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Sexta-feira, 20 de setembro de 2024 II Série-E — Número 28

XVI LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2024-2025)

S U M Á R I O

Presidente da Assembleia da República: Despacho n.º 49/XVI — Audiência prévia do CDS-PP em relação à proposta do Sr. Secretário-Geral de indeferimento da atribuição de subvenção estatal para a campanha eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.

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PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

DESPACHO N.º 49/XVI

AUDIÊNCIA PRÉVIA DO CDS-PP EM RELAÇÃO À PROPOSTA DO SR. SECRETÁRIO-GERAL DE

INDEFERIMENTO DA ATRIBUIÇÃO DE SUBVENÇÃO ESTATAL PARA A CAMPANHA ELEITORAL PARA

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DA REGIÃO AUTÓNOMA DA MADEIRA

i) Enquadramento de facto:

Na sequência do exercício do direito de audiência prévia, pelo CDS-PP, em relação à intenção de

indeferimento da subvenção pública para a campanha eleitoral para a Assembleia Legislativa da Região

Autónoma da Madeira, o Sr. Secretário-Geral solicitou ao Presidente da Assembleia da República que

mantivesse a decisão de indeferimento do requerimento para a atribuição da subvenção pública para a

aludida campanha eleitoral, com fundamento na sua apresentação extemporânea e por, em sede de audiência

prévia, não terem sido alegados factos que, não sendo imputáveis ao mandatário financeiro, o tenham

impossibilitado de praticar atempadamente o ato.

Com relevância para a decisão, verifica-se que:

1. O CDS-PP Madeira concorreu à eleição para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira

2024 que decorreu no dia 26 de maio de 2024 (cfr. Mapa Oficial n.º 3/2024 disponível em

https://www.cne.pt/content/mapa-oficial-no-32024).

2. De acordo com o Mapa Oficial com o resultado da eleição e a relação dos Deputados eleitos para a

Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, o CDS obteve 5374 votos, correspondente a 4,04 %

dos votos, que lhe permitiram representação parlamentar com a eleição de dois Deputados.

3. Este resultado eleitoral confere-lhe direito a subvenção estatal para cobertura das campanhas eleitorais.

4. No âmbito da campanha eleitoral, o CDS despendeu a quantia de € 41 331,79 com a campanha eleitoral.

5. Os resultados para a eleição para a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira foram

publicados no dia 3 de junho, pelo que o prazo de 15 (quinze) dias previsto no n.º 6 do artigo 17.º da Lei n.º

19/2003, de 20 de junho, para requerer a subvenção, terminou no dia 26 de junho de 2024 (contabilizando-se

o feriado municipal de 13 de junho como dia não útil).

6. O CDS apresentou o requerimento para atribuição da subvenção estatal no dia 10 de julho de 2024.

7. Na sequência da comunicação de projeto de indeferimento da atribuição de subvenção estatal para a

campanha eleitoral, o Mandatário Financeiro Regional veio exercer o direito de audiência prévia. Nos termos do

requerimento apresentado, ainda que reconhecendo a extemporaneidade do pedido, alegou, em sua defesa,

que o atraso no recebimento das despesas de campanha eleitoral por parte dos fornecedores originou

lançamentos tardios na contabilidade do partido, havendo necessidade de aguardar pelas faturas para a correta

comunicação à Assembleia da República (AR) das despesas realizadas durante a campanha. Mais alegou que

a proximidade dos dois atos eleitorais com a necessidade de preparação de toda a documentação solicitada

pela Entidade das Contas e Financiamentos Políticos (ECFP) referente às contas de 2018, com a escassez de

recursos humanos, são fatores que, constituindo um justo impedimento, justificam o atraso na solicitação

referida.

8. Pelo Sr. Secretário-Geral foi solicitado parecer à Direção Administrativa e Financeira que, considerando

estar em causa um prazo com natureza perentória, concluiu que a apresentação do pedido foi extemporânea e

que o direito caducou após decurso do prazo.

9. O Sr. Secretário-Geral solicitou ao Presidente da Assembleia da República que mantivesse a decisão de

indeferimento do requerimento para a atribuição da subvenção pública para a campanha eleitoral para a

Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, apresentado pelo CDS-PP, com fundamento na sua

apresentação extemporânea e por, em sede de audiência prévia, não terem sido alegados eventos/factos que,

não sendo imputáveis ao mandatário financeiro, o tenham impossibilitado de praticar atempadamente o ato.

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Cumpre apreciar e decidir.

ii) Enquadramento de direito:

Dispõe o n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho – que regula o regime aplicável aos recursos

financeiros dos partidos políticos e das campanhas eleitorais – que os partidos políticos que apresentem

candidaturas às eleições para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu, para asAssembleias

Legislativas Regionais e para as autarquias locais, bem como os grupos de cidadãos eleitores dos órgãos das

autarquias locais e os candidatos às eleições para Presidente da República, têm direito a uma subvenção

estatal para a cobertura das despesas das campanhas eleitorais, nos termos previstos nos números

seguintes.

Por sua vez, estabelece o n.º 6 desse mesmo artigo 17.º que a subvenção é solicitada ao Presidente da

Assembleia da República nos 15 (quinze) dias posteriores à declaração oficial dos resultados eleitorais.

Por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 09-03-2023, no processo 100/22.6BALSB, decidiu-

se o seguinte:

«I – O n.º 6 do artigo 17.º da Lei n.º 19/2003, de 20/6 (“Regime aplicável aos recursos financeiros dos partidos

políticos e das campanhas eleitorais”), com a epígrafe “Subvenção política para as campanhas eleitorais”, ao

dispor que “a subvenção é solicitada ao Presidente da Assembleia da República nos 15 dias posteriores à

declaração oficial dos resultados eleitorais”, estipula um prazo perentório, com a consequente perda do

direito à atribuição da subvenção eventualmente devida, por caducidade, em caso de incumprimento do

ónus da sua solicitação atempada, nesse prazo.

