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Sexta-feira, 9 de Outubro de 1992 II Série - Número 6-RC

DIÁRIO da Assembleia da República

VI LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1992-1993)

III REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

ACTA N.º 6

Reunião do dia 8 de Outubro de 1992

SUMÁRIO

O Sr. Presidente (Rui Machete) deu início à reunião pelas 15 horas e 50 minutos.

Foram apreciadas as propostas, apresentadas pelo PS e CDS, de alteração aos artigos 164.°, 167.º, 168.°, 200.° e 229°

Intervieram no debate, a diverso título, além do Sr. Presidente, os Srs. Deputados Almeida Santos (PS), Nogueira de Brito (CDS), Rui Gomes Silva (PSD), Alberto Costa (PS), Costa Andrade (PSD), José Magalhães (PS) e João Amaral (PCP).

O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 18 horas e 30 minutos.

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O Sr. Presidente (Rui Machete): - Srs. Deputados, temos quorum, pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 15 horas e 50 minutos.

Estavam presentes os seguintes Srs. Deputados:

Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete (PSD), presidente.
António de Almeida Santos (PS), vice-presidente.
João António Gonçalves do Amaral (PCP), secretário.
Luís Carlos David Nobre (PSD), secretário.
Fernando Marques Andrade (PSD).
João José Pedreira de Matos (PSD).
Luís Filipe Garrido Pais de Sousa (PSD).
Manuel da Costa Andrade (PSD).
Mário Jorge Belo Maciel (PSD).
Miguel Bento M. da C. Macedo e Silva (PSD).
Rui Manuel Lobo Gomes da Silva (PSD).
Alberto Bemardes Costa (PS).
Jorge Lacão Costa (PS).
José Manuel Santos de Magalhães (PS).
António Filipe Gaião Rodrigues (PCP).
José Luís Nogueira de Brito (CDS).

Srs. Deputados, hoje vamos discutir, em conjunto, as propostas de revisão constitucional para a alínea o) do artigo 164.°, as propostas para o artigo 167.°, alínea m), apresentadas pelo PS e CDS, a proposta para o artigo 168.°, alínea i), apresentada pelo CDS, e para o artigo 200.°, n.° 1, alínea i), da iniciativa do PS e CDS.

O que propunha era que cada um dos partidos que apresentaram as propostas fizesse uma apresentação sucinta das mesmas para, depois, podermos iniciar a respectiva discussão.

Para esse efeito, tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, fomos os primeiros a apresentar esta formulação. Depois disso, ficámos muito satisfeitos com a companhia preciosa do PSD, que formulou alguns pontos de vista que, no fundo, são semelhantes aos nossos. Divergimos apenas em alguns pormenores de formulação, que não são importantes. Tenho, pois, a certeza de que nos entenderemos sobre a formulação mais adequada.

Dos três pontos que gostaria de salientar, dois deles até são as "duas faces da mesma moeda".

Um respeita à consagração, na competência política e legislativa da Assembleia da República, do direito de "acompanhar a participação de Portugal na União Europeia, apreciando, em especial, as propostas de actos comunitários sobre matérias da sua competência, podendo pronunciar-se acerca delas, nomeadamente emitindo resoluções nos termos da Constituição e da lei".

A outra face desta moeda é, obviamente, a obrigação que daí decorre para o Governo de submeter à Assembleia da República as propostas de actos comunitários sobre matéria da sua competência logo que elas sejam apresentadas aos órgãos competentes da União Europeia. E porquê logo? Para que o debate sobre estas matérias, na Assembleia da República, possa ter sentido. Se tivesse lugar depois de essas propostas terem sido aprovadas, o debate não teria o menor significado, já que, nessa altura, haveria um desconhecimento a posteriori e a Assembleia limitar-se-ia a constatar a aprovação.

Pensamos que este reforço das competências da Assembleia da República é uma magra compensação, uma vez que são mais as competências que perde do que as que ganha. Se nos detivermos nas alíneas que estabelecem as competências da Assembleia, poderemos verificar que muitas delas ficam, no seu exercício, se não cerceadas, bastante comprometidas pelos poderes que o Tratado de Maastricht atribui aos órgãos europeus. Não vale a pena estar a exemplificar esta situação, pois estou a falar para pessoas que leram atentamente o Tratado e conhecem pormenorizadamente a Constituição.

Formulámos esta nossa proposta em termos bastante comedidos. Quanto à participação de Portugal na União Europeia, a palavra por nós utilizada é "acompanhar", o que não significa ficar de fora, como, de resto, tem acontecido até aqui. A verdade é que até agora o dever de informação, o debate de problemas tão importantes como aqueles que têm estado em causa na construção das Comunidades e, depois, na construção da União Europeia, passaram à margem da Assembleia da República. Isto é algo que ninguém entende, principalmente no momento em que a própria Comunidade reforça os poderes do Parlamento Europeu; sobretudo no domínio da informação. E, Srs. Deputados, basta ler o Tratado de Maastricht para se concluir que são inúmeros os casos em que há novas obrigações de cometer ao Parlamento Europeu informações para que este se pronuncie em termos de pareceres, etc. Mais: até há um reforço dos pareceres do Parlamento, na medida em que alguns deles são mesmo vinculativos para os outros órgãos, nomeadamente para o Conselho.

Neste sentido, creio que não faria sentido assistir passivamente à retirada de poderes fundamentais da Assembleia da República, dos Parlamentos nacionais em geral. Suponho, aliás, que este é um movimento comum a todos os países europeus, é uma preocupação comum a todos os países que têm de enfrentar a mesma situação. Mal parecia que estivéssemos aqui a regatear para a Assembleia da República o direito de ser informada para poder acompanhar a participação de Portugal na União Europeia, apreciando, em especial, as propostas de actos comunitários sobre matérias da sua competência, podendo pronunciar-se acerca delas (o que não quer dizer que tenha necessariamente de o fazer), nomeadamente emitindo resoluções nos termos da Constituição e da lei.

Parece-nos que esta alteração tem um conteúdo muito relevante. Pensamos mesmo que na actual situação ela é irrecusável, sobretudo depois do debate que se fez em tomo do Tratado de Maastricht, das críticas a que os dois partidos que recusaram o referendo se viram sujeitos. A aprovação de uma proposta deste género é irrecusável e é por isso que nós subscrevemos esta proposta, da qual decorre o dever de o Governo submeter as propostas à Assembleia em tempo útil para ela poder ser informada e, se quiser, debatê-las. Creio mesmo que será muito difícil compreender uma recusa de aprovação.

Não está em causa o rigor dos termos e, se for necessário, até poderemos aperfeiçoar a sua redacção. Não estamos agarrados às palavras, mas, sim, ao sentido essencial das coisas.

Estou convencido de que o PSD não vai recusar dar a sua aprovação a estes dois pontos.

Há aqui uma diferença em relação ao CDS: enquanto na proposta do CDS há sempre o dever de apreciar, na do PS não há sempre o dever de apreciar, mas, sim, o dever de, quando entender, tomar conhecimento, acompanhar e apreciar. É, pois, uma faculdade, e não uma obrigação.

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O CDS faz aqui uma referência ao princípio da subsidiariedade, não em termos de cumprimento de um princípio, mas de respeito por esse princípio. Aliás, reconhecemos utilidade à consagração de uma referência ao princípio, da subsidiariedade.

Nesse aspecto, em princípio, e salvo se houver aqui argumentos que nos desanimem dessa nossa posição, aceitamos a inclusão dessa exigência da proposta do CDS.

Relativamente à palavra "nomeadamente", ela parece-nos útil. Na proposta do CDS seria sempre através de resoluções; na nossa proposta é "nomeadamente através de resoluções", portanto não necessariamente através de. E não estamos livres de amanhã reconhecer a necessidade de se criarem outras figuras para que a Assembleia se pronuncie sobre determinados assuntos. Amanhã podemos, por exemplo, consagrar a figura do parecer, que é comum no Parlamento Europeu; amanhã podemos consagrar a figura da recomendação, que já várias vezes esteve no nosso espírito.

Portanto, não me vincularia sempre à resolução e punha cá o advérbio de modo "nomeadamente".

O artigo 167.° trata do regime de designação dos membros dos órgãos institucionais da União Europeia a indicar pelo Estado Português. Basta ler o Tratado de Maastricht para ver que esses órgãos não são tantos assim (o Comité das Regiões, o Conselho Económico e Social, etc.), sobretudo não são tantos aqueles cuja composição implique uma designação por parte do Estado Português. Por vezes, é o próprio Tratado que comete isso a órgãos dos Estados, pelo que nesse aspecto a questão está resolvida e nós também ressalvamos isso.

Quando o regime não decorra directamente do direito comunitário, entendemos que essa designação tem importância suficiente para ser cometida. Não é a nomeação que é cometida à Assembleia da República, mas, sim, a fixação do regime, o regulamento do regime, o regime de designação. A lei que há-de aprovar o regime de designação é uma lei da competência própria e exclusiva da Assembleia da República. Mas, atenção, com isto não queremos dizer que é a Assembleia que o faz por eleição, como acontece com outros casos que estão previstos na Constituição. Pode vir a ser assim. Aliás, se entendermos que deve ser assim, poderemos consagrá-lo.

Na verdade, a nossa formulação não implica que seja necessariamente a Assembleia a fazer essa designação. Entende-se, sim, que deve ser a Assembleia a fixar esse regime de designação.

Seria bom que desta matéria resultasse um grande consenso. Há aqui qualquer coisa de supranacional, que tem de estar um pouco de fora das disputas dos partidos, das relações de forças entre maiorias e minorias, pelo que pensamos que esta nossa proposta, além de ter inteira justificação e coerência, pode contribuir um pouco para compensar a perda de poderes pela Assembleia da República.

Quanto às Regiões Autónomas, a nossa proposta é apenas uma especificação daquilo que, em meu entender, já decorre do que está consagrado na Constituição. Creio que isto é uma flor para as Regiões Autónomas, que espero que agrade particularmente ao PSD, a quem custará muito mais recusar alguma coisa às Regiões Autónomas do que aos partidos da oposição.

A nossa proposta refere "pronunciar-se por sua iniciativa, ou sob consulta dos órgãos de soberania, sobre as questões da competência destes, bem como sobre propostas de actos comunitários que lhes digam respeito" (creio até que esta formulação terá porventura de ser melhorada). Esta

especificação é útil e já foi várias vezes reclamada pelos governos regionais, que querem ter uma palavra, uma participação menos passiva, em termos de conhecimento e participação, na construção da Europa. E esta pronúncia não é vinculativa, não é um parecer que crie qualquer constrangimento aos órgãos de soberania que tiverem de decidir. Parece-nos que também aqui tem inteira justificação.

Voltando ao artigo 167.°, alínea m), a proposta do CDS diz: "O regime de designação dos membros dos órgãos próprios da Comunidade." Falamos em órgãos institucionais da União, em vez de Comunidades, mas, de qualquer forma, penso que estas divergências de forma não são graves e que poderão ser ultrapassadas.

Eram estas as considerações que gostaria de fazer acerca destes artigos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, com a devida permissão de V. Exa. e dos membros da Comissão, gostaria de iniciar a minha intervenção com uma pequena conclusão, que, suponho, não é conflituosa, sobre matéria do artigo anterior.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Nogueira de Brito, no clima em que se processam estes nossos trabalhos não vejo razão para que V. Exa. não o faça. Só que isso poderá envolver-nos numa discussão.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Espero que não, Sr. Presidente. Por mim, devo dizer que direi isto e nada mais.

Sobre a matéria que nos ocupou ontem, gostaria de salientar três pontos fundamentais.

Em primeiro lugar, a regulamentação e o desenvolvimento da modalidade de referendo obrigatório consagrado na redacção proposta para o n.° 3 do artigo 118.°, bem como a sua correcta inserção no regime estabelecido nos restantes normativos do mesmo artigo, hão-de constar naturalmente de lei ordinária (a lei quadro do referendo), que terá de ser alterada em conformidade.

Em segundo lugar, a insistência e preocupação salutarmente revelada por alguns Deputados com o referendo obrigatório e o facto de terem aí centrado todas as suas objecções e preocupações levam-nos a concluir que no seu espírito não terão a opor ou a objectar às alterações propostas para o regime do referendo facultativo consagrado na nossa proposta do n.° 4 do mesmo artigo 118.° Circunstância com a qual nos congratulamos, evidentemente.

Em terceiro lugar, a nossa proposta, consagrando uma modalidade de referendo obrigatório, a par de uma alteração do regime de referendo facultativo, confere a todos os Deputados presentes nesta Comissão a possibilidade de escolherem entre uma mais extensa alteração do regime actual do referendo, com a consagração do referendo obrigatório para certos casos, a par da viabilização prática do referendo facultativo para todos os outros em relação aos quais o instituto foi pensado, ou apenas esta última modalidade, isto é, a viabilização neste quadro do referendo facultativo. Foi esta a conclusão a que chegámos, supomos que não há ainda uma conclusão de outra natureza que possa ser tirada da reunião de ontem, pelo que era esta que queríamos apontar antes de nos pronunciarmos sobre as propostas que fazemos para os artigos 164.°, 167.°, 168.° e 200.° da Constituição.

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Assim, abundamos nas considerações que foram produzidas pelo Sr. Deputado Almeida Santos e é claro que isso terá influência na discussão.

É facto que, tendo sido a proposta do Partido Socialista apresentada antes da nossa e coincidindo, neste aspecto, com a ideia que era nossa, mas que ainda não estava traduzida em propostas, é evidente que nos serviu de norte e de orientação. Introduzimos algumas modificações, das quais poderemos desistir em função da discussão que aqui se vier a fazer e dos esclarecimentos que vierem a ser produzidos, mas foi tendo tudo isso em conta que elaborámos as nossas propostas; como não podia deixar de ser, tivemos em consideração o que já existia e que era a proposta do Partido Socialista.

Também pensamos que, no momento em que vão ser transferidas competências para as Comunidades - que passarão a designar-se como Comunidade e depois como União, se o Tratado for aprovado e ratificado -, é aconselhável que salvaguardemos as competências em nome do Parlamento nacional, da Assembleia da República, designadamente como forma de não afastar, em definitivo, a resolução respeitante aos temas que passam a ser decididos, em exclusivo, num âmbito comunitário das populações, do povo português.

