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Quarta-feira, 27 de setembro de 2023 II Série-E — Número 1

XV LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2023-2024)

S U M Á R I O

Provedor de Justiça (Relatório anual do Provedor de Justiça relativo a 2022, incluindo o Relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção):

— Pareceres da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.

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PROVEDOR DE JUSTIÇA

(RELATÓRIO ANUAL DO PROVEDOR DE JUSTIÇA RELATIVO A 2022, INCLUINDO O RELATÓRIO

DO MECANISMO NACIONAL DE PREVENÇÃO)

Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o

Relatório Anual do Provedor de Justiça relativo a 2022

PARTE I – Considerandos

A) Enquadramento

Em cumprimento do disposto no artigo 23.º do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei n.º 9/91,

de 9 de abril1 (adiante, abreviadamente, designado «Estatuto»), a Provedora de Justiça remeteu à Assembleia

da República o seu relatório anual de atividades relativo ao ano de 2022 (adiante, abreviadamente, designado

«Relatório»).

O referido Relatório deu entrada na Assembleia da República em 4 de julho de 2023, baixou, no próprio dia,

à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (CACDLG), e foi distribuído à relatora

em 5 de julho de 2023, tendo a Provedora de Justiça sido ouvida na CACDLG em 11 de setembro de 2023.

Cumpre, agora, à CACDLG emitir o respetivo parecer, nos termos do artigo 238.º do Regimento da

Assembleia da República (RAR).

Preambularmente, recorda-se que o Provedor de Justiça é, de acordo com o artigo 23.º da Constituição da

República Portuguesa (CRP) «um órgão independente», ao qual «os cidadãos podem apresentar queixas por

ações ou omissões dos poderes públicos (…), que as apreciará sem poder decisório, dirigindo aos órgãos

competentes as recomendações necessárias para prevenir e reparar injustiças».

Nos termos do artigo 1.º do seu Estatuto, o Provedor de Justiça tem por «função principal a defesa e

promoção dos direitos, liberdades, garantias e interesses legítimos dos cidadãos, assegurando, através de

meios informais, a justiça e a legalidade do exercício dos poderes públicos». Adicionalmente, e nos termos do

mesmo artigo, o Provedor de Justiça «pode exercer também funções de instituição nacional independente de

monitorização da aplicação de tratados e convenções internacionais em matéria de direitos humanos» e

«assegura a cooperação com instituições congéneres e com as organizações da União Europeia e

internacionais no âmbito da defesa e promoção dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos».

O âmbito de atuação do Provedor de Justiça é delimitado pelo artigo 2.º do seu Estatuto, exercendo-se a sua

ação «nomeadamente, no âmbito da atividade dos serviços da Administração Pública central, regional e local,

das Forças Armadas, dos institutos públicos, das empresas públicas ou de capitais maioritariamente públicos

ou concessionárias de serviços públicos ou de exploração de bens do domínio público, das entidades

administrativas independentes, das associações públicas, designadamente das ordens profissionais, das

entidades privadas que exercem poderes públicos ou que prestem serviços de interesse geral», podendo ainda

incidir «em relações entre particulares que impliquem uma especial relação de domínio, no âmbito da proteção

de direitos, liberdades e garantias».

Finalmente, recorda-se ainda que, também nos termos do seu Estatuto, artigos 3.º e 4.º, a atividade do

Provedor de Justiça pode ser exercida por iniciativa própria, na defesa e promoção dos direitos, liberdades e

garantias dos cidadãos, e interesses legítimos destes, designadamente os mais vulneráveis em razão da idade,

da raça ou da etnia, do género ou da deficiência, sem prejuízo do direito de queixa que assiste aos cidadãos,

pessoas singulares ou coletivas.

B) Apresentação

1. Apresentação geral

O Relatório em análise está estruturado em quatro partes: I – Introdução; II – Atividade do Provedor de Justiça

1 Com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 30/96, de 14 de agosto, pela Lei n.º 52-A/2005, de 10 de outubro, e pela Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro.

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em 2022; III – Informação estatística; e, IV – Principais siglas e abreviaturas.

A apresentação do trabalho realizado pelo Provedor de Justiça consta, sobretudo, da Parte II e é detalhada

por referência às seguintes três dimensões:

i) Problemas gerais;

ii) Temas analisados;

iii) Instituição nacional de Direitos Humanos e demais atividade.

Relativamente aos problemas gerais, o Relatório sumaria as práticas de má e deficiente administração que,

com maior frequência, estiveram na origem das queixas que chegaram ao Provedor de Justiça, focando-se em:

morosidade; falta de articulação entre os serviços públicos; e, comunicação com os cidadãos.

Quanto aos temas analisados, o Relatório elenca as matérias em torno das quais se concentram os

problemas objeto de exposição ao Provedor de Justiça: ambiente e ordenamento do território; cidadania;

economia e consumo; educação e cultura; cidadãos estrangeiros em Portugal; fiscalidade; habitação e

urbanismo; justiça e segurança interna; liberdade de expressão e de informação; saúde; segurança social;

sistema prisional e reinserção social; e, trabalho.

Por fim, por referência à dimensão Instituição nacional de direitos humanos e demais atividade, o Relatório

sintetiza a ação do Provedor de Justiça nos planos: sistema internacional de direitos humanos; associações e

redes internacionais de instituições nacionais de direitos humanos; sistema regional de direitos humanos; e,

atividades de âmbito nacional.

Percorrem-se, de seguida, genericamente, estas três dimensões.

2. Introdução

Depois de uma breve apresentação da organização do Relatório, a nota introdutória destaca que a nova

estrutura do documento (cfr, ponto 1 supra) traduz uma «nova forma de relatar», que «é já consequência da

reorganização interna da Provedoria, decorrente da entrada em vigor da sua nova Lei Orgânica (Decreto-Lei

n.º 80/2021, de 6 de outubro)».

Com efeito, no início de 2022, a Provedoria redefiniu os critérios gerais de recebimento de queixas,

garantindo que cumprissem, simultaneamente, duas exigências: a fidelidade ao dever especial de acolhimento

que, por imposição constitucional, recai sobre o Provedor; e, a necessidade de garantir uma adequada e

oportuna resposta às solicitações que requerem intervenção urgente. Tal implicou a introdução de mecanismos

internos de governação e, em especial, a instalação de uma nova unidade dedicada à apreciação preliminar das

solicitações dirigidas ao Provedor de Justiça.

Com o funcionamento da nova unidade, a Provedoria informa ter conseguido uma resposta mais rápida às

questões de simples resolução e uma redução do número e do tempo médio de duração dos procedimentos

objeto de instrução, tal como se encontra refletido nos números estatísticos constantes da Parte III do Relatório.

Daqui terá resultado maior agilidade na deteção de problemas de natureza sistémica.

Ora, ao lograr «resolver na medida das suas possibilidades os problemas imediatos que, para os

destinatários individuais», geram as práticas de sistemática má administração do Estado, e, ao «dar a conhecê-

las, ao Parlamento e a toda a comunidade, para que possam vir a ser corrigidas», conclui o Relatório que, a

Provedoria de Justiça terá cumprido melhor a sua função de Ombudsman, por razões que a leitura do próprio

documento, com a sua nova estrutura, «se encarregará de deixar claras».

3. Atividade do Provedor de Justiça em 2022

3.1. Problemas gerais

Face às queixas recebidas e instruídas no ano de 2022, o Relatório refere que a Provedoria de Justiça

procedeu à identificação dos problemas que «transversal e reiteradamente, afetam a atividade administrativa».

Destaca-se, preliminarmente, que «Por intermédio da atuação da Provedora de Justiça, muitas das situações

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concretas aqui apresentadas foram já resolvidas. A sua presente divulgação pública visa (…) contribuir para o

debate coletivo e para a melhoria da atuação da Administração Pública e, também por esta via, cumprir a função

de defender e promover os direitos, liberdades e garantias e os interesses legítimos dos cidadãos».

No relatório é dado destaque, pelo seu relevo, aos problemas da morosidade da ação administrativa, à falta

de articulação entre serviços públicos e à má comunicação com os cidadãos.

3.1.1. Morosidade

O Relatório começa por recordar que a Constituição da República Portuguesa e o Código do Procedimento

Administrativo ditam que os cidadãos têm direito à apreciação em prazo razoável das suas pretensões e a um

procedimento administrativo célere, para depois sublinhar que «A morosidade na resposta às pretensões dos

cidadãos surge, porém, muito frequentemente referida pelos queixosos como a questão diretamente alvo de

queixa ou como agravante da situação objeto de reclamação. (…), assumindo especial gravidade as situações

em que a demora afeta o pagamento ou a restituição de valores devidos aos cidadãos».

Quando reflete sobre as razões subjacentes ao problema, o Relatório conclui que «no diálogo estabelecido

com as entidades visadas pelas queixas, a Administração Pública apresenta como causas da morosidade o

volume de trabalho, a escassez de meios, particularmente de recursos humanos, e a desadequação dos

sistemas informáticos. A existência de modelos de organização e de rotinas de trabalho ineficientes, a falta de

procedimentos automatizados, e mesmo a desadequada comunicação com o cidadão (…) contribuem,

seguramente, para a dimensão do problema».

De seguida, o Relatório identifica as situações que suscitaram maior preocupação neste plano, classificando-

as em torno dos eixos:

− Acesso a direitos sociais;

− Entrada em território nacional;

− Pedidos de nacionalidade português;

− Outros exemplos.

3.1.2. Falta de articulação entre serviços públicos

Começando por relembrar que a crescente complexidade da função administrativa, sobretudo a de natureza

prestacional, torna imperativa a atuação conjunta de várias entidades para o mesmo fim, o Relatório assinala

que «na prática, verifica-se que obsta à regular tramitação dos procedimentos a dificuldade de os serviços

públicos agirem concertadamente» para concluir, de acordo com a análise realizada: que «as dificuldades de

articulação na relação entre serviços pertencentes a diferentes áreas foram evidentes»; que «mesmo quando

os serviços pertencem à mesma área da Administração, ou até à mesma entidade, detetam-se vários exemplos

de desarticulação»; que «a aplicação de medidas de carácter extraordinário também é suscetível de gerar

problemas de articulação» (caso do estatuto de regularidade provisória, que legitimou a permanência em

território nacional de cidadãos estrangeiros com processos pendentes no SEF, aquando da declaração do

estado de emergência); e, que «em determinadas situações, pese embora a existência de um protocolo de

cooperação institucional em vigor, este não assegura a desejável articulação entre as entidades públicas

envolvidas».

3.1.3. Comunicação com os cidadãos

Também em matéria de diálogo com os cidadãos, o Relatório começa por referir que a Administração Pública

deve assegurar uma comunicação eficaz e transparente e garantir a simplificação da linguagem administrativa

de modo a facilitar o acesso aos serviços públicos, considerando que, «para uma apreciação da qualidade da

comunicação entre o Estado e os cidadãos, é relevante distinguir entre a comunicação destinada ao público em

geral e a comunicação individualmente dirigida».

Consequentemente, o Relatório destaca que a atividade da Provedoria de Justiça tem permitido identificar

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problemas nestes dois tipos de comunicação e que, na comunicação individualmente dirigida, os problemas

identificados se relacionam, sobretudo, com:

− Utilização de linguagem hermética;

− Recurso a minutas desadequadas;

− Informações incorretas e omissão de informação relevante.

3.2. Temas analisados

De acordo com o relato apresentado, a abrangência das matérias objeto de exposição dos cidadãos reflete,

«não apenas o alcance da função geral de administração do Estado, mas ainda a forma pela qual o exercício

de tal função, gerando queixas dirigidas ao Provedor de Justiça, se repercute quotidianamente na vida dos

cidadãos».

A opção realizada foi a de ancorar a análise em torno de treze temas, equacionando-se, para cada um, os

problemas, as dificuldades e, a título exemplificativo, as situações concretas que, a seu propósito, a Provedoria

foi chamada a resolver.

Foram os seguintes os temas identificados:

− Ambiente e ordenamento do território, no qual foram identificados problemas relacionados com avaliação

de impacte ambiental; eficiência energética; mobilidade sustentável; exposição a amianto; e, ruído;

− Cidadania, no qual foram identificados problemas relacionados com Cartão de Cidadão; e, exercício do

direito de voto;

− Economia e consumo, no qual foram identificados problemas relacionados com agricultura; tarifas sociais;

e, transporte aéreo;

− Educação e cultura, no qual foram identificados problemas relacionados com acesso à rede escolar;

educação inclusiva; e, apoios à cultura (COVID-19);

− Cidadãos estrangeiros em Portugal, no qual foram identificados problemas relacionados com acesso a

cuidados de saúde; acesso a prestações sociais; estatuto de residente; e, proteção temporária para

cidadãos deslocados da Ucrânia;

− Fiscalidade, no qual foram identificados problemas relacionados com benefícios e isenções fiscais; e,

execuções fiscais;

− Habitação e urbanismo, no qual foram identificados problemas relacionados com acesso à habitação social;

e, outras questões em matéria de habitação;

− Justiça e segurança interna, no qual foram identificados problemas relacionados com acesso ao direito e

aos tribunais; e, atuação disciplinar;

− Liberdade de expressão e de informação, no qual foram identificados problemas relacionados com Carta

Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital; e, suspensão na União Europeia das atividades de

radiodifusão da RT – Russia Today e Sputnick;

− Saúde, no qual foram identificados problemas relacionados com acesso ao Serviço Nacional de Saúde;

atestados médicos de incapacidade multiuso; atestados médicos de incapacidade multiuso; e,

subsistemas públicos de saúde;

− Segurança social, no qual foram identificados problemas relacionados com abono de família a crianças e

jovens; e, proteção na invalidez e na velhice;

− Sistema prisional e reinserção social, no qual foram identificados problemas relacionados com acesso a

cuidados de saúde; apoio social e económico; e, apoio habitacional na reinserção social;

− Trabalho, no qual foram identificados problemas relacionados com igualdade e não discriminação;

mobilidade; precariedade; e, saúde no trabalho – entidades públicas.

