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Sábado, 18 de Janeiro de 1997
II Série-C — Número 8
DIÁRIO
da Assembleia da República
VII LEGISLATURA
2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)
SUMÁRIO
Mesa da Assembleia da República:
Declaração da Mesa da Assembleia, da República sobre a compatibilidade ou incompatibilidade do mandato do Deputado do PS Henrique Neto. à luz da alínea a) do n.° 3
do artigo 21.° do Estatuto dos Deputados...........................
Declaração da Mesa da Assembleia da República sobre a 88 questão da compatibilidade ou incompatibilidade do exercício do mandato do Deputado do PSD Álvaro Barreto com o exercício do cargo de presidente do conselho de administração da SOPORCEL. S. A.................................... 94
Comissões parlamentares:
Comissão de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas:
Relatório de actividades relativo aos meses de Novembro e Dezembro de 1996................................. 102
Mandato de Deputado:
Declaração de renúncia ao mandato do Deputado do PSD
Álvaro Barreto....................................................................... 102
Grupo Parlamentar, do CDS-PP:
Aviso relativo à eleição do presidente do grupo parlamentar 103 Aviso relativo à exoneração de um adjunto do Gabinete de Apoio*.................................................................................... 103
Grupo Parlamentar de Amizade Portugal-República da Letónia:
Composição do conselho directivo...................................... 103
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Declaração da Mesa da Assembleia da República sobre a compatibilidade ou incompatibilidade do mandato dò Deputado do PS Henrique Neto, à luz da alínea a) do n.9 3 do artigo 21.s do Estatuto dos Deputados.
1 — Primeira questão prévia:
Antes de mais convém esclarecer qual o conteúdo da competência da Mesa da Assembleia da República para «declarar [...] a perda do mandato em que ocorra qualquer Deputado» (artigo 25.° do Regimento da Assembleia da República).
Competência meramente declarativa ou verdadeiramente decisória?
A dúvida prende-se com a natureza vinculativa ou não vinculativa dos pareceres da Comissão de Ética e da 1Comissão. E reforça-se com os termos concretos em que aquelas comissões concluem os seus pareceres, a propósito do Deputado Henrique Neto, pendente de declaração final da Mesa da Assembleia da República.
Diz a Comissão de Ética na carta que dirige ao Presidente da Assembleia da República, acompanhando o seu parecer relativo àquele Deputado:
Venho dar conhecimento a V. Ex.* da situação de impedimento que afecta o Sr. Deputado Henrique José de Sousa Neto, a fim de a Mesa da Assembleia da República declarar, se assim o entender, a perda do mandato em que este Sr. Deputado está investido.
Reconhece-se assim que a Mesa da Assembleia da República pode não declarar a perda do mandato /daquele Sr. Deputado, o que vale por dizer que o parecer daquela Comissão não é vinculativo, decisória sendo a declaração da Mesa..
Diversamente, a 1." Comissão, no final do seu relatório, depois de concluir que «não está verificada a situação de impedimento [...] relativamente ao Sr. Deputado Henrique José de Sousa Neto», conclui nestes termos:
Por isso, a Mesa não poderá declarar com base nos factos comunicados, a perda do mandato em que o mesmo Sr. Deputado está investido.
Como se vê, a caracterizada questão prévia existe e deve ser dilucidada.
Seria cómodo, para a Mesa da Assembleia da República, não ter de tomar posição em matéria de tanto melindre. A 1." Comissão teria decidido a título definitivo, restando à Mesa da Assembleia da República a declaração formal dessa decisão, porventura para que da mesma pudesse ser interposto recurso para o Plenário da Assembleia da República.
Mas é outro o entendimento da Mesa, pelo que não pode refugiar-se naquela comodidade. É outro com base nas seguintes razões:
É próprio da natureza dos pareceres não serem vinculativos. Quando se pretende que o sejam, o legislador, em regra, não se esquece de dizê-lo.
O artigo 25.°, que consagra a referida competência da Mesa, insere-se no contexto sistémico do Regimento da Assembleia da República, cujo artigo 38.°, que arrola as competências da Comissão de Regimento e Mandatos (hoje La Comissão) comete aquela Comissão (hoje esta) competência para «instruir os processos de impugnação de elegibilidade e de perda do mandato» [alínea d)] e para
«emitir parecer sobre a suspensão e perda do mandato» [alínea c)).
Se o legislador tivesse querido atribuir àquela Comissão um poder de decisão dos processos por ela mesma instruídos, teria, seguramente, redigido aquela alínea c) de maneira diferente!
Acresce que, como regra, os relatórios e pareceres das comissões especializadas não são vinculativos. E se a regra é essa, mister seria que se tivessem redigido aquelas alíneas do artigo 38." em termos de excepção.
O artigo 28." do Estatuto dos Deputados (na redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 24/95, de 18 de Agosto, que criou a Comissão de Ética) comete a esta «verificar os casos de impedimento e, em caso de violação, instruir os respectivos processos». Fala-se aqui em impedimento, não em incompatibilidade, conceitos que tecnicamente diferem. E mesmo quando lhe comete a apreciação de eventuais conflitos de interesses é para a incumbir de dar sobre eles o seu parecer.
Conclui-se, assim, sem necessidade de mais fundas indagações, que a Mesa da Assembleia da República tem competência decisória, embora sujeita a ver a sua decisão reapreciada pelo Plenário da Assembleia da República por via de recurso.
Não há pois outro remédio senão decidir.
2.1 — Segunda questão prévia:
Quer no parecer da Comissão de Ética, quer no parecer da 1." Comissão —ambos revestidos do maior brilho técnico-jurídico —, é levantada a questão — com respostas divergentes — de saber como conciliar (ou não conciliar!) a competência que a alínea d) do n.° 3 do artigo 28.° do Estatuto dos Deputados confere à Comissão de Ética, consistente em «verificar os casos de impedimento e, em caso de violação, instruir os respectivos processos», com a competência que as alíneas c) e d) do artigo 38.° do Regimento da Assembleia da República cometem à Comissão de Regimento de Mandatos (hoje l." Comissão) e que esta tem por cumulativa.
Com efeito, pela primeira destas alíneas, a 1Comissão é competente para «emitir parecer sobre a suspensão e a perda do mandato», enquanto que, pela segunda, é competente para «insumir os processos de impugnação de. elegibilidade e de perda do mandato».
Ainda com atinencia a esta matéria,- é invocável o disposto na alínea a) do n.c 1 do artigo 25.° do Regimento da Assembleia da República, segundo o qual «compete à Mesa declarar, nos termos do artigo 4.°, a perda do mandato em que incorra qualquer Deputado».
Daí que venham colocadas estas duas indagações, em breve síntese:
Estaremos em face de dispositivos inconciliáveis, de tal modo que a questão só pode resolver-se considerando revogados pelo artigo 28.° do Estatuto dos Deputados os citados dispositivos regimentais (posição defendida no douto parecer da Comissão de Ética)?
Ou antes, em face de dispositivos susceptíveis de conciliação, através da vigência de umas e outras, e da consagração por elas de uma competência cumulativa das duas referidas comissões, com precedência temporal, no que se refere ao seu exercício, da competência da Comissão de Ética sobre a competência da 1." Comissão, tese esta defendida no douto parecer desta Comissão?
Eis a questão. E ei-la agravada pelo facto de, tendo-se o Presidente da Assembleia da República sentido vinculado a cumprir o Regimento e solicitado à ].* Comissão o seu parecer, depois de ter recebido o parecer da Comissão de
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Ética, os dois pareceres terem sido aprovados em sentido contrário!
Já se disse que se trata, em ambos os casos, de pareceres não vinculativos, e que à Mesa da Assembleia da Republica cabe, em seu justo critério, decidir.
Mas é sabido que o facto de um segundo parecer da 1." Comissão ter dito não, onde o primeiro, da Comissão de Ética, tinha dito sim, provocou uma reacção de desagrado e inconformidade desta Comissão, a qual se sente exautorada, se não inútil.
Precisando melhor: vem colocada e discutida a questão de saber «se a Lei n.° 24/95, de 18 de Agosto, não teria derrogado a última parte do n.° 3 do artigo 4.° do Regimento da Assembleia da República e a alínea c) do artigo 38." do mesmo Regimento, retirando (à 1.* Comissão) competência consultiva relativamente às perdas de mandato decorrentes de impedimentos verificados em processo instruído pela Comissão Parlamentar de Ética [cf. artigo 28.°, n.° 3, alínea a), do Estatuto dos Deputados)».
A dúvida surge fundada nos seguintes argumentos, em extrema síntese:
A Comissão de Ética é sui generis no conjunto das comissões parlamentares.
As suas deliberações são obrigatoriamente publicadas no Diário da Assembleia da República, com inclusão da respectiva fundamentação. Coisa diversa é o «parecer secreto, ou pelo menos não obrigatoriamente publicado», a emanar da l." Comissão.
A Comissão de Ética configurar-se-ia, assim, «como órgão parajurisdicional», e não faria sentido submeter as suas deliberações à reapreciação de uma outra comissão parlamentar.
O citado artigo 28." do Estatuto dos Deputados — lei posterior — teria assim implicitamente derrogado a parte final do n.° 3 do artigo 4.° do Regimento da Assembleia da República, que previa um novo parecer da Comissão de Regimento e Mandatos (hoje 1.* Comissão).
Assim se contra-argumenta:
A perda do mandato é uma ocorrência da maior
gravidade.
Daí a necessidade de garantias de salvaguarda dó interesse público na rectitude, correcção e justiça na decisão, e para protecção devida ao direito fundamental do Deputado de exercer, de facto, e pelo prazo legal, o mandato para que foi eleito pelos seus concidadãos (artigo 50.°, n.° 3, da Constituição).
A. ta\ ponto é assim que o artigo 8.°, n.° 1, alínea o), do Estatuto dos Deputados veda expressamente à Assembleia da República o poder de reapreciar os factos geradores da perda do mandato, por ela mesma apreciados em deliberação anterior.
O parecer previsto no n.° 3 do artigo 4.° do Regimento é obrigatório e prévio à declaração da Mesa.
Neste contexto, a 1.' Comissão só poderia considerar--se incompetente se a parte final do n.° 3 do artigo 4." do Regimento tivesse sido expressa e inequivocamente derrogada pela Lei n.° 24/95.
Mas tal não aconteceu. Pelo contrário, esta lei manteve, também sem alteração, o artigo 8.°, n.° 5, do Estatuto dos Deputados, o qual remete para «os termos do Regimento».
Aqui chegado, o douto parecer da 1.' Comissão defende que «o objecto ou âmbito do parecer a emitir pela 1Comissão, sobre perdas de mandato, deve considerarle delimitado pela alínea a) do n.° 3 do artigo 28.° do Estatuto dos Deputados.
Em resultado dessa delimitação, a Comissão de Ética seria competente para a verificação dos casos de impedimento e a instrução do respectivo processo. Esta Comissão reúne, pois, as condições — e só ela as reúne — para ser o juiz — talvez seja expressivo dizer desta maneira — da matéria de facto relevante para a declaração de perda de mandato pelas causas referidas no artigo 21.° do Estatuto dos Deputados.
O círculo de acção demarcado pela verificação e instrução do processo [alínea a) do n.° 3 do citado artigo 28.°] deve ser entendido —diz-se no douto parecer da 1 .* Comissão — como reserva própria da competência da Comissão de Ética.»
No não menos douto voto de vencido do Sr. Presidente da Comissão de Ética, enquanto membro da 1." Comissão, argumenta-se ex adverso:
As alterações introduzidas pela Lei n.° 24/95 no Estatuto dos Deputados visaram o reforço da «transparência e a moralização da vida política».
É evidente que o legislador quis «rever apenas o regime legal dos impedimentos constantes do Estatuto dos Deputados, relativos aos interesses privados dos Srs. Deputados».
Ficaram assim «sem alteração os regimes legais das incompatibilidades e das incapacidades».
Só que, «na vertigem final da legislatura, ter-se-á esquecido de introduzir as adequadas alterações nas disposições normativas constantes do Regimento da Assembleia da República relacionadas com esta problemática dos impedimentos».
