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Segunda-feira, 13 de Março de 1989 II Série - Número 82-RC
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1988-1989)
II REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
ACTA N.° 80
Reunião do dia 26 de Janeiro de 1989
SUMÁRIO
Concluiu-se a discussão e a votação do artigo 87.° e respectivas propostas de alteração e de substituição.
Procedeu-se a nova discussão e à votação dos artigos 83.°, 88.° e 90.° a 93.° e respectivas propostas de alteração e de substituição.
Durante o debate intervieram, a diverso título, para além do Presidente, Rui Machete, pela ordem indicada, os Srs. Deputados José Magalhães (PCP), Costa Andrade (PSD), Almeida Santos (PS), Marques Júnior (PRD), Octávio Teixeira (PCP), Jorge Lacão (PS), Miguel Macedo e Silva (PSD), Raul Castro (ID) e Pedro Roseta (PSD).
Foram os seguintes os resultados das votações realizadas: proposta de eliminação do artigo 83.°, apresentada pelo CDS, e n.° 1 do artigo 91.°, proposto pelo CDS - não obtiveram a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PS, do PCP, do PRD e da ID e a abstenção do PSD; n.° 1 do artigo 83.°, proposto pelo deputado Sottomayor Cárdia (PS), e n.° 1 do artigo 83. °, proposto pela deputada Helena Roseta (indep.) - não obtiveram a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD, do PCP, do PRD e da ID e a abstenção do PS; artigo 83.°, proposto pelo PRD - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PS, do PCP e da ID, os votos a favor do PRD e à abstenção do PSD; artigo 87.°, proposto pelo PRD - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo registado os votos contra do PSD e do PS e os votos a favor do PCP, do PRD e da ID; proposta de substituição do n.º 1 do artigo 83.°, apresentada pelo PSD e pelo PS, propostas de eliminação do artigo 88.°, apresentadas pelo CDS e pelo PSD, e proposta de eliminação do artigo 92.°, apresentada pelo PSD e pelo PS - obtiveram a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD e do PS e os votos contra do PCP, do PRD e da ID; propostas de substituição do n.° 2 do artigo 83.° e do n.º 1 do artigo 91.°, apresentadas pelo PSD e pelo PS - obtiveram a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD e do PS, os votos contra do PCP e da ID e a abstenção do PRD; propostas de eliminação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 90.º, apresentadas pelo CDS, pelo PS e pelo PSD - obtiveram a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD e do PS e os votos contra do PCP; propostas de eliminação do n.º 3 do artigo 90.°, apresentadas pelo CDS e pelo
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PSD - não obtiveram a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD e os votos contra do PS e do PCP; artigo 90.°, proposto pelo PS - obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS, do PCP e do PRD; proposta de substituição do artigo 90.º proposto pelo PS, apresentada pelo PCP - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD e os votos a favor do PS, do PCP e do PRD; n.º 2 do artigo 91.°, proposto pelo CDS - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PCP e da ID e as abstenções do PSD, do PS e do PRD; n.ºs 1 e 2 do artigo 91.° e n.° 2 do artigo 92.°, propostos pelo PRD - não obtiveram a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PRD e as abstenções do PSD, do PS, do PCP e da ID; proposta de substituição do n.° 2 do artigo 91.°, apresentada pelo PSD e pelo PS - obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS, do PCP, do PRD e da ID; n.° 1 do artigo 92.°, proposto pelo CDS - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD, do PS, do PCP e da ID e a abstenção do PRD; n.° 2 do artigo 92.°, proposto pelo CDS - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD, do PS, do PCP, do PRD e da ID; n.° 3 do artigo 92.°, proposto pelo CDS - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado as abstenções do PSD, do PS, do PCP, do PRD e da ID; n.º 1 do artigo 92.°, proposto pelo PRD - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD, os votos a favor do PRD e as abstenções do PS, do PCP e da ID; propostas de eliminação do artigo 93.°, apresentadas pelo CDS, pelo PS e pelo PSD (conjuntamente) e pelo PRD - obtiveram a maioria de dois terços necessária, tendo registado os votos a favor do PSD, do PS e do PRD e os votos contra do PCP e da ID.
Em anexo à presente acta é publicada uma proposta de substituição do artigo 90.°, apresentada pelo PCP.
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O Sr. Presidente (Rui Machete): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 11 horas.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Presidente manifestou a intenção de prosseguir a votação que ontem encetámos. Gostaria, porém, de vos manifestar a seguinte preocupação da minha bancada. Os dois subscritores do acordo político de revisão constitucional manifestam-se dispostos a continuar a consumação do acordo. No Ínterim o que se verificou foram as jornadas parlamentares do PSD, em que o Prof. Aníbal Cavaco Silva manifestou a ideia de que o processo de integração, a caminhada para o mercado único, seria incompatível com o processo de regionalização ou suscitaria dúvidas...
O Sr. Presidente: - Pôs uma dúvida metodológica.
O Sr. José Magalhães (PCP): -... sobre se seria possível avançar com um processo complexo como a regionalização e, ao mesmo tempo, "ganhar o desafio" do mercado único de 1992. O que coloca a questão de saber se o PSD, no preciso momento em que está a preparar-se para discutir o artigo 83.°, em relação às nacionalizações, uma matéria tão relevante como a regionalização, não tem, quanto ao cumprimento do acordo, não só uma reserva mental no seu íntimo, como já confessada e denunciada por declarações como aqui referi. É grave!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, resposta é negativa.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não deixa de ser curioso que o PS, que através do Sr. Deputado António Guterres fez um vibrante comunicado sobre esta matéria, porque é do conhecimento de VV. Exas., aceite pacífica e cordatamente esta ruptura em relação ao acordo que celebrou, ao mesmo tempo que vai continuando a consumar os outros pontos desse acordo.
Não posso, Sr. Presidente, antes de começar esta votação, deixar de registar este aspecto.
O Sr. Presidente: - Vamos então passar ao artigo 83.°
O Sr. José Magalhães (PCP): - É significativo!
O Sr. Presidente: - Pois claro que é!
Em matéria do artigo 83.°, temos uma proposta de eliminação por parte do CDS. Temos uma proposta, em dois números, por parte do PS, que suponho será substituída pela proposta conjunta PSD/PS. Temos ma proposta do PSD de eliminação, que também suponho será substituída pela proposta conjunta. Temos depois uma proposta do Sr. Deputado Sottomayor Caria, uma outra da Sra. Deputada Helena Roseta e ainda uma do PRD.
Vamos começar por perguntar aos proponentes, embora o texto seja muito claro, se querem fazer uma justificação sucinta.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Penso que o Sr. Presidente foi claro, sendo a proposta sucinta. O PSD tinha uma proposta de eliminação do artigo 83.° no que toca à chamada "irreversibilidade" das nacionalizações. O texto acordado entre o PSD e o PS dá a satisfação possível à nossa pretensão, e por isso apresentámos, em conjunto com o PS, este texto, que satisfaz no essencial e que abre as possibilidades para o normal desenvolvimento da vida democrática em pluralismo. Com o eventual acesso ao Poder de partidos socialistas ou socializantes, estes terão a possibilidade de fazer a sua política de nacionalizações ou de privatizações, consoante o seu programa e a vontade eleitoral, e o acesso ao Poder de partidos de outra área do espectro político-ideológico permitiria aplicar o programa sancionado pelo eleitorado.
Penso que a proposta fala por si, não havendo pois, lugar a esclarecimentos mais desenvolvidos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Queria dizer que não estive na negociação desta matéria, mas não tenho a menor dúvida de que, quando o meu partido prescindiu de uma lei aprovada por dois terços e aceitou uma lei quadro aprovado por maioria absoluta de deputados em efectividade de funções, conseguiu o melhor que poderia conseguir. Acrescentaria, no entanto, que a nossa aprovação, neste momento, deste artigo fica condicionada em termos definitivos à aprovação da norma transitória ou final, que também está prevista no acordo PSD/PS. Se não viesse a ser aprovada essa norma transitória nós não aprovaríamos esta norma a que vamos dar agora uma aprovação indiciaria, como é óbvio.
O Sr. Presidente: - Suponho, aliás, que VV. Exas. estarão de acordo em que depois de votarmos o artigo 85.° se vote essa norma.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Agora ou na altura das disposições transitórias é irrelevante, porque a nossa votação é, como todas, indiciaria. Teremos de rever a nossa votação se não for aprovada a norma transitória, como é óbvio. Se quiserem manter a regra de que as normas se votam na altura própria, o PS não é contra isso.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Também achamos preferível.
O Sr. Presidente: - Preferem votar na altura própria? Muito bem. Mais algum pedido de intervenção?
Quanto à norma transitória, parecer-me-ia preferível que VV. Exas. a discutissem e a votassem agora e deixassem o problema da colocação para depois. Em princípio será uma questão de redacção aparecer colocada como uma norma transitória, porque as duas matérias são de tal modo interligadas que até talvez se justificasse fazermos esta apreciação em conjunto e a seguir à votação do artigo 83.° votávamos essa norma.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Era menor a necessidade da minha intervenção de há pouco.
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O Sr. Presidente: - Mais alguma pedido de intervenção?
Pausa.
Tem .a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O facto de a apresentação ter sido, como era estímulo da Mesa, sucinta, não deixa, no entanto, olvidar ou colocar em segundo plano o facto de o conteúdo ser de uma enorme relevância no quadro da definição das traves mestras da constituição económica e de haver uma grande discrepância entre o tipo de debate que sobre a matéria travámos e aqui continuará, de resto, a ser travado e o conteúdo das observações que foram produzidas.
Praticamente tivemos um telegrama de regozijo do PSD e uma declaração de aceitação condicional do PS. Tudo se percebe! Quanto ao facto de o PSD se dizer satisfeito no essencial, o "no essencial" está aí para enfeitar o discurso e para, de certa forma, adoçar a amargura do resultado, Que se dá satisfação às pretensões do PSD eis o que não suscita dúvidas a ninguém. Evidencia-se o abandono do PS das suas propostas em matéria de nacionalizações e o seu recuo para aquém de todas as linhas de recuo que havia enunciado no passado. Um rápida análise de quais foram essas linhas tornará isso inteiramente claro.
Recordo sucinta e sumariamente que o PS começou pôs sustentar, antes de iniciado o processo de revisão constitucional, que não estaria disponível senão para conceber sistemas que permitissem, caso a caso, com destrinça individualizada, esta ou aquela desnacionalização condicionada a objectivos de imperioso interesse nacional, a deliberar por maioria qualificada de dois terços. Depois disso, no processo de apresentação de projectos de revisão constitucional, o texto do PS foi considerado marcado por alguma ambiguidade. Ele menciona: "A reprivatização da titularidade ou do direito de exploração de meios de produção e outros bens nacionalizados depois de 25 de Abril de 1974 só poderá efectuar-se nos termos de lei aprovada por maioria qualificada de dois terços dos deputados em efectividade de funções." Isso suscitou interrogações. No primeiro debate televisivo sobre a revisão com representantes partidários o representante do PS, que, de resto, se encontra entre nós, teve ocasião de manifestar a sua oscilação entre duas das interpretações possíveis: ou "isto" significava que cada desnacionalização ou cada reprivatização se deveria operar por dois terços ou poderia significar a aprovação por dois terços de uma lei quadro, cabendo as decisões concretas ao Governo. Em suma: indefinição, dúvida, oscilação quanto ao conteúdo - em todo o caso alusão reiterada à ideia de que um certo grau de qualificação era imprescindível para operar alteração tão substancial da garantia constitucional das nacionalizações.
O debate que fizemos nesta Comissão clarificou que o PS não entendia que essa matéria fosse elemento estruturante do regime democrático. Por isso não incluiu esta matéria nas chamadas (e defuntas) "leis paraconstitucionais", no seu artigo 166.°-A. Nessa disposição eram incluídas diversas matérias, designadamente matérias relacionadas com a estrutura do Estado, por um lado, e com aspectos como o regime eleitoral, o referendo, o estado de sítio e de emergência, associações, defesa nacional, estatuto das regiões autónomas, estatuto da informação, mas não as questões relacionada com as nacionalizações e com as reprivatizações.
No entanto, o PS, através do Sr. Deputado António Vitorino, aqui insistiu na ideia da qualificação, da aprovação por maioria qualificada de dois terços com condição para o PS aceitar alterar a cláusula constitucional. Ou isso ou então o PSD "teria de assumir" as consequências da sua posição de rigidez!
A mesma coisa em relação ao n.° 2. A posição do PS quanto à situação das pequenas e médias emprese indirectamente nacionalizadas, situadas fora dos sectores básicos da economia, era a de autorização de ré privatização, mas mediante regras materialmente inscritas na Constituição, a saber, "concurso público o mercado de capitais, nos termos da lei". Neste me mento a cláusula do n.° 2 que nos é apresentada tem paupérrimo conteúdo. O confronto em relação ao texto adiantado pelo PS já em segundas núpcias, já em segunda linha de recuo, é bem elucidativo.
O texto que nos é submetido para debate e votação prevê a aprovação de uma lei quadro de privatizações por maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções. Isto significa conferir à maioria governamental, parlamentar, hoje existente o poder de dispor de nacionalizações, dos meios de produção e dos direitos de exploração, que foram recobertos pelas nacionalizações e pela garantia, constitucionalmente erigida, de nacionalizações. Obviamente isto tem um enorme significado político quanto ao rumo assumido pelo PS não só em relação à questão que está em debate com em relação ao próprio processo de revisão. É rigorosa a imagem que eu aqui trouxe há pouco de um PS que aceita placidamente, com um protesto formal, exterior protocolar, o facto de um dos subscritores anunciar que em relação a um dos pontos fundamentais desse texto o acordo será honrado com reserva mental e sem eficácia nenhuma, porque a maioria assume-se o direito arroga-se o poder de bloquear o processo de regionalização, assine o que assinar em termos de revisão constitucional! O PS dispõe-se a sustentar, a defender, embora condicionalmente, o texto sobre privatizações tal qual está submetido à nossa apreciação!
Pela nossa parte, Sr. Presidente, manifestamos continuadamente a nossa oposição a esta forma de encarar a problemática das nacionalizações e sobretudo achamos particularmente grave que se dê ao PS aquilo que poderia chamar-se uma espécie de "premi de insistência" na violação da Constituição. Uma espécie de prémio de produtividade na criação de facto contraconstitucionais, traduzidos, no caso vertente, a enveredar por uma política de ataque ao sector público através da acção governativa, por um lado, e através de um conjunto de diplomas, de medidas legais e regulamentares, tendentes a esvaziar o próprio alcance d artigo 83.° Isto não significa para nós, todavia, que o alcance do artigo 83.° se encontre neste momento esvaziado em absoluto e subvertido. É portanto da vontade política expressa e determinada do PS e do PS - com específica ilação responsabilizadora no caso do PS devido ao ideário e às suas próprias propostas nesta matéria - que resultará a alteração, neste ponto, da Constituição, a ir-se por este caminho. Nesse sentido Sr. Presidente, gostaríamos de manifestar o nosso vivo protesto tanto pelo conteúdo como pela fórmula escolhidos para consumar essa opção gravíssima.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, muito brevemente. Creio que o PRD não teve oportunidade de intervir na primeira leitura relativamente a este artigo e não vou, só por uma questão de ditar para a acta, salientar a nossa posição relativamente a esta questão, mas gostaria de tecer duas ou três considerações que me parecem importantes.
Uma delas é considerar, também no nosso projecto assim é, que a questão das nacionalizações não deve revestir a característica de irreversibilidade na medida em que pensamos que a economia pode vir a beneficiar com a reprivatização de algumas das nacionalizações feitas na sequência do 25 de Abril de 1974. Penamos que essa situação é uma situação que deve ser perspectivada no sentido dialéctico das coisas e pode acontecer - e acontece naturalmente - que há vantagens para a economia e até para a produção em que algumas nacionalizações feitas e até nas condições em que foram feitas possam efectivamente ser reprivatizadas. Portanto, esta questão da irreversibilidade das nacionalizações constante do artigo 83.° é um elemento e que o PRD naturalmente prescinde e achamos que devia ser alterado ao nível da Constituição.
Achamos, no entanto, e por isso a nossa proposta, ue apesar de tudo devem ser salvaguardadas algumas questões fundamentais. Nós entendemos que é a lei geral que define o regime jurídico das empresas do sector público, conforme o PRD propõe para o artigo 3.°, mas pensamos que têm de haver algumas garantias. E as garantias da propriedade pública são aquelas que constam do nosso artigo 87.°, que pela afinidade das matérias introduzimos, embora com o n.° 87, este local e que são, de acordo com o artigo que propomos, as empresas que prestem serviços públicos, se encontrem de direito ou de facto em situação de monopólio ou exclusivo ou domínio de mercado, exerçam actividade em sectores estratégicos da economia de qualquer natureza. Pensamos que é muito importante garantia desta propriedade pública nesta perspectiva que enunciamos no artigo 87.° e chamava uma especial atenção para o facto de nós termos considerado o artigo 167.°, n.° l, o facto de os sectores estratégicos da economia, que é matéria de reserva absoluta da Assembleia da República, passarem a ser definidos com ma maioria qualificada de dois terços. Pensamos que só é fundamental no que diz respeito à salvaguarda mínima das garantias de um sector público que seja de acto um sector público que tem a ver com sectores estratégicos da economia e que são aqueles que condicionam ou limitam de uma forma adequada a subordinação do poder económico ao poder político. Penamos que a situação como se apresenta pode efectivamente gerar um estado de coisas em que a subordinação do poder político relativamente ao poder económico é manifesta. Tal situação é quanto a nós lamentável, deveriam ser tomadas algumas medidas de iodo a salvaguardar essa situação, e nesse sentido penamos que os nossos artigos 83.° e 87.° resolvem este duplo problema. Abdicar com garantias da proposição que hoje nos parece desajustada, da irreversibilidade as nacionalizações. Enfim, não vou teorizar sobre isso, até porque tenho naturalmente poucos conhecimentos, nas do ponto de vista político creio que não é novidade para ninguém que muito do nosso sector público tem sido - é uma acusação talvez grave, mas, para além de ser a minha opinião, penso ser a de muita gente- gerido no sentido de demonstrar a sua incapacidade e a sua inviabilidade. Portanto, não tem a ver com a dimensão do sector, pode ter a ver com alguma racionalidade, mas tem tido sim a ver com a gestão e enquadramento jurídico do sector público.
Concordamos que o sector público - tal como o Sr. Ministro da Indústria veiculou outro dia na 1. a Página como opinião do Governo - deve reger-se pelas regras por que se rege qualquer empresa privada, no sentido de procurar as melhores condições para rentabilizar as suas empresas, mas a verdade é que depois existem os condicionamentos de ordem jurídica e política que impedem de uma forma às vezes determinante o próprio desenvolvimento dessas empresas públicas. Não vamos agora falar sobre isso, mas é evidente que muitas empresas públicas hoje apresentam quase como uma inevitabilidade a sua privatização, quando eventualmente poderia, se tivessem sido geridas de uma forma adequada, não se equacionar hoje o problema da sua privatização e toda a gente ser unânime em considerá-las como viáveis no sector público, como acontece relativamente a uma outra empresa. Esta é uma outra questão e liga-se naturalmente com esta situação, mas seria uma discussão a ter lugar noutra sede, e noutra altura, pois talvez se não justifique essa discussão agora num momento em que, de facto, as coisas estão ditadas e praticamente feitas. Toda esta discussão envolve factos já de pouca utilidade, na medida em que, depois do acordo entre o PS e o PSD e a manutenção deste acordo como convém no bom comportamento político, cívico e ético entre as partes, é evidente que esta discussão e este desabafo do ponto de vista prático tem naturalmente pouco sentido.
De qualquer modo queríamos deixar sublinhado o seguinte: admitimos a alteração do artigo 83.°, pensamos que deviam existir algumas salvaguardas e que o nosso projecto e as propostas relativos à matéria contêm as salvaguardas mínimas que consideramos indispensáveis.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Nem sempre é muito fácil ouvir as objurgatórias do Sr. Deputado José Magalhães. Como de vez em quando cai na tentação de converter o PCP em consciência política do PS, não posso aceitar uma vez mais essa posição. O PS assume as atitudes que entende, não aceita lições do PCP nesta ou noutras matérias e não aceita a maneira como o Sr. Deputado José Magalhães pretende arvorar-se em juiz das nossas atitudes. Reconhecemos ao PCP o direito ao seu imobilismo. Está, ao que parece, muito orgulhoso das conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras, apesar de termos entrado na CEE. Considera que está tudo muito bem. Tal como pensa que é correcto que continue a haver uma imposição na Constituição quanto à apropriação colectiva de todos os principais meios de produção. De igual modo considera que está tudo perfeito na reforma agrária, na planificação democrática tal como ela se prevê na Constituição. É um direito do PCP, não o criticamos, não aceitamos é que nos critique de cada vez que fazemos
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aquilo que consideram um "recuo". Estamos a recuar em relação a algumas das para nós erradas previsões da Revolução de Abril, mas estamos a fazê-lo consciente e assumidamente. Não temos nada de nos envergonhar disso. E vamos assentar nisto de uma vez por todas: não concordam, muito bem, é vosso direito. Mas dêem-nos o direito de discordar de vocês também; é um direito igual! Verifico é que, se estão muito orgulhosos das vossas "conquistas", é porque ainda não apanharam o comboio em que viajam os paradigmas políticos de que se reclamam. Estão atrasados em relação a esse comboio, é altura de nele embarcarem. Desculpe que lhe diga isto com esta veemência, mas é muito difícil por vezes ouvir as suas objurgatórias de pretenso tutor do PS que não é, nunca foi, nem nunca será. Claro que era muito cómodo dizer: "VV. Exas. recuaram!" É óbvio que recuamos em relação à nossa proposta, só que a alternativa era o imobilismo de ficar o que está. E, como não conseguimos nem aceitar o que está nem aquilo que pretendíamos que estivesse, aceitámos uma solução intermédia, que foi o que os negociadores - não eu - conseguiram obter como resultado. Pensamos que é algum avanço relativamente à Constituição actual, sobretudo na perspectiva do mercado comum, consideramos que as reservas constituem um elemento fundamental, pensamos que uma lei aprovada por maioria absoluta neste momento pode não significar muito, mas de qualquer modo é preciso também não esquecer que a sua confirmação em caso de veto terá de o ser por dois terços. Foi o que se conseguiu. Não estamos orgulhosos do ponto de chegada mas temos de ser realistas. E esse realismo não nos permite ouvir sem protesto as objurgatórias morais do Sr. Deputado José Magalhães. Gosto muito de o ouvir, mas sinceramente não posso deixar de lhe dizer aquilo que lhe disse.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, lembraria que estamos a discutir em conjunto o artigo 83.° e o artigo sobre os princípios para a reprivatização prevista no artigo 83.°, que é o artigo que terá uma colocação transitória. Estou a fazer este aviso para depois não voltarmos outra vez a repetir as mesmas argumentações quando chegarmos à votação desse artigo. Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, era precisamente por causa da norma a que fez agora alusão e também naturalmente para ter em conta as observações feitas pelo Sr. Deputado Almeida Santos. Distinguirei entre as duas coisas, por razões que facilmente compreenderão.
Uma das preocupações que temos é certamente a de apreender, com rigor, qual o conteúdo exacto do regime que o PS e o PSD acordaram e aqui procuram fundamentar. O Sr. Deputado Almeida Santos in itinere e agora na parte final aludiu a um facto: a confirmação por dois terços em caso de veto, isso quer dizer que, nos termos do acordo, isto seria uma lei orgânica?
O Sr. Almeida Santos (PS): - Quer dizer que está incluída entre as leis que terão de ser confirmadas por dois terços, salvo erro. As leis orgânicas serão, mas não sei se esta também está incluída. Se não está, deveria estar.
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - A minha dúvida Sr. Presidente e Sr. Deputado Almeida Santos, resultava do facto de a norma que aqui surge no artigo 83. não ser qualificada especificamente como lei orgânica O texto que os Srs. Deputados ontem apresentaram definindo o que seja lei orgânica no artigo 115.°, n.° 1 e o texto do acordo que subscreveram menciona m elenco das leis orgânicas (no n.° 3, "Organização de poder político"Vás seguintes: "as leis relativas à eleição dos órgãos de soberania; a lei do referendo; a lê sobre organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional; a lei que define o regime do estado de sítio e do estado de emergência e a lei de defesa nacional e das Forças Armadas". Não foi incluída pelo menos na versão que me foi transmitida, essa matéria.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não está incluído não. Foi lapso meu. Deveria ter sido. Lamento que não tenha sido.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Seguramente nós lamentamos mais! Em todo o caso, esta consideração apenas visou situar as coisas no plano em que infeliz mente elas estão colocadas na nossa circunstância política.
Nada de mais doloroso e grave politicamente que verificar a cedência do PS face a um quadro dominado por uma actividade intensa por parte do PSD, de [...]e de demolição do sector público em nome de tudo, toda a espécie de pretextos: a pseudo-"ineficiência económica", a pseudo-"má gestão" (às vezes em gestão mesmo, da responsabilidade do PSD), os "inte resses portugueses perante a CEE", as mais abraçada brantes concepções. Em suma: "é preciso demolir o sector público", delendum est - eis a tese básica e mais cara do PSD.
Eis que neste quadro o PS altera a sua posição fundamental neste ponto. E viabiliza a política governa mental! Viabiliza a política do PSD, que não esconde o seu programa de governo e menos ainda as suas actividades, que são inteiramente visíveis. O PS, de resto critica alguns dos pontos dessas actividades, mas critica enquanto partido de oposição. Subscreve simultaneamente este acordo e defende este articulado. Eis e que nos parece contraditório. Foi o que eu disse! Nem poderia dizer o contrário, porque é isto que pensamos e creio que é isto que objectivamente suscita perplexidade em muitos cidadãos portugueses, seguramente não apenas aqueles que se reconhecem no nosso programa e no nosso ideário.
Isto suscita sem dúvida perplexidade da parte de muitos e inclusivamente de muitos socialistas. A questão não é que queiramos arvorar-nos em consciência política do PS - a questão é que o PS, podendo aceitar as lições de quem entender (aprendeu bem as do PSD!) tem seguramente de admitir o direito de crítica dos Portugueses, dos outros protagonistas da cena política portuguesa. É esse direito que nós, obviamente, não renunciamos a exercer. Isso é imobilismo? Vindo da boca
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do Sr. Deputado Almeida Santos isso não passa de uma forma fácil de cauterizar aquilo que em bom rigor tem o nome de coerência. Curioso e significativo é o facto de se utilizar, também por parte do PS, ideias como: "as conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras, o que é que são", "o que é que isso vale face à entrada na CEE", "de que é que nos podemos gabar", "como é que podemos estar orgulhosos". Não! Nós estamos orgulhosos da luta em defesa dessas conquistas, seguramente. E sobretudo registamos que o PS - que diz estar a recuar consciente, assumidamente, que não tem de se envergonhar- tem pelo menos de não se orgulhar desta solução que o Sr. Deputado Almeida Santos confessa que é coxa, que é permissiva, que é distante daquela que o PS proclama como boa, que está mal negociada ainda por cima. Mesmo assim embarca num comboio que seguramente não é outro que não o do PSD. O nosso não é seguramente. Nesse não embarcamos, isso é evidente, diga-se o que se disser.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Havia a eliminação pura e simples. Se não quiser reconhecer esta diferença, é outro direito seu. Mas é óbvio que está a diferenciar-se de uma realidade patentíssima. Se quiser pôr as coisas em termos extremistas, ponha, como é seu hábito. Mas que isto não é aquilo que quis o PSD não é, como não é o que nós quisemos. É uma posição que pode não estar no meio do caminho. Mas não diga que embarcámos no comboio do PSD, porque não é verdade!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, tive o cuidado de fazer um exercício que, de resto, não me era pedido, não me era exigível em termos estritos, que foi fazer uma comparação objectiva entre os articulados. Comparei três articulados. O articulado da Constituição em vigor, o articulado originário do PS e o articulado que VV. Exas. propõem. O resultado é elucidativo.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Talvez fosse bom referir-se às soluções e não às responsabilidades. Cada um assume as suas. Critique as soluções em si próprias, objectivamente, deixe de fazer a história das coisas e reforme a reprovação moral, porque isso é que nós não aceitamos! Quer arvorar-se a cada passo em nossa consciência político-moral, não aceitamos isso! Critique as soluções, muito bem, é o seu direito, nenhum de nós o limita minimamente, nem pode, no seu direito de crítica às nossas soluções. Ponto. Considera que isto é um erro, faça o que entender. Não faça reprovação moral, porque isso nós não aceitamos. V. Exa. não é um pároco, nem nós estamos aqui no papel de seus paroquianos.
Risos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, eis as duas únicas coisas em que tem razão. Pároco não sou e não fiz reprovação moral. Era o que faltava...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Fez, fez! Está a fazê-la todos os dias, desculpe.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas, Sr. Deputado Almeida Santos, se quando alguém compara o texto originário proposto pelo PS e este texto tira as ilações que eu tirei, está a fazer alguma coisa que vem bulir na consciência política do PS, o problema não está no que é dito, será quando muito problema da consciência que se sente ferida, mais nada. É no debate político que estou a situar-me.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não há consciência nenhuma. V. Exa. não quer é reconhecer que fomos colocados perante a alternativa de aceitarmos o que aceitámos ou deixarmos ficar o que está, que era o que VV. Exas. queriam...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas porquê? Mas porquê, Sr. Deputado Almeida Santos?
O Sr. Almeida Santos (PS): - Pela razão simples que não foi possível conseguir melhor. Eu não estive na negociação, mas faço justiça a quem negociou de que, se se não foi além da solução que foi conseguida, é porque não conseguiu. É que foi colocado na alternativa de aceitar esta proposta ou deixar ficar a Constituição como está. E o PS não podia deixar ficar o que está, compreenda isso, porque não somos o PCP. Mas façam o mesmo em relação a nós, dêem-nos o direito de sermos diferentes de vocês politicamente, porque de facto somos. O que é que havemos de fazer?! Se não, estávamos inscritos no PCP, e vocês tinham muitos mais votos do que têm. Somos diferentes... Critique as soluções, não há problema nenhum. Não faça processos de intenção.
O Sr. Presidente: - Faz favor de continuar e concluir, Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, há sempre em termos retóricos, como V. Exa. sabe, uma maneira airosa e simples de não fazer uma discussão política. E é deslocá-la para o terreno moral, deslocá-la do terreno da crítica para o terreno da reprovação moral pura.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Foi o que V. Exa. fez, desculpe que lhe diga. O que faz todos os dias, o que faz por sistema. Estamos aqui todos os dias a ouvir as suas objurgatórias morais, como se fosse a nossa consciência política. E não é!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, o que é de assinalar (e não é invulgar) é que uma coisa é o que diz o emissor e outra coisa o que ouve o receptor. Sucede que V. Exa. ouve sistematicamente descodificado em reprovação moral aquilo que aqui é dito em termos de reprovação política. O problema é vosso!
O Sr. Almeida Santos (PS): - Isso é óbvio, Sr. Deputado José Magalhães, é patentíssimo. Estamos aqui todos os dias a ouvir as suas pretensas lições de moral até que, de vez em quando, a gente enche e acaba por não aceitar, que é o que está a acontecer agora.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas, Sr. Deputado Almeida Santos, o que está a acontecer agora é inteiramente normal numa assembleia política. Cada um emite o seu juízo e exerce os seus direitos de expressão, ouvindo os resultados da expressão alheia, é claro!
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O Sr. Almeida Santos (PS): - Por ser normal não quer dizer que seja agradável ouvir o que V. Exa. disse. Não tem o direito de pôr as coisas nestes termos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Seguramente não é agradável, mas o que VV. Exas. querem aprovar é mais desagradável ainda...
O Sr. Almeida Santos (PS): - É que nós também colocamos a discussão nesse plano. Também sabemos fazer a crítica do vosso imobilismo. Eu disse com o maior comedimento possível: VV. Exas. ainda não tomaram o comboio dos vossos paradigmas. Ainda não tomaram consciência de que neste momento estão até a fazer algo muito parecido com o que nós fizemos nesta alteração, isto é, a desfazer um feito histórico com 50 anos. VV. Exas. não tomaram esse comboio, tomem-no, talvez esteja na altura. Também podemos colocar as coisas nesse pé, mas não queremos. Só queremos que V. Exa. faça a crítica objectiva, que discorde da solução, que diga que é péssima, etc.. Mas que não faça reprovações morais, do tipo que recuamos, eíc. Temos o direito de recuar quando entendermos. É nosso direito alterar posições, sobretudo numa negociação em que não podemos conseguir o óptimo nem aceitar o péssimo. Faço a justiça a quem negociou de que conseguiu o melhor possível. Mas, enfim, coloque-se perante as dificuldades das coisas e não queira empurrar-nos para a comodidade do vosso imobilismo. Sei que se VV. Exas. estivessem na posição do nosso interlocutor diriam: "Se não aceitam a nossa lei por dois terços, então fica a irreversibilidade das nacionalizações." Que cómodo que isso é para VV. Exas.! Para nós não é! Desculpe a veemência, mas, enfim, às vezes também é necessária.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, creio que é útil debater as questões com franqueza e sem qualquer limite e sem quaisquer punhos de renda. Não há razão nenhuma para punhos de renda nesta matéria. O que está em discussão é de uma gravidade histórica enorme e, portanto, o posicionamento de cada um perante isso deve fazer-se aberta e totalmente. Nesse sentido, ter suscitado este debate é em si mesmo útil, meritório e clarificador. O que gostaria agora era de mudar de registo, tomando algumas das indicações que o Sr. Deputado lançou para esta discussão.
E a primeira, sobre a qual gostaria de fazer uma reflexão curta, é esta: a solução que está ensejada é "uma solução intermédia"? Tomando os pontos de partida do PSD e do PS esta é uma solução intermédia? Intermédia para quem? Que noção de intermédio é que se tem?
O ponto de partida do PS era a aprovação de repri-vatizações mediante lei quadro por dois terços. A reprivatização não podia ser uma decisão de maioria. A reprivatização tinha de ser uma solução partilhada. Por sua vez, o PSD partia da ideia de que deveria haver supressão de qualquer norma explícita de garantia material das nacionalizações: "A maioria deve poder decidir sobre as reprivatizações (directamente ou através do Governo)."
