os seus Estatutos.

4 — Os Estatutos vieram a ser publicados em 25 de Março de 1994, pelo Despacho Normativo n.° 197/94.

5 — Resolvida a questão, foi arquivado o processo organizado para análise de queixa.

R-1386/91

Assunto: Trabalhador da Segurança Social — Vencimento de Exercício — Recuperação.

Objecto: Recuperação de vencimento de exercício perdido em consequência de faltas dadas no serviço por motivo de doença devidamente justificada. Critérios a observar.

Decisão: Arquivamento do processo, por ter sido acatada a Recomendação formulada pelo Provedor de Justiça com vista à resolução do problema imediato no processo.

Síntese

1 —Uma funcionária da Delegação de Braga da Direcção-Geral das Relações Colectivas de Trabalho quei-xou-se ao Provedor de Justiça dos critérios utilizados por aquele Organismo para a concessão ou denegação da recuperação do vencimento de exercício, prevista no artigo 27.°, n.° 4, do Decreto-Lei n.° 497/88, de 30 de Dezembro.

2 — Apreciado o assunto, concluiu-se ser contrária ao espírito do legislador, desajustada ao instituto em questão e injusta a exigência da verificação de excepcionais qualidades de serviço, aliadas a excepcionais aspectos sociais, que vinha sendo utilizada na citada D.G. para conceder a recuperação do vencimento de exercício pedido por motivo de doença devidamente justificada. Isso porque

o referido instituto não tem o carácter de excepcionalidade que a aludida Direcção-Geral lhe atribuía, além de que as qualidades de serviço são apreciadas na classificação de serviço e tão pouco era congruente a exigência de outras excepcionais qualidades de serviço, para além das que são notadas na classificação de serviço.

3 — Assim, foi formulada ao Director-Geral das Relações Colectivas de Trabalho Recomendação no sentido da revogação do seu Despacho de 10.10.1990, onde se estabeleciam as questionadas exigências, bem como da reapreciação se possível, de todos os pedidos de recuperação de vencimento anteriormente recusados com base nos critérios considerados legais, incluindo o caso da reclamante.

4 — Segundo comunicação ulteriormente recebida do Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho (onde haviam sido entretanto integrados os serviços da mencionada Direcção-Geral), a referida Recomendação foi acatada, pelo que se procedeu ao arquivamento do processo.

R-16/90

Assunto: Trabalho — Função Pública — Faltas — Justificação —Técnica Superior.

Objecto: Injustificação de falta por não comparência no local de trabalho de uma funcionária que se havia deslocado a outro serviço para aí participar numa reunião de trabalho.

Decisão: Reclamação procedente. Arquivamento do processo após acatamento de Recomendação formulada pelo Provedor de Justiça no sentido de revogação do despacho que injustificava a aludida falta.

Síntese

1 — Uma funcionária do Serviço Nacional de Protecção Civil queixou-se ao Provedor de Justiça por lhe ter sido marcada falta injustificada ao não comparecer na parte da manhã de determinado dia no seu local habitual de trabalho, quando ficou provado que naquele mesmo dia e durante a parte da manhã se deslocara a um outro serviço do mesmo Organismo, para aí participar numa reunião que tinha marcado por sua iniciativa.

2 — Tendo ficado provado que, na realidade, a falta de comparência da funcionária no seu local habitual de trabalho se deveu ao condicionalismo descrito, o Provedor de Justiça formulou Recomendação no sentido de ser revogado o despacho que marcara falta injustificada à reclamante, na data em causa.

3 — Simultaneamente foi chamada a atenção da funcionária para a necessidade de, em futuras reuniões marcadas por iniciativa própria, ser adoptado um procedimento legalmente correcto dando previamente a conhecer ao respectivo superior hierárquico a pretendida realização e participação nas reuniões e solicitando a sua prévia concordância.

4 — O SNPC comunicou ulteriormente que havia sido

revogado o despacho que marcara à interessada a

questionada falta injustificada, pelo que foi determinado o arquivamento do respectivo processo.

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R-4106/91

Assunto: Sentença judicial — Estado — Indemnização — Cumprimento.

Objecto: Cumprimento extrajudicial da decisão judicial tramitado, atenta a demora processual verificada no caso.

Decisão: Reclamação procedente. Emissão de Recomendação dirigida ao Ministro do Planeamento e Administração do Território com conhecimento do Ministro das Finanças.

Síntese

1 — Em processo instaurado na Provedoria de Justiça, com base em queixa apresentada por uma ex-trabalhadora do ex-Gabinete da Área de Sines apurou-se que, por decisão transitada em julgado proferida no 4.° Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa, em processo emergente de contrato de trabalho, foi aquele Organismo Público condenado a pagar à autora os salários e outros abonos vencidos, acrescidos dos juros legais, até à sua efectiva reintegração, uma vez que o Tribunal não considerou ter havido justa causa no despedimento da trabalhadora.

2 — Posteriormente, e sem que a mencionada decisão judicial houvesse sido cumprida ou executada jurisdicio-nalmente, veio a ser extinto, pelo Decreto-Lei n.° 228/89 de 17 de Julho, o Gabinete da Área de Sines.

3 — Não sendo, subsequentemente, reconhecido o crédito da queixosa pelo Administrador liquidatário do extinto Gabinete da Área de Sines, nos termos e prazo fixados no Diploma legal citado, não obstante haver sido declarado em sentença judicial, viu-se a mesma compelida a propor acção especial de impugnação contra o Estado .nos termos do n.° 2 do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 297/91, de 16 de Agosto, entretanto publicado.

4 — Considerando, essencialmente, a distorção processual verificada, com desrespeito do «caso julgado» formado no caso, foi recomendado ao Ministro do Planeamento e Administração do Território o cumprimento extra-judicial da decisão transitada, tendo especialmente em conta a morosidade da tramitação da acção de impugnação contra o Estado, e ainda razões de equidade e de justiça, ponderáveis no caso.

5 — Este caso não tinha sido solucionado em 31 de Dezembro de 1994.

R-1517/93

Assunto: Privatização do Banco Português do Atlântico — Oferta Pública de Venda de Acções.

Objecto: Preferência a dar aos pequenos subscritores e accionistas detentores de um mínimo de dez acções, nos processos de privatização, a acorrer no futuro, mediante alienação pública de acções.

Decisão: Queixa procedente. Recomendação acatada. Síntese

1 — Em queixa que dirigiu ao Provedor de Justiça, determinado cidadão, insurgiu-se contra a forma como foi

regulada na Resolução do Conselho de Ministros n.° 44/ 93, de 21.05.1993, e 3." fase de reprivatização do Banco Português do Atlântico, S. A., conferindo tratamento preferencial aos grandes accionistas em detrimento dos pequenos accionistas, através da regra de proporcionalidade atribuída em função das acções detidas pelos subscritores da oferta pública de venda de acções.

2 — Instruído o processo instaurado na Provedoria de

Justiça, e ouvida, no caso, a Comissão de Acompanhamento das Privatizações, concluiu-se essencialmente, que a proporcionalidade estabelecida nas várias operações de privatização na modalidade da oferta pública de acções, como ocorreu no caso em apreço, não deixa suficientemente acautelados os interesses dos pequenos accionistas, sobremaneira quanto à distribuição das acções remanescentes em relação à procura não satisfeita, já que por razões de justiça social, e da protecção, declarada na lei, dos pequenos subscritores e accionistas, deviam ser preferencialmente satisfeitas as ordens a que possam ser atribuídas um mínimo de dez acções, e por outro lado, em relação as acções sobrantes que os mesmos devam ser atribuídas por lotes mínimos de dez acções, mediante sorteio entre os subscritores não contemplados em primeiro lugar.

3 — Considerando ser esta a via regulamentar mais adequada aos fins tidos em vista nas privatizações, o Provedor de Justiça emitiu Recomendação, nesse preciso sentido, à Comissão de Acompanhamento das Privatizações, visando futuras informações e pareceres, no âmbito das suas competências próprias, Recomendação que foi acatada por unanimidade.

4 — Considerando haver sido satisfeita, na sua essencialidade, a pretensão formulada pelo queixoso, foi determinado o arquivamento do processo instaurado na Provedoria de Justiça.

R-1607/94

Assunto: Polícia Judiciária — Violência policial.

Objecto: Ofensas corporais infligidas por agentes da Polícia Judiciária a um suspeito da prática de um crime, aquando da sua detenção, a fim de que confessasse a prática do mesmo.

Decisão: Participação ao Procurador-Geral da República para procedimento criminal e ao Director da Polícia Judiciária para procedimento disciplinar.

Síntese

Em 23.05.94 o Sr. N... apresentou uma queixa na qual alegava ter sido espancado por agentes da Directoria do Porto da Polícia Judiciária, aquando da sua detenção, em 28.04.94, a fim de que confessasse a prática de um crime.

Foi requerido ao Director do Instituto de Medicina Legal do Porto a realização de exame médico ao Reclamante, tendo o relatório do mesmo concluído que aquele terá sido vítima de ofensa corporal produzida através de murros e encontrões.

Resultando indiciada a prática de um crime de coacção grave, p. e p. pelos artigos 156.° e 157.°, n.° 1, alínea b), do Código Penal, procedeu-se à sua denúncia junto do Procurador-Geral da República.

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Resultando também indiciada a prática de ilícito disciplinar por violação do dever especial contido no artigo 91.°, n.° 1, alínea b), do Decreto-Lei n.°-295-A/90, de 21 de

setembro, prweíjeu-se à sua denúncia junto do Director

da Polícia Judiciária.

R-2687/92

Assunto: Administração local — Atendimento ao pú-: blico —r Certidão.

Objecto: Recusa.de passagem de certidão de inscrição nos cadernos eleitorais a advogado.

Decisão: Reclamação procedente, recomendação acatada; litígio regularizado.

Síntese

1 — Um advogado apresentou queixa contra a Junta de Freguesia de São Domingos de Benfica, alegando ter solicitado uma certidão de recenseamento respeitante a uma sua cliente, certidão essa que lhe teria sido negada.

2 — Contactada a autarquia visada, veio esta a responder ser seu entendimento que a reserva da intimidade dos cidadãos impunha a recusa da certidão solicitada.

3 — A esta resposta contestou-se com o teor do parecer emitido pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (jjrocesso n.° 197/93), publicado no Diário da República n.° 265, II Série, de 15 de Novembro de 1984, que defendia a legitimidade de quaisquer pessoas para requererem essas certidões, desde que fossem necessárias ou úteis para o exercício de qualquer direito ou tutela de interesse legítimo.

4 — Persistindo a Junta de Freguesia na sua posição, foi emitida, em 24 de Janeiro de 1994, a Recomendação n.° 23/94, na qual, com base no artigo 70.°, n.° 1, da Lei 69/78, de 3 de Novembro, no parecer da Procuradoria-Geral da República supra referenciado, no artigo 63.", 1.°, do Decreto-Lei 84/84, de 16 de Março, e, em última instância, no artigo 268.°, n.° 2, da Constituição, se recomendava a passagem da certidão no caso concreto dos autos e em quaisquer outros análogos.

5 — Em 22 de Julho de 1994 foi comunicado o acatamento da recomendação, pelo que se procedeu ao arquivamento do respectivo processo.

IP-34/89

Assunto: Direitos fundamentais — Segurança Social.

Objecto: Falta de regulamentação do artigo 27.° da Lei n.° 28/84, de 14 de Agosto.

Decisão: Reclamação procedente. Recomendação acatada.

Síntese

Por iniciativa do Provedor de Justiça foi aberto o processo supra-identificado com o objectivo de se obter a regulamentação do artigo 27.° da Lei n.° 28/84, de 14 de Agosto.

Após várias insistências efectuadas junto da Secretaria

de Estado da Segurança Social, junto da qual se suscitou

a questão da necessidade de emissão de adequada providência legislativa à regulamentação do artigo 27.° da Lei n.° 28/84, foi comunicado à Provedoria a aprovação

da medida recomendada.

Foi assim, publicada a Portaria n.° 189/94, de 31 de Março que estabeleceu os coeficientes a utilizar na actualização das remunerações registadas a considerar para o cálculo das pensões de segurança social.

R-2571/89

Assunto: Segurança Social — Contribuições para a Segurança Social.

Objecto: Aplicação da penalidade de suspensão do abono de família nas situações em que se verifica a ausência do beneficiário do seu domicílio em período de baixa subsidiada.

Decisão: Reclamação procedente. Recomendação não acatada.

Síntese

Um beneficiário da segurança social apresentou queixa contra o então Centro Regional de Segurança Social do Porto por lhe ter sido aplicada a penalidade prevista na alínea b) do artigo 1." do Decreto Regulamentar n.° 45/ 82, de 29 de Julho.

Estando em causa a suspensão do abono de família cuja titularidade por força do disposto no artigo 3.° do Decreto--Lei n.° 197/77, de 17 de Maio, é atribuída ao familiar do trabalhador em função do qual é conferido, entendeu-se, após análise do assunto, que não poderia o respectivo titular ser privado desse direito, já que o facto que justificava a suspensão do benefício era inteiramente imputável ao beneficiário trabalhador.

Com esse fundamento foi dirigida recomendação ao Secretário de Estado de Segurança Social que, em decisão fundamentada, não acatou a posição defendida pela Provedoria de Justiça.

Não concordando com os argumentos aduzidos a respeito da questão em causa foi reiterada a recomendação salientando-se que as medidas sancionatórias têm natureza restritiva e pessoal, não devendo ter reflexos sobre a situação de terceiros.

Mantendo o Secretário de Estado da Segurança Social a posição anteriormente tomada, foi determinado o arquivamento do processo por não ser previsível que a Segurança Social viesse a alterar a sua posição, não só pelo tempo entretanto decorrido como pelo reduzido valor da prestação que fora objecto da suspensão.

R-838/91

Assunto: Segurança Social — Sobrevivência — Pensão de Sobrevivência.

Objecto: Atribuição de pensão de sobrevivência nos casos em que o requerente tinha retomado a convivência conjugal com o beneficiário, de quem se encontrava separado judicialmente à data da morte.

Decisão: Reclamação procedente. Recomendação parcialmente acatada.

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Síntese

Um beneficiário da Segurança Social requereu a intervenção do Provedor de Justiça no sentido de. lhe ser reconhecido o direito aos benefícios por morte do ex-cônjuge, que (he tinham sido indeferidos por não ter a interessada direito à pensão de alimentos fixada ou homologada judicialmente.

Apreciado o assunto e muito embora se tenha concluído

que a pretensão do reclamante não tinha base legal, por

não reunir os requisitos de que depende a atribuição dos benefícios por morte nos casos de separação judicial, entendeu-se que se justificaria a intervenção do Provedor

de Justiça atendendo ao facto de a reclamante, apesar de separada do ex-cônjuge, ter retomado a convivência em comum com o mesmo, mantendo-se nessa situação nos três anos anteriores à data do falecimento daquele.

Com efeito, a situação da reclamante poderia ser considerada como união de facto, bastando para tanto que no enquadramento normativo destas situações não se excluíssem as uniões entre o beneficiário e o seu ex-cônjuge.

Aproveitando-se a oportunidade de não ter sido ainda publicada a regulamentação das situações previstas no n.° 2 do artigo 8.° do Decreto-Lei n.° 322/90, de 18 de Outubro, que passou a reconhecer as uniões de facto para efeitos de acesso aos benefícios por morte, foi dirigida recomendação ao Secretário de Estado de Segurança Social, insistindo-se pela publicação de diploma em que tal regulamentação fosse prevista.

Recomendou-se ainda a aplicação retroactiva do diploma às situações existentes à data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 322/90 e bem assim que, no âmbito dessa regulamentação, fossem consideradas as uniões de facto constituídas entre o beneficiário em relação ao qual sejam requeridos os benefícios por morte e o seu ex-cônjuge.

Tendo sido publicado o Decreto Regulamentar n.° 1/94, de 18 de Janeiro, este não contemplou os efeitos retroactivos propugnados, pelo que a recomendação formulada só parcialmente foi aceite e não permitiu solucionar o caso da reclamante por não se encontrar compreendido no seu âmbito de aplicação temporal.

R-944/90

Assunto: Contrato a termo — Cessação — Reconstituição Natural. «

Objecto: Contrato de trabalho a termo certo rescindido sem aviso prévio; foi recomendado que o despedimento ou cessação de contrato fosse considerado nulo e remunerado o interessado até fim ao fim do prazo do contrato a termo.

Decisão: Arquivamento com fundamento no acatamento da recomendação formulada.

Síntese

1 —Em 27.04.90, foi dirigida ao Provedor de Justiça, uma exposição onde se alegava que o IROMA — Instituto Regulador e Orientador dos Mercados Agrícolas celebrou com o reclamante, a fim de exercer as funções de motorista, um contrato de trabalho a termo certo, em

Janeiro de 1990, tendo sido visado pelo Tribunal de Contas em 21.02.90 e publicado em Diário da República, JJ Série, de 20.04.90.

Em 09.03.90, o IROMA enviou ao reclamante um ofí-. cio, informando-o que o contrato tinha terminado.

Não houve aviso prévio, e a partir de 12.03.90 não foi autorizado a trabalhar.

2 — Foram solicitados esclarecimentos ao IROMA sobre quais os fundamentos de facto e de direito em que se

baseou a extinção do referido contrato, ao qual foi obtida resposta no sentido que a Delegação de Coimbra do IROMA, à qual estava afecto o reclamante, e na sequência de directivas entretanto recebidas sobre gestão de pessoal,

que possuía trabalhadores em excesso, atentas as funções que aquela data correspondiam ao IROMA a desenvolver, pelo que de acordo com o n.° 2, do artigo 37.°, do Decreto-Lei n.° 427/89, de 07/12, poderia proceder à rescisão do contrato em causa.

3 — O Provedor de Justiça, dirigiu, em 04/08/92, uma reclamação ao Presidente do Instituto Regulador e

' Orientador dos Mercados Agrícolas-IROMA no sentido de providenciar para que o despedimento ou cessação do contrato em causa fosse considerado nulo [cfr. artigo 32.°, n.° 1, alíneas b) e c), e n.° 2, do Decreto-Lei n.° 64-A/89, de 27 de Fevereiro] e o reclamante remunerado até ao fim do prazo do contrato a termo, tendo em conta que:

O prazo de 90 dias referido no artigo 37.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 427/89, de 7 de Dezembro, em conjugação com o disposto no artigo 38.° do mesmo diploma, reporta-se ao período dentro do qual o pessoal abrangido pelo n.° 2 do artigo 37.°, pode ou não ser contratado a termo certo, isto é, refere-se não a uma situação contratual já vigente, mas a uma situação em que não exista contrato;

Assim, a extinção do contrato a termo certo do reclamante, terá de obedecer ao estabelecido no Direito Geral do Trabalho, Decreto-Lei n.° 64-A/ 89, de 27 de Fevereiro, artigo 4.°, 26.° e 52.°, conforme artigo 14.°, n.° 3, do Decreto-Lei n.° 427/ 89, como no próprio contrato a estipulação inserta nas cláusulas 6.* e 10.*

Não podia o Decreto-Lei n.° 427/89, estabelecer um período experimental de 3 meses, para contratos com duração de um ano, quanto a pessoal cujas qualidades já são conhecidas, quando a Lei Geral prevê um mês;

Não podia assim, estar-se perante uma «dispensa» de celebração de contrato, mas sim de verdadeira «cessação» não ocorrendo, conforme se demonstrou, quaisquer fundamentos legais de caducidade, rescisão ou cessação do contrato previsto no artigo 3.°, n.° 2, da Lei Geral do Trabalho;

E, mesmo que fosse legal o despedimento — que, con-° forme fundamentação, não se verifica — o reclamante deveria ter sido avisado previamente desse mesmo despedimento, com antecedência não inferior a 60 dias relativamente à data prevista para a cessação do contrato, e deveria ter-se-lhe concedido crédito de horas e atribuído uma compensação nos termos das disposições combinadas dos artigos 31.°, 21.°, 22.° e 23.°, n.os 1, 2 e 3, do mesmo Decreio--Lei, o que não aconteceu.

4 — A recomendação acabada de nomear, não foi acatada pelo IROMA, considerando-se aplicável ao reclamante

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o disposto no artigo 37.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 427/ 89, que permite que os tarefeiros que não tivessem ainda 3 anos de serviço, fossem contratados a termo certo, sem prejuízo de poderem ser dispensados no prazo de 90 dias.

Acrescia que à data do termo do contrato, ainda não existia

nenhum contrato.

5 — Por não concordar com o fundamento para o não acatamento da recomendação formulada, o Provedor de Justiça levou ao conhecimento do Ministro da Agricultura

para os fins julgados convenientes.

6 — Nessa sequência, o Gabinete do Secretário de Estado dos Mercados Agrícolas e Qualidade Alimentar viria a informar o Provedor de Justiça do acatamento da sua recomendação, enviando a informação da Auditoria Jurídica, na qual se baseou, bem como um ofício do IROMA, esclarecendo o mesmo Gabinete que havia determinado à Direcção de Serviços de Pessoal para «que procedesse em conformidade com a recomendação do Senhor Provedor de Justiça».

7 — De notar que a Auditoria Jurídica do Ministério da Agricultura pronunciou-se no sentido que, não obstante, a dispensa do reclamante ter sido efectuada antes da publicação no Diário dá República do extracto do contrato de trabalho a termo certo, este é um requisito de eficácia e não de validade, pelo que o contrato, desde que foi celebrado, vinculou ambas as partes, além de que, à luz dos princípios da boa-fé, da legalidade e da justiça que vinculavam a Administração, a não publicação não pode fundamentar a dispensa do reclamante, cabendo-lhe promover a mesma publicação, o que acabou por se verificar, sanando a ineficácia.

Improcedia a aplicação do artigo 37.°, n.° 2, do Decreto--Lei n.° 427/89, invocada pelo IROMA, pois este tinha 90 dias, a contar da entrada em vigor deste diploma, para dispensar o reclamante ou contratá-lo a termo certo. Decidindo pela contratação, ficou esgotado o âmbito de aplicação do artigo 37.°, n.° 2, não sendo lícito ao IROMA vir dispensá-lo posteriormente com base nesta norma.

Terminava, alegando que a fundamentação do IROMA não podia proceder, sendo a dispensa em causa ilegal, por contrariar as disposições contratuais constantes do contrato celebrado e por ter violado as disposições legais referidas «assinaladas na recomendação do Senhor Provedor de Justiça», não se afigurando procedente, em consequência, a fundamentação invocada pelo IROMA ao não acatar a Recomendação.

8 — Em 09.09.94, o Provedor de Justiça determinou o arquivamento do processo.

R-2949/92

Assunto: Deficientes — Regalias — Estacionamento de veículos.

Objecto: Não concessão de local de estacionamento ao reclamante, deficiente, por parte da Câmara Municipal de Monção.

Decisão: Arquivamento com base na recomendação que foi acatada, concedendo o local de estacionamento ao reclamante.

Síntese

1 — O reclamante dirigiu ao Provedor de Justiça, em 19.11.92, uma exposição, na qual invocava que, sendo de-

ficiente motor, carecia, em absoluto, de se deslocar no seu veículo para o local de trabalho, pelo que a Câmara Municipal de Monção lhe tinha destinado dois locais para estacionamento exclusivo do seu veículo: junto de sua casa e junto do seu local de trabalho.

Não obstante, e sem qualquer explicação, foram

retiradas as duas placas indicativas dos referidos locais de estacionamento exclusivo.

2 — Foram solicitados esclarecimentos ao Presidente da Câmara Municipal de Monção, sobre os fundamentos de direito e de facto que justificavam a retirada das placas, tendo sido obtido resposta no sentido que, por um lado, não se encontrarem regulamentadas na postura municipal de trânsito, tendo sido colocadas por livre arbítrio de elemento da anterior Câmara e por outro lado, por postura de trânsito em vigor, terem sido considerados locais de estacionamento para deficientes motores nos pontos mais importantes, de entre os quais um relativamente próximo do local de trabalho do reclamante e outro em frente à sua residência, parecendo estar assim solucionada a situação.

Mais acrescenta a mesma Câmara que desconhecia a figura jurídica que concedia estacionamentos privados.

3 — Enviada ao reclamante aquela resposta, para que sobre ela se pronunciasse, viria invocar, em resposta, que os referidos locais de estacionamento encontravam-se bastante distantes do seu local de trabalho, o mesmo sucedendo com os alegadamente em frente de sua casa.

4 — Em face dos documentos reunidos, em 29/12/93, o Provedor de Justiça, formularia uma Recomendação ao Presidente da Câmara Municipal de Monção, para que providenciasse a colocação das placas de estacionamento reservado a deficientes, junto da residência e do emprego do reclamante, tendo em conta:

Não obstante não haver legislação específica sobre tal matéria e a colocação das placas de sinalização nas vias públicas ser do âmbito do poder discricionário das Câmaras Municipais, a pretensão do reclamante é procedente, dado o teor dos princípios subjacentes à Lei de Bases da Prevenção e da Reabilitação e Integração das Pessoas com deficiência, n.° 9/89, de 2 de Maio, designadamente os objectivos dessa mesma lei (cfr. artigo 1."), do processo de reabilitação (cfr. artigo 3.°, n.° 2), e dos princípios da universalidade, generalidade, equiparação de oportunidades e, principalmente dos ^princípios da Integração e da Solidariedade;

A informação, que consta do Guia de Transportes para uso de pessoas com dificuldades de locomoção, no que se refere à colocação das placas com painel adicional na via pública, de que: «Poderá o deficiente solicitar à Câmara a colocação das placas nos locais que entender convenientes (à porta da sua residência, do emprego ou qualquer outro local), ficando ao critério da Câmara o deferimento ou não do pedido»;

A não se proceder da forma requerida pelo reclamante, aquele tipo de medidas de colocação das placas apenas em locais importantes das localidades, poderá eventualmente beneficiar os deficientes em geral mas não os beneficiará em termos específicos imediatos e de uma forma diária, nos locais onde são mais necessárias as referidas placas, como a residência e o emprego;

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Atribuindo-se só assim um efeito útil a este tipo de medidas e informando-as dos mais elementares princípios de solidariedade social, em que o deficiente seja colocado cada vez menos dependente de terceiros, a que têm estado subjacentes à disciplina e consagração legal de legítimas aspirações dos deficientes na sequência da Lei de Bases referida.

5 —Esta recomendação viria a ser acatada, informando o Presidente da Câmara Municipal de Monção, que em reunião ordinária, a Câmara havia deliberado conceder a placa de estacionamento privado em frente à residência do reclamante, não íhe atribuindo o mesmo no local de trabalho, por tal se tornar desnecessário, dada a sua aposentação, pelo que, ratificada esta decisão pela Assembleia Municipal, considerava o assunto ultrapassado e resolvido.

6 — Em 10.5.94, o Provedor de Justiça determinou o arquivamento do processo.

R-2732/92

Assunto: Educação — Ensino Superior — Acesso — Recurso de Provas.

Objecto: Necessidade de fundamentação dos critérios de classificação de Prova de Língua Portuguesa do Exame de Avaliação para Acesso ao Ensino Superior.

Decisão: Reclamação procedente. Processo Arquivado. Recomendação acatada.

Síntese

1 — F... apresentou queixa nesta Provedoria de Justiça por se ter submetido no ano de 1992 ao Exame Extraordinário de Avaliação de capacidade para Acesso ao Ensino Superior.

2 — Após ter recorrido da classificação que lhe foi atribuída recebeu uma resposta não fundamentada da correcção do ponto, sendo certo que os critérios de correcção bem como as respectivas cotações nunca lhe foram comunicadas.

3 — Acrescia, à data, de acordo com o n.° 10.° do artigo 11.° da Portaria n.° 429/80, de 24 de Julho, que «não é interponível novo recurso» desta decisão.

4 — Entendia, assim, o reclamante que o júri da prova de correcção da Língua Portuguesa no aludido Exame Extraordinário de Avaliação de Capacidade para Acesso ao Ensino Superior deveria facultar aos recorrentes os critérios de correcção e cotação bem como a fundamentação por forma clara e legível das mesmas correcções.

5 — Ouvido sobre o assunto o Gabinete Coordenador de Ingresso no Ensino Superior informou que a Prova de Língua Portuguesa do supra referido exame não tem classificação numérica, mas tão só uma classificação global, expressa em Admitido e não Admitido, motivo pelo qual não eram enviadas cotações.

6 — Analisada a questão nesta Provedoria de Justiça, concluiu-se, com base no n.° 2 do artigo 19." da Portaria n.° 429/80, de 24 de Julho, que para os candidatos aprovados era elaborado um relatório «sucinto» sobre as capacida-

des do candidato, relatório que seria inserto no processo individual do candidato, relatório que, aliás, não era elaborado se o candidato ficasse reprovado.

7 — Concluiu-se com base nas mesmas reclamações que relativamente à fundamentação, existindo obrigação legal de elaborar parecer —n.° 7 do artigo 11.° da Portaria n.° 429/80 de 24 de Julho — deveria esse parecer ser facultado ao reclamante, de acordo com o disposto no artigo 268.° da CRP e 125.° do CPA, concluindo-se pela necessidade de enviar os pareceres do recurso, de acordo

com o n.° 7 do artigo 11." da mesma Portaria.

8 — Face à Recomendação efectuada, foi posteriormente recebida informação que a Portaria n.° 429/80, de 24 de Julho, e restantes diplomas referentes ao Exame de Avaliação Extraordinária de capacidade foram revogadas pela Portaria n.° 122/94, de 24 de Fevereiro, no qual foi considerada a Recomendação efectuada relativamente ao n.° 2 do artigo 10.° e n.° 8 do artigo 11.°

9 — Face a esta informação, foi o processo arquivado.

R-1042/93

Assunto: Contribuições e Impostos — Penhora — Reclamação — Atraso.

Objecto: Atraso no reembolso de IRS retido na fonte, por via de não apreciação da reclamação graciosa.

Decisão: Reclamação procedente; recomendação acatada. Síntese

Um cidadão apresentou queixa ao Provedor de Justiça pelo facto de a Repartição de Finanças da Covilhã (DGCI) ter determinado a penhora do seu televisor para pagamento de uma dívida de IRS do ano de 1991. Esta dívida resultava do facto de, uma declaração de rendimentos, o cidadão se ter esquecido de indicar o montante das retenções na fonte efectuadas. Assim, em vez de ter que pagar 363.509$00, conforme apurado pelas Finanças, tinha antes de receber 16.811$00. Apresentou reclamação graciosa da liquidação do imposto que não tinha ainda sido apreciada. Por outro lado, o reembolso de IRS dó ano de 1992, no valor de 321.384$00, encontrando-se disposto a aguardar o pagamento da alegada dívida.

Foi dirigida Recomendação pelo Provedor de Justiça ao Senhor Director-Geral das Contribuições e Impostos para que se anulasse a penhora efectuada, para que se extinguisse o Processo de Execução Fiscal e, ainda, para que o contribuinte fosse reembolsado dos créditos a que tinha direito.

Na sequência da intervenção deste Órgão do Estado, a recomendação foi integralmente acatada: foi ordenado o levantamento da penhora de bens, suspenso o Processo de Execução Fiscal, com emissão de título de anulação no valor de 363.569$00, IRS do anos de 1991 e 1992, no valor de respectivamente, 16.811$00 e 349.202$00. O processo foi arquivado.

Este processo é demonstrativo de muitas das queixas que em matéria fiscal são apresentados ao Provedor de Justiça, revelando, quer a existência de vários problemas informáticos da DGCI, quer a relevância da actuação da Provedoria de Justiça.

Tendo ocorrido um lapso do cidadão ao preencher a sua declaração de rendimentos foi liquidado, no IRS de 91,

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um valor muito superior ao devido — pagamento de 363.509$00 em vez de um reembolso de 16.811$00. A declaração apresentada pelo contribuinte não teve efeito suspensivo da cobrança e como o tempo da süa apreciação é excessivamente prolongado, tem início o procedimento

executivo para a cobrança coerciva da dívida contestada^

e à penhora da televisão do reclamante.

A reclamação apresentada não tem o seu resultado desde logo introduzido no sistema informático, o que implica ainda e para além do mais, a suspensão do reembolso do IRS de 1992, no valor de 321.384$00.

O prolongado diálogo estabelecido entre o Provedor de Justiça e a Administração Fiscal, de Maio de 1993 a Maio de 1994, permitiu: o deferimento rápido da reclamação graciosa, a anulação ca importância emitida em excesso, como no IRS de 1994, o levantamento da penhora instantânea, a extinção do Processo Fiscal e o reembolso do IRS dos anos de 1991 e 1992.

IP-51/93.

Assunto: Contribuições e Impostos — Reclamação — Prazo.

Objecto: Alargamento do prazo de reclamação graciosa em sede de IRS.

Decisão: Recomendação acatada.

Síntese

Tendo verificado que muitos dos processos existentes na Provedoria de Justiça, em matéria fiscal, se referem a situações em que os contribuintes apresentaram fora de prazo as reclamações graciosas para liquidação do IRS, e que este prazo foi pelo Código do Processo Tributário reduzido de 1 ano^—o previsto no anterior Código das Contribuições e Impostos — para 90 dias, o Provedor de Justiça abriu processo de sua iniciativa para estudo da questão.

Foi dirigida recomendação ao Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, para que fosse alterado o Código do Processo Tributário, no sentido de voltar a considerar a possibilidade de os cidadãos, ainda que com fundamentos legalmente tipificados, pudessem reclamar no prazo de um ano, da tributação em que tenha ocorrido injustiça grave ou notória. A recomendação foi acatada, com a alteração introduzida no artigo. 97.°, n.° 2, do Código do Processo Tributário, pelo Decreto-Lei n.° 47/95, de 10 de Março.

A intervenção do Provedor de Justiça determinou que o prazo de reclamação graciosa dos actos tributários de liquidação de impostos passasse a ser um ano, em vez de 90 dias, quando tenha por objecto preterição de fundamentos essenciais ou inexistência, total ou parcial, de facto tributário.

O acatamento da recomendação foi feito por via de alteração legislativa constante do artigo. 47.°, da Lei n.° 75/ 93 > de 20 de Dezembro — Orçamento do Estado para 1994 _ tendo o Decreto-Lei n.° 47/95, de 10 de Março, introduzido a correspondente alteração no artigo 97.°, n.° 2, do Código do Processo Tributário (aprovado em Dezembro de 94 em Conselho de Ministros).

R-2134/92.

Assunto: Contribuições e Impostos — Cobrança — Reclamação.

Objecto: Erro de cálculo para efeitos de pagamento de sisa. Decisão: Recomendação acatada.

Síntese

Em 1986 um cidadão adquiriu 6 fracções autónomas de um imóvel sito em Almada. Em 1988 foi notificado para pagar 1.123.845500 de imposto de Sisa. Considerando excessivo este valor, reclamou do montante do factor de capitalização 15 que foi aplicado ao rendimento colectável, para determinação do valor matricial objecto do imposto. O resultado da reclamação foi a aplicação do factor 20 e a subida do valor do imposto para 3.584.480S00.

Estudado o assunto, concluiu-se que, atendendo à data da liquidação do imposto deveria ter sido, no máximo, aplicado o factor de capitalização 15 — redacção do artigo 30.° do Código da Sisa, dada pelo Decreto-Lei n.° 108/87, em vigor desde 15 de Março daquele ano.

Por outro lado, as notificações feitas ao contribuinte -eram omissas quanto ao seu direito de recurso do valor matricial fixado.

Assim, em Novembro de 1992, foi feita recomendação para que fosse considerada sem efeito a notificação para pagamento do imposto de sisa, anulado o montante de 3.584.480$00 pago em 27.02.92, e repetida a notificação, com indicação expressa dos direitos do contribuinte.

0 Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, em Maio de 93 acatou a recomendação, ordenando que fosse feita nova notificação, com referência clara dos fundamentos da liquidação e dos meios de contestação do valor atribuído, o que possibilitou que, em 1994, o contribuinte apresentasse nova contestação do valor máximo fixado, e fosse marcada 2.' avaliação dos imóveis.

R-3385/91.

Assunto: Expropriação — Indemnização.

Objecto: Abertura de uma estrada municipal sem prévia autorização ou pagamento do preço devido ao legítimo proprietário.

Pagamento de indemnização devida pela invasão de propriedade particular.

Decisão: Formulada recomendação, que foi acatada, no sentido de ser pago o justo valor da área de terreno ocupada em consequência da abertura da estrada municipal.

Síntese

1 — Um cidadão reclamou pelo facto de uma Câmara Municipal ter cedido uma sua propriedade para alongamento de um caminho público e subsequente transformação em estrada municipal.

2 — Ouvida a Câmara Municipal, veio esta confirmar tal facto, alegando que a sua actuação se ficou a dever a circunstâncias de interesse municipal em proceder à abertura da estrada, sendo certo que a esmagadora maioria dos proprietários confinantes dera o seu assentimento à

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construção da estrada sem exigirem qualquer indemnização.

3 — Da matéria de facto apenas se concluía que a expropriação levada a cabo pela Câmara Municipal era ilegal, e que a situação de facto justificaria o pagamento da justa indemnização. Por isso, foi formulada Recomendação que viria a ser acatada com o pagamento à reclamante do preço pretendido.

R-lo57/94

Assunto: Direitos fundamentais — Ambiente — Poluição sonora.

.Objecto: Ruído provocado pelo funcionamento do arraial popular do Campo dos Mártires da Pátria, em Lisboa.

Decisão: O Governo Civil do Distrito de Lisboa acatou a Recomendação do Provedor de Justiça, ordenando a suspensão das actividades do arraial, termos em que foi determinado o arquivamento do processo.

Síntese

1 — Na sequência da apresentação de uma queixa pelo Senhor Eng.° ... relativa aos incómodos provocados pelo funcionamento de um arraial instalado no local,, dando conta dos elevados níveis de produção de ruído, bem como da não interrupção das actividades do arraial nas horas de descanso, promoveu este Órgão do Estado a audição célere do Governo Civil de Lisboa e da Câmara Municipal de Lisboa, entidades competentes para o licenciamento e fiscalização das actividades dos arraiais, com o recurso a meios informais de instrução (telefone, fax).

2 — Apurou-se a violação de vários preceitos do Regulamento Geral Sobre o Ruído (Decreto-Lei n.° 251/ 87, de 24 de Junho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 292/89, de 2 de Setembro), quer no que respeita aos limites admissíveis de produção de ruído, quer no tocante aos limites fixados para os horários de funcionamento das actividades descritas. Acrescia o facto de o arraial em causa não estar devidamente licenciado pelo Governo Civil de Lisboa, tendo a Câmara Municipal revogado a licença concedida e ordenado a remoção do equipamento que não se compadecia com o previsto para arraiais na regulamentação municipal, em resposta ao pedido de informações formulado pela Provedoria de Justiça sobre as medidas tomadas para a reposição da legalidade no local. Na sequência da intervenção deste Órgão do Estado, diligenciou igualmente o Governo Civil no sentido da fiscalização policial do cumprimento dos notários de funcionamento a respeitar.

3 — Não obstante as medidas tomadas pelas entidades competentes e o acompanhamento diário da situação pela Provedoria de justiça, através dos contactos estabelecidos com aquelas entidades e os moradores da zona, verificou-se a subsistência dos factores de perturbação inerentes ao ruído causado pelas actividades do arraial. Entendeu o Provedor de Justiça formular uma recomendação dirigida ao Governo Civil de Lisboa, para que fosse ordenada a suspensão das actividades do arraial, nos termos dos poderes conferidos àquela entidade pelo artigo 21.°, n.° 3, do Regulamento Geral Sobre o Ruído, porquanto se entenderam violados os preceitos contidos nos arts. 2.°, 3.°, 20." e 21." do mesmo diploma.

4 — A recomendação foi acatada, sendo o processo arquivado ao abrigo do disposto no artigo 31.°, alínea c), do Estatuto do Provedor de Justiça (Lei n.° 9/91, de 9 de Abril), ressaltando-se a celeridade e eficácia da intervenção no caso vertente, pois atendendo à circunscrição temporal das actividades como as descritas, uma intervenção tardia seria desprovida de sentido útil.

R-2248/94.

Assunto: Direitos fundamentais — Estrangeiros — Expulsão.

Objecto: Ordem de expulsão de um cidadão cabo-verdiano em situação irregular, no âmbito de um processo administrativo organizado nos termos do artigo 84." do Decreto-Lei n.° 59/93, de 3 de Março.

Decisão: Foi acatada a recomendação do Provedor de Justiça dirigida a Sua Excelência o Ministro da Administração Interna, com vista ao arquivamento do procedimento administrativo de expulsão do território nacional do reclamante.

Síntese

1 — Foi apresentada uma reclamação neste Órgão do Estado pela Senhora Dra. M..., em representação do cidadão cabo-verdiano A... Este tinha sido notificado para comparecer no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, na sequência de recusa de renovação de autorização de residência, destinando-se a notificação a dar execução ao despacho do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Interna, de 10.05.94, que ordenava a organização de um processo de expulsão. Note-se que a comparência pessoal do destinatário da notificação era requerida para efeitos de detenção nos termos do artigo 84.° do Decreto-Lei n.° 59/93, de 3 de Março.

2 — O pedido de intervenção do Provedor de Justiça fundava-se em razões de ordem pessoal e familiar a ponderar na situação do visado, no procedimento de expulsão; bem como no facto de a lei prever para o caso vertente a necessidade de uma decisão judicial, sendo ilegítimo o recurso a um procedimento administrativo para o efeito.

3 — No âmbito da instrução do processo aberto na Provedoria de Justiça foram pedidos esclarecimentos ao Ministério da Administração Interna solicitando-se, do mesmo passo, a suspensão do procedimento de expulsão em curso. Foi igualmente acompanhado o desenvolvimento deste procedimento através de contactos telefónicos estabelecidos com o gabinete ministerial em causa.

4 — Com a brevidade possível foi formulada uma recomendação ao Ministro da Administração Interna para que fosse arquivado o procedimento administrativo em causa, porquanto se considerou subsumir-se a situação do interessado no disposto no artigo 76.° do citado Decreto-Lei n.° 59/93, de 3 de Março, disposição que fixa os requisitos para organização de um processo judicial de expulsão, tendo em conta que o interessado entrou regularmente no território nacional e veio a obter autorização de residência, não obstante a renovação desta lhe ter sido recusada, afastando-se a possibilidade de aplicação das normas contidas no artigo 84.° e ss. do mesmo diploma.

5^— Aquela disposição legal vem dar cumprimento ao imperativo constitucional de garantia de decisão judicia)

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para os casos de expulsão em que se tenha verificado um dos requisitos enunciados, conforme se conclui da leitura do artigo 33.°', n.° 5, da Constituição da República Portuguesa, o que reforça o entendimento dado à aplicação da norma legal.

6 — Considerou o Provedor de Justiça a ilegitimidade do procedimento administrativo em curso, a incompetência

do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras para a respectiva decisão e a inadmissível ingerência em funções e poderes cometidos aos órgãos judiciais, com viotação do princípio de separação de poderes e da garantia de decisão judicial prevista na Lei Fundamental para as situações como a descrita, termos em que fundou a recomendação.

7 — A recomendação foi acatada, tendo o Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Administração Intema ordenado ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras a organização do processo nos termos do artigo 78.°, do Decreto-Lei n.° 59/93, de 3 de Março.

8 — Note-se aqui que a intervenção do Provedor de Justiça revelou-se inovadora, porquanto os dados estatísticos disponíveis, que apontam no sentido da opção sistemática por um procedimento administrativo de expulsão de cidadãos estrangeiros, indiciam uma incorrecta interpretação e confronto das normas contidas nos artigos 84.° e 76." do Decreto-Lei n.° 59/93, de 3 de Março, com desaplicação desta última e, consequentemente, com violação da garantia constitucional e legal de decisão judicial para os casos merecedores dessa tutela.

R-3055/93.

Assunto: Habitação — Telefone — Leituras.

Objecto: Facturação telefónica excessiva, tendo em conta as unidades de contagem mensais até então debitadas a um cliente dos Telefones de Lisboa e Porto (TLP), S. A.

Decisão: Foi determinado o arquivamento do presente processo, na sequência do reconhecimento por parte dos TLP de erro na facturação reclamada e do reembolso de cerca de 90% da quantia cobrada.

Síntese

1 — Veio o Senhor C... apresentar uma queixa contra os TLP, porquanto lhe fora cobrada a quantia de 18.735S00 relativa aos serviços prestados pela empresa no mês de Julho de 1993, o que pareceu manifestamente excessivo e não correspondente à efectiva utilização dos serviços telefónicos. Acrescia o facto de o queixoso ter reclamado da facturação em causa, tendo sido considerados pela empresa improcedentes os factos e razões que suscitaram as dúvidas do reclamante quanto ao valor em débito.

2 — Questionada a empresa sobre os factos aduzidos pelo reclamante e sobre as providências tomadas para aferição dos valores de facturação, quando contestados, como era o caso, veio o Serviço dos Serviços Jurídicos e de Contencioso dos TLP informar que haviam procedido à reapreciação da reclamação em causa e concluído pela sua procedência, procedendo de imediato à rectificação da factura e ao reembolso da quantia indevidamente cobrada.

3 — Atendendo a que a situação exposta havia sido reparada, facto a que não foi alheia a intervenção da Provedoria de Justiça, foi determinado o arquivamento do

processo.

R-4569/91.

Assunto: Trabalho — Função Pública — Conteúdo funcional.

Objecto: Exercício de funções além do conteúdo funcional. Decisão: Reclamação procedente. Assunto regularizado.

Síntese

1 — Um funcionário da carreira de escriturario-dactilógrafo queixou-se de estar a exercer funções que extravasam o conteúdo funcional da carreira.

2 — Trata-se de funções integradas actualmente na carreira de Oficial Administrativo, uma vez que a carreira de Escriturario-Dactilógrafo foi considerada em extinção nos termos do artigo 40." do Decreto-Lei n.° 248/85, de 15 de Julho, continuando, porém, os seus titulares providos nos respectivos lugares, até que se verifique a sua vacatura.

3 — Ao reclamante, escriturario-dactilógrafo de um estabelecimento de ensino, vinha sendo determinado, sem qualquer acréscimo de remuneração, o exercício de funções administrativas que extravasavam as que lhe competia exercer, de acordo com a sua categoria.

4 — Foi elaborada recomendação à Senhora Ministra da Educação, no sentido de em relação aos funcionários que subsistam como escriturarios-dactilógrafos serem atribuídas predominantemente funções de dactilografia.

5 — A Recomendação foi acatada, tendo o funcionário sido transferido da Escola de Arronches para a Escola de Vila Viçosa.

6 — Nota-se, porém, alguma dificuldade, por parte dos órgãos de direcção das várias escolas para onde o reclamante foi deslocado, no cumprimento integral do recomendado.

7 — Assim, o reclamante voltou a queixar-se de violações à orientação preconizada na recomendação do Senhor Provedor de Justiça, tendo sido feitas novas diligências, junto do órgão de Direcção da escola onde aquele se encontra, presentemente, no sentido do seu acatamento.

8 — Constata-se uma certa dificuldade na obtenção de garantias de acatamento integral e com carácter definitivo da mesma, quer por não preexistir uma descrição legal do conteúdo funcional da carreira de escriturario-dactilógrafo, quer por a recomendação se destinar a produzir efeitos para o futuro, que não se esgotam num momento determinado, e se materializar num domínio dependente de uma auto--avaliação, aparentemente redutora por parte do trabalhador envolvido, no sentido das tarefas que lhe incumbirá desenvolver.

9 — O conselho directivo contactado manifestou, todavia, intenção de assegurar o exacto cumprimento da

Recomendação n.° 11/94. R-3739/91.

Assunto: Administração Pública — Sentença judicial — Cumprimento.

Objecto: Mora no cumprimento de sentença judicial de condenação em quantia certa.

Decisão: O processo ainda não foi objecto de arquivamento atendendo a que ainda se encontra por

pagar parte da indemnização.

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Síntese

1 —Em 12.11.1991, o Dr. J..., Advogado, apresentou queixa em representação de F..., alegando que em 24.05.1989 o Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra havia condenado o Estado Português a pagar ao seu constituinte:

a) A quantia de 1.000.000500 (um milhão de escudos) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais e prejuízo estético-funcional sofrido em consequência do tiro que o atingiu e que havia sido disparado por um guarda florestal, quando

o mesmo se encontrava no exercício das suas funções, integrado na brigada da Administração Florestal de Portalegre; e ainda

b) Na indemnização que se viesse a fixar em execução de sentença, pelas despesas que suportou relativas a tratamento e internamento hospitalar; bem como

c) Na indemnização que se viesse a fixar em execução de sentença pelas incapacidades ou desvalorizações aquisitivas a que ficou sujeito desde 16.10.1982.

Todavia, e muito embora a Direcção-Geral das Florestas já houvesse assumido o compromisso de efectuar o pagamento de todas as despesas hospitalares — sem necessidade da liquidação judicial do prejuízo, contanto que o interessado fizesse prova do seu valor mediante a apresentação de documento representativo da quantia de que se achava desembolsado, assim como da indemnização já fixada em 1 .OOO.OOOSOO, até à data ainda não o havia feito.

Nesta conformidade, pretendia o Reclamante que lhe fossem pagas as quantias devidas acrescidas de juros à taxa legal (15%) a contar da data do transito em julgado da sentença (25.10.1990) e até integral e efectivo pagamento.

2 — Em 15.12.1992 foi a Provedoria de Justiça informada de que havia sido paga ao Reclamante a quantia de 1.OOO.OOOSOO sem os correspondentes juros.

3 — Nessa sequência, foi enviado ofício ao Senhor Chefe de Gabinete de Sua Excelência o Ministro da Agricultura, sugerindo-lhe a reapreciação do problema, atendendo a que o pagamento da quantia em dívida a título de indemnização pelos danos não patrimoniais e prejuízo estético-funcional só foi efectuado em 25.06.1992, sendo que a sentença condenatória havia sido proferida em 24.5.1989, e ainda sublinhando o facto de ter vindo a doutrina a defender que atendendo a que a partir do momento em que a sentença é proferida já tem o devedor conhecimento do quantum preciso do montante indemnizatório, e que a sentença de condenação envolve uma verdadeira ordem ou injunção de pagamento, o lesante constitui-se em mora desde a data em que esta é proferida.

4 — Foi então entendido pela Auditoria Jurídica do Ministério da Agricultura que haveria lugar ao pagamento de juros, o que mereceu a concordância de sua Excelência o Secretário de Estado.

5 — Até 31 de Dezembro de 1994 não existia informação sobre o efectivo pagamento da quantia em dívida.

R-458/88.

Assunto: Trabalho — Função pública — Processo disciplinar — Suspensão.

Objecto: Recusa do Estabelecimento Prisional Regional de Faro em aceitar o regresso ao serviço de um guarda prisional, no decurso de processo disciplinar, não obstante

0 mesmo não ter sido suspenso no decurso do processo disciplinar instaurado.

Decisão: O processo foi mandado arquivar visto que a Recomendação formulada foi acatada.

Síntese

1 — Foi apresentada exposição a esta Provedoria por um

guarda prisional, relacionada com actuação ilegal da Direcção do Estabelecimento Prisional Regional de Faro, aquando da instauração de processo disciplinar, ao recusar o regresso do queixoso ao serviço quando o mesmo não foi suspenso no âmbito do processo disciplinar.

2 — Solicitadas informações à administração, decidiu o Provedor de Justiça formular reparo quanto à actuação da Direcção do Estabelecimento Prisional e Recomendação a Sua Excelência o Ministro da Justiça para que promovesse, junto da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais no sentido de ao reclamante serem pagas, a título de indemnização, as remunerações que deixou de receber no período em que foi ilegalmente impedido de trabalhar.

3 — Tendo sido acatada a recomendação, foi mandado arquivar o respectivo processo.

R-556/93.

Assunto: Segurança Social — Contra-ordenação continuada.

Objecto: Substituição de várias coimas aplicadas ao não pagamento de contribuições para a segurança social em meses sucessivos por uma única dado tratar-se de uma só contra-ordenação continuada.

Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada. Síntese

1 —A Rádio B..., cooperativa de Radiodifusão, CRL, com sede no Seixal, reclamou pelo facto de o Centro Regional de Segurança Social de Setúbal lhe ter aplicado várias coimas pelo não pagamento de contribuições relativas a meses sucessivos.

2 — Defendendo que o artigo. 19.°, n.°l, do Decreto--Lei n.° 443/82, de 27/10, traduz a transposição para o direito de mera ordenação social dos princípios em que assenta o regime do crime continuado, foi elaborada a recomendação n.° 35/94 no sentido da substituição das coimas aplicadas por uma única coima.

3 — O CRSS acatou a recomendação, aplicando uma única coima e restituindo a importância indevidamente paga.

R-868/94

Assunto: Educação e ensino — Ensino universitário — Pós--graduação em Medicina do Trabalho.

Objecto: Integração da situação-tipo do Reclamante ou outras equivalentes nos próximos concursos para o curso de Medicina do Trabalho, no sistema de «Contingente

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Especial» com dispensa da frequência das disciplinas que foram objecto de equivalência. Flexibilização dos

critérios de seriação e selecção dos candidatos, no sentido de o não exercício efectivo de medicina do trabalho não ser motivo de exclusão dos candidatos ao curso de Medicina do Trabalho.

Decisão: Processo pendente. A recomendação número 131/

94 não foi ainda acatada.

Síntese

1 — O reclamante requereu a matrícula no curso de Medicina do Trabalho apenas para a frequência das disciplinas às quais lhe não foi concedida equivalência do curso que possui de pós-graduação em Engenharia Humana.

2 — O facto de o reclamante não ter apresentado na sua candidatura quaisquer horas de ocupação comprovadas por declaração da Inspecção do Trabalho no exercício de medicina do trabalho (embora venha exercendo funções de consultadoria nesta área) revelou-se decisivo na classificação final obtida — 37." lugar.

3 — Recomendou o Provedor de Justiça ao Senhor Reitor da Universidade do Porto que fosse integrada a situação-tipo do reclamante ou outras equivalentes nos próximos concursos para o curso de Medicina do Trabalho, no sistema de «Contigente Especial» com dispensa da frequência das disciplinas que foram objecto de equivalência ou que fosse ponderada e equacionada a hipótese de flexibilização dos critérios de seriação e selecção dos candidatos, no sentido de o não exercício efectivo de medicina do trabalho não ser motivo de exclusão dos candidatos ao curso de Medicina do Trabalho.

4 — Até 31 de Dezembro de 1994 esta situação não tinha sido regularizada.

R-3666/91.

Assunto: Segurança social — Desemprego — Subsídio de integração sócio-profissional.

Objecto: O reclamante pretendia que lhe fosse concedido

0 subsídio para início de actividade independente.

Decisão: Satisfeita a pretensão do reclamante, foram os autos arquivados.

Síntese

1 — O reclamante, encontrando-se na situação de desempregado, solicitou a concessão de subsídio para a criação do seu próprio emprego, nos termos do artigo 21." do Decreto-Lei n." 79-A/89, de 13/3, ou seja, recebendo globalmente o subsídio de desemprego a que tivesse direito.

2 — O Centro Regional de Segurança Social de Coimbra, contactado pela Provedoria de Justiça, esclareceu que, na altura em que o reclamante fez esse requerimento, já lhe havia sido suspendido o pagamento do subsídio de desemprego por ter sido encontrando a trabalhar, pelos Serviços de Fiscalização, num pequeno comércio de sua müYnei.

3 — Considerando que a actividade que o reclamante se encontrava a exercer era acidental e relacionada com o emprego que ele pretendia criar, foi, em 12/11/93, elaborada recomendação ao Senhor Presidente do Conselho

Directivo do CRSS em questão, no sentido de se proceder à revisão do caso.

4 — A recomendação foi imediatamente acatada, tendo sido processado o montante referente ao subsídio global de desemprego logo no mês de Dezembro de 1993.

R-1952/91.

Assunto: Urbanismo e obras — Obras de ampliação — Licença de construção.

Objecto: Indeferimento de pedido preliminar de informação sobre a viabilidade de ampliação e reconstrução de prédio, efectuado na vigência do Decreto-Lei n.° 166/ 70, de 15 de Abril, falta de fundamentação de deliberação autárquica.

Decisão: Competindo às Câmaras Municipais apreciar e resolver os pedidos de informação prévia sobre a viabilidade de realização de obras sujeitas a licenciamento particular, foi acatada pela Câmara Municipal de Alcácer do Sal a Recomendação formulada no sentido de o exercício das competências municipais em matéria de urbanismo e construção se conformar integralmente com o quadro normativo vigente em tal domínio, em especial, com as disposições legais concernentes à eficácia jurídica dos instrumentos de planeamento territorial e à fundamentação de facto e de direito das deliberações autárquicas.

' Síntese

1 — Efectuada queixa contra a resolução desfavorável de um pedido de informação sobre a viabilidade de reconstrução e ampliação de uma moradia, efectuado na vigência do Decreto-Lei n.° 166/70, de 15 de Abril, o qual não previa expressamente a figura do «pedido de informação prévia» actualmente consagrada no artigo 10." do Decreto-Lei n.° 445/91, de 20 de Novembro, veio a constatar-se, no decurso da instrução do processo respectivo, através dos esclarecimentos prestados pela Câmara Municipal de Alcácer do Sal, que tal decisão se havia baseado na desconformidade da pretensão com um estudo do Plano de Pormenor para o local em causa.

2 — Destinando-se as informações preliminares a elucidar e orientar os requerentes sobre a viabilidade e os condicionamentos das obras que pretendessem vir a licenciar, o respectivo conteúdo haveria de tomar em linha de conta os condicionalismos de facto e de direito que, na altura, pudessem vir a condicionar ou a prejudicar o eventual e ulterior pedido de licenciamento das obras visadas, considerando os instrumentos urbanísticos devidamente aprovados para o local.

3 — Todavia, não tendo sido o estudo de Plano àe Pormenor ratificado pelo Secretário dè Estado da Administração Local e do Ordenamento do Território, não dispunha o mesmo de eficácia jurídica (artigos 3.°, 7.° 14.° e 16." do Decreto-Lei n.° 560/71, de 17 de Dezembro), pelo que, não poderia servir de fundamento legal ao indeferimento, quer de pedidos de licenciamento de obras, a realizar no local (artigo 15.°, do Decreto-Lei n.° 166/70) quer, por identidade de razão, de informações desfavoráveis de pedidos prévios respeitantes à viabilidade de realização daquelas mesmas obras.

4 — Formulada Recomendação, foi esta acatada, pelo que se procedeu ao arquivamento do processo.

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R-2852/94.

Assunto: Administração local — Câmara municipal — Responsabilidade civil.

Objecto: Responsabilidade extracontratual das Câmaras Municipais por danos decorrentes da deficiente estado de conservação das estradas e caminhos municipais (artigo 90." da LAL, artigos 2.°, 4." e 6.° do Decreto-Lei n.° 68051, de 21 de Novembro de 1967, artigo 51.°, n.° 4, alínea e), da LAL e artigo 2.° da Lei n.° 2110, de 19 de Agosto de 1961.

Decisão: Satisfação da pretensão do reclamante, pelo reembolso das despesas efectuadas em consequência de acidente de viação.

Síntese

1 — Requerido o reembolso das despesas efectuadas pelo reclamante em consequência de acidente de viação, causado pelo deficiente estado de conservação de via municipal, foi este pedido indeferido pela Câmara Municipal de Lisboa com o fundamento de qualquer indemnização apenas seria satisfeita quando judicialmente determinada.

2 — Inquirido aquele órgão autárquico quanto aos fundamentos de direito e de facto de tal decisão, veio a ser prestada informação de que por despacho do Exmo Vereador do pelouro do Trânsito e Infra-Estruturas Viárias, proferido em 94.12.06, fora deferido o pedido de reembolso apresentado à Câmara Municipal de Lisboa pelo reclamante.

R-477/93.

Assunto: Contribuições e impostos — IRS — Devolução.

Objecto: Cometido um erro no preenchimento da declaração de IRS de 1990 e não tendo sido apresentada oportuna reclamação, o contribuinte viu a administração fiscal negar-lhe o reembolso de 205.529S00.

Decisão: O processo foi arquivado na sequência de Recomendação dirigida ao Senhor Secretario de Estado dos Assuntos Fiscais, que foi acatada.

Síntese

1 —Um cidadão apresentou queixa ao Provedor de Justiça porque, na declaração de rendimentos de 1990 para efeitos de IRS, no campo 9 do anexo F, relativo às deduções à colecta dos rendimentos prediais, ter omitido o valor □a contribuição autárquica paga naquele ano, no montante de 205.529$00.

2 — Segundo referiu o reclamante, este campo da declaração foi preenchido por um funcionário — o que prova a diferente letra utilizada —, e as notas de cobrança da Contribuição Autárquica foram apresentadas àquele funcionário. Tendo reclamado extemporaneamente da liquidação para o Director-Geral das Contribuições e Impostos e recorrido para o Senhor Ministro das Finanças, viu ambas as exposições indeferidas por ter sido ultrapassado o prazo de reclamação.

3 — O Provedor de Justiça dirigiu recomendação ao Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais alegando que tendo ocorrido um erro de visualização da declaração imputável aos serviços deveria haver uma correcção oficiosa da liquidação do imposto, com o reembolso do montante cobrado em excesso. Acresce que, devendo ser o Estado pessoa de bem, a lei impõe a devolução das importâncias que tenham sido entregues nos cofres do estado sem direito a essa arrecadação — artigo 35.° do Decreto-Lei n.° 155/92.

4 — Respondeu a Administração Fiscal que, tendo sido ultrapassados os prazos para reagir contra o acto tributário, nada mais haveria a fazer. Não se poderia sequer abrir um

precedente, não obstante reconhecer de toda a justiça a revisão do acto praticado.

5 — Foi feita pelo Provedor de Justiça nova insistência junto do Senhor Secretário de Estado, onde se rebatiam os argumentos da DGCI: havia uma omissão do funcionário, logo, um erro imputável aos Serviços; não seria aberto um precedente com a revisão oficiosa do acto tributário pois a Provedoria já o tinha conseguido noutros processos e poderíamos estar face a uma situação de duplicação de colecta parcial; o Decreto-Lei n.° J55/92 é aplicável ao presente caso, pois o Estado sabe ter cobrado uma importância indevida; que melhor fundamento poderia ter a administração para rever a sua posição do que uma Recomendação do Provedor de Justiça sublinhando a legalidade e a justiça da alteração da liquidação?

6 — Na sequência desta insistência, o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais autorizou a devolução ao reclamante da importância de 105.529$00.

IP-13/93.

Assunto: Saúde pública — Responsabilidade civil — Responsabilidade disciplinar.

Objecto: Mortes e agravamento do estado de saúde, por presumível intoxicação alumínica, de insuficientes renais crónicos (IRC) assistidos na Unidade de Hemodiálise (UH) do Hospital Distrital de Évora (HDE).

Omissão das entidades competentes do Ministério da Saúde e dos serviços dele dependentes ou integrantes quanto ao apuramento integral de responsabilidades e quanto à prestação de apoio social e financeiro aos doentes sobrevivos e às famílias dos falecidos.

Decisão: De arquivamento por não haver lugar a novas diligências ou intervenções que conduzam ao desiderato visado na Recomendação n.° 42/94 e por estar alcançando o da Recomendação n.° 43/94.

Síntese

1 —Em 1 de Abril de 1993, a Federação Nacional dos Médicos denunciou em conferência de imprensa a ocorrência sucessiva de mortes no HDE devidas a alegada deficiência de assistência prestada aos IRC assistidos na respectiva UH.

2 — Depois de determinada a abertura deste I.P., foram concedidas audiências à Associação Portuguesa de Insuficientes Renais, e reunidos documentos e informações diversas com destaque para as conclusões dos inquéritos levados a cabo pela lnspecção-Geral da Saúde.

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3 — Analisada a documentação disponível e confrontada com a legislação geral e especial reguladora das múltiplas competências e responsabilidades das entidades directa ou indirectamente envolvidas na questão, foram elaboradas duas recomendações.

4 — A recomendação n.° 42/94, de 11.02.94, dirigida ao Ministro da Saúde, aconselhou uma indemnização provisoria aos doentes afectados clinicamente e aos

familiares dos falecidos, assim como a prestação de

assistência social financeira, clínica e outra que se mostre necessária e adequada.

5 — Esta Recomendação não teve acolhimento por parte do seu destinatário.

6 — A recomendação n.° 43/94, de 11.02.94, dirigida ao Presidente da Câmara Municipal de Évora, aconselhou a realização de inquéritos visando o apuramento de actos e omissões com incidência disciplinar-no âmbito das competências dos órgãos, funcionários e agentes dos serviços daquele Município.

7 — Esta Recomendação foi acatada.

R-1046/93.

Sumário: Qualificação como doença profissional da hepatite crónica contraída por uma enfermeira-parteira que exerce a sua actividade num hospital desde 1974.

Decisão: Arquivamento do processo, após acatamento da recomendação feita.

Síntese

1 — Uma enfermeira solicitou intervenção ao Provedor de Justiça, por entender que a doença de que padece, hepatite crónica, não é compatível com a actividade que tem de desempenhar.

2 — Pela resposta recebida da entidade hospitalar verificou-se que, contrariamente ao que a interessada solicitara, não fora reconhecido tratar-se de uma doença profissional, por não ter sido determinado quando se dera o contacto com o vírus da hepatite, nem que tal fosse resultante da sua actividade profissional.

3 — Considerando que:

O Decreto Regulamentar n.° 12/80, de 8 de Maio, elenca a hepatite entre as doenças profissionais relativamente aos trabalhadores cujos trabalhos comportem a manipulação de sangue humano e que a interessada exerce, desde 1974 a profissão de parteira no hospital, sendo a doença detectada em 1990;

A Lei n.° 2127, de 65.08.03, consagra um regime de responsabilidade objectiva, não necessitando o trabalhador de provar que a doença foi contraída em consequência, da actividade exercida foi recomendado que a doença fosse considerada como profissional, recomendo-se, em caso de dúvida, à submissão a junta médica, através da Caixa Geral de Aposentações.

a recomendação foi aceite.

IP-50/93.

Assunto: Administração Pública — Gestão.

Objecto: Melhoria dos serviços telefónicos do Tribunal de Menores de Lisboa.

Decisão: Foi dado cumprimento à Recomendação mencionada, mediante a celebração entre o Estaâo e os CTT

de um contrato, ao abrigo do qual deveria ser reformulado todo o sistema de telefones do Palácio de Justiça, permitindo, nomeadamente, um acesso telefónico fácil ao Tribunal de Menores.

Síntese

1 — Foi dirigida ao Ministro da Justiça recomendação no sentido de ser instalada uma central telefónica no Tribunal de Menores de Lisboa, com a consequente divulgação dos respectivos números de telefone nos meios próprios.

2 — A fundamentação de tal iniciativa residiu, em síntese, na circunstância de que a natureza urgente dos processos tutelares de menores —que tem como corolário, por exemplo, que a iniciativa processual pode resultar de participação verbal ou escrita de qualquer pessoa — necessita de ser complementada com medidas de índole diversa que a tornem efectiva, como é a possibilidade logística de efectuar um contacto telefónico urgente com o Tribunal.

'3 — Ora, tal não sucedia com o Tribunal de Menores de Lisboa, a que apenas se poderia ter acesso telefónico através da central comum a todo o Palácio de Justiça, permanentemente saturada.

R-868/93.

Assunto: Subsídio por morte e pensão de sobrevivência — Casamento com duração inferior a um ano.

Objecto: Atribuição do subsídio por morte e de pensão de sobrevivência.

Decisão: Reclamação procedente. Recomendação acatada-Síntese

À Reclamante foram negados o subsídio por morte e a pensão de sobrevivência pelo facto de, à data da morte de seu marido, se encontrarem casados há menos de um ano (artigo 9.° do Decreto-Lei 322/90, de 18/10).

A Provedoria de Justiça entendeu que, no caso vertente, houve justo impedimento na demora da celebração do casamento e que havia que interpretar o n.° 1 da disposição citada com recurso ao seu espírito (afastar os casos em que o casamento tem como objectivo o acesso aos benefícios em causa), por forma a considerar a situação concreta abrangida no seu âmbito de aplicação.

Uma primeira tentativa nesse sentido, feita junto do Centro Nacional de Pensões, não obteve resultados. Por isso, foi elaborada a recomendação n.° 60/94, dirigida ao Secretário de Estado da Segurança Social, que a acatou.

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20 DE JULHO DE 1996

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R-524/94.

Assunto: Contribuições e impostos — IRS — Cobrança

— Anulação.

Objecto: Atraso no processamento de reembolso de IRS referente ao. ano de 1989.

Decisão: Acatada a Recomendação dirigida à administração fiscal no sentido de emitir o reembolso em falta, foi determinado o arquivamento do processo por se encontrar satisfeita a pretensão do Reclamante.

Síntese

1 — A queixa apresentada na Provedoria de Justiça em 24/02/94 descrevia detalhadamente a situação, contendo, nomeadamente, documentos emitidos pela administração fiscal dando conta do estado do processo: deferida a reclamação apresentada pelo contribuinte, aguardava-se o processamento informático do reembolso.

2 — Formulada Recomendação em 08.06.94, viria a Direcção-Geral das Contribuições e Impostos a protestar acatá-la logo que possível, o que viria a acontecer em Setembro seguinte.

R-3131/91.

Assunto: Segurança social — Família — Abono de família

— Reposição.

Objecto: Reposição de abono de família indevido.

Decisão: Acatamento da Recomendação no sentido de haver lugar à reposição parcial do abono de família indevidamente recebido. Arquivamento do processo.

Síntese

\ — Um professor apresentou queixa a este órgão do Estado por entender que a reposição de abono de família processado a um filho menor era excessiva dado que o jovem frequentava, comprovadamente, o 2." ciclo do ensino básico durante parte do lapso de tempo, relativamente ao qual lhe era exigida a reposição.

2 — Ouvida a Administração, designadamente a Direcção-Regional de Educação do Centro e ali." Delegação de Contabilidade ambas foram unânimes no sentido da exigência de reposição integral do abono de família processado a favor do jovem, filho do Reclamante..

3 — Entendeu-se então que tal posição era injusta e que não tinham fundamentos ou base legal que a apoiassem. Antes pelo contrário, resulta da legislação aplicável, ao caso, designadamente do artigo 22.° do Decreto-Lei n.° 197/77, de 17 de Maio, conjugado com a alínea a) do n.° 1 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 170/80, de 29 de Maio, que a falta de entrega dos meios de prova a que os trabalhadores estão obrigados a fim de receberem o abono da família devido aos seus descendentes que frequentem estabelecimentos de ensino secundário ou superior implica a suspensão do abono de família, facto que nunca se verificou por parte das entidades competentes.

4 — Assim,, não tendo sido sancionada, atempadamente no prazo de 12 meses estipulado por lej a entrega fora de

prazo da mesma prova não pode a Administração prevalecer-se da situação, designadamente quando se põe em causa a segurança dos administrados, pelo que foi recomendado que não fosse exigida a reposição do abono de família devido ao filho do Reclamante durante o período que comprovadamente frequentasse um estabelecimento de ensino.

5 — A Recomendação não foi, inicialmente, acatada. Porém, tendo sido reiterada com novos argumentos, nomeadamente com base nos artigos 11.°, 19.° e 22.° do Decreto-Lei n.° 197/77, de 17 de Maio, com as mesmas conclusões veio a ser acatada por fim, tendo sido arquivado o processo.

R-1221/90

Assunto: Trabalho — Função Pública — Administração regional — Recrutamento — Chefias de enfermagem.

Objecto: Fixação da área de recrutamento de enfermeiros--directores de serviço de enfermagem.

Decisão: Arquivamento do processo após acatamento da recomendação feita para alteração do Decreto Regulamentar Regional n.° 12/90-A, de 12 de Novembro.

Síntese '

1 — Uma enfermeira-supervisora de um hospital da Região Autónoma dos Açores solicitou intervenção ao Provedor de Justiça por considerar que o Decreto Regulamentar Regional n.° 12/90-A, de 20 de Março, que regula a gestão hospitalar na Região, esquecera os enfermeiros-supervisores ao estabelecer que a nomeação dos enfermeiros-directores tenha lugar apenas de entre ènfermeiros-chefes ou enfermeiros especialistas. . 2 — A Secretaria Regional de Saúde e Segurança Social da Região Autónoma dos Açores, ouvida sobre o assunto, afirmou ter-se procurado estabelecer uma área de recrutamento mais flexível que a existente na administração central, referindo ainda ser hábito, em termos de técnica legislativa, que as áreas de recrutamento sejam entendidas como áreas mínimas, pelo que qualquer funcionário com categoria superior à indicada estaria sempre abrangido, embora admitisse que a redacção do artigo melhoraria com a introdução da expressão «pelo menos».

3 — Ora, conforme dispõe o artigo 9.° do Código Civil, presume-se que o legislador se exprime em termos adequados. E no caso em foco tinha de facto sido nomeada para o visado lugar de chefia uma enfermeira menos graduada do que a reclamante.

4 — Havia ainda a considerar que a matéria regulada não deveria divergir do regime básico estabelecido para os hospitais do Serviço Nacional de Saúde, pelo que foi recomendada uma alteração legislativa nesse sentido.

5 — Sua Excelência o Presidente do Governo Regional dos Açores respondeu que, considerando pertinentes e razoáveis os argumentos jnvocados aceitava a recomendação, estando em preparação uma alteração ao artigo 30." do referido Decreto Regulamentar.

6 — Nestes termos, foi determinado o arquivamento do processo aberto com base na queixa apresentada.

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II SÉRIE-C — NÚMERO 23

R-1477/92.

Assunto: Expropriação e requisição de bens — Expropriação amigável — Indemnização.

Objecto: Reclamação para pagamento dos juros legais devidos por mora na liquidação do valor da indemnização.

Decisão: Feita recomendação no sentido de serem pagos

os juros reclamados, o que foi aceite pela J.A.E. Síntese

1 — Um cidadão celebrou um acordo com a J.A.E. mediante o qual cedeu àquela uma parcela de terreno (n.° 343, na estrada nacional n.° 13), para execução do troço de estrada de acesso a uma nova ponte, em Viana do Castelo, pelo valor de esc. 9.000.000$00, na data de 16 de Setembro de 1991.

2 — Nos termos do artigo 43.°, n.° 2, da Código de Expropriações então em vigor (Decreto-Lei n.° 845/76, de 11 de Dezembro), o expropriante tinha dez dias para liquidar a importância devida, mediante depósito à ordem do Juiz competente.

3 — Todavia, tal depósito só foi feito em 6 de Março de 1992, pelo que a JAE se colocou em mora desde 27 de Setembro do ano anterior, caso-em que ficou obrigada ao pagamento dos juros legais — o que ela veio a fazer.

IP-13/91

Assunto: Administração Pública — Aquisição de serviços — Concurso público — Adjudicação.

Objecto: Necessidade de norma jurídica que regulasse o preço de venda de caderno de encargos em concursos públicos.

Decisãor Situação regularizada por acatamento de Recomendação.

Síntese

Tendo sido verificada a inexistência de norma que regulasse o preço de venda do caderno de encargos, ao nível do Decreto-Lei n.° 235/86, de 18 de Agosto, e considerando a necessidade de aquisição do mesmo pelos concorrentes, recomendou o Provedor de Justiça que fosse incluída no artigo 61.° do referido diploma uma norma que consagrasse a nível nacional o disposto a nível comunitário, no sentido de o custo do caderno de encargos dever ser suportado pelos concorrentes, a preços de custo.

Foi publicado o Decreto-Lei n.° 405/93, de 10 de Dezembro, que, acatando a Recomendação, estabelece no artigo 59.", n.° 4:

4 — Os interessados poderão solicitar que lhes seja fornecidas, pelo dono da obra, a preços de custo, cópias devidamente autenticadas dos elementos referidos no n.° 2. »

Neste n.° 2 referem-se o projecto, o caderno de encargos e o programa do concurso.

R-2983/92

Assunto: Trabalhadores da administração local — Tempo de serviço.

Objecto: Falta de contagem de tempo de serviço, no contrato a termo, de funcionários de Município.

Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada. Síntese

1 — Um grupo de trabalhadores da Câmara Municipal do Barreiro solicitou a intervenção do Provedor de Justiça a propósito de questões relacionadas com a falta de contagem, para efeitos de progressão na categoria e promoção na respectiva carreira, do tempo de serviço prestado pelos interessados como contratados a prazo.

2 — Ouvida a Secretaria de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território, e confrontado o seu entendimento com o pensamento expendido pela Direcçãc--Geral da Administração Pública, constatou-se não existir inteira coincidência de opiniões no tocante ao alcance do disposto no n.° 4 do artigo 6." e no n.° 3 do artigo 6.°-A do Decreto-Lei n.° 409/91, de 17 de Outubro, em matéria de contagem do tempo de serviço do pessoal das autarquias locais que, encontrando-se anteriormente nas situações abrangidas por aqueles preceitos normativos, já se achava integrado, porém, nos quadros de pessoal da Câmara Municipal do Barreiro, à data da entrada em vigor do citado decreto-lei.

3 — No entanto, nem o entendimento da referida Secretaria de Estado, nem o entendimento da citada Direcção-Geral excluíam a possibilidade de o estatuído nos n.os 9 e 10 do Decreto-Lei n.° 427/89, de 7 de Dezembro, aproveitar à contagem do tempo de serviço dos Reclamantes, pelo que foi a questão submetida à consideração da Câmara Municipal do Barreiro, a qual, em consequência, atendeu a pretensão dos Reclamantes.

R-2912/93

Assunto: Contribuições e impostos — I.R.S. — Declaração — Anulação.

Objecto: Atraso no reembolso do I.R.S. indevidamente cobrado.

Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada. Síntese

Um reclamante apresentou na Provedoria de Justiça uma queixa visando a Administração Fiscal, por atraso verificado num reembolso a que tinha direito, referente ao IRS de 1991.

Analisada a reclamação, concluiu-se que o atraso registado no processamento do reembolso do imposto pago em excesso se ficou a dever a erros imputáveis aos Serviços (extravio da declaração de substituição tempestivamente apresentada pelo contribuinte e demora no apuramento da sua situação tributária).

A estes mesmos erros, aliás, se ficou igualmente a dever a instauração de um processo de execução fiscal ao contri-

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buinte, na sequência da liquidação efectuada com base na primeira declaração de rendimentos apresentada (a qual, uma vez que continha erros, foi, logo que tais erros foram detectados pelo contribuinte, de imediato substituída, ainda dentro do prazo legal).

Assim, foi dirigida Recomendação ao Senhor Director--Geral das Contribuições e Impostos, no sentido de, por um lado, ser processada a validação da declaração de substituição, com a consequente emissão de novo apuramento do imposto, e, sendo caso disso, com o reembolso do imposto cobrado em excesso, bem como, por outro lado, ser declarado extinto o processo de execução fiscal.

Tendo a referida Recomendação, datada de 13/1/94 (e de cujo integral conteúdo foi dado conhecimento ao reclamante), sido acatada, foi determinado o arquivamento do processo, por despacho do Provedor de Justiça, proferido em 18/3/94.

R-2567/92

Assunto: Contribuições e impostos.

Objecto: Cobrança ilegal da contribuição dos anos de 1989, 1990 e 1991.

Decisão: Foi proferida Recomendação, que veio a ser acatada. O processo foi arquivado.

Síntese

Um cidadão solicitou em Setembro de 1991 que, ao abrigo do disposto no artigo 55." do Estatuto dos Benefícios Fiscais (famílias de baixos rendimentos), lhe fosse concedida isenção de contribuição autárquica de dois prédios urbanos de que era proprietário. Este pedido veio a ser deferido pela Administração Fiscal apenas para o ano de 1992, tendo o cidadão sido notificado para efectuar o pagamento da contribuição autárquica dos anos de 1989, 1990 e 1991, no montante de 111.384$00.

Argumentando que, até à entrada em vigor do Decreto--Lei n.° 187/92, de 25 de Agosto, que alterou a redacção do referido artigo 55.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais, estávamos face a um benefício fiscal cuja atribuição não dependia de requerimento do contribuinte e ainda que as liquidações de 1989, 1990 e 1991 foram posteriores ao pedido feito pelo reclamante, o Provedor de Justiça dirigiu em Março de 1993 Recomendação ao Senhor Subsecretário de Estado Adjunto e do Orçamento, para que o cidadão fosse reembolsado da importância de 111.384SO0, o que veio a ser autorizado, por despacho de Junho de 1993.

R-3185/92

Assunto: Trabalho — Função pública — Licença — Professor.

Objecto: Deferimento de pedido de conversão de uma licença sem vencimento em licença especial para assistência a filhos.

Síntese

1 — Foi solicitada intervenção ao Provedor de Justiça, no interesse de uma professora do ensino secundário, por ter sido indeferido, em 87.04.22, pelo Senhor Secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário, o pedido que formulara de reconversão de uma licença sem vencimento por 1 ano em licença especial para assistência a filhos.

2 — Estavam em causa os seguintes factos:

a) Em Maio de 1984, a interessada foi autorizada por despacho ministerial a gozar uma licença sem vencimento por 1 ano, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.° 474/74, de 7 de Setembro, a partir de Outubro do mesmo ano;

b) Como, após a apresentação do requerimento para obter essa licença foi publicada a Lei n.° 4/84, de 5 de Abril, requereu esclarecimento ao Senhor Director-Geral de Pessoal sobre a possibilidade de, depois da licença de parto de que viria a beneficiar em Julho, poder recorrer ao disposto naquele diploma, tendo sido informada que devia esperar pela regulamentação da referida lei;

c) Atempadamente voltou a solicitar ao Senhor Secretário de Estado a aplicação do disposto na nova lei, sem obter resposta, o que a impediu de requerer a desistência da licença sem vencimento, por precaução;

d) Cumprindo o disposto ná Lei n.° 4/84, a interessada enviou o pré-aviso relativo à licença para assistência a filhos, mas as faltas acabaram por como tal não ser qualificadas, apesar de assim constarem do seu registo biográfico;

e) Ainda que, com base no parecer favorável emitido pelos serviços, o pedido tenha sido deferido por despacho de 15/05/85 do Senhor Director-Geral de Pessoal, não chegou a produzir efeitos porque não foi comunicado à requerente;

f) Entretanto, perante novo requerimento da interessada, o Senhor Secretário de Estado da Administração Escolar, proferiu, em 22/04/87, um despacho de indeferimento, por entender que anular ou reconverter uma licença já gozada é um contra-senso.

3 — Assim, a referida professora viria a ser prejudicada futuramente por falta de diligência da Administração que não decidiu em tempo útil, nem deu aplicação à lei vigente e depois se recusou, por motivos meramente formais, a rever a sua posição.

4 — Com efeito, enquanto, nos termos legais, o período de licença sem vencimento não conta para quaisquer efeitos, o da licença especial para assistência a filhos é considerado para o cálculo das prestações devidas pelos regimes de protecção social em caso de invalidez ou velhice, conforme determinam os artigos 21.° da Lei n.° 4/ 84 e 15.° do Decreto-Lei n.° 135/85, de 3 de Maio.

5 — Aquela licença constitui um direito do pai ou mãe trabalhadores e o seu exercício, como estabelece o n.° 2 do artigo 14.°, depende de pré-aviso dirigido à entidade patronal até um mês do início do período de faltas.

6 — O artigo 8.° da Lei n.° 4/84 dispõe que o capítulo respeitante à «protecção ao trabalho» em que está inserido o artigo 14.°, se aplica a todos os trabalhadores, incluindo os da administração pública centra), regional e local.

Decisão: Recomendação acatada. Situação regularizada.

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II SÉRIE-C — NÚMERO 23

7 — É certo que o artigo 24." previa a aprovação, den- . tro de 120 dias, das normas necessárias à sua execução mas o artigo 14.° é uma norma perfeita, pronta desde logo a ser executada.

8 — Embora o Decreto-Lei n.° 135/85, de 3 de Maio, tenha vindo regulamentar as condições do seu exercício, não deixa de reconhecer, no seu preâmbulo e no próprio articulado, que a protecção das mães e dos pais trabalhadores da administração pública já estava consagrada.

9 — O artigo 12.° diz expressamente vir reconhecer «o direito à licença especial para assistência a filhos, consagrado no artigo 14.° n.° 1, da Lei n.° 4/84, de 5 de Abril» e os termos fixados para o seu exercício, no artigo 13.°, são idênticos aos do n.° 2 do mesmo artigo.

10 — Por tudo o referido, considerou-se ser de justiça, apesar do tempo decorrido, reconhecer o período de licença em causa como licença especial para assistência a filhos, não existindo para tal qualquer obstáculo legal, contrariamente ao que fora entendido.

11 —O artigo 139." do Código do Procedimento Administrativo prevê, no n.° 2, que os actos cujos efeitos tenham caducado ou sé encontrem esgotados podem ser objecto de revogação com eficácia retroactiva e o artigo 138.° consagra nos termos mais amplos a revogação por iniciativa .dos órgãos competentes ou a pedido dos interessados.

12— Nestes termos, ao abrigo do disposto no artigo 20.°, n.° 1, alínea a), da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, o Provedor de Justiça formulou recomendação para que fosse deferido o pedido de reconhecimento como licença especial para assistência a filhos do período anteriormente considerado como de licença sem vencimento, gozado pela professora referida no ano escolar de 1984/85, com revogação dos despachos anteriores e com os consequentes efeitos legais.

Após comunicação da emissão de despacho que determinou o acatamento do recomendado, foi arquivado o processo aberto com base na queixa.

R-1896/93

Assumo: Contribuições e impostos — IRS — Devoluçãq.

Objecto: Pagamento indevido de multa por alegada entrega fora de prazo de reclamação periódica de IRS.

Decisão: Acatada a Recomendação dirigida à Administração Fiscal no sentido de devolver o montante indevidamente cobrado a título de multa, foi determinado o arquivamento do processo por se encontrar satisfeita a pretensão do reclamante.

Síntese

1 — O Reclamante, pretendendo obter a correcção dos atempadamente entregara, preencheu e entregou, na Repartição de Finanças de Algés, declaração de substituição, pagando 1.000$00 de coima por entrega extemporânea da mesma.

2 — Por se ter concluído — nomeadamente após

apreciação das normas.internas a que a Repartição de Finanças estava sujeita (Circular n." 15/91, de 5 de Junho, DGCI) — que tal comportamento fora incorrecto e que a

coima fora indevidamente cobrada, foi recomendada a sua restituição, ao abrigo do disposto no artigo 35." do Decreto--Lei n.° 155/92, de 28 de Julho.

3 — A referida Recomendação, dirigida à Repartição de Finanças em 14/10/93, viria a ser acatada em 14/09/94, após ter sido sucessivamente reenviada a Direcção Distrital de Finanças de Lisboa e desta à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos.

4 — Satisfeita a pretensão do Reclamante, foi determinado o arquivamento do processo em WlO/94.

R-2616/93

Assunto: Administração Pública Gestão de instituição de acolhimento de menores.

Objecto: O Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública (Zona Centro) — Delegação de Aveiro reclamou da inércia da administração central na assunção da gestão do Colégio Dr. Alberto Souto, donde têm resultado gTaves dificuldades no pagamento das despesas diárias de funcionamento bem como prejuízos para os respectivos funcionários, situação que se verifica desde há bastante tempo.

Decisão: Reclamação procedente. Recomendação acatada.

O Ministério da Justiça informou que as soluções propostas pelo Provedor de Justiça na Recomendação que adiante se descreve encontram-se consagradas no projecto de diploma que procede à alteração da Lei Orgânica do Instituto de Reinserção Social, pelo que, acatada a Recomendação, foi deliberado proceder ao arquivamento do processo.

Síntese

A análise da documentação junta aos autos, bem como da legislação aplicável, permitiu concluir que a grave situação vivida naquele Colégio (insuficiência de meios para suportar as despesas diárias de funcionamento e prestação de serviço por funcionários em situação irregular) resultou da inércia da Administração, que não cumpriu o disposto no Decreto-Lei n.° 288/85, de 23-7, e na Lei n." 14/86, de 30-5, bem como de vários actos ilegais, vício este sanado pelo decurso do tempo.

Considerando o acima exposto bem como a circunstância de o Instituto de Reinserção Social ter competência para adoptar medidas de apoio a menores em perigo ou de difícil adaptação social, foi dirigida a sua Excelência o Ministro da Justiça Recomendação no sentido de:

a) O Instituto de Reinserção Social assumir a gestão do Colégio Dr. Alberto Souto e, portanto, os encargos com o seu funcionamento e manutenção das instalações e bens afectos ao mesmo;

b) Ser alargado o quadro de pessoa] do Instituto de Reinserção Social de modo a nele integrar os funcionários á prestar serviço no Colégio Dr. Alberto Souto pertencentes aos quadros de excedentes interdepartamentais do Ministério do Planeamento e Administração do Território e do Ministério da

Administração Interna, nos termos do disposto no artigo 18.°, n.° 1, alínea c), do Decreto-Lei n.° 247/92, de 7 de Novembro.

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R-1986/94

o

Assunto: Educação e ensino — Ensino universitário — Alunos — Propinas.

Objecto: Aplicabilidade de regimes excepcionais de isenção de propinas contidos em legislação especial, não foram abrangidos pelas normas revogatórias insertas em legislação geral.

Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada. Síntese

1 — Foi apresentada reclamação perante a não observação pelas Universidades dos regimes especiais de isenção de propinas. *

2 — Tratando-se de «Leis Especiais», quer o Decreto--Lei 358/70, de 29 de Julho, quer o Decreto-Lei n.° 43/ 76, de 20 de Janeiro, estas não colidem com as situações visadas pela «Lei Geral» que vem conceder isenção de propinas aos carecidos de recursos económicos.

3 — Não há na Lei n.° 20/92, de 14 de Agosto, e na Lei n.° 5/94, de 14 de Março, uma inequivocidade de intenção de revogar os regimes especiais do Decreto-Lei n.° 358/70, do Decreto-Lei 524/73 e do Decreto-Lei n.° 43/76, e na falta de referência expressa não se podem considerar revogados e «ultrapassados» estes últimos regimes pelo regime geral ora estabelecido.

4 — É forçoso dar-se cumprimento ao disposto no Decreto-Lei n.° 358/70, no Decreto-Lei 524/73 e no Decreto-Lei n.° 43/76, em consonância com o parecer n.° 21/93 da Procuradoria-Geral da República, publicado no DR, II série, n.° 245, de 19.10.1993, homologado por Despacho do dia 25/05/1993 do Senhor Secretário de Estado do Ensino Superior.

5 — Feita Recomendação neste sentido ao Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, veio este recomendar, por sua vez, às Universidades Portuguesas que continuem a conceder a isenção de propinas prevista no Decreto-Lei 358/70, de 29 de Julho.

R-24/92 Assunto: Pesca.

Objecto: Pedido de licenciamento de aumento de potência propulsora de embarcação de pesca costeira — Instalação de motor fixo em embarcação a remos — Dever de fundamentação.

Decisão: Ao abrigo da Decisão n.° 92/528/CEE, após insistência do Provedoria de Justiça, o requerimento foi deferido.

Síntese

A reclamação surgiu na sequência de indeferimento pela DGP em 11/12/91 do pedido de licenciamento para instalação em embarcação costeira de pesca de um motor fixo e aumento de respectiva potência propulsora, alegadamente por obscuridade e falta de fundamentos.

Questionado o Gabinete do Secretário de Estado das Pescas, em 13/03/92, foram colhidos os fundamentos da decisão, a partir do Decreto Regulamentar n.° 43/87, de

17 de Julho e Decreto-Lei n.° 287/87, de 7 de Julho, justificando o indeferimento no princípio da adequação da pesca aos níveis de produtividade dos recursos disponíveis, porquanto a motorização viabilizaria o aumento da captura.

Em 02.06.92, vem o reclamante aduzir razões de segurança para si e para a sua embarcação, não possuindo qualquer outra embarcação que como contrapartida pudesse reconstituir objecto de abate à frota. „

Em 01.04.93 é solicitada reponderação da decisão ao Gabinete do Secretário de Estado das Pescas.

Este órgão admite fazê-lo na sequência de decisão 92/ 598/CEE, de 21/12/92, da Comissão Europeia, a qual admite a aprovação de modificações em unidades sem motor acordado no TRP (Título de Registo de Propriedade).

Em 14.12.92 é pedido ao Gabinete do Secretário de Estado das Pescas a conclusão do pedido de autorização junto da Comissão da CEE.

Em 24.01.94, o Secretário de Estado das Pescas informa ter a DGP, na sequência do resultado positivo da diligência promovida ao abrigo da Decisão 92/528/CEE, autorizado o uso de motor fora de borda de 8 cavalos. Face a tal imposição, foi arquivado o processo.

R-1295/93

Assunto: Administração Pública — Contrato — Fornecimento.

Objecto: Falta de conhecimento de prazo de reclamação. Correcção da contagem desse prazo, por alteração do artigo 46.°, n.° 3, do Decreto-Lei 24/92, de 25 de Fevereiro.

Decisão: Recomendação acatada. Situação regularizada. Síntese

O Decreto-Lei n.° 24/92, de 25 de Fevereiro, que consagra o regime jurídico dos concursos públicos de fornecimentos, não dispunha que fosse dado conhecimento aos concorrentes da data da exposição do Relatório (artigo 43.°, n.° 3), o que levava a que o prazo de dois dias, previsto no artigo 46.°, n.° 3, transcorresse sem que os concorrentes tivessem sequer conhecimento dessa exposição.

Recomendou o Provedor de Justiça que fo.sse acrescentada ao referido artigo 43.°, n.° 3, a obrigatoriedade de notificação aos concorrentes da data da exposição do Relatório e da Acta, como forma de assegurar o exercício do direito de reclamação.

Foi recebida resposta em sentido positivo, esclarecedora do projecto legislativo que, transpondo para a Ordem Interna as Directivas n.° 92/50/CEE e n.° 93/36/CEE, vem revogar o Decreto-Lei n.° 24/92, de 25 de Fevereiro, e ampliar as garantias dos direitos dos administrados e concorrentes, em matéria de empreitadas de obras públicas e aquisições de bens e serviços.

R-845/93

Assunto: Contribuições e impostos — I. R. S. — Reclamação graciosa — Atraso.

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II SÉRIE-C — NÚMERO 23

Objecto: Atraso na decisão de reclamação graciosa em sede de I. R. S., com consequente não devolução de imposto cobrado em excesso. t

Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada. Síntese

A reclamante, notificada para pagar, a título de JJRS do ano de 1990, um montante superior ao que julgava devido,

apresentou reclamação graciosa, em 21/01/92, após ter

efectuado o pagamento do montante que era exigido.

A apresentação de queixa na Provedoria de Justiça ficou a dever-se ao facto de a Reclamante considerar excessivo o tempo entretanto decorrido sem que tivesse conhecimento da decisão proferida no processo de reclamação.

Já após a intervenção da Provedoria de Justiça, viria a reclamação a ser deferida sem que, porém, fosse concretizado o reembolso devido, no valor de 55.781 $00.

Em 02.05.94, foi formulada a Recomendação n.° 85/94, com o objectivo de alcançar o rápido processamento do respectivo cheque, o que viria a ocorrer em 08.06.94, determinando-se o consequente arquivamento do processo em 12.09.94.

R-1873/93

Assunto: Contribuições e impostos — I. R. S. — Reclamação graciosa — Prazos — Deficiência.

Objecto: A reclamante queixou-se da não revisão das liquidações de I. R. S. de 1989 a 1991, por via de deficiência comprovada posteriormente.

Decisão: Reclamação parcialmente procedente. Situação regularizada.

Síntese

Uma reclamante deu conta à Provedoria de Justiça em queixa datada de Julho de 1992, da sua pretensão de ver revistas as liquidações'de IRS dos anos de 1989 a 1991, durante os quais já era portadora de deficiência que, no entanto, só viria a comprovar documentalmente em 06.10.92.

Solicitados esclarecimentos à administração fiscal, viria a Provedoria de Justiça a ser informada, em Janeiro de 1994, de que o indeferimento havia ficado a dever-se à extemporaneidade do pedido.

Na falta de comprovativo desta afirmação, foram solicitados, telefonicamente, ao SAIR, esclarecimentos adicionais, dos quais resultou claro ter o pedido sido correctamente deferido quanto aos anos de 1989 e 1990, mas erradamente indeferido quanto ao IRS de 1991.

Formulada recomendação em 08.06.94 para a revisão da liquidação de 1991, fundamentada no facto de, contrariamente ao que acontecia quanto aos anos de 1989 e 1990, em relação ao ano de 1991 o pedido ser tempestivo, uma vez que, à data da sua apresentação, decorria ainda o prazo legal de reclamação graciosa, sendo dever da administração fiscal convolar o referido requerimento em reclamação graciosa (artigo 76." do Código de Procedimento Administrativo). A administração fiscal viria a comunicar, no mês seguinte, o acatamento da mesma, pelo que foi determinado o arquivamento do processo.

R-1747/94

o

Assunto: Contribuições e impostos — I. R. S. — Liquidação — Reclamação.

Objecto: Demora na apreciação de reclamação graciosa.

Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada.

Síntese

A queixa apresentada na Provedoria de Justiça peta Dra. ... em Junho de 1994 versava sobre a excessiva demora na decisão de reclamação graciosa apresentada no 13." Bairro Fiscal de Lisboa, referente à liquidação de IRS do ano de 1990.

Acresce que tal reclamação só fora necessária porque a administração fiscal alterara indevidamente os valores correctamente declarado aquando do preenchimento da respectiva declaração anual.

No decurso do mês de Junho de 1994 solicitados esclarecimentos à administração fiscal, quer via telefónica quer através de ofícios dirigidos aòs Gabinetes do Director Distrital de Finanças de Lisboa e do Director-Geral das Contribuições e Impostos.

Em Agosto seguinte, informou a reclamante ter sido satisfeita a sua pretensão, pelo que foi determinado o arquivamento do processo, por despacho do Provedor-Adjunto de Justiça, datado de 30 de Setembro de 1994.

R-2560/93

Assunto: Contribuições e impostos — I. R. S. — Devolução.

Objecto: Demora na apreciação de reclamação graciosa. Decisão: Reclamação procedente. Recomendação acatada. Síntese

Em 07.10.93 foi apresentada queixa na Provedoria de Justiça, por motivo de atraso no processamento do reembolso de JRS referente ao ano de 1990, dos contribuintes J... e N...

Obtidos, junto da Direcção Distrital de Finanças de Setúbal, telefonicamente e via fax, os elementos indispensáveis à apreciação da pretensão dos reclamantes, foi dirigida recomendação, em 13.01.94, ao Exmo. Senhor Subdirector-Geral do SAIR, tendo a Provedoria de Justiça sido informada, em 28.02.94, da regularização da situação fiscal dos contribuintes, nos termos constantes da referida Recomendação.

Satisfeita a pretensão do reclamante, foi determinado o arquivamento do processo.

R-1605/93

Assunto: Contribuições e-Impostos — I. R. S. — Devolução.

Objecto: Demora na apreciação de reclamação graciosa. Decisão: Recomendação acatada.

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Síntese

Uma cidadã apresentou queixa ao Provedor de Justiça pelo facto de não conseguir obter o reembolso do IRS de 1990, no valor de 225.384S00.

Uma espera superior a dois anos não foi suficiente para obter o deferimento da reclamação graciosa apresentada nem resposta a exposições que dirigiu ao Director Distrital de Finanças de Setúbal e Ministro das Finanças.-

Em 06.12.93 foi dirigida Recomendação ao Director de Serviços de Cobrança-SAJJR (DGCI), tendo o reembolso sido processado em 07.01.94, satisfazendo-se, assim, o direito e desejo da reclamante.

R-2896/92

Assunto: Contribuições e impostos — I. R. S. — Cobrança — Duplicação.

Objecto: Demora na devolução de I. R. S. cobrado indevidamente.

Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada. Síntese

A queixa apresentada, em Novembro de 1992, versava sobre a duplicação de cobrança de IRS do ano de 1989, duplicação que ocorreu por erro da administração fiscal que teria emitido uma segunda nota de cobrança indevidamente.

A administração fiscal reconheceu o erro, mas não agiu de forma expedita na restituição do imposto pago em excesso nem tão pouco na resposta aos sucessivos ofícios da Provedoria de Justiça solicitando esclarecimentos.

A resposta da Direcção de Serviços do IRS, datada de 03.01.94, esclareceu, por fim, que iria ocorrer de imediato o processamento do montante devido, acrescido de juros.

Satisfeita a pretensão do Reclamante, foi determinado o arquivamento do processo por despacho de 18.01.94, do Provedor de Justiça.

R-l 896/92

Assunto: Finanças — Bancos — Empréstimo para habitação.

Objecto: Dificuldades na obtenção de empréstimo para habitação própria.

Decisão: Através da mediação do Provedor de Justiça, a situação foi regularizada.

Síntese

A reclamante apresentou queixa na Provedoria de Justiça, em 13.07.92, em virtude de a agência de Loures da Caixa Geral de Depósitos ter condicionado a realização de um empréstimo para aquisição de habitação própria ao prévio cancelamento de uma penhora que o BNU movera ao vendedor da fracção em causa, fracção que, como normalmente acontece,, serviria de garantia ao empréstimo a conceder pela C.G.D.

Atenta a manifesta urgência na resolução do caso — uma vez que os registos entretanto efectuados se encontravam prestes a caducar —, foi contactado, através de telefax e do telefone, o Senhor Director do Crédito à Habitação da CGD que, de imediato, informou a Provedoria de Justiça da decisão daquele organismo de rever a sua posição e autorizar, assim, a realização do referido contrato de empréstimo.

Tal decisão teve por base, essencialmente, o facto de a penhora ter sido registada posteriormente ao registo provisório da hipoteca, facto que garantia, desde logo, a prevalência dos direitos da CGD sobre a fracção.

Satisfeita a pretensão da reclamante, foi determinado o arquivamento do processo, por despacho do Provedor de Justiça.

R-3000/88

Assunto: Inconstitucionalidade por omissão — Consulta directa — Urbanismo.

Objecto: Construção de auto-silo em zona residencial e falta de medidas legislativas que confiram exequibilidade ao artigo 241.°, n.° 3, da Constituição.

Decisão: Formulado pedido de verificação da inconstitucionalidade por omissão. No remanescente, o processo foi arquivado por, de momento, estarem esgotadas as possibilidades de intervenção.

Síntese

No presente processo estavam em causa duas questões:

1." Inconstitucionalidade por omissão pelo facto de não estar criada a legislação necessária que permitisse, no caso, a consulta directa aos cidadãos (artigo241.°, n.° 3, da Constituição);

2." Construção irregular de um auto-silo na Avenida dos Estados Unidos da América.

Em relação ao 1." caso, foi decidido requerer ao Tribunal Constitucional a verificação do não cumprimento do citado artigo 241.°, n.° 3, da Constituição, tendo aquele Tribunal decidido não se verificar a alegada inconstitucionalidade por omissão por existir já proposta legislativa em curso.

Na verdade, o assunto ficaria solucionado com a publicação da Lei n.° 49/90.

Relativamente ao 2.° caso a situação está presentemente dependente da evolução de um processo de providências cautelares e de um recurso contencioso, e por não estar ao alcance da Câmara Municipal de Lisboa resolver o problema no imediato, foi decidido proceder ao arquivamento do processo.

R-426/91

Assunto: Polícia — Identificação.

Objecto: Queixa relacionada com a detenção de um guarda prisional por um agente da PSP, alegando-se rivalidades entre Corpos.

Decisão: Situação regularizada.

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II SÉRIE-C — NÚMERO 23

Síntese

Um Guarda Prisional, 'identificado como tal, foi detido na via pública, quando se encontrava a urinar, e levado para a esquadra por se entender não estar devidamente identificado. Apurou-se que o interessado prestava serviço no Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada e que uma actuação concertada entre a PSP e o Estabelecimento Prisional teria evitado o incidente. Apurou-se, ainda, que a cela onde ficou detido o Guarda Prisional era imprópria e constituía um atentado à dignidade humana.

Face à matéria de facto apurada, foi formulada recomendação ao Comando Geral da PSP no sentido de, em casos de incidente entre agentes da PSP e de qualquer outra força de segurança, o assunto ser conduzido por graduados da respectiva esquadra e feito o contacto imediato com o comando do departamento ou estabelecimento a que pertença o outro interveniente, por forma a apurar-se a qualidade de agentes de -autoridade e em ordem a evitar-se a degradação da imagem das forças de segurança envolvidas.

Mais se recomendou que fosse diligenciado pela revisão das condições sanitárias das celas existentes na Esquadra da PSP. Esta Recomendação foi acatada.

R-1350/92

Assunto: Administração Pública — Inquérito.

Objecto: Actuação da hierarquia quanto ao Encontro Nacional de Polícia.

Decisão: Recomendação não acatada.

Síntese

A Associação Sócio-Profissional da Polícia (ASPP) suscitou a intervenção do Provedor de Justiça por entender que o Comandante-Geral da PSP e o Governador Civil de Lisboa tinham tido actuação irregular a propósito do Encontro Nacional da Policia que se deveria ter realizado no dia 21 de Abril de 1992, e que, por isso, haviam solicitado a instauração de inquéritos ao Sr. Ministro da Administração Interna.

Esta entidade ministerial havia decidido não instaurar os inquéritos com base em dois pareceres que abordavam o problema apenas do ponto de vista do direito aplicável.

Reconheceu-se, porém, que sem averiguação dos factos pertinentes não era possível decidir-se sobre a questão do direito e, por isso, foi recomendada a instauração do processo de averiguações.

Tal recomendação não foi acatada, e não havendo outra qualquer providência a ser tomada, foi arquivado o processo.

R-3365/93

Assunto; Recenseamento eleitoral. Reparação oficiosa de erro de natureza informática na actualização dos cadernos eleitorais.

Objecto: Omissão de eleitor, devidamente recenseado, nos cadernos eleitorais.

Síntese

Um cidadão queixou-se do facto de lhe haver sido obstado o exercício de direito de voto no acto eleitoral de 12.12.1993, em virtude de o seu nome não constar dos cadernos eleitorais. Em diligências efectuadas de imediato pela Junta de Freguesia foi encontrado o registo correspondente ao cartão de eleitor do interessado, ou seja, o verbete .de inscrição na comissão recenseadora local, tendo indiciado a prática de um erro, provavelmente de digitação informática, em operações de actualização dos

cadernos eleitorais. Os cadernos eleitorais não podem ser

alterados nos 30 dias anteriores a cada acto eleitoral (artigo 33.°, n.° 1, da Lei 59/78, de 3 de Setembro, na redacção da Lei 81/88, de 20 de Julho), pelo que no caso em foco, é a fortiori, também não podiam ser corrigidos no dia designado para o acto eleitoral. Assim, o referido cidadão viu-se impossibilitado, involuntariamente, de exercer o direito de voto, dado resultar do artigo 8.°, n.° 1, da citada Lei, a contrario sensu, uma presunção, no seu caso inilidível, da qualidade de eleitor, a partir da inscrição em caderno eleitoral. Ora, a inscrição nos cadernos eleitorais de cidadãos com capacidade e possuidores de vínculo territorial a certa comissão recenseadora constitui um dever, também, da respectiva comissão, a qual se sujeita, nessa matéria, a um princípio de oficiosidade (artigo 4.°, n.° 3, da Lei 69/78, na redacção da Lei 81/80). Pelo exposto, e a fim de prevenir situação semelhante em acto eleitora) próximo, entendeu-se que devia a respectiva comissão recenseadora alterar os cadernos eleitorais, nos termos do artigo 4.°, n.° 3, da Lei 69/78, com a redacção dada pela Lei 81/88, por forma a neles ser feita menção do nome do eleitor em causa.

R-427/90

Assunto: Administração local — Contribuições e impostos — Taxa municipal de «requerimento de interesse particular».

Objecto: Cobragem ilegal de taxas genéricas para exercício de direitos, com duplicação de cobrança.

Decisão: Reclamação procedente; situação regularizada. Síntese

Um cidadão queixou:se da cobrança, pela Câmara Municipal de Aveiro, de uma taxa municipal de «requerimento de interesse particular» aos cidadãos que nela apresentavam requerimentos ou petições de tal natureza. Terminada a instrução do processo concluiu-se que, face ao disposto no artigo 11.°, alínea d), da Lei n.° 1/87, de 6 de Janeiro, é admissível que os municípios, a par das taxas específicas à prestação de certos.serviços concretamente individualizados, possam estabelecer uma taxa genérica aplicável à prestação de outros serviços diferentes para os quais não estejam fixados taxas específicas. Mas já não será legal cobrar uma taxa genérica de requerimentos que visem obter a prestação de serviços para os quais se achem estabelecidas taxas específicas. Com efeito, e consoante flui do referido preceito normativo, aquilo que legitimará a cobrança da taxa nele prevista será a prestação dos serviços requeridos pelos

Decisão: Recomendação acatada; situação regularizada.

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interessados e não a mera apresentação dos requerimentos dirigidos à Câmara Municipal com vista à satisfação das pretensões de interesse particular nele formulados. Por outro lado, o artigo 5.° da Lei n.° 43/90, de 20 de Agosto (alterado pela Lei n.° 5/93, de 1 de Março) determina a gratuitidade da apresentação de petições pelos cidadãos, e o artigo 11.°, n.° 1, do Código do Procedimento Administrativo estabelece que o procedimento administrativo é gratuito, salvo se leis especiais impuserem o pagamento de taxas ou de despesas feitas pela Administração.

R-2343/87

Assunto: Trabalho — Função pública — Reintegração.

Objecto: Contagem do tempo de serviço dos funcionários públicos para efeitos de aposentação.

Decisão: Sua Excelência o Secretário das Obras Públicas decidiu homologar parecer da Comissão para a reintegração dos Servidores do Estado, constante de acórdão de Reintegração dos Servidores do Estado, constante de acórdão de 23.06.1990.

Síntese

Na sequência de diligências efectuadas pela Provedoria de Justiça foi acatada recomendação emitida em 24.01.1991, dirigida a Sua Excelência o Secretário de Estado das Vias de Comunicação, em que se propugnara a homologação de parecer da Comissão de Reintegração dos Servidores Civis do Estado, por forma a habilitar à contagem do período de tempo compreendido entre 21.09.1964 a 01.10.1974, na antiguidade do queixoso.

Com efeito, em virtude das diligências tomadas no âmbito da instrução dos autos referenciados relativos a reclamação apresentada por funcionário demitido por motivos políticos e posteriormente reintegrados, apurou-se que:

Após reintegração do queixoso, a Junta Autónoma de Estradas, não obstante não possuir competência para o efeito, procedeu à contagem de tempo que mediou entre a demissão e a reintegração, totalizando aquele período 65 semestres.

Subsequentemente a Comissão de Reintegração dos Servidores Civis do Estado pronunciou-se expressamente no âmbito do regime do Decreto-Lei n.° 173/74 pela contagem daquele período, por qualificar a reintegração como justificada em função de anterior demissão por motivos políticos.

Entendeu no entanto não existir necessidade de a efectuar porquanto a Junta Autónoma de Estradas já o fizera.

Sobre o parecer emitido pela Comissão de Reintegração dos Servidores Civis do Estado não recaiu, como a lei o prescrevia, despacho do Ministro da Habitação e Obras Públicas.

A JAE contestou a contagem inicialmente efectuada o que foi corroborado pela Auditoria do Ministério da Habitação e Obras Públicas, ao sustentar que a contagem se devera a lapso.

O auditor jurídico pronunciou-se no sentido de sobre o parecer da CRSSE não dever ser proferido despacho de homologação, por desnecessário.

Concluíu-se porém ser a homologação exigível em razão do disposto no artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 304/74.

Em resposta foi recebido ofício da Junta Autónoma de Estradas, alegando ser a contagem do tempo de serviço dós funcionários da competência exclusiva da Caixa Geral de Aposentações.

Assim, por ofício de 29.10.1993, esta Provedoria expôs de novo o assunto à consideração de Sua Excelência o Secretário de Estado das Vias de Comunicação a fim de que o mesmo tomasse posição sobre a Recomendação emitida.

No decurso do mês de Fevereiro do ano de 1994 o Gabinete de Sua Excelência o Secretário de Estado das Públicas comunicou a este Órgão do Estado haver o parecer da Comissão para a Reintegração dos Servidores Civis do Estado, constante de acórdão.de 23.06.1980, sido homologado por despacho de 07.02.1994.

R-1172/94

Assunto: Direitos fundamentais — Ambiente — Indústria incómoda/poluente — Bar.

Objecto: Funcionamento de estabelecimento de bar não licenciado.

Decisão: A Câmara Municipal de Santo Tirso emitiu parecer fundamentado propondo o encerramento imediato do estabelecimento. Por despacho da Ex.™ Vice-Gover-nadora Civil do Distrito do Porto foi ordenado o encerramento do estabelecimento, ao abrigo do disposto no artigo 55.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 328/86, de 30 de Setembro.

Síntese

Foi dirigida a este órgão do Estado queixa sobre o funcionamento de estabelecimento bar denominado «Fórum Bar», sito na Travessa da Formosa, Lugar de Tarrio, freguesia de Santa Cristina do Couto, Concelho de Santo Tirso.

Em 22.02.94, a Exnia. Vice-Governadora Civil do Distrito do Porto determinou o encerramento do estabelecimento com fundamento na salvaguarda da ordem, da tranquilidade pública e do sossego dos moradores, provisoriamente, até eventual licenciamento do estabelecimento.

Por ofício de 08.07.94, o Governo Civil do Distrito do Porto informou esta Provedoria que o estabelecimento foi licenciado a título provisório, pelo prazo de seis meses, na sequência de parecer da Câmara Municipal de Santo Tirso e por não ter sido emitido alvará sanitário.

Do mesmo passo, não fora licenciada a utilização exercida.

O licenciamento do estabelecimento Fórum Bar na medida em que o respectivo titular não possuía, à data em -que foi concedido o licenciamento, licença de utilização nem licença sanitária, atentou contra as disposições legais contidas no artigo 36.°, n.° 1, alínea c), do Decreto-Lei n.° 328/86, de 30 de Setembro, na redacção constante do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 149/88, de 27 de Abril, e no artigo 50.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 445/91, de 20 de Novembro.

Na sequência das diligências instrutórias adoptadas pela Provedoria de Justiça foi determinado o encerramento do estabelecimento.

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II SÉRIE-C — NÚMERO 23

R-459/94

Assunto: Direitos fundamentais — Igualdade — Discriminação — Etnia.

Objecto: Anúncio publicado na edição de 16 de Fevereiro de 1994, do jornal Correio da Manhã, por ordem do juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, para efeitos de notificação do arguido, que contém indicação da etnia do arguido.

Decisão: O Conselho Superior da Magistratura deliberou não acatar as medidas recomendadas pelo Provedor de Justiça.

Síntese

Em 23.05.1994 o Provedor de Justiça dirigiu recomendação a Sua Excelência o Conselheiro Presidente do Conselho Superior da Magistratura sobre a matéria supra citada, onde se concluiu pela violação do princípio da igualdade em razão da proibição constitucional de discriminação fundada na raça e se propõe que o Conselho Superior da Magistratura instaure as competentes medidas procedimentais disciplinares e adopte medidas preventivas da prática de actos de natureza idêntica ao da notificação em causa, que, em face do respectivo teor, estabeleçam um tratamento diferenciado de um ou mais cidadãos com base em condições meramente subjectivas, como o é a etnia.

A recomendação ciada n.° 93/94 constituiu a primeira recomendação que o Provedor de Justiça dirigiu ao Conselho Superior da Magistratura acerca da actividade administrativa dos tribunais incidindo sobre despacho de citação, quanto ao tratamento ali conferido ao arguido. Foi observado o dever de audiência prévia mediante a solicitação ao Conselho Superior da Magistratura através de ofício de 11.03.1994. de cópia autenticada do anúncio reclamado.

Em cumprimento do disposto no n.° 2 do artigo 38.° da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril, foi este órgão do Estado informado que o Conselho Superior da Magistratura deliberara por unanimidade não aceitar a Recomendação n.° 93/94.

Subsequentemente foram rebatidas as razões invocadas para legitimar o não acatamento da recomendação tendo sido o Conselho Superior da Magistratura convidado a reconsiderar a posição que assumiu.

Em resposta foi a Provedoria de Justiça informada que em sessão realizada em 6.12.1994 o Plenário do Conselho Superior da Magistratura considerou que, ao deliberar não adoptar as medidas preconizadas por este Órgão do Estado, esgotara o exercício da sua competência.

R-279/93

Assunto: Direitos fundamentais — Nacionalidade — Concessão.

Objecto: Recusa de um pedido de concessão da nacionalidade portuguesa, por naturalização, a um cidadão cabo-verdiano, invocando-se, como motivo de indeferimento, o não cumprimento do requisito fixado no artigo 6.°, n.° 1, alínea e), da Lei da Nacionalidade (Lei n.° 37/ 81, de 3 de Outubro), que exige dos interessados capacidade para assegurar a sua subsistência.

Decisão: Foi formulada uma recomendação dirigida a Sua Excelência o Secretário de Estado da Administração Interna, no sentido da revogação do acto de indeferimento.do pedido de naturalização, a qual veio a ser acatada, arquivando-se em, seguida o processo.

Síntese

1 — Um cidadão cabo-verdiano, residente com a sua família em Portugal desde 1974, solicitou a intervenção do Provedor de Justiça junto do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras do Ministério da Administração Intema para que lhe fosse concedida a nacionalidade portuguesa, na sequência da recusa daqueles Serviços a pedido por ele formulado, com o fundamento de que os rendimentos apresentados não serem considerados suficientes para assegurar de forma segura e efectiva a sua capacidade de subsistência.

