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Quinta-feira, 11 de Maio de 1989 II Série - Número 101-RC
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1988-1989)
II REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
ACTA N.° 99
Reunião do dia 2 de Março de 1989
SUMÁRIO
Procedeu-se a nova discussão e à votação dos artigos 231.°, 232.° e 235.° e respectivas propostas de alteração e de substituição e das propostas de artigos novos - 230.°-A e 230.°-B - constantes do projecto n. 10/V.
Iniciou-se a nova discussão e a votação dos artigos 230.°, 233.º e 234.° e respectivas propostas de alteração e de substituição.
Durante o debate intervieram, a diverso título, para além do presidente, Rui Machete, pela ordem indicada, os Srs. Deputados Guilherme da Silva (PSD), José Magalhães (PCP), Almeida Santos (PS), Mário Maciel (PSD), Carlos César (PS), Mota Torres (PS), Helena Roseta (Indep.), António Vitorino (PS), Marques Júnior (PRD), Raul Castro (ID) e Pedro Roseta (PSD).
Foram os seguintes os resultados das votações realizadas: propostas de eliminação do artigo 230.° constantes dos projectos n.°s 4/V (PSD) e 10/V (deputados Carlos Lélis, Cecília Catarina, Guilherme da Silva e Jardim Ramos, do PSD) - não obtiveram a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD e os votos contra do PS e do PCP; n.° 1 do artigo 230.°-A constante do projecto n.° 10/V - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD, do PS e do PCP e os votos a favor dos deputados Carlos Lélis, Mário Maciel, Guiherme da Silva e Cecília Catarino (PSD); n.° 2 do artigo 230.°-A constante do projecto n.° 10/V - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor dos deputados Carlos Lélis, Mário Maciel, Guilherme da Silva e Cecília Catarino (PSD) e as abstenções do PSD, do PS e do PCP; artigo 230.°-B constante do projecto n.° 10/V - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PS e do PCP, os votos a favor dos deputados Carlos Lélis, Cecília Catarino, Guilherme da Silva e Mário Maciel (PSD) e as abstenções do PSD e do deputado Mota Torres (PS);
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n.° 2 do artigo 231.° constante do projecto n.° 10/V - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor dos deputados Carlos Lélis, Cecília Catarino e Guilherme da Silva (PSD) e as abstenções do PSD, do PS, do PCP. do PRD e da ID; proposta de substituição (aditamento) do n.° 1 do artigo 231.° apresentada pelo deputado Mota Torres (PS) - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD, os votos a favor do PCP, do PRD, da ID e dos deputados Mota Torres e Carlos César (PS) e a abstenção do PS; proposta de substituição (aditamento) do n.º 2 do artigo 231.° apresentada pelo deputado Mota Torres (PS) - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra dos deputados Mário Maciel, Cecília Catarino, Guilherme da Silva e Carlos Lélis (PSD), os votos a favor dos deputados Mota Torres e Carlos César (PS) e as abstenções do PSD, do PS, do PCP, do PRD e da ID; n.° 1-A do artigo 232.° proposto pelo PCP - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PCP, do PRD e da ID e as abstenções do PSD e do PS; n.º 2 do artigo 232.º proposto pelo PS - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PS, do PCP, do PRD e da ID e as abstenções do PSD e dos deputados Moía Torres e Carlos César (PS); n.° 5 do artigo 232.° proposto pelo PS - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PS, do PCP, do PRD e da ID e as abstenções do PSD e do deputado Moía Torres (PS); n.ºs 1 e 2 do artigo 232.° proposto pelo PSD - não obtiveram a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD e as abstenções do PS, do PCP, do PRD, da ID e do deputado Mário Maciel (PSD); propostas de eliminação do artigo 232.° constantes dos projectos n.°s 6/V (deputada Independente Helena Roseta) e 10/V (deputados Carlos Lélis, Cecília Catarino, Guilherme da Silva e Jardim Ramos, do PSD) - não obtiveram a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD, do PS, do PCP, do PRD e da ID, os votos a favor do deputados Mário Maciel, Cecília Catarino, Guilherme da Silva, Carlos Lélis (PSD) e Moía Torres (PS) e a abstenção do deputado Pedro Roseta (PSD); n.° 2 do artigo 232.° e n.° 2 do artigo 233.° constantes do projecto n.° 10/V - não obtiveram a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PS, do PCP e do PRD, os votos a favor dos deputados Guilherme da Silva, Cecília Catarino, Carlos Lélis e Mário Maciel (PSD) e a abstenção do PSD; proposta de n.º 2 do artigo 232.° apresentada pelo deputado Carlos César (PS) - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado o voto a favor do deputado Carlos César (PS) e as abstenções do PSD, do PS, do PCP e do PRD; n.ºs 3 e 4 do artigo 233.° proposto pelo PSD - não obtiveram a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, os votos contra do PCP e as abstenções do PS e do PRD; n.° 4 do artigo 233.° constante do projecto n.° 10/V - não obteve a maioria dejdois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor dos deputados Mário Maciel, Cecília Catarino, Carlos Lélis e Guilherme da Silva (PSD), os votos contra do PRD e as abstenções do PSD, do PS e do PCP.
Em anexo à presente acta são publicadas duas propostas de substituição do artigo 231.°, apresentadas pelo deputado Mota Torres (PS), e uma proposta de substituição do artigo 232.°, apresentada pelo deputado Carlos César (PS).
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O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Srs. Deputados, tínhamos ficado no artigo 230.°, relativamente ao qual chegou a ser feita uma espécie de votação, mas os Srs. Deputados anunciaram que iriam fazer a tentativa de apresentar uma proposta.
O Sr. Deputado Guilherme da Silva produziu uma proposta milagrosa, ou quer mais tempo?
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Sr. Presidente, a proposta que tenho é no sentido de se dar uma redacção ao artigo 230.° que não a conote directamente com as regiões autónomas, mas sim em termos genéricos de uma referência a todas as entidades públicas. Nessa medida, levanta-se-me uma questão de integração sistemática desta minha proposta, pelo que tinha uma questão prévia a levantar - a de saber se não seria mais adequado, na sequência dos direitos, liberdades e garantias, uma disposição que impedisse que toda e qualquer entidade, e não exclusivamente regiões autónomas, pudessem tomar estas posições, que, contrariam, aliás...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, só em face de uma redacção concreta, o que a mim se me afigura muito difícil. Por hipótese, dizer: "Nenhuma autoridade poderá restringir os direitos legalmente reconhecidos aos trabalhadores", parece-me só fazer sentido se for, na verdade, em relação às regiões autónomas pois aqui, em relação às autoridades do continente, que significado é que isso tem? É que se incluirmos a competência legislativa dos órgãos centrais, claro que tem de ter competência para restringir! Mas se o problema se põe fora da competência legislativa desses órgãos todos têm de respeitar a lei e ninguém pode restringir direitos reconhecidos por lei. Assim, isto só tem sentido se for em relação a uma entidade que tenha, ela própria, competência legislativa numa determinada área, que são as regiões autónomas.
Em segundo lugar, relativamente ao trânsito de pessoas, também seria um pouco absurda uma norma dessas na Constituição. Já cá está uma norma que diz que todos os portugueses têm o direito de circular livremente, de entrar e sair. A norma proibitiva de restringir esse direito não tem sentido se não for aplicável apenas às regiões autónomas. Também a alínea c) carece de sentido se não for relativa às regiões autónomas e não vejo como é que o Sr. Deputado consegue, com todo o seu talento, produzir uma redacção aceitável. Vamos votar as eliminações. Se, entretanto, o Sr. Deputado conseguir produzir uma proposta conveniente, estaremos abertos a discuti-la.
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Sr. Presidente, lembro a V. Exa. que a Constituição espanhola tem uma norma similar, mas que está, efectivamente, formulada habilmente. Fala na organização territorial do Estado em geral - é nesse capítulo que está inserido - e que diz:
1 - Todos os espanhóis têm os mesmos direitos e obrigações em qualquer parte do território do Estado.
2 - Nenhuma autoridade poderá adoptar medidas que, directa ou indirectamente, obstem à liberdade de circulação e ao estabelecimento das pessoas, livre circulação de bens, em todo o território espanhol.
Ora, esta formulação fala em medidas em geral e não apenas legislativas, como parece estar um pouco implícito no actual artigo 230.° - o que o Sr. Presidente referiu e bem. Por consequência, passa a ter um universo de aplicações bastante maior do que o do actual artigo 230.° e tira realmente esta suspeição e este ferrete...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, embora me pareça que a redacção é difícil, não estamos a vedar-lha. O Sr. Deputado produzirá a redacção que entender, mas, entretanto, vamos votar a eliminação. Como iremos votar contra, o artigo não será eliminado, ficando aberta a porta à apresentação de uma proposta de substituição.
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Com certeza, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Vamos, então, votar o artigo 230.°, relativamente ao qual existem duas propostas de eliminação apresentadas pelos Srs. Deputados da Região Autónoma da Madeira subscritores do projecto n.° 10/V e pelo PSD.
Submetidas à votação, não obtiveram a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD e os votos contra do PS e do PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, gostaria tão-só de registar, uma vez que no contexto do debate precedente isso não foi possível, que não deixa de ser insólito - ainda que isso possa vir a ser mitigado por alguma proposta apresentada agora pelo Sr. Deputado Guilherme da Silva - que não tenham tido aqui eco os resultados da reflexão feita no quadro da Assembleia Regional dos Açores, reflexão essa que tinha culminado com uma conclusão que no relatório que nos foi remetido está expressa numa frase:
Por unanimidade a Comissão é de parecer que é de manter o artigo 230.° A sua eliminação podia ter um significado político que não é pretendido.
Assim diz o relatório, muito curialmente e aquilo que agora me parece ser intenção do Sr. Deputado Guilherme da Silva não é a alteração do conteúdo, mas apenas a generalização daquilo que sendo e continuando a ser proibido neste momento está aferido apenas às autoridades regionais e deixaria de o estar, para abranger todas as autoridades.
O Sr. Presidente: - Exacto.
O Sr. José Magalhães (PCP): - E se essa alteração fosse consensualizadora, pacificadora e simultaneamente não alterasse o conteúdo perceptivo vigente deste artigo, estaríamos dispostos a considerá-la. Mas é óbvio que teríamos de ver a redacção. Não parece fácil.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, depois veremos isso em função da redacção concreta. De qualquer modo, não é a primeira vez que os proponentes propõem a eliminação deste artigo. A eliminação já foi votada na anterior revisão e foi recusada. Aliás, a delegação da Região Autónoma dos Açores que aqui se deslocou pronunciou-se no mesmo sentido depois da nossa recusa, de qualquer espécie de abertura à proposta de eliminação.
Srs. Deputados, vamos então votar o artigo 230.°-A apresentado pelos Srs. Deputados da Região Autónoma da Madeira.
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Sr. Presidente, queria apenas dar um pequeno esclarecimento ao Sr. Deputado José Magalhães relativamente à intenção da proposta que vou elaborar relativamente ao artigo 230.° É que penso estarmos todos de acordo, no sentido de que o que o artigo 230.° estabelece está já salvaguardado na parte da Constituição dos direitos, liberdades e garantias, mas, infelizmente, na minha opinião, entendeu-se, no artigo 230.° reforçá-lo especificamente no que respeita às regiões autónomas.
Ora, pelas razões que acabo de referir, a minha posição e. portanto, aquilo que eu pretenderia é, efectivamente - e consta do projecto n.° 10/V -7, a sua eliminação. Mas, uma vez que essa solução não atingiu o consenso necessário, eu prefiro, nesse caso, a sua substituição por uma fórmula que seja genérica e que abranja todas as outras entidades que não apenas, exclusivamente, as regiões autónomas. É que não faz sentido que a Constituição, que deve ser algo em que se tenha uma postura de equidade institucional, crie aqui esta situação de suspeição exclusivamente às regiões autónomas. É este o sentido da minha proposta e penso que esclareci o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. Presidente: - "Haverá nas regiões autónomas uma organização judicial específica definida por lei da Assembleia da República." "Os estatutos das regiões autónomas estabelecem as condições e formas da sua participação no estabelecimento da divisão judicial do território, com respeito pela unidade e independência do poder judicial."
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de perguntar aos proponentes se entendem que faz sentido manter esta proposta, face ao saldo do debate que ontem travámos e às perspectivas de eventual alteração da posição de abstenção do PSD em relação a uma proposta do PCP que dá resposta à preocupação, na parte em que é acolhível, que os Srs. Deputados também procuram aqui exprimir. Evidentemente, não se dá resposta a essa preocupação, na parte em que ela não pode ser acolhida, por razões que também ficaram expressas ontem durante o debate.
Se fosse possível estabelecer um consenso com efeitos adequados em sede de Revisão Constitucional em torno da ideia que ontem pudemos abordar, seria pelo menos penoso ou inútil submeter a sufrágio um texto como este, até porque ele está imbuído de um conteúdo que não pode deixar de ser correlacionado com o decorrente das vossas propostas em relação ao artigo 229.°; propostas essas que implicavam uma possibilidade de delegação na assembleia regional de poderes normativos nestes domínios, domínios que, como sabem, são da reserva da República e que têm de o continuar a ser tal como outras funções, designadamente a defesa nacional e segurança interna.
Fazia esta pergunta porque nos pareceria incómodo, pelo menos, ter de exprimir pelo voto negativo alguma coisa que pode ser expressa positivamente lá atrás.
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, em parte, penso estar a referir-se à circunstância de estar pendente a eventual criação da figura das autorizações legislativas às assembleias regionais.
O Sr. Presidente: - Não, está a referir-se à proposta sobre a qual o PSD anunciou a possível revisão do seu voto, proposta essa em que se diz que a administração da justiça será desburocratizada, tendo nomeadamente em conta a preocupação de aproximação das populações, nomeadamente no caso da insularidade.
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, tanto quanto sei, a proposta a que o Sr. Deputado se refere foi votada ontem e o PSD absteve-se embora com a reserva de, eventualmente, rever a sua posição. Nesse contexto e reconhecendo que as duas propostas têm bastante conexão, o que proporia era o adiamento da votação da proposta aqui formulada e não propriamente retirá-la.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não me parece valer a pena porque também não adiámos a outra proposta. Penso é que, dada a posição do seu partido relativamente à outra proposta, que é ela mesma dubitativa numa matéria em que estão em causa alguns dos problemas que aqui se põe, o máximo que podemos fazer - e contribuirei para isso - é tentarmos convencer o PSD a cumprir a promessa de votar a favor da proposta anterior. Eis uma porta para se tomar em conta o problema da insularidade. Mais do que isso, não poderemos votar. Nesta formulação nunca a poderemos votar.
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Faremos o aproveitamento disto.
O Sr. Presidente: - Eu farei também o possível para que o PSD vote essa proposta.
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Sr. Presidente, mas eu não retiraria esta proposta por essa razão.
O Sr. Presidente: - Mas adiar esta é que não vale a pena.
Srs. Deputados, vamos votar o n.° 1 do artigo 230.°-A proposto pelos deputados das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores, subscritores do projecto n.° 10/V.
Submetido à votação, não obteve a 'maioria de dois terços 'necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD, do PS e do PCP e os votos a favor dos depu-
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tados Carlos Lélis (PSD), Cecília Catarina (PSD), Guilherme da Silva (PSD) e Mário Maciel (PSD).
É o seguinte:
1 - Haverá nas regiões autónomas uma organização judicial específica definida por lei da Assembleia da República.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, antes de fazer votar o n.° 2, permita-me que procure evitar um efeito perverso.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Eu, há pouco, não coloquei uma questão que todavia deve ser equacionada e que tem sempre a ver com os efeitos perversos das aprovações e rejeições que aqui temos, escrupulosamente, procurado evitar. Isso pode através de declarações, como é óbvio, mas temos admitido que se evite em certos casos através da não submissão a votação de certas propostas.
Chamo a vossa atenção em relação a esta proposta para o seguinte: é da competência das regiões autónomas e será - e esse é um aspecto irreversível - o facto de estas serem consultadas pelos órgãos de soberania, relativamente a todas as questões de competência dos órgãos de soberania que lhes digam respeito. Por consequência, chamo a vossa atenção para a menor justificação que é propor, em letra de forma, o que aqui consta do n.° 2 e que é uma decorrência de um direito já consagrado. É que a vossa proposta não tem viabilidade, não será aprovada...
O Sr. Presidente: - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Dr. Almeida Santos, repare que, em qualquer caso, não tem efeito perceptivo vinculativo, como é óbvio. Nesta matéria, quando chegar a hora de traçar, por exemplo, o mapa da divisão judicial do território, os órgãos de soberania, neste caso até a Assembleia da República e em certa medida o Governo, exercem as suas prerrogativas e não seria inconstitucional, evidentemente, uma solução que excedesse, ou alterasse, ou não tivesse em conta o próprio juízo das regiões, sobre essa divisão.
O Sr. Presidente: - Estão conscientes de que o problema se põe. Querem retirar a proposta ou vamos votá-la?
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Vamos mante-la, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Vai então proceder-se à votação do n.° 2 do artigo 230. °-A constante do projecto n.° 10/V.
Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor dos deputados Cecília Catarino (PSD), Carlos Lélis (PSD), Mário Maciel (PSD) e Guilherme da Silva (PSD) e as abstenções do PSD, do PS e do PCP.
É o seguinte:
2 - Os estatutos das regiões autónomas estabelecem as condições e formas da sua participação
no estabelecimento da divisão judicial do território, com respeito pela unidade e independência do poder judicial.
Vozes..
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente, Rui Machete.
O Sr. Presidente (Rui Machete): - Vamos passar ao artigo 230. °-B do projecto n.° 10/V. Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, talvez por lapso, ontem não foi discutida a matéria com a qual esta está correlacionada. Se tiverem em atenção a reflexão que sobre esta matéria nos foi transmitida em tempos, pela Assembleia Regional da Madeira (renovada pela tão citada Resolução n.° 1/89/M publicada há dias no Diário da República) a preocupação que preside a esta proposta encontra-se enunciada sob a designação geral "A devolução de funções estaduais."
É nesse contexto que os Srs. Deputados regionais têm vindo a salientar ou a desenhar o seguinte pensamento: historiam o processo através do qual foram feitas transferências para a administração regional de certas funções até aí exercidas por órgãos de soberania e por serviços deles dependentes; registam também a transferência de serviços periféricos e registam a seguir, o que é já um juízo político, o seguinte: "[...] mas há um sector onde se tem verificado uma persistente resistência à devolução de poderes, é o do Ministério da Justiça, com evidente prejuízo das populações, obrigadas inexplicavelmente a suportar as inevitáveis incomodidades e delongas, consequentes da grande distância que separam os centros de decisão dos acontecimentos, também por isso mesmo, quantas vezes mal avaliados [...]", e segue-se uma descrição da situação judiciária da região.
O Sr. Presidente: - V. Exa. falou da "justiça"? Mas a "justiça" discutimos no artigo 230.°-A, não foi?