Causou-nos especial preocupação a forma como estava definido o princípio da subsidiariedade, no artigo 3.°-B do Tratado, e que parecia conduzir, mais do que a um movimento e exercício de competências num sentido descendente, num estilo tomista, como disse o Sr. Deputado Alberto Costa, a uma visão contrária ou federalista, que foi seguida em algumas interpretações feitas, designadamente, pelo Sr. Presidente da Comissão das Comunidades Europeias.

Por isso, quisemos que constasse expressamente desta atribuição de competências à Assembleia da República, em relação a actos comunitários, uma referência, uma preocupação expressa com a exacta observação do princípio da subsidiariedade. Aliás, pensamos que agora estão em vias de se produzir esclarecimentos complementares a este texto do artigo 3.°-B do Tratado e, por isso, ganhará maior justificação ainda esta referência. Vemos com satisfação que o Partido Socialista aceita que se introduza esta referência ao princípio da subsidiariedade.

Como o acompanhamento da participação de Portugal na União Europeia - nas Comunidades, diríamos nós na formulação actual, porque elas vão ser a base de tudo, até da União - consta já de lei própria, centramo-nos naquilo que não consta dessa lei, e que é a apreciação dos actos comunitários, designadamente daqueles que vão ter incidência em matérias de competência da Assembleia da República.

Diz a proposta do PS: "Podendo pronunciar-se através de resoluções." Aceitamos que uma maior maleabilidade nesta matéria pode vir a ser útil. No entanto, não atribuímos à diferença de formulação entre "apreciando", "acompanhar apreciando" e "apreciar" uma diferença no grau de vinculação da Assembleia, mas também não discordamos totalmente com a formulação do PS, e o completar com o "acompanhamento" também nos parece que pode ser útil, sem dúvida nenhuma.

Quanto ao artigo 167.°, está dito o que sobre ele havia para ser dito, pelo que não acrescentarei mais ao que disse o Sr. Deputado Almeida Santos. A proposta do PS diz "órgãos institucionais da União Europeia", nós dizemos "órgãos próprios"; os órgãos próprios podem ter alguma conotação, mas, no entanto, também a expressão "órgãos institucionais" pode ser conotada negativamente, a nosso ver, no sentido em que pode ter alguma conotação que leve a autonomizá-los da origem pactícia que entendemos que devem ter sempre os órgãos próprios das Comunidades.

No artigo 168.° fazemos uma proposta na qual não somos acompanhados pelo Partido Socialista. O que nos levou a fazer esta proposta? É evidente que na Constituição está consagrada, como competência da Assembleia da República, a "criação dos impostos e do sistema fiscal", mas há nesta matéria uma alteração bastante importante no Tratado. O artigo 201.° do Tratado passa a dizer aquilo que não dizia: que o orçamento das Comunidades, o orçamento da União, vai ser integralmente financiado por recursos próprios, sem prejuízo de outras receitas. Há aqui uma inversão de perspectiva.

Por outro lado, aponta a forma de criação das receitas próprias, dos recursos próprios, por deliberação do Conselho, por unanimidade, sob proposta da Comissão e mediante consulta do Parlamento. A adopção da deliberação pelo Conselho traduzir-se-á em recomendações a fazer aos Estados membros de acordo com as respectivas normas constitucionais.

É claro que se poderia considerar suficiente, e sê-lo-ia, para o cumprimento desta norma a conjugação destes dois normativos - a alínea i) do n.° 1 do artigo 168.° da Constituição e o artigo 201.° do Tratado. Essa conjugação seria suficiente, em si, para assegurar a intervenção da Assembleia da República na criação dos recursos próprios comunitários que viessem a resultar da criação de impostos, com os quais iriam ser tributados os cidadãos nacionais. Parece-nos que a referência expressa a que, nesta competência da criação de impostos e regulamentação do sistema fiscal, se incluirão também aqueles impostos que venham a funcionar como recursos próprios da Comunidade completa a nova redacção do artigo 201.° Isto tem um carácter simbólico e tem também a função de se coordenar com a nova disposição do artigo 201.° do Tratado.

Quanto ao artigo 200.°, a redacção da nossa proposta enferma de um erro. É que a alínea l) do artigo 168.° nada tem a ver com a alteração que se pretende fazer, mas sim a alínea 0 apenas. Esta referência expressa à alínea i) do artigo 168.° será uma norma cautelar nesta matéria, porque, pelo próprio jogo das normas comunitárias, designadamente do artigo 201.° do Tratado, estas normas terão de ser sempre propostas à Assembleia da República e, portanto, admitimos também que esta cautela possa ser excessiva e susceptível de alguma interpretação menos correcta, pelo que queremos retirar a referência à alínea l) do artigo 168.° e manteremos apenas a alínea i) do referido artigo, conjuntamente com a referência ao artigo 164.°, alínea o).

O Partido Socialista adopta uma formulação mais genérica, não refere nenhum dos dispositivos em que atribui competências conexas com as Comunidades ou com a União e, portanto, talvez a sua redacção cubra melhor todas as hipóteses.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Almeida Santos tem a palavra para fazer urna pergunta

O Sr. Almeida Santos (PS): - Pretendo só um esclarecimento. É que esta redacção cria...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Qual?

O Sr. Almeida Santos (PS): - Esta da alínea i) do artigo 168.°: "criação de impostos e sistema fiscal incluindo os que [...]". Este "os que" refere-se aos impostos?

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O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sim, são os impostos, o sistema, não.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Legisla sobre o sistema, não cria...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não, não. A criação de imposto, incluindo...

O Sr. Almeida Santos (PS): - Está bem, está bem.

O Sr. Presidente: - Estão abertas as inscrições. Eu tinha-me inscrito, não como presidente, mas como simples interventor, porque gostava de tecer algumas considerações sobre esta matéria.

Quero começar por dizer que penso que, pela ordem natural das coisas, é importante para a evolução do sistema político português que a Assembleia da República passe a ter maior intervenção do que aquela que actualmente tem em matéria comunitária. Esta é uma convicção que tenho, do ponto de vista político e do ponto de vista daquilo que considero a desejável evolução do sistema político português.

Todavia, não é segredo para ninguém que existe um ponto de divergência, ou pelo menos de não coincidência nesta fase da discussão, entre os projectos apresentados pelo Partido Socialista e pelo CDS e o projecto apresentado pelo PSD, que omite qualquer referência a esse ponto.

Quero referir que, de um ponto de vista estritamente jurídico e quanto ao funcionamento da Assembleia da República, existem já as condições suficientes para os desideratos manifestados pelo Partido Socialista e pelo CDS se realizarem, quer a nível constitucional, quer particularmente a nível ordinário.

Como VV. Exas. sabem, ao nível ordinário existe a Lei n.° 111/88, de 15 de Dezembro, que veio especificamente regular o acompanhamento da Assembleia da República em matérias relativas à participação de Portugal nas Comunidades Europeias. Suponho que algumas das formulações que o Partido Socialista recolheu no seu projecto tiveram pelo menos inspiração ou tiveram em atenção o articulado dessa lei, visto que nela se refere, justamente no n.° 1 do artigo 1.°, que a "Assembleia da República deve fazer o acompanhamento do processo de inserção de Portugal nas Comunidades Europeias".

Por outro lado, o facto de existir essa lei, que é uma lei conforme à Constituição, significa que é da competência da Assembleia da República acompanhar essas matérias e sobre elas fazer leis ou fazer elaborar resoluções. Isso é perfeitamente claro ao ler-se a disposição genérica da alínea o) do artigo 164.° da Constituição.

Digamos que de um ponto de vista jurídico, face ao ordenamento português, não só a Assembleia da República já tem esses poderes, como ainda uma lei ordinária veio mencionar e desenvolver esse aspecto de modo específico. E, portanto, a questão que está em aberto é uma questão puramente política, que é a de saber se é neste momento relevante elevar ao nível constitucional aquilo que hoje está já claramente disposto numa lei ordinária.

Acresce que, ainda para completar a panóplia dos instrumentos legais, no projecto do Tratado de Maastricht existe uma declaração relativa ao papel dos Parlamentos nacionais na União Europeia, onde, de uma maneira inequívoca, é apontada a necessidade do reforço do papel dos Parlamentos nacionais no que diz respeito à actividade comunitária e à construção europeia.

O problema que, quanto a mim, se põe é o de se saber, em termos políticos, da necessidade de se introduzir esta norma concretizadora de uma atribuição que a Assembleia já detém, na alínea o) do artigo 164.°, e do momento de o fazer.

Na minha perspectiva não tenho dúvidas quanto à necessidade de a Assembleia da República e os outros órgãos de soberania assumirem plenamente aquilo que já está disposto nessa Lei n.° 111/88. Não tenho nenhuma posição de princípio contra a eventual elevação à sua consignação na Constituição, mas gostaria de deixar em aberto a questão importante sobre a oportunidade de se fazer essa operação, neste momento ou num outro momento, numa outra revisão constitucional, quando a nova revisão se não limitar a aspectos muitos especificamente relacionados com a questão que abriu esta revisão extraordinária. Poder-se-á dizer que, do ponto de vista do jogo dos poderes e do sistema político, a acentuação e o sublinhar da competência da Assembleia da República deverão ser sempre acompanhados de uma revisão geral, global, do sistema político - global no sentido de pequenos afinamentos, não é que eu pense que o sistema político semipresidencial deva ter alterações significativas -, o que é tanto mais evidente quanto mais algumas das normas, como a relativa à designação dos órgãos comunitários, tocam em matérias que, por exemplo, foram expressamente objecto de uma exclusão nesta revisão, como é a parte relativa às eleições, à disciplina eleitoral. Com isto, quero dizer que deixo em aberto, para uma ponderação ulterior, que tem de entrar em linha de conta com o aspecto global desta revisão e da situação política em geral, a hipótese de se introduzirem neste momento, se for conveniente, essas modificações, sem prejuízo de se poder considerar que. mesmo sendo desejável do ponto de vista da modificação constitucional - sendo certo, todavia, como já sublinhei, que a consagração dessas normas não é necessária para que a Assembleia já exerça essas funções -, pelo contrário, devemos deixar a sua revisão para um momento ulterior, quando pudermos perspectivar em termos mais globais o afinamento do sistema de governo que está consignado na Constituição.

Quis dizer isto para que não houvesse quaisquer equívocos, e fi-lo, de resto, a título pessoal, na medida em que a decisão final depende, evidentemente, de estratégias políticas que cabem, como é natural, aos partidos traçar e a nós, neste caso concreto e não estando em jogo valores essenciais, acatar.

Para completar, gostaria ainda de referir que, na especialidade, digamos assim, preferiria, só para ser útil ao debate, a formulação da proposta de alteração à alínea o) do artigo 164.°, apresentada pelo Partido Socialista, muito embora devesse ser, a meu ver, corrigida ou integrada com a menção à subsidiariedade, feita pelo CDS, que. em minha opinião, é uma observação rica.

Quanto ao problema do regime da designação dos membros dos órgãos institucionais ou dos órgãos próprios das Comunidades Europeias, do ponto de vista técnico, a questão que se coloca é a de saber se todos os órgãos têm a dignidade e a importância suficiente, mesmo as pequenas comissões, visto a "comitologia", como é costume dizer-se a propósito das Comunidades Europeias, ser de tal modo vasta e de todos esses comités poderem, dentro de uma determinada orientação, ascender, ou pretenderem ter a categoria de órgãos. A ideia de que um órgão tem de manifestar uma vontade imputável à pessoa colectiva faz parte de uma certa interpretação da teoria orgânica que não é partilhada por toda a gente, pelo que pode, perfeitamente.

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entender-se que tudo aquilo que faz parte da estrutura organizatória das Comunidades Europeias tem a categoria de órgãos, o que me parece manifestamente excessivo.

Poderá aqui haver apenas um problema de ordem terminológica, só que a forma como foi expressa, quer numa, quer noutra redacção, suscita algumas dúvidas sobre se, mesmo não querendo, nolente, não se está a pretender ir demasiado longe.

No que respeita à proposta de alteração à alínea 0 do artigo 168.°, do CDS, o problema do sistema fiscal também suscita algumas dificuldades. Penso que, como disse o Sr. Deputado Nogueira de Brito, a forma hoje consignada na nossa Constituição acautela suficientemente o que, em meu entender, deve ser acautelado, e há aspectos que, através desta norma, me parecem, do ponto de vista do funcionamento dos órgãos da Comunidade, dificilmente enquadráveis quanto à definição do lançamento dos impostos, do sistema fiscal. Mas, enfim, essa é uma questão que podemos discutir, um pouco mais em pormenor, a seguir.

Por último, o artigo 200.° é, evidentemente, a contrapartida daquilo que é a competência da Assembleia da República e, portanto, não merece observações especiais.

Quanto ao artigo 229.°, diria que, ainda de uma maneira mais clara do que acontece com o artigo 164.°, na sua redacção actual, os órgãos das Regiões Autónomas já têm a competência que as propostas de alteração, quer do PS, quer do CDS, pretendem atribuir-lhes, donde resulta, do ponto de vista funcional e de uma forma clara, a desnecessidade desta inclusão, salvo se a ideia fosse uma outra, que, penso, é alheia ao pensamento quer do PS quer do CDS, isto é, a de alterar a natureza da intervenção das regiões. Mas, como, em meu entender, não é esse o propósito nem é o que transparece da própria redacção das propostas de alteração, parecem-me ser normas desnecessárias, visto que, repito, essa competência já existe.

Tem a palavra o Sr. Deputado Rui Gomes Silva.

O Sr. Rui Gomes Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito sucintamente, gostaria de colocar duas questões. A primeira ao Sr. Deputado Nogueira de Brito e a segunda conjuntamente aos Srs. Deputados Almeida Santos e Nogueira de Brito, em função das propostas de alteração apresentadas aos artigos 164.° e 167.°

Sr. Deputado Nogueira de Brito, há pouco, quando se referiu à proposta de alteração ao artigo 168.°, do CDS, justificou essa mesma alteração em função da alteração introduzida na primeira parte do artigo 201.° do Tratado da União Europeia, que diz: "O orçamento é integralmente financiado pelos recursos próprios, sem prejuízo de outras receitas."

A verdade é que, comparando os textos dos Tratados do Acto Único com o da União Europeia, em termos materiais, a disposição é rigorosamente a mesma. Logo, se, face ao Tratado do Acto Único, o nosso sistema constitucional servia, ou serve, não penso que existam razões para, em boa verdade, ser alterada a disposição do artigo 168.° em função do sistema fiscal, já que o próprio Tratado da União Europeia não altera em nada as disposições referidas no próprio Acto Único, se compararmos os textos em termos concretos.

