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Quarta-feira, 4 de Setembro de 1996 II Série - RC - Número 16
VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)
IV REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
Reunião de 3 de Setembro de 1996
S U M Á R I O
O Sr. Presidente (Vital Moreira) deu início à reunião às 10 horas e 40 minutos.
Procedeu-se à discussão dos artigos 5.º-A, 6.º e 7.º constantes dos diversos projectos de revisão constitucional, tendo dada entrada uma nova proposta de alteração ao n.º 2 do artigo 7.º, apresentada pelo Deputado do PSD Calvão da Silva, que foi apreciada.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente, que
também interveio na qualidade de Deputado do PS, os Srs. Deputados José Magalhães (PS), Jorge Ferreira (CDS-PP), Luís Sá (PCP), Maria Eduarda Azevedo (PSD), Alberto Martins (PS), Luís Marques Guedes (PSD), Jorge Lacão (PS), Pedro Passos Coelho, Guilherme Silva, Barbosa de Melo e Calvão da Silva (PSD), Medeiros Ferreira e Elisa Damião (PS).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 18 horas e 30 minutos.
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O Sr. Presidente (Vital Moreira): - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 10 horas e 40 minutos.
A reunião da manhã terminará às 12 horas e 30 minutos, por afazeres meus, e a da tarde iniciar-se-á às 15 horas, terminando às 18 horas. Convoco desde já uma reunião dos coordenadores da Comissão, para tratar de questões de expediente, nomeadamente a revisão de algumas propostas de audiências que foram aprovadas antes da minha chegada aqui, à Assembleia. Penso que algumas daquelas propostas merecem ser reconsideradas e as que forem confirmadas têm de ser implementadas, pelo que temos de estabelecer o calendário e a logística para esse efeito.
Há também um pedido do PCP para reconsiderar a reunião de segunda-feira, o que será também tratado logo à tarde. Portanto, peço aos Srs. Deputados que costumam representar os partidos para permanecerem depois do encerramento da reunião, às 18 horas.
Tenho ainda uma comunicação do Partido Popular para informar a Comissão de que a Sr.ª Deputada Helena Santo irá substituir o Sr. Deputado Paulo Portas na Comissão de Revisão Constitucional.
Srs. Deputados, não há propostas quanto ao artigo 4.º nem quanto ao artigo 5.º, havendo uma proposta de aditamento, do CDS-PP, de um artigo 5.º-A, sobre a língua portuguesa, só que não entraremos nele até há chegada dos proponentes. Assim, passamos ao artigo 6.º - Estado Unitário, para o qual existem várias propostas.
Há uma proposta, do PS, no sentido de acrescentar ao n.º 1 o princípio de autonomia das regiões autónomas; uma proposta, do PSD, no sentido de retirar do n.º 1 a expressão "descentralização democrática" da Administração Pública; uma proposta, dos Srs. Deputados do PSD Guilherme Silva e outros, para considerar o Estado português como unitário e regional, integrando os arquipélagos dos Açores e da Madeira, que constituem estados regionais dotados de constituições regionais e de ordens de governo próprio; e uma proposta, dos Srs. Deputados do PS António Trindade e outros, no sentido também de considerar o Estado regional, respeitando a autonomia das regiões insulares, etc., etc.
Na falta dos proponentes das propostas do PSD e do PS que enunciei, os Deputados oriundos da Região Autónoma da Madeira Guilherme Silva e António Trindade, proporia que o PS e o PSD apresentassem e justificassem as suas propostas enunciadas em primeiro lugar.
A proposta do PS pretende acrescentar, no n.º 1, que o Estado é unitário e respeitará na sua organização os princípios da autonomia das regiões autónomas.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta proposta, pensada tendo em conta e tendo como inspiração a filosofia do projecto de revisão constitucional do PS no tocante às autonomias regionais, visa uma benfeitoria precisa, específica e, consideramos nós, claramente útil, pois que não vendo nós razões para alterar a definição constitucional do nosso Estado, enquanto Estado unitário, consideramos que a essência dessa componente de descentralização político-administrativa, original e bastante originalmente cunhada da nossa Constituição, que são as regiões autónomas - não regiões administrativas mas entidades dotadas de autonomia político-administrativa -, é alguma coisa que está inscrita na própria matriz do Estado de direito democrático e que qualifica as singularidades do Estado democrático português.
Portanto, aludir-se à autonomia das regiões autónomas ao lado dos princípios já hoje referidos no artigo 6.º, a autonomia das autarquias locais e o princípio da descentralização democrática da Administração Pública, a todos os escalões, é curial e não introduz nenhuma entorse àquilo que é função básica deste artigo.
Reservo para ponto ulterior qualquer comentário às propostas dos demais partidos.
O Sr. Presidente: - Penso que era útil discutir esta proposta do Partido Socialista em conjunção com as propostas dos Deputados Guilherme Silva e António Trindade.
Há uma sugestão feita pelo Deputado João Amaral no sentido de, aproveitando o facto de já estar presente o Deputado Jorge Ferreira, voltarmos ao artigo 5º-A, que tinha sido ultrapassado exactamente devido à ausência dos proponentes, um novo artigo sobre a língua portuguesa, e, entretanto, pediria aos respectivos partidos pedissem a presença dos proponentes relativamente ao artigo 6º, ou seja, os Deputados Guilherme Silva e António Trindade. Estão de acordo com isto? Voltamos ao artigo 5º-A?
Srs. Deputados, visto não haver oposição e nesta base, então, voltaremos atrás, ao artigo 5º-A, proposto pelo CDS-PP, no sentido de aditamento de uma norma à Constituição com o seguinte teor: a língua oficial da República é o português.
Proponho que separemos duas coisas, pois uma é saber se a norma deve ou não ser incluída na Constituição e outra é saber se o artigo deve ser autónomo e se deve ser colocado aqui. Tratemos apenas da questão de fundo, independentemente da questão formal, ou seja, se deve ser o artigo autónomo e se deve ser, justamente, o 5º-A.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, estamos de acordo com a metodologia que propôs, ou seja, começar por discutir, em primeiro lugar, a questão de fundo, deixando a questão formal para uma discussão posterior, e era precisamente por aí que eu começaria.
A razão de ser da nossa proposta tem a ver com razões de "arrumação" de matérias constitucionais, uma vez que a Constituição já hoje tem uma disposição própria sobre os símbolos nacionais, sobre a bandeira nacional e os elementos significativos do país. Por outro lado, não podemos ignorar nem esconder que no processo e na dinâmica de construção da União Europeia existe, de há vários anos a esta parte, uma polémica sobre a utilização das línguas e sobre a eventualidade de redução das línguas de trabalho no seio da União Europeia, com tudo o que isso implica de criação de mais desigualdades entre os Estados membros da União Europeia, o que, aliás, já levou alguns países da União Europeia a introduzirem disposições semelhantes nas suas próprias constituições.
Recordo que a França, na revisão constitucional que fez a propósito das alterações que o Tratado de Maastricht implicou, adoptou uma disposição idêntica a esta, relativamente à língua francesa, naturalmente.
Por isso e como nos parece que, como se costuma dizer, "cautelas e caldos de galinha não fazem mal a ninguém", penso que ninguém contestará que a língua portuguesa é a língua oficial da República, como ninguém contesta que a bandeira nacional é o que é e é a que é e que, como tal, deve estar descrita na Constituição como
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símbolo nacional (à parte dos Monárquicos, obviamente, porque reparei em algumas caras discordantes desta afirmação, pois, naturalmente, os Monárquicos acharão que a bandeira é outra).
De qualquer forma, sob todos os pontos de vista políticos, parece-nos que é aconselhável a introdução de uma disposição como esta, que, aliás, muito nos surpreenderia se suscitasse uma grande polémica ou grandes discordâncias de fundo.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta proposta reedita uma outra apresentada em anterior processo de revisão constitucional, o que significa que poderemos, em grande parte, aproveitar os benefícios da discussão já feita.
No passado, como, aliás, agora na curta intervenção do Sr. Deputado Jorge Ferreira, avultaram coisas que surgem como uma escassa justificação técnico-jurídica, repito, não política, da proposta e que deixam em aberto interrogações sobre a operatividade técnico-jurídica, mais uma vez, da norma.
Quanto à inspiração gaulesa desta proposta, creio que a introdução deste argumento não facilita excessivamente a discussão entre nós, em Portugal. Por um lado, porque o PP parece querer envolver a proposta do espírito que presidiu à sua introdução na reforma constitucional francesa referida, ou seja, um cunho cuja leitura europeia não é isenta de alguma aridez e dificuldades, uma antítese entre a construção europeia e as línguas nacionais ou preservação do património, coisa que para nós não está em causa e que seria necessário demonstrar que é posta em causa ou que pode ser resolvida com um aditamento constitucional de qualquer natureza, nomeadamente deste tipo.
Portanto, essa filosofia não colhe, obviamente, como bem se compreende, nenhum apoio da nossa bancada, a ser introduzida e a ser destilada para o processo constitucional português, ou seja, não vemos necessidade de uma armadura jurídica desse tipo assente numa filosofia anti-europeia.
A questão que subsiste é mais interessante do que esta, porque o PP até nisso foi algo cauteloso no discurso que agora fez. A questão é saber qual é a operatividade jurídica, técnico-jurídica, na óptica pretendida de uma norma deste tipo. A óptica pretendida é, repita-se, a afirmação de uma património linguístico contra tentativas de não respeito por esse património num fórum internacional como é a União Europeia e as suas estruturas, e noutros, eventualmente.
Desse ponto de vista, a operatividade de uma norma técnico-jurídica deste tipo, como se sabe, é escassa para não dizer nula, ou seja, a introdução de disposições desta natureza em nada resolve a questão de saber - e essa questão é crucial e é muito importante para nós - se o português é língua de trabalho e língua oficial da União Europeia, uma vez que essa solução, que é uma solução positiva, depende da concertação internacional, não depende de uma cláusula constitucional interna.
Seria interessante que o PP qualificasse se vê num instrumento deste tipo a alavanca para conseguir esse desidrato, que, como se sabe, faz parte da política externa portuguesa e consta do conjunto de posições que o governo português tem vindo a defender na óptica da conferência intergovernamental, ou seja, a defesa do português nas diversas instâncias.
A outra questão tem a ver, digamos, com a operatividade da norma no plano estritamente interno. Desse ponto de vista, o Sr. Deputado Jorge Ferreira teve a ocasião de salientar que não se coloca nenhuma questão, ou seja, nenhuma dúvida há sobre o português ser a nossa língua oficial para todos efeitos, pois não temos outra, não temos sequer dialectos realmente reconhecidos e não temos uma questão linguística, em Portugal.
Respondidas as questões suscitadas nos dois grupos de interrogações que deixei, resta saber se como disposição simbólica e como afirmação cultural e afirmação de um determinado património linguístico esta norma tem algum cabimento, e estamos abertos a considerar se tem.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: As normas constitucionais sobre línguas são frequentemente inseridas em algumas constituições com um propósito claro. No caso da constituição espanhola é afirmado que a língua da nação de Espanha é o espanhol mas, ao mesmo tempo, são previstas nacionalidades e são previstas línguas das nacionalidades, isto é, as normas aparecem não tanto no propósito apenas de afirmar uma língua como unificadora da nação de Espanha mas também com o propósito de reconhecer línguas e direitos das nacionalidades.
Neste caso concreto, o problema que está colocado, e creio que era útil ouvir mais esclarecimentos do CDS-PP, é qual é o sentido útil desta disposição constitucional que é proposta como aditamento. Isto é, o CDS-PP não propõe que o Estado português não possa aprovar e ratificar um tratado, por exemplo, a revisão do Tratado de União Europeia, do qual conste um elenco de línguas de trabalho que não insira o português como língua oficial da Comunidade Europeia. Não é isto que é dito, não é dito, por exemplo, em aditamento ao artigo 7.º, que o Estado português não pode aprovar e ratificar um tratado que não insira o português como língua de trabalho.
O CDS-PP tem mesmo a preocupação, no aditamento que propõe ao artigo 7.º, isto é, no novo artigo 7.º, alínea a), de transformar a participação de Portugal na União Europeia em obrigatória, aditando um artigo, que tem exactamente como epígrafe "União Europeia", sem quaisquer condições nesta matéria.
O nosso empenho em garantir que o português continue a ser língua de trabalho da Comunidade e que as propostas que estão, efectivamente, em cima da mesa, no sentido de reduzir o elenco das línguas oficiais, não passem, é total. Porém, a operatividade desta disposição que é proposta para o efeito é que é efectivamente duvidosa. Isto é, diz-se que a língua oficial da República é o português e não se diz que a língua oficial da República é o português e que Portugal não pode participar numa organização com estas características que não tenham o português como língua oficial. Aí poderia haver, eventualmente, algum sentido útil.
O Sr. José Magalhães (PS): - As Nações Unidas, a Unicef...
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - A OCDE...
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O Sr. Luís Sá (PCP): - Por outro lado, creio que a invocação da inspiração francesa também tem um cabimento que é duvidoso e sobre o qual eu gostaria de mais esclarecimentos. É que não se trata de um país cuja língua esteja em causa como língua da Comunidade Europeia, isto é, nunca esteve em cima da mesa qualquer proposta de restringir as línguas de trabalho da Comunidade no sentido de o francês deixar de constar nela. Mais, se há língua que seja muito utilizada, até informalmente, nos trabalhos das instituições comunitárias é exactamente o francês e, portanto, as finalidades da revisão constitucional francesa ao inserirem o francês como língua oficial da República Francesa não é esta que foi invocada pelo Sr. Deputado, porque é uma questão que, como se compreende, nunca foi colocada à França.
Quanto ao significado simbólico que, efectivamente, possa ter e quanto a outras utilidades que se desejam, creio que era bastante útil para nós que o PP pudesse puder dar mais esclarecimentos e, designadamente, responder às questões que estão colocadas.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, espantadíssimo pela necessidade de clarificar o entendimento do que são os símbolos nacionais para alguns Srs. Deputados, é com prazer que o tentarei fazer, tentando dessa forma contribuir para um maior enraizamento desses símbolos na mentalidade e na acção concreta dos Deputados da República.
Em primeiro lugar, o Sr. Deputado José Magalhães verificou que esta proposta une, que não há nenhuma polémica que suscite uma especial divisão relativamente a esta matéria e ainda bem! O espanto é nós considerarmos poucas propostas que unem na Constituição, pois parece que só lá têm de estar aquelas que dividem. Para nós, não é assim e, portanto, ainda bem que esta proposta, se assim for - parece que não é esse o entendimento dos Deputados do Partido Comunista, mas, de qualquer forma, se assim for ainda bem -, é uma proposta que une. Já lá há tantas que dividem que ao menos que haja algumas que, de facto, nos unam!
Por outro lado, é óbvio que a intenção subjacente a esta proposta, nomeadamente face ao debate que ocorre na Europa sobre a questão das línguas, tem a ver, sobretudo, com a necessidade de estabelecer uma cláusula de salvaguarda e defesa. Isso nós assumimos claramente e, aliás, não foi outra a razão pela qual a França - como reparou o Deputado Luís Sá, e bem -, sendo um país que normalmente não é atingido nas múltiplas propostas que são feitas nas instituições comunitárias de rever o regime linguístico na União Europeia, sentiu, ela própria, a necessidade de se defender e, para o que desse e viesse, clarificar na ordem jurídica interna uma questão que, a partir do momento em que está clarificada na constituição, causará problemas a qualquer tratado ou deliberação futura de qualquer órgão comunitário que reveja o regime da língua.
Por isso, não é preciso lá estar explicitamente que Portugal não pode participar em organizações internacionais das quais não faz parte o português como língua oficial, numa formulação que, aliás, excluiria Portugal de quase todas as organizações internacionais onde neste momento está inserido e que não têm como língua oficial a língua portuguesa ou qualquer outra em especial. Nós não queremos sair da Nato, não queremos sair da ONU, não queremos sair de uma série de organizações. Não sei se o Deputado Luís Sá quer, mas nós não queremos; é a sua opinião, que nós respeitamos, mas essa formulação não faz sentido.
Para nós, claramente, a operatividade da nossa proposta é tanta quanto a do artigo que prevê que o hino do país é A Portuguesa. Qual é a operatividade disso? É que não pode haver outro hino. Então, qual é a operatividade desta norma? É que não pode haver outra língua oficial.
Se vamos por esse critério de aferir da operatividade de todas as normas, penso que teremos mais trabalho do que aquele que pensávamos que íamos ter quando começamos a rever a Constituição, sob esse ponto de vista e sob esse conceito de operatividade.
Por isso, repito, é uma questão simbólica...
O Sr. José Magalhães (PS): - É uma das funções da Constituição.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Vamos a isso se for preciso!
Trata-se de uma questão simbólica, é aquilo a que nós chamamos uma cláusula de salvaguarda, que, aliás, como já foi reparado, e bem, já fez parte de projectos anteriores de revisão constitucional do CDS-PP e cuja a actualidade e necessidade continuamos a defender.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo.
A Sr.ª Maria Eduarda Azevedo (PSD): - Sr. Presidente, eu gostaria de me prenunciar em relação a uma questão que não é lateral mas que o CDS-PP, ou por desconhecimento ou deliberadamente, está a confundir: uma coisa é a língua oficial outra coisa é a língua de trabalho e, portanto, se se está a chamar à colação a necessidade de introduzir na Constituição uma norma como a desta proposta para prevenir situações de menosprezo ou menoridade de Portugal e da língua portuguesa nos trabalhos, designadamente, da Comunidade europeia, então, coloque-se a questão na sua sede correcta, ou seja, não como língua oficial, o que nunca foi questionado, mas enquanto língua de trabalho, e nós sabemos que desde sempre, até mesmo por razões que se prendem com a sua facilidade de entendimento, não tem sido sistematicamente uma língua de trabalho. Porém, nunca foi posto em causa ser língua oficial e mesmo na conferência intergovernamental, permito-me recordar, também não está em causa ser língua oficial e a paridade das diversas línguas está assegurada á partida.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, a questão que coloco ao proponentes é a seguinte: creio que já demos o nosso acordo a um entendimento do valor simbólico desta proposta, no sentido de que a língua da República é o português e, por isso, consideramos que esta divisão entre língua oficial ou língua particular não faz sentido.
Aliás, a Constituição está inscrita na única língua possível, que é o português, e mesmo a dimensão originária e a fonte desta disposição está contida na própria forma como ela é inscrita. Não há outras línguas, oficial ou particular, só há uma língua que é o português.
Por outro lado, isto não tem quaisquer efeitos em termos externos, porque em termos externos, que nos
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conste, as únicas organizações onde a língua portuguesa é uma língua de trabalho e oficial, nesse sentido, são a União Europeia e a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Quer na ONU, quer na NATO, quer na UEO, quer no Conselho da Europa, quer na OSCE, o português não é a língua oficial, nem tem que ser, nem essa tem sido uma reivindicação nossa.
Por isso, retomando o ponto de partida, pensamos que é mais abrangente e tem esse valor simbólico pleno dizer que a língua da república é o português.
O Sr. Presidente: - Antes de dar a palavra ao orador seguinte, se me permitem, queria tomar em conta algumas considerações que se me oferecem fazer.
Penso que há duas coisas que não podem ser confundidas, sendo uma a da utilização do português nas instâncias internacionais. Ora, esta proposta é irrelevante desse ponto de vista e o facto do CDS-PP evocar este argumento deixa-me alguma perplexidade porque, de facto, é irrelevante a Constituição passar a dizer que a língua oficial da República é o português, ou seja, não aquenta nem arrefenta sob o ponto de vista da sua utilização a nível de instâncias internacionais, nem para mais nem para menos.
Sob o ponto de vista interno, esta proposta causa-me alguns embaraços, porque dizer que a língua oficial da República é o português subentende que há outras línguas naturais. As constituições que afirmam isto costumam ser próprias de países que têm uma língua oficial e várias línguas naturais, sub-línguas, regionais ou não, como é o caso da Espanha, da generalidade dos países africanos, dos países multilingues, em que além de uma língua oficial, ou várias, existem outras línguas naturais praticadas a nível regional.
Nós não temos isso, a língua natural dos portugueses é o português, não existe língua oficial nem natural, nem sem ser oficial, e dizer que a língua oficial é o português, em vez de exaltar o português, a meu ver, degrada-o. A meu ver, isto é perverso e não respeita o objectivo que o CDS-PP nos trouxe, porque dizer que a língua oficial é o português põe em causa aquilo que é muito mais do que ser oficial, que é ser natural, espontânea, orgânica.
O paralelo utilizado pelos símbolos nacionais não colhe, porque Portugal teve várias bandeiras até agora mas nunca teve outra língua; Portugal teve vários hinos mas nunca teve outra língua. Portanto, afirmar os símbolos nacionais republicanos tem valor histórico de afirmação, aliás, de ruptura da Monarquia para a República, enquanto que afirmar que a língua oficial é o português confesso que me deixa insatisfeito e não vejo vantagem, pelo contrário, vejo que, em vez de exaltar o português como língua natural nossa, materna, única, histórica, espontânea, degrada o português a uma língua oficial, isto é, burocrática, legal e legislativa. Ora, aquilo que é orgânico e natural não precisa de ser legislado, não ganha nada com isso, pelo contrário, pode ser degradado com isso.
Gostaria de ter em consideração estes argumentos na sua integração.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, porventura, temos concepções diferentes sobre a perversidade e sobre outros conceitos que já aqui foram usados, como o da operatividade, etc.
A nós não nos choca, antes pelo contrário, que na Constituição da República estão declarados os valores e as características fundamentais do País, do regime e do sistema político e, por isso, sinceramente, não temos essa capacidade de ver perversidade no reconhecimento constitucional aquilo que nós somos. São entendimentos diversos, porventura, que temos nessa matéria.
Por outro lado, não ignoramos que é irrelevante para a ordem externa o facto de a Constituição declarar que a língua da República é o português, e aproveito para dizer que também não temos nenhuma oposição de princípio à pequena alteração que me pareceu que o Partido Socialista propôs relativamente à redacção que apresentámos. Não temos nenhuma oposição relativamente a essa proposta de alteração, que, tanto quanto percebi - se não for assim agradeço que me desmintam -, os Deputados do PS estavam a apresentar. Não temos nada a opor!
Agora, no carácter de salvaguarda do valor que é a língua, a nossa proposta é defensiva e isso nós assumimos claramente. Será pelo menos impossível que, algum dia, entrem em vigor em território português textos, por exemplo, emanados de órgãos comunitários não escritos em português. Pelo menos isso não sucederá!
Hoje não é assim e esperamos que nunca venha a ser. E com uma disposição deste tipo jamais poderá vir a ser e é isso que nós pretendemos salvaguardar.
Sabemos que a disposição, por si, é deficitária de força, em termos da ordem jurídica externa, e esse será outro tipo de combate; também não ignoramos que uma coisa são as línguas oficiais e outra as de trabalho, Sr.ª Deputada Maria Eduarda Azevedo, como também não ignoramos que, na Europa, se começa pelos pequenos passos para se chegar aos maus objectivos e, por isso, obviamente, a questão da língua na União Europeia não vai começar pelas línguas oficiais, vai começar pelas línguas de trabalho, porque é assim que se começa a fazer cair em desuso algumas línguas que não são as de trabalho, por muito oficiais que sejam.
Sumariamente, era isto que tinha para dizer neste momento.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, creio que resulta muito claro deste debate, em primeiro lugar, que há um empenho, que é consensual, no sentido de garantir o português como língua de trabalho da União Europeia. Creio que este facto é inteiramente pacífico, como também penso ser pacífico e reconhecido que nós não temos nenhuma questão em afirmar uma língua como nacional face a outras línguas de nacionalidades, nem em afirmar os direitos de línguas/nacionalidades num quadro de um Estado-Nação. Por outro lado, creio também que é unanimemente reconhecido que a alteração que é proposta não tem o sentido útil que foi visado.
Mas há um elemento que eu gostaria de introduzir neste debate para reflexão e que é o facto de no artigo 9.º, alínea f), constar como tarefa fundamental do Estado "assegurar o ensino e a valorização permanente, defender o uso e promover a difusão internacional da língua portuguesa".
Este aspecto, creio eu, é bastante importante, porque, por um lado, não apenas há aqui uma consideração implícita da língua portuguesa para quem tenha alguma dúvida nessa matéria, coisa que nunca ocorreu ao nosso espírito, como estão estabelecidas incumbências concretas que, a meu ver, por exemplo, tornariam extremamente difícil sustentar a constitucionalidade da disposição de um tratado
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que admitisse que o português não tivesse a dignidade, que não pode deixar de ter, no quadro de uma organização como a União Europeia ou qualquer outra.
O Sr. Presidente: - Ninguém se pronuncia? Creio que os Deputados do Partido Socialista foram interpelados directamente pelo Sr. Deputado Jorge Ferreira para esclarecerem a sua posição.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Só no caso de eu estar equivocado sobre a interpretação que fiz.
Uma Voz do PS: - O Sr. Deputado, desta vez, está certo.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Mais dia menos dia, os senhores hão-de concordar com mais coisas.
O Sr. João Amaral (PCP): - Têm concordado com muitas...
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Lá está a ciumeira! Que coisa!
O Sr. José Magalhães (PS): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, queria sublinhar um ponto a que o Sr. Deputado Luís Sá acabou de aludir agora.
