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Quarta-feira, 19 de Outubro de 1988 II Série - Número 46-RC
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1988-1989)
II REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
ACTA N.° 44
Reunião do dia 13 de Julho de 1988
SUMÁRIO
Finalizou-se a discussão do artigo 180. ° e respectivas propostas de alteração.
Procedeu-se à discussão da proposta de artigo novo - artigo 180.°-A -, da autoria dos deputados Carlos Lélis, Cecília Catarina, Guilherme da Silva e Jardim Ramos, do PSD, subscritores do projecto de lei de revisão constitucional n.º 10/V, dos artigos 181.° e 183.° e respectivas propostas de alteração, das propostas de artigo novo - artigo 183.°-A -, apresentadas pelo PCP e pelo PS, dos artigos 184.° e 185.° e respectivas propostas de alteração, da proposta de artigo novo - artigo 185.°-A -, apresentada pelo PCP, e dos artigos 187.°, 191.° a 195.° e 198.° a 200.° e respectivas propostas de alteração.
Durante o debate intervieram, a diverso título, para além do vice-presidente, Almeida Santos, no exercício da presidência, pela ordem indicada, os Srs. Deputados José Magalhães (PCP), José Luís Ramos (PSD), Carlos Encarnação (PSD), Costa Andrade (PSD), António Vitorino (PS), Jorge Lacão (PS), Miguel Galvão Teles (PRD), Maria da Assunção Esteves (PSD), Alberto Martins (PS) e Carlos Lélis (PSD).
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O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 15 horas e 55 minutos.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, dada a extensão e até em alguns pontos a minúcia do debate que ontem travámos, serão muito sucintas as considerações a fazer neste momento, inclusivamente porque tudo ficou dependente de alguma releitura de certas propostas.
Gostaria de sublinhar que o PSD se move neste domínio com uma argumentação por paradoxos. Por um lado, considera que as propostas do PCP seriam flageláveis com a acusação de que conduziriam a um resultado inverso daquele que é preconizado e proposto (o PCP, disse ontem o Sr. Deputado Carlos Encarnação com ar sentencioso, acabaria por debilitar aquilo mesmo que a Constituição hoje consagra); por outro lado, o PSD ataca estas propostas invocando que o PCP teria terríveis objectivos de "distorcer", e até mesmo de "inverter", o estatuto de que o Governo beneficia nesta matéria. Em alguma altura, os Srs. Deputados hão-de ter de optar por um outro tipo de argumentos. Pese embora o vosso estimável pluralismo, terão um dia de dizer coisa com coisa, concertada e unívoca, nesta matéria; hão-de ter de optar por uma bitola.
Na verdade, a título nenhum a proposta do PCP debilita o quadro decorrente do texto actual; pelo contrário, ela procura reforçar aquilo que é débil e aditar novos elementos de protecção que claramente faltam e que têm dado origem (como de resto ontem vários Srs. Deputados e inclusivamente o Sr. Deputado António Vitorino puderam sublinhar) a equívocos, dificuldades de relacionamento, atritos e outros aspectos que só podem qualificar-se como negativos no relacionamento Governo-Assembleia da República e Assembleia da República-Governo. É totalmente insustentável afirmar-se que o n.° 3 proposto pelo PCP é "pior" que o n.° 3 actual. Srs. Deputados, qualquer cotejo entre a redacção actual e um poder de solicitar que nela é previsto e o dever previsto no n.° 3 do PCP, nos termos em que este se encontra estatuído, elimina quaisquer dúvidas que uma leitura apressada, distraída ou pura e simplesmente irónica poderia traduzir.
Por outro lado, dizer-se que as propostas seriam "vagas" e "defensistas", aludindo, designadamente, ao uso de cláusulas como a constante da parte final do n.° 5 proposto pelo PCP, também nos parece argumentação flébil e francamente deficiente. Transparece das intervenções de certos dos Srs. Deputados, muito em particular da intervenção do Sr. Deputado José Luís Ramos, a mais defensista das visões sobre o funcionamento da instituição parlamentar. Aquilo que são, nos mais diversos regimes, expressões normais das relações entre os deputados e os membros do Governo, do órgão de soberania Assembleia da República e do órgão de soberania Governo, são encaradas no seu discurso como, terríveis formas de "afrontamento", como perigosas manifestações de "hiperparlamentarismo" (sic).
Existe da parte dos Srs. Deputados (como naquelas velhas fitas série B de úpofar-west em que "o melhor índio é o índio morto") a ideia de que o melhor parla-
mento é o parlamento dês vitalizado, paraplégico, com uma actividade fiscalizadora baixa ou nula, em que os ministros aparecem quando lhes apetece, tabaqueando com elegância, se assim entenderem, mas indisponíveis para serem sujeitos a convocação pela Assembleia, que é uma prerrogativa fundamental.
O Sr. Deputado António Vitorino teve aqui ontem a ocasião de expor um outro cenário, uma outra imagem, um outro arquétipo para o relacionamento entre o Governo e a Assembleia: um arquétipo em que ele próprio imaginava o risco de os ministros jogarem na superioridade decorrente do facto de terem apoio técnico, e não apenas técnico, de poderem jogar na vantagem decorrente da informação e do poder decorrente do saber, para, no terreno da acção, estabeleceram concorrência, estabelecerem confronto de ideias com os deputados. E aí tudo, infelizmente (nas presentes circunstâncias, claro, não no modelo, pelo qual nos batemos), joga em desfavor do Parlamento, que não tem condições de apoio, que não tem sequer regras de apoio em matéria de informatização que permitam, por exemplo, resolver certo tipo de coisas que estão perfeitamente ao alcance de uma estrutura que disponha desses meios - e o Governo dispõe desses meios. Se há alguma coisa que, em termos modernos, permita deslocar a relação tradicional entre órgãos de soberania e até quebrar ideias de separação, concentrando poderes no Governo, é precisamente o facto de, em termos de informação, o Governo, a certa altura, deter imparavelmente monopólios de informação em detrimento do Parlamento...
As nossas propostas visam quebrar, matizar ou minimizar os inconvenientes de todos estes aspectos. E só, repito, à luz da concepção mais defensista, à luz da qual os ministros devem vir o menos possível à Assembleia, só o devem fazer se assim entenderem, etc.., é que se pode sustentar aquilo que ontem foi sustentado pelos Srs. Deputados do PSD.
A última observação prende-se com a dicotomia perfeitamente plástica e artificial que o Sr. Deputado Carlos Encarnação estabeleceu entro o oral e o escrito nas perguntas ao Governo. Identificar as perguntas orais com a "superficialidade", o "momentanismo", a "impreparação" e as perguntas escritas com o carácter "acabado" e "ponderado" é uma mistificação das mais graves. Em regra, aquilo que acontece nos parlamentos com o mínimo de vitalidade é o contrário! O escrito é o domínio da cenarização, do "ponto" que dos gabinetes vai debitando ao ministro ou ao secretário de Estado a rotinada lição. O imprevisto é o sobre-o-quente, o responsável, o maximamente responsável, porque não resulta de lição trazida de casa. O membro do Governo perguntado enfrenta uma questão política perante o Parlamento em condição de igualdade de armas, que é, ao que parece, aquilo que mais aterroriza os Srs. Deputados do PSD.
Como sabem, em certos parlamentos nem sequer são autorizados elementos escritos senão como elementos de referência, e as leituras de discursos não são permitidas. Na situação de experiência portuguesa, não estamos em condições de partir para um modelo desse tipo. Mas, em matéria de perguntas, desligarmos as sessões de perguntas de um ritual artificial em que o Governo decide se pretende ou não responder à pergunta, escolhe a pergunta a que quer responder, estuda a resposta em casa, transformando-a numa espécie de peça repe-
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titiva, etc., é seguramente desvalorizador. E a nossa proposta visa precisamente uma descolagem para a valorização, em termos de imediação, de capacidade de ligação às coisas.
Creio que estes factores devem ser ponderados na apreciação das propostas em debate, para que seja possível agilizar e vitalizar neste ponto o relacionamento Governo-Assembleia da República.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos para se pronunciar sobre esta matéria; aliás, já requentada. Já vem de ontem.
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Presidente, em relação à matéria já requentada, não fui eu que iniciei o incidente mas, dado o meu nome ter sido referido, pretendia fazer duas ou três precisões.
A primeira precisão é que, de facto, disse ontem e reafirmo hoje que a proposta do PCP está imbuída de um hiperparlamentarismo. Aliás, o PCP ontem (hoje já não) fazia uma das justificações salientando que assim acontece no Reino Unido, que a Constituição Britânica tem mecanismos semelhantes a estes...
O Sr. José Magalhães (PCP): - É geralmente sabido que na experiência parlamentar britânica a comparência de ministros às reuniões, para diálogos "a quente" sobre toda a espécie de temas, é tão proverbial e típica como o Big Ben! É inegável a semelhança entre isso e alguns dos traços da nossa proposta.
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Obviamente, em relação a alguns deles... De todas as maneiras, o que eu ontem disse e que hoje reafirmo é que o figurino da Constituição Britânica está muito longe do da Constituição Portuguesa. Não basta colherem-se comparações; há que, pelo menos, buscar um tertium comparationis.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É verdade, Sr. Deputado, não temos rainha...
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Quanto à proposta proriamente dita, e nomeadamente no n.° 2 (é isso que me choca), tudo aquilo que é hoje disposto em termos de inciso constitucional, é-o na perspectiva de que para a participação dos membros do Governo na Assembleia da República, seja no Plenário e mesmo em comissões, existe ou poderá existir um prévio acordo entre o Governo e a Assembleia da República. E a proposta do PCP está dotada de uma perspectiva de que o Primeiro-Ministro e os membros do Governo estão obrigados a comparecer na Assembleia da República, em caso de solicitação de qualquer comissão, para responderem e prestar esclarecimentos a perguntas e pedidos de esclarecimento dos deputados. Ora, isto pode levar muitas vezes à paralisia do Governo. Ninguém pretende, e eu não pretendo com certeza (far-me-ão essa justiça), que o Governo nunca compareça na Assembleia da República ou que compareça muito poucas vezes. Mas daí ao extremo que o PCP propõe é um grande exagero, com que não posso de forma nenhuma estar de acordo.
Eram estas as precisões que pretendia fazer relativamente aos comentários do Sr. Deputado José Magalhães sobre a minha intervenção.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, não vou responder letra por letra às insinuações do Sr. Deputado José Magalhães, mas apenas diria que, para clareza das minhas posições, bastará ler a acta da reunião anterior. Consequentemente, é inútil referir argumentos que já utilizei da última vez: não vou repeti-los, não vou desdizer aquilo que V. Exa. disse, porque disse incorrectamente. Se V. Exa. quiser reler a acta da reunião anterior, se tiver a paciência de o fazer, verá que tudo o que disse é exactamente o contrário daquilo que eu afirmei.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, iríamos passar à apreciação do projecto n.° 10/V, apresentado por um grupo de deputados da Madeira. No entanto, não se encontra presente nenhum dos proponentes.
Algum dos Srs. Deputados pretende pronunciar-se sobre esta proposta? Trata-se aqui - artigo 180.°-A - de prever que delegações dos parlamentos das regiões autónomas tenham o direito de participar nas reuniões das comissões em que estejam em causa matérias relativas à região, direito que hoje não têm sequer os membros do Governo. Pela nossa parte, a abertura é quase nenhuma. No entanto, se pretenderem pronunciar-se sobre esta proposta, façam favor.
Pausa.
Dado que nenhum dos Srs. Deputados pretende usar da palavra sobre esta proposta, passaremos à apreciação do artigo 181.°, que se refere às comissões. Ò PCP apresentou uma proposta para o n.° 6, no sentido de não só as presidências deverem ser repartidas pelos grupos parlamentares, na proporção do número dos seus deputados, mas também os demais cargos das comissões, designadamente as vice-presidências.
Por seu lado, o PS apresenta uma proposta para o n.° 3, segundo a qual "as petições dirigidas à Assembleia da República serão apreciadas por uma comissão permanente especialmente constituída para o efeito, a qual poderá ouvir as demais comissões competentes em razão da matéria". Esta proposta vem na sequência da que fizemos para o artigo 52.°, no sentido de que as petições que tiverem um grau suficiente de representatividade a definir na lei, devem ser obrigatoriamente discutidas no Plenário, o que, naturalmente, implicaria que elas tivessem um tratamento diferente do actual. As diversas comissões têm mais com que se entreter, o que não lhes permite levar a sério, o bastante, toda a volumosíssima correspondência que recebem com petições, representações, protestos, etc.., limitando-se em regra a uma leitura rápida, por vezes com alguma resposta mais ou menos lacónica, mas, na generalidade, sem resposta nenhuma. A valorização das petições seria uma forma de reforçar a participação dos cidadãos na vida política nacional. Ora, a existência de uma comissão permanente que, ouvindo as demais comissões em razão da matéria, tivesse apenas por função receber, estudar, pedir elementos e responder permitiria aproveitar muitas sugestões úteis que se perdem porque não existe esta estrutura.
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Por outro lado, no n.° 4, propomos: "Sem prejuízo da sua constituição, nos termos gerais, as comissões parlamentares de inquérito são obrigatoriamente constituídas sempre que tal seja requerido por 40 deputados em efectividade de funções". E não um quinto como hoje, ou seja, 50 - "até ao limite de duas por deputado e por sessão legislativa". Hoje o limite é de uma por deputado e sessão legislativa. Uma por deputado e sessão legislativa é na verdade muito pouco, de forma que, em nosso entender, este pequeno reforço dos direitos dos partidos da oposição parlamentar justifica-se plenamente. Propomos ainda que as comissões parlamentares possam "solicitar o depoimento de quaisquer cidadãos" - tal como hoje - "e requisitar a presença de quaisquer funcionários ou agentes da Administração Pública, bem como dirigentes ou empregados do sector empresarial do Estado". É esta a novidade.
O PRD pretende que o direito consignado no n.° 4 passe a ser exercido não apenas por um quinto dos deputados, mas também por cada grupo parlamentar, até ao limite de uma comissão por deputado e por grupo parlamentar. O PRD propõe também um novo n.° 4, no sentido de que "o requerimento de constituição de comissão parlamentar de inquérito deverá identificar, precisa e claramente, o facto ou factos a inquirir". Parece-me isto um pouco regimental, mas veremos... Quanto ao n.° 6, a primeira parte é idêntica ao preceito actual e acrescenta-se algo quanto às comissões parlamentares de inquérito, "as quais serão necessariamente presididas por um deputado escolhido de entre três indicados pelos requerentes do inquérito". Com esta alteração, não se aplicaria a regra geral da presidência das comissões, mas sim esta nova regra.
Para justificar a proposta do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As finalidades da proposta são evidentes. A prática parlamentar, ainda nesta própria legislatura, tem vindo a ter em conta este desiderato de representação proporcional alargada. Assim, não se afunilou o critério a usar para as presidências e excede-se hoje a própria garantia constitucional. A colocação da Constituição de acordo com a realidade, neste ponto, parecer-nos-ia meritória, uma vez que esse entendimento pode vir a revestir-se de campos de aplicação, os mais diversos. A explícita, alargada e inequívoca consagração constitucional deste princípio, com esta dimensão, seria evidentemente ã mais satisfatória das soluções. Nesse sentido a propusemos e entendemos que valeria a pena que em torno dela se formasse um consenso. A razão é óbvia: é a de acrescer garantia de um pluralismo em todas as suas dimensões, num universo em que não há razão para ele não abranger os outros cargos parlamentares além das providências.
O Sr. Presidente: - Não estando presente nenhum representante do PRD para apresentar a sua proposta, talvez algum dos meus camaradas do PS queira acrescentar algo sobre as propostas do PS.
Pausa.
O PS dá assim a sua proposta por apresentada. Algum dos Srs. Deputados pretende usar da palavra sobre o conjunto das propostas?
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, em relação a estas propostas temos, por enquanto, uma posição de certa reserva, designadamente no que concerne à proposta do PCP. Quanto ao fundo das propostas, nada temos contra: penso que um certo princípio de proporcionalidade é da essência das coisas e já hoje, independentemente do conteúdo destas propostas, as coisas assim funcionam. O uso da palavra pela nossa parte nesta matéria tem desde logo o sentido e o significado hermenêutico de, para eventual aplicação do direito, afirmar que, do nosso ponto de vista enquanto legisladores constituintes, na parte em que contribuímos para a formação da vontade do legislador constituinte, a ideia de uma certa proporcionalidade deve ser mantida. No entanto, temos muitas dúvidas sobre se esta ideia tem dignidade constitucional e se não se deve privilegiar na Constituição a questão das presidências, deixando o resto para o Regimento, sendo certo que não nos estamos a furtar a este contributo, que vale - repito - como fonte hermenêutica, como uma certa parcela da vontade histórica do legislador. Contudo, não nos parece que o alargamento deste princípio seja necessário e tenha dignidade constitucional. Se começamos por aqui, podemos levar isto longe de mais, aos demais cargos, aos vice-presidentes, aos secretários, etc. Penso que isso está na lógica das coisas: já assim é, independentemente do que preceitua a Constituição, e talvez valha a pena privilegiar a presidência nesta sede.
Quanto às propostas do PS, a sua aceitação ou não está em boa parte dependente das posições que tomámos em relação ao artigo 52.°. isto é, em matéria de regime das petições. Se este regime vier em definitivo a ser aprovado, colocar-se-á então o problema de funcionalizar a organização da Assembleia da República no que às comissões concerne, a fim de dar a melhor execução pragmática ao desiderato aprovado no artigo 52.° Sem qualquer tomada de posição definitiva, diria que não sei se ganharemos muito em ter uma comissão permanente especializada de petições, que seria, no fundo, a distribuidora. O que é que seria mais rápido? Que a petição fosse directa à comissão que tem qualquer assunto nas mãos...
O Sr. Presidente: - Só que tem muitos mais, Sr. Deputado. Esta só teria estes.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - No fundo, esta comissão especializada seria uma mera distribuidora de serviço...
O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado. Será uma coordenadora de serviços.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Pensa que se ganhará alguma coisa com isso, Sr. Presidente? Suponha que há já uma comissão de petições que versa, por hipótese, um assunto relativo à revisão constitucional. Nunca nos livraríamos de sermos nós a tratar disso!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Costa Andrade, tem um bom exemplo na Comissão Eventual para a
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Revisão Constitucional. Nós não temos tempo para ler as petições que aqui nos chegam todos os dias.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, não acredito que essa tal comissão permanente pudesse dar uma resposta minimamente adequada sem que a petição fosse analisada aqui. Se o assunto é a revisão constitucional...
O Sr. Presidente: - Nuns casos isso forçava-nos a vir aqui. Em outros, não precisaríamos. Era, apesar de tudo, uma entidade que só tinha por função responder aos cidadãos e tomar em conta as suas opiniões. Quem já trabalhou em comissões sabe que não têm possibilidade de ligar a mínima importância às petições que recebem. Não têm tempo, não têm disponibilidade de espírito e, quando respondem, fazem-no só para se livrar, de qualquer maneira, do papel. Muitas ficam por resolver e no fim de uma sessão legislativa são mais que muitos os papéis que não tiveram resposta. A experiência diz-nos - repito - que as comissões não têm disponibilidade, nem de espírito nem de tempo, para poderem responder às petições que recebem. Se houvesse uma comissão que chamasse as pessoas para as ouvir, estas sentir-se-iam atendidas, respeitadas, úteis. Era uma comissão que, em termos de participação democrática, tinha um significado enorme.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, estamos a discutir as coisas não na base dos princípios, mas na base daquilo que é melhor e mais pragmático. Reconheço alguma procedência à argumentação do Sr. Presidente, mas penso que contra ela se podem invocar várias razões. Como é evidente, quem faz as petições são os cidadãos relativamente informados, e devemos desejar que o sejam cada vez mais. O facto de haver uma comissão especializada, que não levasse desde logo o assunto à comissão competente, poderia constituir, desde logo, uma fonte de frustração, provocando da parte dos peticionários reacções do tipo: "A nossa petição nem sequer chegou aos peritos, nem sequer essa dignidade teve!"
