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Sexta-feira, 13 de Dezembro de 1996

II Série -C — Número 6

DIÁRIO

da Assembleia da República

VII LEGISLATURA

2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

7.° SUPLEMENTO

SUMÁRIO

COMISSÃO DE ECONOMIA, FINANÇAS E PLANO

Reunião de 26 de Novembro de 1996

Pelas 10 horas e 40 minutos, a Sr.' Presidente (Manuela Ferreira Leite) abriu a reunião, prosseguindo o debate, na especialidade, das propostas de lei n." 59/VII — Grandes Opções do Plano para 1997 e 60/Vll — Orçamento do Estado para 1997.

Sobre o orçamento relativo aos Encargos Gerais da Nação e ao Ministério da Defesa Nacional intervieram, além do Sr. Ministro da Presidência e da Defesa Nacional (António Vitorino), os Srs. Deputados Maria da Luz Rosinha (PS), Cardoso Ferreira (PSD), Acácio Barreiros (PS), João Amaral (PCP). Pedro Campilho (PSD) e Raimundo Narciso (PS).

Sobre o orçamento do Ministério da Saúde intervieram, além da Sr.° Ministra (Maria de Belém Roseira) e do Sr. Secretário de Estado da Saúde (Arcos dos Reis), os Srs. Deputados Alberto Marques (PS), Jorge Roque Cunha (PSD), Maria José Nogueira Pinto

(CDS-PP). Bernardino Soares (PCP), Henrique Neto (PS), Paulo Mendo (PSD), João Corregedor da Fonseca (PCP). Bernardino Vasconcelos (PSD). Octávio Teixeira (PCP). José Barradas (PS). Vieira de Castro, Fernando Pedro Moutinho e Lalando Gonçalves (PSD) e Joel Hasse Ferreira (PS).

Sobre o orçamento do Ministério da Cultura intervieram, além do Sr. Ministro (Manuel Maria Carrilho) e do Sr. Secretário de Estado da Cultura (Rui Vieira Nery), os Srs. Deputados Fernando Pereira Marques (PS), Castro de Almeida (PSD). Ruben de Carvalho (PCP), Savio Rui Cervan (CDS-PP), Miguel Ginestai (PS). Jorge Roque Cunha (PSD), Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP), Fernando Jesus (PS). Manuel Alves de Oliveira (PSD), José Niza (PS). Maria Luísa Ferreira e José Cesário (PSD) e Fernando de Sousa (PS).

O Sr. Presidente (Henrique Neto) encerrou a reunião eram 22 horas.

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A Sr." Presidente (Manuela Ferreira Leite): — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.

' Eram 10 horas e 40 minutos.

Vamos dar início aos trabalhos com a presença do Sr. Ministro da Presidência, António Vitorino.

Tem a palavra, para interpelar a Mesa, a Sr." Deputada Maria da Luz Rosinha.

A Sr." Maria da Luz Rosinha (PS): — Sr." Presidente, Srs. Deputados, foi entregue hoje, na Comissão de Economia, uma proposta de alteração- da verba inscrita no Orçamento do Estado para ser atribuída às organizações não governamentais (ONG). Mais uma vez, verificámos que a verba que vinha inscrita este ano era idêntica à do ano anterior e, tal como no ano anterior, também fizemos uma proposta de alteração.

Embora tenhamos de nos congratular pelo facto de a proposta do ano passado ter sido considerada e a verba ter sido corrigida, gostaríamos de, no próximo ano, não nos debatermos novamente com esta situação, uma vez que não tem muita graça que sejamos nós sempre a tomar esta iniciativa, inclusivamente porque pode fazer crescer a ideia de que, se não houver esta atitude por parte dos elementos da Assembleia da República, não haverá, para as ONG, a verba que lhes é absolutamente necessária para o desenvolvimento dos seus trabalhos.

Quero também dizer que esta proposta é subscrita por todos os elementos da Comissão de Paridade e Igualdade de Oportunidades.

Para terminar, registo, em nome do meu grupo parlamentar, a alteração substancial que, em termos das Grandes Opções do Plano, se verificou nesta matéria. Esperamos, sim, e com muita esperança, que a alteração venha a traduzir-se em actos prátícos e não fiquemos só por meras intenções e referências em termos de grandes opções.

A Sr." Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Presidência.

O Sr. Ministro da Presidência (António Vitorino): — Sr." Presidente, Srs. Deputados, gostava apenas de, tal como já afirmei na Comissão para a Igualdade e a Paridade, dizer que o Governo comunga das observações feitas pela Sr." Deputada, no sentido de ser reforçada a verba inscrita para o apoio às ONG. A circunstância de essa verba, no orçamento corrente, para 1996, e no orçamento para 1997, ser inscrita por iniciativa parlamentar não deve ser interpretada como um gesto de galantaria do Governo para com a Comissão de.Igualdade — resulta da importância que a Comissão atribui a esta matéria, -mas não é um hábito. De todo o modo, compraz-nos registar que há, pelo segundo ano consecutivo, um final feliz. Ainda bem!

A Sr." Presidente: — Dado que mais ninguém pretende usar da palavra acerca da rubrica Encargos Gerais da Nação, vamos terminar esta parte dos nossos trabalhos.

Srs. Deputados, está suspensa a reunião.

Eram 10 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados, vamos recomeçar os trabalhos, agora com a matéria respeitante ao Ministério da Defesa Nacional.

Eram 11 horas e 40 minutos.

Srs. Deputados, o Sr. Ministro dispensa-se de fazer qualquer tipo de introdução, uma vez que já fez a sua exposição na comissão respectiva.

Tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): — Sr." Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados, em nome do Grupo Parlamentar do PSD, queria manifestar ao Sr. Ministro a grande preocupação com que temos vindo a acompanhar a proposta de orçamento deste ano que, aliás, como o Sr. Ministro disse e muito bem, é uma proposta conservadora em relação ao ano passado. Aí reside, essencialmente, o problema.

Nos últimos anos, sem dúvida que tem havido uma descida não muito acentuada nos orçamentos da defesa, mas, no que toca ao orçamento do ano passado, houve uma descida abrupta. E isso preocupa-nos porque este orçamento é, no fundo, a sequência do orçamento anterior, com todas as implicações no funcionamento das Forças Armadas, nomeadamente no desempenho das suas missões constitucionais, não só as missões primárias'como naturalmente também todas aquelas de ordem pública que lhe estão atribuídas.

Sabemos que, por força dessa redução muito significativa no ano anterior, acompanhada pela deste ano, há meios das Forças Armadas que estão (a palavra talvez seja um pouco forte) inoperacionais. Temos notícia, através dos briefings que a Comissão de Defesa teve nos estados maiores dos diversos ramos, de que há, por exemplo, meios aéreos que já não voam por indisponibilidade de verbas adequadas, com todas as implicações que isso tém em relação aos pilotos, que perdem a qualificação pela circunstância de não poderem voar, o que até tem consequências nas suas carreiras profissionais.

Tudo isto tem também consequência no que respeita às responsabilidades de Portugal nas organizações internacionais a que pertence, nomeadamente na NATO, no grau de prontidão, muito mais reduzido, o que, naturalmente, não é coisa com que devamos congratular-nos, pelo contrário.

Daí, Sr. Ministro, como conclusão, que estejamos em tempo de decidir. E o Governo vai ter de decidir, a manter-se este tipo de orçamentos, que Forças Armadas é que quer para Portugal. Não é possível manter muito mais tempo este estado de coisas, não é possível comprimir muito mais as despesas que já estão, praticamente, ao nível das despesas correntes. Portanto, o Governo vai ter de tomar uma decisão de reestruturação profunda das Forças Armadas. V. Ex.°, quando esteve na Comissão de Defesa a apresentar-nos a proposta do Governo, de orçamento para a Defesa Nacional e Forças Armadas, teve oportunidade de nos dizer que se sente a necessidade dessa reestruturação mas que há múltiplas condicionantes. Compreendemos algumas delas, mas, se não forem rapidamente pensadas as questões e se essa alteração profunda não for introduzida, nós corremos o risco de, um dia destes, o País se questionar legitimamente, não havendo produto operacional das Forças Armadas, se há razão para a sua própria existência. Essa é uma questão que pode abalar significativamente um dos instrumentos de soberania nacional e pode, naturalmente, trazer perturbações naquilo que entendemos dever ser e garantir, que é o normal funcionamento das instituições.

Nesse sentido, Sr. Ministro, gostaríamos de saber quais as implicações reais deste orçamento nessa necessidade que V. Ex." e o Governo vêem de reestruturação, porque as

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coisas não podem manter-se por muito mais tempo assim. Além disso, a disponibilidade manifestada pelo Governo, de que as Forças Armadas portuguesas integrem missões e forças multinacionais com carácter humanitário, leva também à legitima preocupação se, nessa medida, também a reestruturação das Forças Armadas não poderá perigar. Seria preferível que, rapidamente, resolvêssemos este problema. Nós sabemos que os recursos são escassos, sabemos que há prioridades, sem dúvidas, mas gostaríamos de ter perante o País umas Forças Armadas capazes de garantirem, como dissuasor mínimo, a soberania nacional, de se afirmarem internacionalmente, no conjunto das missões que vão surgindo, e, ao mesmo tempo, de garantirem que as missões de interesse público possam continuar a ter o significado que tiveram ou que vinham tendo até aqui. Queremos que os pescadores portugueses possam sentir a presença da Marinha de Guerra no apoio, que é fundamental, na fiscalização das nossas águas territoriais contra abusos de outros países que vêm aqui delapidar os nossos recursos, em relação à busca e salvamento, em relação a calamidades públicas — enfim, toda uma gama de missões de interesse público; para além das missões primárias, volto a salientar, em que as Forças Armadas têm um papel significativo, um papel que, até aqui, tem sido muito bem compreendido por parte da população portuguesa, que faz parte também da sua própria credibilidade e da sua própria justificação. Entendemos que, se não houver uma reestruturação profunda das Forças Armadas muito rapidamente, tudo isso poderá estar em causa.

A Sr." Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Acácio Barreiros:

O Sr. Acácio Barreiros (PS): — Sr." Presidente, Sr. Ministro, Srs. Deputados, gostaria de referir o facto de ter sido possível aprovar por unanimidade o relatório da Comissão Parlamentar de Defesa Nacional, e destaco esse facto porque todos temos consciência de que se apresenta, em termos de defesa nacional, um conjunto, de desafios ao nosso país e que esses desafios têm de ser enfrentados no quadro de necessárias restrições orçamentais que acabam por afectar todos os sectores da vida nacional e, naturalmente, as Forças Armadas não podem ser uma excepção.

Aliás, gostaria de salientar, porque penso que é de inteira justiça, o grande esforço patriótico que as Forças Armadas portuguesas estão a fazer para, no quadro dessas restrições, conseguirem manter um grau de operacionalidade que não pode deixar de ser lembrado: a forma altamente prestigiante como as Forças Armadas portuguesas já têm actuado no âmbito da JPOR, na Bósnia, e a forma como têm actuado no âmbito da UNA VEM DI, em Angola, que tem merecido rasgados elogios de toda a gente, nomeadamente elogios internacionais, demonstram um grau de operacionalidade que é mantido apesar do esforço que está a ser pedido às Forças Armadas. E gostaria de destacar esse sentido patriótico, esse sentido de participação no esforço nacional de melhoria das condições de vida dos portugueses — as Forças Armadas não poderiam, como é óbvio, ficar à margem desse esforço.

Temos de ter consciência, no entanto — e penso que, nas GOP, o Governo assume isso de uma forma extremamente clara que eu gostaria de elogiar —, de que estão colocados novos desafios em termos da reestruturação da NATO, das organizações internacionais de defesa em que participamos, em termos da própria reestruturação das

nossas Forças Armadas, que têm de ser repensadas. A questão nem é bem financeira — não se trata apenas de pensar em termos financeiros mas, sim, em termos estratégicos, e penso que é justo destacar (como, aliás, é feito no relatório aprovado por unanimidade pela Comissão Parlamentar de Defesa Nacional) a profunda consciência com que o Governo enfrenta esta questão ao nível das Grandes Opções do Plano. Evidentemente que todos temos consciência de que essa reestruturação vai exigir investimentos significativos e esses investimentos terão de ser analisados no quadro, bastante restritivo, do esforço orçamental que o conjunto do País está a fazer, com prioridades bem definidas para a modernização do País. Queria, como já tive oportunidade de o fazer na Comissão de Defesa, elogiar o Governo e, em particular, o Sr. Ministro da Defesa pela forma como tem conseguido fazer esse esforço financeiro, contando, como é óbvio, com uma profunda participação dos vários ramos das Forças Armadas.

Em termos de futuro, como está definido claramente nas Grandes Opções do Plano e em termos de Lei de Programação Militar, esse será o nosso grande debate no próximo ano — julgamos que se devem pensar muito cuidadamente as Forças Armadas de que necessitamos no futuro, no sentido de que essas Forças Armadas (e disso não tenho qualquer dúvida) continuarão a merecer não só o grande prestígio de que gozam a nível internacional, particularmente a nível das alianças de defesa de que fazemos parte, mas a merecer a confiança e o apoio da população portuguesa. Aliás, os portugueses não podem deixar de reconhecer que as Forças Armadas estão a fazer um esforço gigantesco para, num quadro de profunda restrições económicas que o País exige, manterem uma operacionalidade que só prestigia o País. Gostava de deixar esta palavra de apoio à política do Governo e, em particular, ao Sr. Ministro da Defesa Nacional.

A Sr.* Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): — Sr." Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados, creio que, depois desta almofada de elogios, o Sr. Ministro está mais a jeito para ouvir duas ou três coisas que têm de ser ditas acerca do seu Ministério. A questão é esta: nós vamos discutir o orçamento da defesa mas este orçamento tem tal conformação que, na verdade, o que nós deveríamos discutir, mais do que o orçamento, era a própria política de defesa. Isto é, este orçamento, mais do que a expressão de uma determinada política, põe em questão qual é a política de defesa que o País está a seguir.

E justifico esta posição que tenho com base em duas considerações em torno do orçamento: a primeira, é que as restrições orçamentais no orçamento da defesa nacional são feitas, forçosa e principalmente, na área do funcionamento e do treino — são verbas que conduzem, inexoravelmente, a níveis baixos de treino (já aqui foi referido o caso da Força Aérea, que não tem possibilidade de fornecer a todos os pilotos o tempo de voo de que eles necessitam, sendo obrigada a sacrificar alguns pilotos por forma a poder, em relação a outros, dar-lhes tempos razoáveis de voo); portanto, é o próprio produto operacional que é questionado. No conjunto de briefings que tivemos com o Exército, por exemplo, as. medidas que o Exército toma para poder suportar a carga orçamental são medidas. que atingem o próprio funcionamento da instituição e até

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atingem alguns aspectos do cumprimento da lei; isto é, quando o Exército corta um número bastante grande, creio que de mais de 20 000 homens, de incorporados, está a aplicar a lei que não existe, de serviço militar, em vez de aplicar a lei que existe, segundo a qual deveria fazer essa incorporação.

A segunda consideração refere-se à Lei de Programação Militar: o que se passa com esta lei é que há um substancial corte na verba prevista para este ano — em vez dessa verba, é dada uma verba substancialmente inferior. Isto tem dois significados: em primeiro lugar, não é possível, com o corte de verbas, cumprir o programa financeiro, de aquisições, que estava previsto na Lei de Programação Militar; em segundo lugar (e, para mim, este aspecto é particularmente relevante), significa que, da parte do poder político, da parte dos órgãos de soberania, não há o cumprimento do compromisso com a defesa nacional que foi assumido quando foi aprovada esta lei e que mobilizava um determinado volume de financiamento para a defesa. Esse volume de financiamento, afinal, não vai ser afectado à defesa e por decisão deste Governo — com as implicações que isso tem no equipamento das Forças Armadas.

Sendo assim em relação ao orçamento de defesa nacional e sendo assim em relação à Lei de Programação Militar, eu digo e repito aqui que o que acaba por estar em questão com este orçamento é qual é o destino da vertente militar de defesa nacional, visto que é dessa, fundamentalmente, que estamos a falar. Qual é esse destino? Neste momento, o País gasta 300 milhões de contos com a defesa, e essa verba é uma determinada percentagem da despesa pública. Se o Sr. Ministro visse o que se passava, por exemplo, em 1980, essa verba, comparativamente, seria o dobro; em 1974, seria mais do triplo — isto para dizer que esta verba representa um caminho de acentuada restrição. Mas uma restrição a este nível é compreensível; uma restrição ao nível que está a ser aqui executado levanta a seguinte questão: o País gasta 300 milhões de contos para que produto operacional? Verdadeiramente, o que é que podem fazer as Forças Armadas com o financiamento que lhes é atribuído? Podem pagar salários e pouco mais do que isso; podem manter um nível de subsistência tal que já ouvi chamar-lhe (e apropriei-me dessa formulação porque a acho interessante) uma espécie de «rendimento mínimo garantido» às Forças Armadas! É um «rendimento mínimo» de subsistência. Isto é, ' eles não têm emprego, não têm capacidade para ter um mínimo de qualidade de vida, embora consigam respirar e manter-se à tona de água — mas não conseguem produzir aquilo para que servem!

O País, um dia, vai perguntar: então, sendo assim, para que é que precisamos de Forças Armadas? E eu pergunto ao Governo se é esta pergunta que entende que o País deve fazer acerca da vertente militar da defesa nacional. Na minha opinião, este é um caminho que procura uma solução para uma alteração política das Forças Armadas, forçando essa alteração à margem do debate, através de uma política de asfixia financeira. Discordo totalmente deste caminho! Quero considerar aqui, com muita clareza, que, entre este modelo de fortíssima restrição e um modelo que permitiria um nível mínimo de funcionamento, até se pode dizer as verbas que estão em questão são irrisórias — essas verbas são de pequena expressão financeira, são verbas pequenas.

O Sr. Ministro olha-me sorridente e eu estou a ver: vai V. Ex.* propor essas verbas? Sr. Ministro, eu não dirijo o

sector da defesa! Quem dirige o sector da defesa — dizem que muito bem, alguns! Dizem que não tão bem, outros! — é o Sr. Ministro e é o Governo! Portanto, é sob a sua responsabilidade — não vou excretar dinheiro que, depois, o senhor não aplica — que as coisas estão a correr desta forma. Portanto, não vou discutir a esse nível: a responsabilidade é sua, o orçamento é definido nestes termos e o que se passa, é que, com este orçamento e funcionando desta forma, o caminho que está a ser seguido é de asfixia, tendendo a uma alteração da política de defesa, em vez de fazer aquilo que era necessário e, de alguma forma, razoável, do ponto de vista do Governo, que era discuti-la com a Assembleia da República, como política. Creio que o quadro em que nos movemos é este e, sobre esta questão, nada mais tenho a dizer.

Apenas tenho, sobre uma outra questão totalmente diferente, uma pergunta a fazer ao Sr. Ministro, que já formulei em requerimento mas que repito aqui, e que se refere aos militares falecidos na Bósnia. Numa entrevista que tive com um dos familiares de um militar falecido na Bósnia, foi-me referido que as famílias dos dois militares que faleceram da segunda vez beneficiaram de um seguro feito oficialmente, enquanto que as famílias dos primeiros militares não puderam beneficiar disso porque esse seguro não existia na altura, e teria até sido dito que não era possível fazê-lo. Há algo que se constata: a confirmar-se que há seguro, é possível fazê-lo; a confirmar-se que há um seguro feito por entidades oficiais, então criou-se uma situação de desigualdade; a confirmar-se que há um seguro hão feito por entidades oficiais, então confirma-se que há algum desleixo por parte das entidades públicas que não promoveram a efectivação de um seguro quando ele era possível. Os mesmos familiares compararam a situação dos militares portugueses com a do italiano que faleceu na mesma altura do primeiro incidente e relatam que a família desse militar beneficiou de um seguro de significativa expressão.

Sr. Ministro, coloco esta questão aqui separadamente do orçamento porque ela, na minha opinião (não vou dizer como é que isso poderá ser feito), pode ter uma expressão orçamental concreta: se o problema existe nos termos em que referi, isto é, se há uma possibilidade de haver um seguro, se houve um seguro em relação aos dois militares falecidos em segundo lugar e não houve em relação aos primeiros, então, em sede do orçamento, podemos indemnizar as famílias que não beneficiaram de seguro por culpa da administração que não cuidou de fazê-lo. Portanto, é precisamente porque tem uma expressão orçamental que coloco aqui a questão, aproveitando também para lhe colocar a questão da publicação da legislação relativa aos militares em missões no estrangeiro, nomeadamente em missões de paz — para quando essa publicação e em que termos?

Sr. Ministro, tome esta questão como algo que coloquei aproveitando a sua presença e podendo ter uma incidência orçamental mas não como o tema principal da minha intervenção — o tema principal da minha intervenção foi tudo o que disse atrás.

A Sr." Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional (António Vitorino): — Sr." Presidente, Srs. Deputados: Antes de começar a responder às questões colocadas, direi ao Sr. Deputado João Amaral, a título exclusivamente pessoal, que não se

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deve precipitar na interpretação dos meus sorrisos, pois essa ainda não é matéria onde lhe reconheça especial autoridade, contrariamente em matéria de defesa reconheço -Iha toda.

Relativamente às questões colocadas pelo Sr. Deputado Cardoso Ferreira gostava de dizer, em primeiro lugar, que o qualificativo deste orçamento como conservador é meu, reconheço a paternidade. O orçamento para 1997 é conservador em relação ao de 1996, mas, embora não o tenha dito, também poderia dizer o mesmo em relação ao de 1995 comparado com o de 1996 e assim sucessivamente. E é-o pela simples circunstância de que quando utilizei esse qualificativo me estava a referir às disponibilidades e à margem de manobra do Governo na gestão dos grande agregados financeiros do Orçamento do Estado em matéria de defesa nacional e que são: a proporção relativa das verbas afectas a pessoal, por um lado; a operação e manutenção, por outro; e, em terceiro e último lugar, as verbas sobre a Lei de Programação Militar.

Em matéria de Lei de Programação Militar estamos a executar uma lei plurianual que foi aprovada em 1992 e, portanto, nesse sentido, estamos apenas a executar uma lei que já tem quase cinco anos de vigência. Em relação à proporção relativa das verbas sobre pessoal e operação e manutenção estamos a mover-nos em quadros onde há um agregado extremamente fixo e rígido, que é a averba com pessoal.

E não foi este Governo que definiu as regras do jogo em matéria de orçamento de pessoal, pois na realidade, aí, a solução é conservadora porque resulta, pura e simplesmente, dos critérios adoptados por Governos anteriores, que não nós,'em relação ao agregado pessoal e, como sabe, tem havido uma ligeira apreciação da proporção das verbas afectas a pessoal que resulta do facto de a reforma encetada em 1993, em termos de pessoal, não ter permitido aliviar a pressão sobre o orçamento global decorrente das verbas com pessoal como provavelmente era intenção quando a reforma foi iniciada, mas o resultado efectivo da reforma não foi esse.

Diria, em suma, que é ainda conservador não só porque se insere numa tendência constante encetada em 1990 mas porque se insere também na realidade do que são os orçamentos de defesa dos países do nosso espaço geopolítico. Não é apenas Portugal que tem prçamentos restritivos em matéria de defesa nacional. Todos os nossos parceiros da Aliança Atlântica, com excepção dos EUA, por razões que se prendem mais com a política interna do que com política internacional, têm orçamentos restritivos em matéria de defesa nacional. E nesse ponto de vista devo dizer que Portugal não é excepção e que até está, comparativamente, em situação um pouco mais confortável do que outros. Por exemplo, a nossa vizinha Espanha neste momento tem, para 1997, um crescimento zero do orçamento da defesa e diminuição das verbas que são pagas aos militares na medida em que o crescimento salarial dos militares em Espanha vai ser zero, enquanto que em Portugal vai ter o crescimento aplicado à generalidade da Função Pública, cuja determinação ainda não está feita em virtude de correrem negociações salariais mas que se pode situar numa verba ligeiramente acima da taxa de inflação prevista para o ano de 1997.

D/to isto, gostaria de sublinhar que não há neste momento, em relação à previsão que o Governo faz quanto ao orçamento da Força Aérea para 1997, nenhuma diminuição no grau de prontidão das forças que estão afectas à NATO, isto é, não haverá diminuição do grau de pron-

tidão da esquadra de F-16, que está afecta neste momento à NATO. E verdade que há uma desactivação de meios aéreos que corresponde à desactivação da frota de A-7, mas trata-se de um caso em que naturalmente, devo dizê-lo sinceramente, não considero que este Governo possa ser responsabilizado pelo grau de prontidão da frota A-7. Aliás, trata-se apenas de pôr a verdade formal de acordo com a verdade material que era a que já decorria do facto de a frota A-7 ter um baixo grau de prontidão e um número confinado de aviões a voar que resulta mais da natureza da própria frota, da lógica da escolha, da selecção daquele modelo de aviões do que propriamente de qualquer decisão que resulte de restrições financeiras.

Mas há um ponto onde estou totalmente de acordo com o Sr. Deputado Cardoso Ferreira e até já tivemos ocasião de trocar longamente, ao longo de quatro horas, opiniões na Comissão de Defesa Nacional. O que as dificuldades orçamentais na área da defesa sublinham é a necessidade de ponderar uma reestruturação das Forças Armadas na medida em que sem essa reestruturação não é possível fazer um orçamento de base zero, como foi, aliás, intenção do anterior Governo e que se defrontou com as dificuldades que o Sr. Deputado Cardoso Ferreira decerto melhor do que eu conhece perfeitamente.

Em meu entender, essas necessidades de reestruturação resultam de três grandes variáveis. Em primeiro lugar, variáveis de política interna. É verdade, há opções que estão dependentes de decisão da Assembleia da República em sede.de revisão constitucional que constituem uma das três «estrelas polares» da reestruturação das Forças Armadas. Refiro-me, desde logo e em primeira instância, à opção que a Assembleia da República terá de tomar quanto à constituição do contingente geral das Forças Armadas, isto é, a existência ou não de Serviço Militar Obrigatório (SMO) como base de recrutamento do contingente geral das Forças Armadas. Essa é uma das componentes das opções estruturantes em sede constitucional e no domínio estrito e puro da política interna. Há uma outra que gostaria de acrescentar e que também está dependente de decisão constitucional, que é quanto ao futuro dos tribunais militares, a existência ou não desses tribunais, o que se projecta sobre toda a reestruturação do sistema de justiça militar.

Há uma segunda «estrela polar» da reestruturação das Forças Armadas que tem a ver com o debate em curso nos vários fora internacionais em que Portugal participa e onde se definem condicionantes externas relevantes à política de defesa nacional. Refiro-me, naturalmente, à Conferência Intergovernamental da União Europeia que terá de definir o futuro do segundo pilar, o pilar da PESC, com projecções inelutáveis no domínio da identidade europeia de segurança e de defesa, seja ela entendida no âmbito da cooperação intergovernamental dos países europeus, quadro da UEO, seja ela no que concerne à sua projecção no próprio âmbito da NATO. Esta está confrontada com o desafio da sua reestruturação interna e do seu alargamento, há opções que estão em curso no âmbito da NATO e que o Sr. Deputado conhece tão bem como eu, opções essas que serão condicionantes da nossa própria reestruturação interna das Forças Armadas. Entendo que, sobre o ponto de vista nacional, a revisão do conceito estratégico de defesa nacional, e daí decorrente a revisão do conceito estratégico-militar, e da.reavaliação do dispositivo dependem da caracterização do quadro da envolvente externa em matéria de defesa nacional que resultará da Conferência, intergovernamental no que diz respeito ao futuro do se-

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gundo pilar da União Europeia, por um lado. e, por outro, da reestruturação em curso dos comandos da NATO.

E há um terceira «estrela polar» que tem a ver com a recalibragem das missões das Forças. Armadas entre três grandes vectores: por um lado, a defesa do território nacional; por outro, as missões de interesse púbico; e, em terceiro lugar, as novas missões, as missões de Petersberg, as missões de gestão de crises, as missões humanitárias, as missões de paz. Estas três condicionantes têm de pro-jectar-se não só no orçamento de funcionamento das Forças Armadas mas também no que diz respeito à política de reequipamento das Forças Armadas pois cada vez mais é preciso reconhecer que o esforço de investimento público em matéria de reequipamento tem de corresponder sobretudo a meios de duplo ou de triplo uso, se quiser, meios que não são exclusivamente vocacionados para a defesa clássica do território nacional mas que tenham uma utilização também para missões de interesse público e para as novas missões de paz e humanitárias no contexto internacional.

Estas são, digamos assim, as «três estrelas polares» que entendo que devem presidir à reestruturação das nossas Forças Armadas e que estão, passe a ¡modestia, meridianamente claras no texto das GOP que o Governo apresentou à Assembleia da República.

Quanto à questão colocada sobre se as restrições orçamentais não poderão estar a conduzir o País a perguntar-se para que servem as Forças Armadas, devo dizer que entendo essa pergunta como uma liberdade política típica dos partidos da oposição mas decerto poderei dar como penhor toda a consistência da minha acção política à frente da pasta da defesa nacional para que os Srs. Deputados, ao menos, reconheçam que a minha orientação política não tem, nem de perto nem de longe, nada a ver com qualquer dúvida acerca da valia operacional das nossa Forças Armadas. Esse é o limite que ponho a este debate e é o único pedido que faço que seja reconhecido por parte dos Srs. Deputados, ou seja, a política do Ministério da Defesa não é para colocar em causa a existência de forças armadas. E assim que a entendem as chefias militares que têm tido um esforço notável de participação é de cooperação na definição das grandes opções políticas e das grandes opções orçamentais em matéria de defesa nacional e é assim que acho que deve ser entendida a política do Governo pelo conjunto da opinião pública.

E devo dizer, retomando uma comparação que o Sr. Deputado João Amaral fez, que é evidente que é possível comparar, não sei se' a preços constantes ou se tendo em linha de conta a inflação, as verbas afectas à defesa nacional em 1996, em 1980 ou em 1974 e poderíamos ir mais atrás e comparar com o período da guerra colonial e aí a comparação seria decerto mais calamitosa mas. o Sr. Deputado João Amaral, prudentemente, parou em 1974. No entanto, em termos de visibilidade, o produto operacional das nossas Forças Armadas junto da opinião pública portuguesa, em 1996, não fica a desmerecer do produto operacional de 1980 ou de 1974. Se indagarmos o grau de adesão da opinião pública às missões das Forças Armadas hoje, em 1996, ele não fica decerto atrás, tenho até a expectativa de que fique acima do que era em 1980 ou do que era em 1974.

E devo dizer, aliás, que existem problemas e é bom que os saibamos equacionar para melhor os resolver. Mas é reconfortante, apesar de tudo, verificar que quando o Governo pede às nossas Forças Armadas que equacionem soluções alternativas para a missão da NATO na Bósnia-

-Herzegovina, em 1997, seja possível obter como resposta 13 soluções alternativas mobilizando meios do Exército, da Força Aérea e da Marinha, todos eles com grau de prontidão para a missão operacional num prazo de dois a três meses. Como é reconfortante, quando o Governo pede às Forças Armadas soluções de natureza militar para apoio a missão humanitária a levar a cabo na zona dos Grandes Lagos, seja possível obter, com um grau de prontidão que vai entre uma a duas semanas, cinco soluções alternativas que mobilizam meios do Exército, da Marinha e da Força Aérea. Ora, isto significa que o produto operacional susceptível de ser accionado num curto espaço, de tempo para responder a missões responsabilizantes das Forças Armadas não é tão reduzido ou tão escasso como as intervenções de VV. Ex.M poderiam fazer crer.

Aliás, sobre esse ponto de vista, gostaria de esclarecer — e talvez seja uma informação importante para dar à Assembleia da República — que se incluirmos, em termos de execução orçamental, não apenas o orçamento corrente mas também o orçamento de investimento, quer o PJD-DAC, quer a Lei de Programação Militar, podemos dizer que a estimativa de execução do orçamento para 1995, despesa global com a defesa nacional, se cifrou em 334 milhões e 600 000 contos e que, em relação a 1996, incluindo portanto o orçamento de funcionamento, Lei de Programação Militar com os respectivos saldos que transitam para 1997, bem como as missões de paz, o orçamento executado em 1996 na área da defesa nacional, em termos de despesa pública global, cifrar-se-á em 349 milhões de contos. Portanto, em termos de estimativa de execução, há uma subida de execução orçamental de 1995 para 1996 e que resulta, como sempre tornei claro,...

O Sr. João Amarai (PCP): — Em 1997 é maior a descida.

O Orador: — Também tenho uma estimativa para 1997, mas sobre essa o Sr. Deputado vai ter que esperar pelo meu regresso para o ano que vem.

Risos.

De todo o modo, gostava de dizer que dentro desta estimativa de execução esti previsto que, em 1995, tenham sido despendidos com missões de paz — é um número que frequentemente me é perguntado e tenho muito gosto em informar a Assembleia da República —, no aprontamento da força para a Bósnia Herzegovina, cerca de 3,3 milhões de contos; com a missão da UNAVEM JJJ, em Angola, cerca de 2,2 milhões de contos, o que equivale a uma despesa com missões de paz, no ano de 1995, na ordem dos 5,5 milhões de contos. Em relação a 1996, e repot-tando-me a números referentes a uma estimativa apurada em 7 de Novembro deste ano, gostaria de dizer que, em relação ao custo estimado de despesa com operação da NATO na Bósnia- Herzegovina de 13 milhões de contos, está previsto que o gasto global no final deste ano se cifre em 12 milhões 884 000 contos repartidos da seguinte forma: 94 000 contos com a missão do avião P3P Orion, que esteve na operação Sharp Guard até Fevereiro deste ano, mais 67 000 contos despendidos com a fragata que chefiou a Stanavforland até Abril de 1996 e um gasto global com a operação da Bósnia (Exército e Força Aérea), incluindo o batalhão da Brigada Aerotransportada Independente, mais o grupo táctico de apoio da Força Aérea, mais a despesa com os voos semanais do Hércules

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C-130 de reabastecimento e apoio às nossas forças, um total de 12 milhões 723 000 contos.

Em relação à missão de paz em Angola — UNA VEM m —, a Companhia Logística n.° 6 e a Companhia de Transmissões n.° 5, durante o ano de 1996, importarão uma despesa pública na ordem dos 3,077 milhões de contos. Esta despesa está ligeiramente acima do que foi orçamentado no início do ano porquanto a orçamentação feita para 1996 não integrava ainda o reforço dos efectivos em Angola que se operou durante o mês de Março deste ano em que foram enviados mais cerca de 200 homens.

Creio, contudo, ser justo reconhecer que foi feita uma gestão extremamente rigorosa, por parte do Exército, das verbas em missões de paz o que permitiu, aliás, uma poupança na missão de paz na Bósnia que possibilitou simultaneamente cobrir o acréscimo de despesa da missão de Angola, o que significa que em missões de paz, no ano de 1996, a despesa global situar-se-á criteriosamente dentro do tecto global fixado pelo Governo de 16 milhões de contos. Em relação às questões das missões de paz creio que este é o panorama mais realista que pode ser apresentado e nesse sentido agradeço as referências elogiosas que o Sr. Deputado Acácio Barreiros fez ao esforço com que as Forças Armadas têm sabido assumir e cumprir estas missões que lhes têm sido confiadas pelo poder político.

Em relação às questões levantadas pelo Sr. Deputado João Amaral, a algumas delas já respondi, pelo que gostava só de confirmar que relativamente à incorporação em serviço efectivo normal, no ano de 1997, está previsto que o Exército incorpore cerca de 50% do efectivo incorporado. Como o Sr. Deputado João Amaral sabe, esta situação não é nova em 1997, como não era nova em 1996, em 1995 e em 1994, mas concordo que este tipo de opções não deve ser tomada apenas por razões de restrição e de contracção orçamental pois são opções políticas estruturantes que entendo que devem decorrer de uma decisão em sede constitucional tomada na Assembleia da República e subsequentemente vertida em lei ordinária do País.

No fundo, as questões que o Sr. Deputado João Amaral coloca prendem-se com a Lei de Programação Militar e em relação a essas gostaria de dizer que me sinto particularmente tranquilo na resposta que tenho que dar-lhe. Na realidade essa resposta resulta da comparação do gasto em Lei de Programação Militar verificada no âmbito da execução da 2.° Lei de Programação Militar. Já tive ocasião de dizer em comissão, mas repito aqui dado que na comissão não há registo do que se diz nem havia jornalistas presentes — que em 1993 o executado em LPM foi 17 milhões e 300 000 contos; em 1994, o executado em LPM foi 11 milhões 195 000 contos; e que o executado, em 1995, em LPM foi 12 milhões 836 000 contos. Estimamos, para despesa executada no ano de 1996, em LPM, uma quantia que andará à volta dos 27 milhões de contos, o que significa, portanto, que a execução, em LPM, no ano de 1996, se se concretizarem as estimativas de execução apresentadas pelos ramos, designadamente, aquele que está mais atrasado na execução, que é o Exército, estimo que corresponderá, em média, ao dobro da execução em cada um dos anos antecedentes dp quadro da Lei de Programação Militar.

Ora, isto significa que com os saldos que transitam de 1996 para 1997, na ordem dos 27 milhões de contos, saldos que, Sr. Deputado João Amaral, não são gerados por decisões arbitrárias deste Governo em 1996 pois transitaram, de 1993 para 1994, 21 milhões e 900 000 contos de

saldos; transitaram, de 1994 para 1995, 29 milhões e 428 000 contos de saldos; transitaram, de 1995 para 1996, 29 milhões e 851 000 contos de saldos e com uma execução da ordem dos 27 milhões de contos ainda transitarão, de 1996 para 1997, 29 milhões e 968 000 contos de saldos. Como se vê, isto significa que nos daria um horizonte de despesa, em 1997, na ordem dos 57 milhões de contos. Todavia, o que o Governo conta é que, em 1997, com as verbas inscritas em LPM (20 milhões de contos), mais os saldos que transitam, no mínimo, da ordem dos 27 milhões de contos, tenhamos um horizonte de despesa, em LPM, na ordem dos 47 milhões de contos! Devo dizer que estes números me deixam particularmente tranquilo para responder hoje, aqui, perante VV. Ex.35, pela política ,de reequipamento das Forças Armadas.

Em relação à questão colocada sobre os militares falecidos na Bósnia, devo dizer que o quadro dê protecção legal dos militares falecidos em operações de paz, seja na Bósnia-Herzegovina seja em Angola — infelizmente também já houve mortos em Angola, é o que resulta da legislação geral de protecção social dos militares mandada aplicar às missões de paz por um despacho meu, de Janeiro deste ano, e que foi agora vertido em letra de lei por um decreto-lei que já foi aprovado em Conselho de Ministros e que se encontra a aguardar publicação na Imprensa Nacional, mas cuja data não é totalmente relevante na medida em que o diploma prevê efeitos retroactivos a 1 de Janeiro de 1996, ficando assim cobertas todas as situações criadas no âmbito das missões de paz em Angola e na Bósnia-Herzegovina durante o ano de 1996 assim se respondendo a uma das dúvidas que se poderia suscitar de saber se o despacho era instrumento legal .suficiente para garantir a protecção dessas situações.

Como sabe, em relação a um dos militares falecidos na Bósnia, o Conselho de Ministros votou uma resolução que atribui aos seus ascendentes uma pensão de sangue a título extraordinário na medida em que, também por iniciativa do Ministério da Defesa Nacional, já foi alterada a própria legislação geral sobre pensões de sangue para cobrir situações deste tipo.

Quanto ao problema colocado sobre seguros, devo dizer que não há qualquer seguro de vida oficial da responsabilidade do Estado português porque entendemos que o quadro de protecção legal é o que resulta da lei geral que foi agora mandada aplicar às missões de paz. Aliás, segundo a informação que me foi fornecida, o que se passou é que alguns militares fizeram seguros individuais e que esse seguros comportaram um pagamento do prémio de seguro suportado pelo próprio segurado, isto é, suportado pelo próprio militar que fez esse seguro. Mas essa é uma relação jurfdica privada entre o militar segurado e a companhia de seguros que lhe fez esse seguro não havendo qualquer interferência do Governo nessa relação de seguro e, como não assumimos responsabilidade alguma no pagamento do seguro, também não assumimos, naturalmente, qualquer responsabilidade quanto ao pagamento de seguro. Porém, o que isto prova é que há no mercado segurador disponibilidade para fazer esses seguros e que houve militares que entenderam que em acréscimo àquilo que é a protecção legal dispensada a todos os militares em missões de paz e humanitárias, resultante da aplicação da lei geral a este tipo de missões, há um acréscimo de natureza exclusivamente individual feito por alguns dos militares.

Srs. Deputados, para já é tudo. Muito obrigado pelas, perguntas e pela atenção dada às respostas.

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A Sr." Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Holstein Campilho.

O Sr. Pedro Holstein Campilho (PSD): — Sr." Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro da Defesa Nacional: Ouvi com atenção as suas explicações, nomeadamente, aquela sua primeira afirmação de que estava a cumprir a Lei de Programação Militar anterior, mas, se não me falha a memória, no quadro plurianual da referida lei estavam previstos, para 1997, 37 milhões de contos, sendo que 6,5 milhões de contos era crédito externo afecto ao pagamento dos F-16, ou seja, sobravam 31 milhões de contos. Qual é a diferença? Ou será que estou enganado entre os 31 milhões de contos e os 20 milhões de contos efectivamente inscritos no orçamento?

Ainda sobre a Lei de Programação Militar diz o Sr. Ministro que tem 47 milhões de contos para 1997 e a minha pergunta é a seguinte: quem é o responsável pelo cumprimento dos programas? São os diversos ramos? E em que percentagem? Ou são os serviços centrais do Ministério da Defesa Nacional? Desejava saber quem é responsável pelo gasto dos 47 milhões de contos para quando chegarmos ao fim podermos ter a noção de quem foi o responsável caso não tenham sido cumpridos os pia-fonas, o que, aliás, o Sr. Ministro, com muito optimismo, como já aconteceu no dia 29 de Outubro na reunião da Comissão de Defesa Nacional, demonstrou.

A outra pergunta que lhe queria colocar era a seguinte. É evidente que o Sr. Ministro se referiu à valia operacional, mas não deixou de dizer que não há baixa de prontidão, e deu o exemplo dos aviões com obrigações a norte. E os aviões com obrigações nacionais: ZEE, busca e salvamento, etc? Como é que é?

Sabemos que há pilotos que não atingem as qualificações e não podem ser promovidos. Podem ser promovidos uma vez sem qualificações, por decisão do Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, mas não mais do que uma. Parece-me, assim, que, com este orçamento e até certo ponto, estamos a mexer com os próprios direitos que os pilotos adquiriram pelo contrato que têm com as Forças Armadas. Penso que devíamos ter isto em atenção.

O Sr. Ministro faz ainda um elogio... E não podemos deixar de estar de acordo consigo quando diz: «Vamos pensar a IFOR II». E surgiram-lhe imediatamente 13 alternativas. Mas a minha pergunta é se, nessas 13 alternativas, está ou não contemplado, através da dotação orçamental, que é quem vai pagar essa operação, o próprio reequipamento dessas Forças Armadas. Ou seja, se forem precisos materiais para a engenharia, se parte deles não são pagos côm a dotação orçamental, em vez de serem pagos pelo próprio Orçamento, ou se for construído um hospital, se parte do equipamento do hospital não é pago com a dotação orçamental, em vez de o ser pelo próprio Orçamento. Gostaria de saber se não estamos a subsidiar ou a pagar as Forças Armadas com a dotação orçamental em equipamento próprio:

Também entendo que o orçamento é curto, é pequeno, e não vale a pena escondermos que há problemas no Alfeite, porque não se fazem desassoreamentos e, por isso, há navios que só podem entrar ou sair com as marés, o que me parece complicado, e que há falta de navios nos Açores e na Madeira, nomeadamente para cumprir outras obrigações internacionais, como na FIR de Santa Maria, havendo, por isso, operações de busca e salvamento que

não se cumprem, embora os utilizadores paguem um fee pela sua passagem aí. Contudo quero perguntar-lhe até que

ponto é que, não dando o orçamento cabimento a este tipo

de operações necessárias — e Deus queira que não haja

acidentes e que a questão se não ponha —, não estaremos

a criar um problema que pode ser de alguma gravidade.

Um última pergunta, Sr. Ministro: se houver transição de saldos, dos tais 47 milhões de contos, no fim desta Lei de Programação Militar, como é que vai ser? Entram como receita no orçamento do ano que vem ou passam para a Lei de Programação Militar seguinte?

A Sr." Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Raimundo Narciso.

O Sr. Raimundo Narciso (PS): — Sr." Presidente, Sr. Ministro da Defesa, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Quero, em primeiro lugar, felicitar o Sr. Ministro pelas Grandes Opções do Plano, no Capítulo da Defesa.

Risos do PCP.

O Sr. Deputado João Amaral ri-se,...

O Sr. João Amaral (PCP): — Eu a seguir choro! Prometo!

O Orador: — ... mas pode ser que não seja o último a rir e, rindo-se, pode ser até que nos ajude a entender melhor o seu pensamento sobre esta matéria.

Sei que as Grandes Opções do Plano são merecedoras não só de justa atenção mas também de elogio, porque fazem uma clarificação importante sobre o que será e o que pensa o Ministério sobre a defesa e sobre as Forças Armadas para o futuro.

Estão indiciadas reestruturações da máxima importância, que se impunham desde há muito tempo. Diga-se, em abono da verdade, que é uma reestruturação que vem sendo feita ao longo do tempo — e há que reconhecer que o PSD iniciou esse trabalho com algum mérito —, mas sem dúvida que há atrasos sérios e cabe ao Governo empreender— e fá-Io com coragem, em meu entender— um plano de reestruturações bastantes profundas que colocam as nossas Forças Armadas e a nossa política de defesa em sintonia com os novos tempos.

O quadro internacional mudou radicalmente e, portanto, todas as questões ligadas à defesa estão condicionadas por esse novo quadro, bem como as Forças Armadas, os seus equipamentos e a forma de prestação do serviço militar. Mas estas Grandes Opções do Plano, no domínio da defesa, têm ainda o mérito de revelar que a decisão importantíssima sobre o serviço militar — e digo importantíssima, porque é uma decisão estruturante das Forças Armadas, condicionante do seu futuro a longo prazo — se enquadra num conjunto credível e não se trata de uma medida casuística ou de uma medida que resulte de pressões, de movimentos estudantis, que, por incompreensão dos problemas da defesa ou por laxismo, não queiram cumprir o serviço militar. Nessa-medida, as minhas felicitações!

