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Sábado, 4 de Novembro de 2006 II Série-OE — Número 8
X LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (2006-2007)
COMISSÃO DE ORÇAMENTO E FINANÇAS
Reunião de 3 de Novembro de 2006
SUMÁRIO A Sr.ª Presidente (Teresa Venda) declarou aberta a reunião às 9 horas e 45 minutos.
Concluiu-se a preparação do debate, na generalidade, da proposta de lei n.º 99/X — Orçamento do Estado para 2007, tendo a equipa governamental do Ministério da Justiça apresentado à Comissão o respectivo orçamento.
Usaram a palavra, a diverso título, além do Sr. Ministro (Alberto Costa) e dos Srs. Secretários de Estado Adjunto e da Justiça (Conde Rodrigues) e da Justiça (João Tiago Silveira), os Srs. Deputados Paulo Rangel (PSD), Sónia Sanfona (PS), António Filipe (PCP), Nuno Magalhães (CDS-PP), Helena Pinto (BE) e Helena Terra (PS).
A Sr.ª Presidente encerrou a reunião eram 13 horas.
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A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 9 horas e 45 minutos.
Srs. Deputados, vamos dar início a mais uma sessão de trabalho, desta vez uma reunião conjunta da Comissão de Orçamento e Finanças e da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, com o objectivo de aprofundar a proposta de Orçamento do Estado para 2007 na área do Ministério da Justiça. Para o efeito, contamos com a presença do Sr. Ministro da Justiça e respectivos Secretários de Estado e, desde já, agradecemos a disponibilidade manifestada para falarmos um pouco, ou o possível durante esta manhã, sobre o orçamento das medidas previstas para a justiça no ano de 2007.
Também aproveito para cumprimentar o Sr. Presidente da 1.ª Comissão, que acompanha os nossos trabalhos e a quem agradeço, desde já, o apoio que nos vai dar na condução da reunião.
Começo por recordar a metodologia que temos seguido na discussão do Orçamento, que passa por uma intervenção inicial do Sr. Ministro, com um tempo aproximado de 20 minutos, cabendo depois a cada grupo parlamentar uma intervenção de 10 minutos. No fim, o Sr. Ministro responderá em bloco às questões suscitadas pelos Srs. Deputados; segue-se depois uma segunda ronda de intervenções, com a duração de 5 minutos, e, se houver inscrições, far-se-á uma terceira ronda de intervenções, de apenas 3 minutos.
Se não houver objecções, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça, para nos fazer a apresentação inicial do orçamento do seu Ministério.
O Sr. Ministro da Justiça (Alberto Costa): — Sr.ª Presidente, Sr. Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, Sr.as e Srs. Deputados: Gostaria de começar por identificar as grandes orientações que actualmente estão em curso no sector para poder enquadrar devidamente a proposta para o próximo ano.
Sublinharia, em primeiro lugar, a acção sobre o congestionamento do sistema judicial, uma situação há muito identificada e analisada, em relação à qual interviemos com um certo número de medidas que gostaria de recapitular.
Em primeiro lugar, uma acção sobre o regime de pagamentos de prémios de seguros, que correspondem a 12% das acções declarativas e executivas; em segundo lugar, uma acção de alargamento do âmbito de aplicação da injunção, que, como sabem, é um mecanismo mais expedito do que o das acções; em terceiro lugar, uma actualização do regime afonsino das férias judiciais; em quarto lugar, uma revisão do regime dos créditos incobráveis, responsável por uma invasão do sistema judicial por acções que apenas têm em vista objectivos fiscais e não verdadeiros objectivos de justiça; em quinto lugar, a adopção do critério do foro da residência do réu para acções cíveis, que, neste momento, se acumulavam de maneira extraordinariamente significativa nas duas principais regiões metropolitanas do País; em sexto lugar, a adopção de um regime experimental de processo civil com soluções específicas para enfrentar a hoje célebre «litigância de massa»; em sétimo lugar, a adopção de um novo regime para os cheques sem provisão, fazendo frente à reconstituição de grandes pilhas de processos no domínio dos crimes de cheques sem provisão que se acumulavam sobretudo nas grandes áreas urbanas; e, ainda, a retirada dos tribunais das contravenções e transgressões, correspondentes a cerca de 13% dos processos crime.
Para além do que referi, limito-me a mencionar a abertura e a entrada em funcionamento de novos juízos de execução em vários pontos do País; a adopção de um novo regime territorialmente menos limitativo para os solicitadores de execução; a redefinição por via legislativa da competência dos juízos de execução; e a retirada dos tribunais de diversas operações relacionadas com sociedades.
Trata-se de um conjunto, ao qual se acrescentam muitas outras medidas relacionadas com a acção executiva, que se encontra agora plenamente em vigor. Os últimos diplomas a vencerem a barreira da entrada em vigor foram os relativos às contravenções e transgressões e ao regime experimental do processo civil, agora já em vigor nalgumas comarcas do País, na Região da Grande Lisboa e na Região do Grande Porto.
Esta é, portanto, uma orientação global, traduzida — como puderam constatar — em dezenas de medidas sectoriais, boa parte delas discutidas nesta Assembleia, das quais esperamos boas notícias. Já temos alguns indicadores animadores sobre algumas das rubricas que acabei de enunciar, mas que se espera que se traduzam plenamente nas notícias que as estatísticas nos irão trazer em Fevereiro do próximo ano, envolvendo os números respeitantes ao ano de 2006.
Esta é, pois, uma grande linha que estamos a desenvolver, persistente, perseverante e com um entendimento multifactorial dos problemas do sistema e agindo sobre cada uma das suas razões determinantes.
A segunda grande orientação prende-se com a redução da carga burocrática do sistema de justiça sobre as empresas e os cidadãos.
Criámos a «Empresa na Hora», um fenómeno que teve amplo reconhecimento internacional, nomeadamente por parte do Banco Mundial, que considerou Portugal um país top reformer pelo resultado que atingiu neste domínio: 55 minutos para criar uma empresa é, de facto, uma marca à escala mundial, com a particularidade de haver uma grande adesão dos destinatários, já que em Setembro deste ano 50% das empresas constituídas em Portugal foram-no segundo o sistema «Empresa na Hora».
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A esta iniciativa, acrescentaria ainda: a «Empresa on-line», que já pode efectivar-se sem precedência de pactos pré-aprovados; o número de escrituras (cerca de 65 000, anualmente) que deixaram de ser obrigatórias e passaram a ser facultativas; um enorme conjunto de medidas de simplificação de operações; a eliminação da obrigatoriedade de livros de escrituração, à excepção do livro de actas; desterritorialização da competência das conservatória; a passagem das publicações do Diário da República para publicações on-line.
Poderemos dizer que, com tudo isto, bem mais de 500 000 actos de controlo deixaram de ser necessários e foi, em larga medida, desmontada a exigência de um duplo controlo que tem existido no Direito português.
Trata-se, portanto, de um conjunto de acções também muito vasto, traduzido em muitos diplomas — alguns deles passaram pela Assembleia da República —, que representam, sem dúvida, o cumprimento do nosso compromisso de diminuir a enorme carga burocrática que o sistema de justiça tem feito impender sobre empresas e sobre cidadãos.
Em terceiro lugar, recordaria a criação de melhores condições para a eficácia no combate à criminalidade — passou por esta Assembleia a lei-quadro da política criminal e, portanto, não vou desenvolver este ponto —
, mas mencionaria, ainda, o concurso para a admissão de mais 150 inspectores da Judiciária, que já aqui foi referido, e a conclusão dos projectos respeitantes ao Código Penal e ao Código de Processo Penal.
Outra linha de acção que gostaria de recordar tem a ver com o alargamento dos meios alternativos no funcionamento do sistema de respostas de justiça, mencionando a entrada em funcionamento de mais três julgados de paz, a montagem de um sistema de mediação laboral que, no final deste ano, estará em condições plenas de funcionamento, a preparação de um sistema de mediação penal cuja proposta de lei foi ontem aprovada pelo Conselho de Ministros e a criação de um centro de arbitragem, respeitante a dívidas hospitalares. Esta é, portanto, uma outra orientação a que atribuímos a maior importância.
A esta luz, gostaria de dizer que a nossa agenda para 2007, no respeito seja do nosso programa, seja de compromissos político-parlamentares assumidos, tem uma importante dimensão na concretização de diversas reformas legislativas. Isso é publicamente conhecido e, por isso, deve ser marcado no início deste debate.
Em primeiro lugar, teremos a reforma dos recursos cíveis. Trata-se de uma proposta de lei que já se encontra nesta Assembleia, proposta que vem reformar, reorientar, a vocação do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de uma orientação da jurisprudência; acelerar o processo de análise e decisão dos recursos; economizar debates e diligências inúteis; acelerar a decisão de conflitos de competência; simplificar a análise de incidentes; e dotar o sistema de uma resposta mais ágil, mais especializada para o exame, a reponderação das decisões do próprio sistema judicial.
Esta reforma trará uma nova face à justiça cível portuguesa, nomeadamente ao tribunal, que constitui a cúpula do nosso sistema e que, neste momento, se encontra apropriado por um enorme conjunto de matérias que nem pelo valor nem pela importância justificariam a intervenção desse tribunal.
Na sequência desta reforma, várias outras medidas ocorrerão no sentido de adoptar soluções organizativas racionais em linha com as novas soluções legislativas.
Em segundo lugar, a revisão do Código Penal. A proposta de lei encontra-se já na Assembleia da República e, como sabem, o sentido desta revisão é um sentido modernizador, europeizador e, sobretudo, favorável à substituição da pena de prisão, quando tal seja possível, por outras sanções, como o trabalho a favor da comunidade e a vigilância electrónica, sanções que não só são mais favoráveis à ressocialização como representam um benefício do ponto de vista do contribuinte, já que os custos são, em todos os casos, inferiores a um terço dos custos financeiros do encarceramento.
Em terceiro lugar, temos a mediação penal (como disse, foi ontem aprovada, em Conselho de Ministros, a proposta de lei respectiva), que permitirá criar um sistema de mediação inspirado nas ideias de reparação e de restauração da paz social, agilizando, simplificando, valorizando o papel da mediação e podendo ser aplicável a cerca de um quarto dos crimes de que se ocupa hoje o sistema da justiça penal formal.
A quarta reforma legislativa que vamos apresentar e que, na próxima semana, transitará para o Parlamento tem a ver com o Código de Processo Penal. Gostaria de mencionar que essa é uma reforma que trará grande economia, eficiência e simplificação a uma área também bem carecida dessas inovações, que alargará a esfera das decisões individuais, nomeadamente em matéria de conflitos de competência, e que diminuirá as exigências em matéria de burocracia, de transcrições, de sessões injustificadas e que, para lá das já sempre sublinhadas medidas a favor da defesa, trará um grande conjunto de medidas modernizadoras ao procedimento do processo penal.
Também gostaria de referir certas medidas a favor das vítimas que iremos apresentar neste conjunto, de entre as quais destaco duas: uma, é a obrigação de notificar os ofendidos da data de libertação dos arguidos que possam constituir perigo para elas, e outra, consiste na obrigação, para crimes de certa natureza, das declarações para memória futura. São duas melhorias importantes e não é justo identificar o Código apenas com uma visão preocupada apenas com os direitos de defesa. A protecção da vítima e a agilização de todo o processo são, certamente, duas dimensões fundamentais.
Teremos também uma iniciativa legislativa na acção executiva cujos aspectos fundamentais estarão ligados à entrada dos advogados e de outros licenciados em Direito no domínio dos agentes de execução e à introdução de meios alternativos nestes domínios onde eles hoje não estão presentes. Estas medidas vêm acrescentar-se a 18 outras que foram tomadas nesta esfera da acção executiva.
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A outra reforma de fundo que apresentaremos é a revisão do mapa judiciário, pondo termo a uma anacrónica estrutura que levou a que um terço das comarcas, nos últimos anos, tenha recebido, em média, a entrada de menos de 500 processos por ano. Se alargarmos o horizonte para 50% das comarcas, esse número não vai além das 1000 entradas por ano, o que significa uma enorme incongruência na proliferação destas soluções de circunscrições territoriais que numa parte têm recursos mas não têm processos que os justifiquem e noutra parte têm muitos processos mas não têm recursos com capacidade e disponibilidade para os apreciar.
A proposta incidirá no sentido da criação de novas circunscrições territoriais de carácter mais amplo, cujo critério definidor são as NUT III, no âmbito das quais haverá uma maior flexibilidade e mobilidade de resposta, quer dos magistrados, quer dos funcionários, sem prejuízo do cumprimento de qualquer dos princípios constitucionais aplicáveis. De notar, ainda, que, na nossa concepção e de harmonia com o que disse, em cada circunscrição haverá uma oferta equilibrada de meios judiciais e de respostas extra-judiciais, o que é certamente uma novidade no mapeamento do território em termos de justiça.
Há, depois, uma outra reforma no acesso à magistratura, que passará a prever duas vias de entrada com diferentes requisitos e, ainda, uma diferenciação dos percursos formativos para o acesso ao Ministério Público e para a carreira de juiz, ao contrário do que tem acontecido.
Por último, no que toca às reformas legislativa, mencionarei a lei orgânica do Conselho Superior de Magistratura — uma promessa de longos anos que vai, finalmente, efectivar-se — e a revisão do Estatuto dos Magistrados, que, com a preocupação de introduzir mais publicidade e transparência e um reforço do critério do mérito, o que resulta do Programa do Governo, vai incluir o acesso aos tribunais superiores segundo um novo regime baseado na discussão pública do currículo dos candidatos a esses lugares, prevendo-se, ainda, o preenchimento obrigatório de um quinto dos lugares do Supremo Tribunal de Justiça por juristas de mérito não saídos da magistratura judicial ou do Ministério Público.
Dito isto, e sendo este o nosso programa de reformas legislativas mais saliente (há vários outros que ainda mencionarei, mas estes são seguramente aqueles a que damos maior importância), gostaria de dizer que o Ministério da Justiça não só participa no esforço de contenção que se verifica actualmente no Estado, com plena consciência das suas exigências e das consequências que ele projecta nesta área, como tem participado conscientemente na visão de que um aumento da despesa, nomeadamente um aumento de juízes, de magistrados e de funcionários, não é necessariamente o melhor caminho para obter os progressos que o sistema requer. Pelo contrário, analisando o percurso dos últimos anos, tem sido demonstrado justamente o inverso.
Como se percebeu, a nossa visão é adaptada a esta realidade que identificámos e continua a assentar em duas ideias, a primeira das quais é a de que a nossa aposta principal consiste em retirar dos tribunais o que não precisa de estar nos tribunais e, portanto, não «venerar» uma instituição super-carregada de assuntos que não carecem de ser judicializados, mas, sim, fazê-la «emagrecer» e reduzir a sua prestação, que deve ser pronta e de qualidade, àquele número de assuntos que se justifica que sejam efectivamente examinados pelo tribunal. O mesmo se diga em relação à prisão. A nossa visão é longínqua de Filadélfia, quer no tempo, quer na concepção, e o que pensamos é que as celas devem ser reservadas para quem precisa mesmo de estar nelas. Como tal, todas as situações em que a sanção pode ser outra devem ser tratadas de outra maneira, em atenção às finalidades de ressocialização ou às finalidades da despesa pública. Contamos bastante com o alargamento do sistema da vigilância electrónica e com o alargamento das condições de aplicação do trabalho a favor da comunidade, soluções que constam de várias das reformas legislativas que enunciei e que pretendem impedir que as instituições cresçam para terrenos onde não se justifica que elas estejam, com prejuízo das finalidades visadas e com prejuízo orçamental.
Neste domínio, em que, repito, são estruturantes ao longo do próximo ano as grandes reformas legislativas, também gostaria de mencionar algumas iniciativas que estão presentes na proposta orçamental. Em primeiro lugar, no domínio da modernização e da desburocratização, a que, como vimos, temos dado grande importância, gostaria de citar a via da desmaterialização, que neste momento se aplica em termos experimentais na área da injunção — como sabem, está em curso uma experiência na comarca de Vila Nova de Gaia.
Mas a via da desmaterialização também se faz sentir ao nível dos recursos cíveis, onde estão em curso experiências dessa natureza, tendo em vista, no próximo ano, a generalização no sistema judicial e no domínio do processo cível da possibilidade de introdução de peças, requerimentos e petições por via electrónica. Também neste domínio citarei a concretização, a montagem e a exploração do sistema do Cartão do Cidadão, que, como sabem, corre na área dos registos do Ministério da Justiça, e a prestação única de contas, que tencionamos pôr em marcha no próximo ano, levando mais além a racionalização das exigências que o Estado formula às empresas.
No domínio dos tribunais, verão na proposta de Orçamento um programa de alargamento do número de salas de audiência, com o espírito de desbloquear o sistema em muitos tribunais. Visitando os tribunais, verifica-se que há, em muitos edifícios, salas de audiência a menos, pelo que as audiências não podem ser feitas.
Estes são investimentos que podem ampliar muito rapidamente a capacidade de resposta do sistema, o que corresponde a um dos nossos programas. Neste sentido, destaco também a generalização do sistema de gravação digital e novas medidas legislativas em matéria de descongestionamento que estão a ser neste
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momento ponderadas no sentido de retirar ainda mais dos tribunais certas matérias que lá estão hoje e que não precisariam de lá estar.
Em matéria de meios alternativos, gostaria de referir a montagem do sistema de mediação laboral, que neste momento já está estabelecido num protocolo com todas as organizações patronais e laborais e em condições de entrar, a breve prazo, em funcionamento, e a montagem do sistema de mediação penal logo que ele seja aprovado pela Assembleia da República, visto que está agora em condições de passar à fase parlamentar.
No domínio do combate ao crime, gostaria de mencionar um único número, salientando que à Polícia Judiciária e ao Ministério Público estão destinados 200 milhões de euros na proposta de orçamento do Ministério da Justiça, número que é significativo se atendermos ao facto de se tratar de uma componente de um contexto de diferentes forças de segurança e de outras competências que se aplicam neste domínio. É um contributo significativo para o combate ao crime, que no caso da Polícia Judiciária envolve a renovação da frota automóvel e uma aposta nos sistemas de informação e de telecomunicações.
Gostaria, ainda, de sublinhar a grande importância da lei de política criminal que virá ao Parlamento. Tratase de uma lei porque, num espírito de compromisso, atendemos às sugestões feitas pelo PSD e pelo PP no sentido de não consagrar uma resolução, mas, sim, uma lei. Deste modo, virá aqui, nos termos da lei quadro que foi aprovada por esta Assembleia, uma proposta tendente a assegurar orientação e prioridades coerentes neste domínio.
Ainda neste capítulo e numa área mais próxima da medicina legal, gostaria de lembrar que a base de dados genéticos verá o seu quadro normativo chegar ao Parlamento no próximo ano (encontra-se em estado adiantado) e que, no terreno, teremos a entrada em funcionamento do sistema da telemedicina, que irá permitir grandes economias e novas funcionalidades neste aspecto.
Quanto à área prisional, cuja filosofia já há pouco referi, gostaria de mencionar que, no domínio das obras respeitantes ao balde higiénico e de segurança, recebemos 1639 celas sem sanitários e que neste momento foram recuperadas 867 celas, isto é, mais de 50%. Esperamos, conforme aqui foi dito, eliminar no próximo ano esta situação desumana existente no mundo prisional.