A solução para que se caminha e que está aqui em debate confere à maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções o poder de definir as condições de reprivatização. E eu pergunto se isto é uma solução intermédia. A resposta é objectivamente, desapaixonadamente, tabeleonicamente, não! Esta é uma posição que se identifica com o escopo essencial do PS. Situa-se no lado da ponte em que o PSD esteve, estava e está. Quem caminhou para além do meio da ponte foi o PS! Creio que qualquer intérprete médio é capaz de chegar a esta conclusão e nada pode obnubilar isso.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Eu disse há pouco que não sei se está no meio de duas posições extremas, se mais para a direita, se mais para a esquerda...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Intermédia, foi dito!
O Sr. Almeida Santos (PS): - Intermédio pode não significar rigorosamente a meio do caminho.
O Sr. José Magalhães (PCP): - A não ser que seja um intermezzo.
O Sr. Almeida Santos (PS): - O que lhe digo é o seguinte: coloque-se no lugar do PSD. Não estou a fazer a defesa dele, mas acha que era razoável esperar ou exigir do PSD que colocasse nas mãos de um partido da oposição a privatização, caso a caso, como V. Exa. defendeu, das empresas do sector público? Acha isto razoável? Responda-me, sim ou não! Se acha que sim, respeito a sua posição, mas fique com a sua resposta.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Respondo imediatamente, Sr. Deputado: o que V. Exa. acaba de lançar para a acta - dado que o PS propôs o que propôs em Outubro de 1987, no projecto n.° 3/V - é que o PS, em Outubro de 1987, terá proposto uma solução que, à partida, sabia "não ser realista", uma posição que o PSD não podia aceitar.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não, não sabia.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Então descobriu durante o processo negociai?
O Sr. Almeida Santos (PS): - A redacção que está aqui, embora possa - e eu admiti que possa - ter alguma ambiguidade, não era uma ambiguidade que pudesse razoavelmente resolver-se no sentido de caso a caso. Uma lei é uma lei, e as leis não são casuístas.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Podem sê-lo! Como V. Exa. não pode ignorar, num Estado de direito democrático pode haver leis-medida, leis individuais!
O Sr. Almeida Santos (PS): - A lei tem sempre a característica da generalidade. A interpretação normal do que está aqui não é o caso a caso - é para todos os casos. É uma lei quadro, ainda para mais!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, não! No caso da vossa redacção do artigo 83.°, não dizia lá lei quadro, dizia "uma lei".
O Sr. Almeida Santos (PS): - Lei quadro diz agora, mas a lei rege sempre uma generalidade de casos. Por-
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canto, a melhor, se não a única, interpretação do que está aqui é uma lei que previsse todos os casos - não caso a caso.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas o problema que eu enunciei e que resulta bastante clarificado deste diálogo, devo dizer, permite-me responder francamente à pergunta que acabou de me formular.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado, nunca sentiu a necessidade, quando quer atingir um objectivo, de propor o mais para conseguir o menos, sabendo que negociar é isso mesmo? Nunca fez isso? Acha isso assim tão extraordinário?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, já entre nós se fez isso, já toda a gente que fez um debate político fez isso. O problema é o resultado. No vosso caso é péssimo!
O Sr. Almeida Santos (PS): - Fez, com certeza! No vosso projecto fartaram-se de o fazer!
O Sr. Presidente: - Gostaria que VV. Exas. não dialogassem e que V. Exa., Sr. Deputado José Magalhães, concluísse a sua intervenção.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Concluo, Sr. Presidente, mas não gostaria de o fazer sem levar o meu raciocínio até àquilo que entendo ser o lugar próprio. V. Exa., aliás, apenas poderá sinalizar que o debate é desagradável em relação a alguns aspectos, mas reconhecerá que é clarificador em relação a todos. Nesse sentido mesmo, é útil e é precisamente para isso que serve o debate na Comissão.
O Sr. Presidente: - Eu não fiz comentários sobre se era desagradável ou agradável, disse que era bom não termos uma conversação.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O que está em causa é, evidentemente, o saber qual o significado material 3 as implicações políticas das propostas que cada um defende. A proposta do PS era "realista", aquela constante do artigo 83.° na versão originária? Devo dizer que a proposta desempenhou um papel de fautora de substancial confusão no panorama político português. Muitos gestores, muitos militantes, muitos elementos da opinião pública a quem o PS merece interesse, respeito e identificação, viram nesta norma aquilo que o Sr. Deputado Almeida Santos acabou de considerar "aberrante", "absurdo", "uma lei individual - vejam lá"! E em muitos, com quem tivemos ocasião de conversar, a ideia era de que não "não, não se trata de reprivatizações de qualquer forma", trata-se de uma autorização caso a caso, o que permite ponderar também, caso a caso, as consequências mais ou menos nefastas da opção a praticar - que nunca deve ser uma opção governamental! Dizia-se: "Nunca deve ser uma opção puramente da maioria governamental, deve ser uma opção partilhada."
Esta era a ideia básica e esta ideia pôde ser glosada em muitos tons. Foi glosada no tem que acabei de reproduzir. E foi glodada, sublinhando-se que, não havendo lei individual, haveria uma lei quadro, uma lei genérica, uma lei de enquandramento do regime das reprivatizações, aprovada por dois terços - sempre por dois terços.
É evidente que por fim o ponto "intermédio" não é nada intermédio. É um ponto que está, de pleno, no campo do PSD, que adoptou nisto uma posição muito cómoda. Fez aquilo a que se chama a posição coactiva extrema: ou uma solução "intermédia", dentro do género "o Governo pode, manda, decide, bem como a maioria parlamentar, em matéria de privatizações"; ou então fica como está, ah, ah, ah! (fica o texto do artigo 83.°), como se isso pudesse ter o mínimo de credibilidade da parte de quem vem! Como se o PSD pudesse levar até ao fim uma operação de simulação e de bluff político, como aquela que seria indiciada por uma atitude desse tipo! Só que o PS levou a sério o bluff, ou então partiu para essa negociação e para esse debate político com o espírito de que aqui nos foram dadas mostras pelo Sr. Deputado Almeida Santos.
Entendemos, pois, que nessa matéria o resultado é, não só da maior gravidade, como não consigo ver a que título é que se possa sustentar que seja intermédio.
O segundo tema, que o Sr. Deputado Almeida Santos suscitou e que creio merecer discussão de todos nós, é o tema dos paradigmas. A reflexão que a todos nós é suscitada hoje por esta alteração é sobre a maneira como cada um vê o papel do público e do privado, o papel do sector público, numa economia que almeje o desenvolvimento, num contexto de internacionalização - como é o caso da economia portuguesa, ainda por cima no quadro comunitário. A questão é saber que garantias temos de que esse sector público possa desempenhar um determinado papel: um papel útil, determinante e construtivo nesse processo de impulsionamento de um certo desenvolvimento, combatendo a formação de monopólios privados, combatendo a tomada de sectores estratégicos da economia por transnacionais ou por grupos económicos de carácter privado com tendência concentracionária.
A posição do PS nessa matéria é a de alterar a posição que enunciou anteriormente e, mais ainda, de alterar ou entrar em contradição com a sua ideia de defesa de um sector público dimensionado, adequado, estruturado e interveniente. O PS desguarnece, através da supressão da garantia constitucional, o sector público que diz defender no terreno da lei ordinária e no terreno dos factos correntes da acção governativa. Eis uma contradição!
Somos nós que estamos atrasados em tomar o comboio para um novo paradigma? Eis a mais extraordinária das afirmações! Como se o nosso paradigma pudesse aplicar no caso português uma solução de desmantelamento do sector público ou desguarnecimento da garantia constitucional do sector público. Não. Não é esse o nosso paradigma! Não pode ser o nosso paradigma! Não é aquele que nós, com fundamentação que é pública e conhecida e que, por último, no XII Congresso do PCP pôde ser desenvolvida e consignada programaticamente, temos apresentado e está aberto ao real, à reflexão criativa. O problema que o PS coloca coloca-se de facto em relação ao PS.
A pergunta é: por que é que o PS toma o comboio do paradigma que o PSD vem enunciando e que faz parte, de resto, do ideário liberal e reformista, tal qual o Prof. Aníbal Cavaco Silva teve ocasião de o desenhar na cerimónia pública de homenagem ao Dr. Mar-
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tin Bangeman na RFA, há poucos dias, e que é uma peça de defesa alcandorada e acesa de um determinado modelo de desmantelamento do sector público e de privatização galopante. O mesmo personagem político situava no seu texto "o carácter caduco das concepções socialistas democráticas no plano europeu" - portanto, presume-se que também no plano de Portugal, situado neste canto da península - o que se aplica também ao PS. Bela estalada política!
A questão dos paradigmas, que, no fundo, o Prof. Cavaco Silva colocava neste discurso, é um desafio interessante ao PS, no momento em que este subscreve esta norma que se insere nesse "paradigma alheio" - o que, quanto muito, fará congratular aqueles que pertencem ao sector "liberal reformista". O que eu não vejo é como é que aqueles que se reclamam do "socialismo democrático" se podem congratular com esta solução.
Portanto, em matéria de paradigmas, Srs. Deputados, creio que não teremos desvantagem nenhuma em prosseguir a conversa. Não nos impressiona minimamente a metáfora rodoviária-ferroviária que aqui foi suscitada. Quanto a "embarcar no comboio", o único em que gostaríamos de poder embarcar - nós, os que pertencemos a este lugar do campo democrático - é o da defesa do sector público reestruturado e eficaz e da defesa dos direitos dos trabalhadores.
Gostava de colocar algumas interrogações num outro plano agora - é o terceiro aspecto. Essas reflexões ou interrogações dirigem-se à bancada do PS, relativamente a algumas implicações da proposta contida no artigo não numerado relativo às "garantias e princípios cautelares" aplicáveis em processos de reprivatização.
Voz.
O Sr. Presidente: - Faça o favor de continuar, Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - As interrogações são as seguintes: o Sr. Deputado Almeida Santos não se referiu à alteração sofrida pelo artigo 83.°, n.° 2, no confronto entre a versão originária do texto do PS e o texto que agora vem submetido a debate - há uma diferença.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não tem muito que referir. O caso é que nos parece que, quando se trata de empresas indirectamente nacionalizadas deve a abertura ser muito maior que quanto às outras, pela razão simples de que, também hoje, já o regime é menos apertado. Por outro lado, a experiência diz-nos que, apesar de a porta ter estado aberta até hoje, não houve, que se saiba, nenhuma reprivatização significativa. Se assim é, parece que também não é de esperar que, de futuro, venha a haver muito mais reprivatizações do que houve até agora. Até agora qualquer governo podia tê-las feito e não as fez. O regime é menos apertado e continua menos apertado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O que me ocorreu, quando analisei este texto, foi o conjunto de observações feitas pelo PS na altura em que aqui se debateu a legislação tendente à alienação de participações do Estado e a crítica de inconstitucionalidade do diploma, na sua versão originária, feita pelo PS.
A dúvida que fica é quais são as consequências desta alteração em relação à constitucionalidade de legislação deste tipo. Creio que, desse ponto de vista, a solução mereceria alguma explicação complementar. Por outro lado, gostaria de perguntar quais são, no entender do PS, as implicações desta solução.
O Sr. Almeida Santos (PS): - É claro que são só as situadas fora dos sectores básicos da economia, porque as outras estão sujeitas ao regime do n.° 1. Mas, se ficarem fora dos sectores básicos, não nos parece que uma nacionalização indirecta, num sector que não seja básico, deva obedecer a algo mais que o disposto na lei. Provavelmente essa lei que venha a fazer-se também dirá algo sobre isso, como é óbvio.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Claro que, na vossa lógica actual - não digo na primeira -, as duas leis são ordinárias e aprovadas por maioria ordinária; não há nenhuma diferença entre uma lei e a outra.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sim, maioria qualificada "normal" maioria absoluta mas não especialmente qualificada. Era nesse sentido que eu dizia.
Mas como não estamos a legislar apenas até ao fim da legislatura, quando desaparecer a maioria absoluta do PSD - como vai desaparecer nas próximas eleições - esta maioria já terá significado.
Risos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, se a lei da revisão constitucional tivesse uma disposição transitória ou final, em que se dissesse que esta norma produz efeito a partir do momento que V. Exa. enunciou, teria seguramente a nossa congratulação! Mas sucede que, como a norma não está suspensa até ocorrer esse facto, e como o PSD não está paralítico até ocorrer esse facto, como o PSD pretende usar esta norma e seguramente, não é depois de se verificar esse facto... o perigo é óbvio.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Vai estar mais paralítico do que julga!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Nós também faremos por isso, Sr. Deputado, mas a questão não é essa.
O Sr. Almeida Santos (PS): - O PSD tem tido a possibilidade de reprivatizar e não privatizou. Não é assim tão fácil! Esta norma ainda vem a ter conteúdo. Relativo, mas virá a tê-lo.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Estamos a procurar contribuir para isso! Mas a questão não é essa. A questão é que por esta via se está a criar um instrumento, que é posto ao dispor do utente PSD, e este ulula por todo o país que quer usá-lo. VV. Exas. não podem alhear-se desse facto.
Isto foi um parêntesis, numa linha de considerações diversas, tendente a apurar o conteúdo do n.° 2 do artigo 83.° na proposta conjunta PS/PSD, em relação ao sector da comunicação social.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Se verificar, nesta proposta, quanto ao n.° 2 não pode falar de recuo.
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O Sr. José Magalhães (PCP): - Posso, sim. O PS tinha uma proposta que exigia expressamente nestes casos a regra do concurso público...
O Sr. Almeida Santos (PS): - A regra do concurso está, como sabe, nas cautelas que estamos a prever para a norma transitória.
O Sr. José Magalhães (PCP): - VV. Exas. têm tido muitos lapsos no articulado!
O Sr. Presidente: - Gostaria que VV. Exas. não entrassem em diálogo e que V. Exa. concluísse, porque há outros deputados inscritos e V. Exa. já está a falar há vinte minutos - em conversa, em parte.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Concluo, mas, como V. Exa. está a ver, o debate veio aclarando diversos aspectos sucessivamente relevantes. Por exemplo, se há um lapso e se a norma que aqui está, como norma final, devia dizer qualquer coisa como "as leis quadro previstas no artigo 83.°, nos n.ºs 1 e 2, devem observar os seguintes princípios fundamentais", isto é uma coisa; mas se aquilo que ali está é só o que lá está, n.° 1, então a observação do Sr. Deputado Almeida Santos é bem intencionada mas totalmente desprovida de sentido.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não é, porque depois a alínea a) diz: "a reprivatização da titularidade de direito de exploração de meios de produção e outros, nacionalizados depois do 25 de Abril" - não distingue, nem os directa nem os indirectamente...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Portanto, aplica-se ao n.° 1 e ao n.° 2! Então, devo dizer-lhe francamente: se assim é, deviam ter tido o cuidado de deixar isso bem claro.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Mas está claríssimo, não há nenhum recuo relativamente ao n.° 2, porque não está aqui previsto o concurso, mas está nas cautelas.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, eu cesso a minha intervenção. Tudo depende agora daquilo que disser o PSD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marque Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Eu tinha-me inscrito para fazer uma ou duas perguntas ao Sr. Deputado Almeida Santos, embora deva confessar o seguinte: depois de ouvir a resposta do Sr. Deputado Almeida Santos ao Sr. Deputado José Magalhães, sinto-me um pouco inibido, já que não estou habituado a esgrimir com as palavras; fiquei perplexo, porque tenho receio de, nas minhas observações, poder ofender - sem querer, naturalmente - o Sr. Deputado Almeida Santos. É evidente que eu penso que estas discussões são técnico-jurídicas, mas não só; há aqui também algo de moral, de sentimental e também há aquilo que o Sr. Deputado Almeida Santos referiu e que - penso, apesar de tudo, que é importante - é esta data de 25 de Abril.
No fundo a questão que lhe queria pôr é a seguinte: o Sr. Deputado Almeida Santos disse que reconhece e considera que esta solução representa um retrocesso relativamente àquilo que foi conseguido na sequência do 25 de Abril, mas não compreendo (e aqui está a minha dúvida e o meu pedido de esclarecimento) se esse retrocesso significa, do ponto de vista do Sr. Deputado Almeida Santos, um retrocesso relativamente às conquistas do 25 de Abril. Ou se quer significar a melhor maneira de defender as conquistas do 25 de Abril e de as perpetuar. É esta a minha dúvida.
O Sr. Almeida Santos (PS): - O meu ponto de vista é este: o 25 de Abril estava longe de ter previsto as nacionalizações que vieram a ser feitas, como vieram a ser feitas. Considero que essas nacionalizações não estiveram de acordo com o espírito do 25 de Abril nem são uma conquista apreciável do 25 de Abril. São, de algum modo, uma deturpação daquilo que estava no Programa do MFA.
Eu não sou contra as nacionalizações em absoluto, mas sim tal como foram feitas "as" que foram feitas. Não me posso esquecer de que, na manhã seguinte a terem sido feitas as principais, fui chamado ao Sr. Presidente da República para ver a redacção técnica do texto e, quando fui colocado perante o problema de terem sido feitas como foram, perguntei: "Então e o ultramar?" O Presidente da República disse: "O ultramar? Não se pensou nem falou nisso!" "Então não pensaram em que a maioria ou a generalidade dos bancos do ultramar, a generalidade das seguradoras do ultramar, as cimenteiras do ultramar e as restantes e principais empresas do Ultramar estão 'penduradas' ou pertencem às que foram nacionalizadas e foram, portanto, também indirectamente nacionalizadas?" "Não pensámos", foi a resposta. "Bom", retorqui, "então isso vai significar que, podendo elas permanecer portuguesas se permanecessem privadas, passando a ser estatais não poderão permanecer portuguesas." Isto é um exemplo de como o que foi feito não estava no espírito do 25 de Abril.
Eu orgulho-me das conquistas positivas do 25 de Abril. Como sabe, dediquei muito de mim à concretização dessas conquistas. Mas acho que a maneira como foram feitas as nacionalizações não esteve de acordo com o 25 de Abril. É antes a negação do 25 de Abril, tal como o entendi e o defendi.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Chamo a atenção do Sr. Deputado Almeida Santos para o seguinte: não discordo que muitas das nacionalizações feitas na sequência do 25 de Abril tenham sido feitas sem ter sido objecto das salvaguardas necessárias para cumprir o objectivo teórico que se propunha através das nacionalizações. Mas a Constituição de 1976, mesmo depois de revista em 1982, tem este princípio das nacionalizações a seguir ao 25 de Abril como conquistas irreversíveis dos trabalhadores. E isto teve o apoio do PS, e provavelmente do PSD e do Sr. Deputado Almeida Santos...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Claro que teve. Eu não fui constituinte, como sabe, mas, se calhar, também teria dado o meu apoio na altura.
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O Sr. Marques Júnior (PRD): - Quando se fala aqui nas conquistas de irreversíveis do 25 de Abril, portanto, as nacionalizações, estão a admitir-se, penso, os objectivos teóricos previstos e concebidos que se pensava poderem alcançar-se com as nacionalizações e não, eventualmente, a analisar os efeitos que resultaram das nacionalizações que, como todos hoje temos de reconhecer do ponto de vista racional, não cumpriram muitos dos objectivos que teoricamente se admitiram.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Mesmo independentemente dos efeitos, nunca se nacionaliza como se nacionalizou. Se quiser - não sei se participou ou não e isso não tem agora importância nenhuma -, a maneira como as nacionalizações foram feitas não é a maneiras como elas devem normalmente ser feitas. Esse é o problema. E isso implicou uma margem de erro que era perfeitamente dispensável. Dei-lhe um exemplo quanto ao ultramar, mas também podíamos discutir as que foram feitas aqui, em que, às tantas, até retrosarias foram nacionalizadas! Não creio, sinceramente, que isso estivesse no espírito, nos valores do 25 de Abril.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Deputado, já lhe disse que na minha perspectiva, tanto quanto interpreto ou posso interpretar, como qualquer outro cidadão, o espírito do 25 de Abril era no sentido de criar as condições para, do ponto de vista económico, desenvolver o País e criar as melhores condições às classes mais desfavorecidas da sociedade portuguesa.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não duvido das intenções.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Se, efectivamente, as coisas depois não correram da melhor maneira... Não estou a questionar isso, porque, como disse há pouco ao Sr. Deputado Almeida Santos, na minha opinião essa é uma discussão muito mais profunda e teríamos de ir analisar não só como é que foram nacionalizadas (e admito que muitas nacionalizações foram mal feitas, porque não tiveram as devidas salvaguardas), mas também ao serviço de quem, objectivamente, se fizeram as nacionalizações e que objectivos serviram.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Foram feitas contra o Programa do MFA.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - E aí provavelmente também há aspectos diferenciados na análise de a quem serviram as nacionalizações. Mas não era bem essa a ideia. Estava a dizer...
Vozes.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - As nacionalizações foram feitas contra o Programa do MFA, que dizia que as transformações profundas só se efectuariam depois de eleita uma assembleia constituinte.
Vozes.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Penso que essa discussão está fora deste âmbito, mas é uma discussão interessante.
Vozes.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - O MFA diria que essas coisas só seriam feitas só depois de uma constituição aprovada!
O Sr. Presidente: - É uma discussão muito interessante, mas, realmente está fora deste âmbito. Nós estamos a discutir a revisão do artigo 83.°, não estamos a discutir o Programa do MFA.
Vozes.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Eu não era do MFA, graças a Deus!
Vozes.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Deputado Marques Júnior está no uso da palavra e eu gostava de lhe assegurar o direito de se expressar.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Repondo esta situação, e fazendo a minha síntese relativamente a esta questão do 25 de Abril, muitas coisas teriam de ser consideradas e penso que, apesar de, a propósito disto se justificar, provavelmente seria positivo para a democracia portuguesa, no seu conjunto, que se fizesse um debate sério relativamente a toda essa questão. Em relação ao artigo 83. °, é bom recordar - e era essa a questão do 25 de Abril - que foi o PS e o PSD que colocaram esta norma na Constituição em 1976 e em 1982, depois da revisão. O artigo 83.°, n.° 1, refere que "todas as nacionalizações efectuadas depois do 25 de Abril de 1974 são conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras" e admito que esta fosse a melhor solução na perspectiva da defesa do espírito do 25 de Abril (estou a imaginar que fosse, já que não fui constituinte nem participei na revisão da constituição).
O Sr. José Magalhães (PCP): - Era reserva mental.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Agora a questão que colocava, questionando ainda o Sr. Deputado Almeida Santos - é evidente que ele já me respondeu, no que respeita ao retrocesso existente relativamente ao 25 de Abril, que é, segundo o Sr. Deputado Almeida Santos, um retrocesso positivo, no sentido de encontrar as melhores maneiras de defender...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não é do 25 de Abril, é desta pretensa conquista do 25 de Abril!
O Sr. Marques Júnior (PRD): - O que eu queria dizer ao Sr. Deputado Almeida Santos é que fica, da sua exposição e intervenção - até pela maneira como reagiu - uma certa sensação de que o Sr. Deputado, apesar de politicamente ter de subscrever este acordo, não está muito satisfeito com os resultados. E porquê? Porque se opõe a uma situação, que também considero incorrecta (que, eventualmente, foi defendida pelo PCP), que era a reprivatização caso a caso. E eu penso que, de facto, a maioria deve ter legitimidade para aumentar ou diminuir o sector público conforme entender, desde que haja sectores estratégicos da economia
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que estejam devidamente salvaguardados e para isso tenha de haver uma maioria qualificada de dois terços, que, aliás, era a proposta inicial do PS. A questão que gostaria de colocar era a seguinte: considera o Sr. Deputado Almeida Santos (inclusivamente admitiu aqui a hipótese, o que significa que no seu espírito isto é uma questão que o preocupa) que não podendo numa negociação vingar a proposta do PS, pelo menos ficaria incluída na lei orgânica, o que seria uma outra maneira e intermédia de salvaguardar...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Nunca julguei isso. Se tivesse podido ficar como lei orgânica, óptimo! Há um aspecto em que tem toda a razão: esta solução não me satisfaz. Mas também penso que não satisfaz os negociadores do PS. O problema não é se os satisfaz subjectivamente, mas se era possível conseguir melhor. Se não era, ou se não foi, possível conseguir melhor, para que é que estamos a lamentar-nos?
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Deputado Almeida Santos, isso levanta uma outra questão que tem sido sistematicamente aqui abordada, que é o facto de o acordo entre o PS e o PSD ter sido feito nas condições em que foi, "marginalizando" (ponho as aspas porque o PS e o PSD não gostam da palavra marginalização) a CERC. É evidente que criam a situação de que tudo o que nós possamos aqui dizer seja eventualmente considerado, quer pelo PS, quer pelo PSD, como elementos a considerar, a reanalisar, a ponderar, a reflectir, etc., que acabam por não ter nenhum sentido, porque o acordo está feito e o resultado é zero. Assim sendo, estamos aqui a discutir sem sentido, e quase nos poderíamos tornar numa comissão de redacção do acordo, nas vírgulas e na semântica, e ficaria o problema resolvido. E que, sendo esta uma questão fundamental em relação à revisão da Constituição - e não vou fazer uma acusação ao PS de ter ou não cedido aqui, porque os acordos são assim mesmo -, colocámo-la nas mãos do PSD, que agora é maioritário, e na perspectiva do PSD provavelmente vai continuar a ser, e portanto a perspectiva de curto e de médio prazo do Sr. Deputado Almeida Santos provavelmente não se vai (infelizmente) concretizar (pelo menos na perspectiva do PSD). O Sr. Deputado Almeida Santos equaciona isto numa perspectiva de curto prazo, isto é, nas próximas eleições, o problema da maioria absoluta tem outra nuance, outra perspectiva, politicamente tem outra solução.
O Sr. José Magalhães (PCP): - E até lá? Essa é que é a questão!
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Até lá (dirá o PSD) o problema está resolvido, e depois de lá também, porque esse "lá" é um "lá" que nós perspectivamos muito para lá (pensará o PSD). É evidente que estes elementos não podem deixar de ser considerados.
O Sr. Almeida Santos (PS): - O eleitorado vai tomar isso em conta, espero. Quando, na campanha, dissermos "Cuidado, não dêem maioria absoluta ao PSD, porque senão ele vai reprivatizar tudo", ou o povo toma em conta a nossa advertência e não lha dá, ou toma-a em conta no sentido de lha dar!...
O Sr. Marques Júnior (PRD): - E nós, Sr. Deputado Almeida Santos, um partido político que, embora da mesma área do PS, deseja ardentemente que o PS se constitua em alternativa ao PSD, diríamos assim: "Cuidado com o PS, porque senão o PS ainda faz um novo acordo" - e, portanto, seria mais para lá que, depois, teríamos que considerar estas questões.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Então tem que aceitar que, se não houvesse nenhum acordo (e os acordos em geral, e em toda a parte, é assim que se fazem), não era possível aqui nesta Comissão negociar este acordo. Não era! E, quando o Sr. Primeiro-Ministro disse uma vez que não gostava da palavra "negociar", eu disse logo: "Por que não? O que é que tem de horrível a palavra 'negociar'?" Pouco depois, já falava em negociação.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Depois disto, vai pensar o contrário!
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não, não vai pensar o contrário.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, eu permitia-me ler (porque julgo ser uma síntese que está bem feita), do preâmbulo da nossa proposta, estas três ideias força; "O PRD entende que a maioria tem legitimidade para fazer variar a extensão do sector público, mas que a possibilidade de variação encontra e deve encontrar limites" - creio que, em relação a isto, estaremos todos de acordo.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O PSD não está!
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Se calhar, até o PSD está de acordo.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não estamos, não.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - "Tais limites são antes de mais os que, para além de impostos pelo artigo 290.°, mesmo interpretado com elasticidade, são reclamados pelo princípio, que ninguém ousará publicamente contestar, da subordinação do poder económico ao poder político democrático.
A independência do poder democrático requer que o Estado não fique desarmado nos sectores estratégicos da economia - e as armas da legislação não chegam.
E ao Estado e às pessoas colectivas públicas, por outro lado, que cabe prestar serviços públicos. Finalmente, nenhuma lógica de concorrência permite justificar que para o sector privado sejam transferidas empresas públicas que actuam, de direito ou de facto, em situação de monopólio ou exclusivo ou de domínio do mercado.
Não quer tudo isto dizer que se tenha obsessão da economia pública - carecida, aliás, de reformas profundas no modo do seu funcionamento. Mas tem-se a noção do equilíbrio e a dos perigos para a independência do poder democrático que resultaria de uma concentração exorbitante do poder económico em Portugal, em mãos nacionais ou estrangeiras, e para a qual existem, de resto, circunstâncias propícias.
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Estas são as razões da redacção proposta para o artigo 84.°, que substituiria, na sua função, o actual artigo 83.° (irreversibilidade das nacionalizações). Ponto muito delicado que ficava em aberto era o da definição dos sectores estratégicos da economia, nos quais é vedado ou (alteração significativa relativamente àquilo que hoje consta do artigo 85.°, n.° 3) limitado o acesso de empresas privadas. Devolver pura e simplesmente para a lei esvaziaria de eficácia a norma constitucional. Definir constitucionalmente os sectores estratégicos criaria porventura demasiada rigidez. Optou-se pela solução de remeter para a lei aprovada por maioria de dois terços, mas que pode a qualquer momento ser alterada - com a reserva, que aqui se faz, da disponibilidade para substituir essa remissão por uma definição constitucional de sectores necessariamente estratégicos."
Creio que isto sintetiza a posição do PRD, que, do meu ponto de vista, teria na sua essência o acordo do PS, segundo constava do seu projecto de lei da revisão constitucional inicial, e não do acordo PS/PSD.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Espero que o FRD suba, até os nossos dois partidos perfazerem dois terços, para que possamos fazer os dois o acordo que entendermos.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Vamos nessa.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O problema é o que fará o PSD...
O Sr. Presidente: - Tinha-me inscrito para fazer uma curta intervenção, começando por dizer que não foi sem algum escândalo que ouvi as considerações do Sr. Deputado José Magalhães. Não, evidentemente, por ele discordar do acordo PS/PSD e por defender com ardor as suas teses, mas por se arvorar em juiz dos comportamentos alheios e parecer que tem o monopólio, do ponto de vista ético ou do ponto de vista moral, dos posicionamentos nesta matéria, quando justamente este ponto que estamos neste momento a discutir é uma zona em que se precipita um aspecto essencial que foi característico da luta política pós-25 de Abril.
Penso, aliás, que não é um problema do 25 de Abril, mas um problema que foi consubstanciado naquilo que se costuma designar pelo 11 de Março, aquilo que aqui estamos a discutir e que, no fundo, se traduz por uma ideia de tentar impor uma sociedade colectivista. Uma minoria tentou impô-la - de resto, demonstrou-se que essa minoria era efectivamente muito minoritária quando chegámos a fazer eleições - e essa minoria conseguiu, por uma via extremamente hábil, criar alguns mecanismos que impressionam sobretudo os espíritos mais atreitos ao positivismo jurídico, mas que tem vindo a ser insofismavelmente desmentido pela vontade popular, porque não é nesse sentido colectivista que o povo português se tem orientado. As votações que têm vindo a ser feitas, sufragando os projectos políticos, os programas dos partidos, que defendem posições contrárias, têm sido manifestamente claras. É evidente que percebo que as minorias iluminadas gostem de manter as suas pretensões - não lhes podemos levar a mal. O que não podemos permitir é que se arroguem o direito de julgar os outros e que estes, pelo silêncio, possam deixar perpassar a ideia de que consentem ou admitem que esse monopólio de julgamento seja, de algum modo, legitimado.
Entendemos que não existe nenhuma justificação para se manter, mesmo apenas em termos puramente formais, princípios de um colectivismo de tipo marxista e, por outro lado, achamos que a maneira como as nacionalizações foram feitas, e o processo todo que se lhes seguiu, foi uma das responsáveis por uma situação económico-financeira extremamente negativa que se registou em Portugal. Não estamos contra a ideia de que haja nacionalizações nos momentos em que elas se justifiquem; pensamos que isso deve ser uma matéria que cabe aos programas de governo; o que recusamos é que sejam impostas, em conexão com a ideia de uma via única para se atingir- uma sociedade sem classes, através do exercício do poder pelos trabalhadores (entendidos num determinado sentido em que restringe a expressão), e sejam o caminho para se alcançar esse desiderato. Entendemos que a sociedade não tem que ser concebida e conformada de acordo com a vulgata marxista e pretendemos que o povo tenha a liberdade de, pelo voto, escolher o caminho maioritariamente entender dever trilhar. Isso vai depender obviamente dos programas dos partidos que vierem a ser sufragados maioritariamente nas eleições e é esse o sentido para que nos orientamos. E, por isso, aceitaremos que, se outro for o circunstancialismo económico, social e político em Portugal, venha a haver nacionalizações. Neste momento, entendemos que o caminho é o de fazer privatizações e tentar remediar muitos dos males que foram feitos - parece-nos uma posição extremamente clara; compreendemos que o PCP tenha uma posição contrária, mas, repito, o que não aceitamos é quaisquer monopólios de juízos éticos acerca do comportamento político dos outros.
No que diz respeito ao acordo PS/PSD, é óbvio que esse acordo não é, para nós, satisfatório, mas foi aquilo que se pôde conseguir num ponto absolutamente essencial. Nós traduzimos a nossa ideia de uma maneira clara e inequívoca, visto que entendemos que o princípio estruturante colectivista-marxista caducou e que o artigo devia, pura e simplesmente, ser eliminado. Não foi possível conseguir o acordo do PS para isso e, entre o ficar uma norma que tem sido impeditiva do progresso e da modernização da nossa economia e encontrarmos uma solução do tipo daquela que foi finalmente consagrada no acordo, preferimos naturalmente a segunda e, por isso, a defendemos, hoje, como aquilo que foi possível alcançar. Devo acrescentar que o acordo será rigorosamente cumprido por parte do PSD, como, aliás, idênticas afirmações e comportamentos têm vindo a ser evidenciados por parte do PS, como é- timbre de pessoas que respeitam a sua palavra.
