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Quinta-feira 13 de Outubro de 1994 II Série — Nümero 7—RC

da Assembleia da RepUblicaVI LEGISLATURA 4A SESSAO LEGISLATIVA (1994.1995)

IV REVISAO CONSTITUCIONALCOMISSAO :EVENTUAL PARA A REVISAO CONSTITUCIONAL

ACTA N.2 7

Reunião do dia 12 de Outubro de 1994

SUMARIO

O Si &esidente (Rui Machete) deu (cio a rewuJo à 10 horns e 40 mhutatForam apreciadas as propostas de alteracão, apresentadas por Os -

Verdes, Deputado independente Luis Fazenda. PCP, PSD, PS eDeputado do PSD Pedro Roseta, relativas aos artigos 15.°, 16.° e 20.°e feita a apresentacJo da proposta de alteracao ao artigo 22.°,apresentada pelo Deputado do PSD Pedro Roseta.

Intervieram no debate, a diverso iftulo, aldm do Sr. Presidente, asSrs. Deputados AntOnio Filipe (PCP), Almeida Santos (PS), Isabel nutos.

Castro (Os Verdes), Fernando Condesso e Pedro Roseta (PSD), JoséVera Jardim (PS), Lutz Fazenda (indep.), AntOnio Marques Mendes eCosta Andrade (PSD), Alberta Martins (PS), Lutz SO (PCP), MargaridaSilva Pereira (PSD), José MagalhJes (PS), Raul Castro (Indep.), OdeteSantos (PCP) e Braga de Macedo (PSD).

0 Sr. Presidente encerrou a reunido eram 13 horas e 10 mi.

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o Sr. Presidente (Rui Machete): — Srs. Deputados, temos quOrum, pelo que declaro aberta a reuniäo.

Eivm 10 horns e 40 mimuos.

Vamos prosseguir o debate do artigo 15.°, <(Estrangeiros,apátridas, cidadâos europeus)x.

Para urna intervençâo, tern a palavra o Sr. DeputadoAntonio Filipe,

o Sr. Antonio Filipe (PCP): — Sr. Presidente,Srs. Deputados: A intervenção que you fazer sobre estamatéria esté relacionada corn o que o Sr. Deputado JoséVera Jardim disse a propOsito cia proposta, apresentada peloPCP, para o n.° 3 do artigo 15.0 Tambdm gostava de mereferir a outras propostas, designadarnente as apresentadaspelo Sr. Deputado Luls Fazenda, relativas ao reagrupamentofamiliar dos imigrantes e a defesa cia sua cultura de origem.

Em primeiro lugar, e de registar a posicão manifestadapelo Sr. Deputado José Vera Jardim de que o Partido Sodalista se identifica corn todas as consideraçoes que fizemosa propOsito da situaçao em que vivem os imigrantes emPortugal e das poifticas de acesso e permanência desses cidadãos no nosso pals e que discorda do que dissemos quanto a necessidade de ser feita uma referência constitucional aessas especiais condiçöes..

A nossa opiniAo é diversa; alias, entendemos que o mesmo argumento — uma vez que a lei pode fazer essa referência, nâo é necessário que a Constituiçâo a faça — podena voltar-se contra urna percentagern muito significativa daspropostas aqui apresentadas, designadarnente pelo PartidoSocialista, ja que o PS propOe que a Constituiçao consagrea nAo retroactividade das leis penais, que jé existe, estéconsagrada na lei, e não é posta em causa, e muitos outrosexemplos poderiam ser dados.

Respeitamos essa opiniao, apesar de discordarmos 4ela,porque nos parece que, particularmente, a situação que vivem os cidadãos imigrantes e que, em nossa opiniao, é susceptfvel de par em causa as tais relaçöes de amizade ecooperacAo a que se refere o n.° 4 do artigo

7•0 da Constituição, exigia que fosse feita uma referência a esta matdrianoutros capitulos da Constituição, designadamente neste, queci privilegiado para que urn inciso desse tipo tenha lugar, poistrata-se da parte relativa aos estrangeiros. Basta lembrar, porexemplo, urna carta enviada ao Presidente da Reptiblica deque foi dado conhecimento a Assembleia da Repdblica(tivemos conhecimento do seu conteildo pelo Centro PadreAlves Correia, de apoio aos iniigrantes áfricanos) em queha uma citaçAo que me parece particularmente impressiva eque, por ser curta, nao resisto a referir, onde se diz:< E continua: <<0 Aeroportode Lisboa tomou-se o simbolo, entre nOs, desta ideia daEuropa-fortaleza contra os palses do Sul.>>

Creio que é precisamente contra este espirito cia Europa-fortaleza e estes comportamentos das autoridades administrativas, que se vêm tornando quase sistemciticos, que interessava que a prOpria Constituiçao desse urn sinai quanto aexigência de o Estado Português atribuir condiçöes especiaisde permanência e de acesso ao territOrio nacional doscidadãos dos paIses de lingua oficial portuguesa, situaçaoque, alias, está sem tutela legal. Isto é, a legislaçAo relativa

a entrada, perrnanência, saida c expulsao de estrangeiros näopreve qualquer regime especial relalivarnente aos cidadãosdesses paIses.

As questoes suseitadas no que diz respeito aoreagrupamento familiar e a defesa da cultura destes cidadãosimigrantes parece-nos importante. Ainda ha muito poucosdias tivemos exemplos da negação flagrante de urna situacáo de reagrupamento familiar relativamente a unia cidadabrasileira que, tendo entrado em Portugal, foi imediatainente repatniada para o Brasil por decisão administrativa tomacia pelo Servico de Estrangeiros e Fronteiras sem qualquerbipOtese de reacção. Daqui depreende-se quo este valor estéa ser sistematicamente ignorado por parte das autoridades.Tivemos exemplos, alias célebres, de situaçöes dessasverificadas em Portugal corn outros cidadãos, no caso africanos. Por outro lado, asalvqiarda cia cultura das comunidades de cidadAos irn{?ajates ‘rentes em Portugal tam-bern ci urn aspecto extrdocjnari49çnte preocupante,sabendo-se que a situação em’ tju. yivë-a. maioria dessescidadäos e em que se encontrarn esss.cQmtthidades näo cipropIcia a que haja não apenas uma sa1Ya*uarda’d,a culturadesses povos mas uma integraçao harmonioa.en4’ dñbasas culturas, corn a qual penso que todos nOs béiieficiéfâmos, ficando seguramente Portugal, em termos culidrais,extraordinariamente enriquecido.

Sr. Presidente, são estas, pars ja, as consideraçôes quegostava de fazer a este propOsito.

o Sr. Presidente: — Tern a palavra o Sr. DeputadoAlmeida Santos.

o Sr. Almeida Santos (PS): — Sr. Presidente,Srs. Deputados: Não posso deixar de sen particularmentesensfvel a esta inatciria, porque já me confrontei corn alaanteniormente, num momento decisivo para a vida do Pals,em que se tratava do averiguar e legislar sobre quem pode

conservar a nacionalidade portuguesa do entre os portugueses do entAo que resicliarn nas ex-colónias e que, residindo em territOnio português, por forca da Constituiçaovigente ate a entrada em vigor da nova Constituicao, cramportugueses porque tinham nascido em territOrio portugues.Era uma ficçao do anterior regime que tinha força de lei.Tratava-se, pois, do saber quem iria conservar a nacionalidade portuguesa depois cia independéncia das colónias.

Tambcim entAo so debaterarn duas teses: uma, do exirema generosidade e outra mais resthtiva, no sentido de queera preciso ten alguma prudência, porque conheciamos aexperiência por que tinha passado a Inglaterra que, tendooptado por urna sohuçao do generosidade em relaçao aoscidadãos do Commonwealth, se viii literalmente invadida porcidadAos, nomeadamente hindustânicos — ainda hoje, Londres ci uma cidade bastante hindustânica, digamos assim, apercentagem de indianos, em Londres, ci notdvel —, e viu-Se na necessidade do fechar abruptamente aquilo que previamente tinha admitido, apesar do escândalo que causou nomundo; na altura, foi extremamente cniticada mas foi vftima cia pressAo das necessidades.

Tambcim aqui, em Portugal, so clebateram essas duas teses, a da generosidade e a pragmática.

A Lose cia generosidade era a quo prevalecia, era a maisagradavel — per que nAo havia de ser-se generoso pars cornos flOSSOS ex-compatriotas que quisessem manter a nacionalidade portuguesa? — e apareceu urn projecto do lei a pai:tirdo qual comecei a trabaihar, em que se facultava a nacionalidade portuguesa a todos os ex-inilitares africanos (suas

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famflias, pals, flihos, muther) quc tivessem lutado nas ForcasArmadas. Como sabern, para lutar nas Forcas Armadasera — e permanece ainda hoje — preciso ter a nacionalidadeportuguesa.

Os soldados negros tinham lutado, tinham assumido riscos. Por que no? Eu disse: <> Disseram-me: <><

Aléni disso, todos os ex-funcionérios, famflias, pais, fiIhos, também dava seguramente umas largas dezenas demilhares, senäo centenas, devido ao decurso do tempo, comod dbvio.

Depois, eram Os descendentes do Estado cia India, e nunca percebi quantos eram, porque nAo se tinha feito a suacontabilidade. Mas eram necessarianiente mais umas dazenas, seno umas centenas cia milhares. Ainda os titulares depassaporte português (entAo, se tern passaposte português, porque é que nAo hão-de ter a opçao pela nacionalidade portuguesa?) — eram mais umas dezenas de milhares, corn a caracterfstica de que seria a c> — vinhamOs chineses da Formosa, os chineses da China continental,Os paquistaneses, os indianos, Os gregos, toda a gente, nomeadamente em Mocambique, que era nina espécie de <>, bastante aberta.

Devo dizer que tive as maiores dificuldades em impor asminhas convicçöes cia pnudência, que eram, já na altura, numsentido fortemente restritivo. Restritivo como regra, no scmexcepcäo, porque sempre defendi que devia haver urnartigo a prever individualmente Os casos especiais. Ha razöes que podem levar a que o cidadAo A tenha esse direito,muito embora, pelas regras gerais, nâo viesse a tê-lo.

Cheguei a pedir a minha demissão duas vezes por causadisso. Eram debates terrfveis porque quer o Dr. Mario Soares, na altura Ministro dos Negócios Estrangeiros, homemgeneroso como se sabe, quer o Primeiro-Ministro, VascoGonçalves, talvez por outro tipo cia razôes, nurna posiçaode grande generosidade, nAo compreendiam a minha preocupação e o meu pragniatismo, a necessidade de evitannosaquilo que poderia acontecer. NAo direi que esteja a acontecer, pela, simples razAo de que no é porque haja hoje africanos a mais em Portugal, mas porque não se instalaramnem se protegeram Os africanos e que cd ternos e vivem emghettos, marginalizados. Na pratica, não tern os mesmosdireitos, nomeadamente laborais, dos cidadâos portugueses,O que prtivoca o inicio de problemas sociais. Ia começa afalár-se em xenofobia, em racismo, o que exactamente sequeria evitar.

A minha tese acabou por triunfar. La consegui convencê-los de que era mais prudente abrir a tal porta para os casosindividuals, mas, como regra, ser-se fortemente restritivo.O que veio a ficar, na prática, foi que quem é descendentede cidadäo português nascido no continente português, ateao 4.° grau, d português; todos os outros não seriam portugueses, a menos que entrassem pelo tal artigo Cnico.

Mas foi uma lut&dramática. E, já agora, you contar maisurna histdria. Apesar de, nessa altura, eu ter feito vingar aminha tese (e creio que prestei ao Pals urn grande servico,se bern qua, par dentro, me doesse, porque, em Moçambique,quem esteve do lado deles fui eu, quem se bateu par des,corn grandes sacrificios, fui cii, quem Os defendeu no Tribunal Militar fui eu, portanto, de racista parece que d difIcilque alguém possa acusar-me!). Mas não se tratava de ser

ou não racista mas de evitar que, em Portugal, pudesseemergir urna situaçio de racismo e de xenofobia. porque aracismo nasce no dia em que dais indivIduos, de raças dderentes, disputam a mesino posto de trabaiho ou o mesmoprivilCgio. a mesma regalia, e nOs näo somos impenTleáveisao racismo, ao contrário do que se julga, näo o somos comonmguém é. Diganios ate que seremos dos mais impermeáveis mas que nao o sornos absolutamente. 0 Dr. MarioSoares não me compreendeu e disse: >— dizia-me corn graça —, Eu respondi: <

Pois bern, mesmo corn essa lei restritiva, as tantas— quando em Angola, Moçambique e noutras colónias ascoisas correram mal —, começaram a aparecer no aeroportolevas de indivfduos, que não tinham o direito de vir mas,corno conseguiam meter-se no avião, apareciam noaeroporto, deitados no chão, a dormir, cram fotografados,os jornais faziam escAndalo disso. E o Dr. Soares dizia,aos berros, para o Ministro da Administraçao Interna daépoca, que era o coronel Costa Bras: <> Eucornecei a sorrir e dc virou-se para mini e disse-me: > Na altura, seria uma catástrofe, naotenho dtIvidas algumas.

Isto passou, hoje já nao ha esse problema — este é apenas o argumento histtirico —, mas, mais tarde, apareceu naAssembleia cia Reptiblica, no tempo da AD, urn projecto delei que era exactamente aquele que me foi submetido quando começámos a discussAo: todos os soldados, famllias deex-soldados, todos Os ex-funcionarios, todos Os titulares depassaporte, e la esta’vam os descendentes do Estado da India, etc., subscrito palo Dr. sa Carneiro.

Eu olhei pam aquilo e disse: <> Pedi uma audiência ao sa Cameiro e disse-lhe:> <> — respondeu dc. <>, e ia repeti as minhas razOes bistdricas. Então, dc disse: ccNão me ponha mais na carta, eu you imecliatamenteretirar esse projectoi.> E retitou!

Esta a histdria do fendmeno! Mas cá está, outra vez, amesma simpática generosidade, que é uma vez mais bonita!Apetece-me yotar isto tudo, devo dizer, e custa-me muito, ecompungido que ponho, mais uma yez, algumas reservas depragmática e de pnudência. Como posso dizer > a isto?Acho que, mesmo que seja recomendável, h sempre a reserva de não dever constar cia Constituiçao, pela razâo sirnpIes de que a Constituiçao regidifica e, se houver necessidade de, em qualquer momento, tomar uma medida urnpouco mais pragmática, urn pouco mais prudente e urn poucomais restritiva, terfamos o obstticulo da norma constitucional. Portanto, acho que, mesmo quem defende que deva serassim, não deve defender, no meu entender — e peço desculpa par discordar —, que isso conste de uma norma constitucional. Este eo primeiro ponto.

Segundo ponto: a proposta de Os Verdes para o n.° 1deste artigo é do seguinte teor: <

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o privilégio, a discrirninaçáo positiva a favor dos cidadaosdas excolónias já está na Constituiçäo e é, a meu ver, suficiente. Mas, se se trata de urn direito igual para todos, aque iftulo se diz <>? Se os estrangeiros ternO mesmo direito que os cidados dos palses de lingua portuguesa, se todos tern e eles tambdm são estrangeiros, a queEltulo se diz <>?

0 n.° 4 diz: <> 0 queestá cá é que podem ter — é a tal norma de prudência — eem pé de igualdade corn os cidadilos dos palses da Comunidade Europeia. Vamos criar uma nova discrhninaçao positiva, não no sentido de que podem tar mas de que tern,originando, inclusivamente, uma disparidade entre os cidadãos das antigas colónias, dos palses de expressão portuguesa, e os cidadAos da Comunidade Europeia? Será isso pmdente? Ponho esse problema.

A proposta apresentada pelo PCP d do seguinte teor <> Nãoviria. ma! ao mundo, é urn <>, sti que, a partir dapossibilidade, vem a pressao da realidade, a exigência. Seráque Portugal, neste momento concreto deste mundo concreto, em que vemos idelas e práticas de racisnao a de xenofobia renascerern a propdsito da crise de desemprego e de muoutras razöes, estti hoje em condiçöes de poder levar a extremos de generosidade esta especificidade de tratarnento?Eu gostava, ninguem mais gostava disso, mas ponho o problema que pus ao Dr. Mario Soares, ao Prirneiro-Ministrode entAo e, posteriormente, ao Dr. Sá Carneiro: sejamosprudentes e sobretudo não nos amanemos a normas constitucionais.