Em relação ao Orçamento do Estado, creio que o País olhará para as posições do Governo e dos diferentes partidos e fará os seus juízos. O Governo considera que, no actual quadro interno e internacional, 300 milhões de contos para a defesa são suficientes. O PCP acha que não e que era necessário mais dinheiro, e suponho que é esta também a posição do PSD.

Não é credível a posição aqui referida pelo Sr. Deputado João Amaral de que basta mais uns contos de réis

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para melhorar substancialmente um eventual produto de defesa. Não! Uma mudança substancial implicaria verbas muitíssimo superiores, por isso a opção que o Governo fez é, a meu ver, justíssima: dar prioridade a políticas que são mais urgentes para o País e poupar, tanto quanto possível, nos domínios onde isso é possível. E na defesa é possível fazer isso.

Na realidade, não há um prejuízo do nosso produto de defesa nestas circunstâncias e gostaria até de salientar que esse produto operacional, se assim lhe quisermos chamar, do Ministério da Defesa é bastante relevante. Vejamos o grande sucesso da operação da Bósnia, o grande êxito da nossa participação na UNA VEM III, na cooperação militar com países de África de língua oficial portuguesa e com outros países. Trata-se de um produto que tem prestigiado Portugal e as Forças Armadas e que revela o desempenho do Ministério da Defesa, que é corroborado, por exemplo, na escolha de um oficial general português para dirigir a acção de paz no Saara Ocidental.

Não há qualquer situação de meios aéreos que não possam voar por falta de preparação de pilotos. Quero lembrar aos Srs. Deputados que aqui chamaram a atenção para esse problema que temos pilotos capazes de fazer voar três vezes mais os meios aéreos que temos e, portanto, não há qualquer problema de aviões que deixem de voar por falta de verba orçamental.

Em relação à Lei de Programação Militar, há um aspecto que foi referido aqui e também num fórum diferente pelo Sr. Deputado João Amaral, que tem a ver com o problema do não cumprimento de um compromisso, que é a não utilização de verbas da programação militar no tempo previsto.

A esse respeito, quero perguntar-lhe: não acha estranho que o órgão de soberania que decide da programação militar, bu seja, a Assembleia da República, e que decidiu determinadas verbas em 1986/1987, tenha de considerar agora que, pelo facto de ter sido aprovada, há quatro ou cinco anos, uma determinada verba para comprar determinados equipamentos, num contexto de defesa completamente distinto, tenha de gastar esse dinheiro, sem poder reconsiderar?

• Mas creio que essa questão nem sequer se coloca, por isso gostava de deixar aqui uma pergunta ao Sr. Ministro da Defesa relacionada com ela,...

O Sr. João Amaral (PCP): — Até que enfim!

O Orador: —... que é saber se, de facto, houve algum programa fundamental para a defesa que não tivesse sido levado por diante por decisão do Ministério devido a falta de meios financeiros.

Na actual situação de paz interna e internacional, os portugueses compreenderão que destinar mais dinheiro para a defesa não é justificável.

• Terminaria dizendo que o Ministério da Defesa conseguiu que as Forças Armadas tivessem um excelente desempenho, pois só assim se compreende que, com os restritos meios que lhes foram facultados, tenham garantido todas as necessidades mínimas de defesa e de participação em acções externas, que têm bastante relevância para o País.

Vozes do PS: —Muito bem!

A Sr.° Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): — Sr." Presidente, Sr. Ministro da Defesa, «quem com ferro mata, com ferro morre»! E a mim sucedeu-me isso! Dei-lhe aquela piada do sorriso e levei logo outra da bancada do PS! De maneira que VOU fazer minhas as suas palavras. Sr. Deputado Raimundo Narciso, não vai interpretar os meus sorrisos... Já os interpretou! Houve tempo!... Mas agora já não!

Risos.

Tenho de confessar que isto tem uma certa graça, porque já estou na Comissão de Defesa há uns tempos e já vi aqui vários ministros da defesa, como Mota Pinto, Rui Machete, Leonardo Ribeiro de Almeida, Eurico de Melo, Carlos Brito — por acaso, acho que esse nunca o vi cá —, Fernando Nogueira e Figueiredo Lopes, mas garanto-lhe que nunca houve nenhum aqui, nesta Assembleia, tão elogiado como o Sr. Ministro António Vitorino. Tem alguma graça! Quer dizer: quanto pior é a política, mais são os elogios!

Sr. Ministro, não quero nem vou repetir uma intervenção que já fiz e sobre a qual já disse tudo aquilo que pensava, mas creio, ao contrário do que diz, que o tal limite a que se referiu, quando disse que não queria ultrapassar o limite da operacionalidade é, de facto, ultrapassado. E isto tem a ver com o que cada um de nós pensa sobre para que é que servem as Forças Armadas e para que é que serve a vertente militar da política de defesa nacional.

Se as Forças Armadas forem concebidas para privilegiar missões de paz de natureza externa, evidentemente que o Sr. Ministro pode dizer que elas cumpriram aquilo que lhes fõi solicitado, mas se se» considerar, como eu continuo a considerar, que a sua missão principal e primordial é aquela que está definida na Constituição, que é assegurar a defesa militar da República e, portanto, num quadro muito claro de defesa dos interesses nacionais e de defesa da integridade do território, considero que esse produto operacional é baixíssimo.

Aliás, devo dizer-lhe, com muita franqueza, que a expressão «visibilidade» que utilizou, e que eu traduziria — não me leve a mal — por propaganda, é muito fácil de conseguir com uma operação na Bósnia, mas é muito mais difícil de conseguir com um efectivo que está no terreno, que organiza um sistema de defesa e que, provavelmente, o que se lhe pede àté é que não seja muito visível. Portanto, quanto a isso, enfim, já dissemos o essencial e não vou repetir.

Creio que, quando o Sr. Ministro alega a capacidade das Forças Armadas para poderem apresentar 13 soluções alternativas, é bom que se saiba quais são essas 13 soluções. São mini-soluções. São o que são! Até há uma menor que é uma companhia da Polícia do Exército ou coisa que o valha! Mas isso não interessa! A questão que está colocada no produto operacional não é a capacidade de agarrar num avião F-16 ou num batalhão e enviá-lo para a Bósnia; é uma questão que vai muito para além disto e que tem a ver com um sistema organizado de defesa.

Com certeza que aquela graça sobre a inflação, isto é, se eu tinha contrato com a inflação, era interrogativa. O Sr. Ministro sabe perfeitamente que os números que estou a dar são os números do ano. No ano de 1974, as despesas militares foram 31% da despesa total; no ano de 1980, foram 9% da despesa total; e no ano de 1990, foram de 4,6% da despesa total, portanto, o País já contraiu muito as suas despesas de funcionamento com as Forças Armadas.

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Por outro lado, quando digo que a diferença entre esta

quase inexistência de um produto operacional e algum

produto operacional relevante é muito pequena, não falo de qualquer grande reforma de fundo ou de mudança. Quando lhe disse que a diferença era pequena, queria dizer que era pequena para conseguir um pouco mais de treino e um pouco mais de capacidade operacional do que aqueles que são conseguidos com estas verbas. Não estou a falar do dinheiro necessário para fazer qualquer reforma de fundo, nem estou a evocar grandes e complexas alterações em relação ao sistema de forças e ao dispositivo.

A última nota, para concluir, é sobre a Lei de Programação Militar. Continuo a considerar que as verbas da Lei de Programação Militar são inscritas ano a ano para uma despesa que é feita nesse ano ou subsequentemente. Quando o Sr. Ministro diz que hoje se acumula um certo volume com o que é inscrito este ano e com o que decorre dos saldos, isso é a vida própria das leis de programação militar, elas funcionam assim. Já aqui foi perguntado de quem é a responsabilidade de alguns atrasos. De quem é a responsabilidade de alguns dos atrasos que há com o cumprimento da lei? As responsabilidades podem ser repartidas por muita gente: pelas Forças Armadas, pela burocracia do Ministério, pelo sistema legal de concursos e de aquisições, por erros de informação de fornecedores, etc. Há um conjunto de responsabilidades.

Agora, as verbas são gastas ano a ano, porque já foram inscritas no Orçamento. Já ninguém lhe tira a verba! Aquela verba já foi gasta, já não é recuperável, a menos que a inscreva como receita, como é evidente! Tem alguma graça pôr essa questão assim, porque isto daria origem a um novo modelo de .receitas, talvez um «modelo familiar» —, é o «pé-de-meia». A designação que lhe proponho para meter isso com receita é «pé-de-meia das Forças Armadas».

O Sr. Pedro Holstein Campilho (PSD): — Dá-me licença, Sr." Presidente?

A Sr." Presidente: — É para uma intervenção?

O Sr. Pedro Holstein Campilho (PSD): — É para fazer uma pergunta muito rápida.

Sr. Ministro, ouvimos ontem o Sr. Javier Solana, Se-cretário-Geral da NATO, referir-se aos comandos regionais e a qualquer coisa sobre o que já temos conversado, que é a decisão do Comité Militar, dizendo que iria propor que as decisões do Comité Militar fossem cumpridas. A minha pergunta é esta: o que é que o Sr. Ministro pensa que vai acontecer a nível do Comité Político? Vai, de facto, manter-se a decisão tal como os militares a propõem ou não?

A Sr.* Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): — Sr.* Presidente, Sr. Ministro da Defesa, a primeira nota que quero deixar aqui é que V. Ex.° fará a justiça de reconhecer que eu não disse aqui nada que não tivesse já dito a V. Ex.° na Comissão de Defesa Naciortal. Isto para dizer que, em matérias de tão grande relevância, como são as de defesa nacional e das Forças Armadas, não sou, de forma alguma, pelo contrário, apologista da política espectáculo ou da intervenção parlamentar espectáculo.

Quero ainda dizer-lhe, Sr. Ministro, que, em matéria de

Orçamento e em muitas outras, temos de nos entender. A

responsabilidade política do Partido Social-Democrata acabou no dia 5 de Outubro de 1995 e não poderá este Governo, sistemaücamente, chamar à colação, como forma de se desresponsabilizar, aquilo que foram a gestões anteriores, para além — um pequeno lapso de memória de V. Ex.° — de que salientei que os orçamentos têm vindo a ser reduzidos progressivamente, lentamente, à excepção do orçamento do ano passado, em que houve uma redução brutal. E este orçamento, ao ser conservador em relação ao ano anterior, também consagra essa quebra muito significativa de receitas.

A questão que, essencialmente, se colocou aqui, Sr. Ministro, foi a da reestruturação das Forças Armadas. Ou seja: compreende-se que não há mais recursos disponíveis para as Forças Armadas, há outras prioridades igualmente importantes, mas a questão é saber se este Governo vai deixar que as coisas continuem como estão a degradar-se do ponto de vista do produto operacional, porque aquilo que V. Ex." nos disse aqui foi uma manifestação de política de boa vontade, mas que, na prática, não tem consagração, não corresponde à realidade, porque, por aquilo que nos é dado conhecer nos breefings pelos responsáveis de cada um dos ramos e pelo responsável operacional máximo, que é o Chefe de Estado-Maior General, Jiá dificuldades enormes.

O Governo exige que as Forças Armadas cumpram todas as missões, reduzindo cada vez mais — no último ano e neste de uma forma muito significativa — as suas verbas. Ou seja: o Governo quer que, com um lençol cada vez mais pequeno, as Forças Armadas consigam cobrir todas as suas necessidades e todas as imposições constitucionais.

Sr. Ministro, estamos de acordo e partilhamos da necessidade de reestruturação das Forças Armadas, mas V. Ex.° apresenta-nos aqui um conjunto de razões para não podermos proceder a essa reestruturação enquanto determinadas questões não forem resolvidas.

Sr. Ministro, eu, naturalmente, não tenho a indelicadeza e não lhe faço a injustiça de lhe atribuir uma vontade de contribuir para a degradação da instituição militar, quer na sua imagem quer na sua operacionalidade. Não o faço! Mas, naturalmente que ao Governo terá de ser assacada a responsabilidade de, se não tomar medidas preventivas, e enquanto se não verificarem todos estes pressupostos, desde o resultado da Conferência Intergovernamental, à questão da reestruturação e alargamento da NATO, à própria redefinição do Conceito Estratégico de Defesa Nacional, tudo isto se atrasar ou, pelo menos, se dilatar no tempo. Numa situação dessas, V. Ex." e o seu Governo terão de ser responsasbilizados politicamente pelo estado em que viermos a encontrar as Forças Armadas, porventura daqui a um ano ou dois.

Há aqui um outro aspecto a que V. Ex.° condiciona a reestruturação das Forças Armadas, que é a decisão, em sede de revisão constitucional, sobre a questão do serviço militar obrigatório. Ora, eu gostava de ser muito claro quanto a isso, Sr. Ministro: o que está em causa, como V. Ex* sabe, é retirar da Constituição a obrigatoriedade do serviço militar obrigatório, mas a responsabilidade do modelo de prestação de serviço, no caso de isso ocorrer, isto é, de ser desconstitucionalizado este preceito, é do Governo. Não pode ter outro sentido que não seja o de, no momento próprio, após encerrada a revisão constitucional nesta matéria, o Governo fazer a sua proposta a Assembleia da República, e aí todos nos pronunciaremos.

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Nota-se por parte do Governo e do Ministério da Defesa uma certa propensão para obter uma corresponsabili-zação de alguns partidos neste processo. Quero dizer-lhe, Sr. Ministro, que quem ganhou as eleições foi o Partido Socialista, quem governa é o Partido Socialista, quem é Ministro da defesa é V. Ex.°, por isso não poderá contar com a muleta do PSD para questões que são exclusivamente da responsabilidade e da capacidade de decisão do Govemo.

O PSD está sempre disponível para, em matérias de Estado, com sentido de Estado, como se tem verificado em muitas questões, nomeadamente em missões de carácter humanitário das nossas Forças Armadas, e quando consultado, se pronunciar caso a caso, conforme as circunstâncias, e até aqui tem-se pronunciado favoravelmente.

Agora, compreenderá V. Ex." que o Governo não pode querer ter no PSD uma almofada para decisões — complexas, sem dúvida — para as quais foi totalmente responsabilizado e legitimado pelo povo português. Nestas circunstâncias, o Govemo que apresente a sua proposta e cá estaremos para ver depois.

Finalmente, e em nota lateral para o Sr. Deputado Raimundo Narciso, queria dizer que suponho que V. Ex." não tenha ouvido bem. Ninguém estava aqui a dizer «mais dinheiro para as Forças Armadas», até porque isso seria extremamente embaraçoso porque, por vezes, do discurso do Governo ficamos com a sensação de que há dois discursos: um discurso para as Forças Armadas de que há mais dinheiro e um discurso para o País de que há menos dinheiro.

Nõs sabemos que os recursos são escassos e, portanto, ninguém falou aqui nisso; o que se disse foi o seguinte: o Governo tem a responsabilidade de, a querer manter estes orçamentos restritivos, garantir às Forças Armadas, através da reestruturação, que elas continuem e possam desempenhar o papel que lhes está constitucionalmente atribuído não só nas missões primárias como nas áreas de intervenção pública.

A Sr.° Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: — Sr." Presidente, começaria por responder às questões colocadas sobre a Lei de Programação Militar, que foram colocadas pelos Srs. Deputados Pedro Holstein Campilho, Raimundo Narciso e João Amaral.

Gostaria de dizer que até poderia dar ao Sr. Deputado Pedro Holstein Campilho duas respostas, que seriam aparentemente contraditórias, mas ambas seriam verdadeiras. A primeira era dizer-lhe qual foi a percentagem de verbas da LPM que estiveram cometidas, no passado, aos órgãos e serviços centrais do Ministério e aos ramos e qual foi o grau de execução dessas verbas. E essa resposta evidenciaria que, embora o cômputo global do gasto seja baixo, como tive ocasião de sublinhar, no EMFA e nos três ramos o grau de despesa foi sempre superior ao da parte respeitante aos órgãos e serviços centrais. Porquê? Porque os órgãos e serviços centrais têm pouquíssimas responsabilidade em matéria de Lei de Programação Militar. Têm programas menores de investigação e desenvolvimento, que têm sido executados praticamente na totalidade, e têm um único programa relevante, que foi avocado por uma decisão do Dr. Fernando Nogueira, quando era Ministro da Defesa, o Programa da Arma Ligeira, que, como sabe, não tem sido executado — tem estado a ser objecto de avaliação.

Portanto, esta era uma resposta: o Ministério tem ficado para trás, embora a quota-parte do Ministério, do conjunto global dos programas, seja ínfima.

Também posso dar uma resposta em sentido contrário, ou seja, dizer-lhe que, em relação aos grandes programas, o modelo definido na Lei de Programação Militar, tendo em conta as regras constantes da Lei-Quadro da Lei de Programação Militar e os concretos despachos de delegação de competências do Ministro nos chefes dos ramos das Forças Armadas, faz com que o essencial das decisões de despesa em matéria da programação militar pertença aos ramos das Forças Armadas e ao Estado-Maior General das Forças Armadas. Esse aspecto não foi alterado agora, sempre foi assim — aliás, fiz questão de não alterar qualquer das regras de delegação de competências apenas por pura previsão de que, um dia, o Sr. Deputado Pedro Holstein Campilho me viria fazer essa pergunta, só por isso!

Tal significa que, em relação aos programas, a decisão de lançamento ou de organização dos concursos e os pagamentos correspondentes são da responsabilidade dos ramos e do Estado-Maior General das Forças Armadas, com o acompanhamento permanente do Ministério. Portanto, a responsabilidade é colectiva, assumida e partilhada pelo Ministério da Defesa Nacional e pelos ramos das Forças Armadas.

Em termos concretos, para responder aos Srs. Deputados Pedro Holstein Campilho e Raimundo Narciso, há apenas um único programa que foi objecto de atraso por decisão do Ministério da Defesa Nacional. Refiro-me ao levantamento do Grupo de Aviação Ligeira do Exército, isto é, a aquisição de helicópteros para o Exército. Tal deveu-se ao facto de não estar aqui em causa um puro programa de Lei de Programação Militar mas, sim, um programa conjunto de Lei de Programação Militar, na parte respeitante ao Exército, mas também um programa de investimento público extra-Lei de Programação Militar, na parte que dizia respeito aos helicópteros para o Serviço Nacional de Bombeiros, da responsabilidade do Ministério da Administração Interna.

Acontece que o Ministério da Administração Interna deixou de estar interessado nesse tipo de aquisição de helicópteros. Ora, como o anterior Governo tinha aprovado uma resolução, lançando o projecto para ambas as valências, Exército e Serviço Nacional de Bombeiros, o actual Governo foi confrontado com a necessidade de rever essa resolução, separando a aquisição de helicópteros para o Exército da aquisição dos mesmos pelo Ministério da Administração Interna. Este é, portanto, o único programa que teve de sofrer uma intervenção governamental de recondução da sua orientação.

De resto, quanto aos demais programas, relativos a viaturas de reconhecimento ou a viaturas blindadas para o Exército, eles correm pelo Estado-Maior do Exército e o chefe do respectivo ramo tem a delegação de competências para fazer as aquisições no âmbito da Lei-Quadro da Lei de Programação Militar.

Em relação aos submarinos, a Marinha tem feito um levantamento das várias funções alternativas. Estão em curso estudos técnicos, quer quanto à hipótese de aquisição de submarinos novos quer quanto à aquisição de submarinos em segunda-mão, estudos esses que têm sido acompanhados pela Direcção-Geral do Armamento e Equipamento de Defesa e que, embora não estejam ainda concluídos, estão bastante adiantados. Vamos entrar agora numa fase de diálogo directo com os ofertantes, os vendedores de submarinos, mas não tem havido qualquer atra-

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so propositado da responsabilidade seja da Marinha seja do Exército.

Quanto à questão de saber se com as missões internacionais estamos a financiar o reequipamento das Forças Armadas, quero esclarecer o seguinte: em relação ao que foi feito para a missão na Bósnia-Herzegovina, estou tanto mais à vontade quanto a decisão de aprontamento pertenceu ao anterior Governo. E peço desculpa por falar no anterior Governo, mas a minha concepção é a de que o Estado é um só.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): — Eles querem esquecê-lo!

O Orador: — E assim como assumo algumas penas do passado, também tenho sempre a maior preocupação de justiça de elogiar quando o Governo anterior tomou decisões acertadas. E aqui está uma decisão acertada!

O Estado é um só e a História julgar-nos-á como geração.

Para reconforto dos Srs. Deputados do PSD, foi o anterior Governo que teve as responsabilidades de aprontamento da força militar para a Bósnia, e esse aprontamento foi custeado, em parte, por verbas da LPM, na ordem dos 500 000 contos. Trataram-se de investimentos de estrutura que correspondiam a progTamas que estavam previstos na Lei de Programação Militar. Portanto, nesse sentido, é lógico que parte do custeamento tenha corrido por conta da LPM.

Também sou muito sensível ao argumento que o Sr. Deputado utilizou sobre uma repartição não equitativa dos benefícios e dos custos em matéria de busca e salvamento. Creio que essa é uma matéria que deveria ser objecto de uma revisão, porque não é possível que seja apenas uma entidade — a ANA — a recolher as taxas e, depois, o custeamento exclusivo do sistema de busca e salvamento seja da responsabilidade da Força Aérea. Fico contente por saber que esta questão tem eco na bancada do PSD.

Quanto à pergunta sibilina sobre o que acontecerá à transição de saldos no fim da aplicação desta Lei de Programação Militar, colocada pelo Sr. Deputado Pedro Holstein Campilho, gostaria de esclarecer que acontecerá o que está previsto na Lei-Quadro das Leis de Programação Militar e que foi precisamente o que ocorreu no fim da primeira Lei de Programação Militar, mas com um acrescento: parece-me que, para além do horizonte de 47 milhões de contos de despesa para 1997, é útil que a Assembleia da Repú-§blica, que é o órgão que tem de decidir sobre estas matérias de investimento, seja confrontada, simultaneamente, com a revisão da LPM para 1997 e com o projecto de LPM para 1998. Só assim poderá ter uma visão de conjunto e garantir a transição, sem hiatos, entre o fim da execução da segunda Lei de Programação Militar e o lançamento da terceira Lei de Programação Militar, que terá a duração de seis anos e não de cinco, como acontecia até aqui na proposta do Governo. Ela deverá ainda prever um sistema de revisão bianual, um sistema roll on roll over para permitir constantes reajustamentos à alteração da situação, sistema que não estava previsto no quadro de execução da segunda Lei de Programação Militar.

Em relação as questões colocadas pelo Sr. Deputado João Amaral, registei que leva no activo sete Ministros da Defesa e a todos resistiu heroicamente. Felicito-o por isso — também resistirá a mim, de certeza absoluta, posso garantir-lhe! Aliás, contará, com toda a minha simpatia para isso.

Poderia ser irónico e dizer que resistiu sempre com base nos mesmos argumentos, o que significa que o que ganha em consistência perde em efeito de surpresa! Mas, de toda a forma, sobre a questão da visibilidade, gostaria de sublinhar que só coloquei o problema no contexto...

O Sr. João Amaral (PCP): — Propaganda!

O Orador: — Exacto, propaganda. Mas aí, Sr. Deputado João Amaral, permita-me a piada política: quem sou eu para discutir com V. Ex." em matéria de propaganda?!...

O Sr. João Amaral (PCP): — Aceito a piada!

O Orador: — V. Ex." é catedrático na matéria e eu sou apenas um aprendiz. Mas a propaganda é a mesma!

O Sr. João Amaral (PCP): — Nós não mudámos de cor, nem pusemos uma «rosinha»!

O Orador: — Eu também não, Sr. Deputado João Amaral. Aliás, nós os dois discutimos estas questões da política há tanto tempo que já nos conhecemos bem demais, um e outro!

De todo o modo, só coloquei o problema da visibilidade, porque estávamos a discutir a questão no contexto da percepção da opinião pública sobre as Forças Armadas. Não tenho nada a visão de que estas se resumam ao que é visível na sua função, nada disso! Apenas me referia à percepção que a opinião pública tem do produto operacional em termos de se questionar para que servem as Forças Armadas. Ora, o que digo é que, neste momento, o que é visível do produto operacional em maior permanência, que são estas missões de natureza internacional, ó bastante mais acrescido. Não estava, pois, a falar do problema das soluções de fundo para a estrutura das Forças Armadas.

Não tenho a menor dúvida em dizer que a questão das missões de defesa do território têm de ser aferidas em função da natureza e da premência da ameaça. Felizmente para todos nós, a premência de uma ameaça à nossa integridade territorial é mínima, o que também deve condicionar a forma de reagir em termos de estruturação das Forças Armadas.

Penso ter respondido a todas as questões relativas à Lei de Programação Militar, quer no que diz respeito à execução quer quanto à lógica da revisão.

O Sr. Deputado Pedro Holstein Campilho colocou-me ainda uma questão relativa aos comandos regionais. De facto, congratulamo-nos com a decisão ontem tornada pública pelo Sr. Secretário-Geral da NATO, que revela, aliás, um intenso esforço de natureza diplomática e militar no âmbito das estruturas da Aliança, esforço de que o Governo não pretende apropriar-se, mas que mereceu sempre o firme apoio e empenhamento do Governo, das chefias militares e da nossa embaixada junto da NATO.

Embora não estejam solucionadas todas as questões, entendemos que a decisão do Comité Militar é um bom patamar de partida para alcançarmos o objectivo que definimos, desde o princípio, isto é, o de manter em Portugal um comando intermédio na estrutura da NATO.

Em relação às questões colocadas pelo Sr. Deputado Cardoso Ferreira, terei muito gosto em responder-lhe, mas devo dizer-lhe que fez uma intervenção «façanhuda», e eu percebo que o tenha feito. De facto, a política tem destas ironias: depois de 10 anos a ter de defender o Governo,

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quem é que resiste à tentação de o atacar, quanto mais não seja para fazer o gosto ao dedo!

Com isto, não estou a desculpar-me com nada do que se passou no antecedente. A responsabilidade do Governo do PSD não acabou a 5 de Outubro mas, sim, a 28 de Outubro, mas isso são peanuts'. Para quem está a falar de 10 anos, dou-lhe de barato 23 dias...

No entanto, e com toda a sinceridade, lembro a velha

máxima: «a César o que é de César», no bom e no mau, que é o que acontecerá comigo, com aquele que vier a sentar-se nesta cadeira depois de mim! Esta é uma regra da política.

Temos de ter uma visão de conjunto das soluções que foram sendo implementadas ao longo do tempo. Nunca disse que iria aplicar uma política de ruptura em relação à política de defesa nacional seguida no passado, nunca o disse! Sempre tive a coragem, se me permite este auto-elogio — elogio em boca própria soa a vitupério, mas não é um vitupério, é a assunção de uma responsabilidade política perante o Parlamento, porque eu nunca disse que iria assumir uma política de ruptura.

Nesse sentido, o que ofereço como mérito dos autos é dizer que há problemas que não foram resolvidos no passado, que continuam a estar presentes e têm de ser resolvidos. Não me eximo, pois, da minha' responsabilidade na parte em que sou, efectivamente, responsável!

Todavia, durante 10 anos, assistimos a um período de reformas que conduziram a situações com que hoje estamos confrontados; tenho a melhor boa vontade para as resolver, mas também tem de reconhecer, Sr. Deputado, que alguns dos problemas com que hoje estamos confrontados não foram resolvidos durante esses 10 anos! A verdade é que me associo à quota de responsabilidade na parte que me diz respeito.

Falando de questões objectivas, deixe-me que lhe diga o seguinte: em 1995, o orçamento executado em matéria de defesa nacional atingiu os 334,6 milhões de contos e V. Ex." argumenta que, em 1996, introduzimos uma ruptura, uma quebra brutal nesse orçamento. Ora, o que lhe digo, Sr. Deputado, é que, em termos de orçamento executado em 1996, o Estado, os contribuintes portugueses despenderam com a defesa nacional 349 milhões de contos, números que posso provar!

Portanto, a sua tese da redução brutal é verdadeira e não é verdadeira. É verdadeira porquanto, em virtude da rigidez interna da despesa pública em termos de defesa nacional, esses 349 milhões de contos traduziram-se numa quebra de cerca de 10% em operação e manutenção, mas não é verdadeira se tivermos presente que, em 1996, a despesa pública global em matéria de defesa nacional foi superior em cerca de 16 milhões de contos à despesa pública global de 1995.

V. Ex.° poderá dizer que a repartição interna da despesa é irracional e que há necessidade de alterar esta situação — e eu estou de acordo consigo —, mas já não é possível afirmar que a despesa pública em matéria de defesa nacional no ano de 1996 tenha sido abruptamente inferior, em termos globais, à de 1995. Não é verdade, porque os números são estes: 334,6 milhões de contos em 1995 e 349 milhões de contos em 1996.

Sobre a questão relativa ao modelo de prestação do serviço militar obrigatório, que é da responsabilidade do Governo, devo dizer-lhe que não me eximo das minhas responsabilidades. Aliás, o Governo já disse o que pensava sobre esta matéria, está escrito, sem margem para dúvidas de interpretação, no Programa do Governo.

Além do mais, eu próprio tive ocasião de retomar esse tema no Instituto de Altos Estudos Militares, em Janeiro deste ano, numa sessão onde o Sr. Deputado Cardoso Ferreira também estava presente, se não me engano. Não há, pois, qualquer ambiguidade de que o Governo pretende a profissionalização das Forças Armadas, a constituição do contigente geral com base em voluntários e contratados. Sobre isso, repito, não há nem ambiguidades nem falta de assunção da responsabilidade política.

Portanto, não se trata de estar a contar com a «muleta» do PSD. De facto, as minhas pernas, embora curtas, como frequentemente é sublinhado em termos públicos, felizmente, estão óptimas e andam muito bem! Aliás, tenho a veleidade — deve ser o primeiro sintoma de envelhecimento — de pensar que estou mais ágil de pernas do que estava no ano passado. Também, com os golpes que me aplicam, tenho mesmo de estar! De todo o modo, não estou a contar com nenhuma «muleta».

Agora, há algo que é, para mim, totalmente claro: A responsabilidade político-legislativa duma opção desse género é, a duplo título, da Assembleia da República, em sede de revisão constitucional e em sede de aprovação da lei porque o Governo não tem competência para aprovar a lei do serviço militar, pois essa é uma competência da Assembleia da República e, sobre ela, todos se terão que definir nesta Assembleia da República.

Todavia, o Governo tem uma posição claríssima sobre essa matéria...

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): — Posso interrompê-lo, Sr. Ministro?

O Orador: — Sempre, Sr. Deputado.

O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): — Sr. Ministro, todos nós conhecemos e V. Ex.° que é um insigne jurista também, as competências próprias do Governo e da Assembleia da República, pelo que V. Ex.° também saberá que o Governo não está inibido de apresentar uma proposta de lei sobre esta matéria à Assembleia da República. Essa é exactamente a questão que lhe coloquei: a assumpção de responsabilidades pelo Governo. É que, Sr. Ministro, a Assembleia da República tem costas largas, mas nesta matéria a iniciativa processual, como é óbvio, politicamente, tem de ser do Governo.

O Orador: — Sr. Deputado Cardoso Ferreira, nunca me passaria pela cabeça descarregar o que quer que fosse sobre as costas da Assembleia da República até porque sou um Deputado eleito, embora transitoriamente não exercitando o meu mandato. É evidente que o Governo não está inibido, como não estão inibidos os grupos parlamentares, como não estão inibidos os Deputados individualmente considerados. Sabe-se lá se o Sr. Deputado Cardoso Ferreira e eu próprio não viremos os dois a ser surpreendidos por um projecto de lei sobre esta matéria dos Deputados da JSD que querem extinguir o Serviço Militar Obrigatório sem período de transição?! Ou seja, já, de acordo com um slogan que estava muito em moda durante os anos de 1974/ 75. «Fim do SMO, já!»

De todo o modo o Governo não se eximirá a apresentar as suas propostas sobre essa matéria, pode estar totalmente descansado. Os ramos das Forças Armadas já fizeram os estudos necessários. Porém, o fim do Serviço Militar Obrigatório e a forma de transição para forças armadas profissionalizadas, tem implicações financeiras e

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é por isso que entendo que é importante que a Assembleia da República, que é o órgão que aprova o Orçamento do Estado, seja chamada a participar, desde o início, nos estudos necessários para fundamentar as opções que venham a ser tomadas, seja em sede de revisão constitucional seja em sede de lei ordinária.

Já agora, Sr. Deputado, deixe-me acrescentar um dado curioso e interessante. Neste momento, nas Forças Armadas portuguesas, o número de voluntários e contratados já é praticamente equiparável ao número de militares dos quadros permanentes.

A Sr.° Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Holstein Campilho.

O Sr. Pedro Holstein Campilho (PSD): — Sr. Ministro, enquanto estava a decorrer a sua intervenção, fui informado de que terá sido aumentado hoje o subsídio de risco à Polícia, que, tanto quanto sei, era semelhante para a Polícia e para as Forças Armadas. Sendo assim, qual vai ser o aumento para as Forças Armadas?

A Sr.* Presidente: — Tem a palavra o Sr. Ministro da Defesa Nacional, para responder, querendo.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: — Sr. Deputado, hoje não pode ter sido aumentado nada porque o Conselho de Ministros não reuniu! De todo o modo devo dizer que os militares não têm subsídio de risco, têm o subsídio de condição militar. Conforme consta da proposta de lei de Grandes Opções do Plano, para 1997, e conforme constava da directiva ministerial de política de defesa para este ano, começaram agora em Outubro os estudos de revisão do Estatuto dos Militares das Forças Armadas que conto ter concluído durante o ano de 1997 em condições de o apresentar à Assembleia da República. É, portanto, aí que todas as questões de incidência remuneratória deverão ser contempladas.

A Sr.' Presidente: — Sr. Ministro, não tendo mais pedidos de intervenção, agradeço a sua participação.

O Sr. Ministro da Defesa Nacional: — Eu é que agradeço, Sr.* Presidente.

A Sr.' Presidente: — Srs. Deputados, estão suspensos os trabalhos.

Eram 13 horas e 20 minutos.

Srs. Deputados, vamos reiniciar a reunião.

Eram 15 horas e 45 minutos.

Srs. Deputados, a Sr.a Ministra da Saúde não considera necessário fazer qualquer introdução prévia, pelo que aceito inscrições para as perguntas que queiram colocar-lhe.

Mas, previamente, quero dizer o seguinte: houve algum consenso, penso que na conferência dos representantes dos grupos parlamentares, para que a discussão do Orçamento rectificativo se fizesse ao mesmo tempo que a discussão do Orçamento do Estado para 1997 com os Srs. Ministros.

Não está excluída essa hipótese, evidentemente, ao Ministério das Finanças, da mesma forma que, provavelmente, não estará excluída essa hipótese amanhã para o

Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, mas penso que, de acordo com o que me foi comunicado pelos grupos parlamentares, estaria excluída hoje

para a Sr." Ministra da Saúde, porque a Comissão de Saúde

recebeu apenas há poucos minutos a proposta de Orçamento rectificativo.

Portanto, posteriormente, combinaremos com a Sr.° Ministra da Saúde um encontro para se discutir, então, p Orçamento rectificativo para o Ministério da Saúde, por isso cingiríamos hoje a discussão ao Orçamento do Estado para 1997.

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares (António Costa): — Dá-me licença, Sr." Presidente?

A Sr." Presidente: — Faça favor, Sr. Secretário de Estado. ^

O Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares: — Sr." Presidente, é só para que fique registado em acta o seguinte: os meus Serviços confirmaram que o Orçamento rectificativo foi entregue ontem na Comissão Parlamentar de Saúde, conforme estava previsto, tal como foi entregue na Comissão Parlamentar de Economia, Finanças e Plano.

Se a distribuição da própria Comissão aos Srs. Deputados foi feita posteriormente, isso já não sei. Agora, sei e posso garantir que o meu Gabinete entregou ontem à tarde na Comissão Parlamentar de Saúde o Orçamento rectificativo. É apenas para que fique registado.

O Sr. Paulo Roque Cunha (PSD): — Peço a palavra, Sr." Presidente.

A Sr." Presidente: — Para que efeito, Sr. Deputado?

O Sr. Paulo Roque Cunha (PSD): — Sr." Presidente, em função daquilo que ouvimos do Sr. Secretario de Estado dos Assuntos Parlamentares — e o Sr. Presidente da Comissão de Saúde está aqui e, com certeza, poderá também, eventualmente, dizer alguma coisa sobre este ponto que aqui foi levantado —, queria dizer que esta questão do Orçamento rectificativo é nova. Colocámo-la na altura da discussão na generalidade e, depois de várias «negas» sobre o aparecimento ou não deste orçamento suplementar, queria, para que ficasse registado em acta, dizer que os membros da Comissão de Saúde do PSD, e penso que os outros também, receberam estes documentos em envelopes da Secretaria de Estado dos Assuntos Parlamentares apenas hoje às 15 horas e 20 minutos, exactamente aqui, no Hemiciclo.

Queríamos que também ficasse registado em acta, enfim, a nossa concordância com o entendimento que foi feito em relação à nossa necessidade de, especificamente em relação ao Orçamento suplementar, termos de ter algum tempo para a sua análise.

A Sr.* Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): — Sr* Presidente, era para sublinhar, muito brevemente, que foi acordada uma metodologia no sentido de ser nestas comissões que se discute o Orçamento. De facto, na Comissão de Economia, Finanças e Plano recebemos ontem o Orçamento rectificativo, como a Sr* Presidente sabe e, portanto, levan-

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ta-se aqui um problema... Obviamente que é complicado discutir os dois separadamente, mas, enfim, depois terá de se ver uma altura, entre a Sr.' Presidente e o Presidente da Comissão de Saúde, para se resolver este problema.

A Sr." Presidente: — Sr. Deputado, desculpe, mas eu disse que combinaria isso com a Sr.4 Ministra também. Agora, gostaria de abreviar os trabalhos, porque estamos atrasados.

O Orador: — Sr." Presidente, ainda não usei nem metade do tempo utilizado pelo Sr. Deputado Jorge Roque Cunha sobre este mesmo assunto!

Nós, em relação à Agricultura e às Finanças estamos,-obviamente, disponíveis para discutir. Os Deputados da Comissão de Economia, Finanças e Plano tiveram este Orçamento a tempo, mas na Comissão de Saúde, por razões logísticas ou outras não foi distribuído, pelo que teremos compreensão nesse sentido.

O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): — Dá-me licença, Sr.° Presidente?

A Sr.' Presidente: — Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Augusto Boucinha (CDS-PP): — Sr." Presidente, era apenas para confirmar que também foi apenas hoje, cerca das 15 horas e 20 minutos, que recebemos o envelope contendo o Orçamento rectificativo.

A Sr.* Presidente: — Vamos, então, iniciar os trabalhos relativamente ao orçamento do Ministério da Saúde. Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Marques.

O Sr. Alberto Marques (PS): — Sr." Presidente, em primeiro lugar, gostaria de saudar a Sr.° Ministra e os Srs. Secretários de Estado e, em segundo lugar, colocar-lhes uma questão que é simples, mas que, ao mesmo tempo, na nossa perspectiva, é fundamental.

Analisando o orçamento da saúde para 1997 e entrando especificamente numa questão que me parece ser sensível — e gostaríamos de ouvir a Sr.a Ministra sobre essa matéria —, no que diz respeito às receitas previsíveis para 1997 há uma previsão de um aumento significativo no que toca à prestação de serviços. Gostaria de saber se esse aumento significativo corresponde efectivamente a uma maior eficácia dos meios utilizados para gerir as utilizações e as prestações, nomeadamente a implementação do «cartão de utente», ou, se, por outro lado, este aumento corresponde a alguma alteração previsível significativa em termos de preços de custos dessas prestações.

A questão do «cartão de utente», que é, de facto, simples, é para nós importante, tanto mais que, desde 1984, portanto há 12 anos, o cartão de utente, o cartão nacional de utilizador do Serviço Nacional de Saúde, está a ser estudado, está para ser implementado, está para ser utilizado como instrumento fundamental de dimensionamento da utilização dos serviços do SNS e do sistema por cada cidadão, e, efectivamente, ao fim de 12 anos, parece que, finalmente, teremos esse cartão de utente.

Portanto, questionava a Sr." Ministra no sentido de saber se, efectivamente, esta significativa verba de receita das prestações de serviços tem a ver, de facto, com uma melhoria da organização dos serviços no que toca justamente às previsíveis boas cobranças dessas prestações de serviço.

Gostaria ainda de colocar uma outra questão que se prende com o saldo final do financiamento do SNS. Pelos elementos que nos foram fornecidos, tudo indica que será possível, em 1997, terminarmos o ano com um saldo que, de alguma forma, será próximo dos números de 1995, o que, na nossa perspectiva, independentemente de considerações de dimensão do financiamento, é extremamente positivo, porque aponta finalmente para uma estabilização da curva ascendente e da tendência crescente no que toca aos saldos relativamente aos custos da saúde em Portugal.

Gostaríamos, portanto, também de saber se este saldo final previsível para 1997, que este ano vai ser conseguido com um reforço eventual significativamente mais baixo, cerca de quase um terço, do que foi necessário em 1995 ou se vai ou não ser possível finalizarmos o ano de 1997 com um saldo final que, de alguma forma, não será muito distante do que foi conseguido em 1995.

A Sr.° Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Roque Cunha.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): — Sr." Presidente, Sr.' Ministra, Sr. Secretário de Estado: De facto, como dissemos, na discussão em Comissão na generalidade, a discussão do Orçamento do Estado para 1997 estava, de certa forma, inquinado, porque as análises que fazíamos tinham a ver com alguma dificuldade, como já é habitual, do Ministério da Saúde e não houve, na altura, como deveria ter havido, pelo menos em termos de obrigação moral, por parte do Ministério das Finanças, a apresentação do Orçamento suplementar.

Portanto, nesta análise que vamos fazer agora na especialidade, provavelmente alguns dos aspectos já estarão desactualizados em relação ao que se passava há 10 minutos atrás, mas não tenho qualquer dúvida de que, em termos gerais, as nossas questões continuam a ser certas e, por isso, gostaria de colocar exactamente as questões que temos colocado ao longo deste ano de Legislatura, nomeadamente nas deslocações da Sr.° Ministra à Comissão de Saúde, que são tão simplesmente estas.

A execução do Orçamento do Estado até ao mês em que é possível obter essa informação com os dados do Ministério; a execução do PJDDAC neste ano até ao mês em que é possível obter esses dados — nós, aliás, já fizemos essas perguntas por escrito e também sobre a forma de requerimento e temos tido alguma dificuldade em ter esses dados, que, para nós são essenciais para a análise correcta de um orçamento; aquilo que se prevê em termos de execução das receitas próprias; e aquilo que se prevê em termos de execução dos gastos, quer com os chamados materiais de consumo do Serviço Nacional de Saúde quer com as convenções — com as farmácias existe uma possibilidade de se ter uma ideia mais aproximada e quase ao mês, porque se trata de um contrato com uma associação —, seriam dados essenciais para que esta análise pudesse ser o mais concreta possível.

Portanto, voltaria a repor aqui, em sede de reunião conjunta, exactamente estas questões e gostava que fossem respondidas objectivamente.

Aliás, penso que se tivéssemos oportunidade de ouvir as transcrições do debate do Orçamento do ano passado em relação à área da saúde, onde questões como a melhor alocação dos meios, os despesismos e outras foram sobejamente analisadas, verificaríamos que, de facto, este foi um ano em que, em termos orçamentais, não JlOUVe qualquer alteração em relação à degradação que já vinha

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acontecendo, com agravamento na nossa perspectiva, porque as situações que poderiam, de alguma forma, merecer algumas medidas de contenção não foram tomadas.

Quero que fique claro que, agora e no passado, o PSD não olha para a saúde exclusivamente — e peço desculpa ao meu colega Alberto Marques — como uma questão economicista. Sabemos que a saúde tem um custo, mas também sabemos que, em termos públicos, apesar de haver, com certeza, ganhos em termos de organização dos meios que são aí disponibilizados, o sistema continua a ser subfinanciado.

A segunda questão tem a ver com as verbas previstas para a Acção Social Escolar, nomeadamente das escolas superiores de enfermagem e das escolas superiores de tecnologia da saúde. Existe uma verba prevista para este de cerca de 415 000 contos e, gostaria que o Ministério me pudesse esclarecer como é possível que esta verba seja suficiente quando acontecem duas coisas: uma delas é que as verbas de Outubro, Novembro e Dezembro, para esta área, não estão orçamentadas em relação ao orçamento do ano passado portanto, os estudantes neste momento ainda não receberam qualquer bolsa nesse campo; a outra é que, em relação ao ano lectivo passado, foram despendidos cerca de 300 000 contos só com o apoio social aos estudantes das escolas superiores de enfermagem.

Portanto, para nós aparece-nos aí uma limitação que nos parece, enfim, complicada, para já não falarmos dos apoios às próprias refeições, até porque os estudantes do politécnico dessas escolas não podem recorrer às do Estado.

Para nós, voltamos a referir, aproveitando esta oportunidade, é essencial que essa área de apoio social seja devolvida ou seja integrada no Ministério da Educação, que, de facto, é quem tem hábito e prática dessa questão.

A minha terceira questão tem a ver exactamente com a cobrança de receitas próprias. Este ano, em termos de execução, prevêem-se 33 milhões de contos de cobrança de receitas próprias. Devo dizer que, no ano passado, estavam previstos cerca de 55 milhões de contos e nós chamámos a atenção de que haveria aí algum optimismo, por isso gostaria de saber se estes 33 milhões de contos são de facto dívidas efectivamente cobradas pelo Serviço Nacional de Saúde, nomeadamente à ADSE e a todos os outros subsistemas, incluindo, naturalmente, as entidades seguradoras.

As informações que temos por parte dos hospitais e das instituições são de que continua a haver muita dificuldade em cobrar essas receitas. Por isso, ao orçamentar para este ano cerca de 53,7 milhões de contos, com certeza que o Ministério terá pensado em instrumentos que agilizem esse tipo de cobranças. .

Ainda em relação a esta prestação, gostaria de saber o ' que é que representa a dotação extraordinária que aparece com o valor de 35,7 milhões de contos, exactamente nessa questão das receitas próprias, porque, continuamos a dizer, que 140 milhões de contos previstos nesse fornecimento de serviços e de cobrança de receitas próprias, quanto a nós, vai continuar a fazer com que as verbas relativas à receita estejam sub-orçamentadas e as relativas às despesas estejam sub-avaliadas.

Verifica-se também que para os hospitais, em termos de transferência de subsídios, se prevê um aumento de dotação de cerca de 0,7% em termos de subsídio do Serviço Nacional de Saúde. Ora, isso quer dizer que o eventual crescimento de fundos são as tais receitas próprias de que há pouco falei que nos levantam algumas dúvidas.

