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Sexta-feira, 21 de Outubro de 1988 II Série - Número 48-RC

DIÁRIO da Assembleia da República

V LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1988-1989)

II REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

ACTA N.° 46

Reunião do dia 15 de Julho de 1988

SUMÁRIO

Procedeu-se à discussão do artigo 213. ° e respectivas propostas de alteração; das propostas de artigos novos - artigos 204. °-A, 204. °-B (actual 284. °), 204-C, 204-D e 204-E - apresentadas pelo PS; dos artigos 216. ° e 217.° e respectivas propostas de alteração; da proposta de artigo novo - artigo 217. °-A - da autoria do PCP; das propostas de artigos novos - artigos 217. °-A e 217. °-B - apresentadas pelo PS, e da proposta de artigo novo - artigo 223. °-A - da autoria do PS.

Foi retomada a discussão do artigo 218. ° e respectivas propostas de alteração.

Durante o debate intervieram, a diverso título, para além do presidente, Rui Machete, pela ordem indicada, os Srs. Deputados José Magalhães (PCP), António Vitorino (PS), Pais de Sousa (PSD), Miguel Galvão Teles (PRD), Almeida Santos (PS), Jorge Lacão (PS), Carlos Encarnação (PSD), Vera Jardim (PS) e Seiça Neves (ID).

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O Sr. Presidente (Rui Machete): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 11 horas e 10 minutos.

Srs. Deputados, vamos dar início aos nossos trabalhos com a análise do artigo 213.° ("Tribunal Constitucional").

Vozes.

O Sr. Presidente: - Em relação ao artigo 213.° existe uma proposta de aditamento do CDS. Assim, o CDS adita uma nova alínea é) e a actual alínea e) passa a alínea f).

Existe uma proposta de alteração e uma outra de aditamento do PCP. A alínea b) refere o seguinte: "Julgar as acções e recursos extraordinários de defesa dos direitos fundamentais, previstos no artigo 20.°-A".

Depois temos algumas propostas de aditamento de artigos novos apresentadas pelo Partido Socialista.

O PSD também apresenta uma proposta de alteração, que vai no sentido de incluir o referendo.

O PRD também apresenta uma proposta de aditamento.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, a discussão sobre as propostas apresentadas é, por definição, limitada, uma vez que se trata, tão-só, de receber na elencagem das competências do Tribunal Constitucional algumas novas competências, que teremos de discutir e, eventualmente, aprovar em outras sedes.

Uma delas já tivemos ocasião de apreciar: é a que diz respeito à competência para julgar acções e recursos extraordinários de defesa dos direitos fundamentais, cuja consagração é proposta no artigo 20.°-A apresentado pelo PCP. Tudo o que foi dito sobre os méritos da acção constitucional de defesa e sobre as implicações da formulação adiantada pelo PCP, bem como sobre as sugestões que, então, foram apresentadas, dispensa, neste momento, reforço. Gostaria, apenas, de encarecer a importância que tem aditar à panóplia de meios de defesa de direitos fundamentais esse novo meio, com o alcance e a dimensão que venhamos a dar-lhe na sede própria. Não cabe aqui desenvolver mais a reflexão sobre a alínea que é proposta.

Em relação à alínea a) - na sequência daquilo que pudemos observar quando apreciámos o artigo 115.°, bem como as matérias da competência legislativa da Assembleia da República -, trata-se de extrair consequências da clara afirmação da existência de leis de valor reforçado, qualquer que seja a sua designação, bem como da dilucidação das implicações da desconformidade entre actos normativos de valor inferior em relação a actos normativos de valor superior, matéria que também já pudemos abordar com alguma extensão e pormenor. É evidente que a estabelecer-se essa superiorização, essa distinção de grau hierárquico entre actos legislativos haverá que extrair todas as consequências, designadamente do ponto de vista da fiscalização de eventuais desconformidades. Este é o primeiro aspecto que a proposta contida na alínea á) suscita.

Um outro aspecto não menos relevante é o que diz respeito à desconformidade entre o direito ordinário interno e o direito internacional que tenha primazia sobre aquele. É evidente que a questão sindicação dos casos de desconformidade exige uma opção quanto à entidade competente para a fiscalização. A opção que vem contida no projecto de revisão constitucional do PCP parece-nos a mais adequada, envolvendo, naturalmente, um correspondente alargamento de competências do Tribunal Constitucional. No entanto, parece-nos que é o órgão mais bem posicionado na estrutura dos nossos tribunais para poder exercer esse papel que é, no fundo, de garantia da Constituição. As situações de desconformidade podem ser fortemente atentatórias da unidade normativa do Estado Português e a função de garante dessa unidade e da adequada correlação entre o direito interno e o direito internacional, bem como a garantia da primazia nos casos em que exista, deve ser assegurada pelo Tribunal Constitucional.

Adiantar o que quer que seja para além daquilo que acabei de afirmar poderia mergulhar-nos no debate do artigo 277.° Esta discussão é, de certa forma, derivada, o que não nos deve impedir de fazer as análises retrospectivas e prospectivas que entendamos. Neste caso parecem-me bastantes as que acabo de produzir.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente, Almeida Santos.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Srs. Deputados, o CDS não está presente para justificar a sua proposta.

Assim sendo, tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, em relação ao artigo 213.° a operação a que procedemos foi a de alterar, desde logo, a ordem sistemática, porque criámos um título próprio para o Tribunal Constitucional em função da sua automatização no próprio artigo que define as ordens dos tribunais. Nesse sentido, ao criarmos um novo título, desdobrámos e completámos o estatuto do Tribunal Constitucional com uma norma (artigo 204.°-A) que procede à definição do órgão, uma norma (artigo 204. °-B) sobre a sua composição, que reproduz na íntegra aquela que hoje se encontra consagrada no artigo 284.° da Constituição, uma norma sobre a competência (artigo 204.°-C), uma norma sobre o estatuto dos respectivos juizes (artigo 204.°-D) e uma norma sobre o funcionamento em secções (artigo 204.°-E). Trata-se, aliás, de normas substitutivas das que hoje constam do capítulo II deste título, "Tribunal Constitucional", artigos 284.° e 285.°

Diria apenas que no artigo 204, °-A se procede à definição do Tribunal Constitucional. Assim, "o Tribunal Constitucional é o órgão de soberania com competência para apreciar em última instância a constitucionalidade das normas jurídicas e a regularidade e validade dos actos de processo eleitoral", na medida em que essa competência já é hoje do Tribunal Constitucional por via da lei ordinária, mas não encontra referência expressa no próprio texto da Constituição.

O n.° 2 deste artigo caracteriza o Tribunal Constitucional como um órgão autónomo, a que são aplicáveis os princípios gerais que a Constituição prevê para os demais tribunais. Portanto, é a própria Constituição que sublinha a comunhão de natureza jurisdicional do Tribunal Constitucional e dos demais tribunais, que é, aliás, o entendimento que hoje se deve fazer da conjugação das normas da Constituição e da lei sobre a organização, processo e funcionamento do Tribunal Constitucional.

Quanto ao ordenamento das competências do Tribunal Constitucional, artigo 204.°-C, resolvemos seriar as mesmas em quatro grandes áreas, com o objectivo fun-

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damental de recobrir tudo aquilo que hoje já é competência do Tribunal Constitucional em resultado do que a Constituição dispõe e do que a lei do Tribunal Constitucional dispõe. Portanto, tem competências em matéria de fiscalização da constitucionalidade e da legalidade, quer em sede de fiscalização abstracta preventiva [alínea a)] quer em sede de fiscalização abstracta sucessiva [alínea c) do n.° 1], tem competências para funcionamento como tribunal de recurso em sede de fiscalização concreta [alínea b) do n.° 1]. Nos termos da alínea d) tem também competência para a verificação da existência de inconstitucionalidade por omissão. Finalmente, tem uma competência específica para o controle preventivo da constitucionalidade e legalidade dos referendos e das consultas directas aos cidadãos eleitores a nível local [alínea é) do n.° 1]. No n.° 2 esclarecem-se as competências do Tribunal Constitucional em relação ao Presidente da República e que são as que constam da lei ordinária: verificação da morte, declaração da impossibilidade física permanente e dos respectivos impedimentos termporários e verificação da perda do cargo nos casos constitucionalmente previstos.

Quanto ao n.° 3, trata-se de referir a competência do Tribunal Constitucional em matéria eleitoral, quer como tribunal de julgamento de última instância da regularidade e validade dos actos do processo eleitoral que a lei preveja que comportem recurso para o Tribunal Constitucional, quer, nos termos da alínea b) e tal como hoje se dispõe na lei eleitoral para a eleição do Presidente da República, para a verificação da morte e incapacidade para o exercício da função presidencial de qualquer candidato à Presidência da República, o que, como se sabe, uma vez verificado tem como consequência determinar a reabertura do processo eleitoral.

Finalmente, no n.° 4 o Tribunal Constitucional tem a competência que hoje a lei lhe confere de verificar a legalidade da constituição dos partidos políticos e das coligações de partidos, bem como de apreciação da legalidade das suas denominações, siglas e símbolos e também as competências referentes à sua extinção nos termos da Constituição e da lei.

Em relação à projecção do Tribunal Constitucional, basta apenas acrescentar que no artigo 204.°-D o consideramos com dignidade constitucional. Assim, faz-se uma equiparação dos juizes do Tribunal Constitucional aos juizes dos restantes tribunais no que diz respeito às garantias de independência, inamovibilidade, imparcialidade e responsabilidade. Por outro lado, estabelecemos ainda à sujeição dos magistrados do Tribunal Constitucional as incompatibilidades aplicáveis aos restantes juizes dos tribunais.

Quando abordar o artigo 285.° da Constituição mencionarei, nessa altura, o artigo 204.°-E.

Entretanto, reassumiu a Presidência o Sr. Presidente, Rui Machete.

O Sr. Presidente (Rui Machete): - Tem a palavra o Sr. Deputado Pais de Sousa.

O Sr. Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente, o PSD propõe o aditamento de uma nova alínea d), com a seguinte redacção: "Verificar previamente a constitucionalidade das questões sujeitas a referendo". Trata-se de uma alteração que dependerá da introdução ou não no texto constitucional do instituto do referendo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Sr. Presidente, o PRD não altera a estrutura do preceito, embora deva, desde já, declarar que não lhe parece mal a linha seguida pelo Partido Socialista em relação a esta matéria.

Esta proposta do PRD tem duas coisas de novo. Uma diz respeito à verificação prévia da constitucionalidade e da legalidade do referendo. Na nossa proposta também incluímos, na altura própria, um regime relativamente detalhado ou pormenorizado quanto a esse processo - o processo de referendo.

Na alínea é) o PRD faz uma sugestão que é a de atribuir ao Tribunal Constitucional funções que não são apenas de contencioso de nulidade, mas também de contencioso de responsabilidade. Isto um pouco à semelhança daquilo que se passa com os tribunais administrativos em matéria de responsabilidade do Estado. Passamos aqui para o Tribunal Constitucional a competência para as acções de responsabilidade por actos praticados no exercício da função legislativa.