O Sr. Presidente: - Seria uma caixa de ressonância, que poderia, inclusivamente, canalizar para os grupos parlamentares ideias muito úteis para iniciativas legislativas. Há ideias excelentes que se perdem e as pessoas sentem-se frustradas, porque, por vezes, produzem trabalho importante e, no fim, ninguém responde. É uma frustração!
Dava conteúdo ao direito de participação dos cidadãos.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, esta é apenas uma primeira reacção, dependente de uma posição definitiva, embora não vinculativa.
O Sr. António Vitorino (PS): - O direito comparado está connosco!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, queria apenas complementar a posição do Sr. Deputado Costa Andrade em relação ao n.° 4 proposto pelo Partido Socialista.
O n.° 4 é eminentemente dependente daquilo que se vier a determinar em relação ao número de deputados. Portanto, se, nesta altura, se fixar aqui 40 deputados em efectividade de funções poderá ser - e se vier a ser aceite a posição defendida pelo Partido Social-Democrata - uma posição diminuidora em relação ao que nesta altura se estatui.
Vozes.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Bem sei que VV. Exas. não o querem. De qualquer maneira, penso que seria mais adequado e prudente estabelecer uma proporção do que um número.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, em defesa da proposta do Partido Socialista, e em relação às observações feitas pelo Sr. Deputado Costa Andrade, gostaria de chamar a atenção para a circunstância de este princípio da especialização funcional de uma comissão corresponder a um dever específico do Parlamento como contrapartida de um direito que já está consagrado, que é o direito de petição dos cidadãos, mas cuja eficácia até ao momento tem sido bastante diminuta. Ora, se quisermos criar condições institucionais para dotar de eficácia o exercício desse direito teremos de encontrar mecanismos institucionais de resposta. Um dos mecanismos institucionais de resposta é, porventura, o da especialização funcional de uma comissão, naturalmente articulando-se sempre em função da matéria com as comissões que tiverem ligação pertinencial ao objecto da petição, conduzindo a que as petições, de uma forma tempestiva, tenham efectivo acolhimento na Assembleia da República. O que agora se passa é o seguinte: as comissões da Assembleia da República têm a seu cargo, por via de regra, um vasto conjunto de matérias e estão sempre condicionadas aos ritmos de agendamento do Parlamento. As petições que lhe são dirigidas vão, frequentemente, ficando relegadas para momento mais oportuno. O que acontece é que o momento mais oportuno acaba, muitas vezes, por não chegar. Assim, a contrapartida do direito de petição, que é o dever de resposta, acaba por não se verificar. Penso que temos de encontrar uma solução institucional para este problema.
Se deixássemos ficar tudo como agora penso que a capacidade de resposta das comissões continuaria bastante diminuída. Assim, creio que a especialização de uma comissão não só vem resolver a questão da tempestividade da resposta a dar pela Assembleia da República como, simultaneamente, pode vir a revelar-se um órgão didáctico ao nível do relacionamento com os cidadãos. E porquê? É que as petições colocam, naturalmente, em causa problemas de direitos da mais variada natureza, designadamente direitos fundamentais. Para além das petições, há outros tipos de representação, que podem não ter a natureza jurídica de petição, mas que nem por isso deverão deixar de ser consideradas pela própria comissão de petições.
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Havendo um conjunto de deputados cuja função é justamente velar pela resposta e pelo bom encaminhamento dessas petições e dessas representações, a Assembleia da República acabará, por essa via, por encontrar mecanismos institucionais para levar mais longe as questões suscitadas pelos cidadãos - não apenas para tratá-las em sede parlamentar, mas, porventura, para encaminhá-las para outras instâncias do Estado, designadamente da Administração Pública, onde os problemas tenham, em última análise, de desaguar. Alguém na Assembleia da República deve ser especialmente responsabilizado pela boa resposta a este tipo de problemáticas. Todos nós consideramos que essas respostas deveriam ser dadas, mas ninguém se considera suficientemente responsabilizado para as dar.
Penso pois, pelas razões que acabei de sublinhar, que esta inovação se justificaria.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, creio que não é por aí que vamos travar uma guerra. De resto, a divergência reside apenas no melhor juízo para viabilizar e dar eficácia prática ao direito de petição. Penso que sobre isso poderemos arranjar uma solução para a qual se consiga obter consenso.
De qualquer modo, continuo convencido de que esta não é a melhor solução. Essa comissão seria uma comissão saneadora, que receberia o expediente, aumentaria a complexidade do sistema e canalizaria o assunto para a comissão competente em função da matéria. Volto ao exemplo que há pouco referi: se alguém quiser fazer uma petição...
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado, só gostaria de juntar um outro argumento, que tem uma validade relativa, na medida em que não temos utilizado o critério em sede regimental e a propósito das outras comissões.
Há uma recomendação do Parlamento Europeu que vai no seguinte sentido: os parlamentos nacionais dos Estados membros devem procurar adequar, até onde seja possível, as respectivas comissões parlamentares à estrutura das comissões do Parlamento Europeu. É discutível saber se esta recomendação deve ou não ser seguida, mas, pelo menos, vale a pena tê-la em consideração. Tê-la em consideração neste ponto significa também tomar em linha de conta que nessa sede também já está criada uma comissão de petições. Não me repugna admitir que muitos dos temas que, com mais acuidade, no futuro se colocarão se levantarão também num domínio que poderá implicar essa instância supranacional. Assim sendo, penso que essa seria uma forma mais adequada de relacionamento. Repito: era bom que pudéssemos ter no Parlamento Português uma comissão de petições, que em muitos casos teria de procurar o relacionamento com a sua congénere em sede de Parlamento Europeu.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Naturalmente, não posso contestar os argumentos que vêm da bancada do Partido Socialista, os quais têm a sua validade. Não estamos aqui a contrapor princípios em termos tais que se um é verdadeiro o outro é falso. Há vantagens de um lado e desvantagens do outro. Assim, a discussão não pode ser feita em termos absolutamente conclusivos.
Volto ao exemplo que referi há pouco e que o Sr. Presidente considerou feliz em abono da tese do Partido Socialista, que é o seguinte: não acredito que uma petição relacionada com o processo de revisão constitucional em curso pudesse ter uma resposta com alguma eficácia e dignidade que não fosse dada por nós.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o respeito que nos merece uma pergunta feita por uma comissão do Parlamento e a pressão que isso exerce sobre nós é muito superior àquela que pode exercer a própria petição em si.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, em relação à questão das petições creio que uma posição de equilíbrio e de realismo é adequada. O Partido Socialista pretende avançar, em sede constitucional, para uma opção que tem estado permanentemente em jogo na vida da Assembleia da República. Desde há muito tempo que se fala de uma "crise do direito de petição", que, em bom rigor, melhor poderia ser dita "crise da capacidade de apreciação das petições dos cidadãos", uma vez que estes continuam a fazê-las. Por um lado, verificam-se fenómenos de multiplicação das entidades a quem essas petições podem ser feitas, desde logo aos próprios grupos parlamentares e deputados como tais - não ao órgão de soberania Assembleia da República, mas aos agentes, aos sujeitos de direito parlamentar, que são abordáveis e atingíveis directamente pelas diversas entidades, pelos cidadãos, pelos grupos de pressão, pelas diversas entidades que se movem na realidade social. Por outro lado, assiste-se à multiplicação de meios procedimentais a outros níveis; a possibilidade de intervenção no âmbito da comunicação social obriga a reler os termos em que o exercício do direito de petição se faz e a importância do instituto, não podendo ser, a título algum, ser qualificado de inútil. Partilhamos todas as preocupações em relação à incapacidade parlamentar de dar vazão e dar resposta àquilo que são formas normais de exercício de um direito relevante para os cidadãos. Insisto: a prova dessa relevância é que ele continua a ser exercido, ainda que pela sua própria conformação e pelas debilidades que, de resto, procuramos ultrapassar resulte muito fragilizado.
Qual é a dificuldade decorrente da proposta do Partido Socialista? Há pouco o Sr. Deputado António Vitorino invocou o facto de nesse ponto o Partido Socialista "ter a seu favor o direito comparado". Não é exacto que a solução tenha a seu favor as lições do direito comparado! Se olharmos à volta encontraremos parlamentos em que se optou por um sistema concentrado de apreciação de petições. E lição se pode extrair dessa experiência! Por exemplo, em Espanha, tanto na Câmara dos Deputados como no Senado, optou-se, embora com variantes numa e em outra das câmaras,
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por sistemas de apreciação a cargo de uma comissão de petições. A essas comissões cabem funções de admissão das petições, verificação dos seus requisitos legais, a rejeição das que não se contenham dentro dos limites, remessa para entidades competentes - que no caso espanhol têm um elenco muito limitado, o que não ocorre entre nós. Por outro lado, essa comissão deve tomar junto dos particulares as medidas, as iniciativas que se revelem adequadas e propor ao Parlamento aquilo que parecer correcto. A solução para que o PS aponta de apreciação concentrada não é a vara de condão que transmute subitamente tudo aquilo que é debilidade em força e tudo aquilo que é dificuldade em facilidade.
Não está escrito, em sítio nenhum, que a apreciação difusa seja maldita! Verdade é que a experiência nesse domínio tem sido altamente insatisfatória entre nós e, de resto, temos propostas no sentido de procurar colmatar as brechas e ultrapassar as dificuldades que se registam. Em todo o caso, cremos que isso não resulta de uma dificuldade, de uma deficiência congénita, do sistema de apreciação difusa. Resultará de outros factores mais profundos, ligados designadamente com a identidade das formações que compõem o Parlamento e com o funcionamento do sistema como tal e de um privilégio dado às funções fiscalizadoras e legislativas em detrimento do relacionamento com os cidadãos e, por outro lado, de um certo desviçamento do instituto peticional em comparação com outros institutos igualmente susceptíveis de serem accionados pelos cidadãos. É tão-só isso!
A aplicação de um sistema concentrado origina dificuldades que não são difíceis de rastrear. Desde logo, a maior dificuldade é a que decorre de um comité assim estruturado ou ser "um comité de sábios" ou ser "um comité de paquetes". Ou a comissão é uma supercomissão ou aquilo que os membros da comissão fazem será verdadeiramente uma actividade de mediadores. Serão reais provedores de petições, cuja função será circular de comissão em comissão para se interessarem pelos destinos das ditas petições e procurarem accionar mecanismos tendentes a activar a sua tramitação. Não mais do que isso: comités de carga, de impulso, e não, em regra, comités de resolução. Caso contrário, corre-se o risco de serem comités de ultrapassagem. As comissões competentes em razão da matéria não seriam consultadas e a comissão de petições assumiria, por si, o poder de estabelecer soluções.
Dir-se-á: "Melhor é uma solução a latere do canal normal do que nenhuma solução", "é melhor uma acção e uma palavra do que um silêncio". Nunca fizemos a experiência de um sistema desses. A experiência de sistemas similares revela alguns atritos e algumas fricções. Dir-se-á: "antes fricção interna do que silêncio perante o exterior", "antes luta no interior da instituição parlamentar do que impotência perante solicitações lícitas e úteis dos cidadãos". Em todo o caso, há que ponderar se não é possível subalternizar ou minimizar esse grau de atrito ou de fricção.
O projecto do PS é nesse ponto relativamente prudente, uma vez que não especifica ou não estabelece um monopólio a favor da comissão de petições. Não se orienta no sentido de uma supercomissão unicitária e permite formas de articulação em razão da matéria. Não estabelece um campo de actuação, não previne o risco a que aludi, mas também não impulsiona rumo
ao possível abismo. Também não esclarece qual seja a relação entre a comissão de petições e o próprio Plenário da Assembleia da República, isto é, se a comissão presta contas ou se é autodeterminada e, portanto, susceptível de impulsionar até ao fim, desde a entrada até ao contacto último com o cidadão, todo o trâmite da petição.
Provavelmente, tratou-se de uma opção expressa e desejada dos Srs. Deputados do PS. No caso da Espanha, por exemplo, que provavelmente terá estado próximo como modelo inspirador desta solução, a situação no Regimento do Senado e no Regimento da Câmara dos Deputados é diferente. De facto, no Regimento do Congresso, opera-se aquilo que parece ser uma delegação completa de poderes a favor da comissão de petições mas no regulamento do Senado já assim não acontece. A solução é deixada em aberto pelos Srs. Deputados do PS.
Em suma, a ideia de alguma activação, de alguma garantia adicional parece-nos positiva. A ideia unicitária e a ideia de concentração não é uma solução que não seja isenta de inconvenientes. Teremos ainda possibilidade de saber se é esta a sede boa para fazer uma opção definitiva pelo sistema de concentração ou difuso, ou por um sistema misto, que é o sistema para que o PS, no fundo, aponta, embora em termos um pouco fluidos. A outra hipótese é obviamente a de estabelecer um sinal geral e deixar ao Regimento a possibilidade de plasmar a solução concreta nessa matéria, coisa que será tanto mais segura quanto, na nossa óptica, o Regimento deveria ser também aprovado por dois terços.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Também na sequência das considerações feitas pelo Sr. Deputado José Magalhães, pretendia dizer que, como ele terá reparado e de resto referiu na sua intervenção, o chamado sistema concentrado para o qual tende a proposta do PS é, apesar de tudo, um sistema concentrado mitigado. Na verdade, não se deixa de entrar em colação com a necessidade de audição de outras comissões especializadas em razão da matéria, verificando-se, portanto, mais do que a opção entre um sistema concentrado puro ou um sistema difuso, a tentativa de criação de um sistema misto. Porventura esse sistema misto melhor poderia ser apurado em termos de redacção do preceito, mas a verdade é que é esse o regime para o qual o PS pretende apontar: não exclusão das comissões competentes em razão da matéria, mas reforço do ónus de resposta a dar por parte da Assembleia da República, com a imputação de um dever funcional de resposta a uma comissão especializada de petições, cuja razão de ser a justificação já há pouco tive ocasião de fazer.
Chamaria ainda a atenção para a circunstância de esta proposta se articular com as nossas propostas para o artigo 52.°, que tem nessa vertente inovatória a obrigatoriedade, por parte do Plenário, de apreciação dessas petições devidamente instruídas. Consequentemente, parece-nos que, por um lado, esta inovação da obrigatoriedade da apreciação por parte do Plenário das petições dirigidas à Assembleia da República e, por outro lado, a tentativa de definição de um sistema concentrado que, todavia, propende para um regime misto,
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no sentido da articulação a fazer entre as comissões, constituiria uma forma equilibrada de procurar a tal eficácia que manifestamente tem faltado no tratamento das petições dirigidas à Assembleia.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, em relação a outras propostas do PS, gostaria de referir que, evidentemente, estamos de acordo com a proposta respeitante às comissões parlamentares de inquérito e com a proposta de comparência de funcionários, que, de resto, coincide com uma que longamente tivemos ocasião de discutir no artigo anterior.
O Sr. Presidente: - Para apresentar a proposta do PRD relativa ao artigo 181.°, tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - A nossa proposta fala por si e é relativamente simples. No n.° 4, propomos uma alargamento da faculdade de requerer a constituição das comissões parlamentares de inquérito a qualquer grupo parlamentar e não apenas ao quinto dos deputados.
O n.° 4 especifica a forma de requerimento das comissões parlamentares de inquérito, de modo a evitar que elas tenham objecto vago, o que, com muita frequência, acaba por conduzir a situações confusas e ao desprestígio da Assembleia.
O n.° 6 corresponde a uma ideia que havia no meu partido, no sentido de que uma das formas frequentes de defraudar o requerimento de inquérito apresentado por uma minoria consiste em escolher, para presidir a comissão parlamentar, um presidente que tem por propósito não deixar a comissão funcionar. Assim, estabelecer-se-iam regras quando à escolha do presidente da comissão parlamentar de inquérito, permitindo aos requerentes que indicassem três nomes, dos quais um seria escolhido.
Em linhas muito gerais, trata-se, de alguma sorte, de reforçar os poderes das minorias em matéria de inquérito e, sobretudo, de evitar que os inquéritos fiquem nas gavetas ou que caiam nas tumbas das respectivas comissões.
No que concerne aos projectos do PS e do PCP, salvo naquilo que no do PS é divergente do nosso, não tenho nenhuma objecção. Penso que as soluções adoptadas são razoáveis, seja, particularmente no que diz respeito ao PS, a proposta de criação de uma comissão para apreciação de petições, que pode constituir uma solução funcional (embora não tenha a certeza), seja o regime do depoimento previsto no n.° 5 do projecto n.° 3/V.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, como é óbvio, não chegámos a debater os aspectos agora suscitados pelo Sr. Deputado Miguel Galvão Teles e pela proposta do PRD. Em todo o caso, de todos esses aspectos, creio que seria útil que um deles fosse objecto de algumas considerações. Refiro-me ao texto do n.° 4, na redacção proposta pelo PRD.
Sabe-se que o regime dos inquéritos parlamentares foi objecto de alguns aperfeiçoamentos na primeira revisão constitucional e o PRD introduz agora uma outra questão que, no entanto, pode suscitar algumas dúvidas. A Constituição não define em que é que se traduzam os inquéritos parlamentares e não define um quadro denso quanto ao que seja o regime das comissões de inquérito; aclara quatro ou cinco aspectos, deixa em fiou vários outros e, designadamente, a questão do objecto. E o que eu pergunto ao Sr. Deputado Miguel Galvão Teles é se a redacção do PRD não acarretaria algum risco de involução nesta matéria.
Ao estatuir que o inquérito deve "identificar, precisa e claramente, o facto ou factos a inquirir", dir-se-ia que se consagra uma evidência, pois um inquérito sem objecto não é inquérito nenhum e, como tal, suscitaria as dificuldades calculáveis. Em todo o caso, a introdução de uma definição ou de uma exigência deste tipo tem como implicação e corolário o facto de que aquilo que "não seja" preciso e aquilo que "não incida sobre facto, ou qualquer outra coisa qualificável como tal", fica excluído, o que quer dizer que se coloca a questão da admissão, ou melhor, da não propomos uni alargamento da faculdade de requerer a admissão. E então a ratio invocada (uma delas pelo menos), ou seja, o desejo de diminuir a margem de maleabilidade das maiorias e aumentar a das minorias, correspondentemente (que preside, designadamente, à parte final do n.° 6) poderia acabar por ser subvertida ou até invertida, ou pelo menos dificultada pelo "livre jogo" da aplicação perversa desta cláusula de tipo novo, proposta pelo PRD. Creio que esta questão deveria ser ponderada, sob pena de se inverter o resultado obtido a partir de um desiderato compreensível.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Antes de mais, confesso que não fui eu quem sugeriu e redigiu as alterações a este respeito, mas sim alguém que, posso dizer-lho, tem uma larguíssima experiência parlamentar.
Devo dizer que percebo claramente a objecção do Sr. Deputado José Magalhães. De facto, como é meu costume quando reconheço razão, confesso que preferiria uma redacção de outro género. Penso que é necessário recortar com precisão o objecto do inquérito e que a consagração numa disposição constitucional que a tal obriga seria positiva. Contudo, relendo, em vez da formulação "e identificar precisamente o facto ou factos a inquirir", diria "identificar precisamente o objecto do inquérito", ou qualquer coisa no género. Em qualquer caso, a preocupação, seja qual for a fórmula, consiste em evitar (e isto agora não tem a ver com maiorias e minorias) a criação de comissões de inquérito com objecto vago.
O Sr. Presidente: - Este é o tipo de alterações que se forem de acolher em sede de redacção serão acolhidas.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Sr. Presidente, não queria deixar de reconhecer a correcção da observação do Sr. Deputado José Magalhães quanto à redacção.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora iniciar a análise do artigo 183.°, sob a epígrafe "Grupos parlamentares". O PCP propõe um n.° 2-A, segundo o qual "as interpelações podem dar lugar, a
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requerimento do partido interpelante, a uma moção de apreciação da posição ou acção governamental quanto à questão debatida".