Mas o nosso principal objectivo neste domínio vista redefinir as relações entre o sistema prisional e o Serviço Nacional de Saúde, porque os reclusos não têm tido a este um acesso normal. Aliás, têm tido um acesso bastante extraordinário, do ponto de vista das demais regras vigentes, ao sistema nacional de saúde. Estamos, portanto, a repartir, de novo, as competências entre os dois Ministérios, no sentido de permitir àquele que é mais vocacionado para os cuidados de saúde absorver um papel crescente neste sector. Esta é uma área orçamentalmente importante porque representa qualquer coisa como 30 milhões de euros por ano, o que significa, para cada recluso, um pouco mais de 2000 € por ano em custos de saúde. Este é um domínio no qual pretendemos, ao longo do próximo ano, introduzir modificações significativas.
Neste aspecto, queria também referir a entrada em funcionamento da prisão de alta segurança do Monsanto e, a propósito disto, anunciar que está aprovada a entrada de mais 300 guardas prisionais neste sistema.
Eles são absolutamente necessários e mesmo numa situação de grande contenção não é possível gerir com segurança este sistema sem essa admissão. Temos agora esta decisão tomada.
Vou tentar concluir muito rapidamente, Sr.ª Presidente.
Quanto à racionalização do parque penitenciário, já encerrámos três prisões, as de Felgueiras, Monção e Brancanes, e temos na mira duas novas prisões para encerrar, nesta visão de racionalização, a próxima das quais vai ser a de S. Pedro de Sul.
Será, portanto, um esforço que continuará no sentido de libertar meios, capacidades e de favorecer a modernização do sistema.
Termino, Sr.ª Presidente, mencionando algumas mudanças modernizadoras que este Orçamento traduz, o que farei de forma telegráfica.
Em primeiro lugar, o Ministério da Justiça guardava um sistema particular de funções que vinha dos anos 40 e que se traduzia num encargo anual de cerca de 70 milhões de euros. Era o Ministério da Justiça que pagava as pensões dos conservadores e dos funcionários da justiça e não a Caixa Geral de Aposentações.
Esse sistema, que é anómalo, herdeiro de contingências passadas, é abolido, transitando-se para o sistema normal das aposentações. São revogados, portanto — e dá um certo prazer legislativo fazê-lo — diplomas de 1941, que regulavam estas matérias.
Em segundo lugar, o sistema dos cofres, que é também herdado dos anos 40 e que era uma fonte de compartimentação, de rigidez e de confusão, de sobreposição e de transferências cruzadas — quem conheça esta matéria e acompanhe esta problemática há um bom par de anos sabe que este panorama era muitíssimo problemático do ponto de vista da contabilidade e da orçamentação pública — vai também terminar. Nas suas várias componentes, é um sistema que dará lugar ao pleno cumprimento dos princípios do orçamento bruto, da integridade e da unidade do orçamento, mas, sobretudo, das ideias de transparência e de flexibilidade. É que a situação que temos vivido e que há mais de 15 anos costumava examinar, no Parlamento, caracterizase pela obscuridade, pela enorme dificuldade em identificar os fundos que são aplicados.
Ora, esta situação de falta de transparência, por um lado, e de ausência de flexibilidade, por outro, porque cada operação é condicionada por múltiplas autorizações prévias, é ultrapassada com esta proposta.
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Menciono também o financiamento público de sistemas particulares de previdência ou de protecção social que são objecto de medidas modernizadoras. Tal como no ano passado o fizemos em relação aos serviços sociais, com uma redução consequente de cerca de 37,8 milhões de euros, pela redução do número de beneficiários, desta vez cessará o financiamento público da Caixa de Previdência da Ordem dos Advogados.
Por último, menciono também a concentração dos pagamentos a magistrados e a conservadores numa única entidade, permitindo, finalmente, reconstituir com nitidez o conjunto de pagamentos feitos a cada pessoa, o que hoje era impossível, porque as diferentes entidades distribuíam entre si pagamentos. Ou seja, os cofres pagavam uma certa importância, por hipótese, um abono, uma direcção-geral pagava o vencimento principal e por aí fora, criando uma situação de proliferação, baseada em vários diplomas legais, que tornava impossível uma visão de conjunto.
Isto leva-me a dizer que, como tantos outros, os números deste orçamento certamente não serão recordados dentro de pouco tempo, mas as mudanças na organização financeira do Ministério, as mudanças na observância dos critérios de transparência e de flexibilidade serão lembradas. Porque não passamos de 2006 para 2007, passamos de um sistema com 60 anos de idade para um sistema que quer responder melhor às necessidades do século XXI.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Muito obrigada, Sr. Ministro.
Antes de dar a palavra aos Srs. Deputados, gostaria de registar que a tolerância que dei ao Sr. Ministro tem a ver com o vasto conjunto de medidas que nos anunciou, que não vinham contempladas no relatório, mas, sim, num documento que alguns Srs. Deputados não tiveram capacidade de abrir. Por isso, penso que se justificou dar a liberdade ao Sr. Ministro de expor todas as medidas que tinha para nos anunciar desde já, e, como é habitual, a Mesa irá demonstrar igual condescendência para com os Srs. Deputados.
Posto isto, dou, de imediato, a palavra ao Sr. Deputado Paulo Rangel, do Partido Social Democrata.
O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Em primeiro lugar, gostaria de cumprimentar a Sr.ª Presidente da Comissão de Orçamento e Finanças e o Sr. Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, o Sr. Ministro da Justiça e os Srs. Secretários de Estado, bem assim como todos os colegas.
Gostaria também de aproveitar para pedir desculpas, em particular, aos Srs. Presidentes, mas em especial ao Sr. Ministro, por ter chegado ligeiramente atrasado. Acontece que estava sentado no avião esta manhã, às 7 horas e 30 minutos, no Porto, estive uma hora à espera, até às 8 horas e 30 minutos, altura em que o avião levantou voo. Depois, o avião esteve 20 minutos à espera para aterrar, entre as 9 horas e 10 minutos e as 9 horas e 30 minutos, e o restante tempo foi passado no táxi entre o Aeroporto da Portela e o Palácio de S. Bento. Digo isto para conforto do Sr. Ministro, porque, uma vez que não tem responsabilidade sobre o sistema de transportes, sempre pode dizer que há atrasos noutros domínios que não apenas no da justiça!…
Risos.
Portanto, fica aqui o testemunho.
O Sr. Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (Osvaldo Castro): — É por isso que acho que a Ota ainda acaba por se tornar necessária, não?!
Risos.
O Orador: — Se o aeroporto fosse na Ota, imagine o que eu demoraria para vir da Ota até aqui! Se viesse para a Ota, não vinha para Lisboa e, em matéria de nevoeiros, não sei bem o que é que será mais propício!?… Em todo o caso, Sr. Ministro, já que falamos em nevoeiro e uma vez que a minha manhã foi pautada por este incidente que me causou algum frenesim, permita-me que lhe diga que há também aqui algum «nevoeiro» em todo este orçamento para o Ministério da Justiça. É que, entre as medidas apresentadas e as verbas estipuladas, há um grande desfasamento. Diria até que se apresenta um orçamento que tem uma característica quase perturbadora, quase «esquizofrénica», porque no seu relatório ele anuncia novidades, que nos parecem mostrar a «terra prometida», mas, depois, quando vamos computar as verbas uma a uma, quando vamos ver a listagem das medidas, ficamos surpreendidos com a dimensão das reformas que com este orçamento se podem fazer para 2007.
Há, aliás, uma coisa característica: quando o Sr. Ministro terminou, e fez uma paragem denunciadora de que iria agora revelar algumas das grandes novidades que este orçamento traria, termina dizendo-nos que, no fundo, as grandes novidades são arranjos contabilísticos. Não estou a dizer que não sejam arranjos modernizadores. Mas isso faz-me lembrar uma medida que o Sr. Ministro enunciou quando apresentou, por exemplo, as mudanças nos sectores da segurança social ou da aposentação dos juízes e dos magistrados em geral.
Essas são medidas que deveriam caber ao Ministro da Segurança Social e o arranjo contabilístico das contas
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da justiça é matéria para o Ministro das Finanças! O que esperamos que o Ministro da Justiça nos traga não são estes anúncios inovadores! Ainda assim, muito embora comungue da ideia de que esses arranjos (já que falamos neles) vão permitir maior flexibilidade, não me parece que houvesse um problema de transparência nas contas, poderia dar um pouco mais de trabalho mas era fácil fazer a análise. Por outro lado, esse sistema, que muitos consideram antiquado, talvez tivesse a vantagem de denunciar, de pôr mais em evidência, a autonomia e a independência do sistema judicial em face do restante sistema político e administrativo.
Ora, este tipo de aproximação acaba por evidenciar que o controlo dos meios financeiros da justiça estará cada vez mais no âmbito estrito dos decisores políticos. Não digo que isto seja mau ou que seja bom. Digo que o sistema anterior também não era merecedor de críticas ou de reparos tão fortes como aqueles que o Sr.
Ministro fez. Mas como essas são questões laterais, como eu próprio referi, vamos, então, ao ponto que me parece extraordinário.
Já que vim do Porto, começo por referir, por exemplo, algo absolutamente extraordinário: foi anunciada, com pompa e circunstância (que só é ultrapassada pelo Sr. Primeiro-Ministro), a construção de um campus judiciário para o Porto, que, do meu ponto de vista, até lhe digo, se revelava prematuro, tal como foi anunciado. Penso que seria melhor esperar pela proposta para o novo mapa judiciário e depois anunciar todas as construções que se querem fazer. Mas, enfim, dando de barato como certo aquele argumento que dava de que havia necessidades que estariam de tal maneira identificadas que não haveria estudo nenhum de mapa judiciário que as pusesse em causa, a verdade é que está inscrita uma verba de 100 000 €. Ora, não julgo que vá construir o novo parque judiciário com 100 000 €, em 2007. Nem sei se vai prepará-lo para 2008 ou para 2009, quando em 2007 já lhe pôs uma dotação tão cerceadora.
É importante pôr em evidência a tal dimensão «esquizofrénica». Não estou a dizer que o Sr. Ministro deveria construir amanhã o tribunal. Estou a dizer que não o deveria anunciar, como se ele estivesse construído, e, depois, colocar uma verba no orçamento que não corresponde, em nada, à expectativa que gera e às promessas que anuncia. Curiosamente, isto que peguei aqui apenas como um case study, como uma amostra, se quiser, de uma medida ilustrativa, está na própria filosofia da política do Ministério. Este Ministério tem como grandes «bandeiras» e usa sempre na sua retórica de apresentação de medidas a desjudicialização, a informatização, o recurso sistemático às novas tecnologias, que, devo dizer, nem sempre são (do meu ponto de vista vejo algumas com desconfiança) anunciadoras de progressos, pois as tecnologias são um meio, não são um fim. É preciso perceber isto: não é possível desmaterializar por completo os processos. A experiência dos tribunais administrativos e fiscais demonstra-o largamente e a experiência da acção executiva também. Portanto, não é possível.
Mas, enfim, para lá desta questão de filosofia, se for ver as verbas do Instituto das Tecnologias de Informação na Justiça (ITIJ), há uma redução brutal em termos de investimento. Claro que poderá dizer «Bem, estas mudanças estão agora contempladas noutras rubricas». Mas, então, há que desfibrá-las. Precisamos de um esclarecimento e, se ele for dado cabalmente, depois, também estou disposto a dizer que há congruência entre aquilo que se anuncia e aquilo que se faz.
Mas quem olha para aquele que pareceria ser um orçamento transparente não vê onde está a aposta nas novas tecnologias, não vê onde está a aposta nessa desmaterialização; pelo contrário, vê uma redução drástica daquela instituição, que, no quadro do Ministério, tinha responsabilidades nessa matéria.
Mas mais curioso ainda é que, sendo toda a filosofia enunciada pelo Sr. Ministro orientada para a ideia da desjudicialização e de criação de espaços alternativos de justiça, no sentido de desafogar os tribunais, verificamos que a verba prevista em investimento na Direcção-Geral da Administração Extrajudicial tem uma quebra drástica. Não compreendo como é que vai construir uma rede de mediação judicial ou de mediação penal ou como é que vai construir e ampliar uma rede de julgados de paz — e ainda não conhecemos a proposta para a nova expansão desta rede de julgados de paz, nem em termos materiais, nem em termos territoriais — apresentando a própria Direcção-Geral da Administração Extrajudicial uma redução drástica em termos de investimento!? Mas, então, como é que se vai fazer esse «milagre da multiplicação»?!… No fundo, tendo em conta aquele que deve ser o objecto de uma primeira ronda no contexto das grandes questões orçamentais do Ministério, tudo isto denuncia, do meu ponto de vista, uma grande incongruência na política do Governo e até admito que o Sr. Ministro da Justiça esteja isento de responsabilidades, porque estou a vê-lo, com certeza, a desenvolver os maiores esforços para conseguir o máximo de verbas para as políticas que quer executar.
Mas a verdade é que o Governo, que anunciou, por exemplo, vontade de dar uma prioridade à justiça, documentada na celebração de um pacto entre o Partido Social Democrata e o Partido Socialista, no âmbito parlamentar, para um conjunto de reformas, à cabeça das quais está a reforma do mapa judiciário, sobre a qual, apesar de tudo, ainda se conhece pouco… Por exemplo, quando vamos compulsar a lista de tribunais, há um conjunto deles com verbas que não sei se são para pequenas reparações ou se são verbas inscritas para novas instalações, tudo isto ao arrepio do programa que ainda não está apresentado em sede de reforma territorial da justiça, do mapa do território da justiça, se quisermos.
Mas, dizia eu, tendo o Governo apostado, como política prioritária, na política de justiça, reconhecendo, no fundo, o papel que ela tem não apenas na garantia dos direitos dos cidadãos mas também na própria alavan-
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ca económica e até, em certo sentido, social do País, a pergunta que faço é a seguinte: onde é que está essa prioridade traduzida orçamentalmente? É que não está! Não está traduzida orçamentalmente.
O conjunto de reformas que o Ministério pretende prosseguir, eu diria até, aquelas a que se vinculou na celebração de um pacto com o maior partido da oposição, não são suportadas por este orçamento. Por ele não são! Isso é certo! Não sei se estão à espera que o PSD contribua com um orçamento suplementar para o Ministério da Justiça!?… O que posso adiantar é que, de facto, nós já contribuímos com a nossa vontade, cedendo em algumas das nossas propostas, abrindo, assim, caminho ao diálogo com o Governo, no sentido de lhe facilitar essa tarefa difícil.
Agora, estávamos à espera que o Governo facilitasse a tarefa ao próprio sistema de justiça, dotando o orçamento do Ministério com verbas suficientes. Mas isso nós não vemos.
Eu, por exemplo, não sei como é que o Sr. Ministro vai fazer a reforma do mapa judiciário, porque, muitas vezes, mesmo aquelas reformas em que se vai poupar dinheiro — o Sr. Ministro, no ano passado, veio cá dizer-nos que não se pode deitar dinheiro sobre os problemas, e eu estou totalmente de acordo com esse discurso e até estou solidário com a necessidade de um esforço de contenção orçamental — implicam, num momento inicial, um gasto adicional, que é justamente aquele que vai permitir poupar em termos estruturais.
Este é um raciocínio que, julgo, o Governo nem sempre tem compreendido. Veja-se o caso da segurança social, em que o Governo não percebe que um esforço financeiro maior numa fase inicial pode, justamente, vir a aliviar estruturalmente as finanças públicas. Mas, enfim, essa é outra discussão… Nesta área, ou há realmente um investimento suplementar que permita, definitivamente, libertá-la de algumas constrições orçamentais em termos estruturais ou, então, se há um orçamento de gestão — e aquele que aqui nos apresenta é um orçamento de pura gestão — que não permite realizar nenhuma das grandes reformas que anunciou, nem sequer aquelas bandeiras emblemáticas que apresenta, pergunto, Sr. Ministro, como é que vai cumprir os objectivos a que aqui se adstringiu na intervenção inicial, não apenas na parte que pude ouvir presencialmente mas também naquela outra de que, com bastante exactidão — espero —, me deram nota.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Sónia Sanfona, do Partido Socialista.
A Sr.ª Sónia Sanfona (PS): — Sr.ª Presidente, antes de mais, os meus cumprimentos ao Sr. Presidente da 1.ª Comissão, ao Sr. Ministro, aos Srs. Secretários de Estado e às Sr.as Deputadas e aos Srs. Deputados.
Começo por assinalar as primeiras palavras do Sr. Ministro da Justiça relativamente à solidariedade que o Ministério da Justiça presta com o esforço de contenção e de consolidação financeira nacional no âmbito deste Orçamento do Estado. Por isso, gostava de perceber, nos números que estão em discussão e nas medidas propostas, qual é esse esforço e essa solidariedade que o Ministério da Justiça presta neste Orçamento do Estado.
Há algumas linhas que são, do meu ponto de vista, matrizes, de que não podemos distanciar-nos, relativamente à proposta de orçamento para a área da justiça.
Gostaria de começar por ressaltar a reestruturação financeira e orçamental que é proposta neste orçamento relativamente ao Ministério.
A alteração deste modelo de 1941, que, como muito bem disse o Sr. Ministro, herdámos, parece causar algumas reservas ao PSD, segundo a intervenção que acabámos de ouvir, assim como também lhe causará algumas reservas a modernização, o recurso às novas tecnologias, etc. Parece que tudo isto tem alguma desconfiança implícita. Gostava de ver alguma atitude no sentido da modernização e da resolução dos problemas, que são antigos e recorrentes, cuja tentativa aqui se coloca, do meu ponto de vista, de uma forma meritória, consolidada e muito concreta.
Urgia, pois, há muito tempo, fazer a alteração deste modelo, naturalmente desajustado às necessidades e à actualidade do mundo judicial de hoje, e o Sr. Ministro fá-la — por isso o felicito —, dotando-o de transparência, da unidade a que estava obrigado legalmente e da regra do orçamento bruto, que é outra coisa que não existia, transformando o Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça no repositório daquilo que eram os cofres gerais dos tribunais e do Fundo de Garantia Financeira, que são extintos, concentrando, portanto, a administração das receitas e o controle das despesas numa única entidade, que, neste caso, o fará mediante a atribuição de duodécimos aos vários serviços, no caso à Direcção-Geral dos Registos e do Notariado.
Parece-me que, relativamente à proposta de reorganização do modelo de gestão, ressaltam, necessariamente, a transparência a que V. Ex.ª aludiu e a racionalização da gestão financeira, uma vez que o actual modelo de gestão financeira causa, como também já foi referido, juntamente com a burocratização, com a necessidade de autorizações sistemáticas das várias direcções e dos vários ministérios, incluindo o Ministério das Finanças, para desbloquear tudo o que fossem verbas para qualquer tipo de despesas que tivessem de ser feitas ao nível dos serviços… Não há dúvida de que há uma racionalização desse sistema, que permitirá que sejam feitas as despesas com outro controle e que sejam arrecadadas as receitas com outro conhecimento.