Gostava que a Sr.* Ministra ou o Sr. Secretário de Estado dissessem sinceramente aqui na Câmara se acreditam que este valor de 0,7% de aumento em relação às transferências previstas para os hospitais é suficiente.

Quarto e último aspecto, quanto a nós de fundamental importância: além de termos verificado que, em termos de contenção de despesa, um ano depois de o Governo ter tomado posse, não tomou qualquer medida de contenção, e nem sequer vou aprofundar a questão das políticas de medicamentos que o meu colega Deputado Bernardino Vasconcelos irá fazer. Eu só peço ao Ministério que não pretenda resolver essa situação exclusivamente com os níveis de comparticipação.

• Todos sabemos que as despesas dos privados na área da saúde — pelo menos era um discurso que o Partido Socialista repetia até à exaustão quando estava na oposição—, porque são dados objectivos, são das maiores da União Europeia em termos percentuais do PIB. Portanto, espero que não se pretenda resolver a questão do disparo dos gastos dos medicamentos exclusivamente com uma maior participação dos cidadãos na compra desses medicamentos.

Gostava, portanto, que fosse dito exactamente qual a dívida que estava prevista no final de 1996 e. aquela que é previsível em 1997 e dessas qual a dívida que representa prazos superiores a 45 dias, nomeadamente a quanto é que o Ministério está a prever, através do chamado crédito de fornecedores, que se deverá estender os seus prazos de pagamento de dois para seis meses.

Entendemos que, de facto, devem existir esses acordos e que não podem ser acordos exclusivos desta ou daquela associação. Também compreendemos isto e o seu Ministério sabe-o, mas não compreendemos é como é que é possível o Ministério estar a pedir um esforço desmesurado a esses clientes, e, desta forma, até a institucionalizá--lo através de acordos com entidades bancárias.

Queria ainda fazer duas perguntas pontuais em termos de PDDDAC. A primeira era saber o que é que aconteceu ao Hospital de S. Francisco Xavier, que viu o seu concurso, no ano passado, ser aprovado, depois houve a suspensão do concurso e aparecem apenas verbas para 1999, para o início da 2." fase desse hospital. Gostávamos de saber o que é que se passa em relação a isto.

Para terminar, se fosse possível também em termos de opinião, gostaria de saber se a Sr.* Ministra da Saúde tem ou não ideia, em termos de tratamento fiscal, nomeadamente por parte de algumas repartições de finanças, dos critérios talvez excessivamente rígidos para considerar o que são ou não despesas de saúde. Há repartições de finanças que, se não for prescrito, não consideram como despesas de saúde.

Pergunto-lhe se tem conhecimento disso e se acha que é necessário fazer aí uma precisão em relação àquilo que são despesas de saúde, bem como da importância que o sector privado, especificamente os seguros de saúde, tem numa área onde não é considerado o seguro de saúde como despesas de saúde stricto sensu, portanto, está englobado noutro tipo de actividades seguradoras e de apoio à educação dos descendentes.

Gostaria também de aproveitar a oportunidade para salientar uma experiência que se inicia hoje no Hospital dos Capuchos — não sei se a Sr." Ministra tem conhecimento dela —, que tem a ver com o apoio domiciliário da área de neurologia, e para saber aquilo que o Ministério tem previsto para apoio a este tipo de iniciativas dos hospitais ou dos centros de saúde, já que o apoio dormtv

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liário para nós é também uma das formas de melhorar e humanizar os cuidados de saúde de todos os cidadãos portugueses.

A Sr.° Presidente; — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.* Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.* Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP). — Sr." Presidente, considerando aquilo que foi dito pelo Sr. Secretário de Estado na reunião com a Comissão Parlamentar de Saúde, recordo-me de que o seu objectivo era conter o desequilíbrio financeiro do Serviço Nacional de Saúde e, concretamente no que diz respeito à receita, a sua expectativa era de um aumento de 25%. Recordo-me concretamente de que entre as várias medidas que poderiam propiciar esse aumento de receita estaria a actualização tarifária que estimou de 16 a 18%, se os meus apontamentos estão correctos.

Portanto, a primeira pergunta que lhe quero fazer é sobre se considera realista que, em 1997, volte de novo a estimar as receitas próprias e a cobrança de serviços em 65 milhões, uma vez que, se bem se recorda, em 1996, as estimou em 61 milhões e a execução foi mais ou menos de 33 milhões. Não obstante essas medidas que preconizou poderem vir a ser tomadas em 1997 — e desejo sinceramente que sim — sustento que não vão ter qualquer reflexo orçamental, pelo menos em tempo útil. Isto em relação à receita.

Depois, em relação à despesa, não consegui encontrar, pelo menos de uma forma clara, nos documentos, que nos foram distribuídos qual é a taxa de crescimento que estima para os meios convencionados de diagnóstico e para os medicamentos. É porque, considerando que o crescimento do orçamento do Serviço Nacional de Saúde me parece mesmo ser negativo e, na área da receita, este pressuposto não só é um crescimento como é um crescimento de quase 100%, ou seja, 98,2%, portanto completamente inexequível, na área da despesa o que é que pensa que vai conseguir. Ou, então, será que eventualmente considera que através do cartão de utente vai transferir para outros financiadores, nomeadamente seguradoras e subsistemas, doentes que estão neste momento a ser financiados pelo SNS.

A Sr." Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Soares.

O Sr. Bernardino Soares (PCP). — Sr.* Presidente, Sr.' Ministra, queria começar por salientar aquilo que já temos vindo a dizer em várias ocasiões, inclusive aqui no debate orçamentai, ou seja, que, perante a análise do Orçamento, consideramos que estamos face a uma situação muito grave, nomeadamente no que diz respeito à área de cuidados dé saúde, que inclui, obviamente, o Serviço Nacional de Saúde.

Os números que o Governo nos fez chegar indiciam um aumento das verbas atribuídas a esta área de 0,8%, sendo que, do Orçamento do Estado para o próprio Serviço Nacional de Saúde, o aumento é de apenas 0,5%. Ora, parece-nos que é por demais evidente que este aumento nominal, que se traduzirá, efectivamente, numa diminuição dos recursos da área de cuidados de saúde, vem agravar ainda mais a situação de subfinanciamento crónico de que todos falamos, que todos os governos apontam, mas em relação aos quais nunca, tomam medidas que os resolvam, e neste caso também não vemos qualquer cami-

nhar no sentido de resolver esta situação e de dar a garantia do acesso aos cuidados de saúde aos portugueses.

Dir-mé-ão, com certeza, a Sr." Ministra e o Sr. Secretário de Estado que se está a fazer um esforço na contenção de despesas e na racionalização daquilo que são as despesas do Serviço Nacional de Saúde para a sua melhor utilização. Devo dizer que temos completa consciência e concordamos com o esforço de racionalização que é preciso fazer; o que nos parece é que esta racionalização não é suficiente para dar resposta às necessidades do Serviço Nacional de Saúde e que são as necessidades dos portugueses nesta matéria.

No relatório do Orçamento do Estado apontam-se algumas linhas, para além de medidas concretas, como o cartão de utente, como grupos especializados a implementar, de redução da despesa na área da saúde. Concretamente quero referir-me a duas, que são a revisão do sistema de comparticipações e a questão dos subsistemas.

Em relação à revisão do sistema de comparticipações, pelo que temos vindo a conhecer, quer da primeira reunião que tivemos quer de intervenções públicas da Sr." Ministra e do Sr. Secretário de Estado sobre esta matéria, indicia o apontar para a redução da comparticipação àquele medicamento que, dentro do mesmo princípio activo, tenha o valor mais baixo e ò fazer incidir a taxa de comparticipação do Estado sobre esse valor.

Ora, se assim for, parece-nos que estaremos perante um onerar ainda mais os portugueses utentes do Serviço Nacional de Saúde e os utentes da saúde em Portugal, que, obviamente, não têm o poder de condicionar a prescrição dos médicos — e, obviamente, nem devem tê-lo — e que vão ser confrontados com uma menor comparticipação em medicamentos de mais alto custo, se não forem salvaguardados os direitos, as necessidades e estas circunstâncias, por forma a que esta diminuição das comparticipações não se reflicta no bolso dos utentes e dós portugueses, quando não, não será uma medida de racionalização mas, sim, mais uma desresponsabilização na garantia do acesso à saúde e mais um onerar aqueles que mais dificuldades têm nesta matéria.

Quanto aos subsistemas, julgo que há várias situações diferentes dentro desta matéria, e se umas passarão por uma redefinição dentro do pnjprio Estado daquilo que é a maneira de lidar e como é que são encaminhadas as verbas nesta matéria e como é que é a divisão de encargos, outras serão situações delicadas. Por isso, queria saber como é que vai ser encaminhado este processo, pois consideramos que nesta matéria há lugar a uma negociação aberta com os vários subsistemas, tendo em conta as diversas situações e também que o Serviço Nacional de Saúde é universal e que, portanto, este princípio, enquanto estiver inscrito na Constituição, deve, obviamente, ser cumprido e ser respeitado por qualquer governo nesta matéria.

Quanto às receitas cobradas, o Orçamento inicial de

1996 previa a existência de 121 milhões de contos, já na previsão de execução apenas se prevêem cobrar 73 milhões de contos de receitas, mas estranhamente prevê-se para

1997 que se possam cobrar 147 milhões de contos, isto é, prevê-se em 1997 cobrar o dobro do que se cobrou em 1996, o que é um acréscimo significativo, ainda por cima quando aquilo que era esperado para a cobrança em 1996, não foi de maneira alguma atingido.

Portanto, ou há aqui uma inversão radical nesta matéria e vão ser tomadas medidas muito poderosas para inverter esta tendência — e queremos saber quais são — ou,; então, não é realista esta previsão.

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Ainda sobre a questão da despesa, parece-nos que, peias as contas que fizemos, o atraso do pagamento, digamos assim, em ¡996, se cifraria, em média, por volta dos quatro meses, independentemente de quem era o fornecedor, e, pelos números que são apresentados para 1997, parece indiciar-se um aumento deste atraso nos pagamentos para cinco meses.

Ora, não é possível fazer o «milagre da multiplicação dos pães», e se se está a tentar, com o alargamento dos prazos — e queremos saber se assim é —, diluir a necessidade de mais financiamento, nomeadamente para o Serviço Nacional de Saúde, pensamos que isto deve ser dito claramente, para podermos também fazer a nossa avaliação crítica em relação a esse tipo de procedimento.

Ainda em relação à dívida, os dados que recebemos sobre esta matéria que foram enviados à Comissão de Saúde para a discussão indiciavam e diziam-nos que o Ministério começou o ano de 1996, dada a assumpção de dívidas que se fez com o Orçamento do Estado que estamos agora a executar, com uma dívida de cerca de 67 milhões de contos, tendo-se assumido cerca de 33 milhões de contos.

Ora, chega-se ao fim de 1996, pelos dados que nos foram distribuídos, com uma previsão de dívida de 130 milhões de contos, o que quer dizer que, durante o ano, duplicou aquilo que inicialmente tinham previsto. O mais grave ainda é o facto de se prever para 1997 mais um acréscimo dos 130 para os 165 milhões de contos.

Estes foram os dados com que trabalhámos durante estes dias em que temos feito a análise do Orçamento e que têm servido de guia à Comissão de Síaúde e aos Deputados que se preocupam com esta matéria para análise.

Mas eis que, hoje, recebemos do Ministério — e, de facto, estive a confirmar na folha que nos foi distribuída pelos serviços que a data do fax é de 26 de Novembro, às 11 horas e 49 minutos — um novo mapa no que diz respeito a esta despesa, que nos traz a «boa nova». E a «boa nova» é dizer-nos que, afinal de contas, já não vão ser 130 milhões de contos no final de 1996, vão ser 106 milhões, e que em 1997 já não serão 165 milhões de contos mas, sim, 106,2 milhões de contos.

Portanto, há uma diminuição bastante assinalável e que deve ter por detrás, com certeza, uma tomada de medidas fortes e eficazes, no sentido da racionalização, que justificará, desde a apresentação dos anteriores números até hoje, esta alteração de previsão tão substancial, que, evidentemente, nos satisfaz muito.

Queria dizer-lhe que a realidade destes dados merece algumas reservas e que gostaríamos de vê-la explicada e justificada, porque não nos parece muito razoável que, há uma semana ou duas atrás, tivesse uma previsão de 130 milhões de contos e agora seja apenas de 106 milhões. Ou a previsão que se fez e os dados que foram enviados à Comissão de Saúde e aos Deputados da Assembleia da República não eram uma previsão correcta, era exageradamente despesista, o que indiciará alguma falta de rigor na análise destes dados, ou, então, estes dados que recebemos agora, os últimos, e com certeza que serão os mais actuais, também não o são ou não são uma previsão correcta.

Portanto, como é que, desde aquela altura até agora, se consegue esta diminuição tão grande de uma previsão que, com certeza, na altura, teria dados semelhantes aos que tem agora?

Para terminar, algumas questões em relação ao PID-DAC, para dizer que a intenção de descentralização dos

serviços centrais do Ministério no que diz respeito à execução dos vários projectos para as ARS, nomeadamente, é muito válida e todos concordámos com ela, mas, pelos dados que nos chegaram, parece que ainda não é neste Orçamento que vamos conseguir um grande avanço, uma vez que o peso dos serviços centrais na execução era de 71% e passa agora para 69% do total dos investimentos do Ministério da Saúde.

Ainda sobre o PIDDAC—já falámos nesta questão, mas não podemos deixar de levantá-la aqui — ressalta a profusão de verbas perfeitamente exíguas e simbólicas que o Ministério inscreve na área da saúde e que não dão, efectivamente, qualquer garantia de avanço nos equipamentos, que são, todos eles, necessários para as populações, e faltam lá ainda alguns.

Ora, esta inscrição simbólica não dá qualquer garantia e não percebemos qual é a lógica de inscrever simbolicamente uma série de centros de saúde e haverá, com certeza, para alguns deles, outro tipo de previsões e verbas que não estão descriminadas nos respectivos projectos, mas gostaríamos, pela clareza que é exigida nestas matérias, de saber se todas estas verbas simbólicas querem dizer que são meramente simbólicas e que não se vai avançar com a execução do projecto no ano de 1997 ou se há alguma dotação que o Ministério tenha para, em alguns destes projectos, poder ainda avança e em quais.

Mais duas notas concretas: a primeira é sobre o Hospital Distrital de Vila Franca de Xira/Loures — é assim que vem enunciado no PIDDAC. Já no ano passado, vários Deputados de vários partidos colocaram a questão quer do Hospital de Vila Franca de Xira quer do Hospital de Loures e foi-nos respondido pelo Ministério que estavam a estudar o assunto, que estavam a elaborar projectos e estudos sobre o assunto para tomar á melhor solução e decidir da melhor maneira.

Na altura, admitimos esta hipótese, evidentemente, porque não tínhamos qualquer razão para a contrariar, o que nos parece é que, passado um ano, continuar a não haver qualquer definição sobre qual é a decisão mais correcta nesta matéria — e também temos uma opinião sobre isso — e vir inscrita no PIDDAC uma verba irrisória para a consumação deste projecto é bastante mais grave. Ora ' isto não é de forma alguma admissível, considerando que há uma série de populações, por exemplo, no concelho de Loures que tem carências tio acesso a uma unidade hospitalar muito grande, carências que não serão resolvidas senão com uma unidade hospitalar no concelho de Loures e no concelho de Vila Franca de Xira — e noutros concelhos a norte de Vila Franca há também necessidades muito grandes que precisam de ser resolvidas.

Assim sendo, continuamos numa indefinição que é paga pelas dificuldades que a população destas áreas continua a sentir e que não tem qualquer explicação plausível, depois de um ano de estudos, projectos e avaliação.

Uma última nota sobre as escolas superiores de enfermagem e tecnologia da saúde que já foi aqui referida, mas nós, inclusive, recebemos no Grupo Parlamentar do PCP os estudantes de enfermagem, que nos deram nota da sua preocupação nesta matéria. Consideramos, evidentemente, que esta verba será escassa para fazer face às necessidades, independentemente de toda uma outra série de medidas que não têm tão directamente a ver com o Orçamento, tais como o acesso às infra-estruturas da acção social escolar do sistema politécnico, o que para a maioria das escolas superiores de enfermagem e de tecnologia da saúde não é possível.

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Por outro lado, a questão dos meses de Outubro, Novembro e Dezembro já deste ano lectivo de 1996, que não tiveram ainda qualquer solução e os alunos continuam a não ter qualquer atribuição de bolsas de estudo, qualquer apoio, e 6 uma situação que, mesmo que não fosse conhecida pelo Ministério e pelo Governo, quando iniciou as suas funções, foi sobejamente denunciada, foi feito o alerta na última discussão orçamental e, portanto, é perfeitamente caricato, no mínimo, que não esteja ainda resolvida.

Consideramos que aqui há também uma inércia que vem prejudicar nomeadamente os estudantes de enfermagem, que, muito seriamente, têm invocado os seus problemas e continuarão a vê-los por resolver.

A Sr." Presidente: — Para responder a este primeiro grupo de perguntas, tem a palavra a St." Ministra da Saúde ou o Sr. Secretário de Estado da Saúde.

A Sr.° Ministra da Saúde (Maria de Belém Roseira): — Sr." Presidente, nesta fase iria dar apenas uma palavra de saudação a V. Ex.° e aos Srs. Deputados e agradecer o conjunto de questões que nos foram apresentadas, que vão permitir dar todo um conjunto de esclarecimentos tão importantes para esta discussão, que queremos que seja importante do ponto de vista daquilo que são os objectivos do Ministério da Saúde e daquilo que constitui o Orçamento do Estado, como instrumento indispensável à prossecução desses objectivos.

Em termos também ainda de apreciação genérica, gostaria de referir que este Orçamento é, obviamente, exigente, mas é um Orçamento cumprível, embora todos nós tenhamos a noção de que tudo aquilo que é necessário apreender em relação à saúde, em termos de reformas estruturais e em termos de mudança de culturas ou comportamentos, é, efectivamente, uma tarefa de muitos anos, é uma tarefa, com certeza, que não se consegue num só ano. Porém não podemos deixar de espelhar no Orçamento esses objectivos e essa estratégia de introdução de reformas estruturantes sem as quais não conseguimos não conter os custos, porque esses são naturais. O que não podemos é continuar a prosseguir aquilo que tem vindo a agudizar-se sistematicamente, que é a cada vez maior injecção de recursos Financeiros e um cada vez menor grau de satisfação dos utilizadores e dos profissionais.

Todos sabemos também que muitas das condições que são indispensáveis para ganhos imediatos ou muito rápidos a nível da acessibilidade e da qualidade e humanização dos serviços prestados dependem também do decurso de alguns anos. Estou a referir-me especificamente à questão dos médicos de família.

Se é verdade que a política de saúde do Ministério está centrada na revalorização e na dignificação do médico de família, enquanto porta de acesso ao sistema, também não há dúvida de que estes profissionais não se criam num só ano — necessitam de um internato de especialidade de três anos e também de um conjunto de condições, que pensamos poder aprovar já no início do próximo ano, no sentido de conseguir a opção por esta carreira, porque, apesar da abertura de vagas que tem sido feita a nível de internatos de especialidade, como sabe, muitas delas têm ficado desertas e, portanto, não basta só a abertura de vagas, é necessário tomar outras medidas.

De qualquer maneira, o concurso que se vai abrir este ano ainda não foi objecto de concretização, como sabem, uma vez que é só a partir de Janeiro, mas essa Opção COT

este tipo de internato é fundamental para que possamos ter os recursos humanos indispensáveis do ponto de vista dos médicos afectos a esta especialidade e a esta área de acção.

E a fixação também de recursos de enfermagem, que é indispensável, também já vai conhecendo alguns sinais na distribuição das quotas de descongelamento excepcionais que foram conseguidas este ano e para o ano de 1997.

De qualquer das maneiras, referindo-me também já a alguns aspectos mais concretos que aqui foram levantados, muito genericamente gostaria de dizer em relação a uma intervenção do Sr. Deputado Alberto Marques, que a questão do aumento das receitas que se prevê tem a ver com tudo aquilo que disse, mas também com a reorganização dos serviços, que está avançar e que necessita de instrumentos de que não dispúnhamos no ano passado e que vamos passar a dispor no próximo ano, nomeadamente a carta de equipamentos de saúde, que é indispensável para a racionalização daquilo que já é'a capacidade instalada.

Esse conhecimento é indispensável para garantir, até em termos de abertura de novas convenções, que elas não sejam feitas ou não sejam utilizadas sem primeiro se esgotar a capacidade instalada dos serviços. Portanto, é preciso frisar-se isso muito inequivocamente, porque não foi esta a mensagem que se transmitiu quando se abordou o protocolo recentemente celebrado com a Ordem dos Médicos.

Nesse protocolo a condição de partida foi que só há recurso ou só deve haver recurso ao sector convencionado depois de esgotada a capacidade instalada dos serviços do SNS, e que será, eventualmente, mais necessário alargar convenções para a área das consultas do que para a área dos meios auxiliares de diagnóstico, porque o investimento público feito nos últimos anos tem de ser rentabilizado adequadamente.

Em relação a algumas das questões apresentadas pelo Sr. Deputado Jorge Roque Cunha, há uma a que gostaria de responder desde já, que tem a ver com o Hospital de S. Francisco Xavier. O problema com o Hospital de S. Francisco Xavier é um problema jurídico e tem a ver com o facto de ter havido reclamações de concorrentes, que levaram à alteração da classificação dos opositores ao concurso empreendida pela mesma comissão de análise de propostas que tinha dado o parecer que permitiu ao Ministro de então decidir de acordo com aquilo que eram as indicações da Comissão Técnica.

Ora, a mesma Comissão Técnica veio, depois, dizer que, afinal, não tinha avaliado bem a questão e, portanto, não nos permitiu, através do parecer que emitiu, despachar em segurança do ponto de vista dos direitos dos vários concorrentes. Nesse sentido,"pedimos um parecer à Procura-doria-Geral da República, na medida em que não deixa de ser estranho que uma mesma comissão dê um parecer e um ario depois dê outro diferente, o que nos retira a segurança em relação à decisão quanto a este processo.

Não está em causa a expansão do Hospital de S. Francisco Xavier...

Ó Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): — (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador):

A Oradora: — Pois estava! De qualquer das maneiras, o problema é, como todos sabemos, que as fragilidades são enormes do ponto de vista daquilo que é toda a ela-,

boração destes processos e daquilo quê têm a ver com &

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sua apreciação e a segurança que tem de haver relativamente à decisão.

A própria Comissão emitiu um parecer que, com certeza, se o Sr. Deputado o lesse, nos daria razão, mas, pura e simplesmente, uma das coisas que consideraram foi que o projecto não tinha sequer salubridade, o que me parece, à partida, completamente inadequado para um estabelecimento de saúde. Portanto, essa é uma das apreciações, mas há outras.

Em relação as questões apresentadas pela Sr." Deputada Maria José Nogueira Pinto, o Sr. Secretário de Estado responderá mais concretamente, mas queria dizer-lhe que a actualização do tarifário já foi realizada. Ainda não foi publicada, mas já foi assinada há bastante tempo, porque não era revista desde 1994 e não há dúvida de que aquilo que é a incorporação, até em termos qualitativos e de credibilidade, dos técnicos que intervêm a nível do Serviço Nacional de Saúde obrigava à revisão deste tarifário e, portanto, ele já foi enviado para publicação.

Quanto às questões apresentadas pelo Sr. Deputado Bernardino Soares, e também especificamente só em relação a dois ou três aspectos, a execução do PJDDAC pretende-se que seja efectivamente descentralizada. Quando aparece num mapa do PIDDAC a afectação a um sector de uma percentagem muito grande não quer dizer que a sua execução não seja realizada depois de forma descentralizada, mesmo que a própria fiscalização da obra não seja feita por entidades externas ao Serviço Nacional de Saúde. Penso que é algo que nunca foi feito a nível do Ministério da Saúde e que é indispensável, para que nós, gastando um pouco mais à partida, venhamos a gastar muito menos a final. Portanto, é essa a preocupação.

Quanto ao Hospital de Vila Franca de Xira/Loures a decisão foi tomada em relação àquilo que são os estudos desenvolvidos pelo Ministério no que se refere à população do Concelho de Loures e à oportunidade de, no curso de uma obra de ampliação e modernização de Vila Franca de Xira, que já vai em cerca de quatro milhões de contos, se ter considerado que seria prioritária a construção de uma unidade com a capacidade ajustada no Concelho de Loures. O que se está a tentar acordar com a autarquia é a localização.

Quando aparece Vila Franca de' Xira/Loures isso tem a ver com o facto de estarmos a tratar estas zonas por zonas de articulação preferencial e privilegiada, como aparece Sintra/Cascais noutro sítio, como unidade, que têm de se articular entre elas para depois se articularem em termos centrais.

Portanto, não é a questão do baptismo ou do nome do estabelecimento, é mais da unidade funcional em termos de estabelecimentos hospitalares daquelas zona. Era importante também esclarecer isto.

Não está fora de causa.que, depois, no futuro, não se avance com uma unidade nova, mas não no próximo ano nem, eventualmente, daqui a dois anos, para os concelhos mais a norte de Vila Franca de Xira, porque o que se passa é que, neste momento, realmente Vila Franca de Xira já está a ser objecto de uma modernização de vários milhões de contos que têm de ser rentabilizados durante algum tempo.

Passava agora a palavra ao Sr. Secretário de Estado, a

quem. solicitava que prestasse todos os esclarecimentos,

porque, melhor do que eu, ele saberá dá-los.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde (Arcos dos Reis): — Sr." Presidente, Srs. Deputados, se me permitis-

sem, retomava o tema da análise de alguns números constantes da nossa proposta orçamental e, concretamente, começaria pela parte da receita.

Foi aqui dito por alguns dos Srs. Deputados que os números constantes do último mapa de trabalho que acabei de vos fornecer continuavam a aparecer enformados de grande optimismo, à semelhança do que já tinha acontecido no Orçamento anterior.

Ora, sobre isto, e retomando um pouco o tema aqui há pouco desenvolvido pela Sr." Ministra, diria que, de facto, passados estes meses, que foram de preparação no terreno de um conjunto de medidas estruturais, podemos dizer que estamos nesta altura em condições de poder prever com algum optimismo a evolução das receitas para 1997.

Como sabem, tem sido penosamente difícil ao Serviço Nacional de Saúde facturar as suas receitas, por um lado, e cobrá-las, por outro. Isto tem a ver com um conjunto de indefinições que grassam por toda a parte e também com alguma desorganização interna, mas tem a ver sobretudo com a falta também de mecanismos de controlo adequados.

Começando pela clarificação do universo contratual em que o SNS se insere, diria que isto tem sobretudo a ver com a inventariação e a tipificação adequadas dos designados subsistemas.

Portanto, como é do vosso conhecimento, cerca de 2,5 milhões de cidadãos de Portugal estão, de uma forma ou outra, ligados a um ou a outro subsistema e o que importa, de uma vez por todas, é clarificar o relacionamento contratual entre esses 25% da população do País e o sistema SNS que lhes presta também cuidados de saúde.

Esse trabalho já começou a ser feito há alguns meses, já está numa fase avançada, o que nos vai permitir chegar

a uma clarificação contratual, como referi há pouco, e, de uma vez por todas, atribuir aos hospitais os mecanismos suficientes para poderem ter um relacionamento sadio com esta entidade, que são os subsistemas. Isso vai fazer, por um lado, com que possamos ter possibilidade de recuperar muita facturação que está atrasada e com dificuldades de cobrança e, por outro lado, normalizar, de uma vez por todas, a facturação dos cuidados que venham a ser prestados.

A pedra básica deste mecanismo de inter-relacionamento é o «cartão de utente» — e passava aqui a um outro projecto estruturante em termos do Serviço Nacional de Saúde. O «cartão de utente» é um projecto que já vem de alguns anos a esta parte a ser desenvolvido no Serviço Nacional de Saúde e que está finalmente em fase de conclusão.

Como já tive oportunidade de referir noutras circunstâncias, vamos fazer a extensão deste serviço ao longo de todo o País de uma forma faseada. Pensamos ter ainda pronto no fim de este ano, possivelmente com algum mês de desfasamento, portanto, em Janeiro do ano que vem, as regiões Norte e Algarve a nível de aplicação desse sistema e pensamos também em ter pronto para entrar nesse sistema, até aos meados do primeiro semestre de 1997, as restantes regiões do País.

Portanto, daqui se imagina a capacidade, por um lado, de clarificar a situação e, por outro, a capacidade de poder controlar todo o conjunto de movimentos de que o sistema SNS fica a poder dispor logo que implementados um e outro tipo de mecanismos legais e operacionais que acabei de referir.

Se a isto juntarmos o acréscimo de tarifário que foi feito já no final deste ano, para entrar em vigor a partir de Novembro, que em termos de média aritmética se situa

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na ordem dos 10% em média ponderada, mas que, em termos de extrapolação, atingirá pelo menos 18% — e isto sem projectar grandes acréscimos de actividade —, estão a ver aqui mais um factor que nos leva a considerar a possibilidade, de facto, de haver uma receita acrescida do Serviço Nacional de Saúde em 1997.

Daí que também, com base, agora já passadas algumas semanas, nas propostas orçamentais das unidades do Serviço Nacional de Saúde e tendo em vista os novos mecanismos que essas mesmas unidades possuem para fazer exercer a sua capacidade de facturar e de cobrar, tivéssemos dado como bons os números do Serviço Nacional de Saúde, que foram feitos ponderadamente, unidade a unidade. Daí que tivéssemos substituído os números iniciais por estes actualizados agora, porque — repito — as condições em que seriam aplicados os mecanismos para obtenção desta receita me pareciam finalmente estarem conseguidos.

Passaria agora, porque o tema também aqui foi levantado, à parte das despesas. Ora, no que concerne à evolução dos custos, o nosso orçamento aponta relativamente à expectativa de execução de 1996, para uma contenção forte. Concretamente no campo das comparticipações de medicamentos, propomos, pura e simplesmente, a contenção do número; no campo dos meios auxiliares de diagnóstico e de terapêutica, propomos um crescimento relativamente modesto, que é praticamente uma contenção também; e o mesmo se passa relativamente às outras grandes rubricas relevantes da despesa.

E como é que vamos, então, conseguir obter estes objectivos? Começaria pelos medicamentos. Como é do vosso conhecimento, está em curso, já em fase final de acabamento também, um estudo tendente à apresentação de propostas que levem o Governo a decidir sobre qual o novo mecanismo de base do sistema de comparticipação de medicamentos.

Tal como-consta do Programa do Governo, a nova aplicação vai ser feita por indexação a um preço de referência, que, segundo tudo leva a crer, terá como base o princípio activo para uma determinada aplicação terapêutica.

Ora, a aplicação objectiva deste mecanismo, portanto, desta medida, está nesta altura a ser balizada através de um modelo matemático, que nos vai permitir fazer algumas projecções tendentes à obtenção de determinados resultados estritamente do ponto de vista da factura financeira do Serviço Nacional de Saúde.

Esse é, portanto, um dos pontos, diria mesmo um ponto importante de todo este estudo. Só que não é, de facto, o único. E daqui levava algumas preocupações que já aqui foram dispendidas no sentido de a aplicação desta medida-não poder ser feita de forma isolada, porque se o fosse, eventualmente, já o teríamos feito há mais tempo.

Vamos ter especial atenção para que, à semelhança, aliás, com o que sucede agora, os utentes do SNS de menores recursos financeiros não sejam grandemente afectados e os utentes portadores de doenças com características de cronicidàde também sejam excepcionados, tanto quanto possível, da aplicação destes mecanismos. É, portanto, essa análise final que está nesta altura a ser feita.

Por outro lado, também queremos ver se as implicações relativamente à produção interna da indústria é contida nas suas implicações.

Como vêem, trata-se de um puzlle relativamente complicado, um sistema de equações complicado, cuja resultante final vai ter de pedir alguma coisa a toda a gente,

para que não sejam só alguns a dar tudo o que se pretende. O que pretendemos aqui é afectar, em primeira análise, minimamente os utentes do SNS, sobretudo aqueles que têm menor defesa perante um acto isolado de prescrição, e queremos também que as economias da factura sejam, de alguma forma, repartidas por todos os agentes que connosco se inter-relacionam na prestação de cuidados de saúde.

Naturalmente que a aplicação de um metodologia de indexação de comparticipações, tal como acabei de referir, vai provocar naturalmente e de forma progressiva algum ajustamento por parte do sector industrial de oferta de produtos. É natural que assim seja, porque é a própria reacção de defesa da indústria. Ao fim e ao cabo, é o mercado a procurar também ele o seu ponto de equilíbrio.

Se a isso juntarmos, ainda na área do medicamento, os trabalhos que nesta altura estão em curso, com o apoio, aliás, dos médicos profissionais e os seus organismos representativos, no sentido de, progressivamente, se adoptar um outro conjunto de medidas, temos aqui enformado um quadro que é global e contém em si uma lógica global de aplicação.

Portanto, o que, nesta altura, está conjecturado é que se proceda — e este trabalho já está também adiantado — a um formulário nacional terapêutico, portanto, por patologias, com o apoio da classe médica. Esse formulário será, portanto, o documento técnico indispensável a um enquadramento que permita a generalização da prescrição por princípio activo nos diversos estágios operacionais do Serviço Nacional de Saúde.

Também aqui queremos ir de forma gradual, para que não haja grandes convulsões no equilíbrio existente, e também aqui não queremos, de uma vez por todas, levar ao limite esta medida; queremos é calendarizá-la de forma conveniente, por forma a dar a todos os agentes envolvidos tempo e capacidade para se ajustarem à nova situação.

Começaremos, naturalmente, por expandir este tipo de prática ao ambulatório* hospitalar, estendendo aquilo que já hoje se faz para o internamento nos hospitais, e, numa segunda fase, que não está ainda programada, mas que será, com certeza, uma segunda fase, este princípio será estendido também às prescrições nos centros de saúde.

Portanto, como vêem, Srs. Deputados, o que está aqui em questão não é uma medida isolada que possa abruptamente atingir a parte mais indefesa do sistema; o que está aqui em causa é um conjunto articulado de medidas que, por articuladas que se querem, quer-se também que atinjam de forma, digamos, o menos violenta possível — passe a expressão — as pessoas a quem elas se dirigem numa primeira- apreciação.

Mas, voltando à nossa factura financeira, como vêem todo esté conjunto de mecanismos permite-nos finalmente pensar que a factura sempre crescente da comparticipação do SNS nos medicamentos vendidos através da rede de farmácias possa estagnar, possa, inclusivamente, decrescer. A hipótese que considerámos no Orçamento não é de decrescimento, é de contenção de gastos.

E o mesmo se aplica à questão dos convencionados. Como sabem, há aqui- também algumas acções que estão em curso e já bastante avançadas também, porque já há alguns meses que elas decorrem, no sentido de se clarificar, progressivamente, mas de forma definitiva, e gostaria que irreversível, a lógica de articulação entre a capacidade interna de oferta do SNS e a procura de serviços no, exterior a esse mesmo sistema.

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Portanto, não faz qualquer sentido que o Estado gaste milhões de contos por ano a investir em hospitais, em equipamentos, em equipas técnicas, profissionais médicos e, depois, não tire o proveito adequado e máximo dessa capacidade instalada e recorra, de forma sistemática, aos serviços no exterior. O que queremos é também clarificar esta situação.

O trabalho já aqui referido, que está a ser desenvolvido pelo grupo da denominada carta hospitalar, tem, entre outros objectivos, por finalidade apurar a maneira como está a funcionar a capacidade interna de oferta de serviços, que equipamentos existem, qual a sua distribuição funcional e espacial, qual o seu modelo de exploração, quais as suas condições de exploração, em termos de custos e em termos de qualidade, qual o seu regime de manutenção, que tem muito as ver com tudo o resto, etc, etc.

Portanto, como vêem, há aqui toda uma bateria de dados técnicos que, nesta altura, estão a ser aprofundados e que vão, com certeza, levar-nos a um fotografia, que queremos tão exacta quanto possível, da situação existente.

E a partir da fotografia passamos para a acção dinâmica: se o que existe é isto, se a procura é aquela que sabemos, vamos, então, adequar esta capacidade à procura existente. Também por aqui — estou plenamente convicto, e digo-o com toda a convicção — vai ser possível estabelecer alguma contenção, se não redução mesmo, na factura de pagamento ao exterior deste tipo de despesas.

Relativamente às outras rubricas que maior peso têm nos custos de exploração, diria que estamos a ser cada vez mais activos a observar a evolução dos novos contratos estabelecidos. Não temos feito, por via de regra, homologação de qualquer contrato que comporte custos que nos

pareçam que estão para além de tudo aquilo que seria razoável relativamente ao eventual aumento de actividade de um determinado contrato. Portanto, vamos ser bastante rigorosos nessa matéria.

Estamos, em termos de medidas de gestão geral do sistema, a tentar — e já estamos a fazêjlo, mas é um processo que leva o seu tempo até que se concretize e até que se produzam os resultados adequados — introduzir, de forma sistematizada e sistemática, o modelo de gestão por gestão orçamental. As unidade já começaram, num exercício que vai ser prosseguido e aprofundado, a ser inquiridas uma a uma, começámos pelas maiores e pelas mais problemáticas, no sentido de avaliar convenientemente o seu programa operacional para o ano que vem, tendo em vista tudo aquilo que, acabei de^referir relativamente aos princípios que enformarK-qv^ójue devem enformar a actividade do sistema. *'}'t»T.

Naturalmente que não m^^ái ser possível manter por muito mais tempo «gordu.rasçexcessivas» em termos de recursos existentes; vamos, ter de ter a capacidade de imaginação de flexibilizar a sua adequação possível às unidades onde eles façam falta. Não vamos mais ter a possibilidade de deixar ver crescer indefinidamente os custos de gestão desses mesmos recursos sem que sobre eles deitemos o nosso olhar crítico. E foi esse exercício que eu disse que começou a ser feito e que vai ser, seguramente, aprofundado.

Portanto, quero concluir com tudo isto que está no campo e já no decurso de alguns meses vai ser aplicado um conjunto de medidas que inevitavelmente vai ter de levar ao controlo da factura dos custos do Serviço Nacional de Saúde.

Este orçamento que aqui está pretende precisamente dar expressão a tudo o que acabei de dizer e é como tal que

o apresento aqui, com toda a abertura e com toda a sinceridade dos números que aqui estão escritos.

Como resultante de tudo isto, remanesce um conjunto de relações financeiras entre o SNS e os seus prestadores de bens e serviços. Como sabem, a situação ainda está longe de estar controlada e muito do que tem vindo, inclusivamente, para o exterior relaciona-se com algumas dificuldades que temos encontrado em agarrar de forma global também este tipo de problemas.

É que, ao lado de fornecedores, que são privilegiados, no sentido das suas relações financeiras, há outros que não têm privilégio algum e, portanto, estão a pagar para a situação dos primeiros. Ora, se queremos dar alguma equidade ao nosso relacionamento com os outros, com os terceiros fornecedores, temos, de facto, de estabelecer um quadro negocial e contratual onde essa mesma equidade fique plenamente expressa.

Portanto, o que vamos fazer, e não vamos ceder neste prosseguimento, é uma aproximação progressiva — sei que estas coisas não podem ser executadas também de forma abrupta — das condições contratuais de toda a gente. Os que têm hoje uma situação melhor do que a dos outros terão de ceder um pouco, para que aqueles que não têm qualquer situação possam ganhar alguma coisa. É esse o caminho que estamos a seguir, o que, parecendo que não, clarifica, estabiliza e pacifica um conjunto de relações entre o SNS e os seus prestadores de serviços, com eventuais repercussões em questões de produtividade e em questões de custos, ao fim e ao cabo.

Dentro dessa perspectiva, também no documento de trabalho que aqui tenho e que vos foi distribuído, achámos por bem refundir os dados sobre a dívida de funcionamento do Serviço Nacional de Saúde.

O mapa feito recentemente já integra as verbas constantes da proposta de Orçamento rectificativo e, desta forma, foi possível passar para um saldo de financiamento do funcionamento previsto de 130 milhões de contos no documento inicial para um saldo de passagem de 106 milhões de contos, o que configura um prazo médio de pagamento pouco superior a dois meses e meio. Ou seja: em termos médios praticamente desapareceu a mora nas relações contratuais do Serviço Nacional de Saúde.

A aposta que fazemos para 1997 é que passemos rigorosamente com a mesma situação contratual, ou seja, que não exista mora nas relações contratuais entre o SNS e os fornecedores do Ministério da Saúde,

Apontamos, naturalmente, para um valor de igual montante, os 106 milhões de contos. É este o significado do nosso esforço de contenção.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): — Então, e a execução do PIDDAC!?

O Orador: — Desculpe, falta o PIDDAC!

Sobre as verbas da acção social escolar — tinha tomado nota e tinha-me esquecido de referir —, está, de facto, despachada por mim, já há cerca de dois ou três meses, uma verba da ordem dos 415 milhões de contos, precisamente aquela que foi orçamentada pelas escolas de enfermagem e de tecnologia de saúde, que era aquela que elas precisavam para a acção social escolar. Portanto, essa verba já está definitivamente despachada e já foram dadas instruções no IGIF para se fazerem os pagamentos em conformidade.

Ainda no campo do levantamento das eventuais situações de subsistema ou parecido, devo também dizer que está nesta altura a ser estudado, por uma entidade externa

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ao Ministério, toda a problemática que tem a ver com os seguros de saúde, os seus aspectos fiscais, enfim, qual o tipo de seguro de saúde que seria compatível com o posicionamento dos cidadãos face ao SNS. Espero também, dentro de algum tempo, ter algumas indicações sobre isso

e com certeza que em 1997 também poderemos tomar alguma decisão neste campo.

Relativamente ao PÍDDAC, apontamos em 1996 para uma execução financeira da ordem dos 90% do orçamento inicial. Já tive oportunidade de referir este número na anterior reunião e, de facto, os últimos dados que me chegaram levam-me a confirmar que a realização do PÍDDAC será à volta dos 90% do valor inicial.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): — Quais são os dados de execução que tem neste momento?

O Orador: — Neste momento tenho dados de execução relativos a Outubro que apontam para uma realização já de 36%.

Devo dizer-lhe que ontem mesmo pedi aos serviços que percorressem de forma exaustiva, projecto a projecto, rubrica a rubrica do orçamento, e não sei se desiludo ou não alguém com este número, mas não conseguiram baixar dos 90% de execução prevista para o final do ano. Isto apesar de eu ter dito para que trabalhassem com todas as medidas de segurança, que é para, depois, não chegarmos ao fim do ano e termos um número menos consequente. E afinal o número a que se chegou, ontem mesmo, após revisão minuciosa de todo o conjunto de rubricas que constam do orçamento de investimento este ano, é precisamente de 90% 'de execução.

A Sr" Ministra da Saúde: — Sr." Presidente, Srs. Debutados: Não sei se desta troca de impressões entre as duas bancadas, posso ser eu a intervir, porque, há pouco, não referi uma coisa que é importante, que é a questão da inscrição que o Sr. Deputado Bernardino Soares considerou como simbólica relativamente aos centros de saúde.

É simbólica, mas é mais do que isso: é simbólica quando pretende imprimir uma reorientação de investimento para a área dos cuidados de saúde primários, porque, como sabe, temos instalações mais degradadas em termos de cuidados de saúde primários do que em termos hospitalares, porque, entretanto, foi feito um grande investimento a nível de unidades hospitalares, nomeadamente a nível distrital.

Isto permite-nos também corrigir dentro do mesmo ano e reorientar os investimentos em função de quem teve capacidade para andar mais depressa. Não tenhamos também dúvidas de que, como sabe — e nós todos os anos' assistimos a isso —, há necessidade de reafectacão de verbas, porque os estabelecimentos de saúde, com a complexidade técnica que têm, nem sempre avançam em termos de apreciação do projecto.

Portanto, não faz grande sentido inscrever muito mais do que isto, quando se pretende abrir um processo junto das ARS. Existem estas duas vertentes...

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Tem de concordar que a verba disponibilizada é pequena!

A Oradora: — Para projecto, normalmente!

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — É um compromisso para 1998?

A Oradora: — Não! Pode ser já para 1997, se a ARS respectiva tiver capacidade de executá-la!

Porque o que se passa muitas vezes é que — e vamos reorientar tudo a este formalismo — o Departamento de Estudos e Planeamento elaborava o PJDDAC, a Direcção--Geral da Saúde tinha de elaborar os programas funcionais e não articulava com o DEP, nem nenhum deles com o IGIF, que muitas vezes não articulava com a DGIER. E a política de descentralização tem a ver com isso, porque há programas funcionais tipo que as ARS, depois, vão ter de ajustar à realidade concreta e demos-lhe mais maleabilidade para aprovarem o seu próprio programa funcional.

Depois o lançamento do projecto também vai ser dentro de um projecto tipo que é ajustado às condições locais, mas muitas vezes somos surpreendidos com aqueles problemas de fundações ou de falta de estrutura dos terrenos, etc., e, portanto, isto permite-nos alguma ginástica para a reorientação em tempo de projectos que não são exequíveis.

Foi o caso, por exemplo, este ano, do Hospital de S. Francisco Xavier, que tinha três milhões e tal de contos que tiveram de ser reorientados para outros projectos que não havia capacidade de executar.

A Sr." Presidente: — Tem a palavra o Sr. Secretário de Estado para terminar as suas respostas.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde: — Sr.° Presidente, Srs. Deputados, apenas queria referir, para retomar o. tema, que a nossa intenção em termos de executar investimentos é uma intenção descentralizadora, mas que o Orçamento não colhe em termos numéricos.

O que devo dizer é que, de facto, do antecedente já vinha um conjunto de obras grandes e essas não as vamos descentralizar, naturalmente, agora, o que vamos fazer — e já começámos — é descentralizar tudo aquilo que não é obra de grande especificidade técnica ou de grande dimensão. Naturalmente que o Orçamento de 1997, em termos numéricos, ainda não recolhe isso, porque as grandes obras ainda ocupam a parte de leão desse cômputo global da despesa, só que o sinal .está dado.

Portanto, existem dezenas de centros de saúde cuja activação já vai ser feita em 1997 e obras mais pequenas a nível dos diversos hospitais já foram cometidas às administrações regionais de saúde e já começámos a ver junto das ARS o que é que podemos começar a avançar em termos de projectos e das disponibilidades de terreno para todos os centros de saúde que foram inscritos, apesar do cuidado que tivemos de inscrever os centros de saúde que se justificam, mas que tivessem minimamente pés para andar, para que, depois, não sejamos confrontados com uma situação em que, afinal, não pode ser feita, porque o terreno ainda não tem a escritura feita e nem pode ser feita porque os herdeiros... Portanto, quisemos limpar, à partida, esse tipo de situações.