Daí resulta que «a ser tomado à letra o Regimento, e não curando de saber se a nova Lei n.° 24/95 teve ou não alguma influência sobre aquele, numa interpretação puramente literal de ambos os textos legais, teria passado a haver duas comissões parlamentares com competências idênticas ou sobreponíveis para a instrução dos processos relativos aos impedimentos». Idem para a qualificação jurídica dos factos apurados nessa instrução processual.
«Verificar se existe ou não impedimento, não é nem pode ser outra coisa senão proceder à aplicação da lei aos factos apurados.»
Esta verificação tem inerente a capacidade e a possibilidade de a Comissão de Ética «definir, sempre que necessário, o âmbito e o alcance em concreto das genéricas previsões normativas sobre os impedimentos».
Admitir a referida «sobreposição de competências» corresponderia ao «absurdo» de admitir que duas comissões, e não apenas uma, «seriam responsáveis pela instrução dos mesmos processos relativos aos impedimentos e pela verificação destes».
No próprio relatório da 1." Comissão se realça que «admitir uma competência paralela ou concorrente da 1.* Comissão (com a Comissão de Ética) conduziria inevitavelmente a disfunções [...] que não favoreceriam a transparência e a moralização da vida parlamentar».
Ao argumento invocado no douto parecer da 1." Comissão de que esta «só poderia considerar-se incompetente se a parte final do n.° 3 do'artigo 4.° do Regimento da Assembleia da República tivesse sido expressa e inequivocamente derrogada pela Lei n." 24/95», contrapõe o ilustre presidente da Comissão de Ética que «se fosse mantida a coerência, a 1.' Comissão só poderia igualmente considerar-se sem competência para instruir os respectivos processos se o preceituado no artigo 38.°, alínea d), do Regimento tivesse igualmente sido expressa e inequívoca-
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mente derrogado pela Lei n.° 24/95, p que também não aconteceu».
Isto é: «para que a instrução dos processos de perda do mandato baseados num qualquer impedimento possa considerar-se reserva própria da competência da Comissão de Ética [...] forçoso é afinal ter de julgar-se revogado pela Lei n.° 24/95 o •preceituado, quanto a esta matéria, no citado artigo 38.°, alínea d), do Regimento da Assembleia da República».
Assim sendo, «porque se não julgou de modo idêntico quanto ao preceituado no artigo 4.°, n.° 3, do Regimento? Ficou por explicar!».
Quanto à conclusão do parecer da 1." Comissão, segundo a qual «a Comissão de Ética só está incumbida, pela lei, de tratar dos casos relativos aos impedimentos», continuando «a instrução e o parecer sobre os casos relativos às incompatibilidades, às incapacidades e até outras situações, todas elas determinantes igualmente da perda do mandato [...]. a ser da competência exclusiva da 1." Comissão» objecta-se no voto de vencido que aqui se resume: então, «nestes casos, os membros da 1 .* Comissão [..'.] fazem tudo!».
«Julgamos — acrescenta-se — que o legislador de 1995 quis autonomizar a problemática dos impedimentos que podem afectar o exercício do mandato dos Deputados.»
Assim, uma de duas: ou se considera que «no respeitante aos impedimentos [...] esta nova Lei n.° 24/95 revogou implicitamente as normas contidas no Regimento da Assembleia da República sobre estas matérias», ou se considera que aquela lei «não revogou norma alguma do Regimento da Assembleia da República sobre as matérias em causa, e, então, a competência para a instrução dos processos de perda do mandato por impedimento e para a emissão do respectivo parecer continua a ser da 1." Comissão».
Desabafo final: «no primeiro caso a Comissão de Ética tem toda a razão para subsistir; no segundo a sua subsistência é aberrante».
2.2 — Assim se desenhou, sem ter sido expressamente invocado, um conflito de competências entre duas comissões parlamentares. Veremos no fim desta declaração o que a Mesa recomenda para ultrapassá-lo.
Se invocado fora, o Presidente da Assembleia da República teria, seguramente, e como incidente prévio, solicitado um parecer à Comissão de Regimento e Mandatos (hoje 1." Comissão) sobre o conflito assim caracterizado, ao abrigo da alínea h) do artigo 38.° do Regimento.
Não tendo tido a oportunidade de o fazer, não vale, como parecer da 1." Comissão sobre o conflito em questão, a posição incidentalmente por ela tomada sobre a matéria, no parecer em análise.
Digamos apenas que esta posição ajuda a Mesa a orientar-se na floresta dos argumentos e contra-argumentos retrosumariados.
E então?
A Mesa também perfilha a convicção de que a situação criada encontra explicação no facto de a Lei n.° 24/95 ter sido discutida e aprovada a altas temperaturas de paixão pré-eleitoral. Só assim encontram explicações as incorisútucionalidades e aberrações jurídicas de que padece.
É nosso entendimento que, na pressa de rematar um texto que pudesse ser exemplar como expressão da vontade de reforçar a transparência da vida política, o legislador não consciencializou a questão de uma eventual inconcia-
bilidade entre novos dispositivos da lei e\ anteriores dispositivos do Regimento.
E com tão-pouco cuidado se houve que, a um primeiro exame, o remendo novo colide com o pano velho.
Parece assim que, colocados num plano de razoabilidade, é talvez salutar que comecemos por ajuizar com que sentido e por que forma teria evitado o aparente conflito de normas que criou. Com prevalência do Regimento? Com prevalência sobre este da inovação legal?
É nossa convicção que não teria sacrificado, ao menos na totalidade das normas em causa, o Regimento.
Desde logo porque é de mandato que se trata (é essa a epígrafe do artigo 38.° do Regimento) enquanto a nova Comissão de Ética, criada pela Lei n.° 24/95, se insere no novo capítulo iv do Estatuto dos Deputados, encimado pela rubrica «Registo de interesses», o qual em princípio não cuida de incompatibilidades, mas do registo de actividades susceptíveis de gerá-las, bem como de impedimentos (n.° 2 do artigo 26.° do Estatuto dos Deputados).
E não se há-de esquecer que o artigo 4.° do Regimento trata, e trata só, da «perda do mandato».
É certo que o artigo 8o. do Estatuto dos Deputados surge encimado por epígrafe em tudo igual. Mas por remissão daquele artigo 4.° (entre outras causas de perda do mandato) e não do artigo do Estatuto para o do Regimento.
Curiosamente, o artigo 21.° do Estatuto, na nova redacção da Lei n.° 24/95, mantém a epígrafe do anterior artigo 21.°, ou seja, «Impedimentos», embora confundindo na nova redacção, este conceito e o de incompatibilidades.
Interessa ainda referir que o novo artigo 28.° do Estatuto, que cria a Comissão Parlamentar de Ética, só atribui a esta competência para «verificar os casos de impedimento» e não os de incompatibilidade [n.° 3, alínea a)]: Isto apesar de o citado artigo 21." distinguir, lado a lado, os conceitos de incompatibilidades e impedimentos (n.° 2).
2.3 — E que conclusão extrair do facto de o Regimento e a lei regularem, em termos não coincidentes, a mesma matéria?
A posição assumida no douto relatório da 1 .* Comissão é como se disse esta:
A alínea a) do n.° 3 do artigo 28.° do Estatuto dos Deputados comete à Comissão Parlamentar de Ética «a verificação dos casos de impedimento e a instrução ào respectivo processo». Trata-se de uma reserva própria de competência desta Comissão.
A 1.' Comissão tomará como dados inquestionáveis os factos impeditivos apurados pela Comissão de Ética, no exercício de uma «competência própria e exclusiva», que aquela Comissão «não pode invadir».
O Presidente da Assembleia da República, recebido o parecer da Comissão de Ética, «está vinculado» a acolher o parecer da 1.* Comissão. Mas a esta, excepcionada a referida vinculação em matéria de facto, compete, nos termos do Regimento, pronunciar-se — emitindo o correspondente parecer— sobre a existência ou não do impedimento em causa, que é o que está previsto no artigo 4.°, n.° 3, do Regimento.
Posição diversa é a assumida pela Comissão de Ética, no seu parecer, e, com maior cópia de pormenores, pelo seu presidente, na sua já referida declaração de voto. Sumariando o que em parte já se sumariou:
Não cabe aqui uma «interpretação puramente literal», segundo a qual «teria passado a haver duas comissões parlamentares com competências idênticas ou sobreponíveis para a instrução dos processos relativos aos impedimentos»
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e, por identidade de razão, para «a qualificação jurídica dos factos apurados nessa instrução processual», já que «verificar se existe ou não um impedimento [...] não pode ser outra coisa senão proceder à aplicação da lei aos factos apurados».
No próprio parecer da 1." Comissão se reconhece que, «admitir-se uma competência paralela ou concorrente da 1." Comissão [com a Comissão de Ética] conduziria inevitavelmente a disfunções [...] que não favoreceriam a transparência e a moralização da vida parlamentar».
É verdade que a parte final do n.° 3 do artigo 4." do Regimento da Assembleia da República não foi expressa e inequivocamente derrogada pela Lei n.° 24/95. Mas a isso objecta o Sr. Presidente da Comissão de Ética que o preceituado na alínea d) do artigo 38.° do mesmo Regimento também não foi expressa e inequivocamente derrogado pela Lei n.° 24/95. E assim, «para que a instrução dos processos de perda de mandato baseados num qualquer impedimento possa considerar-se reserva própria da competência da Comissão de Ética, como se conclui no parecer [da 1Comissão], forçoso é afinal ter de julgar--se revogado pela Lei n.° 24/95 o preceituado, quanto a esta matéria, no citado artigo 38.°, alínea d), do Regimento da Assembleia da República».
Igual conclusão se impõe «quanto ao preceituado no artigo 4.°, n.° 3, do Regimento».
Tratar-se-ia, em ambos os casos, não de uma revogação expressa, mas implícita; dada a incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes e a circunstância de a nova lei regular a matéria anterior. A Lei n° 24/95, como lei especial, derrogou, nas partes sobreponíveis, as normas da lei geral anterior, que é o Regimento da Assembleia da República. Não há assim lugar à repartição de competências defendida no parecer da 1 .* Comissão.
Acresce que «não faria sentido que a Comissão de Ética tivesse sido criada só para servir de instrumento inquisitorial da 1." Comissão».
Dito de outro modo: defende o Sr. Presidente da Comissão de Ética, e implicitamente esta mesma Comissão, que a aparente inconciabilidade entre as disposições em apreço do Regimento e da Lei n.° 24/95 se resolva considerando revogadas aquelas disposições por estas.
2.4 — Cumpre à Mesa optar por uma ou outra das referidas tentativas de conciliação ou não conciliação dos textos sob análise, ou defender uma terceira via —uma vez mais conciliatória ou não— que se lhe afigure mais defensável.
Antes, porém, deve colocar-se a questão de saber se, não tendo o legislador feito opção, nem pelo Regimento, nem pelo Estatuto, podemos aós, ainda agora, optar por ele.
A questão prende-se com a de saber se uma lei ordinária, aprovada com desprezo do processo específico de alteração do Regimento (artigos 289." e seguintes), pode implicitamente, ou mesmo explicitamente, revogar este.
A resposta prende-se com a diversa natureza normativa da lei e do Regimento. Não é fácil a caracterização relativa de uma e outro. Mas Gomes Canotilho e Vital Moreira, na sua conhecida anotação à Constituição, abrem algumas pistas.
Desde logo a de apurar se «as matérias naturalmente regimentais podem ser objecto de regulamentação te^vslativa ou se, pelo contrário, existe um conteúdo obrigatório do Regimento — uma reserva de Regimento — que por princípio afaste a interferência legislativa».
E acrescentam: «O Regimento reveste uma forma normativa específica, distinta dos outros tipos correntes de actos normativos, sendo publicado como tal no Diário da República.» [Artigo 122.°, n.° 1, alínea f), da Constituição.] É, além disso, «publicado independentemente de promulgação peio Presidente da República e de referenda do Governo».
E rematam: «finalmente, é problemática a sua natureza normativa, sendo apenas seguro que se não trata de um acto legislativo [...] expressão da autonomia normativa interna da Assembleia da República».
Quanto à necessidade de uma fronteira entre o Regimento e a lei, anotam aqueles constitucionalistas que deve existir, entre ambos, «em princípio, uma relação de repartição de competências e não de hierarquia». Mas acrescentam com relevo para a nossa indagação: «em caso de conflito, deve ceder a lei quando tenha invadido o espaço regimental, ou deve ceder o Regimento quando tenha extravasado para o espaço da lei» (ob. cit., 2.° ed., 2.° vol„ pp. 235 e 236).
