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Quarta-feira, 2 de Novembro de 1988 II série - Número 54-RC
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1988-1989)
II REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
ACTA N.° 52
Reunião do dia 27 de Julho de 1988
SUMÁRIO
Procedeu-se à discussão dos artigos 254.° a 257.° e respectivas propostas de alteração, da proposta de artigo novo - artigo 257. °-A - apresentada pelo CDS, dos artigos 258.°, 259.° e 261.° e respectivas propostas de alteração, da proposta de artigo novo - artigo 299.°-A - da autoria do PS, da proposta apresentada pelo PCP - artigo n do projecto n.º 2/V -, relativa às disposições finais e transitórias, e dos artigos 263.° a 266.º e respectivas propostas de alteração.
Durante o debate intervieram, a diverso título, para além do Presidente, Rui Machete, pela ordem indicada, os Srs. Deputados José Magalhães (PCP), Carlos Encarnação (PSD), José Manuel Mendes (PCP), Jorge Lacão (PS), António Vitorino (PS), Alberto Martins (PS), Miguel Galvão Teles (PRD), Costa Andrade (PSD), Vera Jardim (PS), Maria da Assunção Esteves (PSD), Ferreira de Campos (PSD), Miguel Macedo e Silva (PSD), Cardoso Ferreira (PSD), José Luís Ramos (PSD), Nogueira de Brito (CDS), Pais de Sousa (PSD) e Almeida Santos (PS).
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O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 11 horas e 5 minutos.
Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 254.° O artigo 253.° já foi discutido. Referia-se este à morte, anunciada, do conselho municipal. O 254.° diz: "Os municípios podem constituir associações e federações para a administração de interesses comuns."
O CDS propõe um novo número segundo o qual "a lei definirá as formas de apoio técnico e financeiro às associações e federações de municípios".
O PSD elimina este artigo 249.° Portanto trata-se apenas de uma alteração sistemática. Resta saber se se justifica ou não. Penso que não é propriamente uma modificação de municípios, mas uma figura supra-municipal. O CDS não está para justificar a sua proposta, que, aliás, é clara.
O PSD também não precisa de justificar, dado tratar-se também de uma alteração sistemática. Alguém quer usar da palavra? Nem mesmo o Sr. Deputado José Magalhães?
Risos.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, já tivemos ocasião de abordar essa matéria quando debatemos o artigo 249.°, a propósito da proposta apresentada pelo PSD, de reinserção sistemática deste preceito, que se eliminará nesta sede, segundo essa proposta. Fez-se uma reflexão, nessa altura, sobre o sentido do associativismo municipal. O que a norma proposta pelo CDS adianta não se nos afigura negativo, porque o impulsionar de formas de apoio técnico e financeiro a essas formas de associativismo municipal...
O Sr. Presidente: - Estamos de acordo.
O Sr. José Magalhães (PCP): -... pode revestir vantagens manifestas. A norma não é excessivamente ambiciosa, é concisa, deixa ao legislador ordinário todo o poder de definir a natureza, as implicações, a dimensão das formas de apoio. Não creio que a norma não seja susceptível de ser objecto de alargado consenso. Pode até vir a ter alguma importância na óptica de um impulsionar do associativismo, se o PSD, como sustentou, estiver particularmente empenhado nesse tipo de impulso. Então, a garantia de condições deste tipo para esse movimento pró-associativo é imprescindível.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não estava para intervir, dentro da linha em que nós não costumamos comentar as propostas dos partidos que não estão presentes, mas, de qualquer das maneiras, esta proposta do CDS pode, na verdade, ser relevante e pode ser bem aceite por parte do PSD. Se bem que, do ponto de vista da substância da proposta, o que aqui está já existe.
Já há, na verdade, diplomas especiais que dizem respeito ao apoio técnico e financeiro às associações de municípios.
Por outro lado, é evidente que aqui se poria a questão de saber até que ponto é que a Constituição deve dizer isto, deve dizer mais ou não deve dizer nada, designadamente no referente às normas constitutivas das associações de municípios. Como sabem, o problema grande que existe é não apenas em relação ao apoio técnico e financeiro, mas fundamentalmente em relação ao modo organizativo, à constituição das associações de municípios e à sua regulamentação. De qualquer das maneiras, a norma não me parece de menor valor e pensamos que um pouco retocada, um pouco reelaborada, poderia ter o nosso apoio.
O Sr. Presidente: - O PS também exprime uma posição favorável à consagração constitucional deste princípio, que seria uma forma de valorização das associações de municípios.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, permita que faça uma pergunta ao Sr. Deputado Carlos Encarnação. O PSD não condiciona a sua simpatia por esta proposta ao movimento de reinserção sistemática que propõe, isto é, não associa, de forma incindível, as duas coisas? É que o debate, ontem realizado, revelou que a transfega não era uma coisa tão importante como isso e se inseria numa técnica narrativa que não tem uma lógica irrefutável, pelo contrário.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, é evidente que, se mudarmos de inserção sistemática o outro dispositivo, porventura estoutro terá de se lhe seguir. Portanto, teremos de arranjar uma forma de inserir este dispositivo na zona onde o outro ficará inserido. Isto se levarmos como absolutamente necessário o cumprimento da nossa proposta e a aceitação da mesma. Não esta proposta, mas a referida há tempo atrás. Mas penso que isso é uma questão menor.
O Sr. Presidente: - Passamos ao artigo 255.° O CDS propõe a sua eliminação, de algum modo porque já recuperou este princípio no n.° 4 do artigo 240.° Não obstante, há uma alteração. Enquanto na redacção actual se consagra a participação nas receitas provenientes dos impostos directos, na redacção do CDS ia-se para uma formulação mais genérica. Dizia-se: "participação nas receitas efectivas do Estado". Não sei se a generalização enriquece, se reduz. De qualquer modo, creio que não vale a pena perder tempo com essa discussão, até porque o CDS não está presente. Em todo o caso, se alguém quiser usar da palavra, faça favor.
Pausa.
Ninguém, muito bem.
Continuamos então com o artigo 256.º, sobre as regiões administrativas. Aqui temos uma questão simples e simpática. O CDS propõe, ou melhor, já tinha proposto lá atrás que a criação das regiões passasse a ser uma faculdade e não uma obrigação. Agora propõe: "serão criadas simultaneamente por lei". Mantém, portanto, a regra da simultaneidade ou pretende que se consagre que elas
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serão constituídas a partir da unidade municipal. E acrescenta: "que definirá os municípios que as integrarão e que deverá ter o prévio acordo de, pelo menos, dois terços daqueles municípios". O n.° 2 afirma: "na definição das áreas das regiões administrativas tormar-se-ão em conta as características geográficas, naturais, sociais, históricas e culturais", o que introduz a ideia de que as regiões administrativas seriam criadas na base de uma actual ou potencial diferenciação, segundo estes valores. Tenho dúvidas de que seja essa a ideia que o legislador constituinte coloca na base da criação das regiões administrativas. Esteve, por exemplo, na base das Regiões Autónomas dos Açores e da .Madeira. Mas não creio que exista esse paralelismo relativamente às regiões administrativas. Por outro lado, a instituição concreta das regiões seria por "referendo deliberativo dos cidadãos eleitores residentes na respectiva área regional". Elimina o actual n.° 2, tal como fazem o PCP, o PS, o PSD e também o PRD.
O PCP também afasta a simultaneidade e também elimina o n.° 2 - a coincidência entre as regiões administrativas e as regiões-plano. Diz no n.° 1 que "a lei definirá as atribuições das regiões administrativas, bem como a composição e competência dos órgãos e o respectivo regime financeiro". Estipula no seu n.° 2 que "a lei de instituição em concreto de cada região poderá estabelecer diferenciações quanto ao regime que lhe será aplicável". O n.° 3 determina que "a instituição concreta de cada região dependerá do voto favorável da maioria das assembleias municipais que representem a maior parte da população da área respectiva". O n.° 4 estipula: "a instituição concreta de cada região não poderá ser recusada se a favor do respectivo projecto se pronunciar a maioria das assembleias municipais [...]", o que pode colocar alguma contradição entre on.°4eon.°3e desde logo a questão de saber se - porque aqui diz "que dependerá" - o projecto terá de ser aprovado e também não poderá ser reprovado, ou se haverá da parte da assembleia a liberdade de intervenção na definição do projecto.
O PS também separa, mais claramente, a instituição em abstracto da instituição em concreto; diz que "será geograficamente dividido, por lei", criando uma imperatividade superior à actual. Liga a instituição apenas a uma base geográfica, e não a uma base cultural, económica, social e histórica, como pretendia o CDS. Diz no n.° 2 que "a lei que em abstracto criar as regiões administrativas definirá, no respeito da Constituição, os respectivos poderes, a composição, a competência e o1 funcionamento dos seus órgãos [...]", tal como propõe o PCP. Em termos diferentes, pois o n.° 3 diz que a instituição em concreto "dependerá do voto favorável da maioria", tal como hoje. Elimina o n.° 2 actual.
O projecto do PSD diz que "a instituição concreta de cada região será feita por lei", consagrando assim a fórmula legislativa, e no mais mantém a fórmula actual.
A Sra. Deputada Helena Roseta apenas propõe a eliminação da simultaneidade.
A ID também propõe a eliminação do advérbio "simultaneamente" e, em vez do voto favorável, diz "precedendo audição das assembleias municipais". Não havia aqui uma declaração expressa da vontade, havia apenas um acto de pronúncia a favor ou contra. Por outro lado, mantém o actual n.° 2.
O PEV diz que "a criação de cada região será precedida da definição legal do respectivo regime, assegurando-se a participação em todo o processo das assembleias municipais [...]". Mantém também o n.° 2 e aparentemente permite que se crie cada região independentemente da criação ou da visão do que possa ser o enquadramento geográfico de cada uma que se cria no conjunto do País.
O PRD diz também que "a lei definirá as regiões administradas que podem ser criadas". Este "podem" não sei se quer significar que a criação das regiões passa a ser facultativa, como propõe o PS, embora o possa fazer por fases. Diz ainda que a lei "determinará as respectivas circunscrições". Gostava que o Sr. Deputado Carvão Teles nos explicasse bem qual é o alcance desta expressão. Acrescenta: "e fixará o regime da sua criação", tal como propõem o PS e o PCP. Também elimina o actual n.° 2.
Não está ninguém da parte do CDS. Quererá o Sr. Deputado José Manuel Mendes fazer o favor de justificar a proposta do PCP?
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta do PCP para o artigo 256.° tem uma história e importa neste momento recorrê-la. O debate sobre a regionalização centrou-se durante muito tempo na questão, polémica, de saber se se deveria proceder por forma a acolher a norma da simultaneidade da criação e instituição, ou por forma a admitir uma criação simultânea com instituições diferidas no tempo, ou finalmente se poderá vir a instituir-se, segundo o método em que se criassem determinadas regiões e se não criassem todas, logo de seguida. Como se sabe a solução constitucional foi a de acolher o princípio da simultaneidade.
Essa solução foi mesmo reiterada na revisão de 1982, não obstante proposta em sentido contrário vinda de alguns deputados, designadamente do Dr. Júlio de Almeida Carrapato, de afável memória, que connosco trabalhou.
Os anos intercorreram e há realidades que não podem ser ignoradas. A primeira é esta: tantos anos depois da entrada em vigor da Constituição de 1976, a regionalização do País está por fazer. A segunda é esta: basicamente, a regionalização está por fazer, por não ter havido uma vontade política real, designadamente por parte daqueles que detiveram o poder político ao longo de todos estes anos. Terceiro: pelo caminho, foram aparecendo vários escolhos, um a um derrubados, pela forma óbvia da argumentação política, mas um permaneceu: o da simultaneidade. Disse-se com alguma frequência e um estão tonitruante, e do nosso ponto de vista sem razão, que a simultaneidade constitucionalmente prescrita "impedia a regionalização do País", uma vez que "obriga à criação e instituição simultânea imediatas de todas as regiões". Não é verdade, o nosso entendimento - escorados, de resto, no pensamento de bons comentadores da Constituição - era, como hoje é, o de que a cláusula da simultaneidade implicaria um acto de criação abstracta, antes de um acto de instituição efectiva, o que possibilitava, na lógica, que viria a ser um dos projectos de lei do PCP a criação concreta, real efectiva das regiões umas após outras, naturalmente num quadro parcelar.
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O Pais está confrontado com uma quarta realidade, qual seja a de que, quaisquer que sejam as divergências quanto à delimitação das áreas geográficas, o Algarve se constitui como uma unidade que a ninguém suscita reservas, o que legítima aspirações que vêm sendo expendidas pelos meios mais diversificados, com as quais de resto nos consonantizamos. Dizemos isto porque tem estado a ser debatido, recentemente, o princípio da instituição constitucional de uma norma transitória, agora, no acto de revisão a que estamos a proceder, de criação de uma espécie de "região-piloto", que seria a região do Algarve, deixando para a vontade política dos governos e para a lentidão do funcionamento das instituições a resolução desse problema cadente que é o da regionalização ela própria.
Tivemos já oportunidade de manifestar o nosso desacordo quanto a uma solução deste tipo, uma vez que se nos afigura, de todo em todo, indispensável andar depressa, seguramente, e bem, neste terreno e em todo ele. A proposta do PCP em que é que difere daquilo que é hoje a norma constitucional? Em primeiro lugar, na queda do princípio da simultaneidade, como há pouco dizia o Sr. Presidente. E não acenas difere daquilo que é hoje a norma constitucional, como difere mesmo daquela que foi uma posição política assumida pelo PCP no passado. Em termos abstractos podemos colocar várias hipóteses: uma simultaneidade com prazo constitucional estabelecido, ou uma simultaneidade sem prazo constitucional estabelecido, e mesmo uma não simultaneidade sem critérios ou uma não simultaneidade com critérios, ou a instituição da tal região-piloto, ou ainda um regime em que se procurasse acautelar várias realidades em presença e os importantes valores, de natureza diversa, que se contrabatem. O PCP pensa que é legítimo admitir como incorrecta qualquer solução que crie de imediato regiões em detrimento de outras e que, portanto, possibilite uma regionalização tão faseada, tão demorada no tempo, que acabe, ela própria, por perder não apenas o impacte, mas por gerar discriminações, a todos os títulos negativos, entre áreas do nosso país.
Ora, se é assim, então impor-se-ia ou uma solução do tipo daquela que o PS defendeu, e segundo a qual se deveria manter o princípio da simultaneidade, mas estabelecer um prazo, tanto quanto possível imperativo, na Constituição, para que o processo tivesse consagração legislativa e para que a vontade política acabasse por, de alguma fornia condicionada por esta regra suasória, vir a consumar-se.
Ou dever-se-á admitir aquilo que o PCP propõe, ou seja, uma não simultaneidade, atribuindo-se à lei a possibilidade de definir o essencial, sendo certo que, para isso, nós propomos alguns critérios que consideramos relevantes. Pensamos que a instituição concreta de cada região deverá sempre depender do voto favorável da maioria das assembleias municipais, que representam a maior parte da população da área respectiva. Nisso nos distinguimos de soluções que vão além daquela espécie de referendo indirecto que já hoje a nossa lei constitucional estabelece e consagra. Por outro lado, defendemos que a instituição de cada região não possa, em caso algum, ser recusada, se a favor do projecto respectivo se pronunciar a maioria das assembleias municipais que representem a maior parte da população da área regional proposta. É uma forma de impedir pelo silenciamento, pela burocracia, ou por outros
modelos mais atractivos, o empurrar de um processo que consideramos essencial. Tudo dito e para concluir, a nossa proposta, Sr. Presidente, acolheu um pouco a lição da experiência, a lição da vida, mas, por outro lado, visa também desarmar aqueles que viram injustificadamente, repito, no princípio da simultaneidade o travão,' o "Bei de Tunes", aquele "feio ser" que impedia, para todo o sempre, que pudesse avançar a regionalização entre nós.
A nossa proposta é flexível, no exacto sentido em que também ela se não considera o alfa e o ómega para a resolução do problema, que é um problema sério do ponto de vista institucional, que nos está colocado, e está aberta a colher sugestões vindas de todas as forças políticas, com o objecto de viabilizar a regionalização, que é o nosso objectivo essencial.
O Sr. Presidente: - Não sei se foi por descuido ou se foi intencionalmente que não me quis dar o esclarecimento que lhe pedi e que é o seguinte: parece-me haver uma contradição entre o n.° 3, segundo o qual a instituição concreta de cada região apenas dependerá de determinado voto favorável, e o n.° 4, onde se diz que a mesma instituição não poderá ser recusada desde que se verifique o mesmo voto. Não percebo o desdobramento! Num caso depende, no outro não pode ser recusado. Não se entende muito bem esta dupla formulação, não sei qual é a vossa intenção!
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - A nossa intenção, Sr. Presidente, é basicamente esta: a de que, ouvidas as assembleias municipais, o apuramento da sua vontade se faça por forma a fazer prevalecer uma maioria que represente a maioria da população e que, no caso de essa maioria vir efectivamente a constituir-se, não poderá, com base em qualquer irrelevância quantitativa ou com base em qualquer argumento similar, improceder a constituição da região em situações deste género.
O Sr. Presidente: - Para isso bastaria o n.° 4.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Nós podemos encontrar uma formulação, num único preceito, em que se articulem os nossos dois pontos de vista, de forma mais escorreita, se for caso disso.
O Sr. Presidente: - Também tinha feito uma pergunta sobre se "a instituição concreta não pode ser recusada, se os inquiridos se pronunciarem a favor do respectivo projecto". Pergunto: qualquer que seja?
Também falam na "área regional proposta", quer dizer, cada um propõe, e, se tiver aquela maioria, não pode ser recusada?
Bem, isso pode dar uma situação terrível!
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Nós quisemos criar com este n.° 4 uma típica norma de garantia, que tem, como já deixei esclarecido, o objectivo de impedir a constituição de certas regiões, diferindo a constituição doutras para as calendas, o que no nosso ponto de vista seria politicamente grave e institucionalmente injusto.
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O Sr. Presidente: - Quanto à nossa proposta, é óbvio que o PS se desloca no sentido do reforço da obrigatoriedade da criação de regiões administrativas, na medida em que agora se diz "as regiões são criadas simultaneamente", e propomos que se diga "o território continental será geograficamente dividido por lei". Portanto, se não existir esta lei, haverá uma inconstitucionalidade por o mi s ao, e vamos ao ponto de no artigo 299. °-A propor que, dentro de um certo prazo, tenha de se aprovar esta lei, forçando ainda mais a inconstitucionalidade por omissão.
Definimos mais claramente a criação em abstracto das regiões e a sua instituição em concreto. Continuamos a perceber mal que se afaste a regra da simultaneidade, exactamente porque, se cada um for constituindo a sua região, o que resta pode não ser nada compaginável com a criação de uma última região. Pode haver pedaços soltos entre as várias regiões, pode haver a tal "lombriga" de que eu falava em Coimbra numa conferência a que assistiu o Sr. Deputado Carlos Encarnação. Parece-nos inconcebível que se crie uma região sem se ter uma imagem da divisão do território em regiões. A ideia da instituição da região-piloto do Algarve é de algum modo justificada pelo Espinhaço de Cão, pelo Caldeirão e pela serra de Monchique, que a natureza ali colocou a fazer desde já uma delimitação natural. Mas outro tanto se não verifica em relação a nenhuma outra região possível, e isso deixaria o problema intacto em relação ao resto do País. Eliminamos o actual n.° 2, no sentido de desvincular a área das regiões administrativas da das regiões-plano. Não tem justificação, penso até que a descentralização do Plano deverá ser feita, ela sim, em função das regiões administrativas que vierem a existir. É, portanto, tudo no sentido da clarificação e do reforço da obrigatoriedade da criação de regiões. Pelo que tenho por clara a proposta e não preciso de a justificar mais.
O PSD faria o favor de justificar a sua?
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, a nossa alteração é uma alteração que também é proposta por variadíssimos projectos, quer dizer, a eliminação do n.° 2, ou seja, a eliminação da coincidência das áreas administrativas com as regiões-plano, é compartilhada pelo projecto do CDS, pelo projecto do PCP, pelo projecto do PS e pelo projecto do PRD, além do nosso.
Portanto, eu creio que se justificaria por si, na medida em que será um pouco contranatura, que estejamos, por um lado, no n.° 3 deste artigo e do artigo que já existe na Constituição, a fazer depender do voto favorável da maioria das assembleias municipais a constituição de uma região e, por outro lado, a fixar-lhe um limite preciso, que corresponda imediatamente ao limite das regiões-plano. Portanto, é, de uma forma, fazer uma oposição e, por outro lado, imediatamente exigir, do ponto de vista da colaboração das assembleias municipais, uma corresponsabilização nessa imposição. Parece-nos contraproducente, e, por esse motivo, pura e simplesmente defendemos a eliminação do n.° 2 do artigo.
O Sr. Presidente: - A Sra. Deputada Helena Roseta não está. A ID não está. O PEV não está. O PRD não tem presente o Dr. Miguel Galvão Teles, de momento;
quando voltar, justificará a sua proposta. Quem quiser usar da palavra relativamente ao conjunto das propostas, pode fazê-lo.
Pausa.
Posso, para aquecer o motor, dizer que no n.° 3 do projecto n.° 3/V, do PS, não vinculamos à forma legislativa a instituição em concreto, tal como faz o PSD, por exemplo. Pensamos que a existência de uma lei de aprovação de cada região em concreto é em absoluto indispensável. Foi só por inadvertência que o não fizemos, mas a nossa ideia seria essa.
Pausa.
Não tem segundo sentido, só agora é que reparei nisso! Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, a interpretação do preceito que o PS apresenta nesta matéria suscita algumas dificuldades.
Desejaria nesta sede não fazer nenhuma reflexão geral sobre o processo de regionalização, sobre o debate que está em curso, sobre o papel que nele vêm assumindo as autarquias locais, sobre o alcance do próprio debate que travámos no plenário da Assembleia da República. Nesta sede, gostaria só de perguntar ao PS como é que se posiciona neste momento face ao princípio da simultaneidade. Nos debates travados sobre esta matéria, o PS tem, tanto quanto me apercebo e informam os meus camaradas especializados nessa área, oscilado entre duas posições: a interpretação deste preceito como significando a eliminação e a interpretação do preceito como não significando isso. A intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos deixa-nos um tanto incerto!
O Sr. Presidente: - Nós não quisemos alterar a exigência da simultaneidade, não compreendemos mesmo que o País possa ser regionalmente dividido sem ser em simultaneidade, sem termos a imagem do puzzle de todo o território nacional. Se não cada um cria a sua regiãozinha e no fim ficam pedaços soltos, disse eu há pouco, pode ficar uma "lombriga" entre os vários espaços, e já não dá para a criação de uma última região. De qualquer modo, a regra da simultaneidade está expressa na Constituição, na nossa proposta ela mantém-se quando dizemos "será o território geograficamente dividido por lei em regiões administrativas". Portanto, terão de ser criadas simultaneamente, como é óbvio. Não afastamos a regra da simultaneidade.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Então por que é que suprimem o advérbio?
O Sr. Presidente: - Não! Na nossa formulação, pensamos até que o princípio é muito mais imperativo: "O território continental será geograficamente dividido, por lei, em regiões administrativas." Mas, se é preciso voltar a pôr cá o advérbio, para que não restem dúvidas de que nós entendemos que o princípio da simultaneidade é um valor a salvaguardar e a preservar, pomos cá o advérbio. Não seja essa a dúvida!
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação e posteriormente o Sr. Deputado Jorge Lacão.
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O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, já agora, que entramos na apreciação dó conjunto dos projectos e das propostas de alteração, gostaria de dizer o seguinte: é evidente que a questão da simultaneidade deve ser entendida de acordo com a interpretação que fez o Sr. Deputado José Manuel Mendes, com a simultaneidade na criação e com a possibilidade de não simultaneidade da instituição efectiva. Penso ser o que decorre do preceito.
A formulação do PS em relação a este ponto não é realmente muito clara, se bem que tenha ficado substancialmente mais explícita a partir da intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos, na intenção, digamos assim, do legislador constitucional.
O que nós consideramos mais complicado é depois, por exemplo, preceitos do estão do n.° 2 do projecto n.° 3/V e do n.° 1 do projecto n.° 2/V. Ou seja, tenho a impressão de que haverá que definir aqui dois momentos. Penso que o momento mais importante em relação ao processo de regionalização, nesta altura, é, de uma vez por todas, fazer-se aquilo que se não fez até hoje, que é realmente tentar definir as atribuições e competências, consagradas em geral, quer das regiões, quer dos municípios, quer das freguesias. E penso ser por aqui que devemos começar. E não só por aqui, podemos começar também, depois, pelo reescalonamento da capacidade financeira de cada uma destas entidades. Creio que esta definição ou estas definições devem anteceder a criação da região administrativa como tal. Porque, penso, só poderemos criar .alguma coisa que tenha, na verdade, alguma substância concreta e que, em termos gerais, uma vez que esta não é a única instituição autárquica que está prevista na Constituição, possa considerar-se suficientemente esclarecida do ponto de vista da sua integração ou da sua conjugação com as demais. Neste sentido, portanto, entendo que estas formulações são formulações um pouco complexas e que não me parecem assentes, ou que devem estar assentes no mesmo momento temporal de definição. Creio que deverá ser a lei em geral a definir as condicionantes que acabei de referir, e deveremos apenas à Constituição, então, o preceito que defina a obrigatoriedade, ou como se entender mais adequado, da definição das regiões administrativas como tal.
Quanto ao modo de intervenção do referendo para a criação, digamos assim, para a aprovação da instituição da região administrativa, é evidente que a maior parte dos projectos também não diferem entre si. Vemos com alguma satisfação que se mantém o n.° 3 do artigo da Constituição que estamos a analisar, com a excepção do artigo do projecto n.° 1/V, do CDS, que troca este referendo orgânico indirecto por um verdadeiro referendo directo, deliberativo, dos cidadãos eleitores. Entendemos que a formulação do actual artigo da Constituição, do n.° 3, e dos projectos que com ele estão de acordo é substancialmente mais adequada.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Lacão, pode usar da palavra.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, suponho que o Sr. Deputado José Manuel Mendes desejava formular perguntas ao Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Presidente: - Tem então a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Se bem pude depreender, o PSD continua vinculado, stricto sensu, ao princípio da simultaneidade, com todas as suas decorrências?! E o seu novo n.° 3 apenas faz recair na instância legislativa a instituição concreta, nos termos daquilo que, em alguma medida, já hoje era previsível face ao estabelecido na Constituição.
Daí que eu pergunte concretamente o seguinte: o PSD teve em conta alguns dos dados que eu há pouco pude enunciar para concluir como concluiu?
Teve em conta que ao longo de 13, 14, 15 anos, continua a regionalização por fazer?! Que ha regiões administrativas que não suscitam o mínimo problema para a sua imediata criação e instituição, é o caso do Algarve, mas não será o único, enquanto outras poderão suscitar algum problema, e que haveria toda a vantagem em iniciar um processo de regionalização, criando, todavia, as cláusulas bastantes para que se não diferisse para a eternidade a regionalização do País no seu todo?!
Este tipo de argumentos, entre outros, como é óbvio, que peso relativo teve na opção que faz que o PSD mantenha o princípio da simultaneidade? Ou é, como eu julgo, a deliberada manutenção, apenas, de uma cláusula que a vida provou ser um travão à própria constituição e instituição das regiões, e portanto uma forma de o poder político central, ao cabo e ao resto, não proceder à regionalização e não sofrer alguma delegação de poderes que um acto como este sempre representará?!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - É muito fácil responder a esta pergunta e objecção do Sr. Deputado José Manuel Mendes, por uma razão simples: porque eu integrei um governo liderado pelo PSD que foi talvez dos governos que maiores esforços fez no domínio legislativo e no domínio prático para tentar levar a bom termo a consecução da regionalização administrativa do País. E eu empenhei-me particularmente nesses esforços, como o Sr. Deputado José Manuel Mendes muito bem sabe. Portanto, não pode honestamente duvidar da minha intenção de aderir à causa da regionalização com toda a força, com todo o entusiasmo, mas também não pode deixar de lado algumas das considerações que inicialmente fez, ou seja, que a maior parte dos comentadores da Constituição entendem que este é o regime que deve ser seguido, isto é, que é o entendimento correcto da questão da simultaneidade.
Se no n. ° 1 a criação é simultânea, a instituição depende caso a caso, como é evidente, será a sua efectivação, não poderá ou não deverá ser simultânea, portanto há aqui um misto que V. Exa. muito bem compreendeu na sua intervenção inicial. Isto não tem nada a ver com as resistências à regionalização, ou os movimentos contra a regionalização, ou a postergação da instituição prática das regiões. Creio que o grande problema a resolver, já há pouco o deixei dito na minha intervenção inicial, não é propriamente nesse domínio que tem de ser buscado, mas é antes naquele domínio que eu citei, como o essencial à definição das regiões
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administrativas e à sua integração ou à sua conjugação com as demais instituições autárquicas. Ou seja, a definição rigorosa das suas competências e atribuições e dos seus recursos financeiros, da retribuição de recursos financeiros do Estado em relação a todas elas. Ai é que eu penso não ter ainda havido a vontade política suficiente, ou o consenso político suficiente, uma vez que já houve vontade política declarada, já houve projectos variadíssimos que alguns governos enviaram a esta Assembleia, mas ainda não se chegou a um consenso efectivo e prático no sentido de chegarmos à determinação dos preceitos fundamentais e dos regimes fundamentais aplicáveis.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Como é que o PSD, em concreto, vê a cláusula de garantia do n.° 4 da nossa proposta para o artigo 256.°?
Mesmo vindo à observação desse preceito na lógica da argumentação que está a expender.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado José Manuel Mendes, o n.° 4 do vosso projecto tenho impressão de que é uma norma de suspeição, e é uma norma nesse sentido não admissível. Quero dizer, se a intenção é realmente essa, é apenas uma norma de garantia, ela não é necessária em termos concretos, por outro lado é uma norma que define uma suspeição, e, como tal, não nos parece com Usura devermos considerar enquadrável ou aceitável dentro da definição constitucional do tema. Pura e simplesmente!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, em primeiro lugar era para me referir a duas zonas de consenso, que me parece resultam do conjunto dos projectos apresentados. E essas duas zonas de consenso parecem-me ser a de que a instituição em concreto obedece a um princípio facultativo, ou seja, há um momento em que a instituição em concreto dependerá da emissão de vontade de outras entidades, que não apenas a entidade com função legislativa. Isto é: para além da Assembleia da República, as próprias autarquias locais que vierem a ser abrangidas pelo processo de regionalização; e dependerá do voto favorável dessas autarquias a possibilidade da instituição em concreto da região. Este princípio, facultativo portanto, parece-me ser um dado adquirido em todos os projectos apresentados.
Por outro lado, no que concerne à natureza da regionalização, todos os projectos convêm em que ela seja heterogénea, já porque temos a especificidade da experiência autonômica, onde a descentralização é de natureza político-administrativa; e teremos agora a possibilidade de fazer uma descentralização administrativa para as regiões do continente em grau susceptível de variar de região para região, em função ainda das suas próprias especificidades. Esta natureza heterogénea da regionalização é, parece-me, também um outro dado adquirido em todos os projectos apresentados.
Dito isto, há, na verdade, algumas diferenças de regime em cada um dos projectos. O PSD, por exemplo, visa assegurar o princípio da participação necessária das autarquias locais nos dois momentos, ou seja, tanto no momento da criação em abstracto como no momento da instituição em concreto. Ora, se para o momento da instituição em concreto nenhum dos projectos questiona a conveniência, e mesmo a necessidade, da audição prévia das autarquias locais, já para o momento da criação em abstracto a referência à participação necessária das autarquias locais afigura-se-me excessiva, tanto mais que se visa manter (como ocorre no projecto do PSD e, neste caso, também no próprio projecto do PS) a regra da simultaneidade para a criação em abstracto. Se essa criação em abstracto tiver que ser mediada da audição das assembleias municipais de todas as autarquias do continente, isso poderá originar como efeito a impossibilidade prática dos consensos mínimos necessários à volta da lei. De facto, as respostas por parte das assembleias municipais poderiam vir a ser de tal maneira antagónicas que, nessa primeira fase do processo de criação das regiões, não tivéssemos da parte das autarquias locais uma fase de participação no sentido de facilitar o processo de instituição das regiões, mas, pelo contrário, no de dificultar esse mesmo processo. É por isso que o PS entende que a lei de criação em abstracto não tem que necessariamente ser mediada por um processo de consulta às autarquias - coisa diferente ocorrerá obviamente para o momento da instituição em concreto. Sublinho, no entanto, que o PSD mantém essa obrigatoriedade para os dois momentos, o que pode tornar extremamente difícil a aprovação da lei de criação das regiões administrativas.