Ó PS propõe algo parecido, mas menos complicado, ou seja, que constitui um direito de cada grupo parlamentar "provocar, por meio de interpelação ao Governo, a abertura de dois debates em cada sessão legislativa sobre assunto de política geral, os quais poderão terminar pela proposta e votação de recomendações da Assembleia da República ao Governo". É uma ideia de algum modo comum e de algum modo divergente, sobretudo na sua formulação. Na alínea b) asseguramos o direito de propor recurso da ordem do dia fixada para o Plenário. Penso que já assim é, mas trata-se de uma clarificação. Depois se verá se vale a pena. Na alínea c) propõe-se que cada grupo parlamentar possa "provocar, com a presença e intervenção do Primeiro-Ministro ou de outros membros do Governo a cujo departamento a matéria respeite, o esclarecimento de questões de interesse público actual e urgente, nos termos do Regimento". Trata-se da consagração de mais uma figura, além das que já existem, ou seja, além da moção de confiança proposta pelo Governo, da moção de censura proposta pelos partidos e da interpelação. Propõe-se, assim, uma figura intermédia, que se configura como um debate para esclarecimento de questões de interesse público actual e urgente. Esta figura pode, em meu entender, ter muito interesse na medida em que pode provocar uma discussão sobre matérias de interesse nacional, sem necessidade de interpelar, ou seja, de pôr em causa a política do Governo. Tratar-se-ia, sim, de pedir ao Governo uma reflexão conjunta sobre determinada matéria de interesse nacional, em termos que seriam esclarecidos pelo Regimento.
Quanto à alínea d), o PS propõe que a interpelação ao Governo possa terminar pela proposta e votação de recomendações, figura que já atrás propusemos. Tudo depende de saber se será aceite ou não. Por fim, quando na alínea h) referimos as moções de censura ao Governo, aludimos ao artigo 197.°, preceito em que se consagram as moções de censura construtiva. Assim, não vale a pena discutir este aspecto, pois tudo depende da posição que nessa sede se tomar.
O PRD, na alínea c), considera - a meu ver, bem - que a interpelação não deve ter apenas como base assuntos de política geral, o que pode até nem significar nada na generalidade dos casos, mas também assuntos de política sectorial. Por vezes, um assunto de política sectorial pode ter muito mais importância do que a vaguidade normalmente ligada às temáticas da política geral.
Para justificar a proposta do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Sr s. Deputados: A experiência portuguesa em matéria de interpelações parece-nos concludente quanto ao facto de se tratar de um instituto marcado por uma substancial incompletude. Tendo um regime muito diferente daquele que existe noutros sistemas que, no entanto, se aproximam do nosso, as interpelações têm gozado de apreciável frequência e, por outro lado, de ilimitação de objecto. A cláusula constitucional respeitante à delimitação do objecto tem sido habilmente interpretada: nunca ninguém deixou de fazer uma interpelação sobre qualquer assunto de carácter sectorial, bastando para tal mencionar no respectivo requerimento que a interpelação de política geral incide especialmente sobre o tema A, B, C ou D e se faz a partir da leitura primacial desse tema. Nunca tal originou, dados os contornos do instituto, a não admissão do requerimento respectivo. Não houve historicamente contenciosos relevantes sobre esse ponto mas apenas sobre a efectivação desse direito em determinados períodos de funcionamento da Assembleia, isto é, fora do período normal da sessão legislativa. Esse aspecto foi objecto de intensa polémica, mas esse e apenas esse; não já assim a prioridade de que goza a realização das interpelações, não já assim o seu agendamento. Enveredou-se mesmo, no terreno da nossa experiência constitucional, pela celebração de acordos quanto à data da sua realização, que ultrapassaram, na prática, os próprios prazos peremptórios fixados no Regimento, conduzindo a ajustamentos por negociação governos-oposição de datas concretas de mútua conveniência.
A única questão com carácter relevante que subsiste é verdadeiramente a da incompletude. Não sendo uma moção de censura, não sendo uma moção de confiança, o instituto é um instrumento de fiscalização e permite a veiculação de um juízo que pode ser obviamente emitido por cada um nas sedes próprias, designadamente nas intervenções de encerramento. No entanto, o facto de se realizar uma votação e de, de acordo com uma determinada tramitação, poder haver apresentação de uma moção susceptível de discussão autónoma, de alteração (uma vez que o texto tem de ser votado e deve poder ser alterado, o que, em determinadas experiências invocáveis em termos de direito comparado, ocorre), pode ser um importante contributo para que o instituto possa produzir mais eficientemente e mais transparentemente as suas finalidades próprias.
Não caberá à Constituição delimitar as condições da apresentação dessas moções de apreciação da posição ou acção governamental. Se são moções de apreciação ou recomendações, parece-nos secundário: poderão ser as duas coisas, poderão envolver um juízo crítico e um juízo de prognose e recomendação. As questões de qualificação são secundárias. Em todo o caso, a ideia de que o instituto ou o instrumento a aprovar poderá não ser puramente recomendatório parece-me de ter em conta. Creio que seria vincularmo-nos a uma orientação unidimensional optarmos, desde logo e apenas, por esse nome de baptismo (se o nome de baptismo tem as sequelas e significado que normalmente surge recoberto pela palavra "recomendação").
Sr. Presidente, a nossa proposta é, deste ponto de vista, mais flexível do que a apresentada pelo PS, mas coincide quanto à finalidade e provavelmente quanto ao juízo sobre a situação que legitima e torna necessária uma solução deste tipo.
Por outro lado, gostaria de acrescentar que, ao contrário do que acontece, por exemplo, na experiência constitucional espanhola no caso do Senado, não se estabeleceria nenhum requisito que condicionasse a apresentação destas moções a um qualquer juízo de insatisfação do partido interpelante sobre as explicações dadas pelo Governo no decurso da interpelação. Parece-nos que este requisito é falível, subjectivo eminentemente, e que pouco de útil acrescentaria, em termos de conteúdo normativo constitucional. Poderá eventualmente ter alguma utilidade no Regimento e, mesmo assim, prestar-se-ia a grandes dificuldades de
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avaliação, na medida em que alguém teria de julgar o julgador e poderia emitir até, abusivamente, juízo sobre a "suficiência" das explicações, condicionando a apresentação das moções de apreciação a um juízo de insuficiência, o que equivaleria a permitir indeferir liminarmente uma moção de apreciação invocando um argumento de forma ou a falta de verificação de um pressuposto, situação que me parece, a todos os títulos, inconveniente. Foi por essa razão que não propusemos uma solução desse tipo. Entendemos que uma norma escorreita e sucinta, com o conteúdo que a nossa tem, seria forte e utilmente inovadora.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso que já me referi o suficiente à proposta do PS e, se nenhum dos meus camaradas pretender acrescentar algo, a título de apresentação pediria ao PRD que justificasse a sua proposta, se bem que ela se justifique por si própria.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Diria apenas, deixando por enquanto de fora a alínea h) do n. ° 2 do PS, que será objecto de análise, que, no essencial, estou de acordo com as alterações propostas tanto pelo PS como pelo PCP. Mas, repito, estou de acordo no essencial, independentemente de pormenores.
O Sr. Presidente: - Não sei se algum dos Srs. Deputados do PSD pretende usar da palavra sobre esta matéria.
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Apelando para uma posição de fundo (a nossa) nesta matéria, entendemos que a parte da Constituição relativa à organização do poder político, máxime no que toca à relação entre o Governo e a Assembleia da República, é, do nosso ponto de vista, equilibrada. E daí a escassez ou quase ausência de propostas nesta matéria. Daí também que a nossa postura seja, em geral, de satisfação com o sistema vigente e, por isso, de uma certa reacção negativa a propostas que alterem o seu equilíbrio. Mas não, naturalmente, em relação a propostas que o melhorem, designadamente à proposta apresentada pelo PRD, que é perfeitamente clarificadora. De resto, hoje já assim acontece.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Exactamente. Parece-me que não há nada a opor a uma proposta como essa, que não introduz alterações.
O mesmo se passa em relação à proposta apresentada pelo PS no que toca à alínea b) do n.° 2, ou seja, "ser ouvido na fixação da ordem do dia e interpor recurso, para o Plenário, da ordem do dia fixada". Penso que isto já resulta da natureza das coisas: um qualquer grupo parlamentar pode sempre recorrer para esse efeito. E aí se poderá colocar o problema do que vale ou não a pena. Naturalmente que descontaria também o caso da moção de censura construtiva.
Já em relação às outras propostas a nossa predisposição neste momento é para nos opormos à alteração da Constituição nesta matéria.
Neste sentido temos muitas dúvidas quanto a esta moção de apreciação da posição ou da acção governamental em relação à questão debatida. É uma figura nova que vem alterar o equilíbrio de relações entre b Governo e a Assembleia da República, alteração com a qual, por princípio, não estamos de acordo.
O Sr. Presidente: - No fundo, esta era uma forma de evitar que se abusasse da interpelação. Por outras palavras: substitui-se a interpelação com vantagem. Neste caso não se está a perguntar nada ao Governo, mas sim a convidá-lo para uma reflexão conjunta.
Assim, a única coisa que pode estar em causa é se se deve ou não aceitar a figura das recomendações.
O Sr. Costa Andrade (PSD): dependente disso.
Exactamente, está
O Sr. Presidente: - Neste texto, se se criar essa figura, justifica-se. No outro texto trata-se de uma reflexão conjunta. Isso poderia evitar interpelações.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, pelo menos teria sempre de se estabelecer alguns limites quantitativos.
O Sr. Presidente: - Talvez, talvez. Com limites, nos termos do Regimento.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Vamos ser muito francos, Sr. Presidente, e interroguemo-nos: para quê exigir também, obrigatoriamente, a presença do Primeiro-Ministro nessas reflexões?
O Sr. Presidente: - Não tem significado.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, a nossa posição de princípio em relação a esta proposta é de reserva.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Relativamente a esta matéria não retomo o tema da incompletude nem abordo o do defensismo.
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - A questão mais perturbante resulta da "cláusula de princípio" que o Sr. Deputado Costa Andrade invocou. De facto, nesta matéria o Regimento da Assembleia da República tem a deficiência originária de não ter instrumentos suficientemente ágeis para dar resposta a necessidades de esclarecimento e de normal relacionados entre o Governo e a Câmara, sobretudo no que respeita a situações de urgência.
O instituto das perguntas só na primeira revisão constitucional é que sofreu um impulso, cuja vitalidade deve ser medida pelo que ocorreu posteriormente (revelou-se baixa, insatisfatória). Temos de encontrar fórmulas que garantam que, por exemplo, em catástrofe (como aliás se verifica neste momento em matéria agrícola) haja possibilidade de se chamar o Ministro da Agricultura, Pescas e Alimentação para discutir no
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Plenário, durante dez minutos, o que é que se faz aos agricultores. Qual é o problema? Os ministros podem passar horas e séculos em Bruxelas, e não podem passar dez minutos sentados na Assembleia da República, dizendo quatro coisas honestas e concatunadas sobre matérias da sua responsabilidade? É isso que está em jogo.
Se há um caso que suscita preocupação sectorial, geral, o que quiserem, não há-de haver uma maneira ágil, expedita, urgente de fazer uma chamada do ministro à Assembleia da República e conseguir uma troca de palavras, de acordo com um ritual definido no Regimento (o que, aliás, consta da proposta do PS e de uma proposta apresentada pelo PCP noutra sede)?!
Será esta uma razão para ver perturbada a quietude, a normalidade cemiterial da vida parlamentar? Alguém julga possível fechar a vida parlamentar quando a vida exija abertura? Verdadeiramente aquilo que se passa hoje no Plenário é já a ocorrência de interpelações urgentes, mas ínvias. Actualmente fazem-se interpelações urgentes a propósito de saídas do Primeiro-Ministro de Belém e de afirmações mais ou menos infundamentadas e graves de sua excelência A, B ou C, mediante uma forma que, enquanto houver Parlamento, não é evitável. Por outras palavras, enquanto houver um parlamento, houver hemiciclo, houver microfones e houver deputados, qualquer deputado tem o direito de estalar os dedos, de pedir e tomar a palavra e chamar ao ministro A, B, C ou D o que quiser. O que não há, certamente, é diálogo.
Ora, o que importaria consagrar através deste mecanismo seria precisamente o diálogo, normalizando instrumentos de discussão de temas quentes. Nenhum tema quente deixa de o ser pelo facto de não ser discutido, mas o facto de ser discutido pode ser relevante para dirimir os conflitos reais existentes na sociedade ou no sistema político em qualquer instância e em qualquer momento.
Portanto, o mecanismo proposto é de transparentização, por um lado, e de vitalização da instituição parlamentar num dos terrenos em que ela se tem revelado mais débil. A atitude presente do PSD, que já não é de defensismo mas de surdez em relação a estes mecanismos de vitalização, além de traduzir uma não receptividade geral a tudo o que seja prestigiar a instituição parlamentar e uma falta de entusiasmo completa em relação aos mecanismos que podem estimular o funcionamento dessa instituição, aí onde ele tem sido débil, morno, e logo insuficiente e não prestigiante, revela sobretudo um preocupante "fechamento" em relação às perspectivas do processo de revisão.
Se não discutirmos, para consagrar elementos de reforço destes aspectos, a discussão centrar-se-á na tentativa de desmantelamento da constituição económica. Assim sendo, a revisão que estamos a fazer serviria apenas para cortar em fatias a constituição económica, um negócio realmente fabuloso, mas, quanto muito, para o Primeiro-Ministro Cavaco Silva.
O Sr. Presidente: - Tenho inscritos para intervir os Srs. Deputados Carlos Encarnação e Costa Andrade. Pedia-lhes que fossem sucintos porque o que está em causa é, obviamente, estarmos ou não estarmos empenhados em reforçar a dimensão dialogai da política portuguesa.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Claro!
O Sr. Presidente: - Pretendemos que o Governo dialogue mais com o Parlamento.
De qualquer modo, não podemos alcançar aqui todos os acordos. Isto pode voltar a discutir-se, e é necessário ter uma visão global e balanceada.
Estou convencido de que, pensando bem, não há razões que impeçam, eventualmente com outra redacção, com limites no Regimento, ou com remissão para o Regimento em termos quantitativos, a consagração de uma figura que venha evitar o recurso à figura da interpelação. A interpelação é, em si, um pedido de contas ao Governo, e o que propomos não o seria. Seria um convite ao Executivo para uma reflexão connosco, por estarmos hipoteticamente preocupados sobre determinada matéria de interesse nacional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, não pretendo roubar muito tempo à Comissão, mas gostaria de salientar algumas reflexões que me é dado fazer neste momento depois das intervenções do Sr. Deputado José Magalhães e de V. Exa.
As reflexões vão neste sentido: com certeza que nós estamos também interessados em reforçar a componente dialogante entre o Parlamento e o Governo. Estamos também interessados em que o Parlamento adeqúe a sua actividade àquilo que, do ponto de vista político, é realmente mais importante. Não pretendemos, de modo algum, fazer com que a actividade essencial do Parlamento seja cerceada, seja inibida, seja diminuída por institutos avulsos que entretanto se vão inserindo em diferentes propostas de revisão constitucional.
A nossa preocupação é esta, e VV. Exas. com toda a certeza que não levarão a mal que assim seja. De maneira nenhuma pode ver-se da vossa posição um intuito de abrir a Constituição ao diálogo com o Governo e do nosso ponto de vista uma atitude de absoluto mutismo do Executivo perante a Assembleia. Não pode ser colocada a questão nestes termos tal como o Sr. Deputado José Magalhães os reconduziu.
Por outro lado, a reflexão que me suscita esta proposta do PS em relação à interpelação, que considero o essencial, é a seguinte: o que estou a verificar é que com esta outra figura avulsa, difícil de caracterizar, difícil de circunscrever e de limitar no tempo e quanto ao número de utilizações possíveis, que seria sempre remetida, como não poderia deixar de ser, para o Regimento, a figura da interpelação ficaria reduzida, desvalorizada. Ela ficaria eventualmente até consumida por esta outra forma apresentada.
Assim, o que estou a ver é que a figura da interpelação, que tem, e teve até agora, uma dignidade constitucional que não é contestada por ninguém, acabaria por ficar, ela mesma, submetida por esta medida avulsa que o PS propõe.
Portanto, em síntese, só gostaria de chamar a atenção relativamente a estes dois aspectos: em primeiro lugar, a nossa posição não é no sentido que o Sr. Deputado José Magalhães tem sublinhado; ela é, antes pelo contrário, de defesa de uma figura e da sua riqueza, ou seja, a figura da interpelação contra uma figura avulsa, a qual a pode desvalorizar, e na prática a desvalorizaria com certeza absoluta.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Gostaria apenas de perguntar se o Sr. Deputado não considera que, apesar de tudo, os termos em que está redigida a nossa proposta, nomeadamente as alíneas c) e d), contribuem para esclarecer a dúvida que V. Exa. acabou por colocar. A alínea c) consiste claramente num debate de informação e a alínea d) é claramente um debate de controle de acção política do Governo. Portanto, a carga, digamos, de crispação, de crítica, de controle, de fiscalização que caracteriza a alínea d) é completamente distinta da carga que caracteriza a alínea c), a qual consiste apenas numa carga de informação, de esclarecimento.
Neste âmbito, posso-lhe dar um exemplo: enquanto na alínea d) cabe uma interpelação ao Governo acerca da conduta do mesmo em matéria de negociações comunitárias, na alínea c) cabe um debate sobre a posição do Governo na Cimeira de Hanôver. É apenas esta a diferença entre as duas alíneas.
Penso que, apesar de tudo, os instrumentos de que o Parlamento classicamente está dotado são de informação e de controle. A alínea d) é claramente um instrumento de controle e a alínea c) é um mero instrumento de informação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Compreendi isso perfeitamente, Sr. Deputado. A intervenção do Sr. Presidente, da maneira como foi feita, é que me levou a concluir aquilo que concluí.
Por outro lado, o que acontece em relação à actual Constituição é que os mecanismos de informação já existem, embora V. Exa. possa dizer que são insuficientes. Os mecanismos de controle político também já existem na prática.
O que eu estava a dizer é que, de acordo com a intervenção do Sr. Presidente, e se bem a entendi nos termos em que ele a colocou, poderia haver uma desvalorização da figura da interpelação, o que eu não quereria. Sob o ponto de vista da oposição eu não quereria que a figura da interpelação fosse desvalorizada, deixasse de ser utilizada.
O Sr. António Vitorino (PS): - Dever-se-ia evitar, para obter o objectivo da informação, que se recorresse indevidamente à figura da interpelação. Creio que foi isso que o Sr. Presidente referiu. É uma forma de separar as águas entre estas duas lógicas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, depois do que disse o meu colega Carlos Encarnação, não haverá quase nada para acrescentar. Mas não poderia deixar de dar uma breve resposta ao PCP, na pessoa do Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. Deputado José Magalhães exaltou-se um pouco quanto ao teor da nossa intervenção no processo de revisão constitucional. Quanto a isso, apenas lhe posso dizer o seguinte: cada um faz ou tenta fazer a sua revisão constitucional. Nós tentamos fazer a nossa, com
os nossos pontos de vista, as nossa metas e os nossos métodos. Não queira o Sr. Deputado que façamos a revisão constitucional na óptica do PCP!
De resto, penso que o PCP é o partido menos indicado para sugerir uma outra postura da nossa parte, dada a sua postura geral negativa em relação às nossas propostas. No que se refere ao espaço de tempo já decorrido com a revisão constitucional, se fizermos um rápido balanço, verificaremos que, apesar de tudo, há uma muito maior abertura, em termos quantitativos, da nossa parte a propostas apresentadas pelo PCP do que o contrário. O Partido Comunista não tem revelado relativamente quer às nossa propostas, quer às nossas motivações, quer à nossa argumentação a mínima sensibilidade e a mínima abertura.
Para além disso, não deixa de ser interessante o apelo comunista à maximização dos poderes e da intervenção parlamentar relativamente à acção governamental, sobretudo na relação intra-sistema político. Penso que o PCP deveria levar mais longe a sua preocupação com os poderes parlamentares e ganhar um outro horizonte. Não só um horizonte dentro do próprio sistema político, mas um horizonte mais amplo: o verdadeiro poder paramentar. Aquele que é eleito que o seja efectivamente para uma acção de plasmar e concretizar a vida política no quotidiano, sem os limites que foram aí herdados, aos quais o PCP se agarra e que constituem as grandes limitações do poder parlamentar em Portugal.