Concretamente, em relação aos problemas que foram postos e que deveriam ser o objecto principal da discussão, o entendimento exacto do alcance das medidas, em relação ao artigo 83.°, suponho que não há razão para estar a fazer muitos desenvolvimentos, já que este artigo, na proposta conjunta, é claro. O ponto que foi suscitado pelo Sr. Deputado José Magalhães e que mereceu uma resposta do Sr. Deputado Almeida Santos leva-me a fazer algumas considerações porque penso que é importante entendermo-nos sobre elas, e vem a propósito da aplicabilidade do artigo que será considerado como transitório ao n.° 2 do artigo 83.° Não
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tenho dúvidas de que alguns aspectos do seu espírito serão aplicáveis mas há outros que, pela natureza das coisas, são insusceptíveis de o ser. Reparem, em primeiro lugar, quando se proceder a privatizações, obviamente muitas empresas indirectamente nacionalizadas, se se mantiverem como tal, passarão a ser, por essa mesma circunstância, privatizadas, e, portanto, nesse sentido, é óbvio que estão submetidas a este esquema. E não podem deixar de o ser, porque, se VV. Exas. atenderem ao que é que significa empresas indirectamente nacionalizadas, empresas cuja maioria era detida por empresas que foram objecto de nacionalização directa e que, por essa circunstância, passaram a integrar o sector público. Assim, é evidente que existe um conjunto vasto de normas insusceptíveis de serem aplicadas directamente. Como é que seria possível, por exemplo, dizer que as receitas com essas reprivatizações, sendo elas autónomas, seriam aplicadas directamente na amortização da dívida pública e do sector empresarial do Estado? Não teria sentido.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Porquê? Por que é que não teria sentido?
O Sr. Presidente: - Porque as receitas são das entidades que as possuem, não são do Estado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Mas o Estado recebe ?m função da empresa mãe e do valor das empresas filhas.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Essa é uma terceira hipótese.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado Almeida Santos. Mas isso faz parte da lógica normal. Agora, se a retrosaria que tem o Banco Espírito Santo? Comercial de Lisboa (BESCL), por hipótese, for vendida, quem recebe o dinheiro é o BESCL, não é o Estado. Não é susceptível de amortizar a dívida pública.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Isso é óbvio!
O Sr. Presidente: - Portanto, essa matéria não tem obviamente sentido para ser colocada como abrangida pela doutrina do n.° 1.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - (Por deficiência técnica, não foi possível registar as palavras do orador).
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, quanto ao Orçamento para 1989, tivemos ocasião de o discutir em vários aspectos e no seu tempo próprio. De outro modo m não perceberia como é que isso era possível, nem suponho que V. Exa. seria capaz de explicar ou subscrever essa posição, presumo eu.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas fica-se abaixo 1a norma do Orçamento para 1989?
O Sr. Presidente: - Quanto a essa previsão logo veremos: se fica abaixo, se fica acima, se fica ao lado, e fica atrás. De qualquer modo, essa não é a matéria que estamos neste momento a discutir, nem é o problema do Orçamento para 1989 que está neste momento a preocupar-nos quando estamos a proceder à revisão constitucional.
Uma última observação que gostaria de fazer prende-se com o problema da inclusão desta norma em termos de leis orgânicas. É evidente que esta norma é uma norma transitória, para um período limitado de tempo. Não teria grande sentido estar justamente a incluí-la em termos de normas cuja durabilidade não está limitada no tempo. Nós queremos fazer uma lei quadro, aprovada nos termos que aqui estão expressos, para estas operações de privatização a que se vai proceder neste período de tempo. Aliás, pela forma como ela foi pensada será certamente concluída nesta legislatura.
Com efeito, não teria sentido estar a elaborar uma lei quadro em termos transitórios ad eternum. A transitoriedade no quadro da Constituição aplica-se no curto prazo.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, compreendo que V. Exa. tenha necessidade de averbar o que averbou. Já sublinhei que não era a competência judicativa que aqui era exercida, mas sim, quando muito, o direito de crítica.
O Sr. Presidente: - É uma precisão importante.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não deixou, porém, de me surpreender uma das alusões que o Sr. Deputado fez. Daí a minha pergunta.
Quem ouviu o Sr. Presidente aludir ao comportamento dilacerante de uma minoria, que, nacionalizando, teria tentado impor trezentas mil coisas a umas tantas mil almas, "sacrificando a vontade popular" nos anos conturbados (que não enumerou, mas todos sabemos quais possam ter sido), cuidará que os anos 70 foram em Portugal coisa bem diferente do que a história conta...
O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado. É o futuro!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas V. Exa. aludia ao passado!
O Sr. Presidente: - Diga, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Pela releitura histórica que o PSD faz através do Sr. Presidente, descobre-se que esta norma constitucional que aqui estamos a discutir - e que, como já aqui foi sublinhado, foi aprovada pelo PSD nessa altura - ou foi aprovada com reserva mental, ou foi aprovada sob coacção, o que não é grande sinal de valentia política, deve dizer-se, ou então o PSD aprova num ano aquilo que desaprova no ano seguinte, com toda a calma.
Srs. Deputados do PSD, façam favor de mudar à vontade a vossa posição, mas não reescrevam a história com tanta impunidade! De facto, a Constituição foi aprovada em 2 de Abril, em votação final, e esta norma já foi aprovada depois do próprio 25 de Novembro. VV. Exas. susbscreveram o pacto, como sabemos, o primeiro e o segundo,...
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Que remédio!
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O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas, com o mesmo ar com que agora diz isso, subscrevem o acordo PS-PSD. Que remédio! É para romper! É para usar! É transitório! Usa-se como uma alavanca e depois rompe-se, "como é óbvio". Que triste metodologia!
O Sr. Costa Andrade (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)
O Sr. José Magalhães (PCP): - Esse é o primeiro aspecto. O PSD terá de ter em atenção minimamente o fluir histórico, os factos tais quais eles ocorreram...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, é por atenção ao devir histórico que considero que o tal princípio estruturante colectivista foi um princípio caduco. É um princípio que pode ter valido naquela altura na vontade que animava os constituintes, mas foi desmentido claramente pela evolução histórica, pelo devir, pela vontade popular. É essa constatação que nós hoje estamos a fazer.
Tive oportunidade de há algum tempo, de resto num artigo que V. Exa. cita muito simpaticamente com alguma frequência, fazer um estudo e a descrição histórica dos preceitos que neste momento estamos a analisar. Sabemos o que foi o primeiro pacto MFA-partidos, sabemos o que foi o segundo pacto MFA-partidos, sabemos como a Assembleia Constituinte desenrolou os seus trabalhos, e que, consoante o momento cronológico em que os preceitos foram aprovados, de algum modo eles traduziram diversos extractos da evolução do processo político em curso - do PREC, como então se dizia. Conhecemos tudo isso muito bem. Conhecemos até o carácter (que na altura lhe foi atribuído) de uma certa transitoriedade da Constituição antes da revisão de 1982. Tudo isso nós conhecemos muito bem.
O que eu critico, e considero realmente algo difícil de compreender, é que uma maioria transitória num determinado momento tenha tentado traçar o devir histórico, arrogando-se a pretensão de legislar para todo o sempre, independentemente da vontade do povo desta geração, da próxima geração e das outras gerações vindouras, uma determinada concepção. Uma concepção extremamente angusta, extremamente pequena e limitada, e que, afinal de contas, inclusivamente no que respeita à matriz que ditou muitas dessas normas, se tem visto agora, pela lucidez dos actuais dirigentes da União Soviética, que está a ser posta em causa. Eles têm sido inteligentes, têm sido claros, e nós só temos de nos regozijar com isso porque, de algum modo, penso que a humanidade poderá efectivamente beneficiar dessa realidade.
O que não aceitamos é que através de esquemas técnicos, alguns dos quais muito discutíveis, nos venham impor certas soluções. É isso.
Sr. Deputado José Magalhães, pacta sunt servanda, nós sabemo-lo. Mas sabemos também - a doutrina, em matéria internacional, escreveu abundantemente sobre isso - os limites, os pressupostos ou as condições em que esse princípio deve aplicar-se.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sic rebus tantibus!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães não nos devem tomar por ingénuos ou tão ignorante: que caiamos nessas pequenas armadilhas de dialéctica que V. Exa. de vez em quando nos estende.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, isso conduz-me à segunda questão, que não é seguramente uma armadilha de dialéctica, porque não é disso que se trata...
O Sr. Presidente: - Algumas vezes é, outras vezes não!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, trata-se de evitar algumas pequenas operações de cosmética semântica atrás das quais o PSD disfarça as opções históricas que vai fazendo, de resto rasurando, em cada um; delas, a opção anterior e remaquilhando tudo pó forma que a cosmética torne indelével a marca que entretanto foi criada.
O Sr. Presidente: - Se agíssemos assim seguiríamos os bons exemplos que foram durante muito tempo praticados na União Soviética. Mas, de facto, não fazemos isso.
O Sr. José Magalhães (PCP): - VV. Exas. normal mente escolhem o pior de qualquer sistema para fazerem sempre o máximo em termos nacionais. Mas essa é um outra questão!
O que eu gostaria de referir, e esta seria a segunda questão que tinha para formular ao Sr. Presidente, o seguinte: uma das questões fulcrais que aqui se colocam é precisamente a de saber quais são os poderes e os limites das maiorias. Aquilo de que o PSD agora se reclama é do poder de reler a história integralmente e de a refazer à sua imagem e semelhança (e à vontade transitória da sua chefia circunstancial), veiculando, assim, a ideia de que, em 1975-1976, a maio ria, que de resto foi superior a quatro quintos de Constituinte, operou o que operou e aprovou o que aprovou sem legitimidade para o fazer. Os senhores os nubilam mesmo que na revisão constitucional de 198 a norma não foi alterada. Nessa altura o PSD não estava coacto nos braços da AD e não se pode dizer qu estivesse propriamente pressionado nesse domínio, e opção constituinte foi confirmada: a norma manteve-se.
Mas o PSD não se reclama apenas desse poder. Pretende para a sua maioria, transitória ela também, por definição, um poder que a eternize,...
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Portanto, também para a maioria dos outros!
O Sr. José Magalhães (PCP): -... o poder de redefinir, sem balizas constitucionais bem delimitadas constrangentes, cominadoras de caminhos, de regras de directrizes (nem sequer no caminho preconizado pelo PRD, sequer em qualquer caminho de definição material, sem definição de uma regra maioritária de dói terços para plasmar soluções). O PSD tudo enjeita não quer menos do que um Constituição com um larga parcela em branco nesta matéria que dê à sua maioria o poder de traçar a arquitectura das desnacionalizações.
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O Sr. Presidente: - A qualquer maioria, como é democrático e é praticado em Espanha, em França, em Itália, na Alemanha, na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos. É assim. Veja lá o nosso horror, Sr. Deputado José Magalhães!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Vejo o vosso horror, Sr. Presidente. Vejo-o analisado, integrando todo o projecto político do PSD. Esse projecto, designadamente em diversas das suas parcelas, nem sequer consagra, bem pelo contrário, componentes de manutenção de garantias de liberdade geral, de funcionamento normal do sistema político, de respeito pelos direitos da oposição, da possibilidade de uma efectiva e real alternância ou alternativa política. Pelo contrário, visa silenciar, esmagar, constranger o exercício de direitos políticos, limitar liberdades, viciar as regras do próprio jogo, para obviamente se perpetuar no poder no quadro de um estudo monopartidariamente dominado que aplica à oposição um tratamento que visa mante-la domesticada (quando não pactua deve estar constrangida!).
O Sr. Presidente: - Isso é uma interpretação sua, e é dolosa.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É a nossa interpretação política. Gostaria de dizer que o PSD faz isto tudo no preciso momento em que proclama que "cada qual deve poder cumprir o seu programa". Mas, quando lemos o programa do PSD, que é que encontramos? Encontramos isto: "Para garantir as transformações estruturais necessárias à subordinação do poder económico ao poder político democrático, e para garantir assim a democracia económica, o Estado intervirá adequadamente segundo o delineado na planificação democrática com nacionalizações mediante justa indemnização e que atendam especialmente aos interesses dos pequenos accionistas, tomadas de posição maioritária e imposições de administradores estatais, regulamentos e penalizações fiscais."
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado está a ler o programa do partido?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sim, do PSD.
O Sr. Presidente: - Eu explico-lhe, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Estou a ler a edição de 1986. Editorial Progresso Social e Democracia, I. A. R. L., Abril de 1986.
O Sr. Presidente: - Eu conheço, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Aprovado no Congresso Nacional, reunido em Lisboa nos dias 23 e 24 de Novembro de 1974, não tendo o Prof. Cavaco Silva anunciado na RFA ou na Bordaleja a alteração lesta norma. Isto significa que o PSD é um partido em programa e que o seu programa é o poder e a sua manutenção. O artigo 83.° é um instrumento de poder.
Assim, pergunto a V. Exa. como é que no meio disso tudo encontra um rumo ou uma estrela polar que não seja aquela que indicámos: escavacar as nacionalizações!
Por último, Sr. Presidente, um reparo a propósito de uma observação sua: não sabia que V. Exa. se tinha dissociado da corrente liberal-reformista para se filiar como simpatizante do PCUS. Mas, se assim é, dou-lhe os meus cumprimentos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, não me poderia dar os seus cumprimentos porque não sabemos bem o que vai acontecer ao PCUS na senda que iniciou recentemente.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mais optimismo, agora que aderiu deve ir até ao fim.
O Sr. Presidente: - Mas não é esse o problema. Eu falei num programa eleitoral. V. Exa. cita o programa do PSD, que aliás me honro de ter ajudado a escrever e que aprovei. Só que há aqui um ponto importante: esse programa foi elaborado antes de 11 de Março de 1975. Nós estávamos numa situação completamente diferente, e penso que essa era a solução adequada na altura. Não é obviamente uma solução a seguir quando já estão colectivizadas coisas que nós nunca tínhamos pensado em colectivizar. É essa pequenina diferença do ponto de vista cronológico que importa ter em atenção.
De facto, o que eu estava a referir há pouco eram os programas de Governo dos partidos políticos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Que podem ser contrários aos programas dos partidos?
O Sr. Presidente: - Não, são mais adequados à realidade. Não se muda de programa de partido todos os dias ou todas as eleições. Ele tem de ser um trabalho de actualização.
Se V. Exa. tomar a história dos partidos alemães, que é uma história muito conhecida, verificará que houve diversos programas, designadamente do Partido Social-Democrata Alemão, e que esses programas foram objecto de modificações sempre com algum atraso em relação àquilo que foram, digamos, as necessidades políticas, sem prejuízo de se manterem os valores fundamentais, que são esses que são importantes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Este caducou, segundo o tal douto artigo que V. Exa. tem referido.
O Sr. Presidente: - Não é douto, mas tem algumas ideias interessantes. Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, a nenhum de nós admira que a questão do artigo 83.° seja uma pedra-de-toque muito especial para o PCP. Para o PCP, que tem feito da Constituição Portuguesa uma bandeira de luta e que tem procurado, para além do texto constitucional, fazer da Constituição um mito junto dos destinatários das suas mensagens políticas, há uma coisa que lhe vai doer depois desta revisão constitucional. E que os mitos tradicionais que o PCP tem podido invocar a propósito da Constituição vão deixar de poder ser invocados, pelo menos com legitimidade.
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O Sr. José Magalhães (PCP): - Que alegria para o PS! Que bom para o campo democrático! Que conquista para os trabalhadores!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Isto significa que, para além da discussão e do debate à volta dos textos, há um substracto ideológico fortíssimo a envolver as posições tomadas pelo PCP. Só que as posições do PCP também têm variado ao longo do tempo, e esta tentativa de o deputado José Magalhães fazer prova de que afinal os partidos estão em mutações aceleradas de pontos de vista relativamente a variadíssimos temas aplica-se, integralmente, às próprias posições do PCP.
Ainda ontem, a propósito de uma leitura com objectivos distintos, dei-me conta desta questão singular: na Assembleia Constituinte o PCP foi ardorosamente contrário à consagração na Constituição da expressão "poder local".
O Sr. José Magalhães (PCP): - Essa é uma asneira espectacular!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - O PCP argumentava, nessa altura, que isso significaria cometer a entidades descentralizadas funções de poder que teriam de ser típicas do Estado centralizado como motor de transformação social a todos os níveis em que essa transformação deveria ser feita. Se hoje imaginássemos o PCP a dizer coisas deste tipo relativamente ao poder autárquico, nenhum de nós acreditaria que era o mesmo PCP que as diria.
No entanto, há uma verdade subjacente na posição de ontem como na posição de hoje. É que para o PCP a única realidade política que ainda lhe merece crédito é o poder centralizado, porque é com ele que o Partido Comunista tem vocação para trabalhar. Por isso é que as nacionalizações para o PCP - e com isto vou ao artigo 83.° - são um valor em si mesmas. Não são um dado instrumental da política do Estado para a realização de objectivos sociais e económicos. São um valor em si mesmas.
Muitas nacionalizações, que bom Estado que temos! Poucas nacionalizações, que péssimo Estado que temos! É por isso que o PCP traduz logo daqui certas consequências mecânicas, como, por exemplo, esta de dizer: "O Partido Socialista admite desnacionalizações? Aqui d'el-rei, o PS está a favor da corrente dos novos liberais". Nada de menos verdadeiro! Simplesmente o Partido Comunista tem que se alimentar com as suas próprias miragens e com a continuação dos seus próprios mitos.
O que está em causa na perspectiva dos novos liberais - e o deputado José Magalhães sabe isso muito bem - é a tentativa de destruir os direitos de natureza económica e social para com isso destruir as funções de redistribuição por parte do Estado. Ora, a circunstância de haver mais ou menos nacionalizações não tem nada que ver com a discussão acerca das funções económicas e sociais do Estado e do papel reditributivo do Estado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não? Que rica análise económica! Que estratégia de conquista de um Estado laranja!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - A esta luz é que vale pena ponderarmos da utilidade económica e social da nacionalizações.
Ora, para ponderarmos essa utilidade temos que te um sistema aberto. Um sistema em que um poder político possa nacionalizar e igualmente desnacionalizar É esta abertura e esta flexibilidade do sistema que são incompatíveis com a lógica do Estado centralizador que é a lógica do PCP.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O Estado centralizador?
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Com isto ele vai perder uma bandeira de luta. Mas isso é um problema que fará que daqui a algum tempo - certamente não vai ser preciso muito - o Partido Comunista acabe pç encontrar novos motivos na Constituição para se congratular com eles. Designadamente vai encontrar muitos motivos para se invocar da bondade deles nas próprias soluções apresentadas no acordo PS-PSD.
Este desafio aqui fica feito. Desafio o deputado Jos Magalhães e os deputados do FCF a declararem recitar, para futuro, a invocação dos instrumentos de sã vaguarda da disposição transitória relativa ao processo das desnacionalizações. Porque o que está verdadeiramente em causa é saber se essas normas são ou na as normas mínimas - e neste sentido necessárias - para garantir não só processos de transparência com de garantia de direitos essenciais num processo deste tipo. Isto para responder também ao PRD quando esta diz que estaria de acordo com a solução originária d proposta apresentada pelo PS no seu projecto, mas que teria mais dificuldades em concordar com a soluça agora proposta.
Sr. Deputado Marques Júnior, o que acontece é seguinte: na norma originariamente proposta pelo PS quando se fala em lei de desnacionalizações por do terços, nunca aí se disse que seriam dois terços pai a desnacionalização caso a caso. Essa é uma interpretação que o deputado José Magalhães há pouco que fazer mas, sendo uma interpretação possível da lei, na é uma interpretação unívoca da mesma, como ainda há pouco o Sr. Deputado Almeida Santos aqui tem ocasião de referir.
O Sr. José Magalhães (PCP): - V. Exa. tem o direito de desautorizar quem quiser. Não fui eu que fiz essa desautorização foram os senhores.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - O que significa também que esta interpretação possível...
O Sr. Almeida Santos (PS): - O que eu disse é que a mais provável era evidentemente aquela que...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, Sr. Deputado Jorge Lacão está a pôr na minha boca coisas que eu não disse. Foi V. Exa. que as disse.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - O que significa que es interpretação possível foi uma interpretação livremente assumida pelo PS no momento em que este apresentou a sua formulação, numa fase de ponderação sob se seria ou não desejável às próprias formações polí
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sãs de oposição terem de se comprometer por via da maioria de dois terços nos critérios governativos da desnacianalização.
Fizemos esse debate dentro do PS e chegámos a uma conclusão pacífica. Desejável é, à luz da autonomia da função de fiscalização política que às oposições compete fazer, que o Governo desnacionalize, querendo, de acordo com um conjunto de pressupostos e de regras previamente definidos. E aqui é que se define, de facto, um regime de transparência.
Dirá o Sr. Deputado Marques Júnior - e aqui gostaria de ir ao cerne da sua crítica - que há um recuo face ao conjunto de regras e de garantias agora definidas relativamente à solução originariamente proposta pelo PS. Eu gostaria de dizer ao Sr. Deputado Marques Júnior o seguinte: quando, originariamente, se falava em aprovação de lei por maioria de dois terços, não se tinha dito nada acerca do conteúdo que essa lei deveria ter. Apenas se dizia que o processo de validação da lei implicava maioria favorável de dois terços. Imagine o Sr. Deputado Marques Júnior que uma lei, através de um processo ordinário, mas submetida à regra de dois terços, vinha a consignar o conjunto de regras e garantias que agora já se vertem transitoriamente para o texto constitucional. Então, teríamos alcançado, por via do processo legislativo ordinário, aquilo que, afinal de contas, já estamos a alcançar por via do próprio processo de revisão constitucional, o que significa também que está esgotado o objectivo útil da lei dos dois terços.
Afinal de contas, as regras estão desde já concretizadas. Porventura não chegam? Mas, se porventura não satisfazem o deputado Marques Júnior e o PRD, o que seria interessante é que o Sr. Deputado Marques Júnior e o PRD dissessem quais mais seriam as regras e quais mais seriam as garantias que o PRD gostaria de ver consignadas para, então, sabermos exactamente onde é que está a carência ou a falta de instrumentos normativos que garantam transparência e rigor suficientes no processo de desnacionalização.
São, portanto, estes os pontos que gostaria de referir para sublinhar que o PS, relativamente a esta matéria, não faz esta reforma constitucional de forma envergonhada ou a contragosto. Fá-la por pura convicção e, portanto, nisso não temos que nos desculpabilizar perante ninguém, muito menos perante o PCP.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, a questão é esta: o Sr. Deputado Jorge Lacão é realmente surpreendente. Nestas matérias, designadamente na Constituição económica, as surpresas têm origens diversas em função dos temas que vamos abordando. Neste caso, não consigo vislumbrar, para já - e é por isso que faço esta pergunta -, qual seja a fonte da primeira parte das considerações que fez. Porque, em bom rigor, o Sr. Deputado fez dois tipos de considerações, situadas em dois planos totalmente distintos. No segundo conjunto de observações, aludiu ao tema do dia, à matéria em apreço, e aludiu em termos que, de resto, são inovadores.
Eu queria ter bem a certeza se percebi tudo aquilo que o Sr. Deputado disse porque, se aquilo que percebi é exacto e corresponde ao pensamento do PS na sua versão mais depurada, então o PS, além de não ter vergonha nenhuma, tem todo o orgulho na solução pactuada com o PSD e está contentíssimo com o resultado negociai. Era uma coisa que eu não tinha percebido ao ouvir a intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos, mas que julgo que transparece das palavras do Sr. Deputado Jorge Lacão.
O PS tem então todas as razões para estar orgulhoso desta solução! Porquê? Aparentemente porque, afinal de contas, o objectivo da solução do PS, que nunca foi aquilo que alguns julgaram - induzidos, deve dizer-se, por alguns dirigentes do vosso partido - estava contido no n.° 1 do artigo 83.° Aquilo que o PS, na versão mais realista, mais moderada (e mais recuada - digamos a verdade toda) sempre almejou é, afinal de contas, aquilo que está contido na proposta de norma final que vem agora apensa, por força do acordo, a este artigo 83.° São aquelas regras - a saber, as constantes nas alíneas a), b), c), d) e é) do artigo inominado respeitante aos princípios para a reprivatização prevista no n.° 1 do artigo 83.° - o programa e método constitucional de reprivatizações que o PS acha justo, adequado, correcto.
Mas, se é assim, Sr. Deputado Jorge Lacão, V. Exa. está-nos a revelar, ex post factum - e isso é útil para efeitos históricos - que, afinal de contas, a ideia que o PS fazia das regras para desnacionalizar era a de um elenco magro de carácter formal e não tinham nunca nenhum critério em relação a sectores, em relação à defesa deste e daquele sector relevante em termos de interesse nacional. Afinal, essas normas modelo eram despojadas de qualquer indicação material quanto à protecção a conferir a áreas da nossa economia em certo tipo de empresas directamente nacionalizadas.
Será assim? É porque, se é assim, isso tem um significado enorme em relação a tudo o que andaram a dizer ao País nestes meses.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, isso não é uma pergunta.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não é uma pergunta!?
O Sr. Presidente: - Se é uma pergunta, agradecia que não levasse muito tempo a acabar de a formular. Tem sempre a possibilidade de se inscrever a seguir.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Com certeza.
A segunda questão é esta: o Sr. Deputado Jorge Lacão utilizou, na primeira parte da sua intervenção, uma coisa que, normalmente, se utiliza na (má) retórica, que é criar um pólo de diversão. Se o Sr. Deputado se dispõe a fazer um debate desse tipo, extraindo das actas da Constituição que o PCP disse não sei quê sobre o poder autárquico, ou sobre o poder popular, ou sobre as OPVs, ou sobre o SNS, ou sobre os direitos, liberdades e garantias, ou sobre o Conselho da Revolução ou sobre a transição para o socialismo, então haverá diversão, mas não debate sério.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Era uma desgraça se a gente fizesse isso! Era uma desgraça para o PCP!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, não era desgraça nenhuma do PCP! Estamos perfeitamente dispo-
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níveis para discutir isso! O que é totalmente ridículo no momento em que o PS faz uma mudança identitária. Além do mais, se eu fosse trazer para aqui aquilo que o PS disse nas actas da Constituinte, as origens das expressões contidas nos artigos 1.°, 2.°, 3.°, 4.°, 5.°, 6.°, 7.°, 8.°, 9.°, 10.° e por aí adiante - vamos artigo a artigo -, fruto da então acrisolada adesão ao marxismo por parte do PS, veste já despojada, o Sr. Deputado Jorge Lacão não tinha tempo sequer para estar a replicar ponto a ponto, nem tinha réplica possível porque - é a verdade! - o PS colaborou, pesou em cada artigo da Constituição. O seu voto foi a causa da consagração constitucional de toda e cada uma das expressões que lá estão. Sugeria ao Sr. Deputado Jorge Lacão que, por um lado, tivesse a gentileza de ter isto em consideração e diria, em segundo lugar, que vale a pena discutir o essencial sem métodos desse género.
Quanto a saber se o PCP invocará o que quer que seja da Constituição revista para defender os interesses dos trabalhadores, a resposta é sim. Não há nenhum suspense em relação a isso. O PCP nunca poderia renunciar a, no quadro da legalidade democrática, utilizar o exercício pleno dos seus direitos para defender os interesses dos trabalhadores. De que é que o Sr. Deputado estava à espera? Que lhe dissesse que não?
E, já agora, gostava de lhe perguntar isto: V. Exa. estava à espera que o PCP lhe dissesse "não"? De que não invocássemos a Constituição para nada e que, face a uma norma que garanta aos trabalhadores a possibilidade de manter os direitos e obrigações de que forem titulares, o PCP votasse contra? Não, Sr. Deputado, não votamos contra! E mais: lutamos para defender os interesses dos trabalhadores qualquer que seja o quadro. Isto surpreende V. Exa.?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, isso é já uma resposta.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Também já está a pergunta formulada, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, é tão fácil como isto: quando referi o facto de o PCP, na Constituinte, ser contra o poder local, foi apenas para dar coerência ao próprio PCP, que é sempre a favor de uma coisa. O PCP é sempre a favor de uma coisa!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas quem é que disse que o PCP foi contra o poder local democrático, Sr. Deputado?
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Da expressão, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Contretize e logo se verá a atoarda!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - O PCP era contra a expressão "poder local" por recear que ela significasse uma autonomia de poderes que pusessem em causa o acervo de poderes que, na lógica do PCP, deveriam
estar contidos ao nível do poder político central. Ora justamente, é esta lógica que continua a dominar o pensamento do PCP. É a lógica da dominância do pode político central e do receio efectivo de que o poder se possa partilhar na sociedade portuguesa. E isto por uma razão: é que o PCP ainda não deixou de ver no Estado uma instituição instrumental ao serviço de uma certa perspectiva da luta da classes. O Estado instrumental! A Constituição instrumental! E as nacionalizações instrumentais!
O Sr. José Magalhães (PCP): - E o PSD/89 instrumentalizando as nacionalizações!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Só que, para o PCP, não são instrumentais em função de objectivos económicos, são instrumentais em função de objectivos políticos! E quais são esses objectivos políticos? Os da hegemonia de uma certa corrente político-ideológica na sociedade.
Õ Sr. José Magalhães (PCP): - É o Estado laranja, essa invenção do Dr. Sampaio!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - É esta a posição chave da parte do PCP!
E, depois, o deputado José Magalhães continua a pensar que a melhor defesa será sempre o ataque e, portanto, continua a deixar sempre pelo caminho um conjunto de atoardas contra o PS.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Pudera!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - E diz: mas o PS, no conjunto das regras, fixa apenas regras de carácter formal?! Não fixa regras com indicações materiais?! O PS sabe - e o deputado José Magalhães também - que a nossa Constituição comete à Assembleia da República a competência de definir os sectores básicos da economia e que, portanto, é nessa instância e a propósito desse exercício de competência que essa questão se resolve. Não tem de ser, a propósito de um conjunto de desnacionalizações em concreto, que se definem as regras sobre quais devam ser os âmbitos básicos da economia portuguesa como tal a justificar a intervenção do Estado. É uma outra lógica de preocupação que tem também outro tipo de respostas institucionais à disponibilidade da Assembleia da República.
O Sr. José Magalhães (PCP): - V. Exa. faz-nos emergir de surpresa em surpresa! V. Exa. confunde o âmbito próprio do artigo 85.° com o artigo 83.°?! V. Exa. funde as duas problemáticas, a problemática da desnacionalização de empresas e a problemática da delimitação de sectores?! Uma coisa é a reserva de determinados sectores, outra coisa é a admissão da desnacionalização. VV. Exas. não estabelecem nenhuma proibição de desnacionalização em nenhum sector! Não estabelecem nenhuma definição de sectores estratégicos ou sectores em que não haja possibilidade de reprivatização ou em que ela esteja condicionada a algumas regras - isto para já não discutir o alcance do n.° 3 do artigo 85.°
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, eu não confundi nada! O Sr. Deputado é que parece que continua a querer confundir! Queria dizer-
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lhe que a definição do que sejam sectores e reserva de sectores é um outro debate que só por amálgama: que o deputado José Magalhães quer introduzir neste ponto. Neste ponto, o que se trata é de rever uma norma que é tipicamente de matriz socialista, como o Sr. Deputado José Magalhães sabe.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Que horror o socialismo!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Não, não é que horror socialismo. Que horror o comunismo! Estamos entendidos! Que horror o comunismo como modelo conómico-social. Sobre isto não tenha a mínima dúvida! Do meu ponto de vista, também não há nenhuma dúvida sobre isto! Agora, o socialismo democrático é outra coisa.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Está-se a ver, Sr. Deputado, a Constituição de 1976 consagrou o colunismo! Não há limites para a asneira quando se está m deriva ideológica e política!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - É preciso que o deputado José Magalhães faça as distinções entre o que é o modelo comunista e o modelo do socialismo democrático.
Agora, quando refiro esta norma, que é tipicamente ma norma da Constituição-balanço, a única coisa que pretendemos é eliminar uma norma típica de Constituição-balanço numa Constituição que não tem natureza desse tipo e que, portanto, não tem de ser instrumental em função da consolidação, por etapas, de objectivos políticos e programáticos irreversíveis.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Excepto para o PSD!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - É esta a lógica da matriz constitucional comunista.
O Sr. José Magalhães (PCP): - E é boa a matriz laranja? Acha melhor a matriz laranja?
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Não é a lógica da matriz do socialismo democrático em nenhum país que se pode, justamente, arvorar da influência social-democrata. E dizer que os direitos dos trabalhadores seriam melhor garantidos através das nacionalizações ao é a mesma coisa que dizer que é necessário garantir os direitos dos trabalhadores no processo de desnacionalização. É outra coisa diferente, esta segunda linha de preocupação, e esta o PS tem-na.
Em abono da sua tese, o Sr. Deputado José Magalhães teria de provar duas coisas: que as nacionalizações que temos garantem melhor os direitos dos trabalhadores em geral - porque estamos a pensar nos direitos, suponho eu, de todos os trabalhadores portugueses -, e, portanto, teria de provar que a contribuição das empresas nacionalizadas para a riqueza nacional e para a incorporação de emprego é de facto um motor essencial para garantia dos direitos sociais dos trabalhadores. E o deputado José Magalhães não será certamente capaz de se convencer a ele próprio, quanto mais a nós, acerca disso.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Somos, oh, se somos! Sobretudo depois de ouvir a sua impressionante exposição e aberrações.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - O outro lado da questão é o seguinte: garantem as empresas nacionalizadas, pelo facto de o serem, um melhor conjunto de direitos de liberdade aos trabalhadores? O facto de o Sr. Deputado José Magalhães responder afirmativamente a isto significa que reconhece implicitamente que os direitos de liberdade dos trabalhadores das empresas do sector privado estão ameaçados de crise. Mas, nesse caso, então, o problema é outro. É o de termos de criar condições institucionais e de prática política e social para garantir, com homogeneidade, os direitos dos trabalhadores, independentemente de quem seja o titular das empresas. E essa é uma questão também fundamental.
O Sr. José Magalhães (PCP): - A que o acordo não responde.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Agora, o deputado José Magalhães admitiu que os direitos dos trabalhadores estão melhor protegidos nas empresas nacionalizadas e isso é introduzir uma lógica corporativa na própria defesa dos interesses dos trabalhadores que o PS não pode aceitar e - diria mais - não pode tolerar.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Isso é olhar para a realidade.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É uma pirueta espectacular!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de fazer uma intervenção muito curta, que me foi solicitada pela intervenção do Sr. Deputado Marques Júnior, do PRD. A proposta do PRD não foi discutida aquando da primeira leitura: foi agora apresentada, e nós vamos votar contra ela. Conviria, por uma questão de lealdade, explicitar brevemente as razões por que votaremos contra ela. Essa a razão da minha intervenção.