Outra questão é a seguinte: alguns dos projectos (é o caso dos projectos do PSD e do PCP) entendem a instituição em concreto subordinada ao princípio da reserva da lei. E, se bem que o PS não faça essa expressa referência da reserva da lei quanto à fase da instituição em concreto, penso, no entanto, que também estará presente no seu espírito que outro não poderá ser o processo da instituição em concreto. Ora, se conviermos em que ficam subordinadas ao princípio da reserva da lei tanto a criação em abstracto como a instituição em concreto, coloca-se o problema da relação hierárquica entre estas duas leis. Se ambas as leis se mantiverem num mesmo plano na hierarquia das leis, ocorrerá sempre a possibilidade, sobretudo se houver variações de maioria política entre o momento da criação em abstracto e o momento da instituição em concreto, de a lei da instituição em concreto vir a alterar os termos prefigurados da lei de criação em abstracto, o que nos leva a retomar o problema de saber se não deveríamos todos convir em que a lei de criação em abstracto devesse ser uma lei de estatuto reforçado. É verdade que originariamente nenhum dos partidos propôs no seu projecto a qualificação desta lei como uma lei de estatuto reforçado, mas, em meu entender, os exemplos que já temos naquilo que diz respeito às leis-quadro de criação de municípios e freguesias e à tentação permanente de, por via de leis de criação em concreto dos municípios e freguesias, estoirar com essa lei-quadro justamente, porque não há nenhuma diferença de grau hierárquico entre uma e outra, deveriam fazer-nos reflectir sobre se o grande esforço para a obtenção de consensos que representa a lei da criação em abstracto das regiões não deveria ser acompanhado da definição de um estatuto reforçado para esta lei, justamente para estabilizar o consenso que for possível obter em seu torno e evitar que, num futuro eventual, tal lei possa vir a ser questionada
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ou até derrogada pelas leis de instituição em concreto das regiões administrativas. É um problema de técnica jurídico-constitucional sobre a qual todos deveríamos reflectir - o PS, naturalmente, fá-lo-á e penso que seria interessante que o PSD também o pudesse fazer. Finalmente, gostaria de me referir às consequências do projecto do PCP. Este projecto permite a solução mais flexível para a criação das regiões administrativas. Todavia, essa solução, porventura pelo facto de ser excessivamente flexível, poderia vir a ter consequências perversas no processo constitutivo das regiões administrativas. Senão, vejamos: seria possível a partir de uma lei de instituição que qualquer iniciativa legislativa despoletasse o processo da criação em concreto. Mas isso seria o menos; o que é o mais é que, após a apresentação de uma iniciativa legislativa para a criação de uma dada região em concreto, a Assembleia da República ficaria vinculada, no exercício do poder legislativo, às posições assumidas pelas assembleias municipais. Estaríamos perante um caso único de um órgão de soberania ficar manietado, não quanto à oportunidade de desencadear o processo legislativo apenas, mas quanto ao próprio conteúdo da sua deliberação, no sentido de que teria de corresponder necessariamente à posição das assembleias municipais previamente expressa. O exercício da função legislativa seria sobreposto, na prática, pelo parecer e posição das autarquias locais. Tal hipótese seria manifestamente excessiva e constituiria uma forma indirecta de atribuir poderes e funções políticas às autarquias locais quando elas apenas estão subordinadas ao princípio da descentralização administrativa, e não ao princípio da descentralização política. Por estas razões não acompanhamos a solução avançada pelo PCP quanto a este ponto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Espera-se deste debate (esperam os autarcas, seguramente) alguma clarificação em relação às posições partidárias quanto ao esquema para a instituição das regiões administrativas.
Durante anos, a reflexão sobre o esquema constitucional e, designadamente, sobre a distinção entre a criação e instituição concreta ocupou não só largas horas de debate como, sobretudo foi tema de equívoco, de polémica e de bloqueio do processo de regionalização. Como já foi explicitado, a flexibilidade desse esquema surgiu-nos como solução para ultrapassar os equívocos. No entanto, pelo que é possível depreender pelas intervenções produzidas, há o risco da não alteração, e porventura até do agravamento dos equívocos, e logo da manutenção dos factores que são impeditivos, ou que pelo menos funcionam como elemento de diversão sobre as razões que devam impulsionar ou retardar o processo de regionalização do continente português. De facto, durante anos estabeleceu-se a confusão sobre o que constitucionalmente é claro. Verifica-se hoje que vários dos partidos que mais confusão estabeleceram sobre o esquema constitucional dizem agora com ar de "novidade" aquilo que, a ser novidade, o é desde há anos, desde 1976, seguramente.
A Constituição encara o processo de regionalização como comportando dois momentos: num primeiro momento, a definição simultânea de todas as regiões
por lei da Assembleia da República e, num segundo momento, a instituição concreta de cada região, dependente também dos municípios da respectiva área. A criação em concreto pode ser gradual, aplicando-se o princípio da simultaneidade unicamente no primeiro momento, no momento da definição, por lei, das regiões, o que é, evidentemente, uma garantia contra perversões centralizadoras e manipuladoras do processo de regionalização.
Esta matéria foi discutida na primeira revisão constitucional, tendo a AD visto recusada a sua proposta de eliminação do princípio da simultaneidade, por razões que têm a ver com uma preocupação de que a supressão deste princípio conduzisse a discriminações perigosas e a adiamentos da criação de determinadas regiões, ao mesmo tempo que outras poderiam ser impulsionadas. Não havendo garantida de um esquema concertado e global para o avanço para a regionalização, é evidente que qualquer esquema que não tenha o princípio da simultaneidade como característica basilar faculta que uns sejam postos na prateleira e outros avancem. Ora, uma regionalização desse tipo seria discriminatória fonte inevitável de polémicas e de divisões, e não de impulsionamento daquilo que devem ser os objectivos positivos, e de resto imprescindíveis, da regionalização.
Só que transitam em julgado e desaparecem da memória as posições assumidas por alguns sobre tudo isto... Por exemplo, é facto histórico que, em 1981, o Prof. Barbosa de Melo propôs num projecto de revisão constitucional conhecido a supressão do princípio da simultaneidade e a criação avulsa de regiões, por iniciativa, aliás, exclusiva do Governo, com a entrada em vigor sujeita a referendo. Curiosamente, esta proposta (que não sei se não ocupará noutras sedes o Sr. Deputado António Vitorino, mas é interessante) foi, na altura, considerada "bastante exemplar" pelo actual Ministro Fernando Nogueira, que considerava esse esquema "extremamente positivo". Isto surge tudo na revista Prospectivas, n.08 8 e 9, de Outubro e Maio de 1982, a pp. 13 e seguintes. É aí que j az esse pensamento do jovem Dr. Fernando Nogueira quando fazia ainda o seu tirocínio para os altos destinos que hoje o absorvem. Devo lembrar, aliás, que o mesmo Prof. Barbosa de Melo, num estudo também conhecido chamado "Portugal, que regiões?", chegou mesmo a afirmar esta coisa capitosa e geral: "O princípio da simultaneidade é um logro. Dizer-se que se quer a regionalização e dizer ao mesmo tempo que ela tem que ser simultânea em todo o País é o mesmo que dizer, na prática, que não se quer regionalização nenhuma [...]"
O Sr. Presidente: - Desculpe, mas isso não é exacto.
O Sr. José Magalhães (PCP): - A frase não é minha, Sr. Presidente, a frase é do Prof. Barbosa de Melo!
O Sr. Presidente: - Desculpe, julguei que era sua; vocês têm um projecto que prova que não é assim.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Fiz este rebuscar dos caboucos das revistas, remexi na arqueologia em busca de frases esquecidas unicamente porque, por
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vezes, elas estão esquecidas em cima da mesa, mas estão perfeitamente vivas e aos saltos por baixo dela. A citação visa portanto apenas evitar a amnésia histórica.
A ideia de flexibilização do processo de criação de regiões não é uma ideia original. Sucede, porém, que, sem mais, pode comportar perigos de discriminação. Foi por isso que o projecto do PCP procurou acautelar no n.° 4 aquilo que, suprimindo-se o princípio da simultaneidade, ficaria sem cautela. Como o Sr. Deputado Jorge Lacão argutamente sublinhou, se se suprime o princípio da simultaneidade e se, concomitantemente, não se acautela que existindo uma forte vontade de criação concreta por parte dos interessados, e desde logo dos municípios, o Parlamento não tenha de praticar o acto de instituição concreta, ficar-se-ia então com um esquema que permitiria a não criação de determinadas regiões e a criação privilegiada de outras. É isso que o princípio da simultaneidade procura evitar e é isso que o nosso n.° 4 procura evitar. Pretende-se garantir que quando haja uma vontade municipal maioritária, devidamente apurada, a instituição concreta seja irresistível. Porque se a criação não é irresistível e se suprimimos o princípio da simultaneidade, o processo de regionalização pode ser tornado completamente arbitrário, com sacrifício de interesses legítimos e, designadamente, com sacrifício da vontade expressa das populações através dos seus municípios.
O Sr. António Vitorino (PS): - Essa lógica não levaria o PCP a propor que a pronúncia das populações se fizesse através de referendo, que, isso sim, seria a marca da reversibilidade da decisão das populações? De facto, o que o Sr. Deputado Jorge Lacão disse é totalmente verídico: o vosso n.° 4 introduz uma inovação no nosso sistema constitucional, que é uma imposição de legislação à Assembleia da República. Ou seja, há uma limitação dos poderes dos representantes do povo não por via do referendo, isto é, por via da pronúncia dos próprios mandantes, mas por via da decisão de um certo número de órgãos das autarquias.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado António Vitorino, o problema com que nós nos deparámos, e dissemo-lo aqui com toda a lisura, foi o seguinte: primeiro, determinadas forças políticas entendem que o esquema em vigor "dificulta", ou mesmo "bloqueia", o processo de criação e depois a instituição concreta das regiões: diz-se que a flexibilização é imprescindível, que a simultaneidade, nos termos em que hoje se encontra definida, é um elemento impeditivo. Nós dissemos: em nosso entender, uma interpretação correcta da Constituição não permite discernir esse elemento de bloqueio. Mas, já que existe da parte de outras forças essa ideia, admitamos que há um bloqueio e avancemos para a sua supressão. Como é que se pode avançar para a sua supressão? Avança-se para a sua supressão eliminando o preceito, eliminando a regra. A partir do momento em que se elimina a regra, o processo de criação desenrola-se em dois passes, como agora: por um lado, a definição das atribuições das regiões, a composição e competência dos órgãos, o regime financeiro e depois a delimitação, a tormentosa e momentosa questão da delimitação. Avance-se num primeiro momento de forma comum e num segundo momento avance-se consoante a realidade ditar. Mas dizer que se avance consoante a realidade ditar cria um problema: é que a realidade não dita directamente; a Assembleia da República tem de intervir, e a Assembleia da República intervém de acordo com os seus critérios, critérios esses que podem, se não forem adoptadas certas cautelas, levar à concessão do privilégio do avanço a uns e à prateleira forçada para outros. Como é que se sai disso, como é que se evita este elemento de possível discriminação? Ou se evita, mais uma vez, através da definição de uma regra geral e abstracta, que a todos contemple, ou então através da concessão de uma eficácia intimativa, deliberativa à vontade popular, expressa através do mecanismo que a Constituição hoje consagra no n.° 3 adaptado.
E evidente que se a Constituição passasse a consagrar outros mecanismos, designadamente o referendo, a questão poderia ser encarada noutros termos. Mas repare: nós movemo-nos dentro da nossa lógica e movemo-nos dentro da lógica da Constituição vigente, não nos movemos dentro da lógica da Constituição futura ou da alteração constitucional decorrente da eventual consagração do referendo - é esta a explicação de a nossa posição ter sido aquela que resumi. Evidentemente, a nossa solução é uma solução em construção e uma base de partida para o debate. Esse debate tem de ser feito dentro de balizas que, por um lado, afirmem da parte de todos uma comum vontade regionalizadora, sob pena de ser uma feira de equívocos. De facto, só agora é que o Sr. Deputado Almeida Santos nos disse de forma clara, total e terminante que o PS mantém o princípio da simultaneidade. Já ouvimos noutros momentos e noutras sedes a afirmação de que não, ou seja, que o PS entendia que esse princípio tinha os dias contados, pelo que era de suprimir, de enterrar. Por isso, dizemos: é preciso clarificar e é precisa uma vontade comum nessa matéria.
O Sr. Presidente: - Mas, Sr. Deputado, se dizemos que "o território continental será geografícamente dividido, por lei, em regiões administrativas", parece-me que isto é tão claro como a água!... Até digo mais: é mais realista do que ter subjacente a essa norma o princípio da simultaneidade em abstracto sem dizer como é que se faz.
É claro que o meu amigo quando diz que há divergências no nosso partido reproduz com certeza opiniões dos nossos camaradas do Algarve.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto, Sr. Presidente, reproduzo mesmo porque estão escritas e ditas. E mais: não sou eu que atribuo esse significado ao desaparecimento do advérbio, mas sim eles.
O Sr. Presidente: - Claro que sim, Sr. Deputado, porque toda a vida defenderam essa possibilidade, e até chegaram a apresentar um projecto de criação de uma região-piloto.
Entretanto, V. Exa. argumenta com a facilidade que representaria para a criação das regiões a eliminação desses princípios. Estou de acordo com isso, pois é evidente que as primeiras regiões serão mais fáceis de criar se não estiver ínsito na Constituição o princípio da simultaneidade. Porém, o que lhe pergunto é se as últimas não serão mais difíceis de criar. E é a isso que VV. Exas. não respondem!
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O Sr. José Magalhães (PCP): - Respondemos, Sr. Presidente...
O Sr. Presidente: - Não considerou uma única vez a possibilidade de no fim de criar quatro, cinco ou seis regiões ficarem buracos ou uma lombriga no meio delas e o território continental não ser todo ele regionalizado, mas ser apenas uma parte e o restante de regionalização impossível. Ninguém encara este problema!,...
De facto, houve essa preocupação para os concelhos, distritos e, logicamente, para as províncias, que, aliás, nunca atingiram grande nível. E oxalá me engane quando digo que também as regiões vão ter algumas dificuldades no plano da sua institucionalização real.
Era concebível que no meio dos concelhos houvesse hoje espaços que não pertenciam a nenhum concelho ou que sucedesse a mesma coisa no meio dos distritos e das províncias? Repito, a esta questão ninguém responde! Todavia, toda a gente me diz que é mais fácil. É evidente que é! Entretanto, perguntaria se queremos regiões a todo o custo ou regiões eficazes! Este é que é o problema e, volto a repetir, a ele ninguém responde. De facto, era muito fácil eliminar a regra da simultaneidade, deixar que o Algarve se constitua amanhã, que o Porto faça pressão e se constitua como ele quiser no dia seguinte e o resto ficar para aqueles que tivessem de se entender para ir buscar um bocado ao fundo de Bragança, outro bocado nó cimo de Castelo Branco e um outro no Alto Alentejo. Este é que é o problema! No entanto, a verdade é que ainda não houve vontade política para criar as regiões.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Isso é um facto!
O Sr. Presidente: - Ora, toda a gente sabe que sou contra a criação de regiões, mas também sou opositor da hipocrisia de se andar há doze ou treze anos a prometer as regiões e ninguém as criar. Elas estão em todos os programas dos partidos, dos governos, nas declarações de políticos. Mas eu disse sempre que sou contra. Todavia, a minha intenção é que se proceda à criação delas! Aliás, garanto que se não tivesse perdido as eleições de 1985, elas já estariam criadas, embora eu fosse contra elas, repito. Isto porque o meu partido não é e aparentemente a maioria dos portugueses as quer.
Considero, pois, indigno que estejam previstas na Constituição, que se prometam a todos os níveis e em todas as circunstâncias e que se não façam. Não há - repito - vontade política para as fazer. No fundo, todos estão de acordo com as minhas reservas à criação das regiões administrativas. Veremos quem vota a favor e contra a regra transitória que o PS propôs de que a lei de criação abstracta das regiões se aprove dentro de um ano ou de seis meses a partir da entrada em vigor da lei de revisão!
O Sr. José Magalhães (PCP): - V. Exa. foi extremamente útil ao procurar adiantar essas precisões.
De facto, penso que nenhuma dúvida subsistirá quanto à nossa disponibilidade para fixar esse prazo para o processo de regionalização. E, de resto, seria um aspecto extremamente capitoso e relevante que essa dúvida fosse eliminada por parte de todos. Seria um
excelente resultado para o debate da revisão constitucional. Aliás, é isso mesmo que se espera de nós. Parafraseando alguém, está já dito e escrito tudo sobre as regiões; falta só "fazê-las". E é preciso fazê-las, suprimindo, sobretudo, alguns dos equívocos que persistem. O primeiro aspecto a abordar prende-se precisamente com o facto de a proposta do PS ser tudo menos inequívoca. V. Exa. terá de revelar paciência, porque onde se refere que o "território continental será dividido, por lei, em regiões administrativas" não se menciona a expressão "por uma só lei aprovada simultaneamente". Assim, o preceito é susceptível de ser lido no sentido de "lei a lei". E não fui eu que fiz essa interpretação, mas sim camaradas do seu partido.
O Sr. Presidente: - V. Exa. admite então que haja divisões por fases?
O Sr. José Magalhães (PCP): - V. Exa. terá toda a razão na sua argumentação, só que não tem texto límpido. Portanto, há quem sustente o contrário. Somos, então, confrontados com leituras diversas do próprio preceito que o PS apresenta.
O Sr. António Vitorino (PS): - Desculpe interrompê-lo, Sr. Deputado, mas há interpretações asnáticas; pois não há nenhum artigo na Constituição que refira que é impossível interpretá-la de forma asnática!
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O problema é que essas interpretações, partindo por vezes de respeitáveis asnos, dificultam extremamente o debate. Creio, assim, que um dos efeitos mais positivos desta discussão poderia ser o de dissipar algumas das névoas que têm andado a rodear mecanismos que seriam accionados no seu preciso conspecto e na sua redacção se houvesse vontade política para tal. É esse o aspecto mais fabulosamente intrigante de tudo isto! O discurso sobre o discurso jurídico, sobre os equívocos jurídicos, a hermenêutica árdua que se pratica em torno do artigo 256.° da Constituição visa, na maioria das vezes, funcionar como subterfúgio para não se discutir a questão da vontade política. Daí que se tenha colocado o problema como o PCP o fez. E se é neste momento que ele deve ser colocado, então também é nesta sede que ele tem de ser trinchado. Será, pois, um aspecto fundamental do processo de revisão com esta ou outra qualquer solução.
O segundo aspecto que gostaria de abordar é o suscitado pelo Sr. Presidente quanto à "dúvida eterna". De facto, o legislador tem de tomar cautelas e a Constituição deve contê-las, em relação à definição do esquema. Sobre esse aspecto penso que não há nenhuma dúvida.
Entretanto, quanto à prospecção do funcionamento do esquema devo dizer que não se justifica tanto cepticismo como aquele que V. Exa. exibe.
O Sr. Presidente: - Cada um tem o que tem!...
O Sr. José Magalhães (PCP): - E digo isso porque, começado o processo, a diferença entre territórios regionalizados e por regionalizar torna-se verdadeiramente intolerável.
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Na verdade, a criação em partes do território nacional de verdadeiras e próprias regiões administrativas, como autarquias com serviços e dinâmicas próprios, com funções no próprio planeamento, com o seu impacte na própria estruturação da Administração Pública, com o seu funcionamento como pólos de agregação e de concentração de meios e centros de difusão até de ideias políticas, tem tais consequências que é impensável a manutenção duradoura de "ilhas" não regionalizadas no território continental. A única questão que a esse nível importará equacionar e resolver bem é a da não discriminação, porque é evidente que pode haver vantagens enormes para as primeiras regiões que se constituam. Portanto, é preciso pensar nas últimas: não podem ser os restos!
O Sr. Presidente: - Como é que V. Exa. sabe isso se deixa à vontade das populações a sua formação?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas as regiões não podem ser uma criação do Ministro Valente de Oliveira numa proveta ou prancheta desenhada, sobretudo, à la européenne!
O Sr. Presidente: - Podem antes ser a expressão ocasional de pressões, ambições e interesses locais, pois o País não pode. ficar dependente de que cada um tenha a sua regiãozinha, de que pretenda ser o líder, imaginando-se antecipadamente o João Jardim dela! Isso é que não pode nem deve acontecer!...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Claro que não, Sr. Presidente. Avancemos com a regionalização em termos de definição de atribuições e competências, dos problemas de delimitação, e a questão dos "Jardins" dirimir-se-á no terreno político e não através de uma rolha institucional.
O Sr. Presidente: - Vejo qual é a rolha que V. Exa. coloca nos desmandos do "João Jardim" existente! Vejo isso todos os dias no jornal! Foi até um bom exemplo que me deu!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas esse problema seria mais fundo, pois V. Exa. estaria, então, contra a própria autonomia regional, imaginando-a como uma fábrica inevitável de "Joões Jardins"! Sucede, porém, que isso não pode ser. Não se concebe que a solução para os "Joões Jardins" possa ser eliminar as autonomias regionais, juntar as ilhas ao continente! Isso é pior do que o projecto do canal da Mancha!
O Sr. Presidente: - É ter a visão de Estado da regionalização! É isso que pretendo na fase da sua criação abstracta! Posteriormente, cada um criará as que quiser dentro da margem de diferenciação que se lhe permita. De facto, a visão de Estado compete ao Estado e não aos particulares. Este é o meu ponto de vista.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, devo confessar que me tinha inscrito numa fase distinta do debate, e há uma ou outra questão que, porventura, terá já sido sanada no decurso dele.
No entanto, gostaria de equacionar a questão da simultaneidade, que é uma ideia que me merece grande simpatia, que está implícita no projecto de revisão do PS e que não tem as dificuldades que foram suscitadas. Aliás, essas mesmas foram já, em tempos, dirimidas pela doutrina no sentido de se estabelecer uma distinção muito nítida entre a criação legal e a instituição concreta.
Creio que valeria a pena manter a ideia da simultaneidade em obediência ao valor da unidade do Estado e ao de contrariar o risco das feudalizações administrativas que já foram apontadas nesta sede.
Ora, no meu entendimento há três questões na regionalização que se suscitam em termos doutrinais, pois não há outro ponto de referência desde 1976 por ausência de vontade política.
Assim, temos a questão da divisão geográfica, e é óbvio que tem de haver uma lei especial, tal como é apontado no projecto de revisão do PS, que divida geograficamente o País. Ao mesmo tempo, para evitar a solução das postas-restantes, que podem ser as tais postas insignificantes, tem também de haver uma lei de bases ou uma lei quadro com características de generalidade, abstracção e simultaneidade.
Acontece, de facto, que a proposta do PS se preocupa basicamente com a instituição concreta. E creio que a maior questão não é tanto a instituição concreta, que se deve rodear de algumas óbvias defesas, mas a da divisão geográfica e definição de competências. A partir dessas, se se mantiver a solução prevista na Constituição, ou seja, a do referendo orgânico, algumas das questões estarão resolvidas. Tenho, aliás, dúvidas muito acentuadas quanto ao n.° 2 do artigo 256.°, na redacção dada pela proposta de alteração do PCP, quando admite que na instituição concreta são estabelecidas as diferenciações de regime e não numa lei geral e abstracta. De facto, vamos ver os primeiros a avocar competências e diferenciações de regimes em nome de que quem chega primeiro tem mais, o que abriria um espaço de discricionariedade. E colocaria em causa eventualmente o equilíbrio e a harmonia de poderes entre as regiões e poderia eventualmente criar regiões de primeira e de segunda.
Além disso, não me parece que o eventual conflito de normas, que o meu colega Jorge Lacão suscitou, para ser resolvido por uma solução distinta da que é apresentada no n.° 2 do artigo 256.°, na versão do PS, quando esse articulado define que a lei em abstracto cria as regiões e define um conjunto muito alargado de competências e de regras, o que aponta para que a instituição concreta e a lei que dela decorre seja, em alguma medida, uma lei constitucionalmente subordinada em termos daquilo que o projecto de revisão apresenta.
Portanto, as questões que coloco aos Srs. Deputados José Manuel Mendes e José Magalhães são finalmente: como compatibilizam a ideia de lei de instituição em concreto e da possibilidade do n.° 2 do artigo 256.° do vosso projecto de revisão, quanto ao regime que lhe será aplicável, que na melhor interpretação é remetido para uma lei abstracta - lei de criação das regiões -, com a possibilidade da avocação de competências não harmónicas nas diversas regiões, sobretudo em benefício das que se criem em primeiro lugar?
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A segunda questão respeita ao n.° 1 do artigo 256.°, que contém uma cláusula de salvaguarda. Assim, pergunto se essa cláusula não está resolvida pelo n.° 3 do artigo 256.° actual.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, desejo apenas fazer uma brevíssima apreciação em relação a algumas das intervenções do PCP e, designadamente, da do Sr. Deputado José Magalhães quanto à citação do Sr. Prof. Barbosa de Melo e das propostas da AD em tempos formuladas.
Assim, devo dizer-lhe que é evidente que não me esqueci que a AD tinha feito essa proposta.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Até porque é um dos pais dela!
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - O que acontece é isto: é que a AD fez essa proposta com uma correctíssima intenção. E a ideia de V. Exa., do ponto de vista do PCP, está absolutamente nos antípodas da ideia que dá o PSD em relação às propostas que formulou e que formula.
De facto, o PSD apresentou a proposta sobre uma recta intenção. Viu-a recusada e eivada de adjectivos qualificativos, os mais horrendos e horripilantes possíveis. Na altura, não pelo Sr. Deputado José Magalhães mas pelos seus companheiros ou camaradas de partido. E, como é evidente, corrigiu-a! De facto, esta proposta é tão má que não deverá, pelos vistos, ser aceite!
Ora, o que é curioso é que agora o PCP, que anda à deriva e é uma fábrica constante de suspeições, vem a este nível buscar a proposta antes apresentada pela AD. E tenho receio, talvez, que seja só a este nível, porque, se calhar, ainda acaba por recuperar uma série de propostas da AD de 1982. Fê-lo, contudo, só em relação a esta, mas suponha-se que ia buscar todas as propostas da AD sobre organização económica, o que seria terrível para o PCP. Não acredito, todavia, que se faça. Repito, apresentou esta proposta porque tem outra intenção que não é aquela que declarou.
O Sr. José Magalhães (PCP): - De forma nenhuma! Se bem reparar, Sr. Deputado, a proposta da AD defunta não incluía o n.° 4, o que, ao invés, a nossa abrange.
O Sr. António Vitorino (PS): - Tem sempre de acrescentar qualquer coisinha!
O Sr. José Magalhães (PCP): - E que coisinha! Que coisinha! Estivesse essa coisinha no vosso acordo e já teria algo de bom!
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Apresentou esta proposta e acrescentou-lhe uma norma de suspeição, como há pouco disse.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Uma norma de garantia!
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, V. Exa. pode chamar-lhe norma de garantia, mas o que é verdade é que os Srs. Deputados Jorge Lacão e António Vitorino, e este muito mais recentemente, a qualificaram noutros termos. Deram-lhe uma cobertura, uma caracterização que é mais consonante com aquilo que qualifiquei como norma de suspeição do que como norma de garantia.
Por outro lado, o que o PSD quer não é adiar a regionalização, não é impedir a sua realização, mas, sim, fazer uma regionalização consciente. Aquilo que nós não admitimos é que a regionalização que venha a ser feita seja contrária à vontade expressa das populações locais a nível municipal.
Portanto, esta é a raiz essencial da nossa posição perante a regionalização.
Não temos receio que existam líderes regionais. Só temos pena que os líderes regionais não sejam de outros partidos. Por acaso, os dois líderes regionais em causa são do PSD. Tenho pena, porque as condições são iguais para todos, inclusivamente para o PRD. Podia haver um líder regional nos Açores do PRD ou do PCP. Só que ambos são do PSD, o que só nos enobrece e dignifica. Isto significa que a população da Madeira e a dos Açores têm substancial confiança nesses líderes, identificam-se totalmente com eles. É assim que eles conseguem ser líderes regionais, não por via antidemocrática, mas sim por via democrática. É isso que, na verdade, aflige muita gente. A nós só nos dá motivo de orgulho.
O Sr. António Vitorino (PS): - Temos de fazer a experiência de trocar os líderes, ou seja, mandar o Dr. Alberto João Jardim para os Açores e o Dr. Mota Amaral para a Madeira, para ver o que é que dá.
Risos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Sr. Presidente, a proposta do PRD assenta em duas ou três ideias fundamentais.
A primeira é a de deixar e distinguir criação em abstracto e instituição em concreto. È que criar em abstracto para depois não se fazer algo de concreto não é, salvo o devido respeito, nada - mas é criar. Portanto, trata-se de distinguir as regiões que podem ser criadas da instituição efectiva das mesmas. As regiões só serão criadas quando forem, efectivamente, instituídas.
O PRD adopta aqui uma solução que não pressupõe a simultaneidade. Reserva para a lei a definição das regiões que podem ser criadas e as respectivas circunscrições, isto é, as correspondentes áreas territoriais.
Adopta uma solução que não implica a simultaneidade. Nesta solução o PRD não deixou de ter em conta a crítica ao princípio da simultaneidade que foi feita na campanha eleitoral, em que o PRD participou, do Dr. Salgado Zenha.
Finalmente, o PRD não define o processo de instituição concreta, ou seja, se é por lei ou se é de uma outra forma. Remete essa matéria para a lei que preveja a criação das regiões.
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Devo dizer que, pessoalmente, não sou um adepto entusiasta da regionalização. Reconheço que há vantagens, designadamente a de introduzir um certo equilíbrio...
O Sr. Presidente: - Já existe, Sr. Deputado.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Falo a título meramente pessoal porque, como sabem, o meu partido tem disso um feroz defensor da criação de regiões. Pessoalmente, tenho bastante reservas, mas reconheço que há vantagens. Designadamente penso que é importante haver um certo equilíbrio em relação às regiões autónomas para que estas não propendam uma posição periférica e centrífuga.
Em relação ao n.° 4 da proposta do PCP gostaria de dizer o seguinte: não vejo razão nenhuma para a hostilidade que esta proposta está a ter. Imaginemos a seguinte hipótese: a lei prevê a criação da região do Algarve. Se a maioria das assembleias municipais algarvias, que representam grande parte da população, disser que quer criar a região do Algarve, a que título é que o Governo ou o legislador se pode opor à sua criação?
No nosso projecto remetemos essa matéria para a lei, mas a ideia subjacente ao meu espírito é a seguinte: desde que se admita a criação de uma determinada região, manifestada que seja por uma forma ou outra a vontade dos residentes da região e desde que ela vá no sentido da sua constituição, a região cria-se mesmo. Caso contrário, andamos a brincar. Neste aspecto não vejo razão nenhuma para a hostilidade que a proposta do PCP está a ter.
No que diz respeito ao princípio da simultaneidade, gostaria de dizer o seguinte: o PRD abandonou esse princípio devido à razão que referi. Haveria uma certa vantagem em ver, à partida, funcionar uma ou duas regiões. No entanto, não deixo de reconhecer que se formos criando regiões aos bocados, o retalhar final do território poderá ser qualquer coisa de infernal.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, penso que poderíamos passar ao artigo seguinte.
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, ficaram a pairar no ar as perguntas feitas pelo Sr. Deputado Alberto Martins, o que é injusto.
Vozes.
Vou responder-lhes. Sou contra aterragens forçadas. Normalmente, dão maus resultados.
Em matéria de regionalização creio que este debate fica sem saldo, isto é, sem conclusão. Talvez isso não seja mau porque permitirá aprofundar, ulteriormente, a reflexão e acertar linhas de decisão. Permitirá que possamos discutir com aqueles que mais se têm empenhado nó processo de regionalização alguns dos aspectos que foram aqui suscitados.
Recordo que, por deliberação aprovada por unanimidade no Plenário da Assembleia da República no passado dia 17 de Maio, foi realizada uma consulta pública sobre os projectos de regionalização pendentes neste momento no Parlamento, consulta essa que deverá estar concluída até 30 de Novembro, com vista a que a comissão competente elabore e apresente ao Plenário um relatório de síntese até 31 de Dezembro do corrente ano. Que este requerimento tenha sido aprovado por unanimidade e que a consulta esteja em curso não nos parece despojado de conclusões e de implicações.