Sei que a questão não é líquida.

Em todo o caso, a impressão que se tem é a de que quando se trata de actos com forma legislativa os tribunais comuns têm alguma dificuldade, pela sua própria natureza, pela sua própria composição, em entrarem em considerações acerca da responsabilidade do Estado. Admitiu-se, como mera hipótese que talvez valha a pena discutir, atribuir esta função ao Tribunal Constitucional, que, pela sua proximidade do exercício do poder legislativo, pelo seu hábito de julgar a actividade legislativa do Estado sob outra perspectiva, estaria talvez melhor colocado do que outros órgãos para apreciar estas matérias. No entanto, esta é apenas uma sugestão, um ponto para reflexão e não mais que isso.

Isso obrigava o Tribunal Constitucional, que, pela sua proximidade do exercício do poder legislativo, pelo seu hábito de julgar a actividade legislativa do Estado sob outra perspectiva, estaria talvez melhor colocado do que outros órgãos para apreciar estas matérias. No entanto, esta é apenas uma sugestão, um ponto para reflexão e não mais que isso.

Isso obrigava o Tribunal Constitucional a um tipo de funcionamento que não lhe é habitual, sendo certo que em matéria eleitoral já existem situações que se aproximam um pouco. Sobretudo, obrigava-o a fazer julgamentos, porventura com audiências, o que não está nos hábitos do Tribunal Constitucional.

É apenas uma hipótese para ponderação e não é mais que isso.

O Sr. Presidente: - Gostaria de formular duas perguntas.

Em relação à exposição que o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles acabou de fazer, gostaria de dizer que percebo perfeitamente as observações que fez quanto à questão do referendo. No entanto, pergunto o seguinte: por que também a menção da legalidade dos actos sujeitos a referendo?

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - É a conformidade com a lei do referendo, Sr. Presidente. Isto liga-se com a proposta que apresentamos para o n.° 4 do artigo 276.°, que regula o processo de referendo. É, portanto, a legalidade formal do referendo que está aqui em causa.

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O Sr. Presidente: - Já percebi, Sr. Deputado.

A segunda questão que gostaria de colocar era a seguinte: entendo o interesse em fazer uma referência à J responsabilidade pelo exercício da função legislativa. Para além das dúvidas que foram expostas acerca da natureza do Tribunal Constitucional e da modificação do seu normal funcionamento a que isso levaria, há uma questão que não percebi muito bem. Fala-se em "forma legislativa", mas a verdade é que hoje a Constituição deu uma abertura, que considero interessante e importante, no n.° 3 do artigo 268.° e em que se admite o recurso contencioso de quaisquer actos com fundamento em ilegalidade, independentemente da sua forma. Tem-se entendido - e, a meu ver, bem - que isso significa que os actos administrativos sob forma de lei também cabem na competência dos tribunais administrativos. Naturalmente, esses problemas da responsabilidade não têm a natureza, a complexidade e a delicadeza dos actos do exercício da função legislativa. Com esta redacção, eles também teriam recurso para o Tribunal Constitucional.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Não era essa a ideia, Sr. Presidente. Era só aquilo que diga respeito à responsabilidade.

O PRD não propôs que a interposição de recurso dos actos materialmente administrativos com forma legislativa se fizesse para o Tribunal Constitucional. Isso seria alargar demais a competência do órgão. Reservei a competência do Tribunal Constitucional para o julgamento da responsabilidade.

Poder-se-á dizer que há aqui um certo desajustamento e que, em rigor, se deveria dizer não "actos com forma legislativa", mas, sim, "actos da função legislativa". Não utilizei essa fórmula apenas para evitar que se passasse o tempo a discutir se o acto era da função legislativa, se era da função administrativa, se era lei, se era regulamento, etc.. Pareceu-me que a forma legislativa era suficiente para, em matéria de contencioso de responsabilidade, a questão vir ao Tribunal Constitucional. É que em matéria de contencioso de anulação a circunstância de ter de se fazer necessariamente um juízo sobre o carácter substancialmente administrativo do acto justifica que aquele fique nos tribunais administrativos.

O Sr. Presidente: - Só que, por um lado, a existência de um recurso ou de uma acção para defesa de um direito ou de um interesse legalmente protegido e, por outro lado, o próprio problema da execução das sentenças administrativas vêm aproximar o contencioso de anulação do contencioso de plena jurisdição.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Isso é verdade, Sr. Presidente. Aliás, também se podia ajustar, passando o Tribunal Constitucional a conhecer da interposição de recursos administrativos de actos com forma legislativa.

Aliás, isto era apenas uma sugestão. Não sei se valerá ou não a pena discutir o ponto mais detalhadamente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.

O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, queria apenas fazer três observações. Duas delas consomem-se mesmo numa brevíssima verificação do facto de a proposta do CDS referente à declaração da inconstitucionalidade e da inexistência de actos políticos estar dependente, naturalmente, da apreciação e da eventual consagração da figura do controle da constitucipnalidade dos actos políticos. Portanto, não terá aqui cabimento autónomo. O mesmo se diga em relação à proposta do PCP quanto ao julgamento das acções e recursos extraordinários de defesa dos direitos fundamentais porque depende da solução que se vier a dar ao artigo 20.°-A da Constituição.

A outra observação desdobra-se em dois momentos. O primeiro para dizer que, de facto, faz sentido a consagração do controle de legalidade dos referendos. Naturalmente, sempre haverá de ter em linha de conta que não é forçosamente apenas um controle preventivo de legalidade dos referendos, mas que pode também caber ao Tribunal Constitucional o julgamento de certos aspectos do contencioso do referendo, que tenham paralelo com o processo eleitoral para a Assembleia da República e para as autarquias locais e que lhe devam ser cometidas em função da lei do referendo. Portanto, é uma competência que não abrange apenas o controle preventivo da constitucionalidade e da legalidade, mas também certos ilícitos no decurso da realização de referido, cuja similitude com o ilícito eleitoral nas eleições para os órgãos autárquicos ou para a Assembleia da República justificam que o Tribunal Constitucional seja de igual forma o tribunal de última instância sobre essa matéria.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Sr. Deputado, isso já está coberto no texto actual pela alínea e).

O Sr. António Vitorino (PS): - É evidente, Sr. Deputado, Admito que uma norma residual venha a ser aditada à nossa lógica expositiva, A intenção não era a de restringir. A intenção foi a de verter para a Constituição tudo aquilo que nos parecia ter dignidade constitucional. Naturalmente, não se trata de uma regra de numerus clausus. O Tribunal Constitucional pode e deve ter outras competências atribuídas por lei. Portanto, na nossa lógica expositiva é susceptível de ser acrescentado um número que o consigne expressamente.

A proposta do PRD é interessante e estimulante e diz respeito ao julgamento das acções de responsabilidade civil do Estado e das regiões autónomas por actos com fornia legislativa. Ora, isto envolveria, desde logo, o Tribunal Constitucional no julgamento de todas as acções que tivessem a ver, por exemplo, com o contencioso das indemnizações decorrentes do processo das nacionalizações e expropriações posteriores ao 25 de Abril de 1974.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Era nisso que estava a pensar, Sr. Deputado, da perspectiva da responsabilidade.

O Sr. António Vitorino (PS): - Nunca duvidei disso, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Ninguém teve ilusões a esse respeito.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Mas não era só isso, Sr. Presidente. Preferiria que isso ficasse no Tribunal Constitucional a que andasse por aí disperso pelos tribunais comuns.

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O Sr. António Vitorino (PS): - A "provocação" no sentido positivo é interessante, mas tem uma consequência que deve ser devidamente ponderada e que é a alteração da natureza do Tribunal Constitucional. Há, de facto, aqui uma proposta de alteração da natureza do Tribunal Constitucional. É que o tipo de relacionamento entre este órgão e os demais órgãos jurisdicionais existentes hoje em dia consiste, em sede apenas de recurso de fiscalização concreta, em o Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre a questão restrita de inconstitucionalidades e determinar a alteração da sentença por parte do tribunal a que. Aqui o Tribunal Constitucional deixaria de fazer apenas juízos de constitucionalidade ou inconstitucionalidade e passaria a produzir verdadeiras e próprias sentenças jurisdicionais, aplicáveis ao caso concreto, não com força obrigatória geral e com consequências no domínio da natureza do próprio tribunal e do sentido das suas decisões.

Devo dizer que é um salto muito grande e, sem prejuízo da proposta nos merecer a adequada ponderação, pergunto se valerá a pena introduzir este factor novo no sistema da organização judiciária portuguesa, que é o de cometer a um órgão que não é integrado por juizes de carreira a competência para emissão de decisões em matéria que até aqui estava reservada aos órgãos jurisdicionais clássicos do Estado.

O Sr. Presidente: - Esse é um dos grandes problemas que se colocam quanto à composição do tribunal.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Eu diria que há dois grandes problemas, um dos quais, a meu ver, é esse -devo aliás confessar que não resisti à tentação de pôr isto aqui como uma hipótese para reflectir, e não mais do que isso- o de mudar de alguma sorte a natureza do Tribunal Constitucional e as suas relações com os tribunais comuns, sendo o outro o complexo problema dos conflitos de competência, que também é melindroso. Não se tome, portanto, por mais do que por uma sugestão para reflectir.

O Sr. Presidente: - Eu diria que, nalguns exames de Direito Constitucional, mesmo de mestrado, isto já vai dar grandes oportunidades...

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Para se entreterem? É uma sugestão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, pretendia apenas formular alguns comentários sobre a mancha das propostas em debate.

Primeiro: ninguém se pronunciou sobre as questões relacionadas com as cirurgias valorizadoras. No fundo, o PS começa por propor uma cirurgia. É meramente estético-constitucional? Não. É provida de implicações, embora também estéticas...

O Sr. Almeida Santos (PS): - Não só, não só.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não só, confirma o Sr. Deputado Almeida Santos. Suscita-se, desde logo, a necessidade de um juízo sobre a reconformação, resistematização, autonomização (como significado jurídico-constitucional, e porventura político) em título próprio, da matéria respeitante ao Tribunal Constitucional. A questão deve ser avaliada e valorada, tendo em conta todas as suas dimensões e exige, também, a releitura de toda a matéria respeitante aos tribunais, num quadro em que nenhum de nós ignora qual seja o terreno que estamos a pisar e, designadamente, o significado de que a solução se poderia revestir no quadro de debates em curso sobre o posicionamento no sistema dos diversos tribunais superiores e da sua articulação e relação saudável com o Tribunal Constitucional.