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Ainda quanto à proposta que nos é presente, gostaria de ressaltar também a questão da inclusão das receitas, nomeadamente da Direcção-Geral dos Registos e do Notariado, numa entidade que fará esse controle, de modo a que, ao invés de serem depositados nos antigos cofres dos tribunais os montantes já diminuídos das despesas efectuadas, sejam depositadas as receitas que são aí geridas e controladas, permitindo fazer as despesas também com base nesse controle.
Parece-me que todas estas medidas resultam claramente num esforço de consolidação das finanças públicas e, ao nível do Ministério da Justiça, como dizia, num esforço de racionalização e de transparência de todo o sistema.
Mas, além das medidas concretas que V. Ex.ª aqui nos trouxe — e muitas delas são medidas de médio e de longo prazos que já foram iniciadas e que, portanto, têm o seu caminho a percorrer, e irão percorrê-lo com certeza —, há medidas novas.
E, em relação a algumas dessas medidas novas, julgo que não é de deixar passar o seguinte: a despesa consolidada do Ministério da Justiça apresentada nesta proposta de orçamento ascende a 1289 milhões de euros, correspondendo a 2,4% do total da administração central e a 0,8% do PIB. Há um acréscimo, relativamente à estimativa de execução de 2006, de 8,4%, que é motivado também por esta evolução no procedimento contabilístico. Ou seja, as referências que fiz relativamente à proposta de observação dos princípios da unidade, da universalidade e do orçamento bruto resultam, numa análise final, no acréscimo de 8,4% relativamente à estimativa de execução e, portanto, julgo que não é despiciendo notar-se que há claramente este acréscimo.
Quanto às medidas que são propostas, gostava de fazer algumas referências.
A qualificação da resposta judicial parece-me, como item, uma medida fundamental, quer ao nível do descongestionamento processual, quer ao nível da criação de novos dispositivos de resolução rápida de conflitos, quer ao nível da actualização do valor das alçadas, que se fará, e da reformulação do regime dos recursos, como foi referido também pelo Sr. Ministro, deixando aos tribunais aquela que é a sua função e ao Supremo Tribunal de Justiça uma função orientadora a nível jurisprudencial, retirando daí uma massa muito grande de processos e de pronunciamentos que não se justifica que aí estejam.
A agilização da gestão dos mecanismos dos recursos humanos é fundamental.
O incentivo da articulação entre universidades e entidades privadas responsáveis pela formação dos profissionais de justiça, incentivo este de parcerias que resultará também ao nível da adopção de novas tecnologias e, portanto, da modernização da utilização por parte dos agentes judiciários e dos cidadãos, aproximando claramente os cidadãos da justiça e a justiça dos cidadãos.
A promoção da eliminação de burocracia e de vários actos inúteis — substituídos, por exemplo, pelo Cartão do Cidadão, que é paradigmático, pelo Documento Único Automóvel, pela informação predial única ou pela Empresa na Hora, cuja valorização do ponto de vista internacional é de todos conhecida —, bem como a promoção da eliminação de vários actos e práticas judiciais, fundamental para acabar com todo um processo burocrático que carrega sobre os tribunais e sobre os cidadãos, não lhes dando margem para avançarem, quer na sua vida social, quer na sua vida económica, constrangendo com isto, naturalmente, a desejável evolução que procuramos.
A responsabilização do Estado e dos demais entes públicos, neste caso desenvolvendo, por exemplo, instrumentos de auditoria e avaliação externa do funcionamento do sistema judicial.
A progressão na desjudicialização e a resolução alternativa de litígios, com tribunais, como dizia — e muito bem — o Sr. Ministro, reservados à actividade de julgar, retirando daí tudo aquilo que pode ser retirado e que não carece de uma decisão judicial, e a aposta nos meios alternativos enquanto forma de resolução dos conflitos, que aproxima também a justiça do cidadão e lhe dá garantias de celeridade, de resolução dos seus conflitos de uma forma mais rápida e mais eficaz e a contento das partes.
Em matéria penal, a descriminalização de condutas cuja penalização esteja desactualizada, que também retirará do processo penal uma carga muito grande de processos, nomeadamente contravenções e transgressões, que afundam muitos tribunais, desenvolvendo-se aqui também as formas de mediação e de conciliação a que aludiu o Sr. Ministro.
O impulso que se pretende dar ao sistema e inovação tecnológica, pois parece-me que ficou claro na proposta de lei que aqui nos é trazida que haverá uma utilização intensiva das novas tecnologias, sobretudo ao nível dos serviços de justiça, assegurando que eles sejam mais rápidos e mais eficazes, e uma progressiva desmaterialização dos processos judiciais, que é desejada e desejável a todos os níveis, o que, portanto, resultará, naturalmente, na celeridade e na operacionalidade do sistema judicial que aqui muito bem se defendeu.
O combate ao crime e a justiça penal. V. Ex.ª fez referência às várias medidas, que julgo que são evidentes, que o Ministério tem vindo a adoptar relativamente ao melhoramento dos serviços prisionais, com o plano nacional de políticas de saúde prisional, que já tivemos oportunidade de conhecer nesta Assembleia, a aplicação de medidas alternativas às penas de prisão, a institucionalização do Fundo de Garantia, Apoio e Assistência à Vítima, a que V. Ex.ª também fez referência e que consideramos fundamental, a aposta no processo de ressocialização dos agentes do crime como forma, quer de diminuição de despesas quer de trazermos para a sociedade estas pessoas, não as mantendo encarceradas quando já não faz sentido que aí estejam. Julgo que todo este manancial de medidas que têm vindo a ser implementadas têm uma continuidade e já tiveram
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um início. Não estamos a falar de alguma coisa que se propõe ou se promete e da qual não se deu ainda qualquer tipo de prova. Alguns destes processos foram iniciados, outros terão o seu tempo mas, de facto, o Ministério da Justiça, ao longo do seu mandato, tem dado provas, tem mostrado que as medidas propostas vão ser implementadas, que a coragem do ponto de vista legislativa e da acção existe, que ela é efectiva.
Percebendo-se que este orçamento tem as contingências de todos os orçamentos sectoriais e do Orçamento do Estado, naturalmente enquadrados no esforço de contenção e de consolidação das finanças públicas, é perceptível que, daquilo que é proposto, da forma como é proposto e, sobretudo, do novo modelo de gestão da justiça, não só será desejável mas será possível implementar as medidas e as reformas que V. Ex.ª, Sr. Ministro, aqui apresentou.
Quero, mais uma vez, saudá-lo pela sua presença, saudá-lo pelas reformas que tem tido a coragem de trazer à justiça portuguesa e saudá-lo por nos ter apresentado com clareza as medidas e o orçamento que aqui nos trouxe hoje.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Tem agora a palavra o Sr. Deputado António Filipe, do Partido Comunista Português.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr.ª Presidente da Comissão de Orçamento e Finanças, Sr. Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, Sr. Ministro e Srs. Secretários de Estado, Sr.as e Srs. Deputados, a longa intervenção do Sr. Ministro não conseguiu transformar este orçamento naquilo que ele não é, que é um bom orçamento.
Efectivamente, o Sr. Ministro referiu um conjunto de medidas que o Governo estará a tomar e outras que prevê tomar no futuro, foi particularmente enfático relativamente às medidas que não custam dinheiro, mas — eu diria que este orçamento não nos esclarece, mas sei que por outro lado, pela negativa, é esclarecedor — não nos consegue explicar como é que se vão levar a cabo medidas que inevitavelmente custarão dinheiro.
Na verdade, não estamos perante um bom orçamento da área da justiça e é evidente que muitos dos objectivos aqui propostos não obterão concretização e, quanto a outros, seguramente, ao longo do ano, farse-ão sentir dificuldades financeiras decorrentes do orçamento aqui proposto.
Há pontos relativamente aos quais o Governo se compromete mas, depois, não se vislumbra como é que isso é possível. Quando se fala na criação de campus judiciários, não há qualquer tradução orçamental que o permita supor. Isso, aliás, já foi referido há pouco pelo Sr. Deputado Paulo Rangel. Não é possível criar novos campus judiciários, a menos que o orçamento seja outro, que não este.
Quanto a medidas, fala-se de uma emblemática, que é a «promoção da conclusão do programa de erradicação do Balde higiénico». Aliás, se olharmos para esta formulação, ela só por si põe-nos logo de pé atrás.
Repito, «promoção da conclusão do programa de erradicação» — isto tem tantas voltas que se verifica, desde logo, que vai marcar passo e que vai continuar a haver balde higiénico!… É que a questão é a da erradicação ou não do balde higiénico, para além de que o balde higiénico já se tornou uma instituição tão vetusta que até já tem direito a figurar com letra maiúscula no relatório do Orçamento do Estado, o que é uma grande honra para um balde!…
Risos.
Mas a questão está em que a erradicação do balde higiénico não é deitar fora o balde higiénico, é criar condições, e essas condições, evidentemente, custam dinheiro, como é óbvio. E não vemos como é que no Orçamento do Estado, no PIDDAC dos serviços prisionais, exista capacidade para proceder a este meritório objectivo.
O mesmo direi do fundo de apoio à vítima. O Governo fala da criação de um fundo de apoio à vítima, mas não nos diz de onde é que ele vem. Vá lá, não recorreu a um expediente que está muito na moda, que é o de dizer que o Governo vai vender património. Foi assim na administração interna, é assim na defesa nacional… Bom, o Sr. Ministro não fala disso. Ainda bem! Assim as coisas são mais claras.
De qualquer forma, há o objectivo de criação de um fundo de apoio à vítima, mas, depois, não vemos qual é a tradução orçamental que ele tem.
Mas há alguns pontos concretos relativamente aos quais gostaria de obter esclarecimento adicional.
A primeira questão é a de saber como é que ficamos em matéria de sede da Polícia Judiciária. Como todos sabemos, o governo anterior criou um imbróglio muito grande, que foi o de avançar com uma obra mais do que polémica, na zona da marginal, junto a Caxias, que, segundo creio, foi embargada judicialmente. Gostaria, pois, de saber em que pé é que estamos, qual é o ponto de situação, o que é que o Governo pensa do imbróglio que foi criado e que alternativas existem ou estão a ser equacionadas para resolver esse problema.
Obviamente, não responsabilizo o Governo actual pelo erro que foi cometido, mas, enfim, os problemas existem, têm de ser resolvidos, e eu gostaria de saber o que pensa o Governo da situação que foi ali criada.
Uma outra questão diz respeito ao plano de acção para a reforma prisional. Foi uma herança, esta «virtuosa», do governo anterior, não que o governo a tenha feito mas porque a encomendou e, do nosso ponto de vista, o estudo sobre a reforma do sistema prisional, que foi elaborado por um grupo de trabalho presidido pelo
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Prof. Freitas do Amaral, tem muitos méritos. Verificamos que o Governo se propõe legislar em matéria de sistema prisional no quadro da Unidade de Missão para a Reforma Penal. Pergunto o que é que o Governo tenciona fazer com o trabalho que foi proposto pelo grupo de trabalho, que, creio, tem aspectos que deveriam, obviamente, ser levados à prática pelo Governo actual. Tivemos, há pouco tempo, a apresentação de um dos pontos aí previstos, que é o programa relativo à saúde, com um atraso de já quase três anos, mas aquele plano de acção tinha muito mais e, por isso, gostaria de saber o que é que o Governo se propõe fazer e, sobretudo, se o Governo tenciona, pura e simplesmente, deitar fora aquele trabalho ou, pelo contrário, levá-lo à prática.
Também não se vislumbra — e seria bom saber — o que é que o Governo tenciona fazer em matéria de acesso ao direito e ao apoio judiciário. Do meu ponto de vista, este é um dos aspectos mais calamitosos do nosso sistema de justiça: a falta manifesta de apoio judiciário a pessoas que careceriam dele para poder fazer valer os seus direitos. Estou a pensar, por exemplo, na área laboral, em que as custas são elevadíssimas — aliás, o governo anterior deixou aí uma herança pesadíssima para as pessoas que têm de recorrer aos tribunais de trabalho, que não foi corrigida. E nós, que procuramos acompanhar a situação social, as pessoas e os seus problemas, somos confrontados com situações aflitivas de muitos trabalhadores de empresas que encerram, que têm direitos para fazer valer e que não têm condições financeiras para o poder fazer, porque não têm apoio judiciário, ou, então, têm o apoio de sindicatos, que cada vez vão tendo mais dificuldade em poder suportar os custos judiciais, mas as pessoas, individualmente, não têm qualquer possibilidade económica de recorrer à justiça. E o Governo nada nos diz sobre o que tenciona fazer em matéria de reposição de alguma justiça no acesso ao direito e ao apoio judiciário.
Gostaria, ainda, de saber qual é o ponto de situação relativamente ao sistema integrado de informação criminal. Quando, há algum tempo atrás, se definiram as competências das polícias e se repartiram competências entre a Polícia Judiciária e a PSP e a GNR em matéria de investigação criminal, era evidente que um pressuposto para o funcionamento adequado dessa repartição de competências era a existência de um sistema integrado de informação criminal. Isto porque, hoje em dia, na falta desse sistema, a PSP e a GNR confrontam-se com dificuldades enormes para levarem a cabo a investigação criminal na sua esfera de competência e obviamente que se criarão dificuldades de articulação entre as polícias que dependem do Ministério da Administração Interna e a Polícia Judiciária, o que, aliás, de vez em quando aparece perante a opinião pública.
Gostaria de saber em que pé está a implementação de um sistema integrado de informação criminal que possa ajudar a que a informação criminal no nosso país funcione mais adequadamente.
Regressando à dura realidade orçamental, e retomando um pouco o que estava a dizer, quando olhamos para o PIDDAC, por áreas da justiça, página 60 do dossier que nos foi entregue, verificamos que existem quebras muito significativas nalgumas áreas críticas, e são significativas se pensarmos há dois ou três anos atrás.
Se olharmos para os tribunais, verificamos que, enquanto em 2003, por exemplo, em matéria de instalações, havia, em PIDDAC, 36 milhões de euros e, em 2004, 29 milhões de euros, vamos ter, em PIDDAC/2007, 13,178 milhões de euros, conhecidas que são as dificuldades existentes em matéria de instalação de tribunais por este país fora.
Se olharmos para os serviços prisionais, vemos que tínhamos, em PIDDAC/2003, 22 milhões de euros, em PIDDAC/2004, 13 milhões de euros, e, em PIDDAC/2007, ficamos reduzidos em 7,302 milhões de euros.
Se olharmos para a Polícia Judiciária, temos, em PIDDAC/2007, 6,776 milhões de euros, mas, em PIDDAC/2004, tínhamos 19,624 milhões de euros.
Portanto, em pontos críticos do sistema, estamos perante restrições orçamentais que suscitam as maiores preocupações, sabendo, como se sabe, que estes serviços — tribunais, serviços prisionais e Polícia Judiciária — continuam a debater-se com graves problemas, designadamente em matéria de recursos humanos, não apenas em recursos materiais e físicos. Entre esses, creio que, embora se possa verificar alguma tendência positiva, designadamente na Polícia Judiciária, já, por exemplo, nos serviços prisionais, é notória a escassez de pessoal de vigilância. Quem visita estabelecimentos prisionais e contacta as pessoas que lá trabalham, verifica que há dificuldades extremas, por escassez de pessoal, em assegurar a vigilância adequada nesses estabelecimentos. E, de acordo com este relatório, verifica-se que tem havido um decréscimo do pessoal de vigilância dos serviços prisionais.
Creio que é positivo o facto de haver menos reclusos em Portugal do que havia há alguns e é de saudar a redução relativa, e, creio, absoluta também, do número de presos preventivos. Creio que deve ser esse o caminho do progresso civilizacional. É bom que assim seja, que Portugal não embarque em políticas carcerárias — que fizeram a sua moda mas que, também creio, apesar de tudo, já estiveram mais na moda — da prisão em massa. Ainda bem que não vamos por aí! Porém, seria bom saber que não vamos por aí por razões de princípio e de convicção e não por razões de falta de dinheiro. Quero acreditar que seja por razões de princípio, mas devo constatar que, em matéria de pessoal de vigilância afecto aos serviços prisionais, há uma carência manifesta, o que coloca uma situação de grande penosidade para as pessoas que em número insuficiente têm essas funções, que são, como se compreende, funções muito complexas exercidas em condições muito difíceis.
Eram estas as perguntas que, para já, queria colocar.
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A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Tem, agora, a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães, do Centro Democrático Social-Partido Popular.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, queria começar por cumprimentar o Sr. Ministro da Justiça e os Srs. Secretários de Estado e agradecer a exposição exaustiva que aqui nos trouxeram.
Sr. Ministro, de facto, ressaltei três palavras do discurso de V. Ex.ª em relação ao orçamento do Ministério de Justiça: reestruturação, racionalização e rigor.
Vozes do PS: — Muito bem!
O Orador: — Bom, dito desta maneira acho que estaremos todos de acordo. Agora, vamos ver se essa reestruturação, essa racionalização e esse rigor encontram, depois, uma efectiva aplicação no orçamento que V. Ex.ª nos apresenta.
É certo que a despesa consolidada do Ministério da Justiça, em relação à estimativa de execução para 2006, sofreu um acréscimo importante. Contudo, deixaria, desde já, algo que nos continua a preocupar sobremaneira — e sei que não é responsabilidade exclusiva do Sr. Ministro, longe disso, tenho a honestidade política de o reconhecer —, sobretudo neste Ministério da Justiça, mas também no Ministério de Administração Interna, que é o peso excessivo das despesas com pessoal relativamente às despesas de funcionamento, que neste caso do Ministério da Justiça é de 88,4%. O peso das despesas com pessoal quase asfixia tudo o resto que se possa fazer, e é muito o que está por fazer em matéria de investimento. Investimento que quebra quer no PIDDAC — mas já lá irei —, quer significativamente noutro tipo de investimentos, que baixam, nomeadamente, 22%, ainda que isso se deva à diminuição do financiamento comunitário, como está na nota explicativa.
Também sou partidário da máxima do Sr. Ministro de que «não se pode só atirar dinheiro para os problemas». Contudo, não deixo de salientar que o Sr. Ministro, na sua intervenção, anunciou — até com alguma honestidade política, reconheço — medidas importantes, mas que configuram tão-só revisões de diplomas legais. Isso revelou o cuidado de V. Ex.ª de não trazer para este debate, que é do orçamento e não do «estado da nação da justiça», por assim dizer, questões que não têm qualquer tipo de impacto financeiro. Isso percebe-se. Aliás, vendo bem este orçamento, não podemos deixar de notar que ele representa uma diminuição do investimento na área da justiça e em muitas daquelas áreas que, no nosso entender, dele carecem particularmente.
Adoptando a metodologia do Sr. Ministro, podíamos dividir a intervenção de V. Ex.ª e também a nota explicativa, relativamente às principais políticas, por seis áreas, sobre as quais, genericamente, estamos de acordo. A saber: Primeira, desburocratização, desjudicialização e resolução alternativa de litígios, com a simplificação administrativa, com a unificação e modernização administrativa e com a desjudicialização. Falou na criação de novos centros de arbitragem. Já agora, gostaria de saber quantos e onde. Falou também no alargamento da Rede dos Julgados de Paz, que também nos parece muito positivo, mas queremos saber quantos e onde.
