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Sexta-feira, 7 de Outubro de 1988 II Série - Número 42-RC

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 1.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1987-1988)

II REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

ACTA N.° 40

Reunião do dia 6 de Julho de 1988

SUMÁRIO

Procedeu-se à discussão dos artigos 159.° a 165.° e respectivas propostas de alteração.

Iniciou-se a discussão do artigo 166.° e respectivas propostas de alteração e da proposta de artigo novo - artigo 166.°-A - da autoria do PS.

Durante o debate intervieram, a diverso título, para além do Vice-Presidente, Almeida Santos, no exercício da presidência, pela ordem indicada, os Srs. Deputados António Vitorino (PS), Pais de Sousa (PSD), Maria da Assunção Esteves (PSD), José Manuel Mendes (PCP), Sottomayor Cárdia (PS), Seiça Neves (ID), Costa Andrade (PSD), Sousa Lara (PSD), Mário Maciel (PSD), Carlos Encarnação (PSD), José Magalhães (PCP) e Miguel Galvão Teles (PRD).

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O Sr. Presidente (Carlos Encarnação): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 15 horas e 50 minutos.

Srs. Deputados, passaríamos a analisar o artigo 159.°, uma vez que só há propostas de alteração do PS, do PSD e do PRD.

Apresentando rapidamente as propostas, penso que há alterações do PS em relação à alínea c) do artigo 159.° e, além desta modificação, o acrescento de uma nova alínea neste mesmo artigo.

Em relação à proposta do PSD, há uma alteração para a alínea b).

Em relação às alterações propostas e contidas no projecto n.° 9/V do PRD, há também a inclusão de uma nova alínea - ou seja, a alínea f) - no n.° 1 e há ainda a inclusão de um novo n.° 2 no caso deste novo artigo.

Dava agora então aos membros de cada um dos partidos, que queiram intervir, a palavra, em primeiro lugar, como é natural e normal, ao PS.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, pretendo fazer uso da palavra, muito rapidamente, para dizer que a alínea b) está dependente da existência da figura das leis paraconstitucionais que o PS propõe no seu projecto. Por isso é uma mera adaptação sistemática.

Quanto à alínea c), a ideia é introduzir na Constituição o conceito de obtenção de resposta às perguntas que os deputados fazem. Naturalmente que os deputados não fazem perguntas apenas por as fazerem, por desporto ou entretenimento. Fazem perguntas porque pretendem obter respostas. É um direito dos deputados fazer perguntas, fim nosso entender deve ser também um direito dos deputados obter resposta fundamentada em prazo razoável, como nós dizemos, salvo o disposto na lei em matéria de segredo de Estado. Portanto, entendemos que a lei pode limitar algumas das respostas aos deputados com fundamento no segredo de Estado, desde que, naturalmente, a recusa seja também neste caso fundamentada. Nesse sentido, convergimos com a proposta do n.° 2 do projecto do PRD, que dá um prazo de 30 dias para as respostas. Fomos, contudo, menos ousados, e em vez de propormos um prazo em concreto, na Constituição definimos apenas o conceito de prazo razoável, que entendemos que pode e deve, aliás, ser integrado, por lei que acolha e traduza, em termos concretos, o que seja o entendimento deste prazo. A fixação de um prazo certo na Constituição tem limitações em virtude de a sua violação não ter sanção possível à luz do que dispõe o próprio projecto do PRD.

Quanto à alínea c), também incluímos o conceito de prazo razoável na obtenção de informações, elementos e publicações oficiais que os deputados considerem úteis para o exercício do seu mandato. É a única alteração que nos parece, aliás, importante, na medida em que, recentemente, alguns órgãos da Administração se têm recusado a dar cumprimento ao disposto na alínea d) deste artigo 159.°, louvando-se inclusive de um parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República que nos merece a nossa mais viva discordância. Entendemos que o conteúdo útil deste preceito não é preenchido pelo mero envio à biblioteca da Assembleia da República de um exemplar de certas publicações, na medida em que o sentido da norma constitucional é de consagrar poderes individualmente considerados dos deputados e não "poderes" da biblioteca da Assembleia da República!

Quanto à alínea f), ela é uma norma residual, cujo objectivo fundamental é o de permitir que o Regimento da Assembleia da República adite novos poderes aos deputados. Até talvez fosse mais correcto referir "demais poderes consignados na lei e no Regimento", porque há poderes dos deputados que podem vir a ser conferidos não apenas pelo Regimento da Assembleia, mas, também, pela lei geral. Esta alínea f), de natureza residual - norma aberta, digamos assim -, para a consignação de novos poderes dos deputados, consome, em nosso entender, o efeito útil da alínea f) proposta pelo projecto do PRD, que consigna como poderes dos deputados usar da palavra nos períodos da ordem do dia e de antes da ordem do dia. Naturalmente que estamos de acordo. Pensamos, contudo, que talvez seja desnecessário estar a verter para a Constituição todos os poderes que a lei e o Regimento podem conferir aos deputados. É preferível consagrar uma norma genérica de remissão para a lei e para o Regimento para consagração de outros poderes dos deputados, além daqueles que se enumeram neste artigo 159.° da Constituição.

O Sr. Presidente: - Atribuía então a palavra a um dos Srs. Deputados do PSD que queira defender a proposição deste artigo.

O Sr. Pais de Sousa (PSD): - Como é sabido, o PSD propõe a eliminação, em sede da alínea b) deste artigo 159.°, da expressão "e propostas de deliberação", e fá-lo por entender que esta expressão surge de forma dúbia, o que, aliás, é, de alguma forma, atestado, ou certificado, por vários autores. É que em regra os actos da Assembleia da República consistem em deliberações sob a forma de lei, sob a forma de moção ou mesmo de resolução. Por outro lado, há outras propostas de alteração aos projectos de lei, ou mesmo propostas de lei, propriamente ditas, e que não são consideradas nesta redacção. Isto pode verificar-se em sede do n.° 2 do artigo 170.° da lei fundamental.

O Sr. Presidente: - Não está ninguém do PRD. De qualquer das maneiras, pergunto se algum dos partidos presentes quer comentar esta proposta do PRD. Penso que o Dr. António Vitorino já o fez por parte do PS. Não sei se o PSD quer fazer algum comentário em relação à proposta do PRD.

Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - A proposta do PRD sobre o acrescentamento da alínea f) não passa do corolário de um conjunto de "poderes fundamentais" que a Constituição assinala aos deputados. Daí, o ser necessária.

Depois no n.° 2, quando o PRD diz "o Governo deve responder às perguntas escritas e dar ou fazer dar satisfação aos requerimentos a que se referem as alíneas c) e d) do número anterior no prazo de 30 dias, salvo o caso de segredo de Estado ou de razão justificada de demora que apresente" deixam-se também algumas questões em aberto, como seja o da determi-

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nação do que seja "razão justificada". E essa razão justificada determina a não resposta, ou determina uma resposta por um prazo que não seja o prazo de 30 dias? Por outro lado, a própria fixação do prazo é em si algo de perigoso, porque, a condicionar a actuação do Governo, por via da necessidade de informação a fornecer aos deputados, ela é, porventura, castrante, do ponto de vista da flexibilidade e da liberdade que o Governo tem de ter no plano da gestão e no plano do exercício dos poderes que lhe correspondem.

Portanto, seriam estas observações, que são, no fundo, ligeiras, e são estas as razões da nossa parte da grande relutância em aceitar as propostas do PRD.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que a norma do artigo 159.° que consagra poderes e direitos dos deputados, poderes parlamentares e direitos extraparlamentares, basicamente, embora também se possa falar de direitos no âmbito do funcionamento do Parlamento, é de grande relevância. Importa, antes de mais, dizer que não estamos vocacionados para permitir que a maioria consiga também, em sede de revisão da Constituição, aquilo que, de alguma forma, já ensejou nas alterações ao Regimento da Assembleia da República.

Suponho que se estava a discutir a proposta do PRD, de uma nova alínea f) para o n.° 1, e de um novo n.° 2 para o artigo 159.°, e sobre isso gostaria de dizer que faz todo o sentido manter a constitucionalização da apresentação de projectos de revisão constitucional - nobre lei das leis - ou de projectos de lei ou de resolução e propostas de deliberação - tipificação que, por vezes, é questionada, mas que, apesar de tudo, continua a ser substancialmente aceite e que encontra tradição no Regimento; fazer perguntas ao Governo sobre quaisquer actos deste ou da Administração Pública; requerer e obter do Governo ou de órgãos de qualquer entidade pública os elementos, informações e publicações oficiais que considerem úteis para o exercício do seu mandato; requerer a constituição de comissões parlamentares de inquérito. Faz, também, sentido acrescentar o uso da palavra nos períodos de antes da ordem do dia e nos períodos da ordem do dia. Suponho que não pode ver-se aqui outra coisa que não seja o afloramento do entendimento segundo o qual o exercício do mandato não é possível sem o recurso à lógica da intervenção e do debate, e, portanto, ao primeiro dos meios de expressão dessa lógica, que é a do uso da palavra. Vemos com bons olhos esta proposta de uma nova alínea f), sem que isto signifique que não possamos todos encontrar uma formulação, quiçá, mais adequada.

Por outro lado, em relação ao n.° 2, sendo certo que, de alguma forma, também as perguntas escritas foram desviçadas, praticamente anuladas, após a última revisão do Regimento empreendida por obra e graça do PSD, pensamos que tudo o que vise dar um conteúdo útil ao direito que aí está contido é extremamente importante. A proposta que o PRD faz necessita de aperfeiçoamentos técnicos - é evidente -, mas suscita também uma atitude de simpatia por parte do PCP.

Não sei se já esteve em debate a proposta constante do projecto n.° 3/V.

O Sr. Presidente: - Esteve sim, Sr. Deputado. Fizemos tudo ao mesmo tempo.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Desde quando?

O Sr. Presidente: - Não, o que acontece é o seguinte: adoptámos a metodologia que costumamos seguir, ou seja, pedimos a cada um dos partidos para apresentar a proposta respectiva, e daí que o Sr. Deputado José Manuel Mendes tenha entrado quando se estava, justamente, na parte final -esgotadas as apresentações do PS e do PSD- em que se pedia aos partidos um comentário sobre a proposta apresentada pelo PRD, que não tem apresentante - digamos assim.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Deve estar in itinere.

O Sr. Presidente: - Como disse, Sr. Deputado?

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Digo eu que deve estar a caminho.

O Sr. Presidente: - Deve estar a caminho, pois é. Mas como não está presente...

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Posso pronunciar-me já sobre a proposta do PS, cuja fundamentação foi feita pelo Sr. Deputado António Vitorino.

A lógica da proposta do PS aponta para um reforço dos poderes dos deputados em duas linhas: por um lado, procurando a manutenção da garantia ou o seu robustecimento; e, por outro lado, abrindo à potenciação de novas faculdades através de uma alínea f) que é remissiva para o Regimento da Assembleia da República - deixa-se, de alguma forma, ao autor material e normativo do Regimento a capacidade de, em cada momento, introduzir as modificações que julgar convenientes, facto que se pressupõe, obviamente, numa lógica expansiva dos poderes, e não numa lógica constritiva. E exactamente porque é esse o nosso entendimento, também vemos como positivo o que vem proposto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Sr. Presidente, uso da palavra muito brevemente para dizer que se me afigura que a alínea f) do n.° 1 da proposta do PRD para o artigo 159.° é muito positiva.

Se bem entendo, ela pretende contribuir para a defesa dos direitos dos deputados contra as partidocracias e contra os regimentos lesivos do funcionamento normal da instituição parlamentar.

O Sr. Presidente: - Penso que podemos dar por encerrada a discussão do artigo 159.°, se estão todos de acordo, e passaremos à discussão do artigo 160.°

No artigo 160.° há também duas propostas de alteração. Uma proposta apresentada pelo PS e uma proposta apresentada pelo PRD. Penso que é conveniente estarmos a colocar à discussão simultaneamente as

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duas, uma vez que o PRD não tem aqui representante da sua proposta, porque penso que o Dr. Miguel Galvão Teles vai estar no Plenário durante a tarde de hoje, ou, pelo menos, no início da tarde de hoje. Por isso é que tomo a liberdade de ir adiantando esta matéria.

Em relação à proposta do PS, artigo 160.°, n.° 2, o que se lê é que, em lugar de "salvo por crime punível com pena maior", será "salvo por crime punível com pena de prisão cujos limites mínimo e máximo sejam superiores a seis meses e três anos, respectivamente", e a alteração do n.° 3 é motivada pela alteração inclusa no n.° 2.

Quanto à proposta do PRD, é também, fundamentalmente, uma alteração ao n.° 3, que deriva de uma formulação sensivelmente idêntica no limite superior àquilo que o PS propõe. O PS quer defender a sua proposta?

Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, a proposta não tem defesa autónoma, digamos assim, na medida em que decorre daquilo que já debatemos, extensamente, nesta Comissão a propósito dos artigos da constituição processual penal, e trata-se apenas da integração constitucional do conceito de pena maior. Portanto, a solução que for encontrada para o artigo 27.° será aquela que, naturalmente, terá de ser, por identidade de razões, transposta para aqui.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Seiça Neves.

O Sr. Seiça Neves (ID): - Sr. Presidente, é só para dizer o seguinte: parece-me que esta proposta de alteração do PCP tem em conta o texto do novo...

O Sr. Presidente: - Do PS, desculpe.

O Sr. Seiça Neves (ID): - Sim, peço perdão, refiro-me à proposta de alteração do PS, que tem em conta a dosimetria do novo Código Penal, mas não tem em atenção o novo Código de Processo Penal. Isto por uma razão muito simples: é que, no domínio do antigo Código de Processo Penal, o cidadão que respondesse penalmente era constituído na qualidade de arguido a partir do despacho de pronúncia ou equivalente, ao passo que hoje, na vigência do novo Código de Processo Penal, a constituição de arguido pode, e deve, ser feita antes da emissão desse tipo de despacho. Ora, se o que se pretende defender é um certo prestígio e a adequação da imunidade dos deputados à legislação em vigor, parece-me que se terá de aditar um número a esta proposta de alteração que refira expressamente a qualidade de arguido. Isto é, o deputado só deve poder ser constituído na qualidade de arguido pelo novo Código de Processo Penal, porque este confere direitos e deveres ao cidadão que seja colocado nessa situação. A Assembleia da República deve, pois, reflectir sobre se o deputado pode ser ou não, a partir de certo momento, constituído nesse tipo de qualidade, que é, aliás, uma qualidade definitiva em termos de processo penal.

O Sr. Presidente: - O PSD quer pronunciar-se sobre isto ou aceita a sugestão formulada pelo Sr. Deputado António Vitorino?

Pausa.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Como o Sr. Deputado da ID acaba de referir, é, de facto, necessário atender às duas questões: a relativa à parte processual e a relativa à material.

Quanto à questão relativa à parte material, foi sugerida uma solução pelo Sr. Deputado António Vitorino que é derivada daquilo que concluímos há pouco. Estou convencido de que uma boa solução seria a do crime punível com pena superior a três anos, como, de resto, o PRD propõe. Tal pena é, aliás, aquela que na nova escala penal se aproxima da ideia de pena maior.

Penso que devemos também introduzir alguma alteração no que toca à fase do processo a partir da qual a Assembleia da República deve decidir se o deputado será ou não suspenso. Há neste aspecto duas lógicas: a lógica da constituição de arguido ou a do despacho de pronúncia. São, porém, coisas diferentes. Na vigência do anterior Código de Processo Penal o problema não se colocava porque essas lógicas coincidiam. Neste momento elas são separáveis. Por isso pergunto: o que é que deve predominar? É o despacho de pronúncia ou equivalente, que, de resto, quase já não existe?

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado Costa Andrade, julgo que a melhor solução é a Assembleia da República ser só chamada a deliberar para autorizar a suspensão de um deputado naquele estádio que se possa considerar como o mais sólido em termos de arguição em processo penal.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Era para aí que me encaminhava, Sr. Deputado.

A questão está em saber se deve ser no momento da constituição de arguido ou, pelo contrário - e uma vez que agora há um desfasamento entre os dois momentos -, no momento da marcação da decisão de submeter uma pessoa ou um arguido a julgamento. As duas lógicas são possíveis, mas parece-me que deve prevalecer esta, ou seja, a ideia de que só deve ser quando o processo penal atinge aquela fase em que a colectividade, através dos tribunais, chama solenemente uma pessoa à responsabilidade mediante um julgamento. Há, pois, uma alteração qualitativa, pelo que só a partir daí se deve colocar a questão. E digo isto porque até essa altura o processo pode ainda ser arquivado por qualquer outra razão. Julgo, pois, que não seria curial a Assembleia da República recusar ou conceder autorização para submeter a julgamento um deputado cujo processo, entretanto, pudesse vir a ser arquivado definitivamente.

No entanto, confesso que não tenho uma ideia muito clara sobre esta questão. Devemos, pois, "florestar" um pouco nestas questões, e quando decidirmos uma resolveremos todas as outras.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Seiça Neves.

O Sr. Seiça Neves (ID): - Também entendo que isto é mais uma questão adjectiva do que substantiva. Porém, se o animus deste preceito da Constituição é muito mais do que a defesa do deputado, ou seja, tem também em vista a defesa do prestígio da instituição parlamentar, a reflexão que fiz na minha primeira intervenção era para evitar...

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O Sr. Costa Andrade (PSD): - Mas acontece que a Assembleia da República poderia ser chamada a decidir sobre a suspensão ou não do exercício de funções do deputado, mas o normal decurso do processo conduzir ao seu arquivamento antes de deduzida a acusação.

O Sr. Seiça Neves (ID): - Exacto, Sr. Deputado. No entanto, pode dar-se a situação inversa, isto é, haver um deputado já constituído na qualidade de arguido, inclusivamente caucionado, mas continuar a desempenhar em pleno as suas funções parlamentares. São duas situações que é preciso contemplar e prevenir.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, devo dizer que não concordo com a interpretação de que esta norma seja construída na óptica do prestígio da Assembleia da República, ou até de uma preocupação de este órgão não ter no activo deputados sobre os quais recaia uma suspeição muito forte. De facto, a lógica do preceito é a inversa, ou seja, tem-se em conta antes do mais a protecção do deputado individualmente considerado, bem como o facto de se considerar que a condição de deputado deve ser mantida no tempo tanto quando possível e ter por limite apenas a situação que não obstrua o livre curso da justiça. Portanto, nesse ponto o prestígio da Assembleia não existe como valor que sobreleve do valor da liberdade individual do deputado, da prevalência das imunidades e, consequentemente, do facto de a suspensão ter um carácter excepcional, apenas justificada por um outro valor constitucional a que se reconhece prevalência num caso concreto, que é o da não obstrução da justiça e do seu livre exercício.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quis a desfortuna da condição parlamentar que tivesse integrado uma comissão de inquérito em que se aflorou de sobremaneira o problema das imunidades. E igual acaso nefasto faz com que tivesse tido a oportunidade de ponderar umas quantas vertentes de uma questão sobre a qual muito está por equacionar ainda, sobretudo no plano regimental, no nosso país. Suponho mesmo que é escassa, entre nós, a produção doutrinária ou até teórica à volta do problema, tendo surgido, porém, uma peça, em meados talvez de 1984, produzida pelo Sr. Deputado Vilhena de Carvalho, que constituiu uma primeira pedra de um edifício que bem importaria que todos nós ajudássemos a erguer com maior escorreiteza.

Na verdade, levanta-se, por exemplo, a dúvida sobre se a óptica dos artigos 159.°, 160.° e outros similares tem a ver com o prestígio da instituição parlamentar, e, portanto, prevalecentemente com uma observação publicística, ou se, pelo contrário, releva do entendimento da situação de deputado uti singuli e dos seus efectivos direitos, prerrogativas e deveres.

A interpretação que o Sr. Deputado António Vitorino acaba agora de dar não tem sido pacífica. Suponho, até, que há várias linhas de entendimento oposto.

Creio ser possível defender uma concepção que cruze elementos de ambas as águas e que, prudentemente, sem deixar de ter em vista a importância da defesa do prestígio do Parlamento, não deixe também de considerar o deputado, enquanto tal, quando sujeito a procedimentos de natureza criminal ou afins.

Fala-se, com pertinência, num princípio designado por in dúbio pró deputado, como estando obviamente vertido na regra das imunidades. Deste ponto de vista acompanho o Sr. Deputado António Vitorino. Creio que ressalvadas situações em que estejam já processualmente consumadas umas quantas fases que levem à solidez do movimento judiciário em curso, se não deverá propender para a facilitação da disponibilização do deputado a qualquer foro, sob pena de, por essa via, incorrermos numa degradação progressiva do seu estatuto, que também, do ponto de vista singular, importa ter em conta e robustecer. No entanto, isto também não pode entender-se sem limites.

O que suponho derivar da norma do artigo 160.° não anda longe de uma visão que, salvaguardando a força do estatuto de deputado qua tale e a dimensão individual do mandato, não desmunicia a Assembleia da República como ente colectivo para a todo o tempo poder agir da forma que entender mais escorreita, sem qualquer espécie de prepotência e sem abrir portas à discricionariedade absoluta.

Como eu disse, a questão foi em 1984 ampla e controversamente debatida e o entendimento que hoje faço do relatório do deputado Vilhena de Carvalho é o que acabo de verter.

Uma outra questão paralela tem a ver com a matéria da pena maior, já abordada demoradamente noutras instâncias. Trata-se efectivamente de uma vexata quaestio. E em torno do problema o Sr. Deputado Costa Andrade, que é especialista nesse domínio, pôde já facultar-nos considerações que penso de extrema importância. Assim, talvez a norma proposta pelo PRD seja pelo menos favorecida por uma certa ideia de economia, mas entendo que também não é este o momento para trinchar um problema que terá de ter uma resolução global que depois não deixará de influenciar todas as fórmulas redactivas que viermos a adoptar neste domínio.

Portanto, quanto à questão de fundo a nossa opinião é que terá de se decidir lá atrás e, depois, repercutir nas diferentes normas da Constituição o consenso a que houvermos chegado quanto à definição constitucional do conceito de pena maior.

Quanto à questão processual ou adjectiva entenderia, com muitas reservas e sem que isto envolva mais do que uma mera opinião aproximativa, que só numa fase processual mais avançada e sólida se deveria permitir aquilo que hoje é uma excepção aos n.ºs 2 e 3 do artigo 160.°

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado José Manuel Mendes, V. Exa. suscitou nesta sede a questão da doutrina que tem sido elaborada pela Assembleia da República na interpretação das imunidades parlamentares.

É uma doutrina que tem, apesar de tudo, alguma solidez e configura um determinado caminho e em relação à qual penso que se pode sublinhar dois tipos de questões distintas.

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A primeira questão prende-se com o facto de saber se as imunidades são conferidas a título intuitu personae ou, pelo contrário, em termos de intuitu institutionae. Será que se trata de um direito ou regalia individual dos deputados ou é apenas uma projecção no foro pessoal de cada deputado de uma característica institucional do órgão a que pertence, como seja, neste caso, a Assembleia da República?