2 — Questionado o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras sobre os critérios seguidos na aplicação da norma contida no artigo 6.°, n.° 1, alínea e), da Lei da Nacionalidade, relativa à capacidade de assegurar a subsistência, tendo em conta que no caso em análise o interessado dispunha de rendimentos mensais no valor de 84 800$, acrescidos do montante de 1689$, pertencendo ao quadro de trabalhadores efectivos de uma autarquia local e era proprietário da casa ortde residia, foi este Órgão do Estado informado que «as orientações estabelecidas sobre a matéria dos rendimentos apresentados são de natureza subjectiva e de aplicação casuística» (sublinhado nosso) e que as decisões dos pedidos de naturalização são tomadas no exercício de poderes discricionários da Administração Pública.

3 — Dado o teor da fundamentação do acto de indeferimento da concessão da nacionalidade portuguesa ao interessado, entendeu o Provedor de Justiça dirigir uma recomendação a Sua Excelência o Secretário de Estado da Administração Interna no sentido da revogação daquele acto, porquanto mesmo em sede de discricionariedade e de interpretação de conceitos jurídicos indeterminados como o conceito de «capacidade de assegurar a subsistência», é inadmissível o recurso a critérios subjectivos e casuísticos. A recomendação mencionada baseou-se em razões de legalidade e de mérito que impedem o recurso aos critérios invocados para a decisão, porquanto em última análise foi violado o dever de boa administração ou o dever de não agir arbitrariamente, entendendo-se que o arbítrio se revela não tanto na escolha indiferenciada de meios, mas antes na possibilidade de o agente escolher livremente os fins e adequar-lhes, por isso mesmo, critérios incontroláveis, como ensina Rogério Soares (cfr. Interesse Público, Legalidade e Mérito, Coimbra, 1955, p. 226).

É de realçar que no caso erri análise, mesmo se sanados pelo decurso do tempo os vícios de ilegalidade detectados, não podia o Provedor de Justiça omitir as razões de demérito do acto em causa, pois «é sobretudo na zona do mérito da acção administrativa que a sua actividade se revela mais útil» (cfr. Freitas do Amaral, Direito Administrativo, vot. IV, Lisboa, 1988, p. 67), limitada â sindicabilidade judicial dos actos administrativos as questões de legalidade.

4 — A recomendação foi acatada, termos em que foi determinado o arquivamento do processo.

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R-3393/93

Assunto: Urbanismo e obras — Licenciamento.

Objecto: Regime de caducidade dos pedidos e actos de licenciamento de obras, loteamentos é empreendimentos turísticos, decorrente da aprovação de plano regional de ordenamento do território (PROT), consagrado no Decreto-Lei n.° 351/93, de 7 de Outubro.

Decisão: Não foi acatada a recomendação dirigida a Sua Excelência o Ministro do Planeamento e da Administração do Território para que promovesse o procedimento legislativo de alteração de várias normas contidas no Decreto-Lei n.° 351/93, de 7 de Outubro.

Síntese

1 — Veio a Associação dos Promotores Imobiliários queixar-se ao Provedor de Justiça, do regime de caducidade dos pedidos e actos de licenciamento de obras, loteamentos e empreendimentos turísticos consagrado no Decreto-Lei n.° 351/93, de 7 de Outubro, sustentando a inconstitucionalidade da maioria das normas do diploma, opinião baseada em dois pareceres jurídicos da autoria dos Professores Freitas do Amaral e Marcelo Rebelo de Sousa, respectivamente. Reclamação idêntica foi apresentada pela Câmara Municipal de Lisboa, tendo o processo respectivo sido apensado ao processo acima referenciado.

2 — O referido diploma veio dispor no sentido de que, por regra, os actos de licenciamento de loteamentos, de obras de urbanização e de obras de construção bem como os actos de aprovação dos anteprojectos e projectos de empreendimentos turísticos caducam com a entrada em vigor de um PROT, a menos que os interessados solicitem a confirmação da compatibilidade dos direitos a exercer nos termos das licenças com o estabelecido naqueles instrumentos de planeamento territorial e esse pedido venha a merecer despacho favorável do Ministro do Planeamento e da Administração do Território ou deste e do Ministro do Comércio e Turismo, conforme os casos, conferindo assim eficácia retroactiva aos planos urbanísticos regionais. O novo regime é aplicável quer aos pedidos e actos de licenciamento posteriores à data da sua entrada em vigor (8 de Outubro de 1993) , quer aos anteriores.

3 — Entendeu o Provedor de Justiça dirigir-se ao Ministro do Planeamento e da Administração do Território, considerando inconstitucionais várias normas do Decreto-Lei n.° 351/93, de 7 de Outubro e recomendando:

o) A revogação da produção de efeitos que retroajam à entrada em vigor dos planos regionais de ordenamento do território vigentes à data da publicação do Decreto-Lei n.° 351/93, de 7 de Outubro;

b) A alteração, mediante adequada autorização legislativa, dos regimes de licenciamento de loteamentos, de obras de urbanização e de obras de construção, bem como o regime de aprovação de localização, de anteprojecto e de projecto de os empreendimentos turísticos, com vista a sujeitar tais actos à condição resolutiva de incompatibilidade com futuro plano regional de ordenamento do território, no caso de não terem sido iniciadas as obras ou de se encontrarem suspensas ou abandonadas por motivo imputável

ao titular do alvará, à data da entrada em vigor do piano ou dentro do prazo de validade fixado na respectiva licença; c) A imediata suspensão dó prazo previsto no artigo 2.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 351/93, de 7 de Outubro, relativo ao início do procedimento de confirmação de compatibilidade ou de verificação dos pressupostos da sua dispensa, até à efectivação das medidas recomendadas nos pontos precedentes.

4 — A recomendação não foi acatada, rebatendo o Ministro, em resposta, os argumentos contidos naquela no tocante à violação dos princípios e preceitos constitucionais que tutelam a confiança legítima dos cidadãos e que consagram a autonomia local, apoiando-se, para o efeito, em parecer do Professor Jorge Miranda.

R-1887/94

Assunto:- Administração Pública — Regulamento.

Objecto: Projecto do Regulamento Policial do Distrito de Lisboa, publicado no Diário da República, II série, n.° 80, de 6-4-1994, nos termos do artigo 118.°, do Código de Procedimento Administrativo, para apreciação pública.

Decisão: Foram formuladas duas recomendações, dirigidas respectivamente a Sua Excelência o Ministro da Administração Interna e à Exma. Senhora Governadora do Distrito de Lisboa, com base em extenso parecer da Assessoria da Provedoria de Justiça.

Síntese

1 — A Federação da Indústria Hoteleira e Similares de Portugal veio expor o Provedor de Justiça as suas críticas relativamente às normas contidas no projecto do regulamento policial do distrito de Lisboa que regulam as competências do Governador Civil em matéria de licenciamento e fiscalização das actividades hoteleiras e similares, invocando várias ilegalidades e inconstitucionalidades.

2 — Entendeu o Provedor de Justiça promover a realização de um estudo aprofundado não apenas sobre as matérias objecto da queixa, mas também sobre a validade de todas as normas contidas no projecto de regulamento, à luz da Constituição, do Estatuto dos Governadores Civis e da demais legislação específica para as matérias reguladas naquele projecto. É de salientar o carácter pioneiro de um estudo alargado sobre as competências dos governadores civis, para mais sendo o projecto regulamentar em análise um paradigma relativamente a outros regulamentos policiais já aprovados. Na sequência desse estudo, foi elaborado um extenso parecer, cujas conclusões motivaram as recomendações seguintes:

a) Recomendação n.° 181/94, dirigida a Sua Excelência o Ministro da Administração Interna, na qual, concluindo-se pela necessidade de reformulação do preceito contido no artigo 4.°, n.° 3, alínea c), do Estatuto dos Governadores Civis (Decreto-Lei n.° 252/92; de 19 de Novembro), no qual se funda a competência regulamentar dos governadores civis, recomendou-se a supressão da

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expressão «que não sejam objecto de lei ou regulamento ge/al» e consequentemente de todos os regulamentos policiais ou seus projectos que contenham limitação semelhante, è) Recomendação n.° 182/94, dirigida à Exma. Senhora Governadora Civil do distrito de Lisboa, no sentido da alteração e supressão de vários preceitos do projecto de regulamento policial, a ponderar em sede de aprovação do mesmo.

IP-6/89

Assunto: Trabalho — Contratados a terrrio — Subsídio de Natal.

Objecto: Publicação .de diploma legal regulador do subsídio de Natal aplicável aos contratados a termo, por forma a obviar à disparidade de situações, geradoras de injustiça relativas.

Decisão: Arquivamento determinado pelo Provedor de Justiça com o fundamento da verificação de eventual aceitação do princípio subjacente à Recomendação.

Síntese

A presente informação pretende completar o relato das diligências instrutórias (Recomendação Legislativa), efectuadas no âmbito dos autos referenciados, cujo início ficou assinalado no Rejatório de Actividades do ano de 1992.

Sua Excelência o Ministro do Emprego e da Segurança Social, veio responder à Recomendação, no sentido de que no Direito geral do Trabalho, aplicável a trabalhadores contratados a termo para o exercício transitório de funções em serviços da Administração Pública e institutos públicos, não existe norma que conceda o subsídio de Natal aos mesmos. Não existem, tão pouco, convenções colectivas que o generalizem, como sucede no sector privado, sendo por isso, apenas devido, quando estipulado nos contratos de trabalho, o que não sucede sempre. No âmbito do sector privado, o subsídio de Natal é, certamente, praticado, por

ajuste directo entre as partes, em diversas situações não cobertas pelas convenções colectivas ou portarias.

Conclui-se assim que, se o subsídio ainda não é porventura praticado, tal se deverá a razões ligadas à capacidade económica diminuta dos empregadores e ao mercado de trabalho, sendo, nessa medida, justificada a reserva no sentido de, neste momento, não onerar os empregadores com menores capacidades. O Senhor Ministro realçou, todavia, a sua concordância em que o assunto merece melhor e mais aprofundada reflexão, no sentido de serem ponderados os benefícios de uma medida normativa como a agora proposta, para os sectores público e privado, reflexão que o mesmo Ministro referiu ser sua intenção continuar a fazer no âmbito da Concertação Social em curso.

R-2218/92

Assunto: Prisões — Medida disdp\w\ai.

Objecto: Não cumprimento das normas e exigências legais, relativamente à aplicação de medidas disciplinares aos reclusos do Estabelecimento Prisional de Caxias.

Decisão: Emitida recomendação, a qual foi acatada na medida do entendido como possível.

Síntese

1 — Vários reclusos do Estabelecimento Prisional de Caxias dirigiram em 24/8/92, uma exposição ao Provedor de Justiça, invocando que as medidas disciplinares aplicadas aos reclusos naquele estabelecimento eram desconformes com a lei, designadamente referindo que os

reclusos que cometiam infracções disciplinares eram

vítimas de agressões durante os dias de castigo, estando fechados 24 horas por dia, não tendo acesso aos guardas, v. g. para solicitar qualquer tipo de assistência.

Não existiria inquérito prévio à punição; o subchefe ordenaria qué o recluso fosse fechado em cela disciplinar, instaurava um processo, investigava a infracção e apresentava a acusação ao Director para que este determinasse a punição.

Exemplificavam com o alegadamente ocorrido com um detido preventivamente que, por infracção disciplinar, veio a cumprir a competente sanção de isolamento, tendo, após solicitar durante todo o dia assistência médica, aparecido morto pelas 18 horas.

2 — Foram pedidos esclarecimentos à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, que informou que o recluso em causa tinha sido acompanhado clinicamente, tendo tentado evadir-se numa primeira deslocação ao Hospital Prisional, evadindo-se efectivamente numa segunda deslocação ao mesmo hospital, não obstante ter sido recapturado no exterior das instalações, ao que se seguiu uma medida preventiva (em regime de isolamento em quarto individual de habitação) , enquanto aguardava o resultado do inquérito de evasão, tendo sido vigiado regularmente.

No dia 3 de Agosto de 1992, pelas 17,30, foi encontrado suspenso com um retalho de lençol em volta do pescoço e preso nas grades do quarto. Foi instaurado processo de averiguações.

Mais acrescentaram que o detido cometeu a infracção disciplinar prevista na alínea q) do artigo 132.° do Decreto-Lei n.° 265/79, dê 1 de Agosto, punível nos termos do artigo 133.°, do mesmo diploma, e cometeu o crime previsto e punido pelo artigo 392.° do Código Penal.

O isolamento do detido foi uma decisão do director e não do subchefe, tendo sido instaurado processo disciplinar por causa da evasão e processo de averiguações quanto às circunstâncias do falecimento do detido.

Obteve-se também a informação relativa aos períodos de férias dos médicos do Estabelecimento, ocorridas durante o período da morte do recluso.

3 — Por determinação expressa do Provedor de Justiça, foram solicitados os processos individual do recluso, disciplinar e de averiguações, além do regulamento interno do Estabelecimento Prisional de Caxias. Foi também determinada uma inspecção ao Estabelecimento Prisional em causa.

4 — De acordo com os elementos disponíveis, concluiu--se, por um lado, que a comunicação ao Ministério Público junto do Tribunal competente, do falecimento do detido, com indicação da respectiva causa e que incumbe ao Director do Estabelecimento, não foi efectuada nos precisos termos do artigo 478.° do Código de Processo Penal, tendo em conta que tal foi apenas comunicado ao Tribunal de Execução de Penas de Lisboa quando, de acordo com o artigo 470.°, n.° 1, do mesmo diploma, o Tribunal compe-

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tente para a execução é o de primeira instância em que o processo corre, neste caso, o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa que emitiu o mandado, uma vez que o detido se encontrava ainda em regime preventivo. Assim sendo, a situação em isolamento só deveria ter ocorrido mediante «ordem da autoridade competente» e nos termos do disposto no artigo 211.°, n.° 1, alínea a), do Decreto--Lei n.° 265/79, de 1 de Agosto. E, por outro lado, o médico não certificou por escrito que o detido podia suportar o isolamento, conforme determinam claramente as Regras Penitenciárias Europeias aprovadas pelo Conselho da Europa.

5 — Foi efectuada uma visita de inspecção aos estabelecimentos prisionais sediados em Caxias (Estabelecimento Prisional, Hospital e Secção de Monsanto).

6 — Na sequência das conclusões a que se chegou no âmbito da instrução do processo, o Provedor de Justiça dirigiu uma Recomendação à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, no sentido de ser conveniente um alargamento, de molde à satisfação de várias necessidades da crescente população prisional, do respeito pela regra da separação dos preventivos e condenados, de no caso de aplicação de medidas disciplinares que impliquem isolamento por vários dias, o Director dever ouvir o médico previamente por escrito e este controlar diariamente a sua evolução clínica e, no caso de falecimento, dever ter lugar a comunicação a juízo nos termos já referidos.

7 — A D.G.S.P. respondeu à Recomendação, nos termos seguintes. Quanto à separação de reclusos, actualmente (depois da publicação do Decreto-Lei 414/85, de 18 de Outubro, artigo 210.°, n.° 5), admite-se que os preventivos estejam em estabelecimentos de condenados, salvaguardando o regime próprio da prisão preventiva e sempre tendo em conta os critérios estabelecidos nos artigos. 11.° e 12.° do Decreto-Lei ri.° 265/79. Em nota justificativa das Regras Penitenciárias Europeias, embora continuando a afirmar-se o princípio da separação dos reclusos e sempre tendo em conta a segurança, sublinha-se que «a moderna filosofia penal hoje já não exige a estrita separação de jovens e velhos, de homens e mulheres ou de preventivos e condenados, flexibilizan"do-se assim as regras, admitindo-se vantagens recíprocas, não existindo riscos».

Têm sido dadas instruções aos serviços no sentido de as comunicações aos reclusos dos despachos e deliberações serem feitas com a maior celeridade possível.

Foi estabelecido, a título provisório, um acordo para apoio clínico e de enfermagem por parte do Hospital Prisional ao Estabelecimento Prisional de Caxias, enquanto não for reforçada a sua equipa clínica.

Em Dezembro de 1994 foi aberto o «reduto sul» com capacidade para 280 reclusos, no âmbito de um programa de recuperação de espaços, tendo-se registado nos seis meses anteriores um aumento de 855 lugares.

Está programada a criação de uma secção feminina no Hospital Prisional, aguardando-se a conclusão de obras.

A colocação de reclusos em regime aberto, apesar de dependente da verificação de condições fixadas no Decreto-Lei n.° 226/79 e em Circulares da Direcção-Geral, tem tido êxito, o que tem aconselhado um alargamento gradual das condições que foram, de início, prudentemente estabelecidas de forma mais estreita.

No quadro legal não existe nenhuma «medida de isolamento» como medida autónoma, mas sim medidas que podem comportar algum isolamento, subordinando-se aos princípios da necessidade e da proporcionalidade, sendo

que a sua execução não envolve o isolamento total, já que se estabelece o controlo médico e a possibilidade de contactar com outras pessoas.

8 — O seguimento dado a este assunto transitou para o processo IP 38/94, onde a situação do sistema prisional português tem sido acompanhada.

R-1798/94

Assunto: Contribuição e Impostos — Contribuição Autárquica — Devolução — Registos e Notariado — Reclamação.

Objecto:

1) Atraso na devolução de contribuição autárquica paga em excesso;

2) Contagem do prazo de reclamação sobre bilhete de identidade emitido com incorrecções.

Decisão: Efectuada a devolução do montante de CA. pago em excesso e acatada a Recomendação formulada no sentido de alterar a forma de contagem do prazo para reclamação sobre o conteúdo de Bilhete de Identidade emitidos, foi determinado o arquivamento do processo.

Síntese

1 — Um cidadão reclamou da não devolução atempada do excesso cobrado em sede de Contribuição Autárquica. Do mesmo passo reclamou contra o facto de, tendo solicitado a renovação do seu Bilhete de Identidade e tendo este sido emitido com inexactidões, ter sido obrigado a pagar uma nova taxa por o prazo de reclamação se ter esgotado. Como aspecto relevante, a norma interna dos serviços de registo Civil fazia contar o prazo de reclamação da data de emissão do Bilhete de Identidade e não do momento em que o mesmo fosse entregue ao seu titular.

2 — Quanto à questão do reembolso de Contribuição Autárquica, foi ouvida a Repartição de Finanças de Portimão, cuja actuação se entendeu não merecer reparo, sendo, de seguida, ouvida a Direcção de Serviços da Contribuição Autárquica que viria a processar o referido reembolso em 10. 08. 94.

3 — Quanto à segunda questão, foram solicitados esclarecimentos à Conservatória do Registo Civil de Portimão e, posteriormente, dirigida Recomendação ao Director do Serviço de Identificação Civil, no sentido de compatibilizar a norma interna daquela Direcção-Geral, relativa a contagem do prazo para reclamação, com o disposto no artigo 329.° do Código Civil.

Recomendou-se a alteração dessa norma interna, no sentido de o prazo para reclamação se contar a partir da data em que o titular do bilhete de identidade toma conhecimento da inexactidão, isto é, a partir do seu efectivo levantamento.

4 — Comunicado o acatamento da Recomendação em 28. 11. 94, foi determinado o arquivamento do processo em 07. 12. 94.

R-756/88

Assunto: Trabalho — Empresa pública — Exoneração — Autarca.

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Objecto: Exoneração ilegal, não tendo sido comunicados os fundamentos da exoneração.

Decisão: Queixa parcialmente procedente. Formulada chamada de atenção/Reparo.

Síntese

1 — Foi recebida exposição na Provedoria de Justiça em que foi abordada uma situação de eventual violação da liberdade de exercício de direitos políticos, alegando o reclamante que a sua exoneração do cargo que exercia teve como fundamento o facto de ter sido eleito para um cargo político.

2 — Tendo sido solicitadas informações ao Conselho de Administração da Empresa em questão, verificou-se que foi recusada ao queixoso a documentação relativa aos fundamentos da sua exoneração.

3 — Por outro lado, entendeu-se que o queixoso não deveria ter sido exonerado, visto que a Constituição prevê que ninguém pode ser prejudicado na sua colocação, emprego ou carreira profissional, em virtude do desempenho de cargos públicos.

4 — Pelo exposto, dirigiu o Provedor de Justiça uma chamada de atenção à empresa pública em questão, pelo facto de não ter sido efectuada comunicação ao reclamante dos fundamentos da sua exoneração, bem como uma Recomendação no sentido de esta ser revogada.

5 — Houve concordância com a chamada de atenção, mas, quanto à Recomendação, apenas foram rectificados os fundamentos de exoneração.

R-1233/93

Assunto: Contribuições e Impostos — IRS — Retenção na Fonte.

Objecto: Atraso no processamento de reembolso de IRS referente ao ano de 1989.

Decisão: Acatada a Recomendação dirigida à Administração Fiscal no sentido de emitir o.reembolso em falta, foi-determinado o arquivamento do processo por se encontrar satisfeita a pretensão do Reclamante.

Síntese

1 — Em queixa apresentada na Provedoria de Justiça em 12. 05. 93, um cidadão descrevia detalhadamente a sua situação, reclamando por ainda não ter sido reembolsado do excesso de IRS cobrado em 1989. Apresentava, nomeadamente, um documento emitido pela administração fiscal em que se dava conta que o tratamento da declaração de IRS em causa aguardava a entrada em funcionamento das condições técnicas necessárias à liquidação.

2 — Formulada Recomendação em 16. 07. 93, viria a

Direcção-Geral das Contribuições e Impostos a protestar acalâ-\a \ogo que possível, o que viria a acontecer em Novembro de 1994, após algumas insistências da Provedoria de Justiça.

3 — O processo foi arquivado por despacho de 14. 02. 95, do Provedor de Justiça.

R-1545/91

Assunto: Contribuições e Impostos — IRS. '

Objecto: Conceito de despesas de educação para efeitos do IRS.

Decisão: Por se considerar grave e injustificado o não acatamento da Recomendação formulada acerca dos contornos do conceito de «despesas de educação» perfilhado pela administração fiscal, foi comunicada tal decisão de não acatamento à Assembleia da República.

Síntese

1 — A queixa apresentada na Provedoria de Justiça em 14. 05. 91 dava conta da recusa da administração fiscal em considerar despesa de educação o montante despendido com a aquisição de um computador para uso escolar de um dependente dos sujeitos passivos.

2 — Formulada Recomendação em 28 de Janeiro de 1994, no sentido de tal entendimento ser alterado e alargado o conceito de «despesas de educação» que a própria lei não restringe de forma tão acentuada como o faz a ser objecto de decisão de não acatamento que, por se considerar não justificada e bastante prejudicial para os direitos dos contribuintes, veio a ser rebatida em comunicação à Assembleia da República elaborada em 2 de Março de 1995.

3 — O processo foi arquivado o processo por despacho de 23. 02. 95, do Provedor de Justiça.

R-372/94

Assunto: Trabalho — Função Pública — Professor — Profissionalização.

Objecto: Incumprimento pela Administração de despacho de Sua Excelência o Secretário de Estado dos Recursos Educativos, quanto à profissionalização de um professor.

Decisão: Reclamação procedente. Situação regularizada pelo cumprimento do despacho governamental peio Departamento de Gestão de Recursos Educativos.

Síntese

Uma professora de nomeação provisória fora exonerada do lugar onde se mantivera provida por despacho de um Director-Geral. Interposto recurso hierárquico, o Senhor Secretário de Estado dos Recursos Educativos revogou o despacho recorrido e ordenou que a reclamante reiniciasse a sua profissionalização no ano de 1992/1993.

Porém, o Departamento de Gestão dos Recursos Educativos não diligenciou pela inclusão da reclamante na

lista de professores a iniciarem a profissionalização, quer

no ano de 1992 e 1993, quer no ano de 1994.

Colocado o problema ao Gabinete do Senhor Secretário de Estado dos Recursos Educativos, este membro do Governo viria a ordenar que o referido Departamento cumprisse integralmente o Despacho anterior, assim se repondo a legalidade e fazendo justiça à reclamante.

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R-938/93

Assunto: GNR — Trânsito — Autuação.

Objecto: Actuação de soldado da GNR do Comando de Intervenção em acidente na sua qualidade de civil com terceiros.

Decisão: Reclamação procedente. Recomendação acatada. Síntese

Um soldado da GNR envolveu-se em discussão com um motorista de táxi, por razões relacionadas com o transporte de um saco pertença do primeiro.

O elemento da GNR, valendo-se da sua qualidade de agente de autoridade, decidiu levantar auto de notícia pela ocorrência.

Tratando-se, como se tratou, de um desentendimento entre cidadãos, o mais correcto seria fazer intervir um agente da PSP, pois o local em causa situava-se na área urbana da cidade de Lisboa. Só assim estariam criadas as condições para ser avaliado com objectividade e imparcialidade a eventual infracção praticada pelo motorista de táxi.

Face ao exposto, foi recomendado ao Comando-Geral da Guarda Nacional Republicana no sentido de os elementos da GNR serem instruídos por forma a não deverem tomar conta de ocorrências quando tenham interesse directo e pessoal no assunto.

A recomendação foi inteiramente acatada e, por isso, foi arquivado o processo.

R-2101/90

Assunto: Habitação — Fornecimento de electricidade — Interrupção.

Objecto: Cobrança de dívidas e corte do fornecimento de energia.

Decisão: Reclamação procedente. Recomendação não acatada.

Síntese

Uma cidadã queixou-se do facto de a EDP lhe ter procedido ao corte de energia sem aviso prévio, desconhecendo a existência de dívida de consumo em atraso.

Mais alegou a reclamante que tentou pagar a dívida perante o piquete, o que lhe foi dito ser impossível por não possuírem instruções para o efeito.

Realizada a instrução, concluiu-se que o corte e energia só pode ter lugar quando se provasse ter a factura chegado ao poder do consumidor e que, atendendo à natureza de bem essencial que deve ser atribuído à energia eléctrica, deveriam os Serviços de Piquete ser instruídos para poder receber as quantias em dívida por forma a poderem restabelecer o fornecimento, ou nem sequer o interromper.

Foi formulada recomendação em conformidade, tendo a EDP argumentado não ser viável a adopção dos procedimentos recomendados, por razões financeiras e organizacionais.

Ponderado a resposta da EDP, foi-lhe comunicado que a argumentação aduzida não obstava ao cumprimento da

Lei e, por isso, se insistiu pelo acatamento da Recomendação, fazendo, mais uma vez, sentir que o corte de energia só poderia ocorrer após a devida notificação.

Apesar de não acatar na totalidade a Recomendação, a EDP aceitou incluir nas facturas uma mensagem alertando para as quantias em dívida.

Tendo em conta o que já tinha sido alcançado, foi arquivado o processo.

R-3296/91

Assunto: Serviço Militar — Óbito — Averiguações.

Objecto: Morte de um soldado-recruta durante a instrução. Realização de provas físicas em unidades militares e necessidade da presença de um médico no desenrolar das mesmas e particularmente no momento da sua condução.

Decisão: Recomendação acatada.

Síntese

Pelo pai de um soldado-recruta foi apresentada reclamação em ordem a averiguar-se as causas da morte do mesmo, ocorrida no dia 2 de Setembro de 1991.

Realizada a instrução, não foi possível estabelecer um nexo de casualidade entre a prova física acabada de realizar e a morte do mesmo soldado.

Porém, dos autos concluiu-se que o soldado em causa apenas fora assistido por um socorrista e um enfermeiro, não lhe tendo sido prestada qualquer assistência pelo médico da unidade.

Ninguém poderá afiançar com segurança, que o soldado, a ter sido assistido pelo médico, teria permanecido com vida.

Todavia, atentas as circunstâncias, foi formulada Recomendação no sentido de serem instruídos os Comandos Militares por forma a garantirem a presença de um médico em toda e qualquer unidade militar sempre que sejam realizadas provas que envolvam grande esforço físico.

A Recomendação viria a considerar-se acatada face ao procedimento que o Estado-Maior do Exército se propôs utilizar em consonância com a prática anterior.

R 3404/91

Assunto: Trabalho — Função pública — Demissão.

Objecto: Aplicação de pena de demissão por falta de assiduidade, motivada por assistência a familiar.

Decisão: Emissão de Recomendação no sentido de ser revisto o processo disciplinar, com eventual substituição da pena de demissão por aposentação compulsiva.

Síntese

i

1 — Uma trabalhadora do Centro Hospitalar do Funchal solicitou intervenção por lhe ter sido aplicada a pena de demissão por ter faltado ao serviço para acompanhar o marido ao Continente, para este receber tratamento médico.

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2 — A Secretaria Regional dos Assuntos Sociais da Madeira' esclareceu ter-se tratado da aplicação de pena em processo instaurado por falta de assiduidade, dado a funcionária ter faltado sem apresentar justificação de 2 a 21 de Maio de 1991.

3 — Reconheceu-se que, em termos estritamente legais, a pena aplicada teve fundamento bastante, uma vez que a arguida não terá provado por forma bastante e convincente que faltara para acompanhar o marido com vista a tratar-se de doença gTave.

4 — Atendendo, porém a que se a versão apresentada pela reclamante pudesse ser provada, seria compreensível o dilema em que se teria visto, entre cumprir os deveres de funcionária e a obrigação de auxílio e apoio ao marido, foi sugerido à interessada que pedisse revisão do processo disciplinar, provando a necessidade e urgência do acompanhamento para tratamento.

À Secretaria Regional foi recomendado que, se tal prova fosse feita, se procedesse à revisão do processo, não se deixando de ponderar a possibilidade de substituição da pena de demissão pela de aposentação compulsiva, por forma a não tirar à queixosa um meio de subsistência decerto essencial para o casal.

5 — A Secretaria Regional dos Assuntos Sociais da Região Autónoma da Madeira comunicou que a pena de demissão fora substituída pela de aposentação compulsiva, tendo-se procedido ao arquivamento do processo.

R-l 141/92

Assunto: Segurança social — Pensão de aposentação — Retroactivos — Pagamento.

Objecto:

a) Atraso do Comando-Geral da PSP na realização das operações administrativas necessárias à actualização das pensões de pré-aposentação de acordo com o disposto no Decreto-Lei n.° 86/91, de 23-2 (aplicável ex vi Decreto-Lei n.° 417/86, de 19-12); por versarem também esta questão, foram apensos ao R-l 141/92 os processos R-2785/92 e R-3382/92;

b) Consideração apenas do tempo de serviço efectivo na aplicação do novo sistema retributivo da PSP, mesmo nos casos de acidentados em serviço a quem, por essa razão, foram contados 36 anos de serviço para efeitos de aposentação.

Decisão: No que respeita à questão enunciada na alínea o) foi acatada a Recomendação dirigida ao Comando-Geral da PSP e, consequentemente, dada por encerrado este assunto e arquivados os processos apensos. Quanto ao assunto supra referido na alínea b) deliberou-se a sua apensação ao processo R-1278/94, com idêntico objecto.

Síntese

1 —O Sr. N... suscitou perante a Provedoria de Justiça duas questões:

a) Apesar de o Decreto-Lei n* 417/86, de 19 de Dezembro, estabelecer que as pensões dos agentes na situação de pré-aposentação seriam actualizadas em percentagem igual àquela que os seus vencimentos aufeririam se se mantivessem no

activo, a verdade é que, à data da reclamação, o descongelamento de escalões previsto no Decreto-Lei n.° 86/91, de 23 de Fevereiro, ainda não tinha sido repercutido nas pensões de pré--aposentação; b) Na aplicação do novo sistema retributivo da PSP aos agentes pré-aposentados apenas foi considerado, para efeitos de progressão nos escalões o tempo de serviço efectivo, mesmo para os guardas que foram aposentados em virtude de incapacidade total resultante de acidente de serviço (aos quais foram contados, para efeitos de aposentação, 36 anos de serviço).

2 — Relativamente à primeira das questões enunciadas, apurou-se que a Caixa Geral de Aposentações aguardava que o Comando-Geral da PSP lhe remetesse a lista com o posicionamento dos interessados em relação aos vários escalões e que o atraso da PSP nesse envio se ficou a dever à insuficiência de pessoal habilitado na secção de contabilidade.

3 — Assim sendo, foi dirigida Recomendação ao Comando-Geral da PSP no sentido de serem tomadas as medidas, ainda que a título excepcional, que permitissem, tão breve quanto possível, ultrapassar a falta de pessoal necessário para que o sistema de desbloqueamento de escalões, instituído pelo Decreto-Lei n.° 86/91, de 23 de Fevereiro, se repercutisse na actualização das pensões de pré-aposentação.

4 — A Recomendação foi acatada, pelo que foi deliberado o encerramento desta questão e o prosseguimento dos autos para apreciação da questão enunciada no n.° I, aíf-nea b), para o que foi o processo apenso ao R-l278/94, onde a questão era já estudada.

R-2508/93

Assunto: Segurança social — Acção social — Menores.

Objecto: A reclamante dirigiu-se à Provedoria de Justiça, através da linha telefónica «Recados da Criança», solicitando auxílio para reaver os seus três filhos mais novos, confiados a uma instituição, em virtude das carências económicas da reclamante.

Decisão: Foi deliberado o arquivamento do processo por se considerar que a situação se encontrava regularizada.

Síntese

1 — A Sr.' D. N.... dirigiu-se à Provedpria de Justiça, através da linha telefónica de atendimento de queixas relativas a crianças, «Recados da Criança», reclamando auxílio para reaver os seus três filhos mais novos, confiados a uma instituição, em virtude das carências económicas da reclamante.

2 — Na sequência das conversas telefónicas mantidas quer com a assistente social do Centro Regional de Segurança Social de Torres Novas, quer com a magistrada do Ministério Público junto do Tribunal daquela cidade, foi possível apurar o seguinte:

2.1 —Os filhos mais novos da reclamante foram confiados à instituição referida em virtude de a mãe os ter colocado em situação de perigo para a sua segurança,

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saúde, formação moral e educação, ao ter abandonado o lar (não obstante manter o contacto telefónico com os filhos).

2.2—A mãe explicou a sua atitude como uma forma de alertar as instituições competentes para as necessidades económicas do agregado familiar — estava certa que, com o abandono dos filhos, estes passariam a receber um qualquer subsídio. Não contava, contudo, com a medida adoptada pelo tribunal, em colaboração com as técnicas de segurança social, no sentido de minorar o risco em que a reclamante tinha colocado os menores.

2.3 — A família em questão necessita de um acompanhamento regular de técnicos especializados, porquanto: o pai encontra-se ausente (a fazer tratamento médico); no entanto, enquanto viveu com os menores, ter-lhes-á infligido maus tratos; a reclamante revela grande relutância em trabalhar de outra forma que não seja o comércio, exercido em nome individual, o que, neste momento e atentas as condições económicas do agregado familiar, se afigura inviável; ao invés de trabalhar, pressiona constantemente todas as instituições ao seu alcance no sentido de vir a receber ajudas financeiras, não aceitando nenhum dos trabalhos que lhe são propostos.

3 — A intervenção da Provedoria de Justiça traduziu-se essencialmente no seguinte:

a) Encaminhamento da reclamante para os órgãos e instituições competentes;

b) Mediação entre a reclamante e aqueles órgãos e instituições, nomeadamente, a assistente social e curadora de menores;

c) Intercessão informal junto daquelas entidades para a resolução célere de problemas pontuais, como, por exemplo, a resposta ao pedido da reclamante no sentido de ter os filhos consigo no Natal;

d) Visita ao Lar de S.' Martinho para confirmação das informações prestadas pela reclamante acerca da situação ém que se encontravam os menores e das condições do próprio estabelecimento.

4 — Tendo o Tribunal competente deliberado a entrega dos menores à mãe, com o necessário' acompanhamento do Instituto de Reinserção Social, foi entendido encontrar-se a situação regularizada, não se justificando a realização de outras diligências por parte deste órgão do Estado.

R-55/94

Assunto: PSP — GNR — Actuação.

Objecto: Diligências efectuadas no seguimento dos acontecimentos verificados na cidade da Marinha Grande, entre agentes da Forças de Segurança e manifestantes, em Dezembro de 1994.

Decisão: Processo ainda em curso.

Síntese

1 — Nos dias 21 e 27 de Dezembro de 1994, na cidade da Marinha Grande, verificaram-se confrontos entre agentes policiais e manifestantes existindo imagens televisivas, que confirmam a ocorrência de agressões envolvendo agentes policiais, manifestantes, jornalistas e outros cidadãos.

2 — Para observar e apurar a situação, o Provedor de Justiça determinou que um grupo de trabalho se deslocasse

à referida cidade no dia 28 de Dezembro de 1994. Nesta data foram obtidos diversos depoimentos relativos à actuação das forças policiais na Marinha Grande, junto de autarcas, jornalistas, elementos do Corpo de Bombeiros e outras pessoas envolvidas nos referidos confrontos, tendo sido elaborado um relatório sobre o qual não havia recaído despacho em 31 de Dezembro.

3 — Ainda no dia 28 de Dezembro, a Câmara Municipal da Marinha Grande solicitou a intervenção do Provedor de Justiça no sentido de se evitarem novos confrontos que pareciam eminentes.

Segundo a Edilidade, a E.N. 242 tinha sido cortada de novo, tendo-se obtido a garantia da PSP (Comando Distrital de Leiria) que esta força não interviria se o bloqueio estivesse terminado à hora de jantar sem incidentes. No entanto, tinham chegado notícias segundo as quais a GNR teria recebido ordens para avançar.

Garantiu a fonte camarária que os manifestantes estariam já a dispersar e que a Câmara tinha à disposição os meios mecânicos necessários para remover os obstáculos da estrada. Assim, era pedida uma moratória de.90 minutos para a intervenção da GNR

4 — O Provedor de Justiça interveio junto do Senhor General Comandante-Geral da GNR, com o intuito de averiguar das possibilidades de obter a moratória pedida, tendo sido sublinhado o grande empenho que se punha na resolução pacífica do caso. O Senhor Comandante comunicou então que as forças sobrestariam a sua intervenção por 90 minutos, pedindo que o fizesse saber à Câmara Municipal.

Ainda no final do mês de Dezembro compareceram na Provedoria de Justiça os Senhores Comandante da Esquadra da Marinha Grande, Comandante Distrital de Leiria da PSP, Comandante do Corpo de Intervenção da PSP e Comandante do Grupo Territorial da GNR de Leiria, a fim de prestarem declarações sobre os referidos incidentes verificados na cidade da Marinha Grande.

5— O processo transitou para 1995.

IP-58/92

Assunto: Contribuições e impostos — IRS — Pagamentos por conta.

Objecto: Conteúdo das notificações para efectuar pagamentos por conta de ÍRS.

Decisão: Após intervenção da Provedoria junto da administração fiscal, viria esta a elaborar e a divulgar Circular acerca da questão dos pagamentos por conta e a perdoar os juros compensatórios cobrados em 1992 aos contribuintes que não haviam efectuado tais pagamentos.

Síntese

1 — A abertura do processo,, de iniciativa do Provedor de Justiça, resultou da constatação que as notificações remetidas pela DGÇI, no ano de 1992, aos contribuintes obrigados a efectuar pagamentos por conta de IRS, não eram suficientemente esclarecedoras, nomeadamente no que concerne à possibilidade — legalmente consagrada — de reduzir ou suspender os referidos pagamentos.

2 — Alertada para o facto, a administração fiscal começou por defender a posição inicialmente assumida, considerando suficientes as informações constantes das notificações em questão.

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3 — Após insistência da Provedoria, veio esta posição . a ser revista, tendo sido elaborada Circular sobre o assunto, a qual foi divulgada junto das Ordens e associações representativas dos contribuintes. Paralelamente, foram perdoa-, dos os juros compensatórios referentes a atrasos ou insuficiências nos pagamentos por conta de IRS de 1992.

3 — Da actividade paraprocessual

3.1 — Relatórios e inspecções 3.1.1 — Inspecção à Polícia Judiciária

1 — Introdução

Com base nas queixas que chegaram à Provedoria de Justiça relativas à actuação da Polícia Judiciária, e nas publicações da Amnistia Internacional relativas à actuação da mesma força policial, foi realizado por esta Provedoria de Justiça no início de 1993 uma inspecção à Directoria de Lisboa da Polícia Judiciária.

Conjugada com a referida inspecção foram agrupados os processos respeitantes à actuação da Polícia Judiciária existentes na Provedoria.

De igual modo, e para enquadramento da matéria, tecem-se algumas considerações sobre a articulação entre o Ministério Público e a Polícia Judiciária.

1 — Castanheira Neves (Sumários do Processo Criminal, 1967/1968, I, n.° 2) fixa duas específicas finalidades para o escopo do processo penal.A primeira deve propor «uma estrutura processual que permita, eficazmente, tanto averiguar e condenar os culpados criminalmente, como defender e salvaguardar os inocentes de perseguições e condenações injustas»; a segunda basear-se-á na «válida conciliação de dois princípios ético-jurídicos fundamentais: o da reafirmação, defesa e reintegração da comunidade ético-jurídica — i. é, do sistema de valores ético-jurídicos que informam a ordem jurídica, e que encontra a sua tutela normativa no direito material criminal» e o do princípio do respeito e garantia da liberdade e dignidade dos cidadãos, i. é, os direitos irredutíveis da pessoa humana.

No plano da conformação constitucional do processo criminal, Figueiredo Dias (Direito Processual Penal, 1." volume, reimpressão, 1984, 2, Til. 1) , acentuando ser o processo penal verdadeiro direito constitucional aplicado, tira ou extrai estas consequências:, «uma estrita e minuciosa regulamentação legal de qualquer indispensável intromissão, no decurso do processo, na esfera dos direitos do cidadão constitucionalmente garantidos»; a necessidade da lei ordinária nunca eliminar «o núcleo essencial de tais direitos, mesmo quando a Constituição conceda àquela lei liberdade para os regulamentar; o estrito conteúdo judicial da actividade de todos os órgãos do Estado, mesmo dos que cumpram funções meramente administrativas, desde que ta) actividade se .prenda com as garantias constitucionais; a proibição da.jurisdição de excepção»; a

«proibição de provas obtidas com violação da autonomia

ética da pessoa, mesmo' quando esta consinta naquela». E, nesta parte, conclui o referido Professor: «da mesma fonte deriva, finalmente, o mandamento de que a interpretação e aplicação dos preceitos legais se perspectiva a partir da Constituição e se leve a cabo de acordo com esta».

2 — As transcrições anteriores estiveram presentes na visita que fizemos aos serviços da directoria de Lisboa da Polícia Judiciária, tendo em conta objectivo desta acção:

verificar se o sistema de relacionamento entre o M.° P.° e a PJ cumpre o escopo fundamental do processo penal em duas vertentes essenciais (a eficácia e o respeito pelos direitos fundamentais) .

Cumpre, antes do mais, fazer uma breve resenha do texto constitucional nas suas várias versões, no que respeita à instrução e investigação criminal.

Dispunha a versão primitiva (1976) que «toda a instrução será da competência de um juiz, indicando a lei os casos em que ela deva assumir forma contraditória» (artigo 31.°, n.° 4). Todavia, a primeira revisão (1982) alterou este texto, que resistiu às últimas revisões, ficando assim redigido: toda a instrução é da competência de um juiz, o qual pode, nos termos da lei, delegar noutras entidades a prática de actos instrutórios que não se prendam directamente com os direitos fundamentais.

O acórdão do Tribunal Constitucional.n.° 7/87, de 9 de Janeiro, em sede de fiscalização preventiva' da constitucionalidade do novo Código de Processo Penal, decidiu não ser inconstitucional o disposto nos artigos 263.°, 270.°, n.° 1 e 286.°, n.° 2. Como consta do relatório do citado acórdão, o Presidente da República, entre outros problemas que não interessará por ora considerar, suscitou a seguinte questão: «o artigo 263.°, ao cometer a direcção do inquérito ao Ministério Público, parece ferir o disposto no n.° 4 do artigo 32." (CRP), visto as diligências processuais que cabem nessa designação serem materialmente instrutórias e, portanto, da competência de um juiz, e, por outro lado, parece não se harmonizar com as funções constitucionais daquela magistratura, tais como são definidas no artig 224.°, n.° 1, da Constituição; e essa inconstitucionalidade tem como consequência a inconstitucionalidade do artigo 270.°»

3 — Anteriormente ao novo CPP, o Decreto-Lei n.° 605/ 75, de 3 de Novembro, criou o inquérito policial para os crimes puníveis com pena correccional, a menos que o arguido tenha sido preso e nessa situação haja sido ouvido em auto, caso em que haveria lugar a instrução preparatória, nos termos do Código de Processo Penal e legislação complementar. Para este inquérito, tinham competência o M.° P.° e todas as entidades policiais. Concluído o inquérito, o mesmo era remetido ao M.°P.°pela entidade policial e aquele podia completá-lo ou devolvê-lo à entidade que a ele tivesse procedido para que esta o completasse.

Todavia, a Constituição (versão primitiva de 1976) veio determinar, como atrás se disse, ser toda a instrução da competência de um juiz. Surgiram, então, dúvidas sobre a legitimidade constitucional de tal inquérito, mesmo após as alterações introduzidas pelo DL n.° 377/77, de 6 de Setembro.

4 — O novo CPP, como aliás vem acentuado no seu preâmbulo [alínea b) do n.° Dl. 7.1], optou, como um dos aspectos que lhe imprimem o carácter, por .converter o inquérito, realizado sob a titularidade e a direcção do Ministério Público, na fase geral e normal de preparar a decisão de acusação ou não acusação. E a verdade é que, após 0 sobressalto inicial já referido, ainda mais ninguém pôs em crise a constitucionalidade da referida regra, pelo menos de forma saliente ou convicente. A fase do inquérito abrange, assim, a realidade que se continha «na denominação corpo do delito ou instrução preparatória do artigo 170.° do Código de 1929 e artigo 2.° do DL n.° 35 007» e também a contida «na denominação inquérito policial, depois inquérito preliminar, dos Decretos-Lei n.<» 605/75 e 377/77».

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Para levar a cabo as suas tarefas, o M.° P.° pode socorrer-se dos órgãos de polícia criminal, entendida esta expressão nos termos do artigo 1.°, alínea c), do CPP, ficando estes em dependência funcional daquele [cf. parte final da alínea b) do n.° 7, m, do preâmbulo do CPP]. Como observa Henrique Pereira Teotónio (caderno 4 da Revista do Ministério Público, p. 95), «dependência funcional significa que os órgãos de polícia criminal fora e no exercício desse ofício ficam subordinados ao respectivo magistrado, que é quem lhes determina o rumo a seguir».

Por outro lado, não cabe no normativo em causa (artigo 270.° do CPP) uma «delegação» genérica para todos os inquéritos, levando «a que a recolha das provas assim facultadas o seja para cada caso, i. é, para cada inquérito». Acresce que «hoje não existem parcelas de investigação-crime subtraídas da esfera do M.° P.°, não podendo qualquer outra entidade, policial ou não, deter competências exclusivas para investigar determinados tipos de criminalidade (cf. Autor e ob. citados em último lugar, p. 97). Só nesta orientação se deve compreender o artigo 4." do DL n.° 295-A/90, de 21 de Setembro, que aprovou a lei orgânica da Polícia Judiciária.

E tanto assim é que nos trabalhos de revisão (ainda em curso?) do CPP, propôs-se a seguinte redacção para o artigo 270.°:

1 — O Ministério Público pode delegar em órgãos de polícia criminal o encargo da procederem a quaisquer diligências e investigações relativas ao inquérito (posteriormente, aprovou-se a substituição da expressão quaisquer diligências, etc, pela de actos de inquérito).

2 — A delegação pode ser genérica, especificando-se, neste caso, os tipos legais de crime sobre que recai ou a moldura penal que lhe corresponde.

3 — Exceptuam-se do disposto nos números anteriores, ...

5 — Alcançou-se esta solução, depois de se terem reafirmado estes princípios:

1 — O Ministério Público é o detentor da fase do inquérito.

2 — O Ministério Público opera em colaboração com os órgãos de polícia criminal.

3 — Os órgãos de polícia criminal encontram-se numa relação de dependência funcional face ao Ministério Público.

4 — O Código de Processo Penal (CPP) define o círculo do subsistema que é constituído pol/çia criminal; trata-se, no entanto, apenas do círculo externo da sua competência, sendo todas as outras vertentes do subsistema matéria das respectivas leis estatutárias ou orgânicas.

5 — Não se estabelece assim qualquer discriminação da polícia judiciária face aos restantes órgãos de polícia criminal; a diferenciação, a existir, não é tarefa para que se encontre vocacionada a lei processual.

6 — A ser assim, como de facto é, o M.° P.° deveria ser, no plano dos factos, o dominus na fase de investigação. Todavia, como se vê da amostragem anexa, só no plano jurídico isto acontece, já que o referido domínio é meramente aparente na grande massa da criminalidade. Parece ser esta situação igual à existente na Alemanha, como se pode ver da seguinte transcrição do livro do

Dr. José Manuel Damião da Cunha (O Ministério Público e os Órgãos de Polícia Criminal no novo Código de Processo Penal, edição da Universitas Catholica Lusitanna, Porto, 1993, p. 69):

À parte pequenos domínios dá criminalidade (criminalidade mais grave e criminalidade económica), todo o processo investigatório, em geral, está dominado pela polícia, a qual procede autonomamente a todas as investigações que se mostrem necessárias, cabendo ao M.° P.° um papel de mero depositário dos autos produzidos pela polícia, decidindo, com base naquela actividade, sobre o futuro do caso — por outras palavras, o M.° P.° em vez do dominus torna-se em grande parte um mero controlador da actividade policial, ou um factor burocrático no processo penal.

Usando a expressão de um autor alemão, também citado pelo Dr.Damião da Cunha (ob. cit., p. 69, nota 62) , o M.° P.° é, na maioria dos delitos de pequena e média criminalidade, não um órgão de investigação, mas de tratamento de autos.

Na Alemanha, ainda segundo o mesmo Autor, esta situação tem produzido larga controvérsia «à volta da questão de se saber se é a realidade que deve ser adaptada às soluções legais.... ou se, pelo contrário, a realidade deve implicar uma verdadeira alteração legislativa que faça jus ao domínio fáctico da polícia (o que, diga-se desde já, parece, apesar de larga oposição, ser a solução futura mais viável)».

Esta reformulação da ligação entre o M.° P.° e a PJ levou à feitura de um Anteprojecto de lei no ano de 1978 que ainda não foi convertido em lei por existir grande oposição. Nesse documento são reformulados os preceitos sobre dependência funcional da PJ face ao M.° P.° por" forma radical. Vale a pena transcrever os preceitos do CPP alemão que pretendem reformar o relacionamento entre o M.° P.° e PC (extraídos da ob. cit. do Dr. Damião da Cunha, f. 71, nota 63) :

§161 (1) O M.° P.°, para a investigação de factos, pode exigir informação de todos os serviços públicos e realizar por si ou por intermédio da polícia, investigação a efectuar pela Polícia, bem como a forma da sua realização.

(2) O M.° P.° dirige o seu pedido ao serviço policial competente.

Em casos de perigo na demora, pode mandatar imediatamente um funcionário desse serviço. O mesmo é válido quando um funcionário esteja ocupado com o caso . A polícia está obrigada a satisfazer as' instruções do M.° P.°

§163 — Logo que a polícia tenha conhecimento da suspeita de um crime, tem de investigar por si os factos. Ela determina o tipo e âmbito de investigação bem como a forma da sua realização desde que e enquanto o M.° P.° não tome qualquer instrução [...]. Em casos de especial importância a Polícia informa sem demora o M.° P.°

§ 163 a) (1) A polícia envia os seus autos logo após a conclusão das investigações ao M.° P.° Mesmo antes, transmite-os quando:

a) O M.° P.° os requeira;

b) As investigações tomem um âmbito especial ou se configurem, factual ou juridicamente, como difíceis;

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c) Desde o momento em que a polícia teve co- . nhecimento da suspeita de um crime, tenham decorrido dez semanas sem que tenham sido apresentados ao M.° P.°

(2) A polícia transmite ao M.° P.° quando seja necessária a prática de um acto de investigação judicial

ou da competência do M.° P .°

7 — No nosso ordenamento jurídico-constitucional era mais que duvidosa a adopção de um projecto do tipo atrás referido. Segundo o Dr. Damião Cunha, (ob. cit., pp. 147/ 148), o CPP terá querido estabelecer um processo interno circular de constante informação que garanta a responsabilidade «política» do M.° P.° durante o inquérito — baseado nos juízos de carácter técnico dos órgãos de polícia criminal. Esta parece ser a conclusão a extrair de vários preceitos do CPP conjugados com os princípios constitucionais. Trata-se, pois, de uma opção (em matéria de relacionamento entre o M.° P.° e os órgãos de polícia criminal) por um sistema de dependência funcional e não de dependência orgânica. Importa, porém, ter em conta que o sistema português, ao contrário do alemão, distingue entre órgãos de polícia criminal, que actuam complementarmente com o M.° P.°, e entidades policiais em processo penal, enquanto realizadoras de uma actividade de pura execução. No sistema germânico, a investigação criminal não pode

ser realizada por um órgão tecnicamente melhor preparado.

Ou, por outras palavras: no direito português, os órgãos de polícia criminal dispõem de uma certa autonomia técnica; no sistema alemão persiste a ideia de um inquérito totalmente realizado pelo M.° P.° e daí a reacção atrás apontada em que a polícia reivindica um estatuto próprio, O que parece bem fundamentado.

Mais concretamente: resultam do artigo 270.° do CPP três tipos de realização do inquérito (realização integral pelo M.° P.°, realização primordial pelo M.° P.° e realização pelos órgãos de polícia criminal sob direcção do M.° P.°). A isto não obsta o disposto no artigo 4.° do Decretc-Lei n.° 295-A/90, de 21 de Setembro (Lei Orgânica da Judiciária), ao atribuir à PJ um encargo em bloco para a investigação de um conjunto de crimes. Este preceito, como atrás se deixou intuído, reparte competências dentro dos órgãos de polícia criminal, pelo que o M.° P.°, dentro da sua competência funcional de direcção do inquérito, terá de se dirigir àquele concreto órgão policial.

8 — Dentro do problema da coadjuvação a prestar pelos órgãos de polícia criminal ao M.° P.°, o sempre citado Dr. Damião da Cunha (ob. cit., pp. 282 e segs.) estabelece estas categorias com as consequentes propostas:

a) Criminalidade «burocrática» versus criminalidade «normal», propondo-se para a primeira (criminalidade económica, fiscal, etc.) que seja o M.° P.° a deter não só a direcção como a realização do inquérito e para a segunda uma assistência ou coadjuvação dos órgãos de polícia judiciária com efectiva direcção do inquérito pelo M.° P.°;

b) A grande, pequena e média criminalidade: para a primeira deverá adoptar-se posição semelhante à da criminalidade «burocrática» e para as restantes uma maior assistência da PJ, atenta a sua repetitibilidade e excessiva quantidade.

9 — Do exposto, parece resultar, em teoria, a não poli-ciarização do inquérito, mas o que se verificou na visita efectuada levanta alguns problemas de compatibilização entre a prática e a lei.

Assim, constatou-se que, desde o início da vigência do CPP, suscitaram-se muitos problemas de relacionamento com os órgãos de polícia criminal que foram sendo resolvidos através de determinações do Senhor Conselheiro

Procurador Geral da República e de acordos entre M.° P.° e Polícia Judiciária.

Apesar do referido, o certo é que se estabeleceu uma burocratização muito excessiva naquele relacionamento, ocasionando que a intervenção do M.° P.° se limite à «delegação» caso a caso da investigação com consequentes e inúmeros pedidos, também casuísticos, de prorrogação de prazos para a conclusão da actividade «encarregada». Isto, por um lado. Por outro, igualmente se apurou que o «vaivém» dos processos determinou uma grave paralisação da investigação, até porque, à data da visita, os magistrados do M.° P.°, constituintes do DIAP, se localizavam em quatro locais diferentes da cidade de Lisboa. Mais tarde, em Julho de 1993, encontravam-se esses magistrados, na sua quase totalidade, em edifício próprio situado perto das instalações da directoria de Lisboa. Por outro lado, os acima citados pedidos de prorrogação passaram a ser feitos separadamente dos processos, mas só até certo limite temporal.

Contudo, o sistema necessitava e necessita de outros

aperfeiçoamentos, sob pena de a investigação e subsequente justiça penal se tornar ineficaz, conduzindo a uma inércia propiciadora do desenvolvimento da criminalidade, conhecida, como é, constituir uma das formas de prevenção deste aumento a celeridade da investigação, acusação e julgamento, por forma a criar o que os criminologistas designam pelo «medo de ser descoberto».

Pode-se mesmo dizer que o M.° P.° se remete, na quase totalidade dos casos de média e pequena criminalidade, para «uma tarefa final de classificador dos autos e relatórios apresentados pela P.J.».

10 — Para evitar o já descrito, importa apresentar algumas sugestões de correcção com o objectivo de a «direcção» do M.° P.° e a «coadjuvação» da PJ serem praticadas com o rigor e qualidade exigidas pelo CPP.

Para tanto, inspirando-me na obra citada do Dr. Damião da Cunha (pp. 286 e segs.) propõe-se o seguinte:

a) Nos casos em que a investigação criminal não exige qualquer tipo de mobilidade e em que a respectiva actividade seja muito específica atentos os problemas que suscita (criminalidade económica, fiscal, etc), o M.° P.° deve realizar o inquérito, com o auxílio de um staf de técnicos, a recrutar,, de comum acordo com a respectiva direcção, de entre os funcionários da PJ;

b) Em outros casos (criminalidade grave, com grande projecção pública e com problemas jurídicos complexos), o M.° P." deve organizar-se por departamentos especializados com a colaboração ou coadjuvação da PJ;

c) Para a pequena e média criminalidade, deverá o M.° P." estabelecer instruções ou directivas necessárias para a racionalidade do trabalho laqui, poderia proceder-se à alteração legislativa preconizada em 4 (in fine) ], embora limitando-se a este campo ou universo, já que a atribuição

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genérica do encargo às entidades de polícia judiciária pode gerar uma certa policiarização do inquérito, não desejável nem desejada pelo CPP;

d) De entre as entidades de polícia criminal, será conveniente fazer uma separação entre grande, média e pequena criminalidade, atribuindo o encargo de coadjuvação ao M.° P.° à PJ para a primeira e às GNR e PSP para as restantes;

e) Assim, quase sem modificações legislativas e sem nenhuma relativamente às leis organizatórias dos órgãos de polícia criminal, os direitos fundamentais ficariam melhor defendidos sem atropelo dos direitos, liberdades e garantias individuais. É que a ineficácia da investigação criminal lesa, como é evidente, aqueles direitos.

2 — Articulação entre o Ministério Público e a Polícia Judiciária

1 — Quando a participação é entregue na directoria de Lisboa dà Polícia Judiciária, segue este percurso:

a) Registo e classificação na £.J.;

b) De seguida, aos computadores para serem introduzidos o número — que passa a ser único—, as referências ao tipo de infracções à secção, nomes dos arguidos;

c) Depois, vai ao único magistrado do M.° P.° que funciona no edifício (este dá entrada e tira fotocópias para controlo) ; casos há, de especial relevo, em que o M.° P.° fica com o original;

d) É nesta fotocópia que mais tarde é normalmente exarado o despacho de «delegação de competência» na P.J.;

e) A fotocópia é remetida ao M.° P.°, titular do processo, para depois delegar a competência;

f) Entretanto, o original regressou à P.J. e esta, embora não tenha o deferimento formal de competência, pode seguir na investigação, pois tem o carimbo comprovativo de ter sido distribuído o inquérito;

g) No caso de nada se dizer quanto ao prazo para a investigação, segundo um acordo entre a P.J. e o M.° P.°, presume-se que o mesmo é de 150 dias;

h) Quando o processo regressa à P.J. [cf. al. f] vai à secção a que pertence e, depois, ao ACRI;

i) Só, então, começa a investigação, mas em casos urgentes a PJ iniciará logo o seu trabalho com despacho do M.° P.° que fixa prazo;

f) Apenas a partir de meados de Junho de 91, se acordou entre P.J. e M.° P.° que as prorrogações de prazo, antes de 8 meses, são solicitadas por ofício e despachadas neles próprios (antes, ia o próprio processo); passados os 8 meses vai o próprio processo.

2 — Descrição pormenorizada de alguns processos examinados:

. A

(processo n.» 217.417/88)

a) Em 19.5.91 é o processo registado, distribuído e autuado como inquérito;

b) Em 20.6.91, nova intervenção do M.°.P.°.com características burocráticas e sem sentido útil;

c) Em 21.6.91, repete-se o mesmo;

d) Entretanto, a PJ, em 11.5.91, havia proposto ao DIAP a junção de outro processo; em 12.5.91 o inspector profere este despacho: «ao digno agente do M.° P.° no DIAP para apreciação, registo e eventual incorporação nos autos referidos na informação antecedente»; em 26.6.91, no DIAP, é aberta conclusão e o M.° P.° profere este despacho: «solicita-se à P.J. o envio para consulta do inquérito n.°.217417/88» (aquele processo que se desejava incorporar); em 28.6.91 envia-se ofício à P.J. para dar cumprimento ao despacho; em 30.1.92, invocando-se acumulação de serviço, volta o processo a ser concluído ao M.°.P.°., renovando-se o despacho imediatamente anterior; Em 31.1.92 é cumprida esta determinação em 20.10.92, volta o processo ao M.° P.° que profere esta decisão: «com urgência, averigue qual o número de inquérito no DIAP do inquérito da PJ. 217417/88; conclua com a informação»; em 22.10.92 faz-se esta informação no DIAP: «pela 7.* Secção da PJ. fui informado de que o inquérito n.°.217417/88 foi distribuído à 5." Secção do DIAP, letra E, registado sob o n.°.34700/91»; na mesma data é proferido este despacho: «com urgência, solicito ao meu Exmo-.Colega, titular do inquérito 34700/91-E o envio do mesmo para consulta»; cumprido este despacho por fax, com nota de urgência por haver perigo de prescrição, no próprio dia 22.10.92; em 27.10.92 no DIAP faz-se conclusão com a apresentação do inquérito solicitado; em 30.10.92 o M.° P.° concorda sobre a conveniência da incorporação, problema suscitado pela PJ em 12.6.91;

e) O processo reentra na P.J. em 23.11.92 e em 7.1.93 faz-se a primeira diligência de investigação, ou seja, o interrogatório do arguido nos termos do artigo 61.° do CPP;

f) Tratava-se de suspeita de crime de burla previsto e punido no artigo 313.° do Código Penal.

B

(processo de inquérito n.s 277.819/89)

á] Iniciou-se na P.J. em 25.8.89;

b) Posteriormente, foi ao M.° P.°, que mandou tirar fotocópia e distribuiu em 28.8.89,

c) Em 18.9.89 o M.° P.° delega na P.J., fixando o prazo de 120 dias, mas o processo entra na PJ. em 9.10.89;

d) A abertura do processo na PJ. verifica-se em 19.9.89, mas a primeira diligência realizou-se 23.11.89;

é) Em 12.2.90 a P.J. solicita ao M.° P.° prorrogação do prazo para a investigação; em 28.2.90 o M.° P.° concede mais 90 dias;

f) Em 2.3.90 retoma-se a investigação;

g) O assistente requer arresto aos bens do arguido em 29.8.90, mas este só se consumou, apesar do requerimento inicial se encontrar bem instruído, em 17.1.92.

h) A acusação é dada em 23.3.92.

C

(processo de inquérito n.» 31887/90)

a) Depois de várias vicissitudes burocráticas, em 3.7.90, o DIAP diz encontrar-se delegado na P.J. o encargo de proceder às diligências e investigações referentes a este inquérito, pelo que manda aguardar por 90 dias a remessa do mesmo;

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b) Todavia, a primeira diligência investigatória na P. J. realiza-se em 9.10.90;

c) A certa altura (29.10.90), o ofendido pede a constituição como assistente, mas esta só vem a ser deferida por despacho de 28.1.91, pois o requerimento inicial transitou em 31.10.90 para o DIAP, onde só entra em 6.11.90; em

8.11.90 são mandadas passar guias; em 27.11.90 são expedidas cartas registadas ao ofendido e seu advogado; em 12.12.90 é depositado o preparo com lançamento no livro de pagamentos em 17.12.90; três dias depois o processo vai ao TIC onde chega a 26.12.90, mas só na data atrás referida (28.1.91) o requerente obtém o que pretendia já há três meses;

d) Não param aqui os emperramentos, pois em 1.2.91 vai do TIC para o DIAP, onde é fixado o prazo de 90 dias para a investigação; em 18.2.91 a PJ. convoca o arguido e uma testemunha mas sem êxito, já que só em

11.3.91 consegue ouvir aquele;

e) Em 4.6.91 o agente informa nada poder fazer por ter 300 processos a seu cargo e, então, pede-se ao DIAP mais prazo (em 17.6.91 o M.° P.° dá 150 dias) .

f) A partir daqui verifica-se esta decorrência: o agente diz em 26.11.91 que o prazo está esgotado e sem nada ter feito; volta ao DIAP onde entra em 10.12.91; em 6.1.92 o M.° P.° dá mais 90 dias; em 9.1.92 o processo vai para a PJ. e em 20.2.92 o processo é distribuído a outro agente.

D

(processo de Inquérito n.° 1137/89)

Apesar da participação ter entrado na PJ. em 12.4.89 e depois da tramitação burocrática já referida atrás, até 9.3.93 nada foi investigado de útil.

E

(processo de inquérito 4254/89 — M.» P.«—e 50458/88 — P.J.)

A participação entrou em 17.2.88. Foram ouvidos os agentes, participantes e mais nada. Em 12.11.92 é, mais uma vez, pedido prazo mas até 9.3.93 nada aconteceu.

F

(processo de Inquérito 44854/91 do DIA e n.° 447664/91 da P.J.)

Começou a 11.12.91. Até agora (Março 93) pouco ou nada se fez.

G

(processo do M.« P.» n.» 39133/91 e da P.J. n.° 39133/91)

Trata-se de um caso de suspeita de homicídio qualificado que teria sido praticado em 1.9.91. Entrou na Policia Judiciária em 4.9.91. Detido o suspeito em 12.3.92 pela PSP, veio a ser solto por ordem do TIC sem que a PJ tivesse feito alguma diligência útil.

Este caso de ineficácia investigatória demonstra bem como é deficiente a articulação entre PSP, PJ e TIC.

H

(NU IPC-218/92 8 PV LSB)

A PSP começou por participar ter detido o suspeito em 21.3.92. O arguido disparou um tiro de pistola contra o pai do participante (este não estava fardado e seguia com

o pai dentro de um veículo) e foi preso à força com o auxílio de outro agente da PSP (este fardado), tendo ficado ligeiramente ferido. Apreende-se a arma.

Ainda em 21.3.92 o M.° P.° do Tribunal de Polícia de Lisboa considerou válida a detenção, invocando o disposto nos artigos 255.°, n.° 1, alínea d) e 256°, n.° 1, do CPP. Ordenou a remessa do processo e a apresentação do preso no Juízo do TIC de Lisboa no primeiro dia útil seguinte (23.3.92).

É interrogado o detido no TIC a 23.3.93, tendo afirmado ter sido provocado, insultado é agredido pelo agente da PSP e seu pai. Foi legalizada a detenção por suspeita de tentativa de homicídio e mantida a detenção sem admissão de caução.

Remetido o processo ao DIAP em 24.3.92, onde, no dia seguinte, o M.° P.° delega a investigação na P.J., fixando-se o prazo de 90 dias.

É remetido o processo à PJ. em 25.3.92, onde, em 30 de Março de 1992, se ordena o prosseguimento da investi-gação.Todavia, esta não se faz e em 3 de Abril de 1992 aparece um ofício do M.° P.° a pedir a devolução do processo em mão.Nesta última data, mandou o processo aó TIC de Lisboa, dizendo ser de manter a detenção (o advogado requerera a substituição da detenção por outra medida coerciva menos grave).

Em 6.4.92, o processo chega ao TIC, apesar de remetido a 3.4.92.

Em 7.4.92, o juiz diz ser de manter a detenção por a versão do arguido ainda não se encontrar provada. Em 8.4.92, o processo é devolvido à P.J. com 90 dias para investigar. Chega no dia seguinte, são mandados ofícios a solicitar a ficha médica do ofendido e a pedir a comparência dos agentes da P.S.P., isto só em 20.4.92. Sem qualquer resposta ou outra diligência, o agente investigador informa em 30.4.92 ter sido pedido oralmente o processo pelo M.° P.° Volta aqui no mesmo dia, mas surge um carimbo do TIC a comprovar o processo ter chegado ao Tribunal e isto porque surgira recurso do despacho que mantivera a prisão. O recurso é processado por apenso e foi admitido em 30.4.92. Voltam o processo principal e o apenso ao DIAP. O M.° P.° responde ao recurso no apenso e o processo principal volta em 15.5.92 à PJ. onde só entra a 19. Entretanto, o ferido atingido pelo tiro faleceu.

Em 27.5.92 o arguido participa dos agentes da P.S.P. Em 1.6.92 é inquirido o agente da P.S.P. que detivera o arguido e conta versão oposta à deste.

Em 9.6.92 é inquirido o outro guarda.

Entretanto, verifica-se ter sido solto o arguido sob caução, já que vencera o recurso na Relação, mas isto só foi verificado em 17.6.92. Tendo voltado o processo ao DIAP em 11.6.92, regressa à PJ. em 19.6.92, onde se manda (23.6.92) prosseguir a investigação.

Todavia, em 26.6.92, o TIC pede p processo, mas só a 30 entra o ofício na P.J. que o devolve em 3.7.92. O TIC devolve o processo ao M.° P.° (o processo com a caução prestada) (15.9.92).

Em 15.10.92, depois de um exame efectuado pelo Laboratório de Polícia Científica, volta o processo à P.J., onde, em 19, se «remanda» prosseguir na investigação.

Em 2.11.92 são ouvidas duas testemunhas.

Em 16.2.93 é enviado ofício precatório ao Funchal para ser inquirido o passageiro transportado no «táxi» conduzido pelo arguido.

Isto é: quase um ano após a detenção é que é ouvida esta testemunha desde sempre identificada. Em Março de 93 a investigação estava parada.

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174-(151)

I

(NUIPC 116/92 5 PPLSB)

Apesar do auto de notícia ser de 8.3.92 (agressão à facada), em 25.2.93 a P.J.nada de concreto tinha feito por contínuas remessas ao DIAP para ser nomeado defensor oficioso ao arguido.

J

Processo n.« 31453/90/D. LSB, 4». Secção-lnquérlto

Tratando-se de um processo simples (ofensas corporais entre irmãos), é verdadeiramente inexplicável que desde 25. 6. 90 (data do registo inicial) até 2 de Abril de 93 quase nada se tinha feito para além da fixação e sua prorrogação do prazo para investigar.

L

Processo n.» 25002/91-M." P.« e n.» 13501/91-P.J

Trata-se de suspeita de homicídio por negligência (falta . de cuidados médicos em certo Hospital do Estado). A sequência do processo é esta:

a) A participação deu entrada na P.J. em 11. 1.91.

b) Em 21. 1. 91 o M.° P.° delega e dá o prazo de 60 dias.

c) Sem que mais nada fosse feito, em 19. 6. 91 a P.J. pede ao IML o relatório da autópsia.

d) Em 17. 7. 91 o agente diz: não foi recebido o relatório e já foi ultrapassado "o prazo presumido de 150 dias" (n.° 3 da acta n.° 3 de 285. 91 respeitante ao acordo entre P.J. e DIAP).

e) Em 18. 7. 91 o inspector despacha no sentido de o processo ir ao DIAP para ser obtido novo prazo.

f) Em 6. 11. 91 o M.° P.° decide conceder mais 150 dias.

g) Em 8. 11. 91 a P.J. diz "prossiga", mas, logo a seguir, aparece um termo de conclusão por ordem verbal (datado de 18. 3. 92) e o inspector manda fazer as diligências (declarações, inquisições, documentação clínica) .

h) Em 6. 4. 92 a P.J. diz que não foi possível realizar nada por não ter a documentação clínica. E como, entretanto, o prazo terminara pede (por ofício, sem remessa do processo) mais prazo.

0 Em 5. 6. 92 o M.° P.° dá mais prazo (150 dias). j) Entretanto, a IGS informa que não apurou

responsabilidade disciplinar. [) Em 28. 10. 92 pede-se mais prazo e insiste-se

pelo relatório da autópsia, m) Só nesta última data a investigação começou.

M

Processo n.« 3425/91-NUIPC 2559/92. 5-JDLSB

O processo iniciou-se em 27. 11. 91, provindo do Tribunal Tutelar Central de Menores de Lisboa.

Em 4. 12. 91, o M.° P." «delega» na P.J. por 90 dias.

Somente em 24. 1. 92 a P.J manda distribuir o processo (o M.° P.° só remeteu em 19. 12. 91 e na P.J. parou por acumulação de serviço).

Em 24. 2. 92 são ouvidas duas pessoas sobre o crime em investigação (maus tratos em crianças).

Em 28. 2. 92 a PJ. pede mais prazo, justificando o pedido com «o muito serviço» e por o processo só ter chegado 49 dias depois do prazo inicialmente fixado.

Em 23. 11. 92 a mãe das crianças confessa que, para ir ao cinema com o marido (padrasto das crianças), atava as mãos das filhas para não fazerem barulho dentro da pensão onde vivem.

Em Março de 93 ainda estava pendente.

N

NUIPC 833/92 OSO (número do Tribunal de Policia de Lisboa), processo sumário, 2." Juízo, 3.* Secção

O Tribunal Polícia (delegado do procurador da República) manda o processo ao DIAP em 6. 1. 93.

Em 13. 1. 93, o M.° P.° profere este despacho: «R.D. e A. como inquérito.»

Em 20. 1. 93, o M.° P.° profere despacho igual ao anterior.

O processo tinha sido iniciado com um auto de detenção por infracção ao DL n.° 39. 672, de 20. 5. 54 (condução sem carta). Em 19. 12. 92. o arguido foi detido por conduzir veículo ligeiro sem carta.

Foi interrogado como arguido em 19. 12. 92 e pelo M.° P.°

O M.° P.°promove em 19. 12. 92 o respectivo julgamento (21. 12. 92). Entretanto, foi o arguido solto mediante termo de identidade. Em 21. 12. 91, o Juiz profere este despacho.

Verifica-se que o arguido propositadamente (ou não) respondeu com enorme imprecisão aos seus antecedentes criminais. Ficam dúvidas sérias quanto ao número de vezes que já foi julgado por condução sem carta.

Como não era possível «obter em 5 dias» o certificado do registo criminal, reenviou-se o processo para a forma comum, nos termos do artigo 390.°, alínea a), do CPP.

Só em 6. 1. 93 é mandado o processo ao DIAP, onde chega em 25. 1. 93, tendo sido proferido este despacho: «Delegada na P.J. a competência para proceder a investigações relativas a este inquérito (artigo 270." do CPP e circular n.° 8/87 do P.G.R.) ; para a realização das diligências convenientes remeta os autos à P.J.Prazo: 120 dias.»

Em 18. 2. 93 chega à P.J.

Pendente em 22. 2. 93.

O

Processo de inquérito n.° 36091

Os factos passaram-se em 24. 6. 91; o registo fez-se a 3. 7. 91 na P.J.; tem outro inquérito junto (241. 083// 91); em 4. 7. 91 mandou-se ao DIAP; em 15. 7. 91 é concluído no DIAP, mas só em 23. 11. 92 é proferido despacho de delegação; em 25. 11. 92 remete-se o processo à P.J.; em 27. 11. 92 inicia-se a investigação. Em 22. 2. 93 ainda estava em investigação.

P

Processo n.» 14631/92. 7 MDCSA \

Queixa apresentada na P.J. em 26. 8. 92. ConcMdo no DIAP em 15. 9. 92.

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II SÉRIE-C — NÚMERO 23

Em 21. 9. 92 delegação por 90 dias.

Volta à P.J. que manda ao TIÇ por ser necessária uma busca e até 18. 2. 93 a mesma ainda não estava feita, nem qualquer outra diligência.

Q

Proc.» 33266/90 DLSB; outro número 252484/90

Em 11. 7. 90 chega à Polícia Judiciária a participação. Logo de seguida, em 11. 7. 90, entra no DI AP que, segundo explicação, fica com fotocópia do ofício inicial e do auto de notícia. Em 13. 7. 90 o DIAP manda registar, distribuir e autuar a fotocópia; em 20. 7. 90 chega à Judiciária o original e o inspector distribui ao subinspector; este, em 23. 7. 90, atribui ao agente; este, entretanto, está de férias e faz em 3. 9. 90 uma cota a dizer que se apresentou ao serviço; em 17. 9. 90 o M.° P.° fixa 90 dias; em 31. 10. 90 o agente, conforme determinação superior, entrega o processo ao subinspector a cargo de quem fica; mas este volta a distribuir ao agente, em 26. 6. 91; em 9. 7. 91 o agente faz uma informação ao Inspector propondo que se extraiam fotocópias para investigar crimes que não são da sua secção e como havia expirado o prazo fixado pelo M.° P.° (artigo 276 do CPP) abre conclusão. Em 9. 7. 91 o Inspector manda proceder às diligências e remeter ao DIAP sugerindo a prorrogação do prazo. Em 16. 9. 91 o M.° P.° prorroga por 90 dias. Em 31. 10. 91 remete-se à P.J.; em 14. 1. 92 o agente propõe ao inspector nova prorrogação (serviço, etc). Em 16. 1. 92 é remetido ao DIAP; em 20. 1. 92 chega ao DIAP; em 21. 1. 92, mais 90 dias; em 24. 1. 92 à P.J.; em 27. 1. 92 manda-se prosseguir e desde então e até Março de 1993 novas prorrogações sem qualquer diligência.

R

N.° 401820/91 —9.» P.J.

N.° 1213/91 — 1.* Secção de Torres Vedras.

Falsificação de veículo — condução sem carta e detenção de arma proibida.

Foi preso em 10. 10. 91, mas depois foi solto em Torres Vedras com termo de identidade.

Remetido à P.J. em 18. 10. 91 por deferimento legal — artigo 4.°, n.°l, alínea r), da LOPJ.

Entretanto, prorrogações sucessivas com uma diligência sem seguimento.

Veículo apreendido.

S

Em 21. 3. 92 a PSP manda à P.J.

Em 24. 3. 92 DIAP — extraíram fotocópias.

Em 6. 4. 92 distribuído à P.J.

Furto de motociclo.

Factos em 8. 3. 92.

Em 15. 7. 92 começam as diligências.

Prorrogações até agora.

T

Inicia-se com certidão em Santarém — N.° 2390/D/91. O processo originário é o 348/C/91 — Santarém. Furto.

Iniciou-se em 31. 10. 91 em Santarém. M.° P.° Santarém 31. 10. 91 — 2390/D/91. Remetido à P.J. em 5. 5. 92 por deferimento legal. Recebido na P.J. em 15. 5. 92. Nada até agora.

U

NUIPC 20422/92. 8 - JD LSB

Começa em Alenquer— 17. 10; 92. Factos: 16. 10. 92.

Em 22. 12. 92 à P.J. Só chega a 4. 1. 93. Nada até agora.

V

Vem de Évora em 7. 2. 90.

No inquérito n.° 39212/90 D. LSB 2". secção.

Factos: 1988.

Diligências sem sentido útil. Mais nada.

X

Chegado à P.J. em 16. 4. 91. 12. 10. 90 —factos. 18. 4. 91 — DIAP.

É proposto o arquivamento pela P.J. em 23. 7. 91. Em 7. 10. 91 o M.° P.° não concorda.

3 — Relatório relativo aos processos que visam a actuação da Polfcia Judiciária

Conjugada com a inspecção referida foram agrupados os processos respeitantes à actuação da Polícia Judiciária existentes na Provedoria. No total foram analisados 41 processos abrangendo factos ocorridos entre 1989 e 1993.

Visados em todos estes processos estão 16 departamentos da Polícia Judiciária havendo quatro queixas em que não foi possível identificar o departamento visado.

São os seguintes departamentos visados:

1) Directoria de Coimbra.

2) Directoria de Lisboa.

3) Directoria do Porto.

4) Inspecção de Aveiro.

5) Inspecção de Braga.

. 6) Inspecção de Chaves.

7) Inspecção de Faro.

8) Inspecção do Funchal.

9) Inspecção da Guarda.

10) Inspecção de Ponta Delgada.

11) Inspecção de Portimão.

12) Inspecção de Setúbal.

13) Inspecção de Tomar.

14) Direcção Central de Combate ao Banditismo.

15) Direcção Central de Investigação do Tráfego de Estupefacientes.

16) Direcção Central de Investigação de Corrupção, Fraudes e Infracções Económica-Financeira.

Face às queixas formuladas pelos reclamantes verifica-se estarem em causa os seguintes tipos penais:

Ofensas corporais..

Não promoção de procedimento criminal.

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Apreensão ilegal de objectos.

Não devolução de objectos apreendidos.

Abuso de autoridade.

Resumo dos processos em que a entidade visada 6 a Polícia Judiciária

R-2656/89

Motivo da queixa: Ofensas corporais. Data da queixa: 12-12-89. Resumo do processo:

Detido por estar implicado numa rede de tráfico de automóveis furtados, o reclamante alega ter sido vítima de ofensas corporais por 'parte de agentes da Polícia Judiciária. Nessa polícia foi instaurado o Processo disciplinar n.° 86/90 que foi mandado arquivar por falta de prova.

Nesta Provedoria foi igualmente arquivado o processo instaurado por não se terem dados como provados os factos alegados pelo queixoso. Foi entretanto instaurado na Comarca de Portimão o processo crime n.° 2376/89 tendo por base os factos apresentados pelo-autor.

R-2471/89

Motivo da queixa: Não promoção de procedimento criminal.

Data dos factos: Dezembro de 1986. Data da queixa: 13. 11. 89. Resumo do processo:

A reclamante'alega ter sido vítima de desvio de dinheiro por parte do Banco Português do Atlântico em virtude do qual apresentou queixa na Polícia Judiciária. Esta polícia não procedeu ao devido procedimento criminal.

Face aos elementos recolhidos foi o processo arquivado em virtude de se ter apurado a infundamentação da queixa, sofrendo a reclamante e o seu pai, ao que nos foi informado, de perturbações mentais.

R-2457/89

Motivo da queixa: Não devolução de objectos

apreendidos. Data dos factos: Fevereiro de 1987. Data dq queixa: 10. II. 89. Resumo do processo:

O reclamante foi vítima de um furto na sua residência. Alguns dos objectos furtados foram recuperados pela Polícia Judiciária, não tendo sido imediatamente devolvidos ao-seu proprietário.

O processo veio a ser arquivado em virtude de entretanto terem sido devolvidos os objectos ao seu dono. \

R-2435/89

Motivo da queixa: Não devolução de objectos

apreendidos. Data dos factos: Agosto de 1987. Data da queixa: 8-11-89. Resumo do processo:

À queixosa foi furtado um fio de ouro.

O fio foi recuperado, mas veio a desaparecer por acção de um agente da Polícia Judiciária entretanto repreendido por escrito na sequência de um inquérito disciplinar. A Polícia Judiciária não quis indemnizar a vítima.

O processo foi arquivado. A queixosa desistiu da pretensão de ser ressarcida pelo extravio do fio em ouro que lhe tinha sido furtado.

R-1522/89

Motivo da queixa: Apreensão ilegal. Data dos factos: Maio de 1988. Data da queixa: 29-06-89. Resumo do processo: »

O reclamante alega que lhe foi apreendido um veículo motorizado sem razão para isso. O processo foi arquivado em virtude em de se ter apurado que o referido veículo foi apreendido por suspeitas de ter sido adquirido com o

produto da venda de estupefacientes. Foi aberto processo pelo Ministério Público junto do Tribunal de Faro.

R-895/90

Motivo da queixa: Abuso de autoridade. Data dos factos: 15. 12. 89. Data da queixa: 23. 04. 90. Resumo do processo:

Dois cidadãos de nacionalidade alemã foram detidos pela Polícia Judiciária de Faro visando cumprir uma solicitação das autoridades germânicas.

O reclamante alega que não lhe foi facultado a possibilidade de telefonar ao seu advogado.

O processo instaurado nesta Provedoria foi mandado arquivar em virtude de se ter apurado que face às circunstâncias a actuação da Polícia Judiciária foi a possível.

No interior da Polícia Judiciária o presente caso não deu origem a nenhuma medida interna.

R-1316/90

Motivo da queixa: Abuso de autoridade. Ofensas

corporais. Data dos factos: 31-05-90. Data da queixa: 12. 06. 90. Resumo do processo:

A reclamante alega que vários elementos da Polícia Judiciária ao capturarem o seu companheiro terão utilizado de força e ofensas corporais na referida detenção.

Foi apurado que na detenção do companheiro da queixosa, perigoso cadastrado evadido do E.P. de Sintra, o mesmo ofereceu resistência pelo que teve de ser algemado. Não se comprovando o teor do fundamento da queixa foi arquivado o processo.

R-2527/90

Motivo da queixa: Abuso de autoridade. Data dos factos: 24. 10. 1990. Data da queixa: 06. 11. 1990. Resumo do processo:

O reclamante e os seus irmãos queixaram-se da actuação de dois agentes da Polícia Judiciária.

A solicitação da Provedoria de Justiça foi aberto pela Polícia Judiciária um processo de averiguações tendente a esclarecer o sucedido.

Após averiguações concluiu-se que as diversas versões dos factos eram muito diferentes, e que os reclamantes eram cadastrados, contendo entre ps crimes já perpetrados o de homicídio a agentes da autoridade.

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II SÉRIE-C — NÚMERO 23

Concluído o processo de averiguações verificou-se não terem razão os reclamantes peloque foi arquivado o processo na Polícia Judiciária.

O processo aberto na Provedoria de Justiça foi arquivado.

R-2455/90

Motivo da queixa: Não devolução de objectos

apreendidos. • Data da queixa: 29. 10. 90.

Resumo do processo:

A reclamante veio pedir a colaboração da Provedoria no sentido de esta interceder junto da Polícia Judiciária com o intuito de ser reembolsada de alguns objectos que aí se encontravam à ordem de um processo, há pelo menos cinco anos.

Foi apurado que os objectos ainda não foram restituídos em virtude de estes se encontrarem penhorados em processo judicial a favor da Caixa Geral de Depósitos.

R-244/90

Motivo da queixa: Ofensas corporais. Data dos factos: 04. 01. 90. Data da queixa: 26. 10. 90. Resumo do processo:

O reclamante alega que foi vitima, por agentes da Polícia Judiciária, de maus tratos e sevícias que descreve.

Com base na referida queixa foi iniciado inquérito com o n.° 1100/91 no Tribunal Judicial de Paços de Ferreira. Estes autos foram arquivados em 2 de Abril de 1993.

R-1381/90

Motivo da queixa: Ofensas corporais. Abuso de

autoridade. Data dos factos: 07. 06. 90. Data da queixa: 21. 06. 90. Resumo do processo:

O reclamante apresentou queixa por ter sido alegadamente agredido por um agente da Polícia Judiciária, o que lhe provocou um rasgão na sua camisola, isto quando pedia informações acerca de um processo de que sua irmã era queixosa.

A Polícia Judiciária instaurou processo disciplinar n." 1/90 que veio a ordenar o arquivamento do mesmo.

O queixoso apresentou igualmente queixa crime no Tribunal Judicial de Braga, que findo o inquérito mandou arquivar os autos.

Assim sendo e não podendo o Provedor de Justiça intervir na actividade específica dos Tribunais, foi mandado arquivar o processo.

R-1159/90

Motivo da queixa: Ofensas corporais. Data dos factos: 06. 03. 90. Data da queixa: 28. 05. 90. Resumo do processo:

Os reclamantes são membros das FP-25 de Abril e alegam ter um deles — Manuel Maria de Couto Ferreira — sido agredido com um soco por um subinspector na presença de mais quatro agentes.

Pela Polícia Judiciária foi instaurado o processo de inquérito n.° 52/90, tendo este concluído pelo arquivamento em virtude de não se ter provado o alegado pelos reclamantes.

R-1596/90

Motivo da queixa: Ofensas corporais. Data dos factos: 26. 06. 90. Data da queixa: 10. 07. 90. Resumo do processo:

O queixoso foi detido por elementos da Polícia Judiciária que alegadamente o terão agredido no trajecto e nas instalações de Setúbal dessa mesma polícia.

O reclamante solicitou um exame médico. Realizado

o referido exame o parecer clínico não confirmou as

acusações que tinham sido formuladas. R-1644/90

Motivo da queixa: Apreensão, ilegal. Data dos factos: 25. 05. 90. Data da queixa: 16. 07. 90. Resumo do processo:

A reclamante queixou-se de numa busca efectuada a sua casa por elementos da Polícia Judiciária, estes agentes terem sido desumanos e terem levado alguns objectos ilegalmente. Por diligências desta Provedoria foi devolvida à reclamante pela Polícia Judiciária uma mala de viagem.

Assim sendo e face aos esclarecimentos prestados foi o processo arquivado.

R-2671/91

Motivo da queixa: Ofensas Corporais. Data dos factos: 01. 08. 91.' Data da queixa: 07. 08. 91. Resumo do processo:

O reclamante alega ter sido agredido por agentes da Polícia Judiciária de que resultaram várias lesões que originaram assistência hospitalar e intervenção cirúrgica.

Foi instaurado pela Polícia Judiciária um processo disciplinar (n.° 23/91) que foi mandado arquivar por falta de provas conclusivas.

R-393/91

Motivo da queixa: Abuso de autoridade. Data dos factos: 28. 09. 90. Data da queixa: 8. 02. 91. Resumo do processo:

O reclamante informa ter sido pela detido pela'Polícia Judiciária de Aveiro sem que esta lhe tenha informado qual a razão de tal atitude. Alega ainda ter a sua casa sofrido uma busca só lhe tendo sido entregue cópia do mandato após a busca.

O processo instaurado nesta Provedoria foi mandado arquivar em virtude de se ter apurado o seguinte:

O reclamante é irmão de um chefe de uma rede de tráfico de droga detido preventivamente, e foi com base nesse processo que o reclamante foi ouvido.

A referida busca a sua casa foi realizada com base no mandato judicial emitido pelo Tribunal Judicial de Aveiro.

A Polícia Judiciária de Aveiro considera a presente denúncia caluniosa pelo que pediu à Directoria-Geral que o reclamante seja responsabilizado.

R-736/91

Motivo da queixa: Ofensas corporais. Data dos factos: 20. 10. 85. Data da queixa: 11. 03. 93.

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Resumo do processo:

O reclamante queixou-se de ter sido agredido por agentes, que identificou, da Policia Judiciária de Lisboa.

Face à denúncia efectuada foi instaurado no DIAP o inquérito n.° 2433/89-S, da 6\ Secção, tendo sido proferido despacho de arquivamento em 25. 11. 91.

O processo instaurado nesta Provedoria foi mandado arquivar face aos dados recolhidos não comprovarem a versão do reclamante.

R-3170/91

Motivo da queixa: Ofensas corporais. Data dos factos: .19. 09. 91. Data da queixa: 0t. 10. 91. Resumo do processo:

O reclamante alegou ter sido torturado por quatro agentes da Polfcia Judiciária, e sofrido tentativa de homicídio.

O queixoso apresentou seis fotografias a cores para comprovar o estado em que ficou depois das agressões de que foi vitima.

Igualmente foi apresentado pelo queixoso um relatório médico de ofensas corporais.

Pelo DIAP foi instaurado o inquérito n.° 2758/91-LA da 6*. Secção.

R-1392/91

Motivo da queixa: Não devolução de objectos

apreendidos. Data dos factos: 30. 06. 88. Data da queixa: 03. 05. 92. Resumo do processo:

À reclamante foi furtada uma pulseira pelo que apresentou queixa na Polícia Judiciária.

Tendo sido recuperada a referida pulseira, o seu dono requereu a sua devolução. O processo instaurado pela Pol/cia Judiciária transitou para o DIAP. Posteriormente o DIAP informou que os autos foram remetidos à Pol/cia Judiciária a fim de ser entregue a pulseira ao seu dono. A PJ informou que a pulseira não se encontrava nessa polfcia mas sim numa casa de penhores. Mais informou que o processo foi enviado ao DIAP para o Tribunal Criminal.

O processo judicial foi declarado findo, por ter sido abrangido pela Lei da amnistia n.° 23/91, tendo o Tribunal Criminal de Lisboa informado que a pulseira foi entregues no dia 22. 05. 92. Assim o processo instaurado nesta Provedoria foi mandado arquivar.

Realce-se que o processo de entrega da pulseira demorou cerca de quatro anos.

R-3164/92

Motivo da queixa: Não devolução de objectos

apreendidos. Data dos factos: 12. 05. 92. Data da queixa: 03. 12. 92. Resumo do processo:

Concluída a investigação pela Polícia Judiciária, foi o inquérito remetido ao Ministério Público da Comarca de Coimbra em 03. 12. 92.

R-2378/92

Motivo da queixa: Não promoção de procedimento criminal.

Data dos factos: Setembro de 1992. Data da queixa: 18. 09. 92. Resumo do processo:

O reclamante participou à Polícia Judiciária de diversos atentados à bomba de que foi vítima. Passados vários meses e sem resultados à vista veio queixar-se de tal situação.

A Polfcia Judiciária informou-nos de que até ao momento ainda não foi possível identificar-se os autores de tais atentados.

R-2358/92

Motivo da queixa: Ofensas corporais.

Data dos factos: 09. 09. 1992. Data da queixa: 10. 09. 1992. Resumo do processo:

O queixoso, detido no Estabelecimento Prisional da Guarda, diz ter sido vítima de ofensas corporais por parte de agentes da Judiciária. Tal ocorrência ter-se-ia dado no dia 9 de Novembro de 1992.

Foi apresentada queixa judicial que foi mandada arquivar pelo Ministério Público. Em 28 de Setembro foi mandado instaurar processo de inquérito que foi arquivado por despacho de 19 de Março de 1993.

R-2281/92

Motivo da queixa: Ofensas corporais. Abuso de

autoridade. Data dos factos: 27. 11. 91. Data da queixa: 03. 09. 92. Resumo do processo:

O reclamante queixou-se de ter sido agredido por elementos da Polícia Judiciária, de não lhe ter sido facultado um advogado aquando do seu interrogatório. O reclamante alega que aquando da agressão não lhe foi facultado um médico.

Foi por esta Provedoria averiguado o seguinte.

O queixoso foi assistido no primeiro interrogatório judicial pelo advogado Dr. Firmino Soares.

O reclamante é arguido num processo judicial, acusado, de um crime de burla, receptação e detenção de armas proibidas.

O queixoso foi igualmente condenado a pena de prisão efectiva que actualmente cumpre.

Os relatórios médicos contradizem a versão do arguido.

Por tudo o que foi apurado, e que não coincide com a versão do queixoso, foi arquivado o processo nesta Provedoria.

492/92

Motivo da queixa: Abuso de autoridade. Data dos factos: 07 e 08 de Janeiro de 1992. Data da queixa: 12. 02. 92. Resumo do processo:

O reclamante alega que vários detidos entre os quais o seu pai foram detidos sem justa causa e foram sujeitos a maus tratos. Do processo instaurado nesta Provedoria foi averiguado o seguinte: Os arguidos foram detidos em cumprimento de mandato judicial, todos foram apresentados no prazo de 48 horas ao Juiz criminal. Três meses depois as detenções foram reexaminadas e decidida a manutenção da mesma. Os arguidos sempre fw^m

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ouvidos na presença dos seus advogados. Não se apurou ter havido alguma «brutalidade». Face ao apurado foi o processo mandado arquivar.

R-641/92

Motivo da queixa: Abuso de autoridade. Data dos factos: 07. 01. 91. Data da queixa: 26. 02. 92. Resumo do processo:

O reclamante alega que foi perseguido por agentes da Polícia Judiciaria e que foi detido ilegalmente. Do que se conseguiu apurar sabe-se que o queixoso foi detido com base em dois mandatos de captura contra si emitidos. Sabe-se igualmente que o reclamante é parte no processo n.° 188/92 que corre os seus termos no 2.° Juízo Criminal do Porto.

R-1289/92

Motivo da queixa: Ofensas corporais. Abuso de

autoridade. Data da queixa: 08. 05. 92. Resumo do processo:

O juiz do 1.° Juízo do Tribunal Criminal de Lisboa extraiu certidão do processo 65/92, em que o advogado do arguido declarou que o seu constituinte foi vítima de ofensas corporais durante a detenção, e que não lhe foi possibilitado, a ele, advogado, entrar em contacto com o seu cliente apesar de o ter tentado.

Depois de ouvidos quer a Polícia Judiciária quer o -advogado em causa, concluiu-se haver ilegalidades na detenção do arguido pelo que se enviou cópias do processo para a Procuradoria-Geral da República.

IP-9/92

Data dos factos: 26. 06. 90 e 27. 06. 90. Resumo do processo:

O queixoso veio reclamar contra os métodos utilizados pela Polícia Judiciária de Setúbal. Foi aberto o processo n.° 2378/91.

Já que tal matéria é da competência disciplinar exclusiva da Procuradoria-Geral da República foi o processo mandado arquivar.

Posteriormente foi o processo reaberto mas agora na forma de um inquérito por_ordem do Senhor Provedor.

No Processo de Inquérito que correu termos na Comarca de Setúbal, o Ministério Público decidiu arquivar o processo.

TP-30/91

Resumo do processo:

Em 28. 06. 91, foi aberto uma IP com base ná publicação da Amnistia Internacional «Preocupações na Europa», de Junho de 1991. Nessa publicação relatavam-se casos de cidadãos portugueses que teriam sido vítimas de maus tratos por parte de elementos da Polícia Judiciária. Um desses elementos apresentou queixa ao delegado do Procurador da República de Setúbal.

4 — Conclusões

De todos os processos analisados algumas conclusões se podem retirar.

á) Na maioria das queixas verifica-se uma insuficiente prova que permita confirmar o alegado pelos reclamantes,

que se limitam a apresentar a sua versão dos factos. Não apresentando quaisquer testemunhas ou outros elementos, que permitam, outro tipo de investigação.

b) A quase totalidade dos processos disciplinares instaurados pela Polícia Judiciária são arquivados por falta de provas, já que as condições em que as alegadas agressões ocorrem não permitem essa recolha.

c) Nalgum casos os reclamantes utilizam a queixa contra a Polícia Judiciária, como meio dilatório para

Conseguirem atrasar a investigação que contra eles corre. Criando estas manobras de diversão, desviam o objectivo da investigação.

d) De todos os processos consultados em que o motivo da queixa são ofensas corporais, só num se encontra um relatório médico comprovativo de tais queixas — processo R-3170/91.

e) Nos processos cujas queixas têm por base a não devolução de objectos apreendidos e a não promoção de procedimento criminal, tal deve-se na maior parte dos casos a" atrasos provocados por problemas burocráticos. Tome-se como exemplo o processo R» 1392/91, em que a devolução de uma pulseira ao seu proprietário demorou cerca de quatro anos.

3.1.2 —Inspecção ao Sistema Prisional

A) Direcção-Geral dos Serviços Prisionais

Na sequência do Despacho de Sua Excelência o Senhor • Provedor de Justiça, a fls. 62, no que se refere à visita proposta pelo Senhor Coordenador Dr. Paulo Antunes, no ponto 3 de fls. 63, foi enviado ao Exmo Senhor Director-Geral dos Serviços Prisionais, o ofício n.° 10189, de 1/7/ 1994, a fls. 64 e 65, tendo-se obtido como resposta o ofício n.° 263 de 5/7/94, a fls. 68.

Efectuou-se a referida visita à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, no dia 11 de Julho de 1994, tendo estado presentes:

Por parte da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais:

os Exmos Senhores Director-Geral, Dr. Marques Ferreira e Subdirector-Geral, Dr. Celso Manata e, Por parte desta Provedoria: os Senhores Coordenadores, Dr. Paulo Antunes e Dr. André Folque, e a assessora Dra. Isaura Junqueiro, na sequência do despacho de Sua Excelência o Senhor Provedor, último parágrafo do ponto 3.° de fls. 69, e do despacho do Senhor Coordenador, a fls. 68.

Procedeu-se ao tratamento dos seguintes aspectos: I

Oa sobrelotação dos estabelecimentos prisionais

1 — Face à lotação fixada nos termos do artigo 179.° do DL n.° 265/79, de 1 de Agosto, foi-nos respondido que os números aí referidos estão desactualizados, não conformes com a realidade, e, a seguir-se o critério legal, todos os Estabelecimentos teriam de fechar porque incapazes de satisfazer a exigência legalmente determinada.

2 — Assim, em face da conclusão atrás referida, disse--nos o Ex.mo Senhor Director-Geral que a ocupação dos diferentes Estabelecimentos Prisionais tem-se. analisado em face de dois factores: a lotação de cada estabelecimento e a percentagem com que essa lotação é ultrapassada, isto

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é, neste momento, a Direcção-Geral, considera que um estabelecimento está sobrelotado quando a sua lotação é ultrapassada em 15 a 20%, sendo até esta média comportável o internamento, designadamente tendo em conta as deficiências de há décadas de que vem enfermando o sistema prisional.

3 — Para ilustrar a situação da população prisional, por estabelecimento, foi-nos fornecido um mapa de onde constam as lotações de cada estabelecimento e a população prisional também em cada um desses estabelecimentos, entre 31 de Maio e 15 de Junho, conforme fls. 70 e 71. Depois de efectuada uma análise sumária desse mapa, os estabelecimentos prisionais centrais que estão sobrelotados, de acordo com o critério legal e do Exmo Senhor Director--Geral, são: Caxias, Tires, Linho, Lisboa, Paços de Ferreira, Custóias, Pinheiro da Cruz, Alcoentre, Vale dos Judeus, sendo certo que os regionais de Setúbal, Montijo, Faro, Leiria e Pol/cia Judiciária de Lisboa têm todos uma população prisional superior a 100 reclusos e excedem em mais do dobro a lotação que têm fixada.

4 — A título de exemplo, foi realçada a sobrelotação dos estabelecimentos prisionais de Custóias, Tires, Faro, Coimbra, Sintra e prisão escola de Leiria.

5 — Estão em curso diferentes projectos para solucionar, na medida do possível, a situação de sobrelotação, como sejam:

a) Para mulheres:

a\) Vão ser construídos novos pavilhões em Tires;

a2) A casa de reclusão militar do Porto com capacidade para 300 mulheres, vai abrir brevemente para 100 mulheres, começando assim por solucionar alguma sobrelotação de Tires, bem como o problema da transferências de Tires para estabelecimentos no Norte para junto das famílias e locais de residência;

ai) Vai abrir também a prisão de Odemira para mulheres, com capacidade para 100 mulheres, iniciando-se com 80.

b) Para homens:

bl) Vai abrir em Outubro o estabelecimento do Funchal, com capacidade para 300 reclusos, iniciando-se com 50 reclusos aumentando outros 50, de 15 em 15 dias, sucessivamente;

b2) O estabelecimento de Ezeda, com capacidade para 300 reclusos, vai abrir com 150 reclusos no princípio e depois com mais 150;

b3) Em Caxias vão ser desocupadas as instalações da GNR, e feitas as obras necessárias, pensando-se conseguir capacidade para mais 250 reclusos; ficará uma prisão de trânsito na área de Lisboa, com apoio à prisão Hospital e para reclusos não inimputáveis.

II.

Pequenos estabelecimentos

Existem vários estabelecimentos muito pequenos, que conforme nos foi referido pelo Exw." Senhor Director, fa-

zem parle de uma época e de uma conjuntura, mas estão completamente em desconformidade com o actual sistema prisional, isto é, têm dois inconvenientes:

a) De má gestão, pois que é necessário haver uma estrutura idêntica à de um estabelecimento prisional normal, com os custos daí decorrentes, e a capacidade é relativamente pequena, não compensadora; e

b) É um erro em termos de execução de penas, pois que não há tratamento médico adequado, ensino, etc.

ra

Dos inimputáveis

1 — Até este momento, têm estado nos Hospitais privados e públicos, ou nos próprios estabelecimentos prisionais em regime normal de internamento, o que tem inconvenientes vários, não só ao nível da insuficiência de tratamento e de meios específicos, como também na contagem de tempo de internamento que não se verifica, pois que o cumprimento da pena apenas conta se o recluso estiver em regime de vigilância médica e tratamento psiquiátrico.

2 — Em face da situação acabada de referir, foi-nos dado conhecimento de que estão em execução uma série de projectos, como:

a) Foi aberta a clínica psiquiátrica de Santa Cruz do Bispo, para 100 reclusos inimputáveis;

b) Vai ser aberto, ainda no mês de Julho, o anexo psiquiátrico de Coimbra para 18 mulheres inimputáveis, o que é suficiente para resolver o problema das reclusas femininas inimputáveis.

rv

Da divulgação do exercício do direito de queixa pelos reclusos e a não abertura deste tipo de correspondência

1 — Efectivamente abordou-se este problema, pois que a maior parte dos reclusos desconhece, ou a própria Provedoria de Justiça, pelo que em consequência não chega a recorrer a ela, ou se conhece, não sabe quais são as suas atribuições e a forma como pode ser ajudado e obter solução para alguns dos seus problemas, tendo-se proposto para esse efeito a elaboração de uma brochura explicando o direito de queixa à Provedoria de Justiça e realçando os pontos essenciais do Estatuto do Provedor de Justiça para este tipo de reclamantes e de queixas, que se distribuiriam pelos diferentes Estabelecimentos Prisionais.

Esta proposta foi aceite, tendo-se acordado que a Provedoria elaboraria a referida brochura e a Direcção-Geral encarregar-se-ia da sua distribuição pelos Estabelecimentos.

2 — Na sequência deste assunto, abordou-se o problema da abertura da correspondência, que nestes casos, designadamente para entidades públicas, não se justificava a sua abertura e fiscalização por parte do estabelecimento, não só por não se considerar necessário, como também para garantir que a correspondência e as queixas chegam ao seu destino e ao conhecimento das entidades para onde são dirigidas.

a) Neste sentido existe já uma Circular da Direcção-Geral, n.° 38/93 mas que na prática, reconhece-se, não está

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a ser rigorosamente cumprida por parte dos Estabelecimentos e respectivos Directores, pelo que iria ser elaborada nova Circular, em termos mais claros e determinantes.

b) Com vista à concretização daquela ideia, foi proposta a instalação de caixas de correio nos Estabelecimentos, exclusivamente para a Provedoria de Justiça, onde os reclusos depositariam a referida correspondência e queixas.

O Exmo Senhor Director-Geral concordou e referiu que a própria |Direcção-Geral se encarregaria de colocar as referidas caixas de correio, logo que lhe fossem enviadas as brochuras sobre o exercício do direito de queixa e esclarecimento do que é a Provedoria de Justiça.

Mais referiu, no entanto, que as caixas de correio, em princípio, deveriam ser não só para a Provedoria de Justiça, mas também para as entidades abrangidas pelos artigos 150.° e 15jl.° do DL n." 265/79, de 1 de Agosto, como o Presidente da República, a Assembleia da República, Procuradoria-Geral da República e Comissão Europeia dos Direitos do Homem, uma vez que são entidades em que há o mesmo tipo de protecção, além da própria Direcção--Geral. |

Ainda com vista à concretização destas medidas, propôs a Direcção-Geral que, depois de implementadas, se acordaria a forma de se retirar a correspondência, colocando desde já a hipótese da divisão por áreas, ficando a Provedoria de Justiça encarregue de umas e a Direcção--Geral de outras.

c) Em sintonia com esta ideia e orientação quanto à abertura e fiscalização de correspondência, está a Direcção-Geral, que adiantou que a censura que existe tem de ser restringida a casos em que haja suspeita de práticas criminosas, esteja em causa a segurança, mesmo assim devendo ser elaborado um relatório sobre as suspeitas e circunstâncias que levaram à abertura da correspondência; quanto à correspondência dos reclusos em RAVI e RAVE, não faz sequer sentido a sua abertura nem da emitida, nem da recebida.

V

0 tratamento médico dos reclusos portadores do vírus

da SIDA e com Hepatite B

1 —Inicialmente foi referido que este tema não tem sido honestamente tratado, uma vez que se tem imputado sistematicamente ao sistema prisional responsabilidades no âmbito destas doenças como se fossem consequência do sistema prisional, quando o grande problema é o facto de os reclusos, quando chegam aos estabelecimentos, já serem portadores I destas doenças.

2 — Em 1993 iniciou-se a vacinação em mais de três estabelecimentos, não se concluindo por falta de verba.

3 — No caso de doentes terminais com SIDA faz sentido a recolha à casa de família, sendo uma das eventuais

propostas do actual Director-Geral.

4 — Irá também ser criado um processo clínico, que acompanhará o recluso com todos os elementos de diagnóstico, além de que, assim, não se repetirão exames médicos.

VI

Abordaram-se também alguns assuntos directamente ligados à privação de liberdade e ao internamento, que não

são da competência da Direcção-Geral, mas sim dos Tribunais, designadamente do Tribunal de Execução de Penas:

1) Liberdade condicional e a falta de uniformidade de critérios, designadamente quanto à aplicação dos 5/6;

2) A aplicação dos perdões sucessivos de 1986, 1991 e 1994, bem como o seu desconto da pena;

3) Como resolver a situação dos inimputáveis que estão a cumprir pena num estabelecimento

prisional normal e como têm de a cumprir em estabelecimentos psiquiátricos especiais para o efeito, possa não estar a contar o tempo de internamento para efeitos de libertação a título de ensaio.

vn

Dos preventivos

1 — vários problemas se colocam neste campo, designadamente:

a) Estão em média um ano à espera de julgamento e em situação de prisão preventiva com todas as consequências que daí advêm;

b) Reclusos em regime preventivo sem mandado judicial.

2 — Em Espanha, ao fim de seis meses de regime de prisão preventiva, o recluso transita para sistemas alternativos.

vm

O trabalho e a formação profissional

Estes aspectos são os que melhor têm funcionado, de acordo com o Director-Geral, mas há sempre formas os desenvolver e aperfeiçoar.

IX

Os regulamentos Internos dos estabelecimentos

1 — De acordo com as visitas aos vários estabelecimentos tem-se concluído que os regulamentos internos dos vários estabelecimentos, ou não estão actualizados nem regulamentam a vida diária dos reclusos e do próprio estabelecimento, ou nem sequer existem, pelo que submetemos este ponto à consideração do Director-Geral, tendo-nos referido que efectivamente isso se verifica, mas que é um problema que irá ser resolvido depois de muitos outros, adiantando, porém, que a sua ideia é estabelecer uma espécie de regulamento tipo para todos os estabelecimentos prisionais, deixando uma margem de manobra para o próprio Director do estabelecimento.

2 — Neste âmbito, foram-nos fornecidos dois folhetos que são distribuídos aos reclusos quando entram para o Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz, bem como às respectivas visitas.

Porém, este tipo de folhetos é exclusivo desse Estabelecimento.

3 — Quanto ao regulamento, quando existe, este deve estar disponível num local de fácil acesso dos reclusos, principalmente a Biblioteca, bem como o DL n.° 265/79

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de 1 de Agosto, à semelhança do que acontece no Estabelecimento Prisional de Pinheiro, da Cruz, conforme rosto do folheto constante de fls. 72 e 73.

Neste sentido é interpretado o n.° 4 do artigo 185.° do DL referido.

Conclusões

1 — Em face do referido anteriormente, designadamente quanto à sobrelotação e projectos de solução já concretizados ou em vias de concretização, bem como quanto aos estabelecimentos psiquiátricos para inimputáveis, quer para mulheres reclusas como para homens, parece-me estarem encaminhados dois dos problemas essenciais e mais graves do sistema prisional, pelo que proponho:

a) Se aguarde dois meses, e de seguida se solicitem informações à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais sobre o estado daqueles projectos e perspectivas de outros; e

b) Nesse mesmo ofício se solicitem também esclarecimentos sobre eventuais problemas encontrados em visitas a efectuar por esta Provedoria a alguns estabelecimentos prisionais.

2 — Quanto ao exercício do direito de queixa por parte dos reclusos, bem como à instalação de caixas de correio nos estabelecimentos, conforme acordado na reunião durante a visita, a sua concretização está dependente da elaboração da brochura sobre a Provedoria de Justiça e possibilidades de reclamação, tendo ficado a cargo do Exmo Senhor Coordenador, Dr. Paulo Antunes.

3 — Em face do despacho de Sua Excelência o Senhor Provedor de Justiça, a fls. 62, designadamente quanto ao teor dos pontos 1. e 4. de fls 62 e 63, e no sentido da alínea c) também de fls 62, bem como do resultado da análise do mapa da população prisional, que indica que estabelecimentos estão sobrelotados, proponho:

a) Que sejam efectuadas desde já visitas aos estabelecimentos prisionais de:

Lisboa;

Custóias e, alguns estabelecimentos regionais a determinar (refiro neste âmbito, que já foram efectuadas visitas aos estabelecimentos de Tires e de Caxias, também sobrelotados e que deram origem a JP);

b) Está marcada uma visita ao Estabelecimento Prisional de Lisboa no dia 21 de Julho;

c) Que sejam abertos JJ?s com os relatórios das visitas a efectuar.

4 — Realço finalmente que a Direcção-Geral se mostrou francamente aberta à colaboração e propostas desta Provedoria, referindo insistentemente o Director-Geral a sintonia de posições no sentido da resolução dos problemas da situação prisional portuguesa, pelo que será um momento muito oportuno de cooperação.

A Assessora, Isaura Junqueiro.

B) Estabelecimento Prisional de Caxias

1 — A inspecção foi ordenada por despacho de Sua Excelência o Provedor de Justiça proferido no processo

2218/92, tendo como principal objectivo o apuramento das circunstâncias, condições e causas do suicídio do recluso P..., ocorrido no dia 3. 8. 92.

Aproveitou-se a oportunidade para estudar a situação dos reclusos J... e M..., reclamantes dos processos n.os 490/ 92, 1153/92 e do n.° 1106/93 da Provedoria de Justiça.

As visitas tiveram lugar nos dias 12 e 20 de Abril, 6 e 7 de Maio de 1994, sendo efectuadas sem aviso prévio, pelo Sr. Coordenador Celso Manata e pelo assessor Carlos Monteiro.

Considerando a proximidade do Hospital S. João de Deus, assim como a circunstância de ali ter sido observado o recluso P... e se terem registado no dito local duas tentativas de fuga — que lhe valeram a colocação em regime de «internamento em cela de habitação» em que ocorreu a sua morte — visitamos as instalações, ouvindo a direcção e pessoal de vigilância e administrativo do estabelecimento hospitalar prisional.

Além dos directores e subdirectores dos estabelecimentos visitados, foram ouvidos os reclusos reclamantes, além de duas dezenas de outros, guardas, médicos, enfermeiros, educadores e pessoal administrativo.

2 — As instalações do Estabelecimento Prisional de Caxias compõem-se de um edifício principal, designado por reduto norte, objecto de reparação de obras de vulto em 1940 e, apesar de conservação periódica, encontra-se em estado sofrível.

Todavia, o edifício gémeo encontra-se inexplicavelmente desocupado, sendo certo que com algumas obras de beneficiação, aparentemente pouco onerosa, poderia operar funcionalmente como extensão de apoio.

O estabelecimento tem classificação de misto,.funcionando o regime fechado em Caxias e o aberto no antigo E.P. de Monsanto.

3 — A lotação máxima do edifício é de 175 reclusos e estava ocupado com 284, à data da última visita. As 74 celas individuais tinham três reclusos cada. As oito camaratas com capacidade para 6 reclusos cada, estavam ocupadas com doze. Os quartos maiores, com capacidade de 4, tinham seis reclusos cada.

Em época recente, o estabelecimento chegou a albergar 310 reclusos, em condições inadmissíveis de sobrelotação extrema, com reclusos a dormir no chão, nos intervalos das camas, por exemplo.

As celas dispõem de sanitários e chuveiros de água quente e fria, encontrando-se a grande maioria a necessitar de obras de conservação, que estão a decorrer na zona das camaratas e foram iniciadas na sequência das greves de fome por melhores condições prisionais.

Desde Janeiro passado, estão em condições de funcionamento duas celas disciplinares, até então inexistentes, sendo as penas cumpridas nas celas de habitação.

Os reclusos encontram-se misturados, preventivos e condenados, nas celas, camaratas e sectores, sem qualquer espécie de distinção. Ainda que o estabelecimento esteja concebido apenas para preventivos, mais de uma terça parte dos reclusos estão em cumprimento de pena.

4 — O pessoal de vigilância compõe-se de um contingente da G.N.R. de cerca de 40 elementos — que faz a segurança exterior do edifício— e por 75 guardas prisionais.

Os funcionários administrativos são 70, o número de educadores é 3 e o de técnicos de I.R.S. é de 5; sendo de um único médico e uma enfermeira o «corpo clínico», assim pomposamente designado na cadeia.

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5 — A maioria dos reclusos não exerce qualquer actividade laboral ou lúdica, por forma sistemática, queixando-se da falta de uma sala de convívio e de ocupação útil em actividade produtiva, que a direcção afirma não dispor de condições para proporcionar plenamente.

A direcção preocupa-se em ocupar predominantemente os reclusos condenados, na actividade laboral, podendo indicar-se as oficinas e trabalhos seguintes com o respectivo número de reclusos:

Pedreiros —4 (sazonal); Electricidade — 1; Faxinas — 10; Serralharia —6; Mecânica-auto — 10; Olaria —6; Carpintaria —2; Sapataria — 1; Lavandaria —6; Bar —4; Cozinha — 3; Horticultura — 9 (sazonal); Criação patos — 3 (sazonal).

Alguns reclusos produzem artesanato nas próprias celas, tal como pintura e tapeçaria.

As oficinas são orientadas por um mestre, funcionário contratado na área da especialidade profissional pela D.G.S.P., que ministra cursos do ramo aos reclusos interessados na aprendizagem. As remunerações são de 300$00/dia ou 200S00 para os faxinas, como regra, acrescidas eventualmente de gratificações ou prémios nas actividades lucrativas.