Constituirá temeridade pretender que, no caso vertente, foi a lei que invadiu o espaço do Regimento? Não, decerto, ao criar novos casos de incompatibilidade. Mas seguramente sim ao alterar o formalismo do seu conhecimento previsto em disposições regimentais.
Uma coisa é certa: estas considerações sobre a relação entre a lei e o Regimento permitem, no mínimo — mas seguramente não só —, afastar o argumento aduzido a partir do princípio segundo o qual a lei posterior revoga a anterior, explícita ou implicitamente. Se não estamos em face de duas leis, mas de normativos de índole diferente, aquele princípio não é invocável aqui.
Nem se diga ex adverso que, nos termos da Constituição, é à lei que cabe a determinação das incompatibilidades não constitucionalmente previstas. Como bem se vê, não está em causa a forma de criação de novas incompatibilidades, mas a via regimental de conhecer da sua existência em concreto.
2.5 — Admitamos, porém, sem conceder, que as anteriores considerações sobre a prevalência do Regimento sobre a Lef n.° 24/95 não resolvem a questão da inconciabilidade entre os dispositivos em causa de um e outro. Como, neste caso, e em que sentido, se haveria de resolver aquela inconciabilidade?
A Mesa não aceita, salvo o devido respeito, e pelas razões já aduzidas, a tese da Comissão de Ética, consistente na prevalência dos dispositivos da lei sobre os do Regimento.
Mas da rejeição da tese contrária, ou seja, a da prevalência dos dispositivos do Regimento sobre os da lei, ut supra, não poderia a Comissão de Ética saltar para a defesa da sua própria tese. E não, porque semelhante interpretação dos dispositivos em causa não encontraria a mínima correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expressa, na letra desses mesmos dispositivos. Ora, essa é uma exigência indeclinável do artigo 9.° do Código Civil em matéria de interpretação das leis.
Mas também não colhe o nosso entusiasmo a «saída» encontrada no douto parecer da 1." Comissão, apesar de esta poder colher algum arrimo na expressão «verificar os casos de impedimento e, em caso de violação, instruir os respectivos processos», constante da alínea a) do n.° 3 do artigo 28.° do Estatuto dos Deputados.
«Verificar» significa o quê? Apurar os factos e aplicar--lhes o direito, como pretende a Comissão de Ética?
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Não parece que deva ser assim. Se só após a verificação dos factos se comete aquela Comissão a «instrução dos respectivos processos», é porque verificar não é qualificar juridicamente os factos a que se refere a instrução. Por outro lado, se o legislador tivesse querido consagrar aquela competência, não teria deixado de preferir o verbo «apreciar», de que se socorre nas alíneas c), d) e e) do mesmo número do mesmo artigo, relativas aos conflitos de interesses, no quadro do registo de interesses que preenche a epígrafe do capítulo do Estatuto de Deputados em que o artigo 28.° se insere.
Poderia, aliás, invocar-se ainda, contra a conclusão que a Comissão de Ética retira, que na alínea a) do n.° 3 do artigo 28.° do Estatuto dos Deputados não se prevê a emissão, por aquela Comissão, de qualquer juízo sobre o resultado da instrução — na forma de parecer ou qualquer outra — ao contrário do que acontece na alínea c) do artigo 38° do Regimento, que comete expressamente à 1 .* Comissão a emissão de parecer sobre a perda do mandato.
Mas com razão objecta o Sr. Presidente da Comissão de Ética que se, pela interpretação da 1." Comissão, deixassem de ser cumulativas ás competências das duas comissões, continuariam cumuladas as competências para a instrução dos processos que a alínea d) do artigo 38." do Regimento igualmente comete à 1.* Comissão. Estaríamos —diz o Presidente da Comissão de Ética — perante o absurdo de duas instruções cometidas sucessivamente a duas comissões.
Não se nega a irrazoabilidade dessa solução. Mas irrazoável é a muitos títulos a Lei n.° 24/95! Além de em alguns pontos inconstitucional. Além de, noutros, verdadeiramente iníqua. Infelizmente, o absurdo visita, não raro, o legislador no seu mister de legislar sob pressão!
A tal ponto assim é que aquela lei está a pedir uma barreia, e os grupos parlamentares devem chamar a si essa salutar preocupação.
Enquanto a não fizerem, cabe à Mesa interpretar o Regimento e integrar as suas lacunas [artigo 26.°, n.° 1, alínea b)], não interpretar ou integrar aquela lei. Ora, os dispositivos do Regimento são claros e in claris non fit interpretado.
É tempo de concluir esta segunda questão prévia. E concluindo, a Mesa considera que o legislador, muito provavelmente, não tomou consciência da cumulação de competências a que deu azo; que a solução defendida pela Comissão de Ética não encontra na lei a mínima correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expressa; que a solução propugnada pela 1.* Comissão, podendo encontrar na lei essa correspondência mínima, se apresenta como saída de recurso para um embaraço tido por de outro modo intransponível, com o defeito acrescido de não justificar racionalmente a subsistência de duas comissões competentes para a instrução do mesmo processo; que, enfim, a solução que a Mesa tem por mais razoável é não tentar conciliar o que racionalmente, pelo menos em parte, não é conciliável. Ou porque não tem de sê-lo, se tivermos por boa a prevalência do Regimento sobre a lei, ut supra; ou porque, sendo embora irrazoável, não é material nem legalmente impossível a existência de duas comissões parlamentares com competências em parte coincidentes para instruir processos sobre a mesma matéria, emitindo a final uma conclusão factual e ou jurídica não vinculativa, já que dúvidas se não acalentam sobre a competência da Mesa da Assembleia da República, para proferir a decisão final, ainda que sujeita a recurso para o Plenário da Assembleia da República, nos termos gerais [alínea a) do n.° 1 do
artigo 25.° do Regimento]. Estaríamos em face de duas instâncias para se pronunciarem sobre a mesma matéria. Uma do ponto de vista da eticidade de certa situação factual criada por um qualquer Deputado; outra do ponto de vista da sua conformidade com a Constituição, o Regimento e a lei.
A Mesa não se sente feliz com o «achado» desta interpretação em alternativa. Mas não vê vantagem em «forçar» a existência de outra melhor.
3.1 —De fundo:
Sobre a situação material controvertida, a Mesa deixa registado o seu maior apreço pela formulação das duas teses em confronto. E perfilha, na generalidade dos seus termos — sem prejuízo das anotadas discordâncias pontuais —, a justificação e as conclusões do douto parecer da 1.' Comissão.
Começa por anotar que, nenhuma das teses se apresentando como irrefutável, ou evidente, a dúvida sobrante não poderia deixar de beneficiar o Sr. Deputado em causa: in dúbio pro legatus.
Isto porque a relação de mandato político, resultante de uma eleição popular, directa e universal, se reveste de tal consistência e significado que, onde puder subsistir a dúvida, não pode caber a perda do mandato.
A Mesa tem esta prudência por irrecusável.
Ora, a hipótese factual não vem configurada em termos de evidência ou de certeza. Bem pelo contrário: vem envolvida em elocubrações as mais contraditórias e discordâncias as mais irredutíveis sobre a valoração das condutas e a respectiva qualificação jurídica.
O dever de ser prudente e de acolher uma interpretação restritiva, sempre que possível, decorre, aliás, da própria Constituição.
Tomar parte na vida política é um direito fundamental dos cidadãos — artigo 48.°, n.° 1.
Em matéria de inelegibilidades, a lei só pode estabelecer «as necessárias para garantir a liberdade de escolha dos eleitores — que agora não está em causa — e a isenção e independência do exercício dos respectivos cargos» — artigo 50.°, n.° 3. Se assim é para o acesso ao mandato, assim terá de ser para a garantia do seu exercício.
E a lei «só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos» (artigo 18.°).
Acresce que «as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter gerai e abstracto e não podem ter efeito retroactivo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais» (artigo 18.°, n.° 3).
Que outros direitos ou interesses têm, neste caso, a cobertura garantística da Constituição? Apesar de, em matéria de incompatibilidades, o texto consmuwwiA remeter secamente para a lei (artigo 157.°, n.° 2, da Constituição da República), parece não ser arriscado admitir que o valor constitucional oponível à protecção dos mencionados direitos políticos é, após a eleição de certo Deputado, a isenção e independência do respecÚNO mandato (citado artigo 50.*, n.° 3).
Do artigo 163.° da Constituição da República decorre ainda que os casos de perda do mandato expressamente previstos na Constituição se revestem de particular gravidade. Com isso, o legislador constituinte forneceu uma orientação exemplificativa ao legislador ordinário: a de que.
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ao criar novas incompatibilidades, não deve fazê-lo com base em razões que não sejam igualmente graves.
Mais: quis que essas razões se baseassem em factos supervenientes, à data da eleição. É o que decorre da expressão «que venham a ser feridos», constante da alínea a) do n.° 1 do citado artigo 163.° da Constituição da República. Nesta medida, só podem ser objecto de apreciação, no juízo em causa, as condutas posteriores à eleição do Sr. Deputado Henrique Neto, o que reduz o objecto da mesma apreciação.
Contra isto não vale, como é evidente, a circunstância de a alínea a) do n.° 1 do artigo 8." do Estatuto dos Deputados em vão ter querido corrigir a Constituição, interpretando-a extensivamente, ao considerar que a referida expressão «venham a ser feridos» deve incluir «factos anteriores à eleição». A Mesa tem este acrescento por destituído de qualquer eficácia. Agora é o Regimento que invade o âmbito normativo da matriz das leis.
Resta ajuizar sobre a gravidade dos factos em que a Comissão de Ética funda a recomendação de que se declare a perda do mandato do referido Sr. Deputado. E fazê-lo, como decorre, do ângulo de uma interpretação restritiva das normas legais aplicáveis e de uma valoração exigente dos factos pretensamente violadores daquelas normas.
3.2 — Que factos preenchem, segundo a Comissão de Ética, a «situação de impedimento que afecta o Sr. Deputado Henrique José de Sousa Neto»?
O de o mesmo Sr. Deputado ter relações de participação no capital e na administração de sociedades que assinaram contratos, que se encontram em execução, ou que aguardam aprovação, tendo por co-contratante o IAPMEI — Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e ao Investimento, no âmbito do PEDIP.
O Sr. Deputado Henrique Neto terá participado na assinatura ou na proposição desses contratos. Estes ter-se--ão traduzido «no recebimento de apoios ou benefícios financeiros ou materiais para o exercício das actividades» daquelas sociedades.
Sendo o IAPMEI «uma pessoa colectiva de direito público», o comportamento do referido Sr. Deputado cairia sob a alçada do artigo 21.°, n.° 3, da Lei n.° 24/95, de 18 de Agosto, segundo o qual é vedado aos Deputados, em regime de acumulação, «no exercício de actividades de comércio ou indústria, por si ou entidade em que detenham participação, celebrar contratos com o Estado e outras pessoas colectivas de direito público».
Ao proceder assim, aquele Sr. Deputado teria posto em causa o exercício independente e isento da «sua função de fiscalização em relação ao Governo e à Administração Pública em geral».
Ter-se-ia servido do seu cargo para obter vantagens especiais para si ou para as entidades a que se encontra ligado. Ter-se-ia, no exercício do seu mandato, «cruzado com dinheiros públicos». Estes fins da lei teriam sido, no mínimo, postos em causa pelo mencionado comportamento do Sr. Deputado Henrique Neto.
3.3 — Outro é o entendimento da 1." Comissão. No juízo desta, «não está verificada a situação de impedimento» prevista na alínea a) do n.° 3 do artigo 21.° do Estatuto dos Deputados, relativamente ao Sr. Deputado Henrique José de Sousa Neto.
Destacam-se da douta fundamentação, sem necessidade de repetir argumentos supra tomados na devida conta:
Os impedimentos e o registo de interesses são estrutural e funcionalmente autónomos entre si. Não é por isso consistente interpretar a alínea a) do n.° 3 do artigo 21."
do Estatuto dos Deputados, a partir da alínea c) do n.° 3 do artigo 26.° do Estatuto dos Deputados, integrada no registo de interesses. Se nesta alínea se manda inscrever no registo de interesses os «apoios ou benefícios financeiros ou materiais recebidos para o exercício das actividades» do Deputado, não pode concluir-se daí que os contratos que lhe são vedados pela alínea a) do n.° 3 do artigo 21.° do Estatuto dos Deputados são exactamente os que se traduzem «no recebimento de apoios ou benefícios financeiros ou materiais para o exercício das respectivas actividades»..