Considero bastante interessante que o Sr. Deputado António Vitorino tenha aludido, nos termos em que aludiu, ao artigo 213.° alínea e), do n.° 2, apresentado pelo PRD, salientando a mutação da natureza do Tribunal Constitucional que tal implicaria. É evidente que sim e é evidente também que a operação proposta pelo PS não implica uma mutação da natureza do Tribunal Constitucional. Tem outras implicações, de que devemos estar cientes quando fazemos uma leitura integrada das disposições que respeitam a este Tribunal e aos tribunais superiores, igualmente existentes, desde logo, o Supremo Tribunal de Justiça. Não adianta nada mais, nesta sede e neste momento, quanto a este aspecto, que não é, todavia, nem despiciendo nem irrelevante...

Segundo aspecto: a definição proposta pelo PS é incompleta. O PS pratica, na massa definitória do artigo 204.°-A, n.° 1, uma ablação sobre a qual igualmente não se pronunciou. Suponho que na definição que se faz do Tribunal Constitucional, "como órgão de soberania com competência para apreciar em última instância a constitucionalidade das normas jurídicas e a regularidade e validade dos actos de processo eleitoral", a omissão da alusão às competências em matéria de legalidade não tem grande justificação. Talvez a minha sensibilidade em relação a essa matéria resulte do facto de, pela nossa parte, até acrescermos a margem de intervenção em relação ao controle da legalidade.

O Sr. António Vitorino (PS): - Creio que a legalidade e a validade são dois conceitos que já contemplam essa questão específica na medida em que, como é óbvio, a ilegalidade dos actos eleitorais tem consequências na validade, e, portanto, a validade consome a questão de legalidade. Mas se se entender que o conceito deve ficar expresso não vemos objecção nenhuma.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Agradeço ao Sr. Deputado António Vitorino porque, provavelmente, a sua observação explica a omissão que o articulado faz. De facto, quando aludi à legalidade não me estava a referir à legalidade dos actos eleitorais mas sim às questões de legalidade, que, hoje em dia, estão na esfera de competências do Tribunal, nos termos dos artigos 277.° e seguintes...

O Sr. António Vitorino (PS): - Está bem, mas essas vêm contempladas.

O Sr. José Magalhães (PCP): - E não deixariam de estar...

O Sr. António Vitorino (PS): - Não...

O Sr. José Magalhães (PCP): - É que o PS, na norma sobre a definição das competências, alude às que o Tribunal Constitucional tem em matéria de legalidade, mas, na definição do órgão como tal, omite-as.

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Desta forma, a definição é imperfeita e não corresponde à malha de competências realmente proposta. É uma questão técnica, pura e simplesmente...

O Sr. Jorge Lacão (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, não... é uma definição...

Vozes.

O Sr. António Vitorino (PS): - É o artigo 204.°, n. º 1 ...

O Sr. José Magalhães (PCP):-No artigo 204. °-A, n.° 1, não pode deixar de haver uma referência às competências em matéria de legalidade; de contrário, o definido surge amputado de uma das suas dimensões. Mas isto é apenas um pormenor de carácter técnico e, seguramente, estará nas intenções dos proponentes corrigir o lapso. Simplesmente, a vossa presumível ideia não foi expressa pela boa forma na sede própria.

O Sr. António Vitorino (PS): - No artigo 204.°-C deixamos claro e inequívoco que o Tribunal Constitucional tem competência em matéria da fiscalização da constitucionalidade e da legalidade.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador).

O Sr. José Magalhães (PCP): - Esse é um aspecto que me parece fulcral, sobretudo na perspectiva do enriquecimento da acção do Tribunal nessa esfera, o que será inevitável, a cometer-se-lhe poder para apreciar os aspectos relacionados com as desconformidades entre actos de valor inferior e actos de valor superior, e entre actos de direito interno e actos de direito internacional com primazia. E pode ser extremamente importante que isso seja salientado na própria definição. Este aspecto é óbvio e não carece de grandes alegações.

O terceiro grupo de observações, Sr. Presidente, diz respeito às inovações mais relevantes, uma vez que outras, como o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles aqui teve ocasião de referir, são inovações tentatórias ou pró memória que, se bem que audaciosas em certa medida, reconhecem-se, nos seus próprios termos, como tendo dificuldades quase intransponíveis à partida.

Circunscrever-me-ia sobretudo às primeiras. Em meu entender, seria útil que, mesmo com carácter derivado, com carácter periférico e secundário, trocássemos impressões sobre a proposta do CDS, relativa ao controle de actos políticos, bem assim como sobre as propostas do PCP respeitantes aos artigos 277.° e 20.°-A, embora admita que não seja possível avançarmos excessivamente. Penso que não deveríamos passar pura e simplesmente por esta vinha como se fora vindimada, porque não o é.

Uma outra observação destina-se a sublinhar que a questão de controle da constitucionalidade e legalidade dos referendos constitui, a ser consagrada tal figura, um aspecto fundamental, uma vez que disso depende em larga medida que ela não possa ser objecto de desvirtuamentos, em particular, de desvirtuamentos plebiscitários, ou de ultrapassagem de regras de forma e de conteúdo. A instituir-se a figura, essas regras teriam, obviamente, de fazer parte do articulado constitucional e, mais que isso, teriam de ser servidas por regras de garantia processual e substantiva. Indo-se por esse caminho, a ênfaze a fazer terá de ser enorme. Nessa óptica, não vejo vantagem em circuscrever a redacção da alínea e) do n.° 1 proposto pelo PS no artigo 204. °-C à fiscalização preventiva prévia, ainda que este tipo de fiscalização seja indispensável. Independentemente do que a lei estabeleça, o controle do Tribunal (a ir-se por aí, ressublinho) deveria ser na matriz constitucional feito em termos amplos e circustanciados e nos diversos momentos de desenvolvimento dos actos. Não há nenhuma razão para a Constituição não ser cautelosa nessa matéria, além de todas as outras cautelas antidesvirtuamentos que se justificarão nesse domínio.

Gostaria ainda de chamar a atenção para o facto de nada haver a objectar à transposição ou à constitucionalização daquilo que foram competências que a lei veio a atribuir ao Tribunal Constitucional no ínterim, em todos os domínios, nos mais diversos domínios.

A questão suscitada pelo Sr. Deputado Miguel Galvão Teles já foi objecto de alguma discussão, quando debatemos a proposta do PCP sobre o artigo 22.° Neste artigo, o PCP propõe que se clarifique todos os aspectos relacionados com a responsabilidade do Estado por acções e omissões praticadas no exercício da função legislativa e jurisdicional. E a nossa proposta visa circunscrever as condições em que essa responsabilidade pode ser efectivada, limitando-a aos casos de violação "particularmente grave" dos direitos, liberdades e garantias. Permitindo, talvez, a Constituição, na sua redacção actual, leituras maximalistas, é preciso evitar que a legislação ordinária e a prática redundem num minimalismo radical, que é aquele que hoje rege entre nós, designadamente em relação à responsabilidade por actos legislativos que, como sabem, é inteiramente inexistente.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)

O Sr. José Magalhães (PCP): - Independentemente da opção polémica adiantada pelo PRD quanto à fiscalização, quanto ao local, quanto à entidade competente para a efectivação, a questão coloca-se mesmo, e a revisão constitucional deveria dar um impulso clarificador num domínio tão importante para o controle dos próprios órgãos de soberania, em dimensões em que o seu relacionamento com os cidadãos pode conduzir à lesão de direitos e de interesses profundamente relevantes.

Eis, Sr. Presidente, as considerações que pretendi fazer sobre as propostas em debate no tocante à definição do Tribunal Constitucional, ao seu lugar na Constituição, ao seu relacionamento com os outros tribunais e às suas competências actuais ou a aditar.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador)... a propósito do artigo 22.°, a que se fez aqui referência...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Por conexão...

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O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Por conexão. Este artigo 22.° abrange os direitos, liberdades e garantias apenas em sentido estrito?

O Sr. José Magalhães (PCP): - Tem exactamente o sentido constitucional.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Não abrange a violação de direitos patrimonais...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Deputado, obedece-se à elencagem constitucional nos seus precisos termos.

Vozes.

Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente, Almeida Santos.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, algumas das observações, designadamente sobre a cirurgia proposta, talvez merecesse, da parte dos proponentes, alguma consideração, ainda que sucinta...

O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Como não estamos num gabinete cirúrgico, mas numa comissão de revisão constitucional, se concordassem, passaríamos à frente. Aliás, teremos de voltar a esta matéria e não tenho dúvidas de que necessitaremos de ter uma visão global da problemática dos tribunais. No entanto, penso que, nesta sede, não se pode avançar muito mais...

Neste momento, reassumiu a presidência o Sr. Presidente, Rui Machete.

O Sr. Presidente (Rui Machete): - Sr. Deputado José Magalhães, em qualquer circunstância, teremos de voltar a esta matéria mais adiante. É inevitável...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sem dúvida. Vamos ter de voltar a todas as matérias mais adiante...

O Sr. Presidente: - Não, não...

O Sr. José Magalhães (PCP): - A questão é apenas que há determinados pontos em que não se justifica o mistério e outros em que, desgraçadamente, não há mistério nenhum: há é péssimas propostas. Bem importa que tudo isso seja bem apreciado...

Vozes.

O Sr. Presidente: - Não tenha excessivas ilusões...

O Sr. José Magalhães (PCP): - Independentemente disso, Sr. Presidente, fiz apenas uma consideração cautelar que, aliás, foi mal entendida pelo Sr. Deputado Almeida Santos...

O Sr. Almeida Santos (PS): entendida...

Foi muito bem

O Sr. José Magalhães (PC*P): - Tendo sido colocadas algumas questões acerca do alcance exacto da operação jurídico-constitucional proposta pelo PS e tendo sido por mim situadas, quiçá mal, algumas dessas implicações, a ambiguidade do PS quanto a essas implicações não é, penso eu, positiva. Mas, se no entender do PS, é positiva, não seria eu que, nessa matéria, poderia ir ultra vires, para fazer aquilo que o PS não faz. Até porque o PS bem faz aquilo que mal entende, como se sabe...

O Sr. Almeida Santos (PS): - O PS confia no correcto entendimento das coisas do Sr. Deputado José Magalhães - lúcido, correcto, perspicaz... Não vale muito a pena estar a discutir aquilo que o Sr. Deputado já entendeu, que todos nós já sabemos, o quê e o porquê...

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, pretendia apenas fazer uma pergunta ao PS em relação a um aspecto que não vejo aqui considerado. Será, porventura, uma questão de redacção ou de distracção mas, de qualquer forma, gostaria de saber se assim é ou não.

No artigo 204.°-C, relativo à competência do Tribunal Constitucional, enunciam-se até à alínea é) as várias competências possíveis do Tribunal Constitucional; no artigo 204.°-E estabelece-se que "a lei pode prever [...] ou de outras competências definidas nos termos da lei".