Em relação aos artigos 167.° e 168.°, já que, quer num quer noutro, o Sr. Deputado Nogueira de Brito faz referência ao respeito pelas respectivas normas constitucionais, mantendo-se a designação e a aprovação das mesmas questões, poderíamos ir para outra situação que tem a ver com as recomendações feitas, precisamente por maioria, mas que terão de ser aprovadas também por unanimidade; isto é: a fase da maioria qualificada, que é anterior a esta definição da unanimidade.

A segunda questão tem a ver com as propostas de alteração aos artigos 164.° e 167.°, apresentadas pelo PS e pelo CDS. Em minha opinião, quer o PS quer o CDS apresentam propostas que fazem depender da aprovação da Assembleia da República a aplicação dos Tratados em dois momentos: o primeiro, em que acompanha e aprecia, e o segundo, em que, nos termos da alínea j) do artigo 164.° da Constituição, a Assembleia da República é obrigada a "aprovar as convenções internacionais que versem matéria da sua competência reservada".

A questão que coloco, quer a um, quer a outro, é se com estas propostas não se estaria, por um lado, a duplicar, em momentos diferentes, a competência e a actividade da própria Assembleia da República e, por outro, se não se estaria a cair excessivamente em regimes mais de assembleia, onde se confundiria muitas vezes a actividade parlamentar com a actividade legislativa e, no fundo, numa tentativa de alargar e de parlamentarizar a conflitualidade em questões anteriores à aprovação final de actos das Comunidades Europeias.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Rui Gomes Silva: Embora perceba perfeitamente a sua ideia, suponho que V. Exa. até fez alguma confusão na sua exposição, distribuindo mal os incisos do artigo 201.° do Tratado da União Europeia, porque diz que a primeira parte é materialmente igual.

O Sr. Rui Gomes Silva (PSD): - É a segunda!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Exactamente! Realmente, o que nos leva a fazer a proposta é o facto de a possibilidade das receitas próprias já existir, face à redacção anterior do artigo 201.° Simplesmente, a nossa proposta tem a ver com a primeira parte dessa redacção, onde há uma perspectiva completamente diferente. É que, enquanto na redacção anterior estávamos numa fase em que a receita própria era, porventura, uma excepção e as contribuições dos Estados uma regra, a redacção actual inverte completamente essa situação a caminho de um orçamento das Comunidades completamente autónomo, que será mais compatível com o próprio conceito de União Europeia. Ou seja, ele consagra, como regra, as receitas próprias, pois é unicamente constituído por elas e integralmente financiado por recursos próprios, sem prejuízo de outras receitas. Ora, passa a ser o contrário!

Logo, como os recursos próprios, neste momento, assentam, como sabemos, numa enormíssima parte, sobre receitas fiscais cobradas nos Estados membros, o que, aliás, resulta da segunda metade do artigo, que é materialmente, como diz e bem, igual, ou pelo menos semelhante, com as dissemelhanças que resultam de a primeira parte ser diferente. É evidente que daí resulta a nossa preocupação de poder existir uma avalancha de receitas fiscais comunitárias, que deverão ser acauteladas nos Parlamentos nacionais. É evidente que a norma, o seu sentido útil retirado da redacção e de qualquer interpretação literal do artigo 201.°, não conduz ao desrespeito dos normativos constitucionais de cada um dos Estados membros. Não, antes pelo contrário, ela consagra esse respeito.

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No entanto, entendemos que deve haver a contraface dessa moeda na nossa Constituição, designadamente para prevenir desenvolvimentos futuros do orçamento próprio, das receitas próprias, que possam vir a assentar em impostos fixados comunitariamente na União, independentemente dos aprovados nos Parlamentos nacionais. Não é essa a questão! Mas, como aqui se acautelaram várias redacções e formulações propostas para dispositivos diversos da Constituição, acautelam-se ainda - e bem! - evoluções futuras dos actos convencionais, que nascerão dá União Europeia.

Porém, achamos que esta referência é uma medida cautelar, pois, neste momento, não está em causa o prejuízo das competências do Parlamento nacional em matéria de criação de impostos, mesmo que eles se destinem a constituir receitas próprias da Comunidade. No entanto, perante a nova formulação, diria que devíamos ter, por um lado, a contraface e, por outro, acautelar desenvolvimentos futuros.

Quanto ao artigo 164.°, o que tínhamos fundamentalmente em vista não eram os actos comunitários que têm de ser aprovados pela Assembleia da República, mas sim o direito derivado comunitário que releva, em muitos casos, da prática de actos que são da competência material e formal da Assembleia da República.

Portanto, não há por aqui o perigo da confusão, do desmerecimento ou da dupla intervenção da Assembleia da República, mas sim da intervenção única, que não havia necessariamente, nem mesmo como resultado da lei nos mesmos termos em que a propomos. A lei de acompanhamento referia-se a uma simples informação que, suponho, - e não sei se estou a dizer isto correctamente -, não tem sido sistematicamente praticada.

O que há aqui é uma simples informação e era obrigação da Assembleia da República pronunciar-se, sob forma consultiva, acerca destes actos de direito derivado que realmente impliquem com o exercício de competências próprias da Assembleia da República.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Srs. Deputados, não poderemos de maneira nenhuma aceitar, mas devo dizer, em todo o caso, que me felicito pela posição realista, altamente compreensiva e razoável expressa aqui pelo Dr. Rui Machete relativamente a estas matérias e que, no fundo, coloca uma questão de oportunidade.

No entanto, acho que essa questão só pode ter a resposta positiva que sempre demos, implicitamente, ao formularmos esta proposta. É que a revisão constitucional ordinária virá daqui a três anos, em termos práticos talvez muito depois, e o problema da construção da Europa põe-se nestes três anos. Consequentemente, a utilidade deste dever de informar e desta possibilidade de discutir e se pronunciar existe, sobretudo, neste período.

Segundo, a grande vantagem da constitucionalização desta matéria é o facto de poder ter a garantia da fiscalização da inconstitucionalidade. Sendo a matéria tão importante, entendemos que essa garantia é sempre, em absoluto, defensável e necessária, pois sabemos que existe uma lei ordinária que pode ser amanhã revogada, uma lei ordinária que, apesar de tudo, está construída - é anterior à assinatura do próprio Tratado da Maastricht -, na perspectiva da construção das Comunidades Europeias, e não da União Europeia, o que é diferente.

Ora, é exactamente o melindre dos problemas da União Europeia que justifica esta necessidade de a Assembleia da República ser informada, em tempo útil, para poder debater e pronunciar-se, se assim o entender, nas modalidades que estiverem ao seu alcance.

A lei também refere o processo de inserção de Portugal nas Comunidades - onde é que isso vai! - e, por conseguinte, já não tem aplicação hoje ou, pelo menos, não tem nada que ver com as nossas preocupações. Mesmo quanto às matérias que a lei refere, projectos de acordos e convenções a concluir pelas Comunidades, essa é apenas uma pequenina parte das nossas preocupações. O que queremos é uma referência genérica aos actos comunitários que tenham que ver, nomeadamente, com matérias da competência da Assembleia da República, o que é algo de muito concreto e em função de uma situação nova criada, que é a da "expropriação" de algumas competências, e algumas das mais importantes competências da nossa Assembleia da República.

A referida lei refere-se ainda, e com grande alcance, aos actos vinculativos, mas não são só os actos vinculativos que estão em causa, e não apenas os pertencentes ao direito derivado dos tratados que instituem as Comunidades Europeias - o que também já está muito longe -, quando hoje é outra coisa que está em causa.

Todavia, também é verdade que refere os projectos e decisões do Conselho, mas não são só as decisões do Conselho, não são só os actos do Conselho, embora sejam fundamentalmente os actos do Conselho que estão em causa. E, por fim, um cesto sem fundo, isto é, projectos não vinculativos considerados importantes para Portugal.

A nossa proposta é muito concreta. Há matérias da competência da Assembleia da República que estão a ser consideradas para serem alteradas (objecto de decisões, objecto de actos), mas a Assembleia tem de ter a faculdade de acompanhar a formação desses actos, de os discutir, de os debater se quiser e pronunciar-se, embora com a validade que a pronúncia possa ter no direito constitucional português.

A lei também refere um dever de consulta ("o Governo deve consultar a Assembleia da República sobre as posições a assumir nas várias [...]"), mas, se não consultar, qual é a garantia da omissão?

"A Assembleia da República, no exercício das suas competências, deve pronunciar-se por iniciativa própria [...]" é outra das disposições, mas acho que tudo isto foi gizado num contexto que não tem muito a ver com a situação concreta considerada por nós ao elaborarmos esta proposta.

É por isso que me felicito, sem necessidade de ir agora mais longe, pois outros argumentos podíamos tirar de uma leitura mais cuidada desta lei, que é uma lei que foi razoavelmente longe na altura - a da inserção de Portugal nas Comunidades -, mas não chega para a situação verificada com a criação de uma União Europeia.

Achamos que, se a objecção do PSD é só a da oportunidade, então é com legítima expectativa que aguardamos a concordância do PSD para uma formulação, que não tem de ser necessariamente essa, mas que também não pode andar muito longe da que foi apresentada pelos dois partidos que elaboraram propostas, no sentido de se consagrar este ligeiríssimo reforço dos poderes da Assembleia da República, magramente compensatório daqueles que perde no momento em que ratificarmos o Tratado de Maastricht.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, quero saudá-lo pelas posições de fundo que assumiu nesta matéria e que me parecem largamente coincidentes com as que o PS expressou no seu projecto.

Penso que, como aliás já foi aqui referido, o que nos dividirá serão aspectos de oportunidade e por isso as questões que lhe colocarei mais não versam que os argumentos empregados por V. Exa. em relação à oportunidade.

A primeira pergunta tem a ver com o que me parece ser o carácter algo contraditório dos dois argumentos que empregou para tentar justificar a inoportunidade da nossa solução. Assim, e se bem o entendi, um dos argumentos teria a ver com o facto de já termos lei ordinária suficiente para alcançar os efeitos que aqui pretendíamos e o outro prender-se-ia com a ideia de que, a mexermos nesta matéria, pelo seu significado e implicações, deveríamos também mexer noutras que têm a ver também com relações entre órgãos de soberania.

Ora, segundo julgo, os argumentos são incompatíveis. Isto é, se estamos apenas a dar dignidade constitucional a algo que já está adquirido e é susceptível de funcionar imediatamente, não parece que possamos, então em simultâneo, pensar que, ao fazer isso, deveríamos mexer em mais matéria porque estaríamos a perturbar, ou a desequilibrar, o sistema de relações existente entre os órgãos de soberania. Inversamente, se pensarmos que estamos a mexer nas relações entre órgãos de soberania e essa matéria, pelas suas implicações, deve ser vista em sede mais vasta, então parece que o que estamos a ganhar com esta introdução é algo mais do que aquilo que já temos com a lei ordinária.

Assim, não haverá contradições no emprego simultâneo destes dois argumentos no sentido de defender a inoportunidade desta alteração?

As duas questões seguintes também são do foro de oportunidade. O efeito da entrada em vigor do Tratado de Maastricht sobre o papel dos diferentes órgãos de soberania em Portugal é o que se poderia chamar um efeito desigual, na medida em que o Governo continua a ter representação, a estar presente, no que é o principal órgão decisório e a Assembleia da República vê-se progressivamente afastada de sedes de decisão fundamentais. Admitido que o efeito sobre a competência dos dois órgãos é desigual, será correcto entender que o remédio se encontra no funcionamento de uma lei preexistente à produção deste efeito desigual, por via do Tratado sobretudo quando a experiência do funcionamento dessa lei é tão insatisfatória? Isto é, será de boa política constitucional compensar um efeito constitucional novo com um hipotético melhor uso de uma lei ordinária preexistente?

A última questão tem a ver com o facto de que esta é uma revisão da Constituição que visa ajustar o ordenamento constitucional português ao Tratado de Maastricht e de que esse ajustamento deve ser pensado nas suas várias vertentes. Admitidos efeitos do Tratado que vão para lá da colisão com normas constitucionais, mas que desequilibram relações entre órgãos de soberania - e aí parto da ideia de que as relações entre o Governo e a Assembleia são afectadas pelo simples efeito de haver um conjunto acrescido de competências cujo exercício se transfere para sede decisória em que só o Governo se encontra -, uma revisão de ajustamento a Maastricht não terá de envolva os dois aspectos? Isto é, dever-se-á apenas ficar por uma cirurgia ablativa, que retire os elementos que constituem obstáculo, ou dever-se-á ir também para uma cirurgia de tipo reconstrutivo, que reponha ou que sustente um equilíbrio que é afectado pela deslocação de novas competências para sedes supranacionais, como aconteceu com o Tratado?

A nosso ver, uma correcta adaptação do ordenamento constitucional a Maastricht exige não apenas a remoção de obstáculos, mas, sob pena de se consentirem efeitos perversos na ordem interna, reclama também que se inove em apoio da Assembleia da República, sob pena de se produzir um desequilíbrio indesejável no plano interno.

Acrescentarei que tudo isto pode ser tematizado sob a égide da ideia do reforço do Parlamento e dirá pouco ao comum das pessoas, mas também pode ser tematizado sob a égide de ideias como democracia, como Portugal, no sentido de que, se há menos Assembleia da República neste processo e se Portugal, na sua representação plural, tem menos hipóteses de se fazer ouvir na preparação destas decisões, então há uma outra perda associada e relevante que é indesejável, que é uma perda em democracia, em publicidade, em debate, e uma perda na defesa dos interesses nacionais, que são - e esta é uma das dimensões fundamentais da democracia - acima de tudo sustentados num órgão plural em funções de controlo do Governo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, desejava colocar-lhe, fundamentalmente, duas questões.

Em primeiro lugar, gostava de saber se as razões de oportunidade que o Sr. Presidente invocou não militarão, no fundo, em sentido contrário, porque talvez este momento não se revele oportuno para fazer estas propostas. É certo que existe uma lei de acompanhamento, mas ela não tem demonstrado efeitos práticos visíveis.

Por outro lado, estamos perante uma situação que foi criada com a assinatura do Tratado - bem como com os actos e todo o clima que se lhe seguiu, no sentido de preparar a sua aprovação pelos diversos Parlamentos nacionais -, em que tem sido frequentemente denunciada a falta de acompanhamento, pelos órgãos políticos próprios dos doze países pertencentes até agora às Comunidades, na marcha dos negócios comunitários, da política comunitária e da evolução das próprias Comunidades.

