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Quinta-feira, 18 de Maio de 1989 II Série - Número 106-RC
DIÁRIO da Assembleia da República
V LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1988-1989)
II REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
ACTA N.° 104
Reunião do dia 16 de Março de 1989
SUMÁRIO
Iniciou-se a nova discussão e a votação do artigo 7.° e respectivas propostas de alteração e de substituição.
Procedeu-se a nova discussão e à votação dos artigos 151.º e 152.° e respectivas propostas de alteração e de substituição.
Intervieram no debate, a diverso título, para além do presidente, Rui Machete, pela ordem indicada, os Srs. Deputados Costa Andrade (PSD), José Magalhães (PCP), António Vitorino (PS), Pedro Roseta (PSD), Raul Castro (ID) e Maria da Assunção Esteves (PSD).
Foram os seguintes os resultados das votações realizadas:
N.° 1 do artigo 7.° proposto pelo CDS - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD, do PS e do PCP;
N.° 2 do artigo 7.° proposto pelo CDS - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD e os votos contra do PS e do PCP;
N.º 3 do artigo 7.° proposto pelo CDS e n.° 2 do artigo 7.° proposto pelo PSD - não obtiveram a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, os votos contra do PCP e a abstenção do PS;
N.ºs 3 e 4 do artigo 7.° proposto pelo PS e proposta de substituição do n.° 2 do artigo 152. ° apresentada pelo PS e pelo PSD - obtiveram a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS, do PCP e da ID;
N.ºs 1 e 2 do artigo 7.° proposto pelo Deputado Sottomayor Cárdia (PS) e n.° 2 do artigo 7.° proposto pelo PRD - não obtiveram a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado as abstenções do PSD, do PS, do PCP e da ID;
N.°s 2, 4 e 5 do artigo 7.° proposto pelo PEV - não obtiveram a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PCP e da ID e as abstenções do PSD e do PS;
Artigo 151.º proposto pelo CDS - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD, do PS, do PCP e da ID;
Artigo 151.° proposto pela ID - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD e do PS e os votos a favor do PCP e da ID;
Propostas de substituição do artigo 151.° e do n.° 1 do artigo 152.° apresentadas pelo PS e pelo PSD - obtiveram a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD e do PS e os votos contra do PCP e da ID;
N.º 3 do artigo 152.° proposto pela ID - não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD, os votos a favor do PCP e da ID e a abstenção do PS.
Em anexo à presente acta, são publicadas propostas de substituição dos artigos 278.°, 280.° e 281.° apresentadas pelo PS.
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O Sr. Presidente (Rui Machete): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 16 horas e 10 minutos.
Srs. Deputados, vamos retomar os nossos trabalhos com o artigo 7.°, em relação ao qual há uma proposta de alteração do CDS, uma do Partido Socialista para o n.° 3, bem como duas propostas de aditamento para os n.ºs 4 e 5, uma proposta do PSD para os n.ºs 2 e 3, uma proposta de alteração do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia para os diversos números do artigo na redacção actual e uma outra de aditamento para os n.ºs 4 e 5, uma proposta da Sra. Deputada Helena Roseta, uma proposta da ID, uma proposta de "Os Verdes" e uma outra do PRD.
Vamos começar pela proposta do CDS. O CDS não tem nenhuma proposta de substituição.
Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Nesta proposta para o n.° 1 o CDS limita-se a eliminar a palavra "emancipação" e a introduzir a palavra "Humanidade", com maiúscula. É só isso, não é?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Depois o CDS altera completamente o n.° 2.
Também altera o n.° 3, uma vez que suprime a referência "o direito dos povos à insurreição contra todas as formas de opressão, nomeadamente contra o colonialismo e imperialismo".
Por outro lado, o CDS mantém a parte final "manterá laços especiais de amizade e cooperação com os países de língua portuguesa" e acrescenta uma referência à Comunidade Europeia.
Já estamos cientes desta proposta do CDS.
Não há mais inscrições, Srs. Deputados?
Pausa.
Como não há mais inscrições, vamos proceder à votação do n.° 1 do artigo 7.° apresentado pelo CDS.
Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD, do PS e do PCP.
É o seguinte:
1 - Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, do respeito do direito do homem, do direito dos povos à autodeterminação e à independência, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos internacionais, da não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para o progresso da Humanidade.
Srs. Deputados, vamos votar o n.° 2 do artigo 7.° proposto pelo CDS.
Submetido à votação, não obteve maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD,'e os votos contra do PS e do PCP.
É o seguinte:
2 - Portugal preconiza o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva que favoreça a criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.
Srs. Deputados, vamos votar o n.° 3 do artigo 7.° proposto pelo CDS.
Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, os votos contra do PCP e a abstenção do PS.
É o seguinte:
3 - Portugal manterá laços especiais de amizade e cooperação com os países de língua portuguesa e com os demais membros da Comunidade Europeia.
Srs. Deputados, vamos agora passar ao n.° 3 do artigo 7.° apresentado pelo PS, que introduz alterações ao actual n.° 3.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Desdobra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Desdobramos o actual n.° 3 em dois números, os n.ºs 3 e 4.
O Sr. Presidente: - Acrescentando depois a ideia da Europa, Sr. Deputado.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras iniciais do orador) [...] direito potestativo de alterar a ordem de votação.
O Sr. Presidente: - Não é um direito potestativo, Sr. Deputado, mas, sim, uma cortesia que tem sido uma praxe...
Vozes.
O Sr. Presidente: - Se VV. Exas. não se opuserem, nós votaremos a proposta do PSD e depois a do PS.
Pausa.
Como não há objecções, vamos, então, votar o n.° 2 do artigo 7.° apresentado pelo PSD.
Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, os votos contra do PCP e a abstenção do PS.
É o seguinte:
2 - Portugal preconiza o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva e eficaz e a criação de uma ordem internacional que promova a paz e a justiça e elimine todas as formas de agressão, de domínio e exploração nas relações entre os povos.
Vozes.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao n.° 3 apresentado pelo PSD. Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, penso que não faz sentido votar o n.° 3 do PSD sem votar conjuntamente o n.° 4 do Partido Socialista, o n.° 4 do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, o n.° 4 da Sra. Deputada Helena Roseta, o n.° 3 dos projectos da ID e do PRD, porque é tudo rigorosamente igual, com a diferença de que nuns casos se fala de língua portuguesa e noutros de língua oficial portuguesa.
O Sr. Presidente: - Isto é um problema de redacção, Sr. Deputado.
O Sr. António Vitorino (PS): - Aliás, já antes, no artigo 15.°, foi adoptada a fórmula "língua oficial portuguesa".
O Sr. Presidente: - Julgo que tem razão, Sr. Deputado. No entanto, creio que escusamos de pré-ajuizar e de discutir se é língua oficial portuguesa ou língua portuguesa.
Penso que o Sr. Deputado António Vitorino tem razão. Como é evidente, quando nós solicitámos a alteração não foi para ser votado o nosso n.° 3 com prioridade sobre o n.° 4 do Partido Socialista.
Vozes.
O Sr. António Vitorino (PS): - Podemos votar conjuntamente, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Exacto, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que se deve fazer a operação económica que é sugerida, mas só na medida em que ela seja possível.
De facto, há partidos que propõem uma eliminação de componentes da actual norma (não se limitam a desagregar, a dividir em duas partes a norma) e há partidos que não o fazem. Por exemplo, o Partido Socialista filia-se no primeiro grupo, mas já o texto da Sra. Deputada Helena Roseta e o do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia suprimem a alusão às concretas formas de opressão que são o colonialismo e o imperialismo. Não é, pois, a mesma coisa. Neste ponto existe semelhança entre as propostas do PSD e da Sra. Deputada Helena Roseta e do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia, as quais acabam de ser prejudicadas pela votação que fizemos há segundos.
O Sr. Presidente: - Percebo o que é que o Sr. Deputado pretende dizer, mas eu julgo que o facto de se votar com autonomia um preceito não pré-ajuíza sobre a sorte do preceito que foi objecto de desagregação e que foi autonomizado. Só estamos a votar o problema dos laços especiais de amizade e cooperação com os países de língua oficial portuguesa. Isto não significa que estejamos a votar outra coisa. Todavia, para evitar quaisquer problemas, o mais simples é fazer o seguinte: houve um pedido do Partido Social-Democrata para se votar o artigo 7.° com prioridade. Esse objectivo limitava-se fundamentalmente ao n.° 2,
que já foi votado. Portanto, podemos voltar à ordem actual, o que simplifica as coisas e evita discussões. Estão de acordo?
Pausa.
Já votámos o n.° 2 da proposta do PSD, que, aliás, não obteve a maioria dê dois terços. Agora vamos passar à proposta do Partido Socialista e votar o n.° 3. Está claro? Isto significa que o n.° 3 do Partido Socialista altera parcialmente a redacção, suprimindo algumas partes, do n.° 3...
O Sr. António Vitorino (PS): - Não, Sr. Presidente. Esse número limita-se a dividir o actual n.° 3 em dois números.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, terá razão quanto à segunda componente: substitui-se a expressão "privilegia" por "mantém"...
O Sr. António Vitorino (PS): - Tem razão, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Desculpe, o Sr. Deputado Almeida Santos é que alvitrou essa hipótese.
O Sr. António Vitorino (PS): - Com o qual nós estamos de acordo, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Qual, Sr. Deputado?
O Sr. José Magalhães (PCP): - O Sr. Deputado Almeida Santos adiantou uma ideia que implicaria uma correcção da proposta do Partido Socialista. A Constituição actualmente refere que Portugal manterá laços especiais de amizade e cooperação com os países de língua portuguesa. Nós discutimos esta expressão e durante a primeira leitura chegou-se à conclusão de que seria mais enfatizador deste impulso para a aproximação a utilização de uma outra expressão.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Julgo que a expressão "mantém", que constava das propostas iniciais do PSD e do PS, é a melhor.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não vamos agora reabrir a discussão que tivemos. Nós preferimos a expressão "mantém", que é francamente mais enfática do que aquela que aqui está. Significa uma opção clara. Penso que Portugal deve privilegiar laços com os países de expressão portuguesa. Simplesmente, essa ideia está muito bem explicitada pelo verbo "mantém". Pelo contrário, a ideia de privilegiar parece que em qualquer circunstância rebus sic stantibus pode haver uma visão quantitativa, o que não é esse o caso.
O nosso problema não é esse. O nosso problema é o de termos laços especiais. A ideia de "mantém" parece-me suficientemente expressiva e expletiva daquilo que pretendemos.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Inteiramente de acordo, Sr. Presidente. E desaparece alguma coisa ou não?
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O Sr. Presidente: - Não desaparece nada, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - O n.° 2 fica como está?
O Sr. José Magalhães (PCP): - É uma mera desagregação, Sr. Deputado. Que pena, não é?! Que frustrante para a gula amputativa do PSD!
Vozes.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Vamos votar exclusivamente a divisão em dois números e a adopção da expressão "mantém"?
O Sr. Presidente: - A divisão e a substituição do futuro pelo presente.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, quero ainda deixar claro que não concordo com a alteração da designação com que termina o actual artigo.
O Sr. Presidente: - Qual, Sr. Deputado?
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Não concordo com a substituição da expressão "países de língua portuguesa" por "países de língua oficial portuguesa".
Vozes.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, em relação à questão da maneira mais correcta de designarmos constitucionalmente os países que se emanciparam do colonialismo português, creio que em sede do artigo 15.° já foi feita uma opção que apontava para a consagração da proposta adiantada pela ID. É evidente que a ponderação de interesses e de questões que aqui se suscitam foi feita num determinado pressuposto. Este pressuposto é o de que a expressão é mutuamente aceitável. Hoje os países que se libertaram do colonialismo português aceitam como expressão e designação pacífica esta que é aqui adiantada. Mas a actual também não é incorrecta, nem tem suscitado dificuldades. Se, até à altura em que terá de haver uma deliberação sobre esta matéria em Plenário da Assembleia da República, alguma informação vier desmentir esse entendimento, é evidente que, nessa altura e face a essa eventual mudança de circunstâncias, teríamos de reponderar. Como é óbvio, a designação a adoptar deve ser o mais respeitadora que possível seja imaginar daquele que é o próprio entendimento dos países aos quais nos estamos a referir. É com esse pressuposto que aderimos a esta solução. Não há aqui a mínima ideia de marcar, para além da medida, na designação, o uso que todos fazemos de Uma língua que é comum, mas que não é bastante para definir a identidade de cada país. Os países africanos têm a sua própria identidade e é para nós um motivo de orgulho que usem a língua portuguesa. No entanto, a denominação exacta desses países deve ter em conta a própria vontade, a própria realidade e a própria terminologia que lhes pareça mais estimável. É esse o nosso ponto de vista. Não percebo, aliás, a surpresa do PSD.
O Sr. Presidente: -- Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, é que surge aqui (V. Exa. não terá ponderado devidamente, porque estava a falar com um funcionário) a seguinte situação: mais adiante há uma proposta no sentido de substituir a expressão "países de língua portuguesa" por "países de língua oficial portuguesa", o que já foi aprovado...
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Não foi aprovada relativamente a este artigo! Neste momento, estamos a discutir o artigo 7.°
O Sr. Raul Castro (ID): - Eu poderei continuar?
O Sr. Presidente: - Pode, com certeza.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Os apartes são permitidos, Sr. Deputado.
O Sr. RsuS Castro (ID): - Com certeza: Só estava à espera que terminasse o seu aparte. Já terminou.
Noutros artigos foi já aprovada esta designação. Não sei se valeria a pena votar primeiro este artigo 7.°, porque, senão, cria-nos o embaraço da votação quanto às propostas do PS, que mantêm a expressão que já não foi adoptada em relação a outros dispositivos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, penso que talvez possamos, para avançar, entender o seguinte: o essencial da proposta do PS é menos o problema da expressão "países de língua oficial portuguesa" do que a divisão de processo nos dois números. E podemos ponderar especificamente esse problema, se queremos, ou não, manter a expressão "oficial" a propósito daquilo que é, de algum modo, um aditamento ou uma supressão apresentada pela ID. E, a propósito disso, vamos ser obrigados, em vez de considerarmos prejudicada a votação, a fazer uma votação especificamente a propósito desse ponto. É mais simples do que estarmos a discutir durante longos minutos esta matéria.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Sr. Presidente, queria só reafirmar que, nesta sede, sou contrário à alteração da designação que consta da Constituição. A meu ver, o qualificativo "oficial" é muito redutor. Pode deixar de fora realidades muito importantes, eventualmente países ou comunidades que utilizem a língua portuguesa, que não seja em determinada época língua oficial. Além disso, trata-se de alterar aquilo que está na Constituição. Gostaria pois de ser definitivamente esclarecido: ou se trata apenas de dividir em dois números o n.° 3, como o PS pretende, ou trata-se de alterar denominações que estão pacificamente consagradas na Constituição há muitos anos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Pedro Roseta, permita-me uma ligeira interrupção. Queria solicitar ao Sr. Deputado que tivesse em atenção alguns dos patamares da discussão que, apesar de tudo, foram adquiridos nesta Comissão. O debate travado a propósito do artigo 15.° revelou uma disponibilidade generalizada, da qual o PSD não se excluiu, para reconsiderar a forma como a Constituição alude aos países a que estamos, neste momento, a referir-nos. Fran-
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camente, não percebo o que tenha levado o PSD a reconsiderar a posição em relação a isto.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Quantas vezes todos os partidos não alteraram já as suas posições a propósito dos mais diversos artigos! Neste caso a situação é diferente: estamos a discutir o artigo 7.°, em sede de princípios fundamentais. Aqui nada está ainda decidido e o PSD entende que não deve ser aprovada qualquer expressão que possa ser interpretada como excluindo o Brasil ou até outros países de expressão portuguesa para além dos africanos. Não posso compreender por que razão é que o Sr. Deputado está a falar apenas em países africanos. Parece que não nos estamos realmente a entender. A verdade é que nunca ouvi qualificar o Brasil como um país de "língua oficial portuguesa"!
O Sr. José Magalhães (PCP): - É óbvio que isso não esgota a dimensão da presença da língua portuguesa. Mas o que está em causa é a específica forma de alusão a esse países.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Parece-me que o Sr. Deputado agora, com essa interrupção, está a alimentar as minhas legítimas e fundadas preocupações. Não se pode, de modo algum, dar a ideia de que se exclui o Brasil.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas claro que não, Sr. Deputado!
O Sr. António Vitorino (PS): - E certamente também nasceu da expansão colonial portuguesa.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É óbvio que o Brasil nasceu noutro ciclo do colonialismo português. Também já se emancipou há bastante tempo, como é notório.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Eu diria que nasceu da colonização portuguesa, o que é diferente!
O Sr. Presidente: - Nós estamos a discutir um problema em matéria de relações internacionais em que, salvo o devido respeito, a questão "língua oficial portuguesa ou países de língua portuguesa", não é porventura tão importante como à primeira vista parece. Devo dizer-vos que prefiro manifestamente a expressão "língua portuguesa" e não "língua oficial portuguesa". Não me importo de manter, mais adiante, a expressão "língua oficial portuguesa", se tiver de ser, porque isso significa que, no fundo, não estamos a estabelecer uma alteração, mas é mais bonito, até porque - como diria o Dr. Jorge Miranda, e bem -, se houver uma mutação, e um país considerado de duas línguas oficiais, ou eventualmente não vier a considerar o português como a língua oficial (o que espero que não aconteça), o preceito não deixa de ter por isso todo o seu impacte desde que a língua portuguesa seja efectivamente falada. Mas isto já está suficientemente explanado e, se bem repararem, temos artigos que expressam esta ideia da "língua portuguesa" e "língua oficial portuguesa": é o caso, designadamente, do PSD, que fala em "língua portuguesa", e do PS, que fala em "língua oficial portuguesa" (é a única diferença que existe) e há, depois, um preceito que põe expressamente
o problema, que é o da ID. Temos pois aqui todos os elementos para podermos votar e encontrar a solução. Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Só muito sucintamente, para dizer o seguinte: não queríamos que, sobre esta matéria, se estabelecesse qualquer confusão. Para nós, o que estamos aqui a consagrar como países de língua oficial portuguesa tem o mesmo âmbito de aplicação do que referir apenas países de língua portuguesa. Não temos a menor dúvida quanto a isso e tratava-se apenas de uma benfeitoria sumptuária a introduzir na Constituição. O que nos parece é que não se devia dar origem a confusões e a equívocos. O que sugeria era que se votasse a fórmula como está na proposta do PS, sem prejuízo de podermos vir, no Plenário, a retirar a expressão "oficial". A única coisa que valia a pena era que a operação fosse feita nos artigos 7.° e 15.° ao mesmo tempo para que não ficasse num sítio língua portuguesa e noutro sítio língua oficial portuguesa. Como já votámos no artigo 15.° "língua oficial portuguesa", ficava também aqui a "língua oficial portuguesa".
Vozes.
O Sr. António Vitorino (PS): - Não vejo onde é que esteja, de facto, o equívoco. Sr. Deputado Pedro Roseta, nós mantemos a proposta e V. Exa. vota como quiser.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Por mim, votarei contra, Sr. Deputado!
Vozes.
O Sr. Presidente: - Em todo o caso, chamava-vos a atenção para o seguinte: penso que o problema não tem um grande relevo porque não há nenhum intuito político, julgo, nem por parte daqueles que perfilham a ideia de que a expressão mais plástica é língua portuguesa, nem daqueles que pretendem que a expressão tecnicamente mais precisa é língua oficial portuguesa. Neste momento, e espero que isso assim aconteça no futuro, não existe um universo diferente e, portanto, não há divergências; é apenas uma questão de ordem estilística e, se quiserem, de perfil, na maneira de tratar destes problemas.
Espero, todavia, que no futuro não haja razão para estabelecermos diferenças de aplicação entre os dois conceitos.
A sugestão do Sr. Deputado António Vitorino, se bem percebi, é a seguinte: nós iríamos votar esta matéria, não pré-ajuizávamos da posição definitiva sobre "língua portuguesa" ou "língua oficial portuguesa" em termos de, no Plenário, decidirmos isso em última análise, e arrumávamos, para já, a questão. É que, bem pode acontecer que, após alguma reflexão posterior nesta matéria, numa óptica da discussão no Plenário, as coisas se aplainem e não tenhamos de, eventualmente, fazer um voto que obscurecia um pouco as coisas, porque isto é por isso basicamente uma questão de redacção e de estão, embora tenha sentido preocupações cautelares.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Apesar de tudo, evitando repetir algo que o Sr. Presidente disse, preferia que desde já ficasse claro que, pelo menos em sede de
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princípios fundamentais, no artigo 7.° a expressão se mantivesse como está. A' única alteração com que nós tínhamos concordado era a substituição do tempo do verbo, "manterá", para/o presente, "mantém". No que se refere ao artigo 15.,°, ver-se-ia depois como ficaria, embora eu pessoalmente prefira, como já disse, a expressão "língua portuguesa".
O Sr. António Vitorino (PS): - Aí é que tenho dificuldades em percebê-lo. Então ficava no artigo 7.° uma fórmula e no artigo 15.° outra? Nos princípios fundamentais ficava "países de língua portuguesa" e, depois, no artigo 15.° "países de língua oficial portuguesa"? Isso é que me parece que não pode ser!
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Não pode ser?! O Sr. Deputado é realmente de um ultracartestanismo, que até já nem os franceses adoptam. Se não houvesse outra solução, poderia ser o mal menor.
O Sr. António Vitorino (PS): - Devo ser; se calhar até sou teimoso. Mas isso não significa forçosamente que eu não tenha razão!
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - É ultra-rigoroso, é rigorista, é ultracartestano! Quanto a saber se tem razão, isso é muito subjectivo.
O Sr. Presidente: - Mas, neste momento, sejamos ou não rigorosos, o meu problema é simples: vamos votar esta matéria; fiz uma sugestão que me pareceu que não teve grande acolhimento, apesar de as pessoas dizerem que sim, e, portanto, vamos votar. Este é um voto indiciado, e, se houver alterações no Plenário, depois se verá.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Qual é a proposta do Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - A minha proposta era muito simples: era no sentido de não resolver aqui a questão, deixá-la aqui (como aliás no artigo 15.°) imprejudicada.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas o artigo 15.° já está votado.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Mas trata-se de uma votação indiciaria, que poderá ser alterada em Plenário - e julgo que vai sê-lo, como é óbvio.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Ó Sr. Deputado, é tudo indiciário, até o artigo 83.°! Mas a questão não é essa.
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado António Vitorino, o PS mantém a proposta?
O Sr. António Vitorino (PS): - O PS mantém a proposta no pressuposto de que faz sentido votá-la como está aqui, em função da votação que já foi feita no artigo 15.°, sem prejuízo de nós próprios estarmos disponíveis para alterar a proposta no sentido de manter apenas a expressão "língua portuguesa", porque, para nós, uma coisa e a outra têm exactamente o mesmo significado.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Nesse caso, como nós preferimos a expressão "língua portuguesa", votem connosco. É que para nós não é exactamente a mesma coisa. Não vejo qual é o problema que têm em proceder deste modo.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado, porque me assiste, apesar de tudo, vagamente, ainda o direito de entender, cartestanamente, que, no artigo 7.° e no artigo 15.°, as expressões devem ser homólogas. Senão, amanhã, podia-se dizer que o artigo 7.° se referia aos países de língua portuguesa, todos eles no seu sentido histórico, e o artigo 15.°, para efeitos de atribuição, por exemplo, de dupla nacionalidade, só se referia àqueles que expressamente consagrassem, nas respectivas constituições, a língua portuguesa como língua oficial. Ora, como o Sr. Deputado sabe, nem na própria Constituição portuguesa a língua portuguesa aparece definida como língua oficial. Após a revisão passará a Constituição a incluir uma referência à língua portuguesa, mas até este momento a Constituição é omissa neste aspecto. É uma questão que não se coloca, é evidente, mas não sei se, por exemplo, a Constituição angolana diz que a língua oficial de Angola é o português.
O Sr. Presidente: - Suponho que não diz.
O Sr. António Vitorino (PS): - Assim sendo, a minha preocupação não é filha de um cartestanismo estreito e atávico.
No artigo 7.°, onde se consagra um princípio fundamental, é evidente que "língua portuguesa" faz todo o sentido na sua interpretação histórica; no artigo 15.°, onde se trata de conferir direitos, cuidado! É só isso que gostaria de alertar, para evitar discrepâncias que me parecem indesejáveis.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Então está a dar razão àqueles que, como o Sr. Presidente Rui Machete e eu próprio, se inclinam para que fique "língua portuguesa" nos dois artigos.
O Sr. António Vitorino (PS): - Não tenho problemas nenhuns. Foi exactamente o que disse: as duas expressões têm exactamente o mesmo conteúdo. A única coisa que peço, humildemente, é que o que ficar no artigo 7.° fique no artigo 15.°. VV. Exa. M decidirão que fórmula pretendem, porque para mim é indiferente.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Faço notar ao Sr. Deputado António Vitorino que aquilo que está - e que pacificamente esteve durante muito tempo na Constituição, e tem sempre algum significado alterar (aliás quem sou eu para utilizar esse argumento que o PS tem utilizado n vezes) - era "manterá laços especiais de amizade e cooperação com os países de língua portuguesa", expressão que nunca foi questionada.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sou sensível a essa observação e devo dizer-lhe, a título pessoal, que irei recomendar ao meu grupo parlamentar que mais vale manter "língua portuguesa".
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito obrigado, Sr. Deputado! Pode crer que não é apenas para contentar o Sr. Prof. Jorge Miranda, por quem tenho muito respeito e amizade, pois acabo de saber que ele
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também exprime as maiores reservas a essa alteração. Com efeito, há fortes razões de fundo que...
O Sr. António Vitorino (PS): - Mas mesmo que fosse só para isso, considero que o Sr. Prof. Jorge Miranda o merecia.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, o recente encontro que congregou em Lisboa escritores de todos os países de expressão oficial portuguesa permitiu fazer um ponto da situação, e até de sensibilidade, em relação ao que é que significa usarmos em comum esta língua que cada qual chama sua e da qual nós, particularmente, nos reclamamos.
A questão que aqui se coloca é, todavia, outra. Como o Sr. Deputado António Vitorino, de resto, teve ocasião de sublinhar com rigor, trata-se de uma questão jurídico-constitucional de não pouca importância, sobretudo se se utilizar uma dupla terminologia. Por isso, subscrevo por inteiro a preocupação de que não se torne dúplice a terminologia constitucional, sobretudo quando nela se possam fundar exigências das quais dependa a obtenção de uma panóplia de efeitos jurídicos.
E não percebo, francamente não percebo - e a evolução do debate não ajuda, de resto, a perceber -, a posição do Sr. Deputado Pedro Roseta.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Verifiquei que fui acompanhado pelo Sr. Deputado Rui Machete, não se esqueça disso.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Na altura em que debatemos o artigo 15.°, o PSD não adiantou qualquer razão como aquela que o Sr. Deputado Pedro Roseta agora nos revelou. E, por outro lado, o Sr. Deputado Pedro Roseta é particularmente nebuloso na justificação das razões que levam o PSD a recuar em relação à adesão a uma tese que tinha recolhido consenso bastante alargado, numa matéria em que ele, a todas as luzes, deve existir. Aparentemente, o único argumento que o PSD invoca é um argumento de conservação.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Não é exacto! Invoquei outros argumentos. Mas esse é, aliás, um argumento muito invocado pelo Partido Comunista e pelo Partido Socialista!
O Sr. José Magalhães (PCP): - O que vindo da boca do PSD é estranhíssimo! Dir-se-ia que o PSD era a única e última entidade sem legitimidade para exprimir essa preocupação, uma vez que exprime todos os dias a preocupação contrária.
Digo francamente que não consigo perceber, a não ser que o PSD tenha in extremis, neste ponto do processo de revisão constitucional, feito suas algumas teses que criticou veementemente (sem nenhuma razão, na minha opinião) durante este ano e tal que aqui levamos de discussões, e numa matéria destas! Estamos a discutir, muito em especial, PALOPs.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, não estamos.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, perdoe-me, mas, na verdade e em primeiro lugar, penso que a questão de se distinguir entre países de expressão oficial portuguesa e países de língua portuguesa não é uma questão extremamente importante.
Pausa.
Em segundo lugar, reflectindo sobre aquilo que foi referido, não há uma divergência de fundo; em terceiro lugar, prefiro a expressão "países de língua portuguesa". Mas, na realidade, foi-me chamado aqui à atenção, e, como eram expressões que utilizaria em sinonímia, num primeiro momento manifestei indiferença. Admito que essa indiferença seja sempre um pouco perigosa e que, portanto, seja preferível alinharmos por uma única expressão.
Continuo a pensar que a expressão preferível é "países de língua portuguesa", mas, se me perguntar quais são os argumentos fundamentais, eu dir-lhe-ei: há um que é de estão. Gosto mais da expressão "países de língua portuguesa" que "países de expressão oficial portuguesa".
E há um outro argumento, que foi já há pouco invocado quando foi citado o Doutor Jorge Miranda e que, aliás, é um argumento óbvio, que é o de evitar que estejamos dependentes, na integração do universo de um país, da qualificação como língua oficial ou língua não oficial.
Isto dito, não vale a pena, penso eu, prolongarmos o debate, está tudo esclarecido. Vamos votar; é uma votação indiciaria.
Já o Sr. Deputado António Vitorino, há pouco, manifestou uma posição que a mim me parece razoável, que é esta: o PS pretende, através do Sr. Deputado António Vitorino, que seja usada sempre a mesma expressão. Está aberto a, naturalmente dentro de critérios de razoabilidade e não apenas por moeda ao ar, usar uma expressão ou outra.
Neste momento, parece-nos que isso é suficiente, é nesse espírito que nós vamos votar. VV. Exas. compreenderão que, se a questão fosse muito importante, a nos obrigar a coisas do tipo de não votar, provavelmente, a dissociação do n.° 3 e do n.° 4 para manter a expressão que está na Constituição. Não tem sentido fazer isto, já que nos entendemos.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Mas podemos fazer as duas coisas, porque, em minha opinião, a questão é importante. Aliás, além dos argumentos já adiantados, podia ainda aduzir outros.
É relevante o facto de a qualificação - ser ou não ser oficial a língua portuguesa de um país - ficar ao arbítrio de terceiros. É também, para mim, uma questão axiológica, sobretudo quando considerada em sede de princípios fundamentais. Dediquei muita atenção aos princípios fundamentais, desde a minha chegada porque eles têm uma carga axiológica que é muito importante. Também a língua portuguesa, em si, é um valor. Não compreendo que, na primeira referência que lhe é feita no texto constitucional se queira aditar-lhe um qualificativo redutor.
Por outro lado, corre-se o risco de deixar de fora os laços de amizade com países não Estados de língua portuguesa, por exemplo Goa ou Timor. Por tudo isto, penso que a alteração proposta é aberrante. Julgo que o PSD não pode votar tal proposta, até porque no seu projecto era mantida a expressão mais correcta consagrada já na Constituição.
Vozes.
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O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que não há vantagem em prolongar este debate.
Se o PSD não quer votar a cisão deste preceito, o preceito fica como está, que fica excelente. Fica excelente!
O PSD, o que gostaria, era de suprimir a alusão ao imperialismo e ao colonialismo, e essa questão não se coloca, porque ninguém a propõe, pura e simplesmente. O PSD não gostaria só de manter a alusão à língua portuguesa; o PSD gostaria de manter a alusão à língua portuguesa e, simultaneamente, suprimir a alusão ao colonialismo e ao imperialismo. Só que essa questão, que era o desejo profundo do PSD, não está colocada.
A questão que está colocada é uma cisão simples, com a alteração ligeira e que até a esta hora era não polémica, da forma de aludir a esses países que outrora tiveram uma relação colonial com Portugal e que hoje são Estados soberanos. Continuam a usar o português da forma que entenderem, com a genuinidade e com a especificidade que também caracteriza esse uso, num quadro de bom relacionamento que é desejável entre todos nós.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - As razões já foram ditas! Estava desatento? Ou não quer perceber?
O Sr. Presidente: - Estamos a perder muito tempo com um problema, apesar de tudo, secundário. Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.
A Sra. Maria da Assunção Esteves (PSD): - Sr. Presidente, não vou demorar absolutamente nada, mas penso que o Sr. Deputado José Magalhães está já a conduzir a discussão para um problema que aqui não se pôs, que foi o da divisão do n.° 3.° em dois números.
O que se estava aqui a pôr era o problema da escolha entre a expressão "língua oficial portuguesa" ou "língua portuguesa". Devo-lhe dizer que, pessoalmente, entendo também que tanto no artigo 15.° como no artigo 7.° devem figurar expressões rigorosamente iguais, seja qual for a expressão adoptada.
Creio, insistindo novamente na linha do Prof. Jorge Miranda, que a expressão "língua oficial portuguesa" é muito mais condicionadora, e nesse sentido vai contra aquela intenção que o Sr. Deputado José Magalhães nos imputa - uma intenção restritiva em matéria de relações especiais de amizade com os países que foram, em tempos, as colónias portuguesas. É que esses países têm uma estrutura societária caracterizada pela coexistência de comunidades com diferentes dialectos.
O Sr. Presidente: - Julgava que há pouco tinha conseguido encontrar uma solução para votarmos o artigo, mas o meu optimismo revelou-se infundamentado.
Vozes.
O Sr. Presidente: - A questão é esta: de acordo com aquilo que foi referido pelo Sr. Deputado António Vitorino, existe, da parte do PS, uma intenção clara de deixarem prejudicada a questão de saber se é língua oficial portuguesa ou se é língua portuguesa, mantendo apenas a ideia de que a expressão deve ser a mesma em todos os artigos em que vier a ser utilizada.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Em segundo lugar, o PSD tem uma ideia, suponho que já pode dizer-se clara, no sentido de que é preferível usar a expressão "língua portuguesa". Mas, se esta posição do PS for claramente entendida, a questão fica aberta, para saber se é uma coisa ou é outra.
O que não fica em aberto é a questão de serem expressões diferentes nos diversos artigos.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - A intenção do Sr. Presidente é votar apenas a cisão? Mas então o texto fica, no resto, como está.
O Sr. Presidente: - Vamos ter de votar o número, mas vamos votar com um voto que, no fundo, dada a posição de abertura que o PS manifesta e a nossa, a questão fica em aberto.
Pausa.
Está clara a questão, ou não fui feliz na expressão...?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que só falta fazer uma aclaração.
Quid júris se nessa decomposição não fosse obtida a maioria de dois terços para o segmento cuja cisão é proposta em segundo lugar?
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, o problema é um pouco este: o voto tem de ser um voto dos dois números, condicionado, porque senão facilmente nós poderíamos, por exemplo, votar o n.° 3 e depois não votar o n.° 4.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto!
O Sr. Presidente: - Em primeiro lugar, estamos a actuar bona fide, todos nós. Em segundo lugar, é óbvio que os votos são condicionados e, por consequência, vamos naturalmente fazer a votação. Se houver uma maioria de dois terços para o n.° 3, naturalmente que haverá para o n.° 4, porque senão, não tem sentido fazê-lo.
E como sempre é possível voltar atrás, porque as coisas são indiciarias, mesmo que não fosse assim, sempre seria possível corrigir o título.
Pausa.
Portanto, eu repetiria, só para nos entendermos: vamos votar os n. os 3 e 4 da proposta apresentada pelo PS. É evidente que, se se votar a divisão, que é aquilo que está proposto, ao votar o n.° 3 parece-me difícil não votar o n.° 4 - senão, vota-se logo quanto ao n.° 3, por uma questão de coerência na votação. Segundo aspecto: o voto, no que respeita ao problema de países de língua oficial portuguesa ou países de língua portuguesa, é um voto meramente resultante de ter de se votar esta separação, visto que fica adquirido, nesta discussão, que existe o entendimento de que o PSD e o PS estão predispostos a utilizar a mesma expressão no artigo 15.°, que já foi votado, e neste artigo; falta saber qual a expressão, e é essa a questão que fica em aberto.
Srs. Deputados, vamos proceder à votação do n.° 3 do artigo 7.° da proposta apresentada pelo PS.
Submetido à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS, do PCP e da ID.
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É o seguinte:
3 - Portugal reconhece o direito dos povos à insurreição contra todas as formas de opressão, nomeadamente contra o colonialismo e o imperialismo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos proceder à votação do n.° 4 do artigo 7.° da proposta apresentada pelo PS.
Submetido à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS, do PCP e da ID.
É o seguinte:
4 - Portugal mantém laços especiais de amizade e cooperação com os países de língua oficial portuguesa.
O Sr. Presidente: - Passamos, agora, ao n.° 5. Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O n.° 5 teve a sua votação suspensa a pedido do PSD, o qual não fundamentou o pedido de adiamento. Em todo o caso, suponho que o Sr. Deputado Costa Andrade, na altura em que requereu o adiamento, o fez com base em objecções à redacção e com o pressuposto de que o PSD preconizaria uma outra redacção e teria dúvidas sobre o conteúdo desta, designadamente dada a polissemia de alguns conceitos utilizados.
O debate que, há tempos, foi feito aqui, no Plenário da Assembleia da República, sobre a problemática do mercado interno europeu não ajudou, infelizmente, a clarificar qual seja o ponto de vista do PSD sobre esta matéria. Gostaria que fosse possível saber-se se, em termos de redacção, existe alguma sugestão que exprima o ponto de vista político do PSD, ou se o PSD adere à ideia da Europa do Atlântico aos Urais, ou às conclusões da última Conferência de Segurança Europeia, realizada em Viena, ou qual o entendimento que dá a este preceito, sob pena de se tratar de um verdadeiro albergue do "europeu"...
O Sr. Presidente: - O que convinha que não fosse era a "casa europeia", na expressão de Gorbatchov - porque essa causa alguns engulhos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas porque não, Sr. Presidente? Até isso é possível ler aqui.
O Sr. Presidente: - Sim, mas essa expressão causa-nos alguns engulhos, apesar da simpatia que tenho pela obra meritória da perestroika que o Sr. Gorbatchov está a desenvolver. A ideia da "casa europeia", tal como foi expressa e no contexto particular em que surgiu, deixa-me algumas prevenções que, porventura, o futuro mostrará infundamentadas.
Aquilo que nós dissemos na altura, e mantemos, é que estaríamos predispostos a votar uma fórmula que significasse o empenho que Portugal tem na construção e reforço das Comunidades Económicas Europeias e, de algum modo, naquilo que é o reforço da ideia de Europa. Mas não gostaríamos de prejuizar - as matérias não foram objecto de uma discussão e reflexão suficientemente amadurecidas no seio do PSD, como não sei se o foram, pelo menos não é do conhecimento público, no seio dos outros partidos, nem, sobretudo, na opinião pública em geral, para dizermos
de maneira clara, com um significado que pode não ser aquele que seja o mais adequado, que Portugal se empenha na organização política da Europa.
É evidente que nos empenhamos nalgum tipo de organização política da Europa, mas essa organização política da Europa pode (para quem leu o célebre livro de Michael Has) ser a mais diversa, do ponto de vista da sua estruturação; nem tem de ser, necessariamente, uma confederação política nem uma federação política, nem -indo para formas mais ténues do que a confederação - algum tipo de esquema de cooperação internacional diferenciada.
Portanto, aquilo que eu queria perguntar ao PS - aliás, aceito que nos devolva a solução - é: se não estaria disposto a reconsiderar a hipótese de encontrar uma fórmula que, traduzindo a ideia do empenhamento na Europa (que nós subscrevemos), porventura pudesse ser menos concretizada e, inclusivamente, com uma referência menos detalhada do ponto de vista sectorial.
O Sr. António Vitorino (PS): - Como é nosso timbre, por mor da Europa e por mor dos dois terços, somos dados a sacrifícios. Portanto, tem toda a. nossa disponibilidade. Naturalmente, confiamos na imaginação de V. Exa. para traduzir em articulado o que lhe vai no espírito e na alma, porque o que ia no nosso espírito e na nossa alma está neste articuladozinho modesto e, portanto, imperfeito que apresentámos.
O Sr. Presidente: - Se VV. Exas. estivessem de acordo, poderíamos passar adiante e voltar depois a este ponto.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Como contributo a essas novas e velhas andanças, permita-me que faça uma observação.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sobre a Europa?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Exacto.
O Sr. António Vitorino (PS): - É um contributo muito interessante, decerto.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, a nossa posição sobre a questão de fundo é clara e pública. Aquilo que estamos aqui a discutir não é bem isso; estamos a discutir uma candidatura a norma constitucional - portanto, o que cabe examinar não é, propriamente, toda a problemática a que essa norma diz respeito, mas as virtudes e deméritos do candidato. Sucede que este preceito, tal qual é apresentado pelo PS, é verdadeiramente um recorde, uma soberba colecção de conceitos relativamente indeterminados; só um não o é - Portugal. Neste preceito, a única coisa que não é um conceito relativamente indeterminado é Portugal - todos os outros conceitos o são: o conceito de empenhamento, o conceito de organização política, o conceito de organização económica, o conceito de organização social, o conceito de organização cultural e o próprio conceito de Europa. Europa que não surge aqui aferida como o concerto dos países que são membros das Comunidades Europeias, nem como os países que, não sendo membros das Comunidades, com elas têm especiais relações e se inserem no espaço geográfico europeu, num dos sistemas políticos e sociais que o caracterizam, nem os países que, situando-se em território europeu, no sentido geográfico, são política
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e socialmente filiados na outra concepção e são países que se reclamam do socialismo. De Europa se fala com maiúscula, mas de Europa indeterminadamente se fala.
Sucede que ninguém, até agora, ousou dizer que a noção, por exemplo, de organização política -que aqui é objecto de alusão, na proposta candidata - seja a Europa unida que alguns imaginam, ou a União Europeia, ou uma outra qualquer fórmula jurírido-política para exprimir uma aproximação íntima entre Estados e um estreito relacionamento, com estatutos variáveis, entre soberanias. Dir-se-ia que o conceito comporta tudo: desde as fórmulas de cooperação até às fórmulas de associação autónoma, até às fórmulas constantes dos tratados instituintes das Comunidades na sua versão originária, até às fórmulas decorrentes do chamado Acto Único, até outras quaisquer futuras fórmulas - desde que sejam fórmulas de organização política. O conceito é, por inteiro, indeterminado e o seu alcance é de calibre vasto.
O PSD teve mesmo o cuidado de dizer o que o preceito não é e que fórmulas de aproximação, nos planos que aqui estão aludidos, é que o PSD considera reprováveis, ou menos aceitáveis, ou menos subscritíveis - o que como regra; não é boa opção; não é boa aproximação, quando se está a tratar de uma norma constitucional cujo sentido deve ser, pelo menos, claro, reconhecível e facilmente perceptível.
Por outro lado, o próprio conceito de empenhamento não deixa de suscitar algumas perplexidades. A norma, ao referir que Portugal se empenha nas diversas formas de organização da Europa, apenas alude a um empenhamento cujo grau é, de resto, não especificado e não especificável. Portugal empenhar-se-á no que se empenhar, sendo os processos de produção das decisões políticas em Portugal aqueles que a Constituição prevê e, em última análise, os que resultem da vontade popular expressa por todas as formas constitucionalmente aptas e possíveis. Não há, nesta matéria, segundo a norma, qualquer que seja a sua sorte e o seu norte, nenhuma directriz constitucional quanto ao modelo de organização política europeia que Portugal deve empenhadamente defender - salvo, evidentemente, quanto à sua democraticidade e respeito pelas prerrogativas soberanas e inalienáveis, sem as quais Portugal (que é o sujeito desta norma candidata) deixaria, de o ser por ter deixado de existir como Estado soberano. Sem o respeito pelas nossas prerrogativas soberanas deixaríamos, em bom rigor, de poder falar de Portugal. E sucede que Portugal é o princípio e o fim desta norma e é também a única coisa determinada e precisa, como sublinhei há pouco, que nesta norma existe. Tudo o mais é uma nebulosa de indeterminação complacente, filha de um filoeuropeísmo susceptível de mil interpretações, todas legítimas.