O Sr. Almeida Santos (PS): - Já assim é na actual alínea é) do artigo 213.°; apenas se operou a transposição desta alínea. Ou seja, nós entendemos que a competência do Tribunal Constitucional não deve ser um numerus clausus, tal como acontece, por exemplo, em relação ao Presidente da República.

O Sr. António Vitorino (PS): - A nossa intenção não é tornar as competências do Tribunal Constitucional um numerus clausus na Constituição. Portanto, já anotei a falta de uma clausula de remissão para a lei, que poderemos aditar como n.° 5, bem como referir expressamente na definição do Tribunal Constitucional a competência para fiscalizar os casos de ilegalidade e de inconstitucionalidade.

O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)

O Sr. Presidente: - Terá, provavelmente, de ser corrigida...

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador.) Este título passava a ser o título v e, portanto, o actual título v passaria a vi, presumo...

O Sr. Presidente: - Trata-se de rearranjos que em sede de redacção poderíamos fazer.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Não tivemos a preocupação de refazer a sistemática global.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Gostaria apenas de perceber se o Tribunal Constitucional fica antes ou depois dos outros tribunais.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Fica antes dos outros tribunais.

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Vozes.

O Orador: - Não é que seja mais; no nosso entendimento, é diferente.

Vozes.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, nenhuma proposta foi apresentada relativamente ao artigo 214.°, referente ao Supremo Tribunal de Justiça. Igualmente o artigo 215.°, sob a epígrafe "Instâncias", não foi objecto de quaisquer propostas. No que se refere ao artigo 216.°, sob a epígrafe "Especialização", foi apresentada pelo PCP uma proposta de aditamento, que envolve a alteração da numeração dos artigos.

Quer o PCP, sucintamente, na medida em que a proposta é facilmente entendível pela simples leitura, explicitar a motivação que o levou à respectiva apresentação?

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, não se trata aqui de fazer a grande revolução no título respeitante aos tribunais; no entanto, se bem que tenhamos sido modestos, procurámos no nosso projecto colmatar uma das deficiências, uma das lacunas manifestas da Constituição no actual título V, com a sua natureza própria. Essa deficiência, designadamente, consiste no facto de - havendo uma referência aos tribunais judiciais - não se fazer uma alusão a quais sejam as suas competências, qual seja a sua função, qual seja o seu lugar no conjunto dos tribunais. Aquilo que a nossa proposta faz, com um carácter escassamente inovador, enquanto texto normativo, é dizer o evidente: "os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria civil e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas que não sejam atribuídas a outras ordens de tribunais". Pretende-se, assim, enriquecer, em termos que nos parecem pacíficos e consensuais, a Constituição, não apenas "dizendo o direito", mas elevando-o à categoria de direito constitucional. Este é um dos pontos em que se revela o sentido institucional e a preocupação de completamente da arquitectura e das definições constitucionais que é um dos cunhos e timbres próprios do projecto do PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Neste ponto parece-me que a proposta do PCP é útil e penso que incontestável.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Eu quero aplaudir!

O Sr. Presidente: - Penso que esta é uma proposta que poderá vir a ser considerada favoravelmente em sede de redacção.

Risos.

O Sr. António Vitorino (PS): - No fundo, a questão da moção de censura construtiva também pode ser vista na mesma óptica - é só acrescentar uma palavrinha, "construtiva". É uma questão de redacção.

O Sr. Presidente: - É que há questões de redacção e questões construtivas, algumas das quais se referem a moções. Vamos passar ao artigo 217.° ("júri, participação popular e assessoria técnica"). Temos uma proposta de aditamento por parte do PCP e uma proposta do PSD de alteração do n.° 1 e suspensão do n.° 2. O CDS propõe também a supressão do n.° 2.

Suponho que o PCP já fez essa sua justificação quando tratámos do problema de haver juizes sociais, mas, se quiser acrescentar algo, fará o favor.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Em matéria de participação popular na administração da justiça, a Constituição foi objecto de graduais operações no terreno da lei ordinária que procuraram, primeiro limitar o alcance, e depois imprimir, até, recuos em relação a patamares de transformação anteriormente adquiridos. As vicissitudes e as atribulações que rodearam a criação de juizes sociais nas diversas áreas em que estes existem, a atribulada e difícil existência do júri em Portugal (o verdadeiro "juricídio" que foi praticado no Código de Processo Penal e ulteriormente na legislação sobre júri aprovada pela Assembleia da República); a história, igualmente lamentável, da nunca criação de julgados de paz (a sua criação, a recusa de ratificação nos tempos da AD, o salto em frente anunciado na penúltima versão da proposta de lei orgânica dos tribunais judiciais, o recuo final com a sua ablação na versão última aprovada depois pela Assembleia da República...

O Sr. Presidente: - Que linguagem cirúrgica!

O Sr. José Magalhães (PCP): -... ulteriormente, a criação de tribunais de pequenas causas que serão "pequenos tribunais de causas pequenas"...

O Sr. Presidente: - Bagatelas, bagatelas.

O Sr. José Magalhães (PCP): -... uma vez que não sabemos que alcance é que possam ter (suscitam mesmo problemas gravíssimos de confusão com os tribunais de polícia e gravíssimos problemas de possibilidade de ultrapassagem das regras sobre competência com escolha do juiz por parte do futuro julgando) tudo isso nos alerta para a gravidade da situação existente e para a involução que as conhecidas ventanias neoliberais, também nesta área, vêm fazendo, a partir dos arraiais do partido do Governo.

Não se trata aqui, nesta matéria, de exautorar aquilo que deva ser exautorado no terreno da lei ordinária. Gostaria apenas de encarecer, neste momento, a importância de que os juizes sociais se poderão revestir nos tribunais de trabalho. Eles existem, efectivamente: tratar-se-ia de constitucionalizá-los e de estabilizá-los assegurando que possam exercer cabalmente as suas competências. A lei orgânica dos tribunais judiciais, nesta matéria, é, aliás, madrasta em relação aos juizes sociais do trabalho. Á nossa proposta não daria, de resto, resposta a todas as questões que estão colocadas no terreno da lei ordinária. Foi feita bem antes de sermos capazes de imaginar que o PSD apresentaria o que apresentou no que diz respeito à orgânica dos tribunais judiciais.

Gostaríamos de sublinhar que, para nós, este é um dos pontos em que a margem de inovação e de aperfeiçoamento introduzida na Constituição poderia ser relevante para se dar à justiça portuguesa uma outra pers-

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pectiva. Sabe-se que os juizes sociais têm diversas componentes nos tribunais de trabalho e, portanto, não se pode ver esta proposta em termos afunilados, não pode ser encarada como uma sectária perspectivação das funções dos tribunais de trabalho. E uma perspectiva plural a que rege esta proposta, e a sua modéstia, dada a margem remissiva para a lei ordinária, é talvez até excessiva face à gravidade da situação que vivemos, hoje em dia. Apontaria, pois, para uma reformulação, em sede de redacção, como o Sr. Deputado Rui Machete certamente gostará de dizer. "Em sede de redacção", creio que valeria a pena apostar numa reformulação enriquecedora desta proposta que sinaliza uma preocupação funda do PCP neste processo de revisão constitucional.

O Sr. Presidente: - Nós somos muito sensíveis às preocupações profundas do PCP, em sede de revisão constitucional.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Registo, comovido.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pais de Sousa.

O Sr. Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD propõe, em sede de artigo 217.°, a alteração do n.° 1 através do aditamento do inciso "com excepção dos de terrorismo" (portanto, com excepção dos crimes graves de terrorismo), e propõe a eliminação do n.° 2.

Quanto ao n.° 1 impõem-se algumas reflexões a respeito do .instituto do júri. É sabida a longa tradição existente, entre nós, desde a Carta Constitucional de 1826 até à entrada em vigor da Constituição de 1933 e, depois, mais tarde, com o Decreto-Lei n.° 605/75, de 3 de Novembro, e com a constitucionalização do instituto que é feita com a entrada em vigor da Constituição de 1976. Por outro lado, é sabido também o alcance limitado do instituto na nossa ordem jurídica: não é obrigatório; funciona numa solução que se poderá dizer mista (de composição) entre juizes e jurados; funciona tão-só em matéria criminal (os chamados crimes graves); intervém no julgamento da matéria de facto, mas já não em sede de elaboração de sentença; finalmente, intervém tão-só a requerimento da acusação e da defesa. Mas há que assinalar também que é a lei que define o âmbito do conceito de crimes graves que consta deste n.° l, nesse sentido abrindo a porta à intervenção do legislador ordinário. Por outro lado, queríamos assinalar ainda que a importância do instituto não tem correspondido, em termos práticos, à sua própria tradição. Estas reflexões parecem-nos pertinentes porque é bem patente um risco de politização que veio, de alguma forma, introduzir-se no funcionamento da justiça; há até o chamado efeito perverso do adiamento das audiências com base na falta dos próprios jurados. Tudo isto deve ser ponderado. Todavia, a proposta de lei n.° 9/V, que acabou por instituir o novo regime jurídico do júri em processo penal, entrando em vigor aquando da entrada do próprio Código de Processo Penal, de alguma forma veio mitigar esses efeitos perversos, e fixou um sistema de sorteio diverso daquele que funcionava até aqui que era, como se sabe, o da escolha dos jurados disponíveis. A importância do diploma é também bem patente no facto de ter fixado o chamado estatuto do jurado, definindo, com algum rigor, o mencionado processo de selecção que aponta para uma maior isenção e imparcialidade que são valores que devem ser, a todo o momento, acautelados. Face a estas reflexões pareceu-nos que, para assegurar uma maior isenção e imparcialidade, para afastar aquele mencionado risco de politização, se impunha, pela sua natureza, que funcionasse como excepção aos crimes graves, portanto os chamados crimes de terrorismo.

Quanto à supressão do n.° 2, há que assinalar também que não era obrigatória já face ao texto constitucional, a criação dos juizes populares. Enfim, prescreve o n.° 2 que "a lei poderá criar juizes populares e estabelecer outras formas de participação popular na administração da justiça". As formas de participação popular na administração da justiça aqui previstas têm a ver com conceitos de juizes não togados, de juizes eleitos, que é uma noção baça, parece ter a ver com os sistemas de justiça popular que nos são, de alguma forma, estranhos. Há até, também, uma certa falta de tradição jurídica; talvez seja até mais claro dizer uma ausência total de tradição jurídica entre nós. E há também o mencionado risco de subjectivismo e de politização que poderia ser introduzido no nosso sistema de justiça. Na prática, sabe-se que este conceito, de alguma forma facultativo, não funcionou entre nós. Finalmente, quereríamos acrescentar a estas reflexões que nos parece que o conceito de juiz popular, as formas adjacentes de participação popular na administração da justiça colidem com o princípio de segurança do direito: o exercício da função jurisdicional deve caber ao Estado. Daí que o PSD proponha a eliminação deste n.° 2.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Tenho de reconhecer que a experiência do júri não foi exaltante. Isso é um dado de experiência e talvez valha a pena, neste momento, nós fazermos uma reflexão sobre se essa experiência deve ser estimulada ou deve ser corrigida, pelo menos nos seus principais defeitos. Nessa medida, nós encararíamos com alguma abertura, embora desejássemos submeter este assunto a uma segunda reflexão, a excepção dos crimes de terrorismo. A experiência também neste domínio, que já tivemos, não foi a melhor e penso que poderá justificar-se esta limitação. Ninguém propõe, aliás, a extinção do júri, o que é sintomático, mas eu diria que a experiência do júri talvez até tivesse justificado que alguém, não necessariamente nós, se tivesse lembrado de encarar o regresso à situação anterior à sua existência.