4. Instituição Nacional de Direitos Humanos e demais atividade

A par do já referido mandato de Ombudsman, o Provedor de Justiça é, também, em Portugal, a Instituição

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Nacional de Direitos Humanos (INDH), razão pela qual o Relatório dedica a esta área uma secção própria.

O relato sublinha que os Princípios de Paris, aprovados pela Assembleia Geral da Organização das Nações

Unidas (ONU), atribuem às INDH a missão de cooperar com as Nações Unidas, com as instituições regionais e

as instituições nacionais de outros países com competência na promoção e proteção dos direitos humanos, o

que de resto se encontra refletido no Estatuto do Provedor de Justiça.

Deste modo, a atividade realizada pelo Provedor de Justiça, em 2022, nos planos do Sistema Internacional

de Direitos Humanos, das associações e redes internacionais de INDH e do Sistema Regional de Direitos

Humanos são objeto de descrição detalhada.

O mesmo sucede quanto às atividades de âmbito nacional do Provedor de Justiça que, em 2022, continuou

o diálogo com as instituições nacionais e a sociedade civil, participando em iniciativas destinadas a promover a

informação e educação no domínio dos direitos fundamentais e dos direitos humanos e mantendo em

funcionamento, na Provedoria de Justiça, as linhas de atendimento telefónico destinadas à proteção dos direitos

das pessoas mais vulneráveis (v.g., crianças, pessoas idosas e cidadãos com deficiência).

Especificamente, no domínio do Sistema Internacional de Direitos Humanos, o Relatório sublinha que a

Provedoria de Justiça coopera com os Procedimentos Especiais das Nações Unidas, e que em 2022: i) o relator

especial sobre a questão das obrigações de direitos humanos relativas ao gozo de um ambiente seguro, limpo,

saudável e sustentável visitou Portugal, com o objetivo de analisar como têm vindo a ser implementados tais

direitos, identificar boas práticas e investigar os desafios ambientais que o país enfrenta, tendo depois

apresentado um relatório com conclusões e recomendações ao Conselho de Direitos Humanos da ONU; ii) a

relatora especial sobre as mudanças positivas alcançadas desde a publicação da Declaração das Nações

Unidas sobre os Defensores dos Direitos Humanos recebeu do País os contributos de caracterização da situação

nacional para efeitos de relatório para o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.

No domínio das Associações e redes internacionais de INDH, o Relatório destaca que, no âmbito da interação

regular com a Aliança Global de Instituições Nacionais de Direitos Humanos (GANHRI) – que tem por missão

unir, promover e fortalecer as INDH e que é parceira das Nações Unidas – a Provedoria de Justiça acompanhou

a realização de vários eventos, nomeadamente: i) reunião sobre o tema «Proteger os defensores dos direitos

humanos ambientais e promover uma participação significativa nas conversações sobre o clima – o papel das

Instituições Nacionais de Direitos Humanos»; ii) reunião anual do GANHRI na qual foi discutido o papel das

INDH na proteção dos direitos humanos na era digital.

Adicionalmente, o Relatório destaca o trabalho realizado, pela Provedoria de Justiça, no quadro do Instituto

Nacional de Ombundsman (pretende contribuir para o respeito pelos direitos humanos e liberdades

fundamentais, promovendo o conceito e a instituição do Ombudsman), da Rede da Comunidade dos Países de

Língua Portuguesa de Direitos Humanos (visa reforçar o papel das instituições que a compõem e sensibilizar as

autoridades nacionais para as vantagens e benefícios da criação de INDH em conformidade com os Princípios

de Paris), da Federação Iberoamericana de Ombudsperson (procura fortalecer as instituições daquele espaço

geográfico) e da Aliança de Direitos Digitais de INDH (visa consolidar o papel das INDH na era digital e proteger

e promover os direitos e liberdades digitais).

No domínio do Sistema regional de Direitos Humanos, o Relatório especifica que o Provedor de Justiça

manteve a colaboração com a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa, que acompanha a

situação dos direitos humanos nos 57 Estados participantes, no quadro do que participou em iniciativas sobre:

i) «2022 Academia de INDH: inteligência artificial e direitos humanos»; ii) «A construção de INDH resilientes».

Durante o ano, o Provedor de Justiça articulou, também, com o Conselho da Europa a resposta a solicitações

de: i) contributos para o Comité de Lanzarote, órgão de monitorização da Convenção do Conselho da Europa

para a Proteção das Crianças contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais; ii) contributos para o 5.º ciclo

de avaliação de Portugal no quadro do Grupo de Estados Contra a Corrupção (GRECO); iii) visita de delegação

do Comité Europeu para a Prevenção da Tortura com o objetivo de avaliar as recomendações feitas no

seguimento da visita de 2019.

Por outro lado, no âmbito da União Europeia, o Provedor de Justiça iniciou a colaboração em programa de

assistência técnica e troca de informações junto das instituições tipo Ombudsman da região dos Balcãs (TAIEX

Peer Review Missions on Independent and Regulatory Bodies) e recebeu a visita do Grupo para os Direitos

Fundamentais e o Estado de Direito do Comité Económico e Social Europeu.

Ainda no âmbito regional, o Provedor de Justiça contribuiu para estudos desenvolvidos pela Agência

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Europeia de Direitos Fundamentais sobre: i) «Envelhecimento nas sociedades digitais: facilitadores e obstáculos

ao exercício dos direitos sociais pelas pessoas idosas»; ii) «Antirracismo no policiamento na UE: desafios e boas

práticas»; iii) «Direitos fundamentais».

Finalmente, em 2022, o Provedor de Justiça colaborou com redes de INDH e Ombudsman de âmbito regional,

tendo participado em assembleias gerais e grupos de trabalho da Rede Europeia de Instituições Nacionais de

Direitos Humanos, e, bem assim, em reuniões e conferências da European Network of Ombudsmen.

Uma última nota, para o que no Relatório se refere quanto a atividades de âmbito nacional do Provedor de

Justiça.

Para lá do trabalho realizado em termos de participação em ações de formação, conferências e seminários

e em termos de contactos com a sociedade civil, designadamente, com centros de formação, universidades e

associações profissionais, destacam-se algumas intervenções.

No seu estatuto de observador permanente junto da Comissão Nacional para os Direitos Humanos, que

coordena a atuação dos vários ministérios, tendo em vista a definição da posição nacional nos organismos

internacionais de direitos humanos e o cumprimento das obrigações decorrentes de instrumentos internacionais,

o Provedor de Justiça reiterou a importância de que Portugal concluísse a elaboração de um plano de ação

nacional sobre empresas e direitos humanos, à semelhança de outros Estados-Membros da União Europeia.

Na sua qualidade de membro do mecanismo nacional de monitorização da implementação da Convenção sobre

os Direitos das Pessoas com Deficiência, no contexto da emergência humanitária resultante da invasão da

Ucrânia, acompanhou o apelo à Assembleia da República de necessidade de aplicação do direito internacional

humanitário, e, no contexto da nova proposta de lei de saúde mental, acompanhou o pedido de que a mesma

refletisse as orientações para a máxima autonomização e bem-estar da vida das pessoas com doença mental

na comunidade.

No seu papel de participante na Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e

Jovens, que contribui para a planificação da intervenção do Estado na promoção dos direitos e na proteção das

crianças e jovens, bem como para a coordenação, acompanhamento e avaliação da ação dos organismos

públicos e da comunidade, a representante da Provedora de Justiça esteve presente nas reuniões realizadas

em 2022.

No contexto da sua cooperação com a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial, a

Provedoria de Justiça assegurou a disponibilização de dados sobre queixas recebidas com fundamento em

discriminação racial ou étnica, contribuindo para a elaboração do Relatório Anual sobre a Situação da Igualdade

e Não Discriminação de 2022, o mesmo tendo feito relativamente ao Instituto Nacional para a Reabilitação e a

dados sobre queixas recebidas por discriminação em razão da deficiência ou da existência de risco agravado

de saúde.

PARTE II – Opinião da Deputada relatora

Nos termos da alínea b) do n.º 1 e do n.º 4 do artigo 139.º do RAR, a opinião da relatora é de elaboração

facultativa, pelo que a mesma se exime, nesta sede, de emitir considerações políticas, reservando a sua opinião

política sobre o presente Relatório MNP para o debate em Plenário.

PARTE III – Conclusões

Face ao exposto, a CACDLG é de parecer que o Relatório anual de atividades do Provedor de Justiça, relativo

ao ano de 2022, se encontra em condições de ser remetido para discussão em Plenário.

Palácio de São Bento, 27 de setembro de 2023.

A Deputada relatora, Marta Temido — O Presidente da Comissão, Fernando Negrão.

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Parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias sobre o

Relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção relativo a 2022

PARTE I – Considerandos

A) Enquadramento

Em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 23.º do Estatuto do Provedor de Justiça, aprovado pela Lei

n.º 9/91, de 9 de abril1 (adiante, abreviadamente, designado Estatuto), a Provedora de Justiça remeteu à

Assembleia da República o seu Relatório anual relativo à atividade prosseguida enquanto Mecanismo Nacional

de Prevenção ao ano de 2022 (adiante, abreviadamente, designado Relatório MNP).

O referido Relatório deu entrada na Assembleia da República em 4 de julho de 2023, baixou, no próprio dia,

à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (CACDLG) e foi distribuído à relatora

em 5 de julho de 2023, tendo a Senhora Provedora de Justiça sido ouvida na CACDLG em 11 de setembro de

2023.

Cumpre, agora, à CACDLG emitir o respetivo parecer, nos termos do artigo 238.º do Regimento da

Assembleia da República (RAR).

Como pontos prévios, recorda-se que:

− A Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes (CAT)

foi adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1984, e encontra-se em vigor na ordem jurídica

portuguesa desde 1989;

− O Protocolo Facultativo à Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos

Cruéis, Desumanos ou Degradantes (PFCAT) foi adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em

2006, e ratificado pelo Estado português em 2013.

O PFCAT, resultou do reconhecimento da necessidade de consagrar medidas complementares à CAT para

garantir a adequada proteção das pessoas privadas de liberdade, partindo da constatação de que estas pessoas

se encontram numa situação de especial vulnerabilidade e que o conhecimento das condições e funcionamento

dos locais de detenção representa um contributo decisivo para diminuir o risco da ocorrência de práticas

abusivas.

O PFCAT introduziu uma abordagem inovadora, baseada num conjunto de obrigações de natureza prática e

traduzida num sistema de visitas regulares a locais de detenção com o propósito de, através de meios não

judiciais e numa lógica preventiva, assegurar uma proteção mais próxima e efetiva das pessoas privadas de

liberdade.

A estratégia do PFCAT combina uma atuação a nível nacional e internacional, sendo as visitas aos locais de

detenção asseguradas por organismos internacionais e por mecanismos nacionais independentes.

− O Subcomité para a Prevenção da Tortura (SPT) constitui o nível de atuação internacional e foi criado, no

âmbito da Organização das Nações Unidas, com a dupla função de visitar locais de detenção nos Estados

e apoiar a criação e o funcionamento dos mecanismos nacionais independentes.

− Os mecanismos nacionais independentes constituem o nível de atuação nacional que os Estados

subscritores do PFCAT se comprometeram a instalar para garantir a realização de visitas preventivas.

Em Portugal, através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 32/2013, de 20 de maio, a qualidade de

mecanismo nacional de prevenção (MNP) foi conferida à Instituição Nacional de Direitos Humanos, que, em

Portugal, é o Provedor de Justiça, sendo suas principais funções: i) realização de visitas regulares a locais de

detenção2, para monitorizar o tratamento das pessoas aí privadas de liberdade; ii) elaboração de relatórios,

1Com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 30/96, de 14 de agosto, pela Lei n.º 52-A/2005, de 10 de outubro, e pela Lei n.º 17/2013, de 18 de fevereiro. 2O termo «local de detenção» é aqui usado em sentido amplo, de forma a abranger todos os locais onde uma pessoa esteja, ou possa vir a estar, privada de liberdade, sem que deles possa sair por vontade própria. É o caso dos estabelecimentos prisionais, dos centros

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descrevendo as conclusões alcançadas em cada visita; iii) emissão de recomendações e sugestões às

autoridades competentes, apresentando propostas e observações, que podem ser especificamente dirigidas a

determinado local de detenção ou estruturais e referentes a uma tipologia de locais3.

B) Apresentação

1. Apresentação geral

O Relatório MNP em análise está estruturado em nove partes mais anexos: I – Introdução; II – Considerações

gerais; III – Atividade do MNP; IV – Estabelecimentos prisionais; V – Centros educativos; VI – Centros de

instalação temporária e espaços equiparados; VII – Forças de segurança; VIII – Promoção e divulgação

institucional; IX – Principais siglas e abreviaturas.