Essa é a questão mais constantemente tratada que hoje merece o acordo geral de vários quadrantes, quer os mais europeístas, quer os menos europeístas. Por exemplo, já ouvi o Sr, Ministro dos Negócios Estrangeiros afirmar que a evolução preconizada no Tratado de Maastricht em direcção à União Europeia implica necessariamente um maior envolvimento dos Parlamentos nacionais. Perguntei então ao Sr. Ministro se não entendia que esse maior envolvimento poderia operar-se no quadro jurídico actual ou se seria necessário modificá-lo. E claro que o Sr. Ministro me deu uma resposta diplomática, como lhe compete, mas não fiquei a saber exactamente o que pensava da evolução do quadro jurídico, apenas que entendia ser necessário um maior envolvimento dos Parlamentos nacionais, designadamente da Assembleia da República. Ora, como é esse o sentido da proposta que fazemos, é esta a sua oportunidade.

Esta é a questão! V. Exa. refugia-se em argumentos de natureza um pouco formal ao fazer a comparação do texto da Lei n.° 111/88 com as formulações apresentadas, mas, Sr. Presidente, entendo que todas as propostas apresentadas nesta revisão, e que visam da nossa parte apenas um

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dos tipos de cirurgias apontadas pelo Sr. Deputado Alberto Costa, têm também um poder simbólico importante. E, neste caso, poderá falar-se em algo mais, porque implicarão que vários actos de direito derivado tenham, por força da Constituição, de ser objecto de parecer da Assembleia.

Não é o carácter facultativo da proposta - "podendo" a Assembleia - que está em causa, mas sim a questão de saber quando é que o Parlamento se pronunciará. Ficamos já a ter uma ideia, porque a norma referida aponta num sentido que permite estruturar esta intervenção da Assembleia de uma forma mais precisa.

Em relação à proposta para o artigo 167.°, V. Exa. disse que a matéria eleitoral estava expressamente afastada desta revisão. Suponho que nenhuma matéria está expressamente afastada, mas o Sr. Presidente poderá esclarecer-me...

O Sr. Presidente: - Eu esclareço!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - ... em que norma do regimento da nossa Comissão, que, desta vez, nem tem regimento, suponho eu...

O Sr. Presidente: - Tem, tem!

O Sr. José Magalhães (PS): - O Sr. Deputado Narana Coissoró estava cá aquando da sua discussão.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Mas gostava de conhecer a natureza da fonte em que V. Exa. se baseou para fazer tal afirmação.

Também não me parece que tenha havido qualquer situação susceptível de afastar esta proposta ou que ela tenha desequilibrado aquilo a que V. Exa. se referiu. De facto, creio que daí não resulta - esteja ou não esse aspecto expresso em qualquer dispositivo a que mereçamos obediência - um desequilíbrio pelas propostas feitas para o artigo 167.° Poderá V. Exa. esclarecer-me sobre este aspecto?

O Sr. Presidente: - Mais algum Sr. Deputado deseja intervir sobre esta questão?

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, solicito que na sua intervenção considere que efeito prático teve esta lei até hoje, até porque me parece que, estando tão distanciada das nossas preocupações, praticamente não teve execução ou qualquer significado.

O Sr. Presidente: - Gostava de começar por dizer que, ao contrário do que referiu o Sr. Deputado Nogueira de Brito, não tentei refugiar-me em aspectos formais, mas sim traçar o quadro relativo a esta questão, e até fui extremamente directo ao referir o ponto de discordância. Ao dizer que se tratava de uma questão de oportunidade política, referi frontalmente qual era o problema e, portanto, penso que essa crítica é manifestamente injustificada e até injusta no que diz respeito a este caso concreto, porque não fugi à dificuldade, não subestimei o problema, nem o mascarei.

Quanto às questões de fundo, diz o Sr. Deputado Alberto Costa: "Há uma certa contradição na sua argumentação!" Penso que não e que ela é só aparente, porque apenas quis dizer que, do ponto de vista do funcionamento da Assembleia o do seu relacionamento com o Governo, existem neste momento, por um lado, as normas constitucionais, que não impedem que as coisas já se passem como VV. Exas. pretendem. Isto é, olhando para o texto constitucional, a alínea o) do artigo 164.° permite que a Assembleia venha a pronunciar-se sobre essas matérias. Apenas não existe a mesma obrigatoriedade para o Governo, mas, do ponto de vista da Assembleia, não existe qualquer impedimento a esse respeito.

Por outro lado, a lei ordinária claramente consigna esses aspectos. Dizem-me VV. Exas.: "Bem, mas a lei ordinária pode estar um pouco desactualizada." Em primeiro lugar, certas formas de interpretação actualista resolveriam algumas das dificuldades e, em segundo lugar, nada impediria que, com muito maior facilidade, se modificasse a lei ordinária em vez da Constituição.

Do ponto de vista funcional, e da vontade política, nada obsta que se consigam no actual quadro legislativo os mesmos resultados que se pretendem.

Quando, pelo contrário, se eleva esse aspecto ao nível da revisão constitucional, não é apenas devido a razões funcionais, pois já existe, havendo liberdade para o conseguir, mas porque, do ponto de vista simbólico, por um lado, e, por outro, da ponderação dos valores constitucionais, se pretende inovar, razão pela qual essa questão tem a ver com o equilíbrio do sistema. Não vale a pena termos ilusões a esse respeito!

Portanto, quis dizer, e repito, que, na minha opinião, de um ponto de vista puramente funcional, jurídico- formal até - podemos usar a terminologia do Sr. I Deputado Nogueira de Brito sem nenhum sentido depreciativo quimo ao adjectivo "formal" -, as coisas poderiam funcionar perfeitamente tal como estão ou, eventualmente, com ligeiros ajustamentos a nível da legislação ordinária.

Mas não podemos esquecer - por isso mesmo e que VV. Exas. o introduziram nas vossas propostas - que este aspecto tem um outro significado político quando consignado na Constituição e, portanto, é legítimo dizer que se trata de uma inovação, e não de uma mera reiteração, pois alguma coisa vem alterar o actual sistema. É por essa razão que V. Exa., o que me parece um pouco contraditório, vem referir que é uma forma de reequilibrar o desequilíbrio que o Tratado de Maastricht introduz.

Estou de acordo em que o Tratado de Maastricht pode introduzir alterações no jogo das competências, e quando V. Exa. diz "isto vem reequilibrar", então é porque tem um significado inovador importante e, tendo um significado inovador importante, é óbvio que pode ser ou deve ser considerado no âmbito mais global do equilíbrio dos sistemas.

Portanto, não quis dizer que era uma questão indiferente, mas que, de um ponto de vista funcional, não era necessário, enquanto de um ponto de vista dos valores a serem constitucionalmente consignados pode ter - e tem - importância.

Porém, penso que mais significativa, mais relevante, é a segunda questão que V. Exa. me coloca. No fundo, a sua ideia traduz-se no seguinte (o que tem sido, de resto, sublinhado por diversos autores e por quem se tem pronunciado sobre esta matéria): é um facto que, pela própria lógica organizatória, o Tratado de Maastricht, a entrar em vigor, dá um peso funcional aos executivos superior àquele que tinham anteriormente. É verdade! E isso qualquer observador, qualquer aprendiz em matéria de ciência política, é capaz de dizer-lho, e nós também o dizemos, porque o constatamos e, portanto, estamos de acordo nesse ponto.

A questão que se põe, tendo, aliás, achado extremamente pertinente e inteligente a forma como a colocou, é a de saber se será possível conseguir esse reequilíbrio pela via da modificação das legislações nacionais. Tenho as minhas dúvidas! Devo dizer-lhe que penso que aí teremos de ir para

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além do Tratado de Maastricht, que é muito imperfeito nesse capítulo. Por exemplo, sugeri recentemente na Assembleia do Conselho da Europa como matéria a ser objecto de reflexão a constituição de uma segunda Câmara, com representantes dos Parlamentos nacionais. Não haveria, portanto, uma representação directa de um povo europeu. Em determinadas matérias, como as da cooperação política, as da defesa ou outras sensíveis, deveria haver uma forma de deliberação correspondente a um voto qualificado especial em que as delegações nacionais - as dos doze países - teriam, elas próprias, de votar positivamente. Podia haver divergências no voto em cada uma das delegações nacionais, mas todas elas tinham de votar positivamente, o que seria uma forma de garantir uma espécie de veto ou de unanimidade das representações dos Parlamentos nacionais em relação às matérias sensíveis.

É evidente que esta é uma hipótese de trabalho como muitas outras, mas é apenas para exemplificar e para significar que esse capítulo extremamente importante do desequilíbrio funcional dos órgãos nacionais que têm intervenção no plano comunitário dificilmente, a meu ver, será conseguido por normas nacionais. Para dizer a verdade, nem sei mesmo se elas têm, nesse capítulo, um grande significado, porque, na prática, o desequilíbrio que já hoje existe só pode ser corrigido verdadeiramente na estrutura organizatóría dos órgãos comunitários.

Penso que não é por esta via que se conseguem resultados substanciais nesse capítulo, o que não quer dizer que a matéria seja despicienda ou que não deva ser encarada e, por isso mesmo, creio que é útil considerar o problema. Disse inicialmente que, do meu ponto de vista, de jure condendo, estou de acordo em que, no momento apropriado - falta saber qual é o momento apropriado -, se introduza, pela simbologia que significa, pela ponderação ao nível constitucional que isso traduz, essa pequena melhoria, mas que não resolve o problema ao nível comunitário.

É por isso mesmo que não é por esta via que se consegue aquilo que V. Exa., de uma forma muito imprecisa e vagamente romântica, chamou "mais Portugal". Talvez isso fosse possível por aquela via que há pouco sugeri. Aí, sim, porque é ao nível comunitário que os problemas se põem. Agora, nesta matéria, não creio que isso assim aconteça e que, portanto, esse seja o método mais apropriado.

Quanto às restantes questões colocadas pelo Sr. Deputado Nogueira de Brito, penso que, quanto à questão da oportunidade, é importante esclarecê-la. Quis aqui traduzir, sem recorrer a nenhuns formalismos, que houve um entendimento entre os partidos políticos a propósito do que seria a base fundamental da revisão constitucional. É público que houve conversas entre os partidos políticos sobre esta matéria e que este aspecto, bem como o das eleições, bem ou mal, não foi abordado. Mais, foram proferidas declarações expressas dos responsáveis políticos - era a isso que me estava a referir, e não ao texto constitucional - no sentido de que o problema das eleições ficaria de fora e até, num determinado momento - aquelas excitações ocasionais da política -, houve quem pensasse em acusar o Partido Social-Democrata de que iria aproveitar-se para vir aqui introduzir o problema do voto dos emigrantes. Isso foi antes de se conhecer o texto da nossa proposta.

Nada disso se verificou e fomos fiéis, como é natural, àquilo que tínhamos anunciado.

Esse processo desenhou uns determinados limites. Não estamos a fazer qualquer interpretação de ordem jurídica em relação a textos, nem é vinculante para todos os participantes. Só estamos vinculados exactamente nós e o PS. Pensamos, assim, que existem essas fronteiras. Fronteiras apenas estabelecidas pelos factos políticos que foram desenhados em função de comportamentos voluntários que assumimos. É esse o problema. Não tem outro aspecto, nem em termos de normas constitucionais, nem em termos de normas regimentais, nem em termos de vincular os outros partidos que nem sequer participaram neste tipo de entendimento, feito para se lançar este processo.

Portanto, fundamentalmente, foi isso que quis referir e nada mais. Essa segunda parte da minha intervenção já não estava relacionada com a interpretação do artigo 114.°, ou com o artigo 167.°, nem com a disposição da lei ordinária.

Assim, só para completar, queria dizer...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - E a contratual?

O Sr. Presidente: - V. Exa. sabe que os ordenamentos jurídicos são dinamizados pela via quotidiana das pessoas, ou seja, através de actos e negócios jurídicos. Neste caso não é através de conversações com quem quer que seja e sem preparação jurídica. É assim que as coisas se fazem sempre em todos os países e em todas as ocasiões. Não vejo que isso constitua qualquer novidade ou que, por lhe apormos alguns qualificativos, elas devam ser depreciadas.

Uma última observação a respeito desta Lei n.° 11/88. Penso que não devíamos negligenciar, aconteça o que acontecer, sobre o ponto de vista da oportunidade, aquilo que foi estabelecido na lei e que é passível de aperfeiçoamento. Penso que VV. Exa., porventura, porque se colocaram ao nível constitucional, não leram ou releram atentamente o texto da lei. Existem normas que são imperativas. Depois, se são ou não violadas, isso já é outra questão.

Por exemplo, o artigo 1.° diz que a Assembleia da República deve fazer o acompanhamento do processo. Isto significa que o deve mesmo fazer.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não me parece imperativa esta norma!

O Sr. Presidente: - Ai não?!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Nem a outra!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, pensava que os deveres fossem imperativos!

Em segundo lugar, em matéria de...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, penso que esta formulação não é própria das normas imperativas. O "deve fazer" é efectivamente um dever que resulta desta lei, mas, se quiséssemos uma formulação imperativa, diríamos o seguinte: "A Assembleia da República fará o acompanhamento do processo."

O Sr. Presidente: - Quer dizer, V. Exa. entende que o verbo "fazer" implica uma obrigação, mas o verbo "dever" já não implica essa obrigação. Isso deixa-me um pouco perplexo!...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Eu pensei que não deixaria, Sr. Presidente, e que V. Exa. conheceria esta interpretação! Aliás, o cumprimento que foi dado a esta lei está precisamente na razão directa...

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O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, uma coisa é a eventual violação e outra é a formulação de um "dever". Peço imensa desculpa, mas...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, a formulação do "dever" é normalmente própria de uma disposição pragmática, e não de uma disposição imperativa nesse sentido.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço desculpa, mas estou em total e completo desacordo.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, V. Exa., com a autoridade jurídica que tem, com certeza que ganha!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não é um problema de ganhar ou perder...

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, tenho esta ideia e, porventura, o Governo também teve e a Assembleia também, pelos vistos!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, claro que, quando não há juristas nos órgãos em número suficiente, às vezes, algumas interpretações aberrantes podem acontecer, mas só por esse motivo.

Srs. Deputados, não devemos considerar que esta lei deve cair no olvido. Portanto, concluí as minhas respostas.

Tem a palavra, Sr. Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, pensa que é forçosa a qualificação da nossa proposta sobre o regime de designação dos membros dos órgãos como matéria eleitoral?