6 — No sector desportivo, o Estabelecimento Prisional dispõe de um campo polivalente e de um ginásio, praticando os reclusos regularmente, por escala de inscrição dos interessados, futebol, basquetebol, voleibol, ping-pong e ginástica, sendo orientados por um monitor e um professor de educação física.

7 — Existe uma pequena biblioteca à disposição dos reclusos, sendo suficientes as unidades respectivas. Os jogos autorizados e utilizados, apenas nas celas, por falta de sala de convívio, são pertença dos próprios detidos.

No período de Natal, em regra, é organizada pelos próprios reclusos a produção de uma peça teatral.

Presentemente encontra-se em formação unia pequena unidade musical, dispondo já de alguns instrumentos e espaço físico destinado à prática da actividade.

- A escola com ensino elementar é ministrada por uma professora de Oeiras.

8 — A assistência médica está a cargo do chamado «corpo clínico», como se referiu, composto por um único médico e uma enfermeira. A enfermeira está no estabelecimento das 9 às 17 horas e 30 minutos, mas o médico cumpre apenas 4 horas diárias, ambos nos dias úteis. No horário excedente, nos feriados, fins-de-semana e nas férias, simplesmente não há qualquer assistência médica.

No dia-a-dia, os reclusos preenchem uma ficha, que entregam aos guardas, dirigindo-se à enfermeira ou médico solicitando tratamento ou consulta que, segundo a maioria, demoram mais do que deviam, sejam no interior, sejam as cov\su\las no exterior, normalmente no H.S. João de Deus.

Note-se que sempre que o médico não está — no primeiro dia da nossa visita, 12/4, foi-nos dito que estava a faltar desde 8/4 —fora do horário normal, nos fins-de-

-semana ou nas férias do médico, quem «aprecia» as queixas do foro clínico dos reclusos são os guardas. Se entenderem que as queixas não merecerem atendimento, pura e simplesmente ignoram-nas. Se entenderem que os reclusos necessitam de apoio médico, pedem guias à Secretaria e conduzem o recluso ao Hospital S. Francisco Xavier ou outros Hospitais Civis.

Considerando o elevado número de reclusos com problemas de toxicodependência, sida, hepatite, por exemplo, aliada à natural ansiedade da situação da maioria dos reclusos preventivos, compreende-se a razão que assiste à maioria das reclamações contra a mais que precária ou quase inexistente assistência médica prestada pelo «corpo clínico» da cadeia.

9 — O acesso ao juiz do Tribunal de Execução de Penas é relativamente fácil, na opinião da maioria dos reclusos ouvidos, sendo problemáticas apenas as concessões de liberdade condicional, provocadas pela lentidão com que os tribunais informam sobre processos pendentes e aplicam cúmulos.

10 — A assistência religiosa é prestada predominantemente por um padre católico, que celebra missa duas vezes por semana e tem acesso completamente livre. Aos ministros de outros cultos já tem sido autorizada a entrada, ainda que sem carácter sistemático, sempre que se verifique manifestação de vontade nesse sentido, de um número representativo de reclusos.

11 — O regime de visitas encontra-se condicionado pelo seu elevado número e falta de condições, estando limitadas aos familiares directos ao fim-de-semana, sendo as restantes visitas recebidas durante a semana.

12 — Quanto ao pessoal administrativo e de vigilância, os reclusos ouvidos não manifestaram qualquer queixa. No respeitante ao educador Sr. ... não foram igualmente indicados factos concretos que suportem qualquer censura, nada havendo a contrariar a indicação fornecida por escrito pelo director da cadeia, constante de fls. 26 do proc. 1153/92.

Designadamente quanto a eventuais maus tratos Ou vio-, lências sobre os detidos, não foi apontado qualquer caso concreto, sublinhando apenas os detidos do caso FP-25 a existência de «rumores».

No tocante às entrevistas com o director, os reclusos foram unânimes em censurar a demora de marcação e concessão das mesmas. Apontam a relativa dificuldade de acesso ao director e o distanciamento do mesmo em relação aos reclusos; dizem que se «mete no gabinete e não visita as alas» ao contrário do anterior, que tinha por hábito visitar todas as aias, como tarefa matinal, ouvindo guardas e detidos. Este director, confrontado com as referidas críticas, diz-se descentralizador, mas, para os detidos, esta forma dé actuar é vista como crise da autoridade da direcção.

13 — A alimentação é aceite sem reclamações, todos concordando que tem melhorado, em termos qualitativos e quantitativos, beneficiando de uma certa qualidade que herdou do tempo da gestão militar.

A reclamação dos detidos tem a ver com o longo intervalo entre a última refeição e a primeira do dia seguinte: 17h 30m às 8h 30m, período em que se alimentam a expensas suas, com fruta e bolachas, que podem encomendar na cantina do estabelecimento ou receber das visitas.

Este intervalo não é susceptível de redução, segundo a direcção, por importar dispêndios com horas extraordinárias do pessoal de vigilância, incomportáveis pelas receitas disponíveis. •

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14 — A principal justificação é a sobrelotação do estabelecimento que esta na origem das deficiências ou omissões e reparos à falta de guardas, educadores, técnicos, médicos e enfermeiros em número suficiente.

Para além da carência de animadores sócio-culturais e psicólogos, cuja intervenção se afigura absolutamente necessária e onde se não conta qualquer efectivo, faltam mestres nas oficinas, o que geralmente implica falta de estabilidade e incapacidade de resposta às solicitações ocupacionais dos detidos e até do encerramento das oficinas.

Com o apoio do F.S.E., só foi anotado o caso de um único recluso escolhido pela D.G.S.P. para frequentar um curso em estabelecimento exterior.

15 — A intervenção da Provedoria de Justiça foi entendida e bem recebida pelos reclusos, pessoal e Direcção.

Curiosamente, durante a visita às celas, foram sumariamente ouvidas dezenas de reclusos, abordando-se vários problemas, queixas e questões concretas, sobre visitas, assistência médica, qualidade do serviço alimentar, acesso ao Director e outros, na presença do próprio Director, guarda e educador, que foram encaminhados e alguns até resolvidos no próprio acto.

Notou-se uma falha importante na resposta, conhecimento do despacho ou estado de pretensão apresentada ao Director ou educador, pois nem sempre são informados dos indeferimentos, muito menos da fundamentação ou sequer do andamento dos pedidos formulados, o que provoca angústias e ansiedades acrescidas.

Conclusões

a) Nota-se manifesta sobrelotação e falta de pessoal, carência que abrange guardas, educadores, mestres de oficina e psicólogo. Particularmente grave, é a falta de um médico e um enfermeiro que permitam assegurar permanente apoio clínico aos reclusos, em especial nas faltas, férias e feriados e fora do horário normal do expediente.

b) Carência de instalações, que poderia ser atenuada com o funcionamento do pavilhão desactivado, gémeo do «reduto norte», depois de realizadas obras de beneficiação.

c) É recomendável a separação de preventivos e condenados, por idades, posto que o convívio indiscriminado é portador dos inconvenientes conhecidos e efeitos criminógenos (cfr. artigo 210.°, n.° 3, do D. L. 265/79, de 1/8).

d) O procedimento do Director, enquanto demasiado descentralizador, é censurável e potencia a anarquia de poder interno e disciplinar e prejudica o acesso dos reclusos.

e) É censurável a não notificação ou demora de informação aos reclusos das decisões ou deliberações que lhes respeitem ou dos despachos que recaiam sobre os respectivos requerimentos e exposições.

f) É indispensável a criação de espaços e actividades lúdica e laboral e a maior dinamização do quotidiano dos internados, assim correspondendo ao desejo que manifestaram.

g) Deve ser estruturado o funcionamento das oficinas, designadamente da mecânica-auto, por forma a estabilizar e encaminhar a produção para o exterior, com salários justos, mais próximos do valor determinado no exterior e pressupondo a rentabilização da produção.

Q Hospital Prisional de S. João de Deus

1 — A visita verificou-se no dia 16. 05. 94, de tarde, envolvendo contactos com a direcção, pessoal administrativo, de vigilância, enfermagem e reclusos, além do conhecimento de instalações.

É o único hospital do País que dá apoio a todos os estabelecimentos prisionais, dispondo de 130 camas —que estavam excedidas em 10 unidades —além de 18 camas no anexo psiquiátrico.

2 — As instalações são compostas por dois edifícios de cinco pisos, além do edifício do anexo psiquiátrico e uma capela.

Necessita obviamente de maior espaço funcional, projec-tando-se a construção de um novo pavilhão.

3 — Tem ao serviço 96 guardas, 34 médicos, 34 enfermeiros, 6 auxiliares, 1 sociólogo, 2 educadores e 5 técnicos do IRS.

Mostra-se carecido de guardas, enfermeiros e administrativos, principalmente, para além de um psicólogo.

4 — A excepção de ginecologia e neurocirurgia, pode dizer-se que o hospital está dotado de todas as especialidades médicas.

No ano passado, por exemplo, registou um total de 21 924 consultas e tratamentos, 857 internamentos, 313 intervenções cirúrgicas, para além de 105 412 análises clínicas.

O pessoal médico e de enfermagem é caracterizado por ser funcionário do Ministério da Justiça ou avençado, trabalhando em tempo inteiro ou part-time, conforme as necessidades da gestão hospitalar.

5 — Esta unidade hospitalar caracteriza-se por uma capacidade equivalente a um hospital regional, dispondo de bloco operatório com duas salas e equipamento medianamente adequado; uma farmácia que adquire por concurso público e distribui os medicamentos consumidos em todos os estabelecimentos prisionais do País; meios auxiliares de diagnóstico razoáveis: radiologia, ecografia,.electrocardiografía, electroencefalografia e laboratório de análises clínicas.

6 — O anexo psiquiátrico funciona com relativa autonomia clínica, subordinando-se apenas, regular e administrativamente, ao Director do Hospital S. João de Deus. Assim depende também quanto à vigilância, medicamentos, alimentação, etc.

7 — O Hospital dispõe de cerca de 30 reclusos que ali trabalham como auxiliares ou operários, na manutenção e trabalhos do funcionamento regular do estabelecimento hospitalar: obras de reparação e manutenção do edifício, limpeza, paquete, auxiliares de cozinha, faxina, vigilância, admissão e bar. '

8 — Para além do horário normal do expediente, o serviço clínico é assegurado pelo médico de turno e enfermeiro de serviço. O médico de turno, também designado por médico «de chamada», vai ao estabelecimento sempre que necessário após contacto telefónico.

9 — O acesso dos reclusos ao hospital faz-se por marcação, estando dependente das vagas de consultas e internamentos, designadamente para os casos em que os hospitais regionais não tenham tido capacidade de responder às solicitações dos estabelecimentos prisionais da sua área geográfica.

A procura deste hospital é extremamente elevada, como se compreenderá, face à sua qualidade de nível elevado

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de funcionamento e às inúmeras situações clínicas e pessoais que justificam consultas e internamentos ou prestação de serviços clínicos. Isto já para não falar dos «falsos doentes» que chegam a mutilar-se e muito frequentemente a engolir objectos, para aqui serem assistidos, porque,a alimentação, o convívio, a disciplina

e segurança menos rigorosas, além de medicação permanente que alivia o stress e ansiedade prisional, são factores que tornam invejável e quase paradisíaca a visão desta prisão, comparada com o rotineiro inferno prisional da generalidade dos estabelecimentos.

Registou-se até, recentemente, o caso de um recluso que simulou ter engolido uma lâmina, que apareceu no exame radiológico, por ter sido colada às costas com fita-cola.

10 — Os casos de psiquiatria apresentam naturalmente sintomatologia mais difusa e de menor possibilidade de detecção. Todavia — no que particularmente interessa quanto ao suicida J... — todos os casos de potenciais suicídios são sujeitos a internamento e só os que não parecem oferecer perigo de atentar contra a própria vida ficam em tratamento ambulatório.

11 — A assistência religiosa é ministrada por um capelão católico permanente, que tem uma bonita capela para o serviço religioso, que aliás se destaca harmoniosamente no conjunto arquitectónico do estabelecimento hospitalar.

Conclusões

a) O resultado globalmente positivo da ideia fornecida pela visita, derivada da eficácia e competência que caracterizam o hospital só é ensombrado pela falta de pessoal administrativo, de vigilância, de um psicólogo e área insuficiente de instalações, segundo a queixa da direcção.

b) É patente a falta de um sector feminino, designadamente no anexo psiquiátrico, especialmente reservado ao tratamento, internamento e serviços a prestar às reclusas.

c) A proximidade do Estabelecimento Prisional de Caxias devia permitir estabelecer com o Hospital S. João de Deus vantagens recíprocas: por um lado, proporcionar internamento logístico dos reclusos em tratamento ambulatório e pertencentes a outros estabelecimentos prisionais; por outro lado, o hospital deveria assegurar designadamente com os médicos de turno ou «de chamada» a assistência clínica urgente, fora das horas e dias de expediente normal, de que o E.P. de Caxias não dispõe minimamente. Esta solução traria vantagens indiscutíveis para a racionalização dos meios e economia Ce verbas.

D) Secção de Regime Aberto (Monsanto)

1 — A ida a Monsanto verificou-se no dia 27. 05. 94, de manhã, e incluiu contactos com o chefe de repartição, educadora guardas e reclusos, além da visita às instalações.

Esta secção de regime aberto foi criada por despacho de 31 de Agosto de 1991, do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Justiça, depois da «desactivação» do Estabelecimento Prisional de Monsanto, ficando integrada organicamente no Estabelecimento Prisional de Caxias.

2 — Dispõe de 17 guardas, 17 funcionários administrativos, para um total de 23 reclusos, na sequência de saída de cerca de 20 provocada com a aplicação dos perdões da lei 15/94, de 11/5.

Tem uma única educadora e uma equipa do IRS.

3 — 12 reclusos encontram-se em regime aberto virado para o interior (RAVI) e 11 em regime aberto virado para

o exterior (RAVE), na classificação da D.G.S.P.. O RAVI consiste, melhor, o regime aberto caracteriza-se pela existência de uma disciplina voluntariamente aceite pelos reclusos e no sentido da sua responsabilização para com a comunidade. Reveste duas modalidades:

a) Modalidade voltada para o interior, quando o recluso trabalha no estabelecimento, dentro ou fora dos muros;

b) Voltado para o exterior, quando o recluso frequenta um estabelecimento de ensino ou formação profissional ou exerce actividade (própria ou por conta de outrem) na comunidade livre, ainda que em regime descontínuo.

4 — Os reclusos que frequentam ou têm frequentado esta secção provêm do Estabelecimento Prisional de Caxias, E.P. Sintra, E.P. Alcoentre, E.P. de Pinheiro da Cruz e E.P. Lisboa.

Os actuais residentes, são maioritariamente condenados por homicídio, havendo condenações por burla, falsificação e uma violação.

Ocupam-se os reclusos do RAVE como mecânico, estofador, cortador, informático, carpinteiro, uns por conta própria, outros por conta de outrem. Os RAVI 'trabalham como cozinheiros, electricista, barman, na agricultura, serralharia e construção civil, na área do estabelecimento.

Os reclusos mostram-se perfeitamente satisfeitos com as condições prisionais, ao que não será alheia a sensação de liberdade, conforto e apoios que recebem externa e internamente e principalmente a iminência da liberdade plena.

5 — Os RAVE recebem o ordenado pessoalmente e administram-no como entendem, não participando sequer das despesas do estabelecimento, onde apenas dormem e passam os fins-de-semana.

São acompanhados pela educadora e técnicos do I. R. S., que vigiam as condições em que exercem o trabalho e se comportam no exterior, procurando solucionar-lhes os problemas que vão surgindo.

As faltas são punidas regularmente e respeitando o princípio de proporcionalidade, com a respectiva participação ao Ministério Público e eventual regresso à situação de reclusão em regime fechado, sempre que a gravidade de infracção o justificar.

6 — As instalações do antigo Estabelecimento Prisional de Monsanto encontram-se devolutas, aguardando obras de recuperação para destino indefinido, de arquivo ou de museu.

As instalações da secção de regime aberto, propriamente dito, são constituídas por pavilhões de um único piso, com o sector administrativo que corresponde às casas antigamente ocupadas pelos guardas da G.N.R.. As outras unidades são residências dos guardas e casos individuais ou colectivos, com capacidade suficiente para um número de reclusos não inferior a 60.

A maioria das residências dos guardas é no bairro próximo do estabelecimento, consistindo de moradias unifami-liares, de um só piso e quatro assoalhadas.

7 — O sector das oficinas auto, serralharia, carpintaria, obras e agropecuária têm seguramente ocupação bastante para mais de 30 reclusos, encontrando-se actualmente com apenas 5, o que significa subaproveitamento notório e lamentável pelas condições objectivas e subjectivas de qualidade muito superior à média prisional.

8 — A assistência médica é ministrada com a ida à consulta do médico de Caxias, contando com a presença per-

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manente de um enfermeiro aposentado, pago «por avença, que reside na área prisional. Os casos urgentes são atendidos na urgência dos hospitais civis ou através da ida à consulta no Hospital Prisional S. João de Deus.

9 — As vistas são recebidas pelos reclusos normalmente e ao fim-de-semana. A esposa/companheira e os filhos são autorizados a coabitar com o recluso, na habitação deste, de sexta-feira a domingo.

10 — A correspondência é vigiada aleatoriamente, sendo

a vigilância sistemática no início da estada. Ela é

praticamente livre, atendendo às condições concretas de abertura e liberdade quase plena, em que os reclusos se encontram.

11 —O recluso M..., reclamante do processo 1106/93, foi longamente ouvido por nós no Estabelecimento Prisional de Caxias em 12. 04. 94, em conversa sobre as condições pessoais e prisionais, de que residualmente se deixaram elementos ao longo do relatório respectivo na primeira parte, coligidos com os demais.

Foi-lhe concedido RAVE por despacho da D.G.S.P. de 07. 04. 94, encontrando-se em Monsanto desde 13. 04. 94. Sai às 7 da manhã e regressa pelas 19 horas, a jantar e pernoitar no Estabelecimento. Trabalha por conta de outrem, em várias actividades de bricolage, é bem acompanhado pela educadora e técnicos do I.R.S. do E.P. Caxias e revela um equilíbrio razoável e boa adaptação.

Conclusões

Sem prejuízo da eventual alteração a introduzir posteriormente, em função do despacho ministerial que definiu a secção de regime aberto, podem formular-se duas ideias força, numa única conclusão:

A secção de Regime Aberto do Monsanto, integrada organicamente no Estabelecimento Prisional de Caxias, funciona de forma adequada à reinserção social e responsabilização dos reclusos, encontrando-se com um número escasso de detidos, em relação às suas capacidades — ao contrário da maioria, onde há sobreocupação — contando com 11 RAVE e 12 RAVI, num total de 23, tendo capacidade para 30 RAVE e 30 RAVI, num total de 60 reclusos.

£) Caso sobre um recluso

1 — Registos:

a) Em 01. 07. 92 —Entrou no E.P. de Caxias, proveniente do E.P. da Polícia Judiciária, na situação de preso preventivo à ordem do proc.399/ 92 do D.I.A.P., onde se encontrava desde as 19 horas do dia 27. 06. 92, indiciado de furto e «agressão à autoridade»;

b) Em 03. 07. 92 — A ficha clínica anota consulta ao Dr. A...; médico do E.P., que consigna «toxicodependência desde 19 anos de idade, cicatrizes na zona occipital e frontal, acidente, tala no dedo» e pede análises e RX do tórax;

c) Em 08. 07. 92 — O recluso vai a nova consulta ao Dr. A... que regista insónias, problemas familiares e pede consulta de psiquiatria;

d) Em 16. 07. 92 —Pede ao director uma consulta médica e queixa-se da enfermeira (fls. 63 do p. individual) por ser «mal educada» e de dores de

«rins e espinha, foi despachado o pedido em 20. 07.92» aos serviços clínicos para os devidos efeitos;

e) Em 17. 07. 92 — Faz exames de RX no Hospital de S. João de Deus;

f) Em 20. 07. 92 — Consulta de psiquiatria, receita ansiolíticos;

g) Em 22. 07. 92 — Exame de RX;

h) Em 24. 07. 92 — Vai à consulta de medicina interna, por ter engolido corpos estranhos, pede RX

do abdómen; requer transferência ao Director,

para o E.P. de Lisboa, diz que vai iniciar greve de fome e queixa-se de falta de apoio aos toxicodependentes e pelo incumprimento das normas penitenciárias (fls. 62 do p. individual); foi despachado pela subdirectora em 27. 07. 92; «Aos Serviços Clínicos para os devidos efeitos»;

í) Em 27. 07. 92 — Vai à consulta de psiquiatria e diz a ficha clínica: «Volte dentro de 3 semanas»; o guarda que o acompanhou participa

. que o R. lhe faltou ao respeito e saiu sem autorização do consultório; foi à urgência do H.S. Francisco Xavier, por alegadas dores relacionadas com lâminas engolidas e verificou-se ser falso; despacha a subdirectora a aplicar «medida de internamento em cela de habitação por 10 dias» e pagamento de 1000500 pela deslocação injustificada ao Hospital; o recluso não foi sequer ouvido;

j) Em 29. 07. 92 — Desloca-se ao Hospital S. João de Deus e tenta evadir-se, não chegando a realizar as análises clínicas pedidas;

/) Em 03. 08. 92 —É ouvido em declarações, durante a manhã, cfr. fls. 70 e 79 do processo individual, acerca de tentativa de evasão de 29/ 7, data a partir da greve se encontrava fechado em «cela individual de isolamento, até resolução do processo», cfr. fls. 67 do proc. individual; pelas 12 horas e 30 minutos, o guarda T... comunica que o R. engoliu o cabo de uma colher, como protesto por não obter tratamento clínico conveniente, cuja existência se mostra verificada no relatório da autópsia, cfr. fls. 98 do pfoc. individual; pelas 17 horas e 30 minutos o guarda T... comunica que o recluso foi encontrado inanimado, «com um retalho de lençol à volta do pescoço e preso à grade da janela»; foi verificado o óbito; emitidas guias para consulta no Hospital S. Francisco Xavier, cfr. fls. 39 p. individual, que não chegaram a ser utilizadas; passadas guias de condução ao IML, cfr. fls. 16, p. individual, que foram usadas; na ficha clínica do Dr. médico do E.P. de Caxias anota-se, nesta data «faleceu hoje por enforcamento».

2 — Antecedentes pessoais.

Dos antecedentes criminais, sobressai o registo de vários furtos qualificados e um homicídio tentado, sendo referida a profissão de servente de telecomunicação, ajudante de motorista, encontrando-se desempregado à data da prisão. Confessa-se toxicodependente desde os 19 anos de idade, solteiro e com problemas familiares. Nasceu em 11.07. 61.

O comportamento prisional observado formalmente e no quotidiano do detido, pelo pessoal administrativo, de vigilância, direcção e outros reclusos, aponta no sentido de um indivíduo extremamente ansioso, instável, revoltado, com

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síndroma de profunda carência de estupefacientes e com falhas de compensação e de apoio médico.

Revoltado perante o incumprimento das «normas penitenciárias para reclusos preventivos» no estabelecimento, bateu-se pela transferência para o E.P. de Lisboa, cfr. fls. 62 do processo individual, depois de insistir pela

urgência no apoio clínico e medicamentoso, cfr. fls. 63.

Nota-se que aquelas manifestações escritas do recluso

junto da direcção não tiveram qualquer informação ao interessado, como se vê dos próprios impressos, não obstante ali constar um espaço para tomada de conhecimento, data e assinatura, mas em branco.

3 —Em 29. 07. 92, depois da 1." tentativa de fuga do Hospital de S. João de Deus onde se encontrava para consulta psiquiátrica, o Paulo Jorge foi fechado no E.P. de Caxias em «cela individual de isolamento, até resolução do processo».

Desde 29. 07. 92 até à data do suicídio, 03. 08. 92, o recluso não teve qualquer apoio clínico ou psicológico. Aliás, como se vê de fls. 41, o médico encontrava-se de férias, só retomando funções precisamente em 03. 08. 92, sem que tenha examinado o recluso, não obstante ter registado o óbito respectivo, com data desse mesmo dia, na ficha clínica.

4 — No dia 03. 08. 92, durante toda manhã e tarde, até às 17 horas, o P... gritou, pedindo assistência médica, batendo na grade da janela e sendo ouvido pelo guarda T... e pelos reclusos C, A... e T..., reclamantes, e pelo M....

Nesse mesmo dia, foram emitidas guias para condução do recluso à consulta de urgência do Hospital de S. Francisco Xavier, que não se sabe por que não foram utilizadas, mas provavelmente por já se ter verificado o suicídio quando se procurou o recluso para o conduzir ao Hospital. Segundo os guardas, não haveria carrinha disponível para o transporte anterior, por terem saído para diligências externas com outros reclusos, designadamente julgamentos.

5 — O Director do estabelecimento encontrava-se de férias, precisamente de 20. 07. 92 a 07. 08. 92, sendo substituído pela Sr.*..., como subdirectora.

6—Ó regulamento do estabelecimento constante de fls. 31 a 33, ém reformulação, não se encontra afixado, não está disponíve/ na biblioteca, não tendo sido cumprido neste caso, quanto à assistência médica, como não o é sis: tematicamente, segundo os reclusos ouvidos e já ficou referido.

7 — O Director não dá conhecimento ao médico dos casos dos reclusos submetidos à medida que o P...sofreu: «isolamento» em cela de habitação. Entende o Director que é desnecessário o médico consultar previamente e depois diariamente o detido nessas condições, caso de isolamento

disciplinar, o que implica a violação expressa do comando do artigo 137.°, n.<» 1 e 4, do D.L. 265/79, de 1/8.

8 — Só há menos de meio ano é que o Director tem informado o médico, em alguns casos, da existência de reclusos em isolamento, fixando-lhe por escrito a obrigação de visita médica. À data do facto, nem nessa época, nunca o médico teve consulta de detidos nessas condições.

9 — Não obstante se encontrar medicado com ansiolíti-cos, o P...não foi assistido clinicamente no período do isolamento em que veio a suicidar-se. Durante 7 (sete) dias, de isolamento, agravaram-se certamente as condições de revolta, ansiedade e carência física e psicológica que já demonstrara repetidamente desde ò início da reclusão, 01.07. 92.

10 — As lesões comprovadas no relatório de autópsia, particularmente nos antebraços, região frontal e na mão, são anteriores à entrada no estabelecimento, conforme se comprova pelo registo de ficha clínica individual do recluso [v. alínea b), n.° 1, da IV parte deste relatório].

11 — No dia 03. 08. 92, esgotado perante o desgaste

do isolamento anterior, gritou toda a manhã por assistência

médica e engoliu o cabo partido de uma colher «em protesto dos médicos não o tratarem convenientemente» (cfr. fls. 37 do p. individual).

12 — Ouvido no próprio dia 03. 08. 92, em declarações, no inquérito sobre a tentativa de evasão, declarou:

Sente-se mal em recintos fechados, sente medo e foge das pessoas que o rodeiam; que se sente mal neste estabelecimento. Referiu, ainda, que o melhor que lhe podia ter acontecido era ter levado um tiro, para não estar de novo preso.

13 — O recluso P...suicidou-se em quadro de grande ansiedade e depressão, para que contribuía predominantemente o isolamento em que se encontrava havia sete dias e a falta de apoio médico e psicológico que nunca lhe foi prestado durante esse período.

f) Estabelecimento Prisional de Tires

Dos aspectos genéricos

(Visitas efectuadas ao Estabelecimento Prisional de Tires nos dias 20, 25 e 27 de Maio de 1994, pelo Coordenador Dr. Celso Manata, e pelos Senhores Assessores Dr. Carlos Monteiro e Dra. Isaura Junqueiro, tendo em vista o esclarecimento e resolução da matéria objecto das reclamações de reclusas desse estabelecimento dirigidas a Sua Excelência o Provedor de Justiça, e no seguimento das diligências determinadas nesses processos de reclamação.)

1 — Do ingresso da reclusa no estabelecimento;

a) No dia do ingresso a reclusa é recebida pela Directora que, a propósito, nos referiu serem estas as que garantidamente são recebidas no próprio dia, passando sempre à frente na lista de pedidos de recepção das reclusas que já se encontram no estabelecimento; a razão dessa garantia, disse-nos, encontra-se no facto de ser essencial para a reclusa acabada de ingressar, ter uma certa orientação inicial no sentido de a ambientar ao novo espaço e às regras regulamentares a que daí em diante vai estar sujeita, bem como fazer face ao choque que normalmente existe no dia do ingresso;

b) No mesmo dia a reclusa é submetida a exame médico, conforme nos referiu a Directora e nos foi confirmado pelo próprio médico.

2 — Distribuição e separação das reclusas: existem em Tires três pavilhões, denominados PI, P2 e P3, sendo que, e por regra:

a) No pavilhão I, estão as reclusas que são mães, e neste momento existem aí 180 reclusas com 33 crianças, das quais 8 são amamentadas;

b) No pavilhão 2, estão as condenadas, e existem aí neste momento 244 reclusas;

c) No pavilhão 3, estão as preventivas, e neste momento em número de 185;

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d) No caso de serem homossexuais, não ficam nos quartos de internamento sozinhas, e ainda que este tipo de comportamento não seja proibido, o que se tenta evitar, conforme referiu a Directora, são atitudes mais ou menos descaradas que possam ofender as reclusas que, não o sendo, não têm a presença dos maridos.

3 — Das transferências:

a) Devido à pequena dimensão dos estabelecimentos prisionais do Norte, e consequentemente a falta de lugares, designadamente no de Felgueiras e de Vila Real, encontra-se em Tires um número considerável de reclusas do Norte, o que as leva a solicitar à Directora constantes pedidos de transferência;

b) Conforme afirmações da Directora, Educadoras, Técnicas de Educação e das próprias reclusas, as razões apuradas para os inúmeros pedidos de transferência são essencialmente os seguintes:

b\) Proximidade da família, o que determina a frequência de visitas em situações normais e, em casos de grave carência económica, pode implicar a inexistência de visitas, sendo necessário aqui accionar os esquemas de financiamento das deslocações, que nem sempre funcionam com a frequência desejada, e levam sempre algum tempo dado o processo prévio de investigação por parte do IRS, a fim de confirmar a carência alegada e depois a concessão propriamente dita daquele financiamento;

b2) A razão anterior —da proximidade da família — agrava-se, quando existem filhos menores, dado que nestes casos as reclusas desejam continuar a orientar e a influenciar a sua educação, ainda mais quando se encontram sob o cuidado de pessoas que não são da família sequer;

63) Família que se encontra também em reclur são nos estabelecimentos do Norte:

Tanto familiares que sendo também mulheres poderiam estar juntas no mesmo estabelecimento, facilitando a privação de liberdade;

Como maridos e companheiros ou outros familiares, em relação aos quais a deslocação e visitas entre prisões, seria mais fácil e mais frequente dada a falta de pessoal, uma vez que nesses casos, os reclusos têm de ser sempre devidamente acompanhados;

c) Quando os pedidos de transferência chegam ao conhecimento da Directora, e conforme afirmações suas, despacha-os na medida do possível, uma vez que dar provimento à transferência solicitada pelas reclusas depende de factores externos ao próprio estabelecimento, isto é, depende da existência, ou não, de lugares nos estabelecimentos para onde querem ser transferidas, pelo que, e dada a desproporção entre os inúmeros pedidos de transferência e a normal falta

de lugares, o critério adoptado para estabelecer quem é transferido em caso de vaga é a elaboração de uma lista em que prevalece a antiguidade com que o pedido foi feito; mais referiu a Directora que é este o único critério suficientemente objectivo que encontrou e, por isso, o que considera ser melhor aceite pelas reclusas; d) De notar, a propósito, o teor de um ofício da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, quanto a este assunto, onde se afirma que: «Em referência ao ofício, informa-se V. Ex" que não é possível

a pretensão de transferência, pelas razões sobejamente conhecidas.»

4 — Dos estabelecimentos abertos e fechados:

a) A generalidade das reclusas em Tires encontram-se em regime fechado nos pavilhões acima referidos;

b) Em RAVI — regime aberto voltado para o interior— encontram-se neste momento 50 a 60 reclusas aproximadamente, e trabalham no campo e enfermaria;

c) Em RAVE — regime aberto voltado para o exterior — encontram-se 5 reclusas a trabalhar em talhos em Cascais, como empregadas domésticas em famílias conhecidas do estabelecimento, como costureiras, em restaurante e como baby sitter;

d) De notar quanto a este ponto e designadamente no que se refere às reclusas em regime aberto, por falta de instalações meios e medidas adequados, não existe em Tires, nem em nenhum estabelecimento prisional feminino, a possibilidade de as reclusas estarem em pequenas unidades ou casas, onde pudessem receber os maridos ou companheiros e família mais próxima aos fins-de-semana ou mensalmente, conforme existe em estabelecimentos masculinos, como por exemplo no estabelecimento prisional de Monsanto a funcionar há alguns anos desta forma, com resultados satisfatórios, perspectivando-se a sua continuação e normalidade; este mesmo regime já foi feito também, ainda que com carácter experimental, no estabelecimento prisional de Pinheiro da Cruz com bons resultados; questionada a Directora sobre este assunto, respondeu-nos que já tinha pensado neste regime, reiterando no entanto a ausência de meios materiais e humanos que permitam a sua concretização.

5 — Do alojamento:

a) A generalidade das reclusas encontram-se em quartos de internamento não individuais, designadamente em número de duas e por vezes de três;

b) Algumas reclusas estão em quartos de internamento individual, devido, nuns casos, a comprovada inadaptação ao alojamento colectivo e, noutros casos, às influências nocivas em termos de comportamento e até de desestabilização das reclusas que possam eventualmente estar em sua companhia;

c) É a Directora do estabelecimento quem decide o tipo de internamento, de acordo com as informações que detém por si e recolhidas nos atendimen-

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tos que já efectuou à reclusa, bem como as que lhe são fornecidas pelas educadoras, técnicas e restante pessoal; d) A razão subjacente ao facto de as reclusas não se encontrarem alojadas em quartos de internamento individual, conforme exigência legal, é a superlotação do estabelecimento prisional.

é) Quanto ao alojamento, houve algumas queixas e reclamações no sentido de que os quartos são húmidos e não têm aquecimento, o que nos levou a colocar este problema à Directora, que nos respondeu que efectivamente os quartos são frios no Inverno, mas as reclusas têm normalmente as janelas abertas, e no que se refere ao aquecimento, é inconveniente haver nos quartos por ser perigoso uma vez que o espaço é muito pequeno; a este propósito, afirmou, já ter sido pedida verba à Direcção-Geral para pôr em funcionamento um sistema de aquecimento de passagem de tubos de água quente nos pavilhões, verba essa que ainda não foi concedida; ainda quanto a este assunto, se houver ordem médica para que as mães com filhos nas celas tenham aquecimento, este é providenciado.

6 — Decoração do quarto de internamento:

a) Estão decorados com inúmeros objectos pessoais, dos quais destaco os aparelhos de televisão de que a totalidade das reclusas é detentora, ou porque é seu, ou porque foi providenciado pelo próprio estabelecimento;

b) A razão de existirem os aparelhos de televisão em cada quarto de internamento foi indicada pela Directora como sendo um óptimo meio de adaptação, distracção e até por vezes ela própria uma terapia, o que evita as normais depressões psicológicas da privação de uberdade e é um dos meios sempre subjacente ao plano individual de readaptação;

c) A higiene do quarto é feita pelas chamadas faxinas e de acordo com uma escala.

7 — Vestuário:

a) As reclusas internadas nos pavilhões 1 e 2 usam o uniforme do estabelecimento, que são umas batas xadrez, ou de quadrados, fornecidas pelo próprio estabelecimento; estas reclusas lavam a roupa na lavandaria;

b) As reclusas do pavilhão 3 — preventivas — usam o seu próprio vestuário e podem elas próprias lavar a roupa ou entregar às famílias para trazer lavada.

8 — Higiene pessoal:

a) O banho tem um horário determinado e consta de uma escala afixada na parede;

b) Existem em cada pavilhão os lavabos, balneários com água quente e fria e instalações sanitárias; são porém insuficientes tanto em qualidade como em quantidade;

. c) lá existem lavabos e instalações sanitárias novos nos pavilhões 1 e 2, mas não no 3 que estão ainda em obras;

d) Os balneários ainda são antigos, apesar de estarem previstas obras em todos os pavilhões;

e) A água quente é fornecida por7 caldeiras antigas, tendo a Directora referido que no inverno passado se estragaram, pelo que as reclusas tiveram que tomar banho em água fria; solicitou na altura à Direcção Geral dos Serviços Prisionais um novo sistema de aquecimento de água ou novas caldeiras, mas ainda não lhe foram fornecidas.

9 — Da alimentação:

a) A verba designada pela Direcção-Geral para cada refeição é de 470S00, sendo no entanto ultrapassada para 500$00 segundo orientação da Directora;

b) As horas regulamentares das refeições são:

b\) 7.15b — pequeno-almoço; b2) 12.15h — almoço; W) 18.00h —jantar;

c) As refeições são confeccionadas na cozinha do próprio estabelecimento, sendo depois transportadas para a copa e refeitório de cada pavilhão, em carros com uma base aquecida com água quente; a propósito deste transporte,- foi-nos referido que era necessário um sistema diferente do actual, para que as refeições não chegassem frias aos pavilhões, principalmente no Inverno, tendo já sido pedido à Direcção-Geral, não obstante ainda não ter sido concedido;

d) De acordo com a visita efectuada à cozinha, no dia 25 de Maio, observámos a preparação do almoço desse dia, que pareceu-nos ser feito convenientemente tanto em termos de higiene como de apresentação;

e) A Directora do estabelecimento fomeceu-nos um exemplar onde constam as refeições da semana de 16 a 22 de Maio, conforme anexo 1 a este relatório, que depois de analisado, parece-nos que o controlo, composição e valor nutritivo das refeições são satisfatórios;

f) Existe também alimentação especial:

/. 1) Para reclusas que se encontrem em dieta; e f.2) Para as crianças do infantário, conforme anexos 2 e 3, respectivamente.

g) Não obstante as afirmações antecedentes, existem imensas reclamações das reclusas quanto à qualidade da comida, sendo de notar que não é tanto quanto à qualidade dos ingredientes mas ao modo como é confeccionada, o que nos levou a questionar a Directora acerca deste ponto, tendo--nos respondido que este tipo de queixas não tem razão de ser, uma vez que a verba ultrapassa a designada pela Direcção-Geral, e há que ter sempre em conta quanto a este aspecto que a comida é efectuada para 700 reclusas, tipo rancho, o que leva inevitavelmente a ter um certo tipo de características diferentes das que teria se fosse efectuada para um número menor de reclusas.

10 — Dos géneros ou alimentos confeccionados fora do estabelecimento. — As reclusas recebem frutas, bolos e outras pequenas ofertas observadas as condições impostas pelo regulamento. .

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11 — Aquisições autorizadas de géneros alimenticios e produtos para higiene pessoal:

a) Existe em cada pavilhão um pequeno bar, que proporciona urna oferta adequada de café, alguns bolos, batatas fritas, chocolates, produtos de higiene pessoal, como shampoo, sabonetes e outros no mesmo género, além de canetas e papel de carta;

b) As condições de funcionamento dos Bares das reclusas estão expressas no anexo 4 a este relatório.

c) O horário dos bares é o seguinte: das 9. 30 às 11. 30, das 13. 00 às 14. 00 e das 15. 00 às 18. 45h.

11 — Das visitas:

a) As reclusas recebem regularmente visitas:

al) Pavilhão 1: •

Quartas e quintas-feiras: 14. 30 às 15. 30;

Sábados: 14. 30 às 15. 30; Domingos: 16. 00 às 17. 00;

al) Pavilhão 2:

Quartas e quintas-feiras: 14. 30 às 15. 30;

Sábados: 16. 00 às 17. 00; Domingos: 10. 00 às 11. 30 e 14. 30 às 15. 30;

a3) Pavilhão 3:

Segundas-feiras: 14. 30 às 15. 30; Terças e sextas-feiras: 9. 30 às 10. 30

e 14. 30 às 15. 30; Quartas e quintas-feiras: 9. 30 às

10. 30;

Sábados: 8. 30 às 9. 30 e 10. 30 às

11. 30; e Domingos: 14. 30 às 15. 30.

- De notar que as visitas neste pavilhão são as mais complicadas, sendo também mais difícil em termos de segurança;

b) As visitas a reclusas de outros pontos do País, ou do estrangeiro, têm regimes especiais e mais tolerantes, segundo afirmou a Directora;

c) As visitas efectuam-se nos denominados «parlatorios», que são os refeitórios que existem em cada pavilhão e, quanto a estes importa referir o seu mau estado; efectivamente, o momento da visita aos pavilhões coincidiu com as horas de visitas tendo observado que as salas «parlatorios», são manifestamente insuficientes e sem condições, uma vez que dado o pouco espaço existente não há qualquer tipo de privacidade, ainda que relativa, no momento da visita à reclusa, sendo mais um amontoado de famílias em frente de cada reclusa, acompanhado de um barulho quase ensurdecedor; deste facto já foi dado conhecimento à Direcção-Geral, e solicitada verba para obras de novas salas de visitas, verdadeiros parlatorios, não tendo ainda sido concedida;

d) A entrega de dinheiro na hora da visita, e que não for imediatamente entregue ao estabelecimento, é apreendido e depositado no fundo de reserva da reclusa, podendo esta, dada a infracção ao regulamento, ser submetida a uma medida de carácter disciplinar ou castigo conforme determinação da Directora.

12 — Da correspondência:

a) Segundo afirmações da Directora e de uma educadora, toda a correspondência escrita pelas reclusas ou a estas dirigida, é «devidamente» fiscalizada e censurada pelas respectivas educadoras;

b) Há inúmeras situações em que de acordo com o . conteúdo da correspondência, esta é levada a

apreciação e despacho da Directora.

13 — O acesso ao telefone: cada pavilhão tem um telefone e são permitidos 5 minutos de conversa.

14 — Das licenças de saída do estabelecimento:

a) A concessão das licenças de saída do estabelecimento, da competência da Direcção Geral ou da Directora, são precedidas de um pedido da reclusa dirigido à Directora, feito por escrito — como todos os pedidos — em impressos do estabelecimento próprios para o efeito e existentes em todos os pavilhões, e que são entregues ou à Chefe de Guardas do pavilhão respectivo ou na caixa de correio que existe em cada pavilhão;

b) A concessão dessas mesmas licenças de saída dependem de inúmeros factores, que não apenas o bom comportamento da reclusa ou o tempo de pena já cumprido; efectivamente, disse-nos a Directora e a educadora, são sempre ponderadas as condições que a reclusa vai encontrar cá fora, no seu meio, designadamente o ambiente familiar, podendo por causa deste não ser concedida a licença, ponderada a eventualidade de insucesso;

c) Acerca deste ponto, importa referir que de acordo com algumas informações de visitadoras voluntárias, recolhidas em conversa com as reclusas, e reiteradas ao longo de alguns anos a esta parte, existe por vezes uma relação estreita entre a boa qualidade do trabalho efectuado pelas reclusas — com a consequente impossibilidade da sua substituição em tempo útil, ao mesmo nível e qualidade — e a não concessão das licenças de saída, pelo menos as vezes que supostamente deveriam ser legal e merecidamente concedidas.

cl) Questionada a Directora sobre este assunto, obtivemos uma resposta peremptoriamente negativa, acompanhada de alguma admiração quanto ao sentido àa pergunta, o que significa que a questão continua em aberto;

c2) Durante a visita efectuada aos locais de trabalho de cada pavilhão, não obtivemos queixas ou reclamações nesse sentido por parte das reclusas que nos permitissem obter conclusões — como não obtivemos queixas significativas quanto a outros assuntos —, não obstante se ter ouvido de forma insistente a pergunta à educadora que nos acompanhava:, «quando é que

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tenho a minha licença de saída?» ou «não se esqueça da minha licença que já pedi há meses»;

c3) Com vista a esclarecer este ponto, a única via que se encontra e se propõe é averiguar em termos estatísticos qual o número de saídas precárias concedidas nos últimos três meses, com indicação das respectivas reclusas; e, caso não seja referida, também, a situação prisional das reclusas em termos de trabalho, seguir-se-á novo pedido de informação neste sentido;

d) No caso de familiares falecidos, a Direcção-Geral apenas permite a ida ao funeral de familiar directo e apenas pode permanecer uns minutos junto da pessoa falecida e com segurança.

15 — Do trabalho e da remuneração:

a) No Pavilhão 1:

al) Existe uma olaria onde trabalham 8 reclusas, orientadas duas vezes por semana por uma professora avençada; cada reclusa ganha por dia 200$00;

al) Existe um cabeleireiro, onde trabalha uma reclusa que ganha 200500 por dia;

a3) No 2.° piso está a sala dos tapetes, onde trabalham 30 reclusas, tendo uma guarda como mestre; as aprendizes ganham 200S00 por dia; as que já não são aprendizes ganham 450500 por dia, além de prémios de produtividade a ser concedidos por metro quadrado de tapete;

a4) No bar, trabalham 2 reclusas que ganham 300500 por dia;

a5) Existe também a secção dos envelopes (3.° piso), onde cada reclusa ganha por dia 100500;

ad) Na sala da costura e bordados (3.° piso) estavam reclusas que tinham terminado um curso de modista, ao qual me referirei no ponto seguinte: «da formação»;

b) No pavilhão 2:

b\) Na oficina dos tapetes de Arraiolos estavam 30 a 40 reclusas;

b2) Na sala dos teares estavam 8 reclusas a trabalhar com uma remuneração de 300500 por dia, e que tinham efectuado um curso a que me referirei no ponto seguinte;

b3) Existe no 2." piso a sala da costura e das passagens onde sempre trabalham 2 reclusas que ganham 200S00 por dia;

b4) Na rouparia — cobertores, almofadas e lençóis) —, também trabalham as reclusas a ganhar 200500 por dia;

b5) Neste pavilhão existem também dois cabeleireiros onde trabalham 2 reclusas a ganhar 200500 por dia;

b6) No bar deste pavilhão trabalham duas reclusas que ganham 200500 por dia;

c) Na cozinha:

cl) Trabalham 30 reclusas orientadas por duas cozinheiras; cada uma ganha 200500 por

dia;

c2) Na dispensa trabalham mais duas reclusas;

d) Na rouparia geral do estabelecimento:

d\) Trabalham 22 reclusas vigiadas por uma guarda e um guarda; ganham 200500 por dia;

¿2) Aqui se lava a roupa dos estabelecimentos prisionais de Caxias, Linho e Escola Penitenciária;

é) Na sala de passar trabalham 5 reclusas e ganham também 200500 por dia;

f) No campo e na pecuária:

f\) Trabalham 19 reclusas condenadas no campo;

fl) Trabalham 2 reclusas no campo e 3 na pecuária em RAVE, regime aberto voltado

para o exterior;

fi) Na pecuária têm a seu cargo 10 vacas, 79 porcos para engorda, 18 criadeiras, 30 leitões, 568 galinhas, 28 borregos;

/4) Ganham 500500 por dia;

f5) O leite produzido é para consumo da cozinha.

g) Nos serviços administrativos do próprio estabelecimento existem também algumas reclusas a trabalhar;

h) No bar dos guardas, junto da direcção está também uma reclusa a trabalhar e a ganhar 200500 por dia;

i) No jardim trabalham 2 reclusas, além de terem consigo sempre ajudantes, que são na maior parte dos casos as mais velhas;

j) A escolha das actividades é em regra feita pelas reclusas, a não ser que não haja lugar no local para onde deseja ir trabalhar; além de que, esta escolha nunca é irreversível podendo sempre solicitar à Directora uma nova colocação noutro trabalho; e raramente há alguma reclusa que queira trabalhar e que não esteja a trabalhar, pois há sempre, num estabelecimento da dimensão do de Tires, alguma tarefa para a qual pode ser designada;

0 No estabelecimento prisional de Tires existe uma categoria de reclusas — as reformadas —, que não existe em nenhum outro estabelecimento, e que foi criada pela Directora, isto é, são as reclusas mais velhas que já não têm capacidade para o tra-. balho, mas que terão direito também a uma «pensão» de 50500 por dia, para o seu café e o seu bolo.

16 — Das remunerações e dinheiro das reclusas:

a) A regra de ter de existir um fundo de reserva e um fundo disponível do dinheiro das reclusas, e conforme dispõe a própria lei, existem uma série de adaptações, exigidas pela prática e mudança dos tempos, efectuadas por parte da Directora;

b) Cada reclusa tem direito a 5000500 por cada 15 dias;

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c) Além dessa quantia, têm também uma conta à ordem, que, através de um pedido à Directora, devidamente justificado, ainda podem ter acesso a mais alguma quantia a retirar dessa mesma conta;

d) A Directora tem a convicção de que 5000$00 são suficientes para os gastos de uma reclusa, tendo em conta até que o tabaco é pago e comprado à parte; na verdade a razão subjacente às restrições à detenção de dinheiro por parte das reclusas é para que não haja discriminação entre as mais ricas e as mais pobres dentro do próprio estabelecimento, onde estas assimetrias tendem a agravar-se; se as reclusas mais ricas pudessem dispor das quantias que desejam, agravar-se-ia o facto de quererem mandar nas mais pobres, e há que evitar este tipo de riscos;

e) O fundo de reserva serve para depósito do dinheiro trazido a cada reclusa pelas visitas;

el) Nestes casos, quando as reclusas não entregam o dinheiro, este é-lhes retido e depositado no fundo de reserva, mas apenas movimentável decorrido um certo prazo determinado pela Directora, ou até suspensa a própria visita;

e2) Alegou a Directora que, no caso anterior de infracção à regra de entrega do dinheiro no estabelecimento, o mesmo não deveria integrar o fundo de reserva, mas haver uma sanção mais grave, como reverter para um fundo de apoio das reclusas em termos genéricos.

17 — Da formação e aperfeiçoamento profissionais:

a) No pavilhão 1:

al) Há aulas de olaria com uma professora que está presente duas vezes por semana, conforme já foi referido anteriormente;

a2) Houve um curso de costura, que terminou em Abril, e foi financiado pelo fundo social europeu; cada reclusa recebeu pela sua frequência, 32.000$00 além do respectivo diploma; nos dias em que decorreu a visita, havia afixadas informações acerca de um novo curso, para o qual estavam abertas as inscrições;

b) No pavilhão 2:

M) Estava a decorrer um curso de culinária, com 18 reclusas, agora pago pelo próprio estabelecimento, e não pelo fundo social europeu como o que se efectuou anteriormente;

b2) Tinha terminado também o curso dos teares, financiado pelo PRODEP, em que cada reclusa recebeu 10.500$00, além do respectivo diploma;

o3) Estava também a decorrer o segundo curso de técnicas administrativas, no âmbito do projecto horizonte, emprego em liberdade, do centro protocolar do Ministério da Justiça; é um curso com a duração de 8 a 9 meses e cada reclusa ganha 32.000$00 mensais com o respectivo diploma; foi-nos referido que este curso tem alguma saída no exterior;

c) Tem também havido uma formação e aprendizagem constantes no âmbito dos vários trabalhos e durante a sua execução, como nos tapetes de Arraiolos, envelopes, molas, campo, cozinha e armazém;

d) Tendo em conta que as técnicas do Instituto de Reinserção social, nos referiram que em termos de emprego das reclusas, estas encontram facilmente nos restaurantes e como empregadas domésticas, pelo que seria de sugerir ao estabelecimento prisional a elaboração de cursos nesta área dada a sua comprovada utilidade indo ao encontro das necessidades das reclusas.

17 — Do ensino — nos pavilhões 1 e 2, decorrem au-diárias do 1.° ciclo.

18 — Do tempo livre:

d) A biblioteca — nos pavilhões 1, 2 e 3, existem pequenas bibliotecas consideradas manifestamente insuficientes tanto em termos de espaço físico como do conjunto de livros que dispõem, uma vez que a do pavilhão 1 é onde são leccionadas as aulas do 1.° ciclo e no pavilhão 2 é uma pequena cela que foi cela disciplinar; conforme afirmou a Directora, está à espera que terminem as obras para ter algum espaço livre onde possa fazer uma biblioteca única para todos os pavilhões;

b) Os jornais e revistas:

b\) Neste momento só recebem o jornal Público e o Jornal do Fundão;

b2) Revistas recebem mais e quase todas as que há no mercado;

b3) Está a ser feito pelas reclusas um pequeno jornal interno e de parede;

c) O rádio e a televisão:

cl) Cada reclusa tem uma televisão no quarto, ou porque os familiares lhes trazem, ou porque o próprio estabelecimento providencia para tal;

c2) Quanto a este ponto colocou-se a questão de saber se a energia eléctrica deveria ser ou não paga, porém, conforme alegou a Directora, a energia gasta com a televisão não deve ser paga, pois que se trata inevitavelmente de um serviço público, pois que acaba por ser um sedativo, poupando em medicação, diminuindo a sensação de tragédia, constituindo essencialmente uma terapia de comunicação insubstituível através da imagem que distrai e põe cada reclusa em contacto com o mundo exterior;

d) As reclusas têm também acesso ao vídeo, podendo vê-lo nas salas de convívio;

e) As reclusas do pavilhão 3 têm um projecto de dinamização cultural, recreativa e desportiva, conforme anexo 5 a este relatório, bem como um grupo de teatro e de marionetas feitas por si;

f) Quanto aos trabalhos manuais voluntários, que as reclusas têm o direito de fazer e até devem ser estimuladas para tal, aqui o problema complica-

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se uma vez que não há qualquer possibilidade de contacto com estabelecimentos comerciais exteriores em relação aos quais poderia haver uma relação comercial, favorável enquanto a reclusa se encontra no estabelecimento em cumprimento de pena, como o momento em que saísse em liberdade; colocada esta questão à Directora e educadora, foi-nos respondido que a razão que leva à inexistência deste tipo de trabalho e respectivo comércio é o facto de não haver pessoal suficiente, em termos de segurança, e instalações adequadas para o efeito dentro do estabelecimento.

19 — Da assistência moral e espiritual:

a) Conforme nos referiu a Directora do estabelecimento, a regra consiste em as reclusas terem a liberdade de professar a sua própria crença religiosa, de praticar e participar livremente no respectivo culto ou noutros actos religiosos da sua confissão;

b) Normalmente professam a religião católica, têm a assistência .espiritual de um padre — o capelão do estabelecimento prisional —; existe no estabelecimento uma capela, onde é celebrada missa todos os domingos, bem como nos dias das festas, solenidades religiosas e dias santos de guarda; aí se celebram também os baptizados das crianças;

c) Se as reclusas professarem outras religiões também podem ter a assistência respectiva e a Directora autoriza a vinda dos ministros das comunidades espirituais correspondentes; de notar, quanto a este ponto, que, e a título de exemplo passado recentemente, a Directora suspendeu as visitas e assistência religiosa da Igreja Maná, uma vez que4 a participação das reclusas nos actos e manifestações religiosas dessa igreja estava a perturbá-las a todos os níveis, designadamente psicológico, bem como, e dadas as suas características, interferiam na ordem e segurança do estabelecimento;

d) Observámos durante a visita, que as reclusas tinham expostas nos seus quartos imagens da sua confissão religiosa;

e) Colaboram na assistência moral e espiritual também as visitadoras e trabalhadoras sociais voluntárias, na medida da sua disponibilidade e devidamente autorizadas pela Directora, sendo detentoras de um cartão específico para o efeito:

el) Ou acompanham especialmente uma ou mais reclusas, tentando solucionar-lhe, na medida do possível, alguns problemas que as reclusas tenham, inclusivamente no exterior, a nível pessoal ou da própria família e até por exemplo um possível emprego no momento da saída do estabelecimento;

e2) Ou acompanham as reclusas em geral, que se queiram juntar a si no momento das visitas, através de actividades como aulas de viola, de pintura, pequenas reuniões de esclarecimento sobre temas escolhidos pelas próprias reclusas com pessoas escolhidas para oi efeito, organização de festas de

Natal ou Carnaval, pequenos teatros, até ao acompanhamento nas saídas precárias quando assim o desejam, nas idas às compras, almoçar, entre outras, e sempre com a autorização da Directora.

20 — Da assistência médico-sanitária:

a) O estabelecimento dispõe dos serviços médico, de enfermagem e farmacêutico que respondem, na medida do possível e com os recursos disponíveis, às necessidades e exigências essenciais do tratamento das reclusas;

b) Cada pavilhão tem o médico respectivo, e também:

¿»1) No pavilhão 1: uma pediatra e duas enfermeiras;

¿2) No pavilhão 2: uma psiquiatra, um psicólogo, um dentista e duas enfermeiras;

M) No pavilhão 3: uma psiquiatra, um psicólogo e cinco enfermeiras (estas são pagas pela Santa Casa da Misericórdia de Cascais) ; trabalha aqui para apoiar o médico uma reclusa condenada;

c) Existe um médico que faz o acompanhamento diário das reclusas, atendendo em média 20 ou 30 reclusas por dia, que se inscrevem previamente numa lista de espera;

d) O mesmo médico, apoia especificamente também as toxicodependentes com a colaboração de uma psicóloga, e ambos ligados ao projecto de apoio à toxicodependência no âmbito de um Protocolo a funcionar na prática desde 29 de Novembro de 1993, mas apenas assinado no mês de Maio de 1994 entre a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, o CEPD, a fundação das Misericórdias de Cascais e com a intervenção do próprio Ministério da Justiça; é um protocolo que também está a funcionar no estabelecimento prisional de Lisboa, no Montijo, Setúbal, Leiria e Linho;

e) Sempre que há uma urgência, as reclusas são levadas para os hospitais civis, normalmente o de Cascais e o de S. Francisco Xavier;

f) Quando não é uma situação de urgência, as reclusas são levadas para o Hospital Prisional S. João de Deus, Caxias, apesar de apenas terem nesse Hospital, 6 camas para mulheres, o que é manifestamente insuficiente conforme nos referiram a Directora, a educadora e o próprio médico, tendo em conta o número de reclusas existente no estabelecimento: 670; de realçar neste ponto que não existem nesse hospital especialidades médicas específicas para mulheres como ginecologia entre outras;

g) Todas as reclusas são submetidas a exames periódicos de rasteio, independentemente de logo que chegam ao estabelecimento lhes ser feito um exame médico além da colheita de sangue para verificação da existência ou não de doenças, designadamente: a sida, a hepatite B e a sífilis;

h) Neste momento existem em Tires algumas reclusas com hepatite B e sida, não estando isoladas ou tendo um qualquer tratamento diferente, não havendo assim discriminação;

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/) Na farmácia do estabelecimento: trabalham 2 pessoas com o apoio de algumas reclusas, havendo no entanto alguns problemas com os medicamentos, conforme nos referiu o médico, uma vez que dada a insuficiência de pessoal na farmácia do hospital de Caxias — 4 pessoas — de onde provêm os medicamentos, estes vêm sempre em grandes quantidades o que origina o constante controlo em termos de validade dos medicamentos, e que neste momento se consegue controlar, tendo em conta que se fazem, por um lado, requisições semanais e, por outro lado, cada medicamento tem uma ficha onde se regista a data limite de validade, e, numa agenda se regista também que 6 meses antes desse limite terá de ser consumido o medicamento em causa ou devolvido ao hospital; este sistema de registos e requisições semanais, que tem funcionado razoavelmente, deveria no entanto ser substituído por um outro menos trabalhoso e mais controlável através da informatização desta área, conforme proposta do próprio médico, além de que, não se perdia tanto tempo;

/) Um problema grave, tanto ao nível de assistência médica, como jurídico, é o facto de as reclusas que foram declaradas inimputáveis, e em relação a elas foi ordenado na sentença de condenação que deveriam cumprir pena num estabelecimento específico para o efeito, designadamente num hospital psiquiátrico prisional com o devido acompanhamento médico, não se verifica, uma vez que não existe este tipo de estabelecimento hospitalar e os que existem civilmente não recebem as reclusas alegando não terem vagas para este tipo de doentes — reclusas —, por questões de segurança; o que tem como consequência que este tipo de reclusas, não obstante estarem internadas num estabelecimento prisional normal como o de Tires, o tempo decorrido não conta para efeitos de cumprimento de pena; nesta9 situação estão 6 reclusas que já se encontram no estabelecimento há alguns anos;

0 Em caso de óbito, verifica-se o procedimento legal prescrito para estes casos, de notificação aos familiares, ao tribunal de condenação, bem como à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, além da correspondente feitura de autópsia, bem como a declaração médica e que ficam a constar do processo da reclusa.

21 — Da revista: as reclusas, os seus objectos bem como o quarto são revistados periodicamente.

22 — Da posse de objectos:

a) Conforme nos referiu a Directora, o grande problema que ela encontra quanto a este ponto, é as reclusas poderem ter em seu poder o ouro, o que tem servido como meio dè pagamento para inúmeras situações e produtos o que não é conveniente, dadas as possíveis discriminações que existem como consequência, pois que, e a título de exemplo, as reclusas menos experientes ou mais pobres, mas por vezes detentoras de pequenos objectos de ouro e de estimação, são requisitadas, a troco de tabaco ou outros produtos, a entregar o pouco ouro que têm, independen-

temente do seu real valor que nunca é tido em conta na troca; b) Como forma de resolver este problema, a Directora, na convicção de que devia ser proibida a posse de ouro dentro do estabelecimento, propôs já à Direcção-Geral que elaborasse uma circular no sentido dessa mesma proibição e, nos casos em que as reclusas alegam que têm de ter o ouro

na sua posse por questões de segurança, nestes casos, poderia ficar depositado num cofre do estabelecimento mediante um talão de depósito; de notar que ainda não obteve qualquer resposta por parte da Direcção-Geral.

23 — Das medidas disciplinares:

a) Infringido algum dever por parte das reclusas, é-lhes aplicada uma medida disciplinar qu uma punição que, conforme nos referiu a Directora, é sempre combinada e negociada com a reclusa, ponderadas com ela todas as circunstâncias que envolveram a infracção, o arrependimento e o estado de espírito da reclusa;

b) O processo a nível interno: depois da participação da guarda directamente envolvida, a subchefe informa a Directora e esta chama a reclusa, faz o registo da situação com uma informação por escrito no processo e a sanção aplicada é comunicada em ordem de serviço ao que se segue a participação ao médico, ao IRS e à educadora respectiva;

c) De realçar, que as reclusas nunca são fechadas em cela disciplinar ou cela de habitação sem serem vistas pelo médico e, durante o cumprimento da medida disciplinar, é visitada diariamente pelo médico;

d) Argumenta a Directora que o momento mais importante de todo o processo é a conversa com a reclusa, no qual é, conforme já referido anteriormente, negociada a medida a aplicar, isto é, tudo vai depender da forma como a reclusa encara a própria infracção, a consciencialização de que fez mal, o que leva a que a medida proposta seja bem aceite; a este propósito, lembrou-se das últimas medidas disciplinares aplicadas, em que as reclusas estiveram 5 e 6 dias em cela disciplinar, depois foram para uma cela de habitação, além de uma outra medida que consistiu em impor à reclusa 5 dias sem ver televisão (esta é considerada uma das medidas mais difíceis de cumprir);

e) Existem duas celas disciplinares por pavilhão.

24 — O acesso à Directora:

d) Os pedidos da reclusa são obrigatoriamente feitos por escrito em impressos do estabelecimento para o efeito, e chegam à Directora por muitas vias, principalmente através da chefe de guardas ou caixa de correio que existe em cada pavilhão;

b) A Chefe das guardas entrega diariamente os pedidos à Directora, que os despacha no próprio dia (à excepção dos pedidos de mudança de pavilhão);

c) Normalmente os despachos da Directora só não são conhecidos também no próprio dia porque demoram na saída do gabinete 2 ou 3 dias para

serem registados pelos funcionários;

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d) O resultado do despacho é dado a conhecer ou à chefe do pavilhão onde está a reclusa ou à sua educadora, que lhe transmitem a decisão;

e) As ordens de serviço são afixadas nas salas de

convívio.

25 — Do direito de exposição e de queixa: as reclusas podem dirigir-se para expor assuntos do seu interesse ou para se queixarem de qualquer situação, às entidades competentes, como por exemplo a Sua Excelência o Provedor de Justiça, conforme várias processos de reclamação abertos nesta Provedoria; cabe aqui referir que a correspondência para estas entidades não deveria ser aberta pelo estabelecimento, deveria sim ser directamente remetida à entidade a que a reclusa se dirige.

26 — Da libertação:

a) Em conversa com a Técnica do Instituto de Reinserção Social, apurámos que o mais importante do momento da libertação é a reinserção propriamente dita, isto é, depois da preparação iniciada ainda durante a reclusão, a reinserção é feita neste momento em ligação às equipas do IRS existentes no local de residência da reclusa;

b) Se a reclusa sai em liberdade condicional, o caso está encerrado, o seu dossier é transferido para as referidas equipas do IRS da zona de residência depois da preparação com as famílias onde se averiguou se se justificava a sua intervenção, não obstante a responsabilidade de qualquer eventualidade deixar de ser do IRS;

c) Se a reclusa sai em liberdade definitiva, o IRS não tem a obrigação do acompanhamento, mas é sempre esclarecida da existência de uma equipa do IRS na área de residência onde pode

eventualmente pedir alguma orientação; a título de exemplo, foram já conseguidos alguns realojamentos depois de contactos com a Câmara Municipal de Lisboa e têm também sido inseridas profissionalmente algumas reclusas no âmbito de protocolos que o IRS tem, ou outros contactos.

27 — Dos serviços prisionais:

a) No que se refere a instalações especiais pelo facto de se tratar de reclusas mulheres, Tires dispõe do Pavilhão 1 para mulheres que estão grávidas ou que tenham consigo filhos menores de um ano (neste momento em Tires estão 8 crianças amamentadas);

b) Existe também o infantário onde estão 33 crianças, assistidas por uma pediatra e uma psicóloga além das mulheres que cuidam diária e normalmente delas.

28 — A lotação do estabelecimento:

o) A lotação máxima do estabelecimento de Tires é de 350 mulheres;

b) Uma vez que se encontravam no estabelecimento 670 mulheres antes da amnistia tendo saído com esta 64 reclusas, encontram-se agora aproximadamente 615 reclusas, o que significa que o estabelecimento está superlotado, o que envolve consequências nefastas a todos os níveis designadamente, ao nível do pessoal, uma vez que não há uma correspondência de um número

suficiente de guardas para fazer face às inúmeras situações e rotina da vida prisional, como as saídas das reclusas em visitas a familiares noutros estabelecimentos, a hora do fecho e das refeições que têm de ser mais cedo, as saídas com as crianças, entre outras; c) O número de guardas é muito pequeno, além de que as que existem são por vezes menos bem tratadas que as próprias reclusas em termos de instalações; o escasso número deste pessoal faz com que seja impossível fazer turnos com as guardas, como seria desejável dada a dificuldade em ser guarda prisional, tendo assim de haver uma equipa efectiva; refere a Directora que seriam necessárias pelo menos mais 20 ou 30 guardas.

29 — Do regulamento interno:

á) Existe um regulamento interno elaborado ainda em 1987 pela anterior Directora, e que se junta no anexo 6 a este relatório;

b) Acerca deste ponto, esclareceu a Directora que esse regulamento encontra-se desactualizado, reconhecendo por isso que já devia existir outro mais adequado às novas realidades, não obstante afirmar que na prática cumpre na integra o disposto no Decreto-Lei n.° 265/79 de 1 de Agosto, bem como nas actualizações e adaptações que a ele têm sido feitas, designadamente com os Decretos-Leis n."» 49/80, de 22 de Março, e n.° 414/85, de 18 de Outubro; de notar, efectivamente, que de acordo com o observado na visita ao estabelecimento, bem como nas conversas tidas com a própria Directora, educadoras, técnicas de educação e guardas, o disposto na lei é cumprido, na medida do possível das limitações do sistema prisional em termos de falta de pessoal e superlotação do estabelecimento e falta de outros meios, sendo resolvidas a maior parte dos problemas e das questões que surgem diariamente na vida do estabelecimento;

c) Pelo facto de estar desactualizado, a Directora não cumpre o disposto relativamente à necessária afixação do mesmo em locais do estabelecimento a que os reclusos tenham acesso como a biblioteca e o bar; na verdade, esta é uma das poucas queixas das reclusas, pois que acabam por não ter acesso ao regulamento no âmbito do qual todo o seu dia-a-dia se rege, não obstante, np momento em que entram no estabelecimento e na conversa com a Directora, é-lhes dada toda a informação necessária acerca do disposto no regulamento e sobre as regras do estabelecimento.

30 — O Instituto de Reinserção Social:

a) Em conversa com a Técnica de Reinserção Social, obtivemos algumas informações da actuação do Instituto, no sentido de que as reclusas estão distribuídas a técnicas específicas que fazem o contacto com a reclusa, organizam o seu processo, estabelecem a relação entre o próprio Instituto junto do estabelecimento e as equipas de circulo do IRS da área de residência da reclusa, bem como com outros organismos, designadamente de segurança sócia); do processo consta toda a história da reclusa, desde a ficha de registo em

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modelo uniformizado até ao percurso e contactos com a reclusa);

b) As reclusas são atendidas pelas técnicas do IRS nas primeiras 48 horas a seguir à entrada no estabelecimento, sendo informadas do que é o IRS, dos direitos que têm em termos de IRS além de lhes ser oferecido um folheto explicativo conforme anexo 7 a este relatório; este primeiro atendimento também tem em vista o despiste dos principais problemas de que se pode ter conhecimento nesse momento, principalmente no caso de serem inimputáveis, toxicodependentes entre outros, como:

b\) Casos há em que se justifica a acção imediata junto de outros organismos, como quando há filhos que ficaram sós e há que tomar medidas adequadas;

bl) Também quando está em causa a falta de habitação ou as reformas, em que há que fazer contactos com a segurança social da área de residência;em todos os casos, o técnico de círculo vai confirmar a necessidade da intervenção;

c) Durante a fase de execução de pena, há contactos com o respectivo Tribunal de Execução de Penas, a Directora do estabelecimento prisional, bem como a resolução de inúmeras situações no âmbito dos Conselhos Técnicos Internos;

d) Em Tires, o. IRS tem vários projectos de articulação com a comunidade envolvente no sentido de sensibilizar várias estruturas da comunidade como instituições de menores, postos de trabalho para reclusas em RAVE, visitadoras voluntárias, serviços de reeducação, Irmãs Adoradoras e do Bom Pastor, nos casos de saídas precárias prolongadas em que as reclusas não têm família; nos casos de toxicodependentes o IRS tem protocolos com a REMAR, Comunidade de S. Fiel e o Centro das Taipas;

é) Nos casos de emprego para as reclusas em RAVE, tudo se passa ao nível de algumas entidades públicas mas designadamente de entidades para-públicas. Instituições Particulares de Solidariedade Social, O Companheiro (com o qual existe um protocolo, ao abrigo do qual as mulheres são encaminhadas para essa instituição e têm continuidade no seu trabalho na área da cozinha principalmente), Organizações Não Governamentais e empresas privadas empregadoras; quanto a este ponto foi feita pelo IRS uma prospecção pelo parque empresarial da zona no sentido de trazer trabalho para dentro do estabelecimento nos casos de reclusas em regime voltado para o interior — RAVI —, e RAVE, apesar de nalguns casos os protocolos não terem sido assinados uma vez que não eram aceites as condições mínimas de emprego digno;

f) Interrogada sobre qual a forma como as reclusas entram em contacto com as técnicas do IRS, respondeu-nos que:

fl) Dispõem de uns impressos próprios a preencher sempre que desejem ser atendidas;

f2) Bem como por iniciativa da própria técnica encarregue do processo da reclusa se assim entender necessário;

/3) A este propósito, continuou, há uma ligação estreita com as chefias dos pavilhões, que, caso seja necessário há uma intervenção imediata (por exemplo: tentativas de suicídio, medidas disciplinares, entre outras);

/4) As reclusas em regime aberto podem elas mesmas ir às instalações do IRS.

g) Outra das atribuições do IRS refere-se às deslocações dos familiares das reclusas que residem longe do estabelecimento e desejam visitá-las não obstante não terem possibilidades para financiar as viagens, pelo que, a primeira diligência do IRS é, através da equipa da área, averiguar se a situação invocada de falta de meios próprios corresponde à situação de facto, seguindo-se o pedido de intervenção da segurança social local para o desbloqueio do apoio ao caso concreto através de um subsídio para transportes;

h) O IRS em Tires tem 8 técnicas e 2 administrativas, o que é manifestamente insuficiente conforme nos referiu a própria técnica com quem conversamos, além de ter acrescentado que o IRS tem de actuar como se estivesse fora do estabelecimento e não para suprir as necessidades do estabelecimento.

Conclusões I

Terminadas as visitas ao Estabelecimento Prisional de Tires e elaborado o presente relatório, penso poder concluir que:

1) Por um lado, e em termos genéricos,, o estabelecimento funciona satisfatoriamente bem em todos os domínios, tendo observado que as questões e os problemas que surgem diariamente em todos os domínios são resolvidos, na medida do possível, pela Directora do estabelecimento que conta com a colaboração constante de todo o pessoal, designadamente guardas, educadoras e técnicas de educação; e

2) Não obstante, por outro lado, em termos específicos, os problemas que subsistem, à excepção de um ou outro como a seguir se referirá, enquadram-se na sua grande maioria, ao nível do sistema prisional propriamente dito, das suas insuficiências tanto em meios materiais como humanos, pelo que a sua solução está fora do alcance do estabelecimento em especial e do pessoal que directamente aí trabalha.

n

Os problemas que, em termos específicos, excepcionalmente podem ser solucionados ao nível do estabelecimento, designadamente por parte da Directora:

1) Das licenças de saída

d) Conforme referido no relatório —ponto 14, alínea c), existe uma relação estreita entre a boa qualidade do trabalho efectuado pela reclusa —com a consequente

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impossibilidade da sua substituição em tempo útil ao mesmo nível e qualidade — e a não concessão de licenças de saída pelo menos as vezes que supostamente deveriam ser legal e merecidamente concedidas.

b) E este um problema difícil de detectar, já que foi negada a sua existência pela Directora e educadoras com quem falamos acerca do assunto, pelo que vislumbro apenas uma via para o seu esclarecimento. É a que proponho nos termos seguintes:

b.l) Envio de um ofício à Directora do Estabelecimento Prisional de Tires, solicitando-lhe informação acerca de todas as licenças das saídas precárias e prolongadas, que foram concedidas nos últimos três meses — Abril, Maio e Junho —, com os nomes e a respectiva situação das reclusas, sem fazer referência ao aspecto específico do trabalho, conforme minuta que junto;

b.2) Caso na resposta ao ofício anterior, não conste a situação das reclusas em termos de trabalho, enviar-se-á novo ofício solicitando esta informação, podendo então com os elementos recolhidos retirar algumas conclusões e actuar em conformidade.

2)0 regulamento interno

a) De acordo com afirmações da Directora, não existe hoje em Tires um regulamento interno do estabelecimento prisional — cf. ponto 29 do relatório —, pelo que me parece haver motivo, para uma recomendação no sentido de ser elaborado um, uma vez que, na prática, a forma de actuação é correcta e em conformidade com o disposto no direito penitenciário em vigor, o que, de certo modo, facilita esta medida. É também o que proponho.

b) Deverá também constar da recomendação, que o mesmo regulamento, depois de elaborado, seja afixado em locais do estabelecimento como o Bar e Biblioteca.

c) Enquanto não for elaborado, dever-se-á solicitar à Directora do estabelecimento que afixe nesses locais, o regime legal em vigor e de acordo com o qual toma posições e executa medidas. Esta é uma das reclamações das reclusas.

3) A correspondência

A correspondência é toda lida antes de sair e de entrar no estabelecimento, pelo que importaria propor que não fosse aberta aquela correspondência que é dirigida às entidades públicas, designadamente à Provedoria de Justiça conforme ordem interna já existente da própria Direcção--Geral dos Serviços Prisionais.

A este propósito, seria conveniente propor-se que se instalassem nos estabelecimentos prisionais caixas de correio apenas para a Provedoria de Justiça.

4) Reclusas a trabalhar na cozinha

Como são as reclusas que confeccionam os alimentos e as refeições, não obstante estarem orientadas por duas cozinheiras, seria conveniente que, antes de serem designadas para esse trabalho, tivessem uma espécie de Cütso sobre o essencial na matéria.

Na verdade, uma das poucas reclamações que as reclusas fizeram em conversas durante a visita, foi a forma como a alimentação é confeccionada, não fazendo referência à qualidade dos ingredientes.

Seria também este um assunto a constar de eventual recomendação.

5) Cursos e formação profissional

Tendo em conta que o trabalho de empregadas domésticas e em restaurantes, são as saídas profissionais da maior parte das reclusas, seria conveniente, fomentar e criar este tipo de cursos dada a sua utilidade.

A Recomendação proposta, versando as matérias atrás referidas, seria apenas elaborada quando tivéssemos recebido a resposta ao ofício ou ofícios referidos no antecedente n.° 1 alínea b).

m

Os problemas que, em termos específicos, se enquadram, na sua grande maioria, ao nível do sistema prisional propriamente dito, das insuficiências, tanto em meios materiais como humanos, e cuja solução depende e é da competência da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais; proponho que sejam objecto de um ofício dirigido a essa entidade, conforme minuta que junto, no sentido de nos informar e prestar esclarecimentos acerca de cada um em especial, por um lado, e, por outro lado, quais as medidas que quanto a eles estão a ser tomadas e que eventualmente poderão vir a ser adoptadas no sentido da sua resolução:

1) Reclusas inimputáveis

a) Por não existirem Hospitais prisionais psiquiátricos, • e os Hospitais Civis não aceitarem reclusas, as reclusas inimputáveis, cuja pena tem de ser cumprida neste tipo de estabelecimentos, fica por cumprir se estiverem apenas internadas em estabelecimentos prisionais como o de Tires.

b) Caberá perguntar, quais as medidas a adoptar rio sen-, tido de criar, senão novos Hospitais, pelo menos condições de internamento junto de outro tipo de hospitais, designadamente os civis.

c) Como solucionar os casos das reclusas que neste momento se encontram internadas há já vários anos no estabelecimento prisional de Tires, e que sendo inimputáveis, esse período não contou como cumprimento de pena?

2) Hospital Prisional

a) Não existe nenhum Hospital Prisional para mulheres e os lugares que existem para reclusas, no Hospital de S. João de Deus, Caxias, são apenas seis, o que é manifestamente insuficiente em relação ao número de reclusas internadas em Tires.

b) Também não existem no Hospital Prisional referido, as especialidades médicas de ginecologia, obstetrícia e outras, para fazer face à assistência à saúde das mulheres.

3) Superlotação do estabelecimento

Conforme referido nq relatório, o estabelecimento prisional de Tires está superlotado. Cada quarto de internamento tem duas ou três reclusas.

Para quando as obras já em projecto?

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4) Transferências para os estabelecimentos prisionais da área de residência das reclusas

É efectivamente um problema a lista enorme de reclusas que solicitam à Directora do estabelecimento prisional de Tires a sua transferência para o Norte, dado que aí se encontra também toda a família, o que se repercute na quantidade de visitas, sendo por vezes pouco frequentes tendo em conta a distância.

Nos casos em que os maridos ou companheiros estão também reclusos noutro estabelecimento do Norte, seria muito mais fácil a reclusa estar também próxima para que ambos tivessem visitas mútuas. Na verdade, nestes casos, haveria visitas organizadas por um estabelecimento a outro sem grande dificuldade, mas, como a distância é grande e o pessoal de guardas é insuficiente, este aspecto está por resolver.

5) Pessoal prisional — guardas

A falta de pessoal, designadamente de guardas, tem enormes consequências a todos os níveis como:

a) Ao nível do próprio pessoal, que assim não pode ser periodicamente substituído, ou integrar equipas rotativas com tarefas diferentes dentro do estabelecimento;

b) A outros níveis como:

b.\) O horário de cada dia das reclusas é mais restritivo dada a ausência de pessoal que permita assegurar, em termos de segurança, outras actividades, horas de jantar e de fecho mais tardias, entre outros;

¿7.2) a outros estabelecimentos, designadamente a reclusos maridos e companheiros;

¿.3) Trabalhos para o exterior, efectuados pelas reclusas, e possíveis contactos com empresas comerciais, acabam por não se efectuar por falta de pessoal que assegure a vigilância deste tipo de «visitas» e relações externas ao estabelecimento;

bA) Saídas em passeio tanto das reclusas, como dos seus filhos que se encontram no infantário, são muito poucas devido à falta de pessoal que assegure a vigilância.

6) Obras em projecto, a efectuar, prometidas ou iniciadas, mas adiadas

a) Casas de banho dos pavilhões.

b) Água quente: caldeiras novas para as casas de banho e para aquecimento geral dos pavilhões.

c) Novo pavilhão para reclusas em Tires, para solucionar o problema da superlotação.

d) Os parlatórios nos pavilhões.

7) Elaboração de um projecto para reclusas femininas, em regime aberto, à semelhança do que acontece para os reclusos no estabelecimento de Monsanto e outros, que permitisse às reclusas receberem os seus maridos e companheiros, em pequenas casas ou unidades, aos fins-de-semana.

Criação de condições para que esse projecto se concretizasse, atento o mais elementar princípio de tratamento de reclusos, em que a execução da medida privativa de liber-

dade aproximar-se-á, tanto quanto possível, das condições da vida livre, evitando-se as consequências nocivas da privação de liberdade, e, nomeadamente neste caso, o facto de muitas famílias se desfazerem dado a mulher estar reclusa durante um determinado período, além de estar em causa, e não esquecendo, o princípio da igualdade, dado que este tipo de experiência ou projecto nunca foi tentado com mulheres reclusas em relação aos seus maridos e companheiros estáveis.

8) O ouro das reclusas

Conforme afirmou a Directora do estabelecimento prisional de Tires, já sugeriu à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, que fosse feita uma ordem interna, no sentido de que as reclusas depositassem o seu ouro num cofre e à guarda do estabelecimento, logo que nele dessem entrada.

Caberá perguntar à Direcção-Geral, que medida se propõe adoptar nesse sentido, dado os inconvenientes da detenção de objectos de ouro por parte das 'reclusas.

9) O dinheiro apreendido

O dinheiro que é apreendido às reclusas durante as rusgas e revistas, designadamente o que é trazido pelos familiares e que não é entregue imediatamente à guarda do estabelecimento, deveria reverter para um fundo comum de apoio a reclusas como medida sancionatória, conforme sugestão da Directora, e não, como actualmente, para o fundo de reserva das reclusas.

Caberia perguntar à Direcção-Geral o que pensa sobre esta sugestão e eventualmente providenciar essa medida, através de uma ordem interna.'

10) O transporte de comida

A comida que é confeccionada na cozinha geral do estabelecimento, é depois transportada para os refeitórios de cada pavilhão, o que implica que quando chega ao destino não esteja quente como seria desejável, conforme afirmações da Directora e reclamações das reclusas.

Já foi sugerido pela Directora à Direcção-Geral, que providenciasse no sentido fornecer caixas térmicas que mantenham a temperatura da comida até ao momento de chegar ás mesas dos refeitórios.

rv

Terminadas as conclusões e as respectivas propostas de actuação ao nível do estabelecimento prisional de Tires, cumpre-me referir uma outra conclusão final, esta de carácter ainda mais genérico e abrangente, em termos de actuação metodológica do estudo da matéria dos estabelecimentos prisionais e reclamações de reclusos, no sentido de, haver um tratamento comum e sistemático de todas as reclamações entradas nesta Provedoria de Justiça, para que as medidas e propostas de actuação relativamente áo que é um mesmo assunto, façam parte de um todo homogéneo.

No sentido desta minha conclusão, foram abertos, dois processos de Iniciativa de Sua Excelência o Senhor Provedor de Justiça, cujo objeclo é a análise da situação

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jurídica dos estabelecimentos prisionais de iure condendo, e o trabalho prisional.

Não obstante, continuam a existir e a dar entrada nesta Provedoria, inúmeras reclamações de reclusos, mas que não têm qualquer tipo de tratamento sistemático, à excepção das que são distribuídas ao mesmo Assessor, ou que já foram objecto de visitas, pelo que, proponho que seja criado um pequeno grupo de trabalho dentro da mesma Área — 5 —, ao qual seriam distribuídas todas as reclamações de reclusos e sobre estabelecimentos prisionais, além de lhe serem afectas as que já existem, eventualmente divididas segundo um critério de estabelecimentos, havendo assim uma actuação comum ao nível de tratamento de problemas semelhantes com propostas também idênticas de solução, desta vez de iure constituto, podendo as conclusões destes servir de base aos IP acima referidos e já abertos. Evitar-se-iam deste modo, diligências semelhantes mas descoordenadas, relativamente aos mesmos estabelecimentos e por vezes aos mesmos reclusos e reclusas.

A Assessora, Isaura Junqueiro.

G) Estabelecimento Prisional de Lisboa

No âmbito da visita efectuada ao Estabelecimento Prisional de Lisboa no dia 21 de Julho de 1994, em que participaram por parte desta Provedoria, o Exm.° Senhor Coordenador Dr. Paulo Antunes, o Exm.° Senhor Dr. João Galvão e a signatária, e por parte do Estabelecimento Prisional, o Exm.° Senhor Director Dr. Prazeres Pais, o médico de clínica geral Dr. Assunção Ribeiro e o Sr. Pinho Gomes, foram abordados os seguintes aspectos:

I) Da assistência médica

1 — O estabelecimento é assistido medicamente pelos:

a) O médico do quadro, coordenador dos serviços clínicos e trabalha normalmente 72 horas; e,

b) Dois clínicos gerais, divididos por alas, qúe mantêm o nível de entradas;

c) Um estomatologista contratado;

d) Dois psiquiatras: um acompanha só os toxicodependentes e o outro assiste apenas no âmbito da saúde mental; de referir a este propósito que há mais psiquiatras de Caxias que fazem a supervisão de alguns casos;

e) Quatro psicólogos que se articulam com os psiquiatras; e,

f) Dois enfermeiros do quadro.

2 — A assistência médica processa-se da seguinte maneira:

a) Faz-se a cobertura dos reclusos no prazo máximo de 72 horas depois da sua entrada no estabelecimento, faz-se o rasteio —sida, tuberculose, sífilis, hepatite;

b) 90% aceitam efectuar este rasteio inicial, e os restantes que não aceitam, declaram expres-

samente que não aceitam e são convencidos nos dias seguintes à sua entrada a fazerem também o rasteio, o que normalmente acontece;

c) O médico coordenador estuda o recluso; trimestralmente faz as «baterias» de testes de controlo; e

d) Se há situações de urgência fá-las baixar ao Hospital de Caxias, sendo acompanhadas pelo respectivo processo clínico;

e) Se portadores do vírus do SIDA, os reclusos são tratados no exterior, pelo Hospital de S. João de Deus de Caxias, ou, quando aí não é possível, pelo Hospital de Santa Maria, com o qual há uma ligação muito estreita.

II) Programas específicos em execução — toxicodependentes

1 — A Ala G do estabelecimento, é uma área nova, recuperada e foi reconstruída tendo em vista a criação de um anexo clínico para assistência médica dentro do próprio estabelecimento, onde se faria uma triagem dos reclusos, uma desintoxicação dos toxicodependentes que seriam encaminhados para comunidades terapêuticas a criar no exterior do estabelecimento, tendo sido um programa para o qual já havia pessoal.

2 — Não obstante, e dado o falecimento do médico que estava a orientar o referido programa de assistência médica, a ala G transformou-se e é hoje uma comunidade terapêutica propriamente dita, dentro do próprio estabelecimento.

Conforme afirmações do Director, não pensa ele ser esta a situação ideal, pois o que seria aconselhável era as comunidades terapêuticas existirem no exterior, o que de momento é economicamente impossível.

3 — A ala G funciona da seguinte forma:

o) Quem vai para ala G:

Submetidos todos os reclusos a uma triagem pelos serviços médicos, inventariados e caracterizados por uma socióloga, é perguntado aos toxicodependentes se querem continuar sem tratamento ou se querem ser tratados e recuperar eventualmente;

Nos casos em que a resposta é afirmativa e querem iniciar um tratamento, é celebrado um protocolo terapêutico com o recluso;

b) Submetidos inicialmente a um programa de desintoxicação física e início de tratamento com o apoio médico e psiquiátrico;

c) De seguida, ingressam na ala G e são submetidos ao programa de tratamento e recuperação de toxicodependentes da Dr." Kitting e sua equipa: dois psicólogos, motricidade humana e ergonomia;

d) Submetidos a um mínimo de regras, têm um período experimental de 30 dias;

e) Os reclusos estão ocupados das 7 horas da manhã às 7 horas da noite.

4 — Visitámos a ala G, tendo observado que tinha óptimas condições, desde o edifício em si que foi adaptado

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e reconstruído todo de novo para o funcionamento da comunidade terapêutica ora em apreço:

a) As celas tinham bom aspecto, normalmente para três reclusos com a respectiva casa de banho;

b) Salas de tratamento bem apetrechadas e dimensionadas;

c) Sala de trabalho com tear, mesas para trabalhos e ainda nos referiu o Director que a AGFA tinha oferecido um estúdio de fotografia com os respectivos aparelhos fotográficos e de laboratório, que com futuros minicursos de formação para os reclusos, estes iriam começar a trabalhar neste campo e nestas matérias servindo desde logo para experiência e formação profissional para o exterior, com mais saída profissional que as actividades tradicionais e normais dos reclusos;

d) Visitamos finalmente o refeitório e a cozinha, e a propósito foi-nos referido que a alimentação destes reclusos é diferente da dos outros em regime normal e sem ser em tratamento na comunidade, dado que é prescrita especificamente pela Dr° Kitting e no âmbito do programa de tratamento.

Ill) Projectos para o estabelecimento prisional e opinião do director face ao programa em execução

1 —Quanto à ala G, refere o Director do estabelecimento, que não deveria ela mesma ser uma comunidade terapêutica, mas sim e apenas um departamento médico de desintoxicação inicial dos toxicodependentes, depois da respectiva e necessária triagem, isto é, a comunidade terapêutica não deveria funcionar dentro do estabelecimento, mesmo em boas condições como de facto esta funciona, mas sim fora do estabelecimento, propondo um ano de tratamento em meio aberto como a prisão escola de Leiria e depois começarem na cidade, como o regime de Monsanto, em que se iniciaria uma .verdadeira fase de pré-comunidade e eventualmente com resultados mais positivos.

2 — Quanto ao antigo anexo psiquiátrico que hoje está desactivado e não existe, o Director propunha que dada a existência de meios humanos e médicos, falta espaço físico e material para desenvolver o projecto e as obras que deseja há muito tempo, isto é, queria transformar o referido anexo psiquiátrico numa zona de internamento de reclusos portadores do vírus da sida e também toxicodependentes e portadores de hepatite e outras doenças; as situações terminais seriam acolhidas aqui.

3 — O Director propõe também à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, que a Ala A seja reconstruída e recuperada, pois desapareceria uma parte antiga do estabelecimento, era aumentada e criava mais 90 lugares para os reclusos, além de mais gabinetes de psicologia e actividade clínica de acompanhamento, pretendendo com este propósito deixar de recorrer constantemente aos Hospitais ho exterior, tanto o Prisional de Caxias como o Civil de Santa Maria, poupando em pessoal de segurança, viagens e pagamento de tratamentos médicos e análises no exterior, já que há situações clínicas que tem de ser constantemente acompanhadas e no exterior fica muito mais dispendioso.

IV — Dos medicamentos

1 — Grande parte da despesa do estabelecimento é efectuada com.os medicamentos prescritos pelos médicos aos reclusos e que são requisitados à farmácia do Hospital Prisional de São João de Deus, conforme fotocópia de algumas facturas que nos facultou e junto em anexo a este relatório.

2 — Na verdade, afirmou também que deveria haver a comparticipação dos medicamentos conforme existe no Estabelecimento Prisional de Custoias, no Porto, porém, os serviços de saúde do sul não aceitam tal proposta, afirmando que a área prisional é um sistema diferente, aproximado de um sistema privativo.

3 — Um exemplo flagrante de despesa é o AZT ou DDI, medicamento ministrado aos portadores do vírus da sida que nos hospitais civis é ministrado gratuitamente, e o estabelecimento prisional de Lisboa tem de o pagar à farmácia do Hospital de Caxias, constituindo este uma das maiores despesas de entre todos os medicamentos, conforme consta das referidas facturas que juntei em anexo.

4 — Efectivamente, foi-nos afirmado pelo Director que, e a título de exemplo:

a) O internamento de um recluso com Sida em estado terminal custa 1360 contos;

b) Foram gastos 7500 contos com encargos de internamento no hospital;

c) A análise completa aos portadores do vírus da sida, tem de ser feita de 6 em 6 meses, e custa 20 a 30 contos por recluso.

V — Da alimentação

1 — Para alimentação, cada recluso tem, por dia, 450SO0 (para três refeições).

2 — Para fazer face a este reduzido orçamento, o Director tem variados acordos com empresas privadas, de compra a baixo preço, dos produtos que estão em final de prazo de validade o que vem colmatar alguma falha em termos de alimentação.

3 — Estiveram 3 meses sem fruta, e só agora, que começou a nova campanha, voltou a haver fruta 3 vezes por semana;

4 — As falhas que tem em termos de alimentação residem no facto:

a) De este estabelecimento ter de fornecer alimentação a muitos reclusos, pois que, além dos do próprio estabelecimento, ainda tem de fornecer ao estabelecimento da Polícia Judiciária, o que dá aproximadamente e em média 1800 refeições;

b) De a comida ser servida para os refeitórios todos depois de ser baldeada três vezes, pelo que não há comida por muito boa que seja, que resista, além de chegar quase fria ao prato, o que já levou a colocar a hipótese de aquisição de uma espécie de carros térmicos, mas que é uma despesa muito grande.

5 — Finalmente, afirmou que apesar de não ter um die-tista, o que considera üma falha dos Serviços Prisionais, tem conseguido equilibrar a alimentação, em termos de

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composição, através de ementas variadas que constam de programas de computador, que definem ao mesmo tempo as próprias quantidades e elementos que compõem cada refeição, o que tem ajudado muito no equilíbrio financeiro das mesmas refeições.

Conclusões

1 — Relativamente ao que foi exposto no ponto JH do relatório, e designadamente quanto ao projecto para a ala A do estabelecimento, proponho que seja enviado um ofício ao Director-Geral dos Serviços Prisionais, solicitando informação sobre o estado actual e viabilidade do referido projecto, conforme minuta de ofício que junto em anexo.

2 — Quanto ao problema do financiamento dos medicamentos, e constante do ponto rv do relatório, proponho que:

a) Seja enviado um ofício ao Director do Hospital Prisional de São João de Deus, no sentido de nos informar como se processa o pagamento dos medicamentos e se existem alguns benefícios de comparticipação de que o estabelecimento prisional não esteja a beneficiar, aproveitando para perguntar como se processa o pagamento das consultas específicas e meios auxiliares de diagnóstico;

b) Obtida a resposta ao ofício que antecede, proponho que seja enviado um ofício ao Ministro da Saúde, solicitando-lhe que nos informe dos fundamentos de direito e de facto subjacentes à não comparticipação dos medicamentos aos estabelecimentos prisionais do sul, quando essa comparticipação se verifica no Estabelecimento Prisional de Custoias, Porto, bem como colocando a questão das possibilidade de, como Ministro da tutela, poder determinar um regime idêntico para todos os estabelecimentos prisionais.

3 — No que se refere ao ponto v — Alimentação —, e especialmente à necessidade de carros térmicos para o transporte, da comida no estabelecimento, proponho que esta seja uma questão a colocar à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, mas no âmbito de um ofício cujo objecto seja o sistema prisional em geral, pois que é este um problema de todos os estabelecimentos prisionais que temos visitado.

A Assessora, Isaura Junqueira.

H) Estabelecimento Prisional de Lisboa

(Visita efectuada ao Estabelecimento Prisional de Lisboa — EPL— no dia 4 de Outubro de 1994, pelo Senhor Coordenador Dr. Paulo Antunes, pelos Senhores Assessores Duarte Vera Jardim e Isaura Junqueiro.)

1) Do ingresso do recluso no estabelecimento

a) O recluso entra no estabelecimento e, segundo foi referido pelo Director:

al) É recebido pelo chefe de guardas e é registado no «livro de entradas»;

a2) É-lhe dado o nome do respectivo educador e número de registo;

a3) No dia seguinte ao da entrada, é apresentado à secção de reclusos, onde se recolhem e- completam as informações que posteriormente são enviadas aos serviços clínicos e serviços de educação;

a4) Faz-se a abertura formal do processo, com a entrevista inicial do recluso, onde é informado dos pormenores e dos regulamentos parciais, como os que respeitam à correspondência, às visitas, ao telefone e portaria.

a5) São-lhe de seguida indicadas as horas para observação clínica;

b) Em entrevista com um recluso, reclamante nesta Provedoria, obtivemos a informação de como foi a sua entrada no estabelecimento:

b\) O chefe de guardas falou com ele durante 15 minutos, não obstante não lhe ter dito nada acerca do regulamento; a este propósito referiu que 99 % não conhecem o regulamento;

Ò2) No dia seguinte falou com o chefe da sua ala;

b3) Entrou em Janeiro e a primeira vez que falou com o Director do EPL foi em Junho;

¿>4) A pedido do recluso, foi visto pelo médico em Fevereiro.

2 — Distribuição e separação dos reclusos

a) Existem no EPL cinco alas, denominadas: A, B, C, D, E e F, sendo que, e por regra ou por princípio:

al) Na ala A, estão os reclusos que acabaram de chegar ou em prisão preventiva;

al) Na ala B, estão os que trabalham;

ái) Na ala C, estão os reclusos que requerem mais segurança;

a4) Na ala D, estão os trabalhadores e os reclusos que continuam a exercer os seus cargos nas suas empresas;

aS) Na ala E, indiferenciados; e

aò) Na ala F, os toxicodependentes que não transitaram para a ala G;

b) Não obstante as regras descritas anteriormente, o facto é que não se verifica um critério definido dentro de cada ala, uma vez que há preventivos juntos com condenados e jovens com idosos.

3 — Do regulamento Interno

a) Não existe regulamento interno do estabelecimento;

b) No entanto, referiu o Director que há regulamentos sectoriais, como o da portaria, o do telefone e o da correspondência;

c) Mais acrescentou, que cumpre na prática o disposto no Decreto-Lei n.° 265/79, de 1 de Agosto, bem como as actualizações e adaptações que á ele têm sido feitas, designadamente os Decretos-I^eis n.° 49/80, de 22 de Março, e n.° 414/85, de 18 de Outubro;

d) Continuou, referindo que o problema é generalizado e consiste no facto de os Directores no início serem licenciados em Direito ou oriundos das Forças Armadas, e hoje em dia só existirem três directores licenciados em Direito: o do EPL, o de Paços de Ferreira e o de S. João de Deus; isto porque, muitas vezes o Decreto-Lei n.° 265/ 79 remete para o poder discricionário do Director, e aqui deverá estar patente o bom senso na aplicação do mesmo diploma, tendo sempre em conta um critério coerente, apesar de não se terem apetrechado as instituições para a sua boa aplicação.

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4 — Do alojamento

a) Há uma diferenciação entre alas, as B, C, D e E, que têm boas condições na generalidade:

a\) Normalmente são celas individuais, com excepção de duas celas por ala preparadas para alojar 3 reclusos e que se destinam designadamente a dois tipos de situações:

Casos clínicos em que há necessidade de os reclusos

estarem acompanhados; Os reclusos que fazem a faxina da cozinha e que se

encontram juntos para não acordarem os outros

reclusos, uma vez que têm de se levantar às 3

horas da manhã;

aZ) Têm todas umas pequenas casas de banho individuais, armários, placardes para fotografias e outras aplicações;

b) Ao contrário das anteriores, as celas das alas A e F estão num estado de degradação completa:

fel) As celas não são individuais de facto, embora pareçam ter sido concebidas como tal, normalmente têm dois ou até três reclusos;

b2) as condições são péssimas, dado que as celas estão completamente degradadas, em mau estado de conservação e, conforme observado, nalgumas celas que os reclusos nos indicaram, as paredes, o chão, as camas (roupa da cama e colchão) estão repletas de percevejos; '

M) A propósito referiram alguns reclusos que nos rodearam, que não há produtos de higiene e de limpeza suficientes para limpar e fazer face a tanto percevejo;

Confrontado o Director com este problema, respondeu-nos que o estado das celas é tal que não há produtos de limpeza que cheguem e que possam solucionar a situação;

Na perspectiva do Director, a única forma de resolver o problema, é efectuar as obras estruturais há muito programadas, como aconteceu relativamente às outras alas; e, nesta sequência, mais nos informou de que está tudo preparado para o início das obras, faltando apenas que a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais determine onde alojar os reclusos que se encontram nas duas alas, A e F;

M) Nalgumas celas há reclusos a dormir no chão;

b5) Nas alas A e F, como as celas não têm casa de banho, ainda funciona o sistema de balde, que é despejado num depósito que existe no meio do corredor da ala e que, segundo constatámos e de acordo com queixas dos reclusos, provoca um cheiro nauseabundo.

5 — Higiene pessoal

a) Nas atas B, C, D e E, os banhos são nos balneários, estes apresentam boas condições de higiene e limpeza:

al) Os reclusos podem tomar todos os banhos que1 desejarem;

ai) Os reclusos têm boa aparência e vestuário limpo;

b) Nas alas A e F, os balneários ainda são antigos, e por isso apresentam más condições; na altura em que visitamos os da ala A, estavam entupidos, referindo os reclusos que normalmente estão a tomar banho e a água

sai por fora; os reclusos desta ala não têm tão boa aparência como os das outras alas, nem em termos de vestuário nem em termos de limpeza;

c) Existe água quente;

d) A roupa que cada recluso veste é própria;

e) A roupa das camas é mudada uma vez por semana.

6 — Da alimentação

a) Todos os reclusos se queixaram que a comida é má ao ponto de não se poder comer quase nunca;

b) Consta que as dietas são também muito más, normalmente o almoço consiste em arroz branco com frango ou com bife que apelidaram de «sola de sapato», e ao

a jantar é peixe cozido com batatas também cozidas, mas o peixe está sempre frio e as batatas são duras e mal cozidas; mais acrescentou um recluso que está a fazer dieta, que o problema é da cozinha, pois que sabe que o Director tem feito todos os esforços para que haja mais cuidado com esta alimentação, mas fala-se de uma certa resistência passiva na cozinha;

c) Quanto à alimentação geral, o problema é grave pois verificámos que:

cl) Os .reclusos não comem muitas vezes o que vem da cozinha; substituem-na com pão com manteiga (conforme referiu um recluso da ala C), ou então pela comida que traz a família nas visitas;

cl) Confrontado o Director com este problema, referiu--nos que a causa dessa situação é o facto de a comida ser baldeada pelo menos três vezes, o que significa que mesmo que a comida esteja bem confeccionada, não pode nunca resistir a três baldeamentos: da cozinha para os recipientes que vão para as alas, e depois dentro de cada ala a comida passa novamente destes recipientes para outros e de seguida para os pratos;

c3) Continuou o Director que para tal situação colabora também o facto de a cozinha ser sediada no exterior do estabelecimento, portanto, longe de cada ala, o que faz com que a comida chegue fria ao momento de ser comida; impunha-se arranjar uma forma de transportar a comida sem que arrefecesse e também que não tivesse necessidade de ser tão baldeada, ou de pensar num sistema de cozinha por ala, o que no primeiro caso envolveria por exemplo o transporte por carros térmicos e no segundo caso obras de estrutura; de qualquer modo, e nos dois casos, o problema é sempre a falta de meios económicos para fazer face a tais problemas;

d) Tendo em conta a questão da alimentação acabada de referir, visitámos a cozinha do estabelecimento, onde são confeccionadas as refeições, e que me pareceu em péssimas condições:

dl) As paredes estavam negras de gordura que escorria do tecto até ao chão;

dl) No chão escorregava-se em virtude da mesma;. • d3) Ao lado da cozinha havia três divisões: uma para os legumes frescos: onde a alface, as batatas e as cebolas tinham um óptimo aspecto; Outra para a carne, também com aspecto limpo e a carne parecia ser boa e, outra divisão para o peixe, onde é guardado e arranjado antes de ser cozinhado;

¿4) Estava aí presente um cozinheiro que nos referiu que todos os géneros alimentícios estavam num armazém de frio até ao dia anterior ao dia em que iam ser cozinhados, indo para essas divisões;

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d5) Ora, verificámos que o peixe por exemplo, que estava a descongelar já no final do dia anterior ao dia seguinte em que ia ser servido, e apesar de ter algum gelo, o facto é que ia ser apenas amanhado no dia seguinte, iria aguardar mais algum tempo até ser cozinhado para o jantar, o que deixa transparecer qual a consequência do estado do peixe aparentemente com óptima qualidade, quando for para a mesa, situação esta que se agravará provavelmente no Verão;

d6) Existem 3 cozinheiros e o restante pessoal que trabalha e ajuda na cozinha é improvisado da mão-de-obra prisional;

e) Outro pormenor desagradável foi ver cinco bidões de lata enormes à saída da cozinha, nos quais, conforme referido pelo Director e pelo cozinheiro, são despejados os «restos» de comida sobrante e que se destina a ser vendida 0 para uma empresa de criação de suínos:

el) Não dá a comida para os pobres porque não só não a querem como é grave dar este tipo de restos, uma vez que podem estar contaminados com doenças, designadamente sida ou a hepatite B;

el) Assegura o Director, por outro lado, que no caso dos suínos, como tem a certeza que os restos são fervidos e quase cozinhados novamente, «não se coloca» (?) o problema de também estes, e por sua vez a carne; ficarem contaminados com algum tipo de doenças, não colocando por isso em perigo a saúde pública;

f) Esta situação da alimentação parece-me grave a todos os níveis, designadamente ao nível económico, social e até moral, uma vez que os ingredientes são óptimos e de boa qualidade, e com o processo intermédio, de serem cozinhados e transportados até ao prato dos reclusos, transformam--se em quantidades exorbitantes de restos de comida que, na opinião dos reclusos, é intragável e não se aproveita;

g) Não há sempre fruta, depende das épocas; um recluso lembra-se de ter comido fruta na semana passada, mas não consegue lembrar-se desde quando é que já não comia;

h) Quanto à hipótese de refeições no quarto, raramente acontece com algum recluso, pois não há regras de higiene suficientes e servir a marmita na cela é inconveniente.

7 — Das visitas

a) Os reclusos recebem regularmente visitas: al)Das 14 horas às 17 horas de todos os dias; al) As quartas-feiras de manhã também;

a3) Sábados e domingos de manhã;

b) Há as visitas excepcionais, ou de trabalho, como por exemplo nos referiu um recluso, que pediu para ter uma visita deste tipo e foi-lhe concedido;

c) As visitas, segundo também um recluso, são infernais tal é a confusão, onde se trocam coisas ilícitas (como sabonetes de haxixe uma vez por semana) e não há privacidade alguma, salvo uma pequena sala mal mobilada que é utilizada pelos advogados.

cl) O Director, conforme nos referiu, tem consciência deste facto e informou-nos de que estão previstos novos palratórios a construir no subsolo e salas de advogados para os actuais balneários velhos, que depois das obras nas alas A e F deixarão de existir;

c2) Não obstante são obras que dependem da resolução do problema da colocação dos reclusos enquanto estão a ser feitas as obras, aguardando que a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais indique exactamente o local.

d) Antes de as visitas entrarem em contacto com os reclusos, há três controlos:

dl) Na portaria; dl) Na vista;

d3) Gradeado nos palratórios;

e) Quem visita regularmente os reclusos possui um cartão para o efeito, e caso a visita não o tenha, procede-se a identificação prévia, e, bem assim, a consulta ao recluso no sentido de se apurar se deseja ou não a visita.

8 — Da correspondência

a) Segundo afirmou o Director, a correspondência só é aberta, censurada ou retida nos casos em que possa estar em causa a segurança do recluso ou do estabelecimento, isto é, nos casos em que haja razões sérias para suspeitar do conteúdo da mesma.

b) Um recluso com quem conversámos referia a propósito que:

b\) Coloca a carta, por exemplo, hoje no correio que está no chefe de ala, e depois sabe que é aberta dentro dos serviços de educação;

bl) A última carta que a Provedoria de Justiça lhe enviou foi aberta;

b3) As cartas dos advogados são abertas;

64) O mesmo recluso tem uma queixa no Conselho da Europa sobre o funcionamento do estabelecimento, e as cartas que vieram do Conselho foram abertas.

9 — O acesso ao telefone

a) Os reclusos têm direito a efectuar um telefonema por semana, no gabinete do chefe de ala e sem privacidade; excepcionalmente e com motivo devidamente justificado podem fazer mais algum telefonema.

b) Quando desejam telefonar, fazem um pedido por escrito (num impresso adequado para o efeito) aos técnicos de educação; pedido esse que é despachado dois dias depois aproximadamente.

10 — Do trabalho e da remuneração '

a) Existe uma oficina de mecânica-auto, que visitámos, onde estão dois mestres — funcionários, trabalham aí 7 reclusos, e é onde se reparam as viaturas do estabelecimento e de serviço, fundamentalmente.

Recebem em média 320$00 por dia.

b) Na oficina de serralharia, que visitamos, existem também dois mestres que ensinam as técnicas a empregar na elaboração de trabalhos a 17 reclusos que normalmente concertam as pequenas coisas do estabelecimento e asseguram a sua manutenção; excepcionalmente elaboram trabalhos para fora.

Formação dentro da oficina. Recebem em média 220$00 por dia.

c) Na tipografia, que também visitámos, e ainda que esteja apetrechada com máquinas antiquadas, gráficas, acabam por se fazer aí óptimos trabalhos.

É aqui na tipografia que por exemplo se imprime grande parte do papel utilizado no âmbito do Ministério da Justiça e se encadernam muitos livros tanto de órgãos do estado como de particulares.

Trabalham 17 reclusos e recebem em média 290S00 por dia.

d) Na marcenaria, visitada também, falamos com o único mestre que existe aí, tendo-nos referido que é cada

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vez mais difícil arranjar pessoas para trabalhar nesta área, neste momento só há 4 reclusos aí a trabalhar.

Aqui asseguram a manutenção e o concerto de material do estabelecimento. Excepcionalmente fazem trabalhos para fora e por encomenda.

Recebem em média 320S00 por dia.

e)Para além destes trabalhos ainda há no estabelecimento:

el) A agro-pecuária, onde os 3 reclusos que aí trabalham ganham em média 220500 por dia;

e-2) A construção civil, onde os 14 reclusos que aí trabalham recebem em média 320S00 por dia;

ei) Serviços eléctricos, com 3 reclusos a 320500 por dia;

e4) A lavandaria, com 5 reclusos a 200500 por dia; e5) A faxinagem, com 135 reclusos a 200500 em média;

e6) O armazém geral, onde trabalham 4 reclusos a 290500 por dia;

el) O armazém oficial, onde trabalha 1 recluso a ganhar 320500 por dia;

e8) os ajudantes de enfermeiro, 4 reclusos, 2 a 320500 e outros 2 a 250500 por dia;

e9) Nos bares da alas, onde trabalham 11 reclusos a 220S00 dia;

elO) Como ajudantes de biblioteca, 5 reclusos a 320500 dia;

el 1) 2 ajudantes de vídeo a 390500 e 290500 por dia; el2) Na faxina desporto, 6 reclusos a 200500 dia; el3)Na messe dos guardas, 7 reclusos a 290500 dia;

f\4) na fotografia, 1 recluso que ganha 320500 por dia e nessa secção se elaboram as fotografias dos reclusos.

Todas estas referências constam de um esquema anexo como documento n.° 1, fornecido pelo Director do estabelecimento.

g) Referiu-nos também o Director, que estes trabalhos são encarados essencialmente em duas perspectivas, a de não perder experiência de trabalho e a de formação.

h) Poucos reclusos executam trabalhos à peça para o exterior do estabelecimento, ou pequenas peças de artesanato.

11 — Das remunerações e dinheiro dos reclusos

a) A remuneração que é ganha por cada recluso nos vários trabalhos, pode ser dividida como dinheiro disponível, para a família, cumprimento de obrigações e para a reserva.

6) Normalmente o dinheiro fica todo disponível e nalguns casos vai para a reserva.

c) Os salários aos reclusos dependem do orçamento e de aprovação anual pela Direcção-Geral dos Serviços Prisionais.

12 — Do ensino, formação e aperfeiçoamento profissionais

a) Houve recentemente e alguns ainda estão a decorrer, cursos de formação profissional, em que participa um número relativamente pouco significativo de reclusos, sendo aqueles de:

al) Mecânica;

a2) Electrodomésticos;

a3) Medidores orçamentistas;

a4) Construção civil;

a5) Pastelaria e,

a6) Informática (estes apoiados pela Philips, que ofereceu os computadores); vai agora iniciar-se um curso

nesta área, com 376 horas e cada recluso participante ganha 10.000500 por mês; é uma das áreas mais pretendidas, além de que é um curso com qualidade e ao nível dos cursos do mesmo género cá fora (quem está à frente também ministra os cursos cá fora).

b) No que se refere à formação escolar:

b\) Existe a primária; cujo ensino é ministrado por professores da zona do estabelecimento; b2) Também até ao 9.° ano;

63) Antigos liceus;

64) Universidades.

c) Cursos do PRODEP, de escolaridade e profissionalizantes em tipografia, electricidade e serralharia.

Este estabelecimento funciona apenas como hospedeiro de cursos e não é ele próprio que os ministra.

d) Quanto aos resultados destes cursos, avaliação de in-put e output (estágios), o que se tem verificado é que depende sempre do recluso em causa, umas vezes há efeitos óptimos até de continuação cá fora, outras vezes é apenas para ocupar o tempo enquanto estão reclusos.

13 — Do tempo livre .

a) Os reclusos podem ouvir rádio e ter televisão nas celas; para terem televisão pagam 1000500 de depósito e mais um determinado montante simbólico por mês; (referju-nos um recluso que em Pinheiro da Cruz, pagava mais, eram 4550500 de depósito só para a televisão entrar).

Podem ter a televisão das celas ligada toda a noite desde que não haja barulho nem incomodem. A televisão nos corredores está ligada somente até às 5 horas da tarde, antes do jantar.

6) Também podem ter computadores individuais nas celas.

c) O recreio é de 1 hora por dia: das 2h às 3h.

d) Redacção do jornal interno.

e) Há campos exteriores de jogos nas alas C e D, sendo um deles manifestamente inadequado e, observamos na ala C, uma mesa de ping-pong no corredor da ala.

f) Segundo afirmações do Director, há de vez em quando organização de jogos a nível de ala ou de estabelecimento, nos quais podem participar todos os reclusos, dando no entanto preferência aos toxicodependentes.

14 — Da assistência moral e espiritual

a) Há uma missa da religião católica todos os domingos; o Padre que a celebra normalmente é a pessoa que assiste espiritualmente os reclusos. <

b) Referiu-nos um recluso com quem falamos que o Padre vai sempre a correr ao estabelecimento e não tem tempo para ouvir cada recluso que realmente necessite.

c) Colaboram na assistência moral e espiritual também os visitadores voluntários, na medida da sua disponibilidade e devidamente autorizados pelo Director:

cl) Normalmente os visitantes mais velhos fazem parte das Conferências de S. Vicente de Paulo, e os mais novos de grupos de acção social, como por exemplo os do GASUC, Grupo de Acção Social da Universidade Católica;

c2) Foi-nos referido por um recluso que o voluntariado é óptimo mas não nas condições em que tem sido feito, pois banalizam-se as situações em que os voluntários apenas distribuem selos, envelopes e cigarros, em vez do atendimento recluso a recluso individualmente.

d) Não existe estrutura alternativa à referida assistência, embora por vezes compareçam a pedido, membros de outras congregações.

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15 —Da assistência médlco-sanltárla

à) Grande parte dos pontos referentes à assistência mé-dico-sanitána foi já tratada no primeiro relatório referente ao EPL quando se procedeu à primeira visita e que consta de fls. 43 a 55 do processo R-395/94, pelo que não haverá neste momento grandes desenvolvimentos sobre a matéria;

b) De realçar no entanto o que um recluso nos referiu acerca do assunto:

b.\) Se um recluso desejar uma consulta de clínica geral, esta demora 15 dias;

b.2) Se for de especialidade não há;

¿.3) Se for uma urgência, 8 dias;

6.4). Os reclusos são possuidores, sempre, de quantidades exageradas de calmantes: ou os tomam nessas quantidades exageradas, ou os vendem; acrescentou o recluso em causa que se fazem grandes negócios com este tipo de medicamentos, como sejam o Dormicor, o Xanax e o Morfex.

16 — Das medidas disciplinares

a) É na ala C que se encontram 36 celas de segurança: 18 de segurança propriamente dita, e outras 18 disciplinares;

b) Em 3 de Outubro, por exemplo, estavam 4 reclusos a cumprir pena em cela disciplinar por tráfico interno de droga;

c) Todos os casos que dêem origem a sanção em cela disciplinar, são fundamentados em processos devidamente instruídos por um advogado;

d) Normalmente as sanções são executadas em 8 a 10 dias; às vezes porém podem chegar aos 30 dias.

17 — O acesso ao Director

a) Normalmente o Director não vai às celas nem visita regularmente os reclusos, parecendo-me estar na posição de garante da segurança do estabelecimento; porém

b) A distância que porventura essa posição poderia originar, entre o Director e os reclusos, parece que não se verifica na prática, uma vez que a relação é boa, respeitosa, afável e de confiança:

b.l) Em conversa com alguns reclusos, não havia queixas do Director propriamente dito (somente do estabelecimento em geral);

b.2) No dia anterior à nossa visita, houve um guarda que maltratou um recluso, tendo-se dado início imediatamente ao respectivo processo disciplinar; de referir que tinha também havido reclusos que se revoltaram com a situação, disso mesmo tendo dado conhecimento ao Director e, no momento da visita, os reclusos da ala A referiam insistentemente ao Director que já tinham sido ouvidos no âmbito desse processo; acrescentava o Director que nestes casos actua imediatamente, o que me parece dar uma certa segurança e confiança aos reclusos;

c) Quem normalmente ouve os reclusos, quando estes necessitam ou solicitam ser ouvidos pelo Director, são os técnicos de educação, não obstante sempre inteirando o Director de todos os factos, dos quais me pareceu ter conhecimento.