A referência do parecer da Comissão de Ética aos «fins e valores que a Lei n.° 24/95 pretendeu acautelan> é, «em boa parte, dissonante da ortodoxia constitucional». Esta «assenta na liberdade de exercício de quaisquer actividades privadas e na possibilidade de restrições baseadas na liberdade de escolha dos eleitores ou na isenção e independência do mandato», ut supra.
Por contrato deve entender-se aqui, não qualquer acordo de vontades, independentemente do seu objecto, mas só o acordo celebrado «no exercício de actividades de comércio ou indústria», isto é, através do qual «se prestam actividades de comércio e indústria entre Deputado e ente de direito público».
. Na linha do parecer da Comissão de Ética teríamos de concluir que contrato, para efeito da alínea c) do n.° 3 do artigo 21.° do Estatuto dos Deputados, será sempre, também, «qualquer acordo pelo qual o co-contratante recebe do Estado [ou de outra pessoa colectiva de direito público] apoios especificamente destinados à consecução de fins de interesse público, como tais definidos na lei».
Não pode considerar-se ter sido essa a intenção do legislador.
O parecer «inclui na categoria dos contratos vedados aos Deputados simples projectos ou intenções de contratar». O parecer da Comissão de Ética dispensou-se de examinar a questão de «delimitar com rigor o âmbito da aplicação temporal da Lei n.° 24/95».
Seria absurda «a discrepância de tratamento [admitida no parecer da Comissão de Ética] quanto aos apoios concedidos no âmbito do PEDIP e quanto aos dados pelo FSE».
3.4 — A Mesa não consegue eximir-se à relutância, que no exposto se desenha, de declarar a perda de um mandato de Deputado, legitimado pelo voto popular, no quadro de uma tão viva divergência técnico-jurídica sobre a natureza da relação estabelecida entre empresas de que o Deputado em causa é accionista e administrador e o PEDIP, bem como sobre a qualificação a atribuir ao próprio PEDIP. No quadro, por isso, de dois pareceres teoricamente inconciliáveis.
A Mesa teria de sempre honestamente admitir que são legítimas as dúvidas sobre as duas teses em confronto. E que, preferindo embora o entendimento da l." Comissão, no limite teria de declarar-se ela própria em posição dubitativa. Tanto bastaria, ainda neste caso, para sobrestar na declaração de incompatibilidade do Deputado em causa.
Até porque a Mesa teria sempre de considerar fora de causa as relações estabelecidas antes da eleição do mesmo Deputado, pela razão retroaduzida, bem como as relações de contacto preliminar, isto é, ainda não formalizadas, agora pelos motivos aduzidos no parecer da 1." Comissão.
Ficariam em causa apenas as relações contratuais firmadas após a eleição do Sr. Deputado Henrique Neto. E a Mesa não tem sequer por líquido que, neste período, tenha efectivamente ocorrido alguma!
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3.5 — Nota final antes da conclusão: a Mesa faz questão em realçar que a circunstância de não ter podido acolher a solução preconizada pela Comissão de Ética não invalida nem o seu apreço pela seriedade, competência e zelo postos pela mesma Comissão no apuramento e na clarificação dos factos interessantes para a decisão final ou na sua qualificação ético-jurídica nem o reconhecimento pelo papel que desempenhou até à auto-suspensão dos seus membros. Na verificação dos factos relativos a tantas outras hipóteses de impedimento e incompatibilidade, bem como na instrução dos respectivos processos e respectiva apreciação, a Comissão de Ética não se poupou a esforços para estar à altura da missão que lhe foi cometida. E ouve--se com assinalável independência e sentido de Estado, atitudes que à Mesa apraz sublinhar.
Mas, sem ter sido expressamente invocado, para solução pela via regimental idónea, desenhou-se neste caso, com toda a clareza, um conflito de competências entre a Comissão de Ética e a 1.* Comissão.
Há que fazer um esforço para ultrapassar —clarifi-cando-o — o conflito que ficou caracterizado. O Presidente da Mesa teria sempre à mão o recurso à via regimental: solicitar a emissão de um parecer à Comissão de Regimento e Mandatos (hoje 1.* Comissão). Só que esta Comissão é parte interessada no conflito. E não havia de sentir-se à vontade para se pronunciar sobre um conflito que tão directamente lhe diz respeito.
Daí que o Presidente da Mesa tenha tomado a iniciativa de sobre o assunto ouvir a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, a qual, por consenso, aceitou a sua proposta de constituição de um grupo informal de trabalho, constituído pelos seus ilustres presidentes da 1.' Comissão e da Comissão de Ética e por Deputados para o efeito designados, um por cada grupo parlamentar.
Esse grupo de trabalho estudaria as saídas possíveis para o caracterizado conflito de competências e proporia ao Presidente da Mesa — que acompanharia os trabalhos do grupo— a conclusão a que tivesse chegado. Esta conclusão não seria vinculativa para os grupos parlamentares e seria objecto de reapreciação em Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, para que, se fosse caso disso, viesse a ser vertida em projecto a discutir e votar nos termos do Regimento.
A Mesa congratula-se com o consenso havido na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares e solicita aos membros da Comissão de Ética que, .em face desta nova situação, ainda que apenas virtual, reassumam o exercício normal das suas competências no quadro da Comissão de Ética para que foram eleitos.
3.6 — É tempo de concluir. E concluindo, a Mesa, por maioria, pronuncia-se no sentido de que os factos dados por verificados pela Comissão de Ética, à luz das disposições legais invocadas, e outras invocáveis, não configura situação de incompatibilidade enquadrável na alínea a) do n.° 3 do artigo 21." do Estatuto dos Deputados, pelo que declara não encontrar fundamento para a declaração de perda do mandato do Sr. Deputado Henrique
José de Sousa Neto.
Lisboa, 14 de Janeiro de 1997.— O Presidente da Assembleia da República, António de Almeida Santos,. — Os Vice-Presidentes: Manuel Alegre — João Amaral (vencido, com declaração de voto). — Os Secretários: Artur
Penedos — Duarte Pacheco — João Corregedor da Fonseca (vencido, com declaração de voto). — Os Vice--Secretários: Rosa Maria Albernaz— Maria Luísa Ferreira — José Ernesto Figueira dos Reis.
Nota.— O Vice-Presidente Mota Amaral votou favoravelmente, por escrito, mas não assina por não ter podido estar presente. — O Presidente da Assembleia da República, António de Almeida Santos.
Declaração da Mesa da Assembleia da República sobre a questão da compatibilidade ou incompatibilidade do exercício do mandato do Deputado do PSD Álvaro Barreto com o exercício do cargo de presidente do conselho d» administração da SOPORCEL, S. A.
A) Questões prévias
Dão-se aqui por reproduzidas as considerações aduzidas e as conclusões tiradas pela Mesa a propósito das questões prévias tratadas na declaração relativa ao mandato do Sr. Deputado Henrique José de Sousa Neto.
S) De fundo
1 — Caracterização do problema:
A pedido do próprio Sr. Deputado Álvaro Barreto, destinado à Comissão de Ética, por intermédio do Presidente da Assembleia da República, aquela Comissão foi chamada a pronunciar-se sobre a compatibilidade ou incompatibilidade do exercício cumulativo, por parte do mesmo Sr. Deputado, do mandato de Deputado à Assembleia da República e do cargo de presidente do conselho de administração da SOPORCEL, à luz do disposto na alínea a) do n.° 2 do artigo 21." do Estatuto dos Deputados, na redacção que lhe deu a Lei n.° 24/95, de 18 de Agosto.
Segundo o dispositivo legal em apreço, é «incompatível com o exercício do mandato de Deputado à Assembleia da República [...] a titularidade de membro de órgão de pessoa colectiva pública e, bem assim, de órgãos de sociedades de capitais maioritária ou exclusivamente públicos, ou de concessionários de serviços públicos».
Expurgados de questões laterais que vêem afastadas por consenso, o cerne da questão reside na interpretação da expressão sublinhada. Esta, porém, analisada de dois ângulos:
O de saber se a natureza relevante para a decisão é apenas a que decorre dos estatutos da sociedade de que se trata, ou da lei, ou também de meras situações de facto, independentemente da consideração daqueles instrumentos;
O de apurar se a participação relevante dos capitais públicos é apenas a directa, ou também a indirecta.
2 — Dados de factos tidos, nemo discrepante, por verificados, e que podem considerar-se interessantes para a questão controvertida:
O Sr. Engenheiro Alvaro Barreto exerce cumulativamente o mandato de Deputado e o cargo de presidente do conselho de administração da SOPORCEL.
O capital desta sociedade é detido, na sua maioria — 50,5 %—, pela Caixa Geral de Depósitos. «O Esxaoo não tem participação accionista directa na empresa.» Nem
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esta «tem nenhuma dependência financeira do Orçamento do Estado».
O artigo 524.° da Lei das Sociedades Comerciais prescreve que, «para os efeitos desta lei, são equiparados ao Estado as Regiões Autónomas, as autarquias locais, a Caixa Geral de Depósitos, o Instituto de Gestão de Segurança Social e o IPE — Investimentos e Participações do Estado, S. A.».
Em 28 de Fevereiro de 1996, a Assembleia da República aprovou um decreto relativo ao âmbito da fiscalização financeira do Tribunal de Contas, determinando que «ficam sujeitas à fiscalização sucessiva desse Tribunal as sociedades em que a parte pública detenha a maioria do capital social, mas apenas nos casos em que essa detenção for de forma directa».
Em Espanha, a lei eleitoral, aprovada pela Lei Orgânica n.° 5/85, de 19 de Junho, revista em 2 de Novembro de 1992, considera expressamente «incompatível com o exercício do mandato de Deputado ou de Senador a acumulação com qualquer cargo em empresa com participação pública maioritária, directa ou indirecta».
A SOPORCEL, S. A., é uma sociedade de direito privado.
O seu «estatuto social e legal» é «distinto do das empresas públicas e mesmo do das sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos.
As regras básicas para a sua organização e funcionamento encontram-se no Código das Sociedades Comerciais, bem como no contrato de sociedade [ou pacto social] que a constituiu.»
Foi celebrado entre a Caixa Geral de Depósitos e o Banco de Fomento Exterior, por um lado, e a Anjo Wiggens, S. A., francesa, por outro, um «acordo parassocial», datado de 10 de Dezembro de 1992, pelo qual «os accionistas privados têm garantido o direito de se fazer representar no respectivo conselho de administração por três elementos, no total de sete, desde que tenham uma participação de, pelo menos, 40 % do capital social». O referido grupo privado francês preenche esta condição.
O presidente do conselho de administração «é designado por acordo entre a Caixa Geral de Depósitos e a Anjo Wiggens, S. A.». Na falta de acordo, a Anjo Wiggens, S. A., pode vetar os dois primeiros nomes propostos pela Caixa Geral de Depósitos, mas já não o terceiro.
A Caixa Geral de Depósitos designa a maioria dos membros da mesa da assembleia geral, do conselho de fiscalização, da comissão de vencimentos e do conselho executivo, no caso de não ser possível nomear por acordo um administrador-delegado.
«Os gestores da SOPORCEL não são [assim] considerados gestores públicos», visto que «não se enquadram na moldura fáctica que a lei Idefine para estes últimos (De-creto-Lei n.° 464/82, de 9/de Dezembro)». Também «não são titulares de altos ¿argos públicos, já que, efectivamente, não são designados por nenhuma entidade pública [artigo 3.°, alínea b), da Lei n.° 64/93, de 25 de Agosto]». (A única reserva possível é relativa ao presidente do conselho de administração.)
Em certas matérias, a assembleia geral da SOPORCEL só pode deliberar por maioria qualificada de 60 %. Casos da política de dividendos, aumentos de capital, aquisições e fusões, etc.
Nos termos do artigo 405.° do Código Comercial, competirá sempre ao conselho de administração da SOPORCEL «gerir as actividades [desta] com autonomia, e só deverá subordinar-se às deliberações dos accionistas
reunidos em assembleia geral ou às intervenções do conselho fiscal apenas nos casos em que a lei ou o contrato da sociedade o determinarem»!