Por isso, estou convencido de que o ano de 1997 vai ser o ano em que todos esses projectos vão poder ser postos em cima da mesa devidamente acabados e grande parte deles executados, porque, se repararmos que uma extensão de um centro de saúde poderá custar entre 20 000 contos, mais coisa menos coisa, um centro de saúde entre 200 ou mais, se alguma obra maior resvalar um bocadinho, podemos por aí dar cobertura orçamental a dezenas de extensões de centros de saúde.

Portanto, também estou convencido de que, por essa via,,

por esse facto, podemos executar grande parte de tudo o

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que está inscrito no Orçamento, indo para além, inclusivamente, das verbas inscritas em termos globais.

O Sr. Vieira de Castro (PSD): — Não diga que o Orçamento é bom!

A Sr." Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Neto.

O Sr. Henrique Neto (PS): — Sr. Presidente, Sr." Ministra da Saúde, desejava fazer um comentário breve e uma pergunta.

O comentário não tem a ver concretamente com o Ministério da Saúde, tem a ver com este debate na especialidade dos diferentes ministérios e é uma nota de surpresa por as oposições fazerem uma critica que é sempre mais ou menos a mesma e que é esta: as receitas são sobrestimadas e as despesas sub-avaliadas.

Sou empresário e pensava que isso era uma coisa boa. Sempre tive alguma preocupação com aqueles quadros e aqueles dirigentes que aumentam as despesas, reduzem as receitas e aumentam os défices. Esse é que é um problema preocupante! Porque, se os dirigentes de qualquer organização se comprometem, porque há um comprometimento com as dados que se dão, a reduzir as despesas e a aumentar as receitas, isso é bom para o País e é isso que precisaríamos. É há uma altura própria para verificar se isso acontece ou não: é aquela em que se verifiquem as execuções. • Ou seja: estar sistematicamente a antecipar os momentos em que se pode averiguar se os dirigentes se responsabilizaram ou não não adianta, é inútil e poderia até -— estou certo de que não acontece com um Governo do PS — desenvolver nesses dirigentes um certo instinto de defesa e apresentarem receitas mais conservadoras e despesas mais expansionistas.

Dito isto, quero fazer uma pergunta concreta. Sr." Ministra, existe alguma preocupação na região sul do meu distrito, o distrito de Leiria, relativamente aò Hospital das Caldas da Rainha, porque, tendo sido feito o investimento na ordem de 1,5 milhões na expansão do hospital, digamos de novos serviços, a dotação deste ano para a central técnica e para os diferentes equipamentos — bloco operatório e outros equipamentos — é de apenas de 380 000 contos, mais ou menos, que dizem que é claramente insuficiente para acabar de vez com aquelas obras e que, digamos, atrasa a rentabilização do investimento já feito.

Há também um outro problema, que presumo que é geral no aparelho do Estado, e que tem acontecido durante este ano, que é um certo atraso no lançamento dos concursos. Tem havido algumas dificuldades no lançamento dos concursos para alguns, dos equipamentos, portanto, agradecia que a Sr.* Ministra ou o Sr. Secretário de Estado nos pudessem esclarecer.

A Sr." Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Mendo.

O Sr. Paulo Mendo (PSD). — Sr." Presidente, Sr." Ministra, os meus cumprimentos. Vou tentar fazer uma intervenção um pouco mais política, porque julgo que já foram aqui debatidos muitos números e o' Orçamento reflecte sempre, em princípio, aquilo que as opções determinam. Portanto, houve opções e a essas opções correspondeu um orçamento este ano e actualmente de novas opções apresentadas para 1997 aparece-nos um outro orçamento.

Passado um ano, julgo que é importante compararmos

isto. E, pela comparação que faço politicamente, tenho a dizer que fico muito preocupado, porque, enquanto que as Grandes Opções do Plano para 1996 eram opções que podíamos considerar com alguma visão política, que apresentavam pontos perfeitamente fundamentais, incidindo politicamente sobre a resolução do problema do financiamento, identificando passivos, elaborando planos financeiros plurianuais, fazendo e apresentando o ponto de situação importante, um financiamento do Serviço Nacional de Saúde sustentável, de modo a assegurar o conjunto de cuidados de saúde essenciais.

Ora, apresentando esse orçamento uma série de princípios políticos, que me pareceram perfeitamente importantes, não encontro nas Grandes Opções do Plano para 1997 esta mesma posição. Pelo contrário, vejo sobretudo uma visão administrativa ou, se quisermos, político-administra-tiva nessas Opções.

A tal ponto que diz especificamente que, assim, as Opções para 1997, na área da saúde, são as seguintes e define-as: instituir ganhos na saúde como principal objectivo de reforma; enfrentar a escassez de recursos através da revitalização do sistema; promover a qualidade de prestações; desenvolver os recursos humanos; reforçar a participação dos cidadãos; e desenvolver a reforma do sistema de saúde.

Isto quer dizer que orienta tudo para uma resolução de um problema político, que considero essencial e fulcral em qualquer sistema de saúde num país moderno, que é a sua forma de financiamento numa resolução por meios — cha-memos-lhe assim — endógenos.

Por isso, a minha primeira pergunta, a que, aliás, o Sr. Secretário de Estado, já respondeu largamente, julgo eu, era precisamente esta: isto é a aceitação de que vivemos numa situação deficitária, não podemos fugir dela e, de vez em quando, vai ter um balão de oxigénio, que a vai segurando, ou está convencido de que, com estas acções, é possível financiar a saúde em Portugal?

Pela resposta ou pela intervenção do Sr. Secretário de Estado, julgo que é esta a posição do Govemo, ou seja, julga que, aumentando o rigor da gestão, criando condições de relacionamento entre o Serviço Nacional de Saúde e as entidades externas mais transparentes e mais protocoladas, fazendo com que os preços dos medicamentos não subam, é possível financiar a saúde sem défices ou mantendo o défice, e, provavelmente, executar uma política de saúde. Eu estou não só profundamente céptico sobre isso como tenho a certeza absoluta do falhanço desta política.

Não é muito difícil ver o que se passa em todo o mundo, em que um simples serviço de saúde, para manter a mesma qualidade, tem de aumentar 5% ao ano o seu orçamento, de tal modo vivemos numa época de revolução tecnológica.

Sabemos perfeitamente que tudo aquilo que acabou de ser falado agora precisamente pelo Sr. Deputado do Partido Socialista ao falar nas Caldas da Rainha, o simples facto de pôr esse hospital mais rentável significa que se vai gastar mais dinheiro; o simples facto de se cumprir o PI-DDAC significa que se vai gastar mais dinheiro; o simples facto de criar condições para os hospitais trabalharem em todos os blocos operatórios até às 20 horas significa que se vai gastar mais dinheiro.

Temos de saber que somos o país na Europa que menos dinheiro gasta, portanto, o problema político continua perfeitamente de pé, que é saber qual é a política do Partido Socialista para o financiamento do sistema nacional

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de saúde. O financiamento através da poupança não é uma política de saúde quando essa capitação se situa, como sabe, na ordem dos 80, 90, ou, se quiser —dou de barato —, 100 contos cidadão/ano, quando aqui ao lado a vizinha Espanha já vai em 140 contos.

Portanto, o problema que aqui se põe é um problema que politicamente sempre levantei e que no ano passado vi que o Governo também tinha levantado — aliás, não o fez apenas nessa altura, fê-lo também durante a campanha eleitoral. Em todos os programas do Partido Socialista isto foi falado como tema central, mas, actualmente, esse tema desapareceu e estamos numa discussão meramente orçamental do tipo contabilístico, a ver se é possível resistirmos mais um ano.

Lembro os programas que o Ministério da Saúde está a lançar ou mantém em execução, mas vou falar apenas de alguns deles, quatro ou cinco, para lhe pedir algumas informações.

Por exemplo, tem um projecto de investigação — e gostava que me explicasse estes números, porque não os entendi bem — que está nos programas e na folha de despesa em relação a programas, mas não sei se ele significa o projecto de bolsas para investigação dentro do Serviço Nacional de Saúde, onde, num ano, estiveram orçamentados em 50 000 contos e, depois, passaram para 150 000. Vejo que este programa está a subir, mas, no entanto, este ano ainda não houve qualquer despesa nele. Portanto, este programa não foi concursado, que eu saiba, não houve candidaturas, elas acabaram em 1996.

A saúde da*mulher e da criança mantém-se com 5000 contos. É evidente que, quando a saúde da mulher e da criança entrar, como está programado que entre,, para o estudo do tratamento da esterilidade dos casais sem filhos, quando se colmatarem as deficiências que ainda tem, vai necessitar, para manter o mesmo nível de qualidade que já tem, de orçamentos muito maiores.

No que se refere ao plano da luta anti-tuberculose, devo dizer que o deixei inteiramente pronto, vejo que está orçamento em 100 000 contos, mas ainda ontem ouvi dizer, por parte de uma alta dirigente da Direcção-Geral de Saúde, que assim não se vai lá porque ainda nada se fez. E, aliás, isso foi dito também pelo Presidente da Sociedade de Pneumonologia há bem poucos dias no respectivo congresso. Este é outro plano que, com 100 000 contos, nada é, vai obrigatoriamente exigir muito mais dinheiro.

No que respeita ao Plano de Resolução das Listas de Espera (PRLE), tanto quanto saiba, durante este ano, não se fizeram concursos e, no entanto, está aqui orçamentado com 500 000 contos.

O Plano Geral de Intervenção do Hospital de Santa Maria ou tem 2000 contos ano para solidificar em cinco anos ou 360 000 contos, que, como sabem, «cabem na cova de um dente», não chegam para nada.

E, no entanto, vamos continuar a ter os desafios, como a Sr.° Ministra sabe bem e, aliás, colocou aqui, de termos uma doença de Gaucher, que começou por só nos gastar 100 000 contos e actualmente a Sr.° Ministra já orçamentou 1,1 milhões de contos para o próximo ano. E sabemos perfeitamente que erros metabólicos ou erros inatos de metabolismo vão ser cada vez mais caros e cada vez mais vão ter de ser assumidos pelo Ministério.

Gostava que me dissessem alguma coisa sobre estes valores destes programas, porque não dizem bem com os meus.

Por outro lado, gostava de dizer que politicamente também não percebo muito bem por que é que a acção social escolar se mantém na saúde e não deva ir para onde foi o

ensino, que é para o Ministério da Educação. Se as nossas escolas passaram a fazer parte, naturalmente, do programa natural escolar, se passou a ser uma escola superior que dá bacharelatos e que é dependente na sua estrutura

do Ministério de Educação, por que razão é que a acção social escolar desses alunos vem sobrecarregar o orçamento da saúde? Pelos vistos foi aceite e já está neste programa com 400 000 contos.

Significa somente isto: podem juntar-se a todos estes programas mais 15 ou 20, o que significa que o aumento de despesas da saúde vai continuar imparável e nada me parece, na política que actualmente é feita, que esse caso seja minimamente tido em conta.

A Sr.° Presidente: — Tem a palavra a Sr." Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr." Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): — Sr." Presidente, Sr." Ministra, peço desculpa de insistir, mas, sob pena de este debate não ter qualquer interesse, do meu ponto de vista, gostava de voltar ao princípio. O Sr. Secretário de Estado e a Sr." Ministra explicaram o que já sabemos. Primeiro, que estão a reflectir para fazer uma reforma — concordamos —, segundo, que estão a tomar medidas para arrumar a casa — também concordamos — , mas neste momento estamos a discutir uma coisa que se chama Orçamento para 1997, que é a expressão quantitativa e temporalmente limitada de uma política.

Por conseguinte, não posso chamar à colação a reforma, por mais que quisesse, porque nem sabemos o que é que se está a passar a nível da Comissão de Reflexão, nem considerar que as medidas de arrumação vão ter aqui algum significado, e, desculpe, Sr. Secretário de Estado, não me respondeu.

O que penso é o seguinte: vai ter um crescimento, como vejo aqui nos números — pode ser que esteja errada — de 0,7% em termos do Serviço Nacional de Saúde, a sua receita, segundo a sua previsão, cresce 98% e a sua despesa diminui 5,5%.

Quero perguntar ao Sr. Deputado Henrique Neto se o senhor tivesse um director financeiro que lhe viesse dizer, pelo segundo ano consecutivo, que ia ter um aumento de receita da 98% e uma diminuição da despesa em 5,5% e no ano seguinte lhe tivesse dito que ia duplicar a receita, e não a duplicou, que ia diminuir para metade a despesa, e não a tivesse diminuído, não o despedia. Não acredito que o não fizesse! Despedia-o com certeza!

O Sr. Henrique Neto (PS): — Esperava pelo ano seguinte!

Risos.

A Oradora: — Há! É um empresário benévolo!

Mas como não estamos nas empresas e os senhores são Governo e foram eleitos, reconheço-lhes toda a legitimidade para governarem e espero que o meu contributo seja positivo, mas gostaria de dizer o seguinte: estou preocupada, porque, das medidas que o Sr. Secretário de Estado referiu, devo dizer que, no que se refere à capacidade instalada, não basta descobrir quanto é que ela é nem onde é que ela está, porque o senhor não tem possibilidades de a fazer funcionar da parte da tarde. O senhor tem dois problemas: tem uma capacidade eventualmente mal instalada e mal distribuída, mas tem também uma capacidade mal aproveitada, porque ela trabalha apenas uma parte do dia.

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Se o Sr. Secretário de Estado me disser que, no fim de laneiro, sabe qual é a sua capacidade, sabe onde ela está e a põe a funcionar o dia inteiro, calo-me; se não me puder dizer isto, acho que é mais honesto ponderarmos.

Depois tem aqui uma coisa muito simples que são os protocolos, isto é, como é que cada serviço em cada hospital deve tratar os doentes, porque isto é que é a questão fundamental da saúde. Porque, enquanto isto não for definido, o discurso do Sr. Deputado Paulo Mendo é perfeitamente razoável, mas eu não acho, com todo o respeito que tenho por ele. Ou seja: se não assentarmos sobre o que é que o Serviço Nacional de Saúde tem de fazer pelos cidadãos, até que medida é que lhe compete, jamais haverá dinheiro e o senhor não tem mão nos hospitais, no melhor sentido da palavra, porque em cada hospital se fará aquilo que ele entende que tem de fazer, sem contenção orçamental, porque também cada hospital não fez o seu orçamento, não foi dotado daquilo que pediu, não está de acordo com a sua produção, e esta bola de neve vai continuando a deslizar.

Mas dou-lhe mais exemplos: a dívida que, em boa hora, sugeri que fosse centralizada no Instituto de Gestão Financeira, contínua pulverizada pelos hospitais. Qual é a capacidade negocial de um hospital que tenha, por exemplo, 8 milhões de contos de dívida? Nenhuma! Como é que vai negociar com os seus fornecedores? De maneira nenhuma! Por que é que o senhor não a centraliza, não a tira dos hospitais, não a põe no Instituto de Gestão Financeira e não gere a dívida a partir do seu Gabinete e do Gabinete da Sr." Ministra? Como é que quer que os hospitais façam, por um lado, um esforço de arrumação e, por outro, lidem com uma dívida de milhões, como tenho visto e como o senhor sabe melhor do que eu?

Depois tem o problema da produtividade, que é óbvio que na saúde é um problema gravíssimo. Quanto às demoras médias, como é que o senhor sabe se cada hospital está a gerir de acordo com padrões se esses padrões não estão estabelecidos? Se um hospital tiver um doente e o tiver internado quatro dias antes da cirurgia custa dinheiro. Quem é que vai dizer a esse hospital que não o pode fazer? E quando é que o senhor no seu Gabinete sabe que esse hospital o fez? E que autoridade tem para dizer ao médico que não o pode internar antes? Portanto, estes são os verdadeiros problemas.

Quero dizer-lhe o seguinte: acredito que essa reforma vá para a frente e pode contar com o apoio desta bancada, acredito que as medidas que o senhor anunciou de arrumação são verdadeiras — não partilho da opinião do Sr. Deputado Paulo Mendo —, é por aí que se tem de começar, e considero que possivelmente, no fim de 1997, princípios de 1998, terá algumas dessas medidas em prática. No entanto, digo-lhe o seguinte: se este Orçamento é feito desta maneira e os senhores sustentam que vão ter efeitos durante este ano, vão roubar toda a credibilidade à possibilidade de uma reforma, vão dar razão ao Sr. Deputado Bernardino Soares e penso que vamos andar para trás.

Portanto, quero dizer-lhe que a receita não vai crescer desta maneira, a despesa não vai ser contida desta forma e o dinheiro não vai chegar, não pelos motivos que se diz mas porque realmente não é politicamente possível a este Governo, em 1997, introduzir estas medidas de uma forma que tenham reflexo orçamental.

Por isso, digo: para o ano vamos estar aqui, pelo terceiro ano consecutivo, a discutir outra vez a mesma coisa, e é pena porque acho que há aqui medidas que são muito importantes, que há muito tempo deveriam ter sido

tomadas, e não foram, que não se fazem de pé para a mão.

Os senhores dizem «queremos ir devagar, queremos ir de

forma gradual», mas como é que compatibilizam isto com o Orçamento, que, ao fim e ao cabo, não é mais do que uma expressão quantitativa temporalmente limitada.

A Sr.* Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (PCP): — Sr." Presidente, Sr." Ministra, Sr. Secretário de Estado, é evidente que quando se aprecia um Orçamento do Estado não se apreciam apenas a questões meramente técnicas. Estamos numa apreciação política e por isso aprecia-se a política global do Governo, sector por sector, e, como é evidente, o sector da saúde é dos mais importantes e, com certeza, dos( mais preocupantes.

Aqui se pode detectar realmente com que tipo de política global de saúde vai o País contar, com que Serviço Nacional de Saúde vamos ser dotados, com que rede nacional de saúde, que o Governo aponta como uma das suas prioridades nas Grandes Opções do Plano, vai o País ser dotado e que medidas vão ser adoptadas.

Recordo que o Sr. Secretário de Estado da Saúde, no debate na generalidade na Comissão, apontou como uma das suas prioridades e das prioridades do Governo os cuidados primários de saúde e, desde logo, Sr." Ministra, verificamos aqui, por alguns números, através da distribuição das verbas, que o peso do bolo total das verbas distribuídas é praticamente igual, se não for'menor, ao do ano passado neste sector.

Portanto, gostaria de saber por que razão é que não temos nestas verbas atribuídas para este sector um outro peso mais de acordo com as célebres prioridades apontadas pelo Governo.

Mas, já agora, Sr." Ministra, gostaria de tocar num outro aspecto que diz respeito à política de saúde, que tem a ver com o que se passa nos hospitais — e já aqui foi ventilado— especificamente nos serviços de urgências, que afectam milhões de portugueses. A Comissão Parlamentar de Saúde tem estado, nos últimos tempos, a observar atentamente o que se passa um pouco por todo o País e estive recentemente na cidade do Porto e em Vila Nova de Gaia, onde a aconselho a fazer uma visita muito rápida, porque o panorama que encontrámos — e não gosto muito de qualificativos — é dramático.

Nos hospitais encontrámos dívidas e creio que só o Hospital de S. João deve qualquer coisa como 14 milhões de contos e a ele devem-lhe cerca de três milhões de contos, sendo os devedores subsistemas — ADSE, companhias de seguros; etc.

No Hospital Eduardo Santos Silva, em Vila Nova de Gaia, o director do centro hospitalar disse-nos assim: «ultrapasso já em três milhões de contos, porque, se não ultrapassar e arranjar uma dívida destas o sistema pára, pura e simplesmente».

No Hospital de Santo António, o panorama que encontrámos também não é nada brilhante, apesar de, dentro em breve, ser inaugurado um novo edifício, mas se não houver um acompanhamento de outras obras e do actual sector não haverá resultados muito positivos; mesmo com a entrada em funções desse edifício.

No hospital de Vila Nova de Gaia e no Hospital Eduardo Santos Silva, Sr." Ministra, há serviços e blocos operatórios que pararam porque começou a chover e chuva começou a entrar para dentro dos blocos, com uma agra-

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vante — até no sector eléctrico detectamos isso: é que os serviços param.

Se é necessário mandar um doente urgente para fazer uma radiografia ele têm de andar cerca de meia dúzia de quilómetros por um piso inconcebível, que se a Sr.* Ministra tiver a paciência de lá ir vai observar — atravessando Gaia para ir ao Hospital de Gaia fazer exames, quer sejam parturientes quer sejam doentes graves carecendo de operações, etc. E aquilo que encontrámos no sector de urgências em Gaia, aquilo, sim, Sr." Ministra, queira fazer o favor de ir observar, porque não se pode manter aquela situação.

Por outro lado, há falta de médicos, de enfermeiros e de técnicos especializados, o que leva a estas situações «magníficas»: por exemplo, num dos hospitais as horas extraordinárias no sector clínico atingem já dois milhões de contos e num outro um milhão de contos, violando normas, creio eu, e até um certo despacho, creio que é o Despacho n.° 18/96, do Governo, que não permite o aumento de mais de um terço de horas extraordinárias. Mas os directores clínicos dizem que, se não for assim, o sistema pára.

Há também distorções variadíssimas... Portanto, Sr.° Ministra, isto é uma questão eminentemente política e por isso a questiono.

Ainda por cima, a Junta Autónoma de Estradas, que, há meia dúzia de anos ou há cinco anos, deveria ter construído uma estrada em direcção ao Hospital Eduardo Santos Silva e assinado um protocolo, até hoje nem estudos fez.

Todo este panorama não é fácil de aceitar, pelo que pergunto, Sr.° Ministra, o que é que se vai fazer em relação a este tipo de situações que existem um pouco por todo o lado, mas que, especialmente na região norte, são realmente, muito dramáticos.

Como é que o Governo pensa, através destes números frios do Orçamento do Estado, alterar estas situações? Estaria ou não na disposição de aceitar qualquer proposta que pudesse viabilizar a construção de elementos hospitalares que terminem com estas situações?

Por outro lado, Sr.a Ministra, nos centros de saúde — e aí está uma das prioridades que o Governo dá aos cuidados primários de saúde — detectámos que não há técnicos, mas que alguns funcionam muito bem, com grande esforço dos clínicos, dos enfermeiros e dos profissionais que lá trabalham. Não há técnicos, não há radiologistas, não há especialidades, pois foi retirado dos centros de saúde, pelo que observámos, qualquer coisa como mais de um milhão, cerca de 1,3 milhões de urgências, de pessoas que vão a hospitais, sendo que cerca de 80% são falsas urgências, porque as pessoas desconfiam dos centros de saúde, que não estão dotados com todos os elementos.

Há um factor de desconfiança que se introduziu na população e como há uma grande confiança nos hospitais, apesar de tudo, apesar de estarem quatro a cinco horas à espera de serem atendidas, a verdade é que assistimos a essas situações, e as pessoas preferem ir às urgências.

Mas também encontramos outras questões sociais gravíssimas, e há um aspecto muito interessante no Hospital Geral de Santo António, em que os directores daquele hospital muitas vezes recebem doentes apenas porque sabem que eles vivem sozinhos, colocam-nos em lares e dão-Ihes de comer sabendo que é uma urgência falsa. Ora, este é um problema que tem a ver com uma política global de carácter social do país inteiro.

Portanto, Sr." Ministra, até que ponto estaria ou não o Governo disponível para apresentar uma proposta realista

que nos conduza à satisfação de soluções a breve prazo para os hospitais do Porto e de Vila Nova de Gaia?

Só para acabar, há aqui um número que nos chegou às, como dizia o Sr. Deputado Bernardino Soares, as 11 horas e 49 minutos, que tem a ver com o financiamento do SNS, que não detectamos, onde diz, no ponto 4, «Outras receitas». Que outras receitas são essas, Sr. Secretário de Estado, que passam, em 1996, de 7 para 20 milhões de contos e nas receitas extraordinárias de 30 para 65,7 milhões de contos? Tenho aqui os meus apontamentos, poderá ser lacuna minha, mas gostaria que o Sr. Secretário de Estado fizesse o favor de nos explicar o que é que isto quer dizer.

A Sr.* Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr.° Ministra da Saúde.

A Sr.° Ministra da Saúde: — Sr.° Presidente, quero fazer novamente uma intervenção relativamente genérica, sem prejuízo de frisar ou de referir alguns dos aspectos que devam ser objecto de alguns esclarecimentos da minha parte. Nesta perspectiva relativamente informal de ir introduzindo alguns esclarecimentos, penso que será possível, ir dando todas as informações necessárias.

Quanto à preocupação relativamente ao Hospital das Caldas da Rainha manifestada pelo Sr. Deputado Henrique Neto, devo dizer que isto tem a ver com problemas de falta de legalidade da obra e da estranheza que o Tribunal de Contas manifestou relativamente ao facto de, depois das ampliações que foram determinadas e objecto de execução, por acaso, terem-se esquecido de prever que era necessária uma nova central técnica, como se isso fosse algo de extraordinariamente estranho.

É evidente que um novo bloco operatório e toda uma séria de ampliações de serviços necessitaria de um reforço relativamente à central técnica que, inexplicavelmente, não foi previsto. E quando se adjudica, de repente, ao mesmo empreiteiro uma obra de valor extremamente elevado sem qualquer concurso recusaram-nos o visto. Portanto, isto foi, pura e simplesmente, o que aconteceu.

Não sei se o Sr. Secretário de Estado tem qualquer outra informação a dar mais especifica relativamente a este assunto, mas é bom que isto fique esclarecido, porque realmente eu própria não deixo de estranhar que aquilo que alguém, tão bem como eu, não deixaria de prever, não tenha sido previsto.

De qualquer das maneiras e avançando agora em relação às questões colocadas pelo Sr. Deputado Paulo Mendo, queria referir o seguinte: as GOP do ano passado consagraram, em termos da sua descrição e da sua elaboração, muitas daquelas medidas e orientações gerais que são objecto do programa de Governo, que se mantém durante toda a legislatura.

Portanto, aquela questão da discussão do financiamento e do plano de financiamento durante a legislatura, nada disso está abandonado, tudo isso está em curso — aliás, é um dos aspectos fundamentais que será objecto do relatório do Conselho de Reflexão, sem prejuízo de o Ministério continuar a trabalhar nesta regularização e nesta pro-to-regularização, chamemos-lhe assim, de relacionamento com os fornecedores, que é uma medida de rearrumação mas é também uma medida táctica em termos de estratégia, que será definida não pelo próprio Conselho mas pelos próprios documentos a elaborar pelo Conselho, que, depois, serão objecto de um debate aqui, na própria Comissão parlamentar.

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Já agora e mais especificamente, gostava de me referir

aos programas.

O programa de investigação foi objecto de concurso. Foi-me apresentado pelo Presidente e, na altura em que me foi apresentado, despachei-o favoravelmente. Sinceramente não posso dizer ao Sr. Deputado se ele já foi ou não objecto de publicação, mas foram reforçadas as verbas e mantém-se o esquema anterior de selecção através de um júri, que é integrado fundamentalmente pelo mesmo tipo...

Eles estiveram a analisar as candidaturas relativamente aos outros projectos. Foi reforçada a verba e já foi aprovado o edital, portanto, presumo que ele até já esteja distribuído. Mas sinceramente não lhe posso dizer mais do que isto.

Despachei no sentido de que o programa se mantivesse, até porque me parece importante esta vertente investi-gacional em sede do Ministério da Saúde que é extraordinariamente motivadora para os bons profissionais e é um dos tais incentivos de que há pouco se falava que é indispensável para garantir alguns mecanismos de fixação e de motivação dos profissionais.

Em relação à saúde.da mulher e da criança, a questão de precisar ou não de mais dinheiro e relativamente às questões da fertilização, talvez esse seja um dos tais aspectos que deva ser objecto de alguma comparticipação por parte dos utilizadores, se tiverem capacidade para isso.

Não me parece que seja tão importante resolver casos de infertilidade como resolver casos de hemodializados e, portanto, vamos ter de hierarquizar e definir algumas prioridades em termos de Serviço Nacional de Saúde, mas isso terá de ser feito de forma muito objectiva e muito clara.

Acho que o Serviço Nacional de Saúde deve assumir aquilo a que as pessoas devem ter direito, por uma questão de respeito por aquilo que é o acesso à saúde, mas há determinadas coisas que a técnica hoje permite que estejam disponibilizadas, mas que não são propriamente obrigação primária e básica do cidadão contribuinte. Aí deve haver uma incorporação efectiva daquilo que é a nossa própria capacidade financeira para resolver questões, que não deixam de ser importantes, mas, que não são básicas nem são prioritárias.

Em relação ao programa da luta anti-tuberculose, houve necessidade de proceder ao ajustamento dos quadros dos hospitais e da articulação com os cuidados de saúde primários. Ainda ontem recebi um dos membros da Comissão e, como o Sr. Deputado sabe, muitas vezes há alguma atrofia relativamente àquilo que são as concepções ao nível dos serviços centrais e às vezes a nível de quem está no terreno a executar.

A Direcção-Geral tem muito a noção de que este trabalho de acompanhamento da luta anti-tuberculosa deve ser feita pelos clínicos gerais...

(Neste momento, o Deputado do PCP Lino de Carvalho, ao levantar-se para abandonar a sala, deu uma queda.)

Pausa.

A St* Presidente: — Srs. Deputados, todos nós lamen-' tamos, e eu muito em especial, o acidente do Sr. Deputado Lino de Carvalho, que está a ser acompanhado. Por isso, se os Srs. Deputados entenderem por bem, vamos continuar os trabalhos, continuando na palavra a Sr.° Ministra da Saúde.

A Oradora: — Sr." Presidente, também eu formulo os

meus votos para que seja só um acidente facilmente recuperável. Deve ter sido daquelas dores fortes, e já agora hão sei se a Assembleia tem serviços de medicina no trabalho, mas há realmente aqui um conjunto de riscos que, deviam ser devidamente avaliados pelo menos pelos médicos que integram a Comissão de Saúde, porque alguns deles, com certeza, terão formação em medicina no trabalho.

O Sr. Bernardino Soares (PCP): — Deviam ter!

A Oradora: — Estávamos a referir-nos ao programa de luta anti-tuberculosa. Tem havido alguns destes desfasamentos e eu própria já tenho agendada uma reunião com a Comissão Nacional para a próxima semana, se não me engano, para fazer a avaliação daquilo que correu mal e do que é necessário empreender para corrigir alguma atrofia que tem existido.

Em relação ao PRLE, penso que o Sr. Deputado já me ouviu dizer também, e já no ano passado, que considero que o PRLE também deve ser utilizado para recuperação de listas de espera nos próprios hospitais, com um mecanismo que permita pôr os serviços a funcionar efectivamente mais tempo, nomeadamente os blocos operatórios.

Parece-me inadequado que este programa seja dirigido apenas ao sector privado até porque pode aparecer uma certa suspeição de que as listas de espera são geradas no sector público para, depois, permitir, a actividade no sector privado. E este ano já está decidido com as ARS que vamos fazer a comparação entre experiências no sector privado e no sector público.

Durante este ano estivemos a ultimar a realização do PRLE aberto em função dos concursos do ano passado. Pqrtanto, foi feita essa avaliação. Nomeadamente na ARS do Norte houve algumas experiências que correram bem e outras que não correram tão bem, que é preciso corrigir. De qualquer maneira vamos pôr em confronto hospitais públicos e sector privado, porque nos parece extraordinariamente saudável haver estes mecanismos de comparação e de avaliação e sobretudo garantir que vão ser encaminhados mais recursos para as instituições que estão disponíveis para trabalhar mais horas.

Como disse a Sr.* Deputada Maria José Nogueira Pinto, muitas das nossas disfunções têm a ver com o facto de a organização de trabalho ser intensa durante a manhã — não há gabinetes para ninguém durante a manhã, porque todos estão a trabalhar ao mesmo tempo, e, depois, à tarde, temos os espaços todos vazios, quando podíamos ter o dobro de tudo aquilo que existe se utilizássemos, pelo menos até às 20 horas, como actividade normal aquilo que está efectivamente disponível.

Em relação ao programa geral de intervenção em Santa Maria, penso que ele está a avançar. Aliás, é imperioso que avance, na medida em que muitos dos desperdícios que temos — e o Sr. Deputado, se calhar, até conhece melhor aquela situação do que eu própria — têm a ver com a falta de estratégia de cada um dos estabelecimentos.

Portanto, cada serviço desenvolve-se em função daquilo que quer fazer, independentemente da estratégia de desenvolvimento do hospital em que está integrado, e o Hospital de Santa Maria é um dos exemplos acabados dessa situação, com proliferação de serviços da mesma natureza, nomeadamente unidades de cuidados intensivos que existem em variadíssimas especialidades, longe uns dos outros, com a afectação de recursos brutais que significa cada uma destas unidades.

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A nível da transplantação já estão estabilizadas e definidas em despacho as regras da organização, porque também é outra das áreas em que é extraordinariamente importante introduzir racionalização, sob pena de, para além de tratamento — e quando digo tratamento não é dos doentes é dos profissionais que estão afectos a esta actividade, não haver o adequado aproveitamento de órgãos em função daquilo que poderia ser...

E se pudéssemos utilizar aqui em termos de troca, até com os serviços estrangeiros, com os quais nos articulamos, pensamos que estaria definido um quadro de estabilização que permitiria racionalizar condições de funcionamento, condições de pagamento aos profissionais e sobretudo também definir que unidades é que deve haver, para elas não proliferarem por tudo quanto é lado e não haver a falta de casuística indispensável a que, depois, os doentes sejam adequadamente tratados.

Quanto à questão de escolas passarem para o Ministério da Educação, devo dizer que já está combinada com o Ministério da Educação para o ano de 1998. Também não quero ter escolas, não me sinto nada bem a pagar uma factura determinada por outros e a ter competência do ponto de vista de dar solução aos encargos logísticos e não ter qualquer outra do ponto de vista pedagógico.

Portanto, penso que deve ser o Ministério da Educação a tomar conta destas escolas, sem prejuízo de haver sempre, obviamente, uma articulação natural com a saúde por causa dos campos de estágio.

Gostava de me referir, agora genericamente, aos problemas levantados pela Sr." Deputada Maria José Nogueira Pinto, que, há bocado, não ouviu a resposta ao Sr. Deputado Paulo Mendo, porque estava ao telefone, em que, de certa forma já respondi.

Como sabe tão bem como eu, os serviços hospitalares dentro de cada estabelecimento desenvolvem-se de acordo com uma estratégia própria que não tem nada a ver com a estratégia global do estabelecimento em que estão inseridos, e isso é algo que tem de ser completamente atalhado, mas aí a culpa é dos conselhos de administração, não tenhamos quaisquer dúvidas disso. Precisamos de ter conselhos de administração nas instituições para definirem, em articulação com as estratégias nacionais e regionais, aquilo que deve ser a sua intervenção.

Portanto, como me apercebi que realmente, apesar de existir Programa de Governo, apesar de existirem Grandes Opções do Plano, apesar de haver n intervenções minhas e do Sr. Secretário de Estado a variadíssimos títulos, é indispensável que o Ministério disponha de um documento estratégico que oriente não só os serviços centrais como também os serviços regionais e, depois, dentro dos regionais, a intervenção de cada uma das instituições. Vou ter esse programa pronto já no fim deste mês.

Aliás, ele será entregue à Comissão Parlamentar de Saúde, porque é fundamental que, depois, ninguém diga que de nada sabia, como se, por acaso, as pessoas não tivessem até obrigação de saber. Assim, com a entrega de um documento formal, que constitui a estratégia do Serviço Nacional de Saúde, independentemente das reformas que venham a ser introduzidas, na sequência do Conselho de Reflexão da Saúde, não há dúvida de que há documentos balizadores e orientadores que têm de existir, porque, de outra maneira, não se vai lá, porque não há qualquer tradição na saúde de gerir as coisas do ponto de vista profissional.

Também vamos fazer outra coisa, que é comprar ao exterior do Ministério, a empresas capazes de o fazer,

auditorias às grandes unidades hospitalares. Quer dizer: os grandes hospitais e aqueles que têm como orçamento vários milhões de contos necessitam de uma avaliação externa, porque muitas vezes — passe a expressão — «santos da casa não fazem milagres, e é preciso que venha alguém de fora, às vezes dar razão àquilo que os próprios órgãos normais das instituições têm muita dificuldade em fazer-se ouvir.

Portanto, é bom que venha alguém de fora já com a experiência firmada neste campo — e, como sabe, temos aí inúmeros consultores que podem colaborar com o Ministério na tomada de determinadas medidas de racionalização, que são absolutamente indispensáveis.

Há pouco referi a questão das unidades de cuidados intensivos que proliferam por tudo quanto é lado e a questão das unidades de transplantação, que são serviços extraordinariamente caros e, por isso, só devem existir na medida do necessário e na medida daquilo que é indispensável para garantir habilitação técnica aos profissionais que aí operam.

Em relação àquilo que o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca disse, ou seja, que através da distribuição das verbas não se avalia que os cuidados de saúde primários sejam privilegiados em relação aos cuidados de saúde diferenciados, não sei se se estava a referir ao orçamento de exploração ou ao PIDDAC.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (PCP): — Ao PIDDAC!

A Oradora::— Se calhar não se lembra, mas, no ano passado, tinha 95% do PIDDAC comprometido em relação a processos .que vinham do anterior e este ano tenho 90%. Portanto, pude dispor de 10% para fazer algumas reafectações. Estou convencida de que, com as dificuldades, que já são crónicas, de execução dos grandes projectos, pelos incidentes que ocorrem no decurso da obra, é possível fazer uma reafectação maior aos cuidados de saúde primários ao longo do ano.

Portanto, como já referi há pouco, era importante ficarem aqui estes sinais que podem parecer verbas simbólicas, mas não são — é o que nos permite, depois, considerar aquilo como projecto a iniciar, que, depois, pode ter hipóteses de concretização.

A questão dos serviços de urgência dos hospitais é, obviamente, um panorama que temos de corrigir, mas não é apenas nos hospitais é também nos cuidados de saúde primários dos centros de saúde. E, como sabe, onde se tem estado a avançar com bastante veemência é na ARS do Norte.

Ainda não visitei o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia, embora ainda ontem me tenha comprometido a ir lá assim que pudesse. Mas considero que situações como aquelas que são descritas, nomeadamente da chuva que cai nos serviços de urgência, da transferência de doentes ao frio entre blocos, têm muito a ver com a falta de estratégia de cada uma das administrações que por aí tem passado.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (PCP): — Não parece só isso!

A Oradora: — Não é só isso, mas também é bastante! Quer dizer: muitas vezes privilegiam-se áreas que não são . tão prioritárias como outras, porque não há uma adequada avaliação daquilo que sño as prioridades de cada estábe-lecimento.

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De qualquer das maneiras, o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia é um dos que me está reconhecido de grande

carência de intervenção,- em termos de recuperação e de

correcção de todas essas anomalias que descreveu e que são de extrema preocupação.

Esta implementação da reestruturação das urgências, como também não é surpresa para ninguém, obviamente que levanta inúmeras reacções, porque todas as autarquias querem um serviço de urgência ao pé da porta e, se calhar, cada administrador do condomínio gostaria de ter um centro de saúde no próprio prédio, porque, de vez em quando, as pessoas sentem-se mal.

Agora, todos sabemos que temos de racionalizar estes serviços e que não é a abertura de serviços de atendimento permanente, 24 sobre 24 horas por dia, que garante um adequado atendimento, sobretudo das situações que ocorrem entre a meia-noite e as oito horas da manhã, que são verdadeiros casos de urgência e que normalmente não são resolvidos a nível de um centro de saúde.

Portanto, é preciso acabar com muitas das ficções e é preciso, sobretudo, ter uma estratégia coerente e uma afirmação de princípio, no sentido de que as próprias pessoas entendam que ter falta de tempos para consultas programadas e, depois, gastar as horas de profissionais insuficientes para cobrir o período nocturno, que sai extraordinariamente caro e que não é garante do atendimento em tempo das pessoas, é continuar a permitir aquilo que no relatório, que os Srs. Deputados todos conhecem, é a abertura de verdadeiras ratoeiras no atendimento dos doentes.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (PCP): — Os centros de saúde não dão resposta adequada a todas as exigências, Sr.' Ministra!

A Oradora: — Pois não dão!

Por isso é que é preciso tê-los a funcionar durante mais tempo para consultas programadas e dotá-los dos meios auxiliares de diagnóstico mínimos, nomeadamente radiologia e análises clínicas. E outra das coisas que está também já prevista para entrar em funcionamento no próximo ano, e que tem a ver com os grupos personalizados e com a constituição das unidades de saúde, é a possibilidade de assessoria por parte dos profissionais dos hospitais que já atingiram a idade em que são dispensados dos serviços de urgência, para que possam funcionar como consultores desses centros de saúde para garantir a qualificação, ao fim e ao cabo, e a resolução de alguns casos tecnicamente mais difíceis a nível dos centros de saúde.

Portanto, tudo isso está previsto e faz parte do plano de acção das administrações regionais de saúde para 1997.

Sr.* Presidente, Srs; Deputados, passava agora a palavra ao Sr. Secretário de Estado da Saúde.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde: — Eu iria responder a duas questões muito objectivas postas pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, que têm a ver com o mapa de trabalho recentemente distribuído e com a discriminação de duas rubricas de receita que daqui constam.

A receita extraordinária corresponde à previsão de cobranças em 1997 de todos os créditos activos que passam no balanço em 31 de Dezembro de 1996, constantes dos balanços designados, segundo cálculo dos mesmos.

Os 20 milhões de contos de «Outras receitas» foram calculados desta maneira: vendas, 4,009 milhões, segundo os orçamentos das unidades; outros proveitos operacionais, 14,165 milhões; descontos em compras, 128 000; provei-

tos suplementares, 1,489 milhões; e proveitos extraordinários, 178 000, o que perfaz 19,969 milhões, ou seja, 20 milhões de contos.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (PCP): — Podia dar-me uma cópia desse mapa?

O Sr. Vieira de Castro (PSD): — Mais mapas não! Podem não condizer com os outros! Não façam mais mapas!

A Sr.* Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado José Alberto Marques.

O Sr. José Alberto Marques (PS): — Sr.° Presidente, Sr." Ministra, efectivamente penso que foi introduzida neste debate uma componente de análise política, situando este Orçamento num contexto de debate .político. Naturalmente que estamos num local certo para fazê-lo, e dado que o Sr. Deputado Paulo Mendo nos interpelou, de alguma forma, sobre essa matéria, gostaríamos de deixar aqui dois ou três apontamentos para que esse debate político não saia minimamente defraudado.

O primeiro apontamento é o de que, efectivamente, se houve política economicista na saúde ela terminou justamente em 1996, e explico porquê: os utilizadores do Serviço Nacional de Saúde deixaram de ser clientes e passaram a ser utentes, sobre os quais é centrado todo o sistema e isso só por si, embora possa ser discutido numa outra plataforma, é uma atitude política que, de alguma maneira, me permito utilizar neste debate.

Mas, naturalmente, passando esta figura que é mais, de alguma forma, ilustrativa do que concreta, gostaria de dizer o seguinte: obviamente que todos os anos e sucessivamente o orçamento da saúde foi crescendo, o que quer dizer — e estaremos todos de acordo — que o financiamento da saúde é cronicamente insuficiente. Só que o que está em causa é orçamentar em função das disponibilidades e das possibilidades do País. Penso que estamos de acordo nessa matéria. E o que, neste momento, é possível é aquilo que efectivamente o Governo traz a esta Assembleia, porque, se fosse possível ir mais longe, certamente que o Partido Socialista teria ido mais longe.

Certamente que o Sr. Deputado concordará que se há partido que tem uma política coerente de saúde é o Partido Socialista. Nós não defendemos medidas avulsas, centramos a nossa política fundamentalmente nas necessidades do cidadão. O Governo do PS está a concretizar o Programa do Governo, centrando toda a nossa programação política em função das necessidades concretas do cidadão, para que ele possa, efectivamente, ter a garantia de que pode desenvolver toda a sua vida com um padrão de saúde à altura da dignidade humana e daquilo que são os direitos dos portugueses.

Portanto, esta é a linha base da política do PS que é o respeito escrupuloso pelas necessidades do cidadão enquanto ser humano pensante. Esta é a linha base de toda a nossa política.

Risos do PSD.

Sr. Deputado, compreendo que não gostem de nos ouvir, mas permitam-me que lhe diga: compreendo 0 vosso nervosismo, porque as medidas que este Governo pôs no terreno na área da saúde são medidas simples e eficazes...

Vozes do PSD: — Quais?!

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O Orador: — ... que podiam perfeitamente ter sido aplicadas antes. Os senhores não foram capazes de aplicá-las e hoje estão nervosos, porque estas medidas podiam perfeitamente ser' implementadas no terreno.

Vozes do PSD: —Diga quais!

O Orador: — Eu repito! A Sr." Ministra ainda agora acabou de as dizer, mas repito!

Protestos do PSD.

Sr." Presidente, se entender que este é o modo ideal de intervir nesta sala, com estas interrupções constantes, eu...

A Sr." Presidente: — Ó Srs. Deputados, vamos tentar que a discussão não se generalize às bancadas, porque estão muitos Deputados inscritos, e seja dirigida ao pedido de esclarecimento aos Srs. Membros do Governo que aqui estão para nos esclarecer.

O Orador: — Sr." Presidente, é isso que faremos, só que, como compreende, há necessidade de enquadrarmos a justificação das nossas questões!

Como estava a dizer ao Sr. Deputado, aquilo que efectivamente custa é ver implementadas muitas das medidas, e eu digo-lhe duas: o cartão de utente que podia ter sido implementado há muitos anos...

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): — Foi vetado! o Presidente da República vetou-o!

O Orador: — Desculpe, mas penso que o Sr. Secretário de Estado foi claro quando há pouco respondeu à nossa pergunta sobre se o cartão de utente vai ou não permitir a cobrança de receitas que estão orçamentadas!

Penso que a resposta foi clara. Temos aqui o Sr. Secretário de Estado, temos total confiança nas palavras que nos transmitiu aqui, nesta Câmara, e, portanto, temos de dar como boa e certa esta informação.

Pergunto-lhe também se a Lei de Bases da Saúde, que foi aprovada em 1993 e que. previa a implementação das unidades de saúde, que aqui foi já claramente enunciada, podia ou não ter implementado a regulamentação para as unidades de saúde, se podia ou não ter feito a descentralização administrativa das administrações regionais de saúde, como, efectivamente, foi já possível fazer por este Governo.

Hoje as ARS não são meras tesourarias do Ministério da Saúde, como sempre foram até 1996. Hoje as administrações regionais de saúde têm independência de intervenção, de negociação e de gestão efectiva da saúde dos cidadãos. E isto é claramente uma viragem política na gestão da saúde em Portugal.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — Porque temos total consciência de que, enquanto não forem saudáveis os portugueses em geral, não é possível atingirmos os modelos de desenvolvimento que, penso eu, todos defendemos.