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o que digo é que a matéria eleitoral também está abrangida pela designação.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, houve uma espécie de consenso no sentido de deixar de fora a matéria eleitoral.

Ora, isto é necessariamente matéria eleitoral.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o que digo é que a matéria eleitoral é necessariamente relativa à designação dos órgãos. É um dos processos de designação dos órgãos, que eu saiba.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, só que aqui não estamos a fazer a lei, mas a atribuir uma competência para a fazer; depois é que iremos ver qual será a lei. E mesmo dentro da lei pode ser por eleição ou por designação.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Almeida Santos, estou inteiramente de acordo em que esta expressão que aqui está utilizada não se refere só, mas também, às eleições.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, refere-se à feitura de uma lei que não se sabe como vai resolver-se, ou seja, se eleitoralmente ou não.

O Sr. Presidente: - Claro. É isso que ainda coloca mais algumas dificuldades.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Presidente, é que, dentro do brilho dos seus argumentos, este tem uma palidez própria!

Risos.

Era só isto, Sr. Presidente. Muito obrigado.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Costa Andrade, tem a palavra!

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Sr. Presidente, a razão da minha inscrição é, especialmente, para formular alguns pedidos de esclarecimento em relação as propostas que estão sobre a mesa, designadamente sobre o artigo 164.°, que é verdadeiramente o ponto de partida e a chave de tudo aquilo que fundamentalmente está em discussão.

Antes de formular essas perguntas que gostaria de dirigir ao Partido Socialista e ao CDS, queria aproveitar a oportunidade para reafirmar algumas coisas em consonância com aquilo que disse o Sr. Presidente.

Penso que não há dissensão quanto à necessidade e conveniência do reforço dos poderes do Parlamento na matéria referente à participação de Portugal na União Europeia.

O que está em causa é, do ponto de vista metodológico, saber se tal é necessário no contexto desta revisão constitucional e se é mesmo oportuno.

Em primeiro lugar, temos para nós que tal não é necessário.

Por um lado, porque há direito, algum de expressa relevância constitucional e outro de relevância ordinária.

Penso que mal seria se, enquanto legisladores - e somos legisladores, tanto constituintes como ordinários -, baseássemos a vontade das nossas propostas no argumento de que as leis são ou não mal cumpridas. Enfim, fazemos leis e, portanto, a nossa força é apenas a de fazer leis.

Quanto ao cumprimento, não podemos basear a bondade ou a inconveniências das leis que fazemos pelo facto de elas não serem devidamente cumpridas. Temos de fazer boas leis. Se acreditamos que as leis que fazemos e que temos são boas, a nossa tarefa como legisladores está cumprida. De resto, não deixa de ser significativo o exemplo do direito comparado. A maior parte dos Estados que estão connosco nesta aventura da construção da União Europeia não procederam a qualquer revisão constitucional e muitos daqueles que o fizeram não introduziram qualquer norma com conteúdo idêntico. Resolvem o problema por força dos dispositivos próprios do direito constitucional e ordinário.

Parece-me também que de vez em quando perpassa por aqui uma certa dramatização da relação de poderes entre o Governo e a Assembleia da República, esquecendo-se os amplos poderes que a Constituição comete à Assembleia em relação a toda a actividade do Governo. A Assembleia da República tem competência para fiscalizar o Governo e este é responsável politicamente perante aquela nos termos da Constituição.

Assim, este aspecto que é decisivo não pode ocultar-se quando se dramatizam um pouco as relações de poder entre o Governo e a Assembleia da República.

Mesmo saindo ao extremo de certas posições que aqui já foram tomadas, em que, segundo alguns, bastaria apenas mexer no artigo 105.° e, segundo outros, não seria mesmo necessário mexer em qualquer artigo para viabilizar a ratificação em termos constitucionalmente admissíveis, entendemos que não é necessário e não é oportuno, do ponto de vista desta revisão constitucional preordenada, para viabilizar

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a ratificação do Tratado de Maastricht. Porque este é o ponto onde um certo capital de experiência, a partir de uma participação mais activa, pode permitir-nos ganhar a perspectiva necessária para constitucionalizações como esta e outras, eventualmente, no equilíbrio geral dos órgãos de poder. Vamos viver alguma experiência e talvez depois ganhemos a perspectiva mais correcta para a construção, de resto, num processo que tem tido alguns exemplos na nossa história constitucional recente. Quantas das normas constitucionais de hoje não passaram por uma fase de consagração a nível legislativo. Normas sobre as quais não havia discordância e não havia conflito, houve discordância em certos pontos sobre a oportunidade da sua constitucionalização, mas a seu tempo se veio a lograr essa constitucionalização.

Pois bem, entendemos que esse tempo será o tempo de uma revisão constitucional global, que não se faça como esta ou seja, num certo estado de necessidade de viabilizar a ratificação do Tratado de Maastricht.

Quanto às perguntas, a primeira é dirigida ao Partido Socialista. É mesmo uma pergunta, já que parte de um estado de dúvida e, portanto, não é uma argumentação de um ponto de qualquer atitude socrática no sentido de tentar adiantar argumentos a título de perguntas.

Como é que, tendo em vista o estatuto jurídico ou constitucional da figura da resolução, que não conheço muito bem, se projecta esta figura da Assembleia da República sobre propostas de actos comunitários, ou seja, sobre coisas que estão numa fase dinâmica, com uma certa plasticidade, sujeitas a uma certa negociação a nível das instâncias comunitárias e que hoje têm um rosto e amanhã tem outro. Há aí um processo de metamorfose e, entretanto, aparece uma resolução da Assembleia da República que, de certa maneira, é um acto terminal. Como é que se vai articular isto com um processo que é dinâmico?

Cria-se aqui uma certa analogia de uma certa autorização legislativa que o Governo pode negociar, mas dentro dos limites desta resolução. No entanto, se as negociações se alteram, o Governo tem de vir buscar outra resolução ou está impedido de negociar? Como é que um processo que está sujeito a mutações se articula com resoluções que têm uma certa cristalização? Não é possível fazer resoluções todos os dias.

Ora bem, podem ocorrer processos de negociação sobre propostas - é que se trata de propostas - e estas estão infieri. Como é que nesse infieri intervém uma resolução e qual o estatuto a nível de relações de poder, ou seja, como é que se projectam as resoluções sobre matéria que está em curso de negociação? Esta era a minha primeira questão.

A segunda é dirigida ao CDS. Esta parte foi subscrita através da intervenção do Sr. Deputado Almeida Santos, do Partido Socialista, ou seja, a inserção do inciso do princípio da subsidiariedade.

Salvo o melhor respeito, parece que o princípio da subsidiariedade entra aqui como uma espécie de viola num enterro. Quer dizer, o princípio da subsidiariedade tem a sua sede própria quando se projecta a estatura do país como órgão de soberania, com o seu conjunto de poderes, em relação aos órgãos próprios da União Europeia. Por isso, todos propusemos para o artigo 7.° a referência ao princípio da subsidiariedade. Agora, quando se trata de, no contexto da ordem jurídica interna portuguesa, dirimir questões, a que vem o princípio da subsidiariedade? Desta forma, também deveria valer para o Governo.

Quer dizer, o Governo, quando pratica quaisquer actos no contexto da União Europeia, também está sujeito ao princípio da subsidiariedade. Isto é, dizer que a Assembleia da República tem de obedecer ao princípio da subsidiariedade num preceito que se destina a delimitar fronteiras e compe-tências parece-me perfeitamente inadequado. O princípio da subsidiariedade é um princípio geral e, como tal, deve ter a sua sede própria na elencagem dos grandes princípios. Aqui, do meu ponto de vista, não faz sentido. Era como se na Constituição, aquando da definição dos poderes do Governo e da Assembleia, estivéssemos sempre, a propósito de tudo, a enunciar os direitos fundamentais dos cidadãos - por exemplo, o Governo tem de respeitar o direito à vida à integridade, etc., e a Assembleia da República tem de respeitar o direito à vida à integridade física etc.

Portanto, parece-me que dessa forma não se respeita uma boa técnica legislativa que assenta no princípio da abstracção. Aquilo que puder ser dito no geral, com eficácia normativa para os casos concretos e com eficácia inequívoca não tem de ser repetido em cada caso concreto, sob pena de estarmos sempre a repetir o princípio da subsidiariedade em relação a qualquer norma da Constituição que se reporte à União Europeia.

Já agora, aproveito para dizer que, do meu ponto de vista, parece-me no mínimo exagerado elevar o regime ao conjunto de matérias de reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República. Nem sequer competência relativa?! Nem sequer a possibilidade da existência da autorização legislativa?! Enfim, parece-me que é, pelo menos, um pouco exagerado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Os impostos?

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Não, o regime.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos os Srs. Deputados José Magalhães e João Amaral. Mas, se houver ainda alguns Srs. Deputados que queiram fazer mais perguntas, não sei se não ganharíamos em que interviessem num momento posterior. A não ser que as intervenções sejam sobre matérias completamente diferentes.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, creio que, em nome do princípio da imediação, não seria positivo fazer esperar quem perguntou e, por outro lado, quem foi interpelado. Portanto, julgo que será preferível adiantar respostas - que, de resto, são sempre continuações de diálogo - do que adiar.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr Deputado Almeida Santos.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Espero poder concluir - não sei se a intervenção do Sr. Deputado Costa Andrade mo permite ou não - que não houve da sua parte uma inflexão relativamente às aberturas enunciadas pelo Presidente da Comissão quanto aos pontos em causa. Pareceu-me que faltou aí um mas (com uns pontinhos à frente).

O Sr. José Magalhães (PS): - O Sr Deputado Costa Andrade está a acenar que não!

O Sr. Almeida Santos (PS): - Vejo que está a acenar que não.

O Sr. João Amaral (PCP): - Que não o quê?

O Sr. José Magalhães (PS): - Que não houve alteração!

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O Sr. Almeida Santos (PS): - Então concluo isso mesmo. De qualquer modo, gostei de ter esta confirmação.

Quanto à pergunta que fez directamente ao PS, relativamente à figura da resolução, eu próprio, há pouco, referi a necessidade de uma maior flexibilização desta matéria. A resolução pode vir a título de exemplo; aliás, ela aparece aqui não necessariamente como resolução...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - É que os Srs. Deputados Almeida Santos e Nogueira de Brito, quando explicaram as suas propostas, disseram "dar parecer" e fugiram um pouco. E aqui, honestamente, foi mesmo uma pergunta.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Nós aqui dizemos "nomeadamente"; pronunciar-se sobre ela, dizemos nós, "nomeadamente". Até disse que poderemos ter de recuperar a figura da recomendação ou podemos seguir o Parlamento Europeu na figura do parecer, depois se verá. Talvez até o parecer não seja pior que a resolução.

De qualquer modo, como é que se insere, como é que se projecta, se for uma resolução? Bom, a resolução significa que o nosso representante no Conselho - não na Comissão, porque aí não temos representante - terá de ter em conta a resolução da Assembleia. Assim, dirá: "tenho uma resolução da Assembleia da República do meu país, no sentido de que devo aqui bater-me por esta solução e não por aquela". Não é mais do que isto, mas esta eficácia teria de ter. É a de, digamos, criar o dever de os nossos representantes actuarem de acordo com aquilo que a Assembleia da República pensa sobre cada matéria - não mais do que isso, como é óbvio. O nosso representante teria, pois, de respeitar essa orientação. Quanto ao facto de se tratar de um processo dinâmico, bom, se houver uma alteração de fundo tão significativa que implique a negação do que foi projectado, necessariamente terá de haver nova consulta, mas, se não for esse o caso, mantém-se a orientação anterior.

E já que me pronunciei concordantemente com a inserção de uma referência ao princípio da subsidiariedade - e o Sr. Deputado Nogueira de Brito não me levará a mal que adiante já alguma coisa nesse sentido -, diria que é aqui precisamente que o princípio da subsidiariedade pode ter significado. E porquê? Porque ele está definido, embora mal, no sentido de que onde a Comunidade tem poderes exclusivos ela actua; onde não tem, nos domínios que não sejam das suas atribuições exclusivas, a Comunidade intervém apenas de acordo. Ora, que é que a Assembleia da República pode dizer? O seguinte: "alto lá, isto aqui não é competência exclusiva da Comunidade, é competência minha, exclusiva "primeira hipótese, ou, segunda hipótese", é competência cumulativa, minha e da Comunidade, e entendo que neste caso estou em melhores condições do que a Comunidade para me pronunciar sobre isso". É aqui que o princípio da subsidiariedade tem sentido, sobretudo aqui! Não me leve a mal esta minha opinião, Sr. Deputado Costa Andrade. Não sei se será a do Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Começando pela observação que o Sr. Deputado Costa Andrade fez sobre o princípio da subsidiariedade, ao dizer que na nossa proposta lhe parecia um pouco como uma viola num enterro, diria que o princípio da subsidiariedade é, de certo modo, uma viola num enterro, porque é a viola com que se pretende alegrar um pouco o enterro de algumas competências nacionais. Tocou-se mal a viola; agora vai ser violão!

Risos.

Sr. Deputado Costa Andrade, respondendo à sua pergunta, diria que são duas as razões que nos levaram a formular esta proposta, e que também levaram o PS e os deputados franceses a aprovarem propostas muito semelhantes no Parlamento francês, quando procederam à revisão constitucional.

A primeira, que foi aqui enunciada pelo Sr. Deputado Alberto Costa, é a necessidade de reequilibrar as relações entre a Assembleia da República e o Governo, no nosso caso, e entre o Parlamento e o Governo, em termos gerais, face a um crescimento do papel do Governo em função das próprias regras comunitárias - o Governo está presente no Conselho. E a isso respondeu, aliás muito bem - essas duas intervenções foram, de facto, apreciáveis -, o Sr. Deputado Rui Machete, ao dizer que não lhe parecia que este fosse o local mais adequado para reequilibrar, sendo necessário mexer na própria estrutura da Comunidade. E falou na segunda câmara, e muito bem, porque nós entendemos que isso será porventura necessário.

Mas há uma outra razão: aquela que diz respeito à necessidade de introduzir um outro reequilíbrio entre as competências portuguesas e comunitárias, numa altura em que a Comunidade sugou algumas competências do Estado nacional. E daí que tenhamos introduzido a referência ao princípio da subsidiariedade. Como diz o Sr. Deputado Almeida Santos, e bem, ao citar o artigo 3.°-B do Tratado da União Europeia, ele foi pensado como um princípio de actuação.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Está no artigo 7.°!