Assim, «do ponto de vista legal, é da exclusiva competência do conselho de administração [da SOPORCEL]» exercer a gestão corrente da empresa, «não podendo o Govemo interferir nessa gestão».
(Os dados supra-sumariados são extraídos do douto parecer da Comissão de Ética e, quando entre comas, dele transcritos.)
«O arranque da nova máquina de papel da SOPORCEL implica um esforço financeiro de 63 milhões de contos, mas o início do projecto está dependente da atribuição de incentivos fiscais e à formação profissional por parte do Estado, através do ICEP, com quem a SOPORCEL já iniciou negociações em Junho.» (Revelações do Sr. Deputado Álvaro Barreto ao jornal A Capital, transcritas no voto de vencido do Sr. Presidente da Comissão de Ética.)
O Ministério das Finanças, ao actualizar recentemente os seus ficheiros relativos à composição e remunerações auferidas pelos corpos sociais das empresas de que o Estado é accionista, não incluiu a SOPORCEL. (Declaração do Sr. Deputado Alvaro Barreto perante a Comissão de Ética, não contraditada por esta.)
3 — Dados de facto com interesse, ainda que marginal, para a questão a dilucidar, e que são controvertidos:
A constituição inicial e posterior da SOPORCEL foi feita sempre através de capitais públicos —como pretende a Comissão de Ética — ou esta afirmação «não é correcta, quer do ponto de vista técnico, quer do ponto de vista legal», como afirma o Sr. Deputado Álvaro Barreto em carta de 18 de Abril de 1996,. por ele dirigida aquela Comissão?
É livre —e em alguns casos obrigatória— a transferência das acções hoje detidas pela Caixa Geral de Depósitos para o Estado Português ou para qualquer outra entidade ou sociedade que a este pertença — como pretende a Comissão de Ética— ou do acordo parassocial supramencionado consta apenas que os dois signatários dele, a Caixa Geral de Depósitos e a Anjo Wiggens, se concederam mutuamente o direito de opção na compra da posição accionista da outra parte, excepto no caso de a transferência se operar por venda e entre empresas do grupo constituído por cada parte — como alega o Sr. Deputado Álvaro Barreto na mencionada carta de 18-de Abril de 1996?
«Para além do que a lei estabelece, não haverá poderes de facto [que não de jure] desse accionista [a Caixa Geral de Depósitos] e de quem porventura esteja por detrás dele, que coarctem ou limitem, a autonomia» de que teoricamente goza relativamente à questão da SOPORCEL? (Questão colocada no parecer da Comissão de Ética, que responde afirmativamente.)
4 — Principais argumentos técnico-jurídicos da Comissão de Etica a fundamentar a conclusão de que existe incompatibilidade entre o mandato do Sr. Deputado Álvaro Barreto e o.exercício, por ele, do cargo de presidente do conselho de administração da SOPORCEL:
No entender da Comissão de Ética, o cerne do problema, do ponto de vista técnico-jurídico, resume-se à questão de saber se a SOPORCEL «é ou não uma sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos». Da resposta a esta questão «dependerá [...] a decisão a tomar quanto à existência ou não da incompatibilidade que poderá afectar o Sr. Deputado Álvaro Barreto».
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A lei sobre as incompatibilidades relativas ao mandato dos Deputados não expressa, nem revela, «com clareza que o seu objectivo é apenas ò de garantir que, no exercício das suas funções, os Deputados sejam totalmente independentes do Governo para que possam assim exercer a sua função fiscalizadora sobre este de modo isento e eficaz». Bem diversamente, a lei «faz nascer incompatibilidades das situações mais diversas, algumas das quais [...] nem terão directamente a ver com as almejadas isenção, eficácia e sobretudo dignidade ética do exercício do mandato de Deputado».
Mas a verdade é que «mais do que às intenções do legislador, importará sempre atender ao texto da lei». Ora, em matéria de interpretação das leis, o artigo 9.°, n.° 2, do Código Civil estabelece que «não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso».
«O dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo.» (Artigo 8.°, n.° 2, do Código Civil.)
«Configurando a lei como incompatível com o exercício do mandato de Deputado [...] a titularidade de órgão de sociedades de capitais maioritariamente públicos», tudo se há-de reconduzir, como se disse, à questão de saber se a SOPORCEL é ou não uma destas sociedades.
A Comissão de Ética —com um voto de vencido — entende que sim. Mas acha isso, como vimos, com base em dados de facto arrolados entre os controvertidos. O Sr. Deputado Álvaro Barreto refutou-os com outros dados, solicitando uma reapreciação dessa matéria à luz desses novos dados.
Entende ainda que sim, com base no facto — também controvertido — de «na estruturação social da SOPORCEL estar expressamente admitida a hipótese de, livremente, o seu capital maioritário passar a ser detido pelo próprio Estado Português». Daqui retira a conclusão de que o capital com que foram adquiridas as acções da Caixa Geral de Depósitos e do Banco do Fomento do Exterior no capital da PETROGAL «foi e é capital público».
Se a expressão «sociedades de capitais maioritariamente públicos», constante da alínea a) do n.° 2 do artigo 21.° do Estatuto dos Deputados, «abrangesse apenas as sociedades em que o Estado tem somente participação directa no respectivo capital [...] não teria sentido, nem seria necessária a novidade introduzida» naquele artigo pela Lei n.° 24/95. «Essa situação, afinal, já estava prevista no artigo 20.°, n.° 1, alínea p), do mesmo Estatuto [...] onde expressamente se preceituava já que os membros dos conselhos de gestão [...] das empresas de capitais públicos ou maioritariamente participadas pelo Estado [...] não podem exercer as respectivas funções enquanto exercerem o mandato de Deputado [...] configurando-se assim uma incompatibilidade entre ambas as funções.»
O legislador cometeria pois «uma redundância se, ho artigo 21.°, quisesse referir-se precisamente à mesma situação que já estava há muito prevista no artigo 20.°
Nesta perspectiva, só pode, pois, justificar-se a novidade introduzida na lei, se entendermos que o legislador pretendeu alargar o âmbito das incompatibilidades. Foi precisamente esse o sentido dominante e deter-" minante de toda a recente legislação sobre a transparência da vida política e dos políticos, como é sabido e notório.
Assim sendo, quando no artigo 21.°, n.° 2, alínea a), do Estatuto dos Deputados se mencionam as sociedades
de capitais maioritariamente públicos, terá, portanto, de considerar-se que, em primeiro lugar, se está a invocar a natureza desses próprios capitais, a sua origem ou a sua propriedade; e que, em segundo lugar, não se está a fazer
nenhuma distinção entre as participações directas e indirectas do Estado no capital das empresas: umas e outras estão pois englobadas na expressão usada na lei e cabem indiscutivelmente no seu teor literal.
É sabido que, onde o legislador não distingue, não pode o intérprete distinguir.»
É tão evidente que na nova redacção do artigo 21." o legislador quis englobar tanto as participações directas como as" indirectas do Estado que, «no citado artigo 20.°, o legislador, pretendendo distinguir, usou uma expressão legal suficientemente distintiva».
Recentemente, a Assembleia da República, «ao aprovar uma lei relativa ao âmbito da fiscalização financeira do Tribunal de Contas [...] determinou que ficam sujeitas à fiscalização sucessiva desse Tribunal as sociedades em que a parte pública detenha a maioria do capital social, mas apenas nos casos em que essa detenção for de forma directa». Quando pretende distinguir, o legislador fá-lo expressamente. Quando omite a distinção é porque não a quer fazer.
A Lei Eleitoral espanhola, aprovada pela Lei Orgânica n.° 5/85, de 19 de Junho, considera expressamente incompatível com o exercício do mandato de Deputado ou de Senador a acumulação com qualquer cargo em empresa com participação pública maioritária, directa ou indirecta. E o legislador português, «em muitos casos, acolheu até o disposto em legislação estrangeira sobre a matéria, nomeadamente o regime em vigor em Espanha».
Ele, legislador português, «terá pensado que as possibilidades reais [que não propriamente legais] de que o Governo [ou o Estado em geral] dispõe para determinar as opções fundamentais dos accionistas minoritários, que a ele estão ligados directamente, nas empresas em que nessas condições tenham participação social, seriam porventura susceptíveis de pôr em risco a isenção e a independência no exercício do mandato de Deputado por todos, quantos exercerem simultaneamente, e em acumulação, o cargo de membro de órgão social dessas empresas, máxime o cargo de seu presidente.
No caso da SOPORCEL, mesmo dando por adquinào que o Governo não tem poderes legais para interferir na sua gestão, e que se abstém até de dar qualquer indicação quanto à nomeação do presidente do respectivo conselho de administração, deixando-a ao livre arbítrio do conselho de administração da Caixa Geral de Depósitos, não nos devemos todavia abstrair do facto de que, exercendo, se quiser, os poderes de que dispõe quanto a esta instituição financeira, que tutela directamente e pertence ao Estado, o Governo, na realidade, terá sempre a possibilidade de impor as suas opções [...]
Logo, se o Governo disser, informal e não legalmente, ao conselho de administração da Caixa Geral de Depósitos, por si nomeado, que pretende escolher a pessoa que há--de.presidir à SOPORCEL [...] será que os menYbios daquele conselho se atreverão a transgredir essa indicação?. Se o fizessem, eram os seus próprios lugares que ficariam em risco.»
Com base nestas razões, a Comissão de Ética concluiu «não ser possível interpretar restritivamente a expressão legal 'sociedades de capitais maioritariamente públicos' [...] sendo assim incompatível com o exercício do mandato
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de Deputado à Assembleia da República em simultáneo, em acumulação e pela mesma pessoa.
Dada, porém, a legitimidade e a justificação das dúvidas apresentadas pelo Sr. Deputado Alvaro Barreto [...] concedeu-lhe o prazo de 30 dias para pôr termo a tal incompatibilidade (...] pela suspensão ou renúncia, ou daquele cargo ou deste mandato.»
O Sr. Deputado Álvaro Barreto suspendeu durante algum tempo o seu mandato de Deputado, mas acabou por retomar o respectivo exercício. O Presidente da Assembleia da República solicitou então o parecer da 1." Comissão, em cumprimento do disposto no artigo 38.°, alíneas é) e d), do Estatuto dos Deputados, e esta Comissão emitiu também o seu parecer, por imposição da referida alínea c).
5 — Principais argumentos técnico-jurídicos da 1.* Comissão a fundamentar a conclusão de que não existe a incompatibilidade que a Comissão de Ética entendeu existir:
A Lei n.° 7/93, de 1 de Março (Estatuto dos Deputados), já tinha de facto declarado que existia incompatibilidade entre o mandato de Deputado e o exercício de funções de «membros dos conselhos de gestão das empresas públicas, das empresas de capitais públicos ou maioritariamente participadas pelo Estado e de instituto público autónomo». [Artigo 20.°, alínea p).)
Mas não é exacto que a redacção da alínea a) do n.° 2 do artigo 21.°, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 24/95, de 18 de Agosto, não inove em relação ao que já constava da transcrita alínea p) do artigo 20.° da Lei n.° 7/93.
Pelo contrário, o seu objectivo foi indubitavelmente o de «alargar as incompatibilidades a todos os órgãos das pessoas colectivas públicas, sociedades de capitais maioritária ou exclusivamente públicos, em vez de se aplicarem apenas aos conselhos de gestão, e ainda [...] aos titulares de pessoas colectivas públicas e concessionárias de serviços públicos.
A dúvida reside na clarificação do sentido a conferir às expressões 'empresas de capitais públicos' e 'empresas de capitais maioritariamente participadas pelo Estado' [artigo 20." da Lei n.° 7/93] quando confrontadas com a expressão 'sociedades de capitais maioritária ou exclusivamente públicos' utilizada na alínea a) do n.° 2 do artigo 21.° da Lei n.° 24/95.
A expressão 'empresa de capitais públicos' é identificável com a de 'sociedade de capitais exclusivamente públicos' ou com a de 'empresa pública'.
Já no que se refere às empresas de capitais maioritariamente participados pelo Estado, que não empresas públicas, ai ideia de participação maioritária do Estado [e não se diz participação dominante do Estado (cf. artigo 486.° do Código das Sociedades Comerciais)] inculca a necessária interpretação literal, identificável com sociedade de capitais maioritariamente públicos.