Penso, de facto, que a resposta tem sido encontrada por parte da Comissão de Regimento e Mandatos num ponto de equilíbrio, apesar de tudo instável entre estas duas vertentes. Não há imunidades parlamentares conferidas intuitu institutionae que não tenham obviamente repercussão no foro pessoal de cada deputado. Não faria, aliás, sentido reconhecer abstractamente imunidades que não se traduzissem em regalias para os deputados individualmente considerados, no sentido de poderes-deveres. E digo isto porque as imunidades também conferem especiais responsabilidades a quem delas usufrui. Não é, pois, um estatuto de privilégio tout court.

Ora, é evidente que as imunidades pretendem igualmente salvaguardar não apenas a liberdade indivudual do deputado, mas o prestígio da instituição em que se insere. E nesse sentido o prestígio da instituição é também o que lhe é granjeado pela liberdade de acção dos deputados individualmente considerados. Não creio, pois, que haja contradição entre estas duas vertentes.

Entretanto, o que se tem questionado é saber quais são os limites destas imunidades, tendo em linha de conta a sua razão teleológica. Pergunta-se, de facto, se as imunidades recobrem toda e qualquer conduta do deputado, seja ela adoptada e praticada a que título for, e independentemente das consequências jurídicas de outro tipo que essas condutas, adoptadas a coberto das imunidades, possam também co-envolver?

Ou haverá limites ou usufruto destas imunidades?

Na verdade, trata-se de uma matéria que recentemente apaixonou e agitou a vida parlamentar portuguesa, fruto de uma interpretação leviana do significado das imunidades parlamentares e da sua tradição histórica explicável, segundo penso, mais por falta de cultura política, do que propriamente por qualquer má-fé ou má intenção. No entanto, tem-se entendido, em regra geral, que o prestígio da instituição que justifica a concessão das imunidades parlamentares visa dois objectivos distintos.

Por um lado, tenta-se evitar que um deputado em qualquer acto preparatório de natureza criminal prévio à audiência de julgamento em que esteja constituído na posição de réu seja afectado por situações de enxovalho, de contradita ou até de acusações espúrias, antes que esteja completamente formulada contra ele uma acusação consistente. É aquilo que vários pareceres da Comissão de Regimento e Mandatos têm reafirmado no sentido de se justificar que haja uma protecção especial para os deputados, porque, por força das funções políticas que exercem, estão particularmente expostos no exercício das suas funções. A questão consiste em saber que actos processuais é que poderiam revestir-se de um tal significado que alcançasse e atingisse o prestígio da instituição quando centrados num certo deputado.

Por outro lado, tem argumentado a Comissão de Regimento e Mandatos que a suspensão do mandato dos deputados deve ter características e natureza excepcionais, tendo em vista garantir uma certa estabilidade na composição individual da Assembleia da República. E embora o sistema eleitoral português seja um sistema proporcional, pois as pessoas votam em listas de partidos e não em deputados individualmente considerados, a verdade é que o voto popular determina uma dada composição da Assembleia da República individualmente individualizada e que actos exteriores à vida parlamentar não devem constituir-se, por regra, em factor de alteração daquela composição individualizada que saiu do sufrágio popular.

Nesse sentido, a segunda vertente desta questão leva-me a dizer que só excepcionalmente deve haver lugar à suspensão do mandato dos deputados, em virtude da necessidade de garantir uma certa estabilidade na composição do Parlamento. É forçoso reconhecer que este segundo argumento tem sentido mediatizado e progressivamente relativizado, sobretudo porque a lei e o Regimento consagram fórmulas particularmente flexíveis de suspensão do mandato por iniciativa dos próprios deputados, defraudando por essa via aquilo que era a pretensa estabilidade da composição individualizada da Assembleia da República em função da qual seriam conferidas as imunidades parlamentares. Porém, refiro apenas isto não no sentido de diminuir as imunidades parlamentares, mas de dizer que o vício do sistema está na fórmula flexível de suspensão do mandato de deputado e não propriamente nas garantias e no âmbito das imunidades.

Por isso, a ideia que tenho em relação ao n.° 3 do artigo 160.° é a de saber onde colocar a fasquia que permita que a Assembleia da República tenha de decidir se o deputado deve ou não ser suspenso para efeitos de seguimento do processo. É naturalmente uma fasquia que tem de levar em linha de conta desde logo a gravidade da conduta imputada ao deputado. E digo isto porque a Assembleia da República pode decidir não suspender o mandato do deputado e, consequentemente, por essa via, obviar ao prosseguimento do processo judicial. E fá-lo porque considera que a categoria juscriminal, imputada ao deputado, não é suficientemente gravosa para justificar a suspensão do seu mandato. Regra geral, e há jurisprudência da Comissão de Regimento e Mandatos no sentido de dizer que, quando o processo em causa pode seguir os seus trâmites normais, após o visado cessar o seu mandato de deputado, sem prejuízo dos objectivos de realização material da justiça, a Assembleia não deve suspender o mandato do deputado e deve permitir que ele continue a participar nos trabalhos parlamentares, porque daí não resulta afectado o valor da justiça material, e dá-se prevalência à natureza da continuidade e da estabilidade do exercício do mandato do deputado. Desde logo esta doutrina pressupõe um juízo valorativo do conjunto dos membros da Assembleia acerca da gravidade juscriminal da conduta imputada ao deputado. Esse juízo deve ser colocado apenas naquela fase do processo em que a Assembleia da República possa julgar com suficiente solidez acerca de um quadro acusatório. Parece-me isto relativamente evidente, não apenas na base de suspeições de imputações susceptíveis de serem, inclusivamente, como disse o Sr. Deputado Costa Andrade, arquivadas antes mesmo da formação da acusação, mas apenas numa fase em

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que já haja um quadro acusatório estabilizado que permita à Assembleia da República equacionar todas as consequências da decisão de autorizar ou não a suspensão do mandato.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Seiça Neves.

O Sr. Seiça Neves (ID): - Concordo com uma grande parte da intervenção do Sr. Deputado António Vitorino, mas queria recordar o seguinte: parece-me que no artigo 160.° há duas vertentes perfeitamente distintas, que são a do n.° 1 e a dos n.ºs 2 e 3.

No n.° 1 do artigo 160.° o que se pretende é consagrar legalmente o chamado princípio da irresponsabilidade, isto é, a irresponsabilidade do deputado durante o exercício do seu mandato, e mesmo aí com algumas restrições, porque, se o deputado, no exercício do seu mandato, cometer crimes, como, por exemplo, o de ofensas corporais voluntárias, pode, e deve, ser responsabilizado criminalmente. Este princípio da irresponsabilidade que o n.° 1 contém diz apenas respeito aos votos e opiniões que os deputados emitam no exercício do mandato de deputado da Assembleia da República.

O Sr. António Vitorino (PS): - Acho que é uma leitura perfeitamente redutora do n. ° 1. O exercício das funções não se resume ao hemiciclo da Assembleia da República ou ao edifício da Assembleia. Desculpe contraditá-lo neste ponto, mas parece-me importante.

O Sr. Seiça Neves (ID): - E tanto assim que é no n.° 1 que se fala da responsabilidade civil. Isto é: leva-se a imunidade tão longe que se fala de responsabilidade civil, exactamente por se pretender neste número disciplinar sobretudo a ligação do deputado ao órgão ou instituição a que pertence, isto é, à Assembleia da República.

Os n.ºs 2 e 3 têm uma vertente diferente, que é a do deputado perante a sociedade, perante o quadro social, político, económico e legislativo, que diz respeito não só ao deputado, mas a todo o cidadão português. Estamos, pois, fora do âmbito do n.° 1. Os n.ºs 2 e 3 visam impedir, na minha perspectiva (que, de resto, tem um vasto suporte doutrinal), que outras autoridades se imiscuam na vida, na autonomia e na independência da Assembleia da República, enquanto órgão de soberania, bem como impedir que de alguma maneira, mesmo no exercício da sua actividade fora da Assembleia da República, o deputado seja cerceado, fora dos rigorosos limites das leis criminais. É bom recordar que com a consagração de imunidades não se visa impedir o julgamento do deputado, mas apenas o seu adiamento. É isso imposto em nome da liberdade individual ou do prestígio do deputado? Não, é exactamente o contrário: é em nome do prestígio institucional, em nome da instituição que ele representa. Se assim não fosse, levar-se-ia a imunidade do deputado muitíssimo mais longe. Mas não: isto representa apenas, e na melhor das hipóteses, o adiamento do respectivo julgamento. Além do mais, a prisão do deputado, a sua eventual detenção ou mesmo o seu julgamento não implicam sequer, directa e necessariamente, a perda do mandato. O deputado pode ser preso ou ser julgado, mas não necessariamente perder o mandato, excepto num caso previsto na Constituição ou, então, por faltas - só nesses casos é que perde o mandato. Isto é: não decorre necessariamente da prisão e do julgamento do deputado a perda do seu mandato.

Finalmente, e em face da actual textura do Código de Processo Penal, é bom recordar o seguinte: a constituição da qualidade de arguido - e foi por aí que comecei - tem hoje, em termos cronológicos referenciados ao velho Código de Processo Penal, um efeito semelhante ao do despacho de pronúncia ou equivalente. No domínio do anterior Código de Processo Penal existia o inquérito preliminar, a utilizar ou não pela autoridade policial, e depois o delegado do Ministério Público, apenas com base na prova (que é dúbia e que muita gente pôs em questão em termos de constitucionalidade) produzida nesse inquérito, podia deduzir acusação e promover imediatamente o regime de liberdade em que o réu ficaria a aguardar julgamento. Havia apenas um inquérito, muitas vezes conduzido apenas por autoridades policiais, como a GNR (com o bom português e a cultura que lhe conhecemos!), e era com base nesse inquérito que os promotores do Ministério Público podiam requerer o julgamento, com índices probatórios mínimos. Com o novo Código de Processo Penal, o poder jurisdicional que cabe ao Ministério Público está claramente alargado: pode fazer sessões conjuntas de prova e tem de ouvir o arguido e fazer uma série de diligências até o constituir na posição de arguido. E é por isso que tudo isso tem a sua solenidade processual. É preciso que se anuncie ao arguido quais os seus direitos e deveres e isso tem de ser imediatamente lavrado, por termo, no processo, porque é esse o momento que, nos termos do novo Código de Processo Penal, corresponde ao antigo despacho de pronúncia ou equivalente.

Daí que me pareça que a revisão constitucional não deve deixar de contemplar tal momento processual à luz do actual Código de Processo Penal, isto é, o momento da constituição de arguido. Por outro lado, embora não conste de nenhum dos projectos, ao arrepio do que venho defendendo, seria bom que a Comissão se preocupasse também com a perda do mandato por questões desonrosas, nomeadamente aquelas que dizem respeito à sua punição em termos penais. Se o deputado pode perder o mandato por questões muito menos honrosas, mais fúteis, então depois de condenado por outro órgão de soberania...

O Sr. Presidente: - Estamos a fazer uma excursão muito longa sobre este artigo, que aliás é relativamente compreensível, a exceder a ideia de algumas das alterações propostas, mas de qualquer das maneiras daria a palavra ao Sr. Deputado José Manuel Mendes, porque ma pediu.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Algumas notas apenas, não a título conclusivo - pois talvez o debate se não conclua tão facilmente - mas de indiciação de algumas ilações depois de tudo quanto acabámos de ouvir.

Quanto ao n.° 1 é a irresponsabilidade civil, criminal ou disciplinar dos deputados pelos votos e opiniões emitidos no exercício das suas funções que tem suscitado entendimentos polémicos e frequentemente leituras distorcedoras daquele que é, a nosso ver, o escopo fundamental do preceito. Há pouco fazia-se aqui referên-

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da a realidades recentes. Não por acaso, tive a preocupação transconjunturalizadora ou desconjunturalizadora de me remeter para um trabalho em 1984, na sequência de uma comissão de inquérito, mas talvez valha a pena chamar à colação dados de actualidade. As opiniões expressas pelo deputado, os votos emitidos por um deputado apenas o irresponsabilizam se e quando no Plenário da Assembleia da República ou nas comissões da Assembleia da República ou também quando, por exemplo, num debate realizado no Instituto Superior Técnico?

O Sr. Presidente: - Peço desculpa mas o n.° 1 não está em discussão.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Está, está, vai ver.

O Sr. Presidente: - Chamava a atenção para que o que está em causa são as alterações pontuais aos n.ºs 2 e 3. Para o n.° 1 não há nenhuma proposta de alteração.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Como vai ver, está. Posso continuar?

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Quando por exemplo no Instituto Superior Técnico o deputado participa num debate sobre matéria económica ou qualquer outra e no decurso desse debate profira afirmações que outrem pode considerar lesivas, quid júris? A questão tem vindo a ser debatida e não está resolvida. Tenho o entendimento segundo o qual não há que apertar a malha da norma, bem pelo contrário. A nossa tradição normativa doutrinária e jurisprudencial para aí canaliza forte argumentação mas a verdade é que se suscitaram dúvidas e se defenderam entendimentos que poriam, de uma forma grave, em causa o princípio que se pretende aqui acobertar e ao qual se dá dignidade constitucional.

Embora o n.° 1 não esteja em causa, importa ponderar quais, em relação aos n.ºs 2 e 3, as modificações a introduzir que não permeabilizem interpretações que venham a ser tão desfiguradoras como aquelas que têm vindo a ser feitas em relação ao n.° 1 e que obviamente vão contra a comunidade da opinião pública entendida aqui como a daqueles que se têm debruçado na análise e interpretação do texto legal. As propostas formuladas apenas visam resolver o problema da adaptação da Constituição à nova terminologia e à nova realidade do mundo jurídico penal, quanto à magna questão da pena maior. Adicionalmente, levantaram-se outros problemas, o que entendo ser perfeitamente útil, quando estamos a trabalhar textos com a importância destes.

Quanto à concreta questão da pena maior penso que não vale a pena perdermos muito tempo sobretudo porque está dependente da solução que viermos a adoptar em ponto anterior do articulado constitucional.

Quanto à questão que foi suscitada no debate de saber qual é o momento processual a partir do qual a Assembleia decide se o deputado deve ou não ser suspenso, já poderemos ter alguma necessidade de clarificação. Já se viu que apesar da intervenção que eu próprio fiz, apesar da intervenção do Sr. Deputado António Vitorino e do Sr. Deputado Costa Andrade subsiste polémica e divergência. Tudo continuará a ficar para o intérprete, ulteriormente? Parecer-me-ia mau.

Na minha opinião valerá a pena ainda discutir a seguinte questão: que previlégio estabelecer? O do deputado individualmente considerado (sem contender obviamente com o prestígio da instituição, a todas as luzes necessário, incluindo as do bom senso, que muitas vezes não se escreve nem prescreve normativamente, mas é fundamental) ou dar primazia à defesa do prestígio da instituição, entendida de uma forma abstracta e absoluta brigando com elementares direitos do deputado (tese especialmente grave se isso levar a admitir que ele seja publicamente enxovalhado, alvo de suspeições tristíssimas, desmuniciado e desmotivado na sua própria intervenção)? Este problema é já um problema da interpretação da norma em vigor, mas é um problema em relação ao qual há de facto entendimentos diferenciados, e nós, PCP, gostaríamos de aproveitar o ensejo para revelar disponibilidade para a sua consideração numa fase posterior, quando tivermos que tomar decisões, de qualquer proposta avançada que dê cobertura também a este outro ângulo.

Não sei se o Sr. Deputado Sousa Lara irá intervir a propósito, por exemplo, da identificação do deputado, hoje muito discutida pela conferência de líderes. Há um projecto de lei que deu ontem entrada na Mesa subscrito por deputados de todas as bancadas a propósito da identificação do deputado com emblema. Embora isto pareça perfeitamente secundário, não é, é extremamente importante. Aqui está como a propósito de um artigo que parece tão simples é possível suscitar uma polémica tão interessante. Mais interessante, porém, seria chegar a soluções positivas. É o que desejamos.

Uma pergunta apenas a finalizar e aparentemente ao arrepio do que venho dizendo. E se um deputado é preso preventivamente, perde o mandato por faltas e depois é absolvido, como é que o caso se resolve?

O Sr. Presidente: - Acha que deve ser aqui considerado esse problema?

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Acho que sim. Não estou a ver barreiras ...

O Sr. Presidente: - Aqui ou no estatuto?

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Não. Há um n.° 3 do artigo 160.° que me permite fazer neste momento esta pergunta. À luz do n.° 3 do artigo 160.° e independentemente do Regimento, que também conheço.

É só para dizer que estamos abertos a introduzir aperfeiçoamentos (não recuos!) para além da simples identificação técnico-normativamente escorreita do que seja pena maior.

O Sr. Presidente: - Compreendi perfeitamente a observação de V. Exa. Penso que este assunto está substancial e longamente discutido. As posições são perfeitamente claras, mesmo as de discordância, e daí pensar que não vale a pena prolongar a discussão.

Daria, no entanto, e por me parecer que se trata de matéria nova, a palavra ao Sr. Deputado Sousa Lara.

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O Sr. Sousa Lara (PSD): - Gostaria de levantar aqui uma preocupação cuja solução me parece não estar contemplada nem no actual texto constitucional nem nas propostas apresentadas, e que corresponde a uma questão real. Tem a ver com as imunidades dos deputados. Tenho alguma dúvida se esta minha preocupação cai rigorosamente dentro do n.° 2 deste artigo ou dentro do n.° 2, alínea b), do artigo seguinte. A questão é a seguinte: está aqui contemplada a hipótese da detenção ou da prisão, mas não está prevista a hipótese do impedimento de acesso do deputado ao Parlamento, que é uma situação que se pode pôr, por exemplo, em termos de transporte do próprio deputado. Pode parecer um assunto menor e regulamentar, mas não o considero como tal. Já foram deputados vítimas, passe a expressão, de reboques de viaturas ao seu serviço até mesmo por instruções oriundas da própria Assembleia. Penso que, por exemplo, numa situação de greve de transportes o deputado não tem outra maneira de se fazer transportar senão através do seu veículo pessoal e era bom que se pensasse na hipótese de salvaguardar este princípio, que é o de garantir, de alguma forma, o direito de acesso material à sede do Parlamento. Dessa circunstância pode depender uma maioria. Não sei se nesta sede...

O Sr. Presidente: - Provavelmente noutra, Sr. Deputado.

O Sr. Sousa Lara (PSD): - ... em qualquer caso, fica aqui posta a preocupação.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - À volta desta questão poderia aqui gastar bem meia hora, não o vou fazer, porque apesar de tudo há outras coisas para discutir.

A questão é obviamente do foro da conferência de líderes e até da administração desta Casa.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado José Manuel Mendes. Penso que em relação a isto estamos entendidos. Passaríamos, então, ao artigo 161.°, para o qual há apenas uma proposta do PRD de aditamento ao artigo de uma alínea é). Ora, ao fim e ao cabo o que é que diz esta alínea? Ela diz que entre os direitos e regalias dos deputados estarão o de "utilizar, nos termos definidos por lei, instalações do Estado ou de pessoa colectiva pública para o contacto com os eleitores do círculo por que foram eleitos". Daria a palavra a quem quisesse, para comentar esta proposta.

Começaríamos, porventura,... não, é melhor não começarmos por nada em concreto. Quem quiser inscreve-se depois. Penso que é melhor assim. Trata-se do artigo 161.° na proposta do PRD, a qual se constitui no acrescentamento da alínea é).

Alguém quer usar da palavra a este propósito?

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, tem sido norma a de que quando não está representado o partido proponente se deve passar à frente.

O Sr. Presidente: - Se V. Exa. assim o entende...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Poderá é conceder-se depois ao partido proponente, quando cá se encontrar um seu representante, a oportunidade de se pronunciar, possibilidade essa permitida por concessão especial da Mesa.

O Sr. Presidente: - Muito bem, Sr. Deputado! Então vamos fazer o mesmo.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - É que, se não for necessário isso, eu gostaria de emitir opinião sobre o que está proposto.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Costa Andrade recordou uma praxe da Comissão.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - É uma praxe da Comissão como outra qualquer, desde que, obviamente, salvaguarde o direito não apenas do PRD, mas também de outros partidos, de emitirem a este propósito opinião quando o PRD estiver presente.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Vamos a ver se nos entendemos quanto à praxe: proposta que não tem presente o seu autor não tem sido defendida nem discutida. A Mesa, por especial deferência, poderá permitir - e sem que qualquer praxe com força vinculativa se oponha, assim como nós não nos opomos - que uma força política não representada no momento em que é discutida uma proposta da sua autoria possa ulteriormente tecer algumas considerações sobre a mesma. Mas isso não é concedido em termos de direito regimental da Comissão, nem sequer em termos de praxe, com eficácia. Os partidos têm solicitado a compreensão da Mesa para isso. A Mesa, normalmente, tem perguntado ao Plenário se não se opõe e só quando voltamos a ser confrontados com a questão é que decidimos.

O Sr. Presidente: - Aliás, acrescentaria também, Sr. Deputado Costa Andrade, em relação a esta matéria, que numa das últimas, ou penso que na antepenúltima reunião, foi colocado o problema da presença do PRD - que se verifica a partir de há, relativamente, pouco tempo - e da apresentação das suas propostas. Foi então conseguido um consenso da Comissão relativamente à forma de intervenção do PRD sobre matérias nas quais não tinha ainda feito apresentação de propostas suas, e que se circunscreviam, pura e simplesmente, a fazer a apresentação da proposta sem intervenção, ou melhor, sem discussão em matérias que fossem objecto de outras propostas de outros partidos. Foi este o consenso a que se chegou.

Portanto, em relação ao artigo 161.°, se VV. Exa. ai estão de acordo - e se o PS também está de acordo -, vamos passar adiante, e vamos passar ao artigo 162.°, que tem, este sim, uma proposta do PCP, da qual consta o acrescentamento de uma alínea. É a alínea d), que nos deveres dos deputados inclui o dever de "informar os cidadãos regular e directamente sobre o exercício do mandato e dar seguimento, quando fundamentadas, às reclamações, queixas e representações que lhes sejam dirigidas".

Dou a palavra ao PCP para fazer a apresentação da sua proposta.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

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O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, decorre, naturalmente, da proposta que acabou de ler, da autoria do PCP, uma preocupação com a vertente dos deveres do deputado, na sua ligação aos eleitores e, portanto, nessa incindível ligação com o país real que exige actos jurídicos concretos, e não apenas a titularidade passiva e residual de uma qualquer vaga informação mais ou menos regular.

Nós sabemos que o que aí propomos pressupõe, de alguma forma, o melhoramento das condições de trabalho de todos os deputados. Mas entendemos que sem se caminhar para aí não se aperfeiçoará minimamente o regime democrático, nem o próprio estatuto do parlamentar, enquanto tal considerado. A esta luz o que vem proposto pelo PRD para o artigo anterior, e que, portanto, não vamos discutir, afigura-se-nos compatível e até desejável. Filia-se num modelo segundo o qual, tal como hoje já a lei prevê, deve haver disponibilização, nos círculos, de espaços para o contacto entre o deputado e o eleitor, e também outras formas de apoio ao exercício da função parlamentar.

A alínea d) que nós propomos interfere directamente com esta vinculação do deputado ao povo, e menos com aquilo que é o conjunto das suas obrigações no interior da Assembleia da República. A constitucionalização de uma norma deste tipo enriquece significativamente o perfil constitucional do que deve ser a função do deputado. E, pela nossa parte, sendo tão óbvio o que pretendemos, apenas desejaríamos verificar a anuência pronta e irrestrita dos restantes grupos parlamentares.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Esta proposta do PCP, se bem que claramente bem intencionada, levanta-nos algumas inquietações, mais do ponto de vista técnico-jurídico do que do ponto de vista do tipo de dever que pretende consagrar.