Em todo o caso, quanto ao esquema a adoptar, creio que a não se ir para qualquer flexibilização como aquela que propomos, com esta ou aquela variante, cessam a partir daqui todos os atalhos hermenêuticos que durante anos enredaram a reflexão e o debate político sobre a regionalização. O nosso debate corrobora que mesmo no próprio quadro do dispositivo vigente é possível adoptar as medidas impulsionadoras da regionalização desde que para tal haja vontade política que permita, sem discriminações, avançar nesse processo. A solução proposta pelo PCP, que é confessamente flexibilizadora, não conduz àquele resultado que o Alberto Martins há pouco enunciou, não produz diferenciações excessivas entre regiões. Repare-se: ninguém pode sustentar a identidade absoluta de regimes para os estatutos da regiões. A Constituição foi razoavelmente sensata nessa matéria. Admite no n.° 1 que a lei possa estabelecer diferenciações para o regime aplicável a cada região. De resto, o esquema regional da Constituição e da definição de regiões é extremamente híbrido, é alguma coisa que só se definirá verdadeiramente no terreno. Ele está apontado como qualquer coisa que está entre o alemão, o italiano e o francês e, não sendo nenhum deles, é uma coisa diferente. Só será verdadeiramente diferente quando começar a ser aplicado em todas as suas dimensões. Tem indefinições propositadas, tem elementos de hibridez, uns que foram desejados e outros que são resultado de um ajustamento de projectos muito diferentes entre os partidos que foram a matriz desta solução constitucional. Portanto, a ideia da diferenciação é uma ideia de garantia, que implica uma homenagem à realidade e que impede forçosamente que se queira meter no mesmo exacto sapato realidades regionais que podem ser diferentes.
Nós mantemos essa ideia da possível diferenciação, que, no entanto, não pode ser discriminação, não pode conduzir à criação de regiões de primeira e de segunda. A diferenciação constitucional admissível é a diferenciação na igualdade, é a diferenciação sem lesão de prerrogativas e de direitos estatutários básicos. É uma adequação! Não é uma instituição de categorias. Era este aspecto que gostaria de sublinhar face à interrogação do Sr. Deputado Alberto Martins, que é perfeitamente pertinente. Recusamo-nos a fazer qualquer leitura não diferenciadora mas discriminatória.
Quanto às questões decorrentes do n.° 4, devo dizer que não posso adiantar, em termos de resposta, mais do que aquilo que já disse. A solução actual visa que na instituição concreta não haja discriminações. A solução actualmente constante do n.° 3 não é, ela própria, garantia quanto à discriminação. O que é garantia contra a discriminação na actual solução constitucional é o princípio da criação simultânea. No diploma de criação simultânea é também preciso fazer as delimitações. Aquilo que se trata de efectivar na instituição concreta é tão-só que aquilo que é delimitado se aplique, se cumpra, passe à realidade. E passe à realidade com o exacto desenho e recorte que resulte da lei.
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Segundo alguns dos Srs. Deputados, isso pode criar "dificuldades inextricáveis". Porquê? O PCP, por exemplo, dividiu o seu projecto de lei de regionalização em dois segmentos, duas partes completamente diferentes - de resto, em homenagem as conclusões do debate já feito até agora. De um lado equacionámos a questão organizativa, as atribuições de competência, o financiamento, etc., e do outro lado a questão da delimitação. É em torno desta última questão que se podem suscitar as maiores dificuldades. Portanto, há que avançar para consensos graduais, o mais alargados que seja possível. Há que trinchar, em primeiro lugar, as questões mais simples e deixar só para depois as mais difíceis.
Como é evidente, quando se chegar ao momento da delimitação as opções têm de ser feitas. Aí, a questão importante é que as opções sejam feitas em condições tais que não permitam discriminação. Se a cláusula de salvaguarda é a nossa ou é outra, parece-me secundário.
Em todo o caso, o saldo geral deste debate não é para nós excessivamente satisfatório e deixa-nos razoáveis preocupações. Devo confessar que esmerávamos mais em termos de clarificação e melhor em termos de apuramento de soluções.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 257.°, em relação ao qual há uma proposta do PS, que reforça as competências das regiões administrativas, na medida em que propõe que estas elaborem planos, e não apenas participem na sua elaboração.
Nos termos da nossa proposta, as regiões também participam na elaboração e na execução do Plano nacional. Por outro lado, estabelece-se que a competência de coordenação e de apoio à acção dos municípios - o que me parece uma redução do significado da actual autonomia dos municípios - se faça "no respeito da autonomia destes e sem limitações dos respectivos poderes".
Há também uma proposta do PSD, que me parece redutora, na medida em que elimina a competência quanto ao plano regional. De resto, não tem uma alteração de fundo superior a esta em relação à redacção actual da Constituição.
A nossa proposta justifica-se por si. Há uma tentativa de reforçar e clarificar as competências das regiões administrativas. Em meu entender, é isso que constitui uma das dificuldades da criação das regiões administrativas, porque ninguém fez ainda um ensaio para ver em concreto quais devem ser essas competências. Nunca se foi além da participação e na coordenação e apoio à acção dos municípios. Sinceramente, penso que é muito pouco. No entanto, como também está aqui "direcção de serviços públicos", a definição da competência das futuras regiões administrativas poderá ganhar algum significado.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, eliminámos essa parte do artigo porque o plano regional que é aqui referido não é propriamente um plano autárquico, não é um plano de região administrativa, mas é um plano estadual e que está fundamentalmente integrado no plano nacional, competindo a sua execução e elaboração aos órgãos estaduais próprios.
Isto decorre fundamentalmente da ausência de referência que aqui fazemos à intervenção das regiões administrativas. E evidente que as regiões administrativas, dentro da sua actividade de coordenação e apoio à acção dos municípios, e de acordo com os vários instrumentos de planeamento municipal e regional, que, nesta altura, são instituídos e consagrados, já têm ao nível da lei ordinária perfeita intervenção.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, é importante clarificar esta explicação do Sr. Deputado Carlos Encarnação. É que a proposta do PSD ou é extremamente obscura ou então é de uma clareza assustadora. Só que é, mais uma vez, uma clareza amputadora.
A primeira pergunta é a seguinte: em certas intervenções governamentais, designadamente do Ministro do Planeamento e da Administração do Território, o processo de regionalização é encarado de pernas para o ar. Em vez de se considerar a regionalização como um pressuposto básico estrutural do desenvolvimento regional encara-se o processo de desenvolvimento impulsionado a partir do centro como condição da regionalização. Nessa óptica, surge desvalorizada a importância do planeamento regional e, por outro lado, a participação das regiões no planeamento nacional. De resto, o que se está a passar em relação ao PRD é a melhor prova disso. O PRD é hoje um instrumento burocrático, confeccionado centralmente, ungido e baptizado por viagens aos Estados Unidos da América, às casas de alguns ilustres nóbeis, para aí ser objecto de apreciação académica, científica e para retornar à terra-mãe, para ir directamente a Bruxelas. Há tudo, só falta que, pelo meio, de forma organizada, os municípios dêem a palavra que têm a dar! É a concepção mais centralizada e mais despojante de prerrogativas autárquicas que é possível ter para um instrumento que, "por acaso", é uma matriz fundamental para a definição, por exemplo; das verbas a atribuir a Portugal ao abrigo de determinados fundos comunitários!
Esta concepção levada ao extremo torna bastante clara a amputação proposta pelo PSD. Só que o Sr. Deputado Carlos Encarnação, não tendo sido muito claro, parece que diz o contrário. Assim sendo, tudo o que daqui se tira continua afinal de contas aqui, porque "tudo está compreendido, ainda que deixe de estar explícito". É uma hermenêutica com escassos fundamentos e escassas possibilidades de vingar! Está demasiado patente todo o discurso envolvente e todos os antecedentes.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Daí que a sua pergunta concreta fosse...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Daí que a minha pergunta concreta seja: qual é a objecção do PSD a uma proposta como a que foi apresentada pelo PS nesta matéria? Porquê obliterar o que está na Constituição, quando o que se imporia até seria dar-lhe um toque aperfeiçoador?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
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O Sr. Alberto Martins (PS): - Gostaria de fazer uma primeira pergunta: o Sr. Deputado entende ou não que a elaboração e execução do plano regional colide com o artigo 290.° na parte em que ele se refere à autonomia das autarquias locais? E, seguidamente, V. Exa. entende ou não que a eliminação deste preceito pode pôr em causa, nalguma medida, o princípio em questão?
Finalmente: a doutrina predominante encaminha-se no sentido de que este plano é um plano estadual para a circunscrição regional, articulando-o ao artigo 95.°, embora não seja pacífica em absoluto essa leitura. Creio que há um artigo acerca das articulações entre as regiões, da autoria do presidente da Comissão de Coordenação da Região Centro, Lopes Porto, que aponta num sentido distinto, considerando, de forma pouco definitiva, a ambiguidade deste preceito.
Assim, porque não dilucidar o preceito nos dois planos que o PS aponta, ou seja, participação no plano estadual - não pode deixar de ser outra coisa - e elaboração de planos regionais, sendo certo que em lei orgânica e no projecto de lei do PSD na altura da discussão da matéria da regionalização a ideia de planos de desenvolvimento regional foi apontada. Creio que dessa forma seria resolvida esta dificuldade quanto ao artigo 290.°
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado, a resposta é relativamente simples. Ó Sr. Deputado Costa Andrade estava agora a recordar-me, e muito bem, aquilo que dizemos no artigo 91.°-A. Aliás, já há pouco tinha referido isso: a nossa posição deriva fundamentalmente da nossa óptica quanto ao plano. O que vem referido no artigo 257.° são planos de natureza estadual. Portanto, eles prendem-se com uma organização da economia e da planificação com a qual não concordamos e, como é evidente, a decorrência dessa não concordância verifica-se em vários artigos, desde logo no artigo 91.°-A, quando falámos nos planos de desenvolvimento regional, e ela tem obviamente que ter aqui guarida na alteração que propomos ao artigo 257.°
O Sr. Deputado Alberto Martins pergunta: isto ofende a autonomia das autarquias locais? Pensamos que não, antes pelo contrário. O que pretendemos é planos de desenvolvimento regional elaborados pelas autarquias locais e pelas autarquias regionais.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Por isso começam por arredá-las da elaboração do PDR!!!
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado, isto não tem nada a ver com esse aspecto. Este é um plano estadual aplicado por força estadual às autarquias regionais e locais. É isso que estamos a contraditar neste artigo, e não p contrário. Desde o início que estou a dizer isso, Sr. Deputado.
O que pretendemos é que a elaboração dos planos, na medida em que eles sejam justificados e relevantes, pertença às autarquias locais e regionais. Como eu dizia há pouco ao Sr. Deputado José Magalhães, já há alguma legislação ordinária que reforça essa interpretação.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas os senhores não pretendem nenhuma consagração constitucional de tudo isso!
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não, Sr. Deputado. O que acontece é que, como toda a certeza, ao nível constitucional e naquilo que se reporta à aplicação do artigo 91.°-A nos planos de desenvolvimento em geral, se reportará uma ligação objectiva implícita em relação à colaboração1 que os municípios e que as autarquias regionais terão na sua elaboração e nos seu acompanhamento de execução.
Por outro lado, quanto à edificação ao nível dos normativos, da norma em concreto, pensamos que dependerá mais da legislação ordinária do que propriamente da norma constitucional. O Sr. Deputado José Magalhães perguntou-me, fundamentalmente, se não deveria ficar nada consagrado na Constituição. Porventura, as nossas propostas não são propostas acabadas e fechadas, e se entendermos que há aqui alguma falha relevante que possa ser interpretada como tal estaremos disponíveis para fazer as modificações necessárias.
Assim, o que me cumpre dizer nesta altura, e é aquilo que estou a fazer, é a justificação das nossas propostas na sua lógica intrínseca. E quando estamos a fazer apelo à remissão para a legislação ordinária é porque já há alguns exemplos de legislação ordinária que dão um corpo a este nosso pensamento, e entendemos que deverá continuar a haver. Esta é uma tendência perfeitamente natural.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador.)... artigo 91.°-A, e permito-me fazer este esclarecimento porque este aspecto não está impresso.
De qualquer modo, manifestámos a nossa abertura para incluirmos, numa norma correspondente ao teor da nossa proposta relativa ao n.° 3 do artigo 91.°-A, as regiões autónomas, as regiões administrativas...
O Sr. Presidente: - Aliás, essa é uma proposta nossa.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Exactamente. Quanto à parte do artigo 257.° atinente à proposta do PS de participação na elaboração e execução do plano feita a devida adaptação na nossa lógica (consagrando-se a expressão "dos planos"), ela fica consumida no artigo 91.°
O Sr. José Magalhães (PCP): - Permite-me que coloque uma interrogação?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Pensamos que o equívoco está precisamente aí, Sr. Deputado. E que como a noção que os Srs. Deputados do PSD de "planos de desenvolvimento" é precisamente a constante do vosso artigo 91.°-A (excepto se houve em relação à vossa leitura dessa matéria alguma evolução de que não tenhamos circunstancialmente conhecimento), isso não abrange planos de desenvolvimento regional no sentido em que o PS utiliza essa expressão.
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Aquilo de que se fala aqui são planos aprovados pela Assembleia da República. Ora, sucede que estes instrumentos mencionados no primeiro segmento da norma proposta pelo PS não são aprovados pela Assembleia da República. São outra realidade. Os aprovados pela Assembleia são os constantes do segundo segmento: "participaram na elaboração e execução do plano" (na noção dos artigos 91.° e seguintes).
Portanto, há um equívoco na vossa leitura desta matéria ou então o problema é outro, mais grave...
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não, Sr. Deputado, é que nós também considerámos nesse momento a elaboração de planos regionais.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Aprovados pelas próprias regiões?
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sim.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Com a possibilidade de haver consagração constitucional dentro do âmbito do artigo 9i.°-A.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, gostaria sucintamente de acrescentar uma reflexão à matéria em debate.
Um dos planos onde o fenómeno da regionalização administrativa do continente vai ter maiores repercussões é no domínio do Plano, isto é, da planificação económica. Obviamente que toda a estrutura do Plano, que até rotulámos como algo burocratizada, é uma estrutura pensada em função do plano nacional e da possibilidade de elaboração de planos regionais na óptica da participação das comissões coordenadoras regionais (CCR) e do papel das CCRs na elaboração desses planos. Nesse sentido, são planos regionais fruto de órgãos desconcentrados da administração central, que são as CCRs. Ainda nesse sentido, são esses órgãos da administração central que participam na elaboração do plano nacional, veiculando naturalmente as variáveis económicas e sociais de cada uma das regiões sobre que fazem incidir a sua própria actuação.
Essa é a situação actual, e é essa situação que inevitavelmente vai ser comprometida pelo processo de regionalização, onde há uma inversão de lógica, e onde toda a planificação terá que ter em linha de conta um impulso de baixo para cima por meio dos municípios e por meio das regiões administrativas, enquanto autarquias destinadas a assumir funções de coordenação e de apoio à acção dos municípios.
Ora, dentro dessa nova dinâmica que o planeamento económico vai sofrer em virtude de regionalização parece-me que não faz muito sentido eliminar a parte inicial deste artigo relativo às atribuições, na medida em que o projecto do PS nesse aspecto parece-nos lançar luz sobre as duas vertentes que em matéria de planificação são conferidas às futuras regiões administrativas.
Uma delas é a de participação na elaboração dos planos nacionais, e nesse sentido é um direito e simultaneamente uma atribuição que já consta dos artigos referentes ao Plano, designadamente do artigo 94.° Essa
é uma vertente; É a vertente que hoje já está consagrada na Constituição e que, em nosso entender, não deve ser de lá retirada. Mas, acrescenta-se uma nova vertente, que é a de elaboração de planos de desenvolvimento regional por parte das regiões administrativas. Estes são planos próprios e são elaborados na lógica das tarefas de coordenação e de apoio à acção dos municípios. Esta segunda vertente é que é um tiro no coração das comissões coordenadoras regionais, por que as funções que hoje são exercidas pelas CCRs na mera óptiva de órgãos desconcertados da Administração irão ser progressivamente assumidas pelas instâncias das regiões administrativas.
Portanto, não acrescentar esta vertente à lógica da definição das atribuições das regiões administrativas é quase o mesmo que dizer que, em matéria macroeconómica e macrossocial, as regiões administrativas têm boca, mas não têm dentadura postiça, muito menos dentes.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar à apreciação do artigo 257.°-A, que é muito simples.
O CDS propõe que as regiões administrativas participem, "por direito próprio e nos termos definidos por lei, nas receitas efectivas do Estado". Não sei se deveremos adoptar aqui a mesma expressão "receitas efectivas", ou a expressão "impostos directos", como acontece para os municípios. No entanto, o actual artigo 255.° já refere "os municípios participam [...] nas receitas provenientes dos impostos directos". Ternos depois que articular a linguagem.
De qualquer modo, o PS vê com alguma simpatia a consagração de um princípio como este, até porque se está consagrado para os municípios, por maioria de razão também deve estar para as regiões. Eu, que não simpatizo com o termo regiões, penso que devo simpatizar com a lógica, e ela recomenda a aprovação desta proposta do CDS.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O artigo 240.°, relativo a património e finanças locais, pode eventualmente ser a sede própria para equacionar tudo isto em termos gerias. É uma das soluções. A actual solução constitucional não deveria ser eliminada, como é óbvio. A ser aperfeiçoada, a sua sede tanto pode ser este artigo, através de um aditamento, como um hipotético n.° 4 do artigo 240.°
O PCP tem uma proposta nesse sentido, mas ela - já vimos quando debatemos este aspecto - pode e deve ser aperfeiçoada. Deve definir-se mais rigorosamente em que é que se especifica e traduz esse direito de participação. Isto sobretudo porque "receitas do Estado" são um conceito muito lato, e nessa matéria o lato nem sempre é o mais positivo. Talvez seja melhor ser menos lato e mais rigoroso, coisas para a qual poderíamos naturalmente trabalhar, e talvez a boa sede legislativa seja realmente a dos princípios gerais.
Em todo o caso, Sr. Presidente, esta não é uma questão essencial. O que é essencial e que se consiga uma solução positiva nessa matéria.
O Sr. Presidente: - Está de acordo, Sr. Deputado Carlos Encarnação?
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O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, é evidente que às regiões como tal também deve ser consignada a sua participação nas receitas do Estado. A forma de fazer isto, de transpor isto para o normativo, poderá ser discutível, e em sede de redacção poderá ser encontrada uma fórmula, esta ou outra, que documente aquilo que é pretendido.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, poderíamos dar por discutido o artigo 258.°, na medida em que a argumentação apresentada é em tudo paralela à que já foi feita a propósito do conselho municipal.
Portanto, se concordassem, daríamos por encerrada a discussão, com a inteira resignação do Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Congratulamo-nos se o resultado do debate for positivo, embora eu e o meu camarada José Manuel Mendes tenhamos trocado impressões acerca da vantagem de remeter o debate dessa matéria para depois do intervalo regimental.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está suspensa a reunião.
Eram 13 horas.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está reaberta a reunião.
Eram 16 horas.
O Sr. Presidente: - Quanto ao artigo 258.°, parece que o Sr. Deputado José Magalhães pretendia ainda dizer mais alguma coisa relativamente à extinção do conselho regional e em relação a tudo o que já referiu no que respeito à extinção do conselho municipal.
Pausa.
Srs. Deputados, vamos retomar os trabalhos. Em relação ao artigo 258.°, há duas propostas apresentadas, uma do PS e outra do PSD, coincidentes na extinção do conselho regional.
O Sr. Deputado José Magalhães manifestou a intenção de dizer ainda alguma coisa sobre o assunto, para além da discussão que já travámos acerca do conselho municipal, relativamente ao qual há um certo, embora não total, paralelismo, como é óbvio.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de observar que nesta matéria as razões extintivas apresentadas pelo PS e pelo PSD foram abundantemente examinadas ontem.
Apenas me resta a dúvida introduzida neste ponto pelo Sr. Deputado Jorge Lacão, que, com pertinência, se pode aplicar também a esta autarquia de nível superior. Por outras palavras, imagina o PS as regiões sem participação popular? Imagina o PS as estruturas orgânicas das regiões desligadas da intervenção popular e da participação das associações populares? "Ainda estamos sós, PCP, nessa?" A resposta é sim, e gostamos de "estar nessa".
Mas, em que pé está o PS nesta matéria? Nesta matéria não pode o PS alegar o que ontem alegou.
Apenas pode alegar que no seu projecto de regiões do futuro não está abrangida esta forma de intervenção das populações. Estarão outras!
O grande problema é que se VV. Exas. não arranjam aqui uma cláusula que legitime, que institucionalize e que dê cobertura a essa participação, ela só poderá ter lugar oniricamente. Ora, essa componente onírica aplicada às regiões não nos parece desejável. É bom que sonhemos as regiões dos próximos decénios, do próximo século, mas é mau que nesses sonhos não haja participação popular.
Sr. Presidente, não gostaria de deixar de emitir este juízo no momento em que discutimos o regime jurídico das regiões administrativas.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, como deve ter reparado, propomos para a assembleia regional uma composição em que a participação popular está democraticamente garantida. É constituída por representantes eleitos directamente por cidadãos recenseados na respectiva área. O executivo sai do legislativo, e não creio que se fosse falar em ausência de representação popular.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Falei em participação, Sr. Presidente, não em representação. Representativos seremos todos!
O Sr. Presidente: - A representação é também uma forma de participação, talvez a mais eficaz.
De qualquer modo, entendemos que o paralelismo entre os dois órgãos é total, e que se não se justifica num caso, também não se justifica no outro. Este é o nosso ponto de vista, mas respeitamos o ponto de vista contrário, como é óbvio.
Quanto ao artigo 259.° ("assembleia regional"), o CDS apresenta uma proposta do seguinte teor: "[...] além de membros eleitos pelas assembleias municipais, representantes eleitos por sufrágio directo dos cidadãos eleitores residentes na área da região, segundo o sistema de representação proporcional". Já é referida no n.° 2 do artigo 241.° a expressão "para todas as assembleias ou artarquias", mas o CDS já explicou por que é que a repete caso a caso.
Ò PS propõe, como já disse, uma assembleia constituída apenas por representantes directamente eleitos, por nos parecer que a actual composição é, de algum modo, complicada e distorce a genuinidade da representação. Nem está expresso de forma muito clara no texto da Constituição como é que os representantes das assembleias municipais, em número não inferior ao daqueles, serão eleitos. Se é num segundo momento, qual é o colégio eleitoral dessa eleição, etc.
Por tudo isso, entendemos que a representação directa, tanto mais que se trata de um governo de assembleia - se é possível utilizar esta expressão -, reforça a legitimação da assembleia.
O PSD propõe a expressão "entre si" no actual articulado, a qual não consta desse preceito constitucional. Propõe a expressão "[...] eleitos entre si pelos presidentes das assembleias municipais [...]" e, portanto, apenas pelos presidentes, e não pelas próprias assembleias, o que reduz a representatividade e afasta, de
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algum modo, a possibilidade de haver eleitos pelas maiorias. O PSD diz ainda num n.° 2, proposto para o referido artigo, que "a lei definirá o número de representantes de cada assembleia regional, cujo número total de membros não poderá exceder um quinto do número dos deputados".
Srs. Deputados, estas são as propostas apresentadas. O CDS não se encontra presente para justificar a sua. E o PS dá a sua por justificada - a justificação é óbvia. O PSD quererá fazer o favor de justificar a sua?
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade, para a justificação da proposta do PSD.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - A nossa proposta é igualmente óbvia, e fala por si: ou se aceita ou não se aceita.
Por um lado, entendemos que a Constituição deve, à partida, marcar limites máximos à composição da assembleia regional, razão pela qual dizemos que o número total de membros não pode exceder um quinto do número de Deputados. Em nossa opinião, as assembleias devem ter alguma funcionalidade e não alargadas excessivamente, o que pelo menos numa certa fase pode redundar num certo desprestígio das próprias assembleias. Assim, há que fazer das assembeias órgãos não excessivamente extensos que dificilmente realizem quóruns, dificilmente funcionem. É esta a justificação, do nosso ponto de vista, para o n.° 2.
Quanto ao n.° 1, entendemos manter o espírito da Constituição vigente: uma composição dupla, uma dupla legitimidade. De um lado, a legitimidade dos eleitos directamente pelos recenseados no local; do outro, a legitimidade de membros já com assento nas assembleia municipais, que é já uma legitimidade derivada, de segundo grau.
Circunscrever o universo eleitoral, nessa parte, aos presidentes das assembleias municipais podia quanto a nós, ter algumas vantagens, visto tratar-se de pessoas já particularmente qualificadas no que toca à sua representatividade, uma vez que os membros eleitos nesta componente têm a legitimidade que lhes advém de pertencerem já às assembleias municipais.
De todo o modo, apesar de entendermos que as nossas propostas melhorariam o texto constitucional, não será, porém, necessário travar uma grande guerra por estas transformações.
O Sr. Presidente: - Mas não acha que há aqui uma dupla redução da representatividade? Primeiro, deixam de ser as assembleias a eleger e passam a ser os presidentes; depois têm de ser eleitos de entre os próprios presidentes; e depois o n.° 2 fala em "representantes de cada assembleia regional", o que não é exacto, pela razão simples de que só alguns serão eleitos, e não todos - nem todas as assembleias terão representantes, isto é, serão aquelas que tiverem -, tanto mais que eles não podem ir além de um quinto. Assim sendo, parece-me que, para não irem além de um quinto, era preciso que os directamente eleitos fossem em número tão elevado que pudessem estar todos representados. Portanto, duas reduções de representatividade: são os presidentes a eleger, e não as assembleias, são os presidentes a ser eleitos; em terceiro lugar, algumas assembleias têm de ficar de fora. Parece-nos que há aqui uma
distorção muito grande. Não vemos bem o porquê desta proposta. A nossa proposta parece-nos mais clara e mais simples. Tem a vantagem de não ter distorção nenhuma. Até porque, saindo da assembleia o governo, nós temos que conferir à assembleia a máxima representatividade democrática e isso só se assegura através da eleição directa de todos os seus membros. Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Creio que importa ainda ouvir o PSD acerca da proposta que nos submete à apreciação pára o artigo 259.° Ela consagra um verdadeiro sistema misto e, como já foi dito, através de uma indicação presidencialista e da diminuição do número dos deputados, visa reduzir a composição das assembleias regionais. Por outro lado, no n.° 2, aplica-lhe segunda dose da poção emagrecedora da representatividade dos partidos políticos, nova dose do elixir antiminorias e, através da cláusula de um quinto aqui estabelecida, diminui, de forma ainda mais drástica, aquela que é a composição das assembleias.
Gostaria de ouvir o PSD sobre isto, ou seja: teve em conta exactamente considerações do tipo daquelas que acabo de expender para fazer a proposta que faz? E objectivo do PSD aquele que digo que é? O PSD está fechado a alterar aquilo que, de raiz, se nos afigura negativo na sua proposta?
O Sr. Deputado Costa Andrade deveria ser um pouco mais explícito quanto à razão de ser das normas que vêm sugeridas e também quanto a sua (dele, PSD) metodologia para viabilizá-las no debate em curso!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Pretendia apenas, no seguimento de algumas intervenções já feitas, dar aqui um testemunho do que foi uma conversa tida muito recentemente na subcomissão, criada nesta Comissão, para audição de entidades que aqui se dirigissem. Ontem, efectivamente, tivemos uma reunião com o Movimento Regional do Algarve, que, enfim, é o que é, tem os seus estatutos, as suas propostas e o seu interesse específico e próprio, visto tratar-se de um movimento de uma região que estará mais facilmente delimitada para efeitos de se poder encetar o processo concreto da regionalização. Logo no início dessa troca de impressões, uma das primeiras reivindicações (se assim lhe podemos chamar) desse Movimento, que pretende a implantação das regiões, designadamente da região do Algarve, foi precisamente a de que só haverá democracia e processo democrático pleno na feitura e no processo decisório e de escolha dos representantes para as assembleias regionais se não houver mistura de um processo democrático directo, como é a escolha dos representantes eleitos directamente pelos cidadãos da área da região, com processos menos claros que, ao fim e ao cabo, vão reflectir, na assembleia regional, muitas das distorções, de ordem partidária e não só - já aqui levantadas - existentes nos órgãos autárquicos menores, designadamente no município.
É, pois, com alguma perplexidade que vemos o PSD fazer esta proposta, para mais, com esta alteração, que ainda piora a situação, no sentido de pretender a eleição, já não pelas assembleias municipais - o que ainda
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teria algum viso de um processo de eleição, apesar de tudo, mais pegado às "bases" -, mas pelos presidentes das assembleias municipais. Isto distorce ainda mais esse processo de escolha democrática das assembleias. Parece que estamos aqui entre dois fogos: um fogo corporativista, que pretende manter os conselhos ou que, não sendo um fogo corporativista, tem saudades da Rate Republik, da República dos Conselhos (talvez seja isso, é uma das dúvidas que tenho, mas o PCP saberá esclarecer, na altura própria), e o do PSD, que pretende, ao fim e ao cabo, uma distorção completa do processo democrático de eleição dos representantes para as assembleias regionais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - A minha resposta é extremamentes simples, pois a nossa proposta é óbvia nos seus termos. Nós propomos a manutenção do sistema actual, ou seja, a conjugação de uma dupla vertente na constituição da assembleia regional, que integra membros eleitos directamente e pelos cidadãos recenceados na área em número superior aos eleitos indirectamente. Dado que, do nosso ponto de vista, deve haver uma limitação do número absoluto de membros da assembleia regional, a lógica da representatividade, que preside e dá legitimidade à outra vertente da composição da assembleia regional, seria, em nosso entender, melhor servida se circunscrita aos presidentes das assembleias municipais. Não podemos, naturalmente, coonestar as críticas de que o privilégio concedido aos presidentes das assembleias municipais releve de ideias de menos rigor democrático. É esta a nossa proposta. Há outras propostas, mas nós não podemos fazer outra coisa senão apresentar a nossa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Dado o teor um tanto ou quanto radical com que o Sr. Deputado Vera Jardim se pronunciou sobre a nossa proposta, queria fazer-lhe uma só pergunta. Primeiro: se o Sr. Deputado entende que o carácter misto que a Constituição já assinala à assembleia municipal (não me refiro à regional) tem também esta estrutura corporativa que o PSD apresenta na sua proposta. E, a ter que concluir que sim, por que é que o PS não propôs nenhuma alteração ao artigo 251.°? É que há, de facto, aqui um carácter misto que se desvia do teor puramente proporcional, na medida em que a assembleia municipal é constituída não só pelos membros eleitos pelo colégio eleitoral do município como também pelos presidentes das juntas de freguesia. Se isto não é o aproximar daquilo que o Sr. Deputado, de modo hiperbólico, classifica de corporativismo ou estrutura não directamente representativa, e se é assim tão chocante que um partido venha apresentar para a assembleia regional uma estrutura de composição idêntica ou paralela à da assembleia municipal ou pelo menos cujos mecanismos de formação passam por um esquema paralelo ao da assembleia municipal.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ferreira de Campos, para fazer também perguntas ao Sr. Deputado Vera Jardim.
O Sr. Ferreira de Campos (PSD): - A minha pergunta dirige-se não só ao Sr. Deputado Vera Jardim como também ao Sr. Deputado Almeida Santos, porque, em parte, as suas intervenções foram coincidentes.
E, em abono daquilo que foi dito pelos meus companheiros Costa Andrade e Assunção Esteves, perguntaria se esta intervenção das assembleias municipais, quer na forma actual quer essencialmente na forma proposta pelo PSD, não se compatibiliza com o dispositivo do artigo 257.°, que atribui às regiões tarefas de coordenação e apoio a acções dos municípios; se a intervenção das assembleias municipais na eleição das assembleias regionais não será mais compatível e mais consentânea com essa atribuição prevista no artigo 257.°, quer na forma actual, quer na proposta feita pelo PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Sra. Deputada Assunção Esteves, quando acusei alguém do corporativismo não foi o PSD. O que eu disse é que estávamos aqui entre dois fogos: entre uma noção corporativa, que é a do PCP, partido que pretende ouvir todos os interesses corporativos da região (e já o quer também no município), e a proposta do PSD, que não é corporativa, mas sim enviezante do processo democrático, que é diferente e não tem paralelo (salvo o devido respeito) com a situação do município. Como sabe, a situação da freguesia e do município é naturalmente muito diversa não só, como é óbvio quanto ao âmbito, mas também aos interesses em jogo e à proximidade das populações em relação à freguesia. É assim, por exemplo, que se compreende que, no nosso sistema, não se admitam candidaturas que não sejam sustentadas por partidos no sistema eleitoral para a Assembleia da República, mas se faça uma excepção no que toca à freguesia. Porquê? Porque se admite que, ao nível da freguesia, a célula mais pequena do nosso sistema autárquico, sejam os interesses dos vizinhos ou dos cidadãos da freguesia que se possam unificar à volta de forças não partidárias. Assim, não se me afigura uma má solução, dado o diferente teor, o diferente âmbito das coisas, a muito maior proximidade que há entre as freguesias e os municípios. Por outro lado, a proximidade até dos interesses dos cidadãos das freguesias, dos vizinhos das freguesias, não me parece que tenha qualquer paralelo com as relações que se estabelecem entre a assembleia regional e os municípios e, ainda por cima, com os presidentes das assembleias municipais. Sabido como é que, aí sim (nos municípios), a luta partidária sobreleva muitas vezes (digamo-lo com toda a franqueza) até aos interesses mais directos dos cidadãos. Não é este o caso nas freguesias, em que as coisas são de teor diverso. Parece-me, portanto, que não há um paralelismo, como a Sra. Deputada pretende. Continuo a pensar que a solução que o PSD propõe para a assembleia regional é má e que a solução proposta para a assembleia municipal já se aceita porque o âmbito e as características dos interesses em
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jogo, a maior proximidade dos cidadãos entre si na freguesia em relação ao município, pode justificar uma solução que não me parece que seja má. Outras poderia haver, mas aqui não me parece que o erro seja de consequências tão gravosas como pode ser em matéria de assembleia regional. Repito: a acusação de corporativismo não se refere (neste sentido) a VV. Exas.