A apresentação do trabalho realizado pelo Provedor de Justiça consta, sobretudo, da Parte III a VII e é a

seguir, genericamente, percorrida.

2. Atividade do MNP

Em 2022, o MNP realizou cabo 44 visitas de monitorização de locais de detenção.

Os estabelecimentos prisionais (EP) continuaram a ser o principal foco da atuação preventiva do MNP, tendo

sido realizadas 18 visitas a esta tipologia de local.

Como em anos anteriores, os seis centros educativos (CE) do País foram visitados pelo MNP, que manteve

o acompanhamento próximo do sistema tutelar educativo e da situação dos jovens que cumprem uma medida

de internamento.

Continuou, também, a monitorização dos centros de instalação temporária (CIT) e de espaços equiparados

(EECIT), com cinco visitas realizadas.

Adicionalmente, foi intensificada a atuação preventiva junto das forças de segurança, tendo o MNP

centralizado o seu trabalho junto da Polícia de Segurança Pública (PSP) e realizado 15 visitas a locais de

detenção.

Na definição dos locais a visitar, o MNP continuou a seguir como principais critérios: i) a data da última

monitorização; ii) as conclusões alcançadas e os fatores de risco identificados; iii) a eventual sinalização de

situações descritas em queixas ao Provedor de Justiça; iv) as notícias veiculadas pela comunicação social.

As visitas aos locais de privação da liberdade foram, como é regra, realizadas sem aviso prévio.

A circunstância de, em 2022, o MNP ter passado a dispor de uma equipa própria teve impacto positivo na

atividade realizada. Foi possível aprofundar a triangulação dos relatos e informações recolhidas durante as

visitas, através da utilização de vários métodos e fontes, mediante: (i) a visualização de imagens recolhidas por

sistemas de videovigilância, (ii) o diálogo com elementos dos serviços clínicos e jurídicos, com elementos da

segurança e técnicos; (iii) a consulta de documentos, por exemplo, relatórios clínicos e relatórios de ocorrências

diárias (elaborados, no caso dos EP, pelo guarda chefe de cada ala, e, no caso das esquadras, pelo graduado

de serviço). Também foi possível alargar a monitorização de aspetos procedimentais por meio da consulta

sistemática de processos, tendo sido analisados: i) nos EP, processos disciplinares e processos de inquérito por

uso de meios coercivos ou por alegada agressão a recluso; ii) nos CE, processos disciplinares e processos

relativos ao uso de medidas de contenção; iii) nos CIT e EECIT, registos de entrada e saída e processos de

recusa de entrada ou de afastamento coercivo; iv) nas esquadras, autos de detenção, boletins individuais de

detido e relatórios de avaliação do uso de arma de fogo ou de outros meios coercivos.

Conforme a prática anteriormente instituída, após a realização de cada visita e sempre que necessário, o

MNP enviou à direção do local de detenção um pedido para recolha de dados estatísticos e outras informações

relevantes. Posteriormente, o MNP elaborou sempre o relatório de visita com o resumo da diligência, a

enumeração dos fatores de risco, dos aspetos positivos e das questões mais relevantes identificadas,

educativos, dos centros de instalação temporária de estrangeiros e espaços equiparados, bem como das unidades policiais e dos hospitais psiquiátricos. 3 Recentemente, a nova orgânica da Provedoria de Justiça, aprovada pelo Decreto-lei n.º 80/2021, de 6 de outubro, permitiu que o MNP fosse reconhecido legalmente, no ordenamento interno, como um departamento independente da Provedoria de Justiça.

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formulando as pertinentes sugestões e recomendações e facultando às direções dos locais visitados a

possibilidade de contraditório.

Em 2022, foi uniformizado o envio dos relatórios de visita, não só para as direções dos locais visitados, como

para as respetivas direções nacionais: a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, a Direção Nacional

do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ou a Direção Nacional da PSP.

Finalmente, em consonância com a estratégia anteriormente definida, também em 2022 não foram emitidas

recomendações formais, dirigidas, autonomamente, a questões estruturais ou de natureza sistémica; as

recomendações foram feitas, casuisticamente, no âmbito dos relatórios das visitas.

3. Estabelecimentos prisionais

O Relatório MNP, neste capítulo, abre com a secção Considerações gerais, na qual começa por referir que

o panorama dos EP portugueses «não sofreu alterações significativas ao longo de 2022» e que, genericamente,

subsistem as questões que o MNP vem apontando anualmente: «(i) a desatualização de grande parte do

edificado, a sua diversidade e assimetria; (ii) as frequentes situações de sobrelotação e a ocupação excessiva

dos alojamentos e (iii) as carências de recursos humanos e de meios materiais, que prejudicam, em várias

dimensões, as condições da vida em reclusão».

De seguida, o Relatório aprofunda cada uma destas dimensões.

Relativamente às Condições materiais, o MNP refere ab initio que «a obrigação de tratar as pessoas privadas

de liberdade com respeito pela sua dignidade e humanidade é indissociável da garantia de condições materiais

mínimas das infraestruturas e dos alojamentos, pelo que o pleno cumprimento do mandato do MNP implica

necessariamente a observação e a apreciação destes aspetos». E detalha:

− Lotação e alojamentos

Citando dados da DGRSP, o Relatório menciona que, em 31 de dezembro de 2022, os 49 EP, com uma

capacidade para acolher 12 673 pessoas reclusas, alojavam um total de 12 189, o que correspondia a uma

taxa global de ocupação de 96,1 %.

A este respeito, o MNP relembra a posição expressa pelo Conselho da Europa, no Livro Branco acerca

da Sobrelotação das Prisões, segundo a qual uma ocupação superior a 90 % da lotação corresponde a uma

situação de alto risco.

Por isso, o MNP sublinha que a taxa global de ocupação do sistema penitenciário deveria sempre ser

acompanhada da leitura de outros indicadores. Com efeito, no dia 31 de dezembro de 2022, (i) a taxa média

de ocupação dos EP era de 100,83 %, (ii) 25 dos 49 EP existentes (51 %) encontravam-se em situação de

sobrelotação, e (iii) 5.422 reclusos estavam alojados num EP sobrelotado, o que corresponde a 44,5 % da

população reclusa.

E a este propósito, o MNP relata que cinco dos 18 EP por si visitados, encontravam-se, à data da visita,

em sobrelotação (EP de Lisboa – 105,8 %; EP de Vila Real – 118,7 %; EP de Elvas – 101,8 %; EP do Porto

– 125,4 %; EP de Viana do Castelo – 130 %).

Por outro lado, o MNP reitera a necessidade de atualizar a lotação oficial dos EP: quatro dos 18 EP por

si visitados tinham uma lotação desatualizada. Ora, a lotação oficial desatualizada de um EP pode ocultar

situações de sobrelotação efetiva e, do ponto de vista sistémico, pode levar à perda de rigor das estatísticas

anuais relativas à lotação e ao número de reclusos no sistema prisional.

O Relatório MNP realça ainda que o Regulamento Geral dos Estabelecimentos Prisionais dispõe que a

instalação dos reclusos deve ser feita em celas individuais e que o alojamento em comum poderá ocorrer,

apenas excecionalmente. Todavia, o alojamento no sistema prisional português continua, maioritariamente,

a ocorrer em espaços coletivos, em especial em celas com ocupação plural e em camaratas. Dos EP

analisados, apenas três (PJ Porto, Monsanto e Vale de Judeus) tinham alojamento maioritariamente

individual e apenas 24,9 % da lotação total dos EP (3846) correspondia a alojamento individual.

Por último, ainda sob a epígrafe lotação e alojamentos, o MNP refere a importância do espaço disponível

nos alojamentos: o CPT determina que uma cela individual não pode ter uma área inferior a 6 m2, acrescida

das instalações sanitárias, devendo os alojamentos coletivos assegurar uma área de 4 m2 por pessoa,

excluindo os sanitários; o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) segue o critério de 3 m2 por pessoa

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reclusa como espaço mínimo aceitável para um alojamento, sendo essa área ponderada ainda por fatores,

como o tempo a céu aberto, o acesso a luz natural, a possibilidade de participar em atividades educacionais,

lúdicas e profissionais e a privacidade das instalações sanitárias. Mais destaca o MNP que o TEDH tem vindo

a condenar o Estado português por violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), em

virtude das condições de alojamento do sistema penitenciário4 e que o incumprimento da área mínima por

recluso foi por si observado em vários EP.

«Em face do exposto, o MNP reitera a necessidade de se adotarem medidas para fazer cessar o reiterado

incumprimento pelo Estado português das condições mínimas para um alojamento digno de pessoas

reclusas, que se manifesta (i) na sobrelotação de mais de metade dos EP, (ii) no carácter coletivo da maioria

dos alojamentos e (iii) nas reduzidas áreas de alojamento por recluso, inferiores às orientações internacionais

do CPT e do TEDH. (…) A este respeito, o MNP relembra e acompanha o apelo do SPT ao Governo

Português, no sentido de ser ampliado o uso de medidas alternativas à detenção – como o regime de

permanência na habitação com pulseira eletrónica, a liberdade condicional, a fiança, a mediação, a prestação

de trabalho a favor da comunidade ou a pena suspensa – e, se necessário, de se promoverem alterações

legislativas tendentes à diminuição da sobrelotação prisional, como, por exemplo, a abolição da prisão para

certos crimes como o de condução de veículo automóvel sem habilitação legal».

− Condições do edificado

O Relatório MNP começa por referir, genericamente, que se mantém a necessidade de melhoria das

condições materiais do parque prisional, que é muito heterogéneo: há EP com lotações de 38 lugares (EP

de Torres Novas) e EP com lotações de 906 lugares (EP da Carregueira); muitos dos atuais edifícios dos EP

não foram concebidos para locais de detenção.

O MNP afirma ter constatado a concretização de alguns melhoramentos, levados a cabo, sobretudo, pela

população prisional. E faz uma referência positiva à circunstância de, em quase todos os EP visitados,

estarem terminadas as obras de separação das instalações sanitárias nos alojamentos, chamando a atenção

para a necessidade de garantir a conformidade das instalações sanitárias com os parâmetros estabelecidos

pelo TEDH, segundo o qual «um anexo sanitário apenas parcialmente isolado por uma divisória não é

admissível numa cela ocupada por mais de um recluso».

No entanto, o MNP não deixa de mencionar as camaratas com «condições degradadas do espaço, que

apresenta janelas partidas, sem garantia de impermeabilização contra a chuva ou de isolamento contra

baixas temperaturas. As instalações sanitárias sem autoclismo funcional» no EP de Tires; a cozinha com «o

estado deteriorado do piso, as más condições de armazenamento de bens alimentares» e «a presença de

um rato e de alguns pombos», no EP de Vale de Judeus; «a deterioração do sistema de canalização nas

casas de banho, a ausência de água quente em alguns balneários e a falta de botões de chamada de

emergência nas celas», no EP de Lisboa.

Como não deixa de mencionar os casos de desadaptação estrutural do edificado: no EP junto da PJ do

Porto, é identificada a falta de «espaços destinados a colmatar necessidades de longa duração – como, por

exemplo, salas para ensino e formação profissional ou oficinas»; no EP de Viana do Castelo, é relatado o

«impacto mental de não se ver no horizonte nada mais senão o céu, devido à exiguidade do pátio e à altura

dos muros»; nos EP da Covilhã e de Setúbal é referida a «ausência de ginásio»; no EP de Elvas, Vila Real

e Caxias, é constatada a ausência de espaço para visitas intimas «suprida através da utilização de

instalações próprias noutros estabelecimentos».

Por fim, o MNP menciona a constatação de inexistência ou inoperacionalidade de sistemas de chamada

de emergência nos alojamentos, em alguns EP, sem prejuízo de destacar também a realização de diligências

corretivas, em outros.

− Videovigilância

O MNP dedica especial atenção ao sistema de videovigilância, que não se encontrava instalado na

totalidade dos EP (v.g., Castelo Branco, Chaves, Covilhã, Montijo, Setúbal, Tires, Viana do Castelo e Vila

Real) ou, estando instalado, não abrangia a totalidade das zonas comuns (v.g., Lisboa, Monsanto e Porto).

4 Às já conhecidas condenações nos casos Petrescu (2020) e Bădulescu (2020), somaram-se, em setembro de 2022, duas novas condenações: a primeira no caso Jevdokimovs vs. Portugal e a segunda no caso Santos vs. Portugal.

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Quanto às atividades ocupacionais, o Relatório MNP começa por reiterar «que a pessoa reclusa deve ter

acesso a oportunidades e ocupações construtivas no sentido de preparar e facilitar a sua reintegração na

sociedade com autonomia e autossuficiência» e que «as Regras de Mandela, complementadas pelas Regras

Penitenciárias Europeias, estabelecem que só são plenamente atingidos os objetivos do cumprimento de medida

privativa de liberdade quando é possível assegurar a reintegração na sociedade da pessoa reclusa em condições

de autossuficiência, o que implica que lhe seja proporcionado acesso a educação, formação profissional e

trabalho». Pormenorizando:

− Ensino e formação

Em 2022, constata-se que ensino presencial regressou à totalidade dos EP visitados, referindo o MNP

que não recebeu queixas de reclusos que pretendessem ingressar no ensino e a quem fosse negada essa

possibilidade (apenas no EP de Setúbal, um recluso que pretendia aprender a ler e escrever, manifestou que

não existia ensino de alfabetização, situação cuja solução estava a ser ponderada).