De qualquer forma, foram ditas coisas muito interessantes. E não posso deixar de reagir, à minha maneira, a algumas das afirmações que aqui foram proferidas, designadamente por parte do PCP. O PCP disse coisas que, de certa maneira, nos causam alguma preocupação do ponto de vista das concepções democráticas. E o PCP disse coisas como estas: que esta lei estaria bem se o PS, juntamente com o PCP, fosse maioria; que esta revisão constitucional, com o PS, seria boa para uns, mas para outros não.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Quem é que disse isso?
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Foi dito pelo Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - A acta revelará que não!
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O Sr. Costa Andrade (PSD): - E disse também - e esta afirmação causa-nos alguma preocupação e algum espanto - que quando se fala em maioria é a maioria PSD! Acreditávamos um pouco mais na álea própria do jogo democrático, sendo evidente que o jogo democrático tem como elemento essencial da sua legitimação sociológica e política o elemento de álea, pois nunca se sabe quem vai ser poder amanhã. Faremos os possíveis para que amanhã o PSD seja poder, mas estamos abertos a alguma frustração possível - que é a própria da álea do jogo democrático -, de a nossa expectativa não ser confirmada nas vir nas.
O Sr. José Magalhães (PCP): - E, à cautela, vão mudando a lei eleitoral!
O Sr. Costa Andrade (PSD): - É que não gostaríamos de partir do princípio de que a maioria do PSD é um dado adquirido. Isso não seria estimulante nem gratificante do ponto de vista do trabalho e da luta política.
Se o Sr. Deputado insistir e se fizer da sua previsão uma self-fulfilling prophecy agradecemos-lhe o contributo e os nossos trabalhos de campanha eleitoral ficarão mais facilitados. Não era esse o nosso propósito!
Vozes.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Nós gostamos de pôr o PCP frente a frente com os seus símbolos, com a sua cara, com o seu rosto.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Claro, claro! São um modelo de lealdade e transparência os sicofantas do Estado laranja.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - De qualquer modo, o Sr. Deputado disse ainda outra coisa que também nos causa alguma preocupação e nos suscita alguma reacção. O Sr. Deputado disse: "Vejam como eles mudaram!". Efectivamente, Sr. Deputado, mudámos alguma coisa e pensámos que o Partido Comunista também tinha mudado. Afinal, enganámo-nos! Estamos ainda com os fósseis de 1974 e com isso ficamos preocupados.
O Sr. Presidente: - Mas também temos alguma tranquilidade, Sr. Deputado.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Exacto, Sr. Presidente.
O Sr. Deputado diz que, afinal, o verniz que se anda para aí a espalhar é falso: "Somos exactamente os mesmos de 1974, não há mudança nenhuma, tenham calma! Entre o Dr. Álvaro Cunhal de 1974 e os mais jovens turcos da Perestroika não há nada de semelhante. Nós somos rigorosamente os mesmos!"
Isto é pouco arrepiante!
O Sr. José Magalhães (PCP): - "Arrepiante"? Esse número é novo, Sr. Deputado Costa Andrade? Parece-me fossilizado!
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Em relação à proposta em concreto, congratulamo-nos com o facto de o PRD também ter abandonado o tabu das nacionalizações. A ideia da irreversibilidade das nacionalizações não deve ser defendida como um tabu. Porém, não concordamos com a solução preconizada pelo PRD.
Vozes.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - O tabu para efeito, de constitucionalização, Sr. Deputado. Acompanhamos o PRD nessa parte, mas não concordamos com a solução preconizada. Esta solução seria boa como solução de um programa de governo. Se um dia o PRD tiver a maioria que lhe permita governar, este será um bom programa de governo. O PRD entende que um eventual programa de privatizações que venha a fazer-se deve ser feito com estas limitações. É um bom programa de governo, mas entendemos que ele não deve ser imposto nem a outros partidos nem ao povo português. O povo português pode escolher que ascendi ao poder uma força política que tenha uma outra concepção e outros limites que não os propostos.
De resto, tudo isto nos leva a colocar a seguinte questão: não estamos aqui a discutir ou a fazer privatizações, mas apenas a construir um ordenamento jurídico-constitucional.
O Sr. José Magalhães (PCP): - E a viabilizar o planos do PSD, Sr. Deputado.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sim, se o povo português quiser que eles sejam viabilizados. Se quiser aqueles sejam inviabilizados, assim se fará. Não esqueça mós, aliás, que as possibilidades de nacionalização ficam abertas. Se um dia o Partido Comunista tive acesso ao poder, que nacionalize o que quiser, pois essa possibilidade está aberta. Mas reconheça-se às outra forças políticas a possibilidade de não o fazer.
As forças políticas só o farão na medida da legitimidade democrática que lhe for concedida nas urnas.
Era fundamentalmente esta a explicação que queria mós dar em relação à proposta do PRD, que merece o nosso apoio em certa parte. Não podemos concordar com ela para efeitos de revisão da Constituição Este seria um bom programa de governo de um par tido como o PRD, mas erigir isto em norma constitucional parece-nos ilegítimo. Só por isso votaremos contra a proposta do PRD.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, tenho por hábito confinar-me às regras regimentais, nesse sentido aquilo que vou dizer agora está, provavelmente, um pouco desfasado desta discussão. No entanto, face às afirmações que foram aqui produzida e que me parecem menos correctas, não posso deixa de fazer essa intervenção.
Refiro-me concretamente à intervenção do Sr. Deputado Costa Andrade quando disse que felizmente não foi do MFA. Ora, gostaria de contrapor que fui, felizmente, do MFA, tenho muito orgulho nisso, muito prazer nisso...
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
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O Sr. Marques Júnior (PRD): - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - O que disse foi - penso - off the record. Portanto, essa sua intervenção pode induzir em erro o leitor. O que queria dizer era que o Programa do MFA do 25 de Abril, com o qual me identifiquei, foi frustrado. Eu quis dizer que, felizmente, não fui do MFA do 11 de Março. Do 25 de Abril de 1974 fui-o!
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Ao 11 de Março ia lá vamos, Sr. Deputado.
De facto, fui do MFA e devo-lhe dizer o seguinte: as razões por que estou naturalmente satisfeito por ser 1o MFA são óbvias e nem sequer vou falar sobre elas.
Relativamente ao 11 de Março e aos pactos MFA/partidos, há uma coisa que convém ficar aqui dita: provavelmente, tenho talvez mais conhecimento de causa relativamente a estas coisas do que alguns dos Srs. Deputados que se pronunciaram relativamente a esta questão. Devo dizer o seguinte: eu fui do MFA, mas não fui eu que fiz o 11 de Março. Tenho presente - e sugiro aos Srs. Deputados que o leiam - o comunicado que o PSD produziu quer na sequência do golpe de 11 de Março quer na sequência das tomadas de posições políticas das nacionalizações. É verem os vossos arquivos e a vossa posição política relativamente a isso.
As acções políticas, que nalguns aspectos tiveram afeitos contrários àquilo que pretendíamos relativamente às nacionalizações - e eu aceito isso -, bem como outros factos, foram determinantes para que, politicamente, se conseguisse fazer uma coisa que muita gente punha em causa - não politicamente assumida em termos de lideranças e de organizações políticas - e que todos consideravam um dos elementos fundamentais. Assim, nós depois do 11 de Março fizemos as primeiras eleições livres em Portugal, em 25 de Abril de 1975.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Apesar da pressão para o voto em branco!
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Deputado, não é isso que está em causa. Em termos institucionais, o MFA sempre se bateu pelas eleições, organizou-as e fê-las conforme tinha prometido no seu programa. Já disse há pouco que não identifiquei as pessoas, as organizações políticas responsáveis por assumir esta ou aquela posição. O 11 de Março e as nacionalizações tiveram lugar quase um ano depois do 25 de Abril de 1974.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - E contra o programa do 25 de Abril, que dizia que as transformações profundas só se fariam depois de eleita uma assembleia constituinte.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Deputado, não foi o MFA que fez o golpe de 11 de Março contra o 25 de Abril. É bom dizer isto, Srs. Deputados. O 11 de Março foi feito contra o 25 de Abril, foi feito um mês antes do 25 de Abril de 1975 provavelmente para obviar àquilo que era o compromisso fundamental do MFA, que era o de 1 ano depois fazer as primeiras eleições livres para eleger uma constituinte...
O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Se o 11 de Março teve tanto valor, por que é que se fez o 25 de Novembro?
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Já vou ao 25 de Novembro, Sr. Deputado.
O que acabei de dizer tem a ver com a questão que diz respeito aos pactos MFA/partidos. Eu não sei se o Sr. Deputado Costa Andrade sabe que os partidos Hão foram pressionados no pacto MFA/partidos.
Vozes.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Deputado Costa Andrade, foram os partidos que pediram ao MFA a elaboração do pacto MFA/partidos. Sabia isso, Sr. Deputado? Foram os partidos que, atendendo às condições políticas que se viviam, o solicitaram.
O Sr. Presidente: - Eu por acaso participei na negociação de ambos, Sr. Deputado.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Foi o MFA que depois do 25 de Novembro tomou a iniciativa de propor aos partidos políticos a revisão do primeiro pacto. É que, atendendo à situação política que se vivia, o primeiro pacto era, de facto, demasiado constringente. Portanto, foi o MFA que propôs a revisão do primeiro pacto e que deu origem ao segundo pacto MFA/partidos.
Quanto à questão de os partidos políticos terem de assinar o pacto sob pressão, gostaria de dizer o seguinte: como o Sr. Deputado sabe, houve partidos que se recusaram a assinar o pacto MFA/partidos.
Também gostaria de dizer que, se o Sr. Deputado quiser, tenho muito gosto em falar consigo sobre o 25 de Novembro. Vou-lhe dizer o seguinte: eu fui o elemento do Conselho da Revolução nomeado superintendente da Comissão de Inquérito ao 25 de Novembro. Posso ter uma conversa consigo acerca do que foi o 25 de Novembro. Não lhe garanto que lhe dê uma ideia suficientemente clara do que foi o 25 de Novembro. Dou-lhe apenas elementos suficientes para o perturbar.
O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Se faz favor, Sr. Deputado.
O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Sr. Deputado Marques Júnior, sem prejuízo dessa conversa, que pode ser muito enriquecedora, gostaria de dizer o seguinte: na altura era um jovem, com apenas 16 ou 17 anos, mas recordo-me das coisas que se passaram. A interpelação que há pouco lhe fiz tinha apenas este sentido: o Sr. Deputado defendeu com ênfase - e ainda bem que o fez - o 25 de Abril e o MFA. No entanto, defendeu, com uma ênfase que eu julgava que não o fizesse, o 11 de Março e aquilo que foi consequente a essa data. O que lhe perguntei foi apenas isto: se o 11 de Março foi tão bom, se as pessoas que mais directa-
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mente participaram no MFA e na vida política portuguesa o defendem, como o Sr. Deputado acabou de fazer com tanta ênfase, por que é que então se fez o 25 de Novembro? Essa explicação era importante que se fizesse. É que, senão, esse movimento, que também foi politicamente importante, perde parte do seu sentido. Sem cuidar de saber as suas origens profundas, já que pode haver interpretações diversas em relação a essa matéria, gostaria de ter essa explicação porque, politicamente, esse movimento foi marcante no processo que vivemos após o 25 de Abril de 1974. Fica, então, em aberto esta pergunta que fiz. Foi nesse sentido que fiz a minha interpelação.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Essa sua afirmação é muito curiosa, Sr. Deputado. Eu falo do 11 de Março e o Sr. Deputado do 15 de Março. Essa é que é a questão. Falo do 11 de Março, do golpe contra a democracia em Portugal. É disso que lhe estou a falar, Sr. Deputado.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Dia em que morreu o soldado Luís. que era do PSD.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Mais: devo dizer-lhe que fui contra o 25 de Novembro. É que se calhar o 25 de Novembro foi uma coisa diferente daquilo que o Sr. Deputado está a pensar. Sabe o que é que foi o 25 de Novembro? Foram uns "esquerdistas" que ocuparam umas bases e que indiciaram um golpe contra a situação criada, contra a democracia. Eu fui um dos elementos que politicamente liderei a acção contra esse grupo. Portanto, fui contra o 25 de Novembro. O Sr. Deputado fala do 27, do 28, do 30 de Novembro. Na verdade, estamos a falar de coisas diferentes. Temos de nos entender relativamente a estas questões. Tal como fui contra o 11 de Março, também o fui contra o 25 de Novembro. Sou crítico relativamente à situação política desenvolvida depois do 11 de Março. Por isso fui contra o 25 de Novembro.
O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Isso é que não ficou dito!
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Se calhar o Sr. Deputado é a favor do 25 de Novembro porque não sabe o que foi uma coisa e outra.
O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Sei, sei!
O Sr. Marques Júnior (PRD): - O senhor sabia que eu, politicamente, estive identificado com as pessoas que conseguiram abortar o 25 de Novembro?
O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Sei, Sr. Deputado.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Mas numa perspectiva positiva ou negativa, Sr. Deputado?
O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Numa perspectiva positiva, Sr. Deputado.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - É bom que isso fique registado, Sr. Deputado.
O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Sr. Deputado, utilizei a data de 11 de Março no sentido corrente que toda a gente utiliza. Essa foi uma data marcante do processo político, que, obviamente, não se consumou nesse próprio dia, mas que teve desenvolvimentos que toda a gente conhece.
Vozes.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Deputado Costa Andrade, os esquerdistas do 25 de Novembro eram militares de sinal contrário, em termos políticos e ideológicos, dos do 11 de Março, mas uns e outros desenvolveram acções contra o desenvolvimento democrático em Portugal.
Quanto à observação que o Sr. Deputado Costa Andrade fez em relação ao nosso projecto, gostaria de dizer o seguinte: realmente nós não temos esse pecado original do ponto de vista formal porque não elaborámos a Constituição em 1976 e não a revimos em 1982. Como cidadão tenho a minha opinião sobre essas questões. De facto, o PRD não participou nem numa nem na outra e pensa que este projecto que apresenta é menos constringente do que aquilo que está. Portanto, nós nem sequer temos o pecado do PSD relativamente a 1976 e 1982. A nossa proposta é muito mais "amena" do que aquela. Pensamos que será uma proposta adequada para uma fase posterior de revisão da Constituição. Nessa altura poderíamos ir, provavelmente, para a proposta do PSD.
Relativamente à pergunta que me fez o Sr. Deputado Jorge Lacão devo dizer o seguinte: apesar de tudo, quero acreditar mais do que o Sr. Deputado nas potencialidades, nas possibilidades de defesa da Constituição, da democracia, do 25 de Abril, etc.. Pensei que os dois terços davam mais garantias do que a constitucionalização de certas normas. É importante constitucionalizar, como, aliás, o faz PS, alguns princípios a que devem obedecer as privatizações. No entanto, o PRD ficaria mais satisfeito se a garantia fosse dada relativamente à lei de dois terços do que à constitucionalização de alguns princípios. Como nós sabemos, relativamente à constitucionalização de alguns princípios, o que vai acontecer não é assim. O que acontece, como tem acontecido noutras circunstâncias, é que há interpretações diversas e em última análise quem vai decidir se se violou ou não alguns destes princípios relativamente às privatizações é o Tribunal Constitucional.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - No acordo celebrado entre o PS e o PSD pode ler-se no final "sem prejuízo do entendimento já feito, os partidos manifestam-se disponíveis para continuar no processo" - que é este que estamos a travar com os demais partidos - e "a procurar novos consensos possíveis". Se o Sr. Deputado Marques Júnior em sua consciência e na óptica do PRD admite que há garantias, que tinha a expectativa de ver numa lei de dois terços, que agora não vê consagradas na solução adoptada e que essas garantias são para si as fundamentais ou, pelo menos, as suficientemente importantes para merecerem consideração faça o favor de as apresentar por escrito, que nós seguramente lhes dedicaremos a melhor atenção. Não excluímos que possamos votar a favor.
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O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Deputado Jorge Lacão, estamos a falar de coisas distintas. De facto, a culpa é capaz de ser minha. Não é o problema de mais ou menos princípios a introduzir neste artigo novo, não é essa a questão. Do nosso ponto de vista, a garantia estava melhor com a maioria qualificada de dois terços.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Isso era óbvio que estava.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, considera que a sua intervenção pode ser feita agora? Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, propunha que se interrompesse agora a reunião.
O Sr. Presidente: - Mas o Sr. Deputado tem algum óbice?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Já tenho desde as 12 horas e 45 minutos, mas isso é outra questão.
Aliás, não vejo razão nenhuma para completar agora esta discussão.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, o problema é o seguinte: o Sr. Deputado Marques Júnior não pode estar presente na reunião de hoje à tarde. Como participou activa e emotivamente nesta discussão, seria interessante ouvir o Sr. Deputado Octávio Teixeira ainda com ele presente.
Enfim, não tenho nenhum óbice, uma vez que são 13 horas e 15 minutos.
Vozes.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, vou fazer os possíveis para estar presente na reunião de hoje à tarde. Tenho um compromisso às 14 horas, mas vou fazer os possíveis para estar aqui às 15 horas e 30 minutos.
O Sr. Presidente: - Vamos recomeçar a reunião às 15 horas e 30 minutos. Srs. Deputados, está suspensa a reunião.
Eram 13 horas e 15 minutos.
Srs. Deputados, está reaberta a reunião.
Eram 16 horas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de vos colocar algumas questões.
Em primeiro lugar, queremos referir que de modo algum aceitamos os qualificativos que foram dados às nacionalizações em Portugal, designadamente repudiamos a ideia de que as nacionalizações tenham sido "uma deturpação do 25 de Abril" ou que sejam a "negação do 25 de Abril".
Face à preocupação que o Sr. Deputado Almeida Santos mostrou hoje de manhã de que não se misturem análises, considerações, bem como objecções de ordem política e questões de ordem moral, também a este respeito gostaria de dizer que não reconhecemos a ninguém, pessoas ou partidos, o direito de se arvorar em consciência moral do 25 de Abril.
Depois de tudo o que aqui foi dito de manhã quase seríamos levados a concluir que afinal o essencial das votações que foram feitas em sede de aprovação da Constituição em 1976, das posições que foram assumidas pelos diversos partidos, ou por alguns desses partidos, durante todo o período de 1975-1976 foram votações e posições assumidas com reserva mental.
Por outro lado, é do nosso ponto de vista lamentável que quando pretendem criticar as nacionalizações, designadamente chamado-as de "apressadas", ou melhor, tentando dizer que foram impensadas, imponderadas, se esqueçam em que condições elas se verificaram e que razões conduziram à sua realização.
Aliás, a esse respeito não vale a pena estarmos a perder muito tempo. Julgo que a última intervenção desta manhã, a do Sr. Deputado Marques Júnior, repôs, no essencial, as coisas nos seus devidos lugares.
No entanto, pela minha parte não poderia deixar passar, sem o referir, o facto de que mais uma vez se tenha verificado de um lado e de outro, de uma bancada e de outra, a tentativa de considerar nacionalizações igual a nacionalizações de retrosarias. Já não é a primeira vez que esse argumento aparece nesta Comissão, só que o argumento não é sério, e não o é por várias razões.
Em primeiro lugar, porque não é isso que está em causa quando agora se pretende fazer privatizações: não são as retrosarias.
O Sr. Almeida Santos (PS): - O conceito é o mesmo do de nacionalizar retrosarias! É a mesma seriedade!
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Em segundo lugar, porque essas retrosarias, como os Srs. Deputados lhes chamam, se o são de facto, nada na Constituição proíbe que sejam privatizadas. Basta ler o n.° 2 do artigo 83.°
Para além de estes não serem argumentos sérios, também isso resulta em parte de um certo desconhecimento ou propositada ignorância das situações. Apenas gostaria de recordar, ou de referir para quem o não saiba, que por exemplo um dos grupos económicos que foi nacionalizado tinha como Holding uma empresa que oficialmente era uma tabacaria.
Por outro lado, aventou-se o argumento de que as nacionalizações foram elas próprias a causa da crise económica que o País atravessou. Diria aqui concretamente ao Sr. Presidente que ao fazer afirmações deste género está a olvidar e a contrariar pareceres, opiniões, escritos de entidades que certamente o Sr. Presidente considerará acima de qualquer suspeita neste âmbito. Recordar-lhe-ia, por exemplo, relatórios do Banco Mundial, ou relatórios e pareceres do Prof. Lundberg. Não foram as nacionalizações a causa da crise económica. Aliás, o Sr. Presidente conhecerá certamente pelo menos alguns desses relatórios. Bem pelo contrário, eles afirmam claramente que foram as nacionalizações que evitaram que a crise económica tivesse sido muito mais profunda.
Em terceiro lugar, depois das propostas presentes, todos os Srs. Deputados, quer do PS quer do PSD, vão dizendo: "De qualquer modo não está em causa a subordinação do poder económico ao poder político.
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Aqui estamos todos de acordo. Os senhores [do Partido Comunista] interpretam mal. Continua a ter tutela constitucional a ideia e o princípio de que o poder económico fica sujeito ao poder político." Só que isto, designadamente em termos das propostas do Partido Socialista, carece de ser claramente comprovado. É o caso da proposta do n.° 1 do artigo 85.°, apresentada pelo PS. De facto, o PSD aí ainda mantém que o Estado deve fiscalizar as empresas privadas. Mas o Partido Socialista nem isso deseja manter. Nada! Fiscalizar? Isso pode ser de mais!
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado, é que esse texto do nosso projecto passaria para outro artigo. Na medida em que não passou, ou que não passar, ficará no artigo em que está. Não se trata de eliminar essa fiscalização mas, sim, de transferi-la.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Nesse particular, Sr. Deputado Almeida Santos, é evidente que nos parece positiva essa posição. Concretamente, estava a referir-me àquilo que tenho aqui neste momento e em relação à situação que se nos deparava.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não, deparam-se as duas, mas o Sr. Deputado só estava neste momento a tomar em consideração aquela.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Exactamente. Continuando, Sr. Presidente, e ainda quanto à subordinação do poder económico ao poder político, ligando este tema a uma ou outra questão que foi aqui colocada pelo Sr. Deputado Jorge Lacão relativamente ao problema da transparência, nomeadamente que esta é assegurada pelas propostas apresentadas, gostaria de dizer duas palavras.
A proposta ou as propostas que estão em cima da Mesa referem claramente isto: desnacionaliza-se o que se quiser desnacionalizar e como se quiser. Não há limites, e não há transparência nenhuma. Porque não há nada nas propostas apresentadas que imponha, por exemplo, que as desnacionalizações tenham que ser feitas sempre por concurso público, por oferta pública, por operações de bolsa. Por outras palavras, não há nada que impeça que desnacionalizações sejam feitas por negócio particular. Pela nossa parte, pela minha parte, havendo privatizações mediante negócio particular, não vejo onde é que possa estar garantida a tal transparência mínima exigida.
Tinha em mente fazer mais duas ou três referências a questões colocadas fundamentalmente pelo Sr. Deputado Jorge Lacão. Embora a sua ausência não me coíba de me poder pronunciar sobre elas, julgo preferível fazê-lo na sua presença. Assim, gostaria apenas, e para terminar, de fazer duas referências, sem as aprofundar pelas razões que agora referi.
Quanto à consideração das nacionalizações como instrumento, gostaria de frisar que em relação às privatizações, tal como elas são propostas e apresentadas, não são mais que instrumentos com determinados objectivos económicos e políticos, tal como Sr. Deputado Jorge Lacão referiu aludindo à questão das nacionalizações. De facto, as propostas relativas às privatizações, incluindo, como referi há pouco, a possibilidade
de se verificarem privatizações sem qualquer transparência, são claramente instrumentos com determinados, concretos e claros objecticos económicos e políticos. Por outro lado, acerca da questão da ligação da defesa dos direitos dos trabalhadores às empresas nacionalizadas, julgo que a vida o demonstra mais do que quaisquer palavras. Se o Sr. Deputado Jorge Lacão ou o Partido Socialista pretendem negar esta realidade, então o ónus da prova cabe-lhes claramente a eles. A realidade vivida, as situações que temos atravessado e que continuamos a atravessar, e que verificamos actualmente no nosso dia-a-dia político, são a clara demonstração de que, de facto, a defesa dos direitos dos trabalhadores é muito mais conseguida nas empresas públicas do que nas empresas privadas e, por conseguinte, do que nas empresas públicas ou nacionalizadas depois de privatizadas. Para já por aqui me ficaria, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (ID): - Numa matéria como esta, gostaríamos de deixar aqui claramente assinalada a nossa posição. Ela é a seguinte: nós entendemos que o artigo 83.° está estritamente ligado à alínea e) do artigo 81.°, no qual se estabelece que uma das incumbências prioritárias do Estado é a eliminação e o impedimento da formação de monopólios privados, através de nacionalizações e de outras formas.
Isto significa que as nacionalizações não aparecem como um processo que surgiu inesperadamente com o 25 de Abril mas que surgiu num contexto histórico concreto e determinado, e que se mantêm também com um objectivo concreto e determinado. Por outras palavras, sabido que o regime fascista assentava essencialmente a sua base económica na existência de monopólios privados, quando foram decretadas as nacionalizações o objectivo foi exactamente retirar a base de apoio à possibilidade de ressurgimento do regime político que a Revolução do 25 de Abril tinha derrubado, mas que continuaria com as suas raízes económicas, e apto, portanto, a florescer se essas raízes se mantivessem.
Na verdade, só assim se compreende que, para lá da disposição do artigo 83.°, se assinale que a eliminação e o impedimento da formação de monopólios privados se faz nomeadamente através das nacionalizações, como estabelece a alínea é) do artigo 81.°
Neste sentido, surgia já no projecto do PS nesta matéria uma disposição preocupante. Mas aquilo que o PS veio a acordar com o PSD no respectivo acordo é bastante pior ainda do que era no projecto inicial do PS. De facto, é bastante pior porque entre a tese extrema do PSD de eliminação pura e simples do artigo 83.° e a tese mitigada do PS ele vem, no fundo, a consubstanciar um regime que propunha apenas para as pequenas e médias empresas para todas as empresas. Aquilo que aparecia no n.° 2 do artigo 83.° proposto pelo PS surge agora transposto não só em relação às pequenas e médias empresas mas relativamente a todas as empresas.
Não admira, por isso, que uma das grandes fontes de preocupação da nossa parte e naturalmente de largos sectores da opinião pública diga respeito a esta revogação, não expressa mas tácita, do artigo 83.° através do acordo PS/PSD. Tanto mais surpreendente
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quanto em 1982 - todos temos isso presente -, embora sendo já objectivo da então AD obter a revogação desta disposição, o PS defendeu, de certo modo, e intransigentemente na Comissão de Revisão Constitucional, que as nacionalizações se deveriam manter, que a disposição do artigo 83.° se deveria manter.
Assim, torna-se hoje muito mais surpreendente que, sendo o quadro económico do País, as condições económicas, sociais e até políticas idênticas, tenha havido uma mutação de posição do Partido Socialista que lhe tenha permitido tornar possível abandonar agora aquilo que defendeu arduamente em 1982 para tomar a posição que consta do acordo feito com o PSD.
Evidentemente que se poderá argumentar com a novidade que é a adesão à CEE, posterior a 1982. Mas essa é ainda mais uma razão justificativa da existência de um forte sector empresarial do Estado. Não são na verdade os monopólios privados, e muito menos os monopólios ou os grandes grupos privados estrangeiros, que irão possibilitar que o País possa suportar aquilo a que se tem chamado o choque da adesão plena à CEE. Com isto quero dizer que realmente se trata de um fenómeno altamente preocupante a chegada desse ano, que está próximo, da integração plena do nosso país na CEE. Sr. Presidente, Srs. Deputados, porque o artigo 83.° consubstancia, a nosso ver, uma disposição fundamental da Constituição, que por sua vez mergulha as suas raízes históricas no próprio 25 de Abril e na necessidade de cortar pela base as raízes que permitiram a existência do regime fascista em Portugal, não podemos, de modo nenhum, concordar ou admitir tal forma de acordo que é hoje proposta comum do PS e do PSD. Pensamos que com esta fórmula se registou uma vitória do PSD e se registou um recuo, a nosso ver incompreensível, do Partido Socialista. O pior que tudo é que com ela se verificou uma situação altamente preocupante não só para a democracia mas para os interesses do País, mesmo no plano económico.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, lamentavelmente não nos é possível continuar o debate com o Sr. Deputado Jorge Lacão, que, no entanto, tinha, com a intervenção que há pouco fez, suscitado algumas questões, só parte das quais foi possível abordar, por razões regimentais.
No entanto, se V. Exa. me permite, não posso deixar de abordar muito rapidamente, dada a natureza e implicações deste preceito, alguns aspectos suscitados por aquele Sr. Deputado.
Gostaria também de procurar recordar, brevemente também, algumas das posições que historicamente o PSD assumiu nesta matéria em sede de revisão constitucional, tão-só porque me parece que as intervenções dos Srs. Deputados do PSD assentam, desde logo, numa amnésia histórica galopante ou acentuada, que talvez possa em dois ou três aspectos ser colmatada com os nossos préstimos.
Sr. Presidente, a primeira observação que gostaria de fazer é esta: dir-se-ia, ouvindo os Srs. Deputados do PSD, que não foi o PSD mas outro partido que num dia do ano de 1982 propôs na Assembleia da República uma norma do seguinte teor: "Todas as nacionalizações directas efectuadas depois do 25 de Abril de 1974 até à data da publicação no Diário da República, da 1.ª revisão constitucional são irreversíveis, excepto quando a desnacionalização for feita por lei aprovada por maioria de dois terços dos deputados presentes não inferior à maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções." Não sei se o Sr. Deputado Costa Andrade terá honrado com a sua assinatura esta proposta que agora, seguramente, lhe provoca, pelo menos, um frémito de emoção. Quer puxar pela memória?
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, já que me citou, dá-me licença que o interrompa?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Faça favor.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Desde então, como lhe disse há pouco, mudámos!
O Sr. José Magalhães (PCP): - É um facto! Mas não mudem a tal ponto que quem vos ouça julgue que só "um grupo de tresloucados" ou uma "minoria iluminada" inteiramente possuída de uma qualquer fúria (no mínimo "caduca") é que seria capaz de se lembrar da ideia de que deve haver um sector público, de que esse sector público deve ser objecto de uma protecção constitucional e de que essa protecção constitucional deve garantir a irreversibilidade de um somatório de bens e meios de produção cuja colocação ao serviço do interesse público é fundamental para assegurar o próprio desenvolvimento económico. Esse reescrever da história é que nos parece, francamente, deturpar tão grosseiramente a realidade dos factos que não poderíamos assistir a ele silenciosos...
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Deputado, ninguém está a reescrever a história. Só reescreve a história quem diz que Estaline não existiu e depois diz que existiu. Nós não! Nós dizemos: em 1982 tivemos essa posição! Não estamos a reescrever a história: tivemos essa posição, hoje temos outra. A história é esta. Não reescrevemos a história; fazemo-la, o que é diferente!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Costa Andrade, há uma pequena diferença. VV. Exas. querem fazer a história contra a Constituição! Praticam factos consumados e, em cada revisão constitucional, apresentam-se de mão aberta exigindo o prémio de terem violado a Constituição antes! E sucede que há quem vos dê dois terços para satisfazer e obter esse prémio! Mas essa é outra questão!
E essa questão é a segunda que gostaria de colocar. É que, nessa mesma altura, alguém que não nós, no caso concreto, teve ocasião se sublinhar em relação a esse tipo de démarche o seguinte: que o Sr. Deputado do PSD (que na altura dizia alguma coisa de semelhante àquilo que o deputado do PSD - o deputado Costa Andrade -, então e actual, agora diz com a paixão que sempre põe nas suas intervenções), nesta Assembleia, foi ao ponto de chamar lorpas aos deputados constituintes que aprovaram e votaram este artigo 83.°! E continuou! Chamou lorpas aos seus então colegas de bancada e a todos os também então deputados do CDS, menos um - visto que todos eles na altura votaram o n.° 1 do artigo 83.°! A história tem destas singularidades!
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O Sr. Presidente: - E outras!
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Mas Estaline existiu!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, Estaline existiu! Sá Carneiro existiu! O Prof. Aníbal Cavaco Silva existe! E o Roger Rabbit existe! Não sei a que Everestes de génio é que V. Exa. quer chegar com esse tipo de raciocínio!
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Que não refazemos a história, que apenas a assumimos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não! VV. Exas. violam, sistemática e contumazmente, a Constituição e procuram transformar esse facto consumado numa lei fundamental da República! Mas fazem-no praticando sucessivamente a cosmética em relação à posição que assumiram anteriormente e qualificando como crimes nefandos um dia aquilo que no dia anterior defendiam. Já citei o vosso programa a esse propósito. Citei agora a vossa proposta em 1982 e sabe-se lá o que é que dirão no ano 1989 + n, porque, como é óbvio, poderão dizer precisamente o contrário do que agora dizem.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - É perfeitamente possível!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto! Perfeitamente possível! O que, como é óbvio, deixa altamente tranquilos todos os democratas e deveria, provavelmente, dar alguma perturbação ao PS. Mas, pelos vistos, não dá, pois, como esta manhã sublinhei, o PS ouve perfeitamente inerme a declaração de guerra do Prof. Aníbal Cavaco Silva em relação à questão da regionalização, que é a rotura do acordo e cumpre o acordo na parte respeitante às nacionalizações! É uma questão de filosofia política e de postura!
O Sr. Almeida Santos (PS): - Devo dizer que, pela minha parte, nesse pormenor, estou de acordo com o Prof. Cavaco Silva!
Risos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Com a parte da regionalização, se bem percebo?!
O Sr. Almeida Santos (PS): - Excepcionalmente estou de acordo com ele. É um caso raro! Ou é ele que está de acordo comigo! Talvez seja melhor assim.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O que é realmente bizarro é que desses casamentos entre as coisas com que uns concordam totalmente, outros parcialmente e outros coisa nenhuma resulta um acordo de revisão transformado em lei da República, consoante indiciou o seu discurso de há dez minutos!...
O Sr. Almeida Santos (PS): - O meu partido dá-me o direito de discordar dele neste momento e eu uso, e às vezes até abuso, desse direito. O que é que hei-de fazer?!...
O Sr. Presidente: - Agora, o que é uma maçada é que, realmente, a maioria do eleitorado vota no PSD e no PS! É uma maçada!