II – A previsão desse prazo, em termos continuadamente iguais nos últimos 29 anos – cfr. Lei n.º 72/93, de

30/11 (n.º 7 do artigo 27.º), Lei n.º 56/98, de 18/8 (n.º 7 do artigo 29.º, passando ao n.º 9 do mesmo artigo 29.º

pela redação conferida pelo artigo 2.º da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14/8) e, finalmente, a atual Lei n.º 19/2003,

de 20/6 (n.º 6 do artigo 17.º) – não viola os direitos eleitorais e políticos reconhecidos pela CRP aos partidos

políticos, coligações ou grupos de cidadãos eleitores, sendo a própria CRP que, no n.º 6 do seu artigo 51.º,

estipula que “a lei estabelece as regras de financiamento dos partidos políticos, nomeadamente quanto aos

requisitos e limites do financiamento público”.» (destacado nosso)

Na sequência do recurso interposto para o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo, neste mesmo

processo, a decisão recorrida viria a ser confirmada por Acórdão de 28-09-2023. Tal acórdão teve, no entanto,

o voto de vencido do Sr. Juiz Conselheiro Cláudio Monteiro (com a adesão da Sr.ª Juíza Conselheira Ana

Celeste Evans de Carvalho) nos seguintes termos:

«Votei vencido, por entender que, ao prever um prazo de caducidade do exercício do direito à

subvenção de apenas 15 dias, a norma constante do n.º 6 do artigo 17.º da Lei n.º 19/2003 é

inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade e da razoabilidade. E não pode ser

aplicada ao caso dos autos.

Na verdade, não estamos perante um direito qualquer. Estamos perante uma garantia constitucional do

exercício de direitos fundamentais de participação política dos cidadãos, nos termos do n.º 6 do artigo 51.º

da CRP, sujeito, portanto, às regras aplicáveis à restrição de direitos, liberdades e garantias, nomeadamente

quanto à proibição do excesso. E em minha opinião não existem razões objetivas para sujeitar o seu exercício

a um prazo tão curto.

No direito eleitoral, só os prazos procedimentais pré-eleitorais, ou os prazos relativos ao apuramento dos

votos, e à declaração dos resultados, é que são, ou têm que ser, céleres ou urgentes. Os argumentos utilizados

no acórdão recorrido para justificar essa (curta) duração convencem pouco.

Desde logo, o argumento da longevidade do regime, que vale o que vale, porque nesta matéria não se aplica

o princípio da força normativa do fáctico. É certo que o regime é o mesmo há 29 anos, mas, ao contrário dos

partidos que estão rotinados na aplicação da lei, as listas de cidadãos eleitores são movimentos efémeros,

inorgânicos, e não dispõem de um nível de organização equivalente para responder com a mesma eficiência à

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burocracia eleitoral.

Por outro lado, a partir do momento em que os resultados são declarados – momento em que se forma o

direito à subvenção, que não tem que ser “reconhecido” pela AR – o Estado sabe quanto terá que pagar e a

quem, e pode inclusive cativar a verba, pelo que o argumento da previsibilidade orçamental é pouco convincente.

E mesmo que se dê relevância à gestão orçamental, então esse prazo pode ser perfeitamente alargado até ao

limite do exercício orçamental do ano em que ocorre as eleições, ou do ano seguinte.

É, pois, manifestamente excessivo sujeitar o exercício do direito à subvenção a um prazo tão curto, em

especial às listas de cidadãos eleitores, que não só não dispõem do mesmo nível de organização dos partidos

como, além do mais, não dispõem dos mesmos recursos de financiamento das suas campanhas.» (destacado

nosso)

§ Considerações sobre os partidos políticos e o seu financiamento público

Os partidos políticos constituem uma realidade fundamental dos sistemas democráticos.

A Constituição de 1976 é, neste aspeto, explícita: os partidos são uma realidade constitucional e direito

constitucional formal1 (artigos 10.º/2.º, 40.º, 51.º, 114.º, 151.º, 180.º, 187.º, 288.º/i), procedendo a uma

«incorporação constitucional dos partidos em sentido formal» (cf. Marcelo Rebelo de Sousa, Os Partidos

Políticos no Direito Constitucional Português, p. 92), enquanto emanação do Estado de direito democrático

baseado no pluralismo de expressão e organização política democráticas (cf. artigos 2.º, 3.º, n.º 3, 47.º, 117.º),

tendo mesmo incluído a matéria relativa ao «pluralismo de expressão e organização política, incluindo partidos

políticos, e o direito de oposição democrática» entre os limites materiais de revisão constitucional [artigo 288.º,

alínea i)].

O direito de participação na vida política é configurado pela Constituição como abrangendo um envolvimento

direto ou mediante representação («diretamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos»).

Significa isto que a participação dos cidadãos na vida políticacompreende o direito a ser ouvido e o direito de

voto (Baptista Machado «Participação e descentralização», inParticipação e Descentralização –

Democratização e Neutralidade na Constituição de 76, Almedina, 1976, p. 41). Daqui decorre que tal participação

há de ser assegurada não apenas na formação da vontade política através do voto, mas, também, por via da

liberdade de auto-organização e autodeterminação descentralizada (Baptista Machado, «Participação…», ob.

cit., p. 76).

Em ambas as referidas dimensões, o direito à participação política dos cidadãos concretiza-se, sobretudo,

através da representação política, no quadro da democracia representativa (Jorge Miranda, «O quadro de

direitos políticos da Constituição», Estudos sobre a Constituição, vol. I, 1977, p. 178), e esta realiza-se

primordialmente através dos partidos políticos: «porque o sistema representativo não pode funcionar sem

partidos políticos, logo nos princípios fundamentais estes, e não quaisquer outras organizações, são

tomados, como meios privilegiados de formação e expressão da vontade popular»(Jorge Miranda, «O

quadro…», ob.cit., p. 177). Do ponto de vista subjetivo, isso traduz-se no direito de cada cidadão «constituir ou

participar em partidos políticos e através deles concorrer democraticamente para a formação da vontade popular

a organização do poder político», expressamente consagrado, enquanto direito de liberdade, no n.º 1 do artigo

51.º da Constituição.

Os partidos políticos no sistema jurídico português constituem, portanto, veículo de exercício do

direito fundamental de participação política (artigo 51.º, n.º 1, da Constituição) e são um instrumento de

organização e expressão da vontade popular, no respeito pelos princípios da independência nacional, da

unidade do Estado e da democracia política, nos termos do artigo 10.º, n.º 2, da Constituição.