Dei como evidente, mas provavelmente mal, o esforço feito na 2ª Revisão Constitucional no sentido de melhorar a protecção constitucional da língua portuguesa. Foi um esforço bastante interessante, de resto conseguido por unanimidade, e a norma do artigo 9.º alínea f) é uma norma que tem enormes virtualidades e enormes implicações no que diz respeito à defesa efectiva da língua portuguesa e, portanto, o que era interessante era tentarmos, em fase ulterior dos trabalhos, medir quais são os acréscimos de protecção efectiva, jurídico-constitucional, porque em matéria de simbologia e em matéria de proclamação do auto-evidente, do natural e do orgânico, como dizia há bocado o Sr. Presidente, não há limites! Podemos proclamar, aliás, por consenso desejavelmente e com considerável elevação e entusiasmo, sem que isso seja manifestamente objecto de polémica e sem que isso produza nenhum choque na opinião pública, enormes declarações deste tipo. Se formos a coisas do património comum do nosso entendimento da nossa democracia que podem ser sufragadas pela totalidade dos partidos, designadamente relacionadas com a história comum, o património comum nas diversas áreas, com regras de civilidade e bom entendimento ao nível primário elementar, designadamente o falar bem português, - coisa infrequente, como se sabe -, ou directivas específica em algumas áreas, não teremos nenhuma dificuldade! A questão é saber se é esse o papel da normação constitucional.
E nós temos duas normas concorrentes, deste ponto de vista. Aliás, temos uma norma sobre a língua portuguesa, a do artigo 9.º, alínea f), como, aliás, outras contidas na Constituição, com um recorte, uma eficácia, uma operatividade (aquilo que chamei operatividade não precaz, técnico-jurídica) muito clara, muito concreta, e temos uma candidata a norma, esta agora apresentada pelo PP, que não suscita espécie em relação a uma questão, porque ela nem está colocada na sociedade portuguesa, não há uma luta do mirandez pela afirmação linguística nem há uma luta nos Açores pela existência do idioma próprio, ou na Madeira! Não há! E o sotaque do norte, que agora é tão famoso e celebrado em canções e é popular junto da juventude, não tem nenhum conteúdo polémico entre nós. Nós, por aqui, gostamos!
Agora, reparem: há algum valor técnico-jurídico específico introduzido por esta norma? É isto que está em discussão, foi só isso que esteve em discussão e, nesse sentido, creio que foi uma discussão bastante útil. Deixemos levedar os seus resultados.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que não se avançará muito mais no estado da questão. Temos a proposta do CDS-PP, temos uma sugestão de alternativa do Partido Socialista, cuja consistência está por apurar, temos a posição de não expressão de posição por parte do PSD e a aparente objecção do PCP.
Vamos passar à frente, Srs. Deputados, ao artigo 6.º.
Quanto ao artigo 6.º, há dois tipos de propostas, assaz diversas: uma respeita à introdução da dimensão das regiões autónomas como elemento definidor do Estado unitário descentralizado e, a outra, do PSD, é de âmbito bastante mais restrito e visa retirar do artigo 1.º a qualificação da descentralização democrática da Administração Pública. Como esta é de menor âmbito, proporia que começássemos por ela e avançássemos depois para as que têm a ver com as regiões autónomas.
Portanto, a proposta do PSD visa alterar o n.º 1 do artigo 6.º; onde se diz "a descentralização democrática da Administração Pública" passará a dizer-se "a descentralização da Administração Pública".
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, para apresentar e justificar a proposta.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, esta proposta do Partido Social Democrata inscreve-se num conjunto alargado de propostas que ao longo do texto constitucional o PSD faz e tem que ver com aquilo a que vulgarmente o próprio Partido Social Democrata, no seu projecto, denomina de "limpeza semântica da Constituição".
Parece-nos, de facto, que o inciso "democrático" que aqui está não faz sentido, na prática, hoje em dia. É evidente, para nós e penso que para todos, que na sociedade portuguesa não há formas de intervenção do actual Estado que não sejam democráticas. A descentralização da Administração Pública, como acto da parte do Estado, do nosso ponto de vista, será sempre entendida como uma descentralização democrática, que será decidida por órgãos de soberania democraticamente legitimados, e não vemos que haja hipótese de fazer uma descentralização anti-democrática ou não-democrática no actual estádio do sistema político português. Como tal, pensamos, de facto, que a manutenção deste termo pode inculcar a ideia errada nos cidadãos de que há um qualquer outro tipo de descentralização, não-democrática, que estaria proibida ao Estado português.
Penso que isso é redundância, porque parceria que nesta sede não o poderia fazer mas noutras poderia, ou seja, poderia haver comportamentos anti-democráticos em qualquer outra sede. Essa é uma questão que, passados 22 anos da Revolução que instaurou a democracia, está perfeitamente afastada da sociedade portuguesa e,
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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, parece que o Verão fez ressuscitar com facilidade fantasmas que julgávamos já ultrapassados.
O PSD, quando faz esta proposta, tem o entendimento, como disse o Deputado Luís Marques Guedes, de que não suscita qualquer controvérsia no Estado português que um processo de descentralização, quer em sentido técnico-jurídico, quer em sentido político, não pode deixar de se operar, conforme a Constituição, em sentido democrático. Portanto, tudo aquilo que se disser, jurídica ou politicamente, à volta desta proposta de alteração apenas pode revelar receios que julgávamos já estarem afastados da sociedade portuguesa ao fim de todos estes anos de vivência democrática e de experiência dos órgãos de soberania.
Direi, portanto, que se houver aqui alguma habilidade de quererem emprestar outra interpretação que não aquela que serviu de justificação ao Deputado Luís Marques Guedes na apresentação da proposta, ela revela um mau indício para o recomeço destes nossos trabalhos a partir de Setembro, porque significa que vamos iniciar todo o processo de revisão com uma reserva de remissão ao processo constituinte de 75 que, julgo, não ajudará a fazer a revisão de que necessitamos desta vez.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, começava por concordar com aquilo que disse o Deputado Pedro Passos Coelho agora mesmo, ou seja, de facto, o que está visto é que há certos complexos e fantasmas do passado que continuam a ensombrar o Partido Socialista e o Partido Comunista. No caso do Partido Comunista talvez não seja tão surpreendente quanto isso, no caso do Partido Socialista, de facto, parece-me bastante surpreendente.
Em particular, não queria deixar de responder a algumas das questões que foram colocadas pelo Deputado Luís Sá, e desde logo não resisto a registar o facto da especial memorização que o Sr. Deputado fez dos aspectos que citou relativamente a algumas passagens dos administrativistas, nomeadamente naquilo a que se refere aos presidentes de câmara.
Mas chamava a atenção do Sr. Deputado para o seguinte: aquilo que tem que ver com a descentralização política, no fundo, do nosso ponto de vista - com toda a franqueza, é essa a leitura que o PSD faz desta norma -, está garantido na primeira parte da norma, ou seja, é na primeira parte da norma, se o Sr. Deputado ler bem e com cuidado, que se fala da necessidade de o Estado respeitar, na sua organização, os princípios de autonomia das autarquias locais, e nas autarquias locais incluem-se já, na nossa Constituição e no nosso sistema político, todos os órgãos políticos que têm, depois, uma legitimidade democrática directa que lhe é própria e que decorre da tal autonomia das autarquias locais que vem consagrada na primeira parte da norma.
Parece-nos, pois, que na segunda parte, quando se fala na descentralização, o que se pretende é exactamente visar o outro tipo de descentralização. E dizer aqui que essa descentralização tem que ser democrática pode ainda inculcar - e é uma nova chamada de atenção que faço - a ideia errada de que o Estado, para além da questão das autarquias locais, que está resolvida na primeira parte da norma, quanto a outro tipo de descentralização, só a poderia fazer através de mecanismos de consulta directa, de consulta democrática, o que é manifestamente errado e não é verdade!
O Estado pode e deve continuar - é isso que a Constituição diz -, a operar mecanismos de descentralização para além do reforço das autonomias das autarquias locais, que já vem na primeira parte da norma. O que se pretende aqui dizer é que o Estado deve também, para além da questão das autarquias locais, da descentralização política e do reforço que a ela está subjacente e que é tratado até autonomamente no capítulo próprio da Constituição, para além da norma genérica, do princípio fundamental que aqui está inscrito na primeira parte da norma, o Estado deve ainda, como se diz-se segunda parte e na parte final da norma, respeitar determinado tipo de princípios da sua organização interna, própria, e deve respeitar princípios de descentralização.
Ora, dizer que essa descentralização é democrática, repito, inculca a ideia errada de que pode haver uma outra que não seja democrática, o que é manifestamente inadequado, pois está dito nos artigos anteriores que Portugal é um Estado de Direito democrático e, portanto, obviamente, todas as formas que esse Estado encontra para se organizar, pela natureza das coisas, tem de ser formas democráticas.
De facto, trata-se de uma questão de fantasmas, como dizia o Deputado Pedro Passos Coelho. O PSD manifestamente já não os tem, não vemos esses perigos na limpeza da linguagem na Constituição, pensamos exactamente o contrário, ou seja, há determinado tipo de formas de dizer que estão na Constituição que, a manterem-se, inculcam a ideia errada de que existem outros mecanismos de sentido contrário que ainda andam a ensombrar o modus vivendi da sociedade portuguesa e da nossa República, coisa que, de facto, não existe. Não é assim e o PSD gostaria de ver afastado de vez esse tipo atitudes e de maneiras de ver as coisas.
Por agora, é só Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Aparentemente, esta proposta não vai colher apoio, felizmente, digo eu, porque da minha parte teria total oposição.
Não é verdade que esta norma, este qualificativo, seja redundante. Não o é em termos de concepção abstracta do conceito de descentralização. Toda a gente sabe que, ao longo do tempo, houve duas concepções de descentralização: uma baseada no princípio do auto-governo democrático e outra baseada no princípio da simples autonomia jurídico-institucional de pessoas colectivas públicas. Claramente que a Constituição adoptou o primeiro conceito de descentralização e essa é a concepção hoje dominante em Portugal.
Por outro lado, quem conhece a jurisprudência constitucional sabe que desde a comissão constitucional esta qualificação de descentralização democrática serviu, entre outras coisas, para legitimar as ordens profissionais quando elas ainda não estavam expressamente reconhecidas na Constituição.
Esta é uma norma, em si mesma, é uma norma de síntese, é uma cabeça de capítulo; ela limita-se, por assim dizer, a pôr nos princípios fundamentais da Constituição aquilo que está noutras sedes da Constituição, em relação às autarquias locais, em relação às associações públicas, em relação à autonomia das universidades, para dizer que
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é nos casos em que comunidades infra-estaduais se auto-administram através de corpos eleitos que existe descentralização democrática. É tão-só isto!
De facto, não vejo justificação na proposta do PSD nem vejo o empenho posto na sua defesa, e direi mesmo, com alguma ironia, que o esforço de "aplicação de Omo" por parte do PSD à Constituição bem podia aplicar-se noutros capítulos que não na limpeza da qualificação de democrática constante do artigo 6.º, n.º 1, da Constituição.
Tem a palavra ao Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, creio que o fundamental está dito e gostaria apenas de fazer duas observações à intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, em particular.
A primeira é a seguinte: não é verdade que o aquilo que o qualificativo de democrático, relativamente à descentralização, procura garantir esteja assegurado na primeira parte deste artigo. Quando se refere o princípio da autonomia das autarquias locais, o mesmo princípio da autonomia das autarquias locais seria aplicável, por exemplo, no caso de não haver eleições competitivas para os órgãos da autarquias locais. Recordo, designadamente, que sempre foi afirmado na doutrina administrativa que as autarquias locais, quando tinham órgãos nomeados, eram autónomas e sempre foi afirmado em relação aos 900 institutos públicos que existem na Administração Pública que são autónomos, sendo até nomeados muitos deles, na prática, não apenas com a superintendência da parte do governo mas, por vezes, com uma direcção efectiva, não deixando de haver, do ponto de vista jurídico, a autonomia administrativa e financeira.
Portanto, desaparecer o qualificativo democrático quanto à descentralização colocaria problemas, que, aliás, o Sr. Deputado Vital Moreira acaba de confirmar, que não estão assegurados quando se refere ao princípio da autonomia das autarquias locais.
O segundo aspecto que queria abordar, a propósito de uma observação do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, é o seguinte: o problema, nesta matéria, não é estar na Constituição de 75. Felizmente, foi consagrado este princípio e felizmente, diria eu, ele mantêm-se, aliás, com particular actualidade, e actualidade, inclusive, que é colocada por algumas práticas dos últimos 10 anos. Por exemplo, a prática de operar a descentralização de encargos sem os correspondentes recursos, que corresponde naturalmente, também, a uma prática preserva que coloca uma particular actualidade em relação a disposições deste tipo.
O Sr. Presidente: - Ninguém mais está inscrito. O CDS-PP paga agora na mesma moeda ao PSD? Não se pronuncia?
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Estamos de acordo com a proposta do PSD.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos às restantes propostas relativamente ao artigo 6.º e proponho a discussão conjunta das propostas relativas a aditamentos ao n.º 1 e ao n.º 2 de "Dimensões de autonomia das regiões autónomas".
Concretamente, a proposta do PS, no n.º 1, propõe o acréscimo da expressão "o Estado é unitário, respeitará na sua organização, os princípios da autonomia da regiões autónomas".
A proposta do Deputado Guilherme Silva, e outros, propõe o aditamento de um número segundo qual "o Estado português é unitário e regional, nele se integrando os arquipélagos dos Açores e da Madeira que constituem Estados regionais dotados de constituições regionais e de órgão de governo próprio".
A proposta do Sr. Deputado António Trindade, e outros, propõe que "Estado é unitário, regional e respeita na sua organização os fundamentos de autonomia das regiões insulares", deixando de remissa, para já, outras propostas menores.
Portanto, estão à discussão estas propostas.
O Partido Socialista já fez a apresentação da sua, mas o Sr. Deputado José Magalhães pretende intervir novamente sobre este ponto.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, é apenas para interpelar a Mesa no seguinte sentido: vamos ter a ocasião de discutir, aquando da apreciação das propostas atinentes ao Título VII, sobre regiões autónomas, um conjunto bastante significativo e bastante interessante, aliás, de propostas sobre o estatuto constitucional das regiões autónomas, com a participação de Deputados eleitos pelas regiões autónomas ao nosso lado. Assim, Sr. Presidente, propunha, em nome da bancada, que apreciássemos esse conjunto de propostas e estas que agora o Sr. Presidente se preparava para submeter à discussão. Creio que haveria vantagem em se fazer deste modo.
O Sr. Presidente: - É uma proposta metodológica. Os Srs. Deputados querem pronunciar-se?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, eu não discordo mas relembrava apenas ao Sr. Presidente que estamos numa primeira leitura dos projectos e, portanto, nesse sentido, penso que, independentemente de concordar que, necessariamente, estes aspectos têm de ser retomados quando, em concreto, nos debruçarmos sobre o capítulo das regiões autónomas, que toda a gente reconhece que tem particularidades próprias e até existem projectos autónomos apenas sobre essas matérias, na lógica de uma primeira leitura não faz sentido andarmos a saltar artigos.
Portanto, em princípio, se o Sr. Presidente concordasse e o Partido Socialista não visse incómodo, independentemente de os retomarmos quando estivermos a discutir o capítulo próprio, pedia que não entrássemos neste sistema de saltar artigos, para não se prejudicar o normal andamento dos trabalhos.
O Sr. Presidente: - Alguém se quer pronunciar relativamente a esta questão metodológica de sobreestar nestas propostas de alteração do artigo 6.º, no que respeita à dimensão da autonomia regional?
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, creio que se houver um consenso nesse sentido não há objecções da nossa parte.
O Sr. Presidente: - O problema não é de haver consenso, é de saber qual é posição do PCP.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Penso que sim, estamos de acordo.
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O Sr. Presidente: - E o Sr. Deputado do PP?
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, parece-me particularmente oportuno ouvir o Sr. Deputado Guilherme Silva, que acaba de entrar, numa primeira leitura destas normas.
O Sr. Presidente: - Bom, não havendo consenso tenho de pôr à votação.
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, se o PSD faz questão, nós ouvimos com todo o gosto.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos discutir as propostas.
A proposta do Partido Socialista já foi apresentada, pelo que darei a palavra ao Sr. Deputado do PSD Guilherme Silva, ou outro, para apresentar a proposta respectiva.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de apresentar a proposta do projecto que subscrevi relativamente ao artigo 6.º, queria cumprimentar V. Ex.ª e os Srs. Deputados neste reinício dos nossos trabalhos.
Esta proposta relativa ao artigo 6.º, que diz respeito à definição do Estado, já tem sido veiculada em anteriores projectos por mim subscritos, e, aliás, também por outros Srs. Deputados, e, penso que tem, além do mais, a pretensão de repor uma verdade constitucional: nós não somos apenas um Estado unitário, temos na nossa estrutura político-constitucional duas regiões autónomas, com autonomia política e administrativa, e parece-me que não é correcto a Constituição, ela própria, recusar reconhecer essa realidade com a adequada dimensão, como, aliás, vem sendo defendido por constitucionalistas como é o caso do Prof. Jorge Miranda.
O Prof. Jorge Miranda acentua esta realidade e diz que o Estado português não é apenas um estado unitário, é um Estado regional, e parece-me que era uma boa oportunidade de introduzirmos esta verdade, de uma vez por todas, na qualificação do Estado na Constituição.
Portanto, no n.º 1 do artigo 6.º desta minha proposta, e dos demais Deputados que a subscreveram, pretende-se introduzir, de uma vez por todas, esta qualificação do Estado português não apenas como Estado unitário mas como Estado regional, reconhecendo essa realidade que a Constituição introduziu no nosso ordenamento político-constitucional.
Em relação às demais alterações, há uma alteração meramente nominativa. Actualmente, a Constituição designa as regiões dos Açores e da Madeira como regiões autónomas e propõe-se aqui a designação de Estado regional. Não há uma alteração de conteúdo é apenas um nomem juris que se pretende alterar.
A própria circunstância de se manter a referência ao Estado unitário, obviamente, afasta qualquer especulação à volta do que se pretende com esta designação e diria que ela tem um sentido emblemático de deixar claro, também, que autonomia política regional é algo de evolutivo e dinâmico e, portanto, deve tender para uma dimensão maior do que aquela que actualmente já tem e por vezes os nomes têm algum significado e algum sentido nesta orientação e nesta ideia que temos de autonomia regional.
Não há, repito, qualquer receio relativamente a essa designação, mas também tenho de reconhecer que ela não trás do ponto de vista do conteúdo nenhuma novidade particular.
No que diz respeito ao n.º 2, também não há uma alteração muito substantiva relativamente à orientação anterior. No entanto, há alguns princípios que se acentuam, designadamente o princípio da subsidariedade. Entendemos que a ideia da subsidariedade não é algo que tenha de funcionar apenas em relação à União Europeia, ou seja, no relacionamento do Estado, designadamente o Estado Português, em relação à União Europeia, temos também de introduzir e com maior acentuação o princípio da subsidariedade na ordem interna e, também aqui, e adianto já a minha posição sobre isso, temos de desenvolver a regionalização administrativa do continente, temos de adoptar, no âmbito interno, as suas virtualidades e tirar o máximo proveito das capacidades aos vários níveis da hierarquia do Estado e da administração.
São estes princípios gerais, que têm a ver com a regionalização, com a descentralização e com uma acentuação e uma prática do princípio da subsidariedade, que se introduzem no n.º 2 desta proposta que subscrevi.
O Sr. Presidente: - Está aberta a discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, creio que, em primeiro lugar, em relação à proposta do PS, a primeira questão que gostaríamos de colocar é um pouco a mesma que colocámos ao PP quanto à questão da língua oficial. Gostaríamos que o PS clarificasse o sentido e o alcance útil desta disposição, porque o artigo 6.º, actualmente, tem uma lógica, isto é, prevê no n.º 1 princípios que dizem respeito a todo o Estado tomado no seu conjunto e, por outro lado, no n.º 2, prevê princípios que dizem respeito aos Açores e à Madeira, que, aliás, são objecto - e felizmente - de um amplo tratamento e cuja autonomia é, como é sabido, amplamente garantida.
Na verdade, não somos um Estado unitário regional global, somos um Estado unitário parcial, como é sabido, e este facto levanta uma questão que é efectivamente importante, a de saber se, sendo nós um Estado regional parcial - como efectivamente somos, na qualificação, aliás, como é sabido, de Gomes Canotilho e Vital Moreira -, se justifica para um Estado unitário regional parcial a qualificação como Estado unitário regional global, sem ter em conta este facto, a não ser que se pretendesse transformar as regiões administrativas no continente em algo de próximo das regiões autónomas, coisa que nunca defendemos.
Como é sabido, juridicamente, elas são autarquias locais, são algo de profundamente distinto e, por isso mesmo, a questão que se coloca ao meu espírito é um pouco esta: se o facto de haver neste artigo 6.º um n.º 1 consagrado aos princípios aplicáveis a todo o País e um n.º 2 com princípios aplicáveis às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, não é um factor adicional de dignificação, um factor adicional de sublinhar a importância, a especificidade das regiões político-administrativas dos Açores e da Madeira e não uma diminuição.
Isto diz respeito, naturalmente e acima de tudo, à proposta do PS, que não coloca qualquer objecção de fundo mas coloca interrogações, que estão em cima da mesa e que gostaríamos de ver melhor clarificadas.
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Quanto à proposta apresentada pelo PSD-Madeira, pelo Sr. Deputado Guilherme Silva, em particular, há um conjunto de questões que são igualmente aplicáveis, isto é, será que tem efectivamente lógica tratar num número os princípios aplicáveis a todo o Estado português e tratar noutro número, dando-lhe uma especial dignidade que resulta deste facto, a situação político-administrativa dos arquipélagos dos Açores e da Madeira.
Mas, para além desta questão, há outros problemas, que são problemas de fundo e não meramente semânticos. A primeira questão que queria colocar prende-se com a ideia de que as regiões administrativas teriam constituições regionais.
Normalmente, o conceito de Constituição implica a titularidade da competência das competências por parte de quem a tem e implica um poder soberano, implica, no fim de contas, que a própria transferência de competências para outra entidade resulte desta titularidade da tal competência das competências, para usar a célebre expressão conhecida.
A questão que se coloca nesta matéria é se eventualmente se pretende, em relação aos Açores e à Madeira, criar algo de semelhante, isto é, levar, no fim de contas, a que a tal competência das competências seja transferida para as regiões autónomas, que eu quero crer que não é o propósito do Sr. Deputado Guilherme Silva e então, se não é, este conceito é descabido.
A mesma questão, de algum modo, coloca-se a respeito do conceito de Estado regional, é que, normalmente, existem estados soberanos e estados federados, sendo que os estados federados estão, naturalmente, inseridos num processo federal. O conceito de estado regional é um bocado estranho neste contexto e nesse sentido também suscita observações da nossa parte.
Há igualmente um outro aspecto sobre o qual, talvez, valesse a pena ouvir esclarecimentos complementares, se o entender o Sr. Deputado Guilherme Silva, que é o facto de acrescentar o princípio da subsidariedade neste contexto. O que é que ele vem trazer de novo, em relação, designadamente à ampla consagração do princípio da descentralização político-administrativa que neste momento está consagrado na Constituição?
É sabido que o princípio da subsidariedade tem sido particularmente utilizado no âmbito do Tratado da União Europeia, mas é sabido igualmente que a filiação deste princípio historicamente é ambígua. A propósito, fala-se de Aristóteles, fala-se de concepções tomistas, mas talvez a teorização mais ampla que foi encontrada é exactamente no âmbito do federalismo, isto é, dos estados federados, e, em geral, até com tendências predominantemente ascendentes, isto é, centralizadoras e não descentralizadoras. Ou seja, do princípio da subsidariedade não decorre necessariamente a descentralização; a transferência de poderes para um nível inferior pode decorrer - aquilo a que alguém já chamou a justa adequação - como justificação, exactamente, para transferir para um nível superior.
Ora, se aquilo que se pretende não é utilizar um conceito característico dos estados federais, característico do processo federal, então, está-se aqui a inserir uma norma que não acrescenta nada em relação à descentralização e que, pelo contrário, pode ter uma utilização ambígua, que é amplamente tratada pelos autores que distinguem constantemente a perspectiva aristotélica, tomista, descentralizadora, da perspectiva centralizadora e ascendente, nesta matéria.
Uma outra observação que se coloca neste plano é que é louvável, sem dúvida nenhuma, a preocupação do Sr. Deputado Guilherme Silva com a regionalização do continente, mas, do ponto de vista conceptual, as regiões administrativas do continente são autarquias locais e, portanto, quando se fala de autarquias locais está também a falar-se de regiões administrativas.
Ao autonomizar, aqui, as regiões administrativas colocam-se problemas de correcção técnico-jurídica que também não queria deixar de colocar à reflexão.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Guilherme Silva pediu a palavra para intervir novamente?
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Para intervir ou dar esclarecimentos.
O Sr. Presidente: - Então, é melhor intervir no fim, Sr. Deputado.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, como teve ocasião de sublinhar, discutiremos a propósito do Título VII a toda a vasta massa de propostas respeitantes à autonomia regional e gostaria de sublinhar que é deliberadamente que insistimos neste ponto, sem negar, naturalmente, a utilidade de trocarmos impressões preliminarmente e por isso estou a usar da palavra.
Consideramos que, provavelmente, um dos êxitos possíveis desta revisão constitucional, tudo indica, estará na possibilidade de aperfeiçoamento das normas constitucionais sobre as garantias da autonomia político-administrativa das regiões autónomas.
Por um lado, porque que há uma mancha de propostas de sentido idêntico, embora em muitos casos não de figuração idêntica, de várias bancadas, no sentido do aperfeiçoamento de diversos mecanismos, não apenas na parte "principológica" - e essa parte é, como se sabe, muito importante e também temos uma proposta nesse domínio, que nos parece ser um contributo enriquecedor e positivo para a configuração constitucional do estatuto das regiões autónomas - mas numa vasta mancha de propostas concretas sobre mecanismos que configuram garantias jurídico-constitucionais de uma real autonomia.