O Sr. Presidente: - Complementando, na parte que me diz respeito, a explicação que deu o meu camarada Vera Jardim, queria dizer o seguinte: há urna outra diferença fundamental. É que, nas regiões, nós temos um governo de assembleia, não o temos nos municípios. O município é directamente eleito, é legitimado por eleição directa. Portanto, nós temos que reforçar a legitimidade da assembleia, para que, através dela, o próprio executivo surja legitimado por eleição popular. Essa é a principal razão, em meu entender, pela qual deveremos reforçar ao máximo a representatividade democrática da assembleia. Por outro lado, compreendo que o paralelismo invocado pelo Sr. Deputado Ferreira Campos possa existir em relação aos municípios, em relação aos executivos, não em relação aos legislativos, porque a coordenação é dos executivos, não é das assembleias. O que é coordenado pelas regiões é a actividade dos executivos. Como sabe, a assembleia municipal tem muito poucas funções. Eu compreenderia melhor que, apesar de tudo, lá estivessem os presidentes das câmaras, nunca alguns presidentes de algumas assembleias. Se lá estivessem representantes eleitos pelas assembleias, era uma segunda linha de legitimidade. Agora, presidentes de assembleias de entre si eleitos - é distorcer -, é aditar a um órgão que tem base proporcional um complemento não proporcional, porque são sempre as maiorias que elegem o presidente. O paralelismo não é tão grande como parece' à primeira vista. Em nosso entender, além das razões do meu camarada Vera Jardim, há esta: a de ser uma assembleia de que sai o executivo. Não acontece isso nos municípios.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio que este debate é de extrema utilidade. As razões de apresentação da proposta do PSD eram tudo menos evidentes e as razões da proposta do PS inquietantes. O Sr. Presidente acaba de reforçar essas inquietações ao taxar de "redutoras de legitimidade democrática" as soluções que, neste momento, a Constituição prevê no que diz respeito à composição da assembleia regional.
O Sr. Presidente: - É uma segunda linha de legitimação, portanto é sempre redutor.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Deputado Almeida Santos. É que a solução contida na Constituição, neste ponto, é realmente uma solução excepcional em termos do regime de formação das outras assembleias políticas constitucionalmente previstas. Mas, o que deve levar a pensar é a razão que a tal levou.
O Sr. Presidente: - Chamo a sua atenção para que, na redacção actual, nem sequer são eleitos de entre si - pode ser o "José Joaquim", eleito pela assembleia.
Como é que é possível negar que é uma segunda ordem de legitimidade! É um colégio eleitoral muito mais reduzido - foi, ele sim, eleito directamente - mas não é uma eleição directa. Pode ser "José Joaquim", eleito pela assembleia, que é um colégio eleitoral composto de maiorias. A soma de maiorias dá maioria e, portanto, não tenha dúvidas nenhumas que é uma distorção. Enquanto que na eleição directa, há uma legitimação directa também, como é óbvio. É o reforço dos partidos mais votados. Nós entendemos que a regra anterior era mais saudável, neste capítulo. Até estranhamos um pouco que V. Exa. não esteja a coincidir connosco.
O Sr. Vera Jardim (PS): - De que tem medo o PCP?
O Sr. Presidente: - Admite a excepção. A regra é esta.
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - "Quem tem medo de Virgínia Woolf"? Ninguém!
A questão, Sr. Deputado Almeida Santos, é que nós não propusemos nenhuma alteração nesta matéria e não estávamos, nesta sede, a fazer verberações. Estávamos a tentar perceber qual é a lógica subjacente às propostas dos diversos partidos, sobretudo porque se referem a uma orgânica que não está ensaiada. Tem, assim, a dupla dificuldade de não estar ensaiada, E o todo de não estar ensaiada traz-lhe uma vantagem, é que não estamos motivados por nenhum preconceito decorrente de experiências traumáticas. Há uma geral virgindade nesta matéria e há também a possibilidade de fazermos raciocínios sobre qual é o melhor sistema.
O desafio que o PS coloca é o de saber se este sistema, que a Constituição ensejou na sua versão originária, não pode conduzir a um afunilamento na representação, uma vez que, por exemplo, lendo o projecto do PS de regionalização verifica-se, na base XIII, que o PS opta pelo seguinte sistema: haveria um membro eleito por cada assembleia municipal da área respectiva em condições que depois o n.° 2 especifica. É assim uma obediência à solução constitucional. Trata-se agora de alterar a solução constitucional. É óbvio que essa démarche é possível, é incensurável em si mesma. A ideia de haver um elemento eleito por cada assembleia tem, naturalmente, um inconveniente, que é aquele que o Sr. Deputado Almeida Santos agora aqui exprimiu. No entanto, eu pergunto-lhe: o resultado a que chega pelo sufrágio não é esse? A não ser que os Srs. Deputados imaginem uma pluralidade de representantes.
O Sr. Presidente: - Eu respondo-lhe. É que, tal como na assembleia municipal, também aqui os membros designados pelas assembleias municipais não são representantes dos municípios. Também aqui a composição mista implica, embora em menor grau, na assembleia municipal um restrição à representação proporcional e um esforço do partido mais votado na região.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É evidente que sim!
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O Sr. Presidente: - Também melhor fora. Acabo de ler os comentadores Vital Moreira e Canotilho e esperava que o Sr. Deputado dissesse que sim.
O Sr. José Magalhães (PCP): - De resto, não é propriamente o "coelho tirado do chapéu", porque todos podem ler essa douta anotação, a p. 412 da obra citada...
O Sr. Presidente: - Não tenho a menor dúvida de que a sua concordância veio daí e de que inicialmente estava a discordar.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Deputado Almeida Santos. Aliás, basta passar para trás o filme, e V. Exa., se o passar em câmara lenta, verá agora, mais descansadamente, qual o tipo de raciocínio feito. Primeiro, perguntei-lhe qual era a razão que levava o PS a não adoptar aqui uma solução semelhante à que defendeu, apaixonadamente, a propósito das assembleias municipais. Lembra-se, por certo, que nas assembleias municipais fui eu quem defendeu apaixonadamente o combate às distorções da representação proporcional. E ficámos muito contentes quando o resultado final foi conjunto, comum...
O Sr. Presidente: - Também não tenho conhecimento de nenhuma proposta paralela à nossa. Se alguém a fizesse estaríamos dispostos a considerá-la, ninguém a fez por alguma razão foi. São realidades diferentes e acabámos de evidenciar isso mesmo.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Do que se trata de fazer a demonstração, e não a mera repetição, é a diferença das realidades. E porquê? Porque a preocupação - permita-me V. Exa. que utilize um metro diferente - nesta matéria e o que é preciso demonstrar é: que resultados é que se potenciam com uma solução não mista? V. Exa. encaminhou-se para demonstrar que se potenciaria uma representação proporcional menos distorcida e portanto mais proporcional. E é evidente que se se passar de um sistema misto para um sistema puro aumenta a representação proporcional. É óbvio. Essa conta toda a gente é capaz de fazer, não é preciso sacar nenhuma análise apurada para chegar a essa conclusão.
Tenho pena que os dois doutos comentadores, que citou, não sejam confrontados com este texto e com estas propostas de alteração neste preciso momento, porque o que nos interessaria mais seria conhecer a sua anotação ao texto em gestação que não ao texto actual. O que é preciso saber é: o que se perde com essa solução? Perde-se uma coisa...
O Sr. Presidente: - Se está interessado, ao contrário do que é habitual em si, em promover o reforço do partido mais votado, tem a solução nas mãos...
Risos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Grave e emocionante responsabilidade, Sr. Deputado Almeida Santos! Acaba V. Exa. de me colocar perante o chamado dilema fatal, face ao qual o meu coração deve hesitar, palpitar, para depois se decidir num impulso final. Vou decidir!
Risos.
O Sr. António Vitorino (PS): - Talvez o Alentejo valha isso, sabe-se lá!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Acho, Sr. Deputado Almeida Santos, que devemos ponderar todos...
O Sr. Presidente: - Também acho, também acho.
O Sr. José Magalhães (PCP): -... a outra componente, para depois decidir, como é óbvio. Sendo importante, como V. Exa. exaltou e bem, que aqueles municípios tenham um papel impostergável e fundamental no processo regionalizador (o processo ou se fará com os municípios ou pura e simplesmente não se fará, contra eles como é evidente), não é razoável que esses elementos sejam chamados a ter intervenção no processo de formação da própria assembleia regional? É essa a questão.
O Sr. Presidente: - Espero que mude de opinião, se não lá vai o PCP votar com o PSD essa proposta.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas quem é que disse, Sr. Deputado Almeida Santos, que o PCP vota a proposta do PSD? Porventura não são VV. Exas. que reúnem secretamente com o PSD?!
O Sr. Presidente: - Estou a provocá-lo, e pelos vistos também se deixa provocar de vez em quando.
Risos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Para haver alguma provocação tem que haver um flanco!
Não, Sr. Deputado Almeida Santos, não há, da nossa parte, nenhuma inclinação para votar a proposta do PSD, porque esta reduz, essa sim, em vários graus, a representação, desde logo de certas assembleias e por outro lado presidencializa, o que é nefasto a todos os títulos. Se nós podemos compreender qual é a lógica da actual solução constitucional e podemos entender que ela tem uma preocupação, que é respeitável - não postergar os municípios -, a proposta do PSD tem uma lógica que é inaceitável a todos os títulos, distorcendo o distorcido, ainda que o distorcido seja menos distorcido do que o distorcido das assembleias municipais. Embora seja hermética, a verdade é esta, como os Srs. Deputados sabem.
Portanto não vemos, nesta matéria, razão senão para considerar, atentamente, qual possa ser a vantagem introduzida por um sistema do tipo daquela que é preconizado pelo PS. Temos, no entanto, esta preocupação de não deixar, a qualquer título, que os municípios sejam arredados de um órgão que, como até V. Exa. sublinhou, tem muita importância para a formação do executivo regional. Estas preocupações devem ser particularmente tidas em consideração, dadas as funções próprias destas assembleias.
É esta a nossa apreciação em primeira leitura, sem prejuízo do aperfeiçoamento e das conclusões, que não extraí.
O Sr. Presidente: - Sobre o artigo 261.°, ou seja, sobre a composição do defunto conselho regional, penso que, aqui sim, podemos dar por reproduzidas as considerações que fizemos quanto à composição paralela do conselho municipal. Se estiverem de acordo,
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passamos ao artigo 262.°, para o qual há apenas o seguinte: a nossa proposta para o 299. °-A, que penso deveríamos discutir aqui, dada a sua conexão com a matéria das regiões administrativas.
Pausa.
Aliás, o PCP tem também uma proposta nesse sentido - artigo n, disposições finais e transitórias: "A Assembleia da República aprovará dentro dos prazos previstos [...] a) No prazo de 90 dias [...] regime geral de regionalização do continente [...].
A proposta do PS para o artigo 299. °-A estipula: "A Assembleia da República aprovará, no prazo de um ano a contar da entrada em vigor da lei de revisão da Constituição, a lei de criação abstracta das regiões administrativas". Os prazos diferem: 90 dias e um ano. O PS é mais explícito, falamos mesmo na lei de criação abstracta. Ó PCP não podia falar, uma vez que não faz a distinção entre a criação abstracta e a concreta. O PS dá por justificada a sua proposta, na medida em que já nos debruçámos sobre o assunto anteriormente. O nosso ponto de vista é o de que isto é a prova real sobre se estamos ou não empenhados na criação das regiões administrativas. Naturalmente que, se não cumprimos este dispositivo, entraremos claramente em inconstitucionalidade por omissão, com todas as consequências que daí decorrem.
Quer o PCP fazer alguma justificação adicional?
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - A lógica é clara, é a mesma e...
O Sr. Presidente: - Os prazos são diferentes, no entanto podem harmonizar-se.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio que a questão do prazo é, apesar de tudo, secundária, embora não gostássemos de colocar isso nas calendas. Nas calendas está o processo neste momento.
O Sr. Presidente: - Só gostaríamos de saber a opinião do PSD sobre isto e se está em condições de se pronunciar neste momento. Se não estiver, poderá fazê-lo noutra oportunidade.
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva.
O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Em relação a estas duas propostas que, respectivamente, o PS apresenta no artigo 299.°-A e que o PCP apresenta como artigo u, alínea a), em disposições finais e transitoriais, e sem querer marcar, aqui e agora, a posição de fundo do PSD em relação a esta matéria, o que se nos afigura é o seguinte: há um ponto que não queríamos deixar de salientar, que é o de não vermos com grande justificação a necessidade de inscrevermos na Constituição, de forma pré-datada, o agenciamento na Assembleia da República de diplomas sejam eles quais forem e desde logo o diploma de criação das regiões administrativas. Não quer isto significar, como é evidente, discordância do PSD em relação à criação das regiões e também à questão da discussão aprofundada desta matéria.
O que o PSD quer dizer é que, porventura, e esta é a conclusão, numa análise rápida que fizemos agora, não fará muito sentido, ou não faz muito sentido, para o PSD inscrever na Constituição uma disposição deste género com um prazo tal qual está previsto nestes dois projectos. É esta a posição que queremos tomar agora em relação a estes dois artigos, sem prejuízo, como é evidente, de, em altura que julgarmos oportuna, podermos analisar mais substancialmente estes dois normativos.
O Sr. Presidente: - Queria chamar a atenção do Sr. Deputado para o aspecto seguinte.
A fixação de um prazo para o cumprimento de leis estruturais é regra da nossa Constituição. Há prazos na Constituição originária; uns cumpridos, outros não, mas a maioria deles cumprida. Por outro lado, devo dizer-lhe isto. Não deite fora a circunstância de estarmos há doze anos sem cumprirmos essa obrigação constitucional.
O problema é que também há doze anos que toda a gente, e não estou a distinguir nenhum governo, todos os governos, todos os primeiros-ministros, todos os líderes partidários sem nenhuma excepção disseram: "Nós queremos as regiões." Todos prometeram. E as campanhas são feitas e os resultados eleitorais são conseguidos através dessas promessas. Depois, quando chega a fase da concretização, cada um procura fugir, com aquilo que todos sabemos, à seringa, nunca diz o contrário do que disse, mas também não cumpre. E eu, que sou contra as regiões, sempre tive essa coragem, mesmo contra a opinião do meu partido, que é maioritariamente favorável às regiões, tenho a liberdade de poder tomar uma posição contra a do meu partido, apesar disso entendo que eu próprio, se amanhã estivesse em posição de ter a responsabilidade de criar ou não criar, tinha de o fazer. E disse-o, não por morrer de amor por elas, mas porque acho uma indignidade estarmos há doze anos a prometer e estarmos em pecado de omissão constitucional. Porque, quando a Constituição diz: "haverá as seguintes autarquias: freguesias, municípios, regiões", continuamos com um pé no ar, porque não há regiões nem se quer que haja. Toda a gente fala nisso, mas na realidade ninguém as quer. Ou então não querem enfrentar as dificuldades, que são algumas.
Qual era a maneira? Era criarmos, para nós próprios, a obrigação de as fazermos dentro de um determinado prazo, e aí não havia dúvidas nenhumas, pois assumíamos o compromisso de, em dois anos, um ano, instituir, em abstracto, as regiões. Era um critério pacificador. Teríamos forçosamente de nos entender. Neste momento nem é preciso forçar o entendimento porque o PSD tem a maioria absoluta e pode aprovar a lei que quiser. Nós diremos qual é o nosso ponto de vista; o PSD sobrepõe-se ao nosso ponto de vista e cria as regiões que quiser.
O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de referir mais dois aspectos em relação a esta matéria.
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De facto, continuamos a afirmar que não tomamos nesta sede uma posição quanto à substância da proposta apresentada quer pelo PS, quer pelo PCP, nomeadamente porque não sabemos se esses prazos são ou não razoáveis, para além de passarmos por cima da objecção que coloquei de sabermos se deve ou não ficar inscrito na Constituição. É evidente que a especificidade própria do processo, que conduzirá à criação das regiões administrativas no continente, depende da visão de cada um e de cada partido em relação a esta própria matéria.
Pergunto, por exemplo, e é só para problematizar esta matéria, se será conveniente, quer politicamente, quer em sede de produção legislativa, que medeie um grande espaço entre a aprovação de uma lei que, em abstracto, crie as regiões administrativas e a sua instituição em concreto.
O Sr. Presidente: - Isso não está em causa, Sr. Deputado!
O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Estou só a problematizar esta questão, de molde a ver se há ou não problemas adicionais, mas também adjacentes, em relação a esta questão fundamental que é colocada pelas propostas do PS e do PCP.
No entanto, a questão não é de maioria conjuntural relativamente a esta matéria - e isto afirmamo-lo claramente -, ou seja, não é uma questão do PSD a da criação das regiões administrativas no Pais. Trata-se, antes, de uma questão que respeita a todo o País e, obviamente, por maioria de razão a todos os partidos representados na Assembleia da República.
O Sr. Presidente: - Não costuma ser essa a vossa argumentação! A vossa argumentação é que respeita a todo o País, mas a maioria é a maioria!
O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Sim, Sr. Presidente, a maioria é a maioria! Porém, em relação à questão da instituição das regiões administrativas sempre tivemos os pontos de vista que são conhecidos e as cautelas devidas, como aliás o PS - faça-se essa justiça -, num processo que é politicamente delicado, moroso e exige uma grande concentração em termos do País. Portanto, é nestes pressupostos que continuamos a discutir a instituição, em abstracto, das regiões administrativas.
Finalmente, devo dizer que a posição de fundo em substância ficará diferida para mais tarde, pelo que não adiantarei mais nada.
O Sr. Presidente: - Há, porém, uma coisa relativamente à qual o PSD não se livra, ou seja, se não vier a concordar com a consagração desta proposta, vai ter de dizer no Parlamento se concorda ou não que dentro daquele ou daqueloutro prazo assume o compromisso moral perante o País de fazer as regiões. E diga-se que nunca elas puderam ser tão fáceis como agora, pois VV. Exas. dispõem de maioria absoluta e as inerentes responsabilidades. Tomem em conta as opiniões da oposição, pois é a vossa obrigação! Estar há quatro anos no Governo a prometer as regiões e não as fazer é perfeitamente inconcebível! Se são defensores das regiões têm de as fazer! Se, ao invés, são opositores, adoptem a minha atitude de dizer em toda a parte
que sou contra elas, que não gosto delas e que elas vão criar mais problemas do que aqueles que resolvem. Aliás, até, talvez, hoje seja menos impopular do que era ha alguns anos atrás. Todavia, não é possível manter esta situação. Não há nada que impeça que, neste momento, não cumpram esta reforma estrutural por excelência. O Sr. Primeiro-Ministro enche a boca com as reformas estruturais, mas tem diante de si uma por excelência, se acaso concorda com ela! Se não concorda, então que diga!
Além disso, se não querem ver a norma transitória ínsita na Constituição digam, então, que não a querem, mas obriguem-se perante o País como se ela existisse. A questão de ela se referir a um ou a dois anos é o que menos importa. Peco-lhes que desculpem, mas não vamos deixar ficar isso na indefinição.
Se, entretanto, assumirem no Parlamento o compromisso moral perante o País de dizerem que não aceitam essa limitação na Constituição, assumam, contudo, o compromisso de fazer as regiões no prazo de um ou um ano e meio. Aliás, digo-lhes que isto para mim é igual, desde que seja dito com toda a ênfase pelo Sr. Primeiro-Ministro no Parlamento que não aceita a norma transitória, porque não é precisa. E di-lo-á porque tem a maioria que lhe permite criar uma lei quando quiser e, portanto, assumirá o compromisso moral de... Pessoalmente, serve-me isso!
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Desculpe interrompê-lo, Sr. Presidente, mas creio que as coisas não se poderão colocar com a facilidade com que V. Exa. as está a colocar.
Em primeiro lugar, o PSD sempre se manifestou no sentido da regionalização. Contudo, a sua posição é de manifesta oposição contra a criação de regiões em virtude do conjunto de dificuldades que esse processo trará.
O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado, as dificuldades sempre foram superáveis, mas agora em absoluto porque VV. Exas. estão em maioria.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Desculpe, Sr. Presidente, mas V. Exa. não pode reduzir isso a uma vontade conjuntural de uma maioria, como já disse o meu colega Miguel Macedo e Silva. Não é isso, de facto, que está em causa.
O Sr. Presidente: - VV. Exas. é que argumentam sempre assim!
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - V. Exa. sabe que o PSD sempre se manifestou a favor da regionalização. Entretanto, o que dissemos foi que não estaríamos na disposição de fazer uma regionalização a galope! Preferimos fazê-la com alguma lentidão mas com segurança e com a garantia de que não vamos criar um clima, porventura, de tensões latentes, susceptível de provocar uma série de conflitos ao longo do País. V. Exa. sabe que é um processo extremamente complexo, que noutros países, como, por exemplo, na França e na Itália, levou muitos anos a implementar; e nem sempre as experiências foram as mais frutuosas. Gostaríamos, pois, de ter a certeza de que o processo de regionalização em Portugal poderá, pelo menos, tirar proveito das experiências mais ou menos
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conseguidas noutros países, de molde a utilizar aquilo que foi positivo e evitar o que se revelou negativo. Isso não se compadece com a opinião de V. Exa., quando diz: "Qual é o problema? Remeteremos isto para uma lei ordinária ou, pelo menos, para uma lei não constitucional. Portanto, como VV. Exas. têm uma maioria absoluta, farão a lei que muito bem entenderem, o que, no fundo, equivale à regionalização que bem entenderem."
Ora, como disse o meu colega - e muito bem -, a regionalização é um problema nacional, e talvez um dos mais importantes, que vai alterar substancialmente a estrutura administrativa do País. Daí as nossas cautelas...
O Sr. Presidente: - Também a reforma fiscal e agrária são estruturais!
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): -... e a nossa ênfase de que todas as preocupações serão poucas neste processo.
O Sr. Presidente: - Julguei que o vosso entusiasmo era filho da certeza de que as vantagens superavam as desvantagens! Contudo, vejo que não! VV. Exas. ainda vão estudar o caso estrangeiro, mas eu já o fiz! Filio as minhas reservas em certezas e não em suposições! Vou contra a regionalização por razões muito concretas! Entretanto, julguei que VV. Exas. eram a favor por razões também fundadas e que já tinham estudado as experiências estrangeiras!
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Temos, de facto, razões fundadas e acreditamos na regionalização. Pensamos, aliás, que elas são positivas. Simplesmente, há algumas dificuldades a ultrapassar, a fim de que as consequências sejam, como pretendemos, mais benéficas do que nefastas.
O Sr. Presidente: - Têm de assumir no Plenário da Assembleia da República a responsabilidade de dizerem que precisam de mais tempo para estudar o processo e chegar a conclusões definitivas.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Presidente, creio que a matéria suscita todo o discurso periférico e, em alguma medida, o legitima.
Do mesmo modo, afigura-se-me inteiramente líquido que se há domínio em que um prazo não seja uma questão meramente adjectiva é este.
De facto, institui-se uma obrigação de f acere para todos nós, e com essa obrigação e com essa decisão havida assume-se o compromisso político de pôr termo a alguma coisa que não aproveita a ninguém e que doze anos volvidos sobre a Constituição é, a todas as luzes, muito mau que continue a existir. Refiro-me a um clima de exaltadas afirmações em favor da regionalização nas enunciações quotidianas do fait divers político, mas de completa inacção no terreno jurídico e, pior do que isso, em muitas circunstâncias de clara obstrução. Não vale a pena negá-lo, pois houve claras obstruções ao processo de regionalização. Já hoje de manhã tive oportunidade de dizer aquilo que é uma evidência para todos nós: a falta de vontade política tem determinado que, passado todo este tempo, nos situemos ainda na estaca zero.
O Sr. Deputado Cardoso Ferreira aludiu, há bocado, à circunstância de se não pretender "ir a galope" fazer a regionalização. Para além do argumento histórico que vale o que vale - e é bastante -, o que acontece é que nem sequer se tem andado a passo de caracol. De facto, tem-se estado inteiramente parado, a ludibriar expectativas, a defraudar os anseios das populações e, sobretudo, a enovelar, de uma forma perfeitamente intolerável, o discurso político em torno daquilo que não passa de uma pura mistificação retórica.
Ora, completam-se este ano 100 anos sobre a edição de Os Maios. Aconselharia, por isso, os Srs. Deputados do PSD a ler as inesquecíveis páginas do Eça de Queirós a propósito da regionalização ou de alguma coisa de parecido com aquilo que isso é e a tirarem daí as convenientes ilações. De facto, tudo o que é diferir, dilacionar (para não se sabe quando), o que tem de se efectuar e deve ser feito por consenso nacional e com alto sentido de Estado no imediato o que gera é a anemia e, a prazo, a catástrofe. Portanto, o problema que nos está colocado é, a todas as luzes, de extrema relevância.
Entendemos, assim, que o simples compromisso verbal de, num prazo de um, um ano e meio ou dois anos, se proceder à regionalização, seja ela feita pelo Prof. Cavaco Silva ou por quem quer que seja em nome do PSD, não basta. Não tem, de forma nenhuma, o mesmo vínculo jurídico que um prazo inscrito na Constituição em sede de normas transitórias. Como já pudemos comprovar até ao presente, não tem sequer a legitimá-lo e a aboná-lo a circunstância de ser inteiramente credível no terreno político. Quando propomos 90 dias não estamos a sugerir uma fórmula completamente acabada, ou seja, o alfa e o ómega, de modo a dizermos: "é esse prazo e mais nenhum". É óbvio que estamos disponíveis para discutir se hão-de ser estes dias ou mais. Porém, o que não podemos é deixar passar em claro a afirmação do PSD, segundo a qual isto não tem dignidade constitucional. Lembro, entretanto, que as constituições estão cheias de prazos deste género. Verificou-se isso na Constituição Portuguesa de 1976 e, aliás, todas as redacções originárias das constituições nascidas de rupturas revolucionárias estão cheias de prazos deste género. As revisões das constituições em toda a parte do mundo têm prazos deste tipo. Assim sendo, o que é que para o PSD tem dignidade constitucional? Será que é apenas a abolição das nacionalizações? Da reforma agrária? Ou há coisas que não têm dignidade constitucional segundo as conveniências e outras que a têm segundo as mesmas conveniências, que, de resto, são bastantes obscuras?
Devo agora dizer que, não obstante a ênfase colocada nas afirmações, se me afigura, de todo em todo, inaceitável uma postura do género de dizer: "em todo o momento consideraremos se por lei ordinária se fará ou não fará". O PCP com algum empenho defenderá a consignação de um prazo na Constituição, seja ele qual for, desde que razoável, porque é evidente que nos oporemos a um prazo que seja, por exemplo, de dez anos. Seria a completa desvergonha! Entendemos, pois, que um prazo razoável e credível deve passar a constar da Constituição.
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Suscitávamos, então, junto do PSD, uma vez mais, a questão. Aproveitando uma frase final proferida há momentos pelo Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva, lembrarei que foi dito que o PSD "não está inteiramente fechado à adopção de um prazo em sede constitucional" e que "está nisto de boa fé". Sugiro que VV. Exa. *5 reconsiderem todo o problema e digam, com muito maior seriedade, aquilo que vos aprouver nesta sede.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, vou intervir ainda sobre o problema de se consagrar um prazo na Constituição para a criação de uma lei sobre regionalização.
Ora, o problema dos prazos começa por ser um problema evidente, dado o facto de o PCP e o PS, ao proporem este agendamento, referirem prazos totalmente diferentes. De um lado, temos um prazo de um ano e, do outro lado, um mais curto de 90 dias. Isto começa logo por demonstrar com evidência que a ideia de razoabilidade para a criação de uma lei geral sobre regionalização em relação a esse prazo é subjectiva. Quer isto dizer o seguinte: enquanto o PS entende que um ano é um prazo atendível, o PCP considera que 90 dias é suficiente.
Ora, a questão que se coloca da necessidade de consagração constitucional ou não de um prazo para a criação da lei da regionalização deve passar por uma análise breve da possibilidade, na hipótese de não figurar na Constituição nenhuma fixação de prazo, de essa lei ficar, assim, com uma existência inviabilizada. Entendo que não por várias razões: em primeiro lugar, existe a iniciativa legislativa dos deputados que, a todo o momento, podem apresentar à Assembleia da República projectos de lei que permitam criar a lei respectiva; em segundo lugar, o próprio Regimento consagra o direito de agendamento e, ainda em conjugação com um preceito constitucional sobre os processos urgentes, parece-me que há um leque de exposições que permite a qualquer partido que a sua iniciativa legislativa veja conseguido o seu resultado cifrado na criação da lei respectiva.
Portanto, o problema que se pode colocar nesta sede é saber se é necessário um prazo. Penso que não, pois a lei pode aparecer sem criação constitucional de um prazo. De facto, tanto a lei ordinária como o Regimento ou a Constituição dão espaço suficiente para que as iniciativas legislativas logrem chegar ao seu fim.
Quanto à criação dos prazos, vê-se que o problema reside logo no entendimento sobre a ideia de prazo razoável, pois enquanto que um partido julga que três meses é suficiente, o outro aponta de modo redundante o prazo de um ano.
Assim, no entendimento do PSD, e sem nos esquivarmos ao enfrentamento da necessidade de criação de uma lei sobre regiões, não há necessidade de criação de um prazo constitucional, porque entendo até que a proliferação de prazos marcados na Constituição pode redundar num certo atestado de menoridade ao poder legislativo ordinário, que ele não precisa de receber. Julgo que há, de facto, mecanismos que cheguem para que a lei apareça, e dentro do prazo desejado, por parte das pessoas que assentam na necessidade da sua urgência sem que, para isso, tenhamos de debater primeiramente a questão do prazo e seguidamente a de saber qual o prazo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, devo dizer que vários partidos, nomeadamente o PS, manifestaram na última legislatura, e já durante esta sessão legislativa, uma enorme preocupação e interesse à volta da regionalização. Mas, como disse a minha colega Maria da Assunção Esteves, não utilizaram minimamente a possibilidade que o Regimento lhes confere de, através de um mecanismo de direito de agendamento, precipitar essa questão no bom sentido. Assim, a intervenção do Sr. Deputado José Manuel Mendes só pode ser entendida como assumindo a sua parte de autocrítica por o não ter feito.
De facto, não é necessário constitucionalizar prazos para que a regionalização avance na Assembleia da República. Ao invés, já era possível, e continua a sê-lo para quem tem capacidade legislativa, apresentar os projectos e recorrer à faculdade de, através do direito de agendamento, avançar com uma discussão desse género.
Portanto, não conseguimos compreender como é que o Sr. Deputado José Manuel Mendes vem dizer-nos que há doze anos andamos a falar em regionalização. É evidente que isto toca a todos os partidos, mas, partindo isso da sua boca, parecer-me-á que V. Exa. terá de assumir também a sua quota-parte de responsabilidade pelo facto de não termos há mais tempo avançado com o processo de regionalização.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Mendes.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Sr. Deputado Cardoso Ferreira, devo dizer-lhe em termos muito sumários que o PCP nunca foi maioria. Se, ao invés, ele tivesse sido maioria na Assembleia da República, asseguro-lhe, e tenho legitimidade para dizer isto, que, neste momento, o País estava regionalizado! De facto, o PCP deu provas até este momento, e continuaremos a prestá-las no futuro, não apenas da assunção em toda sua plenitude do discurso em torno da regionalização mas do cometimento dos actos práticos necessários para isso!