Fiz esta introdução para claramente demonstrar a esta Câmara que o Partido Socialista tem feito, com todo o orgulho, uma política coerente para a saúde, e colocar a seguinte questão à Sr." Ministra da Saúde: há pouco, foi aqui referido que havia dificuldades relativamente à fac-

turação e à cobrança de serviços prestados, pouca no esclarecimento que nos foi dado pelo Governo. Por isso gostaria de saber, se fosse possível, qual o montante, por exemplo, que cabe à prestação de serviços a seguradoras que, por ineficácia dos serviços do Ministério da Saúde, tradicionalmente ficaram por cobrar e, portanto, defraudaram dessa forma os cofres do Estado pela não cobrança. Gostaria de ter uma ideia de qual é o montante da prestação de serviços que as companhias de seguros, de uma maneira sistemática têm, de alguma forma, sonegado a pagamento ao Ministério da Saúde.

A Sr." Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado Bernardino Vasconcelos.

O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): — Sr." Presidente, Sr." Ministra, antes de entrar propriamente na discussão do Orçamento, permita-me algumas notas prévias que têm até a ver com aquilo que foi dito numa reunião análoga, em sede de discussão de Orçamento de 1996 e que vejo que vem novamente muito a propósito.

Até porque ainda hoje ouvi aqui novamente dizer que este é um Orçamento tal e qual o do passado, do passado recente, que este é um Orçamento cumprível e que até aqui havia um conjunto de medidas para que isso acontecesse, medidas essas anunciadas com algum voluntarismo, não especificadas no tempo e, portanto, tão credíveis hoje como eram nessa altura.

Acrescento ainda o facto de que, para discutir o Orçamento de 1997, é necessário prever ou analisar o que foi dito e o que foi feito ao longo de 1996. Continua a assistir-se, de facto, a uma sobredotação em relação às receitas e a uma sub-avaliação em relação às despesas.

Espero que o Sr. Deputado Henrique Neto, que não tem a possibilidade de demitir a Sr." Ministra daqui a dois anos, porque não a tem, vote pelo menos contra no próximo Orçamento do Estado para 1998.

Em relação àquilo que foi dito aqui depois pelo Sr. Deputado José Alberto Marques, é, de facto, estar a filosofar acerca daquilo que foi a acção política deste Ministério.

Então, a partir de 1996, deixou-se de ter uma visão economicista daquilo que era a acção do Ministério da Saúde e centralizou-se a sua acção no utente? O Sr. Deputado é capaz de me dizer ou lembra-se se, neste ano de 1996, foi aumentada a acessibilidade dos doentes ao Serviço Nacional de Saúde? O Sr. Deputado sabe se as listas de espera diminuíram ou aumentaram? Penso que o Sr. Deputado, nestes últimos meses, viveu num mundo irreal em relação àquilo que foram as filosofias e as medidas políticas e de gestão deste Ministério! O Sr. Deputado veio dizer ainda que se assistiu a uma política de descentralização para as administrações regionais de saúde. É um facto! Transferiram-se algumas competências, mas também se transmitiram alguns custos e alguns endividamentos ou, melhor, bastantes endividamentos. Não sei como é que algumas ARS conseguem sobreviver com esses mesmos endividamentos.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): — Esses endividamentos vêm ainda do Ministro Paulo Mendo!

O Orador: — Olhe que não! Olhe que não!

E as notas prévias, Sr.° Ministra, configuram aquilo que a Sr." Ministra hoje diz, daí que a minha predisposição em aceitar aquilo que diz hoje seja pouca ou quase ne-

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nhuma. Aquilo que disse em sede de discussão em 1996 e o que diz hoje, leva-me, de facto, a cair nesse tipo de conclusão.

Dizia a Sr.* Ministra da Saúde que havia despesismo, desperdício e má gestão dos dinheiros públicos e tanto assim era que herdavam um buraco na saúde superior a 100 milhões de contos, que, por isso, era urgente e imperativo introduzir medidas de racionalização, no sentido de conseguir uma maior adequação dos recursos e uma maior justificação da forma como eram gastos os recursos disponibilizados para a saúde.

E, ao apresentar o Orçamento para 1996, afirmava ainda a Sr." Ministra que, sendo o volume global do financiamento afecto à saúde resultado de um enorme esforço dos cidadãos contribuintes, tinha, por isso, problemas de consciência e era necessário justificar que tudo seria bem gasto; que havia necessidade de prestar bons e adequados cuidados de saúde às populações, mas sem desperdício, uma vez que se estava a pedir um enorme esforço à população, que é quem acaba por alimentar tudo aquilo que for entregue e disponibilizado.

Por isso, anunciava que o Orçamento para 1996 era um orçamento de rigor, de contenção — as palavras são semelhantes —, e de consciência social; que iriam sem implementadas medidas reguladoras, no sentido de gastar muito melhor aquilo que se gastava anteriormente e não gastar mais; que tinham sido prudentes — insisto, que tinham sido prudentes —, tal como hoje afirmam que este orçamento é cumprível, na realização de receitas e usado igualmente algum critério de razoabilidade na inserção de despesas.

Hoje, Sr." Ministra, pode concluir-se que só houve retórica, ineficiência e ausência de medidas. 1996 foi um ano para gerir expectativas e interesses em vez de verdade; foi um ano de gestão corrente sem assumpção de medidas de políticas ou de gestão. Onde estão o rigor e a contenção e a consciência social? Ou onde estiveram? Que medidas estruturais, quer para a receita quer para a despesa, foram tomadas? Nem mesmo aquelas atitudes voluntaristas, que, em sede de Comissão, o Sr. Secretário de Estado anunciou como fiscalização da cobrança dos serviços prestados pelas unidades de saúde para que essa cobrança fosse efectiva!...

Pedagogia em relação ao consumo de medicamentos; pedagogia na prescrição de medicamentos e no controlo de consumo dos mesmos... Acha que são medidas de contenção as recentes alterações do decreto de gestão hospitalar? Acha que elas vêm introduzir um maior rigor na gestão das unidades de saúde? Ou que este aumento de 8% do preço dos medicamentos até 1000$00, que vai determinar uma aumento de despesa para o SNS previsível de 5 milhões de contos e de 3,5 milhões de contos para o bolso dos utentes, para o bolso do cidadão, é consciência social? São medidas de contenção? Se o Sr. Secretário de Estado tem melhores números, agradecia que os fornecesse para eu poder corrigi-los depois. —

O Sr. Secretário de Estado da Saúde; — Com certeza que os corrige! Tenho muito melhores do que esses!

O. Orador: — Sr." Ministra da Saúde, com estas medidas todas, qual é o buraco financeiro na saúde no final de 1996? É superior, com certeza, ap herdado por V. Ex.'. E, para 1997, qual é a dívida prevista? Mantém essa dívida prevista? Onde está a sua consciência perante a derrapagem do Orçamento de 1996, que tenta encobrir, em

parte, com a dilatação dos prazos de pagamento a fornecedores? Chama-se empurrar o défice para anos seguintes! Onde está a sua consciência social quando, pelo aumento, como já disse há pouco, de 8% do preço dos medicamentos, os cidadãos contribuintes serão obrigados a suportar do seu bolso mais de 3,5 milhões de contos?

Bem avisado estava o Sr. Ministro da Solidariedade e Segurança Social ao atribuir um suplemento de reforma a alguns reformados! Dá-se de um lado, para se tirar no outro!

Melhorará a Sr.° Ministra, neste ano de 1996, a acessibilidade e a resposta aos cuidados de saúde? Os novos modelos que a Sr.° Ministra tem implementado na área dos cuidados de saúde primários que vantagem nos trouxeram? Porque foi abandonado aquilo que era a filosofia das unidades de saúde em termos de acessibilidade e de articulação? E não^digam que não porque, em contacto com os centros de saúde, todos eles dizem que há mais de um ano não reúnem centros de saúde e hospitais e que, portanto, toda aquela filosofia que estava introduzida aquando do diploma sobre as unidades de saúde caiu por terra, porque, de facto, abraçou-se um outro tipo de modelo assistencial ao nível dos cuidados de saúde, do qual não vejo qualquer resultado.

• Sr.* Ministra, sabe dizer-me se diminuíram as listas de espera? Tem números para nos dizer se elas diminuíram, se se mantêm ou se aumentaram? Gastou-se mais em 1996, mas isso traduziu-se em benefícios para o utente, para o tal utente que espera sentado no Serviço Nacional de Saúde?

O Orçamento do Estado para 1997, sem se conhecer previamente o Orçamento rectificativo de 1996, leva-nos a crer que é um mero exercício contabilístico mistificado. E digo-lhe sinceramente, Sr* Ministra, custa-me a crer ou custa-me a aceitar mesmo que V. Ex.*, com a experiência que tem na área da saúde, que conhece os seus problemas e os seus estrangulamentos, subscreva, apresente e defenda este Orçamento do Estado.

Mas vamos a algumas questões. Uma primeira tem a ver com as receitas em relação ao financiamento do SNS com as receitas cobradas no ano. Eu, há pouco, não ouvi a explicação a que é que correspondia esta receita extraordinária, o que é que isso era. Gostaria de ouvir essa explicação que há pouco não ouvi. Ouvi em relação a outras receitas, mas não em relação à receita extraordinária.

O que se verifica, de facto, em relação à receita cobrada no ano? É que ela cresce sobretudo em relação a essa mesma receita extraordinária e em relação às prestações de serviços.

Dizem aqui o Sr. Secretário de Estado da Saúde e a Sr." Ministra que se chegará a esses valores pela implementação do cartão de utente. Pergunto-lhe: por que não foi implementado há mais tempo, quando, nos finais de 1995, estava pronto a iniciar-se a sua implementação na ARS/Norte? Aliás, recordo-me de que o Sr. Secretário de Estado dizia que teria de rever o modelo do cartão de utente. Este atraso da implementação deveu-se a isso? Deveu-se à revisão do modelo ou o modelo é o mesmo? E, se é o mesmo, porque não foi implementado antes? Teve efeitos, de facto, no ano de 1996.

Em relação às despesas, deixe-me colocar-lhe aqui algumas pequenas questões, que têm a ver sobretudo com as despesas com pessoal. Há um acréscimo muito pequeno, corresponde a cerca de 3,2% em relação a 1996. Corresponde, no fim de contas, à actualização de vencimentos da função pública ou contempla outras situações como

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a revalorização das carreiras e as subidas de escalão? Isto está aqui contemplado também? Não consigo prever isso, uma vez que este aumento de 3,2%, ou seja, 24 milhões de contos, não é muito superior àquilo que vai ser digamos a actualização dos vencimentos da função pública.

Pergunto-lhe ainda, à Sr.* Ministra ou ao Sr. Secretário de Estado, em relação ainda ao pessoal da função pública, se, de facto, já conseguiram elaborar a lista nominativa de todos os médicos que trabalham no Serviço Nacional de Saúde, porque dizia também na altura que não sabia quantos trabalhavam e que estava em marcha uma identificação de todos os médicos que trabalhavam no Serviço Nacional de Saúde, uma vez que, primeiro, era necessário saber quantos eram para, de facto, saber o que tinha de comportar em termos de Orçamento.

Em relação aos enfermeiros, também está aqui contemplado neste acréscimo em termos de dotação de pessoal o descongelamento das 3500 vagas em 1997?

No que se refere ao PIDDAC, o Sr. Secretário de Estado diz que espera uma execução para este ano de cerca de 90%, embora tenha números de Outubro de, salvo erro, 36%. Não sei se estou a repetir correctamente os números que anunciou.

Pergunto-lhe se essa execução de 90% corresponde a execução efectiva ou se corresponde a pagamentos por conta. E pergunto-lhe ainda quanto não se gastou em termos de verbas comunitárias na execução do PEDDAC.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde: — Em termos de?!

O Orador: — De comparticipação comunitária na área do PEDDAC em termos de execução de 1996!

Para já, eram estas as questões que queria colocar-lhe.

A Sr." Presidente: — Srs. Deputados, queria fazer o seguinte apelo aos Srs. Deputados: já todas as bancadas intervieram pelo menos duas vezes, pelo que agradecia muito aos Srs. Deputados que, a partir de agora, evitassem fazer intervenções políticas, uma vez que as bancadas já as fizeram, e dirigissem concretamente as perguntas à Sr." Ministra. É que ainda tenho cerca de 10 inscrições e temos uma reunião com o Ministério da Cultura, que já deveria ter começado às 18 horas.

Portanto, pedia que os Srs. Deputados fossem muito concretos e fizessem simplesmente as perguntas, se fosse possível, evidentemente, porque na Comissão não há tempos.

Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.

O Sr. Octávio Teixeira (PCP): — Sr." Presidente, é fundamentalmente para fazer uma declaração breve, mas solene, a declaração de que não sou empresário. Sou um mero e pobre economista, que tem algumas ideias sobre a forma como deve ser feito o Orçamento, e ele deve ser feito fundamentalmente com rigor, dentro dos limites da prudência, mas com rigor. O Orçamento não pode ser tratado como a contabilidade de uma qualquer tasca de esquina, designadamente quando a questão que se coloca em termos do orçamento do Ministério da Saúde nem sequer é a ideia da sub-avaliação de receitas e da sobre-avalia-ção de despesas. É exactamente o inverso, como, aliás, ajnda há pouco aqui foi referido pela Sr." Deputada Maria José Nogueira Pinto.

É que há uma sobre-avaliação das receitas e uma subavaliação de despesas o que só pode conduzir aos bura-

cos que anualmente aparecem na execução do orçamento do Ministério da Saúde.

Aliás, esta situação da sobre-avaliação de receitas e subavaliação de despesas faz-me suscitar a imagem de uma empresa que se julga mais inteligente do que um banco e, então, quando vai pedir um crédito ao banco, apresenta um orçamento de exploração ou uma conta de exploração provisional completamente distorcida e errada. Julgo que a questão normalmente não passa e o problema que se coloca aqui é o de que estamos a tratar de matéria que, para além de ser orçamental, que merece todo o rigor, como à pouco referi, tem a ver, ao fim e ao cabo, com uma área importante da vida dos portugueses, que é o problema da sua saúde.

O Sr. Secretário de Estado e a Sr." Ministra já deram aqui algumas explicações sobre algumas das rubricas, mas, depois de ouvir as explicações do Sr. Secretário de Estado, ainda há pouco, se bem percebi, quando justificou as alterações que foram introduzidas hoje na previsão de receitas próprias, fiquei com a ideia de que o Sr. Secretário de Estado considerou — posso estar enganado, mas foi isso que percebi — que tudo o que é crédito do Serviço Nacional de Saúde aparece como receita do próximo ano. Isto é: nem sequer tem a precaução de contar com alguns créditos de cobrança duvidosa, eventualmente alguns créditos manifestamente incobráveis.

E o que é espantoso é que, tendo previsionado o orçamento para receitas próprias de 1996 de 121 milhões de contos e tendo chegado à conclusão, no final do ano, de que apenas recebeu ou apenas cobrou qualquer coisa como 70 milhões de contos de receitas próprias, isto é, houve um desvio de cerca de 40%, venha propor agora um aumento que, na prática, quase que triplica para 1997 aquilo que cobrou em 1996, porque passa de 70 milhões de contos, primeiro, para 147 milhões de contos e, agora passa para 182 milhões de contos, com mais esta coisa espantosa , Sr." Presidente, e com isto termino: é que, entre o dia 5 e o dia 26 de Novembro, o Ministério da Saúde conseguiu transformar a dívida do Serviço Nacional de Saúde de 35 milhões de contos em crédito do Serviço Nacional de Saúde.

Como é que se conseguem transformar estes 35 milhões de contos, que no dia 5 apareciam no orçamento do Ministério como uma dívida que transitava para o ano seguinte, agora, no dia 26, aparece já não como dívida do Serviço Nacional de Saúde mas como um crédito do Serviço Nacional de Saúde, ainda por cima um crédito que o Serviço Nacional de Saúde vai cobrar em 1997?

Estas são as grandes questões e as grandes interrogações que se me colocam em relação a esta matéria, embora — e com isto termino — compreenda estas manobras contabilísticas, perdoem-me a expressão.

A malfadada moeda única obriga a que o Orçamento apresentado à'Comissão Europeia mostre que não vai haver aumento de dívida, porque, se não, em termos de contabilização nas contas nacionais, não na óptica da contabilidade pública mas na óptica das contas nacionais, tinha de aparecer este deslizamento para o ano de 1997 como despesa de 1996, ou tinha de aparecer este deslizamento, que vai verificar-se para 1998 na conta de 1997 e, então, lá iriam ao ar os 2,9% de défice orçamental.

A Sr." Presidente: — Para responder, tem a palavra a Sr." Ministra.

A Sr." Ministra da Saúde: — Sr." Presidente, em relação â intervenção do Sr. Deputado José Alberto Marques,

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depois, o Sr. Secretário de Estado fará uma intervenção que tem a ver com o montante em dívida das seguradoras.

Em relação às considerações de fundo feitas pelo Sr. Deputado Bernardino Vasconcelos, mantenho aquilo que disse no ano passado: para mim é um problema de consciência conseguir garantir que aquilo qUe é gasto é bem gasto. Tenho a noção de que não o consigo fazer de repente, mas não posso perder esse norte e esse rumo e mantenho todas essas afirmações com toda a convicção.

Precisamente porque conheço por dentro aquilo que se passa nos estabelecimentos de saúde, sei que é possível e indispensável introduzir inúmeras correcções porque elas têm de ser introduzidas, sob pena de nós...

O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): — Têm de se adequar a 1997?!...

A Oradora: — Tem! Tem de se adequar a 1997!

Mas o Sr. Deputado estava a dizer que nada se fez durante este ano, mas fez-se bastante. Fez-se bastante porque, também como o Sr. Deputado sabe, sem um clima de grande consonância entre todos os parceiros relativamente às medidas que é preciso implementar, é evidente que na saúde não se consegue implementar o que quer que seja sem garantir que as pessoas estão ganhas para uma determinada metodologia e para a reforma. A reforma tem de ser sentida e vivida pelas pessoas e só num clima de paz social é que se consegue empreender alguma reforma.

Enquanto o Sr. Deputado, noutros sectores, consegue, efectivamente, introduzir as reformas por alteração do edifício legislativo, no da saúde não faz isso, embora o edifício legislativo seja indispensável para garantir determinadas concretizações, porque, obviamente, são instrumentos básicos de que temos de dispor para conseguir dar outro quadro legal à nossa actuação.

Pergunta-me o Sr. Deputado se, por exemplo, as novas medidas do decreto-lei de gestão hospitalar vão resolver alguma coisa. É essa a intenção e já tive ocasião de o explicar. Sempre entendi que só se justifica que as pessoas possam, de certa forma, escolher de entre os melhores para os dirigir se estiverem disponíveis para que-as orientações que são dadas sejam efectivamente assumidas e aceites pelos pares. E o Sr. Deputado também sabe que o quadro anteriormente existente definia enormes responsabilidades para os directores clínicos e não me lembro de que alguma vez os directores clínicos tenham sido responsabilizados por quem cs pode interpelar por não serem cumpridas as suas funções e o seu leque de competências que está claramente vertido na lei.

Que eu saiba, o quadro legislativo anterior permitia que, nomeadamente em grandes instituições, os directores se fossem médicos, acumulassem funções de direcção clínica, o que era manifestamente incumprivel do ponto de vista humano. Portanto, pelo menos este diploma tem essa vantagem e tem outras, que é obrigar à separação das funções e, como as pessoas têm de apresentar um programa de acção, poderem ser questionadas também pela execução desse programa.

Dir-me-á o Sr. Deputado que não é suficiente, mas é bastante mais do que aquilo que existia anteriormente. E essa é apenas uma das medidas, mas como também me perguntou várias coisas isoladas, eu dou-lhe algumas respostas isoladas.

No que se refere à questão dos modelos das unidades de saúde e de que as pessoas não se reúnem, não tenho a

noção de que os hospitais não se reúnem com os centros de saúde. Pode isso ter acontecido pontualmente, mas, se não se reúnem, estão a fazer mal, porque têm instruções, obviamente, em sentido contrário. Não foi feito algo que levasse a que deixassem de se reunir; pelo contrário, foi enfatizada a necessidade de articulação e de complementaridade entre instituições e entre níveis de cuidados e, portanto, não tenha essa noção, que, ainda por cima...

O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): — Não é o que se passa no terreno!

A Oradora: — No seu distrito?

O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): — Não! Não é o que se passa no terreno!

A Oradora: — Ah! Julguei qúe se estivesse a referir ao seu distrito!

Não são essas a noção e a informação que tenho; pelo contrário, tenho transmitido sistematicamente essa orientação e tem sido veiculada e transmitida informação concreta também de projectos concretos de articulação e que estão a funcionar adequadamente.

Dirá o Sr. Deputado que é pouco. Eu também acho que é pouco, porque sou muito exigente. Mas não sou só exigente, tenho grandes aspirações e grandes esperanças e, portanto, penso que estamos a seguir o caminho certo, embora não se faça tudo de repente, mas não se pode perder a filosofia de orientação e isso é absolutamente inegável.

Queria referir que em relação às listas de espera nenhum de nós sabe hoje a real expressão das listas de espera e o cartão de utente é uma das coisas que vai permitir destrinçar isso. Como o Sr. Deputado sabe, há pessoas que estão inscritas em mais do que um estabelecimento hospitalar para o mesmo tipo de intervenção cirúrgica. De maneira que a real dimensão das listas de espera não é conhecida.

De qualquer maneira, o programa de recuperação das listas de espera, que eu entendo alargar aos estabelecimentos públicos, visa garantir o tal alargamento de funcionamento de serviços e dar essa oportunidade de rentabilizar até horas aceitáveis aquilo que se passa de total improdutividade que todos nós temos de corrigir.

Como sei que o Sr. Deputado até concorda comigo nestas medidas políticas que devem ser implementadas, também conto com o seu apoio, com todas as resistências que sabemos que na saúde implica racionalizar, gerir, rentabilizar e pôr as coisas a funcionar em função daquilo que deve ser funcionável.

Também lhe devo dizer, repegando a questão da gestão hospitalar, que obviamente o que está em causa na alteração da gestão hospitalar é a natureza jurídica dos estabelecimentos hospitalares. Isso está para ser concluído agora em Janeiro e eu, conforme me comprometi, disponibilizarei, de imediato, o texto à Comissão Parlamentar de Saúde, que penso que me dará também todo o apoio para introduzir todas as reformas que forem razoáveis, porque tem de ser feita uma autêntica revolução neste sector, revolução no bom sentido, de dar reais instrumentos às instituições para funcionarem adequadamente.

Passo agora a palavra ao Sr. Secretário de Estado.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde: — Vou tentar ser o mais objectivo possível e começo pela questão dos

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seguros. O que foi entretanto perdoado a nivel de contratos particulares não sei, não tenho esses números, o que sei é que previsivelmente no fim do ano do total dos créditos do SNS cerca de um quarto corresponderá às seguradoras.

No que se refere ao aumento de 8% nos medicamentos de preço inferir a 1000$, o que se passa é o seguinte: nós, Ministério da Saúde e Ministério da Economia, ao longo de todo o ano de 1996, tentámos e conseguimos, através de conversações e negociações com a APIFARMA e com a indústria em geral, não fazer actualização generalizada de preços, e foi isso que conseguimos, não houve actualização generalizada de preços. A contrapartida foi que, relativamente a uma margem das embalagens existentes no mercado, aquelas cujo preço de embalagem fosse até 1000$, algumas das quais já estavam a não ser encontradas no mercado e corriam o risco de ser retiradas, houvesse um ajustamento. Só relativamente a essas e a mais nenhumas.

Portanto, foi apenas relativamente a esta franja de medicamentos que o Ministério da Economia, com a concordância do Ministério da Saúde, acertaram um aumento extraordinário de preços aos laboratórios que o requeressem.

Ora, feitas as contas, e tenho contas feitas, refeitas e reconfirmadas pelos órgãos internos do Ministério — e se não acreditar nesses números vou acreditar em quê? —, esse aumento vai trazer em termos de 1997 uma previsão de encargos de comparticipação de cerca de 1,2 ou 1,3 milhões de contos. Esses são os números que tenho. Portanto, esses são os números verdadeiros e o resto terei de os verificar melhor.

O Sr. Bernardino Vasconcelos (PSD): — E para os utentes?

O Orador: — Para os utentes será o restante da comparticipação, Não tenho esses números aqui. Mas para o SNS, efectivamente, é um milhão e picos e não os tais 4 milhões.

Relativamente ao cartão de utente acho que temos de precisar aqui um pouco mais este assunto. Tem-se dito que estava pronto no norte, mas eu direi que estava quase pronto, porque se eu quisesse hoje implementar o cartão de utente no norte ele não está em condições de ser implementado. Portanto, houve ainda que resolver problemas a nível de dados, de uma série de aplicações informáticas e, inclusiv*àmente, a nível de aquisição de equipamentos de hardware.

Portanto, era este caminho que faltava fazer. Ele vai ser feito — repito — até ao final do ano, espero eu, com o Algarve e o resto seguir-se-á. Por isso, não estava rigorosamente pronto para avançar, faltava o tal bocadinho. Por vezes uma máquina como b SNS é muito complicada de pôr a andar.

No que se refere à questão do acréscimo da despesa com pessoal nada tem a ver com a actualização dos vencimentos, portanto, não contempla a actualização de vencimentos, será feita a preços de 1996. Portanto, o que ali está não contempla o acréscimo de vencimentos, porque esse virá depois numa verba à parte no Ministério das Finanças.

Quanto ao PIDDAC, o que lhe posso repetir é que confirmei ontem os índices de execução que são de 90%. O que disto são pagamentos «por conta»? Creio que alguns hospitais novos terão verbas de pagamentos «por

conta», como Tomar, Torres Novas e creio que Vale do Sousa, e não há quaisquer outros pagamentos «por conta»; o que há é investimento executado e investimento pago. Isso é que é a realização do PIDDAC, tirando estes três ou quatro casos que referi.

No que diz respeito à questão do FEDER, pelos últimos dados que compulsei, a execução centrava-se nos 39,9%.

No que se refere às receitas extraordinárias de 1997, devo dizer que o valor que aqui está corresponde efectivamente à previsão de créditos do SNS sobre o exterior, cujos serviços se propõem cobrar em 1997, portanto, entrarão com receita de 1997. Esses créditos foram rigorosamente inventariados e é esse valor que, em previsão do balanço de fim de ano aqui consta. E é esse valor de passagem de balanço, cuja previsão de cobrança consta no orçamento das receitas neste Mapa 1

Portanto, os números não foram feitos centralmente foram compilados e somados em duas propostas individualizadas dos diversos hospitais.

A Sr.* Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Barradas. Mantinha o meu apelo de há pouco de os Srs. Deputados fazerem perguntas concisas para ver se conseguimos acabar a reunião.

O Sr. José Barradas (PS): — Sr.* Presidente, Srs. Deputados, depois de ouvir aqui algumas considerações da bancada dos meus companheiros do lado, do PSD, não resisti em trazer à lembrança uma célebre quadra de António Aleixo, que diz o seguinte: «deixam-me sempre confuso as tuas palavras boas, por não te ver fazer uso dessa moral que apregoas».

Protestos do PSD e do PCP.

Srs. Deputados, não se enervem! Sr." Presidente e Srs. Deputados, deixem-me ser sintético o mais possível, mas transmitir-lhes esta ideia: sou um homem anti-números, mas compreendo perfeitamente que este é o local exacto e concreto para falarmos neles.

Todavia, quero dizer-vos que não é preciso um referendo para toda a gente saber que a saúde é o primeiro dos desejos de todos os cidadãos. É assim que nos cumprimentamos quando chegamos e é com um adeus à saída que dizemos «oxalá, tenha saúde, passe bem»! Isto para vos dizer que, face ao subfinanciamento crónico da saúde, seria difícil ficarmos para além dos números. Os números, Sr." Presidente, medem a altura de V. Ex.°, medem o peso de V. Ex.°, não medem o seu carácter, a sua dignidade, o seu empenhamento, a sua participação, o seu desejo e a sua capacidade política.

Não é possível quantificar qualquer destas características que acabei de dizer em qualquer acto de saúde, em qualquer acto do médico, em qualquer acto de uma enfermeira ou de um voluntário de saúde.

E, Srs. Deputados, é tão importante se atendermos — e recordo aqui que todos sabem isto — a que um terço das consultas de clínica geral que hoje se fazem não necessitam de dedicação; que um quarto dos doentes não iriam à consulta, se fosse outra a situação política e sócio-econó-mica do País. Recordo-lhes que é tão importante isto que acabei dos vos dizer como a injecção que eles tomam, e essa, sim, está orçamentada.

Sr. Presidente e Srs. Deputados, grande parte destas consultas são a angústia do amanhã, motivadas pela ca-

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tástrofe de ontem, são desempregados de longa duração, são excluídos socialmente, são uma herança de uma opção governativa que não é nossa e terminou em 1995.

Sr. Presidente, estas feridasdemoram tempo a tratar e, muito importante, ninguém vos pode dizer quanto tempo esse tratamento demora.

Isto para dizer, respondendo ao Sr. Deputado Paulo Mendo, e o meu colega José Alberto Marques já falou nisso, que o problema do financiamento é político — e também estou de acordo com isso — e tem a ver com opções.

Pergunto-lhe que medidas políticas de financiamento tomou V. Ex.' nos governos anteriores, e tinha, com certeza, muita vontade de tê-las tomado.

Quando o PS assumiu o poder, as dívidas ao Serviço Nacional de Saúde eram de 145 milhões de contos; as listas de espera enormes; os hospitais e os centros de saúde não tinham respostas; a administração central não foi capaz de responder às solicitações dos próprios programas do Governo —, e VV. Ex." tiveram 10 anos para corrigir esta situação, por isso não podem, honestamente, fazer uma comparação com um ano de Governo de opções políticas definidas.

Por favor, confrontem-nos daqui a 10 anos com o resultado das políticas governamentais, mas não é justo, nem correcto, nem sério confrontarem-nos agora com isso, depois de um ano de opções, ainda por cima com parte das opções que herdámos de situações anteriores.

Sr." Ministra da Saúde, os custos dos medicamentos, como V. Ex.° sabe, são fixados pelo Estado e revistos por mútuo acordo. Em 1994, houve uma descida de 3,5 % no preço dos medicamentos; em 1995, houve um aumento de 1%; e, em 1996, houve congelamento. Ora, isso significou, segundo os dados que temos, uma comparticipação de cerca de 15% para a indústria.

Pergunto, Sr. Ministra da Saúde: em quanto importa — e já ouvimos o Sr. Secretário de Estado falar em números, em milhões — esta medida, em percentagem, na factura total dos medicamentos? Esta a primeira questão.

A segunda questão que quero colocar-lhe é esta: a não acontecer o aumento global, mas apenas o parcial de 8% dos medicamentos abaixo de 1000$, em quanto é que esta medida foi geradora de poupança para o Estado?

A Sr." Presidente: — Pedia aos Srs. Deputados que as perguntas que fizerem aos Srs. Membros do Governo sejam sobre o Orçamento do Estado.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Vieira de Castro.

O Sr.vVieira de Castro (PSD): — Sr. Presidente, tudo irei fazer para acolher o seu pedido, mas também temos, evidentemente, de debater a fundo o orçamento do Ministério da Saúde.

A minha primeira pergunta é muito concreta e muito simples. Quero perguntar à Sr." Ministra ou ao Sr. Secretário de Estado o seguinte: o Hospital de Cascais/Sintra tem no PIDDAC uma dotação de 5000 contos. Para que é que servem esses 5000 contos? O que é que vai ser feito com 5000 contos nurh hospital que vai custar, seguramente, mais de meia dúzia de milhões de contos? O que é que quero dizer com isto? Que ter 5000 contos ou ter zero, francamente, é exactamente a mesma coisa.

A segunda questão tem a ver com dois documentos que foram produzidos pelos serviços do Ministério ou, melhor, com o mesmo documento em duas versões. Ao que parece, entre a elaboração dos dois documentos mediaram 21

dias, mas, mesmo que tivesse mediado um ano, ainda assim ficava perplexo. Porquê? Por uma razão muito simples: porque o primeiro documento diz-me que a receita cobrada num ano terá uma previsão de 752,8 milhões de contos e a segunda versão diz-me que a receita cobrada num ano vai ser de 787,7 milhões de contos. Mais 34,9

milhões de contos ou seja, 35 milhões de contos em 21 dias, foi quanto cresceu a receita.

E o que é que aconteceu com a dívida? O que aconteceu com a dívida foi que a primeira versão do documento diz-nos que, em Dezembro de 1997, a dívida é de 165,1 milhões de contos e a segunda versão diz-nos que é de

106,2 milhões de contos. Há uma diferença de 5&,9 milhões de contos.

E eu pasmo como é que, perante tanta falta de credibilidade do orçamento do Ministério da Saúde, ainda se faz algum esforço para defendê-lo.

Vozes do PSD: —Muito bem!

Protestos do PS.

A Sr." Presidente: — Ó Srs. Deputados, agradecia silêncio.

Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): — Sr.* Presidente, Sr.* Ministra, quero colocar-lhe algumas perguntas.

A primeira tem a ver com os cuidados continuados, no caso específico dos idosos, dependentes, acamados e rec-taguarda familiar. Em que ponto está o protocolo que foi firmado em 1995 com as Misericórdias? Que modelo vai ser adoptado? Quais as verbas previstas e em que rubrica do orçamento podemos deduzir esses montantes?

Em relação à prevenção da toxicodependência estava previsto, em termos, do Orçamento para 1996, um milhão de contos. Em 1997, remete-se para uma rubrica própria, por isso gostava de saber quais são esse montante e essa rubrica.

A Sr." Ministra da Saúde: —Como?!

A Sr." Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe desculpa. Importava-se de repetir a pergunta, porque a Sr." Ministra não a percebeu?

o

O Orador: — Peço desculpa, porque, então, fui muito rápido.

No que se refere à previsão da toxicodependência estava orçamentado um milhão de contos em 1996 e, em 1997, há a referência de que foi remetido para uma rubrica própria, por isso perguntamos qual é essa rubrica e o montante.

Em relação ao programa plurianual de pagamento da dívida do Serviço Nacional de Saúde recordo que o que o Programa do Governo tinha estabelecido, em relação a essa matéria, era que haveria a identificação do passivo acumulado do Serviço Nacional de Saúde e a elaboração de um plano financeiro plurianual para anular a dívida durante a legislatura. Qual é o ponto da situação disto, Sr." Ministra, se é que pode fazê-lo?

A última pergunta tem a ver com declarações que a Sr." Ministra da Saúde já terá feito neste Plenário e eu, infelizmente, não estava cá para a ouvir, mas já tiveram opor-

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tunidade de mas transmitir. A Sr.° Ministra terá feito referência a que teria sido feito um investimento de quatro milhões de contos no Hospital Distrital de Vila Franca de Xira e que, portanto, com base neste argumento e na necessidade de rentabilizar o investimento em curso, já estão programados, para 1997, 465 000 contos — penso que foi esse o valor que V. Ex.° referiu.

Fico um bocado pasmado com essa afirmação, porque, efectivamente, não sei de onde é que estes quatro milhões de contos surgiram, porque, se formos a ver no orçamento do PJDDAC, verificamos que, até 1995, foram investidos 282 000 contos, em 1996, existe uma execução prevista de 287 000 contos e, em 1997, o PJDDAC prevê 465 000 contos, o que perfaz 1,035 milhões de contos de investimento no actual Hospital Distrital de Vila Franca de Xira em obras que estão em curso já há alguns anos.

Se, de facto, é este o argumento para a opção de o novo Hospital Distrital de Vila Franca de Xira/Loures se localizar já não no terreno disponível do Ministério da Saúde em Vialonga mas num terreno a ser cedido ou a ser encontrado na área do Município de Loures, pergunto, então, qual foi a justificação da argumentação até ao momento aduzida pelo Ministério da Saúde para justificar que optava pela zona de Vialonga. Eram aduzidas duas razões: a primeira era a de que o terreno estava disponível e, portanto, não se encontrava alternativa no conjunto dos dois concelhos e a segunda era a de que isso correspondia a uma área de utilização de cuidados de saúde que se justificava plenamente.

Também fico pasmado quando se verifica que, afinal de contas, só agora é que o Ministério da Saúde verifica que o actual Hospital de Vila Franca de Xira está a sofrer obras de beneficiação e que se justifica rentabilizar este investimento. E antes? E este ano, ainda em Março, não se justificava já? Se esse era o argumento em Março de 1996, por que é que agora é diferente?

Fico preocupado com esta mudança de opção do Governo, porque, efectivamente, não traduz, ao mesmo tempo, um esclarecimento sobre quais são as opções que o Governo tem nesta área. Porque não se pode mudar uma localização de um hospital desta maneira.

Para todos os efeitos há um despacho da anterior Ministra da Saúde que apontava os terrenos do actual Ministério da Saúde do anexo de Vila Franca de Xira, em Vialonga e, portanto, se o Ministério da Saúde quer optar por construir um novo hospital de raiz no concelho de Loures é perfeitamente legítimo e corresponde também às expectativas dessa população, mas, então, diga que é por isso que o faz e não por outras razões, porque se a opção fosse outra, provavelmente encontrar-se-ia a solução para os dois hospitais, tal como foi, em determinada altura, apontado pela Sr.* Ministra e pelo Sr. Secretario de Estado, por essa solução ser considerada como plausível. Ora, estando programado este investimento, era natural e justificável que este investimento arrancasse quanto antes.

Já tínhamos alertado anteriormente para os atrasos deste investimento e por eles não serem concretizados rapidamente. Verificamos agora que, com este adiamento, sobretudo porque não há um terreno disponível desde já aprazado pela Câmara de Loures, ficamos com a perspectiva de um novo adiamento de pelo menos mais um ano, até haver uma decisão definitiva do Governo sobre a verdadeira localização na área do Município de Loures.

A Sr.° Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Lalanda Gonçalves.

O Sr. Lalanda Gonçalves (PSD): — Sr.* Presidente, Sr.° Ministra, a pergunta que eu gostaria de colocar é muito simples e objectiva: o artigo 13.° da proposta de Orçamento do Estado consagra o financiamento das escolas superiores de saúde das regiões autónomas, contudo nem no Mapa V nem no Mapa VI das receitas e despesas dos fundos dos serviços autónomos podemos detectar qual é a verba atribuída tanto à escola superior de educação como à acção social. Gostava de saber qual é esse montante e onde é que podemos verificá-lo.

A Sr." Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Paulo Mendo.

O Sr. Paulo Mendo (PSD): — Sr.* Presidente, primeiro que tudo quero pedir autorização para me desviar um pouco da indicação que deu aos Srs. Deputados...

A Sr.* Presidente: — Sr. Deputado, pedia-lhe que fosse um desvio muito rápido.

O Orador: — Será muito rápido, Sr.* Presidente.

Porque fui há bocado chamado à colação pelo Sr. Deputado Alberto Marques, queria dar-lhe uma resposta muito rápida em relação ao que ele disse e em relação a minha posição.

Considero, e, provavelmente, todos sabem disso, que a política de saúde que vem sendo desenvolvida nos últimos anos tem sido uma política que tem tido coerência e que tem levado a francas melhorias na situação sanitária do País que me parecem perfeitamente indiscutíveis. Se virmos os últimos anos, desde as taxas de mortalidade até ao número de transplantes, até tudo quanto quiserem, até aos nossos hospitais e centros de saúde, verifica-se que há uma continuidade de evolução que me parece importante os próprios partidos preservarem.

Já disse isto publicamente, e até no próprio «Fórum» que fizemos. Parece-me tratar-se de uma medida e de uma posição que só favorece os próprios partidos do governo. E é nesse sentido que posso dizer, sinceramente, que quem me dera que o Ministério da Saúde deste Governo seja vencedor nos programas que estabelece. Quem me dera! O meu problema é que, em relação ao que está feito — e disse-o com toda a certeza e com toda a sinceridade — não me parece que esta estratégia conduza a algum lado. Isto foi recebido pela outra bancada como qualquer coisa esquisita que, até 1996, era uma desgraça e, em 1996, tudo se virou. Os clientes passaram a utentes, o financiamento passou a ser de acordo com o País, o PS passou a olhar para as pessoas e eu, com certeza, estava a olhar para as cadeiras.

No princípio ouvi-o, não estava nervoso, não estava ansioso, deixei-o falar perfeitamente à vontade, agora verifico, ainda por cima, que o Sr. Deputado José Barradas volta a insistir um pouco nisto e a achar que as consultas externas no País e o excesso de medicamentação foi por má política anterior, quando, como sabe, estamos muito abaixo do número de consultas externas por habitante, do número de internamentos por habitante, etc, em relação aos outros países.

Significa isto que temos um património para trás que é bom que os senhores não esqueçam, mas a forma como estão a governar, esquecendo-se disso, levou a que tivesse feito a intervenção que fiz.

Confesso que gostei muito mais da reacção dos membros do Governo do que, infelizmente, da bancada do PS,

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que, ou parece que não percebeu nada do que eu disse ou, então, acha que a saúde serve para chicana, mas eu não sirvo para isso.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice -Presidente Henrique Neto.

O Sr. Presidente: — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.° Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr" Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP). — Sr. Presidente, vou tentar ser muito rápida. Penso que o Ministério da Saúde pôs em marcha uma grande operação de engenharia orçamental para 1997, com estes documentos que nos apresentou aqui e que têm como base, curiosamente, a receita, o que num Serviço Nacional de Saúde não deixa de ser, de facto, original e perigoso.

Ouvi o Sr. Deputado José Alberto Marques laborar num erro terrível, que é a ideia de que se as seguradoras fossem obrigadas a pagar os tratamentos dos seus segurados no Serviço Nacional de Saúde tudo se resolveria. Lem-brar-lhe-ia que, além das seguradoras, temos subsistemas e um deles é público e é pago pelo Ministério das Finanças. Portanto, também vamos ver qual é a capacidade do Ministério da Saúde- de negociar com o Ministério das Finanças a dívida da ADSE.

Chamo também a atenção da Sr.* Ministra e do Sr. Secretário de Estado de que nada foi feito no sentido de separar o financiamento e a prestação, porque penso que, ao contrário do Sr. Deputado, não podem laborar neste erro, sob pena de o resultado deste orçamento ser ainda pior. Ou seja: nada se fez para separar o financiamento da prestação. Vai-se aplicar um tarifário aos subsistemas, penso eu, e às seguradoras, mas o Ministério não vai poder comprar serviços ao SNS, como deveria, na base do custo real e, eventualmente, na base desse tarifário.

Finalmente, quero lembrar que temos uma Constituição e não sei qual é a posição do Partido Socialista na revisão desse artigo, que, na realidade, diz que o serviço é universal e é tendencialmente gratuito. Compatibilizar isto é capaz de ser muito difícil, ou seja, é capaz de ser muito difícil fazer uma engenharia orçamental, com base na receita, num quadro como este que acabo de descrever. Oxalá o consigam mudar!

O Sr. Presidente (Henrique Neto): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Joel Hasse Ferreira. Peço-lhe que seja muito rápido.

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): — Sr. Presidente, Sr.* Ministra, é apenas para dizer que, efectivamente, é com toda a seriedade que o Grupo Parlamentar do PS encara este Orçamento e os anteriores. Tivemos o máximo prazer em discutir quer com este Governo quer com os governos anteriores, nomeadamente com o Sr. Deputado Paulo Mendo quando ele era ministro, e as próprias actas da discussão com a participação do ex-Ministro Paulo Mendo espelham a seriedade com que o Grupo Parlamentar do PS e certamente o Sr. ex-Mi-nistro e actua) Deputado Paulo Mendo sempre encararam este assunto.

O Sr. Presidente (Henrique Neto): — Para responderem, têm a palavra a Sr.° Ministra da Saúde e o Sr. Secretário de Estado da Saúde.

A Sr." Ministra da Saúde: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, se me dão licença, vou apenas centrar-me em duas questões.

Uma delas, apresentada pelo Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho, tem a ver com a questão dos cuidados continuados, em que ele me pergunta como é que está o protocolo e como é que ele se tem vindo a cumprir. Devo dizer-lhe que existe um grupo de acompanhamento da Direcção-Geral da Saúde com a União das Misericórdias Portuguesas que tem estado a despachar aqueles financiamentos para a recuperação das instalações.

Entendo que este protocolo não pode ser só com Ministério da Saúde e Misericórdias, tem de envolver o Ministério da Trabalho e Segurança Social, porque muitos dos internamentos que são feitos nestes estabelecimentos devem ser comparticipados também pela Segurança Social. Não pode o Ministério da Saúde, com as exigências cada vez maiores que tem relativamente à disponibilização de cuidados da mais alta tecnologia, estar também a suportar os internamentos de carácter social e, portanto, está também a fazer-se á articulação com a Segurança Social.

Por outro lado, também deve haver alguma comparticipação dos utentes neste tipo de internamentos, na medida em que já estou cansada dos familiares que largam os doentes e os dependentes nos estabelecimentos de saúde e assim que eles morrem aparecem logo para irem atrás da herança que, eventualmente, exista. Acho que isto é de uma imoralidade social enorme e que é muito mais digno que as pessoas possam comparticipar naquilo que são as suas despesas se, para isso, tiverem receitas próprias, desde que isso lhes disponibilize o dinheiro de bolso garante de uma vida em dignidade, de poderem comprar um presente aos seus netos, aos seus familiares ou isso. Portanto, considero que esta é a maneira correcta de a abordar e é esta a orientação.

Em relação à questão do Hospital de Vila Franca de Xira também lhe queria dizer que o montante que referi foi o montante que me foi fornecido pelos serviços e que se prevê em termos da recuperação dos projectos e da sua quantificação real.

Quanto à questão de Vialonga e dos terrenos não houve qualquer inflexão relativamente a nada que não fosse aconselhado nesse sentido do ponto de vista técnico. Posso referir ao Sr. Deputado que de mim e da minha equipa pode esperar uma avaliação objectiva das necessidades e não se vão fazer inflexões, por causa da maior ou menor pressão deste ou daquele conjunto populacional.

O que se passa é que Loures tem neste momento mais de 300000 habitantes, não tem qualquer estabelecimento hospitalar no seu concelho, e, de acordo com o reestudo desta situação, considerou-se que era mais importante encarar no futuro próximo a construção de uma unidade hospitalar mais a norte de Vila Franca de Xira do que resolver o problema dos dois concelhos através de Vialonga, porque, de acordo com a avaliação do terreno que foi feita pelos serviços do Ministério, não era a localização mais adequada e não vinha resolver o problema de Loures.