Naturalmente, muitas dessas propostas não têm a ver com condições efectivas de autonomia, designadamente as respeitantes à posição de regiões no contexto da construção europeia e do reforço das condições de participação das regiões na construção europeia e nos financiamentos associados à construção europeia, mas são propostas que, passando por esse tema, tocam muitos outros, designadamente quanto à clarificação das garantias de participação, de financiamento, de ampliação de poderes legislativos, de eliminação de limitações à autonomia, de extensão às assembleias regionais de importantes características de funcionamento interno, de clarificação do papel do ministro da República e outras, que não enumero. Tivemos ocasião de extensamente aludir a elas no preâmbulo do nosso projecto de revisão constitucional contido na página 32 da Separata 6/7 do Diário da Assembleia da República que está ao dispor de todos nós.
Quanto a este ponto, devo dizer que nos apraz o facto de haver - tudo indica - um consenso para o reforço do estatuto constitucional das autonomias regionais. Isso quer dizer que elas se tornaram objecto de não contestação, sedimentaram-se, cultivaram-se ao longo do tempo e se
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falta fazer alguma coisa foi feito um enorme acervo de coisas ao longo do tempo, que é de sublinhar e reconhecer como experiência comum da nossa vida político-partidária e do nosso regime constitucional.
Pela sua parte, o PS reconhece-se nessa experiência e reconhece-se na construção dos fundamentos, dos caboucos constitucionais e político-institucionais dessa realidade.
Quanto a estas propostas concretas agora adiantadas não pela bancada do PSD como tal mas por alguns dos seus Deputados, elas reflectem uma determinada concepção. O Sr. Deputado Guilherme Silva acabou de as re-fundamentar e, de facto, estão em questão duas coisas: uma vez que estamos a escrever um texto constitucional e é suposto que tenhamos inteiro rigor jurídico-constitucional, ou seja, cada palavra deve ter um sentido preciso, uma acepção rigorosa na meta linguagem jurídico-constitucional, não se trata de escrever um documento de outra natureza e seguramente menos ainda um manifesto ad hoc de existência transitória, quando o Sr. Deputado Guilherme Silva nos traz uma explicação ou uma fundamentação basicamente estiada em dois pilares, sendo o primeiro o de que as propostas querem introduzir a verdade do Estado na Constituição, nós devemos testar isso, ou seja, se esta nova figuração traduziria a verdade do Estado ou se a figuração anterior traduz melhor a realidade do Estado. De facto, nós não temos três regiões político-administrativas, sendo uma delas o continente, temos duas regiões político-administrativas e o Estado é o que é deste ponto de vista.
Portanto, vamos discutir este ponto em busca da verdade constitucional, a qual, como se sabe, tem sido regularmente espelhada e com bastante consenso doutrinário num determinado sentido.
Em segundo lugar, o Sr. Deputado diz - isso já me parece um pouco mais surpreendente mas, enfim, esperamos e estudaremos atenta e cuidadosamente o que vier a referir - que as outras alterações são meramente nominativas, ou seja, semânticas e desprovidas de conteúdo jurídico-constitucional relevante. Ou seja, o Sr. Deputado qualifica como Estado uma região ou regiões; qualifica como constituições regionais estatutos político-administrativos, mas diz-nos que quando diz a expressão Constituição a utiliza numa determinada acepção, que não é a corrente e a dominante, e quando utiliza a expressão estados utiliza-a num sentido su generis, num sentido específico, que não é o sentido em que a doutrina e as constituições, normalmente, utilizam a expressão estado.
Fica, pois, por demonstrar a vantagem político-administrativa e político-constitucional concreta de uma tal metamorfose, que não o é porque, a sê-lo, excederia os limites que o próprio autor lhe pretende imprimir e, a não ser metamorfose, excede provavelmente as vantagens da reconstrução jurídica que uma revisão constitucional sempre implica. Mas vamos discutir, naturalmente, todos estes aspectos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes .
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, parece que fez efeito aquela crítica feita há pouco, tanto do Pedro Passos Coelho como minha, aos fantasmas do Partido Socialista, porque, afinal, parece que nem todos os fantasmas prevalecem e assistimos agora aqui ao enterro da teoria do défice democrático nas regiões autónomas,...
O Sr. José Magalhães (PS): - É o efeito das terapêuticas rápidas...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - ... facto com o qual o PSD se congratula, pois parece que nem todos os fantasmas e complexos prevalecem no Partido Socialista e pode ser que isso seja um bom prenúncio para a continuação dos trabalhos de revisão da Constituição.
De qualquer maneira, eu queria apenas e muito rapidamente, Sr. Presidente, fazer uma breve consideração da parte do Partido Social Democrata à apresentação da proposta por parte do Deputado Guilherme Silva e outros.
De facto, como foi referido pelo Dr. Guilherme Silva, não é intenção dos proponentes desta alteração introduzir alguma alteração substantiva por força destes termos "Estados regionais" e "Constituições regionais" no actual modelo político prevalecente para as regiões autónomas. E, se assim é, o Partido Social Democrata, de facto, não vê grande vantagem nessa alteração, até porque em Portugal o processo histórico é diferenciado relativamente a outras situações similares, como, por exemplo, na Alemanha, onde existem, de facto, estados regionais, o processo histórico é diferente.
Portanto, a leitura que se poderia fazer de uma alteração terminológica deste tipo, do ponto de vista do PSD, poderia dar azo a algumas dúvidas, algumas interpretações erradas daquilo que o legislador constituinte se pretenderia fazer. Nesse sentido, o PSD não vê vantagem, de facto, nessa alteração terminológica, como o próprio Dr. Guilherme Silva referiu.
Do mesmo passo, Sr. Presidente, aproveito para abordar aquilo que respeita à proposta do Partido Socialista, uma vez que estamos a analisar em conjunto estas duas propostas, quanto à inclusão no n.º1 do artigo 6.º da questão relativa aos princípios da autonomia das regiões autónomas.
De facto, também não vemos qualquer vantagem; o texto constitucional optou originariamente por destacar, em n.º 2, dando uma relevância especial ao princípio da autonomia das regiões e da instituição das regiões autónomas e entendemos que isso deve prevalecer, pelo que não vemos aqui qualquer vantagem, pelo contrário, vemos também, eventualmente, alguns perigos de se introduzirem dúvidas de interpretação sobre aquilo que verdadeiramente se pretenderia com uma alteração constitucional deste tipo.
Portanto, nesse sentido e neste aspecto, relativamente a qualquer uma das propostas que acabei de referir, o PSD não vê vantagem na sua introdução e na sua conservação.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, gostaria de intervir na qualidade de Deputado para dizer que a proposta dos Deputados Guilherme Silva, e outros, tem dois elementos, sendo que um é a qualificação do Estado como Estado unitário regional e foi evocada para isto a verdade constitucional.
A verdade constitucional, infelizmente, não é esta. Portugal não é um Estado regional, é um Estado unitário com duas regiões autónomas que abrangem, de resto, 1/20 da população e do território da República. O continente não é uma região autónoma nem está dividida em regiões autónomas.
O Estado português não é regional, como é a Espanha ou, sequer, como é a Itália. Portanto, evocar a verdade constitucional para qualificar o Estado como Estado regional é evocar uma verdade parcial e uma parcela muito pequenina da verdade institucional do Estado português.
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Quanto à segunda proposta, as coisas são bastante mais complicadas. O Sr. Deputado Guilherme evocou que isto é apenas uma alteração terminológica ou nominativa, e isto pode ter dois sentidos: ou porque já hoje as regiões autónomas são estados regionais e os estatutos regionais são constituições regionais, o que não é verdade, pois as regiões autónomas não são estados regionais e os estatutos político administrativos não são constituições regionais e, portanto, por este lado o argumento do Sr. Guilherme Silva não tem razão; ou isto não acrescenta nada, isto é, não quer alterar nada do que está. Só que isso também não é verdade, porque não há nenhum constitucionalista nem nenhum tribunal constitucional que, perante esta alteração constitucional de passar a chamar estados regionais às regiões autónomas e constituições regionais aos estatutos político administrativos, dissesse que isto não implica nenhuma alteração ao status quo constitucional e que isto não tem o mínimo valor, a mínima mudança, a mínima alteração.
Devo já dizer-lhe, Sr. Deputado Guilherme Silva, se esta alteração fosse por diante, que eu teria de alterar radicalmente os comentários que faço à Constituição nesta parte das regiões autónomas e teria de harmonizar constitucionalmente dois conceitos contraditórios - um, estado unitário e, outro, estado unitário com estados regionais - e teria de passar a dar o devido valor, sob o ponto de vista da metodologia de concordância prática, a estes dois conceitos. Não pode haver conceitos sem significado e sem valor.
Portanto, o argumento utilizado pelo Sr. Deputado Guilherme Silva não colhe, não colhe porque não traduz uma realidade existente e porque não pode ser tido como uma simples alteração nominativa.
No mínimo, isto introduziria um tal elemento de equivocidade e de indeterminação constitucional que aquilo que, a meu ver, deve pautar a constituição de um estado com as regiões autónomas, que é a precisão, clareza e limitação da indeterminabilidade, seria completamente revolucionado e subvertido.
Isto é, introduzir-se-ia uma tal carga de equivocidade, de conflitualidade sobre o sentido dos conceitos que, na verdade, aquilo que até agora conseguimos, construir regiões autónomas num quadro relativamente pacífico, sob o ponto de vista constitucional e institucional, seria claramente subvertido em termos constitucionais e em termos políticos. Isto transformar-se-ia num conceito de luta por elevação a patamares superiores de autonomia político-administrativa das regiões autónomas que, obviamente, não vejo que bem viria para a República e muito menos para as regiões autónomas.
Consideraria muito mal uma revisão que consagrasse propostas desta natureza e, pela minha parte, farei tudo para que ela não seja consagrada.
E considero pelo menos equívoco que o PSD, que não adopta no seu projecto oficial esta proposta, venha agora dizer que está de acordo porque ela não significa nada. Ela significa muita coisa e significa tanta coisa, tanta coisa, que, no artigo 228.º, os mesmos Deputados que fazem esta proposta tiram dela a ilação consequente, isto é, as tais constituições regionais seriam mesmo constituições regionais, os estatutos..
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, permite-me interrompê-lo?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - É que o Deputado Luís Marques Guedes, há pouco, justamente, fez referência à intenção que o Deputado Guilherme Silva aqui manifestou e dado que essa intenção não visava fazer substantivamente nenhuma alteração, independente daquilo que o Sr. Presidente ou qualquer outro Sr. Deputado...
O Sr. Presidente: - Estou a falar na qualidade de Deputado e não como Presidente.
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - ... entender do que está proposto na versão escrita, o PSD exprimiu a opinião de que se a intenção é essa, então, é melhor deixar a norma como está e não o sentido de fazer uma apreciação subjectiva sobre aquilo que é proposto através deste articulado.
Há uma diferença muito grande, pois o PSD não disse que esta proposta não altera nada, disse apenas que se a intenção manifestada pelos Deputados subscritores não é de modificar substantivamente o que está consagrado, então, a norma deve se manter.
Foi esta a opinião expendida e trata-se só de uma precisão.
O Sr. Presidente: - Ainda bem que precisou, pois eu não tinha compreendido bem isso. Mas já agora faço-lhe uma pergunta. E se for efectivamente de alterar, qual é a posição do PSD?
O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Só posso dizer, Sr. Presidente, que o PSD não subscreveu esta proposta e limitou-se a fazer um comentário, que eu julgo que é elucidativo, perante a fundamentação do Deputado Guilherme Silva. Fosse outra a fundamentação e talvez o PSD se tivesse de exprimir de outro modo.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, tenho de me congratular.
O facto esta proposta visar mais do que ser puramente nominativa é que os mesmos Deputados que a fazem tiram depois as devidas ilações e as tais constituições regionais passariam a ser mesmo constituições.
Hoje, os estatutos político administrativos das regiões autónomas são leis da Assembleia da República, votadas, quando ao fundo, por esta, e deixariam do ser. Isto é, a deliberação final da Assembleia da República não poderia contrariar as propostas das assembleias legislativas, e limitar-se-ia a ratificar, e ratificar obrigatoriamente, as propostas vindas das assembleias regionais.
Portanto, não se pode tomar seriamente o argumento do Sr. Deputado Guilherme Silva de que isto não visa alterar nada; é óbvio que visa, e visa alterar o elemento fundamental do equilíbrio institucional da República, visa subrepticiamente transformar um Estado unitário parcialmente regionalizado num Estado parcialmente federalizado, porque nem se trata de dar o nome honorífico de estado às regiões autónomas, como na fase final de Estado Novo se pretenda dar às antigas colónias, trata-se, realmente, de propor um primeiro passo, muito claro, no sentido da federalização da República. Contra isso terá, Sr. Deputado, a minha decidida e frontal oposição.
O Sr. Presidente:- Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
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O Sr. Guilherme Silva (PSD):- Congratulo-me pelo facto de esta proposta ter permitido algum aprofundamento, numa perspectiva de evolução, das autonomias regionais, designadamente da parte do Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, falei na qualidade de Deputado.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Como?
O Sr. Presidente:- Não falei como presidente, é óbvio, mas como Deputado, porque como Presidente não tenho direito a transmitir..
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Com certeza, do Sr. Presidente e Deputado Vital Moreira.
Dizia eu que me congratulo pelo facto de esta proposta ter permitido algum aprofundamento das autonomias regionais, designadamente da parte do Sr. Presidente e pela sua oposição à evolução da estrutura constitucional para um estado federado.
Todos sabemos que as autonomias políticas e administrativas dos Açores e da Madeira, consagradas constitucionalmente, têm um figurino muito su generis, que nalguns aspectos vai mais longe do que os estados federados e noutros fica aquém. Portanto, parece-me errado estarmos sempre a analisar a estrutura constitucional das regiões autónomas com o receio de uma evolução para o estado federado, porque, repito, nalguns casos, os poderes das regiões são superiores aos dos estados federados.
Portanto, há aqui que encarar esta evolução dentro desta ideia; realmente, temos construído algo de su generis que não tem, necessariamente, de estar subordinados aos cânones clássicos dos conceitos que aqui fomos discutindo à volta desta proposta.
Salvo o devido respeito, não é inteiramente verdade a observação do Sr. Deputado Vital Moreira relativamente àquilo que se passa a designar por constituições regionais e que são efectivamente estatutos político-administrativos, na medida em que a observação que se faz no artigo 228.º diz respeito tão-só às alterações que venham a ser introduzidas pela Assembleia da República. É aí, depois numa reapreciação que a assembleia regional possa fazer, que se põe o problema, é uma forma de se pôr termo a um ciclo de discussão entre duas assembleias legislativas regionais e, eventualmente, esse termo não devia ser feito na região mas na Assembleia da República.
Risos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, falemos seriamente!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Admito que essa questão se possa levantar, mas é inequivocamente a Assembleia da República que aprova esse estatuto e isso basta para que não se esteja, efectivamente, no sentido rigoroso da ciência política e do Direito Constitucional, em termos de constituições regionais, no sentido de ser algo aprovado pelos órgãos do próprio território a que esse diploma se destina.
Portanto, é realmente um nomem juris dos estatutos político administrativos, que aceito que possa esbarrar com problemas de rigor, no sentido doutrinário, mas que tem algum sentido emblemático, uma ideia de evolução e de mudança e, portanto, é esse o objectivo e tão-só essa a finalidade ao introduzirmos esta proposta.
No que diz respeito a algumas observações que foram feitas pelos Srs. Deputado Luís Sá José Magalhães, o problema das questões que se têm levantado historicamente à volta do princípio da subsidariedade, acerca de se ele é um pau de dois bicos, de certo modo, que tanto pode servir para que os órgãos centrais chamem a si competências que podem ser descentralizadas como vice-versa, devo dizer, Sr. Deputado Luís Sá, que não é essa, nitidamente, a tendência actual e a prática do princípio da subsidariedade onde ele vem sendo aplicado e, portanto, é óbvio que é no sentido da descentralização, no sentido do reforço dos poderes a nível descentralizado, que aqui se introduzem. É com essa intenção se introduz o princípio da subsidariedade.
Já estou mais de acordo consigo quando refere que há aqui uma duplicação eventualmente desnecessária ao falar-se na regionalização administrativa, por um lado, como princípio que o Estado deve respeitar na sua organização, e na autonomia das autarquias locais, uma vez que as regiões administrativas, tal como estão concebidas constitucionalmente, são autarquias locais.
Mas sempre lhe quero dizer que num estado que tem a tradição centralista que o Estado português tem, mais vale pecar por excesso do que por defeito e, portanto, se a Constituição, nesse aspecto, pecar por excesso é preferível do que pecar por defeito.
Quanto aos receios que o Sr. Presidente e Deputado Vital Moreira adiantava à volta da introdução da designação Estado e da designação constituições regionais, designadamente quanto à necessidade que teria de, conjuntamente com o Prof. Canotilho, rever a sua Constituição Anotada e, portanto, fazer uma edição nova mais desenvolvida agora na parte das autonomias....
O Sr. Presidente: - Mais desenvolvida? Alterada!
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Talvez fosse útil para permitir uma nova era em termos de Tribunal Constitucional, que tem, como sabe, uma jurisprudência acentuadamente restritiva em matéria de autonomia regional, talvez encontrássemos aí a chave para fazer também uma evolução positiva na aplicação jurisprudêncial do Direito Constitucional...
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado permite-me a intervenção?
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Com certeza, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Não concordo consigo em que o Tribunal Constitucional tenha uma interpretação restritiva em matéria de autonomia legislativa das regiões autónomas, mas estou de acordo consigo que a constituição é restritiva em matéria de autonomia legislativa, e estaremos de acordo em considerar esse ponto. Se calhar, para surpresa sua, ver-me-á apoiar o levantamento a algumas das restrições que a Constituição põe a autonomia legislativa regional.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Não é esse, como sabe, o ponto de vista do Prof. Jorge Miranda, que diz exactamente o contrário, ou seja, que a Constituição é efectivamente ampliativa, em matéria de autonomia regional, e que o Tribunal tem uma interpretação e uma jurisprudência acentuadamente restritiva. Mas são pontos
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de vista, eu estou com o Prof. Jorge Miranda nessa matéria e não estou com V. Ex.ª.
Em relação à qualificação do Estado, Srs. Deputados, os argumentos que aqui introduzi foram argumentos de quantidade, ou seja, só se pode chamar ao Estado português um estado unitário regional se tivermos no continente regiões político administrativas. Se não tivermos, se tivermos meras as autarquias locais, não há razão para que se lhe chame estado unitário regional, tal qual aqui é proposto.
Peço desculpa, mas creio que não temos de medir a qualificação do estado pela quantidade. Penso que bastaria haver uma região político administrativa para que o Estado português, em termos constitucionais, devesse ser definido como unitário regional; bastaria uma, não é um problema de quantidade, é um problema de realidade, independentemente da sua quantidade.
Não entendo nem aceito que, na qualificação do Estado, se tenha de introduzir aqui o elemento quantidade; ou está na sua estrutura essa componente regional, seja em duas, três ou vinte regiões ou não está, e não é pelo facto de haver apenas duas regiões autónomas que deve impedir que o Estado deva ser qualificado como unitário regional.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, é só para deixar expresso que sendo nós favoráveis ao aprofundamento e ao aperfeiçoamento conjunto de todos os grupos parlamentares dos mecanismos da autonomia regional, discordamos das propostas que tem estado a ser discutidas e que, na nossa opinião, alterariam profundamente a configuração e estruturação do Estado tal como ele hoje é definido na Constituição e a nossa concordância com essa estrutura, desde logo, é provada pelo facto de não termos apresentado nenhuma proposta de alteração a este artigo.
Porém, não gostaria que o nosso silêncio pudesse eventualmente, a posteriori, extrair-se alguma conclusão noutro sentido que não no da discordância perante as propostas que são apresentadas pelo Sr. Deputado Guilherme Silva e outros.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, os meus cumprimentos depois deste interregno. Eu queria participar nesta discussão para salientar que o texto do artigo 6.º da Constituição vigente foi feito num período muito complexo e cerziu aquilo que me parece ser o essencial desta situação toda. Não mexam no n.º 1 nem mexam no n.º 2! O artigo, como acentuou o Deputado Luís Sá, é constituído por estas duas partes e deve ser lido no seu conjunto e, na verdade, falar em constituições, falar em estados, falar em qualificativos do Estado para além do estado unitário, parece querer reabrir uma discussão que, felizmente, se cerziu, e bem, no que está aqui posto pelo artigo 6.º.
Era com este voto que nesta primeira deliberação eu queria intervir.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Barbosa de Melo, tem todo o meu apoio.
Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, também muito brevemente para dizer que o artigo 6.º nunca me suscitou nenhuma objecção, nunca me suscitou necessidades de aperfeiçoamento e, nessa medida, para que o silêncio não seja interpretado de outra maneira, aqui fica expressa a minha opinião pessoal.
O Sr. Presidente:- Muito obrigado, Sr. Deputado.
Srs. Deputados, para não passarmos ao artigo 7.º, que tem muitas propostas, e como eu tinha proposto encerrarmos a reunião às 12 horas e 30 minutos, antecipo 10 minutos o seu encerramento.
Porém, relembro que reuniremos de novo às 15 horas, até as 18 horas, e já convoquei a reunião dos coordenadores da Comissão para, a seguir ao encerramento da reunião, tratarmos de uma série de questões de logística dos trabalhos da Comissão, nomeadamente para implementar e calendarizar uma série de propostas que foram aprovadas sobre reuniões, audiências, etc., que estão na agenda da Comissão. Aliás, estavam já quando cá cheguei. Penso que é altura de as reapreciarmos e de lhes darmos a execução que hajam de merecer.
Por outro lado, há também uma proposta do PCP para reconsiderarmos a reunião à segunda-feira.
Portanto, essa reunião do grupo coordenador terá lugar às 18 horas, imediatamente a seguir à reunião da Comissão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Guilherme Silva.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Nesta matéria do artigo 6.º, há ainda uma proposta de alguns Deputados do Partido Socialista que não estão presentes, mas admiti que o Sr. Deputado Jorge Lacão ou o Sr. José Magalhães a quisessem apresentar, para completarmos esta discussão.
O Sr. Presidente: - Claramente não o fizeram e os Srs. Deputados proponentes não estão cá.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, se me permite e uma vez que o Sr. Deputado Guilherme Silva não estava cá na altura em que fizemos a primeira intervenção sobre esta matéria, gostaria de dizer que tive ocasião de sugerir, em nome da bancada, que toda esta matéria fosse discutida, ou melhor, agora, rediscutida, na altura em que tenhamos ocasião de debater o Título VII da Constituição. Nessa altura, o Sr. Deputado António Trindade, e outros, estarão aqui para tomar parte da discussão.
O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Como não teve vencimento essa sua proposta, pensei que algum dos Srs. Deputados estivesse presente..
O Sr. José Magalhães (PS): - Não, mas tive isso em consideração como é, obviamente, natural e necessário.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos interromper a reunião até às 15 horas.
Está suspensa a reunião.
Eram 12 horas e 25 minutos.
O Sr. Presidente (Vital Moreira): - Srs. Deputados, vamos reiniciar os nossos trabalhos.
Eram 15 horas e 30 minutos.
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Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 7.º - Relações internacionais -, que iremos analisar número a número, em função das propostas de alteração. Deixarei para o final as propostas de aditamento, porque também as há.
Em relação ao n.º 1 do artigo 7.º existe apenas uma proposta de alteração, apresentada pelo PSD, na qual se propõe que onde se afirma "Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, do respeito dos direitos do homem, dos direitos dos povos à autodeterminação e à independência, (...)", passe a constar "(...) do respeito pelos direitos da pessoa humana e dos povos (...)". E, mais à frente, onde se lê "(...), da solução pacífica dos conflitos internacionais, (...)", deve acrescentar-se "(...) da prevenção e solução pacífica dos conflitos internacionais, (...)".
Se bem li, são estas as duas alterações propostas pelo PSD.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, se me permite, gostava de fazer uma pequena interpelação que tem a ver com a ordem dos nossos trabalhos.
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, há uma pequena alteração que diz respeito ainda ao n.º 1 do artigo 6.º e que consta, aliás, quer de uma proposta do PS, quer de uma proposta do PSD. Refiro-me à substituição da expressão "administração pública" com letra minúscula por "Administração Pública" com letra maiúscula.
Como é sabido, está mais ou menos consagrada na doutrina a distinção entre um e outro critério; por mim, parece-me que a alteração é pertinente, mas como ela não foi discutida esta manhã, talvez valha a pena abordá-la antes de entrarmos na análise do artigo 7.º.
Peço desculpa por não ter levantado este problema durante a manhã, mas passou-me, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Sá, proponho que deixemos essa questão de pormenor para a segunda leitura.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, suponho que o Sr. Deputado Luís Sá está a fazer alusão à ideia de que quando aparece "Administração Pública" com letra maiúscula se teve em vista a administração em sentido orgânico, subjectivo e não em sentido material.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Exacto, Sr. Deputado, ficaria mais correcto. E, como há dois partidos que o propõem, por mim não tenho qualquer objecção a essa alteração.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Deputado, se for esse o sentido, admito que deva ficar tudo com letra minúscula, porque o importante é descentralizar as funções e não, propriamente, os órgãos; o importante é que a função materialmente administrativa seja descentralizada.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sim, trata-se de descentralização democrática da actividade administrativa.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Se se mantém a ideia da descentralização democrática, está feita a conotação orgânica necessária. Mas é preciso que a descentralização se faça da actividade materialmente administrativa de um Estado!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Se me permite, Sr. Presidente, penso que a questão que o Sr. Deputado Barbosa de Melo coloca pode ter razão de ser. Efectivamente, faz sentido falar em "descentralização democrática" da actividade administrativa, em sentido material. Em todo o caso, PS e PSD adiantam a proposta e creio que ela não pode deixar de ser ponderada.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em todo o caso, proponho que não voltemos atrás. Essa questão será abordada numa segunda leitura - a anotação fica feita e não será omitida.