O Sr. José Magalhães (PCP): - A constituição económica, desde logo!
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Obviamente, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - E a constituição em geral, ao impor limites, é uma maçada!
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, obviamente que a constituição económica é o grande limite do poder parlamentar em Portugal. De facto, não há nenhum parlamento do mundo onde um deputado seja eleito com tão poucos poderes como aqueles que tem um deputado em Portugal.
Em todo o caso, maximizar os poderes do Parlamento dentro do próprio sistema político em relação ao Governo é uma lógica possível. Mas nós temos a nossa posição. O Sr. Deputado não pode é pretender que façamos a revisão na óptica do PCP, nem pode apelar para uma maior abertura da nossa parte às propostas por ele apresentadas, tendo em conta a sua atitude geral em relação às nossas próprias propostas. Se, porém, o Sr. Deputado José Magalhães quiser levar mais longe a verdadeira dignificação e a verdadeira densificação dos poderes de um parlamentar eleito, vamos a isso! Mas, então, terá de nos acompanhar em alterações muito profundas, designadamente em matéria de organização económica.
Uma outra parte da intervenção do Sr. Deputado dá-nos realmente razão. V. Exa. argumentou com a necessidade de flexibilizar o diálogo entre o Governo e a Assembleia da República. Só que, ao fazê-lo, reforça a plausibilidade da parte em relação à qual somos críticos no que respeita à proposta apresentada pelo PS. Se se pretende flexibilizar, então para quê a necessidade, à partida, de uma certa rigidificação que a pro-
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posta contém? O esclarecimento deve ser rápido e expedito. Para quê prever já, de antemão, a presença necessária do Primeiro-Ministro ou, até, a intervenção do Primeiro-Ministro?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, isso é alterável, como o próprio PS indiciou.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Obviamente que foi por esse ponto que comecei a intervenção. E referi dois aspectos: a nossa reacção à proposta, nesta fase e por princípio, tem de ser negativa, mas, se a lógica adoptada for a da flexibilização, então não se pode dar a esta nova figura requisitos que a tornem mais pesada do que a própria interpelação, tal como se verifica na proposta do PS. Julgo que isso é contrário à intenção dos proponentes.
São estas as razões que nos levaram, por princípio, e salvo melhor consideração, que será naturalmente suscitada e estimulada por eventuais alterações da proposta, a manter o actual texto constitucional quanto a esta matéria.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Talvez por limitação minha não pude compreender a razão de ser da comparação feita pelo Sr. Deputado Costa Andrade entre a matéria relativa à constituição económica e a relativa à constituição política. Fiquei com a ideia de que o reforço de alguns instrumentos do âmbito da organização política dependeria da flexibilização da organização económica. Não foi isso que exprimiu? Então, de facto, terei compreendido mal, agradecia ao Sr. Deputado Costa Andrade que me esclarecesse quanto a este ponto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, penso que não há plena sinceridade da parte de um partido como o Partido Comunista Português, que julga e argumenta na lógica da maximização dos poderes do deputado, mas que restringe o seu horizonte. Os poderes dos deputados devem ser maximizados, mas dentro de um campo que é, à partida, limitadíssimo. Não há país democrata da Europa onde os deputados tenham tão pouco poder. Os deputados e os órgãos com legitimidade eleitoral têm a sua acção extremamente limitada em matéria de organização económica. Se, portanto, o Partido Comunista quiser maximizar os poderes da Assembleia da República, nós acompanhá-lo-emos, mas, então, teremos de mudar de perspectiva. Devemos, pois, alargar o horizonte da maximização dos poderes dos parlamentares.
Na base da minha intervenção não estava nenhuma lógica negociai, no sentido de uma "concessão" da nossa parte em matéria de poder político. Isto tem a ver com a organização do poder económico, e em relação à constituição económica temos ideias claras e batemo-nos por um determinado projecto. O mesmo vale, autonomamente, em relação à organização do poder político.
Quanto a esta proposta do Partido Socialista, a nossa posição é, em princípio, de satisfação com a Constituição. Manifestamos a nossa disponibilidade para aceitar propostas que nesta parte se limitem a explicitar o conteúdo normativo da Constituição, designadamente a proposta apresentada pelo PRD. A proposta do Partido Socialista parece-nos que perturba o equilíbrio, com o qual estamos satisfeitos. Para pensarmos o contrário, teremos de ser convencidos da bondade dessa proposta. Aliás, ela está formulada em termos tais que é contraditória com a teleologia que preside à explicação que o Partido Socialista dá da sua própria proposta.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Costa Andrade, é em relação a esse último ponto que gostaria de aduzir algumas reflexões de fundo.
Penso que um sistema político deve ser apreciado à luz do seu enquadramento normativo e, por outro lado, à luz da prática do sistema. O que é curioso verificar é que normas de alcance aparentemente idêntico produzem, muitas vezes, práticas significativamente distintas. Exemplo: mais à frente temos várias disposições relativas ao regime da responsabilidade do Governo, fazendo naturalmente depender este do Presidente da República e da Assembleia da República. Especifica-se num outro artigo que o Primeiro-Ministro responde politicamente perante a Assembleia da República. Se analisarmos o que tem sido a nossa prática de sistema verificamos o seguinte: todas as semanas, com regularidade, o Sr. Primeiro-Ministro dirige-se ao Sr. Presidente da República para o informar do andamento dos negócios públicos. Esta é uma prestação do Governo a um outro órgão de soberania, que é feita com total regularidade e normalidade e sem nunca ter sido posta em causa. No entanto, quando se trata da presença do Governo perante a Assembleia da República as coisas já não se colocam da mesma maneira e vamos até ao ponto - como ainda pudemos apreciar recentemente aquando da interpelação sobre política geral da iniciativa do Partido Socialista - de verificar que nem nos momentos em que um partido da oposição suscita uma interpelação sobre política geral o Primeiro-Ministro julga conveniente estar presente...
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Faz favor, Sr. Deputado.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, a proposta relativa à alínea c) do n.° 2 tem a lógica da efectivação da responsabilidade (si liceí controle) ou a da informação? É que aquela que o Sr. Deputado está a desenvolver parece-me não ser uma lógica que desemboque na alínea c).
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Como o Sr. Deputado Costa Andrade verificará, era aí que, na sequência das minhas reflexões, queria chegar.
A verdade é que, à luz da prática do sistema, poderemos encontrar múltiplas razões de descontentamento quanto ao relacionamento institucional entre o Governo
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e a Assembleia da República. Assim, penso que no sistema de interdependência entre estes dois órgãos de soberania é necessário encontrar mecanismos normativos de reforço. Será que a resposta - e aqui reporto-me à observação feita pelo Sr. Deputado Costa Andrade - que o PS propõe nas alíneas c) e d) é a mais adequada? Será que conviria encontrar uma nova redacção que fosse na sequência desta preocupação? Inclino-me a admitir que se deveria explicitar melhor na Constituição a obrigatoriedade da presença do Sr. Primeiro-Ministro em interpelações sobre política geral ou, quanto muito, de quem, do ponto de vista institucional, pudesse representar o Governo e, simultaneamente, o Primeiro-Ministro, ou seja, nos termos da Constituição, quando os houver, os vice-primeiros-ministros. Isto implicaria, naturalmente, um acertamento da redacção proposta pelo PS relativamente à alínea d).
No que diz respeito à alínea c), ou seja, ao dever de informação a prestar por parte do Governo relativamente a múltiplos eventos possíveis junto do Parlamento, gostaria de dizer o seguinte: em outros dois artigos já temos uma norma que prevê a presença de membros do Governo em resposta às perguntas feilas por escrito ou por forma oral que os deputados tomem a iniciativa de formular. Em contraposição com essa norma que acabo de referir, esta alínea c) seria uma sobreposição excessiva. No entanto, talvez seja possível encontrar uma redacção que dê maior sentido e eficácia à presença dos membros do Governo em resposta às perguntas dos deputados. Simultaneamente, poderíamos estruturar melhor a relação institucional de presenças dos membros do Governo, designadamente do Primeiro-Ministro, em momentos de interpelação sobre política gerai e, em função da matéria, dos respectivos membros do Governo quando se tratar de interpelações sobre temas sectoriais.
São acertamentos de redacção e de melhor concretização do normativo, mas dentro de uma mesma preocupação global de definir melhor a lógica de interdependência entre os dois órgãos de soberania. Penso que valeria a pena ponderar esta matéria para assim garantir melhor aquilo que parece que não tem vindo a ser garantido na nossa prática de sistema e que é esta tendência para uma existência de uma espécie de potencial conflitualidade institucional entre a Assembleia da República e o Governo. Como é natural, não me refiro à conflitualidade política, porque essa é de uma outra natureza.
Penso que valeria a pena o PSD ponderar este conjunto de preocupações que estão subjacentes às propostas do PS para que seja possível encontrar uma melhor redacção e para lhe dar um tratamento adequado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Jorge Lacão disse o que havia a dizer em relação à busca de soluções quanto a este ponto.
A única coisa que gostaria que não ficasse sem uma menção rápida diz respeito a uma alusão feita pelo Sr. Deputado Costa Andrade, concretamente a insinuação de que não haveria plena sinceridade nas propostas do PCP.
Em matéria de maximização o PSD não pede meças a ninguém - e nem mesmo ao PCP -, o que é, desde logo, evidente pela actuação no terreno da acção governativa inconstitucional, pela actuação no terreno dos "pacotes" e pela actuação no terreno da revisão constitucional (em que quer tudo e mais alguma coisa). É essa a sua lógica negociai! O problema é que para dançar o tango são precisos dois. O PSD não pode, eficazmente, dançar sozinho!...
O Sr. Deputado Costa Andrade traçou aqui a caricatura dos poderes do parlamentar português: o "coitadinho", a "maximização na servidão", o "deputado cativo na enxovia constitucional", "sem nenhuns poderes"! O PSD vai lançar, talvez, agora uma nova consigna, que já não é a "libertação da sociedade civil", é esta frase exaltante: "avante na luta pela libertação dos parlamentares presos"! Só como graça é que a coisa pode ser entendida, porque é evidente que ninguém fez alguma vez a leitura que o Sr. Deputado Costa Andrade acabou de fazer por razões provavelmente relacionadas com ocorrências do passado fim-de-semana, mas não mais.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à análise das propostas relativas ao artigo 183.°-A apresentadas pelo PCP e pelo PS.
A primeira dessas propostas consagra a autonomia da Assembleia da República e é do seguinte teor: "A Assembleia da República tem orçamento próprio, por ela mesma elaborado e aprovado, e goza de autonomia administrativa e financeira." O n.° 2 da proposta do PCP dispõe: "A Assembleia deve dispor de estruturas de apoio e locais de trabalho dotados de condições de atendimento dos cidadãos a nível de cada círculo eleitoral."
A proposta do PS confirma a primeira parte da proposta do PCP, mas não faz referência a orçamento próprio, o que nós consideramos incluído na autonomia financeira. O artigo 183.°-A da proposta do PS refere apenas: "A Assembleia da República dispõe de autonomia organizativa, administrativa e financeira, nos termos da lei."
Poderíamos discutir estas duas propostas em aproximação com o artigo 184.°, em relação ao qual o PSD tem uma atitude que não é fácil de compreender. O PSD propõe a eliminação do artigo que refere que os trabalhos da Assembleia da República e das suas comissões serão coadjuvados por um corpo permanente de funcionários técnicos e administrativos e por especialistas requisitados ou temporariamente contratados em número que o Presidente considerar necessário. É, decerto, mais uma vez a ideia de que esta matéria tem natureza regimental. Isto já é tão pouco que eliminar esse pouco fica ainda menos.
O PCP quer apresentar a sua proposta?
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, em relação a esta matéria perfilam-se duas perspectivas. Uma e aquela que está subjacente aos projectos do PCP e do PS. Outra é aquela que está subjacente ao projecto do PSD. O projecto do PSD nesta matéria mantém a Constituição, mas, certamente, por lapso,
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neste caso elimina-a. É a chamada "manutenção por eliminação", que tem virtualidades conhecidas para a liquidação das constituições...
Creio que é uma perspectiva que se compreende da parte de um partido "interessado" no revigoramento da instituição parlamentar, na existência de condições adequadas de funcionamento, no apoio aos funcionários e aos grupos parlamentares e no fortalecimento da malha de protecção constitucional da mesma instituição. Desculpem a ironia, mas é o que me suscita esta espécie de "solução final" para os mecanismos que há na Constituição de protecção de direitos específicos e concretos. É toda uma filosofia cuja natureza e objectivos se evidenciam e que, seguramente, o Sr. Deputado Costa Andrade defenderá por forma a não deixar dúvidas nenhumas sobre o seus inegáveis méritos liquidacionistas.
Em relação à proposta apresentada pelo PCP, trata-se, ao invés, de procurar exprimir aquilo que não pode deixar de ser assim, isto é, a Assembleia da República tem de ter um orçamento próprio, tem de ser ela própria a elaborar e a aprovar o seu próprio orçamento. Como é evidente, a Assembleia tem de gozar de autonomia administrativa e financeira; sob pena de, naturalmente, ser perturbado o normal relacionamento entre os órgãos de soberania e a esfera de actividade própria do Parlamento como tal numa das suas dimensões fundamentais. É necessário que ela possa, sim, exercer as suas competências, uma vez que, sem instrumentos de carácter financeiro e sem possibilidade de organização autónoma do plano administrativo, não pode proceder ao pleno e livre exercício das suas prerrogativas próprias. É tudo isto que flui do n.° 1, apresentado pelo PCP.
O n.° 2 introduz uma outra ordem de considerações, à qual me referiria muito rapidamente. Quando debatemos a Lei Orgânica da Assembleia da República tivemos ocasião de discutir a importância de que as estruturas de apoio e locais de trabalho sejam dotados de condições adequadas. Isto é importante a nível central e a nível dos círculos eleitorais. A ideia de que a Assembleia da República deve ter dimensões que transcendam a sua própria sede, a ideia de aproximação aos cidadãos eleitores há-de realizar-se não através da viciação do funcionamento do sistema eleitoral, não através da criação de elementos que distorçam o princípio da representação proporcional, mas, sim - e se é esse o desejo genuíno e real -, através da criação de novos meios, por força dos quais os deputados possam aproximar-se melhor dos cidadãos. Este é um dos meios através dos quais essa ligação pode ser estabelecida com mais facilidade.
É nesse sentido, Sr. Presidente, que o Grupo Parlamentar do PCP adianta estas propostas, oferecendo-as, naturalmente, ao consenso daqueles que estejam disponíveis para prestigiar não em palavras mas, sim, em actos, e neste caso em normas, a instituição parlamentar.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, o vosso n.° 2, como é óbvio, recomenda que não se criem círculos uninominais.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, é esse o pressuposto.
O Sr. Presidente: - É que, caso contrário, teríamos de arranjar 250 instalações.
Penso que não vale a pena justificar a proposta do PS, nos termos da qual a Assembleia da República deve ser dotada de autonomia administrativa e financeira. É que hoje ela não pode comprar um lápis sem que isso tenha sido previamente orçamentado. Penso que o prestígio da Assembleia da República - tal como o da Presidência da República - justifica essa autonomia. Pela nossa parte, não precisamos de grandes justificações.
Em relação ao artigo 184.° do PSD, compreenderíamos melhor a possibilidade dessa eliminação. No entanto, não vemos nisso uma necessidade. Se a Assembleia da República tiver, nos termos da lei, autonomia administrativa, fica, necessariamente e de algum modo, previsto aquilo que se encontra referido no artigo 154.° e até mais do que isso. Nessa altura é ela própria que diz o que é que administrativamente acontece.
Quanto às propostas relativas ao n.° 2 do PS e do PCP e em relação à parte que nos toca, veríamos com alguma simpatia que pudéssemos ter condições de trabalho fora da própria Assembleia da República.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Sr. Presidente, isso significa que o PS está disponível para eliminar o artigo 184.° desde que seja consagrada a sua proposta?
O Sr. Presidente: - Entendemos que sim, desde que se encontre uma redacção conjugada na base da autonomia administrativa e financeira.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Sr. Presidente, gostaria de chamar a atenção para aquilo que o PCP propõe no final do n.° 2, isto é, a possibilidade de utilização de locais de atendimento do Estado para contacto com os eleitores do círculo. Ora, isto também vem proposto no projecto do PRD a propósito do n.° 2, alínea é), do artigo 161.° Portanto, há aqui uma consonância. Só pediria ao PCP que, se a sua proposta fosse aprovada, eliminasse no n.° 2 do artigo 183.°-A a expressão "a nível". Não gosto desta expressão!
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Tenha-se por reformulada a proposta, Sr. Presidente.
O Sr. António Vitorino (PS): - O projecto do PRD tem tudo o que os outros têm, só que fora do sítio!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, só gostaria de dizer qual é a nossa posição sobre estas propostas de aditamento apresentadas pelo PCP e pelo PS.
No que diz respeito à problemática da autonomia administrativa e financeira da Assembleia da República, o PSD não quer deixar aqui uma posição definitiva. Quer, antes de mais, afirmar que será objecto de ponderação da nossa parte a inclusão de uma regra com este conteúdo.
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Em relação ao n.° 2 do PCP e quanto à fórmula utilizada pelo Partido Socialista só gostaria de fazer duas observações. Em primeiro lugar, aquilo que o PCP pretende no n.° 2 choca com os limites das condições materiais disponíveis. Assim, o n.° 2 está vocacionado a ser uma regra altamente problemática e de profunda dificuldade de execução. Lembra de outro modo o regresso ao cerne mais íntimo da noção originária do "lobbyismo". Não quer o PSD atribuir-lhe essa intenção. Há, de facto, aqui uma vontade de aproximação entre os eleitores e os eleitos. De qualquer modo, o PSD não deixa de ter aqui uma visão programática, que tem em consideração a realidade que já hoje se verifica, que é a de dentro do espaço e das condições disponíveis haver já esse contacto. Nada impede na Constituição nem em outro lugar do sistema jurídico que dentro e fora do espaço físico da Assembleia da República se estabeleça esse tipo de contactos. Não quer, contudo, o PSD deixar de ter em conta essa cautela, no sentido de que pode ser uma disposição constitucional que não venha a ter uma execução fácil, com as consequências que o PCP lhe pretende atribuir com o n.° 2.
Quanto à proposta do PS, não pretendemos fazer uma observação mas, sim, uma pergunta: o que é que o PS entende por autonomia organizativa? De facto, figurando nesta proposta a autonomia organizativa ao lado da administrativa e financeira, que são termos próprios que abarcam realidades inequívocas, ficou-nos um bocado a dúvida sobre a autonomia organizativa.
O Sr. Presidente: - Há um certo paralelismo com o Governo, que tem competência autónoma e exclusiva para se organizar como entender.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves, a propósito das considerações que V. Exa. fez acerca do n.° 2 do artigo 183.°-A, na redacção dada pela proposta de aditamento apresentada pelo PCP, que corresponde também à alteração do artigo 161.°, pergunto-lhe se as suas opiniões sobre o pragmatismo equivalem à consideração da distinção entre partidos ricos e pobres ou não?
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Isso é a mesma coisa! Aliás, essa execução é ainda mais difícil.
O Sr. Presidente: - A criação do círculo nacional é capaz de simplificar!...
Vozes.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, assinalamos a simpatia na parte em que ela foi manifestada e registamos de quem veio.
Quanto à antipatia não podemos deixar de a registar igualmente, embora venha travestida de pragmatismo. Nesta matéria, o pragmatismo da bolsa é duro, cruel e brutal. E quando não se opta pela criação de esruturas suportadas pelo Orçamento do Estado, com garantias de igualdade para todos os partidos - sem prejuízo naturalmente das diferenças derivadas da representação e sem uma geral adequação às necessidades - é evidente que se envereda abertamente pelo caminho da desigualdade. O "pragmatismo" reforça verdadeiramente a mais selvagem manutenção de diferenças que se quer acentuar...