Risos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas o que é uma maçada, Sr. Deputado Rui Machete, é que o PSD, não estando seguro de que isso não tenha sido fortuito quer construir formas de preservar o "Estado laranja"...
O Sr. Presidente: - Vota nesses energúmenos!
O Sr. José Magalhães (PCP): - A palavra foi de V. Exa. Teríamos de discutir, caso a caso, como é óbvio.
O Sr. Presidente: - Estou a traduzir a sua ideia! Estou a ajudá-lo! Já que temos que cumprir este ritual, cumpramo-lo com algum humor!
Risos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Nós não o vemos como um ritual e menos ainda com humor. Obviamente que VV. Exas. gargalham - eu compreendo - porque têm um acordo que o PS acaba de dizer que, neste ponto, continua a subscrever esse acordo. Por consequência, a vossa gargalhada é uma gargalhada de satisfação compreensível, mas, obviamente, a vossa satisfação é proporcional à nossa insatisfação! Como é óbvio!
É a insatisfação dos que viram ou leram aquilo que eu acabei de ler, dito pela boca do Sr. Deputado Almeida Santos, porque era ele que eu estava a citar, mas a citar numa fala de há sete anos atrás, como é óbvio (estas declarações também elas próprias caducam), defendendo uma posição que se escorava numa panóplia argumentativa que há pouco na nossa bancada tivemos ocasião de também sustentar.
Considero - devo dizê-lo e é essa a terceira observação - que é lamentável que o PS, para alterar esta posição, procure cauterizar os outros como "agarrados a mitos"! Ou que possa dizer-se (como disse o Sr. Deputado Jorge Lacão que ainda agora aqui entrou e saiu directamente e com a mesma simplicidade com que tinha entrado) que "as nacionalizações não defendem os interesses dos trabalhadores" e que, "se os direitos dos trabalhadores do sector público estão melhor protegidos do que os do sector privado, então isso quer dizer uma coisa gravíssima! É uma lógica corporativa"! Lançar esses temas, para já, deve surpreender todos aqueles que acompanhem as posições do PS; é um pouco inédito! Antes de 19 de Julho, isso não tinha sido dito em sítio nenhum! Está a ser dito agora e só agora pois nem sequer foi dito no início da revisão constitucional, nem sequer foi dito quando discutimos as leis das privatizações e nem sequer foi dito quando o PS votou contra a legislação sobre privatizações apresentada pelo PSD - parte dela, pelo menos! Está a ser dito agora!
Por outro lado, tem gravíssimas consequências porque o PS, apesar do acordo de revisão constitucional, ainda não obteve acréscimo de tutela constitucional de direitos dos trabalhadores, nem de empresas públicas, nem de empresas privadas. Consequentemente, reconhece, afirma ou admite uma fragilização dos direitos
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dos trabalhadores, no preciso momento em que não faz nada para colmatar constitucionalmente essa fragilização, ao contrário do que tentou o PCP, cujas propostas sobre essa matéria são conhecidas.
Há um quarto comentário em relação às observações do Sr. Deputado Jorge Lacão. Dizer que o PCP estaria "agarrado a uma concepção instrumentalizadora do Estado", que "transpõe também para as nacionalizações uma concepção centralista, mas, acima de tudo, instrumentalizadora", é, pelo menos, chocante quando se sabe que o PSD tem - esse sim - uma concepção instrumentalizadora do sector público, em parte para o demolir e para transmitir ou transferir os volumosos bens, lucros e outros aspectos políticos do sector público para entidades privadas! Prepara-se, aliás, para instrumentalizar (eleitoralmente, pois claro!) as receitas que resultarem das privatizações!
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Que maldade!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Quem senão o PSD procura, aliás, instrumentalizar o Estado, que quer alaranjado, para a consecução das suas finalidade político-partidárias? Como os Srs. Deputados se lembram, ninguém melhor do que o Prof. Aníbal Cavaco Silva tem esta ideia instrumentalizadora das privatizações e logo do sector público. Lembrem-se de que naquele dia em que se fez uma greve geral - a primeira em Portugal - o comentário natural do professor, além de ter sido o de que tinha tomado o pequeno-almoço e praticado a higiene sumária nesse dia, apesar da greve, foi o seguinte: "Ah, fizeram a greve! Então vai haver mais umas privatizações!" Querem melhor concepção instrumentalizadora do sector público e das privatizações? Creio que não há!
Deste ponto de vista, o que choca é o argumento que o Sr. Deputado Jorge Lacão utilizou. E devo dizer que choca, tanto mais quanto traduz uma grande amnésia de algumas boas lições e de alguma boa argumentação que o PSD usou no passado. Quando, por exemplo, em 1982, o PS respondia às propostas do PSD com este argumento que vos citarei, o que vos pergunto é o que é que se alterou desde então neste ponto! O argumento era aquele que aqui reproduzi. E a resposta é esta: "Nós não podemos aceitar a proposta (de desnacionalizações caso a caso por dois terços!) por uma razão simples: antes de mais, porque os partidos da maioria já nos convenceram, bem ou mal, de que são mesmo contra a existência de um forte sector público e a afirmação que é feita em contrário pelo deputado Sousa Tavares esbarra na nossa convicção que temos por fundamentada. Parece-me - dizia o PS - que se queriam na verdade convencer-nos de que esta proposta não se dirige à destruição ou sequer ao amolecimento ou à redução de um sector público forte, teriam então de, anteriormente, não ter tomado algumas atitudes que tomaram dirigidas exactamente ao enfraquecimento desse sector."
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Srs. Deputados, isto que em 1982 se disse não é hoje, pelo menos, tão verdadeiro ou mais verdadeiro face à política agressiva do PSD? Que, ainda por cima, se escora em quê? No mandato eleitoral! O Sr. Deputado Rui Machete, há
pouco, lançou o argumento da maioria e do sufrágio, aludiu aos "energúmenos" - expressão sua - e ao sufrágio que sufragaria tudo o que se faça em nome do povo, uma vez que se obteve um determinado mandato eleitoralmente.
E, quando se pergunta se o mandato e se o sufrágio legitimam tudo, a resposta é que não legitimam, pois a teoria da Constituição do Estado de direito democrático, precisamente, tende a estabelecer os limites nos quais uma maioria legitimada pelo sufrágio se tem de mover.
O Sr. Presidente: - É claro que não.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Uma maioria não adquire o direito de reconstruir o Estado e, sobretudo, de o alaranjar na base de um acto eleitoral, acto eleitoral que, de resto como se sabe, não é eternamente receptível com os mesmos resultados, nem estabelece um plano nem um programa para mil anos! Estabelece uma regra transitória que, obviamente, tem de ser transmutada em função da vontade popular.
E o que pergunto é se este raciocínio - que consiste em tudo submeter à vontade da maioria e dentro da maioria submeter as decisões sobretudo à vontade do chefe (anunciando este o que anunciou há dias nas jornadas parlamentares do PSD) - nos deve deixar tranquilos! Pois não nos deixa nada tranquilos! E o raciocínio que o PS, a p. 4561 do Diário da República, 1.ª série, n.° 111, de 1 de Julho de 1982, fazia então é hoje válido, por maioria de razão. Não nos digam, pois, que somos nós que estamos agarrados a mitos. Se alguém se deixou de agarrar, ao longo do processo histórico, a um princípio que é salutar, esse alguém foi o PS! Por consequência, as observações do Sr. Deputado Jorge Lacão são, no mínimo, amnésicas! Mas, além de serem amnésicas, são sobretudo muito graves porque visam ocultar e escamotear a enorme relevância política da cedência que o PS se dispõe a fazer em relação às pretensões do PSD.
Quanto às pretensões do PSD, ficou inteiramente clara a extraordinária medida em que o PSD obtém ganhos do seu ponto de vista, embora obviamente nós distingamos quais são as soluções adquiridas, saibamos compará-las com as soluções propostas originariamente e também saibamos compará-las com as soluções propostas originariamente do PS! E o juízo que daí resulta é um juízo tremendamente negativo! A observação do Sr. Deputado Jorge Lacão de que a solução encontrada no acordo, afinal de contas, define regras materiais e que, no fundo, a norma conseguida consome o conteúdo útil que o PS imaginava que podia ter uma lei aprovada por dois terços é uma coisa que, além de fomentadora da perplexidade dita hoje em Janeiro de 1989, leva, pelo menos, a perguntar a que tipo de comportamento político é que isto induz e a que é que convida. Quanto a mim, convida à mutação permanente, oportunista, e sem memória, de posições!
E gostaria de perguntar ao Sr. Deputado Almeida Santos - porque a esse aspecto não se referiu - qual é a implicação que, no seu entender, tem esta norma em relação aos sectores não directamente económicos, designadamente face à situação da comunicação social.
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O Sr. Almeida Santos (PS): - Isto tem regulamentação própria. E, na medida em que, também no sector da comunicação social, há empresas nacionalizadas, há-de ser da conjugação dos normativos relativamente aos dois sectores que há-de resultar a solução, como é óbvio.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas aplicando-se-lhes as garantias previstas na norma transitória com que forma de aplicação? Aplica-se ao n.° 2 ou ao n.° l?
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não distingue. "A reprivatização da titularidade ou do direito de exploração de meios de produção e outros bens nacionalizados depois do 25 de Abril." Portanto, esta norma é uma norma e os limites valem também para ela, penso eu.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Em relação à hermenêutica melindrosa do alcance da norma final quanto à sua aplicabilidade às situações previstas no n.° 1 e no n.º 2, haverá alguma clarificação literal e introduzir ao texto subscrito pelo dois partidos ou não há nenhuma clarificação literal e a clarificação é a que resulta do debate? Aplicam-se as regras onde se aplicarem ao n.° 2? É essa a ideia de V. Exa.?
O Sr. Almeida Santos (PS): - A minha opinião é que depois de alguma dúvida suscitada a esse respeito, é impossível mexer, mais do que nunca, no texto que foi acordado. O melhor é deixá-lo ficar como está e o intérprete, depois de o texto ser aprovado, interpreta-o segundo as melhores regras da hermenêutica jurídica. Não vejo outra solução. Clarificar num sentido ou noutro é, no fundo, avivar um problema que só começou a desenhar-se neste momento. Se há divergência de interpretação, o melhor é guardá-la para quando o texto estiver aprovado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas há divergência de interpretação, Sr. Deputado Almeida Santos?! É que a questão que eu estava a suscitar é, antes de mais, essa.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Suponho que a sua pergunta vai nesse sentido. Se não vai, não vale a pena estarmos preocupados. Penso que a sua pergunta pressupunha isso.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, a minha pergunta pressupunha um problema, problema esse que o desenrolar da discussão evidenciou.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Suponho que seria um problema de interpretação. Tanto assim que o Sr. Deputado falou em clarificação por escrito, ou seja, em clarificarmos o texto. Penso que o melhor é não lhe mexer e, depois, cada um o interpreta como entender. Tenho, desde já, uma interpretação que ficou gravada. O Sr. Deputado Rui Machete pareceu-me ter diferido dessa interpretação, o que significa que, no futuro, vai haver necessidade de interpretar a norma. Provavelmente, será o Tribunal Constitucional que acabará por fazê-lo.
Bem sei que o meu amigo gostaria que perdêssemos aqui mais dois ou três dias a acabar isso, mas a verdade é que não vejo que se possa avançar nesse sentido.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, não era nossa intenção propor que, caso haja lugar a uma reelaboração, esta seja feita em movimento e sobretudo de imediato, mas, por um lado, não podíamos deixai de suscitar a questão porque ela é susceptível de sei suscitada e, por outro lado, tendo eu entendido bem a posição do Sr. Deputado Almeida Santos, não conseguimos na minha bancada captar com rigor a posição do PSD. O Sr. Deputado Rui Machete chegou r fazer algumas observações que não me pareceram concludentes.
O Sr. Almeida Santos (PS): - O deputado Rui Machete afirmou que achava duvidosa essa interpretação, Portanto, colocou em causa o facto de se tratar de uma interpretação unívoca. Se calhar não é. Depois veremos. Mas, de qualquer modo, isso mesmo só revele que é quase impossível estarmos agora aqui a encarai a possibilidade de alteração do texto. O melhor é deixa-lo ficar como está e, depois, cada um o interpreta Eu interpreto-o como lhe disse, o deputado Rui Machete pôs em duvida essa interpretação. Ficam as duas para a posteridade e depois se verá o que é que dá mas não creio que haja a possibilidade de reabrir agora a escrita da norma, sobretudo se o fizermos a partir de uma divergência de interpretação que me parece poder existir. Aliás, depois da norma aprovada, também não somos nós quem vai interpretá-la. Nessa altura, o País inteiro.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, os Srs. Deputados do PSD dirão: "ainda bem"; "que bom"; "felizmente"; "quem interpreta em ultima ratio é a maioria parlamentar, é o PSD, somos nós".
O Sr. Almeida Santos (PS): - Quem interpreta em ultima ratio é o Tribunal Constitucional. Talvez o PSD nesse caso, já não diga "muito bem".
O Sr. José Magalhães (PCP): - Está a pressupor que o PS não ceda no processo negociai do futuro Tribunal Constitucional como cedeu agora. Se a atitude for a mesma que em relação a este artigo, obviamente" o PSD poderá dizer "ainda bem".
O Sr. Almeida Santos (PS): - Já lhe disse que não é essa a minha interpretação.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Coloquei esta quês tão, Sr. Deputado Almeida Santos, como bem compreenderá, com um interesse plural e, uma vez que; pergunta pode e deve ser dirigida directa e imediata mente à bancada do PSD - porque me parece que aclarar quanto possível este ponto, neste quadro, é absolutamente inevitável ou pelo menos desejável -, apelava para que fosse feito um esforço adicional de forma que todos percebamos qual é a dimensão exacta de vosso preceito.
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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, não vale a pena estar a perder mais tempo. Há pouco já tentei explicar - e fi-lo de uma maneira que, suponho, foi muito clara - que, efectivamente, a minha interpretação em termos da norma não é exactamente coincidente com a interpretação que lhe deu o Sr. Deputado Almeida Santos. Admito que a minha interpretação não seja a melhor mas, por uma questão de correcção face à obrigatoriedade de expender qual é a justificação que damos, não me parece que a norma transitória seja directamente aplicável fora dos casos do n.° 1. Sem dúvida que muito do seu espírito é aplicável também aos casos do n.° 2, mas há situações que não me parece possível aplicá-la a esses casos. De resto, nem isso, já hoje quando o debate foi feito, foi o centro das questões que se levantaram nesse momento.
Isto foi o que eu disse. Fui claro e não pretendo estabelecer nenhuma polémica. Compreendo perfeitamente aquilo que diz o Sr. Deputado Almeida Santos e concordo que não tem sentido estarmos a reabrir o ponto de vista de uma nova redacção porque, efectivamente, estamos de acordo quanto ao aspecto fundamental que é o da garantia da transparência e de alguns outros valores que aqui também são consignados em diversas alíneas.
Efectivamente, até a maneira como este debate tem decorrido revela que seria totalmente impraticável neste momento estarmos a rediscutir esta matéria em termos bilaterais.
V. Exa. percebeu isso perfeitamente. O Sr. Deputado, por motivos que eu entendo, quis agora ouvir reiterada a afirmação. Está reiterada, portanto vamos passar adiante.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, nós não desejávamos reiterar, mas, sim, clarificar. E desejávamos clarificar por esta razão: é que em 14 de Outubro os senhores assumiram uma responsabilidade pública conjunta. A tradução do texto acordado em articulado tem vindo sucessivamente a agravar aquilo que tinha sido anunciado publicamente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, mas é aqui que estamos a fazer a revisão. Não estamos a fazer a revisão em 14 de Outubro.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Eu sei, Sr. Presidente. Aliás, ninguém melhor do que nós saberá isso. Nós estamos a dizer isso desde Julho de 1988. Nós não sabemos mesmo outra coisa, Sr. Presidente.
Compreendo o regozijo do PSD nessa matéria, mas o que acontece é que o que o acordo diz no n.° 2 é o seguinte: "PS e PSD acordam nas seguintes alterações da parte económica da Constituição: a eliminação do princípio da irreversibilidade das nacionalizações. Esta alteração permitirá que se proceda à privatização da titularidade de empresas ou outros bens nacionalizados após o 25 de Abril de 1974" - e não se diz directa ou indirectamente nacionalizados, "portanto abrangem-se as duas coisas" - nos termos a definir por lei quadro aprovada pela Assembleia da República por maioria absoluta dos deputados. A referida lei quadro das privatizações - repare-se que são todas as privatizações - "observará os seguintes princípios fundamentais a consagrar em disposição constitucional transitória". Segue-se a enumeração de cinco condições, designadamente tendentes à tutela da situação jurídica dos trabalhadores das empresas a privatizar, empresas essas que nos termos do acordo nunca aparecem qualificadas como directa ou indirectamente nacionalizadas, fora ou dentro dos sectores básicos. São todas! Na passagem do acordo a articulado o que é que acontece? Acontece que a menção às cláusulas de protecção especial, que era feita indistintamente no acordo a ambos os tipos de empresas, aparece dir-se-ia que referida às empresas do n.° 1. Revisão (agravante) do acordo? Leitura (agravante) do acordo? Falta de cautela, falta de lucidez, de atenção, de vigilância negociai por parte do PS? O que se passa?
O Sr. Almeida Santos (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Se faz favor.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não aparece só referida às empresas do n.° 1 e o Sr. Deputado está a prestar um mau serviço à interpretação que considera mais favorável ao seu próprio ponto de vista.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, é isso que eu quero clarificar.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não quer, Sr. Deputado. V. Exa. está a fazer afirmações e não a levantar dúvidas. Está a dizer que se refere só, etc.., o que não é verdade. "A reprivatização da titularidade ou dos direitos de exploração dos meios de produção e outros meios nacionalizados depois do 25 de Abril realizar-se-á preferencialmente [...]" Há outra argumentação, Sr. Deputado, que é a do Sr. Presidente, que já afirmou - e é verdade - que o espírito que preside a estas cautelas tanto se justifica num caso como no outro. Aliás, pode-se até invocar o argumento histórico, na medida em que da nossa proposta originária constava que as pequenas e médias empresas desapareceriam da lei quadro, mas ficariam cá o concurso público e o mercado de capitais. É mais um argumento histórico.
Por outro lado, há também um outro aspecto e que é o seguinte: qualquer governo que em relação a este sector de tanto melindre fizer uma reprivatização sem ser por concurso público ou através da Bolsa sujeita-se a algumas críticas, mesmo que a lei lhe dê essa abertura. É o tal problema da transparência. Efectivamente, a transparência coincide com o concurso público e com a venda em Bolsa. Esse governo teria, no mínimo, uma sanção política. Qualquer governo que faça negócios com os amigos terá a correspondente sanção política.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, relativamente a esta última questão, gostaria de perguntar o seguinte: é correcto ter-se levantado uma dúvida de interpretação de uma norma que vamos constitucionalizar e não procurar evitar essa dificuldade? Na missão que temos é correcto apresentar um trabalho que, do nosso ponto de vista, tem uma deficiente interpretação quanto à sua aplicabilidade? Para mim isto é
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uma novidade completa e absoluta! O Sr. Deputado Almeida Santos disse que depois nós víamos isso. Penso que esse "depois" é aquando da aplicação da Constituição. Nessa altura irá invocar-se uma coisa ou outra. O Tribunal Constitucional existe para isso mesmo! Parto do pressuposto de que é natural que isso aconteça quando as dúvidas surgem, mas que até à altura não existiam. Agora neste caso nós estamos a constitucionalizar e a admitir, à partida, que essas dúvidas existem. É correcto passarmos à frente como se estas dúvidas não existissem? De facto, eu fiquei surpreendido com isto.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Marques Júnior, eu vou tentar esclarecê-lo na medida que puder.
Em primeiro lugar, as questões têm-se colocado num contexto um pouco peculiar, o que, de qualquer forma, quer queiramos quer não, explica compreensivelmente que V. Exa. tenha sentido necessidade de dar esta manhã algumas explicações sobre a sua interpretação do Movimento das Forças Armadas, que, aliás, viveu intensamente. Este contexto de agora também ajuda, por vezes, a explicar algumas das formas como as pessoas se expressam. Nós somos nós e a nossa circunstância.
Em segundo lugar, o Sr. Deputado Almeida Santos há pouco referiu, de uma maneira que me pareceu muito clara, as razões que o levam a dar uma interpretação, que, aliás, é possível. E as razões são estas: se cotejar aquilo que está no n.° 1 da redacção actual do artigo 83.° com aquilo que é a redacção por nós proposta, não é seguro, não é garantido - e suponho que esse é o fundamento essencial do argumento que o Sr. Deputado Almeida Santos traduz - que o seu âmbito de aplicação seja exactamente o mesmo. Este pode ser, e, aliás, pode defender-se legitimamente dentro das regras de hermenêutica, que seja mais amplo. Se for mais amplo, a sua tese tem uma outra credibilidade em relação às dúvidas que colocou.
É evidente que não estamos aqui a interpretar qual foi a vontade dos que, num determinado momento histórico, negociaram o acordo. Chegámos ao entendimento de que esta norma nos satisfaz. Existe um acordo quanto à ideia base de que a transparência deve ser clara e total - e repare V. Exa. que não é quanto a esta norma em si, mas quanto a um problema de direito transitório. Eu tenho dúvidas da possibilidade da aplicabilidade em termos técnicos de todas as alíneas daquela norma transitória, porque tenho um certo entendimento do que é a nacionalização indirecta. Provavelmente, o Sr. Deputado Almeida Santos tem outra.
Estão explicitadas as dúvidas, mas neste caso não é tão simples como dizer "são os n.ºs 1, 2 e 3" ou "só são os n.ºs 1 e 2". É um pouco mais completo porque depende dos conceitos, que não são rigorosa e analiticamente capazes de serem espectralmente expostos em alíneas. Portanto, é compreensível que possa suscitar-se alguma dúvida.
Penso que é correcto pôr aí dúvidas, porque de outro modo seria estarmos a escamotear uma realidade.
Quanto às questões fundamentais não há dúvidas nenhumas e estamos inteiramente de acordo. Há aqui uma problemática do alcance. Ao contrário do que parece depreender-se das considerações do PCP, que gosta de agigantar estes problemas, há aqui um ponto crucial, que é o que diz respeito à consagração desta norma, que significa a derrota da estratégia do PCP.
Portanto, eu compreendo que o PCP esteja preocupadíssimo. Provavelmente, irá perguntar ao Dr. Cavaco Silva e ao Dr. Vítor Constâncio o que é que pensam, mas isso é com o PCP. Para nós é suficiente que os princípios são acautelados de uma maneira que para nós é clara e explícita. Há aqui um certo problema dei contornos. Não estive nas negociações e admito que haja outras interpretações e que possa ser conveniente esclarecer a vontade real das partes. Como digo, não estou a afirmar que a interpretação que o Sr. Deputado Almeida Santos faz é impossível, incorrecta. Digo que tenho dúvidas e eu propendo a uma outra orientação. É isto que digo e não mais!
Compreendo que isto possa causar a V. Exa. alguma estranheza. Compreenderá que também nestas matérias esse nível de indeterminação pode existir e existe em muitos casos.
Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, a prática desta Comissão, e independentemente das dúvidas que exprimiu até agora o Sr. Deputado, é na realidade esta: quando há qualquer disposição para votar é necessário que a Comissão esteja inteirada do seu sentido. Portanto, não se trata apenas de discutir se há uma interpretação do PS e outra do PSD. Trata-se de verificar se há, efectivamente, divergências em relação a uma matéria que irá ser sujeita a votação. Portanto, é indispensável saber qual o sentido que tem esta proposta que vai agora ser votada.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, em relação ao 83.° não há dúvidas nenhumas.
Em relação à norma final há uma interpretação do Sr. Deputado Almeida Santos, que é possível. Eu tenho algumas dúvidas sobre o seu alcance exacto. Se VV. Exas. têm uma interpretação que consideram preferível, façam o favor de a apresentar e depois votamo-la.
O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Marques Júnior colocou, embora invocando que não era um perito na matéria, uma questão que transcende essa condição. Quem acompanhou os trabalhos desta Comissão sabe perfeitamente que neste ou naquele ponto tem-se dito "nós vamos votar esta norma com o sentido de que ela tem o significado de". Neste caso existem dúvidas. Há por parte dos subscritores duas interpretações que não coincidem. Nós precisamos de saber ao certo qual é afinal a interpretação que acompanha o sentido literal, estrito, desta proposta. Há realmente duas interpretações que não coincidem. Era esta a questão que colocava. Não me parece que se possa passar à votação sem esta questão ser esclarecida. Qual é o sentido que tem aquilo que vamos votar?
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Parece um totoloto interpretativo, um significa preto e outro branco, um significa azul e outro verde.
O Sr. Presidente: - Isso não é exacto, Sr. Deputado José Magalhães. Não foi isso que foi dito!
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V. Exa. quer precisar com extremo rigor a opinião interpretativa de dois deputados acerca de uma norma.
Em primeiro lugar, importa ter uma ideia clara sobre o que são empresas indirectamente nacionalizadas.
Em segundo lugar, V. Exa. terá que descortinar sobre todas as alíneas, saber como é que é, se se aplica ou não, como é que o Estado recebe ou não, etc..
Devo-lhe dizer o seguinte: penso que o actual n.° 2 do artigo 83.° não está abrangido directamente pelas formas transitórias. Está, sim, abrangido por uma coisa que é clara e que é o princípio da transparência, que é o que orienta a norma transitória. Nesse aspecto, que é o essencial, estamos claramente de acordo.
Irão surgir muitas outras questões. Se VV. Exas. perguntarem a propósito de cada norma da Constituição como é que ela vai ser aplicada em todo o universo que potencialmente é susceptível de regular, então certamente vão surgir muitas dúvidas, não só nas normas do acordo PS/PSD mas também em muitas outras. Vão tenhamos qualquer ilusão! Qualquer jurista sabe que é assim. A questão essencial é esta, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, permita-me que distinga aquilo que não deve ser amalgamado. A nossa intenção não foi a de "fixar de uma fez para sempre a interpretação autêntica do conteúdo lê uma determinada norma"...
O Sr. Presidente: - Mas pareceu, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): -... "que depois pode ser feita a propósito de todas as outras da Constituição", etc..
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Mas, Sr. Deputado, mostrou que era isso que pretendia, na verdade.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Deputado. V. Exa. diz isso porque chegou agora. Este debate começou da parte da manhã.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Do que eu me livrei! Carece que afinal o deputado João Camoesas ainda é vivo - reincarnou em V. Exa.! Felizmente que a actividade parlamentar tem outras tarefas que me dispensam de estar permanentemente a ouvir as suas repetições!
O Sr. José Magalhães (PCP): - O que nos impressionou - e, de resto, o Sr. Deputado Raul Castro já teve ocasião de o evidenciar - foi que os proponentes ião dão um sentido unívoco àquilo que propõem. Os Senhores podem perguntar, com toda a legitimidade, no PCP o que está a propor. O PCP, bem ou mal, lábil ou inabilmente, responder-vos-á. Agora estes proponentes propõem simultaneamente duas coisas diferentes ao mesmo tempo, sendo signatários do mesmo texto. Isso nunca tinha acontecido em termos parlamentares, mas há sempre um dia para o nascimento de aberrações.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado, dá-me licença que o interrompa?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Se faz favor, Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado, não há nenhuma norma do acordo ou sem ser do acordo aprovada que não seja susceptível de várias interpretações. Se fizéssemos o que o Sr. Deputado propõe, então não tínhamos aprovado nenhuma norma, passaríamos a vida a clarificá-las. Depois da clarificação continuava a ter várias interpretações. Quando chegar à altura da votação do artigo 83.° pedirei o adiamento, portanto não vale a pena estarmos a repisar sobre coisas que já discutimos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, não tinha percebido até agora a última coisa que V. Exa. acaba de enunciar. Será assim ou é uma novidade?
O Sr. Almeida Santos (PS): - Mas eu não tinha que lhe dar esta antecipação, Sr. Deputado. Tomo as atitudes quando entender. Já repisámos isto tudo, Sr. Deputado. Há uma divergência, vou pedir o adiamento da votação.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, não podíamos passar à votação sem clarificar este aspecto.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Mas o problema já estava clarificado, Sr. Deputado. Não vale a pena fazer chover no molhado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, gostaria que V. Exa., como primeiro subscritor da proposta, me explicasse o seguinte: qual é o exacto alcance da alínea b) da tal norma transitória? As receitas das reprivatizações servem para despesas de capital e também para despesas correntes? O que é que se quer significar com "serviço da dívida"?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, o "serviço da dívida" significa os juros que se torna necessário pagar e resultantes da dívida.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Por conseguinte, o alcance que prentendem colocar nesta proposta é que sirva para despesas correntes, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Não são quaisquer despesas correntes, Sr. Deputado. É o que cá está: as receitas com as reprivatizações são utilizadas apenas para a amortização da dívida pública. Isso é claro, Sr. Deputado.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Onde está a amortização decorrente das indemnizações, Sr. presidente?
O Sr. Presidente: - Em segundo lugar, para o serviço da dívida resultante das nacionalizações. Isto são juros.
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O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, era essa a clarificação que convinha fazer, porque o serviço da dívida é normalmente juros e parte de capital...
O Sr. Presidente: - Mas como a amortização já está lá atrás, não se vai, obviamente, repetir.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Portanto, aqui são só os juros.
O Sr. Presidente: - Exacto, Sr. Deputado.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Em suma: o PS, que antes de 14 de Outubro de 1988 sempre disse que o produto das privatizações só deveria ser afectado à cobertura de despesas de capital, aceitou, no acordo PS/PSD, que o PSD possa usá-las para financiar também despesas correntes.
Esse financiamento, evidentemente, pode ser maior ou menor consoante as metas (e os calendários!) do Governo, que assim adquire uma suplementar margem de manobra financeira (e política) e novos instrumentos de poder...
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação da proposta de eliminação do artigo 83.° apresentada pelo CDS.
Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PS, do PCP, do PRD e da ID e a abstenção do PSD.
Srs. Deputados, vamos agora votar a proposta de alteração para o n.° 1 do artigo 83.° apresentada pelo Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, do PS.
Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD, do PCP, do PRD e da ID e a abstenção do PS.
É a seguinte:
1 - A privatização, ou transferência para entidade pública diversa do Estado, de empresa pública ou outros bens nacionalizados só poderá efectuar-se nos termos de lei aprovada por maioria qualificada de dois terços dos deputados em efectividade de funções.
Srs. Deputados, vamos agora votar a proposta de alteração para o n.° 1 do artigo 83.° apresentada pela Sra. Deputada Independente Helena Roseta.
Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD, do PCP, do PRD e da ID e a abstenção do PS.
É a seguinte:
1 - A privatização, ou transferência para entidade pública diversa do Estado, de empresa pública ou outros bens nacionalizados só poderá efectuar-se nos termos de lei aprovada por maioria qualificada de dois terços dos deputados em efectividade de funções.
Srs. Deputados, vamos agora proceder à votação da proposta de alteração para o artigo 83.° apresentada pelo PRD.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Peço desculpa, Sr. Presidente, mas V. Exa. está a pôr à votação o artigo com o n.° 83.° ou o artigo com o n.° 87.°?
O Sr. Presidente: - Com o n.° 83.°, Sr. Deputado. É isso que está em votação.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É que o PRD apresentou os dois. Portanto, suponho que V. Exa. colocará seguidamente à votação o artigo 87.°, que tem nexo imediato, sequente, em relação ao artigo 83.° do PRD.
Vozes.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Nós introduzimo-lo aqui porque tem uma ligação directa com isso. Quanto à fórmula de votação...
Vozes.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, nós já votámos a proposta do PRD apara o artigo 87.º?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, nós já ouvimos o artigo 87.°, mas nas propostas respeitantes aos projectos n.ºs 1/V e 3/V. Não votámos ainda a proposta constante do projecto n.° 9/V.
O Sr. Presidente: - Então vamos votar agora. Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, este é capaz de ser o caso mais flagrante, mas há um outro mais à frente em que nós alteramos o número do artigo, embora o texto seja exactamente igual a outro número. Portanto, creio que do ponto de vista da votação só faz sentido...
Vozes.
O Sr. Presidente: - Então, vamos votá-lo aqui, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, vamos, então, proceder à votação do artigo 83.° proposto pelo PRD, que tem como epígrafe "Sector público de propriedade".
Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PS, do PCP e da ID, os votos a favor do PRD e a abstenção do PSD.
É o seguinte:
A lei define o regime jurídico das empresas do sector público, incluindo o de participação de capital privado e o de alienação de bens.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação do artigo 87.° do PRD, que tem como epígrafe "Garantias da propriedade pública".
Suponho que podemos votá-lo em conjunto.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Em que sentido, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Todas as alíneas, Sr. Deputado.
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O Sr. José Magalhães (PCP): - Pode ser, Sr. Presidente.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Vamos, então, votar a proposta lê artigo 87.° apresentada pelo PRD, inserida em sede lê artigo 83.° pela afinidade de matérias.
Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do ^SD e do PS e os votos a favor do PCP, do PRD e ia ID.
É a seguinte:
Não podem ser retiradas do sector público as empresas, seja qual for a estrutura que juridicamente revistam, de que o Estado ou pessoas colectivas públicas sejam titulares, na totalidade ou maioritariamente, e que:
a) Prestem serviços públicos;
b) Se encontrem, de direito ou de facto, em situação de monopólio ou exclusivo ou de domínio do mercado;
c) Exerçam actividade em sector estratégico de economia, de qualquer natureza.
Srs. Deputados, vamos agora votar a proposta de substituição conjunta apresentada pelo PS e pelo PSD para o artigo 83.°
Vamos votar a proposta de substituição do n.° 1 do artigo 83.° apresentada pelo PS e pelo PSD.
Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD e do PS e os votos contra do PCP, do PRD e da ID.
É a seguinte:
1 - A reprivatização da titularidade ou do direito de exploração de meios de produção e outros bens nacionalizados depois do 25 de Abril de 1974 só poderá efectuar-se nos termos de lei quadro aprovada por maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções.
Srs. Deputados, vamos agora votar o n.° 2 do artigo 83.° da referida proposta conjunta do PSD e do PS.
Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD e do PS, os votos contra do PCP e da ID e a abstenção do PRD.