Voltemos, então, ao n.º 1 do artigo 7.º. Os Srs. Deputados do PSD, se o desejarem, podem apresentar ou justificar as duas alterações que propõem.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, em relação às propostas do PSD, chamo a atenção para o seguinte: há um aspecto do n.º 1 do artigo 7.º que o PSD não altera mas antes transpõe para o n.º 3 do mesmo artigo. Refiro-me aos direitos de autodeterminação e independência dos povos. Há, pois, aqui um certo rearranjo do articulado, não no sentido de alterar a substância do artigo mas fazendo alguma rearrumação.
No entanto, há uma questão que me parece pertinente e que é, talvez, a mais importante: a de acrescentar a palavra "prevenção" à expressão "solução pacífica dos conflitos internacionais". Penso que é perceptível por todos e é apenas um complemento.
Quanto à questão da substituição da expressão "direitos do homem" por "direitos da pessoa humana e dos povos", penso que até se poderia, em alternativa a esta formulação - e o PSD está aberto a uma redacção desse tipo -, falar em "direitos humanos" lato sensu.
O que acontece é que o texto actual refere apenas "direitos do homem", e esse parece-nos ser um conceito algo redutor face a tudo aquilo que se pretende atingir na economia deste artigo. "Direitos do homem" é terminologia clássica da Declaração Universal dos Direitos do Homem; hoje em dia, direitos humanos... Aliás, a própria concepção que levou à Declaração Universal dos Direitos do Homem tinha objectivos diferenciados. Hoje em dia, de facto, faz mais sentido falar em direitos humanos lato sensu, abarcando quer os direitos da pessoa humana quer os direitos dos povos.
Na formulação que o PSD apresentou no seu projecto de revisão aparece, de facto, a substituição de "direitos do homem" por "direitos da pessoa humana e dos povos", mas outra formulação possível seria a sua substituição por "direitos humanos", que é um conceito que, no fundo, preenche aquele que era o objectivo do PSD de rearrumação deste artigo e estará mais de acordo com os objectivos que devem reger o País em sede das relações internacionais.
Quanto à outra questão, a da autodeterminação e independência dos povos, parece-nos que ela ficaria com uma arrumação mais correcta no n.º 3, quando ligada com o direito à insurreição. De facto, faz mais sentido arrumar as matérias assim; é apenas uma questão de arrumação!
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O Sr. Presidente: - Ainda neste contexto, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD):- Sr. Presidente, é claro que nós temos um problema de língua, porque a nossa língua não tem uma palavra, como acontece, por exemplo, com o alemão, que abranja o homem e a mulher. De resto, esse é um problema das línguas latinas!
Claro que a expressão "direitos do homem" tem uma certa história e a expressão "direitos da pessoa humana" tem uma outra história, mas são histórias coincidentes. Estou a pensar no belíssimo relatório da comissão que preparou a Declaração Universal de 1948, elaborado por Jacques Maritain, enfim, nessa comissão colaboraram os grandes do mundo, desse tempo, desde o Gandhi ao Hughes, etc.
Nesse texto, Maritain afirmava: "Estamos todos de acordo que esta é a fisionomia essencial da pessoa humana hoje; ela foi aprovada, por unanimidade, numa comissão tão heterónoma, de diferentes culturas, pelos melhores de cada cultura. Estamos todos de acordo, neminem discrepante. Mas, se nos perguntarem porquê, desavimo-nos logo! A nossa conclusão é esta, a fundamentação é totalmente diferente".
Ora, bem, a substituição da expressão "direitos do homem" pela expressão "direitos da pessoa humana", provoca uma mudança de cenário cultural, mas suponho que é progresso falar em pessoa humana.
Quanto a falar-se apenas dos "direito dos povos", sem os restringir à autodeterminação, considero que é um passo importantíssimo, porque aos povos, como tais, não lhes deve ser só reconhecido o direito à autodeterminação, embora esse seja um direito fundamental deles, dos povos. Mas há outros direitos dos povos e o avanço, no nosso tempo, é o de reconhecer também aos povos, como tais, direitos próprios.
Ora, o que deveria constar deste artigo 7.º da Constituição é que respeitamos os direitos do homem ou da pessoa humana e que o princípio em que assentam as nossas relações internacionais também é o do respeito pelos direitos dos povos, embora o direito à autodeterminação, com a sua importância, deva ser destacado, especializado num número diferente.
O Sr. Presidente: - Está aberta a discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar, na íntegra, as palavras do orador)
Sr. Presidente, apenas queria tecer algumas considerações, tendo em conta as propostas de alteração do PSD, nomeadamente a que diz respeito à substituição da expressão "direitos do homem" pela expressão "direitos da pessoa humana". Como disse, e muito bem, o Sr. Prof. Barbosa de Melo é toda uma filosofia que está em jogo. E, independentemente de essa ser uma expressão que tem a sua história, também se coloca uma questão de analogia com os diplomas internacionais, em que Portugal estabelece os seus compromissos internacionais. Ou seja, em termos internacionais, não temos um equivalente à expressão "pessoa humana" que queira significar direitos do homem ou direitos humanos.
A expressão "pessoa humana" pode ter o seu contexto, quando se descobrem novas formas de vida, de vida inteligente (...).
Creio, portanto, por essas duas ordens de razões, que talvez fosse mais prudente não alterar o que está consagrado na Constituição.
Em relação aos "direitos dos povos", compreendo a preocupação de extensão desses direitos e o que pode significar a supressão da referência à autodeterminação e independência. Mas também temos de ter presente que, na história de Portugal, o direito dos povos à autodeterminação e à independência tem um sentido muito forte. E, para o futuro, estou convencido, tendo em conta a organização do espaço económico nacional e internacional, de que a manutenção do direito dos povos à autodeterminação e independência terá de ser, de facto, o essencial desses direitos.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se me permite, chamo a atenção para o seguinte: o PSD não propõe a eliminação desse direito, apenas o transfere para o n.º 3 do mesmo artigo 7.º.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Queremos destacar os chamados direitos novos, direitos dos povos como tais, e afirmamos três princípios dos direitos dos povos: direito à autodeterminação, direito à independência - que estão já consagrados no n.º 1 do artigo 7.º - e o direito ao desenvolvimento, que tem a ver com a repartição da riqueza à escala mundial.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Certamente, haverá outros direitos dos povos!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Mas que sejam consagrados estes, pelo menos!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Este é o avanço que propomos, por agora.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Bem como o "direito à insurreição contra todas as formas de opressão".
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Esse direito também já está consagrado na Constituição.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Medeiros Ferreira pretende continuar no uso da palavra?
Faça favor.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, creio que estes são melhoramentos possíveis, mas também tenho a noção de que aperfeiçoar, mantendo imperfeito o catálogo dos direitos dos povos, é capaz de não ser a melhor solução.
O Sr. Presidente:- Há ainda uma pequena proposta de aditamento, do PSD, que acrescenta a palavra "prevenção" à "solução pacífica dos conflitos internacionais", passando a ler-se: "(...), da prevenção e solução pacífica dos conflitos internacionais, (...)".
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Se me permite a interrupção, Sr. Presidente, gostaria de dizer algo sobre essa proposta.
Srs. Deputados, vemos - e não são só essas duas - as várias valências da construção e da preservação da paz nas intervenções, desde há muito reconhecidas pela prática das Nações Unidas, dos "capacetes azuis". Falo de
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intervenções para manter a paz, para prevenir conflitos, para o restabelecimento da paz. Há hoje um pluralismo de formas de acção, aliás, já devidamente analisadas e separadas na prática das Nações Unidas.
A nossa Constituição foi pioneira nestas fórmulas, - lembro que, em 1976, ela foi pioneira no mundo para este tipo de coisas -, por isso, para mantermos esse pioneirismo, talvez devêssemos, quando referimos que Portugal subscreve o princípio da paz e subordina as suas relações internacionais à paz, fazer uma distinção das múltiplas formas de que hoje a paz, e o que se relaciona com ela, se reveste, nomeadamente na prática das Nações Unidas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em termos dos melhoramentos constitucionais, parece-me exagerada essa preocupação da prevenção, porque embora a prevenção seja, hoje em dia, um método recomendado na própria acção das Nações Unidas, o "enervamento" do princípio da prevenção - como acontecerá, certamente, se for acolhido na Constituição -, isto é, a acentuação constitucional das obrigações de prevenção por parte do Estado português, em termos da paz internacional, pode levar a uma sistemática de intervenções no domínio internacional, nomeadamente em termos de prevenção de conflitos pela via militar, intervenções essas que poderão ser negativas.
É óbvio que quando se fala na prevenção dos conflitos tem-se em conta o desenvolvimento dos povos, as causas da pobreza como factores de crises potenciais. Aliás, ultimamente, as próprias Nações Unidas têm-se voltado muito para esse tipo de missões preventivas não militares. No entanto, há também uma noção de prevenção de conflitos internacionais que tem muito a ver com a prevenção militar desses conflitos.
Creio, por isso, que a consagração constitucional da ideia de prevenção de conflitos poderá, exactamente, exponenciar uma fase da gestão dos conflitos internacionais que me parece, sinceramente, aquela que merece menos dignidade de princípio. Ou seja, a prevenção poderá ser um recurso ou uma avaliação feita, caso a caso, pelo próprio Conselho de Segurança das Nações Unidas, por exemplo, mas não me parece que deva constituir um princípio geral pelo qual o Estado Português se deva pautar no seu comportamento internacional.
Portanto, perante o primeiro sintoma de que um conflito possa eclodir, o Estado português sentir-se-ia obrigado a uma intervenção cujas causas e consequências até serão difíceis de avaliar! Mas sente-se obrigado a fazê-lo pela própria valoração do seu dispositivo constitucional, razão pela qual talvez não introduzisse aqui o conceito de "prevenção".
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Em primeiro lugar, sobre a questão da alternativa "direitos do homem" ou "direitos humanos", creio que há, efectivamente, uma razão de carácter histórico que é relevante nesta matéria - a Convenção dos Direitos do Homem, já aqui citada, bem como a sua recepção em Portugal
Também há uma questão de fundo que está muito presente quando se põe esta alternativa - e à qual somos sensíveis -, que é o facto de a alusão aos "direitos do homem" não referir os direitos do homem e da mulher, como já foi defendido. Simplesmente, a questão é um pouco incontornável, porque quando se diz "direitos humanos" o adjectivo humano deriva do substantivo homem e não, propriamente, do substantivo homem e mulher.
Há, pois, aqui uma razão de carácter histórico e, quanto ao outro problema, não me parece que ele seja propriamente resolvido com a nova redacção. Portanto, salvo melhores argumentos que gostaríamos de ouvir, a questão de carácter histórico é um entrave, ficando a outra em aberto.
Quanto à segunda alteração, a da "prevenção" dos conflitos, para além da solução pacífica, é claro que todos nós gostaríamos que os conflitos fossem prevenidos e não chegassem a situações extremas. Mas o problema que está colocado, no presente estádio da vida da humanidade, é o de saber quem previne, quem avalia a situação e quem se arroga poderes para prevenir.
Por exemplo, durante o intervalo desta reunião, acabei de ouvir uma declaração política do Presidente Clinton que justificou a intervenção dos EUA invocando, exactamente, a liderança do mundo pelos EUA. E, no entanto, é sabido que países como a França e outros não tiveram, propriamente, o mesmo ponto de vista, bem pelo contrário!
Independentemente de sermos sensíveis à vantagem da prevenção, a pergunta que fazemos é esta: como é feita essa prevenção? Isto é, a resposta às questões quem previne, quem avalia a situação para prevenir e que métodos utiliza para prevenir está em aberto! E, estando em aberto, como é natural, gostaríamos de ouvir mais argumentos justificativos desta proposta.
Há uma outra questão que me parece interessante e que valeria a pena ver melhor, no concreto, o que pode significar. Refiro-me à questão de acrescentar a expressão "direitos dos povos" à expressão "direitos humanos" ou "direitos do homem". Isso é, há direitos dos povos que estão claramente consagrados - o direito à autodeterminação, o direito à independência, o direito à insurreição -, e há outros direitos dos povos, como o direito ao desenvolvimento, que decorrem, claramente, na avaliação dominante actual, dos direitos do homem.
A questão que se coloca, e em relação à qual não tenho, de forma algum, uma resposta fechada, é a de avaliar melhor - gostaria de ouvir o PSD nesse sentido - que direitos dos povos é que são reconhecidos que não caibam já naqueles que resultam do direito à autodeterminação, do direito à independência, do direito à insurreição e, enfim, dos outros direitos do homem, uma vez que muitos deles são também direitos dos povos; isto é, são direitos de cada homem, de cada mulher e, simultaneamente, dos povos no seu conjunto.
Sem ter uma posição de forma alguma fechada nesta matéria, creio que valeria a pena fazer uma melhor avaliação.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, vou fazer uma intervenção muito breve.
Primeiro, sobre a expressão "direitos do homem", estamos de acordo com o que acaba de ser dito pelo Sr. Deputado Luís Sá, no seguinte sentido: essa expressão
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é uma referência histórica, apesar de sabermos que, hoje, os textos modernos apontam para a ideia de "direitos humanos" ou "direitos da pessoa humana". À primeira vista, parecia-me a ideia "direitos humanos" compreender mais a ideia dos direitos do homem e mulher do que a expressão "direitos da pessoa humana", que tem, a meu ver, uma inserção mais essencialista e de pendor filosófico mais acentuado.
Todavia, mesmo nas instâncias internacionais, onde essa matéria tem sido discutida com grande acuidade e, desde logo, no Conselho da Europa, o certo é que jamais o Conselho da Europa intentou alterar aquele que é um dos seus textos fundadores, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que manteve na sua designação originária, tal como nós continuamos a manter a designação originária da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Nesse sentido, entendendo que os direitos do homem, hoje, devem ser lidos, mais do que na sua origem histórica, como direitos do homem e da mulher, como direitos de todo o género humano. E consideramos que esta referência histórica está muito mais articulada com os textos que têm valor vinculativo, como a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que se aplica de forma directa, por assunção e recepção automática no texto constitucional, do que a consagração da ideia de pessoa humana que, aliás, em termos da identidade genética, acaba por vir a ser consagrada noutros artigos do texto constitucional - ao menos, em sede de revisão, por algumas das propostas -, o que salvaguarda essa ideia originária, fundamental que se quis ressalvar, sobretudo no sentido de dignidade da pessoa humana.
A questão mais complexa é, porém, a que surge e decorre do projecto do PSD quando este alude à questão dos direitos dos povos - os direitos dos povos à autodeterminação e independência é o que está hoje consagrado no texto constitucional -, propondo a ablação de toda uma parte que é uma referência histórica, mas uma referência histórica que não está historicamente consumida ou consumada, que é a abolição de todas as formas de imperialismo, de colonialismo e de agressão, desenvolvimento geral, simultâneo e controlado, dissolução dos blocos político-militares...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Alberto Martins, a discussão do n.º 3 do artigo 7.º será feita numa fase ulterior, por isso gostaria que nos mantivéssemos no n.º 1.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Peço desculpa Sr. Presidente, julguei que já estávamos a discutir todos os números do artigo 7.º.
O Sr. Presidente: - Não, estamos apenas a debater o n.º 1.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Assim sendo, Sr. Presidente, regressava, então, no sentido de dizer que a expressão "direitos do homem" parece-me ser uma referência histórica que deve ser mantida.
Também a ideia dos direitos dos povos à autodeterminação e independência, a nosso ver, não é limitativa, uma vez que os direitos dos povos são organizados em termos de igualdade dos Estados e de todo um conjunto de soluções mediadoras e finalistas que garantem os direitos fundamentais dos povos, tal como está hoje no texto constitucional.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): -Sr. Presidente, no fundo, quero fazer apenas uma pequena precisão em relação ao que ouvi, quer da parte do Sr. Deputado Medeiros Ferreira quer da parte do Sr. Deputado Luís Sá, quanto à questão de se acrescentar a lógica da prevenção. E faço uma pequena rectificação, uma precisão neste sentido: pareceu-me entender - não sei se bem, se mal -, que os Srs. Deputados Medeiros Ferreira e Luís Sá colocavam questões sobre que tipo de prevenção é que estaria em causa na proposta do PSD.
Chamo, no entanto, a vossa atenção para o seguinte: o texto proposto pelo PSD prevê a prevenção pacífica e, portanto, não estão aqui em causa, minimamente, situações como aquela a que fez alusão o Sr. Deputado Luís Sá, referindo-se - penso eu - ao ataque americano a Bagdat, na noite de ontem. Obviamente, esse não é um caso de prevenção pacífica! Não é nada disso que o PSD propõe, independentemente de Portugal não ser os Estados Unidos, nem ter ambições de projectar força para o exterior. Mas, de qualquer maneira, não é nada disso que está no texto.
O que o PSD propõe, de facto, são todas aquelas formas de prevenção que envolvem "capacetes azuis", mas não, necessariamente, forças de intervenção de "capacetes azuis", como é o caso, por exemplo, das forças que temos na ONUMOZ, ou da participação portuguesa na ex-Jugoslávia, com o envio de polícias.
Portanto, queremos significar toda essa nova diplomacia, que o Sr. Deputado Medeiros Ferreira, seguramente, conhece bastante melhor do que eu, esses novos caminhos que vêm sendo explorados, nos últimos anos, pelas organizações internacionais e em relação aos quais Portugal tem dado passos claros no sentido de comparticipar activamente e com bastante empenho quando se tratam de acções de prevenção pacífica.
O Sr. Luís Sá (PCP):- Está a falar de prevenção pacífica ou de uma solução para o conflito já existente?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - No caso dos homens que foram destacados para policiamento, o que se pretendia era, precisamente, prevenir novos conflitos. Portanto, pode ser entendido de uma ou de outra forma! Dei esses exemplos apenas me dissociar daqueles outros que o Sr. Deputado tinha referido há pouco e que, manifestamente, não têm a ver com a proposta do PSD.
O que pretendemos é prevenção, formas de prevenção pacífica de conflitos e não outro tipo de acções. Não vale a pena levantarmos aqui "fantasmas" diferentes!
O Sr. Presidente: - Para uma interpelação, tem a palavra o Deputado Medeiros Ferreira.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, quero apenas referir o seguinte: o próprio facto de Portugal já participar em formas de gestão de crises preventivamente significa que não há necessidade de enfatizar a possibilidade que o Estado português tem de agir dessa maneira, dando-lhe uma dignidade constitucional que obriga, de certa forma, a uma posição mais sistemática de comparticipação nos esforços preventivos.
Digamos que, desta forma, a prevenção de conflitos acaba por ser uma obrigação constitucional, enquanto que, neste momento, é uma opção do Estado português
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participar - e tem participado com algum critério - nestas acções de prevenção, pacífica obviamente!, na medida em que as Nações Unidas, embora possam recorrer à força militar, têm uma filosofia sobretudo de prevenção dos conflitos e de manutenção da paz.
Portugal, através desses compromissos, tem tido uma acção preventiva - o Sr. Deputado Luís Marques Guedes acabou de referir alguns exemplos que não ponho em causa e até considero positivos -, mas fê-lo sem essa obrigatoriedade constitucional.
Do que tenho receio, mas também não é mais do que uma primeira reacção à vossa proposta, é que essa obrigatoriedade constitucional leve Portugal a ter que comprometer-se sistematicamente com decisões de prevenção de conflitos que possam não ser, primeiro, de veras preventivas e, segundo, do interesse nacional imediato.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, permite-me que dê uma breve resposta ao Sr. Deputado Medeiros Ferreira?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Medeiros Ferreira, com todo o respeito, permitia-me discordar do que disse, por uma razão: se fosse assim, também estaríamos obrigados, pelo actual texto constitucional, a participar em todas as acções de solução de conflitos internacionais, porque isso já consta do texto constitucional! E, na exacta medida, respondia-lhe dizendo que esse perigo não existe, porque se ele fosse real, desde 1975, Portugal estaria obrigado constitucionalmente - utilizando a sua expressão - a associar-se a todas as instâncias internacionais que intervêm para a solução de conflitos. Não tem sido esse o caso.
Portugal, também nessa matéria, obviamente, tem tido uma acção criteriosa - utilizando também as suas palavras - e, do nosso ponto de vista, é assim que deve ser, porque este artigo apenas fixa os princípios que devem reger o posicionamento de Portugal nas relações internacionais. E, da mesma maneira que o texto constitucional sempre estabeleceu que Portugal deve reger-se pelo princípio de solução pacífica dos conflitos, também deveria, porque o sinal dos tempos é esse, passar a prever que Portugal deve reger esse seu posicionamento no concerto das Nações por um princípio de prevenção pacífica dos conflitos.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, não sei se ainda tenho direito a retorquir...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, aqui as regras são, necessariamente, mais generosas.
Tem a palavra, Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes "pôs o dedo na ferida" da sua própria proposta, ou seja, a prevenção não pode ser um princípio. É um expediente, é uma medida que se pode tomar, mas não é, no fundo, um princípio geral da atitude dos Estados nos organismos internacionais. Não pode ser! Se todos os Estados tivessem como princípio a prevenção de possíveis conflitos, tal iria "enervar" a situação internacional, porque seria muita a preocupação de estancar todos os conflitos potenciais com medidas preventivas. Creio que seria, talvez, um mau caminho para a organização internacional e para a solução pacífica dos conflitos tentar prevenir todos, não se sabendo bem quem avaliaria da possibilidade de eclosão desses conflitos.
É apenas essa, e não vou insistir mais, a minha reticência.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Continuo a supor que o PSD tem razão ao apresentar esta proposta.
Em primeiro lugar, colocou-se aqui a questão de saber quem decide esta matéria - foi a posição do Sr. Deputado Luís Sá. É evidente que não estamos em posição de ditar as leis do mundo, não estamos a fazer a constituição da comunidade internacional, estamos a fazer a Constituição de Portugal e quem rege as relações externas portuguesas é o Governo português. Ora, é dentro desta óptica que se justifica que façamos mudanças.
Quem decide é o Governo português e é caricato, por exemplo, que se interprete assim o sistema de soldados profissionais que são enviados para o exterior: são profissionais, quiseram um dia seguir a carreira das armas e, quando o Governo diz: "Ides para acolá", não faz qualquer sentido que seja necessário que todos eles digam que querem ir! Isto não faz sentido em nenhuma parte do mundo, é um absurdo universal! Mas nós estamos a cometê-lo.
Em suma: quem aplica estas normas é o Governo de Portugal, que é quem interpreta e aplica todas as normas que vinculam os portugueses nas suas relações com o exterior.
Em segundo lugar, a paz tem múltiplas formas e, obviamente, é indivisível, diz-se há muitos anos! Há expressões que, por exemplo, não temos em português, como "peace keeping" ou "peace making", que são, hoje, duas fórmulas fundamentais na organização da política para a paz. Aliás, basta ler a Agenda para a Paz do actual Secretário-Geral das Nações Unidas para saber as múltiplas formas que estes dois grandes vectores aí atingem.
Se calhar, em português, para a fórmula "peace keeping", podemos encontrar a expressão "manter a paz" e, para a fórmula "peace making", a expressão "fazer a paz", "prevenir", "remediar"! Enfim, não falamos inglês, felizmente, falamos a nossa língua e devemos cultivá-la o melhor que pudermos e soubermos.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Lá está!
Risos
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - É fundamental que tenhamos presente que não estamos a fazer a constituição do mundo, estamos a rever a nossa Constituição e que esta alteração talvez tenha sentido.
Quanto aos "direitos dos povos", não queria deixar passar esta questão, que foi um incitamento directo do Deputado Luís Sá: "Que outros direitos dos povos, como tais, é que estamos aqui a considerar?". Vou falar de um, que é, aliás, particularmente dramático para nós, portugueses: o genocídio cultural de que está a ser vítima, por exemplo, o povo de Timor Leste. O genocídio cultural, a morte de uma cultura com a preservação da vida individual, de cada uma das pessoas, com a concordância eventual delas, mas a morte de uma cultura, intencional,
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para liquidar uma gens. Este é um crime contra um povo que também deve ser acautelado na nossa Constituição.
Dou só este exemplo de um crime relativo a um direito dos povos que não é coberto pelos direitos humanos, tal como eles são entendidos nas cartas universais.
O Sr. Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, quero apenas, de forma muito breve, transmitir duas impressões.
A primeira é que as propostas apresentadas valem muito como uma espécie de reafirmação de um grande consenso interpartidário sobre os princípios temáticos constantes no artigo 7.º, designadamente no seu n.º 1. E, tendo nós estado a discutir, basicamente, os pontos de inovação e, logo, de não convergência, creio que poderia haver o risco de se perder de vista o que as propostas significam na sua identidade e configuração precisa. No fundo, trata-se de uma enormíssima reafirmação do n.º 1 do artigo 7.º, tal qual foi redigido e está hoje em vigor, após sucessivas revisões.
A segunda é que há enormes virtualidades nos princípios proclamados originariamente e mantidos em substância, princípios esses que resistiram, claramente, à queda do muro de Berlim e reúnem hoje um consenso alargado, com convicções político-ideológicas diversas e plurais sob o mesmo "manto", o que é altamente positivo. As propostas do PSD são, de facto, propostas de pormenor.