Segunda, novas tecnologias. Estamos perfeitamente de acordo, embora não valha a pena ter grandes novas tecnologias se chove dentro dos tribunais. Não temos reservas nem estamos contra as novas tecnologias, mas ter novas tecnologias, ter uma excelente videoconferência, um excelente sistema de gravação digital e chover na sala não é, certamente, aquilo que o Sr. Ministro deseja, nem nós. Portanto, gostaríamos que assumisse o compromisso de que tal não vai voltar a acontecer.
Terceira, qualificação da resposta judicial. Parece-nos, igualmente, importante.
Quarta, promoção da eficácia da justiça penal e do combate ao crime. Já agora, Sr. Ministro, há aqui uma medida, a da desmaterialização do expediente na Polícia Judiciária, «podendo apresentar-se queixa-crime ou outros documentos por via electrónica.» Gostaríamos de saber um pouco mais sobre esta medida, nomeadamente no que respeita ao eventual impacto que poderá vir a ter no orçamento. Saudamos o recrutamento de 150 novos inspectores para a Polícia Judiciária, ainda que desejássemos mais. Mas isso com certeza que o Sr. Ministro também. É uma questão do compromisso que teve que fazer, certamente, com o seu colega das Finanças. Relativamente ao número de guardas prisionais — e o PCP já manifestou grande preocupação sobre isso —, pareceu-me que o Sr. Ministro terá anunciado um reforço de 200.
O Sr. Ministro da Justiça: — De 300!
O Orador: — A ser assim, é uma boa notícia. Saúdo-o por isso. Não tenho problemas nenhuns em fazê-lo, tanto mais que até no passado recente fiz várias interpelações a V. Ex.ª nesse sentido, através de requerimentos e de intervenções públicas. Nesse caso, saúdo-o por esse facto. E, já agora, pergunto quando pensa que esses novos guardas prisionais estarão efectivamente em funções.
Quinta, ressocialização dos agentes do crime, e sexta, apoio às vítimas e prevenção da delinquência juvenil. Ditas desta maneira, de forma genérica, merecem o nosso apoio.
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Contudo, depois, quando entramos, por exemplo, na análise do PIDDAC para a justiça, as nossas preocupações aumentam sobretudo quando verificamos que, relativamente ao Programa 08 respeitante a 2006, e sendo certo que neste Programa se encontram as principais áreas de actuação normalmente associadas ao Ministério da Justiça, há uma fortíssima redução de verbas de cerca de 38,5%.
Três exemplos: no Programa 08, há uma redução de verbas na investigação criminal (de 9,6 milhões de euros, grosso modo, para 6,7 milhões de euros), no sistema judicial (de 18,9 milhões de euros para 14,4 milhões de euros) e no sistema prisional (de 21,7 milhões de euros para 7,3 milhões de euros). Ora, estas são as áreas essenciais da justiça, mas sofrem, em termos de PIDDAC, uma redução de 38,5%.
E tanto mais a nossa perplexidade aumenta quando verificamos que, relativamente a despesas do Ministério para publicidade, há um aumento de 712%. Repito, há um aumento de 712%, Sr. Ministro! Não sei se é para publicitar o famoso «pacto da justiça» e para o tornar um pouco mais popular!?… Admito que haja essa necessidade! Mas 712% não deixa de ser uma percentagem que nos preocupa, embora, obviamente, a justiça deva chegar aos cidadãos e, se for por meio de publicidade, ficamos encantados da vida. Mas, quando o Programa 08 tem uma redução de 38,5% e a publicidade aumenta 712%, parece-nos, no mínimo, que não há uma ponderação adequada.
Gostaria de deixar algumas questões ao Sr. Ministro, basicamente sete. Como não terei tempo nesta primeira intervenção de referir as sete, deixarei algumas para uma segunda intervenção.
A primeira tem a ver com a racionalização dos recursos: o aumento do valor das alçadas e a redefinição das regras do próprio recurso. Estamos de acordo como essa medida. Em jeito de reflexão, gostaria de perguntar ao Sr. Ministro se o Ministério terá reflectido — certamente que sim! — sobre o seguinte: pode acontecer que os litigantes, até para satisfazer o desejo de recorrer, que normalmente muitos deles têm, aumentem o valor das causas, para assegurar que um tribunal superior possa decidir em última instância sobre a sua causa. Ora, isto vai previsivelmente, levar a um aumento de receita. Está prevista? Está estimada? E, se assim é, onde está inscrita? A segunda questão tem a ver com o novo sistema de mediação penal, com o qual também, repito, estamos obviamente de acordo. Gostaria de saber onde irão funcionar esses novos mediadores: nos actuais julgados de paz, que tão pouco cobrem o território nacional? E o mesmo se pode dizer em relação aos centros de mediação e arbitragem. Gostaria de saber um pouco mais sobre a forma como o Governo pensa implementar estes meios alternativos de resolução de litígios e, sobretudo, quanto é que pensa gastar nessa implementação.
A terceira questão tem a ver com o mapa judiciário. Enfim, pode ser um problema meu, mas não vejo, neste orçamento, qualquer tipo de inscrição, diria mesmo qualquer tipo de alusão, à reforma do mapa judiciário, uma medida que consideramos absolutamente essencial em matéria da justiça, e, obviamente, contará com a nossa participação e o nosso apoio nessa reforma. Mas não vemos, de facto, qualquer tipo de alusão a essa reforma.
O que vemos, como já foi aqui dito, é a atribuição de algumas verbas para alguns tribunais. Fica-nos a dúvida se já é uma antecipação, uma antevisão, daquilo que foi, nomeadamente, acordado com Partido Social Democrata para a futura reforma do mapa judiciário, ou se é para acudir a situações de absoluta transcendência, de absoluta necessidade, ou se é a continuação da política anterior, sem a tal revisão do mapa judiciário.
Ou seja, não se percebe se há, aqui, uma intenção, uma programação, uma previsão de acordo com a atribuição das verbas a alguns tribunais tendo em conta a futura revisão do mapa judiciário. No fundo, não se percebe se há uma estratégia, se há falta de estratégia ou se há uma emergência. Das três, uma. Gostaria de saber qual se verifica, preferindo, obviamente, que fosse uma questão de estratégia.
Sr.ª Presidente, terminaria este conjunto de perguntas com a questão relativa à proposta de lei que vai aprofundar o Conselho Superior da Magistratura, dotando-o de meios financeiros e humanos que lhe permitam exercer com maior eficácia as funções de gestão dos magistrados. Em relação a esta matéria, gostaria de perguntar ao Sr. Ministro o seguinte: esta medida vai traduzir-se no recrutamento de quantas pessoas mais? Para que funções? Em quanto, então, aumentarão os encargos do Conselho Superior da Magistratura? Como pensa o Governo custear estes aumentos? Agradecendo, desde já, as respostas que o Sr. Ministro, certamente, dará, são estas, para já, as perguntas que queria fazer, deixando, até por falta de tempo, as outras para uma segunda ronda.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto, do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr.ª Presidente, queria também saudar o Sr. Presidente da 1.ª Comissão, o Sr. Ministro da Justiça e os Srs. Secretários de Estado.
Sr. Ministro, a apreciação global do orçamento que o Ministério da Justiça apresenta e que veio aqui detalhar um pouco mais também nos merece alguma preocupação.
Como outras bancadas parlamentares já aqui referiram, também nós questionamos de que forma é que algumas propostas que o Ministério apresenta vão ser executadas, ou não. Com um orçamento destes, onde, por exemplo, as verbas para o Instituto de Reinserção Social (IRS) descem significativamente — o IRS é o «parente pobre», por assim dizer, do investimento no PIDDAC, porque a sua fatia é a mais pequena de todas, é de 7% —, como é que o IRS vai garantir as suas funções e contribuir para alguns objectivos enunciados, no
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sentido de termos uma justiça com maior acesso aos cidadãos e também relacionada com as questões da protecção e dos direitos das vítimas.
Para não estar a repetir questões, começaria por esta, a que o Sr. Ministro também fez referência na intervenção inicial.
Sr. Ministro, a protecção e os direitos das vítimas precisam de um pouco mais do que a simples notificação da data de saída do agressor da prisão, embora saúde essa medida e pense que é importante. No entanto, temos de ir um pouco mais longe e ser um pouco mais ambiciosos em termos da protecção e dos direitos das vítimas.
E agora colocava-lhe uma questão muito concreta. No orçamento para o seu Ministério vem referida a questão do sistema de monitorização electrónica dos arguidos. Vamos estender isto ainda mais? Gostaria, se possível, que o Sr. Ministro falasse um pouco mais sobre esta questão, mas também de fazer-lhe uma pergunta muito concreta: para quando a situação da aplicação da pulseira electrónica na medida, nomeadamente, de afastamento do agressor? É que o Governo anda há mais de um ano a estudar como é que se inverte o sistema técnico. Neste momento, a pulseira serve para que a pessoa não se afaste e precisamos de uma pulseira que indique a pessoa está a chegar, portanto, exactamente o contrário.
Há mais de um ano que andamos com esta questão, que o Governo até já disse que é uma medida muito positiva, mas não temos informação sobre isto. Avança? Não avança? Seria um avanço extraordinário, Sr.
Ministro, em termos da protecção das vítimas e, nomeadamente, neste caso concreto, de uma esmagadora maioria das mulheres vítimas de violência. Seria uma protecção das vítimas mas seria também um grande contributo para a igualdade entre mulheres e homens na nossa sociedade.
Em relação ainda a este aspecto da protecção das vítimas e dos seus direitos, já aqui referenciado pelo Sr. Deputado António Filipe, não posso deixar de sublinhar as questões relacionadas com o apoio judiciário. Aliás, na página 4 das medidas enunciadas diz-se mesmo que é o aperfeiçoamento dos sistemas de apoio judiciário e das custas judiciais, de forma articulada com a introdução de novos regimes legais. Sr. Ministro, se possível, gostaria de perceber um bocadinho melhor isto, porque aperfeiçoamento… É que, do nosso ponto de vista, o que existe está bastante mal, portanto, se vamos aperfeiçoar, em que sentido é que vai esse aperfeiçoamento? É que esta é uma questão fundamental.
Já aqui foi dado o exemplo pelo Sr. Deputado António Filipe da questão das custas dos tribunais de trabalho, mas vai um pouco mais além disso, refere-se às vítimas de violência doméstica, a toda a gente!… Porque o que está aqui subjacente é o acesso à justiça de todos os cidadãos e cidadãs em igualdade de circunstâncias, e aquilo que hoje se passa é que não há igualdade em termos do acesso à justiça.
Na verdade, considero escasso e pouco ambicioso o orçamento e os objectivos políticos em termos do apoio às vítimas, mas vou agora falar de outra área, que diz respeito também a direitos, sobretudo das crianças em risco, e à prevenção dos comportamentos de risco e mesmo de crimes por parte de jovens.
Aqui também me parece que as medidas não abundam muito, Sr. Ministro. E, neste caso concreto, na página 7, quando se enunciam os objectivos, vemos que se limitam a quatro (nem sei bem se chamarei a isto objectivos, são quatro pontos), numa área em que no último ano tanto se tem falado, sobre a qual tanta dúvida tem assaltado toda a gente no nosso país.
Por exemplo, também se fala em reajustamento da legislação cível em matéria de família e protecção de menores. Em que sentido? Com que objectivo? Há tantas ideias sobre esta matéria, mas não conheço — pode até ser erro meu e, aí, o Sr. Ministro vai corrigir-me, com certeza — qual é o sentido em que vai fazer-se estes reajustamentos e esta coordenação, que também penso ser necessária, nomeadamente com as comissões de protecção de menores.
Passo à questão dos centros educativos. Já tivemos oportunidade, Sr. Secretário de Estado, de falar sobre esta matéria em sede de comissão. Aquilo que vejo no Orçamento é que está prevista, embora não seja para executar este ano, como é lógico, a construção de dois novos centros educativos.
Tenho de repetir as mesmas perguntas que já fiz ao Sr. Secretário de Estado em sede de comissão, porque penso que seria muito importante este assunto ficar clarificado em termos daquilo que o Governo pretende fazer para 2007. Que orientação está subjacente a esta matéria? Gostava de saber se vamos ter mais dois centros educativos do que aqueles que já temos — e estou a pôr as regiões autónomas de fora —, se vamos, depois, acabar com os outros e se aquilo com que, de facto, vamos ficar é com duas grandes instituições para os jovens, em centros educativos.
É que, se assim for, do meu ponto de vista, vamos andar para trás e vamos contrariar tudo o que tem sido a orientação para o êxito do trabalho nesta área, que é trabalhar com jovens que cometeram crimes. Qual é a responsabilidade da sociedade perante essa questão? Será metê-los todos em grandes instituições, e vamos concentrar tudo, ou vamos colocá-los em pequenas instituições? Esta dúvida assalta-me, perante aquilo que aqui vem.
Quanto à questão da construção nos Açores, com certeza, também a saúdo, porque, como sabemos, uma das orientações é precisamente a da proximidade dos jovens do seu local de habitação e da sua família. Tendo em conta as questões das ilhas, percebe-se a dificuldade quando os jovens têm de vir para o continente.
Por isso mesmo também não posso deixar de colocar uma questão muito concreta, que não consegui ver aqui. Então, quando é que abre o centro educativo da Madeira? É que este está construído e equipado, só
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falta abrir! Cada vez que se faz um requerimento a pedir esclarecimentos sobre esta questão ao Ministério da Justiça a resposta é sempre a mesma: «está englobado no plano de remodelação nacional de todos os centros educativos». Mas ele está pronto e equipado, Sr. Ministro! Quando é que começa, de facto, a funcionar? Penso que, neste caso concreto, a Madeira é uma situação à parte.
Por último, queria colocar-lhe mais uma pequena questão, que é um pequeno reparo, Sr. Ministro, se me permite, porque penso que estamos a falar da mesma coisa.
No documento faz-se várias referências ao cartão comum do cidadão e penso que estamos a falar daquilo que aprovámos aqui, na Assembleia da República, que não é «do cidadão», é «de cidadão». Aliás, o Governo fez aqui várias vezes questão de dizer que este cartão, que vai ser de todos os cidadãos, não teria uma linguagem sexista. Portanto, Sr. Ministro, peço desculpa mas tenho de fazer essa referência porque todos os seus documentos falam em cartão do cidadão, e não pode ser.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Sr. Ministro, concluída a primeira ronda de questões, tem a palavra para responder.
O Sr. Ministro da Justiça: — Sr.ª Presidente, peço que, depois da minha intervenção, permita aos Srs.
Secretários de Estado fazerem intervenções complementares.
Começo por dizer que este Orçamento do Governo é orientado para certos objectivos fundamentais, patrióticos, e todos os sectores devem integrar-se nesta visão do Orçamento como Orçamento do Governo. E é neste quadro que trabalhamos e que queremos trabalhar, não com uma atitude «sindical» no sentido de captar para cada sector o máximo de recursos possível. Essa não é uma perspectiva nem de coesão, nem de eficácia, nem uma perspectiva que possa conduzir à consolidação orçamental que, espero, todos pretendemos nesta Câmara.
Este é um Orçamento a aplicar no primeiro dos três últimos anos desta Legislatura. Temos esta sessão legislativa e mais duas e, por isso, o ênfase com que alguns Srs. Deputados quiseram sublinhar as reformas legislativas tem uma enorme lógica. Aplica-se neste momento do desenvolvimento da Legislatura a partir de um certo grau de contacto com os problemas que já se verificou na primeira sessão legislativa, realiza-se com um suporte político alargado para enfrentar problemas resistentes que se colocam na realidade e visa um horizonte de duas sessões legislativas, as subsequentes, para levar à prática, para implementar o resultado dessas reformas legislativas.
Quem tiver feito o estudo teórico-prático de outras legislaturas em maioria absoluta verá como a segunda sessão legislativa e o seu trabalho legislativo é crucial para assegurar o bom andamento e os resultados da última parte da Legislatura. E foi com este entendimento que focámos para esta sessão legislativa como tarefas fundamentais a realização de um grande conjunto de reformas legislativas que aqui foram mencionadas.
Foi por isso também que entendemos da maior importância criar um suporte político alargado para que essas medidas não só fossem apoiadas para lá da maioria do Governo como também pudessem perdurar e não ser apenas um efeito de perturbação instantânea sobre o sistema e estivessem condenadas, algum tempo depois, a ser revogadas por uma maioria de uma outra legislatura que viesse a verificar-se ou que não concordasse com essas regras. Portanto, tudo isto faz sentido.
Gostaria de aproveitar a circunstância para, por um lado, saudar as contribuições do CDS-PP, que, não tendo subscrito o acordo político-parlamentar a que fiz referência, participou com contribuições relevantes em momentos anteriores e certamente irá participar, em momentos subsequentes, com contributos também muito relevantes, e cuja postura neste debate já revelou, aliás, que temos a esperar bastante para chegarmos à versão final de instrumentos que são muito importantes para o progresso da justiça e de todas aquelas realidades que dependem diariamente da prestação da justiça.
Nesta linha, o tipo de comentários tradicionais sobre mais PIDDAC, menos PIDDAC e sobre tradução orçamental, não tradução orçamental estão relativamente inabilitados para opinar porque essa é a linha de aproximação de sempre dos orçamentos e dos orçamentos da justiça. Acreditem que já participei em imensos debates sobre estas matérias, em debates orçamentais, e a tendência natural é a de dizer que isso não está traduzido no orçamento, que o orçamento não chega, que o orçamento desce, que o orçamento sobe. Essa é uma visão que julgo estar hoje ultrapassada.
Foi essa visão, aliás, que nos conduziu a que o problema da justiça e da insuficiência da sua resposta fosse resolvido com a reivindicação de mais magistrados; foram admitidos mais magistrados e, depois, foi diminuída a taxa de resolução de processos per capita. Foi essa reivindicação que conduziu a que fossem admitidos mais funcionários, por falta de funcionários, e, finalmente, a que produtividade diminuísse.
Realmente, temos de inverter a visão sobre estas matérias, temos de pensar em termos de eficiência e não apenas em termos de eficácia, temos de ser criativos em relação às soluções que o momento requer e aos objectivos gerais que devemos cumprir, que são os tais objectivos de consolidação orçamental.
Por exemplo, muitas das inovações em matéria tecnológica, nomeadamente a criação de novas aplicações informáticas, foram realizadas no interior de serviços, muitas delas apenas com funcionários públicos. E essas criações, que são criações económicas, baratas do ponto de vista orçamental, revelaram-se extremamente frutuosas em matéria de resultados. Poder-se-á dizer: «bom, não havia tradução orçamental mas estava lá a capacidade criativa que se tornou um meio eficiente para encontrar melhorias no funcionamento».