O projecto do Deputado Luls Fazenda diz: <> Na prática, terá de ser scm-pm assim, dificilrnente pode admitir-se que venha urn cidadão de urn pals, seja ele qua! for, e que, depois, se recuse apossibilidade de trazer a sua fanillia, pois seria urn acto dedesumanidade. So que, quando abrimos as portas, temos detomar em conta que não estamos a abrir a porta a urn cidadão mas a uma famIlia, o que equiva!e, em termos africanos e talvez ate brasileiros, também — europeus, são tan-to —, a qualquer coisa como uma media de quatro, cincopessoas. Não e a mesma coisa que introduzir urna sO. Mas,enfirn, d diflcil nao reconhecer esse direito; acho apenas quesão deve constar da Constituição.

o projecto subscrito palo Deputado Pedro Roseta fala doBrasil e, nesse caso, se é possfvel, ainda é mais diffcil dizerque não. Ontern, estive muito pouco tempo na reunião desin Comissäo mas ainda ouvi o Dr. Pedro Roseta argumentar, e muito bern, que ha essa ideia de que des são 150milhöes e de que nds somos 10 milhöes e que, quando sefala em termos de reciprocidade, a reciprocidade é desigua!,porqueurna coisa são 150 milhôes corn direitos e outra são10 milhöes corn os rnesmos direitos. Mas diz o DeputadoPedro Roseta que o problema são é esse mas, sim, que temos Ia mais portugueses do que des tern aqui brasileiros.

O prob!erna não é ôs que ternos, neste momento, é apossibilidade de virmos a tar. Se, por exemp!o, déssernos adupla nacionalidade, coisa mais simpática e atractiva, emrelaçAo ao Brasil (a mirn, não ha nada qua me seduza mais!),in! acarreta o direito de viver lá ou aqui e al é que a reciprocidade não tern a rnesrna dimensão. Dar a 10 milhöes apossibilidade de irem viver para o Brasil e dar a 150 milhöes a possibilidade de virem viver para Portugal d cornpletamente diferente, como é Obvio.

Isso era na base da dupla nacionalidade, de que é patticularmente entusiasta a nossa amiga Manuela Aguiar e queurn dia veio pedir a minha assinatura pare urn projecto desse género. Eu disse-ihe:

Por outro lado, vamos vet se temos espaco, condiçoes,meios pare poderrnos abrir portas generosamente. Mas cáestá a reciprocidade — muito bern — e a sua salvaguarda(teria de ser sempre assim), embora a reciprocidade, emcertos termos, possa tender a não ter a mesma dimensão.Sincerarnente, é dificil dizer que nao a urna norma que estána Constituiçao brasileira, mas a verdade d esta: são sei sedeveremos ir tAo !onge, considerando que o Brasil d, desdejá, aquela superpotência em popu!açAo e que, amanhA, sê-b-a noutros dominios. Temos de pensar, de reflectir sobreisso e nAo me amarraria a uma decisAo positiva nesta maténa, embora veja corn simpatia isto; simplesmente, temos depensar nas consequencias. Vejo isto corn a maxima simpatia, devo dizer, nenhuma destas normas me é antipatica mas,do ponto de vista da prudência. da pragmatica, do sopesarde argurnentos, vantagens, desvantagens, não do que C nesin momento mas do que pode ser se abrirmos portas pelasquais entrem problemas diflceis de resolver, temos de setprudentes e acho que isto devia, no nilnirno, começar pelalei e, depois, entAo, passar àConstituiçAo e não começar pelaConstituiçAo.

Era para estes aspectos que chamava a vossa atençAo;nada mais direi, não vo!tarei a falar sobre esta maténia. Játenho mégoa suficiente, porque ninguCm foi tAo insultado,nenhuma lei foi tAo insultada neste pals como a lei que eufiz nessa altura da conservaçAo da nacionalidade. Mas, corna consci8ncia de que foi urna das mais importantes leis dopOs-25 de Abril, talvez aquela que garantiu ao Pals a salvaguarda de maior ndmero de problemas graves, de naturezasocial, politica, etc.. Fui insultado de todas as formas e feidos, cheguei a receber telegramas indefinfveis a chamarem-me o que, provavelmente, nunca ninguém foi chamado; euIC ia respondendo como podia ate que, urn dia, dei umaresposta a urn indivfduo dizendo o seguinte: Acabaram os telegramas, felizmente!

Queria dizer-vos que ha muita paixAo a volta deste problenia e talvez algum défice de prudCncia, de pragrnCtica ede sensatez. Era sO pare isso qua charnava a vossa atençao!

0 Sr. Presidente: — Sr. Deputado Almeida Santos, pen-so que ternos de the agradecer as suas consideraçoes não sOpelo contetido como polo estibo, visto que estas matCniasganham em ser discutidas racionalmente e corn o necessCrio equillbnio e prudCncia.

Tern a palavra a Sr.a Deputada Isabel Castro.

A Sr.a Isabel Castro (Os Verdes): — Sr. Presidente,Srs. Deputados: Quero pegar nalguns argumentos que ternsido avançados, designamente palo Partido Socialista, nosentido de conirariar as vCrias propostas qua sobre o artigo 15.° estAo na mesa e refenir-me a elas concretarnente,começando pela nossa no que diz respeito a concessAo dodireito de sufrágio aos imigrantes para as autarquias locals.

Ontem, pela voz do Sr. Deputado José Vera Jardim, oPartido Socia]ista teve a oportunidarle de inanifestar aquilo

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qua paiece ser a partilha de urn conjunLo muito grande depreocupaçes relativamente a situação dos imigrantes, aoestatuto de segregaçäo a a forma como essa segregaçao socialpode — o que já está a acontecer e born näo escamotearmos a questäo — gerar fenómenos de xenofobia, de intolerância e de racismo no nosso pals. Entendemos que a nossaconsciência não se alivia apenas corn a partilha de preocupaçöes e que importa, sim, partilhar soluç&s, e ci disso quase trata nos vcirios projectos em discussão.

Levantamos e enfatizarnos esta questAo e, corn o devidorespeito, entendemos que näo ci eticamente aceitável colocaras questöes em termos de teorizar sobre o hipotetico cenário de uma invasao ou de urn grande fluxo rnigratório decidadaos para o nosso pals como consequncia do que éproposto. Estamos a falar de cidadãos residentes, de ixnigrautes, de pessoas que comungam de uma herança cultural,histdrica e afectiva corn o povo português, cia povos quefalam a mesma lIngua, de cidadâos que tern contribufdo parao desenvolvirnento do Pals, que vivam em condiçöes sub-humanas e que estAo amputados dos seus direitos mais elementares, dos seus direitos civicos, designadamente o cia sepoderem expressar através do voto quanto a vida da comu

• nidade, portanto, atravds cia elaiçAo, nesta caso, para asautarquias locals, sendo essa urna das propostas que fazemos.

Alicis, penso que a questAo nao poda ser colocada dessaforma e lembro qua o Relatdrio Picoffi, que data de 1993,da Comissão das Liberdades Pilblicas e dosAssuntos Internos do Parlamento Europeu, a propósito do racismo, ciaxenofobia, cia intolerância, instava, na altura, o Consetho, aComisso a Os Estados membros a porern termo a discrirninaçao dos estrangairos procedentes de pafses terceiros relativamente aos palses cia (DEE, concedendo a todos aquelesqua residissem legalmente, que estivessem dorniciliados numEstado membro o direito de sufrcigio nas eleiçôes para asautarquias locals.

E disso que se trata a esta nao ci uma discriminaçao relativarnanta aos cidadãos da União, que, como sabem, deacordo corn a entrada em vigor do Tratado de Maastricht,nos termos do artigo 8.°-B e da directiva sobre essa maténa, vão naturalmente ter direito de voto para as autarquiaslocais.

Sublinhamos que, pam nds, nao ci eticamente aceitével quacidadaos qua sa ancontrain no nosso pals ha anos e anos eque contribuam para o sau desenvolvimento possam estarcerceados, possam estar amputados, e que partilhemos apenas Os seus larnentos, sam contribuir pam a reso1uço doproblema.

Poder-se-ci dizar que esta questao teria sido susceptlvelde ser resolvida pela via cia lei ordinánia, o que ci verdade,mas o certo ci qua não o fo. Alicis, o Sr. Deputado AlmeidaSantos, na sua intarvanco, acabou da nos dan razão quandoassumiu qua tam mais força legal o facto de aste direito serconsagrado no texto constitucional, pois, dessa forma, nãopernilte que fique a rnercC daqualas que exercem o podertransitoriamente a vontade politica da o traduzir ou não paraa prcitica. 0 texto constitucional dci, efactivamente, maisinstrurnentos e mais garantias àqueles que são discrirninados, relativamenta aos quais tantas vezes gostamos cia exprimir a nossa solidaniedada. E axactamente por essa razAoque pensamos nao haver qualquer motivo para que todosaquales qua partilharn preocupaçöas relativamente a situacáo dos iniigrantes nao d&m urn passo no santido de fazero que, no fundo, mais nao ci do qua ir ao ancontro daquelesque hoje apelarn aos Estados membros pare que thes sejaatribufdo o direito de sufrcigio nas eleiç&s pare as autarquiaslocals.

Referindo-me ainda aos outros projectos apresentados,diria que todos eles vão ao encontro das vcirias orientaçOes,nomeadamente do Conseiho da Europa, e, embora tenha sidodito que ci excessivo ou inLitil constarem do texto constitucional por serem normas que ci suposto astarem aceites,penso qua o facto de af seram introduzidas as enfatizarci,dando-Ihas mais força.

Assim, o Grupo Parlamentar de Os Vardes apoia tarnbern as outras propostas qua estão na mesa relativas aoartigo 15.°

Entretanto, assumiu a presidencia o Sr. Vice-PresidenteAlmeida Santos.

O Sr. Presidente: — Tern a palavra o Sr. DeputadoFernando Condesso.

O Sr. Fernando Condesso (PSD): — Sr. Presidante, fania apenas duas consideraçöas.

Sam pretender voltar a minha intarvançao de ontem, soulevado a colocar a Cornissão estas rafiaxöes, que, no fundo,

aplicam as vcirias propostas, mesmo a do Deputado PedroRoseta, que eu disse sen compraensivel, uma vez que o quepropâs ci hoja já urn diraito, na medida em qua, pela via daConvençao e das nossas lais, tendo o Brasil consagrado estasolução cia axclusão cia rneia dtizia de cargos, que ate refeniu na sua Constituiçao, a, independantamente de saber se aConstituiçao brasileira ci mais ou menos flexlvel do que anossa — ci mais fiaxlvel nesta mudanca devido ao mecanismo da amanda, qua não ci igual ao nosso mecanisrno darevisão, dado os limites tamporais em causa —, a vendade éque, ponha-sa o que se puser na Constitução, o qua aquiastá em causa ci urna extensão da diraitos cia cidadãos brasileiros ao conjunto dos cidadãos nacionais de todos osEstados que foram coldnias portuguesas, havendo, alcim disso, uma constitucionalizacAo, o qua significa qua sa passaráde uma situaçao quasa da axcepção para urna situação deprincfpio garal.

Por outro lado, ao san constitucionalizado, este direitodaixa da sen algo do conhacirnentos das elites dirigentas pampassar a sar algo do conhecimento das elites intelectuais, ciaimpransa a da opiniao ptiblica, o qua não impadirci que sacoloque este prob

lama, qua não tern a ver corn a quastao daconstitucionalizacão ou não desta direito mas corn a quastAo de saber corn que lagitimidada ci qua Portugal dci direitos de cidadania, sam nacionalidada, a cidadãos de todas assuas ax-coldnias. Cobrirci, sern ddvida, urn espaço qua nãoci especialmanta significativo, man assirn nAo serci sa a Prançafirer o mesmo ralativamente a Asia a a metada da Africa— se caihar ate ao Quebec—, se a Inglaterra o fizen relativamente a Asia, a toda a America do Norte e a metade daAfrica, sa a Holanda o fizer relativarnente a Indonesia a aoSuriname, se a Espanha o fizer relativamente a toda aArncinica do Sul, etc. Se consagrarrnos este direito, generalizando-o como urn pninclpio e não como urna excepçAo— que elas ate pensam qua, corn o tempo, ira serreanquadrada —, os oulros pafses podarao dizar que essaprincfpio terci cia ser encarado em relação a toda a Europa.E se a Europa optasse per esta rnesma soluçao, isso teriacomo consequência qua os cidadAos de todo o mundo, naonacionais dos Estados cia União Europaia, poderiam não soamigrar mas tar direitos cia soberania, ocupando lugares, porexamplo, de niiuistro, da daputado, etc., o que significaniaque, por essa via, asses cidadãos taniam assento em Orgaos

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de soherania nacioiiais e nas JrOpras ins(ituiçOcs cornuni(árias europcias. nurna perspectiva que. no lirnite e teoricamdnte, quase poderia levar a defesa de interesses extra-europeus, em prejuIzo de interesses europeus, sendo certo queos cidadãos da Uniao Europeia não terão possihilidade deter assetflo nestes órgaos de soberania nos outros palses, dadoque, pot definiçao, sâo órgaos de soberania de cada urn cidadaos nacionais dos seus Estados.

Independentemente de esta solução não fazer mais do queconsagrar o que hoje al está, a verdade é que, Ieyado aconsagraçAo como urn principio nacional, criando a ideia deque houve uma alteracao para mais, quando em certos meiOs se previa que houvesse uma harmonizaçao em relaçao assoluçöes dos ouiros Estados, e consagrando-o constitucionalmente, tal nào deixará de acelerar urn debate que vai pôrem causa estes direitos, mesmo em relação aos brasileiros.

o Sr. Presidente (Almeida Santos): — Tern a palavraSr. Deputado Pedro Roseta.

o Sr. Pedro Roseta (PSD): — Sr. Presidente,Sr. Deputado Fernando Condesso, corn o respeito e a estima que, como sabe, tenho por si, quero começar por referirque a sua intervenção em nada toca a proposta constante domen projecto, que nacla tern a ver corn a imigração, nemcorn a nacionalidade. Tudo aquilo que disse será referente aoutras propostas ou a factos passados, mas não tern a vercorn o meu projecto, que nâo toca em nenhurna dessasmatérias. E evidente que nele não está em causa a duplanacionalidade, nem consagra sequer a pretensa generosidade que foi referida.

O Sr. Presidente quer apresentar o meu projecto comoalgo de muito generoso, mas devo dizer-Ihe que nao vejoaqui generosidade nenhuma a nAo ser em relação aos nosSOS concidadãos que estAo no Brasil, ou seja, em relacao aos1,5 milhöes de portugueses qüe poderiam passar acandidatar-se a determinados órgAos de soberania,exceptuados os referidos pela Constituiçao brasileira. Querdizer: acha mal que sejarnos generosos para os 1,5 rnilhöesde portugueses que vivem no Brasil, depois de toda a retórica que se faz, por tudo e por nada. a propósito das comunidades portuguesas no mundo? Farto de retórica estou eu!

o objectivo essencial da iniiiha proposta é o de dar, obviamente por causa da reciprocidade e para que o artigo 12.°da Constituiçao brasileira se aplique, algo de muito importante a 1,5 milhöes de compatriotas que dizemos defender,da mesma forma que defendemos as outras comunidadesportuguesas. Qual é a generosidade em relaçao aos brasileiros? Nds ternos, eventualmente, 20 000 ou 30 000 brasileiros corn idade para votar em Portugal. Não vejo qual oproblema de esses brasileiros poderem candidatar-se a certos cargos. Obviarnente que teriam de candidatar-se e o povo,que é soberano, escothê-los-ia ou nAo. So que, primeiro,teriam ainda de passar por urn crivo muito mais tezrIvel doque o do povo: o crivo dos partidos! Os partidos saberiamse poderiam colocar nas suas listas em lugar elegfvel algurnbrasileiro e, depois, o povo, soberanamente, decidiria. Repugna-Ihe, Sr. Deputado, que, no conjunto dos 230 Deputados, o povo pudesse escoiher urn dos 30 000 brasileirosque vivem em Portugal?! Charna a isto generosidade?!