Sobre a questão dos direitos humanos, o Sr. Deputado Alberto Martins disse o que havia a dizer, o que me permite passar à segunda questão, como reflexão geral, uma vez que assim foi deliberado metodologicamente. E essa reflexão diz respeito à enormidade da mudança: a Constituição de 1976 foi gerada num determinado contexto, em que o mundo vivia num sistema fechado, com blocos recíprocos - também com bloqueios recíprocos -, com teses de hegemonia mundial ou de hegemonias mundiais bipolares, com esforços de criação de blocos alternativos, com oscilações pendulares de agregação a um ou a outro dos grandes pólos e com enormes riscos para a paz, designadamente com risco de holocausto nuclear por uma das grandes potências
Transitámos desse sistema para um sistema de contornos muitíssimo mais fluidos, muito mais ágeis e muito mais difíceis de definir, como o Sr. Deputado Medeiros Ferreira teve ocasião de caracterizar. Neste novo contexto, há muitos aspectos que não têm uma configuração, um tratamento preciso no texto constitucional, tal como ele está redigido. E, por outro lado, convém não diminuir as bases constitucionais que regulam situações que obtêm grande consenso interpartidário, de resto, sob a antiga maioria como sob a actual, sem que isso motive uma polémica "sangrenta" entre os portugueses e nos divida senão na dor... - e une, pelo contrário, na dor dos mortos que por vezes há a lamentar -, mas não em qualquer questão constitucional suscitada com carácter vivo por qualquer força político-partidária.
Estas novas questões são, de facto, impressionantes, porque se relacionam com os novos direitos dos Estados, com os novos direitos e papel das organizações internacionais, com o próprio papel dos indivíduos na ordem internacional e com as possibilidades que lhes estão a ser conferidas, gradual e ainda muito precariamente, de terem voz própria e de accionarem mecanismos internacionais capazes de efectivarem direitos, o que, obviamente, não constava de uma determinada constelação anterior e dominante no período da Guerra Fria. Mas esse são direitos que só muito lentamente se vieram a afirmar e, ainda hoje, gozam de reconhecimento insuficiente, precário e parcelar.
É óbvio que tanto esses aspectos como os relacionados com as novas missões das organizações internacionais, com as necessárias implicações para o funcionamento dos Estados, ainda não encontraram um arribo definitivo no Direito Internacional, nem é suposto que o venham a encontrar num prazo curto! Esta é uma situação difícil de resolver - suponho -, por isso mesmo, da nossa parte, houve o cuidado de apenas inovarmos num ponto, ao qual nos referiremos seguidamente, na altura própria, sem alterar nenhuma componente significativa.
Deve, no entanto, reconhecer-se que há problemas novos, desde logo, a questão de encontrar qual a base específica para novas formas de gestão das crises, que implica o uso da força em determinadas condições. Essa é uma discussão que pode fazer-se à sombra de disposições constitucionais existentes e, provavelmente, pode justificar esta ou aquela solução inovatória, que é preciso medir com muito cuidado.
Contudo, Sr. Presidente e Srs. Deputado, desse ponto de vista, não há que nos distanciarmos radicalmente da base constitucional existente e vigente - essa é a conclusão que eu apuraria como inteiramente líquida - e, da nossa parte, naturalmente, com a prudência que resultou das avaliações já feitas, há a disponibilidade para apreciar que graus de inovação é possível introduzir, prudentemente, num contexto em que a ordem internacional revela uma fluidez, uma vertiginosa velocidade de transformação, aconselhando, da nossa parte, grande prevenção, grande cuidado, o mesmo que, afinal de contas, os constituintes tiveram o bom senso e o bom gosto de manter quando redigiram o artigo 7.º, tal qual está.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Ferreira não quer pronunciar-se sobre estas propostas, uma vez que o PP ainda não o fez?
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP) : - As propostas do PP serão discutidas mais à frente.
O Sr. Presidente: - Mas não quer pronunciar-se sobre as do PSD, em relação ao n.º 1? Não é obrigado a fazê-lo, Sr. Deputado!
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Eu sei, Sr. Presidente.
Aproveito apenas para dizer que, segundo a nossa filosofia, onde há a fazer alterações não é no n.º 1 do artigo 7.º. Concordamos com o que lá subsiste, razão pela qual não apresentámos qualquer proposta de alteração.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos ao n.º 2 do artigo 7.º, em relação ao qual deram entrada duas propostas de alteração, apresentadas pelo PP e pelo PSD. Irei dar a palavra aos respectivos proponentes, por esta ordem, para, se o desejarem, apresentar ou justificar as propostas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.
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O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, com a autorização implícita do Sr. Deputado Luís Sá na utilização do seu microfone, diria o seguinte: quer-nos parecer que a primeira parte do actual n.º 2 do artigo 7.º representa, de alguma forma, repetições, por outra palavras, das proclamações de princípio que já constam do n.º 1.
É evidente que quando se defende a independência, a igualdade dos Estados não se aceita qualquer forma de imperialismo ou de colonialismo. Assim, do nosso ponto de vista, entre o n.º 1 e o n.º 2, como que há verso e reverso do mesmo tipo de fenómenos e, por isso, valeria a pena salvar do n.º 2 a finalidade útil que ele comporta e que é, precisamente, a que propomos que subsista nesse n.º 2 do artigo 7.º, ou seja, o objectivo que ele já hoje enuncia. Mas que o n.º 2 desse artigo se reduza exactamente ao enunciar desse objectivo, que é a matéria nova relativamente ao n.º 1.
Propomos, por isso, a redução do actual n.º 2 ao seguinte: "Portugal preconiza o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos". Portanto, a supressão que nós fazemos do que está para trás resulta apenas do facto de entendermos que o n.º 2 é uma repetição, com novos vocábulos, do que já está dito no n.º 1.
O Sr. Presidente: - A proposta do PP, que o Sr. Deputado Jorge Ferreira apresentou, visa a eliminação de parte do texto do n.º 2.
A proposta do PSD também faz uma eliminação de parte do texto do n.º 2, mas trata-se de uma eliminação menos abrangente, menos extensa do que a proposta pelo PP.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Parece-nos que, de facto, a proposta do Partido Popular deixa de fora alguns aspectos que, pese embora a necessidade de ser revista a redacção deste n.º 2, nos parecem de manter. A saber, desde logo, a questão do desarmamento geral, porque entendemos que ela não perdeu actualidade e, por isso, deve manter-se no texto constitucional.
Por outro lado, defendemos a substituição - que é, no fundo, o que o PSD propõe - da terminologia "colonialismo" e "imperialismo", que nos parece, de facto, uma terminologia desajustada, pela expressão "eliminação das formas de domínio e exploração nas relações entre os povos".
Esse é, no fundo, o contexto da proposta do PSD, pois parece-nos que "imperialismo" e "colonialismo" são conceitos terminológicos que tiveram a sua época; hoje em dia, a questão em si mantém-se actual e, por se manter actual, o PSD preconiza - e nesse ponto distingue-se da proposta do PP - a manutenção do princípio de eliminação das formas de "domínio e exploração nas relações entre os povos". Ou seja, os termos "imperialismo" e "colonialismo" fizeram uma época nas relações internacionais, num determinado contexto histórico, e hoje em dia fará mais sentido falar em formas de domínio e exploração genericamente consideradas.
Já a questão da dissolução dos blocos político-militares, essa sim, parece-nos uma questão historicamente ultrapassada. Como referiram há pouco os Srs. Deputados Medeiros Ferreira e José Magalhães, aquando da elaboração da Constituição a questão era actual e colocava-se, portanto houve a preocupação, por parte dos constituintes portugueses, de adoptar um posicionamento face à política de blocos que existia. Só que essa política de blocos, tal qual existia em 1976, desapareceu, razão pela qual a terminologia utilizada no actual n.º 2, na parte que diz respeito à dissolução dos blocos político-militares, perdeu actualidade e, nesse sentido, dever-se-ia aproveitar a actual revisão constitucional para promover a sua correcção.
O PSD, repito, não discorda da proposta do PP, entende apenas que ela deixa de parte - e nesse sentido discorda, corrijo-me -, aspectos que mantêm actualidade. De facto, tanto o desarmamento geral como a eliminação das relações de domínio e exploração entre povos são questões que mantêm a sua actualidade e que o PSD, tal como em 1976, aquando a entrada em vigor da actual Constituição, continua a entender como princípios pelos quais o nosso país se deve reger nas relações internacionais.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em relação a este n.º 2 do artigo 7.º, omiti uma proposta de alteração, apresentada pelo Grupo Parlamentar de Os Verdes, que visa o aditamento, entre os princípios que Portugal preconiza nas relações internacionais, da desnuclearização.
Suponho que não está presente nenhum Deputado de Os Verdes para fazer a sua apresentação, no entanto a proposta está em discussão, tal como as demais. São, portanto, três as propostas de alteração ao n.º 2.
Estão abertas as inscrições.
Pausa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Confesso que o n.º 2 do artigo 7.º, aparentemente, está muito datado e, portanto, de certa maneira, algumas propostas de reformulação deste ponto podem parecer pertinentes, não digo o contrário! Mas gostava de dizer o seguinte: se suprimirmos aqui a expressão "colonialismo" estamos, com isso, a abandonar Timor à sua sorte. A questão de Timor está ou não ligada, ainda, ao fim do colonialismo como ele é entendido pela Nações Unidas? É essa a razão pela qual o território de Timor Leste continua a ser considerado território não autodeterminado, dentro de uma concepção de abolição de todas as formas de colonialismo que prevaleceu nas Nações Unidas nos anos de 60 e 70.
Portanto, o facto de estar aqui consagrada a expressão "colonialismo" defende o Estado português de qualquer confusão que possa fazer-se, a nível internacional, entre a sua justa, pertinente e sistemática posição de defesa do povo de Timor Leste e qualquer forma de regresso ao passado. Quem conhece bem este dossier sabe que uma das suspeitas que os adversários da autodeterminação de Timor Leste levantam prende-se com as verdadeiras intenções de Portugal. Retirar deste n.º 2 a referência à abolição do colonialismo, significaria, exactamente, uma má ajuda ao comportamento do Estado português na questão de Timor Leste (pelo menos!).
Também não podemos deixar de considerar que a expressão "imperialismo" não apareceu com o imperialismo tal como foi entendido entre a 1ª e a 2ª Guerras Mundiais. A expressão "imperialismo" vinha de trás, foi usada pelos próprios imperialistas na sua primeira fase: eles assumem que querem uma forma imperial. O Estado português
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também já o afirmou, no período entre as duas Guerras Mundiais, quando se referiu ao império colonial português: Portugal assumia uma forma imperial de regulamentar as suas relações entre a metrópole e as colónias. É tudo isto que, de certa maneira, este ponto n.º 2 quer abolir.
Volto a repetir que compreendo um pouco que essas expressões, para quem conheça pouco a história e esteja mais politizado, tenham uma conotação política muito estreita e muito datada. Todavia, quem conhece a história sabe que colonialismo e imperialismo podem ser formas aparentemente ultrapassadas mas que, de um momento para o outro, podem voltar a estar na ordem do dia. Portanto, talvez não fosse má solução o Estado português precaver-se de algumas tentações e manter aqui este ordenamento.
Tudo isto é dito, obviamente, admitindo que o n. 2.º merece, de facto, alguma reflexão quanto ao seu articulado.
Quanto à questão da dissolução dos blocos político-militares, de certa maneira, podemos considerar que já se deu essa dissolução. Mas isso não significa que não venha a haver, de novo, a formação de blocos político-militares! Esta é, portanto, uma forma preventiva de encarar a possível reconstituição de blocos político-militares; é a aplicação do tal princípio preventivo neste n.º 2 do artigo 7.º.
Tudo isto é dito, repito, com o sentimento do que há de relativo nesta minha posição, porque admito com facilidade que uma redacção mais depurada podia dar ao n.º 2 aquele consenso - também já aqui referido - que será necessário manter nessas questões dos princípios das relações internacionais. Mas também não vejo uma óbvia necessidade de fazer a sua alteração.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, começo por dar uma breve resposta ao Sr. Deputado Medeiros Ferreira. De facto, não posso concordar - aliás, até troquei impressões com o Sr. Prof. Barbosa de Melo sobre esse aspecto - com alguns dos argumentos usados pelo Sr. Deputado Medeiros Ferreira, designadamente quando faz a ligação do termo "colonialismo" à questão de Timor. Curiosamente, Sr. Deputado, nós fazemos a leitura inversa. Ou seja, penso que a leitura que fez é a que interessa à Indonésia: é à Indonésia que interessa fazer a leitura de que a presença portuguesa em Timor era uma presença colonial e que a própria Constituição Portuguesa...
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - E era!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente! E que a própria Constituição portuguesa, dizia, ao falar da necessidade de abolição do colonialismo, justificou a intervenção da Indonésia em Timor.
No fundo, Sr. Deputado, é sempre possível fazer leituras mais numa perspectiva ou menos numa perspectiva - e o Sr. Deputado Medeiros Ferreira até fez um exercício bastante interessante e inteligente das virtualidades do texto constitucional -, ou seja, esse discurso "das cautelas" é sempre possível! Da mesma forma que, inteligentemente, o Sr. Deputado defendeu, em termos históricos, a validade dos conceitos "imperialismo" e "colonialismo" como males aos quais a humanidade não pode pensar que ficou imune, também poderíamos falar de outros, na escravatura, no feudalismo...
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Deputado, não falei em males, falei em factores de perturbação internacional!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente! Também poderíamos falar de outros, do feudalismo, da escravatura... Mas não me parece que esse seja um discurso possível...
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Não me parece que seja pragmático. Mas podemos fazê-lo, se não quisermos fazer a revisão constitucional!
Risos
O Sr. Luís Marques Guedes (PS): - Sr. Deputado Medeiros Ferreira, parece que isso tem pouco a ver com as realidades palpáveis.
Portanto, registo apenas as palavras finais do Sr. Deputado Medeiros Ferreira, na medida em que, no fundo, reconhecemos, genericamente, que há uma chancela demasiado fixada no tempo que conota a redacção deste n.º 2 do artigo 7.º da Constituição e, nesse sentido, não seria desprezível equacionar, em sede desta revisão constitucional, alguma forma de a reescrever, não alterando a substância das coisas, porque não é nada disso que o PSD propõe, mas adaptando-a mais às novas realidades, à situação que actualmente se vive. De facto, imperialismo e colonialismo, hoje em dia...
O PSD propõe, como poderia propor outros termos, "a eliminação de todas as formas de domínio e exploração nas relações entre os povos", já que, claramente, tanto o imperialismo como o colonialismo podem entender-se como formas subsumíveis à lógica de domínio e exploração dos povos e, como tal, não vejo que perca actualidade a proposta do PSD. Assim, embora mantendo todo o posicionamento político que estava subjacente à redacção de 1976, parece-nos, de facto, que a nossa proposta retira aquela carga demasiado indexada no tempo e conectada com realidades históricas que já passaram e que têm pouco a ver com os nossos dias.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, lembro apenas - e essa é uma preocupação que passarei a ter, a partir de agora - que, de entre as propostas apresentadas pelos cidadãos, existe uma relativa ao n.º 2 do artigo 7.º, que é coincidente com a apresentada pelo CDS-PP, da autoria do Professor Jorge Miranda.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, chamo apenas a atenção para o facto de não ter obtido qualquer resposta em relação ao comentário que fiz quanto à proposta do PP. No fundo, questionei por que é que abandonaram a referência ao desarmamento e ao domínio e exploração dos povos.
O Sr. Presidente: - Neste momento, estão inscritos os Srs. Deputados Luís Sá e Calvão da Silva.
Antes de dar a palavra ao Sr. Deputado Luís Sá, permitam-me que faça a seguinte observação: as propostas que estamos a discutir não são, obviamente, irrelevantes, são da maior importância, mas lembro que estamos reunidos há uma hora e apenas analisámos uma pequena parte das propostas relativas ao artigo 7.º. Corremos, por isso, o risco de não "arrumar" o artigo 7.º esta tarde. Peço-lhes, Srs. Deputados, se isso me é permitido, uma certa observância do princípio da economia interventiva.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
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O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Antes de mais, para além do valor actual, as referências ao imperialismo e ao colonialismo têm um valor histórico muito específico, um valor histórico particularmente caro, creio eu, ao povo português e a Portugal e, nesse sentido, não vemos vantagem em abolir tais referências.
No caso do colonialismo, creio que é particularmente significativo para aquele que foi um Estado colonial ter, neste momento, uma Constituição que se empenha, exactamente, na abolição do colonialismo, sem prejuízo, como é natural, de a questão não se colocar com a mesma acuidade de há uns anos atrás.
Porém, é evidente que, por exemplo, reconhecer a importância da consagração dos princípios da autodeterminação e independência e, simultaneamente, preconizar a não abolição do colonialismo, é capaz de não ser completamente coerente, se me permitem e com o devido respeito.
Por outro lado, quanto à abolição da expressão "imperialismo", independentemente de ela ter um determinado uso histórico que é conhecido - na raiz anterior até nem foi este o respectivo uso, como é sabido -, e sua substituição pela referência ao "domínio e exploração nas relações entre os povos", que acaba por corresponder a algo de bastante semelhante, aponto esta diferença, ou este "senão": é que, provavelmente, referir o "domínio e exploração das relações entre os povos" é menos rigoroso do que referir o "imperialismo", que tem uma caracterização bastante específica e conhecida.
O "domínio e exploração nas relações entre os povos" levanta esta dúvida: é mesmo entre os povos, ou é entre Estados e parte das entidades do respectivo Estado? Isto é, as relações de domínio e exploração são obrigatoriamente entre povos? A relação, por exemplo, do povo português com o povo angolano, moçambicano, etc., foi de domínio e exploração do povo no seu conjunto, ou foi de um determinado Estado e de um determinado regime? Não sei se me faço entender, mas esta é uma questão que deixo à vossa reflexão e que nos faz, naturalmente, ter dúvidas em relação a esta alteração.
Quanto à substituição da expressão "abolição dos blocos político-militares" por "sistemas de segurança colectiva", o problema que se levanta é o seguinte: o bloco político-militar implica um entendimento militar contra alguém, e é claro que a consagração desta disposição vem numa lógica de um mundo bipolar - como é sabido, e bem, a Constituição preconizou, na altura própria, esta abolição. O que falta saber é se não se coloca ainda, no mundo, a questão da existência de blocos político-militares com a dinâmica de, por um lado, serem um bloco contra alguém, e não propriamente um sistema de segurança colectiva, e, por outro lado, terem um respectiva direcção.
Isto é, o sistema de segurança colectiva corresponde a um sistema em que há uma igualdade de direitos e uma igualdade de participação das partes; o bloco militar tem uma direcção que não assegura a igualdade das partes. Esta questão desapareceu, deixou de colocar-se na vida internacional? Creio que a resposta é, claramente, negativa.
Portanto, chegar a uma sistema de segurança colectiva implica a dissolução prévia dos blocos político-militares, com uma hegemonia no seio desses blocos, com uma desigualdade de direitos e, sobretudo, de posições de facto no seio desses blocos. Nesse sentido, creio que seria, pelo menos, prematura a supressão desta disposição do n.º 2 do artigo 7.º.
O Sr. Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Sou sensível à argumentação dos dois lados e recordo uma frase que todos nós devemos ter presente: "Quem se esquece da história arrisca-se a vivê-la duas vezes". Por isso mesmo, quando certas redacções têm muito de datado, o ideal é conseguir harmonizar essa data com o presente e a perspectiva da evolução do futuro.
Julgo, pois, que o n.º 2 do artigo 7.º, indo ao encontro das posições aqui expendidas por uns e por outros, podia ter uma redacção à laia da que vou propor: "Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos (...)". E a restante parte do n.º 2 mantinha-se intacta. Esta seria uma forma de enriquecer a disposição, mantendo a "data" para não arriscarmos viver duas vezes a história.
O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Calvão da Silva, penso que essa é uma proposta que poderá ter acolhimento por parte do Partido Socialista, porque exponencia, no fundo, comportamentos do Estado português em relação a todas essas formas de agressão, sem lhe retirar as expressões históricas que fizeram com que o Estado português se libertasse delas e as combatesse, posteriormente ao 25 de Abril, como política oficial.
Creio, portanto, que é uma proposta que pode merecer acolhimento, embora a passagem a singular da palavra "formas" talvez retire a amplidão que se pretende.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Não proponho essa passagem a singular, Sr. Deputado A minha proposta é esta: "Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração (...)".
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): -Muito bem, perfeito! Se essa proposta for formalizada por escrito, penso que seria um passo em frente.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, uso da palavra para tentar satisfazer o pedido do Sr. Deputado Luís Marques Guedes. Pensei que da minha exposição inicial não tivessem subsistido dúvidas mas, relativamente à questão concreta que suscitou, esclareço que, para nós, a questão do desarmamento está implícita... - como não citei todos os versos e reversos do n.º 1 para o n.º 2 do artigo 7.º, esqueci-me de citar esse! Mas, dizia, para nós, essa ideia também está implícita no entendimento amplo da expressão "solução pacífica dos conflitos", ou seja, ela está afirmada de outra forma no n.º 2, pela referência ao desarmamento.
Todas as questões que suprimimos no n.º 2 estão afirmadas de outra maneira - mais feliz e melhor - no n.º 1 do mesmo artigo.
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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Não me pronunciei sobre a proposta de Os Verdes, e não queria deixá-la passar em claro. Apenas quero realçar o seguinte: por um lado, se a "desnuclearização" for entendida como uma forma de preconizar a abolição das armas nucleares, cremos que está contida na ideia de desarmamento; por outro lado, neste momento, existem armas que são, pelo menos, tão mortíferas ou quase tão mortíferas como as armas nucleares - as armas químicas e armas biológicas - e, desta forma, não ficariam individualizadas neste contexto.
Neste sentido, e sem prejuízo de compreender as preocupações que lhe estão subjacentes, creio que não traria nenhuma mais-valia ao artigo a introdução desta alteração.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Deputado Calvão da Silva está a proceder à redacção da sua proposta, que irei mandar copiar e distribuir.
Pausa.
Entretanto, creio que podemos retomar a discussão, com base na leitura que vou fazer.
A proposta é do seguinte teor: "Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos, bem como o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares (...).", mantendo-se a parte final do actual n.º 2.
Portanto, a proposta visa a substituição da primeira parte do n.º 2, "a abolição de todas as formas de imperialismo, colonialismo e agressão(...)", pela seguinte fórmula: "a abolição do imperialismo, do colonialismo e quaisquer outras formas de agressão, domínio ou exploração nas relações entre os povos (...)".
Srs. Deputados a proposta foi formalizada, está entregue, apenas peço ao Deputado Calvão da Silva que a subscreva, uma vez que não o fez, por lapso.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, uma vez que relança a discussão face a este dado novo, a proposta do Deputado Calvão da Silva, devo dizer que o PSD concorda, genericamente, com a explicitação que é feita, por acréscimo, nesta matéria.
No entanto, uma vez que o Sr. Presidente ainda não teve oportunidade de distribuir o texto, e ao contrário daquilo que leu, aceitaremos esse acrescento, mas mantendo no essencial o texto do n.º 2 da proposta do PSD e não do texto constitucional. De facto, parece-nos que devem ser introduzidos alguns melhoramentos, nomeadamente no que respeita à questão da dissolução dos blocos político-militares.
Damos a nossa concordância na perspectiva de poder incorporar-se esse acrescento na proposta do PSD, não na perspectiva de prescindir da proposta do PSD, mantendo o actual texto constitucional. Era apenas esta a precisão que queria fazer, uma vez que há este dado novo sobre a mesa.
Evidentemente, como diz o Sr. Deputado Barbosa de Melo, uma vez que estamos na primeira leitura, deixamos aqui a nossa adesão a esta proposta do Sr. Deputado Calvão da Silva, dentro destes parâmetros. Mas só na redacção final é que teremos uma posição definitiva do PSD.
Há pouco, por lapso meu, o PSD também não se pronunciou sobre a proposta de Os Verdes, e não quero deixar de o fazer agora. A verdade é que não só não vemos interesse na alteração proposta como a entendemos perniciosa. Compreendemos a lógica que preside à acção política do Partido Ecologista de Os Verdes, que tem a ver com a célebre frase "Nuclear, não obrigada", de qualquer maneira essa é uma lógica quase que de "fetichismo" em relação à questão da energia nuclear, posição que nós não defendemos.
A esse propósito, o Sr. Deputado Luís Sá falou na desnuclearização, referindo-se expressamente apenas às armas nucleares, mas não é isso que está na proposta de Os Verdes! Se fosse só isso, a questão ainda poderia ter uma aquisição diferente por parte do PSD. O que está previsto é a desnuclearização em abstracto e, portanto, parece que toda a energia nuclear é, necessariamente, um mal em si próprio, um erro da humanidade! As armas nucleares serão, com certeza, mas a energia nuclear talvez não! Neste momento, existem já nos laboratórios de ciência, por esse mundo fora, evoluções tecnológicas interessantíssimas para a humanidade em torno do aproveitamento da energia nuclear limpa.
Parece-nos, pois, errado criar-se aqui um fétiche contra o nuclear. As armas nucleares são apenas um aspecto parcial dessa realidade, um aspecto lamentável, mas que não deixa de ser um aspecto parcial da realidade do nuclear. E não nos parece que a Constituição se deva meter em meandros científicos deste tipo.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, quero pedir-lhe o seguinte esclarecimento: se bem entendi, o PSD adopta a proposta do Sr. Deputado Calvão da Silva, excepto na parte em que ela mantém a referência à dissolução dos blocos político-militares. É assim?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, para lhe responder "sim" ou "não", teria de fazer uma leitura total e integrada do texto composto.