É óbvio que há um certo dever de os deputados informarem os cidadãos sobre o exercício do seu mandato. Esse dever é um dever co-natural à natureza do mandato que exercem, mas é importante, do ponto de vista até de um certo rigor técnico-jurídico de inserção do conjunto dos deveres fundamentais dos deputados na Constituição, ver o que deve figurar na Constituição e o que deve ser excluído.

O conjunto de deveres que figuram no texto actual são deveres de contornos concretos, claramente definidos, de certo modo mais claramente controláveis do que aquele que se vem inserir na alínea d). De facto, quando o PCP propõe que a alínea d) prescreva "informar os cidadãos regular e directamente sobre o exercício do mandato" está mais a consagrar uma espécie de obrigação moral-política por parte do Poder, e neste caso por parte dos deputados, do que, propriamente, a assinalar um certo dever jurídico de exercício de determinada componente do mandato. Portanto, parece-me que há aqui um desvio ao teor técnico e à carga técnica dos outros deveres que refere o artigo 162.°

Por outro lado, não sei se, do ponto de vista de uma certa interpretação genérica deste dever de informar, não haverá o efeito perverso de interpretar isto como um dever que, de certo modo, sonega a natureza livre do mandato do deputado. Nós sabemos que há outras disposições constitucionais que claramente apontam para o princípio do mandato livre. Isso não será aqui - ao sentir o PCP a necessidade de expressar de modo evidente este dever de informação dos cidadão - uma constrição desse sentido livre do mandato?

Mas estas observações são menos importantes em relação a uma segunda que pretendemos deixar aqui clara, no que diz respeito à segunda parte da mesma alínea d), quando se diz "dar seguimento, quando fundamentadas, às reclamações, queixas e representações que lhes sejam dirigidas". Há aqui, no nosso entender, um certo menosprezo pelo próprio mecanismo e processamento do direito de petição, reclamação ou queixa. De facto, são direitos de reclamação, petição ou queixa, sabendo-se que o direito de petição é, também, um direito consagrado na Constituição com uma definição e uma textura concreta e definida. Dirige-se, também, do ponto de vista da Constituição, a entidades concretas, a órgãos de poder definidos, a sujeitos próprios, não aos deputados como componentes da Assembleia da República. Isto é, há reclamações, queixas ou petições que são dirigidas à Assembleia da República - aliás, sabemos que é até a 1.ª Comissão o lugar da discussão dessas petições; não há, do ponto de vista da textura deste tipo de direito, um processamento em que um cidadão individual, ou -um grupo de cidadãos, se dirija a este ou àquele deputado. O que nos parece aqui é que, do ponto de vista da alínea d), se cria uma espécie de distorção à legitimidade da entidade a quem as pessoas se devem dirigir para exercer o direito de petição, isto é, o deputado não é a entidade legítima para receber esse tipo de solicitações. A entidade legítima é a Assembleia da República, enquanto tal, e, nesse sentido, o PSD entende que seriam de manter as três alíneas tal como estão, obviamente em conjunção com outro tipo de deveres que a Constituição consagra com algumas explicitações desses deveres também regimentalmente registadas, e que deixássemos, portanto, a alínea d), pelo menos, no teor e com a redacção que o PCP acaba por lhe imprimir.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Almeida Santos.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - A seguir estava inscrito para usar da palavra o Sr. Deputado Seiça Neves e depois o Sr. Deputado António Vitorino.

Tem a palavra o Sr. Deputado Seiça Neves.

O Sr. Seiça Neves (ID): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Comparando com a enumeração dos direitos e dos poderes dos deputados, a enumeração dos seus deveres é escassa. Daí que todo o esforço que se faça, no sentido político e no sentido jurídico, para complementar a enumeração, tanto quanto possível taxativa, dos deveres dos deputados seja de aplaudir e apoiar.

Por outro lado, o Prof. Manuel de Andrade falava de direitos difusos, isto é, direitos que, no fundo, poderiam ou não ser exercidos, como falava de poderes difusos a propósito dos poderes-deveres. Digamos que os deveres dos deputados já são em si mesmos difusos, pois não têm contrapartida nenhuma. Não há nenhum ónus de responsabilidade na sua enumeração taxativa, pelo menos no que diz respeito ao artigo em discussão. Digamos que estes deveres são deveres gerais de desempenho do mandato (não passará muito disso).

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É evidente também que a toda a estrutura parlamentar portuguesa assiste o perfeito cumprimento da dicotomia deputado-cidadão, e a forma de estabelecer tal contacto deve ser a mais alargada e a mais pacífica possível.

Daí que, sendo o novo dever que o PCP propõe um dever difuso, um dever que eticamente enriquece o texto constitucional, não veja nenhuma reserva à sua inclusão. Pelo contrário, penso que é de incluir.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Apenas muito rapidamente para dizer que, enfim, nós não temos objecções às ideias que estão contidas nesta proposta do PCP, embora ela seja também um pouco tributária daquilo que o meu colega Almeida Santos já designou como a concepção da "Constituição tipo bengaleiro", onde tudo é susceptível de ser pendurado. O que se pode questionar é a dignidade constitucional deste dever, na medida em que, naturalmente, sempre se deve entender que faz parte da própria natureza do mandato, e da existência da lógica de representação, que a democracia representativa pressupõe. A necessidade de "informar os cidadãos sobre o exercício do mandato e dar seguimento às suas pretensões", isto é, a "reclamações, queixas e representações que lhe sejam dirigidas", são, naturalmente, factos normais da vida de qualquer deputado. O paralelismo com as reclamações, queixas e representações dirigidas à Assembleia da República pode prestar-se a confusões. A eficácia mais relevante é a de as reclamações, queixas e representações deverem ser dirigidas à Assembleia da República, enquanto órgão de soberania, e o que constitui o dever dos deputados é dar sequência - enquanto membros do órgão de soberania - às reclamações, queixas e representações dirigidas ao órgão de soberania propriamente dito. Todas as reclamações, queixas e representações individualmente dirigidas ao deputado inserem-se na forma de exercício do seu mandato, e nesse sentido já se deve entender como consumido pela própria natureza do mandato. Portanto, é uma benfeitoria sumptuária a que o PCP pretende para utilizar uma qualificação já clássica.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tenho mais inscrições, pelo que tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, talvez V. Exa. devesse deixar intervir primeiro o Sr. Deputado Costa Andrade, reservando-me eu para o final, a fim de dar uma opinião global sobre as interpretações produzidas.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade, se assim prefere.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, a nossa posição já foi expressa. Por princípio, opomo-nos a um aditamento nesta matéria, pelas razões que foram abundante e suficientemente expostas pela minha colega Maria da Assunção Esteves. Penso que "informar os cidadãos regular e directamente sobre o exercício do mandato e dar seguimento", etc., faz parte das regras deontológicas de qualquer deputado. São deveres do deputado. São deveres do deputado, deveres cuja sanção e cuja estrutura residem na sua relação com o eleitorado. É evidente que o deputado deve fazer isto e muito mais: deve exercer um bom mandato, tal como o Governo deve governar bem. Portanto, "informar os cidadãos regular e directamente sobre o exercício do mandato" consiste na própria natureza do exercício da representação. O deputado, sendo um representante dos cidadãos, deve não só "informar os cidadãos regular e directamente", mas também informá-los indirectamente, por todos os meios possíveis e imaginários. Não me limitaria apenas ao "directamente", mas diria até "directa ou indirectamente, por todos os meios".

Há é uma sanção a ter em conta, que é a sanção política. Não podemos trazer para aqui o código moral do deputado, nem uma espécie de código ou "guia do escuteiro mirim", com todos os deveres que, enfim, o escuteiro deve praticar. De resto, os deveres da proposta do PCP são diferentes dos que constam das outras alíneas do artigo 162.°, que são deveres estritamente funcionais, ligados directamente ao exercício quase físico da própria função. O dever previsto na proposta do PCP é um dever que releva da qualidade de representantes do eleitorado, em relação ao qual o deputado deve ser digno do seu mandato - e, se o não for, penso que a Constituição não deve ser o guarda-nocturno ou a boa ou má consciência de um deputado. As sanções políticas consistem nisso: quem exercer bem o seu mandato, tudo bem; quem o exercer mal será, naturalmente, sancionado. Creio que todos estamos de acordo com uma norma deste tipo, mas pensamos que a Constituição não é a sede adequada para ela.

O Sr. Presidente: - Já agora, que o Sr. Deputado José Manuel Mendes vai usar da palavra em último lugar para fazer o resumo, eu gostaria também de dar a minha impressão sobre o tema.

Não ouvi a discussão na íntegra, mas parece-me que "informar os cidadãos" pareceria significar informar todos os cidadãos, o que pode não se justificar nalguns casos concretos, mas apenas e talvez os interessados.

"Directamente." Se for através dos jornais, através da rádio, etc., é directo ou indirecto?

"O exercício do mandato." O que é que se quer dizer com isto? É o exercício do seu mandato, ou a maneira de como a Assembleia se ocupa dos assuntos em que são interessados determinados cidadãos?

"Dar seguimento, quando fundamentadas." O que é que é e não é fundamentado?

"E que lhes sejam dirigidas." Só as que lhes são dirigidas pessoalmente ou as que sejam dirigidas à própria Assembleia, mas que, por acaso, se referem ao subcírculo ou a um assunto em que ele esteja particularmente interessado?

Resumindo: a ideia básica parece-me boa. Não está em causa discutir os valores que estão aqui consagrados. A consagração disto não me merece nenhuma espécie de reserva, só que não sei se terá dignidade constitucional.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

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O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Estava a ouvir o Sr. Deputado Costa Andrade e a lembrar-me de saborosíssimas páginas de Eça de Queirós a propósito da "Câmara bem barbeada", e a partir daí a concluir que, efectivamente, por este tipo de lógica e de argumentação nada, mas absolutamente nada, é passível de dignidade constitucional. Posso, como poderá qualquer pessoa com o mínimo de verbo e de disponibilização para produção de um discurso lógico e coerente, apocaliptizar o quadro de todas as normas e derrubar toda e qualquer boa ideia normativa com um canhão de caricaturas. Isso seria, evidentemente, possível a propósito de cada uma das intervenções do PSD. Só que não quero ir por aí, porque entendo que não é sério, no sentido evidentemente intelectual e de consideração dos problemas que estão em causa.

O que nós aqui pretendemos é fácil de ver. Queremos acrescentar às três alíneas do artigo 162.° que enumeram uns quantos de entre os deveres dos deputados uma outra que aponte não num sentido da sua vinculação imediata e directa às tarefas de todos os dias na Assembleia da República, mas para ligação com o universo dos eleitores, com os cidadãos que são, ao cabo e ao resto, a ultima rã tio da sua presença nesta Casa.

Isto é o que pretendemos. Se conseguimos dar, de um ponto de vista da redacção técnico-normativa, a melhor solução ou não, é outra questão. Independentemente das melhorias que se possam introduzir, não há aqui nenhuma tentativa de perversão, nem de sonegação da natureza livre do mandato do deputado. Entendemos que o mandato do deputado é tanto mais livre quanto mais directa e pertinencialmente se ligar aos interesses populares e ao mundo dos problemas comuns. Não há aqui nenhuma tentativa de constrição do que quer que seja, bem pelo contrário, e muito menos de menosprezo pelo mecanismo das petições e outros. É que o mecanismo das petições, e tudo o que lhe respeita, está na Constituição no lugar sistemático próprio, com a natureza, com a dignidade e com as decorrências que lhe são próprias. Aqui, considerando o deputado enquanto tal, apenas pretendemos consagrar o dever de informação aos cidadãos eleitores. Devemos aperfeiçoar, naturalmente, a redacção e para além deste dever de informação encontrar um canal de saída e de responsabilização por via constitucional para um problema que a todos nos afecta quotidianamente.

Há as petições, de um ponto de vista técnico como tal consideradas, que chegam à Assembleia da República e vão parar às Comissões. Há as reclamações, as queixas, as cartas dirigidas ao Sr. Presidente da Assembleia da República e tudo isso tem saída; já hoje está, naturalmente, contido nas normas constitucionais e regimentais. Mas há uma outra coisa que são as cartas individualmente dirigidas ao deputado pelo eleitor do seu círculo, pelo cidadão lá da terra, ou não, em função do qual chegou à Assembleia da República e que nós, PCP, entendemos não deve despiciendizar. Essas cartas, essas reclamações, devem merecer de todo o deputado, na nossa óptica, um extremo interesse. E a partir desta realidade pensámos em qualquer coisa que pudesse, na Constituição, sinalizar um acréscimo nos deveres do deputado no exercício das suas funções.

É verdade ou não que todos nós temos recebido representações, aqui na Assembleia da República, a nós dirigidas enquanto deputados? Dir-me-ão que já hoje

há muitas vias para dar seguimento a essas representações. Assume-as o grupo parlamentar, enquanto tal, e faz uma intervenção, um projecto de lei. Assume-as o grupo parlamentar ou o deputado se quiser e faz um requerimento ao Governo. Mas o que aqui se consagra é, de certa forma, um dever de realização, de aumento da eficácia e também da ligação aos interesses populares mais gerais.

Eis o que pretendemos, sem nenhuma espécie de mistificação. Repito: a norma que ensejamos é passível de benfeitorias de toda a ordem, incluindo as benfeitorias técnicas. O que desejaríamos é que, para além das intervenções produzidas e das intenções demonstradas, fosse possível considerarmos redacções alternativas. De alguma forma deixo este desafio.

O Sr. Presidente: - Devo dizer que a actual redacção do artigo 162.° absolve os proponentes do facto de a proposta poder não ter dignidade constitucional, porque este artigo diz "que os deputados têm como dever comparecer às reuniões". Isto é uma coisa verdadeiramente espantosa. "Desempenhar os cargos, participar nas votações", quer dizer, o próprio artigo consagra deveres tão elementares que outro igualmente elementar tem perfeita legitimidade no quadro deste artigo. Só que o que talvez se pudesse questionar é se, dizendo a Constituição que constituem deveres dos deputados estes três, pode haver mais algum. Claro que pode, mas em boa técnica jurídica parece que serão estes e mais nenhuns. Talvez devêssemos pôr aqui uma alínea dizendo "e os demais inerentes ao normal e zeloso exercício do seu cargo". Se quisermos pôr "nomeadamente" também não faz sentido, porque quanto às petições temos lá adiante um artigo. Este artigo é todo ele bem pouco significativo. Na passada, por vezes, deixamos ficar o que está, mas "participar nas votações", "comparecer às reuniões", carece de sentido. Como é? Um deputado poderia não comparecer? Não deputar? Não votar? Só estes três ínfimos deveres, e que são obviamente decorrentes da definição ou da natureza do cargo, não é grande a dignidade constitucional do preceito!

Os mais versados em matéria regimental podiam ir pensando numa redacção que desse um pouco mais de dignidade a todo o artigo.

O Sr. António Vitorino (PS): - O problema é o das sanções. Tem de se ver qual é o fundamento constitucional para poder estabelecer sanções. Se estes deveres não tiverem assento constitucional, por exemplo, o dever de comparecer nas reuniões do Plenário, poderá a lei ordinária estabelecer sanções de perda do mandato no caso de não comparência às reuniões?

O Sr. Presidente: - Costumo estar de acordo consigo mas, se assim é, são estes os únicos sancionáveis?

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - É capaz de não haver muito mais, Sr. Presidente. Ia dizer exactamente o que o Sr. Deputado António Vitorino disse...

O Sr. Presidente: - Então por que é que não fazemos uma norma remissiva para a lei e assim cobrimos a constitucionalização dos deveres? É que isto é esquisito, são estes os únicos sancionáveis? Para além deles um deputado pode fazer o que quiser?

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O Sr. António Vitorino (PS): - O deputado, por exemplo, não pode recusar-se a participar numa votação, ao contrário do que aconteceu ontem no Plenário da Assembleia da República.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - A propósito da votação dos fumadores.

O Sr. Presidente: - Participar na votação se estiver presente, mas como ele pode não estar presente, pode dar uma volta pelo corredor!

O Sr. António Vitorino (PS): - É que ele na Sala disse que não queria votar. Isso é que não é possível, é contra a Constituição.

O Sr. Presidente: - Não há dúvida de que me recuso a aceitar que sejam os únicos sancionáveis!

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Isso é uma questão de lana-caprina.

Sr. Presidente, nós estamos abertos à reconsideração...

O Sr. Presidente: - Se acham que não é possível benfeitorizar o texto actual, pois que fique como está!...

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - ... de todo o artigo e asseguro que não é nossa intenção vir propor que é dever dos deputados usar gravata. Agora é realmente desejável considerar tudo isto, não apenas na vertente que aí está, mas noutras.

O Sr. Presidente: - Até porque são os Srs. Deputados do PCP que menos a usam!...

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Não tenho nada contra a boa gravata!

Risos.

O Sr. Presidente: - Eu tenho, se for Verão e na praia.

Risos.

Vamos passar ao artigo 164.° Temos aqui um belo entretém. O CDS, na alínea d), comete à Assembleia fazer leis sobre a sua competência reservada absoluta e relativa e sobre as leis de bases. E disse. Tudo o resto passaria a ser competência do Governo. O PCP coloca-se na posição inversa. Reforça a competência da Assembleia, e de algum modo também o PS faz o mesmo, ainda que reduzindo em menor grau a competência legislativa do Governo. O CDS substitui ainda a expressão "tratados" por "convenções", o mesmo fazendo o PCP e o PS, por forma a que a expressão abranja quer os acordos, quer os tratados.

O PCP elimina a referência ao estatuto do território de Macau, por uma razão sistemática. Propõe uma nova alínea g,), que dizia "aprovar as grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional", o que também faz a ID. Este assunto já está na Lei de Defesa Nacional; seria apenas a constitucionalizacão do que já existe na lei. Quanto às convenções introduz a mesma alteração. Diz ainda que "compete à Assembleia

da República autorizar, sempre por tempo determinado, o estacionamento de forças militares ou instalações militares estrangeiras em território nacional, bem como o estacionamento ou intervenção de forças militares portuguesas fora do território nacional, salvo em manobras no âmbito de tratados internacionais". É um dispositivo novo. Autorizar o licenciamento de estações emissoras nos casos constitucionalmente admitidos. Autorizar a criação do instituto de serviços ou fundo autónomos. No n.° 3 diz que "carecem de aprovação por maioria de dois terços dos deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta em efectividade de funções, as deliberações da Assembleia sobre aprovação de convenções e autorização da guerra e da paz".

O PS refere as leis paraconstitucionais. Diz também aprovar "as leis das grandes opções dos planos e o Orçamento" em vez de "a lei do plano e o Orçamento", em decorrência das alterações que propõe em sede de plano. Quanto à alínea h) também substitui por "convenções" a actual expressão, pela razão que já mencionei.

A ID tem duas novas alíneas h) e i): "aprovar as grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional", pelas razões explicadas atrás, e "aprovar as leis de programação militar". Diz ainda, em nova alínea, "autorizar a implantação de instalações nucleares em território nacional", o que é uma forma mais reduzida de retomar algo que consta da alínea a) do n.° 2 da proposta do PCP.

O PRD na alínea h') diz: "autorizar as outras modalidades da dívida pública que não seja flutuante, incluindo a dos fundos e serviços autónomos da Segurança Social e das empresas do sector público cujas receitas correntes provenham em mais de metade do orçamento, definindo as respectivas condições gerais". Também quanto às convenções, fala em "convenções" em vez de "tratados", mas refere "aquelas que contendam com normas emitidas no exercício dessa competência ou as exijam para a sua execução". Inclui também uma referência à utilização de instalações situada em território nacional e ainda a "tomar a iniciativa da realização do referendo político".

O conjunto de deputados da Madeira, do PSD, mais uma vez quer que se diga parlamentos das regiões autónomas em vez de assembleias regionais.

O CDS não está para justificar a sua proposta, pedia ao PCP que o fizesse. O Sr. Deputado António Vitorino justificaria a do PS.

Peço desculpa, esqueci-me de referir que, neste caso, não é apenas uma mudança de nomenclatura, é a atribuição à Assembleia da República de competência para "autorizar os parlamentos das regiões autónomas a legislarem no uso dessas autorizações". É talvez o sentido mais válido da alteração. Esqueci-me de a referir porque, noutros lugares, é só, efectivamente, a mudança de assembleias regionais por parlamentos. Também haveria autorizações para os governos regionais.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.

O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Uma curtíssima intervenção para tornar claro que, para além do que foi já dito em síntese pelo Sr. Presidente, a intenção do PCP é assegurar que a Assembleia detenha especiais e particulares responsabilidades num conjunto vasto de matérias que se situam em esferas da defesa

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nacional, das forças armadas, das convenções e tratados internacionais e outros domínios de importância e dignidade fundamentais, enumerados nas sucessivas alíneas do nosso projecto.

Trata-se, na nossa óptica, não de uma hiperbolização do elenco de poderes da Assembleia da República, mas de um enriquecimento que entendemos de momento ser essencial para um aperfeiçoamento do regime e para evitar fenómenos de indesejável governamentalização hoje bem visíveis.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - A apresentação está feita por V. Exa. As leis paraconstitucionais é matéria que poderemos discutir, preferencialmente, no artigo 166.°-A. Também deslocámos, sistematicamente, a competência para aprovação do estatuto do território de Macau, que consta da actual alínea c), para o artigo 296.° da Constituição. Na alínea h) passámos a clarificar, em coerência com o que fizemos anteriormente, que a Assembleia da República tem competência para aprovar convenções internacionais e não apenas tratados que versem matéria da sua competência legislativa reservada, o que significa que todas as convenções internacionais, sejam elas tratados, sejam acordos sobre forma simplificada, que versem matéria da competência legislativa reservada têm de ser objecto de aprovação pela Assembleia da República. É uma maneira de não defraudar a reserva de competência legislativa da Assembleia da República, que vigoraria na ordem interna sob a forma de acto legislativo, mas que poderia ser defraudada no plano da ordem externa através de uma opção governamental de celebrar as convenções internacionais não sob a forma de tratado solene, mas sob a forma de acordo simplificado. Todas as convenções sobre aquelas matérias terão de passar a ser aprovadas pela Assembleia da República. Esse é, aliás, o sentido útil da norma constitucional já hoje em dia. Também já foi referido que na alínea f) em vez de falarmos da Lei do Plano e do Orçamento, passamos a falar das leis e das grandes opções dos planos e o Orçamento do Estado para tornar conforme com as alterações que introduzimos ao artigo do Plano, no respectivo sítio.

O Sr. Presidente: - Quer o Sr. Deputado Seiça Neves justificar a proposta da ID?

O Sr. Seiça Neves (ID): - Uma brevíssima intervenção só para salientar o seguinte: o artigo 164.° define as competências legislativa e política da Assembleia da República, na primeira parte a competência legislativa, na segunda, a competência política. Parece-nos que é fundamental esta distinção, porque os actos de competência política, mesmo quando revestem forma de lei, são da exclusiva competência da Assembleia da República, sendo mesmo insusceptíveis de delegação de poderes.