Nesta matéria, o debate da Lei Orgânica da Assembleia da República foi verdadeiramente revelador. E aquilo que a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves acaba de dizer, quiçá, maviosamente, foi referido de forma brutal e ululante no Plenário da Assembleia da República, de maneira horripilada, pelo Sr. Deputado Silva Marques, no seu estão próprio e, aliás, inimitável. Aquilo que nesta sede ouvimos reproduz, em termos civilizados, aquilo que consta, em termos não civilizados e drásticos, do Diário da Assembleia da República, 1.ª série. Lamento apenas que o espírito seja o mesmo, embora a fatiota seja diferente. De facto nesta matéria não há dificuldade de concretização.
O Sr. Presidente: - Não é difícil de concretizar, pois os governos civis resolvem facilmente este aspecto.
O Sr. Presidente: - Isso é o que há de mais pragmático!
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Não, Sr. Presidente, pois acontece que as condições de atendimento não têm a ver com os partidos ricos e pobres. São, de facto, condições mais ou menos idênticas, que consideramos escassas, mas que não vão ser facilmente melhoradas ou desenvolvidas por virtude do disposto no n.° 2 do artigo 183.°-A, na redacção formulada pela proposta de aditamento do PCP. Portanto, é uma razão meramente pragmática.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Desculpe, Sr.3 Deputada, mas o que eu pressupunha era que havia locais de atendimento em cada círculo. Pelo menos, esta era a nossa ideia. Não é no espaço da Assembleia da República, mas, sim, haver em cada círculo...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Hoje, a lei prevê, de facto, que os governos civis facilitem meios de apoio aos deputados. Perguntaria o seguinte: porquê alegar, numa visão sombria, misógena e pessimista, que "não temos meios" nesta sede e "de nada vale reivindicá-los" nos círculos eleitorais? O que é que se pretende verdadeiramente encapotar ou encobrir com essas piedosas alegações de incapacidade de transformar o real numa matéria em que ele deve ser transformado? A vis toda do PSD é dedicada ao escavacamento da organização económica. Vis. energia e ímpeto para alterar o real não existe em mais nenhum domínio: a realidade é exuberante e potente em todas as esferas, excepto nesta! Nesta é impotente e sem virtualidades de expansão e alteração. E verdadeiramente uma visão deficiente e truncada dos caminhos da transformação do real que torna paraplégico o PSD em relação a tudo o que são benfeitorias deste tipo e verdadeiramente frenético em tudo o que são malfeitorias. São critérios de Doctor Jekill and 'Mr. Hide' lamentáveis em termos de pos-
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tura política. Portanto, Srs. Deputados, não me venham com o pragmatismo, porque o pragmatismo é outro e tem um nome bastante feio.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à análise do artigo 185.°, em relação ao qual há uma proposta do PCP que altera a definição de governo,...
O Sr. António Vitorino (PS): - Seria melhor que fosse uma proposta do Governo a alterar a definição do PCP!...
O Sr. Presidente: -... ou melhor, que tem ínsita na sua redacção duas expressões de igual teor, ou seja, a expressão "sem prejuízo".
A primeira parte da proposta refere que o Governo é o órgão de condução da política geral do País, sem prejuízo das atribuições do Presidente da República e da Assembleia da República. E digo isto porque, na sede própria, o PCP propôs também ou, pelo menos, realçou competências da Assembleia da República e do Presidente da República na área do Executivo. A proposta de alteração do artigo 185.° do PCP acrescenta ainda o seguinte: "[...] e o órgão superior da Administração Pública, sem prejuízo da independência da administração das regiões autónomas, das autarquias locais e dos demais órgãos constitucionais independentes previstos na Constituição".
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, em tudo o que respeita ao Governo, as propostas do PCP não visam mais do que corrigir certos aspectos, para os quais a experiência constitucional tem vindo a chamar a atenção, sem alterar o sistema.
A primeira das alterações visa corrigir inexactidões manifestas, hoje contidas na definição constitucional de governo. É evidente que, sendo o Governo o "órgão de condução da política geral do País", tal não pode entender-se como prejuízo das atribuições do Presidente da República e da Assembleia da República. Por outro lado, sendo certo que o Governo é, e tem de ser, "o órgão superior da Administração Pública", tal deve ser entendido sem prejuízo da independência da administração das regiões autónomas, das autarquias locais e dos demais órgãos constitucionais independentes previstos na Constituição. Aquilo que o PCP visa é a supressão de elementos de equivocidade que, em termos de hermenêuticas correctivas, sempre teriam de ser devidamente eliminados e superados, por forma a restituir o Governo à dimensão definitória, que é correcta face ao leque das suas competências e poderes e ao lugar que lhe cabe no sistema constitucional de órgãos de poder.
Este é um dos objectivos do nosso projecto de revisão constitucional: criar aperfeiçoamento de carácter institucional à Constituição da República Portuguesa, sem lhe introduzir qualquer alteração de fundo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, a simplicidade com que V. Exa. apresenta a proposta de alteração ao artigo 185.° não parece, no entendimento do PSD, harmonizar-se com aquilo que na nossa perspectiva podem ser as consequências da mesma alteração. E digo isto porque se V. Exa. diz que a alteração ao artigo 185.° não modifica o sistema, também é verdade que duvida da interpretação inequívoca da relação entre os vários órgãos de soberania aí existentes com o Governo. Refiro-me ao facto de que ao alterar-se a redacção actual, o PCP propõe que se salvaguarde as atribuições do Presidente da República e da Assembleia da República, e no que respeita à competência administrativa do Governo que se salvaguarde a independência da administração das regiões autónomas, das autarquias locais e dos demais órgãos constitucionais independentes previstos na Constituição, está a colocar em causa que a delimitação das competências do Governo é uma delimitação que não decorre de modo inequívoco do conjunto de todos os preceitos que respeitam às competências dos vários órgãos aqui previstos.
Acontece, entretanto, que essa questão nos parece de realçar de sobremaneira. No entanto, há mais questões que pretendemos colocar em matéria da competência do Governo. Assim, penso que esta nova redacção dada ao artigo 185.° pelo PCP parece inviabilizar, de certo modo, algumas relações necessárias do Governo com a administração não directa que tenham obviamente a ver com as atribuições normais do Governo como órgão de condução de política geral. Pergunto-lhe, então, se esta redacção, além de colocar em dúvida as relações que normalmente já se estabelecem entre os vários órgãos de soberania com o Governo, não inviabiliza certos poderes de direcção, de superintendência ou de tutela que cabem ao Executivo no âmbito da sua tarefa de condução da política geral.
Há ainda outras questões a colocar, sendo esta referente a eventuais efeitos perversos destas salvaguardas que o PCP acrescenta à redacção actual do artigo 185.° De facto, depreende-se do texto actual deste preceito que o Governo é um órgão de soberania que tem por tarefa fundamental a condução da política geral e ser o órgão superior da Administração Pública, isto é, extrai-se desta formulação uma interpretação que assinala primeiramente ao Governo uma função política e administrativa, que não uma função legislativa de primeira água. Direi ainda que se depreende que esta redacção está combinada com aquilo que a Constituição pretendeu salvaguardar em primeira mão, ou seja, o primado legislativo da Assembleia da República.
Deste modo, pergunto-lhe se não será que com esta salvaguarda, inserta nesta nova redacção, o PCP não pretende, de modo imprudente, equiparar a função legislativa do Governo ao lado da função legislativa da Assembleia da República. Isto é, esta necessidade de demarcação não pressupõe, de certo modo, uma promoção automática da função legislativa do Governo? Pergunto isto, porque quando o PCP pretende inserir aqui estas alterações entende-se, ou é fácil depreender, que pretende acautelar os outros órgãos de soberania em face do Governo. Não será assim que o PCP vai conseguir o contrário ao demarcar o Governo desses mesmos órgãos, insinuando, do ponto de vista de uma certa interpretação do artigo, uma competência básica equivalente, nomeadamente no que respeita à Assembleia da República, e, neste caso, uma competência legislativa equivalente?
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Ora, parece-nos que, do ponto de vista de interpretação da Constituição, mas não do artigo 185.°, este preceito, na versão dada pela proposta de alteração do PCP, vem efectivamente complicar aquilo que já são as relações do Governo com os outros órgãos de soberania e que se depreendem claramente da leitura dos vários preceitos sobre a competência dos mesmos órgãos. Além disso, essa proposta de alteração ao referido artigo 185.° vem complicar, porque pode entender-se num plano de comparação com a redacção actual que este novo texto pode inviabilizar ou tornar mais difíceis certas relações de superintendência do Governo em relação a determinados órgãos da Administração, que até a esta altura não se colocavam com a presente formulação.
Finalmente, pergunto-lhe se isto não tem subjacente um juízo de equiparação no plano da função legislativa do Governo à Assembleia da República.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta de alteração do artigo 185.° do PCP é uma proposta que à primeira vista poderia ser qualificada como uma benfeitoria sumptuária, se não raiasse mesmo os limites da benfeitoria luxuriante, tendo em linha de conta que tudo o que existe é sem prejuízo do que também existe nos mesmos termos em que o que existe, existe. E, nesse sentido, a questão crucial é saber se isto acrescenta alguma coisa de novo ou não, ou seja, se desta proposta resulta ou não um efeito útil. Foi, aliás, isto que o Sr. Deputado deixou um pouco na penumbra, mas que decerto não nos roubará o prazer de explicitar quando falar do alcance prático da proposta que se pretende agora ver aprovada.
Na verdade, existindo o princípio geral do artigo 114.° da Constituição referente à organização do poder político e consagrador da separação e da interdependência dos órgãos de soberania, é óbvio e evidente que a interdependência política estabelece o quadro de relações entre órgãos de soberania que definem um determinado sistema de governo, e a separação é característica de um sistema de governo democráctivo e do papel dos controles existentes dos checks and balances na caracterização desse mesmo sistema.
Portanto, o Governo exerce as suas funções sem prejuízo dos demais órgãos de soberania, assim como estes exercem as suas funções sem prejuízo das competências constitucionais do Governo. De facto, o Sr. La Palisse, se fosse um constitucionalista, não diria melhor!...
Ora, o problema que se coloca é o de saber qual a definição de governo que a Constituição nos dá. Creio que nos dá uma definição que passa por dois tipos de funções fundamentais: a função de direcção política do Estado e a de órgão com atribuições no domínio executivo. Enquanto função de direcção política do Estado, o Governo participa nela com os demais órgãos de soberania, desde logo o Presidente da República e a Assembleia da República. E, nesse sentido, o Governo é o órgão de condução da política geral do Estado, da política geral do País, sem prejuízo do concurso para a função de direcção política do Estado que a Constituição confere ao Presidente da República e à Assembleia da República. É, portanto, uma função do Estado que é partilhada por vários órgãos de soberania, cada um no âmbito da sua esfera de competência própria. Não há, pois, nessa perspectiva confusão possível entre a acção do Governo no quadro da função de direcção política do Estado e a acção do Presidente da República ou da Assembleia da República no âmbito dessa mesma função de direcção política do Estado.
O problema ganha, contudo, maior interesse se o equacionarmos nestes outros termos: a primeira expressão "sem prejuízo" contida na nova redacção do artigo 185.°, na versão da proposta de alteração do PCP, parece-me desnecessária, porque ela decorre do artigo 114.°, da lógica do sistema do Governo e de todos os princípios que enformam o Estado de direito democrático. A segunda expressão do mesmo teor inserida na referida proposta talvez já não seja desnecessária. E digo isto porque há a questão de saber se é necessário pára garantir de facto a independência da administração das regiões autónomas e das autarquias locais que esteja este inciso consignado no novo texto do artigo 185.º De facto, as normas cosntitucionais têm todas o mesmo valor e, nesse sentido, a circunstância de o Governo ser o órgão superior da Administração Pública não derroga os poderes de superintendência que sobre a administração das regiões autónomas têm os órgãos de governo próprio das regiões e sobre a administração local têm os órgãos das autarquias locais. Não pode haver nunca uma interpretação derrogatória de atribuições e a definição do Governo nunca poderia comportar tal consequência, tendo em linha de conta que esses princípios estão salvaguardados também na própria Constituição.
Ora, o que sejam os demais órgãos constitucionais independentes previstos na Constituição é que suscita algumas dúvidas na minha interpretação. Desde logo, por exemplo, o Provedor de Justiça é um órgão independente previsto na lei fundamental. Porém, perguntaria, então, o seguinte: qual será a compatibilização entre o estatuto do Provedor de Justiça e uma norma deste tipo? Provavelmente nenhuma!... E digo isto porque os serviços administrativos que apoiam o Provedor de Justiça estão dependentes, nos termos da lei, da Assembleia da República. Nesse sentido, é a lei que confere essa dependência.
Penso, então, que provavelmente o que se pretendia era salvaguardar o caso dos tribunais, mas esta questão está directamente resolvida expressamente na Constituição. Não vejo, assim, que tenha efeito útil por essa via. Portanto, o receio que tenho, além das doutas considerações que foram já expostas pela Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves, é que mais do que questões do género daquela que colocou, venha este preceito a lançar confusão, em vez de clarificação. E a verdade é que este artigo 185.° tem uma redacção que surgiu da Lei Constitucional n.° 1/82, redacção essa cuidada e laboriosa, tendo em linha de conta a necessidade de definir quais são os limites da sua aplicação.
Não creio, pois, que se tenha suscitado qualquer dúvida de interpretação da aplicação do artigo 185.° da Constituição, desde essa lei constitucional. Portanto, não há dúvidas de aplicação e de interpretação do artigo 185.°, pelo que a primeira expressão "sem prejuízo" ínsita na proposta de alteração do PCP é des-
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necessária e a segunda expressão de igual teor pode, pelo contrário, ser foco de confusão. Assim, pergunto ao Sr. Deputado José Magalhães o seguinte: qual é o efeito útil da proposta do PCP?
O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado José Magalhães, gostaria de dizer que quando a citada proposta refere que o Governo é o órgão superior da Administração Pública não diz que é o órgão único. Se, ao invés, referisse que era o órgão único, poderia colocar-se o problema da necessidade de algumas excepções. No entanto, não refere tal.
Tem então a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começaria por sublinhar que a memória que o Sr. Deputado António Vitorino tem da primeira revisão constitucional, sendo um tanto idolátrica, conduz a deixar na obscuridade o que nela se fez e o que não se fez. Sucede que, neste ponto, a primeira revisão constitucional traduziu-se apenas numa eliminação, pelo que os problemas de definição que hoje estamos a discutir são lidos e legíveis à luz do texto originário que subsistiu e que visávamos agora retocar e aperfeiçoar, por forma a tornar melhor a definição que é caracterizada por tudo aquilo que o Sr. Deputado António Vitorino pôde situar, com larga cópia de movimentos hermenêuticos. Gostaríamos, precisamente, de tornar essas hermenêuticas difíceis em hermenêuticas fáceis.
O Sr. António Vitorino (PS): - Mas então foi a extinção do Conselho da Revolução que tornou claro qual era a força expansiva do artigo 185.°, após a primeira revisão constitucional, isto é, que novos domínios é que passavam a ficar abrangidos pela redacção do artigo 185.°, n.° 1, ora transformado apenas no corpo do artigo, em virtude da extinção do órgão autónomo de governo das forças armadas, o Conselho da Revolução?
O Sr. José Magalhães (PCP): - É um efeito, não directo, da alteração do artigo 185.°, mas um efeito decorrente das alterações em relação à própria estrutura e arquitectura da organização do poder político com o alargamento de âmbito, para a esfera militar, reservado ao extinto Conselho da Revolução. A supressão do n.° 2, que obrigava o Governo a definir e a executar a sua política com respeito pela Constituição "por forma a corresponder aos objectivos da democracia e da construção do socialismo", foi objecto de alguma reconversão, com a supressão do segmento final e com a generalização por assim dizer da obrigação de subordinação de toda a actividade, incluindo a do Governo à Constituição. Em todo o caso a questão central não é essa; é sim saber da utilidade da proposta, como de resto pertinentemente V. Exa. acabou por interrogar. Creio que a interrogação merece resposta.
A primeira resposta há-de situar-se na aclaração de pressupostos. Não há penumbra nenhuma, não há nenhuma zona que não esteja inteiramente iluminada pela mais potente e forte luz, na proposta do PCP. As intervenções da Sra. Deputada Assunção Esteves e do Sr. Deputado António Vitorino são a melhor demonstração de que, para se fazer uma adequada e correcta
interpretação do artigo 185.° da Constituição, é preciso fazer largos esforços de concordância prática da Constituição. É evidente que esses esforços são susceptíveis de ser realizados, têm de ser feitos. Não pode o intérprete atribuir outras funções, outros poderes ao Governo, senão aqueles que decorram de uma leitura integrada da Constituição, designadamente na parte em que define e estipula poderes para outros órgãos de soberania e estabelece que todos são separados e interdependentes. Não creio, porém, que tenhamos razão para nos considerarmos particularmente satisfeitos com as decisões constitucionais neste ponto.
Tomemos a definição da figura do Presidente da República. Segundo o artigo 123.°, ele representa a República Portuguesa, garante a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas e é, por inerência, Comandante-Geral das Forças Armadas. Tivemos ocasião, na altura própria, de debater os aspectos problemáticos que esta definição suscita.
A Assembleia da República é a assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses, nos termos do artigo 150.°
Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça, em nome do povo, nos termos do artigo 205.°
É evidente que a definição do artigo 185.° há-de ter isto em conta. Desde logo note-se a diversidade de critérios na definição dos diversos órgãos de soberania, a falta de um critério único. Revela-se, também, a necessidade de fazer articulações e leituras, designadamente com recurso ao critério sistemático como todas aquelas que foram feitas pelo Sr. Deputado António Vitorino e pela Sra. Deputada Assunção Esteves.
Qual é a vantagem de fazer a dilucidação que o PCP propõe? É a vantagem de todas a dilucidações! Não complicam: clarificam, simplificam nesse sentido exacto (salvo quando e na medida em que estejam mal feitas e então a questão é outra, que é de rigor e apuro, não de objectivo, não de teleologia). Esta dilucidação parece-nos saudável. A formulação não nos parece, como em todas as propostas do PCP, acima do aperfeiçoamento e discussão. Estamos perfeitamente disponíveis para encontrar outras redacções.
O Sr. Deputado António Vitorino acha que o "sem prejuízo" é "prejudicial", pois elimine-se o "sem prejuízo" e encontre-se uma formulação adequada, que não seja tão "prejudicial". A intenção do PCP não é prejudicar o Governo! É garantir uma leitura correcta daquilo que é a sua própria definição. Exige-o, primeiro, a necessidade de concordância prática entre a função governamental e a função do Presidente da República. Esse é um aspecto crucial. Não estamos aqui a discutir qualquer alteração do cunho do sistema - não é através desta definição que nós vamos alterar os princípios informadores do sistema de governo! Vamos "deslocar", "desenfatizar" o papel do Governo? Não é essa a nossa intenção e não seria a partir daqui que qualquer alteração, nesse sentido presidencializador, se processaria.
Segundo aspecto: por favor, não se confunda aquilo que não merece confusão, mesmo na base da leitura mais desprevenida. O que estamos aqui a discutir são funções de direcção política do Governo. Não estamos aqui a discutir a competência legislativa como tal; portanto não confundamos aquilo que é distinto ou que
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pelo menos os autores não têm culpa nenhuma que seja objecto de confusão por parte de algum leitor mais desprevenido. Não há o mínimo risco de se estabelecer qualquer efeito como aquele que, numa hora de perversão, a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves resolveu pôr na proposta. Verdadeiramente, não estamos a discutir aqui o primado legislativo de ninguém, não estamos, neste ponto, a discutir a articulação de competências Governo-Assembleia da República, não estamos aqui a discutir o exercício da função legislativa. Estamos a discutir o Governo, enquanto órgão de condução da política geral do País, discutimos o que se sabe ser materialmente característico da função de direcção política que lhe cabe. Só estamos a discutir isso, mais nada! Portanto, esse efeito perverso, Sra. Deputada Assunção Esteves, descansada esteja, não se verifica por força desta proposta.