É a seguinte:
2 - As pequenas e médias empresas indirectamente nacionalizadas situadas fora dos sectores básicos da economia poderão ser reprivatizadas nos termos da lei.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, peço o adiamento da proposta transitória.
O Sr. Presidente: - Portanto, fica adiada a votação da proposta transitória sobre os princípios para a representação prevista no n.° 7 do artigo 83.°, que já foi objecto de discussão. Falta apenas uma questão de afinamento.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Pergunto aos Srs. Deputados se ainda não estão em condições de votar o n. ° 1 do artigo 85.°
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, passar ao artigo 88.° Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, tinha há pouco comunicado a V. Exa. que nós precisávamos de uma pequena pausa regimental...
O Sr. Presidente: - Isso é verdade, mas o Sr. Deputado pediu-me às 17 horas e 15 minutos. Ainda faltam 10 minutos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, nessa altura nem eu nem o meu camarada Octávio Teixeira éramos capazes de prever que neste exacto momento mudaríamos de artigo.
O Sr. Presidente: - Este artigo não tem novidade nenhuma, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Eu sei que não, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Se o Sr. Deputado estivesse de acordo, votaríamos agora este artigo e faríamos de seguida a pausa.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Seja, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em relação ao artigo 88.°, que tem como epígrafe "Actividades delituosas contra a economia nacional", há duas propostas de eliminação apresentadas respectivamente pelo CDS e pelo PS, e uma outra do PRD, que propõe a sua passagem para o artigo 90.° Portanto, esta tem um carácter de ordem sistemática.
Vamos, então, votar as propostas de eliminação do artigo 88.° apresentadas pelo CDS e pelo PSD.
Submetidas à votação, obtiveram a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD e do PS e os votos contra do PCP, do PRD e da ID.
Srs. Deputados, a proposta do PRD fica, por esta circunstância, prejudicada. De resto, ela era uma proposta de ordem sistemática.
Como o Sr. Deputado José Magalhães tinha pedido um intervalo de 25 minutos, nós vamos interromper agora os nossos trabalhos, que retomaremos às 17 horas e 25 minutos.
Srs. Deputados, está suspensa a reunião.
Eram 17 horas e 10 minutos.
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Srs. Deputados, está reaberta a reunião.
Eram 17 horas e 35 minutos.
Srs. Deputados, vamos entrar no título II, "Estruturas da propriedade dos meios de produção".
Quanto à própria epígrafe existe uma proposta de eliminação por parte do CDS, do PSD e do PS. O PRD tem uma proposta de alteração.
O Sr. Almeida Santos (PS): - O PS não, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, diz-se "é eliminada a epígrafe do título II".
Vozes.
O Sr. Presidente: - Portanto, o Partido Socialista mantém e só retira o título, não é?
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sim, isso elimina o título, mas não temos que votar por agora os títulos.
O Sr. Presidente: - Portanto, o Sr. Deputado não quer votar neste momento a eliminação da epígrafe?
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não, Sr. Presidente, Não nos temos que preocupar com isso.
O Sr. Presidente: - Iremos ter que nalgum momento...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Nalgum momento é claro que sim, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, passar ao artigo 89.°, que tem como epígrafe "Sectores de propriedade dos meios de produção".
O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, é a primeira vez que a questão se suscita.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não, Sr. Deputado. Já se referiu atrás que em resultado da eliminação de dois artigos... Agora não me lembro se aprovámos ou não a eliminação dos dois artigos relativos ao comércio e à indústria.
Uma voz: - Ainda lá não chegámos!
O Sr. Almeida Santos (PS): - Então, é a primeira vez que se aborda esta questão. Mas não temos discutido alterações de títulos e capítulos. Isso ficará para depois. Será um trabalho adicional.
O Sr. Presidente: - Em bom rigor, é preferível ficar para depois por uma razão simples: é que vai depender um pouco da maneira como as votações correrem para depois sabermos o que é que vai acontecer, embora na realidade o Partido Socialista elimine a epígrafe e o título no seu projecto. Elimina tudo. Por tanto, nesse aspecto é coincidente com as propostas...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Nós fazemos aqui uma proposta de eliminação do artigo 89.° condicionada naturalmente pela aprovação do nosso artigo 81.°-A, como é compreensível. Se o nosso artigo 81.°-A não for aprovado, não mantemos a proposta de eliminação do artigo 89.°
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, estamos de acordo com a ideia de que, sendo a epígrafe e a própria qualificação dos títulos, e a divisão em títulos, em partes, um resultado derivado e dependente! ou subordinado a opções praticadas quanto ao articulado ele próprio, materialmente considerado, é óbvio que a melhor ocasião e o melhor ensejo para o fazer! é, corrido o texto, praticar as opções de voto que caibam. Mas a questão só se suscitou agora e, portanto, era agora que haveria de se estabelecer uma orientação com a qual estamos, repito, de acordo.
problema em relação ao artigo 89.° O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Relativamente ao artigo 89.°, como VV. Exas. sabem, e como tivemos ocasião de debater - o que se encontra retratado na acta n.° 28, publicada no Diário da Assembleia da República, 2.a série, n.° 30-RC -, há propostas do PSD e do PS e uma proposta do PRD. Em todo o caso, esta tem um outro cariz.
Os problemas suscitados por esta matéria são. como se sabe, de grande complexidade e de grande importância no quadro da constituição económica. Pela nossa parte, temos vindo a ser alertados, com uma certa insistência, designadamente por elementos do movimento cooperativo (por exemplo, da CONFECOOP), que tiveram ocasião de transmitir à Assembleia da República as suas posições e sugestões, para a preocupação em relação a algumas das considerações que aqui foram feitas na primeira leitura quanto às consequências de uma das propostas, concretamente a apresentada pelo PS, de diluição do sector cooperativo no contexto de um sector que seria baptizado de novo como sector social.
Neste sentido, tive ocasião de colocar há pouco à bancada do Partido Socialista as preocupações que para nós resultam dessas posições e da análise que nós próprios fazemos dessa proposta, o que está em parte trasladado na acta, e de apresentar mais concretamente até algumas dessas implicações e tomadas de posição que poderiam fazer pesar em todos nós opções de voto e gerar propostas de redacção e de alteração. Todos esses aspectos são de uma relativa complexidade.
Assim, Sr. Presidente, creio que nós beneficiaríamos com uma consideração em momento ulterior dessa questão. Nesse sentido estabeleci um contacto com o Sr. Deputado Almeida Santos. Se VV. Exas. não virem inconveniente, proponho-vos que esta questão possa ser apreciada adiante. O Sr. Deputado António Vitorino debateu esta matéria na primeira leitura. Isso não seria óbice a que a questão fosse debatida hoje. Em todo o caso, creio que teria utilidade prosseguir esse diálogo.
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Gostaria ainda de colocar algumas questões e de saber ia disponibilidade do PS para certas fórmulas que obviassem aos inconvenientes a que fiz alusão muito sumária.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, não tenho conhecimento de nenhuma proposta de alteração, e não há nenhuma alteração relativamente à situação actual. Evidentemente que se for solicitado o adiamento...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Nós não nos opomos ao adiamento se o PCP entende que necessita de adiamento. Ao que me parece, ele vai colocar questões relacionadas com a qualificação do sector social, que, aliás, já ficou aprovado lá atrás no artigo 80.°
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não ficou, Sr. Deputado Almeida Santos. Foi sustada a apreciação dessa opção precisamente porque ela é derivada desta.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Então, vamos adiar esta votação até vir o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. Presidente: - O artigo 80.°?
O Sr. Almeida Santos (PS): - E naturalmente o artigo 81.°-A.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sim, Sr. Presidente. As respectivas alíneas b) e e) ficaram sustadas aguardando a votação desta norma.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Passaríamos, então, para o artigo 90.°
O Sr. Presidente: - Solicitaria aos serviços que fizessem o favor - aproveitando o fim-de-semana, dar-ma-iam na terça-feira - de me darem uma indicação cuidada, para eu confrontar com as minhas indicações, dos artigos dos diversos projectos e das propostas de substituição subsequentes que ainda não foram objecto de votação, visto que conviria ter uma ideia clara de tudo aquilo que ficou para trás e que só a consulta das actas pode garantir com todo o rigor.
Portanto, em suma, os Srs. Deputados pretendem que o artigo 81.°-A do Partido Socialista e, em última análise, o artigo 89.°...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Os artigos 89.° e [...].
O Sr. Presidente: - Não vale a pena estarmos a voar a proposta do PSD não discutindo ou não votando t. proposta do PS. Então, vamos inscrever também o artigo 89.° no conjunto de artigos que ficam remissos.
Vamos aproveitar também para deixar adiado o artigo 88.° do PRD, que diz respeito...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não, Sr. Presidente. Esse está prejudicado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Este foi votado. O Sr. Presidente: - Quando?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Quando discutimos o artigo 85.°
O Sr. Almeida Santos (PS): - Parece que não. Mas, de qualquer modo, estaria prejudicado neste momento.
O Sr. Presidente: - Os serviços fariam depois o favor de me esclarecer qual foi a solução de facto adoptada quanto ao artigo 88.°
Pausa.
Os serviços informam-me que não votámos ainda esse artigo.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, no dia 25 de Janeiro, a propósito da proposta do PRD relativa ao artigo 84.°, discutimos se o PRD, sim ou não, eliminava o n.° 3, e concluiu-se que não. Apresentaram uma proposta respeitante ao artigo 88.°, proposta essa que no último segmento coincidia com o respectivo artigo da Constituição.
O Sr. Presidente: - Sim, Sr. Deputado. Foi votado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Foi votado com os votos contra do PCP e da ID, com os votos a favor do CDS. Abstiveram-se o PSD e o PS.
O Sr. Presidente: - Quanto ao artigo 90.°, também não há propostas de substituição. Existem propostas de eliminação por parte do CDS e do PSD. Há uma proposta de alteração de todo o artigo, com a eliminação dos respectivos números, no sentido de ele ficar num corpo sem numeração, por parte do Partido Socialista. O PRD não tem uma proposta em relação ao artigo 90.°
O Sr. Costa Andrade (PSD): - A proposta do PRD está eliminada.
O Sr. Presidente: - Não tem. O PRD em rigor não tem uma proposta para este artigo. Trata-se da proposta do actual artigo 88.°, mas que já foi prejudicada.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, em termos de votação gostaria apenas de introduzir algumas precisões. Creio que se colocam dois tipos de questões: há partidos que propõem a eliminação total e há um partido que propõe a eliminação parcial. O PS, o PSD e o CDS coincidem na proposta de eliminação dos n.ºs 1 e 2.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, vamos começar por votar as propostas do CDS e do PSD, que são coincidentes, e depois em função desse resultado votaremos ou não a proposta do PS.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Podemos considerar, então, que se vota conjuntamente toda a componente eliminatória, mesma a contida na proposta do PS.
O Sr. Presidente: - Sim, é mais simples.
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O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não pode ter esse entendimento.
O Sr. Presidente: - Porquê?
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Suponhamos que a proposta de eliminação apresentada pelo CDS/PSD é rejeitada. Pode ficar ainda aberta a possibilidade de votar a componente eliminatória do PS.
O Sr. Presidente: - Com certeza.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Mas, segundo diz o Sr. Deputado José Magalhães, votar-se-ia agora tudo o que são propostas de eliminação relativamente a este artigo, e isso é prejudicial.
O Sr. Almeida Santos (PS): - As duas propostas de eliminação votam-se simultaneamente.
O Sr. Presidente: - O sentido é este: as duas pró-
vez arrumado este problema, das duas uma: ou é aprovado e não tem sentido votar-se a proposta do PS ou, pelo contrário, a proposta é rejeitada e, nesse caso, votaremos essa proposta, a qual se for eventualmente aprovada significa a eliminação daquilo que não estiver lá.
Há mais alguma dificuldade, Sr. Deputado José Magalhães?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, há a seguinte dificuldade, cuja expressão não é, aliás, fácil: estão colocados dois tipos de questões ou há duas opções. Uma delas é traduzida numa eliminação total e a outra numa eliminação parcial. Numa das hipóteses é mantido o n.° 3 com uma alteração.
Nós, obviamente, concordamos com a participação efectiva dos trabalhadores na gestão das empresas do sector público e queremos, aliás, apresentar uma proposta de aditamento sobre essa matéria. Obviamente, discordamos tanto da eliminação total como da eliminação parcial dos n.ºs 1 e 2.
O Sr. Presidente: - E votam nesse sentido.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Coloca-se, portanto, em primeiro lugar, a questão da eliminação parcial dos n.ºs 1 e 2. Era isso que eu estava a pedir à Mesa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - V. Exa., por uma questão de exprimir a sua votação, quer que eu passe a submeter à votação número a número a eliminação?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto. Aliás, não temos problema em que os n.ºs 1 e 2 sejam submetidos simultaneamente à votação. A destrinça é entre, por um lado, os n.ºs 1 e 2 e, por outro, o n.° 3.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passaremos, então, à votação das propostas de eliminação dos n.ºs 1 e 2 e depois votaremos a proposta de eliminação do n.° 3.
Srs. Deputados, vamos votar as propostas do CDS do PSD e do PS no sentido de eliminar os n.ºs 1 e [...] do artigo 90.°
Submetidas à votação, obtiveram a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor, do PSD e do PS e os votos contra do PCP.
Srs. Deputados, vamos votar as propostas de eliminação do n.° 3 do artigo 90.°, apresentadas pelo [...] e pelo CDS.
Submetidas à votação, não obtiveram a maioria a dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD e os votos contra do PS e do PCP.
Srs. Deputados, passaremos à votação da proposta do PS.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, quereríamos manter a expressão "crescente" tal como está hoje no n.° 3 do artigo 90.° e não a expressão "efectiva". É uma proposta de redacção que fazemos.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a redacção a proposta do PS passa então a ser a seguinte:
Nas unidades de produção do sector público é assegurada uma participação crescente dos trabalhadores na respectiva gestão.
O PS não se importa que retomemos a sua proposta.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Com certeza que não.
O Sr. Presidente: - É porque o significado não é exactamente idêntico.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Claro que não. Devo dizer que pessoalmente prefiro a expressão "efectiva" à expressão "crescente". Crescente a partir de zero não é nada.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Pode haver equivoco. A ideia com que eu tinha ficado ia no sentido da dupla qualificação.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não, nunca estiveram em causa os dois conceitos. O que está em causa é a expressão "efectiva" ou a expressão "crescente". O [...] fixou-se na expressão "crescente", mas pessoalmente prefiro a expressão "efectiva". Agora, se o PSD está disposto a votar a expressão "efectiva", nós estaremos de acordo.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não, nós entendíamos que a fórmula que estava era melhor.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Srs. Deputados, se VV. Exas. nos permitem - de resto, era isso que ía anunciar há pouco -, nós proporíamos o aditamento do inciso "crescente" ao inciso "efectivo".
O Sr. Presidente: - O melhor é formalizarem as respectivas propostas.
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Em termos práticos, as coisas passam-se assim: o PS mantém a sua proposta inicial.
Srs. Deputados, vamos então votar, em primeiro lugar, a proposta do PS para o artigo 90.°, que é do seguinte teor:
Nas unidades de produção do sector público é assegurada uma participação efectiva dos trabalhadores na respectiva gestão.
Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS, do PCP e do PRD.
Srs. Deputados, vamos agora votar a proposta de aditamento ao artigo 90.° proposto pelo PS, apresentada pelo PCP.
Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD e os votos a favor do PS, do PCP e do PRD.
É a seguinte:
Nas unidades de produção do sector público é assegurada uma participação efectiva e crescente dos trabalhadores na respectiva gestão.
Srs. Deputados, passaremos agora ao artigo 90.°-A.
O Sr. Almeida Santos (PS): - O Sr. Presidente ficou de trazer uma redacção, mas, pelo que vejo, ainda não trouxe.
Pausa.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, penso que poderíamos talvez adiar isto.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Mas não se esqueça de que a "bola" está no seu campo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, na terça-feira traremos já uma indicação clara sobre isto.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, nós tínhamos entendido em termos de bancada, quando discutimos o n. ° 2 do artigo 82.°, na versão do CDS, que a disponibilidade do PSD para contemplar este aspecto em relação ao qual a Constituição é extremamente concisa -pois há uma mera alusão, em termos de repartição de competência dos órgãos de soberania, ao conceito de domínio público - se traduzia na própria hipótese de consagração de uma norma material. Tive, aliás, ocasião de referir ontem o caso da Constituição de 1933. Na altura não percebi qualquer discrepância ou divergência quanto à necessidade de cobrir pelo menos o patamar definitório que foi direito constitucional em Portugal antes do 25 de Abril, feitas, obviamente, as releituras decorrentes do enquadramento constitucional em vigor. O significado que hoje em dia tem o domínio público é óbvio. O PSD alertava para a questão das "outras dimensões" do domínio público, dado o carácter descentralizado do Estado. Nós próprios tivemos essa percepção quando redigimos o n.° 2. Em todo o caso, chamo a atenção para a questão do n.° 1 e, portanto, para uma certa opção definitória por técnica de elencagem. Devo dizer, como subsídio de reflexão, que nos preocuparia particularmente que se recorresse a um critério não enumerativo e apenas a cláusulas com um grau excessivo de indeterminação para se dar esse passo que consideramos positivo.
Recordo, por outro lado, que a legislação ordinária vigente, em diversos aspectos, tem contribuições que podem ser sugestivas para a confecção do preceito em causa, obviamente com todas as ressalvas decorrentes do facto de estarmos a rever o texto constitucional e não a transpor puramente a legislação ordinária.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 91.°, relativamente ao qual existe uma proposta de alteração apresentada pelo CDS, uma proposta do PS que está substituída pela proposta conjunta do PSD e do PS, uma proposta de eliminação apresentada pelo PSD, que também está substituída pela proposta conjunta, e ainda uma proposta, também quanto aos dois números, apresentada pelo PRD.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, esta é a primeira das normas respeitantes ao título m da Constituição relativamente às quais há propostas conjuntas dó PSD e do PS, na sequência do acordo político de revisão constitucional de 14 de Outubro. Ora sucede que esse texto refere, no penúltimo parágrafo do seu n.° 2, o seguinte:
De igual forma, no que diz respeito ao Plano, o seu tratamento em sede constitucional será simplificado por forma a explicitar melhor a sua conformidade com os ditames de uma economia mista e aberta. Neste domínio, elimina-se a norma sobre regiões Plano e prevê-se a criação de um conselho económico e social.
Como o mesmo texto tinha, no último parágrafo do n.° 3, aquela célebre menção "o. PSD e o PS comprometem-se ainda a apreciar em conjunto outras propostas constantes dos respectivos projectos de revisão não directamente abrangidas pelo presente acordo, tendo em vista facilitar consensos nessas outras áreas que viabilizem a maioria de dois terços necessária à revisão da Constituição", nós não deixámos de estar alerta em relação à possibilidade de outras alterações além daquelas que emergiam directamente destas palavras que transcrevi em primeiro lugar. No entanto, Sr. Presidente, estupefactamente, verificámos que em muito transcendia o articulado subscrito pelos dois partidos aquilo que constava do acordo e mesmo aquilo que constava dos projectos de revisão constitucional tanto do PS como do próprio PSD.
Creio, Sr. Presidente, que se justificaria haver uma sucinta apresentação dos textos que agora, de novo, nos são transmitidos, uma vez que eles divergem bastante do texto originariamente apresentado, sobretudo pelo PS, mas também em certa medida pelo PSD, e curiosamente -em minha opinião- não se compaginam com o próprio sentido do debate feito na primeira leitura. Quem tiver lido o debate na primeira leitura não encarará, senão com verdadeiras e genuína surpresa, os textos que aqui são apresentados, que estão verdadeiramente nos antípodas. A não ser que se entenda pela palavra "simplificação" um conjunto concatenado de eliminações que tornam branco aquilo que tinha e tem conteúdo normativo bastante preciso no texto constitucional vigente. O sentido desta intervenção é, como
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V. Exa. terá depreendido, o de se suscitar uma apresentação, mínima que seja, porque a matéria é realmente de uma extraordinária importância.
Permita-me, já agora também, Sr. Presidente, que refira que lamentamos muito que este debate, ao contrário do que nós tínhamos antecipado e considerado desejável, não possa contar com o parecer elaborado pelo Conselho Nacional do Plano, que no dia 30 de Novembro teve ocasião de nos transmitir, através de ofício que consta dos arquivos, a sua deliberação tomada por unanimidade em reunião plenária, deliberação essa tendente à elaboração de um relatório-balanço sobre as actividades exercidas pelo Conselho, a clarificação de conceitos relativamente ao sistema de planeamento, incluindo as opções do Plano, inclusive com recurso ao direito comparado, e outros aspectos, que seguramente teriam bastante interesse para podermos até ajuizar sobre alguns dos textos que aqui nos são trazidos com a assinatura do PS e do PSD. Em todo o caso, procuraremos suprir essa lacuna, na medida em que nos seja possível. Creio que seria útil que se procedesse nos termos que tive ocasião de propor.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, V. Exa. pede-nos uma justificação sucinta. Devo dizer que, tal como decorre claramente do texto apresentado conjuntamente, não é muito difícil depreender qual é o sentido das alterações, sobretudo se tivermos em conta que o que está em causa não é apenas o artigo 91.° Também tem de ser tomado em consideração aquilo que é proposto para os artigos 92.° e 93.° - e que equivale à sua eliminação -, e, por outro lado, a redacção proposta para o artigo 94.° em termos de elaboração e execução do Plano.
Pensamos que este artigo, se não traduz em termos cabais a posição do PSD em relação a esta matéria, reflecte, de uma maneira satisfatória, o essencial daquilo que defendemos. Nós não somos contra a ideia do planeamento. Somos, sim, contra a ideia de um planeamento que se insira numa visão conformadora colectivista da economia e da sociedade e, por outro lado, que não tenha em consideração o realismo necessário para perceber que não é possível reduzir aos termos de um modelo toda a complexidade da vida económica, quanto mais da vida em geral.
Por outro lado, a experiência portuguesa tem revelado que a forma como o Plano se tem articulado com os programas de governo e com os orçamentos não é, obviamente, a mais satisfatória.
É por essa consideração que nós subscrevemos, conjuntamente com o Partido Socialista, esta ideia de dizer que haverá, de acordo com o Programa do Governo, planos de desenvolvimento económico e social de médio prazo e um plano anual, que tem a sua expressão financeira no Orçamento do Estado, e que simultaneamente se traduza, do ponto de vista sectorial, nas planificações a serem aplicadas nos planos sectorial e regional. Isto, no fundo, para dizer que deve haver uma síntese e uma concatenação entre aquilo que são os planos de desenvolvimento económico e social, quer anual quer a médio prazo, com o Orçamento.
Esta ideia parece-nos mais feliz que um conjunto complexo de artigos que efectivamente se preocuparam em introduzir a força jurídica do Plano, designadamente dando uma grande ênfase à ideia de que o Plano deve ser vinculativo para o sector público, tendo uma visão expansionista do sector público, com uma ideia didáctica no que respeita à estruturação dos planos de longo e de médio prazo e do plano anual.
Por outro lado, também tivemos a preocupação de não deixar de consignar no texto constitucional os objectivos fundamentais dos planos de desenvolvimento económico quanto ao crescimento económico, ao desenvolvimento harmonioso dos sectores e regiões, a uma justa repartição individual e regional do produto nacional, à coordenação da política económica com a política social, educacional e cultural, a preservação de equilíbrio ecológico e a defesa do ambiente e a qualidade de vida do povo português, que são valores que cada vez se afirmam como mais importantes e que, por isso mesmo, não podem deixar de ser devidamente sublinhados.
Trata-se, portanto, de uma alteração que procura ser realista em relação àquilo que são as funções do planeamento em geral e em particular do planeamento em Portugal. Tenta-se simplificar o texto da Constituição, adaptá-lo àquilo que são as nossas orientações em termos de revisão constitucional e àquelas que têm hipóteses de obter uma qualificação em termos de dois terços para serem inseridas no novo texto constitucional.
Não me parece que haja aqui grandes novidades, a não ser as da simplificação e do realismo, preservando tudo aquilo que deve ser efectivamente preservado dentro de um ideia de racionalidade e de planificação da economia, sem os exageros è as utopias que existiam no texto anterior.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, eu não estive presente nas negociações, mas o acordo vale objectivamente por si.
As alterações, no fundo, já foram caracterizadas, mas talvez valha a pena recapitular. Elas situam-se no domínio da nomenclatura. Em vez de Plano com letra grande fala-se em "planos" com letra pequena. Aqui está o primeiro sinal de que houve a intenção de reduzir o papel do Plano na nossa Constituição. Era um plano que a realidade não veio a sufragar. A planificação democrática prevista na Constituição era uma planificação muito abrangente, muito omnipresente. A realidade não veio a confirmar esse tipo de planificação. Este terá sido talvez um dos pontos de partida para a redução do papel e da presença do Plano no nosso sistema económico e social.
Desaparece o plano de longo prazo, que não sei se chegou alguma vez a ser elaborado e aprovado. Portanto, fica reduzido aos planos anual e de médio prazo.
Desaparecem as regiões Plano, que ao fim de catorze anos também não chegaram a ser constituídas e criadas e que até constituíram um embaraço para aqueles que queriam concretizar o mais rapidamente possível a regionalização administrativa do território, na medida em que a coincidência se fazia em termos de as administrativas terem de coincidir geograficamente com as regiões Plano e não inversamente.
Desaparece o Conselho Nacional do Plano. Penso que todos estamos de acordo em que era uma estrutura pesada, que, no fundo, não justificou as esperanças nele depositadas. Produziu anualmente um pequeno
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relatório, normalmente quase já quando estava ultrapassado o momento em que ele teria de ser utilizado, mas nunca com a antecedência e profundidade necessárias para poder ter um efeito útil.
Previa-se que esse Conselho Nacional do Plano funcionasse de forma amplamente participativa. Essa participação foi reduzida a muito pouco.
Desaparece também a qualificação constitucional da força jurídica do Plano. A Constituição previa que ele fosse imperativo para o sector público e indicativo para os outros sectores. A lei ordinária poderá retomar esses valores. Entendeu-se que não se justificava a sua constitucionalização.
Quanto à elaboração e execução não há alterações significativas, salvo quanto à eliminação do Conselho Nacional do Plano, que é substituído por um conselho económico e social, que espero que venha a incluir, no essencial, as funções que hoje cabem ao Conselho Nacional do Plano.
Quanto aos objectivos, eles estão, a meu ver, reproduzidos na proposta relativa ao artigo 51.°, e creio que quanto a alterações é tudo.
Qual é o seu significado?
Reduziu-se, repito, o peso da planificação. É uma opção consciente da parte dos dois partidos que subscreveram o acordo. Esperamos que a prática venha a demonstrar que quando se sonha demasiado alto acaba por se ficar abaixo daquilo que se pode atingir.
Por outro lado, há um problema que fica em aberto e que é o do relacionamento entre o plano anual e o Orçamento, que se quer que seja a sua expressão financeira. Não vejo como é que, aprovando o Plano e o Orçamento na mesma data, um pode condicionar ou ser a expressão do outro sem haver uma antecipação da publicação do Plano relativamente ao Orçamento. São aspectos que deixamos para a lei ordinária. Esperamos que tudo isso possa ser regularizado em termos de poder funcionar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, nós não tivemos oportunidade de justificar a nossa proposta. No fundo, ela procura fundamentalmente retirar a característica de antecedente e subordinante a um plano conforme a filosofia subjacente ao n.° 1 do artigo 91.° No entanto, consideramos importante o plano anual, sem prejuízo da existência de planos a médio e longo prazo. Pensamos que, ao contrário da proposta conjunta do PSD e do PS, com a qual, em termos de uma filosofia global relativamente ao artigo 91.°, não discordamos, o plano anual deve ser obrigatório, ter carácter imperativo para o sector público estadual e carácter indicativo para os demais sectores, conforme consta, aliás, da nossa proposta de alteração para o artigo 92.°, que, no fundo, retém o essencial daquilo que consideramos necessário reter relativamente ao artigo 93.°, para o qual propomos a sua eliminação.
No fundo, pensamos que o objectivo fundamental é, de facto, retirar uma carga ideológica em relação a esta questão e a esta filosofia global do Plano, que nunca foi aplicada na prática. Pensamos que, apesar de tudo, é necessário e é fundamental que haja este plano anual, plano esse que define os objectivos e meios de desenvolvimento, etc., conforme consta do nosso n.° 1, e que retém o essencial do n.° 2 do artigo 91.°
Conforme consta do nosso n.° 2 do artigo 92.°, consideramos que o Orçamento do Estado deve conformar-se com as opções do Plano em vigor para o ano a que respeita. Portanto, fixa-se a obrigatoriedade deste plano anual, que tem, naturalmente, uma ligação directa com as opções do Plano e do Orçamento para o ano a que diz respeito, mas sem prejuízo da existência de planos a médio e a longo prazo. No fundo, é retirar um pouco a carga ideológica subjacente à questão do Plano em si. Encontrámos uma fórmula que consideramos adequada retirando essa carga ideológica, não deixando completamente desarmada a economia da existência de um plano anual. Tem carácter obrigatório e está interligado com o Orçamento, sem prejuízo, naturalmente, de planos de médio e longo prazo para outras áreas sectoriais da nossa economia.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, gostaria de pedir um esclarecimento ao Sr. Deputado Marques Júnior, que é o seguinte: o Sr. Deputado referiu que a proposta do PRD visava retirar a carga ideológica do artigo 91.° Não entendi bem em que medida, em que aspectos, em que condições e em que circunstâncias é que a proposta apresentada retira a carga ideológica. Era este o esclarecimento que lhe pedia.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Deputado Raul Castro, não participei na elaboração do projecto de revisão constitucional do PRD, mas creio que há uma gralha quando se refere na nossa proposta "plano" com letra grande. Penso que no n.° 1 se queria colocar "plano" com letra pequena e não grande. Penso que isto tem algum significado.
O Sr. Raul Castro (ID): - Mas está com letra grande, Sr. Deputado.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Pois, mas eu creio que é com letra pequena. Deixo este elemento para ponderar junto dos meus colegas que participaram e elaboraram o nosso projecto de revisão constitucional. A filosofia subjacente à proposta do PRD pode não estar devidamente expressa ao nível desse pequeno grafismo, ou seja, à questão de saber se plano é com letra grande ou pequena.
Posso não ter sido suficientemente claro na minha exposição. Aliás, devo confessar que esta é uma matéria que domino relativamente mal, mas a verdade é esta: a ideia que existe hoje na nossa Constituição é a de uma subordinação completa à existência de um Plano, que se aproxima um pouco das economias socialistas, na medida em que tudo é disciplinado em função de um Plano que é subordinante de todos os sectores da economia. Nós queríamos eliminar essa característica da nossa economia e substituí-la. Aliás, na prática ela não tem sido cumprida. De acordo com
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a interpretação que damos à filosofia subjacente a este artigo 91.°, ela não tem sido efectivamente cumprida. Não queríamos considerar uma benfeitoria o facto de não ter sido cumprida, para agora concluirmos que isto é um bem adquirido. De facto, esta experiência não foi feita. Pensamos que neste momento a deveríamos considerar ultrapassada. Dever-nos-íamos orientar mais para uma planificação daquilo que hoje é feito ao nível das economias dos países ocidentais, que são, tal como a nossa, economias mistas. Nós propomos exactamente que seja essa, de facto, a característica da nossa economia, uma economia mista e não uma economia completamente planificada, que é aquilo que, penso, apesar de tudo, se poderia deduzir da nossa organização económica, embora não tenha sido essa a prática desenvolvida pelos vários governos, mesmo subordinados como estão, do ponto de vista constitucional, ao nosso texto constitucional.
Portanto, Sr. Deputado Raul Castro, o PRD propõe que a característica de nada poder ser feito sem ser subordinado a um macroplano seja substituída por outras formas mais mitigadas de planeamento, o que não implica e não dispensa o planeamento. Nós propomos esse plano anual, que é um plano de grandes opções perfeitamente integrado com o Orçamento do Estado, sem prejuízo da existência de planos sectoriais a médio e a longo prazo, que penso que qualquer economia como a nossa suporta perfeitamente e que, do nosso ponto de vista, não deve dispensar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, eu ouvi a intervenção do Sr. Deputado Marques Júnior, mas penso que há uma zona cinzenta na explicação que deu, porquanto a Constituição reconhece já que se trata de uma economia mista. Portanto, não se trata de uma economia socialista, mas sim de uma economia mista, como, aliás, decorre do artigo 92.°, visto que aí se diz que o Plano tem carácter indicativo para os sectores público não estadual, privado e cooperativo. Não há um plano que seja vinculativo para todos os sectores da economia, mas apenas para o sector estadual. Daí que efectivamente não vemos vantagem de, por via de adaptação à natureza da economia mista, visto que isso já consta da Constituição, introduzir nesta disposição alterações em relação ao artigo 91.°
Se a razão fundamental do PRD era realmente essa, pensamos que ela não é desfigurada pela actual arquitectura constitucional e que poderia manter-se a redacção actual do artigo 91.°, sem a existência de quaisquer ambiguidades.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, do ponto de vista da interpretação sistemática da Constituição e relativamente à organização económica, concordo com o Sr. Deputado Raul Castro quanto ao carácter misto da nossa economia. As propostas de alteração que apresentamos, que não são desse ponto de vista relevantes, acentuam, apesar de tudo, essa característica, que, segundo a nossa leitura, já se deduz do actual texto constitucional. Queríamos acentuar isso com as nossas próprias propostas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, o de bate encetado aponta já para alguns dos principais problemas que a mancha de alterações adiantada pelo P e pelo PSD suscitam. Creio que não é de deixar de sublinhar a extraordinária confusão que é possível estabelecer quando não são feitas num debate certas pré-definições conceptuais. Isto normalmente leva a que usando as mesmas palavras, todos falem de coisas diferentes, originando argumentos e terminologias a parte de concepções diferentes, redundando tudo numa extraordinária confusão em que são amalgamadas coisa inteiramente distintas e aparecem em sítios extravagantemente iguais entidades e partidos que têm posições curialmente diferentes. O debate que há pouco teve lugar entre os Srs. Deputados Raul Castro e Marques Júnior é, creio eu, um expoente disso mesmo.
Gostaria de sublinhar que a nossa primeira leitura em relação a esta matéria foi bastante alargada e densa de implicações e permitiu, entre outras coisas, alerta para a extraordinária polissemia da palavra "plano" com maíscula ou com minúscula. De planeamento democrático se deve falar entre nós. O nosso Plano, consoante tive ocasião de sublinhar, não mergulha as sua raízes em coisa outra que não seja a da nossa própria realidade e da experiência de reflexão e de elaboração que no campo da oposição democrática - e oposição democrática em sentido abrangente - se tinha embrenhado em experiências de planeamento contra sistema que, em termos de reflexão, procuravam trilhar em Portugal caminhos que eram trilhados em outros pai sés com sistemas sociais e económicos idênticos, embora com regimes políticos democráticos, enquanto Portugal tinha uma ditadura fascista.
Sucede que, sendo a palavra susceptível de vário sentidos e sendo o planeamento susceptível ainda pó cima de diversas desagregações - planeamento global planeamento sectorial, planeamento regional, planeamento central, etc. -, tudo o que não distinga isso antes amalgame não contribui seguramente para medirmos exactamente a opção de revisão constitucional que está a ser praticada. Nesse sentido nós procuramos dissociar-nos dessa confusão, designadamente sublinhando alguns aspectos.
Em primeiro lugar, há que assinalar a inteira inverdade histórica das tentativas de caracterizar o Plano português como o decalque mimético de experiência, de planeamento em países com sistemas sociais, políticos e económicos distintos do português. Não foi nem é assim! Toda a tentativa de exorcizar o texto constitucional como "importando experiências estrangeiras" "inteiramente inaplicáveis ao caso português", não passam de tentativas desajeitadas, de transposição mecânica e de jogar com fantasmas tendentes a distorcer e debate e a desculpar a gravidade das opções que são feitas neste momento.
A segunda precisão é esta: há, mesmo dentro dos países com sistemas sociais, económicos e políticos similares ao português, não um olhar, mas sim diversos olhares sobre o Plano. Olhares "temporalmente" va-
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riáveis: as concepções sobre o planeamento económico em países capitalistas têm vindo a sofrer alterações e transformações. Não é possível comparar a evolução dessas concepções até ao período de 1973 com aquilo a que veio a chamar-se "a crise de planeamento posterior aos choques petrolíferos", portanto, ao período de instabilização e de crise aguda verificada nestas economias na sequência de factos que são de todos conhecidos.
Por outro lado, seria pelo menos injusto e incorrecto e menos rigoroso não distinguir que, mesmo, nesse contexto, há uma grande diversidade de experiências. Entre o sistema de planificação indicativa francesa ou os diversos sistemas ensaiados em Itália, tendo em conta a natureza regional do Estado e a sua estrutura organizativa, e as experiências existentes em sistemas federais no contexto europeu e outras existentes em países com sistemas com estas características há grandes diferenças, embora também haja pontos de contacto. Em todo o caso, é inteiramente abusivo medir pela mesma bitola e fazer a mesma leitura deste tipo de experiências, que podem ser várias, muito diferentes, dentro de um quadro geral de preocupação de racionalização da vida económica segundo determinados parâmetros, que permitam a realização de certos objectivos, designadamente de garantia do desenvolvimento económico, do desenvolvimento harmonioso das regiões e dos sectores, da repartição do produto nacional, da coordenação da política económica com as políticas social, económica e cultural, da preservação do equilíbrio ecológico, da defesa do ambiente, da qualidade de vida, etc. Essas preocupações têm sido objecto de tratamento, de filtragem, de organização em termos de experiências planificadoras e de planeamento de muitas formas. Portanto, exorcizar o Plano em Portugal nos termos em que isso é feito pelas bancadas do PSD é um tributo e uma homenagem prestada a neoliberalismos desenfreados que por aí campeiam dentro de um partido que não fez a sua revisão programática, mas faz a sua política económica e financeira sob o peso de uma concepção financista extrema, em que o papel do Plano é periférico. Nesse quadro, o Plano serve, quando é feito, para ir anotando todos os anos os vícios, os erros e os falhanços nas previsões inflacionistas do Sr. Ministro Cadilhe. Nada mais! Isso é, digamos, um vício, não o modelo constitucional, é o resultado de uma certa forma de subverter normas de planeamento ou de falhar metas de planeamento. Esse é um problema do PSD, é um vício do PSD. A concepção através da qual o PSD procura ocultar isso e transformar isso em segregação ideológica é "abaixo o Plano, viva o plano com 'p' pequeno" Que plano?
A turbulência neoliberal quase faz esquecer aquilo que de muitos quadrantes vem sendo aventado nessa matéria e que é encontrado em textos das mais diversas naturezas. Por exemplo, não é por acaso que num texto recentemente publicado no Boletim do Conselho Nacional do Plano referente ao terceito quadrimestre de 1988, n.° 16 - texto esse com o título "O Plano na Constituição de 1976" -, a Sra. Dr.a Cristina Queirós sublinha, como conclusão, o seguinte:
Os que defendem a reprivatização encaram o Plano como uma excrecência autoritária, esquecendo-se porventura que este possui tão-só uma eficácia limitada em termos tanto teóricos como práticos relativamente a uma extensão considerável do sistema económico. Do período constituinte ao momento actual de um governo de legislatura ao planeamento tem faltado a vontade (política) de planear e a consciência de que, passados os momentos conturbados do "turbilhão revolucionário", o planeamento é sempre possível nos limites do mercado e do direito de propriedade. A relevância deste acordo varia naturalmente com a própria dimensão do sector público e com a extensão vinculativa que se atribui ao Plano enquanto instrumento de política económica capaz de dirigir todo o potencial económico do País por objectivos previamente seleccionados.
Como é óbvio, estas considerações vêm precedidas de muitas outras alegações que situam o pensamento da autora, que é distinto do nosso. Se aqui o trouxe à colação foi não para perfilhar os seus pontos de vista, mas para alertar para um aspecto que tende, na fúria desplanificadora, a passar despercebido, pelo menos da boca do PSD.
O Sr. Presidente: - Eu li esse artigo, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Refiro-o porque não havia sinais "exteriores disso, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Eu li-o, apreciei-o muito, embora não concorde com muita coisa que lá é dita, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Nós também não, Sr. Presidente.
A questão que suscitei tem a ver com o sentido actual do planeamento. Devo sublinhar que não só tem havido em experiências comparáveis à nossa esforços no sentido daquilo a que se chamou uma renovação da planificação no conteúdo e nos métodos com a preocupação de converter a planificação, o planeamento, num instrumento de vontade política a longo prazo, e não só a curto prazo, com um carácter democrático - a que alguns chamam mesmo de contratual -, descentralizado, na elaboração e nos objectivos para garantir a coesão e a concordância das alternativas do Estado, das regiões, das outras estruturas administrativas, a articulação dos esforços, a economia de meios, a concretização de uma determinada estratégia, o envolvimento das diversas entidades que no plano social são relevantes, incluindo naturalmente os sindicatos, as organizações representativas dos trabalhadores e outras estruturas relevantes socialmente. Este reforço de renovação do planeamento tem-se manifestado, tem estado em curso por parte de forças que evidentemente não se identificam com o ideário liberal reformista que é proclamado actualmente pelo PSD. Curiosamente, no entanto, surge de quadrantes como aqueles em que o PS se insere. Esse esforço não encontra, porém, eco no Partido Socialista aqui, o que não deixa de ser lamentável e não posso deixar de sublinhar.
Em segundo lugar, o contributo para uma reflexão sobre o sentido actual do planeamento tem vindo a ser suscitado pelas próprias experiências de integração económica, que co-envolvem obrigatoriamente uma moção de planeamento, sem o que não é possível fazer uma racional afectação de recursos a finalidades nem é possível fazer o adequado envolvimento participativo
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nas opções a tomar, opções essas que, ainda por cima, afectam não só diversos níveis de intervenção dos Estados nacionais como diversos níveis de intervenção a nível das comunidades europeias (num caso vertente, para tomar um exemplo que nos é particularmente relevante neste contexto histórico).
Esse apelo ao planeamento, essa necessidade de planeamento, essa imprescindibilidade de afectação de recursos financeiros com adequado planeamento é uma competente sem a qual é difícil perspectivar a evolução e a gestão de recursos e o desenvolvimento dos países comunitários. Esse aspecto tem sido enfatizado e objecto de reflexão nas próprias comunidades e tem sido objecto de propostas, de medidas e de esforços de concertação nessa esfera.
Dir-se-ia que os Srs. Deputados, na fúria infrene de escavacar o Plano e a ideia de planeamento, são alheios ao sentido actual de reeleitura possível útil do sentido dos instrumentos de planeamento numa óptica democrática, que é aquela que é a eminentemente constitucional.
Um terceiro aspecto que dá sentido perfeitamente actual à noção de planeamento democrático é precisamente o da dimensão regional. É verdadeiramente espectacular e lamentável que o Partido Socialista, por exemplo, nesta matéria se alheie da dimensão regional do planeamento e da importância que tem a garantia de uma intervenção directa, efectiva, genuína das regiões na definição de opções que dizem respeito ao seu próprio destino e que vão condicionar a afectação de meios, de recursos para a realização dos seus interesses neste e no próximo século...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Dá-me licença que o interrompa, Sr. Deputado?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Se faz favor, Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado, na proposta conjunta mantém-se que a execução do Plano deve ser descentralizada, regional e sectorialmente.
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, não ignoramos que essa menção existe. O grande problema é a menção que está neste momento, e que os Srs. Deputados entendem que deve deixar de existir.
Em segundo lugar, como V. Exa. sabe, é uma vexata quaestio saber qual é a verdadeira dimensão, alcance e natureza daquilo a que poderíamos chamar um planeamento regional. Tem de haver uma intervenção regional no planeamento central. Mas deve admitir-se até uma certa margem de planeamento regional autónomo? Nós achamos que sim.
O Sr. Almeida Santos (PS): - A lei há-de dizer alguma coisa, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Qual é a forma de articulação entre uma coisa e outra, isto se se admitir que as duas existem separadamente? Este aspecto é objecto daquilo a que V. Exa. chama, com certeza,
uma simplificação, mas que é realmente uma eliminação e uma diminuição de conteúdo. Isso não ajuda a sublinhar esta vertente importante do planeamento que lhe dá um sentido actual extremamente importante. Mais: o próprio Governo permite-nos ter perfeita consciência da importância dessa dimensão quando se apresta a aprovar centralmente aquilo a que chama um plano de desenvolvimento regional, sem que haja uma adequada intervenção (institucionalmente expressa pela forma própria) das regiões ou das entidades que neste momento existem naquilo que é o espaço em que deverá haver futuramente regiões. Embora o PSD tenha a posição que comecei esta tarde por evidenciar sobre esta matéria na sequência do anúncio do Prof. Cavaco Silva, o próprio Governo encarrega-se de evidenciar a gravidade da actual situação, em que as regiões estão arredadas da possibilidade de se pronunciar, de intervir organizadamente, quanto mais de fazer planeamento regional. O caso das duas regiões autónomas, Açores e Madeira, apenas introduz uma complexificação adicional e uma dimensão ainda mais preocupante ao grande mosaico em que este quadro de problemas se situa.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não votámos ainda, mas há-de creditar-nos o facto de termos feito uma proposta no sentido de as regiões constitucionalmente passarem a intervir na elaboração do Plano nacional. Ouvimos aqui as regiões a dizer que não querem essa prerrogativa. Portanto, depois veremos se a consagramos ou não.
O Sr. José Magalhães (PCP): - As regiões não querem, Sr. Deputado?!
O Sr. Almeida Santos (PS): - Nos termos de um nosso artigo, as regiões autónomas passariam a participar constitucionalmente na elaboração do Plano nacional. O mesmo se diga em relação às autarquias. Nós também temos um artigo que vai nesse sentido.
Depois veremos como é que ele vai ser votado, mas a verdade é que ele existe.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, não tenho conhecimento de que as regiões autónomas não desejem tal função!
O Sr. Almeida Santos (PS): - Foi uma distracção sua, porque o Sr. Deputado também estava presente nessa reunião.
De qualquer forma, ainda não votámos, mas podemos fazê-lo contra as regiões.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Eu não ouvi isso, Sr. Deputado.
De qualquer maneira, a delegação que aqui ouvimos só representava uma região. Da outra aqui não soubemos nada.
Em relação ao parecer da Região Autónoma dos Açores, a posição quanto a esta matéria não é líquida. Há discrepância de posições entre os diversos partidos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Nós só ouvimos uma das regiões, mas a posição dos Açores foi muito clara... De qualquer forma, nós sabemos que normal-
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mente as duas regiões acertam as agulhas sobre estas coisas. No entanto, há sempre a possibilidade de a Madeira manifestar uma opinião diferente.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Continuo, pois. Como é que estas preocupações relacionadas com o sentido actual do planeamento se articulam com aquilo a que se pode chamar o caso português? Quanto a mim articulam-se da seguinte forma: o caso português é um extraordinário caso de incumprimento das normas constitucionais e de desplaneamento programado, deliberado, ao serviço de um plano de restauração capitalista, latifundista e imperialista. O plano esteve nisto.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Etc., etc.! E de outras coisas ainda piores, não!?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Estas já são suficientemente graves, Sr. Deputado.
O problema é que os vícios que muitos dos Srs. Deputados imputaram ao sistema devem ser imputados aos partidos políticos, aos governantes, aos governos que incumpriram e que violaram, sistemática e premeditadamente, a Constituição. Sobre isto já disse na primeira leitura aquilo que entendemos serem os traços mais graves desse processo de desplaneamento desejado e anunciado.
Gostaria de recordar agora que no quadro de uma "Reflexão crítica sobre a actual orgânica de planeamento em Portugal", o Dr. Vítor Dionísio, especialista em planeamento, pôde, com rigor, na conferência comemorativa dos 25 anos do STPC/DCP, realizada em Novembro de 1987, sintetizar esse curso perverso nos seguintes termos:
As características da actual orgânica são, naturalmente, o resultado acumulado da evolução verificada depois de 1977. A não regulamentação da Lei n.° 31/77 como consequência da precariedade dos equilíbrios políticos que se têm vindo a formar, cada um com a sua concepção de planeamento, traduz-se, na prática, no facto de toda a produção legislativa referente ao planeamento ter sido feita à margem daquela lei, acabando por estruturar um sistema onde à coerência sistémica se contrapõem os compromissos políticos que em cada momento se estabeleceram.
Daí resultam vulnerabilidades, a seguir sistematizadas à volta de cinco aspectos fundamentais:
i) Uma relativa ambiguidade sobre a localização dos centros de decisão da política económica, entendida aqui no sentido lato, de modo a englobar a estratégia de desenvolvimento;
ii) Um sistema decisional centralizador tanto na óptica regional como na óptica sectorial;
iii) A emergência do planeamento regional como perspectiva privilegiada das acções de planeamento e a correspondente edificação de uma orgânica regional de planeamento à margem do processo de regionalização";
iv) A inoperacionalidade dos mecanismos de controlo e avaliação; e, finalmente,
v) A erosão do aparelho técnico da Administração Pública no que se refere em particular aos recursos humanos afectos à área do planeamento.
Creio, Srs. Deputados, que se justifica a especificação destas cinco zonas de vulnerabilidade, que o mesmo autor descreve sinteticamente:
A ambiguidade sobre a localização dos centros de decisão da política económica, no que se refere em concreto à definição das opções estratégicas para a economia portuguesa, tem sido uma constante da nossa história recente. A nível executivo, a análise da última década revela nítidas hesitações sobre a formação da orgânica ministerial mais adequada à formulação da política económica numa óptica de desenvolvimento e a sua articulação com a política financeira. Sob este ponto de vista, não parece evidente que as restrições que têm pesado sobre a última sejam suficientes para explicar ou justificar o seu predomínio sobre a primeira. As razões de fundo, talvez ainda não claramente resolvidas, residem na própria concepção da política económica e no papel do planeamento enquanto instrumento não exclusivamente monetário condicionante dos mecanismos económicos. Por outras palavras, trata-se de saber quem deve assegurar a mediação efectiva entre os vários subsistemas económicos e sociais, se a função de planeamento estratégico ou se a função de política económica conjuntural.
Se a actual separação funcional das duas áreas parece validar a função de planeamento, pelo menos como processo autónomo de programação, não é, todavia, claro que o seu desempenho até às últimas consequências, como, por exemplo, a implementação de uma estratégia de médio prazo, não venha a revelar conflitualidade com a formulação da política económica, principalmente se esta continuar a ser entendida como processo de gestão do curto prazo.
A nível dos órgãos consultivos, observa-se na orgânica real de planeamento uma clara situação de duplicação de funções. Na verdade, o Conselho de Concertação Social ocupou na prática o papel que a Constituição e a Lei n.° 31/77 haviam consignado ao Conselho Nacional do Plano. Este tem hoje uma intervenção meramente formal, tendo sido substituído pelo primeiro na importante função de "apreciação regular da evolução da situação económica e das medidas principais de política económica" (Lei n.° 31/77, artigo 17.°).
O sistema dicisional é centralizador quer na óptica sectorial quer na óptica regional. Relativamente à primeira, alguns passos foram dados, nomeadamente através da criação de administrações regionais (cite-se, a título de exemplo, os sectores da saúde, da Segurança Social e da educação. Todavia, a avaliar pelas referências que os técnicos e responsáveis pelo planeamento sectorial têm feito (ver nomeadamente CISEP, 1982 14), não é ainda aceite de forma generalizada uma concepção descentralizada de tomada de decisões, ainda que sob a figura da desconcentração de poderes.
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Onde o problema da centralização é mais evidente é na perspectiva regional. Com efeito, a orgânica regional de planeamento é decalcada da estrutura hierárquica da administração central, de tal modo que "a dez anos de distância é difícil compreender que, na sequência de aprovação da Constituição, não se tenha ainda aprovado um sistema e orgânica de planeamento que seja diferente do sistema e orgânica correspondentes às responsabilidades do poder central" (Alves, 1987).
Sobre o espaço regional incidem dois canais de decisão paralelos: por um lado, o canal da orgânica regional de planeamento inserida no quadro hierárquico do Ministério do Planeamento e da Administração do Território; por outro lado, a orgânica sectorial constituída no quadro hierárquico dos vários ministérios da administração central. A intersecção daqueles dois canais não tem sido fácil. Subsistem situações de incompatibilidade entre a orgânica sectorial e a orgânica regional que não decorrem de contradições políticas antagónicas, uma vez que estas estão arredadas do processo decisional. mas sim de desajustamentos inerentes ao processo de planeamento e nessa medida superáveis. Desses desajustamentos não são menos relevantes os que se observam no interior da própria orgânica sectorial, situação que os planos integrados de desenvolvimento regional (PIDRs) têm contribuído para superar.
Nestas condições, e à falta de um poder político regional autónomo, prevalecem os critérios de rapartição sectorial dos recursos, secundarizando a óptica regional. A experiência e implementação dos PIDRs, embora meritória sob o ponto de vista da coerência regional/sectorial, não pode resolver uma questão que lhe é prévia e de natureza essencial, ou seja, a de saber se os critérios de afectação regional dos recursos e a inerente selecção sectorial dos projectos decorre do quadro de aspirações da região, política e socialmente expresso através de mecanismos de decisão representativos.
Porém, ainda que fosse resolvida satisfatoriamente a questão da incompatibilidade técnica entre os níveis sectorial e regional, continuaria a subsistir o problema da representatividade política desses níveis até que fosse implementado o processo de regionalização, e desse modo legitimado o nível de decisão regional, no contexto de uma cadeia hierárquica independente da administração central.
A orgânica de planeamento regional tem vindo a estruturar-se segundo um enquadramento legal, constantemente admitido como precário, aguardando a clarificação resultante do processo de regionalização. Embora a Lei n.° 31/77 refira expressamente a vertente regional, a regionalização não se fez e consequentemente não foram criados os órgãos que deveriam dar expressão ao princípio do planeamento descentralizado expresso naquela lei.
A implementação do programa de desenvolvimento regional, que é uma condição necessária para a aplicação das verbas do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, explica em parte o interesse crescente pelo planeamento regional. Todavia, este impulso exógeno e a motivação política daí decorrente, de promover a implementação daquele programa de um modo que não seja meramente formal, defronta-se com uma estrutura administrativa sectorial, com evidente dificuldade de articulação com a orgânica regional de planeamento, apesar de esta estar também estruturada no sistema hierárquico da administração central.
A inoperacionalidade dos mecanismos de controle e avaliação, quer no plano técnico quer no plano político, tem sido uma constante na experiência recente do planeamento em Portugal. No plano técnico, não tem sido efectuado o controle de execução dos projectos para além da mera avaliação financeira e orçamental. A falta de acompanhamento da execução física dos projectos de investimento público é uma grave lacuna do nosso processo de planeamento, porque geradora de situações de desajustamento entre projectos interdependentes e um factor de multiplicação de custos. A criação do Departamento de Acompanhamento e Avaliação no âmbito do Ministério do Planeamento visa precisamente dar resposta àquela preocupação na sua qualidade de organismo especialmente vocacionado para o controle de execução de projectos.
No plano político, a Lei n.° 31/77 determina, no seu artigo 3.° que a Assembleia da República deve apreciar os relatórios de execução dos planos. Este acto concluiria o ciclo de implementação do Plano e permitiria fazer a avaliação política do cumprimento das Grandes Opções aprovadas na mesma Assembleia. O não cumprimento desta norma tem por isso impedido que, na prática, os cidadãos possam fazer uma avaliação objectiva dos compromissos assumidos nas Grandes Opções.
A avaliação da prossecução dos objectivos propostos deveria também fazer parte do processo de avaliação, a par do acompanhamento dos projectos. Importaria com efeito verificar em que medida os projectos implementados traduzem na prática os resultados esperados. Este tipo de avaliação, bem mais complexa que a do controle de execução dos projectos, deveria ser, no entanto, a mais importante se se quisessem aceitar os riscos políticos e de gestão decorrentes da avaliação.
Na avaliação dos programas e serviços públicos é costume referir-se apenas a vertente de custos, sendo geralmente omitida, e ou por dificuldades estatísticas ou metodológicas, a avaliçâo dos out-puts. Por exemplo, nas contas nacionais, cada sector social (os serviços não comercializáveis de educação e saúde) é contabilizado como uma soma de inputs (despesas correntes e de pessoal), convencionando-se que o valor da produção corresponde ao total dessas despesas. Evidentemente que este valor é inaceitável como indicador da produção real desses sectores se tivermos como preocupação medir a contribuição desses sectores para a satisfação das necessidades sociais. A solução deste problema passa pela implementação de um sistema de indicadores sociais integrado na prática do planeamento.
A erosão do aparelho técnico da Administração Pública, particularmente evidente nos órgãos que constituem a actual orgânica de planeamento, é um
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factor de inoperacionalidade estrutural, que bloqueia a actividade de planeamento. Convém aqui distinguir dois planos, embora de certo modo interdependentes: por um lado, a drenagem de técnicos qualificados e experientes da função pública nas áreas de planeamento, explicado pelo desequilíbrio crescente entre os níveis remuneratórios do sector público administrativo face ao sector público produtivo e ao sector privado, e ainda, e certamente de modo não menos significativo, a desmotivação associada ao fenómeno da desvalorização da "função pública", que na última década tem sido um argumento, e é agora uma grave consequência, da luta ideológica e política sobre o papel do Estado no sistema económico.
Por outro lado, e como consequência inevitável daquela drenagem de técnicos, tem-se assistido à decomposição e à degradação de importantes órgãos técnicos da Administração Pública. Como exemplos das situações mais graves apontam-se o sistema estatístico nacional e, em particular, o seu órgão de coordenação, o Instituto Nacional de Estatística, e, embora em menor escala, e com situações diferenciadas, os departamentos sectoriais de planeamento e o próprio Departamento Central de Planeamento.
Como consequência dos dois factores apontados, o Estado está, sob o ponto de vista técnico, relativamente enfraquecido para fazer face aos graves desequilíbrios e carências dos sectores sociais (educação, saúde, infra-estruturas sociais e de apoio à actividade produtiva e coordenação económica). A outro nível apresenta-se deficientemente apoiado para dar resposta às solicitações da CEE, quer na óptica do processamento e fornecimento de informação, quer na óptica da preparação cuidada das nossas posições, sejam as derivadas da defesa dos nossos interesses próprios, sejam as relacionadas com a tomada de posições face a países terceiros.
Eis um rigoroso retrato das nossas vulnerabilidades, que a solução decorrente do acordo não ajuda a ultrapassar, bem pelo contrário.
Gostaria ainda de aditar comentários sobre um aspecto, que mereceu, de resto, um consenso que agora desiludido nas propostas do PS e do PSD.
Alertámos para o facto de a adesão de Portugal às Comunidades e os factos políticos que desde então se verificaram terem conduzido a uma situação de particular perversão. Alguns dos principais instrumentos de lançamento com articulação financeira com o Orçamento do Estado e com o Orçamento das Comunidades são hoje feitos puramente pelo Governo, à margem da Assembleia da República, à margem do Presidente da República e à margem das regiões autónomas e das outras entidades com direito de participação no planeamento, num triplo drible institucional cuja gravidade é, evidentemente, máxima. O quadro fica completo se a isto somarmos que o Governo tem provado, por resolução do Conselho de Ministros, normas de desenvolvimento de regulamentos comunitários em áreas extremamente importantes como a dos fundos comunitários, desde logo o FEDER, normas estas que são claramente inconstitucionais, que usurpam competências da Assembleia da República em domínios fulcrais, designadamente no domínio das finanças locais, violam o artigo 115.° e outras disposições constitucionais. Essas normas têm vindo a ser aprovadas, umas atrás de outras, erigindo um sistema articulado de enquadramento, que assegura, simultaneamente, financiamentos para projectos, e cujos processos de decisão escapam por inteiro ao Parlamento. Pode-se dizer que entre Bruxelas e São Bento, residência do Primeiro-Ministro, se definem hoje algumas das opções principais em matéria do planeamento que há, da elaboração de instrumentos reais, efectivos e determinantes para a realização de projectos com financiamento nacional e comunitário em áreas eminentemente sensíveis, recobrindo alguns dos principais aspectos e sectores da vida económica nacional. Repito: em condições inteiramente anómalas e contrárias à Constituição, com consequências que a ninguém escaparão.
Estas alterações, Sr. Presidente, longe de contrariarem essa vaga, que é eximiamente expressa pelo chamado PRO-DES-RE-DI ou pelo PCEDED ou pelo PDR, introduzem vectores de debilitação do quadro constitucional aplicável para todos esses aspectos e para todas estas vertentes.
Gostaria de comentar muito rapidamente as observações feitas pelo Sr. Deputado Almeida Santos em relação ao conteúdo das alterações e de fazer algumas perguntas sobre esta matéria.
A primeira observação é esta: o Partido Socialista decai de todas as suas propostas em matéria de planeamento? Por exemplo, o Partido Socialista tinha uma proposta para a alínea b) do artigo 93.° Esta proposta comum significa que o Partido Socialista decai dessa sua proposta?
O Sr. Almeida Santos (PS): - São propostas que entendemos dever manter até ao Plenário. Fá-lo-emos logo na sede própria, que é a da votação por escrito que está prevista para o fim de todas as votações. Nessa altura diremos quais as nossas propostas anteriores que iremos manter para o Plenário. Algumas manteremos, outras não.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não era nesse sentido que fazia a pergunta, Sr. Deputado. Era no sentido de apurar qual o alcance a dar a algumas expressões que estão contidas no texto subscrito conjuntamente pelo PS e pelo PSD.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Quais expressões, Sr. Deputado?
O Sr. José Magalhães (PCP): - É o caso, por exemplo, da expressão "planos de desenvolvimento económico e social de médio prazo" utilizada no artigo 91.°
O Sr. Almeida Santos (PS): - A palavra "Plano" com letra grande só pode ter a seguinte interpretação: o plano com letra grande é o conjunto dos planos, portanto abrangendo o plano de longo prazo, de médio prazo e de curto prazo. Nós entendemos que é mais realista falar em "planos", uma vez que há mais do que um. Segundo esta proposta, deixaria de haver o plano de longo prazo, mas, em todo o caso, passaria a haver dois. Portanto, se há dois são planos e não plano, a menos que se considere o plano como algo englobalizante, que tem um significado com letra grande e um outro com letra pequena. Pensamos que
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a redução da letra corresponde à diminuição do significado do plano. Por outro lado, isso elimina esse irrealismo, que é o de referirmos pelo singular aquilo que é plural. "Planos de desenvolvimento económico e social" foi a expressão que o Partido Socialista entendeu adoptar em substituição de plano com letra grande. É evidente que o plano é sempre económico e social, mas agora passou a dizer-se expressamente que não é só económico mas também social. No plano há também orientações sociais. É isso que queremos significar para que não haja dúvidas de que não se trata apenas de planificar a economia mas também de planificá-la com um conteúdo e uma orientação social.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sempre assim teria que ser, Sr. Deputado. Já era...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Claro que era, mas não estava explicitado. A partir de agora passaria a estar.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O n.° 1 do artigo 91.° hoje refere, explicita e inequivocamente, que "a organização económica e social do País é orientada, coordenada e disciplinada pelo Plano".
O Sr. Almeida Santos (PS): - Mas não estava na denominação e agora passa a estar, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O Partido Socialista entende que está aí consumida a sua norma que apontava para que se compreendesse nos planos com letra pequena os próprios planos parciais ou específicos, os programas que visassem qualquer dos objectivos definidos no artigo 91.°?
O Sr. Almeida Santos (PS): - Depois veremos se devemos manter ou não essa proposta para o Plenário. Para já não foi possível chegar a acordo quanto à aquisição dessa preocupação.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Aqui introduz-se uma clarificação - e lamento que seja nesse sentido - do texto do articulado submetido pelos dois partidos. Devo dizer que na primeira leitura tudo apontava para uma conclusão contrária. O Sr. Presidente Rui Machete tinha expresso - e o Sr. Deputado Costa Andrade também -, em nome da bancada do PSD, uma profunda compreensão em relação a essa proposta do PS.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Também não foi o Sr. Presidente Rui Machete quem negociou os acordos, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas a reflexão foi feita em nome da bancada e não em nome pessoal!
O Sr. Almeida Santos (PS): - Claro, Sr. Deputado. Só que ele não vota pelos 150 Deputados do PSD.
Vozes.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente tinha na altura mostrado uma certa abertura para a nossa preocupação relativamente aos planos parciais, o que não aparece agora na proposta.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos, não aparecem os planos parciais, mas aparece a ideia dos sectores.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Parcelar e sectorialmente, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Planos sectoriais e regionais.
O Sr. Almeida Santos (PS): - "Centralizada sectorial e regionalmente" não é a mesma coisa do que planos sectoriais, Sr. Presidente.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É precisamente esse aspecto que nós desejaríamos ver clarificado. Todo e debate da primeira leitura apontava para a ideia de que é inteiramente absurdo que a Assembleia da República aprove um documento esquálido denominado GOPs que, pela sua diafanidade, pelo seu carácter vácuo e também pelo facto de que é ao lado que estão as opções relevantes, não são grandes opções de coisa nenhuma. As grandes opções têm-se caracterizado não por serem grandes mas, sim, por serem enormemente nulas, por serem grandemente vagas. São apenas grandes na sua inocuidade e na sua inanidade. Ao lado há as opções de verdade: decorrentes dos diversos planos. Então, aí surgem os PRO-DES-RE-DI, o plano energético, os diversos planos sectoriais, um a um elaborados à margem da Assembleia da República.
O Sr. Presidente Rui Machete alertou para um aspecto - e eu gostaria de apurar o entendimento sobre isso - que é o seguinte: numa das leituras possíveis do texto apontar-se-ia para que o plano anual tivesse obrigatoriamente de conter, além das chamadas grandes opções sobre as metas macroeconómicas (com tudo o que isso implica), aquilo a que se passaria a chamai "orientações fundamentais de todos os outros planos"; incluindo os planos regionais e sectoriais, um a um imprescindíveis para a própria execução e definição de política económica.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães como V. Exa. deve ter tido oportunidade de ler, no texto da proposta conjunta, o que cá se encontra é precisamente isso. Refere-se "contém as orientações fundamentais dos planos sectoriais é regionais". Outra coisa é para alterar uma alínea de um plano sectoria ou regional ter que pedir a aprovação da Assembleia da República ou pedir uma autorização legislativa. Não é isso que cá está, Sr. Deputado.
A ideia que expressei aquando da primeira leitura foi a de que me parecia inconveniente que a Assembleia da República ficasse sem poder discutir e até sem conhecer quais eram essas orientações fundamentais dos planos sectorial e regional. É isso que cá está!
Devo dizer que acho muito bem que aqui esteja. Não fui, efectivamente, eu que negociei este texto, mas parece-me que ele traduz a nossa preocupação. Foi nesse sentido que há pouco me expressei. Retiro aquilo que disse inicialmente.
V. Exa. o que desejaria era que cada plano, por mais sectorial que fosse, passasse pela Assembleia da República. Isso, efectivamente, não está cá. Está aquilo que muito claramente decorre do n.° 1 do artigo 91.° da proposta conjunta.
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O Sr. José Magalhães (PCP): - Portanto, o que cá está é a obrigatoriedade de definição anual das orientações fundamentais desses planos sectoriais e regionais, qualquer que seja a sua designação, sejam eles PRO-DES-RE-DI, PDR ou outra coisa qualquer.
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Esse é um aspecto, obviamente, essencial para se medir o alcance desta norma.
O Sr. Presidente: - O declaratário de inteligência e conhecimentos médios chega lá facilmente. V. Exa., que não é um declaratário médio, chega lá, por maioria de razão, mais facilmente.
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Há muitas formas de zurzir. Essa é uma das possíveis. Não atinge o PCP.
A minha pergunta originária marcava o tem de uma preocupação. A preocupação do PCP é saber em que medida é que pode estar consumida a ideia adiantada pelo PS de proibição de a latere do plano serem edificadas, com matriz puramente governamental, realidades de planeamento e instrumentos de planeamento, sob as mais diversas designações. A solução do Partido Socialista ia - e vai, se não for retirada - no sentido da proibição de planos parciais ou específicos e programas que esvaziassem o plano propriamente dito, mesmo com letra pequena - embora no projecto do PS se escrevesse com letra maiúscula -, e obrigava a aprovação pela Assembleia da República.
O Sr. Almeida Santos (PS): - É lapso, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Então é um lapso muito repetido ao longo do texto do Partido Socialista. É um lapso múltiplo! Neste momento o Partido Socialista adere à ideia de que a Assembleia da República só deve aprovar as orientações fundamentais de todos os planos sectoriais e regionais.