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É este tipo de visão que é preciso introduzir, de maneira a que não se procure para cada matéria aquilo a que se chama, na Europa, uma «mochila orçamental». É preciso pensar no problema sem pôr logo às suas costas uma «mochila orçamental». Temos de libertar o sentido da iniciativa das reformas desse arrasto orçamental que tantas vezes nos limita e nos caracteriza, abordando problemas que precisam mais de imaginação, de vontade e de coragem. É que muitas reformas não morrem por falta de meios. Quem sabe o que se faz do PIDDAC ao longo dos anos — e todos os Srs. Deputados o sabem —, quem sabe o panorama que apresentam os PIDDAC no final do ano, sabe bem que faltaram mais outros requisitos do que propriamente a verba inscrita no PIDDAC. Isto toda a gente sabe! Em relação aos exemplos pedidos sobre estas criações dentro dos serviços, quero mencionar, primeiro, o documento único automóvel, que constituiu um sucesso porque transformou a exigência de dois documentos num só e simplificou e agilizou a sua obtenção. É algo que poderia ter sido feito há um bom par de anos. Por exemplo, recordou-me que, quando estava na Administração Interna, esse era um projecto, era um sonho que estava quase a ser calendarizado. Mas, na verdade, não pôde ser realizado, passaram muitos anos e agora essa inovação tornou-se mesmo realidade.
O mesmo se passa em relação à «Empresa na Hora». Há um ano, poderíamos fazer uma pergunta semelhante: mas esta tal «Empresa na hora» não tem tradução orçamental? O importante não era que ela tivesse tradução orçamental. O importante era que ela fosse feita, como realmente foi. O pensamento não tem de criar, ao lado da reforma ou da iniciativa, uma rubrica, uma «mochila orçamental», para essa reforma.
O mesmo raciocínio é aplicável a matérias significativas como a mediação penal e laboral, que têm custos muito reduzidos e que podem produzir efeitos muitíssimo amplos. Desde logo, a mediação penal assentará num alargamento da oferta de serviços de mediação por parte dos julgados de paz. Portanto, representará — pelo menos nesta fase experimental que se prevê que ocorra, num primeiro momento, com a aprovação prévia, como é óbvio, pela Assembleia da República da proposta apresentada, com as emendas que os Srs. Deputados entenderem por convenientes introduzir — uma ampliação muito limitada da despesa nesta matéria, até porque não se concebe através do alargamento do número de funcionários públicos. Não concebe nessa dimensão, expande-se por outra que não a da criação de novos empregos públicos, e o mesmo se diga quanto à mediação laboral.
Quero ainda dizer que o mapa judiciário é uma matéria em que investimos todo o empenho e toda a insistência necessária para se converter em realidade.
Alguns de nós ouviram falar em revisão do mapa judiciário e em belos propósitos durante muito tempo.
Foram ditas quase todas as palavras sobre a reforma judiciária. Falta, no entanto, fazer esta revisão do mapa judiciário, e fazê-la implica uma grande colaboração de várias entidades, sobretudo a concertação parlamentar em torno da aprovação de uma boa lei nesta matéria, de preferência uma lei que tenha um largo apoio no Parlamento.
Estou convencido de que, para realizar esse esforço e esse sucesso político, não é preciso uma tradução orçamental. O que temos para fazer em matéria de reforma do mapa judiciário, nos calendários que todos conhecemos, não precisa de ter no Orçamento uma tradução dessa natureza. É justamente o exemplo de uma reforma que, olhada em função da próxima sessão legislativa, não precisa de ter já assegurada essa condição e dá sentido e coerência a esta programação onde ela acontece, que é justamente no primeiro dos últimos três anos da Legislatura.
Os problemas do mundo prisional preocupam-nos especialmente, por um lado, em termos de concepção de soluções estruturantes no sentido de promover a substituição de alternativas à pena de prisão, designadamente valorizando a vigilância electrónica — neste momento, mais de 1000 pessoas já conheceram este tipo de medida — e o trabalho a favor da comunidade, cujo âmbito de aplicação se alarga no quadro da proposta de lei que já está presente na Assembleia da República. Por outro lado, por virtude de regras processuais penais, o número de reclusos a título preventivo está a ser restringido, por forma a prosseguir a trajectória dos últimos anos de diminuição do número de presos preventivos, numa clara opção pelo recurso à vigilância electrónica em vez do encarceramento, nos casos em que ele não se torne absolutamente necessário, para aguardar a decisão do tribunal. Isto a nível de concepção.
A nível das condições, o PIDDAC para o sistema prisional, apesar de todas as condições e restrições já aqui sublinhadas, é da ordem dos 6,4 milhões e, desses, 2 milhões destinam-se à erradicação do balde higiénico.
É claro que, como disse o Sr. Deputado, são muitas palavras, mas há uma longa história de palavras em torno deste assunto, as quais não conduziram a soluções e talvez haja alguma herança em termos de palavras. Porém, penso que o número de celas resgatadas à condição de celas sem sanitários é ilustrativo da vontade de resolver este assunto. Trata-se de um objectivo nacional e de humanidade, que visa evitar a humilhação quotidiana dos reclusos. Julgo que todos os Srs. Deputados partilham desta intenção que está em marcha no terreno de eliminar este tipo de celas sem sanitários, situação que se vem prolongando em tantos anos e em tantos estabelecimentos.
Gostaria ainda de voltar a um ponto que é da máxima importância neste capítulo prisional, o de os serviços de saúde hoje integrados no Ministério da Justiça, através dos serviços prisionais, que representam um tratamento diminuído discriminatório e oneroso dos reclusos, deverem ser substituídos por uma solução que faça
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com que o Serviço Nacional de Saúde não fique à porta das prisões, como realmente acontece. Temos de constatar que, ao longo de todos estes anos, manteve-se uma situação desse tipo: o Serviço Nacional de Saúde fica à porta das prisões.
O que estamos a preparar agora é uma solução em que se altere a repartição de tarefas entre saúde e justiça e em que a situação dos reclusos deixe de ser objecto do tipo de discriminação, com todas as consequências que isso acarreta, que hoje acontece, aproximando-se o mais possível, dentro das condições que o meio prisional impõe, da condição dos outros cidadãos.
Gostaria também de referir o tema do acesso ao direito. Conforme nos tínhamos comprometido, elaborámos um projecto de proposta de lei sobre esta matéria orientado por dois objectivos principais, sendo um deles o de alargar o número de pessoas a abranger pelo sistema no acesso ao direito, e encontrámos uma solução, dentro das condições existentes, no sentido de o melhorar significativamente.
O outro objectivo era o de aplicar neste sistema uma solução do tipo avença ou do tipo contrato por lote com os advogados a admitir no sistema. Em vez do pagamento à peça ou por processo, que se tem verificado ser um grande factor multiplicador da despesa pública sem a correspondente repercussão no domínio dos serviços prestados às pessoas carentes dessa ajuda — e foi este o problema aqui equacionado, sem hipocrisia, no ano passado —, procurámos criar uma situação em que houvesse um envolvimento maior entre o Estado e os advogados que assegurasse essa protecção.
Nesse domínio, temos vindo a manter conversações com a Ordem dos Advogados, visto que gostaríamos que a Ordem, que tem um papel tradicional e de grande relevância neste sector, se mantivesse associada à prestação destes cuidados. Estamos justamente — e não tem sido fácil — a procurar um entendimento que salvaguarde esse património, mas que represente uma melhoria no domínio da prestação desses serviços àquelas pessoas que deles carecem. Espero que, dentro de pouco tempo, consigamos apresentar à Assembleia o resultado desse trabalho, que visa alargar o acesso e definir as condições de prestação desses serviços em novos termos.
Gostaria ainda de referir que estão em curso trabalhos no sentido de actualizar e dotar de melhores meios o Sistema Integrado de Apoio à Investigação Criminal (SIAIC), que está a cargo da Polícia Judiciária. Está inscrita no Orçamento uma verba justamente para esse efeito e, neste momento, estão a ser feitos trabalhos no sentido de definir e de precisar melhor as relações de coordenação entre as várias forças de segurança, trabalhos de que se espera um conjunto de efeitos positivos na utilização deste sistema, que foi criado há anos e onde ainda há muitas virtualidades a desenvolver.
Gostaria de referir também o problema da admissão de novos elementos. Apesar do que disse em relação à visão que traduz todo o problema ao nível do orçamento, há áreas onde essa admissão se torna incontornável do ponto de vista da segurança do Estado, da segurança dos cidadãos. Uma dessas áreas é a da Polícia Judiciária, para a qual há um concurso já conhecido da Assembleia, que foi aprovado há meses e cujas operações estão agora a desenrolar-se.
Foi agora aprovado um outro concurso, que visa a admissão de mais 300 guardas prisionais, o que é um reconhecimento da situação de carência existente no sistema que, não obstante ser racionalizado, não obstante ser objecto de economias derivadas de encerramentos de pequenos estabelecimentos que consomem dezenas de guardas prisionais, tem um défice que só pode ser suprido por essa via e pela formação moderna que ela vai permitir em relação a outras admissões mais antigas.
Gostaria ainda, quanto à temática dos julgados de paz, de dizer que o próximo a abrir será em Santa Maria da Feira. Neste momento, está em coordenação o projecto de implantação respeitante aos julgados de paz e os trabalhos orientados para a revisão do mapa judiciário. Ora, visto que esta articulação se torna imperiosa, não faria sentido que não tivéssemos em consideração esse trabalho que está agora a decorrer.
Passo a palavra aos Srs. Secretários de Estado, no sentido de eles complementarem as minhas explicações nesta matéria.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda). — Para responder, tem a palavra o Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Justiça.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Justiça: — Sr. Presidente, Srs. Deputados, vou fazer referência a algumas questões que foram colocadas, particularmente nos domínios que conheço mais de perto, mas, sobretudo, queria fazer também aqui uma referência inicial à importância da reestruturação que tem lugar com este Orçamento. Isto porque ela não tem apenas uma relação com as matérias estritamente financeiras.
Este Orçamento para 2007 vai reflectir também algo que hoje aqui não foi sublinhado mas que é importante, a reestruturação orgânica do Ministério da Justiça. Isto é, incorpora-se já, neste Orçamento, a reestruturação orgânica do Ministério da Justiça.
Portanto, o Orçamento tem de ser visto como instrumento financeiro para um ano em que ocorrerá uma reestruturação orgânica, com alterações em diferentes serviços, e tem de ser visto também sublinhando os aspectos que se prendem com as diferentes medidas que se tomam do ponto de vista da consolidação financeira.
Quando se refere o rigor, a transparência ou a eficácia na utilização do Orçamento, isso significou mudar muitas coisas no que diz respeito ao modo de arrecadação e de realização da despesa, mas também e sobre-
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tudo introduzir aqui factores novos. Ora, esses factores novos vão ter depois reflexo no que respeita ao investimento.
Sublinho isto para dizer algo que o Sr. Ministro há pouco referiu e que eu sintetizo deste modo: em 2006, este Governo teve um Orçamento de transição, a transição entre um governo anterior e o início desta legislatura, foi um Orçamento de transição em que procurámos resolver problemas, fazendo um levantamento das maiores carências e acorrendo a elas.
O Orçamento para 2007 é um Orçamento de consolidação de uma mudança orgânica, de uma mudança financeira, no que diz respeito aos instrumentos, e que consolida as mudanças legislativas a que o Sr. Ministro fez alusão.
Portanto, haverá condições para que, nos últimos dois anos da Legislatura, possamos ter orçamentos que traduzam, em cada caso, não apenas o que é a possível fazer mas aquilo que queremos efectivamente fazer, porque nem sempre as reduções apontadas no Orçamento significam que não podemos fazer coisas, significam que só queremos fazer aquelas e por aquela via, o que se reflecte, depois, em algumas questões que foram aqui colocadas e às quais passo a referir-me desde já.
Primeiro, quanto ao orçamento de funcionamento, é fundamental sublinhar que, apesar de nos últimos três anos ter havido uma descida dos recursos humanos na área da justiça, o que é importante face também à própria consolidação dos recursos humanos nesta área, por substituição por pessoas mais qualificadas, temos um orçamento de funcionamento para 2007 superior ao que temos para 2006.
Isto tem de ser sublinhado, porque tem uma componente que diz respeito aos recursos humanos mas tem também uma componente que diz respeito ao funcionamento do sistema de justiça. Ora, este sistema de justiça, como, aliás, outras áreas da Administração Pública, assenta essencialmente nos seus recursos humanos.
Quando há pouco sublinhei o aspecto da utilização das novas tecnologias e da sua tradução orçamental, quando os técnicos do Ministério da Justiça fazem aplicações, é natural que estejamos a recorrer aos nossos recursos humanos, que são pagos precisamente pela rubrica despesas com o pessoal. Portanto, isso não pode ser reportado a uma verba de PIDDAC.
Este é apenas um exemplo, mas é um exemplo para sublinhar que o grande activo deste Ministério são os recursos humanos, nas suas diferentes dimensões – os magistrados, que fazem as sentenças, os investigadores, que conduzem a investigação, etc. –, e, portanto, não temos de ver aqui apenas um acto físico, no que diz respeito aos equipamentos, mas um lado humano, que diz respeito sobretudo ao funcionamento.
Portanto, nesse aspecto estão aqui os meios necessários para assegurar o funcionamento da justiça.
É claro que, relativamente ao PIDDAC, ele hoje tem uma leitura que é essencialmente evidenciada pela redução das verbas, o que é algo que se mostra transversal a toda a Administração e que resulta, como sabem, do esforço de consolidação que foi sublinhado pelo Sr. Ministro, mas também — e com isso respondo à questão dos campos da justiça — corresponderá um novo conceito de como queremos utilizar o património na área da justiça.
Não é por acaso que na Lei Orgânica do Ministério o Instituto de Gestão Financeira e Patrimonial da Justiça passa a Instituto de Gestão Financeira e de Infra-Estruturas da Justiça.
A dimensão patrimonial é aqui cada vez menos importante. O que conta não é o termos património, embora seja importante, sobretudo o cultural, e deva ser preservado. Aquilo que interessa é termos equipamentos ao serviço do cidadão, que podem ser ou não património do Ministério da Justiça – no caso das outras entidades é exactamente a mesma coisa, no que diz respeito à Administração.
Assim, se for necessário, em muitas circunstâncias, recorrermos a soluções novas para a construção dos campus da justiça e para a sua utilização, fá-lo-emos.
Portanto, não é só no domínio dos hospitais nem no das outras infra-estruturas sociais que existem no País, é também no domínio da justiça, particularmente no que diz respeito a edifícios para tribunais, para registos e notariado, para reinserção social ou para medicina legal, que podemos recorrer a outras soluções, nomeadamente ao arrendamento de longo prazo ou outras soluções de leasing, que também este Orçamento já prevê, para 2007, para o conjunto da Administração Pública, que podem gerar equipamentos para a área da justiça e que não têm necessariamente a ver com o investimento traduzido em PIDDAC.
Depois, quanto a opções relativamente ao IRS, diria que, quando o orçamento do IRS se reduz, isso traduz uma opção orgânica. O Ministério da Justiça, no caso o Instituto de Reinserção Social, vai deixar de ter a actividade que tinha, porque ela transitará para a segurança social, e está na nova lei orgânica que essa tradição de funções ocorre também em simultâneo com uma transferência de recursos.
Portanto, seria estranho que o orçamento do Instituto de Reinserção Social se mantivesse ou crescesse se vamos, de facto, ao longo de 2007, transferir recursos para a segurança social, pelo que há uma dimensão que está reflectida também nas opções que se fazem.
Quero ainda sublinhar um aspecto: grande parte das alterações legislativas que são propostas não têm de ter consequências orçamentais, são feitas internamente, pelo que isso não significa necessariamente uma alteração no que diz respeito às políticas de investimento.
Por outro lado, aquilo que depois se traduz no PIDDAC, em concreto, significa o que é prioritário para nós ao longo do ano 2007, nomeadamente investimentos no reequipamento dos tribunais. Serão feitos investimentos no reequipamento de tribunais, sobretudo com novos equipamentos informáticos, o que já está a aconte-
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cer este ano e acontecerá ao longo do próximo ano, e também na construção de salas de audiência em tribunais já existentes e em melhorias em tribunais, não se tratando exactamente da construção de tribunais novos mas para evitar que tenhamos os computadores e que a água chegue lá dentro.
As opções que estão ali traduzem ainda o estado actual do mapa judiciário – não estamos a fazer investimentos que estejam desfasados daquilo que vai ser o mapa judiciário – e o que introduzimos no PIDDAC para os novos campus da justiça (esses, sim, traduzindo a configuração do novo mapa judiciário) são investimentos que dizem respeito ao lançamento dos processos para a sua construção.
Assim, será isso que ocorrerá durante 2007. Não podemos «dar um passo maior que a perna», pelo que é preciso ser coerente e ao mesmo tempo, se o Orçamento é transparente, ele deve reflectir aquilo que, em 2007, se traduz em investimento directo do Estado.
Não quero entrar noutros pormenores mas quero sublinhar, ainda, dois aspectos: a propósito das custas judiciais, há neste momento um diploma praticamente pronto, que foi objecto de apreciação por diferentes entidades, nomeadamente entidades sindicais, o Conselho Superior da Magistratura, a Associação de Magistrados, etc. É um documento que o Governo apresentará, cumprindo o calendário que foi fixado por uma recente resolução do Conselho de Ministros, e um dos aspectos que ali é abordado prende-se com uma questão colocada pela Sr.ª Deputada do Bloco de Esquerda, precisamente a utilização do sistema de justiça, onde se introduz a inovação referente à defesa dos trabalhadores não pelo Ministério Público, porque essa já estava isenta de custas, mas também quando o trabalhador é defendido pelo sindicato, que passa também a estar isento de custas.
Penso que é um sinal muito importante e que reflecte essa preocupação – e o falarei de outras porque foi só essa que foi colocada.
No que diz respeito às alterações a introduzir nas matérias de direito da família e menores, obviamente que, em 2000, quando houve a grande reforma do direito dos menores, ficaram matérias por alterar na organização tutelar de menores, as quais devem ser agora objecto de uma alteração e é nisso que trabalharemos até ao final do ano.
Sublinho, ainda, mais dois exemplos: os regimes que estão no Código Civil relativamente à tutela e à curatela são regimes que também precisam de uma actualização, face à evolução que tem sofrido ou de que tem beneficiado, conforme os pontos de vista, a área do direito da família, particularmente com as alterações sociais que devem ter reflexo na área do direito da família e menores.
Depois, há matérias de relacionamento entre o que se faz na protecção das crianças e dos jovens em perigo e daquilo que se faz também em matéria de medidas tutelares educativas.
Portanto, essas regulações de fronteira também têm de ser objecto de uma avaliação e de uma ponderação legislativa. Penso que isso sublinhará um aspecto que se traduzirá, em 2007, na reforma dos centros educativos e no modo como estamos a tratar esse ponto.
Ontem mesmo, foi assinado um protocolo entre o Instituto de Reinserção Social e o Instituto da Segurança Social, protocolo esse que é extremamente importante para a reforma que estamos a fazer nessa área.
E porquê? Porque fechamos centros educativos por uma questão de racionalidade de utilização de recursos, para, naqueles que se mantém abertos, termos melhores condições para o exercício da função de cumprimento de medida tutelar educativa e, simultaneamente, para nesses locais passarem a funcionar centros de acolhimento para crianças e jovens em perigo, que não existiam, sobretudo com uma dimensão que está sublinhada neste protocolo que foi ontem assinado – o primeiro de três que vamos assinar ainda até ao final do ano –, que é a de esses centros de acolhimento terem uma componente de prevenção da delinquência juvenil.