Vai nesse sentido (da interpretação literal) a doutrina, que, ao identificar as sociedades de economia mista, distingue as empresas com participação de capital público em empresas controladas (se, pela detenção do capital, bs poderes públicos exercem sobre ela um efectivo controlo) e empresas participadas (se o capital público não permite o controlo público da empresa).» Ainda que maioritário, subentende-se. Isto é: da maioria do capital de certa sociedade não decorre necessariamente o controlo dela.
[A 1." Comissão retira da efectiva existência de novidade da redacção da alínea a) do n.° 2 do artigo 21.°
da Lei n.° 24/95, relativamente à alínea p) do artigo 20.° da Lei n.° 7/93 (Estatuto dos Deputados), a total desvalorização do argumento da Comissão de Ética, em abono da sua tese, deduzido a partir do falso pressuposto da inexistência de qualquer novidade).]
Relativamente ao argumento da Comissão de Ética no sentido de que o legislador terá sobreposto a consideração das possibilidades reais às legais ou estatutárias para aferir do risco de uma relação de dependência entre o Deputado que é simultaneamente administrador de uma sociedade de capitais maioritariamente participada pelo Estado e o mesmo Estado, a 1.' Comissão perfilha e defende a tese contrária, isto é, a da sobreposição do disposto na lei ou nos estatutos da sociedade de que se trate a considerações decorrentes de uma concreta situação real.
Para o efeito, começa por socorrer-se do parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República n.° 83/93, de 10 de Maio de 1996, o qual discorre precisamente sobre «o significado da expressão [...] 'sociedade anónima de capitais exclusiva e maioritariamente públicos', no contexto de uma indagação em tudo paralela à que neste momento nos compete: o regime de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos».
E assim para concluir que também aquele venerando Conselho começa por clarificar que a «alternativa apresentada» quanto à interpretação daquela expressão consiste em «apurar se ela pode representar uma mera situação de facto, variável em função de operações de compra e venda de acções no respectivo mercado, ou se a mesma tem de corresponder a uma situação juridicamente definida, abrangendo apenas os casos em que sejam a lei ou os estatutos da sociedade a determinar que o seu capital tenha de pertencer exclusiva ou maioritariamente a entidades públicas».
«A melhor interpretação — aí se diz — é claramente a segunda», militando desde logo a favor desta «um argumento literal, que não pode ser desagregado».
Acrescenta-se no mencionado parecer que «o entendimento a ela contraposto daria azo a uma situação de insegurança deveras intolerável». E é sabido que «a segurança é um dos valores do direito».
Essa insegurança — reforça — manifesta-se a dois títulos: «O da susceptibilidade de constante (porventura mesmo diária) variação de situação das sociedades em causa e o da inviabilidade do atempado conhecimento, a cada momento, dessa situação.
À insegurança relativa às situações em si mesmas consideradas acresceria a insegurança respeitante ao conhecimento que acerca delas poderiam ter, ou não ter, em cada momento, as entidades interessadas.»
Os próprios titulares de cargos políticos teriam dificuldades em saber de ciência certa «se estariam ou não afectados por incompatibilidades» semelhantes aquela sobre a qual a Mesa tem de pronunciar-se. (Dado o dinamismo do mercado das acções, poderiam, em sede caricatural, estar num dia sim noutro dia não!)
A mesma Procuradoria-Geral da República poderia, enquanto órgão fiscalizador, ver-se em apuros para saber se ocorria ou não infracção a demandar «o desencadeamento do processo sancionatório legalmente previsto».
Quanto à defesa pela Comissão de Ética da'tese de que a expressão «sociedades de capitais maioritariamente públicos» deve ser interpretada no sentido de abranger tanto a participação directa como a indirecta fui supra) a
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1.* Comissão, sustentando uma vez mais a tese contrária, começa por alegar que a interpretação restritiva (só a participação directa seria relevante) é a que decorre da conclusão por ela tirada de que só é atendível a titularidade de capitais definida legal ou estatutariamente, não a meramente resultante de uma ocasional, indefinida e variável situação de facto.
Acrescenta que o preceito em causa «deve ser lido de modo restritivo, porquanto o exercício do mandato de Deputado só pode sofrer restrições não arbitrárias», e por «razões relevantes sob o ponto de vista da função e do Estatuto dos Deputados».
Realça ainda que «o estatuto legal das incompatibilidades dos Deputados constitui uma restrição aos direitos, liberdades e garantias constitucionais de livre acesso ao exercício de cargos, pelo que este deve limitar-se ao definido no quadro legal autorizado, sem margem para quaisquer interpretações extensivas ou sem um suporte legal preciso». Estaríamos no domínio da «proibição do excesso» (Gomes Canotilho).
Quanto à natureza da sociedade SOPORCEL, a 1." Comissão afirma que «nem por lei, nem pelo seu estatuto, está determinado que o seu capital social tenha de pertencer maioritariamente a entidades públicas». Este facto vem, como se disse, admitido por consenso.
É certo que, no momento considerado, a maioria do seu capital pertence à Caixa Geral de Depósitos, sociedade de capitais exclusivamente públicos. Mas a esta sociedade «não são aplicáveis as regras das empresas públicas». Como se diz no preâmbulo do Decreto-Lei n.° 287/93, «no plano integral, o regime geral das instituições de crédito e sociedades financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 298/ 92, de 31 de Dezembro, veio equiparar a Caixa Geral de Depósitos aos bancos no que respeita às actividades que está autorizada a exercer. Todo o circunstancialismo referido aponta deste modo para a sujeição da Caixa a um regime de direito privado ou, mais rigorosamente, para a aplicação à instituição de regras idênticas às que regem as empresas privadas do sector.»
Acrescenta a 1." Comissão, citando António Costa Santos e outros: «como se sabe, as sociedades de capitais públicos e as sociedades de economia mista são regidas pela lei comercial, a menos que o respectivo estatuto prescreva regras do regime das empresas públicas. Os seus órgãos são, assim, os das sociedades comerciais comuns, e não estão sujeitos, enquanto tais, a uma tutela administrativa específica por parte do Estado.»
Este facto também vem admitido por acordo.
O acordo parassocial de 10 de Dezembro de 1992 «não altera a natureza legal e estatutária da sociedade». Limita--se a estabelecer «uma conduta a que os sócios legalmente se vinculam entre si, nas relações internas».
Nada obriga a que, «por lei ou disposição estatutária, a SOPORCEL tenha de ter acções, seja em que montante for, cujo titular seja directamente o Estado ou outro ente público».
A Caixa Geral de Depósitos é assim accionista maioritária da SOPORCEL «por mera situação de facto».
Termos em que a 1Comissão conclui que o Sr. Deputado Álvaro Barreto «não violou, no caso em apreço, regra de incompatibilidade que determine a perda do seu mandato de'Deputado à Assembleia da República».
6 — Razões em que a Mesa da Assembleia da República funda a declaração que lhe comete o n.° 5 do artigo 18.° do Estatuto dos Deputados:
A Mesa encara com a maior naturalidade a circunstância de o «parecer» da Comissão de Etica e o parecer da 1.* Comissão concluírem em sentido contrário.
Dado que duas comissões são chamadas, uma pelo Estatuto dos Deputados, outra pelo Regimento, a pronunciar-se sobre a mesma matéria de facto e sobre a interpretação das mesmas normas jurídicas, nada mais natural do que uma e outra tenham chegado a conclusões, não apenas diversas, mas contrárias. E o resultado da isenção e independência com que ambas sobre o tema se pronunciaram. Esta independência é sem dúvida mais valiosa do que qualquer tentativa de «forçar» uma ficta homogeneidade.
E como é impossível à Mesa tentar sequer a conciliação dos contrários, resta-lhe pronunciar-se com igual isenção e independência sobre qual das conclusões tiradas lhe parece legal e justa à luz dos factos tidos por verificados e do direito que lhes é aplicável.
Antecipa-se desde já que a Mesa tem por justa e legal a conclusão a que a 1." Comissão aportou. As razões são basicamente as constantes do parecer desta Comissão, complementadas ou apenas reforçadas pelas que a seguir se aduzem.
Começa a Mesa por uma breve apreciação pelos principais novos argumentos expendidos pelo Sr. Presidente da Comissão de Ética no seu douto voto de vencido.
Que dizer, pois, do argumento aduzido a partir do Decreto-Lei n.° 26-A/96, de 27 de Março, o qual «veio definir como sociedades de capitais públicos aquelas em que o Estado ou outras entidades públicas, directa ou indirectamente, são os únicos proprietários da totalidade do respectivo capital»?
Alega a Comissão de Ética: é certo que o diploma se reporta «às chamadas 'sociedades de capitais exclusivamente públicos'». Mas, se assim é, «então este critério não poderá deixar de aplicar-se igualmente às chamadas 'sociedades de capitais maioritariamente públicos'».1 •
Nem sempre o que é válido para o mais (totalidade do capital) é válido para o menos (simples maioria do capital); assim sendo, por este critério, só a Caixa Geral de Depósitos é considerada uma sociedade de capitais exclusivamente públicos; mas a Caixa Geral de Depósitos não é o Estado; e a Mesa adere à tese de que a única participação relevante é a directa, não também a indirecta.
Como realça a própria Comissão de Ética, o referido critério definidor é válido «apenas para efeitos de fiscalização de contas», não sendo lícita a sua aplicação, por interpretação.extensiva, ao caso da incompatibilidade subjudice. A Constituição, como se sabe, proíbe este tipo de interpretação no domínio dos direitos fundamentais, como é o caso do exercício do mandato de Deputado.
■ E que dizer da invocação do princípio segundo o qual «onde o legislador não distingue, não pode o intérprete distinguir», certo sendo que, na redacção da alínea a) do n.° 2 do artigo 21.° da Lei n.° 24/95, o legislador não distinguiu entre participação directa e indirecta?
Trata-se de um princípio doutrinário, não de um «dogma» legal, inarredável. E já Manuel de Andrade —o maior jurista do século — ensinava aos seus alunos que era assim quando não houvesse razões válidas para distinguir.
Ora, é sabido que na legislação portuguesa há de tudo: casos de não distinção, como o do citado artigo, casos de menção exclusiva da participação directa e casos de menção expressa de participação directa e indirecta.
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Vale assim tanto o argumento de que, se o legislador não distinguiu foi porque não quis, já que não desconhecia casos em que a distinção foi feita, como o de que, se não distinguiu foi porque quis não distinguir, deixando que a expressão «maioritária ou exclusivamente públicos» fosse sujeita à interpretação que dela gramaticalmente decorre. Isto é: terá fugido a mencionar expressamente a participação indirecta, por considerar que só a sua menção expressa possibilitaria a consideração dela!
Nem se diga que, no caso, não existem razões válidas para distinguir! Quer no parecer da I." Comissão, quer nos pareceres de consagrados juristas que juntou como parte integrante do mesmo parecer, vem defendida a interpretação que também agora se prefere. E vem defendida em nome da segurança e da certeza a que eventuais interessados têm direito.
Pois supúnhamos uma participação indirecta em cascata. O Estado detém o controlo — não confundir com maioria do capital!— da sociedade A. Esta detém o controlo da sociedade B. Esta da sociedade C. É assim sucessivamente, sem que a imaginação imponha qualquer limite. Seria razoável impor a um administrador da sociedade terminal o conhecimento de que é o Estado o accionista maioritário ou em qualquer caso detentor do controlo da sociedade situada no ponto mais alto da cascata? A margem de dúvida cresceria com a altura desta!...
Daqui já se deduz que a Mesa não tem por significativa, no contexto da argumentação em apreço, a invocação da lei eleitoral espanhola, segundo a qual é tão relevante a participação indirecta como a directa. Ou o reforço desse argumento consistente no facto de o legislador português acolher em muitos casos o disposto na legislação estrangeira, nomeadamente o regime em vigor em Espanha.
É apenas mais um dos muitos casos de eliminação da distinção, igual a tantos outros recolhíveis da própria legislação portuguesa, que o autor da lei em apreço, por maioria de razão, não desconhecia. Recusando de passagem o pretenso seguidismo do legislador português '■— nomeadamente em relação ao espanhol! —, anota-se que é aqui igualmente válida a consideração segundo a qual, pressupondo-se no legislador nacional o conhecimento da solução espanhola (mesmo sem intuitos de tomá-la como paradigma!), se não quis ir por aí, ou seja, optar pela mesma solução, foi porque não quis, antes querendo à solução contrária!