Quanto às propostas de alteração que fazemos, a alínea h) -"aprovar as grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional" -, como muito bem disse o Sr. Presidente, já consta da Lei de Defesa Nacional e está articulada com o que dispõe a alínea n) do artigo 167.° do texto constitucional.

Quanto à autorização da implantação de instalações nucleares em Portugal, este é um assunto que está na ordem do dia e que tem toda a dignidade constitucional na nossa perspectiva. São conhecidos os esforços que se têm feito no sentido de desnuclearizar o Mundo e de evitar a instalação de armamento nuclear nos vários países que o compõem. E o direito comparado ensina-nos que a maioria dos países, nomeadamente da Europa, exigem hoje que seja da competência exclusiva dos respectivos parlamentos a decisão sobre a instalação de armamento nuclear nos respectivos países. Daí que a alínea por nós proposta - a alínea o) - me pareça importante.

O Sr. Presidente: - Não estão presentes nem os proponentes do projecto n.° 10/V, apresentado por um grupo de deputados do PSD, nem o PRD. Mas, como de hábito, não sei se o Sr. Deputado dos Açores quererá, oficiosamente, apresentar esta última proposta ... Antes disso, o Sr. Deputado António Vitorino pretende fazer uma pergunta ao Sr. Deputado Seiça Neves.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado, quando nesta alínea o) se fala em instalações nucleares, trata-se de instalações militares com material nuclear ou de instalações energéticas de produção de energia à base nuclear?

O Sr. Seiça Neves (ID): - Diz naturalmente respeito às instalações militares, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero apenas explicar que a intenção da proposta é a de reforçar os poderes dos órgãos de governo próprios das regiões autónomas, o que, em nossa opinião, confere até maior prestígio à competência da própria Assembleia da República. É por essa razão que se propõe que a Assembleia da República, à semelhança do que acontece com o Governo da República, possa autorizar os governos regionais e as próprias assembleias regionais a legislar. A intenção consiste em permitir que se legisle em matérias de interesse específico das regiões autónomas, sob autorização da Assembleia da República e na área da sua competência reservada. E certamente que mais adiante, a propósito do artigo 229.°, sob a epígrafe "Poderes das regiões autónomas", essa matéria será de novo abordada. Desde já, fica a proposta de que as regiões autónomas possam desenvolver as bases gerais, por exemplo, do sistema de ensino, do sistema de segurança social, do serviço de saúde, do sistema de protecção da Natureza e de equilíbrio ecológico, áreas que, obviamente, assumem nessas mesmas regiões peculiar feição.

É nessa óptica que no projecto n.° 10/V se propõe a alínea e) do artigo 164.°, com a pequena nuance - passe o francesismo - de a expressão "assembleias regionais" passar a "parlamentos", para se destrinçar das assembleias regionais das regiões administrativas continentais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

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O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, pretendia, num brevíssimo comentário, definir a posição do PSD em relação ao artigo 164.° Como se depreende, o PSD entende que o artigo 164.°, tal como se encontra redigido, merece em princípio a nossa inteira concordância, pelo que não propomos quaisquer alterações.

Relativamente às alterações propostas pelas várias forças políticas, sumariarei aquelas com as quais nós poderemos, em princípio, estar de acordo e aquelas com as quais estaremos em completo desacordo.

Quanto às propostas do PCP e do PS, sobre o estatuto do território de Macau, creio que poderemos estar facilmente de acordo com a deslocação desta matéria para o preceito há pouco referido pelo Sr. Deputado António Vitorino.

Quanto à alínea f) proposta pelo PS, que diz respeito às leis das Grandes Opções do Plano e do Orçamento do Estado, penso que essa questão se insere na discussão que travámos acerca do Orçamento do Estado, do Plano e dos planos, sendo certo que esta formulação nos parece um pouco mais próxima daquilo que poderemos admitir como possível nesta matéria.

Quanto à alteração da fórmula "tratados" para "convenções internacionais" - penso que consta de várias propostas -, não nos oporíamos, creio, a esta alteração.

Como é evidente, estamos contra os n.ºs 2 e 3 da proposta apresentada pelo PCP e estamos também em desacordo com algumas das sugestões avançadas pela ID, por razões que subsumirei na crítica que aqui faço relativamente às propostas do PCP.

No que concerne ao n.° 3, não compreendemos a introdução desta fórmula e, designadamente, este apelo à construção de uma maioria especial quanto às matérias aqui referidas e inseridas principalmente neste artigo. Em meu entender, neste preceito não se trata propriamente de definir maiorias em relação a quaisquer matérias que nele venham incluídas.

Por outro lado, relativamente ao n.° 2, que é, digamos, a iniciativa mais substancial de alteração na novidade, consideramos que o estacionamento de forças militares, de instalações militares estrangeiras, e vice-versa, constituem questões que dependem fundamentalmente de convenções ou acordos internacionais, razão pela qual estarão necessariamente subsumidas nessa matéria, nessa disciplina. Assim, não há em nosso entender razão para se autonomizarem aqui, pois não vemos que possa haver estacionamento de forças estrangeiras ou utilização de instalações militares no território nacional ou de instalações militares estrangeiras por forças nacionais, sem que constem de tratados, convenções ou acordos.

Quanto à questão de licenciamento das estações emissoras, repetidamente salientámos tratar-se de matéria de natureza executiva, e não de natureza legislativa. Isso mesmo decorreu da aprovação de normativos que já passaram por este Parlamento há relativamente pouco tempo. Assim, dispensar-nos-ia de fazer uma crítica mais profunda a esta questão, uma vez que entendemos não ser matéria para estar subsumida às competências da Assembleia da República.

Por outro lado, a criação dos institutos, serviços e fundos autónomos diz mais respeito propriamente à elaboração da lei do Orçamento - já há algumas medidas cautelares em relação a isso- e não vemos razão para inserir um novo dispositivo com este conteúdo.

Em relação às propostas da ID para as alíneas h) e O, o Sr. Deputado Almeida Santos já se encarregou de dizer por nós que se trata de matéria já inserida em legislação ordinária, não havendo, a nosso ver, razão para estar repetida a nível constitucional.

Quanto à alínea o), também vemos com dificuldade que esta matéria toda não esteja subsumida em acordos, convenções ou tratados internacionais, pelo que não relevaríamos especialmente e não aceitaríamos a criação de uma alínea especial com este conteúdo por, em nosso entendimento, ser desnecessária.

Por último, não farei referência às leis paraconstitucionais na medida em que serão consideradas em sede própria.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Pretendia apenas pronunciar-me sobre a proposta do PCP em relação a três aspectos. O primeiro refere-se à alínea g), sobre a competência da Assembleia da República para aprovar as grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional. Hoje em dia, a Lei de Defesa Nacional comete a aprovação das grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional ao Governo, pressupondo a Lei de Defesa Nacional a existência de um debate parlamentar sobre a matéria, precedente à aprovação dessas grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional. Estamos em crer que se trata de uma matéria onde o debate parlamentar sobre as grandes opções é suficiente, na medida em que sempre se teria que saber que acto era este, ou seja, se era uma lei que aprovasse as grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional e que consequências técnico-jurídicas é que adviriam da sua aprovação sob a forma de lei. O Governo, tanto quanto me é dado saber, não aprova as grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional por lei nem por decreto-lei, mas sim por resolução do Conselho de Ministros. Como resolução vale, e esta figura não tem conteúdo normativo, mas sim, essencialmente, um conteúdo político. Daí que pondere e que questione sobre as consequências que adviriam da aprovação desta proposta do PCP para a própria relevância do conceito de estratégia de defesa nacional e as suas consequências jurídicas, sob que forma e que consequências jurídicas.

Quanto ao novo n.° 2, o PCP autonomiza, digamos assim, uma função que não é apenas política e que não é legislativa, uma função autorizante da Assembleia da República, recuperando na alínea a) do n.° 2 uma proposta que já tinha apresentado na revisão de 1982 para o artigo 7.°, salvo erro, sobre o estacionamento de forças militares ou de instalações militares estrangeiras em território nacional e acrescentando-lhe a autorização para o licenciamento de estações emissoras e para a criação de institutos, serviços ou fundos autónomos.

Relativamente à alínea a), entendo que se trata de matéria que, preferencialmente, deve caber no âmbito de convenções internacionais. É essa a lógica da existência de forcas militares estrangeiras instaladas em território nacional, ou que por cá passam. Trata-se, regra geral, de matéria que se encontra tratada no âmbito

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dessas convenções internacionais e que, na realidade, vem à Assembleia da República em virtude da competência da Assembleia da República para a aprovação de convenções internacionais em matéria militar. Nesse sentido, creio que o conteúdo útil da proposta está consumido pela norma já hoje constante da Constituição quanto à competência da Assembleia da República para aprovar matérias em convenções internacionais que se relacionam com a participação de Portugal em organizações internacionais e todas as respeitantes a assuntos militares. Assim sendo, repito, esta proposta não tem conteúdo próprio e autónomo.

Quanto à alínea b), é sabido que temos uma solução alternativa e que já foi aqui discutida a propósito dos artigos 38.° e 39.° da Constituição. Entendemos que o licenciamento das estações emissoras de rádio e de televisão deve estar atribuído a uma alta autoridade e não à Assembleia da República, visto o licenciamento ser um acto administrativo e, enquanto acto administrativo, dever estar sujeito ao regime jurídico normal dos actos administrativos. Esta circunstância de competir à Assembleia da República a prática de actos administrativos neste domínio parece-me ser uma revolução excessiva no quadro normativo vigente em Portugal.

Quanto à alínea c), creio que esta norma pode ser dividida em dois grupos: por um lado, os institutos e serviços - presume-se que autónomos, pois "autónomos" refere-se a tudo - e, por outro lado, os fundos autónomos. No que concerne aos fundos autónomos, não é nenhuma inovação, antes pelo contrário, trata-se de uma matéria já contida na aprovação do Orçamento do Estado. Isto é, as regras referentes à elaboração do Orçamento do Estado nos termos do artigo 108.° e a competência da Assembleia da República para aprovar o Orçamento do Estado já consomem o efeito útil desta regra, devendo-se já hoje entender que não existem fundos autónomos fora do Orçamento e que a Assembleia da República tem de aprovar os seus orçamentos.

No que concerne à criação dos institutos e serviços autónomos, creio que o PCP vai longe de mais: espolia o Governo de uma competência que, apesar de tudo, se insere logicamente na acção governativa, na medida em que se trata de uma matéria que se prende não só com a organização do Executivo mas também já com a organização dos serviços dele dependentes. Propenderia para considerar que se trata de uma função excessivamente ampliativa da competência da Assembleia da República porque sempre se deve entender que, se esses institutos e serviços forem criados por acto legislativo do Governo, estão sujeitos à ratificação parlamentar.

Consequentemente, neste contexto, diria que me parece que, quanto às alíneas a) e c) do n.° 2 da proposta do PCP, os respectivos conteúdos úteis já estão consumidos nas fórmulas que a Constituição actualmente consagra e, quanto à alínea b), temos uma solução alternativa que já foi, aliás, objecto da discussão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, em relação às propostas de vários partidos quanto à substituição do termo "tratados" por "convenções", alteração que figura em várias propostas, pretendia expor um dos pontos de reflexão do PSD, porquanto há, de facto, que reflectir sobre esta mudança de termos e sobre a nossa posição relativamente a essa alteração.

Porém, não pretendia propriamente fazer uma intervenção, mas sim uma pergunta de esclarecimento aos autores destas propostas de alteração. Quando na alínea h) se diz "aprova as convenções internacionais que versem sobre matéria da sua competência legislativa reservada", não se distingue entre a reserva de competência absoluta e a reserva de competência relativa da Assembleia da República em matéria de competência legislativa. E a pergunta que eu coloco é a seguinte: não será que a alínea h), ao substituir o termo "tratados" por "convenções" e alargando portanto o leque de intervenção da Assembleia da República em matéria de acordos internacionais, está, no fundo, visto não distinguir e como tal englobar tanto as matérias da reserva de competência absoluta como as da reserva de competência relativa, a congelar o quadro de matérias subtraídas à intervenção do Governo, na medida em que no âmbito das convenções veda a possibilidade aberta pelo artigo 168.° de autorização legislativa ao Governo fora desse âmbito? Quer dizer, enquanto o artigo 168.° admite, no âmbito da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia, uma espécie de torneira que pode ser aberta para efeitos de conferir ao Governo o poder de legislar sobre as matérias que constam dessa elencagem, já a alínea h) é muito mais definitiva nessa delimitação, fechando, nos termos da redacção que contém, as portas às matérias que podem ser objecto de autorização legislativa. Compreendemos que haja a preocupação de, com o termo "convenções", obstar a um conjunto de problemas, nomeadamente a eventuais desvios de competência que, no quadro de acordos internacionais, o Governo possa efectivar, mas também queremos evitar que a alteração do termo provoque um efeito "congelador" no sentido de fechar também aquilo que, em termos normais de definição de competências ao nível da Constituição, é normalmente aberto e que é o sistema do quadro de competências da Assembleia da República no âmbito da reserva relativa de competência.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Compreendo a observação da Sra. Deputada Assunção Esteves. O objectivo desta proposta é, no fundo, uma decorrência lógica da natureza da eficácia jurídica do direito internacional na ordem interna. Considerando como maioritariamente assente a doutrina que reconhece prevalência aos instrumentos de direito internacional sobre as normas de direito interno, segundo o princípio de que a lei posterior derroga a lei anterior, sempre se terá que reconhecer que, com este alargamento da alínea h) do artigo 164.°, se pretende proteger a reserva de competência da Assembleia da República, tendo em vista evitar que aquilo que na ordem interna só pode ser tratado por lei da Assembleia da República ou por decreto-lei do Governo autorizado pela Assembleia da República, seja derrogado por norma de direito internacional constante de acordo sob forma simplificada, aprovado pelo Governo à margem da participação da Assembleia da República. No fundo, trata-se de um

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afloramento do primado legislativo do Parlamento, da Assembleia da República, e simultaneamente de uma norma de protecção das competências da Assembleia da República face a instrumentos de direito internacional aprovados apenas pelo Governo.

A observação que a Sra. Deputada Assunção Esteves fez tem razão de ser porque, no fundo, resume-se a dizer: onde a Assembleia da República, e só ela, pode legislar, nas matérias do artigo 167.°, muito bem; mas já não nas matérias do artigo 168.°, onde, de facto, à Assembleia da República é reconhecido um primado legislativo mas não é consagrada nenhuma reserva absoluta, nenhuma exclusividade, e, antes pelo contrário, sobre essas matérias do artigo 168.° o Governo também pode legislar no plano interno desde que munido da competente autorização legislativa. Não estaremos a defraudar esse mecanismo das autorizações legislativas por via da reserva que se consagra aqui no artigo 164.°, alínea h), ao obrigar a Assembleia da República a aprovar todas as convenções internacionais, e, como tal, também aquelas que abrangem matérias objecto do artigo 168.°, da reserva de competência legislativa? Penso que é uma observação que tem razão de ser, mas que, em meu entender e salvo melhor opinião, não derroga a nossa preocupação; pode, quanto muito, obrigar ao estabelecimento de uma solução aparentemente intermédia, que seria a de o Governo poder aprovar, sob forma de acordo simplificado, convenções internacionais, acordos internacionais sobre matéria do artigo 168.° da Constituição, desde que devidamente autorizado pela Assembleia da República para o efeito. Mas o que é que isto teria como consequência? Teria como consequência que essa autorização não poderia deixar de corresponder às preocupações constantes do artigo 168.° da Constituição, ou seja, a definição do âmbito, do alcance, do sentido e dos limites da autorização legislativa para aprovação dessa convenção. Então, se bem que, aparentemente, estivéssemos a respeitar uma liberdade do Governo, estaríamos, contudo, a criar-lhe uma limitação adicional e um constrangimento, em meu entender, ainda mais burocratizante. De facto, antes de o Governo poder aprovar esse tal acordo sob forma simplificada, teria de vir à Assembleia da República pedir uma lei de autorização legislativa que definisse o âmbito, o alcance, a extensão e os limites do acordo que ele iria aprovar sob a forma simplificada. Não sei se isto não seria complicar excessivamente o sistema; ou seja, não sei se não será, apesar de tudo, mais fácil que o Governo negoceie livremente, no âmbito das suas competências, o acordo internacional, o submeta à votação na Assembleia da República - como tal, mesmo sobre as matérias do artigo 168.° da Constituição - e que a Assembleia da República o aprove no âmbito daquilo que propomos passe a ser consagrado no âmbito do artigo 164.°, alínea h), sob pena de se ter de criar um sistema bastante mais complicado, mediante o qual o Governo poderia aprovar o acordo em toda a sua extensão desde que munido de um instrumento de habilitação prévio e esse instrumento de habilitação prévio, por identidade de razões, não poderia deixar de respeitar os limites do artigo 168.° da Constituição, o que, aparentemente, equivaleria a burocratizar o sistema e a limitar onerosamente a eficácia da acção governativa.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavra iniciais da oradora.)

A realização da pretensão contida na minha pergunta poderia complicar o processamento, mas, de facto, é muito mais harmoniosa com a distribuição do poder legislativo que a Constituição consagra e que ninguém pretende alterar, ao menos na substância. Por isso, seria talvez melhor deixar ficar como está. Na Constituição, claro!

O Sr. António Vitorino (PS): - Eu diria apenas que não estou contra isso. Penso que se pode admitir a solução de consagrar a tese de que os acordos sob forma simplificada sobre matéria da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República podem ser aprovados por decreto do Governo, desde que esse decreto se funde em autorização legislativa, preenchidos os requisitos do artigo 168.° da Constituição. Não me repugna essa solução.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Seiça Neves.

O Sr. Seiça Neves (ID): - Em meu entender, dizer-se que o problema da aprovação das grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional reside no facto de estas constarem já da Lei de Defesa Nacional não é argumento bastante. Trata-se de uma lei ordinária; a única especialidade é o veto, que conhece um regime especial. Se nós esvaziássemos o texto constitucional de todas as matérias que estão disciplinadas e que constam da lei ordinária, ficaríamos provavelmente com uma manta de retalhos.

O Sr. António Vitorino (PS): - Não foi esse o argumento que utilizei.

O Sr. Seiça Neves (ID): - Sr. Deputado António Vitorino, não estou a responder a V. Exa., mas, sim, ao Sr. Deputado Carlos Encarnação, que não está presente.

Em segundo lugar, referiria que, quando propomos que seja da competência da Assembleia da República a autorização da implantação de instalações nucleares em território nacional, não o fazemos no âmbito do regime da reserva absoluta ou relativa de competência. Fazemo-lo, sim, no âmbito da enumeração genérica da competência legislativa e política da Assembleia da República. Por outro lado, o facto de a autorização para a celebração e discussão de tratados ser da competência da Assembleia da República não impede que a questão do nuclear seja abordada à margem dessa competência. Trata-se de uma sofisticação, que é, digamos, do degrau de cima, do armamento militar. Pode haver um tratado que preveja a cooperação militar mas para o qual, dentro dessa cooperação militar, mais tarde seja necessária a cooperação nuclear. Não vejo, pois, razão alguma para, a contrario sensu, se disciplinar dentro desta competência genérica da Assembleia da República a autorização para a implantação de instalações nucleares em território nacional.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As propostas estão apresentadas, mas não houve debate sobre as duas propostas contidas no n.° 3 do projecto do PCP sobre este artigo...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, houve uma tomada de posição da parte do PS e do PSD e só poderá haver debate se VV. Exas. replicarem às tomadas de posição dos dois partidos, que, nos dois casos, foram de sentido negativo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nesse caso, tecerei rápidas considerações.

Primeira consideração: há um problema real nesta matéria e um problema sério quanto àquilo que decorre da alínea i), na redacção proposta pelo PCP. O diálogo entre os Srs. Deputados Assunção Esteves e António Vitorino, nesta matéria e em matérias que com da se conexionam, parece-me do mais alto interesse. Pela nossa parte, a preocupação é apenas a de que não se verifique uma situação de esvaziamento das competências parlamentares, por força das obrigações internacionais do Estado Português e dos poderes governamentais nessa esfera. Creio que aí, sem prejuízo de discussão colectiva ulterior no meu grupo parlamentar sobre algumas das implicações do debate que aqui teve lugar, todos os esforços de aperfeiçoamento são particularmente valiosos. Vivemos, creio eu, urna situação inteiramente anormal e, designadamente, as consequências da adesão à CEE também neste ponto deveriam, em nosso entender, ser ponderadas.

Segundo comentário: o fraco entusiasmo e simpatia suscitados pela proposta do PCP relativa ao alargamento da intervenção da Assembleia da República no que diz respeito à definição do conceito estratégico de defesa nacional carecem de fundamento razoável. Creio que foi o debate da própria Lei de Defesa Nacional e a experiência da aplicação desta lei que conduziram a esta proposta. Não se trata aqui senão de dar um cunho deliberativo àquilo que é um dos mais estranhos debates parlamentares legalmente previstos. O debate que incide sobre as grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional foi uma invenção do processo de aprovação na especialidade da lei em questão. Tratou-se de um reconhecimento de que a margem de intervenção da Assembleia da República deveria ser maior do que aquela que era originariamente prevista na proposta do Governo que dela foi autor. Uma conclusão já teve uma especificação ou aplicação na nossa experiência histórica: a Assembleia da República já teve a ocasião de debater as grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional. Qual é o inconveniente da aprovação pela Assembleia da República das grandes opções do conceito estratégico da defesa nacional? É evidente que o facto de haver uma aprovação parlamentar implica publicidade do acto, implica debate aberto e implica formalização. É evidente que isso não prejudica o facto de haver depois outros instrumentos jurídicos aprovados a nível governamental e até a nível militar, instrumentos esses cujo grau de publicidade será menor e que, em certos casos, estarão sob segredo de Estado. E argumento que seja óbice relevante o da

forma do acto? Através de que forma é que a Assembleia da República pratica a aprovação das Grandes Opções do Plano, por exemplo? Isto é, entende o PS, e em particular o Sr. Deputado António Vitorino, que é aberrante o facto de a Assembleia da República aprovar as Grandes Opções do Plano por lei, como hoje ocorre?

O Sr. António Vitorino (PS): - Eu não disse isso, Sr. Deputado José Magalhães. V. Exa. tem a invulgar qualidade de discretear sobre coisas que não ouviu. Pelo menos, tem de reconhecer que não ouviu a minha intervenção. Disseram-lhe que eu tinha dito...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Deputado António Vitorino, peço desculpa, não cometi inexactidão alguma.

O Sr. António Vitorino (PS): - Eu não disse que era aberrante, não disse que era absurdo... O que perguntei foi, primeiro, se era sob forma de lei, e, em segundo lugar, quais eram as consequências que retiravam, sob o ponto de vista técnico-jurídico, da aprovação das grandes opções do conceito estratégico de defesa nacional sob a forma de lei, designadamente o valor superior dessa lei sobre demais leis, por exemplo, que justificassem o facto de ela ser objecto de aprovação parlamentar e não objecto de aprovação governamental, sob forma de resolução, como actualmente se verifica. Eu fiz perguntas, Sr. Deputado José Magalhães, não fiz afirmações.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado António Vitorino. não tive a felicidade de me fazer entender quanto ao objecto das minhas preocupações, e provavelmente o que esteve errado, se alguma coisa esteve errada, foi a minha formulação, excessivamente inadequada ao clima que VV. Exas. viviam, clima esse que, pelos vistos, era tenso. Não me apercebi disso.