Refletindo o estado da questão relativamente à posição atual dos partidos no sistema político constitucional,

pode repetir-se o que o Tribunal Constitucional afirmou (Acórdão n.º 304/2003, de 19 de julho de 2003):

«[…] os partidos são associações de natureza privada de interesse constitucional e uma peça fundamental

do sistema político (é o próprio Estado a estimular a sua atividade, suportando parte do respetivo financiamento),

pois se lhes atribui – por vezes em exclusivo – a tarefa de concorrerem para a organização e para a expressão

1 J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 5.ª Edição, Almedina, p. 315.

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da vontade popular».

A asserção tem o condão de logo evidenciar, de uma forma precisa, duas das funções essenciais dos

partidos, cujo reconhecimento merece expressa consagração constitucional: por um lado, a de «concorre[re]m

para a organização e para a expressão da vontade popular, no respeito pelos princípios da independência

nacional, da unidade do Estado e da democracia política (artigo 10.º, n.º 2, da Constituição); por outro – e

estando-lhe intrinsecamente ligada – a de participarem “nos órgãos baseados no sufrágio universal e direto, de

acordo com a sua representatividade” (artigo 114.º, n.º 1, da Constituição)».

Na verdade, os partidos políticos assumem um propósito de representação política da coletividade, sendo

veículos de formação e expressão da vontade popular, constituindo, por isso, uma forma privilegiada de

intervenção dos cidadãos na vida pública e no poder político, ou seja, são a «ponte» que liga os cidadãos à

governação.

Por conseguinte, desempenham um papel essencial na organização das diversidades ideológicas e na

agregação dos interesses dos vários grupos e classes da sociedade, permitindo uma racionalização do conflito

entre mundividências políticas e sociais através de vias institucionais.

A maior parte das democracias ocidentais conhece a existência do sistema de financiamento público dos

partidos políticos, surgindo este com duas funções distintas:

(i) por um lado, como prevenção contra a influência indevida de doadores privados, pretendendo-se

diminuir a dependência dos partidos do financiamento de entidades privadas, desse modo garantindo a

sua independência política em face do poder económico;

(ii) por outro lado, como instrumento ao serviço do pluralismo político e social – e da própria

democracia –, visando assegurar o pluralismo partidário, garantindo a todas as formações partidárias

um patamar económico-financeiro mínimo indispensável à efetivação do princípio de igualdade de

oportunidades, de modo que todos os partidos disponham de meios suficientes para chegar aos cidadãos e

que estes possam escolher entre eles com conhecimento de causa.

Trata-se de uma ideia que se impôs como decorrência das funções que lhes são reconhecidas quer «para a

organização e para a expressão da vontade popular» (na expressão do n.º 2 do artigo 10.º da Constituição

Portuguesa) quer na «participação nos órgãos baseados no sufrágio universal e direto» (artigo 114.º, n.º 1, da

Constituição Portuguesa), bem como em considerações como as de que, por esse modo, se potenciava o

princípio da igualdade de oportunidades dos partidos e, de alguma maneira, se arredavam as críticas da falta

de transparência das suas fontes sociais de financiamento, com o cortejo de males que lhes ia normalmente

associado: a corrupção dos partidos com mais evidente vocação de poder e o controlo do Estado por parte de

grupos económicos (cf. Roberto L. Blanco Valdés, «Consideraciones sobre la necesaria reforma del sistema

español de financiación de los partidos políticos», in La Financiación de los partidos políticos, Cuadernos y

Debates, núm. 47, Madrid, 1994, pp. 45 e ss.; Enrique Alvarez Conde, «Algunas propuestas sobre la financiación

de los partidos políticos», in ibidem, pp. 16 e ss.; Jean-Pierre Camby, Le financement de la vie politique en

France, Paris, 1995, pp. 26 e ss.; J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7.ª

edição, Coimbra, 2003, pp. 321 e ss.; José Manuel Meirim, O financiamento dos partidos políticos e das

campanhas eleitorais – introdução e notas à Lei n.º 72/93, de 30 de novembro, Lisboa, 1994, pp. 10 e ss.).

Na mesma linha, Jorge Miranda e Rui Medeiros acentuam que, no quadro de um Estado de direito

democrático, há dois valores fortes em presença: «[o] primeiro é a igualdade, ou igualdade de oportunidades

[cfr. artigo 113.º, n.º 3, alínea b), 1.ª parte, da Constituição], de sorte a que todos os partidos disponham de

meios suficientes para chegar aos cidadãos e a que estes possam escolher entre eles com conhecimento de

causa; o segundo valor é a independência dos partidos perante quaisquer forças ou interesses estranhos ao

interesse geral, de maneira a que não se frustre a subordinação do poder económico ao poder político

democrático [artigo 80.º, alínea a)]» (v. Autores cits., Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, 2.ª ed., Coimbra

Editora, Coimbra, 2010, anot. XVIII ao artigo 51.º, p. 1018).

Nestes preceitos elevam-se à dignidade de princípio fundamental da Constituição as figuras do sufrágio e

dos partidos políticos, significando que, em certo sentido, o Estado democrático português é um Estado-de-

eleições e um Estado-de-partidos, ou seja, uma democracia eleitoral e uma democracia de partidos. Com efeito,

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a democracia constitucional é essencialmente uma democracia representativa, baseada em eleições de órgãos

representativos protagonizadas em geral pelos partidos políticos (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição

da República Portuguesa Anotada, pág. 285).

§ Regime legal da subvenção para as campanhas eleitorais

A atribuição de subvenção pública aos partidos para a campanha eleitoral vem regulada nos artigos 17.º e

18.º da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho.

Nos termos do n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 19/2003, os partidos políticos que apresentem candidaturas às

eleições para as Assembleias Legislativas Regionais – o que releva no presente caso – têm direito a uma

subvenção estatal para a cobertura das despesas das campanhas eleitorais, nos termos previstos nos

números seguintes.

Por sua vez, o n.º 2 condiciona o direito à subvenção à circunstância de os partidos concorrerem aos

órgãos referidos no n.º 1 (no caso, à Assembleia Legislativa Regional da Madeira) e de obterem

representação.

O valor da subvenção é calculado nos termos do n.º 4, dispondo que a subvenção é de valor total equivalente

a 4000 vezes o valor do IAS para as eleições para as Assembleias Legislativas Regionais.

A subvenção é solicitada ao Presidente da Assembleia da República nos 15 (quinze) dias posteriores à

declaração oficial dos resultados eleitorais (n.º 6).

Estabelecem os n.os 7 e 8 que a Assembleia da República procede ao adiantamento, no prazo máximo de 15

dias a contar da entrega da solicitação referida no número anterior, do montante correspondente a 50 % do valor

estimado para a subvenção. Caso, subsequentemente ao adiantamento referido no número anterior, a parte

restante da subvenção não seja paga no prazo de 60 dias a contar da entrega da solicitação prevista no n.º 6,

vencerá juros de mora à taxa legal aplicável às dívidas do Estado.

iii) Análise da concreta problemática suscitada

Feito este enquadramento jurídico, cabe apreciar a questão suscitada, a qual consiste em apurar se o prazo

constante do artigo 17.º, n.º 6, da Lei n.º 19/2003 é um prazo perentório, com a consequente perda do

direito à atribuição da subvenção eventualmente devida, em caso de incumprimento do ónus da sua

solicitação atempada, por caducidade.

Vejamos então:

O n.º 1 do artigo 145.º do Código de Processo Civil refere a existência de duas modalidades de prazos:

dilatório ou perentório.

No entanto, a doutrina e a jurisprudência referem ainda uma terceira modalidade: prazo meramente

ordenador.

A definição dos três tipos de prazos enunciados consta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º

1/2011, nestes termos:

«Os prazos podem classificar-se de dilatórios, perentórios e meramente ordenadores.

Os prazos dilatórios diferem para certo momento a possibilidade de realização de qualquer ato ou o início

ou continuação da contagem dum outro prazo, enquanto o decurso do prazo perentório faz extinguir o direito

a praticar o ato, salvo o caso de justo impedimento. Trata-se de uma classificação fundada no sentido de

limitação temporal que os prazos encerram.

Assim, os dilatórios, também chamados iniciais ou suspensivos, marcam o momento a partir do qual o ato

processual pode ser praticado, enquanto os prazos perentórios, igualmente conhecidos como finais, extintivos

ou resolutivos, estabelecem o momento até ao qual o ato pode ser praticado.

Os prazos meramente ordenadores estabelecem também um limite para a prática do ato, mas nem por isso

os atos praticados após esse limite perdem validade».

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Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo supracitada, o n.º 6 do artigo 17.º da Lei n.º

19/2003 – ao dispor que «a subvenção é solicitada ao Presidente da Assembleia da República nos 15 dias

posteriores à declaração oficial dos resultados eleitorais» – estipula um prazo perentório, com a consequente

perda do direito à atribuição da subvenção eventualmente devida, por caducidade, em caso de

incumprimento do ónus da sua solicitação atempada.

Nesta medida, a inobservância do prazo implica a extinção de tal direito e acarreta a impossibilidade de

obtenção da subvenção.

Antecipando conclusões e dito de forma axiomática, e sempre salvo respeito pela suprema instância

da jurisdição administrativa, tendemos a discordar de tal entendimento e, em sentido oposto ao

preconizado no douto acórdão, defender queo prazo previsto no n.º 6 do citado artigo 17.º é um prazo

meramente ordenador, destinado a delimitar ou regular a tramitação procedimental do processamento

da subvenção2.

Desde logo, cumpre salientar que a caducidade é justificada por razões de certeza dos direitos. O instituto

fundamenta-se, assim, em razões objetivas de segurança jurídica, bem como da sua necessidade de

definição, dentro de um prazo razoável, das situações jurídicas.

A segurança jurídica consiste num princípio inerente ao Direito e que supõe um mínimo de certeza,

previsibilidade e estabilidade das normas jurídicas.

Pela sua clareza, recuperamos o que se estipulou no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo,

proferido no Processo n.º 0164A/04, de 13-11-2007, no que ao princípio da segurança e certeza jurídica diz

respeito que: «(…) III – Os citados princípios da segurança jurídica e da proteção do confiança assumem-se

como princípios classificadores do Estado de Direito Democrático, e que implicam um mínimo de certeza e

segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas a que está imanente uma ideia de

proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado».

Na caducidade, o prazo visa preestabelecer o lapso de tempo dentro do qual, ou a partir do qual, há de

exercer-se o direito, por imposição da lei ou vontade negocial. Trata-se de um prazo prefixo que, pressupondo

o interesse na rápida definição do direito, não se compadece com dilações, não comportando a paralisação do

direito.

O prazo, na caducidade, é condição de admissibilidade e procedibilidade, por ser elemento constitutivo do

direito, pelo que o decurso do prazo de caducidade provoca a extinção ou a perda da prerrogativa de realizá-lo.

E, também por essa razão – o interesse na rápida definição do direito – são sempre mais curtos do que os

prazos de prescrição.

No caso, não se vê quais as razões de segurança e de certeza que justificam que o prazo ínsito no

n.º 6 do artigo 17.º da Lei n.º 19/2003 seja um prazo de caducidade do direito à subvenção pública, isto

é, quais as razões que justificam a necessidade de acrescida certeza e estabilidade quanto às posições

jurídicas dos partidos, ao ponto de impor, por esse motivo, um ónus gravoso ao titular do direito e efeitos

preclusivos tão intensos.

Da leitura dos n.os 1 e 2 do artigo 17.º, o direito à subvenção estatal para a cobertura das despesas das

campanhas eleitorais é condicionado à circunstância de os partidos concorrerem aos órgãos referidos no n.º 1

(no caso, à Assembleia Legislativa Regional da Madeira) e de obterem representação. Assim, apurados os

resultados eleitorais, e uma vez obtida representação, o direito à subvenção estatal constitui-se ope

legis.