Nos EP de menor dimensão, o MNP sublinha ter-se deparado com constrangimentos na oferta de

atividades escolares, face ao número mínimo de 15 estudantes necessário para a organização de uma turma.

Nos EP em que predominam os reclusos preventivos ou em cumprimento de penas de curta duração, o

MNP destaca que a falta de formação profissional lhe é justificada pela impossibilidade de os reclusos

terminarem os cursos e que tem sugerido o reforço da oferta de unidades de formação de curta duração.

− Trabalho

O MNP refere que impacto da pandemia na redução das oportunidades laborais se manteve em 2022

(v.g., empresas que proporcionavam trabalho a reclusos suspenderam a sua presença em meio prisional e

não a retomaram; protocolos celebrados entre EP e autarquias locais para enquadramento laboral de

reclusos mantiveram-se suspensos).

A par da falta de oportunidades laborais, o MNP constata que a remuneração auferida pelos reclusos se

mantém significativamente inferior ao padrão praticado no exterior, existindo também disparidade entre o

vencimento dos reclusos, consoante o trabalho seja prestado para o próprio EP ou para uma entidade

externa.

A este propósito, o MNP relembra a posição subscrita pelo Provedor de Justiça já em 2003,

recomendando «que a remuneração em meio prisional seja equiparada, na categoria mais baixa, ao salário

mínimo nacional, descontadas as despesas que por lei devam ser suportadas pelo recluso, bem como de

comparticipação nas despesas de internamento» e «que em qualquer caso, seja respeitado nessa

remuneração um montante mínimo garantido».

Por último, o MNP reitera o carácter urgente da aprovação, em diploma próprio, de uma disciplina para a

relação jurídica especial de trabalho prestado por pessoas reclusas em unidades produtivas de natureza

empresarial5.

− Programas para a prevenção da reincidência

O MNP confirmou a incipiente aplicação de programas para a prevenção da reincidência no sistema

prisional. Para além do Programa Integrado de Prevenção de Suicídio, de aplicação obrigatória em todos os

EP, não eram aplicados quaisquer outros programas especiais nos EP de Bragança, Chaves, Montijo, Vila

Real, PJ Porto e Setúbal. Em outros EP, como o do Porto, existiam programas especiais, mas abrangendo

um universo muito reduzido de reclusos. A carência de técnicos credenciados é identificada como o maior

óbice a esta oferta.

Com vista a reforçar a aplicação dos programas especiais em meio prisional, o MNP sugere a criação de

unidades móveis, de âmbito local ou regional (cfr., exemplo de Lisboa, onde uma equipa de técnicos aplica

programas nos EP de Lisboa, Caxias e Carregueira), sem prejuízo de soluções como a contratação de

técnicos externos habilitados, a flexibilização do número mínimo de formandos ou a colocação dos reclusos

em estabelecimentos onde existam programas adequados à prevenção do crime pelo qual foram

condenados.

5 O diploma encontra-se previsto no n.º 1 do artigo 43.º do Código de Execução de Penas e Medidas Privativas da Liberdade (CEPMPL) desde 2009, não tendo sido aprovado até à presente data.

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No que se refere ao quotidiano e relações interpessoais, o Relatório evidencia dois pontos:

− Tratamento dos reclusos pelo nome e abertura das celas

Apesar de a lei determinar que os reclusos devem ser tratados pelo seu nome, que deve também estar

afixado no lado exterior da porta da cela que ocupam, o MNP salienta que este tratamento e prática ainda

não estão generalizados.

Salienta ainda que a dignidade do tratamento penitenciário é também refletida no modo de abertura das

portas dos alojamentos, tendo o MNP presenciado práticas muito distintas. Se em alguns EP, os guardas

prisionais avisam os reclusos antes de procederem à abertura da cela, noutros, as portas foram abertas sem

aviso, apesar de os reclusos estarem ainda deitados, despidos ou nas instalações sanitárias.

− Reclusos estrangeiros

O legislador consagrou o princípio de que a execução das penas e medidas privativas da liberdade

aplicadas a reclusos estrangeiros ou pertencentes a minorias étnicas ou linguísticas deve, na medida do

possível, permitir a expressão dos seus valores culturais, atenuar as eventuais dificuldades de integração

social ou de domínio da língua portuguesa, designadamente proporcionando contactos com entidades

consulares ou diplomáticas ou organizações de apoio aos imigrantes, cursos de português, tradução de

documentos ou intervenção de intérpretes.

Neste quadro, o MNP sugere, como boa prática, o uso da linha telefónica de tradução do Alto-

Comissariado para as Migrações.

Em matéria de recursos humanos, o Relatório MNP menciona, como maior preocupação das direções dos

EP, a insuficiência de guardas prisionais e, como maior preocupação da população reclusa, a escassez de

técnicos de reeducação:

− Guardas prisionais

Nos termos do Relatório MNP, o número de guardas prisionais num EP deve ser definido de forma a

garantir a segurança no ambiente prisional e a acessibilidade dos reclusos a atividades, a cuidados de saúde,

a diligências judiciais, entre outras. Essa definição é, no entanto, complexa e influenciada por uma

multiplicidade de fatores, concluindo-se pela inexistência de padrões claros.

Relativamente ao impacto da existência de um sistema de videovigilância, vários EP referiram ao MNP

que o mesmo permite substituir a presença de guardas prisionais em determinados postos de controlo; mas

não se verifica um padrão entre a inexistência de videovigilância e as queixas de carência de guardas

prisionais.

Também não se encontra uma relação na influência do nível de segurança de um EP (médio, elevado ou

especial) no número de guardas prisionais necessário.

Mas já a própria estrutura do edifício condiciona a necessidade do efetivo de guardas prisionais,

designadamente, pelo número de postos a garantir ou pelas distâncias a percorrer.

De acordo com os relatos feitos ao MNP, o impacto mais frequente da falta de guardas prisionais é sentido

ao nível das diligências externas. Por outro lado, o défice de elementos da guarda reflete-se, em especial,

na diminuição da segurança. Contudo, o MNP destaca que as consequências da carência de guardas

prisionais não se limitam à questão da segurança, existindo também impactos negativos ao nível do trabalho

de reclusos fora do EP, da realização de atividades ocupacionais e «até da monitorização da saúde da

população prisional».

O MNP relata ter recebido queixas de elementos da guarda prisional quanto à insuficiência da oferta

formativa, verificando-se uma reduzida quantidade, tanto de ações de formação, como de vagas disponíveis,

e, tendo sido destacada a importância da formação em gestão de stress e de conflitos.

− Técnicos e assistentes operacionais

Os técnicos de reeducação desempenham uma função essencial à reinserção social, cabendo-lhes

assegurar o acompanhamento individual, a dinamização e gestão de atividades como o ensino, a formação

e as atividades socioculturais, desportivas e de voluntariado e a aplicação de programas de desenvolvimento

de competências.

Tendencialmente, nos EP com um maior número de reclusos, a disponibilidade dos técnicos de

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reeducação tende a ser menor.

Foram, sobretudo, os reclusos que mais reportaram ao MNP a insuficiência de técnicos de reeducação,

tendo referido (i) a dificuldade em conseguir falar com o responsável pelo seu acompanhamento, (ii) a

escassez de atendimentos e (iii) o desconhecimento do seu caso individual pelo técnico responsável.

− Juristas

O MNP descreve ter apurado que, em vários EP, os processos jurídicos estavam atrasados e não

cumpriam todas as formalidades legalmente previstas, situação que atribui à falta de formação especializada

e, em alguns casos, à carência ou mesmo ausência de jurista.

− Profissionais de saúde

A composição das equipas de saúde depende da dimensão de cada EP e da sua capacidade de captação

de profissionais, muitas vezes reflexo da sua localização e acessibilidades. Em termos gerais, a equipa clínica

de um EP é constituída por enfermeiros e por médicos. A prestação destes profissionais pode ocorrer no

âmbito de um contrato de trabalho ou de um contrato de avença.

Segundo o MNP, a principal queixa dos reclusos relativamente aos cuidados de saúde diz respeito à

demora e ao adiamento das diligências médicas externas, este último muito causado pela falta de elementos

do corpo da guarda, o que gera preocupação na medida em que incumbe ao Estado o dever de garantir que

nenhum recluso veja prejudicada a sua saúde por vicissitudes que lhe são alheias.

Sobre saúde, o Relatório MNP enfatiza cinco aspetos:

− Horário de toma da medicação

O MNP menciona ter recebido queixas recorrentes em relação ao horário de administração da medicação

soporífera (alerta de que toda a medicação é administrada entre as 17h e as 18h, sem possibilidade de ser

guardada, o que, no caso de medicamentos soporíferos, tem o resultado negativo de induzir o sono durante

as horas de vigília, resultando em insónia no período da noite).

O MNP alerta para a necessidade de ser ponderada uma solução que permita a administração de

medicamentos soporíferos a horas mais tardias sem colocar em risco as condições de segurança.

− Acesso à informação do Serviço Nacional de Saúde

O MNP relata que os profissionais de saúde indicaram a falta de acesso à base de dados dos doentes

Serviço Nacional de Saúde (SNS), como um obstáculo relevante à prestação de cuidados de saúde e que

afeta o acompanhamento do estado de saúde dos reclusos, especialmente quando são transferidos para

outro EP ou saem em liberdade. Vários profissionais de saúde consideram que a solução deveria passar por

conceder aos médicos que trabalham em EP acesso às bases de dados do SNS.

O MNP recorda que, em 2019, foram criados dois grupos de trabalho conjuntos entre o Ministério da

Justiça e o Ministério da Saúde, com a missão de melhorar o acesso da população reclusa ao SNS,

nomeadamente através do estabelecimento de um «protocolo-chapéu e diversas ações concertadas, com o

objetivo de assegurar o acesso remoto, nos estabelecimentos prisionais, aos sistemas de informação do

SNS» e recomenda que sejam adotadas as medidas necessárias para concretizar esse mesmo acesso.

− Estomatologia

O MNP menciona que foi alertado para situações preocupantes relativamente à prestação de cuidados

de estomatologia (v.g., no EP de Caxias, os tempos de espera para consulta chegavam a atingir dois anos;

no EP de Bragança, a ausência de um profissional de estomatologia e a falta de uma resposta por parte da

unidade local de saúde levaram a que alguns reclusos tivessem de recorrer ao serviço privado).

− Unidade de cuidados continuados e cuidador informal

O MNP sinaliza a preocupação com a prestação destes cuidados associada a doenças de incapacidade

prolongada, mais frequentes numa população prisional envelhecida.

No EP do Porto, um enfermeiro referiu que «devia haver uma cadeia ou uma infraestrutura no país

dedicada a reclusos idosos, uma unidade de cuidados continuados. Tenho uma enfermaria cheia de reclusos

que não têm nenhuma doença, precisam é de cuidados continuados, têm demências, estão em cadeira de

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rodas, são velhinhos que precisam de ajuda para tomar banho». No EP junto da PJ do Porto, o MNP

encontrou um recluso, diagnosticado com esclerose múltipla, que referiu estar satisfeito com os cuidados

prestados e com o apoio dispensado voluntariamente por um outro recluso. Este papel de cuidador informal

desempenhado por reclusos leva a que o MNP acompanhe a sugestão de que seja ponderada a criação do

estatuto de cuidador informal em contexto prisional, sem esquecer a necessidade de reforçar o número de

camas em enfermarias no sistema penitenciário, eventualmente através da abertura de uma unidade de

serviços continuados.

− Mortes

Em relação a óbitos ocorridos no sistema prisional, o MNP regista positivamente o despacho da Ministra

da Justiça, de 11 de março de 2022, nos termos do qual todas as mortes de pessoas reclusas em EP devem

ser comunicadas diretamente à Polícia Judiciária, garantindo-se assim, para além das averiguações levadas

a cabo internamente pelo Serviço de Auditoria e Inspeção da DGRSP uma investigação dirigida por corpo de

polícia criminal.

Considerando as queixas e requerimentos da população reclusa, o Relatório MNP recorda que, em setembro

de 2021, foi aprovado o Regulamento de Queixas e Requerimentos da População Reclusa com vista a promover

«critérios de padronização e de transparência no sistema prisional na apresentação de pedidos, queixas e

reclamações por parte das pessoas reclusas».

Perante os frequentes relatos de não utilização deste novo sistema pelos reclusos, o MNP procurou averiguar

as causas da situação, tendo identificado que, para além de desconhecimento relativamente às garantias do

sistema, existia desconfiança em relação à confidencialidade e efetivo tratamento das queixas.

Apurou-se que, na prática, os reclusos continuam a dar preferência a outras entidades ou aos canais

previamente existentes para comunicação com a direção do EP («ainda recorrem às “petições de fala” para

comunicar diretamente com o diretor»).

O MNP salienta que a manutenção, em simultâneo, de vários canais para apresentação de queixas e

requerimentos é suscetível de introduzir falta de clareza, abre margem para uma duplicação de queixas e

esvazia de conteúdo útil a intenção subjacente ao mencionado regulamento.

Adicionalmente, considerando que cada EP deve elaborar, trimestralmente, um mapa das queixas e

requerimentos apresentados, contendo o seu número, assunto e tempo de resolução, o MNP refere que

averiguou o tratamento dado a cada exposição e que constatou a insuficiência e morosidade na respetiva

instrução.