O Sr. Presidente: - Façam nova tentativa.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Em segunda tentativa, e agora já devidamente paramentado, direi que entendemos, quando elaborámos este preceito, que as consequências da aprovação deste instrumento jurídico através de uma lei não eram muito distintas daquelas que decorrem da aprovação por lei das Grandes Opções do Plano. É de harmonia com essa lei que hão-de fazer-se os outros instrumentos jurídicos, designadamente o que define o conceito estratégico nas outras dimensões, em particular aquelas que estão na competência dos outros órgão de soberania envolvidos e da estrutura militar adequada, com todas as implicações.

Claro que a solução ficará um pouco dependente daquilo que viermos a dispor no artigo 115.° da Constituição. Este, das duas, uma, ou leva obras ou não leva obras. Se levar obras, a consequência é uma; se não levar obras, a consequência é outra. Em todo o caso, nunca seria distinta daquela que teria a aprovação por lei das Grandes Opções do Plano.

Dito isto, não perdi a esperança de que o Sr. Deputado António Vitorino venha a revelar, pela forma que entender adequada, quais são os problemas jurídico-

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-constitucionais, políticos ou outros que lhe suscitam estas soluções do PCP e as correspondentes explicações que agora procurei trazer à curiosidade dos circunstantes.

O Sr. António Vitorino (PS): - Acho que a esperança é a última coisa que se deve perder, pelo que aconselhava o Sr. Deputado José Magalhães a não perder também essa esperança.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Seguramente que não.

Terceiro comentário: em relação às matérias respeitantes ao n.° 2, creio que a questão está colocada e, das duas, uma: ou se opta pela governamentalização ou se opta pela parlamentarização. Entre les deux, le coeur ne balancer peut pas, porque é de facto preciso tomar uma opção. É realmente absurda ou, para não ferir os tímpanos do Sr. Deputado António Vitorino, é incongeminável, suscita reservas absolutamente inultrapassáveis, a ideia de um acréscimo da margem de intervenção parlamentar nestes actos? Aparentemente, os Srs. Deputados do PS entendem que a margem de parlamentarização é excessiva. Em todo o caso, entendem que alguma outra margem de parlamentarização menos excessiva seria adequada? Um acréscimo de intervenção da Assembleia da República no que diz respeito ao estacionamento de forças militares ou à autorização de instalações militares estrangeiras em território nacional ou ao estacionamento e intervenção de forças militares portuguesas fora do território nacional é impensável?! Sabemos hoje que, por força de obrigações internacionais assumidas pelo Estado Português pela forma própria, a utilização de forças militares portuguesas em missões externas é possível e, de resto, faz parte dos planos e dos projectos de organizações internacionais a que pertencemos.

Por outro lado, podem colocar-se necessidades dessa intervenção em relação a outras situações em que não há disposição internacional aplicável com a natureza jurídica de tratado, como é o caso de certas aventadas utilizações de forças portuguesas em territórios de países amigos de expressão portuguesa situados em África. Independentemente do juízo político sobre a pertinência, oportunidade e correcção desse tipo de colaboração, a questão que se coloca do ponto de vista jurídico-institucional é a de saber se, nesses casos em que essa opção haja de ser tomada, não deve haver uma margem de intervenção e de decisão parlamentar para o sim ou para o não. Creio que valeria a pena explorar o percurso possível nesta matéria, porque não é um absurdo que se procure garantir isso. Há, mesmo experiências de direito comparado susceptíveis de serem invocadas. Por outro lado, certas intervenções militares são hoje muito importantes, por vezes mais importantes, nos tempos modernos e na sociedade internacional tal qual é hoje, do que a declaração da guerra e a intervenção bélica qua tale, com declaração formal (a qual exige todos os requisitos e intervenção conjugada de órgãos de soberania).

Pense-se por exemplo na utilização de forças portuguesas na guerra do Golfo; pense-se na utilização de forças portuguesas no quadro de missões internacionais em áreas não abrangidas pelo Tratado da OTAN. Nessas circunstâncias - que não são menos relevantes do que a situação típica, enquadrada constitucionalmente, de declaração de guerra, uma vez que envolvem opções extremamente melindrosas do ponto de vista da política externa e do ponto de vista da própria posição internacional do Estado Português - a intervenção da Assembleia da República parece ser não apenas razoável mas completamente necessária. Nesse sentido, creio que valeria a pena tentar aprofundar debate.

Quarto comentário: em relação à questão dos licenciamentos, já tivemos ocasião de travar debate quando discutimos os artigos 39.° e outros, tendo a posição do PS aí ficado expressa. No entanto fiquei com uma dúvida. O PS propõe a criação de estruturas autónomas de extracção parlamentar para a concessão de licenciamentos (o que é uma forma indirecta de parlamentarização de concessão de frequências) e entende inaceitável qualquer solução também aqui de acréscimo da margem de intervenção parlamentar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - No fundo, todas as questões que foram suscitadas pelo Sr. Deputado José Magalhães já tiveram resposta na intervenção que tive ocasião de fazer na altura em que ele não estava presente e cujo conteúdo, pelos vistos, não lhe transmitiram. Daí que me dispense de argumentos e o Sr. Deputado José Magalhães poderá posteriormente consultar a acta. Contudo, para não o deixar na angústia, antes de a acta vir publicada, de qual será a resposta que eu tinha para lhe dar, dir-lhe-ei sucintamente o seguinte: o que afirmei em relação ao n.° 2 é que, quanto à alínea a), entendo que o essencial do que nela se contém é contemplado pelo disposto na alínea h), no que concerne às convenções internacionais, na medida em que o essencial da matéria que se contempla na alínea a) do n.° 2 da proposta do PCP já se contém em convenções internacionais que versem matérias deste género.

Relativamente à questão concreta que colocou quanto à intervenção de forças militares portuguesas fora do território nacional e fora dos casos de manobras militares no âmbito de organizações internacionais, creio que, quer na vertente de defesa nacional quer na vertente de política externa, trata-se de matéria que tem a ver com o Governo, que é o órgão supremo da administração civil e militar; é o órgão que tem a responsabilidade de tomar decisões governativas em matéria militar, e que é, também, o órgão que tem a competência constitucional de condução da política externa do Estado. Portanto, nesse sentido, a Assembleia da República só intervém neste domínio de matérias no quadro da função de fiscalização e controle da actuação do Governo, e não no quadro do exercício de uma função autorizante como o PCP preconiza.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Desculpe-me, mas é que o Sr. Deputado, certamente, reconhecerá que a intervenção da Assembleia da República para autorização da declaração de guerra, ou feitura da paz, é alguma coisa que se situa fora da função fiscalizadora. É uma intervenção com um cunho deliberativo ou, pelo menos, essencial para a formação da vontade do Estado. Entende que nos tempos modernos a questão das operações bélicas - que podem também ser operações pacíficas, ou tendentes à luta pela paz, através

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da gestão da força -, que são o típico da nossa época, incluindo, com efeito, os conflitos regionais, é menos importante hoje, para um parlamento, ou para a repartição de competências, do que a "guerra" propriamente dita? Não acha que a competência parlamentar deveria ser alargada a esse tipo de situações que são, no fundo, a "guerra" que há? A outra é a "guerra que não há"! E em relação à "guerra" que há? A "guerra" que mais pode haver? A "guerra" que com mais probabilidades se pode verificar. E digo aqui guerra entre aspas, como é evidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, não concebo sequer essa situação. O que está aqui em causa, e que o Sr. Deputado José Magalhães referiu, é o estacionamento ou a intervenção de forças militares portuguesas fora do território nacional. E, obviamente, que é fora do quadro de guerra. Tem de ser fora do quadro de guerra. Não pode deixar de ser fora do quadro de guerra!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto! Nesses casos acha que isso é despiciendo?

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado, acho sinceramente que é uma decisão governativa. E acho que, como tal, é uma decisão pela qual os governos respondem perante a colectividade e perante a Assembleia da República, naturalmente, no quadro do exercício da função de fiscalização e de controle que cabe ao Parlamento. Não há diminuição da competência da Assembleia da República numa circunstância desse género, em meu entender, claro.

Quanto à questão da alínea b), queria só precisar que quando explicitámos que o licenciamento das estações emissoras era matéria que deveria, preferencialmente, ser cometida a uma alta autoridade independente, não dissemos que se tratava de uma alta autoridade de exclusiva composição parlamentar; e, a seu tempo, se a proposta vier a merecer vencimento, teremos ocasião de adiantar qual é a composição que entendemos que essa alta autoridade deve ter, pelo que, como tive ocasião de exprimir já na altura desse debate, e reedito agora, entendo que a alínea b) do n.° 2 do projecto do PCP é completamente descabida e abstrusa, porque colocaria a Assembleia da República a praticar actos administrativos, e, em meu entender, isso não deve ter cabimento no sistema constitucional português.

Quanto à alínea c) do n.° 2 do artigo 164.° da proposta do PCP, em meu entender, o efeito útil dela já está consumido pelo facto de que quer no disposto no artigo 108.° da Constituição quer no que diz respeito à lei do enquadramento do Orçamento, não podem ser criados fundos autónomos fora da lei do Orçamento. E, portanto, os orçamentos dos fundos autónomos têm de ser trazidos à lei do Orçamento do Estado, e, nesse sentido, já hoje se deve entender que a Assembleia da República se pronuncia com carácter decisório sobre os fundos autónomos.

E, quanto à criação de institutos e serviços autónomos do Estado, entendo que é matéria que cabe na competência do Governo, e não na competência da Assembleia da República, na medida em que se trata de matéria que tem a ver com a organização do Governo e dos serviços dele dependentes, directa ou indirectamente. Naturalmente, nesse sentido, cabe ao Governo, no quadro do exercício das funções executivas, decidir da criação de institutos e de serviços autónomos, sem prejuízo de a Assembleia da República ter, naturalmente, intervenção nessa matéria, desde que a criação desses institutos e serviços autónomos revista a forma de acto legislativo, cabendo sempre a intervenção parlamentar, sob a forma de ratificação do respectivo acto constitutivo. Portanto, em meu entender, o n.° 2 do artigo 164.° da proposta do PCP naquilo que traz de novo não é aceitável; naquilo que reproduz aquilo que já existe, é redundante.

O Sr. Presidente: - Vamos, então, passar ao artigo 165.°, em relação ao qual há uma proposta do PCP com duas novas alíneas, a primeira das quais no sentido de competir à Assembleia da República "acompanhar as relações com as organizações internacionais de que Portugal faça parte e participar, dentro das suas competências, nos processos de formação das respectivas decisões". Relativamente à segunda nova alínea do artigo 165.° do projecto do PCP, passará também a competir à Assembleia da República "acompanhar a execução do Orçamento do Estado, apreciando os respectivos relatórios de execução". Isto no domínio da competência de fiscalização.

Também neste domínio o PS altera na sua proposta a redacção actual da alínea d) do artigo 165.°, no sentido de incluir, tal como faz, aliás, o PCP, a competência para "acompanhar a execução orçamental", sendo no mais coincidente com a actual redacção da referida alínea. Também, relativamente à alínea e) do artigo 165.°, o PS pretende alterar a referência aos planos, incluindo um aditamento: "bem como os planos parciais ou específicos e dos programas previstos no n.° 5 do artigo 94.°", visto que lá atrás propôs - como, certamente, estarão lembrados - estes "planos parciais ou específicos". Por outro lado, propõe o PS que se crie a nova figura das "recomendações" ao Governo. Tem sido uma figura não clarificada, não está proibida, não está admitida, não se sabe se é permitida se não.

Esta proposta destinava-se a esclarecer este problema num sentido positivo.

Também o PSD, na alínea e), reduz o seu actual conteúdo apenas à menção de apreciar os relatórios de execução dos planos, cortando a referência aos "anuais e final", dizendo "planos" em vez de "do Plano", e eliminando "sendo aqueles apresentados conjuntamente com as contas públicas".

Se o PCP quiser justificar a sua proposta, faça favor.

O PS dá por justificada a sua nos sucintos termos da referência à mesma.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começaria pela segunda alínea. Creio que, nesta matéria, a Constituição, que foi aperfeiçoada na primeira revisão - e que já tem, neste momento, quanto à experiência orçamental, alguns bastante ricos anos de reflexão, inclusive decorrente da jurisprudência constitucional - , carece de um aditamento. O PS, de resto, igualmente o propõe.

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A competência de acompanhamento da execução orçamental, paralela à competência de acompanhamento da execução do Plano, mas com outras vertentes e dimensões, é, realmente, fundamental. A norma que propomos é mais sucinta do que aquela que o PS apresenta. Utiliza-se uma técnica distinta. Creio, em todo o caso, que a questão é secundária. Aquilo que importaria frisar é, tão-só, a importância de que se avance algo neste domínio.

Dir-se-ia que dizemos o evidente; dir-se-ia que é quase impensável que a Assembleia se divorcie da execução do Orçamento; dir-se-ia que importa que, durante o ano, vá medindo o grau de afastamento ou aproximação em relação àquilo que o Orçamento estabelece. Em que é que este se decompõe, não o estabelecerá a Constituição directamente, nesta redacção resultante das propostas progressivamente apresentadas. A lei de enquadramento terá de matizar e especificar em que é que consiste esta competência de acompanhamento da execução do Orçamento do Estado. Por outro lado (e esse é um aspecto da proposta do PCP, e não da proposta do PS), implica a elaboração de relatórios de execução, não se especificando, todavia, qual seja a periodicidade desses relatórios de execução, o regime de elaboração, de apresentação e discussão pela Assembleia, porque isso não teria cabimento nesta sede.

Finalmente, quanto ao primeiro dos aspectos suscitados, creio que se trata aqui de valorizar o quadro em que presentemente vivemos, e que é bastante marcado, como é sabido, pela participação de Portugal em organizações internacionais, e pelo facto de, em particular no que diz respeito a uma delas - as Comunidades Europeias -, os processos de formação das decisões comunitárias deverem contar com uma intervenção alargada de órgãos de soberania nacionais, não devendo essa intervenção portuguesa e em nome da República Portuguesa circunscrever-se à acção e à opção de um órgão de soberania em detrimento de todos os demais (refiro-me, evidentemente, ao Governo). É isso que tem acontecido. A legislação em vigor e não revogada sobre a comunicação à Assembleia da República de vários actos e de outras informações relativas às Comunidades não tem sido cumprida. É uma situação anómala de todos os pontos de vista. No entanto, uma cláusula deste tipo não tem outros efeitos que não seja o de dizer que aquilo pareceria uma evidência, dado o facto de haver separação e interdependência de órgãos de soberania no nosso sistema constitucional.

Gostaria ainda de dizer que nos parece pertinente a proposta de alteração apresentada pelo PS quanto à alínea e) por tudo aquilo que já ficou dito, e dispensa repetição quanto ao planeamento democrático. Parece-nos mesmo que é fundamental que tal ocorra, para evitar um divórcio crescente entre a Assembleia da República e os instrumentos reais de planeamento.

Quanto ao último aspecto suscitado pela proposta do PS, atinente a este artigo, devo dizer que seria necessário um pouco mais do que a explicação, ou melhor, a leitura adiantada pelo Sr. Deputado Almeida Santos. Foi tão intensa a polémica sobre a aprovação pela Assembleia da República de recomendações! As consequências políticas da opção que o PS adianta são susceptíveis de "cenarizações" perversas, designadamente o reforço de uma certa pulsão recomendativa da maioria parlamentar...

O Sr. Presidente: - "Pulsão recomendativa"?!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Uma proposta deste tipo pode favorecer uma tendência para o não exercício das competências legislativas e fiscalizadoras propriamente ditas, confinando a Assembleia da República à mera aprovação de recomendações sobre isto e aquilo, em substituição - ou como sucedâneo - da aprovação de verdadeiras e próprias leis. Há que pensar maduramente sobre as vantagens da clarificação que agora é proposta. Sabe-se que, no passado, a Assembleia da República aprovou resoluções, designadamente uma resolução tendente à criação da Faculdade de Direito na cidade do Porto, e outra tendente à aprovação de um conjunto de tratados internacionais sobre a condição feminina, que tiveram resultados desiguais. Em todo o caso, traduziram-se, no geral, numa substancial indiferença governativa ou governamental, e em algum desprestígio para a própria Assembleia da República.

Noutras circunstâncias, diversas bancadas entenderam que a apresentação de recomendações não tinha cabimento. Relembro-me, por exemplo, do projecto de resolução apresentado pelo Grupo Parlamentar do PCP tendente à adopção das medidas necessárias à rápida execução do plano do Alqueva, a qual não foi, pura e simplesmente, admitida, por deliberação do Plenário da Assembleia da República, em sede de recurso. Na sequência disso, foi feita alguma reflexão sobre a natureza jurídica das resoluções deste tipo. Foi feita uma tentativa de ponderação do cabimento constitucional desse género de iniciativas. Esse esforço de reflexão não desembocou em qualquer conclusão palpável abusivamente, a assessoria jurídica da Assembleia da República vem degradando a forma de deliberações, em redacção final, resoluções do Plenário - insólita perversão. O PS propõe agora que se crie até um novo tipo de acto, se bem percebo, embora ainda não tenha até agora especificado como é que imaginava tal. Não tomem isto por emulação decorrente da pergunta do Sr. Deputado António Vitorino sobre a alínea g1) do PCP no artigo anterior, mas como imaginam os Srs. Deputados a forma desse acto?

O Sr. Presidente: - Era a forma de recomendação.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Queriam criar uma nova categoria de actos? O acto "recomendação"?

O Sr. Presidente: - Claro.

O Sr. José Magalhães (PCP): - A recomendação n.° 1/89, n.° 2/89, n.° 3/89?

O Sr. Presidente: - Por que não? Se as resoluções também têm barra!...

O Sr. José Magalhães (PCP): - É que isso envolve toda uma gama de problemas sobre o próprio exercício das competências parlamentares. Envolve, designadamente, um certo juízo, uma certa pré-compreensão, do que possam ser as matrizes de que partimos, o entendimento que tenhamos do exercício normal dos poderes do Parlamento.

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O Sr. Presidente: - Conhecemos as dificuldades da consagração desta nova figura, nomeadamente, no plano da separação dos poderes e do risco da invasão das competências.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Da invasão e também da evasão, porque pode haver esvaziamento ...

O Sr. Presidente: - Sim, mas o que acontece é que ninguém vai pensar que a recomendação tem um efeito vinculativo. Que o Governo ou cumpre ou apanha "tau-tau". Não é isso. Não está isso no nosso espírito. A recomendação vale como tal, tem o valor que tem. É uma ideia que tem de ser explorada, que tem de ser trabalhada. Mas parece-nos mal que, por exemplo, no fim de uma interpelação em que se debateu profundamente uma política sectorial a Assembleia não possa fornecer ao Governo uma indicação. O Governo se quer faz, se não quer, não faz. Não está vinculado a respeitar as recomendações. Se estivesse, havia o risco das invasões da esfera de competência de um órgão por outro órgão e havia, sobretudo, o risco do órgão que recebe a recomendação não lhe ligar importância nenhuma, o que também era uma causa de desprestígio. Portanto, tudo se há-de situar no círculo de giz caucasiano da razoabilidade, da boa compreensão e da utilidade da nova figura.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, essa sua observação clarifica qual foi a rã tio do PS.

Digamos que para ocorrer a essa preocupação não é necessário tanto. O PS, no artigo 183.°, n.° 2, alínea d), especifica realmente que, nos casos de interpelações, os debates poderão terminar pela proposta e votação de recomendações à Assembleia da República ou ao Governo. Também nós, PCP, tivemos uma preocupação similar, e na proposta respeitante a esse artigo prevemos a possibilidade de apresentação daquilo a que chamámos - mas não é só um nome de "guerra", nesta matéria - "moção de apreciação da posição ou acção governamental quanto à questão debatida".

O Sr. Presidente: - Pois é isso.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Reparará V. Exa. que é um pouco diferente. Neste caso das interpelações não se corre nenhum risco. Emite-se apenas um juízo, tal como na moção de censura se emite também um juízo, embora nesse caso de condenação. No caso presente haveria uma espécie de observação sectorial, ou uma crítica sectorial, ou uma crítica pontual.

Diferente é prever, em geral, um poder recomendatório. Tal como V. Exa. fez uma leitura na óptica de um esvaziamento de competências governamentais, ou de uma pressão sobre o exercício das competências governamentais, é possível até fazer uma leitura contrária. Imagine-se que a Assembleia, em vez de se pronunciar deliberativamente sobre determinadas matérias, possa passar a pronunciar-se com carácter de recomendação. A Assembleia não legisla. Recomenda ao Governo que legisle. É evidente que isto nunca será possível em matéria de reserva de competência, em que terá de haver acção directa ou, quando muito, autorização. Num contexto em que o Governo e PSD procuram transformar a Assembleia em câmara autorizativa, a abertura da possibilidade da criação de um quadro de câmara recomendativa parece-me juntar ao piolho a sarna - passe a comparação um pouco zoológica...

O Sr. Presidente: - Mas é claro que nós já nos dávamos por felizes se isto fosse apenas a tradução no domínio das competências do que está no artigo 183.° Já teria vantagens. Até poderemos encarar a possibilidade de não ser uma figura autónoma e genérica, tendo apenas aplicação e lugar no final das interpelações.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto, isso é muito diferente.

O Sr. Presidente: - Debate-se uma política durante um dia inteiro, chega-se ao fim e os jornais perguntam: "Quem ganhou?" Diz-se normalmente que se empatou e que o País não beneficiou nada com isso.

Entretanto, se o resultado do debate interpelativo fosse traduzido numa recomendação, o Governo sabia que tinha sido debatida uma política e que no fim se havia chegado a conclusões e quais! O Executivo se quiser respeita e se não quiser, não respeita. Aliás, se a recomendação for muito necessária e muito importante, a Assembleia da República pode sempre elaborar uma lei contendo o essencial da recomendação! Admito, porém, que, como figura genérica, tenha defeitos que recomendem que neste momento não se avance até tão longe. Contudo, o PS está preparado para qualquer das hipóteses.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, desejo somente usar da palavra para especificar uma questão que o Sr. Deputado José Magalhães colocou. Ela prende-se com o facto de saber se este instrumento não era um instrumento desculpativo de não exercício de outras competências parlamentares.

Julgo que o que está em causa, e a sua inserção sistemática é correctamente a do artigo 165.° da Constituição, é o exercício da competência de fiscalização da Assembleia da República, que não se pode confundir, nem sobrepor, ao exercício de outras competências parlamentares, designadamente a legislativa. Na relação entre o Governo e a Assembleia da República a Constituição consagra instrumentos de controle político por parte do Parlamento da acção do Executivo e mecanismos de efectivação da responsabilidade política.