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Está bem! Mas, Sr. Deputado Costa Andrade, tudo isto tem também o valor simbólico de chamar a atenção nesse sentido. Perante uma proposta de uma directiva, num momento adequado, num momento em que ela está na fase final de formulação pelo Conselho, a aprovação ou a não aprovação do Estado Português é precedida de um envio à Assembleia da República. E realmente há um aspecto em que - como diz o Sr. Deputado Almeida Santos, e bem - a Assembleia da República se deve pronunciar. Assim, a crítica ao excessivo papel, à governamentalização, da própria Comunidade incidiu muito precisamente sobre o aspecto concreto da publicação das directivas - de repente, todos os Estados começaram a queixar-se do excesso de directivas, da regulamentação excessiva - e aí será a altura própria para a Assembleia da República afirmar que o princípio da subsidiariedade não está aqui a ser cumprido. E é sobre matérias da nossa competência, como as que constam do artigo 168.°

Assim sendo, Sr. Deputado Costa Andrade, parece-me que é adequado e não se trata de dirimir questões na ordem interna portuguesa, mas sim nas relações entre Portugal e a União Europeia.

Quanto à resolução, Sr. Deputado Costa Andrade, creio que ela é adequada, porque, sob essa forma, a Assembleia pode emitir uma apreciação, um parecer, sobre a proposta de acto comunitário que lhe foi submetida.

De qualquer maneira, poderemos encontrar outras formas, pois os ilustres constitucionalistas desta Comissão poder-nos-ão dar alguma sugestão, mas parece-me que esta não é desadequada.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, não creio que seja vantajoso, nem provavelmente possível - creio mesmo que é completamente impossível -, fazer um debate sobre esta matéria, prescindindo de extrair dos acontecimentos europeus dos últimos meses algumas ilações. Esses acontecimentos evidenciaram como as questões institucionais são importantes não só para a efectividade da construção europeia, mas até para a sua possibilidade de êxito e para a diminuição de apreensões, de receios legítimos, de objecções e de críticas feitos a vícios reais ou supostos dos actos instituintes do novo passo que se pretende dar. Creio que é inteiramente evidente que foi subestimado no processo originário de aprovação da revisão do Tratado - e, particularmente, na altura em que ele foi concluído, do ponto de vista negocial, em Dezembro do ano passado - como o factor institucional é importante para projectar um impacte positivo das modificações desejadas. Creio que os acontecimentos destes últimos meses são uma verdadeira aula prática sobre a importância não apenas simbólica - ainda que a importância simbólica seja, ela própria, relevante -, mas prática da reflexão sobre a questão institucional europeia e sobre a questão institucional nacional, uma vez que elas se tomaram inteiramente interpenetradas e indissociáveis.

Ora, sucede que, tanto no plano europeu como no plano nacional, vivemos uma crise de representação política - é um facto! A designação poderá variar - os olhares variam forçosamente e os qualificativos igualmente -, mas, descontadas todas as veemências, essa crise de representação política traduz-se, pura e simplesmente, em que o mecanismo institucional das Comunidades é afectado por deficiências, vulgarmente apelidadas de défice democrático (ainda que com acepções muito diversas e com concepções totalmente opostas em certos casos). Não está encontrada a solução institucional adequada para a ultrapassagem desse défice democrático, nomeadamente em relação aos poderes do Conselho tal qual estão delimitados e que carecem de aperfeiçoamento, se não mediante correcções textuais da letra do Tratado, pelo menos no plano da sua interpretação, aqui e além correctiva.

No que respeita às articulações entre as estruturas comunitárias e as nacionais, em relação à própria interpenetração dos órgãos comunitários há vários aspectos a esclarecer, sobretudo o relacionamento de todo este magma orgânico, os cidadãos europeus, como tais, cuja panóplia de direitos carece ainda largamente de ser proclamada e, evidentemente, mais ainda, sustentada e efectivada.

Há um problema saio a este nível que decorre da supressão de mecanismos tradicionais de representação, em alguns casos ainda não substituída por novas formas de mediação. Ora, quando se fala de representação política, estamos a falar de uma teia bastante complexa de formas de expressão de interesses e de vontades que se situam em planos muito diferentes, incluindo o plano cultural, social, político, etc.

Creio, Sr. Presidente, que é difícil assumir que seja resolúvel este problema europeu - é ainda dele que falo - sem (e aqui inverteria o raciocínio que V. Exa. fez) uma intervenção enquadrada, tipificada e precisa dos Parlamentos nacionais. É evidente que teremos de reflectir sob formas de colmatar o défice democrático, repensando os poderes do Parlamento Europeu, etc., mas parece-me evidente - e a lição dos últimos meses aponta nesse sentido de forma gritante, referendariamente ou não - que teremos de repensar o papel dos Parlamentos nacionais.

Deste ponto de vista, devo dizer que o Tratado de Maastricht é, ele próprio, modesto. Confessa-se insuficiente e as declarações que V. Exa. citou são apenas a forma melhor encontrada, entre as piores, para suprir o vazio que o Tratado tem no seu articulado quanto a esses precisos problemas que referiu.

De resto, a declaração em causa surge entre declarações várias, umas relativas à cooperação com associações de solidariedade, outras à protecção de animais, ao Tribunal de Contas ou a outros temas relevantes, e limita-se a dizer que é importante incentivar uma maior participação dos Parlamentos nacionais nas actividades da União Europeia; que é conveniente intensificar o intercâmbio de informações entre Parlamentos nacionais e o Parlamento Europeu; que os governos devem diligenciar que os Parlamentos nacionais possam dispor das propostas legislativas da Comissão em tempo útil para sua informação ou para eventual análise; e que é importante que sejam intensificados os contactos entre os Parlamentos nacionais e o Parlamento Europeu, nomeadamente através da concessão de facilidades recíprocas adequadas e de encontros regulares entre os Deputados que se interessem pelas mesmas questões.

A esta declaração soma-se uma outra relativa à conferência dos Parlamentos nacionais em que se apela ao Parlamento Europeu e aos Parlamentos nacionais a reunirem-se, na medida do necessário, em conferência dos Parlamentos, as chamadas assises, para serem consultados sobre as grandes orientações da União Europeia, sem prejuízo das atribuições do Parlamento Europeu e dos direitos dos Parlamentos nacionais, que serão aqueles que forem.

Isto remete-nos, pura e simplesmente, para aquilo que sejam os direitos, adquiridos ou não, nas ordens jurídicas nacionais. Por último, refere-se que os Presidentes do Conselho e da Comissão devem apresentar um relatório, em cada sessão da conferência dos Parlamentos, sobre o estado da União, e nada mais.

Há, pois, uma indefinição quanto ao modelo estruturante do futuro das Comunidades - e nem sequer entro na discussão de saber se esse futuro deve ser de carácter federal, confederai ou meramente integrativo e intergovernamental. De facto, há uma indefinição quanto aos esteios institucionais necessários para balizar o futuro.

A esta crise geral externa ou envolvente, digamos assim, é preciso somar a existência do nosso específico défice português. Ninguém negou que, desse ponto de vista - e em certos casos isso até foi bem sublinhado -, a prática portuguesa é deficiente. O somatório das normas de enquadramento de carácter constitucional, legal, regimental - aliás, o Sr. Presidente teve a gentileza de não abonar o seu argumento com a alusão a normas de carácter regimental em suporte de mecanismos participativos, e podia tê-las invocado nessa sua óptica de alegação de uma putativa desnecessidade -, e á prática correspondente configuram uma situação que deve levar toda a gente, sem excepção, a uma reflexão apurada sobre o nosso défice interno.

Utilizo a palavra, "medidamente", sem nenhum dramatismo, para sublinhar tão-só que o entrechocar ou o entrosar, se quiserem, da ordem jurídica nacional e da comunitária, tal qual vigora entre nós, suscitou ao longo destes anos alguns problemas de conflito e de articulação, mal resolvidos provavelmente, e a nossa absorção da construção europeia do ponto de vista normativo fez-se com dificuldades. A própria delimitação de competências entre órgãos de soberania nem sempre deixou de originar conflitos, em alguns casos

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difíceis de ultrapassar e noutros até apreciados pelo Tribunal Constitucional.

Aliás, foi o Tribunal Constitucional português que teve de sublinhar, de forma clara, que a execução de regulamentos comunitários, nos casos em que eles careçam de alguma espécie de desenvolvimento, e o desenvolvimento e transposição de directivas em Portugal devem fazer-se de acordo com a repartição constitucional de competências internas, sendo de excluir qualquer efeito de translação de poderes da Assembleia da República para outros órgãos de soberania, para o Governo ou, eventualmente, para as assembleias legislativas regionais, nos casos em que estas tenham alguma competência relevante para o efeito.

Portanto, a questão não foi simples a nível interno e depois foi muito agravada pela própria evolução caótica da ordem comunitária. Nós, aqui em Portugal, falamos demasiadas vezes da ordem jurídica comunitária como se se tratasse de um ordenamento inteiramente hierarquizado, similar ao nosso, por completo, com categorias susceptíveis de homologias inequívocas e sugestivas. Sendo que na maior parte dos casos as sugestões são equívocas e as homologias são puramente aparentes, o que gera, entre nós, um défice de percepção da própria realidade do direito comunitário, que depois tem consequências na legiferação e na interpretação tanto das normas internas como das normas comunitárias.

As normas comunitárias europeias são dispersas, são labirínticas, por vezes não têm um suporte normativo - aliás, verificou-se um certo declínio das directivas e um uso algo indiscriminado dos regulamentos -, faltando um quadro normativo sedimentado.

Não é por acaso que entre as declarações que o Sr. Presidente teve ocasião de citar há uma que não referiu, relativa à hierarquia dos actos comunitários, que incita a conferência intergovemamental futura, que há-de realizar-se em 1996 - se não for antecipada, como, eventualmente, acontecerá, uma vez que todas estas datas estão um pouco postas nas mãos da história -, a analisar em que medida será possível rever a classificação dos actos comunitários, de modo a estabelecer uma hierarquia adequada das diferentes categorias de normas.

Portanto, temos também uma crise normativa europeia.

É por isto que, Sr. Presidente, Srs. Deputados, a reflexão sobre que impacte é que Maastricht produz neste contexto deve, quanto a mim, partir do ponto de vista realista - que, de resto, vi subscrito claramente, o que me parece também positivo - de que o Tratado acarreta alterações significativas. É extremamente positivo que elas não sejam simplificadas numa pugna Governo/Parlamento, porque todos os órgãos de soberania são afectados, inclusivamente o Governo. Como tive ocasião de sublinhar há dias, a maior alteração que se desenha em matéria, por exemplo, do Estatuto do Banco de Portugal não decorre de qualquer das normas citadas no debate que aqui tivemos sobre a matéria, mas, sim, do artigo que vincula os governos a uma espécie de dever de abstenção ou de não ingerência na definição de orientações que possam constranger o exercício das competências próprias do Banco Central Europeu. Isto significa uma limitação à competência governamental, um reenquadramento da forma de exercício de competências governamentais muito significativo.

Outras limitações existem por força dos fenómenos de definição de competências, afectando, repito, o próprio Governo e outros órgãos de soberania, designadamente o Presidente da República e a Assembleia da República.

Quanto ao impacte sobre o Parlamento, creio que estamos apenas em atraso. Aquilo que, para se conseguir atingir objectivos de convergência dita comunitária nos grandes aspectos macroeconómicos, tem sido feito acarretou uma reinterpretação global do quadro constitucional em matéria orçamental que deu uma outra feição ao próprio acto de aprovação do Orçamento.

Pela primeira vez no ano passado, o Orçamento foi elaborado e aprovado após a reunião em sede comunitária em que o plano de convergência português foi supervisionado - conceito este inteiramente novo, cuja delimitação, face à Constituição portuguesa, é extremamente difícil de fazer, salvo, obviamente, em termos simplísticos, pois a supervisão não existe juridicamente, sendo um acto "informal", razão pela qual a Assembleia da República mantém inteiramente intactas e plenas as suas faculdades de aprovar ou rejeitar o Orçamento, rompendo compromissos assumidos pelo Governo a nível da sede comunitária competente. Portanto, o acto orçamental continua formalmente livre, como antes da implementação deste tipo de mecanismos. Mas será assim?

A tese afirmativa, por um lado, nega a realidade comunitária e, por outro, é uma ficção jurídica que apenas tem como efeito escamotear que há aqui um problema constitucional a resolver. O problema é este: como é que readequamos as formas de intervenção do Parlamento em relação a esferas fundamentais, designadamente a da decisão financeira e fiscal (não só a da criação e da alteração dos impostos, como também a da fixação de outros elementos necessários para os resultados finais em matéria de sistema fiscal), por forma que obtenhamos não o resultado originário, inteiramente ultrapassado pela marcha da construção europeia, mas sim resultados que, no novo contexto, permitam dizer que não houve uma supressão das faculdades parlamentares essenciais ou que não houve uma diminuição do papel fulcral do Parlamento nestes dois domínios, pelo menos.

Gostaria ainda de, sob este ponto de vista, sublinhar que, quanto a estes aspectos, o défice português é sério. Não só a reflexão que deveria ter levado ao impulsionamento do cumprimento da lei que V. Exa. referiu não teve esse efeito prático, como, sobretudo, estamos neste momento perante um salto qualitativo que é de tal forma relevante que, colocado sobre o campo do atraso em que estamos, sem medidas correctivas cirúrgicas reequilibrantes, teria como efeito uma depreciação do papel constitucional do Parlamento e uma alteração fulcral do equilíbrio de poderes na correlação Governo/Assembleia da República.

É aí que me parece, francamente, que a argumentação utilizada contra a oportunidade de uma alteração subestima vários aspectos fulcrais aos quais gostaria de dedicar as minhas últimas observações.

Em primeiro lugar, o objectivo. Este, como há pouco sugeri, não é o regresso ao "Parlamento-Sol", não é o regresso à situação prévia, ao modelo existente antes da ligação de Portugal à construção europeia.

As transformações do Estado de direito democrático conduziram à implementação de vários mecanismos, designadamente da democracia participada, de participação no processo legislativo. Trata-se também, agora, de preservar esses mecanismos de mediação adquiridos na ordem jurídico-constitucional sob forma de direitos de participação na elaboração de legislação, evitando que se diluam, percam alcance e, em certos casos, fiquem pura e simplesmente sem objecto. Se não forem introduzidas disposições de carácter correctivo neste ponto, alguns elementos de democracia participativa, designadamente no que respeita à construção de normas legais, não só se esbateriam, como, em muitos

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casos, correriam pura e simplesmente o risco de ser perdidos, porque não são substituídos por mecanismos similares que permitam a intervenção nos órgãos homólogos das Comunidades Europeias. Estas, em certos casos, não têm pura e simplesmente órgãos homólogos.

Foi esgrimido contra o PS um argumento de oportunidade, que não abordaria agora. O Sr. Deputado Rui Machete teve o cuidado de sublinhar que isso dependia de estratégias políticas, só espero que não dependa de estratégias políticas desligadas de alguns dos factores que estive a equacionar agora e que têm a ver precisamente com a crise de representação política europeia e em Portugal.

Se essas razões tiverem a ver com os argumentos que aqui temos estado a esgrimir e a analisar, devo dizer que me parece particularmente pouco impressionante o argumento funcional, aquele que alega a desnecessidade de alterações. Por aquilo que disse e por aquilo que gostaria de acrescentar, alegar que o facto de a Constituição permitir que façamos tudo em matéria europeia nos dispensaria de fazer algo cm matéria de normação constitucional não é seguramente um bom argumento. Obviamente a Constituição permite tudo. a Constituição não proíbe nada em matéria de actividades de fiscalização e de legiferação no limite da repartição e separação de poderes. Sucede, evidentemente, é que, se a Constituição permite mas não impõe, isso significa que constitucionalmente não há sanção para a não organização de uma actividade não obrigatória. O Sr. Deputado Almeida Santos sublinhou rigorosissimamente este ponto e é de uma sanção, de uma garantia (se não quisermos usar uma palavra com a conotação sancionatória) institucional e constitucional que se trata neste momento.

Trata-se de criar um corpo de normas com suficiente densidade para que tenhamos deveres verdadeiros e próprios, susceptíveis de interpretação inequívoca, que permitam intervenções em momentos precisos de particular importância. Não se trata da consagração de uma norma de carácter genérico que aluda benévola e simpaticamente - neste caso então, romanticamente - a um empenhamento do Parlamento na gesta da construção europeia. Visa-se uma norma precisa, calibrada e rigorosa que fixe deveres. E gostaria de dizer que essa norma é necessária, mas não pela razão que o Sr. Deputado Nogueira de Brito aqui sublinhou. Essa norma não é necessária porque a lei actual seja um vazio normativo ou, mais ainda, um mero conjunto de faculdades. A lei actual, a Lei n.° 111/88, de 15 de Dezembro (acompanhamento da Assembleia da República em matérias relativas à participação de Portugal nas Comunidades Europeias), na parte em que alude a deveres é de deveres que trata e de deveres, verdadeiros e próprios no sentido jurídico. É um sollen, e não um konnen, que está em causa nessas normas, muito clara e inequivocamente. Essas normas não devem ser, desse ponto de vista, desvalorizadas interpretativamente nesta sede. Sucede apenas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a transposição para o nível constitucional é importante. É importante porque precisamente torna, através da imperativização constitucional, então aí sim, um sollen constitucional...

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Ou um mussen!

O Sr. José Magalhães (PS): - Ou um mussen!

Torna-se inteiramente irretorquível e irretractável a produção dos factos políticos que são desejados num sentido de maior intervenção da Assembleia da República. Portanto, funcionalmente, a necessidade de uma norma como a que desejamos prova-se.

Por outro lado, como disse o Sr. Presidente, o argumento utilizado quanto à incompletude das obras nacionais de correcção é inteiramente reversível. A afirmação de que os desequilíbrios que se reconhece serem introduzidos por esta revisão dos tratados só podem ser corrigidos a nível organizativo das Comunidades é um argumento que merece, prima facie, a seguinte resposta: a César o que é de César, a Deus o que é de Deus. Às Comunidades o que é das Comunidades, aos Estados nacionais o que é dos Estados nacionais, à luz do princípio da subsidiariedade. Comecemos por aplicá-lo já aqui, como o PS, o PSD e o CDS o propõem. Não vamos pedir às Comunidades aquilo que os Estados nacionais devem fazer. Não operemos um jogo, que seria então devolutivo e excessivamente "pingueponguesco", de pedir às Comunidades aquilo que os Estados nacionais podem fazer e quiçá pedir aos Estados nacionais aquilo que cabe às Comunidades fazer.

Creio que o argumento que o Sr. Presidente utilizou é pura e simplesmente reversível. Não podemos estear-nos, como tive o cuidado de sublinhar há pouco, na declaração anexa ao Tratado. Tenho a esperança, devo dizê-lo (e digo-o a título puramente pessoal), de que essa declaração venha a ser reforçada e complementada em momento ulterior, porventura breve. Verifiquei que há dias o Sr. Presidente da Assembleia da República, no discurso que teve ocasião de produzir perante a Comissão de Petições do Parlamento Europeu aqui nas instalações da Assembleia da República e mais tarde em Estocolmo, teve o cuidado de sublinhar a importância de que se revestem as obras que a nível nacional devem ser feitas em defesa dos Parlamentos nacionais.

Creio, Sr. Presidente, que uma velha palavra de ordem - a de que a defesa dos Parlamentos nacionais há-de ser obra dos próprios Parlamentos nacionais - tem aqui pleno cabimento e seria, pelo menos, pouco razoável, pouco realista, esperar que essa preservação nos venha de fora.

Gostaria de sublinhar, por último, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que as fórmulas a encontrar para exprimir esta participação dos Parlamentos nacionais, neste caso da Assembleia da República, são uma questão complexa. O Partido Socialista partiu para ela de forma leal, apresentando um texto, o que significa descobrir uma intenção política e formalizar, com todos os riscos, uma intenção política, dar a cara com as virtudes e com os defeitos.

Mas as questões a examinar são, de facto, de grande complexidade. Trata-se, por um lado, de sublinhar o princípio da associação do Parlamento português no processo de decisão comunitária, porventura com um carácter algo programático, por forma a abrir a porta a um quadro legislativo ulterior mais denso e alargado.

Trata-se, por outro lado, de assentar na melhor forma de conseguir a definição de um dever genérico de informação, e de um direito de apreciação prévia e posterior do Parlamento, especialmente importante em relevantes matérias onde essa pronúncia é essencial. A nossa ideia é que o Parlamento deve ser chamado a emitir juízos sobre matérias em que deixou de ter as prerrogativas que tinha no quadro novo do exercício em comum de competências. Essa ideia, esse princípio, essa regra de ouro, parece-me perfeitamente susceptível de reunir um consenso.

Quanto aos instrumentos, abre-se aí um magma de questões. O Sr. Deputado Costa Andrade perguntou, e muito bem, qual é o alcance do instrumento resolução. Bem, é útil precisar o alcance desses instrumentos porque a resolução não é o único instrumento, como o Sr. Deputado Almeida Santos sublinhou.

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Pode haver outros instrumentos de apreciação, mas tem de ser inventada uma forma que articule duas coisas. Por um lado, o processo legislativo comunitário, com as suas características, que (devo dizer) não devem ser, por parte de nenhum de nós, ao que suponho, objecto de um incensamento idolátríco. O processo legislativo europeu, tudo o prova, carece de melhorias em muitos pontos, desde logo na transparência, nesses vai e vem em que alterações de textos são desenhadas e aparecem, por vezes, sem que os próprios participantes tenham conhecimento da ratio legis ou, pelo menos, da ratio da alteração produzida e do iter seguido.

Portanto, o conhecimento da ratio e dos outros elementos da produção normativa comunitária é extremamente importante, e é um aspecto em que a lição dos factos nos mostra que é preciso introduzir correctivos. Correctivos a nível comunitário e compensações a nível nacional.

Dizia isto apenas para sublinhar que essa consagração de mecanismos de informação, de consulta e de habilitação prévia deve ser compatível com o processo de construção normativa comunitário, sem que o idolatremos e sem que deixemos de reconhecer que ele próprio carece de benfeitorias. A fórmula resolução é única para encontrar esse efeito? Eu nunca o diria. De resto, a proposta do PS não o faz, tem o cuidado de utilizar o advérbio "designadamente" para deixar livre ao legislador um campo de imaginação quanto aos instrumentos de indirizzo, se quiserem, de orientação política, de habilitação para a actividade a desenvolver no âmbito do Conselho, sem a transformar, por isso, num colete-de-forças que inviabilize o mínimo de flexibilidade normativa que é necessária para esse efeito negociai. É preciso encontrar, dentro deste campo de imaginação e de abertura, fórmulas, desde que haja um acordo quanto ao princípio.

Ora, quanto ao acordo sobre o princípio, não vi esgrimir nenhuma razão convincente. Apenas uma pode perturbar: a ideia de que se deveria esperar por uma revisão global, alegando-se que, se há alterações que mudam a articulação de poderes entre os órgãos de soberania, então deveria repensar-se globalmente essa matéria e a altura boa será evidentemente a revisão constitucional ordinária.

Há nesse argumento dois problemas. O primeiro foi enunciado pelo Sr. Presidente e é o de que não está em causa, aparentemente, por parte de ninguém, uma revisão global do sistema político português e do conspecto de poderes dos órgãos de soberania a ponto de alterar o semipresidencialismo. A revisão global não tem o sentido de uma ruptura, que alguém tenha anunciado pelo menos. E, portanto, as questões que haverá a considerar nessa revisão global serão sempre questões de pormenor. E na maior parte dos casos serão questões derivadas ainda da construção europeia. Não queria fazer de pitonisa nesta matéria para além do que é necessário, mas creio que grande parte dessas questões serão questões derivadas da construção europeia pura e simplesmente. Ora, sucede que o momento em que a construção europeia, ao menos neste seu salto qualitativo, se vai operar é agora. Se não fossem adoptadas as medidas correctivas, agora que o salto se opera, isso significaria que ficaríamos em défice até ao período normal de revisão constitucional sem nenhuma razão, porque as mudanças que teríamos de introduzir seriam precisamente aquelas que decorriam do Tratado que motiva a revisão constitucional que estamos a fazer.

Srs. Deputados, este é um argumento que, se prova alguma coisa, é rigorosamente o seu contrário. Prova, primeiro, que não há revisão global nenhuma, porque ninguém a deseja, prova, em segundo lugar, que o conteúdo da revisão global assim chamada será em grande parte derivada da construção europeia e, em terceiro, que a construção europeia se fará agora. Em 94, a construção europeia provavelmente originará não sei que outras alterações. Sou inteiramente capaz de as prever, confesso modestamente, e a revisão constitucional nessa altura haverá que ter em conta provavelmente essas alterações. Por exemplo, como é que evoluirão os poderes judiciais no interior das Comunidades, coisa de que ninguém fala. Como é que se articularão? Que choques não haverá entre o direito comunitário e o direito constitucional dos Estados membros?

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Uma boa razão para termos calma!

O Sr. José Magalhães (PS): - Portanto, essa é uma boa razão para fazer aqui o mínimo - é certo -, mas o mínimo compatível com a dimensão do salto introduzido, que é significativo. O mínimo significativo, não é o mínimo nulo, se quiserem. Não é um "zero" de alteração, mas uma alteração que poderá ser mínima no tamanho, mas tem de existir densificadamente e à altura da alteração qualitativa que se pretende introduzir. Creio que, por um lado, isto é um imperativo de coerência e, por outro lado, não pode esperar pela revisão constitucional ordinária.

Sr. Presidente, procurei apenas evocar o espírito dos tempos, que me parece estar bem propício à reflexão sobre os poderes dos Parlamentos e do papel essencial que lhes cabe, pelo que era suposto que estivesse propício à consagração de uma boa norma constitucional sobre esta matéria. Apenas me resta agradecer a vossa paciência e fazer votos para que essa norma seja atingida.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Amaral.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O problema levantado por este conjunto de propostas está relativamente esclarecido. Isto é, está visto que este conjunto de normas se dirige a um certo problema e não pode cobrir outros. Com efeito, dirige-se a um problema que tem a ver com as competências da Assembleia e com o relacionamento dela com o Governo e não se podem dirigir ou cobrir as situações que decorrem da estrutura e modelo de funcionamento das Comunidades. De facto, não resolve os problemas de transferência de competências do Estado Português para as Comunidades, nem os problemas que se podem colocar quanto ao modelo de funcionamento das Comunidades, quando ele implica falta de participação e de intervenção de entidades nacionais.

No entanto, creio que levanta um problema, que é, agora, de todo pertinente e oportuno, como tem sido ao longo do tempo e como continuará a sen o que resulta do facto de o processo de integração, nas suas sucessivas fases e naquelas que são previstas no processo do Tratado, estar a conduzir a um empobrecimento sucessivo do papel da Assembleia e a um fortalecimento do papel do Governo em áreas que eram da competência da Assembleia. Isto é, para todos nós é evidente que a Assembleia vai sendo confrontada com a situação de ter ou de dever ter de aprovar legislação ou normas sobre matérias que são da sua competência, não por sua intervenção, mas por intervenção do Governo no Conselho ou noutras instâncias. Este problema existe e tem dado origem a numerosíssimos comentários em

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todos os países das Comunidades Europeias, assim como a algumas soluções de natureza legislativa e constitucional.

Em Portugal, esta questão, entre outras, deu origem a uma lei que aqui não foi referida, a Lei n.° 28/87, revogada pela que actualmente está em vigor, a Lei n.° 111/88.

A Lei n ° 28/87 era bastante mais arrojada no que toca à intervenção da Assembleia e, aliás, foi aprovada no final da IV Legislatura, isto é, já na sua recta final. Na altura, teve um grande apoio de vários partidos e a exclusiva oposição do PSD. Com as eleições de 19 de Julho de 1987, o PSD obteve a maioria absoluta e revogou essa lei, aprovando a Lei n.° 111/88, cujo enorme défice de aplicação se deve, em minha opinião, a esta história, pois destinava-se mais a revogar a anterior do que a aprovar um determinado regime. E, em meu entender, ainda hoje a questão da vigência da lei é central, pois a Lei n.° 111/88 tem mecanismos que não têm execução e que deveriam ser executados. É uma lei que não faz tudo aquilo que deveria ser feito, mas, se fosse feito tudo o que ela prevê, já estaríamos numa situação muito melhor do que estamos, neste momento, no quadro da não aplicação da lei.

Assim, em face das propostas apresentadas pelo PS e pelo CDS, gostaria de colocar uma questão.

Ora, sendo certo que, mesmo sem estas normas, com a dignidade constitucional que o PS e o CDS, propõem, o quadro constitucional oferece possibilidade de adoptar soluções legislativas que configurem a concretização dos objectivos que presidem a estas propostas de alteração agora apresentadas; sendo certo que há um processo legislativo em curso na Assembleia da República, neste momento, visto que há iniciativas legislativas - uma delas até apresentada pelo meu partido - destinadas a alterar a Lei n.° 111/88, melhorando o regime nela previsto; sendo certo também que outros partidos manifestaram já intenção de intervir também nesse processo, a questão que coloco é esta: poder-se-á dizer que, independentemente da sorte destas propostas apresentadas aqui, em sede deste processo de revisão constitucional, o Partido Socialista e o CDS se empenham igualmente na melhoria da lei? Isto é, será que, independentemente da sorte dessas posições, consideram também que, através da revisão da Lei n.° 111/88, da adopção e da efectivação de mecanismos capazes de melhorar todo este sistema, podem conseguir-se bons resultados? Isto é, não é importante marcar aqui, de uma forma clara, que a eventual - e vou dizer as coisas de forma bastante clara - adopção ou não adopção destas propostas não pode significar que não existam possibilidades, nomeadamente no enquadramento constitucional vigente, de adoptar mecanismos capazes de qualificarem a intervenção da Assembleia da República nesses processos? Preocupa-me que se possa deduzir o contrário deste processo e, por isso, queria que ficasse aqui registada a opinião dos proponentes das propostas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Nogueira de Brito.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado João Amaral: Na realidade, entendemos que no texto actual da Constituição não há nada de impeditivo em relação ao melhoramento, da actual Lei n° 111/88. Mas a alteração que propomos tem uma intenção mais positiva, ou seja, levar à própria sede constitucional, logo qualificar as respectivas violações, as normas de acompanhamento pelo Parlamento nacional da realidade europeia e da construção europeia, o que tem um significado próprio. Ora, isso não significa que entendamos que não há possibilidade de, no actual quadro, melhorar...

O Sr. João Amaral (PCP): - Então não entende que a alternativa seja o "zero"?

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Não, não entendo, até porque o Sr. Deputado Rui Machete já citou dispositivos que, no seu entender, no actual quadro constitucional, bem poderiam habilitar-nos a um melhoramento desta lei.

O que considero discutível é que haja vontade política, dada a argumentação produzida durante as reuniões da Comissão, a fixidez e a satisfação com que foi referido o quadro legal da Lei n.° 111/88, para mudar a lei. Mas isso é uma outra questão que se situa num outro plano!

No plano jurídico-constitucional, penso que a resposta é a de que não deverá desistir-se de melhorar esse quadro legal e de que isso é possível no actual quadro constitucional. Mas seria preferível mudar o quadro constitucional, designadamente pelo que significaria em termos de violação constitucional positiva das normas de acompanhamento.

O Sr. João Amaral (PCP): - Mas, se os raciocínios em toda esta questão pudessem assentar em que da parte de um determinado partido, que pelos votos que tem é determinante para a adopção de qualquer dispositivo nesta Assembleia, não existe vontade política de adoptar uma solução, no plano meramente legislativo, como é que poderíamos prosseguir este processo, dizendo que este mesmo partido, que não aceitava em sede legislativa uma determinada solução, a ia aceitar em sede de alteração da Constituição? Evidentemente estamos aqui a partir de um princípio de que podemos conseguir, em sede constitucional ou legislativa, melhorar os mecanismos destinados a permitir a intervenção da Assembleia da República nestes processos e, enfim, digamos que existe aqui um sentimento comum de que há um défice que tem de ser colmatado. Claro que, se "esbarrarmos na parede", então teremos as razões de queixa necessárias.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Presidente, permite-me que faça agora uma pergunta ao Sr. Deputado João Amaral?

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado.

O Sr. Nogueira de Brito (CDS): - Sr. Deputado João Amaral, a sua argumentação significa que o Partido Comunista considera completamente desnecessária a introdução dos melhoramentos pretendidos pelo Partido Socialista e pelo CDS na Constituição?

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado, respondo com clareza à sua questão. Considero que, se, no quadro da revisão constitucional, forem introduzidos mecanismos que assegurem uma melhor intervenção da Assembleia, será evidentemente positivo. Mas o que não quero, ou melhor, o que tenho receio, é que seja extraída do facto de esses mecanismos não serem adoptados uma conclusão, em minha opinião, perversa: a de que não se poderia caminhar nem progredir nesse sentido. Ora, gostaria que esse aspecto ficasse bem claro, isto é, que é possível progredir.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Costa.

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9 DE OUTUBRO DE 1992 117

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Depois de ouvir agora o Sr. Deputado João Amaral já fiquei mais tranquilo em relação à sua intervenção, porque me pareceu, inicialmente, que ela envolvia um certo entusiasmo injustificado em relação aos méritos da legislação ordinária para resolver este conjunto de problemas.

O Sr. João Amaral (PCP): - Não disse isso! Deve ter ouvido mal!

O Sr. Alberto Costa (PS): -Sr. Deputado, de facto, depreendi isso, e, em todo o caso, estavam a ser sobreavaliados os méritos e as expectativas em tomo de uma solução deste problema por via de legislação ordinária.

Ora, á nossa ideia é a de que, independentemente de melhoramentos ulteriores que sejam introduzidos nessa matéria, os próprios factos ilustram a necessidade de graduar constitucionalmente esta matéria, pelo que nos parece que é particularmente importante que, num momento, a nível constitucional, se removem obstáculos para se acolherem as alterações decorrentes do Tratado de Maastricht, se introduzam também garantias de nível constitucional, até para possibilitar o funcionamento de mecanismos de controlo da constitucionalidade, que, evidentemente, oferece um nível de garantia superior à que a violação da lei ordinária pode suscitar.

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado, se me dá licença, gostaria só de lhe dizer que, como há pouco me entendeu mal, talvez eu também o tenha entendido mal. Será que V. Exa. quer dizer que considera que, se essas propostas não obtiverem vencimento, a causa está perdida? Isto é, não há possibilidade de pretender uma maior intervenção da Assembleia nos processos comunitários?

O Sr. Alberto Costa (PS): - Há possibilidade de garantir uma maior intervenção da Assembleia, mas o problema está em saber se ela é suficiente e se é proporcionada às exigências decorrentes do Tratado de Maastricht. E a nossa resposta é clara: essas exigências reclamam uma graduação constitucional dos novos poderes da Assembleia, que a entrada em vigor deste Tratado reclama. Não nos contentamos com uma solução ordinária.

Não sei - e agora também deixo a pergunta - se o Partido Comunista se contenta ou não com uma resposta no plano da legislação ordinária para este tipo de problemas, mas a nossa resposta é a de que não a consideramos suficiente!

O Sr. João Amaral (PCP): - Sr. Deputado, quanto a isso devo dizer-lhe que depende do ângulo de observação. De facto, o problema que temos, neste momento, é o de efectivar essa intervenção. A única coisa que me contenta é que ela se efective. E, desde já, posso dizer que "não ponho a parada" na solução constitucional em termos de, como o Sr. Deputado acaba de fazer, ou há solução constitucional ou não há alternativa.

Essa é uma formulação que, evidentemente, não subscrevo.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, sem entrar em diálogo, só quero acrescentar que a graduação constitucional não dá um contributo pequeno para o problema da efectividade que acaba de ser colocada.

O Sr. João Amaral (PCP): - Nem é despicienda a existência de uma solução legal para esse efeito.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, tenho muita pena de que a proposta atinente aos poderes das Regiões Autónomas não tenha merecido nenhuma observação, pelo menos que eu tenha ouvido, por parte de qualquer dos oradores que intervieram no debate, com excepção do Sr. Deputado Almeida Santos na apresentação e de um comentário breve do Sr. Presidente.

Gostava de sublinhar que as questões institucionais relativas às Regiões Autónomas não têm estado no centro do debate sobre o Tratado de Maastricht e as suas implicações constitucionais, pelo que, provavelmente, terão de ser objecto de reflexão aturada no âmbito da próxima revisão constitucional, designadamente no que se refere a algumas questões relacionadas com as competências legislativas regionais.

No entanto, suponho que, também nesse caso, seria bom não perder de vista as profundas alterações que já decorreram da construção europeia, a forma como elas se repercutiram no exercício de competências e poderes que o artigo 229.° da Constituição defere às Regiões Autónomas e, também, o défice de imaginação constitucional e legal que há nessa matéria para dar resposta às tais novas situações criadas.

A norma constitucional do artigo 229.°, n.° 1, alínea q), por exemplo, que inclui entre os poderes das Regiões Autónomas o de participar na definição e execução das políticas fiscal, monetária, financeira e cambial, de modo a assegurar o controlo regional dos meios de pagamento em circulação e o financiamento dos investimentos necessários ao seu desenvolvimento económico-social,...

O Sr. Presidente: - Os juristas, tal como Jesus Cristo, às vezes não sabem de finanças.

Risos do PSD e do PS.

O Sr. José Magalhães (PS): - ... foi, evidentemente, fustigada pela marcha da construção europeia, sem ser adaptada devidamente. E é esse o problema, ou seja, a Constituição aponta para um máximo cujos contornos, de resto, foram sempre difíceis de delimitar, mesmo no quadro de um Estado constitucional isolado, para não dizer autárcico, na pré-adesão, tornaram-se quase impossíveis de delimitar depois da adesão e hoje são ou estão a caminho de maior dificuldade de delimitação útil em termos conceptuais.

Normas como esta e outras contidas no artigo 229.°, incluindo as respeitantes ao exercício do poder tributário, merecem alguma reflexão. E, se digo estas coisas, é apenas para sublinhar que a norma proposta pelo Partido Socialista pode ser modesta, mas é honesta e salienta um aspecto importante, que é a necessidade ou a utilidade de uma norma de participação, isto é, de uma norma que garanta o direito de pronúncia por iniciativa própria ou sob consulta.

Sr. Presidente, creio que uma norma desse tipo, económica, porventura ainda mais económica, pois esta já me parece extremamente exígua, seria útil para sublinhar a preocupação com o reequilíbrio, que também afecta as Regiões Autónomas portuguesas e não passa ao lado delas.

É pena que alguns dos que mais directamente têm tratado aqui destas matérias e que apresentaram, de resto, algu-

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mas faustosas e, em certos casos, pouco razoáveis propostas em matéria de autonomia regional não estejam ou não tenham podido estar hoje aqui para debater esta questão institucional, que é bastante interessante na óptica da reflexão futura sobre as autonomias regionais.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Sr. Deputado, afirmei que estava convencido de que o PSD ia adoptar, jubilosamente, a nossa proposta.

O Sr. José Magalhães (PS): - Espero que o Sr. Deputado Almeida Santos, ao exprimir o voto de que o PSD, jubilosamente, aprove estas normas - voto que faço meu -, acerte no alvo.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Não tenho dúvida sobre isso, Sr. Deputado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, apesar de a hora já ir adiantada e de necessitarmos de terminar a reunião agora, gostava de reiterar o que afirmei há pouco. Não estou convencido, e o brilho da argumentação do Sr. Deputado José Magalhães também não me convenceu, de que não seja possível uma interpretação perfeitamente adequada da norma que citou, em termos de permitir uma intervenção ampla e justificada das Regiões Autónomas. Aliás, posso até explicar por que razão: é que não compartilho da ideia de que haja urna transferência de soberania. O que há é, apenas, uma partilha de soberania nas matérias que dizem respeito à política monetária.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, essa ideia não foi adiantada por mim.

O Sr. Presidente: - Sim, eu sei. Mas pareceu pressupô-la, ao considerar caduca a norma relativa ao estatuto das Regiões Autónomas.

O Sr. José Magalhães (PS): - Não, não. Considerei que o seu alcance originário estava inteiramente desmiuçado, linguagem que, como V. Exa. compreenderá, tem mais de... do que de recortado juridicamente. E não utilizei a expressão "caducidade" de propósito.

O Sr. Presidente: - Pois não. Mas, no fundo, traduzindo-a juridicamente!...

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas não a utilizei, porque não quis, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Eu percebi, mas quero utilizá-la para traduzir.

Assim, continuo a pensar que não há motivo para esse jubilo pré-anunciado pelo Sr. Deputado Almeida Santos.

Chegámos, pois, ao termo da análise destas disposições.

Amanhã, conforme havíamos combinado, teremos oportunidade de terminar esta leitura, uma vez que os artigos que falta analisar são poucos e, ainda por cima, alguns deles, segundo me parece, constam das propostas de uma forma, digamos, muito fora do teor habitual das nossas discussões sobre esta matéria nesta revisão extraordinária. Refiro-me, naturalmente, aos artigos sobre o Orçamento, propostos pelo PSN.

A conclusão desta leitura, e porque são poucos os problemas que falta analisar -a revisão extraordinária, o artigo sobre o Orçamento, a proposta do PSN em relação ao artigo sobre os limites materiais e a um outro, que, salvo erro, ficou para trás, e a questão das regiões -, permitirá começar a abordar a problemática seguinte. No entanto, o problema das regiões pode, eventualmente, prolongar os trabalhos para a próxima terça-feira.

O Sr. Almeida Santos (PS): - À questão dos limites materiais respondo com a oferta do meu cadáver.

O Sr. Alberto Costa (PS): - Sr. Presidente, antes de terminarmos, queria ainda lembrar a questão do colóquio. É que, como os partidos ainda não indicaram o seu representante no colóquio e está a tornar-se tarde, insistia no sentido de essas indicações serem feitas, porque convém estabelecer a data, que será, naturalmente, na semana seguinte às audições.

O Sr. Presidente: - Parece-me que tem toda a razão, Sr. Deputado.

Já agora, a propósito não digo de recriminações, mas de lamentações, convinha que os Srs. Deputados, e estou incluído no número, apresentassem as revisões das actas o mais urgentemente possível, de modo a não impossibilitar o cumprimento do regimento desta Comissão.

Está encerrada a reunião.

Eram 18 horas e 30 minutos.

Faltaram à sessão os seguintes Srs. Deputados:

Ana Paula Matos Barros (PSD).
Guilherme Henrique V. R. da Silva (PSD).
João Álvaro Poças Santos (PSD).
Manuel Castro de Almeida (PSD).
Alberto de Sousa Martins (PS).
José Alberto R. dos Reis Lamego (PS).
José Eduardo Vera Jardim (PS).
André Valente Martins (PEV).
Manuel Sérgio Vieira e Cunha (PSN).

A DIVISÃO DE REDACÇÃO DA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA.

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