Resta então saber se esta proposta inviabilizaria relações normais entre o Governo e a administração indirecta, designadamente. Devo dizer-lhe francamente que não vejo como, porque o que aqui se estabelece é uma cláusula que salvaguarde aquilo que sempre tem de ser salvaguardado, como de resto o Sr. Deputado António Vitorino sublinhou. É evidente que tudo isto há-de entender-se sem prejuízo da independência da administração das regiões autónomas, autoridades locais. Entra agora em cena a última questão, que o Sr. Deputado António Vitorino considerou picante e relevante. É a questão de saber o que é que são estas entidades independentes. Bom, na lógica do PCP são mais do que aquelas que são no teor vigente da Constituição, uma vez que esta, em matéria de órgãos independentes, apenas faz alusão a um reduzido número. Por nós, incluiríamos aqui o Conselho de Comunicação Social, com as suas características próprias. Se, por acréscimo, for constitucionalizada a Comissão Nacional de Eleições, como o PCP propõe, aí teremos outro e não pouco importante e não pouco relevante (sobretudo na óptica de que não lhe pode ser aplicável qualquer regra que perturbe a sua independência e que o governamentalize). Parece-nos essencial esta lógica de não governamentalização e de não confusão entre os poderes próprios do Governo, enquanto órgão superior da Administração Pública, e a esfera de autonomia e de intangibilidade decorrente do estatuto de independência deste e daquele órgão, constitucionalmente previstos (refiro-me apenas a estes). O separar de águas, essa clarificação, é a todos os títulos útil!
Sr. Presidente, Sr s. Deputados: Achar-se-á que a benfeitoria é volumptuária? Quanto a nós mal, porque nesta matéria a volumptas parte de outros e vai mais no sentido de leituras incorrectas do que seja o papel e a função do Governo, do que no sentido contrário!
Parece-nos que, independentemente de questões de redacção, o efeito útil desta benfeitoria seria o de evitar discussões como esta ou, ao menos, permitir que fossem travadas em termos de exegese de preceitos constitucionais...
O Sr. António Vitorino (PS): - A libertação dos presos evita a existência de carrascos. De facto é uma boa lógica.
O Sr. Presidente: - Há uma segunda proposta em relação ao artigo 185.° - artigo 185.°-A - no sentido
de consagrar que os membros do Governo não podem desempenhar outra função pública nem exercer qualquer actividade privada.
Sr. Deputado José Magalhães, já foram feitas aqui duas observações. Primeira: porquê só os membros do Governo e não outros titulares de cargos políticos? Segunda: porquê qualquer actividade privada? Faça favor de justificar a proposta, se conseguir, é claro. V. Exa. consegue tudo!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Ajoujado sob o peso da responsabilidade, vergado pela intimação por V. Exa. feita, parto penosamente para a justificação de uma proposta que, no entanto, já discutimos...
O Sr. Presidente: - Que, em face do projecto do PS, empalidece e fica tão sumida que quase não tem defesa.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Presidente, diria que é um pouquinho até ao contrário!
O Sr. Presidente; - Ah é?! O projecto de lei que apresentamos sobre incompatibilidades é uma pálida imagem?!...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, diria que há um nexo perfeito entre esta proposta do PCP e o projecto do PS. Este move-se na mera esfera da lei ordinária, o PCP move-se na esfera constitucional, visando dar plena cobertura a normas como as que agora o PS sugere.
O Sr. Presidente: - É o nexo entre a unha do elefante e o próprio elefante, a pequenina parte e o todo!...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Descontadas metáforas zoológicas, a ideia, Sr. Presidente, é óbvia. A matéria das incompatibilidades não se encontra adequadamente regulada na Constituição, há omissões. Importa fazer uma leitura integrada de todos os preceitos respeitantes aos titulares de cargos políticos e assegurar ou uma norma única ou normas esparsas pelas partes competentes da Constituição em que a questão seja abordada de frente e objecto de uma adequada resolução.
A ideia de que a incompatibilidade deve ser levada ao ponto de proibição de desempenho "de qualquer outra função pública ou privada", por parte de membros do Governo, deve ser lida com um proviso. É que, quando nos referimos à "actividade privada", estamos a referir-nos à actividade profissional privada, não nos estamos a referir naturalmente à vida privada dos membros do Governo, que por demais humanos são, como algumas experiências massagísticas recentes revelam...
O Sr. Presidente: - Mais alguém quer usar da palavra?
Pausa.
Faça favor, Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Queria manifestar a minha simpatia pela proposta apresentada, porque creio
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que consagra a constitucionalização de algo que é possível defender e que já está consagrado na lei ordinária. Aliás, a solução e a técnica seguidas são idênticas às da Constituição Espanhola e visam salvaguardar três princípios básicos, que são a separação de funções, a imparcialidade no exercício dos cargos e, basicamente, o evitar a colisão entre interesses públicos e privados. No entanto, a formulação, tal como está apresentada, parece-me francamente inadequada. Os princípios estão suficientemente salvaguardados, mas parece-me incorrecta a formulação proposta. Seria melhor: "os membros do Governo não podem desempenhar nenhuma outra função [...] que não derive do cargo". Basta o facto de o Governo ter responsabilidades em termos da Administração Pública para haver um conjunto alargado de outras funções que derivam do cargo governamental. E não está aqui consagrado - o que é, aliás, a solução da Constituição Espanhola - que se trata tão-só de "nenhuma outra função que não derive do cargo".
Por outro lado, o Sr. Deputado José Magalhães esclareceu já que não exercer nenhuma actividade deve ser entendido no sentido de nenhuma actividade profissional. Poderia talvez alargar-se a actividade profissional à de comércio e indústria, que é a solução da Constituição Espanhola. E há uma situação que a Constituição Espanhola também contempla e que talvez valesse a pena salvaguardar, porque o que está em causa é garantir a separação de funções e evitar soluções remuneratórias que ponham em causa a imparcialidade das decisões. Há uma situação que não tem rigorosamente a ver com isto e que também, em termos de direito comparado, é salvaguardada, que é a representatividade profissional de organizações nacionais. Deveria ser garantida a incompatibilidade do exercício das funções de membro do Governo com a de representante profissional de organizações nacionais. O que está em causa não é a remuneração, não é, rigorosamente, a colisão de interesses. Poderá ser, quanto muito, a imparcialidade. Julgo, pois, que esta proposta em termos de formulação - mas com simpatia pelos princípios que visa salvaguardar - não é a mais adequada.
O Sr. Presidente: - Mas em sede de titulares de cargos políticos em geral.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sim, sim.
O Sr. Presidente: - Penso que podíamos reservar uma reflexão para depois de nos entendermos, ou não, sobre o projecto de lei do PS que está na Assembleia da República. Veremos o que esse projecto tem de aproveitável e o que dele é constitucionalizavel. Talvez pudéssemos chegar a uma formulação de carácter, genérico, não só para os membros do Governo, mas para a classe política em geral, no sentido de consagrar algumas incompatibilidades, sobretudo as mais evidentes. Uma norma que prestigiasse a revisão constitucional e a própria Constituição.
O Sr. Alberto Martins (PS): - A Constituição Espanhola segue esta técnica legislativa, mas só para os membros do Governo.
O Sr. Presidente: - Confesso que só para o Governo não acho bem, embora compreenda que o Governo possa ter incompatibilidades que possam não ter outros titulares de cargos políticos. Mas... só para o Governo? Por que não para o Presidente da República ou o Presidente da Assembleia da República? Por que não para os deputados? Temos de ver isso! Os juizes, por exemplo, já têm incompatibilidades no seu estatuto.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Ou para profissões, como a advocacia, que para um membro do Governo são incompatíveis e para um deputado não seriam.
O Sr. Presidente: - Tem de ser igual; podemos definir algumas e remeter para as demais que definir a lei.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Será uma redacção possível desde que se assente em que o critério e a finalidade são estes que acaba de enumerar. Pela nossa parte estamos inteiramente disponíveis para esse efeito.
Sr. Presidente, solicitava, consoante antes anunciado, uma interrupção para podermos receber uma representação de trabalhadores que deseja inteirar-se da marcha do processo de revisão constitucional.
O Sr. Presidente: - Interrompemos a reunião para esse efeito. Recomeçaremos às 18 horas e 30 minutos. Está suspensa a reunião.
Eram 18 horas e 10 minutos.
Srs. Deputados, está reaberta a reunião. Eram 18 horas e 50 minutos.
Vamos discutir o projecto n.° 10/V, de deputados da Madeira, relativamente ao artigo 187.°, no sentido de que "o Primeiro-Ministro convocará para participarem no Conselho de Ministros os presidentes dos governos da regiões autónomas sempre que sejam tratados assuntos de interesse para as mesmas". Já assim é em relação aos Ministros da República, que coordenam as actividades da administração central e local, o que daria lugar a uma desvalorização da figura do Ministro da República e a uma duplicação da representação das regiões no Governo. Isso só podia dar origem a confusões, pelo que, a meu ver, não se justifica a aprovação desta proposta. É apenas uma opinião pessoal, mas penso que posso antecipar que assim pensa o PS a este respeito!...
Risos.
O Sr. Carlos Lélis (PSD): - É evidente que esta proposta é feita no pressuposto da eliminação da figura do Ministro da República.
O Sr. Presidente: - É claro, compreendemos isso.
O Sr. Carlos Lélis (PSD): - De qualquer forma se entenderia isso pela eliminação da figura do Ministro da República, na medida em que - e há nesse sentido elementos que colho através da discussão da autonomia universitária - a autonomia não pode ser exercida nem concedida sob suspeição e o reforço da unidade do Estado passa pela eliminação de figuras intermediárias. Nessa medida, concordaria plenamente com o
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Sr. Presidente em adiar esta discussão, no pressuposto de que esta proposta foi redigida em coerência com a supressão da figura do Ministro da República.
O Sr. Presidente: - Tudo o que se refere às regiões autónomas tem sido deixado para uma apreciação global na altura própria.
O Sr. Carlos Lélis (PSD): - O Sr. Presidente vai desculpar-me mas não entendi, talvez por culpa minha, por que é que disse que esta figura não existe para os membros do Governo central, quando o n.° 3...
O Sr. Presidente: - Não, não, foi confusão minha.
O Sr. Carlos Lélis (PSD): -... diz que podem "participar nas reuniões do Conselho de Ministros os secretários e subsecretários de Estado". E até por uma questão de hierarquia colocámos isso no n.° 3 e não no n.° 4.
O Sr. Presidente: - Enquanto os secretários só podem, seria uma faculdade, aqui seria uma obrigação. Foi o que quis dizer, embora não tenha sido muito claro.
Vamos passar ao artigo 190.° Há uma proposta: "o Primeiro-Ministro é, porém, nomeado pelo Presidente da República [...]". Isto está ligado à moção de censura construtiva, vamos deixar a proposta para a altura própria. Relativamente ao artigo 191.° há apenas uma alteração sistemática, proposta pelo CDS. Quanto ao artigo 192.° também só há uma alteração sistemática. Para o artigo 193.°, o CDS propõe também urna alteração sistemática, mas a ID retoma a ideia da qualificação da responsabilidade do Governo perante o Presidente da República como acontecia antes da primeira revisão, no sentido de qualificá-la de política. O PRD faz o mesmo. O PS não está disponível para concordar com isto, na medida em que não se justifica, pois não há nenhuma razão para voltarmos ao que foi. Pelo contrário, houve boas razões para deixar de o ser.
Quanto ao artigo 194.°, temos mais uma alteração sistemática apresentada pelo CDS e uma proposta da ID, uma vez mais retomando a responsabilidade "política", agora do Primeiro-Ministro. A ID propõe assim, no seu n.° l, que o Primeiro-Ministro seja "responsável politicamente perante o Presidente da República e, no âmbito da responsabilidade governamental, perante a Assembleia da República". No n.° 2, a ID faz idêntica proposta quanto aos vice-primeiros-ministros e aos ministros, politicamente responsáveis perante o Primeiro-Ministro, referindo também a responsabilidade governamental perante a Assembleia da República. No n.° 3 estabelece-se a responsabilidade política dos secretários e subsecretários de Estado perante o Primeiro-Ministro e o respectivo ministro.
O PRD faz o mesmo. Sabemos que o PRD se empenha em recuperar as competências que perdeu o Presidente da República, quando da primeira revisão constitucional. A nossa indisponibilidade é igualmente total em relação a estas propostas. Qual é a posição do PSD?
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - É a mesma, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Relativamente ao artigo 195.°, o CDS apresentou uma proposta no sentido de o Programa do Governo vir a ser objecto de uma aprovação expressa e não apenas de simples apreciação pela Assembleia da República. O debate, nos termos do n.° 3, não pode exceder três dias e elimina-se, nesta proposta, o segmento "e até ao seu encerramento pode qualquer grupo parlamentar propor a rejeição do Programa ou o Governo solicitar a aprovação de um voto de confiança". O n.° 4 é eliminado, deixando pois de exigir-se maioria absoluta de deputados em efectividade de funções para a rejeição do Programa do Governo, sendo este aprovado nos termos gerais.
Também o PCP elimina o n.° 4, deixando como tal de exigir a actual maioria absoluta para a rejeição do Programa do Governo.
Por seu lado, o PS faz, no n.° 1, uma referência dependente de ser ou não aprovada a moção de censura construtiva, sem autonomia em relação a esta proposta. Quanto ao n.° 3, o PS introduz um mecanismo de moção de censura ou de moção de confiança. Isto é: não haverá rejeição expressa do Programa do Governo, dependendo a sua não aprovação da aprovação de uma moção de censura. Por fim, o n.° 4 seria também eliminado.
Finalmente, a ID elimina, no n.° 3, a referência à solicitação de um voto de confiança.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Antes de explicitar um ponto da nossa proposta, gostaria de não deixar passar em claro as propostas coincidentes do CDS e do PCP, no sentido da eliminação do n.° 4 deste artigo 195.° É que não se pode equiparar a eliminação do n.° 4 nas propostas do CDS e do PCP com a eliminação do n.° 4 proposto pelo PS. De facto, enquanto na lógica do PS se elimina a figura da rejeição do Programa do Governo, porque a sua função útil é consumida pela função da moção de censura construtiva - o que equivaleria a dizer que a rejeição do Programa do Governo operaria em virtude da aprovação de uma moção de censura construtiva, pela maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções -, a lógica do PCP e do CDS é exactamente a oposta: trata-se de eliminar o n.° 4, impedindo por essa via a formação de governos minoritários na Assembleia da República. É a ilegitimação constitucional de governos minoritários e a obrigação de que os governos, para se constituírem, terão sempre de ter mais votos a favor do que contra, uma maioria relativa ainda que não maioria absoluta, o que constitui, em nosso entender, uma alteração muito significativa do sistema de governo. Em meu entender, haveria vantagens em proceder ao debate desta matéria com os representantes do CDS e do PCP, na sala, porque seria muito útil colher as razões que levaram esses dois partidos a propor a eliminação de governos minoritários. Decerto, são razões que têm a ver com questões de Estado e não apenas com a circunstância de, sendo os dois partidos dos extremos do leque partidário português, só poderem provavelmente aspirar ao exercício do Poder participando em coligações com partidos ao centro do leque político e, portanto, os governos minoritários serem, na óptica de uns e de outros, formas de afastamento dos próprios do exercício do Poder ou do mero acesso à área do Poder. Essa seria uma leitura relacio-
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nada apenas com os interesses partidários; no entanto, haverá certamente questões de Estado, porque eu não acredito que os proponentes se movessem apenas por mesquinhas razões partidárias.
Quanto às propostas do PS, como já referi, elas não têm autonomia em relação à moção de censura construtiva. No n.° l, trata-se apenas de aditar a moção de censura construtiva, que teremos ocasião de debater nos termos do artigo 197.° Quanto ao n.° 3, pretende-se sublinhar que não há moções de rejeição, sendo estas substituídas por moções de censura construtivas e que, em alternativa, o Governo pode solicitar a aprovação de um voto de confiança até ao termo do debate parlamentar.
A eliminação do n.° 4, como já expliquei, decorre facto de se ter eliminado a figura da rejeição do Programa de Governo, que é consumida pela figura da moção de censura construtiva, figura que, como se sabe, é uma medida de protecção de governos minoritários. Portanto, a lógica do PS é exactamente a lógica oposta à do CDS e do PCP.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Não estando presente a ID, quer o PSD pronunciar-se sobre estas propostas?
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Somos contra estas propostas, Sr. Presidente. Defendemos a manutenção do actual texto constitucional nesta matéria, naturalmente sem prejuízo das eventuais decorrências da discussão que travarmos sobre a moção de censura construtiva, que se projectarão aqui, uma vez que disso não curamos ex professo...
O Sr. Presidente: - Também da ID, quanto à eliminação da referência ao voto de confiança?
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Exacto, Sr. Presidente.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, deixemos de lado, por enquanto, o artigo 197.°, dado que o Sr. Deputado José Magalhães não está presente e a importância de que se reveste este preceito. Quanto ao artigo 198.°, não foi apresentada qualquer proposta. Apenas o CDS, que, como já sabemos, acaba com a figura da rejeição, propõe aqui a não aprovação.
Pausa.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Só agora terminou a audiência com representantes de trabalhadores sobre a marcha do processo de revisão, que pelos vistos se acelerou, no Ínterim...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, vou passar a resumir-lhe o decurso dos nossos trabalhos na sua ausência: não discutimos o artigo 190.°, pela razão de que está ligado ao problema da moção de censura construtiva. No artigo 193.°, levanta-se o
problema da retoma da responsabilidade política do Governo perante a Assembleia da República e, perante o Primeiro-Ministro, nos artigos seguintes. Foi clara a rejeição quer por parte do PS quer por parte do PSD, sem prejuízo de o Sr. Deputado, se assim quiser, poder manifestar-se a esse respeito, muito embora o PCP não tenha apresentado propostas relativamente a este preceito.
Quanto ao artigo 195.°, já iniciámos a discussão, mas aguardávamos a vossa posição justificativa da eliminação do n.° 4.
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Para evitar equívocos seria útil uma rápida informação sobre os argumentos usados para as fulminantes rejeições...
O Sr. António Vitorino (PS): - Fiz uma intervenção esclarecendo a lógica totalmente distinta, radicalmente oposta, antipodética entre a eliminação do n.° 4 proposta pelo PCP e pelo CDS e a eliminação do n.° 4 proposta pelo PS. Expliquei que a eliminação do n.° 4 que propomos advém do facto de o PS consumir a figura da rejeição do Programa do Governo na da moção de censura construtiva.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Nesse caso, Sr. Presidente, gostaria de formular uma observação.
Quanto ao regime de apreciação do Programa do Governo, a proposta do PCP surge como fruto de uma reflexão sobre a experiência da formação de executivos minoritários. Concluímos pela prescindibilidade de uma figura que viabiliza a existência artificial de executivos que não disponham de apoio substancial, mas que também não tenham contra si uma maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções. Digamos que, aqui, as nossas razões inspiradoras, as nossas preocupações e as do PS são antitéticas.
A experiência constitucional portuguesa é, deste ponto de vista, naturalmente susceptível de leituras muito diversas. O projecto do PS, como oportunamente se verá, quando se examinar mais detidamente a questão da moção de censura construtiva, vem enformado por uma certa "minoritariofilia", que depois se projecta em múltiplos pontos do articulado e em diversos mecanismos. Porquê manter aquilo que não disponha de uma base sólida, qualificadamente maioritária? Porquê sustentar, artificialmente, executivos cuja precariedade de investidura não lhes assegura nem grande vida nem estabilidade, em suma, nem futuro, nem apoio alargado? A nossa reflexão conduziu-nos à proposta que submetemos à vossa apreciação.