Ora, a aprovação de recomendações ao Governo na sequência, por exemplo, de interpelações, ou autonomamente, insere-se no quadro do exercício da função de controle político da acção do Governo e não no da efectivação da responsabilidade política. E, nesse contexto, não há que ter demasiadas preocupações pelo facto de a recomendação ao Governo, que não pode obviamente ter efeitos vinculativos, não possuir outro valor que não o de mera recomendação. E digo isto porque também as interpelações não têm hoje outro valor do que o da mera interpelação ou as moções não revestem outro valor do que o das meras moções. Não constituem, em si próprias, instrumentos de efectivação da responsabilidade política. Contudo, há um ponto que cumpre realçar e onde não há diferença entre aquilo que identificamos aqui como recomendações e aquilo que o PCP, na proposta relativa ao artigo 183.°,

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denomina de moção de apreciação. De facto, o controle da acção política do Governo por parte da Assembleia da República pode, e deve, também ser um controle das formas de execução do Programa do Governo. A partir do momento em que este último é aprovado ou não é rejeitado na Assembleia da República, independentemente do grau de concordância ou discordância que o Parlamento tenha em relação ao próprio Programa em si, este passa a ser um instrumento vinculativo da acção governativa quotidiana. E o desvio da acção governativa relativamente ao seu próprio Programa, independentemente de os partidos da oposição não concordarem com os próprios pressupostos do Programa do Governo, pode, e deve, merecer em juízo valorativo que, não se podendo traduzir, por exemplo, numa moção de censura (porque o que se censura é a política propriamente dita), pode traduzir-se em recomendações que têm a ver com o desvio da acção governativa em relação ao Programa aprovado na Assembleia da República. E isto tem tanto mais sentido quanto se trate de governos minoritários.

O PCP sublinha tantas vezes as paixões do PS em relação aos governos minoritários, mas neste ponto há um exemplo excelente para demonstrar que a figura dos governos minoritários não é tão egoísta quanto isso e que pode ter algumas virtualidades para aqueles partidos que, não tendo inviabilizado no momento da votação de um Programa do Governo a formação de um Executivo minoritário e que apoiaram algumas medidas legislativas pontuais desse mesmo Executivo, se podem servir do instrumento da recomendação para assinalar ao Governo o desvio da acção governativa em relação àquele Programa que esse partido deixou, por exemplo, passar através da abstenção na Assembleia da República - desvios esses que não justificam a efectivação da responsabilidade política mas, sim, a elaboração de recomendações digamos "a frio" ou na sequência de interpelações ao Executivo. E digo isto porque o PS acredita nas virtudes do debate parlamentar, e que se justifica que a Assembleia da República ou uma sua maioria possa exprimir a um governo recomendações que não se traduzem em nenhum mecanismo concreto de efectivação da responsabilidade política, mas que sejam um afloramento formal do exercício de uma competência de controle político da acção do Governo.

Assim, fica explicado por que é que não é uma forma substitutiva do exercício de competências legislativas ou até, pelo contrário, explica por que razão não se deve recorrer à forma legislativa, como já vários grupos parlamentares na Assembleia da República fizeram, quando pretendem obter resultados deste jaez, como acabei de sublinhar, em relação ao exercício da função de controle político. Recordo um célebre projecto sobre o Alqueva que tem exactamente esta questão subjacente. Aconteceu, então, que a Assembleia concluiu que a forma legislativa não era a adequada para obter os resultados concretos que o partido que suscitou a questão pretendia alcançar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que valeu a pena que o Sr. Deputado António Vitorino tivesse explicitado alguns dos pressupostos subjacentes a esta iniciativa do PS. Pareceu-me particularmente interessante que tivesse escolhido o cenário que escolheu para exemplificar as virtualidades imensas desta proposta. Contudo, parece-me que o debate ficaria muito incompleto se não ouvíssemos aquilo que o PSD entende sobre esta matéria, porque pode configurar-se também no plano imediato (mas é óbvio que não podemos ser mesquinhos nisso!) um outro terreno operatório para esta solução. E foi com esse que me preocupei.

É evidente que o Programa do Governo não tem natureza jurídico-normativo, que as questões da desconformidade entre este último e a sua execução se resolvem politicamente através de mecanismos já existentes, pelo que se tratará nesta sede (não digo "criar" recomendações, porque já hoje haverá possibilidades de as fazer neste sentido com esse ou outro nome de guerra) de potenciar e clarificar o regime do seu uso.

Em todo o caso, no outro termo operatório possível, num determinado cenário, o uso de recomendações pode partir não da oposição, mas da própria maioria governamental, existente ou de apoio, para motivar fenómenos de coaching, backing up, etc.. É possível uma gestão subtil (por aqui tem sido bastante rude), de formas de interacção Governo-maioria/maioria-Governo, de mútuo e recíproco encorajamento fazendo, de resto, da Assembleia palco, com tanta, fanfarras e festarola, tudo com gravíssimos efeitos de distorção do funcionamento da instituição parlamentar, também na sua vertente fiscalizadora. Quanto à indesejável confusão entre função legislativa e função de fiscalização, há distinções a fazer com uma substancial complexidade e existem casos de fronteira em que é difícil deixar de concordar que o exercício da função legislativa acaba por ser uma eficacíssima forma de fiscalização e até de limitação, ou seja, a mais cominatória e poderosa de todas.

Dir-se-á: trata-se de um cenário limite ou de uma hipótese extrema. Não posso senão estar de acordo, pelo que ponderaremos as vantagens e inconvenientes da solução.

Registo, de novo, o empenho do Sr. Deputado António Vitorino em iluminar um só dos cenários possíveis de aplicações disto. Pela minha parte, insisto no outro. Creio, porém, Sr. Presidente, que seria bastante útil que este diálogo não fosse "bipolarizado" e pudéssemos conhecer a posição do PSD...

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Exacto, Sr. Deputado José Magalhães. Será, então, a nossa vez de justificarmos a nossa proposta.

O Sr. Presidente: - Até agora foi um debate monopolizado!...

Tem, então, a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, a fim de cumprirmos a esperança do Sr. Deputado José Magalhães, vamos, então, intervir para justificar a nossa proposta e dizermos o que é que entendemos sobre as propostas formuladas pelo PCP e PS.

Relativamente à nossa proposta de alteração do artigo 165.°, devo dizer que sugerimos um novo texto

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para a alínea e), passando a ter a seguinte redacção: "Apreciar os relatórios de execução dos planos." É óbvio que isto é nem mais nem menos do que a concordância com todas as alterações que o PSD apresenta no âmbito do Plano. Portanto, o PSD tem nesta nova redacção uma forma de expressão da sua própria óptica da planificação da economia, através de vários planos e não num plano nos termos em que a Constituição o consagra.

Relativamente aos projectos de lei de revisão constitucional, apresentados pelo PCP e PS, explicitarei o que entendemos sobre esses projectos e darei uma justificação da razão por que mantemos nas alíneas a), b), c) e d) a redacção actual. De facto, diria que há dois ou três pontos fundamentais em que poderíamos resumir as propostas dos dois partidos. Um deles é o que se refere à alínea f), na redacção da proposta de aditamento do PCP. Aí propõe-se que na competência da Assembleia da República se insira o acompanhamento das relações com as organizações internacionais de que Portugal faça parte e a participação dentro das suas competências nos processos de formação das respectivas decisões. Porém; o PSD entende que o que o Sr. Deputado José Magalhães na sua intervenção colocou no condicional, dizendo que pareceria uma evidência esta inserção, deve ser posto na afirmativa, e é mesmo tautológico incluir nessa nova alínea aquilo que já consta equilibradamente de outros artigos da Constituição no respeitante à competência da Assembleia da República, nomeadamente no âmbito do artigo 164.°, e às relações desta instituição com os outros órgãos de soberania.

Uma questão comum às propostas apresentadas pelo PCP e pelo PS é a da inserção da expressão "acompanhar a execução orçamental" na alínea d). Quanto a isto o PSD tem a dizer o seguinte: há, de facto, uma ideia básica que é boa, ou seja, a ideia de que a Assembleia da República deve vigiar a execução do Orçamento do Estado. Contudo, o problema que se coloca é o de saber se isto não é nem mais nem menos do que o refrão do que já se contém na alínea a) do mesmo artigo 165.°

Na redacção actual do corpo do artigo 165.° e na alínea a) refere-se o seguinte: "Compete à Assembleia da República, no exercício de funções de fiscalização: vigiar pelo cumprimento da Constituição e das leis [...]" Acontece que o Orçamento se gera no quadro de duas leis: a lei de enquadramento orçamental e a lei anual do Orçamento. Nesta linha, e dadas as exigências para a elaboração orçamental desde o momento da proposta de lei até ao final que o artigo 108.° consagra, perguntaria se será necessário adiantar mais alguma coisa no âmbito deste preceito, ora em discussão. Não devemos reconhecer o carácter perceptivo da alínea a) no que respeita à vigilância do cumprimento das leis? Penso que, quando muito, faria sentido fazermos um acrescentamento se acaso ele viesse adiantar alguma coisa, mas as próprias palavras do Sr. Deputado José Magalhães sobre esse acompanhamento deixam-nos perdidas quaisquer expectativas ou esperanças desse aditamento eventual com a nova alínea. E digo isto porquanto o Sr. Deputado afirmou que a lei de enquadramento orçamental deverá especificar como se faz esse acompanhamento. Perguntaria, então, o seguinte: por que é que a lei de enquadramento não vai especificar que não se faz esse acompanhamento com base na alínea a) do artigo 165.°, que, do nosso ponto de vista, já é suficiente? E é suficiente porque sabemos que a Assembleia da República é um órgão de fiscalização orçamental, e não de gestão orçamental, e com este acompanhamento não poderá nenhum partido ou proponente pretender dizer mais do que o que respeita aos limites e à natureza de uma actividade de fiscalização.

Portanto, entende o PSD que o controle da execução do Orçamento está sediado na alínea a) por via da lei de enquadramento orçamental e da lei anual do Orçamento.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves, congratulo-me pelo facto de V. Exa., em nome do PSD, dar por evidente aquilo que pela nossa parte também julgaríamos razoavelmente assim. Porém, a prática não evidencia estas evidências. Independentemente do assinalável reforço que V. Exa. 2 acaba de dar à bua hermenêutica da Constituição em todos estes pontos, ainda resta um terreno de reflexão e de expresso enriquecimento possível, até porque uma das propostas é comum ao PCP e ao PS.

Será que a nossa proposta é verdadeiramente impertinente? Tratar-se-á apenas de um "refrão" da alínea a)? De facto, se a Assembleia da República tem competência para vigiar o cumprimento de todas as leis, terá igualmente competência para vigiar o cumprimento desta lei tão importante que, ainda por cima, aprova com um regime especial? E evidente que tem essa competência, mas também a ênfase constitucional dessa prerrogativa não é desprezível e subestimável. Por exemplo, o raciocínio de V. Exa., que bem compreendo, aplicado ao Plano conduziria ao mesmo resultado e levaria a que a Sra. Deputada reescrevesse a Constituição, suprimindo-lhe a alínea e) com toda a calma. Pergunto-lhe, por isso, o seguinte: a lei do Plano não pode estabelecer que haja relatório de execuções anuais e finais do Plano? A lei do Plano não pode estabelecer a obrigação de apresentação conjunta e simultânea com as contas públicas? Creio que é evidente que pode.

Ora, seguindo o seu raciocínio padrão, como a lei do Plano é uma lei e como a Assembleia da República vigia pelo cumprimento das leis, a alínea e) é um "refrão" da alínea a). No fundo tudo seria um refrão da alínea a), pois se a Assembleia da República vigia o cumprimento das leis em geral, vigia o cumprimento de todas, incluindo o das leis das contas públicas. Logo, todo o preceito é uma redundância na óptica verdadeiramente dietética da Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves!

Julgo que a Constituição não carece de ser anafada, mas é também mau que não aumente nos sítios certos. Neste caso, o grau de enriquecimento parece-me sensível e justificado. Assim, a minha interrogação em relação a V. Exa. é a seguinte: V. Exa. considera ou não que o seu critério leva longe de mais e, designadamente, conduziria ao apagamento da própria alínea é) em vigor (quando o PSD nem sequer propôs a sua substituição ou eliminação)? O PSD, aliás, até propõe no seu projecto de lei de revisão constitucional uma outra coisa, qual seja a de que - e V. Exa. não se

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referiu a esse aspecto - seja eliminada a parte final da alínea e), passando a referir-se que compete à Assembleia da República no exercício de funções de fiscalização "apreciar os relatórios de execução dos planos".

O Sr. Presidente: - Sra. Deputada, gostaria de lhe formular uma pergunta antes de responder ao Sr. Deputado José Magalhães.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Faça favor, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - V. Exa. mantém a sua posição se lhe recordar que esta menção que o PS introduz na alínea d) é apensas a tradução, em matéria de competências, do que já se encontra consagrado no n. ° 8 do artigo 108.° da Constituição, onde se refere que a execução do Orçamento será fiscalizada pela Assembleia da República? Trata-se apenas da consagração desta competência, pelo que não inovamos! Acontece, porém, que, no capítulo das competências, não se referia nada, pelo que deveríamos incluir neste preceito, ora em discussão, aquilo que propomos. E digo isto porque a nossa menção ao acompanhamento da execução orçamental por parte da Assembleia da República é introduzida exactamente no preceito relativo à fiscalização - artigo 165.° De facto, é um artigo relativo à competência fiscalizatória e o legislador esqueceu-se de referir a competência ínsita no n.° 8 do artigo 108.° Portanto, o artigo 165.° não deixa de ser como já é, e não passa a ser de novo coisa nenhuma. É apenas a coonestação a nível de competências de uma competência existente e consagrada noutro preceito.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Não, Sr. Presidente, o que está previsto na alínea a) é uma forma de fiscalização que abrange obviamente a lei de enquadramento orçamental e a lei anual do Orçamento.

O Sr. Presidente: - Mas acontece que não está! Desse modo, penso que o Sr. Deputado José Magalhães tem razão, pois, se fosse como V. Exa. diz, também não se justificava a alínea e).

Entretanto, o que não levanta dúvidas é que a vossa proposta de alteração da alínea e) do artigo 165.° é vaga, pois insere-se na nova redacção uma competência genérica. Pela nossa parte, queremos uma competência específica a atribuir à Assembleia da República, traduzida no acompanhamento, para efeitos de fiscalização da execução do Orçamento pela Assembleia da República.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, entendemos que isso não vai mais longe, mas também não vemos nenhuns inconvenientes em que essa competência possa eventualmente figurar no texto do artigo 165.°

O Sr. Presidente: - Reduzido a este significado mínimo não vejo em que isto possa causar...

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Por ter exactamente um significado mínimo é que me parece que há alíneas que absorvem essa...

O Sr. Presidente: - A sua argumentação teria, então, de ser outra!...

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Exactamente por ter um significado mínimo é que me parece que há aqui linhas que absorvem.

O Sr. Presidente: - Então a argumentação já tinha de ser outra. Penso que tem lógica a menção no artigo da fiscalização de uma competência fiscalizatória que já existe. Quando pela Constituição se espalham competências, depois no lugar próprio arrolam-se essas competências. Esta competência esqueceu. Diz a Sra. Deputada que na alínea a), de forma genérica, está tudo. Apesar desse tudo, está lá a declaração de estado de sítio, mais o efeito e a recusa de ratificação, mais as contas do Estado, mais o relatório anual e final do Plano. Por que não incluir então e também "acompanhar a execução do Orçamento"? Sinceramente não vejo razão para o PSD se encarniçar tanto contra esta tão simples correcção!

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Mas não há nenhuma síndrome de rejeição da nossa parte. Há um sentido de que não adianta nada, não adianta mais do que está aqui. É este o sentido da nossa posição. E o que disse para o Sr. Deputado Almeida Santos é válido para o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - A Sra. Deputada não justificou a parte amputatória. Suponho que não foi por timidez.

A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Não, não foi por timidez. De facto não sou perita em matérias relativas a contas públicas e a Plano e porventura outro colega meu poderia explicar melhor qual é a nossa posição, mas creio que haverá aqui, relativamente à apresentação conjunta das contas públicas, algo que tenha a ver com uma certa relação de parentesco com o sentido do Plano nos termos em que actualmente está consagrado na Constituição e que já não é o mesmo sentido dos planos que nós referimos no artigo 165.° Porventura será essa a explicação, que se for insuficiente outro colega do meu partido poderá eventualmente melhorar.

O Sr. Presidente: - Damos o assunto por encerrado e passamos ao artigo seguinte? Muito bem.

Artigo 166.° Temos aqui com que nos entreter. O CDS propõe que a Assembleia não aprecie apenas o Programa do Governo mas que o aprove de forma positiva. É uma inovação de relevo, da qual seriam de extrair importantes consequências. É bom que nos pronunciemos sobre isso. Na alínea h) elimina a referência à competência para eleger sete vogais do Conselho da Magistratura e onze membros do Conselho de Comunicação Social, e refere genericamente "e os membros de outros órgãos constitucionais cuja designação seja cometida à Assembleia da República". Quanto à parte do Conselho de Comunicação Social decorre directamente do facto de propor a sua extinção.

O PCP, quanto à alínea g), consagra, nesta sede, a proposta que fez lá atrás relativamente à eleição de cinco membros do Conselho de Estado que representem cada um deles um dos principais partidos repre-

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sentados na Assembleia. E acrescenta também cinco membros da Comissão Nacional de Eleições. Penso que é uma competência que já hoje existe, é apenas a sua constitucionalização. Na alínea g1), refere "eleger, segundo o sistema de representação proporcional, cinco membros do Conselho Superior de Defesa Nacional". É também a constitucionalização de uma competência que já está na Lei de Defesa Nacional.

O PS, na alínea h), substitui a referência ao presidente do Conselho Nacional do Plano por presidente do Conselho Económico e Social, uma vez que substitui um órgão pelo outro. Em vez de sete vogais do Conselho Superior da Magistratura propõe apenas seis, na medida em que entende dever atribuir mais um ao Presidente da República. Há um desequilíbrio entre os dois órgãos de soberania. Deve aliás corrigir-se na alínea n) do artigo 136.° da proposta do PS o facto de termos esquecido de referir, nessa sede, esta redução de sete para seis vogais.

O PSD tem uma alínea d) na qual menciona a competência da Assembleia para solicitar ao Presidente da República, nos termos do artigo 138.°-A, a submissão

nacional. Sugiro que isto seja, como vem sendo hábito, relegado para o momento em que discutirmos, globalmente, o problema do referendo. Também na alínea h) substitui a referência ao presidente do Conselho Nacional do Plano pelo presidente do Conselho Económico e Social. Elimina igualmente a referência a onze membros do Conselho de Comunicação Social em coerência com o facto de propor a sua extinção.

A ID, na alínea g), refere a eleição de cinco membros do Conselho Superior de Defesa Nacional. Suponho que é a consagração do que já está na Lei de Defesa Nacional. Na alínea h) acrescenta "nos termos da alínea h) do n.° 1 do artigo 145.°, relativamente à eleição de cinco membros do Conselho de Estado". Na alínea i) refere sete juizes do Tribunal Constitucional em vez de dez, em decorrência da nova composição que propõe para aquele órgão. Tem também uma referência original ao provedor do consumidor, figura que propõe que se crie, e à Alta Autoridade contra a Corrupção, entidade já criada, com competência definida por lei ordinária da Assembleia da República.

O PRD refere igualmente seis juizes do Tribunal Constitucional em vez de dez, decorrente da nova composição que propõe para este órgão. Inclui de novo dois vogais do Conselho Superior de Defesa Nacional.

Os deputados habituais da ilha da Madeira, do PSD, preferem que se diga dissolução dos parlamentos das regiões autónomas em vez de "dos órgãos das regiões autónomas". Portanto deixaria de ser susceptível de dissolução o governo regional, continuando a sê-lo apenas a assembleia regional ou o parlamento regional, como agora propõem que se diga.

Além disso, o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia acaba de apresentar na Mesa a proposta de uma nova alínea ao artigo 166.°, que entrego nas mãos dos serviços, ficando com uma cópia, no sentido de que deve também competir à Assembleia pronunciar-se, através de comissões especializadas, sobre a designação de chefes de missão diplomática do Estado Português e sobre a designação de representantes governamentais em organizações internacionais de que Portugal faça parte.

Pedia ao PCP que justificasse a sua proposta.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Muito singelamente, uma vez que já fizemos o debate sobre a primeira das propostas e em condições que me parecem extremamente relevantes para o apuramento do que seja a natureza do Conselho de Estado, a natureza da representação que através dele se efectiva, o estatuto dos partidos nesse quadro, a nossa ideia de garantia a uma representação que não se divorcie da realidade político-partidária e não permita que o Conselho se esvazie em termos de nexo de representação. É isso que nos leva à primeira das propostas.

Quanto à segunda, devo dizer que ela decorre de uma reflexão que fizemos sobre o conteúdo do artigo 274.° da Constituição, que adiante será apreciado. Como se sabe, a Constituição hoje estabelece que o Conselho Superior de Defesa Nacional é presidido pelo Presidente da República e tem a composição que a lei determinar. Entendemos, e isso verifica-se cotejando este texto com a nossa redacção para esse artigo, que deveria ser aditado um segmento normativo que consagrasse uma determinada representação da Assembleia da República, representação essa que seria pluripartidária, e que, no artigo 166.°, especificávamos dever realizar-se através da formação de listas completas que permitam a eleição de representantes dos diversos partidos, através de eleição pela Assembleia da República, com todas as implicações em termos de formalização e dos nexos representativos que assim se operam.

É disto e tão-só disto, Sr. Presidente, que se trata na nossa proposta. Quanto aos membros da Comissão Nacional de Eleições outro tanto se dirá. Trata-se aí de assegurar que estes elementos sejam eleitos em condições que permitam uma representação pluripartidária alargada. Parece-nos que as razões que levam a isso são evidentes, tratando-se, como se trata, de matéria eleitoral.

O Sr. Presidente: - Dava por justificada a proposta do PS. Penso que o PSD, se concordar em que a matéria do referendo fique para a altura própria, não precisará de justificar por que é que substitui o presidente do Conselho Nacional do Plano pelo presidente do Conselho Económico e Social, uma vez que lá atrás substituiu o órgão. E também não tem que justificar a eliminação da referência aos onze membros do Conselho de Comunicação Social, uma vez que eliminou lá atrás o Conselho de Comunicação Social.

Quanto à ID, tem a palavra para justificar a sua proposta.

O Sr. Seiça Neves (ID): - Resta-me falar sobre a figura nova que propomos, que é o provedor do consumidor. Isto porque o controle do consumo em Portugal é feito através de uma amostragem profundamente deficiente. Sabemos muito bem como são por vezes ridículos os casos que são submetidos ao julgamento dos tribunais, passando a justiça portuguesa por cima dos grandes casos de corrupção e de atentado contra a saúde pública do consumidor. Esta figura poderá ser uma figura centralizadora, fiscalizadora, sem poderes necessariamente jurisdicionais ou deliberativos, mas que teria a vantagem de centralizar toda a actividade de fiscalização...

O Sr. Presidente: - Mas, Sr. Deputado Seiça Neves, a figura do provedor do consumidor já foi justificada no lugar próprio. Agora é só a sua inclusão aqui!

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O Sr. Seiça Neves (ID): - Então nada mais tenho a dizer.

O Sr. Presidente: - O PRD chegou a tempo de justificar a alteração da alínea h) do artigo 166.° Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - A maior parte das alterações que aqui se incluem são consequências de outras, a justificar na altura própria, designadamente o número de juizes do Tribunal Constitucional a eleger pela Assembleia. Também consequência de outra alteração é a do Conselho Superior de Defesa Nacional, cuja constituição o PRD propõe que passe a constar da Constituição. São tudo alterações consequenciais.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia para justificar a sua proposta.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)

O Sr. Presidente: - Se pudesse falar um pouco mais alto, agradecia.