Como refere o Sr. Juiz Conselheiro Cláudio Monteiro (com a adesão da Sr.ª Juíza Conselheira Ana Celeste

Evans de Carvalho), no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 28-09-2023, «a partir do momento

em que os resultados são declarados – momento em que se forma o direito à subvenção, que não tem que ser

“reconhecido” pela AR – o Estado sabe quanto terá que pagar e a quem, e pode inclusive cativar a verba, pelo

que o argumento da previsibilidade orçamental é pouco convincente. E mesmo que se dê relevância à gestão

orçamental, então esse prazo pode ser perfeitamente alargado até ao limite do exercício orçamental do ano em

2 Neste sentido, ver também Rui Medeiros e Gonçalo Bargado, O prazo para solicitar a subvenção pública para campanhas eleitorais: um prazo de caducidade? Comentário aos Acórdãos do STA de 9 de março de 2023 e de 28 de setembro de 2023 / [por] Rui Medeiros, Gonçalo Bargado, Revista de Direito Administrativo, Lisboa, n.º #20 (mai.-ago. 2024), p. 107-118.

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que ocorre as eleições, ou do ano seguinte».

Aderindo ao entendimento de Rui Medeiros e Gonçalo Bargado3, no comentário aos aludidos acórdãos do

Supremo Tribunal Administrativo, concluímos que não há nenhuma incerteza ou insegurança quanto à

existência, características ou quantitativo da subvenção que justifique a fixação de um prazo (tão curto) para a

sua rápida definição.

Entendemos, ainda, que não resulta da referida disposição legal que o prazo de 15 (quinze) dias seja

um dos elementos constitutivos do direito, cujos requisitos legais e substantivos para obtenção se

circunscrevem à circunstância de o partido concorrer aos órgãos referidos no n.º 1 e de obter

representação nos resultados eleitorais.

Na verdade, quando o legislador se quer referir à caducidade, utiliza, em regra, expressões como «o direito

extingue-se», «caduca», «o direito deve ser efetivado dentro do prazo (…) sob pena de caducidade» (é o que

sucede, a título de exemplo, com o artigo 115.º do Código Penal – referente à extinção do direito de queixa;

artigo 917.º do Código Civil – referente à caducidade da ação na venda de coisas defeituosas; artigo 1085.º do

Código Civil – referente à caducidade do direito de resolução; artigo 1051.º do Código Civil – referente à

caducidade do direito de locação).

Ora, do normativo enunciado não resulta a consequência ou sanção para o incumprimento do prazo e, nesta

medida, não se pode perder de vista que a interpretação tem de partir do teor verbal da lei, o qual há de ser

posto a claro tendo em conta as regras da gramática e designadamente o uso corrente da linguagem, tomando,

porém, em particular consideração também os modos de expressão técnico-jurídicos: a coerência interna do

preceito, o lugar em que se encontra e as suas relações com outros preceitos (ou seja, a interpretação lógico-

sistemática), assim como a situação que se verifica anteriormente à lei e toda a evolução histórica, bem assim

a história da génese do preceito, que resulta particularmente dos trabalhos preparatórios, e finalmente o fim

particular da lei ou do preceito em singular (ou seja, a interpretação teleológica).

Interpretar a lei é atribuir-lhe um significado, determinar o seu sentido a fim de se entender a sua correta

aplicação a um caso concreto, sendo que o elemento literal – primeiro estádio da interpretação – impõe que

nos debrucemos nas palavras em que a lei se expressa.

Ora, ainda que a lei determine que a subvenção seja solicitada ao Presidente da Assembleia da República

nos 15 (quinze) dias posteriores à declaração oficial dos resultados eleitorais, daqui não se extrai que o

direito se extingue caso esta não seja solicitada dentro de tal prazo.

No que respeita ao elemento histórico da interpretação, salienta o acórdão do Supremo Tribunal

Administrativo que a previsão desse prazo tem sido em termos continuadamente iguais nos últimos 29 anos –

cfr. Lei n.º 72/93, de 30/11 (n.º 7 do artigo 27.º), Lei n.º 56/98, de 18/8 (n.º 7 do artigo 29.º, passando ao n.º 9 do

mesmo artigo 29.º pela redação conferida pelo artigo 2.º da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14/8) e, finalmente, a

atual Lei n.º 19/2003, de 20/6 (n.º 6 do artigo 17.º).

De acordo com a ata da reunião plenária de 26 de novembro de 1993 (publicada em DAR – 1.ª Série –

número 16), que antecedeu a publicação da primitiva Lei n.º 72/93, resulta que a proposta de subvenção estatal

para as campanhas eleitorais foi subscrita por Deputados do Partido Socialista, do Partido Comunista e do

Centro Democrático Social, sendo que o objetivo, indo ao encontro de soluções que estavam nos projetos

destes três partidos, era garantir uma subvenção pública para as campanhas eleitorais como meio que contribua

para uma moralização da vida pública.

Fazendo uma breve análise da história da génese do preceito, constata-se o seguinte:

No Projeto de Lei n.º 332/VI (PCP) – que esteve na génese da redação que viria a ser conferida a tal

normativo –, concretamente o artigo 9.º, referente à subvenção pública para financiamento das campanhas

eleitorais, apenas se refere que a subvenção será paga após publicação dos resultados eleitorais oficiais e

verificação das contas eleitorais pela entidade competente e que a subvenção será inscrita em rubrica própria

do orçamento da Assembleia da República, devendo ser requerida ao Presidente da Assembleia da República

pelos partidos que a ela tenham direito.

Ou seja, apesar de contemplar que «deve ser requerida ao Presidente da Assembleia da República» não

3 Ob. cit., p. 113.

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estipula qualquer prazo para esse pedido.

Por sua vez, no Projeto de Lei n.º 57/VI (PS), no seu artigo 5.º, refere-se que as subvenções são

processadas nos 15 dias posteriores à publicação dos resultados eleitorais, mediante requerimento subscrito

pelos órgãos diretivos do partido.

Daqui se depreende que o prazo consignado era dirigido à Assembleia da República, e não aos partidos,

impondo à própria Assembleia da República um ónus de processar o pagamento nos 15 dias posteriores à

publicação dos resultados eleitorais.

No Projeto de Lei n.º 329/VI (PSD) não se prevê qualquer prazo para requerer o pagamento de subvenção.

No Projeto de Lei n.º 322/VI (CDS), no seu artigo 74.º, prevê-se que as subvenções são processadas nos

15 dias posteriores à publicação dos resultados eleitorais, mediante requerimento subscrito pelos órgãos

próprios dos partidos políticos.

Ora, da análise que decorre dos projetos que estiveram na origem da redação do normativo, resulta

claro que o sentido não era o de obrigar os partidos a requererem a subvenção dentro de tal prazo, sob

pena de perda do direito, mas sim de estabelecer uma obrigação da própria Assembleia da República de

processar o pagamento no prazo respetivo.

O objetivo parece que era o de agilizar, numa perspetiva administrativa e burocrática, o pagamento

da subvenção, impondo à Assembleia da República celeridade no seu processamento, em benefício dos

próprios partidos4.

Nesta medida, aderindo a tal entendimento, o intuito de disciplina e organização do pagamento da subvenção

em benefício dos próprios partidos que parece ter estado subjacente à redação legislativa – o que se

compreende num contexto de, por regra, as campanhas envolverem custos significativos que impõem a

consolidação das contas da campanha com alguma brevidade – não é consentâneo com o entendimento

acolhido pelo Supremo Tribunal Administrativo que encara tal prazo como um ónus do partido político,

estabelecido em seu detrimento, sob pena de caducidade.

Por outro lado, para uma perspetiva adequada à correta equacionação do problema, o ponto de partida da

análise para que é convocado o intérprete não poderá deixar de ter como eixo os direitos dos partidos

enquanto pessoas coletivas com específico estatuto constitucional e amatricial constelação de valores

e interesses que se pretende salvaguardar: a igualdade de oportunidades entre partidos, a

independência política dos partidos em face do poder económico, o pluralismo partidário, político e

social e, consequentemente, o próprio princípio democrático.

Por esta razão, e conforme refere o Tribunal Constitucional, subjacente a esta leitura da sua própria

competência em matéria de fiscalização das contas dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, está uma

certa compreensão, constitucionalmente conformada, da especificidade (orgânica, funcional e finalística) dos

partidos políticos no quadro do Estado de direito democrático.

Com efeito, as regras impostas aos partidos políticos no que respeita ao seu financiamento, bem como as

exigências de publicidade do seu património e das suas contas – tal como todas aquelas que regulam diversos

outros aspetos da sua organização e funcionamento – radicam no reconhecimento da importância vital das

funções constitucionais que tais associações privadas desempenham no Estado de direito democrático;

tendo, como se disse, os partidos políticos por vocação e finalidade constitucionais a representação do povo e

o exercício do poder político em nome deste, impõe-se garantir, também por essa via, que o processo de

representação democrática não sofra entorses suscetíveis de comprometer a sua genuinidade, senão mesmo o

próprio princípio do Estado de direito democrático (cfr. neste sentido, o Acórdão n.º 146/2007).

Dispõe-se no artigo 51.º, n.º 6, da Constituição que «a lei estabelece as regras de financiamento dos partidos

políticos, nomeadamente quanto aos requisitos e limites do financiamento público, bem como às exigências de

publicidade do seu património e das suas contas».

O financiamento público, integrando implicitamente uma obrigação constitucional do Estado, aponta para

a necessidade de assegurar o pluralismo partidário, garantindo a todas as formações partidárias um patamar

económico-financeiro mínimo indispensável à efetivação do princípio da igualdade de oportunidades e, por

conseguinte, diminui a dependência dos partidos do financiamento de entidades privadas, desse modo

garantindo a sua independência política.

Isto não significa que se defenda implícita e necessariamente a inconstitucionalidade da interpretação

4 Neste sentido, vide Rui Medeiros e Gonçalo Bargado, ob. cit., p.112, cujo entendimento se acompanha e subscreve.

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alternativa, nos termos do voto de vencido do Sr. Juiz Conselheiro Cláudio Monteiro (com a adesão da Sr.ª

Juíza Conselheira Ana Celeste Evans de Carvalho), constantes do acórdão do Supremo Tribunal

Administrativo, de 28-09-2023, onde se considera «ao prever um prazo de caducidade do exercício do direito

à subvenção de apenas 15 dias, a norma constante do n.º 6 do artigo 17.º da Lei n.º 19/2003 é inconstitucional

por violação do princípio da proporcionalidade e da razoabilidade».

Ainda assim, adere-se e subscreve-se a conclusão nele vertida quando se refere que, efetivamente, não

estamos perante um direito qualquer, mas sim perante uma garantia constitucional do exercício de

direitos fundamentais de participação política, nos termos do artigo 51.º, n.º 6, da Constituição, sujeito às

regras aplicáveis à restrição de direitos, liberdades e garantias, nomeadamente quanto à proibição do excesso.

O princípio da proporcionalidade comete ao legislador, à Administração e ao juiz a obrigação de adequar

os seus atos aos fins concretos que se visam atingir, adequando as limitações impostas aos direitos e interesses

de outrem ao necessário e razoável; trata-se, assim, de um princípio que tem subjacente a ideia de limitação

do excesso, de modo que o exercício dos poderes não ultrapasse o indispensável à realização dos

objetivos públicos.

Nesta medida, atendendo à natureza do direito em causa, a sujeição do seu exercício a um prazo tão

curto, sob pena de caducidade, pode efetivamente revelar-se desadequada, desnecessária e excessiva.

Por esta razão, dada a importância do direito em questão e a prossecução dos seus objetivos – que parece

justificar a preferência de um modelo de financiamento fundamentalmente público – mais exigente deve ser o

intérprete com a clareza da regra em que se baseia, clareza que há de buscar na própria letra da lei, não devendo

acolher-se um entendimento com um efeito tão intenso com base em regras pouco claras.

Por conseguinte, entre duas interpretações possíveis da mesma norma, a fixação do seu conteúdo há de

definir-se de harmonia com as normas constitucionais, mostrando-se adequado atender aos princípios,

interesses ou valores que enformam os dois sentidos normativos em contenda, envolvendo-os numa operação

de ponderação, regulada pelo princípio da proporcionalidade.