Naturalmente, as leituras que nesta matéria se façam sobre o funcionamento do sistema, sobre a lógica do sistema partidário, sobre o significado do princípio maioritário, sobre a forma de o aplicar e, sobretudo, de o construir e gerir, têm, neste momento, na vida política portuguesa, meridianos muito diferentes, estreitamente dependentes dos projectos de futuro de cada formação partidária. É essa uma das discussões cruciais, que apenas muito ligeira e até filtradamente surgirá num debate sobre este aspecto. Teremos, em momento ulterior, a possibilidade de aprofundar substancialmente as razões, os argumentos, as memórias e os projectos relacionados com este ponto.
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O Sr. Presidente: - Queria também informá-lo de que o PSD, em princípio, revelou indisponibilidade para concordar com qualquer dessas propostas, independentemente do que vier a ser entendido quanto ao artigo seguinte, sobre a moção construtiva do PS.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Em relação a esta exposição que o Sr. Deputado José Magalhães acabou de proferir, sem prejuízo de termos ocasião de trocar impressões mais detalhadamente a propósito da moção de censura, creio que, apesar de tudo, nesta fase do debate e atendendo à exposição que o Sr. Deputado fez, impõe-se uma pergunta. Estou de acordo com o Sr. Deputado José Magalhães quando diz que podemos ter diferentes leituras da experiência constitucional e decerto o Sr. Deputado José Magalhães mostrará, depois, em que medida é que a experiência constitucional dos governos minoritários foi estrondosamente mais nefasta para a estabilidade do regime democrático do que a dos governos maioritários. E decerto o Sr. Deputado José Magalhães também demonstrará qual a razão por que, por exemplo, os governos minoritários de iniciativa presidencial que, na altura, não tiveram objecções quanto à formação por parte do PCP deverão ser considerados como ilegitimados, em virtude desta medida que o Sr. Deputado José Magalhães propõe através da eliminação do n.° 4 do artigo 195.° da Constituição.
As questões de tratamento destas matérias podem ter razões relacionadas com o funcionamento do sistema democrático, do sistema político, do sistema do governo em concreto, e têm, naturalmente, uma motivação oriunda de interesses partidários. O PS não enjeita nenhuma das vertentes da questão e, oportunamente, quando apresentar a sua proposta de moção de censura construtiva, aduzirá as razões de Estado que entende justificarem a introdução da figura, assim como não se furtará a explicitar o seu entendimento, por razões de ordem partidária, sobre o funcionamento do sistema partidário português e as suas consequências no sistema de governo. Não enjeitamos nem uma vertente nem outra, nem consideramos que qualquer delas seja peçonha e insusceptível de ser objectivada num debate franco e aberto.
O Sr. Deputado José Magalhães não aduziu razões de Estado para a eliminação do n.° 4 e indiciou razões partidárias, que também não foram explicitadas. Mas, provavelmente, teremos ocasião de o ouvir sobre estas duas vertentes, quando tratarmos da moção de censura construtiva. Nesta fase do debate, a única pergunta que faria é a seguinte: porquê a ilegitimação dos governos minoritários? Isto é, independentemente do estado de espírito com que se encare a experiência, o seu significado no sistema político em concreto, qual é a lógica de os inviabilizar? Ninguém obriga a que se morra de amores por governos minoritários nem a que se propiciem instrumentos e mecanismos no sistema político que protejam governos minoritários. Nem faria sentido que um partido que não está de acordo com a existência de governos minoritários depois se preocupasse em protegê-los, como é evidente. Tudo isso é claro para mim. O que me preocupa é sondar o porquê da iniciativa de os ilegitimar, de os tornar impossíveis face à Constituição. Qual é a razão de ser da iniciativa? Os governos minoritários são, por definição, excepcionais; a regra em democracia é a de, naturalmente, haver governos maioritários. Consequentemente, se a Constituição abre as portas a que haja governos minoritários, não invalida que a regra seja a da existência de governos maioritários. Porquê, então, subsistindo a regra, a preocupação especiosa de eliminar a excepção?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que a dicotomia feita pelo Sr. Deputado António Vitorino, sobre as razões de propostas deste tipo (colocando de um lado as razões de Estado e de outro lado as razões assentes em interesses partidários) é uma como outra qualquer. A sociologia política provavelmente permite outras chavetas, mas a que traçou anuncia, apenas, uma abordagem ulterior alargada, franca, transparente, das propostas do PS sobre a instituição da chamada moção de censura construtiva.
No tocante à nossa proposta, não creio que a questão se possa colocar nos termos em que, designadamente na parte final da sua intervenção, o Sr. Deputado António Vitorino a situou. Não se deve ler todo o sistema na óptica de obsessiva e isolada paixão pelos governos minoritários! Não se deve ter urna epiderme tão sensível que em tudo se veja um "lá estás tu a tocar no governo minoritário"! Não creio que o desvelo em relação ao estatuto, ao "ninho constitucional" dos governos minoritários, possa ir ao ponto de ver defenestrações onde não há defenestração nenhuma. Creio que é inteiramente abusivo ver, na proposta do PCP, a "ilegitimação de governos minoritários" (foi isso que aqui foi dito, é isso que eu aqui comento). O Sr. Deputado António Vitorino situou, correctamente, como excepção os governos minoritários que serão, pela ordem normal das coisas, um fenómeno "não fisiológico", embora naturalmente não representem um fenómeno de '"sida política" em termos de sistema político. Só que essa excepção é muito excepcional, e tem uma protecção também excepcional na Constituição. Poderá dizer-se que essa protecção já foi mais excepcional. No entanto, continua a ter um patamar extremamente elevado, em termos de grau de protecção.
A proposta do PCP não suprime a possibilidade de governos minoritários! Apenas elimina uma distorção, nos termos da qual um governo minoritário que tenha um número de adversários maioritário, mas não tenha contra uma maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções, possa subsistir em caso de conflito. É essa possibilidade de subsistência artificial que se elimina. Quando se suprime o n.° 4, apenas se faz operar, por maioria ordinária não qualificada, uma cousa que hoje se opera por maioria reforçada. Com a eliminação do requisito de reforço a votação faz-se por maioria simples. O PCP não suprime a possibilidade de existirem governos minoritários, apenas se visa suprimir um quadro (artificial, insisto!) em que basta ao governo que os seus adversários não sejam mais de metade da Assembleia da República para subsistir. Em bom rigor, na prática, é difícil que se conceba que possa subsistir, com um mínimo de estabilidade, com um mínimo de durabilidade, um governo que tenha, na Câmara, uma maioria simples contra si. Essa maioria simples logo na investidura parlamentar
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pronunciava-se contra o Programa do Governo, apresentando uma moção de rejeição e votando-a favoravelmente. Na hora da votação, o Presidente da Assembleia registava: "A moção de rejeição foi aprovada por maioria. Essa maioria, Srs. Deputados, não é absoluta, não é a constitucionalmente prevista e adequada para produzir um efeito de não investidura parlamentar. Está, pois, o Governo investido parlamentarmente. A moção deve ter-se por rejeitada para os efeitos constitucionais."
São situações dessas que, neste quadro e com esta proposta do PCP, ficam excluídas. Nesses casos o Governo, que tenha contra si uma maioria, deixa de ter o privilégio de ser investido só porque essa maioria não é absoluta, ou melhor, porque essa maioria não é a maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções, ainda que possa ser a maioria absoluta dos deputados presentes! É só isso.
Sendo assim, o grito do Sr. Deputado António Vitorino é desproporcionado em relação à operação praticada.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Eu não gritei porque as pessoas educadas não gritam. Nem protestei.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O "grito" era figurativo, como é gritante!
O Sr. António Vitorino (PS): - Mas é que as ofensas também podem ser figurativas - fica tudo ao nível.
Não quis elevar o tem do debate, nem dramatizar a questão que está aqui colocada, e o Sr. Deputado José Magalhães terá oportunidade de a dramatizar quando chegarmos à moção de censura construtiva. Por hora, queria-lhe dizer que a proposta do PCP é uma operação cirúrgica inepta e ao arrepio do que é a evolução dos sistemas parlamentares da generalidade dos países do nosso espaço geopolítico, por muito que esta invocação do nosso espaço geopolítico possa causar engulhes ao Sr. Deputado José Magalhães. A verdade é que os mecanismos de constituição e de substituição dos governos, em sede parlamentar, têm vindo a orientar-se no sentido de permitir aos parlamentos, antes de se recorrer à instância última que é a dissolução das assembleias parlamentares, a conjugação de várias fórmulas possíveis de solução governativa, e permitir que, através de mecanismos consagrados nos textos constitucionais, haja factores de reforço da estabilidade governativa que é o mesmo que dizer da governabilidade dos sistemas democráticos. É por isso que toda a história constitucional tem sido orientada no sentido de, progressivamente, serem introduzidos, nos textos constitucionais, mecanismos que dificultam o derrube de governos em sede parlamentar. A evolução do parlamentarismo corresponde, de facto, a uma preocupação de reforço das competências de controle e fiscalização dos parlamentos sobre os governos, mas também de garantia de estabilidade dos executivos. É por isso que, originariamente, a moção de censura surge, nos sistemas parlamentares, como um instrumento de efectivação da responsabilidade política do Governo perante o Parlamento susceptível de ser levada às suas últimas consequências através de maioria simples - isto é, o Governo cai, no Parlamento, desde que tenha contra ele mais votos contra do que a favor. E a evolução do parlamentarismo - sobretudo no século XX e sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, em virtude da instabilidade governativa e das dificuldades dos executivos em fazerem face às ocorrências da guerra naturalmente, mas também às tarefas do desenvolvimento económico subsequente ao segundo conflito mundial - correspondeu à introdução do mecanismo das moções de censura susceptíveis de serem aprovadas apenas por maioria absoluta, no sentido de reforçar a estabilidade governativa e de dificultar as formas de derrube dos governos nos parlamentos. E esta evolução é uma evolução generalizada em todos os países da Europa Ocidental: dificultação das formas de derrube do Governo através do mecanismo da censura, substituindo as maiorias simples de derrube dos governos por maiorias qualificadas, isto é, por maiorias absolutas dos deputados em efectividade de funções. E a Constituição Portuguesa, na sua matriz originária de 1976, e na revisão de 1982, não fugiu a esta regra, embora tenha introduzido uma modificação que foi a substituição das duas moções de censura para derrube de um governo por uma só moção de censura, mas manteve intacta a regra da maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções para produção do efeito de substituição do Governo.
O que o PCP pretende introduzir, ao eliminar o n.° 4 do artigo 195.° e ao fragilizar, a ponto de tornar totalmente ineptos, os governos minoritários, é criar uma situação que resultaria, em termos institucionais, anacrónica. Um governo para se formar não poderia ter mais votos contra do que a favor, mas para que fosse derrubado, uma vez formado na pendência da sua intervenção política, tinha de ter contra ele, em torno de uma moção de censura, a maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções. Ou seja, o Governo, quando apresenta o seu programa à Assembleia da República, tem de, para o ver aprovado, ter sempre mais votos a favor do que contra; mas, depois, na pendência de sessão legislativa ou da legislatura, o derrube só pode ser feito desde que, contra ele, se congregue uma maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções. Ora, a lógica da proposta do PCP levada às últimas consequências seria a de uniformizar os dois mecanismos; deveriam por isso propor: se a rejeição do Programa do Governo é feita por maioria simples, então a censura também deve ser votada por maioria simples. Não vejo razão para estabelecer a destrinça entre a maioria de rejeição do Programa do Governo por maioria simples, e depois a exigência da maioria absoluta para o derrube do Governo através de uma moção de censura. Então sejamos coerentes: uniformizemos o sistema! Governos minoritários não existem, os governos não são protegidos pela maioria absoluta da votação da censura, nem minoritários nem maioritários, nenhum deles é protegido, todos se encontram, face à Constituição, em igualdade de circunstâncias, maioria simples para a rejeição do Programa do Governo, maioria simples para votar a censura, maioria simples para o voto de confiança, para a rejeição do voto de confiança - isso é que me parecia ser uma solução uniforme, uma solução coerente, uma solução "sem rabo escondido mantendo o gato todo de fora".
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, a interessante exposição do Sr. Deputado António Vitorino tem, no seu desfecho, a própria chave para a percepção de onde reside a dificuldade de discussão desta matéria.
É difícil fazer um debate deste tipo a partir de paradigmas radicalizados: ou de "ódio assassino" aos governos minoritários, ou de "paixão idolátrica" em relação aos mesmos. O Sr. Deputado António Vitorino situa-se no campo da paixão idolátrica e pretende situar-nos, à força, no campo do ódio assassino aos governos minoritários. E por isso diz: "Para serem coerentes deviam ter os senhores proposto que governos minoritários, na investidura e na censura, caem por maioria simples". Logo, "governos minoritários nunca"! Ora sucede que a proposta que apresentámos não vem eivada desse vezo de praticar o "minoritaricídio". Não se pretende derrubes a granel, instabiliza-dores, assentes numa lógica que o Sr. Deputado António Vitorino, com todo o furor tribunício, zurziria como sendo "ao arrepio de tudo": da experiência das democracias situadas no mesmo sistema "geopolítico", de tudo o que é "sabedoria parlamentar", património de luta pela estabilidade governativa, garantia de tudo o que é virtuoso e positivo numa "moderna democracia" "aberta" e "plural", etc.
Sr. Deputado: não tem flanco para fazer essa académica e politicamente inspirada actividade de fustigação. Pura e simplesmente nós não estamos aí! Não é aí que nos colocamos!
O Sr. António Vitorino (PS): - Não estão numa atitude de coerência, estão numa atitude de hipocrisia. Isso já eu tinha percebido. Só me limitei a sublinhar a hipocrisia.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado António Vitorino, V. Exa. pode fazer absolutamente tudo o que quiser para tentar deslocar a discussão para o terreno onde ela não se trava e para evitar que ela se trave no terreno próprio.
O PS coloca-se num terreno extremamente negativo, eivado de dificuldades, porque implica a tal reflexão, o tal olhar para que eu apelava há pouco (e que deve ser feita de fornia serena, enriquecida, desdramatizada) sobre uma memória histórica, sobre o sistema político e os sistemas partidários, a via adequada para se conseguir obter maiorias, através de uma forma dialogada, construída na raiz (não através de federações obrigatórias, compulsivas, mas sim de formas de associação e de contratualismo político que são desejáveis e normais).
O Sr. António Vitorino (PS): - Ah, e o Sr. Deputado é que queri desdramatizar o debate! Não tinha percebido.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não vale a pena travar o debate, nesta matéria, na base de impostações de posições que não existem. A nossa posição não é incoerente. Visa ser equilibrada.
Realço que é frágil, fragílima, a posição de um governo que, no momento da investidura, tenha contra si uma maioria - é disso que estamos a falar, não estamos a falar de outra coisa. E era bom que o Sr. Deputado António Vitorino, uma vez que falava de inépcia, tivesse simplesmente reconhecido que não havia, da nossa parte, nenhuma inépcia em descrever isto; fazemos uma descrição razoável, sensata e normal da situação anómala e virtualmente inepta em que se encontra o chefe de um governo desse tipo que tem contra si uma maioria! É uma posição fragílima em termos institucionais e em termos políticos! Esse chefe de governo goza da vantagem de não ter contra si uma maioria absoluta, mas tem contra si uma maioria. Maioria essa que é susceptível de rejeitar iniciativas legislativas do Governo (todas, eventualmente!); não há maioria absoluta para derrubar o Governo, mas há maioria simples bastante para liquidar iniciativas legislativas! Portanto, esse Governo tem de negociar toda e cada uma das leis de que precise. É óbvio que pode fazer "política de balance": pode negociar com uma determinada formação partidária a maioria para uma determinada lei e negociar com outra, oposta, uma maioria para aprovar uma lei situada nos antípodas. Gerirá, então, como um verdadeiro esquiador maiorias contraditórias, mas, como acontece com o esquiador da história, partindo de um ponto alto rumará a um ponto baixo, do alto da montanha para o sopé da montanha, do alto da montanha para um acidente...
O Sr. António Vitorino (PS): - Sem escamotear quem deu os empurrões.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sem escamotear, Sr. Deputado, que há, em política, como na natureza, coisas parecidas com a "lei de Newton"! De facto, é extremamente difícil que um corpo, partindo do alto e sendo movido por perversos impulsos (que desgraçadamente sabemos quais tenham sido historicamente e quais pudessem vir a ser num certo cenário), não se mova de forma estrondosa, estrepitosa, rumo ao chão.
Apenas gostava de sublinhar que a fragilidade não está noutra coisa senão no facto de a existência desse governo minoritário ser, por si mesma, precária. Não é possível, a golpes de retórica, de indignação tribunícia e de imaginação, negar que essa precariedade é um mal congénito (e não o produto de uma maldade alheia, menos ainda de um arquitecto maldoso que quisesse semear de escolhos e de pregos a trajectória feliz e radiosa desse governo minoritário). A sua deficiência é originária.
Mas repare-se: digo isto em relação ao momento originário. E nisso é que o Sr. Deputado António Vitorino não nos acompanha, ou não quer acompanharmos, porque assim lhe seria mais fácil apodar-nos de "incoerentes", de "adeptos da ingovernabilidade", "adeptos da instabilidade" (embora "semiadeptos", adeptos "por metade", adeptos "sem saber do que é que são adeptos"). O Sr. Deputado António Vitorino tem dificuldade em compreender por que é que entendemos que, não se devendo fragilizar a investidura (devendo-se garantir um reforço da investidura), pode ser de conceder um benefício de existência e uma dificultação do derrube. É que aí fazemos homenagem à leitura que o Sr. Deputado aqui nos trouxe das questões de governabilidade, da necessidade de conceder alguma estabilidade, de não permitir a facilidade da queda que decorreria da introdução do mecanismo de
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queda por maioria simples. Entendemos que o Governo pode não ver aprovada a sua legislação, mas só deve poder ser derrubado havendo uma maioria absoluta contra si, expressa, clara, definida. Eis o que ocorre. Nada mais!
O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados têm de ver se reduzem um pouco esta margem de discussão. Já discutiram o diálogo de hoje. Está discutido. Se quiserem, continuamos até à eternidade, mas penso que estamos todos esclarecidos. Quer um quer outro já emitiram os seus pontos de vista, e nós já sabemos quais são. Não quero interromper nem retirar a palavra a ninguém, mas parece-me que já estamos esclarecidos.
Continue então, Sr. Deputado José Magalhães, e, se puder, abrevie.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, nós até podemos nem discutir este ponto...
O Sr. Presidente: - Não, não é isso, Sr. Deputado!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sucede até que este ponto é um daqueles em que a discussão, provavelmente, se devia fazer noutro quadro, com outros pressupostos e, porventura, com outro tipo de enquadramento.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, estamos esclarecidos sobre o que motivou a proposta e sobre o que não a devia ter motivado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, como foram invocadas várias coisas, tal como a história constitucional portuguesa e a experiência da evolução do parlamentarismo e da formação de governos no pós-guerra, e como o Sr. Deputado António Vitorino, modestamente, apenas se coibiu de falar da formação de executivos no século XXI, entendi que seria injusto e pouco correcto da minha parte não deixar de procurar fazer algumas reflexões situadas na mesma área. Mais: tanto eu como o Sr. Deputado António Vitorino já tivemos ocasião de discutir noutra sede, com mais larguesa e sem esses constrangimentos, esta questão que agora estamos a analisar. Portanto, não foi seguramente para prazer pessoal ou para qualquer desforço de carácter académico que aqui entendi, pela minha parte, expender estas considerações. Primeiro, pareceu-me extremamente injusto que uma proposta que apresentámos de corpo inteiro fosse lida por metade ou apodada de "incoerente". Segundo, entendi que um ponto fundamental para perspectivar o futuro não deve ser discutido sem ter tudo em cima da mesa. Pela nossa parte, não temos nada fora da mesa!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, não posso deixar de ser sensível ao seu apelo e faria apenas uma observação.
As questões que o Sr. Deputado José Magalhães colocou terão resposta quando nós tivermos ocasião de apresentar a nossa proposta sobre a moção de censura construtiva.