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Se me dizem que é a oportunidade, passo a justificar. Há na tradição política portuguesa o entendimento de que a política externa deve ser consensual; ora a melhor maneira de obter a garantia da consensualidade é dar à Assembleia da República a possibilidade de se pronunciar sobre a designação dos responsáveis efectivos pela execução, no exterior, dessa mesma política portuguesa.

O Sr. Presidente: - Qual seria o valor e a forma que V. Exa. atribuía a esta pronúncia, vindo ela não da Assembleia, mas directamente das comissões especializadas? Seria um parecer?

O Sr. Sottomayor Cárdia (PS): - Parecer-me-ia mal envolver o Plenário da Assembleia da República na nomeação de um embaixador, ou de um alto funcionário internacional. Parece-me bem que isso seja feito pelas comissões competentes, através de parecer.

O Sr. Presidente: - Defesa oficiosa da proposta dos deputados da Madeira.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Muito brevemente, Sr. Presidente, quero dizer que se trata de adequar ao texto constitucional aquilo que já havia sido proposto através do mesmo projecto para o artigo 136.°, alínea j), sob a epígrafe "Competência [do Presidente da República] quanto a outros órgãos". Agora, numa linha de coerência em relação à competência da Assembleia da República,...

O Sr. Presidente: - Portanto também decorre de alterações anteriores.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - ... defende-se que a dissolução não recaia sobre o governo regional, mas somente sobre a assembleia regional.

O Sr. Presidente: - É tudo, praticamente, decorrente de alterações anteriores, menos a proposta do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, e talvez a alínea gl) do PCP e da parte do CDS, que não está presente, na proposta de aprovação positiva do Programa do Governo em vez da sua simples apreciação.

Quem quiser usar da palavra sobre estas propostas faça favor de a pedir.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio que o debate desta matéria, de alguma forma, é tributário de opções cometidas ou a cometer noutras sedes. Talvez não seja aqui o lugar para adiantar excessivamente a reflexão das razões pelas quais, por exemplo o PSD, propõe o que propõe. O projecto do PSD reduz de sete para seis o número de vogais eleitos pela Assembleia da República, porque o PSD arde por atribuir ao Governo o poder de designar dois vogais do Conselho Superior da Magistratura e portanto tira um à Assembleia e tira outro aos juizes para os dar ao Governo. Mas, é evidente, teremos ocasião de discutir a questão mais aprofundadamente adiante. Em matéria de Conselho Económico e Social o problema é o mesmo, quem é pela substituição é, quem não é não é.

Não sei qual é a razão adiantada pelos Srs. Deputados proponentes do projecto n.° 7/V para a Alta Autoridade contra a Corrupção. Parece-me um tanto evidente, mas é tributária de um desígnio quanto ao futuro da própria Alta Autoridade. É evidente que partidos que, como o PSD, ao que parece, planeiam a extinção da Alta Autoridade contra a Corrupção não pensam sequer na sua constitucionalização e, portanto, a questão de eleição surge como um elemento epifeno-ménico, completamente determinado por factores outros, o que conduz a que a discussão aqui seja bastante pálida, precária e indecisiva.

Em relação à proposta atinente à mutação do Tribunal Constitucional, a questão tem de ser discutida seguramente noutra sede. Pela nossa parte, não adiantámos qualquer proposta nesta matéria. As reflexões sobre as razões que podem conduzir a tal, tudo ponderado, tudo olhado - designadamente o funcionamento do Tribunal, as consequências do actual sistema, a maneira como pode funcionar noutras condições, os aspectos com ele relacionados - terão provavelmente melhor sede de reflexão quando estivermos a discutir o estatuto do Tribunal Constitucional.

Gostaria ainda de referir-me à aprovação do Programa do Governo. O CDS propõe tal coisa. O PSD curiosamente não propõe. É sabido que o Primeiro-Ministro insiste, insiste, insiste em que o Programa do Governo em funções "foi aprovado" pela Assembleia da República, o que é um equívoco, puro e simples, quanto ao estatuto actual da apreciação do Programa do Governo. É um problema que os Srs. Deputados do PSD poderão resolver um destes dias. O CDS não justificou, nem mesmo no seu projecto de revisão, não apresentou grandes razões que levam a esta solução. A aprovação do Programa do Governo, como tal, poderá ter algumas implicações jurídico-constitucionais, embora o Programa não seja um acto normativo, e seja de reflectir sobre a sua exacta e específica natureza jurídica. Em todo o caso, a sua aprovação qua tale pela Câmara não seria despida de algum significado. Qual pudesse ser esse significado, é outra coisa para cuja

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identificação não contamos, no entanto, com o contributo do CDS, pelo que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, não estamos, pela nossa parte, em grandes condições para encetar uma espécie de "diálogo com um interlocutor imaginário".

O Sr. Presidente: - Parece-me que não haverá muito que dialogar sobre esta matéria. Trata-se, de um modo geral, de decorrências de propostas anteriores, ou que terão de ser discutidas na sede própria, como é o caso do referendo.

Devo concluir que podemos dar este assunto por discutido, pelo que iremos passar às leis paraconstitucionais. Pedia ao Sr. Deputado António Vitorino que justificasse esta nossa proposta, dado que ele é constitucionalista, e eu sou apenas "paraconstituciona-lista".

Risos.

Entretanto assumiu a presidência o Sr. Secretário José Magalhães.

O Sr. Presidente (José Magalhães): - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino para, ao que suponho, apresentar a proposta do PS.

O Sr. António Vitorino (PS): - Supõe V. Exa. muito bem, Sr. Presidente.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: A razão fundamental pela qual o PS apresenta a proposta de leis paraconstitucionais, ou da criação da figura de leis paraconstitucionais, é porque entendemos que existe um conjunto de matérias estruturantes da vida colectiva que explicam a preocupação fundamental de lhes conferir um estatuto especial no plano constitucional, em virtude de reconhecermos que essas matérias têm uma natureza semiconstitucional. Neste quadro, as leis paraconstitucionais são uma forma de reter uma parte do poder constituinte através da consagração de um sistema de reenvio legislativo que permita aliviar o texto da Constituição de um conjunto de disposições que estariam protegidas pelo especial regime jurídico dessas leis paraconstitucionais, sem que, contudo, estivessem sujeitas à limitação temporal que caracteriza os limites ao poder de revisão em sistemas de Constituição rígida. As leis paraconstitucionais na nossa concepção são, por isso, formas de consagração, em diversos planos, do que designaríamos por consenso constitucional. Consenso constitucional que, por natureza, resulta em parte de desconfianças mútuas entre partidos políticos e também de uma lógica de protecção das minorias, que é no fundo a razão de ser fundamental da existência da própria Constituição. A sua eventual consagração representa ou exprime uma excepção ao princípio fundamental do sistema democrático, que é o princípio da maioria e, por isso, como excepção deve ser vista e tratada.

São três as características definidoras das leis paraconstitucionais na nossa óptica: em primeiro lugar a dos critérios definidores destas leis especiais; segundo, a dos especiais requisitos processuais de tramitação e de aprovação dessas leis; terceiro, o critério das sequelas que, no conjunto do ordenamento jurídico, comporta a criação deste novo tipo de leis.

Quanto ao critério da identificação das leis paraconstitucionais, há várias modalidades possíveis que o direito comparado nos demonstra, mas pela nossa parte seguimos o caminho de optar por um elenco de matérias - que a Constituição, ela própria, enumera na nossa proposta de novo artigo 166.°-A -, o qual é definido em função do que qualificamos como a relevância substantiva que essas matérias assumem para a conformação do Estado de direito democrático. São leis paraconstitucionais aquelas que a Constituição indicar, e, no elenco que incluímos na nossa proposta, onde reconhecemos que podem estar todas, ou podem estar algumas apenas, ou podem estar algumas até que lá não deviam estar e outras que inclusive lá deviam estar não estão. O que importa é o critério: leis paraconstitucionais as que a Constituição indicar no artigo 166.°-A e apenas as que como tal a Constituição qualifica. Diverso caminho, por exemplo, seguiu a Constituição Espanhola, ao definir genericamente as leis orgânicas e ao conferir ao legislador comum o poder de proceder a novas qualificações como leis orgânicas, o que, em nosso entender, é fonte de dúvida e de insegurança interpretativa, pelo que também por esta razão preferimos o critério do elenco taxativo no próprio texto da Constituição.

No que concerne à tramitação processual, a questão central das leis paraconstitucionais é a da maioria de aprovação: dois terços dos deputados presentes desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções e, consequentemente, como já tivemos ocasião de sublinhar, nos termos do artigo 139.°, ultrapassagem do veto político do Presidente da República por uma maioria qualificada de dois terços dos deputados em efectividade de funções. Sabemos que é uma solução que não tem paralelismo com outros países onde se consagra a figura das leis orgânicas, como a Espanha e a França, onde apenas se requer a maioria absoluta dos deputados para aprovação dessas leis. Em Portugal, pela nossa parte, pretendemos seguir o precedente criado pela consagração da lei de restrição dos direitos dos militares e agentes militarizados no activo que, nos termos da Constituição em vigor, já constitui uma lei onde se exige uma maioria de dois terços para aprovação ab initio. Quanto à tramitação processual, não ignoramos que há quem considere que esta exigência dos dois terços é uma exigência inconciliável com o princípio democrático. É uma afirmação a priori que exige algumas precisões. A lógica da proposta do PS -ainda que o texto possa não ser completamente explícito a esse propósito- é de que os dois terços apenas se referem aos princípios fundamentais dos regimes jurídicos em causa, e não a todo o conjunto de normativos que pudessem ser recobertos, naturalmente, pelo elenco das matérias referidas no artigo 166.°-A. Qual o conteúdo mínimo desses princípios fundamentais estruturadores das leis paraconstitucionais é tarefa do intérprete, desde logo do intérprete legislador, e em última instância do Tribunal Constitucional.

Como critério norteador, sempre se deverá atender ao fim último da existência de uma maioria alargada, que é o da realização da operatividade social da própria lei, ou seja, o da obtenção de consensos alargados sobre aqueles princípios fundamentais, que são definidores da identidade do elenco de matérias que seleccionámos como integrantes das leis paraconstitucionais. Idêntico critério vale também para a determi-

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nação das conexões legislativas onde se justifica militarem as razões de maioria qualificada exigida e, subsequentemente, o reconhecimento da prevalência destas leis especiais sobre as demais leis. Pela nossa parte, gostaria de, à partida, sublinhar a abertura, para encarar não só a revisão do elenco das leis que propusemos, mas também -em paralelismo, aliás, com o que consagra, por exemplo, o sistema constitucional francês- fórmulas de fiscalização obrigatória da constitucionalidade destas leis a título preventivo ou, obrigatoriamente, por iniciativa do Presidente da República, ou por iniciativa, por exemplo, de um grupo de deputados à Assembleia da República.

Quanto ao terceiro critério definidor das leis paraconstitucionais - o dos efeitos no ordenamento jurídico global da sua integração- a proposta insere-se, na nossa óptica, numa lógica de pluralismo das fontes normativas que resulta já da matriz originária da Constituição, e insere-se no que entendemos ser a tradição da história constitucional vivida em concreto entre 1976 e a actualidade. Todos nós sabemos que se consagra na Constituição da República um sistema normativo que é caracterizado por uma certa originalidade quando comparado com os demais sistemas vigentes nos países do nosso espaço jurídico-político. Originalidade quanto à repartição de competências legislativas entre a Assembleia da República e o Governo e quanto à natureza, âmbito e caracterização do próprio poder regulamentar do Governo. Esta matriz resulta, em termos próximos, como já tive ocasião de exprimir, da própria Constituição de 1933, cuja inspiração foi, nesse aspecto, no essencial, recolhida pela Constituição de 1976. O Governo é, simultaneamente, órgão legislativo e órgão da Administração, e neste contexto usufrui de poder legislativo e de poder regulamentar. É órgão legislativo com reserva absoluta de competência em matérias atinentes à sua organização, e com competência legislativa em áreas concorrenciais sobre todas as matérias, exceptuadas as dos artigos 164.°, 167.° e 168.° da Constituição. O ordenamento jurídico-constitucional que a Constituição acolhe não separa as águas em função de critérios de competência, mas sim em função de critérios materiais. É acto legislativo o que for assumido no exercício da função legislativa, e é acto regulamentar o que for emanação do exercício da função administrativa no quadro do exercício do poder regulamentar do Executivo. O primado legislativo no nosso sistema cabe, indubitavelmente, à Assembleia da República, não tanto em termos quantitativos, como aliás não acontece na generalidade dos países do nosso espaço jurídico-político, mas, indubitavelmente, em termos qualitativos, em face da nobreza e da relevância das matérias sobre as quais se constrói o sistema de competências reservadas da Assembleia da República.

O edifício normativo da Constituição de 1976 tem demonstrado uma indubitável evolução dialéctica. A revisão de 1982, numa norma de grande rigor, contribuiu para um primeiro momento da clarificação do sistema normativo nos termos do artigo 115.° em vigor. Esta evolução, iniciada em 1982, pode e deve ser completada, neste momento, através da definição de um quadro, que, substancialmente melhorado em 1982, ainda pode receber benfeitorias úteis. Preocupação que detectamos, também, nos projectos do CDS e do PCP.

No projecto do CDS as chamadas "leis orgânicas" e no projecto do PCP as chamadas "leis reforçadas". A melhoria do sistema normativo pode ser encarada nesta dupla vertente: por um lado a edificação de um novo grau legislativo - chame-se-lhe o que se quiser: leis paraconstitucionais, leis reforçadas ou leis orgânicas; na segunda vertente, a equiparação a tais leis de outras que trazem ínsitas, na sua origem e natureza, características onde milham uma identidade de razões definidoras da sua prevalência: as leis de base, as leis de autorização legislativa e, eventualmente, embora aqui, com menos certeza, as leis quadro.

Em ambos os casos, a figura das leis reforçadas resulta do encontro de dois princípios estruturadores do sistema normativo: o princípio da hierarquia das leis - que aflora no carácter semiconstitucional das matérias escolhidas pelo PS para integrarem o elenco das leis paraconstitucionais e naquilo que reconhecemos ser o valor supralei ordinária dessas leis como acto-parâmetro - e, por outro lado, o critério da repartição de competências entre órgãos de soberania, em função das matérias sobre que versam as próprias leis reforçadas, reservadas à competência da Assembleia da República. O instituto das leis reforçadas, em si, pressupõe, e visa mesmo, a consagração, complementarmente, de mecanismos de fiscalização da conformidade das leis comuns com essas leis reforçadas. Desde logo, de todas as leis face as leis paraconstitucionais em razão da matéria e das leis e decretos-leis de desenvolvimento das leis de base e do uso de autorizações legislativas em relação às respectivas leis habilitadoras.

Em nosso entender, portanto, a desconformidade entre estes actos normativos e as leis paraconstitucionais pode prefigurar um novo tipo de situações de ilegalidade em sentido amplo, que está para além dos casos de ilegalidade já existentes na Constituição e que dizem respeito aos diplomas regionais, ou até, segundo outros entendimentos, situações de inconstitucionalidade indirecta por violação de um acto-parâmetro intermédio a que se reconhece prevalência hierarquico-normativa, ou mesmo, e inclusivamente, de inconstitucionalidade directa, pelo menos, no caso das leis de autorização por violação da norma constitucional atributiva de competência, ou até da repartição de competências legislativas entre o Governo e o Parlamento.

Sr. Presidente, tudo o que fica dito se destinou a justificar as leis paraconstitucionais, leis que, em nosso entender, são definidas por tês critérios: o critério do elenco de matérias, o critério da tramitação processual de aprovação e o critério da sua prevalência como acto-parâmetro. A questão da maioria de aprovação é apenas uma das componentes a considerar. Não queríamos que a questão mais controversa da maioria de aprovação prejudicasse, contudo, a lógica das outras vertentes da figura que o PS pretende ver consagrada na Constituição. Por isso, tive a ousadia de me deter com mais detalhe sobre o justificativo global da proposta do PS.

Entretanto assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente Almeida Santos.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Faremos, naturalmente, a seu tempo, algu-

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mas considerações sobre esta matéria. Para já, esta minha intervenção visa fundamentalmente pedir um esclarecimento, para que possa ficar com uma ideia mais clara do sentido, do conceito e das implicações desta profunda inovação jurídico-constitucional.

Assim, faria ao PS, designadamente ao Sr. Deputado António Vitorino, uma pergunta atinente àquilo que me parece ter designado por terceiro critério e a que chamou, numa dimensão definidora, "sequelas da criação das leis paraconstitucionais no ordenamento jurídico global". A questão tem a ver com o alcance destas leis paraconstitucionais quanto às suas sequelas, uma vez que o critério fundamental é o critério da matéria, isto é, o critério material ou substancial. Se leis paraconstitucionais são as que versam sobre esta matéria, podem suscitar-se muitas dúvidas sobre o respectivo âmbito, que consiste em saber até onde vai a paraconstitucio-nalidade das matérias. Quando é que, ao legislar sobre tais matérias, se está na área da paraconstitucionalidade?

O Sr. Presidente: - É a chamada dignidade paraconstitucional, tal como agora falamos em dignidade constitucional.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, procurarei esclarecer melhor a minha dúvida, como área problemática, nesta matéria, que é retirada directamente das minhas preocupações profissionais mais imediatas.

Por exemplo: sabe-se ser hoje uma evidência, à luz da teoria da norma jurídica, a existência de sanções, porquanto as normas não são escritas no coração dos homens, mas, pelo contrário, necessitam de sanções para serem estabilizadas contrafacticamente, isto é, de sanções contra a sua violação Ga que a violabilidade é, segundo alguns autores, uma característica da norma jurídica). Assim, naturalmente que todas ou, pelo menos, quase todas as normas trazem "atreladas", implícita ou explicitamente, sanções. Designadamente no que toca à eleição dos titulares dos órgãos de soberania, existe um direito eleitoral que é acompanhado, por exemplo, de um conjunto de ilícitos, os quais são sancionados.

Ora, a pergunta que coloco ao PS é esta: a Assembleia da República, para aprovar, por hipótese, qualquer alteração aos ilícitos criminais (que, efectivamente, existem na nossa ordem jurídica) em matéria de eleição dos titulares dos órgãos de soberania, tem de o fazer por maioria de dois terços?

O Sr. António Vitorino (PS): - O critério fundamental seguido para o elenco das matérias que integrámos no artigo 166.°-A foi o critério da relevância institucional dessas mesmas leis, isto é, quando nós dizemos que são leis estruturantes do sistema democrático, são leis que entendemos que têm repercussões na definição do modelo político democrático-representativo que a Constituição consagra, e não incluímos neste elenco nenhuma matéria que tivesse a ver, por exemplo, com a organização económica, porque entendemos que essas matérias não devem ser limitadas por maiorias alargadas, porque é aí que se afirma, preferencialmente, o valor dos programas alternativos e naturalmente se joga a alternância do regime democrático.

Quando se trata de leis estruturantes, que são aquelas que seleccionamos, segundo um critério institucional, um critério definidor das bases fundamentais da organização do Estado de direito democrático, então, nesse sentido, em matéria de sistema eleitoral, entendemos que aquilo que é definidor do referido sistema é a matéria de organização do próprio sistema eleitoral que confere realidade aos princípios fundamentais que a Constituição consagra nessa matéria: a organização dos círculos, a distribuição dos mandatos por círculos, a organização do método da conversão dos votos em mandato. Aí tem matérias que, em nosso entender, sem qualquer hesitação rotularíamos de estruturantes do sistema eleitoral e do sistema político-institucional em que vivemos. E, por isso, eu disse que eram matérias atinentes aos princípios fundamentais destas matérias aquelas que entendíamos estarem sujeitas à regra dos dois terços. Não o caso dos ilícitos criminais em matéria eleitoral. Entendemos que os ilícitos criminais em matéria eleitoral não são matérias estruturantes do próprio sistema eleitoral. São matérias relevantes, obviamente, porque têm a ver com as consequências ou as sequelas criminais e as sanções aplicáveis no quadro do ilícito eleitoral, mas não são matérias definidoras dos princípios fundamentais do Estado de direito democrático tal como eles devem ser vertidos, no nosso entendimento, na lei estruturante do sistema eleitoral. Acrescentaria só, no entanto, que a definição destes limites é uma definição deixada ao intérprete - desde logo, ao intérprete legislador e ao intérprete juiz do Tribunal Constitucional - porque essa é também em parte a fórmula adoptada pelas Constituições Espanhola e Francesa, pois também aí cabe a interpretação de que está sujeito à natureza de lei orgânica, se toda a matéria normativa referente ao elenco de assuntos que a Constituição sujeita à forma de lei orgânica ou se apenas parte dela. Mas estão apenas sujeitas à forma de lei orgânica, e às outras limitações processuais daí decorrentes, aquelas matérias que são definidoras dos princípios fundamentais dos assuntos em causa. E tem havido polémicas interpretativas, quer em Espanha quer em França, sobre qual é o âmbito dessas questões que se podem considerar como princípios fundamentais das matérias sujeitas à forma de lei orgânica. Mas tem sido possível aferir, quer em sede parlamentar, quer em sede de sindicabilidade pelo Tribunal Constitucional e pelo Conselho Constitucional, respectivamente no caso espanhol e francês, qual é o limite onde se deve pôr a fasquia, quais os critérios interpretativos a adoptar.

Como, inclusivamente, nós propomos um sistema de numerus clausus, e não um sistema aberto, e não um sistema que permita ao legislador comum rotular como leis orgânicas ou paraconstitucionais outras para além daquelas que a Constituição consagra, e como, inclusivamente, entendemos que este sistema deixa pouca margem de manobra para chegar ao conceito de leis materialmente paraconstitucionais ou de leis materialmente orgânicas por via das conexões legislativas, estamos em crer que o sistema que propugnamos é mais fechado e mais seguro, sob essa óptica, do que inclusivamente o sistema vigente em Espanha e em França.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães, para fazer uma pergunta.

O Sr. José Magalhães (PCP): - É a propósito de o sistema proposto pelo PS ser "mais fechado" e "mais

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seguro". Seguramente não é mais fechado e mais seguro que a Constituição, isso é óbvio - esse é o problema de fundo.

Não iria formular perguntas, ou fazer apreciações sobre o esquema proposto. Creio que a exposição do Sr. Deputado António Vitorino - que foi escrita - merece estudo e resposta escrita, se possível. Mas, em termos de pura oralidade, e segundo o princípio da imediação, houve uma coisa que me pareceu ressaltar dessa exposição: por mais estranho que pareça, é uma omissão. É que o Sr. Deputado António Vitorino disse (e agora na resposta até foi mais preciso e mais específico): as paraconstitucionais são "elemento estruturante, em qualquer caso, não entende o PS que possam aplicar-se no domínio da organização económica. Trata-se apenas aqui de modelar aspectos relacionados com a democracia representativa", por aí adiante.

Ora bem: nós julgávamos que tínhamos percebido a redacção que o PS apresentava para o artigo 83.° A primeira margem de equívoco situou-se quando alguém -coisa que, de resto, se deve dizer, foi alimentada pelo próprio PS- julgou ver no artigo 83.° uma previsão de autorizações de desnacionalização, caso a caso, por lei autorizativa a aprovar por maioria reforçada de dois terços. Eis que, em releitura, se veio gerando junto da opinião pública, e mesmo aqui nesta Comissão, a ideia de que não - trata-se apenas de aprovar uma lei de enquadramento, lei essa cuja natureza jurídica não é bem especificada. Em todo o caso, na leitura que disso fizemos, sempre foi pressuposto que tal lei seria paraconstitucional. Mas, como o Sr. Deputado António Vitorino agora referiu, no esquema apresentado pelo PS, a criatura normativa paraconstitucional é definida por três características, e não apenas por uma. Por outro lado, inversamente, também é possível dizer que aquilo que tenha uma das características pode não ser uma lei paraconstitucional. Por exemplo, para o PS uma lei pode ter valor reforçado e não ser paraconstitucional, uma lei pode ser aprovada por dois terços e não ser paraconstitucional. Mas pode ser paraconstitucional e não aprovada por dois terços?

Pergunto mais: a omissão - da solução respeitante ao artigo 83.° (e a toda a problemática da organização económica) - é significativa, é acidental, ou que significado é que pode ter?

Em segundo lugar: o PS entende que a componente maioria qualificada de aprovação, que é uma de três componentes - como o Sr. Deputado acabou de sublinhar, e insistiu em tressublinhar -, é uma componente acidental, aleatória, secundária, variável, eventualmente suprimível, no retrato que o PS traça das ditas "pes"? Na lógica do PS, é concebível que a criação dessa nova categoria de leis, com natureza semiconstitucional, possa traduzir-se num esvaziamento de partes da Constituição e numa espécie de transcendência da Constituição em relação a conteúdos adquiridos, mesmo alguns protegidos pela técnica dos limites materiais de revisão, com devolução ao legislador ordinário do poder alterador e conformador, não restringido sequer por uma maioria igual à maioria de revisão constitucional? Se é assim, creio que é uma clarificação notável de toda uma estratégia de revisão constitucional!

O Sr. António Vitorino (PS): - Considero uma deselegância e uma certa falta de pudor que o Sr. Deputado José Magalhães tenha sentido - só neste caso - a obrigação de ditar para a acta que eu tinha feito uma intervenção escrita. Posso-lhe fornecer cópia do que está aqui na minha mão...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Eu agradeço. Era nesse sentido, aliás, que fiz tal referência.

O Sr. António Vitorino (PS): - ... são apenas tópicos. Nunca, por exemplo, fiz nenhuma observação acerca dos inúmeros papéis que o Sr. Deputado José Magalhães traz para as reuniões da Comissão Eventual de Revisão Constitucional e de que se serve abundantemente, e de que nós todos temos beneficiado muito. O bom gosto é, naturalmente, uma questão subjectiva. Acho que pecou por falta de gosto.

Quanto à questão do problema da interpretação do artigo 83.° da Constituição: tinha eu a ideia - mas se calhar enganei-me - de que tínhamos sublinhado com suficiente clareza não termos qualificado a lei do artigo 83.° como uma lei paraconstitucional porque entendíamos que a razão que militava na exigência dos dois terços para a lei quadro de privatizações prevista no artigo 83.° era uma razão completamente distinta daquela que preside à elaboração do artigo 166.°-A da Constituição e do elenco de matérias que nele se contém. Entendíamos nós - como tive ocasião de dizer, penso, mas se calhar não ficou claro - que o caso dos dois terços na lei quadro das privatizações, prevista no artigo 83.°, era porque visava - porque lei transitória - pôr termo a um processo de protecção de nacionalizações que gozava de uma especial garantia de dois terços na Constituição. E, portanto, entendíamos que o desfazer desses acontecimentos historicamente datados, que estavam a coberto do artigo 83.º da Constituição, deveria ser feito com cautelas e com precauções que resultavam asseguradas através da exigência de uma maioria de dois terços de aprovação. Não eram as razões que eu aduzi para o artigo 166.°-A da proposta do PS. São razões estruturantes do Estado democrático que justificam, em nosso entender, que haja consensos alargados em torno destas matérias, até porque inclusivamente são matérias que na actual fórmula legislativa, na esmagadora maioria dos casos, já foram objecto de aprovação parlamentar por maiorias de dois terços, ainda que a Constituição não o postulasse, e que, portanto, não era susceptível de ser enquadrado no critério definidor das leis paraconstitucional o caso da lei quadro do artigo 83.° Portanto, nesse sentido, não há confusão possível entre o critério que presidiu ao elenco do artigo 166.°-A da nossa proposta e aquilo que é a exigência de uma lei quadro de privatizações aprovada por dois terços, constantes do artigo 83.° da nossa proposta.

Relativamente às várias soluções aventadas pelo Sr. Deputado José Magalhães, quanto à ligação entre a natureza de leis reforçadas e a natureza de leis paraconstitucionais, gostaria de esclarecer o Sr. Deputado José Magalhães que, independentemente da tentativa de antecipar considerações sobre estratégias de revisão constitucional, é evidente que valia a pena que o Sr. Deputado José Magalhães se tivesse entregue ao esforço de ouvir o que eu disse. O que eu disse foi que a exigência da maioria de dois terços, para aprovação das leis paraconstitucionais, permitiria que transitasse da Constituição um conjunto de normativos que nela hoje se contêm para leis paraconstitucionais, uma vez

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que estariam protegidas pelos mesmos dois terços e apenas receberiam o bónus digamos de não estarem sujeitas à limitação temporal que, em Constituição rígida, condiciona o exercício do poder constituinte derivado. Portanto, o pressuposto do aligeiramento da Constituição, em benefício das chamadas leis paraconstitucionais, é o de que as leis paraconstitucionais sejam aprovadas por uma maioria qualificada de dois terços.

Situação diversa é a das leis reforçadas do PCP, ou do CDS, onde não exigem uma maioria qualificada de dois terços. É evidente que nós, mesmo assim, achamos que esses mecanismos têm utilidade e são importantes para a clarificação do sistema normativo e, inclusivamente, para contemplar não só os casos que nós designamos por leis paraconstitucionais, mas também aqueles outros casos como o das leis de bases e os das leis de autorização legislativa, na definição da relação hierárquico-normativa entre essas leis e os actos legislativos delas decorrentes (os decretos-leis de desenvolvimento das leis de bases e os decretos-leis de uso das autorizações legislativas). Mas é evidente que o efeito translativo que as leis paraconstitucionais poderiam operar no sistema constitucional, ao fazerem a transferência da Constituição para os seus normativos de leis paraconstitucionais de normas constitucionais com a garantia da protecção dos dois terços, não existirá nas leis orgânicas, nas leis que são aprovadas por mera maioria simples ou mesmo por maioria absoluta. E, portanto, nunca o PS poderá consentir numa solução que se traduza em retirar da Constituição normas ou princípios que hoje nela se contêm, ou que nós entendemos que ela deve conter, e que estão protegidos pela maioria qualificada de dois terços em benefício de leis que, mesmo que reforçadas, não tenham a garantia do requisito processual de aprovação da maioria qualificada de dois terços. Isso é claro. E, portanto, a lógica do PS não é essa, embora nós reconheçamos que a proposta do PCP e a proposta do CDS apresentam aspectos positivos nas outras vertentes da questão que defini como os três critérios das leis paraconstitucionais, recobrem alguns dos critérios das leis paraconstitucionais, não recobrem todos os critérios das leis paraconstitucionais. O que significa que, em relação ao artigo 166.°-A da nossa proposta, a não aceitação - como parece que o PCP não aceita - da exigência dos dois terços para a sua aprovação não faz delas leis paraconstitucionais, como é evidente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação, para uma pergunta.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado António Vitorino, é para uma pergunta simplicíssima. Se bem que, nesta sua última intervenção, de alguma maneira, já tenha feito um pouco mais de luz sobre o essencial da minha pergunta, gostaria de lhe pôr uma questão. Recuperando os três critérios que enunciou, V. Exa. disse a certo ponto - e se não disse isto, peço que me corrija - que o critério dos dois terços, ou seja, o critério da maioria de aprovação, não seria, em determinados casos, um critério essencial, poderia ser deixado cair com alternativas. Designadamente falou V. Exa. nas fórmulas de fiscalização obrigatória. Nesta última resposta que deu falou de outra coisa: que não poderia admitir uma natureza translativa de preceitos e de normas, que estariam protegidos por uma maioria de dois terços, para uma aprovação por outra forma. Ora, a minha pergunta é esta: sendo certo que os dois terços poderiam ser deixados cair, como não absolutamente essenciais, como apenas um dos critérios das normas paraconstitucionais - aliás como citou o que aconteceria em direito comparado, por exemplo em Espanha - ou substituídos por outras fórmulas - como citou, por exemplo em França-, no caso de não estarem previstas estas matérias por dois terços, portanto não estar prevista uma necessidade da natureza translativa de aplicação desse mesmo critério para a Constituição depois de revista, V. Exa. admite ou não que seja possível existirem leis paraconstitucionais, mesmo dentro do elenco deste artigo 166.°-A, que não sejam aprovadas necessariamente por maioria de dois terços?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel, para uma pergunta.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Deputado António Vitorino, na alínea b) do artigo 166.°-A proposto pelo PS propõe-se o referendo a nível nacional e local. A pergunta que lhe coloco é extremamente simples: se a expressão "local", no seu entender, abrangerá a situação do referendo regional ou se, pelo contrário, não é possível tal situação, e porquê.

O Sr. António Vitorino (PS): - Começando pela pergunta do Sr. Deputado Carlos Encarnação: receio não me ter exprimido bem: eu não considerei que as fórmulas de fiscalização obrigatórias eram substitutivas das maiorias qualificadas de aprovação da lei - não são soluções alternativas, mas sim cumulativas, que resultavam da inspiração decorrente do facto de as leis orgânicas em França estarem sujeitas a fiscalização preventiva obrigatória pelo Conselho Constitucional. E nós entendemos que esse podia ser um mecanismo também útil de tomar em linha de conta na caracterização deste novo tipo de leis, destas leis especiais. Tentando esclarecer a questão, tal como a vejo: o problema dos dois terços de aprovação é, para nós, uma questão central e essencial para caracterizar estas leis como paraconstitucionais. Porque toda e qualquer acção translativa, de aligeiramento do conteúdo constitucional em benefício da lei ordinária, depende, como questão existencial e essencial, da garantia dos dois terços para aprovação dessa mesma lei. Não é possível pensar que o PS concorde com descarga do conteúdo constitucional em benefício de leis reforçadas que não tenham a garantia dos dois terços de aprovação. E portanto, nesse sentido, os dois terços são essenciais.

O que é que eu quis chamar à atenção quando enunciei os três critérios? Apenas para evitar que as já publicamente manifestadas recusas apriorísticas do critério dos dois terços impedissem a apreciação da proposta no seu todo impedissem apreciar as virtudes das leis paraconstitucionais, ou das leis reforçadas do PCP, ou das leis orgânicas do CDS, ou das próprias leis especiais que o PRD também propõe que não se resumem apenas à questão da maioria de aprovação. Há que considerar outras vertentes, como seja o elenco das matérias e a forma de determinação desse elenco, como seja as hipóteses de fiscalização especial, como seja o veto político só poder ser ultrapassado por uma maioria reforçada do Parlamento e o valor supralei ordi-

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nária de que essas leis se revestem. Portanto é um conjunto de elementos que fazem de todas estas leis paraconstitucionais orgânicas no caso do CDS, reforçadas no caso do PCP, leis com uma dignidade e um valor operativo particularmente relevante. O projecto do PS é claro, não há desconstitucionalização de nenhuma matéria referente ao elenco das leis paraconstitucionais que não tenha a garantia de que a maioria de dois terços requerida para essa desconstitucionalização esteja assegurada, no domínio da lei paraconstitucional. São dois elementos totalmente incindíveis e insusceptíveis de serem substituídos por toda e qualquer forma de fiscalização obrigatória da constitucionalidade.

Quanto à questão do referendo, não há referendo regional no sistema jurídico-constitucional português. Nem ninguém o propõe, que eu saiba. Há o referendo local, nos termos do artigo 241.°, n.° 3, da Constituição, e há o referendo nacional, deliberativo. Como as regiões autónomas não têm a característica de autarquias locais não se lhes pode aplicar o artigo 241.° da Constituição, e como não se podem fazer aí referendos de âmbito nacional, não se lhes aplica o instituto do referendo de nível nacional.

O Sr. Mário Maciel (PSD): - Não lhe parece ilógico que, havendo o mais e o menos, não haja o intermédio?

O Sr. António Vitorino (PS): - Mas a questão nesse caso não é apenas o problema do intermédio.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Por isso é que o PRD suprimiu a referência ao referendo local.

O Sr. António Vitorino (PS): - E resume tudo ao referendo nacional?

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Era para não se fazer esta pergunta óbvia.

O Sr. António Vitorino (PS): - É que a questão é a seguinte: é uma matéria que não está em cima da mesa porque nenhum projecto a propõe. Também nunca reflecti se essa matéria tinha cabimento ou não.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Sobre esta matéria não sei se deveria ou não associar-lhe a proposta do PRD sobre o artigo 171.°, n.° 5, que no fundo versa matéria mais ou menos semelhante. Significa, no essencial, que o PRD seguiu uma linha semelhante em alguns pontos à do PS no sentido de consagrar leis com processo legislativo reforçado. Mas o que não fez foi, e diria que por uma razão de não complicar excessivamente as estruturas normativas, destacar hierarquicamente e até em termos de estatuto certo tipo de actos normativos intermediários, chamemos-lhe assim, entre a lei constitucional e a lei ordinária. Aproveitou o balanço do que estava hoje no artigo 171.°, n.° 5, que nem sequer abandonou o lugar, em que já se previa que tivesse de ser aprovada por dois terços a lei relativa à restrição dos direitos dos militares, e alargou significativamente o elenco das matérias em que essa exigência de dois terços seria estabelecida. Trata-se de uma diferença, não discuto sequer; penso no entanto que qualquer dos caminhos é possível mas há uma diferença de técnica, isto é, no projecto do PRD mantivemo-nos no quadro de uma lei ordinária com processo legislativo especial, de tal modo que se esse processo legislativo não for respeitado acontecerá que há uma inconstitucionalidade formal. Em todo o caso, o facto de o PRD ter apresentado propostas nesta matéria tem algum significado, porque do PS poderá sempre dizer-se que a proposta da exigência de dois terços nestes domínios é uma proposta interessada. Do PRD dificilmente se poderá dizer isso. Pelo contrário, todo este sistema dos dois terços pode permitir facilitar um certo tipo de acordos entre os maiores partidos que marginalizem os partidos menores. Em qualquer caso, isto significa que nos pareceu que existem razões de fundo, para além de interesses partidários, muito pesadas para que se procure caminhar no sentido de que aquilo que é materialmente constitucional ou que no essencial o é, e que deixará de estar na Constituição ou nunca lá esteve apenas porque, se lá estivesse, a Constituição em vez de ter 300 artigos teria 600, devesse ser objecto de consenso relativamente amplo como objecto que têm de ser, desse consenso, as normas constitucionais.

Se o facto de termos apresentado uma proposta nesse sentido puder avalizar a bondade da solução e avalizar a proposta que é apresentada pelo PS, ficarei contente.

Direi que o nosso elenco de matérias das leis de processo especial, digamos assim, é bastante mais amplo que aquele que consta do artigo 166.°-A, na proposta do PS. Porque nós, no fundo, além daquilo que é estruturante do sistema democrático, remetemos para essa legislação por dois terços tudo o que respeita a órgãos constitucionais. O regime do Conselho de Comunicação Social e Alta Autoridade, Conselho Superior da Defesa Nacional, etc., estaria remetido para lei de dois terços. É evidente que faço uma distinção da importância das coisas, e para o PRD é essencial a extensão da exigência dos dois terços a matérias como o estado de sítio ou de emergência, ou de regime do referendo, associações ou partidos políticos, eleições e diria organização, competência e processo do Tribunal Constitucional. Para outras matérias a questão seria porventura menos importante.

Em todo o caso, dentro destas leis de processo especial que propomos, uma, que por não se referir propriamente à estrutura do poder político e por poder talvez confundir-se com a lógica que o PS seguiu, tendo todavia uma lógica diferente, merece particular referência, seria a lei de definição de sectores estratégicos, prevista na nossa proposta. Vou aproveitar, se me dão licença, para dizer duas palavras sobre essa matéria, porque não estava cá na altura em que a questão foi discutida, que faz parte da nossa proposta para o artigo 88.°, isto é, o preceito que substituiria o artigo 85.° Remeteríamos portanto para lei com processo especial ou com processo reforçado a definição dos sectores estratégicos da economia nos quais é vedado ou limitado o acesso à iniciativa privada - porque admitimos que haja sectores estratégicos onde não se vede mas apenas se limite aquele acesso. A razão desta proposta do projecto do PRD reside, no fundo, no seguinte: é que, havendo um conceito constitucional de sector estratégico e operando esse conceito não

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1322 II SÉRIE - NÚMERO 42-RC

só no regime de acesso da actividade empresarial, mas também na própria possibilidade de desnacionalizar, pensamos que é um conceito que não pode ficar na Constituição como um conceito aberto e quase totalmente indeterminado. Isto é, ou se especificam na Constituição os critérios de definição dos sectores estratégicos ou então essa definição é ainda materialmente constitucional pelos efeitos que tem a nível constitucional e seria rigorosamente indispensável que exigisse uma forma processual especial. Com uma diferença em todo o caso que considero extremamente importante relativamente ao projecto do PS. Do nosso ponto de vista, apenas a lei que define os sectores estratégicos, apenas a definição dos sectores estratégicos, exigirá a maioria de dois terços. Todo o regime de nacionalização ou desnacionalização será feito por lei votada em termos normalíssimos, porque entendemos que é a maioria que deve decidir nessa matéria, livremente, e porque a conjuntura varia e o que hoje é uma certa obsessão privatizadora pode tornar-se amanhã num regresso a outros caminhos. Devo confessar que sou dos que estão convencidos de que as nacionalizações mesmo nas economias capitalistas, não terminaram. Continuo convencido de que haverá nova vaga de nacionalizações, determinadas não já por razões de natureza, diria, social e política, mas por razões de independência nacional. Creio que começa a sentir-se mesmo nos países europeus mais frágeis isso mesmo. Quem passa uns dias no estrangeiro não ouve falar senão em ofertas públicas de aquisição, e admito que a salvaguarda da independência nacional venha a requerer que se renacionalizem empresas com o estrito objectivo de impedir o acesso ou o controle de capitais estrangeiros. Seja como for, creio que a possibilidade, num quadro de limites constitucional, de nacionalização ou de desnacionalização deve pertencer à maioria. Mas o PRD pensa que, além de haver restrições às possibilidades de desnacionalização - aquelas que partem do pressuposto da subordinação do poder económico ao poder político -, deverá haver uma definição, se o conceito constitucional de sectores estratégicos se mantiver e se se mantiver aberto, e essa definição constitucional deverá requerer um processo legislativo especial.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - O Sr. Deputado Miguel Galvão Teles sublinhou, como divergência com o PS, uma coisa que por acaso não é divergência com o PS e que só se explica quando discutimos o artigo 83.°

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Não estava cá.

O Sr. António Vitorino (PS): - V. Exa. não estava presente, mas tivemos ocasião de explicar que na nossa lógica o artigo 83.° deveria dar origem a uma lei quadro definidora do processo de privatizações, aprovada por dois terços, a qual contivesse as regras fundamentais a observar no processo das privatizações, tendo em linha de conta os elementos que dessas regras relevam para garantir a independência do poder político face ao poder económico. Mas nunca entendemos a nossa proposta, e tivemos ocasião de o explicar no debate do artigo 83.°, como sendo essa lei quadro que dissesse quais as empresas a privatizar. Isso entendemos que é uma decisão da maioria de governo, que a deve tomar livremente e por ela deve ser responsabilizada.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Se me permitem uma observação, diria que em todo o caso há diferenças. E diferenças por dois lados. Por um lado, porque nós fazemos incidir a exigência de dois terços exclusivamente na definição dos sectores onde seria vedado ou limitado, onde seria necessariamente vedado ou limitado o acesso à iniciativa privada. Não já em matérias, por exemplo, de processo de privatizações. Além disso, tentávamos definir quais eram os domínios onde não poderia haver privatizações, ou seja, serviços públicos, empresas em situação de monopólio ou de domínio de mercado. Acresce que abrangemos empresas que sejam publicas, e não só as nacionalizadas, porque a não ser assim qualquer dia desnacionaliza-se a Caixa Geral de Depósitos com o argumento de que não foi nacionalizada...

O Sr. Presidente: - Não ficava nada de fora.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Porquê?

O Sr. Presidente: - Isso cobre tudo, cobre o actual sector público.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Dependia sobretudo de pôr ou não pôr lá os bancos e os seguros.

O Sr. Presidente: - Fica registado para amanhã o pedido de palavra da Sra. Deputada Assunção Esteves. Era para pedir a palavra, o Sr. Deputado José Magalhães?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não é para uma intervenção de fundo, mas por causa daquilo que há pouco quis dizer e não foi possível por razões e perturbações que respeitei. Gostava só de sublinhar, em homenagem às regras pelas quais nos temos pautado, que a alusão que fiz à técnica expositiva escolhida pelo Sr. Deputado António Vitorino visou, tão-só, sublinhar o especial cuidado que esse Sr. Deputado entendeu aplicar a uma matéria destas, fundamental para a estratégia da revisão constitucional do PS, mas que também é relevante para todos nós.

O Sr. Deputado António Vitorino - sabe-se lá porquê! - interpretou isto pessimamente, de uma forma perturbada que não tem qualquer razão para utilizar em matérias que, neste plano e nesta Comissão, têm sido razoavelmente bem discutidas.

Quanto ao fundo da questão, as explicações que forneceu suscitam-me as mais vivas objecções, que serão expressas amanhã, pela forma própria - recorrendo a elementos escritos que farei por que sejam abundantes!

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7 DE OUTUBRO DE 1988 1323

O Sr. Presidente: - Se precisarem de padrinhos para duelo ofereço-me.

O Sr. António Vitorino (PS): - A minha observação, quanto mais não fosse, teve a utilidade de permitir ao precisar os objectivos que o Sr. Deputado José Magalhães perseguia quando fez a observação que fez, não deixar aos leitores das actas nenhum equívoco nessa mesma interpretação.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, retomaremos os nossos trabalhos amanhã às 10 horas e 30 minutos.

Está encerrada a reunião.

Eram 20 horas e 10 minutos.

Comissão Eventual para a Revisão Constitucional

Reunião do dia 6 de Julho de 1988

Relação das presenças dos Srs. Deputados

Carlos Manuel de Sousa Encarnação (PSD).
António Costa de Sousa Lara (PSD).
Carlos Manuel Oliveira e Silva (PSD).
José Luís Bonifácio Ramos (PSD).
Licínio Moreira da Silva (PSD).
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD).
Maria da Assunção Andrade Esteves (PSD).
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Mário Jorge Belo Maciel (PSD).
Rui Alberto Limpo Salvada (PSD).
Manuel António de Sá Fernandes (PSD).
Jorge Lacão Costa (PS).
Miguel Galvão Teles (PRD).
João Manuel Caniço de Seiça Neves (ID).

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