No que se refere a processos disciplinares – face a comportamento de recluso que corresponda a infração

disciplinar, é levantado um auto de notícia para apresentação ao diretor do EP que, em face da factualidade

descrita, determina a abertura de processo disciplinar se entender «que a simples advertência ou a mediação

não são adequadas ou suficientes» –, o Relatório afirma que o MNP detetou irregularidades com impacto na

prevenção de maus-tratos. Assim:

− Assistência jurídica

No âmbito de qualquer processo disciplinar, o recluso deve ser informado do direito a aconselhamento

por advogado e deve manifestar se renuncia a esse direito ou se pretende exercê-lo, selecionando, em

formulário próprio, a respetiva opção com uma cruz. Em alguns EP, o MNP indica que consultou formulários

que, apesar de estarem assinados pelo recluso, não tinham assinalada, com a devida cruz, qualquer das

opções, facto que levantou dúvidas acerca da informação efetivamente prestada.

Questão, igualmente, relevante suscitada no Relatório é a da impossibilidade prática de acesso a

patrocínio judiciário. O MNP menciona que recebeu queixas de reclusos que, por escassez de meios

económicos, se viram privados do direito a representação por mandatário (v.g., os serviços indeferiram o

requerimento de apoio judiciário, por entenderem que a natureza administrativa dos processos disciplinares

não está incluída no âmbito de aplicação da Lei de Acesso ao Direito; a decisão de deferimento do pedido

de apoio judiciário foi proferida para lá do prazo de 10 dias que o instrutor do processo disciplinar concedeu

para apresentação de advogado).

Perante a natureza sistémica do problema, o MNP destaca que considera que este deve ser objeto de

reflexão pela DGRSP, sendo ponderada a celebração de um protocolo com a Ordem dos Advogados.

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− Obrigação de conservação de imagens de videovigilância

A regra de conservação de imagens de videovigilância impõe que, «quando tenham sido apresentadas

participações contra reclusos (…), as imagens são conservadas durante seis meses».

Ora, em alguns EP, o MNP observou que este princípio não era integralmente cumprido tendo

recomendado o estrito cumprimento da regra de conservação pelo período de seis meses das imagens de

videovigilância relacionadas com processos disciplinares.

− Atrasos na conclusão de processos disciplinares

Ainda que nos termos do n.º 3 do artigo 110.º do CEPMPL, o procedimento disciplinar seja considerado

urgente, devendo ser concluído no prazo máximo de 10 dias úteis, o MNP relata ter detetado atrasos

significativos na tramitação de processos em alguns EP.

Por isso, o MNP relembra que a proximidade temporal entre a infração e a sanção disciplinar são um bem

a tutelar, devendo os EP promover a maior diligência possível na conclusão dos processos disciplinares.

Relativamente ao uso de meios coercivos e respetivos processos de inquérito, o Relatório salienta que a

utilização de meios coercivos sobre um recluso dá sempre lugar à abertura de inquérito que, uma vez concluído,

é remetido ao Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, que «de acordo com informação prestada ao

MNP (…), durante o ano de 2022, foram instaurados, na totalidade dos EP, 82 processos de inquérito por uso

de meios coercivos» e que, nas visitas realizadas, o MNP consultou alguns destes inquéritos e identificou

questões preocupantes:

− Dever de participação de uso de meios coercivos

Em alguns EP, o reduzido número de processos de inquérito por uso de meios coercivos não pareceu

consentâneo com os relatos recebidos de reclusos.

O MNP reporta ter recomendado que, sempre que ocorresse a aplicação de meios coercivos sobre um

recluso, fosse devidamente preenchido o modelo de participação e aberto o respetivo inquérito.

− Obrigação de conservação e visionamento de imagens de videovigilância

Em alguns EP, constatou-se não estar a ser cumprida a obrigação legal de conservação de imagens de

videovigilância pelo período de seis meses. Noutros, constatou-se que muitos dos processos consultados

não continham qualquer auto de visionamento de imagens de videovigilância.

O MNP menciona ter recomendado que, nos processos de inquérito por uso de meios coercivos, fosse

garantida a conservação, durante seis meses, das imagens de videovigilância e, bem assim, a sua

visualização, com registo em auto.

Adicionalmente, da análise do MNP resultou também a existência de situações em que a utilização de

meios coercivos ocorreu em local não coberto por videovigilância. O MNP entende que, ainda assim, devem

ser visualizadas as imagens espacial e temporalmente mais próximas do momento de uso de meios

coercivos, já que podem contribuir para a formulação de um juízo acerca da necessidade e proporcionalidade,

revelando, por exemplo, o estado de agitação do recluso, a duração da atuação e o número de guardas

envolvidos.

− Prestação de cuidados médicos

Nos termos do artigo 5.º, n.º 7, do Regulamento de Meios Coercivos e do artigo 95.º, n.º 5, do CEPMPL,

o recluso sujeito a meios coercivos é imediatamente assistido pelo médico, procedimento obrigatório e

fundamental à prevenção de maus-tratos. Deve, igualmente, ser preenchido um registo de

agressão/automutilação, em formulário próprio, do qual constem, entre outros, uma «descrição

pormenorizada de tudo o que for encontrado durante o exame médico» e «o grau de consistência entre

eventuais alegações de tortura ou de maus-tratos e os resultados objetivos do exame médico».

O MNP indica ter consultado processos de inquérito por uso de meios coercivos dos quais não constava

o referido registo de agressão/automutilação. Também refere ter constatado que não é cumprida a obrigação

de assistência imediata por médico.

− Registo de lesões de reclusos

O registo das lesões de reclusos, na sequência da utilização de meios coercivos, é obrigatoriamente

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realizado tanto pelo pessoal clínico – no referido registo de agressão/automutilação – como pelos elementos

de vigilância – no modelo de participação de uso de meios coercivos.

O MNP relata ter encontrado incongruências entre a descrição de lesões observadas, num mesmo

recluso, por elementos de segurança e por elementos dos serviços clínicos.

A isto acresce que, caso o recluso nisso consinta, as suas lesões devem ser fotografadas, ficando as

fotografias consignadas em auto.

O MNP afirma ter constatado que este procedimento nem sempre é cumprido. Por isso, recomenda o

cumprimento da obrigação de realizar, mediante consentimento escrito, o registo fotográfico imediato de

qualquer ferimento visível de um recluso.

− Atrasos na conclusão de inquéritos

O MNP relata ter detetado, em vários EP, atrasos significativos na tramitação dos processos de inquérito

por uso de meios coercivos que, nos termos da Circular n.º 4/2016/SAI/DGRSP, devem ser concluídos no

prazo de 20 dias.

− Elementos de vigilância envolvidos no uso de meios coercivos

Num EP, o MNP refere ter observado imagens de videovigilância que registaram a introdução e

revezamento de sete guardas na cela de um recluso para aplicação de meios coercivos, durante um período

de onze minutos. O MNP refere, ainda, ter questionado a equipa de segurança sobre estes factos, agravados

pela circunstância de o recluso alegar ter sido agredido.

Assim, o MNP recomenda que, à luz do princípio de adequação, o número de elementos da equipa de

vigilância participantes na aplicação de meios coercivos seja o estritamente necessário

Em matéria de alegações de maus-tratos e respetivo tratamento, o Relatório do MNP refere quatro aspetos:

− Alegações e indícios da existência de maus-tratos

O MNP reporta ter recebido relatos de reclusos quanto à existência de agressões ou maus-tratos

perpetrados por guardas prisionais em vários EP. Alguns relatos recolhidos foram consistentes entre si e

corroborados por outros reclusos. O MNP afirma ter tido oportunidade de triangular alguns dos relatos de

maus-tratos através da consulta de processos clínicos e de registos de videovigilância, concluindo pela

consistência entre estes elementos e algumas das alegações recebidas.

− Inexistência de um tratamento sistémico de alegações de maus-tratos

As alegações de maus-tratos apresentadas por reclusos não são tratadas de forma sistematizada nos

vários estabelecimentos visitados, variando em função do contexto ou da forma de apresentação. Em

especial, nem sempre são instaurados inquéritos para averiguação de queixas de agressão apresentadas:

(i) a outras entidades (como o Provedor de Justiça), (ii) no sistema de queixas implementado ao abrigo da

Circular n.º 9/2021, (iii) no âmbito de um processo referente ao uso de meios coercivos, ou, (iv) no âmbito de

um processo disciplinar. Este último caso é particularmente frequente: o MNP consultou processos

disciplinares em que o recluso referiu, em sede de declarações de arguido, ter sido agredido por um guarda

prisional, tendo essa alegação sido globalmente apreciada no âmbito do processo disciplinar e sem que fosse

instaurado um processo autónomo contra o devido arguido-agressor.

Podem, assim, existir alegações de agressão que apenas serão identificáveis por uma análise casuística

de processos, «o que dificulta a radiografia do real número de alegações de agressão num EP».

O MNP recomenda o tratamento uniforme de todas as alegações de agressão a recluso,

independentemente da forma, oral ou escrita, e do contexto processual em que forem apresentadas.

Ainda a respeito deste tratamento sistémico, resultou claro do diálogo estabelecido com vários

funcionários de EP que não existe uma consciência inequívoca e generalizada de que impende sobre os

mesmos um dever de denúncia obrigatória ao Ministério Público quanto a todos os crimes de que tomem

conhecimento no exercício das suas funções ou por causa delas.

Consequentemente, o MNP recomenda que seja reforçado junto de todos os funcionários de EP que

impende sobre eles uma inequívoca obrigação de denunciar ao Ministério Público quaisquer factos e/ou

alegações passíveis de configurar maus-tratos ou tratamento degradante a pessoa reclusa.

− Inexistência ou insuficiência de inquéritos por agressão

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O Relatório refere que, de acordo com informação prestada, durante o ano de 2022 e na totalidade dos

EP, foram instaurados 26 processos de inquérito contra trabalhador por invocada agressão a recluso. Em

alguns estabelecimentos, o número de processos de inquérito por agressão pareceu bastante reduzido,

quando comparado com o volume de alegações de maus-tratos que o MNP recebeu durante as visitas, o

que é referido como tendo suscitado preocupação.

− Instrução insuficiente e morosa de processos de averiguação de agressões

O MNP afirma que «a consulta de alguns processos instaurados contra elemento de vigilância para

averiguação de alegada agressão a recluso acentuou a apreensão», tendo sido identificadas falhas como

proposta de arquivamento por falta de prova, não tendo sido feita qualquer menção aos registos de imagens

de videovigilância, apesar de a participação da alegada agressão ter sido feita dentro dos 30 dias a ela

subsequentes, altura em que as imagens captadas ainda estariam disponíveis.

A estas irregularidades acrescem os atrasos na conclusão de processos, que levaram o MNP a alertar

para a urgência em garantir a respetiva conclusão nos prazos legais, sobretudo, atendendo à gravidade das

alegações que lhes subjazem.

Por fim, quanto a procedimentos com elevado fator de risco de maus-tratos, o Relatório MNP aborda os

seguintes três casos:

− Revista por desnudamento

A revista por desnudamento é um procedimento de segurança especialmente sensível que, por um lado,

restringe o direito à privacidade e intimidade do recluso na sua mais elementar dimensão, por outro, aumenta

o risco de práticas abusivas porque ocorre em locais sem videovigilância, atendendo a razões de privacidade.

O MNP reporta casos desrespeito pela privacidade e intimidade do arguido e recomendou (i) o fim das

revistas por desnudamento com a porta aberta e (ii) a proibição de entrada de mais do que dois elementos

do corpo de guarda no local da revista. O MNP recomendou, igualmente, que qualquer circunstância que

originasse uma demora do procedimento de revista ficasse esclarecida no respetivo registo.

Além de reservado e célere, o procedimento de revista por desnudamento deve seguir um processo de

autorização e validação detalhado, exigindo-se autorização prévia do Diretor do EP, salvo se uma situação

de perigo iminente para a ordem e segurança do estabelecimento «exigir atuação imediata, do que é dado

conhecimento ao diretor do estabelecimento prisional». Não obstante, o MNP consultou um processo num

EP no qual a revista tinha sido feita sem esta autorização, motivo pelo qual recomendou o preenchimento do

registo de todas as revistas, identificando quem a ordenou e quais os motivos justificativos, mesmo nos casos

em que não ocorresse a apreensão de objetos.

− Buscas ao alojamento e batimento de grades

As buscas a alojamentos são um procedimento excecional, que visa procurar objetos ilícitos dentro da

cela, enquanto o batimento de grades, que deve ocorrer diariamente, pretende verificar se as grades das

celas estão em bom estado. São momentos de tensão.

Em dois EP, os reclusos referiram ao MNP que os elementos de segurança tinham realizado buscas a

alojamentos sem respeito por pertences pessoais,

O MNP relata ter recomendado que o corpo de guardas fosse relembrado da importância de tratar com

cuidado e respeito os objetos pessoais e sugeriu ainda que o recluso assistisse ao procedimento de busca à

porta da cela, mas do lado de fora, de modo a evitar potenciais situações de conflito.

− Colocação em cela de separação

A colocação de um recluso em cela de separação só pode ter lugar quando exista perigo sério de evasão

ou tirada ou de prática de atos de violência, contra o próprio ou terceiro. Trata-se de um meio especial de

segurança, que não tem pendor disciplinar ou sancionatório, e que é meramente cautelar. Deve manter-se

apenas enquanto durar a situação de perigosidade, é obrigatoriamente reapreciado de 72 em 72 horas e tem

o limite máximo de 30 dias, após o qual o diretor deve propor a colocação do recluso em regime de segurança.