Portanto, colocaremos aí jovens que estão numa fase que não merece ainda um tratamento penal mas que também já não são as crianças que têm situações familiares complicadas ou que estão numa situação de risco que ainda não oferece perigo. São aquelas que, eventualmente, estão numa situação de algum perigo e que o sistema não tinha condições públicas de acolhimento. Isto será bom para os técnicos do Instituto, que transitarão em igualdade de circunstâncias para esses novos serviços, será uma valência social importante do Estado que se manterá e, portanto, não estamos a fechar serviços só por fechar, estamos a dar uma oferta diferente em colaboração entre os dois ministérios. Isso foi feito, agora, em Viseu, será feito oportunamente também em Castelo Branco e Aveiro.
A preocupação da Sr.ª Deputada com a dimensão dos centros educativos — aspecto que já foi sublinhado numa outra vinda à Comissão — também é uma preocupação nossa. Portanto, nada se alterará, no que diz respeito às unidades educativas no seio de cada centro; simplesmente, quando um centro possa oferecer condições para, no seu conjunto, ter mais unidades, julgo que é racional ter mais unidades, salvaguardando cada uma delas a sua autonomia pedagógica e de reinserção, aspecto que será sublinhado.
Por exemplo, para fecharmos S. Bernardino, em Peniche, abriremos uma nova unidade no Navarro de Paiva, em Lisboa, e outra unidade na Belavista. E vamos abrir mais duas unidades no colégio do Mondego, na Guarda. Portanto, são investimentos nesta área que terão lugar durante o ano de 2007.
Há dois pontos sobre os quais importaria tecer algumas considerações.
O primeiro prende-se com a situação que o Governo recebeu relativamente a instalações para a Polícia Judiciária que estavam para ser construídas e cuja construção foi iniciada em Caxias.
De facto, este foi um dossier complicado que recebemos: houve uma decisão judicial na 1.ª instância do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, depois confirmada pelo Tribunal Central Administrativo, no sentido
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de a obra não poder prosseguir por não terem sido respeitados determinados procedimentos. Foi também pedido um parecer ao conselho consultivo da Procuradoria-Geral da República e, quer o parecer quer as decisões judiciais, foram no sentido de fazer parar o processo.
O Ministério da Justiça entendeu respeitar essas posições e, por conseguinte, fizemos parar o processo e quisemos resolvê-lo também do ponto de vista administrativo. Isto é, neste momento — e este é o ponto de situação —, em relação ao terreno em Caxias, onde se iniciou a construção, procurámos respeitar o enquadramento contratual existente e, nos termos da lei, pedimos ao Conselho Superior de Obras Públicas que se pronunciasse sobre a indemnização que, eventualmente, seria necessário pagar à construtora, que não era responsável pela interrupção da obra. O Conselho Superior de Obras Públicas pronunciou-se nos termos da lei, o parecer foi homologado e respeitámos esse mesmo parecer. Portanto, cumprimos as nossas obrigações perante a entidade com quem estava contratada a construção da obra.
Também devo acrescentar que, entretanto, começámos a tratar do processo para resolver o problema das instalações da Polícia Judiciária numa nova configuração. Temos tido contactos com a Universidade Técnica de Lisboa, no sentido de permitir a ampliação das actuais instalações da Polícia Judiciária no centro de Lisboa. Isto significa também que se pôs fim a um contrato celebrado com a Sagestamo, empresa da Parpública, que, no universo do Ministério das Finanças, montava uma operação financeira que agora se «desfez», tendose retomado a situação original.
Isto é, os edifícios da Polícia Judiciária no centro de Lisboa, em que havia um contrato de promessa de compra e venda à Parpública, voltaram à titularidade do Ministério da Justiça — eram quatro edifícios no centro de Lisboa. O que se fará agora é a ampliação das actuais instalações, e é nisso que estamos a trabalhar, isto é, na preparação de um instrumento que permita, do ponto de vista financeiro e legal, ampliar as instalações da Polícia Judiciária no centro de Lisboa.
Esta é uma nota que gostaria de deixar e que sublinha a resolução de um problema que herdámos.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Tem, agora, a palavra o Sr. Secretário de Estado da Justiça.
O Sr. Secretário de Estado da Justiça (João Tiago Silveira): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, muito obrigado pelas questões colocadas.
Gostaria, essencialmente, de focar dois aspectos: a matéria da utilização de novas tecnologias e a matéria da resolução alternativa de litígios, em particular uma questão concreta.
Em matéria de utilização de novas tecnologias, queria deixar muito claro algo que já está provado: grande parte das boas medidas que este Governo adoptou, que já estão em funcionamento e que foram elogiadas pelo Banco Mundial, foi desenvolvida, do ponto de vista do desenvolvimento aplicacional, com mão-de-obra da casa, do Ministério da Justiça. Ora, isto significa não só redução de custos mas, também, rentabilização e racionalização.
Exemplos como a «Empresa na Hora», elogiada pelo Banco Mundial pelo pouco significado orçamental que teve; o Documento Único Automóvel; a publicação de actos on-line, no site do Ministério da Justiça, ao invés de serem publicados no Diário da República; ou a Empresa On-line, são, todos eles, conjuntos de medidas que estão em prática, em funcionamento e que não significaram um custo relevante para o Ministério da Justiça. E o facto de não haver a verba que havia no ano anterior, em PIDDAC, para o Instituto das Tecnologias de Informação na Justiça (ITIJ) não significa que haja um desinvestimento nas áreas relacionadas com as novas tecnologias, com a desmaterialização de processos e com as medidas que vamos continuar a implementar em matéria de modernização.
Gostaria, aliás, de dar alguns exemplos de como isso vai ser possível.
Exemplo disso é a informação empresarial simplificada (que começa a funcionar para o ano), com a possibilidade de entrega de um conjunto de documentação, evitando uma prática de hoje, que obriga as empresas a entregar, por quatro vias diferentes, a mesma informação, em formatos diferentes, quando essa informação é estruturalmente a mesma; ou a possibilidade de entrega, já referida pelo Sr. Ministro, de peças processuais e requerimentos em matéria cível; ou, ainda, a possibilidade de apresentação de registos comerciais através da Internet (pedidos de registo comercial).
Todas estas medidas estarão em funcionamento e não significam menos investimento. Pelo contrário, o investimento em matéria de novas tecnologias continua, mas é preciso saber distinguir, como disse o Sr.
Secretário de Estado Adjunto e da Justiça, entre a pura ficha e «mochila financeira» e os preciosos activos do Ministério da Justiça, que são activos humanos que também desenvolvem estas aplicações e permitem realizar estas acções.
Em segundo lugar, gostaria de dizer algo em matéria de resolução alternativa de litígios.
Para responder a algumas questões que foram colocadas pelos Srs. Deputados Nuno Magalhães e Paulo Rangel, devo adiantar que temos previsto para o ano (embora, naturalmente, dependente da apreciação que este Parlamento fará da proposta de lei de mediação penal) o início do regime de mediação penal a título experimental e, ainda este ano, iniciar-se-á, em princípio, o sistema de mediação laboral, também em regime experimental.
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Contamos com a possibilidade de criação de um centro de arbitragem para dirimir conflitos em matéria de litígios administrativos e, ainda, com a possibilidade de abrir o centro de arbitragem em matéria de resolução de litígios relativos a propriedade industrial e conflitos societários.
Naturalmente, muitas destas medidas dependem da participação de outras entidades.
Por exemplo, em matéria de mediação penal, da participação do Parlamento, absolutamente essencial, na aprovação desta medida. Como também, em matéria de criação de centros de arbitragem, estas medidas dependem da participação das entidades subscritoras eventualmente interessadas na criação destes centros.
Portanto, todas elas são acções que visam a concertação de um conjunto de esforços não apenas do Ministério da Justiça. Estes são, essencialmente, objectivos do Ministério da Justiça para os quais será necessariamente convocada a participação de outras entidades.
O custo associado a estas medidas não é incomportável e a redução, em particular no PIDDAC, do Gabinete para a Resolução Alternativa de Litígios, também não significa — como no caso do ITIJ — uma redução do investimento nas medidas de resolução alternativa de litígios; pelo contrário, grande parte destas medidas tem significado em matéria de orçamento de funcionamento e não em termos de orçamento de investimento.
Portanto, as verbas acolhidas no orçamento de funcionamento do Gabinete para a Resolução Alternativa de Litígios permitirão levar a cabo estes vários projectos numa primeira fase, aliás, a título experimental.
Gostava, por isso, de deixar muito claro que temos de saber distinguir o que é racionalização e contenção orçamental do que é investimento em prioridades, porque pode não significar, necessariamente, um custo financeiro elevado.
Em matéria de resolução alternativa de litígios, gostava de sublinhar novamente o que já aqui foi dito pelo Sr. Ministro, isto é, que o plano de desenvolvimento da rede de Julgados de Paz está, neste momento, a ser trabalhada em conjunto com a equipa que realiza os desenvolvimentos para a apresentação de um novo mapa judiciário. Aliás, seria irracional se assim não fosse, porque é preciso complementar a rede de resolução de litígios pela via de sistema judicial tradicional ou clássico com os mecanismos e as componentes extrajudiciais desse sistema.
Gostaria ainda de responder e clarificar uma questão que o Sr. Deputado Nuno Magalhães bem levantou acerca da publicidade, porque ela tem muito a ver com um equívoco. E o equívoco é este: esta verba de publicidade não respeita, em grande medida, a propaganda política. Não é isso! Ela destina-se a divulgação e informação ao cidadão.
Gostaria de dar um exemplo com questões que levaram o Sr. Deputado cidadão Nuno Magalhães a ter dúvidas em relação a uma medida que tem implicações no Ministério da Justiça.
Na recente discussão no Parlamento sobre a proposta de lei do Cartão de Cidadão, o Sr. Deputado colocou-nos várias questões, designadamente: como se poderia utilizar o PIN no Cartão de Cidadão; como é que o Cartão de Cidadão teria determinados elementos de segurança; ou como é que eu, perdendo o Cartão de Cidadão, poderia reagir imediatamente. Isto porque o Cartão de Cidadão passará a ter um conjunto de códigos associados à sua protecção e a sua perca provocará no cidadão um sentimento semelhante à da perda de um cartão multibanco.
Ora, o que aqui está em causa é, essencialmente, material de divulgação para o cidadão saber como deve utilizar os certificados digitais, como deve reagir se perder o seu Cartão de Cidadão. Estes são apenas dois exemplos de material de divulgação, de questões que é necessário divulgar ao cidadão. O cidadão Nuno Magalhães fez-nos estas perguntas, e muito bem, pois são perguntas pertinentes, que se suscitarão a todo o cidadão utilizador de qualquer um destes sistemas, que, aliás, muito frequentemente, não lerá a proposta de lei nem o sistema legal que alicerça uma medida como esta.
Ou seja, essencialmente, estamos a falar de material de divulgação. E não nos deixemos enganar pelo nome da rubrica (que é só o nome da rubrica), tipificado como rubrica 020217, na tipologia própria destas rubricas.
Para terminar, diria que, para o ano, em matéria de novas tecnologias e em matéria de resolução alternativa de litígios temos boas iniciativas, iniciativas ambiciosas, designadamente: a possibilidade de realização de registos comerciais através da Internet, a possibilidade de entrega de informação empresarial simplificada através da Internet; a criação de um sistema de mediação laboral e a criação de um sistema de mediação penal. Para muitas destas iniciativas o Parlamento deve dar o seu contributo e está convocado, e estas são medidas cuja realização e implementação é possível sem um custo financeiro elevado.
Esta é a nota final que quero deixar: isto não significa desinvestimento, significa investimento, mas não, necessariamente, gastar dinheiro.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Agradeço ao Sr. Ministro da Justiça e aos Srs. Secretários de Estado as respostas que já os deram.
Recordo, para quem só agora tenha começado a ver-nos através da televisão, que esta é uma reunião conjunta da Comissão de Orçamento e Finanças e da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias para a aprofundar a discussão, na generalidade, do Orçamento do Estado para 2007.
Vamos iniciar a segunda ronda de questões e começo por dar a palavra ao Sr. Deputado Paulo Rangel, do Grupo Parlamentar do PSD.
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O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: Gostava de fazer dois ou três comentários a alguns aspectos que foram referidos nas respostas dadas pelos Srs. Membros do Governo e, por fim, deixava duas perguntas apenas, mas duas perguntas com grande gravidade.
Quanto ao comentário, queria chamar a atenção para o seguinte: o Sr. Ministro e o Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Justiça vieram aqui dizer que o Orçamento do Estado para 2006 foi um orçamento de transição, porque estavam muito no início do exercício da função governativa. Acontece que os senhores estão no Governo desde o dia 12 de Março de 2005, tiveram nove meses de transição e, portanto, 2006 já foi um ano de plena velocidade! Já devíamos estar num outro patamar que não apenas o das puras reformas legislativas. Isto deve ser dito e esclarecido, porque os senhores estão há praticamente dois anos no Governo ou, pelo menos, já estão a caminho dos dois anos, o que até é positivo, sob o ponto de vista da estabilidade política, mas não se diga que estão no início, que são «juniores» e que este ainda é um Orçamento de preparação do «grande Orçamento» do próximo ano. Aliás, o que nos vieram dizer foi que este ano não há dinheiro, que só há medidas no papel ou na Internet, mas que para o ano haverá e, portanto, quando vier o dinheiro, então, sim, vamos ver a grande obra realizada. É este, em termos esquemáticos, o estilo que resulta dos anúncios que aqui fizeram.
Gostaria também de dizer que é verdade ser muito importante a utilização dos recursos humanos do Ministério e pelo Ministério, mas, do meu ponto de vista, isso não me convence, porque toda a vida houve recursos humanos no Ministério e foram devidamente aproveitados. De resto, não se diga isso porque, a acreditar numa notícia, que não sei se é verdadeira, se há Ministério que faz outsourcing é o Ministério da Justiça, que, em termos de estudos, tem, juntamente com o Ministério da Administração Interna, o record das verbas do Governo. Portanto, não usam só recursos humanos do Ministério, usam muito para lá disso.
Gostaria de chamar a atenção para outro aspecto. Falou-se, a este propósito, no desfasamento que haveria entre este Orçamento e as leis orgânicas. Gostava que o Sr. Ministro e o Sr. Secretário de Estado explicassem como é que no próximo ano vamos compatibilizar o Orçamento que existe, dado que ele ainda está rubricado em função das instituições existentes, com a lei orgânica recentemente aprovada. E, a propósito disto, também gostaria de dizer que não estou nada de acordo com a visão que aqui foi trazida, segundo a qual a matéria de reinserção social deve caber à segurança social.
Já temos um exemplo, em relação ao qual o PSD também tem as suas conivências por não o ter alterado, que é o do apoio judiciário, em que foram deslocadas para a segurança social competências directamente relacionadas com a justiça. Não é a mesma coisa inserir socialmente uma pessoa que praticou um crime ou uma pessoa que, pura e simplesmente, tem dificuldades financeiras e vive na marginalidade. São coisas totalmente diferentes! Uma coisa é um trabalho de segurança social, outra é um trabalho de reintegração, de readequação aos valores comunitários. Repito: são coisas diferentes e creio que corremos o risco de estar a confundi-las, pelo que talvez fosse melhor que o sector da justiça, que tem uma visão especialmente cuidada para estas matérias, fosse mais chamado a intervir na área da integração social. Portanto, não considero isso uma boa notícia.
Já que falamos em leis orgânicas, vou fazer uma primeira pergunta que creio estar por responder e que é extremamente grave: com a entrada em vigor do PRACE, continuamos sem saber se as competências da Polícia Judiciária em matéria de relações internacionais vão ficar na dependência desta ou vão transitar para o «superministério da informação», da administração interna. Esta é uma questão essencial para o Estado de direito. Aliás, mais uma, que continua sem resposta, continua no «limbo». Cada Ministro vai dando um pequeno contributo sem nunca dizer o que vai fazer desses serviços.
Sabendo nós que a Polícia Judiciária é a única instituição que, internacionalmente, goza de capital para receber informação qualificada – e isto é sabido por qualquer pessoa que tenha o mínimo conhecimento de sistemas de informação –, a alienação dessa competência da Polícia Judiciária ou a sua saída da alçada do Ministério da Justiça para o Ministério da Administração Interna terá, para Portugal, sob o ponto de vista da partilha da informação, efeitos catastróficos.
Esta é uma pergunta que deixo e à qual gostaria que se respondesse com clareza e precisão.
Em segundo lugar, relativamente à questão patrimonial e à reconfiguração financeira, devo dizer que não é por mudar o nome «património» para «infra-estruturas» que se muda alguma coisa. Essa é uma alteração semântica, porque hoje entende-se, numa noção lata de património, todo desse tipo de actividade a que se referiu. Mas fico preocupado – quando fui secretário de Estado-adjunto era, aliás, das questões que me preocupava – com a situação dos arrendamentos do Ministério da Justiça, sendo muitos deles proibitivos quanto aos seus valores e muitos deles muito mal negociados. O Sr. Ministro referiu outra vez o leasing e o leaseback, pelo que vamos ter de novo as «SCUT da justiça». Quando o Ministério tem um património extraordinário espalhado por todo o País, só nos faltava agora que viessem a ser anunciadas «SCUT para a justiça», provavelmente para serem abandonadas mais tarde, nos termos que acabamos de ver a respeito das autoestradas propriamente ditas.
Vou fazer uma última pergunta, pelo menos nesta ronda. Queria que se desse uma explicação a esta Câmara, porque há, a propósito dessa reorganização financeira, um truque de «ilusionismo» neste Orçamento que alguém tem de explicar aos cidadãos.
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É que na lei do Orçamento prevê-se a extinção do Fundo de Garantia Financeira da Justiça, o qual tem umas centenas de milhões de euros. Tem seguramente mais de 100 milhões de euros, deve ter 150 ou quase 200 milhões de euros. Neste Fundo não se podia tocar, era um património autónomo que estava cativado, estava reservado apenas para assegurar a sustentabilidade a longo prazo das verbas resultantes dos cofres.
Se estas verbas são integradas agora no Instituto de Gestão Financeira – opção que se pode questionar, mas que até estou disposto a aceitar, dependendo da forma como elas forem integradas –, a necessidade de sustentabilidade não desaparece. O que se está a fazer é a pegar numa verba em que ninguém podia tocar e pô-la ao serviço das despesas correntes. Está a pegar-se numa verba que era o penhor, a caução e a garantia da sustentabilidade do autofinanciamento da justiça e a descativá-la, retirando-a desse estatuto patrimonial protegido. Este estatuto, aliás, foi criado pelo Ministro António Costa, embora não tenha sido por ele preenchido, mas pela Ministra Celeste Cardona, julgo que até em gestão. E foi preenchido com excedentes resultantes do cofre dos notários e para a assegurar a sustentabilidade, a longo prazo, dos mecanismos de autofinanciamento da justiça. Trata-se de 150 ou 200 milhões de euros, que, às tantas, explicam alguns acréscimos que este Orçamento tem.
É que conseguiu-se o «milagre» ou o «truque de ilusionismo» de pegar em verbas reservadas para a sustentabilidade financeira a médio e longo prazo dos orçamentos de autofinanciamento do Ministério da Justiça, para depois, mais tarde, serem usadas apenas e só para as despesas correntes. Tal é a situação de estrangulamento a que o Ministério foi votado, que tem até de alienar as suas tradicionais prerrogativas de autofinanciamento e as últimas garantias de sustentabilidade que tinha.