Também não embaraçam a conclusão que a Mesa tem por melhor as considerações aduzidas no douto voto de vencido, a partir de declarações à imprensa do Sr. Deputado Álvaro Barreto. Terá este afirmado que «o arranque da nova máquina de papel da SOPORCEL implica um esforço financeiro de 63 milhões de contos, mas o início do projecto está dependente da atribuição de incentivos fiscais e à formação profissional por parte do Estado, através do ICEP, com quem a SOPORCEL já iniciou negociações em Junho».
Do que se trata — acrescenta — é de evitar situações que possam pôr em risco a isenção e independência dos Deputados no exercício do mandato, nomeadamente face ao Governo, cuja actividade lhes compete fiscalizar, e ao qual não devem, por isso, estar subordinados.
«Perante este quadro de interesses — prossegue — representados pelo Sr. Engenheiro Álvaro Barreto, e de negociações tão importantes [...] poderá ele, enquanto
Deputado, assumir as devidas isenção e independência na
apreciação que, nessa qualidade, lhe cabe fazer da
actividade do Governo?»
E remata: «pelo menos no seio da opinião pública, é
possível que se instale a dúvida». Até porque «é hoje
visível que o Governo afinal manda na SOPORCEL quase
como quer».
Objecta-se, com ressalva do maior respeito:
Ou há incompatibilidade, porque a caracterização dos
factos determina que exista à luz do direito aplicável, ou
não há.
E assim, ou bem que a alínea a) do n.° 2 do artigo 21.° da Lei n.° 24/95 permite concluir que o Estado domina a SOPORCEL, ou bem que não. Se sim, a incompatibilidade existe. Se não, impõe-se a conclusão oposta.
Segundo as teses que a Mesa tem por mais defensáveis, aquele dispositivo só contempla a participação directa, o que não é o caso, e só considera relevantes as situações definidas legal ou estatutariamente, não as meras situações de facto.
As novidades em apreço situam-se no mero plano dos factos. Logo são irrelevantes do ponto de vista da referida oposição. É nesta, e só nesta, que reside o fiel da balança. Para onde pender, pende a razão. E pendeu, no entender da Mesa — com ressalva de entendimento melhor —, para o lado da posição perfilhada pela 1." Comissão, ut supra.
O legislador fez derivar o risco de quebra de isenção e independência de determinadas situações objectivas. Mas não invadiu, nem podia, o terreno da subjectividade, da suspeição factual, de eventuais reacções da opinião pública!
A ilustre Comissão de Ética leva porventura o rigor das suas exigentes avaliações sobre a isenção e independência dos Deputados até proporções que invadem os domínios do excesso. Fá-lo por bem. Mas porventura com excesso idêntico ao que presidiu — no entender da Mesa — a muitos dos dispositivos da Lei n.° 24/95. A tal ponto que não será só a Constituição a impor que dela se façam leituras restritivas. Também o mais elementar sentido de razoabilidade e de justiça. O contrário equivaleria à sobreposição de um excesso a outro.
Em carta dirigida ao Sr. Deputado Álvaro Barreto, o Sr. Presidente da Comissão de Ética confirma esta suposição ao informar que o Sr. Deputado Paulo Portas, membro da Comissão de Ética, teria redigido a sua declaração de voto — que chegou a anunciar — «mais no sentido de uma análise ético-política do que uma ponderação ético-jurídica do problema».
Ética, pois, em ambos os casos. Política, sem dúvida. Jurídica não tanto!
Lembrou a Comissão de Ética no seu «parecer» que «o dever de obediência à lei não pode ser afastado sob pretexto de ser injusto ou imoral o conteúdo do preceito legislativo». Assim terá de ser. Mas não é menos certo que «os ditames da boa fé» são hoje — mais do que eram no tempo de que a máxima provém — elementos integradores da interpretação e aplicação das leis.
Fosse como fosse, haveria sempre de ser considerada excessiva a afirmação de que «o Governo manda na SOPORCEL quase como quer».
Isto depois de a própria Comissão de Ética ter considerado como adquirido que «a SOPORCEL é uma sociedade de direito privado»; que «o seu estatuto legal é distinto do das empresas públicas, e mesmo ào àas
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sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos»; que «as regras básicas para a sua organização e funcionamento se encontram no Código das Sociedades Comerciais»; que «os gestores da SOPORCEL não são considerados gestores públicos»; que «em certas matérias a assembleia geral da SOPORCEL só pode deliberar por maioria qualificada de 60 %»; e que «competirá sempre ao conselho de administração da SOPORCEL gerir as actividades desta com autonomia [...]».
Para além disto é sabido que as próprias empresas públicas são hoje administradas com grande grau de autonomia em face do Governo e da Administração.
Justifica também um comentário da Mesa a afirmação da Comissão de Ética segundo a qual «a lei das incompatibilidades não expressa nem revela com clareza que o seu objectivo é apenas o de garantir que, no exercício das suas funções, os Deputados sejam totalmente independentes do Governo, para que possam assim exercer a sua função fiscalizadora sobre este de modo isento e eficaz». A lei, no seu entender, «faz nascer incompatibilidades das situações mais diversas, algumas das quais [...] nem sequer terão directamente a ver com as almejadas isenção, eficácia e sobretudo dignidade ética do exercício do mandato de Deputado».
Para a Mesa, questão é saber se a Constituição está ou não de acordo com esse plúrimo brotar de incompatibilidades. E a resposta que encontra é não. Nunca se realçará demais que, nos termos do n.° 3 do artigo 50.° da Constituição, «no acesso aos cargos electivos, a lei só pode estabelecer as inelegibilidades necessárias para garantir a liberdade de escolha dos eleitores e a isenção e independência do exercício dos respectivos cargos».-
Ora, parece hão ser forçado pretender que, se assim é para o acesso aos cargos, assim deve ser para o exercício deles.
A esta conclusão não obsta a circunstância de, em matéria de incompatibilidades, a Constituição remeter secamente para a lei, apenas prevendo expressamente o caso dos Deputados «que forem nomeados membros do Governo» (artigo 157.° da Constituição). Secamente, mas sem margem para o arbítrio. Já vimos que, quanto às inelegibilidades — logo para o exercício- do mandato por aqueles que forem eleitos—, a Constituição as restringe às necessárias para garantir a liberdade de escolha dos eleitores (hipótese que se esgota com a eleição) e a isenção e independência do exercício dos respectivos cargos.
Por outro lado, no artigo 163.°, que se refere expressamente à perda do mandato, tem o cuidado de exemplificar com a menção de três causas da maior irrecusabilidade.
Mas não se fica por aí. Inclui o direito de acesso aos cargos públicos (artigo 50.°), logo o exercício deles, na categoria dos direitos, liberdades e garantias (artigo 17.° in fine). E protege estes direitos restringindo a respectiva restrição aos casos expressamente previstos na.Constituição e limitando as restrições ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Mais: veda às leis restritivas daqueles direitos «diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais».
Qual é o conteúdo essencial do direito em causa? Só pôde ser o máximo respeito por uma eleição directa e universal, expressão da vontade maioritária do próprio
povo. Dir-se-á: o povo o dá, o legislador, seu representante, o tira. Mas, como vimos, nem a previsão legal da cassação do mandato, nem a interpretação e aplicação da lei que a prevê podem ser arbitrárias, nem o resultado de uma interpretação extensiva: da Constituição e da lei pelo intérprete dela.
Escasseava assim à Comissão ôe Ética espaço para interpretar extensivamente a alínea a) do n.° 2 do artigo 21." da Lei n.° 24/95 e para se pronunciar sobre o circunstancialismo fáctico a partir elementos como alguns daqueles em que baseou a sua concreta posição.
Não pode assim aceitar-se o bem fundado de incompatibilidades nascidas «das situações mais diversas». Nem resultantes da sobreposição de juízos éticos sobre juízos constitucionais e legais, sendo que a própria Comissão de Ética admite, como vimos, que algumas das situações geradoras de situações de incompatibilidade nem sequer terão directamente a ver com os valores e as balizas constitucionais. Se assim for, há que sobrepor os valores da Constituição aos valores da lei. Já, noutras ocasiões, e por outros caminhos, se havia chegado à mesma conclusão.
Na opção pela tese de que só d relevante, para a interpretação da expressão «sociedades de capitais maioritariamente públicos», o que a esse respeito resultar da lei ou dos estatutos, não de meras, ocasionais e flutuantes situações de facto, a Mesa encontra-se, como vimos, bem acompanhada. Desde logo pela Constituição, que impõe interpretações restritivas. Depois pela soit disant jurisprudência da Procuradoria-Geral da República, entidade competente para, em primeira linha, fiscalizar as situações de ilicitude que entender que ocorrem. Também pela esmagadora maioria da doutrina especializada, com a talvez só excepção do Prof. Doutor Sousa Franco, se é que o é (ut parecer do Doutor Rui Chancerelle de Machete). Enfim pelo entendimento da 1.* Comissão, à qual compete «emitir parecer sobre [...] a perda do mandato». Há, é certo, o «parecer» em contrário da Comissão de Ética, que doutamente fundamentou a sua posição. Mas não é para a Mesa muito claro que estejamos em face de competências rigorosamente iguais. Compete, com efeito, à Comissão de Ética «verificar os casos de impedimento». E, «em caso de violação, instruir os respectivos processos». Não te.CA.da desaparecido a competência da Mesa para declarar a perda do mandato, nem a da 1." Comissão para emitir parecer prévio a essa declaração, parece razoável concluir que a competência da Comissão de Ética se situa antes desses actos, mesmo que não represente um minus em relação a eles.
A Mesa aflorou esta problemática nas questões prévias que deu por reproduzidas no início desta declaração.
Porque invoca a Mesa todo este sufrágio? Pois para realçar, admitindo sem conceder, que estejamos em face de uma questão duvidosa, ou mesmo de uma problemática interpretação da lei, as dúvidas só poderiam ser peia Mesa resolvidas a favor do Deputado (in dúbio pro legatus), ou seja, pela manutenção do seu mandato. Foi o povo que lho conferiu. A decisão de retirar-lho não pode ser tomada com base em dúvidas de interpretação da lei ou de valoração dos factos.
Resta à Mesa a consolação de que qualquer Deputado poderá transferir a solução final para o Plenário, recorrendo para ele. Se se entender que a Mesa erra, não seva,, em. qualquer caso, um erro irreparável. Poderá sempre repará--lo o universo dos representantes do povo, que é, como quem diz, o próprio.
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7 — Nota final antes da conclusão: a Mesa faz questão em realçar que a circunstancia de não ter podido acolher a solução preconizada pela Comissão de Ética não invalida, nem o seu apreço pela seriedade, competencia e zelo postos pela mesma Comissão no apuramento e na clarificação dos factos interessantes para a decisão final ou na sua qualificação ético-jurídica, nem o reconhecimento pelo papel que desempenhou, até à auto -suspensão dos seus membros. Na verificação dos factos relativos a tantas outras hipóteses de impedimento e incompatibilidade, bem como na instrução dos respectivos processos e respectiva apreciação, a Comissão de Ética não se poupou a esforços para estar à altura da missão que lhe foi cometida. E houve-se com assinalável independência e sentido de Estado, atitudes que à Mesa apraz sublinhar.
Mas, sem ter sido expressamente invocado, para solução pela via regimental idónea, desenhou-se neste caso, com toda a clareza, üm conflito de competências entre a. Comissão de Ética e a 1.* Comissão.
Há que fazer um esforço para ultrapassar — clarificando -o — o conflito que ficou caracterizado. O Presidente da Mesa teria sempre à mão o recurso à via regimental: solicitar a emissão de um parecer à Comissão de Regimento e Mandatos (hoje 1." Comissão). Só que esta Comissão é parte interessada no conflito. E não havia de sentir-se à vontade pára se pronunciar sobre um conflito que tão directamente lhe diz respeito.