18 —Do direito de exposição e de queixa

a) Conforme nos referiu um recluso, não existe atendimento para o exercício do direito de queixa para várias

entidades, entre as quais a Provedoria de Justiça, e que, segundo o mesmo recluso, seria necessário; inclusivamente, e a propósito, acrescentou-nos que já propôs ao Director

que alguém auxiliasse na feitura de requerimentos dos

outros reclusos, proposta esta que não foi aceite;

b) O Director, sobre esta questão, respondeu-nos que os reclusos podem fazer toda a espécie de queixas para as entidades que desejarem, e por escrito, enviando a mesma correspondência pelas vias normais (caixa de correio que está no chefe de ala), ou através dos respectivos técnicos de educação;

c) Nos termos acima referidos no âmbito da correspondência, realço neste momento o facto de o recluso entrevistado ter dito que mesmo este tipo de correspondência é normalmente aberta pelos técnicos de educação.

19 — Da lotação do estabelecimento

a) A lotação máxima do estabelecimento está ultrapassada;

b) O estabelecimento tinha em 20/9/94 766 reclusos (de acordo com esquema anexo): 476vem regime preventivo e 290 em regime de condenação;

c) Na ala A, por exemplo, estão neste momento 90 reclusos em regime preventivo, sendo que tem apenas capacidade para 60;

d) As outras alas têm capacidade para 70 reclusos e têm normalmente 80 reclusos.

20 — Os técnicos de educação

Há 5 técnicos para todo o estabelecimento, o que significa que há um técnico de educação para 200 reclusos.

21—0 Juiz de Execução de Penas

a) Para os reclusos serem ouvidos pelo Juiz de execução de penas, inscrevem-se num livro que existe em todas as alas no gabinete do chefe de ala;

b) Observamos um dos livros da ala C, onde verificamos que há alguns atrasos, pois os reclusos que se inscreveram em Março só foram ouvidos em Julho e neste momento há reclusos inscritos em Maio que ainda não foram ouvidos, quando na verdade o Juiz tem de comparecer no estabelecimento para o efeito, pelo menos, uma vez por mês, nos termos legais.

22.— Dos funcionários e guardas

O Director terminava referindo-se ao problema do pessoal prisional e guardas, notando que:

a) O actual sistema de funcionamento apresenta alguns inconvenientes:

a.l) Com as formulas utilizadas de horas extraordinárias, crê que há imensas fraudes, uma vez que é impossível controlar as horas que os guardas declaram e, por consequência, a justeza da retribuição que por elas auferem;

a.2) Por outro lado, como funcionam em sistema rotativo, há o problema do adequado desempenho dos cargos durante a hora ex-

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traordinária ou os minutos a mais que ficam em funções, dado que, se corre o risco de haver nesses momentos uma indefinição de funcionário; e

6) Adiantou uma forma para solucionar esta situação, no sentido de terminar com o sistema actual de horas extraordinárias, o que implicava a modernização do esquema dos horários e da vida interna do estabelecimento, com o aumento dos quadros, para que num sistema rotativo de guardas, a fazer cada um menos horas, já que sempre considerou dado adquirido, este tipo de pessoal deve permanecer o menor tempo possível dentro do estabelecimento.

Quanto à eventual crítica de que este sistema sairia mais dispendioso à Direcçãò-Geral dos Serviços Prisionais, respondeu que proporia que se apurasse quanto dinheiro é gasto em remunerações de horas extraordinárias e, confrontando esta quantia com o custo unitário de cada guarda, se concluísse quantos lugares de guardas seria possível acrescentar nos quadros.

Mais disse ter dado conta do referido, em data recente, ao actual Director-Geral dos Serviços Prisionais.

Conclusões I

Terminada a visita ao Estabelecimento Prisional de Lisboa, e elaborado o presente relatório, penso poder concluir que não obstante existirem problemas genéricos que julgo serem comuns a quase todos os estabelecimentos prisionais e que se enquadram, na sua grande maioria, ao nível do sistema prisional propriamente dito, no estabelecimento em apreço, como ém qualquer outro, adquirem contornos específicos que passo a realçar, com vista à sua solução.

n

Dos problemas genéricos

1 — Quanto à distribuição e separação de reclusos, esta não é efectuada de acordo com os critérios legais, uma vez que:

Se, por um lado, verificamos a separação dos reclusos por alas, designadamente em trabalhadores, não trabalhadores, presos preventivos e toxicodependentes;

Por outro lado, observamos a inexistência de critério definido dentro de cada ala, dado que se encontram preventivos juntos com condenados e jovens com idosos (cfr. ponto 2), mais parecendo que a separação ocorre com base na situação económica de que cada um deles beneficia, do que resulta que reclusos considerados perigosos estão em contacto com reclusos primários.

2 — No que se refere ao regulamento interno, neste, como na maior parte dos estabelecimentos prisionais do País, não está aprovado, suprindo-se esta lacuna do funcionamento do sistema prisional:

Tanto com o disposto no Decreto-Lei n.° 265/79, de 1 de Agosto, e com as actualizações e adaptações

que ao mesmo têm sido feitas, designadamente com os Decretos-Leis n.° 49/80, de 22 de Março, e n.° 414/85, de 18 de Outubro; Como com regulamentos parcelares e sectoriais, por exemplo o da portaria, o do telefone e o da correspondência; e

Ainda através de múltiplas circulares emitidas pela Direcção-Geral que ao longo dos tempos têm sido objecto de alterações pontuais.

3 — Quanto ao trabalho e remuneração, propõe-se:

a) Que seja explorada a hipótese de voltar a entregar a gestão dos vários ofícios a empresários privados, o que teria a vantagem de:

a.l) Estes inscreverem os reclusos como seus trabalhadores, nomeadamente para efeitos de segurança social e eventual manutenção do vínculo laboral após a libertação; e

a.2) Proporcionar uma remuneração mais aproximada do salário médio, pago no exterior, para as actividades semelhantes.

b) Atendendo a que apenas cerca de 1/3 dos reclusos exerce o direito e cumpre a obrigação de trabalhar, actualmente existentes, poderiam ser organizadas outras actividades e seleccionados reclusos para as mesmas, em função de uma adequada orientação profissional, em colaboração com os serviços de emprego da área.

4 — Quanto a assistência moral e espiritual:

a) Deve ser implantado um esquema que garanta na

prática o livre exercício da actividade religiosa e assistência moral, em função da opção manifestada pelo recluso;

b) A fim de incrementar a intervenção dos visitadores voluntários, deve providenciar-se o estabelecimento de protocolos com diversas associações representativas.

5 — Do direito de exposição e de queixa, deve ser garantido:

Que a correspondência com os órgãos de soberania, Provedoria de Justiça ou outros, que visem a defesa do cidadão, não seja objecto de qualquer censura, continuando a parecer, que a forma mais viável, seria permitir a instalação de caixas de correio para o efeito; e

Que os livros de inscrição para audição pelo Juiz de Execução de Penas, lhe sejam todos presentes, pelo menos uma vez por mês.

6 — No que concerne ao pessoal, e independentemente do reforço que fosse possível efectuar eventualmente com a diminuição do recurso ao trabalho extraordinário, da forma propugnada pelo Director do EPL nos termos constantes do relatório —, julga-se que haveria a maior vantagem em que os técnicos, quer de educação, quer do IRS, coordenassem a sua intervenção a fim de possibilitar um maior contacto com os reclusos.

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Dos problemas específicos

1 — Quanto à assistência médica, logo que o recluso entra para o estabelecimento deve ser visto pelo médico,

e esta é uma situação que não se verificou com um recluso que ouvimos [cfr. ponto 1, alínea 6.4)], ou que tem lugar com atraso mais do que seria razoável, atendendo a que muitos dos detidos apresentam à entrada sequelas de toxicodependência ou outras doenças infecto-contagiosas.

2 — E importante que o recluso tenha à entrada um fácil acesso à Direcção do estabelecimento.

Na verdade, pareceu-me que esta situação não acontece com frequência, sendo os reclusqs ouvidos, é certo, mas pelos técnicos de educação ou outro tipo de pessoal de apoio.

3 — Relativamente ao alojamento:

Parece ser prioritário que sejam efectuadas as obras já autorizadas pela Direcção-Geral, em função da

. necessária calendarização da redistribuição dos reclusos aí colocados;

Contudo, dada a falta de alguns colchões e a contaminação que afecta muitos dos existentes nas alas A e F, parece que seria necessário, de imediato, proceder à sua substituição;

Propõe-se ainda que seja criado um espaço que sirva de estendal para a roupa, talvez no actualmente existente para o recreio dos reclusos desses sectores que é inadequado para este fim;

Nas alas A e F, era necessário que o depósito que existe no meio dos corredores das alas, para despejos dos baldes, fosse limpo com mais frequência, com vista a suprimir o cheiro nauseabundo que provocam em toda a ala, e cuja solução passaria pela melhor organização dos reclusos que fazem a faxinagem, bem como se procedesse à renovação daqueles recipientes enquanto os mesmos fossem necessários;

Dada a flagrante contaminação de percevejos e a acumulação de lixo nas alas A e F, propõe-se que sejam distribuídos, com urgência, produtos de limpeza em maior quantidade aos reclusos destas alas,

4 — No que se refere à alimentação:

. O principal problema advém do facto de a cozinha ficar situada no exterior do estabelecimento e ter de satisfazer um número elevadíssimo de refeições, sendo que não se justifica que as do Estabelecimento da Polícia Judiciária também sejam ali preparadas, sem prejuízo de se proceder a nova remodelação daquela, ao que parece já prevista;

Dever-se-ia proceder à adaptação do refeitório existente em cada uma das cinco alas, de modo a que se possível se instalassem cozinhas separadas, ficando um cozinheiro responsável por cada ala;

Tal não sendo possível, que se passasse a servir a comida nas próprias alas, de maneira a evitar os baldeamentos sucessivos, actualmente existentes e que afectam a qualidade e apresentação dos alimentos cozinhados;

Por outro lado, deveriam ser adoptadas, de imediato, providências tendentes a assegurar que a conserva-ção dos alimentos por cozinhar se mantivesse no seu estado adequado até que a sua confecção tivesse lugar (v. g. descongelação mais tardia).

5 — Quanto às visitas, correspondência e acesso ao telefone:

a) Visitas:

Urge pôr em prática um adequado controle aos objectos pelas mesmas deixados, à semelhança do actualmente existente no EP do Linho, em que se recorre já ao RX;

Por outro lado, dever-se-á proceder à instalação de separadores entre os visitantes dos respectivos reclusos enquanto não se procede às obras referidas no ponto 7, alínea cl)

b) Correspondência:

6.1) Deve ser garantido que apenas a correspondência entrada seja censurada, salvo nos casos em que:

O contrário resulte da sentença condenatória;

Possa estar em causa a segurança do recluso ou dó estabelecimento, o que em princípio só deve ocorrer na fase inicial de observação, ou resulte de classificação pela Direcção-Geral nesse sentido, atenta a perigosidade do recluso;

• 6.2) Assim, quanto à expedida, apenas seria fiscalizado se o seu conteúdo comporta algo mais que a mera correspondência, não se chegando a abrir, sempre que possível, o respectivo invólucro;

c) Acesso ao telefone. — A fim de permitir um maior contacto com o exterior, deverá proceder-se à instalação de telefones com cartão, cada um dos quais ficaria afecto a uma ala, possibiütando-se assim mais que um telefonema por semana.

6 — Na ocupação do tempo livre, devem ser criadas condições para:

Todos os que necessitem, venham a beneficiar de actividades ergoterápicas;

Na generalidade, a todos ser permitido o seu exercício em igualdade de circunstâncias, face às condições existentes nas alas B, C, D e E.

7 — Relativamente à assistência médica e medidas disciplinares, deverá ser dado conhecimento escrito áo respectivo clínico a fim de proceder ao acompanhamento posterior dos reclusos a cumprir sanção em cela disciplinar.

A Assessora, Isaura Junqueira.

I — Estabelecimentos prisionais de Coimbra

Doa aspectos genéricos

(Visita efectuada aos Estabelecimentos Prisionais Central e Regional de Coimbra, no dia 18 de Outubro dt 1994, tendo estado presentes por parte desta Provedoria o Senhor Coordenador Dr. Paulo Antunes e a Assessora signatária, e por parte do Estabelecimento Prisional de Coimbra, o Senhor Director-Adjunto, Dr. José António

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Lemos da Silva, o Sub-Chefe da Guarda do Estabelecimento Prisional Central, Sr. Lopes, tendo em vista o esclarecimento e resolução da matéria objecto das reclamações de reclusos desse Estabelecimento dirigidas a Sua Excelência o Senhor Provedor de Justiça, e no seguimento das diligências determinadas nesses processos de reclamação.)

1 — Lotação

De acordo com os dados fornecidos na secretaria do Estabelecimento Prisional Central a lotação prisional dos Estabelecimentos Central e Regional, no dia 17/10/94, era a seguinte:

a) Estabelecimento Prisional Central

Presos preventivos 6; A aguardar trânsito 13; Com pena indeterminadas 10; Com pena de 1 a 3 anos 15; Com pena de 3 a 6 anos 39; Com pena de 6 a 9 anos 65; Com pena de 9 a 12 anos 51; Com pena superior a 12 anos 150; Total — 349 reclusos.

b) Anexo psiquiátrico ao Estabelecimento Prisional Central:

9 (mulheres inimputáveis);

c) Estabelecimento Prisional Regional:

Mulheres 6; Homens 139.

O Estabelecimento Prisional depende da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, sendo independente do Estabelecimento Prisional Central nos Serviços administrativos, na segurança e nos serviços sociais. No entanto, estes dois estabelecimentos estão subordinados à mesma Direcção (sendo à data da visita Director o Sr. Eng.° Couto Brito).

2 — Regulamento

Existe um regulamento interno no Estabelecimento Prisional Central, homologado em 24.03.88, conforme documento n.° 1 anexo a este Relatório.

3 — Do alojamento Estabelecimento Prisional Central

3.1 —Do ingresso do recluso no estabelecimento:

a) No dia do ingresso o recluso é recebido pelo Chefe da Guarda que lhe entrega um resumo do Regulamento contendo indicações para o recluso se orientar no dia-a-dia no Estabelecimento, conforme documento n.° 2 anexo a este Relatório. De seguida, o recluso é remetido para um dos quartos de internamento, sitos na cave no estabelecimento prisional, por estar em período de observação, durante oito dias;

b) O recluso aguarda no quarto de internamento que os vários serviços do Estabelecimento Prisional,

informados pela Guarda da sua chegada, o chamem. Assim:

b.l) O Director chama o recluso ao seu Gabinete com vista a ambientá-lo no novo espaço e regras regulamentares;

b.2) Os serviços educacionais para conhecerem das características da personalidade do recluso e tratarem da informação aos familiares do recluso da sua situação.

3.2 — Distribuição e separação dos reclusos:

a) O Estabelecimento Prisional Central está construído segundo o sistema de Bentham e é composto por três alas grandes, três pequenas e ainda uma cave. No total existem 311 quartos de internamento, dos quais 12 são revestidos de especiais condições de segurança, as chamadas celas de segurança;

b) Em regra, os quartos de internamento são individuais. No entanto, perante a sobrelotação do Estabelecimento Prisional são por vezes colocados dois e mesmo três reclusos num quarto de internamento. A data da visita não havia quartos de internamento vagos. Excluídas as situações excepcionais, os reclusos podem optar por estar isolados ou acompanhados;

c) Não há critérios especiais de distribuição dos reclusos pelas diversas alas ou quartos de internamento. O Director do Estabelecimento decide o tipo de internamento, tentando conciliar a vontade do recluso com as informações que tem bem como as que lhe são fornecidas pelos educadores e restante pessoal;

d) A colocação dos reclusos em «celas de segurança» verifica-se nas seguintes situações: a pedido do recluso que prefere estar isolado ocupando assim estas celas por serem os únicos quartos vagos, e, ou, considerada a perigosidade do recluso;

e) Os reclusos podem também ser colocados em celas disciplinares em consequência de infracção disciplinar. O recluso está no entanto sujeito a um processo disciplinar prévio, onde são apresentadas testemunhas e o recluso é ouvido pelo Director.

3.3 — Quarto de internamento:

a) Estão decorados com inúmeros objectos pessoais, dos quais se destacam aparelhos de televisão e de rádio, propriedade dos reclusos, que os podem ter nos quartos mediante autorização do Director. Aproximadamente uma vez por mês são efectuadas revistas aos quartos de internamento, excluídas as situações excepcionais;

b) Os quartos de internamento não dispõem de instalações sanitárias. Cada recluso dispõe de um balde e todas as manhãs despeja-o numa saia própria para o efeito;

c) Os reclusos dispõem de água potável nos quartos de internamento através de um pequeno lavatório;

d) A higiene do quarto é feita pelo próprio recluso todas as manhãs. Uma vez por mês são distribuídos produtos de higiene em quantidades suficientes (criola, sabão, papel higiénico). O Chefe de guarda da respectiva ala controla a higiene dos quartos de internamento;

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e) São entregues quatro mudas de cama por mês a cada recluso.

3.4 — Higiene pessoal: . • >

a) Existem em cada ala balneários colectivos com água quente e fria, em razoável estado de conservação.

b) O banho tem horário determinado sendo que os reclusos que trabalham podem tomar banho diariamente e os inactivos tomam obrigatoriamente um banho semanal.

3.5 — Vestuário:

a) Os reclusos, salvo autorização especial do Director, são obrigados a utilizar o uniforme do Estabelecimento: calças azuis, camisa cinzenta e botas ou sandálias conforme o clima fornecidas pelo próprio estabelecimento.

b) O vestuário, tal como a roupa de cama, é lavado na lavandaria, sendo entregue ao recluso quatro mudas por mês.

3.6 — Anexo Psiquiátrico do Estabelecimento Prisional Central:

a) Este anexo foi recentemente remodelado oferecendo boas condições para as 9 reclusas inimputá-veis que nele se encontram;

b) As reclusas encontram-se alojadas em quartos de internamento com uma ou duas pessoas;

c) O vestuário das reclusas não é fornecido pelo

Estabelecimento, sendo as mesmas quem o lava;

d) Estas instalações dispõem de sanitários e balneários colectivos era bom estado de conservação.

3.7 — Estabelecimento Prisional Regional/Secção Masculina:

a) Os reclusos estão distribuídos por sete camaratas, cada uma alojando'aproximadamente 20 homens, em consequência da sobrelotação daquele estabelecimento;

b) Cada camarata tem uma instalação sanitária com precárias condições de higiene;

c) Estas instalações são degradadas e insuficientes para a média dos reclusos que alojam.

3.8 — Estabelecimento Prisional Regional/Secção Feminina:

a) Dispõe apenas de uma camarata com 17 camas;

b) Esta secção dispõe de um quarto de banho com instalações sanitárias e onde as reclusas tomam banho de água quente e fria;

c) São as reclusas que lavam o seu vestuário em tanque que existe no corredor desta secção;

d) Quem tiver roupa de cama faz uso dela, caso contrário as reclusas recebem duas mudas de roupa por mês para mudarem e lavarem;

é) Este anexo tem manifestos problemas de humidade e é muito pequeno, face ao único quarto, sendo que há um outro que podia ser utilizado.

4 — Da alimentação

a) As horas regulamentares para as refeições são: a.l) 7.15H —pequeno almoço;

a.2) 12.15H —almoço; a.3) 18.00H— jantar;

b) As refeições são confeccionadas na cozinha do próprio estabelecimento.

c) Os alimentos, regra geral, vêm do exterior embora . com as raras excepções dos que resultam da produção do próprio estabelecimento (sobretudo vegetais).

d) Não há qualquer controlo do valor nutritivo dos alimentos pelo médico.

e) Não existe nenhum cozinheiro especializado sendo os reclusos que confeccionam as refeições, vigiados por um guarda.

f) A alimentação de todos os reclusos é proveniente da cozinha do estabelecimento prisional central, que é pequena para a confecção das refeições de todos os reclusos.

g) O chão da cozinha encontrava-se molhado porque as bacias de mármore existentes não se encontravam nas condições próprias, vertendo água.

h) De acordo com visita efectuada à cozinha, no dia 18 de Outubro, observámos o jantar desse dia que pareceu--nos com aspecto razoável de apresentação.

i) Existe alimentação especial para os reclusos que se encontram em dieta.

j) O refeitório da secção central só tem capacidade para 170 pessoas, o que leva a que muitos reclusos tomem as refeições nos quartos de internamento (os inactivos).

7) As refeições são transportadas do refeitório para cada ala em marmitas, o que leva a que as refeições cheguem frias aos quartos de internamento.

m) Os reclusos podem receber géneros ou alimentos confeccionados no exterior, observadas as condições impostas pelo regulamento.

n) Existe ainda um pequeho bar que vende alguns alimentos: café, alguns bolos, batatas /ntas. As despesas do recluso ficam registadas numa folha de gastos.

ni) O horário do bar é o seguinte: das 9.30 às 11.30, das F2.15 às 13.30, das 14 às 16.30, das 18 às 19.30.

Anexo Psiquiátrico

o) Este anexo tem um refeitório em bom estado de conservação onde as reclusas podem tomar as suas refeições oriundas da cozinha do Estabelecimento Prisional Central.

Estabelecimento Prisional Regional

Secção Masculina

p) Tem um refeitório com dimensões manifestamente insuficientes para o número médio de reclusos que aloja.

Secção Feminina

q) Tem um refeitório, que também serve de sala de visitas, com aspecto razoável e dimensões suficientes para o número actual de reclusas. Dispõe de um fogão que permite as reclusas aquecer géneros, embora os alimentos sejam confeccionados no refeitório do Estabelecimento Prisional Central.

5 — Serviços Médlco-Sanltárlos Estabelecimento Prisional Central

a) O Estabelecimento dispõe de um Consultório Médico relativamente afastado dos quartos de internamento e de um Posto de Socorros, conhecido por «ambulância» que está situado perto dos quartos de internamento.

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b) O médico do estabelecimento prisional central trabalha em regime parcial.

c) Quando o recluso pretende ser observado pelo médico pede ao Sr. Guarda da respectiva ala um impresso que preenche e é entregue ao médico.

d) Em média dois ou três dias depois da entrega do referido impresso, o recluso é observado pelo médico.

e) Na secretaria tem registo que actualmente 36 reclusos aguardam ser observados.

f) O médico não se desloca aos quartos de internamento, com excepção dos casos em que o recluso não se pode levantar.

g) Quando o recluso vai para «cela disciplinar» o médico do estabelecimento é informado no mesmo dia para o observar. Foi-nos dito médico que, na prática, esta articulação com a direcção do estabelecimento não funciona bem, uma vez que já aconteceu contra parecer médico o recluso permanecer em cela disciplinar.

h) Em entrevista ao médico e a dois enfermeiros, fomos informados da insuficiência dos serviços médicos. Os aspectos salientados foram os seguintes:

h.\) Insuficiência de enfermeiros e médicos:

a) O médico queixou-se da impossibilidade de assistir elevado número de reclusos. Informou-nos ter já apresentado reclamação junto da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais e junto da Ordem dos Médicos (Anexamos a este Relatório exposições do médico sobre estes assuntos, doe. n.°4);

b) No que respeita à enfermagem, na prática apenas um enfermeiro, (especializado em pediatria) presta assistência diária aos reclusos. O outro enfermeiro está a tratar do processo de reforma, sendo a sua presença no estabelecimento irregular e por pouco tempo. Existem ainda enfermeiros avençados, embora o serviço destes não seja permanente.

b.l) O posto de socorros situa-se perto dos quartos de internamento a este serviço no horário regulamentado (das 10 às 11.30 para os reclusos inactivos e das 11.45 às 12.30 para os reclusos que trabalham).

Um dos enfermeiros informou ainda que no decurso da sua actividade no Posto de Socorros e em consequência da insuficiência dos serviços médicos, pratica actos que sabe serem vedados à profissão de enfermeiro.

h.2) Características peculiares dos doentes:

h.l.a) Existência de um elevado número de reclusos (10%) na condição clínica de semi-inimputáveis e insuficiência de meios para o seu tratamento, o que contribui para a destabilização do Estabelecimento;

h.2.b) Dependência de altas doses de medicação em consequência do excesso de medicação prescrita a reclusos oriundos do Hospital Prisional de Caxias e a dificuldade de a baixar;

h.l.c) Grande número de reclusos que recorre aos serviços médicos sem o necessitar;

h.2.d) Cerca de 12% dos reclusos são portadores de doenças infecto-contagiosas (sobretudo sida, hepatite B e C e sífilis).

i) No gabinete médico não há falta de medicamentos, pagos pelo Estabelecimento Prisional. Em caso de os reclusos irem a consultas externas podem trazer receitas, sendo o seu pagamento comparticipado pela segurança social. Os medicamentos mais receitados aos reclusos são calmantes e vitaminas;

f) todos os reclusos são submetidos a exames periódicos de rasteio, independentemente do exame médico que lhes é feito assim que chegam ao estabelecimento e da colheita de sangue para verificação da existência de vírus

(designadamente da Sida, Hepatite B e C e teste VDRL). No entanto, não é feito qualquer exame mental. Aos sábados e domingos os reclusos podem medir a tensão arterial no posto de socorros;

/) Em caso de ser detectada doença infecto-contagiosa o recluso é enviado a consulta exterior na secção das infecto-contagiosas do Hospital da Universidade de Coimbra;

m) Os reclusos portadores de doenças infecto-contagiosas não são isolados dos restantes. Na opinião do médico embora não se negue a propagação do vírus da Sida dentro do Estabelecimento Prisional, esta doença vem sobretudo de fora. Verificámos existirem medicamentos para o controlo temporário desta doença, nomeadamente o Retrovir;

o) Sempre que há uma urgência os reclusos são também levados para os hospitais civis, nomeadamente o Hospital da Universidade de Coimbra;

p) Existe um gabinete especializado para consultas de estomatologia. O médico desta especialidade, vai ao Estabelecimento Prisional conforme os pedidos que lhe são feitos, duas ou três vezes por semana, num total de trinta horas por mês;

q) Não há apoio específico para os reclusos toxicodependentes;

r) Em caso de o recluso, adoecer durante o período em que está fechado no quarto de internamento, desde as 19.30, dispõe de um mecanismo de segurança insuficiente para um socorro garantido.

s) Anexo Psiquiátrico do Estabelecimento Prisional Central:

s.l) Dispõe de um gabinete médico relativamente pequeno mas em bom estado de conservação, resultado de obras recentes;

s.2) A equipa médica que acompanha estas reclusas é a mesma do Estabelecimento Prisional Central o que agrava os problemas de insuficiência médica. No entanto foi aberto concurso para um médico e dois enfermeiros.

t) Estabelecimento Prisional Regional:

r.l) O tratamento destes reclusos é realizado, na anexo psiquiátrico, pelo Dr. Fernando Cortês. Embora esta sala esteja em bom estado de conservação é insuficiente para atender os doentes das duas áreas.

6 — Trabalho, formação e aperfeiçoamento profissional

a) Os reclusos do estabelecimento Prisional Central podem solicitar ao' Director para trabalhar, nas diversas actividades exploradas pelo Estabelecimento Prisional.

b) Não há capacidade de absorção de mão-de-obra que permita ocupar todos os reclusos.

c) Os reclusos que trabalham tem tratamento diferente no que respeita a certos aspectos: horário de banhos; almoço no refeitório, horário da enfermaria, razão pela qual têm assinalada a sua qualidade de «activos» na porta dos respectivos quartos de internamento.

d) A remuneração do trabalho varia consoante a categoria profissional (aprendiz, aprendiz com ou sem prática profissional). O mestre de cada actividade vai ao Economato e propõe a remuneração que varia entre os 200$ e os 600$ por dia.

e) Os reclusos não podem ter dinheiro em sua posse. Assim, cada recluso tem uma conta que se divide num fundo disponível para os gastos dentro do estabelecimento prisional e num fundo de reserva para facilitar a reinserção social que é entregue no momento da libertação.

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f) O mestre das oficinas e restantes ocupações nem sempre é um operário especializado pertencente ao quadro do Estabelecimento Prisional. Assim na cozinha, agro-pecuá-ria e marcenaria, é um guarda do Estabelecimento Prisional que dirige as actividades.

g) Há produtos que são vendidos ao exterior como produtos hortícolas, ovos, ou móveis de madeira.

h) A escolha das actividades é, em regra, feita pelos reclusos, a não ser que não haja lugar na actividade desejada;

í) Por questões de segurança, cada recluso quando regressa das oficinas é revistado através de um detector de metais.

j) O horário das actividades é das 8.30 às 12 horas e das 13.30 às 17.30 horas.

No dia 17 de Outubro de 1994 conforme informação obtida na secretaria do Estabelecimento Prisional, a distribuição dos reclusos pelas actividades era a seguinte:

Dos reclusos alojados na cave — Dos reclusos alojados nas alas B, C e D:

Alfaiataria - 2- inactivos 7; Associação de reclusos 1 - Trabalhadores administrativos 2; Encadernação 2 - agro-pecuária 3; Faxina 2 - assoe, reclusos 1; Marcenaria 6 - auxiliares 1;. Polidores 1 - cozinha 2; Sala de leitura 1 - encadernação 3; Serralharia 1 - empalhadoria 1; Doentes 3- faxina 11; Inactivos 1 - lavandaria 1; Faltas ao trabalho 2- marcenaria 8; Inactivos 19 - refeitório 1; Obras 4; Polidores 1; Sala de leitura 1; Sapataria 2; Serração 4; Electricidade 1;

Dos reclusos da ala E: Dos reclusos das alas F, G, H:

Agro-pecuária 7- inactivos 7;

Alfaiataria 2 - administrativos 3;

Associação de reclusos 3 - agro-pecuária 1;

Brigada da madeira 6 - alfaiataria 1;

Cozinha 10 - assoe, reclusos 3;

Secção de empalhamento 2 - barbearia 1;

Encadernação 12 - cozinha 8;

Estufaria 12 - empanadores 1;

Faxinagem 9 - encadernação 3;

Lavandaria 2 - faxinagem 7;

Marcenaria 26 - lavandaria 2;

Messe 2 - marcenaria 4;

Mecânica 3 - refeitório 1;

Obras 3 - mecânica 1;

Polidores 3 - obras 3;„.

Sapataria 5 - serração 1;

Serralharia 7 - parte eléctrica 1;

Serração 9 - artesanato 1.

Total dos reclusos activos; 266.

Neste momento não existem cursos de formação profissional no Estabelecimento Prisional, embora recentemente tenha existido um curso de informática ligado ao Ministério

da Justiça. No entanto, existem reclusos deste Estabelecimento Prisional a frequentarem cursos noutros estabelecimentos prisionais (Vale dos Judeus, Porto e Paços de Ferreira).

7 — Assistância moral e espiritual

a) Os reclusos tem liberdade religiosa para professar a sua crença religiosa.

b) Existe no Estabelecimento Prisional uma capela da Igreja Católica onde é celebrada ao domingo missa.

c) O capelão do estabelecimento prisional, tem grande intervenção junto dos reclusos, acompanhandõ-os diariamente desempenhando o papel de psicólogo e organizando actividades de lazer como por exemplo na Biblioteca.

d) As Irmãs Adoradoras acompanham a secção feminina do estabelecimento regional e do anexo psiquiátrico, através de apoio espiritual e actividades como execução de Arraiolos.

e) Existem ainda assistentes voluntárias ligadas à Igreja Católica e ao IRS.

f) Foi-nos referido que outros credos têm tido crescente importância conseguida através de intensa acção de propagação da respectiva religião junto dos reclusos, destacando--se o Exército de Salvação.

g) Os crentes não católicos podem solicitar ao Director-Geral a vinda ao Estabelecimento do ministro da sua confissão religiosa. Estes encontros realizam-se nas salas de aulas.

8 — Ocupação dos tempos livres e desporto

a) Recreio:

Os reclusos que não trabalham podem frequentar o recreio («a céu aberto») das 10 às 11, das 13 às 17 e das 18 às 19.30 horas;

•As reclusas da secção regional podem estar no espaço livre uma hora por dia, de segunda a sexta-feiía.

b) Bar de convívio:

O consumo de géneros é registado na folha de gastos e descontado no fundo disponível do recluso;

O horário do bar é o.seguinte: das 9.50 às 11.30 horas, das 12.15 às 13.30 horas e das 14 às 16 horas;

Na secção regional masculina existe também um bar embora em tamanho insuficiente.

As reclusas da secção regional não dispõem deste espaço.

c) Biblioteca:

Dispõe de muitas obras e foi informatizada pelos reclusos;

O estabelecimento prisional recebe variados jornais e revistas para livre consulta dos reclusos.

d) A promoção das actividades dos reclusos destinadas à ocupação do tempo livre está entregue também à Associação dos Reclusos que promove actividades como os grupos musical e de teatro do Estabelecimento Prisional.

e) Rádio e televisão:

Cada recluso pode ter uma televisão no quarto (com excepção das «celas disciplinares»);

Nas salas de convívio e no corredor de cada ala existem televisões é vídeos que os reclusos podem as-, sistir;

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Na secção feminina do estabelecimento regional a televisão encontra-se na camarata e pode estar ligada até às 22 horas.

f) Desporto — no estabelecimento prisional central existe um ginásio com dois professores de ginástica especializada onde os reclusos podem praticar vários desportos como futebol, basquetebol, etc, nos tempos livres.

Dos estabelecimentos abertos e fechados

a) A generalidade dos reclusos em Coimbra encontram-se em regime fechado, aliás o Estabelecimento Prisional de Coimbra está classificado em estabelecimento fechado, em função da segurança.

b) Em RAVI — regime aberto voltado para o interior — encontram-se alguns reclusos primários e de confiança.

c) Em RAVE — regime aberto voltado para o exterior— encontra-se um recluso (primário, condenado pelo crime de tráfico de estupefacientes, comerciante em Coimbra). Outro processo irá para a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais em breve.

9 — Visitas/comunicação com o exterior

9.1 — Estabelecimento Prisional Central

a) As visitas realizam-se nos denominados «palratórios». O momento da nossa visita coincidiu com as horas de visitas, tendo observado que estas salas têm pouco espaço em relação aos visitantes presentes não permitindo aos reclusos ter privacidade nas suas conversas.

b) Os reclusos recebem regularmente visitas:

Preventivos — segundas, quartas e sextas das 14.30

às 15.30 horas. Condenados — terças, quintas e sábados das 14.30 às

15.30 horas ou das 16 às 17 horas. Pelos familiares poderão ainda ser efectuadas visitas: Aos domingos das 10 às 11 horas ou das 11

às 12 horas; Aos feriados das 14 às 15 horas ou das 16 às 17 horas.

c) Para o advogado do recluso, notário ou entidade diplomática não existem horários de visita (entre as 7.30 e às 19.30).

d) Existe um livro de reclamações para as visitas.

Secção Regional do Estabelecimento Regional

e) Masculina — o palratório é muito pequeno e encontra-se em mau estado de conservação.

f) Feminina — não há palratório. As visitas são recebidas na pequena sala que desempenha também a função de refeitório.

9.2 — Da correspondência

A correspondência escrita pelos reclusos ou a estes dirigida é devidamente fiscalizada, com excepção da correspondência com órgãos de Estado.

9.3 — Do acesso ao telefone

O recluso só pode ser autorizado a telefonar em situação de urgência, devendo elaborar um petição escrita através da colaboração do serviço de educação, explicando os

motivos do telefonema e pagando a respectiva chamada.

9.4 — Das licenças de saída do estabelecimento

a) Saídas precárias — a concessão da licença destas saídas é da competência do juiz do Tribunal de Execução das Penas, que às segundas-feiras decide das 10 às 13 horas dos pedidos que lhe foram efectuados de saídas precárias e de liberdade condicional.

b) A audição dos reclusos que o requereram, através dos impressos obtidos junto da guarda da ala, é realizada na última segunda-feira de cada mês. Verificou-se estarem no dia 18/10/94 inscritos 40 reclusos, aguardando audição pelo Juiz.

De acordo com as informações fornecidas na Secretaria do Estabelecimento Prisional o panorama das saídas de 1988 a 1984 precárias foi o seguinte:

c) saídas com motivo justificativo — quando por sérios

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

motivos familiares, hospitalares, profissionais ou judiciais o recluso pretender sair do estabelecimento, por curta duração, atendendo às circunstâncias do caso concreto, o director pode autorizá-lo sair.

10 — Do ensino e assistência especializada

a) Os reclusos do Estabelecimento Prisional Central podem pedir ao Director para freqüentar o ensino em salas dentro do estabelecimento;

b) O ensino vai desde a primária até ao 12." ano;

c) Os professores são dos serviços do Ministério da Educação e colocados na Escola Eugénio de Andrade.

d) As aulas são de manhã.

10.1 — Da assistência social

a) Os reclusos do Estabelecimento Prisional Central são acompanhados por sete técnicos de educação que trabalham desde as 9 às 12.30 horas e das 14 às 17.30 horas-.

b) Os serviços educacionais do Estabelecimento Prisional regional são acompanhados por dias licenciadas.

c) Os serviços do IRS não estão permanentemente no estabelecimento Prisional.

Conclusões

Daquilo que nos foi permitido observar na visita efectuada ao Estabelecimento Prisional de Coimbra no dia 18/ 10/94, ouvidos testemunhos de quem lá está recluso e também de quem lá exerce a sua profissão, sem esquecer que se «procura a realização de uma política criminal que, modernamente se chama uma defesa social humana, orientada inteiramente para a recuperação dos delinquentes» (na p. 1 do Regulamento do Estabelecimento Prisional de Coimbra), somos levados a concluir, à luz do Decreto-Lei n.° 265/79, de 1/8, que é necessário adoptar providências

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n.° 265/79, de 1/8, que é necessário adoptar providências nos seguintes domínios:

1 — Da necessidade de realojamento de reclusos:

1.1 — De acordo com as exigências legais dever-se-ia promover a separação dos reclusos em função da sua situação jurídica. No entanto, verificámos existirem no Estabelecimento Prisional de Coimbra as seguintes situações:

a) Encontram-se juntos os reclusos primários e os reincidentes, ao contrário do que no n.° 2 do artigo 12.° do Decreto-Lei n.° 265/79 estabelece;

b) Os presos preventivos, que gozam de uma presunção de inocência e devem ter um tratamento em conformidade, não estão nem em estabelecimento próprio, nem em secção separada.

c) Por outro lado, por força da sobrelotação do estabelecimento prisional os reclusos não estão alojados em quartos de internamento individuais, estando agrupados dois a dois ou até três a três, sabendo que estas instalações não tem as mais básicas condições de higiene, nomeadamente no que respeita a instalações sanitárias. Além do mais, muitos reclusos dada a insuficiência do refeitório, são compelidos a tomarem as suas refeições nos quartos de internamento.

1.2 — O artigo 18." do referido Decreto-Lei restringe as hipótese de os reclusos serem alojados em quartos de internamento individuais aos seguintes casos:

Se as necessidades de observação o indicarem; Se o estado físico ou psíquico do recluso o aconselhar;

Caso exista perigo para a sua vida e saúde; A afluência ocasional assim o imponha ou se; Autorizado temporariamente e por razões prementes.

1.3 — A generalidade da referida situação, em desacordo com as exigências legais, agrava os problemas de higiene e facilita a propagação de doenças infecto-contagiosas.

1.4 — A situação mais dramática vista neste conjunto de estabelecimentos prende-se com a sobrelotação no Estabelecimento Prisional Regional (secção masculina), pelo que é recomendável que, independentemente das obras a realizar, se proceda ao realojamento de alguns dos aí obtidos, de modo que não se exceda a lotação de oito reclusos por camarata. -

a) O internamento de, em média, vinte e um reclusos por camarata dispondo de apenas uma instalação sanitária (por camarata) leva a um inevitável atropelamento das condições de higiene.

b) Este problema agrava-se, porque, sendo o refeitório deste Estabelecimento Regional insuficiente para a média dos reclusos que ali costumam estar internados, parte dos reclusos toma as refeições nas camaratas.

1.5 — A secção feminina do Estabelecimento Prisional Regional necessita de obras de conservação em consequência dos danos provocados pela humidade.

a) À data da visita por nós efectuada, esta secção não tinha problemas de lotação. No entanto, foi-nos informado, pela Guarda que a orienta, que quando estavam internadas nesta secção cerca de 20 reclusas existiam muitos conflitos entre as mesmas.

b) Nesta secção existe uma divisão anteriormente destinada ao alojamento da Guarda e hoje desocupada. Assim,

propúnhamos que fosse aproveitada para o alojamento de reclusas.

2 — Da necessidade de obras nas instalações sanitárias: 2.1—Mantêm-se gerais insuficiências ao nível das

instalações sanitárias, problema para que, embora de difícil solução, devem ser encontradas soluções alternativas.

o) A inexistência de instalações sanitárias nos quartos de internamento é um atentado às condições básicas de higiene e meio propenso ao desenvolvimento de várias doenças, nomeadamente quando o quarto de internamento é dividido com outro(s) recluso(s)..

3 — Da necessidade evitar a propagação de doenças in-fecto-conlagiosas.

a) Os dois aspectos focados em 1 e em 2 só podem ser analisados devidamente quando enquadrados na percentagem de reclusos portadores de graves doenças infecto-contagiosas. De acordo com as informações fornecidas pelo médico do Estabelecimento Prisional Central, pelo menos 10/12% dos reclusos deste estabelecimento sãô portadores de doenças com a sida, hepatite B ou sífilis.

b) De acordo com as informações obtidas não há qualquer isolamento destes reclusos doentes, ao contrário do que está previsto no n.° 2 do artigo 96." do Decreto-Lei n.° 265/79.

4 — Da necessidade de contratar médicos e enfermeiros.

4.1 — á) Após entrevista pessoal em serviço, somos levados a concluir que a assistência médica possível no Estabelecimento Prisional de Coimbra é manifestamente insuficiente.

b) O problema coloca-se em primeiro lugar ao nível da insuficiência de profissionais, médicos e enfermeiros;

c) Em nosso entender é indispensável o apoio permanente de psiquiatras e psicólogos e apoio especializado aos toxicodependentes.

d) Os «deveres do médico» estipulados no artigo 101.° do Decreto-Lei em análise não são cumpridos. Na verdade, é impossível a um só médico contratado em regime parcial:

Visitar diariamente os reclusos doentes e todos quantos necessitem dos seus cuidados (como já foi referido, o médico não se desloca aos quartos de internamento dos reclusos, afastadas as situações excepcionais);

Assinalar imediatamente a presença de doentes que requeiram análises especiais e tratamentos especializados (para o que contribui o deficiente sistema de alarme nocturno e a inexistência de apoio para os toxicodependentes);

Vigiar periodicamente a aptidão física e mental dos reclusos para o trabalho que realizam,

Efectuar inspecções regulares e aconselhar o Director do estabelecimento em matéria de alimentação, de higiene, desporto, e demais deveres impostos pelo artigo 101." do referido Decreto-Lei.

4.2 — A Direcção do estabelecimento deve também providenciar para que os serviços clínicos visitem diariamente os reclusos em cela disciplinar.

4.3 — A solução encontradas para as mulheres inimpu-táveis de as enquadrar no Anexo Psiquiátrico, não pode ser mais que uma solução transitória para um seu adequado internamento.

5 — Da entrega do controlo da alimentação a pessoal especializado e da necessidade de obras de cozinha.

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5.1 — a) Conforme informação obtida junto do Senhor Dr. Figueiredo e confirmada pelo Sr. Director-Adjunto, não há qualquer controlo nutritivo dos alimentos pelos serviços médicos.

b) Por outro lado, ao nível da confecção dos alimentos julgamos que seria preferível a contratação de um cozinheiro, uma vez que os alimentos são cozinhados pelos reclusos (vigiados por um guarda, que assim assume as funções de chefe de cozinha).

5.2 — a) Deveria proceder-se a um aumento das instalações destinadas à confecção dos alimentos, uma vez que a cozinha é pequena para o número de refeições que nela têm de ser confeccionadas (como já foi referido, para o total dos reclusos do estabelecimento Prisional de Coimbra).

b) A curto prazo é necessário substituir as bacias de mármore da cozinha em que é lavada a louça por estarem rotas.

5.3 — O sistema de transporte das refeições dificulta que as refeições cheguem quentes aos destinatários que estão nos quartos de internamento. Esta questão relaciona-se com a necessidade de aumentar o refeitório afastando as refeições dos quartos de internamento por questões de higiene e sociabilidade.

6 — Da necessidade de promover o profissionalismo no trabalho e a existência de cursos de formação e aperfeiçoamento profissional.

6.1 — Nos termos do n." 1 do artigo 63.° do Decreto-Lei n.° 265/79, a realização de actividades profissionais tem fundamentalmente como objectivo desenvolver no recluso a capacidade deste realizar uma actividade com que ganhar a vida após a libertação. Assim, no espírito da Lei, o recluso deve desenvolver uma actividade com profissionalismo.

a) No entanto obtivemos informações de que no Estabelecimento Prisional de Coimbra há certas actividades que não são coordenadas por mestres especializados mas por guardas;

b) Seria conveniente a contratação de técnicos especializados que preparassem os reclusos para no momento da libertação estarem aptos a desenvolver conveniente uma actividade profissional.

c) No seguimento deste assunto entendemos que deve haver um esforço no incremento das relações.comerciais com o exterior.

Dos meios de comunicação ao dispor do recluso.

7 — Da necessidade de promover a comunicação entre o recluso e o exterior do Estabelecimento Prisional:

d) O acesso ao telefone pelos reclusos neste estabelecimento prisional é muito dificultado. Os reclusos podem telefonar após petição escrita apresentando motivo urgente, por alegadas «razões de segurança».

b) Em nosso entender este regime parece pouco coerente quando o recluso pode receber visitas e ao falar com elas transmitir as informações que lhe convier.

c) A proibição relativa de telefonar e a proibição absoluta de receber chamadas, contribuem para o afastamento do recluso da sociedade dificultando posterior reinserção.

d) Assim, consideramos que o acesso ao telefone deveria ser facilitado afastadas as situações de especial segurança, embora livre de custos para o orçamento prisional, isto é, conservando a obrigatoriedade da garantia de pagamento por parte do recluso.

é) Sugerimos que se instalem cabinas de telefones, utilizáveis com cartão, pelo menos uma por cada ala.

f) Pelas razões expostas, deveria igualmente ser abolido como regra, o controlo sobre a correspondência expedida.

7.1 — A introdução destas medidas não excluiria a sua proibição quando, nos termos da sentença condenatória, fossem nocivas relativamente ao recluso ou dificultassem a sua reinserção social.

7.2 — Os designados «palratórios» onde os reclusos recebem as visitas necessitam de ser remodelados, de modo que se respeite a privacidade entre cada grupo de reclusos/visitante.

8 — Do acesso aos serviços no Estabelecimento Prisional.

a) Constatámos à data da visita efectuada que o acesso do recluso ao Director, ao médico, ao Juiz do Tribunal de Execução das Penas, tem necessariamente como intermediária a Guarda Prisional a quem é requerido um impresso e por quem é entregue o mesmo impresso.

b) Em nosso entender deveria haver uma relação mais directa entre o recluso e as entidades a quem se pretenda dirigir, nomeadamente através da instalação de diferentes caixas de correio nas alas para esse mesmo efeito.

c) A Direcção do estabelecimento deve providenciar pela pronta audição dos reclusos, a ter lugar pelo Juiz do Tribunal de Execução de Penas.

d) Propõe-se, finalmente, a criação de um espaço mais adequado que permita a presença física e permanência das técnicas do IRS.

Em meu entender as conclusões referidas justificam uma actuação por parte desta Provedoria de Justiça.

A Assessora, Cristina Sá Costa.

3.1.3 —Inspecção às Direcções Distritais de Finanças de Lisboa e de Faro

Introdução

Em cumprimento do despacho de Sua Excelência o Provedor de Justiça, de 21 de Julho de 1994, procederam os signatários a uma inspecção aos Departamentos de Justiça Fiscal das Direcções Distritais de Finanças de Lisboa e de Faro, respectivamente entre 25 e 28 de Julho e 29 de Julho e 3 de Agosto.

Foram apreciados todos os aspectos que constavam da proposta de abertura do Processo IP-39/94, tendo-se optado por desenvolver mais pormenorizadamente certas questões do que outras, quer pelo seu maior interesse face às atribuições deste Órgão do Estado, quer pelo maior número de elementos fornecidos pela administração fiscal.

Aliás, mesmo que quiséssemos aprofundar as outras, não seria possível, porque, não raro, deparámos com a absoluta falta de elementos de informação, de todo inexistentes.

Como exemplo das primeiras, refira-se a apreciação das reclamações graciosas de IRS pendentes de concretização informática do reembolso aos contribuintes e, como exemplo das outras situações, a ausência de dados relativos a saldos de processos tipificados por imposto/ano, o que parece inadmissível numa lógica de boa gestão.

É de sublinhar ter sido oferecida aos subscritores do presente relatório, pelos Senhores Director da Área da Justiça Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa e Director Distrital de Finanças de Faro, assim como por todos os dirigentes e funcionários dos respectivos serviços, toda a colaboração solicitada, nomeadamente no que respeita a instalações, informações, esclarecimentos, fotocópias, acesso a documentos e processos, etc.

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É também de referir que não deixou de ser manifestada uma certa surpresa pela realização desta inspecção, o que se pode explicar pelas características próprias deste tipo de intervenção do Provedor de Justiça, a que a administração fiscal não está, ainda, habituada, mas tem a sua previsão legal na alínea a) do n.° 1 do artigo 21.° da Lei n.° 9/91, de 9 de Abril.

A) Direcção Distrital de Finanças de Lisboa

A.1) Organização da Direcção Distrital de Finanças de Usboa

Junta-se, com o n.° 1 dos documentos em anexo, o organograma da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa.

Uma apreciação do mesmo revela que esta Direcção é composta, para além do Director Distrital, por sete Directores de Finanças, responsáveis pelas Areas de Tributação do Rendimento e Despesa (IVA), Tributação do Património e outros Impostos sobre o Consumo, Justiça Tributária, Inspecção Tributária I, Inspecção Tributária II, Informática Tributária e Representação da Fazenda Pública. Cada uma destas áreas abrange uma ou mais divisões, por sua vez subdivididas em várias equipas.

Este organograma funcional apresenta-se, em vários aspectos, divergente da orgânica estipulada no artigo 33.°, n.°4, do Decreto-Lei n.° 408/93, de 14 de Dezembro. Assim:

Enquanto o corpo da citada disposição legal refere expressamente que «a Direcção Distrital de Finanças de Lisboa dispõe de seis Directores de Finanças», encontramos, no organograma em causa, sete Directores de Finanças, ou seja, mais um do que o número fixado no referido Decreto-Lei.

Enquanto que o Decreto-Lei distingue, entre outras, a Divisão dos Impostos sobre o Rendimento I (IRS), a Divisão dos Impostos sobre o Rendimento JJ (IRC) e a Divisão dos Impostos sobre o Consumo e o Património, o organograma da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa não obedece a essa tripartição, antes agrupando, numa área, a Tributação do Rendimento/Despesa (IVA) e, noutra, a Tributação do Património e de outros Impostos sobre o Consumo.

Esta opção, que não encontra acolhimento no texto legal, prolonga-se ainda, no que se refere às divisões existentes nas respectivas áreas, onde encontramos a Divisão de Impostos sobre o Rendimento e a Despesa (ÍRS e IVA) e a Divisão de Impostos sobre o Rendimento e a Despesa (IRC e IVA).

Embora previstas no Decreto-Lei, não encontramos no organograma que nos foi entregue a Repartição de Administração Geral — com as respectivas Secções de Pessoal e de Administração — nem, tão-pouco, a Repartição não Tributaria.

-Sem consagração legal, mas prevista no organograma em análise, apresenta-se a Representação da Fazenda Pública.

Observações:

Não são de todo compreensíveis estas divergências existentes entre a orgânica da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, imposta por Lei, e o actual modo de funcionamento dos seus Serviços, reflectido no organograma cedido.

Se o diploma que reestruturou a DGCI foi, neste aspecto, deficientemente elaborado — o que será incompreensível, dada a sua recente publicação —, há que promover a sua alteração. Contudo, a ser assim, e enquanto esta não for feita, têm necessariamente os Serviços de respeitar o funcionamento e a organização ali definidos.

Ocorre perguntar, por exemplo, que departamentos da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa exercem as competências previstas no artigo 35.°, do Decreto-Lei n.° 408/93, de 14 de Dezembro, no que respeita aos assuntos de administração geral e não tributários que, por Lei, cabem a duas repartições distintas?

A.2 — Organização da Divisão de Justiça Tributária A.2.1. Organização geral da Divisão

No organograma funcional da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, encontramos, na Área da Justiça Tributária, uma equipa designada «E», directamente dependente do Director de Finanças e, dentro da Divisão de Justiça Tributária, as Equipas designadas «A», «B», «C» e «D» — documentos n.°2 e 3.

São as seguintes as competências materiais e territoriais das diversas equipas:

Equipa A: Processos de impugnação, processos de reclamação graciosa e recursos hierárquicos destas últimas, referentes às unidades orgânicas da zona oriental de Lisboa (Repartições de Finanças de Alenquer, Arruda dos Vinhos, Azambuja, Cadaval, Loures — 1.°, 2.*, 3." e 4."—, Lourinhã, Mafra, Sobral de Monte Agraço, Torres Vedras — l.'e 2.*—, Vila Franca de Xira — 1." e 2." —, e Bairros Fiscais de Lisboa, do 11.° ao 20.°);

Equipa B: Idênticas competências relativas à zona ocidental de Lisboa (Amadora — 1.", 2.' e 3.'—, Cascais — 1.* e 2.*—, Oeiras — 1.°, 2." e 3." — Sintra — 1.*, 2.', 3." e 4.* — e Bairros Fiscais de Lisboa, do I.° ao 10.°),

Equipa C: Processos de contra-ordenação e gestão da dívida executiva, respeitantes à zona oriental de Lisboa. Em especial, ocupa-se esta Equipa da fixação de coimas e informação dos recursos das decisões que as aplicam e, no âmbito das execuções fiscais, da apreciação dos pedidos de pagamento dos impostos em prestações e das vendas por negociação particular;

Equipa D: Idênticas competências às da equipa anterior, relativas à zona ocidental de Lisboa;

Equipa E: Processos de averiguação por indícios da prática de crimes fiscais — fraude (facturas falsas) e abuso de confiança fiscais, são os mais frequentes.

Observações:

Atento o disposto no artigo 34.°, do Decreto-Lei h.° 408/ 93, de 14 de Dezembro, não se justifica que a Equipa E não esteja incluída na Divisão de Justiça Tributária, a que deveria, funcionalmente, pertencer.

Por outro lado, existe uma notória contradição entre o organograma funcional da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa e o organograma respeitante à designada «Área de Justiça Tributária e Representação da Fazenda Pública», bem como entre ambos e o disposto no artigo 33.", n.° 4, dó Decreto-Lei em apreciação.

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No que se refere às divergências entre ambos os organigramas, atente-se que, no primeiro, a Justiça Tributária e a Representação da Fazenda Pública constituem áreas perfeitamente distintas, enquanto que no segundo são agrupadas numa única área com a designação acima referida.

Quanto à divergência entre ambos os organogramas e o estatuído no Decreto-Lei n.° 408/93, de 14 de Dezembro, traduz-se, conforme já se indicou, na posição de autonomia que nos organogramas apresenta a Representação da Fazenda Pública.

Em vez de encontrarmos a Divisão de Justiça Tributária a prestar apoio técnico e administrativo à Representação da Fazenda Pública, conforme impõe a alínea d), do n.° 1, do artigo 34.°, do citado diploma, depara-se-nos esta última funcionalmente distinta da primeira e dotada, ela própria, de uma equipa de apoio e de seis secretarias administrativas.

Delegação de competências

Foi-nos referido pelo Director de Finanças responsável pela Área da Justiça Tributária que exercia, por delegação, todas as competências atribuídas por lei, nesta matéria, ao Director Distrital de Finanças de Lisboa. Como exemplo, podemos referir as seguintes competências:

Realização dos processos de averiguação por indícios de presumíveis crimes fiscais — artigo 44.", n.° 1, do RJJPNA;

Aplicação das coimas previstas nos artigos 28.°, a 30.°, 33.° a 35.° e 40.°, do RJJPNA — artigo 54.°, n.° 1, deste diploma;

Arquivamento dos processos de contra-ordenação fiscal — artigo 205.°, n.° 3, do Código do Processo Tributário;

Decisão de recursos hierárquicos dos actos dos chefes das repartições de finanças — artigo 91.° do Código do Processo Tributário;

Decisão de reclamações graciosas — artigo 99." do Código do Processo Tributário;

Apreciação de impugnações judiciais — artigo 130.°, n.05 1 e 8, do Código do Processo Tributário;

Autorização para o pagamento em prestações de dívidas exequendas — artigo 280.°, alínea b), do Código do Processo Tributário.

A delegação de competências do Director Distrital de Finanças de Lisboa no Director de Finanças responsável pela Área da Justiça Tributária, permite a este dirigente ocupar-se de todas as matérias relativas à justiça fiscal.

Tendo sido solicitado, em 14.09.94, um exemplar do despacho de delegação de competências e a indicação da data da sua publicação no Diário da República — documento n.°4—, o Director Distrital de Finanças de Lisboa respondeu — decorridos que foram 7 dias —, nos termos constantes do documento n.° 5, ou seja, que o projecto de despacho se encontra no Gabinete do Director--Geral das Contribuições e Impostos, para efeitos de aprovação e de publicação. Solicitados esclarecimentos a este Gabinete, no sentido de esclarecer em que data deu ali entrada o projecto do referido despacho, foi recebido, em 29.09.94, o documento n.° 6, revelando a data de 21.09.94.

Observações:

Nos termos do disposto no artigo 37.°, n.° 2, do Código do Procedimento Administrativo, os actos de delegação de poderes estão sujeitos a publicação no Diário da República. Ora, não só não foi publicado o despacho de delegação de competências do Director Distrital de Finanças de Lisboa no dirigente responsável pela Área da Justiça Tributária, como tal despacho nem sequer existe. Atendendo a que o Director Distrital de Finanças de Lisboa sé encontra em funções desde 01 de Março de 1994 — ou seja, há sete meses —, e que desde essa data todos os actos relativos à justiça fiscal têm sido apreciados e decididos pelo dirigente responsável pela Área, temos que concluir que todos esses actos são inválidos, por incompetência do seu autor.

Estamos face a um manifesto erro de gestão, de extrema gravidade, que torna inválidos, entre outros, todos os actos praticados desde 01 de Março de 1994, que decidiram processos de reclamação graciosa e de contra-ordenação fiscal, certos actos no âmbito do processo de execução fiscal e, bem assim, os que apreciaram impugnações judiciais e processos de averiguação de eventuais crimes fiscais.

Uma confrontação das datas dos documentos n.° 4, 5 e 6, revela ainda que, só na sequência da intervenção da Provedoria de Justiça, o Director Distrital de Finanças de Lisboa elaborou e enviou ao Director-Geral das Contribuições e Impostos o projecto de despacho de delegação de competências.

A.2.2 — Organização das várias equipas

A organização do trabalho dentro de cada equipa varia segundo os critérios do respectivo dirigente. Atendendo ao objectivo da inspecção realizada, foi dispensada particular atenção ao trabalho desenvolvido pelas Equipas A e B. Assim:

Equipa A: Encontra-se subdividida em três sub-equipas, conforme os processos sejam reclamações de IRS, reclamações referentes a outros impostos ou impugnações. Os processos a cargo da Equipa encontram-se organizados por anos e por repartições de finanças ou bairros fiscais;

Equipa B: Encontra-se subdividida em duas sub-equipas, ocupando-se uma dos processos de IRS e a outra dos processos relativos a todos os outros impostos. Os processos encontram-se arrumados por repartições de finanças ou bairros fiscais, dentro desta classificação, por anos e, nesta, por ordem alfabética do nome dos contribuintes; .

Equipa C: Dos quatro funcionários que, para além do respectivo dirigente, constituem esta equipa, um encontrasse afecto aos processos de contraor-denação fiscal, outro aos processos de execução fiscal, outro ao controlo dos documentos dos processos, sendo o quarto responsável pelo apoio administrativo. Os processos encontram-se organizados por data de entrada, sendo fácil a sua busca, por via informática, através da indicação do número ou nome do contribuinte, ou do número do processo. O programa informático disponibiliza todos os elementos necessários à instrução do processo;

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Equipa D: Organização em tudo semelhante à da Equipa anterior;

Equipa E: O facto de as competências da Equipa E serem totalmente distintas das que cabem às restantes equipas, justifica uma também totalmente distinta forma de organização: cada funcionário, em vez de se ocupar de vários processos cuja instrução é relativamente simples, tem a seu cargo um número relativamente reduzido de processos que, no entanto, requerem diligências instrutórias mais complexas e sujeitas a formalismos legais mais exigentes;

Em qualquer das cinco equipas, o estudo e despacho

dos processos é feito segundo a sua antiguidade ou, excepcionalmente, e invertendo este principio, por solicitação repetida do contribuinte ou por intervenção do Provedor de Justiça. A busca de um processo, em qualquer destas equipas, é bastante fácil.

Aã3 — Mecanismos de controlo interno

Ficheiro geral — Em matéria de reclamações graciosas e respectivos recursos hierárquicos, foi também dedicado algum tempo, no decurso da inspecção, à análise do ficheiro geral de processos existente na Área de Justiça Tributaria.

Existem dois ficheiros, um para processos pendentes — reclamações graciosas e recursos hierárquicos —, e outro para processos terminados, compostos por fichas manuais — documento n.° 7 —, divididos em duas grandes áreas: IRS e outros impostos. Em cada uma destas áreas, as fichas estão ordenadas por ordem alfabética dos nomes dos contribuintes.

Não nos foi mostrada qualquer cópia de segurança dos ficheiros existentes.

Por outro lado, não existe qualquer controlo interno quanto à movimentação dos processos dentro da Divisão de Justiça Tributária, uma vez que nas fichas apenas são registadas a recepção e expedição dos ofícios para o exterior.

Sempre que se torna necessário encontrar um processo, a consulta dos ficheiros apenas possibilita saber se o mesmo se encontra ou não nb edifício. Aqui, poderá estar com qualquer funcionário.

Há um funcionário incumbido da organização e da actualização dos ficheiros, sem prejuízo de qualquer colega poder ter livre acesso para efeitos de consulta.

Numeração e registo de documentos — Não existe, nas actuais instalações, uma máquina que atribua números sequenciais aos documentos entrados e saídos, o que implica que qualquer documento destinado ou com origem na Área de Justiça Tributária tenha, necessariamente, de passar pelas instalações da Direcção Distrital de Finanças, na Av. Marquês de Tomar;

Microfilmagem — O que acima se disse aplica-se, igualmente, à inexistência, na Av. Joaquim António de Aguiar, de material apto a fazer a microfilmagem dos documentos;

Ligação ao sistema informático da DGCI — Não existem no edifício onde está instalada a Área da Justiça Tributária quaisquer terminais de computador ligados ao sistema informático da DGCI, o que obriga, quando se pretende apurar a situação tributária de qualquer contribuinte— o que acontece dezenas ou mesmo centenas de vezes por dia, no âmbito da instrução dos processos ou

da prestação de informações a contribuintes—, a constantes deslocações dos funcionários ou, de novo, à Av. Marquês de Tomar ou, em alternativa, ao Centro de Tratamento de Documentos, na Rua da Imprensa Nacional.

Observações:

Mesmo tendo em consideração que a Área da Justiça Tributária mudou as suas instalações do 2.° andar do n.° 21 da Av. Marquês de Tomar para o n.° 19 da Av. Joaquim António de Aguiar, em Maio p. p., a verdade é que, dois meses depois da mudança de instalações:

Não é admissível que não exista um programa informático para gerir a informação contida nos ficheiros. Para além de possibilitar uma consulta mais rápida e dotada de maior segurança — no sistema actual, o desaparecimento de um processo jamais poderá conduzir ao apuramento de responsabilidades —, permitiria ainda obter dados da maior relevância para a gestão da Área da Justiça Fiscal.

Por exemplo, não nos foram fornecidas importantes informações relacionadas com o número de processos abertos e arquivados por ano, por espécie, por imposto e por repartição de finanças.

A inexistência dos mais elementares mecanismos de controlo interno no edifício onde funciona um serviço da administração fiscal tão importante como é a Divisão de Justiça Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, é, a todos os níveis, preocupante.

Desde logo, porque nas deslocações constantes à Av. Marquês de Tomar, seja para utilização do material de registo das entradas e saídas de documentos, seja para recurso à microfilmagem de documentos, seja, ainda, para consulta do sistema informático, se perde muito do tempo que, na Área da Justiça Tributaria, urge racionalizar.

Ao factor negativo morosidade acresce, como consequência da situação descrita, o factor insegurança. Com efeito, o percurso dos documentos mais importantes dos processos em questão não pode deixar de considerar-se exageradamente sinuoso, com constantes idas e voltas à, e da, Av. Marquês de Tomar, com os inerentes riscos de danificação e extravio, riscos acrescidos pelo facto, já atrás sublinhado, de o sistema de controlo dos processos — e respectivos documentos — ser, na Divisão de Justiça Tributária bastante rudimentar e mesmo, em alguns pontos, inexistente.

A certeza, segurança e celeridade, erigidas a princípios da actividade tributária pelo artigo 17°, alínea b), do Código de Processo Tributário, não poderão, nunca, ser alcançadas sem a existência dos instrumentos de base que a Divisão de Justiça Tributária não possui.

A.2.4 — Condições de trabalho

Os funcionários da Área da Justiça Tributária não podem recorrer a qualquer biblioteca — ainda que circunscrita aos códigos fiscais —, para procederem a estudos sobre a interpretação e aplicação da lei, porque não existe.

A inexistência de instalações e funcionários especialmente afectos ao atendimento de contribuintes que se dirigem à Divisão de Justiça Tributária, onde se encontram os respectivos processos, tem consequências negativas quer na qualidade da informação prestada —já de si deficiente

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em virtude da ausência de ligações informáticas —, quer no normal exercício de funções por todos quantos são solicitados a prestar informações a cidadãos. Os funcionários das equipas, incluindo os respectivos Chefes, vêem o seu trabalho continuamente interrompido para poderem atender contribuintes. Alguns, conforme foi observado, chegam a passar manhãs ou tardes sem conseguir dar andamento a qualquer dos muitos processos pendentes.

Observações:

Um quadro desta natureza, que evidencia erros de organização e de funcionamento, só pode permitir uma de duas conclusões: ou os critérios seguidos na estruturação da Área da Justiça Tributária não foram os mais adequados às respostas que se exigem ou, então, a mudança de instalações foi absolutamente precipitada, sem que estivessem reunidas as condições mínimas de trabalho (vide, a este propósito, também o ponto 2.2.3).

A_}. Actividade da Divisão de Justiça Tributaria

Conforme decorre das competências atribuídas pelo artigo 34.°, do Decreto-Lei n.° 408/93, de 14 de Dezembro, acima explicitadas, todas as matérias relativas a diferendos entre o Estado e os Contribuintes, ocorridos no distrito de Lisboa —sobretudo recursos hierárquicos, processos de reclamação graciosa, de impugnação contenciosa, de crime e contra-ordenação fiscais, e certas questões suscitadas no âmbito do processo de execução fiscal —, são apreciadas nesta Divisão.

De acordo com os dados que nos foram apresentados pelo Senhor Director de Finanças, encontram-se na Divisão cerca de 120 impugnações pendentes, a maior parte das quais abrangendo poucas situações tipificadas — tributação de rendimentos de cidadãos deficientes e tributação de remunerações auferidas por magistrados e funcionários da Polícia Judiciária.

Segundo o mesmo dirigente, o número de reclamações indeferidas é muito reduzido, entre os 5 e os 10 %, o que evidencia que, na esmagadora maioria das situações, os contribuintes têm efectivamente razão ho conflito que os opõe à administração fiscal. Outro dirigente, igualmente ouvido, não é tão optimista, situando a percentagem de reclamações indeferidas entre 10% e 20%.

O número de recursos hierárquicos pendentes não deverá ultrapassar os 70 a 80, e respeitam, sobretudo, à liquidação do Imposto Municipal de Sisa.

Igualmente baixo é o número de impugnações judiciais deduzidas na sequência do indeferimento de reclamações graciosas, que não ultrapassa valores entre 5 a 10%.

A.4. Gestão de Recursos Humanos

De acordo com o previamente solicitado, foram entregues listagens do número e categoria dos funcionários afectos à Área da Justiça Tributária, que se juntam como documentos n.os 8, 9, 10, 11 e 12, sendo que os dois últimos representam actualizações do documento n.° 8.

Número de funcionários afectos às:

Equipa A............................................................. 9

Equipa B............................................................. 10

Equipa C...........'.................................................. 5

Equipa D............................................................. 5

Equipa E............................................................._10

Acrescem a este número o Director de Finanças responsável pela Área da Justiça Tributária, um chefe de divisão com funções de coordenação das Equipas A e B e, com funções de apoio aõ Director de Finanças, um conjunto de 11 funcionários.

A distribuição dos 50 funcionários afectos às equipas e ao apoio ao Director de Finanças, por grupos de pessoal [a)], carreiras [b)] e categorias [c)j é a seguinte:

a) Pessoal Técnico Superior:

b) Carreira Técnica Superior:

c) Técnico Superior de 1 .* Classe — 1.

a) Pessoal Técnico de Administração Fiscal:

b) Supervisor:

c) Subdirector Tributário — 3. c) Supervisor Tributário — 1.

b) Técnica Tributária:

c) Perito Tributário de 1 .* Classe — 4. c) Perito Tributário de 2.* Classe — 4. c) Técnico Liquidador Tributário — 9. c) Antigos Técnicos Tributários — 8.

b) Técnica de Fiscalização Tributária:

c) Perito Fiscal de 1Classe — 1. c) Perito Fiscal de 2." Classe — 6. c) Técnico Verificador Tributário — 3.

a) Pessoal de Informática:

b) Operador de Sistema— 1.

a) Pessoal Técnico-Profissional: b) Técnico Auxiliar:

c) Técnico Auxiliar Principal — 2.

a) Pessoal Administrativo:

b) Técnico Administrativo: c) Terceiro-Oficial — 2.

b) Escriturario-Dactilógrafo:

c) Escriturario-Dactilógrafo — 3.

a) Pessoal Auxiliar:

b) Auxiliar Administrativo:

c) Auxiliar Administrativo — 2.

Uma análise comparativa dos grupos de pessoal, carreiras e categorias aqui descritos e os constantes dos documentos n.°8 a 12, revela que estes estão claramente desactualizados face quadro do pessoal da DGC1, aprovado péla Portaria n.° 663/94, de 19 de Julho. Tentámos, assim, fazer uma aproximação entre os dados incorrectos que nos foram prestados pelos Serviços e o quadro actual, constante daquela Portaria.

Conforme decorre dos documentos que temos vindo a citar, existe uma relativa aproximação entre o número e a categoria dos funcionários que compõem as Equipas A e B, por um lado, e C e D, por outro. Ou seja, pode-se dizer que a composição das equipas é relativamente homogénea em função das matérias que lhes estão afectas.

Total................................ 39

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Relativamente aos elementos caracterizadores da compo- . sição da Equipa E, sempre se poderá referir que, não existindo embora qualquer termo de comparação pelo facto de ser a única a instruir processos de averiguação de crimes fiscais, apresenta um número de funcionários semelhante ao dás Equipas A e B, diferindo no entanto e de forma substancial, quer quanto a estas, quer quanto às Equipas C e D, nas categorias e habilitações dos funcionários que lhes estão afectos. Vejamos:

Número de funcionários licenciados:

Equipa A — 1 (em 9); Equipa B — 1 (em 10); Equipa C — 1 (em 5); Equipa D — 0 (em 5); Equipa E — 9 (em 10).

Alargando esta análise ao total dos funcionários afectos à Justiça Tributária, temos que: Número total de funcionários —52 Número total de funcionários licenciados —14 Percentagem de funcionários licenciados na Área da Justiça

Tributária da DDFL.— 26,9%

Observações:

Não pode deixar de se considerar este número reduzido, tanto mais que se trata da Área da Justiça Tributária, uma das mais sensíveis da administração fiscal, quer pelo carácter altamente técnico-jurídico e técnico-económico das matérias em causa, quer pela estreita relação que apresenta com os direitos e garantias dos contribuintes e as atribuições da D.G.C.I.

Situação, agravada no presente caso, atendendo à enorme assimetria na distribuição, entre as diversas equipas, dos funcionários licenciados. Atente-se que, se excluirmos a Equipa E, constituída, na sua quase totalidade, por funcionários licenciados e por isso não demonstrativa do nível médio de habilitações, a percentagem destes funcionários, no conjunto da Area, fica reduzida a 11,9%.

Por outro lado, as diferentes pessoas contactadas foram unânimes em afirmar a absoluta inexistência de formação profissional promovida pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, o que só pode ter consequências profundamente negativas na qualidade e produtividade do desempenho profissional, sobretudo face às enormes é profundas alterações normativas ocorridas nos últimos anos. Veja-se, a titulo de exemplo e dada a grande relevância em termos de interpretação e aplicação das normas tributárias, que o Código do Processo Tributário e as alterações ao Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras não foram objecto de qualquer formação.

Por último, foi referida a insuficiência do número de funcionários, sentida em todas as equipas, o que, pelo menos em parte, pode explicar a existência de um grande número de processos aguardando instrução e decisão.

A.S — Atendimento ao contribuinte

Face à impossibilidade de obtenção de informações junto das respectivas repartições de finanças, são inúmeros os contribuintes que se dirigem à Divisão de Justiça Tributária, procurando esclarecimentos sobre a apreciação de uma reclamação graciosa, de um recurso hierárquico, a autorização para pagamento de um imposto em prestações, a data provável da emissão de um reembolso, etc.

A Divisão de Justiça Tributária não dispõe de meios técnicos e humanos capazes de dar resposta a estas questões. Por um lado, devido à já mencionada inexistência de instalações específicas para o efeito. Por outro lado, pela inexistência de qualquer funcionário adstrito a éste serviço, sendo certo que, mesmo que tal acontecesse, o funcionário não disporia de acesso ao sistema informático da DGCI. Se bem que fossem evidenciados, pelo Director de Finanças responsável, o conhecimento e a identificação destes problemas e a sua previsível resolução a breve prazo, a verdade é que a Divisão de Justiça Tributária não pode, em momento algum e sob qualquer pretexto, estar desprovida dos meios técnicos e humanos que se podem qualificar de mínimos. Mas, se não há possibilidade de maior dotação vinda do exterior para a DDFL, então haverá que repensar com urgência esta forma de organização, o que, mais uma vez se realça, não terá sido devidamente ponderada.

A.6 —Circuito dos processos

Os principais passos de um típico processo de reclamação graciosa — elucidativo da maioria dos processos pendentes —, podem, esquematicamente, ser descritos do seguinte modo:

Repartição de Finanças:

Recebimento da reclamação do contribuinte; Registo e autuação da reclamação; Nomeação do escrivão do processo; Junção de cópia das declarações e documentos; Informação prestada pelo escrivão; Junção de prints informáticos; Parecer do chefe da repartição; Envio do processo à Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, sita na Av. Marquês de Tomar, 21;

»

Direcção Distrital de Finanças de Lisboa: '

Microfilmagem de ofícios, nas mesmas instalações da Direcção Distrital de Finanças;

Envio do processo à Área da Justiça Tributária, na Av. Joaquim António de Aguiar, 19, em Lisboa;

Registo do processo em ficha de arquivo manual;

Distribuição do processo pelas Equipas A ou B, consoante a sua origem geográfica;

Informação do funcionário da equipa, a quem o processo está afecto;

Envio do processo à Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, na Av. Marquês de Tomar, para extracção de prints informáticos;

Devolução do processo à Área de Justiça Tributária;

Parecer do chefe de equipa ou do Coordenador das Equipas A e B;

Despacho final do Director de Finanças;

Eventualmente, caso haja lugar a reembolso de IR, torna-se ainda necessário:

Oficiar a repartição de Finanças para suspender o processo de execução fiscal, se existir;

Expedir para o Centro de Tratamento de Documentos a declaração oficiosa respectiva;

Juntar prints simuladores da nova liquidação; Juntar cópia do despacho de deferimento da reclamação;

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Concretização informática da decisão (SAIR); Arquivamento do processo; Devolução do processo à Repartição de Finanças.

Convém também destacar o número de funcionários da administração fiscal que têm intervenção no processo:

Funcionário da repartição de finanças: informação; Chefe da repartição de finanças: proposta de decisão; Funcionário da equipa da Divisão de Justiça

Tributária: nova informação; Chefe de equipa ou coordenador: parecer; Director da Área de Justiça Tributária: decisão.

Observações:

É por demais evidente a morosidade burocrática a que está sujeito um processo de reclamação graciosa, o mesmo acontecendo com os recursos hierárquicos e com as impugnações judiciais, processos em que é igualmente notório o elevado número de fases a ultrapassar e o número de funcionários que intervêm ao longo das mesmas.

Se é certo que grande parte dos procedimentos descritos decorre da existência dos problemas da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, que temos vindo a identificar, também é verdade — e os saldos dos processos que analisaremos são, a este título, claramente elucidativos — que outra importante parte da responsabilidade resulta das soluções adoptadas pelo legislador do Código de Processo Tributário, no que se refere aos procedimentos administrativo e judicial tributários.

Com efeito, o novo Código de Processo Tributário veio remeter para as direcções distritais de finanças a instrução e decisão de processos que, até então, cabiam às repartições de finanças. Passámos assim a ter, em vez de cerca de 300 centros de decisão, apenas 23. Ora, e uma vez que as repartições de finanças não deixaram de ter intervenção nos processos, assistisse a uma duplicação de funcionários e de procedimentos, sem que tenha havido um concomitante reforço do quadro de pessoal das direcções distritais de finanças afectos à justiça tributária.

Três anos de vigência desta opção vieram evidenciar que:

As informações prestadas pelas repartições de finanças e as propostas de decisão dos processos apresentadas pelos respectivos chefes são, em regra, como nos foi sublinhado e como constatámos, de muito deficiente qualidade técnica, o que se explica também pelo facto de estes funcionários saberem que, na Área da Justiça Tributária, o processo vai ser nova e integralmente apreciado;

Se obteve uma acumulação extraordinária de processos na Área da Justiça Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa — à semelhança do que, previsivelmente, acontecerá em todas as direcções distritais de finanças —, onde aqueles se passaram a concentrar, conforme mostra o saldo dos processos.

Observações:

Se o objectivo que se pretendia alcançar era uma maior qualidade no exercício da actividade administrativa proces-

sual tributária, parece hoje evidente que os atrasos na apreciação dos processos que infindavelmente se acumulam, foi um preço demasiado caro a pagar. Como toda a justiça, também a fiscal tem que ser célere.

A situação neste sector é tanto mais grave, quanto é certo, como tivemos oportunidade de verificar entre centenas de processos apreciados, que na maioria das situações — e referimo-nos especificamente ao IRS —, o contribuinte apenas pretende a modificação da liquidação do imposto pelo facto de, no preenchimento da declaração de rendimentos se ter esquecido de declarar um abatimento — por exemplo, despesas com livros, medicamentos, prémios de seguros —, um benefício fiscal — conta poupança-habitação, plano poupança reforma, ou mesmo a indicação do grau de deficiência —, ter omitido o montante das retenções na fonte ou indicado incorrectamente a composição do agregado familiar.

A simplicidade da maioria das questões a resolver em processos de reclamação de IRS esbarra literalmente com a excessiva morosidade do processo administrativo tributário que, por Lei — artigo 96.°, alínea c), do Código de Processo Tributário —, está sujeito à regra fundamental da «simplicidade de termos e brevidade de resoluções».

Conforme se referiu, muitos dos processos enviados pelas repartições de finanças para despacho final, vêem deficientemente instruídos, pelo que se torna necessário, após estudo na Divisão de Justiça Tributária, proceder à sua devolução para superação de erros de instrução, em especial no que se refere à prova de situações de facto. Não se compreende, numa óptica de racionalização e optimização do trabalho, que a devolução destes processos esteja dependente de despacho do Director de Finanças, quando poderia ser desde logo decidida pelo chefe de Equipa ou pelo Coordenador. Não encontrámos uma única situação em que o Director de Finanças tenha decidido de modo diverso do proposto por aqueles dirigentes.

Registe-se, ainda, que o sistema de arquivo existente não possibilita que seja dado cumprimento ao disposto nos n.°s 5, 6 e 7 do artigo 130." do Código do Processo Tributário, uma vez que não existe qualquer ligação entre o ficheiro das reclamações e o das impugnações. Quando um contribuinte impugna um acto tributário, os Serviços desconhecem se existiu ou não qualquer reclamação graciosa prévia, sobre o mesmo objecto. O mesmo acontece se a ordem dos actos praticados pelo contribuinte for a inversa. Também aqui, a Lei não está a ser cumprida.

A.7 — Saldo dos processos

Deparámos com algumas dificuldades na análise dos saldos dos principais processos de reclamação graciosa — IRS e outros impostos —, impugnação judicial, contra-ordenação fiscal, transgressão fiscal e processos de averiguação por indício da prática de crimes fiscais.

Os documentos com os n.os 13, 14, e 15 são de consulta pouco didáctica, revelando dados isolados, sem permitir uma apreensão imediata do ritmo de andamento dos processos e da sua evolução global.

Foi com base nestes documentos que se elaboraram os gráficos A, B, C e D colocados no final deste ponto e o quadro junto, claramente elucidativos de que:

O número de reclamações graciosas apresentadas pelos contribuintes nas repartições de finanças tem vindo a aumentar, não obstante as ligeiras quebras

ocorrida nos anos de 1989 e Í991. É relevante

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sublinhar que no ano imediato ao da entrada em vigor da Reforma Fiscal ocorreu uma quase duplicação do número de reclamações apresentadas — Gráfico A;

Contudo, o saldo dos processos de reclamação graciosa existentes nas repartições de finanças tem vindo a diminuir desde 1991. O facto pode ser

, . exjplicado pela diferente tramitação processual i ynposta, a partir de Julho de 1991, pelo Código , de Processo Tributário — Gráfico A;

O saído dos processos de reclamação graciosa existentes nos serviços distritais — Área da Justiça Tributária —, em números irrisórios até 1989 (159 processos), dispara literalmente após esta data, para valores da ordem dos 12 336 — só até 31 de Maio de 1994 —Gráfico B.

Este aumento de mais de 7758,4% é explicado, não só pelo crescente número de reclamações, mas também pelo facto de a competência para a apreciação e decisão dos processos ter sido transferida, das repartições de finanças, para as direcções distritais de finanças, onde se passaram a acumular — veja-se, por exemplo, que o ano imediato ao da entrada em vigor do Código de Processo Tributário regista uma agravamento do saldo dos processos quase para o dobro.

A evolução do saldo dos processos de reclamação graciosa no conjunto do distrito de Lisboa tem apresentado uma progressão alarmante: de 6 306 processos em 1988, para 16 757 até 31 de Maio de 1994. Sublinhe-se que, a exemplo dos gráficos anteriores, os maiores aumentos dos saldos registam-se em 1990 (ano imediato ao da entrada em vigor da Reforma Fiscal) e 1992 (ano imediato ao da entrada em vigor do Código de Processo Tributário) — Gráfico C.

Por sua vez, o gráfico D — relativo ao número de processos existentes, nas Equipas A e B, em 30 de Junho de 1994, na Divisão de Justiça Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa —, é duplamente interessante ao revelar, por um lado, que as reclamações graciosas da liquidação de JUS (6887) pendentes, constituem mais do dobro das existentes quanto a outros impostos (3325), mesmo tendo em conta que neste último número estão incluídas 433 reclamações dos anos de 1972 a 1988. Por outro lado, este gráfico revela , ainda, que o saldo das reclamações graciosas de IRS pendentes mais do que triplicou de 1991 para 1992 e quase quintuplicou entre 1991 e 1993—Gráfico D.

Atente-se ainda que cada um dos 19 funcionários das Equipas A e B da Divisão de Justiça Tributária tem sob a sua responsabilidade uma média de 537 processos de reclamação graciosa. Este valor sobe para 649 processos se considerarmos os existentes em todas as unidades orgânicas do Distrito de Lisboa. E isto, sem contarmos os processos de impugnação e recursos hierárquicos.

Quanto aos saldos do processos de contra-ordenação fiscal, as Equipas C e D, apresentam os números a seguir referidos — documentos n.° 16 e 17:

Equipa C: idênticos aos da Equipa D; Equipa D:

Saldo inicial — 3929;

Saldo final (30.07.94) — 2968.

É razoável a recuperação de processos em atraso, cujo número é imputável ao facto de este serviço ter estado parado durante 2 anos. É previsível que no final do corrente ano este saldo esteja reduzido a 200 ou 300 processos.

Quanto às questões suscitadas no âmbito dos processos de execução fiscal, não há processos pendentes em nenhuma destas Equipas.

Por sua vez, a Equipa E, tem pendentes cerca de 100 processos de averiguação por indício da prática de crime fiscal.

Em suma:

A Reforma Fiscal da tributação do rendimento, ocorrida em 1989, determinou um aumento extraordinário do número de reclamações apresentadas pelos cidadãos. Sendo óbvio que o aumento das garantias e direitos dos contribuintes trazidos por aquele diploma não pode ser responsável pelo aumento registado, temos que concluir da existência de sérios problemas na administração, a nível distrital, do IRS e do IRC;

O Código de Processo Tributário, em vigor desde meados de 1991, contribuiu de forma determinante para uma acumulação de processos pendentes nas direcções distritais de finanças.

Da reduzida fiabilidade das informações dos saldos de processos

Conforme se referiu, os saldos dos processos de reclamação graciosa foram extraídos dos documentos com os n.os 13, 14 e 15, que nos foram entregues na Divisão de Justiça Tributária. Na data da inspecção decidimos solicitar os mesmos elementos ao Director Distrital de Finanças, tendo-nos sido entregues os documentos com os n.03 18 a 23, com base nos quais elaborámos o quadro junto, que nos dá os saldos dos diferentes tipos de processos, por ano, nas repartições de finanças, na DDFL e nos tribunais.

. Uma comparação entre os dados constantes dos documentos n.os 13 a 15 e os presentes no quadro elaborado com base nos mapas 15 Gl—documentos n.os 18 a 23 — revela que:

Saldo dos processos de reclamação graciosa

1989:

Documento n.° 11:

Nas repartições de finanças — 5843; Nos serviços distritais — 159.

Quadro junto:

Nas repartições de finanças — 5843; Nos serviços distritais— 1413.

1990:

Documento n.° 11:

Nas repartições de finanças — 6384; Nos serviços distritais — 2070.

Quadro junto:

Nas repartições de finanças — 6384; Nos serviços distritais — 3574.

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1991:

Documento n.° 11:

Nas repartições de finanças — 5862; Nos serviços distritais — 4808.

Quadro junto:

Nas repartições de finanças — 5843; Nos serviços distritais — 7136.

1992:

Documento n.° 11:

Nas repartições de finanças — 5226; Nos serviços distritais — 9203.

Quadro junto:

Nas repartições de finanças — 65 226; Nos serviços distritais — 10 884.

1993:

Documento n.° 11:

Nas repartições de finanças —5109; Nos serviços distritais — 11 706.

Quadro junto:

Nas repartições de finanças — 5109; Nos serviços distritais— 13 179.

,1994 (Maio):

Documento n.° 11:

Nas repartições de finanças—4421; Nos serviços distritais—12 336.

Quadro junto:

Observações:

Se bem que os saldos dos processos de reclamação graciosa existentes nas repartições de finanças coincidam, a verdade é que, no que respeita aos saldos destes processos existentes na Direcção Distrital de Finanças de Lisboa encontramos diferenças abissais, entre dados que deveriam ser rigorosamente exactos:

159—1413; 2070 — 3574; 4808—7136; 9203 — 10 884; .

11 706—13 179;

12 336— 13 876.

Por outro lado, dois dos mapas feitos na Divisão de Justiça Tributária — documentos n.*» 13 e 15 —, revelam os seguintes dados, quanto aos processos de reclamação graciosa pendentes na Direcção Distrital de Finanças de Lisboa em, respectivamente, 31 de Maio e 30 de Junho de 1994:

Documento n.° 11 — 12 336; Documento n.° 13 — 10 212.

Não é a qualquer título, admissível a falta de rigor dos mapas analisados que apresentam dissemelhanças enormes e inexplicáveis. Não se sabe quais os dados correctos, se os fornecidos pela DDFL, se os entregues pela Divisão de Justiça Tributária ou, ainda, se ambos estio errados.

A informação veiculada por estes documentos não pode ser considerada segura nem, tão pouco; de confiança. Mais uma vez se revela a inexistência de mecanismos de controlo interno. A informação permite-nos ter uma ideia, observar os contornos, mas está muito longe da realidade exacta que os números devem dar.

O quadro junto permite ainda constatar os seguintes factos:

No conjunto do Distrito de Lisboa, o saldo dos processos de impugnação judicial, entre 1989 e 1994, manteve-se constante — cerca de 5000 processos —, ocorrendo no entanto, na sequência da entrada em vigor do Código de Processo Tributário, uma transferência de 10% deste saldo das repartições de Finanças para a DDFL;

Entre 1989 e 1994 conseguiu-se reduzir o saldo dos processos de transgressão fiscal em cerca de 67%, passando o número dos pendentes para 34 812;

No conjunto do Distrito, o saldo dos processos de reclamação graciosa subiu, entre 1989 e 1994, cerca de 252%, sendo de quase 1000% o acréscimo dos pendentes na DDFL;

Os saldos dos processos de contra-ordenação fiscal têm subido na DDFL e descido nas repartições de finanças;

QUADRO A

Processo de reclamação graciosa nas 47 RF

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

QUADRO B

Saldo dos processos de reclamação graciosa na Área da Justiça Tributária da DDFL

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Nas repartições de finanças — 4421; Nos serviços distritais— 13 876.

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QUADRO C

Saldo de reclamação graciosa rio distrito de Lisboa

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QUADRO D

Saldo do processo de reclamação graciosa existente na Área de Justiça Tributária

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

Saldo de processo no Distrito de Lisboa

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A.8 — Demoras processuais

Considerando que a maioria das queixas apresentadas pelos cidadãos ao Provedor de Justiça se refere às excessivas demoras no reembolso de impostos já reconhecido devido pela administração fiscal, na sequência da apreciação e deferimento das reclamações graciosas, este assunto mereceu, na inspecção realizada, um especial cuidado.

Estes processos de reclamação, já despachados, que esperam que informáticamente seja dada execução ao despacho de deferimento, através do processamento do reembolso ou anulação da liquidação, encontram-se dispostos em cada uma das salas das Equipas A e B em lugar próprio e agrupados por lotes, organizados por repartições de finanças e por ordem alfabética do nome dos contribuintes.

Apreciámos, em função dos seguintes parâmetros, 128 — ou seja, 13,1% — dos 973 processos da Equipa A

que se encontram a aguardar concretização da decisão e cuja listagem completa constitui os documento n.° 24 a 28:

Número do processo; Repartição de finanças;

Número de identificação fiscal do contribuinte;

Tipo de imposto;

Ano do imposto;

Montante do imposto em causa;

Data da apresentação da reclamação;

Data dó envio do processo à DDFL;

Data do despacho que decidiu o processo;

Data do envio do ofício de concretização da decisão.

Note-se que, no que respeita às reclamações graciosas da Equipa A, é possível algum controlo dos processos: as capas dos lotes referem o número de cada processo e nome do respectivo reclamante. O mesmo já não é possível dizer quanto à Equipa B, por inexistência de capas de lote, não sendo, assim, exequível qualquer controlo dos processos, por número ou nome de reclamante.

Uma análise dos mapas preenchidos em função dos parâmetros assinalados'—rdocumentos com os n.°> 24 a 28 —, e respeitantes a cerca de 6% do total das reclamações graciosas que aguardam na Divisão de Justiça Tributária a concretização da decisão que recaiu sobre as mesmas, permite tirar importantes conclusões quanto aos estrangulamentos verificados na marcha dos processos de reclamação graciosa das liquidações de IRS e IRC.

Esses obstáculos às rápidas instrução, decisão e concretização informática da decisão, situam-se a quatro níveis:

1) Repartição de Finanças: até ser prestada informação.

O tempo médio de instrução dos processos, desde a data do recebimento da reclamação aVè ao

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envio do processo para a Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, é de aproximadamente 5 meses.

Merece aqui uma referência de apreço o trabalho desenvolvido na 2." Repartição de Finanças de Vila Franca de Xira (Alverca), na qual a esmagadora maioria dos processos ali não permanece mais do que um mês.

No caso do 19." Bairro Fiscal, ao contrário, já este período médio é de cerca de 12 meses;

2) Direcção Distrital de Finanças de Lisboa — Área de Justiça Tributária: até ao despacho de decisão.

Instruído o processo e remetido à Direcção Distrital de Finanças para decisão, verifica-se aqui o maior atraso, aguardando os processos cerca de 14 meses até à obtenção de despacho de decisão do Director de Finanças competente;

3) Direcção Distrital de Finanças de Lisboa — Área de Justiça Tributária: até ao envio, ao Centro de Tratamento de Documentação (CTD-IR), dos elementos necessários à concretização da decisão.

Depois de despachado o processo, são enviados para o CTD-IR os documentos já referidos, indispensáveis à introdução, no sistema informático, dos dados deles constantes.

Entre estas duas datas, o lapso de tempo decorrido é, em média, de 2,5 meses.

Nada explica que, depois de o processo ter aguardado durante 14 meses por uma decisão final, proferida esta, sejam necessários ainda cerca de 2,5 meses para o simples envio de 3 documentos — que já constam do processo — para outro serviço da mesma unidade orgânica da administração fiscal.

4) Centro de Tratamento de Documentos do IR, Serviço de Informática Tributária, Serviço de Administração do Imposto sobre o Rendimento e Direcção--Geral do Tesouro: até à efectiva concretização da decisão.

Depois de digitadas as informações necessárias à emissão do reembolso ou à anulação da liquidação, torna-se ainda necessário aguardar pela emissão do cheque ou confirmação da anulação.

Relativamente a todos os processos apreciados, desconhece-se — tal como desconhece a Divisão de Justiça Tributária — se estas operações finais foram ou não executadas, sendo impossível apurar, de entre as várias centenas de processos pendentes na referida Divisão com a nota «decisão pendente de concretização», quais os que, efectivamente, estão nessa situação e quais os que já estão conclusos.

Não se sabe quanto tempo o CTD-IR demora a digitar as alterações nas declarações, quanto tempo o SIT demora a proceder à modificação das liquidações, quanto tempo a DSCOB leva a proceder aos formalismos necessários à emissão do cheque do reembolso, pela Direcção-Geral do Tesouro. Algumas das situações observadas são particularmente dignas de registo e crítica. Por exemplo:

Processo n.° 400025/91 da RF de Alverca: RF — 6 dias;

DDFL — 2 anos e 3 meses, até à decisão; DDFL — 8 meses, até ser enviado para o CTD-IR;

Processo n.° 54/91, da RF de Alverca:

RF — 1 mês e 11 dias; DDFL — 1 ano e 7 meses, até à decisão; DDFL — 3 meses, até ser enviado para o CTD-IR;

Processo n.° 58/91, da RF de Alverca:

RF — menos de um mês; DDFL — 11 meses, até à decisão; DDFL — 1 ano, até ser enviado para o CTD-IR;

Processo n.° 40027/91, do 19.° Bairro Fiscal: RF —4 dias;

DDFL— 1 ano e 9 meses, até à decisão; DDFL — 7 meses, até ser enviado para o CTD-IR;

Processo n.° 500060-2/90, do 19.° Bairro Fiscal:

RF — 1 ano e 3 meses; DDFL— 10 meses, até à decisão; DDFL — 1 ano, até ao envio para o CTD-IR;

Processo n.° 122/91, do 16.° Bairro Fiscal: RF — 6 meses;

DDFL — 1 ano e 2 meses, até à decisão; DDFL — 1 ano, até ao envio para o CTD-IR;

Processo n.° 4/92, da RF de Alverca: RF — 5 dias;

DDFL — 1 ano e 6 meses, até à decisão; DDFL — 8 meses, até ser enviado para o CTD-IR.

Os processos das Equipas C e D são de instrução muito rápida: enquadramento jurídico e fixação das coimas e problemas ligados à cobrança coerciva de dívidas fiscais — negociação por venda particular e autorização para o pagamento de impostos em prestações.

No que respeita à Equipa E, as principais causas de morosidade na instrução dos processos prendem-se com as dificuldades registadas para a consulta de contas bancárias, devido à invocação frequente do sigilo bancário e à necessidade de cumprimento dos formalismos judiciais para a sua obtenção.

Observações:

O tempo médio de duração da instrução e decisão de um processo de reclamação de IRS ou IRC é de aproximadamente 2 anos, a que acresce, ainda, o tempo necessário à concretização da decisão proferida no processo.

A exagerada morosidade assim registada é tanto mais grave quanto é certo que, conforme já se referiu, a maioria das reclamações graciosas instauradas versa sobre questões cuja simplicidade é manifesta e visa obter a correcção de erros, muitas vezes grosseiros, cuja identificação é quase imediata e cuja correcção deveria ser, portanto, simples e célere, independentemente da imputabilidade do erro aos serviços oa ao contribuinte.

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A.9 — Apreciação de alguns processos pendentes

A existência, na Provedoria de Justiça, de um elevado número de processos abertos com base em queixas dos contribuintes que consideram excessivo o tempo decorrido após a instauração de processos de reclamação graciosa, sem que tenham, entretanto, sido notificados de qualquer decisão, levou a que fosse dedicado algum do tempo dispendido nesta inspecção à apreciação de alguns dos processos de reclamação objecto daquelas queixas.

Diga-se, antes de mais, que não obstante estivéssemos de posse dos elementos essenciais à busca dos processos — nome do contribuinte e respectivo número fiscal, ano a que se referia o imposto reclamado, data e local da instauração do processo — não foi possível localizar alguns deles a partir da consulta ao ficheiro geral, quer por inexistência de algumas fichas quer, ainda, por não resultar das anotações constantes das mesmas, o local exacto onde, dentro da Divisão, se deveriam encontrar os processos.

Veja-se, a título exemplificativo, a tramitação de alguns dos vários processos de Reclamantes desta Provedoria assim consultados:

Processo R-1747/94 (13.° Bairro Fiscal de Lisboa):

27/11/91: Reclamação (IRS de 1990);

20/12/91: Informação da repartição de finanças, no sentido do deferimento do pedido;

27/12/91: Entrada do processo na Direcção Distrital de Finanças de Lisboa;

07/06/93: Decisão favorável do director de finanças, determinando a anulação de 165.604500 (159.460S00 de imposto indevidamente liquidado + 6.144$00 de imposto a recuperar)

08/06/93: Preenchimento da ficha de controlo a remeter ao SATR para concretização do reembolso;

08/06/93: Ofício à repartição de finanças ordenando a suspensão do processo de execução fiscal aí pendente;

22/12/93: Ficha de controlo devolvida pelo SAIR à direcção distrital de finanças, sem concretização do reembolso, que não se sabe se já foi feito;

10/01/94: Preenchimento e remessa, ao Centro de Tratamento de Documentação, da Declaração Oficiosa necessária à concretização do reembolso;

28/07/90: Apresentação de declaração de substituição referente ao IRS do ano de 1989;

25/05/93: Convolação da declaração de substituição em reclamação graciosa, por despacho do Subdirector-Geral do SAIR;

06/07/93: Ofício do SATJ* à Direcção Distrital de Finanças, para ser concedida prioridade à apreciação do processo, na sequência da intervenção da Provedoria de Justiça;

19/07/93: Remessa do ofício do SAIR, pela Direcção Distrital de Finanças, à repartição de finanças, para reabertura do processo

2%/07/93: Comunicação do carácter prioritário à repartição de finanças;

30/07/93: Repartição de Finanças informa que não foi instaurado qualquer processo de reclamação graciosa;

09/08/93: Informação da repartição de finanças no sentido do deferimento da reclamação e consequente reembolso da importância de 194.944S00;

24/11/93: Informação da Direcção Distrital de Finanças, solicitando diligências acrescidas;

10/01/94: Informação dos Serviços de Fiscalização Tributária;

11/01/94: Remessa do processo à Direcção Distrital de Finanças;

20/01/94: Decisão que reconhece o direito ao reembolso de 198.238$00;

21/01/94: Envio de declaração de substituição ao Centro de Tratamento de Documentos;

28/07/94: Desconhece-se se o reembolso foi já efectuado;

Processo R-524/94 (2.* Repartição de Finanças de Cascais):

29/10/90: Apresentação da reclamação; 14/11/90: Informação da repartição de finanças

e envio do processo à Direcção Distrital de

Finanças;

25/03/91: Autos devolvidos à repartição de finanças para completar instrução deficiente;

16704/92: Informação no sentido do deferimento parcial do pedido e reenvio do processo à repartição de finanças para notificação do contribuinte;

29/07/92: Despacho deferindo a anulação da importância de 701.137S00;

12/05/92: Repartição de Finanças notifica o contribuinte;

22/07/92: Remessa da declaração de substituição pela Direcção Distrital de Finanças ao SAIR;

28/07/94: Desconhece-se se foi concretizada a decisão.

É de notar não existir no processo qualquer referência à Recomendação feita pelo Provedor de Justiça.

Os procedimentos descritos, não se afastam dos encontrados relativamente a outros autos que originaram as queixas dos nossos Processos R-1914/92 (14.° Bairro Fiscal de Lisboa), R-l 148/94 (20.° Bairro Fiscal de Lisboa), R1873/93 (11.° Bairro Fiscal de Lisboa), R-864/94 (RF de Algés), R-3311/92 (RF da Amadora), R-2093/94 (RF de Algés), R-845/93 (RF de Cascais) e R-387/93 (RF de Moscavide) — documentos n.os 29 a 39.

Uma análise deste conjunto permite reafirmar as observações feitas aquando da análise do circuito dos processos e demoras processuais.

A.10 — Problemas específicos do IR

Os responsáveis foram unânimes em criticar a indefinição e complexidade que rodearam, até há algum tempo atrás, a concretização informática das decisões proferidas em processos de IRC e IRC, o que não constitui propriamente novidade, atendendo a que, variadíssimas vezes, os Senhores Director-Geral, Subdirectores-Gerais e Directores de Serviços da DGCl já o tinham confessado em resposta a solicitações deste Órgão do Estado.

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Só tardiamente vieram a ser feitos os indispensáveis programas informáticos que possibilitam tornar operativas as situações tributárias definidas na apreciação de uma reclamação graciosa ou na sentença de um tribunal tributário.

O que acontece é que, depois de obtida uma decisão — e já vimos como a apreciação de uma reclamação graciosa é um percurso excessivamente longo e moroso —, outro idêntico se pode seguir até que o cidadão consiga ver anulada a liquidação que se veio a revelar incorrecta e, se for o caso, obter o reembolso das importâncias que lhe são devidas.

A Repartição de Finanças, a Direcção Distrital de Finanças, o Centro de Tratamento de Documentos, o Serviço de Informática Tributária, a Direcção de Serviços de Cobrança e a Direcção-Geral do Tesouro são as entidades intervenientes neste processo, cuja complexidade acaba por conduzir à diluição de responsabilidades.

Durante alguns anos a DGCI apenas encontrou soluções provisórias e parcelares que estavam muito longe de resolver, de forma global e definitiva, as enormes dificuldades existentes.

Ao que parece, estes problemas encontram-se hoje solucionados, ao nível aos Serviços Centrais, sendo possível concretizar informáticamente qualquer decisão. Importa regularizar as situações que, entretanto, foram esperando por uma solução.

Vejamos:

Para os processos de reclamação graciosa do IRS de 1989, só no final de 1991 foram definidos os procedimentos a realizar para a concretização das decisões e, mesmo assim, só para algumas situações;

Para os processos do IRS de 1990 e de 1991, só'no final de 1992 foi admitida a possibilidade do reembolso manual;

Em 31 de Maio de 1994 existiam no SAIR 3266 processos, decididos pela Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, e que aguardavam que fosse alterada a liquidação;

Em Julho de 1994 existiam na Área da Justiça Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, 3278 processos já decididos e a aguardar a concretização informática da decisão;

O sistema criado é algo complexo: o meio utilizado depende do tipo de declaração de rendimentos — modelo 1 ou modelo 2 do IRS —, da data da sua entrega e do ano dos rendimentos: inicialmente, os serviços preenchiam, para algumas situações referentes'ao ano de 1989,. declarações modelo 1 e 2, uma DSO (declaração de substituição oficiosa); quanto às declarações do ano de 1990, começaram \a ser feitos, em certas situações, os reembolsos manuais, acompanhados do preenchimento de uma ficha de controlo; para anos posteriores, é utilizada uma DO (declaração oficiosa), que não abrange todas as situações;

Sempre que o contribuinte tem direito a juros pou-pança-retenção, torna-se'necessária a deslocação física do processo, da Direcção Distrital de Finanças ao SAIR;

É grave que a Direcção Distrital de Finanças de Lisboa não tenha conhecimento da data em que é emitido o cheque do reembolso do imposto ou anulada uma liquidação; periodicamente, é neces-

sário apreciar, pelo cadastro do contribuinte, a regularização da situação, de modo a poder arquivar-se o processo; Os mecanismos de controlo da emissão de ' reembolsos não são os mais adequados: foi-nos referida a possibilidade dé os reembolsos poderem ser emitidos em duplicado, o que já tem acontecido;

• É claramente absurdo, como nos foi reafirmado e constatámos, que a correcção de um erro de uma declaração do contribuinte através do preenchimento de uma DO ou DSO implique que os Serviços procedam ao preenchimento integral de toda a declaração em causa, isto é, toma-se não só necessário corrigir o que na declaração estava mal, mas ainda voltar a escrever todos os elementos que se encontram correctos; para além de todo o tempo inutilmente perdido, tal procedimento origina, muitas vezes, que na correcção o funcionário cometa erros ao ter que preencher toda a declaração; os modelos destas declarações constituem os documentos n.os 40 a 52.

A.11 —Processos originados em erros Imputáveis aos serviços

De acordo com os dados apresentados — documento n.°52-A—, o número de processos originados em erros imputáveis aos Serviços — qualificando-se, como tais, apenas os identificados no ofício-circulado n.° 27/90, do SAIR —, é aceitável, considerando o universo dos contribuintes do Distrito de Lisboa e tem vindo a apresentar uma redução de anp para ano: 1371 em 1990, 1232 em 1991 e 995 em 1993, dividindo-se, com valores aproximados, entre as declarações modelo 1 e modelo 2 do IRS.

A.12 — Cumprimento dos prazos do Código de Processo Tributário

Conforme já aqui se salientou, a alínea a) do artigo 96.° do Código de Processo Tributário impõe como regra fundamental do processo gracioso de reclamação a «simplicidade de termos» e a «brevidade de resoluções», de acordo, aliás, com o princípio da celeridade da actividade tributária, consagrado na alínea b) do artigo 17." do mesmo Código.

Tanto assim é que, o artigo 125.° do mesmo Código, prevê o prazo de 90 dias como desejável e suficiente para a conclusão do processo, decorrido o qual a reclamação graciosa se presume indeferida.

De entre todos os processos analisados — e muitos foram—, não encontrámos um único cuja decisão final e respectiva concretização tivesse ocorrido dentro do referido prazo de 90 dias.

Basta recordar o que acima se disse acerca da duração média dos processos analisados (cerca de dois anos) e do tempo médio de permanência dos mesmos, desde logo, no local onde são instaurados (5 meses).

Também nos casos dos processos de impugnação apreciados — escolhidos, de forma aleatória, os processos n.os 30037/3/93, 8/94, e 3255/94/030071, respectivamente dos 10.°, 8.° e 10.° Bairros Fiscais de Lisboa — é evidente o sistemático incumprimento dos prazos estipulados no Código do Processo Tributário, tendentes à obtenção de maiores eficácia e celeridade na actividade da administração fiscal.

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É o que acontece, desde logo, com o prazo para apreciação do acto impugnado a cargo do Director Distrital de Finanças ou do Director de Finanças com competências delegadas — 90 dias, nos termos do n.°4, do artigo 130." do Código do Processo Tributário — e com o prazo de 5 dias para o envio do processo de impugnação para o tribunal tributário — n.° 2 do mesmo artigo.

O incumprimento deste prazo — que faz com que os processos de impugnação permaneçam na Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, em vez de seguirem para o tribunal, onde devem ser apreciados e decididos —, não pode deixar de se considerar de muita gravidade.

Conforme também já se referiu, o sistema de arquivo existente na DDFL — ao não prever uma ligação entre reclamações e impugnações —, não permite dar cumprimento aos procedimentos impostos pelos n.os 5, 6 e 7 do mesmo artigo.

A.13 — Conclusões

A inspecção realizada pela Provedoria de Justiça à Área de Justiça Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, permite evidenciar as seguintes conclusões, que agora se tipificam:

l.* O modo de organização da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa não obedece ao estipulado no n.° 4 do artigo 33." do Decreto-Lei n.° 4087 93, de 14 de Dezembro, quanto ao número dos seus directores, quanto à competência funcional de algumas divisões, quanto à inexistência de divisões previstas na Lei e quanto à criação de outra que ali não encontra acolhimento;

2.' Existe uma contradição entre as„orgânicas da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa e da Área de Justiça Tributária no que se refere ao posicionamento da Representação da Fazenda Pública;

3.* O mesmo se diga entre o constante em ambos os organogramas e o disposto na alínea d) do n.° 1 do artigo 34." do referido Decreto-Lei, no que respeita à autonomia daquela Representação;

4.* O Director de Finanças responsável pela Área da Justiça Fiscal exerce, desde 01 de Março de 1994 todas as competências atribuídas por Lei ao Director Distrital de Finanças de Lisboa, sem que exista qualquer despacho de delegação de poderes. Trata-se de um manifesto erro de gestão,

5.* Só agora, na sequência da presente inspecção e dos elementos solicitados pela Provedoria de Justiça, o Director Distrital de Finanças de Lisboa começou a regularizar formalmente esta ilegalidade;

6.* Dentro de cada divisão, parece perfeitamente aceitável a repartição de competências, em termos materiais e territoriais, pelas cinco equipas;

7." Assim como a organização e funcionamento de cada uma delas, dentro dos constrangimentos adiante sublinhados;

8* Relativamente aos recursos humanos, numa área

eminentemente técnico-jurídica e técnico-económica, a percentagem dos funcionários licenciados, assimetricamente distribuídos entre as diferentes Equipas, é de 26,9%, sendo de apenas 11,9% nas Áreas A, B, C e D e Equipa de apoio;

9." Por outro lado, não existe, há alguns anos, qualquer curso de formação profissional, nem uma biblioteca para apoio do trabalho desenvolvido;

10." Não existem mecanismos de controlo interno do funcionamento da Área de Justiça Tributária: o sistema de arquivo de fichas de processos é per-• feitamente arcaico, não possibilitando qualquer controlo da movimentação interna dos processos, nem fornecendo imprescindíveis elementos de gestão da Área;

11." Acresce a ausência de ligações à rede informática da DGCI, o que isola os serviços das suas bases de informação; todo o expediente da Área da Justiça Tributária tem que atravessar Lisboa para, na Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, ser microfilmado e numerado;

12.* Não se encontra qualquer espaço para atendimento de contribuintes, nem tão pouco funcionários especialmente afectos a esta tarefa, numa área em que as solicitações dos cidadãos são constantes;

13.* O circuito de instrução e decisão de um processo de reclamação graciosa, de um processo de impugnação ou de um recurso hierárquico é inadmissivelmente lento, complicado e burocrático; o número de fases do processo e o de pessoas envolvidas é claramente excessivo e desnecessário. Consequências estas resultantes dos procedimentos impostos pelo Código do Processo Tributário; por outro lado, a instrução dos processos é muito frequentemente deficiente; o Director de Finanças da Área da Justiça Tributaria, contrariamente ao que sucede, apenas deveria ter intervenção final nos processos, por delegação de poderes;

14.* O número e saldo dos processos — sobretudo de reclamações graciosas de IRS — existentes na Direcção Distrital de Finanças de Lisboa — Área de Justiça Tributária — é alarmante. A Reforma Fiscal de 1989 implicou que o número de reclamações disparasse — variação de 7758,4% entre 1989 e Maio de 1994—, sendo mais de metade relativos ao IRS. A entrada em vigor do Código do Processo Tributário provocou um impensável acumular de processos na Direcção Distrital de Finanças de Lisboa;

15.' A informação disponibilizada quanto aos saldos dos processos não apresenta credibilidade, dadas as enormes dissemelhanças apresentadas entre os documentos entregues — divergências sempre superiores a 1500 processos, quando os valores globais em comparação nunca ultrapassam os 14 000 processos;

16.° A morosidade dos processos ultrapassa as expectativas mais pessimistas: contrariando a brevidade e celeridade impostas por Lei para a

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resolução de reclamações graciosas, o estudo de uma amostra relevante de processos vem mostrar que o tempo médio de duração de um processo desta natureza não é inferior a 2 anos, sendo necessários 5 meses para a sua instrução na repartição de finanças, 14 meses para estudo e decisão na Direcção Distrital de Finanças, 2,5 meses para expedição dos documentos necessários à concretização informática da decisão, e vários meses até que seja efectuado o reembolso ou anulada a liquidação. Este longo período de tempo é tanto mais grave quanto a maioria das questões a resolver é de enorme simplicidade: esquecimento da indicação de um abatimento — despesas de saúde ou de educação —, de uma dedução específica — despesas de segurança social —, de um benefício fiscal — PPR, conta poupança-habitaçãç, grau de deficiência—, das retenções na fonte, ou composição do agregado familiar; 17." No que respeifa à concretização da decisão de uma reclamação (ou de uma sentença de um tribunal tributário), os procedimentos existentes, de alguma complexidade, só recentemente passaram a ser genéricos, abrangendo quase todas as situações. Existem milhares de processos já apreciados na Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, em que não se obteve ainda a anulação da liquidação e o reembolso do imposto; os programas informáticos que existem foram sempre feitos demasiado tarde; é possível, dada a insuficiência dos mecanismos de controlo interno, ocorrer a duplicação de reembolsos; a correcção da declaração do contribuinte, por menor que seja o seu erro, exige que o funcionário preencha, na íntegra, toda a declaração;

18.* O número de processos originados por erros imputáveis aos Serviços — como tal reconhecidos pela DGCI —, é aceitável e tem vindo a diminuir: 1371 em 1990 e 995 em 1992. Estes valores dividemse quase exclusivamente entre as declarações modelo 1 e modelo 2 do IRS;

19* Verifica-se um sistemático incumprimento dos prazos constantes do Código do Processo Tributário, quanto à conclusão dos processos graciosos e, mais grave ainda, quanto aos prazos de envio das impugnações judiciais para o Tribunal Tributário que, indevidamente, ficam paradas a aguardar informação.

B) Direcção Distrital de Finanças de Faro (DDFF)

B.1 — Organização da Direcção Distrital de Finanças de Faro

A Direcção Distrital de Finanças de Faro encontra-se estruturada de acordo com o organograma constante do documento anexo, com o n.° 53.

Aí encontramos as Divisões de Tributação, de Prevenção e Inspecção Tributária I, de Prevenção e Inspecção Tributária II, de Justiça Tributária e Repartição de Administração Geral, cada uma subdividida em Serviços ou Equipas.

Observações:

A orgânica da Direcção Distrital de Finanças de Faro está de acordo com o estipulado no n.°2, do artigo 33.°, do DecretoLei n.° 408/93, de 14 de Dezembro.

B.2 — Organização da Divisão de Justiça Tributária

B.2.1 — Organização geral da Divisão

A Divisão de Justiça Tributária encontra-se estruturada, em termos orgânicos e funcionais, conforme o constante do documento n.° 54.

Encontramos três equipas que apresentam as seguintes competências funcionais:

Equipa do serviço de reclamações graciosas, recursos - hierárquicos, contra-ordenações e transgressões; Equipa do serviço de impugnações; Equipa do serviço dos processos de execução fiscal,

embargos, oposição às execuções e reclamação de

créditos;

Acresce uma Equipa que executa todo o trabalho administrativo e processual relativo à Secretaria do Tribunal Tributário de 1." Instância de Faro.

Observações:

A organização da Divisão de Justiça Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Faro parece, em geral,

ser adequada ao exercício das competências previstas no artigo 34.°, do Decreto-Lei n.° 408/93, de 14 de Dezembro: encontramos a Divisão subdividida em processos administrativos graciosos e infracções fiscais, por um lado, e processos contenciosos e processos de execução fiscal, por outro.

Dois aspectos merecem crítica: o facto de a Secretaria do Tribunal Tributário de 1.* Instância de Faro funcionar dentro da Divisão de Justiça Tributária e existirem funcionários da Divisão simultaneamente afectos a esta e à Secretaria do Tribunal. Nos termos das alíneas d) e e) do n.° 1 do artigo 34." do Decreto-Lei n.° 408/93, de 14 de Dezembro, compete à Divisão de Justiça Tributária «prestar apoio técnico e administrativo à representação da Fazenda Pública» e «assegurar a prática dos actos ordenados pelo magistrado judicial competente relativos à tramitação dos processos da competência dos tribunais tributários». Não pode deixar de se considerar que a orgânica e o funcionamento da Divisão de Justiça Tributária, neste aspecto, ultrapassam em muito o constante da Lei, em que o apoio é prestado, não à representação da Fazenda Pública, a quem compete a defesa dos interesses financeiros do Estado, mas ao próprio Tribunal Tributário. A posição de parte que a administração fiscal tem nos processos contenciosos tributários não se compadece com as que lhe são atribuídas na Direcção Distrital de Finanças de Faro, que em muito ultrapassam esta posição processual.