Gostava que me dissessem, portanto, onde pára o dinheiro do Fundo de Garantia Financeira do Ministério da Justiça. Onde está ele? Para que mãos foi? Está disponível para assegurar a sustentabilidade financeira ou é suposto vir a ser usado nalgumas das medidas que aqui foram hoje anunciadas?
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Terra.
A Sr.ª Helena Terra (PS): — Sr.ª Presidente, Sr. Presidente da 1.ª Comissão, Sr. Ministro da Justiça, Srs.
Secretários de Estado, não posso deixar de referir, como questão prévia, a grande perplexidade com que acabei de assistir à intervenção do Sr. Deputado Paulo Rangel. Confesso que era uma intervenção que, de todo, não esperava, pelo menos nesta sede.
Foi, pois, com alguma perplexidade que o ouvi referir-se ao Orçamento para 2006 como um Orçamento de transição, quando, afinal de contas, já tinham decorrido nove meses de governação desde a tomada de posse.
É curioso ouvir uma afirmação destas da bancada do PSD, partido que suportou o anterior governo e que, não obstante ter exercido o seu mandato durante três anos, apenas se preocupou em fazer grandes reflexões.
Todavia, no que toca às grandes reformas da justiça, que já se impunham naquela altura, o que nos deixaram como herança foi, sobretudo, uma reforma de que nenhum português se pode esquecer, principalmente aqueles que têm particular atenção aos problemas da justiça. Refiro-me, como sabemos, à privatização do notariado, que serviu para alienar o que era grande parte da receita da tutela da justiça, mantendo intacta toda a despesa inerente à manutenção dos registos e notariado.
O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Isso não é verdade!
A Oradora: — Esta foi, portanto, a «grande reforma» que herdámos do governo anterior, foi esta a «grande reforma» com que este Governo, chegando à tutela, se deparou e é com a herança desta reforma que esta tutela da justiça irá ter, com certeza, grandes «dores de cabeça».
Queria referir ainda como questão prévia que, provavelmente, ocorrerá nesta Legislatura a maior reforma do sistema de justiça ocorrida no pós-democracia no nosso país. Falo, claro está, não de reformas circunstanciais mas de verdadeiras reformas de justiça, à maioria das quais se associou, e ainda bem, o maior partido da oposição.
O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Nós é que vos convidámos!
A Oradora: — É uma questão de perspectiva, Sr. Deputado. Mas foi V. Ex.ª que o disse, não eu! Como estamos a falar de Orçamento, queria começar por referir que este exercício manifesta opções políticas muito claras e traduzidas na mais difícil forma de contornar e de apresentar factos: os números. Passo a explicitar.
Temos, por um lado, uma diminuição acentuada do orçamento da despesa nos gabinetes da tutela da justiça, facto que deve ser salientado, principalmente quando estamos a falar de um Orçamento de rigor, com transparência e com especiais necessidades de consolidação. E fazemo-lo ao mesmo tempo que aumentamos a rubrica orçamental que prevê a indemnização às vítimas de crimes violentos. Isto é a tradução incontornável de opções políticas tomadas por este Governo no que toca à tutela da justiça e nas quais a bancada do Partido Socialista nesta Assembleia se revê integralmente.
Assistimos, e podemos constatá-lo, a um crescimento claro (que se traduz num aumento de 11%) do orçamento de funcionamento da Polícia Judiciária. Este facto é de particular importância quanto todos reco-
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nhecemos unanimemente a necessidade do reforço da investigação criminal no nosso país. Isto é também a tradução de uma opção política de justiça muito clara e incontornável, porque falamos de números. Isto permite, entre outras coisas, a entrada de mais 150 investigadores na Polícia Judiciária. Esta é uma opção deste Governo.
Podemos constatar também uma especial aposta na melhoria dos serviços prisionais.
Há pouco, o Sr. Deputado António Filipe, do PCP, referiu a grande vergonha que é para um Estado de direito democrático, como o nosso, a existência do balde higiénico no sistema prisional português. Pois bem, Sr. Deputado, este Orçamento prevê uma verba de cerca de 6,5 milhões de euros para fazer face, por um lado, à total erradicação do balde higiénico até final de 2007 e, por outro lado, para apostar na melhoria das condições de segurança do nosso sistema prisional, que prevê, entre outras medidas que já foram aqui salientadas, a contratação de mais 300 guardas prisionais, que sabemos ser uma necessidade imperiosa do nosso sistema judicial.
Além disso, convém salientar algumas medidas levadas a efeito recentemente, que vão ser já implementadas no terreno, no que toca ao sistema prisional português, e que têm a ver com tomadas de posição conjunta não só do Ministério da Justiça mas do Ministério da Saúde.
Temos um programa do Serviço Nacional de Saúde para o meio prisional que implica, salvo erro (porque não o tenho aqui), 28 medidas muito claras, que devem ser tomadas urgentemente e implicam a necessária realização de uma despesa mas que não deve ser encarada como tal, ou seja, como o Sr. Ministro já referiu no início da sua intervenção, implicam um custo superior a 2000 €/ano, por cada individuo em meio prisional.
Esta é uma enorme alteração da visão do que é o sistema prisional português. Arriscar-me-ia a dizer que esta é uma visão tipicamente de esquerda do sistema prisional português, na qual o Partido Socialista se revê por inteiro.
Por outro lado, é notória uma nova filosofia que este orçamento deixa transparecer e que tem a ver com o seguinte: começa a ser repetido muitas vezes que grande parte dos problemas da justiça — se calhar, não só da justiça, mas refiro-me à justiça porque é dela que estamos a falar — não se resolve com dinheiro.
Este orçamento implica e traduz isto mesmo. Às vezes, mais importante do que avultarmos verbas para a resolução de problemas é partirmos do que já temos e de que podemos dispor hoje no sistema, optimizar o seu funcionamento para, a partir daí, termos resultados muito claros, como aqueles que são hoje visíveis e que foram referidos pelo Sr. Secretário de Estado da Justiça, quando das respostas que deu há momentos.
Para finalizar, gostaria de salientar que esta é, sobretudo, uma diferença de tratamento, uma diferença de filosofia, uma enorme diferença no modo de encarar os problemas da justiça.
É evidente que, estando nós numa altura de contenção orçamental, que é uma necessidade imperiosa, temos forçosamente de, com recursos muito escassos, fazer opções que têm de ser muito claras.
O Governo do Partido Socialista, actualmente em funções, aposta muito mais nas necessárias optimizações de funcionamento, em vez de atirar avultadas verbas, que muitas vezes não só não resolvem os problemas como ainda os aumentam.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr.ª Presidente, vou ser breve nesta segunda ronda. Aliás, era minha intenção fazer apenas um comentário, mas as afirmações recentes sobre o sistema prisional obrigam-me a concretizar um pouco esse aspecto particular.
O comentário que gostaria fazer diz respeito à posição que o Sr. Ministro manifestou relativamente à importância das verbas, ou seja, do dinheiro. Isto porque o Sr. Ministro dedicou algum espaço da sua intervenção a dizer que já lá vai o tempo em que os problemas se resolviam com dinheiro e que o dinheiro até nem é o mais importante, o que é um pouco paradoxal, porque, estando nós aqui a discutir o Orçamento do Estado, ficamos um pouco sem saber, então, afinal, que importância tem essa discussão.
Sr. Ministro, não leve a mal que lhe diga mas esse discurso soa um pouco a «música celestial», porque é evidente que todos gostaríamos que a vida fosse assim — não precisar de dinheiro para nada. Bastava que tivéssemos grandes projectos e grandes intenções e depois, na vida, não precisávamos de dinheiro, porque as coisas apareceriam feitas sem necessidade de injectar dinheiro.
O Sr. Ministro da Justiça: — Essa é uma afirmação óptima num comunista!
O Orador: — Sr. Ministro, muito gostaria que a vida fosse assim e que todos estivéssemos libertos de preocupações materiais. Mas, evidentemente, os carros da Polícia Judiciária andam a combustível e os combustíveis custam dinheiro. Portanto, obviamente que tudo isto não se faz sem que haja um mínimo de dotações orçamentais.
O Sr. Ministro poderia dizer aqui: «Estamos em tempo de crise, a vida está difícil. Há que fazer contenção orçamental, essa é a opção do Governo, por isso nós também fazemos». Muito bem! Podemos contestar isso,
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podemos discutir os fundamentos dessa política orçamental, mas assim as coisas são mais claras. Agora, o que não vale a pena é vir dizer: «Não temos dinheiro mas vamos fazer as coisas na mesma».
O Sr. Ministro da Justiça: — É verdade!
O Orador: — Não sei como é que o Sr. Ministro vai conseguir resolver este excesso de optimismo da bancada do Partido Socialista, pois tendo, para 2007, os serviços prisionais um terço do PIDDAC que tinham em 2003, é agora que vai ser erradicado o balde higiénico, vão ser contratados 300 guardas prisionais, vão ser feitas obras nos estabelecimentos prisionais e, se calhar, ainda vai ser construída a prisão de alta segurança que consta do relatório que o Sr. Ministro nos apresentou. Se em 2003, com 22 milhões de euros, não se fez nada disso, gostaria de saber se é com 7 milhões de euros que se vai fazer tudo isto, em 2007? Isto é muito concreto, Sr. Ministro. Não foi agora, em 2006, que se inventou esta ideia de erradicar o balde higiénico. Não usei uma linguagem tão pesada como a Sr.ª Deputada Helena Terra, porque não disse que era uma «vergonha num Estado de direito democrático», como a Sr.ª Deputada referiu, parafraseando-me. Fui mais comedido, porque disse que esta é uma preocupação que temos de ter e que já há vários anos que é muito discutida. Aliás, vem constantemente nos relatórios do Sr. Provedor de Justiça e muito do que se tem dito e escrito nos últimos anos sobre a reforma do sistema judiciário passa pela necessidade de erradicar o balde higiénico.
Mas o que eu não acredito é que com esta verba de PIDDAC se consiga concretizar isto tudo! Contratar 300 guardas? Gostaria muito de ver. Gostaria que o Governo cumprisse o objectivo de contratar 300 guardas prisionais, porque sei que eles fazem muita falta no sistema prisional, mas depois é preciso pagar os salários.
Mas, enfim, esperemos que o Governo possa cumprir este objectivo.
Sobre esta matéria, gostaria de colocar uma questão, uma vez que o Sr. Ministro não me respondeu relativamente à questão que coloquei sobre o programa elaborado pelo grupo de trabalho presidido pelo Prof. Freitas do Amaral. Esse programa vai ser usado ou deitado fora?
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Nuno Magalhães.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro da Justiça, após esta discussão, quase que «conjugal», salvo seja, entre pactuantes e de reivindicação de paternidade, devo dizer que espero que tenha sido celebrada «convenção antenupcial», mas se não foi, já agora, deixo um conselho: que seja com separação de bens! Ou, se calhar, mais vale a pena aprofundar a hipótese do divórcio «na hora», porque é capaz de ser para onde caminhamos.
Risos.
Em qualquer dos casos, gostaria de reafirmar que o CDS-PP está disponível para cooperar activamente e com propostas nessas reformas, nomeadamente naquela que consideramos essencial, que é a questão do mapa judiciário.
O Sr. António Filipe (PCP): — O CDS procura «casamento na hora»!
O Orador: — Não, Sr. Deputado! De todo! Vejo que ficaram muito incomodados e que o Partido Comunista foi em socorro dos pactuantes. Se calhar, é o Partido Comunista que está à procura de «namorada», Sr. Deputado.
O Sr. António Filipe (PCP): — Não! Nós até nem fomos convidados para a «boda»!
O Orador: — Mas, Sr. Ministro, fazendo um comentário ao que foi dito não por V. Ex.ª mas pelo Sr. Secretário de Estado, com toda a consideração pessoal e institucional que o Sr. Secretário de Estado sabe que merece e sem juízo de valor, gostaria de dizer que a justificação que me deu em relação à questão da verba para a publicidade não me convenceu totalmente.
Estamos a falar de um aumento de 712%, o que, traduzido em números, significa passar de 144 000 euros para 1,17 milhões de euros. Isto é até contrário ao discurso que tem vindo a ser feito de recorrer à «prata de casa», a meios informáticos e a outro tipo de meios mais céleres para dar essa informação, o que me pareceme útil, parece-me óptimo, parece-me bem. Mas, francamente, perante este aumento de 712%, diria, pegando no exemplo que V. Ex.ª deu, então por que não colocar no site do Ministério a informação seguinte: «Se perdeu o seu cartão, dirija-se aqui». «Se quer mudar o seu PIN, faça assim».
Que diabo! Só por si, passar de 144 000 euros para 1 milhão de euros, um aumento de 712%, francamente, penso que estamos perante um sinal contrário à ideia de contenção que este Governo apregoa, e bem, de redução da despesa, relativamente à qual, com certeza, conta com a participação do CDS-PP.
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Por fim, gostaria de colocar uma pergunta, Sr. Ministro, que tem a ver com o que V. Ex.ª e o seu colega da saúde afirmaram nesta Casa, julgo que no passado dia 31 de Outubro, na reunião conjunta que tivemos entre a 1.ª Comissão e a Comissão de Saúde, relativamente ao plano nacional de combate às doenças infectocontagiosas nas prisões, que, segundo o Sr. Ministro e também o Sr. Ministro da Saúde, irá custar ao País «algumas dezenas de milhões de euros». Repare que estou a citar o que foi dito nessa reunião, ou, pelo menos, foi o que percebi, que o Sr. Ministro da Saúde referiu algumas dezenas de milhões de euros. Portanto, alguma coisa irá custar e note que não vou entrar aqui no mérito da questão. Não é para isso que estamos aqui, essa matéria já foi debatida nessa reunião, pelo que a questão é meramente orçamental.
Mais: o Sr. Ministro da Saúde referiu ainda que, em Fevereiro de 2007, ou seja, no primeiro trimestre do próximo ano, os estabelecimentos prisionais de Lisboa e Paços de Ferreira já vão poder aceder, a título experimental, a este programa.
Em face disto, gostaria de lhe perguntar, Sr. Ministro, qual é o custo desta versão experimental e deste programa experimental, onde está inscrita essa verba no Orçamento do Estado e qual é o seu impacto. Peço desculpa por repetir esta pergunta, bem sei que o Sr. Ministro não gosta muito dela, mas, de facto, gostaria de saber.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Para pedir esclarecimentos, tem a palavra a Sr.ª Deputada Helena Pinto.
A Sr.ª Helena Pinto (BE): — Sr.ª Presidente, Sr. Ministro, Srs. Secretários de Estado, serei breve.
Permita-me, Sr. Ministro, que retome duas questões que coloquei e sobre as quais nem o Sr. Ministro nem os Srs. Secretários de Estado se pronunciaram, pelo que fiquei sem entender se são ou não assuntos que têm importância para o Governo, se não há resposta para eles ou como é que está a situação.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto deu a sua opinião sobre o que se vai passar, nomeadamente em relação aos centros educativos. Não me parece que as medidas que vão ser tomadas vão no sentido da eficácia desse trabalho, mas também percebo que não é nesta segunda ronda que iremos debater este assunto. Com certeza que existirão outras oportunidades para debater esta questão das unidades educativas dentro de grandes centros, mas penso que há o perigo de voltarmos às grandes instituições onde se vão amontoar todos os jovens e, neste caso concreto, jovens com estas características.
Por outro lado, espero bem que se trate apenas de uma transferência de técnicos dos centros para acolhimento de jovens em risco, porque misturar jovens em risco com jovens que já cometeram pequenos crimes ou até, nalgumas situações, grandes crimes, não é exactamente o caminho a seguir.
Mas, Sr. Ministro, fiz uma pergunta muito concreta em relação ao centro educativo da Madeira. Esse centro vai ou não abrir? Está previsto abrir em 2007 ou não? Penso que isto carece de uma resposta muito simples, porque, pela leitura que fiz dos documentos, não consigo ficar esclarecida sobre este aspecto.
Uma outra questão: também não entendi se o Governo abandonou o estudo sobre o sistema das pulseiras electrónicas para os agressores ou se o está a prosseguir, se ele é ou não viável, porque, como eu disse, há mais de um ano que o Governo anda a estudar esta matéria. Penso que já era tempo de comunicar, nomeadamente à Assembleia da República, se há alguma viabilidade ou não da sua aplicação ou se vamos desistir deste meio, pois trata-se de um meio muito importante e que poderá ser fundamental para, de uma vez por todas, se aplicar com eficácia uma das medidas previstas no nosso Código Penal, que é o afastamento do agressor, para complementar todo o trabalho que é feito, nomeadamente quando as vítimas têm de ser acolhidas em casas de abrigo, porque não há outra solução.
Andamos sempre a dizer: não! Temos outras medidas… É preciso…Não se pode… É verdade! Mas, então, temos de encontrar os instrumentos eficazes que protejam.
Sr. Ministro, penso que o problema do homicídio conjugal em Portugal, se me permite — e é outra temática de que não falámos aqui —, deve estar, com certeza, nas preocupações do seu ministério, porque as questões relacionadas com esse tipo de homicídio estão a assumir proporções muito grandes no nosso país, e já temos discutido isso em várias situações, designadamente a propósito do relatório de segurança ou de outras questões. Portanto, há que tomar medidas. Se não, chegamos ao fim do ano — e já estamos no mês de Novembro —, altura em que estas questões vão ser faladas, e vão sair novamente os números das mulheres que foram assassinadas pelos seus maridos ou companheiros. E não é um número nada pequeno, como sabemos.
Eram estas questões que lhe queria colocar, Sr. Ministro.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Srs. Deputados, apenas tenho a inscrição do Sr. Deputado Paulo Rangel para a terceira ronda.
O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, dá-me licença?
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Faça favor. Sr. Deputado.
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O Sr. Nuno Magalhães (CDS-PP): — Sr.ª Presidente, dado que se encontra apenas inscrito o Sr. Deputado Paulo Rangel para a terceira ronda, segundo me apercebi, sugiro que, para uma boa condução dos trabalhos, ele faça já o seu pedido de esclarecimento.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Pensei que o Sr. Deputado Paulo Rangel quisesse usar da palavra na sequência da resposta do Sr. Ministro. Mas se quiser, e não houver oposição, pode desde já intervir.
O Sr. Paulo Rangel (PSD): — Sr.ª Presidente, haveria, com certeza, necessidade — não tenho quaisquer dúvidas sobre isso — de falar depois da resposta do Sr. Ministro e do Sr. Secretário de Estado. Mas como nos vamos encontrar mais vezes, e este assunto tem relativa gravidade, quero apenas usar da palavra para dizer o seguinte: a Sr.ª Deputada Helena Terra agitou o fantasma, que é uma coisa de que o PS gosta imenso, da reforma do notariado. Trata-se de um problema de filosofia, sobre o qual nunca vamos estar de acordo Mas tem de se explicar bem, porque se encontra presente a comunicação social, e os portugueses estão a ver-nos.
E eu vou fazê-lo muito rapidamente, em 1 minuto.
A reforma do notariado não provocou qualquer quebra de receita, ao contrário do que diz. Provocou, sim, uma quebra de receita no autofinanciamento do Ministério da Justiça, que é recuperada pelo Estado em IVA, que dantes não cobrava. É, pois, integralmente recuperada e até ultrapassada.