No nosso entendimento, a solução interpretativa mais correta de tal normativo e que assegura, em melhor

medida, os princípios e interesses que fundamentam o direito à subvenção pública (ou seja, a interpretação mais

orientada à Constituição) é considerar que o prazo ínsito no n.º 6 do artigo 17.º da Lei n.º 19/2003 tem

natureza meramente ordenatória, funcional e referencial. O seu objetivo é o de regular a tramitação

procedimental para que a atribuição da subvenção seja tendencialmente célere – desde que verificados

os requisitos substantivos e legalmente estabelecidos para o direito de atribuição a subvenção.

Aliás, esta celeridade instituída em benefício dos partidos está, de certo modo, implícita na previsão legal de

adiantamento do montante correspondente a 50 /prct. do valor estimado para a subvenção (cfr. n.º 7 do artigo

17.º), bem como na obrigação de pagamento do remanescente da subvenção, no prazo de 60 dias a contar da

entrega da solicitação, sob pena de vencimento de juros de mora à taxa legal aplicável às dívidas do Estado

(cfr. n.º 8 do artigo 17.º).

Consequentemente, defendemos que não detém tal prazo qualquer natureza perentória ou preclusiva,

pelo que o seu eventual incumprimento não extingue o direito.

Nesta medida, não sendo requerida no prazo de 15 (quinze) dias posteriores à declaração oficial dos

resultados eleitorais, entendemos que, ainda assim, a subvenção pode ser posteriormente válida e eficazmente

solicitada, mas o partido não terá naturalmente direito ao adiantamento previsto no n.º 7 do artigo 17.º da

Lei n.º 19/2003 («a Assembleia da República procede ao adiantamento, no prazo máximo de 15 dias a contar

da entrega da solicitação referida no número anterior, do montante correspondente a 50/prct. do valor

estimado para a subvenção»), bem como aos juros de mora por falta de pagamento, os quais, como decorre

expressamente do preceito, pressupõem a solicitação5 (cfr. n.º 8 do artigo 17.º da referida Lei n.º 19/2003) –

destacado nosso.

Quanto ao argumento invocado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, concretamente de a

natureza perentória do prazo encontrar uma justificação na necessidade de encerramento das contas das

campanhas eleitorais para efeitos da respetiva entrega à ECFP (já que o n.º 1 do artigo 27.º dispõe que «no

prazo máximo de 90 dias, no caso das eleições autárquicas, e de 60 dias, nos demais casos, após o pagamento

integral da subvenção pública, cada candidatura presta à Entidade das Contas e Financiamentos Políticos as

5 Neste sentido, vide Rui Medeiros e Gonçalo Bargado, ob. cit., p.115.

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contas discriminadas da sua campanha eleitoral, nos termos da presente lei»), entendemos que este argumento

não é isento de dúvidas.

Desde logo, porque os partidos que não têm direito a subvenção pública também se encontram obrigados a

prestar contas, iniciando tal prazo a contar do último pagamento efetuado pela Assembleia da República.

Assim, tenham, ou não, direito a subvenção pública, no prazo máximo de 60 dias, após o pagamento integral

da subvenção pública, cada candidatura presta à ECFP as contas discriminadas da sua campanha eleitoral,

correndo o prazo, simultaneamente, para todos.

Por outro lado, entendimento diverso levaria a concluir que o prazo para o CDS prestar contas à ECFP não

se iniciava pelo facto de não se ter verificado o pagamento da subvenção, o que, a nosso ver, não corresponde

à realidade.

Com efeito, com o último pagamento requerido dentro do prazo previsto no n.º 6 do artigo 17.º da Lei n.º

19/2003, a Assembleia da República informa, por ofício, a ECFP da concretização desse último pagamento,

iniciando-se, nesta data, o prazo para prestação de contas para todas as candidaturas, sendo o prazo publicitado

na agenda oficial da ECFP para que todos os partidos conheçam os prazos para prestar as respetivas contas,

prazos estes que correm em simultâneo para todas as candidaturas.

A título de mero exemplo, uma vez consultada a agenda oficial da ECFP, constata-se o seguinte:

Agenda 2024

setembro

Dia 13 | sexta-feira

Termina o prazo para apresentação das contas de campanha eleitoral relativa à Eleição dos Deputados à

Assembleia da República, de 10.03.2024.

outubro

Dia 01 | terça-feira

Termina o prazo para apresentação das contas de campanha eleitoral relativa à Eleição para a Assembleia

Legislativa da Região Autónoma dos Açores, de 04.02.2024.

Desta forma, conclui-se que o CDS (à semelhança de todos os partidos, incluindo os que não têm direito a

subvenção) terá de prestar contas dentro do prazo que vier a ser publicitado pela ECFP, independentemente de

ter ou não recebido a subvenção, já que o recebimento da subvenção não é pressuposto da ação

fiscalizadora da ECFP nem a atividade fiscalizadora é comprometida pelo facto de o partido não ter

recebido subvenção pública. A finalidade da prestação de contas é averiguar o cumprimento das obrigações

previstas na Lei n.º 19/2003, sendo de salientar a exigência de discriminação das receitas e das despesas [cf.

as alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 12.º] e estas obrigações existem independentemente do recebimento (ou

não) de subvenção.

Aliás, desde os primeiros acórdãos que o Tribunal Constitucional vem defendendo, uniformemente e sem

discrepâncias, que, no tocante à obrigação da elaboração e apresentação de contas, não há que fazer nenhuma

distinção – já que a lei a não faz – entre «grandes» e «pequenos» partidos, com ou sem representação

parlamentar, com intensa e permanente ou reduzida e esporádica atividade: desde o momento em que se

encontrem inscritos como tal no registo próprio de partidos políticos existente nesse Tribunal, ficam adstritos às

obrigações decorrentes daquele diploma legal (v., desde logo, o Acórdão n.º 979/96 e o Acórdão n.º 537/97).

Nesta conformidade, se as contas não forem apresentadas no prazo legal, o partido sujeita-se à instauração

de procedimento administrativo de omissão de contas, bem como eventual e consequente processo de

contraordenação. Se as contas forem apresentadas na sequência do convite efetuado no procedimento

administrativo de omissão de contas, sanar-se-á a irregularidade e arquivar-se-á o procedimento respetivo,

instaurando-se o subsequente procedimento administrativo de apreciação de contas.

Entendemos, por isso, que o argumento acolhido pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de

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justificar a natureza perentória do prazo na necessidade de encerramento das contas das campanhas eleitorais,

para efeitos da respetiva entrega à ECFP, é frágil e pouco convincente.

Por outro lado, também não nos parece que esta interpretação decorra do n.º 2 do artigo 298.º do Código

Civil, que estabelece que «quando por força da lei (…) um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são

aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição».

Desde logo, cumpre sublinhar que a principal dificuldade reside na circunscrição das fronteiras da prescrição

e da caducidade, convindo sublinhar que, em caso de dúvida sobre a natureza do prazo estipulado, a mesma

há de resolver-se, necessária e fundamentalmente, por via do recurso aos princípios gerais da interpretação das

leis. As fronteiras entre os institutos poderão, assim, ser esclarecidas casuisticamente à luz da finalidade de

cada prazo, cabendo apurar se a intenção do legislador foi a de consagrar um prazo de prescrição ou de

caducidade.

Concordamos com Rui Medeiros e Gonçalo Bargado6 quando referem que desta norma não decorre que

todos os prazos que não se refiram expressamente à prescrição sejam inexoravelmente prazos de caducidade.

No caso, não se põe a dúvida de saber se o prazo é de caducidade ou de prescrição, mas antes de saber se

é um prazo indicativo/ordenador ou de caducidade, pelo que não se estamos sequer no âmbito de aplicação do

artigo 298.º do Código Civil7.

Por outro lado, não se ignora que a subvenção pública corresponde a uma despesa do Estado, a qual se

subordina e rege por regras de disciplina orçamental próprias de despesa pública. Por conseguinte, carece de

previsão orçamental, inscrita em orçamento próprio, em anos em que ocorram atos eleitorais, cuja justificação

de cada rúbrica, os seus termos e modo de cumprimento assentam em regras e prazos próprios com vista à

correta execução orçamental. A incerteza no momento do pagamento, que resultaria da possibilidade de serem

efetuados pagamentos, a título de subvenção, em anos sem previsão orçamental para o efeito, o que, em termos

de contas públicas, não seria desejável, e representaria para o devedor Estado um acrescido encargo financeiro,

tanto mais elevado quanto mais aquele se protelasse no tempo.

Nessa medida, para acautelar tais incertezas, entendemos que a pretendida aferição da elasticidade do prazo

em causa poderia ser analisada numa perspetiva de exercício abusivo do direito, questão que, no caso, não

se evidencia por não se revelarem manifestamente excedidos os limites impostos pela boa-fé, pelos bons

costumes ou pelo fim social ou económico do direito – no caso, o prazo para requerer a subvenção terminou no

dia 26 de junho de 2024 e oCDS apresentou o requerimento para atribuição da subvenção estatal no dia 10

de julho de 2024, pelo que nem se tratou de uma situação em que o exercício do direito se desencadeou muito

para além do tempo previsível. Aliás, nem sequer seria expectável e verosímil que um partido demorasse 20

anos (prazo máximo de prescrição) a exercer o direito, como foi problematizado no acórdão do Supremo

Tribunal Administrativo, porque a demora no seu processamento constitui uma desvantagem patrimonial para

os partidos, por lhe retirar disponibilidade financeira, pelo que é do seu próprio interesse contribuir para a

agilização do processamento.

Considerando tudo o quanto se expôs e tendo em conta o resultado da ponderação das

especificidades do direito em causa, iluminada pelos princípios da proporcionalidade e razoabilidade,

entendemos queo prazo ínsito no n.º 6 do artigo 17.º da Lei n.º 19/2003 tem natureza meramente

ordenatória e que o seu objetivo é regular a tramitação procedimental para que a atribuição da

subvenção seja tendencialmente célere – desde que verificados os requisitos substantivos e legalmente

estabelecidos para o direito de atribuição a subvenção.

Consequentemente, entendemos que não detém tal prazo qualquer natureza perentória ou preclusiva,

pelo que o seu eventual incumprimento não extingue o direito enenhuma consequência extintiva se

pode retirar da sua inobservância.

Consideramos que esta é a solução interpretativa que assegura, em melhor medida, a matricial

constelação de valores e interesses que se pretende salvaguardar com o direito à subvenção pública: a

igualdade de oportunidades entre partidos, a independência política dos partidos em face do poder

económico, o pluralismo partidário, político e social e, consequentemente, o próprio princípio

democrático.

No entanto, ainda que não se ignore que – não raras vezes – a evolução doutrinal e jurisprudencial altera

6 Ob. cit., p.116. 7 Neste sentido, Rui Medeiros e Gonçalo Bargado, ob. cit., p.116.

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significativamente o peso relativo dos argumentos, por forma a que a sua (re)ponderação conduza a resultado

diverso, o respeito intrínseco pela jurisprudência da instância suprema administrativa (sem prejuízo do

voto de vencido nela aposto, suscetível de desequilibrar os termos da discussão jurídica contra a

solução perfilhada em tal aresto), impõe que lhe seja conferida força persuasiva suficiente para não

proferir, por ora, uma decisão favorável ao partido.

Assim, ao abrigo do disposto no artigo 44.º, alínea a), do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei

n.º 68/2019, de 27 de agosto, decide-se solicitar, ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da

República, aemissão de parecer que possa servir como critério auxiliar de ponderação sobre a natureza

do prazo constante do n.º 6 do artigo 17.º da Lei n.º 19/2003, no sentido de ver esclarecido se estamos

perante umprazo perentório, com a consequente perda do direito à atribuição da subvenção

eventualmente devida, por caducidade, ou, contrariamente, se tal prazo tem natureza meramente

ordenatória e, consequentemente, não detém natureza perentória ou preclusiva – tendo designadamente

em conta o enquadramento jurídico-constitucional que subjaz à opção de determinar o financiamento partidário.

Assim, remeta-se à Procuradoria-Geral da República para emissão de parecer, ao abrigo do disposto no

artigo 44.º, alínea a), do Estatuto do Ministério Público.

Dê-se conhecimento ao partido CDS, bem como à Secretaria-Geral.

Notifique e publique.

Palácio de São Bento, 17 de setembro de 2024.

O Presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco.

A DIVISÃO DE REDAÇÃO.

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