Por outro lado, o organograma da Divisão de Justiça Tributária deveria abranger, nas competências do respectivo chefe, a instrução dos processos de averiguação por prática de crime fiscal.

- B.2.2 — Organização das várias equipas

A Divisão de Justiça Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Faro apresenta uma estrutura que se pode considerar adequada ao volume de trabalho existente.

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De acordo com o constante do documento n.° 55, encontramos três funcionários que se ocupam da instrução e proposta de decisão das reclamações graciosas e recursos hierárquicos, dois que são responsáveis pela instrução dos processos de execução fiscal e impugnações contenciosas, cinco que têm a seu cargo, em função dos concelhos, os processos de transgressão e de contraordenação fiscais, um que se ocupa das transgressões sumárias, um responsável pela entrada e saída de correspondência, numerador, arquivo, ficheiro e duas funcionárias administrativas. O dirigente da Divisão tem a seu cargo a feitura de despachos e alegações nos processos de impugnação judicial, e a instrução dos processos de averiguação de crimes fiscais.

Cada tipo de processos — reclamações, recursos hierárquicos, impugnações, processos crime, processos de contra--ordenação e de transgressão —, está organizado em duas grandes áreas — BRS e IRC, por um lado e outros impostos, por outro —, sendo depois agrupados por concelhos e por anos de imposto.

A busca de qualquer processo, favorecida pelo seu número aceitável, é bastante facilitada A sua instrução é feita por antiguidade, excepto quando existem insistências da parte dos contribuintes, para a obtenção de uma decisão mais célere.

B.23 — Mecanismos de controlo Interno

Ficheiro geral. — Existe um ficheiro manual de todos os processos. Relativamente as reclamações graciosas — que constituem o maior número de processos —, os ficheiros encontram-se informatizados, com base em programa informático criado por um funcionário. Existem cópias de segurança. A procura é identificação de um processo é muito acessível, podendo ser feita pelo nome ou número de identificação fiscal do reclamante. O programa informático, possibilita ainda o conhecimento dos seguintes registos — documento n." 56:

Número do processo; Imposto;

Ano do imposto;

Nome do contribuinte;

Data da reclamação;

Concelho do reclamante;

Número do ofício que acompanhou o processo;

Situação do processo (último movimento);

Conteúdo do despacho de decisão..

Existe um livro de registo dos recursos hierárquicos, que disponibiliza todos os elementos de identificação e movimentação dos mesmos — documento n.° 57.

Numeração e registo de documentos. — Dentro da divisão encontra-se uma funcionária encarregue da realização deste trabalho. A movimentação dos processos de e para o exterior da Direcção Distrital de Finanças é sempre acompanhada de ofícios, com número sequencial da Divisão e arquivados em pastas próprias.

Microfilmagem. — Não existe qualquer aparelho que na Direcção Distrital de Finanças de Faro permita fazer a microfilmagem das declarações e dos documentos

Ligação ao sistema informático da DGCI. — Não existe, na Divisão de Justiça Tributária, qualquer terminal ligado ao sistema Motmático da DGCI, o que implica, face à necessidade recorrente de disponibilidade dos elementos relativos à situação tributaria dos contribuintes em IRS, IRC e IVA, a deslocação de um funcionário a outra parte do edifício, onde existe acesso ao sistema.

Observações:

São aceitáveis os mecanismos de controlo interno existentes na Direcção Distrital de Finanças de Faro. É digna de registo a criação autónoma de um programa informático para o controlo dos processos de reclamação graciosa. Seria desejável, em termos de eficácia do serviço, a existência de um terminal de computador que possibilitasse o acesso ao sistema informático da DGCI.

B.2.4 — Condições de trabalho

Os funcionários da Divisão de Tributação não podem recorrer a qualquer biblioteca para procederem a estudos sobre a interpretação e aplicação da lei, porque não existe.

Na maioria das situações, cada funcionário executa a dactilografia dos seus trabalhos, pois existem apenas dois terminais de computador para processamento de texto, estando contudo um deles a ser mais utilizado para acesso à base de dados das reclamações graciosas.

A inexistência de aparelhos de ar condicionado pode, •especialmente durante o Verão! tornar insuportáveis as condições de trabalho na Direcção Distrital de Finanças de Faro.

Não tem sido feita — desde há alguns anos —, qualquer formação profissional.

O espaço existente parece suficiente para a instalação da Divisão e é repartido com a Secretaria do Tribunal Tributário de 1.* Instância de Faro.

Observações:

As condições de trabalho podem ser bastante melhoradas, designadamente no que respeita à criação de biblioteca e monitoragem de cursos de formação, no sentido de possibilitar uma maior qualidade e eficiência do trabalho produzido.

B.3 — Actividade da Divisão de Justiça Tributária

A actividade da Divisão de Justiça Tributária tem um movimento moderado, conforme veremos a propósito dos saldos dos processos, correspondente a um universo de 60 mil contribuintes titulares de rendimentos do trabalho dependente ou de pensões, 43 mil contribuintes titulares de rendimentos de outras categorias do IRS e 11 mil empresas. '

Foi sublinhada a preocupação do Director Distrital de Finanças quanto ao facto de o quadro de pessoal de \V2 pessoas estar ocupado apenas por 78, problema, aliás, já antigo — documentos n.° 58 e 59.

Segundo dados deste dirigente, o número de processos de impugnação judicial resultantes do indeferimento de reclamações graciosas, não ultrapassa 2%, o que comprova ou que os contribuintes reconhecem que a administração fiscal tem razão ou que não estão na disposição de recorrer a meios contenciosos para a defesa dos seus direitos.

B.4 — Gestão de recursos humanos

O número de funcionários afectos à Divisão de Justiça Tributária é de 11, embora três dos incumbidos à instrução dos processos de contra-ordenação e transgressão fiscais não se encontrem a prestar serviço, pelo facto de um funcionário estar em comissão de serviço e dois deslocados.

São as seguintes as suas categorias:

Perito Tributário de 1.' classe.......................... 2

Técnico Tributário............................................. 3

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Liquidador Tributário........................................ 3

1." Oficial Administrativo................................ 1

3.° Oficial Administrativo................................ 1

Auxiliar Administrativo...................................._1_

Total............................... 11

Observações:

Uma análise comparativa das carreiras aqui descritas com a dos grupos de pessoal, carreiras e categorias constantes do quadro de pessoal da DGCI, aprovado pela Portaria n.° 663/94, de 19 de Julho, revela que aquelas estão desactualizadas face ao disposto normativo.

Não pode deixar de se sublinhar a inexistência, no conjunto dos funcionários afectos à Divisão de Justiça Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Faro, de qualquer funcionário licenciado, designadamente em Direito, que integre a carreira do Pessoal Técnico Superior. Tal permitiria, sem dúvida, dotar a Divisão de uma qualidade de trabalho e dinâmica acrescidas.

É igualmente digna de nota a ausência de cursos de formação profissional, que poderiam, a existir, dar um maior contributo à eficiência do trabalho desenvolvido.

B.5 — Atendimento ao público

A Divisão de Justiça Tributária não dispõe de espaço próprio nem de funcionários específicos para atendimento dos reclamantes que ali se dirigem, o que não se pode considerar grave, atendendo ao limitado número de processos existentes.

O atendimento ao público pode, em certas situações, ser feito pelos funcionários que no rés-do-chão do edifício, em excelentes instalações, estão afectos a este trabalho. O acesso aos terminais informáticos do IR e do IVA possibilita, desde logo, dar as necessárias informações. Refira-se, a título de exemplo e no que concerne às reclamações de liquidações de IVA, que até 1992 — em finais de cujo ano o número de funcionários foi reduzido de 5 para 2—, tinham sido resolvidas 1968 reclamações e estavam pendentes 915. A redução no número de funcionários do Serviço de Apoio ao Contribuinte, ocorrida em Outubro de 1992, provocou que as credenciais emitidas para os contribuintes virem a Lisboa resolver problemas no âmbito deste imposto, passasse de 42 neste ano, para 648 em 1993, sendo já de 386 até Julho de 1994 — documento n.°60.

B.6 — Circuito dos processos

Neste âmbito, o que se verifica na Divisão de Justiça Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Faro não difere, no essencial e com as devidas adaptações, do constatado na Área da Justiça Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, para onde remetemos — páginas 31 a 36.

o

Observações:

De sublinhar que — aliás, à semelhança da maioria das repartições de finanças do distrito de Lisboa, com excepção dos bairros fiscais da cidade —, as repartições de finanças do distrito de Faro não dispõem de terminais informáticos ligados à rede de informação da DGCI. Tal facto determina que, quando se quer saber qual a situação tributária de um contribuinte, para responder a qualquer solicitação sua ou

no âmbito da instrução de um processo, seja necessário solicitar estes elementos à Direcção Distrital de Finanças de Faro. Vejam-se, a este propósito, os documentos com os n.m 6i a 53,

Haverá, certamente, ponderáveis razões de natureza orçamental da DGCI que a impedem dotar todos os seus serviços locais destes indispensáveis instrumentos de trabalho para a tributação, a fiscalização e a justiça tributárias. Contudo, também são evidentes a ineficiência acrescida dos serviços —: quer de quem presta, quer para quem solicita a informação — e os custos suportados, também pelos cidadãos, com um funcionamento nestes termos.

A informação constante das bases de dados da DGCI, que devia ser de acesso generalizado aos serviços, enquanto base mínima de trabalho é, neste quadro, um bem raro.

B.7 — Saldo dos processos

O moderado número de processos pendentes na Direcção Distrital de Finanças de Faro justifica que se siga, neste ponto, uma metodologia por vezes diferente da utilizada na inspecção feita à Direcção Distrital de Finanças de Lisboa.

No quadro junto no fim deste capítulo, elaborado com base nos mapas 15 G-l —documentos n.°64 a 69 —, ficamos com uma ideia geral do estado da justiça fiscal no Distrito de Faro. Especificamente quanto aos processos existentes na Divisão de Justiça Tributária, encontramos os seguintes valores:

Saldo dos processos de Impugnação judicial

Ano de 1989:

Pendentes no final do ano — 0.

Ano de 1990:

Pendentes no final do ano — 0.

Ano de 1991:

Pendentes no final do ano — 2.

Ano de 1992:

' Pendentes no final do ano — 3.

Ano de 1993:

Pendentes no final do ano— 15.

Ano de 1994:

Pendentes em 31-06-94— 14.

Observações:

Estes números parecem perfeitamente razoáveis. Merece registo que a diminuição dos saldos dos processos de impugnação judicial nas repartições de finanças — 269 em Dezembro de 1990 e 80 em Junho de 1994 —, não despoletou o correlativo acréscimo na Divisão de Justiça Tributária nem, tão-pouco, no Tribunal Tributário de 1.* Instância — 502 em 1990 e 273 em Junho de 1994. No conjunto do Distrito existiam, nesta data, 367 impugnações pendentes, o que representa, face a 1989, uma redução de quase 50%.

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Saldo dos processos de averiguação de eventuais crimes fiscais

Desde 1990 e até ao fim de Julho de 1994 foram instaurados 25 processos de averiguação de crimes fiscais (4 por fraude fiscal, 16 por abuso de confiança fiscal e 5 por frustração de créditos). Daquele número, 15 foram enviados para o Ministério Público, 2 deles com propostas de arquivamento, pelo que o número de processos pendentes é de 10 — documento n.° 70.

Não pode deixar de se sublinhar que este saldo é o que decorre do documento n.° 70, pois uma apreciação do documento n.°69 revela que, em Junho de 1994 existiam 0 processos nas Repartições, 3 na DDFF e 2 no Tribunal Tributário.

Estando correcto o documento indicado em primeiro lugar, conclui-se que, na DDFF, os mapas 15-G1 são incorrectamente preenchidos no que se refere aos saldos dos processos de averiguações, o que não parece admissível.

Saldo dos processos de transgressão fiscal Ano de 1989:

Pendentes no final do ano — 0.

Ano de 1990:

Pendentes no final do ano — 0.

Ano de 1991:

Pendentes no final do ano — 0.

Ano de 1992:

Pendentes no final do ano — 0.

Ano de 1993:

Pendentes no final do ano — 2.

Ano de 1994:

Pendentes em 31 -06-94 — 0.

Observações:

No conjunto do Distrito, o saldo dos processos de transgressão fiscal foi drasticamente reduzido de 1989 até Junho de 1994. Se na primeira data encontrávamos pendentes nas repartições de finanças 5836 processos e no tribunal tributário 8309 processos, na última data, estes valores não ultrapassam, respectivamente, 326 e 847, o que representa uma redução de mais de 90%.

Saldo dos processos de contra-ordenação fiscal Ano de 1989:

Pendentes no final do ano — 0.

Ano de 1990:

Pendentes no final do ano — 6. .

Ano de 1991:

Pendentes no final do ano — 3.

Ano de 1992:

Pendentes no final do ano — 7.

Ano de 1993:

Pendentes no final do ano — 25.

Ano de 1994:

Pendentes em 31-06-94 — 34.

Observações:

Estes saldos parecem ser de todo aceitáveis, embora existam nas repartições de finanças 494 processos de contra-ordenação pendentes.

Saldo dos processos de reclamação graciosa

Ano de 1989:

Pendentes no final do ano — 143.

Ano de 1990:

Pendentes no final do ano — 232.

Ano de 1991:

Pendentes no final do ano — 402:

Ano de 1992:

Pendentes no final do ano — 898.

Ano de 1993:

Pendentes no final do ano— 1083.

Ano de 1994:

Pendentes em 31-06-94—1078.

Observações:

Estes números devem ser objecto de reflexão e de preocupação. O saldo das reclamações graciosas — na sua quase totalidade, de liquidações de IRS —, aumentou cerca' de 753 % entre Dezembro de 1989 e Maio de 1994 sendo que, só entre Dezembro dé 1991 e o homólogo mês dé 1992, aumentou cerca de 233 %. Mais uma vez se confirma que a entrada em vigor da Reforma Fiscal, em 1989, determinou um aumento dos saldos de reclamações graciosas e que a entrada em vigor do Código do Processo Tributário, em 1991, provocou uma acumulação de processos nas direcções distritais de finanças, provenientes das repartições de finanças, onde os saldos tem vindo a diminuir, no caso do distrito de Faro, de 776 em 1989, para 361, em Junho de 1994 — redução de 53%.

Especificação das reclamações graciosas por impostos

A verificação deste tipo de processos existentes na Divisão de Justiça Tributária, permitiu constatar que os se-

guintes valores:

IRS.................................................................. 1011

IRC................................................................. 46

Imposto Municipal de Sisa........................... 26

IVA................................................................. 5

Contribuição Predial...................................... 2

Imposto Sucessório........................................ 1

Imposto Compensação................................... 1

Imposto Profissional...................................... 1

Imposto de Selo............................................. 1

Imposto de Capitais......................................._1_

Total........................... 1105

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A divergência de 27 processos entre este total — contado fisicamente — e o retirado do mapa 15-G1 referente a Junho de 1994 — 1078 —, (documento n.°69), pode ser justificada pelo movimento de processos ocorrido entre 30 de Junho e 30 de Julho de 1994, respectivamente, datas da feitura do mapa e da realização da inspecção.

Foram individualmente apreciados — conforme adiante se referirá — os 1011 processos de reclamação graciosa da

liquidação de IRS e os 46 processos relativos às reclamações das liquidações de IRC.

Recursos hierárquicos

Existem pendentes 12 recursos hierárquicos. 10 são relativos a liquidações de IRS, 1 a Imposto de Mais-Valias e outro ao Imposto Municipal de Sisa — documento n.° 57.

Cada funcionário da Divisão tem a seu cargo uma média de 100 processos de reclamação graciosa.

Saldo de processos no distrito de Faro

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

B.8 — Demoras processuais

Processos de reclamação graciosa das liquidações de IRS e IRC

Os motivos expostos no ponto 2.8 do presente Relatório justificaram que, nesta parte, fosse feita uma análise cuidada de todos os processos de reclamação graciosa que já foram objecto de despacho do Director Distrital de Finanças de Faro e que aguardam o moroso processo burocrático da digitação das alterações às declarações de rendimentos, da realização de novas liquidações e, se for o caso, da emissão dos reembolsos devidos.

Em função dos mesmos parâmetros anteriormente utilizados, foram apreciadas, uma a uma, as 409 reclamações das liquidações de IRS e as 4 de IRC, que se encontram nesta situação — documentos com os n.08 71 a 78, quadro no fim do capítulo.

De igual modo, foi analisado o período de tempo que os processos demoram, tendo-se obtido os seguintes valores médios:

Nas repartições de finanças, a instrução de um processo de reclamação graciosa, desde a sua apresentação, até ao envio para a Direcção Distrital de Finanças, demora cerca de 5 meses.

Na Direcção Distrital de Finanças de Faro, desde o recebimento do processo, até à data em que é proferido despacho de decisão, passam cerca de 7 meses.

Na Direcção Distrital de Finanças de Faro, entre a data da decisão e a do envio para o Centro de Tratamento de Documentos dos elementos imprescindíveis, à concretização da decisão, decorrem aproximadamente 6,5 meses. ,

No Centro de Tratamento de Documentos, Serviço de Informática Tributária, Serviço de Administração do Imposto sobre o Rendimento e Direcção-Geral do Tesouro, desconhecemos —tal como a Divisão de Justiça Tributária—, qual o período médio de tempo necessário à execução dos procedimentos exigidos para a modificação da liquidação ou emissão do cheque do reembolso. Razão pela qual se encontram indevidamente entre pendentes muitos processos que, sem dúvida, já terão chegado ao fim, com a alteração da liquidação ou a emissão do cheque do reembolso.

Observações:

Os valores apontados permitem concluir que a duração média de um processo de reclamação graciosa, na Direcção Distrital de Finanças de Faro, é de cerca de 18,5 meses — sem contar com o período de tempo necessário concretização da decisão —, o que não pode deixar de se considerar manifestamente excessivo e violador dos princípios que devem orientar o processo administrativo tributário: simplicidade e celeridade processuais. Com a agravante de a maioria dos processos de IRS versarem sobre questões extremamente simples: a alteração da liquidação decorrente do esquecimento da indicação de um abatimento ou dedução, do número de dependentes, de um benefício fiscal ou outros elementos, no preenchimento da declaração de rendimentos.

Algumas referências específicas não podem deixar de ser feitas:

A 2." Repartição de Finanças de Loulé apresenta uma média de instrução dos processos de 11,5 meses, o valor mais elevado e mais preocupante;

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Os menores valores médios —1,5 meses—, que se podem considerar razoáveis, são os apresentados pelos processos das repartições de Faro e Lagos;

O tempo necessário à instrução do processo de reclamação graciosa tem vindo, progressivamente, a melhorar. Os valores médios encontrados são claramente penalizados com o tempo gasto na apreciação de reclamações graciosas dos anos de 1990 e 1991, tendo-se obtido uma melhoria assinalável no que respeita à instrução dos processos relativos às reclamações de 1992 e 1993;

O período de tempo que o processo está na Direcção Distrital de Finanças, para instrução e decisão, é muitíssimo elevado.

Mais inexplicável ainda é o período médio de tempo que decorre entre as datas da apreciação e despacho do processo e a simples emissão dos documentos que possibilitem, informáticamente, a execução da decisão. Não se compreende nem se justifica que um procedimento que podia e devia ser feito no próprio dia da decisão do processo, demore uma média de 6,5 meses;

As situações de alguns processos são especialmente dignas de referência:

Processo n.° 040104.8/90, da 1." RF de Loulé:

RF — 31,5 meses; DDFF — 1 mês, até à decisão; DDFF — 8,5 meses, até ser enviado para o CTD-IR.

Processo n.° 04004432/90, da RF de Albufeira: RF — 13 meses;

DDFF — 20 meses, até à decisão; DDFF.

' Processo' n.° 0400564/90, da 2* RF de Loulé:

RF — 19,5 meses; DDFF — 12,5 meses, até à decisão; DDFF — 6 dias, até ao envio para o CTD-IR.

Processo n.° 1074910400408/91, da RF de Lagos:

RF — 26 dias;

DDFF — 15 dias, até à decisão; DDFF — 27 meses, para envio ao CTD--ER.

Processo n." 1066924000246/92, da RF de Lagoa:

RF — 24 dias;

DDFF — 12 meses, até à decisão; DDFF — 7 meses, até ao envio para o CTD-IR.

Processo n.° 0400033/91, da RF de Lagos: RF — 12 dias;

DDFF — 14 meses, até à decisão; DDFF — 14 meses, até ao envio para o CTD-IR.

Processo n.° 0400564/90, da 2.' RF de Loulé:

RF — 19,5 meses; DDFF — 12 meses, até à decisão; DDFF — 6 dias, até ao envio ao CTD-IR.

Processo n.° 0400157/92, da 1.* RF de Loulé: RF — 3 meses;

DDFF — 12 dias, até à decisão; DDFF — 20,5 meses, até ao envio para o CTD-IR.

As demoras de alguns processos não podem ser imputadas aos responsáveis pela Divisão de Justiça Tributária, mas sim ao SAIR — DSIRS e DSCOB. Na verdade, existem processos que, devido à modificação frequente dos-procedimentos necessários à concretização informática das decisões, fizeram, desnecessariamente, o percurso Faro-Lisboa-Faro, sem que tenha ocorrido qualquer avanço na respectiva instrução. É, designadamente, a situação dos seguintes:

Processo n.° 4000252/93, da RF de Faro:

16.09.93 — Envio para o SAIR, da ficha de controlo-reembolso manual;

07.03.94 — Devolução do processo à DDFF, para efeitos do disposto no n.°2 do ofício n.° 12/93, de 3 de Novembro;

29.03.94 — Preenchimento da DO (Declaração Oficiosa);

Processo n.° 40002.4/90, da 1." RF de Loulé:

10.12.90 — Envio para o SAIR;

11.11.91 — Devolvido à DDFF.

Registe-se, ainda, o extremo cuidado com que são

fundamentados os despachos do Director Distrital de

Finanças, quando está em causa o indeferimento da pretensão dos contribuintes.

Processos de impugnação judicial

Merece especial relevo a preocupação evidente em respeitar os prazos fixados no artigo 130.°, n.os 2 e 4, do Código de Processo Tributário, no que se refere ao envio dos processos de impugnação judicial para o Tribunal Tributário de 1." Instância de Faro.

Existe, para este efeito, um livro onde se registam o concelho do impugnante, o número do processo, a data do ofício da repartição de finanças e a data do despacho do Director Distrital de Finanças, bem como o sentido desse despacho — documento n.° 79.

Das 49 impugnações judiciais enviadas pelas repartições de finanças para a Direcção Distrital de Finanças, entre 29.06.93 e 22.07.94, 45 tinham sido já objecto de instrução, sendo que 34 foram enviadas para o Tribunal Tributário com parecer no sentido do indeferimento, 8 instruídas sem despacho e 3 foram desde logo arquivadas (2 deferidas e 1 por desistência).

Destas 49 impugnações, apenas uma foi enviada para o Tribunal depois de decorrido o prazo de 95 dias fixado nos n.05 2 e 4, do artigo 130.°, do Código do Processo Tributário.

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Processos a aguardar a concretização da decisão

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B.9 — Apreciação de alguns processos pendentes

Processos que aguardam concretização da decisão Do conjunto dos 413 processos de IRS e de IRC apreciados e que se encontram nesta situação — cf. quadro no fim do capítulo anterior —, constatámos, em alguns, a violação de procedimentos essenciais à instrução e controlo da regularidade processual. Assim:

Há alguns processos que, devolvidos pelo SAIR à DDFF, não apresentam, depois deste acto, qualquer outra evolução, ou seja, não foi dado cumprimento às instruções definidas pelos Serviços Centrais no que respeita cumprimento dos procedimentos necessários à concretização da decisão. Exemplos:

Processo n.° 0400220/90, da RF de Lagos; Processo n.° 0400440/89, da RE de Lagos;

Há um número considerável de processos que, despachados pelo Director Distrital de Finanças, não estão acompanhados de cópia dos documentos necessários à concretização da decisão — DO (declaração de substituição), DSO (declaração de substituição oficiosa) ou ficha de controlo, não se sabendo se este procedimento chegou a ser feito e quando. Exemplos:

Processo n.° 0400025/91, da RF de Lagos; Processo n.° 0400033/91, da RF de Lagos; Processo n.° 04000688/91 da RF de Lagos; Processo n.° 0400130/91, da RF de Lagos; Processo n.° 0400190/92, da 1* RF de Lqulé; Processo n.° 0400351/92, da 1.' RF de Loulé; Processo n.° 0400092/93, da 1." RF de Loulé; Processo n.° 0400483/93, da 1." RF de Loulé; Processo n° 0400548/93, da 1.* RF de Loulé; Processo n.° 74/91, da RF de Faro; Processo n.° 16/92, da RF de Faro; Processo n." 69/92, da RF de Faro.

Processos de reclamação graciosa das liquidações de IRS e IRC, que aguardam apreciação e decisão

Procedemos, com base tios documentos com os n.os 80 a 85, à análise de todos os 602 processos de reclamação de IRS e 42 de IRC que se encontram na Divisão de Justiça Tributária a aguardar informaçãp, parecer e des-

pacho — quadro no fim do capítulo. Alguns factos observados- não podem deixar de ser evidenciados:

É de destacar o trabalho elaborado pelas Repartições de Finanças de Albufeira, Portimão, Vila Real de Santo António, Lagos, 1 .* de Loulé e Tavira, que procedem à instrução da quase totalidade dos processos de reclamação graciosa dentro do prazo de 90 dias após o qual se presume o seu indeferimento tácito;

Pelo contrário, as Repartições de Finanças de Lagoa, Silves, Olhão, Faro, 2.* de Loulé e São Brás de Alportel deixam, em larga escala, decorrer este prazo até enviar os processos para a Direcção Distrital de Finanças de Faro;

Regista-se uma melhoria acentuada, nestas últimas repartições de finanças e quanto ao cumprimento deste prazo, nos processos ultimamente enviados para a DDFF;

Cerca de 80 % destas reclamações têm parecer no sentido do deferimento das pretensões deduzidas pelos contribuintes;

Aproximadamente 15 % das reclamações apresentam proposta de indeferimento do pedido, a maioria das quais por extemporaneidade na apresentação da reclamação;

Repartindo-se os restantes 5 % entre reclamações em que ocorreu desistência do pedido ou que foram consideradas arquivadas por inutilidade superveniente da lide;

Os processos das Repartições de Finanças de Monchique e de Vila Real de Santo António apresentam informações muito completas e bem elaboradas;

É particularmente deficiente a instrução dos processos feita pelas Repartições de Finanças de Silves, Tavira, Portimão e Faro: para além da maioria das informações serem incompletas, sobretudo no que respeita à süa fundamentação, os processos são remetidos à DDFF sem qualquer parecer dos respectivos Chefes de repartição; é raríssimo encontrar um processo em que os dirigentes discordem ou mandem completar informações manifestamente deficientes.

Exemplos:

Processo n.° 040031.9/94, da 1." RF de Loulé, em que a extemporaneidade da reclamação é calculada a partir da data da liquidação do imposto — documento n.° 86;

Processo n.° 1058/93/400208, da RF de Faro, em que se propõe o «arquivamento» do processo, sem que esteja assegurada a correcção oficiosa do erro de digitação — documento n.° 87;

Processo n.° 1058/93/400214, da RF de Faro, idem, para além. de não se provar a extemporaneidade do pedido — documento n.°88;

Processo n.° 1058/93/4000/358, da RF de Faro, em que não há qualquer parecer do chefe da Repartição de Finanças, e a informação não esclarece se houve ou não extemporaneidade na apresentação do pedido — documento n.° 89;

Processo n.° 1058/93/4001273, da RF de Faro, em que não há qualquer parecer do chefe da Repartição de Finanças — documento n.° 90;

Processo n.° 1100/93/4000447, da RF de Olhão, em que se propõe o indeferimento de uma reclamação, pelo facto de a variação do prejuízo fiscal não modificar a situação do contribuinte, esquecendo que este pode ser objecto de reporte nos anos seguintes — documento n.°9í;

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Processos a aguardar a concretização da decisão

"VER DIÁRIO ORIGINAL"

B.10 —Problemas específicos do IRS

Remetemos para o referido no ponto a páginas 61 a 64 do presente Relatório, uma vez que estamos face a problemas que afectam a processo administrativo tributário à escala nacional. Com a agravante, no caso de Faro, de ser mais dispendioso e demorado o envio dos processos e ofícios a Lisboa, ao SAIR.

B.11 — Processos com erros Imputáveis aos Serviços

A DDFF não dispõe de elementos que permitam apurar este número, nem saber das suas causas mais frequentes. A omissão destes elementos deve ser considerada grave, atendendo à melhoria da eficiência da gestão que o seu conhecimento poderia proporcionar.

B.12 — Cumprimento dos prazos de Código de Processo Tributário

Conforme se referiu no ponto 3.8, existe na Direcção Distrital de Finanças de Faro um grande cuidado em dar cumprimento ao estipulado nos n.os 2, 4 e 7, do artigo 130.°, do Código de Processo Tributário, no que se refere ao prazo de envio das impugnações judiciais para o Tribunal de 1.' Instância de Faro.

Das 49 impugnações judiciais recebidas das repartições de finanças entre 29.09.93 e 22.07.94, apenas uma foi remetida para tribunal depois de decorrido o prazo legal de 95 dias — processo n.° 6.3/93, da Repartição de Finanças de Albufeira, recebido em 13.10.93 e enviado em 16.02.94 — documento n.°79.

O mesmo já não se pode dizer quanto ao cumprimento do ptaio de apreciação das reclamações graciosas, que devem ser decididas, em regra ou maioritariamente, dentro do prazo de 90 dias a contar da sua apresentação, após o que, nos termos do artigo 125.° do Código de Processo Tributário, se consideram tacitamente indeferidas.

Embora seja de sublinhar que o tempo de apreciação das reclamações graciosas tem vindo a apresentar melhorias assinaláveis nó sentido da sua progressiva redução, em todas as repartições de finanças do Distrito, a verdade é que:

Dos 413 processos de IRS e IRC que se encontram a aguardar a concretização da decisão, nem um só foi terminado dentro do referido prazo de 90 dias;

Dos 644 processos que aguardam apreciação e decisão do Director Distrital de Finanças, apenas os respeitantes às Repartições de Finanças de Tavira, Vila Real de Santo António, Albufeira, Lagos, Portimão e 1* de Loulé foram, na sua quase totalidade, enviados para a DDFF a tempo de serem decididos dentro deste prazo;

Neste último conjunto, apenas 123 processos, à data da inspecção, se encontravam para análise dentro do prazo de 90 dias. Contudo, atendendo ao moroso processo burocrático de concretização informática da decisão que vier a ser tomada, muito dificilmente algum destes processos chegará ao seu fim neste prazo;

Pode-se assim concluir que, dos 1105 processos de reclamação graciosa — sobretudo de IRS — pendentes na Divisão de Justiça Tributária, 982 não respeitaram o prazo de apreciação previsto no artigo 125.° do Código de Processo Tributário e, muito provavelmente, o mesmo virá a acontecer com os restantes 123 processos.

Observações:

Na Direcção Distrital de Finanças de Faro existe um respeito quase integral pelo prazo de envio das impugnações judiciais para o Tribunal Tributário de 1.' Instância. Contudo, as reclamações graciosas — embora venham a existir, nos últimos meses, acentuadas melhorias— são, na sua esmagadora maioria — quase 90% —, decididas

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muito depois dos 90 dias em que desejavelmente deverão chegar ao seu termo.

B. 13 — Conclusões

A inspecção realizada pela Provedoria de Justiça à Divisão de Justiça Tributária da Direcção Distrital de Finanças de Faro, permite tirar as seguintes conclusões:

l.*A organização da DDFF está, em geral, de acordo com o estipulado no n.° 2, do artigo 33.°, do Decreto-Lei n.° 408/93, de 14 de Dezembro;

2.* O organograma da Divisão de Justiça Tributária é adequado ao exercício das competências funcionais previstas no artigo 34.°, do mesmo diploma, embora não preveja a competência para a instrução dos processos de averiguação por indícios de prática de crime fiscal;

3.* Não é admissível que a Secretaria do Tribunal Tributário de 1.* Instância de Faro funcione dentro da Divisão de Justiça Tributária e o seu funcionamento seja assegurado por funcionários afectos a esta. A administração fiscal, parte nos processos judiciais tributários, não pode ter uma posição que ultrapasse esse estatuto processual. Compete-lhe, nos termos da Lei, dar apoio à representação da Fazenda Pública e não, como sucede no presente caso, ao Tribunal Tributário;

4.* A organização e o funcionamento das várias equipas da Divisão parecem adequados ao normal e correcto desempenho do trabalho;

5.* Os mecanismos de controlo interno, em especial no que se refere às reclamações graciosas, parece suficiente;

6.* É importante, em termos de eficiência do trabalho, que a Divisão venha a dispor de terminal informático próprio para acesso ao sistema de informação da DGCI;

7.' No que respeita às condições de trabalho, a inexistência de aparelhos de ar condicionado — cuja instalação já foi prometida pelo Senhor Ministro das Finanças — pode, no Verão, tornar insuportáveis as condições de trabalho;

8." Em matéria de recursos humanos, para além de não ter havido uma adequação do quadro do pessoal afecto à Divisão, ao disposto na Portaria n.° 663/94, de 19 de Julho, é especialmente muito criticável que a Divisão de Justiça Tributária, responsável pela resolução de todos os conflitos de natureza fiscal com os contribuintes, não disponha de um único funcionário licenciado, designadamente em Direito;

9* São aceitáveis as condições em que, na Divisão, se processa o atendimento de contribuintes;

10.* No que respeita ao atendimento aos contribuintes no âmbito do Serviço de Apoio da DDFF, torna-se necessário, considerando a importância que o mesmo vinha adquirindo desde 1989 e até finais de 1992, vir a dotá-lo novamente dos recursos humanos que lhe foram redrados;

11.' O circuito dos processos revela a morosidade burocrática trazida pelas inovações constantes do Código do Processo Tributário, no que se refere à desnecessária duplicação de informações e pareceres;

12.* Os saldos dos processos de impugnação judicial, de averiguação de crimes fiscais, de transgressão e de contra-ordenação fiscais, e de recursos hierárquicos, são excelentes. Registe--se, em especial, a redução, entre 1989 e 1994, do saldo dos processos de impugnação — em cerca de 50 % —, e dos processos de transgressão — em aproximadamente 95 %.

13.* O mesmo optimismo já não pode ser evidenciado no que respeita à instrução e decisão dos processos de reclamação graciosa;

14*Entre 1989 e Maio de 1994 o seu saldo na DDFF passou de 143 para 1078, o que representa um aumento de 753 %. Só entre 1991 e 1992 a variação foi de 233 %. A Reforma Fiscal da tributação do rendimento e o Código do Processo Tributário aparecem, uma vez mais, como factores condicionantes deste aumento alarmante;

15.' Os mapas 15-G1 não são correctamente preenchidos no que respeita aos processos de averiguação por indícios da prática de crime fiscal;

16.' Cerca de 95 % das reclamações graciosas pendentes referem-se ao IRS. Mais uma vez se conclui que, se em cerca de 80 % delas é dada razão ao cidadão, existem sérios problemas na administração deste imposto ou nas opções feitas no respectivo Código;

17.' A instrução e decisão dos processos de reclamação graciosa é inadmissivelmente demorada. Nas repartições de finanças o primeiro procedimento demora cerca 5 meses, na Direcção Distrital de Finanças, até ser decidido, o processo aguarda aproximadamente 7 meses. A estes há que juntar cerca de 6,5 meses, tempo que decorre até ao envio para o CTD-IR dos documentos indispensáveis à concretização informática da decisão. Desconhece-se — tal como os Serviços — qual o.tempo médio necessário ao efectivo processamento do reembolso.

Em suma, o processo administrativo tributário não demora, em média, na Direcção Distrital de Finanças de Faro, menos de 18,5 meses, o que é manifestamente excessivo, embora se registe, nos últimos meses, uma tendência generalizada para a sua melhoria;

18.* Na apreciação dos 413 processos de IRS e de IRC que aguardam concretização da decisão, foram encontradas algumas situações que expressam uma violação dos necessários procedimentos de controlo, designadamente no que respeita à ausência de qualquer documento — DO, DSO ou ficha de controlo — que permita afirmar ter sido dada sequência à decisão dele constante;

19." A análise dos 644 processos de reclamação graciosa de IRS e de IRC que se encontram na Divisão de Justiça Tributária, a aguardar decisão, são patentes as grandes deficiências da

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instrução. A maioria dos processos, para além de serem enviados para a DDFF depois de ultrapassados os 90 dias do prazo de indeferimento tácito — o que, como se referiu, acontece cada vez com menor frequência—, apresentam como erros mais patentes a falta de informação que possibilite uma correcta decisão e, em muitos casos, a falta de parecer do chefe da repartição de finanças.

20.° No que respeita à concretização informática das decisões das reclamações graciosas, a situação na DDFF em nada difere da constatada na DDFL, para cuja descrição e apreciação remetemos (ponto 2.10 e conclusão Í7.°).

21." É de registar a preocupação de respeitar quase integralmente o cumprimento do prazo para o envio das impugnações judiciais para o Tribunal Tributário de 1." Instância de Faro.

22." Já o mesmo se não verifica quanto ao prazo de apreciação e decisão das reclamações graciosas: dos 413 processos que aguardam concretização da decisão, nem um único foi terminado dentro do prazo de 90 dias; dos 644 processos que aguardam decisão na Divisão de Justiça Tributária, apenas 123 estavam, à data da inspecção, dentro do referido prazo, que dificilmente virá a ser cumprido, atendendo o moroso processo de concretização da decisão;

23." É possível dar cumprimento ao disposto nos n.os 5, 6 e 7 do Código do Processo Tributário, pelo facto de as reclamações referirem se foi ou não deduzida impugnação judicial.

C) Análise global da administração da justiça tributária

Sem esquecer nunca que o presente Relatório tem por base as inspecções realizadas às Divisões de Justiça Tributária das Direcções Distritais de Finanças de Lisboa e de Faro, podemos fazer uma análise global da forma como é exercida pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos esta sua atribuição, atendendo não só ao peso único que a DDFL representa no conjunto do País, mas também à existência de problemas que sem serem específicos das unidades inspeccionadas, não podem deixar de se manifestar em todas as outras:

A justiça fiscal é muitíssimo lenta: um simples processo de reclamação graciosa demora em Lisboa cerca de dois anos a ser decidido e, em Faro, aproximadamente 18,5 meses. Sem contar com o tempo necessário à anulação da liquidação ou processamento do reembolso; em regra, um processo desta natureza não devia demorar mais de 90 dias;

A justiça fiscal é muitíssimo burocrática: é demasiado o número de fases por que um processo tem que passar e o número de funcionários que nele têm intervenção;

A Reforma Fiscal de 1989 determinou um acréscimo muito considerável do número de reclamações graciosas apresentadas pelos cidadãos; em Lisboa, no ano de 1990 o número de reclamações graciosas duplicou;

O Código do Processo Tributário, ao retirar às repartições de finanças a competência para a decisão

dos processos de reclamação graciosa, implicou a sua acumulação, em números alarmantes, nas direcções distritais de finanças. Por exemplo, entre Dezembro de 1989 e Maio de 1994, o aumento do saldo dos processos foi, em Lisboa, de cerca de 1000 % ou de 7758 % — consoante os dados correctos — e em Faro de cerca de 753 %;

A informação disponibilizada demonstra que os mapas da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos relativos aos saldos dos processos, não oferecem credibilidade;

A informação entregue é excessivamente «pesada» e muito incompleta; ao não fornecer claramente uma visão do panorama da justiça fiscal — por exemplo, é impossível saber quantas reclamações há, a nível nacional, por imposto, por ano, por montante, por unidade orgânica, ou quais os motivos principais que as justificam — desperdiçam--se, assim, importantíssimos instrumentos de gestão eficiente;

Mais de 80 % das reclamações graciosas apresentadas pelos cidadãos obtém deferimento, e as que são indeferidas devem-no à extemporaneidade da sua apresentação;

Cerca de 90 % das reclamações graciosas apresentadas pelos contribuintes respeitam às liquidações de IRS;

A maioria destas reclamações tem por objecto questões de enorme simplicidade decorrentes do incorrecto preenchimento das declarações de rendimentos, que podiam e deviam ser imediatamente resolvidas;

É inadmissivelmente elevado o número de reclamações já apreciadas e decididas e que aguardam a concretização informática da decisão — muitos milhares

É manifestamente insuficiente o número de funcionários licenciados existentes na área. da justiça tributária;

Não existem acções de formação profissional dos funcionários;

A qualidade da instrução dos processos é, em regra, de grande deficiência;

Os funcionários, na esmagadora maioria das repartições de finanças do País, não têm acesso à rede informática da DGCI, o que implica a deslocação dos processos e dos cidadãos às capitais de distrito, quando está em causa um problema de IRS, de IRC ou de IVA, por mais simples que seja;

Os prazos fixados no Código de Processo Tributário para conclusão dos processos graciosos e envio a tribunal dos processos de impugnação, na sua esmagadora maioria, não são cumpridos.

D\ Proposta para elaboração de recomendação

Face ao teor do presente Relatório, propomos a elaboração de duas Recomendações, nos termos constantes do artigo 21.°, n.° 1, alínea a), da Lei n.°9/91, de 9 de Abril, dirigidas, respectivamente, a Sua Excelência o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais e ao Exmo. Senhor Director-Geral das Contribuições e Impostos.

A primeira Recomendação, terá por objecto: a revisão do Código do Processo Tributário, no sentido de devolver

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aos chefes das repartições de finanças a competência para a decisão das reclamações graciosas, regressando-se a uma situação vigente até Julho de 1991 e que provou ser claramente preferível.

Poderão ser estudadas diferentes formas de atingir este objectivo: através de delegação de competências do director distrital de finanças ou por meio da atribuição de competências próprias ao chefe da repartição de finanças. Nesta última hipótese, poderiam ser atribuídos poderes para a decisão de reclamações até determinado montante ou, por exemplo, para a decisão de todas as reclamações apresentadas por contribuintes que aufiram rendimentos por conta de outrem (apresentando, por isso, a declaração modelo 1), o que, a verificar-se, abrangeria cerca de 70 % dos contribuintes de IRS.

A segunda Recomendação, versará sobre os seguintes aspectos:

Adequação dos organograma das Direcções Distritais de Finanças de Lisboa e de Faro ao estipulado no Decreto-Lei n.° 408/97, de 14 de Dezembro;

Publicação imediata, em Diário da República, do despacho do Director Distrital de Finanças de Lisboa que delegue competências nos dirigentes da Área da Justiça Tributária e que ratifique os actos inválidos que vêem sendo praticados desde 01 de Março de 1994;

Afectação de funcionários licenciados às divisões de justiça tributária;

Monitoragem de acções de formação profissional;

Criação, na Área da Justiça Tributária da DDFL, dos mais elementares mecanismos de controlo interno, que agora são inexistentes;

Execução de um programa informático, a disponibilizar a todas as repartições de finanças, direcções distritais de finanças e Serviços Centrais, que possibilite ter um ficheiro de todos os processos, com os indispensáveis dados à sua gestão;

Execução de um programa informático que possibilite a fiabilidade das informações sobre os saldos dos processos e que forneça informações relevantes e imprescindíveis à administração tributária: por tipo de processo, imposto, montante do imposto, ano, unidade orgânica;

Execução de um programa extraordinário de recuperação dos alarmantes saldos das reclamações graciosas que aguardam decisão ou a sua concretização informática;

Estudo dos motivos que mais levam os contribuintes a reclamar e criação de formas expedidas de evitar esses erros e de os resolver; por exemplo, sensibilizando os funcionários para a importância da recolha das declarações de rendimentos e considerando a hipótese de certas reclamações de IRS poderem ser apresentadas através de declarações de substituição, imediatamente digitadas, após a confirmação da situação tributária do contribuinte e o pagamento da coima devida por entrega de declaração fora do prazo;

Criação de mecanismos de controlo do cumprimento dos prazos estabelecidos no Código do Processo Tributário, em especial no que se refere ao ertvio das impugnações judiciais para os tribunais tributários;

Dotação das repartições de finanças de todo o País, paulatinamente e dentro das limitações orçamentais

que certamente existem, de terminais informáticos de acesso à rede da DGCI.

A Assessora, Elsà Dias. — O Coordenador, João Manuel Gonçalves.

3.2 — Apreciação do Projecto de Regulamento Policiai do Distrito de Lisboa

Nota. — Este Projecto foi publicado in Diário da República. 2." série, de 6 de Junho de 1994, pp. 3083 e ss., nos termos do artigo 118.°, do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 442/91,' de 15 de Novembro.

O Governo Civil do Distrito de Lisboa, à semelhança do que vem ocorrendo em outros distritos, elaborou um projecto de regulamento policial Com a sua publicação oficial, iniciou-se a discussão pública do mesmo, em cumprimento do disposto no artigo 118.° do Código do Procedimento Administrativo. Este facto deve-se, em larga medida, ao aprofundamento do princípio da participação na tomada de decisões pela Administração Pública, marcando, significativamente, um acréscimo qualitativo na concretização e desenvolvimento dos princípios consagrados no artigo 267.°, n.os 1 e 4, da Constituição, em domínio tão sensível à protecção dos direitos, liberdades e garantias como seja o da manutenção da. ordem pública, nas suas vertentes de segurança, tranquilidade e salubridade.

No âmbito instrutório do presente processo e por forma a executar o despacho de Sua Excelência o Provedor de Justiça, de fls. 1, expõem-se os resultados de uma apreciação realizada conjuntamente pelos signatários e que ora se submete à consideração superior. Sendo certo que o prazo de discussão pública se encontra, esgotado no momento da abertura do processo em curso, julgamos não se encontrar invalidada a intervenção deste Órgão do Estado. Pelo contrário, concluída a discussão pública, o exercício dos poderes do Provedor de Justiça, eventualmente, o de assinalar deficiências e emitir recomendações, parece facultar uma nova matriz de ponderação, dado que, situado a jusante da discussão pública, permeada de interesses circunscritos, melhor se identifica como portadora da tutela objectiva dos direitos fundamentais e dos interesses públicos que lhe estão constitucionalmente confiados.

A metodologia adoptada na sua formulação partiu de uma decisão conjunta, foi tomada após identificação das questões nucleares merecedoras de especial atenção. Repartiram-se matérias segundo um critério sistemático diverso do reflectido na ordenação do projecto, com vista a permitir uma sua análise tão útil quanto possível à abordagem das especificidades de cada área de intervenção do Governo Civil e um tratamento dogmático que escapa à coerência sistémica do regulamento projectado, voltada, como se impõe, para as necessidades imediatas do intérprete/aplicador.

I

Introdução

1 — Considerações preliminares

Entre outras competências administrativas e para além dos poderes em matéria policial resultantes do Código

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Admjmstrativo de 1940 (vd. artigo 408.°), os governadores civis — com sede constitucional nas Disposições Finais e Transitórias (artigo 291.°, n.°3, da CRP)— foram paulatina e fragmentadamente investidos noutros poderes de polícia e viram a disciplina do seu exercício ser objecto de leis e regulamentos gerais variados. Isto sucedeu, nomeadamente, em matéria de ruído (Decreto-Lei n.° 271/84, de 6 de Agosto, e Regulamento Geral sobre Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 251/87, de 24 de Junho, alterado pelo Decreto-Lei n.° 292/89, de 2 de Setembro) e com o licenciamento, autorização e fiscalização do funcionamento dos estabelecimentos hoteleiros e similares (Decreto-Lei n.° 328/86, de 30 de Setembro e Decreto Regulamentar n.°8/89, de 21 de Março).

O poder regulamentar dos governos civis, em matéria de polícia administrativa, encontra-se enunciado no artigo 4.°, n.°3, alínea c), do Decreto-Lei n.° 252/92, de 19 de Novembro, o qual revogou, entre outras, a norma contida no § 1.°, do artigo 408.°, do Código Administrativo de 1940 (com a redacção que lhe fora dada pelo Decreto--Lei n.° 103/84, de 30 de Março), onde se dispunha uma competência regulamentar genérica de polícia, subsidiariamente às leis e regulamentos gerais. Alguns dos seis parágrafos subsequentes reportavam-se à intervenção do Governador Civil no domínio contra-ordenacional, assentando na regra, segundo a qual, «a violação dos regulamentos constitui contra-ordenação, sendo a aplicação das coimas e respectivas sanções acessórias da competência do governador civil» (§ 2.° do artigo 408.°). Merece nota — até pela ausência de norma expressa idêntica ou semelhante no actual regime— o conteúdo do § 4.°, porquanto confere um poder repressivo primordial: o encerramento dos estabelecimentos cujo funcionamento desrespeite a respectiva licença, regulamento ou lei aplicáveis. Dq mesmo passo, o § 5.° permitia ao governador civil, verificados determinados pressupostos, interditar a infractores, por período não superior a um ano, «a frequência ou estacionamento em locais públicos ou de livre acesso ao público». Recorde-se, relativamente ao disposto nos §§ 4.° e 5.°, não constituírem tais medidas repressivas provisórias (de encerramento e de interdição), sanções acessórias de coima aplicada por infracção contra-ordenacional, nos termos previstos no artigo 21.°, do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro, mas isso sim, verdadeiras medidas de polícia.

O Decreto-Lei n." 252/92, de 19 de Novembro, que pretende «homogeneizar, tanto quanto possível, o conjunto variado e difuso de diplomas» em que se traduzia a moldura legal da actuação e competências dos governos civis, revela-se bastante menos desenvolvido, quer no tocante às competências gerais do governador civil no exercício de

funções de polícia, quer estritamente quanto aos poderes regulamentares que lhe assistem neste domínio.

Assim, o artigo 4°, n.° 3, alínea a), limita-se a habilitar a tomada das providências necessárias para a manutenção da ordem e segurança públicas. A alínea b), prevê a concessão de licenças e autorizações para exercício de actividades (prossecução de fins de prevenção de riscos pessoais e meramente patrimoniais). Por fim, a alínea c) reporta-se à elaboração de regulamentos distritais de polícia.

Esta competência regulamentar, para além de se encontrar vinculada ao cumprimento da Constituição, particularmente ao disposto no artigo 115.°, n.°» 5 a 7, é subsidiária, tal como ocorria na vigência do artigo 408.°, § 1.°, do Código Administrativo, ou seja, fica cingida às matérias

que não sejam objecto de lei (sem excluir, naturalmente, leis de aplicação territorial circunscrita) ou de regulamento geral Por outro lado, tais regulamentos sujeitam-se à aprovação do Governo, através do Ministro da Administração Interna e, como tal, .devem ser entendidos como regulamentos governamentais, facto que os faz subordinar ao disposto na parte final do artigo 115.°, n.°6, da CRP.

Em substância, tais regulamentos distritais confinam-se a matérias policiais, entendidas estas como de polícia administrativa, por oposição ao conceito de polícia judiciária, no sentido de à primeira caber a manutenção da ordem, tranquilidade e segurança públicas e a segunda ter por objecto a repressão das infracções criminais (cfr. Vedei, Georges e Delvolvé, Pierre — Droit Administratif, Tomo n, 12.' Ed., PUF, 1992, Paris, p. 678). Independentemente de outros motivos que possam afectar a validade de um regulamento distrital de. polícia, temos pois que a compreensão de matérias que extravazem os contornos comuns do conceito administrativo de polícia, produzirão ilegalidade por colisão com o disposto no artigo 4.°, n.° 3, alinear), do Decreto-Lei n.°252/92, de 19 de Novembro.

Resulta ainda deste diploma, no que interessa às finalidades da presente disposição, que a violação de norma contida em regulamento distrital de polícia constitui contra-ordenação (artigo 7.°), competindo ao governador civil a aplicação de coimas e sanções acessórias [artigo 4.°, n.° 5, alínea f)].

O projecto regulamentar em análise deve então ser compaginado com parâmetros múltiplos, como se viu por quê, tanto no plano normativo da constitucionalidade e da legalidade, com especial atenção para o padrão dos direitos, liberdades e garantias, como numa direcção funcional de melhoria dos serviços da Administração Pública e de adequação do exercício da sua autonomia regulamentar a corolários de justiça. Para tanto, importará começar por recensear os propósitos inspiradores do projecto publicado.

2 — Finalidades do regulamento em projecto

Os objectivos fundamentais deste projecto encontram--se inscritos na nota preambular e podem repartir-se por cinco vectores:

a) consolidação das normas de polícia do distrito de Lisboa;

b) maior eficácia da actuação do Governo Civil de Lisboa, em ordem à boa prossecução de atribuições do Estado cometidas ao Governo, no campo da manutenção da ordem pública, da tranquilidade e salubridade, ao nível distrital;

c) adaptação às novas exigências ditadas pelas

mutações sócio-económicas;

d) execução da lei no que concerne às diversas competências conferidas aos governadores civis;

e) simplificação de procedimentos e tramitações, com o intuito de desburocratizar os serviços.

A prossecução destes objectivos, «sempre salvaguardando os valores essenciais de um Estado de direito» e «sem perder de vista os direitos e garantias dos cidadãos» (cfr. nota preambular do projecto), parece louvável a vários títulos, o mesmo se devendo reconhecer ao propósito de melhor coadunar a intervenção do Governo Civil de Lisboa, em matéria policial, com as normas e princípios do Código do Procedimento Administrativo, cuja proeminência sobre os regulamentos no quadro hierárquico das

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normas não elimina, por si, problemas interpretativos e de aplicação, saldados as mais das vezes, quando não resolvidos em tempo útil, numa menor eficácia.

Ao nível distrital — e como pode observar-se na revoga-ção contida no artigo 123.", n.° 2, do projecto — a profusão das fontes, a sua longevidade, a par das atribuições municipais de polícia administrativa (artigos 49." e 50.°, ainda vigentes, do Código Administrativo de 1940), em muito têm contribuído para o alargamento e aprofundamento de espaços indesejados de conflito positivo e negativo de competências entre o Governo Civil e os municípios, por um lado e entre o Governo Civil e outros órgãos da Administração central do Estado, por outro.

n

Das Disposições gerais

3 — Fundamento do regulamento na lei e âmbito de aplicação

O articulado do projecto começa por indicar o seu objecto e a norma habilitadora da competência regulamentar.

Quanto a este último aspecto, importa verificar o cumprimento da exigência de ordem formal contida no artigo 115.", n."7, da Constituição, cujo conteúdo visa garantir o princípio da precedência de lei. A indicação expressa do artigo 4.", n.°3, alínea c), do Decreto-Lei n.° 252/92, de 19 de Novembro (Estatuto dos Governadores Civis), parece observar o requisito alternativo do citado preceito constitucional, desde que, no entanto, o seu objecto não vá além da reserva de lei meramente formal, «isto é, necessidade de lei habilitante prévia apenas para se cumprir a exigência constitucional do principio da primariedade ou precedência da lei, podendo o acto legislativo habilitante limitar-se à definição da competência objectiva e subjectiva, com a consequente possibilidade de regulamentos independentes [...], regulamentos que, embora necessitando de uma cobertura legal, são dotados de larga margem de conformação material» (Canotilho, J. J. Gomes, e Moreira, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.' ed., Coimbra, 1993, p. 515).

Reforça-se o entendimento sobre a relação com a lei habilitante ao analisar os limites objectivos do regulamento policial Esses limites definem-se pela positiva, quando se prevê «regulamentar o exercício das atribuições policiais do Governo Civil do Distrito de Lisboa [...], bem como de outras competências que legalmente lhe são conferidas» e pela negativa, quando se excluem as matérias «que não sejam objecto de lei ou regulamento geral da Administração Pública». Isto significa que o projecto em consideração, em tudo quanto se reporte às competências policiais —em rigor e ao invés do que se fez enunciar no projecto, não se trata de atribuições, as quais são do Estado e cometidas ao Governo — pretende ser um regulamento independente e não um regulamento de execução de leis oü de regulamentos mais gerais.

A formulação é merecedora de críticas, tanto quanto o é a redacção do artigo4", n.°3, alínea c), do Decreto-Lei n." 252/92, de 19 de Novembro, pois conforme se verá, há necessidade de regulamentar matérias contidas em lei e em regulamentos gerais. De resto, o próprio projecto não se abstém de fazê-lo, designadamente no que respeita à polícia de estabelecimentos hoteleiros e similares (Decreto--Lei n.° 328/86, de 30 de Setembro e Decreto-Regulamen-

tar n."8/89, de 21 de Março; Decreto-Lei n.° 417/83, de 25 de Novembro, sobre horários de funcionamento, alterado pelo Decreto-Lei n.° 72/94, de 3 de Março), à prevenção e repressão do ruído (Regulamento Geral sobre Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 251/87, de 24 de Junho, e Decreto-Lei n.° 292/89, de 2 de Setembro) e ao regime das contra-ordenações (Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro), concretizando e desenvolvendo regula-mentarmente as competências dos governos civis.

A natureza que se pretende conferir ao regulamento policial — a de regulamento independente que se permite, como tal, invocar tão só a norma habilitadora da sua competência objectiva e subjectiva (artigo 115.°, n.°7, da CRP) — só será admissível, na medida em que não invada a chamada reserva de lei material, ou seja, «com admissibilidade apenas de regulamentos estritamente executivos e instrumentais, nos casos em que a Constituição prevê que só através de lei possa regular-se determinada matéria» (Canotilho, J. J.-Gomes, e Moreira, Vital, ob. cit., p. 515). Ora, o certo é, pelo menos, numa situação identificada, ser comprimida a reserva de lei. Dispõe o artigo 4." sobre o crime de desobediência, quando a definição dos crimes compete exclusivamente à lei, entendida como acto legislativo da Assembleia da República ou, desde que autorizado, do Governo [artigo 168.°, n." 1, alínea c), da CRP].

Em termos de forma dos actos normativos — e porque se trataria de regulamento independente — dir-se-á, afinal que o regulamento policial do Distrito de Lisboa, como aliás os restantes regulamentos policiais aprovados no exercício do poder constante no artigo 4.°, n.° 3, alínea c), do Decreto-Lei n.° 252/92, de 19 de Novembro— deve revestir a forma de decreto regulamentar. De outro modo, fica violado o disposto no artigo 115.°, n.°6, da Constituição.

Importa concluir quanto a este aspecto. Na hipótese de o regulamento projectado pretender constituir, como se vem afirmando, um exemplar de regulamento autónomo ou independente, inserir-se-ia na competência regulamentar genérica do Governo [artigo 202.°, alínea c), da CRP: «Fazer os regulamentos necessários à boa execução das leis»], devendo, naquela qualidade, obedecer à forma de decreto-regulamentar (artigo 115.°, n.°6, da CRP) e, em alternativa à indicação expressa das leis que visa regulamentar, nomear a respectiva lei habilitante, ou seja, as leis que «definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão» (artigo 115.°, n."7, CRP).

Todavia, como ficou registado anteriormente nesta exposição, o presente diploma destina-se a regulamentar matérias que não sejam objecto de lei ou regulamento geral, correspondendo assim ao enunciado da própria norma legal habilitadora [artigo 4.°, n.° 3, alínea c), do Decreto-Lei n.° 252/92, de 19 de Novembro]. Ambas as normas não podem, então, deixar de ser tidas como inconstitucionais, por violarem directamente o princípio da legalidade administrativa, na sua manifestação constituída pelo princípio da precedência de lei sobre o regulamento. Colhe-se o exemplo daquilo que Jorge Miranda considera regulamentos delegados, os quais não são constitucionalmente admitidos:

Pode haver, além de regulamentos de execução, regulamentos autónomos ou independentes ou regulamentos destinados a conferir plena operatividade, execução ou concretização a uma pluralidade de leis não determinadas; e estes devem indi-

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car as leis que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão (artigo 115.°, n.° 7, 2° parte). Não pode haver regulamentos delegados, que seriam regulamentos que assumiriam função de lei — que, em vez de se dirigirem à boa execução das leis fartigo 202.°, alínea f)L fariam o mesmo que uma lei [Funções, órgãos e Actos do Estado, Lisboa, 1990, p. 249].

Não se trata, neste preciso ponto, de conhecer a reserva material de lei, a qual pode ser mais ou menos extensa, exigir uma maior ou menor densidade da parte do acto legislativo. O que releva, verdadeiramente, é garantir um mínimo de precedência da lei sobre o acto regulamentar, não permitindo ao Governo lançar mão deste tipo de actos onde poderia socorrer-se do exercício da função legislativa.

O conteúdo inconstitucional da mencionada norma do Estatuto dos Governos Civis, por impor aos regulamentos distritais de polícia um objecto que escapa à execução das leis (compreendam-se neste conceito, os regulamentos gerais, também), confere-lhes o que lhe fica constitucionalmente vedado conferir. A norma habilitante, ainda que simples norma de reenvio ou «pura norma de produção normativa» — como a qualificam Gomes Canotilho e Vital Moreira (ob. cit., p. 514) — não pode definir uma competência regulamentar desconforme com a Constituição. O regulamento independente será sempre também, um regulamento de execução, ainda que a Constituição lhe permita limitar-se a citar uma norma de habilitação regulamentar, em lugar de estar vinculado a indicar expressamente as leis que visa regulamentar. Senão, veja--se a distinção que Marcelo Rebelo de Sousa e Sofia Galvão operam entre regulamentos independentes e regulamentos subordinados:

Os regulamentos independentes são aqueles que executam a Constituição e as leis em geral e não especificamente uma certa lei. Os regulamentos subordinados, pelo contrário, são aqueles que estão directa e imediatamente ligados a uma determinada lei que visam executar, [introdução ao Estudo do Direito, 2." ed., Pub. Europa América, pp. 121-122].

Reconhece-se que o vício resulta da formulação imprópria do artigo 4.°, n.° 3, alínea c), do Decreto-Lej n.°252/ 92, de 19 de Novembro. Dela resultam disposições regulamentares como a do artigo 1.°, do projecto, como a ela se deve o disposto no artigo 1.°, do Regulamento Policial do Distrito de Évora (DR, II, 2 de Novembro de 1993), o enunciado no artigo 1.°, do Regulamento Policial do Distrito da Guarda (DR, U, 31 de Agosto de 1993) e o teor do artigo 1.°, do Regulamento Policial do Distrito do Porto (DR, ü, 13 de Abril de 1993).

Por. fim, guarda-se breve referência ao segmento do artigo 1.", do projecto do Governo Civil do Distrito de Lisboa que faz destinar o diploma à regulamentação de outras competências que legalmente lhe são conferidas. Neste passo, fala-se —e correctamente— em competências e não em atribuições, mas não se vislumbra a utilidade de um regulamento policial conter matéria não policiai, ou seja, competências não policiais conferidas ao Governo Civil.

Note-se, aliás que tal não resulta apenas incompreensível, como também, não deve ser admitido. A norma habilitante do regulamento projectado (a do artigo 4.°, n.° 3,

alínea c), do Decreto-Lei n.° 252/92, de 19 de Novembro) cinge-se a matérias de competência policial e não a outras que sejam legalmente conferidas, termos em que ou o regulamento invoca cumulativamente outra norma onde se defina a mesma competência subjectiva e outra competência objectiva ou resta-lhe indicar expressamente as diversas leis que visa regulamentar (artigo 115.°, n.°7, CRP). De outro modo, o segmento descrito será formalmente inconstitucional.

Tudo exposto, no que se oferece dizer quanto ao assunto em epígrafe, propomos que seja Recomendada:

a) A alteração da redacção do artigo 4.°, n.° 3, alínea c), do Decreto-Lei n.° 252/92, de 19 de Novembro, por forma a eliminar a expressão «que não sejam objecto de lei ou regulamento geral» e consequentemente, a alteração de todos os regulamentos policiais distritais ou seus projectos que contenham limitação semelhante;

b) A substituição, no projecto do Governo Civil de Lisboa, da expressão «atribuições policiais do Governo Civil do Distrito de Lisboa» por competências policiais do Governo Civil do Distrito de Lisboa;

c) A eliminação da referência a competências não policiais (outras competências que legalmente lhe são conferidas), a menos que o regulamento exorbite as suas funções de regulamento policial, devendo em tal circunstância dar cumprimento à exigência constitucional do artigo 115.°, n.° 7.

Noto. — Revêem-se muitas das formulações ora criticadas no texto artigo 408.°, § 1.°, do Código Administrativo, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 103/84, de 30 de Março. Esse fano não toma, por si, tais críticas desmerecidas, a nosso ver.

4 —Competências em matéria de autorização e licenciamento de actividades

4.1. Da competência dos governadores civis para a autorização e licenciamento de actividades

As competências licenciadoras do Governador Civil eram, no âmbito do Código Administrativo de 1940, extremamente significativas, quer ao nível das chamadas funções de polícia administrativa comum (artigo 408.", n.° 14: «Conceder licenças policiais que não sejam da competência do Governo ou dos administradores de bairro nem das câmaras municipais ou seus presidentes», na redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 77/74, de 2 de Março), quer ao nível das funções especiais de polícia administrativa (v.g. artigo 408.°, n.os 6, 7, 9, 12 e 17, do C.A.).

O novo Estatuto, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 252/92, de 19 de Novembro, contém uma disposição genérica sobre esta matéria [artigo 4.°, n.°3, alínea b)\. «Conceder, nos termos da lei, autorizações ou licenças para o exercício de actividades, tendo sempre em conta a segurança dos cidadãos, a prevenção de riscos ou de perigos vários que àqueles sejam inerentes».

Fundamentalmente, relevam aqui as autorizações e licenças a conceder no domínio do Decreto-Lei n.° 328/86, de 30 de Setembro, o qual será adiante, objecto de tratamento detalhado, com especial atenção sobre outras normas contidas em actos legislativos que outorguem competência para a concessão de autorizações e licenças. No entanto, algumas observações exigem ser formuladas desde já.

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Começa por ser afirmado que o Governador Civil tem competência para conceder as licenças previstas no âmbito deste projecto. Se é certo poder a competência administrativa ser definida por regulamento, a competência para o Governador Civil conceder licenças, como vimos, nos termos do artigo 4.°, n.° 3, alínea b), do Decreto-Lei n.° 252/ 92, de 19 de Novembro, depende da lei e dos seus termos. Como a competência não se presume, «antes deve estar outorgada de forma expressa ou claramente implícita por uma norma jurídica para que possa ser considerada como . legalmente existente» (Botelho, José Manuel Santos, e outros, Código do Procedimento Administrativo, ed. Almedina, 1992, p. 108), forçoso será concluir bem assim, que a competência do Governador Civil em matéria de licenciamento não poderá fundar-se nem em analogia, nem em outra forma de integração de lacunas.

Forçoso será concluir, também que o projecto de regulamento policial excede a norma de competências em matéria de licenças e autorizações, pois, como observámos, não é possível licenciar ou autorizar actividades senão por limitação legal No silêncio da lei, há-de prevalecer em todo o caso o princípio da liberdade de comércio e indústria, o qual se assume como direito fundamental, por via do artigo 61.°, n.° 1, da Constituição, dotado de natureza análoga aos do título JJ, capítulo I (artigo 17." da C.R.P).

Este preceito constitucional admite, é certo, restrições e limitações ao seu exercício, no sentido de ficar condicionado aos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral Em abstracto, seria de discutir a possibilidade de, por regulamento e sem precedência legislativa, disciplinar actividades económicas privadas, dado figurarem no projecto publicado numerosas actividades feitas sujeitar a autorização ou licença policial do Governador Civil do distrito de Lisboa sem suporte contido em acto legislativo, nem em outro acto normativo de aplicação territorial geral (v. g. as chamadas licenças de funcionamento dos estabelecimentos hoteleiros e similares, salões e casas de jogos lícitos, associações de cultura, recreio, educação física e desporto; a venda ambulante de lotaria; a actividade de guarda-nocturno; a realização de leilões em lugares públicos). Todavia, no tocante a licenças e autorizações, foi o legislador guem pretendeu reservar à sua função, pelo menos, a fixação de poderes dos governos civis; e fê-lo através do disposto no citado artigo 4.°, n.° 3, alínea b), do Decreto-Lei n.° 252/92, de 19 de Novembro.

Reconheça-se o insanável paradoxo entre o disposto nesta alínea e o enunciado na alínea c) do mesmo preceito, caso se entenda (conforme se sustentou) deverem os regulamentos policiais disciplinar a concessão de autorizações e licenças pelos governadores civis, pois se, por um lado, se fazem objecto de tais regulamentos as matérias da sua competência policial que não sejam objecto de lei ou regulamento geral, por outro, é afirmado que o Governador Civil não pode autorizar ou licenciar, senão o que a lei — entenda-se acto legislativo, dado que o artigo 4.°, n.° 3, alínea c), discrimina lei e regulamento — lhe confiar licenciar ou autorizar. Harmonizar o conteúdo de uma e outra norma passa necessariamente, por considerar que aos regulamentos policiais de distrito é vedada toda e qualquer disposição concernente a licenciamentos e autorizações para o exercício de actividades, no domínio das funções de polícia (salvaguarda da ordem, tranquilidade e salubridade públicas) dos Governadores Civis. Reforça-se, a nosso ver, a importância da alteração supraproposta da redacção do artigo 4.°, n.° 3, alínea c), do Decreto-Lei n.° 252/92, de 19 de Novembro.

Ao exposto, acresce a circunstância de muitas das actividades feitas sujeitar a autorização e licença policial do Governador Civil do Distrito de Lisboa não encontrarem o mínimo imprescindível de fixação legislativa precedente.

4.2. A delegação de poderes habilitada no artigo 2.* do projecto

O artigo 2.° do projecto estabelece em matéria de licenciamento uma habilitação para delegação de poderes, para além dos casos e entidades previstos na lei. O Governador civil fica, por esta norma, habilitado a delegar, total ou parcialmente, a competência para conceder licenças de polícia, em órgãos da PSP e da GNR.

Interessará então controverter, pelo menos, dois aspectos que a uma primeira análise não resultam pacíficos da formulação do citado artigo 2.° Em primeiro lugar, o de saber se a norma habilitante da delegação de poderes pode ser genérica, nos termos da disposição ora em análise; em segundo lugar, o de determinar qual a extensão do conceito de lei presente no artigo 35.°, n.° 1, do Código do Procedimento Administrativo, quando no seu enunciado é exigida a habilitação por lei como condição de validade de um acto de delegação de poderes, ou seja, ao fim e ao cabo, se essa habilitação pode ser produzida por norma regulamentar, como é o caso dos regulamentos policiais de distrito.

Retirava-se do .artigo 345." do Código Administrativo, um princípio geral de irrenunciabilidade e indisponibilidade da competência. A sua revogação pela Lei n.° 79/77, de 25 de Outubro, nem por isso fez deixar de considerar este princípio como um princípio geral de Direito Administrativo, aliás hoje, de novo, expressamente enunciado no artigo 29.°, n.° 1, do Código do Procedimento Administrativo. De acordo com este postulado, a delegação de poderes surge como excepcional e por isso, também o Código do Procedimento Administrativo impõe a necessidade de uma lei que habilite o acto de delegação, sob pena de invalidade dos actos praticados em situação de incompetência.

Ora, se é certo que a disposição contida no artigo 2.° começa por se reportar às delegações de competência previstas na lei (o que, de resto, é redundante e pouco útil), acaba por constituir, ela própria, uma cláusula geral habilitadora de delegação de competências.

Entende Paulo Otero que «a permissão de um órgão delegar competência a outro, é feita por uma norma de valor hierárquico superior ou igual à norma que confere a competência própria ou originária ao delegante» (A Competência Delegada no Direito Administrativo Português, ed. AAFDL, 1987, Lisboa, pp. 118), mas por outro lado, adianta, em conclusão, que por toda a competência derivar da lei, «o fundamento da competência delegada nunca pode situar-se num acto de administração» (ob. cit., p.120), sem excluir, no entanto, de entre os actos de administração os actos regulamentares, como é o caso dos regulamentos policiais.

Apesar de a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo sufragar, para este efeito, o entendimento material do conceito de lei (vd. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 15 de Abril de 1982, Acórdãos Doutrinais, 151, 1349), somos de parecer que o mesmo não tem aplicação aos casos em que a competência originária é fixada por acto legislativo. E é este o caso, porquanto é o Decreto-Lei n.° 252/92, de 19 de Novembro, através do seu artigo 4.°, n.°3, alínea b), quem fixa

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competência para licenciar e autorizar actividades e manda fazê-lo nos termos da lei, criando assim, uma área onde a acção regulamentar não pode inovar.

Porque é um acto legislativo que dispõe sobre competência, inclusivamente sobre delegação dessa competência nos vice-governadores civis (artigo 5.°, n.° 1, do Decreto--Lei n.° 252/92, de 19 de Novembro), dar-se-ia colisão com o princípio da irrenunciabilidade e inalienabilidade da competência, caso fosse permitido ao acto regulamentar servir de norma habilitadora a uma delegação de competência conferida por acto legislativo.

Neste sentido, julgamos de acompanhar a posição de Esteves de Oliveira e outros A., quando admitem a delegação de poderes habilitada regulamentarmente, mas apenas para competências conferidas, também elas, por acto regulamentar. Na anotação que fazem estes autores ao artigo 35.°, n.° 1, do Código do Procedimento Administrativo, afirmam:

A regra é (não a da autorização legal, mas) a da autorização normativa da delegação administrativa. Quer isto dizer que não é necessário que a habilitação para delegar resulte da lei, como sugere literalmente o preceito do n.° 1, deste artigo; e uma lei pode, ao invés, não ser suficiente para o efeito. Na verdade, tanto como uma competência administrativa conferida pela Constituição só poderá ser delegada quando o previr uma norma constitucional, também aquela que seja conferida regulamentarmente pode ser delegada quando o autorizar um regulamento (da mesma força).

Uma delegação baseada em norma de grau inferior ao da norma atributiva da competência (v.g., um decreto a permitir a delegação de poderes conferidos por Decreto-Lei) é uma delegação ilegal, que dá origem a actos ilegais, nos termos já vistos acima. [Código do Procedimento Administrativo Comentado, vol. I, ed. Almedina, 1993, Coimbra, p. 267].

Conferida por acto legislativo a competência para licenciar e autorizar o exercício de actividades, nos termos da lei, só através de outro acto legislativo é possível habilitar a delegação de competências, até porque não se encontram preenchidos os pressupostos contidos no artigo 35.", n." 2, do Código do Procedimento Administrativo, dispensando a norma habilitadora expressa, visto não existir qualquer relação hierárquica entre o Governador Civil e os órgãos delegados (comandantes distritais, de divisão ou de secção, da Polícia de Segurança Pública e comandantes de grupo e de destacamentos territoriais da Guarda Nacional Republicana).

Retomando o texto projectado, no seu artigo 2.°, cumpre então, considerar o alcance e extensão da delegação de poderes habilitada, sem prejuízo das objecções formuladas supra.

Primeiro, a delegação de poderes ali prevista cinge-se ao licenciamento. Afirma-se que a competência para conceder licenças é do Governador Civil, podendo a mesma, não obstante, ser delegada. Relativamente a autorizações, porém, o silêncio do projecto é prudente: as autorizações a que se refere o artigo 4.°, n.° 3, alínea b), do Decreto-Lei n.° 252/92, de 19 de Novembro, são da competência do Governador Civil —escusado é pois, reproduzi-lo em cada regulamento distrital — e não podem

ser objecto de delegação em órgãos que não sejam exprés-sãmente indicados pela lei.

Segundo, parece-nos nada a haver a opor ao carácter genérico da delegação de poderes de licenciamento, ainda que compreendendo a faculdade de uma delegação total Com efeito, é preciso não esquecer que tal faculdade se depara com a limitação dos poderes considerados indelegáveis por natureza (v. Otero, Paulo, ob. cit., pp. 128 e segs.) e, por outro lado, o Governador Civil, enquanto órgão delegante conserva importantes poderes sobre o delegado, designadamente o de revogar a delegação praticada e o de avocar o exercício de poderes delegados.

Por fim, não se mostra desejável, em absoluto, uma delegação de poderes total ou aproximadamente total nos órgãos e agentes da PSP e da GNR. Ainda que tal licenciamento esteja condicionado estritamente aos parâmetros da segurança dos cidadãos, prevenção de riscos ou de perigos vários que àqueles sejam inerentes, refira-se que boa parte dos licenciamentos fixados no projecto se prendem com actividades hoteleiras e similares em aspectos de polícia urbanística (v.g. artigos 23.°, n.° 1, e 32.°, n.0! 1 e 2, do projecto). O mesmo não se dirá, por exemplo, das licenças de funcionamento respeitantes a horários de abertura e encerramento, cuja componente urbanística é sensivelmente reduzida, quando compaginada com as atribuições em matéria de tranquilidade e segurança públicas.

Quer o regime orgânico da GNR, aprovado pela Lei n.° 261/93, de 26 de Junho, ao prever as suas atribuições, quer o Estatuto da PSP, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 151/ 85, de 9 de Maio, ao estipular acerca dos seus objectivos, são omissos quanto a qualquer forma de intervenção no domínio urbanístico, excepto no que toca a funções gerais de fazer respeitar as leis e regulamentos vigentes. Ora, sem embargo do bom serviço instrumental, executivo e instrutório que as forças de segurança possam prestar ao Governador Civil, no domínio das providências necessárias para manter a ordem e segurança públicas, não se antevêem benefícios assinaláveis na delegação dos poderes de conceder ou recusar licenças em domínios que envolvem, de sobremaneira, discricionariedade administrativa própria e técnica, a par de uma extensa margem de livre apreciação de conceitos* vagos e indeterminados. Tal medida pode contribuir indelevelmente para uma ocupação dos recursos humanos das forças de segurança em funções de polícia especial, como é o caso da polícia urbanística, afectando de modo significativo a prossecução das suas atribuições directamente respeitantes à preservação da ordem pública e à prevenção da criminalidade.

Expostas as considerações que entendemos pertinentes sobre o do artigo 2." do projecto, propomos que se Recomende:

a) A eliminação dos poderes de autorização e licenciamento de actividades por parte do Governador Civil que não encontrem precedência legislativa, por forma a dar cumprimento ao disposto ho artigo 4.°, n.° 3, alínea b), do Decreto--Lei n.° 252/92, de 19 de Novembro e naturalmente, por consequência, a impossibilidade de as delegar,

b) Reiteradamente, a alteração do enunciado do artigo 4.°, n.° 3, alínea c), do citado diploma, sob pena de o desenvolvimento da disciplina das autorizações e licenças de polícia não poder incluir-se nos regulamentos distritais, facto que comprometeria boa parte dos esforços a que se

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propõe a nota preambular, por exemplo, o de «sistematizar as diferentes matérias» e o de «reunir num único regulamento normas que se encontravam dispersas»;

c) Suprimir o poder de delegação dos poderes de licenciamento nos comandantes distritais, de divisão ou de secção da Polícia de Segurança Pública ou de grupos e destacamentos territoriais da Guarda Nacional Republicana, sob pena de violação das normas de competência dos governadores civis contidas no Decreto-Lei n.° 252/92, de 19 de Novembro; ou, em alternativa;

d) Modificar o regime de competências dos governadores civis, criando norma habilitadora de tal delegação de poderes, em sede legislativa;

e) Subtrair ao conteúdo possível da delegação de poderes a concessão de licenças em domínios eminentemente urbanísticos, sem prejuízo da colaboração instrutória e executiva a prestar, de todo o modo, pelos órgãos e agentes das forças de segurança.

5 — Medidas provisórias

O artigo 3.° do projecto, sob a epígrafe de medidas provisórias vem, por uma vez mais, dispor sobre matéria que escapou em boa parte ao Estatuto dos Governadores Civis, resultante do Decreto-Lei n." 252/92, de 19 de Novembro.

Diversamente do que tinha lugar sob a vigência dq artigo 408.°, do Código Administrativo, onde para além das sanções acessórias por prática de infracção contra-ordenacional era conferido o poder de encerramento provisório de estabelecimentos (§ 4.°) e o de lançar interdição sobre certos cidadãos quanto à permanência ou frequência de determinados locais públicos ou de acesso ao público (§ 5.°), o Decreto-Lei n.° 252/92, de 19 de Novembro, veio a revelar-se omisso, neste ponto.

A respeito da subsistência ou não de tais poderes, foi proferido parecer pelo Conselho Consultivo da Pro-curadoria-Geral da República, o qual mereceu homologação de S. Exa. o Ministro da Administração Interna, por despacho de 4 de Fevereiro de 1994 (P.° 52/93, in DR, II, n.° 116, 19.05.1994, pp. 4933 e segs.). Ali se afirma que:

Competindo ao governador civil conceder, nos termos da lei autorizações ou licenças para o exercício de actividades, tendo particularmente em conta a segurança dos cidadãos [alínea b) do n.° 3 do artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 252/92), encontra-se implícito nessa competência o poder de ordenar o encerramento dos estabelecimentos que não reúnam as necessárias condições de segurança pública». [P. 4940, do citado parecer.]

o

Julgamos, no entanto, não dever retirar-se linearmente o poder de encerramento de estabelecimentos, por parte dos governadores civis, ainda que sujeitos ao seu licenciamento; isto, pelas razões que passamos a expor.

A Constituição, por via do artigo 272.°, n.° 2, dispõe um princípio de tipicidade legal das medidas de polícia, qualificação à qual nada permite fazer escapar o poder de encerramento tout court de estabelecimentos. Gomes Canotilho e Vital Moreira, na anotação VI que fazem ao

aludido preceito constitucional, não deixam margem para dúvidas quanto ao entendimento conferido a este princípio em tudo aquilo que, de imediato, nos ocupa:

[...] quer sejam regulamentos gerais emanados das autoridades de polícia, decisões concretas e particulares (autorizações, proibições, ordens), medidas de coerção (utilização da força, emprego de armas) ou operações de vigilância, todos os procedimentos de polícia estão sujeitos ao princípio da precedência da lei e da tipicidade legal». [Ob. cit., p. 956.]

Assim, andou avisado o projecto regulamentar quando faz depender de permissão legal o exercício do poder de encerrar provisoriamente estabelecimentos (artigo 3.°, n." 1) e o de determinar «a cessação imediata de uma actividade proibida, ou que esteja a ser exercida em manifesta desconformidade com o que haja sido autorizado, promovendo, se necessário, o encerramento e desocupação imediatos dos locais em què tais anomalias se estejam a verificar» (artigo 3.°, n.° 3). Contudo e algo surpreendentemente, o legislador nada estatuiu nesta matéria, no que aos governadores civis diz respeito ou pelo menos, não o realizou tipificadamente.

O regulamento de polícia é, por si, uma medida de polícia (cfr. Vedei, Georges e Delvolvvé, Pierre, ob. cit., p. 712: «Les mesures de police consistent, soit dans des réglements, soit dans des actes individueis»). O problema está em saber se basta, tão só, conferir competência regulamentar em matéria de polícia, deixando à Administração a determinação, em concreto, das medidas de polícia, para dar por observados os aludidos princípios constitucionais fundados no artigo 272.°, n.° 2.

A resposta terá de ser negativa. Ainda que esteja contemplada a precedência legal a um nível mínimo e, como tal, passível de colisão com o regime dos direitos, liberdades e garantias, o certo é não ficar garantida a conformidade com o princípio da tipicidade das medidas de polícia; tipicidade essa que é, como vimos, tipicidade legal Isto significa que as medidas de polícia previstas regulamentarmente têm de receber os seus contornos essenciais e acessórios de acto legislativo, ainda que o regulamento policial — ele próprio, uma medida de polícia — disponha sobre o modo do seu exercício.

Tudo visto, há-de concluir-se que nem a alínea a), do artigo 4.°, n.° 3, do Estatuto dos Governadores Civis («Tomar as providências necessárias para manter a ordem e a segurança públicas, requisitando, quando necessária, a intervenção das forças de segurança, aos comandantes da PSP e da GNR, instaladas no distrito»), nem a alínea c) («Elaborar regulamentos obrigatórios em todo o distrito sobre matérias da sua competência policial...») constituem suporte adequado ao princípio da tipicidade legal das medidas de polícia. O mesmo cabe constatar quanto à alínea b) («Conceder; nos termos da lei, autorizações ou licenças para o exercício de actividades, tendo sempre em conta a segurança dos cidadãos, a prevenção de riscos ou de perigos vários que àqueles sejam inerentes»), dado que o mesmo princípio de tipicidade veda ao intérprete retirar competências implícitas. Onde a lei os nada preveja, o encerramento de um estabelecimento e a interdição de uma actividade exercida em desrespeito de licença, só podem ocorrer após revogação do acto permissivo, a qual obedece, nos termos gerais, aos artigos 138.° e segs. do Código do Procedimento Administrativo.

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De nada servirá, por outro lado, a invocação das medidas provisórias tratadas nos artigos 84.° e 85.°, do CPA, porquanto desde que as mesmas se consubstanciem em medidas de polícia, sempre carecerão de tipicidade.

De novo se acentua parecer revelar-se útil uma revisão do Decreto-Lei n.° 252/92, de 19 de Novembro, com vista a uma melhor sistematização das competências dos governadores civis, sob pena de na prossecução das funções que lhe estão cometidas no domínio da manutenção da ordem pública ficarem intensamente cerceadas.

Muito embora, nos termos do Decreto-Lei n.° 328/86, de 30 de Setembro, seja conferida competência aos governadores civis para o encerramento de estabelecimentos hoteleiros ou similares [v.d. artigos 55." e 74.°, n.° 2, alínea c)], atente-se em.que inexiste absoluta correspectividade com a titularidade ou o cumprimento das autorizações e licenças cuja concessão caiba aos governadores civis. Senão, vejamos.

O encerramento a que se reporta o artigo 55.° do Decreto-Lei n.° 328/86, de 30 de Setembro, consiste num poder vinculado e confinado às competências da D^recção--Geral do Turismo, da Direcção-Geral dos Espectáculos e às atribuições municipais, pois se exige nos n.05 1 e 2, do citado preceito, uma comunicação fundamentada por parte daquelas entidades. O Governador Civil vê aqui arredada a possibilidade de ordenar o encerramento de um estabelecimento hoteleiro ou similar que desobedeça aos critérios que regem a concessão das autorizações e licenças que faz emitir.

Por seu turno, no artigo 74°, n.°2, ais. b) e c), adrnitem-

-se duas .sanções acessórias à aplicação de coima, em consequência da prática de infracção contra-ordenacional (de resto, em observância do princípio da tipicidade, dado o conteúdo do artigo 21.°, n.° 3, alínea a), do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro). Na economia do regime do licenciamento e funcionamento dos estabelecimentos hoteleiros e similares, esta previsão apenas se reportará ao Governador Civil, no que toca ao desrespeito pelo disposto no artigo 36.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 328/86, de 30 de Setembro, ou seja, tal sanção acessória só é aplicável por falta de alvará de autorização de funcionamento e, ainda assim, está o Governador Civil privado do poder de aplicar coimas e sanções acessórias por prática daquela infracção (artigo 77.° do Decreto-Lei n.° 328/86, de 30 de Setembro).

Deve sublinhar-se, em todo o caso, estarmos perante um sanção administrativa, excluída portanto, do campo das medidas de polícia, de acordo com o entendimento sufragado pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.° 489/89 (DR, 2.' série, 1 de Fevereiro de 1990):

Numa sociedade organizada, a livre actividade dos particulares tem necessariamente limites, que compete ao poder público traçar. Umas vezes através de normas sancionadoras de certos comportamentos que merecem censura, outras através de . normas tendentes a prevenir, a evitar, que aquelas condutas se verifiquem. Nuns casos estamos perante o direito público sancionatório, noutros nò domínio da polícia.

E, logo adiante, é sustentado proficientemente que «as medidas de polícia não devem exceder a mera prevenção de comportamentos ilícitos e portanto nunca sancioná-los». O domínio das medidas de polícia é, reconhece o Tribunal

Constitucional no mesmo acórdão, o das actividades por perpretar e não o das actividades consumadas, o que nos leva a concluir que, em boa parte, o encerramento de estabelecimentos e a interdição de actividades podem constituir sanções administrativas, cuja aplicação «exige um procedimento justo, de acordo com as pertinentes regras constitucionais, e um juízo sancionatório que não cabe nas funções constitucionais de polícia» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, ibidem, p. 956).

Como tivemos oportunidade de demonstrar, no domínio dos estabelecimentos hoteleiros e similares, por via de regra, não pode o Governador Civil ordenar o seu encerramento enquanto sanção acessória à aplicação de coima, designadamente pelo facto de certa actividade estar «a ser exercida em manifesta desconformidade com o que haja sido autorizado». O poder de encerramento e outras medidas provisórias da mesma natureza, por forma a não constituírem verdadeiras sanções administrativas, até porque também estas têm sempre uma finalidade preventiva, devem ver reforçadas, no tipo legal a que têm de obedecer, a sua essência transitória e garantias de proporcionalidade, com necessária fixação de prazos.

Em conclusão, quanto aos aspectos tratados nesta secção, deve reter-se que:

o) As medidas provisórias a que se reporta o artigo 3.°, n.os 1 e 3, do projecto, constituem verdadeiras medidas de polícia, como também o são as medidas que o artigo 3.°, n.° 2, permite fazer aplicar no decurso de processo de contra--ordenação; assim, devem obedecer não a uma simples precedência legislativa, mas ao princípio da tipicidade legislativa, em estrita obediência ao que vem disposto no artigo 272.°, n.° 2, da Constituição;

b) O alcance das medidas provisórias, no que toca ao regime dos estabelecimentos hoteleiros e similares, é bastante reduzido, verificada a natureza do poder contido no artigo 55.°, do Decreto--Lei n.° 328/86, de 30 de Setembro (poder vinculado às competências de outros órgãos) e as características de sanções administrativas acessórias (excluídas do âmbito das medidas de polícia) das estatuições do artigo 74.°, n.° 2, alíneas b) e c), do mesmo diploma;

c) O Decreto-Lei n.° 252/92, de 19 de Novembro, não permite habilitar entendimento diverso, razão pela qual importaria ver consagrado em acto legislativo o elenco deste tipo de medidas.

6 —Cominação com o crime de desobediência

De acordo com o disposto no artigo 4.° do projectado regulamento policial, incorre na prática do crime de desobediência quem não cumprir «ordens dadas pelo governador civil ou entidade delegada, no uso das competências atribuídas por lei».

Por detrás da sua aparente simplicidade, este preceito esconde uma grave incongruência com os princípios da legalidade e tipicidade em matéria penal (artigo 29.°, n.08 1 e 3, da CRP e artigo 1.°, do Código Penal), a par da violação que perpetra à norma do artigo 168.", n.° 1, alínea c), da Constituição.

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Com efeito, se há matéria sobre a qual não restam dúvidas quanto à proibição do uso de regulamento, essa matéria é a criminal Exigem-no, não apenas o princípio da reserva de lei sobre direitos, liberdades e garantias (artigo 18.", n.os 2 e 3, da CRP), como, em especial, a reserva de

competência legislativa parlamentar consagrada no artigo 168.°, n.° 1, alínea c), onde recai toda a definição dos crimes.

Podér-se-ia crer que o artigo 4." do projecto se limitaria a reproduzir os elementos essenciais do tipo criminal do artigo 388.°, n.° 1, do Código Penal, não permitindo criminalizar ou descriminalizar conduta alguma. Se assim fosse, contudo, ver-se-ia desprovida a norma regulamentar de qualquer conteúdo útil.

Todavia, ao compaginar o disposto em tal preceito com o tipo penal do artigo 388.°, n.° 1, logo se observa existirem assinaláveis diferenças que exemplicativãmente se enunciam, admitindo constituir o Governador Civil uma autoridade no sentido da norma penal citada. Tendo em vista tal operação, partimos da consideração dos seguintes requisitos do crime de desobediência: «Ordem ou mandato legítimo, regularmente comunicada, emanada de autoridade competente, falta à sua obediência e intenção de desobedecer» (Ac. Rei. Coimbra de 28.JJJ..1984; CJ, LX, Tomo I, p. 147).

Em primeiro lugar, observa-se que apenas constitui crime de desobediência o incumprimento de ordem ou mandato legítimo. Não basta, portanto, que a ordem seja promovida pelo Governador Civil no uso das competências previstas pela lei, como redutoramente pretende o projecto regulamentar. Para que a desobediência seja punida criminalmente é necessário que estejam verificados os pressupostos de facto e de direito concernentes à legitimidade do acto administrativo praticado. E o certo é que «no basta con que el acto proceda de una Administración y se dicte a través del órgano competente; es menester también que la persona o personas físicas que actúen en la correspondiente declaración como titulares de ese órgano ostenten la investidura legítima de tales (nombramiento legal, toma de poseción, situación de actividad o ejercicio, suplencia legal en su caso), no tengan relación personal directa o indirecta con el fondo del assunto dé que se trate, esto es, mantengan íntegra su situación abstracta de imparcialidad (...) y procedan en las condiciones legales para poder actuar como tales titulares del órgano» (Enterría, Eduardo García de, Fernández, Tomás-Ramón, Curso de Derecho Administrativo, 6." ed., Civitas, Madrid, 1993, p. 526). A ordem emanada de autoridade ou funcionário legalmente competente à qual falte um qualquer elemento essencial, se desrespeitada, não integra a previsão penal.

Em segundo lugar, recorde-se que a ordem ou mandato, para além da competência e legitimidade, exigem ser regularmente comunicados. Ao omitir este requisito, o tipo criminal descrito no projecto ganha uma extensão que o artigo 388.° do Código Penal não consente. A formulação projectada — por mais uma vez se regista — arroga-se a criar novo recorte de um tipo penal, invadindo a reserva de acto legislativo parlamentar por não ter presente a sua condição de simples acto regulamentar.

Por fim, algumas breves considerações sobre a. previsão, na sempre citada norma do projecto, da entidade delegada do Governador Civil para o efeito de incriminação da desobediência a uma ordem sua.

Já se observou supra que a consagração regulamentar de um tipo penal, ainda que reflectindo rigorosamente o conteúdo de uma previsão contida no Código Penal, é desnecessária, em absoluto. Com efeito, o Governador Civil não pode deixar de ser entendido como autoridade para o efeito de subsunção ao tipo descrito no artigo 388.°, n.° 1, do Código Penal:

Inexistindo no Decreto-Lei n.° 252/92 norma equivalente à do artigo 3.° do Decreto-Lei n.°-103/84, por virtude da qual a desobediência às ordens dadas pelo governador civil, no uso das competências previstas nos §§ 4.° e 5.° do artigo 408.° do Código Administrativo, constituía crime punível nos termos do n.° 3 do artigo 388.° do Código Penal, deixou de haver disposição legal tipificadora do crime de desobediência qualificada para os casos de desobediência às ordens do governador civil que determinem o encerramento de estabelecimento que funcione sem as licenças ou as condições exigidas por lei ou regulamento.

Assim, na falta de disposição legal que mande puni-la nos termos do n.° 3 do artigo 388.°, a desobediência em apreço, uma vez verificados os elementos constitutivos do referido tipo criminal, deverá ser caracterizada e punida como desobediência simples, em conformidade com o disposto no n.° 1 do referido artigo 388.° do Código Penal. [PGR, Parecer, P.° 52/93, DR, U, 19 de Maio de 1994, p. 4933.]

Ora, se o Governador Civil deve ser entendido como autoridade («autoridade administrativa com funções de polícia», PGR, idem, p. 4938) para efeitos do artigo 388.°, n.° 1, do Código Penal, outro tanto há de suceder com a entidade a quem validamente haja delegado tais poderes, por forma a que também esta possa penalmente ser considerada autoridade competente; até porque é punível nos mesmos termos a desobediência a funcionário (cfr. artigo 437.° do Código Penal, sobre o conceito de funcionário), desde que competente, claro está.

Em conclusão, oferece dizer-se, relativamente à previsão regulamentar do crime de desobediência que:

a) A actual formulação é de contornos diversos do tipo de crime previsto e punido nos termos do artigo 388.°, do Código Penal; razão porque, a ser aprovada, incorre em inconstitucionalidade por violação das normas constitucionais contidas nos artigos 18.°, n.<» 2 e 3, 29.°, n.°* 1 e 3, 168.°, n.° 1, alínea c), assim como em ilegalidade por ofensa do artigo 1.°, n.° 1, do Código Penal;

b) A reprodução em regulamento do tipo criminal de desobediência, ainda que fiel, é indesejável por razões de segurança jurídica, tanto como por necessidade de garantias no acesso ao direito por parte dos cidadãos, dado que o Código Penal oferece um sistema (v.g. princípios e regras sobre a exculpação, a justificação e as condições de punibilidade) o qual escapa, de todo, à economia de um regulamento policial, com riscos desnecessários para a unidade sistémica da ordem jurídica;

c) Deve ser eliminado o disposto no artigo 4-.° do projecto, bastando a remissão para as normas penais adequadas:

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Dos estabelecimentos hoteleiros e similares e seu licenciamento; das casas e salões de jogos, das associações de instrução, cultura, recreio, educação física e desporto.

7 — Definição e classificação dos estabelecimentos hoteleiros e similares

O projecto do Regulamento Policial do Distrito de Lisboa regula, no seu capítulo II, os estabelecimentos hoteleiros e similares, os salões e casas de jogos lícitos e as associações de cultura, recreio, educação física e desporto, correspondendo, a cada uma das matérias enunciadas, uma secção do diploma.

Para o que aqui mais releva, procede-se à análise dá Secção I, dedicada aos referidos estabelecimentos, os quais mereceram já consagração e regulação legislativa com a publicação do Decreto-Lei n.° 328/86, de 30 de Setembro, bem como do Decreto Regulamentar n.° 8/89, de 21 de Março.

Existindo um regime legal diferenciado para o sector hoteleiro e similar, cumpre indagar do âmbito e objectivos da regulamentação em projecto e da sua concatenação com o quadro legal definido.

Desde logo, adianta a nota introdutória do projecto de Regulamento que, na elaboração do mesmo, se «teve em conta a legislação entretanto publicada sobre a indústria hoteleira e similar» (cfr. parágrafo 3.°), fixando-se, como objectivos do Regulamento, a harmonização e implementação de princípios fundamentais de diplomas legais relativos ao exercício da indústria hoteleira e similares (cfr. parágrafo 6.°).

Ora é precisamente nestes diplomas — acima identificados — que encontramos as normas de definição e classificação dos estabelecimentos hoteleiros e similares. Por seu turno, o projecto de regulamento dedica os seus 5.° e 6.° artigos ao mesmo propósito.

De um modo geral, a definição e classificação dos estabelecimentos hoteleiros constantes do projecto de diploma em análise mais não são do que a reprodução do que foi prévia e legalmente fixado. A correspondência entre o artigo 5.°, n.° 1, do regulamento policial e o artigo 11.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 328/86, de 30 de Setembro é evidente. O mesmo resulta da comparação entre as disposições contidas nos artigos 5.", n.° 2, 5.°, n.° 3 e 5.°, n.°4 do Regulamento e a redacção dos artigos 12.°, n.° 1, 12.°, n.°2, e 12.°, n.°3, do diploma legal citado.

Relativamente aos estabelecimentos similares dos hoteleiros, as conclusões de uma análise comparativa entre as disposições dos diplomas em apreço não diferem substancialmente do que acima se escreveu. Vai o Regulamento, contudo, mais longe na enumeração dos estabelecimentos integrados em cada grupo, incluindo as tabernas no elenco do designado Grupo 2 (estabelecimentos de bebidas).

Não se formula qualquer objecção. Com efeito, a formulação enunciativa da lei permite-o. Acresce que vemos as tabernas surgirem como uma categoria específica de estabelecimentos similares de bebidas, como o são os estabelecimentos de luxo, de 1.*, de 2.* e de 3.', constando estas diversas categorias do artigo 304.°, n.° 1, do Decreto Regulamentar n.° 8/89, de 21 de Março. Fixa ainda este mesmo diploma, no seu artigo 309.°, os requisitos mínimos para a atribuição da categoria de taberna a um estabelecimento.

Assim, não se acompanha a nota crítica formulada em

Reclamação já analisada por esta Provedoria, nos termos da qual «a lei hoteleira não atribui a qualificação e classificação de taberna». Esta afirmação, como se viu, é infirmada pela leitura do citado artigo 309.°

Por último, consagra o projecto de Regulamento um preceito sobre os chamados estabelecimentos mistos (cfr. artigo 7.°). Nesta sede, é também nítida a quase repetição da estatuição legal contida no artigo 15.°, do Decreto-Lei n.° 328/86, de 30 de Setembro, havendo mesmo lugar a uma reprodução do estatuído no seu n.° 3, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 149/88, de 27 de Abril (cfr. artigo 7.6, n.° 2, do projecto regulamentar).

Quanto a esta disposição em particular — a contida no mencionado artigo 7.°, n.° 2 —, questiona-se a utilidade da sua introdução num articulado como o que se analisa. Com efeito, dita o preceito que «sempre que a dimensão, a compartimentação e as características do estabelecimento o justifiquem poderão ser atribuídas categorias diferentes às diversas secções, a requerimento dos interessados, nos termos a fixar por portaria». Acontece que a classificação e categorização dos estabelecimentos hoteleiros e similares não é da competência dos Governadores Civis. Assim sendo, a norma descrita surge deslocada no texto regulamentar, destinado este a «regulamentar o exercício das atribuições policiais do Governo Civil de Lisboa [...] bem como de outras competências que legalmente lhe são conferidas», como se pode ler no seu artigo 1.°, cuja redacção mereceu já um juízo crítico no presente parecer (cfr. supra, Capítulo II).

Quanto às disposições contidas nos artigos 5.°, 6.° e 7.°, n.° 1, importa ainda um comentário. Como se viu, não deparamos com novidades relativamente àquilo que é disposto por lei. Também não se compreenderia que aquilo que é considerado hotel em Lisboa o não fosse no Porto ou qualquer outro distrito, ou (vice-versa). Aliás, nem tal poderia ocorrer, tendo em conta o princípio da hierarquização normativa das fontes de Direito, sob pena de derrogação de normas legais por normas regulamentares,' as quais se destinam à boa execução das primeiras. Não se repetem considerações anteriormente expendidas sobre os princípios da primazia e precedência de lei, corolários do princípio enunciado. Contudo, importa reiterar a incongruência verificada com a regulação das matérias em causa num diploma que se propõe regulamentar competências do Governo Civil que não estejam previstas em lei ou regulamento geral. As sugestões acima apontadas no sentido da alteração do artigo 1.°, do diploma em análise, bem como do artigo 4.", n.° 3, alínea c), do Decreto-Lei n.° 252/92, de 19 de Novembro afiguram-se aptas a eliminar a incongruência detectada (cfr. supra).

Admitindo-se a manutenção das normas contidas nos citados artigos 5.°, 6.° e 7.°, n.° 1, não se pode deixar de criticar a sua redacção. Reproduzindo o que é legalmente disposto, ficam as disposições citadas irremediavelmente sujeitas as vicissitudes legislativas que venham a ocorrer, máxime no que concerne a classificação dos estabelecimentos hoteleiros e similares. Tal é corroborado por um dado de facto: está em curso o procedimento legislativo de alteração da lei hoteleira. Este facto aconselharia maior prudência.

Pelo exposto, é nossa opinião que as disposições relativas à definição e classificação dos estabelecimentos hoteleiros e similares devem operar uma remissão genérica pára a lei hoteleira em vigor, sede por excelência das

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matérias tratadas, permitindo-se assim uma aplicação sempre actualizada do diploma. Em conclusão, propõe-se:

a) A alteração da redacção dos artigos 5.°, 6.° e 7.°,

n.° 1, do projecto de regulamento, nos termos descritos;

b) A eliminação do artigo 7.°, n.° 2, do mesmo diploma.

8 — Regime de licenciamento dos estabelecimentos hoteleiros e similares

O Capitulo IH do projecto do Regulamento Policial disciplina o licenciamento dos estabelecimentos, em foco.

Importa analisar que tipo de licenciamento é regulamentado, tendo em atenção o quadro legislativo actual.

Com efeito, condiciona-se a exploração dos estabelecimentos ao prévio licenciamento policial, como se infere da leitura do artigo 21.°, n.° 1, do projecto, sendo esse licenciamento titulado pelos designados alvarás de abertura e pelas licenças de funcionamento, consoante se trate da abertura ou do funcionamento dos estabelecimentos, nos termos do seu artigo 21.°, n.°2.

Delimita-se, assim, o âmbito do licenciamento regulado, excluindo-se outros procedimentos licenciadores, bem como os demais actos permissivos previstos na lei, dos quais encontramos exemplos na lei hoteleira (a aprovação da localização e dos projectos dos estabelecimentos hoteleiros, prevista nos artigos 4.°, n.° 1, alínea a), e 5.°, n.° 1, alínea b), do Decreto-Lei n.° 328/86, de 30 de Setembro), bem como no diploma que estabelece o regime do licenciamento municipal de obras particulares (Decreto--Lei n.° 445/91, de 20 de Novembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.° 29/92, de 5 de Setembro e pelo Decreto-Lei n.° 250/94, de 15 de Outubro).

Numa primeiríssima análise, verifica-se que os chamados alvarás de abertura encontram o seu regime definido na lei hoteleira e respectivo decreto regulamentar. Diversamente, as licenças de funcionamento são uma inovação do projecto regulamentar em análise.

Quanto a este segundo aspecto, já foi focado o desvirtuamento da norma contida no artigo 4.°, n.° 3, alínea b), do Estatuto dos Governos Civis, a qual limita a competência de licenciamento para o exercício de actividades aos «termos da lei» (cfr. supra, Capítulo II).

No que concerne a regulação dos alvarás de abertura, ficou, do mesmo passo, ressaltada a falta de sintonia com o disposto no artigo 4.°, n.° 3, alínea c), do citado Estatuto, con-cluindo-se, no entanto, pela necessidade de reformulação da disposição legal em causa, sob pena de esvaziamento da função normativa dos regulamentos policiais, pois circunscrita à regulamentação de competências não merecedoras de prévio enquadramento legal e regulamentar.

Uma breve nota, ainda, com uma chamada de atenção para a imprópria redacção do artigo 21.°, n.° 2, do projecto regulamentar, pois onde se escreve «cumulativamente» dever-se-ia ter escrito «respectivamente», na medida em que corresponde diferente acto permissivo a cada um dos factos regulados em sede de previsão da norma, a abertura do estabelecimento e o funcionamento do mesmo estabelecimento.

8.1 — Alvará de abertura

Nos termos da lei hoteleira, a competência para a emissão dos designados alvarás de abertura é conferida ao

Governo Civil, o que vai ao encontro da afirmação preambular no sentido de que «dentro do princípio da desburocratização da Administração, centralizou-se o processo de abertura dos estabelecimentos nos governos civis,

evitando-se, assim, a necessidade de recorrer a vários serviços distintos».

Fundamentalmente, o regime adoptado, posteriormente desenvolvido no Decreto Regulamentar n.° 8/89, é o seguinte:

Compete ao Governo Civil a emissão do alvará onde conste a autorização de abertura dos estabelecimentos hoteleiros e similares, como se determina no artigo 37.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 328/86, de 30 de Setembro.

O respectivo procedimento é desencadeado por iniciativa particular através de um requerimento formulado para o efeito. Esse requerimento, não obstante ser dirigido ao Governo Civil, pode ser apresentado na Câmara Municipal da área do empreendimento (cfr. artigos 315.°, n.° 1, e 318.°, n.° 1, do Decreto Regulamentar n.°8/89, de 21 de Março).

Deve o Governo Civil proceder às consultas às entidades e serviços competentes, concretamente a Direcção--Geral do Turismo, as Câmaras Municipais e a Direcção--Geral dos Espectáculos (todas mencionadas no artigo 36.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 328/86, de 30 de Setembro), bem como o Serviço Nacional de Bombeiros, consoante os casos, dispondo para tal, do prazo de quinze dias (cfr. artigo 320." do Decreto Regulamentar n.° 8/89, de 21 de M,arço). As entidades e serviços consultados devem pronunciar-se sobre o requerido, após vistoria ao empreendimento, nos trinta dias seguintes à consulta, valendo o silêncio como deferimento tácito (cfr. artigo 320.°, n.os 1 e 2, do Decreto Regulamentar sempre citado).

Hesitando a lei na designação dos actos de pronúncia das entidades e serviços competentes (pareceres? autorizações? licenças?), não deixa de qualificar as respostas da Direcção-Geral do Turismo e das Câmaras Municipais como autorizações. Abstemo-nos, no entanto, de analisar este aspecto, o qual toca a — nèrri sempre fácil — distinção entre licença e autorização, porquanto não se circunscreve à economia do presente parecer.

Não é despicienda a intervenção das entidades e serviços referidos. Com efeito, é-lhes conferido o poder de «sujeitar a respectiva autorização ou licença à satisfação de determinados condicionamentos não impeditivos da emissão do alvará de abertura», conforme preceitua o artigo 38.°, n.° 3, do Decreto-Lei n.° 321/86, de 30 de Setembro. De sobrelevar igualmente, a vinculatividade dos actos das entidades consultadas, o que é consagrado na mesma disposição legal.

Do exposto resulta uma escassa margem de autonomia na decisão final do Governo Civil, o que é corroborado pelo facto de ter sido fixado o curto prazo de cinco dias para a emissão do alvará.

Antes de sè prosseguir a análise descritiva do que é disposto na lei a este respeito, importa tomar posição quanto à natureza jurídica do alvará de abertura.

A uma primeira vista, o alvará não seria mais do que o título das autorizações e licenças das entidades consultadas, à semelhança do que acontece noutros procedimentos licenciadores. No entanto, não é este o sentido da lei. Desde logo, porque o artigo 36." do Decreto-Lei n.° 321/86, de 30 de Setembro, faz depender o início da exploração dos estabelecimentos da autorização do governo civil respectivo, a par das outras entidades a que já nos referimos. Acresce que o mesmo diploma atribui significado jurídico

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ao silêncio do Governo Civil, transcorridos os cinco dias

de que dispõe para decidir, interpretando aquele silêncio como aprovação do pedido do requerente (cfr. artigo 39.°, n.° 2). Tudo isto vai ao encontro da atribuição genérica de competências de licenciamento aos governos civis contida no artigo 4.°, n.° 3, alínea b), do Decreto-Lei n.° 252/92, de 19 de Novembro.

Vimos, no entanto, que a decisão do Governo Civil está vinculada às decisões/pareceres das entidades e serviços consultados; mas essa vinculação só opera caso estas entidades e serviços se pronunciem desfavoravelmente. Aproximamo-nos, da figura dos «pareceres conformes ou meramente vinculantes», distinguidos pela doutrina dos chamados «pareceres imperativos». Poderá caracterizar-se o parecer conforme como aquele que «sendo de sentido desfavorável à proposta ou pretensão do particular motivará por si só e necessariamente o respectivo indeferimento; mas se ao contrário se apresenta de sentido favorável àquela proposta ou pretensão, nem por isso impedirá a administração activa de resolver pelo indeferimento. [...] Dizendo de outra forma: o parecer vinculativo aqui previsto [...] é vinculativo apenas na área de competência sobre a qual o órgão consultivo se encontra por lei obrigado a pronunciar-se» (cfr. Araújo, José Luís, e Costa, João Abreu, Código do Procedimento Administrativo Anotado, Estante Editora, Aveiro, 1993, p. 459, anotação ao artigo 98.° do CPA).

Mas, ainda que não qualificássemos os actos das entidades consultadas como pareceres, isto é, como actos preparatórios da decisão final do governo civil, não poderíamos chegar a diversa conclusão. A autorização de abertura do governo civil é uma competência a exercer discricionariamente, pautada contudo, pelo devido respeito às «áreas de competência» das entidades e serviços intervenientes, como já o deixamos observado. Em reforço desta nota contamos com o que é determinado no artigo 322.°, n.° 1, alínea a), do Decreto Regulamentar n.° 87 89, nos termos do qual, deverão os pareceres das entidades consultadas conter «todos os elementos da sua competência que, relativamente a cada empreendimento, deverão constar do alvará de abertura».

Passemos à análise do artigo 23." do projecto de regulamento, o qual vem fixar os factores de ponderação da decisão do governo civil, a saber:

a) Adequação das instalações, nomeadamente quanto à higiene e salubridade, isolamento acústico e segurança contra incêndios;

b) Localização' dos estabelecimentos, atendendo-se à sua proximidade de estabelecimentos de ensino ou saúde, habitações ou outros que possam ser prejudicados com o funcionamento daqueles;

c) Idoneidade cívica e moral do requerente ou do explorador do estabelecimento em função dos respectivos, registos criminal e policial.

Estas disposições regulamentares, constantes das alíneas a) a c) do artigo 23.°, n.° 1, do projecto em análise, correspondem ao que é disposto no artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento Policial do Distrito da Guarda (publicado no DR, II Série, n.°204, de 31.08.1993), bem como ao que vem previsto no artigo 12.°, n.° 1, do Regulamento Policial do Distrito do Porto (publicado no DR, II Série, n.° 86, de 13.04.1993), não constituindo absoluta novidade do texto em apreciação. Merecem, no entanto, todos eles, crítica incisiva.

Relativamente à primeira alínea transcrita, pode-se questionar a competência técnica do governo civil para apreciar a adequação das instalações de um estabelecimento hoteleiro ou similar. Note-se que o estado das instalações de um empreendimento é sujeito a fiscalização pela Direcção-Geral do Turismo ou pelas câmaras municipais, consoante se trate de um estabelecimento hoteleiro ou similar (cfr. artigos 4.°, n.° 1, alínea h), e 5.°, n.° 1, alínea e), do Decreto-Lei n.° 328/86, de 30 de Setembro), podendo ocorrer essa fiscalização a todo o tempo. Tal é, aliás, plenamente justificado na prognose de degradação das instalações de um empreendimento pelas vicissitudes do seu funcionamento.

Na fase de abertura, porém, a adequação das instalações mereceu já ponderação, mormente aquando da aprovação dos respectivos projectos. Aprovados estes, os vectores salubridade e higiene foram, inclusivamente, objecto de especial ponderação com a emissão da chamada licença sanitária, nôs termos das instruções aprovadas pela Portaria n.°6065, de 30 de Março de 1929. Também às licenças sanitárias se refere o artigo 36.°, n.° 1, alínea c), primeira parte, do Decreto-Lei n.° 328/86, de 30 de Setembro, não obstante se estranhe a referência legal a estas licenças quando é afirmado na mesma lei que o alvará de abertura «substitui todas as licenças e alvarás que eram exigidos para efeitos da exploração destes estabelecimentos até à entrada em vigor do presente diploma» (cfr. artigo 37.°, n.° 2, da lei em apreço).

Parece-nos, assim, que a apreciação pelo governo civil das condições de salubridade e segurança de um estabelecimento só deve ter lugar nos casos em que não haja sido emitida a licença sanitária, na linha do que vimos defendendo sobre as diversas áreas de competência das várias entidades intervenientes no complexo procedimento licenciatório dos estabelecimentos hoteleiros e similares.

O pressuposto específico de apreciação constituído pela segurança contra incêndios, consta já do parecer do Serviço Nacional de Bombeiros, sendo para mais, vinculativo. Neste domínio há uma clara intromissão em área de competência de outra entidade; a quem cabe de resto, a emissão do denominado certificado de conformidade, caso seja favorável o parecer nesta matéria (cfr. artigo 322.°, n.° 4, do Decreto Regulamentar n.° 8/89, de 21 de Março).

Não resta senão, concluir pela desnecessidade de intervenção do governo civil no domínio em apreço.

Quanto ao isolamento acústico dos edifícios, será de ter em conta o que prescreve o Regulamento Geral sobre o Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei n.°251/87, de 24 de Junho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 292/89, de 2 de Setembro, bem como a demais legislação aplicável. Merecerá o assunto algum desenvolvimento, em capítulo próprio (cfr. infra, capítulo IV), nomeadamente no que respeita às competências dos governos civis conferidas pelos diplomas identificados, embora se justifique uma breve nota preliminar sobre o assunto. Neste campo, não se ignora o Decreto-Lei n.°271/ 84, de 6 de Agosto, quando «estabelece disposições relativas à construção de instalações destinadas a boítes, discotecas e certos espectáculos ao ar livre e outras actividades similares, na perspectiva de controle da poluição sonora».

Não obstante a formulação redutora do seu preâmbulo, tem este diploma aplicação aos estabelecimentos hoteleiros e similares na citada perspectiva de controle da poluição sonora, quer no que concerne a aprovação dos respectivos projectos, quer para efeitos de autorização de abertura. Para

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o que nos move, reitera-se o entendimento da revogação das normas deste diploma pelo Decreto-Lei n.° 251/87, de 24 de Junho, com excepção das normas contidas no seu artigo 4." Estas conferem competencia regulamentar ha matéria e são, como tal, preciosas para a validade dos regulamentos distritais de polícia, atenta a extrema parcimônia do Decreto-Lei n.° 252/92, de 19 de Novembro.

Nesses termos, não se formula qualquer objecção ao facto de incluir o vector «isolamento acústico» entre os factores de ponderação da autorização de abertura dos estabelecimentos hoteleiros e similares, por forma a respeitar os limites contidos no Regulamento Geral sobre o Ruido.

Se, como vimos, a alínea o), do n." 1 do artigo 23.° do projecto de regulamento merece alguns reparos — dos quais se extraem as conclusões infra sumariadas —, já a redacção da alinea subsequente se afigura inadmissível. Vejamos porquê.