Penso que já há terreno, mas o Sr. Secretário de Estado deve poder dizer alguma coisa sobre isso.

Em relação à Sr.* Deputada Maria José Nogueira Pinto e às medidas para separar o financiamento da prestação, está a decorrer, e vai acabar na quinta-feira, um seminário de formação dos Conselhos de Administração das ARS para a função de agência. Considerámos que não íamos criar agora um serviço novo, mais um instituto, que se pusesse a

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comprar e a fazer essa gestão, sob pena de criarmos mais um serviço e não termos o problema resolvido.

Portanto, estamos a criar essa função nas ARS, porque ela já decorria das competências constantes da sua lei orgânica, chamemos-lhe assim, e a desenvolver essa capacidade e esse know how para que ele possa, efectivamente, concretizar-se já em 1997, porque é absolutamente indispensável tanto para o sector público como para o privado, porque temos de garantir a tal competição no bom sentido de ser exigente em termos de qualidade e em termos de preço.

Passava agora a palavra ao Sr. Secretário de Estado da Saúde.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde: — Tentarei também ser muito rápido e vou tentar responder o melhor que souber às questões que me foram postas.

Começaria pelo Hospital Cascais/Sintra. De facto, tem uma inscrição de 5000 contos. O que é que se passa? Actualmente está a ser reavaliado o programa funcional do hospital da zona Cascais/Sintra e, após a reavaliação desse programa, que está a ser feito de forma integrada a nível da ARS de Lisboa, j/amos lançar um concurso para o projecto.

Portanto, tudo isso pressupõe que este ano de 1997 não iremos fazer mais investimento, daqui que 5000 contos seja uma verba para sinalizar. Não vai ser suficiente para pagar o projecto, com certeza, mas vamos, com certeza, lançá-lo e fazê-lo em 1997.

Como cobriremos, depois, esse pagamento? Este ano vamos executar 90% do orçamento e sobram 10% e para o ano, com certeza, executaremos 90 ou 91%, haverá depois qualquer verba para complementar o que faltar aqui para pagar o projecto.

Portanto, ponto de situação: o programa funcional está a ser refundido e está em fase, tanto quanto sei, muito adiantada e o projecto vai ser lançado imediatamente, já no início do próximo ano.

Quanto à questão dos saldos dos mapas de trabalho que foram apresentados, quero dizer que o primeiro mapa de trabalho tem duas diferenças fundamentais relativamente ao segundo. A primeira é que não continha a verba do Orçamento Rectificativo, portanto de 165 passa a 141; a segunda é que, tal como expliquei anteriormente com todo o detalhe, resolvemos acolher como boas as propostas dos serviços relativamente à cobrança de receitas próprias, portanto, mais 35 milhões de contos. Abatendo estas duas parcelas que acabei de referir, passa-se ao saldo de 106 constante do segundo* mapa.

No que se refere à elaboração do plarto financeiro e da avaliação do passivo que foi aqui posta, creio que já aqui abordámos este tema. De qualquer forma, devo dizer que a elaboração do plano financeiro é uma ideia, digamos, base, é um pano de fundo indispensável à gestão financeira do SNS para os próximos anos. Portanto, à ideia não foi abandonada, antes pelo contrário.

A avaliação do passivo e dos seus factores de geração está perfeitamente feita e os factores identificados, agora o que estamos é a testar no terreno a consequência financeira de um conjunto de iniciativas que já despoletámos e, a partir daí, ficamos com dados muito mais seguros para podermos construir o tal plano financeiro, que não pode ser feito com meros pressupostos teóricos completamente divorciados de medidas reais que estamos a implementar.

Daí que pense que o plano, dentro dos próximos meses ou no próximo ano, com certeza, vai ser perfeitamen-

te identificado e com pressupostos minimamente sustentados nas acções em curso.

No que se refere aos Açores, o Ministério das Finanças está a tratar da inscrição das verbas, portanto é uma questão técnica que o Ministério assegurará.

Quanto às verbas da toxicodependência, que, salvo erro, foi uma outra questão que foi posta, o que está inscrito é o orçamento inicial de 2,308 milhões de contos, havendo alterações a ser. feitas pelo Ministério das Finanças de 457 000 contos, o que dá 2,765 milhões, além de uma verba de um milhão de contos inscrita para programas. Portanto, em conjunto temos 3,765 milhões de contos afectos à toxicodependência em 1997.

O Sr. Presidente (Henrique Neto): — Tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho.

O Sr. Fernando Pedro Moutinho (PSD): — Sr. Presidente, não queria tomar mais tempo ao Ministério da Saúde e aos Membros do Governo, mas houve partes das minhas perguntas que não ficaram esclarecidas. Percebi há pouco que, quando a Sr.° Ministra interveio, o Sr. Secretário de Estado ia dar-me resposta a essas mesmas questões, por isso queria saber se era possível ele dar-mas agora, se não, tomaria isso em devida conta.

O Sr. Presidente (Henrique Neto): — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado da Saúde.

O Sr. Secretário de Estado da Saúde: — Sr. Presidente, Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho, peço desculpa, julgo que a questão do terreno para Loures ficou por esclarecer. Efectivamente já há uma oferta da Câmara de Loures para um terreno destinado à construção de um hospital no concelho. O Ministério da Saúde ainda não validou esse posicionamento, mas, pelas informações que tenho de alguns serviços técnicos, tudo leva a crer que o terreno é adequado para o fim em vista, porque está bem localizado, junto de vias de acesso fácil. É esta a situação.

O Sr. Presidente (Henrique Neto): — Sr.° Ministra, Sr. Secretário de Estado, obrigada pelos vossos esclarecimentos.

Srs. Deputados, terminámos os nossos trabalhos de análise do orçamento da área da saúde.

Eram 19 horas.

Srs. Deputados, está reaberta a reunião. Eram 19 horas e 5 minutos.

Para uma intervenção inicial de apresentação do orçamento do seu Ministério, tem a palavra o Sr. Ministro da Cultura.

O Sr. Ministro da Cultura (Manuel Maria Carrilho): — Sr. Presidente, Srs. Deputados: Farei uma intervenção inicial muito breve, atendendo à exposição que já foi feita na audição em comissão especializada.

Começo por lembrar que o Ministério da Cultura, que foi criado pelo XTÍI Governo Constitucional, assumiu desde o princípio alguns objectivos que, neste primeiro ano, procurámos concretizar. Esses objectivos têm a ver com a afirmação clara do estatuto político da cultura, com o as-

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surriir da cultura como um sector com real importância, enquanto área da Administração, e também com a afirmação da cultura como uma dimensão da própria governação que por várias vezes designei como uma exigência de transversalidade.

Na área da política cultural do Estado, são duas, muito claramente, as principais dimensões da actividade do Governo relacionadas com a defesa e valorização do património e o apoio à criação. Num outro desdobramento que se pode fazer, essas duas dimensões têm também a ver com dois objectivos que tenho enunciado, designando-os

como o melhor acesso à cultura e o maior apoio à criação.

Durante o ano, o Ministério da Cultura — que é um sector algo diferente de outros sectores da governação — teve de se construir, teve de definir uma arquitectónica própria, tiveram de se elaborar várias leis orgânicas e rever muitas outras, tivemos de assumir algumas dificuldades que existiam em muitos organismos, e tudo isto foi sendo feito ao mesmo tempo que se definiam novas políticas e se constituíam novas equipas.

Todo o processo foi feito durante o ano de 1995/96 e ele permite-nos já hoje, muito claramente, assumir a justificação deste Ministério da Cultura.

No domínio do cinema, no domínio do património, no domínio das artes e do espectáculo, tive já ocasião, em sede de comissão, de lembrar as múltiplas iniciativas e medidas que o Ministério da Cultura pôde tomar e desenvolver durante este ano e que remetem para o programa que apresentamos e para o orçamento que apresentamos para 1996/97. Lá voltarei, se for caso disso.

O orçamento do Ministério da Cultura para 1997 consta de documentos que foram enviados ao Parlamento e que, penso, são do conhecimento de todos, havendo apenas uma informação que solicitei agora ao Sr. Presidente que fosse distribuída e que tem a ver com a orçamentação por áreas.

O orçamento apresenta um valor global de 34,934 586 contos, ou seja, um aumento no subtotal de 2,48%. Este valor, que diz respeito ao orçamento de funcionamento, ao PJDDAC e à comparticipação comunitária, às contas de ordem e outras receitas, deve, no entanto, para uma leitura correcta, ser corrigido com alguns outros valores que indicamos no rosto da folha que acabámos de distribuir, ou seja, deve ser corrigido com a integração do valor que diz respeito à participação comunitária para a construção do Museu de Serralves, que não figura no orçamento do Ministério da Cultura e que atinge o montante de 1,5 milhões de contos — para esta verba o IPPAR comparticipa com 500 000 contos —, e com uma dotação provisional onde estão previstos dois reforços, de 250 000 contos cada, um dos quais diz respeito à transformação da Fundação de São Carlos num instituto público e outro tem a ver com a participação portuguesa na Feira de Frankfurt.

Ora, isto permite apresentar um valor total diferente daquele que acabei de referir, ou seja, um total que apresenta um aumento de 7,65% em relação ao ano transacto.

Como poderão ver na folha que vos está a ser distribuída neste momento, relativa ao orçamento do Ministério da Cultura por domínios de actuação em 1997, na primeira parte, que diz respeito ao Património, temos um valor que me apresso a esclarecer, o qual tem a ver com uma diminuição que aparece no orçamento, na rubrica Monumentos, como aparecia já no relatório, a nível do Património, e que tem a ver com a explicação que dei sobre o

facto de o montante da comparticipação comunitária para a construção do Museu de Serralves não figurar no orçamento do Ministério da Cultura, devido ao contrato que foi feito na altura e também a um dado de leitura importante, que é o de termos presente que os valores referentes à Arqueologia deixam de estar integrados no Património, ao contrário do que sucedia no ano passado. É por isso que temos esse valor nos Monumentos, que, aparentemente, é de menos 13,7%, mas que, na realidade, é de mais 5,1%, nos Museus, onde o orçamento sobe 14,9%, nos Arquivos e Bibliotecas e 7,1%, na Arqueologia, onde,

em relação à verba do ano passado, sobe 42,2% e no Livro e Leitura, onde se regista uma subida de 12,2%.

Nas Artes Cénicas,1 no âmbito do Teatro e da Dança, temos percentagens de aumento significativas, respectivamente de 8,6% e de 23,3%.

Na Música há também uma diminuição aparente de 1,2%, que é ilusória, pelo seguinte: em primeiro lugar, justamente porque a verba que está prevista na dotação provisional para o reforço do São Carlos não está aqui integrada; em segundo lugar, porque o serviço da dívida respeitante ao São Carlos e à REGEE acaba de ser integrado no Orçamento rectificativo e, portanto, está aqui assumida. Assim sendo, se tivermos em conta esses valores, na Música regista-se um aumento de 13%.

No Cinema, o aumento é de 3% e nas Artes Plásticas, que era uma rubrica que não tinha autonomia na anterior organização do Ministério, é de 74,8%.

Tendo trabalhado com uma base 0 na elaboração deste orçamento, como todos sabem, tendo obtido apenas reforços ao orçamento em dois ou três pontos que são aqui assumidos e que têm a ver justamente com a verba que é reservada para a participação portuguesa na Feira de Frankfurt e para a reestruturação do Teatro São Carlos, penso que é claro que se consegue uma racionalidade na gestão dos organismos do Ministério da Cultura e uma aposta muito séria e determinada no reforço das suas actividades.

É, pois, este orçamento que submeto à apreciação do Parlamento.

O Sr. Presidente (Henrique Neto): — Tem agOTa a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, espero que agora possamos fazer um debate um pouco mais aprofundado do que aquele que foi possível aquando do nosso trabalho precedente, em sede de comissão, na medida em que havia vários condicionalismos que impuseram que esse debate fosse encurtado. É verdade que agora também já estamos um pouco fora de horas e, por isso, quero colocar algumas questões precisas para que o Sr. Ministro ou o Sr. Secretário de Estado nos possam dar alguns esclarecimentos.

A primeira questão que lhe coloco não é tão precisa quanto isso, isto é, tem também uma componente de generalidade, uma vez que tem a ver com a própria filosofia ou a própria política no âmbito do financiamento em geral.

Nesse sentido, quero congTatular-me pela referência que é feita nas Grandes Opções do Plano à prevista criação de um fundo de apoio às indústrias culturais. Segundo é referido nas GOP, este fundo de apoio está ainda numa fase de negociação com o Ministério das Finanças, mas, tendo em conta que não há qualquer dotação específica

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que vise fundamentar este objectivo, este intuito, quero perguntar ao Sr. Ministro qual é o faseamento previsto para a criação deste fundo de apoio às indústrias culturais e quais são os seus objectivos em termos mais específicos, na medida em que a criação de um fundo desta natureza corresponde a uma filosofia com a qual estou de acordo mas que, por vezes, parece ser contradita por outros posicionamentos, no que concerne à posição do Governo quanto ao financiamento, por exemplo, do cinema e do audiovisual.

Concretizando, Sr. Ministro, para quando a existência desse fundo, como estão a caminhar os trabalhos no sentido da sua criação e quais são, de facto, os seus objectivos concretos?

Outra questão que quero suscitar tem a ver com um aspecto que temos abordado em debates anteriores, noutros contextos políticos, noutras conjunturas, mas que me parece ser extremamente importante, ainda no quadro da filosofia geral do financiamento da cultura. Trata-se da questão do Fundo de Fomento Cultural.

Imagino que, em relação ao Fundo de Fomento Cultural, haverá em preparação uma nova lei orgânica, porque a lei orgânica global do Ministério limita-se a enumerar as atribuições genéricas que já vêm da lei anterior, de 1992, que foi promulgada pelo Governo de então. Mas suscitam-se-me várias interrogações, inclusive de carácter jurídico, para as quais não tenho resposta. Nessa lei de 1992, que procedia à reestruturação da então Secretaria de Estado da Cultura, enumeravam-se as atribuições, como agora esta lei deste Governo faz, mas não havia qualquer referência jurídica, isto é, deduz-se que se mantivesse a Lei Orgânica, propriamente dita, do Fundo de Fomento Cultural de 1980.

Ora, essa Lei Orgânica de 1980, a ser cumprida, permitiria, minimamente, uma transparência, também mínima, na gestão desse Fundo, na medida em que, entre outras coisas, previa uma reunião mensal do Conselho Administrativo.

De acordo com os elementos fornecidos, este Fundo de Fomento Cultural sofre um aumento significativo. Assim, a minha questão é a seguinte: do ponto de vista da gestão de um Fundo que, de qualquer maneira, é significativo, na medida em que orça mais de 3 milhões de contos, o que é que, de facto, está previsto e, possivelmente, consignado nesse anteprojecto de lei orgânica, que já circula, no sentido da gestão deste Fundo.

A outra questão que gostaria de colocar tem a ver com o património. Vai ser criado um novo Instituto Português de Arqueologia e nesse sentido houve um desdobramento de dotações em relação àquilo que permanece e que se continua a chamar IPPAR sem a Arqueologia e o novo IPA.

Relativamente a este novo Instituto Português de Arqueologia, gostaria de saber quais são a sua natureza, os seus objectivos, a sua funcionalidade e o seu âmbito, uma vez que está prevista a dotação global de 540 000 contos para esse Instituto.

A terceira questão é relativa à Fundação das Descobertas — Centro Cultural de Belém. Sei que, do ponto de vista da figura jurídica do órgão gestor deste Centro, ainda está tudo, imagino eu, numa fase de elaboração — aliás, se o Sr. Ministro se quiser pronunciar sobre isso eu agradecia —, mas a questão que quero colocar tem a ver com as dotações no PTDDAC.

Assim, existe uma dotação, para 1997, de 400 000 contos, de 500 000, para 1998, e de 5 milhões de contos, para

1999. Ou se trata de uma gralha ou, então, o Governo, possivelmente, optou pela criação dos módulos que faziam parte do projecto inicial do Centro Cultural de Belém.

De qualquer maneira, não há uma resposta explicita em relação a esta questão, por isso peço ao Sr. Ministro que me esclareça e me justifique como é que esta repartição de dotações foi feita.

No que concerne às artes do espectáculo, existem em PIDDAC muitos programas e projectos novos, os mais diversificados nas suas designações. Ora, aquilo que peço aos Srs. Membros do Governo é que nos enunciem qual o enquadramento geral destes diversos programas e projectos, ou seja, quais as grandes linhas de força da política do Governo para esta área, nomeadamente no que respeita ao Teatro Nacional de São João e ao Teatro Nacional D. Maria n.

Gostaria, pois, de saber até que ponto o balanço que se faz deste ano de vigência do Teatro Nacional de São João pode explicar estas opções de carácter orçamental, na medida em que existe um reforço do orçamento da ordem dos 615 000 contos, somando o orçamento de funcionamento do PIDDAC e as contas de ordem — de acordo com os números de que disponho —, mantendo-se no essencial a dotação para o Teatro Nacional D. Maria II na ordem de 1,022 milhões de contos.

Para finalizar, Srs. Membros do Governo, quero perguntar, no que concerne à Fundação São Carlos, se o Governo mantém uma dotação idêntica às de 1995 e de 1996 com a inclusão de uma dotação em PIDDAC de 48 000 contos — imagino para as obras que vão ser efectuadas — e se já existem algumas opções no que se refere à figura jurídica que essa fundação irá ganhar, ou se é que o deixará de ser.

Eram, pois, estas questões que gostaria de ver respondidas por parte do Governo.

O Sr. Presidente (Henrique Neto): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Castro de Almeida.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): — Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: O Sr. Ministro da Cultura recorda-se bem de que não é esta a primeira vez que existe o Ministério da Cultura, pois já existiu noutros governos.

Em todo o caso, creio que o Sr. Ministro está a dar uma contribuição muito forte para que o próximo Governo volte a extinguir o Ministério da Cultura...

Protestos do PS.

Bem, eu nem disse que seria o próximo governo do PSD...

Risos do PSD.

De facto, estão a ser criadas as condições para que volte a deixar de existir o Ministério da Cultura, porque está a ficar evidente para todos que não resultou qualquer vantagem para a cultura em Portugal a criação do Ministério da Cultura.

No início da sua intervenção, o Sr. Ministro disse que o objectivo do Governo com a criação deste Ministério teve em vista dar um estatuto político à cultura. Porém, nós pensávamos que a criação do Ministério da Cultura tinha em vista permitir que uma equipa mais reforçada

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gerisse um orçamento maior, fizesse uma intervenção mais alargada, suprisse as carências .que o anterior governo tinha deixado e fizesse mais e melhor.

Foi isso que ficou na nossa expectativa, mas hoje é facilmente verificável que não é o que está a acontecer. O orçamento do Ministério para este ano cresce 800 000 contos — se compararmos coisas comparáveis, ou seja, se compararmos o orçamento inicial com orçamento inicial —, mas o Ministério vai gastar mais 1,5 milhões de contos em pessoal. Aliás, um assessor financeiro do Gabinete do Sr. Ministro encarregou-se de dizer ao Público que a criação de mais direcções-gerais obrigava à contratação de mais motoristas, de mais secretárias, à existência de mais cargos e é nisto que se vai consumir o aumento da dotação do Ministério da Cultura — e não vai chegar, porque vai ter um aumento de 800 000 contos com um acréscimo de encargos de cerca de 1,5 milhão de contos!...

Este é um custo muito grande para o pretendido estatuto político para a cultura. Penso que a cultura ganharia mais se, ao invés, o Sr. Ministro resolvesse afectar uma parte maior do seu orçamento a acções concretas de fomento cultural.

O Sr. Ministro disse-nos, numa reunião semelhante que tivemos há um ano atrás, que e vou citar: «O orçamento da cultura é um dos que terá de subir nos próximos anos...» Aliás, nós até compreendíamos uma certa limitação no primeiro orçamento, o de 1996, que foi elaborado em condições difíceis para o Governo e, portanto, demos credibilidade à afirmação do Sr. Ministro de que nos anos seguintes o orçamento da cultura iria ter subidas substanciais, mas, afinal, é um orçamento que cresce menos do que a generalidade dos orçamentos.

De facto, o Sr. Ministro afirmou que o orçamento da cultura era um dos que teria de subir nos próximos anos, mas, no entanto, ele foi um dos que menos subiu no ano seguinte.

Cingindo-me às palavras então ditas pelo Sr. Ministro passarei a ler uma pequena parte da sua intervenção que diz o seguinte: «A primeira questão colocada é relativa às promessas eleitorais do PS e à duplicação do orçamento da Cultura.

Sr. Deputado, não se trata de uma promessa eleitoral do PS, mas de uma declaração de intenções do Engenheiro António Guterres, na altura candidato a Primeiro-Mi-nistro, de que no período da legislatura gostaria de poder dobrar o orçamento da cultura.

Nds assumimos esse objectivo bem como assumimos a dificuldade que ele implica, uma vez que nos impõe um ritmo superior de aumento àquele que tivemos este ano. No entanto, quero sublinhar que mantenho como objectivo do Ministério a duplicação de verbas no termo da Legislatura e, em meu entender, não é impossível que esse objectivo se venha a atingir.

Ora, Sr. Ministro, quando V. Ex.° disse isto há um ano, nós demos-lhe credibilidade, porque temo-lo como pessoa de bem e, como já disse, V. Ex.° apresentou o orçamento do ano passado em condições particularmente difíceis. Mas esperávamos que com o tempo, quando o PS tivesse todas as condições para apresentar o seu orçamento, o Governo iria traduzir no Orçamento as palavras do Ministro da Cultura.

Ora, o que vemos é o seguinte: no ano passado o orçamento da cultura subiu, salvo erro, 10%, mas o Sr. Ministro dizia: «temos de assistir nos próximos anos a um crescimento a ritmo superior». Porém, este ano ele não só cresce a ritmo superior como decresce.

Assim, a minha pergunta é a seguinte: o Sr. Ministro mantém as palavras que então proferiu, ou seja, «mantenho como objectivo do Ministério a duplicação de verbas no termo da legislatura e, em meu entender, não é impossível que esse objectivo se venha a atingir»? O Sr. Ministro mantém estas palavras?

O Sr. Ministro não me levará a mal que eu me cinja às suas palavras, porque em matéria de acção cultural há pouco onde nos agarrarmos e teremos de ficar pelas palavras proferidas pelo Ministro na Assembleia da República.

Quando o ano passado o Sr. Ministro se ufanava de uma forte redução de verbas do Fundo de Fomento Cultural, o senhor dizia que a partir daquela altura iria passar a haver critério, que o Fundo de Fomento Cultural era um saco azul ao uso discricionário do anterior governo, mas que isso iria mudar. E disse mais, e vou citar: «não é em automóveis, como aconteceu com o titular anterior, nem em microondas e outras coisas de que todos temos memória...».

Bom, mas este ano o senhor duplica as verbas do fundo de Fomento Cultural. Será que V. Ex.° já descobriu todas as virtualidades do Fundo de Fomento Cultural?

Sr. Ministro, entendo que é função dos Deputados responsabilizar os membros do Governo pelas afirmações que fazem na Assembleia da República e quero acreditar que V. Ex.' não vem à Assembleia apresentar vagos propósitos, boas intenções, um programa de Governo mas, sim, acções concretas, tomar compromissos e assumir responsabilidades. Por isso, gostaria que V. Ex." pudesse ser confrontado com as suas próprias palavras de há um ano atrás.

Gostaria, ainda, de colocar-lhe uma questão mais precisa, porque estamos na apreciação em sede de especialidade do Orçamento do Estado e há uma questão que está a preocupar-nos, a mim e aos Deputados que têm uma especial intervenção no município da Covilhã, que é a seguinte: o Ministério da Cultura tem orçamentado, desde 1994, um apoio à construção da biblioteca municipal da Covilhã, mas a burocracia municipal levou a que só há pouco tempo esta obra tivesse sido posta a concurso e

adjudicada. Ora justamente depois dessa adjudicação foi suprimido do orçamento do Ministério da Cultura o apoio que estava previsto para a construção da biblioteca municipal da Covilhã. Agora a Câmara Municipal da Covilhã fica, com certeza, numa situação embaraçosa, porque tem a obra adjudicada presumindo um apoio do Governo que, afinal, não vai ter.

Sr. Ministro, quer explicar-nos o que é que se passou ou que razão justifica que esta verba tenha saído do orçamento do Ministério da Cultura?

O Sr. Presidente (Henrique Neto): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado: Vou limitar-me bastante às questões que dizem directamente respeito ao orçamento, nomeadamente a alguns aspectos relativos ao PDDDAC, que nos causam algumas perplexidades.

O Sr. Ministro fez referência, nomeadamente, ao caso da verba comunitária para a Fundação Serralves, mas o certo é que o PIDDAC de 1997 acusa, relativamente a 1996, uma quebra de um milhão de contos relativamente a fundos comunitários, ou seja, em 1996 as verbas de

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fundos comunitários do PIDDAC andaram à volta de 3,655 milhões de contos e, em 1997, essa verba é de 2,610 milhões de contos, o que representa uma quebra de cerca de um milhão de contos de fundos comunitários. Mas o mais complicado é o que se previa em 1996 para o ano de 1997 e que andava à volta de quatro milhões de contos, ou seja, não apenas, em 1997, os fundos comunitários são inferiores aos de 1996 no PIDDAC como são 1,5 milhões de contos inferiores aos que, em 1996, se previam utilizar em 1997. Ora, como é evidente, as previsões dos fundos comunitários feitas em 1996 para 1997 devem ter-se baseado em candidaturas a programas e em acordos firmados, sendo, assim, um pouco difícil de compreender como é que, de um orçamento para o outro, em termos de previsões, desaparecem 1,5 milhões de contos de fundos comunitários.

Uma outra questão que também nos causa alguma perplexidade tem a ver com as taxas de execução do PIDDAC em relação a numerosos projectos, já que as taxas de execução previstas para o PIDDAC estão, de uma forma geral, muito próximas dos 100% — são raras as rubricas onde esse valor não é atingido—, mas, em todo o caso, conhecem-se algumas situações que causam admiração. O Sr. Ministro anuncia nas GOP, por exemplo, o início, em 1997, das obras no palácio de Monserrate, o que, aliás, foi-também recentemente anunciado pelo vice--presidente do IPPAR em entrevistas que deu à comunicação social, mas o que é facto é que a verba de 105 000 contos prevista no PIDDAC de 1996 para obras no palácio de Monserrate — onde manifestamente não houve obras, uma vez que as GOP anunciam que elas começarão em 1997 — aparece como inteiramente executada. Como é evidente, 105 000 contos não é a verba de um projecto, não é a verba de um plano e há outros casos semelhantes.

Não se vê também, Sr. Ministro — sobretudo não o vê um observador que de nada mais disponha do que dos seus olhos —, como é que, durante o ano de 1996, se gastaram nas obras da Ajuda os 475 000 contos da dotação que o PIDDAC para elas previa em 1996. No entanto, a verba é dada como integralmente gasta.

Fala-se também em 100% de execução nas obras do Museu Machado de Castro, numa situação um bocado confusa no que se refere às descobertas arqueológicas ali verificadas — o criptopórtico, etc. —, quando essas obras estão praticamente paradas. Como é que houve 100% de execução com obras paradas?

Em relação a Alcobaça há uma situação também bizarra, porque dos 220 000 contos que seriam necessários para as obras de recuperação do Mosteiro foram previstos apenas 55 000 contos, mas acontece que os 165 000 contos de diferença dizem respeito a fundos comunitários, que não aparecem no Orçamento de 1997. Sr. Ministro, ter-se-ão perdido esses 165 000 contos por falta de execução das obras durante o ano de 1996, conforme previsto?

Poderia citar ainda outras omissões, irias estes são os principais casos que levantam alguma perplexidade.

Uma outra questões sobre a qual gostaria de manifestar a nossa reserva é a forma como, em sede de PIDDAC, são apresentadas as verbas para a arqueologia. O que se verifica é uma razoável complicação, onde se transita da verba prevista o ano passado para instalação do Instituto Português de Arqueologia para um conjunto bizarro de verbas distribuídas por redes nacionais de arqueologia, Instituto de Arqueologia, trabalhos arqueológicos, valorização de sítios arqueológicos, etc, quando não é ainda

clara, pelo menos em termos públicos, a situação do Instituto Português de Arqueologia.

Ainda no campo dos monumentos há uma situação que, penso eu, seria útil abordar, a da Fortaleza de Sagres, até porque sobre ela o Sr. Ministro tomou recentemente uma medida manifestamente polémica. Para a Fortaleza de Sagres estavam previstos 647 000 contos, dos quais já se tinham gasto 447 000 e estavam 80 000 contos previstos para 1996. Ora, apesar de em 1996 não terem sido ali efectuadas obras, os 80 000 contos previstos no PIDDAC para a Fortaleza de Sagres aparecem executados e há ainda um agravamento, para o futuro, de 54 500 contos no custo das obras na fortaleza. Gostaria de saber se estes 54 500 contos correspondem, conforme o Sr. Ministro anunciou aquando da sua decisão de continuar as obras, aos prejuízos que a paralisação causou.

Relativamente a outras questões, Sr. Ministro, aguardamos, quer em relação às Grandes Opções do Plano quer em relação às informações dadas pelo Sr. Ministro, alguma concretização no que se refere a um assunto debatido há um ano, a quando da análise do Orçamento do Estado para 1996, ou seja, o estatuto fiscal, para o IRS, das aquisições de material de valorização profissional para os empregados por conta de outrem. Penso não ser necessário recordar que, na reunião efectuada por altura do debate do Orçamento do Estado para 1996, o Sr. Secretário de Estado não só informou que o assunto estava a ser estudado com as Finanças, no sentido de se ter uma ideia do que é que isso poderia significar em termos orçamentais, como anunciou que até ao fim do ano teríamos notícias sobre essa matéria. E certo que ainda falta um mês e alguns dias para o fim do ano, mas o Orçamento já cá está e não temos quaisquer informações sobre um assunto que é particularmente premente para uma vasta camada profissional, entre a qual — e eu chamaria a atenção para o caso — cito a dos professores que, enquanto empregados por conta de outrem, não têm qualquer possibilidade de descontar no IRS a aquisição de material para valorização profissional. Sr. Ministro, o que é que se passa em relação a isto?

Outro assunto sobre o qual fizemos reparos o ano passado foi o da total ausência na planificação, quer nas Grandes Opções do Plano quer depois, na sua tradução orçamental, da cultura popular e da cultura tradicional, com as quais o Ministério da Cultura não mostrava grandes preocupações. Dissemos então que, no nosso entender, se trata de um assunto tanto mais importante quando sabemos, em tempo e perspectivas de regionalização, nos processos políticos de descentralização ou de centralização administrativa, os «tratos de polé» por que fazem passar tanto a cultura popular como a cultura tradicional. Aliás, o debate político/ideológico que se trava presentemente em torno da regionalização já o indicia de forma inteiramente clara.

Portanto, se não se tomarem medidas de preservação, de investigação, de estudo e de levantamento das culturas popular e tradicional em Portugal, elas poderão vir a tornar-se, a breve prazo, não elementos de identidade e de unidade da cultura e do povo deste país mas num elemento de fragmentação de um património conquistado ao longo de 800 anos.

Finalmente quero ainda manifestar uma perplexidade, que nos é criada pela total ausência de enlaces, ou o anúncio dessa preocupação, no Orçamento do Estado e nas Grandes Opções do Plano relativamente à realização da Expo 98.

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Comoé evidente, a Expo 98 é uma entidade autónoma e as suas obras e programas, quer de orientação quer orçamentais, são da sua responsabilidade, e a tutela da parte que cabe ao Governo na Expo 98 não é da competência do Ministério da Cultura. No entanto, parece-me evidente que, prevendo-se para 1998 a vinda a Lisboa de numerosos turistas — e, aliás, sendo essa uma das razões de fundo da realização da Expo 98 —, o tecido cultural do Ministério da Cultura, nomeadamente os seus museus, os seus palácios, etc, deviam ter — pelo menos seria previsível que tivessem — uma atenção especial à preparação programática para 1998, a qual, naturalmente, terá de fazer-se em 1997 (e se calhar já estamos atrasados). Ora essa preocupação não aparece, nem politicamente, como anúncio de iniciativas, nem com tradução orçamental visível, para evitar que — e em minha opinião isso pode ser fatal — a Expo 98 nada mais seja do que um enclave algures nos Olivais, do qual o tecido cultural português, na sua generalidade, não possa beneficiar, seja ao nível da sua exposição seja ao nível dos contactos que possam vir a estabelecer-se.

O Sr. Presidente (Henrique Neto): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cer-van.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados, Sr. Ministro: V. Ex.° prometeu, essencialmente, duas coisas diferentes. A primeira foi a de dar mais estatuto à cultura, promovendo a Secretaria de Estado a Ministério, e a segunda, que teve uma natureza mais substantiva e, portanto, mais importante, foi a de materializar esse estatuto com a atribuição de mais verbas para a cultura, ou seja, com um reforço do «bolo» da cultura em Portugal.

V. Ex." pode estar arrependido—já tivemos essa discussão várias vezes —, mas a-verdade é que prometeu 1 % do PIB para a Cultura, ainda que tal desiderato fosse para conseguir em quatro anos. No entanto V. Ex.° já o condenou ao insucesso, embora também já tenha dito, em sede de discussão na generalidade, que se tratava de uma meta utópica. V. Ex.° ainda não foi capaz — e pergunto-lhe se é capaz hoje — de dizer com que valor concreto ficava contente, como ministro, como titular, em 1999. V. Ex." há-de, por amor à verdade e ao rigor, ficar como o homem que promoveu a Secretaria de Estado da Cultura a ministério, mas que ficou ministro com menos dinheiro, com mais máquina, com mais burocracia. Gostava de perguntar se V. Ex." pode informar-me, neste momento, por que é que aumentou em 10% o número de funcionários do Ministério da Cultura e gostava de perguntar também ao Sr. Ministro por que é que a despesa com o pessoal cresceu 1,5 milhões de contos e se é abusivo da minha parte ligar isso a uma entrevista que o seu assessor financeiro deu ao jornal Público, do dia 26 de Outubro, em que disse ser necessário dividir muitos dos institutos existentes. V. Ex.° terá a possibilidade de me explicar, para que eu não tenha de enveredar pela mesma linha de interpretação do Sr. Deputado Castro de Almeida e dizer que passam a haver duas secretárias, dois motoristas, dois carros, e consequentemente mais máquina, mais despesa. V. Ex." poderá explicar esse crescimento da despesa?

O Sr. Presidente (Henrique Neto): — Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Ginestal.

O Sr. Miguel Ginestal (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado: Começo por registar, depois da passagem do 1ano de mandato deste novo Governo, uma mudança significativa nos procedimentos do agora Ministério da Cultura relativamente à resolução sempre adiada de questões com o património.

Sou Deputado eleito pelo círculo eleitoral de Viseu, um distrito conhecido pela sua monumentalidade, mas ano após ano esse património foi sendo esquecido e apesar de anunciadas grandes iniciativas no sentido da recuperação de algum do nosso património pouco ou nada foi feito. No seguimento da visita do Sr. Primeiro-Ministro, no âmbito do «Governo em diálogo» ao distrito de Viseu, foi anunciado um conjunto vasto de iniciativas visando a recuperação de algum do património mais significativo, que diz respeito também à cultura do País e, por isso, gostaria de ter um esclarecimento sobre um aspecto. Qual é o ti-ming exacto e qual é o método que o Ministério da Cultura vai desenvolver já no ano de 96 para implementar o conjunto de iniciativas que na altura publicitou, em particular as que dizem respeito, entre outros, ao Mosteiro de S. João de Tarouca, ao Convento de Salzedas, à Casa Museu Aquilino Ribeiro e a Sé de Viseu?

Gostaria também de congratular-me pelo facto de estarem neste momento a ser celebrados alguns protocolos com câmaras municipais, como, por exemplo, o celebrado com a Câmara Municipal de Castro Daire, no sentido da recuperação de património e, no caso citado, da Capela de S. Sebastião.

Verificam-se, por isso, uma intenção e uma estratégia do Ministério da Cultura coerentes no sentido de se recuperar o nosso património mais valioso, as nossas tradições, os nossos monumentos, mas desejava que o Sr. Ministro da Cultura transmitisse à Câmara, mais do que a publicidade dos eventos, a vontade expressa no timing deste Ministério da Cultura para imprimir uma nova dinâmica efectiva, real, visível, para a recuperação deste património.

Uma segunda ordem de preocupações diz respeito à Orquestra Regional das Beiras, iniciativa adiada pelo anterior Governo, publicitada como uma grande iniciativa no sentido de descentralizar eventos culturais promovendo-os na Região Centro, iniciativa acarinhada por um conjunto vasto não só de autarquias mas fundamentalmente de forças vivas da Região Centro e que mereceu tão somente uma comparticipação de 10000 contos da antiga e extinta Secretaria de Estado da Cultura!

Sei que da pane deste Governo de imediato foi considerada a viabilidade financeira deste projecto de primeiríssima prioridade cultural para a região e por isso desejava saber se já foi, ou está para ser, desbloqueada uma tranche de 40 000 contos para o arranque desta iniciativa.

Diz-se agora que falta nomear um maestro mas gostaria de ser esclarecido por parte do Governo sobre se já foi nomeado o maestro da Orquestra Regional das- Beiras porque parece que esse é o único problema para que, de facto, arranque esta iniciativa.

Risos do PSD e do CDS-PP.

Levanto essa questão porque, apesar de caricata no vosso entendimento, na opinião de alguns autarcas é essa falta que está a obviar ao arranque da referida orquestra.

A terceira questão que gostaria de trazer a este debate diz respeito àquilo que alguns jornais da região apelidam de «O drama do Teatro Viriato, em Viseu». Esta é uma

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iniciativa que vem do passado e acerca da qual o presidente da Câmara Municipal de Aveiro, honra lhe seja feita, sempre disse que não era uma obra querida do seu mandato e que já foi bastas vezes apelidada de «elefante branco» e considerada uma sobrecarga para o orçamento da autarquia, mas que rio passado mereceu o apoio dos governos, corrija -me se estiver enganado, no montante de 227 725 contos. Faz-se uma polémica em redor deste número dizendo-se que não foi essa a verba atribuída à Câmara Municipal de Viseu e que apenas deram entrada nos cofres da autarquia 184 000 contos.

Ora bem, à volta disto gerou-se um conflito parecendo que, mais importante do que encontrar uma solução que no curto prazo permita ao Teatro Viriato abrir as suas portas para fazer a dinamização para que está destinado, o que verdadeiramente importa é encontrar um bode expiatório para que aquela casa mantenha as portas fechadas. Sr. Ministro, isso dos bodes expiatórios era no passado, nós não vamos em bodes expiatórios porque não nos interessa crucificar, martirizar alguém para justificar a nossa própria incapacidade. Sr. Ministro, peço-lhe que esclareça esta Câmara, no que diz respeito à responsabilidade assumida pelo Ministério da Cultura, o que falta para que o Teatro Viriato abra as suas portas. Já agora e quanto ao que falta, os equipamentos finais, o apetrechamento e o equipamento final para què aquela casa possa abrir portas, alguma vez o Ministério da Cultura se indisponibilizou para adiantar a verba necessária? Ou seja, o que é que falta para que o Teatro Viriato, obra fundamental para o desenvolvimento cultural não só da cidade de Viseu mas de toda a região, possa no curto prazo abrir as suas portas?

O Sr. Presidente (Henrique Neto): — Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Roque Cunha.

O Sr. Jorge Roque Cunha (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Cultura, a minha pergunta é muito concreta e tem a ver com a cultura popular e tradicional. Tive oportunidade de ver aqui o mapa desagregado por parte do Ministério da Cultura e não encontro qualquer tipo de apoio específico a uma actividade que, em termos de país, quer em termos de bandas filarmónicas, quer em termos de ranchos folclóricos, é objectivamente local de iniciação musical, de prevenção da toxicodependência e de um conjunto de comportamentos desviantes. Aliás, neste fim-de-semana tive oportunidade de, na região de Fermentelos, assistir ao início de actividade de cerca de 18 jovens todos eles com menos de 18 anos. Bem sei que usualmente poderá existir algum preconceito intelectual em relação ao apoio concreto e específico através de programas a este tipo de actividades. Recordo aqui que as 600 bandas existentes contribuem para o Orçamento do Estado, já que pagam o TVA de 17%, que sabemos que é um imposto comunitário — e não é a sua eliminação que estamos aqui a discutir. Sendo assim, tendo em conta as receitas que arrecada nessa área, o Ministério da Cultura poderia ter um papel mais activo não só no apoio directo a esse tipo de actividades mas também na investigação, na sistematização e no apoio ao que de facto representa uma área de extraordinária importância na vivência do nosso povo.

O Sr. Presidente (Henrique Neto): — Tem a palavra a Sr." Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.° Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Cultura, Sr. Secretário de Esta-

do da Cultura, gostaria de fazer um curto preâmbulo para clarificar um pouco esta minha intervenção. Penso que todas as políticas têm objectivos, os que o Sr. Ministro aqui elencou não são originais mas isso também não me parece criticável, e penso que neste caso serão o património, o apoio à criação, melhorar o acesso à cultura. Não temos aqui qualquer originalidade, pelo que certamente a filosofia de V. Ex.° terá de estar numa filosofia de actuação claramente diferente da do anterior Governo. Tenho aqui — e penso que isso é elucidativo — uma afirmação do Sr. Ministro que realmente preconiza, na sua opinião, uma preparação da máquina do Estado para uma intervenção: «é vital dotar o Estado dos meios administrativos e técnicos que lhe possibilitem uma intervenção profissionalizada nos sectores da cultura, desde o património à criação».

Assim, estamos aqui perante uma filosofia que é a deste Governo, o qual, como Governo eleito, tem toda a legitimidade, para levá-la a cabo. Penso que só os resultados vão permitir julgar, mas, tentando pôr-me nesta filosofia, queria fazer algumas perguntas para ver os resultados e saber se podemos ser optimistas ainda que dentro de uma filosofia que me parece errada.

Em primeiro lugar, acentuava aqui o que chamo as despesas improdutivas, porque havendo em todos os sectores despesas produtivas e na cultura também, há umas que são claramente improdutivas, como, por exemplo, fazer crescer as despesas correntes e o pessoal de 42% para 47% num orçamento que não cresce como seria de desejar. O Sr. Ministro certamente conhece aquele jjrincípio — que se aplica à saúde (e foi uma matéria que discutimos aqui há pouco) mas que não se aplica à cultura — segundo o qual não há melhor cultura por haver mais funcionários, mas é natural que haja melhor saúde por haver mais médicos e mais enfermeiras. Esta diferença é importantíssima e, por isso, as despesas improdutivas na cultura são, do meu ponto de vista, criminosas.

Em relação ao acesso, deixe que lhe pergunte: o que é o acesso à cultura? Não pode ser outra coisa, por diferentes filosofias que tenhamos, a não ser criar uma rede de infra-estruturas, criar a possibilidade de fazer a produção passear, itinerar, porque sabemos que a capacidade de produzir não está igualmente distribuída, e, se subsidiar o consumo, tem de se subsidiar a procura pois pode ter produção mas se não tem ninguém que veja, que aplauda, também é triste.

Ora bem, nesta matéria das infra-estruturas não vejo grande coisa; itinerâncias não vejo grande coisa e gostava de ser esclarecida; uma política mais arrojada de subsídio ao consumo também não vejo; quanto ao património, já aqui foi muito falado e há que acentuar, além da quebra que já foi acentuada de um milhão na parte comunitária, este PIDDAC está muito aquém daquilo que o Sr. Ministro tinha previsto, não orçamentado.

Depois, há aqui, em relação à produção, dois aspectos sobre os quais gostaria de ser esclarecida. O audiovisual tem aqui um aumento de 107 000 contos. Gostava de saber se neste valor de 3 719 216 contos está ou não considerada a receita própria que vem da publicidade ou se isto é só o que vem do Orçamento do Estado, a que acresce a receita própria da publicidade. É porque, se esta importância vier apenas do Orçamento do Estado, penso que é uma má distribuição entre os diferentes sectores artísticos e, se já inclui a publicidade, é um bocadinho enganoso, porque é uma receita própria.

Depois, em relação ao teatro, tenho aqui dois recortes em que se fala do financiamento da produção por verbas

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do PEDDAC como sendo uma grande originalidade introduzida este ano. Com certeza, deve ser engano, porque, como o Sr. Ministro sabe, isso é impossível. Portanto, também gostaria que me tranquilizasse a este respeito.

Naturalmente, as verbas do PIDDAC serão para infra-estruturas, para equipamentos e para o que quer que seja, mas não para a produção. Falava-se que iriam aconchegar as fracas verbas de apoio à produção do Orçamento do Estado com 300 000 contos vindos do PIDDAC. Gostava de ser tranquilizada sobre isso.

Depois, em relação ao Fundo de Fomento Cultural, gostava de saber de onde é que vem esse aumento significativo, porque ele — chamemos-lhe saco azul ou saco verde ou o que quisermos — tem uma origem própria e uma fonte de financiamento também própria. Portanto, este aumento significativo vem de onde, porquê e para quem?

Finalmente, gostaria de perguntar-lhe o seguinte: nesta filosofia de actuação, que é a sua — tem direito a pô-la em prática e, certamente, será também avaliado por ela—, pareceu-me sempre que era para si um ponto de honra transformar o Teatro de São Carlos num instituto público.

Do meu ponto de vista, isso tem alguns riscos em termos do que pode ou deve ser, enfim, a flexibilidade de um teatro de ópera com aquelas características, mas o Sr. Ministro tem um argumento, que é um argumento de peso num país afligido pela penúria de verbas, que é o de se poder garantir ao São Carlos uma dotação anual vinda do Orçamento do Estado que nos permitisse, por exemplo, uma programação atempada, até com algumas economias de escala.

Muito bem! Do meu ponto de vista, muito mal, porque, apesar de alguma incerteza no financiamento, o seu estatuto tinha mais potencialidades. Num instituto público a dotação é a mesma. Gostava de saber, então, qual é a vantagem. Vamos cá ver: a dotação é a mesma... O Sr. Ministro, num certo sentido, vai dizer-me que repôs a verdade, porque a fundação era mítica, pois, no fundo, os outros fundadores não entravam com a sua parte ou entravam irregularmente. Tudo bem!

Vai, portanto, assegurar o São Carlos exclusivamente com Orçamento do Estado. O primeiro risco é o de essa dotação poder vir a diminuir se para o ano tivermos de aumentar a saúde, a segurança social e a educação. Vai ver, Sr. Ministro, por experiência própria, que toda a gente se esquece do São Carlos, infelizmente.