O segundo aspecto diz respeito à redacção do preceito do n.° 1 do artigo 91.° Devo dizer que esta redacção deixou-nos bastante perplexos quanto a alguns aspectos. O artigo 91.°-A da proposta do PSD dizia:
O Governo, de acordo com o seu Programa, submeterá à aprovação da Assembleia da República as grandes opções dos planos de desenvolvimento económico e social e os respectivos relatórios de execução.
Repara-se: o artigo 91.°-A do PSD não era o artigo matriz nesta matéria, mas apenas um artigo. Neste caso o facto de os Srs. Deputados signatários terem transposto esta matéria para primeiro artigo da Constituição respeitante, à matéria do planeamento dá este resultado bizarro: é que a norma constitucional que projectam sobre a natureza e objectivos dos planos com minúscula começa com... o Governo. Qualquer leitor médio, deparando-se com a epígrafe "Natureza e objectivos dos planos", espera encontrar como sujeito desta norma os planos. Logo descobre que não: a norma está escrita sob forma de norma de competência, o que é, pelo menos, bizarro. A Constituição tem, neste momento, uma redacção perfeitamente escorreita e rigorosa:
A organização económica e social do País é orientada, coordenada e disciplinada pelo Plano.
Eis que se começa pela enumeração dos objectivos do Plano, desde logo enunciando a sua função organizadora, orientadora e disciplinadora. Neste momento os Srs. Deputados não propõem qualquer norma sobre os planos. Não dizem o que seria normal, "existem planos". O que dizem é que o Governo faz planos, o que é uma coisa totalmente incorrecta, mesmo na vossa própria óptica, porque, como depois se vê, os planos não são só o resultado disso. Os planos são o resultado da actuação concertada da Assembleia da República, que define as grandes opções, do Presidente da República, que as promulga ou não (ou as veta), do Governo, que elabora os ditos planos com minúscula de acordo com as grandes opções e de novo o Presidente da República, que promulga ou veta e por aí adiante. Portanto, é totalmente absurdo, em qualquer lógica, começar esta norma por "o Governo". Este artigo não é o que diz respeito às normas sobre a competência do Governo. Pensávamos que este artigo dizia respeito ao Plano. Deixo à vossa reflexão esta questão da abstrusa redacção, com vista a uma solução que seja minimamente compatível com a natureza deste preceito e com a técnica narrativa que se espera de uma norma deste tipo.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Já estamos na comissão de redacção, Sr. Deputado?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Deputado. Só que às vezes descobre-se que certas coisas não são de redacção, mas, sim, fruto de vício de concepção. É aqui que é preciso fazer a destrinça.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado, quando se fala em Governo pressupõe-se que é um governo democrático, que tem tanta dignidade como qualquer outro órgão.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não foi essa a questão que coloquei, Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Penso que até tem mais dignidade como sujeito do que o Plano. O Plano é uma coisa.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, por esse critério absurdo é evidente que V. Exa. pode reescrever toda a Constituição, utilizando como sujeito o Governo. Não há nenhuma dificuldade: o Governo zelará pela paz, pela boa educação, pela defesa do ambiente nas suas competências, o Governo zelará pela tranquilidade e ordem pública...
O Sr. Almeida Santos (PS): - O Sr. Deputado não vai recusar o seguinte: o Governo, de acordo com o seu Programa, elaborará planos de desenvolvimento económico de médio prazo e um plano anual, na base das grandes opções, que são aprovadas pela Assembleia da República.
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O Sr. José Magalhães (PCP): - Está mal expresso, Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Podemos alterar a ordem: a Assembleia da República aprovará as grandes opções e o Governo elaborará e executará os planos. É esse o seu problema?
O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Deputado Almeida Santos acaba de reconhecer que não é assim. O Sr. Deputado acaba de reconstruir o itinerário da produção dos planos...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado, não diga, então, que devem ser os planos o sujeito. Diga, sim, que o primeiro sujeito deve ser a Assembleia da República porque é a primeira a intervir.
O Sr. José Magalhães (PCP): - E não só, Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Que o segundo sujeito é o Governo, isso parece-me indiscutível. O Plano nem sequer tem a dignidade de sujeito.
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, repare que o absurdo ainda vai mais longe...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não diga que é absurdo, Sr. Deputado.
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - A questão só pode ser avaliada segundo os objectivos que são colocados como meta. Eu alerto para o seguinte: é totalmente incorrecto dizer que o Governo, de acordo com o seu Programa, elabora planos de desenvolvimento económico e social de médio prazo e o plano anual. Creio que há um lapsus calami - que é mais um dos lapsos dos negociadores - na redacção. O próprio PSD no seu artigo 91.°-A dizia: "O Governo, de acordo com o seu Programa, submeterá à aprovação da Assembleia da República as grandes opções." Ó que o Governo faz é propor de acordo com o seu Programa. O Governo elabora de acordo com as grandes opções do plano, tal qual sejam definidas pela Assembleia da República.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Isso está na proposta, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não está, Sr. Deputado. Estou a falar do artigo 91.°
O Sr. Almeida Santos (PS): - Mas isso é o tal problema de saber se se refere primeiro a Assembleia da República ou o Governo. Aí o Sr. Deputado pode ter alguma razão.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não é isso, Sr. Deputado. É um outro aspecto.
O Sr. Almeida Santos (PS): - O que se diz aqui é que a proposta de lei das grandes opções será acompanhada de relatório...
O Sr. José Magalhães (PCP): - A minha pergunta não é essa, Sr. Deputado. O que quero saber é quais são as consequências da mutação de redacção...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não é nenhuma em especial, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O PSD propunha: "O Governo, de acordo com o seu Programa, submete à aprovação". Portanto, propõe à Assembleia da República. Estranho seria que o Governo não tivesse em conta o seu Programa. Outra coisa é V. Exa. dizer: "O Governo, de acordo com o seu Programa, elabora os planos."
Será que o Partido Socialista mudou de posição em relação à questão da natureza jurídica do Programa do Governo?!
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não, Sr. Deputado, pela razão simples de que, desde que o Governo respeite as grandes opções do plano (GOP) pode a partir disso respeitar o seu Programa, e deve fazê-lo. Ele tem é de respeitar as opções. As opções neste caso são só as grandes. Mas depois vêm as médias, as pequenas, e tudo isso deve ser de acordo com o Programa do Governo.
No entanto, poderemos inverter e dizer o seguinte: a Assembleia da República elabora as grandes opções do plano, sob proposta do Governo. O Governo, de acordo com o seu Programa, e respeitando as GOP, executa-o. Pode-se dizer mais ou menos assim.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Isso seria o que fluiria da reconstituição rigorosa e natural do iter legislativo dessa matéria.
Mas não foi para esse aspecto que eu chamei a atenção. Chamei a atenção para a questão de saber se o Partido Socialista, sim ou não - depreendo que não -, concede alguma relevância jurídica autónoma ao Programa do Governo. Por exemplo, qual o valor jurídico de um plano contrário ao Programa do Governo? Suponha o Sr. Deputado que um Programa do Governo propõe que não haja centrais nucleares em Portugal e que o plano de desenvolvimento prevê a construção de centrais nucleares. O Partido Socialista pretende atribuir relevância jurídica ao Programa do Governo?
O Sr. Almeida Santos (PS): - Essa é uma outra forma de vincular o Governo ao respeito pelas atribuições da Assembleia porque o Programa do Governo ou foi objecto de uma apreciação positiva, como agora se propõe, ou pelo menos foi objecto de uma aprovação tácita. Ora, quando o Governo elabora o Plano tem de respeitar em primeiro lugar as GOP e, em segundo lugar, um programa que foi objecto de uma aprovação, senão expressa, pelo menos tácita.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos, não se importa de falar ao microfone?
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O Sr. Almeida Santos (PS): - Falei tão alto que o microfone captou as minhas palavras.
O Sr. Presidente: - Vou pedir ao Sr. Deputado José Magalhães o favor de concluir a sua intervenção para nós sabermos exactamente qual é o seu pensamento e depois passarmos à votação.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, a questão que introduzi era a de saber, tanto da parte do PS como da parte do PSD, se eles entendiam através desta via conceder alguma relevância jurídica autónoma ao Programa do Governo.
Creio que esta é uma questão importante, senão repare-se: estas propostas são novas, e percebo que deputados do PSD que não participam em nenhuma discussão, e não estão interessados nela, achem extremamente horrível que às 19 horas e 30 minutos se esteja a discutir estas matérias. Mas, além do mais, também nos pagam para isto e é isto que devemos fazer. Não concebemos minimamente que não se faça esta discussão.
O Sr. Presidente: - Nós vamos certamente ter que fazer discussões à noite.
O Sr. José Magalhães (PCP): - VV. Exas. anunciaram um calendário e alguns de vós estão obcecados com esse calendário, mas isso não pode prejudicar a discussão.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, uma coisa é discutirmos, outra coisa é inflacionarmos a discussão, e isso não queremos fazer. Pretendemos, sim, discutir.
O Sr. Deputado levantou um problema, foi claríssimo, toda a gente percebeu, e das duas uma: ou não consideramos que as suas considerações são relevantes, e são-no nesta sede, ou entendemos que não são relevantes, e não o são nesta sede. Mas V. Exa. foi claríssimo. Há já cinco minutos que V. Exa. foi extremamente claro, eu já percebi quais são as suas objecções, e naturalmente que elas têm a sua própria valia. Estamos conscientes delas.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Julgo que, se houver alguma possibilidade de melhorar a respectiva redacção sem alterar o seu significado, faremos essa tentativa, nomeadamente no sentido de seguir o iter legislativo. Mas mais do que isso não.
O Sr. Presidente: - Diria que o Sr. Deputado Almeida Santos expressou aquilo que é o nosso próprio entendimento. Nós não emprestamos às observações que V. Exa. fez o significado transcendente que lhes deu. Mas é evidente que não estamos fechados a encontrar alguma fórmula que, sem adulterar aquilo que é o sentido da proposta que fizemos, possa traduzir melhor o iter, digamos, de formação do complexo de decisões que dizem respeito a esta matéria de programas de governo e de planos. Vamos ver se é possível, mas não estamos fechados a isso.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que é positiva a clarificação.
Segundo aspecto: a questão que coloquei sobre a articulação planeamento-Lei do Plano-Programa do Governo é uma questão importante do ponto de vista institucional e político. Talvez eu pudesse especificar...
O Sr. Presidente: - Mas V. Exa. não acha preferível especificar isso quando tratarmos do problema da proposta do Programa do Governo e da sua aprovação nas matérias relativas ao Governo e à Assembleia da República? De facto, é lá que essa matéria tem sido tratada.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Talvez não, Sr. Presidente. Permita-me que enuncie uma pergunta.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Um governo minoritário cujas grandes opções do plano sejam rejeitadas pode fazer o Plano de acordo com o seu Programa?
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não, claro que não. Se o Governo não tiver GOP, não há plano. Tem de apresentar outra proposta. Se não fizer nova proposta, se se recusar a fazê-la, não estarão a funcionar normalmente as instituições, e aí o Presidente da República tem de intervir.
O Sr. Presidente: - Estou de acordo com a resposta que o Sr. Deputado Almeida Santos dá. É o que decorre deste texto.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É que essa noção e essa interpretação seria melhor expressa se fosse tida em atenção a redacção originária do PSD. Foi isso que pretendi situar. De facto, considero que seria totalmente absurdo admitir-se, nessa hipótese, a possibilidade de prevalência sobre a lei de um instrumento elaborado de acordo com um programa de governo nas condições que equacionei. Mas se VV. Exas. entendem que esse é um aspecto que pode ser homogeneizado e adaptado, tendo em conta o quadro constitucional nas outras componentes e a salvaguarda do conteúdo que todos tivemos ocasião de pontuar, que é o compatível com uma leitura saudável das diversas disposições integradamente consideradas aplicáveis - obviamente que suscitada essa questão, porque tinha que o ser nesta sede -, então consideramos que isso é suficiente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, eu não me insurjo nunca quando V. Exa. formula questões, com as quais posso estar de acordo ou não, no sentido das respostas que V. Exa. insinua ou deseja, mas quando elas sejam áticas e pertinentes. Não gosto é da inflação na vida económica nem na vida parlamentar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Octávio Teixeira.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, se me permite, e se estiver nessa disposição, solicitar-lhe-ia um esclarecimento. A discussão está a ser feita, em termos de propostas, acerca dos artigos 91.° e 94.°, ou não?
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O Sr. Presidente: - Está a ser feita sobre os artigos 91.°, 92.°, 93.° e 94.°, porque está tudo em conjunto.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Sr. Presidente, trata-se aqui da interpretação do que é que se pretende dizer. Se V. Exa. estiver disposto a dar-me um esclarecimento, colocar-lhe-ia uma questão.
O Sr. Presidente: - Se o puder dar, fá-lo-ei com muito prazer.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Gostaria de saber se o n.° 2 do artigo 94.° da proposta conjunta PS-PSD está consumido no n.° 2 do artigo 91.°-A do PSD.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Há pouco estávamos a referir isso. Se pudermos recuperar alguma coisa da redacção que torne mais claro que a Assembleia aprova as GOP e que só depois disso é que o Governo pode fazer o Plano, fá-lo-emos.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Não era nessa perspectiva, Sr. Deputado Almeida Santos. Trata-se aqui do problema dos tais estudos preparatórios que se refere na proposta conjunta, ou melhor, trata-se de saber se com base nesses estudos se consome ou não o n.° 2 do artigo 91.°-A do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Octávio Teixeira, respondo-lhe aquilo que disse há pouco. A minha ideia base ao interpretar estes textos, que, aliás, resultaram naturalmente de um compromisso - e neste capítulo preciso que V. Exa. refere que ele foi alcançado sem divergências - entre o PS e o PSD, é esta: as grandes opções do plano têm que ser fundamentadas. Por outro lado, os estudos essenciais que dão corpo e justificam essas opções têm que se apresentados sob pena de não se poder ajuizar do mérito das mesmas.
Evidentemente que isto tem que ser interpretado em termos de razoabilidade. Se V. Exa. - suponho que não é esse o caso - pretendesse que fossem apresentadas as centenas de quilos de estudos, de pormenores, de desenvolvimento, de estudos prévios que hão-de fundamentar as decisões, isso seria absurdo, e nós não o pretendemos, nem ninguém, suponho eu, em termos razoáveis o pode pretender.
O que entendo, e suponho de uma maneira firme que isso está recuperado na proposta conjunta, é que o que interessa é que a Assembleia da República ao apreciar a proposta do Governo e das grandes opções do plano tenha conhecimento das razões fundamentais, das justificações, dos estudos que fundamentam essas propostas, para se saber o que está por detrás disso e se poder ajuizar em conformidade. Como a Assembleia da República ainda por cima não tem, como aliás não têm nenhumas assembleias legislativas - nem podem ter pela sua própria natureza -, o equipamento técnico e os funcionários que tem o Executivo (não podemos duplicá-los), naturalmente que é fundamental que possa, para poder formular um juízo sério, dispor desses estudos base. Foi isso que ficou expresso na nossa proposta relativa ao artigo 91.°-A (suponho que fui eu que a redigi) com base na experiência que temos vivido na Assembleia da República, e foi isso que foi recuperado. Não digo que tenha sido essa a minha proposta, mas foi com certeza o espírito que foi recuperado porque também quer o Partido Socialista quer os meus outros colegas sentem essa necessidade. Portanto, a minha resposta é afirmativa.
O Sr. Octávio Teixeira (PCP): - Agradeço-lhe o esclarecimento, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Vamos, então, passar à votação do artigo 91.°
Vamos começar por votar o n.° 1 do artigo 91.º proposto pelo CDS.
Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PS, do PCP, do PRD e da ID e a abstenção do PSD.
É o seguinte:
1 - O programa económico e social perspectiva a evolução global e sectorial da economia portuguesa para um horizonte de quatro anos, destinando-se a servir de enquadramento orientador para a política económica e social do País e para a sua articulação com as restantes políticas.
Srs. Deputados, vamos votar o n.° 2 do artigo 91.° proposto pelo CDS.
Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PCP e da ID e as abstenções do PSD, do PS e do PRD.
É o seguinte:
2 - Compete à Assembleia da República aprovar anualmente o programa económico e social.
Vamos agora passar a votar a proposta do PRD relativa ao artigo 91.°
Srs. Deputados, vamos proceder à votação do n.° 1 do artigo 91.° proposto pelo PRD.
Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PRD e as abstenções do PSD, do PS, do PCP e da ID.
É o seguinte:
1 - O Plano definirá os objectivos e meios de desenvolvimento económico e social e deverá promover o desenvolvimento harmonioso dos sectores e regiões, a eficiente utilização das forças produtivas, a justa repartição individual e regional do produto nacional, a coordenação da política económica com a política social, educacional e cultural, a preservação do equilíbrio ecológico, a defesa do ambiente e a qualidade de vida do povo português.
Vamos votar o n.° 2 do artigo 91.° proposto pelo PRD.
Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PRD e as abstenções do PSD, do PS, do PCP e da ID.
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É o seguinte:
2 - Haverá um plano anual, sem prejuízo da existência de planos a médio e longo prazos.
Vamos votar agora o n.° 1 da proposta conjunta apresentada pelo PSD e pelo PS para o artigo 91.°
Submetido à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD e do PS, os votos contra do PCP e da ID e a abstenção do PRD.
É o seguinte:
1 - O Governo, de acordo com o seu Programa, elaborará planos de desenvolvimento económico e social de médio prazo e um plano anual que tem a sua expressão financeira no Orçamento do Estado e contém as orientações fundamentais dos planos sectoriais e regionais a aprovar no desenvolvimento da sua política económica.
Vamos votar o n.° 2 do artigo 91.° da proposta conjunta PS-PSD.
Submetido à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS, do PCP e da ID e a abstenção do PRD.
É o seguinte:
2 - Os planos de desenvolvimento económico e social terão por objectivo promover o crescimento económico, o desenvolvimento harmonioso de sectores e regiões, a justa repartição individual e regional do produto nacional, a coordenação da política económica com as políticas social, educacional e cultural, a preservação do equilíbrio ecológico, a defesa do ambiente e a qualidade de vida do povo português.
Vamos passar ao artigo 92.°
O Sr. Almeida Santos (PS): - Quanto ao artigo 91.°-A proposto pelo PSD, o que é que se passa?
O Sr. Presidente: - Foi substituído. Mas esse artigo vem mais a propósito do artigo 94.° e ainda não chegámos lá. Na altura veremos.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Esta nossa proposta foi substituída.
O Sr. Presidente: - Como, aliás, a proposta do PS também foi substituída. Vamos passar ao artigo 92.° Relativamente a este artigo há uma proposta de alteração e uma de aditamento por parte do CDS. As duas propostas do PS e do PSD foram alteradas por duas propostas conjuntas de eliminação. Há também uma proposta do PRD.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, não tivemos ocasião de discutir este aspecto, em concreto, e as propostas de eliminação agora subscritas conjuntamente pelo PSD e pelo PS.
O Sr. Presidente: - Já havia uma proposta de eliminação por parte do PSD.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sim, o facto novo é a adesão do Partido Socialista a essa proposta,...
O Sr. Presidente: - Portanto, é isso que V. Exa. a vai discutir?
O Sr. José Magalhães (PCP): -... sendo certo que o Partido Socialista não tinha proposto nada disso no seu texto originário e em relação a toda esta matéria. Durante o debate da primeira leitura não tinha dado nenhum sinal, nenhuma indicação de disposição para alterar neste ponto a Constituição. O Partido Socialista não teve ocasião de explicar publicamente como é que conseguia enquadrar isto dentro de uma ideia de simplificação. De facto, simplifica-se a vida humana através da guilhotina, por exemplo, mas é quanto a mim um método excessivo...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Porventura vai ser uma das propostas a manter no Plenário.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O Partido Socialista não pode manter esta proposta a partir do momento em que assina uma proposta conjunta de teor radicalmente oposto.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Porque não?
O Sr. José Magalhães (PCP): - É óbvio que não. Não se pode propor e despropor ao mesmo tempo.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sim, por causa da proposta de eliminação. Tem toda a razão.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado, devo dizer que foi com estupefacção que vimos a supressão desta norma, porque é óbvio que nenhuma dúvida sobeja quanto ao carácter indicativo do Plano - com maiúscula, com minúscula, ou assim-assim - em relação a certas entidades do sector público e do privado e cooperativo.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Provavelmente os redactores da proposta conjunta entenderam que deve ser a lei, com maior flexibilidade, a fixar os efeitos e a força jurídica do Plano, ao invés de uma força jurídica definida rigidamente pela Constituição. Suponho que terá sido essa a sua preocupação.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, no presente contexto, e qualquer que seja a leitura que se faça sobre o futuro, tanto sobre a evolução do sistema político, como do sistema partidário, como do sistema de planeamento, isso significa, materialmente e num período curto, não reeditando o debate de hoje, largar o espaço de decisão do legislador ordinário nesta esfera aí onde ele não o tem, o que significa também um recuo não anunciado pelo Partido Socialista.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Recuo não, Sr. Deputado. Temos aqui corrigido algumas das nossas propostas em sentidos os mais diversos. Neste caso o Partido Socialista entendeu não fazer um recuo mas, sim, corrigir urna sua proposta no sentido de não constitucionalizar a força jurídica dos planos. É um ponto de
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vista como outro qualquer. Mudou de opinião entre a apresentação da proposta inicial e o momento em que aceitou, ou, pelo menos, achou preferível obter o acordo relativamente à proposta conjunta do que condicionar a aprovação da mesma à manutenção ou aprovação pelo PSD desta proposta quanto aos n.ºs 1 e 2 do artigo 92:° Tudo isso é normal!
O Sr. José Magalhães (PCP): - A implicação disso é, obviamente, a da remissão para o legislador ordinário da opção sobre a matéria. Isso não implica, como é óbvio, que a única solução possível seja a pior que nós sejamos capazes de imaginar neste momento - e devo dizer que sou capaz de imaginar várias péssimas. Mas faculta ao legislador ordinário uma margem de decisão acrescida nesta matéria...
O Sr. Presidente: - É preciso ter imaginação, Sr. Deputado José Magalhães. Para se pensar em várias soluções péssimas a propósito da força jurídica do Plano é preciso ter alguma imaginação.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Talvez valha a pena tomarmos consciência de que são raras as constituições que são, de algum modo, paralelas à nossa e fixam a eficácia jurídica do Plano. Pode ter sido essa urna das considerações tidas em conta. São muito raras as constituições ocidentais que fixam a forca jurídica do Plano. Por que é que havemos de ser originais?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Excelente argumento, Sr. Deputado Almeida Santos! Não tenho dúvida nenhuma, por exemplo, de que os Pais Fundadores que escreveram a Constituição americana não previram o Plano!
O Sr. Almeida Santos (PS): - Previram a pirataria, o uso e porte de armas, que eram na altura os problemas importantes do país.
O Sr. José Magalhães (PCP): - E também previram irreversivelmente a abolição da escravatura, mas a questão não é essa. A questão é que esta Constituição, tendo sido elaborada no quadro que de todos é conhecido, tendo absorvido experiências e realidades e tendo plasmado tudo isso constitucionalmente, não foi alheia nem indiferente a esse aspecto. Nesse quadro a componente definitória constitucional da força jurídica do Plano não é irrelevante. É relevante para a construção coerente da arquitectura constitucional!
O Sr. Almeida Santos (PS): - Como também não será irrelevante quando for fixada pelo legislador ordinário. Será é menos rígida.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, eu não quero conceber a hipótese verdadeiramente improvável de um governo tornar imperativo o Plano para o sector privado!
O Sr. Almeida Santos (PS): - Talvez, Sr. Deputado. Por que não?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Suponho que também não foi por essa razão que o Partido Socialista esteve de acordo com a inclusão desta norma.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Se o seu partido chegar ao Governo, talvez, Sr. Deputado.,
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não consta do programa do PCP e não creio que a hipótese de tornar o plano imperativo para o sector privado seja a que mais fascina o PSD...
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Manifestamente não, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Em todo o caso, é óbvio que VV. Exas., tornando branca a Constituição neste ponto, criam uma situação, no mínimo, ambígua e de indefinição...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Tornamos tinta a lei ordinária, Sr. Deputado.
Risos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Belo tema de humor! Em suma, Sr. Presidente, esta é a alteração não anunciada, aquela que desmente, por completo, aquilo que era até agora a teoria anunciada pelo Partido Socialista em matéria de planeamento (leiam-se os programas eleitorais, companha após campanha!).
O Sr. Almeida Santos (PS): - Contradiz os títulos do Gabriel Garcia Marquez!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Completamente, Sr. Deputado! Os escritos do Gabriel Garcia Marquez são, aliás, excelentes! O problema são os péssimos escritos do secretário-geral cessante do PS, Vítor Constâncio, o problema são as declarações do congresso, o problema são todas as declarações com que o PS se apresentou ao eleitorado, o problema são as declarações públicas feitas na Assembleia da República, o problema são os debates do Plano em que todos os anos o Partido Socialista chora o facto de o Governo subverter as normas nesta matéria e de o plano não ser Plano...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Vocês vão explorar isso na próxima campanha eleitoral e vão ganhar-nos uma série de votos.
Risos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Riam, riam! Sr. Presidente, esta norma está ínsita na preocupação do PSD de suprimir barreiras constitucionais para a sua acção governativa. O facto de ter associada a assinatura e a votação do Partido Socialista tem um grave significado, que com esta intervenção pretendemos assinalar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, gostaria de lhe pedir que mudasse o nosso voto em rela-
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cão à votação anterior sobre o n. ° 2 do artigo 91.° da proposta conjunta do PS e do PSD. Também gostaria de participar nessa unanimidade.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado. Isso será tido em consideração.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Não há mais inscrições, Srs. Deputados?
Pausa.
Como não há mais incrições, vamos proceder à votação do n.° 1 do artigo 92.° proposto pelo CDS.
Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD, do PS, do PCP e da ID e a abstenção do PRD.
É o seguinte:
1 - Os investimentos do sector público são orientados, coordenados e disciplinados pelo plano de investimento do sector público.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do n.° 2 do artigo 92.° proposto pelo CDS.
Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD, do PS, do PCP, do PRD e da ID.
É o seguinte:
2 - A estrutura do Plano compreende:
d) Plano a médio/longo prazo, que contém programas de acção globais, sectoriais e regionais para o período da sua vigência;
b) Plano anual, que constitui a base fundamental da actividade do Governo no domínio dos investimentos públicos e tem a sua expressão financeira no Orçamento do Estado.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação do n.° 3 do artigo 92.° proposto pelo CDS.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, esse n.° 3 não deveria ser votado agora, porque, segundo a vossa leitura, a norma do artigo 94.° rege todos esses aspectos. A não ser que se abstenham, é um pouco absurdo votar agora este n.° 3.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, compreendo o sentido da sua observação, mas é mais simples fazermos agora esta votação.
Srs. Deputados, vamos então proceder à votação do n.° 3 do artigo 92.° proposto pelo CDS.
Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado as abstenções do PSD, do PS, do PCP, do PRD e da ID.
É o seguinte:
3 - Compete à Assembleia da República aprovar as grandes opções correspondentes a cada plano e apreciar os respectivos relatórios sobre as grandes opções globais e sectoriais, incluindo a respectiva fundamentação, com base nos estudos preparatórios.
Srs. Deputados, vamos passar à votação do n.° 1 do artigo 92.° proposto pelo PRD.
Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD, os votos a favor do PRD e as abstenções do PS, do PCP e da ID.
É o seguinte:
1 - O Plano tem carácter imperativo para o sector público estadual e carácter indicativo para os demais sectores.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação do n.° 2 do artigo 92.° proposto pelo PRD.
Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PRD e as abstenções do PSD, do PS, do PCP e da ID.
É o seguinte:
2 - O Orçamento do Estado deve conformar-se com as opções do Plano em vigor para o ano a que respeite.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação da proposta de eliminação do artigo 92.° apresentada conjuntamente pelo PS e pelo PSD.
Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD e do PS e os votos contra do PCP, do PRD e da ID.
Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, vou ter de me ausentar, mas como já são quase 20 horas não vou pedir um intervalo regimental de quinze minutos. Assim, pergunto ao Sr. Presidente e aos Srs. Deputados se não seria melhor terminarmos agora a nossa reunião.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Raul Castro, eu, em particular, estou muito preocupado com o andamento dos trabalhos. Penso que não podemos prejudicar a discussão, mas vai ser inevitável que a partir da próxima semana tenhamos de reunir à noite. Creio que devíamos gerir o nosso tempo de forma mais eficaz e produtiva.
Ainda estamos longe das 20 horas...
O Sr. Raul Castro (ID): - Faltam vinte minutos, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Nós faremos o que V. Exa. pedir, mas a verdade é esta: nós temos vindo a discutir estas matérias, umas vezes temos beneficiado da presença de V. Exa. e outras não. V. Exa. ponderará, mas, se insistir, nós iremos conceder-lhe o adiamento.
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O Sr. Raul Castro (ID): - Eu insisto, Sr. Presidente, porque, inclusivamente, creio quE até às 20 horas pouco ou mais se ia adiantar, visto que faltam apenas vinte minutos.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos então fazer assim: em relação ao artigo 93.° há uma proposta de eliminação apresentada pelo CDS, uma proposta de eliminação conjunta do PS e do PSD e uma outra proposta de eliminação do PRD.
Portanto, neste momento temos na mesa três propostas de eliminação.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, a novidade deste quadro que V. Exa. acaba de retratar é a decorrente da adesão do Partido Socialista à proposta originária do PSD. Por sua vez, o PSD alterou a sua posição quanto a alguns dos aspectos co-envolvidos nesta norma...
O Sr. Presidente: - O tal declaratário médio apercebeu-se, com certeza, disso.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto, Sr. Presidente. Do que o intérprete médio não se apercebeu foi das razões. Era para esse aspecto que eu chamava a atenção. O Sr. Presidente Rui Machete, em 26 de Junho, teve ocasião de sublinhar, a propósito do debate do artigo 105.°, que, na óptica do PSD, o próprio plano anual deveria desaparecer. Ora, sucede que na óptica do PSD o plano anual não deve nada desaparecer, mas o artigo 91.°, para o qual ficou agora indiciada uma aprovação consensual, aponta precisamente para a existência de um plano anual.
O Sr. Presidente: - Os compromissos significam que temos de ceder nalguns pontos, Sr. Deputado, para tentar encontrar soluções favoráveis noutros.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Então, foi esse o significado do compromisso com o Partido Socialista.
No entanto, a grande alteração nesta matéria é o que diz respeito ao facto de o Partido Socialista aderir à ideia de que a Constituição não deve definir a estrutura do Plano. No seu projecto de revisão constitucional e publicamente, o PS admitiu uma redefinição dos termos da definição constitucional da estrutura do Plano. Surge agora, inopinadamente, aderindo à ideia da eliminação, portanto faz sua a proposta do PSD.
O Sr. Almeida Santos (PS): - O PSD defendia, inclusive, a eliminação do plano anual. Nós mantinha-mos os três planos. Há, obviamente, uma recíproca transigência no sentido de manter o anual e o a médio prazo. Desapareceu tão-só o a longo prazo.
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Portanto, o Sr. Deputado Almeida Santos entende que está consumida a parte útil do projecto do PS?
O Sr. Almeida Santos (PS): - Exacto, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Na parte do a longo prazo não está, Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Nós já dissemos isso, Sr. Deputado. Aliás, ao longo de todos estes anos tivemos um plano a longo prazo. Todos os partidos pactuaram com essa realidade, a qual está traduzida, de algum modo, nesta proposta.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Portanto, para além da não menção específica aos planos a longo prazo, há também a não definição constitucional do conteúdo de cada um dos planos que sobejam nessa elencagem.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Parece-me que já ouvi algo semelhante hoje...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Os objectivos do Plano estão definidos no n.° 2 do artigo 91.° São os valores que deve promover.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não estava a referir-me a isso, mas, sim, à definição da estrutura. Portanto, não há, ao contrário do que acontecia no projecto do PS, nenhuma norma definitória quanto ao que deve ser a estrutura do plano anual e do plano a médio prazo.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Tudo isto prova que os objectivos do PCP são diferentes.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Mesmo assim ainda ficará como uma das Constituições ocidentais com mais extensas referências à planificação.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O que não impede que se assinale as que são eliminadas com o voto do PS.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Não há mais inscrições, Srs. Deputados.
Pausa.
Como não há mais inscrições, vamos proceder à votação.
Só existem propostas de eliminação apresentadas, respectivamente, pelo CDS, pelo PS e pelo PSD, em conjunto, e pelo PRD.
Vamos proceder à votação das propostas de eliminação do artigo 93.° apresentadas pelo CDS, pelo PS e pelo PSD e pelo PRD.
Submetidas à votação, obtiveram a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS e do PRD e os votos contra do PCP e da ID.
Srs. Deputados, vamos terminar, a pedido da ID, os nossos trabalhos.
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Recomeçaremos amanhã, às 10 horas, com o artigo 4.°, e a seguir iremos analisar a política agrícola e a reforma agrária.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião.
Eram 19 horas e 45 minutos.
Comissão Eventual para a Revisão Constitucional
Reunião do dia 26 de Janeiro de 1989
Relação das presenças dos Srs. Deputados
Rui Manuel P. Chancerelle de Machete (PSD).
Carlos Manuel de Sousa Encarnação (PSD).
António Costa de Sousa Lara (PSD).
José Augusto Ferreira de Campos (PSD).
José Luís Bonifácio Ramos (PSD).
Licínio Moreira da Silva (PSD).
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD).
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Maria da Assunção Andrade Esteves (PSD).
Mário Jorge Belo Maciel (PSD).
Miguel Bento da Costa Macedo e Silva (PSD).
Pedro Manuel da Cruz Roseta (PSD).
Manuel António de Sá Fernandes (PSD).
António de Almeida Santos (PS).
António Manuel Ferreira Vitorino (PS).
Jorge Lacão Costa (PS).
José Manuel dos Santos Magalhães (PCP).
António Alves Marques Júnior (PRD).
Raul Fernandes de Morais e Castro (ID).
ANEXO
Proposta de aditamento ao artigo 90.°
Propõe-se aditar entre "efectiva" e "dos trabalhadores" a expressão "e crescente".
Os Deputados do PCP: José Magalhães - Octávio Teixeira.