A localização dos estabelecimentos em causa é necessária e precedentemente aprovada pela Direcção-Geral do Turismo ou pela Câmara Municipal competente, conforme os casos, sendo que, na primeira hipótese, ocorre igualmente consulta à edilidade camarária para o efeito [cfr. artigos 4.°, n.° 1, alínea a), e 5.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n.° 328/86, de 30 de Setembro]. Nesta vertente, exercem-se competências determinadas pela polícia urbanística, a qual se distingue, enquanto polícia especial, da chamada polícia geral (orientada para a salvaguarda da ordem, tranquilidade è salubridade públicas), esta sem dúvida a prosseguir pelos governos civis (sobre a distinção enunciada, veja-se Vedei, Georges, e Delvolvé, Pierre, ob. cit., tomo 2, cit., pp. 679 e segs.).

Registe-sé ainda que a denegação da autorização de abertura fundada numa inadequada localização do estabelecimento consubstanciaria uma revogação do acto de aprovação da localização desse mesmo estabelecimento, para mais sendo este um acto constitutivo de direitos e, como tal, especialmente protegido no que concerne à sua revogabilidade [nesse sentido, cfr. artigo 140.°, n.° 1, alínea b), do Código do Procedimento Administrativo].

Resta-nos concluir pela necessidade de supressão do preceito em análise para efeitos de aprovação do projecto do regulamento distrital objecto do'presente parecer. Do rriesmo passo, são de suprimir os n.os 1 e 2 do artigo 32.°, porquanto, embora limitados aos estabelecimentos similares do grupo 3, é-lhes aplicável o raciocínio seguido quanto ao vector da localização de estabelecimentos em geral.

Por último, cumpre analisar a terceira alínea do artigo 23.°, n.° 1, do Regulamento, nos termos da qual, a apreciação da idoneidade cívica e moral do requerente ou do explorador do estabelecimento passa a ser um elemento determinante do deferimento ou indeferimento da autorização de abertura de um estabelecimento.

Observe-se que enquanto os factores de ponderação enunciados nas duas primeiras ais. do preceito nos permitem caracterizar a autorização de abertura como uma licença impessoal, já a citada alínea c) — ora em análise — aproxima a figura das denominadas licenças pessoais. Esta distinção doutrinária encontra expressão nas palavras de Marcello Caetano ao ensinar, a propósito das licenças que estas «são pessoais quando, para a sua concessão, se atende às qualidades ou requisitos individuais do beneficiário. São impessoais quando as circunstâncias a atender são independentes das qualidades e comportamento de uma pessoa determinada, como sejam as condições de instalação de uma indústria, as da situação de um,prédio, etc.» (cfr.

do Autor, Manual de Direito Administrativo, vol. 13, 10.° edição, 4.* reimpressão, Almedina, Coimbra, 1991, p. 1168).

Se pretendêssemos qualificar o alvará de abertura "dos estabelecimentos hoteleiros e similares, optaríamos pela designação «licença mista», tendo em conta o seu regime e a divisão classificatória acima exposta.

Especificamente no que concerne ao derradeiro vector de ponderação, não podemos deixar de propugnar a eliminação da referência ao registo policial do interessado. Com efeito, a mera suspeição da prática de actos delituosos ou criminais não pode influenciar a decisão do governador civil. De outro modo, assistiríamos a um claro desequilíbrio entre o fim público a prosseguir — de prevenção da ocorrência de danos sociais com a emissão do alvará de abertura — e a reserva da vida privada dos cidadãos, constitucionalmente consagrada, bem como ao desvia tuamento do princípio da presunção de inocência dos arguidos até decisão judicial condenatória.

Além disso, é função do registo policial, regulado na Portaria n.° 1223-A/91, de 30 de Dezembro (de duvidosa conformidade constitucional), a vigilância sobre pessoas suspeitas da prática de infracções criminais, não devendo relevar para efeitos do exercício de actividades lícitas, como é o caso.

Quanto ao registo criminal do interessado, parece-nos legítima a sua consulta para fins de ponderação da decisão a tomar, desde que não se entenda a denegação da autorização de abertura como um efeito necessário de uma qualquer condenação judicial, pois tal é proscrito pelo artigo 30.°, n." 4, da Constituição da República Portuguesa. Por outras palavras, deverá ser estabelecida a conexão entre o crime praticado e o indeferimento do pedido de início de exploração de um estabelecimento, a basear num juízo de prognose. Aqui, o dever legal de fundamentação surge como uma garantia insubstituível da legalidade da decisão do governo civil e seu controle, para mais sendo a decisão tomada no exercício de poderes discricionários, normativamente conferidos.

Conclui-se, afinal, pela:

a) Alteração da redacção das alíneas a) e c) do n.° 1 do artigo 23.°;

b) Supressão da alínea b) do mesmo preceito.

8.2 — Alvará provisório

Passa-se à análise do artigo 24.° do projecto regulamentar. Regulam-se, neste ponto os chamados alvarás provisórios, a conceder ainda que o estabelecimento não preencha a totalidade dos requisitos para a respectiva emissão, verificado o respeito pelas condições fixadas nas alíneas a) a e) do seu n.° 1, acautelados os factores de ponderação que acima enunciámos e desde que assim o entenda o governador civil.

Verifica-se, contudo, que aquilo que o projecto de regulamento designa como alvará provisório nada tem a ver com os alvarás provisórios regulados na lei hoteleira.

Estes titulam as autorizações condicionadas nos termos definidos pelas autoridades intervenientes. Diz a lei que «o alvará terá carácter provisório enquanto a entidade que fixou os condicionamentos não comunicar ao governo civil que os mesmos foram cumpridos» (cfr. artigo 39.°, n.° 5, do Decreto-Lei n.° 328/86, de 30 de Setembro).

Ao invés, o projecto de regulamento liga a figura dos alvarás provisórios ao decurso dos prazos da respectiva

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emissão, bem como à existência de pareceres favoráveis de certas entidades.

Verifica-se, porém, que o decurso dos prazos previstos para a pronúncia das entidades consultadas sem que estas o façam, tem como efeito consideràrem-se tacitamente concedidas as autorizações e licenças da sua competência (cfr. artigo 38.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 328/86, de 30 de Setembro), sendo que o mesmo tem lugar no silêncio do governador civil, transcorridos os cinco dias para a respectiva decisão (cfr. artigo 39.°, n.05 1 e 2, do mesmo diploma). Neste caso, não pode o governo civil recusar a emissão do alvará, desde que pagas as taxas devidas (cfr. artigo 39.°, n.° 3, idem).

Não se entende, por isso, o disposto no artigo 24.° do projecto de regulamento, pois de duas, uma: ou decorreram os prazos de decisão das várias entidades e do próprio governo civil, caso em que será emitido o alvará (definitivo) de abertura, como vimos, ou depende a emissão do alvará provisório dos condicionamentos e respectivos prazos fixados pelas entidades consultadas, nos termos da lei. A figura regulada no artigo 24." não encontra qualquer correspondência na lei.

Por isso se conclui pela eliminação do preceituado no artigo 24.° do projecto regulamentar.

8.3 — Licenças de funcionamento

Como anteriormente foi referido, não encontramos enquadramento legal para as chamadas licenças de funcionamento.

Com efeito, deparámos apenas com uma referência na lei a este tipo de licenças, concretamente nas disposições contidas no artigo 50.°, do Decreto-Lei n.° 445/91, de 20 de Novembro (regime jurídico do licenciamento municipal das obras particulares):

1 — A licença prevista em legislação especial para efeitos de funcionamento do estabelecimento só pode ser emitida mediante exibição do alvará de licença de utilização emitido pela Câmara Municipal.

2 — A vistoria necessária à emissão da licença de funcionamento deve, sempre que possível, ser realizada em conjunto com a vistoria municipal.

É nossa opinião que, pese embora a formulação do preceito legal transcrito referir as licenças de funcionamento, pretende-se remeter para os alvarás de abertura, estes sim, previstos em legislação especial. En passant sempre se poderia criticar o preceito em causa, não. pelo seu conteúdo, mas pela sua formulação e integração sistemática, visto melhor se enquadrar na própria lei hoteleira ou respectivo decreto regulamentar, ou mesmo no articulado de um regulamento policial.

Reforça-se, estamos em crer, o entendimento da inexistência de cobertura legal da figura das licenças de funcionamento. Desse facto já retirámos as devidas consequências (cfr. supra, capítulo II), pelo que nos abstemos de considerar de novo a questão.

Cumpre analisar os preceitos regulamentares (entenda--se: contidos no projecto do regulamento policial do distrito de Lisboa) que a estas licenças se referem.

Desde logo, é condicionada a exploração dos estabelecimentos hoteleiros e similares ao licenciamento dos mesmos, o que passa pela emissão do alvará de abertura e pela concessão das licenças de funcionamento reguladas no di-p\oma em projecto (cfr. artigo 21.°, n.os 1 e 2). Não é por

acaso que mereceram já as licenças de funcionamento a designação de «licenças de porta aberta» em outros regulamentos policiais [cfr., a título exemplificativo, o artigo 21.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento Policial do Distrito de Viana do Castelo, publicado in DR, JJ Série, n.°256, de 2.11.1993). São várias as modalidades de licenças de funcionamento, como se infere da leitura do artigo 25.°, n.° 1, do projecto de regulamento. Nos termos da disposição regulamentar citada, podem sei concedidas as seguintes licenças de funcionamento:

d) De antecipação da hora de abertura, a partir das 6 horas;

b) Das 8 às 21 horas;

c) Das 21 às 24 horas;

d) Das 24 às 2 horas;

e) Das 24 às 4 horas;

f) Das 24 às 6 horas;

g) De funcionamento contínuo.

Como se pode ver do quadro exposto, as licenças de funcionamento destinam-se primacialmente a fixar o horário de funcionamento dos estabelecimentos. A matéria será desenvolvida em sede própria.

Relativamente às licenças previstas nas alíneas d) a /), faz-se depender a respectiva emissão de vistoria prévia, para efeitos de medição acústica,'bem como da ausência de parecer desfavorável da câmara municipal (cfr. artigo 25.°, h.° 5). Note-se, aqui, que em matéria de licenciamento de «casas de espectáculos, boates, âiscotecas,

bares e estabelecimentos congéneres», a obrigatoriedade de consulta à câmara municipal competente resultava já da lei (cfr. artigo 1.°, n.° 1, da Lei n.°2/87, de 8 de Janeiro) e que o parecer desfavorável da edilidade camarária determina o indeferimento do pedido de licenciamento ou autorização pela entidade competente, sob pena de nulidade desta decisão, nos termos do artigo 2.° da citada lei. .

Não especifica o projecto de regulamento os critérios a ter em conta na concessão de uma licença de funcionamento, a qual poderá ser escolhida de entre as várias modalidades enunciadas. A discricionariedade da escolha é limitada, no entanto, por se fazer corresponder aos estabelecimentos hoteleiros a chamada licença de funcionamento contínuo (cfr. artigo 25.°, n.° 8), bem como, por se circunscrever aos estabelecimentos similares de hoteleiros, do grupo 2, a possibilidade de concessão de uma licença de antecipação da hora de abertura (cfr. artigo 25.°, n.°2).

Para além disso, estabelece-se como condicionamento genérico da concessão e renovação das licenças o que «em matéria de limites horários, for estabelecido pelos regulamentos municipais do concelho onde se localizem os estabelecimentos» (cfr. artigo 25.°, h.° 2).

Na concessão das licenças deve ainda reter-se o respectivo regime procedimental, isto é, as exigências regulamentares relativas à instrução do pedido de licenciamento. Para tal são exigidos, além do alvará de abertura válido, os seguintes documentos:

a) Identificação do requerente;

b) Títulos de propriedade ou documento que legitime a ocupação das instalações;

c) Documento comprovativo da apresentação da declaração de rendimentos do requerente, ou prova de que está isento, relativa ao ano fiscal anterior;

d) Qualquer outro documento exigido por lei ou pelo governador civil.

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Não nos merecendo qualquer reparo, as exigencias coñudas nas duas primeiras alíneas, não podemos concordar com a formulação das terceira e quarta alíneas, a que correspondem as alíneas c) e d) do artigo 28.°, n.° 1, do projecto.

Quanto à alínea c), propõe-se a sua supressão, porquanto não nos parece possível estabelecer qualquer conexão entre o horário de funcionamento a licenciar e o cumprimento das obrigações fiscais pelo requerente. Acresce não deter o governador civil qualquer competência fiscalizadora na matéria, pelo que a exigência é desprovida de qualquer sentido razoável.

Em relação à alínea d), somos por suprimir a sua parte final, a qual confere ao governador civil a faculdade de exigir a apresentação de qualquer documento que lhe aprouva. A manter-se tal exigência, sempre seria aqui de ressaltar a possibilidade conferida aos particulares de recusa das determinações do governador civil, nos casos previstos no artigo 89.°, n.° 2, do Código do Procedimento Administrativo.

Se quanto à concessão das licenças, o projecto de regulamento é parco na definição dos respectivos critérios, relativamente à denegação das mesmas licenças deparamos com mais um preceito que merece a nossa atenção. Referimo-nos à disposição contida no artigo 28.°, n.° 2, do projecto, nos termos da qual «as licenças poderão ser recusadas se o governador civil ou entidade delegada entenderem, no âmbito dos seus poderes, que o registo criminal ou policial do requerente é susceptível de suscitar dúvidas quanto à manutenção da ordem e moral públicas ou quanto ao descanso e tranquilidade dos habitantes da zona».

Este preceito deverá ser eliminado do texto em análise. Com efeito, se admitimos (com reservas), a ponderação do registo criminal (nunca, do registo policial) para efeitos da emissão do alvará de abertura, tal deve-se ao facto de este titular a autorização do exercício de uma actividade (a exploração de um estabelecimento) por parte do interessado. Diversamente, as licenças de funcionamento limitam-se a estabelecer os parâmetros horários do exercício dessa actividade, sendo aqui irrelevante o carácter ou, parafraseando o projecto de regulamento, a «idoneidade cívica e moral», do requerente ou explorador do estabelecimento. Por outras palavras, a licença de funcionamento deverá caracterizar-se como uma licença impessoal, de acordo com a classificação doutrinária a que já nos referimos.

Por último, atentemos na renovação das licenças e nos respectivos requisitos. Sendo aquela automática, isto é, só não operando mediante expressa declaração do beneficiário em contrário (cfr. artigo 29.°, n.° 1), exige-se, no acto do respectivo levantamento, a exibição dos documentos constantes das alíneas a) a c) do artigo 29.°, n.°3, do texto regulamentar. A primeira alínea não suscita qualquer reparo, mas já às duas seguintes é de aplicar, mutaíis mutandis, o entendimento perfilhado relativamente aos dois últimos requisitos da instrução do pedido de concessão das licenças (cfr. supra), suprimindo-se a alínea b) e a parte final da alínea c). Propõe-se, em sua substituição, a exibição do alvará de abertura do estabelecimento ou cópia do mesmo, autenticada nos termos gerais.

9 — Licenciamento dos jogos, casas e salões de jogos

O artigo 11." do projecto de regulamento define os salões e casas de jogos lícitos como os estabelecimentos

ou outros recintos com acesso ao público, onde se pratiquem jogos que não sejam proibidos por lei e não sejam por esta qualificados como de fortuna ou de azar. Desta forma, encontram-se, desde já, excluídos do âmbito da regulamentação os salões onde se explore o jogo do bingo e os casinos. Com efeito, o jogo do bingo é, pela lei, expressamente qualificado como um jogo de fortuna ou azar (cfr. Decreto-Lei n.° 277/82, de 16 de Julho, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 13/84, de 9 de Janeiro e o Regulamento do Jogo do Bingo, aprovado pelo Despacho Normativo n.° 148/82, publicado no DR, ü. Série, n.° 162, de 16.07.1982).

Os jogos de fortuna ou azar, bem como os salões e casas onde se praticam (nomeadamente os casinos), encontram sede própria no Decreto-Lei n.° 422/89, de 2 de Dezembro, diploma que, não obstante ser considerado a lei de bases do jogo, confina a sua regulação aos jogos de fortuna ou azar, isto é, aqueles que dependem exclusiva ou fundamentalmente da sorte. Note-se que, nos termos do artigo 32.°, n.° 1, do citado Decreto-Lei n.° 422/89, de 2 de Dezembro: «os jogos de fortuna ou de azar são explorados em salas especialmente concebidas para a respectiva prática e actividades inerentes», sendo a sua exploração apenas permitida em casinos (cfr. artigo 1.°, do mesmo diploma), ou excepcionalmente, em navios, aeronaves e zonas desalfandegadas das partidas internacionais dos aeroportos (cfr. artigo 6.°, n." 1). Quando praticados em máquinas, e igualmente a título excepcional, pode o membro do Governo da tutela, ouvidas a Inspecção-Geral de Jogos e a Direcção-Geral do Turismo, autorizar a exploração e a prática do jogo «[...] em estabelecimentos hoteleiros ou complementares» (cfr. artigo 7.°, n.° 2). Já quanto ao jogo do bingo, a sua exploração deve efectuar--se em salas próprias (cfr. artigo 8.° da Lei do Jogo).

O regime jurídico da exploração dos jogos de fortuna ou azar, que em parte sumariámos, não tem, no entanto, grande relevância para o estudo que nos propomos sintetizar.

O projecto de regulamento incide sobre os jogos não considerados de fortuna ou azar, nomeadamente:

a) Os jogos infantis — assalto, cavalinho, glória, gamão e setas;

b) Os jogos de estratégia mental:

Grupo 1 (simples de cartas) — belote, besugo, garujo, bisca, crapoud, ronda, solo e sueca;

Grupo 2 (complexos de cartas) — lopa, burro americano, bluff, bridge, canasta, gulefe ou gulepe, mosca, manilha, tute, poker (com dados ou cartas), trempe e king;

Grupo 3 — damas, dominó e xadrez;

c) Os jogos de perícia psicomotora — bilhar, laranjinha de sala ou chinês, pistas de automóveis (miniatura), futebol de mesa e de matraquilhos, malha ou chinquilho;

d) Os jogos de diversão áudio-visuais — máquinas eléctricas, electrónicas e electromecânicas.

Estes jogos, cujas modalidades vêm descritas t\o artigo 12.°, n.° 1, do projecto de regulamento, carecem de licenciamento do Governo Civil. A sua exploração depende de licença policial, quer seja exercida em salas ou salões de jogos, quer seja em estabelecimentos hoteleiros e similares ou em associações e outras entidades sem fim lucrativo (cfr. artigo 12.°, n.°4 do projecto de regulamento).

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Quanto às saJas ou salões de jogos lícitos é ainda necessária uma chamada licença de abertura, «a que se aplica, com as devidas adaptações, o que se dispõe quanto ao alvará de abertura dos estabelecimentos hoteleiros ou similares» (cfr. artigo 12.°, n.°8).

Não se repetem aqui as considerações expendidas sobre as disposições regulamentares do alvará de abertura.

Note-se, no entanto que, ao contrário do que sucede com o alvará de abertura e à semelhança do que acontece com as licenças de funcionamento, estas licenças de abertura das casas e salões de jogos não têm, na generalidade, cobertura legal.

Dizemos isto porque se encontra apenas uma disposição legal que refere o licenciamento do local de jogo, cingindo-se aos locais onde se praticam jogos com máquinas de diversão.

Referimo-nos ao Decreto-Lei n.° 21/85, de 17 de Janeiro, cujo artigo 11.°, n.°2, se transcreve:

As máquinas só podem ser exploradas em locais previamente licenciados para a prática de jogos lícitos com máquinas de diversão, nos termos do regulamento policial do governo civil respectivo.

A remissão da lei para os regulamentos policiais parece-nos servir de habilitação para os governadores civis emitirem a licença de abertura dos locais destinados à prática de jogos lícitos com máquinas de diversão, ou seja, «aquelas que, não pagando prémios em dinheiro, fichas ou coisas em valor económico, desenvolvem jogos cujos resultados dependem exclusiva ou fundamentalmente da perícia do utilizador» (cfr. artigo 2.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 21/85, de 17 de Janeiro).

Estas máquinas de diversão surgem, no projecto de regulamento, como uma das modalidades de jogos sujeitos a licenciamento, como resulta da alínea d) do artigo 12.°, n.° 1, a que já nos referimos.

Quanto às outras modalidades de jogos, não se descortina norma legal destinada a regular o seu regime de licenciamento, nem tão pouco a oferecer-lhe fundamento bastante.

Para além desta figura das licenças de abertura, fala ainda o projecto em licenças policiais ou licenças de funcionamento (cfr. artigo 12.°, n.os 4 e 8, primeira parte).

Da leitura das disposições que se lhes referem, concluímos tratar-se do licenciamento da prática ou da exploração dos jogos em causa. Não é, porém, inovação do projecto regulamentar. Já dispunha o Regulamento de Jogos, publicado no Diário do Governo de 12 de Dezembro de 1961, no seu artigo 1.° que «na área do distrito de Lisboa, depende de licença policial a exploração ou a prática de jogos nas salas ou quaisquer dependências de associações ou em estabelecimentos ou outros recintos ou locais onde o público tenha acesso, mesmo quando apenas facultado por meio de convite ou mediante qualquer modalidade de pagamento».

No quadro normativo actual apenas são consideradas as licenças de funcionamento no já mencionado Decreto-Lei n.° 21/85, de 17 de Janeiro, que as designa por «licenças de. exploração», circunscritas, porém, ao «licenciamento de exploração e registo de máquinas automáticas, mecânicas e eléctricas ou electrónicas de diversão e a respectiva exploração e prática», como se pode ler no artigo 1." do diploma legal citado.

O diploma confere competências de licenciamento ao governador civil do distrito onde a máquina de jogo se encontra registada (cfr. artigo 9.°, n.° 1, do mesmo Decreto--Lei n.° 21/85).

Não há regime paralelo para o licenciamento das outras modalidades de jogos, pelo que nos vemos forçados a chamar de novo à colação a disposição contida no artigo 4.", n.° 3, alínea b), do Estatuto dos Governadores Civis, concluindo pela necessidade de cobertura legal nesta matéria.

O projecto de regulamento confere ao governador civil uma amplíssima margem de decisão, preceituando que «em todos os casos a concessão, restrição ou denegação da licença depende do prudente arbítrio do governador civil ou entidade com poderes delegados» (cfr. artigo 13.°, n.° i, 1." parte).

Merece censura a disposição transcrita. O licenciamento da prática ou exploração de jogos enquadra-se num feixe de competências a exercer discricionariamente, mas não pode transfigurar-se no arbítrio, proscrito este de qualquer actuação administrativa pelas garantias do Estado de direito. Traduzindo-se a discricionariedade na faculdade de escolha dos bens e meios vocacionados para a satisfação de necessidades públicas, essa «escolha não é deixada ao arbítrio do administrador, é uma eleição essencialmente teleológica, toda compenetrada da ideia de interesse público», como ensina o Professor Rogério Soares (cfr. Interesse Público, Legalidade e Mérito, Coimbra, 1955, p. 149). Neste sentido, o dever de não agir arbitrariamente é instrumental em relação ao princípio da prossecução do interesse público. O arbítrio revela-se na possibilidade de o administrador «escolher livremente os fins e adequar--lhes, por isso mesmo, os bens segundo critérios incontroláveis», nas palavras do insigne autor (cfr. ob. cif., p. 226).

Esta formulação regulamentar não nos parece, assim, a mais correcta, por não indiciar sequer os critérios de atribuição das licenças dos jogos, não se admitindo a remissão operada para o prudente arbítrio do governador civil.

O governador civil pode ainda cassar qualquer licença «quando o julgue necessário para a salvaguarda dos interesses de- ordem e tranquilidade públicas, protecção das pessoas e da propriedade, da moral social e da decência pública» (cfr. artigo 13.°, n.° 1, in fine).

Propõe-se, aqui, a reformulação de todo o preceito, de modo a caracterizar a recusa de concessão ou de renovação e a cassação das licenças como verdadeiras medidas de polícia, como o faz o artigo 10°, n.° 3, do Decreto-Lei n.° 21/85, de 17 de Janeiro, o qual, embora limitado às máquinas de diversão, permite ao governador civil «recusar, em despacho fundamentado, a concessão ou renovação das licenças dé exploração sempre que tal medida de polícia se justifique para protecção à infância e juventude, prevenção da criminalidade e da ordem e tranquilidade públicas».

Melhor nos parece esta redacção, a adaptar ao preceito regulamentar em projecto, porque expurgada de elementos de ponderação duvidosa como a decência pública ou a moral social.

Note-se, para além disso, que a norma do artigo 13.°, n.° 1, viola parcialmente o princípio da tipicidade legal das medidas de polícia, dado o vazio legislativo nesta matéria.

O artigo 14.° do projecto de regulamento estabelece limitações à prática de certos jogos em função da idade dos eventuais jogadores. Nos termos do seu n.° 1, é interdita a prática de jogos de estratégia mental dos

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grupos 1 e 2, bem como os jogos de perícia psicomotora e os jogos de diversão audio-visuais aos menores de 16 anos.

Esta disposição só parcialmente encontra apoio na lei. Referimo-nos ao artigo 12.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.°21/ 85, de 17 de Janeiro, que veda a prática de jogos em máquinas de diversão aos menores de 16 anos.

Pois bem. Parece-nos dever limitar-se o regulamento à proibição relativa a esta modalidade de jogos, não incluindo aqui os jogos previstos nas alíneas b) (grupos 1 e 2) e c) do artigo 12.°, n.° 1, do texto regulamentar.

Por outro lado, relativamente ao disposto no artigo 14.°, n.° 2, propõe-se que se acrescente à disposição regulamentar a expressão «a título principal».

Como já pudemos afirmar, o licenciamento da prática e exploração de jogos estende-se aos estabelecimentos hoteleiros e similares e às associações. Não se formula aqui qualquer objecção. De qualquer forma, não se pode concordar com a limitação regulamentar que vem contida no artigo 12.°, n.° 7. Não existem razões objectivas sérias para não se prever a autorização dos jogos de estratégia mental do grupo 2, ditos «complexos de cartas», em outros locais que não associações.

Noutra perspectiva, dispensa-se a autorização (rectius: licença) do governo civil para certos jogos, dentro de certas condições, quando praticados em associações ou outras entidades sem fins lucrativos (cfr. artigo 12.°, n.°4). Neste aspecto, não nos merece censura o projecto regulamentar.

Em qualquer caso, o licenciamento da prática e exploração dos jogos, seja em casas e salões de jogos, seja em estabelecimentos hoteleiros ou similares ou em associações, visa fixar horários de funcionamento. Sobre este aspecto teremos ocasião de pronunciar-nos.

Quanto as associações, e porque podem elas ainda dedicar-se a outras actividades que não a exploração e prática de jogos lícitos, é-lhes consagrada a terceira secção do capítulo l do projecto de regulamento. Antes, porém, de submetermos os preceitos correspondentes a uma análise sistematizada, chama-se a atenção para as duas limitações contidas no regulamento a propósito das associações onde se pratiquem jogos.

Começamos pelo artigo 15.°, n.° 3 do projecto regulamentar que dispõe que «a prática de jogos nas associações, suas dependências ou de entidades sem fim lucrativo é restrita aos respectivos associados». Parece-nos que tal limitação só pode decorrer dos respectivos estatutos, não se encontrando razão válida para se fundar a discriminação enunciada. Deveria, pois, acrescentar-se ao preceito, a expressão «se tal decorrer dos respectivos estatutos». •

Menos ainda se concorda com o que dispõe o artigo 17.°, n.° 1, do projecto regulamentar, o qual delimita os grupos de frequentadores das associações onde se pratiquem certos tipos de jogos. É aqui notória a invasão das liberdades de auto-organização e de autogestão, compreendidas, segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, na liberdade de associação, constitucionalmente consagrada (cfr. dos Autores, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3." edição, revista, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, pág. 258, anotação ao artigo 46." da CRP).

Parece-nos, assim, inadmissível a manutenção da disposição contida no artigo 17.71 do projecto de regulamento, propondo-se, em sua substituição, a seguinte redacção:

As associações, mesmo quando nelas se pratiquem jogos lícitos, têm o acesso condicionado nos termos dos respectivos estatutos.

Resta-nos reiterar a necessidade de alteração e supressão dos preceitos que mereceram a nossa atenção, nos termos enunciados ao longo deste capítulo.

10—Associações de instrução, cultura, recreio, educação física e desporto

Como vimos, a secção II — dedicada às casas e salões de jogos lícitos — estendeu o seu objecto ao regime de licenciamento dos próprios jogos, independentemente do local onde se praticam, tendo já sido expendidas algumas considerações sobre as associações de que aqui se trata. Por isso, este capítulo não dá lugar a maiores desenvolvimentos.

Dos cinco artigos constantes da secção em análise, concretamente, os artigos 16." a 20.° do projecto regulamentar, vamos apenas reportar-nos, e brevemente, ao artigo 18."

O artigo 17.° mereceu já a nossa consideração e o artigo 19.° — porque relativo a horários de funcionamento — será analisado oportunamente.

O artigo 18.° estabelece, como regra, a sujeição das associações ao regime estabelecido no regulamento quando se proponham explorar estabelecimentos similares de hoteleiros ou proporcionar aos sócios divertimentos.

Não é muito diferente do que se passa com o licenciamento da prática ou exploração de jogos, exigível mesmo no caso das associações, com excepção das situações definidas no artigo 15.°, n.°2, do projecto regulamentar.

A solução que se pretende ver consagrada no regulamento vai ao encontro das palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira quando analisam o artigo 46.°, n.°2, da Constituição. Com efeito, explicam os Autores que «as associações prosseguem livremente os seus fins» (n.°2, 1* parte), tendo pois direito a gerir livremente a sua vida (autodeterminação), mas isso não significa que, quando as actividades externas a que elas se dediquem estejam sujeitas a determinados requisitos gerais, elas fiquem livres de se submeterem a eles. Não existe uma imunidade ou privilégio de associação, que ponha os estabelecimentos ou actividades das associações a coberto do regime geral daqueles. O que não pode haver é uma «penalização associativa, ou seja, condições ou requisitos mais exigentes para as associações, só por o serem» (cfr. Constituição da República Portuguesa Anotada, cit., pág. 258).

Este entendimento foi acolhido no texto regulamentar. Os desvios detectados merecerão a nossa crítica, em momento próprio.

11 — Horários de funcionamento

Foi já observado que as licenças de funcionamento, quer as dos estabelecimentos hoteleiros e similares, quer as que condicionam a prática e exploração de jogos, fixam horários de funcionamento.

Quanto ao licenciamento destes jogos, prescreve o artigo 13.°, n.°3, do projecto regulamentar que «em caso algum será concedida licença para funcionamento antes das 8 horas ou depois das 2 horas». Note-se que o artigo 15.°, n.° 1, permite que, caso sejam praticados em estabelecimentos hoteleiros e similares ou em associação de instrução, cultura, recreio, educação física e desporto, seja concedida uma licença única e especial de funcionamento, permitindo o seu exercício durante o horário de funcionamento a que estiverem sujeitos os locais respectivos, mas sem prejuízo do disposto no artigo 13.°, n.° 3, acima transcrito.

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No entanto, vem o artigo 19.°, n.° 1, dispor no sentido da obrigatoriedade de cessação da prática de jogos às 24 horas, caso essa prática ocorra nas associações mencionadas.

Não se funda a limitação em causa em qualquer outra razão que não a própria natureza da entidade exploradora do jogo. Neste sentido, cria-se uma verdadeira «penalização associativa», a que já nos referimos; uma discriminação subjectiva que é vedada pelo nosso sistema jurídico--constitucional. Por isso, entendemos não ser de manter o preceito citado.

Passemos aos horários de funcionamento dos estabelecimentos hoteleiros e similares. Como já foi referido, não clarifica o Regulamento os critérios de escolha de uma ou outra modalidade de licença de funcionamento, distinguidas estas pelos diversos horários.

Tratando-se de estabelecimentos similares de hoteleiros dos grupos 1 e 2, instalados em casas de espectáculos, associações e semelhantes, dispõe o projecto de regulamento no sentido de permitir o seu funcionamento no «tempo que decorre desde a abertura para a entrada de frequentadores até meia hora depois de findos os espectáculos, bailes e reuniões que se realizem nos respectivos locais» (cfr. artigo 25.°, n.° 7). Esta solução não diverge, no essencial, do preceituado no já citado artigo 15.°, n.° 1, do mesmo projecto. Não merece reparo a uniformização de horários procurada em ambos os preceitos.

Contudo, à semelhança do que vimos acontecer com os horários de prática de jogos, deparamo-nos com uma limitação de horário de funcionamento dos estabelecimentos similares de hoteleiros quando instalados em associações, nos termos do artigo 19.°, n.° 1, do projecto regulamentar, a que já aludimos. Reforça-se, o nosso entendimento de que isso consubstancia uma forma de penalização das associações, não se encontrando qualquer base legitimadora da limitação imposta. Insiste-se, pois, na supressão do artigo 19.°, n.° 1, do Regulamento.

Relativamente aos horários de funcionamento dos estabelecimentos similares dos hoteleiros — e dado que aos estabelecimentos hoteleiros é conferida uma licença de funcionamento continuo — não é despicienda a consulta do Decreto-Lei n.° 417/83, de 25 de Novembro, diploma que «alarga o período de abertura e diversifica os horários de funcionamento dos estabelecimentos comerciais», como se lê no seu sumário.

Este diploma, permitindo a abertura dos estabelecimentos comerciais diariamente entre as 6 e as 24 horas (cfr. artigo 1.°, n.° 1), dispõe em seguida sobre os estabelecimentos similares dos grupos 1 e 2, permitindo o seu funcionamento até às 2 horas de todos os dias da semana e sobre os estabelecimentos do grupo 3, ou das salas de dança, aos quais possibilita o funcionamento até às 4 horas de todos os dias da semana (cfr. artigo 1.*, n.os2 e 3, respectivamente).

Nos termos do diploma é conferida às câmaras municipais a competência para fixar o período de abertura para cada um dos ramos de actividade, e inclusivamente, alargar os limites acima enunciados (cfr. artigo 3.°, n.° 1 e 3.°, n.° 3 do mesmo Decreto-Lei n.° 417/83, de 25 de Novembro).

Importante é também a disposição contida no artigo 5.°, do Decreto-Lei, segundo a qual «os regulamentos policiais não poderão alargar os limites previstos no presente diploma».

Da leitura do preceito concluímos pela possibilidade dada aos governos civis de fixarem, por regulamento,

limites mais reduzidos de funcionamento dos estabelecimentos, numa interpretação a contrario sensu.

Este projecto regulamentar reflecte, nalgumas disposições, o exercício dessa competência.

Desde logo, no artigo 8.°, n.° 1, onde regula o horário de funcionamento das tabernas, fixando como regra, o encerramento às 24 horas.

Não se antevê, porém, a razão de ser desta limitação horária expressamente destinada às tabernas, integrantes do grupo 2 dos estabelecimentos similares.

Outras limitações surgem nas disposições contidas no artigo 32.°, n.os 3 e 5, do projecto regulamentar:

As primeiras referem-se aos estabelecimentos do grupo das salas de dança independentemente da sua localização. As segundas limitam o horário de funcionamento dos estabelecimentos de bebidas e restaurantes localizados em prédios ou urbanizações destinados fundamentalmente à habitação. Quanto a este aspecto há que ter em conta o Regulamento Geral sobre o Ruído (Já referenciado).

Em matéria de horários de funcionamento e dada a possibilidade de coexistência de regulamentos municipais e regulamentos distritais sobre o assunto, deve ter-se em conta o artigo25°, n.°2, do projecto de regulamento, o qual resolve o eventual conflito de aplicação de diferentes normas em favor dos regulamentos municipais. Com efeito, determina que a concessão e renovação das licenças é obrigatoriamente condicionada pelo que, «em matéria de limites horários, for estabelecido pelos regulamentos municipais do concelho onde se localizem os estabelecimentos».

Os actos de concessão das licenças de funcionamento

pelo Governo Civil estão, assim, condicionados pelas escolhas regulamentares de nível municipal, bem como pelas normas contidas no regulamento em análise e, caso se revelem diferenciadas, deverão prevalecer os critérios enunciados no regulamento municipal aplicável. A autonomia na escolha de uma ou outra modalidade de licença é, pois, substancialmente mitigada.

Confere ainda o projecto de regulamento, no seu artigo 25.°, n.° 3, um importante poder ao governador civil: o de reduzir o horário de funcionamento dos estabelecimentos licenciados, com o objectivo de acautelar a ordem pública, o descanso dos moradores e a moral social. Isto representa uma verdadeira e concreta medida de polícia, sem que, no entanto, sejam respeitados os limites inerentes à possibilidade da sua efectivação (o carácter temporário, nomeadamente) e, menos ainda, a precedência e tipicidade legais exigíveis. Nestes termos, a norma regulamentar, ora em. análise, afigura-se inconstitucional, pot desrespeito ao contido no artigo 272.°, n.° 2, da CRP, devendo ser expurgada do texto a aprovar.

Finalmente, anota-se que a norma contida no artigo 10.°, n.° 1, obrigando ao encerramento das portas dos estabelecimentos hoteleiros entre as 2 e as 7 horas constitui uma limitação infundada à licença de funcionamento contínua que lhes está atribuída, não se vendo que bem jurídico possa estar a ser tutelado.

12 — Encerramento administrativo

Os artigos 21.°, n.°4, 23.°, n.° 3, e 26°, n.° 3, facultam o poder de encerramento dos estabelecimentos hoteleiros e similares, nos termos dos artigo 3.°, n.os 1 e 3, do mesmo projecto regulamentar. As normas contidas neste 3." artigo foram objecto de desenvolvimento anterior no presente parecer. Nada de mais se acrescentaria aqui.

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A ordem de encerramento prevista no artigo 21.°, n.°4, é a concretização do que vem expresso no artigo 3.°, n.° 1, não se entendendo, por tal motivo, a remissão efectuada para o artigo 3.°, n.° 3. Neste campo, também se não entende a necessidade de verificação dos requisitos especificados na última parte do preceito, propondo-se, como tal, a sua supressão.

A disposição contida no artigo 23.°, n.° 3, não acrescenta nada de novo ao que dispõe o artigo 21.°, n.°4, muito embora se possa reconhecer neste caso que quod abundai non nocet.

Quanto à norma prevista no artigo 26.°, n.° 3, é de ressaltar que, não obstante a remissão para o artigo 3.°, n.° 3, conferem-se aqui competências às autoridades policiais para procederem ao encerramento dos estabelecimentos. Parece-nos que este poder deve ser precedido de expressa determinação do governador civil nesse sentido, pois só assim se compatibiliza com o disposto no citado artigo. 3.°, n.°3, do regulamento em projecto.

De qualquer forma, estamos no âmbito das chamadas medidas de polícia, essencialmente preventivas e naturalmente, sujeitas ao regime que mereceu desenvolvimento em capítulo destinado à sua análise, com a estrita preocupação de garantia do disposto no artigo 272.°, n.° 2, da Constituição.

Ainda o artigo 35.°, intitulado «encerramento administrativo», merece atenção.

Nele se prevêem três modalidades de intervenção que o fim e ao cabo, se reconduzem, mediata ou imediatamente, ao encerramento administrativo dos estabelecimentos: a recusa de renovação, a revogação e a cassação das licenças.

Quanto à revogação e recusa de renovação das licenças, encontram-se compreendidas na competência licenciadora do governador civil. Revogada ou não concedida a licença, passa o estabelecimento a funcionar sem o licenciamento exigido. Nestes termos, o poder de encerramento decorre das disposições já analisadas anteriormente.

Por outro lado, os poderes de cassação e encerramento, dado o carácter transitório que assumem «até que sejam removidas as causas», mostra-se necessário, quanto a estes incluir algumas observações adicionais.

Primeiro, caracterizam-se como medidas de polícia as situações previstas, as quais concretizam o disposto no artigo 3.°, n." 3, do projecto regulamentar. A este preceito se deveria ter feito expressa referência, a menos que a intenção fosse a de consagrar uma verdadeira sanção administrativa, o que redundaria numa invasão do regime constitucional dos direitos, liberdades e garantias [artigo 168.°, n.° 1, alínea b)] por não caber no domínio contra-ordenacional.

Como de medida de polícia se trata, retoma-se tudo quanto ficou visto acerca do assunto, nomeadamente a exigência do artigo 272.°, n.° 2, da C.R.P., no que toca à tipicidade destas medidas. A mera exemplificação dos pressupostos da sua aplicação não é consentânea com a aludida tipicidade.

Em segundo lugar, importa que a densidade normativa do preceito em análise, vincule o intérprete/aplicador à escolha de uma ou outra modalidade de intervenção, em função do princípio da proporcionalidade que deverá condicionar as medidas de polícia (artigo 272.°, n.° 2, idem).

Em obediência a este último princípio, entendemos que a cassação e encerramento imediato, deveriam depender da verificação de uma efectiva lesão ao valor da ordem

pública, dado que o procedimento que antecede este acto, por parte do governador civil, é bastante incipiente em termos de garantias dos titulares de direitos de exploração, pelo que se aconselha ficar reservado, em nome da proibição do excesso, para situações de extrema gravidade e face às quais a necessidade de manter a ordem pública não permita lançar mão de outra medida adequada, menos gravosa para os particulares.

O enunciado das alíneas a) a d) do n.° 1 é também merecedor de críticas.

O disposto na alínea a) remete para conceitos vagos e indeterminados de conteúdo valorativo que escapam à neutralidade do Estado de direito. Temos em .vista, concretamente, o conceito de decência pública, cuja supressão é recomendável. A parte final deste enunciado, na mesma esteira, faz contribuir, como pressuposto para a decisão, dar-se por apurada a prática de prostituição no estabelecimento, quando o certo é que não encontramos na ordem jurídica qualquer regra que determine a sua ilicitude, desde a reforma penal de 1982.

O preceituado na alínea d) extrapola a ratio de toda a disposição, ao aproximar-se da natureza das sanções administrativas, cuja distinção face às medidas de polícia já tivemos ocasião de referir supra, por reporte para o Acórdão n.° 489/89, do Tribunal Constitucional. O efeito preventivo surge apagado em função da natureza punitiva da norma, levantando, de resto, algumas dúvidas de constitucionalidade por violação do princípio de non bis in idem (artigo 29.°, n.° 5, da C.R.P.), se for preenchido o tipo penal do crime de desobediência.

Por fim e fazendo chamada de atenção, por uma vez mais, para o princípio da necessidade, inerente à proibição do excesso das medidas de polícia, julgamos não dever restar qualquer elemento de discricionariedade para a decisão de reabertura, uma vez cessadas as causas do encerramento. Nesta linha, propõe-se a reformulação, também, do enunciado do artigo 35.°, n.° 2, com esse escopo.

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Da manutenção da ordem, decência e tranquilidade pública

13 —Disposições concernentes à tranquilidade pública, em matéria de protecção contra o ruído

De todo o projecto do Regulamento de Polícia do distrito de Lisboa ressalta uma especial preocupação com o ruído, tanto ao nível da prevenção como da repressão das suas manifestações. Procura-se avisadamente ordenar as competências do Governo Civil sobre esta matéria, partindo da compreensão — correcta, a nosso ver — da dupla natureza dos factos geradores de poluição sonora. De um lado, os seus efeitos no plano da degradação da qualidade de vida dos cidadãos, a par dos danos psicológicos e fisiológicos sobre a saúde; de outro lado, a perturbação sobre a ordem pública, na sua vertente de sossego e tranquilidade na via pública. De um lado, o ruído mais ou menos continuado, proveniente do exercício de actividades económicas; de outro, o ruído ocasional, temporário, mas nem por isso menos perturbador.

Esta dicotomia permitiria, sem mais, apartar a polícia do ruído em duas componentes correspectivas — a polícia do ambiente e do urbanismo, no tocante à preservação, ambiental e sanitária (tendencialmente reportada aos

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municípios, ao Ministério do Ambiente e Recursos Naturais e aos departamentos do Estado a quem compete, sectorialmente, licenciar o exercício de certas actividades económicas); a polícia administrativa geral ou comum, no que respeita à manutenção da ordem pública (forças de segurança e autoridades de polícia geral, como os governos civis). Todavia, uma vasta zona de intersecção verificada entre ambos os domínios levanta habitualmente difíceis problemas metodológicos ao legislador, como de resto, deixou reflectido o Regulamento Geral sobre o Ruído (RGR), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 251/87, de 24 de Junho e alterado pelo Decreto-Lei n.° 292/89, de 2 de Setembro.

Tradicionalmente, as actividades geradoras de ruído são classificadas em três grupos, de acordo com um critério de relação entre a sua fonte e os directos lesados: 1) o ruído nos locais de trabalho, causado pelas actividades que ali se exercem; 2) o ruído do tráfego, especialmente, dos tráfegos rodoviário e aeronáutico; 3) o ruído de vizinhança. O RGR, ao dispor no artigo 2.°, sobre o seu âmbito de aplicação, teve por escopo oferecer disciplina a estes três domínios, mas logo se deparou o legislador com a heterogeneidade dos ruídos de vizinhança (ruídos continuados, ruídos temporários, ruídos intermitentes, ruídos isolados) e com a diversidade das suas fontes (unidades industriais, obras, equipamentos de serviços e de utilização doméstica, actividades desportivas, divertimentos, publicidade e o mais simples ruído humano — a voz).

A esta diversidade da poluição sonora, das suas fontes e manifestações, acrescem duas dificuldades. Em primeiro lugar, a escassez de meios de prevenção e de fiscalização efectiva em relação a muitas das manifestações de ruído descritas. Em segundo, o facto de afectarem cada pessoa de modo diferente, não apenas em função de características fisiológicas e psicológicas, como também da hora do dia em que é sentido.

Edifícios, sua implantação e compartimentação, indústria, comércio e serviços, equipamentos e sua instalação, espectáculos e diversões, tráfego, sinalização sonora e actividades geradoras de ruído, em geral, que possam causar incomodidade, constituem o âmbito material de aplicação do RGR. Em relação a estas categorias acreditou o legislador, algo ingenuamente, poder conferir um tratamento comum, sem grandes distinções ao nível do binómio prevenção/repressão e omitindo repartições específicas de competências.

Admitiu estarem todas estas categorias de actividades sujeitas a autorização ou licenciamento prévio por parte da Administração Pública (artigo 3.°), «nos termos da legislação em vigor», determinando que os respectivos procedimentos incluíssem «uma parte específica sobre a análise do cumprimento do presente regulamento». Ora, o certo é que muitas actividades comummente perturbadoras não estão sujeitas a licenciamento (v.g. oficinas de reparação de automóveis e o sector dos serviços, em geral) e mesmo quando o RGR se reporta ao necessário licenciamento de todas as actividades ruidosas, cai-se num círculo inextricável, porquanto a classificação como ruidosa de uma actividade,' com excepção dos locais destinados a espectáculos e diversões (artigo 20.°, n.° 1), depende de exame acústico a realizar na fase de licenciamento. Não existindo qualquer base de presunção de actividades ruidosas, a Administração desconhece quais as actividades • que deverão ser sujeitas a um exame prognóstico, quanto aos seus efeitos ruidosos. Por isso, talvez, a presunção

tenha sido fixada a jusante, admitindo-se concedida a licença (artigo 20.°, n.° 2).

Por outro lado, estabeleceu um critério objectivo de avaliação da incomodidade causada por ruído: a verificação de um certo nível de pressão acústica, calculado em dB (A) — ou seja, com um sistema de filtro eliminador dos tons mais baixos, como faz o ouvido humano — durante um determinado período de referência. Constituiu em facto ilícito a produção de uma diferença superior a 10 dB (A) entre o valor do nível sonoro equivalente corrigido e o valor do nível sonoro do ruído de fundo, observada em 95 %do período de referência [artigos 14.° e 20.°, n.° 1, alínea a), do RGR].

Em matéria de fiscalização, as competências foram distribuídas concorrentemente pelas autoridades policiais, pelas «autoridades com superintendência técnica em cada sector» e pelo director regional do Ambiente e Recursos Naturais (artigo 33.°, n.° 1, do RGR). Esta distribuição, sem critérios materiais de repartição, tem sido responsável por situações várias, quer de sobreposição, quer de vazio de intervenção administrativa, em acréscimo à vaguidade dos conceitos de autoridade policial e de autoridade com superintendência técnica em cada sector. Frutos evidentes desta infeliz redacção têm sido as dúvidas em torno da competência fiscalizadora dos municípios (têm ou não superintendência técnica, na medida das suas competências urbanísticas e de emissão de alvará sanitário?), da qualificação ou não dos governadores civis como autoridades policiais (dúvida cuja pertinência surge da sua qualificação como autoridades com poderes de polícia por oposição a autoridades policiais, através do citado parecer da PGR, de 19.05.1994) e da consideração de uma pluralidade de autoridades com superintendência técnica num mesmo sector.

Este é o conjunto dos órgãos e serviços com competência fiscalizadora da aplicação do RGR, com algumas diferenças relativamente às entidades com poderes contra--ordenacionais (artigo 37.°, n.os 1 e 2). Aqui, é retirada competência às autoridades policiais e conferida às autoridades sanitárias, mantendo-se os poderes das autoridades com superintendência técnica e do director regional do Ambiente e Recursos Naturais.

Feita esta breve descrição dos traços gerais do RGR, observemos, agora, qual o desenvolvimento deste regime no projecto do Governo Civil de Lisboa.

As principais disposições sobre esta matéria encontram--se na secção II (Disposições Comuns), do capítulo DI (Licenciamentos) — artigo 39.° — e na secção I (Poluição ' Sonora), do capítulo IV (Ordem, decência e tranquilidade pública) — artigos 40.° a 43.°

O artigo 39.°, n." 1, procura desenvolver o princípio do controle prévio do ruído, no procedimento de licenciamento, mas debatendo-se com a indefinição da extensão do conceito de actividades ruidosas, reproduz a regra do licenciamento implícito, sujeito a condição resolutiva (cfr. idêntica disposição, contida no artigo 20.°, n.° 2, do RGR). A vistoria prévia que se destina a fiscalizar as condições de ruído cinge-se aos locais destinados a espectáculos e diversões, havendo, no entanto que merecer louvor a especificação: «salas de dança, de emissão de música ambiente ou de recintos destinados à realização de bailes ou espectáculos ao vivo». É certo não ficarem compreendidos todos os locais previstos no artigo 20.°, n.° 1, do RGR e, muito menos; do artigo 3." Porém, reconhece--se que a obrigatoriedade de vistoria do artigo 39.°, já

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constitui um contributo precioso para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos.

O artigo 43." trata também de licenciamento e da imposição de condicionamentos em razão da proximidade de edifícios de habitação, escolares, hospitalares, hoteleiros e meios suplementares de alojamento, adaptando praticamente o disposto no artigo 21.°, n.05 1 e 2, do RGR. Esta reprodução, para além de inútil, faz lamentar a omissão de um desenvolvimento adequado, nomeadamente no que toca ao esclarecimento sobre a extensão do conceito de actividades ruidosas. O disposto neste preceito, ganharia sistematicamente na sua colocação junto do artigo 39.°, pois define critérios e pressupostos relativos a alguns dos licenciamentos que ali se prevêem.

Onde o tratamento do ruído ganha maior interesse e relevância, no que concerne ao projecto em apreço, é no conjunto das proibições parciais de certas manifestações, quer pela sua estrutura (proibições de mera actividade ou formais), quer por permitirem colmatar um notório espaço de vazio que se faz sentir na repressão do ruído. Encontramos nos artigos 41.° e 42.° o domínio por excelência das medidas de polícia contra o ruído: precisamente, o ruído enquanto elemento atentatório da tranquilidade pública e dificilmente fiscalizável a priori.

O corpo do artigo 41.°, n." 1, é bastante elucidativo a respeito da natureza formal das proibições subsequentes, pois no seu texto se estabelece que as mesmas se impõem independentemente do ruído produzido por tais actividades e das lesões a que dariam lugar se admitidas fossem. Reconhecendo a impossibilidade e ineficácia da utilização dos parâmetros de controle por via do exame acústico, compensa-se, de algum modo, a inoperância da fórmula «actividades ruidosas» dos artigos 40.° e 43.°, especialmente vocacionados para o tratamento do ruído continuado e habitual, próprio de estabelecimentos. Ainda quando se condiciona a proibição à eventualidade de prejuízo sobre o repouso de terceiros, dispensa-se a efectiva lesão, bastando a probabilidade de incómodo. Esta avaliação deve partir de um juízo de razoabilidade por parte do agente fiscalizador, à luz do critério do «bom pai de família» e não fazendo fé simplesmente no incómodo alegado por terceiros.

O elenco das proibições não oferece extenso comentário, mas não dispensa, porém, alguns reparos.

Assim, na alínea b), parece-nos excessivo proibir a utilização de rádio ou televisor entre as 22 e as 8 horas apenas pelo ruído ser susceptível de incomodar os vizinhos. Esta proibição, como de resto a proibição absoluta no caso da proximidade de doentes sujeitos a repouso, deverá ser temperada pelo critério da normal utilização de tais aparelhos, ou seja, fieve ficar ressalvado o uso de aparelhos domésticos de som até ao limite da sua perfeita audibilidade pelo utilizador comum. De outro modo, poderá ficar tocado o princípio constitucional da proibição do excesso que recai sobre as medidas de polícia (artigo 272.°, n.° 2, in fine, CRP).

Quanto à alínea d), interessará esclarecer a que permanência se refere a disposição, porquanto o complemento circunstancial sujeita-se a ficar arredado de qualquer sentido útil. Importa determinar se é proibida a sua permanência na via pública, nos logradouros não cobertos de edifícios, nas casas de morada.

O elenco destas medidas de polícia não pode, todavia, deixar de recordar dúvidas quanto à observância do princípio da tipicidade legal do artigo 272.°, n.° 2, da CRP.

Já o disposto no artigo 41.°, n.° 4, onde se dispõe sobre a apreensão de veículos automóveis por inacção do seu proprietário sobre o respectivo alarme de segurança, tem de merecer séria objecção pela falta de cobertura legal citada. Com efeito, aproxima-se neste ponto, o projecto, de uma verdadeira restrição sobre o direito de propriedade privada, pois ao invés de se colocarem simplesmente limites ao seu exercício ou se positivarem limites que resultam da função social à qual está adstrito, está a admitir-se uma privação — ainda que temporária e justificada — de um direito que goza do regime do artigo 18.° da Constituição. Não se discute a utilidade e extrema importância de tal medida de polícia, até justificável, em certos casos por via da acção directa (ar-0 tigo 336.°, do C. Civ.), antes se julga necessária a obtenção de suporte em acto legislativo parlamentar ou autorizado (artigo 168.°, n.'° 2, CRP).

O conteúdo do artigo 42.°, não oferece quaisquer considerações, sendo caso de, por uma vez mais, elogiar o cuidado e atenção dispensadas a este aspecto da regulação. Apenas se refere a questão da compatibilização pretendida com os regulamentos municipais aos quais faz alusão o n.°4. Aflora-se, neste ponto, um problema de ordem genérica que consiste em estabelecer relações de aplicabilidade entre normas policiais municipais e normas policiais da Administração Central (vide supra, capítulo III). Em todo o caso, o concurso dos poderes regulamentares dos governos civis com a autonomia regulamentar das Autarquias locais há-de passar pela regra contida no artigo 242.° da Constituição, o que redunda numa genérica prevalência das normas contidas em regulamento distrital enquanto limite negativo, mas decantada pelo facto de a autonomia local só depender da lei «que determine a forma global do seu estatuto e, designadamente, as suas atribuições e não toda e qualquer legislação avulsa». Do mesmo passo, acrescente-se que «a garantia não pode deixar de ter algum valor, mesmo perante essa Iei-estatuto, e ficaria praticamente eliminada se os poderes autárquicos tivessem de recuar perante qualquer manifestação normativa dos órgãos nacionais» (Vieira de Andrade, José Carlos, «Autonomia regulamentar e reserva de lei: Algumas reflexões acerca da admissibilidade de regulamentos das autarquias locais em matéria de direitos, liberdades e garantias», in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Afonso Rodrigues Queiró, sep. BFDC, 1986).

Por fim, é de analisar as especificidades desta regulamentação em matéria contra-ordenacional, retomando a distinção orgânica e funcional que o RGR estabelece quanto à fiscalização e à aplicação de coimas.

Na verdade e sem prejuízo do que adiante se relatar sobre todo o capítulo respeitante a contra-ordenações (capítulo IX), o Governo Civil não pode deixar de atender ao facto de as autoridades poüciais se encontrarem privadas de poderes para processarem contra-ordenações e aplicarem coimas, sem embargo do que adiante se dirá sobre o Decreto-Lei n.° 271/84, de 6 de Agosto. Se é certo que a extensão do ilícito de mera ordenação social é maior no projecto que no RGR, forçoso é reconhecer também que, pelo menos nos casos de infracção aos artigos 40.°, n.° 1, e 43.°, n.° 1, estamos perante normas cuja previsão é igual às dos artigos 20.°, n.° 1, e 21.°, n.° 1, do RGR.

O projecto indica no artigo 106.°, n.°4, competir a punição aos termos do RGR — o que exclui o Governo Civil e as forças de segurança—, mas admite, logo após, a aplicação da sanção acessória de encerramento aos esta- , belecimentos similares de hoteleiros pelo Governador Civil.

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Esta norma colide directamente com o disposto no artigo 37.° do RGR, o qual, dada a sua natureza de acto legislativo gera a nulidade da norma regulamentar des-conforme. Concluindo, dir-se-á que não é sequer possível falar com propriedade em concurso de contra-ordenações, uma vez que a norma que estabelece uma delas é nula (ou sê-lo-á, se aprovada).

Naturalmente, esta apreciação a respeito das competências contra-ordenacionais dos governos civis há-de ficar condicionada pela posição que se tome a respeito da vigência ou não do regime contido no Decreto-Lei n.° 271/84, de 6 de Agosto, cujo artigo 4.°, n.° 1, remete para o revogado artigo 408.°, do Código Administrativo, em matéria de medidas fiscalizadoras e sancionadoras a tomar pelos governadores civis, nos termos dos respectivos regulamentos de polícia. A tomar como plenamente eficaz o citado preceito e como trasladada para a competência genérica sobre contra-ordenações do Decreto-Lei n.° 252/ 92, de 19 de Novembro, será de reconhecer ao Governo Civ,il de Lisboa o poder de instaurar processos de contra--ordenação e aplicar coimas aos infractores do disposto nos artigos 40.°, n.° 1, e 43.°, n.° 1, do projecto, desde que se trate de «espectáculos e divertimentos públicos», «de actividade ruidosa no interior de edifícios» ou «de espectáculos ruidosos ao ar livre» (artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 271/84, de 6 de Agosto).

Julgamos que importa então, tomar posição. Entende João Manuel da Silva Miguel, «Poluição Sonora provocada por Estabelecimento de Diversão» in Revista do Ministério Público, ano 13.°, n.° 51, pp. 77 e segs., que «não obstante a ausência de norma revogatória expressa», impõe-se reconhecer a revogação tácita do Decreto-Lei n.° 271/84, de 6 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.° 251/87, de 24 de Junho, o qual, como é consabido, aprovou o Regulamento Geral sobre o Ruído.

O ilustre Procurador aduz, para tanto, os seguintes tópicos de argumentação: o regime introduzido pelo diploma de 1984 é transitório, como se retira do respectivo preâmbulo; as previsões normativas dos artigos 1.° e 2.° são hoje substancialmente vertidas nos artigos 20." e 21.° do RGR (com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-

-Lei n.° 292/89, de 2 de Setembro); e, por fim, o Decreto--Lei n.° 271/84 não se pode qualificar como lei especial, antes visando «intervir sectorialmente nò combate ao ruído num momento de vazio legislativo», «devendo ceder perante o objectivo de unificação» logrado pelo RGR.

Em nosso entender, são de acolher as conclusões supra apontadas, em toda a extensão do regime do Decreto-Lei n.° 271/84, de 6 de Agosto, excepto no que toca exclusiva-"" mente o disposto no artigo 4.° As regras contidas sob este artigo estão especialmente vocacionadas para fundar a disciplina de intervenção dos governos civis em matéria de polícia do ruído. Desde logo, observe-se o disposto no n.° 1, cujo principal desiderato é o de habilitar a produção de normas regulamentares de aplicação distrital. O n.°2 destina-se a permitir concatenar a actividade licenciadora dos municípios e de órgãos da Administração Central, relativamente a estabelecimentos hoteleiros e similares e de todos quantos alberguem espectáculos e divertimentos públicos.

As normas contidas nos artigos 20.° e 21.° do RGR, pressupõem a manutenção da vigência do supracitado artigo 4.° do Decreto-Lei n.° 271/84, de 6 de Agosto. As normas contidas nos restantes artigos deste diploma viram-♦ -se substituídas por normas do RGR. As normas contidas no artigo 4.°, ao invés, não o foram. Sendo certo que estas

pretendiam orientar a actuação dos governadores civis sobre o mesmo objecto e sendo certo também que o RGR se reporta a poderes de licenciamento e controle de tais órgãos, parece-nos justificado considerar que as normas do artigo 4." do Decreto-Lei n.° 271/84, de 6 de Agosto, perduram na sua função parametrizadora. Onde se diz que «os governadores civis, nos respectivos regulamentos de polícia, adoptarão as medidas preventivas, fiscalizadoras e sancionadoras adequadas a fazer cumprir o disposto no presente diploma no respectivo distrito», deve entender-se que o mesmo sucede no tocante às normas suas sucessoras na ordem jurídica, de conteúdo idêntico (as do RGR). Ao fim e ao cabo, o legislador simplesmente não previu no RGR que as normas regulamentares de polícia não houvessem ainda, sido produzidas e aprovou-o no pressuposto segundo o qual a intervenção dos governos civis teria sido já objecto de regulamentação distrital anterior.

Reconhecemos poder parecer ser intrincada esta interpretação, mas é ela afinal, segundo cremos, que melhor permite salvaguardar a unidade e coerência do sistema e assegurar validade às disposições dos regulamentos de polícia sobre esta matéria.

Em conclusão, no que à protecção contra o ruído diz respeito, importa sugerir:

a) A aproximação sistemática entre as disposições do artigo 39." e do artigo 43.°;

b) A fixação de uma tipologia, ainda que indicativa, das actividades presumidamente ruidosas, para efeito de fixação de exigências de isolamento acústico [artigo 23.°, n.° 1, alínea a)} e dos condicionamentos a que se reporta o artigo 40.°, n.°3;

c) As alterações e necessárias adaptações enunciadas no texto, a propósito das disposições contidas no artigo 40.°, n.° 1, alíneas b)ed)e artigo 41.", n.° 4.

14 — Proibições genéricas em matéria de ofensas a pessoas, cortejos e ajuntamentos nas vias e demais lugares públicos.

A Secção II do Capítulo IV (Ordem, Decência e Tranquilidade Pública), sob a epígrafe «Ofensas a pessoas, cortejos e ajuntamentos», contém dois artigos. O artigo 44." com a epígrafe «Proibições», veda determinados comportamentos, de autoria singular ou colectiva, nas vias e demais lugares públicos, constituindo a prática de tais actos contra-ordenação punível com coima nos termos do artigo 107.° do projecto.

Por seu turno, o artigo 45.° estabelece medidas repressivas para prática de alguns dos comportamentos proibidos pelo artigo anterior.

Relativamente às proibições genéricas constantes do artigo 44.°, cumpre realçar em primeiro lugar que enquanto medidas de polícia, estão as mesmas sujeitas aos princípios materiais constantes do artigo 272.°, n.° 2, da Constituição. O mesmo será dizer, que deverá o respectivo fundamento resultar da lei, ou seja nela estarem suficientemente individualizadas e com conteúdo adequadamente definido, conforme exigido pelos princípios da tipicidade legal e da precedência de lei.

Refira-se ainda que as medidas de policia em análise, enquanto proibições de carácter genérico, implicam na sua aplicação o exercitar de outros tipos de medidas de polícia, também carecidos de adequada precedência legal. São eles

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os actos materiais constitutivos das designadas operações de vigilância tendentes à identificação dos actos e dos autores dos comportamentos proibidos, as decisões concretas e individuais de aplicação da prescrição constante da norma e o desencadeamento das correspondentes medidas de coacção. Se os dois últimos tipos de medidas estão adequadamente fundados na lei, em matéria de processo contra-ordenacional e sanções correspondentes, já as proibições genéricas e as operações de vigilância apenas serão legais se face às circunstâncias concretas, em especial de tempo e de lugar, puderem ser consideradas como

necessárias, adaptadas e proporcionais em resultado dos objectivos que as legitimam — manutenção da ordem, segurança e tranquilidade públicas — e do carácter preventivo que as mesmas revestem em relação à salvaguarda de tais valores.

No domínio em análise, qual seja o das proibições genéricas ou interdições absolutas, os princípios gerais da necessidade, adequação e proporcionalidade implicam, como referem Vedei e Delyolvé (ob. cit.), que em princípio, quando aplicadas a actividades lícitas e sobretudo às liberdades, ás medidas de interdição absoluta são ilegais. Para fundamentar tal asserção aponta o referido autor duas razões essenciais. Em primeiro lugar, a interdição absoluta do exercício de uma liberdade equivale à respectiva supressão, não tendo a autoridade de polícia o poder de suprimir a liberdade em causa. Por outro lado, na maior parte dos casos não é necessário estabelecer a interdição absoluta para assegurar a manutenção da ordem pública, uma vez que tal resultado é susceptível de ser alcançado através de medidas menos gravosas do ponto de vista do sacrifício das liberdades em causa.

A segunda das razões apontadas significa a aplicação, ao domínio em questão, de um princípio geral que também resulta especificamente do artigo 272.°, da Constituição — o princípio da proibição do excesso. De facto, o estabelecimento de proibições de carácter genérico, através do exercício do poder regulamentar, deve ter em atenção serem aquelas as únicas medidas possíveis para assegurar a manutenção da ordem, segurança e tranquilidade públicas, ou seja, e como salienta o autor acima citado, «tais medidas apenas podem resultar de uma necessidade imperiosa, aceitando-se todavia que respeitam a determinados lugares e a certos momentos».

Nestes termos, deverão as proibições genéricas contidas no artigo 44.°, do projecto de regulamento em análise, obedecer na sua compreensão e aplicação aos princípios gerais acima referidos, entendendo-se que as mesmas só serão legais porque face às circunstâncias previsíveis de tempo e lugar em que, num juízo de prognose, se irão verificar os actos susceptíveis de integrar a previsão normativa e desencadear a consequência prevista, as mesmas se apresentam como as únicas medidas susceptíveis de assegurar a manutenção ou restabelecimento da ordem, segurança e tranquilidade pública.

E em abono de tal consideração reside o facto de algumas das proibições previstas no artigo 44,° pretenderem salvaguardar bens e interesses jurídicos que são já objecto de tutela penal. Não se pretenderá aqui apontar no sentido de uma indiferenciação qualitativa entre crime e contra-ordenação, enquanto facto ilícito, porque objecto de medida de polícia que o proíbe de forma genérica, mas apenas realçar que uma das razões no sentido da autonomização do «ilícito penal administrativo» ou «policial» residirá, como aponta Cavaleiro Ferreira (Direito Penal Português, Vol. I, 2." Ed., 1982, p. 16) «na necessidade de prover a

Administração de meios expeditos de execução das suas determinações. A falta de sanções impostas directamente pela Administração poderá causar relativa ineficácia da sua actividade, bem como a multiplicação de deveres impostos aos cidadãos, e como consequência a sua infracção onera gravemente o labor dos tribunais».

Neste sentido se poderá afirmar que a proibição de determinados comportamentos e a respectiva tipificação como ilícitos contra-ordenacionais sempre será mais benéfica que a incriminação dos mesmos comportamentos, nos casos-em que o mesmo facto não constitua simultaneamente crime e contra-ordenação.

No que se refere às proibições em especial estatui a alínea a) do artigo 44.°: «É proibido incomodar qualquer pessoa através de gestos ou palavras susceptíveis de ferir a sua dignidade ou convicções morais».

Sendo determinados gestos ou palavras objectivamente capazes de ferir a dignidade das pessoas em geral, de acordo com determinados padrões éticos e de convivência social, certo é que tais comportamentos não podem ser dissociados da pessoa a quem se dirigem, titular dos interesses que se visam salvaguardar com a proibição. Assim, regra geral são tais comportamentos penalmente sancionados, através dos mecanismos adequados dependentes de queixa e acusação particular, e não dependem ex oficio da instauração de um processo contra-ordenacional.

Será o que acontece nos casos em que tais comportamentos sejam susceptíveis de corresponder aos tipos previstos e punidos pelos artigos 165." (Injúrias) e 166.° (Equiparação à difamação ou injúria), do Código Penal, uma vez que nestes casos o procedimento criminal depende de queixa e acusação particular (artigo 174.°, do Código Penal).

Acresce que, em matéria de adopção das correspondentes medidas repressivas, haverá que respeitar o disposto no n.° 1 do artigo 20." do Decreto-Lei n.° 433/ 82, segundo o qual constituindo o mesmo facto crime e contra-ordenação será o agente sempre punido a título de crime, sob pena de violação do princípio constitucional de non bis in idem, o que se fará sem prejuízo da aplicação das sanções acessórias previstas para a contra-ordenação.

Em relação a esta proibição propõe-se que seja alterada a respectiva redacção, tendo em vista a supressão da parte final do preceito — convicções morais. Atente-se que, sendo a dignidade susceptível de ser aferida por reporte a determinados padrões éticos e de convivência social, já as convicções morais apenas são susceptíveis de concretização do ponto de vista subjectivo da pessoa a quem se dirigem, pelo que, atendendo aos valores a preservar no caso em análise, parece à partida, destituída de eficácia, a proibição de comportamentos susceptíveis de afectar tais convicções.

A alínea b) do artigo ora em análise proíbe qualquer ajuntamento e estacionamento prolongados que possam prejudicar o trânsito ou alterar a ordem pública, salvo as reuniões, desfiles e manifestações que tenham sido previamente comunicadas à autoridade competente, sem que esta tenha levantado objecções nos termos da lei em vigor.

Reveste esta proibição carácter acessório em relação, quer ao regime legal em matéria de exercício do direito de reunião — que exige a prévia comunicação à autoridade competente (cfr. artigo 2." do Decreto-Lei n.° 406/74, de 29 de Agosto, nos termos do qual «as pessoas ou entidades que pretendam realizar reuniões, comícios, manifestações ou desfiles em lugares públicos ou abertos ao público

deverão avisar por escrito e com a antecedência mínima

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de dois dias úteis o governador civil do distrito ou o presidente da câmara municipal»)—, quer ao regime que o projecto de regulamento visa instituir ao sujeitar a licenciamento a realização das actividades previstas no artigo 46.° (arraiais, romarias, cegadas, bailes, provas desportivas e outros divertimentos na via pública), no artigo 5Ò.° (bailes, jogos e folguedos carnavalescos), no artigo 51.° (corsos e batalhas de flores) e no artigo 53.° (provas desportivas na via pública).

Levanta um problema de compatibilização entre a disposição em análise e os regimes legal e regulamentar referidos, uma vez que na disposição em análise, apenas se remete para o regime legal em matéria de comunicação prévia e não para o exigência de licenciamento prevista pelo próprio regulamento. Assim, sendo as actividades previstas nas disposições acima citadas objectivamente capazes de prejudicar o trânsito ou alterar a ordem pública, não integrarão, todavia, a previsão do normativo em questão, visto a respectiva realização estar sujeita a um regime de licenciamento nos termos do próprio Regulamento, mas não a exigência de comunicação prévia ou proibição, caso a mesma não tenha sido observada.

A alínea c) estabelece a proibição de mendigar, expondo crianças ou outras pessoas em condições desumanas ou exibindo aleijão, moléstia, deficiência física, chaga ou surdez, bradando ou não com voz pungente ou lamuriante.

No tocante a esta norma há que distinguir entre a proibição de:

Mendigar, expondo crianças; Mendigar, expondo outras pessoas em condições desumanas;

Mendigar, exibindo aleijão, moléstia, deficiência física, chaga ou surdez.

Da norma em causa não resulta a proibição da mendicidade em si mesma considerada, mas apenas do acto de mendigar através da utilização de crianças ou outras pessoas nas condições descritas ou da exibição de determinadas características físicas.

Refira-se, apesar disso, que pelo menos nas estradas e caminhos enquanto vias públicas municipais, o Regulamento Geral das Estradas e Caminhos Municipais, aprovado pela Lei n.°2110, de 19 de Agosto de 1961, proíbe a permanência nas referidas vias para exercer mendicidade (artigo 39.°, § 13.° deste diploma)¡ o mesmo estipulando o artigo 82.°, § 14." do Estatuto das Estradas Nacionais, constante da Lei n.° 2037, de 19 de Agosto de 1949 e a alínea m), do artigo 4.°, do Decreto-Lei n.° 13/ 71, de 21 de Janeiro, diploma que estabelece os termos da jurisdição da Junta Autónoma de Estradas.

Quanto à proibição de mendigar expondo crianças, há que ter em conta que o acto em causa é susceptível de ser subsumido ao tipo penal previsto e punido no artigo 284.° (Utilização de menores na exploração da mendicidade), nas situações em que estejam reunidos os elementos integradores do delito, a saber:

Conhecimentos por parte do agente, de que a pessoa utilizada é menor de 16 anos ou inimputável;

Prática de actos de mendicidade por essa pessoa;

Obtenção ou possibilidade de obtenção pelo agente de, lucros provenientes dessa actividade e de que não necessite para sua manutenção.

Nestes cederá a repressão a título de contra-ordenação em favor da prossecução do correspondente processo

criminal, nos termos do já referido artigo 20.°, n.° 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, constante do Decreto-Lei n.° 433/82..

Por seu turno, sempre que os factos forem praticados pelos pais ou tutores, o crime será o do artigo 199.° do Código Penal, ficando consumida a infracção ao artigo 284.°

Quanto à redacção da norma em questão e especificamente no que se refere à terceira das proibições (mendigar exibindo aleijão, moléstia, deficiência física, chaga ou surdez), propõe-se:

Supressão da referência à surdez, uma vez que esta deficiência física não é susceptível de exibição, pelo menos no contexto da presente norma;

Introdução do advérbio «desnecessariamente» para qualificar o acto de exibição de aleijão, moléstia, deficiência física ou chaga (...ou exibindo desnecessariamente aleijão, moléstia, deficiência física ou chaga);

Supressão da parte final da alínea em causa — bradando ou não com voz pungente ou lamuriante — uma vez que se são proibidos os actos de mendicidade nas condições descritas, quer sejam acompanhados de brados, quer não, não se justifica tal redacção alternativa.

A alínea d) do preceito em análise estabelece um regime de licenciamento para o exercício da actividade de arrumador de automóveis, a exercer nos locais a indicar pela autarquia local e sujeita a um regime de credenciação pela autoridade policial local, sujeito a renovação anual.

Consistindo a actividade cujo exercício se pretende regular num conjunto de tarefas susceptíveis de serem desempenhadas por pessoas sem especiais qualificações, poderá o regime em causa servir outros fins para além daqueles que ditaram o estabelecimento do condicionamento, quais sejam os de o regime de credenciação proposto vir a ser utilizado para fins sociais genéricos ou de específica reinserção social, através do recurso, para desempenho desta actividade, a pessoas em situação de carência, ou exclusão social, designadamente, toxicodependentes em recuperação ou deficientes.

Quanto às proibições constantes das alíneas e),f) e g), nada temos a opor à respectiva formulação, cumprindo apenas salientar quanto à alínea g) que tal interdição genérica decorre da delegação nos Governadores Civis da competência para autorizar a realização de peditórios de âmbito distrital e local, nos termos do Despacho MAI n.° 2/93, in DR, 2.' série, n.°42, de 19.02.1993.

O artigo 45.°, sob a epígrafe «Medidas repressivas», dispõe que as autoridades tomarão as necessárias providências para identificar os mendigos que se encontrem nas condições enunciadas na alínea c) do artigo 44.°, detectar eventuais responsáveis pelos delitos previstos e punidos pelos artigos 215° e 284.° do Código Penal e reconduzir aqueles aos seus domicílios ou, se necessário e possível, aos cuidados da segurança social.

Parece-nos que as obrigações das autoridades policiais previstas nesta norma decorrem já das regras gerais em matéria de atribuições e competências das autoridades policiais no âmbito da identificação dos autores das infracções contra-ordenacionais (artigo48° do Decreto-Lei n.° 433/82) ou criminais (artigos 55.° e 248.° e segs. do Código de Processo Penal).

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Por seu turno parece excessivo e irrazoável para a liberdade individual, a obrigação de as autoridades policiais conduzirem os mendigos aos seus domicílios.

Propõe-se assim a supressão desta norma pelo facto de a respectiva estatuição se revelar desnecessária face às regras gerais aplicáveis na matéria.

. 15 —Disposições relativas à manutenção da ordem pública quanto a festividades e outros divertimentos

No que concerne à concessão de licenças ou autorizações e ao exercício do poder regulamentar (atenta a disposição contida no artigo 4.°, n.° 3, alínea b), do Decreto-Lei n.° 252/92, de 19 de Novembro), importa referir que, estando em causa matéria objecto de lei, o Governador Civil se deve limitar a desenvolver ou pormenorizar a normação básica fixada, abstendo-se de regular ex novo a matéria.

Desconhece-se a existência de acto legislativo que confira competências ao Governador Civil em matéria de concessão de licença ou autorização para o exercício das actividades referidas nos artigos 46.°, 50.° e 51.° do projecto.

Merece referência específica a competência do Governador Civil prevista no n.° 2, do artigo 21." do Regulamento Geral sobre .o Ruído, aprovado pelo Decreto--Lei n.° 251/87, de 24 de Junho, com a redacção do Decreto-Lei n.° 292/89, de 2 de Setembro, para autorizar, a título excepcional, a realização de espectáculos ou o exercício de quaisquer actividades ruidosas, públicas ou privadas, de forma continuada.

O exercício dessa competência há-de processar-se nos termos em que o legislador o estipula. A norma em causa não permite sustentar a existência de competência do Governador Civil em sede de licenciamento dás actividades ruidosas ou de poderes genéricos de autorização de exercício das actividades ruidosas.

Assim o impede o princípio da legalidade, de acordo com o qual, a competência só pode ser conferida, delimitada ou retirada por lei ou regulamento, pelo que na ausência de norma habilitante, a mesma não se presume (supra, capítulo I).

Nos termos do Decreto n.° 11223, de 6.11.25, o anúncio e a realização de festas ou espectáculos públicos a título de beneficência depende de prévia autorização da autoridade administrativa da respectiva localidade. Também esta disposição não habilita o Governador Civil a licenciar festas ou espectáculos públicos, cuja competência se cinge à concessão ou denegação de título de autorização, sempre que os fins prosseguidos sejam de beneficência.

A atribuição por regulamento das competências previstas nos artigos 47.°, 50.° e 51.°, ao Governador Civil, viola o princípio constitucional da legalidade, que tem por corolário o princípio da precedência de lei. Nenhuma matéria pode por regra, ser regulada ab initio por regulamento.

O Tribunal Constitucional declarou inconstitucionais regulamentos sem credencial legislativa prévia (Acórdãos do TC n.os 184/89 e 61/89). Falta lei habilitante do exercício do poder regulamentar nesta área porquanto, como se referiu já, a fixação da competência para concessão de título que legitime o exercício da actividade, deve ser feita por lei em sentido formal (a lei que fixa o regime geral da matéria a regular).

As disposições constantes dos artigos 46.°, n.os 1 e 2, 50.° e 51.°, do projecto de regulamento policial serão in-

constitucionais, por violação da norma do artigo 45.", n.° 1, da Constituição, estabelece que «os cidadãos têm o direito de reunir, pacificamente e sem armas, mesmo em lugares abertos ao público, sem necessidade de qualquer autorização».

A Relação de Lisboa, em Ac. de 10.05.89., sustentou que se verifica uma reunião sempre que uma pluralidade de pessoas se agrupe, se congregue, qualquer que seja o fim a prosseguir.

A reunião traduz um ajuntamento organizado, momentâneo. É indiferente o tempo de duração do ajuntamento ou

a sua deslocação ou fixidez espacial.

Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, são componentes do direito de reunião, a liberdade de reunião (direito a reunir-se com outrem sem impedimento e, desde logo, sem necessidade de autorização prévia), o direito de não ser perturbado por outrem no exercício desse direito, incluindo o direito de protecção do Estado contra ataques ou ofensas de terceiros e o direito à utilização de locais e vias públicas, sem outras limitações que as decorrentes da salvaguarda de outros direitos fundamentais que com aquele colidam.

O direito de reunião integra-se no Título n, da Parte I, da Constituição pelo que lhe é aplicável o regime constitucional próprio dos direitos, liberdades e garantias (artigos 17.° e 18.° da CRP).

A exigência de licença ou de autorização, como título habilitante do exercício de determinadas actividades diminui a extensão e o alcance do conteúdo essencial da norma contida no artigo 45.°, n.° 1, da CRP, significando portanto, uma restrição ao conteúdo essencial do direito de reunião.

O estabelecimento por regulamento de restrição a um direito como o direito de reunião, viola o princípio da reserva de lei, na dupla vertente da reserva de lei material, (que implica que os direitos, liberdades e garantias não podem ser regulados ou restringidos senão por via de lei, não podendo a lei delegar em regulamento ou diferir para ele qualquer aspecto desse regime) e de. reserva de lei formal (ou seja, lei da Assembleia da República ou Decreto-Lei do Governo, precedido de autorização legislativa). Gomes Canotilho e Vital Moreira sustentam que, em matéria de direitos, liberdades e garantias, não há lugar para regulamentos autónomos.

Também enquanto medida de polícia, sendo certo que é essência das medidas de polícia terem por fim evitar a produção de danos ao nível da segurança de pessoas e bens ou a sua ampliação ou generalização, tal medida só será legítima se necessária (necessidade de eliminar um perigo grave e actual de desordem), idónea ou eficaz (apta para eliminação do perigo), proporcionada (equilíbrio entre os sacrifícios do direito e o resultado), tempestiva e de duração limitada.

A restrição afigura-se desnecessária, não encontrando justificação à luz do fim que visa prosseguir — prevenção dos atentados à ordem pública, na sua tripla vertente de tranquilidade, segurança e salubridade públicas.

Que assim o é, demonstra-o o regime consagrado no Decreto-Lei n.° 406/74, de 29 de Agosto.

Entende a melhor doutrina que a consagração constitucional do direito de reunião na lei fundamental não importou a caducidade ou revogação do Decreto-Lei n.° 406/74, porque o acto regulamentar do seu exercício é compatível com a Constituição e o pré-aviso que o Decreto-Lei estabelece não configura uma restrição ao direito de reunião, pelo

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que não viola os princípios previstos no artigo 18.°, n.°2, da CRP.

O facto de a Constituição estabelecer que o exercício do direito de reunião não pode ser condicionado por autorização, não significa a inexistência de limites imanentes à natureza do direito, nem impede que o seu exercício Seja legalmente regulamentado.

O artigo2° do Decreto-Lei n.°406/74, estabelece que «as pessoas ou entidades que pretendam realizar reuniões, comícios, manifestações ou desfiles em lugares públicos ou abertos ao público deverão avisar por escrito e com a antecedência mínima de dois dias úteis o governador civil do distrito ou presidente da câmara municipal, conforme o local da aglomeração se situe ou não na capital do distrito» e veio permitir o exercício directo pelos cidadãos dos direitos de reunião e de manifestação em local público, abolindo a intervenção administrativa na sua formação.

O fim de polícia é um fim preventivo da segurança de pessoas e bens e não repressivo ou condicionante do exercício do direito.

O aviso prévio não consubstancia um pedido de autorização. °

Segundo observa Marcelo Caetano, o regime do licenciamento incide sobre actividades cujo exercício é, em princípio, proibido. A administração confere o poder de a exercer mediante licença.

Quanto à figura da autorização, também prevista nas disposições dos artigos do projecto de diploma que ora se apreciam, entende-se que a entidade autorizada possui um direito ou um certo poder, cujo exercício se encontra vedado sem o consentimento prévio da administração, fundado na apreciação de circunstâncias de interesse público.

Não se vê motivo para sujeitar o exercício das actividades envolvidas a licença ou autorização prévia. O interesse público na manutenção da ordem e da tranquilidade é devidamente salvaguardado pela exigência legal de pré-aviso.

O pré-aviso visa possibilitar o desenvolvimento normal do acto com o mínimo de condicionamentos para os bens e interesses em eventual conflito, concedendo às autoridades, tempo para o estudo e à adopção das medidas requeridas.

As providências a adoptar pelas autoridades públicas visam garantir o livre exercício do direito de reunião dos interessados e a satisfação do direito colectivo à tranquilidade pública (cf. artigos 6.° e 7." do Decreto-Lei n.° 406/74).

A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e as decisões da Comissão Europeia dos Direitos do Homem sobre o direito de reunião e manifestação apontam no sentido de a restrição ter de ser «necessária», se a desvantagem de que ela enferma for menor que o perigo que a justifica.

Em sentença de 5.12.83, um Tribunal de Polícia entendeu que a obrigação de comunicação prevista no artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 406/74 deve entender-se restrita aos casos em que se justifique a sua necessidade, o que não sucede quando o trânsito e a ordem pública em geral não podem ser afectados pelo reduzido número de pessoas e a forma como se expressam (publicada in Colectânea de Jurisprudência, ano LX, 1984, Tomo 2, pp. 321 a 325).

O legislador entendeu que a exigência de comunicação previa por parte dos promotores das reuniões às autoridades apenas se jusüfica quando a aglomeração decorra em espaço público ou em local aberto ao público. Tal comunicação visa r^rmitir às autoridades públicas fazer o que delas dependa para que a reunião decorra sem incidentes.

E apenas deverá ser dirigida ao Governador Civil, quando a aglomeração se realize na capital de distrito, pelo que a eventual disciplina relativa ao aviso prévio em regulamento policial deverá cingir-se a tais aglomerações, sob pena de colisão com o regime legal.

a utiiização^a expressão «outros divertimentos m via

pública e demais lugares abertos ao público» (n.° 1 do artigo 46.° do projecto) não é a mais feliz, atenta a indeterminação que dela resulta.

Propõe-se que em seu lugar, seja adoptada a expressão «outros divertimentos na via pública e demais lugares abertos ao público, da mesma natureza».

No que concerne aos arraiais, a que o artigo 46.°, n.° 1, faz referência expressa, observa-se que o Regulamento dos Arraiais e do Concurso dos Arraiais e Tronos; publicado no Diário Municipal da Câmara Municipal de Lisboa, ano LVJTJ, n.° 16 581, de 11 de Março de 1993, atribui à Câmara Municipal competência para autorizar a organização de arraial.

A autorização camarária obedece ao desiderato de prevenir perigos para a tranquilidade pública (artigo 7.°, n.os 3 e 4, do Regulamento). O licenciamento pelo Governador Civil deve traduzir uma compatibilização com as intervenções municipais sobre esta matéria.

No artigo 46.°, n.° 1, sujeita-se a realização de prova desportiva na via pública e d.emais locais abertos ao público a licenciamento. Já no artigo 53.°, que tem por epígrafe «provas desportivas na via pública», o legislador se refere a autorização para realizar provas desportivas na via pública. O artigo 48.°, n.° 1, por sua vez, alude a licença, como o fazem as disposições contidas nos artigos 46.°, n.os 1, 2 e 3 e 47.°, n.os 1 e 2, sendo que no n.° 2 do artigo 48.°, o legislador utiliza a expressão autorização.

A diferente terminologia adoptada pelo legislador para designar o título que legitima o exercício da mesma actividade cria confusões sobre a natureza do título habilitame.

A sujeição de determinadas actividades que envolvem a utilização das vias públicas, a prévia obtenção de licença ou autorização é claramente prejudicada pela existência de preceito constitucional que o proíbe e de Decreto-Lei que contém regime menos gravoso para o exercício do direito.

A figura da deslegalização deve ter-se por excluída nas matérias sujeitas ao princípio da reserva de lei.

O regime previsto no artigo 46.°, n.os 2 e 3, colide com o estatuído nos artigos 10.° e 16.° do Decreto-Lei n.°406( 74, que dispõem sobre reuniões realizadas em recintos fechados, violando o princípio do congelamento do grau hierárquico. Por força dos artigos 10.° e 16.° do citado Decreto-Lei, a obrigação de comunicação prévia inexiste em caso de reuniões a realizar em recinto fechado.

Perante a lei, qualquer intervenção do órgão administrativo nesta matéria só pode dar-se a título secundário, derivado ou executivo e nunca com critérios próprios ou autónomos de decisão.

As disposições constantes do artigo 46.°, n.os 2 e 3, do projecto na medida em que impõem o licenciamento pelo Governador Civil dos bailes e divertimentos que tenham lugar em ambiente familiar e no próprio lar, sem fins lucrativos, para recreio dos seus membros e convidados, que se prolonguem para lá das 24 horas, independentemente do número de participantes, ou até às 24 horas e em que participem mais de 50 pessoas, colidem manifestamente com o direito fundamental à intimidade da vida privada e familiar. Trata-se de uma restrição ao conteúdo essencial do direito não legitimada por outros valores constitucionais.

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De acordo com a doutrina tradicional (cf. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. II) constituem limites relativos aos poderes de polícia o respeito pela vida íntima e pelo domicílio dos cidadãos.

Seña evidente o absurdo de medida que impusesse o licenciamento de reunião que decorra entre duas pessoas, após as 24 horas.

Atente-se no artigo 11.° do Decreto-Lei n.° 406/74, quando permite o prolongamento para além das OH 30M, de reuniões que decorram em recintos fechados, em salas de espectáculos, em edifícios não residenciais ou residenciais, desde que os moradores promovam a reunião ou concedam o seu assentimento.

Não se justifica o licenciamento de reuniões que não decorrem na via pública ou em locais abertos ao público. É de novo o requisito da necessidade que não se verifica dá por cumprido.

No que concerne à disposição referida no artigo 46.°, n.° 4, entende-se que o tratamento jurídico diferenciado de situações materialmente idênticas, em função da natureza da entidade que promove a reunião viola o princípio da igualdade consagrado no artigo 13." da Constituição, por carecer de fundamento objectivo e razoável. Considera-se que o grau de perigosidade para a ordem pública das reuniões não varia consoante a natureza de quem a promoveu— entidade oficial ou cidadão.

Quanto à competência para a concessão de licenças prevista no artigo47°, para além das considerações precedentes, observa-se que, na ausência de competência de licenciamento do Governador Civil, qualquer acto de delegação dessas competências, seja em comandante de divisão ou de secção da Polícia de Segurança Pública, seja em Comandante de grupos e destacamentos territoriais da Guarda Nacional Republicana, será inválido.

Acresce que, a existir competência legal do Governador Civil, a lei habilitante da delegação há-de ser lei em sentido formal, pelo que o Regulamento não pode prever poderes de delegação, quando os mesmos não resultem da lei (neste sentido, supra, capítulo I).

A previsão de taxa de licenciamento, designadamente no artigo 48.° do projecto, é ilegítima porque carece de consagração legal. O artigo 24.°, n.° 1, alínea b), do Decreto-Lei n.° 252/92, de 19 de Novembro, prevê como fonte de receita as taxas aplicadas ena virtude de autorização da competência do Governador Civil.

As entidades designadas para receber a comunicação correspondente ao cumprimento da obrigação de aviso prévio consagrada pelo Decreto-Lei ri." 406/74, de 29 de Agosto, não têm competência para cobrar taxa pelas diligências tomadas com vista à salvaguarda da ordem e tranquilidade públicas.

A disposição contida no artigo 48.°, n.° 3, merece reparo, quer por virtude da sua colocação sistemática, quer pelo uso da expressão «título de autorização». Em face do que anteriormente se expõe, considera-se preferível que o Regulamento contenha norma relativa ao exercício do poder previsto no artigo 6.° do Decreto-Lei n.° 406/74.

Os prazos fixados nos artigos 49.° e 53.°, n.° 1, do projecto, respectivamente de 15 e de 30, 40 ou 50 dias, excedem largamente o prazo de dois dias estabelecido no artigo 2,°, do Decreto-Lei n.° 406/74, no que toca ao aviso prévio, o qual reputamos suficiente, por permitir acautelar a manutenção da ordem e tranquilidades públicas (valores que ditam a obrigação de aviso prévio).

São aplicáveis ao regime de licenciamento que se contém no artigo 50.°, relativo aos folguedos carnavalescos,

as observações formuladas sobre o conteúdo dos n.os 2 e 3, do artigo 46." do projecto.

Acresce que as preocupações específicas da época carnavalesca não parecem justificar a exigência da menção da lotação do recinto, se cinge, aos folguedos que decorrem de quinta-feira de Comadres a quarta-feira de Cinzas, não encontrando paralelo no texto do artigo 46.°

A fixação da competência prevista no artigo 51.°, do projecto importa a violação do princípio da precedência de lei, por faltar lei (em sentido formal) atributiva de tal competência ao Governador Civil.

A propósito da delegação de competência, reproduzem--se os comentários tecidos sobre a redacção do artigo 47.°, n.° 1.

É inútil porque meramente declarativa, a norma constante do artigo 52.°, n.° 1, do projecto em apreciação.

Entendemos que as normas proibitivas que o n.° 2 estabelece consubstanciam uma violação do princípio da tipicidade legal das medidas de polícia e, bem assim, do princípio da proibição do excesso.

Segundo aduzem Gomes Canotilho e Vital Moreira (in Constituição da República Portuguesa Anotada, p. 956), o princípio da tipicidade legal significa que os actos de polícia devem ter um fundamento necessário na lei e traduzir-se em medidas ou procedimentos individualizados, de conteúdo suficientemente definido na lei, qualquer que seja a natureza dessa medidas.

As proibições em causa, não obstante constituírem medidas de polícia, não encontram fundamento na lei.

Só assim não sucederá, quanto à proibição contida no artigo 52.", n.°2, alínea d), sobre o uso de «bombas busca-pés» e de outros produtos similares fabricados com pólvora, na medida em que a mesma se reporte à utilização de artifícios pirotécnicos designados por «bombas de arremesso» ou de balões com mecha acesa, cujo lançamento é vedado por lei [cf. artigo 24." do Decreto--Lei n.° 521/71, de 24 de Novembro, e artigo 5.°, n.° 1, alínea d), da Lei n.° 19/86, de 19 de Julho].

Violam q princípio da necessidade as proibições contidas no n.° 2, alíneas a), c) e e).

Por fim, a proibição do uso de objectos de arremesso apenas se justificará quando os mesmos envolvam perigo.

A apreensão de objectos, a que se reporta o n.° 3 do artigo 52.°, constitui uma sanção administrativa, porque prossegue fins sancionatórios e não uma medida de polícia, em sentido próprio. A norma em apreço não tem por objecto matéria da competência policial do Governador Civil, pelo que não deverá constar do corpo do regulamento policial [cfr. artigo 4.°, n.° 3, alínea c), do Decreto-Lei n.° 252/ 92, de 19 de Novembro].

16 —Licenciamento da actividade leiloeira

De acordo com o artigo 4.°, n.° 3, alínea b), do Decreto--Lei n.° 252/92, de 19 de Novembro, compete ao Governador Civil, no exercício das suas funções de polícia, conceder, nos termos da lei, autorizações ou licenças para o exercício de actividades.

Terá, também aqui que existir sempre lei habilitante para que o Governador Civil detenha competência para sujeitar o exercício de determinadas actividades a licença ou autorização.

Prevê o artigo 54.°, n.° 1, do Projecto de Regulamento Policial do Distrito de Lisboa que a realização de leilões em lugares públicos carece de licença a conceder peio

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Governador Civil, mediante parecer da entidade policial territorialmente competente; considerando-se lugares públicos, nos termos do n.° 2 do preceito citado, os estabelecimentos comerciais e quaisquer outros recintos a que o público tenha acesso gratuito e livre.

Ora, desde que o artigo 408.° do Código Administrativo (que no seu n.° 10 conferia ao Governador Civil poderes para providenciar acerca de leilões) foi revogado pelo artigo 29." do Decreto-Lei n.° 252/92, não há, na nossa ordem jurídica, qualquer norma legal que preveja a necessidade de autorização específica para a realização de leilões em lugar público.

São, assim, violados o artigo 4.°, n.° 3, alínea b), do Decreto-Lei n.° 252/92, e o artigo 61.°, n.° 1, da CRP, onde consagra a liberdade de iniciativa económica privada, pois, segundo entendimento unânime da doutrina, trata-se de um direito fundamenta] de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias (cf, por todos, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, T. IV, Direitos Fundamentais, 2.* ed., Coimbra, 1993, p. 454), como tal sujeito a reserva de lei (artigo 18.°, n.° 1, da CRP) e a reserva de lei parlamentar, nos termos do artigo 168.°, n.° 1, alínea b), da CRP (cf., por todos, A. L. Sousa Franco, «Nota sobre o princípio da liberdade económica», BMJ, 355, p. 23). Englobando o seu conteúdo a liberdade de gestão da empresa ou do desempenho da actividade, estará incluída a possibilidade de realizar leilões em lugares públicos.

O artigo 54.°, n.° 4 do projecto, ao dar aos agentes da autoridade a possibilidade de suspenderem.um leilão que esteja a decorrer com inobservância das suas disposições, viola o artigo 272.°, n.° 2, da CRP, que estabelece o princípio da tipicidade legal das medidas de polícia. Efectivamente, não existindo na nossa ordem jurídica norma legal que consagre a medida de polícia contida no artigo 54.°, n.° 4, do projecto, esta não poderá ser admitida. A suspensão de um leilão a decorrer com inobservância das disposições do Regulamento de Polícia que venha a ser aprovado, apenas poderá ter lugar quando ocorra perturbação da ordem e da segurança públicas, podendo nesse caso o Governador Civil exercer as competências que lhe são cometidas pelo artigo 3.°, alínea a), do Decreto--Lei n.° 252/92: «tomar as providências necessárias para manter a ordem e a segurança públicas, requisitando, quando necessária, a intervenção das forças de segurança, aos comandantes da PSP e da GNR, instaladas no distrito»;

Quanto ao ^rtigo 55.°, n.° 2, do projecto, onde se proíbe a divulgação do leilão sem que tenha sido concedida a respectiva licença, é duvidoso que o artigo 12.°, n.° 1, do Código da Publicidade (Decreto-Lei n.° 303/83, de 28 de Junho) — proibitivo da utilização de formas publicitárias que, por inveracidade ou omissão, induzam o consumidor em erro quanto às características do serviço — dê cobertura ao disposto naquela norma. Com alguma segurança, parece possível responder pela negativa. Efectivamente, esta medida resultaria como excessiva, tendo em vista os interesses que visa proteger, colidindo com o princípio da proi.bição do excesso ínsito no artigo 272.°, n.° 2, da Constituição.

No que respeita ao artigo 55.°, n.° 3, do projecto, é claro que fica prejudicado, tal como as restantes normas desta Secção IV, pelo que se concluiu quanto à impossibilidade, para o Governador Civil, de sujeitar os leilões a licenciamento-, ainda assim, não pode deixar de referir-se que, a ser admissível esse licenciamento, resultaria desproporcionada a proibição de leilões para além das 24 horas, bem como, junto de escolas ou serviços públicos durante o seu funcionamento ou junto de templos durante as

celebrações religiosas. Isto porque o projecto parece partir do princípio de que os leilões constituem uma actividade potencialmente geradora, em abstracto, de perturbações da ordem e da segurança públicas, quando não parece ser, de

todo, assim; trata-se de uma actividade comercial lícita, cuja realização não parece importar riscos ou perigos superiores aos que resultam do exercício da liberdade de iniciativa económica privada através de outros suportes. A ter lugar, em concreto, a perturbação da ordem e segurança públicas, o Governador Civil pode e deve lançar mão dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 4.°, n.° 3, alínea a), do Decreto-Lei n.° 252/92, atrás descrito.

Em face do exposto, propõe-se a supressão da Secção IV do Capítulo IV, epigrafada «Leilões», do Projecto do Regulamento Policial do Distrito de Lisboa, sem prejuízo de esta actividade ficar limitada às regras gerais.

V

Da protecção da integridade física das pessoas e dos bens patrimoniais contra actividades perigosas

17 —Disposições concernentes à protecção contra quedas

O Capítulo V, do projecto, sob o título de Protecção de Pessoas e Bens, reparte-se por três secções:

I — Protecção contra quedas;

II — Foguetes, fogos de artifício e queimadas; UI — Fabrico e comércio de armas de fogo, munições e oficinas de reparação de armas.

Em relação à primeira secção, dir-se-á não merecer, da nossa parte, quaisquer objecções substanciais.

Observa-se um conjunto de disposições cautelares contra riscos provocados sobre a integridade das pessoas por «cavidades existentes em qualquer terreno», a menos que se trate de «propriedades devidamente vedadas ao público».

Esta disciplina propõe-se cobrir então, quer os terrenos que sejam objecto de propriedade privada (desde que rião vedados) — de pessoas colectivas públicas, também — quer os terrenos do domínio público, máxime as vias de comunicação e a via pública, em geral.

Se quanto ao exercício de direitos de natureza civil nada parece obstar à presente regulação, visto que as suas normas se quedam pelas simples limitações de exercício, não afectando, como tal, o conteúdo desses direitos, já quanto à via pública, não será despiciendo avaliar a sua articulação com'normas prevalentes.

Assim, começa por se adiantar ficarem excluídas do âmbito de aplicação destas normas as estradas nacionais, com suas bermas, yaletas, passeios e respectivas zonas non aedi-ficandi, porquanto se encontram sob jurisdição da Junta Autónoma de Estradas, de acordo com o artigo 1." do Decreto-Lei n.° 13/71, de 23 de Janeiro. No artigo 4.°, alínea a), deste mesmo diploma, dispõe-se ser proibido «cavar, fazer buracos ou cravar quaisquer obstáculos».

Outro tanto se poderia dizer sobre os domínios públicos hídrico e marítimo. Dispensamo-nos porém, de o fazer, como forma de evitar redundâncias ou especificações superabundantes.

Interessa contudo, expor breves considerações acerca das vias municipais, posto que o seu policiamento constitui atribuição dos municípios («tudo o que interesse à segurança e comodidade do trânsito nas ruas, praças, cais e mais lugares públicos», a título subsidiário, nos termos do

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artigo 50.°, n.° 1, do Código Administrativo e «conservação das estradas a seu cargo», nos termos do artigo 46.°, n.° 1, idem; vd. também artigo 1.° da Lei n.°2110, de 19 de Agosto de 1961). Este último diploma prevê expressamente a proibição de «cavar, fazer buracos ou cravar quaisquer objectos na zona da via municipal» (artigo 39.°, n.° 1).

Sobre as obras e obstáculos na via pública aprovou o Governo o «Regulamento de sinalização de carácter temporário de obras e obstáculos ha via pública», por via do Decreto Regulamentar n.° 33/88, de 12 de Dezembro. Não se vislumbra qualquer desconformidade, devendo no entanto, ser dada prevalência, no caso de conflito, às normas que confiram maior segurança, como decorre da relação entre as normas e da natureza dos bens jurídicos protegidos.

Por fim, entendemos que não seria inusitado firmar no articulado, designadamente no artigo 56.°, n.° 1, do projecto que o cumplimento dos deveres de prevenção ali contidos, não prejudica as regras gerais de responsabilidade civil, nem a regra específica do artigo 1348.°, n.°2, do Código Civil.

18 —Regime relativo à protecção contra explosivos e fogos

O Decreto-Lei n.° 521/71, de 24 de Novembro, veio conceder ao Comando-Geral da Polícia de Segurança Pública competência para organizar o serviço de cadastro e fiscalizar a produção, importação, exportação, comércio, detenção, armazenamento e emprego de armamento, munições e substâncias explosivas e para a prevenção de segurança nos locais utilizados para exercício de qualquer das referidas actividades.

Nos termos do artigo 23.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 521/ 71, o lançamento de fogos de artifício de qualquer natureza depende de autorização da autoridade policial concelhia.

O artigo 15." da Lei n.°8/91, de 1 de Abril, considera como autoridades de polícia, no que concerne à GNR, o comandante-geral, o 2." comandante-geral, os comandantes de unidade, de companhia e de secção ou equivalentes e, no que toca à PSP, o comandante-geral, o 2." comandante-geral, os comandantes regionais, os comandantes distritais, os comandantes das unidades especiais e os cpmandantes de divisão.

O artigo 16.° da mesma Lei dispõe que as autoridades de polícia podem determinar a aplicação de medidas de polícia, de acordo com as respectivas competências organicamente definidas.

O artigo 10.° do Estatuto da PSP, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 151/85, de 9 de Maio, considera autoridades policiais, a nível concelhio, os comandantes de divisão, destacados e os comandantes de secção destacados.

Nos termos do artigo 5." da Lei Orgânica da Guarda Nacional Republicana, são consideradas autoridades de polícia, o comandante-geral, o 2.° comandante-geral, o chefe do estado-maior do Comando-Geral, os comandantes de unidade, os comandantes de agrupamento, grupo, companhia ou equivalente e os comandantes de destacamento ou equivalente.

Ao impor o licenciamento do emprego de explosivos, o qual compete, no município sede do distrito, ao comandante distrital e nos restantes concelhos, aos comandantes de divisão ou secção da PSP ou aos comandantes de grupos e destacamentos da GNR, os artigos 60.° e 61." do projecto estabelecem um regime mais gravoso do que o regime legal.

Conforme se observou, o licenciamento incide sobre actividade relativamente proibida, enquanto a autorização supõe que o requerente do título tem o direito de exercer a actividade.

Em matéria de reserva de lei e em sede de medidas de polícia, não pode o acto regulamentar adoptar critérios que conflituem com os critérios legais.

Por outro lado, entre as entidades licenciadoras que o projecto designa, aquelas que não constituem autoridades policiais concelhias não dispõem de competência para autorizar o lançamento de fogos de artifício, nos termos previstos no artigo 23.° do Decreto-Lei n.° 521/71.

Considera-se excessivo o âmbito do licenciamento previsto no artigo 60.°, do projecto, na medida em que abrange qualquer acto de queima de fogos de artifício ou de lançamento de balões ou aeróstatos é atentas as exigências decorrentes do artigo 61.°, n.°2.

Na verdade, o regime contido no artigo 23.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 521/71, não se aplica aos denominados «fogos de sala» (v. n.° 2 do artigo citado), artifícios pirotécnicos cuja utilização é por natureza insusceptível de controlo eficaz.

De novo, o regime propugnado é de maior alcance que o regime legal vigente.

É inútil a utilização da expressão «cujo fabrico não esteja proibido», não se compreendendo qual o seu alcance preciso (artigo 60.° do projecto).

Carece de objectividade o fundamento de indeferimento previsto no n.° 3, alínea a), do artigo 61.° e, por seu turno, consideram-se bastantes os motivos de indeferimento previstos nas alíneas b) a e) daquela disposição, sendo que já a razão de indeferimento que a alínea a) estatui não é necessária para a salvaguarda da ordem e tranquilidades públicas.

A proibição de lançamento de fogos de artifício no período compreendido entre as 24 horas e as 8 horas (v. artigo 61.°, n.°4, do projecto) apenas encontra cobertura legal quando a mesma ocorra nas proximidades de edifícios de habitação, escolares e hospitalares ou similares, bem como de estabelecimentos hoteleiros e meios suplementares de alojamento (v. artigo 21.°, n.° 1, do Regulamento Geral sobre o Ruído, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 251/87, de 24 de Junho, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 292/89, de 2 de Setembro). Nas demais circunstâncias carece de fundamento legal, violando o princípio da tipicidade das medidas de polícia, pese embora não ficar situada a actividade em causa ao abrigo do regime dos direitos, liberdades e garantias. . A estatuição de proibição relativa de lançamento de fogos de artifício, deverá cingir-se às circunstâncias de localização a que alude o Regulamento Geral sobre o Ruído.

Por outro lado, o período horário a que se reporta a proibição propugnada deve sofrer uma modificação, em função do disposto no artigo 21°, n.° 1, do diploma citado. Assim, deverá proibir-se o lançamento de fogos de artifício no período que medeia entre as 22 horas e as 8 horas, de domingo a quinta-feira e entre as 24 horas e as 8 horas, à sexta-feira, ao sábado e em vésperas de dias feriados.

A manter-se a redacção do projecto, serão violados os critérios legais; os mesmos, aliás, que o artigo 43.°, n.° 1, do projecto em apreço acolhe.

A proibição de lançamento de fogos de artifício na proximidade de paióis, depósitos de explosivos, substâncias inflamáveis, de searas ou locais onde eventualmente se possam verificar aglomerados de púfeítco, obedece às

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preocupações que subjazem ao artigo 23.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 521/71, de 24 de Novembro, onde se determina que a autoridade policial designará os locais do lançamento dos fogos de artifício, sempre distanciados de paióis, depósitos de substâncias explosivas, de substâncias inflamáveis, de searas e de outros lugares onde se verifique perigo de dano.

Quanto à faculdade de recusar a concessão de licença, em caso de não assinatura de termo de responsabilidade para garantia de indemnização por perdas e danos, materiais e pessoais, incluindo danos não patrimoniais ou de transferência da responsabilidade para companhia de seguros, entendemos que, por forma a assegurar as legítimas preocupações que subjazem aó estatuído no artigo 61.°, n.°6, do projecto, tal faculdade deve ceder perante a consagração de obrigação de objecto idêntico, propondo-se a substituição do termo «podem» pelo termo «devem».

Sobre a matéria objecto dos artigos 62." e 63.° do projecto dispõe a Lei n.° 19/86, de 19 de Julho, que cria os tipos penais compreendidos nos artigos 1.° e 2." e que se reportam ao incêndio de florestas, matas ou arvoredos que sejam propriedade de outrem ou que, sendo propriedade do agente, tenham valor patrimonial considerável ou possam pela sua natureza e localização comunicar o incêndio a florestas, matas ou arvoredos de outrem, e que considera ilícitas as queimadas em terrenos sitos no interior das matas ou na sua periferia até 300 m dos seus limites, os fogos de qualquer espécie, incluindo o acto de fumar, no interior das matas e nas vias qué as atravessam e, bem

assim, as queimadas de lixos no interior das florestas e numa faixa limite de 100 m e nas lixeiras situadas numa faixa de 500 m a partir dos limites das matas [cfr. artigo 5.°, n.° 1, alíneas a), b) e /)].

De novo, o projecto propõe-se regulamentar matéria disciplinada por lei, não obstante o disposto no artigo 1.°, que delimita o seu objecto.

É deficiente a redacção do preceito que estabelece poderem as autoridades policiais autorizar, independentemente de licença, as tradicionais fogueiras de Santo António, de São João e de São Pedro (n.° 2 do artigo 62.°).

As proibições do artigo 62.°, n.° 1 e do artigo 63.°, n.° 1, têm fundamento legal na medida em que se reportam aos actos que integram os tipos penais e as contra-ordenações previstos nos artigos 1." e 2.° e 5.°, alíneas a), b) e /), dá Lei n.° 19/86, de 19 de Julho, o tipo penal a que corresponde o artigo 254.° do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 400/82, de 29 de Setembro, sendo certo que, quanto ao âmbito não coincidente com os comportamentos a que aludem as citadas disposições, constituem medidas de polícia, de conteúdo não definido por lei; termos em que a redacção dos artigos 62.°, n.° 1, e 63.°, n.° 1, deverá ser reformulada.

19—Licenciamento das actividades de fabrico, comércio e reparação de armas de fogo e munições

O Decreto-Lei n.° 37313, de 21.02.49, no seu artigo 11.° atribui ao Governo Civil o poder de licenciar a montagem do fabrico de armamento ou munições, devendo para o efeito ouvir o Comando-Geral da PSP.

O artigo 30.° do Decreto-Lei n.° 37 313 estabelece que a venda de armas de fogo designadamente de armas de caça, de armas simples de recreio e de determinadas armas de defesa e das suas munições depende de alvará de

licença a conceder, nas capitais de distrito, pelo governador civil e nos respectivos concelhos, pelo presidente da Câmara, obtida prévia informação favorável do Comando Geral da PSP.

O regime contido no artigo 64.°, n.° 1, prevê o licenciamento, pelo Governador Civil, dos estabelecimentos destinados ao fabrico e venda ao público de armas de fogo e munições e à reparação de armas. A concessão do alvará obedecerá aos termos prescritos na lei.

Por forma a respeitar a distribuição de competências a que procede o artigo 30.°, do Decreto-Lei n.° 37 313, o licenciamento, pelo Governador Civil, dos estabelecimentos de venda ao público de armas de fogo e munições deverá cingir-se aos estabelecimentos situados na capital do distrito de Lisboa e aos casos em que os mesmos se dediquem à venda dos tipos de armas de fogo mencionados no artigo 30.° do diploma citado. Caso contrário, resultará violado o princípio da prevalência da lei.

A referência a armas «cujo uso não seja proibido por lei» parece-nos despropositada.

VI

Do regime de licenciamento do exercício de outras actividades económicas

20 — Agências de venda de bilhetes para espectáculos e divertimentos

Nos termos do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 37 534, de 30 de Agosto de 1949, conjugado com o artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 36 371, de 25 de Junho de 1947, a venda de bilhetes para espectáculos ou divertimentos públicos fora das bilheteiras das próprias casas de espectáculos só pode ser exercida nos locais e nos termos ali mencionados, ou seja, em agências instaladas em estabelecimentos especiais ou em secções daqueles que exercem outros ramos do comércio ou fazendo a sua entrega ao domicílio (artigo 1." do referido Decreto-Lei n.° 37 534), dependendo o exercício da actividade de licença do Governador Civil (artigo 3." do mesmo diploma). O n.° 1 do artigo 65.° do Projecto do Regulamento Policial do Distrito de Lisboa, ao dispor que «a venda de bilhetes para espectáculos ou divertimentos públicos só é permitida nas casas e recintos destinados a esses espectáculos e divertimentos e nas agências ou postos de venda munidos de licença de abertura e funcionamento passada pelo Governo Civil ou por entidade com delegação», respeita o dispositivo legal habilitante.

Note-se que o artigo 65.°, n.° 1, do projecto, fala em «licença de abertura e funcionamento», dando a entender que se trata de uma única licença, vindo depois o artigo 66.° esclarecer, nos seus dois números, que estão em causa, simultaneamente, licença de abertura e licença de funcionamento, esta última titulada por alvará. Sugere-se, pois, a alteração da redacção da parte final do artigo 65.°, n.° 1, do projecto, de modo a esclarecer que não se trata de uma licença de abertura e funcionamento, mas sim de duas licenças, uma de abertura e outra de funcionamento.

O artigo 67.°, n.°2, in fine, do Projecto, parece assacar aos organizadores (ou exploradores dos espectáculos «. divertimentos públicos e seus empregados) um dever de presumir o destino ilícito dos bilhetes solicitados, em certos casos. Ora, não resulta curial erigir em dever para aqueles agentes uma conduta que só será determinável perante cada

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situação concreta, em termos aferíveis pelo dever geral de diligência e não por qualquer dever particular de presunção do destino ilícito dos bilhetes vendidos, obrigatoriamente presente. Sugere-se por isso, a alteração da redacção do preceito em análise, substituindo-se a expressão verbal

«devam», por «possam».

O artigo 68.°, n.° 2 do projecto, ao dispor qde as agências ou postos de venda não poderão funcionar a menos de 100 m das bilheteiras de qualquer casa ou recinto de espectáculos ou divertimentos públicos, vem estabelecer uma restrição à actividade de venda de bilhetes para espectáculos ou divertimentos públicos que parece não dispor de qualquer apoio legal, pelo que viola o princípio da liberdade de iniciativa económica privada consagrado no artigo 61.°, n.° 1, da CRP. Propõe-se, como tal, a eliminação do n.° 2, do artigo 68.° do Projecto dó Regulamento Policial do Distrito de Lisboa.

Também o artigo 68.°, n.°5, do projecto, que proíbe a propaganda de viva voz em qualquer local e, dentro de um raio de 100 m a partir das bilheteiras, por qualquer outro meio, parece carecer, depois de compulsado o Código da Publicidade, de norma legal habilitante, violando o artigo 61.°, n.° 1, da CRP, que prevê a liberdade de iniciativa económica privada. Não podendo ser admitido, propõe-se a sua supressão.

Quanto ao artigo 69." do projecto, ao prever que os agentes da autoridade impeçam a aproximação às bilheteiras das casas ou recintos de espectáculos ou divertimentos públicos de indivíduos suspeitos de actividades proibidas neste capítulo, viola o disposto no artigo 272.°, n.° 2, da CRP, que estabelece o princípio da tipicidade legal das medidas de polícia. Da inexistência, na nossa ordem jurídica, de norma legal que preveja a medida de polícia constante do artigo 69.° do Projecto resulta a inadmissibilidade desta. Assim sendo, propõe-se a sua supressão, também com o resultado de a vigilância policial junto aos citados locais ser exercida nos termos gerais.

21 — Vendedores ambulantes de lotaria

Nos termos do artigo 16.° do Decreto-Lei n.° 122/79, de 8 de Maio, compete às Câmaras Municipais restringir, condicionar ou proibir a venda ambulante. Não existindo qualquer outra norma legal que regule o exercício da venda ambulante, parece indubitável que caberá às Câmaras Municipais, e apenas a elas, intervir nesta matéria. Desta forma, o disposto no artigo 70.°, n.° 1, do projecto de Regulamento Policial do Distrito de Lisboa, ao contrariar o disposto no artigo 16.°, do Decreto-Lei n.° 122/79, não poderá deixar de conduzir à eliminação do referido artigo 70.°, n.° 1, e, por arrastamento, de todo o Capítulo VII do projecto.

No entanto, ainda que fosse admissível o licenciamento por parte do Governador Civil, da venda ambulante de lotaria, nem por isso o regime instituído neste projecto de Regulamento Policial deixaria de estar sujeito a reparos.

Nos termos do artigo 70.°; n.° 2, do projecto, «a licença para venda ambulante de lotaria só poderá ser concedida a maiores de 16 anos que possuam a necessária idoneidade moral e não sofram de doença contagiosa».