E, para além de ser ultrapassada, o que acontece é que o Ministério da Justiça tem de ter força negocial para, junto do Ministério das Finanças, ir buscar isso. Houve notários e muitos funcionários que saíram do sistema, por isso houve alívio…
A Sr.ª Helena Terra (PS): — Para onde?
O Orador: — Para a função privada!
A Sr.ª Helena Terra (PS): — Durante quantos anos?
O Orador: — Mas deixe-me que lhe diga que o Governo quer eliminar o duplo controlo da legalidade de uma forma que consideramos errada: a de que manter as conservatórias tem uma função de publicidade, considerando praticamente marginal a actividade notarial. Aquilo que nós, no PSD, sempre defendemos foi que a actividade notarial se deve manter, porque é ela que controla materialmente a legalidade; o que deveria, eventualmente, extinguir-se eram os registos. Esses é que, muito mais facilmente, porque têm a função de publicidade, podiam passar para uma dimensão electrónica e virtual.
Saber se uma pessoa tem ou não capacidade para praticar um acto notarial, para assinar um contrato ou para celebrar uma escritura é uma coisa que tem de ser controlada pessoalmente e humanamente, mas dar publicidade ao facto de alguém ter comprado este ou aquele terreno já pode estar num site da Internet. Por isso, é errada a política do Governo quando procura, de alguma forma, considerar que o controlo da legalidade se faz pela função dos conservadores e não pela função dos notários.
Portanto, o que defendemos foi exactamente o contrário: foi privatizar a função dos notários para a tornar mais ágil. E se hoje perguntar a qualquer pessoa que vá a um cartório notarial como é que eles estão a funcionar dir-lhe-á que estão a funcionar muito melhor do que funcionavam antes. Pode ter a certeza absoluta disso.
Para além disso, a função dos conservadores, essa sim, é uma questão de publicitação. Portanto, ela não é uma função de controlo da legalidade. Há uma diferença de perspectiva, sem dúvida! Mas não se venha lançar o anátema de que se quebrou a receita. Não se quebrou a receita! Qualquer pessoa que vá ver o que Estado recupera em IVA mercê da actividade notarial sabe que o Estado não perdeu receita com a reforma da privatização do notariado. O que se sabe também é que essa receita está agora afecta ao Ministério das Finanças e antes estava afecta ao Ministério da Justiça. Isso sabe-se! Mas, minha cara amiga, isso só se resolve se o Sr. Ministro conseguir ir lá buscar essa transferência, tendo de o fazer no âmbito das negociações que faz para o Orçamento. Mas esse é um problema de cada ministro, que o terá de resolver no seu Governo.
Era apenas isto que queria esclarecer.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): — Sr.ª Presidente, dá-me licença que use da palavra na qualidade de Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias?
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): — Srs. Deputados, quero apenas lembrar que às 15 horas, e não às 15 horas e 30 minutos, temos de aprovar relatórios na Comissão. Dois já estão entregues — o da Subcomissão de Direitos Fundamentais e Comunicação Social e o da Subcomissão para a Igualdade de Oportunidades — e o da Comissão de Justiça vai estar pronto entretanto. Presumo que o Sr. Deputado João Serrano, que não se encontra aqui presente, deve estar a elaborá-lo.
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Muito obrigado, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Tem agora a palavra a Sr.ª Deputada Helena Terra.
A Sr.ª Helena Terra (PS): — Sr.ª Presidente, é apenas para um pedido de esclarecimento muito breve, que eu não posso deixar de fazer depois da última intervenção do Sr. Deputado Paulo Rangel, até porque foi quase em absoluto direccionada à intervenção que eu tinha acabado de fazer.
O Sr. Deputado Paulo Rangel começou muito bem, dizendo que, nesta matéria, nunca haveremos de estar de acordo. E nunca haveremos de estar de acordo por duas ordens de razões essenciais, que têm a ver com aquilo que ele acabou de referir.
Em primeiro lugar, parece-me que o Sr. Deputado Paulo Rangel não pode, de forma alguma, querer fazer coincidir, em termos de montantes, aquilo que antes era a arrecadação de receitas através da prática da tabela emolumentar pelos notários públicos com aquilo que hoje é uma parcela que corresponde à liquidação do IVA que é efectuado sobre uma tabela emolumentar praticada pelos notários privados, porque são questões absolutamente distintas. Com certeza que ele não quis dizer isso, mas é bom que fique claro, para que ninguém se possa confundir a este propósito.
Em segundo lugar, há uma coisa que ele acabou de referir que também não é clara, que tem a ver com o número de funcionários que saíram do sistema público para irem prestar trabalho nos notários privados. É evidente que saíram alguns, mas a maior parte não saiu. O único dado de que hoje podemos partir é que alguns saíram, mas, quando muito, apenas por cinco anos, porque, findos esses cinco anos, eles têm a possibilidade de voltar ao sistema. É por isso que na minha intervenção inicial comecei por referir que a pesada herança que este Governo recebeu da privatização dos notários pode vir a dar, no futuro, algumas dores de cabeça maiores do que aquelas que temos hoje.
Estes são esclarecimentos importantes, porque, como disse o Sr. Deputado, esta é a Casa onde temos de falar claro e porque há muitos portugueses que estão a assistir a este debate. Portanto, para que eles fiquem esclarecidos o debate tem de ser suficientemente sério.
Muito obrigada, Sr.ª Presidente.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Para responder globalmente a este conjunto de pedidos de esclarecimento, tem a palavra o Sr. Ministro da Justiça.
O Sr. Ministro da Justiça: — Sr.ª Presidente, passo a responder directamente às questões.
A primeira questão diz respeito às competências da Polícia Judiciária na área externa. A Resolução do Conselho de Ministros que se encontra publicada em Diário da República consagra que as actuais funções da Polícia Judiciária respeitantes à EUROPOL e à INTERPOL ficarão na Polícia Judiciária. A leitura do Diário da República é, a este respeito, inteiramente elucidativa.
A segunda questão tem a ver com arrendamentos proibitivos. Na verdade, herdámos demasiados arrendamentos proibitivos e estamos completamente de acordo em que devem ser substituídos por soluções menos proibitivas do ponto de vista do interesse público, quer entendido numa óptica orçamental quer numa óptica funcional. Portanto, há convergência nesse domínio.
A terceira questão diz respeito ao Fundo de Justiça. Em primeiro lugar, importa dizer que o respectivo saldo de liquidação será aplicado com integral observância da própria lei que o regula, a qual tem uma norma precisa sobre o que fazer e que objectivos respeitar quando se verificar a respectiva extinção. Esta norma será totalmente observada. Em segundo lugar, esse valor não está presente neste orçamento por razões orçamentais e contabilísticas totalmente sólidas. O que está presente neste orçamento e explica algum afastamento em relação a valores tradicionais é o que resulta da aplicação de um orçamento bruto às conservatórias, as quais, até agora, apenas apresentavam os seus saldos, não figurando nem as suas despesas, nem os pagamentos correspondentes ao seu pessoal na direcção-geral respectiva. Portanto, é esta circunstância que faz com que a comparação tenha de ter esta nuance num observador atento.
A quarta questão tem a ver com a temática prisional. Suponho que o Sr. Deputado António Filipe, com todo o respeito, escolheu os exemplos menos felizes. Falou na frota da Polícia Judiciária, mas, se for ver o orçamento, estão lá previstos 2 milhões para a renovação da frota da Polícia Judiciária.
O Sr. António Filipe (PCP): — Sr. Ministro, eu só disse que ela andava a combustível, não disse nada mais! Só me referi à frota da Polícia Judiciária como algo que, realmente, custa dinheiro.
O Orador: — Terá de reconhecer…
O Sr. António Filipe (PCP): — Não fiz qualquer consideração sobre se a frota era grande ou pequena!
O Orador: — Terá de reconhecer que o seu pensamento se traduziu através do exemplo menos indicado para assegurar a genuinidade da sua observação.
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O Sr. António Filipe (PCP): — Mas foi precisamente essa a intenção!
O Orador: — O mesmo acontece em relação ao balde higiénico, depois de eu ter aqui dito, e repito, que, de 1637 celas, 867 já foram resgatadas a essa condição e depois de estarem também previstos no orçamento 6,4 milhões de euros para obras em relação ao balde higiénico e às condições de segurança, haverá de considerar que não são propriamente os exemplos indicados para exprimir esse seu pensamento.
A quinta questão tem a ver com as doenças infecto-contagiosas. De facto, foi publicado um lapso nos jornais. Foi-me perguntado pessoalmente quanto é que o Ministério da Saúde gastava com a saúde dos reclusos. Devo dizer que anda à volta das três dezenas de milhões de euros. Foi este valor que foi referido, o tal que dá um pouco mais de 2000 € por cabeça em relação a cada recluso.
Sexta questão: o custo das duas experiências que estão previstas, com todas aquelas regras que foram, na altura, especificadas e que me dispenso agora de recordar aqui — intervenção do pessoal da saúde e utilização de seringas retrácteis, portanto com impossibilidade de segundo uso, e última linha num processo em que várias outras ofertas estão presentes —, será suportado pelo orçamento corrente e não terá números significativos, até porque o Ministério da Saúde neste combate às doenças infecto-contagiosas e no plano nacional que se encontra aprovado terá o financiamento mais importante.
Por último, em relação à violência doméstica e a esse estudo que sei que foi entregue na Presidência do Conselho de Ministros há algum tempo e que está a ser ainda examinado, quero sobretudo dizer que estou extremamente sensibilizado para a importância da temática da violência doméstica na sociedade contemporânea.
Em relação às notícias que saem no nosso país e noutros — na vizinha Espanha, os números são verdadeiramente horrorizantes…
A Sr.ª Helena Pinto (BE): — São mais baixos de que em Portugal!
O Orador: — … e em Portugal é com angústia que se verifica que estão a crescer — quero dizer-lhe que essa percepção do fenómeno fará com que na proposta de lei de política criminal que vai ser apresentada à Assembleia da República, em concretização da lei-quadro, a violência doméstica entrará na primeira linha das prioridades da política criminal.
Sr.ª Presidente, passava agora a palavra aos Sr. Secretários de Estado.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Tem a palavra, em primeiro lugar, o Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Justiça.
O Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Justiça: — Sr.ª Presidente, Srs. Deputados, apenas algumas considerações breves relativamente à questão que foi colocada a propósito das alterações em matéria de reinserção social.
Importa sublinhar que, por força da nova Lei Orgânica do Ministério da Justiça, aquilo que transita para a segurança social é apenas o acompanhamento na área cível, isto é, o acompanhamento que se faz das crianças e jovens em risco no que diz respeito à realização de relatórios e à sua apresentação em tribunal. Toda a matéria da reinserção de delinquentes mantém-se no Instituto de Reinserção Social, futura direcção-geral da reinserção social. E mais: o alargamento da intervenção do Instituto será também efectuado ao longo de 2007 precisamente para essas áreas penais. Queremos concentrar o domínio da justiça na reinserção efectiva daqueles que ou passaram pelo sistema prisional, ou passaram por um sistema de educação especial, como é o dos centros educativos, ou porque, no âmbito do processo penal, têm de ser acompanhados pela reinserção social. É precisamente nessas áreas que queremos concentrar o recurso da justiça porque achamos que são aquelas que são próprias do domínio da justiça.
Aquilo que apenas tem que ver com políticas de inserção familiar ou com políticas de apoio à criança ou apoio aos jovens entendemos que fica melhor e que assim se completa a reforma que foi feita em 2000. É bom que isso fique claro. Portanto, toda a matéria da reinserção social no âmbito da justiça mantém-se e é reforçada no Instituto de Reinserção Social. Isso também responde à questão que há pouco foi colocada pala Sr.ª Deputada Helena Pinto.
Quanto à questão concreta sobre o centro educativo da Madeira, estamos a trabalhar no sentido de que ele abra em 2007.
Queria também referir o seguinte relativamente às novas infra-estruturas da justiça: está em curso, em 2006, um amplo programa de requalificação das diferentes redes da justiça. Isso já é visível. Quando se falou — e o Sr. Ministro, há pouco, referiu-o — do programa das 50 novas salas de audiência em tribunais já existentes, dou o exemplo de três que já estão realizadas: Castelo Branco, Torres Vedras e Penafiel. Os novos equipamentos terão de ser utilizados numa dimensão diferente.
Há pouco, o Sr. Deputado Paulo Rangel colocava a questão dos arrendamentos. É óbvio que a preocupação deste Governo foi também a de poder libertar espaços que não são necessários… Aliás, encontrámos imensos equipamentos arrendados que não eram utilizados há muitos anos.
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Dou-lhe só um número: desde que este Governo tomou posse, rescindimos contratos de arrendamento no valor de 1,6 milhões de euros, o que é significativo. Com a concretização do projecto do Porto poderemos libertar rendas de 22 edifícios só na cidade do Porto. Com esta solução para a Polícia Judiciária rescindiremos cinco contratos de arrendamento no valor de 675 000 €. E com o Campus da Justiça do Porto, os tais 22 edifícios significam hoje 2,4 milhões de euros de renda que pagamos neste momento na cidade do Porto só para as áreas da justiça.
Há um aspecto de que não falámos muito, mas compreendo que todos os ministérios, sobretudo nas áreas de soberania, tenham de contar com ele.
Temos imenso património, muito dele abandonado, que não tem interesse, mas que tem um valor que deve ser reinvestido no Ministério da Justiça. Não é por acaso que, tanto no Orçamento de 2006, como agora no de 2007, está consagrada a possibilidade de o Ministério da Justiça utilizar o património que tem para reinvestimento em equipamentos da justiça, com uma dotação que até é excepcional relativamente a outras situações aí previstas. E já o estamos a fazer em 2006, com a alienação de património, e naturalmente que em 2007, sobretudo para a construção dos novos equipamentos prisionais, é com isso que contamos. Não tenhamos ilusões. Aliás, é esse o caminho certo.
Se temos edifícios, terrenos, que não servem as nossas funções, podemos ter novos tribunais ou novos equipamentos prisionais em boas condições, utilizando esse tipo de financiamento. Isso ocorrerá ao longo de 2007 e está previsto no Orçamento do Estado através de uma norma específica, como os senhores poderão constatar.
A terminar, queria sublinhar um aspecto que se prende com a alteração de verbas no orçamento de funcionamento. É claro que há uma subida significativa das verbas referentes ao orçamento de funcionamento, que resulta, precisamente, do crescimento das receitas próprias do Ministério da Justiça. E porquê? Porque orçamentamos, cumprindo, aliás, orientações de há anos do Ministério das Finanças, o princípio da unicidade de tesouraria nas áreas dos registos e do notariado. E isso faz com que o orçamento esteja hoje inscrito na sua totalidade, na receita e na despesa, na Direcção-Geral dos Registos e do Notariado, futuro instituto dos registos e do notariado. Isso é que, de facto, evidencia a diferença, como o Sr. Ministro há pouco sublinhou. Não se trata de qualquer artificialismo que está subjacente ao orçamento, pelo contrário trata-se da clarificação dessas verbas.
Tal como o orçamento da Direcção-Geral da Administração da Justiça agora espelha tudo o que nessa área da justiça se gasta em funcionamento e com vencimentos de funcionários e de magistrados, que estava também dividido, sem o que os Srs. Deputados, no orçamento deste ano, teriam de fazer umas contas estranhas para procurar o que estaria no instituto e o que estaria na Direcção. Hoje sabe-se que o que respeita a tribunais faz parte da Direcção-Geral da Administração da Justiça. Como sabemos que o custo do funcionamento dos registos e do notariado faz parte da direcção-geral respectiva. Penso que essa clarificação é importante.
A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Muito obrigada.
Dou agora a palavra ao Sr. Secretário de Estado da Justiça.
O Sr. Secretário de Estado da Justiça: — Muito obrigado, Sr.ª Presidente.
Quero apenas deixar um complemento informativo em relação às questões da eliminação e simplificação de actos, porque creio ter ficado muito claro há pouco que há uma diferença fundamental de políticas entre o PSD e o PS nesta matéria.
É que o PS e o Governo têm uma política muito clara de eliminação e simplificação de actos: eliminação de escrituras na vida das empresas, simplificação do regime de fusão e cisão, eliminação de livros de escrituração mercantil, possibilidade de outras entidades em reconhecimentos presenciais e autenticação de documentos, criando assim condições para haver concorrência, criação de serviços públicos de valor com funcionários públicos para praticar actos que são reconhecidos pelo Banco Mundial como incentivos ao investimento. Esta é a política do Governo. Trata-se de uma política de eliminação e de simplificação de actos e de redução da burocracia.
A política do PSD era, aparentemente, uma política de privatização da burocracia, mantendo o mesmo nível de burocracia, sem que ela fosse eliminada, e de privatização dos serviços burocráticos, que se mantinham. Ficou finalmente claro, porque até agora — e, aqui, honra seja feita ao CDS-PP, que sempre se pronunciou sobre esta matéria — faltava ao PSD dizer aquilo que o Sr. Deputado Paulo Rangel nos disse hoje.
O Sr. António Filipe (PCP): — O Governo está de namoro com o CDS-PP.
O Orador: — Creio, pois, ter ficado muito claro que esta é a política do Governo.
Quanto à privatização do notariado, não me leve a mal, Sr. Deputado, mas as suas palavras, utilizando considerações do Deputado António Filipe, são «música celestial»… Sabemos bem o que significou a privatização do notariado em matéria de redução de receitas. O Sr. Deputado também sabe muito bem que essas receitas não são, nem de perto nem de longe, compensadas pelas receitas de IVA. Sabe isso muito bem, como sabemos todos nós.
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A Sr.ª Presidente (Teresa Venda): — Muito obrigada, Sr. Ministro e Srs. Secretários de Estado. Agradeço todas as informações que nos deram, o que nos permitiu hoje tomar conhecimento das medidas que estão projectadas para ser executadas em 2007 pelo Ministério da Justiça, representando apenas 2,4% do total da despesa considerada deste Orçamento para 2007. Ficou demonstrado neste debate que essas medidas afectam directamente todos os nossos concidadãos, quer pelo reforço dos direitos, liberdades e garantias, quer pelo complemento, dada a simplificação dos processos administrativos, que pode trazer à atractividade da nossa economia.
Faço esta intervenção, o que não é meu costume quando dou por concluída uma audição, porque gostava de deixar registado — creio que o Parlamento se associa a isso — o facto de ter tido hoje conhecimento que uma medida como foi a da «Empresa na Hora» (que permitiu, no relatório do Banco Mundial, de um ano para o outro, melhorarmos cinco posições em termos de atractividade da nossa competitividade em termos de atrair negócios para o País) foi realizada graças à competência dos funcionários do Ministério da Justiça. Acho que todos nós nos congratulamos com isso e que tal deve aqui ficar registado. É que não se tratou de um outsourcing, mas sim do desempenho da Administração Pública.
Srs. Deputados, concluímos, assim, a discussão, na generalidade, em sede de Comissão de Orçamento e Finanças, do Orçamento do Estado de 2007. Voltamos a reunir-nos, em Plenário, na próxima terça-feira.
Está encerrada a reunião.
Eram 13 horas.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL.