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Quinta-feira, 8 de Outubro de 1992 II Série - Número 5-RC
DIÁRIO da Assembleia da República
VI LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)
III REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
ACTA N.º 5
Reunião do dia 7 de Outubro de 1992
SUMÁRIO
O Sr. Vice-Presidente (Almeida Santos) deu início à reunião pelas 15 horas e 50 minutos.
Foram apreciadas as propostas, apresentadas pelo PCP, CDS, PSN e Deputado independente Mário Tomé, de alteração ao artigo 118.º
Intervieram no debate, a diverso título, além do Sr. Presidente (Rui Machete), os Srs. Deputados Nogueira de Brito (CDS), Costa Andrade (PSD), Jorge Lacão, José Magalhães e Almeida Santos (PS), João Amaral e António Filipe (PCP), Mário Tomé (Indep.) e Luís Pais de Sousa (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 19 horas e 10 minutos.
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O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 15 horas e 50 minutos.
Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:
Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete (PSD), presidente.
António de Almeida Santos (PS), vice-presidente.
João António Gonçalves do Amaral (PCP), secretário.
Luís Carlos David Nobre (PSD), secretário.
Fernando Marques Andrade (PSD).
João José Pedreira de Matos (PSD).
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD).
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Miguel Bento M. da C. Macedo e Silva (PSD).
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva (PSD).
Alberto Bernardes Costa (PS).
Jorge Lacão Costa (PS).
José Alberto R. dos Reis Lamego (PS).
José Manuel Santos de Magalhães (PS).
António Filipe Gaião Rodrigues (PCP).
José Luís Nogueira de Brito (CDS).
Srs. Deputados, na última reunião discutimos o artigo relativo ao Banco de Portugal, o que significa que o artigo que vamos agora apreciar é o artigo 108.°
Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, o artigo 108.° só não foi discutido na última reunião porque não se encontrava presente o representante do partido proponente. Ficou aqui estabelecido que, na primeira leitura, se teria sempre essa atenção. Só que, como hoje o partido proponente também não se encontra aqui presente, creio que poderíamos discutir o artigo seguinte, que é o artigo 118.°
O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Vamos, então, discutir o artigo seguinte.
Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Se bem me recordo, Sr. Presidente, ficou estabelecido que a nossa atenção para com o PSN não se poderia perpetuar.
O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Sim, mas creio que não perdemos nada em aguardar um pouco mais, pelo que vamos agora discutir o artigo relativo ao referendo, que é o artigo 118.°, em relação ao qual temos as propostas do CDS, do PCP, do PSN e do Deputado independente Mário Tomé.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, como é patente, a proposta do CDS para esta matéria é a única que se traduz numa proposta de alteração do artigo 118.°, embora, neste momento, essa proposta apareça iluminada pela mesma razão que levou os outros partidos proponentes a formular as suas propostas, e que foi a de tornar possível um referendo sobre o Tratado de Maastricht.
No entanto, o CDS entendeu que o deveria fazer sobre a forma de alteração da norma constitucional que consagrou o referendo a partir da última revisão constitucional, que teve lugar em 1989.
Fizemo-lo, em primeiro lugar, por uma razão de coerência com a posição que assumimos nessa revisão ao apresentar
uma proposta de nova formulação para o artigo 10.°, n.° 1, da Constituição, que era uma proposta que admitia, em termos gerais, o referendo como forma de exercício do poder político.
Fizemo-lo ainda por uma razão de coerência, para tomar o próprio artigo 118.° coerente no seu próprio contexto. É que este mesmo artigo enferma de algumas contradições, designadamente esta, que é fundamental: é que os termos em que o artigo acabou por ser redigido e aprovado (aliás, com o nosso voto) conduzem a inviabilizar o recurso ao referendo nos casos que são considerados, quer na Constituição quer no próprio artigo, como susceptíveis de apreciação popular directa e decisão popular directa. É isso o que acontece no momento presente: face a um quadro constitucional em que o referendo é admitido e perante uma generalidade de opiniões que são favoráveis à não realização do referendo, neste caso, o primeiro obstáculo com que nos deparamos é o da própria norma do artigo 118.°.
Tudo isto resulta, em nosso entender, da redacção que foi adoptada para o n.° 3 do artigo 118.°. Ora, a grande responsável por essa redacção, que é uma redacção cautelosa, como efectivamente acabou por ser qualificada, é a Comissão de Revisão Constitucional de 1989 t, designadamente, o Sr. Deputado José Magalhães, que teve uma intervenção muito activa na matéria.
Reportando-me, aliás, a escritos do Sr. Deputado, encontro boas razões para propor esta alteração. Num livro que escreveu sobre a revisão de 1989 (e que, de resto, tem sido muito útil), o Sr. Deputado José Magalhães diz que o referendo que foi consagrado é um referendo cauteloso e que o seu novo regime se caracteriza por uma extrema cautela e equilíbrio de soluções, acrescentando, porém, que tal regime, com as exclusões em bloco dos artigos 164.° e 167.° e das matérias aí tratadas, exigirá, da parte do legislador ordinário, "operosas destrinças" para não deixar esvaziado e sem campo operatório o instituto do referendo.
Tinha razão o Sr. Deputado José Magalhães! Só que o legislador ordinário não procedeu às "operosas destrinças" que o Sr. Deputado referiu no escrito que publicou. Pelo contrário, no que respeita ao objecto do referendo reproduziu exactamente a norma constitucional e deixou esvaziado de conteúdo o instituto, inclusivamente com este sinal grave, que é um sinal de contradição entre aquilo que se pretende que seja objecto de referendo e aquilo que o pode ser, com remissão precisamente para o artigo 164.°
É por esta razão que fazemos aqui algumas distinções, que estão efectivamente no cerne da preocupação cautelar que levou a esta formulação e à exclusão de algumas matérias. Quando o fizemos pensámos - confesso que talvez um pouco ingenuamente - que poderíamos ir ao encontro das preocupações de outros partidos, designadamente do PSD e do PS, que nas suas propostas de revisão, em relação às quais acabaram por ceder (e todos cedemos, inclusivamente o CDS, que votou esta norma tal como acabou por ser redigida), tinham consagrado um referendo com uma extensão muito maior do que aquela que acabou por resultar desta redacção.
Entendemos que a oportunidade é boa para evitar estes efeitos perversos da redacção que acabou por ser adoptada para o artigo 118.° e que, ao invés de uma disposição transitória e específica para o referendo deste Tratado, deveríamos procurar resolver a questão em termos gerais e habilitar o referendo, tornar a norma que consagra o referendo na Constituição coerente nos seus próprios termos, útil, permitindo efectivamente a consulta popular directa naquelas hipóteses limitadas em que ela o admite, e, por
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outro lado, nestes casos de tratados que impliquem a transferência de competências para organizações internacionais recorrer à figura do referendo obrigatório como parte do processo de aprovação e de ratificação dessas mesmas convenções nos termos que vierem a ser estabelecidos na lei ordinária.
Agora, já não se deixarão mais ambiguidades para a lei ordinária.
O referendo continua a ser um referendo facultativo, deliberativo e apenas se eliminam as contradições resultantes da própria formulação do preceito.
Esta foi a razão de ser da nossa proposta. Esperamos que ela venha a colher os votos favoráveis da Comissão. Para grande parte dos membros da Comissão esse será um acto de coerência com aquilo que tem pensado a respeito do referendo. Recordo, por exemplo, o que se passou com a própria proposta de Constituição em 1976, o que aí foi proposto, por quem foi proposto, como foi defendido. E recordo também as propostas que foram aprovadas em 1989 e as observações que o Sr. Deputado José Magalhães fez e que, suponho, conduzem à utilidade desta correcção.
O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, gostaria de questionar o Sr. Deputado Nogueira de Brito sobre algo que se circunscreve aos termos referidos na proposta do CDS.
Essa proposta não visa apenas aumentar o âmbito das matérias susceptíveis de serem abrangidas pelo regime do referendo, na medida em que altera também os termos de convocação do próprio referendo. Sendo assim, a iniciativa do referendo, relativa às matérias objecto do conteúdo dos tratados, passaria a ser figurada exclusivamente no Presidente da República. Diz-se: "[...] de tratados que comportem a atribuição a uma organização internacional do exercício da competência do Estado Português." Isto é, na solução proposta pelo CDS o Presidente da República passaria a ter uma atribuição vinculada. Já não haveria aqui nenhum juízo de oportunidade política quanto a uma decisão de suscitar ou não o referendo mas, sim, uma atribuição vinculada por parte do Presidente da República quanto a uma modalidade de referendo obrigatório.
Curiosamente, o CDS confere esta atribuição vinculada ao Presidente da República para todos os tratados que comportem a atribuição a uma organização internacional do exercício da competência do Estado Português. Só que se esquece de apreciar a natureza das organizações internacionais em causa, que pode ser distinta de umas para outras. Por exemplo, pode haver uma organização internacional em que a competência dos Estados seja assumida por integração de competências ou haver uma solução em que essa competência seja assumida por uma relação de simples cooperação. Há, pois, organizações internacionais que implicam transferência de competências ou poderes do Estado para os órgãos dessas organizações internacionais e organizações internacionais de mera cooperação, em que as competências são partilháveis mas não são transferidas.
Ora, o CDS nem sequer faz essa distinção na sua proposta, o que significa que toda e qualquer organização internacional que implique um exercício em comum de competências do Estado Português, mesmo que não haja nenhum processo de efectiva transferência de competências, teria de ser susceptível, de forma vinculada, a uma aprovação por via referendaria.
Creio, pois, que esta formulação vai muito para além daquilo que o próprio CDS terá perspectivado.
Coloco esta questão ao Sr. Deputado Nogueira de Brito para clarificar a intenção real do CDS, porque tenho a sensação de que ele nem sequer mediu plenamente as consequências da formulação que aqui apresentou.
O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Deixo agora de lado as anotações que o Sr. Deputado Nogueira de Brito teve a gentileza de fazer relativamente a algumas das interpretações que sustento quanto ao alcance da revisão constitucional no atinente ao artigo 118.° Neste momento, gostaria apenas de me certificar de quais são exactamente as dimensões das propostas apresentadas pelo CDS.
O Sr. Deputado Jorge Lacão já teve ocasião de sublinhar um dos aspectos cruciais. Gostaria de sublinhar, pela minha parte, dois outros.
O primeiro diz respeito à inserção sistemática. O CDS é o único partido que entende ser necessário realizar obras de retoque jurídico no artigo 118.° Todos os demais proponentes de soluções neste domínio se orientam para outros esquemas, mormente apresentando textos em sede de disposições transitórias, algumas delas esgotando a sua vigência no próprio acto da aplicação. O CDS entende que são necessárias obras de fundo. Mas, analisando a proposta que apresenta, nem o sentido dessas obras resulta claro, nem me parece que tenham sido tomadas as cautelas que são necessárias nesta matéria, se bem entendi o sentido da referida proposta.
Gostaria que o Sr. Deputado Nogueira de Brito concretamente esclarecesse o alcance da alteração constante do n.° 4 do referido artigo, na redacção proposta pelo CDS. Ao alterar o n.° 3 desse artigo, na sua redacção actual, o CDS mantém a exclusão geral de alterações à Constituição do âmbito do referendo, aspecto que é muito de sublinhar, porque significa, tanto quanto parece, politicamente a conversão definitiva e aparentemente irreversível do CDS à ideia de que não deve haver plebiscitos anticonstitucionais significa isso que os velhos esquemas de ruptura plebiscitaria tipo AD e outras coisas do género são coisas enterradas e passadas, com ou sem Manuel Monteiro. É um aspecto positivo a assinalar.
Mas, por outro lado, no elenco das matérias que considera que deveriam passar a poder ser sujeitas a referendo, o CDS faz uma coisa que, em alguns casos, não tem destrinça visível: passaria a permitir, neste cenário, que não fossem excluídas do âmbito do referendo as matérias constantes das alíneas d), e), f) e j)...
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - E a c)!
O Sr. José Magalhães (PS): - ... do referido artigo da Constituição.
Relativamente a algumas, entendo que tal aconteça. O seu sentido operacional é praticamente irrelevante em termos de proibição, dado o seu conteúdo. São normas que têm de ser sujeitas a uma certa reinterpretação que, em certo sentido, as niilifica - a referência a elas não tem uma relevância operativa ou significativa. O CDS faz uma correcção hermenêutica, que corresponde àquilo que a doutrina considera ser o alcance da norma rectamente interpretada.
Mas em relação à alínea j), não. Se a norma que o CDS propõe fosse, porventura, aprovada, tal significava - se estou
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a perceber bem, Sr. Deputado Nogueira de Brito - que seria possível desencadear referendos em relação a quaisquer convenções internacionais, mesmo aquelas que versassem matéria da competência reservada da Assembleia da República, mesmo em relação a tratados de participação de Portugal em quaisquer organizações internacionais, tratados de amizade, de paz e defesa, de rectificação de fronteiras, respeitantes a assuntos militares, etc.
O CDS parece sustentar um sistema que em relação aos tratados internacionais (às convenções internacionais no sentido constitucional) teria dois critérios e dois regimes bastante diferentes.
O primeiro seria o respeitante aos chamados "tratados que comportem a atribuição a uma organização internacional de exercício da competência do Estado Português" que não se sabe o que é. O Sr. Deputado Jorge Lacão já perguntou a V. Exa. o que é isto. Devo dizer que não tenho a mínima ideia do que seja e gostava de saber se o CDS tem. Existem organizações internacionais dos mais diversos tipos, e como o CDS não especifica o que é "atribuição de exercício da competência do Estado Português", o alcance da norma é razoavelmente difícil de captar.
Esses tratados teriam o seguinte regime: obrigatoriedade de referendo prévio, competência exclusiva do Presidente da República, preterição de intervenção do Parlamento. O próprio controlo do Tribunal Constitucional, sendo o referendo obrigatório constitucionalmente, aparentemente não tem aqui lugar. E só esta dúvida já traduz uma certa falta de cautela, um tanto lamentável, ao redigir a norma.
Depois haveria um segundo grupo de referendos, versando sobre convenções internacionais de diversos tipos, mas não relacionadas com a atribuição a uma organização internacional do exercício da competência do Estado Português. Esses tratados seguiriam o regime geral, ou seja, propositura pelo Governo ou Parlamento, tramitação e decisão pelo Presidente, controlo preventivo pelo Tribunal Constitucional e todos os demais controlos que a Constituição prevê.
Tal iria introduzir uma dualidade. O CDS propõe - se interpreto correctamente a proposta desse partido - em primeiro lugar, uma amplificação enorme do âmbito do campo referendário; em segundo lugar, a alteração dos equilíbrios de competências de desencadeamento, criando uma dualidade de regimes, havendo num dos casos um processo obrigatório bastante indelimitado; em terceiro lugar, suprime cautelas basilares dos processos de fiscalização, o que, para quem acha que a actual norma é cautelosa - como é minha opinião - significaria torná-la numa norma bastante não cautelosa. E, em vez de equilibrada, desequilibrada.
Antes de condenar uma operação deste tipo, gostaria muito de saber se V. Exa. tem uma interpretação correctiva que diminua a gravidade do que deixei aqui exarado.
O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, tem a palavra para, se quiser, dar as informações que foram solicitadas.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sim, Sr. Presidente, para responder às perguntas que me foram feitas.
Em primeiro lugar, quero esclarecer uma questão com carácter geral, pois foi mesmo intenção do CDS consagrar, ao lado do referendo facultativo que está consagrado depois da revisão de 1989, uma modalidade de referendo obrigatório que se consubstancia a si mesmo, como o CDS o propôs no n.° 3 que propõe para o artigo 118.°, e que é uma parte do processo de aprovação e ratificação destas convenções.
Por isso, como modalidade de referendo obrigatório, dispensa a intervenção da Assembleia, que vai ter intervenção nesse processo, mas num momento a determinar, e que incumbe ao Governo e ao Presidente da República convocar o referendo, neste caso, obrigatoriamente.
São casos delimitados, bem ou mal, pelo CDS - é esta a resposta à questão posta pelos Srs. Deputado Jorge Lacão e José Magalhães -, mas são casos delimitados e que dispensam, devido à existência desta norma, a fiscalização da constitucionalidade. Essa fiscalização compreende-se na hipótese de referendo facultativo, com carácter deliberativo, e que é prévio ao processo legislativo. Compreende-se tal como está consagrada na Constituição, nestes termos que acabo de descrever, mas que não se compreende nesta modalidade, entendemos nós. É claro que estamos abertos às beneficiações que VV. Exas. possam querer introduzir, a benefício de virem a aprovar uma norma deste tipo, mas entendemos que ela, neste domínio do referendo obrigatório, não carece de beneficiações. Por isso, Sr. Deputado José Magalhães, era assim mesmo.
Depois, Sr. Deputado, a redacção que propomos para os n.°s 3 e 4 destinava-se, desde logo, a evitar as contradições que inquinam hoje a formulação do artigo 118.°, a qual, segundo V. Exa. diz, é interpretada pela doutrina em termos correctivos e de modo a eliminar os efeitos nefastos dessas contradições, mas, que me conste, a doutrina está cingida à opinião de V. Exa.
O Sr. José Magalhães (PS): - Mas quais efeitos nefastos, Sr. Deputado?
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Efeitos nefastos da contradição de se dizer...
O Sr. José Magalhães (PS): - Quais?
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): -... que o referendo existe, consagrado na Constituição, para que o povo, os cidadãos eleitores, directamente se pronunciem sobre questões importantes da vida nacional que hão-de ser objecto de actos legislativos ou de convenções internacionais e de as matérias que devem ser objecto desses actos ou convenções estarem praticamente excluídas, devido à referência ao artigo 164.°, retirando efeito útil à regra constitucional. Para o evitar, curamos de excluir, através da referência ao artigo 164.°, que mantemos, essa contradição que poderia resultar depois do n.° 3 e do n.° 4 e por isso fazemos a referência à alínea j).
É evidente que haverá, nesta matéria das convenções internacionais e para este efeito, que considerar dois tipos de convenção internacional: a que implica a transferência de competências - já lá vamos - e a que não implica tal transferência.
No segundo tipo, o referendo será normal, decidido pela Assembleia ou pelo Governo, proposto por um ou por outro; no primeiro tipo, - será um referendo obrigatório. É este o sentido e o alcance destes dois normativos.
O Sr. José Magalhães (PS): - Obrigatório e incontrolado!
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado, obrigatório e incontrolado, mas está controlado através da delimitação que fazemos do referendo nesta disposição do n.° 3.
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O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, permita-me que lhe confesse que fiquei completamente surpreendido. Admitia que a proposta do CDS não entraria sequer nessa matéria, não iria ao ponto, que V. Exa. acabou de deixar exarado em acta, de suprimir os controlos constitucionais.
O controlo constitucional, mesmo naquilo que V. Exa. qualifica como um referendo obrigatório, tem uma função imensamente importante em todos os domínios. Desde logo, o de verificar se estão cumpridas todas as regras de carácter formal, verificar se a entidade é competente, se cumpriu todos os trâmites necessários, etc. E mais. Deve emitir-se um juízo sobre a natureza do instrumento. O Sr. Deputado suprime a intervenção do guarda a pretexto do facto de se tratar de um referendo obrigatório. Confunde o referendo obrigatório com o referendo sem controlo sobre um acto eventualmente inconstitucional que V. Exa., por essa forma, constitucionalizaria ou imporia através da supressão dos elementos de fiscalização. É um absurdo!
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não é absurdo porque os controlos constitucionais sobre o acto sujeito a referendo pelo Presidente da República mantêm-se a propósito do próprio acto. O acto não é constitucionalizado pela sujeição a referendo por parte do Sr. Presidente da República. O que V. Exa. tem é um controlo constitucional consagrado no artigo 118.° para a própria decisão de referendo. Isso é o que acontece com o controlo constitucional actual, que não se justifica no referendo obrigatório. Justificar-se-á apenas hoje em dia e em relação ao referendo facultativo.
O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Srs. Deputados, têm de se inscrever um de cada vez, se fazem favor.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, trata-se de uma questão levantada pelo Sr. Deputado José Magalhães numa interrupção e a que respondi.
O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Não me importo que se interrompam, mas respeitem as recíprocas interrupções. Caso contrário será difícil o registo das vossas intervenções.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Quero agora responder à questão do Sr. Deputado Jorge Lacão. Não sei se o Sr. Deputado entende todo o maquinismo a que me tenho estado a referir, porque este é o do referendo obrigatório, pois o Sr. Presidente da República não tem escolha nesta matéria, desde o momento que cumprimos os pressupostos constitucionais.
Diz V. Exa.: mas há transferência de competências! Aliás, transferência de competências é uma expressão que utilizamos mais do que uma vez nesta revisão constitucional. Discutiu-se a distinção entre transferência de competência e transferência de poderes.
O Sr. Deputado faz uma pergunta e apela para uma distinção que realmente existe. Ou da transferência de competências resulta urna abstenção futura do seu exercício por parte do Estado Português, e deixa de as usar, e então V. Exa. fala em transferência de competências por integração; ou o Estado Português transfere competências para as usar em cooperação, em comum, com a organização internacional que é beneficiária da transferência.
Devo dizer-lhe, Sr. Deputado, que não me preocupo muito com a distinção. Gostaria era de saber quais são os efeitos práticos imensos que V. Exa. atribui a esta distinção e à necessidade de a fazer.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Posso responder?
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Por mim, pode. Não sei se o Sr. Presidente autoriza.
O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Claro que sim, se respeitarem temporalmente a intervenção de cada um. Só quero que cada um fale por si, sozinho, não quero que acumulem as intervenções.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Obrigado pela sua tolerância, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Não é tolerância nenhuma! É o normal!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - O processo de formação de vontade nas organizações internacionais por cooperação implica a aplicação da regra da unanimidade de todos os elementos que integram os órgãos de decisão, o que significa que um Estado nunca perde qualquer prerrogativa própria no exercício da sua soberania, apenas partilha o processo de decisão em cooperação internacional. Sendo assim, é de estranhar que o CDS não tenha cuidado em fazer a distinção, querendo abranger num regime de referendo obrigatório todas as modalidades de participação do Estado Português em todas e quaisquer organizações internacionais. Isto denota que o CDS teve, do meu ponto de vista, uma total imprevidência na forma como concebeu esta proposta.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado Jorge Lacão,...
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Está respondido.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Está respondido, mas quero salientar um facto.
Quanto às consequências práticas desastrosas de uma imprevidência do CDS, devo dizer que o não são, obviamente, até porque, Sr. Deputado, a transferência de competências para decidir, de acordo com o princípio de unanimidade ou de consenso, pode, na prática, implicar uma perda de autonomia efectiva do Estado Português.
Portanto, o que digo é que não é o somatório de casos tão assustadores, digamos assim, que nos leva a tomar cautelas especiais nesta matéria. Não basta dizer que isto é uma enormidade. Vamos sujeitar os Portugueses, todos os dias, a referendar tratados em que as transferências de competências se destinam apenas a um exercício em comum?! Porque, na realidade, pode não haver transferência definitiva de competências nesse exercício em comum, mas pode haver consequências para o Estado Português, pelo que o povo português pode ter interesse em referendar.
Sr. Deputado, se estamos abertos a fazer essa distinção, se consideramos mais grave a transferência de competências que se vai operar devido a esse tratado actual do que, por exemplo, a transferência de competências que se operou através da Organização do Tratado Atlântico Norte poderemos, efectivamente, discutir essa matéria. É matéria que poderemos discutir e que não devemos abandonar numa primeira abordagem do problema.
Portanto, Sr. Deputado, suponho que não existem essas consequências graves, em termos de impraticabilidade do
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instituto que V. Exa. quis assacar e que podiam ser o efeito útil da sua intervenção.
O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Sr. Deputado António Filipe, antes de passarmos à apreciação das propostas do PCP, do PSN e do Sr. Deputado Mário Tomé, gostaria que se terminasse a discussão da proposta apresentada pelo CDS.
Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Uma vez que o Sr. Presidente colocou a questão de avançarmos com a apreciação da proposta do CDS, isto é, de a esgotarmos de alguma maneira, ao nível do possível, nesta primeira leitura, também gostaria de pronunciar-me sobre ela.
Começo por responder a um desafio implícito, mas, mais ou menos, assumido, no que toca à questão da coerência, dirigido directamente ao PSD.
Sr. Deputado, em minha opinião, as questões de coerência devem ser colocadas relativamente a situações análogas e nunca em relação a coisas completamente distintas. A nossa coerência, quanto à problemática geral do referendo, pode ser questionada no contexto de uma revisão geral da Constituição, onde o problema do referendo se coloque em termos gerais, e não apenas no contexto de uma revisão de emergência, por nós e pela generalidade dos partidos assumida, localizada e circunscrita ao imperativo de viabilização da assinatura, em termos constitucionalmente admissíveis, do Tratado de Maastricht.
Portanto, penso que a questão da coerência não se pode colocar nos termos fáceis com que o Sr. Deputado o fez.
Assim, quando, no contexto de uma revisão geral, que há-de vir aí - se Deus quiser! -, voltarmos a discutir a Constituição, e, no contexto dessa revisão, a problemática geral do referendo se colocar, o Sr. Deputado estará em condições de sindicar da nossa coerência e não agora, que é perfeitamente desadequado, uma vez que agora não se trata de rever em termos gerais a disciplina constitucional do referendo e, portanto, de trazer à memória todas as posições assumidas no contexto de revisões globais da Constituição.
Por outro lado, quanto à proposta em concreto, devo dizer que ela me parece inconveniente relativamente a alguns aspectos, também já aqui colocados em evidência, designadamente no que toca ao n.° 3 do artigo 118.°, a uma alteração significativa de equilíbrio de poderes nos órgãos de soberania da República, o chamado referendo obrigatório, que, para além desta questão com, enfim, um custo que poderíamos perfeitamente superar, é, em minha opinião, uma solução, em si, intrinsecamente inconveniente. E porquê? Precisamente porque nas negociações das convenções de maior significado e de maior relevo, naquelas em que o País precisa de dar uma certa imagem de consenso e, ao mesmo tempo, de estabilidade e de segurança, no sentido de ser também um parceiro fiável nas negociações, Portugal estaria definitivamente prejudicado e impedido de aparecer nos cenários internacionais neste estatuto.
Isto é, negociasse como negociasse e pensasse o Governo e a maioria que o apoia o que pensasse, Portugal teria sempre suspenso sobre ele a possibilidade de um referendo, obrigatoriamente convocado pelo Presidente da República, o que seria extremamente inconveniente, um inconveniente que não existiria, mesmo que se admitisse para esta matéria o referendo, mantendo-se o regime geral. Ou seja, se se mantivesse o regime geral do referendo facultativo, o Governo já saberia com o que podia contar, pelo seu lado e pelo da maioria que o apoia, como passos necessários do processo de submissão a referendo, pelo que haveria uma segurança e uma previsibilidade, que na proposta do CDS estaria completamente frustrada.
Sendo assim, esta é, do nosso ponto de vista, uma solução indesejável. Quando muito, a solução a sustentar-se, que, repito, só pode sustentar-se num plano de revisão global, seria a de que esta matéria deveria estar submetida ao regime geral, ao que passa pela Assembleia da República, pelo Governo e pelo Presidente da República, pois, tratando-se de convenções internacionais com o relevo destas, na hipótese de recurso ao referendo, deviam de ter atrás de si o suporte dos órgãos de soberania mais representativos e de legitimidade mais inquestionável.
No que toca ao n.° 4 do artigo 118.°, parece-nos perfeitamente arbitrário o elenco das matérias excluídas e não excluídas do referendo. Por exemplo, do referendo exclui-se a hipótese de se conceder amnistias e perdões genéricos e admite-se a submissão de decisões relativas a autorizações legislativas.
Quer dizer, quanto a saber se a Assembleia da República concede ou não uma concreta autorização legislativa ao Governo, pode submeter-se isto a referendo, o que, pela sua complexidade, é dificilmente compreensível; muito mais compreensível seria, por exemplo, se se tratasse de conceder uma amnistia ou um perdão. Uma situação como esta última é perfeitamente concebível, porque a colectividade portuguesa já passou por situações, recentes, de superação de estados, enfim, de certa fase revolucionária e teve, depois, a necessidade ou a conveniência de passar alguma esponja sobre determinado assunto. Esta seria, pois, talvez, uma matéria muito mais idónea a ser submetida a referendo, consultando a colectividade, até pela repercursão que as matérias de amnistia e de perdão têm na consciência colectiva. Por maioria de razão, poderia incluir-se no referendo esta matéria e não a de conferir ao Governo autorizações legislativas, embora, confesso, não saiba bem como é que, na prática, isso funcionaria.
Portanto, as observações gerais que me permito sintetizar são: em primeiro lugar, não é correcto brandir-se o estigma da incoerência em relação a coisas que não são comparáveis entre si, por não haver um elemento de comunicabilidade entre elas, pelo que não é possível buscar coerência ou incoerência entre termos que não suportam esse juízo; em segundo lugar, a solução proposta para o artigo 118.°, do CDS, parece-nos, quanto ao n.° 3, verdadeiramente inconveniente e, no que toca ao n.° 4, verdadeiramente arbitrária e sem lógica interna.
O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Costa Andrade, em primeiro lugar, não acusei de incoerência qualquer partido aqui presente nem nenhuma personalidade até porque ainda não conheço o resultado desta votação. As minhas acusações de incoerência poderão surgir no final, mas neste momento apenas faço apelos à coerência, o que é uma coisa diferente. Falei da coerência do CDS e não referi essa qualidade em relação a outros partidos.
Portanto, Sr. Deputado Costa Andrade, estou à espera da evolução de toda esta votação e do resultado da revisão na expectativa de que VV. Exas. venham, porventura, a concordar com algumas das coisas que efectivamente aqui propomos.
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Por outro lado, Sr. Deputado Costa Andrade, parece-me que a oportunidade de fazer as tais "obras" no artigo 118.° de que fala o Sr. Deputado José Magalhães é uma oportunidade única, porque esta é, realmente, uma altura em que perpassa pelo País um vento, digamos, favorável ao referendo, uma vez que, em Portugal, as personalidades que, hoje, apelam à convocação do referendo se situam em todos os quadrantes da vida política nacional, ocupando as funções mais relevantes.
Falo, por exemplo, no Sr. Presidente da República, no Sr. Presidente da Assembleia da República, em várias personalidades que se têm pronunciado em oportunidades diversas, todas elas a favor da convocação do referendo. É claro que isso justificaria tanto a norma que propomos como a norma extraordinária, própria e específica proposta por outros partidos.
No entanto, não há qualquer dúvida de que se verificou, pela primeira vez, a existência de dificuldades originadas pela redacção do texto constitucional. Isso é um facto!
Assim sendo, é oportuno que nesta altura e em ordem a eliminar já esses obstáculos, produzindo um resultado concreto e útil para o povo português, se introduzam efectivamente as beneficiações. Diria que não é a "quente" que o fazemos, mas com um grande sentido de oportunidade, observando os acontecimentos, pelo que, a meu ver, há oportunidade.
Sr. Deputado Costa Andrade, não é de opinião que, ao inverso, esta é que é a altura oportuna? A razão que terá movimentado as várias forças partidárias, no sentido de formulação de propostas de revisão constitucional, não terá sido efectivamente a da oportunidade, como, por exemplo, no caso concreto da apresentação desta proposta?
Por outro lado, o Sr. Deputado Costa Andrade criticou o referendo obrigatório, não já nos termos em que o fizeram os Srs. Deputados Jorge Lacão e José Magalhães, isto é, no sentido de que deveria introduzir-se - versão do PS - uma distinção em relação as convenções internacionais sujeitas a referendo obrigatório e acautelar, mesmo aqui, a fiscalização constitucional da iniciativa do referendo. Não há iniciativa a fiscalizar, mas está bem!...
No entanto, tudo isto são alterações que efectivamente consideramos poderem ser introduzidas neste normativo e expliquei as razões que nos levaram a simular o "sim". E, como estamos abertos a introduzir beneficiações, não vemos razões para estas críticas. Por aquilo que disse, o Sr. Deputado Costa Andrade não se situa neste nível mas, sim, noutro, no sentido de dizer que é inconveniente o referendo obrigatório precisamente para as convenções internacionais, porque retira fiabilidade ao órgão político negociador das convenções.
Mas, Sr. Deputado Costa Andrade, se o referendo obrigatório retira fiabilidade - menos, porventura, porque o referendo obrigatório é mais natural do que o referendo facultativo - não retirará igualmente fiabilidade a quem negoceia o saber-se que quem negoceia, ou outro órgão político, pode tomar a iniciativa de sujeitar a referendo o que foi negociado?
No entanto, a pergunta que lhe deixo é se a questão se deve pôr nesse pé. Isto é, retirou alguma fiabilidade aos negociadores que estão sujeitos a referendo obrigatório nos países signatários ou, pelo menos, num país signatário do Tratado de Maastricht? Não se propõe o regresso de países que têm referendo obrigatório?
Suponho que a questão não é essa. A questão toda estaria em que a possibilidade de sujeitar a referendo obrigatório ou facultativo retiraria também fiabilidade aos órgãos negociadores. A questão não se põe em termos de distinção. E, se há alguma distinção a fazer, acho que retira menos fiabilidade o referendo obrigatório.
Por outro lado, agradeço muito ao Sr. Deputado Costa Andrade, porque, ao pronunciar-se sobre a delimitação do referendo facultativo, recordou uma falha da nossa proposta - a amnistia, os perdões genéricos, que são actos de natureza legislativa e que, portanto, deveriam estar aqui. Ora, eu só me questiono sobre se as autorizações legislativas não têm a mesma natureza e portanto não deviam também estar aqui. Isto é, o que fundamentalmente procurámos fazer foi eliminar a contradição que é ínsita no normativo tal como está hoje formulado.
Pergunto se concorda com esta solução, Sr. Deputado Costa Andrade. E quanto à sugestão de introduzir esse tipo de melhoramentos - sugestão que vem de quem é a favor do referendo -, diria que acho que sim mas não retirando a hipótese das autorizações legislativas.
O Sr. Presidente (Almeida Santos): - Antes de passar a direcção dos trabalhos ao Sr. Presidente Rui Machete, gostaria de o informar de que estamos a discutir o artigo 118.° Já usou da palavra um dos partidos proponentes e os Srs. Deputados Jorge Lacão e José Magalhães formularam perguntas, que já foram respondidas. Também usou da palavra o Sr. Deputado Costa Andrade, que pediu esclarecimentos, que foram dados pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito, que por sua vez formulou perguntas ao Sr. Deputado Costa Andrade.
Entretanto, assumiu a presidência o Sr. Presidente, Rui Machete.
O Sr. Presidente: - Para responder ao Sr. Deputado Nogueira de Brito, tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Em primeiro lugar, responderei à questão da coerência. É óbvio, Sr. Deputado Nogueira de Brito, que o tópico da coerência foi muito enfatisado na sua intervenção e por isso mereceu, da minha parte, pelo menos a título de jurisprudência das cautelas, e com carácter preventivo, dizer que esse tópico não tem grande justificação nesta revisão circunscrita da Constituição, pois o problema da coerência só se pode pôr, como eu disse, quando, no contexto de uma revisão global e geral, assumirmos posições diferentes daquelas que assumimos noutra revisão geral e global.
Esta é uma revisão de emergência, de carácter manifestamente excepcional, e assumimo-la como uma revisão exclusivamente preordenada a um objectivo preciso, que é tornar constitucionahnente possível a ratificação do Tratado de Maastricht, pondo entre parênteses todos os nossos motivos de insatisfação em relação ao texto da Constituição vigente, que, aliás, são muitos.
Gostaríamos de rever a Constituição em muitos outros aspectos, mas fizemos aqui um exercício de ascese intelectual no sentido de nos circunscrevermos àquilo que estava em causa. Portanto, este exercício de ascese ou, se quiser, em linguagem mais fenomenológica, este pôr entre parênteses todas as nossas outras angústias legitima-nos a pedir ao Sr. Deputado que não ponha a questão da coerência nos termos em que pareceu tentado a pô-la.
Pergunta-me depois o Sr. Deputado se esta não é a ocasião única mas penso que não e a esse propósito recordaria a prosa de um dos nossos homens de Quinhentos: "A expe-
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riência é a madre do saber de todalas cousas." Ora, a experiência diz-nos que em todas as revisões constitucionais se põe a questão do referendo. Portanto nada mais apressado do que dizer que esta é a única oportunidade. Aliás, sejam quais forem as revisões constitucionais que se adivinhem - e vão vir aí outras - a questão do referendo vai pôr-se. Por conseguinte, esta não é manifestamente a única e, pelo contrário, em todas as revisões constitucionais temos dado motivos suficientes para o Dr. José Magalhães engrossar a sua bibliografia e os seus escritos com proveito de todos nós porque o referendo vai continuar a ser um tópico de discussão.
E eu próprio, a título individual, também entendi que a solução referendaria era solução possível e porventura desejável só que nos processos normais de formação da vontade dentro dos partidos essa solução não obteve vencimento e represento aqui juntamente com os outros companheiros uma vontade geral do partido nessa matéria. Vontade geral segundo a qual não parece muito oportuno, apesar do facto de agora se discutir muito, estar agora a decidir, em geral, sobre a questão do referendo.
Todavia, deste ponto de vista, parecem mais correctas as propostas dos outros partidos que dizem que é para este caso. É que ao aproveitar o calor do caso para uma disposição de carácter geral podemos não ter a distanciação e a abstração necessárias para o regime geral do referendo.
Portanto, o facto de se pôr o caso com calor - e põe-se, ninguém o ignora, aqui e lá fora! - dá mais razão a propostas comuns do PCP e outras. Resolva-se já este caso e não se aproveite agora o calor do caso, porque não nos permite - repito - a distanciação que devemos ter quando fazemos leis e sobretudo leis com a dignidade da Constituição.
O Sr. Deputado disse que não usei os argumentos utilizados pelos Deputados Jorge Lacão e José Magalhães. Na verdade, falei pela minha boca, cada um fala pela sua, mas também não deixei de dizer que era sensível aos argumentos utilizados por eles. Não há aqui copyright, e, portanto, não valia a pena estar agora a repetir argumentos que já foram usados; além disso, o facto de os repetir não acrescentaria nada ao Diário, porque já foram usados, já estão na mesa e o que interessa é o acervo comunitário de tópicos que trazemos para a discussão. Esses já estavam postos aí, não valia a pena acrescentá-los.
Quanto às autorizações legislativas, Sr. Deputado, ainda bem que reconhece que a questão das amnistias será um assunto quase paradigmático de referendo. Mas a questão das autorizações legislativas é que me parece que não. O que é a autorização legislativa? É uma discussão dentro do jogo de poderes do Parlamento e do Governo, uma discussão sobre quem deve legislar em relação a certo assunto. Repare que o referendo não iria incidir tanto sobre a matéria, mas sobre a concessão da autorização legislativa. Aliás, é uma questão sujeita ao juízo de oportunidade da maioria do Parlamento e do Governo saber se deve ser o Governo ou a Assembleia da República a legislar sobre determinada matéria. Assim, penso que essa é uma das questões que não tem verdadeiramente dignidade referendaria.
Era fundamentalmente esta a resposta que se me oferece dar sobre as suas questões que desde já agradeço.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Srs. Deputados, as perguntas formuladas pelos meus companheiros Jorge Lacão e José Magalhães já revelaram a nossa posição sobre o essencial dos defeitos que encontramos na proposta do CDS. Até agora temos discutido esta proposta com total abstracção do problema que esteve na base desta proposta que é sim ou não ao referendo sobre Maastricht. Surpreendente e aparentemente, logo que li esta proposta pela primeira vez assim me pareceu. O CDS dá um salto em frente, um grande e importantíssimo salto, para o qual tem toda a legitimidade. Aliás, também não discuto a oportunidade porque, se estamos a discutir alterações da Constituição sobre o Tratado de Maastricht, esta norma cabe perfeitamente nessa oportunidade.
No entanto, o problema é o de saber se se justifica ou não a propósito de uma questão em si tão simples e tão polémica como foi o caso de se referendar ou não o Tratado de Maastricht e sobre esse assunto os vários partidos já tomaram as suas posições.
O Partido Socialista tomou-as através de dirigentes dos seus órgãos competentes em termos que não vou repetir, mas que se podem resumir da seguinte maneira. Nós somos contra o referendo de um tratado complexo, que não é susceptível, por natureza, de uma resposta de sim ou não. Mas não o seríamos, em princípio, se se viesse a revelar-se possível, em relação um referendo ou uma consulta popular sobre a temática europeia, sobre a União Europeia em si, nomeadamente amanhã - se viesse a ser o caso, porque essa liberdade ninguém no-la tira - um referendo para sairmos das Comunidades uma vez que já lá estamos dentro sem qualquer referendo. Efectivamente pode colocar-se um dia esse problema. Mas espero que não.
Todavia, achamos que perguntar ao povo se concorda com este Tratado não tem grande sentido pela complexidade e extensão da matéria, e também pela razão de que a Constituição o proibia, e não devemos passar a vida a rever a Constituição a propósito de problemas pontuais, embora importantes.
Quais são, então, as nossas grandes objecções à proposta do CDS?
Primeira: transformar a possibilidade constitucional - foi aí que surgiu a discussão - de referendar um tratado como Maastricht na obrigação impositiva de referendar não apenas esse tratado mas todos os tratados que comportem a atribuição a uma organização internacional do exercício de competências do Estado Português. Isto é, expropria-se desta competência a Assembleia da República, nos casos em que a teria; expropria-se desta competência o Governo, nos casos em que também ele a tivesse, e atribui-se essa competência directamente ao povo Português. Essa atribuição não choca em razão da qualidade majestática do povo, que é o detentor básico da soberania. Mas creio que dificilmente encontraremos, se é que podemos encontrar algum caso no Direito Comparado que nos permita, ao menos, ter o arrimo de um país que já foi avante numa solução deste tipo, até porque esta redacção é toda ela - e o Dr. Nogueira de Brito vai-me perdoar - muito deficiente tecnicamente.
Em primeiro lugar, diz-se: "O Presidente da República submeterá a referendo nacional." Mas submeterá como? Prescindindo da iniciativa do Governo ou da Assembleia da República? Prescindindo dos cuidados estabelecidos para a formulação do referendo? Prescindindo da fiscalização da constitucinalidade que está prevista para o referendo normal? Como é? O Presidente da República, sozinho, submete a referendo? Por iniciativa própria, como parece decorrer do que vem proposto?
Seria uma subversão total de todo o processo referendário, tal como está gizado e das garantias que estão asseguradas pela Constituição.
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A seguir diz-se: "a aprovação de tratados". Mas, pela Constituição, quem aprova os tratados é o Governo, é a Assembleia da República, e o Presidente da República apenas os ratifica Há também aqui alguma confusão. Como é? O Presidente da República deixa de ratificar para aprovar directamente ele próprio? Desaparece a figura da ratificação ou ele ratifica aquilo que ele próprio tiver aprovado?
Tudo isto cria terríveis perplexidades técnicas e eu penso que o CDS, no seu entusiasmo de ver consagrada uma abertura ao referendo sobre Maastricht, não meditou profundamente sobre estes aspectos técnicos (para não falar nos políticos).
A seguir diz-se: "que comportem a atribuição a uma organização internacional". Mas o que é atribuir? O que é uma organização internacional para este efeito? E só o exercício de competências não também a atribuição das próprias competências? Quer dizer o menos justifica um referendo e o mais não justifica?
No caso de Maastricht, entende-se que há uma atribuição de competências quando se põem em comum algumas delas para serem exercidas por órgãos de gestão de que faz parte o próprio País? Pode dizer-se que essas competências são próprias de organização internacional?
Por outro lado, a expressão "competências do Estado Português" é tão vasta que dificilmente poderíamos deixar de fora algum tratado que viesse a ser assinado pelo Estado Português. Pelo menos, seriam muito numerosos os tratados que obrigassem a uma consulta referendaria e íamos com certeza bater a Confederação Helvética em número de referendos, o que, até aqui, tem sido praticamente impossível em termos de países europeus.
Há ainda um outro aspecto relativo ao n.° 4 do artigo 118.° que gostaria de referir: é que, ao mesmo tempo que se vincula o Presidente da República a um referendo nacional para a aprovação destes tratados, continuaria na Constituição a competência da Assembleia da República para "aprovar as convenções internacionais que versem matéria da sua competência reservada, os tratados de participação", etc.
Esta situação pode gerar alguma confusão, pois trata-se de duas competências que não podem existir em simultâneo. Logo, ou se expropria a Assembleia desta competência ou temos de fazer uma distinção subtil, segundo a qual a Assembleia continua competente quando não se trate de transferir ou de atribuir o exercício de competências. Mas, como a expressão "competências" é tão vaga e indefinida, não estou bem a ver como é que alguma vez um Estado assina um importante tratado internacional sem transferir competências, sejam elas maiores, menores, mais relevantes, menos relevantes.
Tudo isto, na verdade, gera um conjunto de perplexidades que desaconselha a consagração constitucional desta proposta e vem reforçar a razão daqueles que chamavam a atenção para as cautelas necessárias a um referendo sobre tratados complexos de direito internacional. Isto vem demonstrar que é muito mais difícil formular que defender ideias políticas, as quais, não obstante, poderão ser porventura generosas, bonitas, atraentes e apelativas para o povo.
E se, então, saltássemos desta para a formulação de um concreto referendo, veríamos que as dificuldades seriam ainda maiores, pelo que, provavelmente, os próprios defensores dessa ideia generosa acabariam por ver-se enredados em dificuldades das quais não seria fácil sair. Por esta razão, a posição do nosso partido sobre esta proposta não é diferente da que assumimos relativamente ao problema que lhe esteve na base.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, ainda no âmbito desta discussão, começo por dizer que, apesar de haver uma relação entre todos os projectos que abordam esta questão, parece-me que esta compartimentação não tem paredes muito sólidas, diria mesmo que tem paredes de vidro.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado, como sou o responsável por esta metodologia, devo referir que V. Exa. não levantou qualquer objecção, o que poderia ter feito na altura em que formulei a sua adopção, de forma a permitir-me reconsiderá-la.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado Almeida Santos, uma grande vantagem deste sistema é o facto de V. Exa. poder usar da palavra após eu ter expressado uma determinada ideia, o que lhe permite dizer aquilo que pensa ser oportuno, mas agradeço que me deixe terminar.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Também tenho sido vítima desse direito!
O Sr. João Amaral (PCP): - Aliás, devo dizer-lhe que não o interrompi quando fez essa observação, pois começou por anunciar uma metodologia diferente e só depois da inscrição dos Srs. Deputados Nogueira de Brito e António Filipe é que propôs que fizéssemos um minidebate sobre este projecto, passando depois ao seguinte. Claro que admito que este é o sistema em curso, embora seja evidente a relação entre os três ou quatro debates que vão realizar-se.
Sr. Deputado Nogueira de Brito, o CDS apresentou um projecto de revisão constitucional com um preâmbulo detalhado, longo, exclusivamente centrado na temática europeia, porque é em torno desta temática que esta revisão constitucional está a ser feita. E quando o CDS justifica a proposta de referendo enquadra-a exclusivamente na necessidade de um debate em torno dessa temática.
O CDS parte da premissa de que o Acto Único Europeu foi adoptado sem o debate suficiente e, depois de reflectir bastante sobre essa questão e diferentes componentes, diz, a certa altura, o seguinte: "Se a necessidade de debate público era evidente em 1986 - Acto Único - e a advertência não foi ponderada, a mudança qualitativa de agora exige ainda maior audiência do eleitorado, mantido intencionalmente afastado do conhecimento do processo, das suas alternativas possíveis e das suas imposições prováveis." Em seguida, faz algumas reflexões acerca daquilo a que se chama "o europeísmo de confidencialidade."
Portanto, parece-me que o enquadramento com que a proposta é apresentada, como, aliás, já foi sublinhado também pelo Sr. Deputado Almeida Santos, se refere exclusivamente ao processo europeu e, concretamente, ao Tratado da União Europeia, mas entendo que a formulação que depois o CDS adopta ultrapassa claramente esse quadro, porque projecta uma solução geral e abstracta para todos os casos em condições tais que - e era este o ponto que queria levantar - suscita um debate em termos que acabam por ser desfocados da intenção inicial. Isto é, a norma é apresentada com uma certa justificação e num certo enquadramento e a discussão acaba por fazer-se em torno de outra questão e num enquadramento diferente.
Por exemplo, o enquadramento que acaba por ser chamado aqui é o da história constitucional do referendo e das considerações feitas por várias pessoas, nomeadamente o
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Sr. Deputado José Magalhães, em torno do referendo e não sobre a questão concreta que motivou o CDS a apresentar este projecto.
Esta situação levanta um problema que gostaria de colocar frontalmente ao CDS: no quadro das várias soluções possíveis, encara o CDS a possibilidade de proceder a adaptações suficientes à sua proposta até ao ponto, nomeadamente, de ela se conter na viabilização de um referendo sobre o Tratado da União Europeia?
Admite o CDS como aceitável uma alteração que, com formulações diferentes, sejam elas quais forem, se adeque exactamente à situação do Tratado da União Europeia e, portanto, o vise mesmo sem ser explicitamente, mesmo de uma forma aparentemente geral e abstracta, mas de modo que apenas se lhe aplique, neste momento, sem gerar uma controvérsia acerca da aplicação futura de tal normativo a outras situações?
Era esta a pergunta que fazia para tentar perceber bem qual é a intenção e a perspectiva do CDS nesta matéria.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral, é claro que nos enquadramos nessa perspectiva geral, até por uma questão prática, pois sabíamos que esta assunção de poderes de revisão extraordinária tinha um determinado enquadramento e que não era possível nem viável consegui-la noutro. É nessa moldura que nos enquadramos e, daí, o preâmbulo do nosso projecto, que V. Exa. citou muito bem.
É evidente que o nosso projecto tem um objectivo fundamental e todo ele é orientado na perspectiva de, em primeiro lugar, permitir o referendo para este caso concreto, acautelando - não tornando possível - eventuais consequências da aprovação e ratificação do Tratado. Esta é a perspectiva do nosso projecto de revisão constitucional.
Claro que então perguntarão: "Mas por que é que o CDS não adopta a perspectiva que outros partidos adoptaram?" Respondo dizendo que isso representa que esses partidos evoluíram e congratulamo-nos muito com essa evolução. Por exemplo, o PCP evoluiu. V. Exa. criticou o nosso propósito referendário quando apresentámos a primeira proposta de assunção de poderes de revisão constitucional, mas o próprio partido evoluiu em relação às formas de democracia participativa. Ainda no outro dia ouvi com agrado o Dr. Álvaro Cunhal, na televisão, falar de democracia representativa, mas temperada.
Risos.
Todos nos congratulamos com esse facto.
Portanto, nós nem teremos de evoluir, basta-nos ficar onde estávamos. Temos adoptado sempre essa perspectiva e o Sr. Deputado João Amaral sabe-o. Como "mais vale um pássaro na mão do que dois a voar", ou a fugir, se tivermos de evoluir para que esta Comissão aprove o referendo restrito a esta matéria, fá-lo-emos, mas entendemos que há aí alguma incoerência. Porquê? Quando nós, CDS, lançámos pela voz do nosso presidente, que já foi aqui citado, Dr. Manuel Monteiro, a proposta do referendo, evidentemente que ponderámos o que é que tinha impedido que a ele se recorresse neste caso, quando aparentemente estava ao nosso alcance.
Verificámos que o que impedia o referendo, neste caso, era a redacção do artigo 118.° da Constituição e pareceu-nos que seria um pouco esdrúxulo aprovar uma norma extraordinária e específica para o referendo de Maastricht, deixando intocada uma norma afectada por contradições internas e que só por causa delas é que impedia o referendo.
A primeira invocação feita quando propusemos o referendo foi: "Isso é inconstitucional, não pode ser!" Então, o referendo foi pensado principalmente para estes casos e agora surge este tropeço na Constituição? Isto é realmente estranho!
O melhor é aproveitar esta oportunidade para alterar o artigo 118.° Por que será esdrúxulo que quem concorda e aceita que há nele contradições e uma formulação que pode ter efeitos perversos não o corrija imediatamente construindo uma norma específica para o Tratado de Maastricht? Foi só por essa razão que apresentámos esta proposta.
Pergunta o Sr. Deputado João Amaral: "Mas aceitarão?" Aceitamos porque, neste momento, o que está na nossa mente é o referendo sobre o Tratado. Como resulta do preâmbulo do nosso projecto, é óbvio que aceitamos, assim como admitimos que sejam feitas correcções por duas razões fundamentais. Por um lado, porque podem beneficiar a redacção e nós aceitamos, com humildade, essa circunstância e. por outro, porque podem concitar a aprovação de VV. Exas. para o artigo que daqui vai sair. Foi, com certeza, por essa razão que todos aceitámos as alterações introduzidas em relação às propostas apresentadas na revisão constitucional de 1989, para que fosse possível termos um texto aprovado por todos ou com os votos necessários.
Portanto, a benefício dessas duas razões, aceitamos que sejam introduzidas alterações; a benefício do objectivo fundamental de ter um referendo para este Tratado, aceitamos restringi-lo, mas, em última análise, com relutância e algum desgosto, porque ficará a contradição estranha de o artigo 118.° se opor a este referendo e haver uma norma extraordinária para ele.
Afinal de contas, parece-me que o artigo 118.° não queria opor-se a este referendo, mas acaba por opor-se numa interpretação que é perversa ou que não é correctiva como devia ser. Achamos isso estranho e foi por essa razão que fizemos a proposta que fizemos.
Qual é o nosso objectivo fundamental? O Sr. Deputado tem razão, leu bem o preâmbulo.
O Sr. Presidente: - Não assisti aos motivos pelos quais foi seguida a metodologia que está, neste momento, a ser praticada, mas julgo que um bom argumento a seu favor é, no fundo, este: dos vários projectos apresentados existe um que, do ponto de vista formal - é isto que aqui nos interessa -, apresenta a modificação do artigo 118.° com carácter permanente enquanto os outros contêm apenas normas transitórias ou excepcionais.
Portanto, penso que poderíamos agora passar a analisar as normas propostas pelo Sr. Deputado independente Mário Tomé, pelo PCP e pelo PSN, que tem a característica comum de serem normas que dispensam para um caso concreto - e daí a sua transitoriedade - a aplicação do artigo 118.° da Constituição da República Portuguesa. Suponho que poderemos estar de acordo quanto a isto.
Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, não discordei da metodologia. Se tivesse discordado teria dito na altura. Portanto, penso que haverá algum equívoco em relação a isso.
Sr. Presidente, aceitei e aceito a metodologia. No entanto, sublinho que há uma proximidade enormíssima entre os
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projectos, como agora acaba de ser salientado pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito ao fazer as considerações que faz acerca da possibilidade de aceitar uma outra solução. Portanto, só quero dizer que é interessante essa evolução. Aliás, todas as evoluções são boas e o que se espera aqui é que outros também evoluam. É isso que se espera que suceda durante este debate.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Mário Tomé, se V. Exa. quisesse ter a amabilidade de expor a sua posição...
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, permite-me que coloque uma questão à Mesa?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, ainda gostaria de tecer algumas considerações sobre as observações feitas pelo Sr. Deputado Almeida Santos em relação ao projecto do CDS.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, com certeza, mas neste momento, o Sr. Deputado António Filipe pediu a palavra.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, V. Exa. dará a palavra quando entender!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos três projectos que ainda não foram objecto de uma apresentação formal. Porventura, poder-se-ia ganhar em termos de discussão...
O Sr. João Amaral (PCP): - V. Exa. também evoluiu!
O Sr. Presidente: - Não evoluí nada... Peço imensa desculpa...
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Mas tem evoluído!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tenho evoluído noutras coisas mas nesta não.
Srs. Deputados, o que quero dizer é que os três projectos têm todos normas de natureza transitória e, assim, talvez se ganhe em ouvir as explicações justificativas para posteriormente continuarmos a discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, penso que temos vantagens em seguir a metodologia que acaba de apresentar. Portanto, se me permite, faria de momento algumas considerações em relação à proposta apresentada pelo PCP, ou seja, procurando fundamentá-la.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado vai apresentar a proposta do PCP, não é verdade?
Sr. Deputado, suponho, cronologicamente, que a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Mário Tomé é anterior, mas penso não existir qualquer problema.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, como se sabe, esta é a única proposta que o PCP apresenta nesta revisão constitucional. Portanto, é o artigo único do projecto de lei constitucional que apresentámos e que exprime, em si mesmo, a posição de fundo que defendemos.
É uma posição que é contrária a uma estratégia de facto consumado, que consista em concretizar, primeiramente, as alterações à Constituição necessárias à aprovação do Tratado, sem se saber se é da livre vontade do povo português vincular-se às suas diposições e às suas consequências. Estratégia essa que representa um profundo desprezo pelo real esclarecimento dos cidadãos e pela real participação dos cidadãos na tomada de decisão.
Creio que este processo também não pode deixar perder de vista a natureza do Tratado ao qual se pretende vincular o Estado Português. É um Tratado que aponta claramente para uma solução federalista, cujo funcionamento é ditado pelos países mais fortes da Comunidade e que representa uma alteração qualitativa do Tratado de Roma com consequências de grande relevância.
É também um Tratado que divide profundamente os vários povos europeus como ficou patente nos referendos já realizados em vários países da Comunidade. Foi assinado pelos governos sem cuidar de saber qual a posição dos respectivos povos quanto ao seu conteúdo, sem que fosse dado um esclarecimento cabal ou minimamente adequado sobre o conteúdo das disposições que estavam a assinar e sobre as suas consequências. E, particularmente, após o referendo que teve lugar na Dinamarca, tem-se verificado a forma antidemocrática como se pretende que este Tratado seja imposto aos povos. Isso ficou patente, claramente, na desvalorização que foi feita da posição expressa pela Dinamarca em referendo.
O Sr. João Amaral (PCP): - Muito bem!
O Sr. António Filipe (PCP): - Portanto, é neste quadro que defendemos que é indispensável uma consulta directa ao povo português no sentido de saber se aceita ou não ser vinculado por um Tratado desta natureza, acompanhada do necessário esclarecimento público, que resultará da decisão de realizar o referendo, como aconteceu em alguns países.
É evidente, que consideramos o referendo como um meio ao dispor do povo português para claramente se pronunciar e contrariar a imposição do Tratado de Maastricht. Portanto, é manifesto que defendemos uma posição contrária à ratificação e que consideramos a realização do referendo como uma forma para o povo português demonstrar a sua recusa face à imposição desse Tratado.
Queria apresentar ainda algumas considerações quanto ao enquadramento constitucional da nossa proposta. Como já foi dito, o referendo está previsto no artigo 118.° da Constituição, desde 1989, e na respectiva lei orgânica, aprovada na V Legislatura.
Portanto, é inequívoco que a realização de um referendo sobre o Tratado de Maastricht implica, eventualmente, em caso de uma decisão favorável à ratificação, uma alteração à Constituição da República Portuguesa e porque incide sobre matéria prevista no artigo 164.° é necessário que haja uma norma constitucional que expressamente viabilize a possibilidade de realização desse referendo.
Isso pode ser feito de duas maneiras: ou alterando o regime constitucional do referendo - como o CDS propõe -, ou introduzindo uma disposição excepcional que se limite à viabilização desse referendo em concreto, ou seja, o referendo sobre o chamado Tratado da União Europeia.
Da nossa parte, optamos pela segunda alternativa. Consideramos que o regime de referendo adoptado no artigo 118.° - isso também já aqui foi referido várias vezes - é cuidado e cuidadoso sob vários pontos de vista Tratou-se de impedir que a consagração constitucional do referendo,
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que foi feita em 1989, pudesse redundar na possibilidade de proceder a alterações à Constituição por via referendaria, fazendo que pudesse ser aprovado por maioria simples aquilo para que são exigíveis em temos constitucionais maiorias de dois terços, abrindo caminho àquilo que se chamou na altura - e que se chama - a possibilidade de preversão plebiscitaria do estatuto do referendo. Por outro lado, o regime adoptado salvaguarda o estatuto e as competências próprias dos órgãos de soberania e que se traduzem não apenas em exclusões de âmbito material do referendo, mas, também, num processo cuidadoso de decisão quanto à realização do referendo e que envolve, como já foi dito, a Assembleia da República, o Governo, o Presidente da República e a obrigatória fiscalização prévia por parte do Tribunal Constitucional.
Assim, não vemos razão para que este regime seja alterado. Somos da opinião que deve ser mantido. Portanto, não colocamos a questão em termos de alterar o regime constitucional do referendo, mas apenas no sentido de assumir a excepcionalidade do Tratado de Maastricht e as consequências excepcionais da eventual ratificação desse Tratado, para, considerando como excepcional aquilo que é excepcional, adoptar consequentemente uma disposição constitucional excepcional que viabilize a possibilidade de um referendo sobre essa ratificação.
Creio que não será necessário fazer mais considerações sobre o carácter excepcional desta situação. Ela é tão reconhecida que quatro quintos desta Assembleia decidiram abrir um processo de revisão constitucional extraordinário, o que só por si demonstra que é inequívoca a excepcionalidade da situação que se criou.
Daí que a proposta que fazemos seja no sentido de que exista uma norma transitória que permita a realização de um referendo sobre o Tratado da União Europeia, realizado nos demais termos previstos na Constituição e na lei orgânica sobre o regime de referendo. Obviamente, que aquilo que estamos a discutir neste momento não é a proposta de referendo propriamente dita, que seria apresentada no seu devido tempo, mas uma proposta que em sede de revisão constitucional permita que haja uma decisão sobre a realização desse referendo.
Termino dizendo que não encontramos uma justificação válida de um ponto de vista constitucional para a recusa desta nossa proposta. Qualquer justificação que seja dada para a sua recusa só pode ser, obviamente, uma resposta política.
Essa recusa significa algo. Em primeiro lugar, receio do esclarecimento popular acerca das consequências e real natureza do Tratado de Maastricht, do verídicto popular sobre esse mesmo Tratado e, ao mesmo tempo, a vontade de impor ao povo português uma decisão supranacional que se verifica estar a dividir os povos europeus e que se pretende que seja imposta mesmo sem um debate necessário, sério e responsável sobre esta matéria.
Por outro lado, não parece que se possa entender que este Tratado é demasiado complexo para ser referendado. Qual o conceito que se faz do povo português que leva a entender que este Tratado é demasiado complexo para ser referendado em Portugal quando já o foi pelos Dinamarqueses, Franceses, Irlandeses e não está excluído que ainda possa ser referendado por outros? Não pensamos que ao povo português deva ser atribuído um estatuto de menoridade em termos eleitorais e em termos referendados, que leve a considerar que não é possível referendar em Portugal aquilo que já foi referendado por outros povos europeus. Portanto, também aí não vemos qualquer razão válida para que este referendo não se realize.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, queria apresentar dois pontos prévios.
Primeiro, quando o CDS apresentou a primeira proposta sobre o referendo também votei contra, com base de que a proposta do CDS poderia ser entendida como uma abertura para o plebiscito constitucional. Portanto, penso que foi cautelosamente que evoluí para esta situação, nomeadamente quando foi aberto este processo de revisão constitucional para poder avançar com este projecto.
A segunda questão que quero colocar é que, quer se queira quer não, há um parti pris por parte da maioria desta Assembleia, a maioria do PSD, em relação ao referendo. Isto é, mais do que fazer um protesto, quase que me dá vontade de considerar ridículo o facto de - entretanto, perguntava se esta Comissão tem conhecimento da acta da Comissão de Petições que recusou a petição no sentido de que esta Comissão Eventual de Revisão Constitucional tivesse em conta a necessidade de a revisão assimilar a proposta de referendo - a Comissão de Petições ter recusado uma petição que solicitava que, neste processo de revisão, fosse tida em conta a realização do referendo, com a alegação de que essa petição era inconstitucional. Isto parece-me um disparate absoluto - desculpem a rudeza da expressão - e, em meu entender, não tem sentido. Estas eram as duas questões prévias que queria colocar.
Quero ainda dizer que o Tratado de Maastricht, em si, do meu ponto de vista, começa a não ter consistência; do ponto de vista jurídico, foi posto em causa, o que é irrebatível, pelo "não" da Dinamarca; do ponto de vista económico, está "tremelicante", para não dizer também posto em causa, com a crise do Sistema Monetário Europeu; do ponto de vista político, e este é o mais grave, está posto em causa, porque está a dividir cada povo na Europa - nem sequer está a dividir os povos da Europa entre si pelas suas fronteiras, mas sim cada povo na Europa. A não ser que se pretenda ocultar isso, avançando, de qualquer forma, para o Tratado de Maastricht, ratificando-o e esquecendo que, afinal, dividiu a França e a Dinamarca e quase que ia dividindo a Irlanda. Ora, isto cria uma situação perante a qual temos de ter muito cuidado.
Por outro lado, quanto à questão do tempo para a realização do referendo - e julgo que este problema está ultrapassado -, não há qualquer limite, como se sabe - e, se se disser o contrário, isso não é verdade -, para a ratificação do Tratado, o que consta do próprio Tratado. De facto, o depósito do instrumento de ratificação é dilatado no tempo, tendo lugar quando cada país entenda. Portanto, não se pode dizer que tem de ser até ao dia 1 de Janeiro, ou até ao dia 53 do mês 89 do ano 2030. Não há nada que permita afastar a hipótese do referendo na base do tempo.
E aqui chego à questão da necessidade e da razoabilidade da existência de um referendo. De facto, os povos devem pronunciar-se; os povos não estão esclarecidos e os passos que se vão dar exigem muita temperança e muito cuidado. Não podemos cair numa situação em que a Europa, em vez de criar as condições para ser democrática, seja um lugar onde vai tudo andar à cabeçada, de uma forma ou de outra. Temos como exemplo experiências iniciadas com grandes ideais e magníficos projectos, que todos sustentavam, inclusivamente os que estavam contra, que redundaram em trágicos fracassos e sabemos que estas questões da unidade dos povos demoram muitos séculos até encontrarem a sua expressão. Diria, usando uma expressão do Raul Solnado,
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que estavam todos a "matar" muito sossegados quando, de repente, "caiu" em cima das pessoas a democracia e a participação dos povos como uma exigência, uma exigência que não se pode ignorar. Estava tudo a funcionar muito bem, com a democracia representativa - e não estou a pô-la em causa -, só que, de repente, ela foi questionada e os povos exigem pronunciar-se directamente. O que eu não queria era que a democracia representativa se opusesse a essa vontade de participação popular - esta é a questão. E, parafraseando Marx, diria que um espectro percorre a Europa: o espectro da democracia.
Este é um problema que os Srs. Deputados têm de entender, porque, neste momento, não posso dizer que este instituto de representação da vontade popular esteja qualificado para decidir sobre uma questão desta profundidade. É que, mesmo em termos empíricos e por analogia com o que se está a passar na Europa, está em causa - e digo-o com toda a solenidade - a qualificação das maiorias representativas que aqui estão colocadas pelas eleições que tiveram lugar antes da assinatura do Tratado de Maastricht, que não constava sequer dos programas de quem foi eleito, em maioria ou em minoria Portanto, não possuem capacidade para uma ratificação, ignorando os povos, quando estes, ainda por cima, estão a manifestar a sua vontade, dizendo que querem ser ouvidos. Em Portugal - porque nos outros países já se viu o peso que isso teve -, a opinião pública, eminentes personalidades de todos os partidos políticos - inclusivamente da própria maioria do PSD, onde o monolitismo começou a abrir "buraquinhos" relativamente ao referendo (para além de outras contradições que existem) - e alguns dos maiores constitucionalistas põem em causa esta questão e defendem o referendo; o próprio Presidente da República considera-o adequado e o próprio Presidente da Assembleia da República ficou em xeque com a recusa da petição a favor do referendo.
Assim sendo, como é que nós, Deputados, não temos de ter consciência do que se está a passar?! Ficamos em Bizâncio, fechados com as nossas coisinhas?! Ficamos atrás?! Nós, que queremos ir para a frente, modernizando-nos e caminhando para o futuro! Mas a modernidade e o progresso têm de ter coerência e consistência! É que só nesse sentido se consegue andar para a frente e progredir. E eu não posso andar para a frente sem os povos, porque depois vem a ressaca. De facto, quando vierem as consequências mais ou menos gravosas de uma posição assumida desta forma, vem a ressaca e os povos que não foram tidos em conta, depois, dizem: "Eu?! Eu não tive nada a ver com isso! Foram vocês!". Este é um argumento já muito lateral, mas é um argumento.
Na sequência do que o Sr. Deputado Costa Andrade afirmou, há pouco - e muito bem -, ao dizer que a experiência é a madre do saber de todas as coisas, julgo que temos de ter em atenção o que se passou por essa Europa fora! Aliás, estou a notar algumas manifestações bastante positivas por parte de alguns Deputados do PSD em relação a esta questão do referendo. E não gostaria, nesta fase mais aguda da discussão, de ver o PS ser ultrapassado pelo PSD.
O Sr. Presidente: - Relativamente ao PSN - sem prejuízo de, numa segunda fase quando procedermos a uma votação indiciaria, podermos ouvir o Sr. Deputado Manuel Sérgio -, o Sr. Deputado escreveu-me uma carta justificando a sua ausência de 6 a 12 do corrente, mas é óbvio que não podemos esperar. Portanto, vamos prosseguir a discussão. De resto, do ponto de vista específico, pode ser que haja alguma argumentação especial, mas o texto não é essencialmente diferente dos outros textos apresentados.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Em termos genéricos, é igual ao do Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Presidente: - Em todo o caso, à guisa de informação e para meu melhor esclarecimento e do debate, gostava de abordar um ponto que me parece importante nesta matéria. O artigo 118.° da Constituição, no seu n.° 2, não exclui o referendo sobre matérias que sejam de relevante interesse nacional e que devam ser decididas pela Assembleia da República ou pelo Governo através da aprovação de convenção internacional ou de acto legislativo. O que exclui, por força da remissão para o artigo 164.°, é a aprovação concreta de tratado ou convenção. Portanto, não deixa de me impressionar um pouco a razão por que, do ponto de vista dos partidos que simultaneamente pensam que o artigo 118.° se deve manter - e esse não é o caso do CDS - mas que preconizam o regime excepcional, não se defender que existe uma diferença no objecto do processo. Quer dizer, em vez de ser o problema do Tratado de Maastricht, o objecto da discussão, ser, por exemplo, a questão da integração europeia. E daí provavelmente decorreriam consequências: na hipótese meramente académica de o referendo ser negativo, daí adviriam consequências quanto ao natural posicionamento dos órgãos do Estado Português a esse respeito. Não percebi por que é que esse argumento não foi usado, quando se utiliza o referendo a título excepcional. É que a posição do CDS é um pouco diversa, já que defende a modificação do artigo 118.° Pode concordar-se ou discordar-se mas é uma posição que não é transitória e ad hoc. Já no caso das propostas apresentadas pelo PCP, pelo PSN e pelo Sr. Deputado Mário Tomé, é específica e exclusivamente para um tratado ou para um conjunto de tratados, na formulação do PCP. O que, aliás, suscita depois esta dificuldade: e se, depois, numa fase ulterior, os tratados forem modificados, nessa altura também vamos ter um referendo ou não? Gostava de compreender a lógica que animou as propostas do PCP, do PSN e do Sr. Deputado Mário Tomé.
Entretanto, pediram a palavra os Srs. Deputados Almeida Santos e Nogueira de Brito.
Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Da nossa posição sobre a proposta do CDS já decorre em parte a nossa posição sobre estas três propostas. Em todo o caso, devo dizer que estas três propostas não têm a gravidade que empresto à do CDS. Esta dá o tal salto em frente que aqui referimos, tomando obrigatória, em relação a todos os tratados que versem estas transferências de competências, uma consulta popular. Era, de facto, um grande salto, no sentido da passagem de uma democracia representativa para uma democracia directa. Passava a ser o povo a ter as competências que hoje têm o Governo e a Assembleia da República. Não compreendemos isso, porque se julgamos que o povo português não deve ser colocado numa posição de estatuto de menoridade - e nunca se tratou disso, porque sempre invocámos razoes técnicas e não de competência - também, por outro lado, não aceito que a Assembleia da República seja colocada perante um estatuto de menoridade. Por que é que a Assembleia da República, que tem competência para tudo, inclusivamente para rever a Constituição - e está aqui neste momento a revê-la - não há-de ter competência para aprovar um tratado internacional, qualquer que ele seja, que nunca terá a importância da própria Constituição da República?
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Por outro lado, também não vale a pena dizer, como o Sr. Deputado António Filipe, que a nossa posição põe em causa a democraticidade. Tão democrática é a democracia representativa como a directa: uma é aplicável nuns casos, outra, noutros. Mas afirmo mais uma vez que a democracia directa não é melhor em todos os casos. Não vale a pena termos essa ilusão! É que, senão, não tinha sido substituída, como veio sendo, em todos os países evoluídos, em termos democráticos, pela democracia representativa. A democracia representativa é uma necessidade dos nossos tempos; justificou plenamente a sua existência e não vamos agora pôr tudo isso em causa com todas as consequências que daí poderiam derivar.
No fundo, isto significaria, não uma norma transitória, como se disse aqui, mas suspender pontualmente a Constituição relativamente a um facto isolado, o que, devo dizer, criaria um precedente da maior gravidade, uma vez que estava legitimado o referendo para fazer revisões constitucionais. Só que, em vez de se fazer isso genericamente, fazia-se pontualmente. Isto é, cada vez que houvesse um dispositivo que não agradava ao povo português ou que os partidos entendiam que não agradava ao povo português - porque os partidos também fazem a interpretação da vontade popular, mas não dão, ao que parece, aos outros o direito de o fazer - suspendia-se a Constituição, ou seja, agora durante três meses a Constituição não valia relativamente a esta matéria...
Era gravíssimo, porque a Constituição não é para ser suspensa em casos pontuais e a propósito disto ou daquilo!...
Assim, faço outro desafio: é sempre possível referendar o plano europeu. Aliás, como acaba de dizer o Sr. Presidente - e vou-vos lembrar que a alínea f) do artigo 164.° só põe em causa a aprovação das convenções e não a sua revogação. Na verdade, entrámos para a CEE sem referendo, aprovámos a alteração do Tratado sem referendo - ninguém o exigiu nessa altura! Se isso era assim uma exigência tão indeclinável do povo português, nenhum dos partidos nem dos políticos que agora se levantam a defender o referendo o fez.
Ora, no meu entender, na altura, é que se justificava o referendo, isto é, quando da nossa entrada na CEE! Porém, ainda está de pé a possibilidade de um referendo para sairmos. Tenham a coragem de propô-lo!
O Sr. João Amaral (PCP): - Nós temos a coragem de propor uma coisa mais pequenina!...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Está bem, mas eu estou a justificar a minha posição contra a vossa proposta. Tenho esse direito, como certamente calcula.
Portanto, nós votaremos isso se se entender que é constitucional; se se acha que estamos lá a mais. E cada um assume a responsabilidade pelas consequências! Por que não? Isso aí é que seria coerente! Aliás, há um facto curioso: é que os partidos que propõem um referendo sobre Maastricht são, por coincidência, os que não gostam do Tratado. Portanto, não me venham dizer que é por razões que não são políticas e que as razões políticas são só as nossas!...
Aliás, o Sr. Deputado António Filipe disse que não considerava que houvesse razões válidas. Bom, se cada um de nós se põe a ajuizar sobre a validade das razões dos outros, veremos que todas elas são válidas, pois todas têm direito ao respeito daqueles a quem se dirigem, pelo que tanto são válidas umas como outras e são tão políticas umas como as outras, como é óbvio!
Então não é política a vossa posição contra Maastricht? Claro que é! Claro que é uma posição política! E têm direito a que seja! Afinal o que é que há de extraordinário em que a vossa posição ou a nossa seja política?!
Portanto, Sr. Deputado Mário Tomé, não venha dizer que há aqui parti pris em relação ao referendo e que não tem sentido o argumento de que o referendo é inconstitucional... Claro que tem! É evidente que se o referendo não fosse constitucional era muito mais fácil, e por esta razão: quando nós votámos, e os senhores também, as objecções, as dificuldades e as restrições ao referendo, sabíamos o que estávamos a fazer. E não julguem - e desculpem-me dizê-lo com toda esta frontalidade - que foi alheio ao facto de termos na mente a própria Comunidade Europeia... É claro que sim! Assumamos a nossa responsabilidade! Na altura, se alguma coisa ponderou no nosso espírito foi a preocupação de que viesse a ser exigido um referendo sobre a nossa permanência na CEE! Mas para isso até ficou a porta aberta, pois permanecer lá está em aberto; se o povo português entender que devemos sair, nós respeitaremos essa vontade. Isto tem sentido!
Se dissessem que, por exemplo, entrámos mal, as coisas têm estado a correr mal, o Tratado de Maastricht deu um salto de corsa, e, nesse caso, vamos sair com todas as consequências, assumindo cada um as suas responsabilidades - e quando digo cada um refiro-me a cada eleitor, pois nessa altura deixaremos de ser nós a ter todas as responsabilidades... Acho muito bem isso! Mas também é preciso respeitar a posição daqueles que são contrários ao referendo, porque se há razões - e reconheço que elas existem - favoráveis à convocação de um referendo, também há razões, e muito ponderosas, contra ele. Por exemplo, fala-se da menoridade do povo português e pergunta-se por que razão é que, se houve referendo em França, na Dinamarca e na Irlanda, não há-de havê-lo em Portugal? Bem, mas ainda há nove países que não fizeram o referendo! Será que também o consideraram um estatuto de menoridade para os seus povos?
A maioria dos países da CEE, até este momento, não aceita o referendo, pelo que estamos em boa companhia. E não vamos pensar em que somos uns irresponsáveis, uns antidemocratas, uns indivíduos que não percebem que o povo é que deve ter todo o poder nestas matérias... Pelo contrário, entendemos, bem ou mal, que há matérias que podem e devem ser referendadas e que há outras que não convém que o sejam. É o nosso ponto de vista, pelo que peço que o respeitem como nós respeitamos o vosso. Estamos em discordância, mas não devemos partir do princípio de que somos antidemocratas e que democrata é só aquele que quer ouvir o povo e que o povo deve ser ouvido sempre que quer. O povo provavelmente, quereria ser ouvido sobre muitas outras matérias, como é óbvio, e toda a gente reconhece que há matérias sobre as quais não deve ouvir-se o povo em termos de consulta directa.
Srs. Deputados, desculpem esta ênfase, mas a verdade é que vejo colocar a questão em tais termos que até parece que não somos democratas e que aqueles que querem o referendo é que são.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, gostaria de tecer algumas considerações sobre as observações que o Sr. Deputado Almeida Santos proferiu relativamente à nossa proposta respeitante ao referendo obrigatório.
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Porém, antes disso, faria apenas uma pequena correcção: é que não são nove os países que ainda não fizeram o referendo mas, sim, oito, Sr. Deputado Almeida Santos, porque a Itália fez um referendo sobre esta matéria em 1989, precedido de uma revisão constitucional...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Eu referia-me ao Tratado de Maastricht!
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não é Maastricht, mas, no fundo, era o caminho para a União Europeia e foi referendado em 1989.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Nesse caso, Sr. Deputado, também a Noruega fez e não entrou para a CEE! E agora está a querer bater à porta!...
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não, Sr. Deputado, a Noruega fez um referendo para sair, e saiu! E agora parece que quer entrar!
Mas, Sr. Deputado Almeida Santos, a primeira questão que quero colocar-lhe é esta: nós estamos abertos à correcção da norma do referendo obrigatório, em termos que a possam melhorar e, em última análise, tendo aceite e respondido como respondemos à pergunta do Sr. Deputado João Amaral, também aceitamos que seja eliminada a nossa proposta do referendo obrigatório.
No entanto, consideramos que esta norma defende-nos de algumas interpretações menos favoráveis e de alguma possibilidade de questionar a fiabilidade de quem negocieia, questão esta que foi avançada pelo Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Deputado Almeida Santos perguntou o que era uma organização internacional. Esta foi a primeira objecção que colocou em relação às dificuldades técnicas da nossa formulação. Bom, a organização internacional será a mesma que aparece formulada na alínea j) do artigo 164.° da Constituição que está em vigor, onde se fala em organização internacional tout court, e pronto, nós utilizámos a mesma formulação.
Falou, ainda, o Sr. Deputado Almeida Santos nas competências do Estado Português. Quanto a este ponto diria que também o PS na proposta que apresentou, relativa ao n.° 5 do artigo 7.°, falou em convencionar o exercício em comum das competências necessárias à construção da União Europeia. Ora, eu entendo que aqui haverá, porventura, lugar a alguns melhoramentos, mas com um gravíssimo defeito, que foi já foi referido, Sr. Presidente, que é o seguinte: e depois de construída a União Europeia? Nunca mais tratamos do exercício em comum das. competências? Realmente, essa proposta poderá ter esse defeito...
Portanto, a formulação é esta, que, aliás, na altura, não levantou as mesmas dúvidas. No entanto, aceito - na sequência das observações que foram feitas pelos Srs. Deputados Almeida Santos, Jorge Lacão e José Magalhães - que pudéssemos introduzir aqui uma distinção entre exercício exclusivo expresso sob a forma de transferência de competência e exercício em comum, que ficaria fora dessa formulação, para distinguir os tratados que estariam ou não sujeitos a referendo obrigatório.
Quanto às dificuldades que o Sr. Deputado Almeida Santos colocou relativamente ao referendo obrigatório não vejo que elas sejam tão graves como isso e as objecções que colocou relativamente a este assunto e à limitação que se introduz quanto à Assembleia,... bom, trata-se apenas do referendo obrigatório introduzido no processo de aprovação e de ratificação de um tratado.
Disse também o Sr. Deputado Almeida Santos não aceitar que haja esta partilha nestes termos, que, tal como foram propostos pelo CDS, podem ser exagerados, porque um tratado nunca terá a importância da Constituição. Mas, Srs. Deputados, este Tratado tem a mesma importância que a Constituição, porque implica alterações à mesma, o que, aliás, serve, de certo modo, para responder ao Sr. Deputado Costa Andrade, dizendo que a fiabilidade de um governo que é capaz de negociar e assinar um tratado inconstitucional no seu país também é relativamente pequena, no entanto, vários o fizeram. Então, qual é a fiabilidade que podemos ter num Governo que não hesita em assinar um tratado inconstitucional?
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Muito bem!
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - E se agora a Assembleia da República se recusasse a rever a Constituição? A assinatura lá ia... para onde? Desaparecia! Não havia aprovação, não havia ratificação... É que a fiabilidade da assinatura é sempre uma fiabilidade de um processo que não está completo, pois há outros elementos: a aprovação, a ratificação e haverá um referendo obrigatório, que será mais um elemento do processo.
Quanto ao facto de todos VV. Exas. fazerem interpretações restritivas do artigo 118.°...
O Sr. Presidente: - Restritivas?!
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sim, sim! Porque VV. Exas. entendem, no fundo, que as limitações, que a exclusão feita no n.° 3 do artigo 118.° não é tão extensa como é. Mas, quando apresentámos a primeira proposta de revisão, ou seja, quando falámos do referendo pela primeira vez, VV. Ex." fizeram interpretações mais extensivas e chegaram mesmo a dizer que isso era inconstitucional, que era um crime de lesa-Constituição...
Bom, de qualquer forma, o que se exclui do âmbito do referendo são as matérias a que se refere o artigo 164.° Portanto, pergunto-me se a possibilidade de abandono da Comunidade não estará também afastada do tema do referendo...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não, não está!
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - ... pela formulação adoptada no artigo 118.° ou, então, se a matéria da integração europeia, como matéria que tem de ser objecto de uma convenção que está contemplada na alínea j) do artigo 164.° não estará também afastada pela norma constitucional? Por isso, entendemos que seria preferível, de acordo com o que disse o Sr. Deputado Almeida Santos, propor a revisão do artigo 118.°
Finalmente, gostaria de dizer que encontrei alguma contradição na intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos, ao dizer que ao propormos a revisão do artigo 118.° estávamos a ir longe demais. Admito, porventura, que em relação ao referendo obrigatório, possamos introduzir algumas correcções, mas, como disse - e com isso estou inteiramente de acordo consigo - seria muito mais grave suspender a aplicação da Constituição. Por isso, parece-nos que é mais grave propor uma norma específica apenas para este Tratado do que avançar para a correcção daquilo que no artigo 118.° nos impede de rever o Tratado. Parece-me que é preferível!
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Vou responder, muito brevemente, a uma citação que o Sr. Deputado Nogueira de Brito fez relativamente ao argumento que utilizei na minha intervenção quanto à fiabilidade.
Parece-me que é um argumento perfeitamente desmesurado e inadequado, uma vez que, devido à circunstância histórica de na nossa vida colectiva termos sido surpreendidos por mutações a negociações a nível internacional que não estavam previstas, tivemos necessidade de proceder à revisão da Constituição.
Portanto, neste acto parece ter havido uma certa álea e o risco sempre presente na possibilidade de a revisão da Constituição não se concretizar. É evidente que, no caso concreto, acabamos, em termos de experiência colectiva, por passar por uma experiência de risco e de álea, porque fizemos negociações internacionais sem à partida termos a certeza absoluta de que iríamos rever a Constituição no sentido de viabilizar a validação definitiva desses Tratados.
Mas, a partir daí e porque já houve uma situação desse tipo, querer criar uma estrutura, que é de risco e de álea, e mantê-la definitivamente é que me parece perfeitamente inadequado.
O Sr. Deputado Nogueira de Brito disse: "já tivemos uma experiência, então institucionalizamos agora a experiência do risco". E a experiência do risco é negociar determinados tratados tendo sempre sobre eles a espada de Demócles de um referendo obrigatório! Mesmo nas hipóteses em que o Presidente da República, o Governo e a Assembleia da República estejam de acordo com o tratado celebrado, em que vejam manifestamente a incoveniência do referendo, no entanto, o Sr. Deputado quer obrigatoriamente que para todos esses casos se efectue um referendo. A minha resposta é extremamente simples: a partir de uma situação que se terá vivido por impossibilidade de o legislador constituinte prever o desajustamento entre a evolução da situação institucional portuguesa e a Constituição, usar este argumento de que já se socorreu uma vez e criar-se agora um expediente de imprevisibilidade e de insegurança absoluta é que me parece inadequado.
O Sr. Presidente: - Quero também fazer algumas observações e começo por referir aquilo em que estou de acordo com o Sr. Deputado Nogueira de Brito. Por exemplo: quando diz que é completamente diferente introduzir uma dispensa de aplicação de uma norma num caso concreto ou alterar uma norma. E parece-me que é mais grave, do ponto de vista da estabilidade da Constituição, uma ruptura constitucional desse tipo do que uma alteração da Constituição, que é normal.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - É claro!
O Sr. Presidente: - Portanto, aí estamos inteiramente de acordo. E penso que os proponentes da norma de exclusão para um caso concreto não consideraram ou não quiseram atribuir uma ponderação suficiente a este problema, que toda a doutrina constitucional costuma sublinhar enfaticamente, que são as rupturas à Constituição por normas excepcionais.
Mas, deixando de parte esse aspecto com cujas observações do Sr. Deputado Nogueira de Brito estou de acordo, há alguns pontos com os quais não estou de acordo ou não entendi na sua argumentação. O primeiro ponto em que não estou de acordo é aquele que há pouco se referia o Sr. Deputado Costa Andrade. É evidente que se se olhar, por exemplo, para a experiência constitucional francesa, e até a propósito da integração europeia, verificará que houve vários casos em que se discutiu no Conselho Constitucional francês a admissibilidade de o Governo Francês ter assumido posições que poderiam ser incompatíveis com a Constituição. E isso acontece com alguma frequência. Há vários casos na vida internacional em que isso sucede e, devo dizer, que não têm necessariamente o cunho negativo e a gravidade que alguns de VV. Exas. pretenderam emprestar, porque em termos teóricos é sempre concebível tratar-se de uma negociação sob condição e, em termos práticos, isso acontece justamente quando existem negociações prolongadas com evoluções que estão, digamos, a decorrer, que são importantes e que vão ser oportunamente discutidas nos respectivos países. E, como digo, essa é uma situação relativamente conhecida.
Agora, na realidade, que faz o CDS? Ao introduzir uma norma que impõe um silogismo em "barbara", inteiramente vinculativo, exigindo sempre que se verifique um determinado pressuposto, que é "a aprovação de tratados que comportem a atribuição a uma organização internacional de exercício da competência do Estado Português", necessariamente se realize um referendo, isto significa, como dizia o Sr. Deputado Costa Andrade, introduzir um aspecto em que a condição é permanente e enfraquece de uma forma notável os termos em que é possível a negociação internacional. Parece-me que nem sequer seria necessário, para aquilo que o CDS pretende, introduzir uma norma deste tipo. Que eu suponho ser uma norma perfeitamente original em termos de direito constitucional, pelo menos nos Estados europeus. E é, a meu ver, desmesurada em relação aos propósitos que o CDS pretende.
E depois, com esta agravante, e é aí que queria voltar a discutir esse problema Diz V. Exa. que "a previsão da norma é perfeitamente clara"; não é! Não é, porque não basta a remissão que V. Exa. faz para a utilização da expressão "organização internacional" no artigo 164.° É que a seguir acrescenta-lhe a questão que é complicada e que introduz a diferença específica, quando refere: "que comportem a atribuição a organização internacional de exercício da competência do Estado Português". O GATT comporta essa atribuição de competência ou não? Se Portugal eventualmente não estivesse no GATT e quisesse integrar-se no GATT...
O Sr. José Magalhães (PS): - Essa é uma questão à qual o CDS não responde!
O Sr. Presidente: - ... comportaria ou não? E a distinção que V. Exa. estabelece não a compreendi bem (entre o compartilhar e o transferir). Porque todas as organizações internacionais, de algum modo, envolvem uma transferência ou uma partilha de competências ou de poderes - que é uma expressão que prefiro - inevitavelmente. E, portanto, introduz uma álea na fixação da previsão da norma que é extremamente perigosa. V. Exa. dirá: "mas pode melhorar-se!" Pode, mas está muito articulado a esta ideia do tal silogismo em "barbara" e em termos imperativos de, se verificada uma determinada previsão, necessariamente, sem qualquer juízo de discricionariedade, automática e vinculadamente se ter que disparar a estatuição da norma do referendo. Isso é que francamente me parece não ser algo que convenha a uma norma deste tipo. Exclui o juízo, a apreciação discricionária, política, do Presidente da República, exclui a apreciação discricionária da Assembleia
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da República, portanto, obriga a alguma subsunção que até o próprio Tribunal Constitucional pode apreciar. E, em rigor, até os tribunais ordinários podem suscitar o problema da constitucionalidade, porque dir-se-á: "houve aqui uma norma que não foi cumprida neste ou naquele tratado". Parece-me que é ir muito longe em relação àquilo que se pretende e é manifestamente, do ponto de vista da técnica legislativa constitucional, bastante defeituoso.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, vou referir-me a várias considerações que na altura me foram feitas por V. Exa. e pelo Sr. Deputado Almeida Santos relativas à minha intervenção.
Em primeiro lugar, colocou o Sr. Presidente uma questão sobre a nossa proposta face a posteriores alterações a este Tratado. Creio que fomos cautelosos a esse respeito ao propor que as exclusões de âmbito previstas no artigo 118.° não sejam aplicáveis a um referendo que venha a ser decidido, nos demais termos constitucionais e legais sobre alterações aos tratados das Comunidades. Isto é, não nos vinculámos ao Tratado assinado em 7 de Fevereiro em Maastricht. Referimo-nos obviamente a este processo, ao processo de ratificação de alterações aos tratados das Comunidades e aos tratados em vigor, visando a instituição de uma União Europeia. Aliás, é sabido como o tratado assinado a 7 de Fevereiro em Maastricht está posto em causa, na medida em que subsiste a recusa de um dos Estados membros em ratificá-lo.
Portanto, esta nossa disposição poderá não ser referida a esse tratado em concreto, mas a alterações ou revisões que ele possa vir a ter.
Assim, creio que adoptámos uma formulação suficientemente válida para abranger este processo independentemente daquela assinatura concreta. Está em causa o processo e não tanto aquele instrumento em concreto. Creio que é claro de qualquer forma qual é o âmbito da disposição que queremos propor.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, permita-me que o interrompa, para tentar compreender perfeitamente.
O Sr. António Filipe (PCP): - Faça favor, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - É evidente que a defesa que faz não se aplica ao projecto do PSN porque esse refere-se claramente ao Tratado. Mas, isso significa que a proposta do PCP abre um canal, digamos assim, em relação a tudo aquilo que sejam as alterações com vista à União Europeia, sejam alterações a estes tratados, seja um tratado novo que acrescente coisas. A ideia basicamente é, em última análise, no que respeita à União Europeia haver a hipótese de submeter a referendo esses tratados?
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, creio que o que está em causa está respondido pela prática. Neste momento o que está em causa é a ratificação do Tratado da União Europeia. Todos nós sabemos que esse Tratado tem sofrido vicissitudes no seu processo de ratificação. Aliás, poder-se-á perguntar inclusivamente que sentido faz esta revisão constitucional depois do referendo da Dinamarca.
O Sr. Presidente: - Desculpe a interrupção Sr. Deputado. O que quero saber é isto: independentemente da maneira como está formulada, a vossa ideia é que tudo aquilo que diga respeito à União Europeia, à integração europeia e que seja objecto de tratados fica sujeito a referendo?
O Sr. João Amaral (PCP): - Não! Sr. Presidente, permito-me esclarecer esse ponto.
É a instituição da União Europeia que está em questão. Isto não é um exame, evidentemente! Trata-se de algumas perguntas que está a colocar tendentes a esclarecer a questão. Mas, respondendo claramente, é aquilo que está escrito na norma: a instituição da União Europeia. Evidentemente que está em questão saber qual é que é o tratado que a vai instituir, se haverá esse tratado nomeadamente! Visto que o Tratado assinado em 7 de Fevereiro em Maastricht está posto em questão pela recusa da Dinamarca em o ratificar. Pode suceder uma coisa como esta - que exista um processo de renegociação e que o Tratado seja alterado. Isto é, que o documento que a termo vá vigorar, se algum dia vigorasse, fosse diferente deste.
Ora, o que propomos que seja submetido a referendo é aquilo que for o tratado que institui a União Europeia. A União Europeia está qualificada perfeitamente nos artigos A, B e C do Tratado assinado em Maastricht, que provavelmente são aquilo que configura o núcleo essencial da instituição da União Europeia.
Portanto, não está aberta com esta proposta a possibilidade de depois de feito esse referendo, depois de - se isso sucedesse - ser criada a União Europeia e Portugal se integrar nela, de ficar aberta a porta para fazer sucessivos referendos sobre todas as outras questões. Se é essa a pergunta...
O Sr. Presidente: - É!
O Sr. João Amaral (PCP): - ... a resposta é claramente não. A resposta é, com clareza, não.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, a minha pergunta é dirigida ao PCP, não sei se ao Sr. Deputado António Filipe, se. ao Sr. Deputado João Amaral, mas não resisto à curiosidade de perguntar o seguinte, tendo em vista a posição que o PCP assumiu no Plenário da Assembleia da República, aquando da apreciação do primeiro projecto de resolução do CDS para a abertura do período extraordinário de revisão constitucional. Permitam-me que a passe a citar o PCP: "O projecto de resolução apresentado pelo CDS, apesar de não limitado o seu objecto, já que a Constituição não o permite, é justificado pelos seus proponentes pela exclusiva necessidade de alterar o artigo 118.° da Constituição e por isso, na opinião do PCP, é inaceitável. Directa ou indirectamente, a possibilidade do referendo, tal como o configura o CDS, irá desembocar num referendo sobre matéria constitucional. Essa possibilidade foi expressamente afastada no processo de revisão constitucional de 1989 pelos perigos que comporta e pela preversão plebiscitaria que permite." A pergunta que, inevitavelmente, tem de se fazer ao PCP é saber se os perigos a que se refere já não têm nada que ver com este referendo em concreto para aprovação do Tratado de Maastricht e se a preversão plebiscitaria que permite já é matéria completamente diversa das implicações constitucionais no caso do referendo sobre o Tratado de Maastricht.
Ou seja, como é evidente em face da contradição do PCP entre a posição assumida no Plenário e aquilo que está a dizer hoje, em sede de Comissão, o que importa perceber é o que é que fez o PCP mudar radicalmente de ponto de vista, porque é ao PCP que cabe justificar-se pela sua mudança de posição, e isso verdadeiramente ainda não fez.
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O Sr. João Amaral (PCP): - Quero só dizer que essa pergunta não é dirigida ao PCP mas a mim, pelo que seria mais interessante da sua parte dizer que leu uma citação de uma intervenção que produzi no Plenário. Não tenho qualquer problema em assumir isso e a si, Sr. Deputado, ficava-lhe bem ter essa franqueza.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Não me vai dizer que não foi em nome do PCP que a fez?!
O Sr. João Amaral (PCP): - Não, o que lhe digo é que lhe ficava bem a franqueza de dizer "O senhor leu ou disse isto no Plenário!"
Devo dizer que a questão que aqui se coloca não é a explicar por que é que o PCP evoluiu na sua posição. O PCP não só assume que evoluiu, como explica com clareza que de uma posição inicial de resistência ao referendo, com base em considerações que expressei no Plenário, passou a entender que, face à situação concreta deste Tratado e às suas implicações e às questões que ele levanta, este referendo se justificava.
O PCP acaba de justificar a sua posição e, agora, o que importa é apreciar a proposta que o PCP apresenta, a proposta que apresenta o Deputado Mário Tomé, o PSN ou, noutro quadro, a proposta que o CDS apresenta.
E por que é que a questão do Tratado da União Europeia é particularmente relevante?
Creio que não vale a pena estar a iludir uma questão que é central. Não há repetição, não há via aberta, não há tratados destes a esmo! Este Tratado da União Europeia é um exemplar único nas opções que o País pode fazer. Devo dizer que, em minha opinião, a questão é excessivamente séria para em tomo dela fazermos umas brincadeiras como a que Sr. Deputado acabou de fazer.
Na realidade, a questão que aqui se coloca é esta a União Europeia, tal como está configurada no Tratado de Maastricht, representa uma efectiva alteração qualitativa das Comunidades no sentido, que é claramente assumido, embora não esteja dito expressamente em palavras, mas está no conteúdo, de uma via federal. Ora, não se sai das federações com essa facilidade. Isto é, quando se segue um processo desses, a saída não é uma opção fácil. Trata-se, portanto, de um caminho que a ser tomado pelo País, nesta altura da sua vida, tem implicações futuras que não podem ser resolvidas com facilidade. Quero recordar, por exemplo, o que se passa com outras estruturas de natureza semelhante àquela para que a Comunidade ou os Estados pretendem evoluir, ou seja as estruturas do Centro e do Leste da Europa, onde os processos de desagregação de uniões e de estados federais são extremamente dolorosos e provocam custos altíssimos na situação dos povos e, muitas vezes, são pagos penosamente em termos até de conflitos armados.
Ora, tudo isto só para dizer que as opções que estão contidas no Tratado são de um alcance tal que não é admissível que não haja um debate muito profundo, uma discussão muito ampla e um conhecimento muito detalhado de todas as implicações das decisões que se vão tomar. Assim, a proposta que apresentamos tem subjacente esta ideia, ou seja, a de provocar um grande debate nacional que encerre com a tomada de uma decisão.
Há pouco, o Sr. Deputado Almeida Santos colocava uma questão muito pertinente que era a de saber se isso não seria uma menorização da Assembleia, dos Deputados e da democracia representativa.
Não vou dizer, sequer, que esta Assembleia não tem mandato para isso, porque na altura em que se realizaram as eleições o Tratado ainda não existia, mas quero dizer que, em relação a esta matéria e em face do que se passa na Europa, já ficou demonstrado que existe um divórcio entre as posições que os políticos têm assumido e aquilo que os povos sentem. Trata-se, de facto, de uma realidade tão evidente que urge resolvê-la. Claro que podemos falar longamente em torno de questões técnicas, mas a questão política que está aqui subjacente é esta.
Então, primeiro, vamos entender-nos sobre a questão política a este nível, isto é, vamos ver se consideramos ou não necessário que um passo desta natureza e com este alcance envolva todo o povo português e, nomeadamente, implique uma decisão dele. E não se venha dizer que a solução para este problema era propor um referendo para sairmos da Comunidade, porque esse é um jogo de palavras, Sr. Deputado Almeida Santos. Não é isso que está em causa. O referendo que propomos responde a uma situação concreta: a que desenha o calendário político que está traçado. Ora, não está traçado, nem ninguém propôs a saída da Comunidade. O que está traçado e proposto é que se institua uma União Europeia com certas características. Portanto, é isso que está no calendário político e é sobre isso que deve incidir a nossa discussão. Logo, é nesse quadro que esta proposta surge.
Quero, desde já, salientar que não ousaria nunca dizer que uns são mais ou menos democráticos, nem é essa a questão! Agora, também não se pode dizer que é curioso que os partidos que propõem o referendo são os que estão contra Maastricht, porque também posso dizer que os que se opõem ao referendo são os que estão a favor de Maastricht.
É evidente que, na realidade, quem quer sustentar Maastricht quer evitar essa consulta, mas a questão que se coloca é a de saber até que ponto respondemos perante o povo português por uma decisão com este alcance. A este propósito, quero só recordar que, há escassos meses, o nível de ignorância em tomo desta questão levou os dois dirigentes dos dois maiores partidos a dizerem que não era necessário fazer a revisão constitucional e 15 dias depois disseram o contrário. E refiro isto já para não falar de muitas outras coisas que, enfim, só a partir do referendo da Dinamarca, de alguma maneira, vieram à luz do dia, apesar de terem sido feitas insistentes chamadas de atenção em relação a muitas situações que existiam, mas que só encontraram eco a partir da tomada de posição de um povo. Lembro que, na altura, o que se disse acerca da Dinamarca foi perfeitamente absurdo. Por exemplo, o Ministro dos Negócios Estrangeiros disse claramente que não era admissível que quaisquer 2 milhões de cidadãos pusessem em questão o que os outros 340 milhões queriam, o que é, em minha opinião, completamente absurdo, visto ser a negação mais elementar de uma postura democrática. Não estou a acusar o Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros de não ser democrata, o que quero dizer é que se trata de uma postura não democrática. Diria mais: é uma postura típica do estilo e do modelo que subjaz ao Tratado de Maastricht.
É só isto que tenho a dizer para explicar por que é que evoluímos na posição.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe para concluir a sua intervenção.
O Sr. António Filipe (PCP): - Sr. Presidente, termino abordando apenas algumas questões suscitadas.
No que toca à questão já referida pelo Sr. Deputado João Amaral, a de uma suposta menoridade da Assembleia da República quando se propõe o referendo, creio que nem do
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ponto de vista formal isso acontece, na medida em que o que propomos é que, neste momento, a Assembleia, através de uma maioria qualificada de dois terços, use as suas competências para viabilizar, em sede de revisão constitucional, a possibilidade de realização de um referendo. Isto é, que por maioria de dois terços viabilize que a Assembleia da República, mais uma vez no uso das suas competências, possa decidir por maioria propor ao Presidente da República a realização de um referendo sobre o Tratado da União Europeia. Ou seja, estamos a propor que a Assembleia use competências que actualmente não tem e que, em sede de revisão constitucional, lhe sejam atribuídas. Ora, creio que não se pode dizer que estamos a propor um estatuto de menoridade para a Assembleia.
Por outro lado, penso que também não estamos, de forma alguma, a propor que se suspenda a Constituição. E também é claro que propomos que o referendo seja viabilizado no estrito respeito pelas demais disposições constitucionais e legais, mas estamos é a reconhecer a excepcionalidade da situação decorrente da ratificação do Tratado. E essa excepcionalidade é tão reconhecida porquanto, nos 16 anos de vigência da Constituição da República, é a primeira vez que alguém suscita um processo extraordinário de revisão constitucional.
Além disso, quando eu disse que não via razões válidas para uma posição contrária ao referendo, disse menos do que isso, disse apenas que não via razões válidas do ponto de vista jurídico-constitucional. E, de facto, essas não foram apontadas. Agora, evidentemente, existirão razões políticas válidas para quem as defende, que são razões tão políticas como as nossas, pois assumimos claramente que a nossa opção pelo referendo é uma proposta política, que corresponde a um imperativo e também à vontade da grande maioria do povo português de que seja realizado um referendo sobre esta matéria. Logo, as posições contrárias ao referendo são tão políticas como as posições que o defendem, assim como são políticas as posições que estão contra ou a favor da ratificação do Tratado. Deste modo, entendo que não está em causa a qualidade de democrata de quem defende uma ou a outra posição, mas que uma posição contrária ao referendo é extremamente discutível, até porque estou convencido de que a maioria do povo português também não compreende essa posição.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Mário Tomé.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Em primeiro lugar, gostaria de dizer ao Sr. Deputado Almeida Santos que falámos em dois níveis diferentes, pois tudo o que eu disse foi no sentido de ser tida em consideração a democracia representativa e o papel da Assembleia da República, que nunca pus em causa. Far-me-ão a justiça de admitir que defendo o referendo defendendo o "não" a Maastricht, como defenderia o referendo se defendesse o "sim" a Maastricht. Digo isto com a maior clareza, a maior convicção e o maior empenho.
Mas, de facto, o que se está a passar deve servir para nos alertar, e quando falei em Bizâncio, não queria cometer uma "bizantinice". Isto é, em meu entender, o direito cristaliza as aquisições dos povos, da história, etc., mas nunca fez andar a história.
Ora, entendo que o espectro da democracia percorre, neste momento, a Europa. É uma realidade, as pessoas querem a democracia representativa e não a estão a pôr em causa, mas querem ser informadas perante uma situação destas em que se vai dar um passo que não se sabe bem onde é que vai parar. Fala-se da democracia partilhada, mas trata-se de uma partilha pontuada, em que nós temos uma pontuação e os outros têm outra. Mas que raio de partilha é esta?!
Bem, não está nada disto em causa, o que está em causa é que onde houve referendo, onde houve discussão, cresceram nas pessoas as opiniões favoráveis ao "não". Porquê? Porque o "sim" que lhes era ministrado pelos maiores dirigentes políticos não estava a servir. Ora, esta situação deverá alertar-nos, pelo que mesmo que eu defenda o "sim" tenho de ver o que é que se passa na realidade.
Em França, Giscard d'Estaing, Raymond Barr, Mitterrand, Chirac e todos os representantes de grandes partidos dizem "sim" a Maastricht e o "não" ficou, em termos percentuais, a um ponto e tal do "sim"!...
Por outro lado, na Dinamarca, até as centrais sindicais disseram que "sim", que o Tratado de Maastricht era bom, mas o povo disse "não".
Ora, independentemente da posição política, do "sim" ou do "não", será que isto não tem de nos fazer reflectir em relação à responsabilidade política da imposição, mesmo que democraticamente sustentada na democracia representativa, de um fenómeno novo que está a percorrer a Europa? Isto porque nós não estamos no Mundo de há três anos. Primeiro aconteceu no Leste e, agora, na Europa, também há exigências novas, dado que o Mundo está em transformação.
Alguém se lembraria, antigamente, que um Presidente da República fosse para a "rua", da forma como aconteceu agora no Brasil? Ninguém se lembraria, pois isso era impensável.
Em relação à questão de Richard Nixon, por exemplo, parece-me que era um pouco difícil imaginar toda aquela mobilização de milhões de pessoas que quiseram dar a sua palavra e que impuseram ao Congresso que fosse evoluindo.
Assim, arriscaria a colocar-me na humilde posição - que é sempre humilde, como é evidente - de dizer que todos devemos ter a humildade de atender a estes fenómenos que se estão a verificar, porque o futuro tem de ser preparado muito cautelosamente.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, quero só tecer, muito sucintamente, duas considerações sobre a resposta do Sr. Deputado João Amaral àquilo que eu disse e também sobre o que disseram os Srs. Deputados António Filipe e Mário Tomé.
O Deputado João Amaral referiu que o Tratado de Maastricht é um exemplar único. Ora, não sei porque é que ele tenha de ser um exemplar único, o que sei é que está previsto que, a seguir à união económica e monetária, haverá outros tratados a prever a união política e talvez um segundo tratado a corrigir este sobre a união económica e monetária ou a agravá-lo, do ponto de vista em que o Sr. Deputado o considera um desastre.
Não há nada que diga que não são n os tratados necessários para a construção da Europa, pelo que é difícil compreender que se faça uma proposta com aplicação exclusiva ao Tratado de Maastricht.
Por outro lado, o Sr. Deputado João Amaral veio dizer "Estejam tranquilos, porque só se aplica a este!". No entanto, não sei se só se aplica a este, uma vez que as coisas valem independentemente da interpretação dos seus autores. Por exemplo, diz aqui na proposta do PCP que "não são aplicáveis a um referendo", mas a expressão "um referendo". em bom português, pode entender-se como o género e não
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como a espécie. Depois estabelece-se que "venha a ser decidido [...] sobre alterações aos Tratados" e quando se refere a expressão "alterações" não se pode dizer que são estas mas, isso sim, quaisquer alterações, ou seja, n alterações - as que vierem a ser necessárias para o tratado que estabeleça a união política e as que se revelem necessárias para o próprio tratado que estabelece a união económica e monetária.
Assim, quando se diz "um referendo" será que estaremos perante a espécie e não o género? É que sabemos que a língua portuguesa permite as duas situações e sobretudo quando se utiliza a seguir a expressão "alterações".
Quero, pois, dizer-lhe que o seu esclarecimento foi muito útil mas não me tranquiliza inteiramente.
O Sr. João Amaral (PCP): - Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Por outro lado, Sr. Deputado, na lógica da vossa posição estaríamos face à normalidade do referendo e não à sua excepcionalidade. E isto porque os argumentos que apresentam, de que devemos perguntar ao povo sempre que se trate de coisas fundamentais, sobretudo em matéria de construção da Europa - posição que, aliás, respeito -, não conduzem à pontualidade do referendo.
Sendo assim, excluindo a parte obrigatória, como é óbvio, do referendo imperativo em todos os casos, tem mais lógica a posição do CDS.
Não há dúvida nenhuma de que a vossa lógica conduzia a outro resultado, pois se é em nome do povo, em nome do vento que varre a Europa e em nome da novidade que vai por essa Europa, onde o povo exige na rua que se faça assim ou "assado", então a conclusão terá de ser outra, ou seja, não a da excepcionalidade ou a da pontualidade, mas, sim, a da normalidade dos referendos.
Ora, não sei se os meus amigos estão dispostos a assumir essa posição, uma vez que não a assumiram em momentos anteriores. Por exemplo, quando aqui debatemos o problema da revisão constitucional e da consagração do referendo, lembro-me de que as restrições consagradas foram muito para além da proposta do meu partido.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Muito, muito!
O Sr. Almeida Santos (PS): - Como andávamos um pouco nessa linha, concordámos também com mais restrições mas, no entanto, não fomos nós que as propusemos para além da nossa proposta. Elas vieram de algum lado, mas não vou agora lembrar de onde.
Em determinado momento, o Deputado João Amaral pôs em causa a questão da saída, perguntando se isso seria uma coisa fácil. Bom, devo dizer-lhe que não vejo dificuldade nenhuma, pois não me parece que o Tratado de Maastricht proíba a saída, o mesmo acontecendo com o Tratado de Roma. E, sinceramente, nem podia proibir, a menos que estabelecesse o seguinte: "se sair, é invadido no dia seguinte pelos exércitos dos restantes Estados da Comunidade". Ora, é claro que nunca poderia dizer isso e é evidente que não o diz.
Por outro lado, se a saída não é fácil, e reconheço que não, a entrada também não o foi. O que não aceito, e o Deputado João Amaral tem de o reconhecer, é que se diga que o que está em causa não é a saída, pois pode ser. E isto porque nenhum de vocês pode antecipar a resposta do povo, como ninguém pôde antecipar a resposta da Dinamarca, apesar das últimas sondagens darem a maioria ao "sim", e como ninguém pôde antecipar a resposta da França, apesar de os resultados serem divergentes em termos de sondagens.
O Sr. João Amaral (PCP): - Só que a resposta da Dinamarca não é de saída, não é uma resposta para sair.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Ninguém pode garantir que a resposta seria "sim" e, até digo mais, é necessário que tenhamos a honestidade de reconhecer que poderia ser "não". Bastaria essa possibilidade para termos de considerar a saída.
Se a resposta fosse "não", o que é que isso significava? A nossa saída da Comunidade, a menos que fizéssemos o que a Dinamarca está a tentar fazer, ou seja, encontrar uma conversão, suficientemente airosa, do "não" em "sim" para corrigir a resposta popular. Ora, é muito pior fazer-lhe a pergunta e depois não respeitar a resposta.
Queria ainda referir que um dos defeitos que encontro no referendo, embora lhe encontre também muitas virtudes, é exactamente o risco do apelo à emoção sobre o apelo à razão. E porque reconheço que o discurso de "não" é muito mais apelativo do que o discurso do "sim", pois faz apelo à memória, à história e aos sentimentos mais respeitáveis, admito que as pessoas tenham uma resposta maioritariamente emocional e só em parte racional. Admito isso e faço-o com a maior honestidade, pelo que não garantiria que a resposta em Portugal seria um "sim", estando em causa, nesse caso, a saída da CEE ou, pelo menos, esse risco.
O Deputado João Amaral referiu ainda que o Tratado de Maastricht aponta para uma solução federativa ou federal. Pela minha parte, sinceramente, não vejo em quê. Concordo que há no Tratado de Maastricht o fermento de um princípio federal, mas teria sempre de haver, pois não há uniões sem um princípio federativo. O que não aceito é que o Tratado de Maastricht vincule a uma solução federativa, pois isso não se verifica, com certeza. No mínimo, o Tratado de Maastricht contém uma solução confederativa, mas, isso, vocês tem de admitir, pois já não é tão grave do vosso ponto de vista, ou mesmo uma solução unionista que terá a extensão que os próprios tratados lhe ditarem.
Assim, não me venham dizer que o Tratado de Maastricht adeja já com o fantasma da federação, que é afastado antes mesmo de existir.
O Sr. Deputado António Filipe, por seu lado, veio também com o problema da excepcionalidade da ratificação do Tratado de Maastricht. Mas excepcionalidade, porquê? Amanhã podem verificar-se alterações ao Tratado de Maastricht, no sentido de reforçar os seus erros ou de os corrigir, e, dentro de alguns anos, podemos ter de enfrentar o tratado da união política - e espero que se enfrente -, que, esse, sim, vai colocar a questão de ser federativo, confederativo, unionista ou associativista. Mas, enfim, veremos depois.
O Deputado Mário Tomé disse que defenderia o referendo, mesmo que não estivesse em causa o Tratado de Maastricht.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Mesmo que dissesse "sim" ao Tratado de Maastricht.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Ah, mesmo que dissesse "sim"! Muito bem! Mas aí, o Sr. Deputado também mudou um bocadinho, é claro.
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O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Em quê?
O Sr. Almeida Santos (PS): - Historicamente!
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Não, Sr. Deputado, porque quando se colocou a questão da Comunidade Europeia nós propusemos o referendo. Não tínhamos era força política.
O Sr. Almeida Santos (PS): -Depois, o Sr. Deputado Mário Tomé fala numa partilha pontuada e, em parte, isso é verdade. No entanto, não esqueça a segura dezena de casos em que se exige a unanimidade. E, por outro lado, nada nos diz que o reforço vá ser mais no sentido de se prescindir da unanimidade do que de a exigir.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr. Deputado, a essência não está aí!...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sim, mas nos casos em que se exige a unanimidade temos de reconhecer que, apesar de tudo, um país com o peso populacional e económico que tem o nosso, tem um voto igual ao da Alemanha e ao da França, pelo que aí temos ganho de causa.
Por outro lado, o Sr. Deputado Mário Tomé afirmou: "Será que o 'não' da Dinamarca não tem de nos fazer reflectir?" De facto, parece-me que tem toda a razão. O "não" da Dinamarca tem de nos fazer reflectir mas também tem de fazer reflectir a própria Dinamarca. Aliás, acho que a Dinamarca está a reflectir o seu próprio "não" muito mais do que nós.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - Sr Deputado, desculpe. Quando digo que não nos deve fazer reflectir não é...
O Sr. Almeida Santos (PS): - Não, não. O Sr. Deputado disse que deve e acho muito bem.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - ... por eles terem dito "não" mas, sim, por todas as instituições políticas, sindicais, etc., terem dito "sim". Ora, isto significa que há aqui uma contradição muito profunda.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Mas não há! O que acontece é que o Sr. Deputado vai da parte para o todo, porque se quiser considerar a questão em termos da maioria de países, eles são necessariamente desfavoráveis ao referendo. Por outro lado, se quiser considerar os países que consultaram o povo, a resposta é "sim" em dois casos e é "não" apenas num.
O Sr. Mário Tomé (Indep.): - A Inglaterra, agora, está nos 68%, Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Era só isto que queria dizer, não fossem os Srs. Deputados pensar que eu não tinha valorizado devidamente os vossos argumentos, pois tenho por eles o máximo respeito.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos tentar evitar, embora, muitas vezes, seja útil, a forma dialógica directa como os debates estão agora a processar-se.
Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, queria fazer mais alguns comentários, pois o Sr. Deputado Costa Andrade está ansioso pela minha resposta, que darei com muita satisfação.
Em primeiro lugar, e vou voltar atrás, porque já o devia ter feito, quero sublinhar um aspecto importante, ou seja, a aquisição para a causa do referendo da opinião aqui manifestada pelo Sr. Deputado Costa Andrade no sentido de que as objecções que, porventura, faça nesta oportunidade não significam que o PSD não vá voltar a bater-se pelo referendo na próxima revisão constitucional. Isso já não é mau e cá o registamos. Estávamos um pouco preocupados, mas agora, de facto, já estamos menos.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado, desculpe. Posso interromper, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado, isso é um pouco dúbio. Não significa que não vá, mas será que significa que vai?
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Bom, realmente, ainda não temos a certeza se vai, Sr. Deputado Almeida Santos, e é isso mesmo que significa. De qualquer forma, queremos registar este pequeno passo.
O Sr. Deputado Costa Andrade falou muito no risco e o Sr. Deputado Rui Machete, por seu lado, falou na negociação condicional e na assinatura condicional, que é algo que acontece efectivamente em todos os tratados, uma vez que todos os países têm um processo de aprovação e ratificação por órgãos diferentes. Ora, no referendo obrigatório que introduzimos na redacção do n.° 3 do artigo 118.°, e volto a insistir, o que há é mais um passo, mais um elemento de risco.
Por outro lado, quero referir que acho curiosa a evolução de certas argumentações sobre esta matéria.
Inicialmente, o que se dizia contra o referendo é que não havia risco nenhum, isto é, o referendo era desnecessário, porque a coincidência entre a forma como se estava a exercer o mandato popular e a opinião que o povo iria manifestar em matéria de referendo era total. Aliás, até tinha havido um mandato nesta matéria, pois perguntou-se ao povo português e aos cidadãos eleitores se concordavam com o aprofundamento e eles disseram que sim, que concordavam. Daí veio, de certeza, o Tratado de Maastricht e por aí fora!... Portanto, se já haviam concordado, já estava resolvido o problema.
Actualmente, já não se diz a mesma coisa. O que se diz agora é que o referendo é um risco, apontando-se, assim, para a enorme frequência em que se verifica uma falta de coincidência entre a forma como se exerce o mandato e a vontade efectiva do povo português em relação a vários temas. E, designadamente nesta matéria das convenções internacionais, isso pode levar-nos a situações de profunda alteração na própria postura do Estado Português. É aqui que o Sr. Deputado reconhece que há risco, e aliás tanto o PSD como o PS falam com muita frequência no perigo do risco.
Ora, eu julguei que estavam convencidos de que não haveria qualquer risco e, como tal, não valia a pena perder tempo. E não valia a pena perder tempo porque estávamos sintonizados, mas, afinal, não estamos sintonizados. Trata-se de um risco que pode, realmente, invalidar a assinatura.
Portanto, isto significa uma evolução que, afinal, todos os partidos, menos o CDS, fizeram, uns em termos de argumentação e outros em termos de posição.
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Devo dizer que, em relação ao PCP, só tenho de me congratular, porque tanto este partido como a UDP, pela voz do Sr Deputado Mário Tomé, resolveram uma contradição gravíssima que tinham, que era esta: tinham muitas dúvidas em relação ao Tratado de Maastricht, mas tinham ainda maiores dúvidas em relação ao referendo e isto dava-lhes um resultado terrível e muito mau. Resolveram essas dúvidas com uma norma específica e transitória.
É com isso que me congratulo, porque se trata de um pequeno passo. Agora, porventura, tê-las-ão resolvido de uma maneira mais completa, porque quem ouviu, no outro dia, o Sr. Dr. Álvaro Cunhal ficou a saber que o PCP vai mesmo caminhar para grandes evoluções nesta matéria da democracia de participação directa.
Só lenho de me congratular com isso.
O Sr. João Amaral (PCP): - Ficou completamente fascinado, Sr. Deputado!
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não, não fiquei fascinado! Ouvi e realmente achei curioso.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - O Sr. Deputado Rui Macheie vem agora argumentar - embora eu reconheça que da presidência têm vindo algumas posições muito esclarecedoras cm matéria do alcance exacto da revisão constitucional, que agradeço - contra o referendo obrigatório, dizendo que se trata de uma barbaridade, que não existe em termos de direito comparado e que não existe em parte alguma.
Sr. Deputado Rui Machete, em termos práticos, que distinção faremos entre a consagração por norma de natureza constitucional e a consagração por norma consuetudinária constitucional que leva certos países a referendarem, necessariamente, todos os actos relativos à Comunidade? É o caso da Dinamarca, que referendou todos os tratados que celebrou desde a adesão, que fez em simultâneo com a Inglaterra, ou mesmo o caso desta, que também referendou a adesão desde o Acto Único ao Tratado de Maastricht, ou ainda o caso da Noruega, que, efectivamente, referendou a entrada e, depois, a saída.
O Sr. José Magalhães (PS): - É a tradição!
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - É evidente, é o que digo! É o costume, é uma norma! Não é estranho!... É claro que, quanto aos termos como cansagramos...
O Sr. José Magalhães (PS): - E é constitucional?
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Constitucional? Então não há constituições não escritas, Sr. Deputado José Magalhães?!...
O Sr. José Magalhães (PS): - Estava a ouvir atentamente o Sr. Deputado Nogueira de Brito, quando, subitamente, ele referiu a existência de um costume constitucional que teria levado à convocação do referendo dinamarquês. Sr. Deputado, toda a gente sabe que o referendo dinamarquês resultou do facto da maioria dos votos dos Deputados da Câmara não ser a bastante para a consagração da ratificação, sendo, nesse caso, necessário constitucionalmente a realização do referendo.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não, não!
O Sr. José Magalhães (PS): - Trata-se de uma questão de direito dinamarquês. Mas, como V. Exa. estava a aludir a um sentido constitucional, num sentido cultural geral, se eu bem percebi...
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Oh, Sr. Deputado...
O Sr. José Magalhães (PS): - Compreenda! Eu nem sequer queria intervir neste debate, mas a sua imprecisão é excessiva, apesar de tudo.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado José Magalhães, as dúvidas que V. Ex.a tem já nós as esclarecemos.
Sr. Deputado Rui Machete, no que se refere aos termos em que nós consagramos o referendo obrigatório, admito que possa haver melhoramentos a introduzir no texto que apresentámos.
O Sr. José Magalhães (PS): - Ah!
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado José Magalhães, não manifeste essa congratulação agora, porque já o afirmei mais do que uma vez. Já esclareci também que esta formulação encontra, digamos, alguns lugares paralelos em outras formulações apresentadas no âmbito da mesma revisão ou então no âmbito da Constituição, tal como está consagrada.
Mas a nossa intenção era, evidentemente, a de que o referendo fosse obrigatório em todos os casos em que a convenção implicasse a transferência de competências para serem exercidas peia organização internacional, sendo, por isso, retiradas ao Estado Português.
É evidente, que as dificuldades de formulação desta situação, em termos precisos de identificação, nos levaram a correr o risco de uma interpretação extensiva; no entanto, se VV. Exas. nos puderem auxiliar, nós, efectivamente, congratulamo-nos muito com isso, e memoramos a norma. Estamos, portanto, abertos a essa possibilidade. É o que me resta dizer neste momento.
Quero ainda sublinhar que, neste momento, VV. Exas. já não podem estar a argumentar em relação à substância que aqui nos traz, como argumentavam quando apresentámos a primeira proposta de revisão,, porque nós agora vimos, efectivamente, longe nesta matéria. Vimos que, na realidade, este Tratado tinha avançado muito longe sem uma consulta popular. E isto está a verificar-se em toda a Europa.
Isto não é escamoteável, não vale a pena saber se a Dinamarca está a pensar em corrigir, Sr. Deputado Almeida Santos, porque a Inglaterra, porventura, está a pensar em corrigir em sentido contrário e está a pensar em descaracterizar completamente algumas normas que foram consagradas no Tratado de Maastricht e a Alemanha também já está a pensar nisso, etc.
Portanto, isso significa que, mesmo do ponto de vista dos que querem responder "sim" e dos que querem ratificar e aprovar o Tratado de Maastricht, a consulta popular e a ampla discussão que ela vai possibilitar é efectivamente positiva e não negativa, como VV. Exas. têm sublinhado.
Por outro lado, será conveniente que não se fale em sair ou entrar, quando quem defende o referendo não está necessariamente a dizer não ao Tratado nem a dizer não à Europa.
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, tive a ocasião de, nesta sessão, pedir a palavra por duas vezes para questionar, respectivamente, os Srs. Deputados Nogueira de Brito e João Amaral. Gostava agora de fazer algumas considerações mais de fundo sobre a matéria em discussão.
Em primeiro lugar, relativamente à posição do Partido Comunista, verificámos aqui - e o Sr. Deputado João Amaral já teve ocasião de explicitar essa alteração de posição por parte do Partido Comunista - que, tendo naturalmente...
O Sr. João Amaral (PCP): - Não me diga que só agora deu por ela?!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Mas é agora e nesta sede que é pertinente discutir a questão.
O Sr. João Amaral (PCP): - Até agora foram perguntas!
O Sr. Jorge Lacão (PS): - E, naturalmente, não é preciso qualquer excesso de nervosismo da parte do PCP!
À pergunta que eu, há pouco, tive ocasião de fazer ao Sr. Deputado João Amaral sobre quais eram as razões substantivas que Unham levado o Partido Comunista a achar que a introdução do referendo deixava de comportar sérios riscos de perversão plebiscitaria, a resposta que pudemos obter foi apenas no sentido de que, dada a necessidade de valorizar o processo de discussão em tomo do Tratado de Maastricht, isso implicou, por avaliação de oportunidade política, uma alteração da posição do PCP.
Ou seja, a justificação que o PCP nos dá para ter mudado a sua posição não é a de ter tomado uma outra opção quanto à natureza constitucional do referendo, mas apenas a de ter tomado uma outra opção quanto ao juízo de oportunidade para a utilização do referendo para a aprovação de um certo instrumento de convenção internacional.
Isto significa que o Partido Comunista não tem uma posição de fundo sobre a natureza da Constituição, tem apenas uma posição de oportunidade sobre a conjuntura política. Penso que isso, só por si, demonstra a ausência de sustentação da posição do Partido Comunista e, por isso, queria que isso ficasse aqui declarado.
Quanto à posição do CDS, queria dizer que essa sim já tem implicações constitucionais bastante mais profundas. E é porque tem implicações constitucionais bastante mais profundas que vale a pena ponderar agora na sua globalidade para também concluir como foi totalmente, pelo menos em minha opinião, imponderada a solução que o CDS aqui nos apresentou.
Porque a solução que o CDS aqui nos apresentou, aparentemente ditada por uma razão de conveniência quanto ao método de aprovação do Tratado de Maastricht, revela, no fundo, ter tido uma visão, já* significativamente diferente, sobre a natureza representativa do nosso regime democrático. E, das duas uma, ou a proposta que o CDS aqui nos traz foi conscientemente formulada para alcançar esse objectivo ou ela foi feita sem a ponderação das suas implicações, o que, de certa maneira, representa uma leviandade política quanto à iniciativa.
Falta clarificar este ponto, ou seja, falta clarificar se a solução originaria do CDS é a que é porque o CDS tem uma visão distinta da que tinha até há pouco tempo sobre a natureza representativa do nosso sistema democrático ou se a posição do CDS é a que é apenas por que o CDS não teve o discernimento jurídico-constitucional de pensar em todas as implicações da proposta que nos apresentou.
Vejamos: na proposta do CDS, no que diz respeito à necessidade de convocação do referendo de forma vinculada por parte do Presidente da República, há, desde logo, a ausência da distinção, que o Sr. Deputado Nogueira de Brito já reconheceu, quanto à natureza das organizações internacionais criadas por via dos tratados a aprovar.
Portanto, o CDS admitia submeter a referendo, necessariamente, todos os actos que implicassem criação ou participação de Portugal em organizações internacionais com alguma partilha de competências, mesmo que essa partilha de competências, como há pouco aqui se viu, não implicasse qualquer risco no que diz respeito ao exercício da soberania nacional.
Ora bem, o CDS diz: "tudo visto e ponderado, talvez seja de rever essa questão, no que diz respeito às distinções a fazer quanto à natureza dos organizações internacionais".
Outra questão: o CDS quer que o referendo passe, nestes casos, a ser vinculativamente convocado pelo Presidente da República. Portanto, o CDS atribui ao Presidente da República, em exclusivo, a competência para definir a pergunta a suscitar através do referendo.
Qual é, então, o mecanismo de controlo democrático sobre o conteúdo das perguntas que, nessa circunstância, o Presidente da República deveria submeter a referendo?
O CDS esqueceu-se totalmente de configurar esta questão. Ou seja: retirou a possibilidade de controlo preventivo da constitucionalidade das questões a suscitar por via do referendo e não encontrou qualquer outro mecanismo de controlo democrático sobre as perguntas. O CDS enfraquece manifestamente, por esta via, o sistema de controlo democrático sobre a própria objectividade e isenção da pergunta a fazer, nestes casos, por via do Presidente da República.
É grave que o CDS tenha retirado do processo de formulação da pergunta a Assembleia da República. Ou seja: ao atribuir de forma vinculada ao Presidente da República a iniciativa para lançar o referendo, o órgão de soberania Assembleia da República seria completamente afastado desse processo.
Questão igualmente grave, do meu ponto de vista, é a contradição constitucional em que ficávamos, na sequência da aprovação do modelo apresentado pelo CDS. Se não, vejamos: um tratado internacional era sujeito a referendo para aprovação, só que o CDS não mexia no poder do Presidente da República quanto ao acto de ratificação. E, como se sabe, nos termos da Constituição, o acto de ractificação por parte do Presidente da República é um acto livre, não é um acto vinculado.
Será que o CDS queria esta consequência de poder haver uma resposta positiva a um referendo e, portanto, em princípio vinculante quanto à aprovação do referendo, urna vez que era o próprio processo de consulta que determinava o mecanismo de aprovação, mas, depois, continuar a deixar, em última instância, ao Presidente da República a decisão sobre a ratificação ou não do tratado? Era isso que o CDS queria? O CDS queria consultar o soberano popular através de um mecanismo de consulta directa, mas, depois, deixar a última decisão através de um processo de decisão indirecta, através do acto de ratificação por parte do Presidente da República?
Não deve ter sido isto que o CDS queria, no entanto não pensou nas implicações de tudo isto. E como não pensou nas implicações de tudo isto, o CDS tem de fazer aqui urna de duas confissões: ou confessa que, de facto, com esta
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proposta quer alterar radicalmente os termos de funcionamento do sistema representativo - hipótese inicial que lhe coloquei - ou o CDS não queria esse objectivo e, então, tem de retirar, talvez completamente, o texto que apresentou, reformulá-lo de alto a baixo, se, porventura, nenhum destes objectivos ou nenhuma destas consequências o CDS tinha configurado para a sua proposta.
Como quer que seja, a gravidade existe também nesta última possibilidade, porque ela demonstra que houve, de facto, uma grande ligeireza, por parte do CDS, nos termos em que apresentou esta proposta para o referendo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Pais de Sousa.
O Sr. Luís Pais de Sousa (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: A primeira nota é óbvia e é para constatar as dificuldades políticas, por um lado, e de direito constitucional, por outro, em que decorre este debate.
Tal deve-se, também, ao facto de estarmos perante um processo de revisão extraordinária da nossa lei fundamental.
Contudo, para lá da substância do problema e do "enfoque" político que foi trazido a este debate e, particularmente, às propostas ou projectos de alteração à Constituição em presença, sempre será possível constatar que a proposta do CDS, ou seja, a redacção para o proposto n.° 3 do artigo 118.° do projecto do CDS, cria-nos algumas dificuldades. Assim, veja-se como é esvaziada a natureza facultativa do instituto na sua actual redacção: "Os cidadãos recenseados no território nacional podem ser chamados a pronunciar-se" - n.° 1 do artigo 118.°
Na proposta do CDS, o n.° 3 introduz um carácter de obrigatoriedade que é contraditório e, portanto, vem ao arrepio da concepção do legislador constituinte, derivado, quando, em 1989, introduziu o instituto do referendo na nossa Constituição.
Portanto, com esta proposta o CDS traz mais um conjunto de problemas, pois ela vai colidir com os poderes do Presidente da República; vai, eventualmente, desequilibrar toda a arquitectura do sistema de governo e lateralizar a Assembleia da República, que, também, de alguma forma, fica à margem - um tanto perigosamente - neste processo.
Além do mais, é posto em causa o princípio da interdependência dos órgãos de soberania que esteve, no fundo, na base da redacção da norma e concepção do instituto entre nós.
Quanto ao artigo único proposto pelo Partido Comunista, pelo Deputado Independente Mário Tomé e pelo PSN, pois parece-me que tais propostas, no fundo, vão no mesmo sentido, já aqui foi dito que se trata de uma norma ad hoc. Diria mesmo que é uma norma soprada estrategicamente de um ponto de vista político e temporal, uma norma casuística que, no fundo, introduz um elemento temporal sui generis, não dando, portanto, resposta - como já foi referido - a eventuais alterações ao próprio Tratado da União Europeia. Posto isto, seria um preceito incoerente uma vez que não abre...
O Sr. João Amaral (PCP): - Parece que está a fazer a defesa da proposta!
O Sr. Luís País de Sousa (PSD): - ... um espaço para eventuais ciclos históricos hipoteticamente semelhantes ao actual.
É óbvio que as constituições e os institutos devem ter um carácter de estabilidade e, portanto, algum grau de certeza jurídico-política. Não será o caso destas propostas normas, pois elas teriam um certo carácter avulso, e, efectivamente, são normas que historicamente vêm ao arrepio das propostas dos partidos que agora as vêm apresentar.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.
O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, reporto-me ainda à intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos para dizer o seguinte: creio que no início da sua intervenção referiu que se o PCP quer um único referendo relativo a este Tratado então esta formulação não é suficientemente clara.
Parece-me que esta dúvida que o Sr. Deputado Almeida Santos coloca constitui uma boa oportunidade para esclarecer que, efectivamente, queremos uma norma transitória com uma aplicação exclusiva a este Tratado: o Tratado que institui a União Europeia. E, se há alguma dúvida em relação à formulação, seremos nós próprios a tentar melhorar a redacção de forma que fique claro que é só em relação a este Tratado, pois é ele que institui a União Europeia! Ou seja, a União Europeia não existe e passaria a existir caso ele entrasse em vigor. É esta alteração qualitativa que é introduzida pelo Tratado: a criação da União Europeia - vide artigo A do Tratado.
O Sr. Luís Pais de Sousa (PSD). - E eventuais alterações ao Tratado?
O Sr. João Amaral (PCP): - Não há eventuais alterações a este Tratado. O que estamos a fazer, agora, é a instituir a União Europeia.
De facto, o Tratado das Comunidades teve uma alteração: o Acto Único. Porém, essa alteração insere-se na mesma lógica, ou seja, não implicou a criação de uma nova instituição, as instituições que existem são as Comunidades. O Tratado da União, ao contrário, introduz um corte, criando uma nova instituição chamada União Europeia.
Em virtude de deficiência técnica, não foi possível registar as palavras finais do Sr. Deputado João Amaral e as palavras iniciais do Sr. Deputado Nogueira de Brito.
O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - ... o Sr. Deputado Almeida Santos não faz a mesma coisa, pois assume uma posição em relação a este referendo em concreto e a esta situação. Mas, o Sr. Deputado Jorge Lacão está refugiado nesta questão, pelo que lhe pergunto o seguinte: como é que vota a alteração ao referendo facultativo? Pensa que pode ou não votar apenas o n.° 4? Entende que o pode ou não fazer? Essa é que é a questão fundamental!
O Sr. Deputado Jorge Lacão não vai encontrar da parte de ninguém receptividade para uma justificação de votação nesta matéria porque o Sr. Deputado ou o Partido Socialista entende que não há consistência na proposta do CDS por causa do referendo obrigatório. Não espere isso!
Aliás, a vossa má consciência em matéria de referendo é conhecida, não é? Movem-se mal nesta área: é o referendo para tudo e, depois, o referendo para nada!
A questão fundamental é saber se VV. Exas. admitem ou não que a norma constitucional necessita de obras, isto é, que necessita de ser corrigida e que essas correcções podem ser introduzidas com uma maior ou menor extensão. Não podem é vir dizer "Não podemos fazer isso por que o CDS não pensou devidamente na proposta que fez e introduziu aqui um referendo obrigatório..."
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Sr. Deputado Jorge Lacão,. o referendo obrigatório é algo que se pode isolar na proposta do CDS, portanto tal não é justificação. O senhor está-se a refugiar nessa discussão mas isso não constitui justificação possível.
Refere ainda que falta definir o que são organizações internacionais e qual a sua natureza. Não é isso, Sr. Deputado. O que falta definir antes, com maior precisão - admito -, é a natureza da atribuição do exercício de competências.
Pergunto, então, o que significa organização internacional na Constituição actual? E o que significa "exercício em comum de competências" na vossa proposta para o artigo 7.°? Também lhe posso perguntar se ponderaram devidamente o significado dessa formulação. Foi precipitado?
Por outro lado, Sr. Deputado, quanto à alteração na posição respeitante à democracia representativa, digo-lhe que houve uma grande alteração da parte do Partido Socialista. Lembro as posições que o PS tomou, por exemplo, na Assembleia Constituinte e, fazendo a sua apreciação em comparação com as que tomou na Revisão Constitucional de 1989, pergunto se houve ou não uma alteração profunda cm maioria de referendo e em relação ao significado de democracia representativa por parte do PS.
Houve, de facto, alguma reflexão sobre a necessidade de temperar a democracia representativa com elementos da democracia participada e directa. Também da parte do CDS há essa reflexão.
Ora, o referendo obrigatório é aqui introduzido designadamente para evitar o calor e a emoção que têm pontuado esta discussão, uma vez que são cada vez mais frequentes as convenções ou tratados que implicam transferência de competências nesse verdadeiro sentido, numa época em que estamos a assistir a uma evolução do próprio conceito de Estado nacional.
É, portanto, altura de o povo se pronunciar sobre essa matéria com mais frequência e por via directa!
Sr. Deputado Jorge Lacão, não atribua e, principalmente, não se refugie na discussão desta questão. Diga, antes, se entende ou não que a norma constitucional necessita de ser esclarecida, se há uma interpretação perversa da norma constitucional. E então diga-me: "Não acompanhámos o CDS na proposta referente ao referendo obrigatório porque a nossa posição face à democracia representativa alterou-se uma vez, mas não ainda segunda vez. No entanto, acompanhamos - ou não - o CDS no que respeita ao esclarecimento dá disposição constitucional porque é altura de o fazer, na medida em que ela se revelou uma disposição com efeitos perversos neste exacto momento."
Portanto, é preferível corrigi-la a, realmente - como diz, e muito bem, o Sr. Deputado Almeida Santos -, suspender a aplicação da Constituição durante o período necessário a realizar um referendo só para este efeito.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, estou disponível para responder ao Sr. Deputado Nogueira de Brito, se o Sr. Presidente o consentir.
O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Deputado Nogueira de Brito, reparei que não respondeu a nenhuma das questões que lhe suscitei. Ora, se o CDS quer, pelo menos, suscitar a ponderação da proposta que nos apresenta deve
fundamentá-la em termos jurídico-constitucionais que não deixem margens para dúvidas, e a verdade é que, nesse ponto, o CDS também se refugia inteiramente, pois já terá percebido que a sua proposta é intrinsecamente incongruente. Ou seja, o CDS pretende, numa "fuga para a frente", suscitar questões sem responder às que lhe são colocadas.
Pela minha parte não tenho dúvidas em responder-lhe que, em primeiro lugar, sou, de facto, contrário a um referendo obrigatório nos termos em que o CDS o faz. Em segundo lugar, sou contrário a que se perspective a introdução da figura do referendo num processo de decisão que marginalize a Assembleia da República, como faz o CDS.
Em terceiro lugar, sou contrário a que se conceba qualquer possibilidade de utilização do referendo sem controlo de constitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional, através do mecanismo da fiscalização preventiva da constitucionalidade do referendo.
Por último, não compreendo como é que o CDS consegue compatibilizar a ideia de um referendo para aprovação de tratados internacionais e, simultaneamente, manter o poder de ratificação como um poder livre por parte do Presidente da República. Esta é uma outra incongruência que o CDS não explicou suficientemente.
Tudo visto e concluído, ao tipo de referendo que o CDS aqui nos trouxe só tenho que responder que não estou de acordo pelo conjunto das razões que acabei de explicitar.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, evidentemente, temos de ter a noção de que, muito embora todos ou quase todos tenhamos um pendor jurídico relativamente acentuado, não estamos propriamente a fazer um debate em termos de um seminário e, portanto, deveremos coibir-nos de fazer alguns comentários - desde logo vou coibir-me de fazer algumas observações a propósito da proposta do CDS que, naturalmente, eram interessantes na minha perspectiva, mas que não adiantam do ponto de vista político.
Portanto, julgo que este debate sobre o artigo 118.°, do ponto de vista da primeira leitura, pode considerar-se encerrado.
Assim sendo, iremos iniciar, amanhã, a discussão dos artigos - e digo dos artigos porque eles estão conexionados - 164.°, que tem a ver com o reforço dos poderes da Assembleia em matérias comunitárias, e em que há duas propostas, uma do PS e outra do CDS, relativamente às alíneas o) e p); 167.°, relativo à reserva absoluta de competência legislativa, também com duas propostas de alterações, uma do PS e outra do CDS, que dizem respeito às alíneas m) e n); 168.°, sobre a reserva relativa de competência legislativa, que tem apenas uma proposta, apresentada pelo CDS, no que respeita à alínea i); e ainda o artigo 200.°, relativo à competência política, que tem também duas propostas quanto às alíneas i) e j), apresentadas pelo PS e pelo CDS.
Julgo, aliás, que convirá discutirmos em conjunto estas matérias, embora sem prejuízo de uma discussão na especialidade de alguns aspectos que os justifiquem, porque todos eles dizem respeito à mesma matéria.
Como sabem, estava previsto haver, amanhã, uma reunião às 10 e outra às 15 horas, mas dado o interesse que alguns Srs. Deputados demonstraram em assistir à reunião sobre o Tratado de Maastricht, que irá ter lugar amanhã de manhã, os nossos trabalhos recomeçarão às 15 horas.
Está encerrada a reunião.
Eram 19 horas e 10 minutos.
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Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:
Ana Paula Matos Barros (PSD).
Guilherme Henrique V. R. da Silva (PSD).
João Álvaro Poças Santos (PSD).
Manuel Castro de Almeida (PSD).
Mário Jorge Belo Maciel (PSD).
Alberto de Sousa Martins (PS).
José Eduardo Vera Jardim (PS).
André Valente Martins (PEV).
Manuel Sérgio Vieira e Cunha (PSN).
A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.