O Sr. José Magalhães (PCP): - É, Sr. Presidente. Só que eu estou a aludir a um passo do texto que no ponto 5, sob a epígrafe "A devolução de funções estaduais", alude à função "Justiça", considerando-a, aliás, transferível, opção inaceitável em si mesma significativa e, permita-se-me, bizarra; para a seguir concluir com este exemplo, que me parece particularmente infeliz - porque se trata de uma função insusceptível de devolução, precisamente. Diz-se: "esse estado de coisas recomendaria a inscrição no texto constitucional de norma que expressamente obriga à transferência de poderes para as regiões autónomas, sem quebra de unidade nacional, nos termos em casa caso considerados convenientes [alínea é) do artigo 229.°], o que possibilitará (possibilitaria!) quando haja fundamento, a declaração de inconstitucionalidade por omissão ao abrigo do artigo 283.° da Constituição. Concomitantemente, deverá ser excluída como exige, aliás, a dignidade do Estado e da autonomia, a reversão para o Estado das competências dos serviços e bens transferidos para as regiões, sem prévio parecer favorável das pertinentes assembleias legislativas".
O Sr. Almeida Santos (PS): - Uma conquista irreversível dos Açores e da Madeira!
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O Sr. José Magalhães (PCP): - Adianta-se a ideia de que há mais devoluções a fazer (e de que uma dessas devoluções devia ser a "Justiça", coisa que de facto não é justa e não é compatível com o próprio desenho das funções do Estado e da arquitectura do Estado, constitucionalmente estabelecida) e fixa-se, como outro parâmetro, a probição de reversão. O que vos pergunto é, o que é que legitima este juízo de suspeiçâo para utilizar um argumento que vos é querido e familiar. O que é que coloca no horizonte da nossa circunstância histórica, como realidade e perigo a debelar, a necessidade de proibir aquilo que aqui se chama, "a reversão", num processo que tem sido caracterizado pela devolução de funções ponto a ponto, função a função, onde há possibilidade de o fazer, como é óbvio (porque em relação a certas funções, isso, pura e simplesmente, não é possível). E mais: o que é que vos leva a fazê-lo quando sabem que essa norma, essa proposta, não tem - como revelou a primeira leitura - viabilidade para reunir um consenso maioritário que permita a sua consagração constitucional?
Aquilo que se desenha é a sua rejeição e, então, os Srs. Deputados vão contribuir para clarificar negativamente um aspecto que desejariam pelo menos- clarificar no sentido contrário. Eu pergunto-vos se faz sentido, nesta segunda leitura, submeter a votação um preceito nestas condições. Parece-me que é um mau serviço prestado às autonomias!
O Sr. Presidente: - Pedia-vos, e é evidente que o pedido tem eficácia retroactiva, do ponto de vista, pelo menos da "Justiça", que fossem sucintos nesta matéria, que já foi amplamente objecto de análise.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme da Silva, se bem que esta observação não de destine especialmente a V. Exa.
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Sr. Deputado José Magalhães, em resposta à questão mais saliente que o Sr. Deputado colocou - a quem é dirigida esta suspeiçâo (utilizando a sua expressão, que não a minha, neste caso concreto), relativamente ao artigo 230.°-B do projecto lei n.° 10/V; primeiro que tudo, a "suspeiçâo", ou seja este artigo 230. °-B, é uma cautela perante o espírito centralista de partidos responsáveis.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Do PSD, portanto?
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Se o considera o seu maior responsável. Eu penso que tem de procurar encontrar a responsabilidade noutro, mas não queria fazer essa descriminação.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas quem é que ameaça de reversão os bens transferidos? É o PSD? É o Ministro Cadilhe? Quem é?
Vozes.
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Eu disse que era uma atitude de cautela. Aliás, isto tem precedentes. O seu partido, por exemplo, bate-se por soluções desse tipo relativamente às chamadas "conquistas da Revolução", nós batemo-nos relativamente às "conquistas da autonomia". Estamos a seguir um bom exemplo, ou não será?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, não é. Neste caso, não é!
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Pronto, já sabemos que os senhores também dão maus exemplos. E nós nem sempre seguimos os melhores. Paciência!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Aliás, imitar é mau, é preciso ter imaginação!
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Relativamente às implicações que o Sr. Deputado José Magalhães esteve aqui a referir, pela leitura que faz do texto, introduz neste normativo aprovado pela Assembleia Regional da Madeira, penso que a sua leitura tem sempre o perigo das leituras fora do seu contexto. E se verificar, designadamente, a proposta que se contem no artigo 230.°-A, terá a confirmação de que o problema que se põe aqui, a referência que se faz, relativamente aos fins do Ministério da Justiça, que é uma área onde se tem encontrado maior resistência, quanto à transferência de competências, relativamente à regionalização, terá a clarificação de que isto supõe, tão-só, os serviços administrativos do Ministério da Justiça e não a organização judiciária em si. Esta não está veiculada, designadamente, nas nossas propostas. Em relação à organização judicial, não há da nossa parte nenhuma intenção de uma organização judiciária que não esteja integrada, articulada com a organização judiciária nacional. Há sim, a preocupação de adaptá-la às realidades, aos condicionalismos específicos das regiões, mas não há, de forma nenhuma, uma desvinculação ao todo, que constitui a organização judiciária nacional.
Quando se põe esse problema da transferência é no domínio administrativo e V. Exa. sabe muito bem que esta situação tem sido prejudicial à região. Basta ver os anos que foram necessários e as insistências que foi necessário veicular para que, uma cadeia, como era a cadeia do Funchal, das piores cadeias do País, em péssimas condições (foi preciso haver motins graves) para que, finalmente, uma solução do Governo central (porque é uma competência do Governo central), fosse efectivamente adoptada. Foi, felizmente o governo do PSD que o fez. Não tenho a menor dúvida de que se estivéssemos perante um serviço regionalizado, essa solução tinha sido mais pronta, mais eficaz e há mais tempo atendida.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Tinham um milhão de contos para construir uma cadeia nova, de raiz?!
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Não foi isso que eu disse, mas naturalmente teríamos obtido esse apoio financeiro e uma solução há mais tempo. V. Exa. está a pôr outra questão que é uma questão sabida, de que as regiões não geram receitas públicas bastantes, para custearem os seus encargos e os seus investimentos. Mas isso é um problema de solidariedade nacional que V. Exa. compreenderá ou não compreenderá. Nós compreendemo-la, com o verso e com o seu reverso! V. Exa. é que parece que não compreende!
O Sr. Presidente: - Vai proceder-se à votação da proposta do artigo 230.°-B constante do projecto n.° 10/V.
Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PS e do PCP, os votos a favor dos deputados Cecília
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Catarino (PSD), Carlos Lélis (PSD), Mário Maciel (PSD) e Guilherme da Silva (PSD) e as abstenções do PSD e do deputado Mota Torres (PS).
É a seguinte:
Artigo 230. °-B
Regionalizações
As competências, serviços e bens transferidos para as regiões autónomas só podem reverter para o Estado mediante parecer favorável dos parlamentos regionais.
Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 231.°, em relação ao qual há uma proposta apresentada pelos Srs. Deputados da Madeira para o n.° 2. Nos termos desta proposta o actual n.° 2 passa a n.° 3.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, pedi a palavra para mencionar um factor ocorrido entre a primeira e a segunda leitura.
Em relação a esta matéria o processo de diálogo que conseguimos travar com a Assembleia Regional dos Açores permitiu apurar um pouco melhor aquilo que tinha já, de certa forma resultado da primeira leitura. Assim, o problema fundamental que preocupa os Srs. Deputados -e que, de resto, tem preocupado tantas vezes os dirigentes regionais quando olham os minguados fundos de maneio- é um problema que não pode ter solução através de uma norma deste tipo. A intenção percebe-se, mas o instrumento não é apto. De resto, todo o problema do financiamento das regiões autónomas e da articulação das relações financeiras entre as regiões e a República mereceria a formalização através de um adequado enquadramento normativo, merecia uma lei ordinária elaborada com a participação das regiões. Pela nossa parte estamos inteiramente disponíveis para colaborar nesse esforço. Temos dado provas disso através de actos concretos praticados nas regiões e aqui na Assembleia da República.
Gostaria de alertar, Sr. Presidente, para o facto de que foi esta ideia geral que foi transmitida à Assembleia da República pela Assembleia Regional dos Açores no seu relatório aprovado em 26 de Janeiro deste ano, que menciona quanto ao artigo 231.° "por unanimidade a Comissão é de parecer que se mantenha o actual texto constitucional sem alterações. Entende-se que a redacção do artigo 231.° possibilita ao legislador ordinário encontrar em cada época as melhores formas de corrigir as desigualdades derivadas da insularidade".
Creio que é um sensato parecer e que é mais nesta óptica que há que buscar as soluções para os problemas que marcam a situação financeira das duas regiões, com óbvia e particular gravidade e destaque para a caótica situação financeira da Região Autónoma da Madeira.
Por isso, Sr. Presidente, a ser mantida esta proposta nós não a poderíamos votar favoravelmente. No entanto, gostaria de perguntar ao Sr. Deputado Guilherme da Silva se não é sensível a isto que foi objecto de reflexão na Assembleia Regional dos Açores e que, de resto, bem gostaríamos de ter discutido com a Assembleia Regional da Madeira.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.
O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, era só para esclarecer que estamos perante dois documentos. Um é, sem dúvida, o relatório/parecer a que o Sr. Deputado José Magalhães fez referência e que resulta de uma reunião havida em Angra do Heroísmo em 9 de Janeiro, com a Assembleia Regional para acompanhar o processo de revisão constitucional. É deste documento que o Sr. Deputado José Magalhães retirou os seus considerandos.
Por outro lado, há uma proposta de resolução aprovada pela Assembleia Regional dos Açores em 25 de Janeiro de 1989, que já não faz referência àquilo que o Sr. Deputado José Magalhães defendeu.
No entanto, gostaria de manifestar o meu apoio à manutenção do texto actual porque ele pode possibilitar ao legislador ordinário encontrar as formas mais expeditas e mais correctas para corrigir aquilo que é evidente e indesmentível e que são as assimetrias derivadas da insularidade.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme da Silva.
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de dizer ao Sr. Deputado José Magalhães que nós respeitamos a posição que a Assembleia Regional dos Açores assumiu. Foi isso que esclareceu agora o Sr. Deputado Mário Maciel. No entanto, a nossa posição nessa matéria mantém-se inteiramente fiel ao conteúdo do n.° 2 do artigo 231.° do projecto n.° 10/V. Consequentemente, não alteramos essa nossa posição.
Como já foi dito aquando da primeira leitura, nós pensamos que isso insere-se na tal perspectiva de solidariedade nacional. É uma explicitação do actual n.° 1 do artigo 231.° e torna clara uma questão que é ciclicamente colocada relativamente à circunstância de o Estado dever suportar custos derivados da situação insular das regiões autónomas. Em algumas circunstâncias tem sido, inclusivamente, colocada a questão de serem os próprios orçamentos regionais a suportar encargos que são nitidamente decorrentes da situação de insularidade. Não faz sentido que, ao abrigo do princípio da solidariedade nacional, isso não seja suportado pelo Estado. É essa a razão de ser desta proposta e nós mantemo-la com esse sentido.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos César.
O Sr. Carlos César (PS): - Sr. Presidente, era apenas para reafirmar a posição do PS sobre esta matéria e que, efectivamente, consta do primeiro parecer da Assembleia Regional dos Açores, que foi feito sob proposta do Partido Socialista.
Eu tenho acompanhado as situações a que o Sr. Deputado José Magalhães tem feito referência. Conheço essas situações de cor, na media em que, embora não tenha assinado o primeiro parecer, fui o seu relator na Assembleia Regional. O facto de isso não constar do segundo parecer deve-se apenas a uma questão processual. Convencionou-se apenas colocar no segundo parecer aquilo que constituem sugestões de propostas de alteração em relação ao texto constitucional.
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O primeiro parecer foi aprovado por todos os partidos, registando-se apenas a abstenção do CDS.
Em relação a este artigo em especial, gostaria de dizer que a actual formulação constitucional nos parece inteiramente satisfatória. Talvez o que se encontre .em falta seja uma iniciativa legislativa no âmbito da Assembleia da República que possa pormenorizar a forma de suporte por parte dos órgãos de soberania dos custos da insularidade, ou seja, uma lei de cobertura dos custos da insularidade, que tarda em aparecer, que é uma iniciativa legislativa urgente e que, do nosso ponto de vista, só não tem sido avançado pelo PSD dos Açores e da Madeira na media em que a conflitualidade anual em torno do Orçamento do Estado é, do ponto de vista estratégico, agradável para os partidos maioritários em ambas as regiões autónomas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mota Torres.
O Sr. Mota Torres (PS): - Sr. Presidente, o Partido Socialista, concordando em absoluto com o princípio da solidariedade do Estado em relação às regiões autónomas, tem vindo a procurar encontrar os mecanismos mais correctos para que se possa estabelecer esta solidariedade com regras claras, com critérios absolutamente definidos e transparentes que evitem, a todo o momento, os conflitos institucionais que periodicamente se verificam a propósito das transferências de verbas do Orçamento do Estado para as regiões autónomas aquando da discussão do Orçamento do Estado. Nesse sentido, acabei de entregar na Mesa duas propostas de aditamento em que tive em atenção a redacção actual do artigo 231.°, mas que, na eventualidade da aprovação da proposta constante do projecto n.° 10/V dos Srs. Deputados do PSD da Madeira, podem ser adaptadas. No essencial, consiste em aditar ao actual n.° 1 ou ao n.° 2, se for aprovado, do projecto n.° 10/V a expressão "de acordo com a lei quadro de finanças regionais a aprovar por maioria de dois terços". Em relação ao actual n.° 2 propõe-se o aditamento da expressão "nas condições a definir nos respectivos estatutos". Penso que estes aditamentos dão um enquadramento e uma definição mais clara ao disposto no artigo 231.° da Constituição e, por isso, gostaria que o Sr. Presidente e esta Comissão os considerassem.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme da Silva.
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de me referir àquilo que acabou de dizer o Sr. Deputado Carlos César.
Eu não posso, de maneira nenhuma, aceitar a sua afirmação de que determinado statu que é bem quisto dos PSD's das regiões autónomas como forma de fomentar um conflito à volta do debate do Orçamento entre o PSD nacional e os regionais. Repudio inteiramente essa sua afirmação e o que lhe gostaria de dizer é o seguinte: penso que está a rotular e a ajuizar mal a situação que nós vivemos, com muita preocupação, e com muito empenho, quando se debate o Orçamento, no que diz respeito a assegurar que efectivamente o Orçamento do Estado contenha os dispositivos e as verbas necessárias para garantir o desenvolvimento e acudir às carências das regiões autónomas. Esse empenhamento é visto pelo Sr. Deputado como um conflito. É claro que a questão é demasiado séria para nós também fugirmos ao conflito quando ele tenha que surgir. No entanto, quero-lhe dizer que várias vezes têm surgido argumentos contra pretensões que nós veiculámos em sede de discussão do Orçamento relativamente às regiões autónomas alegando-se que na Constituição não há, efectivamente, uma directiva que imponha esta ou aquela solução relativamente às pretensões que em sede orçamental as regiões ciclicamente vêm veiculando. É exactamente para tornar mais claro que é a própria Constituição que dita essa preocupação que nós propomos este n.° 2 para o artigo 231.° Contrariamente ao que aqui disso o Sr. Deputado José Magalhães, que leu aqui a argumentação constante do preâmbulo do estudo feito pela Assembleia Regional dos Açores a este propósito, isto não retira flexibilidade nenhuma às soluções que se tenham de encontrar para o apoio financeiro às regiões. É óbvio que este n.° 2, que aponta para soluções em sede de orçamento, não invalida outras que eventualmente possam ser encontradas pontualmente, para questões concretas que exigem apoio financeiro do Estado ou de outras entidades, às regiões autónomas. Não vejo onde é que esta disposição retira flexibilidade e prejudica eventuais aproveitamentos de outras saídas de carácter financeiro em benefício das regiões. Não vejo minimamente onde é que há colisão deste n.° 2 com essa flexibilidade e com essa abertura a outras soluções.
O Sr. Presidente: - Suponho que estamos em condições de votar. Não?
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos César.
O Sr. Carlos César (PS): - É para dizer que não vejo nenhuma razoabilidade naquilo que foi exposto até agora, porque a proposta de alteração que aqui foi apresentada não adianta nem atrasa nada em relação à prática que está em vigor. A questão é saber que montante consta do Orçamento de Estado destinado às regiões autónomas e isso não vem, naturalmente, na Constituição.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados suponho que a matéria está esclarecida. Gostaria que não eternisassem o debate. Vejo que esse meu desejo não é inteiramente correspondido e que o Sr. Deputado José Magalhães já pediu a palavra, mas em todo o caso fazia um apelo nesse sentido.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente somos sensíveis a esse apelo, como V. Exa. calculará, mas em todo o caso foi suscitada uma panóplia de questões que, embora não tenha que ter aqui o seu momento final e total de dilucidação, deve ter pelo menos alguma ponderação. Essa ponderação pela nossa parte seria a seguinte.
Primeiro comentário: o estudo a que o Sr. Deputado Guilherme da Silva aludiu elaborado pela Assembleia Regional da Madeira é interiamente omisso quanto a este aspecto...
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O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Não falei na Assembleia Regional da Madeira...
O Sr. Presidente: - VV. Exas. perdoar-me-ão, mas ia-vos pedir o obséquio de nos cingirmos àquilo que seja verdadeiramente útil para efeitos desta votação. Faz favor de continuar Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente é um juízo que efectivamente tem algo de subjectivo. Não sou capaz de imaginar o que V. Exa. consideraria sucinto em relação a este tema...
O Sr. Presidente: - Eu sou capaz e muito rapidamente, mas faz favor.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O primeiro aspecto que gostaria de assinalar é que no estudo elaborado pela Assembleia Regional da Madeira há, a p. 718 do Diário da República em que está publicado, um articulado que é igual aquele que o PSD aqui propõe no projecto n.° 10/V, mas não há a sua fundamentação. Sobre a questão mais melindrosa, sobre a questão do financiamento das regiões autónomas o estudo em causa não diz coisa nenhuma. Isso traduz, entre outras coisas, o melindre, a dificuldade, mas também a falta de informação e algum desnorteamento e perplexidade em que aquela estrutura está perante a situação que está criada.
Segundo comentário: quais são os males da actual situação e da actual solução constitucional? A resposta é: nenhuns, como aliás a Assembleia Regional dos Açores reconhece e evidencia. O problema não está na formula constitucional e a melhor prova disso é que aquilo que o Sr. Deputado Guilherme da Silva aqui buscava, uma "directriz" - foi a sua expressão - que imponha o financiamento. Ora essa directriz não consta do vosso texto. E não consta porque não podia constar, a sua apresentação não é humanamente exigível pela razão simples de que VV. Exas. limitam-se a dizer uma coisa que não tem utilidade: que é através do Orçamento do Estado que tem que ser canalizada essa expressão da necessidade de apoio financeiro. Isto é óbvio. Onde é que havia de ser?!
O problema não está aí, mas sim na fórmula, no montante, nas regras, no regime. Sobre isso VV. Exas. não dizem nada, não adiantam nada, nenhuma ideia, nenhum critério, nenhuma tendência, não aditam nada, mesmo nada à Constituição desse ponto de vista. E mais, a vossa formulação é empobrecedora de certa maneira. Que tudo passa pelo Orçamento do Estado já toda a gente sabe, mas o que não está assegurado é qual é a intervenção das regiões em relação, por exemplo, a questões como os dinheiros do FEDER, os dinheiros doutros fundos, etc.. Isso VV. Exas. não regulam nesta sede constitucional, mas isso é que é o interessante e deve constar de uma adequada lei da República feita com a participação das regiões sobre a questão do financiamento.
Os senhores não tocam na questão fulcral. Tocam numa questão que é instrumental que não adita nada de novo à Constituição e deixam intacta toda a problemática relevante. E mais, não aduzem nenhum contributo reflexivo assente no estudo cuidadoso da situação das regiões, em particular o caso da Madeira, para nos ajudar a um compromisso que facilite a elaboração de uma lei desejável. Isso é que acho significativo, chamando de novo a vossa atenção para o acórdão do Tribunal Constitucional n.° 184/89 emitido na sequência de um pedido apresentado por 27 deputados do PCP tendente à declaração de inconstitucionalidade de normas do regulamento de aplicação ao território nacional do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.° 46/86 de 5 de Julho de 1986, que é um acórdão do mais alto significado para esta problemática. Os senhores, pura e simplesmente, não têm nada disto em conta.
O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado José Magalhães, pelas suas sucintas considerações. Estamos em condições de votar? Não? V. Exa. vai comentar o acórdão? Faz favor.
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Não vou comentar o acórdão, até porque não o conheço.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não o conhece? É pena!
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Não. Conheço a sua existência, mas confesso que não fiz a leitura desse acórdão e, portanto, não o iria comentar e muito menos depois da recomendação do Sr. Presidente de que fôssemos sucintos.
Queria, no entanto, dizer ao Sr. Deputado José Magalhães que V. Exa. é realmente contraditório nas suas intervenções. Por um lado, diz que é inútil esta disposição, porque há aqui um enunciado extremamente genérico. Por outro, quando se pormenoriza diz que isto não é matéria para a Constituição que deve consagrar princípios; é matéria para o estatuto; é matéria para uma lei avulsa. É óbvio que não íamos fazer aqui, nesta sede, uma lei que regulasse as relações financeiras entre o Estado e as regiões autónomas. É óbvio que não é aqui o lugar próprio para isso, mas que o princípio é útil; que é conveniente; que há antecedentes que ditam a pertinência desta preocupação, ninguém o poderá negar.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Quais?
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - É natural que o Sr. Deputado não as sinta. São preocupações das regiões autónomas!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Então não sentimos?! Que absurdas pretensões monopolistas não vos alimenta o Dr. Jardim!
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - É isto que nós efectivamente tentamos veicular - mal, aqui, nesta revisão constitucional talvez - mas são essas aspirações, são essas sensibilidades que conhecemos e bastante bem das populações das regiões autónomas. Em relação à questão que levanta...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Só faltam as ideias!
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): -... dos financiamentos comunitários nós temos relativamente a isso, e já o temos veiculado nos lugares e sedes próprias,
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um entendimento que é o seguinte: entendemos que decorre do artigo 231.°, n.° 1, na sua redacção actual, e de uma declaração adicional ao Tratado de Adesão através da qual o Estado Português e as Comunidades se comprometem a privilegiar as regiões autónomas em matéria de apoios comunitários resulta haver obrigação do Estado de assumir o co-financiamento dos investimentos comunitários nas regiões autónomas. Portanto, nesse caso temos veiculado, várias vezes, na sede e local próprio, esse entendimento e temos até obtido, em alguma medida, sucesso, porque não acreditamos que o Estado se vá demitir de uma obrigação que decorre simultaneamente da Constituição e de uma declaração que é, para todos os efeitos, um texto de direito internacional.
O Sr. Presidente: - Vamos então passar à votação. Vamos começar por votar a proposta para o n. ° 2 do artigo 231.° constante do projecto n.° 10/V e depois votaremos as propostas de aditamento que foram oportunamente apresentadas pelos Srs. Deputados do PS da Madeira.
Vamos votar o n.° 2 do artigo 231.° constante do projecto n.° 10/V.
Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor dos deputados Cecília Catarino, Guilherme da Silva e Carlos Lélis (PSD) e as abstenções do PSD, do PS, do PCP, do PRD e da ID.
É a seguinte:
2 - Compete ao Estado, através de verbas anualmente inscritas no seu Orçamento,- numa perspectiva de solidariedade nacional, suportar os custos financeiros derivados da situação insular das regiões autónomas.
Vamos votar a proposta apresentada, sob o n.° 134, para o artigo 231.°, pelo Sr. Deputado Mota Torres. Vamos começar por votar este aditamento para o n.° 1.
O Sr. Mota Torres (PS): - Gostaria de esclarecer que essa proposta é em relação ao texto actual da Constituição, mas que pode ser adaptado ao n.° 2 que acaba de ser votado.
O Sr. Presidente: - Não vale a pena termos essa preocupação neste, momento, visto que o texto não obteve os dois terços necessários para a sua inclusão na revisão constitucional.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Há pouco não me tinha apercebido de que o Sr. Deputado Mota Torres tinha esgotado o processo de apresentação deste texto. É que ele suscita duas ou três questões. Uma delas é esta: o Sr. Deputado vê isto como uma solução exclusiva ou como solução a introduzir a título exemplificativo? V. Exa. pretenderia, através de uma norma deste tipo, que todos os aspectos, toda a malha das relações financeiras República/regiões fosse enquadrada numa lei quadro? Não lhe parece que isso seria um modelo excessivamente rígido? É que os estatutos podem ter uma parte do enquadramento normativo competente, ainda que aticamente, mas por outro lado são concebíveis instrumentos de outra natureza. Repare que, por exemplo, hoje em dia todo o regime jurídico das relações entre a República e a Região Autónoma da Madeira está regulada por aquilo a que se chama um "protocolo de reequilíbrio financeiro", instrumento atípico, cuja cobertura jurídico-constitucional é difícil de divisar, cujos agentes de produção são, de um lado, o Governo da República e do outro o Governo Regional, os quais não estão para o efeito habilitados, nem pelas assembleias regionais, nem pela Assembleia da República e que consumam bilateralmente pré-opções, vinculando depois todo o processo de produção do Orçamento do Estado e do orçamento regional. Tudo isto gera aquilo a que temos vindo a chamar um "estado de sítio das finanças regionais da Madeira", coisa que não incomoda excessivamente o Presidente do Governo Regional respectivo, mas que representa um pandemónio face ao quadro constitucional. Este tipo de instrumentos é de reprovar. No entanto, outros, saudáveis, são congemináveis. Aparentemente o Sr. Deputado Mota Torres iria para uma fórmula rígida porque o texto que propõe nem sequer refere "[...] 'designadamente' de acordo com lei quadro das finanças regionais [...]".
Mais ainda: ao evoluir para um sistema que aparentemente seria único, excluiria outros modelos e formas de cooperação, inclusivamente contratual, que serão sempre constitucionalmente possíveis entre as regiões, com as regiões, e até mesmo, em certas condições, para obtenção de financiamentos externos. A sua fórmula pode, em suma, ser demasiado rígida.
O Sr. Mota Torres (PS): - Sr. Presidente, com a sua licença para expressar a minha opinião, gostaria de dizer ao Sr. Deputado José Magalhães que lhe agradeço muito o facto de ter referido, nomeadamente, a questão do protocolo de equilíbrio financeiro ainda em vigor. Este é um documento que tem norteado as finanças regionais durante os últimos anos, em relação ao qual o Partido Socialista manifestou desde o início a sua mais frontal discordância.
Por outro lado, temos andado ao longo de todos estes anos a tentar clarificar a tradução da solidariedade nacional para com as regiões autónomas em termos de, uma vez por todas e com algum pessimismo, pelo menos atenuar aqueles que têm sido os gravíssimos conflitos entre os órgãos do governo próprio das regiões autónomas, nomeadamente os da Madeira, e os órgãos de soberania a propósito da transferência de verbas do Orçamento do Estado para as regiões autónomas. Daí que eu tenha proposto com esta proposta de aditamento, a qual pode eventualmente ser objecto de uma redacção mais cuidada e mais elaborada, a definição de regras claras para que toda a gente saiba em cada momento qual é a tradução da solidariedade nacional para com as regiões autónomas.
Portanto, julgo que a minha proposta tem de ser considerada mais a título exemplificativo, embora creia que ela deve ter contemplação e consagração constitucional. De facto, julgo que é indispensável neste momento e em sede de revisão constitucional clarificar este tipo de relações entre os órgãos de soberania e os órgãos de governo próprio das regiões autónomas.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, iríamos votar o texto em questão.
O Sr. Mota Torres (PS): - Sr. Presidente, sou sensível à recomendação do Sr. Deputado José Magalhães e introduziria a palavra "designadamente" no início do aditamento que proponho.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos então votar a proposta de aditamento relativa ao n.° 1 do artigo 231.° apresentada pelo Sr. Deputado Mota Torres, que é do seguinte teor:
[...] designadamente de acordo com lei quadro de finanças regionais, a aprovar por maioria de dois terços.
Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD, os votos a favor do PCP, do PRD, da ID e dos deputados Mota Torres (PS) e Carlos César (PS) e a abstenção do PS.
Vamos votar o aditamento ao n. ° 2 do artigo 231.° proposto pelo Sr. Deputado Mota Torres.
Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra dos deputados Guilherme da Silva (PSD), Carlos Lélis (PSD), Cecília Catarino (PSD) e Mário Maciel (PSD), os votos a favor dos deputados Mota Torres (PS) e Carlos César (PS) e as abstenções do PSD, do PS, do PCP, do PRD e da ID.
É o seguinte:
[... ] em condições a definir nos respectivos estatutos.
Vamos passar ao artigo 232.° Em relação a este artigo foi apresentada uma proposta do PCP para o n.° 1-A. Temos uma proposta de alteração do n.° 2 e uma proposta de aditamento de um novo n.° 5, ambas apresentadas pelo Partido Socialista. Há também propostas de alteração dos n.ºs 1, 2, 3 e 4 e uma proposta de aditamento de um novo n.° 5, todas elas apresentadas pelo PSD. Finalmente, há uma proposta apresentada pelo Sr. Deputado Carlos César relativa aos n.ºs 1, 2 e 4, sendo o n.° 3 igual ao actual n.° 4, a qual foi agora distribuída. Portanto, ela será considerada, sendo caso disso, em último lugar por razões de ordem cronológica de apresentação.
Srs. Deputados, julgo que esta matéria já foi objecto de discussão na primeira leitura.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sim, mas há propostas novas que ainda não foram discutidas.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Há propostas novíssimas, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, a minha pergunta é apenas para confirmar a minha impressão de que não vamos renovar a discussão da primeira leitura. Vamos apenas apreciar aquilo que é novidade.
Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.
O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, dentro dessa linha vou fazer alguns comentários acerca da proposta subscrita pelo Sr. Deputado Carlos César. Antes de mais, é uma proposta que visa a manutenção do cargo de Ministro da República, o que, à partida, vem colidir com a posição que pessoalmente defendi na primeira leitura e que apontava para a extinção do cargo. Nessa altura argumentei, fiz as minhas considerações e não as vou repetir neste momento.
A questão da manutenção do referido cargo pode levantar, na minha opinião, as seguintes problemáticas: desde já, as assembleias legislativas regionais serão ouvidas ou não no processo de nomeação do Sr. Ministro da República? Pensamos que seria importante que isso acontecesse, já que tudo indica que o cargo será mantido. Não vejo essa pretensão expressa na proposta subscrita pelo Sr. Deputado Carlos César.
Há um outro aspecto que também me parece importante. Até aqui o Sr. Ministro da República desloca-se em serviço às regiões autónomas, e a sua comissão de serviço, porque não se trata de um mandato, pois ele não é eleito, não tem limite temporal. Não coincide, portanto, com a duração do mandato de nenhum órgão de soberania, quer seja o Sr. Primeiro-Ministro ou qualquer outro membro do Governo, quer seja o Sr. Presidente da República. Sem dúvida que há aqui uma discrepância para resolver, que é realmente de elementar democraticidade, porque pensamos que o Sr. Ministro da República, pelas altas funções que desempenha, tem obviamente de iniciar e cessar funções, sob pena de os órgãos de soberania do País serem eventualmente substituídos e termos na região sempre e mesmo Ministro da República. Portanto, permitir-se constitucionalmente a renovação da titularidade desse cargo equivale a introduzir uma componente de democraticidade na representação da soberania nas regiões autónomas.
Assim, pergunto: coincidirá essa comissão de serviço com o mandato do Sr. Presidente da República, ou coincidirá com as funções do Sr. Primeiro-Ministro? Estas são questões que temos de debater aqui serena e pacificamente, e, como é óbvio, deslocadas de quaisquer interpretações pessoalizadas em relação aos actuais Ministros da República.
O Sr. Presidente: - Irei pedir ao proponente, também por uma questão de facilitação da discussão e da votação, se faz o obséquio de explicitar sucintamente aqueles aspectos que são novos em relação ao texto actual, até porque numa rápida leitura me pareceu que havia alguns números que não estão indicados como sendo iguais, e são-no. Isso facilitaria os trabalhos.
O Sr. Mário Maciel (PSD): - Sr. Presidente, gostaria apenas de referir mais um pormenor que me escapou há pouco.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Mário Maciel (PSD): - Penso até que ele decorre de um lapso, mas o Sr. Deputado Carlos César melhor do que eu poderá esclarecer isso. Trata-se do n.° 4 do artigo 232.°, em que se defende que a cessação das funções do Ministro da República está depen-
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dente do termo do mandato do Presidente da República, tendo que ser ouvidos para tal o Conselho de Estado e os parlamentos regionais.
Pensamos que isto não tem qualquer sentido e, aliás, não tem lógica. Deve ser um lapso.
O Sr. Carlos César (PS): - De facto, há algumas explicações a dar, até pela pressa com que tive que copiar a proposta que já tinha aqui.
Em primeiro lugar, em relação ao n.° 1 do artigo 232.° que proponho há uma omissão óbvia. Faço uma proposta para o n.° 1 apenas porque pretendia necessariamente incluir a audição dos parlamentos regionais. Portanto, onde se lê "[...] ouvido o Conselho de Estado [...]" deve ler-se "[...] ouvidos o Conselho de Estado e os parlamentos regionais [...]". O lapso é meu.
O Sr. Presidente: - E as assembleias legislativas, não é?
O Sr. Carlos César (PS): - Neste caso adoptámos na altura a terminologia cauíeiar "parlamentos regionais" porque não sabíamos rigorosamente se era uma coisa ou outra.
O Sr. Presidente: - Sim, Sr. Deputado.
O Sr. Carlos César (PS): - Em relação ao n.° 4 do artigo 232.° há, obviamente, um lapso terrível. O que eu queria dizer no texto, a seguir a "Presidente da República", era "[...] coincidindo a sua exoneração com a nomeação do novo Ministro da República". Portanto, deve dizer-se no n.° 4 do artigo 232.° o seguinte: "As funções do Ministro da República cessam com o termo do mandato do Presidente da República, coincidindo a sua exoneração com a nomeação do novo Ministro da República."
Estas duas propostas são óbvias. Aliás, esta proposta respeitante ao n.° 4 é, salvo erro, a respectiva proposta do projecto do PS.
O Sr. Almeida Santos (PS): - É, Dr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Essa proposta do n.° 4 não tem qualquer novidade em relação à do PS, pois não?
O Sr.1 Carlos César (PS): - Sim, Sr. Presidente.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Por isso é que não valia a pena formulá-la. Pode talvez desistir da sua proposta.
O Sr. Carlos César (PS): - Posso desistir, uma vez que o meu partido ainda não desistiu da sua.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não, é que a proposta apresentada pelo PS vai ser votada primeiro e prejudicará a sua.
O Sr. Carlos César (PS): - A alteração essencial tem, obviamente, a ver com o n.° 2 do artigo 232.°, através do qual se procura alguma desgovernamentalização da figura do Ministro da República. A nosso ver, ela constitui uma proposta tendente a atenuar alguma da conflitualidade já existente.
Por outro lado, ela procura retirar uma competência que na prática os Ministros da República não têm exercido.
Além disso, nem o argumento, que por vezes é tido como razoável, de o Ministro da República constituir um amortecedor dessa conflitualidade ou das reivindicações regionais quanto aos serviços do Estado na região tem funcionado, na medida em que esses assuntos têm sido objecto de um diálogo directo entre os governos regionais e os governos da República. De facto, o Ministro tem funções que não exerce, e, perante a anuência quer dos órgãos de soberania quer dos órgãos regionais, esses assuntos têm sido tratados directamente e à margem do Ministro da República.
De modo que esta proposta visa mais consagrar uma situação que já decorre da prática, eliminando a possibilidade de se alimentarem conflitualidades à volta do Ministro da República, mantendo-se, contudo, todo o estatuto da representação da soberania que, a nosso ver, deve continuar a ser mantido através da figura do Ministro da República.
O Sr. Presidente; - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme da Silva.
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Sr. Presidente, seguindo o seu conselho de não reeditarmos aqui as considerações que se desenvolveram aquando da primeira leitura que foi feita dos projectos de revisão constitucional, gostaria, no entanto, de frisar, designadamente em relação à proposta do Sr. Deputado Carlos César, que a nossa posição é exclusivamente no sentido da extinção do cargo de Ministro da República, por razões que não vou aqui reeditar. Pensamos que é a unidade do Estado que ganha com essa eliminação; não temos aqui necessidade de interpostas pessoas para ver assegurada e representada a soberania nas regiões autónomas; e, em termos de funcionalidade, tem-se mostrado que esta figura híbrida do Ministro da República vem sendo prejudicial ao bom relacionamento das regiões com o Estado, com os órgãos do governo central, com os órgãos de soberania em geral. Portanto, mantemos esta nossa posição e votaremos contra a proposta do Sr. Deputado Carlos César.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sucintamente, porque parte do que vou fizer já o disse noutras oportunidades, mas não estavam cá os Srs. Deputados das regiões autónomas, e faço questão em que eles conheçam a nossa opinião, que é esta: nós entendemos que a figura do Ministro da República, quando outra função não tivesse, teria a função de ser um amortecedor nas relações que teriam então de estabelecer-se entre as regiões e o Presidente da República directamente; por outro lado, não nos parece que o Presidente da República pudesse ter uma visão local dos problemas das regiões residindo fora das próprias regiões; e parece-nos também que algumas medidas de carácter urgente ficariam prejudicadas, na medida em que seriam exercidas através de uma entidade que não estava na região. Portanto, já se sabe que somos contra a extinção da figura do Ministro da República e também somos, em geral, contra a redução dos seus poderes. Em todo o
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caso, somos favoráveis a que, quando hoje se diz que "têm assento em Conselho de Ministros que trate de assuntos", se diga que "podem participar em Conselho de Ministros para o tratamento". É diferente, porque uma coisa é "ter assento em Conselho de Ministros que trate", outra é "poder participar para o tratamento". Há aí uma restrição que nos parece útil e, nessa medida, pediria ao meu camarada Carlos César que compreendesse que não podemos aceitar nem a inclusão da palavra "convite" do Primeiro-Ministro, porque então não seria uma faculdade do Ministro da República, seria uma faculdade do Primeiro-Ministro. E também nos parece que, repetindo-se aqui a expressão "que trate", esta expressão é pior do que "para o tratamento". Isto, por um lado. Por outro lado, hoje o todo nacional é representado na parte que são as regiões autónomas por uma espécie de representante desse todo (que é o que é de facto, mas que é quase o germe do que eu diria um "embaixador" do todo na parte). Não creio, por isso, que a autonomia saísse glorificada ou reforçada passando a República a ser representada directamente pelo Presidente da República. Também me não parece que a eliminação da "coordenação da actividade dos serviços centrais do Estado" melhorasse, na medida em que teriam de ser os Secretários de Estado do Governo da República a exercer essa função. Quer dizer: hoje é uma entidade que vive nas regiões que tem, continuando a existir, essa função entre outras. De outra maneira teriam de ser, necessariamente, os Secretários de Estado a interferir nas regiões. "Esta indústria está sob a minha tutela, quero ir aos Açores ou à Madeira para visitar a fábrica e dar orientação aos meus serviços." Assim sendo, também por esta razão me não parece que a eliminação do Ministério da República deva ser encarada como vantagem do ponto de vista dos defensores do reforço da autonomia. Por isso mesmo, abster-nos-emos.
Devo dizer também que, estando pendente uma alternativa acerca de quando é que deve cessar o mandato do Ministro da República -se com o termo do mandato do Primeiro-Ministro, se com o do Presidente da República-, não temos a menor dúvida de que certa é a nossa proposta, porque o Ministro da República representa a República e é nomeado pelo seu Presidente. Por outro lado, o Presidente da República tem um mandato de cinco anos, o que garante estabilidade ao mandato do próprio Ministro da República, enquanto que, se cessar o seu mandato quando cessar o do Primeiro-Ministro (desde que não haja maioria absoluta, coisa com que não poderemos contar, para a eternidade, na democracia portuguesa), corre o risco de mudar de cada vez que muda o Primeiro-Ministro. Parece-nos, portanto, que, devendo fixar-se um termo ao seu mandato, até para que não haja Ministros da República que se transformem em vitalícios (o que, infelizmente, a história regista), deve terminar com o mandato do Presidente da República e não com o mandato do Primeiro-Ministro.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, tinha pedido a palavra para emitir também o ponto de vista da bancada sobre esta questão, tendo particular-
mente em atenção que, na primeira leitura, não pudemos fazer este debate com a participação alargada que hoje se regista.
E gostaria de começar por sublinhar o facto, que me parece impressionante, de, numa matéria desta natureza, isto é, a definição dos contornos constitucionais do cargo de Ministro da República, desde o início do processo de revisão constitucional se ter vindo a registar a flutuação de posições (diria mesmo a cadeia de posições, a catadupa de posições) que todos pudemos aprender, por vezes não através de documentos transmitidos oficialmente a esta Comissão, mas, pura e simplesmente, através da leitura dos órgãos de comunicação social. Essas posições (se me permitem o rastreio) começavam com a pura e simples proposta de extinção, não com os fundamentos que aqui nos trouxe há pouco, numa linguagem eufemística e controlada, o Sr. Deputado Guilherme da Silva, mas com os fundamentos enunciados, por exemplo, pela Assembleia Regional da Madeira na sua Resolução n.° 1/89-M, que reproduz a Resolução n.° 10/87-M, de 11 de Novembro, nelas se incluem afirmações como esta: "as populações das regiões autónomas concebem como afrontosa, no sentido de desconfiança nacional, a figura do Ministério da República, sendo como que um fiscal numa situação paracolonial, mais a mais que a tendência para o exercício do cargo foi de instalar-se nas regiões autónomas, confundindo-se anticonstitucionalmente como mais um órgão regional, de tal assumindo a pretensão, situação que obviamente provoca um estado de espírito nas populações contrário à unidade nacional". Isto tudo, como é óbvio, antecedido de afirmações deste tipo: "Os Ministérios da República vêm implicando despesas e encargos dispensáveis à Nação e burocratizam, por acréscimo, a Administração Pública, bem como os normais canais de relacionamento entre o Estado e as regiões autónomas. Por outro lado, para além de semelhante figura não conhecer qualquer similitude no direito público comparado dos países democráticos e politicamente descentralizados, ela quebra o princípio da confiança homogénea no seio do Conselho de Ministros, dada a natureza híbrida da confiança política em que assenta tal figura."
Creio que, nesta matéria, podem ser usados muitos argumentos - estes, em boa verdade, parecem-nos péssimos (talvez haja outros). Esta posição foi objecto de discussão na primeira leitura. Há busca, na figura do Ministro da República, de um equilíbrio determinado e o Sr. Deputado Almeida Santos pôde resumir a filosofia desse equilíbrio. É difícil conseguir esse equilíbrio? É-o, sem dúvida. Mas a dificuldade não está tanto no desenho constitucional da figura, está na selecção dos homens (ou mulheres, eventualmente, algum dia) capazes de exercerem esse cargo numa óptica que conduza a uma harmonização de interesses e à criação de canais bilaterais de diálogo. Não é por acaso que, por exemplo, o actual titular do cargo na Região Autónoma dos Açores pôde, há dias (o que tudo testemunha o Diário de Notícias de 27 de Fevereiro), declarar: "O Ministro da República tem um papel mediador. Julgo que há sempre, nas sociedades, interesses antagónicos e conflituais; o importante é não deixar que esses interesses agudizem as relações e, pelo contrário, procurar ultrapassar os conflitos de interesses que sempre existem. A posição do Ministro da República não é tanto decidir, porque não tem essa competência, mas expli-
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car e evitar os problemas", acrescentou o general Rocha Vieira. É óbvio, Srs. Deputados, que tudo isto se passa na fase da "autonomia tranquila", como a qualificou o Dr. Mota Amaral esfingicamente. É óbvio que na outra (na "autonomia tempestuosa", na "autonomia com precipitações") este espírito estava excluído. Em todo o caso, parece-nos absolutamente indispensável que se estabeleça o espírito adequado - mas isso comprova que o problema está nesse espírito, não está na Constituição!
A segunda posição que, nesta matéria, surgiu nestes meses, e que não foi transmitida à Comissão de Revisão Constitucional, traduz-se na ideia de um Ministro da República único para as duas regiões. Isto foi aventado em cimeiras insulares, que, depois, o Dr. Alberto João Jardim esqueceu. E, tal como surgiu, essa proposta desapareceu. Devo dizer que considero lamentável que, no PSD, não tenha havido a coragem política de vir aqui propor isso. Mais: até assinalo que, no dia em que estávamos a discutir esta matéria na primeira leitura, estavam os jornais a veicular a existência dessa proposta e dessa cimeira e nenhum dos deputados envolvidos na discussão ousou trazer aqui esse processo de reflexão, o que é curioso da maneira como da vossa parte esta questão é discutida, encarada e ensejada, inscrevendo-se num domínio tão delicado como é. Assim como surgiu, desapareceu essa posição.
Terceira posição: manter os dois Ministros da República com alteração de funções. Se os Srs. Deputados tiverem o cuidado de analisar o chamado "Parecer de Angra" -o tal documento elaborado pela Comissão Eventual para a Revisão Constitucional da Assembleia Regional dos Açores aprovado em 9 de Janeiro de 1989-, verão que a solução que aí se propõe não é a extinção dos Ministros da República como cargo constitucional, mas sim a alteração de funções com atenuação da função de representação governamental e com o reforço (assim o qualificavam os Srs. Deputados regionais) da representação do Presidente da República. No entanto, assim como foi proposta, esta solução deixou de ser proposta na resolução da Assembleia Regional dos Açores aprovada no dia 26 de Janeiro. Nesse último quadro foi entendido mais correcto não alterar sequer o perfil de funções do Ministro da República e resolver apenas dois problemas que se suscitam por força de lacunas do actual estatuto constitucional. O primeiro problema é a questão da intervenção das assembleias regionais no processo de nomeação do Ministro da República; a segunda questão é a da duração do mandato dos Ministros da República. E é isto que essa resolução da Assembleia Regional dos Açores nos veio, por último, a transmitir. É esta a última posição apurada, no quadro da Assembleia Regional dos Açores, sobre este ponto.
Da nossa parte, Sr. Presidente, Srs. Deputados, devo dizer que este debate acaba, provisoriamente, nesta fase, exactamente como começou. Entendemos que os dois reais problemas que há a resolver são, de facto, como diz a Assembleia Regional dos Açores, a questão da duração do mandato e a questão da intervenção das assembleias regionais. Creio que o debate produzido até agora, sem prejuízo de desenvolvimentos que ainda venham a registar-se, não corrobora a utilidade, menos ainda a necessidade, menos ainda a virtude, da supressão da figura do Ministro da República, nem sequer legitima, nem carreia argumentos relevantes para
que se considere cabalmente fundamentada a necessidade de alteração do perfil do cargo de Ministro da República.
As dificuldades registadas neste período dever-se-ão àquilo que é a história das instituições autonômicas nestes anos-história agitada, intrincada, que passou por figurações muito diversas quanto ao exercício do cargo, e por episódios muitos, alguns dos quais particularmente lamentáveis, no relacionamento entre a República e as regiões (e as regiões e a República, também). Mas isso não é coisa da Constituição, é coisa de homens, é coisa de responsáveis políticos (e também de irresponsáveis políticos!). Para isso não há nenhuma mezinha, nem nenhuma poção, constitucionalmente apta, infelizmente. Nesse sentido, Sr. Presidente, apelaríamos a que fosse dada ainda a atenção possível à proposta do PCP quanto à questão das intervenções das assembleias regionais nos processos de nomeação dos Ministros da República.
Devo dizer, por último, Sr. Presidente, que estamos de acordo com as propostas tendentes a que o mandato dos Ministros da República acompanhe o mandato do Presidente da República, dada a origem e a fonte de legitimidade do Ministro da República e dado também o tipo constitucional das suas atribuições e competências.
O Sr. Presidente: - Temos várias inscrições. É urna intervenção que V. Exa. pretende fazer? Então, terá de aguardar a sua vez, se fizer favor.
Tem a palavra o Sr. Deputado Carlos César.
O Sr. Carlos César (PS): - Sr. Presidente, para sua tranquilidade e de nós todos, não me vou envolver nesta questão de apurar o significado da proposta de extinção do cargo de Ministro da República, porque na minha actividade como deputado na Assembleia Regional dos Açores já levei oito anos a dizer o que Sr. Deputado José Magalhães e outros têm dito sobre esta matéria. Portanto, dispenso-me agora de rediscutir esta questão.
O Sr. Presidente: - Sempre fazemos alguma economia!
O Sr. Carlos César (PS): - Exacto! Que é uma proposta que vem desde 1976, desde o movimento para a autodeterminação do povo açoriano, e que depois teve outras facetas e outros autores, mas que nunca foi adoptada pelo PS.
A única explicação que quero dar é sobre o conteúdo do n.° 2 do artigo 232.° que proponho; é que, na observação do Sr. Deputado Almeida Santos, se torna claro que este texto, ao colocar a presença do Sr. Ministro da República em Conselho de Ministros, a convite do Primeiro-Ministro, quando trate de assuntos de interesse para a respectiva região, tem a ver obviamente com a nossa óptica de desgovernamentalização do cargo. Daí que, nessa óptica, tornemos mais restritivo o acesso a Conselho de Ministros e apenas em situações excepcionais que o justifiquem. Não faria sentido desgovernamentalizá-lo, por um lado, e manter-lhe um estatuto de permanência em Conselho de Ministros, por outro. E é por isso que esta proposta aqui surge.
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Quanto à audição dos parlamentos regionais, entendo que se deve relevar esse aspecto. Que ele faz-se sempre, embora não formalmente, porque, evidentemente, nada impede que um partido numa das assembleias regionais seja proponente de uma resolução que transmita a sua opinião sobre a próxima nomeação do Ministro da República. E porquê tornear as coisas, que na prática se verificam com quase normalidade, com restrições deste tipo na Constituição, que no fundo só obstaculizam a normalização desse relacionamento? E para as pessoas que nesta matéria se postulam numa óptica de reforço da solidariedade nacional, da unidade nacional e da pacificação do relacionamento entre os órgãos regionais e os órgãos de soberania, é bom que se compreenda desde logo que há um conjunto de alterações que, a fazerem vencimento, só evitarão que haja pretextos que são fabricados de acordo com a necessidade da vida política regional para conflitualizar esse relacionamento. É bom que se pense que há outra perspectiva de quebrar essa conflitualidade, e que é a perspectiva por parte dos órgãos de soberania de conceder algumas facilidades que só abonarão esse relacionamento.
Além disso, e como observação final, creio que esta Comissão para a Revisão Constitucional devia dar alguma atenção aos pareceres que aqui chegaram, nomeadamente o da Assembleia Regional dos Açores, e que isso devia estar de alguma forma presente na discussão que nesta sede se faz, porque, seja como for, foi uma consulta feita formalmente por esta Comissão e que, portanto, não deve, digamos, estar no "esgoto" do nosso pensamento durante este debate.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, posso dar um esclarecimento ao meu camarada Carlos César?
O Sr. Presidente: - Pode sim, Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - É só por estar na sequência. Quando nós pomos em dúvida a necessidade deste acrescento é porque entendemos que isso já está implícito no n.° 2 do artigo 231.° O Presidente da República, que tem competência para escolher e nomear o Ministro da República, é um órgão de soberania, terá de ouvir sempre, relativamente às questões da sua competência respeitantes às regiões autónomas, os órgãos de governo regional. Portanto, não tem de ouvir só a assembleia, tem de ouvir também o Ministro da República.
O Sr. Carlos César (PS): - Mas, Sr. Deputado Almeida Santos, então pergunto por que é que se prevê na Constituição a competência do Conselho de Estado para se pronunciar sobre a nomeação e a exoneração dos Ministros da República?
O Sr. Almeida Santos (PS): - Pela razão simples de o Conselho de Estado não estar incluído nesta norma. Se estivesse, também era dispensável. Mas não está. Esta norma não dispensa a audição do Conselho de Estado; dispensa a audição da assembleia regional e do governo regional. Entendemos que estes órgãos têm de ser ouvidos por força da regra geral da audição.
É este o nosso ponto de vista.
O Sr. Presidente: - E eu, antes de dar a palavra, suponho que solicitada pela Sra. Deputada Helena Roseta, gostava de esclarecer o Sr. Deputado Vale César de que esta Comissão tomou naturalmente em consideração a sessão de trabalho que tivemos oportunidade de realizar com uma delegação da Assembleia Regional dos Açores, e que foi de resto extremamente frutuosa e útil, quer em termos de esclarecimento de problemas, quer naturalmente também no que concerne à forma e espírito com que estas matérias devem ser avaliadas. Esse foi um aspecto extremamente positivo, e, embora não tivesse sido possível concretizar nenhuma sessão de trabalho com órgãos governativos da Região Autónoma da Madeira, todos nós tivemos oportunidade de ler os documentos que nos foram remetidos pela respectiva Assembleia Regional, que são naturalmente tidos em consideração em função do seu mérito; por outra parte, também não podemos deixar de sublinhar que o projecto 10/V, que alguns dos meus colegas de partido da Região Autónoma da Madeira apresentaram, reflecte, também de maneira certamente significativa, uma parte importante da opinião pública e uma posição política que tem peso significativo na Região Autónoma da Madeira. Portanto, era só para lhe referir que a circunstância de não estarmos sempre a fazer uma citação não significa que não estejam presentes nos nossos espíritos esses documentos e essas discussões, como elementos fundamentais que instruem este processo no que concerne às regiões autónomas. Em todo o caso, muito obrigado pela referência que quis fazer, que nos deus oportunidade de prestar este esclarecimento.
Tem a palavra a Sra. Deputada Helena Roseta.
A Sra. Helena Roseta (Indep.): - Sr. Presidente, tenho de dar um esclarecimento à Comissão. Não tendo participado no processo de Revisão Constitucional por não ser membro desta Comissão, apresentei nalguns aspectos pontuais propostas de alteração à Constituição, que quando chegar a devida altura em Plenário defenderei, mas neste preciso caso do artigo 232.° entendi que era meu dever vir aqui apresentar os meus argumentos.
Não tenho ilusões acerca do acolhimento que possam vir a ter, mas penso que nestas questões é importante que fiquem salvaguardadas em acta - e portanto no registo que se faz destas discussões - todas as posições. A minha posição não é a posição de nenhum partido nem de nenhum grupo, é a posição de muitos cidadãos, tanto insulares como continentais, que entendem que esta figura do Ministro da República realmente já não faz sentido e estaria na altura de a eliminar. E passo a dizer quais as razões que me levam a sustentar esta posição.
Em primeiro lugar é uma razão de coerência. Em 1975, na discussão da Constituinte, eu era deputada. Vários deputados que estão aqui na sala eram também deputados na altura recordam-se como foi difícil chegar a um acordo sobre os artigos referentes às autonomias regionais; vivia-se nessa altura um período de relacionamento difícil entre o processo que estava a decorrer no continente e o processo de autonomia que estava a decorrer nos arquipélagos dos Açores e da Madeira. Havia muita desconfiança na Assembleia da República acerca dos processos das autonomias, e foi com
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bastante esforço que basicamente os deputados representantes dos Açores e da Madeira conseguiram fazer vingar um mínimo de defesa da autonomia regional na Constituição de 76. Nós consideramos isso uma grande conquista, disse-o pessoalmente em vários artigos, entendi que era extremamente importante, que era um passo na modernização do Estado português. É evidente que na altura ficou definida a figura do Ministro da República com o figurino presente na Constituição, .também ficaram outras soluções que considerávamos serem transitórias, que tarde ou cedo deveriam desaparecer do texto constitucional. Em termos de estrutura geral do Estado, recordo que aceitámos nessa altura a existência de um Conselho da Revolução com uma certa tutela sobre o Estado, e mais tarde entendemos que isso já não fazia sentido e que esse ciclo devia acabar. Por essa razão, por coerência, portanto, entendo que em 1989 devo sustentar o mesmo que sustentei em 1975: o Ministro da República não é necessário, as regiões autónomas não precisam de uma representação especial de soberania - a soberania é representada em todo o País, continente ou ilhas, pelos órgãos próprios -, e é perfeitamente abstruso na minha opinião, e como cidadã o digo, que se crie uma figura especial para essa representação da soberania. Dá ideia de que os cidadãos desses locais precisam, para acreditar na soberania, de ver qualquer coisa de especial. E essa qualquer coisa de especial, ainda por cima, é uma figura que resulta de uns acordos entre o poder político civil e o poder político militar, entre os partidos que estão no Governo e os partidos que estão em Belém, enfim tudo isto contibui para complicar o sistema, e, quanto mais simples ele puder ser, melhor, quanto mais clara for a responsabilidade dos órgãos autonômicos, melhor, e de facto penso que esta figura é completamente desnecessária.
Há pouco o Sr. Deputado José Magalhães citava um documento da Assembleia Regional da Madeira que contém elementos que ele considera perfeitamente idiotas; esses são exactamente os meus argumentos, pouco me importa que me apliquem o mesmo adjectivo, penso que a figura do Ministro da República é um resquício colonial, que representa uma desconfiança nas autonomias e que é um argumento que só vai reforçar aqueles - que serão poucos - que defendem um separatismo entre os arquipélagos e o continente.
Não há paralelo desta figura nas restantes regiões autónomas europeias, penso ser importante que este exemplo europeu seja meditado por nós. Fui dos que batalharam muito desde 1976 - desde a nossa entrada no Conselho da Europa - para que as regiões autónomas tivessem representantes directos nos órgãos do Conselho da Europa, e assim foi. Hoje as regiões autónomas têm um prestígio no Conselho da Europa por trabalho feito pelos seus próprios representantes; as autonomias açoriana e madeirense têm sido apontadas como exemplo, por organismos europeus, da forma de desenvolver todo um sistema autonômico que tem implicações directas no desenvolvimento de arquipélagos que estavam na periferia das periferias - na periferia de Portugal, da Europa, de tudo. Manter esta figura sem qualquer paralelo é de facto obsoleto, é tempo de pôr fim a esta tutela, é desnecessária.
Ainda que a minha proposta não possa ter, por razões de equilíbrios internos partidários que me ultrapassam, o apoio do partido que sempre defendeu as autonomias que foi o PSD, pelo menos faria um apelo para que este advérbio de modo que está no "especialmente" fosse alterado por algo menos desagradável e menos provocatório; ao menos sugeria qualquer coisa que seria correcto na minha visão, que seria, por exemplo, "transitoriamente".
Vozes.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, deseja formular uma - pergunta?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, dada a situação de instante necessidade que o Sr. Deputado Mário Maciel revela de falar, não gostaria de forma alguma de o impedir de consumar de imediato esse ímpeto que não consegue controlar. Inscrevo-me depois!
O Sr. Presidente: - Então, não era uma pergunta?!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Era, era, Sr. Presidente, mas prescindo por deferência, atendendo à citada instante necessidade!...
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Maciel.
O Sr. Mário Maciel (PSD): - As palavras da intervenção do Sr. Deputado José Magalhães estão cravadas na nossa memória, não quero que elas se desvaneçam porque merecem um protesto veemente. E vou aproveitar o facto de elas estarem ainda frescas para imediatamente dizer da minha opinião acerca delas.
Com efeito, o Sr. Deputado José Magalhães começou por ser desleal para com a Mesa, porque, se bem me lembro, o Sr. Presidente...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Desleal!? Não seja incontinente!
O Sr. Mário Maciel (PSD): -... no âmbito das suas funções, pediu que fôssemos sucintos, que não repetíssemos argumentos, que nos limitássemos a tecer considerações sobre novas propostas que tivessem entrado na Mesa, mas o Sr. Deputado José Magalhães fez questão de repetir os mesmos argumentos da primeira leitura, e obviamente que da nossa parte vai ter resposta igual. Vou repetir aquilo que disse na primeira leitura acerca da extinção do cargo de Ministro da República.
Pensamos que essa ideia não deriva de qualquer confronto "fulanizado", seja com quem for. As questões das autonomias e as questões da soberania são muito mais importantes que qualquer general das forças armadas. E, portanto, estamos aqui numa postura de Estado a defender ideias e não estamos apensos a quaisquer quesílias pessoais. Por isso mesmo consideramos que a extinção do cargo de Ministro da República deriva de um conjunto de ideias pilares que são, à partida, a ideia de autonomia tutelada, fiscalizada. O hibridismo da figura, em que há manifestamente uma mistura, uma derivação, do Sr. Presidente da República, e também do Sr. Primeiro-Ministro, fazendo com que o Sr. Ministro da República às vezes não saiba a
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quem se dirigir. Quem é afinal de contas a pessoa que pode orientar as funções do Sr. Ministro da República, o Sr. Presidente da República ou o Sr. Primeiro-Ministro?
Em caso de conflito, quem é que arbitra, quem é, digamos assim, a pessoa a quem o Sr. Ministro da República presta vassalagem?
Este hibridismo da figura é, sem dúvida, uma fonte de incerteza, de indefinição, que faz com que as populações insulares não lhe reconheçam um estatuto que não é manifestamente definido, que não é claro - que é, como eu já classifiquei, obviamente "anfíbio".
Sr. Deputado José Magalhães, uma outra ideia é a do veto de bolso. Obviamente que, através das competências que o Sr. Ministro tem, ele pode bloquear a produção legislativa regional, através do veto. Tem-no feito, com consequências muito desagradáveis para o bom andamento das questões insulares. Aí radica também mais uma fonte de conflitos, que, muitas vezes, são utilizados na sequência de manifesta vontade de demonstrar poder de soberania numa região que é portuguesa, mas que se pretende, afinal de contas, às vezes, subjugada aos interesses de um poder central, arrogante, usurpador. Portanto, também achamos não ser correcto pensar que uma pessoa, só por si, possa significar os valores altos da portugalidade, os valores altos da nacionalidade, os valores do respeito pelas tradições e pelos costumes do povo português. Ó Sr. Ministro da República, quer queiram, quer não, não simboliza, ele próprio, isso. Isso está na consciência das pessoas. E eu não tenho quaisquer dúvidas de que, sem Ministro da República, isso não ficaria em perigo na Região Autónoma dos Açores. Portanto, é manifestamente abusivo querer tirar a ilação de que, extinguindo o cargo de Ministro da República, ficaria imediatamente em perigo a ligação das regiões autónomas aos valores do portuguesismo, da nacionalidade e do respeito pela nação que somos, afinal de contas.
Finalmente, gostaria também de argumentar o seguinte ponto: há pessoas e há partidos que pretendem fazer do Sr. Ministro da República uma fisga contra o Dr. Mota Amaral, contra as autonomias e contra o PSD. O PCP e o CDS, porque são, nos Açores, partidos políticos minoritários, de representatividade insignificante, querem a manutenção do cargo de Ministro da República porque podem aproveitar-se dele como fisga para perturbar e, de certa maneira, prejudicar, dentro dos seus princípios partidários, o andamento das autonomias que o PSD quer imprimir. Também gostaria de denunciar o aproveitamento manifestamente político que o PCP está a fazer dessa questão como se, afinal, o Ministro da República não fosse uma pessoa isenta, não fosse uma pessoa que, com poderes delegados pelo Presidente da República e com assento em Conselho de Ministros, devesse transportar os interesses das regiões autónomas em Conselho de Ministros - o que não está a ser feito. O Sr. Ministro da República, na Região Autónoma dos Açores, não tem feito a defesa, em sede de Conselho de Ministros, dos nossos interesses; e há um conjunto de matérias pendentes que aguardam resolução, sobre as quais o Sr. Ministro da República ainda não disse nada, apesar de ser instado pelo Sr. Presidente do Governo Regional nesse sentido. Isto leva-nos a crer que nem sequer nesse prisma a figura do Sr. Ministro da República tem utilidade.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme da Silva.
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Quando pedi para intervir, pretendia referir-me ao que foi dito pelo Sr. Deputado José Magalhães, e vou fazê-lo, mas a intervenção da Sra. Depuada Helena Roseta, pela sua dimensão e profundidade, merece-me precedência em relação a essa.
Várias coisas ressaltaram da intervenção da Sra. Deputada Helena Roseta, e a primeira que quero salientar é esta: contrariamente ao que muitas vezes se diz, em voz baixa, relativamente às posições que os deputados das regiões autónomas defendem, no que respeita às regiões, designadamente em sede de revisão constitucional, aquilo que nos movimenta, em relação a esta figura do Ministro da República, não é bairrismo faccioso. Esta posição da Sra. Deputada Helena Roseta é uma posição de lucidez universal, e pena é que não tenha havido ainda a sensibilidade para a realidade que são as regiões autónomas, para a força que elas trazem ao movimento regionalista português; pena é que não tenha havido ainda a sensibilidade suficiente para acolher esta experiência, para a aproveitar, para a divulgar, para a aprofundar.
Vemos como, por exemplo, na vizinha Espanha se tem desenvolvido em matéria de comunidades autónomas, em matéria, até, de direito autonômico, em matéria de regionalismo - tudo isto tem avançado. Nós queremos estudar qualquer coisa nestas áreas - pouco temos na nossa doutrina, pouco temos na nossa literatura; e assim, para aprofundarmos qualquer coisa, recorremos a toneladas de literatura que existe já, muita dela bastante profunda, na nossa vizinha Espanha. Também a Sra. Deputada Helena Roseta salientou esse facto, quando lembrou o papel que responsáveis pelas regiões autónomas (porque não dizer os nomes? - O Dr. Alberto João Jardim e o Dr. Mota Amaral) têm tido em organismos internacionais que se inserem nesta área das questões regionais. Todos temos visto o papel e o valor que lhes tem sido reconhecido; eu diria mesmo que, nessa matéria, infelizmente, tem sido maior o reconhecimento lá fora do que o reconhecimento cá dentro. Quer no domínio da CEE, quer no Conselho da Europa, quer em organismos similares, em que as questões de grande actualidade - como nós sabemos -, como são as da regionalização, são debatidas com profundidade e não de costas voltadas para a realidade e para o futuro, como infelizmente aqui se faz entre nós. É dentro deste aprofundar e dentro desta ideia de tornar transparente esta realidade que são as regiões autónomas inseridas no todo nacional, que, como estamos fartos de insistir, tantas vezes, é a melhor solução portuguesa para as ilhas portuguesas do Atlântico.
Como dizia há pouco o Sr. Deputado Maciel, o problema da soberania, o problema da garantia da presença do Estado português, não é através do Ministro da República que se resolve - essa garantia está na consciência nacional dos cidadãos das regiões autónomas. E esta, mau grado determinadas atitudes que, essas sim, são separatistas, é inequivocamente portuguesa; e é num aprofundar dessa mesma consciência que nós insistimos na eliminação do Ministro da República, porque a soberania nas regiões não necessita de ser exercida por interposta pessoa. A soberania, nós
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reconhecemo-la no Presidente da República; e ele está, mesmo sem interposta pessoa, nas regiões - ele está e nós respeitamo-lo e temos, em relação a ele e à sua figura institucional, toda a posição que qualquer cidadão consciente tem. Não precisamos, por isso, desta figura excêntrica, desta figura madrasta (como já alguém lhe chamou), desta figura cinzenta que é a do Ministro da República. Basta fazer um pequeno relance pelo direito comparado - designadamente as regiões italianas, as comunidades autónomas espanholas -, não há esta figura de Ministro da República, todos sabemos que não existe. Portanto isto não tem razão de ser.
Quando se insiste aqui numa eventual utilidade do cargo de Ministro da República, porquanto ainda há determinados serviços que não estão regionalizados e, consequentemente, há uma coordenação através do Ministro da República, há um veicular de pretensões das regiões autónomas para o Conselho de Ministros pelo Ministro da República - sem qualquer reparo pessoal, temos de dizer aqui claramente que o seu contributo, infelizmente, para a resolução efectiva das questões das regiões, designadamente em sede de Conselho de Ministros, é praticamente nulo. Os problemas das regiões autónomas, que dependem, muitas vezes, de soluções do governo central, são resolvidos através de diligências do Presidente do Governo Regional, são resolvidos através de diligências dos secretários regionais, e muitas vezes as soluções tardam ou atrasam-se porque são devolvidas pelo canal do Ministro da República. As soluções são obtidas, não por ele, não por intervenção ou interferência dele, e, quando são concedidas, a sua chegada, os seus efeitos, os seus resultados atrasam-se porque vêm pelo canal do Ministro da República. Andamos, muitas vezes, a tentar saber onde está o ofício, a transferência, ou outra coisa qualquer - e está com o Ministro da República há um, dois ou três meses! Esta é que é a realidade. E isto não serve - nem em termos funcionais, nem em termos meramente administrativos. Portanto, uma figura destas não interessa à região, nem interessa ao País.
Ainda dentro da ideia, também muitas vezes veiculada, de que a eliminação do Ministro da República porá em causa a unidade nacional, porque não existirá tal representação física e pessoal da soberania e do Estado - também a este respeito queria dizer que, no nosso projecto, transferimos poderes, e poderes que estão próximos dos atributos da soberania, para o Presidente da República. A pergunta que eu deixo é esta: se, num projecto em que se propõe a eliminação do Ministro da República, se propõe a transferência dos poderes que lhe competem, em áreas importantes, para o Presidente da República, esta solução é, ou não, mais unificadora do que a subsistência do Ministro da República, interposta pessoa em termos de soberania? Esta é a pergunta que eu queria aqui deixar.
O Sr. António Vitorino (PS): - Peço desculpa, entendo que a Mesa não devia permitir que se reeditasse um debate que já foi tido nesta Comissão, quando da primeira leitura. Só espero que o seu partido lhe dê tempo para V. Exa. fazer esse discurso inflamado no Plenário da Assembleia da República - é aí que a coragem de certas afirmações deve ser admitida, e não aqui, no silêncio desta Comissão. V. Exa. está a fazer um processo de intenções intolerável, depois de ter ha-
vido aqui um debate, na primeira leitura, onde foram serenamente esclarecidos quais os limites e as dificuldades da extinção da figura do Ministro da República. V. Exa. está a introduzir aqui, propositadamente, um factor de dramatização, um factor emocional (que, pela primeira vez, vem da sua parte - o que muito me surpreendeu), como se não tivesse participado no debate da primeira leitura!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme da Silva.
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Penso que o carácter emocional é mais do Sr. Deputado António Vitorino do que meu, porquanto V. Exa. até teve necessidade de me interromper. Só lhe aceito porque foi uma atitude emotiva mas...
O Sr. António Vitorino (PS): - Não, não é nada emotiva.
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Se não fosse, não me teria interrompido!
O Sr. António Vitorino (PS): - Foi apenas para evitar a abertura de um precedente e para lhe chamar a atenção para o facto de que a seriedade de um debate deste género pressupõe que V. Exa. não passe por cima do facto de ter havido um debate exaustivo na primeira leitura sobre esta matéria. Até parece que V. Exa. nunca discutiu connosco esta matéria.
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - V. Exa. chegou um pouco tarde em relação a esta questão. Percebo as suas preocupações e vou dar-lhe uma razão para o tem e conteúdo da minha intervenção. O Sr. Presidente chamou-nos a atenção para que não reeditássemos aqui a argumentação que tínhamos produzido sobre esta matéria aquando da primeira leitura; eu intervim, o Sr. Deputado Maciel interveio e tomamos essa cautela: não reeditámos essa argumentação. O Sr. Deputado José Magalhães, apesar da recomendação do Sr. Presidente, repetiu, acrescentou e fez a leitura (tenho aqui, à minha frente, a acta da primeira leitura, na qual o Sr. Deputado José Magalhães teve a amabilidade - fez-nos esse favor - de valorizar a sua intervenção com essa leitura) do documento da Assembleia Regional da Madeira. Nessa altura leu-o de uma cópia dactilografada; hoje voltou a ler do Diário da República onde veio publicado. Tenho-o aqui à minha frente, e V. Exa. 8 hoje adiantou toda a leitura do documento da Assembleia Regional da Madeira como se estivesse a apresentá-lo pela primeira vez - e reeditou os comentários que fez na primeira leitura. Daí a necessidade de nós, aqui, também voltarmos a contrapor ao Sr. Deputado José Magalhães as questões com as quais o Sr. Deputado António Vitorino tanto se incomoda por estar a ouvi-las pela segunda vez. Sr. Deputado, eu ouço tanta coisa, da parte da sua bancada, três, quatro ou cinco vezes! Isso também me cansa, mas tenho de o ouvir. V. Exa. veio tarde, este processo já estava desencadeado; mas a razão de ser é esta.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Guilherme da Silva, V. Exa. não tem razão nenhuma! Porque, se eu apenas repeti o que disse na primeira lei-
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tura, V. Exa. não tinha o direito de se indignar, virginalmente, como está a fazer agora. Eis a prova mais provada de que a sua indignação é postiça! Porque, nessa altura, o Sr. Deputado Guilherme Silva não disse nada daquilo que está a dizer agora. Portanto, aconteceu qualquer coisa de novo no Atlântico entre a primeira e a segunda leitura. É isso que o leva a encenar esta explosão de indignação, e não a minha intervenção.
O Sr. António Vitorino (PS): - Nesta matéria, nós, PS, também não repetimos as nossas argumentações da primeira leitura - como é óbvio!
O Sr. Presidente: - Só queria chamar a vossa atenção para o seguinte: logo no início, não era difícil prever que teríamos facilmente alguma violação do Regimento, que, sublinho, nós livremente nos auto-impusemos. Chamei a atenção de VV. Exas. para a necessidade de não repetirmos coisas que já tínhamos dito.
Também é verdade que este debate se está a fazer agora já numa fase de votação, pelo que seria útil não nos atardarmos excessivamente com coisas que, embora muito importantes; já foram reiteradamente ditas e reditas.
A circunstância de termos hoje uma participação particularmente alargada na Comissão, naturalmente, conduziu (não tivemos oportunidade de ouvir na primeira volta alguns dos Srs. Deputados que aqui, neste momento se encontram presentes) a que não fosse muito respeitada (eu diria que foi bastante desrespeitada) essa regra.
Tem sido norma de condução destes debates tentar, pela persuasão persistente, que consigamos discutir as matérias, mesmo as mais delicadas, com liberdade, mas sem ultrapassarmos, nem do ponto de vista emotivo, nem de outros, aqueles que são os limites razoáveis de uma discussão inteligente e que venha a ser útil entre pessoas que se respeitam. De contrário, acabamos por perder tempo e, provavelmente, agastarmo-nos, prejudicando aquilo que devia ser o aprofundamento das questões. Antes de termos, eventualmente, de encarar as coisas de uma outra maneira, gostava de vos solicitar que esses meus pedidos, esses meus esforços de persuasão, pudessem obter resultados.
Tem sido assim no passado, embora porventura com algum sacrifício da nossa paciência; não há razão para que não seja de outra forma neste momento. Isto inclui todos os Srs. Deputados!
Queria pedir ao Sr. Deputado Guilherme da Silva o favor de continuar e de concluir a sua intervenção, visto que temos ainda alguns Srs. Deputados inscritos.
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Sr. Presidente, vou continuar e vou concluir com brevidade.
Só queria dizer ao Sr. Deputado António Vitorino o mesmo que disse ontem ao Sr. Deputado José Magalhães. Trata-se de uma insinuação do mesmo tipo - saber se eu teria a coragem de assumir estas posições em Plenário ou em qualquer outro lado.
Eu chamei a atenção do Sr. Deputado José Magalhães, o que não é a primeira vez, de que a propósito de questões relativas às regiões autónomas (e até outras) tenho tomado posições discordantes daquela que é a posição do meu partido. Felizmente, e talvez isso distinga, apesar de tudo, o meu partido dos demais,
não me aconteceu até hoje absolutamente nada em função disso. Veja-se, por exemplo, a própria circunstância de ter subscrito um projecto de revisão constitucional diferente do projecto de revisão constitucional do meu partido; e outras situações que o Sr. Deputado António Vitorino conhece têm-me levado a assumir essa posição.
Esteja perfeitamente tranquilo, que a posição que eu aqui assumi (não é por estar aqui, com estas portas fechadas) assumirei igualmente em Plenário. Posso desde já garantir-lhe também, que nada me acontecerá em termos partidários, porque no meu partido, felizmente, há esta democraticidade, há esta abertura, há esta tolerância, e, apesar de tudo, ainda será o Partido que mais e melhor tem compreendido as autonomias.
O Sr. António Vitorino (PS): - Também não desejava que lhe acontecesse qualquer coisa, claro!
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): -- Mas pode estar tranquilo que não me acontece!
Vozes.
O Orador: - Não sei se no seu partido, se fosse uma situação idêntica, aconteceria ou não...
O Sr. António Vitorino (PS): - Pode estar descansado, Sr. Doutor! Nós de si não recebemos lições sobre a afeição à democracia.
Vozes.
O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Não queria adiantar mais, até porque vejo que estou a cansar demasiadamente alguns dos Srs. Deputados. Não quero que me imputem essa circunstância e que agrave esse cansaço.
A história julgará a posição que se tomar relativa a esta e outras matérias em sede de revisão constitucional, respeitante à parte das regiões autónomas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Marques Júnior.
O Sr. Marques Júnior (PRD): - Sr. Presidente, não tenho tido oportunidade de aqui participar, com a assiduidade que desejaria, relativamente à matéria da revisão da Constituição. Estando a ser debatida esta questão, gostaria de me pronunciar relativamente a este ponto em concreto.
Inicialmente tinha previsto dizer que, na substância, concordaria com a intervenção que nesta segunda leitura foi feita pelo Sr. Deputado Almeida Santos, depois de, naturalmente, ter tido o cuidado de ler, com a atenção possível e com o tempo possível, o debate que foi feito na primeira leitura.
Fiquei, no entanto, sensibilizado pela intervenção da Sra. Deputada Helena Roseta, que no campo dos princípios relativamente a este problema do Ministro da República colocou as questões que nos poderiam orientar num sentido diferente daquele que está previsto nas propostas de alteração dos vários partidos. A Sra. Deputada Helena Roseta referenciou, na sua intervenção, alguns elementos que me parecem, apesar
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de tudo, significativos e de reter, nomeadamente quando referiu que tem sido reconhecido, mesmo internacionalmente, que as regiões autónomas têm sido capazes de desenvolver de uma forma adequada a sua própria autonomia.
É evidente que existe o Ministro da República, hoje e agora, embora pense que as críticas que foram feitas, nomeadamente por dois deputados das regiões autónomas aqui presentes, me levem a concluir que o problema do Ministro da República não é tanto a sua desnecessidade em termos formais, mas a sua própria operacionalidade, no sentido de ajudar, incentivar e desenvolver a autonomia.
Como foi referido aqui há pouco pelos meus colegas do PS, quase poderíamos dizer que necessitaríamos era de um Ministro da República mais "simpático" do que aqueles que temos tido nos Açores e na Madeira ("simpatia" no aspecto abrangente, e não no aspecto, puro e simples, do sorriso mais ou menos adequado ou de serem mais ou menos gentis).
Nas intervenções que foram feitas, muitas vezes se questionava o Ministro da República, numa perspectiva dos militares. Fui novamente ler o artigo 232.° da actual Constituição (que refere a representação da soberania da República) e não vi que nenhum Ministro da República tivesse de ser militar, o que penso que não é uma imposição constitucional.
É evidente que também não é pelo facto de haver um cidadão que é militar que deve ficar excluído da possibilidade de ser Ministro da República, embora não pense que um militar tenha uma característica específica que, só por si, o deva aconselhar a ser Ministro da República.
Compreende-se, do meu ponto de vista (político e não só), a veemência dos deputados das regiões autónomas quando referem - o que sublinho com muito agrado (aliás, não podia deixar de ser de outra maneira) - o seu acrisolado patriotismo, que nunca poderia de qualquer maneira ser posto em causa; mas também não posso compreender em que medida é que uma operacionalização adequada do Ministro da República possa ser um elemento negativo. Até poderia reverter um pouco a maneira como se questiona o problema do Ministro da República, em termos do princípio e não da sua actividade em concreto. Quase que poderia justificar-se por si só a existência do Ministro da República. Mas não quero fazer esse raciocínio! É simplesmente um alerta para a maneira como se defende determinado tipo de posições.
Gostaria ainda de dizer à Sra. Deputada Helena Roseta, só em termos de fait divers, que a existência do Conselho da Revolução na Constituição em 1976 (que os constituintes entenderam como um período transitório) foi assim assumida também pelos próprios membros do Conselho da Revolução e, creio, pela generalidade das forças políticas. Nós sempre entendemos que, efectivamente, essa situação era de transitoriedade. E recordava aqui - porque eu era membro do Conselho da Revolução - que, quando se previa que a revisão da Constituição tivesse sido feita um ano antes, nós próprios tivemos oportunidade de fazer um comunicado público a alertar para o atraso do processo de revisão da Constituição.
No essencial, devo confessar que me sensibilizam as propostas de alteração apresentadas pelo PS relativamente a essa questão.
O Sr. Presidente: - Inscrevi-me como parte, porque gostaria de referir, de uma maneira sucinta (não repetindo os argumentos que já usámos anteriormente, ou procurando não repeti-los), o que é que é o nosso pensamento, ou mais exactamente neste momento (para evitar falar em nome de alguém) o meu pensamento.
Em primeiro lugar, penso que nós temos de reconhecer que a história tem o seu peso e que não é possível esquecer (estou a pensar concretamente nesta matéria) que a Constituição de 1976 consignou uma determinada solução e que, a partir daí, se teceu uma luta, uma pugna política, mais ou menos feliz, consoante as perspectivas.
No meu entendimento, é claro que, em primeiro lugar, as pessoas que vivem nos Açores e na Madeira são portugueses porque o querem ser! Não porque haja um Ministro da República, não porque haja qualquer coacção do ponto de vista do Estado, mas porque livremente ú querem ser.
E também devo dizer que, em minha opinião, se o não quisessem ser, eram livres de o não ser. E a questão acabaria aqui, encetando-se uma outra historia.
Uma nação faz-se de uma convivência voluntária, não se faz de situações coloniais. Penso que isto é muito importante, não apenas para aqueles que, porventura, defendem uma posição a favor do Ministro da República, como para os que defendem uma posição contra o Ministro da República.
O primeiro ponto é este: nós temos de ter clara consciência, em qualquer circunstância, de que não é por se defender politicamente uma determinada solução que as pessoas que vivem nos Açores e na Madeira deixam de ser portuguesas. Quem, do continente ou não, nascido nos Açores ou na Madeira, lá foi sente isso e sabe isso!
Penso que isto é fundamental, e digo-o ainda mais à vontade quanto a acontecimentos recentes, que pelo menos exprimiram algumas reticências sobre a capacidade de ajuizar do presidente desta Comissão, pois que, como os outros elementos da Comissão, foi envolvido no qualificativo genérico de "gente medíocre"...
Portanto, e independentemente de haver ou não pequenas quezílias artificialmente criadas por quaisquer oportunismos políticos de campanário, o facto fundamental e verdadeiramente relevante é o de que açorianos e madeirenses são tão portugueses como os demais porque assim livremente o querem.
Segundo ponto: nós defendemos a ideia de que era importante, ao contrário daquilo que sustentou o Partido Socialista, integrar a figura do Ministro da República no governo central. Parece-nos, assim, que não é altura nem é ainda chegado o momento de extinguir a figura. Isso teria, do ponto de vista político, um significado que não lhe queremos atribuir, pelo menos na actual conjuntura. No entanto., parece-nos útil acentuar o aspecto de coordenação dos serviços nacionais no território. Há um problema que, reconheço honestamente, a nossa proposta precisa de resolver relativo à competência que neste momento tem o Ministro da República no que respeita às funções legislativas regionais, portanto os problemas relacionados com a assinatura e a ordem de publicação dos decretos legislativos regionais
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e quanto ao veto, É um problema sério e que tem de ser encarado. Se, como fizemos na primeira leitura, realizarmos o exercício de saber como é que as coisas funcionarão sem Ministro da República, teremos de resolver esses problemas, os quais poderão ter obviamente várias soluções.
Isso para vos dizer que me parece que porventura não será o melhor serviço nem de um lado nem de outro analisar essa matéria com excessiva paixão, porque se acaba por emprestar uma importância à figura que ela em rigor não deveria revestir.
Ouvi atentamente os Srs. Deputados Helena Roseta, Guilherme da Silva e Mário Maciel e aqueles que anteriormente expressaram posições contrárias. É um problema onde há naturalmente muita emoção, muita paixão de coisas vividas, mas a verdade é que não há soluções eternas. Penso que, sem que se me afigure ser possível introduzir o advérbio "transitoriamente" no texto constitucional, porque hoje não estão criadas condições para isso, que esta solução há-de ser transitória em termos de uma reestruturação adequada do Estado português, e que provavelmente poderá ser facilitada não apenas pela evolução política daqueles que mantêm e pretendem manter a figura política do Ministro da República, mas também por aqueles que neste momento se lhe opõem e que nem sempre têm facilitado soluções que permitam ultrapassar o estádio em que nos encontramos.
É por isso que nós subscrevemos essa proposta. Não tempos grandes ilusões de que ela venha a obter a maioria qualificada. Provavelmente a situação neste momento e neste debate não permitirá ir mais além. O que julgo que é extremamente importante, e nesse aspecto a primeira leitura foi algo significativo, é proceder a uma análise serena e tanto quanto possível desapaixonada que permita lançar as pistas para que os problemas venham a ser ultrapassados. Se insistirmos em fazer uma discussão em que o sentimento predomina sobre a razão, seja espontaneamente, seja por reacção a declarações alheias, naturalmente que acabaremos por não conseguir obter esses resultados.
Penso que a primeira leitura foi exemplo de uma boa discussão. O material que ali está é um material a meditar. Sinto-me perfeitamente aberto a caminhar e a evoluir. Talvez até o pudesse fazer mais rapidamente, se as circunstâncias fossem outras. Gostaria que não fechássemos esse caminho de evolução e de análise dos problemas pela circunstância de nos radicalizarmos em posições que são mais ditadas pela paixão do que por uma meditação e uma análise espectral em relação às questões que são efectivamente postas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, não tenho necessidade de reproduzir o que já disse quer na primeira quer na segunda discussão. Compreendo e respeito todas as posições que foram defendidas. Penso que a razão não estará integralmente em nenhum dos lados. Até compreendo a razão por que sou contra as pessoas que não se apaixonam.
Gostaria de dizer que não posso deixar sem protesto - e o Sr. Deputado Mário Maciel não me vai levar a mal - as referências feitas, tais como o de um poder central arrogante usurpador, por exemplo a de um Ministro da República anfíbio, "figura cinzenta", etc.. Gostaria de dizer que, enquanto essa figura não for ex-
tinta, é o representante da soberania e do Presidente da República que o nomeou. Portanto, acho que se deve o mínimo de respeito a uma figura que está consagrada na Constituição, que representa quem representa e é nomeado por quem é. Como tal deveria ser imune ao uso de expressões como as que referi.
Gostaria também de dizer que, se os proponentes da extinção da figura do Ministro da República pretendem convencer-me de que era melhor a solução de a soberania da República ser representada pelo próprio Presidente do Governo Regional, não estou de modo nenhum receptivo a esse tipo de argumentação ou de proposta. Como é óbvio, também não estou receptivo a que o Presidente do Governo Regional coordene as funções da sua própria competência com as funções da competência dos ministros e secretários de Estado da Republica.
Finalmente, gostaria de dizer que o exemplo das autonomias espanholas não é um bom exemplo para as autonomias portuguesas. Espero que as autonomias portuguesas possam ter mais sucesso do que as autonomias espanholas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mota Torres.
O Sr. Mota Torres (PS): - Sr. Presidente, eu queria manifestar o meu acordo com a parte genuína da argumentação da Sra. Deputada Helena Roseta. E digo genuína naquilo que foi a argumentação inicialmente produzida pela Sra. Deputada antes de dar o seu acordo àquela que tinha sido expendida pelo Sr. Deputado José Magalhães. Concordo com a primeira parte da sua argumentação, mas não com a segunda.
Votarei favoravelmente a eliminação do cargo de Ministro da República e abster-me-ei em relação às propostas do Partido Socialista sobre esta matéria. Gostaria que isto ficasse registado em acta.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, tive o cuidado de não exercer o direito de protesto, nem invocar o direito de defesa. Poderia tê-lo feito face a determinadas observações feitas pelos Srs. Deputados Mário Maciel, Guilherme da Silva, com o assentimento de outros dos autores do projecto n.° IO/V.
Entendemos que o espírito do debate deve ser radicalmente oposto a este. Mais: aquele resultado que foi alcançado na primeira leitura e que deveria ser real-cançado nesta só não o foi por responsabilidade dos Srs. Deputados do PSD, ou pelo menos de alguns dos Srs. Deputados do PSD.
Se alguma coisa é visível neste momento é que nem todos os apoiantes da subsistência do Ministro da República têm as mesmas razões e os mesmos fundamentos, e nem todos os apoiantes da extinção querem o mesmo pelas mesmas razões e com os mesmos fins. Pela nossa parte, nós não confundiremos nunca as posições, por exemplo, do Dr. Alberto João Jardim (e as posições dos arautos da FLA ou dos separatismos de todos os matizes) com os argumentos e posições que a Sra. Deputada Helena Roseta aqui trouxe, quaisquer que sejam as tentativas de colagem desastrada que tenham ocorrido e que ainda venham a ocorrer. Para nós
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todas as questões são discutíveis. Mais: todas devem ser discutidas. Mais ainda: procurámos discuti-las. Evocar a génese constitucional da figura do Ministro da República é legítimo. A Sra. Deputada Helena Roseta fê-lo, de resto com toda a legitimidade, porque participou activa, pessoal e historicamente neste processo. Mas importa não deixar de fazer também uma reflexão sobre a caminhada que fizemos neste campo.
Aquilo que a Sra. Deputada Helena Roseta pôde descrever como tendo sido o resultado de um equilíbrio precário obtido num contexto que igualmente nos evocou, ao longo destes anos estabilizou, sedimentou-se. Pontos de vista que outrora eram sufragados apenas por uma parte do arco-íris ou do espectro político-partidário da Assembleia da República são hoje património comum, largamente subscrito, pacífico quanto aos seus contornos, plasmado já, em muitos pontos, no estatuto político-administrativo dos Açores. Gostaríamos que outro tanto acontecesse em relação à Madeira. Hoje em Portugal há em torno de questões fundamentais da arquitectura das autonomias um consenso que é precioso para conseguir resolver alguns problemas que o Estado democrático português tem pendentes. As autonomias são um bom instrumento para isso. Ainda recentemente, quando se fez a reflexão sobre isto no quadro da chamada Assembleia Geral da Assembleia das Regiões da Europa, realizada na Madeira, foi possível procurar pesquisar algumas das pistas para resolver o problema do papel das regiões no contexto da criação do Mercado Interno Europeu. São problemas melindrosos, difíceis, e para os quais ninguém tem den= tro do bolso uma solução milagrosa, expedita e rígida. Este é o problema real, estes são os desafios, as dificuldades.
O quadro jurídico-constitucional precisa de que obras para enfrentar as actuais dificuldades? Essa é a boa pergunta e é para essa que é necessário encontrar uma resposta. É esta medida (extinção do Ministro da República) uma das medidas úteis necessárias e adequadas para resolver esses problemas?
Como garantir o bom funcionamento das autonomias, como garantir o desenvolvimento das economias regionais, a justa partilha daquilo que sejam os frutos do contributo comunitário a ser distribuído nacionalmente (abrangendo, portanto, as regiões)? Para se alcançarem os objectivos necessários nessa esfera - e para isso faltaria a estratégia adequada - é preciso tomar que [...] no plano jurídico-constitucional? Repito: estas é que são as boas perguntas.
É obvio que em termos jurídico-constitucionais, em termos de pura dogmática, a figura do Ministro da República tem especialidades de construção que a tornam uma construção constitucionalmente difícil. Isso é um facto reconhecido por todos os quadrantes. Sobre isso não há nenhuma dúvida! Analisando o estatuto do Ministério da República, toda a gente verifica que não representam, não são um órgão das regiões autónomas, mas têm funções de representação da República. Não são órgãos de soberania, e, todavia, cabe-lhes representá-la. Têm funções relacionadas com os órgãos de poder regional, mas também têm funções de superintendência, de gestão de serviços, de articulação entre serviços, e nessa dupla dimensão devem desenvolver a sua acção. Isso é sabido, é reconhecido.
Mais: esse cargo é susceptível de uma só figuração e de um só modo de exercício? É falso: é susceptível de muitas figurações e de muitas formas de exercício. Não há um padrão único para o exercício do cargo, não há um modelo único para o exercício do cargo, e, como a experiência das duas regiões prova, são naturalmente diferentes os modos como o cargo foi exercido na Região Autónoma da Madeira e na Região Autónoma dos Açores. A esse respeito considero que é lamentável que o Sr. Deputado Guilherme da Silva tenha vindo aqui afirmar em concreto que os Ministros da República seriam "inúteis no Conselho de Ministros", que só serviriam para "reter papéis", etc.
Srs. Deputados do PSD, tenho dezenas e dezenas de recortes de jornal onde há palavras de apreço do Presidente do Governo Regional da Madeira em outras conjunturas, em outras alturas, pelo papel positivo desempenhado pelo Ministro da República na obtenção de financiamentos para a região. VV. Exas. não podem ter duas, três ou quatro faces nessa matéria! Não podem nuns casos lisonjear o Ministro da República pelo bom exercício de funções e aqui na Comissão de Revisão Constitucional vir dizer precisamente o contrário. Nem sequer é leal, para utilizar uma palavra que VV. Exas. gostam tanto de, marialvamente, utilizar.
Vozes.
O Orador: - A questão para nós, Sr. Presidente, não tem a ver com o reconhecimento da origem jurídica da figura do Ministro da República nem com os seus contornos. A questão, como sempre acontece quando se propõe a supressão de uma figura, é a de saber quais são as consequências dessa eliminação. Em regra, propõe-se a eliminação de um determinado instrumento para o substituir por outro mais apto. É isso que é normal na eliminação do que quer que seja.
E é aqui que todas as dificuldades de construção começam...
Não foi por acaso que no processo de reflexão que teve lugar na Região Autónoma dos Açores, no âmbito da Comissão Especial para a Revisão Constitucional e depois no âmbito do Plenário, se caminhou gradualmente de uma proposta tendente à supressão para a ideia de nada alterar. Pelo caminho foram abordadas várias soluções, a que eu aludi - Ministro único para as duas regiões, um Ministro, mas com outras funções.
O processo de reflexão, que foi um processo o mais consensual que é possível imaginar, conduziu a que se ponderasse (e nisso teve peso, suponho eu, o diálogo que teve lugar, nesta mesma sala, com uma delegação da Assembleia Regional dos Açores) que o quadro decorrente da eliminação tinha, ele próprio, espinhos, que não podiam ser subestimados. Esta é a questão que verdadeiramente me parece importante.
Sra. Deputada Helena Roseta, coloco-lhe a seguinte questão. Se V. Exa., que propõe a eliminação deste artigo, visse aprovada tal solução, teria nos braços a seguinte questão constitucional: quem exerceria as funções que hoje são do Ministro da República, em todos os aspectos? Creio que V. Exa. pensa sobretudo nos administrativos, mas chamo a atenção para os outros, para os aspectos relacionados com a formação dos órgãos de governo próprio das regiões. Repare V. Exa. que, se fosse o Presidente da Assembleia Regional a
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exercer funções como a assinatura de diplomas, criaríamos o mais melindroso e espinhoso - diria quase absurdo - dos sistemas, que não asseguraria, minimamente, o exercício de funções soberanas, como, aliás, toda a gente reconhece. Se V. Exa. atribuísse ao Presidente da República essas funções, isso implicaria transformar o Presidente da República num órgão de intervenção permanente na vida política das regiões. E isso, Sra. Deputada, teria consequências que são a todo o custo de evitar. O Presidente da República não deve constituir-se em agente da conflitualidade corrente da vida política regional. O Presidente da República não deve ser confrontado com a necessidade de assinar ou vetar um diploma regional.
E mais: seria impensável que se transpusesse para o Presidente da República, por exemplo, o conflito que há dias acabou no Tribunal Constitucional - como sempre estas coisas acabam por terminar -, quando foi declarada inconstitucional, pelo Acórdão n.° 183/89, de 17 de Fevereiro, a norma n.° 4 do artigo 35.° do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores, segundo o texto resultante da revisão da Lei n.° 39/80, de 5 de Agosto, pela Lei n.° 9/87, de 26 de Março, na parte em que tornava obrigatória, para o Ministro da República, a assinatura dos decretos da Assembleia Regional, que, apesar de haverem sido objecto relativamente a qualquer norma de juízo de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional, viessem a ser confirmados por maioria de dois terços dos deputados em efectividade de funções.
O Sr. Mário Maciel (PSD): - Quem pediu foi o Sr. Ministro da República.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto. Pedida pelo Sr. Ministro da República no cumprimento das suas funções de defesa da legalidade democrática.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados vamos ver se conseguimos circunscrever-nos a esta discussão, não repetindo os argumentos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas este foi o argumento que o Sr. Presidente acabou de usar há momentos.
O Sr. Presidente: - Mas usei-o durante dois minutos, e V. Exa. está a falar há dez.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não tenho culpa que V. Exa. seja um prodígio de síntese! Eu não o sou...
O Sr. Presidente: - Pode ser, se quiser.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O que suscita, como é evidente, um problema que os Srs. Deputados não resolvem ou que, pura e simplesmente, subestimam. Entendem que deve ser o Sr. Presidente da República a assumir funções como as que descrevi? Parece-me totalmente absurdo. Não deve ser, o Presidente da República não deve assumir esse tipo de funções. VV. Exas. criam com a vossa proposta de eliminação um edifício incompleto, incongruente e que não dá resposta, no momento histórico presente, aos problemas que verdadeiramente se colocam.
Perguntam-me os Srs. Deputados: e no século XXI, algures, a actual solução será necessária? Respondo-lhes que não sei, não sabemos. Tal como em 1975 se gerou esta solução, que hoje em dia não há condições para substituir, não sabemos se num outro qualquer momento histórico se gerarão outras condições que legitimem outro juízo, outro raciocínio e outras propostas.
O Sr. Presidente: - Muito bem. Agora vamos ouvir o Sr. Deputado Raul Castro. V. Exa. ainda não terminou, Sr. Deputado José Magalhães?
O Sr. José Magalhães (PCP): - São estas as razões pelas quais nós não podemos alterar a nossa posição neste domínio. Mas, repito, seria terrível, péssimo, que por causa de um debate deste tipo, feito neste tem, se perdesse de vista que é possível melhorar em alguns aspectos - pelo menos dois - o estatuto constitucional do Ministro da República. É esse o risco que se corre! Corre-se o risco de, por votações cruzadas, os Srs. Deputados não votarem a proposta do PCP; a proposta do PS não ser objecto de votação que lhe dê eficácia para efeitos constitucionais; as propostas das regiões autónomas não obterem, como é óbvio, os dois terços; a proposta da Sra. Deputada Helena Roseta também não. Logo, há um match nulo. A isto pode, talvez até, chamar-se um jogo do galo, que é um jogo de destruição recíproca e total, em que ninguém colhe vantagens!
O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Deputado José Magalhães. Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, em relação a esta questão desejaríamos, e até pela primeira vez, marcar aqui uma posição, que seria breve, para tranquilidade do Sr. Presidente. Diríamos que em primeiro lugar importa sublinhar o seguinte: já se falou aqui nos anos de 74 e 75, e daí pensar que não será de mais relembrar que foi justamente a esses anos, mais concretamente ao 25 de Abril, que se ficou a dever a autonomia das regiões da Madeira e dos Açores. E aquilo que aparece na Constituição e que nela permanece depois da 1.ª revisão é, por um lado, algo que consta dos próprios limites materiais de revisão constitucional e, por outro lado, uma série de disposições que estabelecem linhas de arquitectura nas quais não me parece possível introduzir a alteração da eliminação do Ministro da República sem necessariamente mexer com todas essas grandes linhas de arquitectura no que diz respeito às regiões autónomas. Recordaria que, quer aquilo que figura na alínea a) - respeito pela independência nacional e unidade do Estado - quer o que figura na última alínea do artigo 290.° - autonomia político-administrativa dos arquipélagos dos Açores e Madeira - não aparece tocado, embora alguns projectos - a nosso ver ilegitimamente - não tenham respeitado diversas alíneas dos limites materiais de revisão, nenhum projecto altera estes limites; nenhum mexe com estes dois limites. Isto significa que se faz uma clara distinção, que aparece nomeadamente transposta nos artigos 229.° e 231.°, entre o que são pessoas colectivas de direito público e o que são órgãos de soberania. As regiões são pessoas colectivas de direito público, não são órgãos de soberania. E por-
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que não são órgãos de soberania é que efectivamente se sente a necessidade, na Constituição, de estabelecer uma forma de assegurar a representação da soberania naquilo que são pessoas colectivas de direito público. Daqui resulta, a nosso ver, que a proposta isolada de eliminação do Ministro da República nem sequer se poderia coadunar com todas as linhas de arquitectura constitucional no que respeita à autonomia das regiões dos Açores e da Madeira.
Estas simples razões, desapaixonadas razões, porque na realidade nem sequer, no que diz respeito a estas disposições quer do artigo 229.°, quer do artigo 231.°, há propostas dos deputados da Madeira para as alterar, significam que se iria precipitadamente eliminar o que é uma consequência de princípios que são aceites unanimemente, sem eliminar previamente, ou pelo menos procurar fazê-lo, aquilo que condiciona a proposta que ora se apresenta. Por estas razões, porque se me afigura que esta medida isolada colide frontalmente com a própria regulamentação genérica e fundamental da Constituição, não lhe poderemos dar o nosso voto.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Helena Roseta.
A Sra. Helena Roseta (Indep.): - Como fui referida pessoalmente por algumas das intervenções anteriores, não queria deixar de fazer aqui uma nova intervenção, tentando ser o mais sintética possível.
Em primeiro lugar, e em resposta ao Sr. Deputado Marques Júnior, devo dizer que a figura do Ministro da República, tal como ela está prevista neste artigo 232.°, tem, por um lado, um carácter simbólico e por outro, um carácter operacional. É sobretudo o carácter simbólico que ponho em causa, em termos de princípio. Penso que esse símbolo é desnecessário e até vexatório para quem viva e seja de lá, porque é como se as pessoas que vivem nos Açores e na Madeira precisassem de um símbolo especial para se considerarem dentro da soberania portuguesa. Portanto, é esse carácter simbólico que eu definitivamente condeno por espúrio. Foi uma solução encontrada nas condições históricas que já referi, isto é, por haver alguma desconfiança no continente em relação ao processo que estava a decorrer lá. Esta é a razão principal que leva a que se procure, de certa maneira, com uma solução simbólica, contrapor um processo que poderia levar a caminhos que aqui no continente se não queriam. Tudo bem, mas o carácter de símbolo é hoje absolutamente obsoleto e é por isso que aplaudo, com toda a minha veemência, todas as pessoas que aqui referiram a ideia de que "ainda não chegou o tempo"; "não há soluções eternas" - como dizia há pouco o Sr. Presidente - "talvez um dia mais tarde outra solução seja melhor"; "foi um equilíbrio precário" - como disse o Sr. Deputado José Magalhães. Portanto, se nós, de toda esta discussão, retirarmos, ao menos, a ideia de que este carácter simbólico não é definitivo nem eterno, já acho um ponto assente, porque a partir do momento em que é um símbolo que pode ser posto de parte, mais fácil será então discutir a operacionalidade e a solução política para tudo isto.
Retiro também da sua intervenção uma outra ideia. Penso que era importante para uma solução política futura deste problema alguma negociação relativa à operacionalidade. Não penso que esta figura, tal como está prevista e consagrada na Constituição, conduza a qualquer espécie de operacionalidade. Vejamos a operacionalidade, isto é, a coordenação dos serviços da Administração. É completamente contraditório com os mecanismos das novas tecnologias de tratamento da informação pensar que uma figura designada por um determinado órgão daqui, que está lá num palácio qualquer, tem mais condições para coordenar a articulação dos serviços do que programas de informação bem trabalhados, com os terminais bem colocados e com uma informação bem passada de um lado para o outro. O que acontece hoje em muitos desses serviços - pelo menos na Região Autónoma da Madeira, que conheço mais de perto - é que a articulação com os serviços centrais é feita pelos respectivos directores, que vêm ao continente tratar directamente nas sedes dos respectivos departamentos com o respectivo responsável da informática o que hão-de fazer lá. É assim que se articulam, porque também lhe digo, Sr. Deputado, um telefonema da Madeira ou dos Açores para Lisboa ou uma viagem dos Açores ou da Madeira a Lisboa, se calhar tudo somado, é mais barato do que a existência de uma figura com um palácio e serviços próprios. Penso que o caminho da modernidade levará tarde ou cedo a encontrar outras soluções para a articulação operacional de tudo isto.
Resta o tal carácter simbólico de que o Sr. Deputado José Magalhães falava. Isto é, então quem é que assinava os decretos? O Presidente da República? Nem pensar nisso, pois seria totalmente disparatado. Se nós caminhamos para a autonomia confiando na capacidade de autogoverno das pessoas, não iríamos voltar atrás pedindo ao Presidente da República que assinasse tudo.
Bem, mas se a grande dúvida é saber quem assina, então admira-me muito que V. Exa. não tenha posto aqui o problema - porque também consta dos limites materiais da revisão a autonomia do poder local, paralelamente com o das regiões autónomas - de quem é que assina as deliberações das assembleias municipais, por exemplo; quem é que assina as posturas municipais; quem é que assina todo o poder deliberativo dos órgãos locais. Esse problema, quanto a mim, não se põe. Não percebo qual é o problema de existir ou ter de existir uma figura espúria, que nem sequer é eleita, que é designada - como aqui foi visto - que é uma figura difícil - como V. Exa. disse - que tem na arquitectura constitucional um papel algo complicado e que depois de tudo espremido, para tentar perceber por que ela tem de existir, chegamos à conclusão de que é para assinar papéis. Acho isso até humilhante, porque a figura tinha direito a exigir um papel, digamos, mais nobre do que esse de simplesmente fazer autógrafos por delegação. Também lhe digo, Sr. Deputado, que a solução de voltar para o Presidente da República era uma solução disparatada, mas eu não acredito que, havendo um diploma que, eventualmente, levante problemas, o Sr. Ministro da República não se ponha em contacto com o Sr. Presidente da República para concertarem as posições, pois de outro modo não faz sentido tudo isto.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Permite-me que a interrompa por um instante?
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A Sra. Helena Roseta (Indep.): - Com certeza, até porque posso estar a dizer alguma coisa errada.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Repare que a solução que V. Exa. está a criticar como absurda é a que é proposta pelos Srs. Deputados da Madeira no seu projecto n.° 10/V, artigo 137.°, alínea b).
A Sra. Helena Roseta (Indep.): - Sr. Deputado José Magalhães, não estou a defender o projecto A ou B. Estamos a discutir no plano dos princípios, que é onde faz sentido fazer a discussão. Estou a dar exemplos da prática que eu conheço, e nada mais.
O Sr. José Magalhães (PCP): - A dificuldade é esta. A Sra. Deputada está a raciocinar em função de um paradigma inaplicável a este caso. V. Exa. está a transpor para o plano das relações República/regiões o paradigma do funcionamento dos municípios. E a pergunta que há pouco fez, a interrogação ou a exclamação "mas então faz algum sentido que o presidente da assembleia municipal não possa ele, por si, assinar os diversos actos, como, de resto, seria inconcebível que o não fizesse?", Sra. Deputada, considero essa argumentação perfeita em relação ao terreno municipal, só que nós não estamos a discutir o terreno municipal, mas sim o terreno das autonomias regionais, que são autonomias político-administrativas.
A Sra. Helena Roseta (Indep.): - Far-me-á a justiça de pensar que sei. Estamos num plano diferente.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Pois estamos, mas então temos de extrair todas as diferenças, e é isso que não vejo. Por isso V. Exa. não tem resposta para a questão: quem é que assina os diplomas das assembleias regionais? E mais, esses diplomas podem ser vetados; podem ser declarados inconstitucionais, e neste caso não se pode forçar a assinatura. V. Exa. tem de ter no sistema que propõe a coerência e a lógica bastantes para dar resposta a estas situações.
O Sr. Presidente: - O problema fundamental é este. Vamos ouvir a Sra. Deputada" que não teve oportunidade de falar na primeira leitura e que está a terminar.
A Sra. Helena Roseta (Indep.): - E termino já, Sr. Presidente e Sr. Deputado José Magalhães, só para dizer que não me parece que o mecanismo da assinatura seja aquele que salvaguarda a verificação de constitucionalidade, dado que haveria outras formas de salvaguarda sem passar pela assinatura. Esta não me garante coisíssima nenhuma e justificar a existência de uma figura - em termos constitucionais com todas estas implicações - por causa de umas assinaturas é pobre, é fraco e não faz sentido. A solução não lha dou aqui porque teríamos que ir para o caminho da fiscalização da constitucionalidade e encontrar outras soluções, que seria certamente possível encontrar, não tenho dúvidas sobre isso.
Termino apenas, e em conclusão, para dizer o seguinte. Penso que mais tarde ou mais cedo as autonomias terão a força suficiente para, em termos de arquitectura da Constituição, conseguirem chegar ao ponto de eliminar esta figura que é, como já vimos, uma figura híbrida, difícil e que não é, seguramente, uma solução eterna. Poderá não ser nesta revisão constitucional, mas será numa próxima. Gostaria de deixar aqui, pelo menos, um apelo no sentido de se darem os passos políticos que poderão conduzir a isso. Tomando o exemplo do Sr. Deputado Marques Júnior relativo à forma como foi extinto o Conselho da Revolução, em que houve de facto uma negociação de timing entre as várias partes para se passar a um novo ciclo, pois é essa negociação que gostaria que tivesse um começo e que esta discussão constitucional fosse um ponto de partida para essa negociação e que se chegasse a soluções - incluindo esta questão processual suscitada pelo Sr. Deputado José Magalhães - num quadro em que uma figura desta natureza pudesse ser dispensada, porque, e voltando ao princípio da minha intervenção, o símbolo da soberania nacional não é, de facto, o Ministro da República, e a existência desse símbolo especial nas regiões autónomas é para mim e continua a ser um factor de menos confiança nas autonomias.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta para tecer uma curta palavra só para explicitar a sua posição em relação a um aspecto que quer salientar.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, entendo que devo explicar sumariamente por que razão não tomei parte neste prolongado debate relativo a questões a que dedico há muito o maior interesse. Em primeiro lugar por uma razão de coerência. Foi por esta razão que estive silenciosamente a ouvir-vos, porque sempre entendi e tentei agir em consequência de que a primeira leitura não podia nem devia ser repetida. Claro que esta atitude implica um exercício de ascese, que pratiquei, tendo em vista não atrasar mais o andamento dos trabalhos. Além disso, tal atitude enquadra-se bem no período do ano que estamos a passar.
Permitam-me que acrescente mais duas coisas. Em primeiro lugar, remetendo para as actas da Comissão, mantenho tudo aquilo que disse na primeira leitura a propósito da larga discussão havida em torno do artigo 6.° (sobre o Estado unitário regional). Fui deputado constituinte e sei a dificuldade que houve na consagração desta verdadeira conquista democrática que foi a autonomia dos Açores e da Madeira. Penso mesmo que temos de valorizar os avanços muito notáveis que o regime democrático proporcionou a Portugal e às suas regiões, quebrando, se necessário, más tradições seculares. O vício secular do jacobinismo centralizador, por exemplo, foi quebrado não só pelas autonomias dos Açores e da Madeira como pela consagração de outras liberdades, caso da liberdade de aprender e ensinar, que a Constituição acolhe desde 1982.
Sr. Presidente, é evidente que também em matéria de autonomia regional não há soluções eternas. Não digo, caros amigos deputados da Madeira, que a melhor solução seja a de o Estado ser representado nas regiões autónomas pelo Presidente do Governo Regional; podem ser encontradas outras soluções. Mas é para mim evidente que a manutenção do Ministro da República não é certamente uma solução desejável. Na verdade, não existe nada de semelhante no direito comparado. Há delegados dos governos, há comissários dos gover-
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nos, mas em parte alguma se encontra uma figura híbrida, com um estatuto ambíguo, como é o caso do Ministro da República. Penso tratar-se de uma das raras originalidades, das muitas engendradas nos primeiros anos da nossa democracia, que sobreviveu. Hoje já não tem razão de ser e não compreendo a necessidade de uma representação especial da soberania nas regiões autónomas.