Mas a minha proposta ainda d mais restritiva, porquerefere os cidadãos <> e, portanto, o poder politico, nouniverso dos 30 000 brasileiros, poderia ainda restringir edizer, por exemplo, que tel se aplicaria apenas aos residentes ha 5 ou 10 anos.

Em meu entender, esta proposta näo d generosa e julgoque não ha que ver nela perigos que não contdm. Todossahem certamente que us emigrantes portugueses residentesno Brasil muito a esperam e julgo que, tal corno acontecenum conjunto de outras propostas — algumas, alias, são tradicao no PSD, como a que diz respeito ao direito de sufrdgio dos imigrantes —, é altura de a consagrar. Tat comojulgo ser altura de consagrarmos o que propus para o nihgo 90, sobre as tarefas fundamentais do Estado em relacaoas cornunidades portuguesas — parece-me ter havido alguma abertura quanto a esta minha proposta. Vamos ver senem isso ficará!

Não posso ouvir mais retOrica. Penso que, se isto não foraprovado, sugiro aos Srs. Deputados dos vdrios partidos, que,pelo rnenos, nao voltem a usar dela, porque poderei dizer-ihes: Tenharn vergonha! Mas não continuem a falar de umapretensa generosidade da nossa parte que na realidade naoexiste!

O Sr. Presidente (Almeida Santos): — Sr. DeputadoPedro Roseta, não saia da sua tradicional forma de dizer ascoisas. Desculpe que the ciga mas não está em causa urnproblema de vergonha, porque nds não temos vergonha dasnossas posicoes. As suas ameaças nao nos tocam e, porfavor, reconduza-se a sua forma elegante e tradicional dedizer as coisas.

o Sr. Pedro Roseta (PSD): — Sr. Presidente, houve urnfilósofo que disse que as propostas, quando são feitas e sãoinovadoras, começam sempre por ser ridicularizadas; depois,como é o caso desta minha proposta, passam a ser ferozmente combatidas e, passado algum tempo, acabam por serconsideradas Obvias.

Não sei se o Sr. Presidente está a responder àquilo queeu disse na qualidade de Presidente, se na de Deputado?

O Sr. Presidente (Airneida Santos): — Na dupla qualidade.

o Sr. Pedro Roseta (PSD): —0 que é sempre umavantagem!

Como dizia, os filOsofos podern ensinar-nos algurna coisa e espero que os Srs. Deputados acabem também porconsiderar dbvio aquio que, pam mirn e para muitos, e jaevidente, ou seja, que considerern que essa vossa pretensagenerosidade nAo é generosidade nenhuma. A minha proposta consagra algo que é, pura e sirnplesmente, o que éjusto e que o devemos não sO aos Brasileiros — e tanto ihesdevemos por razöes de que nern d preciso lembrar — mas,sobretudo, aos 1,5 milhôes ou uiais portugueses que vivemno Brasil.

o Sr. Presidente (Almeida Santos): — Tern a palavraSr. Deputado José Vera Jardim.

o Sr. José Vera Jardim (PS): — Sr. Presidente, cornoa Sr.a Deputada Isabel Castro se referiu a minha intervencão de ontem, quero apenas, rnuito brevernente, sublinhar oseguinte: que me recorde, ontern, não me referi expressamente a esta proposta da Sr. Deputada, fiz urna intervençao genérica sobre a distincão entre questães de poilticaconjuntural e questöes de politica constitucional, ou seja,daquilo que devemos constituciona]izar on não.

Expressamente em relaçao a sua proposta, Sr.9)eputada,devo dizer-Ihe que sou daqueles que defende — como, alias,

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13 DE OUTUBR() 13E 1994145

hoje na Europa so vern defendendo — que, quanto inaisdireitos se derem aos imigrantes, niais se contribui para osinlegrar. For exemplo, a Alernanha está já a pensar no problerna da dupla nacionalidade, quase automática, para urnconjunto nurnerosIssimo de imigrantes — percentualmentemuito superior ao nosso — que residern no territOrib daRepiblica Federal da Alemanha. E isto porquê? Porquechegararn a conclusAo de que, efectivamente, a tendencialigualdade de direitos é urn fortissirno factor de integraçAodas comunidades irnigrantes na comunidade nacionaL

Devo dizer que tenho imensa simpatia por essa tendencia, sti que penso — e a minha intervencao de ontem foinesse sentido — que a Constituiçao tern de aceitar e consagrar no seu seio tudo aquilo que está já suficientementedensfficado na comunidade nacional. Ora, estas são matérias corn que nos defrontamos ha meia dtizia de anos e que,como cornunidade, estamos ainda a deglutir mal — concordo consigo —, não por causa da comunidade nacional mas,fundamentalmente, por effadas poifticas do Governo, o quevolto a sublinhar. Assim, temos de ter cuidado ao consagrarde imediato, na Constituiçao — e af também me apoio naintervençAo do meu colega Almeida Santos —, algo que,dentro de alguns anos, a experiência nos poderá vir a dizer,ate por factores muitas vezes circunstancials que neste momento nao controlamos, que não foram porventura as solucOes mais adequadas.

No entanto, devo dizer-Ihe que, em especial, a propostado Grupo Parlamentar de Os Verdes no sentido de atribuircapacidade eleitoral activa e passiva relativamente a eleiçäodos titulares dos órgAos das autarquias locals terá da minhaparte — e estou certo de que da generalidade do PS — urnamplo apoio e simpatia. So que isto é urna coisa e outraserá a de avançarmos mais urn degrau, consagrando constitucionaimente, de imediato, esse direito, para além das fOrmulas que já constam do texto constitucional, que abrem essapossibilidade e que a indicam. Porque, repare, quando serefere no texto constitucional que <> — e nestecaso, o texto constitucional precisava de o dizer —, isso éalgo fortemente indicativo e tern urn forte sentido para osOrgaos de soberania avancarern nesse caminho.

Assim, de momento, contentar-me-ia corn isso. ASr.a Deputada Isabel Castro dim que me contento corn pouco,mas a verdade é que, nestas matérias de consagraçäo constitucional, tambdm já tenho urn pouco a experiência demuitas coisas que consagrámos, que depois a pratica nãolevou as consequências imediatas dessa consagração. E certo que, neste caso, a consagracAo de urn direito, desta for-ma irnediata e clara, inconstitucionalizaria qualquer lei quenão o consagrasse. No entanto, penso que o que está noartigo 15.° da Constituiçao é ainda urn programa por curnprir e penso que deveremos cumpri-lo primeiro, pam depoispodermos passar a novas fases e a novos degraus naintegração dessas comunidades, que tern, repito, quer a minha siinpatia quer, naturalmente, toda a simpatia da nossabancada.

o Sr. Presidente (Alineida Santos): — Tern a palavraSr. Deputado Luis Fazenda.

O Sr. LuIs Fazenda (Indep.): — Sr. Presidente,Srs. Deputados, a sorte destas propostas de alteracao estavatracada desde a sua concepçao. Isso foi aqui confirmado e,portanto, nao you c> por elas. Farei apenas alguns pequenos comentários.

Começarei por dizer que a generosidade näo é confundfvelcorn irresponsabilidade e que, do ponto de vista do relacio

narnento do Portugal corn as cornunidades relativarnenie asquais tern Iaços histOricos, propostas mais generosas naosignificariam urn pals as eseãncaras mas apenas urn palsaberto, que reconhece e regenera aqueles que SO Os seuslacos tradicionais e, porque o são, são tainbérn passIveis deinovação e de recriacao.

Penso que o racismo se inicia por urna segregação econOmica e que, depois, é institucionalizado — é apoiado pelapoiftica oficial e desenvolvido através das instituiçoes doEstado —, sendo catalisado em situaçöes de crise econOmica. Não é uma mera disputa entre duas posicöes mais aosol de uma sociedade em dada conjuntura, tern razöes amontante bern mais complexas, a que, provavelmente,estamos assistindo no nosso dia-a-dia, em Portugal, e Vamos vendo por essa Europa fora. Parecer-me-ia que, relativamente a xenofobia que encima todo o desenvolvimentocia segregação racial, bern ficaria que contitucionalizéssemosalgumas destas alterac&s, princIpios talvez gerais, em quea lei trataria de estabelecer os lintites e o alcance e que nosdariam urn distintivo junto dos pafses da União Europeia,consoante ela se trate corn letra inintiscula ou maidscula, euma outra relação corn a nossa herança histc5rica identitária.

Finalmente, parece-me que o pragmatismo que se invoca — e não sou contrário a prudência — C apenas o de ficarde <> para it tentando equilibrar no futuro, apartir de polIticas governamentais, aquela que for a polfticadorninante na União Europeia, as suas conjunturas e o avanço dessas politicas oficiosas ou mais oficiais e aqueles que5O Os flOSSOS laços histOricos; caso contrCrio, tudo isto ficaria urn pouco niisterioso. Esse pragmatismo C previsIvel.0 futuro nos dim corno se chamará essa poiltica.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): — Tern a palavra oSr. Deputado AntOnio Filipe.

O Sr. AntOnio Filipe (PCP): — Sr. Presidente, pedi apalavra pam tecer algurnas consideraçoes sobre a propostaapresentada pelo Sr. Deputado Pedro Roseta, mas fico urntanto embaracado porque ele, neste mornento, não se encontra presente. De qualquer forma, corno os nossos trabalhosnão podem parar, direi o que tenho a dizer.

Para usar as vCrias bipOteses colocadas pelo filOsofo citado, quero dizer que, pela nossa parte, não ridicularizamosa proposta e não a combaternos ferozmente, mas tambémnão a temos por Obvia. Parece-nos que esta é uma matCriaque tern vindo a ser discutida e estamos disponIveis para aconsiderar, quer nos princfpios que propôe quer na consideração das consequências concretas a que possa conduzir.Assim, creio que deverernos master em aberto uma reflexão sobre a proposta que é feita e que, de algum modo, tomacomo paradigma a Constituiçao brasileira de 1988.

Entendo que esta proposta, a ser consagrada, não tern osignificado de atribuiçao cia nacionalidade a quaisquer outros cidadAos e que ela näo dispensa a autorizaçao de residência. Por oulro lado, penso que ela nao C oponivel a terceiros — e creio que isto tern a vet corn a questão colocadapolo Sr. Deputado Fernando Condesso —, pois não creioque, ao abrigo de urna disposição constitucional corno esta,urn cidadão brasileiro se pudesse, por exemplo, candidatarao Parlarnento Europeu em Portugal.

Agora, o que não considerarnos correcto, embora possaparecer urna questâo de pormenor, é colocar-se nurna disposicäo constitucional a expressao <>. Poder-se-á clizerque o Brasil tern uma dimensão e uma populaçao muito

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146II SERIE—NUMERO 7—RC

superior a dos outros paises, mas nüo flOS parece que se devaadoptar urna forrnulacäo constitucional que possa dar

a en-

tender que para Portugal ha urn pals de lingua portuguesa

de primeira e outros palses que, por não serern de prirneira,

nem sequer são citados. Al creio que não pode haver urn

meio termo: ou se enumeram todos ou se adopta urna for

mulaçäo genérica onde caibam todos.

o Sr. Presidente (Almeida Santos): — Tern a palavraSr. Deputado Antonio Marques Mendes.

o Sr. Antonio Marques Mendes (PSD): —Sr. Presidente, gostaria de referir urn terna já ontem

abor

dado e que hoje o foi novamente. Não posso deixar defa

zer referência a questAo da atribuiçao, desde já em termosconstitucionais, de capacidade eleitoral activa e passiva

aos

cidadãos de paises de lingua portuguesa. Devo dizer quejá

em 1987 no Parlamento Europeu, a propdsito desta matéria

relativarnente aos cidadAos comunitérios, defendi, vivae

convictarnente, o problema da atribuição de capasidade elei

toral activa e passiva aos cidadâos da Comunidade nosou

tros palses, inclusivamente ate junto de paises terceiros,em

regime de reciprocidade — quanto a Cornunidade, não erapreciso dizê-lo, porque é Obvio —, e urn dos argume

ntos

expendidos foi, alias, aquele que o Sr. Deputado José Vera

Jardim agora invocou: o de que esta é uma das fonnas, tal

vez das mais eficazes, para se operar a integraçAo de cida

dãos estrangeiros na cornunidade onde residem.

Neste caso, ha, efectivamente, relaçöes afectivas entre

estes povos e Portugal — e forarn invocadas —, sO quenão

compreendo que se atribua este direito sern qualquer regi

me de reciprocidade, pois nesse caso os argumentos invo

cados não se operam para portugueses que residarn nesses

palses e estaremos a atribuir urn direito, sern que nOsprO

prios o tenhamos tambérn nesses paises. A falta de recipro

cidade não tern aqui, do meu ponto de vista, a minima jus

tillcaçao. Teré de haver reciprocidade para terem tradução

prática essas relaçöes de afectividade, essas relaçöes espe

ciais que existem. SO que relativamente a essa reciprocidade

o texto da Constituicäo é bern claro no n.° 4 deste arti

go 15.0, pois refere que a lei pode atribuir esse direito, em

regime de reciprocidade, a quaisquer estrangeiros. Aqui não

vejo que, em termos constitucionais, haja que estabelecer

qualquer orientaçao especial, pois a nossa tradicão e a nos

sa maneira de ser já vao nesse sentido. Pessoalniente nãopoderia aceitar a falta de reciprocidade, porque seria o mes

mo que dizer que, afinal, toda esta argumentacäo que toma

mos como base näo é real e, a dar-se uma ênfase rnuito

grande — que foi dada — a essas relaçöes afectivas, então,

parece que a afectividade será sO de urn lado, o que creio

não ser colTecto.

0 Sr. Presidente (Almeida Santos): — Tern a palavra a

Sr.’ Deputada Isabel Castro.

A Sr.a Isabel Castro (Os Verdes): — Sr. Presidente, pe

gando na questAo que o Sr. Deputado Marques Mendes

colocou, gostaria de dizer que, sendo norma a reciprocidade

de direitos, não a colocámos aqui porque nos pareceuser

urn risco polItico, urna vez que nos parece que a situaçäo

de segregação e de exclusão de que as cornunidades proce

dentes dos paises de lIngua portuguesa que vivem no nosso

pals são alvo nao corresponde a situaçAo dos cidadãos portugueses nesses mesmos palses. DaI o nao estabelecime

nto,

como 0 usual, da reciprocidade de direitos.

Dc qualquer mudo, dado constatarmos que tanto o PSD

corno o PS e todos os que se pronunciararn sobre esta ques

tao comungam tin ideia de que favorece a integraçäo das

cornunidades de imigranl.es a atribuição do direito de voto e

de que é claramente visIvel que é por ausência de vontade

poiftica que esse direito não 0 atribuIdo e sendo os

fenOmenos de racismo, de xenofobia e de intolerância in

quietantes na nossa sociedade, atingindo urna dimensão

preocupante, não vemos por que razão este direito não 0

consagrado. Isto porque se conclui que, embora ele tivesse

podido ser resolvido pela lei ordinaria, o não foi, indepen

dentemente do diagnOstico que fizemos relativamente a situação em que estes cidadãos se encontram e de termos

concluido que a inclusão no texto constitucional desta pro

posta dava maior garantia a estes cidadAos do que, na prá

rica, este direito se iria concretizar.

Mas—e essa 0 a dilvida que nos fica—estamos a dis

cutir esta matéria corno algo de novo, corno algo que pro

ximarnente, numa outra revisão constitucional, poderá vfr a

resolver-se. A inteffogaçâo corn que fico é se iremos bana

lizar — e 0 essa a pergunta que faço — as revisöes cons

titucionais. Ponho esta dthida porque me pareceu que por

parte do Partido Socialista ha a ideia de que estamos a falar

de coisas novas, que não estão ainda suficientemente

amadurecidas na nossa sociedade e que podem ser resolvi

das numa prOxirna revisão constitucional. Ora, como iniciá

mos agora uma, gostava de saber se já estAo a admitir outraa curto prazo.

A meu ver, urn texto constitucional tern de ser suficien

ternente discutido e arnadurecido e deve ter tambOm a capa

cidade de antecipar problemas, já que näo C qualquer coisaque se vulgarize e que se faça corn grande regularidade.

Portanto, a minha dilvida é Se, tendo nOs iniciado agora urn

processo de revisão constitucional, nAo estaremos jC a antever

no horizonte urn outro.

o Sr. Presidente (Airneida Santos): — Srs. Deputados,chegados ao firn deste artigo, vamos passar ao artigo 16.°,

Para apresentar a proposta do PSD, tern a palavra o

Sr. Deputado Costa Andrade.

0 Sr. Costa Andrade (PSD): — Sr. Presidente, penso

que esta proposta se apresenta por si, atendendo ao per

curso.Trata-se de uma proposta que vern da revisão constitu

cional de 1982 e que foi retomada na revisão de 1988-1989

e corn a qual não temos tido sucesso. Não tendo havido al

teraçoes substanciais das coisas, é natural que esta proposta

não tenha acoihimento. TambOm näo entendemos que seja

urna soluçäo de todo em todo necessCria do ponto de vista

da economia constitucional. Corn cia ou scm ela a dignida

de da pessoa hurnana, sob esta fOrmula de inviolabilidade

ou de dignidade, ou das duas juntas corno faz o projecto do

Dr. Pedro Roseta, ha-dc ser sempre uma fonte de radiaçäo

de direitos fundamentais. B assim em todos os palses e

louvamo-nos, sobretudo, da experiência na Repüblica Dc

rnocrática Alemã, onde a plétora de novos direitos de que

Os cidadãos hoje gozam tern sido, sobretudo, conquistada acusta da desirnplicacao de dirnensöes contidas na chamada

Menschenwurde.Entendemos, repito, que corn cia ou scm cia a dignidade

da pessoa humana é já a base da Repiiblica Portuguesa, umavez que a Constituição estabelece, no seu artigo

1.0, que

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13 IJF ()UTLIflR() )I 199447

da pcsoa hurnaria. Ora a lignidade da pcssa humana oua inviojabilidade da pessna hunana esW a ser, na expcrincia jurIdica portuguesa douinnal e jurisprudencial, o grandemanancia) da ernergência do novos direitos. Portanto, darejeição da proposla não retirarernos — e peflSo que ningudrnretirard — qualquer conteiIdo herrnenêutico contrário ausdesfgnios nela contidos.

o Sr. José Magalbàes (PS): — Qua falta de entusiasmo!O Sr. Costa Andrade (PSD): — Sr. Presidente,

Srs. Deputados: Penso que d fundainenta]mente isto o quese me oferece dizer, num debate que já é de todos conhecido e que, portanto, não justifica também da nossa parte umaargumentação mais encarniçada On, como diz o Sr. DeputadoJosé Magalhaes, mais entusiasmada. A experiência é a madre de todas as coisas e também jd nos ensinou a moderar0 entusiasmo.

o Sr. Presidente (Alineida Santos): — Para apresentar asua proposta, tern a palavra o Sr. Deputado Pedro Roseta.

o Sr. Pedro Roseta (PSD): — Sr. Presidente,Srs. Deputados: A minha proposta relativa a este artigo émuito semethante a do PSD. Apenas na parte final, Onde oPSD diz > en proponho <>.

Claro estd que esta proposta seria impensável no séculoxix ou no princIpio deste sdculo. 3d que se falou emencarnicados, von utilizar esse termo. Os encarnicadospositivistas pensam que, como uma vez disse o nosso pmsidente, Dr. Rui Machete, corn graça, o que não está naConstituição e nas leis não estd no mundo, não existe.

Sd que, Sr. Presidente e Srs. Deputados, por um lado opositivismo jd passou e hoje essa doutrina não tern acoihimento significativo no campo juridico e muito menos nocampo filosdfico. Por outro lado, como é evidente, mesmonesses tempos jd recuados muitas coisas que não estavamnas constituicöes e nas leis existiam, independentmente davontade do legislador, embora se alimentasse a ficçao, quetambém teve muito curso em Portugal durante décadas, nãoso na I Reptiblica como no régime anterior, de que o poderpolItico tinha o dorn de tudo prever, de tudo regular e detudo consagrar.

£ evidente que nao é assim e que a riqueza multifacetadada pessoa humana vai muito para além da Constituicão adas leis. A pessoa humana — os seus direitos, a suacriatividade, são anteriores ao Estado, como, alias, outrasinstituiçöes, tais como a famIlia, as igrejas, etc. lila evolui amargem dos comandos do Estado e tern direitos que o Estado não prevê. 0 que refiro vale também para as regrasaplicdveis do direito internacional.

Feita esta introdução, lembraria, por memOria, os argumentos que aqui aduzi longamente em 1988 e em 1989 paradefender uma proposta semeihante do PSD, bern como aquelos quo o Dr. Costa Andrade acaba de explanar.

Aliés, esta proposta nem sequer é inovadora em termosde direito comparado. Ha o caso conhecido, que jd foi citado, da Reptiblica Federal Alemã e, eventualmente, outros quenao tive tempo para investigar.

Apesar de tudo, considero importante que esta explicitacaodaquilo que jd decorre do artigo 1.0 da Constituição seja feitanesta sede, pam ficar claro que os direitos da pessoa nãosão apenas os que estâo na Constituiçao, na lei e no direito

intcrnacional. A pessoa pode tot outros dirci1o.inclusivamente Os charnados novissirnos direilos — C purnäo, já quo agora se fala numa quarta geraçäo do dircitus.numa quinta geração de direitos —, mas 0 irnportarae d queus tenba ainda antes de eles serem consagrados na ei e muitomais na Constituicão, porque, corno temos vislo, apesar uealgumas timidas aberturas, a nossa Constituição é fechada aindexacäo. Alguns dos Srs. Deputados são de tal rnaneiracautelosos que, se a pessoa tivesse de esperar pela consagração constitucional dos seus direitos, seriamos, certamente, dos iiltimos pafses a consagrd-los.

Mas nao d assiin e eu julgo que seria interessante que a• Constituicão abrisse esta consagracão a tudo o que é novo,nomeadamente aos direitos novos, reconhecendo que a pessoa pode tar outros direitos para aldm dos consagrados naConstituição, nas lois e nas regras aplicáveis do direito internacional, que são, evidentemente, os que decorrerem ciadignidade e cia inviolabilidade da pessoa humana.

o Sr. Presidente (Alnieida Santos): — Tern a palavraSr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): — Sr. Presidente, tive aoportunidade de br as actas deste debate no passado e odebate desta questao não merece, de facto, urna disputa muitoencarniçada, uma vez que aquibo que 0 proposto jd estdcontido na formacão vigente do próprio artigo.

Quero corn isto dizer que os princIpios da inviolabilidadecia pessoa humana jd estâo contidos tanto na Constituiçaoda ReptIblica Portuguesa, como valor e, digarnos, cornoprincfpio moral, como nos outros diplomas de direito internacional.

Srs. Deputados, falar de clireitos não 0 falar de princIpios, de valores ou de referências e por isso todos estamoshoje do acordo qua a justiça consiste em respeitar os direitos humanos. Ora muitos dossos direitos humanos resultamou derivain do vabores de liberdade, de tolerância, de segurança, de igualdade, de solidariedade, e, se quisermos fazerreferenda aos princfpios morals que estão na base e são ofundamento dos direitos humanos, então teremos do aludiràquilo quo, algures na douirina, se diz serem os três grandes princfpios morais da refer6ncia dos diroitos humanos: oda inviolabilidade, o cia dignidade e o da autonomia.

Sm. Deputados, não faria sentido quo a Constituicao, paraalém dos direitos positivados, fizesse roferência aos fundamontos morals que ostão na base dos diroitos humanos.

Por isso, se fizOssomos roferência a todos, isso significana quo osttivamos a desvaborizar o conceito de quo os direitos fundamontais consagrados na Constituiçao não excluomoutros constantes da loi a das regras aplicdveis do direitointernacional ou decorrontos da inviolabilidade da dignidadee da autonornia, isto 0, ou todos. Assim, os diroitos fundamontais são todos Os direitos fundamentals e, portanto, nãohavia urn corpus dofinido a concretizado relativamente aasses direitos.

0 princfpio da inviolabilidado 0 indiscutIvel o estd contido, como tal, tanto nos nossos diplomas fundamentals cornona Constituicao, o cia dignidade idem, e ate aquole quo hojefundarnonta muitos dos direitos e quo o Sr. Deputado PedroRoseta ate no debate pretérito invocou como decorrénciadebe, o diroito a dlferonça, o o princIpio cia autonoinia tarnbOrn jO está no nosso texto constitucional, corn regras e cornlimites, palo quo me paroce disponsável, ja que não traz nadade novo, a inclusão, ao lado dos direitos, dos princIpios qrefundamontam os diroitos. A faze-b teriamos de assim pro-

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I 4$II SLRLE—NLIMER() 7—RC

ceder Coil) todos, o que sigriificaria a possibilidade dcver

mos cnrar por esta porta urn conjunto de direitos queno

sio ngorosamente direilos nias sun princIpios de referenda,

o que seiia, de alguma medida, urn saco scm fundo,

o Sr. Presidente (Almeida Santos): — Tern a palavraSr. Deputado LuIs Sá.

o Sr. Luls Sá (PCP): — Sr. Presidente, Srs. Deputados:Creio que quer os debates travados anteriormente ne

sta

Comissão Eventual para a Revisão Constitucional sobre esta

proposta quer a intervençäo do Sr. Deputado Alberto Martins

já colocaram urna parte importante e decisiva do queen

poderia dizer.Naturalmente que as preocupacöes dos autores das pro

postas podem ser explicáveis, mas creio que elas tern con

sagração plena no actual texto constitucional.

Corn o devido respeito, a comparaçao que foi feita corn

a Constituiçao alemã näo tern inteiro fundarnento, na medi

da em que a Constituiçao a1ern, por exernplo, afirmano

seu artigo 1.0 que a dignidade do homem d intangfvel e a

Constituico portuguesa afirma, no artigo1.0, que

gal é uma Reptiblica soberana, baseada na dignidade da

pessoa humana>>. Não estou a ver que esta consagracao, logo

no artigo 1.0, nao numa perspectiva apenas defensista do

cidadão face ao Estado mas, inclusive, criando obrigaçoes

corn o Estado em relação a essa dignidade, seja menosdo

que aquilo que estti consagrado na ConstituiçAo alemã.

Por outro lado, no artigo 2.° da Constituicao alemA, exac

tamente corn a epIgrafe >, afir

ma-se que todos tern o direito ao livre desenvolvimentoda

sua personalidade. Bern, creio que esta preocupacao prepassa

por todo o catálogo de direitos e de princfpios fundamen

tais que estão consagrados na Constituicão portuguesa.

De resto, nos seus artigos 24.° e 25.°, a Constituicao

estabelece, respectivamente, que <

inviolável>> e que <

inviolável>> — não apenas a integridade ffsica mas também

a integridade moral —, pam além de todos Os desdobramen

tos que, noutras disposicöes constitucionais, explicitam e

desenvolvem esta consagração.Portanto, aquilo que me parece importante referir,

designadarnente em complemento do que jé foi dito e na

medida em que foi citada a Constituiçao alemA, d que a

Constituição portuguesa nao the fica aires, afirma Os mes

mos princIpios e, provavelmente, vai muito mais longe na

explicitaçäo dos direitos, liberdades e garantias que consa

gram esses principios.

0 Sr. Presidente (Alineida Santos): — Tern a palavra a

Sr.aDeputada Margarida Silva Pereira.

A Sr.a Margarida Silva Pereira (PSD): — Sr. Presidente,

intervenho, e espero que muito brevernente, reivindicando

-me o direito ao entusiasmo pela proposta que o PSDapre

senta e justificando-me também corn a inexperiência, pois,

como é sabido, hao participei em processos de revisão cons

titucional anteriores.Penso que a proposta apresentada pelo PSD d rica. De

facto, ela é património do meu partido — o meu colega CostaAndrade começou por apresentá-la logo na Assernble

ia

Constituinte de 1982— e eu creio que a consagracäo do

princIpio da inviolabilidade da pessoa humana teria a van

tagem de resolver duas ordens de questoes.

Em primeiro lugar, teria a vantagem de tornar muito cla

ra a impossibilidade de uma leitura estritamente normativa

no positivista deste artigo 16.°, no sentido de que o catlo

go dos direitos fundamentais é, seguramente, abeno e ha

seado em pnncIplos. Essa tern sido a meihor doutrina cons

titucional entre nós de urn mode geral todos tern entendidoque este é urn catálogo aberto, não circunscrito ao léxjco

constitucional nem sequer as declaracoes intemacionais so

bre esta matéria —, nias a explicitaçao no texto constitucional

de urn prillcipio teria urna vantagern adicional.

Como é evidente, a Constituiçao é uma sede juridica onde

Os pnncfpios e Os valores nâo concretizam uma moralidade

concrete mas, isso sim, a moralidade do poder democrético,

e não nos compete criar valores mas, sirn, assumir valores

prévios. Ora, este valor tern qualquer coisa mais, sobretudo

nos nossos dias, relativamente a ideia da dignidade da pessoa humana. Passo a concretizar, muito rapidamente.

A dignidade da pessoa humana é urn princípio antigo, que

foi depois redignificado a partir das revoluçôes liberais.

Desde então a palavra ganhou consagraçAo na semântica

constitucional, mas quando nós, hoje, falarnos em

inviolabilidade das pessoas podemos, eventualmente, ir, e

estarnos a ir, para aldm disso. E passo a concretizar: estamos

a pensar nas dificuldades dos indivfduos perante os ataques

a sua privacidade e na necessidade da salvaguarda da privacidade perante coisas que, eventualmente, nAo serAo muito

controláveis mas a que o direito tern de estar atento numa

dptica de conirolabilidade, apesar de tudo. Na verdade, mais

importante do que estar ou de ter é, seguramente, ser e, nessa

perspectiva, parece-nos que a continuação desta ideia da

inviolabilidade podera ser urn manancial de alguns outros

direitos que venham a surgir e que tern màis importância a

sua enfatizacao num princfpio geral do que, depois, a mera

explicitação a propdsito de urn ou de outro direito concreto.

0 Sr. Presidente (Airneida Santos): — Tern a palavra o

Sr. Deputado José MagalhAes.

0 Sr. José Maga1bes (PS): — Sr. Presidente, creio que

esta proposta recoloca permanentemente a necessidade de

irma reflexão sobre a nianeira como a Constituiçao encon

trou tuna forma de definir o âmbito e o sentido dos direitos

fundamentais, corn tudo o que a caracteriza do ponto de vista

dos seus princIpios gerais, da sua atitude face a pessoa hurnana, face a dignidade, e por af adiante. Portanto, esteartigo e particulamiente importante porque diz aquilo que aSr.a Deputada Margarida Silva Pereira referiu e diz aquilo

que ela omitiu. Ou seja, por urn lado, tern a preocupacão de

enfatizar que a Constituiçao, corno tecido norrnativo, está

aberta a nina espécie de enriquecimento contfnuo, mas, por

outro lado, define a estrela polar desse enriquecimento con

tfnuo e a ponte, a conduta, o meio e os limites desse cnn

quecimento contfnuo. -

Qual é essa ponte, essa conduta e esse meio? B, pura e

siinplesmente, o canal da lei e do direito internacional, ou

seja, nina certa medida de reconhecimento legal é necessá

na para que o tecido constitucional protector se alargue, se

densifique e se enriqueça, e nina certa medida de tutela do

direito interno, por urn lado, e do direito internacional, por

outro, tambdrn é necessenia. Mas a Constituição não diz que

é aplicável tudo, cia apenas alude as regras aplicáveis de

direito internacional. E as regras aplictiveis do direito inter

nacional são aquelas que, face ao disposto no artigo 8.° da

ConstituiçAo, tornam vinculativo urn determinado corpo de

normas, essas e näo outras quaisquer.

Quer isto dizer que este mecanismo, sendo simultanea

mente aberto, é seguro, é certo, permite, em cada momento,

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13 LW OUTUBRO liE 1994149

apurar 0 que d que estd e 0 que é que näo est em vigor,permile, em cada momento, enunciar 0 calálogo de direitos,corn todos os corohrios jurIdico-consti(ucionais,designadamente em rnat&ia de controlabilidade, de garantiados direitos, de mecanismos de proteccao adicional, de garantias adjectivas e outras, e näo Iança a ddvida sobre oelenco, a natureza e att a densidade de cada urn dos direlLOs consagrados. 13 isso é positivo, porque, por urn lado,inantrn o corpus normativo corn fronteiras definidas,cognoscfveis, e, digainos, corn mecanismos certos para a suacontrolabiidade e, por outro lado, dá4he flexibilidade, masuma flexibilidade corn rneios, corn métodos, corn regras. Seaditássemos urna cläusula incertiflcante, corn o conteddodesta, tudo aquilo que, por força do artigo 8.°, está contidoem instrurnentos internacionais vinculativos em termos dedireito interno, tuclo aquilo que a lei determina e, mais, tudoaquilo que, mesmo sem lei e sem direito internacional, decorre da inviolabffidade da pessoa humana, assim estatufdacomo realidade a se, conceito fllosófico ilnico, de resto corncontdrnos, bebendo em concepcöes forcosamentetranspositivas, quiçá jus-naturalistas, quiçá prd-impositivas,mas, em qualquer caso, indeflnidas numa espécie de magmaque se imporia a Constituicao, no se sabe por força de queme corn que consequências, correria dois riscos: por urn lado,o da incertiflcacAo, que jé esté abundantemente aludido, e,por outro, o do conflito.

Corno a Sr.B Deputada sabe, pode haver conflito de direitos. Na grande galéxia dos direitos não reina a harmoniae a Constituicäo prevê, cia prdpria, mecanismos de equillbrio, de composiçäo de conflitos e de arbitragem dessesconflitos em determinado sentido, o que nao 6 simpies, cornotambém sabe.

Portanto, a introduço, ao lado destes direitos concretamente definidos, corn xnairiz interna, corn matriz interna-.cional, aplicados por força do artigo 8.°, a criaçäo de tunaespdcie de magma indeflnido, suceptfvel de, eventualmente,ado apenas aditar, como a Sr.a Deputada, numa postura entusiasmada, de sedução, adiantou, mas, porventura, de ninapostura negativa de conflito, essa adição geraria precisamenteaquilo que se quis evitar em 1976 e que desde eutAo semanteve razoavelmente bern.

A segunda questAo é a de que, ate agora, ninguém sentiua falt.a desta ciáusula. Dou as razöes todas que foram adiantadas peios Srs. Deputados que me antecederam, corn cxcepçAo das da Sr.a Deputada e do Sr. Deputado CostaAndrade. Ninguém sentiu a falta dessa cláusula!

Quanto a alusäo .c> a questao da privacidade,Sr.a Deputada Margarida Silva Pereira, pessoalmente — esuponho que todos nds temos a méxima sensibffidade painas questöes da privacidade —, não estou a ye-ia, francamente, esgrunir a necessidade de protecçäo da privacidade contra legem, ou como urn mais, urn alius, urn adicional, emquadro nenhum, rnesmo debaixo do actual quadro normativo,mesmo debaixo do actual Codigo Penal, mesmo debaixo detudo aquilo que, neste momento, protege ou assassina aprivacidade. No vejo a necessidade deste alius, deste mais.Este mais podia ser urn menos, este mais podia introduzirconfuso, este mais rebentaria corn as fronteiras constitucionais, ao sabor do jus-naturalistas ou pseudojus-naturalistasque decidissem invocá-la pain rebentar corn o legado constitucional conflituante.

o Sr. Presidente (Almeida Santos): — Tern a palavra o.Sr. Deputado Raul Castro.

o Sr. Raul Castro (Indep.): — Sr. Presidente, as duasalteraçoes propostas ao artigo I 6.°, apresentadas pelo PSD

c pelo Sr. Deputado Pedro Roseta, que diferem apenas noacrescentamento da palavra < na proposta doSr. Deputado Pedro Roseta, säo desnecessárias cm funçäodas disposiçOes da própria Constituiçao quanto aos direilosfundamentais.

Queremos apenas acrescentar que elas, além de desnecessérias, seriam ate contraditdrias, porque o propdeito, queem princfpio seria louvável, de acrescentar a expressao <> acabaria porr em causa os pñ5prioS direitos fundamentals. EntAo osdireitos fundarnentais consagrados na Constituicäo ado asseguram a inviolabilidade e a dignidade da pessoa humana?Parece-me que sim e, portanto, ao acrescentar-se essa cxpressäo, estar-se-ia a pôr em causa a prdpria Constituiçäo.

B por estas duas razôes, porque estäo contemplados naConstituiçao e porque poriam em causa os prdprios artigosque consagrarn os direitos fundamentals, que ado podemosaceitar as duas propostas que referi.

o Sr. Presidente (Almeida Santos): — Tern a palavraSr. Fernando Condesso.

o Sr. Fernando Condesso (PSD): — Sr. Presidente, fugindo as reflexoes tedricas face a expressöes tais como<> ou <>, gostava de dizer que,perante tuna proposta de aditamento, ha que perguntar queutilidade poderá cia ter. E. isto procurando analisar tanto odireito português como o direito comparado.

Corno 6 evidente, perante constituiçöes de catálogos incompletos — e temo-las af pela Europa e ate mesmo nospafses da Comunidade Buropeia —, as ciáusulas abertas oua ado aplicação de urn princfpio de tipicidade tern-se revelado extremamente importantes.

Perguntar-se-á: entäo, e quanto a Portugal?Eu duria, alias voltando urn pouco atrás, a questäo dos

oulros paises, que Portugal tern o catáiogo do tItulo II e ternaf Os direitos expressos. Além disso, recebe os direitos fundarnentais de fonte internacional, aceitando-se aqui tambémos próprios DESC, os direitos econtirnicos, sociais e culturais, porque näo ha razAo para distinguir. Mas, realmente,noutros palses, a importância tie interpretaçoes construtivasda jurisprudencia, tie tuna dada disposição geral cia Constituiço, permitirarn avancos neste dornfnio e a explicitacaode direitos constitucionais, na medida que so tidos comode raiz, de fudole constitucional. Na Sufça, nao se <>na Constituiçäo. E ajurisprudencia teve tie ultrapassar a faltade norrnas em certos dorninios, chamando-ihe direito constitucional ado escrito. Enfini, af havera urn direito constitticional material.

Relativamente ao problerna de Portugal, diria, para começar, que, por exemplo, a constituiçäo italiana, como jáaqui foi referido, tern uma formula deste género. Diz, noseu artigo 2.°, que <>. A partir daf conseguiram, realmente, explicitar novos direitos, corno o direitoa dignidade, a honra, etc.

Disse o Sr. Deputado José Magalhães que, em Portugal,este acrescento tie diraitos de explicitaçäo jurisprudencial adotern sido sentido como uma exigência. Face a isso, pergunto: per que 6 que ha urn projecto que, mais atrés, num Catálogo, vein acrescentar o direito a honra corno urn direitofundamental? Se ninguém o sente como uma exigéncia, naoprecisava de vir acrescentáAo. E a verdade é que a referencia a dignidade ou, tie urna forma mais abrangente, ainviolabilidade da pessoa huniana cobriria como cobriu, por

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150ii SERw—NUJRo 7—.RC

exemplo, eni face da interpretação do Tribunal Constitucio

nal italiano, esia falta. Islo significa que, se tivesse existido

anteriormente uma formula deste género, se caihar, näo se

punha a questäo.

o Sr. José Maga1hes (PS): — A honra nAo está protegida no direito ordinrio português?

o Sr. Fernando Condesso (PSD): — Está, está. Masaqui, enquanto direito constitucional, material... E o direito

a honra nâo d igual a outros direitos que estâo no catálogo:o direito a honra d urn direito fundamental, que permite apessoa resguardar o conjunto das qualidades que the dizem

respeito em face dos concidadAos, e que se distingue dos

outros direitos que estão aqui, no catá]ogo constitucional.

Pode ate ser fictfcio, mas a pessoa tern o direito ao segredo

sobre as coisas que The dizem respeito, cruzando-se embora

corn o direito da personalidade, etc.; mas a verdade é que é

algo distinto de outros que estAo no nosso catálogo. Não 6

uma questao de não estar protegido: 6 urea questAo de ter

urna dignidade constitucional que ultrapassa a simples dig

nidade de direito fundamental em sentido material, criado

pela via legal. Por outro lado, a via legal tern urn valor que

6 alterável, enquanto tudo o que resulte da propria

Constituiço tern urn valor muito mais forte e muito mais

estável, como 6 sabido.Näo pretendi reflectir directamente sobre a expressão, mas

reflectir sobre algumas afirrnaçoes que aqui foram feitas que

näo me parecem, de todo em todo, correctas.

o Sr. Presidente (Alineida Santos): — Tern a palavraSr. Deputado Costa Andrade.

o Sr. Costa Andrade (PSD): — Penso que a intervenço deve ser encarada do ponto de vista da utilidade e, avista dos autos, a utilidade cIa minha intervençao não será

significativa. Por isso, será extrernamente curta e so para

precisar urn aspecto: não me parece que se possa dizer corn

uma mao que a proposta. é iniltil, e talvez seja desne

cessária — do meu ponto de vista, penso que em boa medida

o 6— e dizer ao mesmo tempo das desvantagens e das

catástrofes de viver corn este <> em permanente

evoluçäo porque, então, disso viriam graves males ao mun

do. Ou bern que 6 intitil ou bern que não 6 intitil! Portanto,

tern eases inconvenientes de magma.Devo dizer que, do nosso ponto de vista, estamos predis

postos, interessados e empenhados em lidar corn a pessoa

humana como magma, isto 6, como algo que nAo est feito

mas que está af a fazer-se ao longo dos séculos, conquis

tando progressivamente novas dimensöes, porque näo gos

tarfamos de estar ainda numa sociedade de pessoas

coisificadas, esciavagista, etc. Temos de viver sempre corn

o acicate fáustico de fazermos da pessoas humana sempre

cada vez mais do que aquilo que 6 hoje. E tern-se convivi

do assim, temos vivido assini. Todos os dias estamos a ti

rar, daquilo a que se chama a dignidade da pessoa humana,

novas dirnensöes que ontem erarn insuspeitadas. Se colocar

mos o catálogo dos direitos humanos, dos direitos funda

mentais de hoje, em conontó corn os de ontem, ha dife

rencas abissais. Queremos conviver corn a pessoa, nAo

fechada, em permanente plasticidade e atentos a revelaçao ea emergência de novas dimensöes cIa personalidade. Queremos conviver corn essa magma, estamos predispostos a isso.

E esse o delco risco que vale a pena nas coisas do direito,especialmente do direito constitucional.

Dc todo o modo, dou corno boa, sobretudo, a interven

ção do Sr. Deputado Alberto Martins, no sentido de que a

proposta em Si flãO acrescentaré nada a este nosso desiderate

e dou também como boa a indicaçao do Sr. Deputado

Alberto Martins de que tambOm ele comunga destes mes

mos ideais. Sendo assirn, nOs manteremos a proposta para

votaçäo, näo insistiremos nela em name da utilidade, mas

também näo podfamos permitir que se fizessem afirmaçoes

que, do nosso ponto de vista, não são inteiramente con-cc

tas. Nem o argumento do jus-naturalismo 6 pertinente, ate

porque a dignidade cIa pessoa hurnana, como fonte de direi

to, passaria a estar positivada na Constituiçao.

Vozes do PS:—3ä.está!

O Sr. Costa Andrade (PSD): — Optirno! EntAo, passa

na a estar, ou já estd, mas nunca — por uma razAo, digoeu, per duas, dizem os senhores — estaria exposta ao pen-

go do jus-naturalismo!

o Sr. Presidente (Almeida Santos): — Tern a palavraSr. Deputado Pedro Roseta

o Sr. Pedro Roseta (PSD): — Queria apenas respondera algumas referéncias que foram feitas a minha proposta.o artigo 16.° tinha corno intenção original apontar para ocarácter aberto da enurneracao dos direitos fundamentals.

Julgo que 6 irnportante confirmar essa intençäo dos consti

tuintes e alargá-la no sentido dessa abertura, que permitiria

urna compreensao mais ampla dos direitos e uma certa

desformalizaçäo dos direitos fundainantais no que diz res

peito a sua elencagem. A intenção 6 urn alargantento nosentido aberto dos mesmo direitos, nurn sentido pré-consti

tucional e metaconstitucional dos direitos humanos. Julgo que

o jus-naturalismo nao 6 para aqui charnado, pelas razöes que

disse o Sr. Deputado Costa Andrade; mas a antenioridade

da pessoa humana, a sua niqueza, a sua capacidade de

evoluçao mais rápida do que o Estado e do que as conven

çöes de direito internacional, a possibilidade de tirar de urn

rico rnagma novas diinenses, é importante e deveria ser

consagrada.Além disso, per memOria, reflro também a intervençao

da Sr.a Deputada Assunção Esteves em 1989, feita no Pie

nário, qiie não you aqui reproduzir porque consta das actas,

para evitar aquilo a que ela chamava uma leitura utilitarista

dos direitos fundamentals. 0 Sr. Deputado José Magalhaes

diz que ccninguOm sentiu a falta’ — vejo que foi recuperar

o vetho Frei Luls de Sousa e diz que eu e outros somos

<>! Agradeço o qualificativo do .Kninguém* man, por

enquanto, ainda me charno Pedro ROseta, não me chamo

Ninguérn! Sr. Deputado, sou deputado ha muitos anos e

sempre senti muito, pelas razöes ditas, essa falta. Quanto ao

sen argumento do ser urea cláusula incertificante, ainda bern

que 6! Ainda bern que 6 porque, para man, nesta matéria,

esta abertura 6 necesséria. AlOm do que, como já tive ocasiao do referir na sernana passada, hoje, na filosofia poiftica, naquilo que nAo tern a ver corn os domfnios restritos em

que tern de haver certeza do direito, vence esta ideia de que

a democracia é, per natureza, indeterminacao. E não 6 sO

Tocqueville, mas rnuitos autores modernos que väo para

alérn da leitura liberal e neoliberal, que entendem que, nes

tas matdnias, tern de haver indeterminaçao porque a pessoa

humana nAo sO 6 mais rica e 6 anterior coma evolul para

aldin do Estado.

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13 LiE OIJTLIBRO DE 1994151

Dito isto, é evidente que fico contente quando oSr. Deputado Alberto Martins quer aditar urn princ(pio deautonomia — eu aceito j! Se quer completar.., Mas, assim,antecipa a discussäo do debate que gostaria de ter sobre odireito a diferenca! So não coloquei aqui a autonomia dapessoa porque julgo que esse é urn debate que ainda estápor fazer, mas aceito-o desde jä. Os seus companheiros debancada ë que talvez não aceitem! Mas dou já por adquirido que vai ficar ‘ccda dignidade, da inviolabilidade e da autononiia da pessoa humana>>. Repito, sO não a propus porque acho que o debate ainda não está feito.

Finalniente, em resposta ao Sr. Deputado Raul Castro,queria dizer que não percebeu, pois d Obvio que, na minhaformulaçAo, näo se poe nada em causa a Constituição e osdireitos nela consagrados. Estd clara no meu texto a regrade que os direitos fundamentals consagrados não excluernquaisquer outros, constantes da lei>>, ou ainda aqueles ontros que acrescem .c>. E cvidente que de modo algurn seria possfvel essa leitura redutora do Sr. Deputado — pelo contrário, o que eu quero d alargar o âmbito do artigo.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): — Tern a palavra aSr.’ Deputada Margarida Silva Pereira.

A Sr.’Margarida Silva Perefra (PSD): — Queria apenasdizer que, explicitado que está que isto não é tuna pràpostareversfvel ao jus-naturalismo — que, alias, nao depende denOs mas dos intdrpretes da Constituiç&o —, mas urnapositivaçao de urn princfpio, e explicitado que está tambdmque assumir o carácter evolutivo do texto constitucional éuma vantagem progressiva e não urn factor pernicioso, prescindo de dizer mais qualquer coisa.

O Sr. Presidente (Airneida Santos): — Tern a palavra oSr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): —Este artigo 16.° da Constituiçâo 0, de facto, urn catOlogo aberto, e muito aberto,quanto aos direitos fundamentals, mas 0 fechado quanto asfontes do seu conhecimento. E abertfssimo, e urnartigo muito moderno, não ha nenhuni novo direito que nãopossa aqui ser incluldo; no entanto, o filtro de reconhecimento 0 a ConstituiçAo, a Iei e as regras do direito internacional. Já fiz referência a urn fildsofo dos direitos humanos,Santiago Nino, que diz que os princfpios morals que estAona base dos direitos e são o flindarnento deles são a autonomia, a dignidade e a inviolabilidade. SO que, consagrarurn princfpio como a inviolabilidade, pode ter riscos na suaaplicaçao concrete porque o grande problema que se poe éo conflito de direitos e o que aqui 0 proposto nao são nov0s direitos: são princfpios de onde des brotam. E, af,ptinhamos todos: >! Pam acrescentar o tal outro —eu apresentei-o como reducão ao absurdo! Corno isso nãopode ser, este inciso .c> pode conduzir a riscosinterpretativos substantivos, como seja: o princfpio dainviolabilidade colide corn o direito pratico da interrupçãovo1untria da gravidez? Colide corn o direito da inseminaçãopost mortem2 Colide corn a esterilizacão voluntOria damulher? Colide corn a procriacao artifical? 0 problema nãosão os princIpios: o probleina são os direitos. E pôr aqui oprincfpio scm concretizar os direitos era nina porte abertascm urn!

o Sr. Presidente (Almeida Santos): — Pouco mais tenhoa acrescentar a isto, you apenas dizer o seguinte: não estem causa, como 0 evidente, nenhuma reacção ao princfpioda dignidade e da inviolabilidade da pessoa humana. Achoate que a nossa Constituiçao já 0 bastante avançada nestedomfnio: no artigo 1.0, <<0 uma repiiblica baseada na dignidade cia pessoa humana>>, 0 inais do que apenas uma maténa de direitos fundarnentais .— 0 a prOpria Reptiblica quereconhece como fundamento a dignidade cia pessoa humana. No artigo 7•0, <> —todos sabem que, aqui, o Hornern equivale a pessoa, cornoC Obvio e não pode deixar de ser. Ate jC se propôs que nãose dissesse <> e se dissesse <>. No artigo 25.°, <>, <> —acho que anossa Constituição bate a generalidade das Constituiçoes emmatdria de reconhecimento deste valor.

Para alOm disto, queria dizer o seguinte: se fosse de reconhecer expressamente o direito a inviolabilidade da pessoa huinana, seria em sede de princfpios e nunca em sedede direitos. Pela razão simples de que o que se trata aqui Cde direitos ftindarnentais. Seria, portanto, transformar ainviolabilidaile da pessoa hurnana numa nova fonte de clireitos positivos. Mas, entAo, não seria aqui: seria em matOna de princfpios. Então, sim, 10 veremos, na sede prOpria,se se deve on são deve corrigir mais alguina coisa, acrescentar mais alguma coisa, o que C que 10 falta: onde estC adignidade, deve pôr-se mais algurna coisa? E queconsequOncia C que tern a referOncia a aquisição dainviolabffidade? Ponque esta é uma palavra que pode ser fCrtilem discussOes.

Mas não tenharnos ilusOes: eu, positivista, na medida emque sou positivista, näo sei o que são direitos decorrentesda inviolabilidade da pessoa humana em termos de direitopositivo — sei em termos de priiicfpios; mas, como fonte declireito, a que C urn direito decorrente da inviolabilidade ciapessoa htunana, ao lado dos direitos fundamentals que estao consagrados? Falta 10 algurn? Ponha-se! Todos os quequiserem; estou de acordo! Mas criar uma fonte de direito,autOnoma, em matCria de direitos positivos, on seja,, aquelesque decorrern da inviolabilidade?! E esta a minha reacção.Não me fecho, não estAo em causa os valores, na parte filosOfica, acompanho-vos mas, na parte positiva, ponho asminhas reservas.

Vamos passar ao artigo 20.°

0 Sr. Pedro Roseta (PSD): — Sr. Presidente, tenho urnproblema corn ô debate dos artigos seguintes porque amanba estarei fora do Pab, em serviço cia Assembleia, pelo que,se me permite, faria corn muita brevidade a apresentaçAo ciaminha proposta relativa ao artigo 22.° — para o artigo 20.°não tenho nada a propor.

0 Sr. Presidente (Ammeidà Santos): — Corn certeza, sãoha nada a opor.

0 Sr. Pedro Roseta (PSD): — AlCm disso, aproveitariapara perguntar se jC estO previsto o calendCrio dos trabaihospara a prdxima semana.

0 Sr. Presidente (Alnieida Santos): — Em princIpio,dado que na prOxirna semana jO hO PlenCrio quarta, quintae sexta-feiras, fica agendada uma reuniao para terça-feira atarde e, eventualmente, quarta-feira de martha.

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52ii sERw — NUM1RO 7— RC

Toni a p&avra, Sr. Deputado.

0 Sr. Pedro Roseta (PSD): No que diz respeito ao

artigo 22°, que tern a ver corn a responsabilidade das enti—

dades püblicas, proponho duas alteraçôes. Uma, que d urn

11.0 1 e d uma precisão, urna explicitacAo da responsabilida

de do Estado e des entidades pdblicas <

funçöes legislativa, jurisdicional ou adrninistrativa e pot causa

desse exercfcio de que resulte>> — a seguir mantém-se iguaL.

Trata-se de uma explicitacKo bastante abrangente para que

não haja dilvidas e não haja interpretacOes reducionistas,

como, rnuitas vezes, tenho visto, no sentido em que- actual

mente se diz

cio das suas funçöes e por causa desse exercIciox., o que

acaba por se resumir, praticamente, as funçöes executivas.

A minha intenção d alargá-lo a todas as funç&s. Se propu

serem outra forrnulaçao ainda mais abrangente, estou dis

posto a aceitá-la. Mas esta redacco <

funcaes legislativa, jurisdicional on administrativa>> já cobrepraticarnente todas as funçöes do Estado.

Coloca-se o problema da funçao politica —julgo que da

funçao poiftica, enquanto tal, não resulta uma responsabili

dade civil. A ilnica coisa que se podia exceptuar são as

opiniOes e essas estAo protegidas pela Constituicao. Por que

é que näo acrescento a função politica do Estado? Porque,

para já, aquelas finçoes são concretizaçäo cia função poifti

ca. Juntar a funçao poiftica sem mais incluiiia as opiuiöes

dos titulares dos drgäos cia soberania que estAo protegidas

pela Constituicao. Por exemplo, os Deputados não respon

dem civil, nern criminal nem disciplinarmente pelas suas

opinioes. Se não fosse assirn, seria o tim de toda a indepen

dência parlarnentar — os parlamentos desapareceriam no dia

em que essa disposicao desaparecesset No dia em que urn

Deputado que subisse a tribuna e fizesse urna aflrmaçãopudesse ser responsabifizado civil, criminal ou disciplinar

mente, acabava a independência do Parlamento, acabava a

sua funçao de fIscalizacao, etc. Parece-me perigoso acres

center a função poiftica. Eventua]mente, podia acrescentar

-se <>, mas julgo que o que está ci o essencial.

A segunda proposta consiste no aditamento de urn n.° 2,

ainda sobre a responsabilidade das entidades pi.iblicas, que,

no fundo, e uma consagraçao daquilo que jci está na lei. Ea constituciona]i.zacao daquilo que está na lei: <

minará a responsabffidade do Estado perante as vftimas de

crimes e promoverci os mecanismos que assegurem a cor

respondente indernnizacao>>. Este princfpio vai fazendo Ca

minho no direito moderno, jci está consagrado no direitoportuguês bern corno nos de outros pafses cia Europa cci

dental. Penso que constitui urna charnada de atençAo que

enriquece a Constituiçao. Corno jci disse vérias vezes, aConstituição tern coisas a mais, tern algumas repeticoes, tern

coisas regulamentares, ate proponho adiante a supressao de

muitos artigos.No entanto, julgo que aqui poderia, corn vantagem, set

constitucionalizada esta matciria porque as pessoas que não

conhecem toda a imensa legislação poderiam corn mais fa

cilidade conhecer a Constituiçao, especialmente se esta fos

se mais simples. E, neste campo, seria enriquecedor que as

pessoas soubessem que os constituintes constitucionalizaram

este princIpio importante. Não tenho de fazer aqui a defesa

de algo que já estd consagrado na lei: a necessidade absolu

ta de o Estado indemnizar, de algum modo, as vItimas de

determinados crimes, corn determinada medida, nos termos

da lei.

0 Sr. Presidente (Almeida Santos): — De qualqucr

modo, acha quo ci mesmo urn caso de responsabilidade do

Estado perante as vItirnas? Ou será, antes, urn dever do

Estado indemnizar ou ajudar as vftmias? Responsabilidade

por crimes parece-me urn pouco.

o Sr. Pedro Roseta (PSD): — Trata-se de uma responsabilidade objectiva, como se diz no projecto do PS!

o Sr. Presidente (Almeida Santos): — Mas se dissercomo se diz no prnjecto, desaparece a minha objecçao! Scmisso, parece que o Estado ci corresponsável pelos crimes, por

não ter tido policia suficiente, per näo ter urn born ministro

da Administraçao Interna, per não ter feito a prevenção, etc.!

Eu não vejo isto em termos de responsabilidade perante as

vitimas dos crimes, vejo, antes, como urn dever do Estado.NAo se agarre ao termo responsabifidadet

o Sr. Pedro Roseta (PSD): —0 meu texto nao torna oEstado corresponsável! Mas deixo dues alternativas. On fa

zer como no projecto do PS e pôr: <

responsabilidade objectiva do Estado perante as vftimas cia

crimes>>...

o Sr. Presidente (Airneida Santos): — Isso j serve.

o Sr. Pedro Roseta (PSD): — Outra alternativa seria: <>. Sr. Presidente, posso aceitar qualquer destas duas

alternativas. -

o Sr. Presidente (Almeida Santos): — Näo vamos discutir isto, mas já temos duas sugestöes rápidas!

Tern a palavra a Sr.a Deputada Odete Santos.

A Sr.a Odete Santos (PCP): — Sobre esta ilitima ques

tao, queria pedir urn esclareáirnento ao Sr. Deputado Pedro

Roseta. Queria saber se V. Ex.8 optou por uma soluçäo que -

existe, e ci defendida per alguns, cia que o Estado também

deverá ser responsabilizado, tambdrn the deverá ser consa

grada uma responsabilidade estadual em relaçäo a essa in

demnizaçäo nos casos em que falhwn os nieios de obter essa

indemnizaçao dos arguidos. Isto ci, poderá o Estado, em

determinadas situaçöes, avançar essa indemnizaçao? Foi isso

o que V. Ex.a quis corn esta redàcçao?

o Sr. Presidente (Almeida Santos): — Tern a palavraSr. Deputado José MagalhAes.

o Sr. José Magalhäes (PS): — Queria apenas fazer aseguinte sugestão: a preocupaçao pela <

garnente partlihada, como se sabe, e conduziu, no terreno

da lei oniinciria, a soluçôes que foram aprovadas per unani

ntidade, se bern me lembro. Infelizrnente, parte dessas solu

çaes näo tiveram execuçao prtitica, designadamente quanto

a protecçäo das vftimas de crimes quando sejam muiheres,o que, pam mim e pam todos nós, ci, seguramente, urn dos

escândalos mais lamentáveis na vigência e no quadro desta

legislatura! Essa lei, ainda hoje, não estci a set aplicada polo

Ministro da Justica, o que ci inacreditável. Talvez o

Sr. Deputado Pedro Roseta se possa interessar per isto!

Agora, quanto a esta sugestão concreta, talvez a sede boa

para aditar uma norma deste tipo seja o artigo 29.°, porque

esse artigo, per urn lado, tutela Os direitos dos cidadAos in

justamente condenados mas falta-Ihe urna alusäo as vItimas

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de crimes. E, sendo ele o artio nobre neste domInio, cornoé muito fácil configurar urna norma que vincule o Estado aadoptar medidas legais tcndentes a garantir a efectiva proteccão das vItimas de crimes—o que abrange muitas coisas, não temos de ser extraordinariamente precisos —, taIvez esta seja a so1uco.

NAo entro agora na discussão da questao de saber Se, nonosso direito, pode haver alguma I orma de efectivar umaresponsabilidade objectiva do Estado por, por exemplo, numadeterminada rua, reiteradamente, ter faltado policiamento, aspessoas serem sistematicamente assaltadas e o Estado saberque elas são assaltadas. Ha várias acç&s noutros direitos,rnuitfssirno interessantes, em que isso dá origem a urn direito de indemnizaçao.

o Sr. Presidente (Almeida Santos): — Tern a palavraSr. Deputado Pedro Roseta.

o Sr. Pedro Roseta (PSD): — Sr.a Deputada Odete Santos, em resposta a sua questao, queria dizer que estava,evidentemente, incluIdo. No fundo, aquilo que d gritante dque, em crimes semeihantes, conforme os bens do arguido,a vftima pode ou nao obter a correspondente indernnização.Isto d perfeitarnente insustentável! Viola urn princfpio deequidade e de justiça fundamental: suponhamos uma situação semethante, ate, se se quiser, igual (embora as coisasnunca sejam exactamente iguais), em que ha duas vftimas,eventualmente irmAs, perfeitamente idênticas, que, no mesmo dia, são vftimas de crime idêntico e uma, porque o ciiminoso pode indemnizar, é indemnizada e a outra não. Julgo que, nestes casos, a lei tern de prever uma indernnizaçao,a determinar nos termos da lei — isso já não C matCria deConstituiçao. Portanto, a minha resposta C afirmativa.

No que diz respeito as sugestôes do Sr. DèputadoAlmeida Santos e do Sr. Deputado José Magalhes, cornojá tenho dito vérias vezes, não sou urn nominalista nern urnfetichista das palavras — o que me interessa é a essência dascoisas: os valores, as ideias, Os pflflCfpiOS, Os direitos. Portanto, se entendem que C meihor colocar este preceito noartigo 29.°, essa é uma questAo de sistemática, não tenhonenhuma objecçao; se entendem que C meihor alirmar a<>, pois ate ficará maisclaro; ou ate mesmo tirar a palavra <> edizer apenas <>, nada tenho a opor.

O Sr. José Magalhães (PS): — Sr. Deputado, faço asugestAo contrCria: <>.

o Sr. Pedro Roseta (PSD): — Aceito perfeitarnente essasolução, desde que, depois, se acrescente a correspondenteindemnização, nos terrnos que forarn referidos ha pouco.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): — Tern a palavra oSr. Deputado Luls SC.

o Sr. Luis Sá (PCP): — Sr. Presidente, queria fazerobservação que tern a ver corn b andamento dos nossos trabathos. 0 projecto de revisão constitucional do PCP faz umaproposta, não nos mesmos termos mas corn a mesma preocupacão, pam o artigo 25.°, tal como o Sr. Deputado RaulCastro, que apresent.a urna proposta idêntica, na qual se diz:<

Iei>>. Portanto, a preocupação de constitucionalizar esta matdria e generalizada. Desde já e para tacilitar os trabaihos,adianto que näo terernos objecção a que a queslao seja discutida quer a propdsito do artigo 29.°, quer corn outra inserçao sistemCtica que seja considerada adequada.

o Sr. Presidente (Almeida Santos): — Varnos passarartigo 20.0, >.

Tern a palavra o Sr. Deputado José Vera Jardim.

o Sr. José Vera Jardim (PS): — A proposta do PS parao artigo 20.° tern dois aspectos diversos. 0 primeiro é, nofundo, imia concretização e uma densificacao do princfpio,que jC existe ha muito no nosso quadro constitucional, doacesso an direito e aos tribunals. Efectivarnente, C hoje preocupacão generalizada, dado que não basta afirmar o direito de acesso aos tribunals, a necessidade de qualificar emque C que este direito se desdobra. Ele desdobra-se, naturalmente e desde logo, em dois aspectos fundamentals queestAo, aliCs, consagrados hoje, como é sabido, nas convençôes dos direitos hurnanos, designadamente na ConvençaoEuropeia, e tern dado lugar a uma larga margem decontencioso, quer na Cornissão quer no Tribunal Europeudos Direitos do Hornem. São essas duas concretizaçöes: porurn lado, o direito a decisão em prazo razoCvel e, por outro,o princfpio do processo equitativo, que se desdobra por suavez em vCrias concretizaçöes, como a igualdade de armas,os direitos de defesa, etc.

Trata-se, pois, neste nosso novo n.° 3, de vazar na nossaConstituiçao algo que, designadamente no quadro europeue a propósito da Convençao Europeia dos Direitos do Homem, jC adquiriu urna densificaçao mais do que suficiente;jC tern, como disse e como C sabido, urn largo contencioso,em que a Cornissão e o Tribunal tern arnplamente admitido — nalguns casos ate, e infelizmente, decidindo contraPortugal — que o direito de acesso tern que se concretizarno direito a obter tambCrn urna decisão em prazo razoávele, por outro lado, rnediante urn processo equitativo que, nofundo, se concretha atribuindo a defesa igualdade de armasem relação a acusação e todos os rneios legItirnos pam queessa defesa se possa concretizar em termos equitativos.

A nossa segunda proposta diz respeito a algo que teremos tambCrn ocasião de mais adiante nos debruçarrnos, queé a necessidade de criar procedirnentos judiciais onde elesnão ex.istem — e aqui ha urn défice importante no nossoquadra legislativo —, que possa assegurar os direitos, liberdades e garantias tarnbém em tempo titil e mediante urnprocesso cClere.

Naturalmente, terernos oportunidade adiante de discutir emque termos, em que sede e por que rneios C que esten.° 4— se for aceite, como esperamos — podera ter a suaconcretização. Porérn, . urna coisa C certa: não basta afirrnarOs direitos — e a nossa Constituicão C, corno todos sabemos,muito rica nessa matCria —, mas é preciso criar procedimentos rCpidos que tenharn execuçäo rCpida, pam que esses direitos, liberdarles e garantias possam ser, em muitos casosem que C necessCria urna decisão muitas vezes urgente,concretizados, protegidos em tempo Ctil, quer contra a violaçao quer contra a ameaça.

Penso que estas nossas duas propostas se autojustificam,digamos assim, e esperarnos que haja abertura pam que alaspossam vingar.

0 Sr. Presidente (Almeida Santos): — Tern a palavra aSr.’ Deputada Odete Santos.

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A SI. (ldctc Santos (PCP): — Sr. Prcsidcntc. urna pare das plojioslas que apresentamos para este artigo foram j

ii;Iainic discutidas aquando da revisäo de 1989, na se—uênka de urna proposta apreentada pelo PCP. Mas ireireerir-me, prinleirn, a proposta que diz respeito aos n.” I e2 do artigo 2O,

Relativainente ao n.° I, propomo-nos acrescentar a expresso ( entre a expressao > e <

zUñJdCOS>.

Ora, isto destina-se a clarificar o qua, em nossa opiniäo,mas parece que não na de toda a gente, senão não terfamosa ilitima <> verificada no COdigo das Custas Judiciais, ja está clarificado. E que este preceito, na medida emque se destina a garantir o acesso ao direito, já inclul quaas custas judiciais não podem ser de tal maneira onerosasque afastem as pessoas do tribunal. Contudo, como isso naotern sido entendido por todos e como, conforme eu disse,salvo eno em 1987, o aumento brutal das custas judiciaisredundou num afastamento dos cidadãos em relaçäo a viaiudicial e, portanto, restringiu o exercfcio do direito de acessoaos tribunals, achamos que deve incluir-se essa expressAo.Gostaria ainda de acrescentar que o facto de a Constituicaoprever apenas a nãoresolve todos os problemas. Näo pode vir dizer-se que oapoio judiciário, sO por si, garante o exercfcio desse direito.0 prirneiro impacte sobre o cidadâo quando tern determinadoproblema para apresentar ao tribunal é exercido através dosmeios econOmicos que, a partida, se prevê que tern de disporpara apresentar a sua questAo perante o tribunal. Depois, naexecução do apoio judiciário, a lei ordinéria veio tornarpossIvel aquilo que anteriormente nao o era. Segundo odiploma anterior, mesmo que a pessoa já tivesse os mesmoshens a data da concessão do apoio e nAo tivesse adquiridohens nenhuns, mesmo assim, o cidadão é executado muitasvezes por custas num litigio em que se apresentou corn oapoio judiciário.

Entendernos, assim, de alguma utilidade qua Seja aquiinclulda esta expressäo, qua reforça o direito de acesso aostribunals.

Em reiação ao que se propöe no n.° 2, tambdm ressalta,embora corn uma expressão diferente da do PS, a preocupacão evidente do que se passa corn a morosidade da nossajustiça, palo que tern de se concluir que, na prática, emmuitos casos, a justiça é denegada, pois a decisão chegatardiamente, porque não se decide em tempo titil.

E pacffico que, em relação ao processo penal, o direitoao duplo grau de jurisdicão já decone dos princIpios constitucionais — assim o reconheceu o Tribunal Constitucionalnum acOrdão —, mas ha, para além do processo penal, noutras matérias, designadamente em matérias cfveis, a necessidade, quando dizem especificamente respeito aos direitos,liberdades a garantias, de assegurar esse duplo grau de jurisdicäo, assirn como no direito administrativo. Entendemosque, de qualquer forma, a Constituicao não permite ao legisador ordinário qua regule o direito de recurso de umaforma discriminatória e que o limite de forma excessiva. EssadiscriminaçAo, essa forma excessiva de limitaçao dosrecursos, é vastamente conseguida através do aumento brutaldas alçadas que afasta dos tribunais superiores a apreciaçãode deterrninados processos que tern a var corn direit9s, liberdades a garantias.

E claro que o duplo grau de jurisdicAo, consagrado expressamente na Constituiçao, tambdm acarretaria a obrigaçã; para o legislador ordindrio de introduzir reformas já

mullo seiitidas c reciLmadas em rclação ii produçao de pro—va; tambeni no processo penal. ha a necessidade de se registar a pro’, a por escriki. magncticamente. para que. quando, nos inbunais superiores, analisern a questo seja urnverdadeiro recurso — e muilas vezes não 0 d, porque nãotern possibihdade de analisar outra vez a prova.

Relativarnente ao n.G 4, que vein na sequência de umaproposta que apresentámos em 1989, penso que estarernostodos de acordo que — e isso jé foi referido nesta reunião —,em relaçao aos direitos Ilindarneutais, a nossa ConstituiçAo1a está bastante densificada no aspecto da consagração dessesdireitos.

H, no entanto, uma questao qua tern a ver corn a tutelajudicial efectiva de alguns direitos que são aniquilados pelofacto de não haver, na lei ordinária, uma consagraçao de urnprocesso qua impeça a aniquilação de certos direitos, liberdades a garantias.

Estamos a referir-nos a detemiinados direitos fundamentais de defesa do cidadão perante o Estado e ate a direitosde proteccão de cidadãos perante particulares; estamos areferir-nos, como, alias, o nosso n.° 4 refere expressamente,a questoes como liberdade de reunião, manifestaçao, assoàiacAo e expressAo, que não existern. Por exemplo, a liberdade de expressão é impedida por não existir urn procedimento adequado ao exercicio desse direito ou a não publicação,pelo Ministério do Emprego a da Segurança Social, dosestatutos de determinada associação sOcio-profissional e urnaatitude abstencionista do Estado e é preciso qua, em tempoiltil, se impeçam determinadas consequências e que se preveja urna providência judicial para obrigar a publicar essesestatutos. Estes são meros exemplos, mas ha muitos maisqua se podem carrear para aqui.

Porianto, o nosso n.° 4 prevê qua a Constituiçao acolhaexpressamente esse procedimento. Ha quem antenda que jao legislador ordinário deveria ter previsto estas providênciasjudiciais, no sentido de consagrar expressamanta esse procedimanto como urn exercfcio, ale mesmo, de urn direitofundamental.

0 Sr. Presidente (Almeida Santos): — Sr.a Deputada, jéagora, gostaria qua esclarecesse urna questao.

Não astando em causa o princfpio da dupla jurisdiçao,corn o qual astamos da acordo, acha qua sara urn priñcfpiosem excepçOes no Tribunal Constitucional e também nasbagatelas civis? Uma acção de cobrança de 2000$ tambdmterá de ter dupla jurisdicao ou temos da pôr aqui <>?

A Sr.a Odete Santos (PCP): — E avidente que tern dehaver axcepçöes, nam quisemos absolutizar esta questAo.Alias, estamos abertos a encontrar uma outra redacçao, porque é óbvio qua o princfpio terá de ser no sentido de que orecurso nao pode, conforrne refere, por exemplo, VitalMoreira e Gomas Canotilho, ser regulado de formadiscriminatOria e limitado de forma excassiva. E esse o princIpio.

O Sr. Presidente (Almeida Santos): — Tern a palavra oSr. Deputado Antonio Marques Mendes.

o Sr. Antonio Marques Mendes (PSD): —Sr. Presidente, gostaria, antes de rnais, de esclarecer algu

mas dilvidas qtie estes dois taxtos me suscitam. Esta é umadas maténas qua considero relavanta, pelo que também meparece importante que fique esclarecido o sentido exacto deal gumas axpressöes.

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o Sr. Deputado José Vera Jardim já se ausentou, masespero quc os colegas do PS me saiharn esciarecer.

Relativarnerite a expressao do n.° 3 mediante pwcessoequitativo>>, o Sr. Deputado José Vera Jardim disse < etc. Entendo que isso é a consagraçäodaquilo que ja se pratica, ou seja, o priricfpio do contraditdrio, corn todas as cautelas de defesa no que respeita aoprocesso criminal, e näo so, porque nAo estamos sO noprocesso criminal, estamos no processo de vria natureza,cIvel, administrativo, etc.

Pergunto: esta expressao e a introdução de algurn novoprincipio?

o Sr. Presidente (Almeida Santos): — E uma norma dodireito comunitário, por exemplo, de direito internacional,convençoes de direitos... processo equitativo.

o Sr. Antonio Marques Mendes (PSD): — Significa,portanto, a aplicacao do princfpio da equidade?

o Sr. Presidente (Almeida S autos): — Nâo, näo! E umaexpressão consagrada nas convençöes internacionais de direitos. No fundo, é direito intemo.

o Sr. AntOnio Marques Mendes (PSD): — Mas o processo equitativo tern várias formas de se poder concretizar.Pretende corn isto inovar-se alguma coisa.ou pretende consagrar-se aquilo que já está na nossa Iei e que d uma tradição?

o Sr. Presidente (Alineida Santos): — Consagrar corninais ênfase urn princfpio que já estA urn pouco disperso pelonosso sisterna juridico.

o Sr. Antonio Marques Mendes (PSD): —0 problernaaqui pode suscitar que, entAo, em certos casos, teriamos deir para urn outro tipo de processo. Era essa dtivida quegostava de ver esciarecida.

o Sr. Presidente (Airneida Santos): — Segundo a equidade, não d isso?

o Sr. AntOnio Marques Mendes (PSD): — Equidade oualgo semeihante.

o Sr. Presidente (Almeida Sautos): — Não, não! Annasiguais!

Vozes inaudIveis na grwação.

o Sr. Antonio Marques Mendes (PSD): — Mas temosconsagrado em determinado tipo de processo o princIpio daequidade, e nao vamos criar algumas dilvidas corn traduçães. Sabemos o que ems poderão significar, mas aman.hãnao estamos livres de se pretender fazer uma interpretaçãodiferente. Seria extremarnente grave aplicar a certas defesasde direitos o princIpio da equidade ou algo semethante.

o Sr. Presidente (Alnieida Santos): — Não, não!

o Sr. AntOnio Marques Mendes (PSD): — Agora, estou esciarecido. Talvez a expressão nao se nos afigure a maisadequada.

Urna outra questao que coloco respéita ao n.° I da proposta do PCP, onde diz >. Ora, esta onerosidade — e isto

entronca-se numa outra qucstäo que iria abordar e que a Sr.’Deputada Odetc Santos já referiu — é também urn tantosubjectiva. Uma coisa pode ser onerosa para urn e não oser para outro, consoante Os seus mejos de fortuna.

Näo me parece a meihor forma de se pretender significarque se coloca no lado do peticionante, tie quein recorre ajustiça, a questao de não ter rneios suilcientes — claro quemesmo a <> pode ser discutfvel.

Por isso, gostaria de ser esciarecido sobre o que se pretende significar rigorosamente corn esta onerosidade.

Quanto ao duplo grau de jurisdiçAo, Sr.’ Deputada, comoadvogado que sou, tenho de estar de acordo corn muitascoisas que disse, atd porque eu próprio já defendi,inclusivarnente perante o Tribunal Constitucional, a propOsito de recursos, o sistema das alcadas. Creio, porém, quenao será este o lugar prOprio, mas já que falou nisso tarnbern direi que, efectivamente, tar-se acesso aos tribunaissuperiores, designadamente ao Supremo Tribunal de Justiça, porque uma causa tern determinado valor, mas essa causa tern determinado valor para gente rica. E quem conhecedeterminado tipo de questöes que surgem sabe que, porexemplo, o arrendamento atinge .valores que podem levarrecurso ao Supremo Tribunal de Justiça, nas cidades deLisboa, Porto, etc., rnas nos outros meios, em que a questAo0 a mesma, em que os interesses em discussão são rigorosamente os mesmos e, as vezes, corn consequências maisgravosas, no entanto, não tern esse mesmo recurso.

Ora, isto entronca-se tambOm corn esta onerosidade. ASr.a Deputada Odete Santos quis cornbater uma coisa, mas,no li.indo, abre a porta a determinad.as situaçöes porque sãoaspectos rnuito subjectivos e porque a onerosidade, assirncomo as alçadas, nAo é igual para todos, depende das circunstâncias e nAo estO em correspondência corn a verdadeira natureza do direito.

Sr.’ Deputada Odete Santos, o duplo grau de jurisdiçãosignifica aqui concretamente, por exemplo em termos dedireito adxninisirativo, urn grau de recurso ate onde? Porqueele hoje praticamente vai ate ao pleno, ate ao Supremo Tribunal de Justica, portanto, ultrapassa o duplo. Para que Ca-sos concretos estO a prever esta hipOtese?

o Sr. Presidente (Alrneida Santos): — Tern a palavra aSr.’ Deputada Odete Santos.

A Sr.’ Odete Santos (PCP): — Em primeiro lugar, talvez não me tivesse explicado bern, porque o Sr. Deputadomisturou a questao das alçadas corn a questao daonerosidade, e não foi isso que eu referi.

Em relacao ao duplo grau de jurisdiçao, eu referi que urndos princfpios que se impunha ao legislador ordinOrio, nostermos da Constituiçao, era de que não podia ser reguladoO direito de recurso de modo a limitar de forma excessivaesse direito. E depois dei urn exemplo. Tern sido conseguidalimitaçAo do direito ao duplo grau de jurisdiçAo atravds dasubida brutal das alçadas. E o Sr. Deputado ate deu exempbs que vieram fundamentar aquio que tinha sido dito evieram fundarnentar a situaçao discriminatOria em que seencontravam cidadãos da charnada > em relaçãoa cidadãos de Lisboa. Al já nao se trata do duplo grau dejurisdicao, trata-se do acesso ao Supremo Tribunal de Justiça em matOria de aeçöes de despejo, urna vez que, por enquanto, se a lei não for alterada — e hO sempre o risco tiese alterar em lei ordinOria —, se se continuar a manter, nasacçöes de despejo, ha sempre recurso para o Tribunal daRelação. Mas a questao desse duplo grau de jurisdicão estO

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na id ordinária, não est garantido pela Constituição, pelomenos prirneira vista.

Quanto a onerosidade, o cidadão ate pode ter algunsrneios para recorrer ao tribunal, mas as custas podem ser detal maneira exageradas, como o são actualmente, que constituarn uma verdadeira denegaçao do acesso aos tribunals,porque pode afastar o cidadão desse acesso, levando-o ate apreferir, como tern acontecido, optar por uma resolução defacto de determinadas situaçöes. Sabe que proliferaram, nãosei se ainda proliferam, e foi urn escândaio, as cobrancasdificeis, corn todas as consequências graves para Os cidadAos. E isso resulta de umas custas judiciais brutais queafastam os cidadãos do exercfcio desses direitos.

Quanto a questAo do direito administrativo, matéria emque não sou especialmente perita, tenho apenas alguma experiencia em matéria de recursos de processos disciplinares,o meu camarada LuIs Sá dirá algurna coisa sobre isso.

o Sr. Presidente (Almeida Santos): — Tern a palavraSr. Deputado Luis Sá.

o Sr. Luls Sá (PCP): — Sr. Presidente, creio que nestamatéria, e procurando encontrar a methor redacção, ha simultaneamente duas linhas a acautelar. Por urn lade, prevenir que onde existe o duplo grau de jurisdicao,designadarnente cit carácter administrativo, ele não seja eliininado. Por outro lado, garanlir que, simultaneamente, secrie a perspectiva de bayer duas instncias em direito administrativo, em vez cia perspectivas de recurso directo para oSupremo Tribunal Administrativo.

Dc resto, quero dizer que, particularmente na area dosespecialistas de direito administrativo, corresponde a umaopiniao cornum, bern como dc nurneràsos conseiheiros doSupremo Tribunal Adm üsirativo a ideia de que deveria sertambém consagrado no campo administrativo o princIpio dasduas instâncias.

o Sr. Presidente (Almeida Santos): — Tern a paiavraSr. Deputado Braga de Macedo.

o Sr. Braga de Macedo (PSD): — Sr. Presidente, estad uma matéria a que sou particularmente sensivel, emboranäo especialista, e gostaria de interrogar sobre a mais-valiaou valor acrescentado, em particular, dos n.0’ 3 e 4 cia proposta do PS. De facto, não consigo ver, porque tudo aquilo,sem embargo da expiicacao que foi dada, que vernexplicitado, regularnentado, nos n.0’ 3 e 4 já vern, na minhaperspectiva, nos n.°’ 1 e 2, se os interpretarmos cornrazoabffidade, o que tentarei dernonstrar.

Vejamos ate que ponto a redacçao actual do artigo 20.°é, cia prdpria, já muito ambiciosa. Ora bern, os dois ntimeros corneçam pela expressao <>. De facto, já ha aquiuma ambiçäo muito grande. Assegurar a todos o acesso aodireito e aos tribunals é também qualquer coisa que é bastante ambiciosa, d pam defesa dos scm direitos e interesseslegItimos. E depois, o que se diz é que não pode a justicac>, mas o objectivode assegurar o acesso ao direito e aos tribunals é näo denegarjustiça.

Vein, entAo, a proposta do PS esciarecer que a prazo näoé razoável, nAo é equitativo. Urn barbarismo que penso quepoderia ser substituldo por >. Processo adequadoé exactamente aquilo que algumas palavras inglesas, que aquiouvi, querern dizer. Portanto, de qualquer maneira, estd aexplicitar a noção de denegar justiça que vem no n.° 1. E o

n.° 2 é a mesma coisa: direito a infonnaçäo. Serd que odireito a inforrnacao não tern irnplIcita a ideia de tempoutil —corn certeza que tern! —e depois Ia vern o 11.0 4 falardo tempo titil.

Penso que urn cidadAo rnédio interpreta este artigo 20.°corno contendo todas as ideias que vêm depois explicitadas,quase regulamentadas, na proposta do PS. Daf a minha pergunta, a minha peiplexidade: para quê regulamentar em sedede id fundamental?

o Sr. Presidente (Almeida Santos): — Tern a palavraSr. Deputado Alberto Martins.

o Sr. Alberto Martins (PS): — Sr. Presidente, nestaparte, a nossa inovação consiste em iraduzir pam o ,nossodireito constitucional ordinário nina disposição que existe jána Convencao Europeia dos Direitos do Homem, sobretudono artigo 6.°, que consagra a garantia de urn processo equitativo em matéria civil e penal. E a n.° 1 do artigo 6.° diz— e passo a traduzir do original frances, nurna publicaçodo Conselho da Europa—: >.

He já uma grande elaboração jurisprudenciai que densificaeste conceito, que hoje C dito como urn dos conceitos maisricos e corn mais consequências concretas ao nIvei cia aplicação dos direitos fundamentals, e que se traduz na igualdade efectiva dos direitos das partes relativamente a matCrias que querem submeter a juizo.

Digarnos que a ideia de processo equitativo C uma ideiade igualdade efectiva e substantiva das partes, para além dodireito a ser apresentada em juiz urna determinada cáusa.Nesse sentido, esse direito a urn processo equitativo podedesdobrar-se (nalguns casos tern já consagraçao no nossotexto constitucionai) na existência cia urn tribunal independente e parcial para qualquer causa — e isto ternconsequência a todos os nIveis, pois não ha dommnios ciasociedade portuguesa que não tenharn direito dc recurso paraurn tribunal independente e parciai; que os debates sejamptiblicos genericamente e as julgamentos sejam ptiblicos cornas restriçoes que decorrern cia natureza de reserva no exercfcio cia justica; que o prazo de conclusão do processo sejarazoável; que haja equidade de procedimentos; que haja respeito polo princIpio da presunção de inocência (que já estdno nosso texto); que haja o cumprirnento escrupuioso dainformaçao sobre a acusação em tempo titil — isto nem scmpre C assim, quem anda peios tribunals sabe-o; que hajatempo e facilidades pam garantir a defesa —, o que, na prática, tambCm não é rigorosamente assegurado par vezes; quehaja urn direito de defesa pessoal ou par advogado efectivo — e também sabernos que a soluçao dos advogados oficiosos nao citi resposta, par vezes, credfvel a essa situação —e que, por outro lado, e finairnente, haja o dever do Estadoe dos tribunals dc convocação das testemunhas.

Portanto, a direito a urn processo equitativo, que tern jáurna sedimentaçao jurisprudenciai nas deliberaçöes no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, é uma designaçãoconsabida, consagracia doutrinariarnente, que transpomos pamaqui e tern efeitos praticos de precisão, ainda que naigurnamedida dispensaveis quando Os SU5 princIpios integrantesestejarn já na Constituicao, rnas noutros casos de grandesignificado substantivo.

0 Sr. Presidente (Alineida Santos): — Tern a palavra oSr. Deputado Antonio Marques Mendes.

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o sr. Antonio Marques Mendes (PSD): — Sr. Pre-.sidente, apenas para diier que nao abordci esta questaoquando suscltei alguns pedido de esciarecimento na primeira intervenço, mas quero coloed Ia agora em relaçao aofl.0 4.

o n.° 4— e tambérn a proposta do PCP tern algo desemeihante — é urn caso espeelfico para defesa dos direitos, liberdades e garantias. Portanto, não se insere no princfpio geral do acesso, etc., mas querem especialmente urnprocesso caracterizado pela celeridade e pela prioridade paradefesa, quando estiver em causa.

Pergunto, entâo, se esta matéria nao estaria mais bernenquadrada se a debatessemos aquando da discussão dosdireitos, liberdades e garantias. B que se trata de uma norma que é, ela própria, também uma garantia.

o Sr. Presidente (Almeida Santos): — Embora a sistemática tenha as sues regras prdprias, nós no sornos fanáticos da sistemática. Assim, se entender que a methor localizaçâo é noutro sItio, claro que aceitamos, mas queremos duma discriminacao positiva em termos de prioridade, relativamente a matéria de direitos, liberdades e garantias.

o Sr. Antonio Marques Mendes (PSD): — EntAo, sugeriria que relegássemos a discussâo para essa parte.

o Sr. Presidénte (Almeida Santos): — Está sempre emaberto.

o Sr. Luls Sá (PCP): — Sr. Presidente, queria sO dizerque se o problema da insercäo for a condiçao de aceitaçãopelo PSD desta norma temos o maior prazer em aceitar oponto de vista que tiver em matdria sistemática.

o Sr. Antonio Marques Mendes (PSD): —Sr. Deputado, eu não disse isso; perguntei se näo seria

meihor discuti-la inserida naquele capftulo.

o Sr. Presidente (Almeida Santos): — Tern a palavra aSr.8 Deputada Odete Santos.

A Sr.8 Odete Santos (PCP): — Embora não tivesse pedido a palavra para falar sobre esta matOria, devo dizer que,näo fazendo nOs <> quanto a inserçâo,pareceu-nos que o n.° 4 ficaria bern aqui porque se trata deuma matéria que diz respeito a efectivaçao dos direitos e oacesso aos triburiais ti efectivaçao dos direitos.

Quero ainda referir-me a uma observacao feita peloSr. Deputado Braga de Macedo, embora tenha sido relativaao artigo do projecto do Partido Socialista, porque no nosso projecto tambOm temos uma expressäo equivalente que é>. E que o que está no n.° 2 do artigo 20.°sobre o direito a informação nada tern a ver corn o prazorazoável nem corn o tempo titil. 0 direito a informaçäocorresponde a urn dever para o Estado de divulger suficienternente as leis para que o cidadAo saiba de facto em queregime vive, pam que, depois, nao possa vir a sofrer pornão estar avisado, de acordo corn o princIpio de que a ignorância da lei nao aproveita a ninguém.

o Sr. Braga de Macedo (PSD): — Dá-me licença,Sr. Presidente?

o Sr. Presidente (Almeida Santos): — Faca favor,Sr. Deputado.

o Sr. Braga de Macedo (PSD): — E para direr quc,naruralmente, tinha conhecirnento daquilo que referiu aSr.8 Deputada Odele Santos c que não foi nesse sentido queuduizei a expressão <. 0 que eu tentei dizer — erepito — é que he urn principio de nao denegar a justiça, oqua! fez sentido, que as pessoas percebem e que entendeme que, depois, tern urn conjunto de iinplicaçoes na ordernjurIdica, dada a Convençäo dos Direitos do Homem, etc.Portanto, a minha observaçao era apenas no sentido de per-.ceber porque é que, agora, vai eutrar-se naquilo que quaseme pareceria uma regulamentaçâo de urn princIpio, acabando, portanto, por perder-se o princIpio de fundo que é o danAo denegacao da justiça. Isto por mil razöes, havendo umaque a Constituiçao entendeu esciarecer: <, o que está bern. Ha ouiras razöes masestá em causa o princfpio da denegaçäo de justica. Portanto, o que C que se acrescentou? Não percebi, nern corn aprimeira explicaçAo nem agora corn a segunda.

Pam além disto, afirmei que o direito a infomiaçao ternimplIcita uma noçAo de tempo que, naturairnente, tarnbCmse aplica a denegaço da justicae, aliCs, vimos isso aquandoda discussão do COdigo Penal. E que urna justiça que é dadamuito tarde C denegada. Portanto, mais urna vez, faço apergunta corn genuino interesse: 0 que C que acrescentamestas regularnentaçöes em sede constitucional? Todos osproblemas de que falararn aqui são problemas de execuçãoe, se existem, não é por constarem da Constituiçao que vaoalterar-se. Assirn, ainda näo percebi a lógica que levou oPartido Socialista e o Partido Comunista a esta regulamentação exacerbada. Portanto, é nesse sentido a minha pergunta,feita muito inocentemente. Eventualmente, serC tuna perguntade ingenuidade e é por isso que volto a carga.

0 Sr. Presidente (Almeida Santos): -— Pela parte que nosdiz respeito, o Sr. Deputado jC deu a resposta: tambCrn podehaver denegaçao da justiça por outra razão. Mas so estCprevista uma, a da , nãoestá prevista outra. Se cá não constasse nenhuma razão masapenas a expressao c>, seria Optirno, mas

‘o problerna C que diz <>. Ora, parece que se pode denegar justiça devido a demora indefinida ate que, as tantas, por exernplo,quando se pede a restituiçao do carro sinistrado e o recebernos jC sO vale o mesmo que >.

0 Sr. Braga de Macedo (PSD): — Sr. Presidente, a to-dos é assegurado o acesso ao direito. Isto quer dizer que ajustiça nao pode ser denegada — e daf o ernprego dogeri.indio. Portanto, julgo que o que o Sr. Presidente acaboude dizer estti contemplado na primeira parte do n.° 1. Qumtoao resto, precisa-se urn caso particularmente importante queC o da <>. Esta C a minha interpretaçAo e agradeço que me explique porque C quenâo está bern.

0 Sr. Presidente (Almeida Santos): — Sr. Deputado, oacesso no direito C, normalmente, urn conceito distinto dodo acesso aos tribunals e C por isso que a Constituicao incliii os dois conceitos. Acesso ao direito é o conhecirnentodas normas: tern de ser publicitadas, deve haver consultajuridica fCcil e estamos a carninhar nesse sentido. Quantoao acesso a infonnaçao jurfdica, tambCm pode dizer-se queé uma parte do acesso ao direito. No entanto, o acesso aurn julgamento rCpido, em tempo conveniente, quer em ge-.ral quer, nomeadamente, para os direitos e liberdasies fun-

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damentais, é uma garanhia de näo denegação — e o

Sr. Dcputado disse-o muito bern —, mas é born quc conshedo texto da Constituição.

o Sr. Braga de Macedo (PSD): — Sr. Presidente, a to-dos é assegurado o acesso aos tribunals para defesa dos seusdireitos e interesses legftimos. Diga-me em que é näo constitul urn princípio geral constitucional a afirrnaçäo de que ajustiça não pode ser denegada em geral e, depois, precisa-Se, pam efeitos...

O Sr. Presidente (Alineida Santos): — Näo, não. Significa que as pessoas tern direito a ter acesso, mas tambémtern direito a sair de là corn uma resposta...

O Sr. Braga de Macedo (PSD): — NAo d <>!E-thes assegurado.

O Sr. Presidente (Ahneida Santos): — Eu sei, mas dizaI que

O Sr. Braga de Macedo (PSD): — NAo d assegurar oacesso ao direito, disse-o bern! Portanto, estaria a violar on.° 1 tal como ele estti hoje.

o Sr. Presidente (Airneida Santos): — Mas não se perde em ficar consagrado no texto porque está là a outra explicaçao.

Srs. Deputados, estd encerrado o debate por hoje. Amanba. haverd duas reurnöcs, as 10 e as 15 horas.

Está encerrada a reuniäo.

Eram 13 horns e 10 minutos.

Listiveram presentes os seguintes Srs. Deputados:

Antonio Joaquirn Bastos Marques Mendes (PSD).Fernando dos Reis Condesso (PSD).Fernando Monteiro do Amaral (PSD).Guitherme Heniique Valente Rodrigues da Silva (PSD).Jorge Avelino Braga de Macedo (PSD).José Albertó Puig dos Santos Costa (PSD).José Luis Campos Vieira de Castro (PSD).Luls Filipe Garrido Pals de Sousa (PSD).Manuel da Costa Andrade (PSD).Maria Margarida da C. e Silva Pereira Taveira de Sousa

(PSD).Miguel Bento Martins da Costa de Macedo e Silva

(PSD).Pedro Manuel Cruz Roseta (PSD).Rul Manuel Lobo Gomes da Silva (PSD).Rul Manuel Parente Chancerelle de Machete (PSD).Alberta de Sousa Martins (PS).Antonio de Almeida Santos (PS).José Eduardo Vera Cruz Jardim (PS)..José Manuel Santos de Magalhes (PS).Luls Filipe Marques Amado (PS).AntOnio Filipe Gaião Rodsigues (PCP).Luls Manuel da Silva Viana de Sá (PCP).Maria Odete dos Santos (PCP).Isabel Maria de Almeida e Castro (Os Verdes).Manuel Sérgio Viefra e Cunha (PSN).Lufs EmIdio Lopes Mateus Fazenda (Indep.).Ratil Fernandes de Morals e Castro (Indep.).

A DivIsAo DE REDACçA0 E Ar’oio Aurnovisu.

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