Quanto ao requisito da idoneidade moral, também previsto no artigo 70.°, n.°2, do Projecto, não tem suporte legal e, ainda que o tivesse, não deixaria de ser inconstitucional, pois a reserva de lei que o artigo 18.°, n.° 1, da Constituição, estabelece para as restrições aos direitos, li-

berdades e garantias (incluindo os de natureza análoga àqueles — como é o caso da liberdade de iniciativa económica privada, aqui em causa) obriga à definição legal das restrições, o que não sucede quando a indeterminação

dos conceitos remete a definição do essencial do regime

restritivo para a Administração, através de regulamento OU

acto administrativo.

De idênticos vícios, ainda que em menor grau, sofre a previsão do segundo requisito enunciado — no que toca ao seu conteúdo material, seria necessária apenas uma especificação do tipo de doenças contagiosas que poderiam levar à denegação da licença. '

No que respeita ao contido no artigo 70.°, n.° 4, do projecto, onde dispõe que não será concedida licença a indivíduos sujeitos a vigilância policial, é necessário notar que a vigilância policial não é hoje configurada como uma medida de polícia passível de aplicação por tempo indeterminado a pessoas determinadas ou categorias de pessoas [cf. artigo 16.°, n.°2, alínea a), da Lei n.° 20/87, de 12 de Junho — Lei da Segurança Interna], ao invés do que já sucedeu em períodos anteriores [cf. artigo 8.° do Decreto--Lei n.° 37 447, de 13 de Junho de 1949). Não faz, assim, qualquer sentido esta proibição; se o fizesse, o que apenas se admite para efeitos de raciocínio, seria claramente inconstitucional por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.° da Constituição.

Quanto ao disposto na parte final do mesmo artigo 70.°, n.°4, que impede a concessão de licença a menores de 18 anos que possam ocupar-se em outras actividades, além de não possuir qualquer suporte legal, resulta como flagrantemente atentatório do conteúdo essencial da liberdade de escolha de profissão, consagrada no artigo 47.°, n.° 1, da Constituição.

Quanto ao artigo 74°, alínea d), ao estabelecer que os vendedores de lotaria são obrigados a apresentar-se em público convenientemente vestidos e calçados, parece violar o direito geral de personalidade garantido pelo artigo 26." da Constituição, através da utilização de conceitos demasiado indeterminados para permitirem fundar uma restrição ou a declaração de um limite daquele direito fundamental.

No que se refere à alínea e) do artigo 74.°, afigura-se como desproporcionado o ali disposto, pois não se vislumbra a necessidade, no âmbito do licenciamento de uma actividade comercial, da comunicar à entidade licen-ciadora a mudança de residência do vendedor ambulante.

O disposto no artigo 75.°, alínea b), apresenta-se destituído, ao que parece, de norma legal habilitante, violando assim a liberdade de iniciativa económica privada, consagrada no artigo 61.°, n.° 1, da Constituição, e o artigo 4.°, n.° 3, alínea b), do Decreto-Lei n.° 252/92, ao passo que a alínea c) se apresenta como desnecessária, pois limita-se a remeter para as normas reguladoras da publicidade.

Em face do exposto, propõe-se a supressão do Capítulo VTJ, epigrafado «Vendedores ambulantes de lotaria», do Projecto de Regulamento Policial do Distrito de Lisboa.

vn

Da manutenção da ordem pública 0 serviço de guardas-nocturnos

22 — 0 regime jurídico relativo à criação do serviço de guardas-nocturnos, de exercício e fiscalização da profissão

O capítulo Vm (artigos 76.° a 93.°) do projecto de regulamento ora em análise estabelece a disciplina jurídica rela-

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tiva à criação do serviço de guarda-nocturnos, ao respec-,

tivo provimento no exercício de tais funções e demais

aspectos relativos ao regime regulamentar da relação entre estes profissionais, o Governo Civil e os particulares.

No contexto de um regulamento que se pretende disciplinador do conjunto de atribuições dos Governos Civis em matéria de polícia administrativa, a criação e manutenção de um serviço de guarda-nocturnos configura--se como um instrumento ou meio de assegurar os respectivos objectivos de ordem, segurança e tranquilidade pública.

Nos termos do artigo 123.°, n.°2, alínea b), do projecto é revogado o Regulamento dos Guarda-Nocturnos, publicado no Diário do Governo, 2.* série, n.° 299, de 27 de Setembro de 1955, emitido no exercício da competência conferida ao Governador Civil pelo § único do artigo 408." do Código Administrativo.

O regime material constante do projecto, como já o do regulamento anterior e dos demais regulamentos policiais que disciplinam o acesso e exercício à actividade de guarda-nocturno, estabelecem a regulamentação do exercício de uma profissão em termos comparáveis ao regime jurídico das relações jurídico-laborais, quer quanto aos trabalhadores em geral, quer quanto aos funcionários e agentes da Administração Pública em especial.

Assim, do regime material projectado resulta a restrição do acesso ao exercício da profissão em causa, mediante a necessária aprovação err. concurso, aberto entre os interessados no exercício das funções (artigos 78.° a 80." do Projecto), após o que se procede ao licenciamento anual do exercício da actividade em causa (artigo 81.°). O regime jurídico relativo ao específico exercício das funções em causa contempla os aspectos relativos às regras de substituição (artigo 82.°), cartão de identificação (artigo 84.°), associativismo, equipamento e uniforme (artigo 85.°), horário de trabalho (artigo 86.°), deveres (artigo 87.°) e férias, dispensas e doença (artigo 88.°).

Da disciplina jurídica projectada não resulta com precisão, quer a natureza do serviço em causa (segurança privada ou actividade integrante do sistema de forças públicas), quer a natureza da relação entre estes profissionais, o Governo Civil e os particulares a quem é dirigida a respectiva actividade, designadamente, enquanto fonte de financiamento da mesma.

Aparentemente, dos termos precisos da regulamentação em análise, bem como da submissão dos profissionais em causa a um conjunto de deveres profissionais parece resultar a sua aproximação a agentes administrativos. A tal consideração obstará no entanto a falta de subordinação a um específico poder de direcção. De facto, definindo-se o agente administrativo como «aquele que exerce uma actividade ao serviço de uma pessoa colectiva de direito público sob a direcção dos respectivos órgãos», (cf. Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol. 11, 10* ed., Almedina, Coimbra, 1991, pp. 642 e segs.), a ausência de subordinação no exercício da respectiva função poderá significar que estamos perante um prestador de serviços e não um agente administrativo.

Já quanto à natureza da relação que intercede entre estes profissionais e os particulares, seus contribuintes, parece-nos que a mesma se reconduz a um contrato de prestação de serviços.

Acerca do regime material em especial, cumpre referir as regras contidas no artigo 77.°, n.05 1 e 2, do projecto de Regulamento, segundo as quais é delegada nas correspondentes autoridades de polícia a competência para a

concessão do exclusivo da licença para o exercício da

actividade de guarda-nocturno, bem como a competência

de fiscalização e supervisão das actuações e procedimentos dos guarda-nocturnos na respectiva área. O teor destas normas determina que sendo nestes casos a competência criada e atribuída directamente por instrumento regulamentar nãb se justifiquem as objecções atrás mencionadas quanto à falta de lei habilitante que permita efectuar uma delegação de competências através de regulamento.

VHJ

Do regime sancionatório

O Capítulo DC, do projecto do Regulamento Policial do Distrito de Lisboa, estabelece o regime de punição das infracções ao estatuído pelo respectivo regime substantivo. A Secção I (artigos 94.° a 100.°), sob a epígrafe «Princípios gerais», desenvolve aspectos do regime geral das contra-ordenações, designadamente, noção, negligência e tentativa, responsabilidade das pessoas colectivas, medida da coima por contra-ordenação ligeira e procedimento. As restantes seis secções procedem à previsão das coimas e sanções acessórias aplicáveis por infracção às prescrições e proibições estabelecidas em cada um dos capítulos do projecto.

23 — Disposições constitucionais e legais aplicáveis; a definição de ilícitos contra-ordenacionais por instrumento regulamentar.

Em matéria de direito punitivo ou sancionatório público a Constituição da República Portuguesa prevê expressamente, para além do ilícito criminal, o ilícito de mera ordenação social e o ilícito disciplinar.

No que releva em matéria contra-ordenacional, constitui reserva relativa de competência da Assembleia da República, nos termos do artigo 168.°, n.° 1, alínea d), da CRP, o regime geral de punição dos actos ilícitos de mera ordenação social, bem como do respectivo processo. É entendimento da doutrina e da jurisprudência que no âmbito da reserva, ou seja, no âmbito do regime geral de punição deste tipo de ilícito e do respectivo processo, compete à Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre a natureza do ilícito, o tipo de sanções e os respectivos limites, bem como estabelecer as regras gerais do respectivo processo.

Por seu turno, de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional (cf. Acórdão n.° 56/84, de 12 de Junho de 1984, proferido no Processo n.° 92/83, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 3." volume, p. 153, em especial p. 167), é da competência concorrente da Assembleia da República e do Governo, dentro dos limites do regime-geral, a definição de cada infracção concreta e a cominação da respectiva sanção, a alteração dessa definição, a modificação da punição, e ainda a des-graduação das contravenções não puníveis com pena restritiva da liberdade em contra-ordenações, com respeito pelo quadro traçado pelo diploma regulador do regime geral do ilícito de mera ordenação social.

Em especial, ao Govemo no âmbito do regime geral das contra-ordenações e coimas, constante do Decreto-Lei n.° 43 382, de 27 de Outubro, emitido no uso da autorização conferida pela Lei n.° 24/82, de 23 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 356/89, c* 17 de Outubro, cabe definir os ilícitos contra-ordenacionais,

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estabelecer a correspondente punição e definir as regras secundarias do correspondente processo.

Ainda no domínio da atribuição constitucional de competências em matéria contra-ordenacional, no artigo 229.°, n.° 1, alínea m), é atribuído às Regiões Autónomas, e em exclusivo às respectivas Assembleias Legislativas nos termos do artigo 234.°, n.° 1, o poder de definir actos ilícitos de mera ordenação social e respectiva punição, sem prejuízo da reserva constante da alinea d) do artigo 168."

O regime geral das contra-ordenações e coimas consta, como referido, do Decreto-Lei n.° 433/82, diploma que não contém (diferentemente da legislação alemã que o inspirou) uma parte especial com as respectivas incriminações. Como refere o Professor Cavaleiro Ferreira (cf. Lições de Direito Penal, Verbo, 1988, p. 55) «corresponde à parte geral do Código Penal relativamente aos crimes, pois o Código Penal, só na parte especial prevê e descreve os crimes em especial».

No que mais importa para apreciação do presente projecto de Regulamento, cumpre determinar à luz do sistema constitucional de competencias em matéria contra-ordenacional, atrás descrito, bem como face ao prescrito pelo Decreto-Lei n.° 433/82, qual a forma dos actos que procedem às incriminações em especial e, em consequência, quais os órgãos que no sistema jurídico português são competentes para definir ilícitos contra-ordenacionais e estabelecer as respectivas punições.

A questão em análise, reconduz-se a saber se em matéria de definição de ilícitos contra-ordenacionais o princípio da legalidade — artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 433/ 82 — assume o mesmo significado que em matéria criminal (cf. artigo 29.° da CRP), ou seja, reserva de lei material e formal, tendo como consequência que só a lei como acto da função legislativa pode considerar ilícitos certos comportamentos e estabelecer tipos contra-ordenacionais. E a reserva de lei, conforme reconhecido unanimemente pela doutrina (cf. Jorge Miranda, Funções, Órgãos e Actos do Estado, Lisboa, 1990, p. 281), implicará:

1." Proibição de regulamentos autónomos;

2.° Proibição de deslegalização ou de devolução para

regulamento de matérias compreendidas no seu

âmbito;

3.° Proibição de regulamentos autónomos das autarquias locais e acrescentamos, dos Governadores Civis, em matéria de polícia administrativa, não obstante o poder regulamentar próprio das primeiras atribuído pelo artigo 242." da CRP, e o poder regulamentar dos Governadores Civis decorrente do Decreto-Lei n.° 252/92, de 19 de Novembro [artigo 4.°, n.°3, alínea c)}.

A possibilidade de se definirem ilícitos contra-ordenacionais nos regulamentos emitidos ao abrigo do Estatuto dos Governadores Civis, decorre expressamente do artigo 7.° do mesmo diploma, que sob a epígrafe «Contra--ordenações», dispõe:

A violação dos regulamentos da competência do governador civil constitui contra-ordenação punível com coima nos termos da lei geral.

Por seu turno, prescreve o artigo 4.°, n.° 5, alínea f), daquele diploma que compete ao Governador Civil aplicar coimas e sanções acessórias a que haja lugar por violação dos regulamentos a que se refere a alínea c) do n."3 do artigo 4.°

Antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 252/92, dispunha o artigo 408." do Código Administrativo, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 103/84, de 30 de Março, no § 2.° que a violação dos regulamentos a que se referia o § 1.° (regulamentos genéricos, obrigatórios em todo o distrito, sobre as matérias das suas atribuições policiais que não sejam objecto de lei ou regulamento geral da Administração Pública) constitui contra-ordenação, sendo a aplicação das coimas e respectivas sanções acessórias da competência do Governador Civil.

Norma de idêntico teor à da referida alínea c) do n.° 3 do artigo 4.° do Estatuto dos Governadores Civis encontra-se no artigo 21.° da Lei das Finanças Locais (Lei n.° í/87, de 6 de Janeiro, alterada pelo Decreto-Lei n.° 477-B/88, de 19 de Dezembro), em cujo n.° 1 é determinado constituir contra-ordenação sancionada com coima a violação de posturas e regulamentos de natureza genérica e execução permanente das autarquias locais.

A constitucionalidade destas disposições legais e, em consequência, a constitucionalidade (ainda que indirecta) das disposições regulamentares que as executem, dependerá de se considerar que em matéria contra-ordenacional o princípio da legalidade constante do artigo 2° do Decreto--Lei 433/82, apenas significa reserva de lei material, sendo admissíveis, pelo menos no território continental, infracções contra-ordenacionais definidas e punidas nos termos de disposições regulamentares.

Significará também que as disposições do Decreto-Lei n.° 433/82 que remetem para a lei (cfr., designadamente artigos 8.°, 13.°, 17.°, 1, 2 e 3, 19.°, 21.°, 32.°, 34.°) não podem ser entendidas em termos uniformes. Determinadas remissões terão como objecto a lei em sentido formal, como sejam as constantes dos n.os 1, 2 e 3 do artigo 17." (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 134/90, de 19 de Abril, proferido no processo n."478/ 88, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 15.° vol, p. 463), pois se referem àquelas matérias que se incluem no âmbito do que, nos termos da alínea d) do artigo 168.°, se compreende na reserva de competência legislativa da Assembleia da República, outras, porém, limitam-se à exigência de norma geral e abstracta.

A tal conclusão obstará, contudo, a consideração de que em qualquer domínio de direito sancionatório vigoram, com o mesmo grau de exigência, os princípios constitucionais constantes do artigo 29." da CRP.

Neste sentido, J. J. Gomes Canotilho et ai (ob. cit., 3.* ed., Coimbra, 1993, p.195) consideram revestir carácter problemático saber em que medida os princípios do artigo 29.° são extensíveis a outros domínios sancionatórios. Referem que, não obstante a epígrafe e o teor literal do preceito restringirem a sua aplicação directa apenas ao direito criminal propriamente dito, há-de entender-se que esses princípios devem, no essencial, valer por analogia para os demais domínios sancionatórios, designadamente o ilícito de mera ordenação social e o ilícito disciplinar.

Será o caso dos princípios da legalidade, da não retroactividade, da aplicação retroactiva da lei mais favorável.

O mesmo entendimento parece ser partilhado por JoTge Miranda (cf. «Os princípios constitucionais da legalidade e da aplicação da lei mais favorável em matéria criminal», in O Direito, 1989, pp. 685 e segs., máxime 692 e 693), que expressamente aponta que o princípio da legalidade vale nos demais sistemas sancionatórios, como o poder disciplinar e o de mera ordenação social. E tal aplicação decorre, em simultâneo, quer de regras constitucionais

expressas (artigos 215°, n.°3, 2W.°, n.°3, e 282.°, n.°3)

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quer por decorrência dos princípios do Estado de Direito. Por seu turno na determinação dos pontos firmes sobre a lei (cf. ob. cit., p. 187) considera Jorge Miranda que as leis penais punitivas têm que revestir carácter geral (artigos 29.° n.°4, 282.°, n.° 3, e 37.°, n.° 3), devendo o mesmo princípio estender-se às demais leis sancionatórias.

Não é esta, porém, a concepção tradicional do direito positivo português. No Código Penal de 1886 e mesmo na vigência do actual, atenta a manutenção em vigor das normas relativas às contravenções, estas podem ser previstas em leis ou em diplomas regulamentares do Governo ou das Autarquias. E desta forma a fonte de direito insere-se no próprio conceito do ilícito: «considera--se contravenção o facto voluntário punível que unicamente consista na violação ou na falta de observância das disposições preventivas das leis e regulamentos, independentemente de toda a intenção maléfica».

Não obstante, refira-se que, se por um lado não existe na Constituição qualquer reserva de competência legislativa em matéria de contravenções, por outro o julgamento destas cabia sempre, e exclusivamente, ao poder judicial, sob a forma de processo correccional ou de transgressões, o que significava a garantia da separação entre o órgão que define o ilícito e o órgão que procede à respectiva repressão, ou seja, entre o exercício de uma função de carácter normativo e o exercício da função jurisdicional.

A partir do momento em que o artigo 4.° do Decreto--Lei n.° 103/84, de 30 de Março, veio dispor que as contravenções e transgressões previstas nos regulamentos dos governadores civis, em vigor à data da respectiva publicação, sancionadas com penas pecuniárias, passam a ser consideradas e processadas como contra-ordenações, o respectivo regime geral irá conduzir à concentração daquelas duas funções no mesmo órgão com postergação, no domínio processual em análise, de uma exigência específica do princípio do contraditório.

Não nos parece que, em contrário,, colha o argumento de que o mesmo acontecerá ao nível das contra-ordenações previstas em instrumentos normativos emitidos pelo Governo no exercício da respectiva função legislativa, uma vez que nesse domínio, a instrução dos processos e a aplicação das correspondentes coimas caberá (via de regra) a órgão diferente, sendo certo que, na maior parte dos casos pertencente à mesma pessoa colectiva, contudo orgânica e funcionalmente diferenciado do Governo, enquanto órgão da função legislativa do Estado.

A estas considerações obstará, por certo, a circunstância de o direito de mera ordenação social ser essencialmente diverso do direito criminal e de, por sua vez, o respectivo processo não depende a par e passo dos princípios constitucionais em matéria de processo criminal. Não será essa — adiante-se— a interpretação mais consentânea, atento o direito constituído na matéria, porquanto o artigo 41.° do Decreto-Lei n.° 433/82, considera aplicáveis, ainda que devidamente adaptados e sempre que o contrário não resulte daquele diploma, os preceitos reguladores do processo criminal. Já quanto ao regime substantivo, dispõe o artigo 32.° daquele diploma serem aplicáveis subsidiariamente as correspondentes disposições do Código Penal.

Posição diversa assumiu recentemente o Tribunal Constitucional no Acórdão n.° 308/94 (Ac. n.° 308/94 — Proc. n.° 407/92, in DR, 2.' série, n.° 199, de 29.8.1994). NesYa decisão, ao apreciai a questão de saber se um novo

tipo contravencional e respectiva sanção podem ser estabelecidas por Decreto Regulamentar, considera:

Tradicionalmente, quer a definição de cada concreto ilícito contravencional, quer a fixação da respectiva pena, sempre puderam ser efectuadas por regulamento, inclusivamente por regulamentos locais, como expressamente resultava do preceituado no • artigo 486.° do velho Código Penal de 1886. E o mesmo entendimento se manteve na generalidade da doutrina e da jurisprudência após a entrada em vigor da Constituição de 1976.

Com a revisão constitucional de 1982, suscitou-se o problema de saber qual o destino, em geral, da figura das contravenções.

Citando, de novo, Gomes Canotilho et ai (ob. cit., anotação X ao artigo 168.°, p. 673), ao referir o ilícito de mera-ordenação social, omitindo toda a referência à figura das contravenções (que era tradicional no direito português até ao Código Penal de 1982) a Constituição deixa entender claramente que ela desapareceu como tipo sancionatório autónomo, pelo que as contravenções que subsistirem (ou que forem ex novo criadas) têm que ser tratadas de acordo com a natureza que no caso tiverem (criminal ou de mera ordenação social), e o Tribunal «acrescenta que sempre que uma infracção não dispuser da ressonância ética suficiente para poder ser qualificada como de natureza criminal, e porque não lhe corresponda qualquer sanção privativa ou restritiva da liberdade, o tratamento que lhe deve ser conferido há-de ser o correspondente às contra-ordenações, para as quais a Consumição não exige prévia

definição do tipo e da punição concreta em lei parlamentar».

Face ao disposto no já citado artigo 2." do Decreto-Lei n.° 433/82, coloca o Tribunal a questão da necessidade da intervenção legislativa para a definição e punição, em concreto, de cada contra-ordenação. Expressamente afasta tal hipótese, referindo que tal solução não se impõe, para além de se afigurar manifestamente contrária a todas as opções do legislador nesta matéria — «privar-se-ia o governo no exercício do poder regulamentar, e as autarquias locais, estas em qualquer caso, do poder de definir contra-ordenações». Assim, o artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 433/82, apenas quer dizer o mesmo que o n.° 1 do artigo 1." do Código Penal, isto é, tornar claro que, também no domínio do ilícito de mera ordenação social, vigora o princípio da legalidade, num dos seus aspectos mais significativos, o da não retroactividade da lei sancionadora.

Em nossa opinião, a tal posição do Tribunal Constitucional parecem obstar as considerações acima aduzidas, quer em matéria de princípios constitucionais relevantes, quer pela não procedência das razões que justificavam a intervenção regulamentar no domínio contravencional; quer ainda porque, sendo a distinção entre crime e contra-ordenação' necessariamente formal (dependente de uma opção casuística do legislador, na ausência de um critério substantivo), as duas figuras reduzir-se-ão a uma essência comum, o que impõe a subordinação aos mesmos princípios gerais.

24 — 0 regime contra-ordenacional em especial

O artigo 94.°, n.° I do projecto de regulamento contém uma definição do que para efeitos de aplicação das coimas e demais sanções acessórias nele previstas se entende por contra-ordenação.

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Nos termos da disposição em análise «a infracção a um dever ou obrigação imposta por este Regulamento, quer por acção quer por omissão, constitui contra-ordenação».

Quanto à legalidade, e acessoriamente quanto à utilidade prática de uma disposição com este teor, cumpre referir que a possibilidade de definição de ilícitos contra-ordenacionais nos regulamentos emitidos nos termos da alínea c) do n.° 3 do artigo 4.° do Estatuto dos Governadores Civis decorre do disposto no artigo 7.° e na alínea f) do n.°4 do artigo 4.° daquele diploma. A primeira destas disposições atribui a priori e em abstracto o carácter de ilícito contra-ordenacional a todos os actos violadores dos regulamentos da competência do Governador Civil, sendo tais comportamentos puníveis com coima nos termos da lei geral.

Tal remissão para o regime geral em matéria contra-ordenacional constante do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro, com a redacção dada pelo Decreto-Lei n.° 356/ 89, de J7 de Outubro, abrange logicamente o próprio conceito de contra-ordenação o qual é, em abstracto, independente dos concretos ilícitos que venham a ser definidos para os diversos domínios em que se torne necessária a intervenção do direito de mera ordenação social.

Assim, não é tal conceito próprio do ilícito contra-orde-nacional policial, nem no domínio das sanções às infracções a normas dos regulamentos de polícia se pode admitir que a noção de contra-ordenação, legalmente condicionada, possa revestir quaisquer especialidades.

Nestes termos, independentemente de saber em que aspectos concretos diverge a noção constante do n.° 1, do artigo 94.° do Regulamento de Polícia do Distrito de • Lisboa, daquela que se contém no n.° 1, do artigo 1do Decreto-Lei n.° 433/82 (designadamente porque se prescinde dos aspectos relativos à ilicitude e censurabilidade do facto), já que é desnecessária a presença de tal noção no próprio diploma que procede à qualificação dos. concretos ilícitos contra-ordenacionais, propõe-se a supressão da norma em questão e a sua substituição por uma estatuição semelhante à constante do artigo 7." do Decreto-Lei n.° 252/92.

Nos termos do artigo 94.°, n.° 2 do projecto as contra-ordenações nele previstas serão punidas de acordo com o regime constante do Decreto-Lei n.° 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 356/89, de 17 de Outubro, e Decreto-Lei n.° 103/84, de 30 de Março.

A referência a-este último diploma é afinal inexacta, na medida em que o mesmo se deve considerar tacitamente revogado pelo artigo 29." do Decreto-Lei n.° 252/92, de 19 de Novembro.

O Decreto-Lei n.° 103/84 veio, nos termos da autorização concedida pela Lei n°27/83, de 8 de Setembro, alterar os §§ 1.° e 2." do artigo 408." do Código Administrativo, aditar-lhe 5 parágrafos, estabelecer a sanção para a desobediência às ordens dadas pelo Governador Civil, bem como transformar em contra-ordenações as contravenções e transgressões previstas nos regulamentos dos governadores civis à data da entrada em vigor do diploma.

O artigo 29.° do Decreto-Lei n.° 252/92, revoga expressamente o artigo 408.° do Código Administrativo, pelo que0 apenas poderiam subsistir dúvidas quanto à vigência dos artigos 3.° e 4.° do Decreto-Lei n.° 103/84. Todavia, encontram-se tais disposições tacitamente revogadas. O artigo 3.°, na medida em que incrimina os actos de desobediência às ordens dadas pelo Governador Civil no exercício de com-

petências atribuídas pelo expressamente revogado artigo 408." do Código Administrativo, e o artigo 4.°, porque contendo uma norma de eficácia temporal limitada.

Do exposto e entendendo-se que o Decreto-Lei n.° 252/ 92 pretende regular ex novo e de forma integrada a figura do Governador Civil, devem considerar-se revogadas todas as disposições legais anteriores que com referência ao regime do Código Administrativo disciplinavam o exercício das respectivas competências.

Propõe-se assim a alteração da redacção do n.° 2 do artigo 94.° do Regulamento no sentido de ser omitida a referência ao Decreto-Lei n.° 103/84, de 30 de Março.

Dispõe o artigo 95.° do projecto de Regulamento, quanto à punição da negligência e da tentativa.

Está esta disposição de acordo com o que o artigo 8.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 433/82, no que se refere à negligência, e o artigo 13.°, do mesmo diploma, quanto à tentativa, dispõem em matéria da respectiva punibilidade.

O artigo 8.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 433/82, norma de teor idêntico à do artigo 13." do Código Penal, estabelece a regra geral da não punibilidade da negligência. Só haverá

punição para o facto praticado com negligência quando tal for expressamente previsto, no caso dos crimes pela norma que procede à incriminação em concreto, quanto às contra--ordenações pelo diploma que procede à definição dos concretos ilícitos de mera ordenação social.

Independentemente do menor grau de censurabilidade do comportamento negligente, circunstância que necessariamente se virá a reflectir na medida da coima e na escolha e determinação em concreto das sanções acessórias a aplicar (artigo 18.°, n.° 1 do Decreto-Lei n.° 433/82), a possibilidade de punição da negligência alarga, inequivocamente, o leque dos comportamentos susceptíveis de vir a ser sancionados, o que atendendo aos valores que as prescrições e proibições constantes do regulamento pretendem assegurar poderá constituir um instrumento justificado em termos de necessidade para garantir não só a salvaguarda dos bens jurídicos em causa, como em simultâneo, contribuir para que em termos de consciência colectiva seja evidente um generalizado dever de cuidado.

Quanto à punibilidade da tentativa, concordamos com António Beça Pereira (Regime Geral das Contra--Ordenações e Coimas, actualizado e anotado, ed. Almedina, p. 28) que em anotação ao artigo 13.° do Decreto-Lei n.° 433/82, refere que «a punição da tentativa, para além de ter que estar expressamente prevista, deve ser reservada para as contra-ordenações de maior gravidade, à semelhança do que acontece no Direito Penal, onde a tentativa, em regra não é punível quando ao respectivo crime consumado não corresponder pena de prisão até dois anos inclusive, artigo 23.°, n.° 1 do Código Penal».

Por esta razão, dado que determinados factos qualificados como ilícitos contra-ordenacionais não merecerão o juízo de desvalor jurídico suficiente para justificar a respectiva punição, quando praticados sob a forma de tentativa e atendendo ainda a que muitos deles não serão sequer susceptíveis de actos de execução intencionais, entende-se que a punição da tentativa no presente regulamento deverá ser exclusiva das contra-ordenações que, na economia de valores a salvaguardar pelo mesmo, sejam consideradas mais importantes.

Propõe-se, assim, a alteração da norma em análise, no sentido de ser suprimida a possibilidade de punição genérica dos comportamentos ilícitos previstos enquanto praticados sob forma de tentativa.

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O artigo 9.° dispõe em matéria de fixação dos limites mínimo e máximo das coimas, elevados para o dobro, salvo disposição em especial, quando o responsável seja uma pessoa colectiva ou uma associação sem personalidade jurídica.

Quanto ao teoria norma em questão, parece-nos que a mesma irá conduzir a um sistema de punição excessivamente agravado no que se refere ao sacrifício patrimonial equivalente à medida da coima a aplicar àquelas entidades. Atente-se, em especial, no facto de as infracções mais comummente susceptíveis de serem praticadas por pessoas colectivas ou associações sem personalidade jurídica serem passíveis de punição em cúmulo com as sanções acessórias de encerramento de estabelecimentos ou interdição de exploração de determinadas actividades, o que por si só representa a impossibilidade de serem gerados os proventos da actividade habitual e, por isso, também representarem uma sanção de natureza pecuniária.

Acresce que se determina a prevalência constante da coima prevista no Regulamento, em caso de concurso de contra-ordenações (cf. artigo 19.°, n.°2 do Decreto-Lei n.° 433/82), por ser com toda a probabilidade a de montante mais elevado. Não se pretende pôr em causa a finalidade, simultaneamente preventiva e repressiva, do agravamento dos limites da coima aplicável, mas tão só, fazer relevar que tal possibilidade admite conduzir à desproporção entre o montante da mesma, assim determinado, e o desvalor ético-jurídico do comportamento a sancionar.

Em nosso entender os limites mínimo e máximo das coimas deverão resultar das normas que, em concreto quanto a cada ilícito contra-ordenacional, prevêem a coima a aplicar, devendo estar subjacente à respectiva fixação não só a regra constante do artigo 18.°, n.°2 do Decreto-Lei n.° 433/82, de acordo com a qual a coima em concreto deverá exceder o benefício económico que o agente retirou da prática da contra-ordenação, como também a susceptibilidade de determinados ilícitos contra-orde-nacionais serem, com maior frequência, praticados por entidades colectivas o que poderá ditar, atenta também a gravidade do ilícito, o agravamento da moldura da coima.

O artigo 97." (sob a epígrafe «Reincidência na infracção»), dispõe sobre o montante da coima aplicável em situações designadas pelos n.os 1 e 2 do preceito como de repetição da infracção.

Sobre esta regista-se que o Decreto-Lei n.° 433/82 não contém qualquer disposição análoga às dos. artigos 76.° e 77." do Código Penal, que respectivamente, procedem à definição de reincidência e estipulam os respectivos efeitos sobre a medida da pena aplicável em tais casos.

Assim, no domínio contra-ordenacional, são aplicáveis em matéria de comportamentos reincidentes as pertinentes disposições do Código Penal, com as necessárias adaptações, nos termos prescritos pelo artigo 32." do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas. "

Nestes termos, não pode o regulamento de polícia proceder autonomamente à definição de tal conceito para efeitos de agravamento do montante da coima a aplicar, sob pena de estar a dispor sobre o regime geral de punição do ilícito contra-ordenacional, matéria integrante da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.

Pelo exposto e sob pena de inconstitucionalidade orgânica e formal, propõe-se a eliminação do preceito em questão.

Não obstante, acorda-se em ter a situação de facto subjacente à noção de repetição da infracção (constante do n.° 2

do artigo 97.° do projecto) que ser apartada daquela que se traduz na plúrima violação por uma só acção da mesma norma jurídica, ou seja, a situação de concurso ideai homogéneo prevista na segunda parte do n.° 1 do artigo 19." do Decreto-Lei n.° 433/82.

Nestas situações, as quais, segundo Eduardo Correia (Direito Criminal, Vol II, p. 198) se verificam sempre que «a mesma acção viola repetidas vezes a mesma norma jurídica», aplicar-se-á uma única coima ainda que agravada em resultado da duração da infracção.

A determinação do responsável pela prática de determinado ilícito contra-ordenacional e a exigibilidade do cumprimento das medidas sancionatórias, cuja aplicação tenha sido determinada, decorre dos princípios gerais aplicáveis em matéria de imputação de um facto ilícito e censurável a um determinado agente, que por isso é por ele responsável.

Daí que seja desnecessário, em matéria de responsabilidade, vir o artigo 98.° do projecto dispor que «a responsabilidade pelas contra-ordenações previstas neste Regulamento será imputada em geral a quem viole por acção ou omissão, só ou em comparticipação, as bbri-gações nele impostas», passando em seguida a exemplificar determinados responsáveis em situações particulares.

. A existência de um regime legal especificamente aplicável quanto à responsabilidade pela prática de contra--ordenações (cf., designadamente, os artigos 7.°, 8.°, 10.°, 11.° e 16.° do Decreto-Lei n.° 433/82, bem como os artigos 26.°, 27.°, 28.° e 29.° do Código Penal, aplicáveis ex vi do artigo 32.° daquele diploma) torna desnecessária, se não mesmo inconveniente, a existência de uma norma regulamentar com tal conteúdo, pelo que se defende a eliminação da mesma.

Refira-se ainda que, tratando-se da responsabilidade de pessoas colectivas ou equiparadas, cumprirá aplicar o regime que em termos semelhantes aos do artigo 12.° do Código Penal decorre do artigo 7.° do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas.

O artigo 100." do projecto de Regulamento (sob a epígrafe «Procedimento») pretende estabelecer, nos três números que constituem esta disposição, outras tantas regras de índole diversa, pelo que nos permitimos fazer menção da sua eventual inadequação do ponto de vista sistemático.

Estatuiu-se no n.° 2 deste artigo que «no caso de o arguido confessar o facto punível, o governador civil ou o seu delegado no acto de recebimento da participação, após consulta obrigatória do registo de infracções, fixará logo a coima pelo mínimo que ao caso couber e ordenará a passagem das guias para pagamento, podendo decidir-se por aplicar uma simples advertência, no caso de infracção ligeira, segundo o seu prudente arbítrio».

Propõe-se quanto a esta norma a supressão da parte final da mesma, já que as situações consideradas de contra-ordenação ligeira, sancionadas de acordo com o correspondente processo de advertência, estão definidas nq artigo 99.° do projecto, não dependendo assim do prudente arbítrio do governador civil ou seu delegado.

Quanto ao teor de uma norma como aquela que se contém no n.°3 do artigo em análise, a obrigatoriedade de notificação ao arguido da decisão final do processo, ainda que seja de arquivamento dos autos ou de aplicação de amnistia, decorre já do artigo 46." do Decreto-Lei n." 433/ 82, o qual expressamente exige a comunicação de todas as decisões, despachos e demais medidas tomadas pelas autoridades administrativas, devendo tal comunicação revestir a forma de notificação tratando-se de medida que

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admita impugnação sujeita a prazo. Mais uma vez se indica a desnecessidade de repetição ou especificação no projecto de regulamento dos princípios e das regras que estabelecem o regime geral em matéria de contra-ordenações.

No que se refere às Secções II, Hl, IV, V e VI, as quais procedem à tipificação dos comportamentos ilícitos e à previsão das coimas e sanções acessória aplicáveis pela sua prática, para além da necessária conformidade com o que neste âmbito dispõem os artigos 17.° e 21.° e seguintes do Decreto-Lei n.° 433/82, cumpre referir uma questão prévia concernente à própria tificação do comportamento que reveste a natureza de ilícito contra-ordenacional.

De acordo com o princípio da tipicidade e por motivos imperiosos de certeza e segurança, devem os elementos constitutivos dos comportamentos ilícitos resultar clara e inequivocamente da norma que procede à respectiva qualificação como crime ou contra-ordenação.

Assim, no domínio em análise, não se poderão aceitar disposições de natureza sancionatória mas com carácter exemplificativo ou remissivo, como seja a que se contém no artigo 105.° do projecto, quando dispõe que «as infracções ao disposto nos capítulos II e Hl que não estejam expressamente referidas nos números anteriores serão punidas com coima de 10 00$00 a 30 000$00».

Assim, propõe-se a eliminação de todas as normas que estabeleçam por forma residual as coimas aplicáveis aos factos que expressamente o projecto não qualifica de ilícitos contra-ordenacionais por não procederem à descrição típica dos respectivos elementos constitutivos.

IX

Das taxas e das normas de direito transitório

25 — Taxas

A disposição contida no artigo 24.°, n."l, alínea b), do Decreto-Lei n.° 252/92, de 19 de Novembro, prevê como fonte de receitas a consignar às despesas inerentes ao normal funcionamento da secretaria do governo civil ou ao-desempenho das funções do governador civil e às despesas que resultem da lei, o produto das taxas aplicadas em virtude da atribuição de autorizações da competência do governador civil, bem como da concessão de passaportes».

A interpretação sistemática da norma citada apenas legitimará a cobrança de taxas pela emissão de autorizações.-concedidas nos termos da lei (entenda-se lei em sentido formal), pelo que merece, especial reparo a fixação de taxas a cobrar pela autorização ou licenciamento de actividades, sempre que a competência para a sua emissão prevista no texto do projecto de regulamento policial não encontre fun-. damento legal.

Por outro lado, é também a necessidade de conciliar tal norma com a do artigo 4.°, n.° 3, alínea b), do diploma em que se insere que nos leva a sustentar que a referência a autorizações deve ser entendida em sentido amplo, por forma a compreender as autorizações e as licenças da competência do governador civil. A não alusão expressa à atribuição de licenças não pode ter outro significado que não o de lapso legislativo.

O artigo 40.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 328/86, de 30 de Setembro, determina que as taxas relativas à emissão de alvará de abertura serão fixadas por portaria conjunta do Ministro da Administração Interna e do membro do Governo competente.

Tal portaria não foi até à data publicada sendo aplicável o disposto no artigo 40.°, n.° 2, que estabelece que até à publicação da portaria prevista no n.° 1, os Governos Civis cobrarão as taxas que lhes são devidas e bem assim as taxas que, anteriormente à vigência do Decreto-Lei n.° 328/ 86, eram cobradas pela Direcção Geral do Turismo, pelas Câmaras Municipais e pela Direcção-Geral dos Espectáculos, remetendo-as a essas entidades até ao dia 10 do mês seguinte ao da sua cobrança.

As taxas estabelecidas pelo projecto, constantes da tabela anexa ao mesmo, constituem taxas devidas ao Governo Civil, sendo que 80% ou 100% das respectivas importâncias constituirão receita do cofre privativo do Governo Civil.

O projecto não prevê, pois, o poder de cobrar as taxas mencionadas na parte final do n.° 2 do artigo 40.° do Decreto-Lei n.° 328/86, apesar do determinado no artigo 82.° desse Decreto-Lei.

Ao prever, no segmento final do n.°2 do artigo 118." do projecto, que em caso omisso, a importância das coimas aplicadas reverterá integralmente para o cofre do Governador Civil, o projecto parece ignorar o estatuído no artigo 24.°, n.° 1, alínea c), do Estatuto dos Governadores Civis no que concerne ao destino das coimas aplicadas nos termos dos Regulamentos de Polícia.

O artigo 121.°, n.° 1, do projecto permite que os estabelecimentos similares dos hoteleiros, licenciados em data que anteceda o início da vigência do Regulamento e.que não se encontrem nas proximidades, de edifícios de habitação, escolares, hospitalares e similares, de estabelecimentos hoteleiros ou meios complementares de alojamento, permaneçam em funcionamento nas condições autorizadas e com respeito pelas exigências legais em matéria de ruído, ainda que continuamente. Tal disposição não merece reparo daVJo que a lei só estabelece a proibição de funcionamento contínuo no caso de estabelecimentos

que se encontrem nas proximidades dos mencionados edifícios (artigo 21." do Decreto-Lei n.° 271/84, de 6 de Agosto, na redacção constante do Decreto-Lei n.° 292/89, de 2 de Setembro).

Deverá ser eliminada a remissão que o n.° 2 do artigo 121.° estabelece para os termos do n.° 1 do artigo 3.° do regulamento, por não revestir qualquer sentido útil.

26 —A norma transitória contida no artigo 122.8 do projecto

A norma transitória que integra o artigo 122." do projecto concede aos estabelecimentos similares de hoteleiros que se encontrem em funcionamento fora do concelho de Lisboa e que não possuam alvará de abertura, um prazo de 180 dias para apresentação de pedido deste alvará. A disposição em apreço deve ser abolida porque o funcionamento de estabelecimento similar dos hoteleiros não titulado por licença policial viola o disposto no artigo 36.°, n.° 1, alínea b), do Decreto-Lei n.° 328/86, de 30 de Setembro, que faz depender o início da exploração dos estabelecimentos hoteleiros e similares dos hoteleiros de autorização do Governador Civil.

Por outro lado, o facto de o regime previsto apenas contemplar os estabelecimentos similares de hoteleiros e, entre estes, os que se situem fora do concelho de Lisboa, corresponde à atribuição a tais estabelecimentos de um benefício destituído de fundamento objectivo e razoável, sendo que o tratamento legislativo diferenciado dos estabelecimentos em função da sua localização e da sua classificação legal viola o princípio fundamental da iguaióaúe.

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X

Conclusão

A enumeração condensada das sugestões expostas resultaria fastidiosa e, não raras vezes, seria despicienda, dado que no final de muitos capítulos e subcapítulos ficaram resumidas as principais conclusões.

Reconhece-se que o domínio dos regulamentos policiais é condicionado por uma complexa e intrincada teia legislativa e constitucional, em boa parte, resultante da dispersão de fontes e, por outro lado, em razão do potencial conflito das matérias versadas com o regime constitucional dos direitos, liberdades e garantias, em termos que exigem um trabalho árduo de compaginação a par e passo.

A nosso ver, torna-se imperioso que, a breve trecho, o legislador tome providências sobre medidas de polícia, com vista à sistematização e ao estrito cumprimento do. artigo 272.°, n.° 2, da Constituição. Não menos importante será uma correcta e adequada articulação — também a promover por acto legislativo — entre os poderes municipais e os dos governos civis, relativamente a esta matéria.

De todo o modo, no quadro do direito vigente, espera-se ter contribuído validamente para os objectivos que são propostos na introdução do presente parecer, o qual se submete à apreciação de Sua Excelência o Provedor de Justiça.

O Coordenador, André Folque. — Os Assessores: Cristina de Sousa Machado — Isabel Morais Cardoso — Maria — Belo Ravara — Jaime Drummond Valle.

3.3 — Actividade da linha telefónica «Recados da Criariça»

I

Em Outubro de 1993, foi criada na Provedoria de Justiça uma linha telefónica de atendimento directo de queixas relativas a crianças denominada «Recados da Criança».

De acesso gratuito, a sua criação correspondeu ao objectivo do Provedor de Justiça de, como defensor e promotor dos direitos, liberdades garantias e interesses legítimos dos cidadãos, ouvir aqueles, de entre estes, que maior dificuldade têm de reclamar pelos seus direitos: as crianças.

Orientada pelo princípio básico da garantia de sigilo quanto à identidade dos utilizadores, a Linha «Recados da Criança» dispõe de atendimento personalizado durante a tarde, todos os dias úteis. Para além desse período, as chamadas telefónicas ficam registadas em gravador.

n

O projecto é coordenado pela escritora Dr.* Maria Alberta Menéres, a quem compete o atendimento telefónico no período indicado e que dispõe de apoio nos domínios jurídico e de encaminhamento social. ,

De entre as situações apresentadas através deste meio privilegiado de recepção de queixas relativas a crianças — que conta, neste momento, com cerca de trinta chamadas diárias — é possível distinguir os seguintes tipos:

A) Um grupo de situações, que constitui a maioria, traduz-se na exposição, pelas próprias crianças, de problemas de diversa índole, tais como: relacio-

namento familiar e social, duvidas sobre questões

que as crianças não têm coragem de apresentar aos familiares, solidão ou simplesmente solicitação de um conselho ou parecer;

B) Em menor número, surgem as denúncias de situações de risco para a saúde, educação, segurança ou formação moral das crianças ou reclamações relativas a processos de regulação do poder paternal. Se no grupo referido na alínea anterior os utilizadores são as próprias crianças, neste caso as queixas são apresentadas por familiares, professores, vizinhos e pais;

C) Por último, não são de ignorar cerca de 20% de chamadas telefónicas com propósito meramente lúdico.

A diversidade de reclamações apresentadas dá lugar a uma correspondente variedade de actuações por parte da Provedoria de Justiça.

Nos primeiros casos apontados, a intervenção esgota--se numa ou em várias conversas telefónicas com as crianças. Quanto aos segundos, é exigido, na sua maior parte, o encaminhamento das situações para os órgãos e Serviços competentes e o acompanhamento do tratamento que estes conferem ao problema.

Por último, as situações denunciadas através da Linha da Criança permitem, em certos casos, tomar conhecimento. de irregularidades ou falhas generalizadas nos meios instituídos de protecção dos menores as quais justificam a intervenção do Provedor de Justiça tendo em vista a sua correcção. Por exemplo, a propósito de uma denúncia de uma residente na Ilha das Flores, nos Açores, sobre a morosidade dos processos de regulação do poder paternal no tribunal local, apurou-se inexistir, há largos meses, magistrado do Ministério Público a exercer funções de curador de menores naquele tribunal. Alertado o Conselho Superior da Magistratura para o assunto, veio a falta a ser colmatada com alguma brevidade.

m

A Linha da Criança tem sido regularmente divulgada junto dos seus potenciais utilizadores.

Assim, em Outubro de 1993, foi difundida a sua criação junto dos meios de comunicação social, tendo a respectiva .coordenadora participado em diversas entrevistas nas quais deu a conhecer os objectivos e funcionamento da linha telefónica. Pouco tempo depois, iniciou-se a publicitação nos painéis movidos da Câmara Municipal de Lisboa.

Em Setembro de 1994, foi organizada, nas instalações •da Provedoria uma sessão de divulgação dos objectivos dos «Recados da Criança», pela forma da animação cultural subordinada ao tema dos direitos das crianças, a qual contou com a participação gratuita de diversos artistas (actores, cantores e poetas) e a exibição de desenhos infantis. Estiveram presentes representantes de instituições e personalidades ligadas à defesa dos direitos dos menores, entre as quais a Dr." Maria Barroso e a Dr.' Manuela Eanes, algumas escolas, e ainda a Fundação Gulbenkian.

Foram também produzidas 50 000 pequenas réguas de cartolina ilustradas e 150 000 autocolantes, distribuídos pelas Escolas do Ensino Básico.

Com excepção da publicitação nos painéis da Câmara Municipal, as restantes acções de divulgação foram apoiadas financeiramente pela Caixa Geral de Depósitos.

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3.4 — Ordem de Serviço n.° l/PJ/94 PARTE I

Organização da Assessoria e da Secção de Processos

Artigo 1.° Divisão em áreas

Os critérios delimitativos das áreas são:

a) Área 1: Assuntos político-constitucionais e di-* reitos, liberdades e garantias; ambiente, urbanismo

e ordenamento do território; cultura e comunicação social; caça e pesca; turismo e jogo;

b) Área 2: Assuntos financeiros, economia e emprego; direitos dos consumidores;

c) Área 3: Assuntos sociais; educação, segurança social, saúde, menores e desporto;

d) Área 4: Assuntos de organização administrativa e função pública;

e) Área 5: Assuntos judiciários e penitenciários; Defesa Nacional; Segurança Interna e trânsito; Registos e Notariado.

Artigo 3.°

Ligação aos Provedores-Adjuntos

Cada área despacha com o Provedor-Adjunto designado para o efeito.

Artigo 4."

Cadastro

1 — Cada Assessor deve ter um cadastro dos processos que lhe foram distribuídos, com menção do número de ordem, nome do reclamante, número de processos apensos e situação actual.

2 — Por situação actual entende-se a menção de o processo estar actualmente na posse do Assessor ou a de ter seguido para outrem e com que finalidade.

Artigo 5.°

Relatório mensal

Os Assessores devem entregar ao respectivo Coordenador, no fim de cada mês, um relatório da actividade que desenvolveram nesse período de tempo, com indicação da referência de cada processo em que intervieram e descrição sucinta do que nele executaram, conforme modelo n.° 1, em anexo.

Artigo 6.° Secção de Processos

1 — A Secção de Processos é constituída por uma subsecção central e cinco subsecções, correspondentes a cada uma das áreas da Assessoria.

2 — Compete à subsecção central:

a) A abertura dos processos novos;

b) O acompanhamento dos processos directamente tratados pelo Provedor de Justiça;

c) Recepção e encaminhamento de correspondência para a subsecção competente;

d) Organização do arquivo dos processos;

e) Outras de carácter geral.

3 — Compete às subsecções o acompanhamento dos processos distribuídos à área respectiva, incluindo o arquivamento, em tudo o que não caiba nas competências definidas para a subsecção central.

4 — As tarefas de acompanhamento dos processos, referidas no número anterior, serão, para cada subsecção, definidas em termos gerais pelo Coordenador da área respectiva em colaboração com o Chefe da Secção de Processos, sem prejuízo das responsabilidades estabelecidas nesta Ordem de Serviço.

PARTE II

Procedimento

TÍTULO I Dos processos

CAPÍTULO I Da tramitação comum Secção I Disposições gerais

Artigo 7.° Espécies de processo

1 — Os processos dividem-se em duas espécies, consoante sejam abertos por iniciativa de reclamantes ou iniciativa do Provedor de Justiça.

2 — No primeiro caso, os processos são identificados pela referência «R-n/aa» e no segundo pela referência «P-n/aa», em que «nnn» constitui o número de ordem e «aa» os dois últimos dígitos do ano respectivo.

Artigo 8.°

Classificação como DI

Quando o objecto inicial do processo for total ou parcialmente a discussão da constitucionalidade ou ilegalidade de normas ou a verificação de inconstitucionalidade por omissão, o processo é cumulativamente classificado como DI, com numeração sequencial.

Artigo 9.° Abertura e arquivamento de processos

1 — A competência para organizar ou arquivar processo de iniciativa do Provedor de Justiça é exclusiva do mesmo.

2 — É ainda da competência exclusiva do Provedor de Justiça a decisão de arquivamento de processos nos quais:

a) Tiver sido formulada proposta de recomendação, de pedido de declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade de normas ou pedido de verificação de inconstitucionalidade por omissão;

b) Tiver sido emitido um dos actos previstos na alínea anterior.

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3 — Os Provedores-Adjuntos podem, nos restantes casos, proceder ao arquivamento de processos, no âmbito da delegação de competências existente.

Artigo 10."

Apreciação liminar e distribuição

Após recepção, a queixa deve ser imediatamente presente para apreciação liminar e distribuição ao Provedor--Adjunto designado para o efeito, que conta com o apoio da Divisão de Informação e Relações Públicas.

Artigo 11.° Despacho liminar

1 — Na fase de distribuição a queixa é numerada sequencialmente, classificada e apreciada liminarmente.

2 — O Provedor-Adjunto pode arquivar a queixa, mandá-la aperfeiçoar, classificar a tramitação do processo como urgente, apensar a outro processo e distribuí-lo a uma área da Assessoria.

Artigo 12.° Alteração de assessor

A distribuição de um processo a uma área mantém-se ainda que o Assessor a quem foi atribuído deixe de estar afecto a essa área, salvo se, sendo a distribuição anterior à entrada em vigor desta Ordem de Serviço, o Assessor deixar de exercer estas funções na Provedoria de Justiça.

Artigo 13.°

Arquivamento liminar ou despacho de aperfeiçoamento

1 — Quando a queixa seja objecto de despacho de arquivamento ou de aperfeiçoamento, o ofício a enviar ao reclamante acompanha a queixa para o Expediente Geral. •

2 — Após o envio desse ofício, a queixa segue para a Secção de Processos, para autuação, registo è arquivo.

Artigo 14." Distribuição às áreas

1 — Os processos distribuídos às áreas são entregues ao Coordenador respectivo que, após designar um Assessor responsável, os remeterá à Secção de Processos, para autuação e registo informático.

2 — Posteriormente, a Secção de Processos deve enviar de imediato o processo ao Assessor responsável, colhendo previamente os dados pessoais do reclamante para remessa de ofício a acusar a recepção e a informar o número de ordem atribuído ao processo.

Artigo 15." Redistribuição

A redistribuição segue as regras da distribuição.

Artigo 16.° Responsabilidade do processo

\ — O Assessor é o principal responsável pela instrução do processo, devendo interessar-se activamente por toda a sua tramitação.

2 — Designadamente, cabe-lhe controlar a recepção de respostas a ofícios enviados no âmbito do processo e respectivos prazos, propondo o que no caso se imponha e caiba.

3 — A realização de diligências externas à Provedoria de Justiça é da responsabilidade dos Coordenadores, salvas as excepções constantes desta Ordem de Serviço.

Artigo 17.° Tramitação nos quatro níveis

1 — A tramitação dos processos é sempre feita sucessivamente pelo Assessor, Coordenador, Provedor-Adjunto e Provedor.

2 — Exceptuam-se do disposto no número anterior:

a) As convocatórias e insistências junto das entidades visadas, que são directamente enviadas à entidade que assina;

b) Os ofícios de arquivamento anteriormente determinado pelo Provedor de Justiça;

c) Os casos previstos no artigo 25.°;

d) A determinação em contrário do Provedor de Justiça ou do Provedor-Adjunto.

Artigo 18.° Localização dos processos

1 — Os processos só podem encontrar-se à responsabilidade da Secção de Processos, da área da Assessoria, do Secretário-Geral, do Gabinete, dos Provedores-Adjuntos ou do Provedor.

2 — Os processos não devem deslocar-se à Divisão de Documentação e ao Expediente Geral, a menos que o caso concreto imponha procedimento diverso.

Artigo 19.°

Registo informático da circulação

Para além do disposto no artigo seguinte, só será objecto de registo informático a mudança da responsabilidade do processo entre as entidades funcionais referidas no n.° 1 do artigo anterior.

Artigo 20." Juntada de documentos

1 — Após darem entrada no expediente e serem registados no sistema informático pela Secção de Processos, os documentos devem ser juntos por esta ao processo respectivo, no local em que este se encontrar.

2 — A data da juntada é anotada no próprio processo.

Artigo 21. ° ' Emissão de ofícios e outros documentos

1 — Depois da assinatura de ofícios ou de outros documentos respeitantes a determinado processo, este deve ser remetido à Secção de Processos. •>

2 — A Secção de Processos faz as cópias e extrai os eventuais anexos, enviando tudo, sem o processo, ao Expediente Geral.

3 — Após datação e numeração, a cópia destinada ao

processo é devolvida à Secção de Processos que procede à sua juntada.

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Artigo 22.° Minuta de documentos

1 — As minutas de documentos devem ser preparadas no sistema informático, imprimindo o seu autor apenas um

exemplar.

2 — O autor do documento deve mencionar no próprio processo o nome e localização informática daquele.

Artigo 23.° Fixação de prazos e convocatórias

1 — Pertence ao Provedor de Justiça a competência para fixar prazos de resposta ou para a convocatória para efeitos de depoimento, nos termos do artigo 29." do Estatuto.

2 — Os Provedores-Adjuntos podem exercer as mesmas competências, no âmbito da delegação existente, quanto às entidades compreendidas no artigo 30.° do Estatuto.

Artigo 24.° Convocatória

Após uma primeira insistência por resposta a pedido de informações, caso esta não sobrevenha dentro do prazo de vinte dias, proceder-se-á a uma segunda insistência com indicação expressa do prazo de quinze dias para a resposta e advertência da possibilidade de convocatória, nos termos do artigo 29.°, n.° 5, do Estatuto, caso se mantenha a falta de colaboração.

Artigo 25.°

Ofícios assinados pelo Provedor de Justiça

Logo que haja resposta a ofício assinado pelo Provedor de Justiça, o processo deve ir a seu despacho, directa e imediatamente, desde que:

a) Se trate de resposta a uma recomendação, a pedido de declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade de normas ou a pedido de verificação de inconstitucionalidade por omissão.

b) Se trate de processo a correr termos no seu Gabinete.

Artigo 26.° Processos urgentes

1 — O Provedor de Justiça ou o Provedor-Adjunto podem classificar um processo como de tramitação urgente.

2 — Essa classificação deve ser assinalada, de modo indelével, na capa do processo.

Artigo 30.°

Diligências urgentes

1 — Qualquer interveniente num processo pode, quando o caso o justifique, qualificar determinada diligência ou operação como de carácter urgente.

2 — Tal qualificação deve ser assinalada a lápis na minuta ou na capa do processo, em local apropriado, sendo removida quando a urgência cesse.

Artigo 31." Elucidações finais aos reclamantes

Os ofícios de elucidação final aos reclamantes são assinados pela entidade que determina o arquivamento.

Secção n Da apensação

Artigo 32." Critério e competência para apensação

1 — Os processos que, por conexão de objecto, de facto ou de direito, justifiquem um tratamento unitário, podem ser apensados.

2 — A competência para tal acto é dos Coordenadores se os processos a apensar pertencerem à mesma área, ou do Provedor-Adjunto, se pertencerem a áreas diferentes.

3 — Se estiverem em causa processos de áreas da competência dos dois Provedores-Adjuntos será exigível o acordo de ambos.

Artigo 33.°

Garantia do reclamante

Em caso algum a situação de apensação pode prejudicar o reclamante em processo apenso, nomeadamente no que toca às necessárias comunicações.

Artigo 34.° Regras de apensação

1 — Os processos mais recentes devem ser apensados ao mais antigo, podendo exceptuar-se o caso em que exista processo P, em que o processo mais recente já esteja num nível de estudo mais avançado ou em que o processo mais recente esteja distribuído à área a que pertence a matéria nos termos do artigo 2.°

2 — O processo principal só será arquivado quando houver decisão final em todos os apensos.

Artigo 35.°

Circulação de processos apensos

Em caso de apensação só deve circular o processo principal, mantendo-se os apensos a aguardar em depósito na Secção de Processos, salvo indicação em contrário.

Artigo 36.° Termos e juntada de documentos

1 — Os termos e respectivos despachos ou informações são sempre abertos e lavrados no processo principal, assim como a juntada de documentos, ainda que referentes aos apensos.

2 — No caso referido na última parte do número anterior, a Secção de Processos deve registar a recepção em relação ao processo a que o documento se refere directamente.

3 — Em caso de desapensação, o processo deve ser reconstruído mediante extracção das fotocópias necessárias daquele a que estava apenso.

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Secção JJJ Contactos com o exterior

Artigo 37.° Garantias de sigilo

1 — É proibido o envio de fotocópia ou a transcrição de qualquer exposição, apresentada pelos reclamantes, à entidade visada ou a terceiros, salvo os casos em que seja de manifesta ou imperiosa utilidade tal envio, bem como quando haja lugar à aplicação do artigo 35.° do Estatuto.

2,— Fica vedada a divulgação à entidade visada da identidade dos Reclamantes, salvo os casos em que, pela especificidade ou individualidade da queixa, não seja possível estudar a reclamação sem a divulgação dessa identidade.

3 — A verificação da existência das excepções previstas nos números anteriores é da responsabilidade do Coordenador.

Artigo 38.° Anonimato a pedido do reclamante

1 — Quando o reclamante peça o anonimato e se verificarem as excepções previstas no n.° 2 do artigo anterior, deve o mesmo ser advertido da impossibilidade da instrução do processo, caso não prescinda desse pedido.

2 — O processo será arquivado caso não sobrevenha resposta ou o reclamante insista no anonimato.

Artigo 39.° Informação a reclamantes

1 — A Divisão de Informação e Relações Públicas, no fim do horário de atendimento ao público, enviará, preferencialmente por escrito, a solicitação das informações que pretenda sobre determinado processo ao Assessor respectivo.

2 — Esses esclarecimentos deverão ser fornecidos à Divisão de Informação e Relações Públicas no prazo máximo de 48 horas, para que esta os transmita ao reclamante.

3 — A consulta de um processo ou a passagem de fotocópias de peças nele inseridas só poderá ser facultada ao próprio reclamante ou a pessoa por ele autorizada, para o que apresentará prova bastante.

4 — A autorização para os actos previstos no número anterior é dada por despacho do Provedor-Adjunto.

Artigo 40." Inspecções

Sem prejuízo das competências conferidas pela Lei Orgânica da Provedoria de Justiça, a realização de inspecções fica sujeita à comunicação prévia ao Provedor Adjunto.

capítulo n

Das audiências com o Provedor de Justiça Artigo 41.°

Procedimento

\ — No mesmo dia em que for formulado, em qualquer caso e por qualquer meio pedido de audiência, deve o

mesmo ser levado ao conhecimento do Chefe do Gabinete,

por escrito, com indicação ào assunto a tratar e, se o

houver, referência de processo pendente ou já arquivado.

2 — Em caso algum e sob nenhum pretexto pode ser perturbada a normal tramitação do processo pela apresentação de ura pedido de audiência.

Artigo 42.° Parecer da Assessoria

1 — Quando o processo for pedido para apreciação do pedido de audiência, deve integrar informação do Assessor sobre a utilidade da mesma.

2 — A informação prevista no número anterior deve ser prestada previamente, caso o pedido de audiência seja transmitido através da Assessoria.

CAPÍTULO IH Das recomendações

Secção I Da tramitação

Artigo 43.° Proposta de recomendação

No caso de se concluir pela necessidade de se formular recomendação, a proposta deve ser acompanhada do respectivo projecto, pronto a, se assim for entendido, ser assinado e expedido.

Artigo 44.° Série

I

1 — Existem duas séries de recomendações, correspondendo uma às emitidas ao abrigo do alínea a) e outra às emitidas ao abrigo da alínea b) do artigo 20.°, n.° 1, do Estatuto.

2 — A primeira designa-se como série A e a segunda como série B.

3 — A classificação é feita pelo Assessor, quando apresentar o projecto de recomendação.

Artigo 45.° Cópias

1 — No momento de ser enviada uma recomendação, a Secção de Processos deve tirar, para além da cópia a integrar no processo, quatro outras cópias da mesma, entregando uma no Gabinete do Provedor de Justiça, uma no gabinete de cada Provedor-Adjunto e outra na Divisão de Documentação.

2 — Quando se trate de recomendação da série B deve-se entregar mais uma cópia ao Secretário-Geral.

Secção II

Da folha de rosto e numeração das recomendações

Artigo 46.° Folha de rosto

1 — A recomendação deve ser precedida de uma folha de rosto contendo a menção do seu destinatário e do assunto versado, seguindo-se o sumário do seu conteúdo.

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2 — A folha de rosto tem circulação meramente interna, não sendo enviada com a recomendação.

Artigo 47.° ' Numeração

1 — Os projectos de recomendação devem conter, no seu início e na folha de rosto, referência à sua numeração no formato «nnn/aa», em que «nnn» corresponde ao espaço necessário à sua numeração sequencial, «s» à série em que se enquadra e «aaa» aos dois últimos dígitos do ano respectivo.

2 — Imediatamente após a assinatura de qualquer recomendação, deve esta ser numerada sequencialmente pelo Gabinete do Provedor de Justiça, após o que é entregue na Secção de Processos, para registo e expedição.

Artigo 48.° Circulação da folha de rosto

A Divisão de Documentação, após receber cópia de recomendação, deve tirar cópias da respectiva folha de rosto e fazê-las circular pela Assessoria e pelo Gabinete do Provedor de Justiça.

capítulo rv

Dos pedidos de declaração de inconstitucionalidade e ilegalidade de normas e de verificação de inconstitucionalidade por omissão..

Artigo 49.° Remissão

Aplica-se aos pedidos de declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade de normas, bem como aos de verificação de inconstitucionalidade por omissão o disposto nos artigos 43.° e 45.°

Artigo 50.° Sumário

1 — Sempre que seja elaborado um projecto de pedido de declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade de normas ou de verificação de inconstitucionalidade por omissão, o Assessor elabora um sumário do mesmo, em folha separada.

2 — Este sumário tem circulação meramente interna, devendo adoptar-se procedimento idêntico ao prescrito para as folhas de rosto das recomendações no artigo 48."

TÍTULO LI

Do relatório anual

Artigo 51.° Ficha de processos

1 — Para efeitos da feitura do relatório anual, por cada processo que for arquivado deve ser preenchido um formulário, segundo modelo n.° 2, em anexo.

2 — Este formulário é preenchido pelo Assessor quando o processo for objecto de despacho de arquivamento.

Artigo 52." Casos especiais

Quando tiver sido emitida recomendação, pedido de declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade de

normas ou pedido de verificação de inconstitucionalidade, o formulário previsto no artigo anterior é acompanhado da folha de rosto ou do sumário, executados nos termos dos artigos 46.° e 50.°

Artigo 53." Anotações para o relatório

.1 — A anotação de um processo para o relatório anual é da competência exclusiva do Provedor de Justiça.

2 — Quando for determinada a anotação para o relatório, o Assessor deve executar um resumo do processo, de acordo com o modelo n.° 3, em anexo.

Artigo 54.° Anotação em momento anterior ao arquivamento

Se o despacho referido no artigo anterior for proferido antes do arquivamento, o resumo aí previsto será completado neste último momento.

Artigo 55.° Procedimento

1 —Imediatamente após o despacho de arquivamento ou de anotação para o Relatório anual, o processo deve ser presente ao Coordenador para controlo e determinação do que couber ao Assessor.

2 — O processo é logo após enviado ao Assessor para elaboração do que fica determinado e no caso caiba.

3—Posteriormente o processo deve ser devolvido ao Coordenador, que, após visar, remete o executado ao Secretario Geral.

Disposições finais e transitórias

Artigo 56°

Norma reguladora

1.— São revogados todos os despachos e ordens de serviço em contrário, designadamente as Ordens de Serviço 1/93 e 2/93, os despachos de 7 de Maio de 1993, sobre cópias de recomendações e pedidos de verificação da inconstitucionalidade, de 2 de Agosto de 1993, sobre o processo a seguir na execução das recomendações, de 11 de Janeiro de 1994, sobre o Núcleo de Apoio à Assessoria, de 8 de Setembro de 1994, sobre a feitura do Relatório Anual, o Despacho 12/PJ/94, e o despacho conjunto dos Coordenadores de 12 de Janeiro de 1994, sobre o cadastro de processos.

2 — Até à sua caducidade , mantém-se em vigor o disposto no número 11 do Despacho de 8 de Setembro de 1994, no que toca à retroactividade do procedimento previsto para a realização de súmulas a processos arquivados em 1994, antes daquela data.

Artigo 57.°

Processos de menores e em que é reclamante a ASM1RR

Mantêm-se em vigor os despachos de 28 de Setembro de 1993, relativos aos processos sobre menores, e de 6 de Outubro de 1994, relativo aos processos em que é reclamante a Associação dos Militares na Reserva e Reforma.

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Artigo 58."

Entrada cm vigor

Esta Ordem de Serviço entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 1995.

4 — Da actividade extra processual

4.1 — Participação do Provedor em reuniões internacionais

4\ 4.a Mesa-fiedonda de Ombudsmen Europeus

Lisboa, 16 e 17 de Junho

Realizou-se no Palácio de São Bento, em Lisboa, de 16 e 17 de Junho, a «4." Mesa-Redonda de Ombudsmen Europeus», organizada pelo Secretariado Geral do Conselho da Europa em colaboração com o Provedor de Justiça.

A cerimónia-de abertura foi presidida pelo Presidente da Assembleia da República, Prof. Barbosa de Melo, com intervenções do Ministro da Justiça, Dr. Laborinho Lúcio, do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Dr. Jorge Sampaio, do Representante do Secretário-Geral do Conselho da Europa, Dr. Pierre-Henri Imbert, e do Provedor de Justiça.

A primeira sessão da Mesa Redonda foi subordinada ao tema: «A protecção dos cidadãos enquanto consumidores de serviços públicos», com exposição introdutória apresentada por M. William Reid — Provedor de Justiça de Londres, Reino Unido — seguida de comunicações

várias e debate.

A segunda sessão abordou a temática: «O provedor nos países da Europa Central e de Leste», com exposição introdutória apresentada por Ewa Letowska —ex-provedora, Varsóvia — seguida de comunicações e debate.

À terceira sessão presidiu o tema: «Cooperação entre os Ombudsmen dos Estados membros e entre estes e os do Conselho da Europa», com exposição introdutória de Carl Aage Noorgard — Presidente da Comissão Europeia dos Direitos do Homem, Professor na Universidade de Aarhus, Dinamarca— seguida de outras comunicações e debate.

A sessão de encerramento contou com as intervenções do Presidente da Comissão Europeia dos Direitos do Homem, Carl Aage Norgaard, do Director dos Direitos do Homem do Conselho dá Europa e representante do Secretário-Geral, Pierre-Henri Imbert, e do Provedor de Justiça de Portugal e Presidente da Mesa-Redonda, José Menéres Pimentel.

B) Seminário do Conselho da Europa sobre Exclusão Social

Taorrnina-Mare, 29 de Setembro a 1 de Outubro

O Provedor de Justiça participou no seminário promovido pelo Conselho da Europa, em Taorrnina-Mare, Itália, de 29 de Setembro a 1 de Outubro.

O encontro subordinou-se à problemática da «Exclusão, igualdade perante a lei e não discriminação».

Os temas abordados foram:

Os idosos, os pobres e os desempregados;

Os deficientes físicos e mentais, os doentes com sida; Os estrangeiros, os imigrantes e os nómadas.

O 1.9 Encontro Europeu de Instituições Nacionais para a Promoção e Protecção dos Direitos Humanos

Estrasburgo, 7 a 9 de Novembro

O Provedor de Justiça participou no Primeiro Encontro Europeu de Instituições Nacionais para a Promoção e Protecção dos Direitos Humanos, realizada em Estrasburgo de 7 a 9 de Novembro, sob a égide do tema: «A Luta contra o Racismo»,

Neste Encontro o Provedor de Justiça proferiu um discurso sobre a problemática atinente a «Racismo e Xenofobia», onde destacou a «necessidade de criação de políticas prudentes e graduais, não de assimilação igualitária, estéril e viciada, mas sobretudo destinada a uma coexistência de comunidades diversas e de diferentes culturas dentro do mesmo espaço, em condições de igualdade, liberdade e respeito mútuo».

4.2 — Discursos e intervenções do Provedor de Justiça

Discurso proferido na posse do Secretário-Geral da Provedoria de Justiça (7 de Janeiro de 1994)

Com a posse do primeiro Secretário-Geral desta Provedoria de Justiça, encerra-se o primeiro ciclo da reforma desta Casa, mas simultaneamente abre-se nova frente reformadora.

De facto, pode hoje falar-se de uma nova Provedoria que nasce dos escombros da antiga. Com efeito, não era possível trabalhar-se eficazmente sem instalações condignas e adequadas, sem uma nova lei orgânica e, sobretudo, 'com um espírito velho e rotineiro que conduzia o Provedor a deixar passar em claro os grandes acontecimentos do nosso viver colectivo de todos qs dias.

A rapidez com que se solucionou a primeira carência (instalações) fica a Instituição a devê-la ao empenhamento pessoal do Senhor Primeiro-Ministro, do Senhor Secretário de Estado das Finanças de então, Dr. Elias da Costa, assim como ao Senhor Presidente do Instituto das Participações do Estado, Dr. Amaro de Matos.

A solução para o segundo caso deve-se integralmente ao Governo, ao aceitar boa parte das minhas teses. Na verdade, conseguiu-se, através deste diploma, o essencial, ou seja, dotar a Provedoria de um quadro de colaboradores da confiança do responsável máximo (Provedor), assim como um aumento do número de assessores e coordenadores.

Desta maneira, o meu imediato sucessor não ficará hipotecado às pessoas entretanto escolhidas por mim, sendo livre de as não manter. Nem podia deixar de ser assim. A Provedoria de Justiça de Portugal constituía um dos raríssimos casos, em mais de 70 países onde existe o Ombudsman, em que a rigidez funcional tolhia a livre escolha adentro de um Órgão unipessoal do Estado. Respeitaram-se, como resulta da Constituição, os direitos adquiridos pelos funcionários públicos anteriormente nomeados, mas aponta-se para a extinção dos respectivos lugares à medida em que forem ficando vagos.

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Esta solução é tão óbvia que mal se compreende como a recente exoneração dos dois Provedores-Adjuntos e dos dois Coordenadores anteriores terá causado alguma perplexidade, tratando-se, como é bem de ver, de cargos de livre nomeação e exoneração por parte do Provedor. Ter-se-á certamente pensado que estas exonerações teriam pecado por praticadas somente ano e meio após o início do exercício das minhas funções. Mas sem razão. Com efeito, pretendi, por um lado, não criar situações de ruptura e, por outro, experimentar p sistema herdado. Recuperado quase totalmente o atraso na resposta aos cidadãos por parte da Provedoria, era altura de começar vida nova. E ela efectivamente deu-se com a recente nomeação dos dois novos Provedores-Adjuntos e dos cinco recentíssimos Coordenadores. A competência e lealdade da Dra. Madalena Diener de Oliveira e do Dr. António Nadais (actuais Provedores-Adjuntos) auguram algo de novo, no sentido positivo. E as capacidades e juventude dos novos Coordenadores (Drs. André Folque, João Gonçalves, Pereira dos Santos, Paulo Antunes e Celso Manata), todos igualmente por mim escolhidos, vieram reforçar e completar o núcleo essencial da cúpula de dirigentes. A todos agradeço terem aceito o meu convite, bem como aos novos assessores Dras. Ana Rita Carvalho, Cristina de Sousa Machado, Teresa Bessa, Elsa Dias, Suzete Meneses e Maria Belo Ravara Possolo e Dr. Miguel Paes.

Todavia, como disse há pouco, surge agora um novo vento renovador, ou seja, no capítulo da gestão da Provedoria. Em boa hora, o Governo aceitou a minha proposta de criação do lugar de Secretário-Geral. Compete-lhe, como disse, a gestão, a nível máximo de toda a Provedoria, abrangendo a área administrativa mas igualmente a colaboração no delineamento dos programas e na atempada prestação, perante a Assembleia da República e todos os cidadãos, dos resultados e eficiência alcançados. Mas compete-lhe igualmente a promoção da Instituição junto dos cidadãos e perante a Administração Pública.

O Dr. Vargas Moniz, apesar da sua relativa juventude, é dotado de um curriculum invejável, precisamente nas áreas atrás referidas, e com suporte jurídico muito seguro. Muito, pois, é legítimo aguardar do seu trabalho. ■ O Provedor de Justiça, com os apoios referidos (sem esquecer o devotado pessoal administrativo) tem ultimamente alargado a sua intervenção a áreas de todo em todo ignoradas até há pouco tempo: refiro-me, a título exemplificativo, à ecologia e às crianças desprotegidas material e moralmente.

Contudo, antes de terminar, desejo realçar um aspecto essencial na acção desta Provedoria: para além da qualidade e rapidez, trata-se da forma de intervenção.' Esta tem de ser, tanto quanto possível, preventiva por forma a evitar situações consumadas em que nos limitamos à piedosa censura à Administração Pública. Se, por exemplo, se prevêem manifestações de envergadura, em que os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos podem perigar, por que não há-de a Provedoria estar presente para, com a objectividade e imparcialidade inerentes a este Órgão do Estado, relatar as suas conclusões com vista a prevenir futuros atentados, quer à liberdade e integridade física dos cidadãos, quer, pelo contrário, ao respeito devido à autoridade legítima? Se, no procedimento administrativo, temos hoje em vigor um Código generoso, qual a razão da não intervenção do Provedor antes de tudo estar consumado? Acaso o Ombudsman não surgiu precisamente

para evitar delongas judiciais resultantes de actos da Administração Pública já consumados? O argumento já ouvido do Provedor ter de deixar que os Tribunais corrijam as situações presuntivamente ilegais é, assim, totalmente improcedente.

Pois bem, Senhor Secretário-Geral, é esta imagem da Provedoria que tem de ser emprestada ao cidadão para que a acção se torne fiável, para, numa palavra, desbloquear situações de impasse, clarificar a vida pública, conferindo credibilidade às Instituições democráticas. Quanto maior e melhor for a intervenção do Provedor, mais se robustecerá o tecido social, maior e melhor apoio se dará ao Governo livremente escolhido pelos cidadãos.

Conferência «Os Direitos Individuais e Colectivos dos Trabalhadores»

Lisboa, Fórum Picoas, 21 de Janeiro de 1994

Verificados certos pressupostos mínimos, considero da maior importância que estruturas organizadas de cidadãos promovam reuniões similares a esta, onde se possam discutir as verdadeiras questões relevantes do nosso devir colectivo como Nação e como Estado.

Nestes termos, são de louvar quaisquer iniciativas, seja qual for o quadrante político, ideológico ou social de que partam, que fomentem o debate, condição primeira da sociabilidade e arrimo último da Democracia.

É, pois, com muita satisfação que assisto a este encontro, redobrando o prazer com a honra que me deram ao pedir a minha participação.

Pediram-me que centrasse esta minha intervenção na problemática dos direitos fundamentais enquanto consagrados normativamente na ordem jurídica portuguesa.

Mais do que uma leitura jurídica do que está positivado, tarefa para a qual estão presentes nesta sala competências bem mais proficientes, julgo não redundar em desperdício uma tentativa de encarar os direitos fundamentais a partir de uma perspectiva funcional da sua tutela.

Tão ou mais importante que a consagração grandiloqüente de posições jurídicas subjectivas dos cidadãos, é a forma como um sistema consegue assegurar a efectividade dessas posições. É a partir das vias de acesso ao Direito, da sua adequação (que passa necessariamente pela celeridade e proximidade ao cidadão) e extensão, que se pode verdadeiramente ajuizar da bondade de um quadro positivado de Direitos Fundamentais.

Não se estranhará, pois, que aqui queira transmitir a visão muito particular que tenho desta problemática enquanto actual titular da instituição «Provedor de Justiça». Se, como diz o lugar comum, os homens passam e as instituições ficam, julgo ser imperioso que, enquanto actual Provedor de Justiça, paute as minhas intervenções públicas pela análise das variegadas questões face aos fins que motivam a existência do órgão que ora encarno, num contínuo perspectivar do que a instituição pode fazer pela sua prossecução.

Instituição típica das democracias modernas, ligada desde sempre a uma forma privilegiada de controlo da Administração, o Ombudsman, originário, como é sabido, da Escandinávia, esíendeu-se por todo o mundo democrático, numa riqueza de experiências, aproveitando de uma vez as virtualidades próprias da Instituição e as idiossincrasias específicas da sociedade em que historicamente se inseria.

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Há, pois, uma grande variedade nas competências . específicas atribuídas aos Ombudsmen, correlativamente a uma certa permanência das suas atribuições, peto menos nucleares.

Quase sempre dirige-se o seu controlo exclusivamente contra os poderes públicos, em particular contra a Administração ou, em alguns sistemas, contra a acção do poder judicial. Forma privilegiada de actuação é a que se concretiza na emissão de Recomendações, actos por natureza não vinculativos, ,que se traduzem num aconselhamento dos seus destinatários, fazendo-lhes presentes certos aspectos da realidade, fáctita ou jurídica, que poderá ter passado despercebida.

Função não menos importante é a consagrada pela Constituição portuguesa, no que respeita ao poder de requerer a fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade, bem como, partilhado unicamente com o Senhor Presidente da República, do poder de requerer a verificação da inconstitucionalidade por omissão, instrumento com aplicação bastante larga, infelizmente, em matéria de Direitos Fundamentais. Há poucos meses tive a oportunidade de utilizar esse poder, no tocante à omissão de medidas legislativas em matéria de acção popular.

Se pudesse resumir a função do Provedor de Justiça numa curta frase, diria que ela consiste na existência em Democracia de um órgão que tenha por função dar credibilidade às instituições democráticas. Trata-se, não de um contra-poder, ao contrário de opinião comummente referenciada, mas de um modo que o poder encontra para se exercer da melhor forma, entendendo-se esta melhor forma como a mais ajustada à vontade dos cidadãos e aos valores da justiça. É este binómio que passo a explicar, no que toca à garantia dos direitos fundamentais.

Numa primeira instância o Provedor de Justiça aparece como mais um garante da legalidade democrática. Expressão primária do Estado de Direito Democrático, ela garante-nos, simultaneamente, a proibição do arbítrio, pela institucionalização de regras conhecidas da comunidade, como também aceites por esta, ao corresponderem a opções legitimamente sufragadas pelo voto popular.

Se é verdade que, em primeira instância, a vontade dos cidadãos é reportada directamente à dos órgãos por eles eleitos, a complexidade burocrática do Estado hodierno leva a que nos processos de decisão os mecanismos de legitimação da mesma sejam excessivamente mediatizados.

É corrente verificar-se que a legitimação face aos

destinatários do acto jurídico-público se perde e dilui nas várias instâncias de decisão e controlo. O Ombudsman, ao promover a aplicação correcta da lei pelas instâncias de decisão a ela subordinadas, não está mais do que a coadjuvar a vontade legitimamente expressa pelos órgãos a quem a Constituição da República conferiu o poder de editar normas com força de lei. Nestes termos, para além da particular legitimação que lhe é dada pela sua designação por maioria qualificada do Parlamento, a intervenção do Provedor de Justiça liga-se estreitamente aos legítimos representantes do Povo Português.

Não basta, no entanto, para adequada tutela dos Direitos Fundamentais, estabelecer um meio de correcta aplicação da Lei.

Na conhecida citação de São Paulo, se a letra mata, o

espírito vivifica.

E ao Provedor de Justiça, principalmente no campo dos Direitos Fundamentais, o que importa é responder de uma forma justa à injustiça, na fórmula feliz de John Rawls.

Mais do que juízos de pura hermenêutica jurídica, enformados embora por especiais preocupações teleológicas ou sinépicas, importa ao Provedor de Justiça assegurar que a legalidade não comprometa a justiça da situação, numa dupla vertente.

Assim, e em primeiro lugar, permite ao Provedor de Justiça a emissão de juízos de oportunidade e viabilidade da acção sob apreciação. Mesmo que justificada em termos de respeito do bloco de legalidade, a acção concreta deve ser apreciada, passe o pleonasmo, tendo em atenção as circunstâncias particulares que concorrem no caso concreto.

Mas não basta uma apreciação, por cuidada que seja, das especificidades de cada situação. Esta micro-análise não dispensa a macro-análise. Quer por razões de economia de meios, quer por razões de praticabilidade, quer, last bui not least, pela necessidade de minimizar quebras intra-sistemáticas, é mister cercear os grandes problemas pela raiz, através do recurso a uma figura que, apesar de inicialmente contestada, tem vindo a dar os seus frutos: a Recomendação legislativa.

Sendo o acto legislativo um veículo particularmente indicado para a conformação dos poderes públicos e privados aos Direitos fundamentais consagrados na Constituição, sendo-lhe inclusivamente destinado ex constitutionem um papel privilegiado na atribuição de exequibilidade às normas que a não possuam por si mesmas, é natural que um meio de tutela como o consubstanciado pelo Ombudsman possa intervir a esse nível, prevenindo e equacionando as necessidades que estão a seu cargo.

Há também, neste enquadramento que mencionar as profundas alterações que marcaram a evolução do Estado neste século agonizante, em particular com a sua administração e tentacularização na comunidade. Assistiu-se uma publicização do privado e a uma privatização do público, como a consequente inversão, não necessariamente polar, das relações entre o Estado e a Sociedade.

O que atrás fica dito ganha especial feição no quadro actualmente recebido na Constituição. Os direitos fundamentais deixaram de ser puros direitos de defesa do indivíduo solitário perante um Estado potencialmente agressor da sua- liberdade ou da sua propriedade. Uma moderna teoria dos Direitos Fundamentais não pOde esquecer que, a partir do aparecimento do Estado Social, o Homem nunca pode deixar de ser encarado em relação. A multiplicidade e multipolaridade das relações sociais,

corresponde uma multiplicidade e multipolaridade das

posições jus-subjectivas do Homem de hoje face aos poderes públicos tradicionais e face aos novos poderes emergentes na nossa sociedade.

Aos direitos do cidadão abstracto sucedem os direitos do trabalhador, os direitos do consumidor, os direitos do jovem, os direitos do idoso e toda uma variedade riquíssima que só na Vida encontra emulo e espelho.

Fruto dessa evolução pode ser observado na formulação constitucional do direito de queixa ao Provedor de Justiça e subsequente configurações legislativas.

Pensando inicialmente como modo de reacção a acções e omissões dos poderes públicos, restringida seguidamente a sua actividade ao controlo da Administração Pública, o Provedor de Justiça tem-se vindo a libertar, progressivamente, de peias que, objectivamente, não alcançam sentido face ao texto e ao espírito da Constituição se esta prevê, em disposição singularmente lata. e não isenta de controvérsia, a sua vinculatividade imediata junto de entidades públicas, em relação a certas áreas normativas, como sejam os direitos, liberdades e garantias (bem como

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os demais direitos fundamentais que possuam natureza análoga a estes, quer estejam fora quer dentro da Constituição formal), porque não possibilitar a intervenção do Provedor, mediador por excelência, em zonas de conflito? O' tabu das relações entre particulares, já desaparecido no que toca às questões onde se verifiquem omissões de entidades públicas, deve ser eliminado, de modo mais evidente quando nessas relações um dos particulares surja numa posição de predomínio, v. g. social ou económico.

É o caso das relações laborais, tão intricadas com o tema dos Direitos dos Trabalhadores que aqui nos traz hoje. Se não compete ao Provedor de Justiça substituir-se aos Tribunais, porque não encarar a possibilidade da sua mediação em situações de desentendimento? Se se pode desbloquear um impasse através de um simples contacto, de um mero quebrar dfe equívocos, porque não aproveitar uma potencialidade fornecida por este recurso?

Nem se diga estarmos perante uma originalidade no sistema português: a Lei das Cláusulas Gerais desde 1985 permite uma intervenção no âmbito do Direito do Consumo, em situações que nem sempre contarão Como intervenientes entidades públicas, mesmo num latíssimo sensu. Porque não permitir uma intervenção semelhante ou análoga no Direito do Trabalho?

Na frase de Bruno Kreisky, que não perco a ocasião de citar, o Ombudsman é o único órgão estadual que pode, sem risco para a liberdade ou a democracia, exceder as competências que lhe estão cometidas.

Quer em situações entre entidades públicas e privadas, quer entre privados, a função do Provedor é, meramente, a de apontar soluções, sem as impor. A Recomendação, instrumento por excelência de actuação, é precisamente isso mesmo, não vinculando o seu destinatário senão a justificar cabalmente por que razão entende diversamente (isto, é claro, se não preferir o caminho sempre desejável do acatamento das Recomendações). Mesmo em condições extremas, como a de formulação do pedido de fiscalização da constitucionalidade de normas jurídicas, é a um outro Órgão (e de Soberania) que compete a decisão: o Tribunal Constitucional.

Este típico efeito meramente persuasório e a garantia que, instrumentalmente, todas as averiguações são conduzidas com integra] respeito pelos direitos, liberdades e garantias, bem como com absoluta reserva do sigilo protegido por Lei, levam-me a concluir pela inocuidade do exercício do «excesso de poder» por parte do Ombudsman. Em termos de economicidade da actuação, os custos seriam nulos para um benefício só limitado pela vontade humana.

Como tive ocasião há dias de recordar, quanto maior e melhor for a intervenção do Provedor, mais se robustecerá o tecido social. E, concomitantemente, mais forte ficará a nossa Democracia, pelo maior e melhor consenso gerado em torno das Instituições livremente escolhidas pelos cidadãos.

Para citar o meu ilustre antecessor, percursor do Ombudsman em Portugal ainda antes da Revolução de Abril, pretende-se que o Provedor de Justiça seja «o povo que fala»; sem se tratar de um mero núncio das reclamações que lhe chegam, o Provedor de Justiça, pela desburocratização e informalidade do procedimento, e pela maior proximidade com o cidadão, tentará sempre sèr a voz do povo junto do poder e a voz do poder junto do povo, explicando e familiarizando o cidadão com regras de conduta que, por tecnicamente elaboradas e complexas, são por ele tidas como estranhas ao corpo social.

Foi esse o compromisso que assumi há quase dois anos, ao aceitar a minha eleição pela Assembleia da República, é esse o compromisso que norteará a minha actuação no que sobra do meu mandato.

Quero terminar esta minha breve intervenção com palavras de esperança, confiança e empenhamento: esperança numa melhor adequação da compreensão do sistema actual de direitos fundamentais, confiança no funcionamento das instituições democraticamente legitimadas e empenho em bem desempenhar a porção que aqui cabe ao órgão do Estado que tenho a ventura de actualmente ser titular.

Que neste ano de 1994, bem como nos vindouros a bordejar o século XXI, a sociedade portuguesa possa evoluir em termos de maior e melhor consagração e efectivação dos Direitos Fundamentais, em particular mas não só, daqueles que pertencem à Pessoa humana enquanto trabalhadora.

Intervenção do Provedor de Justiça no 3.« Painel «O Estado e os Cidadãos: Quem está ao serviço de Quem?»

Seminário «Modernização do Estado — a (des) Esperança dos Cidadãos»

(Auditório do Quelhas em 18 de Março de 1994)

Solicitaram ao Provedor de Justiça, órgão que actualmente tenho a honra de encarnar, que desse o seu contributo nesta Conferência dedicada à problemática das relações entre o Estado e o Cidadão.

Integrado no questionar da necessidade de modernização da instituição estadual, elemento preponderante nos últimos séculos entre as formas políticas adoptadas pela Humanidade, o tema que aqui nos reuniu, particularmente neste terceiro painel, prende-se com o objectivo de toda a organização política.

Aparentemente a indagação que dá título a este painel é de fácil e óbvia resposta. Politicamente correcto é o afirmar, desde logo, que o Estado só existe para servir o cidadão, e não vice-versa.

E não será descabido fazer-me eco do lugar comum segundo o qual os interesses privados são reflexamente protegidos pela prossecução do interesse público, bem como esta passa também pela protecção aos interesses particulares. Tudo para se concluir que o Estado ao serviço dos cidadãos não é uma problematização homóloga da oposição entre interesses públicos e privados.

A realidade dos nossos dias, bem como uma análise que prescinda da superficialidade das aparências, não pode contentar-se com estas evidências que, as mais das vezes, carecem de aprofundamento e destrinça.

Em primeiro lugar, há que dizer que o Estado não é imprescindível. Não é verdade revelada a necessidade do Estado e a simples observação histórica demonstra que este é apenas a forma mais elaborada que as diversas comunidades encontraram de se organizar politicamente. Não está provado que tenhamos alcançado a forma perfeita e acabada da Polis, sendo, aliás, a história do Estado, em particular nos últimos duzentos anos, a melhor demonstração do contrário. Com abertura a novas formulações que não hão-de deixar de surgir por quaisquer voluntarismos espúrios, assente-se que o poder político nasce sempre como resposta aos anseios dos seus cidadãos, imbuída dos mecanismos de exercício estratégico de autoridade que melhor se coadunem com essas necessidades.

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Embora com alguma impropriedade de citação, também do Estado se poderá dizer que existe «para servir e não para ser servido».

Independentemente do conceito de cidadania, vigente em cada época e situação social, ou que aqui se adopte como instrumento de delimitação de tema, o Estado surge sempre para responder às necessidades reais ou fictícias da comunidade.

Os meios pelos quais se exerce a satisfação dessas necessidades variam no tempo e no espaço, de acordo, inclusivamente, com as diversas experiências históricas de um mesmo tipo de Estado.

O entendimento que hoje damos aos modos legítimos de exercício de autoridade desenha-se a partir das Grandes Revoluções liberais, quase simultaneamente no Novo e no Velho Continente.

Nos finais de Setecentos, mas apenas consolidado no século seguinte, a percepção da separação de poderes como instrumento de garantia dos direitos dos cidadãos foi fulcral para a nova concepção da posição do Estado face ao seu substrato humano.

Recordo aqui o conteúdo do artigo 16.° da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Aprovada naquele que, nas palavras inspiradas de Dickens foi «o melhor dos tempos e o pior dos tempos», como aliás todos os períodos revolucionários em geral, o sentido de tal proclamação, especificamente vertido na norma referida, era o de ligar a separação de poderes e a garantia de direitos fundamentais à própria ideia de Estado constitucional.

Doravante o Estado deixa de ser corporizado por uma só voz, abandonando-se a identidade entre a unidade do Estado e a unidade do seu poder político.

Surge um Estado a várias vozes, vozes essas legitimadas de vário modo, que, num jogo de «checks and balances», usando correctamente das competências previstas constitucionalmente, permitem uma transição definitiva e essencial no mecanismo de formação da vontade estadual. De um processo exteriormente heterogéneo mas essencialmente homogéneo, com modos de actuação diversos mas correspondentes a uma única manifestação de vontade, passa-se a um processo que, este sim, também é intrinsecamente complexo.

Ninguém se espante ou indigne com o facto de nunca perder ocasião de tentar visualizar e fazer encarar as várias questões do ponto de vista do Provedor de Justiça. É um exercício de pedagogia democrática que, mesmo hoje com duas décadas volvidas sobre a instauração da Democracia, se revela a cada passo bem necessária.

Instituição quase bicentenária, coeva da alteração substancial da natureza do Estado e o Cidadão, entre os interesses aparentemente conflituantes que tendem, no tráfico político-administrativo, a opor um ao outro.

E, nos quase dezanove anos que tem de história em Portugal, julgo poder afirmar que o Provedor de Justiça cumpriu para com o regime democrático a dívida resultante da sua adopção entre nós.

O Provedor de Justiça (adopto, por facilidade, a designação portuguesa) é um órgão constitucional do Estado, competindo-lhe, como uma das vozes desse mesmo Estado, contribuir para a formação da sua vontade final.

É corrente a ideia do Provedor de Justiça como um advogado do Cidadão face aos poderes públicos. Concordo com esta ideia, se entendida na sua máxima extensão.

Como os juristas aqui presentes bem saberão, a deontologia da advocacia, entre nós e neste particular recebida no Estatuto da Ordem dos Advogados, impõe aos

profissionais que se abstenham de patrocinar pretensões injustas ou que violem lei expressa. Esta imposição não pode entender-se se não num contexto pedagógico, de concretização da garantia do acesso ao Direito, na sua globalidade e entendida num carácter ausente de estreiteza de vistas judiciárias.

O acesso ao Direito, mais do que a garantia do acesso aos meios de tutela dos direitos subjectivos, pretende com que o Cidadão não veja o ordenamento jurídico como um corpo estranho, mas algo que lhe seja tão natural e intuitivo quanto possível.

Estranhará esta ilustre audiência tal pretensão numa era caracterizada pela metastização normativa, pela elevada tecnicidade do Direito e pela proliferação de normas em que os critérios do Justo e do Injusto estão bem remotamente situados. Mas é, em última análise, desta sensação

de Justiça da regulação normativa que radica a aceitação pela comunidade destinatária, rectius a sua eficácia.

A actividade do Provedor de Justiça insere-se nesta necessidade de aproximar o Cidadão e o Direito, na sua vertente de fundamento e limite da intervenção dos poderes púbücos.

Numa vertente positiva, compete ao Provedor de Justiça a elaboração de solicitações aos poderes públicos para que estes, no uso das funções legislativas, administrativas ou, por vezes jurisdicional, corrijam o que, por desconhecimento ou deficiente apreciação, carece de reformulação dos seus efeitos. O Provedor está, aqui, a exercer uma virtualidade pedagógica junto da entidade pública visada, arriscando em afirmar que se trata de mais um órgãos que auxilia a tomada de decisão ou a sua reponderação.

Numa vertente negativa, e sem que se possa atribuir ao Provedor de Justiça qualquer atribuição genérica de aconselhamento jurídico dos cidadãos, a verdade é que um passo mais para diminuição da conflitualidade social está na justificação dada ao reclamante das razões que justificam a bondade da actuação ou omissão alvo de queixa. Talvez seja uma surpresa para os que me escutam, já que a Comunicação Social apenas dá relevo a alguns (poucos) casos em que me decido pela formulação de Recomendação ou pedido de declaração de inconstitucionalidade, que a grande maioria das reclamações que entram nos meus Serviços são arquivadas, por se concluir não ser justificável qualquer actuação minha. E tenho a imodéstia de pensar que as razões desta não intervenção, dadas por um órgão independente do Estado, contribuem para que os cidadãos aceitem o Estado como seu servidor e não como seu amo.

Encontro, é claro, múltiplos exemplos de situações em que, por inadequada apreciação ou, felizmente com raridade, por má-fé, as entidades públicas não correspondem à missão de serviço que lhes incumbe.

Quando se nega a jovens candidatos ao ingresso no Ensino Superior a possibilidade de, sem subterfúgios, poderem com-transparência aferir da bondade e lisura do processo que tantas consequências pode acarretar para o seu futuro, sem dúvida que o Estado não está a colocar-se ao serviço do Cidadão.

Quando utentes de instituições públicas de saúde encontram a morte, a breve ou longo trecho, em vez da vida de qualidade por que anseiam, sem dúvida que o Estado não está a colocar-se ao serviço do Cidadão.

Quando o Estado pede um sacrifício aos seus nacionais, impondo-lhes uma prestação forçada de trabalho na Defesa Nacional, sem assegurar devidamente a sua segurança e integridade física, sem dúvida que o Estado não está a colocar-se aó serviço do Cidadão.

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Quando o Estado (ouça-se poderes púbücos) desrespeita as regras mais elementares de igualdade e equidade no tratamento dos particulares que concorrem a um relacionamento económico com ele, levantando as maiores suspeitas sobre as intenções reais das pessoas físicas envolvidas no processo de decisão, sem dúvida que o Estado não está a colocar-se ao serviço do Cidadão.

Mas quando, ao abrigo, aliás, de imposições constitucionais, o Estado impõe restrições urbanísticas, apesar de os interesses de alguns cidadãos em particular poderem ser prejudicados, sem dúvida que o Cidadão, não ente abstracto mas comunidade que somos todos nós e os que hão-de vir, está a ser servida pelo Estado.

E quando o Estado reconhece as dificuldades que tem em acatar uma recomendação, pela existência de ponderoso interesse público em contrário, estamos ainda perante uma situação em que o Cidadão está a ser servido pelo Estado.

O Provedor de Justiça, em caso algum, pode ser visto como um inimigo do Estado oú da Administração Pública. Tão pouco lhe cabe o papel de contrapoder. Ele é, como disse, um órgão do Estado, sendo, na medida exacta das suas competências, um centro de poder, no que aliás não é original no quadro dos órgãos estaduais. Como ouvi recentemente em Espanha, o Ombudsman existe para dar credibilidade às instituições democráticas. O facto de uma voz independente das tramas politicas, designada por amplo consenso parlamentar (no caso português), colocar à apreciação dos poderes públicos e dos cidadãos um conjunto de razões que, a seu ver, justificam a posição assumida pelo Estado ou, pelo contrário, instam à sua alteração, só contribui para a diminuição da conflitualidade sempre presente quando há que tomar decisões.

Sem querer apontar casos concretos, não será novidade a revelação da existência de entidades mais permeáveis à função eminentemente benéfica para a paz social do Provedor de Justiça. E, ainda no quadro do acatamento das suas Recomendações, não quero deixar de afirmar que o que é importante é o alcançar de objectivos, medida correcta da eficácia de uma actuação. Os meios propostos poderão não ser os melhores nem os que, sopesados outros critérios de apreciação constitucionalmente legitimados, se mostrarão possíveis. Importa, sim, que os fins que o Provedor de Justiça tem em vista, quais sejam a defesa da legalidade e da justiça da actuação dos poderes públicos, sejam alcançados. Nestes termos, pouca relevância atribuo ao eventual não acatamento literal das minhas recomendações. Tão logo haja um acatamento substancial ou, t\o mínimo, se a minha actuação tiver contribuído para alterar a perspectiva anterior dos órgãos decisórios, julgo que está bem. justificada a existência do Provedor de Justiça, órgão com provas dadas ao longo de séculos e em diversas experiências constitucionais, todas elas democráticas, e que em Portugal já alcançou, mercê da actividade dós meus ilustres antecessores que penso ter dignamente continuado, um papel importante e irreversível na árdua tarefa de todos os dias que é manter o Estado democrático ao serviço do Cidadão.

Intervenção do Provedor de Justiça na Homenagem ao Prof. Pessoa Vaz «A documentação da Prova, como garantia dos cidadãos perante a Administração da Justiça», Universidade Autónoma de Lisboa, 25 de Março de 1994.

Em 1961, o Prof. Cabral de Moneada, num estudo intitulado O Processo perante a filosofia do direito, fazendo a contraposição entre o processo civil no século xrx e no

século xx, vem a afirmar, de acordo com o Prof. Pessoa Vaz que expressamente cita, que é bem patente no então actual Código do Processo Civil, a influência do princípio do inquisitório, dando como disso exemplos, o estatuído no artigo 264, que tal como hoje prescreve o dever de verdade no processo civil (').

Se «a questão de dizer a verdade é uma das matérias mais discutidas na ciência processualística», como já em 1935 afirmou o Prof. Paulo Cunha (2), ela é ainda hoje fonte de alguma incerteza. Mas se essa incerteza alimenta ainda controvérsias doutrinais, ela é afastada pela nossa lei processual ao consagrar expressamente esse dever (3). Em obediência a esta ideia apontem-se entre outros os artigos 264, n.0* 2 e 3, que impõem às partes o dever da não articular factos contrários à verdade, e ao juiz o poder de realizar ou ordenar oficiosamente as diligências necessárias para o apuramento da mesma; o artigo 456.° ao considerar como litigante de má fé o que conscientemente tiver alterado a verdade dos factos e o artigo 559.°, n.° 1, ao explicitar quanto ao depoente o seu dever de ser fiel à verdade.

As considerações prévias que efectuámos acerca do dever de verdade no processo civil só aparentemente se encontram desligadas do tema que nos foi proposto. A documentação da prova, como garantia dos cidadãos perante a administração da justiça.. Porquanto, se não descobrimos a verdade que esperanças podemos alimentar que seja feita justiça?

Algumas questões necessitam de ser colocadas face ao tema que nos orienta.

Para que é que serve a prova? Para que é que serve a documentação da mesma? Mas estas questões não podem ser colocadas isoladas do próprio campo onde operam as matérias em questão. O próprio processo civil e o seu fim têm que servir como fios orientadores das respostas a dar às questões colocadas.

E não nos podemos refugiar em considerações dogmáticas e justificativas para tentar encontrar, ainda hoje, ideias que só dum ponto de vista histórico podem suscitar primazia no que aos fins e função do processo civil dizem respeito.

Como exemplo, aponte-se o Código de Processo Civil de Zurique que no seu § 142 II prevê que, excepcionalmente, o juiz possa ele mesmo, ordenar uma prova testemunhal oficiosamente, e isso segundo o referido parágrafo, para que a verdade se imponha. (4)

Não se desconhece a dificuldade prática da ideia atrás expendida, nem o tratamento doutrinal de sinal contrário que até há bem pouco tempo fazia eco entre nós. Sem cair no radicalismo de Binder que afirmava que «o processo e a sentença nada têm a ver com a verdade», recorde-se o ensinamento do Prof. Castro Mendes, quando em 1968, nos seus Limites objectivos do caso julgado em Processo Civil, afirmava «que a verdade não desempenha em processo civil um papel essencial, embora desempenhe um papel

(') «O processo perante a filosofia do direito», in B.F.D.U.C., suplemento n.°XV (1961), págs. 88-89. A referência ao Prof. Pessoa Vaz é feita para a sua obra Atendibilidade de Factos não Alegados.

(J) Simulação Processual e Caso Julgado, pág. 31.

(3) Em termos sumários, cfr. Fernando Luso Soares, A Responsabilidade Processual Civil, pág. 167 e segs., Elício de Cresci Sobrinho, Dever da Veracidade das Partes no Processo Civil, 1992.

(<) Walter J. Habscheid, «A função social do Processo Civil Moderno e o papel do juiz e das partes na Direcção e Instrução do Processo (Direitos Alemão e Suíço)», in Scientia luridica, 1992, n.OT 235/237, pág. 125.

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normal, preferencial e prototípico, a verdade — afirmava — é uma razão de justifícabilidade, mas ao lado de outras, a vontade das partes designadamente» (3)- Não se pense mal, contudo, deste mestre do processo civil. É que embora não comungando da ideia da subordinação do processo civil à verdade, pelo menos nos termos atrás referenciados, o Prof. Castro Mendes, já em 1961 na sua dissertação de doutoramento afirmava que o conceito da verdade formal deveria ser banido da ciência jurídica (6), e isto para que não fosse admitida uma realidade que verdade podia não ser.

Remate-se com as palavras do Prof. Barbosa de Magalhães que, já em 1940, informava que «o juiz moderno tem de empregar todos os esforços para chegar ao apuramento da verdade. Mas não é da verdade aparente, da verdade formal, de qualquer verdade — é da verdade real, da verdade verdadeira— da pura verdade, como diz o povo» (7).

Ao trazermos à colação o dever de verdade no processo civil, não podemos esquecer a dificuldade de entendimento deste conceito. Qualquer relato dos factos (seja oral ou escrito) implica da parte do emissor sobre o receptor uma «pessoalização» desse relato (foi intencionalmente que não se utilizou a expressão «subjectivação» do relato). Mas é este algo de subjectivo que não se pode aceitar. Como Karl Popper, diremos que «uma afirmação» é verdadeira «quando está de acordo com os factos, quando corresponde aos factos, ou quando as coisas são tal como a afirmação as exprime. É esta noção de verdade dita absoluta ou objectiva que todos nós usamos constantemente» (8). Há aqui a ideia de teoria da correspondência, que teve o seu primeiro defensor em Aristóteles. Wittgenstein afirma que o significado do discurso depende da Comunidade que o emite e da comunidade a quem é comunicada.

Não é nossa intenção problematizar ou realizar uma análise filosófica do conceito de verdade. Mas não podemos esquecer que a sua evolução é bastante complexa, quer de autor para autor, quer na própria linha evolutiva do pensamento de cada autor. C)

Aristóteles, São Tomás de Aquino, Kant, Heidegger, todos eles se debruçaram sobre o conceito da verdade. Tarski e a sua teoria romântica, o grupo subjecüvista onde se encontram autores como Habermas e Karl-Otto Apel, a perspectiva pragmática de Peirce, a teoria funcional-siste-mática da verdade de Luhmann, ou a teoria de Foucault segundo a qual o problema já não se deve colocar ao nível da verdade mas sim ao nível da coerência do discurso. Toda esta evolução (e apenas citámos alguns de entre muitos que se debruçaram e debruçam sobre o tema) demonstra quão ampla tem sido a discussão acerca do que é a verdade e, consequentemente, demonstra bem a dificuldade em saber o que é a verdade. Mas se nos demorámos um pouco mais, do que seria de esperar, acerca desta matéria, isso deve-se a considerarmos de fulcral importância toda a evoluçãpjnje o conceito de verdade tem tido, nomeadamente a sua projecção no direito processual civil moderno, que não pode ser entendido como um

(5) Pág. 15.

(«) Do Conceito da Prova em Processo Civil, pág. 401.

Ç) Estudos sobre o Novo Código do Processo Civil, vol. I, 1940, pág. 306-307.

{*) Em Busca de um Mundo Melhor, pág. 81.

(>) Por todos o relatório apresentado em 1987 para professor associado de Filosofia Contemporftnea, «Verdade e Argumentação», de Manuel Maria Carrilho, in Verdade, Suspeita e Argumentação, págs. 29 a 80.

campo onde as partes manipulam a seu belo prazer, sem terem em conta outros interesses que não os próprios. O processo civil com toda a importância que tem e merece não pode estar sujeito a ser utilizado levianamente.

Princípios supra-partes têm de ser tidos em conta, sob pena de farsa, e de entre eles é de destacar o da verdade. Mas a verdade absoluta tal como apontada por Karl Popper, cujo conceito reabilitado constitui um dos resultados mais importantes da lógica moderna.

Todavia, se a verdade verdadeira não pode andar afastada do processo civil moderno, então os factos que às partes levam ao processo, têm de ser provados, ou seja, tem de ser demonstrado que aqueles factos são verdadeiros, que correspondem à realidade. Não é a realidade que está errada, mas sim os factos apontados pelas partes que não correspondem à realidade, tal como são imputados.

A palavra prova tem sido entendida com vários significados, mas independentemente da acepção que se tenha em vista, é ponto assente que a prova e os problemas com ela correlacionados se ligam estreitamente aos mais importantes problemas de fundo, já que é ela própria um meio necessário à realização do direito.

Logo no início da sua obra, Pour sortir du vingiième siècle, Edgar Morin conta-nos uma situação que viveu e que se resume a ter presenciado um acidente de automóvel, em que o veículo passando um sinal encarnado, derrubou um motociclista que atravessava tranquilamente o verde. Quando se acercou dos condutores para testemunhar a favor do motociclista, o automobilista disse-lhe que fora o motociclista quem passara com o sinal encarnado e fora chocar com ele. Admirado, Edgar Morin prossegue o relato escrevendo, «no tocante à cor do sinal verifico que já não estou tão seguro, mas no que diz. respeito ao choque bem vi o automóvel a embater no duas rodas. O automobilista mostra-me o seu guarda-lamas esquerdo ligeiramente amolgado pelo choque. Não há dúvida que foi ele o atingido. Aliás o motociclista não desmentiu». Estando certo que vira bem, pouco depois a prova material invalidara a sua visão. E isto porque a sua percepção se ordenara imediatamente em função de uma aparente racionalidade: o pequeno fora derrubado pelo grande. Mais adiante, e após ter compreendido o seu erro, afirma tratar-se de uma experiência vulgar verificar tais erros de percepção nas testemunhas de acidentes de automóveis. «Excepto em

casos absolutamente flagrantes, em que um automóvel atropela um peão na passagem de peões, as declarações variam de testemunha para testemunha, em função não só do ângulo de visão, da existência de um factor visível a um e invisível a outro, mas também da emoção e do sentimento. Estes exemplos aparentemente menores, re-conduzem-nos — conclui — ao grande 'problema do testemunho» (10).

Se há casos, como sucede nos procedimentos cautelares, em que a nossa lei não exige e prova dos factos, contentando-se com a probabilidade séria da sua existência, ou -seja, a verosimilhança; na generalidade dos casos o que é pedido é a prova dos factos, ou melhor, que no espírito do juiz se forme a convicção da realidade de determinado facto. Repare-se assim na subtileza que há a operar. A testemunha pode afirmar que viu X a conduzir o veículo, sendo sincera (não mentindo) a sua afirmação de facto, e provar-se que esta não corresponde à realidade dos factos, porque o depoente confundiu, por exemplo X com o irmão

(10) Trad. portuguesa intitulada As Grandes Questões do Nosso Tempo, págs. 13-14.

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gémeo deste. Em causa está sempre a correspondência objectiva da realidade com o facto, mais do que a questão da veracidade de afirmação de alguém relativa ao facto.

As concepções até há pouco dominantes no domínio dó direito probatório vieram perdendo validade, em virtude de factores que exercem influência sobre esse mesmo direito, e que levaram ao .declínio do sistema da prova legal, acompanhado, paralelamente, de uma maior valoração do sistema da prova livre. É que tão importante como promover o modo da realização de uma prova, é possibilitar a valoração da prova, tornando-a uma componente da actividade decisória do juiz. Como afirma o Prof. Miguel Teixeira de Sousa, no seu notável estudo sobre A Livre apreciação da prova em processo civil, «quanto maior for a latitude dos poderes instrutórios do juiz, maior é a possibilidade de aproximação da verdade judicial à verdade material» (' ')• Assim, o aumento da racionalidade, ou melhor, dos possíveis modelos de racionalidade para a

justificação da valoração da actividade probatória das partes faz aumentar a identidade entre os factos provados e os factos reais. No seu trabalho para professor agregado em Filosofia do Conhecimento, Fernando Gil resume a aporia fundadora da prova judiciária conforme ela se ordena primacialmente à argumentação ou ao testemunho empírico da seguinte forma: «a argumentação e, mais em geral, um princípio racionalista da prova decorrente das normas do comportamento presumíveis mais verosímeis, e o testemunho sensível, permanecem os dois fundamentos dos 'mecanismos' da prova. O critério moderno da íntima convicção do juiz visa de algum modo conciliá-los. Note-se que estamos exclusivamente no quadro da questio facti: trata-se de saber se, na fixação do próprio facto, conta mais a argumentação ou o testemunho empírico — por exemplo quando é porventura preciso escolher entre as declarações de alguém que afirma ter visto certa pessoa cometer um crime em certo lugar e momento e um argumento segundo o qual, tal pessoa não deveria esjar nesse lugar, ou estabelecendo que o crime prejudicaria gravemente essa mesma pessoa e que, portanto, ela não o devia ter cometido. Em linguagem científica, é o problema da base empírica, não o da explicação» (12).

Saber assim se a prova deve ser essencialmente argumentativa e demonstrativa, como se sustentou em certas épocas históricas, ou essencialmente lógica-racional como se tem sustentado noutras, tem prendido a atenção de inúmeros autores e enchido milhares de páginas.

Na antiguidade greco-romana foi grande a valorização da prova testemunhal, valorização essa que viria a ser recebida na Idade Média europeia. Aí se afuma a ideia de que nem todos os meios de prova oferecem a mesma segurança, que um observador directo é melhor que uma testemunha de ouvir dizer. A valorização da prova testemunhal acentuou-se muito no direito processual inglês, baseado no sistema da cross examination e na intervenção de um júri de leigos, a partir do século xin.

A partir do século xvi, os direitos continentais, vão começar a virar-se para a prova documental.

E chegamos aos nossos dias em que se admitem diversos meios de prova. No nosso direito positivo são admissíveis as provas por presunção, por confissão, por documentos, por peritos, por inspecção judicial e por testemunhas, vigorando entre nós um sistema moderado de livre apreciação da prova.

(") In Scientia Jurídica, 1984, XXXIII, pág. 129. (,J) Provas, 1986, ano 33, 1973, pág. 167 e segs.

O princípio da livre convicção na apreciação da prova, introduzido entre nós em 1926 e consagrado actualmente no artigo 655." do Código de Processo Civil, não possibilita a dispensa da motivação da decisão de facto, pois só esta permite apreciar convenientemente o alcance da livre convicção do juiz.

O artigo 653.°, n.°2, do C.P.C., obriga o tribunal a especificar os motivos que foram decisivos para a sua convicção, e o artigo 712.°, n.° 3, referindo-se à possibilidade da Relação exigir ao tribunal colectivo a fundamentação das respostas aos quesitos, afirma que o tribunal deve fazer menção pelo menos dos meios de prova em que fundou a sua decisão. Ora, este dever de motivação não pode reconduzir-se à mera indicação da fonte de informação sem especificar o conteúdo por ela transmitido, sob pena de não se assegurar a racionalidade da fundamentação. Aliás, sem existência de fundamentação como se asseguraria o controlo da racionalidade da própria decisão?

Se a prova for meramente documental ou estiver registada, ainda se poderá ceder neste dever de fundamentação, ao aceitar-se como suficiente a mera indicação para o meio concreto da prova.

Mas se o registo da prova produzida oralmente é, de acordo com os artigos 563.° e 564.° do C.P.C., a relativa à prova por confissão das partes, aplicável à prova testemunhal (artigo 639.°, n.° 1, do C.P.C.), então fácil será de concluir que exercendo-se a actividade probatória directamente perante o tribunal e dela, em princípio, nada ficando registado, então, dizíamos, quão importante é a fundamentação da decisão de facto, fundamentação essa que se exige como algo mais do que a simples remissão para o meio da prova, pois só assim se pode controlar a racionalidade da decisão tomada.

Se há meios de prova que pela sua natureza se encontram ab initio documentados, outros há, como a prova testemunhal, que, regra geral, após a sua produção em juízo não mais podem ser controlados. Crescem assim razões e adeptos para a documentação da prova, nomeadamente para o registo da prova oral hoje efectuada. Para o registo da prova fala-se num acelerar das audiências, num facilitar do recurso de apelação e na própria moralização da prova. Seja como for, o registo da prova como garantia do processo é o sistema adoptado em diversos países, permitindo aos Tribunais Superiores verificar quando há vício de convicção, fazendo baixar os processos aos tribunais inferiores.

Registe-se aqui, mais uma vez, a doutrina do Prof. Pessoa Vaz, quando em 1973 publicou a sua comunicação subordinada ao Tríplice ideal da justiça célere, económica e segura ao alcance do legislador processual moderno, em que se insurge contra a inexistência da garantia do segundo grau de jurisdição em matéria de facto (l3).

Na sua dissertação de doutoramento, publicada em 1976, o nosso homenageado, considera o juiz como principal responsável pelo resultado justo ou injusto e pela eficiência ou ineficiência prática das decisões judiciais; e bem assim «pela consecução das altas finalidades ético-sociais e político-jurídicas do processo modernq, que visam primordialmente o restabelecimento da ordem na justiça e a plena realização de uma autêntica pacificação social» (14). Mas o dever de motivação de sentenças, sobretudo em matéria

(») tn R.O.A.. ano 33. 1973. pág. 167 e segs. -

O4) Dos Poderes e Deveres do Juiz na Conciliação Judicial, pág. 83.

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de facto, de entre os vários deveres do juiz, conjugado com a deficiente regulamentação legislativa, a quase completa inobservância por parte da maioria dos juízes do nosso sistema de oralidade pura, introduzido entre nós pelo Decreto n.° 21 694, de 29 de Setembro de 1932, constitui uma das causas fundamentais da crise judiciária no nosso país, concluindo o Prof. Pessoa Vaz, que a nossa algo famosa legislação processual estava, em vários pontos fundamentais, em aberto contraste, com as mais importantes'legislações processuais e projectos legislativos de pendor oralista, em que directa ou indirectamente se inspirou o nosso movimento de reformas legislativas de 1926 a 1939 (1S).

Em Itália, em 1926, Camelutti, embora sem aludir expressamente à gravação, falava no artigo 119, II, do seu famoso Projecto na «anexação às actas das transcrições de estenogramas» e em geral «de tudo quanto sirva para integrar ou precisar os factos descritos nas actas», mas já antes algumas legislações consagravam expressamente a documentação da prova (16) e actualmente a linha da tendência é altamente significativa na imposição do registo da prova.

Em Portugal, foi a voz do Prof. Pessoa Vaz que, desde 1956, data em que apresentou um Relatório ao então Ministro da Justiça, e'até aos nossos dias, a principal referência no combate à falta de garantias judiciárias da nossa legislação processual, nomeadamente à ausência quase total do registo da prova oral. E em 1976, na sua dissertação sobre os Poderes e deveres do juiz na conciliação judicial, sintetiza as importantes vantagens do registo da prova (17). Por um lado, a importância do registo para efeitos da documentação da prova, de igual modo idêntica importância para efeitos de recurso e de motivação das decisões de facto. Mas as vantagens do registo da prova não ficam por aqui. Pode primeiramente contribuir para a depuração e a moralização da prova testemunhal, do depoimento de partes e até das declarações dos peritos, dando-lhes a consciência de que a veracidade das suas afirmações, ficando estas gravadas, podem ser apreciadas em momento ulterior, com base em outras provas, e em novas declarações contraditórias com as prestadas no tribunal.

Pode constituir um precioso elemento de apreciação, valoração e selecção da actividade dos juízes por parte dos inspectores judiciais.

Pode constituir, por último, um valioso instrumento pedagógico para o aperfeiçoamento e valorização da carreira judiciária e forense.

Tão importante é a documentação da prova no pensamento processual moderno, sobretudo para fins de motivação, que alguns autores'e legislações preconizam e preceituam abertamente que mesmo nos casos de processos não sujeitos ao recurso de apelação, continua a ter lugar a referida documentação. Referencie-se ainda que, nas palavras de Chiovenda, o recurso de apelação com documentação da prova e eventual renovação probatória em segunda instância é da própria essência do processo oral e imediato que caracteriza os sistemas processuais modernos.

O Prof. Pessoa Vaz, em estudo intitulado Da crise da justiça em Portugal. Os grandes paradoxos da Política Judiciária nos últimos cinquenta anos, dá-nos conta de um magistrado português que sugeriu em 1934 o uso do «registo mecânico» da prova e até da «filmagem sonora»

(is) Ibidem, pág. 89.

('*) Ibidem, págs. 99 e 100, onde nos é dada uma lista de legislação onde está consagrado o registo da prova (17) Ibidem, pág. 105.

das audiências. Ou seja, dez anos antes da gravação de som ser adoptada na Africa do Sul, catorze anos antes da Suécia e quarenta e dois anos antes da França, que só veio a adoptar a gravação de som e até o video-tape no Código de 1976 (artigo 174.°) ('«).

Nomeadamente na Alemanha, a jurisprudência do respectivo Tribunal Constitucional tem considerado de natureza constitucional a obrigatoriedade da documentação de toda a prova, sendo assim o dever de documentação da prova considerado como autêntico Direito Constitucional Aplicado. I

Que o combate empreendido por variados sectores ligados à Justiça contra a ausência da documentação da prova

tem vindo a alastrar, é prova evidente o proposto na actual reforma do Código de Processo Civil. Não será talvez a reformulação global do nosso sistema de oralidade, preconizado por vozes autorizadas como as de Pessoa Vaz, Figueiredo Dias e Rodrigues Bastos.

Mas, face aos artigos 442.°, 443.° e 511.° do Anteprojecto do Código do Processo Civil (>9), existe uma certa abertura para o registo da prova e o alargamento do controlo do duplo grau de jurisdição em matéria de facto.

No despacho n.° 12/92, de 27 de Janeiro de 1992, o Sr. Ministro da Justiça aponta como uma das linhas mestras para o novo Código do Processo Civil, «A maior intervenção das partes em matéria de comunicação dos actos e recolha de prova». Dos trabalhos resultou um documento intitulado, «Linhas orientadoras da nova legislação processual civil» que, no seu capítulo terceiro, estabelece que deve ser assegurado um efectivo segundo grau de jurisdição na apreciação das questões de facto, em articulação com o princípio do registo das audiências e da prova nelas produzida.

Fica assim assegurado — com o registo da prova — o recurso e a reapreciação da matéria de facto pela Relação (20). Estranha-se contudo a fraca referência que o assunto mereceu à Comissão de Cegislação da Ordem dos Advogados, quer sobre o Anteprojecto, (2I) quer sobre o Projecto (22) do Código de Processo Civil.

Não nos parece ser este o momento indicado para analisar com um certo grau de pormenor todas as modalidades técnicas possíveis de registo da prova. Cumpre no entanto apontar para os trabalhos preparatórios de revisão do Código de Processo Civil, nomeadamente as actas n.os 72 a 74 onde se dá conta dos diversos projectos apresentados no que à matéria do registo da prova diz respeito (23). Nomeadamente os projectos dos Conselheiros Campos Costa e Rodrigues Bastos, do desembargador Cardona Ferreira e do Dr. Carlos Mourisca. De todos estes projectos e dos debates que se lhes seguiram retira-se uma variedade possível de meios para o registo da prova, ou a redução a escrito de todos os depoimentos, ou a gravação dos mesmos, ou um resumo do depoimento ditado pelo juiz, que só é passado a escrito se houver recurso. Sistematicamente há que optar entre consagrar a matéria no próprio código, ou estabelecer o regime do registo da prova em diploma avulso.

Que a matéria não é pacífica é fácil de demonstrar, acrescendo a isto a complexidade da concatenação de

(*8) In ROA., 1986. 111, pág. 655.

(") Edição de 1988 do Ministério da Justiça.

(20) Consultar quer o despacho, quer o texto no suplemento ao Boletim da Ordem dos Advogados. n.° 2/93.

(21) In ROA, 1989-11. pág. 630-631. (2) In ROA.. 1990-111, pág. 729 e segs.

(*>) In B.MJ.. n.°394 (1990) e n" 39S (1990).

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várias matérias (princípio da imediação, da economia processual). Mas que a dificuldade e complexidade do tema não sirva de alibi, para se não defender e consagrar o registo da prova, em termos tais que tal possa consistir uma garantia dos cidadãos perante a administração da justiça.

No relatório do seu Projecto do Código de Processo Civil, de 1935, o Prof. Alberto dos Reis clamava que «é bom que a justiça seja pronta, mas é igualmente bom que a justiça seja justa».

Terminando, concluiremos com-Pessoa Vaz quando afirma que é necessário defender um dos maiores valores, porventura o maior, da Administração da Justiça do nosso tempo, o da «realização da Paz e da Segurança entre os indivíduos, de forma, simples, rápida e económica, mas

segundo um rigoroso critério de Verdade e de Justiça» í24).

Contributo do Provedor de Justiça para a obra «Independência e a Unidade da Judicatura», Abril de 1994

É com muito prazer que o Provedor de Justiça acede ao honroso convite formulado pelo Autor para exprimir nesta Obra a sua opinião sobre a «Independência e Unidade da Judicatura».

Apesar de o convite me ter sido dirigido de um ponto de vista institucional, não posso esquecer a minha qualidade de Magistrado, posto que em situação de licença, razão pela qual tentarei nestas breves linhas transmitir a perspectiva de alguém que, após experimentar a vida forense nas suas três carreiras mais significativas, se encontra neste momento a servir de mediador entre o Poder e o Cidadão.

Característica essencial do nosso Estado nos últimos 150 anos, a separação de poderes, quer entendida da forma mecanicista própria do oitocentismo de matriz francesa, quer da forma integrada e funcionalizada da doutrina moderna, tem constituído um poderoso instrumento de garantia dos direitos do cidadão face ao Poder, pela constituição de mecanismos internos de controlo.

A instituição judicial é hoje, como sempre foi, propugnada como o instrumento por eleição para a defesa dos direitos subjectivos e da legalidade. Se a forma de designação não era permeada pela mesma democraticidade que caracterizava os demais órgãos do poder, a sua estreita e estrita ligação à vontade democraticamente expressa em Lei permitia conciliar a independência necessária com a garantia do controlo eleitoral.

A visão do juiz como um aplicador mecânico da Lei, mero transmissor de mensagem sem ruído nem perda, não é compaginável com as correntes mais recentes na Teoria da Aplicação da Lei. O juiz, ao interpretar-aplicar determinado normativo, age segundo a sua percepção pessoal do que é o Direito (mas não, desejavelmente, segundo a sua intuição do que ele deveria ser). Isto explica as especiais cautelas que hodiernamente se têm com a formação dos magistrados. Em Portugal é de louvar a acção exercida nesse domínio pelo Centro de Estudos Judiciários, instituição dependente do Ministério da Justiça, sem que esse facto em nada diminua a sua valia.

Não podendo existir poder sem controlo, cada vez mais se tem debatido a forma de conciliar a independência dos juízes, com as suas garantias acessórias como a inamovibilidade, com a solução a dar à clássica interrogação de Juvenal «Quis custodes custodiei»,'evitando suspeições so-

(M) In R. O. A.. 1986-III. pág. 673.

bre a possibilidade, sempre presente, de governo de juízes ou sobre a bondade de actuações recentes da magistratura com influência determinante na evolução do sistema político.

As problematizações contemporâneas deste tema têm girado em torno do dilema criado pelo autogoverno e pela sujeição à Constituição e à lei.

Será que a alternativa possível é entre um neocorporati-vismo ou a dependência fatal e inexorável face aos demais órgãos do Estado? Parece-me uma falsa questão.

A existência de Conselhos Superiores de Magistratura como únicos órgãos com competência disciplinar sobre a judicatura parece ser um dado adquirido. Já a sua composição parece-me poder ser alvo de melhoramentos vários, no sentido de reafirmar e assegurar a legitimidade da sua actuação e no sentido de aproximar a comunidade judiciária da comunidade política, base da sua sustentação e razão da sua existência. A este propósito poderia ser útil encarar a possibilidade de introdução de elementos não juristas nos mencionados Conselhos.

A este propósito, coloca-se um problema essencial na determinação do grau de independências tribunais, mais gritante no modo como se antecipa e enquadra a função jurisdicional, qual seja o da legitimidade dos órgãos judiciais.

Numa primeira abordagem, não basta a existência de normas do género descrito para se afirmar uma legitimidade democrática. Quod nimis probat nihl probat.

É, então na existência de um controlo externo, assegurado por vias mediatamente provindas do voto popular, que estará a compatibilização da independência imprescindível com a sujeição, não menos imprescindível, ao único titular da soberania — o Povo. A meu ver, a solução está no alargamento dos Conselhos Superiores da Magistratura à designação por via da cooperação entre órgãos de soberania com legitimidade democrática e à sua abertura a titulares oriundos de estratos sócio-profissionais que não a própria magistratura.

Problema com grandes afinidades aqueloutro enunciado é o da unidade da organização judicial. Poderá a existência de várias ordens de jurisdição comprometer, talvez irremediavelmente, a possibilidade da manutenção da independência desejada? Julgo que não é assim.

A tradição portuguesa já com uma centena de anos, admite, sem quebra de qualidade, a existência de ordens jurisdicionais autónomas e bem distintas.

É o caso, hoje constitucionalmente imposto, dos Tribunais Administrativos que têm vindo a provar, à saciedade, não poderem ser considerados como braços jurisdicionais de facto da administração pública.

Opinião diferente tenho sobre os Tribunais Militares; admitindo, a custo, a necessidade, sequer a utilidade, da sua existência, a sua actual configuração legislativa e a sua prática impõem bastas reservas, maxime quanto à sua constitucionalidade.

Se quanto ao seu âmbito tenho dúvidas sobre a bondade da solução vigente, já no que toca. à forma orgânico-processual actual parecem-me existir traços justificativos de uma alteração urgente, seja por meios legislativos, seja por meios de outras natureza.

Não falo de recentes polémicas, quiçá injustas para as pessoas envolvidas, resultantes da errada e inconstitucional atribuição de competências não jurisdicionais a um órgão que a Constituição apenas quer que funcione como Tribunal.

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Refiro-me à circunstância de funcionarem como juizes e acusadores públicos cidadãos que exercem funções activas na Administração militar, com todo o respeito que tenho pelas pessoas em causa.

Por último e num ponto em que julgo estar em desacordo com o Autor, defendo a existência do Tribunal Constitucional como órgão com existência autónoma das várias ordens de jurisdição.

Tem-se polemizado bastante sobre a autoridade do Tribunal Constitucional ao assumir uma decisão jurisdicional, assente em critérios jurídicos «puros». Para além da improbabilidade de tal posição em termos genéricos, menor será a sua bondade numa área onde o jurídico se cruza com o político, como é a aplicação da Constituição.

Será decerto, impraticável defender a possibilidade de, em matérias que dizem respeito directamente à organização primária da comunidade, extrair critérios de decisão politicamente neutros, em termos valorativos. Muito pelo contrário, a força normativa da Constituição só ganhará se o seu órgão máximo de garantia contiver em si várias mundi-vências, possibilitadoras de, em conjunto, se arvorarem em representativas do sentimento democrático da comunidade política.

Pode-se discutir o actual sistema de designação dos juízes do "Tribunal Constitucional; pode-se traçar um quadro mais favorável no que toca às garantias de independência dos mesmos. Não parece viável nem procedente atacar-se o actual sistema «político», tentando substituí-lo por um sistema «jurídico» assente no Supremo Tribunal de Justiça. Em última análise estaríamos a substituir os critérios jurídico-políticos de alguns cidadãos pelos critérios de outros, com a agravante de nada garantir que estes últimos fossem mais conformes às concepções reinantes na Sociedade.

Com, aliás, se fez notar num recente colóquio comemorativo do 10." aniversário do nosso Tribunal Constitucional, os casos de Direito Comparado em que o órgão de cúpula da organização judicial é também o órgão máximo da justiça constitucional apontam para sistemas de designação próximos do português, sendo arredada qualquer ideia de carreira.

E, atentas as várias vertentes da questão, é a função de pacificação do todo social, tão própria aos tribunais, que exige a existência de um órgão jurisdicional especializado na aplicação da Constituição, com métodos de designação dos seus titulares que reflictam uma legitimidade democrática bastante próxima.

Não será despiciendo considerar nesta sede a influência que os meios de resolução de conflitos não contenciosos e não jurisdicionais têm num correcto uso dos Tribunais e numa exacta percepção da sua função.

Em primeiro lugar cite-se o grande contributo que pode dar, principalmente mas não só na área das relações dos particulares com a Administração, a existência de um corpo jurídico aperfeiçoado no campo do procedimento administrativo. Entendido este como processo de formação de decisão, uma boa actuação procedimental evita a formação ou perpetuação de conflitos, com a consequente menor solicitação aos tribunais, factor maximizador dos recursos existentes.

Esta influência pode reflectir-se no campo das relações entre os particulares. A minha experiência pessoal diz-me que, numa sociedade onde o Estado 6 omnipotente, a sua intervenção positiva acarreta, por reflexo, uma melhor definição das posições jurídicas dos particulares com a consequente diminuição da probabilidade de erupção de conflitos.

O recurso a soluções arbitrais, por vezes mais próximas da situação concreta, pode também contribuir para uma maior eficácia do Tribunal, reservando-o para a resolução de conflitos de magnitude e dignidade de um nível apropriado.

Last but not least, mal se perceberia que não aproveitasse a ocasião para marcar no leitor benévolo a bondade da instituição que ora corporizo, num sentido duplo de cooperação com os Tribunais.

Ao contrário de outras experiências europeias, o âmbito de intervenção do Ombudsman português não inclui a função jurisdicional do Estado, posicionando qualitativamente de forma diversa a actividade dos Tribunais e dos demais órgãos públicos.

Não se discutirá, nestas breves linhas, a bondade desta opção. Apenas direi que, face ao teor do artigo 20.°, n.° 1, alínea b), do actual Estatuto do Provedor de Justiça (Lei n.° 9/99, de 9 de Abril), o critério determinante da mesma não será decerto o do carácter de órgãos de soberania ou não dos órgãos sujeitos à intervenção do Provedor de Justiça. Se assim fosse não se compreenderia o poder de apreciar o exercício da função legislativa, emitindo as Recomendações que no caso cabiam. Trata-se, pois, de questão que poderá ser sempre reequacionada em futura revisão do Estatuto do Provedor de Justiça (já que parece desnecessária qualquer intervenção no normativo constitucional) , cabendo ao legislador um juízo de oportunidade e bondade políticas face ao sentimento predominante.

Trata-se, pois, de uma intervenção com carácter algo paliativo, com função meramente processual, sem deixar de, instrumentalmente, prosseguir materialidades subjacentes tão importantes como a própria ideia de Justiça, indesligável que é dos seus atributos da celeridade e oportunidade.

Outra vertente primária da actuação do Provedor de Justiça no sistema judicial processa-se a montante, isto é, na prevenção activa quer da conflituaüdade própria de um processo forense quer do estrangulamento causado aos nossos Tribunais pelo recurso indiscriminado e frequente à sua tutela.

Ao explicar ao cidadão as razões pelas quais não se vê fundamento na sua pretensão, tanto em termos de jure condito como de jure condendo, o Provedor de Justiça está a dissipar as contraposições aparentes de posição.

Ao conseguir a compreensão da administração para o caso concreto de um reclamante, o Provedor de Justiça está a resolver, de imediato, um caso que se poderia arrastar por anos num Tribunal, a braços com processos, quem sabe, de mais importância.

Ao conseguir uma alteração legislativa ou regulamentar, o Provedor de Justiça está a resolver uma infinidade de hipotéticas situações que poderiam vir a originar processos judiciais.

E, de todas estas maneiras, o Provedor de Justiça está, no seu modo específico de actuação, a contribuir para o bom exercício pelos Tribunais das funções qu.e constitucionalmente lhe estão cometidas.

Espero ter exprimido com a clareza suficiente o meu pensamento sobre estas matérias, formulando votos no sentido de que esta Obra contribua para estimular o debate, tão necessário e imprescindível em Democracia, de forma a fortalecer, cada vez mais, o sentimento de legitimidade dos órgãos judiciais.

É no aprofundamento dessa legitimidade e da sua interiorização por tofa a comunidade que reside a chave

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de uma verdadeira independência dos Tribunais, sujeitos que estão à vontade do Direito democraticamente fixado, mas livres de toda a influência ilegítima ou ilícita nos quadros desse mesmo Direito.

Estou certo que este livro, correspondendo aos generosos intentos do seu Autor, para tal contribuirá. Por isso e para isso, as minhas felicitações e encorajamento.

Intervenção do Provedor de Justiça no Colóquio «A Defesa do Cidadão face ao Poder», Auditório da Caixa Agrícola de Leiria, 5 de Abril de 1994.

A defesa do cidadão face ao poder é o título do colóquio sobre o qual me é pedido que me pronuncie.

O tema, como todos aqueles intrinsecamente ligados ao homem, é deveras aliciante. Mas, e há sempre um mas, como todos os temas que incidem sobre matérias fortes, há o risco do orador se perder dissertando sobre linhas gerais e princípios orientadores, não concretizando «algo» que seja de imediato mak perceptível e eficaz. É que quando o cidadão comum e anónimo fala em justiça, ele tem apenas em vista a justiça dó caso concreto, sem deveras se preocupar com os princípios norteadores de uma política de justiça.

Se não deve ser esta a linha de orientação de quem teve e tem por missão, dentro dos campos da justiça, algo mais do que a resolução casuística do problema, não nos devemos abstrair, contudo, dessa necessidade mais concreta e precisa do cidadão, que tem de ser satisfeita aquando da sua confrontação imediata com o poder.

Assim, na linha dos considerandos expostos, somos levados de imediato, mas sumariamente, a analisar as relações entre o cidadão e o poder, para em seguida centrarmos a nossa intervenção em algo de mais concreto.

Encontrando-se aqui presente na qualidade de Provedor de Justiça, lógica será a concretização, do tema geral do colóquio, por mim efectuada se centre sob a instituição que encabeço. Focarei pois a função e os poderes do Provedor de Justiça face à defesa dos direitos do cidadão.

Karl Popper, na nota introdutória à edição portuguesa da obra, O Poder — Uma Nova Análise Social, de Bertrand Russel, conta-nos a seguinte história. Por volta de 1989, um amigo de Karl Popper, perguntou-lhe qual era em sua opinião o melhor dos livros de Russel, não dedicados à matemática. Popper respondeu sem hesitação «Powen>. Isso é muito importante, disse-lhe o amigo. Fiz a mesma pergunta a Russel quando um dia viajámos juntos de táxi. Ele também respondeu, sem um momento de hesitação, que era «Power».

A explicação para essa coincidência de pontos de vista é muito simples. Por um lado o livro é objectivamente o melhor. Por outro lado, a matéria de que trata e deveras sedutora.

Com efeito, afirmar-se que os homens se regem pelo poder é, podemos dizê-lo, um lugar comum. E se não é inteiramente correcto o conteúdo de tal afirmação, não é por ser contrária à verdade, mas sim porque os homens, para além do poder, se regem por outros objectivos que acompanham aquele. O historiador alemão Fritz Stern na sua análise acerca da origem e ascensão do nazismo é extraordinariamente mordaz no seu veredicto, diz ele que a fome do poder enlouqueceu os Alemães, dos zés-ninguém como Hitler aos sábios como Heidegger.

Mas esta busca do poder e da glória tem de ser entendida e enquadrada nas diversas épocas e quadrantes da história. Daí o não ser hoje invulgar considerar a

evolução das sociedades demo-liberais, como a história de sucessivas tentativas de domesticação do poder através da lei e das instituições.

Aliás a obra de Russel atrás citada mais não é do que a apologia liberal da domesticação do poder, em que a busca do poder pelo poder se contrapõe a uma ética da realização individual.

Raif Dahrendorf vem desde uma das suas primeiras obras — Homo Sociologicus — a insistir na ideia de que não se deve confiar absolutamente na autoridade, porque dela se pode abusar horrivelmente.

O problema da domesticação do poder é um problema muito antigo. Já Confúncio nos contou a seguinte história:

Passando ao lado do monte Thai, Confúcio chegou ao pé de uma mulher que estava a chorar amargamente junto de uma sepultura. O mestre avançou rapidamente na direcção dela e interrogou-a. «O teu lamento», disse ele, «é o de alguém que sofreu penas». Ela retorquiu: «Assim é. Uma vez o pai do meu marido foi morto aqui por um tigre. O meu marido também foi morto e agora o meu filho morreu do mesmo modo.» O mestre disse: «Porque é què tu não deixas este lugar?» A resposta foi: «Aqui não há nenhum governo opressivo.»

Estamos assim face ao problema de garantir que o exercício do poder seja menos terrível do que os tigres.

M. Foucault, explicou muito bem no seu Vigiar e Punir (1976) as tecnologias de denominação que surgiram na época clássica e na Idade Moderna. Aí se relata como para as teorias absolutistas do Estado o seu objectivo não é legitimação dos direitos humanos, mas sim a fundamentação da concentração de toda a força nas mãos do soberano. A este compete erguer um aparelho centralizado da Administração Pública e favorecer um saber organizacional útil à Administração. O objecto desta nova necessidade do saber não é o cidadão com os seus direitos e deveres, mas o súbdito com o seu cargo e a sua vida.

M. Foucault utilizou a história passada para explicar o poder e as técnicas de dominação do mesmo. Não podemos nós esquecer aqueles autores que fazem a «história» futura e de entre os quais Orwell é o que mais se destaca. Ninguém como ele melhor «criou» a fundamentação e as técnicas de dominação do poder. Ninguém melhor do que ele assustou com o exercício do poder.

Sobre o que seja o poder, ou a dificuldade de dar contornos a esta noção, é algo que se afasta do objecto desta comunicação. Contudo é sintomática a dificuldade sentida por Maurice Duverger, ao analisar este conceito no seu estudo sobre a sociologia da política.

Mas se não é nossa finalidade o dissertar sobre o conceito de poder, há que tomar em linha de conta uma dada noção de poder, nem que seja em termos operativos, funcionais. É que a existência do poder não é em si mesmo algo de negativo, elé é até necessário. Se entendermos no conceito de poder o conjunto de poderes públicos e privados conjunto este mais vasto que o conceito do poder do Estado, que tem por finalidade, entre outras, o permitir o normal funcionamento da sociedade e a harmonia possível entre os seus membros; então aquando do desvio ou abuso desses fins coloca-se o problema do cidadão face ao poder. Mas não apenas na ultrapassagem a esse fins se coloca tal problema. Já antes na própria fundamentação do poder, e na legitimidade quer da existência quer do exercício desse mesmo poder se coloca tal questão.

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E mais concretamente dos meios disponíveis ao alcance dos cidadãos face ao abuso dos poderes existentes.

Qual é hoje, e em Portugal, a função e o papel do Provedor de Justiça? A esta questão responderei de seguida, não sem antes chamar aqui à colação a União Europeia de que Portugal é parte. Qual a função e o papel do Provedor de Justiça no espaço comunitário? É que se

a Europa é lambem a Europa dos cidadãos, estes devem

de igual modo, para além dos territórios nacionais de

origem, merecer o mesmo respeito e consequentemente

disporem de um leque de meios para fazer face aos poderes institucionais da Europa Comunitária. Mas deixemos esta ideia a florescer e voltemos ao espaço nacional.

Os direitos dos cidadãos, ou melhor a sua defesa tem de constituir uma parte integrante e integrada da ordem constitucional global. E se há actualmente meios de defesa modernos, onde se destacam os meios de comunicação social, a opinião pública e o próprio Provedor de Justiça, há igualmente que contar que os cidadãos têm hoje novos direitos (ex.: direito à protecção de dados pessoais) que necessitam de defesa, e mais importante face à sua estrutura, de novos meios de defesa. A tudo isto a actuação do Provedor de Justiça não pode ser alheia.

Deixo agora estas linhas gerais, para em seguida concretizar o tema que nos traz aqui falando da instituição que represento.

Foi na Suécia que foi criado em 1809, o Provedor de Justiça, sob a denominação de Ombudsman.

Com efeito, esta data assinalável marca o termo de um regime absolutista de concentração vertical e horizontal dos poderes na Coroa, à semelhança do que se passara por toda a Europa Continental.

A deposição do rei Gustavo TV fez então, surgir uma constituição largamente tributária de um princípio de controlo do poder parlamentar do Riksdag sobre o exercício do poder executivo. Até aqui, nada de original, porquanto a Europa era surpreendida, na mesma época, pelos alvores do movimento constitucionalista liberal, irradiado pelos autores iluministas e veiculado pelos exércitos de Napoleão.

Ao fenómeno sueco também não terá sido estranho o reformismo inglês da Glorious Revolution, nessa altura já centenário mas cuja importância na cultura política da Europa do Norte é cada vez mais acentuada pela historiografia contemporânea.

O que verdadeiramente de original houve na Revolução Sueca, foi sim a criação de um comissário parlamentar tão independente da Coroa, do Governo e dos Tribunais, quanto do próprio órgão que o designara.

Chamaram-lhe Ombudsman. Não lhe foram reconhecidas quaisquer competências dispositivas, mas foram-lhe garantidos meios adequados de fiscalização e de investigação a partir de queixas dos cidadãos apresentadas aos Deputados. Este comissário coexistia com um outro, designado pela Coroa, a quem competia exclusivamente controlar a actuação dos Ministros e seus directos dependentes.

Aquele órgão legitimava-se, como tal, não somente pela origem da sua nomeação, mas também pelo exercício das suas funções. Historicamente, encontravam-se assinalados os traços caracterizadores deste tipo de órgãos: a independência e imparcialidade, os poderes de fiscalização e a ausência de poderes de decisão imediata.

Durante quase cento e cinquenta anos, o comissário parlamentar sueco foi um motivo exclusivo de justo orgulho para o seu país. Melhot se compreenderá que a designação

de Ombudsman tenha acompanhado a sua internacionalização, iniciada pela Dinamarca em 1955.

Nos últimos trinta anos, um pouco por todo o lado, foram instituídos órgãos com aquelas características e o paradigma sueco, em lugar de ser simplesmente importado por outras culturas jurídicas, desempenhou, ao invés, um modelo, um modelo de referência.

Por isSO, â própria denominação é tão variada quanto o ilustram os variados exemplos que desde «Ombudsmen regionais», a «Ombudsmen nacionais», passando pelo mais recente— aquele que resulta do Artigo 138.°-E, do Tratado da União Europeia. Em Espanha recebeu o nome de Defensor dei Pueblo, em França, Médiateur de la Republique, em Itália o Difensore Cívico, a nível apenas regional, em Inglaterra, o Parliamentary Commissioner, no Quebeque, o Protécteur des Citoyens e na Venezuela, o Fiscal General. Muitas outras ilustrações poderiam ser encontradas em Israel, nos Países Baixos, na Áustria, na Zâmbia, na índia, na Austrália, em Hong-Kong ou na Papua-Nova Guiné. *

A par destes Ombudsmen deve ainda salientar-se o papel desempenhado pelas Comissões Parlamentares de Petições, as quais em países como a Alemanha, onde ainda falta um

Provedor nacional, estendem a sua actuação até bem perto do modelo do Ombudsman.

São frequentemente agrupados em várias famílias, partindo sempre, contudo, dos pressupostos comuns que enunciei: o modelo escandinavo, caracterizado especificamente pela possibilidade de intervenção junto do poder judicial (modelo do qual, curiosamente, não faz parte a Dinamarca);'o modelo francófono cuja especificidade reside na designação presidencial; o modelo anglo-saxónico dos países da Commonwealth, vocacionado quase estritamente para as questões procedimentais administrativas, em especial, para o acesso a documentos de conhecimento reservado; o modelo difuso, apanágio dos Estados com opção federal óu vincadamente regional, como sejam os casos alemão, norte-americano e italiano, onde, grosso modo, tão só existem Ombudsmen locais, regionais ou federados; e aquele a que me atreveria a chamar modelo ibérico, por nele figurarem poderes muito relevantes de iniciativa de fiscalização da constitucionalidade.

De facto, creio que sem excepção, não encontramos nenhum Ombudsman cujo conteúdo funcional, procedimento adoptado e âmbito de actuação, correspondam, em absoluto, ao de outro. Permitam-me que por mais uma vez regresse ao exemplo da Suécia para vos dar conta de um aspecto que julgo ímpar. O Ombudsman sueco encontra-se impedido de fiscalizar a actuação do Governo, colegialmente ou através dos seus Ministros.

Isto porque é entendido ser vedado ao Governo, bem como aliás ao Parlamento, estipular como deve a Administração decidir em situações individuais e concretas. Como por certo, reconhecerão, tal limite pareceria impensável nos modelos administrativos historicamente centralizados de tipo francês ou mesmo nos sistemas de raiz anglo-saxónica.

Expostas previamente estas ideias quanto à situação do Ombudsman no espaço e no tempo, gostaria de me deter um pouco mais sobre Portugal e o Provedor de Justiça.

Consagrado constitucionalmente em 1976, o Provedor de Justiça remonta na sua criação, a 1975. Completa em 1994, pois, dezanove anos.

O facto de se encontrar consagrado no artigo 23.° da Constituição (Título II, Capítulo I), confere-lhe uma pro-

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tecção acrescida, porquanto beneficia assim do regime específico dos direitos, liberdades e garantias, quer no tocante às restrições a este direito (sujeitas ao crivo estreito do artigo 18.°, n.os 2 e 3), quer no respeitante aos limites materiais de revisão constitucional [artigo 288.°, alínea d)}.

Do texto constitucional resulta, desde logo, o carácter universal do direito de apresentar queixas ao Provedor de Justiça. Apesar de o artigo 23.°, n.° 1, se reportar apenas aos cidadãos, o artigo 15.°, n.° 1, estende aquele direito aos estrangeiros e apátridas que se encontrem ou residam em Portugal e, por seu turno, o artigo 12.°, n.°2, permite às pessoas colectivas recorrer ao Provedor de Justiça, já que se trata de um direito inquestionavelmente compatível com a sua natureza. Refira-se ainda que o direito de queixa pode ser exercido colectivamente, mesmo por grupos não dotados de personalidade jurídica, e, por outro lado, não é aferido por quaisquer pressupostos de legitimidade . procedimental, tal como resulta expressamente do Estatuto aprovado pela Lei n.°9/91, de 9 de Abril.

Este Estatuto, cuja aprovação é da competência exclusiva da Assembleia da República, sucedeu à primeira versão, constante da Lei n.° 81/77.

Nele se dispõe que o Provedor de Justiça possa actuar também por iniciativa própria (artigo 24.°, n.° 1).

Naturalmente, esta disposição não faria sentido se consagrada enquanto direito fundamental, na Constituição, embora, nem por isso, deixe de ser preciosa. Ainda há pouco tempo, um conjunto de actuações dirigidas aos reitores universitários quanto às provas de acesso ao ensino superior, partiu de uma notícia relatada por um jornal. Só posteriormente chegaram as largas dezenas de queixas, o que não impediu que agisse rapidamente. A celeridade teve neste caso, como em tantos outros, a vantagem da eficácia.

Outro corolário do princípio da iniciativa própria é o da não vinculação ao objecto da queixa. O Provedor de Justiça não tem de cingir-se aos factos descritos nas queixas recebidas e pode recomendar ultra vel extra petitum.

Com o propósito de sistematizar, concluiu-se que o Provedor de Justiça pode actuar a partir de queixas, reclamações, simples exposições ou oficiosamente.

Refira-se, ainda, outro pressuposto de actuação — pouco frequente, de resto — que é o da transmissão de queixas pela Assembleia da República.

Em todo o caso, salvo em situações de arquivamento liminar das queixas por falta de competência ou por manifestamente serem desprovidas de fundamento, inicia-se a instrução dos processos.

Quando não me é conferida directamente ou a um dos dois provedores-adjuntos, caberá a um dos cerca de vinte e cinco assessores da Provedoria, coordenados em cinco áreas distintas, mas comunicantes: 1." Assuntos Constitucionais, Urbanismo, Ambiente e Cultura; 2.* Assuntos Financeiros e Laborais; 3.* Assuntos Sociais (Educação, Segurança Social, Menores, Saúde, Desporto); 4.* Organização Administrativa, bastante onerada pela profusão de reclamações subscritas por funcionários públicos contra o Novo Sistema Retributivo; 5." Assuntos Judiciários, Defesa e Segurança Interna..

A instrução é, tanto quanto possível, orientada por princípios de informalidade, não se sujeitando a nenhum dos diversos regimes de produção de prova.

Como limites da instrução encontram-se, naturalmente, os direitos fundamentais (a começar pela reserva de intimidade) e o sigilo protegido especialmente pela lei, ou seja, o segredo de Estado, o segredo de justiça e o segredo

profissional por razões estritamente deontológicas. De todo o modo, há-de procurar-se sempre o equilíbrio possível entre o dever de sigilo decorrente da lei (artigo 12.°, n.° 2, do Estatuto) e a não sujeição aos regimes processuais probatórios [artigo 21.°, n.° 1, alínea b)).

Por forma a habilitar a instrução dos seus processos, o Estatuto garante ao Provedor amplíssimos poderes de investigação, por meio de inspecções, exames, consultas a documentos, inquirições, pedidos de esclarecimento e tanto quanto o permitem as tipologias meramente exemplificativas dos artigos 21.°, 28.°, 29.° e 30."

Em correspectividade com este poderes encontra-se o dever de cooperação por parte dos «órgãos e agentes das entidades públicas, civis e militares» (artigo 29.°, n.° 1) e o dever de todos os cidadãos prestarem depoimento quando devidamente solicitados (artigo 30.°, n.° 1).

Em situações de absoluto e injustificado não cumprimento destes deveres, surge a incriminação como desobediência ou desobediência qualificada, consoante as situações ou os seus agentes (artigo 29.°, n.° 6, e artigo 30.°, n.° 3).

Em seguida, dedicarei alguma atenção aos resultados a que pode conduzir um processo iniciado na Provedoria de Justiça, não sem recordar, de novo, que o Provedor não tem quaisquer poderes dispositivos, no sentido de criar, revogar ou alterar uma norma, um acto da administração ou uma decisão judicial.

Longe de se revelar como um ponto fraco, vulnerabiliza-dor da minha actuação, considero ser este o traço diferenciador da actuação do Ombudsman no quadro dos órgãos do Estado. Ao Provedor as.siste o poder de influenciar o comportamento dos restantes poderes públicos, não pela razão da autoridade, não por qualquer privilégio de execução prévia, mas pela autoridade da razão, pelo privilégio do distanciamento em relação aos diversos interesses públicos que movem a actuação dos outros órgãos e serviços do Poder.

Ora, um Provedor de Justiça, segundo entendo, para alcançar êxito na sua missão principal — de prevenir e reparar injustiças perpetradas por acções ou omissões do Poder— não pode confiar apenas no bom sucesso das armas de persuasão, nas virtualidades da sua capacidade de exortar.

Não haja qualquer dúvidas quanto ao auxílio fundamental prestado ao Provedor peíos órgãos de comunicação social, não restem preconceitos quanto a juízos de oportunidade com vista a ser conseguido este ou aquele comportamento por parte da Administração. Todavia, o gládio de qualquer Ombudsman deve consistir numa argumentação de quem procura servir os mais nobres valores da justiça e, last but not least, uma considerável criatividade sempre renovada à luz da vastíssima heterogeneidade de problemas que diariamente lhe são expostos. Como afirma John Rawls, «a questão é a forma justa de responder à injustiça».

Assim, por excelência, a intervenção prototípica do Ombudsman é a Recomendação. Como se pode ler na Constituição, trata-se de dirigir «aos órgãos competentes as recomendações necessárias para prevenir e reparar injustiças».

As recomendações podem ser classificadas de acordo com vários critérios. O mais usual é o que faz separar as recomendações normativas e as recomendações não normativas. As primeiras visam alterar ou revogar normas contidas em actos legislativos ou regulamentares tidos por ' injustos ou, em muitos casos, a sua simples interpretação.

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Discutiu-se, em tempos idos, se assistiria ou não ao Provedor de Justiça propor textos legislativos, propulsionar procedimentos criadores de normas. Actualmente, no bom sentido, o Estatuto admite, sem equívocos, a faculdade de formular sugestões para a elaboração de nova legislação [artigo 20.°, n.° 1, alínea b)\.

O segundo tipo de recomendações tem a ver com situações individuais e concretas relativamente às quais se entende que os poderes públicos agiram à margem da lei ou, embora em conformidade com ela, praticaram actos iníquos. Nestes casos, o Provedor de Justiça procura convencer a Administração de que, por acção ou por omissão, violou a lei, motivando-a, por exemplo, à revogação de um acto ilegal, ou então, à sua revogação por razões que se prendem com o mérito. Este último ponto torna-se, por vezes, bastante difícil. Quando se encontra decorrido o prazo de revogação por ilegalidade e o acto não é afectado por vício gerador de nulidade, subsiste apenas a revogabilidade por razões de conveniência. Penetra-se, então, no campo da discricionaridade (até da discricionaridade técnica) e a argumentação jurídica, cede lugar às razões aduzidas por peritos das mais diversas áreas aos quais não me furto a recorrer. Não há razão alguma para que o Provedor de Justiça, quando esteja munido dos necessários instrumentos, fique condicionado pelas limitações inerentes ao recurso contencioso de mara anulação.

As recomendações que formulo, caso não venham a ser acatadas, impõem sempre, pelo menos, o cumprimento de um dever de fundamentação no prazo máximo de 60 dias (artigo 38.°, n" 2 e 3). Em frequentes ocasiões, esta fundamentação dá lugar a uma réplica e, em situações extremas, deve o Provedor de Justiça comunicar a situação ao Parlamento (artigo 38.°, n.° 5).

Como podem facilmente antever, o objecto das recomendações é extremamente variado.

A recomendação, disse-vos há pouco, é o procedimento típico da intervenção de um Ombudsman. No entanto, importa considerar soluções obtidas quer a montante, quer a jusante do acto de recomendação.

Com efeito, muitas vezes, a solução é alcançada no decurso da própria instrução — em alguns casos, a partir de um simples telefonema ou do envio de uma telecópia. Podemos considerar como tal, a actividade de conciliação ou de mediação, à qual o Estatuto se reporta quando vncumbe o Provedor de Justiça de «procurar, em colaboração com os órgãos e serviços competentes, as soluções mais adequadas à tutela dos interesses legítimos dos cidadãos e ao aperfeiçoamento das actividades administrativas» [artigo 21.°, n.° 1, alínea c)]. Por outro lado, sempre que possível, surgem actuações no domínio

preventivo. Durante o ano findo, dei instruções aos meus serviços para serem tomadas acções profilácticas quanto a situações de confronto físico que, nessa altura, envolveram as forças de segurança e manifestantes universitários por causa do pagamento de propinas.

Estas são, como referi, as intervenções situadas a montante da Recomendação.

Na outra margem, encontram-se as competências do Provedor de Justiça no âmbito do controlo jurisdicional da constitucionalidade e da legalidade. Como sabem, foi conferido ao Provedor de Justiça um largo poder de iniciativa junto do Tribunal Constitucional, com vista a x obter a declaração de inconstitucionalidade de normas íartigo 281.°, n.° 2, alínea d), da CRP] ou a verificação da omissão de medidas legislativas adequadas a desenvolver

certos preceitos constitucionais (artigo 283.°, n.° 1, CRP). Refira-se que a iniciativa na fiscalização por omissão é exclusiva do Provedor de Justiça, apenas partilhada com o Presidente da República. Tive oportu-nidade de, recentemente, largar mão deste poder, face à não concretização do direito de acção popular — muito mais generoso no artigo 53.°, n.° 3, do texto constitucional que nos preceitos do velho Código Administrativo de 1940.

O poder de iniciativa junto do Tribunal Constitucional ficou enriquecido, desde 1989, ao ser acrescido do domínio da violação das chamadas leis de valor reforçado por outros actos legislativos.

Estes poderes não encontram, algo paradoxalmente, um contraponto adequado na área do Contencioso Administrativo. Em sede de próxima revisão do Estatuto, eu próprio ou algum dos meus sucessores deverá bater-se, no mínimo, pela consagração de uma legitimação conferida ao Provedor no acesso à impugnação de normas regulamentares. Isto, porque acaba, muitas vezes, por se verificar uma duplicação de esforços juntamente com o Ministério Público, sem qualquer vantagem para a justiça Administrativa, nem para os cidadãos.

Outro poder conferido ao Provedor de Justiça é o fazer desencadear processos de impugnação contenciosa de cláusulas contratuais gerais tidas por contrárias à boa-fé. Com a multiplicação dos chamados contratos de adesão, as situações de clara menoridade de uma das partes têm-se multiplicado também — fundamentalmente, na sua utilização pelos serviços públicos de saúde, de comunicações e de fornecimento de água e energia. Esta possibilidade de intervenção em defesa dos consumidores e dos utentes de serviços públicos, não se encontra assinalada pelo Estatuto do Provedor, mas sim pelo regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, contido no Decreto-Lei n.° 446/85, de 25 de Outubro. Encontra eco, porém, na tutela dos interesses colectivos ou difusos, incumbida ao Provedor de Justiça pelo artigo 20.°, n.° 1, alínea e), do seu Estatuto.

Indicarei, por fim, um quinto conjunto de formas típicas de intervenção do órgão que hoje represento. Trata-se das participações de infracção criminais, disciplinares ou do domínio do ilícito de mera ordenação social. Nestes casos, a partir de factos indiciados na instrução de um processo, o Provedor de Justiça está vinculado a fazê-lo, de acordo com o disposto no artigo 35.°, n.° 1, do seu Estatuto.

Não ficaria completa, porém, a descrição do estatuto do Ombudsman português se não nos referisse ao seu âmbito de aplicação.

A Constituição, no seu artigo 23.°, n.° 1, refere-se genericamente e sem qualquer exclusão aos poderes públicos. Isto não significa, porém, que o Provedor de Justiça não possa estender a sua actividade a outro tipo de poderes, como seja o caso de especiais relações de autoridade entre sujeitos particulares ou entre estes e algumas instituições do chamado sector social e cooperativo. Na verdade, tenho vindo a defender reiteradamente o dever de actuação da Provedoria de Justiça em caso de ameaça ou de efectiva lesão de direitos, liberdades e garantias nas situações apontadas. Esta ideia vem, aliás, ao encontro do princípio segundo o qual esta categoria de direitos fundamentais se faz valer directamente, mesmo no seio de relações privadas. Daí tendo retirado uma proveitos intervenção no tocante à protecção de menores e de idosos mesmo contra poderes que não são, em rigor, poderes públicos, mas em que tudo se lhes assemelha.

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O Estatuto, quanto ao âmbito de intervenção, estabeleceu, por via do seu artigo 2.°, uma cláusula meramente exemplificativa onde se incluem as Administrações Central, Regional e Local, a par de formas variadas de Administração Pública Indirecta. A enumeração é tanto mais exemplificativa, quanto mais adiante, no artigo 20.° são referidas as recomendações legislativas.

Quanto aos Tribunais, embora estejam excluídos os poderes de investigação em tudo o que não seja matéria administrativa, importa obter o compromisso possível entre outras formas de intervenção e a preservação da estrita sujeição à lei por parte do poder judicial. Em caso algum, uma intervenção e a preservação da estrita sujeição à lei por parte do poder judicial. Em caso algum, uma intervenção do Provedor de Justiça ameaçará este pressuposto, muito menos o da independência, porquanto os seus actos nunca terão mais valor que o de simples recomendações. Reconheço tratar-se de uma questão em aberto, sobre a qual há que reflectir desapaixonadamente.

Desta descrição do Estatuto do Ombudsman português, cujos justos receios de fastídio causado na audiência me aconselharam à não exaustão, pode retirar-se uma bastante significativa vantagem adicional conferida ao cidadão quando recorre ao Provedor de Justiça.

É-lhe permiddo não ter de buscar consolo no velho brocardo latino dura lex sed lex. Decorre linearmente das atribuições e competências do Provedor de Justiça, como de resto deve decorrer do estatuto de qualquer Ombudsman, uma preocupação não apenas com a legalidade de um acto, não apenas com a sua licitude, mas também com a sua conformação a princípios e valores superiores, retirados em qualquer caso, do quadro axiológico constitucional. Se a injustiça de um acto ou de uma omissão radicar na lei cabe ao Ombudsman diligente prover pela alteração da regra que imponha essa omissão ou impeça um acto de conteúdo diverso. E, nessa tarefa, cabe-lhe insistir, reiterar as suas formulações e fazer responsabilizar os órgãos competentes.

Missão difícil, não sem os escolhos de um caminho tortuoso que o Ombudsman, pela experiência adquirida, deve saber enfrentar, dando voz ao cidadão e exercendo um verdadeiro poder moderador. Não o poder moderador entre os três poderes clássicos, apontado por Benjamin Constant, mas o poder moderador entre o cidadão e a prolixidade dè poderes públicos. É que, como já Erasmo de Roterdão afirmava, no seu Elogio da Loucura, reportando-se a alguns altos funcionários do seu tempo, estes se revelavam «sempre intransigentes quanto à recolha dos emolumentos e severos para quem ignora os direitos deles; mas tratandó-se de algum encargo, prudentemente o colocam nos ombros dos outros, e passam-no de mão para mão como se fosse uma bola».

Intervenção do Provedor de Justiça no Colóquio «A Descoberta»

O Segredo do Estado Gulbenkian, 21 de Maio de 1994

O título VUI do quinto livro das Ordenações Filipinas inicia-se com o epígrafe «Dos que abrem as cartas Del--Rey, ou da Rainha, ou de outras pessoas», e aí se diz que «Qualquer, que abrir a nossa Carta, assinada per Nós, em que se contenhão cousas de segredo, que specialmente pertenção à guarda de nossa pessoa, ou stado, ou'da Rainha, minha mulher, ou do Príncipe meu filho, ou à

guarda e defensão de nossos Reinos, e descobrir o segredo dellá, do que a nós poderia vir algum prejuízo, ou desserviço, mandamos que morra por isso».

Diferentes são as penas actualmente estatuídas para quem violar o segredo de Estado, e isto de acordo com a recente e actual lei do segredo de Estado — a Lei n.°6/ 94, de 7 de Abril.

Mas mais do que encetar uma interpretação da actual

lei, urge reflectir um pouco acerca do segredo de Estado e dos seus condicionantes.

Primeiro que tudo há que aferir da admissibilidade da categoria. Se a resposta for positiva haverá que enquadrar algumas formulações que tenham por âmbito a demarcação dos contornos da figura em causa.

Quem de entre os órgãos públicos deve ter competência para definir o âmbito do segredo de Estado? Em que circunstâncias deve terminar o segredo do Estado? Quais as matérias que a ele devem estar sujeitas, e em que situações?

São conhecidos da história, vários exemplos em que por uma forma ou outra, alguém com o objectivo do poder e do seu uso, tentou obter informações preciosas e de acesso restrito com o fim de utilizar essa mesma informação em seu benefício ou de terceiros.

Richelieu, protegido pelo segredo do rei, montou e usou uma verdadeira rede de informações. Com meios diferentes actuou Maria de Médicis, que com o seu grupo de beldades, se encarregou de obter, com as armas naturais, as informações de que necessitava a rainha regente.

É célebre a afirmação de Maquiavel quando por imperativo da moral de responsabilidade, e se tal fosse necessário, se deveria perder a alma para salvar o Estado.

Se o acesso e conhecimento de determinada informação e procedimentos é reservada a poucos, já a lealdade com o Estado é exigida a todos. Mas a lealdade necessita ela própria de ser enunciada, sob pena de em certas épocas históricas ou face a determinado tipo de Estado, ser confundida com submissão.

Nos Estados totalitários sempre se dispensou a previsão legal do segredo e isto em virtude da actuação totalmente discricionária da Administração.

A partir do momento em que quer o governo quer a Administração se encontram sujeitos ao princípio da legalidade, há que encontrar a legitimação e o modus operandi do segredo de Estado, para que este não justifique a não subordinação ao princípio da legalidade com inerentes violações aos direitos, liberdades e garantias fundamentais.

Acresce que a vigência do princípio da separação de poderes no actual Estado social de direito, entendido não como reflexo de um corte radical entre as matérias respeitantes aos mesmos, mas sim de concatenação e interdependência entre os diversos poderes; vive (ou sobrevive) com base no seu equilíbrio. É este equilíbrio, já de si precário, que é hoje em dia, face ao secretismo do executivo, posto em causa.

O Estado democrático actual reconhece como um' dos princípios em que assenta a sua permanente legitimidade, o da publicidade. Bem se compreende assim que quanto mais restritivo for o campo da actuação do Segredo do Estado, mais ampla será a regra. Oú seja a transparência, a publicidade.

As sessões da Assembleia da República são públicas, bem como públicas são as audiências dos Tribunais. As normas jurídicas necessitam de ser dadas a conhecer para terem eficácia. É reconhecido aos cidadãos a liberdade de expressão e o direito à informação.

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Está consagrado constitucionalmente o princípio da Administração Aberta, bem como normativamente consagrado se encontra o acesso dos cidadãos aos documentos

da Administração (Lei n.° 65/93, de 26 de Agosto).

Face a este quadro, o segredo de Estado, representa um limite ao princípio da publicidade dos actos oficiais, especialmente do direito de informação.

Se aquilo que se disse até ao momento não se encontrar errado, e pensamos que não, e porque o segredo de Estado restringe direitos, liberdades e garantias, as restrições que sejam impostas hão-de estar sujeitas à observância dos pressupostos materiais de legitimidade constitucional das leis restritivas.

Ao não se questionar (o que não implica que não seja questionável) a admissibilidade da categoria em causa, posição comum nos Estados democráticos mais avançados, toda a atenção incide agora sobre quem e como opera o segredo de Estado. E isto com o intuito de evitar que se caia, e utilizando as palavras de Gomes Canoülho e Vital

Moreira, numa arcana praxis.

A fim de facilitar a reflexão sobre a matéria, há que averiguar em termos comparativos a evolução e actual situação nalguns países que tem trabalhado o assunto em causa e de quem mais temos sofrido influências.

Na Grã-Bretanha o segredo de Estado foi acolhido no Official Secrets Acts (de 1911-1939), que na sua T secção nos apresenta cerca de 2000 diferentes ilícitos, abrangendo um vastíssimo número de situações em que é imposto o dever de sigilo a funcionários públicos e a terceiros quanto a factos, documentos e informações reservadas, segundo decisão do executivo, solução que só é socialmente suportável dada a ampla discricionaridade no exercício da acção penal.

Igualmente nos Estados Unidos da América, a matéria de classificação de documentos oficiais.é regulada por regulamentos do executivo, elaborados pelo Presidente. Só a partir da primeira guerra mundial existiu um sistema de classificação organizada, e nessa altura somente para os departamentos militares. A classificação foi alargada aos departamentos civis pelo Presidente Truman em 1951.

O actual regulamento data de 2 de Abril de 1982 e foi emitido pelo presidente Reagan. A matéria de segredo é classificada em três níveis: muito secreto, secreto e confidencial.

Em Itália a matéria acha-se regulamentada pela lei n.°80I de 24 de Outubro de 1977. De realçar que esta lei exclui no n.° 2 do seu artigo 12 do âmbito do segredo do Estado os factos respeitantes à subversão da ordem constitucional. A referida lei considera cobertos pelo segredo de Estado «os actos, documentos, informações, actividades e tudo aquilo cuja difusão seja susceptível de causar danos à integridade do Estado democrático, às relações ou acordos internacionais, à defesa das instituições previstas na Constituição como seu fundamento, ao livre exercício das funções dos órgãos constitucionais, à independência do Estado e à defesa militar do Estado».

Na Espanha, a Lei n.° 42/78, de 7 de Outubro, considera que podem ser declaradas matérias classificadas os «assuntos, actos, documentos e informações, dados e objectos cujo conhecimento por pessoas não autorizadas possa causar dano ou pôr em risco a segurança e a defesa do Estado».

A classificação comporta dois níveis — secreto e reservado — e compete exclusivamente ao Conselho de Ministros ou à Junta dos Chefes de Estado-Maior.

Em França, no plano administrativo, a matéria do segredo do Estado apresenta três níveis, sendo o primeiro apenas da competência do Primeiro-Ministro e os restantes da competencia dos Ministros.

Na Alemanha não existe regulamentação legal em matéria do segredo de Estado, admitindo a jurisprudência a legitimidade constitucional do privilégio que o Executivo tem de manter secretas certas actividades, do domínio da defesa e da segurança.

Cumpre agora, depois de visitados alguns países estrangeiros, precisar o enquadramento dogmático a que se encontra sujeito o segredo de Estado em Portugal.

Com a segunda revisão constitucional, operada em 1989, o texto constitucional passou a fazer referência expressa à figura do segredo de Estado.

A propósito da utilização da informática, o artigo 35.° da Constituição limitou o direito de os cidadãos tomarem conhecimento de dados constantes em ficheiros ou registos informáticos, e isto em virtude da lei sobre segredo de Estado e segredo de justiça.

O artigo 159.° da lei fundamental consignou que a faculdade de os deputados fazerem perguntas ao governo sobre quaisquer actos deste ou da Administração Pública, estava limitada pelo disposto na lei em matéria de segredo de Estado.

Em matéria de reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República, o artigo 168.°, n.° 1, alínea r), estatui que é da exclusiva competência deste órgão legislar sobre o regime dos serviços de informação e do segredo de Estado.

Em 1984 foi publicada a lei quadro do sistema de Informações da República Portuguesa (Lei n.° 30/84, de 5 de Setembro).

Esta lei foi depois complementada por outros diplomas legais de que se destacam o Decreto-Lei n.° 223/85, de 4 de Julho, que estabelece os princípios fundamentais a que deve obedecer a actividade dos serviços integrados no Sistema de Informações da República Portuguesa, e os decretos leis que estabelecem as orgânicas do Serviço de Informações Estratégicas da Defesa e do Serviço de Informações de Segurança. Há que apontar igualmente o diploma que reestruturou o Serviço de Informações Militares.

Por último, foi publicada no passado dia 7 de Abril a Lei do Segredo de Estado — Lei n.° 6/94.

A presente lei considera abrangidos pelo segredo de Estado os documentos e informações cujo conhecimento por pessoas não autorizadas é susceptível de pôr em risco ou de causar dano à independência nacional, à unidade e integridade do Estado e à sua segurança interna e externa.

O risco e o dano referidos decorrem de uma avaliação caso a caso, não resultando automaticamente da natureza das matérias a tratar.

A classificação das matérias como segredo de Estado é da competência do Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, do Primeiro-Ministro, dos Ministros e do Governador de Macau.

Refira-se que a presente Lei foi sujeita a um pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade formulado pelo Presidente da República, tendo-se o Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.° 458/93, pronunciado pela inconstitucionalidade da Lei na parte em que atribuía competência aos Presidentes dos Governos Regionais para classificarem as matérias como segredo de Estado.

Quer a classificação, quer a desclassificação têm de ser fundamentadas e o prazo máximo para a sua duração não pode exceder quatro anos.

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A observância do regime do segredo do Estado cabe à Assembleia da República, junto da qual funciona uma Comissão para a fiscalização do segredo de Estado, a quem cabe zelar pelo cumprimento da respectiva lei. A ela lhe compete apreciar as queixas que lhe sejam dirigidas sobre dificuldades ou recusa no acesso a documentos e registos 'classificados como segredo de Estado e sobre elas emitir parecer.

Refira-se como norma fundamental que o regime do segredo de Estado não é aplicável, quando para a realização dos mesmos fins forem suficientes formas menos estritas de reserva de acesso à informação.

Como complementares normativos aos diplomas legais invocados, são de destacar o artigo 343.° do Código Penal e o artigo 137.° do Código de Processo Penal. O primeiro versa sobre a violação do segredo de Estado, o segundo sobre a inquirição de testemunhas sobre factos, que constituem segredo de Estado.

A completar esta resenha, cumpre informar que ainda recentemente os nossos tribunais foram confrontados no denominado caso GAL — Grupos Antiterroristas de Libertação, com a invocação do segredo de Estado por parte de algumas testemunhas. Invocação essa, que conforme é do conhecimento público, causou inúmeras e variadas reacções, chegando mesmo a questionar-se a bondade da sua admissibilidade no referido caso.

Não se sabe se actualmente fará ainda grande sentido a dicotomia relações internas/relações internacionais, na repartição da incidência do segredo de Estado. É que em causa está o comportamento de um Estado em relação a algumas matérias com importância e reflexo na sua independência, unidade e segurança.

Não se desconhece contudo que foi ao nível das relações internacionais que maiores dificuldades se puseram à articulação do regime do segredo de Estado com os princípios norteadores de um Estado democrático.

A realização durante a primeira guerra mundial de um sem número de tratados secretos, levou a que no artigo 18 do Pacto da Sociedade das Nações se estabelecesse o seguinte:

Qualquer tratado ou compromisso internacional de qualquer membro da Liga deve ser imediatamente registado no Secretariado e deve, tão cedo quanto possível, ser por este publicado. Nenhum tratado ou compromisso internacional será obrigatório até ao registo.

Depois da segunda guerra mundial, de novo a Carta das Nações Unidas, no artigo 102, voltou a estabelecer a necessidade do registo e da publicidade, para evitar os tratados secretos, e a própria Assembleia Geral, em 14 de Dezembro de 1946, adoptou o regulamento complementar para tal efeito.

Tudo isto não invalida que a efectividade prática da referida intenção deixe muito a desejar. A todo o tempo se ouve falar de espionagem seja ela com fins de Estado, militares ou industriais.

A todo o momento os avançados serviços de informação das grandes potências recolhem preciosas informações que analisam e catalogam.. Muitas dessas informações são depois, pelos seus governos, classificadas de secretas.

No meio de toda esta azáfama, qual o papel que é destinado ao cidadão? A pergunta impõe-se já que o segredo

que o Estado estabelece não pode anular os direitos fundamentais dos cidadãos.

A Lei n.°9/91, que regulamenta o Estatuto do Provedor de Justiça, consagra no n.° 2 do seu artigo 12.°, que o dever de cooperação com o Provedor de Justiça cede face ao segredo de Estado. Ou seja, estamos face a um limite ao acesso de informação. Concretizando, um limite ao conhecimento. Um dos lugares comuns em todos os discursos sobre a democracia consiste em afirmar que esta é o governo do «poder visível», ou nas palavras de Norberto Bobbio o governo em público do poder público. Mas a palavra «público» tem dois sentidos, conforme se oponha a privado, ou a secreto, caso em que significa não algo relativo à causa pública ou ao Estado, mas aberto ou visível. Mas os dois sentidos não coincidem: um espectáculo público pode perfeitamente ser um negócio privado e vice-versa. Assim, em nada afecta o carácter público do poder de um soberano autocrático o facto de esse poder ser exercido em circunstâncias de segredo extremo. Um dos princípios fundamentais do Estado constitucional é o da publicidade, em que esta é a regra e o segredo a excepção. Uma excepção que não deve quebrar a validade da regra, uma vez que todas as medidas excepcionais só se justificam quando limitadas no tempo. Cite-se, exemplarmente, Michele Natale, o bispo de Vico, quando em plena Revolução Francesa escrevia no seu Catecismo Republicano que «Todas as obras dos governantes devem ser conhecidas do Povo Soberano, excepto alguma medida de segurança pública, que deverá igualmente ser conhecida depois de passado o perigo». Em 1962, Habermas, ao escrever sobre a transformação do Estado moderno, mostrou a gradual emergência daquilo a que chamava «a esfera privada do público» ou por outras palavras, a importância pública da esfera privada. Já antes dele, Kant, estabeleceu que a publicidade dos actos do poder representa o verdadeiro momento da viragem na transformação do Estado Moderno de Estado absoluto em Estado de direito.

Em toda a problemática que nos envolve, há dois fenómenos diversos, embora estritamente relacionados entre si: o fenómeno do poder oculto ou que se oculta e o fenómeno do poder que oculta, que se encontra escondido, O primeiro inclui o tema clássico do segredo do Estado; o segundo, o tema igualmente clássico da mentira lícita e útil, que remonta nada menos que a Platão.

Face ao exposto, fácil se torna concluir que a expressão segredo do Estado é de tal maneira abrangente que se torna difícil concretizá-la. Um exemplo pode ser dado através do sucedido na Checoslováquia, em Junho de 1968. O Parlamento votou a diminuição do número de segredos do Estado, passando o número de páginas do dossier a ser de 35 enquanto, antes, totalizava nada menos de 400.

O segredo do Estado, ao «esconden> temporariamente algumas matérias, deveria fazê-lo com o intuito de proteger e salvaguardar o Estado e a sociedade. Mas ao fazê-lo está a limitar o acesso à informação, limitando-se por fim, o próprio conhecimento.

A materialidade subjacente a um Estado social de direito, impõe a possibilidade de controlo de qualquer poder, nem que esse controlo seja efectuado por um grupo restrito de cidadãos. O que nunca pode é deixar de haver esse controle ainda que mínimo. É que o segredo de Estado não implica um Estado de segredo.

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Introdução escrita pelo Provedor de Justiça para apresentar a colectânea de textos resultantes da 4.' Mesa-Redonda de Ombudsmen Europeus.

Lisboa, em 16 e 17 de Junho de 1994

«O Provedor de Justiça» (Ombudsman) honra-se de ter colaborado com o Conselho da Europa na organização da 4." Mesa-Redonda de Ombudsmen Europeus. Tal resulta, em primeiro lugar, da confiança depositada em Portugal para a consecução do objectivo proposto e, em segundo lugar, da comparência de todas as Instituições congéneres (Israel incluído) representadas ao mais alto nível, assim como de delegados e presidentes do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, da Comissão Europeia dos Direitos do Homem, do Comité Director para os Direitos do Homem, do Comité dos Assuntos Jurídicos e dos Direitos do Homem da Assembleia Parlamentar e do Secretariado do Conselho da Europa. Foram também convidadas — e compareceram— outras personalidades, entre as quais o Alto Comissário contra a Corrupção e Ilegalidade Administrativa do território de Macau.

A Mesa-Redonda desdobrou-se em três temas (a protecção dos cidadãos enquanto «consumidores» dos serviços governamentais; o Ombudsman nos países da Europa central e oriental e a cooperação entre os Ombudsmen dos Estados membros e entre estes e o Conselho da Europa), todos eles objecto de participação interessada. De todas as intervenções escritas e orais se dá conta na presente publicação e na língua em que foram proferidas.

O primeiro tema constitui o núcleo essencial da tarefa dos Ombudsmen e daí o seu particular interesse. O segundo constituiu uma oportunidade excelente para o desenvolvimento da Instituição nos países que recentemente adoptaram o modelo político da democracia representativa. Finalmente, o terceiro abriu portas à cooperação indispensável com o prestigiado Conselho da Europa, ao mesmo tempo que uniu esforços entre os próprios Ombudsmen, tarefa indispensável na altura em que, criado o cargo de Provedor Europeu, se aguarda a sua próxima designação.

O Provedor de Justiça de Portugal agradece reconhecidamente a contribuição de todos e aproveita a oportunidade para destacar o Secretariado do Conselho da Europa nas pessoas dos seus quatro membros, designadamente M. Pierre-Henri Imbert e Mr. Giuseppe Guarneri (Secretário da Mesa-Redonda).

Discurso proferido pelo Provedor de Justiça na sessão solene de abertura da 4.* Mesa-Redonda dos Provedores Europeus.

Lisboa, 16 e 17 de Junho de 1994, Assembleia da República

As minhas primeiras palavras são para saudar, na pessoa de Sua Excelência o Presidente da Assembleia da República, a Instituição Parlamentar que bem se pode ter come protectora do Ombudsman tanto na origem histórica do instituto como no caloroso acolhimento que quis dar aos seus representantes europeus reunidos nesta 4.* Mesa--Redonda dos Ombudsmen Europeus.

Será despiciendo, nesta audiência, realçar demais os méritos que estas reuniões têm tido e, espera-se, continuarão a ter, a começar na presente realizada em Lisboa.

Para além da sempre útil troca de informação sobre a configuração normativa e sobre a experiência concreta da actuação de cada um dos nossos congéneres, estas reuniões

um palco ímpar na formação de um espírito do Ombudsman, impregnado e impregnando o espírito democrático e garantístico do Conselho da BUTOÇã, organização que não envelheceu com o passar dos anos, infungível no momento presente e que tem vindo a ganhar um realce extraordinário nos últimos cinco anos, fruto da evolução positiva do estado da Democracia representativa como o-Ombudsman que devemos a realização destas reuniões, incluindo o sempre necessário apoio logístico.

É a primeira vez que se realiza um encontro entre Ombudsmen em Portugal. E, sem desprimor para as regiões diversificadas que compõem a sua riqueza, um lugar adequado à concretização de um acontecimento que se espera digno, principalmente nos frutos, do quase bicenténio da Instituição que representamos é, sem dúvida, a nossa bela capital, a cidade branca que, além do mais, está a passar por sucessos importantes no campo da renovação cultural. Sem dúvida que o Ombudsman também é cultura e é de cultura democrática que pode partir o seu mais fecundo contributo para as nossas nações. Senhor Presidente da Câmara, obrigado pela hospitalidade lisboeta, estando certo que os participantes nesta Mesa-Redonda levarão consigo as melhores recordações da nossa cidade.

Como já referi, o Ombudsman na Europa está a viver uma idade dourada. Fruto de uma maior radicação na consciência colectiva dos povos afortunados com democracias consolidadas, tem sido a sua criação um. dos traços comuns às novas democracias emergentes na Europa Central e Oriental. Dois dos temas desta mesa redonda dirigem-se a esta problemática específica, quer no âmbito da criação de novos Ombudsmen como no apoio mútuo por contactos bilaterais ou multilaterais por intermediação do Conselho da Europa. O outro tema, encarando os cidadãos como consumidores de serviços governamentais, pode interessar a todos os Estados, na generalidade imersos na crise do Estado-Pro vidência de que é sintoma o descalabro previsível dos sistemas de Segurança Social.

Como a maioria dos presentes saberá, o Provedor de Justiça foi criado em Portugal no ano de 1975, ano conturbado que não permitiu qUe a sua actividade útil se iniciasse senão após a entrada em vigor da Constituição de 1976.

Nos dezoito anos de existência que perfez como Órgão do Estado dotado de consagração constitucional, o Provedor de Justiça tem funcionado com uma regular e discreta presença na vida da nossa comunidade. Com estilos de actuação bastante próprios à personalidade de cada titular do cargo, afinal virtualidade primeira desta Instituição marcada pela informalidade.

Nestas quase duas décadas o Provedor de Justiça tem

estado presente nos momentos em que os direitos dos cidadãos ou a ilegalidade e a justiça da actuação dos poderes públicos estiveram periclitantes ou abalados na opinião pública.

Quer ao emitir as recomendações que se impõem no caso, quer ao solicitar ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade de normas jurídicas ou a verificação da inconstitucionalidade por omissão, quer, pelo contrário, ao emitir posição contrária à pretensão do particular afectado, sempre devidamente fundamentada, o Provedor de Justiça contribui de forma eficaz para a diminuição da conflitualidade social, objectivo último de todos os meios de decisão e controle democráticos.

Aos espectadores atentos da vida nacional não .terá escapado esta actividade simultaneamente moderadora e catalisadora. Quer no processo dos hemofílicos contaminados pelo HIV, quer no caso do mau funciona-

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mento do serviço de hemodiálise do Hospital de Évora, quer nos múltiplos problemas causados por uma máquina fiscal manifestamente defeituosa, sempre o Provedor de Justiça tem marcado presença sugerindo o que lhe parece mais adequado à ultrapassagem da situação. Mdüvd frequente de intervenção tem sido a adaptação

da nossa Administração Pública ao novo Código de Procedimento Administrativo, particularmente no que toca às regras de procedimentos concursais e ao aparecimento de novas figuras de actuação do Estado, dotadas de um regime largo de Direito Privado.

Numa tentativa de maximizar a participação dos cidadãos na gestão da coisa pública, requeri há já alguns meses a verificação da inconstitucionalidade por omissão das medidas legislativas necessárias à exequibilidade da disposição constitucional que prevê latamente a acção popular.

Uma última palavra para a actividade do Provedor de Justiça junto dos órgãos de soberania que são os Tribunais. Limitado que está o seu âmbito de actuação pelo seu Estatuto legal, o Provedor de Justiça tem constantemente diligenciado junto dos Tribunais, geralmente através do Ministério Público, no sentido de se obviarem as grandes delongas que, infelizmente, caracterizam o actual funcionamento do sistema judiciário português. Ultimamente, e no seguimento de uma correcta interpretação do desiderato constitucional e legal tem o Provedor de Justiça entendido que, sempre no mais rigoroso respeito pela soberania dos Tribunais na nobre função de julgar, pode alargar a sua esfera de acção a toda a actuação dos tribunais não puramente jurisdicional. Como exemplo deste alargamento, cito uma Recomendação recentemente dirigida ao Conselho Superior da Magistratura, no sentido de obviar à designação rácica dos arguidos em editais, quando desnecessária para efeitos de identificação e num contexto de clara discriminação proibida pela Constituição e pela Declaração Universal dos Direitos do Homem, bem como pela respectiva Convenção Europeia.

Resta-me agradecer a presença de todos os participantes e convidados, bem como a todos os que possibilitarem esta realização.

Que os nossos trabalhos sejam profícuos, condição sine qua non do respeito que devem merecer os que nos constituíram seus mandatários: os cidadãos dos Estados e Nações da Europa.

Intervenção do Provedor de Justiça no Seminário sobre «Precarlzação do Emprego e suas conseqüências na Administração Pública»

Porto, 30 de Junho de 1994

Foi com muito prazer que acedi ao amável convite que o Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública quis dirigir ao Provedor de Justiça para exprimir alguns dos seus pontos de vista sobre a actual situação da Administração Pública portuguesa e a evolução recente das condições de prestação de serviço por parte dos seus funcionários, agentes e trabalhadores.

Se a existência de uma boa Administração Pública é um elemento essencial para o funcionamento do Estado Social de Direito que pretendemos ser, as formas de coordenação e integração do substracto humano que lhe dá forma e vida desempenham um papel insubstituível nos condicionalismos apertados que permitem aferir da bondade dessa Administração.

A existência de um forte espírito de equipa e a satisfação pessoal e profissional de cada um dos seus membros são factores primordiais no sucesso ou insucesso.

Entre nós, tradicionalmente, as vantagens do emprego público, à míngua da alta consideração que os servidores civis gozavam e gozam em países como a França ou o Reino Unido, estavam na certeza da percepção da remuneração e na estabilidade quase que indestrutível do vínculo laboral. Se o primeiro aspecto se mantém inalterado salvo situações gravíssimas do ponto de vista orçamental, quanto ao segundo tende cada vez mais a desaparecer, restando saber se tal é um benefício, um malefício ou, muito simplesmente, uma imposição" do devir social. Tentarei explicar as razões por que julgo compartilhar tal fenómeno das três características enunciadas.

A sociedade em que vivemos evoluiu bastante durante este século. No caso português basta atentar nos 20 anos de Democracia que ainda há pouco celebrámos para se verificar o alto nível das mudanças políticas, sociais, económicas e culturais que se desenrolaram. Acompanhando a evolução a nível mundial, estamos agora num momento de crise. Emprego esta expressão não no sentido comum, depreciativo e negativista, mas no seu sentido mais puro, eivado da etimologia que a faz remontar ao grego Krisis, como o instante da decisão. As sociedades contemporâneas não são as mesmas de há 20 anos. A revolução informacional que mais ou menos surdamente vem vindo a lavrar exige por parte do sistema económico uma resposta cabal. Ganham aqui relevo dois aspectos que, apesar de um pouco banalizados na linguagem corrente, se apresentam como certos e imprescindíveis.

Por um lado ganha relevo para a constituição de uma Administração moderna, hábil para responder aos desafios do nosso tempo, a capacidade de inovação.

Essa inovação passa por uma real vontade de educação e aprendizagem dos trabalhadores da Função Pública, desde o topo à base da hierarquia, com uma adaptação milimétrica às novas necessidades dos administrados, aumentando e adequando o nível de resposta. As novas tecnologias, possibilitadoras de ganhos apreciáveis de produtividade se bem orientadas, têm uma importância particular neste esforço de educação e adequação.

Por outro lado, o segundo aspecto a que me referia há pouco é o da existência ou não de um gigantismo na Administração Pública.

• Apesar de vozes sempre presentes quanto ao alerta para o sorvedouro de dinheiros públicos e o tentaculismo da Administração, as mais recentes estatísticas demonstram que o excesso de pessoal é relativo e não absoluto. Explicitando, parece ser de admitir que se o número total de funcionários e agentes não é excessivo, a máquina administrativa não está organizada da melhor forma, nomeadamente no que toca à distribuição dos recursos humanos. Há, pois, que proceder a trabalhos de reorganização, sendo inevitável a existência de instrumentos como o Q.E.I. ou a utilização dos meios de mobilidade legalmente previstos. Como meios de passagem de uma função para outra são incontornáveis, na actual ou noutra configuração legislativa. O que se tem que garantir sempre é a salvaguarda dos direitos e interesses dos trabalhadores visados, tomando-os em consideração e minimizando as repercussões negativas das mudanças que se mostrem imprescindíveis. Haverá decerto aspectos negativos mas não podemos tentar evitá-los causando outros maiores e bem mais graves.

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Estamos longe da sociedade do ócio profetizada há alguns anos, em que os seres humanos descansariam e gozariam os frutos do trabalho feito por máquinas. Parece que a sentença do Génesis continua a fazer-se cumprir: «No suor do teu rosto comerás o teu pão» (Gen., 1, 2, 19), a despeito do que o orgulho científico-tecnológico do Homem lhe quer fazer crer.

Pelo contrário tem-se assistido não só a grandes resistências à diminuição do horário de trabalho como, quando se aceita ou defende tal fenómeno, à generalização do part-time, com a inevitável redução do rendimento do trabalho e a concomitante necessidade de o trabalhador se desmultiplicar em vários postos de trabalho, única maneira ' de alcançar um rendimento mínimo de subsistência. Esta também é uma forma de precaridade laboral, não me parecendo ser a via mais correcta para ultrapassar as situações de desemprego. Não é recriando uma sociedade típica do liberalismo oitocentista que caminharemos para um estado de maior justiça social. A resposta a desafios tão prementes como actuais não passa pela desregulamentação selvagem, criando uma falsa sensação de igualdade e equilíbrio.

Há poucos dias um economista do Porto, escrevendo num jornal diário a propósito do Campeonato Mundial de Futebol, comparava a vida a um jogo, fazendo notar que ninguém espera que o árbitro apoie e proteja a equipa mais fraca, colocando em igualdade ambos os conjuntos. Tal sucesso, a acontecer, desvirtuaria, segundo o citado autor, a justiça e imparcialidade que se esperam como garantias de um jogo limpo, propiciador de um espectáculo admirável e digno.

Apesar da beleza literária e do rigor de tal discurso, a verdade é que tal concepção formal do princípio da igualdade, além de não permitida constitucionalmente, representaria um retrocesso formidável de 150 anos na evolução do tecido social, albergando sob a capa neoliberal do primado da vontade a existência de situações em que a formação dessa mesma vontade pela parte contratual mais fraca (leia-se, o trabalhador) estaria gravemente viciada. O Estado Social de Direito apareceu para condicionar e limitar a lei do mais forte nas relações interpessoais, colocando os cidadãos em posição real de igualdade. A vida, por mais artifícios que se utilizem, não é um jogo de futebol em que a parte mais forte, observadas regras mínimas, domina a mais fraca. O Estado-árbitro morreu quando a sociedade sentiu que a sua intervenção não devia ser regida pelo princípio do mínimo, cabo de esquadra e recebedor de impostos, mas pelo do óptimo, com a consagração de importantes atribuições de cariz económico e social.

Voltando ao tema que aqui nos traz hoje, duas vias são geralmente utilizadas no nosso país para a precarização do' vínculo de emprego público. Impedida qualquer fuga aos quadros típicos traçados pelo Decreto-Lei n.° 427/89, de 7 de Dezembro, impondo como meios de estabelecimento de relações pública de emprego a nomeação, o contrato administrativo de provimento e o contrato de trabalho a termo, a Administração tende a recorrer à celebração deste último tipo de contratos ou, mesmo quando a possibilidade do trabalho em causa possuir características de independência é remota, de prestação de serviços.

A celebração de contratos de avença ou tarefa em que a subordinação é mais do que evidente, sujeita os trabalhadores de facto (e também de jure, na medida em que é a realidade que é qualificada juridicamente e não um mero nomen iuris) a circunstancialismos para os quais

a maioria não está devidamente preparada, com importantes consequências a nível fiscal, de segurança social e

assistência na doença, bem como, inevitavelmente, na extrema precaridade da relação. O uso indiscriminado dos contratos a termo, instrumento em si muito positivo ao permitir a criação de postos de trabalho que, posto que efémeros, se destinam ou deviam destinar a realização de funções também efémeras, leva a uma situação de autêntica fraude à lei. Não beneficiando, muito pelo contrário, o trabalhador, ao impedir qualquer projecção de plano de vida senão ao mais curto prazo, a utilização de contratos a termo também não beneficia a Administração, ao impor uma rotatividade grande, com um ciclo de aproveitamento curto (três anos) que não permite um cabal aproveitamento das potencialidades do trabalhador com o entesouramento da experiência adquirida, preferindo a sempre ingente tarefa de formar incessantemente novos trabalhadores para as mesmas funções.

Outro aspecto do problema da precaridade da situação funcional dos empregados públicos está nas formas de mobilidade, quer interdepartamental, quer intergeográfica. Regulada genericamente pelo Decreto-Lei n.° 427/89 atrás citado, a transferência voluntária ou compulsiva, aceite ou não, de úm trabalhador para outro posto de trabalho pode ser, se bem aplicada e dotada das garantias necessárias, um instrumento de valorização pessoal e profissional ímpar, bem como, o que não é de menor importância, um meio de aumentar a eficácia e a rentabilidade da Administração Pública, com uma gestão óptima dos recursos estaduais, que o mesmo é dizer, de todos nós.

No entanto, quando a disciplina normativa desses instrumentos de mobilidade seja escassa ou defeituosa, bem como se não existirem meios adequados de controlo de eventuais abusos ou de má administração, á utilização desses instrumentos pode conduzir a casos por demais gravosos para os interesses dos trabalhadores envolvidos, sem um real incremento do interesse público em causa e, por vezes, em seu prejuízo também.

Refiro a este propósito um caso ocorrido em finais do ano passado com o destacamento compulsivo de médicos especialistas, assistentes eventuais, para hospitais mais carenciados. Se a intenção que motivava tal destacamento era, sem dúvida, nobre, ao procurar garantir a todos os portugueses o acesso à saúde, os meios eram, pelo menos, discutíveis. Os médicos em causa beneficiavam do regime criado pelo Decreto-Lei n.° 128/92, de 4 de Julho, ao abrigo do qual se encontravam numa posição mista e dúbia. Não eram funcionários, pois não tinham um lugar; sendo agentes administrativos, eram partes num contrato administrativo de provimento que se considerava válido até ao seu provimento num lugar e consequente integração na carreira médica. Esse contrato de provimento era, pois, tendencialmente perpétuo, caso o médico em causa nunca fosse opositor a um concurso ou alcançasse colocação. Para a sua colocação previam-se regras muito genéricas de destacamento, precisamente as que se quiseram ver aplicadas no caso descrito. Ora, com tais regras aliadas à não abertura de quaisquer concursos para preenchimento das vagas dos quadros hospitalares, esses médicos arriscavam-se a ser agentes administrativos toda a sua vida, sendo arbitrariamente colocados nos mais diversos locais do País, sem quaisquer garantias e com os inevitáveis reflexos na sua vida profissional, pessoal e familiar. Propôs-se, em recomendação que dirigi ao Senhor Ministro da Saúde de então, a abertura das vagas a concurso e a aplicação, por integração analógica, do regime do Decreto-

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Lei n.° 427/89, como meio de se evitar a inconstitucionalidade por violação do direito à segurança no emprego e de realização profissional, salvaguardados constitucionalmente. Após a remodelação ministerial o processo foi congelado e julgo que estão a ser tomadas medidas para

a abertura de concursos.

Num outro aspecto do problema aparece-nos o fenómeno tão discutido há cerca de dois anos dos «disponíveis».

Talvez seja surpresa para alguns mas este fenómeno da constituição e verificação de excedentes na Administração Publica nasce com a minha «cumplicidade», na medida em que era então Ministro da Justiça e da Reforma Administrativa. Tratou-se do Decreto-Lei n.° 167/82, de 10 de Maio, que, no seu artigo 2.°, n.° 1, previa a constituição de excedentes por via da medida de racionalização das estruturas e dos efectivos da administração central que conduzissem a situações de desocupação ou subutilização do pessoal.

Escassamente transposto para a prática, a questão foi reavivada pelo processo agitadd, quer socialmente, quer mesmo a nível do procedimento legislativo, com a pronúncia pela inconstitucionalidade feita pelo Tribunal Constitucional em relação a algumas normas do que, mais tarde, viria a ser o Decreto-Lei n.° 247/92, de 7 de Novembro.

Julgo que a actual situação, resultante da aplicação das suas normas, está bem menos conturbada do que se poderia pensar.

Parece-me que o problema não está tanto na aplicação concreta que tem sido feita da lei como, principalmente, das possibilidades que ela levanta e da porta aberta a desvios de poder. Nesse pressuposto, para além de uma tarefa formativa que a todos cabe, o papel do Provedor de Justiça será mais o de acudir a tais casos concretos de má aplicação da Lei, por qualquer arbitrariedade ou interpretação mais infeliz, sem deixar de ter em vista eventuais injustiças que nasçam de um extremo rigor que desvirtue o que se pretende ou devia pretender com este tipo de instrumentos legislativos.

Se como cidadão empenhado no desenvolvimento harmonioso da nossa sociedade me preocupo com estas questões, como Provedor de Justiça julgo ter particulares responsabilidades no seu acompanhamento e tentativa de resolução.

. Duranfe os dezoito anos de existência como Órgão do Estado dotado de consagração constitucional, o Provedor de Justiça tem funcionado com uma regular e discreta presença na vida da comunidade nacional. Consoante os estilos de actuação próprios da personalidade de cada titular do cargo, e já alguns foram, afinal uma das virtualidades primaciais deste Instituição marcada pela informalidade, assim se tem posicionado o Provedor de Justiça no palco das grandes questões da sociedade portuguesa, sem esquecer a resolução dos pequenos dramas individuais.

Nestas duas décadas o Provedor de Justiça tem estado presente em todos os momentos em que os direitos dos cidadãos ou a legalidade e a injustiça da actuação dos poderes públicos estiveram periclitantes ou abalados no crédito da opinião pública.

Quer ao emitir as recomendações que se impõem no caso, quer ao solicitar ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade de normas jurídicas ou a verificação da inconstitucionalidade por omissão, quer, pelo contrário, ao emitir posição contrária à pretensão do

particular afectado, sempre devidamente fundamentada, o Provedor de Justiça contribui de forma eficaz para a diminuição da conflitualidade social, objectivo último de todos os meios de decisão e controle democráticos.

Aos espectadores atentos da vida nacional não terá escapado esta actividade simultaneamente moderadora e catalisadora. Quer no processo dos hemofílicos contaminados pelo HTV, quer no caso do mau funcionamentos do serviço de hemodiálise do Hospital de Évora, quer nos múltiplos problemas causados por uma máquina fiscal manifestamente defeituosa, sempre o Provedor de Justiça tem marcado presença sugerindo o que lhe parece mais adequado à ultrapassagem da situação.

Não posso ocultar a minha perspectiva intervensora do Provedor de Justiça. Se, na frase consabida de Bruno Kreisky, que não perco oportunidade de citar, o Ombudsman é a única instituição estadual que pode ultrapassar as suas competências, a verdade é que há que proceder com cautela, não exagerando na extensividade da actuação, sob pena de se prejudicar a intensidade. Explicando melhor, se, face aos poderes meramente persuasórios do Ombudsman, não se apresenta como portadora de grandes riscos para os interesses públicos e privados uma intervenção sua fora do âmbito constitucional e legal de actuação, julgo que um excesso de intervenções nestes casos poderia corresponder a uma menor aceitabilidade da actuação do Provedor pelos destinatários das suas Recomendações, com uma consequente diminuição de eficácia.

Neste delicado equilíbrio que tenho de gerir não excluo, à partida, nenhuma possibilidade.

Nos acontecimentos recentes que se desenrolaram na Ponte 25 de Abril entendi não estarem reunidas as condições para intervir, nomeadamente face aos distúrbios da ordem pública que se verificaram e o consequente clima de violência e emotividade. Não deixo de lamentar o ferido grave que se verificou e mandei abrir um processo, de minha própria iniciativa, para verificação de eventuais responsabilidades das forças de segurança.

Órgão de defesa do cidadão e dos direitos fundamentais, o Provedor de Justiça não vê no seu âmbito de actuação limitado aos direitos, liberdades e garantias individuais, sequer a todo este tipo de posições jurídicas. O seu papel desempenha-se no quadro mais genérico traçado pela Constituição, abrangendo os direitos dos cidadãos enquanto participantes na comunidade política e enquanto trabalhadores. Alcança ainda, sem a menor dúvida, a vastíssima panóplia de direitos económicos, sociais e culturais consagrados pela Lei fundamental de 1976.

Já me referi ao autêntico poço de problemas que é a contratação a termo, quer no sector privado quer no público. Pelas razões atrás aduzidas penso que o recurso a tal instrumento deve possuir características marcadamente excepcionais, exigindo-se uma vigilância estadual particularmente atenta. Lamentavelmente a Administração Pública não tem sabido ou podido actuar da melhor forma quanto a este aspecto. Com recurso fácil a contratos de prestação de serviço in nomine, modo adequado para a extrema precarização do que não é mais do que trabalho subordinado, uma parte importante da actividade administrativa resulta do esforço de contratados a termo. Mais uma vez corro o risco de surpreender este auditório ao fazer saber que no próprio serviço que dirijo, a Provedoria de Justiça, existem situações de contratos a termo. Trata-se de um grupo de escrituráriás-dactilógrafas, contratadas pelo meu ilustre antecessor e das quais bem

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se pode dizer serem já imprescindíveis para o bom

funcionamento do serviço, sendo duvidoso que ainda se enquadrem num dos motivos que legalmente justificam o contrato a termo. A decisão acertada em termos de interesse público é a cessação da sua situação precária, aproveitando o Estado a grande experiência que essas trabalhadoras possuem, em termos de funcionamento de um serviço administrativo de características tão especiais como é a Provedoria de Justiça. Tudo tenho feito e continuarei a fazer para que se alcance a única solução que alia a justiça devida àquelas trabalhadoras com o interesse público.

Um aspecto em que julgo ser gritante a ausência de apoio social aos servidores públicos está na não previsão legal de qualquer prestação pecuniária para situações de desemprego involuntário de agentes administrativos ou, em casos muito específicos, até de funcionários públicos. A protecção legal actualmente existente abrange apenas os trabalhadores do sector privado, deixando em olvido os do sector público, talvez na infundada certeza antiga da quase perpetuidade do vínculo público. Hoje tal perpetuidade é a excepção, dado o elevado nível de servidores públicos que detêm apenas a qualificação de agentes administrativos. É uma situação geradora de chocantes desigualdades que, quero crer, radicam numa omissão não dolosa do legislador. No entanto, apesar de tal resultar de simples negligência, vou ter brevemente o ensejo de exercer pela segunda vez o poder que a Constituição, no seu artigo 283.°, n.° 1, me confere de requerer ao Tribunal Constitucional a verificação da inconstitucionalidade por omissão das medidas legislativas que dêem integral cumprimento ao comando ínsito no artigo 59.°, n.° 1, alínea e), da Constituição, protegendo em situações de desemprego os agentes administrativos. Esta medida, cujo resultado favorável, a surtir efeito, beneficiará principalmente os professores sem vínculo à função pública, será tomada nos próximos dias.

Termino, como é meu apanágio, com uma nota de optimismo incorrigível. Julgo que uma entidade positiva em relação ao Mundo é metade do necessária à sua mudança. Espero, pois, que a evolução das relações de trabalho, em particular as que giram em torno do exercício de funções públicas, conduzam sempre a um melhor aproveitamento dos recursos humanos e materiais disponíveis, com a maior e melhor prossecução do interesse público, sem que se esqueça o velho lugar-comum jurídico segundo o qual a salvaguarda dos interesses privados e vice-versa. Quanto melhor for aproveitado o potencial dos servidores públicos e mais respeitada for a sua dignidade enquanto pessoas e trabalhadores, tanto mais será cumprida a missão constitucionalmente cometida à Administração Pública, com benefício de todos nós portugueses.

Discurso do Provedor de Justiça na tomada de posse do Sr. Director de Serviços, Dr. Martins Galego, Provedoria de Justiça, 11 de Julho de 1994.

No início deste ano, no momento de posse do Sr. Se-cretário-Geral, enunciei as grandes tarefas de gestão, organização e execução dos serviços da Provedoria. Desde então, com um grupo muito restrito de dedicados colaboradores, sem a participação efectiva de qualquer director de serviços, sem a intermediação de chefias, (com excepção da secção de processos), o Sr. Secretário-Geral conseguiu num breve prazo fazer muito, corrigindo erros e suprindo vazios. Cito a título exemplificativo, o início de uma gestão, digna de tal qualificativo, o acompanha-

mento rigoroso da execução orçamental, a nova lécmca de

processamento de vencimentos, o planeamento do novo sistema informático, a disciplina de alguns sectores, o lançamento de concursos para pessoal, retirando ao Provedor o exercício de competências que nunca deveriam ter pertencido, Destaque-se ainda a organização da 4.' Mesa-Redonda dos Ombudsmen Europeus que, na opinião unânime dos mais de cem participantes, constituiu um êxito, tendo também em conta nunca a Provedoria ter tido a seu cargo realizações deste tipo. ' Ao Provedor compete a tarefa ingente da representação político-democrática dos cidadãos nas suas várias vertentes: evitar e corrigir os defeitos da Administração Pública, contribuir para o seu controlo, fomentar a melhoria do Direito, mediar conflitos sociais ou, em palavras mais precisas, fazer com que as linhas paralelas da realidade e da justiça se aproximem cada vez mais por força a alcançar a fusão das mesmas.

Se, em termos organizativos, se deve distinguir o órgão unipessoal do Ombudsman, incluído o meu Gabinete, e o serviço da Provedoria, nãose pode esquecer que o primeiro pouco poderá fazer sem o auxílio e colaboração efectiva deste. Para tanto, importa reconhecer constituir o Secretário-Geral o órgão de Gestão da" Provedoria com poderes de superintendência e coordenação de todos os serviços, de acordo com as orientações por mim definidas. E constituem serviços da Provedoria e Assessoria e a Direcção de Serviços de Apoio Técnico Administrativo e a Assessoria, estando esta sujeita ao Secretário-Geral apenas e obviamente no que toca aos aspectos administrativos.

Com a renovação operada no ano findo, verificou-se uma nítida e crescente melhoria do serviço da Assessoria, mercê do esforço e competência largamente demonstrados pelos Srs. Provedores-Adjuntos, Coordenadores e Assessores. Esta palavra de louvor não constitui mero dever de retórica, pois aí está á opinião pública todos os dias a manifestar-se nesse sentido, cumprindo-me salientar ainda o brilho que em alguns casos o trabalho da assessoria tem alcançado.

No entanto, é preciso que, no interior dos serviços, se viva um clima de concórdia e de respeito pelas competências de cada um. Neste aspecto, o entrelaçamento dos diversos serviços deve processar-se com normalidade, por forma fluída e sem' fricções internas que só desgostam as pessoas, provocando reflexos exteriores indesejáveis. Aqui, mais do que em qualquer outro sítio, o bom senso e a cortesia devem imperar.

O Sr. Dr. Martins Galego vem preencher um vazio que tem sido colmatado, como já disse, pelo esforço e dedicação do Sr. Secretário-Geral e dos funcionários administrativos. Atendendo ao seu curriculum e à circunstância de ter sido escolhido pelo seu imediato superior hierárquico, tudo indica que o novo rumo por mim traçado à Provedoria se vai robustecer significativamente, já que à Direcção que vai chefiar compete especialmente a recolha, tratamento e difusão de informação documental e técnica, a coordenação e tratamento do sistema informativo, a preparação e execução do orçamento, a execução das operações contabilístiscas, a orientação e fiscalização da tesouraria, a gestão e manutenção das instalações, equipamento e parque automóvel, o aprovisionamento de bens e a aquisição de serviços, a gestão dos recursos humanos e materiais, para além do apoio técnico e administrativo ao Provedor e seü Gabinete e à Provedoria dé Justiça. Tudo, como é bem de ver, sob a direcção oo

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Sr. Secretário-Geral, a quem compete, repito, a superintendência de todos os serviços exercida segundo a minha orientação. »

Estes são os traços fundamentais de como se deve reger a vida da Provedoria e não permitirei a sua alteração, até porque jurei pela minha honra desempenhar fielmente as minhas funções.

Espero que o espírito de equipa se continue a instalar nesta casa, deixando para trás o envolvimento em grupos ou facções. Convencido de que isto irl acontecer, voltemos ao trabalho sem limites para bem do cidadão e da sociedade.

Desejo-lhe pois, Sr. Dr. Martins Galego, as maiores felicidades e, para já, considere-se bem-vindo a esta casa.

Intervenção do Provedor de Justiça no Encontro Europeu dos Institutos Nacionais de Promoção e Protecção dos Direitos do Homem «A Luta contra o Racismo», Palais de l'Europe, Strasbourg, 7-8-9 Novembro de 1994.

Cette rencontre, malheureusement si nécessaire, touche à des aspects d'un problème qui, de façon quelque peu pressée et légère, nous avons tous pensé avoir banni de notre vieille Europe: le racisme et la xénophobie.

Après le grand holocauste de 1939/45, où, pour la dernière fois de façon assumée, le grand esprit d'intolérance s'était manifesté, on avait cru possible l'éradication de la maladie qui, pendant des siècles, des millénaires peut être, a ravagé ce continent. La réussite d'une plus grande intégration politique et économique avec la formation de grandes organisations à vocation universelle, et d'organiza-tions régionales, comme l'Union Européenne, a permis, par instants, la douce illusion de l'avenir d'une ère nouvelle dans les relations entre les États et les individus. La crispation alors existante, basée sur des critères supposément idéologiques, dévalorisait en absolu tous les éléments de racisme ou xénophobie qui pourraient se manifester ou subsister en cachette.

Après l'exaltation de l'État, du Chef ou de la Nation, dominante entre les années vingt et la fin de la deuxième Guerre Mondiale, l'évolution politique planétaire, pointait dans le sens d'une autre division: au point de vue politique, la liberté contre l'autoritarisme; au point de vue économique, le socialisme contre le capitalisme.

La chute des régimes dictatoriaux dans l'Europe Centrale et de l'Est a coïncidé avec la rennaissance de mouvements qui font appel à l'idéal de Nation, et avec la recrudescence de manifestations xénophobes associées a cette rennaissance et sur elle basées. Le mal n'est pas dans le recours au concept de nation ou de patrie; le mal est dans l'abus de ces concepts pour passer, sans plus, de l'inclusion («il est patriote celui qui se sens comme tel»), à l'exclusion («il ne mérite pas de convivre avec nous celui que nous n'acceptons pas comme patriote»). On ne doit donc pas blâmer les divers nationalismes et mouvements institutionalisés qui se proposent de renforcer l'idée de patrie comme communauté. Je dirais même que je ne me sens pas heurté par la persistance de l'idée de l'État/Nation. Nous devons seulement éviter qu'un tel renfort de l'idée de Nauon ne se traduise pas dans la création d'espaces d'exclusion pour ceux qui ne se sentent pas liés à cette idée de Nation, ou même à l'entité politique qui comprend (exclusivement où pas) cette Nation. Il me semble que la xénophobie est plus importante que le racisme parce qu'elle comprend celui-ci et le dépasse. En effet, la xénophobie outre les bases raciales qui peuvent la fonder, représente la peur ancestrale de l'Autre, l'éternelle négation

de la relation pacifique comme racine des finalités de l'existence humaine.

Donc, plutôt que de peintre la réalitée à noir et blanc, on doit regarder la pluralité de relations d'exclusion basées sur l'appartenance à un autre groupe national, social, religieux ou ethnique. Des manifestations xénophobes, nous en retrouvons au dedans de la même «race»: l'Afrique est pleine de conflits ethniques, dont la Somalie et le Rwanda sont des exemples paradigmatiques.

Cependant, nous trouvons des manifestations de racisme et de xénophobie même dans le soi-disant Premier Monde. On le voit d'abord dans les attaques aux communautés d'immigrants; et les portugais en Europe en ont eu pour son compte. On le voit aussi dans la recrudescence, dès le début des années 80, d'organisations politiques xénophobes de nature neo-nazi ou neo-faciste, qui ont réussi, dans quelques cas, à une expression électorale assez inquiétante. Caveant cónsules: l'État que nous voulons se doit d'être non seulement démocratique mais de Droit.

La chute des sistemes dictatoriaux de l'Est, avec le col-lapsus de leurs économies a déterminé une émigration massive de ces pays-là. Cette émigration économique, coïncidant avec un période de récession, a fait exploser une multiplicité de manifestations de nature raciste.

Nous nous heurtons ici au délicat problème du droit d'asile et des circonstances où l'on doit ou pas l'élargir au soi-disant asile économique. Toute intervention moins prudente risque de faire plus de mal que de bien, portant, à la fin, préjudice à toutes les parties concernées.

Sans vouloir les classer comme plus au moins graves, je me permets de signaler aussi les manifestations xénophobes contre des citoyens d'un même État, mais d'ethnie diverse. Je ne donne pas comme exemple un État effectivement pluri-national où pluri-ethnique; avec un grand chagrin, je donne l'exemple de mon propre pays. Dès 1' expulsion des Juifs et des Maures à la fin du quinzième siècle, que l'on peut définir l'État portugais comme constitué par une seule ethnie et une seule Nation. Comme ça, le peuple portugais s'est toujours présenté comme paradigme de tolérance et d'intégration sociale. Pourtant, pendant des siècles, on a maintenu assujettie a des discriminations plus au moins graves une petite communauté gitanne. Un arrêt de la moitié de ce siècle imposait à la police une surveillance spéciale des campements de ces gens qui, tout en étant des citoyens portugais, l'étaient d'une façon «spéciale».

On dira que je parle d'un cas passé sous un régime autoritaire; mais, de nos jours, on a essayé de substituer cette norme-là par une autre qui contemplait les «communautées nomades», ce qui ne serait, ni plus ni moins, que le rétablissement de l'arrêt antérieur.

Un autre exemple s'est avéré, voici deux ans, dans une petite ville du nord du Portugal. La Mairie a décidé l'expulsion de son territoire de tous les gitans, parce que, supposément, ils se dédiaient au trafic de la drogue. Devant cette violation ouverte des droits fondamentaux de ces citoyens portugais, et à la suite de mon intervention, le Tribunal Administratif a annulé la délibération de la Mairie.

Mais nous ne pouvons pas nous laisser aveugler par l'apparence juridique des discriminations. Le noeud du problème se situe dans les comportements sociaux, et dans la façon dont ceux-si se laissent influencer ou pas, par des critères moralement acceptables ou inacceptables.

Plus grave peut-être que le système de l'apartheid, ré-cenmment aboli dans l'Afrique du Sud, se présente l'exis-

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tence de systèmes d'exclusion sociale basée sur des critères ethniques, tels que nous les rétrouvons actuellement chez certains États. Si l'apartheid était particulièrement odieux, parce que basé sur un appareil juridique et policier, le système de castes semble limiter encore plus le développement des potencialitées auxquelles tout être humain, en tant que tel, a droit.

Finalement, la fin du soi-disant Deuxième Monde a fait remettre à jour la xénophobie dans des régions où elle semblait avoir été mise au ban.

L'existence d'États pluri-nationaux et pluri-ethniques s'est fait remarquer, de façon exemplaire et sanglante dans le bain de sang et de destruction auquelle nous assistons dans la réformulation de ce qui était la Jugoslavie.

Nous pouvons donner comme acquise la nécessité pour l'État, en tant que communauté politique basée sur une déterminée idée de Droit, de se défendre et de défendre ceux qui sont sous sa protection contre les limitations ou les agressions illicites. Pourtant, le problème essentiel est celui de savoir comment on doit agir.

Je ne veux pas me perdre en des considérations sur ce qui aura été discuté lors du débat sur les mesures préventives. Je veux seulement souligner qu'il n'y a pas de répression efficace si elle n'est pas accompagnée d'un grand travail au niveau des mesures préventives, notamment à travers l'éducation et le changement des mentalités, et l'élimination des causes profondes qui justifient et déterminent l'état actuel des choses. Il ne suffit pas que l'État assume comme possible ce que les passions humaines rendent impossible. Pour donner un exemple, tant qu'il y aura des problèmes sociaux graves comme le chômage, il sera tout a fait illusoire d'imaginer la construction d'une société où l'Autre, l'Étranger, ne soit pointé comme responsable.

Pourtant, je ne crois pas que ce soit possible de changer de façon durable l'état actuel des choses uniquement par des politiques hardies, si généreuses soient elles. Si l'on ne descend pas au plain des consciences, la peur atavique de celui qui est extérieur au Groupe ne pourra être outrepassé que par des politiques de développement intégré qui rendent moins pressante la nécessité d'émigrer par des motifs économiques, et par la création de structures sociales et économiques dans les pays d'accueil, qui empêchent le réveil de tout sentiment d'exclusion.

Ce n'est pas l'ouverture indiscriminée des frontières, aidée ou pas par une panoplie de moyens préventifs ou répressifs qui réussira l'élimination de notre quotidien d'actions ou, pire encore, d'atitudes fondées sur des motivations racistes.

On ne pourra éliminer les effets, qu'en éliminant les causes; seuls le dévelopement et l'intégration feront disparaître la xénophobie. «Le développement est le nouveau nom de la paix», comme le disait profétiquement le Pape, voilà trente ans.

Tout ce qu'on a dit ne nous rend pas moins coupables devant les manifestations actuelles du racisme et de la xénophobie. Le combat contre ces réalités négatives par des moyens répressifs peut comprendre deux voies d'actuation: les sanctions criminelles et les prohibitions de type administratif ou politique.

La Constitution Portugaise du 2 Avril 1976 est l'une des plus libérales quant à la fixation d'un quadre de droits fondamentaux. Outre une longue énummération de droits économiques, sociaux et culturels, outre la reconaissance des droits, libertés et garanties des personnes, des travailleurs et de participation politique, la Constitution

règle dans des termes très rigides la possible restriction, par le législateur, de ces mêmes droits.

U y a une option très claire pour la liberté, avec l'ouverture à d'autres droits fondamentaux contenus dans des instruments légaux ou de droit international et bien aussi à travers le recours à la Déclaration Universelle des Droits de l'Homme à des fins d'interprétation et d'intégration des normes constitutionnelles.

Les critères qui enforment tout le système s'identifient avec les principes de°l' égalité et de 1' universalité. En ce qui concerne le thème qui nous réunit ici, la Constitution consacre le principe de l'équiparation entre citoyens nationaux et étrangers.

Selon ce principe, les étrangers qui se trouvent au Portugal ont, en règle, les mêmes droits et les mêmes devoirs que les citoyens portugais, tout en excluant, au départ, certains droits, comme celui de participation politique. Deux exceptions sont encore prévues: la première, établissant un traitement privilégié pour les citoyens des anciennes colonies portugaises, et la deuxième, dérivant du Traité de Maastricht et des exigences de l'Union Européenne.

Nous n'avons pas, comme dans le droit allemand, la dénommée «prohibition de profession». L'État n'empêche pas ses fonctionnaires de professer des idées politiques quelles qu'elles soient, dès qu'elles n'influencent pas l'exercice de leurs fonctions. Cette inexistence d' autocensure peut s'expliquer comme réaction à la pratique antérieure à la Révolution du 25 Avril 1974, où l'on exigeait à tout fonctionnaire publique une déclaration assurant qu'il n'adhérait pas à une idéologie contraire à celle du régime.

Il n'y a pas non plus de limitation spécifique à la liberté de manifestation en ce qui concerne le racisme. L'ordre juridique portugais fait dépendre l'exercice de ce droit de la seule communication préalable à l'autorité locale. Il va sans dire que toute manifestation armée est prohibée, étant punie toute prise de position qui puisse, au cours d'une manifestation, inciter à la. haine et à la violence par des motifs d'ordre raciale ou de nationalité.

Pour ce qui est de la liberté d'association, notre Constitution s'est montrée en peu plus rétive. En effet, pour des motifs d'ordre historique, elle n'a pas admis les organisations armées ou celles qui se reclament d'idéologie fasciste (sic).

Cette prohibition d'associations fascistes s'est concretée à travers un diplôme légal qui définit d'une forme juridiquement plus intelligible ce que l'on doit entendre par «idéologie fasciste» à ces effets. On trouve dans cette definition-là les organisations prônant l'exclusion sociale sur la base de l'origine ethnique, nationale ou religieuse. Tout un ensemble d'organes de l'État, parmis lesquels le Provedor de Justiça, peuvent demander à la Cour Tribunal Constitutionnelle la vérification de cette charactéristique dans une organisation déterminée. La conséquence de cette vérification détermine l'extinction de l'organisation concernée et bien aussi la responsabilisation pénale de ses dirigeants.

Récemment, un premier procès a été jugé, qui avait pour objet l'extinction d'une organisation (Movimento de Acçâo National), par défense d'idéaux racistes. Ce procès fut origine par l'assassinat d'un militant d'extrême gauche aux mains de skinheads associés à ce mouvement-là. Après une longue instruction, la Cour a décidé de ne pas connaître de la demande, puisque, selon la défense, le mouvement en cause aurait déjà cessé son activité, rendant impossible son extinction par manque d'objet.

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La décision de ce procès révèle une des failles de la loi: son formalisme, qui l'empêche de reconnaître l'existence de groupes informaux qui sont, par ce fait même, plus dangereux dans son action. En fait, il s'est avéré plus tard que les militants de l'organisation en cause n'avaient pas abandonné leurs activités. Ainsi, au point de vue formelle, la décision semble correcte. Toutefois, elle n'a pas atteint la fin de la loi.

Dans un cadre plus général, la garantie pénale ne peut

ne pas se faire sentir même dans des manifestations inorganiques de racisme. Outre la punition de l'incitation à la haine et à la violence à cause des motifs raciaux ou nationaux, la motivation basée sur ces aspects constitue une circonstance qualifiante de divers crimes, maxime de celui d'homicide, avec la conséquente élévation de l'encadrement pénal. A titre d'exemple, le crime d'homicide qui n'ait pas de circonstances qualificatives, est puni avec une peine de prison de 8 à 16 ans. Mais s' il a été commis par haine raciale, la peine sera de 11 à 20 ans. Je sais cette augmentation de la peine peut ne pas paraître significative. Je tiens toutefois à souligner qu'au Portugal, dès le 1982, la peine maximale est, en règle, de 20 ans, pouvant atteindre, dans des cas exceptionaux, les 25 ans de prison.

Nous avons au Portugal les instruments légaux sufisants à la répression du racisme, dès qu'il y ait la volunté politique lato sensu de les faire fonctionner. Mais on ne doit jamais oublier la dimension préventive (spéciale où générale) que l'application d'une peine, ou sa possibilité, peuvent avoir à l'élimination des comportements nocifs qui nous occupent.

Nous avons sans doute le devoir moral d'empêcher, coûte qui coûte, que l'oeuf du serpent couve encore une fois. Mais le plus important c'est d'éviter le surgissement de ces oeufs, par l'adoption de politiques prudentes portant graduellement, non pas à une assimilation égalitaire stérile et viciée, mais plutôt à une coexistence de communautés diverses et de diverses cultures sur un même espace, dans des conditions d'égalité, de liberté et de respect mutuel.

Texto escrito pelo Provedor de Justiça a solicitação do Conselho Português para os Refugiados para integrar a colectânea «Asilo em Portugal», 17 de Outubro de 1994.

Pediram os organizadores desta colectânea que escrevesse algumas palavras sobre o Direito de Asilo, em particular no que toca à sua consagração e prática no nosso País.

Não estarei distante da verdade se interpretar este convite como dirigido ao órgão do Estado que neste momento tenho a ventura de ser titular. Deste prisma se deve 1er o que se segue.

O Provedor de Justiça é um órgão especialmente dedicado à protecção dos direitos fundamentais dos cidadãos, com ênfase nas suas relações com entidades dotadas de autoridade pública. As atribuições que a Constituição lhe confere permitem a existência de um núcleo de influência, de actuação informal, dotado de poderes persuasórios da Administração Pública, sem desmerecer a eficácia pedagógica junto do conjunto dos cidadãos.

Contrariamente à ideia muito vincada na opinião pública, não se trata de um advogado do Cidadão, em sentido genérico; ao Provedor de Justiça cabe defender só e exclusivamente as posições que considere correctas, quer em sede de legalidade estrita, quer em sede de justiça material, no que, aliás, é a sua maior virtualidade.

Com esta advertência, julgo que o leitor poderá interpretar melhor qual a posição do Provedor de Justiça quanto ao direito de Asilo.

Como é sabido, o quadro bastante liberal consagrado pela nossa Constituição não é privilégio dos cidadãos nacionais. Pelo princípio da equiparação o Provedor de Justiça não é um Provedor de portugueses mas sim da pessoa humana.

Isto não pode levar a um desconhecimento do papel que tem na Comunidade organizada em Estado. Na medida em que os valores humanistas e solidaristas permeiam a Ideia de Direito contida na Constituição, aí estará o Provedor de Justiça e aí deverão estar todos os Órgãos do Estado.

Separo duas vertentes na discussão do direito de Asilo: o seu uso e o seu abuso. A Constituição apenas confere este direito a quem seja ameaçado ou alvo de perseguição por motivos que a própria Lei Fundamental considera como nobres, tal como a democracia e os direitos do Homem. Sem prejuízo de alargamento deste direito, expressamente permitido pela leitura constitucional, julgo que é neste quadro que nos devemos mover, sob pena de perversão do instituto.

Quanto aos que solicitam o direito de asilo, fundados sinceramente em motivações como as descritas, sou de opinião que é necessário melhorar a celeridade das respostas da Administração aos pedidos que lhe são formulados, facilitando, na exacta medida em que a situação concreta o exija, as formalidades probatórias necessárias. A um perseguido político não se pode exigir uma comprovação oficial dessa perseguição, salvo por meios indirectos.

Noutra perspectiva, esta humanitária, deverão ser proporcionadas ao candidato as condições mínimas de subsistência enquanto o processo não chega a uma resolução final.

A problemática do direito de Asilo tem, nos últimos anos, aparecido como intrinsecamente ligada à questão da imigração e suas formas de controlo. A isto chamo, como acima disse, o abuso do direito de asilo.

Quer vinda de regiões da Europa atingidas pelas vicissitudes políticas e económicas da última década, quer de zonas do Terceiro Mundo, de modo especial da Africa subsaariana, um grande número de seres humanos tenta, no que aliás não é mais do que uma aspiração legítima, melhorar o seu nível de vida, fugindo às regiões onde a miséria e, quase sempre, o totalitarismo persistem em não abandonar as suas presas. O ancestral medo do Outro, a eterna negação da relação pacífica como raiz e finalidade da existência humana, levam a que a solidariedade em que julgávamos fundar as nossas sociedades estremeçam perante quem nos bate à porta.

Essa emigração económica, conjugada com um período de recessão, fez explodir, como é do conhecimento geral, uma multiplicidade de manifestações, mais ou-menos organizadas, de índole racista. No seu princípio e no seu fim, temos o crescimento acima apontado das organizações de carácter xenófobo.

A existência de realidades estaduais pluri-nacionais e pluri-étnicas, resultantes de uma história que a cegueira dos Homens pretendeu ignorar nos últimos cem anos, fez-se notar, de forma exemplar, gritante e sangrenta, que nos acomodámos a ver no banho de sangue e destruição que está a ser a reformulação do que era a Jugoslávia. A Croácia, primeiro, e a Bósnia-Herzegovina, depois, levantam velhos fantasmas que o optimismo contemporâneo julgara resolvidos.

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É aqui que o delicado problema do direito de asilo e das circunstâncias em que é ou não de alargá-lo ao chamado asilo económico, se levanta em todas as sociedades do chamado Primeiro Mundo, sem escolher continentes.

Qualquer intervenção menos cautelosa arriscar-se-á a causar mais mal que bem, prejudicando afinal todas as partes interessadas, as comunidades receptoras e os emigrantes. Friso, neste ponto, que não há repressão que resulte se não for acompanhada de um grande e aturado labor a nível de medidas preventivas, nomeadamente, através da educação e da mudança de mentalidades e eliminação das causas profundas que justificam e induzem o actual estado de coisas. Não basta ao Estado assumir como possível o que as paixões humanas tornam impossível. Enquanto existirem problemas sociais graves como o desemprego e o consumo de estupefacientes, será ilusório imaginar-se a construção de uma sociedade em que o Outro, o Estranho não seja apontado como responsável. Obviamente que, quanto mais não seja por facilidade, tudo tenderá a que tal suceda.

Não através de políticas arrojadas, por generosas que sejam, que se tornará possível, em equilíbrio, alterar duradouramente o actual estado de coisas. Não descendo ao plano das consciências, esse por natureza apenas acessível a longo prazo através de porfiada insistência a nível educativo, o atávico medo ao Estranho e recusa de quem é exterior ao Grupo só poderá ser ultrapassado por intermédio de políticas de desenvolvimento integrado, que tornem menos premente a emigração por motivos económicos (por outras palavras, que a tornem mais uma opção e menos num acto de desespero) e com a criação de

estruturas sociais e económicas no país de acolhimento que impeçam o alvorecer de quaisquer ressentimentos ou sentimentos de exclusão.

Só eliminando as causas se poderá almejar eliminar os

efeitos: «0 Desenvolvimento é o novo nome da Paz».

Estas palavras proféticas ressoam há três décadas e sua anümonia parece estarem deflagração iminente.

Temos que construir sociedades em que gradualmente, se alcance não a uma assimilarão igualitária, estéril e viciada, mas sim a uma coexistência de várias comunidades e várias culturas num mesmo espaço, em condições de igualdade, liberdade e respeito mútuo.

Em síntese, na salvaguarda da Justiça a legalidade vigente deve obedecer aos seguintes critérios:

1) Criação de instrumentos legais e mecanismos de aplicação que distingam claramente o asilado do imigrado sócio-económico;

2) Concessão expedita e segura do estatuto de asilado, logo que reconhecida a verificação dos expedientes legais;

3) Respeito pelos interesses do candidato rejeitado, nunca o colocando em situação de ser objecto de represálias pela sua actuação;

4) Criação de meios físicos dignos e suficientes para acolher e salvaguardar os direitos dos candidatos que ainda esperam por uma decisão.

A autoridade do Estado e o Bem da Comunidade não são antagonistas do respeito pelos Direitos do Homem e pela salvaguarda do valor da Solidariedade, tão caros ao que proclamamos como nosso fundo cultural.

DIÁRIO

da Assembleia da República

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