Porém, o MNP reporta ter sinalizado situações em que o período de permanência em cela de separação

excedia aquele limite. Reporta ainda ter constatado que alguns reclusos provocam, intencionalmente, a sua

colocação e manutenção em cela de separação por se sentirem em risco na ala comum.

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O MNP considera preocupante que os reclusos recorram a celas de separação como forma de proteção

e entende que estes níveis de isolamento e desocupação constituem um tratamento degradante, não

devendo ser admitida a permanência de reclusos em cela de separação por período superior ao máximo

legal.

4. Centros educativos

Neste capítulo, o Relatório MNP inicia-se com uma secção de considerações gerais, na qual começa por

referir que todos os centros educativos (CE) foram visitados nos meses de setembro e dezembro de 2022, tendo-

se seguido o modelo habitual de abordagem, com conversas com a direção, visita a instalações e entrevistas

individuais e em grupo a um número representativo de jovens em cumprimento de medida. Refere-se ainda que,

em 31 de dezembro de 2022, estavam 121 jovens internados em CE (taxa de ocupação de 73,8 %), dos quais

107 rapazes (88 %) e 14 raparigas (12 %), com idades entre os 13 e os 20 anos, sublinhando-se «o facto de

78 % dos jovens internados estarem identificados no sistema de promoção e proteção de crianças e jovens,

uma percentagem que demonstra ser comum a coexistência, numa mesma criança, de necessidades de

intervenção do sistema de proteção e do sistema tutelar educativo».

De seguida, o Relatório MNP aborda as condições materiais dos CE.

O MNP refere ter constatado que, ao longo do ano, tinham sido feitas várias intervenções para melhoria das

deficiências anteriormente identificadas nas condições materiais dos CE, sem prejuízo de permanecerem por

realizar outras obras para conservação ou renovação de infraestruturas (v.g., acessibilidade a pessoas com

mobilidade reduzida, impermeabilização ou de aquecimento das unidades residenciais, segurança na utilização

de equipamentos desportivos).

É feita uma menção particular ao facto de apenas metade dos CE disporem de um sistema de videovigilância

e o MNP reforça a necessidade de instalação de sistema CCTV com cobertura total nos CE de Navarro de Paiva,

Padre António Oliveira e da Bela Vista.

O Relatório MNP trata, depois, o quotidiano e relações interpessoais, sobre ele referindo que «o ambiente

vivido nos CE é globalmente positivo», ao mesmo tempo que expressamente afirma que se reconhece «o

esforço das direções, dos técnicos e demais colaboradores em garantir um bom acompanhamento aos jovens

internados, apesar das limitações que se fazem sentir no quotidiano, especialmente ao nível da escassez de

recursos humanos».

O Relatório sublinha, contudo, que, «não obstante, existe um caminho a percorrer relativamente a questões

que o MNP considera dignas de uma reflexão mais profunda».

A primeira prende-se com o acolhimento. O MNP relembra que, segundo orientações internacionais, o

acolhimento de um jovem é «um momento decisivo para a sua adaptação ao internamento, devendo ser-lhe

proporcionado um ambiente de empatia e de ajuda». Ora, o procedimento de acolhimento dos jovens nos CE

não é uniformizado (v.g., casos de existência uma ala separada, destinada a «entrados»). Assim, o MNP

sublinha ser seu entendimento que deverá ser uniformizada a prática, bem-sucedida em alguns CE, de realizar

o acolhimento de jovens no quarto individual onde será cumprida a medida de internamento, salvo se o superior

interesse do jovem ou a segurança geral do CE determinarem a preferência por acolhimento em quarto distinto.

A segunda questão, relativamente à qual o MNP entende haver necessidade de melhoria, é a das revistas.

A frequência e o modo de realização de revistas pessoais a jovens internados merecem, no entender do MNP,

uma reflexão profunda, estando-se perante uma prática que corresponde a um momento de especial

vulnerabilidade e que pode incutir no jovem a ideia de ser indigno de confiança e autonomização. O MNP indica

ter constatado que um jovem internado é, habitualmente, sujeito a diversas revistas ao longo do dia («somos

revistados entre 5 a 7 vezes por dia, sempre que mudamos de sala ou unidade»), que a frequência de revistas

é variável («no outro centro era revistado três vezes por dia, aqui sou revistado pelos seguranças em qualquer

lado, a toda a hora»), que a privacidade do momento da revista não era salvaguardada («revista, por palpação,

a jovens que se encontravam em fila indiana») e que não é garantido que apenas os monitores realizam a revista

(«as revistas por palpação são feitas tanto por seguranças como por monitores»). Ora, de acordo com o

Regulamento Geral e Disciplinar dos Centros Educativos, o procedimento de revista tem um carácter excecional

e deve ser motivado (i) por fundadas suspeitas de introdução ou existência de substâncias ou objetos perigosos,

proibidos por lei ou regulamento ou, (ii) se realizado após uma visita, por razões de segurança devidamente

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justificadas.

A terceira questão suscitada prende-se com o contacto físico entre jovens. O MNP refere que recebeu relatos

acerca da proibição genérica de contacto físico entre jovens («não podemos tocar uns nos outros, nem dar

abraços nas partilhas, não tem sentido, somos amigos e não podemos demonstrar afeto»). Segundo as direções

dos CE, esta restrição tem como propósito prevenir atitudes potencialmente agressivas de jovens. Sem prejuízo

de situações que, por motivos de segurança, imponham um tratamento casuístico distinto, o MNP sublinha que

entende que «a vida nos centros educativos deve, tanto quanto possível, ter por referência a vida social comum

e minimizar os efeitos negativos que o internamento possa implicar para o menor (…), favorecendo os vínculos

sociais».

A quarta e última questão é a das turmas mistas. O MNP realça ter constatado que num dos estabelecimentos

destinado ao acolhimento de jovens dos géneros masculino e feminino as turmas de ensino, em contexto de

sala de aula, não eram mistas. Ora, não sendo as unidades residenciais mistas, todas as atividades de carácter

habitacional são realizadas com separação de género. As demais atividades educacionais ou lúdicas

representaram, portanto, uma oportunidade para promoção de um contacto saudável entre jovens de diferentes

géneros. O MNP relembra, também neste contexto, que «a vida nos centros educativos deve, tanto quanto

possível, ter por referência a vida social comum».

Posteriormente, o Relatório MNP refere-se aos recursos humanos dos CE.

Foi reportada em todos os CE a escassez de recursos humanos, sentida tanto ao nível de técnicos superiores

de reinserção social (TSRS) como ao nível de técnicos profissionais de reinserção social (TPRS), limitação com

enorme impacto no quotidiano e no acompanhamento de cada jovem. Paralelamente, o MNP menciona ter

verificado «um profundo desgaste e desmotivação dos técnicos com maior antiguidade, que se sentem

desvalorizados, e, bem assim, a dificuldade de retenção dos técnicos recém-licenciados que encaram a posição

de TPRS como uma mera forma de ingresso na função pública». A este propósito, o MNP relembra também

que, no passado, recomendou ao Ministério da Justiça que fosse ponderada a reintrodução da carreira especial

de técnico profissional de reinserção social de CE.

O Relatório MNP dedica ainda uma especial atenção à problemática da saúde mental dos jovens a cumprir

uma medida de internamento.

Sendo uma preocupação transversal a todos os CE, ela reveste-se de maior intensidade em alguns locais

(por exemplo, dos 20 jovens internados no CE da Bela Vista, 16 eram acompanhadas por pedopsiquiatra; das

11 raparigas internadas no CE Navarro de Paiva apenas uma não necessitava de acompanhamento em saúde

mental; dos 19 jovens internados no CE Padre António Oliveira, 16 eram seguidos por médico psiquiatra). A

nível nacional, de acordo com informação prestada pela DGRSP ao MNP, no final de 2022, metade dos jovens

internados em CE tinham algum tipo de acompanhamento de saúde mental.

Neste quadro, o Relatório recorda que, já «em 2019, o MNP recomendou à DGRSP que, em articulação com

as autoridades de Saúde, promovesse a instalação de uma unidade terapêutica destinada ao tratamento de

casos agudos de saúde mental e, complementarmente, reforçasse o contingente de quadros médicos

especializados, nomeadamente de pedopsiquiatras, nos centros».

Relativamente à criação de unidade terapêutica de saúde mental, em 2022, não foram registadas evoluções.

O MNP considera que a segregação de jovens com dificuldades de saúde mental num CE (resposta aplicada,

na prática, para resolver dificuldade) não é a opção adequada, devendo antes ser-lhes garantido um

acompanhamento integrado e inclusivo.

Relativamente à necessidade de reforço deprofissionais especializados, o MNP constatou que a DGRSP

envidou esforços para melhorar o acompanhamento dos jovens com dificuldades de saúde mental, tanto no

interior dos CE como no exterior, em articulação com o Serviço Nacional de Saúde. Ainda que esta articulação

seja descrita como sendo feita de forma célere e próxima, o MNP refere que vê com apreensão que apenas

metade dos CE disponha de visitas regulares de médico psiquiatra/pedopsiquiatra e entende que deve ser

considerado o reforço deste contingente nos CE de Santo António, de Santa Clara e dos Olivais.

Relativamente às soluções complementares, o Relatório recorda que a lei em vigor prevê que a medida

tutelar é revista quando «a execução se tiver tornado excessivamente onerosa para o menor» ou quando «no

decurso da execução a medida se tiver tornado desajustada ao menor por forma que frustre manifestamente os

seus fins». Essa onerosidade ou desajuste poderão ser fundamentados na existência de problemas graves de

saúde mental e poderão ter lugar, entre outras vias, mediante proposta da direção do CE. No âmbito dessa

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revisão – destaca o Relatório – pode o tribunal pôr termo à medida aplicada ou modificar o regime de execução,

estabelecendo um regime mais aberto, que permita um acompanhamento do jovem no exterior, em instituição

especializada para prestação de cuidados de saúde mental.

Relativamente à disciplina, o MNP menciona ter prestado particular atenção, nas visitas realizadas, a

processos referentes à aplicação de medidas de contenção a jovens internados. O MNP afirma que entende

que seria benéfica a criação e manutenção em cada CE de uma lista com identificação de todos os processos

em que fosse aplicada uma medida de contenção, para promoção de uma monitorização eficiente das medidas

de contenção. O MNP relembra que, de acordo com o artigo 184.º da LTE, «o recurso ao isolamento cautelar é

imediatamente comunicado ao tribunal», constituindo esta uma salvaguarda dos direitos dos jovens. Por fim,

quanto ao registo de lesões observadas em jovens na sequência da utilização de medida de contenção, o MNP

refere ter observado que, por vezes, o mesmo é preenchido pelo agente que conteve fisicamente o jovem, mas

que se entende que a observação de lesões e o preenchimento do respetivo registo deverão ser realizados por

um elemento terceiro, preferencialmente dos serviços clínicos.

O último tema abordado pelo Relatório MNP, relativamente a privação da liberdade em CE, é o da supervisão

intensiva.

A tendência observada em anos anteriores manteve-se inalterada: as direções de CE referem casos bem-

sucedidos de supervisão intensiva (quer através de integração em contexto familiar, quer em casas de

autonomia), mas é muito reduzido o número de casos de jovens que beneficiaram deste instituto.

Continuam a existir apenas duas casas de autonomia no país, uma em Lisboa e outra em Ponta Delgada e,

em 2022, não houve evolução relativamente à casa de autonomia prevista, desde 2019, para o Porto.

O MNP recebeu relatos das direções de CE quanto à inexistência de uma verdadeira articulação entre o

sistema tutelar educativo e os serviços da segurança social, no apoio à transição de jovens internados para a

liberdade, e entende que deve ser promovida a criação de unidades residenciais de transição destinadas a

jovens saídos de um CE.

5. Centros de instalação temporária e espaços equiparados

Uma vez mais, o Relatório MNP introduz a análise com algumas considerações gerais, aproveitando para

enquadrar o objeto ao referir que «o CIT e os EECIT são espaços destinados à detenção de estrangeiros no

contexto de processos de afastamento do território nacional e com fundamento em entrada ou permanência

irregular», não constituindo «locais destinados à detenção de migrantes por razões penais, caso em que, ainda

que não residentes em Portugal, os cidadãos estrangeiros são detidos em unidades policiais ou presos em

estabelecimentos prisionais, tal como cidadãos portugueses». Em 2022, a Unidade Habitacional de Santo

António (UHSA) manteve-se como o único centro de instalação temporária (CIT) no País e a lotação nos espaços

equiparados a centro de instalação temporária (EECIT) diminuiu devido (i) à reestruturação do EECIT do

Aeroporto de Lisboa (EECIT-L) em 2020, que reduziu a número de alojamentos, (ii) ao fecho do EECIT do

Aeroporto do Porto (EECIT-P) e (iii) ao encerramento parcial do EECIT do Aeroporto de Faro (EECIT-F).

O MNP sublinha que nas visitas realizadas a CIT e EECIT não foram recebidas queixas de maus-tratos e

detalha as visitas a cada um dos seguintes espaços:

− EECIT do aeroporto de Lisboa

O MNP continuou a empreender uma monitorização frequente deste espaço, tendo-o visitado duas vezes,

sendo pertinente lembrar que o EECIT-L foi encerrado após a trágica morte do cidadão ucraniano Ilhor

Homeniuk, em 2020, tendo reaberto em agosto daquele ano após modificações estruturais e com novas

regras de funcionamento, que mereceram o elogio do MNP.