Mas a vantagem seria, pelo menos este'ano, vermos o S. Carlos sem liberdade, com o Tribunal de Contas, com tudo transformado, com a orquestra a tocar em horas extraordinárias, com o Tribunal de Contas a perguntar por que é que os sapatos das cantoras não eram comprados na Rua da Prata... Veríamos tudo isso veríamos, mas também veríamos um confortável orçamento para o São Carlos.

Deixava estas perguntas, que são a minha perplexidade não em relação ao facto de o Sr. Ministro não ter a minha política, porque aí assustava-me,...

O Sr. Secretário de Estado da Cultura (Rui Vieira Nery)'. — Nós também!

A Oradora: — ... mas sobretudo em relação ao facto de, tendo essa política, estas coisas acontecerem.

O Sr. Presidente (Henrique Neto): — Para responder a este conjunto de pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Ministro da Cultura.

O Sr. Ministro da Cultura: — Sr. Presidente, vou procurar responder por ordem às questões que me foram colocadas, deixando algumas delas para o Sr. Secretário de Estado da Cultura responder.

As questões colocadas pelo Sr. Deputado Fernando Pereira Marques prendem-se com dois ou três pontos fundamentais para o Ministério da Cultura. Um deles — e foi a primeira questão que o Sr. Deputado colocou — tem a ver com a criação do Fundo de Apoio às Indústrias Culturais. Há meses que trabalho com o Sr. Ministro da Economia para a criação deste Fundo, que visa o apoio às indústrias culturais no sector do livro, mas sobretudo no sector do audiovisual e do multimédia, e tenho a noção exacta de que nesse sector se joga hoje um destino importante da política cultural do Estado.

Efectivamente, hoje não é possível pensar a cultura sem se pensar nas práticas audiovisuais, no multimédia e na importância que pode ter lançar uma indústria de conteúdos, ao nível do multimédia e do audiovisual, que tenha relevância, por exemplo, para o património, no caso do multimédia, e estamos muito apostados em fazê-lo.

Não há qualquer atrito nem qualquer contradição entre essa política e a que se segue no domínio do cinema e do audiovisual. De resto, há muito que espero uma interpelação, muito anunciada neste Parlamento, sobre cinema e audiovisual, para poder, demoradamente, explicar a política do Governo neste domínio. Repito: há muito que espero essa anunciada interpelação.

Sobre este ponto, quero apenas dizer que, do meu ponto de vista, é complementar justamente da política que se tem seguido de apoio ao cinema e ao audiovisual, onde já lançámos algumas medidas importantes em protocolos que se fizeram com a RTP, em protocolos que se preparam neste momento com outras cadeias de televisão e que visam reforçar não só o cinema português como também o audiovisual. Abre-se aqui, de facto, hoje, uma outra frente, onde se decidem muitas coisas, que é o domínio do multimédia.

Lembro aqui que, logo nos primeiros meses do Ministério da Cultura, lancei um projecto — o Projecto Mosaico —, que visava justamente a avaliação do impacto que a sociedade de informação teria no mundo da cultura, porque hoje o impacto da sociedade de informação no mundo da cultura transforma as práticas culturais, pode transformar as modalidades de acesso à cultura de um modo extremamente profundo que, enfim, poderão, provavelmente, fazer passar as práticas da cultura dos próximos 20 anos por profundas e enormes metamorfoses.

Ora, esse Projecto Mosaico, que está, justamente, ligado à ideia deste Fundo, tem uma dotação em PIDDAC, como o Sr. Deputado poderá ver, de 300 000 contos. Também para o audiovisual há uma dotação prevista no IPA-CA para a participação do Ministério da Cultura neste Fundo.

Esse Fundo terá a participação do Ministério da Economia, mas também do Ministério do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território e terá acesso, através de negociações que correm com este Ministério, a fundos estruturais.

Quanto ao Fundo de Fomento Cultural, devo dizer qué a sua origem é conhecida. Nós, no ano passado, explicitámos a sua política, que se mantém. Essa política tem sobretudo um aspecto fundamental, que não tinha sido feito, que é o de tornar absolutamente claro, no momento da apresentação do Orçamento, o programa de actividades do Fundo. Isso foi feito de novo este ano, as verbas estão

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discriminadas no mapa que foi apresentado aos Srs. Deputados...

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): —Não foi! O Orador: — Foi distribuído!

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): — Do Fundo do Fomento Cultural!?

O Orador: — Sim, do Fundo de Fomento Cultural!

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): — Não chegou às nossas mãos!

O Orador: — Se não foi, peço imensa desculpa, mas tinha essa ideia!

Pedirei imediatamente ao Sr. Presidente que mande tirar fotocópias e as faça distribuir pelos Srs. Deputados, mas penso que ele tinha sido enviado. Estive ausente estes últimos dias e, por isso, vou investigar se foi ou não enviado, porque fazia parte do caderno de documentos que foi enviado. Já no ano passado o enviámos e fazemo-lo de novo este ano.

A gestão do Fundo é feita em articulação permanente com os vários organismos e com as prioridades do Ministério. A gestão do Fundo tem sido clara e tudo o que é política de subsídios, ao contrário do que foi afirmado

— não sei porquê, Sr. Deputado — é publicado, de acordo com a lei, regularmente, penso que todos os seis meses, e, portanto, toda a política é, neste domínio, como em todos os outros, transparente e, quando o não é, procuro corrigir, porque tenho a noção de que nem sempre, certamente, é possível a total transparência que todos desejamos.

O Sr. Deputado colocou-me mais duas questões. Uma tem a ver com o TPA e com a natureza do instituto de arqueologia que se pretende.

Sem querer fazer aqui eco de alguma discussão pública que houve, a proposta de lei orgânica do Instituto Português de Arqueologia está agendada já para o próximo Conselho de Secretários de Estado. Trata-se de constituir um instituto que seja capaz de desenvolver uma política arqueológica nacional muito racionalizada e muito capaz, com uma política de actividade regional muito diferente da que tinha o IPPAR, com uma grande mobilidade no território. Essa foi a política que defendemos no ano passado e que continuamos a defender e que, no âmbito do IPPAR, não era, certamente, fácil desenvolver, dadas as suas características e as imensas responsabilidades que tinha em relação ao património construído.

A questão do CCB que me colocou em relação ao PIDDAC prende-se com uma hipótese que já foi colocada

— e que eu, se não me engano, em 16 de Outubro, expus no próprio CCB, em conferência de imprensa que dei sobre as transformações que aí se irão fazer —, que é a de se retomar a ideia da construção não dos módulos que estavam previstos mas daquilo a que chamei um centro de artes, que permitisse resolver vários problemas que temos, neste momento, no domínio da cultura e que vão desde a necessidade de ter um espaço para acções de formação no domínio da cultura e da gestão da cultura, de documentação e também de residência para a Orquestra Nacional, para a Orquestra Sinfónica e para a Companhia Nacional de Bailado.

Trata-se de uma hipótese que está a ser trabalhada e é no quadro dessa hipótese que surge esse valor dos cinco

milhões, o qual será, naturalmente, revisto se esse projecto não for para a frente.

Deixaria a duas últimas questões que o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques colocou, sobre as artes e espectáculos e sobre a Fundação de São Carlos para o lote de questões que o Sr. Secretário de Estado da Cultura responderá a seguir.

Sr. Deputado Castro de Almeida, tenho alguma dificuldade em responder-lhe, porque, praticamente, só me citou, que é uma coisa que não lhe direi que me desgosta, estou habituado a ser citado e é algo que me dá prazer, mas, enfim, os aspectos que escolheu — deixe-me que lhé diga, porque sou, de certo modo, o autor das suas próprias palavras — não seriam aqueles que eu teria escolhido.

Há, de qualquer modo, um ponto que enforma, que inspira, toda a sua intervenção e que tem a ver com o desejo da extinção do Ministério da Cultura. Tenho pena que esse desejo da extinção do Ministério da Cultura ainda possa ser enunciado.

Deixe-me apenas fazer este apontamento pessoal muito rápido: há três dias, estive na transladação das cinzas de André Malraux e pude apreciar algo que é certamente do conhecimento de todos os Srs. Deputados: como é possível uma classe política, sejam quais forem as orientações ideológicas que a dividem, assumir inteiramente a importância para o governo de um país de ter um ministério da cultura. Isso tem a ver, certamente, com a importância que se dá à cultura e era a isso que me referia quando falava do «estatuto político da cultura».

Houve duas ou três intervenções aqui que tomaram algumas palavras minhas. Procurei ser aqui muito breve, porque o debate hoje já vai muito tardio, mas se o Sr. Deputado tivesse estado, como outros Deputados, na audição em Comissão, veria que fiz uma longa, provavelmente longa demais, exposição sobre os objectivos da política cultural deste Governo. Aqui fui muito breve e, provavelmente, muito elíptico.

Lembro essa cerimónia, porque, justamente à excepção da Frente Nacional, há, em França, como hoje se encontra em muitos países do mundo, o reconhecimento que tem a dimensão cultural, não só como um sector importante de actividade do Estado como uma dimensão que deve ser assumida, inclusiva e transversalmente, por vários domínios da administração do Estado, tenham a ver com o ambiente, com a educação, com a acção externa, etc.

E, justamente, é esse o ponto mais importante que marca a criação do Ministério da Cultura. E uma das responsabilidades que sinto bastante sobre este ministério é a de conseguir enraizar o Ministério da Cultura no tecido institucional português. Eu assumo esse desafio.

Vozes do PS: —Muito bem!

O Orador: — E assumo-o, porque é vital que Portugal tenha um Ministério da Cultura que seja reconhecido, que tenha uma política cultural, que sendo, como certamente será sempre, alvo de antagonismos, de debate, de discussão, seja assumida em diversos aspectos como algo de consensual, que deve unir todas as forças políticas, porque a cultura não é só para se fazer discursos de fachada, a cultura é justamente o que se vive no quotidiano, é algo onde mergulha a nossa identidade, onde se projecta o nosso destino. Mas parece que é essa dimensão que irrita alguns Deputados, particularmente o Sr. Deputado Castro Almeida.

Vozes do PS: — Muito bem!

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O Orador: — Ora, talvez a principal crítica, a mais banal e certamente a mais repetida é a de que a cultura não tenha 1% do Orçamento, porque 1% é um orçamento que não existe em país algum do mundo. Pergunto a qualquer um dos Srs. Deputados que referiu o assunto em que país do mundo é que a cultura tem 1 % de orçamento. Isso não é razão para eu, como Ministro da Cultura, deixar de dizer que 1%, e certamente mais de 1%, é o valor desejável para o Ministério da Cultura e para a acção cultural do Estado.

Houve — e parece que são esses elementos que por vezes permanecem no imaginario político —, a certa altura, essa reivindicação, como sabem, em França; houve um ano apenas — e um ano apenas — que esse objectivo foi atingido, nesse caso absolutamente paradigmático, em condições excepcionais, porque foram integrados no orçamento do Ministério da Cultura todos os orçamentos dos grands travaux do Presidente Mitterrand — e, como sabe, foram realmente trabalhos de monta. E mesmo assim o 1% durou dois meses, porque na primeira revisão orçamental que foi feita ele caiu para 0,97%.

Se o Sr. Deputado conhecesse esses elementos poderia perceber que eu relativizo ao mesmo tempo que assumo um objectivo. Assumir um objectivo é importante para se saber para onde nos dirigimos. Porque como dizia Séneca «quem não conhece o seu porto, não há bom vento que o oriente». E, às vezes, parece que é esse «porto» que o seu partido e o Sr. Deputado não conhecem...!

O orçamento da cultura aumentou, ao contrário do que o Sr. Deputado disse, 7,65% no orçamento de funcionamento e 11,68% em PIDDAC. Sabemos que, neste momento, vivemos uma situação de enorme rigor, há objectivos nacionais que impõem uma grande compreensão da situação que se vive e há dificuldades em todos os sectores. A questão é saber o que conseguimos — e esse desafio assumo-o completamente — ou o que somos capazes de fazer com este orçamento.

Não quero responder mais por um orçamento hipotético, por valores que parece que é preciso, permanentemente, «hipotesiar» e idealizar um valor orçamental para poder criticar o que se faz. Trabalhemos com este orçamento e analisemos, então, para que é que ele serve e o que é que é possível fazer com ele.

As questões que colocou o Sr. Deputado Ruben de Carvalho e que têm sobretudo como destinatário o IPPAR tocam, de resto, num ponto extremamente difícil da vida deste Instituto durante este ano, porque, infelizmente, teve de passar mais de metade do ano a resolver uma grave situação. Foi certamente, apesar de certos juízos negativos que possam fazer sobre esta ou aquela instituição, o OTganismo que mais dificuldades teve no que diz respeito à herança recebida. Lembro que o IPPAR teve de regularizar dívidas no montante de 1,139 milhões de contos com situações relacionadas com obras que não tinham o visto do Tribunal de Contas, e que foram mandadas fazer depois da recusa do Tribunal de Contas.

Tudo isso criou uma situação muito difícil no IPPAR. Havia inclusivamente imensos projectos que tiveram de ser reformulados e tudo isto obrigou a uma reafectação de verbas que tiveram por objecto vários dos casos e dos exemplos que o Sr. Deputado Ruben de Carvalho focou.

Quem leia hoje a imprensa, Sr. Deputado, pode começar a ter a noção disso. Peço-lhe mesmo que compare a imprensa deste momento com a imprensa de há um ano ou ano e meio, onde, dia sim, dia não, tínhamos um caso no IPPAR e, dia sim, dia não, o Sr. Deputado tem agora

protocolos que são feitos com as câmaras, há acções que são iniciadas... Há efectivamente uma nova orientação no EPPAR e uma nova dinâmica que nos deixam extremamente optimistas sobre o que o IPPAR pode fazer.

O IPPAR vai ter uma nova lei orgânica, que vai agora ser aprovada em Conselho de Ministros, com uma instância própria de investigação que lhe permite hierarquizar as suas intervenções, uma vez que até aqui nem isso existia, eram feitas casuisticamente e de resposta apenas aos casos que iam acontecendo. O IPPAR pode finalmente começar a responder de um modo capaz aos seus objectivos, no sentido de defender e, sobretudo, valorizar o nosso património.

Há uma questão igualmente difícil que tem a ver com as isenções, fiscais. Há uma reforma fiscal anunciada para 1997. Só lhe posso dizer que espero, francamente — e penso que é, nesse quadro, que várias das suas questões possam ter uma resposta —, que satisfaça aquilo que são também os vários objectivos do Ministério da Cultura.

Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan, acho que já respondi às suas questões. De novo, falou-me dos 1%. Eu podia repetir o que disse ao Sr. Deputado Castro de Almeida. Compreendo, aceito e respeito que haja Deputados que vêem ou acham que a dimensão da cultura é insignificante, o que peço é que o digam como tal e que assumam até ao fim, justamente, a insignificância que atribuem à dimensão cultural, em suma, o desgosto que têm por a Secretaria de Estado, em vez de ter sido transformada numa direcção-geral, que era o que propunha o PP, ter sido transformada no Ministério da Cultura.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — Quanto às questões do Sr. Deputado Miguel Ginestal, penso que respondi parcialmente, nomeadamente no que diz respeito ao enquadramento do património, mas há um conjunto de intervenções que se anunciaram na sua região que estão previstas já para 1997. O caso de Tarouca é um deles, é uma das obras-primas do nosso património, onde o IPPAR já começou a intervir de um modo muito decidido. Como sabe, trata-se, como acontece em muitos casos, inclusivamente no Pombeiro, onde há problemas terríveis de propriedade, de problemas que se arrastaram durante décadas e que, pela primeira vez, estão a ser resolvidos. O caso de Tarouca é um bom exemplo, tal como o caso de Pombeiro, por exemplo, em Felgueiras, de como o IPPAR está a trabalhar.

Há uma questão sobre a orquestra regional das Beiras que deixo também para o Sr. Secretário de Estado responder. E há uma questão sobre o Teatro Viriato à qual tenho alguma dificuldade em responder, não pelo assunto mas porque, como o Sr. Deputado referiu, tenho uma boa parte das minhas raízes justamente em Viseu. O teatro Viriato foi um projecto, a certa altura, lançado por um presidente da câmara, eleito nas listas do PP, que acontece que era o meu pai. Depois — e são aspectos que são conhecidos — foi abandonado pela presidência que se seguiu e, tanto quanto posso avaliar — e não quero adjectivar muito —, a situação foi muito criticada nos termos que o Sr. Deputado referiu e que não quero lembrar. A equipa que deu origem a esse projecto foi, podemos dizê-lo, «corrida da terra» e, de certo modo, foi também ela própria abandonada e o Teatro Viriato passou anos sem que ninguém se lembrasse dele.

É curioso que só depois de eu ser Ministro da Cultura — e pergunto aos Srs. Deputados se alguém conhece

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alguma iniciativa sobre o Teatro Viriato verificada entre a posse desta câmara e a minha nomeação como Ministro da Cultura —, situação que acho extremamente deselegante, é que se começou a levantar o problema do Teatro Viriato.

A situação que o Sr. Deputado descreveu foi objecto de acordos com a Secretaria de Estado desde alguns anos atrás. Esses compromissos foram, de resto, sempre satisfeitos pelos vários responsáveis, foram poucas vezes satisfeitos, pelo menos a tempo, pela Câmara e, de há um tempo para cá, justamente desde que sou Ministro da Cultura, a Câmara começou a fazer cada vez mais exigências de centenas de milhares de contos, procurando certamente aproveitar-se, e colocar-me numa situação difícil. Mas não me colocam em situação difícil. O Teatro Viriato — e tenho tido uma correspondência o mais cordial com a Câmara — terá uma solução para as exigências que, neste momento, assumo como qualquer outro teatro do País.

Neste momento, foi publicado o despacho normativo que regulamenta, de modo muito claro, o apoio para o equipamento, para a recuperação dos teatros, que será feito por concurso e depois por contrato-programa, e será nesse quadro que o Teatro Viriato será ou não apoiado pelas verbas do Ministério da Cultura.

Acho que a minha resposta é absolutamente clara, só espero que as posições dos autarcas também possam sê-lo.

As últimas questões sobre a cultura popular e tradicional, que retomam outras que também foram colocadas, deixaria para o Professor Vieira Nery, como, de resto, as questões que foram colocadas pela Sr." Deputada Maria José Nogueira Pinto.

O Sr. Presidente: — Tem, então, a palavra o Sr. Secretário de Estado da Cultura.

O Sr. Secretário de Estado da Cultura: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, pegaria num conjunto de perguntas que foram dirigidas à área de que tenho a tutela directa e, se me permitem, começaria por responder à consideração inicial da Sr.° Deputada Maria José Nogueira Pinto quanto à questão da profissionalização e da relação com os agentes da Administração no âmbito da cultura.

Como a Sr.° Deputada muito bem disse, nós temos posições diferentes a esse respeito, posições que nunca impediram uma excelente relação de respeito mútuo e de grande cordialidade, como sabe já desde o tempo em que a Sr.* Deputada era subsecretária de Estado da Cultura do governo PSD. Desde essa altura que estas divergências sempre se manifestaram e continuam a manifestar-se, o que é sinal de que somos coerentes.

A Sr.* Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): — É saudável!

O Orador: — Uma das áreas em que esta divergência se manifesta tem a ver com a questão da profissionalização na administração da cultura. Realmente, acreditamos que os meios do Estado para investimento na cultura devem ser geridos de acordo com o conhecimento técnico adequado da matéria que está a ser estudada. De facto, o critério que estava vigente na antiga secretaria de Estado da Cultura e que encontrámos era exactamente o contrário. Era um critério de mera conveniência política em que se decidia se o espectáculo a tinha apoio ou se a iniciativa b unha apoio, de acordo com o que naquela altura dava

jeito, em termos de conveniência, umas vezes político- -partidária, outras vezes político-pessoal. E, de facto, a situação não é viável.

Quando se quer expandir o apoio do Estado à cultura—e isso nós queremos e assumimo-lo claramente — precisamos de dispor no seio da Administração Pública de profissionais capazes de serem os interlocutores dos agentes culturais em cada domínio, situação que, em grande parte dos casos, não existia suficientemente, até porque na famosa reforma ou reestruturação da antiga Secretaria de Estado da Cultura — eu chamo-lhe «dinamitação» da Secretaria de Estado da Cultura —, que ocorreu em 1992, com a intenção de mostrar trabalho e de enviar pessoal para os quadros de excedentes. De facto, o que aconteceu foi que não só se fundiram instituições e organismos que nada tinham a ver uns com os outros — o que gerou, claramente, carências de pessoal técnico especializado em cada matéria — como, sistematicamente, todas as decisões eram canalizadas para a sede política, para a sede da decisão do Secretário de Estado e do seu gabinete, «curto-circuitando» os serviços.

O que pretendemos, Sr.° Deputada, é devolver a dignidade própria aos serviços, dotando-os de capacidade técnica de apreciação de projectos e de decisão no âmbito que é próprio dessa competência. E, para o fazer, precisamos, de facto, de algum reforço no staff desses organismos.

Não são estes o momento nem a sede próprios para discutirmos essa matéria que decorre expressamente do Programa do Governo aprovado nesta Assembleia. E, na realidade, não há uma única instituição, organismo ou serviço do Ministério da Cultura que não conste expressa e explicitamente do Programa que esta Assembleia aprovou e mandatou o Governo para executar.

Dentro desse domínio, também houve a preocupação de fazer com que a gestão do apoio do Estado às suas múltiplas acepções fosse feita de acordo com normas claras, transparentes e rigorosas, através de candidaturas apreciadas por júris mistos, incluindo funcionários competentes e tecnicamente habilitados do Ministério e personalidades independentes, quando necessário.

Justamente, este Governo fez sair um despacho normativo sobre os concursos para apoio aos recintos culturais, para evitar que os mesmos fossem equacionados nestes termos: «Dá-nos jeito ter um apoio a um recinto no círculo eleitoral x, a tempo e horas das próximas eleições». Foi desta forma que, infelizmente, se geriu, durante muito tempo, a política de apoio a recintos culturais, prometendo-se mundos e fundos nos sítios em que era conveniente que isso se fizesse, sem qualquer coerência, sem apreciação técnica dos projectos e, ainda por cima, desligando, de uma maneira completamente' não profissional — se me dão licença —, ...

Vozes do PS: —Muito bem!

O Orador: —... a questão da reconstrução do recinto cultural, daquilo que é o projecto cultural que vai viver lá dentro. É que reduzir a questão dos recintos culturais a «cortar uma fita» no dia certo, para dar jeito politicamente, sem saber se isso faz sentido em termos de uma rede nacional de actividade cultural é, obviamente, incorrecto. Portanto, há um novo despacho normativo que estabelece critérios precisos e que fará com que a decisão política se baseie em critérios de aferição técnica dos projectos pelos serviços, serviços que nós queremos que sejam, de facto, qualificados.

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Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — É nesse contexto que o projecto do Teatro Viriato, aqui referido pelo Sr. Deputado Miguel Gi-nestal, se vai inserir, ou seja, a Câmara Municipal de Viseu terá oportunidade de apresentar um projecto. Mas assumir um projecto não é apenas dizer que se quer não sei quantas centenas de milhares de contos, sem saber o que se pretende fazer lá! Terá de ser um projecto tecnicamente fundamentado que possa, depois, ser apreciado pelos serviços, em termos comparativos com os restantes projectos, e seriado dentro do que é coerente para uma política nacional.

Isto prende-se, de resto, com uma pergunta formulada pelo Sr. Deputado Fernando Pereira Marques relacionada com o modo como foi estruturado o PIDDAC no sector das artes de espectáculos. Devo dizer-lhe que este sector foi estruturado de uma maneira organizada, para substituir aquela «manta de retalhos» de projectos criados em momentos diferentes da história da antiga Secretaria de Estado da Cultura e que foram sobrevivendo, mais ou menos por rotina, para, na última hora, serem desviados os fundos de um programa para outro, sempre que dava jeito...

De facto, como verá, houve uma preocupação em vários sentidos. Desde logo, no sentido da criação de uma rede nacional de salas de espectáculos concebida como um todo que inclui não só as salas pertencentes ao Estado mas também as de âmbito municipal e as pertencentes a grupos de actividade profissional regular.

Também está prevista uma série de programas relativos à modernização e à qualidade de serviços que se prendem com a necessidade quer de equipamento desses serviços quer da formação profissional que é indispensável levar a cabo; há um reforço muito claro do apoio à edição discográfica e bibliográfica, especificamente no âmbito da música, bem como à edição de instrumentos musicais e equipamentos cénicos.

Há pouco, a Sr.* Deputada Maria José Nogueira Pinto referiu-se à questão do uso do PIDDAC no apoio aos grupos. Ora, é evidente que ninguém vai pagar salários, nem cachets, nem produção no sentido imediato do...

A Sr.* Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): — Nem subsídios à produção?

O Orador: — Sim, sim, Sr.* Deputada. Portanto, é evidente que ninguém vai pagar despesas, por assim dizer, voláteis...

A Sr." Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): — Estou a perguntar-lhe pe".os subsídios a que se vão candidatar as companhias de teatro!

O Orador: — Sr.° Deputada, subsídios não é a palavra correcta do ponto de vista técnico...

A Sr.* Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): — Mas é ou não é para subsídios à produção?

O Orador: — Depende daquilo a que a Sr.° Deputada chama subsídios à produção!

A Sr.* Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP). — E o senhor chama subsídios à produção ao quê, em linguagem objectiva?

O Orador: — É muito simples, Sr." Deputada: há uma quantidade de despesas que são tradicionalmente afectas à produção e que correspondem a despesas de equipamento permanente, designadamente bancos de equipamento permanente, quer cenográfico, quer de guarda-roupa, quer de materiais que são reutilizáveis.

O que a Sr.° Deputada está a dizer —e vai desculpar-me que o diga de uma maneira tão directa — tem a ver com a questão de não estarmos a chamar os nomes às coisas. Subsídios não é uma palavra adequada, já que significa dar dinheiro e o que está em causa não é dar dinheiro da forma desresponsabilizada que, tradicionalmente, era seguida pela Secretaria de Estado da Cultura. O que se pretende, sim, e de forma muito clara, é quantificar o que se destina a despesas de pessoal, de cachets de criação artística, e o que se destina a despesas de equipamento.

Como na produção há componentes que são permanentes — é o que se passa, por exemplo, com os equipamentos, que são, tipicamente, componentes de PIDDAC — serão utilizadas verbas de PIDDAC para esse efeito.

Também aqui se falou de várias instituições de Estado de produção artística. O Sr. Deputado Fernando Pereira Marques levantou a questão dos Teatros Nacionais de São João e de D. Maria, bem como de São Carlos — este último também foi referido pela Sr." Deputada Maria José Nogueira Pinto.

Este ano, os Teatros Nacionais D. Maria e São João têm orçamentos... Aliás, neste caso, não convém misturar as verbas do PIDDAC com os custos da temporada, na medida em que o PIDDAC aqui expresso se apoia em projectos estritamente reduzidos a questões de conservação de edifícios ou de modernização de serviços e, portanto, não apresentam qualquer relação com os custos reais de operação dos teatros.

Por conseguinte, o orçamento de funcionamento do Teatro Nacional D. Maria terá menos 100 000 contos, mais coisa menos coisa, o que tem a ver com o facto de, este ano, essa diferença ter sido empregue no pagamento de dívidas acumuladas que foram, finalmente, saldadas ou, melhor, estarão completamente saldadas até ao fim deste ano. Deste modo, a verba real para produção e para a temporada é a mesma.

O Teatro Nacional São João, que este ano começou tarde a sua actividade, mas que agora vai ter um ano inteiro de actividade, terá um acréscimo de cerca de 10% relativamente ao orçamentado no ano passado, ou seja, passa de 498 000 contos para 550 000 contos. Estes são dois teatros em relação aos quais temos grande orgulho no trabalho que tem sido desenvolvido.

Há equipas profissionais de grande qualidade a trabalhar no Teatro Nacional São João, que se acabou de criar, e a gestão do D. Maria foi claramente melhorada para evitar o descontrolo orçamental que o transformava numa espécie de «remédio santo» para todas as despesas que se queriam tapar em qualquer área das artes de espectáculo.

Já em relação ao Teatro Nacional de São Carlos, este € um tema sobre o qual tínhamos muito de conversar, Sr.° Deputada Maria José Nogueira Pinto, porque, realmente, grande parte do problema com que o São Carlos se deparou teve a ver com a famosa extinção da empresa pública do Teatro Nacional de São Carlos e com o facto de os custos da famosa temporada do bicentenário não terem sido devidamente cobertos, a tempo e horas, como deveria ter acontecido.

Posto isto, as sucessivas administrações do Teatro Nacional São Carlos foram herdando uma «bola de neve» rk.

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dívidas acumuladas que, finalmente, este ano, o Ministério da Cultura, com a colaboração do Ministério das Finanças, vai regularizar integralmente, «limpando» e pondo «no são» no Teatro São Carlos para o próximo ano.

Pôr outro lado, como sabe, havia uma situação extremamente inaceitável, sobre todos os pontos de vista: refi-ro-me à Orquestra do São Carlos que, a partir dessa extinção — sempre a considerei incorrecta e abusiva do ponto' de vista legal —, passou de uma situação contratual regular a uma situação ilegítima, em que os músicos eram contratados com recibos verdes durante nove meses, sendo ao fim desse tempo, a orquestra dissolvida, «fingindo-se» que não havia orquestra sinfónica portuguesa. Os músicos eram recontratados três meses depois, para a temporada seguinte, e pagos através de recibos verdes sem qualquer garantia de estabilidade de emprego, o que é, obviamente, inacreditável do ponto de vista da gestão artística de urna orquestra.

Assim, a partir do dia 1 de Janeiro, independentemente do figurino administrativo e institucional que se vá votar, a orquestra do São Carlos terá, pela primeira vez desde a extinção da empresa pública, contratos legais, contratos individuais de trabalho que serão sem prazo para aqueles que já passaram os três anos que a lei permite de instabilidade controlada, e a prazo para os restantes, até terem cumprido esse período. Gozarão ainda da protecção social a que têm direito e que lhes foi negada durante este período.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Orador: — O mesmo acontecerá com a Orquestra. Nacional do Porto que passou de uma colecção de músicos contratados, com contratos avulso com a Direcção--Geral de Espectáculos, a que se acrescentavam alguns outros músicos contratados pela comissão liquidatária da antiga Régie Cooperativa de Sinfonia, mais uns administrativos «escolhidos a dedo» e também contratados pela referida comissão liquidatária, que ia contraindo novos encargos em vez de pagar o que devia.

Portanto, na mesma situação, a Orquestra Nacional do Porto vai passar a ter músicos devidamente contratados, nos termos da lei, gozando de protecção e estabilidade como é de direito para qualquer trabalhador deste país.

Ora, tudo isto implica custos, como é natural. Os custos, no caso do Teatro Nacional de São Carlos, são os que resultam deste subsídio do Estado que se mantém idêntico em relação ao ano passado, no que diz respeito ao Ministério da Cultura, mas que recebe um reforço adicional, através do orçamento provisional do Ministério das Finanças, de 250 000 contos, justamente para equilibrar a situação de custos adicionais, de acertos salariais e de regularização da situação contratual das pessoas.

Acresce ainda que nada disso tem a ver com o desaparecimento de outros contributos, ou seja, qualquer que seja o modelo institucional que venha a ser adoptado, manter-se-á, certamente — essa é a nossa preocupação e o contacto com todos os mecenas actuais e potenciais aponta nesse sentido —, uma porta aberta para a participação sistemática dos outros mecenas, designadamente da RDP.

Quanto à questão da cultura popular e tradicional, colocada pelo Sr. Deputado Ruben de Carvalho e por um Deputado do PSD, é evidente que esta dimensão transministerial da cultural implica que haja outros fundos no Orçamento do Estado que cobrem igualmente a acção cultural em muitas áreas. A cultura popular é um desses

casos, visto que o INATEL, por exemplo, tem programas próprios de apoio aos ranchos folclóricos e às bandas de música.

Também as próprias delegações regionais do Ministério da Cultura administram regularmente não só as verbas de que dispõem para esse efeito como programas comunitários, através de projectos de desenvolvimento regional para esse fim. É o caso, designadamente, da Delegação Regional do Alentejo, que está a gerir, neste momento, um programa de reequipamento das bandas filarmónicas através de programas desse tipo.

Estamos a trabalhar nesse sentido, isto é, no sentido de procurar o dinheiro que existe para estas finalidades em programas de desenvolvimento regional, programas esses que podem ser geridos coordenadamente com o Ministério da Cultura, e temos obtido alguns resultados.

Existem ainda vários projectos em curso no âmbito do futuro Instituto das Artes de Espectáculo, designadamente no que diz respeito, por exemplo, ao inventário da memória gravada da música popular urbana, a projectos de investigação etno-musicológica, entre outros, que estão a ser objecto de protocolos com o Instituto de Etno-Musi-cologia da Universidade Nova de Lisboa. Por conseguinte, é, obviamente, uma matéria importante para o Ministério e que está a ser devidamente enquadrada neste quadro orçamental.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Presidente (Henrique Neto): — Há três inscrições para interpelações à Mesa: do Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan, da Sr." Deputada Maria José Nogueira Pinto e do Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

Vou dar a palavra a cada um destes Srs. Deputados, não sem, antes, solicitar que sejam muito breves, dado que ainda há muitos Deputados que não intervieram e certamente quererão fazê-lo.

A Sr.' Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): — Sr. Presidente, pretendo fazer outras perguntas ao Sr. Secretário de Estado e ao Sr. Ministro, pelo que o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan fará a interpelação à Mesa para que se inscreveu enquanto eu própria prescindo e farei uma segunda intervenção.

O Sr. Presidente (Henrique Neto): — Muito bem. Tem, então, a palavra o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan, para uma interpelação à Mesa.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): — Sr. Presidente, serei muito breve.

Na sua intervenção, o Sr. Ministro tinha dito que era sua vontade efectuarmos a tal audição parlamentar que tinha sido anunciada. Ora, apenas quero informar o Sr. Ministro de que a Comissão de Educação, Ciência e Cultura agendou uma reunião para amanhã, às 11 horas. Assim, no caso de a maior parte dos partidos darem a sua anuência, creio que amanhã à tarde os Serviços poderão informar o Sr. Ministro da data em que ficará marcada a audição para termos a tal conversa serena, calma e construtiva que o Sr. Ministro deseja e o Partido Popular também.

• Em relação ao que o Sr. Ministro disse quanto ao facto de o Partido Popular «querer» transformar o Ministério da Cultura, ou a Secretaria de Estado respectiva, numa direc-ção-geraí, peço-lhe c/escuípa mas devo dizer que não lhe

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fica bem tanta falta de rigor, pelo que, se quiser, podemos facultar-lhe o programa do nosso partido que, aliás, tenho aqui comigo para lhe entregar no fim desta reunião. No entanto, digo-lhe desde já que creio que não é sério o Sr. Ministro dizer algo que não é rigoroso, que não é verdade...

Uma voz do PS: — Sente-se!

O Orador: — Sente-se mal! O Sr. Deputado ainda não está com o feeling correcto!

Continuando, Sr. Ministro, devo dizer-lhe que a percentagem de 1% para a Cultura — e prometo que esta é a última vez que lhe falo nisto — nunca foi prometida por mim nem por qualquer colega meu no caso de chegarmos a ser governo ou se fossemos responsáveis pela pasta da Cultura. Quem prometeu, quem disse, quem «queria» era o Sr. Ministro. Por isso, perguntei-lhe qual é o objectivo para 1999 e por isso o Sr. Ministro continua a não dizer qual é.

O Sr. Presidente (Henrique Neto): — Para uma interpelação à Mesa, tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho, a quem repito a solicitação para ser breve.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): — Sr. Presidente, não se trata propriamente de uma interpelação à Mesa, pois pretendo fazer uma segunda intervenção. Assim, se houver inscrições prévias à minha, como é o caso da Sr.° Deputada Maria José Nogueira Pinto, o Sr. Presidente fará o favor de gerir as inscrições como entender.

O Sr. Presidente (Henrique Neto): — Obrigado, Sr. Deputado.

Assim sendo, dou a palavra ao Sr. Deputado Fernando Jesus.

O Sr. Fernando Jesus (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, inscrevi-me para colocar uma questão relativamente à Federação Portuguesa, de Folclore.

Como sabe, tratasse de uma instituição cuja sede é em Vila Nova de Gaia, que tem implantação em todo o território nacional — representa cerca de 1500 grupos folclóricos nacionais — e cuja actividade se estende ainda a muitos países europeus, nomeadamente a muitos dos locais onde há emigrantes portugueses. Pensamos, pois, que, no panorama cultural, esta Federação desempenha um importante papel no que diz respeito à cultura de raiz popular que é o folclore nacional.

Em 1994, a Federação fez um pedido à Secretaria de Estado da Cultura de então no sentido de obter apoio para uma sede cuja construção pretendia levar por diante e cujo projecto estava avaliado em cerca de 100 000 contos. Apesar das promessa havidas, aquela Secretaria de Estado nunca concreüzou qualquer tipo de apoio, mas, em 1996, já na vigência do actual Governo, a Federação reafirmou o pedido de apoio.

Portanto, a pergunta que faço ao Sr. Ministro é no sentido de saber se é intenção do Ministério da Cultura apoiar, e de que forma, esta insütuição, a qual tem um papel no panorama cultural português, quer as pessoas em geral sintam maior ou menor atracção por este tipo de cultura, e representa milhares e milhares de pessoas, muitas das quais jovens que assim ocupam os seus tempos livres em ■vez de se dedicarem a outro tipo de actividades, muitas vezes marginais.

Repito, pois, a pergunta que fiz no sentido de saber que tipo de apoio está previsto pelo Ministério da Cultura e, ainda, se aquela Federação poderá vir a contar com um apoio financeiro para concluir a obra que está a levar a cabo.

O Sr. Presidente (Henrique Neto): — Tem a palavra o ' Sr. Deputado Manuel Alves de Oliveira.

O Sr. Manuel Alves de Oliveira (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, queria colocar duas questões, uma das quais relacionada com o distrito pelo qual fui eleito, que já coloquei por ocasião da discussão do Orçamento que está em exercício, e que se refere ao arquivo distrital de Aveiro.

Na programação financeira para 1997, estava proposta a verba de 300 000 contos e nas GOP, igualmente para 1997, consta a obra de construção do referido arquivo distrital de Aveiro. Porém, no PIDDAC regional, aparece uma dotação de 3000 contos. Assim, gostaria de obter um esclarecimento quanto a esta disparidade de verbas, embora admita que poderá ser uma gralha de impressão.

A segunda questão é relativa ao Centro Nacional de Arqueologia Subaquática.

No PIDDAC está inscrita uma dotação de 40 000 contos para aquela obra e gostaria de saber a que se destina já que, como é sabido, no distrito de Aveiro também está em curso um projecto de arqueologia subaquática que tem tido resultados razoáveis. Gostaria, pois, de saber se há intenção de desagregar alguma verba para esse projecto.

Já agora, aproveito para dizer que não me apercebi da resposta que foi dada relativamente à orquestra regional, a Orquestra das Beiras, pelo que gostaria de conhecê-la e suscito a questão exactamente nos mesmos termos do Sr. Deputado que fez a pergunta.

O Sr. Presidente (Henrique Neto): — Tem a palavra a Sr.* Deputada Maria José Nogueira Pinto.

A Sr.° Maria José Nogueira Pinto (CDS-PP): — Sr. Presidente, Sr. Secretário de Estado, devo dizer-lhe que acho que o respeito pela História, mesmo pela pequena história que vamos fazendo, é o mais essencial de todos os actos culturais. Assim, gostaria que o Sr. Secretário de Estado não enveredasse pelo estilo, que nunca pensei que fosse o seu, de contar essa história como se fosse um fait divers. Não foi um fait divers\

Quero começar por dizer-lhe que, na altura, quem estava nos diferentes serviços da Secretaria de Estado da Cultura era quem já lá estava há muitos anos. Ou seja, a falta de qualidade ou a menor preparação dos quadros da Secretaria de Estado da Cultura, relativamente ao que foi sendo a evolução do papel do Estado face a esse mesmo objectivo, é um problema que se coloca em qualquer departamento estatal. Estavam lá todos, portanto, inclusivamente o Sr. Secretario de Estado, estava quem está à frente do Teatro S. João, estava quem está à frente do Teatro D. Maria, estava toda a gente. Trabalhei com todos e tive muito gosto nisso.

Quero, pois, dizer-lhe que não entrou praticamente ninguém de novo nem me parece que tenha saído ninguém que lá estava. Estão lá todos. É o que há e é com isso que se tem de trabalhar.

Do que discordo em absoluto é que o senhor ponha agentes culturais no Ministério da Cultura a fazerem o que considero que deve ser feito por funcionários públicos. Aí

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é que pode começar a confusão. Ou seja, a profissionalização não significa empossar agentes culturais e penso que o Sr. Secretário de Estado faz essa confusão.

Em relação às infra-estruturas culturais, quero dizer-lhe que foi um projecto que tive o gosto de promover e acompanhar e posso dizer-lhe que a grande maioria das câmaras municipais que assinaram os protocolos connosco não tinham maioria do Partido Social Democrata e muito menos do Partido Popular mas, sim, do Partido Comunista, porque, sendo muito eficazes, conseguiam apresentar programas capazes e cumprir os prazos, e também do Partido Socialista, bastante menos eficazes, devo dizer. Isto está tudo escrito, registado, portanto. Não são fantasias, são coisas que existem e que estão registadas.

Visitei o Teatro Viriato numa manhã muito fria e devo dizer que este foi, desde o princípio, uma obra impossível mas que estava em curso. Assim, na linha do sentido de responsabilidade de quem chega e herda o que os outros deixaram — porque a História é uma continuidade —, fez--se ao Teatro Viriato o que foi possível fazer, pelo menos enquanto eu própria assumi a pasta. Era uma obra disparatada, impossível, durante cuja execução houve muitas dificuldades técnicas, mas que foi tratada com todos os critérios de racionalidade a que certamente todos estamos obrigados.

Em termos orçamentais, considerando que as companhias de teatro são entidades com personalidade jurídica, chama-se um subsídio. Portanto, não estou a falar em «subsídio-dependência», nem do ponto de vista da linguagem cultural nem jornalística. E orçamental; estamos a discutir o Orçamento. É uma transferência a que se chama subsídio.

Portanto, quando lhe digo que as companhias de teatro concorrem, há uma transferência do orçamento do Ministério para elas, transferência essa a que se chama subsídio. Esse subsídio é dado a uma entidade que tem personalidade jurídica, a uma entídade própria, que o gere dè acordo com as condições que lhe foram impostas e não vejo que haja qualquer distinção entre isto, aquilo ou aqueloutro. É minha convicção que as verbas não podem ser do PIDDAC.

Quero ainda dizer-lhe que considero surpreendente o que me disse em relação ao Teatro São Carlos. O orçamento de que este teatro dispunha parece que era suficiente, o problema era laboral. Como o senhor muito bem sabe, nunca a Fundação do Teatro São Carlos teve qualquer intenção de ter uma orquestra de funcionários públicos de má qualidade, que era o que havia, nem de ter uma orquestra de pessoas sem estabilidade laboral. Não foi essa a intenção nem foi isso que ficou feito até ao momento da minha saída.

Não vale a pena mudar a natureza jurídica de uma instituição para dar estabilidade laboral aos respectivos trabalhadores. Esta estabilidade consegue-se — felizmente! — num Estado de direito e num país democrático através de variadíssimas formas que não essa.

Diz-me que recebe 250 000 contos do Ministério das Finanças para o Teatro São Carlos. Não sei como! Gostaria de saber como, porque considero isso verdadeiramente surpreendente. Não se tratando de uma empresa pública, como é que o Ministério das Finanças concede um subsídio de 250 000 contos — também neste caso se chama tecnicamente subsídio —, à margem do orçamento do Ministério da Cultura? Não consigo compreender.

Devo dizer que ninguém respondeu à pergunta que fiz quanto à percentagem da publicidade para o audiovisual.

o que lamento. Ninguém me explicou de onde vem o reforço financeiro para o Fundo de Fomento Cultural. Sabemos para onde vai mas não sabemos de onde vem. Igualmente ninguém me disse absolutamente nada sobre as itinerâncias.

Relativamente à questão de as normas serem claras, devo dizer que o Sr. Secretário de Estado ainda terá de trabalhar um pouco mais para torná-las tão claras quanto eu própria tentei fazer. Isto porque, em 1996, o Sr. Secretário de Estado distribuiu quase um milhão de contos a companhias de teatro com base num despacho do Dr. Santana Lopes, despacho esse que já estava a ser revisto pelo próprio e por mim e que, portanto, era um despacho que nós já questionávamos mas que o senhor utilizou plenamente para entregar um milhão de contos a companhias de teatro.

Por fim, em matéria de transparência de critérios e de trabalho com os agentes culturais para criar uma ligação que fosse digna de ambas as partes, aconselho-lhe ainda mais um ano de trabalho para chegar ao ponto a que eu própria cheguei.

O Sr. Presidente (Henrique Neto): — Tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, Sr. Secretário de Estado, não queria fazer impender sobre este debate acerca do orçamento para a Cultura algum cunho boémio que levasse a acabarmos a reunião só por volta da meia-noite... Como tal, vou ser o mais rápido possível.

Em primeiro lugar, o Sr. Ministro disse que os problemas que eu tinha suscitado tinham a ver essencialmente com o IPPAR, o que não é verdade. Os problemas que suscitei têm a ver essencialmente com o Orçamento do Estado e com o PIDDAC. O Sr. Ministro disse mesmo algo que reconhecerá que é inquietante.

Não tenho quaisquer dúvidas, possivelmente nenhum de nós terá dúvidas, de que o IPPAR herdou talvez â mais complicada situação no quadro do Ministério da Cultura, seguramente; mas eu até irei um pouco mais longe, porque não sei se, no conjunto do aparelho de Estado, haveria situações tão complicadas como era a do IPPAR — ninguém tem dúvidas a esse respeito, só que o Sr. Ministro concordará que isto tem de se resolver com lisura e com transparência. E não me parece, compreenden-do-se embora que haja necessidade de proceder a transferências de verbas, que haja necessidade de reformular projectos, etc. Contudo, em determinada altura, aparecer uma taxa de execução do PIDDAC de praticamente 100%, com obras que não foram realizadas, de certa forma, isto introduz um elemento de dúvida sobre o Orçamento do Estado e sobre a sua execução passada e futura que não é positiva.