O Sr. Presidente: - Foi o que fiz, Sr. Deputado!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, para simplificar, o PSD concorda que, face à sua proposta inicial - e penso que foi esse o espírito que presidiu à proposta do Sr. Deputado Calvão da Silva, tendo em consideração os argumentos defendidos pelo Sr. Deputado Medeiros Ferreira, do PS -, e na tentativa de encontrar uma solução harmoniosa, em vez de se substituir, pura e simplesmente, "imperialismo" e "colonialismo" por "domínio e exploração (...)", podíamos tentar utilizar uma expressão que conjugasse todas essas realidades e fosse ao encontro das preocupações deixadas pelo Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
Assim, em vez de se deixar cair, pura e simplesmente, do texto constitucional as expressões "imperialismo" e "colonialismo", o PSD concorda em incluir na sua proposta uma fórmula que integre também os termos "imperialismo" e "colonialismo", se isso é tão caro ao Partido Socialista.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
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O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Queríamos afirmar a nossa abertura em relação à proposta do Sr. Deputado Calvão da Silva, pois julgamos que corresponde a um esforço de ter com conta as várias opiniões aqui expressas, mas queríamos, entretanto, chamar a atenção para a contradição que, a nosso ver, envolve preconizar a criação de um sistema de segurança colectiva sem, simultaneamente, dissolver os blocos político-militares, quaisquer que eles sejam! E porquê? Tal como referi na minha última intervenção, os blocos político-militares são criados contra alguém! Experimentem, por exemplo, pensar no bloco militar asiático.
Ora, um sistema de segurança colectiva tem uma diferença: a igualdade das partes, a participação do conjunto, não é um bloco de um conjunto de países contra alguém, sujeitos a uma hegemonia e a uma direcção. É isso que está, efectivamente, em causa.
Nesse sentido, defender que "preconizamos um sistema de segurança colectiva" e, simultaneamente, não defender que preconizamos a condição prévia para chegar a esse sistema de segurança colectiva, que é a dissolução dos blocos político-militares, quaisquer que eles sejam, parece-me uma posição incoerente. Creio, por isso, que a proposta do Sr. Deputado Calvão da Silva tem razão de ser quando, simultaneamente, introduz estas alterações e mantém o resto da disposição nos termos em que está redigida.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, queria pronunciar-me, sobretudo, em relação à proposta do Deputado Calvão da Silva, porque é essa que está em discussão, segundo depreendi...
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, estão em discussão todas as outras propostas relativas ao n.º 2, mais essa!
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Pensamos que a proposta do Sr. Deputado Calvão da Silva pode permitir um consenso desejável em termos de revisão constitucional do n.º 2 do artigo 7.º. Ela permite esse consenso muito mais do que qualquer outra das propostas em discussão, nomeadamente a proposta do PSD que, aparentemente, também estará em evolução - pelo menos, foi o que depreendi das palavras do Deputado Sr. Luís Marques Mendes. Digamos que, neste momento, a proposta do PSD está em reflexão e é possível que, com a ajuda do Deputado proponente e dos restantes Deputados do PSD, se venha a encontrar uma fórmula que, mantendo as expressões consagradas no n.º 2 do artigo 7.º, também ganhe o poio do PS.
Obviamente, estão aqui em causa duas questões, a dos blocos político-militares e a da desnuclearização, matérias que gostaria de tratar em conjunto, por paradoxal que isso possa parecer. É que, no meu entendimento, estas matérias estão ligadas à questão da segurança colectiva, ou seja, de certa maneira, quer se queira quer não, o equilíbrio da negociação nuclear foi um elemento da segurança colectiva que preveniu certas formas de paz e de gestão pacífica dos conflitos.
Portanto, a introdução de factores desequilibradores entre os sistemas de armas internacionais, falando apenas da arma nuclear e não de outras - estou agora a referir-me, obviamente, à proposta dos Deputados do Grupo Parlamentar de Os Verdes -, iria desequilibrar esse propósito final, que é o sistema colectivo de segurança.
No fundo, o sistema colectivo de segurança é o objectivo final deste n.º 2, razão pela qual a manutenção deste conceito parece-me ser um dos pontos essenciais deste articulado. Deste modo, se o PSD aceitar a proposta do Sr. Deputado Calvão da Silva, podíamos encarar como muito desejável e positiva a alteração da redacção deste n.º 2, nos termos propostos pelo Sr. Deputado Calvão da Silva.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Ferreira, quer pronunciar-se sobre a proposta pessoal do Deputado Calvão da Silva?
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, se me permite, quero pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes, no seguinte sentido: não percebi se na proposta final do PSD consta ou não a referência à dissolução dos blocos político-militares.
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Ferreira, com certeza, se não percebeu foi por culpa minha! Mas agradeço a questão, até porque a queria precisar melhor, já que o Deputado Medeiros Ferreira colocou uma questão similar.
No fundo, a posição do PSD é a seguinte: a evolução desta discussão, em que todos estamos a participar, foi sintetizada pelo Sr. Deputado Calvão da Silva com uma nova proposta que pretendia salvaguardar as preocupações fundamentais colocadas pelo Sr. Deputado Medeiros Ferreira relativamente à questão do colonialismo e imperialismo, harmonizando-as com os objectivos da inovação que o PSD propõe.
Ora, para uma eventual redacção final, uma vez que estamos a fazer uma primeira leitura, o PSD preferia não a redacção que o Sr. Deputado Calvão da Silva entregou na Mesa e foi distribuída, mas o texto proposto pelo próprio PSD. Ou seja, na última linha, onde está "elimine todas as formas de agressão, domínio e exploração (...)" poderia ficar, por exemplo, "elimine o imperialismo, o colonialismo, bem como todas as formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos".
A síntese que o PSD faz da proposta do Sr. Deputado Calvão da Silva é que, de facto, há espaço para conciliar a manutenção dos termos "colonialismo" e "imperialismo", desde que se evolua no sentido de atender às novas realidades, que já estão longe das formas tradicionais de colonialismo e de imperialismo que presidiram à redacção do texto em 1975. Em todo o caso, preferimos, claramente, a manutenção do texto conforme o PSD preconiza, acrescentando-lhe então, porventura, na última linha, "elimine o imperialismo, o colonialismo, bem como todas as formas de agressão, domínio e exploração nas relações entre os povos".
E não é só a questão do blocos político-militares que se coloca. O PSD também propõe, na linha daquela que foi a nossa discussão quanto à evolução da prática internacional, a propósito do n.º 1 deste artigo, uma pequena alteração ao texto actual. Refiro-me à substituição do termo "assegura a paz e a justiça entre os povos" por "promova a paz e a justiça entre os povos". Esta alteração
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vem dentro daquela lógica de que falava, há pouco, o Professor Barbosa de Melo: a língua portuguesa é diferente da língua inglesa, que é uma das línguas oficiais utilizada pelas Nações Unidas, mas com esta alteração a nossa intenção foi a de ir um pouco ao encontro... - pode ser encontrado um outro termo, com a ajuda do Sr. Deputado Medeiros Ferreira ou de outros ilustres Deputados que têm muitos conhecimentos nessas matérias. Mas, dizia, a intenção do PSD é a de encontrar uma redacção, para este n.º 2, que vá mais de encontro às realidades que hoje em dia se impõem, fruto da evolução da prática das relações internacionais, evolução essa que foi muita e num sentido positivo, nos últimos 20 anos, isto é, desde a altura em que este texto, que hoje estamos a tentar rever, foi elaborado até ao dia de hoje.
Em suma, concordamos com a síntese do Sr. Deputado Calvão da Silva naquilo que ela tem de acrescento à proposta do PSD e não naquilo que ela possa, eventualmente, ter de substituição da proposta do PSD.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Medeiros Ferreira.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O entendimento dos Deputados do PS é que a proposta do Deputado Calvão da Silva, tal como foi redigida, reúne o consenso da nossa bancada; a proposta do Deputado Calvão da Silva, como um acrescento à proposta do PSD, já não reúne o nosso consenso, embora, por exemplo, a alteração "promover a paz e a justiça" me pareça aceitável.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se bem percebo, a questão de fundo continua a ser a relativa aos blocos político-militares. Neste ponto, creio não estarmos em condições de avançar, pelo menos da parte da bancada do PSD, dada essa divergência entre o proponente - Deputado Calvão da Silva - e a proposta originária do PSD. Em todo o caso, os termos da questão estão suficientemente claros: a proposta do Sr. Deputado Calvão da Silva parece ter o acolhimento dos Deputados do PS e do PCP e, no caso de não ser adoptada pelo PSD...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se me permite, relembrava apenas que estamos numa primeira leitura e que, deste debate, resultou uma evolução clara que, mais tarde, poderá beneficiar de algum aperfeiçoamento, com a ajuda prestimosa e brilhante, como de costume, do Sr. Presidente. Ou seja, aquando da redacção final, tentaremos encontrar uma síntese - ou não! - que consiga merecer o acordo da maioria necessária.
O que quis significar é que o PSD não quer substituir, desde já, a sua proposta originária pela proposta do Sr. Deputado Calvão da Silva.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que ficamos neste plano quanto ao n.º 2 do artigo 7.º.
Em relação ao n.º 3 do mesmo artigo, existem duas propostas: uma de eliminação, apresentada pelo PP, e outra de substituição, apresentada pelo PSD, que está, aliás, ligada à alteração que este mesmo partido tinha proposto para o n.º 1.
Começando pela proposta de eliminação, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Mais uma vez, a nossa proposta de eliminação encontra razão no facto de pensarmos que os valores tutelados por este n.º 3 já estão incluídos nos princípios proclamados no n.º 1.
O Sr. Presidente: - Para fazer a apresentação da proposta de substituição do PSD, tem a palavra do Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Tal como o Sr. Presidente referiu, esta proposta tem de ser lida em conjunto com a apresentada pelo PSD para o n.º 1, limitando-me a acrescentar o seguinte: há que retirar a parte final, relativa ao colonialismo e ao imperialismo, o que, aliás, vem na sequência da discussão que acabámos de travar quanto ao n.º 2, pois se essa referência ficar feita no n.º 2, não haverá razão absolutamente nenhuma para se repetir o mesmo no n.º 3.
O que está em causa, para o PSD, na redacção deste n.º 3, é fazer um rearranjo, propondo o transporte para este número, uma vez que se estão a regular os direito dos povos, do direito à autodeterminação e independência, bem como do direito ao desenvolvimento, mantendo o "direito à insurreição contra todas as formas de opressão".
Quanto aos termos "colonialismo" e "imperialismo", ainda que na proposta inicial do PSD estivessem incluídos na economia da proposta genérica de "domínio e exploração nas relações entre os povos", evoluímos para uma redacção que ainda os mantém - refiro-me à redacção proposta para o n.º 2.
Portanto, não vemos que haja necessidade de a Constituição se repetir, sistematicamente, em relação a determinados tipos de terminologias e, dentro dessa linha, o PSD propõe apenas uma rearrumação do n.º 3.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, relembro que o texto do actual n.º 3 é do seguinte teor: "Portugal reconhece o direitos dos povos à insurreição quanto a todas as formas de opressão, nomeadamente contra o colonialismo e o imperialismo". É esta a disposição que o PP propõe que se elimine e que o PSD propõe que passe a afirmar o seguinte: "Portugal reconhece o direito dos povos à autodeterminação, à independência e ao desenvolvimento, bem como à insurreição contra todas as formas de opressão".
Está aberta a discussão.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta discussão faz-me lembrar o que é que pensariam os congressistas dos Estados Unidos se estivessem num processo de revisão constitucional e alguém se lembrasse de discutir a Declaração de Independência, alegando que a mesma, obviamente, está datada. E está! Ou seja, de entre os congressistas norte-americanos, quem teria a coragem de argumentar: "A Declaração é de 1776, altura em que a nossa luta era contra a Inglaterra, que é, hoje em dia, nossa aliada, por isso temos que moldar umas expressões que nos parecem, talvez, ásperas em relação a outros povos e a outros aliados".
Ora, parece-me que estamos a cair um pouco nessa pecha, a propósito das expressões usadas. Todos argumentam
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que são datadas, mas eu entendo que elas são, de certa maneira, também preventivas, e há um afã de moldar, de anular todas as expressões que deram legitimidade - quero dizê-lo muito abertamente - ao processo de descolonização. Creio, contudo, que esse ponto tem de ser acentuado, de uma maneira ou de outra!
O processo de descolonização foi conduzido na perspectiva que os constituintes lhe dariam consagração constitucional, que foi o que aconteceu! Aliás, aconteceu o mesmo, por exemplo, com as autonomias dos Açores e da Madeira, ou com o estabelecimento do poder local. Portanto, não vale a pena entrarmos agora nessa discussão.
Evoquei esse aspecto apenas para dar um contexto mais preciso...
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Por descuido!
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Eu assumo que Portugal devia descolonizar, não sei se o Sr. Deputado assume!?
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Não estou a falar disso, Sr. Deputado, muito menos das autonomias dos Açores e da Madeira!
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, se me permite, gostava de dizer ao Deputado Jorge Ferreira o seguinte: nessa altura, quem defendeu a unidade nacional nos Açores foram os membros do Partido Socialista, como nenhum outro! Foram os mais perseguidos, foram aqueles que tiveram de fazer face à violência separatista com grandes forças conservadoras de direita e, talvez, liberais, porque até queriam moeda própria para os Açores!
Sr. Deputado, talvez não valha a pena fazer essa discussão aqui, porque do ponto de vista do equilíbrio institucional entre a dimensão insular de Portugal e o ordenamento constitucional português, o Partido Socialista, em 1974, 1975 e 1976, foi o mais equilibrado, mais combativo e aquele que conseguiu, apesar de tudo, que o Estado unitário, como está consagrado na Constituição, mantivesse essa dimensão. Portanto, Sr. Deputado Jorge Ferreira, desse ponto de vista estamos entendidos.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - É a sua opinião, não é a opinião do povo açoreano!
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Atenção ao seguinte, Srs. Deputados: obviamente, há particularismos insulares que convém não confundir com o processo de regionalização em curso; são processos um bocadinhos diferentes e convém mantê-los diferenciados.
De qualquer forma, o PS defende a manutenção da actual redacção do n.º 3 do artigo 7.º. Não vejo qualquer motivo para alterar o que está escrito, posso admitir alguns acrescentos ao reconhecimento de outros direitos dos povos, mas não vejo motivo, volto a repetir, nem político, nem histórico, nem constitucional para retirar este n.º 3. Penso, pois, que estes pontos dão credibilidade externa ao Estado português para a promoção da sua política internacional, nomeadamente no que diz respeito ao desenvolvimento da cooperação com os países de língua portuguesa e à manutenção do objectivo português de autodeterminação para o povo de Timor.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Medeiros Ferreira, se bem entendi, talvez pudéssemos chegar aqui a um entendimento - também penso que a redacção a melhorar é pouca -, uma vez que admitiu a possibilidade de abrir a actual redacção do n.º 3 a novos direitos.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Deputado, se continuar a apresentar propostas como a anterior, faça favor!
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Com certeza, Sr. Deputado.
Se o Sr. Deputado Medeiros Ferreira admite a ideia de que podem acrescentar-se outros direitos, talvez possa aceitar a primeira parte da proposta do PSD, isto é: "Portugal reconhece os direitos dos povos à autodeterminação, à independência e ao desenvolvimento...", acrescentando, neste caso, e indo ao encontro do seu espírito: "... bem como à insurreição contra o imperialismo ou colonialismo e quaisquer outras formas de opressão".
Sr. Presidente, a questão que se põe é se o PS está de acordo em também integrar a primeira parte, isto é, a formulação do PSD.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, se puder fazer agora, para além do meu papel, o papel do Sr. Deputado Alberto Martins, por exemplo, como fez o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, diria que essa proposta merece acolhimento e, mais tarde, numa discussão mais aprofundada e numa redacção mais apurada, ver-se-á, então, qual a posição definitiva do PS!
Risos
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - O Sr. Deputado deixa a parte mais complicada para mais tarde, pois claro! O que queremos é deixar o caminho bem aberto.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Está aberto, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, à laia de síntese, e uma vez que estamos a terminar a discussão da proposta do PSD, no que se refere ao n.º 3 do artigo 7.º, gostava de dizer - e desde já esclareço que esta é a minha leitura, não é preciso haver uma intervenção subsequente à minha, da parte do PS, para me desmentir! - que, de facto, as propostas apresentadas pelo PSD, relativamente aos n.os 1, 2 e 3 do artigo 7.º, merecem um acolhimento genérico. Mas, como é óbvio, estamos abertos à reformulação ou a reescrever os n.os 1, 2 e 3.
Também resultou evidente, da nossa troca de impressões, que a redacção de cada um dos números está, no fundo, interligada entre si e, por isso, será uma má técnica manter, nesta revisão constitucional, a repetição de conceitos ao longo dos vários números. Assim, se transpusermos os direitos à autodeterminação e independência para o n.º 3, não valerá a pena falar deles no n.º 1; se transpusermos para o n.º 3 os princípios de abolição do colonialismo e do imperialismo, também não fará sentido mantê-los no n.º 2!
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Se o PS reconhecer que concorda com os princípios genéricos de evolução que o PSD propõe quanto a estes n.os 1, 2 e 3, pois então vamos reescrevê-los com coerência, sem medo de estar a aceitar a proposta do partido A, B ou C, mas antes com o espírito de encontrar uma redacção que, mantendo os traços históricos - penso que foi isso que resultou das intervenções do Sr. Deputado Medeiros Ferreira, deixando transparecer a posição política da bancada do PS -, mas essenciais do ponto de vista do PS, do texto actual, possa caminhar no sentido de alguma evolução que vá ao encontro das realidades actuais e da evolução das relações internacionais.
Esta é, pois, a síntese que se me oferece fazer, e o PSD manifesta, desde já, toda a abertura para o efeito. Apenas peço que haja, como esforço final, uma tentativa de reescrever, em bloco, estes três números do artigo 7.º, e não isoladamente, para não cairmos em repetições, isto é, falarmos em autodeterminação nos n.os 1 e 3, falarmos em colonialismo e imperialismo nos n.os 2 e 3 e por aí fora! No fundo, há que tentar reescrever e rearrumar - era essa a intenção inicial do PSD -, mantendo os traços que o PS entender necessários sobre essa matéria.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): -Não são traços, são princípios!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Refiro-me aos traços da redacção, Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos um elemento novo, a proposta do Sr. Deputado Calvão da Silva, que aparece como uma tentativa de fazer a "ponte" entre o texto actual e a proposta do PSD.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha intervenção vem na linha do que acaba de ser dito. Fica, pois, a ideia de que este artigo tem uma unidade temática, refere-se às relações externas, por isso devemos conjugar umas expressões com outras. Mas, é claro - é esta a nota que quero acrescentar - que ele não foi feito assim, e a prova está no próprio artigo!
Há pouco, quando o Sr. Deputado Calvão da Silva apresentou a sua fórmula - "(...) abolição do imperialismo, do colonialismo (...)", com o artigo definido antes -, usou o que está afirmado no n.º 3, que já refere "o colonialismo" e "o imperialismo"! Já o n.º 2 refere todas as formas de imperialismo, colonialismo e agressão. É claro que isto foi feito assim!
Disse o Sr. Deputado Medeiros Ferreira que houve aqui uma mudança. Pois houve, Sr. Deputado! Primeiro, votou-se este n.º 2, tendo a Câmara Constituinte ganho uma certa sensibilidade; depois, aquando da votação do número seguinte, embora de fosse repetir o nuclear, colocou-se o artigo definido para conseguir conjugar gregos e troianos, que eram muito vivos nas suas discussões!
Lembro esta situação, porque estamos aqui a retomar uma história antiga, bonita, que ficou aqui arquivada, e nós também temos de ter respeito para com o arquivo!
O Sr. Alberto Martins (PS): - Muito bem!
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Neste momento, no estádio actual da discussão, penso que não está nada de fundamental em debate, no entanto chamo a atenção para o facto de existir uma lógica nestes três números do artigo 7.º.
No n.º 1 afirmam-se os princípios pelos quais Portugal se rege nas relações internacionais; no n.º 2 preconizam-se determinados objectivos a atingir através da intervenção de Portugal, isto é, Portugal preconiza atingir determinados objectivos; no n.º 3 visa-se um objectivo específico: afirmar o direito dos povos à insurreição, direito que é particularmente importante face a situações como a de Timor.
Portanto, não tem grande lógica invocar a existência de repetições para o facto de, por exemplo, se afirmar que Portugal se rege pelo princípio da autodeterminação e independência, no n.º 1; que Portugal preconiza a abolição de formas de denominação e de imperialismo, no n.º 2 e que reconhece o direito dos povos à insurreição para atingir determinados objectivos, no n.º 3. Isto é, cada um destes números tem uma determinada lógica, lógica essa que, naturalmente, pode ser objecto de "obras", de melhorias. Aliás, já afirmámos a nossa abertura, designadamente em relação à proposta apresentada pelo Sr. Deputado Calvão da Silva para o n.º 2.
Em todo o caso, não queremos deixar de chamar a atenção para o facto de haver uma coerência nestes três números que não deveria deixar de ser tida em conta - e talvez haja propostas em cima da mesa que não observam completamente a lógica destes três números. Ou seja, os vários números deste artigo 7.º constituem uma unidade que tem como epígrafe "Relações internacionais", mas uma unidade em que cada número tem uma lógica, um objectivo específico.
O Sr. Presidente: - Sr Deputado Luís Sá, a posição do PCP é de abertura em relação à proposta compromissória do Sr. Deputado Calvão da Silva?
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, já afirmei que sim, tendo em conta, naturalmente, que reservaremos a nossa posição definitiva em função do resultado do debate. Por exemplo, uma coisa é a proposta do Sr. Deputado Calvão da Silva em relação ao n.º 2 , outra coisa é o eventual resultado de um entendimento que não tenha em conta objectivos que, para nós, seja importante Portugal atingir ou preconizar nas relações internacionais.
A abertura do PCP no sentido de participar nestes trabalhos é total, como tem sido sempre. Aliás, esta abertura corresponde à ideia de que os trabalhos não devem deslizar para fora desta Comissão, designadamente para entendimentos bilaterais.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Ferreira, suponho não extrapolar se disser que o PP, tendo proposto a eliminação do n.º 3, mantém a sua oposição à proposta do Sr. Deputado Calvão da Silva.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, não vemos razões para alterar a nossa posição.
Em primeiro lugar, e ao contrário do que, porventura, se poderia inferir da última intervenção do Sr. Deputado Medeiros Ferreira, as insurreições nas ex-colónias não dependeram do reconhecimento, pela Constituição de 1933, do direito à insurreição dos povos desses territórios. Elas verificaram-se e o reconhecimento constitucional do direito
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à insurreição foi posterior ao resultado da insurreição, que foi a independência desses países.
Em segundo lugar, não aceitamos a interpretação de que esteja em causa a posição do País relativamente a Timor Leste pela supressão do n.º 3 deste artigo 7.º, até porque há outras disposições constitucionais das quais resulta claro qual é o entendimento da Constituição - entendimento que nós subscrevemos - nessa matéria, relativamente à posição de Portugal face ao problema de Timor. Não é isso que está em causa.
Não vemos, por isso, repito, razão para alterar a nossa posição de princípio relativamente às propostas que apresentamos sobre este artigo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, assim sendo, numa segunda leitura deste n.º 3 procederemos ao afinamento desta nova base de discussão.
Passamos à discussão do n.º 4 do artigo 7.º, para o qual foram apresentadas duas propostas de aperfeiçoamento, uma do PS e outra do PCP. Pergunto aos respectivos proponentes se estas propostas carecem de apresentação e justificação.
Desde já adianto que o n.º 4 é do seguinte teor: "Portugal mantém laços especiais de amizade e cooperação com os países de língua portuguesa". O PS propõe que a expressão "mantém" seja substituída por "privilegia" e o PCP por "desenvolve e aprofunda".
Será que tais propostas merecem o esforço da revisão?
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Telegraficamente, quero dizer que a ideia subjacente a esta proposta vem da revisão constitucional anterior e mantém a respectiva paternidade - foi o Sr. Deputado Almeida Santos quem aventou esta melhoria. De facto, trata-se de uma melhoria, na medida em que, prospectivamente, aponta para uma relação privilegiada, uma relação especial que é, aliás, o objectivo comum de política externa, bem assinalado pela criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. É nesse rumo que estamos e é nesse rumo que caminhamos.
Não se coloca aqui a questão da constitucionalização da figura "Comunidade dos Países de Língua Portuguesa", solução que nenhum partido adiantou na altura - e suponho que ninguém adiante neste momento! No entanto, esse rumo de consistência crescente e de concessão de um carácter, de facto, privilegiado a essa componente da nossa política externa parece poder colher - esperamos! - um consenso unânime.
Além do mais, essa expressão parece-nos preferível e mais sintética - salvo melhor opinião, naturalmente - do que a adiantada pelo PCP, uma vez que privilegiar implica manter, desenvolver, aprofundar, superar o estádio actual de relações rumo a um estádio mais consentâneo e mais estreito.
Nesse sentido, Sr. Presidente, se me permite, apelo, para que se estabeleça um consenso em torno desta nova expressão que vemos como um aperfeiçoamento.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A proposta do PCP explica-se por si própria: trata-se não de "manter" apenas, que pressupõe uma perspectiva estática, mas de "desenvolver e aprofundar", que pressupõe uma perspectiva dinâmica, no sentido de um reforço cada vez maior.
Naturalmente, dentro da ideia de procurar um consenso nesta matéria, estaremos disponíveis para examinar formulações que, não sendo exactamente esta, em todo o caso correspondam à preocupação que temos de dar uma particular atenção, e uma atenção dinâmica, cada vez mais aprofundada aos laços com os países de língua portuguesa.
O Sr. Presidente: - O PCP considera a hipótese de aderir à formulação do PS, ou a uma outra fórmula?
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, se houver um consenso em relação a outra proposta, que não a nossa, que vise o mesmo objectivo fundamental, examinaremos essa possibilidade.