O Sr. Deputado invoca a circunstância do não agendamento. Como V. Exa. sabe, o agendamento nas ordens para debate na Assembleia da República faz-se medindo os custos políticos de uma também eventual derrota. Os agendamentos não foram suscitados porque havia acordos indiciados, que o PSD - valha a verdade - não cumpriu algumas vezes, segundo os quais, uma vez concluídos determinados processos de apresentação de projectos de lei, subiriam a Plenário para uma apreciação e uma votação que fosse responsável. Estava exactamente a lembrar-me daquilo que o meu camarada José Magalhães acaba agora mesmo de me meter debaixo dos olhos, ou seja, o PSD já nos
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acusou do contrário. De facto, aquilo que é novo na acusação do PSD é o que o Sr. Deputado Cardoso Ferreira está a fazer, porque aquilo que aconteceu até ao presente é a acusação de que o PCP "saiu cedo de mais" e "pugnámos demasiado" pela regionalização.
Tenho comigo uma citação proferida no hemiciclo pelo Sr. Deputado Manuel Moreira, do PSD, que, ainda por cima, tem responsabilidades na matéria. Ela é a seguinte: "Não foi séria - penso eu -, muito pelo contrário, a apresentação às assembleias municipais em 1986 do projecto de lei para emissão de parecer do PCP. Faltavam os projectos dos outros partidos, naturalmente fundamentais para se poder aferir qual era a vontade das assembleias municipais, cumprindo-se, assim, a própria disposição constitucional que obriga à auscultação dessas assembleias municipais. Por isso, penso que o PCP, ao contrário do que disse o Sr. Deputado, não prestou um bom serviço a este processo de regionalização, a começar naturalmente pela sua própria formulação que tinha no seu projecto anterior."
Acontece, porém, que outros deputados do PSD disseram, na circunstância, coisa ligeiramente diferente, ou seja, que o PCP não deveria, em circunstância alguma, ter sequer apresentado o seu projecto de lei. Isto foi dito, está escrito! O PSD tem-nos acusado exactamente do contrário, de andarmos com alguma vivacidade em todo este procedimento. O contrário é que não é verdadeiro!
Mas interrompa, que eu depois concluirei.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Isso é quase verdade, mas não é toda a verdade! O que nós dissemos em relação ao PCP foi que ele quereria, porventura, dar passos mais largos e mais rápidos do que seria prudente fazer. E lembrar-se-á que a polémica em torno dessa questão, na comissão que foi criada para a regionalização na legislatura anterior, foi essencialmente a questão da geografia. Havia grande polémica entre os projectos que apresentavam uma delimitação no terreno das regiões e outros projectos que se limitavam a discutir primeiro as atribuições e competências dos órgãos. O projecto do PS entendia dever partir-se de uma lei-base antes de se começar, digamos, a desenhar com o lápis as diferentes regiões. Essa foi a crítica que nós fizemos ao PCP, não foi a de ter apresentado o projecto!
Agora o que o Sr. Deputado começou por dizer na sua intervenção foi quase isto: "Nós ponderámos, sabíamos que não tínhamos maioria, porventura iríamos ver rejeitadas as nossas propostas, e retirámos pura e simplesmente." Chamo-lhe a atenção de que o PSD tinha uma maioria relativa na última legislatura e, portanto, era esse o momento ideal. VV. Exas. teriam nessa altura condições ideais para fazer uma regionalização mais no estão que legitimamente pensam dever ela assumir. Por isso, desculpe que lhe diga, mas esse argumento de que temporalmente não tinham a maioria é irrelevante, pois tinham de facto melhores condições, porque nós não tínhamos maioria absoluta.
O Sr. José Manuel Mendes (PCP): - Eu concluo então, Sr. Presidente, dizendo que o Sr. Deputado Cardoso Ferreira não nega aquilo que, aliás, é uma evidência, a nossa atenção ao problema, a nossa intervenção correcta em todas as instâncias, ao longo destes anos, em favor da regionalização, o nosso interesse em suscitar e viabilizar uma lei concreta, que não existe porque não houve vontade política, particularmente nas diferentes maiorias, e de entre elas, em especial, a do PSD.
Segunda questão: disse, e reitero, que nós medimos politicamente os agendamentos que fazemos, e não agendámos nunca para votação definitiva as questões em torno da regionalização, porque entendemos que em toda esta matéria importa ter um alto sentido de responsabilidade institucional, importa a cooperação entre todas as forças políticas, independentemente dos seus pontos de vista de fundo. Não nos afastámos um milímetro deste entendimento, o que não quer dizer que não tenhamos as nossas próprias opiniões e que não as tenhamos expendido de uma forma clara em todos os momentos.
O que se me afigura indiscutível é que, olhada a realidade, passados os anos que passaram, em sede de revisão constitucional, que é uma sede apropriada, devemos não apenas ter a coragem, porque é mais do que isso, mas ter a lucidez bastante para reconhecer que uma verdadeira obrigação de f acere se impõe e que as soluções avançadas nos projectos do PS e, particularmente, do PCP são viabilizadoras de um avanço significativo não apenas da intenção, mas sobretudo da eficácia da regionalização.
Nesse sentido milhamos, empenhamo-nos claramente para que na Constituição, em sede de norma transitória, fique consignado um prazo para aprovação da lei que instituirá em abstracto as regiões administrativas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Presidente, só para uma nota muito breve. Não posso deixar passar em claro a afirmação do Sr. Deputado José Manuel Mendes de que não houve vontade política do PSD. Tem havido, continua a haver e haverá sempre vontade política do PSD em proceder à regionalização. Não vou repetir tudo aquilo, que já há pouco disse, das cautelas e da prudência que é necessário utilizar em todo este processo, mas lembrar-lhe esse facto e enfatizar a nossa vontade e a nossa determinação em que se cumpra a regionalização. Naturalmente, Sr. Deputado, em relação à proposta concreta ou às propostas que estão em discussão, o que foi dito pelo meu colega da bancada Miguel Macedo foi que nós não estaríamos neste momento em condições de exprimir, fiel e rigorosamente, aquilo que seria a vontade do PSD. E por isso é legítimo pedirmos um adiamento, que será porventura de um dia, em relação a esta matéria; naturalmente nos pronunciaremos com maior legitimidade, depois de entre nós termos trocado algumas impressões sobre o assunto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Muito brevemente, para chamar a atenção para o seguinte: creio que este conjunto de disposições contidas na Constituição sobre as regiões corre o risco de continuar (foram já invocados aqui os doze anos) como letra morta no texto constitucional e transformar progressivamente numa norma
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semântica. E, por isso, parece-me que a solução dos prazos, o argumento apresentado à questão do prazo, já foi denegada pela própria bancada que a invocou, uma vez que é normal em termos de técnica legislativa subsumir as regras relativas aos prazos nas disposições transitórias, como é o caso.
Isso foi feito na versão originária da Constituição e há ainda normas desse tipo na actual. De qualquer forma, creio que o problema que se levanta aqui não é tanto uma questão de iniciativa legislativa tal como foi apontado, embora a norma invocada seja uma norma de criação abstracta das regiões administrativas, mas o da instituição concreta, de vontade política governamental, e portanto ainda na dependência organizatória do poder político existente. Não é possível sem uma vontade consolidada pelo poder político instituir as regiões. Portanto, neste sentido esta não é só uma questão normativa, é uma questão também institucional.
Pausa.
Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Permita-me só esta interrupção.
Foi nesse sentido que eu afirmei na minha segunda intervenção a propósito da proposta apresentada quer pelo PS quer pelo PCP que, problematizando a questão, havia outros pontos a considerar, nomeadamente se nós ponderávamos aqui se era ou não conveniente que houvesse uma grande dilação de tempo entre a instituição em abstracto das regiões administrativas através de lei aprovada na Assembleia da República e a sua efectivação no concreto. E julgo que estes pontos todos têm de ser levados em conta quando se pretende, como o PS e o PCP pretendem neste momento, inscrever na Constituição um prazo tal qual o fazem nas propostas que apresentam.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Eu agradeço-lhe, naturalmente tomei em boa nota a sua consideração de agora e de há bocado, e iria finalizar a minha intervenção lembrando, quanto a esta questão de prazos, aquilo que o próprio PSD diz no seu projecto de lei, quanto à lei-quadro das regiões administrativas, apresentado em 11 de Maio último, do qual leio um pequeno extracto que é a este título significativo: "A regionalização do País é reclamada pela urgência de atenuar os desequilíbrios sócio-económicos entre as suas diferentes áreas, e é esta a perspectiva que deve orientar o processo de criação das regiões." A "urgência de atenuar os desequilíbrios sócio-económicos"! E esta lógica de urgência, que é proclamada no pórtico deste projecto de lei, naturalmente que tem limites temporais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Presidente, eu iria intervir acerca deste assunto também, embora tenha apanhado o assunto a meio da discussão, ou melhor, no termo final da discussão, mas, de qualquer maneira, não queria deixar de expressar a minha opinião, que penso deverá ser a opinião do PSD em relação a esta matéria.
O PSD tem repetidamente, penso que não pode ser acusado de o não ter feito, tentado fazer avançar o processo de regionalização, já o disse há pouco, já houve governos liderados pelo PSD profundamente empenhados neste problema e na sua resolução, e penso que, talvez, de todos os partidos, será aquele que menos tem razões para ser acusado de pôr qualquer freio, qualquer travão, à realização deste processo.
Tem-se visto, Sr. Deputado, e tem muita razão em dizê-lo. É evidente que para fazer a regionalização é necessário um grande consenso nacional, não pode ser apenas um partido a executar esta tarefa. Quanto a nós, tem de haver de facto um grande consenso nacional a este respeito, e qualquer tentativa que seja feita no sentido de ultrapassar o consenso nacional que a este respeito se pretende estabelecer é uma tentativa que condena à frustração, condena ao desencanto das pessoas que estão sinceramente interessadas em fazer avançar o processo de regionalização, e, portanto, é um processo negativo por ele mesmo. É óbvio que nós somos também, do ponto de vista pessoal, inteiramente contra a sucessiva e permanente querela sobre as razões de ser, ou as razões de não ser, da regionalização. Já temos dito e escrito isso várias vezes, e também a nós não nos caberia nesta altura, nem estamos para isso, mudar de opinião.
Portanto, nós declaradamente, e eu pessoalmente sou a favor do processo de regionalização, tenho-o dito e repetido e sei que, do ponto de vista do PSD, isso se inscreve também nas suas máximas de actuação política; portanto, não tenho, do meu ponto de vista e daquilo que tenho reparado na intervenção do meu partido, qualquer razão de queixa, digamos assim, qualquer razão que me leve a imputar-lhe uma responsabilidade qualquer no atraso deste processo, pelo que estamos à vontade para falar sobre isto. E estamos à vontade para dizer que na verdade aquilo que se pretende agora fazer, colocando um prazo de 90 dias, ou colocando o prazo de 1 ano, é um remendo que não me parece que tenha grande sucesso, nem me parece que tenha grande justificação.
A questão de fazer o processo de regionalização, como disse, é um processo complexo, ao longo do tempo têm sido consultadas as pessoas, consultadas as instituições, têm sido emitidas opiniões a favor e contra, penso que se está a chegar nesta altura, não diria como disse há pouco o Sr. Deputado José Magalhães, que, aliás, seria um contrasenso dizer isso, na medida em que já ocupámos tanto do nosso tempo hoje a discutir este problema, que tudo estava dito, ou quase, acerca da regionalização, mas na verdade a maior parte das coisas poderá ser que, do ponto de vista teórico, estejam ditas, ou estejam reflectidas pelo menos. Restará fazer o resto, que é o mais importante, que é tentar fazer compreender ao País a essencialidade dessas intervenções teóricas sobre a regionalização e fazer que o País se interesse por esta mesma questão, e ele próprio colabore activamente no processo da consecução deste objectivo constitucional. Fixar um prazo para isto - 90 dias - é ridículo! Um ano é um prazo demasiado arriscado. Aquilo que eu disse há pouco e que consubstancia também...
O Sr. Presidente: - Nós não discutimos o tamanho do prazo.
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O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Claro! Nenhum...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas qual o tamanho de prazo que vos agrada? Prazo zero?! Entendem que nenhum prazo deva ser fixado?!
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Exactamente! Era isso que eu lhe queria dizer.
O Sr. José Magalhães (PCP): - E, portanto, a regionalização deve ser um facto futuro e incerto.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não, Sr. Deputado. É evidente que deve ser facto futuro e certo, para mim o mais rapidamente possível. Todavia, entendo que a essencialidade do problema recomenda que se avance com muita prudência nisto e que, em relação à regionalização, aquelas considerações que eu há pouco referi atras, e não obtiveram da vossa parte nenhum eco, que era a questão de dilucidar as competências. as atribuições e a capacidade financeira de todas as autarquias consideradas, penso que isso, sim, tem absoluta prioridade e urgência. E a partir daí, então, a questão da regionalização deve ser discutida.
Fazer num quadro geral, sem referências muito precisas, aquilo que deve ser a divisão do País em matéria de regionalização penso que é avançar a descoberto, digamos assim. E, portanto, para nós a ideia dos prazos é uma ideia que não deve ser considerada, que não deve ser aceite, e os prazos respectivos não devem ser considerados a nível constitucional. Isto não quer dizer que os partidos que inscrevem na Constituição preceitos como estes possam vir a dizer, de hoje para amanhã, que o PSD se opôs aos prazos que os partidos indicam, por não querer a regionalização.
Não é nada disso, não pode extrair-se daqui esse argumento, a nossa oposição não é no sentido de não se fazer a regionalização - e que isto fique bem explícito e bem claro! A nossa oposição é porque consideramos estes prazos não praticáveis, estes prazos não adequados em relação ao muito que há a fazer em termos legislativos, em termos de convencimento do País, em termos de buscar o consenso do País e de buscar a resposta do País para a construção da regionalização. Nós temos dito variadissímas vezes, e muitos outros partidos nos têm acompanhado nesta afirmação, que não queremos fazer a regionalização contra o País; gostaríamos que fosse o País a reclamá-la e é neste sentido, portanto, que entendemos a nossa posição quer perante a Constituição, quer perante a realidade concreta a que ela eventualmente alude neste processo complexo de construção.
O Sr. Presidente: - Mais algum dos Srs. Deputados quer usar da palavra sobre este tema?
Pausa.
Penso que está mais do que dilucidado; temos a posição do PSD, do PS e do PCP.
Vamos passar, portanto, ao capítulo V ("Organizações populares de base territorial"), que eu sugeria fosse discutido conjuntamente, na medida em que, quer em relação ao artigo 263.°, quer em relação aos artigos 264.° e 265.°, as propostas são de idêntico sentido.
O PS elimina a referência a "organizações populares de base", substituindo-a por "organizações de moradores residentes em área [...]", etc.
O PSD elimina-a. Isto acontece em relação aos três artigos. As razões por que o PS elimina a denominação é por lhe parecer estar ligada a ela alguma carga crítica, um desgaste que as organizações populares de base têm sofrido. E, quando se vai ver na Constituição o que são as organizações populares de base, verifica-se que são organizações de moradores com determinadas competências. É isso que lhes chamamos. Passamos a chamar-lhes aquilo que são "organizações de moradores", mantendo-lhes a composição e a competência. Parece-nos, assim, que é uma forma simples de respeitarmos o limite material de revisão constitucional, embora para futuras revisões eliminemos o limite material, que não nos parece ter dignidade bastante para continuar a figurar, para futuro, repetimos, no artigo 290.°
O PSD quererá dizer por que é que elimina e por que é que não respeita o limite material?
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva.
O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Em relação a este conjunto de propostas, o PSD entende que este capítulo v da Constituição deve ser todo eliminado. E deve ser todo eliminado tendo em conta também a proposta que fazemos para o artigo 290.° da Constituição, dos limites materiais à revisão constitucional, e, neste particular, concretamente a alínea j) do artigo 290.° É conhecida a nossa posição em relação à problemática do artigo 290.°. e nesse sentido apresentamos uma proposta alternativa. Mas em concreto, em relação a estes artigos, ao 263.°, 264.° e 265.° da Constituição, nós entendemos que não faz sentido hoje, porque a experiência assim o demonstra, que continuem a inscrever-se na Constituição. De facto, a pratica demonstrou que as organizações populares de base não têm correspondência com a realidade e, portanto, não têm hoje comprovadamente, do nosso ponto de vista, qualquer dignidade constitucional que permita sustentar a sua subsistência no texto constitucional. E, nesse sentido, propomos de forma coerente a sua eliminação e conjunto.
Se nos é permitido, diríamos que, em relação a esta matéria, faríamos um pequeno comentário às propostas do PS. Para dizer que, neste assunto, nos parece que o PS tem o coração num prato da balança e a razão no outro. Diríamos que pela razão o PS tenderia a estar de acordo connosco na eliminação destes artigos, mas pelo coração mantém, embora amputadas, algumas das suas disposições, alguns resquícios do texto original da Constituição, referente a estes três artigos. Nós não vemos grandes razões para isso e apelamos ao PS no sentido de, mais do que tudo, mais do que discutir a subsistência ou não destes três artigos na Constituição, avaliarmos da sua correspondência com a realidade e do seu real interesse em continuarem inscritos na Constituição.
O Sr. Presidente: - O apelo não pode deixar de ser recusado, porque o nosso coração está no cumprimento da Constituição, toda ela. E fazemos um apelo ao PSD
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para que, tal como nós respeitamos o artigo 290.° da Constituição, não o exclua do respeito que merece toda a Constituição. Apelo contra apelo, ponto final. Quem deseja usar da palavra?
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Eu ia dizer isso. Nós temos, obviamente, uma concepção diferente do que é o respeito pelos limites materiais. Mas, para além do mais, Sr. Deputado, eu também não percebo o que é que o PSD tem contra a nossa formulação, por exemplo, para o artigo 263.° Não me parece que seja um mal em si o facto de poder haver abaixo, em área inferior à da respectiva freguesia, participação das populações na vida administrativa local, com organizações de moradores. Isso teve, efectivamente, um certo sinal, um certo cunho, a certa altura do processo político português desde o 25 de Abril. Mas, como sabe (aliás, o PSD tem sido um acérrimo defensor disso), a chamada vivificação da sociedade civil passa muito, também, pela auto-organização de grupos, de moradores ou outros, para defesa dos seus próprios interesses; nem sempre passa pela estrutura rígida da freguesia, dos municípios, das regiões, enfim, por aí fora. Também não vemos que possa haver algum perigo para valores fundamentais do quadro actual constitucional, muito pelo contrário, em que possa ficar inserido, até com um aspecto pedagógico, que mais não seja, o facto de a Constituição as aceitar no seu seio e lhes dar alguma relevância - aquela que têm dentro destes artigos, e não é muita. Não se impõe nada, obviamente, mas, se existirem, e algumas existirão, até são capazes de existir muitas, sobretudo em determinados bairros dos grandes centros, afinal de contas, na prática, no quadro constitucional, elas apenas têm o direito de petição junto de órgãos - pouco mais têm, não está organizado, de momento, mais nada.
Não vejo que mal venha para a Constituição pelo facto de aceitar a possibilidade de serem constituídas estas organizações de moradores, tal qual como a Constituição e o PSD continuam a aceitar as comissões de trabalhadores - recordemos que as comissões de moradores e de trabalhadores eram os dois grandes tipos das chamadas organizações populares de base. Também sabemos que as comissões de trabalhadores estão hoje em crise; ainda há tempos, ouvimos números que diziam que não haveria mais do que algumas centenas, e poucas, de comissões de trabalhadores. No entanto, não me consta, salvo erro ou lapso, que o PSD tenha feito a proposta, nessa sede, de terminar com as comissões de trabalhadores.
Pensamos que - mais uma vez e só para terminar - não virá mal à Constituição que aí fique prevista a possibilidade de as populações se organizarem em pequenos núcleos de moradores.
O Sr. Presidente: - Em complementava esta resposta, V. Exa. não me leva a mal, com a seguinte indicação: a Constituição define direitos e competências. Os direitos são quase insignificativos, porque o direito de petição tem-no toda a gente; o de participação sem voto parece-me que o tem também toda a gente; mas há aqui uma outra competência que é importante: ao nível das freguesias, só quem não nasceu numa aldeia é que não sabe isso, é a de realizar as tarefas que a lei lhes confiar, ou que os órgãos de freguesia nelas designarem. Quantas vezes uma realização importante ao nível de uma freguesia não está ligada a um grupo de trabalho ou a uma comissão de moradores? Quantas vezes isso não acontece?! Cria-se uma comissão encarregada de requerer a barragem, limpar a floresta, eu sei lá! Mil coisas. Por que não? Em que é que isto ofende alguém? Dirão que não tem dignidade constitucional, podemos até estar de acordo com isso. Mas está cá com o vosso voto, primeira questão. Em segundo lugar constitui, com o vosso voto também, limite material de reserva. Vamos acabar com esse limite? Estamos de acordo, mas, enquanto não acabarmos, respeite-se. Quanto a isso, somos intransigentes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva.
O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Eu responderia rapidamente às questões que me colocaram em relação a estas propostas, dizendo o seguinte: o PSD já explicou por que é que está contra a subsistência na Constituição destes três artigos, os 263.°, 264.° e 265.° A questão tem a ver com a participação das populações, mas não exactamente nos termos em que o PS a coloca, porque, para nós, a participação das populações a todos os níveis não tem que se fazer desta forma só por estar inscrita no texto da Constituição, como o prova a realidade. A questão é essa e não deve ser desfocada como o faz o PS.
Para nós, a participação das populações não se deve fazer só e exclusivamente, por exemplo, através das estruturas autárquicas - isso é um facto, nós aceitamo-lo e dizemos aqui claramente: não é isso que está em causa. Mas não me parece que sejam relevantes os exemplos que o Sr. Presidente, Deputado Almeida Santos, apresentou para justificar a subsistência destes três artigos; que a assembleia de freguesia delibere constituir um grupo para limpar a floresta, muito bem! Mas o que eu pergunto é se uma estrutura destas, por exemplo (estou a pegar no exemplo que o Sr. Presidente deu), que tem um carácter eminentemente transitório, tem dignidade para figurar na Constituição. Não me parece e nós, PSD, sustentamos isto; por isso é que propomos a eliminação, pura e simples, destes três artigos.
Levanto ainda outra questão, que é esta: não lhe parece, Sr. Presidente, que consagrar constitucionalmente a existência das comissões de moradores - que, ainda por cima, são coisa diferente, como já vimos, das organizações populares de base...
O Sr. Presidente: - É a mesma coisa!
O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - É a mesma coisa, mas tem uma outra designação constitucional e pode levantar problemas adjacentes. Mas consagrar constitucionalmente a comissão de moradores, com existência constitucional, não será impor aqui uma certa taxatividade no tipo de participação dos cidadãos nos mais diversos níveis?
Este era um ponto que queria deixar à vossa reflexão, para poder eventualmente questionar se a vossa pertinácia em manter estes dispositivos na Constituição não redundará afinal - ao contrário do que VV. Exas.
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afirmam - no tolhimento da capacidade de participação das populações nos mais diversos níveis, nomeadamente ao nível mais baixo, da freguesia, do local onde residem.
O Sr. Presidente: - V. Exa. já usou da palavra várias vezes e ainda não focou o argumento principal. Foge dele como o Diabo da cruz! O artigo 290.° faz-lhe erisipela e V. Exa. passa por ele como um gato por brasas, como se não existisse aqui um tema fundamental que é o respeito pelo limite material de revisão. Se V. Exa. disser que essa é a vossa opção, a de não ligar nenhuma ao artigo 290.°...
O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Claro que ligamos, por isso é que apresentamos uma proposta.
O Sr. Presidente: - Então, se ligam, por que é que o fazem em relação a umas alíneas e não a outras? Não se entende. E, se não ligam ao artigo 290.°, por que razão ligam ao 289.° e ao 288.°? Há-de haver uma boa razão para desrespeitar um artigo e respeitar os outros!
Há ainda uma coisa que lhe digo: a Constituição fala com frequência no direito de participação dos cidadãos. O direito de participação dos cidadãos enxameia o texto constitucional. É preciso - diz-se - que a democracia não se esgote na representação eleitoral; é preciso que os cidadãos participem democraticamente, etc.. Mas, quando a Constituição prevê uma forma de participação, VV. Exas. riscam-na! Desculpem, mas não vejo razão. Se quiserem dizer que isto é pouco, ponha-se mais - estamos de acordo. Digam o mais que deverá cá estar, e reforçaremos a competência das comissões de moradores, Estamos de acordo! Mas, só porque a competência é pouca, não acabemos com o pouco que há. Porque, se queremos, a participação democrática dos cidadãos, está aqui uma das expressões que tem na Constituição.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Luís Ramos.
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Para além do que o meu colega Miguel Macedo já disse, eu gostava de acrescentar alguma coisa, nomeadamente dois pontos.
Primeiro: compreendo a habilidade do PS ao tentar identificar as organizações populares de base territorial com organizações de moradores, mas, de facto, elas não são coincidentes - não são, nunca o foram, pelo menos no passado. Dizer-se, hoje em dia, que organizações populares de base territorial coincidem com organizações de moradores, são capazes de coincidir, talvez, na prática - porque não existiu, nunca, nada mais do que comissões de moradores. Mas isso não quer dizer que o que está prescrito na Constituição, em sede de capítulo v, sejam apenas organizações de moradores - porque é mais do que isso.
O Sr. Presidente: - Eu sei ler! Desculpe, mas eu já aprendi a ler uns anos atrás. Posso estar um bocado desmemoriado... Ora deixe cá ver o que é que diz a Constituição a respeito disto, para ver se eu li bem ou se li mal, e, nesse caso, peço desculpa.
Vozes.
Quer ver? Artigo 263.°, n.° 1: "A fim de intensificar a participação das populações [...] podem ser constituídas organizações populares de base territorial correspondentes a áreas [...]" N.° 2: "A assembleia de freguesia, por sua iniciativa, ou a requerimento de comissões de moradores ou de um número significativo de moradores, demarcará as áreas territoriais das organizações referidas [...]" Artigo 264.°, n.° 1: "A estrutura das organizações populares de base territorial será fixada na lei e compreende a assembleia de moradores e a comissão de moradores." N.° 2: "A assembleia de moradores é composta [...]" N.° 3: "A assembleia reúne [...]" N.° 4: "A comissão de moradores é eleita [...]". Artigo 265.°, n.° 1: "As organizações populares de base territorial têm direito: a) De petição [...]; b) De participação [...]" N.° 2: "Às organizações populares de base territorial compete [...]" Então? Há cá mais alguma coisa além das comissões de moradores? Apenas comissões de moradores, mais nada! Eu não vejo mais nada.
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Isso é uma interpretação do PS.
O Sr. Presidente: - Se calhar, tenho de voltar para a escola primária! Vou reciclar-me!
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - É uma leitura possível.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Literal, Sr. Deputado! Vozes.
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Se formos às raízes da Constituinte, verão que o que está em causa com as organizações populares de base territorial não são só as organizações de moradores - de facto, isso assim não é e não conseguem tirar-me razão nesse ponto.
O Sr. Vera Jardim (PS): - O que é então?
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - O que é, então, não sei nem nunca se soube. É isso que justifica a eliminação de todo este capítulo, porque o que é, então, não se sabe! Pelo menos foi um mecanismo pararrevolucionário ou revolucionário que foi, também ele, instituído na Comissão e que dava para tudo - talvez até desse para um dia o povo pegar em armas e, sabe-se lá, fazer o quê...
O Sr. José Magalhães (PCP): - "Que horror!"
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Não é "que horror", Sr. Deputado! Em 1975, concretamente em Lisboa, viu-se numa assembleia para organizações populares de base territorial, onde se falava um pouco nisso e em tomar um quartel! Se quiser, dou-lhe o exemplo: era uma organização popular de base territorial! Se isso é competência de uma comissão de moradores, e isso está na história dessa época - não era o SUV-moradores, mas era algo parecido - dos anos de 1975 e 1976, bem atribulados, que nos fazem dizer isto. Não me venham agora dizer, com um ar (que eu até compreendo perfeitamente, porque os tempos são outros) naif, que hoje em dia as organizações populares de base
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territorial são apenas comissões de moradores. Podem sê-lo, mas, de facto, as razões históricas que levaram à prescrição, no texto constitucional, de organizações populares de base territorial não eram essas; se hoje em dia não são mais do que isso, então qual a razão para continuarem na Constituição? E mais: o PS diz que, a serem organizações de moradores, entende que (julgo que aqui há uma divergência entre os Srs. Deputados Almeida Santos e Vera Jardim) numa futura revisão não haverá razão para que isto continue aqui.
O Sr. Presidente: - Eu não disse que não havia. Disse que admitia que no futuro fosse revista, mas agora não.
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Exacto, mas por causa do artigo 290.°
O Sr. Presidente: - Mas isso é uma razão bastante para continuar assim. Suponha que, nestes cinco anos próximos, as organizações populares de base florescem e que as comissões de moradores se tornam imprescindíveis para resolver os problemas.
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Mas ninguém está aqui a impedir que as organizações de moradores existam.
Ò Sr. Presidente: - Nós estamos a tratar da redacção da Constituição, e não das suas deturpações circunstanciais. Não temos nada com isso!
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Muito bem, mas ninguém está aqui a impedir que as organizações de moradores existam, a questão não é essa.
O Sr. Presidente: - Não, estão a impedir que existam na Constituição.
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - A questão é outra. Talvez, e já que se reconhece a possibilidade de desaparecerem futuramente, a questão acaba por ser, e aí reconheço a única legitimidade na discussão e na manutenção possível - apesar de continuar a achar que é uma habilidade, no bom sentido, do PS -, o único argumento sólido que é, de facto, o artigo 290.°! Que se diga isso? Não se venha defender a grande necessidade da subsistência das organizações populares de base territorial.
O Sr. Presidente: - Mas o PSD a isso não responde. De maneira que temos de andar pelos outros.
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Não, não. Ninguém está agora a dizer o contrário.
O Sr. Presidente: - A Sra. Deputada Assunção Esteves é que vai responder a isso!
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Quando lá chegarmos, não é agora.
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Aí, das duas uma: neste artigo e nos seguintes temos de reabrir ou de abrir um outro debate, que é o do artigo 290.° E, então, que se diga que esta Comissão de Revisão Constitucional adopta (ou adoptámos todos nós, como parece que o PS já o fez há muito tempo) a chamada tese da dupla revisão. Então que se diga isso!
O Sr. Vera Jardim (PS): - Mas não simultânea.
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Não simultânea. De todas as maneiras, parece que a situação será realmente essa. Será uma tese doutrinal a que reconheço todo o mérito que tem. Há muitas pessoas, com todo o mérito reconhecido, a defendê-la; mas dizer-se que isso é tabu na revisão da Constituição e que temos a seguir, obrigatoriamente, a tese da dupla revisão, sem se curar de outros aspectos, nomeadamente a caducidade de limites ou quaisquer outros - há muita gente que nem sequer defende limites de revisão constitucional, nesses termos -, isto é, de facto, limitativo para a discussão.
Obviamente, eu não queria abrir o debate em sede do artigo 290.°; quando lá chegarmos, discuti-lo-emos com toda a paciência. Aqui subsistem dois equívocos: primeiro, fazer coincidir, a tour de force, organizações populares de base territorial com comissões de moradores; por outro lado, dizer-se que, afinal, isto não tem qualquer razão para subsistir na Constituição, senão por causa do artigo 290.° como tal (tomando só como base o facto de ser dado adquirido a tese de dupla revisão e o problema dos limites, em termos de artigo 290.°).
O Sr. Presidente: - Para fazer uma pergunta, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, confesso que desisti.
O Sr. Presidente: - Nesse caso, tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sem entrar na discussão do artigo 290.°, penso que todos estão "mortos" por não discutir o artigo 290.° - o que é óptimo, nesta altura!
O Sr. António Vitorino (PS): - Não, não! Nem eu, nem o Sr. Deputado José Magalhães temos essa posição. Mas tem que se discutir o artigo 290.° durante o mês de Agosto!
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Foi assim que eu interpretei a posição do Sr. Deputado Vera Jardim.
O Sr. António Vitorino (PS): - Todo o mês, os dois aqui sozinhos.
Risos.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Convirá mais alguém.
O Sr. Presidente: - Em Agosto não me têm cá a mim! Isso é uma certeza.
Vozes.
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O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Deputado António Vitorino disse isso maquiavelicamente, tendo em atenção esse aspecto. Reserva o mês de Agosto para negociar com o Ministro Fernando Nogueira!
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não discutimos o artigo 290.°, de qualquer das maneiras queria chamar a atenção para algo que se liga ao artigo 290.° e que se reporta a este - é o chamado limite material, que é constituído pelas organizações populares de base territorial. A questão que coloco é esta... será que, de facto, a nível do artigo 290.°, é tão importante este limite material em relação às organizações definidas no artigo 263.?, que são não de constituição obrigatória, mas de constituição possível? É-me difícil interpretar um limite material, consagrado com a força com que, normalmente, devem ser consagrados no artigo 290.° os limites materiais, com instituições como estas, que são meramente permitidas pela Constituição, e não impostas. Penso que faria sentido que o princípio do artigo 290.° se aplicasse a algo que fosse constituído de maneira diferente, e não meramente permitido, como inculca o artigo 263.° É esta a dúvida, apenas, que eu tenho.
O Sr. Presidente: - Mas não está fechada a possibilidade de, a partir de agora, o PSD propor qualquer coisa que dê cumprimento ao limite material, e que não seja isto! Estamos abertos.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - O que eu quero dizer na minha é que, na verdade, poderá porventura aplicar-se o artigo 290.° a muita outra coisa, mas não fará sentido...
O Sr. Presidente: - Diga qual!
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Eventualmente, às comissões de trabalhadores.
Vozes.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Perdão, às organizações populares de base...
Vozes.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - ... territorial...
Vozes.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Penso que é difícil congraçar o disposto no artigo 290.° com o artigo 263.°; não faz sentido. Então, das duas uma: ou o limite material não é levado até às últimas consequências, e deveria sê-lo no artigo 263.°, ou, pura e simplesmente, não se quis fazê-lo incidir, com a força com que se pretende agora defender, neste mesmo artigo. Para mim, é difícil aceitar isto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pretendia apenas acrescentar àquilo que os meus colegas já disseram em relação ao artigo 265.° sobre a proposta do PS e o seu confronto com a nossa.
Creio que a nossa proposta de eliminação tem de estar ligada a um conjunto de considerações que passarei a expor. A primeira é a seguinte: em que é que as organizações populares de base adiantam, a propósito da iniciativa dos cidadãos e da sua capacidade de participação nas decisões a nível local, que se não possa fazer, dentro do esquema já constitucionalmente consagrado do próprio princípio representativo das juntas de freguesia, da proximidade evidente e da facilidade de aproximação entre as pessoas interessadas e os órgãos que decidem que isso causa, tanto a nível da assembleia de freguesia, como a nível da junta, como a nível da própria assembleia municipal e da câmara municipal? Vale aqui o argumento que o Sr. Deputado Vera Jardim há pouco aduzia para enfrentar uma das nossas defesas de um artigo atrás discutido. De facto, este nexo de proximidade territorial cria a desnecessidade de erigir aqui formalmente uma espécie de novo sujeito de direito, desgarrado das formas representativas já constitucionalmente consagradas e mais tradicionais como são as juntas de freguesia, as assembleias municipais e as câmaras municipais. Parece-me que as organizações populares de base não vêm adiantar nada e que a sua consagração constitucional se torna desnecessária, porquanto a sua existência não deixa de ser permitida no quadro da própria liberdade de associação, consagrada no artigo 46.°
A questão que se pode colocar é a seguinte: não podem os cidadãos organizar-se no sentido de chamar a atenção das autarquias locais para questões que vão aparecendo e que têm algum nexo de interesse com elas próprias, no quadro dos órgãos representativos e executivos das autarquias? Isto é, as organizações populares de base acrescentam alguma coisa à relação que se estabelece entre os cidadãos e esses mesmos órgãos de decisão? Parece-me que a própria existência das organizações populares de base é, no fundo, o assentar num esbatimento da função representativa no quadro um tanto ou quanto microscópico da própria assembleia de freguesia, ou seja, o enfraquecer da função directa que a assembleia de freguesia tem na representação dos interesses das pessoas que dela fazem parte. Este argumento da proximidade parece-me decisivo sobre a conclusão da importância ou não das organizações populares de base e da autonomia que elas possam representar como entidades face a outras como aquelas que já referi. E o próprio direito de petição consagrado na alínea a) parece absorvido pela possibilidade concreta de aproximação entre os interessados e os órgãos de decisão a nível das autarquias.
Penso que o problema do artigo 290.° não deve ser antecipado aqui. Se se antecipasse, diria que as organizações populares de base não são um momento normativo-material da Constituição que definam a sua estrutura fundamental e, portanto, consistam, do ponto de vista de uma interpretação material dos limites de revisão, numa efectiva limitação material, pelo que não vêm alterar em nada, nem a sua presença nem a sua ausência, aquilo que constitui o cerne da Constituição materialmente entendida. Mas isso é uma questão que não vamos aqui avançar, pois, em meu entender, o problema deve ser discutido abstraindo ainda o problema
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dos limites materiais de revisão, porque ainda não chegámos lá. Vamos apenas ver se são ou não importantes e, nesse quadro, se existe de facto uma autonomia funcional das organizações populares de base no quadro geográfico estrito das autarquias locais e no quadro geográfico ainda mais estrito da concreta área de freguesia.
Eram, portanto, só estas as considerações que pretendia fazer, também, como digo, em concatenação com o princípio geral da liberdade de associação consagrado no artigo 46.°
O Sr. Presidente: - De como a realidade não vale nada perante as maravilhas da inteligência!
Srs. Deputados, a pouca importância das organizações populares de base está a produzir um recorde! Nunca, em nenhum outro tema, houve tantas inscrições como em relação a este.
Risos.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, fiquei verdadeiramente estupefacto com a dualidade - não sei se é dualidade apenas, porque suponho que é mais -, com o policentrismo revelado pelos Srs. Deputados do PSD na sua grelha argumentativa quanto a este artigo. Naturalmente, nenhum conseguiu tornear o enorme elefante que está aqui à nossa frente e que se chama artigo 290.°, alínea j), da Constituição. Em todo o caso, nos esforços feitos são de salientar algumas diferenças e é a essas diferenças que eu gostaria de dedicar alguma atenção.
Primeiro aspecto: estes normativos estão cá com o vosso voto. Este argumento já foi utilizado pelo Sr. Deputado Almeida Santos e aplica-se a todos. Tem, naturalmente, o valor que tem, porque em relação a votos pretéritos há quem não faça excessivo finca-pé nem faça excessivo precedente. Nessa matéria, verdadeiramente, a argumentação é reversível e portanto a démarche também não deixa, em certa medida, de ser aplicável ao próprio PS, ressalvadas, naturalmente, as diferenças adequadas nestas e noutras matérias.
Segundo aspecto: a avaliação que se deve fazer dos méritos das figuras em apreço. Aqui é que os Srs. Deputados do PSD bifurcam e "trifurcam" a altíssima velocidade, em condições que não deixam de ser espectaculares. Há um bocadinho de tudo, é um verdadeiro pandemónio, desde a demonstração em delico-doce de que a eliminação desta consagração constitucional "não tem problema nenhum", no fundo, "o que é que elas acrescentam ao que quer que seja". E diz-se: "Então não há Código Civil, não há o direito de associação, não há a possibilidade de proliferarem na sociedade civil tantas células de vitalidade quantas aquelas que o próprio tecido social comporte?!" Quando o Código Civil cante, não fale a Constituição, para quê a Constituição, para quê a Constituição quando a lei civil já tece hinos à liberdade de associação? Há que responder que essa é uma démarche possível, uma démarche de tipo Branca de Neve, pouco apropriada para quem esconde mal propósitos pouco níveos.
A outra démarche é de tipo "cuidado com o pecado original"* Consumando-a, sagazmente o Sr. Deputado José Luís Ramos traça a ideia pavorosa e espavorida das comissões de moradores, como tarântulas inundando a malha social e política, avançando aguerridamente em marchas forçadas, decapitando, quiçá em efígie, dirigentes políticos que as odeiam e dizendo dos Srs. Deputados José Luís Ramos tão mal quanto VV. Exas. dizem mal das comissões de moradores (obviamente as comissões de moradores têm direito de resposta!). É uma tese do pecado original que vai tão longe que o Sr. Deputado José Luís Ramos faz em 1988, com um amor -.quanto a mim, suspeito - às OPBs, uma interpretação que mais ninguém faz. Pelo que ouvi, o Sr. Deputado José Luís Ramos tornou-se um arauto da recepção na Constituição da noção pré-constitucional de OPBs.
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não? Pareceu-me, Sr. Deputado José Luís Ramos. Embora admita que o Sr. Deputado não estava a incluir aqui OPBs de base não territorial, ao contrário do que aconteceu um tanto precipitadamente ao Sr. Deputado Carlos Encarnação...
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Peço desculpa, mas na altura estava distraído e, como é evidente, pretendia referir-me à participação, aos direitos de participação, e não às organizações representativas.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Certo, eu apercebi-me.
Mas, no caso do Sr. Deputado José Luís Ramos, admiti que estivesse a distinguir claramente, lúcida, atenta e estudiosamente entre diversas categorias OPBs e que estivesse a pensar, um tanto magmaticamente mas com imaginação, numa pluralidade de espécies dentro desse grande género. Só que o fez em termos que, francamente, não vejo coonestados por ninguém. A tese da recepção directa da noção pré-constitucional de OPBs, designadamente do conceito vigente na linguagem política desse exacto momento histórico, é difícil que se sustente ter tido acolhimento qua tale. E os instrumentos hermenêuticos de que dispomos para medir o sentido exacto são os decorrentes designadamente do articulado da Constituição, em particular nos artigos que estamos neste momento a apreciar. E aí essa identificação basilar entre OPBs de base territorial e essas estruturas que a própria Constituição qualifica como associações e comissões de moradores é completa. O Sr. Deputado José Luís Ramos, para refutar ou exorcizar os perigos do conceito constitucional de OPBs leva ao extremo a "pluralidade" das OPBs, para ver o que mais ninguém vê e para enjeitar aquilo que se vê. É evidente que o PSD, nesta matéria, seleccionou um alvo e tem um objectivo, que é o expurgo das componentes de participação popular no exercício do poder local e nas outras dimensões em que essa participaçãp está constitucionalmente plasmada. Não por acaso, o PSD se vai às OPBs de base não territorial, tanto em relação às CTs como em relação às formas de participação previstas nos artigos 70.°, n.° 3 e 73.°, n.° 3, e elimina-as.
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A fobia anti-OPBs é, portanto, geral no PSD, que poda tudo o que lhes diz respeito (desse ponto de vista, a poda, sendo multilateral, é coerente). A questão que subsiste é se é constitucional. E é aqui que entra, inevitavelmente, o debate sobre os limites materiais de revisão.
Os Srs. Deputados erguem o fogo contra o "pecado original", rejeitam mesmo a solução envergonhada do PS, porque querem uma solução maximalista, recusando, no entanto, o debate sobre o que a proíbe. Não sei como é que se consegue fazer o exercício que a Sra. Deputada Assunção Esteves há pouco nos sugeria, e que era discutirmos esta problemática "à margem do artigo 290.°". É magnífico! É o condutor que vai direitinho a cem à hora pela via proibida e que não quer discutir o sinal, quer discutir a velocidade! É impossível, não podemos fazer isso! Temos de fazer o contrário, temos de discutir o sinal, é aqui que temos de discutir o sinal. Antes disso não discutimos mais nada!
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Dá-me licença que o interrompa. Sr. Deputado?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - O Sr. Deputado quer pronunciar-se então sobre a dúvida que lhe coloquei em relação à articulação do artigo 290.° com o artigo 263.°, com a definição como limite material, por um lado, e com a mera permissividade da criação destas instituições, por outro? É capaz de explicar a relação que existe entre uma coisa e outra?
Vozes.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - É essa a minha grande dúvida, Sr. Deputado, e é a essa dúvida que eu gostaria que me respondesse.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Estou a ver! Portanto, o Sr. Deputado Carlos Encarnação acha que a Constituição foi excessivamente branda na definição do estatuto das OPBs! Acha que a Constituição tem uma contradição intrínseca!
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Exactamente, tem realmente uma contradição intrínseca, porque das duas uma: ou foi longe de mais no artigo 290.°, em relação a isto, ou foi curta de mais no artigo 263.°
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio já ter percebido o âmago do seu pensamento, Sr. Deputado Carlos Encarnação: a sua reflexão é um tanto retrotraída às Constituintes. A sua ideia é que, tendo o legislador constituinte sido tão vigoroso em relação ao artigo 290.°, deveria ter sido mais enfático e mais impositivo em relação ao artigo 263.°, pois se elas são tão importantes que são um limite material de revisão, era fundamental que fossem impostas aos próprios moradores: "Queres comissão? Não queres, mas tens de ter!" É essa a sua ideia. Portanto comissões à força, comissões impostas...
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Só assim se justificaria o limite material da revisão do artigo 290.° Caso contrário, é uma pura tolice!
O Sr. José Magalhães (PCP): - V. Exa. acha que a opção constitucional é uma "tolice" por "incoerência intrínseca"! Por que é que V. Exa. se apaixona tanto pela tarefa macabra de eliminar uma tolice? Não percebo o vosso afã!
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Suponha que o artigo 290.° estabelecia que os municípios ou a criação de municípios constituía um limite material de revisão. Admito e compreendo, porque é evidente: eles constam da estrutura constitucional em relação ao poder autárquico e ao poder local e têm uma dignidade completamente diferente. Mas dizer-se no artigo 290.° que isto constitui um limite material de revisão, consultar-se o artigo 263.° e verificar-se que se consagra apenas uma permissividade da existência destes institutos é que parece uma perfeita incongruência.
O Sr. Presidente: - Dê-me um exemplo de um direito, liberdade ou garantia cujo exercício não seja facultativo.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Não há nenhum!
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Não é disso que estamos a tratar.
O Sr. Presidente: - Quer dizer, passava a ser justificado se em vez de se tratar de uma faculdade fosse uma obrigação: "Os moradores das freguesias têm de se constituir em comissões." Só por ser faculdade, até porque lá atrás se consagra a liberdade de associação. Caso contrário, seria uma contradição...
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)
O Sr. Presidente: - Não, não...
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Será que isto justifica a sua inclusão no artigo 290.° como limite material de revisão? Essa é que é a questão.
O Sr. Presidente: - O problema não é esse, mas o de saber, se a natureza facultativa exclui a inclusão no artigo 290.° O ser facultativo é ser aquilo que não poderia deixar de ser; obrigatório é que não poderia ser. Associações obrigatórias? Não tem sentido! O que a lei pretende dizer é o seguinte: vamos definir a competência de associações que se formem no âmbito dos moradores para determinados efeitos. Tinha de ser facultativo!
Vozes.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, o pedido que eu lhe fazia - e não
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propriamente ao Sr. Deputado Almeida Santos, mas é evidente que foi bem vista e bem quista a sua intervenção - era que comentasse a minha dúvida.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Concluo, sublinhando que há uma lógica perfeitamente razoável na solução constitucional e uma certa prudência. Previu-se a existência de organizações populares de base territorial, considerou-se que elas poderiam ter um papel relevante na participação das populações na vida administrativa local, não se tornou obrigatória e imposta a constituição dessas comissões, estabeleceu-se um esquema flexível e devolveu-se à lei ordinária um conjunto de competências bastante importantes no desenvolvimento e concretização do direito constitucional. Sabemos, aliás, que a legislação ordinária subsequente, em vez de actuar, de impulsionar tudo isto, criou verdadeiros "nós cegos" e fez devoluções para o vazio ou meras repetições de normas constitucionais, gerando alguma indefinição que foi prejudicial à própria vitalização daquilo que era um projecto com virtualidades enormes. Mas isso não é ilógico. A garantia constitucional traduzida em erecção de tudo isto em limite material de revisão é importante. Não sei se o Sr. Deputado Carlos Encarnação está disponível para sanar aquilo a que chama "uma incoerência", no sentido da "coerentizacão" afirmativa da participação. Isso teria a nossa adesão total, sem violação da consciência dos moradores!
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Num sentido que, com certeza, V. Exa. não gostaria.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Gostaria sim, Sr. Deputado. Tudo o que fosse revigorar, tudo o que fosse reforçar, tudo o que fosse aperfeiçoar o regime respectivo teria seguramente o nosso voto. A amputação é que não pode, seguramente, tê-lo!
Gostaria de chamar a atenção para alguns outros aspectos.
Os Srs. Deputados do Partido Socialista fazem uma concessão aos tempos. É o tributo que o PS paga aos costumes. Portanto, mantendo o conteúdo, fazendo, expressis verbis, a definição do conceito através de uma identificação, visam fazer um baptismo e, simultaneamente, uma reconceptualização nesta matéria. No entanto, penso que visam fazer bastante mais do que isso e era para esse facto que gostaria de alertar. Os Srs. Deputados do PS consagram nesta matéria o mesmo esquema que adoptaram em relação aos conselhos regionais. Espero que o desfecho seja diferente! Aquilo que propõem parte do seguinte raciocínio: o artigo 290.° existe - e aí está uma interessante constatação, que o PSD não faz -, o artigo 290.°-J há-de ter algum significado. O artigo 290.°, alínea j) - como dizia o Sr. Deputado Almeida Santos, com alguma graça -, não há-de ser um tira-nódoas. Portanto, é preciso que ele seja, em certa medida, respeitado. Mas como é que o PS o respeita? Primeiro elimina o artigo 118.° - e aqui dirá o PSD que "somos irmãos, também nós eliminamos o artigo 118.°" -, o qual, em sede de princípios gerais da parte m da Constituição ("Organização do poder político"), estabelece que "as organizações populares de base formadas nos termos da Constituição têm o direito de participar, segundo as formas previstas na lei, no exercício do poder local". O PS considera isto compatível com o respeito pelos limites materiais de revisão...
A seguir o PS vai aos artigos que agora estamos a debater e f az a tal operação que já descrevi. Além do defeito decorrente do tributo que paga aos tempos e de ser relativamente incoerente com a afirmação feita pelo Sr. Deputado Almeida Santos sobre as virtualidades da participação democrática (que tem de existir, que deve existir, que não deve ser privada dos esteios e dos incentivos constitucionais), esta solução tem o inconveniente de ser claramente inserida naquilo que o PS revela ser uma estratégia de eliminação progressiva.
Como o Sr. Deputado Almeida Santos bem sublinhou, a supressão desse limite material de revisão viabiliza nessa lógica a futura eliminação destas disposições. É a dupla revisão sucessiva...
O Sr. Presidente: - Ou o reforço delas, Sr. Deputado. Isto é, se elas ganharem uma dignidade que hoje não têm, isto é, se merecerem permanecer na Constituição, estaremos de acordo. Vamos aguardar as vossas propostas em relação a esta matéria. E isto é necessário não apenas para terem os direitos que hoje têm e que são comuns a toda a gente, não apenas para terem as actuais competências, que são ligadas e não definidas, mas para terem um valor que hoje não têm.
Se ganharem justificação futura nós não as mataremos. Por exemplo, pensamos que os conselhos municipais não têm salvação possível. Estas têm, Sr. Deputado! Quem nos dera a nós que elas se vitalizassem e fôssemos capazes de definir uma competência que tenha significado real.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Para isso estamos completamente disponíveis, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Há é que ter imaginação para lhes dar uma dignidade que hoje não têm.
Não somos contra a existência da participação popular na solução dos problemas locais. Pelo contrário!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Creio que V. Exa. está a assustar o Sr. Deputado José Luís Ramos! Antes pudesse levar a sério tais palavras, que bem receio pouco eco tenham nas vossas negociações!
O Sr. Presidente: - Com esta dimensão a Constituição não teria 300 artigos, mas muitos mais e com igual justificação. Estariam aqui milhentas outras coisas, que têm dignidade para tanto!
Vozes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Presidente, nunca pensámos que esse problema das organizações populares de base fizesse correr tanta tinta.
O primeiro aspecto que gostaria de sublinhar é o seguinte: é de admirar que estes artigos, com a formulação que lhes demos, causem tantas doenças de pele aos Srs. Deputados do PSD. É que isto tem, desde
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logo, uma certa contradição. Fui ver a redacção que o PSD tinha proposto para o artigo 2.° da Constituição. Aí refere-se o seguinte: "[...] aprofundamento da democracia participativa".
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas é sem organizações populares, Sr. Deputado!
O Sr. Vera Jardim (PS): - Pensei que o PSD, em absoluta lógica com a posição que assumiu em relação a este tipo de organizações de base das populações, tivesse tirado alguma coisa da democracia participativa. Não o fez! Este parece-me ser um dos instrumentos típicos da democracia participativa.
Por outro lado, o PSD diz que não sabe o que são estas organizações populares de base. Parece dar a entender que se trata de grupos de gente ululante armados de chufos. Esta visão demoníaca do PSD, atacando tudo o que é uma patuleia, faz-nos retornar ao tempo dos Cabrais. Todos nós sabemos que esta figura das organizações populares de base teve na época do processo revolucionário os seus exageros. Não estamos, de modo nenhum, de acordo com essas concepções. Sabemos o que são as organizações populares de base: são organizações de base territorial, são as comissões de moradores. Há também outro tipo de organizações. As únicas que ficaram com algum vestígio, até constitucional, foram as comissões de trabalhadores. Por outro lado, durante o período do processo revolucionário também existiram as comissões de marinheiros as comissões de soldados, etc..
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Sr. Vera Jardim (PS): - Faça favor Sr. Deputado.
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Se em relação a isso o Sr. Deputado diz que o Partido Socialista sabe o que é que são as organizações populares de base territorial, ou seja, porquê a necessidade de passar de organizações populares de base territorial a organizações de moradores? Se sabe o que isso é, por que é que não mantém a mesma expressão?
São diferentes? Aí há necessidade de alteração. Se não são, porquê esta alteração?
O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Deputado, uma das razões é exactamente para evitar a erisipela que a tal frase poderia provocar em alguns dos Srs. Deputados e para não dizer em parte da população portuguesa. Nós temos isso em conta em várias fases e em várias normas do nosso projecto.
Isso não significa que estamos a fugir ao limite material de revisão. Estamos é a dar-lhe uma certa interpretação actualista. Que ficou ou o que poderá ter ficado destas organizações populares de base? São alguns tipos de organizações de moradores. Poderão ter ficado - como ficaram também - as comissões de trabalhadores. Nós não vemos, à partida, razão para não continuar a pensar que este tipo de associações de moradores pode ter uma intervenção activa na vida política local, na vida da freguesia. É sabido que nos grandes centros populacionais as freguesias não têm, muitas vezes, vida própria, são abafadas pela vida urbana. É o caso, por exemplo, de Lisboa e do Porto. Por vezes, contam mais os pequenos bairros ou as pequenas zonas dentro de uma freguesia, que podem ter formas de associações entre as pessoas que aí moram e que são as tais comissões de moradores. Elas podem ter uma intervenção activa na vida da freguesia. As freguesias poderão ter mais importância nesses meios urbanos porque nos meios rurais a freguesia já é o último núcleo.
Não vale a pena levar isto muito mais longe porque, senão, íamos aos casais, aos lugares. Penso que é importante que haja comissões de moradores, que possam levar à freguesia um testemunho dos seus problemas e que possam, por. outro lado, num processo diferente, trazer da freguesia tarefas que possam elas tomar a seu cargo.
Portanto, pensamos que o facto de isso vir na Constituição é um pouco a opção que fez o Código Civil ao não tratar apenas das pessoas colectivas formalizadas, mas, sim, de uma série de realidades sociais que não se organizam em personalidades colectivas, mas a que o Código Civil dá alguma atenção e algum estatuto. Dizem os Srs. Deputados: "Mas; se isto está na Constituição, mesmo no artigo 290.°, e não tem um sentido imperativo, porquê dar-lhe tanta importância"? Como disse o Sr. Presidente, é evidente que não tem porque não pode ter. Como forma de democracia participativa, não o poderia ter. Os outros instrumentos de democracia participativa não são imperativos. É evidente que nenhum dos Srs. Deputados vai defender que o referendo tem de se fazer todos os anos. Escolhe-se uma pergunta e faz-se um referendo. Como é um instrumento da democracia participativa, poderia ficar na Constituição. Assim, todos os anos o Governo, a Assembleia da República ou o Presidente da República escolhiam um tema e faziam um referendo. Não é o caso! Todas estas formas de democracia participativa são, por sua própria definição, não imperativas. Qual é o sentido desta afirmação? É que se existirem e se tiverem um dinamismo próprio são aproveitadas como elemento dinâmico do poder local e não poderão ser atacadas ao nível que o artigo 290.° as defende.
Não percebo por que é que a nossa formulação causou tantos problemas ao PSD. Já nem sequer falo no artigo 290.°, sobre o qual o Sr. Deputado Almeida Santos já se pronunciou. Esse colocamo-lo à cabeça como argumento formal. Diríamos como o outro, o que não disparou contra o inimigo. O juiz perguntou-lhe porquê e ele respondeu: "Dez causas!". E o juiz acrescenta: "Diga lá". "Primeiro, não tinha balas". Aí o juiz diz: "Escusa de dizer mais!"
Com o artigo 290.° nós também poderíamos arrumar a questão. Perguntavam: "Por que é que não tiram?". E nós dizíamos: "Não tiramos porque obedecemos aos limites materiais de revisão". Não alinhamos nas teses das revisões simultâneas e, muito menos, nos costumes ab-rogatórios.
Por outro lado, não pensamos que isso tenha em si próprio um problema tão grande, a não ser que as pessoas estejam tão agarradas a essa visão demoníaca das organizações populares de base que digam "tirem isso daqui para fora, pois provoca-me doenças de pele". Penso que deveríamos deixar estar - e faço este apelo ao PSD - e por duas ordens de razões. A primeira é a razão constitucional de obediência aos limites materiais de revisão. A segunda razão é mais profunda, mais
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substancial. Não vejo nenhum partido que no artigo 2.° tenha desistido da democracia participativa. Pergunto: que elementos, que formas temos na Constituição de democracia participativa? Muito poucas! Aliás, elas estão quase todas por inventar. Alguns julgaram inventá-las, mas, afinal, elas não deram os resultados previstos (isto é uma piada indirecta ao Sr. Deputado José Magalhães). A nosso ver, estas organizações populares de base não têm nada a ver com outras organizações, com outros conselhos que há neste mundo e que nada têm a ver com a nossa concepção deste tipo de organizações.
Portanto, o nosso apelo é o seguinte: deixemos ficar aquilo que pode vir a criar algum dinamismo, como uma forma de participação dos cidadão e, portanto, de democracia participativa. Não fará mal nenhum a ninguém, passados que foram alguns excessos, que já fazem parte da História. Deixemos isso na Constituição! Se, porventura, estas formas de democracia participativa ganharem alguma vida, elas estarão protegidas constitucionalmente. Não virá mal ao mundo!
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Secretário José Magalhães.
O Sr. Presidente (José Magalhães): - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos Encarnação.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Sr. Deputado Vera Jardim, não pense V. Exa. que nós temos, de facto, qualquer erisipela em relação a este conjunto de artigos e em relação às organizações populares de base. A única motivação que para nós existe é que realmente as organizações populares de base tem primado pela sua descaracterização e pela sua inexistência. Em lugar delas e perante elas têm-se instituído outro tipo de organizações populares, que as têm substituído com vantagem e que têm representado interesses muito mais significativos, mesmo junto do poder local.
Se estivesse aqui o Sr. Deputado Almeida Santos, ele, com certeza, concordaria comigo em relação ao seguinte: tomemos de uma instituição que tem uma actuação importantíssima no distrito donde ele é natural e que é, por exemplo, a liga de melhoramentos. Estas instituições têm vida e capacidade de ligar não só às populações locais, mas também as populações que estão migradas para outras partes do território. Elas conseguem, na verdade, mante-las ligadas e interessadas por aquilo que se passa na sua freguesia de origem.
Pensamos que estas figuras são muito mais importantes do que a mera declaração da existência das organizações populares de base com a franquia e com a configuração constitucional. Organizações deste tipo de participação popular podem existir, mesmo sem expressa declaração constitucional. São livres na sua constituição. Neste sentido, nós optamos, conjugando o artigo 290.° com a permissividade de criação destas ou de outras figuras, por não consagrar aqui este elenco de organizações populares de base. Por outro lado, abrimos a possibilidade da criação de institutos ou de organizações que dêem guarida à participação popular numa outra veste e que as não desdignifique em relação a estas que vêm consagradas na Constituição e que nós entendemos que já estão ultrapassadas pelo tempo.
V. Exa. não concordaria com uma visão destas?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cardoso Ferreira.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Sr. Deputado Vera Jardim, o Sr. Deputado José Magalhães interpretou a proposta do Partido Socialista no sentido restritivo do âmbito das organizações territoriais de base. A questão que gostaria de formular é a seguinte: a alteração que o Partido Socialista propõe não será mais do que uma simples alteração semântica para afastar eventuais problemas mais à flor da pele no Partido Social Democrata ou até na população em geral? A alteração não reconhece em si que o âmbito, tal qual como aqui está, das organizações populares de base é bastante mais vasto que o das comissões e o das assembleias de moradores?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Vera Jardim, queria colocar-lhe a seguinte questão: temos aqui afirmado o nosso respeito pelo disposto no artigo 290.° Ontem mesmo participámos aqui numa discussão interessante a propósito da extinção do conselho municipal. Queria perguntar a V. Exa. se não haverá alguma contradição entre a posição expressa ontem pelo seu partido, pela voz do Sr. Deputado Almeida Santos, e a defesa que V. Exa. acaba hoje de fazer da vossa proposta para o n.° 1 do artigo 263.° E queria também pedir ao Sr. Deputado Vera Jardim o favor de esclarecer melhor esta alteração de linguagem. Trata-se realmente de alguma embirração - que eu compreendo porventura - com as organizações populares de base ou será mais do que isso?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Vera Jardim.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Podemos começar por esta última pergunta do Sr. Deputado Nogueira de Brito, que foi repetida, suponho, por outros Srs. Deputados. São a mesma coisa? A verdade é que isto levar-nos-ia muito longe. Penso que as organizações populares de base tiveram no nosso país, em determinado momento da história constitucional, um visionamento muito mais amplo do que este. Elas foram (e isso está estudado pelo teóricos) um elemento introduzido pelos defensores da democracia directa na constituição, que não era uma Constituição de democracia directa. Poderíamos agora falar em toda a tradição dos conselhos, na tradição social das democracias dos conselhos, etc.. Penso que aí radicou a introdução na Constituição deste elemento de democracia participativa ao lado de outros elementos da democracia representativa, no sentido de que estas organizações populares de base poderiam, como organização completa e total, digamos assim, ser bastante mais do que as de moradores. De facto, elas constituiriam no seu todo um elemento importantíssimo daqueles que pensavam que Portugal se poderia orientar para formas de democracia participativa. Como sabem, degladiaram-se várias linhas na Constituinte, e isso resultou, ao fim e ao cabo, de um certo compromisso entre os defensores de uma linha mais de democracia directa, que jogavam, portanto, neste tipo de organizações, de movimentos populares
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tendentes a uma participação directa no processo democrático, os que jogavam mais na democracia representativa e, finalmente, aqueles que jogavam mais na democracia burocratizada. Por conseguinte, penso que a visão inicial dos autores na Constituinte foi naturalmente muito mais ampla do que a de organização de moradores ou das próprias comissões de moradores. E tanto assim é que já se prevêem as organizações populares de base territorial, isto e pressupõe-se a existência de outras que não de base territorial. E já dei exemplo de uma dessas organizações que também teve uma formação sociológica importante, que foi o das comissões de trabalhadores. Mas penso que a visão dos autores da Constituinte ao consagrarem estas disposições era a da democracia dos conselhos, no sentido alemão do termo, ou, se preferirem, dos sovietes, noutra língua.
É evidente que essa experiência (se experiência se lhe pode chamar) deu o que tinha a dar, ou seja, não deu quase nada, mas, apesar de tudo ficou, no decorrer dos anos alguma coisa que tem a ver com a democracia participativa, o que, a nosso ver, é positivo. Penso que na óptica do PSD também. Assim, as comissões de moradores podem efectivamente ter ficado como a única zona, ou das poucas zonas sociologicamente apreciáveis, desta realidade das organizações populares de base.
Dirão os senhores: "Mas foi só por poder provocar erisipela a muita gente que mudaram a denominação?" Foi das razões importantes, devemos dize-lo com toda a franqueza (e suponho que já terá sido dito até pelo meu camarada Almeida Santos, se bem ouvi a sua intervenção), mas não foi a única. Realmente, ao fazer o cômputo desta experiência, a única coisa que nós fica são efectivamente as comissões de moradores, por um lado, e as comissões de trabalhadores, por outro; o resto, o tal aparelho todo da cúpula até à base ou da base até à cúpula dessa tal democracia das organizações populares de base, não deu nada. Foi um balão que se esvaziou poucos meses depois de ter estado no auge, não tendo hoje qualquer sentido falar noutra coisa.
A nosso ver, tem ainda algum sentido falar das comissões de moradores, mas tem um sentido muito diferente do conselho municipal. Sr. Deputado Nogueira de Brito, e meu querido amigo: o conselho municipal é, na visão que aqui está, um conselho corporativo, ou seja, um conselho defensor de interesses verticais, como os culturais, os económicos, os sociais... Diria que é ainda resquício dessas representações que já não temos entre nós, ou que devemos evitar ter nos órgãos de poder político comum. Têm todo o sentido noutras zonas, como sejam o Conselho da Concertação Social, os conselhos de planeamento, em que efectivamente esses interesses verticais da sociedade têm de ser tidos em conta, mas aqui, nos conselhos municipais, não. E, Sr. Deputado Nogueira de Brito, penso que a nossa posição perante o conselho municipal nada tem a ver com isto. É evidente que temos sempre o seguinte argumento: o conselho municipal não é um limite material de revisão e as organizações populares de base são-no. Por esta razão, sentimo-nos perfeitamente à vontade para tomar uma posição perante o conselho municipal que não temos perante as organizações populares de base.
Terminaria com a resposta a uma das questões que me foi posta também pelo Sr. Deputado Carlos Encarnação: estaríamos na disposição de ver esta questão de uma forma diversa, já não como estas tais organizações populares de base, mas enquadrando na Constituição formas porventura mais vivas de associativismo que de certo modo têm a ver também com o exercício do poder político e da democracia directa? Sr. Deputado Carlos Encarnação, a minha resposta é muito simples e também rápida, como foi a sua pergunta: não fora o artigo 290.°, estaríamos naturalmente dispostos a encarar essas hipóteses, e poderemos estar dispostos a, no futuro, transformar estes artigos em preceitos um pouco diferentes que possam efectivamente focalizar toda essa riqueza que existe na sociedade civil e à qual podemos dar um papel activo na democracia participativa. Simplesmente, como já referimos várias vezes, sentimo-nos neste momento impedidos de o fazer porque temos respeito pelo artigo 290.°, nomeadamente pelo que consta na alínea j) quanto às organizações populares de base. Pensamos que com esta solução mantemos o nosso respeito integral por esse princípio e mantemos a possibilidade, como dizia também o meu camarada Almeida Santos, de estas organizações ( aceitamos que não tem sido o caso até agora; hoje a realidade dessas organizações é muito pobre) até à próxima revisão constitucional (quem sabe?) poderem, por qualquer outro processo, até pela regionalização, por exemplo, sofrer um processo de vivificação. Nessa altura, ter-se-á justificado, em toda a linha, que tenhamos, não só por amor ao princípio dos limites materiais de revisão como também pelo amor que temos ao princípio da democracia participativa, mantido estes artigos tais como os propomos.
O Sr. Cardoso Ferreira (PSD): - Significa, Sr. Deputado, que, no fundo, o PS adopta hoje em relação a estas organizações populares de base a mesma atitude que assumiu há cinco anos em relação ao conselho municipal?
Entretanto, reassumiu a presidência o Sr. Vice-Presidente, Almeida Santos.
O Sr. Vera Jardim (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador).
O Sr. Presidente (Almeida Santos): - A extinção do conselho municipal não colide com qualquer limite material, é completamente diferente. Se assim não fosse, não teríamos proposto a sua extinção.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador).
O Sr. Presidente: - De qualquer modo, foi uma boa antecipação da discussão do artigo 290.°, a propósito de um caso concreto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pais de Sousa.
O Sr. Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Também não querendo antecipar o debate do artigo 290.°, que ficará para a sede própria, permita-me deixar aqui algumas reflexões.
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Em nosso entender, foi importante que se tivesse dito que esta norma do artigo 263.° se mantém na Constituição com a sua redacção originária e que, de alguma maneira, é uma norma conjuntural ou, pelo menos, produto de uma certa conjuntura. Aliás, foi por várias vezes referida a dinâmica que assumiram as organizações populares de base territorial aquando da elaboração da Constituição. Também registámos que o legislador constituinte terá de certo modo pretendido abrir a porta à auto-organização das comunidades locais num nível inferior à freguesia. Pensamos ter sido o Sr. Deputado Vera Jardim quem de alguma maneira colocou o debate no terreno competente.
De facto, a posição do PSD relativamente a esta questão não deve ser separada do seguinte ponto de vista: não se fecha a porta a esquemas de democracia participativa; o que nós entendemos é que isto não deve estar constitucionalizado...
O Sr. Vera Jardim (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador)... da democracia participativa que esteja no projecto do PSD.
O Sr. Pais de Sousa (PSD): - Na prática, dificilmente se pode interligar isto com o sistema representativo consagrado na Constituição. A esse respeito, tendo sido, creio eu, opção fundamental do legislador constituinte o sistema representativo democrático, como é que se pode compatibilizar o limite da alínea h) com o limite da alínea j), isto é, o sistema de representação, por um lado, e a participação das organizações populares de base no exercício do poder local, por outro? Parece-nos existir aqui, de certo modo, uma colisão, quase uma incompatibilidade.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, inscrevi-me quando, em catadupa, os Srs. Deputados José Luís Ramos, Carlos Encarnação, Assunção Esteves e até, agora, o Sr. Deputado Pais de Sousa alegaram no sentido de justificar a supressão dos artigos que na Constituição se referem às organizações populares de base, em completo desrespeito pelos limites materiais do artigo 290.° E não vale a pena assumir o desrespeito pelos limites materiais e a seguir alegar que quando discutirmos o artigo 290.° logo voltaremos à questão, porque isso significaria, totalmente e a propósito dos vários artigos que estão condicionados pelo artigo 290.°, fazer uma discussão sempre desenquadrada da possibilidade constitucional de revisão desses mesmos artigos. Porque nós estamos em sede de revisão constitucional, não estamos em sede de transição constitucional, ou seja, assumimos esta vicissitude constitucional nos limites impostos pela própria Constituição, e não fora desses limites. Ora, se nós respeitamos os requisitos de ordem formal, também nos cabe, como é Óbvio, respeitar os limites de ordem material. E a esta questão essencial o PSD continua e subsiste sem responder.
E se vamos tentar aprofundar a lógica de pensamento dos Srs. Deputados do PSD, até verificamos que essa lógica de pensamento é contraditória entre eles. O Sr. Deputado José Luís Ramos alega contra as organizações populares de base, como já aqui bem ficou salientado, porque elas seriam a porta aberta para subversões eventuais - é uma nostalgia revivalista que ficará bem ao Sr. Deputado José Luís Ramos. Simplesmente, essa nostalgia revivalista acaba por ser contraditória com a própria lógica que o PSD admite nas suas propostas constitucionais, ao admitir o aprofundamento da democracia participativa. E então aqui temos de falar sobre o que é que, afinal de contas, o PSD entende por instrumentos constitucionais da democracia participativa. Importa então saber se a organização popular de base pode ser ou não um instrumento constitucional de democracia participativa e discutir isto para além da questão do limite material da revisão. De facto, já que o PSD não quer colocar o problema nos limites materiais, então coloquemo-lo enquanto instrumento constitucional de exercício da democracia participativa.
Neste plano, há que fazer a distinção que muito bem fez há pouco o Sr. Deputado Vera Jardim. Efectivamente, as organizações populares de base poderiam ser encaradas numa dupla perspectiva. Uma delas assenta numa lógica de sistema de governo nos termos da qual o princípio da separação de poderes é o princípio da separação horizontal de poderes, pelo que se daria uma delegação de competências das organizações populares de base para outro tipo de organizações na hierarquia piramidal de poderes até à sua concentração no topo. Essa era uma lógica de sistema de governo possível, mas que foi totalmente arredada na Constituição de 1976, a partir do momento em que se consagrou a lógica da democracia representativa e com ela a lógica do princípio da separação vertical de poderes. De onde, portanto, que não vale a pena esgrimir contra moinhos de vento. Essa lógica eventual que esteve patente na sociedade portuguesa em 1975 deixou de ter cabimento a partir da aprovação da Constituição de 1976; e não vale a pena invocá-la, como indirectamente o fez o Sr. Deputado José Luís Ramos, em termos justamente de esgrimir contra um moinho de vento que nem sequer existe como lógica constitucional possível.
Vozes.
Outra questão: se o PS altera, no ponto de vista conceptual, a expressão "organização popular de base territorial" para "organização de moradores" é tão-só para tornar evidente, do ponto de vista semântico, esta segunda interpretação que acabei de fazer, ou seja, a de que estas organizações populares de base territorial não têm outra vocação que não seja a de serem um instrumento qualificado de participação. É a actualização semântica que permite dar o sentido exacto a esta forma de participação e não transformar as organizações populares de base em instrumentos de formação da vontade popular para efeitos de expressão da soberania popular.
Estando isto clarificado, estaríamos em princípio com o nosso problema resolvido. Mas não estamos. Porque, a seguir, o Sr. Deputado Carlos Encarnação vem dizer que não é possível compreender a questão dos limites materiais de revisão constitucional, dado esse limite material vir estabelecer uma faculdade, e não um poder dever. Se este sentido da interpretação do Sr. Deputado Carlos Encarnação tivesse algum fundamento, teríamos que arredar dos limites materiais de revisão constitucional aqueles que se referem aos direitos, liberdades
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e garantias, às comissões de trabalhadores, à liberdade de expressão do pensamento, na medida em que nenhum deles é vinculante. Neste sentido, nenhum desses limites materiais teria significado. De onde, por conseguinte, é completamente falaciosa a argumentação do Sr. Deputado Carlos Encarnação.
Mas vem uma terceira linha de argumentação, que é a da Sra. Deputada Assunção Esteves...
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos Encarnação (PSD): - O que está no artigo 290.° é "participação", o que está aqui é "constituição"; e não é necessário constituição para haver participação...
O Sr. Jorge Lacão (PS): - É a possibilidade de, como faculdade, os cidadãos, que já têm em termos genéricos o direito de associação e o direito de participação política, poderem exercer esses direitos de uma forma qualificada para efeitos especiais relativamente ao exercício de poder local. É tão-só isto que, por enquanto, está em causa nesse limite material de revisão. Lá que o PS entenda - e a meu ver entende bem - que a questão não é suficientemente estruturante do regime para justificar que ela seja configurada como limite material de revisão, é outra coisa; mas isso não quer dizer que o PS não continue a entender, porque continua a entender, que o facto de ela poder deixar de ser limite material de revisão não tem de significar que deixe de ser instrumento constitucionalizado para o exercício qualificado de uma forma de participação política.
Mas, a Sra. Deputada Assunção Esteves - e era esta a terceira linha de reflexão - vem dizer: os limites materiais de revisão têm de ser considerados à luz de uma certa interpretação material dos limites materiais: e arreda para uma lógica jusnaturalista completamente transjurídica - eu diria completamente metafísica - o sentido jurídico dos próprios limites materiais de revisão; transforma, afinal, a interpretação acerca dos limites materiais numa mera questão de facto e, em última instância, numa mera questão de correlação de forças no que diz respeito à expressão da vontade política do poder constituinte derivado.
Ora, isto significaria a subversão da lógica da revisão constitucional e transformaria uma revisão constitucional numa transição constitucional, sem qualquer atenção pelos limites materiais.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins. Peco-lhe que seja o mais sucinto possível.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Serei muito breve, até porque a minha vontade de intervenção está em grande medida atenuada pelas intervenções anteriores. Portanto, tentaria só tocar um ponto que parece ainda não suficiente abordado, que é o seguinte: na questão do
artigo 290.°, os argumentos já foram dados a respeito desta matéria; quanto à visão e à interpretação actualista das organizações populares de base, traduzidas em comissões de moradores, também já foi aqui apontada esta questão. Penso que o ânimo...
Pausa.
Eu estava no preâmbulo da minha intervenção, mas faça favor!
O Sr. José Luís Ramos (PSD): - Mas, como estava no preâmbulo e fez a introdução que fez, fazia-lhe uma interrupção: disse V. Exa. que já foram adiantadas todas as questões relativamente ao artigo 290.° Mas da parte do PS resta uma, que é o PS explicar onde está escrito na Constituição que, relativamente ao artigo 290.° a única possibilidade é a via da dupla revisão sucessiva? O PS tem isso como dado a priori!
O Sr. Alberto Martins (PS): - Depois ficaremos no artigo 290.° Como sabe a questão da dupla revisão é uma construção doutrinal, que na altura própria será
discutida, mas de qualquer forma é uma construção doutrinal.
Vozes.
Deixaremos essa questão, é muito interessante... O problema é que...
Vozes.
O Sr. Presidente: - Não interrompam, por favor.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Diria que enquanto uma lei está em vigor essa lei merece obediência; é aquilo que o PSD não quer fazer. A revisão que faz mesmo neste artigo coloca contra... a lei constitucional! Estou a falar na Constituição, que, como sabe, é uma lei. Mas depois discutiremos essa questão.
Diria, contudo, o seguinte: o argumento, ou os argumentos, que quereria trazer têm um nexo com grandes questões que se debatem hoje na democracia, isto é, o sentido evolutivo da democracia representativa. E há alguns entendimentos com os quais estou de acordo, como o de que um dos espaços de vitalização da democracia representativa pode ser a democracia participativa, enquanto democracia directa. E, neste sentido, a interpretação sistemática para a qual, que a respeito deste preceito eu chamava a atenção, tem a ver basicamente com o artigo 112.°, quando estende (claro que há quem entenda que os princípios políticos não são aplicáveis ao poder local, não perfilho essa ideia) "que a participação directa e activa dos cidadãos na vida política constitui condição e instrumento fundamental da consolidação de sistema democrático". Ora, este artigo 263.° é uma consequência organizatória óbvia do artigo 112.° Que se poderá articular ao artigo 48.°, daí a inutilidade do artigo 118.°, tal como o PS apontou e defendeu a sua eliminação. O artigo 112.° não foi eliminado pelo PSD; está de acordo com a participação directa e activa dos cidadãos. Esta organização da participação activa dos cidadãos nos consagramo-la enquanto organização "vicinal", se quisermos, organização de vizinhos, de moradores. Creio que a virtualiade da proposta, que já está contida na Constituição,
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é não se estar a pôr nada que não esteja já nela incluído, radica na percepção básica de que a democracia directa é fundamentalmente uma democracia individualizada, e, portanto, se não tiver mecanismos mínimos de organização, dificilmente se potência. E daí a ideia do referendo, daí a ideia das comissões de moradores. Portanto, a este nível, creio que não se trata de pôr o que não está, trata-se de não tirar o que está, admitindo as virtualidades de realização do artigo 112.°
O Sr. Presidente: - Está a seguir inscrito, e espero que seja o último, o Sr. Deputado Nogueira de Brito. Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Gostaria de fazer uma observação em relação à resposta do Sr. Deputado Vera Jardim e dizer o seguinte: V. Exa. deslocou a minha pergunta e a minha observação feita em relação ao conselho municipal. Deslocou-a completamente para um conselho municipal concebido como órgão de representação ou de interesses corporativos.
Recordo que ontem a discussão sobre o conselho municipal se desenvolveu, curiosamente, entre o Sr. Deputado Almeida Santos, pela parte do PS, e o Sr. Deputado José Magalhães, pela parte do PCP. E desenvolveu-se precisamente em torno de um conselho municipal concebido como local privilegiado de representação das organizações populares de base. Pareceu-me ver na posição do PS alguma reserva, pelo menos em relação à expressão de certas formas da democracia participativa. Vejo hoje que não é efectivamente assim, o que, aliás, flui da própria sistemática do projecto. O Sr. Deputado Vera Jardim tem algumas reservas em relação a certas modalidades da democracia participativa, mas não relativamente a todas, em geral. De qualquer maneira, comunga também, segundo suponho, da posição do seu partido respeitante ao conselho municipal. Eu diria que, de facto, isso é dar com uma mão o que se tira com a outra. É que as organizações populares de base ficam na Constituição, passam a chamar-se organizações de moradores, mas depois não têm assento na estrutura municipal e, portanto, nem sequer podem valer com o seu conselho, mais ou menos avisado, à gestão do município. A não ser que seja uma consagração do respeito formal pelo artigo 290.°, penso que vale a pena - e esta é a posição do CDS - ter todas as cautelas em relação à revisão constitucional.
O Sr. Presidente: - É claro que chegámos ao fim, mas...
Pausa.
Faça favor, não tinha visto.
Tem a palavra, Sr. Deputado Vera Jardim.
O Sr. Vera Jardim (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, o PS explicou, e várias vezes, que não temos em relação ao conselho municipal as limitações do tipo que temos em relação às organizações populares de base. E dissemos: o conselho municipal não deu, não tem vida. É deixá-lo cair, não insistamos nisso! Perguntar-me-á V. Exa., naturalmente: "E então as organizações populares de base?" Nós dizemos: se não estivessem previstas no artigo 290.°, não sei se estaríamos a defendê-las neste momento, possivelmente não estaríamos. Diríamos: também não deram e, portanto, é afastá-las. Mas, como estão, é evidente que temos de adoptar uma posição diversa daquela que tomámos em relação ao conselho municipal, sobre o qual estamos livres para dizer o seguinte: não deu, não resultou, não funciona, então tira-se! Não se insista!
O Sr. Presidente: - Sempre me hei-de lamentar de os constituintes não terem preferido, em vez de organizações populares de "base territorial", "de âmbito territorial". Porque a partir da expressão constitucional passou sempre a dizer-se "organizações populares de base", e não se teria dito "organizações populares de âmbito", é óbvio! Na referência à "base" é que está a carga semântica negativa da expressão.
O Sr. José Magalhães (PCP): - A semântica teria salvo a resolução?
O Sr. Presidente: - A semântica tem peso nesta Constituição!
O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Deputado Almeida Santos parte do princípio de que essa mutação semântica levaria o Sr. Deputado José Luís Ramos a aderir apaixonadamente às "OPAS"?
Risos.
E de que o PSD, ele todo em bloco, aos pulos, morreria de amores pela existência de organizações populares?
O Sr. Presidente: - Parto do princípio de que a carga semântica ligada às organizações populares de base deixaria de existir se o ponto final não estivesse em base.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É que isso não passa de uma desculpa, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente: - Não, não é uma desculpa...
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente, Rui Machete.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, não sei se quer começar com a Administração Pública, dado que aguardámos por V. Exa. para voltarmos a essa discussão. Dado o adiantado da hora, não sei se é conveniente.
Não sendo assim, sugeríamos que se saltasse sobre a fiscalização da constitucionalidade, que é um ponto de chegada dependente de muitas das soluções que se aprovem antes, e, presumindo que não venhamos a ter tempo para dar a volta total, ficar-nos-íamos por uma leitura crítica de toda as propostas. Aí está uma boa matéria para ser deixada para Outubro. Admitindo que venhamos a ter tempo, incluíamo-la ainda nos nossos trabalhos. Se estivéssemos de acordo ou discutíamos a "Administração Pública", aproveitando a sua presença, ou a "Revisão da Constituição", para, no seguimento
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do que temos estado a discutir, incluirmos a discussão do artigo 290.°, que já veio à colação a propósito das organizações populares de base territorial.
Escolha, pois a presidência cabe-lhe a partir de agora.
O Sr. Presidente (Rui Machete): - Srs. Deputados, pretendem prolongar a reunião, de modo a podermos avançar na análise e discussão dos projectos de revisão?
A minha ideia é a de que talvez pudéssemos passar agora à análise do capítulo referente à Administração Pública e amanhã veríamos o resto.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Concordo. Prossigamos!
O Sr. Presidente: - Sendo assim, começávamos pelo artigo 266.° Quanto a este artigo há apenas uma proposta de alteração por parte do CDS. Não sei se o Sr. Deputado Nogueira de Brito quer justificar a proposta...
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, a proposta do CDS em relação ao artigo 266.° traduz-se em alterar a redacção do n.° 2, acrescentando uma referência à obediência devida pelos órgãos e agentes administrativos ao respeito dos princípios da igualdade e da proporcionalidade.
Pode-se considerar que esta referência já está contida na redacção do actual n.° 2 do artigo 266.°, na medida em que há uma referência à Justiça (obrigando-se os órgãos e agentes administrativos a actuar com justiça) e à imparcialidade. Efectivamente, a referência à igualdade é a referência a um valor material pressuposto no próprio conceito de justiça, aliás vertido na Constituição. A proporcionalidade poderá considerar-se integrada na referência à justiça e à própria imparcialidade. Simplesmente, entendemos conveniente referir a proporcionalidade. Isso tem uma importância particular quando são postos em confronto o interesse público e o interesse particular. A referência à proporcionalidade não ficaria bem se não se mencionasse também o princípio da igualdade. Entendemos que é de grande alcance esta alteração que fazemos ao n.° 2 do artigo 266.° Foi por isso que a propusemos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Queria dizer que substancialmente - e chamei a atenção para isso quando íamos entrar nesta matéria, pedindo que não a iniciássemos sem a presença de V. Exa., Sr. Presidente, como ilustre administrativista que é -, para além do que pudesse conter-se já no princípio da justiça, esta especificação que o CDS faz no artigo 266.°, n.° 2, tem um alcance muito mais profundo do que aquele que poderia imaginar-se à primeira vista. É um aperfeiçoamento dos princípios constitucionais relativamente à actividade administrativa, a meu ver em si mesmo muito positivo, que pode vir a ter implicações que poderão eventualmente ser melindrosas (dependerá da prudência dos tribunais) na questão da validade dos actos administrativos. Devo confessar em todo o caso, que depois de reponderar, francamente seria favorável à solução, confiando em que os tribunais terão algum senso na aplicação dos princípios aqui fixados, especialmente o princípio da igualdade, que hoje, aliás, já vincula a actividade administrativa.
O Sr. Presidente: - Mais alguns dos Srs. Deputados deseja usar da palavra?
O Sr. Almeida Santos (PS): - Gostaria de formular uma pergunta ao Sr. Deputado Nogueira de Brito: qual é o efectivo alcance do princípio da igualdade? E a criação de um jurisprudência em que se pudesse impugnar um acto, porque em relação a dois casos iguais houve solução divergente!?
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - É esse o problema.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Em todo o caso, isso comporta riscos. No fundo, era transportar para a Administração regras que USEI sempre têm dado bons resultados nos tribunais. Se é isto, é sonhar alto de mais. Quanto ao princípio da proporcionalidade estou perfeitamente de acordo. Quanto ao princípio da igualdade, ou ele é esclarecido ou então transportamos para aqui a regra da jurisprudência dos tribunais: quando há dois acórdãos divergentes, pode-se impugnar um, com base no facto de divergir do outro. Vamos nós transportar isso qua tale para a Administração? Se é assim, tenho dúvidas quanto ao princípio da igualdade. A igualdade de tratamento já era mais suave. O princípio da igualdade, se é isto que significa, justifica-me reservas. O da proporcionalidade, nenhuma, pelo contrário aplaudo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Almeida Santos, podemos dizer-lhe, de qualquer forma, que as interpretações que têm sido feitas da norma constitucional actual do n.° 2 do artigo 266.° já consideram implícito na justiça a referência ao valor igualdade. Um dos valores materiais contidos efectivamente na referência à justiça é o próprio valor da igualdade, que, aliás, tem tradução constitucional noutra parte da Constituição. Portanto, seria uma explicitação da referência à Justiça esta referência feita ao valor igualdade expressa aqui no n.° 2. Poderemos dizer que as tentativas, referidas pelo Sr. Deputado Almeida Santos, que se fazem já hoje no sentido de consagração desta obediência ao princípio da igualdade encontrem justificação no actual n.° 2. Não será um avanço de tal monta a referência ao princípio da igualdade, muito embora, efectivamente, ele sirva para explicar essa necessidade de obediência da Administração ao princípio da igualdade. Parece-me importante, sem dúvida, e mesmo com as consequências que o Sr. Deputado Almeida Santos acaba de apontar, que a Administração se comporte efectivamente no tratamento que dá a casos iguais de igual modo.
O Sr. Almeida Santos (PS): - A questão é saber o que é que é igual numa sequência de casos.
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O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Essa dificuldade já existe hoje.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que não vale a pena nem desvalorizar nem valorizar excessivamente esta proposta. Todas as questões suscitadas pelo Sr. Deputado Almeida Santos podem já hoje ser suscitadas face ao que dispõe o artigo 13.° da Constituição. Se não é fácil medir todas as implicações e todos os afloramentos para a Administração do princípio da igualdade, é possível, no entanto, situar já hoje, algumas das principais dimensões e implicações do princípio. Por exemplo, ninguém encontraremos, creio eu, que sustente que são legítimas e compatíveis com a Constituição medidas administrativas que estabeleçam obrigações desiguais, imposições coactivas aos cidadãos, qualquer que seja a sua natureza jurídica específica.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Se tiver cá igualdade perante a lei, estou totalmente de acordo.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É mais do que isso. O princípio não se esgota nisso. Em segundo lugar, o Sr. Deputado Almeida Santos pode interrogar-se sobre as implicações deste princípio em administrações como as modernas, de prestações, em que há a necessidade constante de adoptar medidas que se traduzem no propiciar aos cidadãos de benefícios, de serviços das mais diversas naturezas. Aí, rege já o princípio da igualdade. Não é preciso que o digamos aqui especificamente. Idem aspas em relação ao próprio exercício dos poderes discricionários de que a Administração está investida aos diversos escalões e que podem assumir as mais diversas formas. Aí também não se concebe que no exercício dos poderes discricionários a Administração decida segundo critérios desiguais, embora naturalmente os cidadãos não tenham o direito a beneficiar da igualdade na asneira; da igualdade no favor; ou da igualdade na corrupção; ou da igualdade no abuso. O tratamento privilegiado e abusivo de uns não legitima o tratamento privilegiado e abusivo dos demais ("também quero a minha ilegalidadezinha", essa figura não existe, não é comportável com o princípio da igualdade).
Chegamos a isto por hermenêutica que temos de fazer aqui ou no artigo 13.° Não podemos fugir a ela, porque temos que delimitar o quadro em que a Administração se há-de mover. E a Administração não pode senão mover-se segundo um princípio de tratamento igual do que seja igual.
Finalmente, é evidente que a Administração ao actuar pode conduzir a danos, a prejuízos de cidadãos. Quando atinge cidadãos, por força da sua actuação, e lhes cause prejuízos deve tratá-los de forma igual. Seria absurdo que alguns pudessem ser prejudicados livremente e compensados e outros prejudicados livremente, mas não compensados.
Tudo isto se coloca - e era aí que queria chegar face ao quadro constitucional vigente. Será positivo o facto de se fazer no artigo 276.° menção à igualdade, tal como já se faz em relação ao princípio da justiça e da imparcialidade, cuja natureza e cujos contornos suscitam dúvidas, pelo menos tão dilaceradas como aquelas que o Sr. Deputado Almeida Santos agora aqui nos traz, e que são, na prática dos nossos tribunais, caracterizados por uma enormíssima distância entre os bons desejos, as metas e os parâmetros constitucionais e a capacidade da invocação pelos cidadãos, a capacidade de fazer saber esses princípios perante os tribunais e perante a Administração Pública.
Parece-me que o contributo enriquecedor decorrente de acentuar, do enfatisar desta vertente pode ser extremamente útil num quadro em que a questão da igualdade pode ser chocantemente posta em causa na actuação da Administração Pública, por falta, não só do princípio ou da explicitação do princípio ou do ênfase do princípio, mas por falta de uma política de Administração Pública que conduza à sua reforma. Porque na reformada Administração Pública e na adequada malha legal e no espírito de reforma também está a enorme e talvez a maior cautela para a garantia de todos os princípios da Constituição, incluindo este. A adesão a esta matéria ou a simpatia que esta proposta pode merecer só pode ser temperada pelo facto de ela ter um conteúdo invocatório, mas não dispiciendo. Gostaria de sublinhar isso, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, também não era para dizer muito sobre esta proposta do CDS, mas era para, do meu ponto de vista, demarcar o acrescentamento que o CDS propõe ao n.° 2 e aquilo que se contém no actual texto da Constituição. De facto, entendo que há diferença entre o actual texto, consagrando o problema da justiça e da imparcialidade no exercício das funções da Administração, e os outros dois princípios aqui acrescentados, que são o princípio da igualdade e o princípio da proporcionalidade.
É que o princípio da igualdade e o da proporcionalidade não têm um acento específico, de direito próprio, neste n.° 2 que não se contenha já no âmbito da estruturação de toda a Constituição. Isto é, a igualdade e a proporcionalidade extravasavam dos princípios típicos do que respeita à actividade da Administração, abrangem-na, mas abrangem-na na medida em que abrangem outro tipo de funções e outro tipo de acções que a Constituição efectivamente prevê. O princípio da igualdade e da proporcionalidade têm um âmbito mais vasto do que o que cabe naquilo que é atribuído à função administrativa, porquanto a abrangem, como igualmente abrangem outros lugares e outras acções constitucionalmente assinaladas. São princípios jurídico-materiais com alcance constitutivo. Têm a ver, de certo modo, com pautas que identificam a Constituição num certo sentido material de uma espécie de moral universalista. Não têm um lugar "privilegiado" no âmbito de actividade administrativa. Por exemplo, e para já não falar do princípio da igualdade e dos efeitos abrangidos do artigo 13.°, porque é que o princípio da proporcionalidade figura aqui e não há-de figurar no que diz respeito ao direito constitucional criminal, numa
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referência eventual à proporcionalidade entre infracção criminal e a cominação da pena? Aí, o princípio da proporcionalidade tem também um assento próprio que não foi assinalado em propostas de alteração.
Portanto, não é para diminuir a estatura dos princípios da igualdade e da proporcionalidade que entende que eles aqui não devem figurar, é, pelo contrário, em homenagem ao seu sentido abrangente, em homenagem ao facto de constituírem momentos normativo materiais identificadores de toda a Constituição, que entendo que eles não têm aqui um lugar particularizado, que o CDS lhes pretende atribuir.
O Sr. Presidente: - V. Exa., Sr. Deputado, vai depois usar da palavra no fim, depois das observações; portanto já com um cabedal de intervenções bastante mais vasto.
Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - O que queria dizer era o seguinte: independentemente de questões de âmbito de eficácia do princípio da igualdade, o problema que este princípio põe, quando aplicado à Administração, decorre, do facto de a actividade administrativa não ter uma exigência de sistematicidade que é própria da actividade normativa. O que significa que no domínio administrativo a igualdade terá que ser entendida cum grano salis, isto é, respeitando designadamente a liberdade de cada órgão ter o seu critério, diversos órgãos terem critérios diversos para decidir a mesma questão e de os critérios poderem variar no tempo.
Neste segundo aspecto a situação não é diferente do que se verifica no plano normativo. E mesmo no primeiro é questão de grau, porque, por exemplo, o pluralismo normativo implica, naturalmente, a possibilidade de situações desiguais para casos iguais por respeito da originariedade de cada critério. Nada obriga a que uma postura de uma câmara municipal estabeleça uma coisa e que outra postura de outra câmara municipal estabeleça outra. São critérios diferentes, e no fundo o pluralismo significa a liberdade de critérios. Isto no domínio administrativo é mais acentuado e é evidente, penso eu, que a jurisprudência terá de ter um particular cuidado em tirar consequências do princípio da igualdade, que hoje já é um princípio que vincula toda a actividade do Estado, designadamente a da Administração, e em medi-lo de acordo com as circunstâncias.
Já há uma expressão legal do princípio, quando no decreto-lei sobre a fundamentação dos actos administrativos - Decreto-Lei n.° 256-A/77, se bem me recordo - se exige a fundamentação sempre que haja alteração da orientação habitual. E há casos que são chocantes. Tenho ideia de ter visto uma decisão curiosa de um tribunal alemão qualquer, que era confrontado com a situação de um polícia, numa rua onde estavam dois carros mal estacionados, multar um e não multar o outro. E tenho ideia, mas não posso garantir, que o tribunal, baseando-se na simultaneidade da apreciação, considerou que este acto administrativo violava o princípio da igualdade e anulou-o.
O Sr. Presidente: - Mas é um caso clássico.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - É um caso clássico, mas para mim é a ideia vaga de um caso lido há muitos anos. Diria, e em particular relativamente às observações do Sr. Deputado Almeida Santos, que não acho mal, acho até positivo que se consagre aqui o princípio da igualdade, desde que depois a jurisprudência tenha as cautelas necessárias para não praticar excessos ou abusos na apreciação da validade dos actos administrativos em função deste princípio. Mas recordo que alguns casos aconteceram e recordo o despacho de um secretário de Estado que em dois casos exactamente iguais decidiu de forma exactamente contraditória e, por azar, profissionalmente estava ligado a uma das empresas.
O Sr. Presidente: - Mas isso foi um azar!
O Sr. Almeida Santos (PS): - Aquele em que decidiu bem ou aquele em que decidiu mal?
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - É um pro igualdade perante a lei. Vozes.
O Sr. Presidente: - Tenho aqui duas inscrições ainda: uma a minha e outra a do Sr. Deputado Jorge Lacão.
Devo dizer que tenho, em relação a esta proposta do CDS, uma grande simpatia pela resposta daquele partido, porque ela parece à primeira vista um exemplo daquele aperfeiçoamento da lei que normalmente se diz, numa frase alemã, para gáudio dos circunstantes, verfeinung dês Gesetzes, mas é completamente distinto aquilo que se refere ao princípio da proporcionalidade e ao princípio da igualdade.
Em primeiro lugar, porque o princípio da proporcionalidade é habitualmente invocado, como sabem, em relação a certo tipo de actividades administrativas caracterizadamente discricionárias, como é o caso das actividades de polícia. E a jurisprudência que inicialmente avançou nesse capítulo foi sobretudo a jurisprudência dos tribunais administrativos alemães e dos tribunais administrativos italianos, sem que isso se tivesse traduzido em avantajar excessivamente os poderes de fiscalização dos tribunais acerca da actividade da Administração activa. Porque toda a gente reconhece que não tem sentido, por exemplo, que a polícia, numa actividade que por natureza é pouco formal e em que os actos não são actos administrativos, definitivos e executórios, mas são actos materiais, que põem em causa, ou podem pôr em causa, direitos fundamentais, só se justifique, se ligitime na medida em que seja. necessária e seja coberta por essa necessidade. E daí que nunca tenha ocasionado particulares polémicas o reconhecer na actividade policial, que é uma actividade, por definição, discricionária, que se reconheça aos tribunais essa possibilidade (às vezes é uma questão de prova) e não tem havido dificuldades particulares em admitir que os tribunais venham fiscalizar e, portanto, restringir uma actividade noutros aspectos imune ao controle juridicional em matéria de princípio da proporcionalidade.
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Já o mesmo não acontece relativamente ao princípio da igualdade. É claro que o Sr. Deputado José Magalhães disse: "Bem, a verdade é que isso já existe a propósito do artigo 13.°" Mas o artigo 13.°, em primeiro lugar, não tem como destinatário específico a Administração Pública. Em segundo lugar, curiosamente, vem referir critérios muito concretos, embora não seja um elenco exclusivo, mas vem explicar em termos materiais, digamos assim, como é que o princípio da igualdade se concretiza em muitos dos seus aspectos. Dá, portanto, um critério em sentido material, e a consignação do princípio da igualdade neste artigo 266.° coloca realmente outra questão, a de saber o que é que vem acrescentar aos poderes de cognição dos tribunais e de controle dos tribunais.
E como o princípio da igualdade é por natureza um princípio formal e como, ainda por cima, a Administração Pública é uma administração pública cada vez mais pluralista no sentido de que não é redutível a um conjunto, a uma pirâmide de órgãos encimados pelo Governo e em que, por outro lado, cada órgão tem uma liberdade de interpretação e aplicação da lei maior que no passado, esta ideia de aplicar qualquer coisa de paralelo, como dizia o Sr. Deputado Almeida Santos, àquilo que se passa na actividade jurisdicional é extremamente perigosa. Se uma câmara aplica de uma determinada maneira um acto e a outra aplica de maneira totalmente diferente, viola-se o princípio da igualdade? É claro que eu penso que na maior parte das circunstâncias nenhum deles o violará. Mas o princípio coloca nas mãos do julgador um elemento que pode ser utilizado em termos extremamente gravosos para aquilo que é a discricionariedade legítima da Administração Pública.
Portanto, propendo a pensar que, muito embora, se fosse interpertado de maneira extremamente cautelosa, pudesse significar um reforço, não digo já dos poderes do tribunal, porque este já tem esses poderes, mas da confiança que o tribunal tem no exercício desses poderes, mesmo assim rejeito a proposta. É verdade que os tribunais administrativos em Portugal têm sido demasiado timoratos na fiscalização do poder discricionário da Administração Pública; em muitos casos aceitam uma imunidade de controle jurisdicional que é nitidamente contrária àquilo que hoje já é claramente preconizado pela Constituição. O mérito da consignação do princípio, aqui, seria o de, digamos, incentivar os tribunais a avançar. Mas também é facto, e importa reconhecê-lo, que os nossos tribunais não têm normalmente praticado uma distinção cuidadosa entre aquilo que são princípios e aquilo que são preceitos ou aquilo que são normas; tendem a interpretar os princípios como normas, o que tem trazido algumas dificuldades, umas vezes porque aplicam demasiadamente os princípios, outras vezes porque, temerosos das consequências, acabam por não utilizar os princípios pela via correctiva. Nestas circunstâncias, propenderia a ter uma atitude extremamente prudente e, com pena, como já referi, a não acompanhar o CDS na sua proposta, sem prejuízo de, numa segunda volta, podermos voltar a equacionar esta matéria.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá-me licença que faça uma pergunta, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, se bem o compreendo, há uma espécie de "travões a fundo" no raciocínio que faz, o que permite, na segunda parte, uma posição distinta de toda aquela que se poderia extrair da primeira. Os males da prática dos tribunais e as questões de relacionamento entre o legislador e os tribunais são, como é óbvio, extremamente melindrosos. Certas soluções que são tidas por perfeitas e desejáveis falham na prática, porque, por vezes, não são compreendidas as mediações necessárias, as características da estrutura de aplicação, as suas regras (a sua sociologia, no fundo), as suas correlações num determinado momento histórico. Nesta matéria, francamente, tenho dificuldade em fazer essa aplicação da teoria geral! Tivemos o mesmo problema de perspectivação, de resto, na sequência daquela interrogação do Sr. Deputado Almeida Santos: "Decorre daqui qualquer coisa que, na sua aplicação, até poderia conduzir a uma inibição do que já é possível, por um hipercuidado em evitar males de um excesso?" Aquilo que eu não entendi demonstrado na segunda parte das observações do Sr. Deputado Rui Machete é que deste caso concreto, desta solução - com estes limites e com o confronto decorrente deste debate ou desta noção (o que quer que ela valha, em termos de hermenêutica, como é óbvio) - resulte esse mal. O que resulta, quando muito, é aquilo que, nas próprias palavras do Sr. Presidente, foi explicitado: um incentivo a que os tribunais apliquem aquilo que é fundamental, em termos de relacionamento dos cidadãos com a Administração, e até de autoconformação da Administração.
Não façamos aos tribunais a ofensa de não distinguirem entre normas e princípios e de, na via pedregosa que é a aprendizagem dos princípios, não serem capazes de fazer, em relação à igualdade, a pedagogia que são capazes de fazer em relação à imparcialidade e em relação à justiça. Se há conceito cuja densifica-ção tem dificuldades, é o de justiça (e o de imparcialidade não menos). Basta atentar no que sobre esta matéria vem dizendo constantemente alguém que, por ser insuspeito na minha boca, aqui cito, qual seja o Prof. Freitas do Amaral nas lições respectivas de Direito Administrativo, quando se refere ao alcance destes princípios e ao fraco uso que deles é feito na prática forense e na judiciária, tanto por "culpa" das partes como por "culpa" dos juizes, dos tribunais. Creio que se alguma coisa positiva aqui se poderia fazer, em sede de revisão, era um pequeno impulso. É que ele será sempre pequeno!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, a ideia que eu procuro traduzir é esta: no artigo 13.° o que está a ser considerado são os destinatários dos actos, são os cidadãos; de algum modo, o princípio da igualdade já se encontra refractado nas situações subjectivas individuais - sejam elas direitos subjectivos ou interesses legítimos -, essa acentuação é algo que os tribunais estão mais habituados a fazer e não tem o acento tónico no aspecto da actividade administrativa, tout courí, independentemente da consideração dos seus destinatários.
Quando nós, neste artigo 266.°, volvemos para a actividade administrativa, o que atingimos de pleno é a maneira como a Administração Pública interpreta a
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lei e concretiza os seus poderes, e é facto que eu penso que essa limitação - não pela circunstância de estar aqui consignado o princípio da igualdade - já existe, só que o incentivo ou a obrigação de perscrutar com afoiteza se a Administração Pública cumpre o princípio da igualdade ou não é normalmente dado pelas repercussões que teve na situação jurídica do destinatário pelos critérios que foram dados a propósito do artigo 13.° Se nós interpretarmos o princípio da igualdade no sentido de que os tribunais, em qualquer circunstância, incentivados, apoiados neste artigo 266.°, vão observar a Administração Pública, desde a fase inicial do procedimento administrativo até à prática do acto final, a vão cotejar - não sabemos exactamente com o quê, porque não lhe damos elementos, não sabemos, inclusivamente, se estamos a cotejar a prática de uma mesma autoridade administrativa, ou de várias autoridades administrativas do mesmo tipo, ou em função do mesmo caso concreto -, vamos dar-lhe um grau de latitude de apreciação e corremos o risco de confiar aos tribunais uma liberdade e uma extensão de poderes de cognição que. aparentemente, reforça a fiscalização da actividade da Administração Pública, mas pode ter efeitos negativos muito claros.
A história do contencioso administrativo nos últimos anos em Portugal vem revelar que os tribunais só são eficazes quando têm avançado prudentemente, passo a passo, na fiscalização da Administração Pública. A fronteira entre aquilo que é permitido aos tribunais fiscalizar e aquilo de que estão impedidos, ao contrário do que, por vezes, se refere, não é uma fronteira que tenha sido traçada pelo legislador; têm sido sempre os tribunais, na sua prática histórica, que, a pouco e pouco, têm vindo progressivamente a avançar: o Conselho de Estado francês é um caso nítido nesse sentido. Mas também é verdade que, quando se conseguiram coisas demasiado avançadas, os próprios tribunais têm recuado, sensíveis à delicadeza das matérias ou temerosos das consequências dos seus actos, e, quando o não fazem, o legislador tem-se encarregado de lhes chamar a atenção.
Tudo isto para dizer que, tal como as coisas estão a evoluir, eu confiaria mais na doutrina e nas lições do Dr. Diogo Freitas do Amaral e nas de outros ilustres juristas, que vão incentivando os tribunais e empurrando-os para ir aplicando a Constituição, do que numa norma que leve todos os tribunais administrativos a fazer um juízo em cada caso, dizendo assim: "Então o princípio da igualdade terá sido violado neste caso?" Isso parece-me ser uma exigência, em termos de fiscalização da actividade da Administração Pública, que é demasiado forte para ser feita neste momento. Enfim, tenho dúvidas, evidentemente, mas essa foi a razão da minha intervenção.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, queria dizer algumas coisas, pretendendo que aquilo que quero exprimir possa situar-se na linha de preocupações que V. Exa. acaba de manifestar.
Efectivamente, a proposta apresentada pelo CDS, à primeira vista, é suficientemente aliciante para merecer acolhimento, mas quando enveredamos por uma linha de reflexão acerca do que nela se contém suscitam-se-nos tais dúvidas que alguma reserva e alguma prudência quanto à admissibilidade dessa proposta talvez convenha ser enunciada. O Sr. Presidente, Rui Machete, melhor do que eu, já o fez, mas gostaria de aduzir ainda, da minha parte, alguns motivos de preocupação.
O princípio da igualdade é um princípio consagrado em sede de direitos fundamentais; os princípios e direitos fundamentais têm um regime jurídico que vincula as entidades públicas e as privadas - vincula, portanto, no que ao caso diz respeito, as entidades públicas, logo, todos os agentes e órgãos da Administração Pública. Aparentemente, portanto, o princípio da igualdade, de acordo com o regime jurídico dos direitos fundamentais, está garantido, quer no que diz respeito à tutela subjectiva dos cidadãos, quer no que diz respeito ao dever objectivo de as entidades públicas respeitarem essa consagração do princípio da igualdade. Se assim é, o princípio tem uma vocação universal e carece de voltar a ser reafirmado em qualquer parte da Constituição. A não ser que o CDS pretenda que este princípio de igualdade tem um conteúdo em algum aspecto distinto daquele que tem o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.°- aí o princípio da igualdade é estabelecido como regra de igualdade dos cidadãos perante a lei e como regra de não discriminação.
Será que o CDS entende que, para além da igualdade perante a lei - aquilo que, na versão clássica, os Gregos chamavam isonomia -, deve haver agora um princípio de igualdade formal perante os actos da Administração Pública? É, porventura, um quid novo que o CDS desejava acrescentar. Mas, se assim é, então este direito fundamental dos cidadãos perante a Administração Pública e não apenas perante a lei - que, obviamente, também vincula os órgãos administrativos - não teria como consequência a eventual paralisação da própria Administração, por exemplo, à luz de um princípio que não está constitucionalizado, mas que é o da oportunidade de certo tipo de actos administrativos? Não é do senso comum que o princípio da oportunidade, em muitos casos, pode conflituar com o núcleo duro do princípio da igualdade dos cidadãos perante a Administração Pública?
Colocando a questão noutra perspectiva: até agora tem havido uma relativa compatibilidade destes princípios - o da igualdade, em sede de direitos fundamentais, o da justiça e da imparcialidade, que, vinculando por esta via a Administração Pública, permite o exercício das chamadas "discriminações positivas", como não afectando, no essencial, o princípio da igualdade, uma vez que, à luz do princípio da justiça, não representam, stricto sensu, uma discriminação, mas antes uma forma de evitar uma discriminação de facto. Ora este princípio da igualdade dos cidadãos perante os órgãos administrativos poderia colocar em causa a própria possibilidade da discriminação positiva, como emanação do princípio da justiça. E, nesta luz, a compatibilização destes princípios tornar-se-ia bastante mais difícil. Ao contrário daquilo que o CDS poderia inicialmente pretender, a dificuldade de compatibilização de princípios poderia vir a fazer-se com denegação do princípio da justiça, em homenagem a uma visão meramente formalista do princípio da igualdade.
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Seguramente não é esta a intenção do CDS. Porém, para evitar que algo do que acabo de dizer pudesse ter tradução real, talvez fosse mais prudente atermo-nos ao princípio da igualdade como princípio consagrado em sede de direitos fundamentais, com a sua força jurídica típica vinculando universalmente entidades privadas e públicas, e mantermos no exercício da actividade administrativa a vinculação ao princípio da justiça e da imparcialidade, porventura ainda ao da proporcionalidade. Assim, talvez garantíssemos melhor a compatibilização dos princípios.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - É bem verdade, Sr. Presidente, que a função faz o órgão. Eu, ao ouvir hoje V. Exa. expor uma jurisprudência de cautelas com tanto afinco em relação a esta matéria, julguei que estava a ouvir uma pessoa diferente daquela que tem desenvolvido tantos esforços para tentar fazer evoluir a nossa justiça administrativa de um contencioso de pura legalidade para uma jurisdição a caminho da jurisdição plena. V. Exa. sabe que os esforços que tem feito como doutrinador ou doutrinário nessa matéria são, muitas vezes, infrutíferos. Tenho ouvido e lido os seus lamentos. Julguei que hoje o Sr. Presidente, Rui Machete, iria manter maior coerência no seu discurso (o Sr. Deputado José Magalhães falou em primeira e em segunda partes, eu falaria em quase toda a parte e numa pequeníssima última parte) e iria dar coerência a essa última parte e procurar dar este pequeno incentivo ao evoluir do nosso contencioso administrativo.
O Sr. Presidente: - Não estamos a tratar do contencioso administrativo directamente?
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não, Sr. Presidente, estamos fundamentalmente a dar mais um apoio à nossa justiça administrativa no seu controle da actividade da Administração. É isso que o CDS pretende.
O CDS ficou também algo espantado com as cautelas que aqui foram expressas. Foi aqui dito que seria perigoso confiar à justiça poderes tão latos e que, porventura, seria preferível confiar esses mesmos poderes tão latos à Administração. Nós, CDS, temos uma posição rigorosamente ao contrário e defendemos menos poderes para a Administração e mais para a justiça.
Para além das cautelas aqui expressas, foi também referida uma jurisprudência de oportunidade, de despropósito. A Sra. Deputada Maria da Assunção Este-ves considerou despropositado, ou menos propositado, que tivéssemos particularizado os valores da igualdade e da proporcionalidade. Sendo certo que eles fluem já da parte geral da Constituição, do enunciado respeitante aos direitos fundamentais, portanto não havia que os particularizar aqui, quando eles tinham uma aplicação geral. Eu diria o seguinte, Sra. Deputada Assunção Esteves: há que os particularizar aqui, efectivamente! Isto porque (volto a responder, de certo modo, à intervenção dos Srs. Deputados Almeida Santos e Jorge Lacão) o próprio princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei e a igualdade como situação oposta à discriminação, traduzidas e expressas no artigo 13.°, têm pouco sentido se a Administração não estiver, ela própria, expressa e especificadamente, subordinada a este princípio da igualdade. Acaba por ser reduzido o sentido do valor da igualdade recebido na Constituição através da porta do artigo 13.°, se nós não o exprimirmos claramente em relação à própria Administração.
Por outro lado, Sra. Deputada Assunção Esteves, alguns exemplos marcantes foram aqui trazidos à discussão. Aliás, congratulo-me com a extensão que a discussão acabou por ter e com uma certa unanimidade que, apesar de tudo, encontrei nas várias opiniões manifestadas relativamente à proposta do CDS! Sra. Deputada, não só o princípio da igualdade carece de ser concretamente vertido quanto às relações da Administração com os administrados como também o princípio da proporcionalidade. V. Exa., Sra. Deputada Assunção Esteves, referiu que haveria vantagem, porventura, em não referir o princípio em relação, por exemplo, à adequação no que toca ao direito penal e, concretamente, à aplicação da pena. Temos de considerar o seguinte: é que estamos aqui confrontados com a actuação da Administração, que vive de um confronto permanente entre o interesse público e o interesse particular. Não digo que a própria aplicação da lei penal e das penas não viva também desse confronto permanente. É fundamental que aqui o princípio encontre uma tradução específica, o que não quer dizer que não veja vantagem em que encontre outras onde, porventura, se torne mais carecido, mais necessário fazer essa tradução. Mas aqui isso é extremamente necessário, porque esse confronto é permanente e é fundamental que a Administração actue e realize proporcionalmente o interesse público em confronto com os interesses dos particulares.
Era isto o que gostaria de dizer, como comentário final às intervenções de todos os membros da Comissão que entenderam por bem intervir nesta matéria.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Queria apenas responder às objecções do Sr. Deputado Nogueira de Brito sobre a minha intervenção de há pouco. Entendo que a necessidade que o Sr. Deputado Nogueira de Brito aduz para que figurem aqui expressamente os princípios da igualdade e da proporcionalidade resultará de uma leitura da função desenvolvida por ambos os princípios que é, de certo modo, redutora. Ou seja, é uma leitura que confina a uma certa formalização o que se contém no artigo 13.° e que não atribui, tanto ao princípio da igualdade como ao princípio da proporcionalidade, um sentido constitucionalmente conformador, isto é, é, no fundo, subtrair-lhe toda a força material constitutiva, que não pode deixar de ser, numa Constituição democrática como a nossa, assinalada a estes princípios, que têm implicações em todos os domínios da interpretação, sobre todos os lugares do sistema jurídico.
Portanto, só uma concepção redutora, excessivamente formalizante do princípio da igualdade no âmbito do artigo 13.°, ou da consideração que o princípio da proporcionalidade, ainda que não expresso, possa ter, levará a esta necessidade que nós, PSD, não
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sentimos, mas sente o CDS, de, em cada lugar e a propósito de qualquer coisa, ter de referir de novo os princípios. Na medida em que nós atribuímos e reconhecemos a esses princípios um sentido material, um sentido constitutivo, um sentido constitucionalmente conformador a todos os níveis, não posso deixar de considerar desnecessário que figurem aqui de modo privatizado em relação à Administração. Volto a referir como exemplo, dentro da mesma lógica, que, no âmbito das regras constitucionais penais, o princípio da proporcionalidade não é referido, mas ele próprio renasce aí na sua dimensão material, sem que ao intérprete se ponham quaisquer dúvidas sobre a relação de proporcionalidade entre a infracção criminal e a pena. E quem diz no âmbito da Constituição penal, diz no âmbito da Constituição em matéria de direito administrativo no que diz respeito a toda a elencagem dos direitos fundamentais e ao seu regime, etc.. Há, de facto, aqui um sentido conformador, material, constitutivo que torna claramente desnecessária, senão mesmo perversa, a inserção do expresso princípio da igualdade e da proporcionalidade nesta sede.
O Sr. Presidente: - Queria também fazer um comentário, mas há mais inscrições.
O meu comentário é muito simples: compreendo o contexto em que o Sr. Deputado Nogueira de Brito faz as suas observações. Não digo que elas sejam, não são certamente, demagógicas, mas é bom aproveitar esta oportunidade para dizer o que disse. Em todo o caso, há dois ou três pontos que gostaria de salientar, porque me parecem importantes e têm de limitar o nosso entusiasmo, porque eu também o acompanho no desejo de que os nossos tribunais estendam os seus poderes de cognição, sejam mais ousados, "ousem vencer" (parafraseando uma expressão célebre de uns revolucionários relativamente recentes). Repare o Sr. Deputado Nogueira de Brito que, em primeiro lugar, a evolução da Administração Pública, não só em Portugal como em todos os lados, se caracterizou por deixar de ser uniforme para ser pluriforme. Quer dizer, uma das críticas que penso que se fazem a algumas das interpretações, mormente dos nossos administrativistas, é a de ainda não se ter reflectido suficientemente na doutrina, que ensinam, que hoje falar na Administração Pública é uma abstracção. Não há a Administração Pública, há administrações públicas. Há uma pluralidade de entidades muito diversificadas. Quer dizer: antigamente havia o Estado e depois havia umas entidades territoriais a quem se tinham devolvido os poderes, todas elas afinavam pelo mesmo diapasão e a tutela administrativa garantia que tivessem uniformidade de actuação. Isso hoje não é assim. E não deve ser assim. E um dos fenómenos característicos da evolução da função executiva da Administração Pública moderna é justamente o pluralismo de formas que as pessoas colectivas revestem com diferentes poderes. Inclusivamente, nalguns casos, elas nem actuam segundo as formas do direito público, actuam segundo as formas do direito privado - também aí é interessante saber até onde esses princípios são aplicáveis -, introduzindo uma grande riqueza polifórmica que importa ter em consideração. Estamos muito longe daquela Administração Pública monocórdica e em que o Estado era o centro principal de actuação de todo o poder executivo.
Segundo aspecto do problema: como V. Exa. muito bem sabe, é muito diferente a actividade administrativa da actividade jurisdicional. A actividade jurisdicional aplica-se a julgar o passado, a ajuizar do passado, num universo relativamente fixo e num universo em que não aparece a necessidade de introduzir a dinâmica e o tempo, não aparece a necessidade de considerar a questão da oportunidade - as coisas fazem-se em relação a eventos que estão fixados. Já assim não acontece na actividade administrativa, em que a multiplicidade das situações que surgem perante o decisor e dos factores a ponderar é extremamente vasta. Isto leva a que seja mais complexa a aplicação do princípio da igualdade na Administração Pública do que é, por exemplo, na função jurisdicional. E daí, por exemplo, dizer-se que é mais fácil e pode ser mais exequível aplicar o princípio...
Vozes.
O Sr. Presidente: - Mas, mesmo assim, há casos julgados contraditórios.
Apesar de tudo, é mais fácil aplicá-lo do que na função administrativa. Porque na função administrativa esses dois aspectos, ao entrecuzarem-se, criam enormes dificuldades. É evidente que se considerar a prática de um mesmo órgão a propósito das mesmas questões os problemas são mais simples. Sr. Deputado Nogueira de Brito, se considerar a prática de um mesmo órgão a propósito da mesmas questões - e daí o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles ter citado o Decreto-Lei n.° 256-A/77 a propósito da fundamentação dos actos -, é evidente que, quando muda de orientação, tem de fundamentar para permitir que o tribunal ajuíze. Mas isto é um projecto muito limitado, muito específico, do princípio da igualdade, com o qual estou inteiramente de acordo. Quando se considera a Administração Pública e se acentua, do lado da actividade administrativa, o princípio da igualdade, é óbvio que se dá um alcance e uma vastidão ao princípio completamente diferente. É essa a razão básica do meu temor. É que não vamos nós, "por bem fazer, mal haver". E é essa a questão! Quanto aos intuitos, acompanho-o plenamente. E mesmo avanço esta posição cautelar com alguma hesitação e com alguma dúvida. Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Queria dizer duas palavras a este respeito. Uma, para fazer um comentário à intervenção da Sra. Deputada Assunção Esteves. É capaz de ter razão, mas talvez a Constituição não tenha sido formulada em termos em que apareçam explicitados certos princípios fundamentais, digamos, numa parte geral. De modo que não vejo grande mal em que sejam explicitados como afloramentos aqui ou acolá. Recordo-me sempre a esse propósito de um caso: eu só intervim uma vez na minha vida (graças a Deus) - e aprendi imenso com essa frase de um sindicalista do PSD - numa negociação colectiva onde, de resto, era mais espectador que interveniente - aliás, eu representava uma instituição cujo pessoal tinha, em parte, estatuto de funcionário público e era preciso fazer umas reservas quanto à aplicação da convenção colectiva. O lado patronal (que era a banca pública) estava encharcado de juristas, e cada vez que os sindicalistas queriam uma coisa, frequentemente do lado
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patronal se dizia: "Mas isso é inútil, já está na lei, já decorre da lei, já decorre dos princípios." E, a certa altura, um sindicalista, aliás, do PSD, com uma observação inteligentíssima, a meu ver, disse: "Ouçam, vejam lá se entendem que aquilo que para vocês, juristas, é supérfluo, para nós é ênfase." E a legislação tem alguma função enfática também porque tem alguma função pedagógica. Não veria mal que houvesse princípios formulados aqui, nem que isso perturbasse a arquitectura constitucional, a não ser que nós conseguíssemos reformular, a "passe fase", de maneira a introduzir o princípio da igualdade porventura com uma expressão mais ampla do que aquela que tem no artigo 13.° e o princípio da proporcionalidade.
Agora, independentemente desse comentário relativo à intervenção da Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves, diria que parece que nós conseguimos aqui adquirir mais ou menos duas coisas (isto era uma espécie de tentativa de síntese): proporcionalidade - parece que não há objecção de maior, parece que há um certo consenso, no fundo;...
Vozes.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): -... ou não há? Enfim, em princípio; igualdade - há algumas reservas decorrentes do modo específico como o princípio da igualdade deve funcionar no plano administrativo, como funciona também no plano judicial, por exemplo. E talvez valesse a pena deixar isso para melhor reflexão, em fase mais adiantada dos trabalhos, na redacção final, por exemplo...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Ou na "segunda leitura", lá para o mês de Outubro...
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Ou na terceira. Talvez se pudesse até encontrar uma fórmula...
O Sr. Presidente: - É que a segunda leitura vai ser com a votação.
Vozes.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Mas até talvez se possa encontrar uma fórmula qualquer. Eu não queria estar a sugerir que se mexesse no artigo 13.°, nem provavelmente se pode. Mas talvez se conseguisse encontrar uma fórmula qualquer.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Queria dizer à Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves que o sentido material, constitutivo, conformador, informador, etc.., não evita que o Sr. Presidente se apoie ou prefira a consagração do princípio no artigo 13.°, porque, como ele disse, apesar de tudo, tem refracções que permitem maiores cautelas. Na intervenção da Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves não vi nenhuma preferência pelas refracções do artigo 13.° Antes pelo contrário, ouvi a Sra. Deputada dizer que o artigo 13.° chegava perfeitamente e que a consagração do valor da igualdade na Constituição pela via do artigo 13.° era suficiente para tudo e tornava desnecessárias as referências concretas ou específicas, que até podiam introduzir, em sede de interpretação, conclusões porventura erradas. Sra. Deputada, afinal de contas, como vê, não é suficiente o artigo 13.° e até justifica que se considere que, do ponto de vista das cautelas,...
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Queria só dizer que acho que o artigo 13.° é suficiente exactamente porque tem refracções.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Ma non troppo! Risos.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - É suficiente, porque refractário!
Quanto ao resto, eu diria que a questão é uma questão de confiança nos tribunais. E nós temos é que introduzir, porventura na Constituição e na lei, os elementos suficientes para apoiar os tribunais, designadamente no controle da Administração. E realmente aí eu confiaria aos tribunais a aplicação do princípio da igualdade, tendo em conta o carácter pluriforme da Administração actual - e nós, às vezes, lamentamos tanto pluriformismo, tanto tentáculo. Os tribunais introduzirão aí a justa medida e também terão em conta a necessidade de compatibilizar o princípio da igualdade com o princípio da oportunidade que, bem entendidas as coisas, não se opõe ao princípio da igualdade. A oportunidade introduzirá um elemento de desigualdade porventura nas próprias situações base, que justificarão um tratamento desigual. Mas os tribunais serão suficientes para ponderar tudo isto. E eu, com esta segunda parte, respondia, mais precisamente, ao Sr. Deputado Jorge Lacão.
De qualquer maneira, Sr. Presidente, não quero insistir, isto é, não quero excitar VV. Exas. contra a nossa proposta e, porventura, quero deixar conservar a boa vontade que, apesar de tudo, vi aqui em relação à proposta do CDS. Espero que ela possa frutificar num momento posterior. Em benefício de todos os portugueses, espero que VV. Exas. aceitem esta nossa proposta.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Miguel Galvão Teles.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - Só uma última palavra nessa matéria - estou aqui a tentar ajudar o CDS, que é coisa que raramente me acontece. Gostaria de esclarecer o meu pensamento - porque é natural que estas actas (nós esquecemo-nos disso de vez em quando) possam vir a ser lidas e utilizadas na interpretação - e dizer que reconheço que há extremos melindres na aplicação do princípio da igualdade no domínio da Administração Pública, mas que, a meu ver, há casos - fique, ou não, aqui expressamente consagrado o princípio - em que a violação do princípio da igualdade poderá justificar a anulação do acto administrativo e que, portanto, ainda que nós, por não conseguirmos, eventualmente, encontrar formulação adequada, não consagremos o princípio da igualdade expressamente neste preceito, isso não pode vir mais
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tarde, alguma vez, a ser entendido como reconhecimento pelos constituintes de que jamais se poderia anular um acto administrativo por violação do princípio da igualdade que se consubstanciasse utilizando uma fórmula que não é do breviário clássico da doutrina portuguesa, em excesso de poder. Isto é só para ficar na acta.
O Sr. Presidente: - Isso é uma observação cautelar muito útil, que eu subscrevo inteiramente.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.1 Maria da Assunção Esteves.
Deputada
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Infelizmente não pude estar muito atenta ao que disse o Sr. Deputado Galvão Teles, se não gostaria que me corrigisse.
É que acho que esse problema que o Sr. Deputado pretende salvaguardar está naturalmente salvaguardado, porque o artigo 13.º insere-se num título em que o princípio da constitucionalidade tem uma incidência especial e o acto pode até ser nulo por inconstitucionalidade, por virtude da violação do princípio da igualdade, sem que o artigo 266.° tenha que o consagrar.
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador)... provar era que esta discussão pudesse ser interpretada, um dia, pelos tribunais, no sentido de que se formou...
Vozes.
O Sr. Presidente: - E foi nesse sentido que eu disse que subscrevia inteiramente...
O Sr. Miguel Galvão Teles (PRD): - ... se, por acaso, não vier a ser formulado o princípio da igualdade no preceito, isso viesse a ser interpretado por alguém...
Vozes.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Concordo com a sua opinião, só que não tinha ouvido bem a formulação.
O Sr. Presidente: - Terminámos, suponho, a análise do artigo 266.° Já não vamos hoje entrar na análise do artigo 267.° Recomeçaríamos os nossos trabalhos amanhã, às IO horas e 30 minutos.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião.
Eram 20 horas.
Comissão Eventual para a Revisão Constitucional
Reunião do dia 27 de Julho de 1988
Relação das presenças dos Srs. Deputados
Rui Manuel P. Chancerelle de Machete (PSD).
Carlos Manuel de Sousa Encarnação (PSD).
Carlos Manuel Oliveira e Silva (PSD).
Luís Filipe Meneses Lopes (PSD).
Fernando Manuel Cardoso Ferreira (PSD).
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves (PSD).
José Augusto Ferreira de Campos (PSD).
José Luís Bonifácio Ramos (PSD).
Licínio Moreira da Silva (PSD).
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD).
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Maria da Assunção Andrade Esteves (PSD).
Manuel Maria Moreira (PSD).
Miguel Bento de Macedo e Silva (PSD).
Rui Alberto Limpo Salvada (PSD).
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva (PSD).
António de Almeida Santos (PS).
Alberto de Sousa Martins (PS).
António Manuel Ferreira Vitorino (PS).
Jorge Lacão Costa (PS).
José Eduardo Vera Cruz Jardim (PS).
José Manuel Mendes (PCP).
José Manuel Santos Magalhães (PCP).
Miguel Galvão Teles (PRD).
José Luís Nogueira de Brito (CDS).
João Corregedor da Fonseca (ID).