Também o n.° 2, que refere os juizes populares, é uma disposição que tem data. A existência de juizes populares, sobretudo com esta qualificação, é talvez um dos aspectos da chamada carga ideológica da Constituição que vale a pena rever. Nós não fizemos nenhuma proposta nesse sentido, mas estaríamos dispostos a reflectir sobre isso. Será que no mundo em que nos inserimos, num Estado de direito, uma referência a juizes populares estará de acordo com os valores que estão na base da nossa concepção do direito e da justiça?

Já a ideia de juizes sociais merece a nossa simpatia. Nós entendemos que, ou como previsão vinculativa, ou, no mínimo, como faculdade remetida para a lei, a existência de juizes sociais nos tribunais de trabalho, por exemplo, poderá justificar-se.

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Era esta a nossa posição de base, no sentido, portanto, de abertura à excepção dos crimes de terrorismo, disponibilidade para discutir a eliminação do n.° 2, igual disponibilidade para considerar a inclusão da proposta do n.° 4 feita pelo PCP.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Gostaria de abordar duas questões. A primeira respeitante à actualidade ou "desactualidade" da referência constitucional às formas de participação popular na administração da justiça. Dos resultados débeis, das esperanças constitucionais, falarão os historiadores. Em todo o caso é, quanto a mim, demasiado circunstanciado e demasiado limitado ler, neste artigo da Constituição, aquilo que, alguns dos sectores que mais se opuseram à sua consagração, leram na altura em que a disposição foi aprovada. A criação de formas de participação popular ha administração da justiça é um facto normal num Estado democrático com uma componente participativa relevante, que deve manifestar-se em diversos níveis. Nenhuma razão há para que ela não se manifeste também em relação ao funcionamento dos tribunais. A alusão à existência de juizes populares que, de resto, constava da nossa tradição constitucional, fica bem na Constituição da República, não é uma mancha, se é uma marca, é uma marca honrosa, quando muito, e susceptível de ser inserida numa tradição que, nesse ponto é também ela própria positiva. Se alguma referência encontramos na história constitucional, não é seguramente contra a existência de formas deste tipo, que, de resto, correspondiam a outras estruturas de organização do aparelho da justiça, a um outro pensamento até acerca da intervenção dos "homens bons" na resolução dos conflitos, que foram naturalmente ultrapassadas pela evolução dos processos formais de resolução de conflitos, mas que não deixam de poder ser reatadas em termos renovados num texto constitucional moderno, democrático e virado para o futuro, como este deve ser.

Gostaria de dizer isto em contraponto ou em menção directa à reflexão que o Sr. Deputado Almeida Santos suscita sobre a actualidade e valia deste ponto do articulado constitucional. Quanto à sua desvalia, falam as acções dos que não desenvolveram, nem impulsionaram alguns dos institutos que poderiam ter virtualidades nesta matéria. Em 1977 a lei orgânica dos tribunais judiciais foi modesta, prevendo a existência de julgados de paz nunca instituído na prática, instituídos legalmente e depois "desinstituídos" mediante a não ratificação do decreto-lei que precisamente regulamentava e assegurava a sua criação. As esperanças ulteriores goraram-se elas próprias. Avança-se agora para um sucedâneo em que não teremos juizes de paz mas teremos "juizes pequenos", "pequenos juizes" de "pequenos tribunais" de "pequenas causas". È uma opção que nos parece pior que a opção constitucional!

Por outro lado, quanto aos juizes sociais como juizes não togados intervindo ao lado dos outros magistrados, a dimensão alcançada pelo instituto é também modesta e está muito aquém daquilo que é atingível no actual quadro constitucional. Não vemos razões senão para reforçar as indicações constitucionais que permitam desenvolver essas formas de intervenções, que podem ser particularmente úteis em determinadas áreas. Seguramente, entre essas áreas está a jurisdição de menores, a laboral e a própria jurisdição agro-pastoril em que a intervenção de juizes não togados pode ter bastante relevo. É bastante tacanho e limitado, em termos de apreciação da função do aparelho de justiça, subestimar a importância que estes elementos, aparentemente estranhos à máquina judicial, podem ter para dirimir determinado tipo de conflitos. E precisamente a sua estranheza à máquina - mas não aos conflitos, à realidade - que enriquece a decisão judicial e lhe dá melhor justificação.

Em relação ao segundo aspecto, creio que há e haverá sempre apaixonados defensores e apaixonados opositores do júri. Não creio que valha a pena reeditar aqui a discussão que travámos no Plenário da Assembleia da República sobre esta matéria. As actas do Plenário revelam, exuberantemente, as diferenças de posições e as fundamentações de cada partido. Gostaria, apenas, de trazer para aqui a interrogação que é, quanto a nós, fundamental: quem falar em Portugal sobre o júri há-de falar em quem o matou, uma vez que na sua gradual limitação, extinção, confinamente há quem tenha naturalmente responsabilidades. Desde logo, há que saber como foi, realmente, possível que se tenha dado o processo de desvitalização decorrente de as próprias pautas de jurados elaboradas pelas câmaras municipais com base no Decreto-Lei n.° 679/75, de 9 de Novembro, terem sido sucessivamente prorrogadas, factor, em si mesmo, de liquidação da base humana do júri. O júri não paira no ar, é composto por pessoas, por jurados. Se as pautas de jurados forem objecto do processo de gradual desviçamento que já pudemos testemunhar é evidente que uma das bases fundamentais do prestígio e da viabilidade do instituto fica minado, à partida. Por outro lado, as dificuldades em optar por soluções mais vitalizadoras quanto à escolha dos jurados contribuiu também para a perda das possibilidades de eficácia do próprio instituto. O regime dos jurados, a falta de garantia dos direitos dos jurados, a inexistência de acções públicas de prestígio da própria função, a ausência de difusão (como componente de uma política de acesso ao direito, das virtualidades do instituto e da responsabilidade cívica dos cidadãos em assumi-lo), a base remuneratória ridícula que conduz a que ser jurado seja fatal em termos de actividade profissional - além de poder ser fatal em termos de outras garantias -, o que nos processos crime é um factor pernicioso para que o júri possa exercer as suas funções... Todos estes aspectos foram relevantes para que quando discutirmos no Plenário a proposta de lei n.° 9/V estivéssemos, no fundo, a discutir, como então se disse, a "Crónica de uma Morte Anunciada".

É perante isso que estamos. Não entendemos que na revisão constitucional devamos contribuir para agravar aquilo que já é suficientemente grave. É nesse sentido que lemos a proposta do PSD.

Vozes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, o fundamental sobre esta matéria já foi dito pelo Sr. Deputado Almeida Santos. Em todo o caso, gostaria de dizer o seguinte: a figura do júri, como muitas outras instituições da justiça em Portugal - é o caso, por exemplo, dos juizes sociais -, sofreu e continuará a

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sofrer. Desde o 25 de Abril têm sido feitas algumas reformas importantes; só que a muitas delas não têm sido dados os meios mínimos para poderem obter bons resultados. É uma situação que, penso, continuará a persistir, sendo certo que a situação actual não sofreu, em vários aspectos, alterações. Quer o júri, quer os juizes sociais, quer muitas outras "experiências" que têm sido feitas nestas matérias não têm sido levadas até ao fim e não têm sido ricas de ensinamentos, positivos ou negativos. É que, na maior parte das vezes, entrepôs-se entre as experiências e a realidade a simples falta de meios necessários para pôr de pé aquelas. Penso, pois, que não é tempo nem há razões para condenar a figura do júri, que constitui um elemento democrático introduzido no processo. Temos é de lhe dar condições de estabilidade e de funcionamento e regulamentar de modo diverso e mais correcto toda esta matéria do júri e dos juizes sociais.

No que diz respeito ao actual n.° 2 do artigo 217.° da Constituição, penso que a expressão "juizes populares", como tal, é datada. Não gostaria que constasse deste artigo 217.° qualquer referência aos juizes populares. Há, sim, que fazer uma referência à participação das populações na administração da justiça, visto que, segundo me parece, essa constitui hoje uma via para sair das crises várias da justiça que se multiplicam pelos vários países europeus. Há que criar tribunais com ampla participação, por exemplo, dos consumidores e dos produtores, que possam julgar questões de águas, de vizinhos, etc.. E os exemplos poderiam aqui multiplicar-se. Entre nós, este inciso dos juizes populares é datado e traz consigo elementos que não se coadunam com as experiências que têm sido feitas - e mal - e com a posição que um qualquer tribunal deve ter num Estado de direito. Insisto: talvez pudéssemos salvar neste n.° 2 o estabelecimento de formas de participação popular na administração da justiça, retirando o inciso "juizes populares". Se o fizéssemos, ficaria salvaguardada essa tendência europeia, que me parece correcta e que é real, de consagrar tais juizes menores, com ampla participação das populações.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pais de Sousa.

O Sr. Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente, gostaria apenas de formular uma pergunta ao Sr. Deputado Vera Jardim e que era a seguinte: na sua intervenção e nos conceitos que, de alguma forma, aclarou, designadamente na fase final da sua intervenção, teve em conta a instituição recente, pela regulamentação da lei orgânica dos tribunais, dos tribunais de pequenas causas?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Deputado Pais de Sousa, essa é uma das muitas formas que a figura pode assumir. Dei até o exemplo dos consumidores, dos problemas de responsabilidade civil em matéria de produtos, etc.. Hoje em dia estão a ser feitas sucessivas experiências...

O Sr. Pais de Sousa (PSD): - As chamadas bagatelas judiciais, Sr. Deputado.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Exacto, Sr. Deputado. Estão a ser feitas experiências em Itália, em Espanha, etc.. Como sabe, em vários Estados europeus estão em curso muitas experiências de criação de tribunais de pequenos conflitos, que são normalmente maiores do que os tribunais normais porque têm, efectivamente, a participação dos consumidores, dos produtores, de associações várias, etc. Se retirarmos todo o n.° 2 poderemos correr o risco de ele poder vir a ser invocado contra experiências desse tipo.

A minha ideia é, pois, a seguinte: "não" aos juizes populares, porque entre nós estão datados e têm um certo sentido que, obviamente, não aceitamos. Temos é de salvar as formas de participação popular nalguns tribunais. É fundamentalmente isso que gostaria de salvaguardar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado Vera Jardim, não pensa que isso poderia ligar-se com mais vantagem à proposta do PCP sobre a existência de juizes sociais?

O Sr. Vera Jardim (PS): - Não são só os juizes sociais, Sr. Deputado. E que os juizes sociais são para os tribunais do trabalho.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado, a ideia de juiz social não tem de estar ligada necessariamente só ao tribunal do trabalho!...

O Sr. Vera Jardim (PS): - Temos de concretizar um pouco, Sr. Deputado. É que os juizes sociais têm entre nós esse sentido. É uma questão de formulação. Não queria era retirar daqui a possibilidade dessas experiências.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Mostrei abertura para a eliminação do n.° 2. O problema é que também mostrei abertura para a consideração do n.° 4.

O Sr. Presidente: - Nós compreendemos o sentido para que se vai orientando o Partido Socialista.

Vozes.

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado. As suas observações em relação à participação de leigos nalguns tribunais são razoáveis. O que nos chocou mais foi a ideia de manter os juizes populares que estão datados.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Mas eu disse isso, Sr. Presidente! Fui claro nessa matéria!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Seiça Neves.

O Sr. Seiça Neves (ID): - Sr. Presidente, em nome da ID, gostaria de dizer o seguinte: independentemente dos vários serviços públicos que são participados em termos populares, com designações que oscilam consoante a qualidade e o tipo de serviço, a justiça, porque tem um "enfoque" social muito grande, deve ser também participada, que não fiscalizada.

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Quanto ao júri, o nosso direito tem alguma tradição, que vem do tempo da República, com a criação dos tribunais de júris. Houve depois um largo período de interrupção. Ó que é certo é que após a sua recriação em Portugal a figura do júri tem sido um verdadeiro desastre. Quem anda nos tribunais sabe que o júri não tem funcionado, desde logo porque é pouco utilizado, é pouco requerido. Embora decida apenas sobre a matéria de facto, sobre o "culpado" ou "não culpado", o júri não é suficientemente remunerado. A base de recrutamento é, na minha opinião, demasiado ampla. É evidente que o texto constitucional não pode conter disposições sobre essa matéria, que terão de constar da lei ordinária, da própria lei do júri. Mas creio que seria perigoso, neste momento, suprimir por completo a figura do júri. Há, sim, que complementar o texto, dando uma indicação no sentido de uma melhor funcionalidade.

Por outro lado, os juizes sociais também não têm funcionado nem em termos de arrendamento rural nem em termos de tribunal de trabalho. E dou um exemplo real disso mesmo: um cliente meu, que foi nomeado juiz social, apareceu-me no escritório e pediu-me que lhe emprestasse uns códigos porque agora é juiz. Os parceiros da administração da justiça têm esta concepção dos juizes sociais! Parece-me que seria necessário encurtar a sua base de recrutamento e limitá-la, porventura, aos parceiros sociais, sejam eles consumidores, produtores, associações sindicais ou patronais. Penso que seria importante impor uma limitação na base de recrutamento, inclusivamente em nome da credibilidade que esse instituto poderá vir a ter na justiça portuguesa mas que neste momento não tem.

O Sr. Presidente: - Quando discutimos o problema dos juizes sociais dissemos que a nossa posição não era a de sermos contrários, em termos de teoria ou de filosofia geral, à existência de juizes sociais. Só que temos dúvidas que se justifique a sua inclusão, pelo menos em termos da formulação proposta pelo PCP, no sentido de parecer que é obrigatório em todos os tribunais de trabalho a inclusão de juizes sociais. A nossa ideia é, portanto, a seguinte: aceitamos que as experiências relativas aos juizes sociais ainda não estejam integralmente feitas. Portanto, aceitamos que possa haver justificação para se prosseguir até que essa experiência venha a ser positiva ou concludentemente negativa. Neste momento, a nossa perspectiva não é, efectivamente, optimista, mas também é verdade que o condicionalismo em que, por vezes, ela foi realizada não é o melhor. Portanto, não gostaríamos que houvesse algo na Constituição que impedisse a existência de juizes sociais. Por outro lado, também não nos parece curial que a Constituição imponha obrigatoriamente a existência de juizes sociais nos tribunais do trabalho e que, portanto, se entenda que há uma situação de incumprimento das normas constitucionais quando os mesmos não existam. Essa é a nossa ideia em matéria de juizes sociais. Aceitamos que haja uma margem para o legislador ordinário incluir ou não. De resto, as experiências ainda estão em curso. Gostaríamos de as ver reforçadas, desde que elas não fossem - como, por vezes, têm sido- instrumentalizadas ou utilizadas em termos organizatórios deficientes, que levam a que actualmente os resultados não sejam, em termos globais, brilhantes.

Quanto ao problema que foi levantado pelo Sr. Deputado Vera Jardim, a nossa ideia é a de que, efectivamente, pode ser muito útil e muito interessante associar os julgados, as pessoas que, de algum modo, são os destinatários dos actos jurisdicionais a participarem no próprio julgamento das questões que digam respeito à mesma série ou ao mesmo tipo de problemas. O Sr. Deputado Pais de Sousa falou aqui no arrendamento, que é um ponto importante. Poderá haver outros da parte, por exemplo, dos consumidores. Pensamos que é interessante não fechar a porta a esse tipo de experiências, que até agora não têm dado resultados...

O Sr. José Magalhães (PCP): - O PSD tinha na sede própria manifestado certa simpatia por uma norma desse tipo.

Espero que isso não signifique um recuo na valoração da cláusula que no projecto do PS acolhe essas experiências...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, a sua pergunta não tem sentido. Nós corrigiremos a nossa posição em função daquilo que foi explicado pelo Partido Socialista e que nos parece interessante. Não gostaríamos de fechar as porta a isso! Portanto, é efectivamente uma modificação de posição, resultante do debate. Aliás, é para isso que serve a discussão na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.

Tem a palavra o Sr. Deputado Seiça Neves.

O Sr. Seiça Neves (ID): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Vera Jardim falou há pouco num aspecto que me parece extremamente importante e que é o que diz respeito à criação de tribunais de vizinhos.

O Sr. Presidente: - Tribunais de quê, Sr. Deputado?

O Sr. Seiça Neves (ID): - Tribunais de vizinhos, Sr. Presidente. Isto faz parte de uma estratégia, de um plano de descentralização da justiça, que poderia obviar a dezenas de questões. Quem está nos tribunais sabe-o melhor do que ninguém! As questões relativas a direitos reais, a águas, a ofensas corporais simples, etc.., poderiam ser remetidas para esse tipo de tribunais, que deveriam, efectivamente, ser criados. Só que toda a legislação emitida pelo Governo vai exactamente no sentido oposto. A lei orgânica é uma lei concentracionária, é uma lei que vai destruir as poucas coisas boas que ainda funcionam na justiça portuguesa...

O Sr. Presidente: - Cencentracionária, Sr. Deputado? V. Exa. está a pensar em termos de concentração?

O Sr. Seiça Neves (ID): - É uma questão semântica, Sr. Presidente. De resto, o PSD é perito nisso!...

O Sr. Presidente: - As questões semânticas em política têm grande importância, Sr. Deputado.

O Sr. Seiça Neves (ID): - Refiro, por exemplo, p caso do distrito de Aveiro: todos conhecemos as dificuldades de deslocação das testemunhas, o que constitui um dos grandes problemas com que se deparam os advogados. Com os novos tribunais de grande instância, uma testemunha que tenha de se apresentar num julgamento terá de percorrer, pelo menos, 80 quilómetros entre Anadia e Aveiro, contando com o regresso, o que tornará praticamente impossível que a prova se produza com clareza.

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Esta lei orgânica é, de facto, má, porque não tem em conta as realidades jurídicas e a base social em que estas assentam. Não fazer no texto constitucional uma alusão expressa quer aos juizes sociais, quer eventualmente a outras fórmulas de participação popular e de descentralização da máquina administrativa da justiça, é deixar ao Governo a possibilidade de legislar de uma forma exactamente contrária ao espírito que reina no seio desta Comissão, que é o de alargar as formas de participação popular na administração da justiça, por via do júri, dos juizes sociais, etc.., e mesmo por via da criação de tribunais mais alargados, como, por exemplo, os de casos menores, de vizinhos ou como lhes queiramos chamar, que também deveriam figurar no texto constitucional.

O Sr. Presidente: - Vamos passar ao artigo 217.°-A do PCP, que é uma proposta, obviamente, como revela a sua numeração, de aditamento. Também existe uma proposta de aditamento, relativamente à mesma matéria, do PS - artigos 217.°-A e 217.°-B. Tudo isto em matéria de organização e competência dos tribunais administrativos e fiscais.

Quer o PCP justificar a sua proposta?

O Sr. José Magalhães (PCP): - A proposta do PCP é consonante com a que fizemos no artigo 212.° e que já foi objecto de debate.

Ao estabilizar a existência dos tribunais administrativos e fiscais e ao colmatar as lacunas que, quanto ao respectivo regime, existem na Constituição, estar-se-á, quanto a nós, dando um contributo positivo para a dignificação desta jurisdição e, por outro lado, para a superação de alguns equívocos e fenómenos de adaptação, que entretanto se têm vindo a manifestar, e que, quanto a nós, podem ser (e hão-de ser) ultrapassados, historicamente com uma adequada articulação entre as diversas categorias de tribunais e de jurisdições e com a superação de problemas que resultam mais de diferenciações endébitas geradas pelo percurso do que razões de arquitectura e de existência dos tribunais administrativos e fiscais, como tais.

A existência dos tribunais administrativos e fiscais não implica, por si, discriminação dos demais magistrados, em relação aos magistrados do contencioso administrativo e fiscal nem explica algumas deficiências do respectivo regime legal; não impulsiona nenhuma tendência a criar uma justiça protegida e favorável aos governos de cada um; não significa, em si, uma disvirtuação das finalidades próprias do contencioso administrativo. Tendo sido nós extremamente económicos no artigo 212.°, ao contrário do que ocorreu com o PS (que aí foi mais extenso e no entender do PSD mais correcto), entendemos fazer, neste artigo 217.°-A, uma seriação de todos os aspectos fundamentais do regime dos tribunais administrativos e fiscais. No n.° 1 definir o Supremo Tribunal Administrativo; no n.° 2 estabelecer a existência de duas instâncias; no n.° 3 admitir a possibilidade de funcionamento em secções especializadas; no n.° 4 fazer a definição dos tribunais administrativos e fiscais como tribunais comuns da justiça administrativa e fiscal. É este o sentido deste preceito que procura parametrar-se em termos similares ao respeitante aos tribunais judiciais.

Estamos, pela nossa parte, disponíveis para considerar toda e cada uma das questões suscitadas pelas quatro propostas em que este texto se decompõe.

O Sr. Presidente: - Quer o PS justificar a sua proposta?

O Sr. Vera Jardim (PS): - A nossa proposta decorre, de certo modo, do debate que se estabeleceu a propósito do artigo 212.° O PS pensa que, dado o longo período (agora já lhe não podemos chamar "experimental") de existência de uma organização do contencioso administrativo e fiscal no nosso país, já é tempo de consolidar constitucionalmente alguma coisa a propósito do contencioso administrativo e fiscal.

Já o mesmo não pensamos no que respeita a outras experiências - e daí que tenhamos feito essa distinção no artigo 212.° - que, essas sim, ainda não estão de tal forma consolidadas que lhes possamos votar algum artigo da Constituição nos exactos termos em que o fazemos para os tribunais administrativos e fiscais. É o caso dos tribunais marítimos e dos tribunais arbitrais, sobre os quais no artigo 212.°, n.° 2, lá temos o inciso "podem existir tribunais marítimos e tribunais arbitrais".

Mas, voltando ao contencioso administrativo e fiscal, entendemos que a "experiência" já não é propriamente experiência, mas alguma coisa de consolidado no quadro da nossa orgânica judicial geral, e que, portanto, é tempo de colmatar esta lacuna da Constituição e de dedicar alguma atenção a consolidar aqui algo mais sobre os tribunais administrativos e fiscais. E o que consolidamos é o que consideramos estar consolidado na prática, ou seja, o Supremo Tribunal Administrativo, que é, nos termos do n.° l, o órgão superior da hierarquia destes tribunais. Também achamos útil, porque é hoje alguma coisa de adquirido na nossa orgânica judicial que o presidente do Supremo Tribunal Administrativo seja eleito pelos seus pares. Isto quanto ao artigo 217.°-A, que suponho não merece qualquer explicação adicional, pois é claro por si mesmo.

Quanto ao artigo 217.°-B, à semelhança do que se faz em relação a outros tribunais, o PS entendeu que deveria de alguma forma delimitar constitucionalmente, embora naturalmente de uma forma bem diversa e não com a extensão da lei ordinária, a competência deste tipo de tribunais. E daí a razão do artigo 217.°-B e da sua remissão, precisamente, para a indicação do tipo de contencioso que abrange.

Esta é a explicação do conjunto dos artigos 217.°-A e 217.°-B. Perguntar-se-á: por que não agrupar esta matéria num único artigo, como faz o PCP? Penso que é indiferente. Em todo o caso, suponho que é mais por razões de sistemática que autonomizamos os dois preceitos; comparativamente, há outras formas de tribunais em que o fizemos. Não é, obviamente, uma questão maior, mas sim uma questão menor. Importante é, a nosso ver, que fique consignado o que cá está e só o que cá está. Pensamos que ir mais além, como foi o PCP, por exemplo no n.° 2, ao falar dos tribunais administrativos de 1.ª e 2.ª instância, não se justifica no quadro da Constituição. É isto e só isto que, a nosso ver, se justificará consagrar em sede de Constituição.

O Sr. Presidente: - Tenho duas inscrições: uma primeira eu próprio e a segunda o Sr. Deputado José Magalhães.

Gostaria de começar por dizer que é com muita simpatia e natural satisfação que vejo que há propostas de revisão constitucional que procuram consagrar, de

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maneira inequívoca, a existência dos tribunais do contencioso administrativo e também do contencioso fiscal. Efectivamente a história desta jurisdição foi atribulada. Houve algum tempo em que se pensou, erradamente, pela própria experiência que vinha sendo desenvolvida, que se poderia prescindir, mesmo já pós 25 de Abril, da existência destes tribunais. Felizmente penso que o bom senso e a análise das experiências prevaleceram e que, embora com algumas dificuldades e alguns defeitos, as instâncias institucionais administrativas têm vindo a revelar a sua utilidade e a sua importância na defesa dos direitos e dos interesses dos administrados e que se tornam instrumentos indispensáveis a uma estruturação correcta do estado de direito. Portanto, a minha reacção, a título pessoal, e penso que o PSD não tem nesse aspecto nenhuma posição divergente, é no sentido de encarar favoravelmente a ideia da consignação inequívoca e apertis verbis dos tribunais administrativos e fiscais.

O mesmo se diga em relação ao Supremo Tribunal Administrativo em que também a história foi um pouco conturbada quanto à sua designação e quanto às suas funções. Hoje, ela encontra-se; há mais de três dezenas de anos, estabilizada. Significa uma valoração positiva da sua acção e uma estabilização o facto de aparecer um preceito constitucional a referi-lo de uma maneira inequívoca.

O que o PCP propõe, no seu artigo 217.°-A, merece-me apenas, após .estas considerações positivas de carácter geral, uma ou duas observações, que reputo de algum relevo. A primeira é que nós não gostaríamos de, em termos constitucionais, ver consignado, desde já, a ideia de que terá de haver três instâncias nos tribunais administrativos. É uma matéria que tem sido discutida, sobre a qual há divergências. Nesse aspecto o PS pareceu-nos ser mais prudente, na medida em que abre essa hipótese, porventura até seria desnecessário estar a referi-la expressamente; mas, uma vez que se fala em Supremo Tribunal Administrativo, poderá ser conveniente dizer, porque existe uma 2.a instância para os tribunais tributários que já está consignada legislativamente, que poderá existir para os tribunais administrativos. Mas, repito, é uma matéria controversa, sobre a qual existe uma divisão grande de opiniões. Em países da nossa dimensão não conheço nenhum que tenha consignado uma reforma deste género. É facto que essa posição tem sido defendida pelo Prof. Freitas do Amaral, mas outras pessoas pensam que, pelo contrário, a instituição de um tribunal administrativo central de 2.a instância poderia trazer-nos mais vantagens que inconvenientes. Ã discussão está aberta, penso que não caberia à Constituição, neste momento, estar a resolver de uma forma ou de outra esse problema e deveria apenas deixar a questão imprejudicada, isto é, deixar à competência do legislador ordinário.

Também me parece excessivo, como regulamentação, vir dizer como os tribunais funcionam, se têm de ter secções, etc..; penso que isso é uma matéria que tem relevância em termos de organização, mas não é relevante em relação à sua consagração constitucional.

A referência à eleição do presidente do Supremo Tribunal Administrativo feita no projecto do PS traduz aquilo que hoje já existe no Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e que foi uma modificação importante. De facto, antes dos tribunais administrativos e fiscais já assim era, pois havia uma eleição e o Ministro da Justiça limitava-se a consagrar essa eleição, mas na realidade agora tem uma outra dignidade e percebo que a valorização, que se quer fazer, possa justificar a sua consagração constitucional.

Na nossa perspectiva, a ideia de dedicar algum preceito, ou algum número de um preceito, à jurisdição administrativa e fiscal parece-nos positiva. Também nos parece positiva a referência expressa ao Supremo Tribunal Administrativo; só que gostaríamos de, efectivamente, não irmos muito mais longe no sentido de, já, tomar opções que ainda hoje são discutidas e discutíveis e que, portanto, caberá ao legislador ordinário, a pouco e pouco, ir concretizando. No fundo, a Constituição, aqui, consolidaria o caminho já percorrido, consagrando coisas que já são hoje consensuais e evitando tomar opções em debates que ainda permanecem.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Considero extraordinariamente positivo que sejam encaradas favoravelmente estas propostas e sublinho que, quanto às observações feitas, ponderaremos o seu exacto alcance na altura e na sede próprias. Gostaria, de resto, de poder avaliá-las com outros camaradas meus.

Gostaria de reafirmar, apenas, que foi nossa preocupação reproduzir, tanto quanto possível, a lógica dos artigos 215.° e 216.°, em relação aos tribunais judiciais. Parece-nos que algum paralelismo é imprescindível, sob pena de continuarmos a mesma guerra por outros meios, perpetuando uma relativa substimação ou uma depreciação e uma espécie de competição indébita entre jurisdições, que têm funções próprias e ambas respeitáveis. Deve o legislador, em sede de revisão constitucional, contribuir para atenuar margens de equívoco e não para acirrá-las! Em matéria de paralelismo utilizámos, por isso, um critério de alusão ao Supremo Tribunal Administrativo, às instâncias, organização interna e às competências. É evidente que a Constituição pode ser mais económica que isso e omitir algum desses aspectos. Contudo, com isso perder-se-á conteúdo. Poderá haver justificações para essa economia transitória. Em defesa de uma visão mais alargada desejaria emitir dois comentários em relação a observações feitas, tanto pelo Sr. Deputado Rui Machete, como pelo Sr. Deputado Vera Jardim. Por um lado, creio que as propostas do PCP e do PS são complementares, isto é, a proposta do PS inclui um aspecto que a do PCP não foca, qual seja o do regime da eleição do presidente do Supremo Tribunal Administrativo. Por sua vez a proposta do PCP foca alguns aspectos que a do PS omite. Em todo o caso, o PS não emite uma opção, quanto à questão das instâncias, uma vez que no artigo 212.°, no seu n.° 1, alínea b), prevê a seguinte redacção: "os tribunais administrativos e fiscais, com uma ou duas instâncias, e o Supremo Tribunal Administrativo". O PS passa pela opção, deixa-a em disjuntiva, o que parece aproximar-se da preocupação do Sr. Presidente. Apenas cria com essa redacção um problema, qual seja o de que torna facultativa, também, a 2.a instância dos tribunais fiscais. Isto está além das intenções do próprio proponente, creio...

O Sr. Presidente: - Mas, Sr. Deputado José Magalhães, devo dizer-lhe que acho essa solução prudente, porque, como V. Exa. sabe, não é indiscutível que deva haver um tribunal de 2.ª instância. Nós, quando foi, da preparação do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, no seio do Ministério da Justiça e com o Ministério das Finanças, discutimos amplamente esta

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matéria e devo dizer que permaneceu a ideia de um tribunal de 2.ª instância na justiça fiscal, mas não é claro que, pelo menos com a estrutura e competência actuais, seja a melhor solução. Portanto, a ideia de formular uma disjuntiva ou uma outra forma qualquer que deixe imprejudicada, do ponto de vista da Constituição, a opção a tomar parece-me extremamente avisada.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Compreendo que as vicissitudes que têm rodeado a definição da arquitectura do contencioso administrativo e fiscal influam na opção a tomar pelo PSD. De resto foi V. Exa. que nessa matéria teve alguma responsabilidade, para não dizer responsabilidade primordial, de condução do processo quanto à definição do estatuto dos tribunais administrativos e fiscais. Contra a opinião da própria comissão, que tinha preparado o articulado inicial, não se enveredou pela criação de tribunal administrativo central, mas pela criação do supertribunal administrativo como cabeça gigantesca, sem pés, nem mãos, nem tronco - com as consequências que hoje estão à vista: asfixia, bloqueamento, sobrecarga e irresolução de problemas de distribuição de competências (que não se conseguem fazer a partir da distinção entre secções e subsecções, com uma espécie de processo crescimento centrado em Lisboa, autocentrado, sem lograr aproximação em relação a cidadãos nem um descongestionamento que seria desejável).

É uma questão que fez correr rios de tinta e ainda há-se fazer correr outros tantos. A opção em sede constitucional é, apesar de tudo, mais fácil, reconheço-o, uma vez que pode ser económica, ainda que me cause alguma apreensão a disjuntividade excessiva, uma vez que ela prolonga incertezas. Talvez seja, no entanto, excessivo depositar a esperança de que seja o legislador, em sede de revisão constitucional, a talhar aquilo que foi tão difícil de talhar no terreno da lei ordinária.

O Sr. Presidente: - Acho que não vamos aqui discutir essa magna questão do Supremo Tribunal Administrativo, mas gostava de lhe dizer que a solução do tribunal administrativo central não é uma solução tão óptima que não seja susceptível de gravíssimas críticas, do ponto de vista da moderna justiça administrativa. Faça-me pelo menos a justiça de pensar que os opositores ao tribunal administrativo central não embirram com essa ideia apenas pela circunstância de se chamar tribunal administrativo central, pois há outros motivos que terão de ser ponderados. Todas as soluções, nesta matéria, têm as suas vantagens e inconvenientes. Gostaria, todavia, de lhe recordar que, curiosamente, essa solução do tribunal administrativo central é uma solução que V. Exa. não encontra em diversos países, à excepção do nosso, e nem sequer encontra na França. Mas esse é um problema que não vamos discutir agora, mas parece que é uma solução indiscutida e indiscutível e que tem todas as benesses a ideia do tribunal administrativo central, esquecendo, por exemplo, as diferenciações em matéria de prova. De facto, na criação do tribunal administrativo central, o problema da prova tem de ser colocado de uma maneira imediata, o que levanta questões extremamente difíceis, porque atribuir a prova nos tribunais administrativos de círculo e deixar o julgamento da matéria de direito para o tribunal administrativo central, como é uma das soluções possíveis, significa um afastamento do julgador em relação à matéria de facto e a violação do princípio da imediatidade da prova, que, como V. Exa. sabe, é uma das questões mais delicadas que hoje se discutem em matéria de processo administrativo.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto, no projecto de reforma dos tribunais administrativos fiscais que apresentámos e que sucessivamente defendemos na Assembleia da República, tivemos ocasião de procurar expender razões contrárias às que o Sr. Presidente acaba de reeditar.

Em todo o caso não insistiria nesse ponto. Gostaria, tão-só, de sublinhar a dificuldade decorrente da redacção apresentada pelo PS que, evidentemente, nos merece toda a simpatia, embora seja mais recuada do que aquela que nós próprios formulámos. Infelizmente, permite uma involução em relação aos tribunais tributários: coloca no mesmo plano tribunais tributários e tribunais administrativos. É evidente que não entro agora na querela sobre saber se o contencioso administrativo e fiscal devem permanecer conjugados, se devem ser separados. Disso não curaria aqui. Apenas gostaria de sublinhar que essa redacção, podendo ser tomada como base de trabalho, tem, também ela, este problema que insiste em apontar.

Portanto, a observação do Sr. Deputado Vera Jardim tem de ser entendida com este provido: a proposta respeitante ao artigo 217.°-A tem de ser lida em conjugação com o artigo 212.° da redacção do PS, e, consequentemente, o projecto do PS não está imune à observação que o Sr. Deputado Vera Jardim aplicava ao projecto do PCP. Creio que vale a pena pensar neste ponto.

A minha última observação, Sr. Presidente, é relativa à norma de competência constante do projecto do PS sobre o artigo 217.°-B. Devo dizer que aí prefiro francamente a redacção adiantada pelo PCP. De facto, se vamos definir os tribunais administrativos e fiscais, então definamo-los como tribunais comuns da justiça administrativa e fiscal. Não diremos muito mas talvez seja melhor do que estabelecermos que lhes compete "o julgamento dos recursos contenciosos previstos no n.° 4 do artigo 268.°" - bem como todos os outros, se calhar.

O Sr. Presidente: - Aí, eu diria que, provavelmente, V. Exa. tem razão. Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.

O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, nós não dizemos exactamente a mesma coisa que o PCP, pelo que, suponho, estamos imunes às críticas que fiz ao PCP. A proposta do PCP diz que "haverá tribunais tributários e tribunais administrativos de 1.ª e 2.ª instância". Mas, como há um de 3.a instância logo no número a seguir, é evidente que está a tornar obrigatória as três instâncias para os dois tipos de tribunais. Nós deixamos essa questão em aberto, e não se pode argumentar, relativamente à nossa redacção, que já existem três instâncias nos tribunais fiscais. Com certeza que sim! Mas nós não fechamos a porta a nada: dizemos apenas que haverá duas ou três instâncias, haverá as instâncias que no momento oportuno o legislador ordinário julgar as mais adequadas. Salvo o devido respeito, penso que estamos inteiramente imunes

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às referidas críticas, por termos deixado as portas abertas a uma decisão que, a nosso ver, ainda não está suficientemente solidificada para que possamos, em sede de Constituição, estabelecer as três instâncias. Poderá haver duas ou três instâncias. Deixamos essa questão em aberto! O PCP fez uma opção ao estabelecer que terá de haver três instâncias; o PCP, aprovado que fosse este preceito, obrigaria o legislador ordinário a alterar imediatamente a lei, criando três instâncias para o contencioso administrativo. Nós não! Nós permitimos que o legislador ordinário acabe com as três instâncias dos tribunais fiscais ou, pelo contrário, que o legislador ordinário crie três instâncias nos tribunais administrativos... Insisto: deixámos esta questão em aberto porque, em nosso entender, estas soluções não estão ainda suficientemente consolidadas.

Devo também dizer, Sr. Deputado José Magalhães, que não me parece que todo o problema da "crise" dos tribunais administrativos se deva à existência apenas das duas instâncias. Deve-se, sim, a outras causas.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, permita-me que manifeste o acordo em relação à ideia de que não pretendi esgotar o elenco das causas da crise da justiça administrativa no facto de não haver um tribunal administrativo central... Seria redutor e simplório! Todo o bom esforço de reflexão que seja feito tem de ir mais fundo que isso...

Voz.

O Orador: - A posição do PCP sobre essa matéria é pública: debatemo-la bastante quando aqui se discutiu o estatuto dos tribunais administrativos e fiscais. Lamentavelmente, nessa altura, o PS não aderiu a algumas das terapêuticas que talvez pudessem ter contribuído para desbloquear alguns dos factores de crise, e foram feitas apenas revisões parcelares (aliás sob a directa responsabilidade do Sr. Deputado António Vitorino) no diploma respectivo, em sede de ratificação. Depois disso, nada mais se fez e os resultados estão à vista...

O Sr. António Vitorino (PS): - Sob minha directa responsabilidade?

O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Deputado António Vitorino era, nessa altura, presidente da 1.ª Comissão, aspecto da sua vida que provavelmente já se perdeu na sua memória dos tempos...

Vozes.

O Sr. António Vitorino (PS): - A minha responsabilidade foi apenas a de ser presidente da Comissão e não mais do que essa. Como sabe, não fui eu sequer quem participou pelo PS no debate sobre essa matéria. Mas enfim, o Sr. Deputado José Magalhães acha que a minha ficha ainda não está suficientemente sobrecarregada, pelo que tem de acrescentar alguns pormenores agravantes, mesmo que por eles não seja pessoalmente responsável.

Risos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, suponho que este ponto está dilucidado. Vamos portanto passar a discutir, no início da próxima semana, o artigo 218.°, sob a epígrafe "Tribunais militares".

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Penso que o artigo 218.°, de certa maneira, já foi discutido...

O Sr. Presidente: - Então, passaríamos ao artigo 219.°...

O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Sr. Presidente, gostaria ainda de fazer uma rectificação a propósito do artigo 218.°. De facto, na minha intervenção de ontem cometi um lapso (aliás, tinha obrigação especial de não o ter cometido), quando fiz referência aos problemas dos tribunais militares, sobretudo aos péssimos resultados que tinha dado o contencioso administrativo no tribunal militar. Porém, recordei-me entretanto que na altura da aprovação da Lei de Defesa Nacional, o Presidente da República de então, embora não tenha requerido a fiscalização preventiva, suscitou no seu veto a questão da constitucionalidade da disposição da Lei de Defesa Nacional que mantinha o contencioso administrativo das Forças Armadas no Supremo Tribunal Militar - aliás, eu tive alguma responsabilidade nessa posição. E o Tribunal Constitucional veio, de facto, a julgar inconstitucional, embora em fiscalização concreta, a norma (não me recordo do número do artigo) da Lei de Defesa Nacional que previa que o contencioso administrativo em matéria de Forças Armadas se mantivesse no Supremo Tribunal Militar. Isto significa, portanto, que, felizmente, as minhas considerações deixaram de ter razão de ser, em função da posição tomada pelo Tribunal Constitucional. Era esta, Sr. Presidente, a rectificação que eu pretendia fazer.

O Sr. Presidente: - Vamos, portanto, reiniciar os nossos trabalhos na próxima terça-feira, já não com os tribunais militares, artigo 218.°, que, suponho, foi objecto de discussão...

Vozes.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, algumas das questões suscitadas pelo n.° 2 do artigo 218.° podem ser abordadas rapidamente, o que também não nos fará perder tempo.

O Sr. Presidente: - Assim, Srs. Deputados, ficaremos no artigo 218.°. Recordar-vos-ia que, de acordo com o previsto, teremos reunião na próxima terça-feira às 15 horas e 30 minutos, quarta-feira às 15 horas e 30 minutos e à noite, quinta-feira às 10 horas, às 15 horas e 30 minutos e à noite e sexta-feira às 10 horas.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, qual é o horizonte final que V. Exa. pressupõe?

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O Sr. Presidente: - O horizonte que pressuponho é o fim do mês de Julho, Sr. Deputado. Sr s. Deputados, está encerrada a reunião.

Eram 13 horas e 5 minutos.

Comissão Eventual para a Revisão Constitucional

Reunião do dia 15 de Julho de 1988

Relação das presenças dos Srs. Deputados

Rui Manuel P. Chancerelle de Machete (PSD).
Carlos Manuel de Sousa Encarnação (PSD).
António Costa de Sousa Lara (PSD).
Carlos Manuel Oliveira e Silva (PSD).
José Augusto Ferreira de Campos (PSD).
Licínio Moreira da Silva (PSD).
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD).
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Manuel António de Sá Fernandes (PSD).
Rui Alberto Limpo Salvada (PSD).
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva (PSD).
António de Almeida Santos (PS).
António Manuel Ferreira Vitorino (PS).
Jorge Lacão Costa (PS).
José Eduardo Vera Cruz Jardim (PS).
Miguel Galvão Teles (PRD).
João Manuel Caniço de Seiça Neves (ID).

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