Não é, portanto, da dissolução de Portugal como pátria que esta norma trata, nem da dissolução de Portugal num mosaico contextuai europeu alargado, com uma largueza que, de resto, não somos capazes de futurar. A reunião a que aludi há pouco da Conferência de Segurança e Cooperação Europeias, que encerrou com assinalável êxito há dias em Viena, teve ocasião de, como é público, propiciar acordos que se traduziram em desenvolvimentos bastante extensos e significativos de muitos aspectos da Acta Final de Helsínquia - abrangendo desde questões de desarmamento até compromissos de cooperação económica, científica técnica e, mesmo, o desenvolvimento dos direitos do homem. Curiosamente, tudo isso foi debatido e aprovado, tendo em atenção que a área a ser objecto de futuras negociações em matéria de desarmamento é uma área que vai do Atlântico aos Urais, incluindo os territórios insulares, precisamente.
É nessa óptica alargada e é dessa Europa alargada que os europeus que todos somos, e que estivemos na Conferência de Segurança e Cooperação Europeias, falamos neste preciso momento. E é positivo que assim falemos neste momento e que o façamos num contexto em que a União Soviética decidiu reduzir unilateralmente os seus efectivos militares, tanto na Europa como na Ásia, dando assim expressão à construção da casa comum europeia, na expressão de Gorbatchov. São gestos de paz, de significado inequívoco e generalizadamente reconhecido. De tudo isto se fala neste preceito, em termos que são susceptíveis de muitas leituras.
Em suma, Sr. Presidente, que é este preceito? Aparentemente é uma janela para um futuro cujos contornos não são definidos e para uma Europa que não está desenhada. Essa Europa constará de um mapa imaginado e imaginário, que constitucionalmente não terá recortadas rigorosamente as fronteiras que se desejam captar, por fidelidade ao real ou ao sonho.
Teremos, pois, na Constituição um padrão com o nome Europa perfeitamente legível, mas legível diferentemente, consoante as visões do mundo e dos sistemas que cada um tenha, variável consoante os tempos e os resultados das mudanças que neste limiar do próximo século poderão transformar a Europa, desejavelmente, em casa comum, ou, se prevalecessem outras concepções, a manterão dividida em matérias em que deveria estar unida.
Aguardamos com uma certa curiosidade que surjam outros textos - se é a vossa ideia -, porque nos parece que esta malha, de tão larga, de tão indefinida, de tão nebulosa, contrasta um pouco com as vossas teorias e com as vossas concepções sobre o que deve ser uma norma constitucional, tal qual aqui foram expressas.
O Sr. António Vitorino (PS): - O Sr. Deputado José Magalhães não trouxe verdadeiramente nada de novo ao debate que já tinha sido travado na primeira leitura e onde revelou uma certa alergia do PCP a uma norma deste género, tentando encontrar, em tudo, conceitos vagos e indeterminados e tentando talvez determinar conceitos que não podem ser determinados com a extensão e o âmbito com que o Sr. Deputado José Magalhães o fez.
Na realidade, explicitámos que o sentido da nossa proposta era o de a Constituição, no seu artigo 7.° - relações internacionais -, conter uma nota distintiva da projecção europeia de Portugal, a par com valores, igualmente estimáveis para nós, no plano das relações internacionais, como os valores da independência nacional, do direito à autodeterminação, da segurança e da cooperação, da reafirmação dos compromissos internacionais e até tradicionais quanto às formas de resolução dos conflitos e das especiais relações com os países africanos. Entendemos que este conspecto de enquadramento de Portugal no mundo ficaria insuficientemente contemplado pelo artigo 7.° da Constituição se não houvesse uma referência à Europa. E não quisemos, propositadamente, espartilhar essa projecção europeia de Portugal numa referência concreta a nenhuma organização internacional ou supranacional no âmbito europeu, porque entendemos que a vantagem do preceito é exactamente a sua polissemia, é exactamente o seu carácter aberto e o facto de recobrir, nessa nota
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distintiva da projecção europeia de Portugal, várias dimensões que a Europa tem, dimensões geográficas, políticas, económicas e sociais.
É por isso que não nos assusta nada que nos digam que esta norma é uma janela aberta para um futuro de que não se conhecem os contornos, porque é talvez a mais justa homenagem que quem profere essa afirmação em tem de crítica pode fazer à vantagem e - porque não dizê-lo- à correcção da própria norma, porque o que, de facto, virão a ser a dimensão política, económica e social da Europa do futuro traduz-se, efectivamente, num projecto que não tem contornos definidos e para cuja definição Portugal deve contribuir activamente. É por isso que, embora reconhecendo o fascínio dos Srs. Deputados do PCP pelas sociedades terminais e para que as sociedades terminais sejam, todas elas, bem delimitadinhas à partida para saber para onde é que vamos, é por isso que preferimos o movimento à inércia e entendemos que devíamos consagrar uma norma que fosse mais tributária da ideia de movimento do que propriamente duma ideia de um futuro definido, em todos os detalhes e contornos, com precisão.
Claro está que não acredito que as observações que o Sr. Deputado José Magalhães fez sejam tributárias do facto de o PCP entender que é inadmissível que haja uma nota europeia na Constituição. Creio que, apesar de tudo, essa fase do PCP já deve ter sido ultrapassada e, sobretudo, num momento como o que vivemos, em que se assiste a um entendimento cada vez mais frutuoso e aprofundado entre a Europa das Comunidades e a Europa do Comecon, colocando-se, inclusivamente, a hipótese do alargamento das Comunidades Europeias a países da EFTA e do próprio Comecon. Creio que todas essas realidades não se podem definir e espartilhar num conceito constitucional, qualquer que ele seja.
Diz o Sr. Deputado José Magalhães - e curiosamente, quanto a mim - que o único conceito que existe definido nesta nossa proposta é o conceito de Portugal. É verdade, V. Exa. tem toda a razão, é o conceito de Portugal, mas o que não me parece possível é que do conceito de Portugal o Sr. Deputado José Magalhães tenha querido retirar uma espécie de fotografia estática de quais são as prerrogativas de soberania que fazem de Portugal (passe o pleonasmo) e quais são as limitações à soberania nacional a partir do momento em que Portugal deixaria de ser o que é. Essa é uma aproximação interessante ao problema e é uma tentativa subtilíssima de dizer que o conceito de Portugal pressupõe a garantia constitucional da não limitação da soberania nacional, nem mesmo nos casos em que tal limitação - hipoteticamente - possa decorrer da participação de Portugal em organizações internacionais ou supranacionais cujo objectivo seja a construção, por exemplo, da organização política, económica, social e cultural da Europa. Essa foi a única nota em que o Sr. Deputado José Magalhães teve a gentileza de dizer que aquilo que o projecto do PS continha apresentava contornos precisos. Fica-lhe bem essa tentativa, mas, obviamente, não o acompanhamos. Esta norma não é uma norma nem permissiva nem proibitiva de limitações de soberania.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Eu disse precisamente o contrário!
O Sr. António Vitorino (PS): - Não disse o contrário.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Disse exactamente o contrário!
O Sr. António Vitorino (PS): - Ainda bem que disse o contrário. Não foi o que ouvi, contudo.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Repito com todo o gosto, porque não gostaria, de maneira nenhuma, que se estabelecesse esse equívoco. Aquilo que disse, praticamente palavra por palavra, é que a polissemia e indeterminação da norma era tal que não haveria, a ser aprovada uma solução como esta, nenhuma direcriz constitucional precisa quanto ao modelo de organização política europeia em cuja construção Portugal deverá empenhar-se, salvo quanto à democraticidade desse modelo - princípio absolutamente inexorável - e quanto ao respeito inevitável pelas prerrogativas inalienáveis sem as quais Portugal deixaria de ser um País soberano, sendo Portugal, nos termos desta norma, o princípio e o fim e a única coisa que ela tem de preciso.
Não é da dissolução de Portugal como Pátria que se trata, mesmo nesta norma. Tive o cuidado de sublinhar isto precisamente. Não confundo o Sr. Deputado António Vitorino (não lhe faço essa ofensa) com os autores da proposta do artigo 7.°-A apresentada pelo CDS. De maneira nenhuma!
O Sr. António Vitorino (PS): - Gostaria de reafirmar, inequivocamente, que esta norma não tem rigorosamente nada a ver com as limitações de soberania decorrentes da participação de Portugal em organizações internacionais, como também nela não se poderá encontrar a proibição constitucional de eventuais limitações de soberania decorrentes da participação de Portugal em organizações internacionais. Ou seja, é uma norma que não releva nem no sentido preconizado pelo artigo 7.°-A do CDS, nem no sentido exactamente contrário, que era o de interpretar este conceito de Portugal como uma fixação constitucional, um retrato à Ia minute do âmbito ou do conspecto das prerrogativas de soberania hoje existentes em Portugal, que não consentiriam qualquer limitação em virtude da participação de Portugal em organizações internacionais. A norma não dá nem para um sentido, nem para outro. É só esse apontamento que queria deixar.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Vou manter-me fiel à regra de não discutir o que já foi discutido. Queria apenas dizer ao Sr. Deputado António Vitorino que, certamente por razões diferentes das expostas pelo Sr. Deputado José Magalhães, nós não estamos disponíveis para votar a favor da vossa formulação, pelas razões que o Sr. Presidente adiantou. Gostaríamos de ter alguns dias para a substituir por uma formulação que nos pareça mais adequada. A proposta do PS vai longe de mais. Pessoalmente, não sei o que é, por exemplo, a "organização cultural da Europa".
O Sr. Presidente: - Gostaria só de referir, a título exemplificativo, aquilo que pensamos pudesse constar da Constituição como uma indicação de uma orientação em matéria das relações internacionais quanto à Europa. Podia ser um preceito do seguinte teor: Portugal empenha-se no reforço da indentidade europeia nas suas dimensões política económica, social e cultural.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - É bastante melhor, mas mesmo assim tenho algumas dúvidas sobre essa formulação. Que é a "identidade europeia", sobretudo como definir a sua dimensão cultural?
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O Sr. Presidente: - Mas, como digo...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Falta a económica, que giro!
O Sr. Presidente: -... nas suas dimensões política, económica, social e cultural.
No fundo estava a procurar, de algum modo, alterar o mínimo possível do ponto de vista da referência às diversas dimensões que aqui estão mencionadas pelo PS, só que não quereria fazer uma afirmação em termos organizatórios no campo político. A identidade da Europa é algo pelo qual nos batemos. Hoje o seu motor mais dinâmico são as Comunidades Económicas Europeias, não quero dizer que seja o único, o Conselho da Europa é igualmente importante, a EFTA, etc.. Não estamos a prejuizar e a excluir que os países que neste momento fazem parte da Europa de Leste não possam democratizar-se e encontrar formas de pluralismo político e até de uma cooperação mais estreita...
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Lá chegarão, lá chegarão. Os povos desses países até estão a demonstrar que têm pressa nessa democratização.
O Sr. Presidente: - É uma oportunidade que certamente veríamos com muito agrado que fosse aproveitada a que esses países começam a viver. É evidente que não desconhecemos todas as implicações do ponto de vista económico, estratégico e político que a questão tem, e a nossa ideia é, simultaneamente, acolher a proposta socialista, que nos parece feliz numa menção à preocupação que Portugal deve ter em contribuir para a construção da Europa, sem que isso signifique, necessariamente, uma precisão, que reputamos, no caso da Constituição, ser porventura pelo menos um pouco prematura no que concerne às fórmulas a que esta construção deverá obedecer. Pode muito bem acontecer que as fórmulas variem ao longo do tempo e tenham uma geometria variável em função das diversas dimensões.
Era isto que gostava de dizer e por isso iria solicitar a VV. Exas. que adiássemos ainda este n.° 5...
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Só este número?
O Sr. Presidente: - Só este número, na medida em que me parece preferível ponderarmos uma formulação que gostaríamos de submeter à vossa apreciação e que não houvesse aqui votações que indiciassem uma manifestação de vontade diversa daquela que realmente temos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que ficou provada, de forma cabal e, de resto, quanto a mim, extremamente interessante, a utilidade de se travar sobre esta matéria um debate e de não praticar votações puramente carimbadoras. Por um lado, porque isso contraria em geral aquilo que é suposto que façamos e, por outro lado, porque se perderia a possibilidade de expressão das visões de cada partido e de cada força política sobre as matérias que estão em apreço.
Neste caso concreto é particularmente interessante que o debate seja feito e que o seja nestes termos, porque ele permitiu clarificar, por um lado, que o que se pretende não é a título nenhum editar, sob forma ínvia, uma cláusula como aquela que o CDS propunha de maneira aberta e inequívoca no seu artigo 7.°-A. Aquilo que se pretende é uma menção que, afinal de contas, se revela simbólica, quase diria ideológica. Sem
precisão, o resumo deste debate é talvez o seguinte: "precisa-se de uma norma imprecisa", o que não deixa de ser estranho, porque verdadeiramente a função das normas constitucionais haveria de ser exactamente a oposta a essa.
O Sr. Presidente: - Não estou de acordo consigo, Sr. Deputado. Elas não têm nada de ser regulamentos.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Muito menos em sede de princípios fundamentais. É apenas uma discutível opinião do Sr. Deputado, mais nada.
O Sr. José Magalhães (PCP): - "Mais nada"?! É óbvio que é somente a minha opinião e da minha bancada, o que quer dizer que é mais do que o bastante para exprimir o nosso ponto de vista, o que é uma legitimíssima opinião! Ou não?!
O Sr. António Vitorino (PS): para que os outros protestem.
Também é suficiente
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Com mais ou menos veemência, pois, a nosso ver, tratasse de uma opinião que, além de muito minoritária, é claramente desacertada.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Evidentemente. Só quis significar, Srs. Deputados, que a vontade de traçar as tais janelas abertas para futuros cujos contornos não são divisados pelos que abrem os olhos encontra alguns limites.
Srs. Deputados, qual é o problema de uma nota europeia? O problema aqui é o de saber qual é o significado dessa nota, sob pena de se incorrer no chamado esforço de boa vontade, a qual não é consumada em nenhuma expressão rigorosa, e até incorrendo em algum equívoco indesejado por uns e, quiçá, ardentemente desejado por outros. Evidentemente que a Constituição poderia vir a ser vitimizada por essa conjugação estranha de conhecimentos, desconhecimentos, vontades e "desvontades", que normalmente não se traduzem no engendrar de nenhuma criatura juridicamente escorreita.
É um tanto preocupante a alegação feita pelo Sr. Deputado António Vitorino em defesa da proposta do Partido Socialista. Mas é também curiosa a proposta resultante do esquiço de que vos deu conta o Sr. Deputado Rui Machete.
Em matéria de polissemia dir-se-ia que o PS e o PSD abriram um concurso e rivalizam abertamente. No entanto, com uma diferença: é que o PSD veio esboçando aquilo que não deseja, ao mesmo tempo que o Partido Socialista veio sublinhando que deseja a névoa, por razões que também explicitou e que, ao que parece, se traduzem numa paixão confessa pela Europa. Com maiúscula, seguramente, mas sem definição. Digamos que é um amor indistinto ou, como é próprio das definições da paixão, uma vontade que tem um objecto mas que se consome nela própria e que a certa altura se desliga do objecto para se concentrar nela mesma. O objecto é um pouco indiferente, é a paixão pela paixão, é a alusão a uma pulsão do Partido Socialista para um Portugal integrado num contexto alargado, com uma certa indiferença pelo contexto, pela sua dimensão e pela sua fronteira. Que a fronteira esteja ali, um pouco depois da RFA, ou que ela esteja acolá, mais ou menos ao pé dos Urais, não é uma coisa instante e urgente. A paixão é sair, a paixão é abrir, a paixão é ir além. Mas não é o mesmo ser o mais periférica
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dos países da Europa Central ou ser o país europeu que, virado ao Atlântico, se liga à Europa integral e ao mundo.
Dir-se-ia que o Partido Socialista exprime aqui uma certa vontade de umas descobertas feitas agora de outra forma, mas, ao contrário dos grandes navegadores, sem uma bússola precisa, sem um mapa, sem uma rota, e, quiçá, sem Estrela Polar. O Partido Socialista confessa-nos isso com um certo garbo.
Creio, Sr. Presidente, que nisso se distinguem os dois partidos, e nós de ambos. O vosso casamento é, pois, estranho neste ponto. Aquilo que o PSD nos traz é a recusa da afirmação, no campo político, de uma certa noção restrita de Europa uma preocupação pela ênfase na existência de outros motores, uma rejeição de certas concepções redutoras sobre a evolução dessa Europa, e também, pelos vistos, uma certa rejeição de certas concepções vindas do campo socialista sobre a Europa enquanto casa comum. Ora, o que é estranho, ou o que é difícil, é casar tais entendimentos. A própria norma do PSD será uma norma estranha...
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Não há ainda qualquer norma do PSD, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Claro, o projecto de norma, a norma esquiçada.
O Sr. Presidente: - Talvez possamos discuti-la na altura oportuna. Isto foi apenas para elucidar.
O Sr. José Magalhães (PCP): - É somente uma consideração rápida!
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Rápida? Não dei por isso! Julguei que o D. Quixote já tivesse desaparecido há muito tempo. Não há aqui nenhum moinho. Onde é que está o moinho contra o qual está a dar espadeiradas?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Será na "Europa"? Quando se diz que Portugal se empenha no "reforço da identidade europeia", que se quer dizer? Como se sabe, a problemática da identidade europeia apaixona neste momento a opinião pública em diversos países das várias Europas, e é, de resto, uma questão extremamente relevante para todos e cada um de nós. Que é que é a identidade europeia? Pode-se falar da identidade europeia no singular, mas creio que é extremamente difícil sustentar tal tese.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - É claro que do ponto de vista cultural não é possível falar nessa identidade no singular.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Por outro lado, o empenhamento no desconhecido será talvez aliciante, mas é estranho em termos constitucionais. Não quer isto dizer que haja nas minhas palavras uma obsessão das sociedades terminais e que eu exija dos proponentes não só á bússola como o mapa da Europa ou das Europas do terceiro milénio. Não é disso que se trata! Do que se trata é de nesta revisão constitucional - é desta que estamos a falar -, e no horizonte que somos capazes de vislumbrar neste quadro em que estamos, falar da Europa com esta bela maiúscula e no singular, ou da identidade europeia com minúscula mas também no singular. Ora, isso pode ser uma confissão de imprecisão, ou de confusão, ou de uma boa vontade incapaz de se exprimir em palavras.
O que se exige de nós como legisladores é que sejamos capazes de nos exprimir em palavras (temos obviamente de falar em português, como europeus que somos) de forma clara, inequívoca e precisa. Suponho que essas qualidades não presidem a nenhuma das normas até agora adiantadas. Se alguma vier, então que não incorra nestes vícios! Oportunamente nos pronunciaremos sobre ela. Mas, francamente, devo dizer que neste debate não nos regemos por princípios que cabe à ciência que estuda as alergias estudar. Não é esse o nosso padrão nem o nosso critério.
Quanto ao símbolo, percebemos o que vos motiva, mas também haveis de perceber que, sendo motivado e expresso desta forma, que é um tanto capadócia, não pode merecer a nossa adesão. De qualquer modo, ficamos expectantes.
O Sr. Presidente: - Compreendemo-nos uns aos outros. Em vez do "amai-vos uns aos outros" é compreendemo-nos uns aos outros.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, esta intervenção, aliás como outras, merecia resposta, como é evidente. Nós entendemos qual é a intenção do Sr. Deputado José Magalhães e, portanto, não nos escapa que no fundo o receio que tem é o de que caibam nesta janela aberta exactamente aquelas realidades que ele tanto abomina e que realmente são apenas do domínio da alergologia.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas quais são as realidades que nós abominamos?
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado, nós percebemos qual é a sua intenção. Não vale a pena prolongar este debate.
O Sr. José Magalhães (PCP): - VV. Exas. não se exprimem é de forma razoável, perceptível por qualquer leitor da Constituição!
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado, nós exprimimo-nos de forma tão clara, tão clara, que até o leva a dizer o que acabou de dizer.
O Sr. José Magalhães (PCP): - VV. Exas. manifestam-se de forma tão imprecisa, tão imprecisa, que nem são capazes de dizer o que é a "identidade europeia"!
O Sr. Presidente: - Os juizes sobre essa matéria serão quem nos ler.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, não sofra pelas dores alheias.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Não vamos votar o n.° 5 hoje, não é assim Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Sim, não votamos o n.° 5 do artigo neste momento. Fica de remissa. Vamos votar o n.° 3 proposto pelo PSD para o mesmo artigo.
Pausa.
Não, esse está prejudicado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Prejudicadíssimo!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o superlativo é muito subjectivo.
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O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Em minha opinião, essa proposta já foi votada. Afirmativamente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, não vamos retomar a discussão.
Passamos, agora, à votação da proposta de alteração do n.° 1 do artigo 7.° apresentada pelo Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado as abstenções do PSD, do PS, do PCP e da ID.
É a seguinte:
1 - Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, do respeito pelos direitos do homem, do direito dos povos à autodeterminação e à independência, da igualdade entre os Estados, da solução pacífica dos conflitos, da não ingerência nos assuntos internos de outros Estados e da cooperação com todos os outros povos para a emancipação e o progresso da humanidade.
Vamos votar o respectivo n.° 2 da proposta apresentada pelo Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado as abstenções do PSD, do PS, do PCP e da ID.
É o seguinte:
2 - Portugal preconiza o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.
O Sr. Presidente: - O n.° 3 apresentado pelo Sr. Deputado Sottomayor Cárdia está prejudicado pela votação que se fez da proposta socialista. O n.° 4 idem. O n.° 5 fica suspenso nos mesmos termos em que suspendemos o n.° 5 da proposta socialista. A proposta da Sra. Deputada Helena Roseta para este artigo está prejudicada porque é idêntica à do Sr. Deputado Sottomayor Cárdia.
Vamos agora ver a proposta da ID para o artigo 7.° Dada a maneira como interpretámos a votação, não tem sentido estar a proceder à sua votação. Não é, Sr. Deputado?
O Sr. Raul Castro (ID): - Não é, Sr. Presidente. Ela está prejudicada porque já está incluída na proposta do Partido Socialista.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Não, não! Não está!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, nós não vamos votá-la, a não ser que V. Exa. insista em fazê-lo, pela seguinte razão: ficou claramente entendido que deixaríamos imprejudicada a questão de saber se utilizávamos a expressão "países de língua oficial portuguesa" ou simplesmente "países de língua portuguesa". Votámos a proposta socialista, mas deixámos essa questão em aberto. A única coisa que resolvemos de uma maneira definitiva ao nível da Comissão foi que utilizaríamos a mesma expressão no artigo 15.° e neste artigo 7.° Não vamos agora retomar essa discussão. Se votássemos a sua proposta, retomaríamos a discussão. Vamos deixar o problema assim, tal como está.
O projecto do PE V para este artigo 7.° tem um n.° 2, com algumas alterações...
O Sr. José Magalhães (PCP): - É só uma alteração: a não militarização do espaço.
O Sr. Presidente: - Vamos, então, votar o n.° 2 do PE V para o artigo 7.°
Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PCP e da ID e as abstenções do PSD e do PS.
É o seguinte:
2 - Portugal preconiza a abolição de todas as formas de imperialismo, colonialismo e agressão, o desarmamento geral simultâneo e controlado, a não militarização do espaço, a dissolução dos blocos políticos militares e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.
Vamos agora proceder à votação do n.° 4 do artigo 7.° proposto pelo PE V.
Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PCP e da ID e as abstenções do PSD e do PS.
É o seguinte:
4 - Portugal desenvolve na esfera internacional iniciativas tendentes ao combate ao racismo, ao sionismo e ao apartheid.
Vamos votar o n.° 5 do artigo 7.° proposto pelo PEV.
Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PCP e da ID e as abstenções do PSD e do PS.
É o seguinte:
5 --É vedada qualquer forma de utilização do território nacional para o desenvolvimento de actividades de organizações político-militares que combatam os países com quem Portuga) mantenha laços especiais de amizade e cooperação.
Finalmente, vamos proceder à votação do n.° 2 proposto pelo PRD para o artigo 7.°, o qual tem algumas supressões.
Submetido à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado as abstenções do PSD, do PS, do PCP e da ID.
É o seguinte:
2 - Portugal preconiza a abolição de todas as formas de dominação e de agressão, o desarmamento simultâneo, equilibrado e controlado e o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos.
O respectivo n.° 3 está prejudicado porque é igual ao n.° 3 apresentado pelo PSD.
Assim, Srs. Deputados, terminámos a votação do artigo 7.°, com excepção do n.° 5 da proposta do Partido Socialista e do n.° 5 das propostas dos Srs. Deputados Sottomayor Cárdia e Helena Roseta.
Vozes.
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O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, suponho que ainda não estamos em condições de votar o artigo 108.°, visto que ainda há umas questões que conviria acertar, designadamente em matéria de anexos ao Orçamento.
Vamos passar ao artigo 115.° Neste artigo falta votar o n. ° 5 da proposta do PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, creio que o n.° 5 da proposta do PCP tem duas partes...
O Sr. Presidente: - Tem a parte relativa ao desenvolvimento das leis de bases e a parte relativa aos problemas do decreto legislativo regional.
O Sr. António Vitorino (PS): - Exacto, Sr. Presidente. Portanto, a parte final coincide com uma proposta dos Srs. Deputados da Madeira.
O Sr. Presidente: - Exactamente, Sr. Deputado. Essa proposta também ainda não foi votada. Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, creio que seria sensato manter a mesma atitude que temos tido.
As opções relativas ao estatuto constitucional das regiões autónomas quanto à questão central da clarificação dos poderes legislativos merecem ser discutidas como um todo. Devo dizer que nós preferimos que a opção sobre esta matéria seja feita nesta sede. No entanto, chegou ao conhecimento da nossa bancada que neste período que agora culmina com esta reunião tem havido intensos contactos entre o PS e o PSD com vista a aclarar algumas das soluções susceptíveis de reunirem um consenso de dois terços.
Agradecia que não vissem nisso qualquer manifestação de apetência para sermos contactados no mesmo sentido. No entanto, politicamente, e conforme publicamente tive ocasião de anunciar, estamos completamente disponíveis para contribuir aqui, na Comissão de Revisão Constitucional, nos termos regimentais, para a génese de uma boa solução. Foi isto mesmo que tive ocasião de dizer, juntamente, aliás, com o Sr. Deputado Almeida Santos, à delegação da Assembleia Regional dos Açores que recebemos na semana passada, a qual nos instou, mais uma vez, a encontrarmos soluções positivas, clarificadoras e equilibradas para estes problemas. Se VV. Exas. entenderem que é esta a sede e o momento de nos revelarem a que resultados positivos e concludentes é que chegaram no decurso das vossas reflexões, pela nossa parte estaremos disponíveis para encarar e debater já a questão. Se entenderem adiar para outra circunstância a revelação pública desses resultados, pela nossa parte acreditamos que seria positivo não fechar esta janela que aqui nós abrimos para se encontrar uma solução viável, clarificadora dos poderes legislativos das regiões autónomas.
O Sr. Presidente: - Não há muitas circunstâncias, Sr. Deputado. Talvez valha a pena fazer uma discussão global sobre essa matéria. Neste momento talvez pudéssemos avançar para algumas votações que envolvem menos necessidade de articulação com os diversos projectos. Portanto, deixávamos este de remissa e passávamos para o artigo 151.°, que não oferece dificuldades. Já foi feita a discussão, já foram distribuídos todos os textos e agora só falta votar.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - É o artigo relativo à composição da Assembleia da República, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas em relação a este artigo há propostas novas, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em relação ao artigo 151.° temos uma proposta do CDS, uma do PSD, que é substituída por uma proposta conjunta que foi apresentada em 2 de Fevereiro de 1989, e uma proposta da ID.
Vamos começar pela proposta do CDS.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não sei como é de V. Exa. prefere organizar este debate...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, nós agora não vamos debater nada. Como o debate já foi feito, só temos que votar.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, Sr. Presidente. É que há uma proposta nova, que flui do debate...
O Sr. Presidente: - Essa proposta já foi discutida, Sr. Deputado, mas, no entanto, foi pedido um adiamento.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Essa proposta ainda não foi discutida, Sr. Presidente. Posso assegurar-lhe, sem dúvida nenhuma.
O Sr. Presidente: - Que é que o Sr. Deputado quer discutir?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, considero que seria legítimo, dada a maneira como foi feito o debate na primeira leitura, que os proponentes fundamentassem brevemente o texto que subscrevem conjuntamente, sobretudo porque este texto contraria em absoluto aquilo que o Partido Socialista sustentou na primeira leitura.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, a fundamentação deste texto é muito simples. Nós pensamos que, dentro daquilo que é um grau de variação razoável quanto a assegurar a representação política em termos do sistema de sufrágio proporcional, é possível ir para um número de deputados de 235 a 230. Penso que é perfeitamente aceitável irmos para uma solução que marque claramente que o número de deputados pode ser ligeiramente inferior àquele que hoje está consagrado, dando, de algum modo, em contrapartida a garantia de que a Assembleia da República deverá não só funcionar mais eficientemente como ainda dotar-se dos meios necessários para assegurar esse seu funcionamento. Isso já foi dito, não há nenhum aspecto novo na matéria.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, a minha observação e o pedido de fundamentação é sobretudo dirigido ao Partido Socialista, uma vez que a posição do PSD é exactamente idêntica àquela que, de facto, apresentou na primeira leitura. A posição do Partido Socialista é que é exactamente oposta â que apresentou na primeira leitura. Nesse sentido é que as interrogações e as dúvidas se suscitam, não em rela-
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cão às razões que levam o PSD a aderir a essa solução - de resto, desejava mais no seu projecto de revisão constitucional-, mas, pelo contrário, às razões que levam o Partido Socialista a contrariar palavra a palavra aquilo que sustentou na primeira leitura e a admitir aquilo que enfaticamente tinha rejeitado nessa fase do debate.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, não é meu hábito responder voluntariamente às invectivas do Sr. Deputado José Magalhães. Faço-o frequentemente apenas por dever de ofício.
Como já por várias vezes sublinhámos, um acordo de revisão constitucional pressupõe compromissos mútuos, pressupõe cedências mútuas. Esta foi uma matéria em relação à qual o PS aceitou um princípio constante do projecto do PSD, sem, contudo, aceitar a dimensão com que o PSD pretendia ver consagrado esse princípio.
Entendemos que não é o número de deputados que faz alterar a eficácia do funcionamento da Assembleia da República, Pensamos que o critério fundamental é o de salvaguardar o princípio da representação proporcional. E, em função da ênfase que o PSD colocou nesta matéria, aceitámos subscrever conjuntamente uma proposta que delimita a diminuição do número de deputados à Assembleia da República em termos que não afectam o essencial do princípio da representação proporcional e que em relação àquilo que já é possível hoje em dia obter por lei ordinária representa apenas e tão-somente uma diminuição entre 5 e 10 deputados. Portanto, no essencial trata-se de uma matéria onde o compromisso encontrado nem é a posição originária do PS sobre este assunto, como, aliás, o Sr. Deputado José Magalhães sublinhou, nem é também o objectivo pretendido pelo PSD, que em nosso entender poria, esse sim, em causa o princípio da representação proporcional, coisa que não acontece com a ligeira diminuição a que se procede através desta proposta conjunta.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, pela nossa parte consideramos que esta questão é uma das questões fundamentais deste processo de revisão constitucional. Estamos a debater, de facto, um elemento que, em combinação com o constante do artigo seguinte, é uma das componentes das próprias bases, dos elementos estruturantes do regime democrático.
A fundamentação que solicitámos visava, precisamente, permitir uma avaliação mais rigorosa das razões que levam cada um a propor e a aceitar aquilo que agora nos surge.
Devo dizer que a postura que o Partido Socialista assume neste ponto nos parece subestimar gravemente a dimensão, as implicações, a natureza desta alteração desejada pelo PSD e aceite pelo PS naquilo a que o Sr. Deputado António Vitorino não deixou de chamar um compromisso ou cedência mútua. De facto, cedência é, só que não é mútua, uma vez que o PSD não cede coisa nenhuma, a não ser o que não tem. O PSD desejaria a redução do número de deputados para 180, mas, pura e simplesmente, isso não é compatível com as regras pelas quais se afere o processo de revisão constitucional. Portanto, ao decair dessa pretensão, o
PSD "renuncia" a algo que nunca teve. Renúncias desse tipo são absolutamente inevitáveis. A questão não está, pois, aí...
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Mas o Sr. Deputado não quer perceber que o acordo também se fez em relação a outras matérias? Cada parte do acordo não se pode apreciar destacada do conjunto, da globalidade em que se insere e que a explica.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Pedro Roseta, o Sr. Deputado José Magalhães percebe isso, o que, aliás, já lhe foi reiteradamente referido.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Mas há algumas coisas que são tão evidentes que é difícil fingir ignorar! E depois ainda diz que nós é que somos nebulosos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Pedro Roseta, em matéria de contrapartidas - e é V. Exa. que chama a atenção para elas - é uma evidência que o elemento probatório tem de ser uma preocupação constante. Sucede que o Partido Socialista não fez prova pública de qual fosse essa contrapartida vantajosa, mas seguramente a terá encontrado e lobrigado neste processo de revisão constitucional. Não se sabe, é invisível, não se vê. Ontem mesmo o secretário-geral do PSD estranhou a postura que saiu do congresso do PS, onde, segundo o mesmo, o PS "elegeu como principal adversário o PSD". O Sr. Dias Loureiro estranhou o facto porque "os dois partidos têm em curso importantes acordos, nomeadamente o acordo de revisão constitucional"...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, vamos passar à matéria dos autos.
O Sr. José Magalhães (PCP): - A matéria dos autos é esta mesma, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente: - Não é, Sr. Deputado.
Nós ainda temos um longo caminho a percorrer e hoje ainda só votámos um artigo. Estamos muito atrasados.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, reconheça V. Exa. que houve alguma utilidade no debate feito.
O Sr. Presidente: - Reconheço que houve, mas pode ser feito em termos mais éticos.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - Mas não a propósito deste artigo. Aqui não houve utilidade nenhuma.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Deputado Pedro Roseta, a noção de utilidade que o PSD tem nesta matéria é compreensível. É uma noção fagocitária: fagocitar depressa, toda a discussão é perda de tempo. A nossa posição é, obviamente, contrária a essa galopada.
Pela nossa parte, Sr. Presidente, entendemos que em relação a esta matéria não vale a pena fazer raciocínios de carácter teorizante ou de elevado nível de abstracção, assentes na proclamação de princípios do género "é preciso reduzir o número de deputados para ter mais eficácia, são necessários mais meios", etc.. Palavras, palavras, palavras, que ocultam uma questão bastante mais relevante do que essa, eminentemente prática. Aquilo que importa aqui é analisar os aspec-
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tos políticos do sistema proposto, as suas implicações políticas na Assembleia da República, no sistema partidário. £ como é que se combinam as diversas alterações propostas? Como é que se combina a alteração proposta no artigo 151.° com a alteração proposta no artigo 152.°, que fazem parte do mesmo mapa, do mesmo desígnio, do mesmo projecto, que é um projecto "dualizador", como se vem agora dizendo nas hostes do Partido Socialista, em bom rigor um projecto bipolarizador, muito clássico, verdadeiramente?
Em nossa opinião, a função que esta norma desempenha no conjunto do sistema é extremamente negativa. Entendemos que não há em Portugal um excesso de deputados. Quando muito há um excesso de deputados do PSD, que é uma coisa que se terá de resolver nas próximas eleições.
O Sr. Presidente: - Calculo que o Partido Comunista tenha essa ideia.
O Sr. Pedro Roseta (PSD): - O Sr. Deputado queria que fossem todos do PCP, à semelhança do que ainda sucede em determinados países ditos "socialistas".
O Sr. José Magalhães (PCP): - Por outro lado, não faltam tarefas para os parlamentares que desejam desempenhá-las, embora também compreenda que seja difícil aos parlamentares do PSD encarar essa questão.
O que propõem o PS e o PSD aqui não é uma homenagem simbólica ao princípio "menos deputados para mais eficácia", é uma operação que viola, da parte do PS, elementares princípios de solidariedade democrática e republicana e redunda, em última análise, numa redução da base institucional para a luta contra o "Estado Laranja" que é preconizada como prioridade das prioridades pelo PS. Porquê? Sr. Presidente, lerei uma projecção da composição da AR tendo em conta a proposta de redução do número de deputados, que agora é apresentada e que está em debate com base nos resultados de 1987:
Projecção da composição da AR tendo em conta a proposta de redução do número de deputados apresentada pelo PS e pelo PSD
(com base nos resultados de 1987)
[Ver tabela na imagem]
Seria a seguinte a distribuição de mandatos pelas diversas forças políticas:
[Ver tabela na imagem]
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Em síntese, a prevista redução do número de deputados atingiria selectivamente a CDU (num cenário de mera repetição dos resultados eleitorais de 1987 e sem ter em conta outros factores, tanto favoráveis como desfavoráveis, incluindo alterações perversas da lei eleitoral), acarretando a seguinte distribuição de perdas:
[Ver tabela na imagem]
Insisto: a perda de mandatos, como é visível pelo mapa que acabei de ler, penaliza ou visa penalizar, se não for feito um esforço adicional (mas será, como é óbvio, a ir para a frente esta solução), não todas as forças políticas, mas certa força política em especial. Essa força política é a CDU e a localização desse tipo de perdas, a ser consumada essa opção e a não ser inflectida, como desejamos, a linha de ganhos eleitorais, tem um significado político inequívoco para que alertamos. Não se pode dizer, como o Sr. Deputado António Vitorino - ou pode, mas tem de se assumir as implicações, como é óbvio -, que se trata de "uma alteração ligeira que não afecta a representação proporcional". Isso é uma desvalorização extremamente grave do alcance desta norma! Sobretudo porque outros da bancada do PSD, designadamente o Sr. Deputado Rui Machete, em entrevista ao jornal Fim-de-Semana do dia 4 de Março, já foram adiantando que o PS e o PSD admitem também reduzir o número de círculos eleitorais. O Sr. Deputado Rui Machete revelou até nessa entrevista que "já foi conversada" a hipótese de "uma eventual consideração desta questão, no caso de vir a revelar-se necessário". Isto foi dito publicamente, está no órgão de comunicação social que citei, na sua edição de 4 de Março.
O Sr. Presidente: - Não deve ter sido exactamente assim, mas não tem grande importância!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas eu citarei in extenso, se necessário, a entrevista em causa, porque ela é particularmente perturbadora.
O Sr. Presidente: - Calculo!
O Sr. José Magalhães (PCP): - Mas sem dúvida. Não é um facto de somenos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, agora o nosso objectivo concreto era o seguinte: V. Exa. tem mais alguma novidade a dar-nos nesta matéria?
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, nesta matéria V. Exa. deu ao País e ao PCP várias novidades e todas desagradáveis, de resto. Algumas delas desmentidas pelo PS em diversos momentos. Em todo o caso isso não nos deixa absolutamente tranquilos, pelo contrário!
Gostaria de adiantar, Sr. Presidente, que consideramos imagináveis vários resultados desta vossa operação política - uns piores, outros menos graves. A nossa acção não será indiferente a esses resultados - mas o risco será real e a gravidade da operação política não é diminuída por esse facto. O que está em causa é, de facto, o princípio da representação proporcional, a capacidade de o sistema propiciar uma representação dos diversos grupos sócio-políticos, de acordo com a sua força numérica no eleitorado e na sociedade portuguesa. Creio que aquilo que se propõe aqui é uma forma, razoavelmente ínvia, de criar cláusulas tampão, à falta de cláusulas barreira, associáveis de resto a um retalhar manufacturador do próprio território eleitoral e dos círculos eleitorais - operação que, obviamente, é da mais extrema gravidade! Por outro lado, o vosso pacto assemelha-se neste ponto demasiado àquilo a que se chama, com propriedade, uma conventio ad excludendum celebrada por um cartel de partidos que querem beber na manufacturação do sistema eleitoral uma fonte do seu poder bipolarizado. E esse projecto político, pela nossa pane, é claramente de rejeitar.
Creio também, Sr. Presidente, que isto é uma forma rival da negredada moção de censura construtiva, para impor a disciplina republicana às forças que existem no campo democrático e que não se identifiquem com o PS nem por ele se deixam fagocitar! Parece-se demasiado com uma versão musculada dessa disciplina - uma disciplina coactiva sem entendimento programático entre os membros do campo democrático que se opõe ao PSD. Isso parece-nos péssimo e indicador de uma má atitude do PS no seu relacionamento connosco, connosco outros democratas que pertencem ao mesmo campo e que se opõem a um determinado projecto político que o PSD pretende hegemonizar.
Em nossa opinião, Sr. Presidente, a ideia de representação proporcional, como se sabe, elaborou-se na base de duas preocupações: a representação como espelho da realidade nacional e, por outro lado, a ideia da melhor opção, a ideia de um processo graduado apto a encontrar a verdadeira vontade popular. Esta solução é uma forma extraordinariamente má encontrada pelo PS de comemorar ironicamente o bicentenário da Revolução Francesa, que marcou o avanço histórico destas ideias. Aquilo que aqui se prepara, Sr. Presidente, contrasta muito fortemente com aquilo que, numa formação célebre de Mirabeau, se apontava como sendo o objectivo da representação proporcional.
O Sr. Presidente: - Vejo que comemora o bicentenário da Revolução Francesa!
O Sr. José Magalhães (PCP): - É bom não esquecê-la, Sr. Presidente!
Como dizia Mirabeau: (os parlamentos) "sont pour la nation ce qu'est une carte réduite pour son étendue physique; soit en partie, soit en grand, la copie doit toujours avoir les mêmes proportions que Toriginal". Neste caso aquilo que o PS deseja é que a carta não tenha as mesmas proporções que o original. Lamentavelmente o PS aceita reduzir a base institucional para a oposição ao "Estado Laranja", e só isto define todo um projecto político e um estão de oposição. Disse!
Vozes.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Raul Castro.
O Sr. Raul Castro (ID): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: esta matéria que está em discussão é para nós uma matéria tão importante que a ID apresentou uma proposta no sentido de constitucionalizar aquilo que vem sendo uma prática habitual, isto é, que o número de deputados seja de 250 em vez da fórmula actual do mínimo e do máximo, a ID propunha que passasse a ser uma fórmula fixa de 250.
A proposta apresentada decorrente do acordo PS/PSD e que foi agora justificada pelo Sr. Deputado António Vitorino em termos de eficácia parlamentar causa-nos alguma perturbação.
O Sr. António Vitorino (PS): - Esse argumento não foi o que nós utilizávamos e eu até acabei de dizer o contrário. Esse argumento é do PSD. Apesar de tudo ainda há uma diferença de argumentos, embora a proposta seja conjunta.
O Sr. Raul Castro (ID): - De qualquer forma, realmente se é do PSD é mais natural que assim seja, o que é estranho é que o PS não se tenha apercebido do custo desse mesmo argumento em relação ao próprio PS, nomeadamente aquando da elaboração do regimento e do seu defensor do PSD que há pouco no Plenário foi chamado "o esperançoso deputado Silva Marques", ele afirmava que efectivamente se tratava de atribuir maior eficácia ao funcionamento do Plenário. A eficácia viu-se qual era, foi realmente uma fórmula de estrangular a expressão da oposição. E para nós é isso que fundamentalmente está em causa, isto é, é o pluralismo da expressão e representação política que é gravemente afectado através do acordo PS/PSD. Na realidade foi já referido pelo Sr. Deputado José Magalhães que esta nova fórmula, esta redução do número de deputados, vem a significar a diminuição do número de deputados de uma das forças políticas, que não aquelas que firmaram o acordo, o que significa que se atinge gravemente o princípio do pluralismo da representação política que acima de tudo importava salvaguardar. Necessariamente por isso este ponto do acordo é um dos pontos mais graves do acordo PS/PSD, e também por isso votaremos contra ele.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Vitorino.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: apenas para acrescentar dois pequenos pormenores a esta discussão. Em primeiro lugar para reafirmar que em matéria de sistema eleitoral não lemos o artigo 151.° desgarrado do artigo 152.°, naturalmente, e temos uma interpretação completamente diferente daquela que foi dada pelo Sr. Deputado José Magalhães quanto ao significado integrante dos dois artigos. Não se trata de normas de bipolarização à força, na precisa medida em que a regra dos dois terços na definição dos círculos eleitorais constante do artigo 152.°, na proposta conjunta, é uma regra que tanto pode beneficiar um entendimento PS/PSD, como um entendimento entre o PSD e o PCP, na medida em que...
O Sr. José Magalhães (PCP): - E a redução do número de deputados também, Sr. Deputado?
O Sr. António Vitorino (PS): - Não, mas é que a redução do número de deputados por si só nem sequer pode em bom rigor ser considerada uma norma de forçar a bipolarização ou o dualismo. Não pode ser interpretado na medida em que...
O Sr. José Magalhães (PCP): - O mapa que eu acabei de ler demonstra precisamente o contrário!
O Sr. António Vitorino (PS): - Eu não o interrompi, embora como deve ter calculado vontade não me terá faltado, pela circunstância de que vou levar o meu raciocínio até ao fim e depois o Sr. Deputado faz a súmula das interrupções que gostaria de ter feito, por junto, no fim.
Portanto, o que estava a responder era à observação de que a leitura integrada dos dois preceitos era a de uma bipolarização forçada. Não é! E naturalmente que, qualquer interpretação que seja feita da proposta em função de projecções aplicadas nos últimos resultados eleitorais, que já de si são por natureza resultados excepcionais, é completamente reveladora da descrença na capacidade de transformar as condições políticas que estiveram na base desse resultado eleitoral e para cuja transformação é irrelevante sequer o número dos deputados. Não é irrelevante a questão dos círculos, mas é irrelevante, totalmente irrelevante de facto, a questão do número de deputados.
Vozes.
O Sr. António Vitorino (PS): - Penso que para quem apela, neste caso com uma voz tão comovida, à solidariedade republicana deveria talvez também ter sobre a solidariedade republicana uma visão mais vasta e mais ampla e não se queixar aqui da falta desta por parte do PS e ser talvez o promotor mais activo da falta de solidariedade republicana em muitos outros terrenos e muitas outras áreas onde sobrepõe os interesses partidários do PCP aos interesses dessa solidariedade republicana e à solidariedade da oposição. O que em nosso entender não é o caso desta proposta, na precisa medida em que ela não pode ser vista à luz de projecções que tenham por base os resultados de 1987, porque é imprevisível qual é a projecção partidária em termos de representação parlamentar de uma proposta deste género em futuras eleições, é completamente imprevisível. Seja como for apenas quereria acrescentar que o que nos motivou na definição deste limite não foi em nada um critério de representação partidária ou de projecção partidária - é impossível de ser feito com rigor, para futuro, tal projecção -, mas foi sobretudo uma preocupação da garantia do equilíbrio da representação das regiões do interior face às regiões do litoral em matéria de números de deputados. E é aí que de facto pomos a questão e a tónica fundamental da garantia da salvaguarda do princípio da representação proporcional. Porque qualquer outra proposta que viesse abaixo do limite de 230 deputados, como pretendia o CDS e como pretendia o PSD, era uma proposta que inevitavelmente conduziria a um abatimento
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significativo do número de deputados eleitos pelos círculos de menor dimensão, que são, em regra, os círculos do interior do País.
E o que nós pretendemos foi exactamente evitar um desfecho desse género, tendo em linha de conta projecções realistas, não dos resultados partidários, mas da evolução da população nos distritos do interior, garantir que não haveria afectação do princípio da representação proporcional nesses mesmos distritos.
Seja como for, uma nota final para dizer que o Sr. Deputado José Magalhães citou Condorcet e Mirabeau mas, ao ouvi-lo, mais parecia estar a querer fazer-nos passar por um Robespierre do sistema eleitoral. Enjeito naturalmente essa responsabilidade.
O Sr. Presidente: - Podemos passar à votação, finalmente? Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, compreendo que o PSD não tenha empenhamento em participar neste debate...
O Sr. Presidente: - O debate já está feito; não se disse uma única coisa nova até agora. Voltou-se a repetir aquilo que já se tinha dito, e, portanto, é realmente com um sentimento de náusea que estou a assistir a este debate.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, cada qual tem a náusea que lhe cabe. Pela nossa parte, a náusea resulta das más soluções.
No caso concreto, por exemplo, não sei se V. Exa. considera irrelevante a quantificação ou projecção dos resultados desta vossa solução. Pela nossa parte, consideramo-la extremamente relevante e a melhor prova disso é o comentário que o Sr. Deputado António Vitorino acabou de fazer. VV. Exas. não querem fazer comentário nenhum, porque pretendem desvalorizar e encobrir, se possível, a opção que aqui é praticada. Mas sucede que nós não podemos concordar com isso!
Em segundo lugar, é inteiramente novo que o PS utilize argumentos precisamente opostos aos que utilizou na primeira leitura. Isso pode provocar náusea, mas, não percebo francamente que ela posse ser filiada nas razões que V. Exa. invoca. Na primeira leitura, o Sr. Deputado Almeida Santos duvidou da sinceridade do PSD neste tipo de propostas, acusou o PSD de querer beneficiar do desprestígio da Assembleia da República, dar ideia que os deputados são caros, que não são eficazes, etc.
Mais considerou o PS que seria pena que os resultados tivessem determinadas projecções lesivas da representação proporcional e da realidade rica do espectro parlamentar.
O Sr. Presidente: - O Mirabeau, entretanto, analisou a matéria e pronunciou-se.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Na primeira leitura, o Sr. Deputado Almeida Santos duvidou que a redução do número de deputados beneficiasse a qualidade dos trabalhos parlamentares e admitiu, até, que ela conduziria ao sacrifício dos "questores" em benefício dos "pretores". O Sr. Deputado António Vitorino diz agora o contrário!
O Sr. Presidente considera que isto é banalíssimo e normal. Tenha paciência, V. Exa., que nós não achamos!
Em terceiro lugar, não podemos aceitar ou considerar estimável e razoável um argumento que tente simplificar o debate em causa com uma alusão de tipo "despicante", como a feita pelo Sr. Deputado António Vitorino. Essas projecções são fruto de uma descrença na capacidade transformadora da luta política, ou coisas quejandas. Pela nossa parte, tivemos o cuidado de sublinhar que a nossa acção se dirigirá, obviamente, no sentido de frustrar maximamente os resultados da operação política que o PS e o PSD aqui, através desta forma, desencadeiam! Mas não podemos minimizar a sua gravidade e importância política!
Por outro lado, não podemos deixar de sublinhar que o PS tem uma dualidade de sensibilidades em relação às solidariedades republicanas que lhe são caras. O PS considera completamente normal que o PSD, pela boca do seu secretário-geral, tenha dito aquilo que há pouco citei, em relação a esta precisa questão - a postura do PS (tudo consta do Diário de Lisboa, na sua edição de ontem, na sua página 2, debaixo do retrato sorridente do Sr. Dr. Dias Loureiro. O PS é indiferente ao facto de algumas luzidias personalidades do PSD serem capazes de dizer que "o PS não está a fazer política com um sentido de alternativa, mas por arrasto do PSD", falando "no que está na ordem do dia, consoante os pontos de fixação da opinião pública à actuação do Governo". Diz o PSD que o PS tem o problema insuperável de não ter convicções. Exemplo disso é o facto de ter evitado na última Constituição as privatizações e agora aceitou-as - eis o que foi dito pelo presidente da Comissão Distrital de Lisboa, Dr. António Pinto Leite.
Isto não exerce nenhum efeito negativo sobre o PS, nada, nenhum efeito. Nenhum efeito vos provoca o facto de outro destacado dirigente da bancada do PSD ter sido capaz de dizer coisas como: "O PS não é nenhuma ameaça ao Governo, porque, independentemente da erosão do Governo, os socialistas poderiam tirar proveito se tivessem uma alternativa credível, mas não a têm explicado."
No entanto, em relação ao PCP, o Sr. Deputado António Vitorino é capaz de declarar que o PCP é promotor da falta de solidariedade republicana!
Pergunto em quê? Aonde? Quais são as provas, quais são os elementos evidenciadores da nossa culpa? E, em qualquer caso, é esta a resposta do PS?! Aparentemente é, claramente, é!
E é, provavelmente uma das tais contrapartidas a que aludia há bocado o Sr. Deputado Pedro Roseta, com inefável sapiência. Talvez seja, mas parece uma contrapartida extremamente grave, que, evidentemente, não tem nada a ver com a problemática que o Sr. Deputado António Vitorino, por último, referiu - a salvaguarda da representação proporcional nos distritos do interior. Esta, como é óbvio, consegue-se por outros meios, por outras vias - designadamente, através da gestão adequada dos votos de dois terços em relação ao regime da lei eleitoral, o que não exige a redução do número de deputados e até a não aconselha, porque com essa redução é necessário proceder à distribuição do número de deputados existentes entre os vários círculos, sendo certo que, nessa distribuição, os círculos mais populosos, situados no litoral, pesam mais do que os outros círculos situados no interior, logo mais afectáveis pela redução.
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Há uma contradição no raciocínio do PS e há outras razões que o mapa que distribuímos evidencia de forma bastante mais exuberante e eloquente do que quaisquer palavras que possam ser ditas!
Negar que isto introduza um elemento impulsionador do projecto bipolarizador moderno não nos parece sustentável e revela, acima de tudo, uma indisculpável hipocrisia política.
O Sr. António Vitorino (PS): - Podem protestar à vontade. Não pensem que passa sem resposta da nossa parte.
Vozes.
O Sr. Presidente: - Muito bem! Estamos a assistir a um debate, aliás cheio de interesse, com dez mapas e certas novidades...
O Sr. António Vitorino (PS): - É uma conversa em família.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Não é uma conversa em família, porque o Sr. Deputado Rui Machete meteu-se no meio, no diário Fim-de-Semana, de 4 de Março de 1989, em termos perfeitamente inequívocos.
O Sr. António Vitorino (PS): - Sr. Deputado José Magalhães, já na minha primeira intervenção referi a minha posição, como foi, aliás, já explicada à direcção da bancada do grupo parlamentar do PCP, informação que não pode ser ignorada pelo Sr. Deputado José Magalhães, porque, pelo menos, nessa reunião esteve presente.
O Sr. José Magalhães (PCP): - De facto. Mas só deve ser transmitida a terceiros ausentes por V. Exa. Não me sinto autorizado a revelar explicações de uma reunião com essa natureza!
O Sr. António Vitorino (PS): - Desculpe, mas na primeira intervenção disse, e repito agora, que não há nenhum acordo quanto à alteração da lei eleitoral que esteja no bojo desta revisão constitucional. Não há nenhum compromisso e, tanto que sublinhei, que a regra dos dois terços do artigo 152.° tanto podia aproveitar a uma convergência entre o PS e o PSD como poderia aproveitar a uma convergência entre o PCP e o PSD. Nessa matéria, de facto, não há cor ideológica e o Sr. Deputado José Magalhães sabe-o tão bem como eu.
Ou será que nós não teremos de reconhecer que o CDS é, por exemplo, um partido que está mais à direita, no espectro eleitoral português, e que será hoje dos mais interessados na manutenção de um sistema de grande proporcionalidade, na medida em que, qualquer limitação ao sistema da representação proporcional, lhe seria fatal em termos de sobrevivência partidária.
Suponhamos que se aplicava em Portugal um sistema como o defendido pelo Prof. Freitas do Amaral, quando foi candidato à Presidência da República - um sistema inspirado no sistema francês, de eleição uninominal, sistema maioritário a duas voltas. O CDS não teria representação parlamentar em Portugal.
O facto de o CDS fazer por vezes propostas que são contrárias aos seus interesses e à sua própria sobrevivência partidária e, noutra, ser sensível à razoabilidade da manutenção do sistema de representação proporcional é, obviamente, um problema do CDS. Só que nós, pela nossa parte, o que dizemos é que a limitação do número de deputados não comporta nenhum compromisso em matéria de alteração do sistema eleitoral (sublinho vinte vezes, para garantir a correcção da notícia do Diário de amanhã)!
Vozes.
O Sr. António Vitorino (PS): - As observações que o Sr. Deputado Almeida Santos fez, e que o Sr. Deputado José Magalhães reproduziu, reportavam-se à proposta originária do PSD, essa sim, comportando uma redução drástica do número de deputados, o que afectava, em nosso entender, o princípio da representação proporcional.
Há uma diferença substancial entre a proposta inicial do PSD e a proposta que acabou por ser subscrita conjuntamente. Se o PCP não quer ver essa diferença, isso não me preocupa sobremaneira, devo dizer. Agora, que ela existe, existe; é para nós suficiente, para nos tranquilizar, a consciência quanto à fidelidade ao princípio da representação proporcional.
O critério da fixação do número foi exactamente o critério da garantia da representação dos círculos do interior do País. A projecção não prejudica, em termos de representação parlamentar, nenhum partido, na medida em que todos os partidos continuarão a ter representação parlamentar e não afecta drasticamente nenhum círculo do interior do País, nem mesmo depois da redistribuição dos deputados em função da redução do número global.
Quanto às questões da fidelidade à solidariedade republicana, nós sabemos o que é que o PCP entende por solidariedade republicana; nós sabemos qual é a ideia que o PCP tem das relações entre os dois partidos de esquerda existentes em Portugal - não é a nossa, nunca foi a nossa. Já tivemos suficientes ocasiões de demonstrar que essa é uma das grandes matérias sobre as quais existe uma profunda divergência entre o PS e o PCP. Não tem rigorosamente nada a ver com esta revisão da Constituição; é uma matéria que vem dos confins dos tempos e que, provavelmente, se projectará no futuro, que terá de ter evolução de parte a parte; de parte do PS, claro, mas que terá de ter igual evolução da parte do PCP.
Não vale a pena é tentar fazer dessa temática, dá solidariedade republicana, a temática da relação ínvia entre o detentor da virtude e o detentor do pecado. Essa visão maniqueísta é desmentida, não por mi m, que não valho nada, mas felizmente é desmentida pelos factos da história. Apenas ofereço o mérito dos autos.
O Sr. Presidente: - Vamos passar à votação, espero eu, depois deste "interessante debate" a que assistimos...
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de fazer uma pergunta a V. Exa., porque o silêncio prudente do PSD e a sua impaciência em consumar esta votação, fundando-se nas razões que o Sr. Deputado Rui Machete adiantou, deixa-nos uma interrogação enorme por divergência de concepções.
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É que, enquanto o PS acabou (e só o PS o podia fazer) de sublinhar, para todos os efeitos, a inexistência de qualquer entendimento capaz de gerar um acordo quanto aos contornos da lei eleitoral que se articule com a disposição agora em debate, o PSD não fez outro tanto. Bem pelo contrário, o Sr. Deputado Rui Machete teve, na sua qualidade de dirigente partidário, a ocasião de sublinhar que, no que diz respeito aos círculos eleitorais, no fundo "a ideia que temos (o PS e o PSD) é a de que deve respeitar-se o que consta do acordo PS/PSD"...
O Sr. Presidente: - "Temos" é um plural majestático, Sr. Deputado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Era V. Exa. na qualidade de majestade?! Não tinha percebido. Não se depreende...
O Sr. Presidente: - Não, trata-se de um plural majestático, o que é ligeiramente diverso...
Vozes.
O Sr. José Magalhães (PCP): - O que se lê é: "A ideia que temos, é a de que deve respeitar-se o que consta do acordo PS/PSD, ou seja, que haja a possibilidade de uma revisão de círculos eleitorais por uma maioria qualificada." E acrescenta V. Exa.: "Está já previsto (sic), por nós - presumo eu, plural majestático de novo - que haja um círculo eleitoral nacional. Penso (pensa o Dr. Machete, agora sem majestade) que não haverá qualquer acordo quanto à ideia de haver círculos eleitorais únicos mas há a abertura para reduzir o número de círculos em casos onde haja um número reduzido de eleitores."
Há já um acordo claro nesse sentido?" - perguntou a entrevistadora, atentíssima.
Resposta: - "Não há um acordo formal, mas foi conversada a hipótese de uma eventual consideração nesta matéria em caso de vir a revelar-se necessário." Sr. Presidente, não devemos ficar extremamente preocupados pela mudez de quem fala assim fora da CERC e aqui nada diz?!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, se V. Exa. assistiu (penso que sim) a uma discussão acerca do problema dos círculos eleitorais dos Açores terá ouvido vários intervenientes referir a hipótese, se for caso disso, de haver uma adequação que seja justificada. Isso é óbvio, e diga V. Exa. o que disser, as pessoas inteligentes e que não tenham baias ideológicas naturalmente estarão dispostas a fazê-lo.
Portanto, não vejo nenhuma necessidade de qualquer esclarecimento. V. Exa. fica preocupado, e ficará com a sua preocupação. Eu não tenho mais nada a acrescentar àquilo que efectivamente disse. Não tive oportunidade de ler a entrevista, mas naturalmente presumo que ela traduzirá aquilo que eu disse, visto que tenho a pessoa que me entrevistou na conta de uma pessoa honesta.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, agradeço-lhe a aclaração limitada.
É evidente que entendemos, independentemente das garantias que o Sr. Deputado António Vitorino acaba de exprimir em nome da bancada do PS, que, o resultado a que conduz este texto é negativo.
Quanto às alusões finais à solidariedade republicana, creio que é de facto necessário um debate que conduza a que opções deste tipo não possam ser praticadas. Se verdadeiramente se deseja ser 100% oposição não se pode começar por dar muitos por cento àqueles que, precisamente, se diz pretender combater. É esse o caso da norma que agora vai ser votada.
O Sr. Presidente: - Provavelmente V. Exa. entende que são monárquicos.
Srs. Deputados, vamos começar por votar a proposta do CDS para o artigo 151.°
Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD, do PS, do PCP e da ID.
É a seguinte:
Artigo 151.°
Composição
A Assembleia da República tem o mínimo de 200 e o máximo de 210 deputados, nos termos da Lei Eleitoral.
Vamos passar à votação da proposta da ID para o artigo 151.°, visto que a proposta do PSD é retirada.
Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD e do PS e os votos a favor do PCP e da ID.
É a seguinte:
Artigo 151.°
Composição
A Assembleia da República é constituída por 250 deputados.
Vamos agora votar a proposta de substituição do PSD/PS relativa ao artigo 151.°
Submetida à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD e do PS e os votos contra do PCP e da ID.
É a seguinte:
Artigo 151.°
Composição
A Assembleia da República tem o mínimo de 230 e o máximo de 235 deputados, nos termos da Lei Eleitoral.
Pausa.
Srs. Deputados, visto que não há discussão passaríamos à votação do artigo 152.°
Em relação a este artigo existe uma proposta da ID, a proposta do PSD foi retirada, e há uma proposta de substituição do PSD e do PS.
Vamos, então, votar a proposta da ID de aditamento de um novo n.° 3 para o artigo 152.°, com a respectiva passagem do actual n.° 3 a n.° 4.
Submetida à votação, não obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos contra do PSD, os votos a favor do PCP e da ID e a abstenção do PS.
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É a seguinte:
3 - Na fixação dos círculos eleitorais a lei assegura que a dimensão mínima destes respeita o princípio da representação proporcional.
Vamos, agora, votar a proposta de substituição do PSD/PS. Suponho que querem votar número a número.
Ô Sr. José Magalhães (PCP): - É preferível, Sr. Presidente. Em todo o caso, gostaria que os proponentes pudessem em relação ao respectivo n.° 1 especificar como encaram o normativo que é proposto. O Sr. Deputado António Vitorino teve ocasião de abordar em parte está matéria, mas não quanto a este ponto que estamos agora a debater.
O Sr. Presidente: - A existência de um círculo eleitoral nacional?
O Sr. José Magalhães (PCP): - É que esta matéria não constava do projecto do Partido Socialista e durante o debate da primeira leitura o PS enjeitou a sua admissão!
O Sr. Presidente: - Constava do projecto do PSD.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sim. A formulação que vem acolhida no texto conjunto é idêntica à formulação proposta pelo PSD. O que terá levado o Partido Socialista a aderir a esta solução não foi objecto de menção. O debate da primeira leitura clarificou razões favoráveis à rejeição da proposta do PSD.
O Sr. António Vitorino (PS): - Mas na primeira leitura já tínhamos mostrado alguma abertura a que a Constituição pudesse deixar aberta esta porta. Fomos contrários a que houvesse um círculo nacional único e também fomos contrários a que a Constituição obrigasse à existência de um círculo nacional de par com círculos regionais. Agora, não é isso que está aqui expresso. O que está consagrado no texto comum é uma mera faculdade, uma mera possibilidade, dependente da decisão de lei ordinária. Além disso a eventual criação de um círculo nacional terá sempre de estar sujeita à regra dos dois terços.
Devo dizer que nós não temos uma grande simpatia pela ideia do círculo nacional, mas há várias soluções para ele. Há, por exemplo, uma solução de um círculo nacional de aproveitamento de restos, a qual é uma solução de maior benefício para os pequenos partidos do que para os grandes partidos, e que é, aliás, uma solução susceptível de reforçar o pluralismo da expressão parlamentar. Este é um mero exemplo. Portanto, a solução fica em aberto para a lei ordinária, e ela determinará se é de criar ou não esse círculo, e com que contornos, por uma decisão de maioria qualificada de dois terços, o que sempre pressuporá um consenso alargado.
O Sr. Presidente: - Mais alguma observação?
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, a posição que temos nesta matéria é a que flui do debate da primeira leitura. O nosso n.° 3 para o artigo 152.° não carece de votação porque é uma pura reinserção, é a reprodução linear do actual n.° 3.
Suponho que está aqui por razões de compreensibilidade. Serve para clarificar que não há eliminação. A única coisa que está em debate é o n.° 1 e o n.° 2.
Vozes.
O Sr. Presidente: - É um aspecto puramente formal.
Srs. Deputados, vamos começar por votar o n.° 1 da proposta de substituição do PSD e do PS para o artigo 152.°
Submetido à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD e do PS e os votos contra do PCP e da ID.
É o seguinte:
1 - Os deputados são eleitos por círculos eleitorais geograficamente definidos na lei, a qual pode também determinar a existência de um círculo eleitoral nacional.
Vamos votar o n. ° 2 do artigo 152.° da referida proposta de substituição do PS/PSD.
Submetido à votação, obteve a maioria de dois terços necessária, tendo-se registado os votos a favor do PSD, do PS, do PCP e da ID.
É o seguinte:
2 - O número de deputados por cada círculo do território nacional, exceptuando o círculo nacional, quando exista, é proporcional ao número de cidadãos eleitores nele inscritos.
O n.° 3 não carece de votação por ser idêntico àquele que foi anteriormente votado.
O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, solicitaria a V. Exa. que pudéssemos interromper a reunião por alguns momentos porque já há cerca de quinze minutos que estou a forçar a direcção do meu grupo parlamentar a retardar um acto que já deveria ter sido praticado.
O Sr. António Vitorino (PS): - Nesse caso, sugeria que só retomássemos os trabalhos amanhã.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, assim sendo, vamos retomar os trabalhos amanhã. Gostaria de vos dizer que, em função naturalmente daquilo sobre que temos que formular um juízo, iremos ainda trabalhar alguns dias na próxima semana. Provavelmente reuniremos segunda-feira à tarde, terça-feira à tarde e à noite, e quarta-feira ficaremos libertos.
Está encerrada a reunião.
Eram 18 horas e 35 minutos.
Comissão Eventual para a Revisão Constitucional
Reunião do dia 16 de Março de 1999
Relação das presenças dos Srs. Deputados
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete (PSD).
José Augusto Ferreira de Campos (PSD).
Licínio Moreira da Silva (PSD).
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Manuel da Costa Andrade (PSD).
Maria da Assunção Andrade Esteves (PSD).
Pedro Manuel da Cruz Roseta (PSD).
Manuel António de Sá Fernandes (PSD).
Guilherme Henrique Valente Rodrigues da Silva (PSD).
José Luís Bonifácio Ramos (PSD).
António Jorge dos Santos Pereira (PSD).
Carlos Lélis da Câmara Gonçalves (PSD).
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD).
António Manuel de Carvalho Ferreira .Vitorino (PS).
José Manuel dos Santos Magalhães (PCP).
Raul Fernandes de Morais e Castro (ID).
ANEXO
Artigo 278.°
Fiscalização preventiva da constitucionalidade
1 - ............................................................................
2 - ............................................................................
3 - A apreciação preventiva da constitucionalidade deve ser requerida no prazo de oito dias a contar da data da recepção do diploma.
4 - Podem requerer ao Tribunal Constitucional, a apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer norma constante de decreto que tenha sido enviado ao Presidente da República para promulgação como lei orgânica, além deste, o Primeiro-Ministro ou um quinto dos deputados à Assembleia da República em efectividade de funções.
5 - O Presidente da Assembleia da República, quando enviar ao Presidente da República decreto que deva ser promulgado como lei orgânica, procederá na mesma data à notificação do envio dó Primeiro-Ministro e aos grupos parlamentares da Assembleia da República.
6 - A apreciação preventiva de constitucionalidade prevista no n.° 4 deve ser requerida no prazo de oito dias a contar da data de notificação prevista no número anterior.
7 - Sem prejuízo do disposto no n.° l, o Presidente da República não pode promulgar os decretos a que se refere o n.° 4 sem que decorram oito dias após a respectiva recepção ou antes que o Tribunal Constitucional sobre eles se tenha pronunciado, quando a sua intervenção tiver sido requerida.
8 - O Tribunal Constitucional deve pronunciar-se no prazo de vinte e cinco dias, o qual, no caso do n.° 1, pode ser encurtado pelo Presidente da República por motivo de urgência.
O Deputado do PS, António Vitorino.
Artigo 280.°
Fiscalização concreta da constitucionalidade e da legalidade
1 - ............................................................................
2 - Cabe igualmente recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais:
a) Que recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado;
b) [Actual alínea a) do n.° 3];
c) [Actual alínea b) do n.° 3];
d) Que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo, com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas a)t b) e c).
3 - Quando a norma cuja aplicação tiver sido recusada constar de convenção internacional, de acto legislativo ou de decreto regulamentar, os recursos previstos na alínea a) do n.º 1 e na alínea a) do n.° 2 são obrigatórios para o Ministério Público.
4 - Os recursos previstos na alínea b) do n.° 1 e na alínea d) do n.° 2 só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade, devendo a lei regular o regime de admissão desses recusos.
5 - ............................................................................
6 - ............................................................................
O Deputado do PS, António Vitorino.
Artigo 281.°
Fiscalização abstracta da constitucionalidade e da legalidade
1 - O Tribunal Constitucional aprecia e declara, com força obrigatória geral:
a) A inconstitucionalidade de quaisquer normas;
b) A ilegalidade de quaisquer normas constantes de acto legislativo, com fundamento em violação de lei orgânica;
c) A ilegalidade de quaisquer normas constantes de diploma regional, com fundamento em violação do estatuto da região ou de lei geral da República;
d) A ilegalidade de quaisquer normas constantes de diploma emanado dos órgãos de soberania, com fundamento em violação dos direitos de uma região consagrados no seu estatuto.
2 - Podem requerer ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade, com força obrigatória geral:
a) O Presidente da República;
b) O Presidente da Assembleia da República;
c) O Primeiro-Ministro;
d) O Provedor de Justiça;
e) O Procurador-Geral da República;
f) Um décimo dos deputados à Assembleia da República;
g) Os ministros da República, as assembleias regionais, os presidentes das assembleias regionais, os presidentes dos governos regionais ou um décimo dos deputados à respectiva assembleia regional, quando o pedido de declaração de inconstitucionalidade se fundar em violação dos direitos das regiões autónomas ou o pedido de declaração de ilegalidade se fundar em violação de estatuto da respectiva região autónoma ou de lei geral da República.
3 - (Actual n. ° 2.)
O Deputado do PS, António Vitorino.