Nas visitas realizadas, o EECIT-L encontrava-se longe da sua lotação, alojando, respetivamente, quatro

e seis pessoas. Contudo, o MNP teve conhecimento de que em dezembro se registaram situações de

sobrelotação esporádica, segundo dados fornecidos pelo SEF.

Persistiram, em 2022, as principais questões antes assinaladas relativamente às condições materiais do

espaço: os quartos continuaram sem dispor de «botões de pânico», o sistema de vigilância não foi estendido

a todas as salas de entrevistas na zona de fronteira, a rede de Wi-Fi manteve-se inoperacional e os duches

não asseguravam privacidade.

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Desde a reabertura do EECIT-L os cidadãos estrangeiros detidos com recusa de entrada passaram a ter

o direito a assistência jurídica gratuita, mediante o acesso a advogados de escala presencial, nomeados pela

Ordem dos Advogados, ao abrigo de protocolo celebrado entre o Ministério da Administração Interna, o

Ministério da Justiça e a Ordem dos Advogados. De acordo com a Direção Nacional do SEF, o protocolo tem

sido integralmente cumprido e nenhum cidadão estrangeiro abandona o território nacional sem que lhe seja

comunicado o direito de falar com advogado, sendo o exercício desse direito motivo suficiente para adiar o

reembarque.

O âmbito subjetivo do protocolo prevê a assistência jurídica apenas para os casos de recusa de entrada,

ficando excluídos os casos de cidadãos estrangeiros com processos de afastamento que, estando em

situação irregular, hajam sido identificados e detidos pelas autoridades já em território nacional. O MNP

considera que a assistência jurídica deve ser também garantida aos cidadãos com processo de afastamento.

Os cidadãos estrangeiros que prescindam de assistência jurídica devem assinar uma declaração nesse

sentido, renúncia. O MNP nota favoravelmente o facto de se registar, por escrito, esta renúncia. Contudo,

para garantir a compreensão da declaração, é importante que o seu texto esteja escrito em língua que a

pessoa detida entenda ou seja traduzido por intérprete, o que nem sempre sucederá.

No ano 2022, continuou também por cumprir o estabelecido no artigo 26.º do Regulamento Interno do

EECIT-L, nos termos do qual o «EECIT assegura a presença de um mediador sociocultural que interage com

os utentes, atendendo à sua diversidade cultural e social e articula o diálogo entre estes e administração ou

outras entidades externas». O MNP considera que o mediador sociocultural pode ter um papel fundamental

na prevenção de maus-tratos, contribuindo para ultrapassar algumas situações, designadamente garantindo

a compreensão pelas pessoas detidas da sua situação e dos seus direitos, bem como o rastreio de

vulnerabilidades especiais e de questões de índole social.

O MNP constata, com preocupação, ter encontrado cidadãos estrangeiros que evidenciavam desconhecer

a sua situação jurídica, não dominavam os idiomas português ou inglês e a quem não tinha sido garantido,

com a devida brevidade, informação traduzida, por escrito ou através de intérprete. O MNP considera

essencial a comunicação com as pessoas detidas e o cumprimento do dever de informar os cidadãos

estrangeiros sobre a sua situação legal, os seus direitos e condições de acolhimento, designadamente

garantindo o acesso a intérprete de um idioma que conheça.

O artigo 25.º do Regulamento Interno do EECIT-L dispõe que «em momento anterior ao embarque (num

período nunca inferior a duas horas) é obrigatoriamente apresentado formulário ao cidadão estrangeiro, no

qual o mesmo se pronuncie se foi objeto de algum tratamento atentatório da sua integridade física ou

psicológica». O MNP assinalou que deve ser garantida a compreensão do texto deste formulário de queixa

pré-embarque, através do recurso a tradução escrita ou oral, por intérprete.

Quanto ao rastreio de pessoas em situação de especial vulnerabilidade, o MNP relata ter conversado com

pessoas detidas que referiram não lhes ter sido colocada qualquer questão, na entrevista inicial ou

posteriormente, relativamente a especiais fragilidades. O MNP alerta para a extrema importância da

identificação de situações de especial vulnerabilidade, desde o primeiro contacto na zona de fronteira.

Os cuidados de saúde são insuficientes e não cumprem o estabelecido regulamentarmente quanto à

avaliação clínica inicial e à saúde mental. O MNP recomendou que, independentemente de solicitação ou

queixa, e mediante consentimento da pessoa detida, haja sempre lugar à sua avaliação clínica por

profissional de saúde no momento do ingresso.

− EECIT do aeroporto do Porto

No ano de 2022, foi realizada uma visita ao EECIT-P, que ainda se encontrava encerrado. Segundo

informação prestada, quanto a condições materiais estavam ainda em curso obras nas instalações. O MNP

refere ver com preocupação a demora na finalização das obras, especialmente depois de verificar que, no

mês de dezembro, o EECIT-L e a UHSA estiveram lotados.

O MNP foi informado de que, estando o EECIT-P encerrado, os cidadãos com recusa de entrada são

instalados na UHSA ou noutro EECIT, exceto nos casos em que seja possível assegurar o seu breve

reembarque. O MNP tomou conhecimento de que, frequentemente, ocorre pernoita na zona internacional do

aeroporto do Porto, enquanto se aguarda reembarque. A este respeito, o MNP relembra que o espaço próprio

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para «instalação de passageiros não admitidos em território nacional e que aguardam reembarque» é um

EECIT. A zona internacional de um aeroporto não garante condições dignas para passar a noite. Assim, o

MNP entende que a pernoita de qualquer cidadão estrangeiro com recusa de entrada deve ser garantida na

UHSA ou num EECIT em funcionamento.

Relativamente a assistência jurídica, em 2022, registaram-se 93 recusas de entrada no EECIT-P, tendo

87 desses cidadãos estrangeiros (94 %) prescindido do direito a assistência jurídica. Esta renúncia é

materializada num formulário-tipo, para seleção em cruz e assinatura. O MNP reitera que o texto do formulário

deve estar escrito em idioma que a pessoa detida entenda ou ser traduzido por intérprete.

O MNP constatou que não é seguida a boa prática (implementada no EECIT-L) de entrega ao cidadão

estrangeiro de um formulário de avaliação, o formulário de queixa pré-embarque, no âmbito do qual este

pode declarar se foi alvo de tratamentos degradantes.

− Unidade Habitacional de Santo António (UHSA)

Em 2022, o MNP refere ter visitado duas vezes a UHSA, no Porto (único centro de detenção do País

destinado a pessoas estrangeiras que aguardem a execução de uma medida de afastamento do território

nacional ou de uma pena acessória de expulsão). As condições materiais das instalações são, em termos

gerais, adequadas, assinalando-se a existência de espaços exteriores e a presença regular de profissionais

e voluntários de entidades externas. O MNP não recebeu qualquer queixa de maus-tratos. Pelo contrário, as

pessoas detidas manifestaram satisfação pela forma «humana e respeitosa» como são tratadas por todos os

profissionais.

Sem prejuízo do referido, permanecem por solucionar várias questões identificadas pelo MNP

relacionadas com condições materiais, como a falta de botões de emergência nos quartos-cela, a ausência

de rede Wi-Fi e a necessidade de aumento do tamanho das camas. Relativamente ao acolhimento de

famílias, o MNP assinalou, em 2020, que o quarto de família da UHSA não permitia a o acompanhamento de

menor pelo pai, mas apenas pela mãe. Em 2022, o SEF informou o MNP de que as famílias deixaram de ser

instaladas na UHSA, sendo encaminhadas para o EECIT-L.

Em relação a atividades recreativas e ocupacionais, a coordenação da UHSA manifestou-se preocupada

com o que considera um decréscimo de atividades recreativas e ocupacionais, pelo que o MNP diz ter

recomendado que a coordenação da UHSA e o SEF adotem medidas para reforço das atividades

ocupacionais.

O MNP tem vindo a manifestar a sua apreensão pelo facto de a decisão de colocação em quarto-cela ter

lugar sem a existência de um procedimento escrito, que garanta o exercício do contraditório e o direito a uma

decisão fundamentada e suscetível de impugnação. Estas considerações ganham maior peso em situações

de permanência em quarto-cela para além do limite máximo de cinco dias. Durante a visita de maio de 2022

à UHSA, o MNP voltou a abordar este assunto e a solicitar documentação quanto ao caso de um cidadão

que permaneceu 21 dias em quarto-cela. Os documentos facultados evidenciaram o incumprimento do

Regulamento Interno da UHSA e a incorreção de algumas informações prestadas. Perante o exposto, o MNP

expressou grande preocupação sobre os procedimentos seguidos na colocação em quarto-cela e assinalou

os riscos que daí podem resultar para o adequado tratamento de pessoas estrangeiras detidas.

Por outro lado, em dezembro de 2022, o MNP visitou a área de detenção da PSP da Bela Vista, no Porto,

deparando-se com a detenção de cidadão estrangeiro em estabelecimento policial (no caso, um cidadão

estrangeiro que ali havia sido conduzido pelo SEF, no âmbito de um processo de afastamento e na sequência

de mandado judicial emitido pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa para condução «a centro de

instalação temporária«). Os agentes da PSP não tinham conhecimento da especificidade do caso, nem do

seu enquadramento jurídico, encarando a situação como uma detenção ao abrigo do Código de Processo

Penal. O MNP deslocou-se de imediato às instalações da UHSA – local para onde o cidadão estrangeiro

deveria ter sido encaminhado – e foi informado de que a utilização da zona de detenção policial resultou da

circunstância de se encontrar esgotada a lotação da UHSA e do EECIT-L. O MNP assinalou que a detenção

de cidadão estrangeiro ao abrigo de processo de afastamento só pode ocorrer em CIT ou EECIT, uma vez

que estes são os únicos locais previstos para o efeito nas disposições da Lei de Estrangeiros. O MNP

manifestou profunda apreensão pelo sucedido.

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O Relatório MNP conclui a descrição das visitas a CIT e EECIT com a análise conclusão e desafios,

afirmando que «a apreciação global do MNP sobre CIT e EECIT é particularmente dicotómica», porque, por

um lado, em 2022, «os relatos sobre a qualidade das relações interpessoais entre todos os profissionais e

os cidadãos estrangeiros foram bastante positivos», mas por outro, «o MNP identificou casos individuais

preocupantes».

A nível sistémico, a capacidade de alojamento de cidadãos estrangeiros manteve-se inferior à existente

até à pandemia, circunstância que, aliada à retoma da normalidade do tráfego aéreo e à sobrelotação

ocasional da UHSA e do EECIT-L, reforça a pertinência da recomendação do MNP de aumentar a atual

capacidade de alojamento e de fomentar a aplicação de medidas alternativas à detenção administrativa de

cidadãos estrangeiros.

O Relato MNP realça que, em dezembro de 2022, a Comissão Europeia aprovou o programa de Portugal

para receção e execução do Fundo para o Asilo, Integração e Migração no período 2021-2027 (inclui criação de

dois novos CIT, um em Alcoutim e outro em Elvas, e, estabelece como objetivo aumentar a capacidade de

detenção, através da construção de quatro CIT e EECIT no Funchal, Ponta Delgada, Sintra e Lisboa). O

programa prevê ainda o aumento da adoção de medidas alternativas à detenção, sendo importante recordar

que, em agosto de 2019, Portugal foi um dos primeiros países a adotar um plano nacional de implementação do

pacto global para as migrações seguras, ordenadas e regulares, cujo objetivo 13 prevê que o Estado Português

deve «recorrer à detenção de migrantes apenas como medida de último recurso e trabalhar no sentido de

encontrar medidas alternativas».

Por último, o Relato MNP salienta e saúda a alteração à Lei de Estrangeiros (Lei n.º 18/2022, de 25 de

agosto), designadamente ao artigo 142.º, relativo às medidas de coação, que dispõe que a manutenção de um

cidadão estrangeiro em CIT apenas deve ocorrer quando exista risco de fuga, devendo este ser aferido em

função dos critérios estabelecidos (casos em que se desconheça o domicílio pessoal ou profissional em território

nacional, inexistam quaisquer laços familiares no País, existam dúvidas sobre a identidade ou sejam conhecidos

atos preparatórios de fuga).

6. Forças de segurança

No que tange às condições de detenção em espaços dasforças de segurança, e, em termos de

considerações gerais, o Relatório MNP começa por referir que esta foi uma monitorização privilegiada em 2022,

tendo o MNP procurado responder ao apelo do Comité Europeu para a Prevenção da Tortura e Outras Penas

ou Tratamentos Desumanos e Degradantes no sentido da necessidade de garantir a proteção de pessoas

detidas contra maus-tratos praticados por agentes das forças de segurança, e, simultaneamente, refletir a

circunstância de a Lei de Política Criminal para o Biénio de 2020-2022 ter definido os crimes contra a vida e

contra a integridade física praticados contra ou por agentes de autoridade como sendo de prevenção e

investigação prioritárias6. Depois, o Relatório especifica:

− Condições materiais

A maioria dos espaços de detenção visitados pelo MNP cumpria globalmente as condições estabelecidas

no Regulamento das Condições Materiais de Detenção em Estabelecimento Policial (RCMDEP), em matéria

de disposição interior das celas, de alojamento e de alimentação.

O MNP assinalou que não devem ser utilizadas as celas de detenção que não preencham as condições

regulamentares de habitabilidade. O MNP presenciou, ainda, situações em que os detidos tinham sido

instalados em celas com condições deficitárias (v.g., janelas partidas, falta de luminosidade ou torneiras

avariadas) quando havia outras em melhor estado.

A inexistência de um sistema de videovigilância e equipamento de alarme – ou existência de sistema,

mas avariado – é referida no Relatório como transversal a, praticamente, todos os locais visitados. Segundo

6 A parte 7. Forças de segurança, do Relatório MNP, é baseada no Relatório Temático sobre a Polícia de Segurança Pública, também da autoria do MNP.

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informação prestada, a instalação de um sistema CCTV já teria sido solicitada à Direção Nacional da PSP,

mas o investimento continuava por realizar. Por considerar que constitui uma garantia fundamental ao

tratamento adequado de pessoas detidas e à prevenção de alegações infundadas contra elementos das

forças policiais, o MNP recomendou a instalação em todas as instalações policiais de um sistema de

videovigilância capaz de registar todo o circuito percorrido pelas pessoas detidas, excetuando o interior das

celas. Também recomendou que não fossem utilizadas as celas sem equipamento de alarme, uma vez que

a possibilidade de o detido chamar um elemento vigilante, em caso de necessidade, é também uma garantia

fundamental.

O MNP destaca o direito da pessoa detida à privacidade, relatando que em algumas esquadras as

pessoas detidas aguardavam a elaboração do expediente – ou até o seu transporte posterior para uma zona

de detenção – na secção da entrada da esquadra. O MNP encontrou, também, celas de ocupação dupla

cujas camas contíguas não respeitavam a distância mínima regulamentar.

Por fim, em matéria de condições materiais dos espaços de detenção das forças de segurança, o Relatório

aborda a inexistência de espaço de permanência a céu aberto, na medida em que, por regra, não existe,

nestas zonas, um espaço deste tipo, o que, sobretudo no caso de detenções que se prolonguem por mais

de 24 horas, pode ter um impacto negativo na saúde mental dos detidos. Sem encontrar fundamentos

bastantes para que seja atribuído um tratamento menos dignificante a uma pessoa detida do que aquele que

é garantido a uma pessoa reclusa, o MNP recomendou que fosse garantido aos detidos um período mínimo

de permanência a céu aberto nunca inferior a uma hora por dia.

− Procedimentos de detenção

Tratando do tema lesões e cuidados de saúde, menciona o Relatório que o Boletim Individual de Detido

(BID) deve conter o registo de todas as circunstâncias e medidas relativas à pessoa detida, designadamente

marcas de ferimentos e incidentes ocorridos durante a detenção, como sejam as assistências médicas.

Os procedimentos para prestação de cuidados de saúde a detidos foram descritos de forma uniforme em

todos os locais visitados pelo MNP: o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) deve ser chamado ao

local sempre que uma pessoa detida apresente uma lesão, ainda que sem aparente gravidade ou

sangramento, ou alegue estar lesionada, mesmo que tal não seja visível. Nestas situações, a equipa do INEM

presta os cuidados de saúde necessários na própria zona de detenção ou, sendo necessário, conduz a

pessoa ao hospital, hipótese em que esta é acompanhada por agentes da PSP que asseguram a sua

vigilância.

Considerando o registo de cuidados médicos, e porque não existe, nas esquadras, uma forma de

identificar, rapidamente, os processos de detenção em que foram solicitados cuidados de saúde para a

pessoa detida (lacuna já identificada pelo CPT na sua visita de 2019), o MNP recomendou a existência, em

cada esquadra, de um registo com a listagem da prestação de cuidados de saúde a detidos e informação

discriminada sobre (i) a data e hora em que o detido foi examinado, (ii) o nome do hospital ou serviço que

prestou esses cuidados e (iii) a identificação do número de processo ou expediente. Salvaguardando o sigilo

médico, o MNP recomendou que a prestação de cuidados de saúde a pessoa detida, no local de detenção

ou em contexto hospitalar, ficasse sempre indicada no BID através do número de identificação da ocorrência

ou do episódio de urgência.

Geralmente não é realizado o registo fotográfico de lesões dos detidos, sendo com frequência

apresentada como justificação a inexistência de meios para esse fim. Contudo, o MNP refere ter observado

registos fotográficos (de armas, de estupefacientes de lesões de agentes policiais) colhidas por telemóveis

pessoais, prática que não é institucionalmente adequada e que conduz a situações de indesejável

discricionariedade, devendo ser resolvida através da distribuição de equipamento fotográfico às unidades

policiais. Além da falta de equipamento, o MNP menciona diálogo com agentes policiais que desvalorizaram

a utilidade do registo fotográfico por considerarem que o interesse instrutório será sempre satisfeito por

perícia do Instituto de Medicina Legal. O MNP rejeita esta posição, porque a realização da perícia poderá

ocorrer num momento em que as lesões já não sejam detetáveis.

O MNP destaca que verificou que nem sempre se procede à entrega de documentação médica à pessoa

detida, omissão que também tinha sido identificada pelo CPT. Por um lado, os agentes policiais referiram

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que, havendo uma deslocação do detido ao hospital, lhe é entregue pelo médico uma cópia do respetivo

episódio de urgência. Já relativamente a cuidados de saúde prestados pelo INEM, o MNP afirma que

constatou que não é facultada à pessoa detida uma cópia da ficha de identificação da ocorrência, onde são

descritas as intervenções realizadas no local. O MNP reiterou a necessidade de adotar procedimentos que

garantam a entrega à pessoa detida de uma cópia de toda a documentação médica que lhe diga respeito.

− Alegações de maus-tratos

No domínio das alegações de maus-tratos, o Relatório começa por abordar a recolha de alegações,

referindo que o expediente da detenção é, em regra, elaborado pelo próprio agente detentor e que, por razões

de prevenção e imparcialidade, o MNP considera relevante garantir que a pessoa detida tenha oportunidade

de relatar, perante um agente terceiro e em condições de privacidade.

O Relatório aborda depois o tratamento de evidências ou alegações de maus-tratos, chamando a atenção

para o facto de, em 2019, o CPT ter alertado o Governo português para a urgência de existir um entendimento

inequívoco de que a culpabilidade pela prática de maus-tratos se estende, além dos perpetradores, a

qualquer agente de autoridade que tendo, ou devendo ter, conhecimento desses maus-tratos, não os impeça

ou denuncie. Mais chama a atenção, para o facto de se afigurar inexistir uma consciência inequívoca e

generalizada de que impende sobre as entidades policiais um dever de denúncia obrigatória ao Ministério

Público quanto a todos os crimes de que tomem conhecimento. Adicionalmente, a lei prevê que os órgãos

de polícia criminal devem transmitir ao Ministério Público, no mais curto prazo, qualquer notícia de crime de

que tenham conhecimento, inclusivamente se manifestamente infundada. Assim, quando um elemento

policial tiver conhecimento da eventual prática de maus-tratos, seja através de alegações da pessoa detida

ou de outras evidências, não basta que preste informação ao detido acerca da possibilidade de apresentação

de queixa; ainda que o ofendido indique que não pretende apresentar queixa, esta declaração não isenta o

agente policial do dever de denúncia ao Ministério Público, dever esse que se mantém mesmo perante uma

alegação que pareça improcedente ou injustificada.

− Transporte de pessoas detidas

Sobre transporte por agente distinto do agente detentor, o Relatório destaca que a Norma de Execução

Permanente sobre os Limites ao Uso de Meios Coercivos (NEP) determina que «os polícias que efetuarem

as detenções, bem como outros com intervenção direta nas mesmas, não transportam nem se fazem

transportar nas mesmas viaturas dos suspeitos detidos». Contudo, o MNP teve conhecimento de situações

em que esta regra não foi cumprida devido à indisponibilidade de viaturas. O MNP salienta a importância do

cumprimento desta regra, que ao impor o contacto da pessoa detida com agentes policiais distintos, minora

o risco de maus-tratos perpetrados por um agente específico e diversifica o leque de elementos policiais aos

quais o detido pode reportar, com privacidade, eventuais maus-tratos.

Sobre algemagem, o MNP refere ter constatado que, quando transportados em viaturas policiais, os

detidos são sempre algemados com as mãos atrás das costas. Apesar de o procedimento estar previsto na

NEP como regra geral, o abandono desta prática foi expressamente recomendado pelo CPT por comportar

um potencial de sofrimento desnecessário para a pessoa detida e um risco de lesões em caso de acidente,

posição que o MNP acompanha.

− Reação a pessoa detida não cooperante

O MNP menciona que verificou não existir um procedimento claro para reagir a detidos que, encontrando-

se já nas instalações policiais e algemados, continuem a resistir ou a apresentar comportamentos violentos.

O MNP recomendou que fosse disseminada informação acerca da proibição do uso de quaisquer armas ou

técnicas de impacto sobre detidos algemados, podendo, em caso de necessidade, optar-se pela restrição

dos membros inferiores.

− Direito de pessoa detida à informação

Ainda que, tanto na zona de atendimento ao público, como na zona de detenção, deve estar afixada

informação bem visível sobre os direitos e deveres do detido e do arguido, num painel conforme a modelo

padrão, o MNP constatou que este painel é habitualmente afixado em locais de passagem dos detidos. Por

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outro lado, a sua leitura é muito dificultada pelo tamanho pequeno e praticamente ininteligível das letras.

Mais refere o Relatório do MNP que se verificou que, na maioria das esquadras visitadas, não existia, e

era desconhecido pelos agentes policiais, o folheto informativo em várias línguas com indicação sumária dos

direitos e deveres da pessoa detida. Face ao exposto, o MNP recomendou a adaptação do modelo de painel

informativo a um tamanho de letra legível e o cumprimento do dever de distribuição do folheto informativo em

idiomas estrangeiros.

− Uso de arma de fogo e de outros meios coercivos

A utilização de arma de fogo e de outros meios coercivos implica a elaboração de um relatório,

posteriormente avaliado pela hierarquia policial. Da consulta de processos internos, refere o MNP que

resultou que o relatório da ocorrência é elaborado pelo agente que recorreu aos meios coercivos e que se

torna, assim, relator em causa própria. Muito embora estes relatórios identificassem testemunhas, o MNP

não encontrou evidências de que o superior hierárquico, responsável pela avaliação do uso do meio coercivo,

tivesse recolhido os depoimentos das testemunhas indicadas, pelo que recomendou que se procedesse

sempre à sua audição. Por fim, o MNP consultou processos que continham uma descrição excessivamente

sumária dos factos que conduziram à necessidade de utilização de meios coercivos.

− Registos de detenção

O registo documental dos procedimentos de detenção e de todas as circunstâncias e medidas relativas

ao detido é uma garantia fundamental contra qualquer privação da liberdade arbitrária. A cada pessoa detida

deverá corresponder, portanto, um boletim individual de detido do qual constem, entre outros, a hora, data e

causa da detenção, o estado físico e cuidados de saúde prestados, os contactos realizados com familiares

e advogado e, bem assim, a data e hora de apresentação a autoridade judiciária ou de libertação. A PSP

dispõe, a nível nacional, de uma plataforma informática – o Sistema Estratégico de Informação – que

possibilitou a desmaterialização de expedientes físicos, inclusivamente de documentação relativa a

detenções. Porém, esta desmaterialização não substituiu ainda por completo a existência de processos

físicos, sobretudo por ser necessária a recolha de assinaturas.

A este propósito, o Relatório trata ainda o Sistema Estratégico de Informação e os registos em formato

físico.

− Detenção de pessoas em situação de vulnerabilidade

A propósito deste item, o Relatório MNP aborda, por um lado, a detenção de cidadãos estrangeiros com

processo de afastamento. Aqui se relata que, durante uma das visitas à zona de detenção temporária da

Bela Vista, o MNP se deparou com a instalação de um cidadão estrangeiro em relação ao qual existia um

processo de afastamento e um mandado judicial para condução «a centro de instalação temporária». Os

agentes policiais presentes não tinham conhecimento da especificidade do caso, nem do seu enquadramento

jurídico, encarando a situação como uma detenção ao abrigo do Código de Processo Penal. Esta situação,

foi, pela sua gravidade, levada ao conhecimento do Ministro da Administração Interna. Por outro lado, aborda-

se, igualmente, a Detenção de pessoas com anomalia psíquica. Na visita realizada ao COMETLIS foi

chamada a atenção do MNP para o facto de os mandados de saúde mental estarem a ser cumpridos sem

acompanhamento por médico psiquiatra. Este acompanhamento impor-se-ia não só por dever de cuidado,

atendendo às especificidades médicas em questão, mas também por obrigação legal. Com efeito, a Lei de

Saúde Mental dispõe que os referidos mandados são cumpridos pelas forças policiais, com o

acompanhamento, sempre que possível, dos serviços do estabelecimento com urgência psiquiátrica.

PARTE II – Opinião da Deputada relatora

Nos termos da alínea b) do n.º 1 e do n.º 4 do artigo 139.º do RAR, a opinião da relatora é de elaboração

facultativa, pelo que a mesma se exime, nesta sede, de emitir considerações políticas, reservando a sua opinião

política sobre o presente Relatório MNP para o debate em Plenário.

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PARTE III – Conclusões

Face ao exposto, a CACDLG é de parecer que o Relatório MNP, relativo ao ano de 2022, se encontra em

condições de ser remetido para discussão em Plenário.

Palácio de São Bento, 27 de setembro de 2023.

A Deputada relatora, Marta Temido — O Presidente da Comissão, Fernando Negrão.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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