Daí que o Presidente da Mesa tenha tomado a iniciativa de .sobre o assunto ouvir a Conferência de Representantes dos Grupos Parlamentares, a qual, por consenso, aceitou a sua proposta de constituição de um grupo informal de trabalho, constituído pelos seus ilustres presidentes da 1.° Comissão e da Comissão de Ética e por Deputados para o efeito designados, um por cada grupo parlamentar.
Esse grupo de trabalho estudaria as saídas possíveis para o caracterizado conflito de competências, e proporia ao Presidente da Mesa — que acompanharia os trabalhos do grupo— a conclusão a que tivesse chegado. Esta conclusão não seria vinculativa para os grupos parlamentares, e seria objecto de reapreciação em Conferência de Representantes dos Grupos Parlamentares, para que, se fosse caso disso, viesse a ser vertida em projecto a discutir e votar nos lermos do Regimento.
A Mesa congrajula-se com o consenso havido na Conferência de Representantes dos Grupos Parlamentares e solicita aos membros da Comissão de Etica que, em face desta nova situação, ainda que apenas virtual, reassumam o exercício normal das suas competências no quadro da Comissão de Ética para que foram eleitos.
8 — Conclusão:
A Mesa conclui, como decorre, por maioria, pela inexistencia-de qualquer incompatibilidade entre o exercício do mandato de Deputado e o exercício do cargo de presidente do conselho de administração da SOPORCEL pelo Sr. Engenheiro Álvaro Barreto.
Não há assim lugar, em seu entender, à declaração da perda do referido mandato.
Lisboa, 14 de Janeiro de 1997.— O Presidente da Assembleia da República, António de Almeida Santos. — Os Vice-Presidentes: Manuel Alegre (absteve-se) — João Amaral (vencido, com declaração de voto). — Os Secretários: Artur Penedos — Duarte Pacheco — João Corregedor da Fonseca (vencido, com declaração de
voto). — Os Vice-Secretários: Rosa Maria Albemaz — José Ernesto Figueira dós Reis — Maria Luísa Ferreira.
•
Nota.— O Vice-Presidente Mota Amaral votou favoravelmente, por escrito, mas não assina por não ter podido estar presente à reunião. — O Presidente da Assembleia da República, António de Almeida Santos.
Posição do Vice-Presidente João Amaral e do Secretário João Corregedor da Fonseca sobre as declarações da Mesa relativas ao mandato dos Deputados do PS Henrique Neto e do PSD Álvaro Barreto.
Sem prejuízo de melhor opinião e ressalvando a qualidade dos textos presentes para deliberação da Mesa, os signatários votam contra as duas deliberações, nos termos e com os fundamentos seguintes:
1.° Os signatários consideram que incumbe à Mesa aplicar a lei e o Regimento aos dois casos concretos em análise, e não apreciar a Lei n.° 24/95, de 18 de Agosto, quer quanto ao seu processo de votação, quer quanto ao seu conteúdo. Assim, os signatários separam-se completamente das considerações críticas de natureza política formuladas sobre a Lei n.° 24/95, críticas que consideram deslocadas e injustas. Aliás, esta lei está em vigor por todo o período da presente legislatura (há mais de 14 meses) e não existe qualquer projecto de alterações.
2.° Acresce que o Estatuto dos Deputados, com as alterações decorrentes da Lei n.° 24/95, foi já aplicado a numerosos Deputados da Assembleia da República, que se conformaram com a lei e os pareceres da Comissão Parlamentar de Ética, como, aliás, é assinalado no «Breve relatório» sobre o trabalho desenvolvido por essa Comissão, mandado distribuir pelo Sr. Presidente da Assembleia da República em 13 de Janeiro passado. Só dois Deputados se rebelaram contra a Lei e a Comissão Parlamentar de Ética. Aliás, são conhecidos casos de cidadãos que não se candidataram a Deputados por não quererem renunciar a actividades incompatíveis. A Comissão de Ética assinala que nos casos em que considerou haver impedimento (e salvo o caso de dois Deputados) todos os Deputados «não assumiram as respectivas situações de facto (geradoras de incompatibilidade) ou suspenderam ou renunciaram às mesmas».
3.° Os signatários assinalam que a matéria relativa a estes dois casos já foi votada na Comissão Parlamentar de Ética (onde o Deputado António Filipe do Grupo Parlamentar do PCP votou favoravelmente os relatórios que consideram existir impedimento); já foi votada na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (onde os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP votaram contra os relatórios que consideraram que a Comissão era competente para emitir parecer e que sobre os Deputados em causa não impendia qualquer incumprimento); e já foi votada no Plenário (onde o Grupo Parlamentar do PCP votou contra os relatórios da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias que consideravam que os Deputados em questão podiam reassumir o mandato).
4.° Quanto à questão prévia de saber se a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias pode emitir parecer «em cima» do parecer da Comissão de Ética, os signatários votam contra essa possibilidade, por considerarem que da Lei n.° 24/95, que criou a Comissão de Ética e lhe deu competências-concretas, resultam prejudicadas todas as normas (legais e
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regimentais) que conflituem com o exercício dessas competências. Foi, aliás, o que sempre sucedeu com outras leis que regularam matérias que têm incidência regimental.
5.° Sobre a existência de impedimento quando um Deputado é gestor ou titular de participação social de empresa que obtém apoios financeiros do PEDIP, os signatários não vêem nenhum argumento novo que infirme a posição tomada no parecer da Comissão Parlamentar de Ética, e que considerou haver impedimento. Em consequência, votam contra a proposta de declaração da Mesa. .
6.° Sobre a existência de impedimento no exercício de funções de presidente do conselho de administração de empresa de capitais maioritariamente públicos, os signatários consideram que se mantêm todas as razões que levaram a Comissão de Ética a considerar existir impedimento. Em consequência, votam contra a proposta de declaração de ética.
1° Os signatários acham desnecessário repetir aqui as razões, designadamente as aduzidas pela Comissão Parlamentar de Ética, para considerar que existe impedimento nos dois casos. Mas, não podem deixar de salientar, quanto ao primeiro caso, que se trata de «dinheiros públicos» que são geridos com grande margem de discricionariedade; e quanto ao segundo caso, que a imprensa trata a empresa em questão referindo-a sempre como dependente do Governo, como efectivamente é.
8.° Finalmente, os signatários anotam que não se trata nestes casos de «impedir» o exercício do mandato de
Deputado a quem se candidatou e foi eleito: os Deputados
em questão poderão exercer os .seus mandatos desde que façam cessar os impedimentos que sobre eles impendem. É a eles que cabe o ónus de se conformarem à lei; não é a lei que tem de se conformar à vontade e aos interesses deles.
Lisboa, 14 de Janeiro de 1997.— O Vice-Presidente, João Amaral. — O Secretário, João Corregedor da
Fonseca.
Comissão de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Pescas
Relatório de actividades relativo aos meses de Novembro e Dezembro de 1996
Dia 5 de Novembro (15 horas) — audiência parlamentar sobre a previsível reforma da OCM do azeite.
Para além dos Srs. Deputados constantes do respectivo livro de presenças (26), estavam ainda presentes o Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas e ainda representantes da CAP, da CNA, da Casa do Azeite e da Assembleia Municipal de Portel.
Dia 7 Novembro (14 horas e 30 minutos) — reunião ordinária. Presentes: 19 Deputados.
Dia 20 Novembro (15 horas) — reunião conjunta com a Comissão de Economia, Finanças e Plano e o Sr. Ministro da Administração Interna (debate, na especialidade, das Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado para 1997). Presentes: 27 Deputados.
Dia 21 Novembro (16 horas) — reunião ordinária. Presentes: 24 Deputados.
Dia 22 Novembro (10 horas) — reunião conjunta com a Comissão de Economia, Finanças e Plano e o Sr. Ministro da Economia (debate, na especialidade, das Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado para 1997). Presentes: 24 Deputados.
Dia 27 Novembro (10 horas) — reunião conjunta com a Comissão de Economia, Finanças e Plano e o Sr. Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas (debate, na especialidade, das Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado para 1997). Presentes: 27 Deputados.
Dia 27 Novembro (15 horas) — audiência com o município de Coruche. Assunto: questão de declaração de falência eminente da COOPSOR. Presentes: Deputados Francisco Camilo e Garcia dos Santos (PS), Sá e Abreu (PSD), Armelim Amaral (PP) e Lino de Carvalho (PCP).
Dia 4 Dezembro (15 horas) — reunião ordinária. Presentes: 26 Deputados.
Dia 9 Dezembro (16 horas) — reunião ordinária. Presentes: 25 Deputados.
Dia 11 Dezembro (16 horas) — audiência, concedida pela Subcomissão das Pescas, à Federação dos Sindicatos do Sector da Pesca e ao Sindicato dos Trabalhadores da Pesca do Norte e do Centro. Assunto: projectos de diplomas que estabelecem o regime .jurídico do trabalho a bordo das embarcações de pesca.
Dia 17 Dezembro (15 horas) — reunião ordinária. Presentes: 25 Deputados.
Palácio de São Bento, 6 de Janeiro de 1997.— O Deputado Presidente, Antunes da Silva.
Declaração
Ao tomar conhecimento da decisão sobre o problema da minha compatibilidade como Deputado e como presidente do conselho de administração da SOPORCEL, S. A., venho, por este meio, agradecer-lhe a seriedade e a isenção com que V. Ex.°, como Presidente da AssemrJieSa da República, tratou deste assunto. *
Esclarecida e resolvida esta questão, venho, peia presente, pedir a renúncia ao meu lugar de Deputado, visto ter concluído que, face ao aumento de responsabilidades que recentemente tive de assumir na minha vida profissional, tal facto não me deixa tempo para representar com seriedade e eficácia os eleitos que me elegeram.
O facto de esta minha decisão só ser tomada após a conclusão do processo sobre a minha incompaúbvUdade poderá parecer a muita gente estranha e provocatória, mas se assim decidi actuar foi por uma questão de princípio, pois entendo que, depois de legalmente eleito, exercer ou não o lugar de Deputado é uma decisão que só a mim compele tomar e não aceito, nem nunca aceitarei, que outros, violando os meus direitos de cidadão, tomem essa decisão por mim.
Agradecendo a V. Ex.a, uma ve2 mais, todas as suas atenções, apresento-lhe os meus melhores cumprimentos.
Lisboa, 16 de Janeiro de 1997.— O Deputado, Álvaro Barreto.
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18 DE JANEIRO DE 1997
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Aviso
Nos termos e para os efeitos do artigo 1° do Regimento da Assembleia da República, temos a honra de comunicar que foi eleita presidente do Grupo Parlamentar do Partido Popular a Sr." Deputada Maria José Pinto da Cunha Avilez Nogueira Pinto.
Palácio de São Bento, 8 de Janeiro de 1997.— Pelo Grupo Parlamentar do Partido Popular, Jorge Ferreira.
Aviso
Por despacho de 18 de Dezembro de 1996 do presidente do Grupo Parlamentar do CDS-PP:
Nuno José da Costa Gonçalves — exonerado, a seu pedido, do cargo de adjunto do Gabinete de Apoio do Grupo Parlamentar do CDS-PP, com efeitos a partir de 31 de Dezembro de 1996.
Assembleia da República, 6 de Janeiro de 1997.— A Directora de Serviços Administrativos e Financeiros, Maria do Rosário Paiva Boléo.
Grupo Parlamentar de Amizade Portugal--República da Letónia
Nos termos do n.° 7 do artigo 2.° da Deliberação n.° 4-PL/90, publicada no Diário da Assembleia da República, 2." série-A, n.° 50, de 20 de Junho de 1990, faz-se público que o Grupo Parlamentar de Amizade Portugal--República da Letónia foi constituído em 19 de Dezembro de 1996, tendo sido eleito o respectivo conselho directivo:
Presidente — Deputada Rosa Maria Albernaz (PS). Vice-presidentes:
Deputado Carlos Duarte (PSD). Deputado Manuel Francisco Valente (PS).
Vogais:
Deputado Miguel Ginestal (PS). Deputado José Alberto Cardoso Marques (PS). Deputado António Sá e Abreu (PSD). Deputado José Costa Pereira (PSD).
Palácio de São Bento, 1 de Dezembro de 1996.— O Presidente da Assembleia da República, António de Almeida Santos.
A Divisão de Redacção e Apoio Audiovisual.
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II SÉRIE -C —NÚMERO 8
DIÁRIO
da Assembleia da República
Depósito legal n.° 88/9/85
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