Srs. Deputados, todas as soluções para os problemas políticos e sociais são transitórias e, queira-se ou não, têm de ser mudadas, quase sempre em poucos anos. Lembrem-se do que era em 1976 a nossa Constituição. Já foi referido o caso do Conselho da Revolução. Recordo a apropriação colectiva dos meios de produção: vejam que a própria irreversibilidade das nacionalizações, a tal "pirâmide do Egipto" destinada a durar "eternamente", só se aguentou pouco mais de dez anos. Creio convictamente que, se assistimos neste momento à derrocada em todo o Mundo de um sistema que muita gente julgava eterno - o marxista -, vamos também assistir em breve, durante as nossas vidas, à derrocada final do jacobinismo centralizador! Não se preocupem, portanto. Dentro de alguns anos, essa figura do Ministro da República certamente desaparecerá.
O Sr. Presidente: - Vamos ver se consigo dirigir o debate de uma maneira mais centralista, que terá algumas vantagens em termos de eficiência.
Risos.
Vamos começar pela votação do n.° 1-A do artigo 232.° proposto pelo PCP.
Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PCP, do PRD e da ID e as abstenções do PSD e do PS.
É o seguinte:
1-A - A apresentação pelo Governo da proposta de nomeação do Ministro da República é precedida de audição da respectiva assembleia regional, nos termos da lei.
Vamos votar a proposta do PS para o n.° 2 do artigo 232.°
Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PS, do PCP, do PRD e da ID e as abstenções do PSD e dos deputados Mota Torres e Carlos César (PS).
É a seguinte:
2 - Compete ao Ministro da República a coordenação da actividade dos serviços centrais do Estado no tocante aos interesses da região, dispondo para isso de competência ministerial e podendo participar nas reuniões do Conselho de Ministros para o tratamento de assuntos de interesse para a respectiva região.
Vamos votar a proposta do PS para o n. ° 5 do artigo 232.°
Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PS, do PCP, do PRD e da ID e a abstenção do PSD.
É a seguinte:
5 - As funções do Ministro da República cessam com o termo do mandato do Presidente da República, coincidindo a sua exoneração com a nomeação de novo Ministro da República.
Srs. Deputados, vamos votar o n.° 1 do artigo 232.° proposto pelo PSD.
Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD e as abstenções do PS, do PCP, do PRD, da ID e do Deputado Mário Maciel (PSD).
É o seguinte:
1 - A soberania da República é especialmente representada, em cada uma das regiões autónomas, por um Ministro da República, nomeado e exonerado pelo Presidente da República, sob proposta do Governo, ouvido o Conselho de Estado e os presidentes das respectivas assembleias regionais.
Vamos agora votar o n.° 2 do artigo 232.° proposto pelo PSD?
Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD e as abstenções do PS, do PCP, do PRD, da ID e do Deputado Mário Maciel (PSD).
É o seguinte:
2 - A cessação de funções do Primeiro-Ministro implica a demissão dos Ministros da República.
Os n.ºs 3, 4 e 5 do artigo 232.° propostos pelo PSD não se votam, porque os textos são idênticos, respectivamente, aos dos n.ºs 2, 3 e 4 do actual texto constitucional.
Vamos agora votar a proposta apresentada pela Sr." Deputada Helena Roseta para o artigo 232.°
O Sr. Almeida Santos (PS): - Penso que está prejudicada, porque não se pode eliminar uma figura cuja existência já foi confirmada.
O Sr. Presidente: - Em todo o caso, vamos votar. O problema é extremamente importante e foi polémico...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não vejo como é que se possa votar a eliminação, depois de termos votado dois números que implicam a manutenção.
O Sr. Presidente: - E apenas uma questão de coerência.
O Sr. Almeida Santos (PS): - É que eu não gostava de votar contra uma proposta da Sra. Deputada Helena Roseta.
O Sr. Presidente: - Compreendo, mas....
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não faz sentido fazer uma votação de mera contraprova - não temos feito, mas podemos agora começar a fazer.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, não temos feito assim. Se os proponentes retirassem a proposta, muito bem; não retiraram, vamos votar.
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O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas é que isto não tem a ver com o retirar, ou não; tem a ver com o facto de o texto estar prejudicado pela prévia aprovação de normas de sentido oposto.
O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado José Magalhães. É que, suponho, a votação foi (posso interpretar assim), não no sentido de apoiar o texto actual, mas no de querer ter uma solução bastante mais radical. E, portanto, do ponto de vista lógico, é perfeitamente possível votar a eliminação. Se houvesse propostas aprovadas, V. Exa. tinha razão; mas, como não houve, pode haver uma proposta mais radical em termos lógicos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, não gostaria de esmiuçar a discussão desse aspecto processual que o Sr. Presidente agora acaba de equacionar, sobretudo porque não temos nenhuma objecção a deduzir, havendo insistência tão insistente a uma formalização do sentido de voto de cada um face à questão da extinção. É que a nossa posição no voto será igualíssima à posição que decorre das alegações que fizemos. Aleito só para este aspecto: o mais funesto dos resultados que receávamos deste debate está prestes a ser consumado. E esse resultado é o match nulo, puramente nulo. Por votos cruzados, por abstenções cruzadas, não há qualquer alteração positiva aperfeiçoadora do estatuto constitucional do Ministro da República, e isso é de facto aberrante. Só numa óptica conflitual totalmente abstrusa é que é possível chegar-se a um resultado desse tipo quando temos a possibilidade de aprovar propostas de consenso...
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.)
O Sr. José Magalhães (PCP): - O PSD contribui em quê para o necessário consenso, Sr. Deputado Pedro Roseta? Que atitude de ascese é que VV. Exas. exigem da minha bancada para ouvir, da bancada do PSD regional, os dislates a que aqui assistimos, silenciosos?!
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Silenciosos?! Essa foi uma atitude que V. Exa. nunca conseguiu ter! Nem lhe interessa, obviamente!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, não vamos voltar a discutir o problema. V. Exa. já tinha referido esse ponto, compreendo a sua perspectiva, mas, do ponto de vista da votação, não há razão nenhuma para a não fazer.
Vozes.
O Sr. Mota Torres (PS): - Sr. Presidente, gostaria de saber se as mesmas razões valem em relação, por exemplo, ao n.° 2 da proposta que apresentei.
O Sr. Presidente: - V. Exa. apresentou-a posteriormente, e posteriormente vamos colocá-la à votação.
Vamos agora votar as propostas de eliminação do artigo 232.°, onde se consagra a figura do Ministro da República, apresentadas pela Sra. Deputada Independente Helena Roseta (projecto n.° 6/V) e pelos proponentes do projecto n.° 10/V.
Submetidas à votação, não obtiveram a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD, do PS, do PCP, do PRD e da ID, os votos a favor dos deputados Mário Maciel, Cecília Catarino, Guilherme da Silva e Carlos Lélis (PSD) e Mota Torres (PS) e a abstenção do deputado Pedro Roseta (PSD).
Em relação ao texto proposto para o artigo 232.° pelos Srs. Deputados subscritores do Projecto n.° 1 O/V, pergunto o seguinte: tal como está apresentado, o texto está prejudicado...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Acho que só está prejudicado o n.° 1; o n.° 2 não está.
Vozes.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Porquê? Ainda não houve nenhuma votação sobre o n.° 2.
O Sr. Presidente: - Em rigor, é só o n. ° 1 que está prejudicado.
Considerando que o n.° 1 do artigo 232.° proposto está prejudicado pela rejeição da proposta de eliminação, vamos votar o n. ° 2 do artigo 232.°, proposto pelos subscritores do projecto n.° 10/V.
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O n.° 2 também está prejudicado?
O Sr. Almeida Santos \PS): - Não, o n.° 2 não está.
O Sr. Presidente: - Eu tenho dúvidas, mas, como o Sr. Deputado Almeida Santos entende que não, acho que é mais simples votar.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Mas como é que pode estar prejudicado se não houve nenhuma votação sobre o n.° 2?
O Sr. Presidente: - A razão era muito simples: a lógica do esquema era que este texto só fosse votado na sequência da eliminação.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Podia perfeitamente manter-se o Ministro da República; ele poderia deixar de coordenar e passar para o presidente do Governo Regional essa função. Em teoria, claro!
O Sr. Presidente: - Por isso perguntei aos proponentes se, de algum modo, retomavam o texto. E podemos entender que sim, que retomaram.
O Sr. Almeida Santos (PS): - O problema não é retomar, é não retirar. Se não retiram, tem de se votar.
O Sr. Presidente: - Vamos então votar o texto proposto pelos Sr. Deputados subscritores do projecto n.° 10/V para o n.° 2 do artigo 232.°
Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PS, do PCP e do PRD, os votos a favor dos depu-
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todos Guilherme da Silva, Cecília Catarina, Carlos Lélis e Mário Maciel (PSD) e a abstenção do PSD.
É o seguinte;
2 - O Presidente do Governo Regional coor-dena as funções administrativas exercidas pelo Estado na região com as da própria região, sem prejuízo da relação hierárquica de cada um dos serviços do Estado na região com as competentes tutelas, bem como da competência própria dos representantes destas em cada região.
Vamos passar agora à proposta apresentada, há pouco, pelo Sr. Deputado Carlos César para o artigo 232.° e proceder apenas à votação do respectivo n.° 2, já que os outros números estão prejudicados.
Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do deputado Carlos César (PS) e as abstenções do PSD, do PS, do PCP e do PRD.
É o seguinte:
2 - O Ministro da República superintende nas funções administrativas exercidas pelo Estado na região, podendo participar, a convite do Primeiro-Ministro, nas reuniões do Conselho de Ministros que tratem de assuntos de interesse para a respectiva região.
Vamos passar agora ao artigo 233.°, em relação ao qual há duas propostas: uma da autoria do PSD e outra dos Srs. Deputados subscritores do projecto n.° 10/V.
Os n.ºs 1 e 2 do artigo 233.° proposto pelo PSD não tem sentido estarmos a votar, porque se trata apenas de nomenclatura; o n.° 3, esse, já tem sentido votar.
Srs. Deputados, vamos então votar a proposta de alteração do n.° 3 do artigo 233.°, apresentada pelo PSD.
Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, os votos contra do PCP e as abstenções do PS e do PRD.
É a seguinte:
3 - O Governo Regional é politicamente responsável perante a assembleia legislativa regional e o seu presidente é nomeado pelo presidente da assembleia legislativa regional, tendo em conta os resultados eleitorais.
Passemos agora à votação do n.° 4 do artigo 233.°, proposto pelo PSD.
Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, os votos contra do PCP e as abstenções do PS e do PRD.
É o seguinte:
4 - Os presidentes das respectivas assembleias legislativas regionais nomeiam e exoneram os restantes membros do Governo Regional, sob proposta do respectivo presidente.
Vamos agora proceder à votação do n. ° 2 (o n. ° 1 é só uma questão de nomenclatura) do artigo 233.°, proposto pelos Srs. Deputados subscritores do projecto n.° 10/V.
Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PS, do PCP e do PRD, os votos a favor dos deputados Mário Maciel (PSD), Guilherme da Silva (PSD), Cecília Catarino (PSD) e Carlos Lélis (PSD) e a abstenção do PSD.
É o seguinte:
2 - O parlamento da região autónoma é eleito por sufrágio universal, directo e secreto, de harmonia com o princípio de representação proporcional, salvaguardando-se a existência de círculos eleitorais por ilhas, nos Açores, ou por concelhos, na Madeira, bem como a participação de açoreanos e madeirenses emigrantes, assegurada mediante recenseamento próprio.
Vamos agora votar o n.° 3 do artigo 233.° do projecto n.° 10/V.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, queria pedir um esclarecimento.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Nós temos propostas sobre esta matéria e o PSD também, salvo erro; esta formulação genérica de extensão aos deputados à assembleia regional de todas as normas aplicáveis aos deputados da Assembleia da República é, penso eu, impraticável. Não estou em condições de votar uma equiparação global sem analisar caso a caso as consequências. Dá-me a impressão de que isso é impossível, mas, enfim, podemos analisar melhor a proposta. Contudo, penso ser preferível adiar a votação.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos adiar a votação desta proposta, mas queria chamar a vossa atenção para que, dentro do planeamento de trabalhos da Comissão, nós gostaríamos de encerrar os nossos trabalhos até à Páscoa.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não, este adiamento será de um dia ou dois. Vamos fazer o necessário estudo.
Uma voz: - Têm propostas noutra sede?
O Sr. Almeida Santos (PS): - Temos propostas pontuais, que são bastante amplas, mas parece-me inaceitável esta formulação genérica.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, só se justifica a votação do n.° 4, uma vez que o n.° 8 é igual ao texto actual, e os n.ºs 5, 6 e 7 estão prejudicados porque decorrem de questões que não foram aprovadas. O n.° 3 fica adiado.
Vamos então votar o n.° 4 do artigo 233.° constante do projecto n.° 10/V.
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Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor dos deputados Mário Maciel (PSD), Cecília Catarino (PSD), Carlos Lélis (PSD) e Guilherme da Silva (PSD), os votos contra do PRD e as abstenções do PSD, do PS e do PCP.
É o seguinte:
4 - O Presidente da República inaugura solenemente a primeira sessão de cada legislatura do parlamento da região autónoma e pode dirigir-lhe mensagem, sempre que o ache conveniente ou oportuno.
Vamos passar ao artigo 234.° "Competência exclusiva da assembleia regional."
O Sr. Almeida Santos (PS): - Gostava de saber, se não é só nomenclatura, qual o conteúdo ou o significado da proposta do PSD.
A única alteração que vejo é que em vez de dizer na "alínea c)" se diz "da alínea c)", o que é um manifesto erro de redacção!
O Sr. Presidente: - É só uma questão de nomenclatura, efectivamente! Portanto, não tem sentido estarmos a votar.
A proposta dos vários deputados da Madeira é que já tem algo de novo.
Vozes.
O Sr. Presidente: - A proposta de alteração do artigo 234.° do projecto n.° 4/V (PSD) é uma mera questão de nomenclatura. Não há razão em adiá-la. O que fica adiado é a proposta do projecto n.° 10/V.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Eu propunha que ficasse também adiado o artigo 234.°-A, na medida em que se adiou a proposta do n.° 3. Porque em sede do 234.°-A há referência à proposta anterior, mas pontual, na expressão "concretos poderes". A proposta de um artigo 234.°-A é genérica em relação a todas as normas. Na medida em que adiámos uma temos de adiar a outra. Ou nos pomos de acordo sobre uma formulação ou, então, chumbam-se todas.
O Sr. Presidente: - Sendo assim, também vamos adiar é artigo 234.°-A?!
O Sr. Almeida Santos (PS): - O artigo 234.°-A do PS, sim. O artigo 234. °-A do projecto n.° 10/V também, porque está relacionado com o problema das autorizações legislativas.
Vozes.
O Sr. Presidente: - No projecto n.° 10/V, o n.° 1 e o n.° 2 do artigo 235.° estão prejudicados. O n.° 3 também?
Vozes.
O Sr. Presidente: - E o n. ° 4 também está prejudicado. O n.° 5 idem...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não, o n.° 5 é novo, Sr. Presidente.
Vozes.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Só que consta hoje de outro número. É a autonomização do que já consta da parte final do actual n.° 4. Pura sistematização.
O Sr. Presidente: - Desculpem, aqui não é mera sistematização, porque estava ligado ao exigir de uma competência pelo Presidente da República.
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Srs. Deputados, permitem-me uma observação?!
Esta proposta está prejudicada. Foi rejeitado anteriormente que o Presidente da República possa ter qualquer competência no que diz respeito aos processos legislativos.
O Sr. Presidente: - Exacto!
O Sr. Almeida Santos (PS): - Desculpe, mas estamos a falar no n.° 5. E o n.° 5 é a transposição ou a autonomização da parte final do actual n.° 4.
Vozes.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Tanto se aplica ao Ministro da República como se aplica ao Presidente da República.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, tem toda a razão desse ponto de vista, mas é a mesma coisa que V. Exa. extrair de um cadáver um olho. Pode-se sempre fazer, sobretudo sendo um olho jurídico! Mas por vezes é inútil.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não extraí olho nenhum, nem é essa a minha vocação!
O Sr. José Magalhães (PCP): - É um transplante. Mas se de um tecido morto, jaz morto o transplante. Não pega?
O Sr. Almeida Santos (PS): - É pura sistematização, a norma tanto é válida para o Presidente como para o Ministro da República. Apenas se automatizou relativamente ao actual n.° 4.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não é esse o sentido dos proponentes, sequer!
O Sr. Almeida Santos (PS): - Por duas razões: primeiro porque não se mexeu no n.° 4; e, segundo, porque não se aprovou a transferência de poderes, não se vota.
Página 2896
2896 II SÉRIE - NÚMERO 101-RC
O Sr. Presidente: - E quanto ao n.° 6 está prejudicado?!
O Sr. Almeida Santos (PS): - Esse, claro.
O Sr. Presidente: - Portanto, esta matéria está encerrada.
Vamos hoje ficar por aqui, na medida em que existem votações a esta hora no Plenário. Se estivessem de acordo, recomeçaríamos os trabalhos amanhã de manhã.
Pausa.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião.
Eram 19 horas e 35 minutos.
Comissão Eventual para a Revisão Constitucional
Reunião do dia 2 de Março de 1989
Relação das presenças dos Srs. Deputados
Rui Manuel P. Chancerelle de Machete (PSD).
Carlos Manuel Pereira Baptista (PSD).
António Costa de Sousa Lara (PSD).
José Augusto Ferreira de Campos (PSD).
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD).
José Luís Bonifácio Ramos (PSD).
Licínio Moreira da Silva (PSD).
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva (PSD).
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Maria da Assunção Andrade Esteves (PSD).
Cecília Pita Catarino (PSD).
Mário Jorge Belo Maciel (PSD).
Pedro Manuel da Cruz Roseta (PSD).
Manuel António de Sá Fernandes (PSD).
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves (PSD).
António de Almeida Santos (PS).
António Manuel de Carvalho Ferreira Vitorino (PS).
Carlos Manuel Martins do Vale César (PS).
José Carlos Pinto Basto da Mota Torres (PS).
Maria Helena do Rego da Costa Salema Roseta (PS).
José Manuel dos Santos Magalhães (PCP).
António Alves Marques Júnior (PRD).
Raul Fernandes de Morais e Castro (ID).
ANEXO
Artigo 231.°, n.° 1
Proposta
Propõe-se o aditamento: "de acordo com lei quadro de finanças regionais, a aprovar por maioria de dois terços".
O Deputado do PS, Mota Torres.
Artigo 231.°, n.° 2 Proposta
Propõe-se o aditamento: "em condições a definir nos respectivos estatutos".
O Deputado do PS, Mota Torres.
Artigo 232.°
1 - A soberania da República é especialmente representada, em cada uma das regiões autónomas, por um ministro da República, nomeado e exonerado pelo Presidente da República, ouvidos o Conselho de Estado e os parlamentos regionais, sob proposta do Governo.
2 - O Ministro da República superintende nas funções administrativas exercidas pelo Estado nas regiões, podendo participar, a convite do Primeiro-Ministro, nas reuniões do Conselho de Ministros que tratem de assuntos de interesse para a respectiva região.
3 - Igual ao actual n.° 4.
4 - As funções do Ministro da República cessam com o termo do mandato do Presidente da República, coincidindo a sua exoneração com a nomeação do novo Ministro da República.
Proponente, Carlos César.