O Sr. Presidente: - Está aberta a discussão, Srs. Deputados.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O PSD vê com simpatia qualquer uma das redacções. Hesitamos, confesso, entre as duas formulações, porque parece-nos que, em qualquer caso, há um cuidado a ter no tratamento destas matérias, cuidado que deixamos à ponderação dos outros partidos - aliás, gostava de ouvir, por exemplo, o Sr. Deputado Medeiros Ferreira que tem larga experiência em matéria de relações internacionais. As nossas preocupações são deste tipo: que leitura será feita por outros países amigos se utilizarmos termos tão fortes como "privilégio"? É apenas essa a nossa hesitação, porque estamos de acordo e consideramos positivas, quer a proposta do PS quer a proposta do PCP.
No fundo, penso que todos comungamos na especialidade histórica e cultural que existe nas relações entre Portugal e os povos dos nove países de língua portuguesa - não só dos nove como também do Brasil, isto é, dos países de língua portuguesa genericamente considerados.
O PSD não tinha proposto nada nesta matéria por entender que o texto actual, por um lado, utiliza o termo inócuo de "mantém" e, por outro lado, acrescenta "laços especiais". Portanto, a especialidade resulta não só da sua consagração constitucional, que é ímpar comparativamente com as relações com outros países, como do facto de, expressamente, se utilizar a expressão "laços especiais".
O PSD considera positivo enfatizar essa relação, não tem nada a opor e associar-se-á a uma redacção dentro desta linha, mas solicita uma reflexão cuidada - da parte do PS em particular, como é evidente - quanto ao termo exacto a utilizar, atendendo apenas a esta vertente: se é certo que esta alteração não ofende minimamente, pelo contrário, está perfeitamente de acordo com tudo o que sentimos, questiono o que é que os outros países que connosco se relacionam, países nossos amigos, com os quais também temos, no fundo, formas especiais de relacionamento e de cooperação, poderão ou não interpretar face a uma alteração desse tipo. No fundo, é a única cautela que solicitamos que seja tida em conta, mas estamos de acordo com a intenção subjacente, quer à proposta do PS quer à proposta do PCP.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.
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O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero registar que todos os grupos parlamentares pensam exactamente o mesmo sobre a questão substantiva que está a ser discutida, que é a de saber se a redacção do n.º 4 se mantém como está - a nós, satisfaz-nos plenamente! -, ou se é necessário enfatizar o privilégio dos "laços especiais", ou "desenvolver e aprofundar" os laços que já são especiais ou, porventura, privilegiar o desenvolvimento e o aprofundamento de laços especiais com esses países. É-nos rigorosamente indiferente, a partir do momento em que qualquer das versões deixa a questão exactamente na mesma.
O Sr. José Magalhães (PS): - Há uma diferença!
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Pensamos que a redacção está bem tal como está. Penso que é de registar esta ideia comum e remeter para os especialistas da língua a redacção final deste número.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não só da língua, também da diplomacia! Essa vertente é muito importante.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, penso que não pode manter-se a actual redacção do n.º 4, isto é, "Portugal mantém (...)". Essa é, talvez, a pior solução, porque dá a entender, exactamente, uma...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Estagnação!
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - ... política defensiva, de estagnação, de manutenção apenas dos laços privilegiados até aqui, ao passo que a alteração dessa expressão para "privilegia" ou "aprofunda"... Penso que, de facto, poderão ser encontradas várias soluções. O termo "privilegia" parece-me suficientemente enfático e preciso sobre o que se pretende dizer, dá essa dimensão, que, aliás, foi consagrada há pouco tempo na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
No entanto, não creio que daí advenha qualquer problema com os nossos parceiros, nomeadamente os da União Europeia, porque alguns deles mantêm, nas suas políticas oficiais, laços especiais com países com os quais também têm afinidades linguísticas, culturais e outras, além de pertencerem a outros sistemas de subalianças que fazem parte do seu ordenamento internacional. Portanto, repito, não creio que daí possa advir qualquer perturbação nas nossas relações com os países, nomeadamente ao nível da União Europeia, que, à primeira vista, poderia ser um caso mais sensível.
Em suma, o termo "mantém" não me parece uma solução; a palavra "privilegia" sintetiza bem, mas não significa que não possa acrescentar-se mais uma expressão ou outra que dê esse sentido de uma política mais empenhada na construção de uma Comunidade de Países de Língua Portuguesa.
Registo ainda as dificuldades do PP na matéria!
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Pelo contrário, Sr. Deputado, o PP soma os adjectivos todos!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, busca-se uma fórmula compromissória para os termos "privilegia" e "desenvolve e aprofunda".
Sr. Deputado Calvão da Silva?
Risos
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Eu passo, Sr. Presidente!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, se me permite...
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, realmente este verbo "mantém" ficou "desamparado" - porque de um verbo se trata! - por causa do "empenhamento na construção europeia", que é uma fórmula da revisão de 1992.
No n.º 5 pode ler-se que "Portugal empenha-se num reforço de identidade europeia...". Aí, a Constituição invoca uma particular preocupação do Estado português no desenvolvimento da identidade europeia. Só que, em relação ao "outro lado" da nossa vinculação no campo das relações internacionais, a situação fica um pouco desequilibrada!
Compreendo que temos de arranjar aqui qualquer fórmula que restabeleça o equilíbrio entre estas duas dimensões que fazem parte da identidade - não estamos a fazer nenhuma invenção, estamos a fazer um reconhecimento, são as nossas sensibilidades políticas aqui presentes -, da política externa portuguesa: o estar voltado para a Europa, o estar voltado para o mundo. Aliás, foi sempre esta nossa bifrontalidade que nos caracterizou!
Não sei, porém, se o verbo "privilegia" será o mais adequado. Talvez "manter" também tenha algum sentido, mas "manter e promover", "manter e privilegiar"... Temos de reflectir. E, embora o PSD não tenha apresentado qualquer proposta, há um certo desconsolo em relação a este verbo, por isso é preciso dar-lhe "qualquer volta", realmente!
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Calvão da Silva quer apresentar alguma proposta?
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Não, Sr. Presidente, mas há um termo que, pessoalmente, gosto de aplicar, e não sei se daria resultado: "Portugal cultiva laços especiais de amizade".
Risos
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Nesse caso, seria "promove"!
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Gosto do termo, penso que diz tudo, mas não quer dizer que os outros não estejam bem!
O Sr. Presidente: -Srs. Deputados, está ganha consensualmente a ideia de que importa usar um termo com mais força do que o actual "mantém". Numa segunda leitura encontraremos uma fórmula que opte por uma das expressões propostas ou encontre uma terceira que diga o mesmo, como a que foi agora sugerida pelo Sr. Deputado Calvão da Silva...
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O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Não, não, Sr. Presidente, a proposta é conjunta!
O Sr. Presidente: - Não, ela foi apresentada por si, Sr. Deputado!
Srs. Deputados, antes de passar à discussão das propostas do PP, relativamente à eliminação dos n.os 5 e 6 do artigo 7.º, que estão associadas a uma proposta de aditamento de um artigo novo - artigo 7.º-A -, sobre a União Europeia, informo que há uma proposta de aditamento de um novo n.º 3, apresentada pelo Grupo Parlamentar de Os Verdes, que é do seguinte teor: "Portugal desenvolve na esfera internacional iniciativas tendentes à eliminação do racismo, da xenofobia e de todas as forma de intolerância".
Não estando presente qualquer Deputado de Os Verdes, nem por isso a proposta deixa de estar apresentada e sujeita a discussão.
Chamo a atenção que este n.º 3 da proposta de Os Verdes não substitui o actual n.º 3, adita um novo número, com a redacção que acabei de ler.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Como resposta directa à questão que nos coloca, o PSD não aprova a alteração de Os Verdes não por discordar do seu objectivo último mas por discordar, sim, do seu objectivo imediato, ou seja, não concorda, minimamente, que se inscreva no texto constitucional uma imperatividade de acção directa por parte do Governo português, seja ele qual for, como aqui se preconiza. No fundo, ao afirmar-se "Portugal desenvolve na esfera internacional (...)", não se defende princípios, obriga-se o Governo e a política externa do País a prosseguir determinadas acções concretas. Nem sequer é a defesa de princípios, é a capacidade de "iniciativas" tendentes à eliminação de determinadas situações
Já quando ao objectivo final, a declaração de princípios de que o Estado português, nas suas relações internacionais, deve pautar-se pela recusa frontal a todas as formas de racismo e de xenofobia, não nos parece que haja vantagem em colocá-lo num número autónomo, porque o subsumimos no conceito genérico de defesa dos direitos humanos, dos direitos da pessoa humana ou dos direitos do homem.
Os direitos humanos são realidades que abarcam não só o problema do racismo e da xenofobia como muitos outros e não devem ser feitas distinções, no plano das prioridades, entre direitos humanos. É que, por mais importante que seja o problema do racismo, há outros direitos humanos tão ou mais importantes.
Não preconizamos uma enfatização em número autónomo da questão do racismo, comparativamente com as outras questões que são enunciadas no n.º 1, por isso não concordamos com esta proposta do Partido Ecologista de Os Verdes.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra do Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero apenas dizer que foi intenção do PS, nomeadamente nesta questão dos princípios que regulamentam a actividade do Estado português nas relações internacionais, alterar o menos possível um articulado que tem merecido um amplo consenso dos partidos políticos em Portugal e que tem permitido uma política externa razoavelmente consensual nos seus princípios gerais.
É óbvio que, de vez em quando, aparecem questões com uma certa premência e acuidade que, à primeira vista, tornariam necessária a sua interpelação em termos constitucionais de forma explícita.
Hoje em dia, as expressões "racismo" e "xenofobia" fazem parte de um combate meritório contra essas formas de intolerância a que Portugal, aliás, também está vinculado através das suas parcerias internacionais de que faz parte, nomeadamente no domínio dos direitos humanos e União europeia, mas não me parece, de facto, que hoje em dia uma discussão exaustiva, por exemplo, em sede da revisão constitucional, sobre esta questão tivesse efeitos benéficos internos, na própria sociedade portuguesa.
Também era capaz de agravar alguns afloramentos de fenómenos que o Estado deve combater, como o racismo e a xenofobia - e aproveito para dizer que, ainda hoje, escrevi sobre essas questões numa coluna de opinião de um jornal. Não me parece, pois, que seja necessário explicitar, como a proposta de Os Verdes faz, esses princípios, uma vez que, como já foi dito pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, estão já incluídos nos direitos humanos.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Creio que a situação está definida e não é necessário aprofundar o debate, mas não quero deixar de sublinhar o seguinte: se, por um lado, a questão do racismo, da xenofobia e da intolerância tem particular actualidade, por outro lado, tal como já foi referido - e bem -, ela está contida na referência aos direitos do homem, direitos humanos, que consta do n.º1 do artigo 7.º. E, na medida em que Portugal está obrigado a reger-se nas relações internacionais por estes princípios de defesa dos direitos humanos, tal implica, necessariamente, o desenvolvimento das acções possíveis de acordo com estes princípios.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Jorge Ferreira pediu a palavra?
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Não, não pedi, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - E não quer pronunciar-se sobre a proposta de aditamento de Os Verdes?
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Não tenho nada a acrescentar, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, acrescentaria que hoje a questão da xenofobia e do racismo mais do que uma questão de política internacional é uma questão de política interna. Portanto, colocá-la aqui seria retirá-la do seu contexto. Ela não deve, por isso, ser consagrada neste plano.
Srs. Deputados, passamos à discussão das propostas do PP, de eliminação dos actuais n.os 5 e 6, estando esta última associada a uma outra proposta de um novo artigo - artigo 7.º-A -, com a epígrafe "União Europeia", que é do seguinte teor: "Portugal participa na União
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Europeia com base nos tratados que a regem e que assinou com os outros Estados soberanos que escolheram, de livre vontade, oferecerem em comum algumas das suas competências em condições de reciprocidade e de respeito pelo princípio da subsidariedade".
Está em discussão, simultaneamente, a proposta de eliminação dos n.os 5 e 6 do actual artigo 7.º e a proposta de aditamento de um artigo 7.º-A, ambas da iniciativa do PP.
Sr. Deputado Jorge Ferreira, tem a palavra para fazer a apresentação das propostas, nomeadamente para proclamar que o PP se transformou no "mais europeista" dos partidos portugueses!
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, não é verdade porque esta disposição já constava de projectos de revisão constitucional anteriores...
O Sr. Presidente: - Quando o PP era CDS!
Risos
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Estou a falar do de 1994!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Era do Lucas Pires!
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Srs. Deputados, lamento tirar efeito ao riso, mas referia-me aos projectos de revisão constitucional que foram apresentados em 1994 e em 1992. Reportava-me a eles e tão-só a eles! Penso que este ponto está esclarecido.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Ferreira, permita-me chamar a atenção para o seguinte: actualmente, no n.º 6 do artigo 7.º, afirma-se "Portugal pode...", portanto é uma faculdade constitucional do Estado português. A proposta do PP institucionaliza: "Portugal participa..."!
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Institucionaliza?
O Sr. Presidente: - Não só institucionaliza a União Europeia, que deixa de ser uma faculdade constitucional, como "congela" o Tratado de Roma, ao dizer "com base nos tratados que a regem"!
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - São vários, como sabe!
O Sr. Presidente: - E o Tratado de Maastricht!
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - São vários tratados!
O Sr. Presidente: -O PP propõe a constitucionalização, sem reserva e sem referendo, do Tratado de Roma, do Tratado de Shengen e do Tratado de Maastricht!
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, pensava falar pouco, mas vou ter de falar mais.
Risos
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Em primeiro lugar, finalmente, e pela voz autorizada do Sr. Presidente, fica esconjurado o "fantasma" de que o PP quer ver Portugal fora da Europa. Não quer! E foram VV. Ex.as que aqui o reconheceram, esperemos que definitivamente...
Essa é uma questão que, para nós, sempre esteve resolvida, apesar de não estar para outras pessoas... Mas parece que hoje, definitivamente, resolveram essa questão no vosso espírito. A primeira vantagem deste nosso intróito, da discussão da proposta do PP foi a de resolver este problema, não nas nossas cabeças mas nas vossas cabeças.
O Sr. José Magalhães : - Sempre foi assim?!
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sim, Sr. Deputado, sempre foi assim, o que não se aplica a V. Ex.ª, já que nem sempre foi favorável à participação de Portugal na CEE!
O Sr. José Magalhães (PS): - Olhe que não!
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Olhe que não, exactamente!
Risos.
Sr. Deputado José Magalhães, devolvo essa ironia com a maior das facilidades!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados a boa disposição é salutar, mas não deve prejudicar o avanço deste trabalho.
Sr. Deputado Jorge Ferreira, peço que não ligue a picardias...
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Vamos, então, regressar à proposta do PP, que é o mais importante. A proposta destina-se, à semelhança do que fizemos já em processos de revisão anteriores...
Neste momento, registou-se algum burburinho na sala.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Ferreira, para não ficar com suspeitas, vou dizer-lhe o que se passou aqui: alguém do PS comentou para o Sr. Deputado João Amaral, do PCP: "João já ganhaste a tarde! Isto é, ficaste sozinho contra Maastricht."
Risos
O Sr. José Magalhães (PS): - E sem esforço!
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Outro erro! O que significa que a deficiência de análise permanece, apesar dos nossos contributos. Mas esse é um problema de quem analisa mal, não é um problema nosso. E, confesso, não vou perder tempo a esclarecer esse assunto, pois penso que já não vale a pena!
Risos
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Ferreira, não nos esquecemos do que o Sr. Deputado tem de justificar.
Faça favor de continuar.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Ainda bem!
Em síntese, o que pretendemos é consolidar alguns princípios que, na nossa opinião, devem enquadrar a participação de Portugal na União Europeia.
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Em primeiro lugar, sublinhamos o facto de a União Europeia ser constituída por Estados soberanos. Foi nessa qualidade que decidimos participar na União Europeia, isto é, como Estado soberano e com os outros países enquanto Estados soberanos.
Em segundo lugar, afirmamos a liberdade de associação desses Estados e, portanto, todos os tratados internacionais, sejam os originários sejam os futuros - como todos sabem, pelo menos as pessoas que sempre foram a favor da integração de Portugal na Europa, a dinâmica comunitária é pródiga em actualização de tratados e de textos fundamentais -, terão de ser aceites por Portugal e pelos outros Estados livremente, o que pressupõe a exclusão de decisões, em instâncias comunitárias, por maioria nesta matéria, bem como que esses textos fundamentais (como tem sucedido até hoje) continuem a ser aceites livremente por todos os Estados e, desde logo, por Portugal. Daí a referência, na proposta do PP, "à escolha livre do exercício em comum das competências que constam nos tratados".
Em terceiro lugar, a consagração do princípio da subsidiariedade, não na perspectiva "deloreana" habitual e mais comum, não no sentido Bruxelas/Estados membros, mas na perspectiva dos Estados membros para as instituições comunitárias.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, o princípio da subsidiariedade já está no actual texto constitucional, rigorosamente nos termos em que o propõem! Portanto, aí não há inovação.
O Sr. José Magalhães (PS): - Desde 1992!
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, não estou a dizer que há inovação! Sucede que na economia das nossas propostas suprimimos dois números no artigo 7.º que transformamos num artigo autónomo, o que não significa, necessariamente, que tenhamos de excluir todas as matérias que já constam nesses números - não o fazemos! Excluímos umas e mantemos outras.
Portanto, não estou a dizer que se trata de matéria nova. Desde logo, a questão da subsidiariedade não é matéria nova relativamente ao que já está consagrado num dos números do artigo 7.º que suprimimos, mas essa supressão tem a ver com uma razão de economia de redacção e não, propriamente, com a rejeição desse princípio.
Estas são as razões das propostas do PP e, naturalmente, estou disponível para esclarecer alguma dúvida que ainda subsista sobre a posição do PP relativamente às matérias europeias.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Jorge Ferreira, para melhor esclarecimento da Comissão, para além de a proposta do PP ter tornado constitucionalmente vinculativa a adesão à União Europeia, pergunto se também eliminou a questão da observância do princípio de coesão económica e social.
Risos
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Eliminou, Sr. Presidente. Na nossa opinião, esse princípio já faz parte dos tratados.
O Sr. Presidente: - Mas está no actual texto constitucional!
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Pois está, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, se me dá licença, pode haver pessoas que estejam com vontade de rir. Eu não estou e penso que é pouco dignificante para os trabalhos da Comissão, que até agora têm corrido muito bem, que se comecem a degradar excessivamente estas discussões, na base da ironia e do sarcasmo!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não é o caso.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Portanto, se querem travar aqui uma discussão séria, nós estamos disponíveis para a fazer, com alguns momentos de boa disposição, mas não excessiva.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, o que nos parece importante consagrar no texto da Constituição, relativamente às regras da participação de Portugal na União Europeia, é o que consta do novo artigo 7.º-A proposto pelo PP. VV. Ex.as têm a liberdade de discordar, mas este é o conteúdo que, do nosso ponto de vista, deve ter um artigo da Constituição relativamente às regras que devem enquadrar a participação no nosso país na União Europeia.
Poderá haver opiniões divergentes, que nós respeitamos. E temos o pleno direito de pedir, no mínimo, que respeitem as nossas!
Poderemos registar aqui várias alterações que decorrem desta nossa proposta face à actual redacção dos dois últimos números do artigo 7.º, porque existem mais que ainda não foram citadas e que poderei elencar: as que suprimimos as que não suprimimos e, se quiserem, até podemos entrar na discussão de saber se suprimimos bem ou mal. Seria um bom indício: indício de que se aceita, como ponto de partida, que este artigo faz falta e que, por isso, provavelmente, no final deste processo, a Constituição da República passará a ter um artigo com as regras a que deve obedecer a nossa participação na União Europeia, o que, em todo o caso, significa um avanço em relação ao que hoje sucede.
O Sr. Presidente: - Inscreveram-se os Srs. Deputados Luís Marques Guedes, Luís Sá, Elisa Damião, Medeiros Ferreira e Jorge Lacão. Penso que há toda a vantagem em não prejudicar o princípio da continuidade da discussão e, portanto, propunha que observassem um princípio de economia, sem prejuízo de podermos ultrapassar as 18 horas se, porventura, não ultimarmos a discussão até lá.
Antes de mais, para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Jorge Ferreira, tem a palavra o Sr. Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS) : - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Ferreira, certamente por deficiência minha, acabei por não compreender inteiramente o alcance da vossa proposta de aditamento de um artigo 7.º-A, no confronto com o actual n.º 6 do artigo 7.º. De certa maneira, o Sr. Deputado invocou algumas razões para suprimir o n.º 5 do artigo 7.º, mas valia a pena que me esclarecesse sobre qual a inovação jurídico-constitucional que o artigo 7.º-A traz relativamente ao actual n.º 6 do artigo 7.º.
Do meu ponto de vista, são duas as inovações mais relevantes da vossa proposta.
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A primeira é a de tornar constitucionalmente vinculante a participação de Portugal na União Europeia, o que é extremamente curioso, na medida em que o n.º 6 do artigo 7.º não tem esse desidrato. E valia a pena que o PP nos explicasse por que é que considera constitucionalmente relevante vincular Portugal à participação necessária, obrigatória e, portanto, não derrogável no quadro de uma organização internacional: a União Europeia.
A segunda prende-se com a circunstância de abolir um dos objectivos considerados importantes, o da realização da coesão económica e social no domínio da União Europeia. Ora, a coesão económica e social tem sido sempre realçada pelo Estado português como um dos factores mais relevantes da nossa participação na União Europeia, tendo em vista, justamente, o aprofundamento dos factores de justiça económica e social no espaço comunitário. Quando o PP abandona esta referência constitucional, por alguma razão o faz!?
São estes os dois aspectos que gostaria que o Sr. Deputado Jorge Ferreira nos ajudasse a clarificar.
O Sr. Presidente: - Creio que o Sr. Deputado Jorge Ferreira já tinha sido confrontado com estas perguntas...
O Sr. Jorge Lacão (PS) : - Mas não ficou claro para mim, Sr. Presidente.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, julgo mais razoável fazer uma intervenção no fim, caso contrário estaremos a duplicar, permanentemente, assuntos e temas.
O Sr. Presidente: - Como entender, Sr. Deputado.
Também para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Jorge Ferreira, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Jorge Ferreira, pelo exposto no artigo 7.º-A, apresentado pelo PP, concluo que o Estado português está vinculado a quaisquer alterações que sejam introduzidas nos tratados hoje em vigor, mesmo que não dê o seu consentimento. É isso?
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está aberta a discussão.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): -Sr. Presidente, tentarei ser breve.
Srs. Deputados, começo por dizer que penso que seria lamentável que enveredássemos por exercícios perfeitamente inúteis, de tentativa de exploração de algumas insuficiências que os textos apresentados nos projectos de cada um dos partidos possam ter. Parece-me manifestamente claro que todos conhecemos a política do PP nesta matéria e, por isso, é inútil e até deselegante - concordo com o Dr. Jorge Ferreira - tentar explorar-se a redacção da palavra A ou da palavra B.
Apenas quero deixar claro que o PSD considera perfeitamente inaceitável esta proposta do PP, porque ela é extraordinariamente redutora no que tem que ver com as relações internacionais de Portugal e, em concreto, com o envolvimento de Portugal no processo de integração europeia. Redutora, desde logo, porque, pura e simplesmente, "deita fora" o teor do n.º 5 do actual texto constitucional, teor esse que nos parece da maior relevância para justificar a participação de Portugal ou, antes, as regras a que Portugal deve obedecer em sede de relações internacionais, no contexto da sua integração no espaço europeu. Trata-se, portanto, de uma redução inaceitável da justificação política dessa mesma integração europeia de Portugal.
Por outro lado, a proposta é redutora porque traduz um "fixismo" relativamente a uma processo que é dinâmico em si - como o Sr. Deputado Jorge Ferreira disse, e bem, no processo de integração europeia o próprio passado tem sido pródigo em demonstrar que este é um processo dinâmico, que evolui ao longo do tempo. Portanto, qualquer redacção que aponte para um "fixismo" da posição portuguesa relativamente a um processo que é dinâmico, depressa se revelaria contraproducente!
Portugal arriscar-se-ia a "perder o pé" nesse processo dinâmico, pondo em causa a agilidade e a margem de manobra necessárias ao Governo na condução da política externa para melhor defender os interesses nacionais na evolução desse processo que, por ser um processo partilhado com outros Estados membros, pode, aqui e acolá, tomar direcções que não sejam as mais interessantes para o nosso país.
Nesse sentido, existe também esta pecha, que eu chamaria de um certo "fixismo" redutor relativamente àquele que é um processo dinâmico.
Por tudo o que fica dito, o PSD não concorda com esta proposta do PP; para nós é totalmente inaceitável, com esta ou outra redacção, prosseguir os objectivos propostos.
O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): -Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero apenas clarificar algumas questões que nos parecem importantes neste contexto.
Em primeiro lugar, no que respeita ao n.º 5 do artigo 7.º, creio que a referência ao reforço de identidade europeia e ao empenho de Portugal no fortalecimento da acção dos Estados europeus, com os objectivos que são relatados, não diz respeito, propriamente, à União Europeia; diz respeito, sim, à Europa no seu conjunto, compreendendo, designadamente, o Conselho da Europa e, por exemplo, os Estados cujos povos votaram contra a integração na União Europeia, como é o caso da Suíça ou da Noruega, bem como os povos que pediram a sua adesão à União Europeia, mas cuja adesão não está concretizada. E, da mesma forma que refiro o Conselho da Europa, poderia referir a Conferência de Segurança e Cooperação Europeia que, como é sabido, está num estado de adormecimento, mas pode vir a desempenhar um determinado papel.
Portanto, há aqui uma geometria variável que importa ter em conta, não no sentido em que é habitualmente utilizada a expressão "no âmbito do direito comunitário e dos textos comunitários", mas mais no âmbito de níveis diferentes de participação no quadro da mesma identidade e dos mesmo objectivos.
Neste sentido, a abolição do n.º 5 tem consequências e não corresponde à perspectiva que Portugal deve adoptar nas relações internacionais. Este é o primeiro aspecto.