Registo que o Sr. Deputado José Magalhães resistiu à tentação de identificar as razões partidárias na proposta que o PCP apresenta, o que a despoja, naturalmente, de qualquer interesse táctico da parte do Partido Comunista e a reduz, portanto, a um debate onde se justificam algumas invocações como aquelas que fiz. É que, apesar de tudo, as propostas não existem na natureza como as maçãs. Elas têm uma origem e um fluxo. O PCP dá um sinal importante com a proposta que faz. É que, pelos vistos, o PCP está disposto a alterar a matriz originária da Constituição em matéria de sistema de governo. Ao contrário da constituição económica, este é um dos pontos em que o Partido Comunista mostra grande flexibilidade e abertura. Nós, por exemplo, temos preocupações idênticas quando propomos a moção de censura construtiva. Portanto, a tese da alteração da matriz originária do sistema de governo é um argumento que a seguir decerto não será brandido contra a nossa proposta da moção de censura construtiva, porque essa alteração resulta, desde logo, da própria proposta do Partido Comunista Português para o artigo 195.°
Quanto ao facto de não ter falado nos governos do século XXI só gostaria de dizer que não os mencionei pela simples razão de que terei ocasião de falar deles quando discutirmos a moção de censura construtiva.
O Sr. Presidente: - Gostaria de propor aos Srs. Deputados o seguinte: em homenagem ao presidente desta Comissão, gostaria de que adiássemos a discussão do artigo 197.° relativo à moção de censura construtiva. Isto porque o Sr. presidente encontra-se ausente e este é um dos pontos mais importantes de toda esta revisão constitucional. Assim, deveríamos homenagear o nosso Presidente assegurando a sua presença no momento em que estivéssemos a discutir este tema.
Assim, poderíamos passar à análise do artigo 198.° Não há objecções, Srs. Deputados?
Pausa.
Como não há objecções, vamos então passar à análise do artigo 198.° Há uma proposta do CDS, que vai no sentido de substituir a expressão "rejeição" por "não aprovação do Programa do Governo". Portanto, o CDS pensa que não basta a não rejeição. É necessária uma aprovação positiva.
O PS também elimina a expressão "rejeição" e fá-lo pelas razões que já foram aqui aduzidas pelo Sr. Deputado António Vitorino.
A ID defende que, com o início do mandato do Presidente da República, deve operar-se a demissão do Governo, mas só quando não fora mantida expressamente a sua nomeação. A ID também elimina o n.° 2, ou seja, a regra segundo a qual o Presidente da República só pode demitir o Governo quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas e ouvido o Conselho de Estado. E, uma vez mais, a recuperação dos poderes do Presidente estabelecidos antes da primeira revisão constitucional.
O PRD propõe a substituição da expressão "a aceitação pelo Presidente da República do pedido de demissão apresentado pelo Primeiro-Ministro" por "a demissão do Primeiro-Ministro". Isto pela simples razão de que, embora excepcionalmente, e com as limitações do
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n.° 2 deste artigo, o Presidente continua a poder demitir o Primeiro-Ministro. Portanto, não é só a aceitação, mas também a demissão resultante da aceitação ou de acto próprio.
O PRD também suprime o n.° 2 e fá-lo pelas mesmas razões de recuperação dos poderes do Presidente anteriores à primeira revisão constitucional.
O CDS não está presente para justificar a sua proposta.
O PS não vê necessidade em justificar mais profundamente a sua.
A ID também não está aqui presente para justificar a sua proposta. O mesmo se diga em relação ao PRD.
Não há inscrições, Srs. Deputados?
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Presidente disse agora que o PSD não vê necessidade de justificar mais a sua proposta. Isto significa que já a justificou num momento anterior?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, essa justificação está implícita naquela que já se deu quanto ao facto de propormos a eliminação da figura da rejeição do Programa do Governo, substituindo-a por uma moção de censura construtiva.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Portanto, a questão fica remetida para o debate da moção de censura construtiva propriamente dita.
O Sr. Presidente: - Exacto, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, o nosso silêncio tem apenas a ver com o facto de concordarmos que nesta parte a proposta não é autónoma.
Por outro lado, opomo-nos às propostas de eliminação do n.° 2, o que, de resto, decorre do nosso projecto de revisão constitucional.
O Sr. Presidente: - Aliás, o Sr. Deputado Costa Andrade também já se tinha referido à proposta de alteração do CDS e disse que o PSD também não concordava com ela.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Exacto, Sr. Presidente.
O Sr. José Magalhães (PCP): - E em relação à proposta do PRD?
O Sr. Costa Andrade (PSD): - É uma questão que temos de ponderar com critério, com um juízo técnico. Mas à primeira vista parece-nos correcta.
O Sr. Presidente: - Continua a existir a possibilidade de a demissão não ser pedida.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Temos de afinar os conceitos, Sr. Presidente. Há que saber se se deve ou não manter a distinção entre o pedido de demissão e a aceitação.
O Sr. Presidente: - A demissão pelo Presidente da República ainda existe e também provoca a demissão do Governo. Portanto, talvez a demissão abranja as duas coisas.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Em princípio, parece-me que sim. No entanto, penso que ainda devemos afinar o conceito.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que é mais prudente fazer essa "afinação" porque a interpretação da alínea b) envolve algumas dificuldades e melindres e há que distinguir entre as diversas formas através das quais este efeito se pode traduzir.
Se tomarmos esta proposta pelo seu valor facial, é evidente que o Presidente da República terá de aceitar o pedido de demissão apresentado pelo Primeiro-Ministro. O acto de aceitação é obrigatório para se poder produzir o efeito.
O Sr. Presidente: - O acto de aceitação está certo, Sr. Deputado. O problema é que nem na actual alínea nem em nenhum outro local está contemplada a hipótese de o Presidente da República usar dos poderes do n.° 2. E a versão do PRD contempla as duas hipóteses: é uma demissão pedida pelo próprio ou imposta pelo Presidente. Em qualquer caso, é a demissão.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto, Sr. Presidente. A questão é a de garantir a pluralidade das fontes que conduzem ao efeito.
O Sr. Presidente: - Sim, Sr. Deputado. Penso que a proposta do PRD tem toda a razão de ser.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Há uma distinção radical, em termos de construção constitucional, entre as duas figuras, a de iniciativa presidencial e a de iniciativa primoministerial.
O Sr. Presidente: - Temos de tratar isto com mais segurança.
Não sei por que é que apenas cá ficou a "aceitação". Nem sei sequer se é lapso, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não é lapso, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem de ser lapso, Sr. Deputado. É que o n.° 2 diz que o "Presidente da República só pode demitir". Portanto, pode demitir, mas se o fizer não há aceitação nenhuma. Não há aceitação de nenhum pedido, é o Presidente da República por si próprio que o demite. Portanto, não está contemplada a hipótese do n.° 2, que também implica a demissão do Governo, já que a introdução do artigo é a que diz respeito aquilo que implica a demissão do Governo. O n.° 2 também implica a demissão do Governo.
Penso que a proposta do PRD tem perfeita justificação.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É que o Governo, por si próprio, não tem direito de demissão, Sr. Presi-
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dente. O Presidente da República tem a palavra chave face à questão da subsistência do Governo. O Governo pode exprimir o desejo de demissão, mas não tem assegurada a aceitação pelo Presidente da República...
O Sr. Presidente: - Tem o Primeiro-Ministro, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não é um acto próprio, Sr. Presidente. Neste caso, o Presidente da República exonera ou não o Primeiro-Ministro quando entender. Se exonerar, o acto não está sujeito a referenda [artigo 136.°, alíneas f) e g)]. Mas o Primeiro-Ministro não pode pura e simplesmente ir embora, se lhe apetecer.
O Sr. Presidente: - Mas isso está contemplado na alínea b), Sr. Deputado. O que não está contemplado é o que decorre do n.° 2.
Em relação ao artigo 199.°, há uma proposta única do PS, mas que não tem grande relevo porque se limita a substituir a referência à pena maior pela fórmula que nós entendemos dever propor em todos os casos da Constituição em que se refira tal expressão.
Se é esta a formulação ou se há-de ser outra qualquer, é questão que depois se verá em sede de redacção. De qualquer modo, penso que já chegámos a acordo no sentido de que a referência à pena maior está desactualizada.
O Sr. Deputado Costa Andrade é que nos poderá dizer se esta formulação serve ou se teremos de arranjar outra melhor.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Já discutimos isto várias vezes, Sr. Presidente. De resto, o nosso projecto sofre, nesta parte, de uma lacuna.
O Sr. Presidente: - Com esta redacção ou com uma outra, temos mesmo de corrigir a Constituição sempre que esta faz referência à pena maior.
Em relação ao artigo 200.°, o CDS propõe a substituição da actual expressão "acordos internacionais" por "convenções internacionais". Assim, o CDS propõe na alínea b) do n.° 1 o seguinte:
Negociar convenções internacionais, aprovar as que não sejam submetidas à Assembleia da República para aprovação, na conformidade do artigo 164.°, alínea i), e concluir as que não estejam sujeitas a ratificação.
O CDS propõe para o n.° 2 - e, não sei porquê, fá-lo em itálico - o seguinte: "A aprovação pelo Governo de convenções internacionais reveste a forma de decreto". Na actual redacção referem-se "tratados" e "acordos". Como sabem, a expressão "convenção" abrange tanto os tratados como os acordos e, portanto, há aqui, de algum modo, uma coonestação com a proposta feita na alínea b).
O PCP tem dois novos números. Para o n.° 3 do artigo 200.° o PCP propõe o seguinte:
O Governo não pode aprovar, sob a forma de acordo, convenções internacionais que digam respeito a matérias de competência da Assembleia da República ou que impliquem a alteração de actos com valor legislativo.
Para o n.° 4 o PCP propõe:
Os acordos de execução de tratados anteriores celebrados pelo Governo devem ser submetidos à apreciação da Assembleia da República sempre que tenham vinculações duradouras para o Estado Português ou incidam sobre direitos, liberdades e garantias.
O CDS não está aqui presente para justificar a sua proposta.
Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que toda a matéria das convenções na Constituição merece uma releitura atenta. Nós começámo-la no artigo 138.° a propósito de uma proposta apresentada pelo PRD. Continuámo-la quando debatemos o artigo 164.° a propósito das competências da Assembleia da República. Neste momento trata-se de juntar àquilo que está pendente, para reflexão integrada, mais duas questões que nos parecem importantes.
Trata-se, nos dois casos, de dar resposta a situações que têm vindo a originar dúvidas de aplicação e grandes dificuldades interpretativas. Por um lado, há uma tendência clara para a invasão da esfera de actividade própria da Assembleia da República através da aprovação, sob forma de acordo, de textos de direito internacional que dizem respeito a matérias da competência da Assembleia da República ou, então, a matérias que implicam a alteração de actos com valor legislativo. Isto pode revestir particular importância num contexto de internacionalização crescente da vida e, designadamente, da economia portuguesa e, por outro lado, de renovação ou também de releitura de vinculações assumidas anteriormente pelo Governo num quadro em que era outra a repartição de competências Governo/Câmara Legislativa. Algumas das vinculações assumidas por Portugal, mesmo antes do 25 de Abril, que hoje possam ainda carecer de algum acordo de execução não podem deixar de ser submetidas à apreciação da Assembleia da República.
Nos dois casos que vêm enumerados no nosso projecto essa obrigação de submissão ao Parlamento é, em nosso entender, absolutamente inultrapassável. A nossa experiência nesta matéria não vem desprovida de exemplos concretos e cintilantes. Basta lembrar os acordos com os Estados Unidos da América para se iluminar todo um campo de reflexão importante, que, de resto, foi objecto de apreciação recente pelo Tribunal Constitucional.
Creio que todos ganharíamos em ter em conta nessa reflexão os desenvolvimentos da própria jurisprudência constitucional. O acórdão do Tribunal Constitucional sobre a matéria que referi ainda não é conhecido. Encontra-se apenas em livro de lembranças. Em todo o caso, em breve teremos ocasião de o poder ler e estudar. Creio que a reapreciação desta matéria à luz da reflexão também feita nessa sede será seguramente vantajosa para o próprio processo de construção de uma solução normativa adequada para enfrentar as questões que se suscitam.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há pouco esqueci-me de referir que em relação ao artigo 200.° há uma proposta do PS, que substitui a expressão
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1446 II SÉRIE - NÚMERO 46-RC
"acordos internacionais" por "convenções internacionais". Aliás, isso vem na sequência daquilo que já se tinha proposto num outro artigo.
Por outro lado, o PSD propõe na alínea d) do n.° 1 o seguinte:
Propor ao Presidente da República a realização de referendo popular sobre questões de relevante interesse nacional e de transcendente importância política.
Esta matéria irá ser discutida a propósito do referendo.
As restantes alíneas do PSD representam uma reprodução e reenumeração das alíneas anteriores.
O PS não vai apresentar esta sua proposta, uma vez que já fez a sua justificação a propósito de um outro artigo. É apenas uma adaptação, uma consequência daquilo que já discutimos.
O PSD não quer discutir, neste momento, o referendo.
Na proposta do CDS está apenas em causa uma questão de linguagem e cujo significado já todos conhecemos.
Como já vimos, o PCP apresenta dois números novos, que têm o significado que o Sr. Deputado José Magalhães agora lhes atribuiu.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Penso que o n.° 3 tem um significado muito claro. Em todo o caso, a última parte refere "ou que impliquem a alteração de actos com valor legislativo". Penso que isso não estará tão contemplado como isso.
O n.° 4 é mais discutível, "vinculações duradouras para o Estado Português". O que é uma vinculação duradoura?
Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, em relação ao n.° 3 a primeira preocupação quanto à forma dos actos internacionais está contemplada nos projectos do PS e do PRD. Creio que se trata apenas de discernir qual é a sede mais adequada para resolver essa questão.
O inciso final parece-me inadequado, na medida em que nos actos com valor legislativo se têm de considerar os decretos-leis. Portanto, qualquer convenção internacional que alterasse um decreto-lei não poderia revestir a forma de acordo - o que me parece manifestamente excessivo - porquanto esses decretos-leis versariam matéria da competência concorrencial entre o Governo e a Assembleia da República. Não vejo por que é que o Governo não poderia aprovar, sob a forma de acordo, essas convenções internacionais.
Quanto ao n.° 4 o problema que existe é o de tentar caracterizar o que são vinculações duradouras para o Estado Português, na medida em que todos os acordos internacionais, de uma forma ou de outra, traduzem vinculações duradouras. Até mesmo as convenções destinadas a perdurarem por um período delimitado de tempo pressupõem, durante o período da sua vigência, uma vinculação duradoura: ela dura enquanto vigorar o tratado. Todas as convenções vigoram até à desvinculação do Estado Português. Portanto, no n.° 4, no fundo, caberiam todas as convenções internacionais. Todas elas envolvem vinculações duradouras.
Em relação ao problema dos acordos de execução diria o seguinte: é sabido que o acórdão do Tribunal Constitucional não incidiu sobre esta matéria específica. O que se tratou foi de julgar inconstitucional um acordo por troca de notas. E essa inconstitucionalidade resulta esclarecida da alteração proposta pelo PCP ao n.° 3, que o PS propõe para a alínea c) do n.° 1 e que o PRD propõe em outro artigo da Constituição.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, subscrevemos as objecções do Sr. Deputado António Vitorino relativamente à equivocidade que levanta esta última expressão da última parte do n.° 3 da proposta do PCP, sobre a alteração de actos com valor legislativo. De facto, se isto abrange, como parece abranger (não da intenção dos proponentes mas dos termos), os decretos-leis, está incorrecto.
Contudo, levantam-se outras questões que queremos colocar. Em primeiro lugar, relativamente ao n.° 4, como o Sr. Deputado António Vitorino muito bem afirmou, o problema reside na determinação dos tratados que impliquem vinculações duradouras para o Estado Português, porquanto os tratados têm uma vocação de se eternizar até ao momento em que haja, chamemos-lhe assim, uma iniciativa de denúncia das partes intervenientes. Mas levantam-se aqui outras questões que nós pretendemos pôr em conjunção com observações que se nos afiguram oportunas para a proposta do PS e em conjunção com aquilo que já dissemos para o artigo 164.° quanto à competência da Assembleia da República na aprovação das convenções internacionais. Parece-nos que aqui se verifica o mesmo mecanismo para que alertámos aquando da discussão do artigo 164.° De facto, ao nível do n.° 4 da proposta do PCP, sabendo-se que é da reserva de competência relativa da Assembleia da República legislar sobre direitos e garantias, vem-se agora, por via da submissão de acordos que versem sobre o mesmo tema à apreciação da Assembleia da República, levar a que ao Governo sejam limitadas as condições da sua competência legislativa derivada de autorização no âmbito da celebração das convenções. E o mesmo se diga para a alínea c) do projecto do PS, cuja redacção é mais do que elucidativa no sentido de tornar residual, e mesmo atrofiada, a competência do Governo no que diz respeito à celebração das convenções, com o mesmo efeito contraproducente de ficar a sua competência aquém da margem de abertura que o artigo 168.° deixa em matéria de competência legislativa do Governo por via das autorizações legislativas.
O Sr. Presidente: - Para apresentar a posição do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, vou ponderar com os meus camaradas algumas das reflexões que foram feitas. Porém, gostaria de fazer alguns curtos comentários, de imediato.
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Como é evidente, os tratados aspiram a uma certa duração e, como tal, todos eles são duradouros, uns muito duradouros e outros pouco duradouros. O que se pretende com a nossa proposta é estabelecer uma destrinça entre aqueles cuja aspiração a uma maior durabilidade os distingue como tais (por exemplo, certos tratados de amizade e cooperação que, pela sua vocação, se distinguem bastante de certos outros, cuja vigência é por si própria limitada e que cumprem finalidades mais limitadas). Na tradução desta situação em termos de classificação pode-se recorrer a toda a panóplia de meios de direito internacional...
O Sr. Presidente: - Destinados a vigorar sem limite de prazo...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto, é essa a ideia! A durabilidade é um valor decorrente da inexistência de uma duração limitada à partida. Foi essa a nossa ideia, sendo a formulação perfeitamente secundária. O problema coloca-se e pode dar origem a grandes dificuldades. Penso que a questão deveria ser encarada ponderando todo o conteúdo do acórdão do Tribunal Constitucional que nós não conhecemos.
Creio que o Sr. Deputado António Vitorino se referiu apenas a um dos aspectos, concretamente ao enquadramento constitucional dos acordos por troca de notas. Mas a questão suscitada é bastante mais vasta. Não conheço o acórdão, não está formulado; no entanto, há-de ser publicado e, nessa altura, poderemos aprofundar o debate sobre esta questão, sem prejuízo de consideração benévola da proposta do PS em relação ao artigo 200.° e da necessidade de leitura, sobretudo integrada e globalizante, de toda esta matéria, com uma preocupação de abertura e de defesa da adequada repartição de competências dos órgãos de soberania, que corre riscos de ser fortemente perturbada por certas leituras desviantes...
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, interrompemos aqui os nossos trabalhos, para os retomarmos amanhã, pelas 10 horas. Começaremos pela moção de censura construtiva, caso o Sr. Deputado Rui Machete esteja presente. Se não, aguardaremos a sua presença, pois penso que é uma homenagem que lhe devemos. Depois, continuaríamos os nossos trabalhos entrando nos tribunais.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião.
Eram 20 horas.
Comissão Eventual para a Revisão Constitucional
Reunião do dia 13 de Julho de 1988
Relação das presenças dos Srs. Deputados
Carlos Manuel de Sousa Encarnação (PSD).
Carlos Manuel Oliveira e Silva (PSD).
José Augusto Ferreira de Campos (PSD).
José Luís Bonifácio Ramos (PSD).
Licínio Moreira da Silva (PSD).
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD).
Maria da Assunção Andrade Esteves (PSD).
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Manuel António de Sá Fernandes (PSD).
Rui Alberto Limpo Salvada (PSD).
António de Almeida Santos (PS).
António Manuel Ferreira Vitorino (PS).
Jorge Lacão Costa (PS).
Alberto de Sousa Martins (PS).
José Manuel Santos Magalhães (PCP).
Miguel Galvão Teles (PRD).
João Manuel Caniço de Seiça Neves (ID).