O Sr. Ministro não me respondeu a uma questão de fundo, que é a da diminuição dos fundos comunitários na cultura, nomeadamente em termos de PIDDAC, que não é um problema menor: é um milhão de contos menos do que no ano passado e um milhão e meio menos do que o previsto. Em relação às questões da cultura popular, gostaria de chamar a atenção para dois aspectos: não tenho qualquer tipo de dúvidas de que o Ministério da Cultura vá celebrando ao longo do seu trabalho acordos e projectos pontuais com entidades A, B e C, e não tenho sequer a mais pequena dúvida de aceitar que o fará criteriosamente e. recorrendo, sob o ponto de vista académico, a

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provas dadas e a curricula capazes. Não é essa a questão que está em causa, e parece-me pouco sério e pouco consistente repetir a questão do INATEL. O ano passado, quando levantei este problema na discussão do Orçamento do Estado, não sei se foi o Sr. Ministro ou o Sr. Secretário de Estado que terá citado a questão do INATEL; este ano, tive o cuidado de ver, de ponta a ponta, o orçamento do INATEL e, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, é evidente que não é com o orçamento do INATEL que os problemas essenciais da cultura popular portuguesa e da sua cultura tradicional se resolvem. Aquilo que me parece,-acima de tudo, importante é que este tipo de projecto, este trabalho seja objecto de uma clara intervenção que não se reduza à acção corrente do Ministério, celebrando um acordo de investigação etno -musicológica com a Universidade Nova, celebrando mais tarde um acordo de qualquer outro tipo de apoio de recuperação, por exemplo, de registos fonográficos antigos, etc. Ou há um projecto capaz, com cabimento orçamental, que abranja não apenas uma ou outra entidade académica dispersa mas o conjunto da comunidade cientifica portuguesa nessa área, e o conjunto das actividades interventoras que, como o Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado sabem, largamente ultrapassam a área académica (não dou qualquer novidade porque quer o Sr. Ministro quer o Sr. Secretário de Estado são ambos docentes e sabem perfeitamente que a componente dos designados eruditos locais na investigação etnográfica e no levantamento de cultura popular é determinante) e, repito, se não há um programa, se não há atenção, se não há cabimento orçamental — e aqui o tempo funciona claramente contra nós — podemos, daqui a alguns anos, não ter cuidado de um património que, entretanto, se perdeu.

Para acabar, Sr. Ministro, a questão dos descontos na colecta do IRS: Sr. Ministro, eu até concordo com o Sr. Ministro das Finanças quando ele diz que não se fazem reformas fiscais com Orçamentos do Estado — não me parece que isto seja questionável — e não estou a pedir que o«Sr. Ministro corresponda a esse anseio nb Orçamento do Estado; pretendo apenas que me afirme a vontade política, se mantém ou não mantém a vontade política de fazê-lo e qual foi o resultado de um ano de trabalho entre o Ministério da Cultura e o Ministério das Finanças acerca desse assunto, ano de trabalho que foi anunciado em Janeiro deste ano. Finalmente, ficou também no esquecimento a pergunta que foi formulada acerca da articulação com a Expo 98, mas, como ainda falta um ano, teremos talvez ainda oportunidade de voltar a falar do assunto, ta)vez sem resultados mas com argumentos.

O Sr. Presidente (Henrique Neto): —Tem a palavra o Sr. Deputado José Niza.

O Sr. José Niza (PS): — Sr. Presidente, Sr. Ministro da Cultura, Sr. Secretário de Estado, gostaria de começar, pela nossa parte, por tranquilizar o Sr. Ministro em relação ao futuro do Ministério da Cultura porque penso que a questão que aqui foi colocada é apenas uma projecção freudiana que tem a ver com um problema de fundo eleitoralista ou eleitoral: o PS fez uma travessia muito longa e recordo que regressámos dos 19% para chegar aqui, onde estamos hoje; e como o PSD ainda não conseguiu chegar aos 19%, tenho a impressão de que vai ter de esperar algum tempo para a desejada recuperação. Penso que o Sr. Ministro não tem razões para preocupações nesta ma\èm.

Gostaria de colocar três questões muito concretas, que me preocupam, a primeira das quais tem a ver com a questão do património, não do património de que habitualmente se fala, o património das pedras e dos museus, mas do património musical: gostaria de recordar que existem gravações de discos (e estou a falar, fundamentalmente, do património fonográfico) há muitas dezenas de anos em Portugal e as fitas magnéticas têm o seu prazo de validade; tenho acompanhado, de há muitos anos, o que se passa nestas áreas. Conheço uma fonoteca onde está, talvez, mais de 50% do património da música portuguesa gravada desde sempre, e tenho um medo terrível de que, . um dia, aconteça aquilo que já aconteceu ao Chiado ou, agora, à Câmara Municipal de Lisboa. E lembro-me de uma história que se passou comigo, quando eu era Director de programas da RTP: um dia, às 7 horas e 30 minutos, telefonou-me o Director da Cinemateca da RTP dizendo que as latas dos filmes estavam a boiar numa cave de um prédio da Rua da Lapa! Nesse momento, estavam em causa anos e anos da única produção televisiva portuguesa que, nessa altura, era feita, como sabem, em filme. Em três dias, arranjou-se, no Prior Velho, um armazém onde ainda hoje estão as fitas, felizmente mais bem conservadas. Penso que, embora este seja um património privado, isto fundamentalmente tem a ver com duas editoras portuguesas: tem a ver com o património da Valentim de Carvalho e com o património que, actualmente, está disponível na Movieplay portuguesa, que agrupou um conjunto de editoras que tinham essas gravações. Portanto, são praticamente duas editoras que estão em causa mas penso que essas editoras, embora o património seja privado, têm de ser apoiadas pelo Estado porque, independentemente de acontecer uma desgraça, um incêndio, a verdade é que as fitas têm uma durabilidade limitada como, aliás, acontece com o vídeo e esse património hoje já é difícil de recuperar, mas é fácil de transferir uma vez que existe o sistema digital que permite a conservação desse património. Penso que esta é uma prioridade da cultura portuguesa. Sei que não é muito caro — e isto é importante — e penso que é um trabalho que terá de ser feito urgentemente.

A segunda questão (e apraz-me dizer isto) tem a ver, sobretudo, com o Sr. Dr. Vieira Néry porque se trata da guitarra portuguesa e ele é filho de um dos maiores guitarristas que Portugal teve até hoje: quando ouvimos os construtores de guitarras a dizer que estão a desaparecer, a dizer que não têm condições, eu fico preocupado se o único instrumento português, que temos em termos de ex libris musical, deixar de ser construído, se a guitarra deixar de ter escolas de música e se não se promover esta riqueza e este património — e ficaria muito triste se, daqui a 10 ou 20 anos, não houvesse um construtor de guitarras em Portugal. Penso que esta também é uma prioridade e penso que todos percebem que, da mesma maneira que os cabo-verdianos têm a morna ou que os espanhóis têm o flamengo, ou que os americanos têm o jazz (e não só os americanos), nós temos b fado e isso é uma riqueza inestimável — e o suporte instrumental do fado é a guitarra! Portanto, penso que há muita coisa a fazer nesta matéria e também é uma prioridade porque essas pessoas, esses construtores precisam de ser apoiados.

Finalmente, uma referência à questão do apoio à criação, que o Sr. Ministro referiu na sua primeira intervenção: vou deixar aqui um número, que seguramente ninguém conhece, que obtive da Sociedade Portuguesa de Autores há muito pouco tempo e que está relacionado com um debate que vamos ter aqui acerca da cópia privada;

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pedi ao Dr. Luís Francisco Rebelo que me desse algumas informações (aliás, foi a primeira vez que a Sociedade Portuguesa de Autores foi obrigada a fazer esse estudo, porque nunca se tinham lembrado disto) e vou deixar aqui um número que, realmente, é preocupante e atesta bem o que é a área dos criadores, dos autores, dos escritores, dos pintores, etc. — em matéria de direitos de autor, 65% dos cerca de 14 000 inscritos na Sociedade Portuguesa de Autores, recebem anualmente, menos do que um salário mínimo! Isto significa que dois terços dos nossos criadores, nas mais vastas áreas, recebem uma média de quatro contos por mês! Isto é um número que aterra qualquer pessoa! Na outra ponta, existem 6% que recebem anualmente mais de 1000 contos; isto é, uma pessoa que receba, por hipótese, 1200 contos por ano, recebe cem contos por mês — e estes são os tais 6% dos grandes criadores, dos grandes escritores, dos grandes músicos! Obviamente que há excepções, obviamente que não está aqui incluído um José Saramago ou um Herman José — mas esses são o tal 0,5% que lá existe. Mas 6% e apenas 6% ganham anualmente mais do que 1000 contos. Portanto, quando se fala de apoio à criação, temos de saber em que terreno é que estamos a trabalhar porque temos de saber que estamos a trabalhar com estes criadores e com estas condições de trabalho — não estamos a trabalhar, como acontece noutros países, numa situação em que estes apoios sejam mais impulsos do que propriamente apoios de base; aqui, trata-se de apoiar quase para sobreviver.

São questões muito práticas que penso que estão nas preocupações latentes do Governo mas, às vezes, não estio nas preocupações do dia-a-dia porque há muita coisa que se decide bem gerindo mal. Voltando à questão da guitarra portuguesa, sendo o dinheiro pouco, se me derem a escolher entre fazer um grande apoio à guitarra portuguesa ou encomendar uma ópera ao Philip Glass, obviamente que o Philip Glass fica na lista de espera!

Eu terminaria por dizer o seguinte, Sr. Ministro: tive a felicidade de conhecer o Jacques Lang, estive várias vezes com ele, designadamente quando estive na televisão, e, para acentuar e sublinhar aquilo que há pouco foi dito, se hoje se for a França perguntar aos franceses qual é o Ministro dos últimos 15 ou 20 anos de quem eles se lembram, eles dizem «Jacques Lang» e, antes, lembravam-se do André Malraux; o que eu desejaria ao Sr. Ministro é que, daqui a 15 ou 20 anos, quando perguntassem aos portugueses quem era o Dr. Manuel Maria Carrilho, eles soubessem quem era.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Presidente (Henrique Neto): — Tem a palavra a Sr." Deputada Maria Luísa Ferreira.

A Sr.° Maria Luísa Ferreira (PSD): — Sr. Presidente, Sr. Ministro, desiludidos pelas expectativas criadas, consideramos fraca a aposta feita no sector da cultura. De facto, consideramos insuficiente o reforço deste Orçamento do Estado, ao contrário do Sr. Ministro que, por aquilo que ouvimos há pouco, o considera bastante, quiçá mesmo invejável para outros países da Europa, com realidades com certeza bem diferentes da nossa. Quanto aos documentos de análise que têm vindo a ser-nos apresentados pelo Governo, alguns mesmo entregues nos últimos minutos e com números sucessivamente alterados, outras com análises comparativas que não consideram os fundos comunitários, registamos o seu pouco rigor e fiabilidade.

Assim acontece, por exemplo, em relação às dotações propostas para as Delegações Regionais do Alentejo e Algarve que, apesar de substancialmente inferiores ao total global de 1996, são-nos apresentadas como tendo um aumento de 100%.

Sr. Ministro, de 1996 conhecemos nós os fundos comunitários e as respectivas contrapartidas nacionais, mas nada vemos sobre contrapartidas nacionais para 1997. Por que razão, Sr. Ministro, não as considerou?

Ainda no tocante a delegações regionais, vai ou não ser reforçada a intervenção destes organismos, tendo em vista as suas novas competências orgânicas? Que actividades vão elas desenvolver? Qual vai ser o seu papel?

O Sr. Presidente (Henrique Neto): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando Pereira Marques.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): — Obrigado, Sr. Presidente.

Sr. Secretário de Estado, Sr. Ministro: Quero fazer algumas considerações um pouco gerais, já que a hora vai adiantada e a minha tentação seria mais convidar todos para irmos jantar. Não que eu tencione pagar-vos o jantar, mas, enfim...

De qualquer maneira, quero só sublinhar que, contrastando com o debate de orçamentos de outros anos, o debate do deste ano subiu de nível, nomeadamente no que se refere aos contributos dados pelos membros do Governo. Sente-se que existe agora a visão de um projecto adoptado e a prosseguir, que existem, naturalmente, divergências por parte das diversas forças aqui representadas, que existem pontos de vista que talvez sejam controversos, mas que existe também consistência, e esse aspecto importa ser aqui realçado no seu contraste, como disse, com os debates de anteriores orçamentos em anteriores contextos.

De qualquer modo, penso que numa perspectiva de futuro quanto ao que importa fazer tanto no âmbito da política cultural como no quadro do interesse nacional, convém que nos libertemos de heranças do passado, não só de heranças do ponto de vista administrativo ou financeiro mas também das que dizem a concepções, a visões das coisas, das políticas e da própria cultura, no contexto da sociedade em que vivemos. E esse libertar de heranças também passa por nos libertarmos de outras heranças que, por vezes, até são externas à nossa própria realidade nacional.

Passaram novamente por aqui os fantasmas do André Malraux e do Jacques Lang. Eu estive a semana passada em França, onde o André Malraux estava bastante «badalado» — tudo o que ele escreveu está a ser reeditado —, e li até um artigo no Le Monde que fazia um balanço, fundamentado em números, do que foram tanto a acção do André Malraux como a do Jacques Lang. Obviamente que o André Malraux correspondeu a um tempo, a uma conjuntura, a um determinado contexto histórico e cultural em França, um país que, aliás, tem as suas características próprias, assim como o Jacques Lang.

Srs. Deputados, convém que, cada vez mais, consigamos reflectir em torno das nossas especificidades nacionais, o que não quer dizer que não tenhamos muito a aproveitar neste domínio — antes pelo contrário — com as realidades de outros países.

Neste sentido, uma das coisas que, em minha opinião, importa aqui superar, é a visão — e eu que acho que ela ainda predomina — de que quando se fala da política cul-

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tural se fala, sobretudo, dos agentes culturais e dos criadores, quando, na óptica do Estado e do poder político, ao falar-se de política cultural tem de falar-se numa política cultural a traçar e a definir no interesse dos cidadãos, que são uma entidade muito mais ampla do que essa dos criadores e dos agentes culturais. E aquilo que eu ainda sinto esbatido, mas que espero que este Governo comece a concretizar num futuro próximo, é toda uma série de elementos de articulação entre a política cultural e uma componente da educação, o ensino artístico, que eu considero fundamental, fulcral, como igualmente fulcral é uma outra componente, que terá até formulações que não são aquelas que eu partilho. Estou a referir-me à cultura popular, à cultura tradicional e a outras manifestações desse tipo, que importa também equacionar no âmbito da política cultural, na medida em que, sem esta componente de um ensino artístico inserido, enraizado profundamente no nosso sistema educativo e na nossa realidade nacional — o que existe nas áreas da música, do teatro e nos mais diversos domínios são as práticas amadoras —, sem que isso tudo se articule com uma acção do Govemo em termos centrais, não se formarão novos públicos e toda essa acção cultural corre o risco de ficar circunscrita aos públicos urbanos e a certas elites privilegiadas desses mesmos meios urbanos.

Peço desculpa se, a estas horas da noite, fiz esta reflexão, mas queria de qualquer modo, relevando e sublinhando as minhas palavras iniciais, deixar aqui esta mensagem.

Sr. Presidente (Henrique Neto): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Cesário.

O Sr. José Cesário (PSD): — Muito obrigado, Sr. Presidente.

Sr. Ministro, antes de mais deixe-me dizer-lhe que acho que vou desiludi-lo, porque não vou citá-lo. Aliás, penso que hoje citaria com mais facilidade alguns aspectos da intervenção do Sr. Deputado Fernando Pereira Marques, cujo tom crítico registámos devidamente, o que, aliás, é

sintomático de alguma coisa.

Em segundo lugar, deixe-me dizer-lhe o seguinte: que não fique aqui a ideia de que o meu partido ou o Sr. Deputado Castro de Almeida são contrários à existência do Ministério da Cultura. Para nós o que é claro é que o Ministério da Cultura tem de existir não nas palavras e nos discursos mas, fundamentalmente, nas acções e nas obras.

Ora aquilo que nós observamos, de uma forma clara e concreta, olhando para os números e para as acções — e sobretudo se fizermos uma análise comparativa com o crescimento dos orçamentos de outros ministérios —, é que, hoje, ainda não há Ministério da Cultura. E estes são os factos! Aliás, o próprio Governo reconhece — e já tive a oportunidade de salientá-lo no debate na generalidade —, na classificação funcional das despesas do Estado, que a função respeitante aos serviços culturais baixa de 1996 para 1997. São os dados do Ministério das Finanças, Srs. Deputados !

Portanto, independentemente dos números que hoje o Sr. Ministro nos fornece, que nós damos como bons mas que registamos serem diferentes tanto dos que nos apresentou aquando da discussão, na generalidade, do Orçamento do Estado como dós que vêm na proposta de lei, da responsabilidade do Ministério das Finanças — e os números falam por si —, queremos deixar claro que nos batemos — eu, pessoalmente — pela existência de um ver-

dadeiro Ministério da Cultura e que estamos consigo nos esforços que possa fazer nesse sentido. Que não haja dúvidas sobre isto.

Em terceiro lugar, deixe-me dar-lhe um conselho, sê é que isso é legítimo. Sr. Ministro, acho mau que o Governo, para explicar devidamente, por exemplo, como o Sr. Ministro diz, a política do cinema e do audiovisual, esteja a aguardar pelo estímulo da interpelação de um partido da oposição. O Governo pode fazê-lo em qualquer momento, senão isso seria uma mera reacção «pavloviana», e eu acho que este Governo tem toda a legitimidade para explicar o que quiser e quando o entender.

Risos do PS.

E vamos agora às questões locais.

O Sr. Ministro fez aqui uma afirmação com a qual não posso concordar, a de que o Teatro Viriato foi abandonado depois da saída do seu pai da Câmara Municipal de Viseu.

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): — Do seu pai?!...

O Orador: — Sim, exactamente.

Sr. Ministro, é injusto que o diga, porque o senhor sabe perfeitamente que o Teatro Viriato foi concluído, com sacrifícios, pela actual Câmara Municipal, que ele está acabado em termos de obra e que, neste momento, apenas lhe falta o equipamento.

Devo dizer-lhe que sou das pessoas que, embora considerando esta obra polémica, não tenho qualquer espécie de dúvida em estar com o antigo presidente da Câmara Municipal de Viseu, Manuel Engrácio Carrilho, e reconhecer que o Teatro Viriato fazia — e faz — parte da História da cidade, que é património comum da nossa terra e que tinha de ser valorizado. Agora é injusto dizer que a actual Câmara abandonou o teatro. E, Sr. Ministro — isso é muito claro —, o Governo será julgado por apoiar ou por não apoiar a aquisição do equipamento do teatro. E é isto o que vai estar em causa. Por mais que os senhores procurem descobrir subterfúgios e desculpas com concursos ou com meios concursos, os senhores ou apoiam ou não apoiam, e é isso o que vamos ver no final. E eu devo dizer, sem qualquer demagogia, que desejo sinceramente que apoiem, por todos os motivos e mais alguns.

Quinta questão: para gáudio do Sr. Deputado do CDS-PP, que já cá não está, vou falar-lhe outra vez em S. João de Tarouca, depois de o ter feito aquando da discussão na generalidade. E vou fazê-lo apenas porque a questão que lhe coloquei foi a que o Sr. Deputado Miguel Ginestal há pouco referiu, ou seja, perguntei-lhe, exactamente, onde é que estavam, no Orçamento, as verbas para a recuperação do convento de S. João de Tarouca.

Como o Sr. Ministro me remeteu para as verbas destinadas ao equipamento religioso fui verificá-las e constatei

que os montantes destinadas pelo seu ministério, para o ano de 1997, ao equipamento religioso somam 80 000 contos, e que até 1999 estão-lhe atribuídos apenas mais cerca de 300 000 contos. Como o compromisso público que o Governo assumiu foi o de um esforço financeiro de 500 000 contos em Tarouca, confesso que continuo a não saber — e a ter profundas dúvidas — onde estão as verbas para a recuperação do convento de S. João de Tarouca. Assim, insisto nesta questão.

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Finalmente, relativamente à Orquestra das Beiras deixe-me dizer-lhe que se a questão do arranque da Orquestra das Beiras depende apenas da nomeação do seu maestro pelo Governo, sugiro-lhe o seguinte: nomeie1 o Sr. Deputado Miguel Ginestal, porque em matéria de música ele é um especialista.

Risos do PS.

O Sr. Presidente (Henrique Neto): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Fernando de Sousa.

O Sr. Fernando de Sousa (PS):—Sr. Presidente, Sr. Ministro da Cultura, Sr. Secretário de Estado: A hora vai adiantada e eu vou fazer apenas uma outra consideração, começando por comentar a expressão de crítica que aqui foi referida pelo Sr. Deputado José Cesário'a propósito de um Sr. Deputado do PS.

A crítica que, eventualmente, esse Sr. Deputado possa ter apresentado foi uma crítica construtiva, ou seja, os Deputados do PS não vão unicamente no sentido de elogiarem ou de vangloriarem o Governo, vão também no sentido, muitas vezes, de pôr-lhe questões pertinentes sobre as matérias que estão em causa. Portanto, não houve aqui qualquer crítica negativa, houve apenas uma crítica construtiva relativamente a esta matéria.

Mas um dos temas aqui debatido foi o da existência ou não do Ministério da Cultura.

De facto, os Srs. Deputados Castro de Almeida e José

Cesário chamaram, várias vezes, a atenção para o problema da existência ou não do Ministério da Cultura, porque parece que estão saudosos da Secretaria de Estado que existiu durante os governos do PSD.

Ora, começarei por dizer que, mesmo no plano simbólico da valorização da cultura, não é despiciendo que quando o PS foi governo e quando agora volta agora sê-lo, a cultura passasse a ter a dignidade de um ministério è não a de uma secretaria de Estado, porque, na verdade, as secretarias de Estado foram sempre constituídas pelo PSD e os ministérios da Cultura foram sempre apresentados pelos governos do PS.

Gostaria também de dizer que a existência ou não do Ministério da Cultura depende menos do Orçamento do que das políticas culturais que são desenvolvidas e a verdade é que a situação da cultura em Portugal, nos últimos anos, não era famosa e quando este Governo tomou posse ela era não direi catastrófica mas aflitiva.

Não vamos agora falar das razões disso, mas a verdade é que essa situação obrigou a um trabalho sério por parte desta equipa do Ministério da Cultura, no sentido da constituição de novas orgânicas, da definição de leis, do aparecimento de novas equipas e da definição de objectivos concretos para uma política cultural.

Portanto, os orçamentos são o que são; são instrumentos para se alcançarem as políticas que se desejam em termos sectoriais.

Certamente que todos gostaríamos que o orçamento da cultura fosse mais elevado, mas, mais importante do que isso, Sr. Deputado José Cesário, é, para nós, a definição clara de uma política de cultura, que está a ser desenvolvida por esta equipa. Por isso, congratulamo-nos com o trabalho que está a ser feito nesta matéria.

O Sr. Sílvio Rui Cervan (CDS-PP): — Muito bem!

O Sr. Presidente (Henrique Neto): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Castro de Almeida.

O Sr. Castro de Almeida (PSD): — Srs. Membros do Governo, o que eu disse, e está registado, na minha intervenção inicial, foi que o simbolismo associado à criação do Ministério da Cultura não teve tradução prática, pois até hoje ficámos pelo simbolismo.

O simbolismo, de facto, nós reconhecêmo-lo; falta é a tradução prática e isto' quer dizer que não pode voltar a haver apenas simbolismo. Num próximo governo não haverá qualquer gesto simbólico de criação do Ministério da Cultura e, na verdade, a prática deste Ministério da Cultura desilude as pessoas, os Deputados do PSD e os da restante oposição e também — estou seguro disso — o Sr. Ministro e o Sr. Secretário de Estado da Cultura, pois se o senhor dizia que o orçamento da cultura era um dos que teria de subir nos próximos anos e o vê descer...

O Sr. Ministro da Cultura: — Não desce, sobe!

O Orador: —o senhor tem de estar desiludido!

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): — Não sobe tanto quanto nós queríamos, mas sobe!

O Orador: — Não, não! Assentemos no seguinte: comparando o orçamento inicial para 1996 com o orçamento inicial para 1997 o orçamento da cultura cresce 1,9%, mas se a inflação é superior, então, o orçamento decresce, como é óbvio. Não há duas formas de fazer estas contas...!

Portanto, o Sr. Ministro há-de ser o primeiro dos insatisfeitos. Se o senhor não está, nós estamos!

De facto, repito, o acto simbólico da criação do Ministério não foi acompanhado das medidas práticas-de fomento e de apoio à acção cultural no País conforme é visível.

Correspondendo ao apelo que já aqui foi feito eu receio que, de facto, por este andar, o Sr. Ministro da Cultura não fique na história como tendo sido o protagonista, o agente, o rosto visível de alguém que modificou o panorama cultural do País, e nós, porventura, precisamos disso.

Se os senhores fizerem uma sondagem, seja em que meio for, no povo anónimo ou os meios culturais, ninguém vai dizer que o Ministro da Cultura está a modificar o panorama cultural do país conforme foi prometido.

Por outro lado, há aqui um dado importante que é o seguinte: o Sr. Ministro não disfarçou a irritação pelo facto de ouvir as suas próprias palavras.

Sr. Ministro, há duas formas de avaliar a acção dos ministros: uma, pela obra que fazem; outra, por aquilo que dizem, pelo dinamismo que conseguem impor e pela sedução que provocam nos meios onde actuam. Ora, o que o Sr. Ministro disse, as suas palavras, vão persegui-lo até ao fim da legislatura e, ao contrário do Deputado Sílvio Rui Cervan, eu prometo não me esquecer delas. Por isso, o Sr. Ministro fica advertido, se isto lhe der jeito, de que em próximas sessões deste tipo, eu recordar-lhe-ei as suas palavras.

De facto, o Sr. Ministro disse que o orçamento da cultura era um dos que tinha de crescer mais e quis sublinhar que «mantenho como objectivo do Ministério a duplicação de verbas no termo da Legislatura», acrescentando que «em meu entender não é impossível que esse objectivo se venha a atingir».

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Foi isto que o senhor disse, portanto temos de confrontá-lo com as suas próprias palavras, com a sua ambição e com a expectativa que criou nos portugueses, pois é esta a nossa função, Sr. Ministro.

Aliás, Sr. Ministro, percebo que tenha ficado irritado por ter citado as suas próprias palavras, mas a solução não é atacar os Deputados da oposição e dizer o que esses Deputados não disseram. De facto, ninguém aqui me ouviu defender a extinção do Ministério da Cultura... Nós queríamos era que o acto simbólico da criação do Ministério da Cultura tivesse tradução prática.

Sr. Presidente, pedi a palavra para recordar ao Sr. Ministro que não me respondeu a uma questão, que eu reputo importante, a propósito da Biblioteca da Covilhã, certamente por não ter tomado nota ou por ter pensado que o Sr. Secretário de Estado iria responder.

Em todo o caso, a verdade é que eu gostaria de saber por que é que agora, que foram adjudicadas as obras, foi retirado do orçamento do Ministério o apoio a esta construção.

O Sr. Presidente (Henrique Neto): — Para dar esclarecimentos finais, tem a palavra o Sr. Ministro da Cultura.

0 Sr. Ministro da Cultura: — Srs. Deputados, procurando ser breve, dado o adiantado da hora e porque, penso, estão todos com vontade de ir jantar, creio ser possível responder a todas as questões que me foram colocadas.

Srs. Deputados, foi anunciada uma interpelação há seis meses...

O Sr. Fernando Pereira Marques (PS): — Uma audição em comissão!

O Orador: — Ah, é uma audição! Mas tinha também sido anunciada uma interpelação à política cultural do Governo, o que, de qualquer modo, é um bocadinho diferente... Mas já lá vão seis meses...

Entretanto, foram anunciadas outras coisas, como por exemplo, a apresentação de um projecto de lei sobre o cinema e o audiovisual, um pacote para as indústrias da cultura e outras coisas, que, entretanto, dado o Verão «tempestuoso» que teve o PP, foram caindo no esquecimento.

Há pouco, quando referi que o PP defendia não a criação do Ministério da Cultura mas a sua transformação numa direcção-geral, fazia um uso da linguagem — ao contrário da ausente Deputada Maria José Nogueira Pinto, que pensa que a linguagem é objectiva, eu creio que não há nada de mais subjectivo e, sobretudo, nada que nos permita ser mais criativos — no sentido lato do termo e no sentido mais metafórico sobre a importância que eu verifico, e acabei mais uma vez de verificar, ao ler o programa do seu partido, que o PP dá à cultura.

Atendendo a isso, eu referi, não no sentido exacto e próprio do termo, que o PP gostaria de ter uma direcção-geral... De resto, o PP começa logo por dizer no seu programa que integrará a cultura no Ministério da Educação, Formação e Emprego, o que revela a importância que dá à cultura...

Passando a coisas mais importantes e deixando a questão do 1% pairar neste Plenário hoje e nas próximas Legislaturas, responderei a algumas das questões que foram focadas deixando outras para o Sr. Secretário de Estado responder.

Questões concretas foram levantadas algumas, nomeadamente a relativa ao Arquivo Distrital de Aveiro. De

facto, com as limitações existentes e dentro da política do Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo tivemos de fazer «deslizar» o Arquivo Distrital de Aveiro para 1998 por forma a podermos concluir os Arquivos de Leiria, de Faro e de Bragança que vamos terminar no próximo ano.

É a situação que assumimos e o Arquivo de Aveiro será o primeiro dos arquivos seguintes em que o Instituto dos

Arquivos Nacionais/Torre do Tombo intervirá.

Sr. Deputado Ruben de Carvalho, penso ter respondido às questões levantadas,, mas como o senhor reinsiste nalgumas, nomeadamente na da questão da taxa de execução de programas que foram reafectados, acrescentarei que a situação só se poderá ver caso a caso. Seja como for, ela tem muito a ver com situações onde havia programas que eram manifestamente impraticáveis, como o caso de Sagres, onde se procurou salvar essas verbas e utilizá-las noutras obras. Aliás, isso foi tudo assumido, claramente, através dos processos normais de transferência para outras obras.

Quanto à questão da diminuição da participação comunitária, há dois ou três aspectos a ter em conta: em primeiro lugar, houve programas que se concluíram; em segundo lugar, houve um conjunto de opções no domínio do património por acções que não são candidatáveis e que, portanto, diminuem a participação comunitária; e, em terceiro lugar, há um caso que engana muito e que é o de haver participação comunitária que não está no orçamento da cultura e que é de cerca de 1,5 milhões de contos no caso da Fundação Serralves.

Estes três pontos, penso, explicam a diminuição ou a situação do que respeita à participação dos fundos comunitários.

Em relação à questão dos incentivos fiscais e à Expo 98 estamos a trabalhar, pois, como sabe, no Comissariado da Expo 98 estão representantes de vários ministérios, no sentido de procurar, nomeadamente no caso do Ministério da Cultura, sinergias diversas com a programação que se prevê, para esse período do ano de 1998.

Assim, estamos a pensar, muito seriamente, em levar vários acontecimentos aí em exposição a vários sítios do País e em aproveitar e apostar no turismo que haverá nessa altura. De facto, isto implicará intervenções em alguns locais, que não terão de ser de grande monta, demasiado visíveis, nem todas, desde já, indicadas. Em todo o caso, posso referir, por exemplo, o Museu do Azulejo onde se está já a pensar numa intervenção em função da sua proximidade com o local da Expo 98.

As questões colocadas pelo Sr. Deputado José Niza penso que serão abordadas pelo Professor Vieira Nery. Em todo o caso, agradeço muito a comparação, mais do que exagerada, que fez com Jacques Lang e aproveito para subscrever um pouco as palavras do Deputado Fernando Pereira Marques, nas quais sinto sempre alguma crítica, mas crítica convergente — que é uma actividade que nós há muitos anos praticamos —, sobre a diferença que há de contexto e do modo como convém ser lúcido quando se fazem comparações entre países e momentos da História diferentes.

E quer falemos em Lang ou em Malraux — e foi isso que quis referir quando falei da tradição de André Malraux — ou se tivermos em atenção a entrevista que Chi-rac deu ao Le Figaro este fim-de-semana — convido os Srs. Deputados do PSD a fazerem a sua leitura— ou ao discurso que ele fez, justamente, na cerimónia de sábado passado percebemos a importância que se dá ao Ministério da Cultura e à sua acção em França e, felizmente, em muitos outros países da Europa.

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O que o PSD não quer assumir é que, com efeito, nunca foi ele, como foi hoje lembrado, o autor dessa proposta, a de criar o Ministério da Cultura. De resto, hoje, desafio os Deputados presentes a assumirem, uma vez que sejam poder, o Ministério da Cultura e até o 1 % que tanto os parece animar e alimentar o imaginário do PSD, visto que parece não ser possível fazer ministério da cultura sem ter 1%. Desafio-os, portanto, para as duas coisas: manterem o 1% e desenvolverem o Ministério da Cultura.

Foi aqui dito: «Bom, sem 1% não há Ministério da Cultura...» Isto é um raciocínio elementar, para quem parte deste pressuposto, mas é falso! E é falso justamente quando se diz que não houve mudança de política, iniciativa política nem acções políticas durante todo este ano, no domínio da cultura. Eu lembrava há pouco tudo o que se passou com a situação que herdámos no património, e, como é óbvio, nós assumimos as heranças, e como a situação se alterou com um calendário preciso na intervenção do nosso património para os próximos anos, que anunciei a 1 de Outubro, em Alcobaça, no valor de 20 milhões de contos. Agora lembro o que se fez no domínio do cinema: herdámos um orçamento hipotecado, inteiramente hipotecado, de cinema que nem sequer se consegue apresentar, e que conseguimos libertar para avançar com uma produção regular de 10 filmes/ano, o que já se fez no ano passado e se anuncia para o próximo ano; avançámos com a criação de um fundo para o apoio audiovisual, o que nunca tinha existido.

No domínio do teatro, reforçámos em 60% o orçamento do ano passado e em 30% o de este ano; no domínio da dança, o reforço foi de 100%. É isto que conta e não esses pequenos números de 0,6 ou de 1%. O que conta é que, com um orçamento pequeno, com um orçamento difícil, em época de rigor, tenhamos conseguido fazer tudo isto: acabar os arquivos, que estavam parados; lançar 20 candidaturas para a rede de bibliotecas públicas; lançar a obra de Tarouca, há tanto tempo prometida - porque, Sr. Deputado, não é na rubrica de apoio às igrejas que deve ir ver mas à dos monumentos religiosos, onde encontrará 618 000 contos...

Em relação ao programa que foi apresentado em Tarouca, encontra no orçamento para o próximo ano o tratamento dos terrenos, a negociação. O que é necessário para o ano são 60 000 contos, os 500 000 contos são para quatro anos.

Portanto, se ler com atenção, o Sr. Deputado verá que, num ano, com este orçamento, conseguimos fazer tudo isto.

O Sr. José Cesário (PSD): — O Sr. Ministro é que tem de explicar!

O Orador: — Não tenho de explicar, nós fazemos!

O PSD está neste momento apenas entre 0,5% e 1%; entre 0,4% e 1%. Temos o orçamento que temos e não escondi, em momento algum, os valores, pelo contrário, assumimo-los. Quando temos um orçamento, e os números foram distribuídos aos Deputados, com um aumento de 7,65% e no PIDDAC de 11,78%, se o Sr. Deputado Castro de Almeida quer dizer que é de diminuição, isso é consigo. Mas digo-lhe: não sabe fazer contas!

O Sr. Castro de Almeida (PSD): — Olhe o respeito!

O Orador: — Não sabe fazer contas ou, então, tem de me explicar como é que é a diminuir. Aumentar 7,65% — repito, é um documento que foi entregue...

Vozes do PS: —Muito bem! Protestos do PSD.

O Orador: — Para terminar, quero apenas sublinhar que é justamente em todos estes domínios que referi, do teatro, do cinema, dos arquivos, da rede de leitura pública, dò São Carlos, do CCB, que, com este orçamento, temos uma nova política no domínio da cultura.

Portanto, vir, permanentemente, com o 1% é apenas uma tentativa de bloquear e de ocultar que fizemos aquilo que tínhamos dito que queríamos fazer.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Presidente (Henrique Neto): — Tem a palavra, Sr. Secretário de Estado da Cultura.

O Sr. Secretário de Estado da Cultura: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, antes de dar alguns dados concretos, não posso deixar de notar, com algum divertimento, o uso da intenção, da figura da intenção, das tais intenções de que o Inferno, segundo diz o povo, está cheio. Realmente, parece que a antiga Secretaria de Estado da Cultura tinha a intenção de dar contratos adequados aos músicos. Tinha a intenção, não os deu! Deu os contratos que eram inadequados e ilegais e fomos nós que resolvemos a situação. Parece também que tinha a intenção de pagar a temporada do São Carlos. Tinha a intenção, mas não pagou! A depreender das palavra dos Srs. Deputados do PSD, parece que até haveria a intenção de fazer o Ministério da Cultura, mas, em 10 anos de poder, não o fizeram.

Portanto, passar da intenção ao acto, parece-me mais importante, e é aquilo que estamos a tentar fazer. Como aquilo que anunciamos fazemos, quero desde já referir uma coisa — e peço desculpa por não ter respondido há pouco às duas perguntas que me foram dirigidas a esse respeito — relativa à Orquestra das Beiras. O maestro da Orquestra das Beiras será o mestre Nei Doro, que já aceitou e que já está em contacto com a associação responsável pela Orquestra, à qual eu próprio já confirmei a disponibilidade integral da verba reservada para este ano e que será paga até ao fim do ano e o compromisso dos 500 000 contos a cinco anos que tinham de ser assumidos.

Logo, essa actividade seguirá.

Sr. Deputado, é fácil anunciar que vamos fazer não sei quantas orquestras e depois ver quem as vai fazer. Mas fazer orquestra — e posso até falar com conhecimento de causa, técnico e profissional - eu sei fazê-las e geri-las, pois fez parte da minha anterior profissão. E, de facto, não é possível lançar uma orquestra com concursos adequados, com a previsão do que é o quadro de uma orquestra, do ponto de vista do reportório que vai ser feito, e daí por diante, sem haver um projecto artístico, que tem de partir do maestro. É por isto que estas coisas demoram o tempo que têm de demorar, para depois funcionarem bem. Mas este foi um compromisso que assumimos e que iremos cumprir integralmente.

O Sr. Deputado José Niza fez algumas propostas muito concretas, e eu tenho o gosto de poder dizer que algumas delas já estão em consideração no Ministério da Cultura. Ainda este ano, espero, irá ser possível proceder ao apoio à catalogação de pelo menos um dos grandes arquivos sonoros que referiu directamente através do apoio à

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aquisição de material.de equipamento para filtragem e passagem a suporte digital e estamos a estudar a possibilidade de no próprio ANTM, que tem câmaras de frio de grande capacidade, poder haver depósito das fitas de empresas particulares que têm arquivos sonoros de interesse público. Portanto, esta é uma questão que estamos a resolver.

Quanto à Federação Portuguesa de Folclore, ainda há uns dias, um meu representante pessoal esteve numa cerimónia organizada pela Federação Portuguesa de Folclore, e penso que esse contacto correu muitíssimo bem, e a informação que tenho é a de que a Federação não está a pedir ao Ministério apoio financeiro directo mas, sim, o reconhecimento do manifesto interesse cultural para efeitos de apoio, através de outros programas de financiamento, do Governo. De qualquer maneira, esta é a informação preliminar que tenho, mas o certo é que, para o Ministério da Cultura, é um parceiro que naturalmente será ouvido com todo o respeito, e o contacto já começou, independentemente de se saber em que direcção as coisas vão evoluir.

Lembro-me do tempo em que havia um Instituto para a Alta Cultura e uma Direcção-Geral para a Cultura Popular e Espectáculos, e realmente eu não consigo conceber a divisão entre as duas coisas. Penso que os programas de música, de artes plásticas e das várias componentes de intervenção no Ministério da Cultura devem ter projectos no âmbito da cultura erudita e no âmbito da cultura popular e tradicional. Assim, nas verbas reservadas, designadamente, para o apoio à produção e compra de instrumentos é perfeitamente possível, se houver um projecto adequado, incluir projectos de apoio, por exemplo, à guitarra portuguesa, como há projectos de divulgação de música popular no âmbito do apoio discográfico feito pelo Ministério. E de facto há programas de financiamento noutros departamentos da Administração Pública com os quais estamos em contacto — é o caso, por exemplo, das verbas de investigação científica dirigidas pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, onde há uma quantidade de projectos já aprovados este ano de apoio à investigação etno-musicológica.

O Sr. Deputado Ruben de Carvalho, com quem já falei tantas vezes de questões desta natureza, dir-me-á «é pouco!» e o Sr. Deputado Sílvio Rui Cervan pergunta-me, como há pouco fez, «mas com que número é que o Ministério da Cultura se contentaria?» Nem digo, porque, para nós, todo o dinheiro que venha a ser empregue na Cultura será certamente pouco para as necessidades do país, para aquilo que gostaríamos de fazer.

Este é o orçamento que temos, compare-o com os cortes orçamentais na maior parte dos países europeus no domínio da Cultura neste- mesmo período e verá que este crescimento real de 7,65% representa um esforço político importante no sentido de reconhecer a prioridade destes programas no quadro das restrições e das limitações das despesas que, naturalmente no ano de Maastricht e no ano da convergência económica em direcção à moeda única, terão de haver.

Estes são constrangimentos políticos de fundo, que são assumidos maioritariamente pela Assembleia, e por conseguinte é nesse quadro que este crescimento deve ser visto e são dois anos seguidos de crescimento significativo. Talvez o PSD, se estivesse no poder, viesse agora pensar num grande crescimento orçamental, que não fez durante 10 anos, mais uma vez entramos no domínio das intenções. É fácil propor grandes crescimentos de despe-

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sa, quando não se tem a responsabilidade de o gerir e quando, a seu tempo, se esteve no poder e não se geriu nesse sentido.

Vozes do PS: — Muito bem!

O Sr. Presidente (Henrique Neto): — Tem a palavra, Sr. Deputado Castro de Almeida, a quem agradeço alguma brevidade.

O Sr. Castro de Almeida (PSD). — Sr. Presidente, serei breve.

Começo por salientar e saudar o ar educado e respeitoso com que o Sr. Secretário de Estado da Cultura acabou de fazer.as críticas contundentes à actuação do anterior Governo,...

O Sr. Joel Hasse Ferreira (PS): — Justas, aliás!

O Orador: — ... apesar de considerá-las deslocadas no tempo, porque o anterior Governo já foi julgado. Mas foram críticas correctas ou correctamente formuladas, que contrastam com a forma como o Sr. Ministro se apresentou na Assembleia ou nesta Comissão e, concretamente, com a forma como há pouco se me dirigiu.

Sr. Ministro, há uma cultura nesta Casa de respeito pelas pessoas. Temos divergências políticas, fazemos combate político, uns e outros, e todos temos a obrigação de o fazer, mas a cultura que impera nesta Casa, e que, espero, se mantenha, é de tolerância, de saber ouvir e de respeitar as pessoas. O Sr. Ministro foi, pelo menos, muito pouco cuidadoso na forma como se me dirigiu e na sugestão que fez acerca da minha ignorância sobre matérias elementares,' como a de fazer contas. Dá-se até a circunstância de que até sou bom em contas.

O Sr. José Junqueiro (PS): —Vamos ver!

O Orador: — Sr. Ministro, se o seu orçamento não é de facto aquele que mais lhe convém, aquele que lhe agradaria - e espero bem que não seja, porque, como o Sr. Secretário de Estado acabou de dizer, se mais dinheiro tivesse mais gastaria proveitosamente -, a forma que tem para o explicitar não é a de fazer ataques aos Deputados que o denunciam. E, se reparar, eu, hoje, quase me limitei a citar intervenções e palavras de V. Ex.°, e ainda há bocadinho acabei de ouvir os ataques do Sr. Secretário de Estado, como o Sr. Ministro também já os fez há pouco, e não ouviu da nossa parte qualquer reacção menos respeitosa para com aquilo que disse.

Sr. Ministro, esta Casa está habituada a debates acalorados, mas sempre no respeito pelas pessoas, por isso espero e desejo que as pessoas fora do debate parlamentar continuem a respeitar-se, como é habitual acontecer nesta Casa. Assim, espero que da próxima vez que o Sr. Ministro tiver de apresentar um orçamento que contraste tanto com aquilo que foram as suas declarações procure outra justificação e outra defesa que não seja a do ataque pouco cuidado e educado aos Deputados que denunciam que esse orçamento não é aquele que o Sr. Ministro quer.

O Sr. Presidente (Henrique Neto): — Tem a palavra o Sr. Ministro da Cultura.

O Sr. Ministro da Cultura: — Sr. Presidente e Srs. Deputados, tenho de responder a estas palavras por uma

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razão simples: em momento nenhum houve aqui palavras menos cuidadas, como diz o Sr. Deputado Castro de Almeida. O que se verificou foi apenas que, no uso da linguagem e na prática da controvérsia, cada um seguiu por padrões que podem vaguear dentro de um padrão global

de convivência a que estou há muito, e em muitas instâncias, habituado.

O que apenas denunciei aqui — e parece que o Sr. Deputado Castro de Almeida é que não gostou — foi que o Sr. Deputado veio para este debate sem uma única ideia. É uma pena, Sr. Deputado! Não disse uma única palavra que não fosse citar-me todo o tempo.

Sr. Deputado, eu não disse que não estava contente com este orçamento. Em primeiro lugar, enunciei tudo aquilo que fizemos com o orçamento, que já era apertado, no ano passado. Depois, referi tudo o que nos propomos fazer no próximo ano com um orçamento que - eu sei que isso não lhe agrada - aumenta 2 624 742$. Tenha paciência, mas, quando se diz que isto é diminuir, eu digo que é não saber fazer contas!

A isto chama-se frontalidade. Não sei a que regime de conversa o Sr. Deputado está habituado, mas quero ape-

nas frisar que o Sr. Deputado e o PSD, fazendo, de resto, jus a uma longa tradição, apareceram aqui sem uma única ideia - e até posso fazer um parêntesis para lhe sugerir essa ideia - e com uma única obsessão durante o debate, que foi a de falar do modo como eu estaria desgostoso

com o orçamento e do 1% que paralisaria a minha acção e a do Ministério. Sr. Deputado, engana-se, porque, como viu, durante este ano fizemos muitas coisas e muitas mais iremos fazer. Assim, peço-lhe que, no próximo ano, para não acontecer o que aconteceu este ano e já no anterior, traga algumas ideias.

O Sr. Presidente (Henrique Neto): — Sr. Ministro da Cultura, Sr. Secretário de Estado da Cultura, agradeço a vossa presença e as informações prestadas.

Srs. Deputados, a nossa próxima reunião terá lugar amanhã, pelas 10 horas.

Está encerrada a reunião.

Eram 22 horas.

A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.

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DIÁRIO

da Assembleia da República

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