Outro aspecto para o qual gostaria de chamar a atenção dos Srs. Deputados é o seguinte: actualmente, o n.º 6 prevê "(...) o exercício em comum dos poderes necessários à construção da união europeia", com letra minúscula, o que significa fixar, acima de tudo, um objectivo.
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Aliás, neste momento, é largamente dominante a ideia de que a União Europeia não é uma organização com personalidade jurídica, corresponde às comunidades europeias mais a actuação em dois pilares. E, neste sentido, aditar um artigo com a epígrafe "União Europeia" e escrever "União Europeia" com maiúscula neste contexto significaria consagrar uma organização que, neste momento, não está consagrada nos próprios tratado, nem tem personalidade jurídica. Esta questão pode estar a ser discutida no âmbito das conferências intergovernamentais, mas o PP, também neste ponto, eventualmente, terá escrito o que não queria ou mais do que queria.
Quanto à questão da coesão económica e social, não procede o argumento do Sr. Deputado Jorge Ferreira de que o mesmo já consta dos tratados. É verdade que está nos tratados: desde o Acto Único é previsto, em paralelo, os objectivos da coesão económica e social e o do mercado único, do mercado interno. Aliás, até entendo que as medidas para atingir o mercado interno foram calendarizadas, foram faseadas, foram claramente concretizadas ao longo do tempo, enquanto as medidas para atingir a coesão económica e social e os princípios inscritos no tratado, como o princípio da igualização no progresso das condições de vida e trabalho, não foram atingidos.
Todavia, é da maior importância que esta questão esteja inscrita não apenas nos tratados mas na Constituição Portuguesa, porque significa que a participação de Portugal deve e só pode ser exercida com este objectivo e que, por exemplo, seria inconstitucional a participação num mercado interno que não tivesse, simultaneamente, como objectivo prioritário, até mais importante do que o mercado interno!, a coesão económica e social. Diria até que a inscrição deste princípio tornaria, eventualmente, inconstitucional a participação de Portugal numa estrutura em relação à qual se verificasse uma inversão completa de objectivos, independentemente de considerar que o objectivo da coesão económica e social não tem sido tido devidamente em conta nas políticas comunitárias.
Chamo a atenção para mais um aspecto. O Sr. Deputado Jorge Ferreira referiu um objectivo que nos parece, naturalmente, importante e com o qual nos identificamos, isto é, que a participação de Portugal na construção da União Europeia resulte de actos soberanos do Estado português e não, propriamente, de uma imposição supranacional, não querida. Em última instância, pode ter havido aqui o objectivo de, por exemplo, tornar impossível constitucionalmente o caminho para o federalismo que alguns preconizam.
Simplesmente, quando o Sr. Deputado argumenta no sentido de que é preciso alterar o n.º 6 para atingir este objectivo, está a introduzir uma ideia com a qual não nos identificamos, isto é, que este facto não está já garantido no n.º 6 da Constituição tal como está redigido.
Para nós, é completamente claro que aquilo a que a Constituição chama "o exercício em comum de poderes" só pode resultar de um tratado aprovado pela Assembleia da República, ratificado pelo Presidente da República e, desejavelmente, referendado pelo povo português.
Nesta matéria, por um lado, não tem de ser garantido o que já está garantido e, por outro lado, pode ser perverso criar-se a ideia de que não está garantido, ideia que não partilhamos.
Em relação à questão da subsidiariedade, quero apenas sublinhar o seguinte: este princípio também está inscrito no n.º 6 do artigo 7.º, e está inscrito em termos tais que, caso estejam em conflito ou em cima da mesa questões relacionadas com a aplicação da Constituição Portuguesa, quem tem competência para as julgar é o Tribunal Constitucional e não qualquer órgão da Comunidade Europeia.
De resto, o facto de haver, na redacção proposta pelo PP, uma referência aos tratados que regem - os tratados que assinou, no passado - e não àqueles que vierem a reger, isto é, que vierem a ser assinados, corresponde a uma consagração do passado que, certamente, não foi querida. E, nesse sentido, posso compreender as observações do Sr. Deputado Luís Marques Guedes, mas que, em todo o caso, conduziriam também a resultados perversos e - julgo - não queridos pelos próprios autores.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, apesar de serem 18 horas, proponho que não se interrompa a discussão e se dê palavra aos Srs. Deputados ainda escritos: Elisa Damião, Medeiros Ferreira e José Magalhães. Tem a palavra a Sr.ª Deputada Elisa Damião.
A Sr.ª Elisa Damião (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Penso que a proposta que o CDS-PP nos apresenta é incoerente relativamente às próprias batalhas políticas que tem sustentado e é insustentável sob o ponto de vista da dinâmica da construção da Europa, estando mesmo em incoerência com os próprios tratados.
Os tratados não são equilibrados e o Governo português tem manifestado, em diversas ocasiões, a sua insatisfação relativamente à construção da coesão. Nos aspectos sociais, lembro que há apenas a Carta Social Europeia, que é um protocolo, não tendo sequer honras de consagração em qualquer um dos tratados, subscrita por onze Estados membros. Há, pois, um défice claro que Portugal tem sublinhado, até mesmo no Governo anterior.
Portanto, a ser alterada a redacção anterior, seria no sentido de enfatizar esse défice e não de consagrar tratados que evoluíram na construção da União Europeia, mas que não satisfazem as ambições do Estado português.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Medeiros Ferreira.
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Serei muito breve, uma vez que os argumentos principais estão suficientemente enfatizados, nomeadamente através de algumas perguntas que foram formuladas ao Sr. Deputado Jorge Ferreira e às quais ainda não respondeu.
Ao fim e ao cabo, creio que estamos aqui perante duas péssimas propostas, porque eliminar os n.os 5 e 6 do artigo 7.º para os substituir por este novo artigo é, de facto, uma má troca em termos da soberania nacional, em termos dos objectivos que se pretende com a União Europeia e em termos do próprio aprofundamento da construção europeia.
Esta é, pois, uma proposta que não me parece corresponder a nenhum dos objectivos em que, constitucionalmente, Portugal se deve empenhar.
Em primeiro lugar, porque o n.º 5 do artigo 7.º desenha, de forma bastante precisa, os objectivos que fazem com que Portugal se queira empenhar na construção europeia, no caso de querer empenhar-se na União Europeia. Portanto, sem esses objectivos, a União Europeia não faz sentido para o Estado português: a União Europeia não é um fim em si próprio, é um meio de alcançar os objectivos aqui afirmados. Aliás, Sr. Deputado Jorge Ferreira, o n.º 5
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faz uma referência explicita aos Estados - "(...) da acção dos Estados europeus (...)".
Também o n.º 6 do artigo 7.º é importante, porque designa os meios e as políticas com que esse exercício em comum das soberanias será partilhado.
Creio, por isso, que os n.os 5 e 6 dão muito maiores salvaguardas ao Estado português na construção europeia do que a sua substituição pelo artigo 7.º-A, proposto pelo PP.
Já muito se falou sobre as limitações e as imperfeições desta proposta, do ponto de vista da consagração institucional e não, propriamente, da política do PP - não me vou meter na discussão de saber se a proposta é ou não coerente com a política do PP, porque me é indiferente! Com efeito, há aqui falhas importantes que, no futuro, até poderiam ser bastante prejudiciais, na medida em que impediriam, como já foi referido, novos desenvolvimentos da União Europeia.
A proposta refere ainda um pressuposto em relação aos outros Estados europeus que não concebo como é que o Deputado Jorge Ferreira sustenta. O Sr. Deputado tem a certeza de que todos os outros Estados europeus que assinaram os tratados, nomeadamente o Tratado de Roma, o Acto Único e o Tratado de Maastricht, querem continuar, todos, soberanos? Não quero fazer depender a soberania de Portugal do facto de outros Estados, mesmo com excepção de poucos, poderem querer deixar de ser soberanos! Penso que Portugal não poderá ficar sujeito à vontade de outros Estados deixarem de querer ser soberanos. No fundo, Portugal pode estar a presumir que os quinze Estados que assinaram os diferentes tratados querem continuar soberanos; só que pode haver um, dois ou três Estados que abdiquem da sua soberania, o que não implica que Portugal também abdique!
Portanto, a redacção deste ponto presume uma vontade dos outros povos e dos outros Estados que também será exagerado e arbitrário da nossa parte presumir.
Como penso que o articulado proposto pelo PP, obviamente, não terá vencimento, vou-me poupar no resto dos argumentos.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Quero fazer apenas três observações.
Em primeiro lugar, o PP trás uma proposta metodológica. É o único partido que propõe que haja uma disposição específica, um artigo novo, com a epígrafe "União Europeia", no qual o Sr. Deputado Jorge Ferreira vazou a vontade de unificar e conglobar todas as posições ou as posições mais relevantes do relacionamento entre Portugal e a União Europeia.
Deixo de lado a questão de saber se o executor foi fiel ao desígnio, porque me parece que já foram conglobados elementos bastantes para se perceber que não. Desde logo, porque um artigo desse tipo, provavelmente, para ser coerente, teria de incluir as normas sobre a articulação entre a ordem interna e a ordem comunitária, que no próprio projecto do PP continuam a constar do artigo 8.º; teria de regular regras decisionais dos órgãos de soberania sobre as questões europeias, o que, aliás, acarretaria, provavelmente, redundância ou confusão, bem como as norma sobre o relacionamento entre ordens judiciárias, matéria em que, de resto, há algumas pequenas omissões constitucionais.
Nada disso é feito e a norma, como ficou provado, propõe o que não quer e cristaliza, com "colete de ferro", o que, volta e meia, o PP impugna no discurso político corrente, ou seja, introduz, em termos de discurso jurídico constitucional o que, frequentemente - talvez por nossa culpa também, como ouvintes -, faz parte do discurso corrente do PP, ou do discurso de alguns dos dirigentes do PP, pelo menos.
A primeira questão a observar é se vale a pena fazer essa operação concentracionária, e se vale a pena fazê-la sobre o signo e com a epígrafe que o PP adiantou. Nós não o fizemos e não foram vazadas quaisquer razões para que isso seja feito - o Sr. Deputado Jorge Ferreira não o fez até agora, mas não está excluído que ainda o venha a fazer! Mas a verdade é que não nos persuadiu de que houvesse vantagem em conglobar num único artigo, com as exigências que acabei de enunciar ou com outras, porventura, ainda mais apertadas, o que seria a "malha" de relações técnico-jurídicas, jurídico-constitucionais entre Portugal e a União Europeia (com maiúsculas neste caso, isto é, enquanto entidade político-organizativa com personalidade própria nas condições conhecidas).
Em relação às outras propostas que o PP adianta, o juízo ainda é, porventura, mais negativo - aquele que já foi enunciado -, designadamente porque o PP, embora implicitamente, o faz com uma carga demolidora que vale a pena não deixar de reanalisar.
Primeiro, porque a demolição faz-se em várias etapas. A demolição faz-se ao nível do n.º5 - em relação ao qual o Sr. Deputado Jorge Ferreira não se deu ao trabalho de dizer coisa alguma! -, mas que não tem minimamente, nem de perto nem de longe, o conteúdo que deixou pressuposto. A Revisão Constitucional de 1992 acaba, aliás, de ser glorificada para além da medida que esperávamos, uma vez que conta com o consenso retroactivo do PCP, praticamente ponto por ponto, assinalando o que nós, de resto, em boa verdade...
O Sr. Luís Sá (PCP): - É o menor dos males no contexto criado, Sr. Deputado!
O Sr. José Magalhães (PS): - ... E aceita como boas as argumentações que, precisamente, tivemos ocasião de desenvolver em 1992, com grande estrondo e com interpretações redutoras, contraditórias e diminuidoras do alcance positivo das normas constitucionais que, finalmente, gozam agora de um consenso hermenêutico valorizador das suas diversas componentes, designadamente no que elas implicam de salvaguarda da possibilidade de livre decisão do povo português em diversas formas.
Mas, quanto ao n.º5 (perdoem-me este parêntesis!), cujo objecto é um olhar português e constitucional sobre a grande Europa, não circunscrito sequer ao espaço da União Europeia tal como está configurada actualmente e com as suas possibilidades de evolução, que são, como sabe, necessárias, reais, positivas e eminentes - estamos a discutir esse aspecto no quadro da Conferência Intergovernamental.
Ao eliminar esta norma - se, porventura, essa eliminação tivesse curso corrente, e tudo indica que não terá! -, o PP eliminaria a ideia constitucional portuguesa sobre um projecto europeu dinâmico e alargado que não se confine à própria União Europeia, o que não tem qualquer virtude! Pelo contrário, só tem uma virtude empobrecedora e redutora do projecto constitucional e da
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sua capacidade de plasmar a nossa acção em matéria de política externa. Acção, aliás, positiva uma vez que é muito importante que Portugal olhe para a Europa com os "dois pés", de "coração", "cabeça" e todos os demais "órgãos" inteiramente assentes na União Europeia, mas tendo em conta o contexto global em que esta nossa Europa se insere e a importância da sua articulação com o que é hoje uma realidade política gigantesca, que começa no Atlântico e se projecta para além dos Urais, bastante para além!
Portanto, estamos nessa Europa, nos órgãos que a representam, designadamente no Conselho da Europa - neste momento, alargado a 40 Estados e com tendência para crescer -, na Organização de Segurança e Cooperação Europeia, e estaremos noutras estruturas que, porventura, se criem nesta óptica. A Constituição afirma-o - e bem! - e não vemos qualquer razão para eliminar essa afirmação, sobretudo com base numa justificação dada de forma sumária e muito preocupantemente "frustre".
A última observação diz respeito ao n.º 6 - a sua exegese foi aqui feita e, repito, congratulamo-nos com esse facto -, que é uma norma cuidadosamente modelada. Existem abundantes declarações de voto, designadamente de Deputados da bancada do PS, relativamente a conceitos que aqui foram aludidos, como é o caso, por exemplo, do conceito de subsidiariedade, tal como é definido na Constituição, sem importação de conteúdos heterónimos, designadamente conteúdos obrigatoriamente gerados no contexto da própria União Europeia, sem decalcar nem mimetizar conceitos, com autonomia jurisdicional e volitiva, com uma articulação com a construção europeia nas suas dimensões de coesão económica e social, questão que é para nós capital e motivou o nosso voto favorável em 1992; com uma dimensão - também já assinalada - activa e dinâmica, não corporizadora da União Europeia com letra maiúscula, porque disso temos um conceito evolutivo e não quisemos - aliás, continuamos a não querer - cristalizar a norma nesses termos.
Por outro lado, não temos qualquer dúvida quanto ao facto de que a construção europeia só pode resultar da nossa parte, Estado português, de actos livres e determinados segundo a nossa organização democrática, o que implica, designadamente, concertação entre órgãos de soberania, aceitação expressa e clara apenas através de tratado - e nunca através de actos implícitos ou de deslizamentos implícitos e fácticos não consagrados por grandes momentos decisionais - em que o Parlamento intervenha, em que o Presidente da República actue e em que o povo, novidade deste processo de revisão constitucional, possa vir a ter uma palavra decisiva. Terá, sem dúvida alguma, a última e a determinante.
Tudo o que referi flui deste texto constitucional devidamente interpretado - e não mal interpretado -, com benfeitorias que não resultarão de nada do que o PP propõe nesta sede; resultarão do consenso - esperamos que alargado, também incluindo o PP - para que haja referendos nacionais sobre questões fundamentais da construção da União Europeia.
Por tudo isto, Sr. Presidente, não vemos qualquer vantagem e, pelo contrário, como todos os demais partidos, vemos muito mais inconvenientes na proposta apresentada pelo PP. Mas temos a seguinte consolação: o PP ajustou contas com a moeda única e ajustou contas com Maastricht, só que, se calhar ajustou-as no sentido contrário ao que pretendia. Situação que ainda pode corrigir, naturalmente!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por registar a grande alteração de posição do Partido Socialista relativamente a esta proposta do PP. De facto, há dois anos, no "abortado" processo de revisão constitucional, vários Deputados do Partido Socialista fizeram questão de realçar não uma oposição às propostas que estão consagradas no artigo ora em discussão mas a sua concordância com elas. Chegaram até ao ponto de descansar o então Deputado do CDS-PP que participava na discussão, afirmando que algumas das preocupações que estavam aqui contidas neste artigo coincidiam com as preocupações do PS, preocupações essas que, no entendimento do PS, estavam consagradas noutro local. Registo, portanto, a mudança.
E, já que estamos em matéria de apuramento de coerências, não ficará mal, porventura, recordar que, nesta matéria, se há alguma modificação de fundo relativamente a esta nossa proposta, que já na altura existia, ela vem do PS e não da nossa parte.
É evidente que, das várias intervenções proferidas, resulta claro que há pontos de partida de reflexão e de concepção distintos - pelo menos, é essa leitura que faço - que são insusceptíveis de nos conduzir a conclusões comuns sobre esta matéria. Essa distinção verifica-se, desde logo, no que respeita aos critérios de arrumação das matérias de que estamos a tratar e, segundo, em termos dos conteúdos dos conceitos que são utilizados, nomeadamente pela proposta do PP, em matéria europeia e que determinam, obviamente, quase que uma incomunicabilidade, no sentido de que comunicamos em vias paralelas e, portanto, dificilmente nos viremos a encontrar num acordo sobre matérias que estão incluídas, quer nos actuais n.os 5 e 6 do artigo 7.º, quer na proposta do PP. Certamente, não valerá a pena perder muito tempo na dissecação dessas distinções, uma vez que elas são inconclusivas do ponto de vista da utilidade do debate aqui produzido.
Sem embargo disso, não queria deixar de dizer que, obviamente, tal como todos os artigos de todos os projectos de revisão constitucional, também este, seguramente, é susceptível de melhorias e de aperfeiçoamentos. Aliás, julgo que não há nenhuma proposta, nenhum artigo de nenhum projecto de revisão imune a essas tentativas de aperfeiçoamento e de melhoria.
O que nos interessa é sublinhar o essencial, e o essencial que quisemos sublinhar com esta proposta é que, do nosso ponto de vista, é útil afirmar, na Constituição, três princípios em matéria de participação de Portugal na União Europeia: o princípio da soberania, que se sobrepõe, como, aliás, foi bem reparado pelo Sr. Deputado Luís Sá, a qualquer tentativa federalista futura de organização da União Europeia; o princípio da liberdade de associação dos Estados - e, Sr. Deputado Medeiros Ferreira, se algum deles decidir soberanamente deixar de o ser, não temos mais do que o respeitar. Portanto, a sua observação é judiciosa mas, enfim, em termos práticos, revela-se pouco relevante...
O Sr. Medeiros Ferreira (PS): - É só para não ter surpresas!
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - O princípio de que a liberdade dos Estados deve, em qualquer dos casos,
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estar salvaguardada de decisões tomadas por órgãos internacionais por maioria e, nessa exacta medida, impostas ou susceptíveis de imposição na ordem jurídica interna, à margem da opinião de Portugal como Estado soberano. E, por último, a consagração do princípio da subsidiariedade, nos termos em que o reflecti, e que mereceu a concordância expressa do Sr. Deputado Alberto Costa, há dois anos atrás, na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional.
Por isso, muito me espantam as observações feitas por alguns Srs. Deputados do Partido Socialista...
O Sr. José Magalhães (PS): - É capaz de ler a proposta de então, do PP?
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Deputado, era exactamente igual a esta e mereceu...
O Sr. José Magalhães (PS): - Pode ler o texto integral, se não se importa?
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Deputado José Magalhães, era exactamente igual a esta e mereceu do Sr. Deputado Alberto Costa a referência expressa de que este entendimento do princípio da subsidiariedade era importante e...
O Sr. José Magalhães (PS): - Está na Constituição! Leia a nossa declaração de voto de 1992, com a qual aprenderá alguma coisa!
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Deputado, se me deixar terminar, agradeço.
O Sr. José Magalhães (PS): - Com certeza, com muito prazer.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - E, segundo o Sr. Deputado Alberto Costa, esse entendimento estava vertido noutro ponto do projecto do PS.
O que se passa é que, do nosso ponto de vista - se nos é permitido ter esta opinião! -, pensamos vantajoso organizar estas preocupações e estes princípios num artigo, da forma como o fazemos, evidentemente com a possibilidade de introduzir nele melhorias e aperfeiçoamentos.
Em todo o caso, são estes os três pontos que queríamos realçar e cuja relevância jurídico-constitucional julgo que não careço de explicar. Respeito - o que, pelos vistos, nem sempre sucede! - as opiniões em contrário, no sentido de que esta alteração não é necessária ou, eventualmente, apresenta-se redutora ou amplifica demasiado.
Agradeço a fiscalização que fizeram da coerência das posições do PP, na certeza de que, por enquanto, a dispensamos bem. Em todo o caso, registamos essa atitude não como uma preocupação sobre a coerência do PP mas, eventualmente, como outro tipo de preocupação que não vem agora aqui ao caso, nem deve ser discutida nesta sede.
O Sr. Presidente: - Os Srs. Deputados do PS querem fazer uso do direito de resposta, uma vez que foram acusados de terem apoiado, anteriormente, a proposta do PP?
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, não foi isso que eu disse!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.
O Sr. Jorge Lacão (PS) : - Sr. Presidente, o n.º 6 do artigo 7.º é, certamente, o resultado do concurso de pontos de vista que permitiram viabilizar, por maioria qualificada, este dispositivo, mas também resultou de um vivo empenhamento do PS na revisão constitucional de 1992, como já aqui foi lembrado, do qual consta, expressamente, o princípio da subsidiariedade como um princípio ordenador no processo de integração de Portugal na União Europeia.
Sr. Deputado Jorge Ferreira, o que nós não fizemos, nessa altura, foi tornar constitucionalmente vinculante a participação de Portugal na União Europeia, por isso o questionei sobre se, de facto, o PP se revê na proposta que apresentou de consagrar um princípio de vinculação constitucional à participação de Portugal na União Europeia, porque é o que está presente no artigo 7.º-A!
Por outro lado, pergunto se o PP entende que pode ficar tranquilo quanto à consagração, em tratado, do princípio de coesão económica e social, dispensando esse objectivo como um objectivo orientador na participação de Portugal na União Europeia.
Foram duas perguntas que lhe formulei e às quais julgo que o Sr. Deputado Jorge Ferreira se eximiu a responder.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Julga, mas julga mal!
Posso responder, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Jorge Lacão, relativamente à segunda questão que colocou, não temos qualquer objecção a que se explicite o princípio da coesão económica e social, ou que se mantenha a explicitação, no caso de a nossa proposta obter vencimento. Não nos opomos a isso, podendo essa explicitação consistir, exactamente, numa das melhorias a introduzir. Julgo que esta resposta é cabal. E, Sr. Deputado, não me eximi a responder, apenas me esqueci, involuntariamente, de o fazer.
Quanto à outra questão, do que se trata aqui não é de negar o direito de Portugal, em abstracto, eventualmente, um dia poder decidir se sai ou se fica na União Europeia, nem de tornar, pela via constitucional, obrigatória a presença de Portugal na União Europeia. O que se visa...
O Sr. Jorge Lacão (PS): - Mas é o que cá está!
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Então, se "cá está", é preciso melhorar a redacção no sentido de deixar possível entender-se que assim é, Sr. Deputado!
O que se visa é de que, enquanto Portugal permanecer na União Europeia, o deve fazer no quadro destes três princípios que acabei de descrever e que correspondem à intenção da proposta que estamos a discutir.
O Sr. Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins. Peço-lhe que seja breve.
O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, Deputado Jorge Ferreira, no esclarecimento que deu sobre a questão da "rigidificação" ou não da integração de Portugal na
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União Europeia, há uma questão que não respondeu e que foi colocada por vários dos meus colegas. Refiro-me à questão da grande Europa e, desde logo, o "clube" das democracias europeias e o "clube" dos Estados defensores dos direitos humanos - a tal Europa que já ultrapassa hoje os Urais. O que é que significa esta ablação do n.º 5: Portugal, Conselho da Europa, OSCE, a própria União da Europa Ocidental, que não se esgota na União Europeia? O que significa isto para Portugal? Será que nos deixamos de identificar com a grande Europa, a partir da qual a pequena Europa se quer estender? E hoje é já claro que se quer estender! Europa essa que é, digamos, a matriz fundamental da organização democrática portuguesa no que ela tem de vertente fundamental, enquanto direitos humanos. O que é que significa afastar este n.º 5?
É que a organização dos n.os 4, 5 e 6 do artigo 7.º tem uma lógica, que é a seguinte: relações externas com os países da língua portuguesa, relações com a grande Europa e relações com a união europeia. O que é que significa esta mutilação?
O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Alberto Martins, não significa, obviamente, uma "desadesão" - se quiser, entender assim - do PP relativamente a essas matérias; significa que a nossa proposta abriu uma lacuna que, na nossa opinião, carece de ser preenchida. Não significa nada mais do que isso!
O Sr. Alberto Martins (PS): - Mas o Sr. Deputado "corta" esse n.º 5 do artigo 7.º, não é verdade?
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Deputado, acabei de dizer-lhe que cortámos, por lapso,...
O Sr. Alberto Martins (PS): - Ah bom!
O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - ... e que o recorte desta nossa proposta abriu essa lacuna que acabou de apontar, mas que, do nosso ponto de vista, deve ser suprida.
O Sr. José Magalhães (PS): - Felizmente, não há lacuna alguma, porque a Constituição não foi alterada!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados dou por encerrada a discussão do artigo 7.º.
Amanhã, às 10 horas, iniciaremos os nossos trabalhos com as propostas relativas ao artigo 8.º da Constituição. Frisei as 10 horas para, mais uma vez, apelar aos Srs. Deputados para o esforço de pontualidade.
Está encerrada a reunião.
Eram 18 horas e 30 minutos.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL