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Quarta-feira, 18 de Setembro de 1996 II Série - RC - Número 23

VII LEGISLATURA 2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)

IV REVISÃO CONSTITUCIONAL

COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL

Reunião de 17 de Setembro de 1996

S U M Á R I O


A reunião teve início às 10 horas e 35 minutos.
Procedeu-se à discussão dos artigos 24.º, 36.º, 37.º, 38.º e 39.º constantes dos diversos projectos de revisão constitucional.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente (Vital Moreira), os Srs. Deputados Jorge Ferreira (CDS-PP), Luís Sá (PCP), José Magalhães (PS), Isabel Castro (Os Verdes), Luís Marques Guedes (PSD), Odete Santos (PCP), António Reis (PS), Barbosa de Melo (PSD), Alberto Martins e Cláudio Monteiro (PS), Ruben de Carvalho (PCP), Pedro Passos Coelho (PSD), João Corregedor da Fonseca (PCP) e Calvão da Silva (PSD).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 19 horas e 35 minutos.

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O Sr. Presidente (Vital Moreira): Srs. Deputados, temos quórum pelo que declaro aberta a reunião.

Eram 10 horas e 35 minutos.

Proponho que voltemos atrás para analisar a proposta apresentada pelo PP sobre o artigo 24.º, que na altura ficou por discutir por não estarem presentes os Deputados do PP.
O artigo 24.º da Constituição diz respeito ao direito à vida, referindo no n.º 1 que: "A vida humana é inviolável", e a proposta apresentada pelo PP sugere que se adite: "(…) desde o momento da concepção".
O objectivo da proposta parece claro. No entanto, dou a palavra ao Sr. Deputado Jorge Ferreira para, se assim entender, justificar a proposta apresentada.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente e Srs. Deputados, a proposta apresentada destina-se a concretizar o momento a partir do qual a vida, conforme o conceito que está inscrito na Constituição, é inviolável, determinando, assim, um dever para os órgãos de soberania de se absterem de produzir legislação em contrário.
Como é evidente, a proposta apresentada prende-se com a questão da interrupção voluntária da gravidez e a explicação desta disposição é clara, uma vez que é fundamentada na doutrina e nos valores que perfilhamos, sendo, aliás, uma concepção que tem feito parte de todos os projectos de revisão constitucional apresentados pelo CDS-PP. Trata-se, assim, de uma posição que queremos manter, porque nos parece importante concretizar e salvaguardar, explícita e expressamente, o valor da vida, sem que haja lugar a dúvidas.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, gostaria que o Sr. Deputado Jorge Ferreira esclarecesse quais seriam, na sua opinião, as consequências jurídico-criminais da eventual consagração desta proposta. Naturalmente que estamos a falar da questão do aborto. Por isso, concretamente, Sr. Deputado, gostaria que explicasse o que sucederia relativamente a uma situação de aborto. Isto é, seria tal facto punido como homicídio ou como homicídio qualificado com agravantes especiais, visto que é cometido contra alguém que não se pode defender?
Em suma, Sr. Deputado, o que é que, na sua opinião, decorreria da consagração desta norma, no plano jurídico-criminal?

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, do ponto de vista jurídico-criminal, é óbvio que entendemos que a interrupção voluntária da gravidez deve ser punida.
No entanto, julgo que este não é o momento de entrarmos no debate relativo aos recortes concretos deste tipo de crime, nomeadamente no que diz respeito às circunstâncias em que pode ser cometido ou às agravantes e atenuantes do mesmo. Penso, sim, que é importante transmitir a noção de que, do nosso ponto de vista, essa prática deve ser criminalmente punida.
No que diz respeito à punição e à previsão deste tipo legal de crime, como é natural, haverá lugar a um debate em que serão tidos em conta os factores que presidem a todos os tipos legais de crime, mas esse é outro debate e este não é o momento nem a sede para levá-lo a cabo. Trata-se de uma discussão que deverá ter lugar no âmbito do Código Penal e não no âmbito da revisão da Constituição.
De qualquer forma, é para nós claro que a adopção desta disposição teria como consequência jurídico-criminal a penalização das práticas contrárias à lei.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, começo por dizer que, como é óbvio, não apoiaremos esta proposta. Aliás, a fundamentação que nos foi apresentada renova e reforça essa indisponibilidade da vida intra-uterina e o facto de que ela merece um determinado grau de protecção, pelo que trata-se de uma questão que não suscita especiais dúvidas entre nós.
De resto, o Parlamento e o Tribunal Constitucional tiveram ocasião de apurar os limites e os contornos dos níveis obrigatórios de protecção, bem como as consequências e os juízos que devem recair sobre a legislação ordinária que regule a protecção a ser conferida a esta situação em termos excessivos ou inadequados.
Além disso, a cláusula proposta peca por estar redigida de uma forma que inculca um determinado sentido, mas que os seus autores interpretam num outro sentido. Ou seja, esta cláusula poderia provavelmente ser lida de forma absoluta, mas o Sr. Deputado Jorge Ferreira introduziu-lhe matizes que são um acto de benevolência cuja relevância jurídica é, apesar de tudo, limitada e escassa.
Em suma, entendo que ou a cláusula diz o que determinada leitura fundamentalista pretende que se diga ou então não diz coisa nenhuma de que releve uma verdade quase truísta, ou seja, de que há um quantum de protecção a conceder e que esse quantum de protecção decorre do texto constitucional devidamente interpretado. Não se trata, portanto, de torná-lo absoluto, e muito menos torná-lo absoluto nos termos desmedidos que o PP adianta e sugere.
Por conseguinte, a proposta em apreço não terá o nosso voto favorável.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, gostaria tão-só de referir que aquilo que à primeira vista poderia parecer decorrer desta proposta, a absolutização do direito à vida, de facto, não o é.
Designadamente, se tivermos em conta a forma como esta proposta foi redigida, verificamos que dela poderia resultar a violação do direito à vida, por exemplo, no caso de uma vida que surgisse em resultado de uma violação, porque, como é óbvio, o acto da violação não respeita a integridade da pessoa que é violada, e, portanto, esse direito à vida seria consagrado de acordo com o que consta no texto da proposta apresentada pelo PP.
Assim, no âmbito da discussão mais ampla daquilo que é o direito à vida dos seres humanos nas suas múltiplas vertentes, é evidente que esta proposta viola claramente o

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direito a uma maternidade consciente e o direito ao corpo, pelo que nos parece, de todo em todo, inaceitável.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, gostaria de começar por referir que, independentemente das convicções e das posições individuais que cada um tem sobre determinada matéria e tendo em conta o carácter intimista e forte que esta matéria inegavelmente tem, a posição do PSD é a de que o actual texto constitucional é aquele que contém em si o equilíbrio essencial, para que todas as pessoas possam indubitavelmente rever-se no princípio que ele encerra.
O aditamento que Partido Popular propõe suscita-nos dúvidas, por uma questão de falta de equilíbrio intrínseco. Faço esta observação porque - não obstante o facto de que num segundo momento teremos de passar à discussão do ser ou não correcto inserir no texto constitucional uma opção formal, independentemente de cada um dos Deputados poder ou não rever-se nessa posição - entendemos que na proposta apresentada há, desde logo, uma falta de equilíbrio, pelo facto de a mesma situar o momento do início da vida na concepção e por nada se dizer sobre o momento do fim da vida.
Pensamos que uma proposta deste tipo, para ter algum equilíbrio, deveria compartimentar, quer o momento do início da vida, quer o seu termo, e portanto referir-se à vida desde o momento da concepção até ao seu fim natural, o que suscita a questão de saber por que é que o Partido Popular apresentou a proposta neste sentido.
Estas são questões que tocam as convicções e posições individuais de cada um e que são controversas em termos da sua discussão na nossa sociedade, quer quanto ao momento em que, do ponto de vista técnico-jurídico, se deve considerar que tem início o direito à vida, quer também relativamente a toda a problemática que se prende com a questão da eutanásia ou com outras possibilidades, aceites pela comunidade, de apressar a morte ou encontrar a morte num momento diferente daquele que é o momento da morte natural.
Do ponto de vista do PSD, estas questões não ficam resolvidas com a proposta apresentada pelo PP, pois, como já referi, a proposta apresentada fere o equilíbrio que existe no actual texto constitucional, equilíbrio esse que, de facto, permite que se desenvolvam na sociedade portuguesa tomadas de posição sobre a densificação exacta e a indicação precisa de como é que se deve interpretar este artigo da Constituição e onde é que a ordem jurídica portuguesa deve colocar o momento de início e termo daquilo que é um valor fundamental: a vida humana.
Neste sentido, parece-nos que a proposta não contém os contornos de equilíbrio necessários para que este possa ser um texto onde todos nos possamos rever, em particular o PSD. Consequentemente, o PSD não acolhe a proposta apresentada pelo Partido Popular.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tendo sido ouvidos representantes de todos os partidos políticos, tem agora a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, uma vez que estamos ainda numa primeira leitura da proposta por nós apresentada, gostaria fazer mais uma intervenção sobre esta matéria, quando da segunda leitura, antes da votação em sede de Comissão.

O Sr. Presidente: - Com certeza, Sr. Deputado, embora pareça ser, desde já, manifesta a inviabilidade da proposta.
Srs. Deputados, vamos passar, agora, à discussão do artigo 36.º, relativamente ao qual existe uma proposta de alteração apresentada por Os Verdes.
Relativamente ao texto do n.º 3, do artigo 36.º da Constituição, que refere que "Os cônjuges têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos", Os Verdes propõem a substituição da expressão "cônjuges" pela expressão "pais", ficando o texto com a redacção seguinte: "Os pais têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos".
Para justificar a proposta apresentada, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, muito brevemente gostaria de sublinhar que esta proposta decorre daquilo que, de algum modo, o texto constitucional já consagra, nomeadamente a existência de dois direitos que são autónomos e que se traduzem, respectivamente, em constituir família e contrair casamento.
Contudo, parece-nos que é essencial que se faça a equiparação das duas situações em relação aos direitos e aos deveres no que diz respeito aos filhos. Ou seja, embora o actual texto constitucional consagre o princípio da igualdade no exercício dos direitos e deveres, o que é fundamental, parece-nos, no entanto, que esses direitos e deveres não devem circunscrever-se, tal como no texto actual, aos cônjuges, mas, sim, aos pais.
Pensamos, assim, que a expressão "pais" é mais abrangente, dado que inclui os cônjuges mas inclui também os pais biológicos...

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada, e os cônjuges que não têm filhos?

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Os cônjuges que não têm filhos não têm igualdade de deveres em relação aos filhos, obviamente. Portanto, não estariam dentro do espírito...

O Sr. Presidente: - E a primeira parte deste artigo?

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - A primeira parte, Sr. Presidente? Não percebo a sua pergunta!

O Sr. Presidente: - Refiro-me à primeira parte da norma que diz que "(…) têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política (...)".

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Nesse caso, a proposta deveria ser reformulada da forma seguinte: "Os cônjuges e os pais têm iguais direitos e deveres quanto à capacidade civil e política e à manutenção e educação dos filhos".
Julgo que o espírito que está implícito na nossa proposta é claro, uma vez que pretendemos que o exercício dos deveres e direitos não sejam exclusivos dos cônjuges. O que, aliás, advém do nossa proposta para o n.º 3 do mesmo artigo que propõe a equiparação da união de facto

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ao casamento. Em relação aos filhos pensamos que os direitos e os deveres não se circunscrevem aos cônjuges, mas aos pais, sejam eles cônjuges ou não.

O Sr. Presidente: - Mas não lhe parece que isso já resulta do n.º 5 do actual texto da Constituição, Sr.ª Deputada?

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Penso que não, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão a proposta apresentada por Os Verdes.
Tem a palavra a Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, esta proposta foi discutida quando da última revisão (que depois não se chegou a fazer), e já nessa altura tive ocasião de dizer que, em meu entender, a proposta apresentada por Os Verdes terá sido feita, talvez, sem uma ponderada reflexão relativamente ao actual n.º 3.
Faço esta observação porque o n.º 3 está na Constituição para que se acabem de vez com as discriminações e para que não continuem a ser introduzidas na lei civil situações no âmbito do casamento, que se traduzem em discriminação. É o caso da figura do chefe de família ou da possibilidade de o marido poder fiscalizar a correspondência da mulher ou os depósitos bancários. Sim, parece que é uma situação que vem direito romano!...

O Sr. Presidente: - Aliás, Sr.ª Deputada, basta recordar a revisão do Código Civil de 1977 e do Código Comercial para ver o significado da revolução que se deu.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Exactamente!
Aliás, quando estivemos a preparar a última revisão lembro-me que tivemos a tentação de alterar este número e apresentar uma proposta no sentido de retirar a palavra "cônjuges", dado que a noção de família englobava também a situação da união de facto. Mas depois, após um debate interno, concluímos que, de facto, este n.º 3 tem uma razão de ser que o levará a manter-se como está. Portanto, é esta a nossa posição.

O Sr. Presidente: - Sr.ª Deputada Odete Santos, permita-me que acrescente que, em minha opinião, concluíram bem.
Pretende usar da palavra, Sr. Deputado José Magalhães?

O Sr. José Magalhães (PS): - Não, Sr. Presidente. Nada tenho a aditar. A nossa conclusão é líquida e sólida ao mesmo tempo.

Risos.

O Sr. Presidente: - Nesse caso, parece ser evidente a inviabilidade da proposta apresentada por Os Verdes.
Srs. Deputados, ainda sobre o artigo 36.º, vamos passar à análise da proposta apresentada pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, com vista à alteração do n.º 7.

Pausa.

Uma vez que o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca não está presente, gostaria de saber se algum dos Srs. Deputados pretende dar início à discussão da proposta em apreço.
Lembro os Srs. Deputados que o n.º 7, do artigo 36.º do actual texto da Constituição refere que "A adopção é regulada e protegida nos termos da lei". A proposta apresentada pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca sugere que se adite ao n.º 7 a expressão "estimulada", ficando o texto com a redacção seguinte: "A adopção é regulada, estimulada e protegida nos termos da lei".
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente creio que se percebe a vontade de explicitação, mas a verdade é que a ideia de protecção é suficientemente rica, pelo que eu não faria dela uma leitura "empobrecedora" ao ponto de dizer que um determinado grau de estímulo deve constar da lei para haver protecção a sério.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr.ª Deputada Odete Santos.

A Sr.ª Odete Santos (PCP): - Sr. Presidente, compreendo a proposta apresentada e parece-me que esta não é uma proposta que, à partida, se afaste. Parece-me, no entanto, que o aditamento da expressão "estimulada" poderia parecer um preciosismo, ou seja, como que uma "benfeitoria voluptuária", uma vez que se trata de uma realidade que já está, em si, protegida.
De qualquer forma, a realidade mostra-nos que não é assim. O que, de facto, se passa é que a adopção não é estimulada, bem pelo contrário, sabemos que são colocadas as maiores resistências à adopção - o que, aliás, penso que resulta de uma questão cultural -, mesmo por parte dos próprios serviços oficiais, pelo que talvez não se perdesse nada em admitir esta proposta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, entendemos que, em termos abstractos, o actual texto constitucional é suficientemente rico para conter em si aquelas que, na prática, têm vindo a ser, de uma ou outra forma, as tendências da legislação e da acção dos sucessivos governos relativamente à adopção.
Por outras palavras, o conceito de protecção que decorre da Constituição tem sido interpretado pelos poderes instituídos em Portugal - e, do ponto de vista do PSD, bem - como contendo em si a valência de algum incentivo ou estímulo à função nobre que a figura da adopção preenche, nomeadamente no que diz respeito à defesa das crianças desprotegidas.
Contudo, a expressão proposta parece-nos ser inútil, desde logo porque não se encontra expressa na Constituição qualquer indicação peremptória de incentivo ou de estímulo ao nascimento de filhos, quando é evidente para todos que é do interesse da comunidade nacional que as famílias se constituam e que dentro de cada família haja lugar à procriação, assegurando, também por essa forma, a continuidade da Nação portuguesa.
Aliás, parece-nos que a introdução de uma especificação desta natureza quanto à adopção pode até ter o inconveniente de, depois, não se conseguir encontrar, ao longo do texto constitucional, qualquer expressão com o mesmo grau de direccionamento e de precisão relativamente à

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procriação. Neste sentido, parece-nos que pode estar a criar-se, de facto, um desequilíbrio e uma desproporção.
Por esta razão, embora não discordando daquilo que nos parece ser o objectivo do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca ao fazer esta proposta e pelas razões que adiantei, o PSD não vê com bons olhos esta alteração.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, registada que está a objecção à proposta apresentada, não quanto aos fundamentos mas quanto à formalização da ideia proposta pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, vamos passar à análise do artigo 37.º, que diz respeito à liberdade de expressão e informação.
Em relação a esta matéria existe apenas uma proposta apresentada pelo PS, para o n.º 3, cujo texto actual diz que: "As infracções cometidas no exercício destes direitos (...)" - de expressão e de informação, subentende-se - "(...) ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal, sendo a sua apreciação da competência dos tribunais judiciais".
A proposta apresentada pelo PS refere que "As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade pública independente, nos termos da lei".
Para apresentar e justificar a proposta, tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, o sentido desta alteração prende-se com o facto de o actual texto constitucional não contemplar a possibilidade de uma entidade pública independente, como é o caso da Alta Autoridade para a Comunicação Social - e, eventualmente, o futuro Conselho da Comunicação Social nos termos da proposta de revisão constitucional por nós apresentada -, poder vir a intervir na esfera do ilícito de mera ordenação social, nomeadamente através da possibilidade de aplicação de coimas.
É certo que a lei ordinária que regula a Alta Autoridade para a Comunicação Social prevê, nos termos do seu artigo 26.º, que esta entidade tenha a possibilidade de aplicar as coimas previstas na lei.
Contudo, na prática, verifica-se que essa competência acaba por ser exercida pelo membro do governo responsável pela tutela da comunicação social, conforme, aliás, estabelece a actual Lei da Televisão em matéria de competência relativamente à aplicação de contra-ordenações. Além disso, verifica-se que mesmo a Alta Autoridade para a Comunicação Social, quando pode aplicar as coimas, limita-se a endereçar o processo para a antiga Direcção-Geral da Comunicação Social, onde está o Gabinete de Apoio à Imprensa, a quem compete o efectivo processamento.
Ora, como é nossa intenção alargar a possibilidade de intervenção da entidade pública independente (porventura o futuro Conselho da Comunicação Social), a quem irá competir o poder regulador em matéria de comunicação social, no sentido de aumentar a sua capacidade de intervenção nesta matéria, julgamos que representa um correcto aperfeiçoamento do texto constitucional, contemplar, desde logo, neste artigo 37.º, a possibilidade de intervenção dessa entidade pública independente na esfera do ilícito da mera ordenação social.
Lembro que esta questão deve ser analisada em conjunto com as restantes alterações que propomos, nomeadamente aquelas que dizem respeito ao artigo 39.º, sobre a Alta Autoridade para a Comunicação Social, e que foram redigidas com o objectivo de permitir ao Conselho da Comunicação Social uma capacidade de intervenção mais lata nesta esfera.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se me permitem, gostaria de acrescentar que em matéria de liberdade de expressão e informação o actual texto constitucional parece prever, apenas, infracções penais. Se for feita uma interpretação puramente literal - que, aliás, é defendida por excelentes constitucionalistas -, isto torna inconstitucional a possibilidade de haver outros ilícitos e, sobretudo, de substituir os actuais ilícitos penais por outro tipo de ilícitos, nomeadamente os de mera ordenação.
Ora, o que acontece é que as leis da rádio e da televisão já têm muitos ilícitos de simples ordenação social que substituíram antigas contravenções, sendo que em relação à revisão da Lei de Imprensa uma das intenções da proposta de lei que está em preparação é substituir várias das actuais simples contravenções por ilícitos de mera ordenação.
Ora, esta interpretação literal (que, aliás, tem "bons pés para andar") tornaria inconstitucionais as formas de repressão sobre as infracções à liberdade de expressão e informação que não fossem exercidas por entidades privadas. Isto implicaria que as actuais contravenções previstas na Lei da Imprensa não pudessem ser substituídas por coimas a aplicar (e esta é outra inovação do PS) não pelo governo, não pela Administração, directamente, mas por uma entidade pública independente - a Alta Autoridade para a Comunicação Social - ou outra entidade específica independente quanto à aplicação de coimas, como, aliás, existe hoje em matéria de direitos e infracções contra crimes económicos e contra a saúde pública relativamente aos quais existe uma comissão específica de composição independente, presidida por um magistrado, que tem por objectivo a aplicação das coimas.
Portanto, parece-me que estes dois tipos de alterações que estamos a discutir resolvem um problema constitucional que existe, mas levantam um outro.
Já agora, chamo a atenção dos proponentes para o facto de que isto torna inconstitucionais as actuais coimas aplicáveis directamente pela Administração, o que significa que teriam de ser revistas rapidamente todas as leis que actualmente prevêem coimas aplicadas pela Secretaria de Estado da Comunicação Social, pelas câmaras municipais e pela Administração em geral.
Por outras palavras, no seguimento desta norma constitucional, ou se atribui esta competência à Alta Autoridade para a Comunicação Social ou ao órgão que a venha a substituir, ou então terá de ser criada, imediatamente, uma entidade para a aplicação das coimas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, não pretendo, propriamente, fazer uma intervenção de fundo, mas revelar a minha perplexidade ao ouvir o que está aqui em discussão.
Estamos perante um tema que é de especial sensibilidade democrática. Não é por acaso que ao longo destes 200 anos de democracia europeia, a opinião pública, a liberdade de expressão, o pensamento e a liberdade de informação

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fazem parte do conceito de democracia. Portanto, estamos a lidar com algo muito delicado.
A visão estabilizada no texto vigente foi a de que quaisquer infracções cometidas neste domínio deveriam ser submetidas aos princípios do direito criminal.
Ora, como sabemos, estes princípios são particularmente exigentes, porque são restritivos e não ampliativos. Por outro lado, reservou-se, num segundo momento, a competência aos tribunais judiciais, contudo, não sei se avançar nas duas frentes será prudente...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Barbosa de Melo, no nosso regime o recurso das coimas é para os tribunais judiciais, portanto isso não está posto em causa.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - O recurso, disse bem, Sr. Presidente, mas eu queria a primeira decisão, porque essa é que me preocupa. Eu queria ouvir mais ideias sobre isso.

O Sr. Presidente: - Em todos os milhares de infracções que hoje já existem na lei?

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Mas esta é particularmente delicada, pois tem a ver com a liberdade de expressão do pensamento.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Barbosa de Melo, em verdade lhe digo que conheço, porque tive de estudar isto em termos particulares.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Eu sei! E deu notícia bem dada daquilo...

O Sr. Presidente: - O que lhe digo é o seguinte: no dia em que o Tribunal Constitucional julgar que não é possível outro ilícito, se não o criminal, pura e simplesmente, toda esta ordem jurídica da comunicação social em Portugal entra em explosão e isto não é possível!

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Na verdade, eu queria ver se separava o problema da competência e o problema do direito substantivo. Se podemos abrir a primeira parte, ou seja "Ficam submetidas aos princípios gerais do direito criminal ou do ilícito de mera ordenação sendo a sua apreciação da competência dos tribunais judiciais", por exemplo, aqui só se abre de um lado não do outro...

O Sr. Presidente: - Pôr os tribunais a aplicar coimas?

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Por que não? É algum atentado contra a estrutura do Estado democrático? Não é!

O Sr. Presidente: - Não é; só que seria uma clara excepção.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Compreendo a preocupação do Sr. Deputado Barbosa de Melo e sei que estamos num domínio extremamente sensível e melindroso, mas é justamente para salvaguardar esse tipo de preocupações que nós avançámos com esta proposta, porque a situação actual, essa, é que, a nosso ver, é insustentável, porque, na prática, a competência para aplicar coimas e até a iniciativa do processo cabe, na esmagadora maioria dos casos, à própria Administração, no fundo, ao Governo.
Veja o artigo 52.º da Lei da Televisão: "Competência em matéria de contra-ordenações", n.º 1, "Incumbe ao membro do governo responsável pela área da comunicação social a aplicação das coimas previstas no artigo anterior", e são uma série delas, que vão de 500 contos a 5 000 contos pela inobservância do disposto numa série de artigos; n.º 2 "o processamento das contra-ordenações compete à Direcção-Geral da Comunicação Social (o actual Gabinete de Apoio à Imprensa) sendo a infracção verificada por iniciativa própria ou no seguimento de participação da Alta Autoridade para a Comunicação Social". Portanto, estamos num domínio altamente governamentalizado, digamos assim, na prática actual.
O que PS pretende com esta proposta é, de facto, desgovernamentalizar a prática que está a ser...

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Constitucionalizar também numa outra prática, porque essa era inconstitucional!

O Sr. António Reis (PS): - Não, desgovernamentalizá-la passando atribuições desta natureza, actualmente da competência do Governo e da administração central, para um entidade pública independente, um órgão de regulação independente, desgovernamentalizado de acordo, também, com o tipo de proposta que apresentamos para a composição desse órgão e que dará maiores garantias de independência em relação ao Governo e à administração desse órgão.
Por outro lado, aproveitar uma tendência em curso no direito contemporâneo fazendo com que a maior parte das infracções cometidas no âmbito das leis da comunicação social sejam sobretudo...

O Sr. Presidente: - Descriminalizadas!

O Sr. António Reis (PS): - Descriminalizadas e objecto, então, de um juízo na esfera do ilícito de mera ordenação social.
Creio que desta maneira estamos a ser mais sensíveis ao que há de específico em matéria de liberdade de expressão e informação e estamos sobretudo a contribuir para desgovernamentalizar, de facto, a situação actual na aplicação das coimas.
Isto porque, mesmo nas actuais competências, por exemplo, da Alta Autoridade para a Comunicação Social, figura, é certo, a possibilidade de também ela aplicar coimas, só que, na prática, a Alta Autoridade limita-se a endereçar o processo para o Gabinete de Apoio à Imprensa a quem compete, depois, todo o processamento das contra-ordenações, mesmo naquilo que a lei prevê que seja da competência específica da Alta Autoridade.
Portanto, julgo que todos teríamos a ganhar com a possibilidade de fazer com que a futura entidade pública independente, reguladora da comunicação social, tivesse uma maior competência neste domínio em detrimento das competências que actualmente cabem ao Governo e à administração central.
E não vejo como é que os tribunais judiciais poderão sobrecarregar-se com toda esta esfera do ilícito de mera ordenação social.

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O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Gostaria de deixar só uma nota: esta proposta, para além do que foi dito, remete também para um entendimento diverso e distinto e valerá a pena reflectirmos, porque aqui é um ponto de partida que, provavelmente, em termos doutrinários vai ter influência em todo um contexto das funções das entidades públicas independentes, que, neste momento, tem tido uma função só de elaboração de pareceres e de recomendações e as suas decisões, mesmo que precárias, têm sempre uma possibilidade de recurso, pelo que, abre-se, aqui, um novo quadro, a propósito desta entidade pública independente quanto à possibilidade de aplicação de coimas.
Este contexto geral de alargamento das funções merece, como, aliás, foi dito até pelas consequências que isso implica, naturalmente, uma reponderação.

O Sr. Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - É só para fazer um apontamento de uma coisa que disse há pouco, mas que fique claro que esta proposta trás como consequência o alargamento das sanções aplicáveis a quem infringe regras...

O Sr. Presidente: - Mas qual alargamento?

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - O alargamento das sanções, obviamente!

O Sr. Presidente: - Não, é a substituição de penas criminais por penas contra-ordenacionais.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Mas, na prática, quando a pena é criminal...

O Sr. José Magalhães (PS): - Há tendência para a descriminalização.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Não, não, quando se manda sujeitar as coisas aos princípios gerais do processo criminal isso significa que é restritiva a atitude de quem julga e ao passarmos para ilícitos de mera ordenação estamos a abandonar essa cultura, temos de ter consciência que estamos a fazê-lo, e estamos a entrar num domínio onde é mais fácil a punição. É isto que eu quero dizer.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, creio que é inequívoco - e deve estar presente no espírito de todos ao debater este artigo - que estamos a tratar da expressão de pensamento através de meios de comunicação de massa e, igualmente, através de outros meios.
Na verdade, creio que este aspecto é relevante, porque não estamos, nesta matéria, a tratar estritamente da televisão, de jornais, de rádio; estamos a tratar, também, da expressão de pensamento através do cartaz, do pendão, da inscrição mural e de outras formas.
E parece-me que esta questão é importante para equacionar dois problemas que aqui estão colocados: em primeiro lugar, creio que é de razoável bom senso constitucionalizar o ilícito mera ordenação social nesta matéria. Isto é, trata-se, no fim de contas, de ter em conta a própria realidade e de ter em conta que não é obrigatoriamente um crime a infracção cometida ao disposto neste artigo.
Neste aspecto, a lei já vai à frente da própria Constituição, criando os problemas que aqui foram referidos pelo Sr. Deputado Vital Moreira, entre outros, e que são problemas nos quais nós nos reconhecemos. Portanto, este aspecto parece-me que deve ser tido em conta.
Um outro problema é saber a quem deve caber a competência de aplicar as coimas, isto é estritamente aos tribunais judiciais ou também a outras entidades? E no caso de serem outras entidades, serão entidades públicas independentes ou não independentes?
Em primeiro lugar, e, como já foi, aliás, sublinhado, a aplicação de coimas por entidades públicas independentes é obrigatoriamente recorrível para os tribunais, ou seja, em última instância, a última palavra vai caber aos tribunais e este é um aspecto que me parece irrecusável.
A outra questão é saber se, por exemplo, para o conjunto de coimas que já existem em regulamentos municipais, têm que ver com cartazes, com pendões, com inscrições murais, etc., será realista exigir uma entidade pública independente para aplicar essas coimas e quais? Ou seja, todos os regulamentos que actualmente conferem competência a um órgão municipal para aplicar a coima, no futuro a quem é que caberia a sua aplicação? Directamente aos tribunais? Naturalmente que se colocaria o problema de saber se sim ou não, pois os tribunais poderiam ser "afogados" com uma determinada actividade que, muitas vezes, não colocaria outras questões, isto é, o cidadão conformar-se-ia com a coima achá-la-ia razoável e não recorreria.
Outra questão é que a proposta do PS exige uma entidade pública independente e isto coloca o seguinte problema: há matérias em que a Alta Autoridade com uma composição que não seja a de hoje - aberrante como sempre dissemos - pluralista, democrática, etc., poderia desempenhar esta função, mas há outras situações, e estou a pensar nos regulamentos municipais, em que fica uma grande interrogação, designadamente sobre qual seria a entidade vocacionada para tal.
Na verdade, pode dizer-se que esta é uma questão que caberá ao legislador ordinário, caberá, ulteriormente, ao Governo, à Assembleia da República como legislador ordinário, ponderar esta questão, mas o problema não deixa de estar em aberto. Ou seja, a nossa posição é a de que é preciso introduzir esta alteração que consideramos necessária - e não apenas conveniente - mas interrogamo-nos quanto à exigência de que a entidade pública seja independente pelo problema que coloquei e com um sublinhado muito importante: é que, em última instância, um cidadão pode ir terminar na entidade, por definição independente, que é o tribunal.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, na sequência desta questão, que, aliás, tem toda a pertinência, levantada pelo Sr. Deputado Luís Sá, a nossa ideia é consagrar

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a declaração de ilícito de mera ordenação social a entidade pública independente.
No entanto, não pensamos que haja um sistema concentrado em que essa apreciação caiba a uma determinada entidade pública independente. E, nesse sentido, essa sua preocupação de caber a uma entidade pública independente ou a outros órgãos, os quais na maioria dos casos exercem as diversas funções, não estaria fora destes nossos objectivos, sendo certo que, eventualmente, isto careceria de uma precisão terminológica que aqui não está suficientemente, a nosso ver, e depois da questão que foi levantada, consagrada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, gostaria de manifestar a disponibilidade do Partido Popular no sentido de constitucionalizar o ilícito de mera ordenação social, tal como consta na proposta do Partido Socialista, por aquilo que pensamos ser uma necessidade óbvia e que já está hoje consagrado em lei em várias situações.
Portanto, pensamos ser da maior prudência harmonizar esta matéria com o regime constitucional em vigor para que não seja possível virem a suscitar-se polémicas desnecessárias neste domínio complexo e melindroso como já foi referido.
Gostaria, ainda, de referir que, como disse o Sr. Deputado Luís Sá, por excelência, as entidades públicas independentes são os tribunais e nesta matéria nós pensamos, aliás, em coerência com o que propormos mais à frente relativamente à Alta Autoridade para a Comunicação Social, que nada melhor do que dar aos tribunais judiciais, também nesta matéria, um papel, que hoje não têm, e que poderia ser, de alguma forma, preventivo relativamente a polémicas e suspeitas que vão povoando o nosso dia-a-dia nesta complexa matéria da comunicação social e da liberdade de expressão e de informação.
Por isso, e em síntese, nós concordaríamos com a "constitucionalização" do ilícito de mera ordenação social, mas não concordamos com a última expressão do artigo do Partido Socialista por estas razões que, de resto, teremos oportunidade de escalpelizar mais adiante.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, do ponto de vista do PSD, esta proposta oferece-nos reservas.
A matéria é demasiado importante para que não fiquemos abertos a uma reflexão mais profunda sobre a mesma, mas oferece-nos bastantes reservas, repito, e, desde logo, por aquilo que já foi indiciado pelo Prof. Barbosa de Melo nos seus pedidos de esclarecimento iniciais, mas que, apesar desta primeira troca de impressões com o Partido Socialista, nos continua a preocupar.
No fundo, cotejando a continuação das propostas do Partido Socialista, nesta matéria, para a criação do Conselho da Comunicação Social, a nossa preocupação resulta do seguinte: até que ponto é que será legítimo, ou não, até que ponto será altamente pernicioso para o nosso sistema, dar a uma entidade - que, por variadas razões através das suas intervenções, é responsável como que pela cultura, em termos gerais, e que irá presidir à comunicação social nacional, no sentido amplo - poderes desta natureza, explícitos na Constituição, uma vez que fica como responsável pela cultura do sector?
Não estaremos aqui a correr o risco de criar uma entidade toda poderosa que, de certa forma, actue em paralelo com os tribunais, para não dizer à revelia dos tribunais? Obviamente, não será essa a intenção, mas o certo é que essa entidade ficaria com plenas competências para pensar, julgar e decidir sobre aquilo que, em termos de liberdade de expressão e de pensamento, é tão fundamental para o nosso sistema.
São concretamente este tipo de preocupações que nos levam a ter aqui algumas cautelas, pelo que o PSD vê com algumas reservas esta proposta. Em qualquer circunstância, pensamos que esta proposta tem de ser lida em conjunto com o que vem depois à frente, e, assim, precisamos de reflectir sobre se o que se propõe aqui é exactamente cometer ao Conselho de Comunicação Social ou a outras entidades determinadas competências, porque, pelas palavras do Sr. Deputado António Reis, foi feita a ligação entre este preceito e aquele que vem à frente em termos da própria composição que está proposta para o Conselho de Comunicação Social.
Porém, posteriormente, também ouvi o Sr. Deputado Alberto Martins dizer que esta entidade independente que aqui se refere, talvez não fosse apenas o Conselho de Comunicação Social. Então, se não é apenas o Conselho de Comunicação Social, o que será também?
É todo este conjunto de preocupações que, neste momento, o PSD mantém, pois não ficámos totalmente esclarecidos, ou pelo menos tranquilizados, sobre os efeitos que a aceitação de uma proposta destas poderia ter e, portanto, nesta fase, o PSD reserva-se uma posição, não escondendo com toda a frontalidade que é com alguma preocupação que vê a "mexida" numa matéria tão delicada como esta na Constituição, sem que haja uma profunda reflexão e sem que se tente visualizar e antecipar todos os efeitos subsequentes a uma tomada de decisão deste tipo.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, estou a ver que a intervenção do Sr. Deputado Luís Marques Guedes nos conduziu, agora, para o cerne da questão, pois, de facto, o que está aqui em causa é, afinal de contas, o juízo que cada um de nós poderá fazer, neste momento, sobre a efectiva importância, em termos constitucionais, de uma entidade como a Alta Autoridade para a Comunicação Social ou o eventual futuro Conselho de Comunicação Social. Isto porque, de acordo com a Constituição em vigor, a Alta Autoridade para a Comunicação Social tem um conjunto de poderes teoricamente importantíssimos. Basta ler o n.º 1 do artigo 39.º onde se diz que: "O direito à informação, à liberdade da imprensa e à independência dos meios de comunicação social perante o poder político e o poder económico, bem com a possibilidade de expressão e controlo das diversas correntes de opinião e os artigos dos direitos de antena, de resposta e de réplica política, são assegurados por uma Alta Autoridade para a Comunicação Social.".
Ora, o que está aqui em causa é a possibilidade de um órgão deste tipo a quem cabe uma missão com esta importância, ter os meios efectivos à sua disposição para,

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na prática, atingir os objectivos que a Constituição lhe destina.
Na verdade, o que vemos é que ao longo destes anos de funcionamento da Alta Autoridade: por um lado, por uma razão de contestação da sua efectiva independência em relação ao poder político, a nosso ver uma razão bem fundada devido ao tipo de composição que lhe foi imprimido, por outro lado, por uma efectiva falta de meios práticos para fazer valer, na prática, a sua autoridade, estas missões não foram asseguradas.
Quando no artigo 37.º abrimos, desde já, esta possibilidade, embora, como disse o Sr. Deputado Alberto Martins, para responder à preocupação do Sr. Deputado Luís Sá, não possamos encarar apenas a existência de uma entidade pública independente para tudo o que é o ilícito de mera ordenação social, quando abrimos esta possibilidade, repito, estamos a dar meios efectivos a esse órgão de regulação para cumprir a missão que actualmente a Constituição já lhe dá.
Em bom rigor, da intervenção que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes acabou de produzir, eu deduziria que o PSD gostaria de ver "desconstitucionalizada" ou pelo menos eliminado da Constituição o próprio órgão, porque se o constitucionalizou e é esse o sentido da proposta apresentada pelo Sr. Deputado Pedro Passos Coelho...

O Sr. Presidente: - Não víamos nada na proposta do PS nesse sentido.

O Sr. António Reis (PS): - Exactamente! Mas o PSD...

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Analisaremos com muita seriedade.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a Alta Autoridade para a Comunicação Social, ainda não está em discussão, peço-vos que aguardemos...

O Sr. António Reis (PS): - Tudo isto está ligado, mas se não reconhece a importância de, desde já, no artigo 37.º abrir esta possibilidade, e com a argumentação que acabou de produzir, então logicamente deveria aderir à proposta do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho que é da eliminação, pura e simples, de um órgão da Constituição.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Já discutiremos!

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, proponho que voltemos às questões essenciais que estão envolvidas nesta proposta e que nada têm que ver directamente com a Alta Autoridade para a Comunicação Social voltando a esse assunto quando, daqui a uns momentos, discutirmos as propostas relativas ao artigo 39.º da Constituição.
O que está em causa é o seguinte: neste momento, e fazendo uma intervenção restritiva, parece-me que a Constituição, em matéria de liberdade de expressão e informação, não contempla outro tipo de infracções que não sejam as infracções penais.
Acontece que as leis estão cheias de infracções não penais, estão cheias de infracções de ilícito da mera ordenação social punidas com coimas aplicadas directamente pela administração, seja o Governo, sejam as câmaras municipais.
Por outro lado, no projecto da lei de imprensa viu-se que haveria vantagem em transformar, também, as actuais contravenções, que penalizam criminalmente certas infracções menores, em ilícitos de mera ordenação social o que nessa interpretação restritiva não poderia ser feito. Esta proposta visa tornar claro que além das infracções penais pode haver infracções de mera ordenação social, ou seja, que as actuais infracções penais podem ser descriminalizadas.
O segundo ponto, é saber quem aplica as coimas, pois no nosso sistema o ilícito de mera ordenação social é uma questão da administração. Seria a meu ver, assistémico e exótico, pôr, nesta área particular, os tribunais a aplicar coimas, a gerir o ilícito de mera ordenação social, pois assim não haveria vantagem nenhuma em descriminalizar e então manter-se-iam as contravenções.
Penso que seria uma solução assistémica e, sobretudo, praticamente, incomportável, porque, a meu ver, não tem sentido entregar aos tribunais as dezenas e dezenas de ilícito de mera ordenação social que hoje já são da competência da administração.
Portanto, o que o PS propõe é que a aplicação das coimas, que hoje é da competência da administração directa do Estado ou autónoma municipal ou regional, passe a competir a órgãos independentes. Isto é moderno e está de acordo com as soluções de direito comparado. Desde a FCC (Federal Comunication Comission) americana, e isto vem desde os anos 30, copiada nos últimos 10, 15 anos na Europa, que as questões da comunicação social, de facto, foram "desgovernamentalizadas", foram atribuídas a uma autoridade independente que tem competência reguladora e competência sancionatória.
Ao fim e ao cabo, a FCC é o modelo em que se basearam as sucessivas autoridades de regulação independentes europeias, francesas, espanholas, italianas e finalmente portuguesa, ressalvada a composição anómala e governamentalizada que ela tem na actual Constituição.
Mas, independentemente de Alta Autoridade, ou não, a verdade é que o que o PS propõe é, por um lado, resolver um problema constitucional, isto é, constitucionalizar, se é que hoje são inconstitucionais - como alguns entendem - o ilícito de mera ordenação social em matéria de liberdade de expressão e informação e, por outro lado, desgovernamentalizar a aplicação das coimas, exigindo que elas sejam aplicadas não directamente pelo Governo ou pela administração, mas por autoridades públicas independentes, uma das quais será a Alta Autoridade, mas que pode ser outra.
Recordo, repetindo, aliás, o que já disse, que, hoje, a aplicação de coimas em matéria de ilícitos contra a saúde pública e a economia nacional existe uma comissão de aplicação de coimas, isto é não é a Administração que aplica as coimas, é, sim, uma comissão, aliás, independente, cuja competência é, pura e simplesmente, a da aplicação de coimas. Essa é a realidade!
E há outras autoridades administrativas independentes que já têm capacidade sancionatória, como todas as autoridades administrativas independentes americanas que são o modelo que a Europa seguiu nos últimos 20 anos e, lembro, mais uma vez, que a generalidade das autoridades administrativas independentes europeias seguiram o modelo americano.
Portanto, o propósito é bom, a solução, a meu ver é razoável, é moderna e sinceramente é com alguma inquietação que eu vejo as reservas levantadas quanto à proposta, em todo o caso, elas são, de todo em todo, razoáveis.

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Penso que já não avança muito, nesta fase da discussão, o alcance da proposta está feito, as reservas que possam ser levantadas contra ela estão feitas, portanto não creio que a proposta esteja inviabilizada, agora, a meu ver, fica de remissa sem prejuízo de dar a palavra a quem a pediu.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço desculpa por discordar de algumas das observações que, em termos de síntese, fez do debate que travámos aqui na última meia hora.
Sr. Presidente, com toda a franqueza, as reservas do PSD também resultam do facto de nós entendermos que isto, no fundo, também parte um pouco de um pressuposto, do nosso ponto de vista, errado quanto à interpretação da actual Constituição.
O Sr. Presidente na síntese que esboçou, indirectamente, deixou claro que, no seu entendimento, o actual texto da Constituição submete as infracções cometidas à liberdade de expressão e informação ao direito criminal.

O Sr. Presidente: - Não, não, desculpe, eu não exprimi a minha opinião; eu referi-me a certa interpretação que não é a minha! Penso que o programa normativo do actual n.º 3 do artigo 37.º abrange apenas infracções criminais sem excluir a possibilidade de outro tipo de infracções.
Mas essa é a minha interpretação, que aliás...

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - O que diz é que está sujeito aos princípios, isto é, não há poluição sem um determinado excedente da infracção; presume-se a falta de culpa até ela se provar, se houver duplo grau de jurisdição…

O Sr. Presidente: - O princípio do contraditório tem de funcionar!

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Ora, é isto o que se diz, não se diz só que são crimes! Diz-se é que as infracções cometidas no exercício deste direito estão sujeitas aos princípios gerais do direito penal. Não se diz que são crimes.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Barbosa de Melo, as nossas interpretações - a sua e a minha - menos restritivas, relativas ao n.º 2 estão registadas. Só que, infelizmente, não somos um tribunal constitucional, nem, a partir desta Comissão, temos poder para decretar a interpretação autêntica desta norma constitucional.
O problema existe e, provavelmente, esta opinião, que aqui expusemos, não vinga no Tribunal Constitucional e, se calhar, nem será maioritária nos outros insignes constitucionalistas, que não as nossas pessoas.
Portanto, não tendo nós a capacidade para decretar uma interpretação autêntica e, existindo o problema, creio que nós, como Deputados, revisores da Constituição, devemos encarar um problema real, que existe, não com a nossa ideia sobre o que deva ser a interpretação desta norma, mas, sim, tendo em conta a provável interpretação que os operadores jurídicos farão desta norma.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente agradeço a precisão.
De qualquer modo, emendando o alvo da minha discordância, agradeço pois que V. Ex.ª tenha clarificado ser a sua posição ligeiramente diferente. Em qualquer circunstância, a posição do PSD, no fundo, é esta: discordamos, porque, se o legislador constituinte tivesse querido dizer isso, teria seguramente redigido o n.º 3 de uma outra forma.
Quanto à questão do Tribunal Constitucional, Sr. Presidente, permita-me apenas comentar que, neste caso concreto, estamos numa situação profundamente diferente daquela que tratámos aqui, em reuniões passadas, relativamente a outros institutos, nomeadamente, quando falámos da extradição, recordo-me agora, matéria relativamente à qual estamos, de facto, confrontados com acórdãos, com posições, com jurisprudência perfeitamente firmada sobre essa matéria por parte dos tribunais, não sendo isso o que acontece nesta matéria. Felizmente, que eu tenha conhecimento, não existe jurisprudência firmada, nem acórdãos peremptórios do Tribunal Constitucional, no sentido de declarar inconstitucional qualquer sistema contra-ordenacional em matéria de comunicação social.
Pelo contrário, como o Sr. Presidente e o Sr. Deputado António Reis citavam há pouco nas suas intervenções, existe um complexo bastante vasto de mecanismos contra-ordenacionais que estão em vigor e que de uma forma ou outra são respeitados na ordem jurídica! Já não sei se, depois, são ou não cumpridos pelos infractores! Mas isso é como tudo, num Estado de direito como o nosso...! Portanto, são coisas distintas.
Já agora, terminava, congratulando-me com a clarividência com que o Sr. Deputado António Reis pegou nas palavras, que há pouco bocadinho tentei deixar, em termos de posição política por parte do PSD, e que são as seguintes: no fundo, para o PSD, o que está por discutir, numa questão tão fundamental como esta, é, exactamente, saber se o caminho azado, nesta altura, é, como o PS aparentemente propõe (e veremos isso à frente, nos seus contornos exactos), o de reforçar e acrescentar competências a esta forma de gerir a tal cultura da comunicação social, através de um órgão deste tipo, reforçando-lhe a sua capacidade de intervenção, ou se a opção do legislador constituinte em 1996 era outra. Esta é que é a questão política fundamental e sobre ela falaremos, como o Sr. Presidente disse, mais adiante.
De qualquer maneira, as discussões não se podem fazer completamente em separado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, ficam registadas as reservas do PSD quanto à proposta em geral e as do PP quanto à questão da aplicação das coimas.
Vamos passar à apreciação do artigo 38.º, relativamente ao qual existem muitas propostas de alteração. Seguindo a norma que tem sido a minha vamos apreciá-las ponto por ponto: primeiro, as propostas de alteração do que está redigido, depois, as propostas de aditamento de novos números.
Nesta conformidade, quanto às propostas de alteração: as primeiras são propostas de alteração da alínea a) do n.º 2 do artigo 38.º sobre "Liberdade de imprensa e meios de comunicação social". No seu n.º 2 consta que "A liberdade de imprensa implica: a) A liberdade de expressão (…)", etc. Propõem alterações a este número o PS, o Deputado Cláudio Monteiro, e o Deputado João Corregedor da Fonseca.

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Vou dar a palavra, por esta ordem, aos respectivos proponentes para apresentação e justificação das propostas, caso o entendam necessário. Peço-lhes, no entanto, que sejam o mais breves possível.
Para apresentar a proposta do PS de alteração da alínea a) do n.º 2 do artigo 38.º, tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: O sentido na nossa proposta de alteração parece-nos claro, por se verificar na situação constitucional actual que os jornalistas dos órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado sofrem de uma espécie de capitis deminutio, pois, na prática, têm menos poderes do que os jornalistas de quaisquer outros órgãos de comunicação social, porque estão impedidos de intervir na orientação editorial dos respectivos órgãos de comunicação social.
Não nos parece que esta seja a boa solução; pelo contrário, pensamos que os jornalistas de órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado, a entidades públicas, têm, de facto, tantos poderes e direitos como quaisquer outros. Por isso, não faria sentido estarmos a manter esta discriminação negativa em relação aos jornalistas dos órgãos de comunicação social pertencentes ao Estado.
De certa maneira, a situação deveria ser inversa, ou seja, neste tipo de órgãos de comunicação social até deveria suscitar-se uma maior capacidade de intervenção por parte dos jornalistas, daí o sentido da alteração proposta.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro é convergente com esta? Carece de reforço?

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, quero apenas acrescentar apenas uma nota que é a seguinte: tal como o artigo está redigido (que, aliás, pertence a uma realidade que já não é a actual da comunicação social, pois foi redigido numa altura em que a comunicação pública estatal tinha uma outra dimensão que não tem hoje), parece que o Estado é equiparado às organizações políticas e religiosas, parecendo mesmo que se retira daqui um princípio de uma ideologia de Estado que teria a mesma salvaguarda que têm os órgãos de comunicação social, de natureza doutrinária ou confessional.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Cláudio Monteiro, esse risco não existe, como os comentadores bem observaram.
Há que referir ainda uma proposta do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, coincidente com estas neste ponto mas acrescentando mais outras duas alterações. Uma delas: onde a Constituição diz "jornalistas e colaboradores literários", passará a dizer-se "jornalistas e colaboradores", ou seja, colaboradores tout court, e portanto, alargando o direito de participação a todos os colaboradores; a outra: "bem como a intervenção dos primeiros" - isto é, dos jornalistas - "através dos conselhos de redacção", deste modo explicitando que a intervenção se faria através de "conselhos de redacção", o que, devo dizer, va de soi no actual texto constitucional.
Assim, uma vez apresentadas as propostas (apresentei a do Deputado João Corregedor da Fonseca que não se encontra presente), elas ficam abertas à consideração dos Srs. Deputados.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Muito brevemente, manifestamos a nossa concordância com a proposta de alteração, apresentada pelo PS. Aliás, a nossa posição, mesmo quando existia um sector público da comunicação social ou se fosse necessário ele existir (como seria, a nosso ver, mas que, infelizmente, já não existe), foi sempre a de que não haveria qualquer razão para os profissionais da comunicação social terem os seus direitos diminuídos neste sector.
Todavia, diga-se, em rigor, que, se ao longo do tempo tivesse havido outro entendimento deste problema, talvez as coisas até pudessem ter-se resolvido de outra forma. O facto é que a prática revelou que, efectivamente, muitos destes direitos foram diminuídos ao longo dos anos. Apesar de ter mudado a situação, nada permite concluir que, em termos de propriedade, não possa vir a colocar-se uma situação nova, em relação aos órgãos de comunicação social e ao papel do Estado neles.
Portanto, convém que, em sede constitucional, desde já, se deixe claro que não há razão alguma para que, numa situação deste género, os direitos dos jornalistas sejam coarctados por qualquer forma.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, estão à consideração as propostas de alteração, relativas à alínea a) do n.º 2, concretamente, a do PS, a do Deputado Cláudio Monteiro e a do Deputado João Corregedor da Fonseca, coincidentes no sentido de eliminarem a restrição, que hoje existe na Constituição, relativamente à participação dos jornalistas na orientação dos meios de comunicação social públicos. O PCP acaba de dar-lhe o seu acordo.
Quanto à proposta do Deputado João Corregedor da Fonseca, no sentido de eliminar a qualificação dos colaboradores, ou seja, onde se diz "colaboradores literários" passar a dizer-se "colaboradores" tout court, e no sentido de explicitar que a intervenção é feita através de "conselhos de redacção".
Srs. Deputados, estas propostas continuam à consideração.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente: Na ausência do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca quase me atreveria a dirigir um pedido de esclarecimento directamente ao Sr. Presidente, não no sentido do conteúdo exacto da proposta mas sim para, eventualmente, clarificar um pouco mais aquele que deve ser o entendimento correcto a dar ao actual texto constitucional.
Desde logo, devo confessar que não consigo entender exactamente o que é que, no actual texto constitucional, se pretende dizer com "colaboradores literários". Porque é que esta palavra "literários" aqui está? Provavelmente, existirá alguma razão na génese, na origem da formulação do texto, a justificar o modo como assim ficou, mas confesso que me escapa, por isso agradecia se o Sr. Presidente pudesse elucidar-nos.
Isto serve também para dizer, quanto a esta primeira parte da sugestão de alteração constante apenas da proposta do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, que, à partida, a nossa posição é favorável, salvo uma explicitação dos termos literários que nos leve a reponderar. Na verdade, não entendemos sequer o porquê, nem o alcance exacto, ou seja, o que é que se pretende compartimentar ou distinguir com este inciso na Constituição. Portanto, entendemos que se ele sair daqui, sairá com vantagem.

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Quanto à segunda parte, que é comum às propostas do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, à do PS e à do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, é evidente que, em termos de resultados práticos, o PSD concorda com o resultado da retirada destas palavras no texto constitucional porque, de facto, também não compreendemos minimamente por que é que os jornalistas da RTP ou da RDP, (penso que a questão se coloca actualmente quanto a estes jornalistas e também aos dos órgãos regionais bem como da imprensa que existe), poderão ser comparativamente diminuídos em relação aos seus colegas de outros órgãos. Isto, independentemente de entendermos que, no fundo, a intenção do legislador constituinte nunca foi esta, tal como penso que esta justiça também pode fazer-se relativamente ao actual texto.
Sr. Presidente, eu pensava que a intenção era a de que nos órgãos de Estado não podia haver uma orientação editorial sectária. Como tal, era mais nesta pressuposição que não fazia sentido haver discussões sobre qual seria o estatuto editorial dos jornais porque ele estava definido, à partida, como isento e imparcial.
Mas, enfim, se o Sr. Presidente diz que talvez não tenha sido exactamente esse o contexto, é óbvio que acredito.
Seja como for, obviamente que o PSD também concorda, quanto mais não seja para deixar claro aquilo que, do nosso ponto de vista, é uma realidade irrenunciável Portanto, está fora de causa.
Quanto à primeira parte, também damos o acordo à ablação da palavra "literários". Todavia, agradecia, se alguém me pudesse explicitar melhor qual o alcance disto.

O Sr. Presidente: - Estão inscritos para intervirem os Srs. Deputados António Reis, Ruben de Carvalho e, depois, Jorge Ferreira.

O Sr. António Reis (PS): - Em relação à expressão "colaboradores literários", creio tratar-se de uma herança da Lei de Imprensa, de 26 Fevereiro de 1975, em que se privilegiava, naturalmente, também em grande parte, a imprensa escrita; por outro lado, julgo que ao tempo, pelo menos, ainda não havia tanta sensibilidade àquilo que, depois, foi invadindo (e felizmente!) a imprensa - como por exemplo, os colaboradores de cartoons e depois os meios audiovisuais, como é evidente.
Portanto, funcionou aqui a "lei da inércia" relativamente à Lei de Imprensa que acabou por imperar, pelo que também nada temos a objectar em relação a isso.
Evidentemente, tem de ter-se em conta que são colaboradores no âmbito da intervenção do produto próprio do audiovisual, do seu conteúdo específico, porque, senão, poderíamos ter também aqui uma noção de "colaboradores" demasiado lata que abrangeria todo aquele que interviesse no processo de produção de material, mesmo, do órgão - também é preciso ter isso em atenção. A nossa memória de 1975, nesse aspecto, ainda está viva.
Também gostaria de dizer que vemos com bons olhos o acrescento proposto pelo Deputado João Corregedor da Fonseca, no sentido de se acrescentar que essa intervenção deve ser feita através dos "conselhos de redacção". Parece-me ser, no âmbito de qualquer órgão de comunicação social, o meio institucional normal para se proceder a essa intervenção dos jornalistas no domínio editorial.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, não vou incomodar a Assembleia com o historial das terminologias da imprensa. Mas esta terminologia "colaborador literário"...

O Sr. Presidente: - Pessoalmente, agradeço-lhe essa economia!

Risos.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Esta terminologia "colaborador literário" tem que ver com o facto de, em qualquer jornal (e no tempo em que a imprensa era o elemento dominante dos meios de comunicação social), haver um outro tipo de colaboradores que não tinham nem um estatuto regular de colaboração nem um estatuto de apresentação de um produto final, relacionado com a própria publicação. Ou seja, o estatuto de colaborador poderia ser concedido a um mero correspondente de província, por exemplo, cuja única intervenção consistia em fazer um telefonema a informar sobre um evento e que, por conseguinte, não detinha um papel de intervenção regular escrita que pudesse ser equiparado ao de intervenção profissional no órgão de comunicação.
Aliás, na Constituição, até houve uma procura de clarificação disto. Gomes Canotilho diz que… Gomes Canotilho e Vital Moreira, claro!

Risos.

Não sei qual deles esclareceu esta situação!

O Sr. Presidente: - Em co-autoria!

O Orador: - Dizem estes autores que o direito é extensivo aos colaboradores literários, ou seja, aos colaboradores regulares externos.
É evidente que, hoje em dia, com o audiovisual a situação muda substancialmente de figura, porque, não só há uma área de colaboração que não é literária - é a fotografia, o cartoon, o desenho, o grafismo - dentro da própria imprensa; fora da própria imprensa, no que diga respeito à rádio e à televisão, verificam-se muitas outras manifestações.
Contudo, confesso que, mesmo admitindo a possibilidade de retirar o termo "literário", penso que se criaria uma situação que poderá ser equívoca, embora clarificada depois em termos de legislação desde que tome isso em consideração, porque, a não ser assim, esta (chamemos-lhe) latitude absoluta do colaborador poderá eventualmente levantar algumas dúvidas e dificuldades de funcionamento operacional, em termos de órgão de comunicação social.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, há um ponto sobre o qual, suponho, ainda não se pronunciaram todos.
Assim, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: Só para expressar a nossa concordância com a supressão da expressão relativamente ao Estado, constante desta alínea, no sentido da proposta feita pelo

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PS, concordância essa reforçada com a lembrança da intenção inicial do legislador constituinte. Portanto, pensamos que é absolutamente aconselhável essa supressão e estamos de acordo com a proposta.
Relativamente à expressão "colaboradores literários", entendemos que, de facto, há que ter cuidado na delimitação constitucional do conceito, não só pelas realidades que hoje existem e não existiam na altura, como pelos efeitos que pode ter uma nova redefinição. Nem sei se não seria aconselhável, eventualmente, remeter para legislação ordinária a explicitação deste conceito para nessa sede serem apurados os contornos desta entidade, sob pena de se poder cair em generalizações que, penso, ninguém deseja, e seriam erradas do ponto de vista da definição e da participação dos profissionais da comunicação social nas orientações editoriais dos órgãos de comunicação social.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, creio que a discussão retoma um rumo que, em alguns aspectos, pode suscitar dúvidas e interrogações que importaria dissipar, se fosse possível.
Aquilo que se pretende garantir é a participação de uma determinada categoria de profissionais e, em geral, a liberdade de expressão de todos.
Ora, em relação à liberdade de expressão e criação dos colaboradores literários - dos chamados "colaboradores literários" com o sentido que isso tem e a doutrina foi sedimentando, sem oferecer dificuldades especiais e que, aliás, exibe, hoje em dia, uma variedade maior de expressões relativamente a estes tipos de colaborações do que em 1976 -, portanto, quanto à liberdade de expressão e criação deste tipo de cidadãos, não deve subsistir dúvida alguma de que ela tem de (e deve) ser garantida constitucionalmente, devendo ser garantida nos termos em que o é hoje, porque só faltava era que alguém fosse interpretar uma mutilação desse tipo como se tal autorizasse fenómenos de discriminação de censura ou de limitação à liberdade de criação (sei lá!, por exemplo) de autores de colunas de opinião ou daqueles que intervêm no dia-a-dia da comunicação social nos vários escalões. Portanto, isso é e deve continuar a ser garantido.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, a sua liberdade de expressão como colaborador literário não está em causa!

O Sr. José Magalhães (PS): - Como?!

Risos.

O Sr. Presidente: - Eu disse que a sua liberdade de expressão como colaborador literário de vários meios de comunicação social não está em causa, aqui!

Risos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Ó Sr. Presidente, só nesta mesa estão quatro! Mas a questão não é pessoal, naturalmente!

O Sr. Presidente: - Mas permita-me seleccionar o Sr. Deputado, que, nessa…

Risos.

O Sr. José Magalhães (PS): - Ó Sr. Presidente, fico desvanecido! Mas, dada essa qualidade de representante do que quer que seja, sou representante de qualquer criador. Isto é, não faz qualquer sentido mutilar a norma constitucional na acepção de suprimir uma componente, até porque a preocupação de alguns dos Srs. Deputados que é "o poder de intervenção na orientação", esse é reservado aos jornalistas - expressão, que, como sabem, aliás, também se alterou.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos por adquirido o seguinte: deverá ser retirada a actual restrição ao direito de intervenção dos jornalistas nos meios de comunicação públicos - verificando-se consenso quanto à proposta, o que de resto já constava de três projectos de lei.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço a palavra, pedindo desculpa por algum atraso.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra, Sr. Deputado.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A intervenção do Sr. Deputado deixou-nos aqui alguma reflexão, e eu queria apenas pedir uma clarificação ao Sr. Deputado Ruben Carvalho, se mo permitisse.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
A seguir, usará da palavra o Sr. Deputado Ruben Carvalho, para prestar esclarecimentos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, a propósito da explicitação que fez, quanto à correcta interpretação e à razão de ser deste termo literário, pedia-lhe que clarificasse a sua preocupação.
Se bem entendi a preocupação do Sr. Deputado, V. Ex., no fundo, tocou numa questão que nos pareceu merecer reflexão e é a seguinte: manter, pura e simplesmente, "colaboradores literários" teria certa lógica e referia-se a uma determinada situação que existia e era conhecida de toda gente; porém, se fosse meramente retirado o adjectivo "literários" isso poderia pôr em causa um entendimento demasiado amplo e, por sua vez, poderia criar dificuldades por ser permitido o entendimento de que, caso alguém enviasse um papel para um jornal e este decidisse não o publicar, isto estaria ou não a violar a liberdade de expressão desse colaborador?
Ora, o meu pedido de esclarecimento vai no sentido de que nos clarificasse qual o seu entendimento sobre esta questão.
Portanto, a pergunta que lhe fazia era se não deveríamos, prudentemente (e mesmo que retirássemos "literário" por de facto ter caído em determinada desadequação face à realidade actual da comunicação social e suas variadas vertentes), substitui-lo talvez por algo que tenha que ver com o sentido de "regular", "permanente" ou significado afim.
Sugiro isto precisamente para não se dar uma latitude tão ampla que, de hoje para amanhã, pudesse levar a interpretações

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erróneas que permitisse ser feita a acusação de censura ou menor respeito pela liberdade de expressão, contra um órgão de comunicação social, por um qualquer colaborador.
De facto, se existem colaboradores permanentes, regulares, com alguma ligação ao órgão de comunicação social, depois, há todos aqueles que uma vez por outra podem dar algum contributo; e então, estes colaboradores episódicos depois poderiam, numa outra circunstância, vir dizer: Não, não. Atenção! Tenho constitucionalmente o direito da liberdade de expressão e criação! Portanto, os senhores façam o favor de publicar isto, porque sou (ou, porque fui) colaborador do jornal.
Em suma, a pergunta que lhe faço é se foi ou não essa a preocupação que deixou?

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A minha preocupação vai um pouco nesse sentido.
É que o termo "colaborador", em si próprio, é de uma amplitude absoluta, não havendo qualquer tipo de limite a uma colaboração que possa ser prestada à feitura de um jornal, a uma emissão de rádio, ou à emissão de um filme; quer dizer, qualquer profissão, desempenhada habitualmente no quadro profissional de qualquer um destes órgãos, que seja exercida de outra forma que não no quadro permanente da empresa em questão, configurará um colaborador, daí o adjectivo "literário", porque, efectivamente, os jornais tinham infindos colaboradores que não tinham uma intervenção directa, equiparada (digamos assim) no seu produto final à dos jornalistas.
Porém, literário, aqui, não tem que ver com literatura, na acepção de obra literária, mas sim de escrita e, por conseguinte, seria alguém que produzisse um produto escrito regularmente para o jornal, não como membro do quadro permanente do redactorial do jornal, mas, como colaborador com um estatuto mais ou menos permanente. Daí, esta precisão do adjectivo "literário".
Ora bem, se retirarmos o adjectivo "literário", qualquer pessoa em qualquer situação pode, teoricamente, ser um colaborador!
É claro que o adjectivo "literário" deixa de fazer sentido porque há todo o cabimento em aplicar os mesmos direitos de independência, etc., a outro tipo de funções, que, hoje, já não são, pura e simplesmente, de escrita mas serão tomar imagens - um colaborador fotográfico, um camera-men free-lancer, etc., donde, haverá toda a legitimidade. Só que, colaborador também poderá ser um puro empregado administrativo...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço-lhe que abrevie!

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Se, porventura, uma determinada empresa de comunicação social entregar a sua contabilidade a um free-lancer, poderá legitimamente dizer-se que este é um colaborador dessa empresa.
Pedia autorização ao Sr. Presidente para recordar o seguinte: aquando da atribuição das frequências - e este não é um assunto tão supérfluo quanto isso -, a maioria PSD da altura impôs um peculiar julgamento e uma peculiar definição à expressão "profissional da comunicação social" que, nos termos da lei, era beneficiado, desde que as empresas concorrentes fossem constituídas, dizia-se, maioritariamente, por profissionais da comunicação social.
Ora, como os produtos concorrentes que receberam os alvarás, em muitos casos, não satisfaziam esta condição, a Comissão "descobriu" o peculiar conceito de que "profissional da comunicação social" é qualquer pessoa que trabalhe numa empresa de comunicação social, desde o porteiro até ao administrador. Então, a partir daí, por exemplo, o Sr. Carlos Barbosa, por hipótese, passou a ser um "profissional de comunicação social", embora não se lhe conheça qualquer tipo de actividade prática e objectiva nessa área.
Por conseguinte, esta atitude de deixar no ar conceitos, quando, mesmo quando são explícitos, como é o caso de "profissionais de comunicação social", podem ser torcidos por conveniência circunstancial de quem dê condições para impor… Penso que eliminar o adjectivo "literário" é complexo, mas talvez pudesse adoptar-se a solução, que, apesar de tudo, clarifica um bocadinho a "regularidade" que já era apontada pelo Prof. Vital Moreira e pelo Prof. Gomes Canotilho, como um traço a clarificar esse conceito literário.
Porém, penso que em sede de legislação ordinária será possível clarificar melhor, nomeadamente em termos de revisão da Lei de Imprensa.
Assim, parece-me que deverá deixar-se aqui eventualmente apenas o termo "colaborador", embora correndo riscos nesse aspecto que não são resolvidos pelo facto de ser mantido o adjectivo "literário".

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins. Peço-lhe que seja breve, pois suponho que não avançaremos muito mais neste estado da questão.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Serei breve, Sr. Presidente, pois tenho também a ideia de que não é possível avançarmos muito mais.
Pensamos que, apesar de tudo, seria de manter a designação "colaboradores literários" no sentido de que os colaboradores a quem se colocam os problemas da liberdade de expressão e criação, que não sejam jornalistas, são colaboradores literários no sentido de que são aqueles que escrevem, aqueles que criam, aqueles que produzem. Hoje, a leitura e a escrita, ou a produção, não abrange apenas a leitura feita pela imprensa escrita; é outra. Digamos que, actualmente, os próprios códigos de leitura têm, em termos de definição, uma amplitude que abrange o audiovisual, a telemática e a escrita.
Deste modo, o conceito de colaborador literário pode ter uma leitura actualista, e por isso, resolve o problema de não serem apenas os colaboradores, porque esses são todos os que estão na máquina da imprensa, mas os relativamente aos quais se coloca o problema da liberdade de expressão e de criação são alguns, e são muito poucos, fora os jornalistas.
Por conseguinte, Sr. Deputado Ruben de Carvalho, penso que a preocupação que demonstrou tem pertinência neste sentido, ou seja, através de uma leitura actualista deste conceito.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em resumo, há consenso quanto à eliminação da restrição que diz respeito à participação dos jornalistas no sector público; há reservas quanto à questão da eliminação da qualificação "literária"

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para os "colaboradores"; há abertura para a explicitação de que a intervenção dos jornalistas se faz através dos conselhos de redacção - embora este ponto em particular não tenha ficado assente, até porque nem toda a gente se pronunciou quanto a ele.

Neste momento, assumiu a presidência o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos agora passar à discussão das propostas apresentadas pelo PCP e pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, relativamente à alínea b) do n.º 2 do artigo 38.º. Uma vez que o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca não se encontra presente neste momento, tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho para apresentar a proposta.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, em primeiro lugar, gostaria de referir que entendo que quem conheça a realidade da comunicação social compreenderá a razão de ser da nossa proposta. Em todo o caso, gostaria de sublinhar que a evolução mais recente da comunicação social pode, inclusivamente, ter clarificado alguma situação em relação a aspectos que são focados na proposta apresentada.
É necessário não esquecer que o jornalista, o profissional de comunicação social, ao qual a Constituição atribui o conjunto de direitos e obrigações inerentes ao papel que desempenha em termos sociais, é, na esmagadora maioria dos casos, um empregado por contra de outrem, é um profissional que trabalha numa empresa, que tem a sua hierarquia, que não é apenas uma hierarquia profissional como também uma hierarquia inerente ao estatuto de empresa, à posse de material da própria empresa, dos seus accionistas, etc..
De há cinco anos a esta parte, a evolução da comunicação social em Portugal, e até um pouco por todo o mundo, parece tender para uma certa atenuação quanto às contradições que existiam. Nomeadamente, defendeu-se um pouco a teorização da total compatibilização entre os interesses dos jornalistas, o exercício da sua profissão e a feitura do jornal e os interesses dos proprietários, accionistas e detentores do capital das empresas, que seriam inteiramente confluentes e, portanto, insusceptíveis de conflitos.
Ora, há experiências recentes em Portugal, e até projectos que se basearam nessa possibilidade de confluência, que demonstraram e vieram revelar que este é sempre um equilíbrio instável e que, por conseguinte, o conflito entre o exercício da profissão e o estatuto do jornalista pode surgir. O que se pretende acima de tudo é salvaguardar a condição do jornalista, que não pode ser pressionado em termos do exercício da sua profissão, no interior da empresa onde trabalha, por outros motivos que não aqueles que têm que ver com a sua própria profissão.
Trata-se, portanto, da defesa do exercício da profissão dos jornalistas - designadamente no que diz respeito à possibilidade de retirar a alegação, eventualmente injustificada, de um direito de despedimento por justa causa, pelo não cumprimento de uma ordem ou de uma indicação profissional eticamente não aceitável pelo jornalista - e de consagrar uma norma no sentido de defender e dar substância a todas as outras normas com que estamos a defender o exercício da liberdade de expressão e o exercício da actividade profissional dos jornalistas.

O Sr. Presidente (Barbosa de Melo): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, quero apenas dizer que me faz alguma espécie esta proposta do PCP, embora compreendendo as razões que lhe estão subjacentes e concordando com elas, em parte. Julgo que o conflito referido entre a independência hierárquica nas relações profissionais e a liberdade individual é um conflito que existe não apenas nos meios de comunicação social como, em rigor, no exercício de qualquer actividade profissional.
Admito que esse conflito possa ter uma relevância particular neste caso concreto, mas parece-me que só se justificaria uma excepção ou uma previsão expressa nesta matéria para tutelar outros valores constitucionais - designadamente os que implicam os direitos, liberdades e garantias individuais dos jornalistas -, que são tutelados por outras normas constitucionais, que, interpretadas em conjugação com estas, resolvem o problema.
De resto, em última análise, esta matéria é tutelada pelos preceitos relativos à liberdade de expressão, uma vez que a liberdade de expressão não é apenas a liberdade de exprimir mas também a liberdade de não se exprimir. Neste sentido, em última análise, o conflito é resolvido no âmbito das liberdades já previstas no texto constitucional que definem aquilo que é o elenco dos valores constitucionais que merecem essa tutela.
Assim, receio que uma previsão expressa nesta matéria possa de, alguma maneira, permitir o abuso da invocação desta excepção para além daquilo que seria necessário com vista a tutelar a liberdade individual dos jornalistas.

O Sr. Presidente (Barbosa de Melo): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, gostaria de dizer que verificamos que proposta apresentada pelo PCP, de facto, se limita a dar dignidade constitucional ao que já está consagrado na lei, designadamente no artigo 9.º, n.º1 do Estatuto do Jornalista, aprovado pela Assembleia da República em Agosto de 1979, no qual se afirma que os jornalistas não podem ser constrangidos a exprimir opinião ou a cometer actos profissionais contrários à sua consciência. Esta matéria já tem dignidade de lei e não vemos inconveniente em que passe a ter dignidade constitucional, pelo que não colocaremos qualquer objecção.

O Sr. Presidente (Barbosa de Melo): - Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, no seguimento do que já referiu o Sr. Deputado Cláudio Monteiro, gostaria de acrescentar que também nós temos o entendimento de que, quanto mais não seja pelos direitos fundamentais, há já salvaguarda suficiente no sentido de defender a consciência dos profissionais da comunicação social, bem como de qualquer outra área profissional.
De resto, embora esta seja uma área particularmente sensível no que respeita ao poder político, a verdade é que poderíamos invocar várias outras situações, envolvendo outros profissionais, que gerariam situações perversas, não do ponto de vista político mas do ponto de vista moral.

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Em relação à questão do aborto, podemos dar o exemplo do direito de um médico de não realizar um acto clínico dessa natureza, por ser contra a sua consciência, ainda que a lei o obrigue a tal.
Em relação a este caso, estando em causa também o direito à vida, não resultaria interesse menor do ponto de vista constitucional. No entanto, este conflito não traria para a revisão constitucional uma consagração ou reflexão particular apenas porque estamos num órgão mais político e, eventualmente, menos sensibilizado para discutir a questão que estou a invocar.
Portanto, concordando embora com a motivação que foi expressa, diria que ela deve ser alargada a todo o âmbito profissional. Aliás, do nosso ponto de vista, há já nos direitos fundamentais salvaguarda suficiente para que esse direito fique bem atendido em termos constitucionais, por conseguinte não vemos grande relevância em estar a fazer esta discriminação positiva em termos constitucionais no que respeita apenas aos profissionais da comunicação social.
Contudo, quero deixar claro que, em nosso entender, este é um direito que já se encontra abrangido pelos direitos fundamentais de todos os profissionais.

O Sr. Presidente (Barbosa de Melo): - Julgo poder retirar a conclusão de que esta a proposta está sujeita à ponderação dos Srs. Deputados.
No fundo, a proposta trata de explicitar um direito de objecção de consciência, tendo resultado claro das intervenções feitas que este é um direito geral dentro da Constituição. Na realidade, trata-se de uma variedade do direito de resistência que já está consagrado.
No que toca às vantagens de consagrar este direito explicitamente, penso que não ficou claro o entendimento dos Srs. Deputados sobre esta questão, mas não houve rejeição. É, pois, uma questão que merecerá uma maior ponderação na segunda leitura.
Assim, vamos passar à discussão da proposta apresentada pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca para alteração do artigo 38.º.
Penso que a fórmula apresentada nesta proposta não é muito explícita, uma vez que refere o direito dos jornalistas "ao acesso às fontes de informação (…)", tal como consta no texto vigente, referindo depois "bem como o direito de elegerem conselhos de redacção, os quais têm o poder de emitir parecer prévio na escolha de directores e chefes de redacção e de pronunciar-se sobre tudo o que diz respeito ao Estatuto do Jornalistas".
Suponho que o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca quis referir-se não aos jornalistas mas aos conselhos de redacção, isto é, penso que quis tornar precisa uma competência específica dos conselhos de redacção.
Srs. Deputados, o facto de o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca não estar presente para apresentar a proposta não obsta a que nós a discutamos. Por isso, a mesa aceita inscrições, caso algum dos Srs. Deputados pretenda usar da palavra.

Pausa.

Não havendo inscrições, fica de remissa a proposta, sendo de notar que na primeira leitura não teve quem quisesse lê-la publicamente.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Barbosa de Melo): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, tanto quanto me recordo, são atribuídas, através do artigo 22.º da Lei de Imprensa, algumas competências ao conselho de redacção, entre as quais julgo que não figura a competência de emitir parecer prévio na escolha de directores e chefes de redacção.
Em todo o caso, pelo menos indirectamente, o artigo 22.º da Lei de Imprensa contempla já a possibilidade de os conselhos de redacção poderem pronunciar-se sobre tudo o que diz respeito ao Estatuto do Jornalista, referência essa que parece clara, nomeadamente na alínea c) do artigo 22.º.
Entendemos, portanto, que não há qualquer inconveniente, bem pelo contrário, em que se torne explícito este poder de emitir parecer prévio na escolha dos directores e chefes de redacção. Até porque isso vem ao encontro do que é o espírito da actual Lei de Imprensa, nos termos da qual os jornalistas podem pronunciar-se sobre todos os sectores da vida e da orgânica do jornal, pelo que não faria sentido que não se incluísse também este poder.
Aliás, penso que, a haver uma revisão da Lei de Imprensa, deveria ficar igualmente explícita a possibilidade de emissão de parecer prévio, não vinculativo obviamente, na escolha dos directores e chefes de redacção.

O Sr. Presidente (Barbosa de Melo): - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, há uma única dúvida que nos oferece a consagração constitucional deste preceito.
Não se trata do preceito em si - que nos parece inquestionável, daí dever ser contemplado em sede de legislação - mas do problema de saber até que ponto é que se pode ir na consagração em sede da Constituição de atribuições inquestionavelmente importantes, mas em relação às quais, a haver necessidade de uma maior clarificação e pormenorização, seria mais lógico que fosse feita em sede de legislação corrente.
Assim, a inclusão destas atribuições em sede constitucional pode, inclusivamente, acabar por criar espartilhos, condicionantes ou entorses sem qualquer vantagem para os próprios objectivos (cuja bondade não está minimamente em causa), uma vez que nos parece que, a haver alterações, essas podem ser contempladas através de outro processo legal.

O Sr. Presidente (Barbosa de Melo): - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas dizer, com toda a clareza, que o PSD entende que esta não é a sede para cuidar de assuntos desta natureza. Portanto, pensamos que não vale a pena perdermos tempo a discutir a bondade, dado que não é essa a matéria que está em causa.

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O Sr. Presidente (Barbosa de Melo): - Posso concluir então que, afinal, a proposta apresentada pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca não merece acolhimento.

O Sr. António Reis (PS): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente (Barbosa de Melo): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, quero sublinhar que compreendo as objecções feitas pelo Sr. Deputado Ruben de Carvalho.
É evidente que, do nosso ponto de vista, seria preferível dar prioridade à revisão de uma lei de imprensa que contemplasse, entre outras, uma disposição deste tipo. Aliás, a sede ideal para se fazer uma alteração deste tipo será sem dúvida a própria Lei de Imprensa, que neste aspecto está algo incompleta ao definir as competências do conselho de redacção no seu artigo 22.º.

O Sr. Presidente (Barbosa de Melo): - Srs. Deputados, das intervenções feitas, concluo que não há espaço político para o acolhimento desta proposta, mesmo na primeira leitura.
O PSD e o PCP não estão disponíveis e o PS também não formula uma doutrina firme a este respeito.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, temos uma atitude generosa mas não totalmente empenhada!

Risos

O Sr. Presidente (Barbosa de Melo): - Nesse caso, Srs. Deputados, vamos passar à discussão da proposta apresentada pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, relativa à reformulação do n.º 3 do artigo 38.º.
Tem a palavra, Sr. Deputado, para justificar a sua proposta, se assim o entender.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, se me permite, e porque isso é importante do ponto de vista sistemático, faria a intervenção relativamente aos n.os 3 e 4, dado que não há mais propostas relativas a esses números. Aliás, a reformulação do n.º 3 da nossa proposta tem que ver também com o n.º 4 e, de certa forma, a matéria foi tratada conjuntamente.

O Sr. Presidente (Barbosa de Melo): - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, há duas perspectivas: por um lado, há aquilo que se retira do texto constitucional e, por outro, há aquilo que se acrescenta ao texto constitucional.
Na perspectiva daquilo que se retira, que fundamentalmente tem que ver com o conteúdo do actual n.º 3 e com a parte final do n.º 4, julgo que poderia ser sintetizado da seguinte forma: em primeiro lugar, é nossa opinião que a Constituição deve limitar-se a estabelecer princípios gerais, quanto muito, as bases gerais do regime jurídico do instituto, devendo, nesta perspectiva, preocupar-se mais com os princípios do que com os meios para os assegurar, a não ser quando eles sejam estritamente necessários para salvaguardar os objectivos estabelecidos.
Neste caso concreto, sinceramente, não me parece que a comunicação social justifique uma especial preocupação que não seja a mesma preocupação que existe em quaisquer outras concentrações de poder económico de outra natureza, razão pela qual não nos parece que faça sentido as especificidades referidas, designadamente aquelas que têm que ver com o regime societário dos meios de comunicação social - nomeadamente no que diz respeito à imposição de uma publicidade especial no que respeita à titularidade, e quando se impõe uma especial proibição de concentração e de participações cruzadas aliadas ao estabelecimento do princípio da especialidade.
Isto, até, por uma razão óbvia: porque, por um lado, grande parte destas preocupações existem na legislação comercial relativamente às sociedades de grande dimensão, em particular no regime das sociedades anónimas. Por outro lado, porque grande parte das regras que estão estabelecidas no actual texto constitucional são regras de alcance meramente formal e não salvaguardam aquilo que era o seu objectivo inicial.
Dou um exemplo, para não estar a falar apenas em abstracto: o princípio da especialidade é hoje uma regra estritamente formal que não tem qualquer alcance prático. Basta pensar nos grandes grupos económicos que são detentores de participações maioritárias em órgãos de comunicação social e que, para salvaguarda do princípio da especialidade, criam juridicamente uma sociedade autónoma que tem como único objecto social o desenvolvimento daquela actividade, o que, obviamente, do ponto de vista material, não assegura aquilo que porventura se teria pretendido salvaguardar com o estabelecimento deste princípio.
Ainda no que diz respeito às concentrações e às participações cruzadas, esse tipo de preocupações devem ser reguladas no âmbito da lei comercial, porque, na prática, também elas não passam de mera formalidade, dado que juridicamente é possível obter o mesmo efeito não desejado pela Constituição, salvaguardando as normas actualmente em vigor.
Por essa razão, esta matéria, ainda que possa ter algum relevo, no meu entender, deveria ser tratada na legislação ordinária e a Constituição deveria limitar-se a estabelecer os grandes princípios que devem reger a organização da comunicação social, quer a pública quer a privada.
Nesta medida, julgo que o texto constitucional é, de certa forma, omisso, designadamente naquilo que são os princípios que devem pautar a própria actividade da comunicação social, razão pela qual o n.º 3 é substituído no seu conteúdo material, introduzindo-se um elenco de três princípios que nos parecem fundamentais, que são os princípios do pluralismo, da neutralidade e da responsabilidade, que têm que ver com o exercício da actividade de comunicação social e não tanto com a estrutura societária ou com a fórmula jurídica pela qual os meios de comunicação social desenvolvem a sua actividade.
Por esta razão, julgo que as preocupações do texto constitucional em vigor estão desfasadas daquilo que devem ser as preocupações actuais, que têm muito mais que ver com o papel da comunicação social na sociedade do que propriamente com a fórmula jurídica pela qual os meios de comunicação desenvolvem a sua actividade. Porque, no fundo, a preocupação dominante nesta matéria resolve-se enunciando o princípio da independência dos meios de comunicação social perante o poder económico, deixando à legislação ordinária os meios para salvaguardar

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essa independência dos meios de comunicação social perante o poder económico sem que haja necessidade de estabelecer regras ou um regime específico nesta matéria no próprio texto constitucional.
Passando à proposta de introdução de um novo n.º 3, que enuncie princípios gerais que enformam o próprio desenvolvimento da actividade dos órgãos de comunicação social, esse, sim, parece-me especialmente relevante, sobretudo nesta época conturbada em que muito se tem discutido a propósito do papel e da função da comunicação social na sociedade e muito se tem discutido, designadamente, sobre a sua neutralidade e sobre a responsabilidade dos órgãos de comunicação social na forma como desenvolvem a sua actividade.
Este tipo de princípios é que, julgo, devem estar consagrados, porque são aqueles que têm que ver com o conteúdo material da actividade dos órgãos de comunicação social e não com a sua estruturação do ponto de vista económico ou do ponto de vista jurídico, matéria que, parece-me, porventura noutro contexto histórico, teve a sua relevância e a sua importância, mas que hoje parece-me que perdeu a actualidade.
É esta a razão por que são apresentadas as propostas relativamente aos n.os 3 e 4, que, no fundo, reformulam o conjunto das duas disposições, limitando-se a enunciar os princípios que julgamos fundamentais nesta matéria.
Gostaria de fazer uma única e última referência para justificar a utilização da expressão neutralidade no que respeita ao princípio da neutralidade, que nos parece um princípio mais adequado do que o da imparcialidade, que seria, por assim dizer, a alternativa a que faz apelo a ideia de neutralidade, por entender que é preciso salvaguardar que os órgãos de comunicação social não sejam instrumento de outra coisa que não seja o exercício da própria actividade, que não tenha que ver com a liberdade de expressão e de criação dos meios de comunicação social.
Parece-nos que a expressão imparcialidade poderia gerar equívocos...

Aparte inaudível.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Estão salvaguardados pelo n.º 1, que, no seu espírito, apesar de tudo, comporta a excepção dos órgãos de comunicação de natureza doutrinária ou confessional. Aliás, parece-me resultar claro do n.º 1 que em relação a esses, obviamente, não se podem fazer as mesmas exigências que podem fazer-se aos órgãos de comunicação em geral. Portanto, julgo eu, essa matéria está salvaguardada pelo n.º 1.
No que diz respeito à ideia de neutralidade, julgo que corresponde ou satisfaz melhor do que a ideia de imparcialidade, porque esta pode dar origem a equívocos, designadamente naquilo que diz respeito ao exercício da liberdade de exprimir opiniões.
Portanto, o conceito de neutralidade não faz tanto o apelo a essa ideia de que os meios de comunicação social devem ser "cinzentos" e devem limitar-se aos factos, faz, sobretudo, apelo à ideia de que eles não devem ser utilizados como instrumentos de outra coisa que não seja o exercício da liberdade de expressão e de criação cultural e, por conseguinte, não devem ser a fórmula pela qual se desenvolvem outras actividades que não tenham que ver com a liberdade de criação e de expressão cultural da comunicação social.

O Sr. Presidente (Barbosa de Melo): - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, Sr. Deputado Cláudio Monteiro, há nesta proposta duas facetas ou duas dimensões: a proposta vale pelo que adita mas também pelo que elimina.
De facto, temos alguma dificuldade em acompanhá-lo na análise que faz do valor do actual n.º 3 do artigo 38.º, uma vez que a garantia de transparência, que é uma garantia de singular importância da titularidade dos meios de financiamento dos órgãos de comunicação social, desempenhou no passado, tal como desempenha hoje e continuará a desempenhar no futuro - sobretudo, dada a situação que qualificou de "época conturbada" -, no evitar de um dos mais claros males que resultam, eles próprios, da escuridão.
Em suma, faça-se luz! Ao menos que se saiba who is who, quem é quem e quem tem o quê, para se poder saber por que é que certas coisas acontecem!
A norma constitucional não é, naturalmente, uma norma taumatúrgica, mas é uma norma que tem um papel bastante importante, pelo que a sua eliminação como tal, e sem mais, parece uma mutilação para a qual não há razão bastante.
Em segundo lugar - e deixarei de lado, neste momento, a questão do n.º4 -, a proposta vele pelo que adita, porque a expressão que foi escolhida é genérica, isto é, refere-se a todos os meios de comunicação social.
E se com algum esforço hermenêutico é possível excluir aqueles em relação aos quais a liberdade de expressão jornalística está limitada pela natureza doutrinária e confessional - mas para isso já é necessário fazer algum bom exercício hermenêutico, bastante curvilíneo, tendo em conta a sua própria proposta para o artigo 38.º, n.º2, alínea a) -, em relação a todos os demais (públicos e privados, grandes, pequenos, médios e de toda a natureza), eis que, a todos, o legislador constituinte imporia não apenas aquilo que é naturalmente o que decorre da Constituição, nestes e noutros artigos, mas a neutralidade, ou seja, a aplicação do valor da neutralidade a tudo o que é comunicação social - rádio de um confim ou do centro da cidade, um jornal de pequena ou média dimensão -, impedindo, aparentemente (ou, então, a expressão não teria sentido), de exprimir diversidades gritantes, tomar partido, esticar o dedo em j'accuse, porque, naturalmente, isso viola...

O Sr. Presidente (Barbosa de Melo): - Sr. Deputado José Magalhães, pedia-lhe que se cingisse ao pedido de esclarecimento.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, termino já, porque verdadeiramente esta dúvida, Sr. Presidente, descontados, talvez, alguns tiques de liberdade de expressão…

Risos.

Por todas estas razões, Sr. Presidente, a proposta surgiria como fortemente redutora de um dos princípios basilares, designadamente, para imprensa privada, que é o direito de dizer o que entender tomando facciosamente

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posição por uma atitude, dentro, naturalmente, do respeito de princípios que hoje são colhidos no direito criminal.
Portanto, ou a expressão não quer dizer nada - e é uma neutralidade pindérica - ou então quer dizer muito - e é uma neutralidade fortemente restritiva da liberdade de expressão.
Não faz sentido Sr. Deputado!

O Sr. Presidente (Barbosa de Melo): - Não vou dar já a palavra ao Sr. Deputado Cláudio Monteiro mas ao Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, para pedir esclarecimentos.
Faça favor Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, espero contribuir para facilitar o entendimento que se gerará no fim deste pedido de esclarecimento, esclarecendo, desde já, que não vamos fazer, nesta altura, qualquer apreciação sobre a proposta.
Trata-se só de um pedido de esclarecimento, para dizer que, no fundo, independentemente de ser o termo "neutralidade", que é o que consta, ou o termo "imparcialidade" a sopesar na sua decisão, tal não deixaria de gerar a mesma perplexidade. É ou não verdade que, reportando-me à discussão que ainda há pouco travámos quanto à liberdade de expressão, não pode haver limitação quanto à linha editorial que pode ser seguida? É que esta pode perfeitamente não apenas não ser neutra nem tão-pouco imparcial, mas ter uma linha de intervenção muito definida.
Não estando nós aqui a tratar estritamente de uma obrigação pública do dever de informar, não faz sentido estarmos a reduzir as possibilidades da liberdade de expressão, tal como a entendemos, relativamente a qualquer órgão de comunicação social.
Portanto a pergunta que lhe coloco é se, do seu ponto de vista, não chega a menção a valores como o do pluralismo e da responsabilidade sendo que o da neutralidade (isenção, se quiser) ou imparcialidade, poderiam, esses sim, ser mesmo contrários ao n.º 2 que estabelece justamente a liberdade de expressão no seu sentido mais amplo e, neste caso, não reduzido apenas a uma obrigação do Estado mas alargado a qualquer órgão de comunicação social.

O Sr. Presidente (Barbosa de Melo): - Fica agora a palavra com o Sr. Deputado Jorge Ferreira.
O Sr. Deputado Cláudio Monteiro aguardará para, depois, responder em conjunto.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): - Sr. Presidente, sempre pensei que, mais dia menos dia, a contradição das origens do Deputado Cláudio Monteiro e do Deputado José Magalhães se havia de revelar. Foi hoje e ainda bem que foi a propósito da defesa da liberdade, o que é também um bom augúrio para o futuro.
Gostava apenas de fazer-lhe um pergunta que é a de saber quais são as concretizações que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro tira no princípio da independência dos meios de comunicação social face ao poder económico. A partir do momento em que V. Ex.ª admite, e bem!, e nisso estamos de acordo, a titularidade privada dos meios de comunicação social, como é que isso se concretiza?

O Sr. Presidente (Barbosa de Melo): - Também não me coíbo de fazer uma pergunta muito breve.
Pegando só no "princípio do pluralismo", pergunto-lhe se o seu texto significa que cada órgão de comunicação social tem o dever de assegurar, ele mesmo, o pluralismo. Significa isto que cada órgão de comunicação social tem de dar entrada a todas as opiniões sempre que qualquer popular quivis ex populo diga: "Quero que me publiquem isso, se faz favor!" ou "Para compor o pluralismo social tem de me publicar isto!" É isto que o seu texto significa, também? Pergunto-o, porque fiquei perplexo!
Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, o objectivo de estabelecer um debate numa matéria em que ninguém fez propostas mas, aparentemente, todos têm preocupações, pelo menos foi alcançado!

Aparte inaudível na gravação.

Não! O que quero dizer é que ninguém fez propostas para além destas que estão em cima da mesa. Pelo teor das intervenções que foram feitas, compreendo que se ninguém fez propostas foi mais por receio de as fazer…

O Sr. Luís Sá (PCP): - Homessa!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - … do que porventura por terem…

O Sr. Luís Sá (PCP): - Se calhar, é porque estão de acordo, não é? Também pode acontecer que não apresentem propostas por estarem de acordo consigo!

Risos.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não!
Embora admitindo que algumas das expressões utilizadas possam gerar equívocos ou criar algumas perplexidades e que, porventura, não sejam as mais felizes, em qualquer caso, do ponto de vista da motivação da proposta, queria deixar claro que não há, obviamente, qualquer intenção de, por esta via, cercear ou restringir a liberdade de expressão e criação cultural ou sequer proibir aquilo que se pode designar pela comunicação social engagée (passo a expressão, dado que, normalmente, ela é utilizada num sentido muito específico ou muito próprio).
No fundo, a ideia é outra, bem diversa, que é a de reconhecer - e julgo que é isto que é relevante, nesta matéria - que, atendendo à actividade que desenvolve, a comunicação social tem uma quota de poder considerável que, obviamente, é susceptível de (consoante a forma como é utilizado), entre outros, ferir direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Ora, este é o sentido em que é utilizada a expressão neutralidade, isto é não (neutralidade) no sentido de restringir a liberdade de expressão e de criação cultural ou de impedir a orientação editorial dos meios de comunicação social, mas, no de impedir que, por esta via, se pretenda desenvolver outra actividade que não aquela que está em causa e utilizar isso para atingir outros fins que não sejam os de livremente manifestar essa linha de opinião ou essa linha editorial própria. Isto tem que ver com as relações entre a comunicação social e o poder político e a forma como os órgãos de comunicação são, por vezes, utilizados, ou seja, como instrumento de exercício do próprio

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poder político e não apenas como instrumento de crítica ou de acordo com a forma como esse poder é exercido.
Foi esta a razão por que se utilizou a expressão "neutralidade" e não a expressão "imparcialidade"; para evitar ou tentar evitar (o que aparentemente não é conseguido) que se pudesse ler nesta expressão qualquer tentativa de limitar ou de restringir a liberdade de expressão e criação cultural e qualquer tentativa de impedir que os meios de comunicação social tivessem uma linha editorial própria, em geral, mas, em especial naqueles casos mais específicos (passo o pleonasmo) designadamente os que têm que ver com órgãos de comunicação social de natureza doutrinária e confessional. E, de facto, o esforço hermenêutico não é tão grande que não permita salvaguardar essa situação.
A ideia do pluralismo, julgo, não pode ser entendida com este significado que o Deputado Barbosa de Melo atribuiu, até porque a preocupação que V. Ex.ª manifestou tem muito mais que ver com o problema da neutralidade do que propriamente com o problema da definição de uma linha editorial própria e do problema do pluralismo, porque o pluralismo não tem que ver apenas com a pluralidade de ideias e não significa que qualquer meio de comunicação social esteja por esta via obrigado a "dar guarida", por assim dizer, a todas as ideias, mesmo aquelas que não são concordantes ou próximas da linha editorial do meio de comunicação social.
Mas, por exemplo, o princípio do pluralismo já é relevante, nomeadamente para a definição de alguns institutos e respectivos regimes jurídicos, entre os quais, por exemplo, o direito de resposta. A consideração do direito de resposta não deixa de ser uma manifestação do pluralismo...

O Sr. José Magalhães (PS): - Só isso?!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não é só isso! Mas é também isso!

O Sr. José Magalhães (PS): - É que isso está especificamente consagrado e recordo uma norma concreta, sem equívoco algum, susceptível de uma interpretação "alargante" a todos os domínios, que era o que preocupava o Sr. Presidente…

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não há qualquer contradição entre estabelecer princípios gerais e estabelecer regimes jurídicos de determinados institutos em especial.
Agora, quando o Sr. Deputado diz que o esforço hermenêutico é grande, por mim, não sei se ele é tão grande quanto isso, e também não sei se a leitura, que se faz, da forma com está delimitado o conteúdo essencial da liberdade de expressão e criação cultural no n.º 1, não salvaguardará algumas das preocupações manifestadas a propósito da redacção que foi proposta.
Essa discussão já se fez, em certa medida, nomeadamente na parte em que se discutiu o problema da intervenção dos jornalistas na linha editorial do jornal, o que, desde logo, significa que a própria orientação editorial, engagée ou não, consoante se pretenda ou goste da expressão, já está salvaguardada pelo n.º 1.
Portanto, o n.º 3 não poderia, obviamente, cercear essa liberdade de definir uma orientação editorial que seja parcial, neste sentido de que tome posição e tenha ideia própria.
A ideia de neutralidade não tem que ver com a ideia…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Mas parece!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Bom, admito que possa parecer! E admito que possa ser uma expressão infeliz e que pudesse ser melhorada.
Mas a única coisa que quis reafirmar, ou afirmar se quiserem, foi o cuidado de que mais do que nos preocuparmos com o problema da estrutura societária ou das estruturas jurídicas da comunicação social, a haver preocupações nesta matéria, elas terão de existir ao nível do conteúdo da actividade e da forma como essa actividade se projecta sobre a sociedade em geral e os cidadãos em particular e, sobretudo, na medida em que ela possa interferir com direitos, liberdades e garantias.
A preocupação que tem que ver com a transparência, julgo, é comum não apenas aos meios de comunicação social, mas a todas as concentrações de poder económico, se quiserem usar a expressão com a carga negativa que ela tem, e por isso, deve ser regulada na legislação ordinária e, provavelmente até, deve sê-lo na legislação comercial e não em sede constitucional.
Aliás, a experiência, tendo em conta a estrutura societária e a natureza jurídica de alguns órgãos de comunicação social, bem como a articulação dessa estrutura jurídica com a legislação comercial própria, tem demonstrado que esta transparência não é ou não tem podido ser assegurada através deste dispositivo constitucional. Veja-se, a título de exemplo, o que sucedeu, recentemente, com a televisão independente, na qual durante muito tempo não se sabia quem era o titular de um número considerável de acções, e isso, precisamente, por força da aplicação do regime jurídico das sociedades comerciais e não tanto por aplicação de qualquer regime jurídico específico dos órgãos de comunicação social.
Ora, o que digo é que as preocupação que a Constituição evidencia, em matéria da estrutura económica e jurídica dos meios de comunicação social, na prática, têm-se revelado ineficazes, porque ainda que possa garantir um determinado regime jurídico, só o garante formalmente porque não assegura os objectivos que, porventura, se visam salvaguardar. Nesta perspectiva, parece-me, a transparência não é integralmente garantida por esta disposição constitucional vigente.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente (Barbosa de Melo): Sr. Deputado Ruben de Carvalho, o Sr. Deputado Cláudio Monteiro está a intervir...

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): Sr. Presidente, é para pedir esclarecimentos ao Sr. Deputado Cláudio Monteiro, por me parecer inteiramente contraditória a situação.
O Sr. Deputado Cláudio Monteiro entende que aquilo que está consagrado constitucionalmente é insuficiente…

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Exactamente!

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O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): … para suprir o objectivo que tem. Solução: elimina-se! Quer dizer, não faz grande sentido!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - É mais do insuficiente, é inútil!

O Sr. Luís Sá (PCP): Havia outra solução que seria reforçar!

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): Então, seria reforçar! Se o Sr. Deputado está de acordo com o princípio… Estamos esclarecidos!

O Sr. Presidente (Barbosa de Melo): Srs. Deputados, estamos esclarecidos quanto à apresentação e aos pedidos de esclarecimento que foram dirigidos ao Deputado, autor da proposta.
Este é um tema profundo, delicado. Deveríamos reiniciar os nossos trabalhos da parte da tarde para fazermos uma apreciação de fundo e o debate desta proposta.
A conclusão que retiro é apenas esta: a proposta está apresentada. Às 15 horas vamos discuti-la.

Srs. Deputados, vamos interromper os trabalhos.

Eram 12 horas e 45 minutos.

Neste momento assumiu a presidência o Sr. Presidente Vital Moreira.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos retomar os nossos trabalhos.

Eram 15 horas e 20 minutos.

O Sr. Presidente: - Para concluir a discussão relativamente à proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, de substituição do actual n.º 3...

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, se não estou em erro, eram os n.os 3 e 4 que estavam em discussão conjunta.

O Sr. Presidente: - Como dizia, retomamos a discussão da proposta de substituição do actual n.º 3 e de eliminação de uma parte do actual n.º 4 do artigo 38.º da Constituição.
Na altura em que os trabalhos foram interrompidos alguém estava a usar da palavra, ou o estava inscrito apenas o Sr. Deputado Cláudio Monteiro para apresentar a sua proposta?
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, depois de muita indignação e alguma perplexidade, manifestada em várias interpelações feitas hoje, na parte da manhã, aquando da apresentação da proposta, queria apenas deixar duas notas breves.
Num certo sentido, penso ter havido uma má interpretação da proposta e também algum equívoco na leitura do artigo, pois entendo que devemos distinguir aquilo que é matéria da liberdade de expressão e criação cultural, portanto, matéria de direitos, liberdades e garantias, daquilo que são as garantias institucionais para assegurar esses direitos, que têm que ver com a organização dos órgãos da comunicação social, e os princípios que, porventura, rejam essa organização.
Neste sentido as propostas feitas em matéria dos princípios que regem a actividade dos meios de comunicação social, na perspectiva dos contribuintes, também são vistas como reforço das garantias individuais.
Vejamos: uma coisa é a liberdade de expressão e criação cultural do jornalista individualmente considerado e a forma como tal se reflecte na linha editorial do jornal - e isto não é posto em causa nesta proposta, mas está salvaguardado pelo n.º 1, a disposição que diz respeito ao direito de liberdade e garantia propriamente dito; outra coisa é a mesma questão, aferida na perspectiva da instituição. Ora, aquilo que se propõe não é a neutralidade dos jornalistas nem a neutralidade editorial dos jornais, mas, sim, a neutralidade da instituição e, sobretudo, na sua relação com o poder político.
Penso que é preciso dizer-se - e aqui é uma questão política relativamente à qual admito que haja discordância profunda - que a Constituição preocupa-se excessivamente com a independência dos meios de comunicação social perante o poder político, preocupação essa que é legítima, designadamente no que se refere aos meios de comunicação social que são propriedade do Estado ou de outros entidades públicas, mas também se preocupa (pouco, apesar de tudo) com aquilo que é independência na perspectiva inversa, isto é, com aquilo que é a independência do poder político perante a comunicação social, o que hoje considero ser um problema actual.
Isso, como é óbvio, não nos pode permitir questionar os princípios basilares pelos quais se rege a actividade dos jornalistas e dos órgãos de comunicação social em geral, mas deve preocupar-nos, sobretudo na medida em que esta actividade possa ser exercida de forma porventura excessiva como nalguns casos.
Na minha perspectiva, isto não se combate, propriamente, com o estabelecimento de restrições, e por essa razão se propôs que apenas fossem definidos grandes princípios orientadores da actividade desse meio de comunicação social, sem que isso implicasse obviamente uma restrição à liberdade de expressão e criação cultural, na medida em que esses princípios são "organizatórios", dizem respeito aos meios de comunicação social, não são princípios que se apliquem na interpretação do conteúdo da liberdade individual dos jornalistas e na maneira como isso se reflecte na linha editorial dos jornais.
Portanto, a preocupação fundamental, de facto, tem que ver com a relação dos meios de comunicação social com a sociedade em geral e em particular com os órgãos do poder político, uma perspectiva não apenas de separação de poderes institucionais mas também de separação horizontal ou social do poder. Com isto queremos dizer que a actividade destas instituições deve também reger-se por alguns princípios que façam com que ela se contenha no seu estrito limite, sem que isso ponha em causa a liberdade individual dos jornalistas e das redacções editoriais.
Foi só nessa perspectiva que se falou em neutralidade, não foi no sentido de impedir a manifestação da liberdade individual de cada jornalista e a própria liberdade exercida colectivamente através da definição de uma linha editorial.
É sobretudo "neutralidade" na perspectiva de limitar ou condicionar a actividade dos órgãos de comunicação social enquanto instituições. Isto para evitar o que por vezes

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acontece e gera alguns receios, gerando-os mais, porventura, fora de Portugal do que em Portugal. Embora não saibamos qual irá ser, nos próximos anos, a evolução, que tem sido muito grande nos anos recentes, isto tem que ver sobretudo com a tentação que, com alguma frequência, existe de que os meios de comunicação social estravassem daquilo que é a sua função própria e caiam na tentação, eles próprios, de participar no exercício do poder político. Esta é uma preocupação política assumida, por assim dizer, como estando subjacente à proposta, daí falar-se de neutralidade, pluralismo e responsabilidade sem que isso esteja assacado propriamente a uma restrição à liberdade individual dos jornalistas ou a essa liberdade exercida colectivamente pelos jornalistas através da definição de uma linha editorial.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, mais do repetir a discussão da manhã (foi interrompida mas não está esquecida), pedia o apuramento de posições quanto a três elementos distintos da proposta do Deputado Cláudio Monteiro: primeiro, a eliminação do actual n.º 3; segundo, aditamento (em seu lugar) de um novo n.º 3, em que se diz: "Os meios de comunicação social desempenham uma função de interesse geral e devem contribuir para a defesa dos valores do pluralismo, da neutralidade e da responsabilidade"; e terceiro, a eliminação da segunda parte do n.º 4.
Como devemos tomar posição relativamente a propostas, proponho que rapidamente cada força política se manifeste quanto a cada um destes três elementos da proposta, ou seja: primeiro, eliminação do actual n.º 3; segundo, aditamento de um novo n.º 3; e terceiro, eliminação da segunda parte do n.º 4.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ruben Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): Sr. Presidente, nós subscrevemos as objecções manifestadas na reunião de hoje de manhã e as dúvidas sobre o tipo de formulação de conceitos apresentados nesta proposta de alteração.
Em nossa opinião, não deverão ser considerados princípios como neutralidade, pluralismo, etc., consagrando-os em termos constitucionais, na forma em que são apresentados.
Até tendo em conta aquilo que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro acabou de dizer, gostaria de acrescentar um aspecto: a comunicação social (e a realidade da comunicação social) não se esgota nos grandes jornais, nos grandes diários e nos grandes semanários de intervenção política mais directa e efectiva e que, por natural decorrência do nosso próprio trabalho, aqui mais nos preocupam; a comunicação social é muito mais do que isso é uma imensa maioria de órgãos da mais diversa índole, do mais diverso âmbito aos quais impor conceitos que podem ser politicamente justificáveis por preocupações tais como as do exercício lícito ou ilícito do poder, podem ser completamente descabidas.
Quer dizer, por eu estar preocupado sobre o exercício do poder para uma publicação de aeromodelismo, ir impor-lhe conceito de neutralidade, constitucionais, isso parece-me inteiramente descabido. Possivelmente haverá opiniões, nada neutrais, em termos de aeromodelismo ou quaisquer outras.
Portanto, do nosso ponto de vista, esta situação não deverá ser contemplada nos moldes propostos.
Isto parece-me ter recolhido algum consenso na reunião desta manhã. Porém, houve algum silêncio relativamente à complementaridade do n.º 4 da proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, nomeadamente, e o Sr. Deputado justificou-a e argumentou em relação a ela, sobre a insuficiência e a incapacidade de estas medidas constitucionalmente propostas à cerca da titularidade da posse das empresas proprietárias dos meios de comunicação social, etc., serem eficazes, no quadro geral do funcionamento económico do País e até da sua regulamentação económica e comercial. O Sr. Deputado apresentou vários exemplos, como seja o problema da imposição da especialidade de empresa de comunicação social.
Devo dizer que, pela nossa parte, estamos frontalmente contra qualquer alteração neste sentido. Sr. Deputado, ninguém ignora que se o Sr. Eng.º Belmiro de Azevedo e a Sonae quiserem fazer um jornal, a proprietária do jornal não virá a ser a Sonae, mas terá que constituir uma empresa (o que fará com toda a facilidade na tramitação normal dos meios de funcionamento comercial do País e no cumprimento da legislação), que seja a empresa proprietária de um jornal, de uma rádio, de uma televisão, ou de qualquer outra coisa, se tais alvarás ou tais condições lhe forem atribuídas.
Mas, a partir da altura em que essa empresa exista com tal função, ela passará, nos próprios termos da lei, a ser sujeita a determinado tipo de imposições e condicionantes, por ser proprietária de um meio de comunicação social.
Sr. Deputado, não posso exigir à Sonae, que faz aglomerados de madeira, ou a um qualquer banco o cumprimento desta ou aquela função inerente à posse de um meio de comunicação social. Mas, em termos sociais, tenho todo o direito de dizer que a posse de um meio de comunicação social, em termos empresariais, envolve o assumir de determinadas responsabilidades. Então, aqui, há que separar o trigo do joio! A partir da altura em que se reconhece a posse privada dos meios de comunicação social, ninguém impede seja quem for de constituir uma empresa para ser proprietária de um meio de comunicação social ou para ser proprietário ou titular de uma concessão de exercício de comunicação social.
Mas, então, será uma empresa que visa esse objectivo e visando esse objectivo está sujeita a determinado tipo de condicionantes específicas para o exercício dessa actividade.
Note, Sr. Deputado, que isto nem sequer é uma coisa bizarra em termos jurídicos! Quer dizer, um banco não pode ter propriamente uma fábrica de explosivos - por hipótese! - que é sujeita a determinado tipo de condicionantes e essa empresa é responsável pelo cumprimento de determinado tipo de determinações, inerentes ao exercício de um determinado tipo de actividade.
Por conseguinte, a nosso ver, é inteiramente de manter o princípio da especialidade e da especificidade da função.
Isto em nada bole, mesmo na mais vasta concepção de liberdade e de mercado, com a possibilidade de acesso à posse de meios de comunicação social. Nada! Rigorosamente nada! Só que, quem os queira ter assuma as responsabilidades inerentes a tê-los, e portanto, isto não se dilua numa posse global de uma pura actividade comercial, sujeita a princípios gerais de direito comercial ou outros.

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Por outro lado, estou de acordo com o Sr. Deputado, quando diz que as normas constitucionais existentes não têm sido suficientes para clarificar situações que, na sua intervenção, o próprio Sr. Deputado assumiu como negativas, de indefinição da posse de participações em meios de comunicação social. E mais: citou o caso da TVI que nem sequer é um caso de um meio de comunicação social qualquer, porque é um meio de comunicação social titular de um alvará inerente à utilização de um bem colectivo e finito - o espaço radioeléctrico e as frequências de televisão. Portanto, saber quem é titular disto não é um problema social e politicamente menor.
No pedido de esclarecimento que lhe dirigi, tive oportunidade de dizer que até concordo com a sua objecção de que, de facto, o que está determinado em termos constitucionais e na sua complementaridade da legislação corrente, não é suficiente para ter resolvido, como não resolveu, por exemplo, esse problema, então do nosso ponto de vista aquilo que é o preceito constitucional deve manter-se. Ou seja, a titularidade da posse de meios de comunicação social - e até diria talvez, até, nomeadamente daqueles que são titulares da fruição e do usufruto de um bem que é um bem colectivo, como seja o espaço radioeléctrico - devia ser claramente pública e claramente acessível. Nessa altura direi: "não é suficiente". Então, deixe-se ficar o princípio e corrija-se na legislação no sentido de assegurar que este princípio, que a nosso ver é bom e em termos sociais e políticos necessário, seja completado e eficazmente cumprido.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Ruben de Carvalho, muito obrigado.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Resumindo e concluindo, se quiser que responda àquela...

O Sr. Presidente: - Já entendemos que o PCP põe alterações a todas as três, até antes da proposta.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Penso que decorre daquilo que eu disse.

Risos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, obviamente que aqui não há limites de tempo, nem ousaria reivindicar o tempo de intervenção, no entanto, dado que temos de avançar, não podemos passar duas reuniões a discutir um artigo, por mais importante que ele seja e por mais relevantes que sejam os problemas que ele coloca. Peço, por isso, que, na medida do possível, abreviem as considerações e evitem reiterações.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Vou ceder ao pedido mais que fundado do Sr. Presidente para dizer, muito brevemente, que a posição do Partido Socialista, como se deduz da intervenção aqui feita pelo Sr. Deputado José Magalhães, é evidentemente contrária à proposta de eliminação do actual n.º 3 e de supressão da parte do n.º 4 e da sua substituição pelos n.º3 e n.º4 da proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
Parece-nos uma proposta infeliz, algo contraditória, apesar do esforço habilidoso que aqui foi feito para clarificar o seu significado. Nesse sentido, creio que a melhor solução é mantermos o texto constitucional tal como ele está.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, do debate que tivemos, o PSD também não ficou convencido da vantagem em proceder às alterações que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro propõe nestes n.os 3 e 4 do artigo 38.º.
A única questão que o PSD deixaria para ponderação nesta primeira leitura, e neste sentido mostra alguma receptividade, é no que concerne à parte final do actual n.º 4. De facto, concordamos com alguma crítica de que o que aqui está não tem provado resolver ou até talvez permitir o ataque de uma forma racional à realidade que se nos coloca, e, nesse sentido, estaremos abertos não à sua ablação, mas, eventualmente, a uma possível reformulação no sentido que foi dito pelo Dr. Ruben de Carvalho.
Ou seja, o PSD concorda com o princípio que cá está e considera que deve cá estar; se a forma como as coisas estão apresentadas na parte final não só não têm vindo a dar corpo e execução prática ao princípio como talvez até baralhem a questão, aí poderemos ponderar - e é a única abertura que deixávamos nesta fase - uma reformulação, que não uma ablação, da parte final do n.º 4, porque o PSD concorda que o princípio que cá está deve permanecer.
Se houver alguma alternativa de redacção que torne mais facilmente exequível e mais eficaz o princípio com o qual concordamos, estamos abertos a apreciá-la numa eventual segunda fase.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em particular Sr. Deputado Cláudio Monteiro, a proposta relativa à substituição do n.º 3 e à alteração do n.º 4 não tem acolhimento.
Passamos, então, ao n.º 5, para o qual há propostas dos Deputados António Trindade, Cláudio Monteiro e de Os Verdes.
O actual artigo 5.º diz "O Estado assegura a existência e o funcionamento de um serviço público de rádio e de televisão.". O Deputado António Trindade propõe que se acrescente "(…) cobrindo, em igualdade circunstâncias, todo o território nacional."; o Deputado Cláudio Monteiro propõe que se acrescente "(…) cujas missões são definidas na lei, tendo em vista a satisfação dos interesses da colectividade."; Os Verdes propõem que se diga "(…) assegura a existência e o funcionamento em condições de qualidade de um serviço público de rádio e de televisão (...)", acrescentando "(...) em todo o território nacional, bem como o acesso das comunidades locais a televisões e rádios âmbito regional e local." Há algumas partes comuns a duas destas propostas, que é a questão do âmbito territorial, e há elementos específicos em algumas delas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro para, se entender necessário, apresentar e justificar a sua proposta relativamente ao n.º 5 do artigo 38.º.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, não julgo que seja necessário perder muito tempo com a apresentação da proposta, na medida em que no essencial o que se faz é a clarificação de que é a lei que há-de definir o conteúdo do serviço público em questão.

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Entendeu-se remeter para a lei a fim de clarificar algumas dúvidas que porventura têm surgido na interpretação deste preceito e entendeu-se apenas que a remissão pura e simples para a lei, de forma seca, poderia ser mal interpretada. Queremos dizer que isso era um "cheque em branco" ao legislador para permitir que ele moldasse o conteúdo tout court como bem entendesse, inclusive atendendo a critérios de natureza comercial, por exemplo, e entendeu-se também que a parte final introduziria uma limitação ou uma restrição, embora vaga ou talvez não tão específica, mas que, pelo menos, evitaria a interpretação de que o "cheque em branco" ao legislador fosse total, no sentido de que ele poderia enformar o conteúdo com base em qualquer critério, fazendo apelo ao interesse geral da colectividade face ao diminuto apelo a uma série de valores que pressupõe um resultado final abrangente e consensual da sociedade.

O Sr. Presidente: Poderá ser de outro modo?

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Tem sido interpretado e aplicado como tal.

O Sr. Presidente: Uma vez que a Sr.ª Deputada Isabel Castro não está presente, as propostas conjuntas estão à consideração, não precisando de qualquer explicitação, pois não há grandes dúvidas quanto ao que querem abranger.
Está aberta a discussão relativamente às propostas conjuntas do Deputados António Trindade e Cláudio Monteiro e de Os Verdes para o n.º 5 do artigo 38.º.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Ferreira.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): Sr. Presidente, gostaria, desde já, de lembrar ao Sr. Presidente e à Comissão que, no âmbito daquele quid pro quo que existiu a propósito do nosso aditamento ao nosso próprio projecto de revisão, consta também uma proposta de alteração deste n.º 5 do artigo 38.º que tem que ver precisamente com a proposta que consta do projecto do Sr. Deputado António Trindade.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Jorge Ferreira, mea culpa. De facto, não trouxe esses elementos e ainda não fiz as "colagens" necessárias, mas tem a palavra para apresentar a proposta.

O Sr. Jorge Ferreira (CDS-PP): Sr. Presidente, prestimosamente estou ao dispor de V. Ex.ª para ajudar a corrigir esta questão, no sentido, apenas, de explicitar - julgo que isso terá ficado claro das intervenções anteriores relativamente a estas outras propostas - que o que visamos é assegurar a cobertura integral de todo o território nacional pelos canais de televisão pública, incluindo as regiões autónomas, objectivo que é comum às outras duas propostas que estávamos a discutir.

O Sr. Presidente: Junta-se, portanto, a proposta do CDS-PP também quanto a este n.º 5, com o objectivo convergente com os Deputados António Trindade e de Os Verdes.
Estão à discussão as quatro propostas enunciadas.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, de uma forma breve e genérica, no sentido de abarcar todas as propostas que o Sr. Presidente nos coloca à apreciação neste momento, parece-me que, no fundo, todas elas são o exemplo daquilo a que, por vezes, nós PSD, chamamos a tentação de utilizar o texto constitucional para invadir áreas que, do nosso ponto de vista, devem ser reguladas e, nesse sentido, devem estar cometidas ao legislador ordinário.
Parece-nos, de facto, que o texto constitucional como está, está bem, e penso que isso é inequívoco, no sentido de que ninguém propõe a alteração ao que está feito. Os acrescentos que são formulados, do nosso ponto de vista, resultam um pouco dessa tal tentação a que, por vezes, alguns dos projectos não conseguem resistir de, através do texto constitucional, condicionar, de certa forma, aquele que deve ser o conteúdo das opções que, a cada momento, são tomadas a nível da legislação ordinária.
Não é que discordemos fundamentalmente do que é visado pelas propostas que estão sobre a mesa, mas não nos parece que o texto constitucional seja a sede adequada para introduzir este tipo de situações. Todos sabemos que alguns dos problemas que são aqui levantados, se não estão já resolvidos, muitas vezes isso deve-se a certas dificuldades de natureza prática que não propriamente de alguma intenção política perfeitamente desviada.
Nessa questão da cobertura do território nacional, penso que todos os Srs. Deputados, que também são membros da 1.ª Comissão, sabem que tem havido, inclusive já nesta Legislatura, várias discussões e a apresentação de várias propostas no sentido de atingir estes objectivos. Elas são permitidas e, do nosso ponto de vista, estão perfeitamente cobertas pelo actual texto constitucional.
Assim, penso que nesta como noutras matérias haverá alguma vantagem em conseguirmos, no seio da revisão constitucional, utilizar o texto fundamental para introduzir mecanismos que devem ser objecto de comandos no decorrer de legislação ordinária.
No fundo, genericamente, a posição do PSD, quanto a estas propostas, é esta.

O Sr. Presidente: Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): Sr. Presidente, estas propostas no seu conjunto são, em alguns casos, redundantes noutros arriscam-se mesmo a ser precipitadas.
Por natureza, o serviço público de rádio e de televisão deve cobrir todo o território nacional, caso contrário não seria um serviço público de rádio e de televisão, como é óbvio!
Quando se acrescenta "igualdade de condições" a expressão é equívoca, mesmo perigosa, porque o princípio da igualdade implica que se trate também de maneira diferente aquilo que é diferente. E, se me permitem, vou dar um exemplo absurdo: do mesmo modo que, neste caso, a cumprir-se este dispositivo constitucional, os habitantes das ilhas dos Açores e da Madeira poderiam ter acesso a todos os canais, ao 1.º e ao 2.º Canal, o princípio da igualdade de condições imporia, então, que um residente em Lisboa tivesse também acesso às emissões regionais dos Açores e da Madeira! Era a reciprocidade. Não me parece que seja uma fórmula feliz e esta proposta do Deputado António Trindade pode causar alguns equívocos.

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Quanto à proposta do Deputado Cláudio Monteiro, parece-me redundante. Na verdade, faz parte da natureza do serviço público satisfazer os interesses da colectividade e é óbvio que essas missões até já estão definidas na lei.
Quanto à proposta de Os Verdes, parece-me precipitada porque não sei até que ponto deve ser o Estado a assegurar o acesso das comunidades locais a televisões e rádios de âmbito regional e local. Para já, é preciso fazer um estudo em profundidade sobre a viabilidade da televisão regional e da televisão local em Portugal - aliás, está constituída uma comissão de reflexão sobre o futuro da televisão em Portugal, em que um dos objectivos é precisamente aferir dessa viabilidade.
Ora, não me parece líquido que esta seja uma tarefa do Estado e que tenham de multiplicar-se serviços públicos de rádio e de televisão a nível regional e local. Que o serviço público de televisão tenha emissões de carácter regional e local, muito bem, mas a formulação aqui apresentada por Os Verdes parece-me ir muito mais longe do que isso e, portanto, estamos também a pôr aqui o "carro diante dos bois".
Em conclusão, julgo que não se justifica qualquer alteração ao n.º 5 do artigo 38.º

O Sr. Presidente: Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ruben Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): Vou corresponder ao apelo do Sr. Presidente, por isso, da forma mais breve, gostaria de dizer que pensamos que não se justifica qualquer alteração ao n.º 5. Aqui e ali haverá pormenores de argumentação ou de princípio diferentes dos que foram apresentados pelos Srs. Deputados do PSD ou do PS, mas no essencial pensamos que o texto constitucional supre as necessidades dos princípios essenciais quanto à matéria.

O Sr. Presidente: As propostas têm as objecções do PS, do PSD e do PCP.
Vamos passar ao n.º 7 do artigo 38.º, para o qual existe apenas uma proposta apresentada pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
Hoje, o texto constitucional diz "As estações emissoras de radiodifusão e radiotelevisão só podem funcionar mediante licença, a conferir por concurso público, nos termos da lei" e o Sr. Deputado Cláudio Monteiro propõe que este seja substituído por "O exercício da actividade de radiodifusão e de televisão está submetido a regimes de concessão, licença ou autorização nos termos da lei".
Para apresentar a proposta, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Também com alguma brevidade, um pouco na sequência da intervenção do Deputado Luís Marques Guedes, gostaria de dizer que toda a lógica que presidiu às propostas formuladas no artigo 38.º visava reduzir o regime constitucional nesta matéria aos princípios gerais e remeter para a lei aquilo que parece que é, na minha perspectiva e na dos mais subscritores do projecto, matéria de lei.
Neste caso concreto, a proposta visa, para além de cumprir este objectivo de remeter o essencial para a lei, a definição do regime do exercício da actividade de radiodifusão e televisão e a criação de alguma flexibilidade, pelo menos ao nível constitucional, ao exercício dessa actividade nas suas múltiplas variantes, algumas das quais muito novas e muito recentes, fruto das novas tecnologias que, porventura, não estiveram no horizonte daqueles que formularam a redacção actual do texto constitucional ao tempo em que o fizeram.
Estou a pensar, por exemplo, nas novas realidades que a televisão por cabo vem trazer e nas dificuldades que o texto constitucional pode levantar, a título de exemplo, entre outros, para que se possa satisfazer aquele objectivo fixado pela Comissão Eventual para a Revisão Constitucional de que as suas próprias reuniões fossem objecto de transmissão de televisão por cabo.
É óbvio que se essa questão tivesse ocorrido não é necessariamente ou não é estritamente constitucional; é também legal, mas é também legal entre outras razões, porque a lei está condicionada em alguma medida pelo texto constitucional.
Ora, nessa parte, julgo que é especialmente rígido porque é feito a pensar nos grandes meios de informação geral, designadamente nas televisões, e a pensar pouco noutros meios de comunicação social, quer radiodifusão quer televisão, que possam vir a surgir e que no futuro poderiam ter, e terão com certeza, até por força de imperativo da integração de Portugal na Comunidade e da liberalização do espaço comunitário em todo o sistema de telecomunicações, forçosamente de ser repensados. Ora, parece que a matéria do regime jurídico concreto deve ser a lei a tratar.
Gostaria ainda de dizer que esta questão também tem o significado de não impor constitucionalmente a realização de concurso público para qualquer que seja a forma do acto - concessão, licença ou autorização - como forma de adjudicação ou de permissão do exercício da actividade, consoante esteja em causa a concessão de uma licença ou de uma autorização. Esta questão tem que ver também com a circunstância de se entender que essa matéria deve ser regulada por lei. O concurso público é frequentemente, e em algumas circunstâncias, o meio adequado para encontrar as entidades idóneas para desenvolver a actividade em causa, seja de radiodifusão ou de televisão, mas não é necessariamente, em todas as circunstâncias, a melhor forma de encontrar essas entidades.
Julgo, portanto, que é a lei que deve definir os casos em que deve ser sujeita a concurso público a atribuição de frequências de rádio e de televisão e os casos em que, criados novos canais de uma televisão por cabo, já ela própria objecto de um concurso público para concessão como licença, pode acrescentar novos canais temáticos de outra natureza que, porventura, possam não justificar a existência de um concurso público.
Caso se pense, por exemplo, que um canal de televisão parlamentar pudesse estar sujeito ao mesmo regime que estão sujeitos os demais canais de televisão actualmente existentes, ainda que a sua transmissão fosse feita por cabo, seria necessário sujeitá-la a concurso público para que fosse adjudicado - um exemplo, por absurdo que seja. Julgo que esta questão é matéria de lei. Para além de que o concurso público nem em todas as circunstâncias é a melhor forma de encontrar a entidade idónea para desenvolver uma actividade; pelo contrário, em alguns casos, é a forma mais cómoda de encontrar quem se quer que desenvolva essa actividade.

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, está à consideração esta proposta que propõe introduzir a figura da concessão e a da autorização e eliminar a expressão "licença,

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a conferir por concurso público", para a atribuição de estações e emissões de rádio e de televisão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): Sr. Presidente, não estamos de acordo com a proposta de eliminação e o problema que se coloca é o seguinte: posso admitir, e é inevitável admiti-lo, o aparecimento e a emergência de novas formas de comunicação nesta área. Em qualquer dos casos, estamos a falar de universos limitados, e além de serem limitados são universos que sempre envolvem a participação de elementos de interesse público. Ou seja, o espaço radioeléctrico é um espaço gerido pelo Estado. A televisão por cabo, por hipótese, tem traços diferentes, mas chamo a atenção do Sr. Deputado para o facto de a televisão por cabo ser transmitida com o recurso a redes de cabo que são tituladas por empresas concessionárias. Isto é, em última instância, a titularidade da capacidade de transmissão é uma responsabilidade do Estado - e, aliás, a nosso ver, muito bem, porque se trata de um bem público e colectivo.
Posso concordar com o Sr. Deputado quando diz que o concurso público não é fatalmente a melhor forma de assegurar um exercício consentâneo com os interesses públicos, etc... Posso estar de acordo! Agora, o que não vejo é que seja alternativa para essa situação a ausência da imposição de concurso público. O abrir-se a possibilidade da concessão de universos limitados que envolvem bens colectivos sem ser por via de concurso público, e independentemente desse concurso público vir a ser regulamentado pela legislação corrente da forma que entender, parece-me muito mais prudente, em termos de salvaguarda do interesse colectivo, do que deixar em aberto, na ausência do concurso público, a pura e, eventual e dificilmente controlável, arbitrária concessão, atribuição de licença ou qualquer outra coisa.
Mantenhamos o princípio do concurso público, regulamentemos da forma mais eficaz, mais operativa possível e realista a existência desse concurso público, mas mantenhamos, a meu ver, aquilo que é o único princípio de salvaguarda de um controlo colectivo sobre um bem que é colectivo, que são as áreas da comunicação social.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): Sr. Presidente, nós mantemos como adequada a forma actual da Constituição neste ponto, considerando que, como alguma doutrina vem apontando, esta ideia da licença é basicamente uma licença administrativa, devendo a lei fixar os critérios gerais e especiais de preferência e a forma como ela se exerce.
Por isso, penso que a disposição deste n.º 7 do texto constitucional do artigo 38.º permite uma leitura abrangente no sentido de que todas as actividades de radiodifusão sonora e de televisão estão sujeitos a um regime de licença e este concurso ou concessão, ou até autorização, é susceptível de ser enquadrado na leitura abrangente do texto constitucional, sem prejuízo do seu núcleo essencial da licença e do concurso público.
Pensamos que uma adaptação às necessidades de uma evolução neste domínio não é incompatível com o disposto, hoje, no texto constitucional.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, do nosso ponto de vista, há aqui duas questões que devem ser diferenciadas, por um lado, a questão da licença e, por outro, a do concurso público.
Quanto à questão da licença, é evidente que o entendimento que fazemos é de que texto constitucional, ao falar aqui de licença, fá-lo num sentido abstracto, amplo, onde cabem todas as realidades como a concessão e, eventualmente, a autorização em determinado tipo de circunstâncias, pelo que não nos parece, quanto a esta questão da licença, que haja necessidade de se mexer no texto constitucional.
Quanto ao concurso público, do nosso ponto de vista, essa questão tem um aspecto substantivo mais real em termos objectivos.
Assim, gostaria de dizer que não concordamos, à partida, com a pura e simples omissão da expressão "a conferir por concurso público", porque, como dizia o Dr. Ruben de Carvalho, nos parece que, independentemente do concurso público ser ou não ser a forma ideal ou de o concurso público acautelar ou não a 100% aquilo que se pretende aqui salvaguardar, a verdade é que não nos é dada, na proposta do Dr. Cláudio Monteiro, nenhuma alternativa que não seja, na prática, uma total arbitrariedade. Ou seja, o concurso público pode não ser a solução ideal, mas parece-nos que a alternativa face à legislação actual, que seria o ajuste directo, isto porque a não haver concurso, seja limitado ou não limitado, a outra figura em termos práticos seria a do ajuste directo, o facto é que não vemos que nisso haja alguma vantagem.
Não nos é apresentada uma formulação que, do nosso ponto de vista, dê vantagem. Embora possamos concordar que o concurso público não é uma "vaca sagrada" a que se deve submeter todo o tipo de situações e de actuações da administração - estamos 100% de acordo -, não vemos que haja qualquer vantagem em substituir esta matéria por um mecanismo que, do nosso ponto de vista, apenas vai proteger ou salvaguardar ainda menos aquilo que eventualmente está em causa aqui.
Assim, à falta de melhor, não vemos razão para mexer no texto constitucional neste ponto.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Muito rapidamente...

O Sr. Presidente: É que a proposta, parece-me, revela-se inconvincente…

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Já vi que o concurso público é como a democracia, pelos vistos!

Risos.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): É como o actual sistema democrático!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Gostaria só de deixar uma nota, que é a seguinte: não está proposta alternativa, nem tinha de estar, porque o objectivo é remeter para a lei. Nem digo sequer que o meio a adoptar pela lei não

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deva ser o concurso público; provavelmente, na generalidade das situações, até deverá ser o concurso público.
Todavia, o que questiono é que deva haver uma imposição constitucional de concurso público, embora entenda que o concurso público, porventura, continuará a ser, dos meios disponíveis, o menos mau e, em grande parte das circunstâncias, deverá ser o sistema a manter. No entanto, julgo, essa deverá ser uma opção do legislador, apesar de poder haver sempre casos em que ela não se justifique, mas em que não poderá ser adoptada nenhuma outra alternativa, por pior que seja, por imposição constitucional, porque a Constituição não permite qualquer outra alternativa.
O que julgo é que o texto constitucional deveria remeter para o legislador essa opção, que provavelmente recairia no concurso público nos casos em que o interesse público fosse mais relevante, designadamente no caso dos grandes órgãos de comunicação social, nomeadamente nos canais de televisão, onde, provavelmente, essa seria a fórmula ideal.
Já no que concerne ao exercício da radiodifusão, designadamente às rádios locais, e, porventura, às novas realidades dos meios de difusão da televisão por cabo, não sei se essa será a fórmula ideal em todas as circunstâncias.
A ideia era só acabar com a proibição constitucional, não era fazer uma "profissão de fé" contra o concurso público, porventura, por falta de alternativa, porque se houvesse alternativa se calhar faria mesmo essa "profissão de fé".

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Cláudio Monteiro, defendido o mérito que não convenceu, fica registada a inviabilidade da proposta.
Vamos passar às propostas de aditamento, começando pelas do PCP que propõem nada menos que dois novos números para este artigo 38.º - os n.os 5 e 9, sendo que o primeiro diz: "O Estado reconhece a relevância da função social desempenhada pela comunicação social de âmbito regional e local e de âmbito associativo ou profissional, prevendo a lei as formas de apoio às entidades e aos jornalistas que as integram".
Está à discussão esta proposta de aditamento do PCP.
Para apresentar a proposta, tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): Srs. Deputados, penso que a proposta fala por si. Trata-se de introduzir um princípio, não uma regulamentação, que seria absurda, ou uma determinação, que tem que ver com uma situação que, penso, desde a última revisão constitucional e com a evolução da própria realidade da comunicação social, tem passado a adquirir uma importância muito peculiar.
Ou seja, o próprio processo de integração europeia, a situação crescente de interpenetração dos diversos meios de comunicação, levam a que ou se define como um pressuposto de intervenção a defesa dos meios - e, aliás, o n.º 5 que propomos está, obviamente, ligado com o n.º 9, no fundo, decorrem de uma mesma filosofia -, ou se apoiam os meios que salvaguardem, preservem, desenvolvam e sustentem uma identidade cultural que, entre outras manifestações, tem como base essencial a língua, ou, então, arriscamo-nos a falar de uma realidade importantíssima que é a comunicação social sem criar, minimamente, ao nível do próprio dispositivo constitucional, princípios de defesa de uma identidade nacional face a uma realidade crescente, cuja tendência, cujo tropismo, é, obviamente, de aculturação, de domínio, sobre o ponto de vista cultural, das culturas com maior capacidade de produção tecnológica.
Nestas circunstâncias, pensamos que, numa revisão constitucional, feita quase duas décadas depois da redacção do texto inicial, se justifica ter em consideração tudo o que mudou entretanto, seja o que mudou em termos dos próprios meios de comunicação social seja o que mudou em termos culturais da integração de Portugal e da cultura portuguesa no mundo, e que se introduzam elementos que salvaguardem, sustentem e dêem orientações e princípios a uma defesa da cultura e da entidade nacionais.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Deputado Ruben de Carvalho apresentou e defendeu, também, a proposta respeitante ao n.º 9, pelo que estão à consideração, em conjunto, as propostas de aditamento dos n.os 5 e 9 propostas pelo PCP.
Tem a palavra o Sr. Deputado Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, sem querer introduzir nenhuma indisciplina na metodologia, peço a palavra apenas para me pronunciar sobre o n.º 5.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): Sr. Deputado, de facto, foi um abuso meu introduzir o n.º 9, porque o que estava em discussão era o n.º 5.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Quanto ao n.º 5 devo dizer...

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Ruben de Carvalho, ultrapassou-me na matéria de dar expedição, pelo que, para já, não lhe darei a palavra para apresentar o n.º 9.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Quanto ao n.º5 é evidente e, desde já, quero afirmá-lo que o PSD vê com bastante simpatia esta iniciativa.
O PSD, como é do conhecimento geral, desde sempre, tem vindo a ser defensor - e em alguns casos propondo, inclusive, várias medidas legislativas e administrativas nesse sentido - da relevância social que, inevitavelmente, a comunicação social de âmbito regional e local tem, quer para o desenvolvimento das nossas comunidades, no interior do País, quer devido ao facto, que não é de menosprezar, do contacto permanente que proporciona para as comunidades de portugueses no estrangeiro, para com a sua terra mãe, para com a realidade daquilo que os continua a ligar e a interessar na mãe pátria. Portanto, a nossa simpatia para esta proposta é total.
Em qualquer circunstância, deixava a seguinte reflexão ao Partido Comunista, proponente do texto, no sentido que há alguns aspectos da formulação, em concreto, deste n.º5, que nos oferecem algumas dúvidas e que gostaríamos de poder rever para que este n.º 5, a ser consagrado na Constituição, o fosse quanto àquele que, do nosso ponto de vista, é o seu aspecto central e aquele em que nos podemos rever todos maioritariamente.
Ora, isto tem que ver com esta parte da comunicação social, regional e local, porque confesso que no que respeita à comunicação social de âmbito associativo ou profissional, enfim, sem querendo com isso fazer nenhum

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processo de intenções, eu diria que há alguns laivos de corporativismo que não entendemos muito bem.
Isto é, porque é que o Estado há-de reconhecer, porque é disso que se trata na economia do texto que nos é presente, a relevância da função social das publicações de natureza profissional? Digamos que, no mínimo, temos alguma dificuldade em acompanhar esse raciocínio, mas não temos nenhuma dificuldade em acompanhar o que respeita à comunicação social de âmbito regional ou local, pois aí o problema que se coloca é outro. Já numa perspectiva dirigida a classes profissionais ou a lógicas associativas, temos alguma dificuldade em reconhecer essa preocupação acrescida por parte do Estado no reconhecimento de uma função associada.
Para terminar, e em termos de uma reflexão, para uma eventual reformulação do texto no sentido de poder claramente beneficiar de um voto concordante por parte do Partido Social-Democrata, o conteúdo da parte final - visto que isto tem que ver com as formas de apoio a entidades e aos jornalistas que a integram - deveria ter uma formulação que previsse não só o reconhecimento da função social por parte do Estado, como também remeter para a lei as formas de apoio sem especificar se é ou não aos jornalistas.
Parece-me que isso é matéria que tem que ver com o natural desenvolvimento do legislador ordinário ficando este com a incumbência de encontrar as formas mais adequadas para levar a cabo esta determinação.
Esta é, mais uma vez, uma lógica um pouco sectária da questão essencial que merece, repito, toda a simpatia por parte do PSD.
Assim, estamos disponíveis para fazer um esforço e para encontrar uma redacção no sentido de, com vantagem do nosso ponto de vista, introduzir no texto constitucional este valor e este reconhecimento, por parte do Estado, da função social da comunicação social de âmbito regional e local.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): Em relação a este artigo 38.º somos, na generalidade, conservadores. Ou seja, não nos parece que venha acrescentar algo de relevante e importante àquilo que é uma prática também já seguida pelo Estado, porque todos os anos são publicadas as portarias da Secretaria de Estado da Comunicação Social a regular este tipo de apoio à imprensa regional e local.
Portanto, esta é uma prática já instituída e não nos parece que se justifique uma sobrecarga do texto constitucional com constantes chamadas de atenção para os deveres do Estado em relação ao apoio que deve ou não prestar a esta ou àquela iniciativa no âmbito da comunicação social.
Nesse sentido, preferíamos manter o texto constitucional do artigo 38.º tal como está, pois não vemos grande utilidade ao acrescento proposto.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): Relativamente à observação feita pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes sobre o cabimento ou não da introdução do conceito da imprensa profissional e associativa - e remetendo-me novamente àquilo que disse na intervenção inicial -, penso que a grande preocupação desta medida é a da salvaguarda global do tecido social e cultural português e de uma identidade social e cultural nacional.
Ora, o Sr. Deputado Luís Marques Guedes seguramente reconhecerá que mesmo sem o recurso - de que nós somos insuspeitos - a qualquer conceito cooperativo da concepção da actividade profissional, a actividade profissional e o colectivo profissional são elementos constitutivos de um todo cultural e de um todo nacional e, curiosamente, penso mesmo que a emergência de novas tecnologias o torna mais premente.
Sr. Deputado, apresento-lhe apenas um exemplo: penso que, do ponto de vista cultural e nacional, desempenha um papel importante uma imprensa profissional no campo da informática, onde o domínio linguístico é, natural e tendencialmente, anglo-saxónico e onde uma imprensa de ordem profissional pode ter, para além do aspecto de apoio puramente profissional, um papel cultural de todo relevante.
Ou seja, não vou - porque naturalmente era nessa ideia que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes estava a pensar - dizer que considero igualmente importante a imprensa de ordem profissional que tem que ver com a actividade e com o associativismo dos trabalhadores e com as suas organizações profissionais. Isto é, também considero que é um traço de identidade nacional importante e que o Estado deve apoiar o facto de, por exemplo, haver imprensa sindical e haver imprensa ligada aos interesses concretos, directos e quotidianos de uma parte determinante da sociedade que são os trabalhadores.
Em relação à associação e ao fenómeno associativo acho que isto ainda redobra de elemento, ou seja, a nossa capacidade de manutenção de uma identidade cultural nacional, não passa, exclusivamente, por cada um de nós individualmente, exige, sim, um esforço colectivo e todos os esforços colectivos, em meu entender, a este nível e com este objectivo, são bem-vindos.
Relativamente às objecções do Sr. Deputado António Reis, devo dizer que não somos conservadores em relação a este artigo; temos, aliás, alguma dificuldade em sê-lo seja em relação ao que for, mas quanto a esta questão o problema é o seguinte: ninguém tem dúvidas, Sr. Deputado António Reis, que já há uma prática de apoio, por exemplo, à imprensa regional.
Assim, pergunto-lhe, Sr. Deputado António Reis: será que daqui a cinco anos haverá imprensa regional para ser apoiada? Ou seja, o tropismo natural da sociedade face às novas imposições que lhe são colocadas, cria ou não essa realidade? Porque daqui a cinco anos a Secretaria de Estado, seja do que for à qual couber a atribuição desses subsídios, dirá, por exemplo: não há jornais, eu não tenho que atribuir subsídios, não tenho qualquer tipo de responsabilidade...!
Portanto, o que se pretende introduzir nesta nova situação em que há, efectivamente, uma tendência de esmagamento dos meios de comunicação social que possam constituir fronteiras e situações de defesa de uma identidade nacional, e onde essa pressão, de facto, existe, que seja uma responsabilidade do Estado não apenas apoiar o que existe, mas fazer que exista e é isso que aqui está. Já existia, foi apoiado, óptimo! Só que estamos em risco que deixe de existir.
E se entendemos, como, pela nossa parte, pensamos, que elas fazem parte de um tecido cultural indispensável à identidade cultural do País, então passa a ser um papel e

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uma responsabilidade do Estado dar esse apoio, daí nós, de forma não conservadora, quiçá revolucionária, fazermos esta proposta.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, antes de dar a palavra ao Sr. Deputado António Reis, e como já estou inscrito para uma nova observação, gostaria de referir, reiterando uma ideia que já tenho exposto de vez em quando, o seguinte: hoje em dia sou bastante pouco simpático à introdução em sede de direitos, liberdades e garantias de normas de acção política do Estado.
Na verdade, tenho hoje uma concepção bastante despojada dos direitos, liberdades e garantias e vejo na sua sede, fundamentalmente, garantia e proibição da acção do Estado e defesa da esfera de liberdade dos cidadãos das organizações, pelo que penso que a inevitável debilidade das normas positivas inseridas em sede de direitos, liberdades e garantias corre o risco de contaminar a força e a capacidade afirmativa dos direitos, liberdades e garantias.
Portanto, tudo isto se aplica a uma série de normas e aditamentos, que, aliás, são abundantes no projecto do PCP, e, independentemente de concordar com elas noutra sede em que as directivas da acção política do Estado, em geral, vejo com pouca simpatia, para não dizer com toda a antipatia, a inserção de normas de acção positiva em sede dos direitos, liberdades e garantias.
Portanto, perante o que acabei de dizer, pode concluir-se que estou de acordo com a postura do Partido Socialista em, pelo menos, reservar posição quanto a esta medida.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): Sr. Presidente, praticamente "tirou-me a palavra da boca", porque, de facto, não há uma objecção de fundo àquilo que é a proposta do Partido Comunista, simplesmente entendemos que não seria, talvez, este o local adequado para a contemplar, pois a nível da legislação ordinária podem prever-se preocupações deste tipo, precisamente pelas razões agora indicadas pelo Sr. Deputado Vital Moreira.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, gostaria de fazer um comentário e também pedir um esclarecimento sobre a intervenção que V. Ex.ª acabou de produzir pois, no fundo, situou mais a questão que tinha sido indirectamente colocada pelo Partido Socialista na primeira intervenção.
Na verdade, e pelas explicações que deu, a diferença da sua posição face à do PSD, é que o PSD entende que isto não é uma mera explicitação de normas de acção positiva. Isto é, há, de facto - e a verdade nos últimos anos tem demonstrado isso cabalmente em termos até da própria posição que os vários partidos políticos têm assumido face a iniciativas legislativas na área da comunicação social -, uma intenção dos proponentes, e, por parte do PSD é claramente essa a razão da simpatia pela proposta, de criar um princípio de discriminação positiva relativamente a uma parte da realidade dos meios de comunicação social, que é tratado neste artigo, e que tem vindo sistematicamente a ser tratado como "o parente pobre" no seio da comunicação social.
Na verdade, pela evolução tecnológica das coisas, do tipo de sociedade em que estamos inseridos, este princípio tem tendência para fenecer rapidamente se não houver por parte do Estado o reconhecimento do interesse da manutenção deste tipo de comunicação social, que tem muitos anos de história e raízes muito profundas em alguns dos concelhos e distritos do nosso País.
Ora, do nosso ponto de vista, isto tem uma valência cultural muito importante em termos de identidade das comunidades locais e também da nossa identidade nacional quando transferida para os laços que ligam as comunidades portuguesas no estrangeiro à pátria, e, nesse sentido, entendemos que há necessidade e vantagem - portanto, para além dos princípios gerais de estarmos aqui a tratar de direitos fundamentais, ou de direitos, liberdades e garantias, em termos genéricos e é essa a perspectiva do PSD - em introduzir no texto constitucional um princípio da discriminação positiva para este tipo de imprensa.
Isto porque, a imprensa de âmbito nacional, porventura, do nosso ponto de vista, não justifica ou, melhor, justifica muito menos determinado tipo de apoios por parte do Estado e de reconhecimento da sua função social e apoio directo da acção positiva por parte do Estado, do que este tipo de comunicação social.
Sr. Presidente, não lhe parece que há aqui uma certa diferença? Que, nesse sentido, não é apenas introduzir um comando de acção directa no texto constitucional?

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Luís Marques Guedes, não está em causa a força que pomos no apoio público à imprensa local e regional. De resto, quem vive fora de Lisboa - e é o meu caso -, sabe o que significaria deixar de existir esse apoio à imprensa local e regional e o que teria sido já de massacre dessa imprensa, já não só de afirmação das idiossincrasias locais e regionais é a pura garantia de um direito à expressão e à informação em condições de igualdade com os grandes centros urbanos.
Assim, o problema que coloco é um problema geral de filosofia em matéria de direitos, liberdades e garantias e em que medida é que essas normas de imposição de acções ao Estado devem ter lugar, devem ser acrescidas no capítulo dos "Direitos, liberdades e garantias". Esta é, portanto, uma pré-questão de política, de formulação constitucional.
Na verdade, comecei por dizer que não me opunha a que isso figurasse noutro lado, mas o meu problema é saber se, para além daquelas normas que já constam da Constituição e que vêm do passado, vamos densificar este capítulo da Constituição com normas positivas, que são necessariamente débeis, pois isso nada acrescenta em termos de vinculação a qualquer Governo, pois qualquer Governo sentir-se-á ou não vinculado de acordo com as possibilidades que entender e dirá que já apoia, que a franquia livre já é uma forma de apoio, daí isto não acrescentar nada em termos de vinculação do Governo.
Assim, sendo essas normas necessariamente débeis em termos de força constitucional, pergunto: em que medida é que a sua viabilidade não contamina as normas puramente negativas e proibitivas deste capítulo constitucional?
É este o problema de filosofia que coloquei, que se aplica a esta norma como se aplica a todas as normas idênticas, umas que já existem no texto da Constituição, algumas, aliás, colocadas por minha instância, se calhar, noutra ocasião, que são propostas não só pelo PCP, mas,

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sobretudo, por ele, e por outros partidos, inclusivamente, pelo Partido Socialista.
Portanto, fiz uma reflexão pessoal que não tem que ver propriamente com esta norma, mas, sim, com um conjunto de normas dessa natureza que aqui foram colocadas.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): Sr. Presidente, já tinha proferido a minha intervenção há pouco.

O Sr. Presidente: Sim, tem razão. A minha intervenção foi uma resposta ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): Sr. Presidente, a questão que queria colocar, até talvez sob a forma de interrogação, é a seguinte: independentemente de todos conhecermos a distinção clássica entre direitos fundamentais de garantia face a acções de Estado e direitos fundamentais que são direitos a prestações de Estado e de sabermos todos, também, que a introdução desta segunda distinção, e até o enriquecimento desta segunda categoria, é aquilo que permite distinguir, em grande medida, o Estado social e democrático de direito do Estado liberal de direito, do ponto de vista da utilidade desta norma - e deixando de lado o problema da imprensa associativa ou profissional - a questão que se coloca é a de saber se uma norma deste tipo não permitiria à imprensa regional defender-se face a um qualquer Governo que, por exemplo, quisesse abolir a franquia livre.
Isto é, sem dúvida alguma que qualquer Governo terá liberdade de definir em conjunto com a Assembleia da República, por via do Orçamento do Estado, as formas de apoio e há, sem dúvida, uma margem de discricionariedade, mas o problema que se coloca, no entanto, é o de saber se, face a uma norma deste tipo, o Estado poderia diminuir o direito a prestações que a imprensa regional já tem, que permite minimamente defender-se e, de algum modo, ter esperança que não se desenhe o seu fim com toda a utilidade que, sem qualquer dúvida, se coloca nesta matéria.
Ou seja, creio que todos nós aprendemos, face a escritos de Gomes Canotilho - nomeadamente a sua tese de doutoramento - e de Vital Moreira, a importância que teria a defesa de níveis de prestações já obtidos por parte dos cidadãos e outras entidades face ao Estado, tendo em conta determinadas normas que significam a possibilidade de o cidadão ou outras entidades defenderem os seus níveis de prestações atingidos.
É nesse sentido que interrogo se uma norma deste tipo, mais do que contaminar os direitos, liberdades e garantias que estão na Constituição com direitos a prestações que depois não são sindicáveis, não poderiam constituir formas de defender os níveis de prestações que a imprensa regional já obtém, neste momento, do poder político e, naturalmente, defender níveis que futuramente venham a ser atingidos e que assegurem a sua sobrevivência.
Portanto, creio que, face a determinadas normas programáticas, em particular, normas que consagram direitos a prestações e que não foram completamente asseguradas na prática com a evolução da situação política que é conhecida, etc., há que ter cuidados em todo este plano.
Creio, no entanto, que isto também não nos impede - e estamos a discutir uma filosofia de conjunto -, de consagrar níveis de prestações já atingidos e que podem, eventualmente, estar em risco com a evolução da situação política, nem, em geral, de desvalorizar os direitos fundamentais que consistem em direitos a prestações do Estado e que, não devem, de forma alguma, ser "secundarizados". Isto é, há toda uma lição que me parece ter sido extremamente útil na vida constitucional portuguesa e que, neste contexto, não tem de ser abandonada.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Luís Sá, na parte em que isso significa um pedido de esclarecimento, devo dizer que não propus, nem proponho, nenhum desarme do capítulo dos direitos económicos, sociais e culturais. Como já disse, o próprio capítulo dos "Direitos, liberdades e garantias", já tem direitos positivos, aliás, vamos tratar de um logo a seguir que é o direito de antena.
Não se trata de purificar a Constituição mas, sim, de não acrescentar, de não a sobrecarregar, em sede de direitos, liberdades e garantias, com normas de acção positiva. É esse apenas o meu ponto e agradeço-lhe por me ter dado a oportunidade de sublinhar e de esclarecer rigorosamente o meu ponto de vista.

O Sr. Luís Sá (PCP): Sr. Presidente, se me permite, face à norma que aqui é proposta, concorda que seria inconstitucional um programa legislativo orçamental, por parte do Governo, que fizesse desaparecer os apoios à imprensa regional que, neste momento, existem, nomeadamente a franquia livre ou quaisquer outros.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Luís Sá, em primeiro lugar, não tenho a certeza que isso fosse assim e, em segundo lugar, não tenho a certeza que seja função da Constituição limitar tão drasticamente a discricionariedade política de cada Governo e a possibilidade de...

O Sr. Luís Sá (PCP): Quando são valores que se consideram fundamentais...

O Sr. Presidente: ... o povo julgá-lo de acordo com o que faz e o com o que não faz.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Depende dos valores!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, não vamos enxertar aqui uma discussão lateral, pois parece-me que este assunto está discutido e mais ninguém quer pronunciar-se sobre esta matéria.
Está registada a simpatia do PSD quanto à primeira parte da norma, no que respeita ao âmbito regional e local, e estão registadas as reservas do PS.
Srs. Deputados, vamos passar, agora, à discussão da proposta de aditamento do n.º 9, que já está apresentada e que refere que "O Estado promove e apoia a defesa da entidade cultural, da língua portuguesa e da produção nacional no campo audiovisual."
Srs. Deputados, vejo uma ressonância francesa nesta norma...
Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): Sr. Presidente, alguma da argumentação produzida em relação ao n.º 5 vale também para a proposta de aditamento do n.º 9. Lembro que o actual artigo 19.º da Lei da Televisão, Lei n.º 58/90, já contempla, amplamente, esta preocupação, chegando mesmo

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ao ponto de definir concretamente as percentagens de produção própria, de produção em programas de língua portuguesa e de produção nacional para as emissoras de televisão.
Na verdade, seria bom que se cumprisse este artigo 19.º da Lei da Televisão que, infelizmente, julgo, em muitos casos, não está a ser cumprido.
No entanto, não me parece que deva sobrecarregar-se também aqui um artigo cujo objectivo fundamental é, no fundo, assegurar a liberdade e a independência dos meios de comunicação social perante os poderes político e económico - e este é o fio condutor de todos os números do artigo 38.º. Isto é: não me parece necessário estar a sobrecarregar o texto constitucional com a indicação de mais uma tarefa específica do Estado neste âmbito, tendo em conta até que, relativamente à questão da língua portuguesa, por exemplo, no âmbito das tarefas fundamentais do Estado, o artigo 9.º, explicita, claramente, que compete ao Estado a tarefa de defender o uso e promover a difusão internacional da língua portuguesa.
Creio que estamos a enxovalhar o texto constitucional, a sobrecarregá-lo, com um articulado que não cabe propriamente no âmbito de um artigo desta natureza, que já está contemplado noutro lado, e que a própria lei ordinária contempla amplamente. Mais importante é que alertemos quem de direito para que se cumpra aquilo que já está na lei ordinária.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, à semelhança do que já aconteceu anteriormente, é evidente que estamos não em sede de uma discordância de princípios ou de objectivos mas, sim, da melhor forma de os atingir.
Sr. Deputado António Reis, há aqui dois conceitos diferentes: nós não concebemos que a Constituição por si só resolva seja que problema for. Se não houver quem escreva, imprima, distribua e venda jornais de imprensa regional, não é a Constituição que o vai fazer nem o Estado mandatado pela Constituição. Aí estamos todos inteiramente de acordo! Agora, numa situação em que podemos encarar e olhar a realidade com alguma apreensão, entendemos que é de dotar os cidadãos, que queiram exercer uma função que politicamente reputamos de interesse nacional, como seja, por hipótese, fazer um jornal regional e mantê-lo, de condições que são do interesse nacional e, na medida do possível, criar imposições ou discriminações positivas que o libertem ou, pelo menos, o aliviem de imposições de mercado ou de outras imposições que conduzirão ao seu desaparecimento e à sua liquidação.
Sr. Deputado António Reis, nós não estaríamos muito preocupados com a língua portuguesa. Possivelmente, há trinta anos atrás, o grau de preocupação era diferente, pois a plataforma do meio de comunicação que era a língua portuguesa tinha uma vivência completamente diferente daquela que tem hoje quando enfrentamos todas as modificações e todas as mutações que se verificaram.
Penso que o texto constitucional tem não só de ser um texto em abstracto mas um texto em diálogo com capacidade para que a própria sociedade civil, de que tanto a gente fala, lhe possa dar substância. E se numa situação concreta entendo que uma determinação constitucional pode dar alento, apoio e força num momento determinado - e por isso se fazem revisões constitucionais, porque as Constituições não têm de ser eternas, pois a realidade modifica-se -, então, na situação em que entendo que a língua portuguesa pode ter dificuldades de manutenção, de sobrevivência e de defesa diferentes do que tinha há vinte anos, ou de que a imprensa regional tem condições de sobrevivência inteiramente diferentes das que tinha há vinte anos (mas continua a considerar-se, sob o ponto de vista político, que a defesa da língua portuguesa ou da imprensa regional é importante), creio não vou resolver problema nenhum introduzindo um artigo na Constituição.
Todavia, entendo que, introduzindo um artigo na Constituição, um apoio com força constitucional, a sociedade civil, se, eventualmente, existir e tiver força, pode exercer e concretizar esse objectivo com o qual, afinal, parece que todos estamos de acordo.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, esta discussão é em grande parte a repetição de uma discussão que, genericamente, já aqui tivemos aquando da discussão do artigo 5.º-A, apresentado pelo CDS-PP, e também do artigo 9.º que regula as tarefas fundamentais do Estado.
No fundo, remeto, com todo o respeito, como é evidente, para a discussão que então tivemos na qual também o Partido Comunista interveio.

O Sr. Presidente: - Há, em todo o caso, dois aditamentos a esta proposta. Um é relativo à identidade cultural e outro à produção nacional.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, penso que o aditamento relativo à identidade cultural foi discutido - e bem - aquando da discussão do artigo 9.º, nomeadamente quanto à alínea f).
É evidente que a alínea e) do artigo 9.º, relativo às tarefas fundamentais do Estado, abarca a salvaguarda do património cultural português e, portanto, a defesa da identidade cultural. No fundo, as palavras são as mesmas,…

O Sr. Presidente: - Certo, tem razão!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - … e numa perspectiva que vai muito para além do audiovisual, pois digamos que o audiovisual é um aspecto parcelar onde, obviamente, nesta como em todas as áreas, uma vez que está previsto no artigo 9.º, é sempre tarefa fundamental do Estado a protecção e a valorização da identidade cultural nacional. Para mim, este é um dado adquirido a partir do momento em que está no artigo 9.º e todos estamos de acordo.
Relativamente à língua, como na altura tivemos oportunidade de discutir aqui - no fundo é isso que gostaria de relembrar - deve entender-se, e foi entendido genericamente por toda a gente e também pelo Partido Comunista, que se submete àquela questão.
A parte que ficaria de fora, nada tem que ver com o que está lá atrás, é a da produção nacional. Todavia, aí, com franqueza, não me parece que seja matéria que mereça tratamento especial na Constituição e aí já não se trata de uma questão de discriminação positiva, como falava à

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pouco, relativamente à imprensa regional, pois penso que, de facto, é uma questão diferente. Aliás, há pouco, já trocámos impressões sobre o que considerávamos de importante que justificasse o facto de a imprensa regional ter valor para estar na Constituição. Aqui não! Na verdade, aqui é já algo que tem que ver com uma opção que o legislador ordinário tomou há muitos anos.
Como se sabe, a lei da radiodifusão e da radiotelevisão, naquilo que diz respeito ao audiovisual, já tem normas que obrigam, até, em alguns casos, a quotas e mesmo a horários de emissão de produção nacional no audiovisual. Do nosso ponto de vista, é eminentemente algo que nada tem que ver com questões de direitos fundamentais ou opções fundamentais do Estado.
No que diz respeito a essa proposta do PCP, como disse, ela já está prevista no artigo 9.º e está aí bem na Constituição; na parte da produção nacional, pensamos que este tema não tem dignidade suficiente para suscitar uma alteração à Constituição com a sua integração.
Termino, dizendo que estou totalmente de acordo com a observação de há pouco do Sr. Presidente ou seja a de que devemos tentar, com alguma parcimónia, não transformar esta parte da Constituição nem a invadir com aspectos que, evidentemente, não devem estar aqui e que devem ser tratados, com vantagem, pela legislação ordinária.
Finalizarei a minha intervenção, dizendo que, nesse sentido, o PSD não concorda com esta proposta de aditamento de um n.º 9, apresentada pelo PCP.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, esta proposta não encontra apoio por parte do PS e do PSD.
Passamos, então, à proposta de aditamento de um n.º 8 ao artigo 38.º, de Os Verdes, do seguinte teor: "É proibida a transmissão de programas ou mensagens cujo conteúdo faça apologia da violência, da intolerância, do racismo e da discriminação sexual".
Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Castro.

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, esta proposta é suscitada não por um desejo de ilegalizar, como poderia parecer à primeira vista, alguma das televisões a funcionar neste momento, mas para tentar criar - e é esse o espírito da proposta - algumas referências em relação àquilo que deve ser o conteúdo das mensagens transmitidas.
Nós temos a noção que a veiculação e a apologia da violência têm - e há estudos que o comprovam - reflexo do ponto de vista do comportamento social e, portanto, quem deles é consumidor assíduo tende a reproduzir comportamentos agressivos. Temos, contudo, a noção de que esta proposta acabaria por ferir e entrar em conflito com a liberdade de fruição cultural dos cidadãos.
Nesse sentido, pensamos que este era um campo muito perigoso, na medida em que acabava por permitir formas de censura que, de modo algum, estão no nosso espírito. Estando claro o que é que está no espírito desta proposta, julgamos que a sua formulação pode vir a desvirtuar e a perverter aquilo que é o sentido do que ela procuraria defender.

O Sr. Presidente: - A proposta está à consideração.

Pausa.

O silêncio significa a não aceitação?

A Sr.ª Isabel Castro (Os Verdes): - Sr. Presidente, isto significa que pensamos que esta é uma proposta que não deve constar do texto constitucional.

O Sr. Presidente: - Como a Sr.ª Deputada não retirou essa conclusão imediatamente, caberia a mim retirá-la.

Risos.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em sede do artigo 38.º, resta considerar a proposta do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca para aditar o n.º 2 onde se diz. "O exercício deste direito não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura", texto esta que se limita a reproduzir o que já consta do artigo 37.º. Pergunto: a que propósito vem a repetição?
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (PCP): - Sr. Presidente, retiro a minha proposta.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, passamos, então, ao artigo 39.º, cuja epígrafe é "Alta Autoridade para a Comunicação Social".
Aqui há dois tipos de approach: há propostas de eliminação do artigo e, portanto, de eliminação da consagração constitucional de uma autoridade independente de regulação da comunicação social - essa proposta é comum ao CDS-PP, que não está presente, e ao Deputado Pedro Passos Coelho que está presente, pelo que a proposta tem defensor - e há uma proposta de revisão da filosofia ou, pelo menos, da composição da dita entidade.
Proponho que se separem as duas questões e se discuta primeiro se deve ou não estar constitucionalmente consagrada a autoridade independente de regulação da comunicação social.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Há ainda uma terceira via!

O Sr. Presidente: - Sim, a de manter, sem alterações de monta, o que está na Constituição, que é o caso da proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - E do PSD!

O Sr. Presidente: - E do PSD, que não muda sequer nada.
Mas não estamos aqui a tratar não do que não se muda, mas sim das propostas de mudança.

Risos.

As propostas de mudança pontuais serão discutidas no momento próprio.
Para apresentar e defender a proposta de eliminação da consagração constitucional de uma autoridade independente de regulação da comunicação social, tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, há, de facto, duas propostas sobre esta matéria. Ignoro em

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absoluto se têm as mesmas motivações, mas, objectivamente, visam o mesmo.
Em primeiro lugar, parece-me que um dispositivo constitucional desta natureza, com a evolução constitucional que já teve, cumpriu uma missão em Portugal. De resto, vê-se pela leitura da maior parte das competências que se são cometidas e atribuídas um conjunto de missões já relativamente realizadas, o que significa, portanto, que atingimos nesta altura - no que respeita ao licenciamento que durante muitos anos se esteve para fazer de novas estações quer de rádio quer de televisão - uma situação de normalidade que deve não apenas ser sindicada por intermédio dos meios usuais que vigoram para todas as outras áreas, mas também regulada sobretudo em sede de tribunais. Não vemos, portanto, nenhuma razão para esta especialização se manter na Constituição.
Em segundo lugar, gostaria de dizer que ficará atendível o argumento de que os tribunais estão - como já diversas vezes e ainda recentemente, sem que tivesse pessoalmente o prazer de compartilhar essa discussão, aqui foi abundantemente discutido - demasiado assoberbados de tarefas e de missões e que isso muitas vezes penaliza o acto do efeito de justiça que se pretendia.
Mas também é verdade que com as remodelações pontuais que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro visa atribuir ou com uma nova composição como consta de outras propostas, nada leva a crer que se modifique, no fundo, a questão essencial daquilo que já hoje é o funcionamento da Alta Autoridade para a Comunicação Social. Isto é, representa um esforço absolutamente inútil quanto ao direito à reparação relativamente aos danos que são provocados e, portanto, há um efeito que está muito longe da intenção original no que respeita, até, à aplicação de eventual jurisdição que transitava do artigo 37.º da proposta do Partido Socialista.
É, sobretudo, com estes dois fundamentos que subscrevo esta proposta de eliminação, sendo que, em sede de lei ordinária, muita matéria há que regular e que ver sobre esta questão, bem como alguns aperfeiçoamentos a introduzir à própria Lei de Imprensa.
Mas, no essencial, não vejo qualquer razão para que não sejam, em sede independente, os órgãos da própria administração a velarem pelo cumprimento - nomeadamente as estações de rádio, de televisão, de outros órgãos de comunicação social - da lei, em primeiro lugar e, em segundo lugar, se isso assim não for, deverão ser os próprios tribunais a dirimir essas questões.
É o que respeita a um Estado de direito alicerçado na normalidade. É isso que julgamos que já funciona em Portugal e, portanto, não vemos nenhuma razão para encontrar outras explicações, nem mesmo a ineficiência possível dos tribunais, para manter na Constituição dispositivos que cumpriram a sua função histórica, mas que hoje não representariam mais do que manter junto dos órgãos de soberania uma espécie de lugar dispensável, mas burocrático e administrativamente válido, para fazer funcionar uma máquina que é inconsequente e que o continuará a ser. Isto enquanto estiver sob a alçada da administração do Estado e dos tribunais (do poder independente dos tribunais) o juízo sobre aquilo que já está a funcionar e que respeita à missão histórica que ficou cumprida pelas duas instituições que funcionaram constitucionalmente durante estes anos de democracia.

O Sr. Presidente: - Está à consideração esta proposta de eliminação da instituição constitucional da Alta Autoridade para a Comunicação Social, proposta pelo Sr. Deputado Pedro Passos Coelho e também pelo CDS-PP.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - A proposta de eliminação aqui apresentada pelo Sr. Deputado Pedro Passos Coelho parece animada das melhores intenções, mas, permita-me que lhe diga, julgo que peca por alguma ingenuidade.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Pode explicar Sr. Deputado?!

O Sr. António Reis (PS): - O que se passa no domínio do direito à informação, da liberdade de imprensa, da independência dos meios de comunicação, as questões atinentes à defesa do direitos dos cidadãos em relação à comunicação social e também à defesa dos direitos dos jornalistas do processo de produção da própria comunicação social, são de uma extrema complexidade e originam quotidianamente as mais diversas intervenções de cidadãos, de jornalistas. Há aqui um domínio de conflitualidade latente que deve preocupar o legislador e que deve motivar a introdução de formas específicas e adequadas para lidar com estas questões.
Francamente, não vejo como é que o poder judicial em Portugal pode só por si pretender resolver com eficácia e com celeridade as questões que se inscrevem no âmbito do direito à informação e da liberdade de imprensa.
Por outro lado, quando se entra, por exemplo, no mero ilícito de ordenação social (como vimos há pouco na discussão do artigo 37.º), há também aqui uma tendência para uma intervenção excessiva do Governo e da administração central na aplicação de coimas e de penalidades várias a um certo tipo de infracções fora do direito criminal.
Isso significa que, se não introduzirmos um órgão regulador na área da comunicação social com características como aquelas que propomos, que salvaguardem a sua independência perante o poder político e que lhe atribuam um mínimo de competências que assegurem a eficácia da sua actuação, corremos o risco de tudo o que seja atentado aos direitos dos cidadãos e mesmo dos jornalistas serem julgados na prática, no sentido lato, no âmbito da intervenção do Governo e da administração central (a tutela governamental da comunicação social) ou de irem parar aos tribunais, onde correm o risco de "jazer" por longo tempo. Imagine o que é um tribunal a apreciar uma queixa contra a falta de pluralismo na maneira como o serviço público de televisão cobriu um debate sobre o Estado da Nação aqui no Parlamento; imagine o que é um tribunal comum, ordinário, apreciar uma questão destas, que exige, evidentemente, alguma especialização e alguma sensibilidade.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Permita-me que o interrompa só para lhe colocar um pedido de esclarecimento.
Considera que essa seria ou não a condição desejável? Só para apurar se há outras questões colaterais que tenham influência na matéria constitucional, ou se o Sr. Deputado considera que, a verificarem-se condições de celeridade normais dentro da justiça portuguesa e dos tribunais, essa seria a sede competente para fazer este arbítrio?

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O Sr. António Reis (PS): - Não se trata apenas de uma questão de celeridade nesta questão judicial.

O Sr. Presidente: - É uma questão de competência.

O Sr. António Reis (PS): - Trata-se, muitas vezes, também de uma questão de sensibilidade. E trata-se de lidar com algo extremamente melindroso e que está muito para além, por vezes, da simples questão do direito criminal. O tribunal, necessariamente, e o poder judicial actuam numa esfera muito mais lata e quando lidamos com as questões da comunicação social estamos perante um tipo de conflitualidade e um tipo de eventual infracção que está longe de ser a matéria comum com que o tribunal costuma lidar.
Posso falar-lhe da minha experiência como membro da Alta Autoridade para a Comunicação Social. Muitas vezes tivemos de lidar com processos em que intervieram simultaneamente os tribunais comuns de primeira instância e a Alta Autoridade para a Comunicação Social, por exemplo, em questões atinentes ao direito de resposta ou mesmo em questões atinentes à isenção e rigor de informação. Há uma diferença na maneira como o assunto é "agarrado", trabalhado, tratado, que vai muitas vezes "do dia para a noite"... De facto, não podemos pedir ao juiz da comarca de Bragança, por exemplo, que esteja atento a questões desta natureza na sua imprensa regional e local, como acontece muitas vezes, da mesma forma como um órgão com a composição, as características, a sensibilidade de um Conselho de Comunicação Social ou do antigo Conselho de Imprensa ou de qualquer outro órgão ou entidade pública reguladora da comunicação social vai lidar com estas questões.
Não é apenas uma questão de celeridade, porque mesmo até em matéria de direito de resposta aí é talvez a única área em que os tribunais são obrigados a cumprir determinados prazos.
Por outro lado, é a questão do acesso do cidadão. Sabe perfeitamente, Sr. Deputado, que hoje em dia os cidadãos só em última instância é que recorrem aos tribunais, pois sabem que têm fracas hipóteses de verem as suas causas julgadas num prazo justo e legítimo.
Em matéria de comunicação social é natural que um cidadão se sinta muito mais estimulado para apresentar a sua causa perante esse tipo especial de tribunal, que é o órgão regulador da comunicação social, do que ir percorrer os "labirintos" do poder judicial tal como ele está estruturado entre nós.
Por todas estas razões, não fomos só nós que inventámos esta questão. Como o Sr. Deputado sabe, a esmagadora maioria dos países europeus, com excepção da Espanha e não sei se mais um ou outro país, optou por este tipo de soluções. Ou seja, optou por instituir órgãos reguladores para a comunicação social precisamente pelas razões que acabei de indicar: a acessibilidade dos cidadãos, maior confiança dos cidadãos em órgãos deste tipo, maior celeridade, maior sensibilidade para estas questões, o facto de se estar perante matérias que, na maior parte dos casos, estão fora de questões do direito criminal. Tudo isso justifica, aos olhos de muitos cidadãos de muitos outros países europeus… Não só na Europa! Repare que nos liberalíssimos Estados Unidos da América do Norte existem órgãos de regulação para as questões da comunicação social. Até nos liberalíssimos Estados Unidos da América do Norte!
De facto, teoricamente temos várias soluções: podemos reforçar o instituto de auto-regulação dos próprios órgãos de comunicação social, e é sempre útil que os órgãos de comunicação social tenham os seus provedores para os leitores, mas uma coisa não exclui a outra, como é óbvio; podemos reforçar os meios da administração central e do poder judicial nesta matéria - é a opção espanhola; ou, então, podemos seguir aquilo que é a prática mais comum dos países europeus e dos próprios Estados Unidos da América, que é criar este tipo de órgãos que, desde que tenham a sua independência assegurada e que tenham meios efectivos para cumprirem a sua missão, nos parece ser a solução mais adequada.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, penso que somos capazes de correr o risco de "afunilar" um pouco o debate sobre esta questão se nos ativermos exclusivamente ao papel desempenhado por este órgão na substituição de algumas insuficiências que possam existir por parte do tecido da justiça e, portanto, atribuir-lhe um papel que tenha que ver fundamentalmente com problemas que os tribunais, por qualquer motivo (por assoberbamento, por excesso de funções ou até por, como acabou de dizer, falta de equipamento e de instrumentos e de especialização sobre o assunto), possam desempenhar.
Sem pôr de parte que esta é uma função é um problema e é uma realidade a que tem de se acorrer, o que me parece é que a Alta Autoridade - chamemo-lhe o que quisermos, mas para simplificarmos, chamemo-lhe esta instituição - não é apenas isso.
O que está em causa nesta instituição, independentemente da composição completamente anómala que tem presentemente no quadro constitucional - e que muito nos regozija que o Partido Socialista, que deu a sua aprovação na anterior revisão constitucional, agora verifique que afinal não era tão boa como isso -, é a própria especificidade, a importância da questão da comunicação social no quadro do exercício da actuação de um Estado democrático numa sociedade democrática, num relacionamento do Estado com os cidadãos, dos cidadãos com o Estado, do Estado com os órgãos de comunicação social, dos órgãos de comunicação social com os cidadãos, enfim, de toda esta teia que não é uma teia qualquer.
Portanto, não estamos a falar de uma pura teia comercial, de relações comerciais, não estamos a falar de um qualquer fenómeno relativamente secundário, estamos a falar de um fenómeno e de uma realidade à qual, hoje, toda a gente, inquestionavelmente, reconhece grande importância.
No fundo, o que está aqui a criar-se e o que a Constituição criou e que se pretende reformular e não eliminar, melhorar e não liquidar, é um organismo que, em termos do conjunto das funções do Estado, corresponda à própria importância que, em termos de sociedade, a comunicação social tem.
A Alta Autoridade para a Comunicação Social não é apenas um outro tribunal, é, também, em alguns aspectos, por exemplo, uma entidade consultiva do Governo para aspectos específicos com funções até determinantes relativamente à concessão de alvarás em termos de licenças para o usufruto do espaço radioeléctrico.

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Ora bem, podemos dizer, e aproveitando a mesma argumentação, exactamente o mesmo, isto é, são situações que têm graus de especificidade grandes e que, portanto, requerem a criação de instrumentos de funcionamento e de órgãos que possam dotar a acção do Estado de uma eficiência, de um conhecimento, de um acompanhamento quotidiano que corresponda à própria especificidade da solução e da situação.
Ou seja, tudo o que foi dito pelo Sr. Deputado António Reis, no essencial, subscreve-se. É evidente que o recurso a um organismo com estas características por parte do cidadão tem traços completamente diferentes - e melhores - que o recurso a um tribunal e a inversa, também, é verdadeira, isto é, por exemplo, por parte de um órgão de comunicação social, o recurso de um órgão de comunicação social para a Alta Autoridade evidentemente que tem traços muito mais favoráveis que o recurso a outro tipo de instituições.
Em relação ao próprio Estado, digamos à acção governativa, dota-se esta de um conjunto de situações, de um apoio funcional e de uma legitimação que, em nosso ver, em tudo corresponde à própria importância e especificidade do fenómeno da comunicação social.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, gostaria de deixar aqui duas notas: esta proposta de eliminação, salvo o devido respeito, parece uma proposta pouco avisada sobretudo antiquada, isto é, pouco moderna.
A questão da regulação dos meios de comunicação social tornou-se imediata a partir do momento da privatização. Na verdade, a chamada liberalização dos meios de comunicação social não implicou desregulamentação, pelo contrário, implicou um aumento de regulação, porque aquilo que naturalmente era regulado pela propriedade pública ao passar a ser propriedade privada implicou a necessidade de regulação. Porém, isto foi um fenómeno comum a todos os países em que, sobretudo, no audiovisual, o princípio tradicional do monopólio público, que era tipicamente europeu, deu lugar à liberalização.
Portanto, privatização e liberalização igual a aumento da regulação. E o problema que se pôs foi o seguinte: a regulação implica um regulador; então, quem é regula?
A meu ver, é pouco pertinente invocar os tribunais, uma vez que há certas coisas que nada têm que ver com a competência do tribunais. Dar ou não dar uma licença, nomear ou não um elemento para um órgão da comunicação pública, avaliar ou não o pluralismo da comunicação dos órgãos públicos, saber se o contrato de concessão de serviços públicos está ou não a ser cumprido nas suas determinantes discricionárias, saber se está ou não a ser respeitado o rigor e a objectividade das informações - isto só para citar alguns exemplos - são aspectos para os quais os tribunais são incompetentes, são ineptos.
Por outro lado, sabemos que nem tudo pode cair na alçada do direito criminal e que tem de haver uma área de infracções contra-ordenacionais que têm de ser aplicadas por uma autoridade administrativa.
Portanto, duas coisas têm que ser dadas como assentes: primeira, a necessidade de regulação e do regulador e, de muitas matérias para as quais os tribunais são ineptos, são incompetentes e para as quais invocar os tribunais é, a meu ver, "atirar fora do alvo".
Assim, o problema que se colocou na Europa, sobretudo, a partir do momento da liberalização do audiovisual e do surgir de uma série de outros meios de comunicação social, foi saber quem é o regulador.
E para isso só há três respostas: o regulador é o Estado, a Administração, o Governo, solução a). Ora, esta é a solução tipicamente continental, era a tradicional, era a burocrático-alemã, napoleónico-portuguesa - a solução é a Administração, é o Governo que regula, isto é, que dá as concessões, que atribui os alvarás, que dá os licenciamentos, que nomeia os directores, que aplica as sanções. Portanto, repito, esta é a solução tradicional, típica, de uma concepção napoleónica-alemã do direito administrativo.
Outra solução, é a auto-regulação é o approach britânico tradicional.
E outra solução, ainda, é a regulação administrativa independente, ou seja é a solução norte-americana desde a FCC (Federal Comunication Comission) de 1930 que nos últimos dez anos tem sido seguida na Europa.
Portanto, não é por acaso que todos os países, que tiveram um processo de liberalização e de privatização do audiovisual, criaram entidades reguladoras independentes, pelo menos, na área do audiovisual, e nós não fomos excepção, não temos aqui nada de original, uma vez que a solução de uma entidade reguladora não governamental para o audiovisual, para garantir a independência, a imparcialidade, para aligeirar os tribunais e não para sobrecarregá-los com coisas para as quais eles são necessariamente ineptos e facilitar o exercício dos direitos dos cidadãos, é uma solução praticamente universal,
O modelo FCC é uma solução de entidade administrativa global, com poderes regulamentares, poderes administrativos e poderes sancionatórios e é esse modelo, mais ou menos fielmente, que foi seguido pelas sucessivas autoridades reguladoras independentes francesa, italiana, britânica, no caso do IVA, e portuguesa.
Na verdade, esta é uma boa solução, é uma solução moderna e é uma solução que tem a seu favor três enormes vantagens: por um lado, não se cai na tentação de atribuir aos tribunais tarefas para as quais eles são ineptos, pois os tribunais são competentes para aplicar sanções, para regular direitos ou deveres e não para decidir discricionariamente coisas para as quais eles são incompetentes, por exemplo, para tratar do lado do rigor e da objectividade da informação, no caso concreto.
Em segundo lugar, a grande vantagem é a desgovernamentalização, porque a alternativa para uma entidade reguladora independente é o exercício pela administração directa e governamental e isto tem dois efeitos que, aliás, são notórios em Portugal. Das duas uma: ou o Governo e a Administração exercem essas competências e "aqui del'Rei" cai-se na parcialidade, no perigo da falta de objectividade ou na discriminação política no exercício dessas funções reguladoras numa área extremamente sensível onde, de facto, o exercício do poder governamental de forma parcial ou discriminatória pode ser fatal para o exercício correcto da liberdade de informação; ou cai-se na impunidade.
Em Portugal, temos caído na impunidade pura e simples. O Estado recusa-se a utilizar os seus poderes reguladores, não aplica sanções, o que aconteceu com as rádios privadas foi o puro "salsifré" desregulador não se cumprindo a lei, a Administração recuou a cumprir a lei e não há ninguém que pense, sequer, em aplicar uma coima a qualquer televisão ou rádio privada, por mais que eles espezinhem a lei e as obrigações legais a que estão submetidas.

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Portanto, a proposta de eliminação da Alta Autoridade para a Comunicação Social teria como efeito o seguinte: primeiro, a tentação para sobrecarregar os tribunais com coisas para as quais eles são ineptos; segundo, a manutenção ou da competência governamentalizada ou da pura abstinência ilegal do Estado e da Administração exercerem essas competências ou o perigo, se a for exercer, em fazê-lo de forma parcial e discriminatória; terceiro, uma clara limitação efectiva dos direitos dos cidadãos.
Chamo, também, atenção para o direito de resposta. Fiz um estudo sobre este assunto, que, aliás, está publicado em dois ou três lugares, e não tenho dúvidas de que se fosse eliminada aquela que é hoje a possibilidade de os cidadãos recorrerem à Alta Autoridade para a Comunicação Social para o exercício do direito de resposta, as coisas seriam diferentes.
Assim, o estudo a que eu me referi, torna claro o seguinte: 90% dos casos não seriam exercidos, porque os cidadãos não vão aos tribunais, porque têm de pagar custas, porque têm de contratar advogado, porque têm de ir ao tribunal da sede do órgão de comunicação, ou seja o cidadão em Bragança que queira exercer o direito de resposta, e que não seja exercido pela SIC ou pela RTP, tem que vir a Lisboa "meter" o processo, o que é, pura e simplesmente, incomportável! Por outro lado, os cidadãos, em geral, não vão aos tribunais por estas razões todas.
Portanto, eliminar a Alta Autoridade para a Comunicação Social com a capacidade de ligeireza de regulação imediata, de forma célere, leve e gratuita, em geral, implicaria, pura e simplesmente, cercear o exercício de direitos elementares dos cidadãos como é, por exemplo, o caso do direito de resposta.
Na verdade, isto pressupõe que a entidade reguladora seja, obviamente, independente e que existam requisitos quanto à sua composição. Ora, a autoridade que temos não cumpre esses objectivos e o negócio que o PSD e o PS fizeram em 1989, deram-lhe um formato claramente governamentalizado e o PSD agravou isso com a lei que depois consagrou, mas isso é outra questão. Agora, é óbvio que entre uma autoridade pseudo-independente mas governamentalizada e o exercício governamental das competências, talvez seja mais directo e mais transparente ir pela segunda via, que não sei se é o objectivo do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.
Por mim, penso que não, que a solução da entidade reguladora independente é uma solução correcta, moderna e pertinente que satisfaz objectivos constitucionais essenciais e aquilo que deve fazer-se é corrigir os aleijões que no seu formato originário se deu à Alta Autoridade e que a regulação legal da Alta Autoridade lhe agravou.
Tem a palavra o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, nesta fase do debate, gostaria de comentar algumas das intervenções que foram produzidas, dizendo, em primeiro lugar, que aceito de bom grado alguns dos qualificativos que foram empregues, porque seriam bem intencionados, mas outros rejeito frontalmente, nomeadamente os do Sr. Deputado Vital Moreira, quanto à modernidade ou antiguidade da proposta.

O Sr. Presidente: - Mas eu mantenho o que disse!

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Com certeza, está no seu direito, assim como eu de o repudiar, na medida em que, em primeiro lugar, me parece que isso não acrescenta nada para o resultado desta reflexão constitucional e, em segundo lugar, porque desvia a atenção do essencial.
O Sr. Deputado Vital Moreira disse que é necessário uma entidade reguladora e independente, refugiando-se depois na sua composição - e supostamente no carácter verdadeiramente independente que ainda não foi atingido para que ela possa cumprir integralmente a sua função -, para defender a sua reconstituição, mas manter a sua dignidade constitucional.

O Sr. Presidente: - Em todo o caso se me permite um aparte, devo dizer que Alta Autoridade saiu muito melhor do que era de temer.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - O Sr. Deputado Vital Moreira continua interessado em ditar para a acta essa matéria, em qualquer caso reconheço, talvez, a pertinência da sua observação, não a vou contestar, porque esse não é o meu objectivo, contesto, no entanto, aquilo que disse como fundamento para manter a dignidade constitucional da Alta Autoridade, na medida em que se analisarmos - isso perpassou nesta discussão -, aquilo que sempre estaria dentro do albergue do exercício de funções de uma entidade deste tipo, verificamos, essencialmente, duas grandes competências e uma terceira que o Deputado Vital Moreira acrescentou e que respeita ao direito de resposta.
A primeira tem que ver com um fenómeno, esse sim moderno, relacionado com a explosão do audiovisual e com a necessidade de fazer, por parte da Administração, uma concessão de todo o espaço radioeléctrico e essa, de facto, foi uma necessidade nova, que não existia a algumas dezenas de anos, e que foi substancialmente cumprida já por esta instituição que se designa Alta Autoridade para a Comunicação Social.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, permite-me uma observação?

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Permito, com certeza!

O Sr. Presidente: - Estas concessões primeiro não são eternas e não está excluído que venham a criar-se ou que a lei venha a admitir novos canais.
Portanto, esta competência não está esgotada historicamente, portanto mantém-se em aberto.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Com certeza, eu até era capaz de acrescentar que, com certeza, que podem haver novos licenciamentos para o espaço que já está disponível e, tanto quanto parece, ele não é muito mais lato...

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Têm prazo!

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Com certeza que sim, mas havemos todos de concordar que uma coisa é dar o pontapé de saída para essa realidade; outra coisa significa saber como é que se regula posteriormente uma realidade que se instituiu, sem grande polémica graças à missão que foi cumprida por este órgão.
Assim, não perpassou, tanto quanto julgo da minha intervenção inicial de defesa da minha proposta, uma intenção

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de julgar negativamente o papel que este órgão - tal como o Conselho de Imprensa representou ao seu tempo -, agora não vejo é que esta função, daqui em diante, careça de ter dignidade constitucional, porque foi bem resolvido sem problemas de maior na sociedade portuguesa, nomeadamente numa área sensível como esta, o problema da concessão do espaço radioeléctrico e isso talvez não tivesse sido tão fácil sem este mecanismo.
Portanto, quanto a isso estamos de acordo e do meu ponto de vista sustento que a regulação, daqui em diante, não carecerá de uma dignidade constitucional. No entanto, o Sr. Deputado Vital Moreira e os outros Srs. Deputados que intervieram entendem que é mais ajuizado que se mantenha, embora com outra composição, mas não vejo que os argumentos tivessem sido relevantes. Esta é a primeira função que foi desempenhada.
A segunda função tem que ver com aquela que todos entendem ter sido a mais inconsequente quer do Conselho de Imprensa, quer da Alta Autoridade para a Comunicação Social, porque mesmo com os defeitos dos tribunais, a verdade é que já hoje a maior parte dos conflitos de lei que são suscitados, não são resolvidos, nem o serão, por um órgão desta natureza e não podem deixar de ser resolvidos em sede judicial. Não podem!
Portanto, longe de mim subscrever qualquer ideia - e não a vou classificar de ingénua nem de qualquer outro tipo -, de pensar que pode existir um órgão judicial especial, atendendo à particular sensibilidade que as questões da comunicação social requerem, para julgar estas matérias e creio que serão os tribunais, mesmo com a sua lentidão, os únicos meios de fazer justiça e dirimir esses conflitos. Não há quaisquer outros! Este é o meu ponto de vista e, peço desculpa, se fui excessivamente redutor.
Sr. Presidente, quanto ao direito de resposta, admito que essa possa ser, eventualmente, a única matéria a que se deve atender, mas, se me permite, aqui talvez com alguma ingenuidade mas também com boa intenção, tenho dúvidas que seja necessário constitucionalizar um órgão desta natureza para que a Administração não seja eminentemente napoleónica na regulação destes mecanismos, em particular quando sabemos que estão privatizados a maior parte dos meios de comunicação social e que, portanto, não há um domínio público que coincida com a entidade administrativa reguladora que seja o Governo ou o Estado.
Nessa medida, penso que podem, pontualmente, como foi até a intenção do PS relativamente à Rádio Televisão Portuguesa, criar um conselho de opinião - aliás, a lei ordinária pode prever mecanismos e institutos de auto-regulação para este efeito sem a necessidade de garantia constitucional a não ser aquela que respeitam aos direitos fundamentais.
No fundo, é baseado nestes três argumentos que mantenho, nesta fase da discussão, a intenção de desconstitucionalizar esta matéria dizendo, para finalizar, a contrario que manter, actualmente, este dispositivo na Constituição significa andar à procura, como me pareceu perpassar nas intervenções que foram produzidas, de esforçados novos argumentos para renovar um órgão que cumpriu a sua missão, mas que hoje, na maior parte da suas acções, se revela bastante inconsequente.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, estou inscrito para duas notas breves que, aliás, se prendem directamente com aquilo que o Sr. Deputado Pedro Passos Coelho acabou de dizer.
Sr. Presidente, talvez impressione um pouco que o debate se faça tanto em função daquilo que foi uma determinada evolução das coisas que não era, acho eu, inevitável. Ou seja, é verdade, como o Sr. Presidente sublinhou, que nem sempre as más soluções constitucionais geram as piores soluções legais e as piores práticas legais e é evidente que, neste caso, foram feitos alguns esforços, designadamente por aqueles que na Alta Autoridade se debateram por uma determinada feição do seu funcionamento, para minorar aquilo que eram aspectos deficientes no quadro constitucional, e mesmo no quadro legal, e essa acção mitigou alguns dos inconvenientes mais sérios das deficiências do quadro legal e do quadro constitucional.
Mas a verdade é que este comportava virtualidades que não foram exploradas por circunstâncias várias que não podemos aqui pormenorizar mas uma delas impressiona-me francamente, porque talvez tivesse uma esperança - essa sim quiçá ingénua -, que ela pudesse ter mais expressão do que teve e achasse, como continuo a achar, que ela é importante. Ou seja, o Conselho, a Alta Autoridade, a entidade independente, não pode ser reduzida à função sancionatória...

O Sr. Presidente: - Chamemo-lhes o regulador independente.

O Sr. José Magalhães (PS): - Regulador independente, exactamente.
Como estava a dizer, o Conselho, a Alta Autoridade, a entidade independente, não pode ser reduzida à função sancionatória, à função de apreciação de litígios, porque tem outras funções, designadamente...

O Sr. Presidente: - Regulamentares.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sim, regulamentares. E a função de fórum de reflexão, de recomendação, de ponderação de políticas, de desbravamento de terrenos e de movimentação junto da opinião social, em relação a questões novas, é muito importante e continua a ser e essa, Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, não está esgotada nem de perto nem de longe.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Com certeza, essa é mesmo inesgotável!

O Sr. José Magalhães (PS): - Não só não está esgotada como, neste momento, Sr. Deputado, se há alguma coisa neste País é um défice quase irresponsável de reflexão sobre temas como, por exemplo, as consequências dos novos meios, designadamente a rádio digital, a televisão digital, tudo aquilo que vai originar novas necessidades de licenciamento.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Devíamos fazer, de resto, um programa para a Alta Autoridade.

O Sr. José Magalhães (PS): - Portanto, não cabendo ao legislador fazer um programa para a Alta Autoridade, nesse sentido, cabe ao legislador definir directrizes claras e atribuições que depois se desprendam ou arredem competências.

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Francamente, creio que qualquer olhar atento sobre o que se desenha em termos de alterações do ambiente tecnológico em que a comunicação social funciona, de crise de determinados modelos de expressão e de funcionamento, não dispensa, antes exige, que essas dimensões sejam activadas.
Em segundo lugar, se o passado não deve afunilar e desviar o debate para aquilo que foram, em certos casos, entorses ou aleijões em relação a uma árvore que já era de si torta, creio que deveríamos manter, em aberto, a disponibilidade para fazer correctivos.
Por nós, não esquecemos a função da selecção, não esquecemos a função preventiva de litígios, não esquecemos a função reguladora, recomendatória, não reduzimos tudo a litígios e também distinguimos esta nossa autoridade da autoridade dos outros países.
Em Portugal, reina o ICP (Instituto de Comunicações de Portugal), esta entidade, em muitos aspectos, provavelmente em aspectos demais, provavelmente em aspectos que daqui a alguns anos serão totalmente superados com o processo de evolução, por exemplo, da abertura das telecomunicações, que já não são o que eram, o Instituto da Comunicação já não é o que era, as companhias telefónicas prestarão serviço de comunicação social soit disent e a comunicação soit disent prestará serviço telefónico um dia destes, em Portugal, por directiva obrigatória comunitária e outras coisas que estão no ar e que ainda não se vêem...

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Mas felizmente o ICP não está constitucionalizado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Como?

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Felizmente que o ICP não está constitucionalizado.

O Sr. José Magalhães (PS): - Sim, suponho que ninguém tremerá de horror, nem me parece que a observação faça sentido, porque nenhum de nós propôs essa constitucionalização e, por outro lado, o argumento que o Sr. Deputado usa de que tudo pode ser regulado fora da Constituição prova demais.
Nesse caso, V. Ex.ª desconstitucionalizava tudo, pois se era possível criar por lei ordinária os mais diversos órgãos que têm a consagração constitucional...

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Apenas o que propus, Sr. Deputado!

O Sr. José Magalhães (PS): - Portanto, Sr. Presidente, por estas razões, e sem nenhum desprimor para aquilo que cabe aos tribunais, uma vez que não aceitamos a ideia de que a justiça tenha que ser um absurdo e que os tribunais tenham que ser obrigatoriamente aquilo que desespera os cidadãos, não tem de ser assim e temos um programa para alterar isso, agora reconhecemos nas observações feitas, pelos Srs. Deputados, que há certas funções que nenhum tribunal por mais brilhante, por mais competente que seja, pode exercer adequadamente, porque, pura e simplesmente, Sr. Deputado, não lhe cabem. É uma questão de competência e esta é a palavra santa e apropriada nesta matéria.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, gostaria de deixar mais uma nota e o problema fundamental, para mim, é o seguinte: hoje uma tendência convergente em muitos países é retirar da área da administração governamental determinadas áreas administrativas de regulação que se entende que devem ter uma garantia suplementar de imparcialidade, de independência e de neutralidade e que não devem estar dependentes da maioria de cada momento.
Ora, isto vale para a comunicação social, é comum às entidades públicas, vale para o mercado de valores mobiliários e, Sr. Deputado, não é por acaso que a privatização da Bolsa implicou a criação da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários como autoridade independente. E para quê? A autoridade reguladora poderia ter continuado a ser o Ministério das Finanças, então, porque é que se retirou? Porque esses mercados são extremamente sensíveis à ideia da imparcialidade e independência.
Portanto, retirar essa área da administração governamental, da administração directa do Estado, foi o elemento essencial para garantir a confiança, a credibilidade, a imparcialidade e a independência. Aliás, outra área onde isso se afirmou foi exactamente a área da comunicação social, para impedir que o governo de cada momento seja o regulador, seja o sancionador, o regulamentador, o decisor administrativo de uma área que cada vez mais necessita de distanciamento em relação ao governo de cada momento, de independência em relação à maioria conjuntural e, portanto, de ser retirada à esfera eventual da administração governamental.
Esta ideia das administrações independentes não é apenas uma ideia própria da área da comunicação social, é também da área de mercado de valores mobiliários, é da área, por exemplo, da garantia dos direitos à intimidade da vida privada e aos novos direitos ligados à genética e não é por acaso que todos os países - sem cópia uns dos outros - têm vindo, com soluções mais ou menos variadas, mas sempre com a ideia comum, a criar reguladores independentes.
Entre nós, temos, por exemplo, a administração eleitoral, que é o nosso primeiro exemplo de administração independente, centrada na Comissão Nacional de Eleições, que é hoje uma autoridade administrativa independente e a última instância em matéria de legislação eleitoral.
Então, por que é que não se deixou com o Ministério da Administração Interna, como antes de 1975, a actividade da administração eleitoral? Pela mesma razão, Sr. Deputado: porque hoje entende-se que há certas áreas que não devem manter-se na administração governamental. Isto é, em última análise, devem ser responsáveis perante o ministro e devem ser dotadas de uma independência, de uma imparcialidade, que só o regulador independente possui - aliás, esta solução não foi inventada por nós, nem pelos europeus, mais sim pelos americanos, desde o final do século passado. Fizeram-no, primeiro, na área do comércio interestadual e, depois, nos anos 30, na área do mercado de valores mobiliários, na área da comunicação social e noutras áreas.
As mais prestigiadas das comissões de reguladores independentes norte americanas são a CEC (Commodities Exchange Center), exactamente na área do mercado de valores mobiliários, e a FCC (Federal Comunication Comission), na área da comunicação social, onde, de resto, tem competências muito maiores que a nossa Alta Autoridade para a Comunicação Social, e tem, por exemplo, competências que, em Portugal, são hoje do ICP.

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Sr. Deputado, digo-lhe, ainda, que acharia muito bem que copiássemos a FCC que eliminássemos o ICP e que transferíssemos a maior parte das suas competências administrativas para uma autoridade reguladora independente semelhante à FCC e, Sr. Deputado, digo isto para não ficarem dúvidas sobre a minha filosofia e o meu entendimento pessoal nesta matéria.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Na sequência das intervenções do Sr. Presidente e dos meus colegas do Partido Socialista, gostaria de retomar a ideia de que nós não só entendemos que deve manter-se na Constituição a ideia de um conselho nacional para a comunicação social como somos de parecer que na Constituição deve ser constitucionalizada, ainda, uma outra entidade pública independente que, tal como o Sr. Presidente referiu, seria a Comissão Nacional de Eleições.
Ora, indo ao encontro da ideia que transmitiu, que é uma ideia que tem vindo a ter uma tradução moderna em Portugal a partir, desde logo e mais insistentemente na última legislatura, não é por acaso que existem outras entidades públicas independentes que não estão consagradas na Constituição por consenso, nomeadamente a Comissão de Acesso aos Documentos da Administração, a Comissão Nacional de Protecção de Dados Pessoais Informatizados, a Comissão Nacional de Eleições, a Alta Autoridade para a Comunicação Social , e há quem entenda, embora a leitura jurídica desta matéria não seja consensual, que a própria Comissão Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
Isto significa que, tal como referiram o Sr. Presidente e o Sr. Deputado José Magalhães, há um conjunto de leis - como a lei da informática, a lei do arquivo aberto, a lei eleitoral, as leis da bioética e a lei da comunicação social e do exercício da liberdade de informação - que se traduzem em autênticas leis-programa e cuja execução depende de uma acção com alguma amplitude discricionária, devendo por isso ser acompanhada na sua aplicação, na acção preventiva e no seu enquadramento, porque não são leis que se esgotem num normativismo estreito. Pelo contrário, são leis que dependem, e muito, do caso concreto.
Ora, como se sabe, a harmonização entre os direitos essenciais - designadamente o direito de expressão, de informação, da liberdade de imprensa - e a salvaguarda da verdade e dos direitos pessoais da honra e da dignidade tem uma adequação concreta, quer na informação, quer na informática, quer no arquivo aberto, que exige que seja uma autoridade não jurisdicional que possa resolver os problemas. É um tertium genus. Este tertium genus já está em Portugal, já foi aplicado, e tem uma aplicação que tem vindo a ser reconhecida como virtuosa.
Aliás, no caso da Alta Autoridade para a Comunicação Social, o que considerámos negativo foi a situação de porta "perversa" que ficou aberta, para uma governamentalização que deu maus resultados, sendo por isso que a queremos fechar, e não no sentido de um órgão institucional adequado ao melhor cumprimento da Constituição e salvaguarda dos direitos dos cidadãos, incluindo os jornalistas.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, uma vez que, de acordo com a metodologia adoptada, acabámos por discutir apenas a proposta do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho, penso que estamos a perder parte daquele que considero ser o interesse fundamental deste debate.
No fundo, o que se retém da primeira ronda de intervenções, a partir da primeira proposta, é que há como que uma visão comum de todos os Deputados desta Comissão, que é a de que o sistema actual tem, no mínimo, deficiências, para não dizer que é um sistema que coloca problemas. Não é por acaso que, olhando para as propostas sobre este artigo da Constituição, verificamos que não só temos muitas propostas como, em termos de variedade, temos propostas que vão desde a eliminação pura e simples até propostas como a do PCP, que dá a este órgão (chame-se ele como se chamar) poderes decisórios, ou seja, poderes que têm que ver com a própria atribuição dos canais de televisão e com a escolha de directores dos órgãos de comunicação social.
Portanto, estamos na presença de um artigo relativamente ao qual o único denominador comum é a concordância de todos em relação ao facto de que algo está mal em sede da actual regulamentação existente sobre esta matéria.

Risos.

E, de facto, algo está mal, se constatarmos que, nesta matéria, há propostas que vão de um extremo a outro.
No fundo, o denominador comum, para já, é que toda a gente quer mudar qualquer coisa, mas mudar exactamente o quê? A questão é a de saber qual é o denominador comum a que conseguimos chegar numa perspectiva de reflexão conjunta.
É por esta razão que entendo que a forma como esta discussão está a desenrolar-se apenas à volta da proposta de eliminação, torna a discussão um bocadinho "coxa". Talvez valha a pena discutirmos tudo em conjunto. Ou seja, se eliminarmos, então eliminamos, se não eliminarmos, então vamos no sentido oposto. Mas se vamos no sentido oposto, vamos até onde? E como? E porquê?
Quero, portanto, deixar claro, nesta primeira ronda de intervenções a propósito da proposta de eliminação, que o PSD não está de acordo e entende que a proposta tem todo cabimento no sentido de que é uma das perspectivas de equacionar um problema que, pelos vistos, todos sentimos que é necessário resolver.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes permita-me uma pequena picardia.
O problema não é saber se esta é "uma das perspectivas", porque claramente que o é! Ninguém pôs em causa a proposta do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho que visa a eliminação da Alta Autoridade para a Comunicação Social. O que se quer saber é se o PSD entende que esta é a perspectiva a adoptar.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Era isso que eu ia dizer agora, Sr. Presidente.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Não me diga que nos vai surpreender!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não! O que quero dizer é que nesta primeira ronda o PSD quer demonstrar

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que mantém uma atitude de abertura em relação quer à proposta de eliminação quer às propostas de aditamento.

Risos.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Alto! Agora é ambíguo!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é ambígua. A nossa posição é clara!

O Sr. Alberto Martins (PS): - Equidistância?!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não é equidistância!
Este é um dos artigos em que...

O Sr. José Magalhães (PS): - É claramente ambígua!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não, Sr. Deputado José Magalhães.
Este é um dos artigos em que, manifestamente, face ao leque - não há à quantidade, reforço, mas ao tipo - de propostas que temos sobre a mesa no plano da revisão constitucional, que vai de um extremo a outro, isto é, desde a eliminação pura e simples até à quase que transformação da Alta Autoridade para a Comunicação Social num ministério, no sentido de que tem capacidade para tomar decisões administrativas típicas, quase que actos definitivos executórios, no sentido da atribuição...

O Sr. Presidente: - Mas isso é o que acontece com a CNE!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas não estamos a discutir propostas relativas à CNE!
Quero apenas frisar que esta é uma das matérias em que, na chamada primeira leitura, como o Sr. Presidente denominou esta fase dos trabalhos da revisão, o fundamental é que cada um dos proponentes possa "gastar o seu latim" - passe a expressão -, criticar e discutir a sua posição face às outras propostas que estão sobre a mesa.
O PSD não apresentou uma proposta de alteração - aliás, deve ter sido o único partido que não elaborou uma proposta em relação a este artigo. Assim, nesta primeira intervenção, quero explicar que não o fizemos, porque temos a consciência de que quando formulámos o texto definitivo do nosso projecto de revisão havia propostas bastantes díspares sobre esta matéria.
Portanto, temos de ouvir o que todos têm a dizer sobre esta matéria e fazer uma reflexão, para depois, então, poder tomar a nossa posição sobre se nos interessa ou não o reforço dos poderes da Alta Autoridade para a Comunicação Social.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, relativamente à discussão quero apenas dizer que, como é óbvio, segui aquilo que é lógico e racional fazer-se. Ou seja, se uma proposta de eliminação obtivesse o consenso de todos, obviamente que dispensaríamos a discussão das restantes propostas - aliás, nem teria sentido continuar com a discussão das propostas apresentadas pelo PS e pelo PCP. Mas uma vez que neste momento não há, claramente, acolhimento para a proposta de eliminação da figura constitucional da Alta Autoridade para a Comunicação Social, passaremos, então, às propostas de alteração do actual artigo 39.º.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Peço a palavra, Sr. Presidente.

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - Sr. Presidente, não vou alongar a discussão, até porque acho que a sua síntese releva o estado em que nos encontramos.
Gostaria, contudo, de fazer o reparo seguinte: nas intervenções que fiz, fosse na intervenção propriamente dita, fosse na fundamentação da proposta, não enunciei, tanto quanto me recordo, qualquer posição avessa aos mecanismos de auto-regulação.

O Sr. Presidente: - Eu só disse que manifestou essa posição em relação aos mecanismos de regulação independentes.

O Sr. Pedro Passos Coelho (PSD): - De resto, se adiantei que, relativamente a esta matéria, não vejo grande necessidade no sentido de manter a dignidade constitucional de um órgão deste tipo, foi pelas razões que enunciei.
Julgo, até, que o exemplo que "pesquei" da intenção do Partido Socialista de criar o Conselho de Opinião da RTP significa que entendo que os mecanismos de auto-regulação - sejam eles independentes, com a garantia de que são indicados pelos órgãos de soberania, sejam eles provenientes da própria sociedade civil - são desejáveis. E nesse caso, comungo até da observação do Sr. Deputado Vital Moreira, de que são "até modernos", mas não quero deixar de dizer que não tenho qualquer objecção de princípio à existência deste tipo de mecanismos, antes pelo contrário.
Limitei-me a fundamentar a proposta de eliminação constitucional da Alta Autoridade para a Comunicação Social e julgo que isso ficou expresso. De resto, devo dizer que houve alguns argumentos importantes, que servem até para a minha própria reflexão, que resultaram deste debate, pelo que agradeço também a oportunidade de termos feito aqui esta reflexão.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, quero fazer uma breve intervenção apenas para dizer que este debate em torno da proposta apresentada pelo Sr. Deputado Pedro Passos Coelho assumiu um carácter um pouco peculiar. O facto de se tratar de uma proposta um tanto maximalista, isto é, que põe tudo em causa, teve como consequência que também o debate acabou por abarcar o fundo dos problemas e uma dimensão dos problemas que, naturalmente, se irá reflectir no seguimento da discussão.
Tudo isto para dizer que foram feitas afirmações em relação à rejeição e à bondade ou não bondade da proposta, que não foram contestadas por nós, afirmações essas que não subscrevemos e que noutras circunstâncias naturalmente contestaríamos. Por outro lado, houve leituras que foram feitas em relação a propostas nossas que, em nosso entender, não correspondem à realidade.

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O Sr. Presidente: - Vão ser discutidas a seguir, Sr. Deputado!

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Ora bem, é só para que a questão fique clara e para que num debate posterior não venha dizer-se que o problema não foi levantado.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar, então, à discussão das propostas apresentadas do PS, do PCP, do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, de Os Verdes e do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca para alteração do artigo 39.º.
Vamos deixar de lado, para já, a questão da epígrafe e de saber se irá manter-se a designação de Alta Autoridade para a Comunicação Social ou se esta entidade irá chamar-se Conselho da Comunicação Social, como propõem o PS, Os Verdes e o Sr. Prof. Jorge Miranda, ou Comissão para a Comunicação Social, como propõe o PCP.
De resto, a designação de Conselho da Comunicação Social é uma designação anterior a esta, isto é, proveniente do anterior órgão que precedeu este na Constituição. Por conseguinte, deixando de lado a questão do nome, passemos à discussão do regime constitucional deste regulador independente da comunicação social.
Quanto ao n.º 1 do artigo 39.º, temos uma proposta de alteração apresentada pelo PS, que refere: "O direito à informação, à liberdade de imprensa e à independência dos meios de comunicação social perante o poder político e o poder económico, bem como a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião e o exercício dos direitos de antena, de resposta e de réplica política, são assegurados por um conselho da Comunicação Social".
Mais substancial é a proposta de alteração apresentada pelo PCP que acrescenta que entre as funções da Alta Autoridade para a Comunicação Social está o "(...) o respeito pelos fins genéricos e específicos da actividade da televisão e radiodifusão sonora, assim como pelas obrigações decorrentes pela prestação de serviço público (...)".
Para apresentar a proposta do PS, tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, como acabou de referir, as alterações que constam do n.º 1 são de carácter formal, formulação que nos parece ser a mais correcta. Relativamente à designação dos órgãos, a questão já não será tão formal.

O Sr. Presidente: - Vamos deixar de lado, para já, a questão da designação, Sr. Deputado.

O Sr. António Reis (PS): - Pensamos, aliás, que esta formulação tem um carácter simbólico, que tem a ver com toda uma nova atitude que defendemos relativamente a este órgão, sendo como que uma autocrítica que passa por uma mudança em relação à sua designação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, a minha intervenção não pretende ser provocatória, mas ao ler esta primeira linha do n.º 1 da proposta apresentada pelo PS fico na dúvida sobre se isto não será gralha dactilográfica. Ou seja, não compreendo se o PS pretende aqui referir-se ao direito à informação, à liberdade de imprensa e à independência, isto porque não sei muito bem o que é o direito à liberdade de imprensa.

O Sr. José Magalhães (PS): - "A liberdade". É uma gralha!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ah! Então, quiseram dizer "o direito à informação, na liberdade de imprensa".

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, a única alteração proposta pelo Partido Socialista diz apenas respeito ao nome.
Tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, relativamente ao debate da proposta do Sr. Deputado Pedro Passos Coelho derivam algumas das razões por que nós entendemos que a questão do serviço público é também uma área que deve estar sob a égide e sob a regulamentação desta instituição, quer ela se chame Alta Autoridade, ou Comissão, ou Conselho ou qualquer outra designação.
Ou seja, não nos parece que o problema do serviço público a prestar pelos órgãos de comunicação social, tal como está regulamentado na lei, seja um problema menor, entre os problemas da comunicação social, no quadro das responsabilidades do Estado.
Se entendermos que existe um entidade reguladora como esta, que trata das questões da comunicação social, anómalo nos parece, pelo contrário, que o problema do serviço público e as condições em que ele é prestado fuja da sua alçada e da sua intervenção.
Parece-nos, portanto, que decorre da própria lógica da existência da entidade a integração das obrigações decorrentes da prestação de serviços públicos na sua área de intervenção.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Deputado, mas isso é coincidente com o que diz n.º 5 da proposta apresentada pelo PS?

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Não, Sr. Deputado. Estou a referir-me à nossa proposta!

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas não é coincidente?

O Sr. Presidente: - Não, Sr. Deputado Luís Marques Gudes. Neste momento estamos a analisar os artigos respeitantes às funções.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Com certeza, Sr. Presidente. Mas o que pretendo saber é se aquilo que o Sr. Deputado acabou de explicitar não é de certa forma coincidente com aquela que é a proposta do Partido Socialista para o n.º 5?

O Sr. Presidente: - Apenas em parte. Ou seja, o PS refere rádio e televisão em geral, o que tem a ver com obrigações contratuais. Por isso, não há coincidência.
Srs. Deputados, uma vez que propus que a questão do nome para já ficasse de remissa, o que está à consideração

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é a proposta apresentada pelo PCP para ampliar o programa normativo constitucional das funções do regulador independente.
Srs. Deputados está à consideração.

Pausa.

Tomo o silêncio como um não acolhimento da proposta, mas suponho que ela merece que isso seja explicitado.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - A hipótese inversa é possível também.

O Sr. Presidente: - Está bem! Mas, Sr. Deputado, o que precisa de ser aprovado são as alterações e não as não alterações.
Portanto, se não houver manifestação de vontade em alterar não há alterações. Assim, a minha interpretação quanto ao silêncio é a de que estamos perante uma não aceitação.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, reconhecemos sem dúvida a necessidade de um alargamento de competências do órgão regulador independente.
Contudo, parece-nos preferível remeter para a lei ordinária a especificação desse alargamento de competências. De preferência, acrescentar outras competências mais específicas ao que actualmente o n.º 1 artigo 39.º preconiza. Ou seja, o n.º 1 do artigo 39.º confere uma competência genérica no âmbito do direito à informação, da liberdade de imprensa e de independência dos meios de comunicação social.
Trata-se, portanto, de direitos fundamentais na área da comunicação social, daí que as competências como aquelas que vêm agora acrescentadas na proposta do PCP, a nosso ver, são mais especificas e poderiam perfeitamente ser remetidas para a lei ordinária - aliás, de acordo com o que nós próprios propomos para os n.os 3, 4 e 5 em que a expressão nos termos da lei levará também à possibilidade desse alargamento das competências.
Por conseguinte, preferimos que se mantenha esta fórmula mais genérica do actual texto constitucional do que vir introduzir agora novos objectivos específicos.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, confesso que temos alguma dificuldade, face ao enquadramento que referi há pouco, em dar uma opinião acerca do artigo, número por número. Nós pronunciar-nos-emos sobre este artigo, sobre as proposta do Partido Socialista e do Partido Comunista, mas mais na globalidade.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, com a devida vénia, a questão é que, afastada para já, em princípio, a hipótese de eliminação, temos um artigo da Constituição que está dividido em funções da Alta Autoridade, composição e competências, pelo que me parece lógico que se vá avançando ponto por ponto, sem prejuízo de o PSD se guardar, obviamente, para tomar uma posição no final.
Não lhe levarei a mal e todos compreendemos que os partidos e os Srs. Deputados não são obrigados a ter, à partida, uma posição e, de resto, é para ajudar as pessoas e os partidos a tomarem posição que esta discussão também é feita e até acho razoável, e em certos casos talvez vantajoso, que não haja uma posição tomada logo de início. É, portanto, uma homenagem que lhe presto, Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, o PSD tem uma visão conjunta sobre todo o artigo, mas, obviamente, não deixa de, parcelarmente, nomeadamente no n.º 1, ter também a sua opinião.
A manter a constitucionalização desta Alta Autoridade, ou com outro nome, é evidente que o n.º 1, nos termos em que o PCP propõe, vai, em termos que nos parecem que não devem ser constitucionalizados, além do que entendemos. Nessa medida, a manter a constitucionalização deste órgão, inclinar-nos-emos para uma redacção mais enxuta, como a que está actualmente na Constituição e que, de resto, é mantida pela proposta do Partido Socialista.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, penso ser inteiramente contraditório com o que já foi afirmado sobre o papel de uma entidade reguladora, pois esta limitação de uma área de intervenção e de uma área da comunicação social é altamente polémica.
Não preciso de recordar aos Srs. Deputados e muito menos ao Sr. Presidente que as condições de prestação do serviço público de radiodifusão e de radiotelevisão, a remuneração pelo Estado desse serviço público, etc., constituem, hoje, um problema agudo de conflito na área da comunicação social.
Tenho uma grande dificuldade em conceber como é que se pode simultaneamente defender que se institua uma instituição reguladora e independente para a comunicação social e se deixe de fora das suas atribuições o que já é - não é em termos de hipótese, pois já é claramente porque já existe - um elemento de conflitualidade, de indefinição, de incumprimento em relação ao funcionamento da comunicação social. Penso exactamente o contrário de tudo aquilo que já foi afirmado relativamente ao papel da entidade reguladora que venha a instituir-se.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Ruben de Carvalho, penso que, por um lado, o PS já manifestou reservas quanto a esta solução; por outro, este que está aqui na Constituição não é um numerus clausus, pois o Tribunal Constitucional já declarou que a competência legal que é atribuída à Alta Autoridade para velar pelo rigor e objectividade da informação, apesar de não estar explicitado no texto da Constituição, não quer dizer que seja inconstitucional a lei que conferiu essa atribuição à Alta Autoridade.
Em todo o caso, estão verificadas as objecções do PSD e as reservas do PS a este aditamento do PCP.
Passamos, agora, ao n.º 2 que diz respeito à composição do regulador independente. Para isso há propostas do PS,

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do PCP, de Os Verdes e do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
Por esta ordem, têm a palavra os proponentes para apresentar e justificar as respectivas propostas.
Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - Sr. Presidente, antes de mais, cumpre-me fazer uma rectificação na proposta do PS. Houve aqui um lapso evidente na alínea b) do n.º 2, pois não faz sentido que os três membros eleitos pela Assembleia da República por maioria de dois terços dos Deputados em efectividade de funções o sejam segundo o sistema proporcional e o método da média mais alta de Hondt.

Risos.

É um "círculo quadrado", é completamente contraditório. No fundo, a nossa intenção é aplicar aqui ao modo de eleição dos membros designados pela Assembleia da República aquilo que a Constituição já prevê para os 10 juizes do Tribunal Constitucional, conforme consta do artigo 166.º alínea h), em que se diz "eleger por maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções". É essa formulação que deve constar da nossa alínea b), ou seja, três membros eleitos pela Assembleia da República por maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções. É exactamente o mesmo esquema, repito, que está previsto para os 10 juizes do Tribunal Constitucional que são eleitos pela Assembleia da República.
Feita esta rectificação, gostaria de justificar a nossa proposta quanto à composição deste órgão regulador tendo em conta, antes de mais, o que foi a prática consequente da composição prevista no actual artigo 39.º.
De facto, este artigo, tal como está formulado, era uma "porta aberta" para a governamentalização da Alta Autoridade para a Comunicação Social, pois criava todas as condições para que a maioria dos seus membros acabasse por ser designada pelo governo do momento. Bastava um partido ter a maioria absoluta na Assembleia da República para que, pelo menos, três dos membros eleitos pela Assembleia da República fossem afectos ao partido governamental. A isto acrescentar-se-iam os três membros designados pelo Governo e quanto aos quatro elementos representativos da opinião pública e comunicação social da cultura, como a sua designação acabou por ser remetida na prática para a lei ordinária, o que acontecia é que a maioria da Alta Autoridade, directa ou indirectamente designada pelo governo ou pelo partido do governo, acabavam por ter "a faca e o queijo na mão" para designar ou para cooptar os restantes quatro elementos.
Tal como está formulado este n.º 2 do artigo 39.º propiciava a existência de uma Alta Autoridade em que pelo menos 10 dos seus 13 elementos poderiam ter sido designados pelo Governo ou pelo partido do Governo.
Houve, posteriormente, algum bom senso por parte do partido do Governo para evitar que se chegasse a este número aberrante de 10 em 13 elementos designados por si, mas, na prática, isso não impediu que a maioria absoluta dos membros da Alta Autoridade fosse designada pelo partido do governo ou pelo governo. À partida, isto feria objectivamente a independência requerida para um órgão desta natureza.
Como membro da Alta Autoridade durante quase quatro anos, fui muitas vezes testemunha das consequências de alguma partidarização no funcionamento deste órgão. Na prática, isso acabava por levar a situações perversas, no que eu próprio não estou isento de culpas, na medida em que, para contrariar, de certa maneira, a supremacia dos membros do partido do governo nesse órgão, vi-me muitas vezes obrigado a ter também comportamento de membro de partido de oposição.
Ora, penso que um órgão desta natureza deve estar acima de situações deste tipo, devendo ser composto de maneira a não proporcionar situações em que uma parte dos seus membros se comporta como se fossem Deputados da Assembleia da República, afectos ao partido do governo, e a outra parte deles se comporta (ou tende a comportar-se), em reacção a isso mesmo, como se fossem Deputados da Assembleia da República afectos ao partido da oposição. Na prática, é anular aquilo que deve ser a independência do órgão e é desprestigiá-lo.
Ora. isto levou a que a Alta Autoridade fosse muito mal aceite, desde o início, não tanto a nível dos cidadãos em geral (estes continuaram a recorrer para a Alta Autoridade, fazendo-o muitas vezes exactamente porque, também em grande parte, tal se tornava mais fácil do que correr para os tribunais), mas a nível dos próprios jornalistas que, com alguma razão, concluíam que este órgão não dava quaisquer garantias de independência. Na prática, a autoridade da dita Alta Autoridade foi sempre muito baixa, para não dizer que foi, em alguns momentos, simplesmente rasa. Daí, também a justificação de alteração semântica que muitos dos partidos proponentes aqui propõem para haver um corte simbólico com o que foi, em muitos casos, a prática da actual Alta Autoridade para a Comunicação Social.
Sendo assim, qual a melhor alternativa para preservar essa independência? Em primeiro lugar, pensamos que seria importante eliminar, logo à partida, a existência de membros designados pelo governo o que permitiria coarctar substancialmente a tentação de governamentalização do órgão. Em segundo lugar, entendemos que convém alterar o modo de designação dos membros eleitos pela Assembleia da República para evitar que cada partido tenha a tentação de enviar os "seus" Deputados como seus representantes na Alta Autoridade para a Comunicação Social ou no futuro conselho da comunicação social.
Neste sentido, parece-nos que, melhor do que utilizar o método proporcional e a possibilidade de cada grupo parlamentar apresentar os seus próprios candidatos ao órgão, seria bom que houvesse um entendimento mais consensual possível, do mesmo modo que acontece com o Tribunal Constitucional, no sentido de que os membros eleitos fossem cidadãos acima de qualquer suspeita de dependência partidária e pudessem reunir um consenso alargado por parte dos Deputados da Assembleia da República.
Em relação aos elementos actualmente representativos da opinião pública, da comunicação social e da cultura, parece-nos que deve ser alterada a experiência da cooptação, pois acabava por dar mais uma possibilidade de governamentalização do órgão, e levar à preocupação de estipular de forma mais precisa como é que esses elementos deverão ser designados. E isto segundo um princípio

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de restringir ao mínimo indispensável, até para reforço do prestígio do órgão, porque quanto menos membros este tiver, mais visíveis serão os rostos desses membros perante a opinião pública. De algum modo, também poderá tornar-se mais operacional a actividade desse órgão, se estiver rodeado de um corpo técnico e jurídico competente que o possa assessorar.
Assim, entendemos que poderíamos ter: um elemento representativo dos jornalistas; um representativo das associações representativas das empresas titulares de comunicação social (no fundo, reproduzindo um pouco o que era uma parte da composição do antigo Conselho de Imprensa, em que havia também um elemento designado pelos jornalistas); e um representante das universidades portuguesas, designado nos termos da lei para, de um modo geral, abarcar a cultura e a opinião pública.
A nosso ver, esta fórmula talvez fosse mais eficaz, mais operacional, salvaguardando o essencial dos interesses que devem estar representados num órgão desta natureza. A presidir, como é óbvio (aí, não há alteração nenhuma), um magistrado designado pelo Conselho Superior da Magistratura.
Em suma: menos elementos - uma espécie de "conselho dos sete sábios" -, mais eficazes e, sobretudo, mais independentes, estando declaradamente acima dos partidos políticos e não presentes neste órgão com a tentação de nele representarem os respectivos partidos.

O Sr. Presidente: - Para apresentar a proposta do PCP relativa à composição deste mesmo órgão, tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, no que concerne à presidência do órgão, penso que isso não carece de qualquer explicação: será o magistrado designado pelo Conselho Superior da Magistratura.
Relativamente aos elementos designados pela Assembleia da República, como se sabe, o meu partido subscreve as críticas feitas agora pelo PS à forma de composição da anterior Alta Autoridade para a Comunicação Social, pelo que nada temos a repetir; agora, parece que estamos de acordo!
Por conseguinte, entendemos que a anterior formulação era inteiramente governamentalizada mas, relativamente à alternativa proposta para a representação da Assembleia da República, julgo não precisar de grande argumentação para dizer que, de facto, o n.º 3 ou o n.º4 não são irrelevantes em termos políticos em Portugal e quando se fala de Parlamento. Ou seja, julgo não precisar de expender uma larga cópia de argumentos para dizer que uma coisa é a Assembleia da República eleger três pessoas, outra coisa é eleger quatro, perguntando a quem defende a eleição de três, se é o número de três pessoas ou o número de quatro, aquele que mais corresponde à composição política, ideológica e ao retrato político do País que se plasma na Assembleia da República.
Penso que não terei de alongar-me muito nesta área. Donde, mantemos, como é natural, o número de quatro representantes, e parece-nos que estes, uma vez eleitos pela Assembleia da República...

O Sr. Presidente: - Altera de cinco para quatro!

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - … corresponderão a uma realidade muito mais conforme ao perfil e ao retrato do País.
Relativamente à alínea c) e aos restantes elementos, pensamos tratar-se de uma área que pode ter várias soluções. Gostaríamos de explicar a nossa proposta sem que isto constitua uma limitação a estarmos abertos para outra solução.
Conforme verificarão, propomos quatro elementos designados por entidades representativas das áreas do jornalismo, portanto, tudo isto vem no plural relativamente aos jornalistas. Ao contrário do que acontece com a proposta do PS, admitimos ser legítimo que os profissionais de comunicação social estejam representados por mais do que um representante. Hoje na comunicação social há uma diversidade de funções, de tarefas, de interesses, de ligações e até de especializações profissionais, pelo que, a meu ver, o facto de ser um único representante - um jornalista -, eleito pelos seus pares pode limitar.
Assim, pensamos que este quadro pode gerar uma situação limitadora - o facto de ter que ser um jornalista - quando sabemos perfeitamente que é possível (e talvez mesmo uma realidade, hoje, da comunicação social) uma presença, uma representatividade e uma opinião de outras áreas profissionais que não exclusivamente jornalistas, antes com intervenção também na informação e elaboração da comunicação.
Por conseguinte, deixámos em aberto a hipótese de serem dois representantes, para ser posteriormente regulamentada. Aliás, foi feita aqui referência ao Conselhos de Imprensa e, aqueles que o compuseram, ou acompanharam o seu trabalho, recordar-se-ão que havia uma representação não apenas dos jornalistas mas também dos trabalhadores de imprensa, o que englobava outras áreas profissionais. Estas áreas, nessa altura, ainda estariam ligadas apenas à imprensa, mas poderíamos alargar esta questão ao problema do sindicato das telecomunicações, enfim a toda uma vasta área de profissionais da comunicação social, que não são exclusivamente jornalistas, e cuja representação nos parece que deveria ser contemplada.
Um outro aspecto a considerar é o da cultura: sabemos da grandíssima dificuldade de clarificar esta situação e devo dizer, desde já, que não temos objecção de princípio à solução encontrada pelo PS na sua proposta, relativamente a uma representação por parte das universidades - parece-nos ser uma solução aceitável, correspondendo a uma reformulação deste número c). Porém, mantemos a ideia de que continua a impor-se uma presença de carácter não apenas cultural (digamos cultural/pedagógico se quiserem), mas cultural/educacional como, de certa forma, é inevitavelmente uma representação universitária.
Vamos ao ponto de supor que talvez seja a única solução em que o princípio da cooptação se torne aceitável devido a uma dificuldade inevitável que é a de nos confrontarmos com esta contradição terrível: não é não poder dizer-se que instituição é devido à sua diversidade, mas é não poder dizê-lo devido à dificuldade de encontrarmos a instituição que, face à representação, elimine a representação da área. Donde, admitimos como hipótese de trabalho, que possa ser uma área onde se procure uma representação, por proposta de outros elementos,

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fruto de consenso que não tenha de representar a Sociedade Portuguesa de Autores, nem a Associação Portuguesa de Escritores, nem o Sindicato dos Trabalhadores de Espectáculos, enfim, toda a área complicadíssima do tecido cultural e que, pelo contrário, possa ser uma representação consensualmente reconhecida como uma entidade, uma pessoa, que, no quadro do funcionamento de um organismo com estas características, possa dar um contributo para os problemas de cultura, os problemas mais directamente ligados até à própria língua e defesa do património da língua portuguesa, etc.

O Sr. Presidente: - Para apresentar a sua proposta de alteração da composição da referida entidade, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados, como é evidente, sou defensor e creio que se torna necessário um órgão regulador independente (socorrendo-me, aliás, de uma definição do Sr. Presidente, há pouco) para a área da comunicação social.
Todos nós recordamos o papel positivo, há uns anos, de dois órgãos: o Conselho da Comunicação Social, constitucionalizado, e também um outro órgão, o Conselho de Imprensa. Quanto a este último, quando houve a anterior revisão constitucional, o PSD aproveitou a oportunidade e destruiu-o, claramente eliminando aquele que foi dos órgãos mais importantes havidos na área da comunicação social em Portugal.
Mas estamos a falar de questões constitucionais e o Conselho de Imprensa não era constitucional; havia o Conselho da Comunicação Social que foi destruído. A solução encontrada, em minha opinião, uma má solução constitucional, foi a da constituição da Alta Autoridade para a Comunicação Social contra a qual votei, na altura. Felizmente que a prática demonstrou, tal como ainda há pouco referiu o Sr. Deputado António Reis, com a experiência que teve como membro da Alta Autoridade para a Comunicação Social, que o trabalho desenvolvido pela Alta Autoridade para a Comunicação Social foi, apesar de tudo, mais positivo do que aquilo que, em princípio, poderíamos aguardar.
Acontece, Sr. Presidente, que mesmo assim não posso aceitar a constituição da Alta Autoridade para a Comunicação Social tal qual está. Julgo importante aproveitarem a experiência da Alta Autoridade para a Comunicação Social, daí, eu não propor, como já aqui aconteceu, a sua eliminação ou substituição por outro órgão, quer se denomine alta autoridade ou conselho para a comunicação social, quer tenha outra denominação, pois isso não é importante; o necessário é, realmente, que exista um órgão regulador independente nesta área.
A minha proposta visa dotar este órgão de uma composição diferente, mais credível, menos partidarizada e mais independente perante o poder político. Portanto, Sr. Presidente, proponho, desde logo, eliminar a possibilidade de um governo, seja qual for, nomear elementos para Alta Autoridade para a Comunicação Social, pois proponho a eliminação imediata do preceito que aí existia.
Para além de propor serem cinco os elementos a eleger pela Assembleia da República, proponho ainda que seja dada voz aos jornalistas (sendo fundamental que o Sindicato dos Jornalistas tenha um representante neste órgão) e aos trabalhadores da imprensa, recuperando um pouco o que existia no Conselho de Imprensa, onde, além dos jornalistas, os trabalhadores da imprensa também podiam fazer parte.
Em minha opinião, tal como já aqui foi dito, a comunicação social não é apenas feita apenas por jornalistas ou pelo Sindicato dos Jornalistas, uma vez que há outros trabalhadores que têm que ser ouvidos.
Sr. Presidente, também propomos a possibilidade de estarem representadas neste órgão as associações patronais, bem como elementos representativos da cultura e da opinião pública. Estive atento ao que foi declarado, nomeadamente pelo Sr. Deputado António Reis e também agora pelo Sr. Deputado Ruben de Carvalho, e creio que poderia ter elencado a Associação Portuguesa dos Escritores, a Sociedade Portuguesa de Aurores, parecendo-me bastante importante a ideia do PS no sentido de alargar essa representação às universidades. Todavia, creio que poderá encontrar-se uma solução consensual para esta composição no que diz respeito à área da cultura que é essencial estar aqui representada.
Também está proposta a existência de um elemento das associações dos consumidores. Em tempos houve várias formulações, mas creio que as Associações de Consumidores, poderiam realmente fazerem parte deste órgão.
Sr. Presidente, em relação a esta composição, não tenho uma posição completamente fechada, como é evidente, não vou fazer a minha "guerra", no sentido de querer tal qual como está... Aliás, já surgiram algumas ideias, nomeadamente do PS e do PCP. Contudo, penso que todos estamos de acordo numa questão: é que, tal como existe, esta composição não serve, tem de ser alterada. Vamos melhorá-la e dotar também de competências esta Alta Autoridade para a Comunicação Social (ou conselho, se bem que a designação seja pouco importante agora), de modo a que haja realmente um instrumento regulador na área da comunicação social.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, nos elementos que mantém designados pela Assembleia da República, por remissão implícita para o artigo 166.º h) da Constituição, mantém a designação proporcional por método de Hondt para os cinco elementos?

O Sr. João Corregedor da Fonseca (PSD): Pois é, Sr. Presidente. Na primeira leitura, fazemos assim; depois, em relação a isso, terei, talvez, de apresentar uma outra proposta.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, só pretendia saber o conteúdo da vossa proposta, já que aqui não se diz se remetem implicitamente para o artigo 166.º h).
Srs. Deputados, além destas propostas, há ainda a proposta de Os Verdes. Como não está presente nenhum dos seus representantes, passo a lê-la: "O Conselho da Comunicação Social é um órgão independente composto por 11 membros eleitos pela Assembleia da República", de onde estes passariam a ser todos eleitos pela Assembleia da República, supõe-se, por remissão para a alínea h), do artigo 166.º, por método proporcional. Isto é caso para se dizer que é "pior a emenda do que o soneto"...!

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Srs. Deputados está à discussão a proposta de composição de um regulador independente da comunicação social.
Quem se inscreve para este efeito?

Pausa.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, peço a palavra.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, Srs. Deputados, em primeiro lugar, quero penitenciar-me por não ter feito qualquer proposta de alteração, designadamente, na parte que diz respeito à desgovernamentalização do órgão e, portanto, à eliminação dos membros a nomear pelo governo. Nesta parte, de facto, acompanho as propostas já formuladas quer pelo PS, quer pelo PCP, quer pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
Quanto ao restante, julgo haver duas questões que devem ser ponderadas. A primeira é a seguinte: o órgão que surge na Constituição como uma garantia institucional ao exercício dos direitos, liberdade e garantias, embora surja na sequência da liberdade de expressão, o facto é que o n.º 1 do preceito ele faz mais referência ao direito, liberdades e garantias de participação política do que propriamente à liberdade de expressão tout court. Neste sentido, julgo que a composição política ou parcialmente política do órgão tem esta virtualidade de remeter em certa medida para a representação nacional a garantia da liberdade da participação política. Julgo que é um argumento a acrescer à manutenção desta representação, para além daqueles argumentos que têm que ver com a proporcionalidade dessa representação.
Concordo com as propostas do PCP e do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, na parte em que pretendem que o número de membros elementos eleitos pela Assembleia da República não seja reduzido de tal modo que isso impeça a representação de algumas das forças políticas mais relevantes, ou por via do método de Hondt tout court ou por via de uma solução que imponha o consenso para votar nessa matéria, portanto, qualquer método de designação que garanta a representação mais plural possível dos partidos representados na Assembleia da República. Esta será a solução ideal, julgo, tendo em conta que se trata de designar membros de um órgão de regulação independente e que, portanto, não se pretende necessariamente representativo da vontade política manifestada em eleições legislativas num determinado momento.
Contudo, por esta mesma razão, tenho algum receio das propostas formuladas quanto aos restantes membros, na parte em que pretendem atribuir ou imputar um ou mais membros a determinados sectores específicos da actividade social, cultural, económica, etc., na medida em que, parece-me, isto introduz uma carga cooperativa num órgão que não se pretende propriamente representante de interesses, mas que se pretende que valha pela autoridade das individualidades que o compõem.
Para além da representação política que tem, a função desta representação da sociedade em geral, das actividades económicas e culturais não deve ser partilhada. Em primeiro lugar, porque isso cria um forte conflito entre as entidades representativas dos vários sectores interessados na comunicação social. Por mais voltas que se dêem ao texto, excepto se criarmos um órgão com 50 ou 70 representantes, amanhã vai surgir sempre a associação sindical x ou a associação patronal y ou a associação de defesa deste ou daquele interesse, a reivindicar para si o lugar neste órgão, na lógica de que se é uma representação cooperativista eles também se consideram suficientemente representativos de um determinado sector de actividade para integrarem esse órgão. Portanto, julgo que este será um foco de conflito a evitar.
A formulação actual, se cria problemas a nível do método de designação dos membros, tem a virtualidade de genericamente fazer apelo à participação da sociedade e, em particular, das actividades económicas e culturais directamente relacionadas com a comunicação social. Também tem a virtualidade acrescida de, pela fórmula vaga e pelo número restrito de lugares que estão em discussão, obrigar a que a selecção desses membros se faça pela autoridade individual de cada um desses membros, que, por sua vez, emprestam essa autoridade individual ao próprio órgão.
Sem querer entrar na discussão da designação, julgo ser uma reflexão apesar de tudo interessante, jogar com os conceitos de autoridade e de poder e olhar para o conceito de autoridade na lógica da capacidade de ser ouvido e de ser seguido, independentemente dos poderes efectivos que o órgão tem e de que disponha. Trata-se de uma lógica reforçada por um método de designação dos seus membros, que faça com que a autoridade individual destes empreste autoridade ao órgão, evitando o risco de transformar este órgão em rotativo, representativo de interesses sectoriais, que seriam sempre, alguns e não outros, seleccionados de acordo com um critério...

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, para pedir esclarecimentos.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (PSD): Sr. Presidente, serei muito breve.
Sr. Deputado, pergunto-lhe só o seguinte: tem presente a experiência que houve do Conselho da Comunicação Social e a do próprio Conselho de Imprensa, onde estavam os representantes dos jornalistas, de trabalhadores de imprensa, de associações patronais?
De facto, será importante verificarmos o tipo de trabalho positivo desenvolvido por estes dois órgãos - e não quero dizer que tenha havido qualquer conflito no trabalho desenvolvido -, que deu azo a parecer e a iniciativas realmente bastante importantes.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Deputado, não questiono a experiência de outros órgãos e…

O Sr. João Corregedor da Fonseca (PSD): Está contra os jornalistas?!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Chamo também a atenção para a circunstância de que o próprio desdobramento do órgão em dois órgãos distintos fazia com que o conselho de imprensa tivesse um carácter proporcional ou

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essencialmente proporcional - coisa que não se pretende nesta sede. Isto é, a representação aqui não é profissional.
Como é obvio, há interesse em que a representação se faça de entre individualidades que tenham uma relação e autoridade próprias nas matérias sobre as quais a Alta Autoridade teria de se pronunciar. Mas este facto não pode fazer restringir isso a uma representação do tipo cooperativo, porque tal implica necessariamente uma outra discussão, a propósito do método de designação, que tem que ver com a representatividade de cada uma dessas entidades, atendendo que estamos a falar de um universo restrito de membros. Porém, em minha opinião, este é um foco de conflito a evitar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, também estou inscrito para tecer algumas breves considerações.
O conhecimento que tenho da comparação deste tipo de entidades leva-me a considerar alguns requisitos mínimos para uma autoridade independente ser uma autoridade independente e, a meu ver, esses requisitos mínimos não são cumpridos na actual formulação constitucional.
Assim, penso que na designação dos membros eleitos pela Assembleia da República não deve ser utilizado o método de Hondt. Porquê? Pura e simplesmente, porque o método de Hondt leva a que cada partido indique livremente os seus membros; normalmente, indicará os mais partidários dos seus representantes, não há qualquer possibilidade de veto recíproco. Mais: isto implica que a renovação tenha de ser simultânea, de modo que a renovação dos três, cinco, ou sete eleitos pela Assembleia da República terá de ser em simultâneo. Portanto, no caso de haver vagas, ou a vaga fica por preencher… Porque não é possível eleger um membro pelo método de Hondt, sob pena de a maioria pelo método de Hondt eleger sucessivamente um representante seu para preencher as vagas que tivessem sido criadas.
Mas o principal argumento contra o método proporcional de Hondt é, fundamentalmente, o de que os membros das autoridades independentes devem ser, de facto, independentes. Portanto, penso que isso é muito mais garantido pela exigência de uma maioria qualificada de dois terços, o que obriga a que o partido da maioria (em Portugal, felizmente, nenhum partido sozinho tem dois terços) seja obrigado a concertar com outros partidos os elementos a eleger. Isto leva, normalmente, a um veto recíproco dos candidatos e, por sua vez, leva a escolher personalidades não partidárias ou a escolher, de entre personalidades partidárias, aquelas suficientemente prestigiadas e suficientemente distanciadas da vida partidária para garantirem, de facto, uma independência dos membros eleitos pela Assembleia da República em relação aos partidos de que são oriundos.
Portanto, o abandono do método de Hondt para a eleição dos membros designados pela Assembleia da República parece-me um requisito e uma necessidade absoluta para conferir à Alta Autoridade a independência e imparcialidade que ela deve ter.
O segundo requisito é, obviamente, o de eliminar os membros designados pelo Governo directamente. Isto parece-me óbvio e, até agora, ninguém o contestou.
O terceiro requisito é o seguinte (e nisto abundo nas considerações do Sr. Deputado Cláudio Monteiro): penso que uma autoridade independente não significa ser apenas independente do governo, da administração governamental dos partidos; significa ser independente também dos interesses regulados. Assim, a autoridade independente não deve ser uma autoridade de concertação dos interesses regulados, não deve ser um elemento da auto-regulação monoprofissional ou inter-profissional, mas, deve, isso sim, ser uma autoridade independente acima dos interesses regulados.
Não vejo mal nenhum em que os interesses regulados possam ter um veículo de sensibilização da Alta Autoridade; agora, a meu ver, é contraditório com a Alta Autoridade que esses interesses regulados tenham um peso substantivo muito menos maioritário na autoridade reguladora. Por isso, nunca poderia acompanhar a ideia que é vertida na proposta do Deputado João Corregedor da Fonseca, no sentido de darem uma espécie de representação dos vários interesses.
Penso, no entanto, que há alguma vantagem em não afastar completamente os interesses regulados da Alta Autoridade. Há uma sensibilidade que a Alta Autoridade deve ter, como por exemplo em matéria de direito de resposta, e toda a gente sabe que, em princípio, os jornalistas são avessos ao direito de resposta. Ora, isto implica que essa sensibilidade, apesar de tudo, exista no regulador para que ele tenha em conta esta sensibilidade.
Por outro lado, se a Alta Autoridade tiver poderes sancionatórios - e defendo que deve ter em matéria de aplicação de coimas -, é óbvio que isso implica que as entidades titulares dos meios de comunicação social possam também fazer valer a sua sensibilidade, não com o peso que implique um condicionamento da decisão que haja de ser tomada, mas, sim, para que esse ponto de vista deva ser tomado.
A minha ideia de autoridades independentes é de que elas devem ser constituídas por pessoas escolhidas ao longo de duas linhas: uma, de expertises, isto é, do conhecimento da matéria; outra, da senioridade, isto é, de elevação e prestígio de entidades que estão acima de toda a suspeita. Esta é a minha ideia de Alta Autoridade, para além da ideia da presidência por um magistrado, que entre nós continua a ser um elemento simbólico da máxima distanciação e independência em relação ao poder político.
Só contesto que tenha de ser necessariamente o Conselho Superior da Magistratura! Porque não o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e porquê este privilégio, à partida, do Conselho Superior da Magistratura? Deixo aqui esta questão.
Queria ainda dizer que a proposta do Partido Socialista, a meu ver, satisfaz aquilo que considero essencial numa autoridade desta natureza, já que, retirando os elementos previstos nas alíneas b) e e), esses requisitos estão, no fundamental, satisfeitos.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): Mas retirava as alíneas b) e e)?

O Sr. Presidente: Não, não! Só quanto às alíneas b) e e), que têm o elemento de representação de interesses e, portanto, fora esses (dois em sete) todos os outros representantes correspondem exactamente ao perfil que considero razoável para uma Alta Autoridade.

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Fui, como todos sabem, um dos muitos - nisso não há nada de originalidade nem de orgulho - críticos desta solução constitucional tal como ela aí está. E é com particular satisfação que vejo que um partido, que defendeu já estas posições na oposição, as mantém quando é maioria, quando na próxima revisão da composição da Alta Autoridade poderia, pura e simplesmente, pôr na Alta Autoridade uma composição de acordo com os seus interesses políticos.
É, portanto, uma homenagem que faço ao Partido Socialista por apresentar esta proposta, por mantê-la e defendê-la com o rigor e a lealdade com que o fez anteriormente.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): Sr. Presidente, creio que estamos todos aqui a tentar encontrar uma composição para o órgão regulador independente da comunicação social que consiga garantir o requisito da independência, em primeiro lugar, de um mínimo de representatividade, de um requisito de funcionalidade e de processualidade e de alguma visibilidade pública, como é natural num órgão desta natureza.
Não é uma tarefa fácil e, nesse sentido, não se pode dizer que a proposta apresentada pelo Partido Socialista seja uma proposta completamente fechada. Estamos abertos a soluções que aperfeiçoem a composição de forma a garantir este conjunto de requisitos que acabei de enumerar.
Relativamente à questão da representação dos jornalistas, estamos de acordo com aquilo que o Deputado Vital Moreira acabou de dizer, pois é necessário que os interesses directos estejam aqui em minoria, mas dizer-se que a nossa proposta apenas permite que esteja um jornalista entre sete na composição do Conselho para a Comunicação Social não é correcto, porque nada impede que algum ou até todos os elementos designados pela Assembleia da República sejam jornalistas, como é óbvio.
Isto tem que ver também com o modo de designação dos membros eleitos pela Assembleia da República à qual atribuímos uma importância capital. Nesse sentido, há uma divergência de fundo entre a nossa proposta e a do Partido Comunista, sendo que esta, embora não institua o método de Hondt e a proporcionalidade para a eleição dos membros designados pela Assembleia da República, na prática, a nosso ver, continua a "abrir a porta" ao efeito perverso da partidarização da representação da Assembleia da República neste órgão.
Com efeito, ao propor que cada um desses elementos, em lista completa e nominativa, seja proposto por cada um dos quatro partidos de maior representação parlamentar, é evidente que está a fazer de cada um desses elementos o representante de cada um dos quatro partidos de maior representação parlamentar. É uma maneira, a meu ver, ostensiva de partidarizar os elementos designados pela Assembleia da República.
Talvez não fosse intenção dos proponentes da proposta que assim fosse, mas, a meu ver, essa proposta acaba por acarretar um efeito perverso e inevitável. Não vejo como é que com esta composição, com este modo de designação, se evita que cada um dos elementos designados por cada um dos partidos não apareça perante a opinião pública, por melhores que sejam as suas intenções e por melhores que sejam as suas qualificações, como os representantes no Conselho para a Comunicação Social do partido A, do partido B, do partido C e do partido D. É fatal que seja assim interpretada a presença de cada um deles.
Por isso, insisto que o modo de designação que obtenha uma maioria qualificada, como é a maioria de dois terços, é o que melhor ressalva que os membros designados pela Assembleia da República sejam cidadãos acima de qualquer suspeita de vinculação ou de obediência partidária.
Já em relação aos elementos representativos da comunicação social, da cultura, da opinião pública, estamos abertos a algum aperfeiçoamento em relação a este modo de designação, desde que não se fira também o princípio de que este órgão não deve, de alguma maneira, converter-se num órgão de concertação de interesses.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, Sr. Deputado, concordo com o que disse quanto ao método de designação dos membros da Assembleia da República no que diz respeito à perversão a que a proposta do PCP pode conduzir, mas também é verdade que a perversão inversa pode suceder, sendo o número de membros muito restrito.
O que dizia há pouco é que, alargando o número de membros designados pela Assembleia da República, mas adoptando um sistema de designação como aquele que o PS propõe, isso permite mais facilmente que esse consenso seja alargado para além dos dois terços incluindo, portanto, os partidos minoritários sem que isso implique que cada representante seja um representante directo do partido que lhes interessa reflectir.

O Sr. Presidente: Sr. Deputado Cláudio Monteiro, não me leve a pensar que está a subverter a ordem de inscrições!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Não. A questão é de saber se não concorda que a perversão inversa pode suceder. Estava apenas a fundamentar a minha própria dúvida.

Risos.

O Sr. António Reis (PS): Obviamente, não há propostas quimicamente puras nesta matéria,…

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): Mas há propostas "corrosivas"!

O Sr. António Reis (PS): … mas há que meter o maior número possível de "antídotos" contra as tentações de partidarização de uma designação deste género. Os dois terços, apesar de tudo, dão muito mais garantias do que a proposta apresentada pelo Partido Comunista, como é óbvio.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

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O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Sr. Presidente, vou fazer uma pequena intervenção na linha, julgo eu, das consideração que já foram produzidas a este respeito pelo Deputado Luís Marques Guedes.
Todavia, antes não deixo de revelar uma certa surpresa pessoal. Eu "caí" aqui no meio desta discussão e fiquei com dúvidas: se calhar, na revisão constitucional que consagrou a fórmula vigente do artigo 39.º houve um partido sozinho que fez a modificação. Ouvi culpar aqui o PSD por ter feito a Alta Autoridade para a Comunicação Social, por duas vezes e por duas vozes autorizadas - aliás, como são todas as vozes que aqui estão - e fiquei surpreendido! Então, um partido sozinho pode dar a volta à Constituição que então vigorava?! Terá havido aí algum "assalto" ao poder de revisão constitucional?! Suponho que não!

O Sr. Presidente: Há uma diferença, pois o Sr. Deputado António Reis já fez a autocrítica. Estamos agora à espera que o Sr. Dr.…

Risos.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Eventualmente será uma palavra com um curso num círculo de linguagem que não é propriamente a minha… Ele arrependeu-se, eventualmente. Foi um arrependido!

O Sr. Presidente: - Considerou que a solução, na verdade, é má!

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): A nossa atitude, quer na discussão do projecto de revisão que apresentamos quer na discussão que suponho ter sido já abordada pelo Sr. Deputado Luís Marques Guedes, é que este órgão, pelo menos, carrega consigo tantas suspeições que é preciso alterá-lo, é preciso fazer-lhe alguma "lavagem"...

O Sr. José Magalhães (PS): Estamos, então, a concluir que o Dr. Luís Marques Guedes tinha sido ambíguo!

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Há aqui uma questão grave que temos de resolver. No fundo, há nisto uma contradição terrível: uns querem que inventemos um órgão composto pelos "sete sábios da Grécia"…

O Sr. Presidente: - Está a caricaturar o que eu disse! Não é propriamente isso, e, de resto, essa experiência existe há dezenas de anos!

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Não é possível isso, não o vamos conseguir.
Este órgão é independente, ou melhor, pretende ser independente e representativo da opinião generalista do povo português (não dos interesses, não o pode ser), da opinião geral uti cive, como cidadãos; é um corpo que há-de ter uma função própria, que a Alta Autoridade, eventualmente, não conseguiu lá muito. É, pois, bom que este corpo que vier a instituir-se em sua substituição o consiga melhor; um corpo que há-de ter também um papel na formação de uma cultura diferente no espaço da comunicação social.
A comunicação social não pode ser uma "selva" onde vale tudo...! Não são os princípios da imparcialidade, da neutralidade. Não é isso, Sr. Deputado! O que é preciso aqui é objectividade, sentido de verdade e de coragem. Isso é que é! Repito, de coragem, de verdade. Isso é muito importante! Mas isso faz-se não é com normas, mas com a introdução de atitudes. Mudar as atitudes gerais dos operadores deste círculo importantíssimo na sociedade de hoje, na sociedade comunicacional. É este o problema!
Agora, não digo mais. Digo apenas que estamos abertos a fazer uma reflexão sobre isto tudo, entendendo, apesar de tudo, que a alteração tem de ser feita por dois terços, obviamente.
Penso que devemos todos meditar o melhor que pudermos para conseguir essa conciliação entre um órgão pequeno (que de algum modo há-de funcionar como uma espécie de tribunal de opinião), expedito, capaz de agir, mas um órgão que tenha dentro de si as várias sensibilidades genéricas, generalistas do povo português. Isto é que é o importante!
O que vem proposto pelo Partido Socialista bastará? Logrará chegar lá? Eventualmente sim, eventualmente não. Vamos pensar em tudo isto.
Havia aqui uma contradição, mas já foi esclarecido, porque havia uma coisa que...

O Sr. José Magalhães (PS): Não é uma contradição, é uma gralha!

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Era um gralha! Se não era gralha era uma contradição. É melhor responsabilizar o tipógrafo, ele já está devidamente punido!

Risos.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): Sr. Presidente, como esperava, alguns dos problemas que passaram pacificamente no anterior debate vão aparecer agora.
É evidente que não lhe vou fazer a injustiça de ter de sublinhar que a referência em relação a autoridades regulamentadoras como sejam as americanas e a autoridades regulamentadoras constituídas recentemente em países da Europa têm tradições, referências e evoluções completamente diferentes em relação à própria constituição física, material e real das entidades, dos bens e, até, de tudo aquilo que regulamentam e de tudo aquilo que existe. Ou seja, enquanto, por exemplo, o conceito de espaço radioeléctrico tem um determinado tipo de configuração no continente europeu, nos Estados Unidos da América tem uma configuração diversa, conforme sabe e muito melhor do que eu, seguramente. Em qualquer dos casos, a fruição desse espaço radioeléctrico, ao longo dos anos e em função da existência de sucessivas entidades regulamentadoras, é completamente diferente nos Estados Unidos da América e no continente europeu.
Assim, não considero que a adopção de determinado tipo de soluções como entidades regulamentadoras independentes seja fatalmente uma solução e uma panaceia universal para males e problemas que tenham surgido no exercício do poder político e da vida das sociedades na

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Europa. E tanto assim é que a discussão que estamos a ter agora o demonstra. É que, note-se, a constituição de uma entidade reguladora independente é contraposta, enquanto paradigma de independência, à dependência do elemento partidário. Ou seja, eu deixo de ser, pelas palavras do Dr. António Reis, um cidadão independente e acima de qualquer suspeita pelo facto de ser um dirigente partidário ou pelo facto de ser um militante partidário.
Como é evidente, de nenhuma forma posso aceitar uma configuração de regulamentação, seja do que for, que introduza um tal "entorse" no meu conceito de democracia, que, aliás, não é meu (é a democracia que temos).
Ou seja, não posso aceitar que se conceba uma entidade reguladora, ainda por cima de um bem público e de um bem material, porque há aqui uma situação que é diferente, por exemplo, relativamente à Comissão Nacional de Eleições, já que esta legisla e actua sobre um acto, não legisla nem actua sobre um bem...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, quer interromper?

O Sr. José Magalhães (PS): - Não, não, pode concluir.

O Sr. Presidente: - Faça favor de continuar, Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): Mas se quer interromper, faça favor, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PS): Não!

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): Ora bem, ao passo que o que se propõe é que esta entidade vá actuar, agir e regulamentar sobre um bem colectivo existente e material.
Há diferenças em relação a esta questão, mas esse nem é para mim o problema fundamental. Eu posso aceitar que se estabeleça e se adopte o princípio da independência levado às suas últimas consequências - como disse o Sr. Presidente, pautado essencialmente pela especialização, pelo conhecimento técnico-profissional sobre a matéria e pela respeitabilidade pública em termos de independência - se a seguir não vier imediatamente uma contestação de um determinado tipo de manifestação da Assembleia da República. Sob que argumento e justificado com que argumento? Que a partir daí essa formulação apontaria para que se indicassem ou indigitassem, por parte de partidos políticos, pessoas que seriam tidas inevitavelmente como representantes dos partidos políticos e não essa coisa que seria expertise e independência.
Como é evidente, não posso, de forma nenhuma, aceitar nem o conceito e muito menos, depois, a aplicação do conceito, ou seja, reconhecendo embora, e notem que isto nos podia levar a consequências que ...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Ruben de Carvalho, peço-lhe que seja breve!

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, pergunto ao Sr. Deputado José Magalhães se me quer interromper agora.

O Sr. José Magalhães (PS): Não!

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Não quer! Então, peço-lhe a si, Sr. Presidente, o favor de não me interromper.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, eu reivindico e exerço o direito de o interromper quando quiser! Só tive de lhe pedir que seja breve e, aliás, não o faço só a si.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Assim, verificamos que esta formulação, levada às últimas consequências, não permitiria salvaguardar, por exemplo, na composição deste organismo, as tais atribuições, que nós subscrevemos e achamos muito bem que assim se faça, pois nas condições específicas do país em que vivemos e na sociedade em que vivemos, não temos, por exemplo, nenhuma garantia de que haja aqui um técnico capacitado, a não ser por boa vontade de quem quer que seja que o proponha, seja de telecomunicações, seja de jornalismo, seja de comunicação social, seja do que for.
Por conseguinte, do que estamos aqui em concreto à procura, como dizia o Sr. Deputado Barbosa de Melo, é, acima de tudo, de uma instituição que garanta a intervenção da opinião pública e a independência dos órgãos de comunicação social e que possa assegurar no funcionamento do Estado essa independência e esse rigor.
Ora, quando se entende que a partir daqui um determinado tipo de representação da Assembleia da República, porque partidária, viola esses princípios de independência, penso que estamos muito longe de chegar a qualquer conclusão que, de facto, reflicta os interesses da opinião pública.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): - Vou intervir muito brevemente só porque me pareceu entender determinada coisa e não gostaria de ficar com dúvidas sobre essa matéria da exposição que o Sr. Deputado Ruben de Carvalho fez.
A solução que o PCP propõe não garante também do ponto de vista material que na comissão fosse colocado um técnico com as características que foram agora apontadas, porque isso não é em sítio nenhum enunciado como tal. Agora, o que procura garantir é um indicação partidária obrigatória de cada um dos membros com assento e oriundos da Assembleia.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - A possibilidade, Sr. Deputado!

O Sr. José Magalhães (PCP): - Mais ainda: percebe-se por que é que a proposta surge. Porque, de facto, a actual solução, a que prevê a representação proporcional (o método de Hondt), conduz, numa descrição de cargos de cinco membros, a uma rácio de três para dois, não incluindo nem o CDS-PP nem o PCP.
Assim, a preocupação de abrangência compreende-se nessa óptica. Percebo essa estratégia e a lógica, mas pareceu-me entender da sua intervenção que também entendia

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que a função de membro desta entidade haveria de ser compatível com o exercício de funções partidárias e que não via nisso um óbice ao estatuto de independência decorrente do próprio normativo constitucional.
Ora, mesmo à luz do actual articulado se tem entendido que a função de membro da Alta Autoridade, do Conselho de Comunicação, da estrutura, etc., deve ser incompatível com o exercício de dois tipos de coisas: por um lado, de exercício de funções de membros de órgãos de comunicação social ou de direcção de órgãos de comunicação social e, em segundo lugar, de dirigente em órgão de partido, de associação política ou de fundação com eles conexos ou de organizações de classe.
Creio que isto é razoável e suponho que não é absurdo nem é razoável sustentar-se que isso é uma mutilação terrível; é um requisito de garantia de independência.
Será que a proposta do PCP implicava uma revogação desta norma ou, então, qual é a sua a filosofia? Quanto à primeira parte percebe-se perfeitamente.

O Sr. Presidente: - Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Deputado José Magalhães, independentemente da opinião que eu possa ter acerca dessa limitação, há uma coisa, posso garantir-lhe, com a qual não estou no acordo: é com o alargamento dessa limitação seja ao que for. Posso aceitar…

Protestos do Deputado do PS José Magalhães.

Não, Sr. Deputado! Note: é que não foi nos termos estritos dessa restrição que o problema tem estado a ser ventilado; o que se admite é que a partir da altura em que haja - como a nossa proposta pode de certa forma determinar - uma indicação partidária sobre quem seja essa pessoa, que até pode não ser militante do partido…

O Sr. José Magalhães (PS): - Ou pode ser!

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Ou pode ser! Naturalmente!

O Sr. José Magalhães (PS): - Um dirigente partidário!

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Deputado José Magalhães, conforme acabou de ler, essa limitação está contemplada...

O Sr. José Magalhães (PS): - Está contemplada na lei!

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Está contemplada essa limitação...

O Sr. José Magalhães (PS): - Mas não na proposta do PCP!

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Não! Conforme acabou de ler, essa limitação relativamente a dirigentes partidários está contemplada, mas não foi relativamente a dirigentes partidários que o problema se colocou. Eu posso estar ou não estar de acordo - que é inteiramente irrelevante para esta discussão - com essa medida. Isso não vem rigorosamente nada à discussão!
Agora, com o que eu não estou de forma nenhuma de acordo é com o alargamento desse conceito à pura indicação de um nome por parte de um partido. Não estou! Não posso aceitar que a partir da altura em que dizemos que há quatro representantes, cada um indicado por um grupo parlamentar, se deite sobre essa pessoa imediatamente o labéu da não independência, da não expertise, ou de qualquer outra coisa, independentemente de ser ou não militante do partido. Foi isso, Sr. Deputado José Magalhães, que contestei!

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Calvão da Silva.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Presidente, queria fazer uma pequena reflexão, ao mesmo tempo equacionando ainda os n.os 1 e 2.
Julgo que o que está aqui em causa, e por isso é que a matéria é profunda e muito sensível, é o problema da separação de poderes, da divisão de poderes, a que, tal como foi teorizado, se acrescentou o quarto poder. E como a Constituição sempre disse que o poder político tinha de ser independente do poder económico, como é que agora o quarto poder deve ser independente do poder económico e do poder político? Do poder político é fácil, desde que o Estado não mande muito, ou mande pouco e cada vez menos; do poder económico é que é o quid juris e é isso que aqui, em pano de fundo, queremos encontrar uma resposta que não é fácil de encontrar.
Por isso, aquilo que de bondade tem o n.º1 ao referir que este órgão, chame-se-lhe o que se chamar, é que garante a independência dos meios de comunicação social do poder económico, oxalá que assim fosse! Mas não é por aqui que lá vamos.
Em segundo lugar, a composição tem mais a ver com a autoritas pessoal de cada um dos membros que venham a ser eleitos ou indicados pelas várias maneiras possíveis do que propriamente com a esta composição, a actual, ou aquela que o PS propõe ou que outro qualquer partido proponha.
É a oportunidade própria de ser autor e não um mero actor de forças ou de grupos de pressão que está em causa, e nessa medida, nós, o PSD, estamos, nessa parte, abertos a discutir a melhor representação possível para encontrar autoridade, mais do que propriamente representação de interesses.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): - Sr. Presidente, gostaria de deixar só uma nota que, aliás, decorre da intervenção do Sr. Deputado Ruben de Carvalho: todos manifestámos aqui - e nisso há um consenso muito firme -, a importância da Alta Autoridade para a Comunicação Social e a necessidade de lhe garantir um grau de isenção e independência que seja, no plano institucional, o mais indiscutível possível.

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De acordo com as soluções homólogas do texto constitucional as entidades que têm um grau de composição o mais indiscutível possível são, naturalmente, as entidades que são tratadas de forma muito nobre no artigo 166.º da Constituição, nas quais a competência da Assembleia da República para se exercer é feita pela forma mais qualificada de designação.
Ora, o actual artigo 166.º, alínea i), diz o seguinte, "Compete à Assembleia da República, relativamente a outros órgãos: eleger por maioria de dois terços dos Deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções, dez juizes do Tribunal Constitucional, o Provedor de Justiça, o Presidente do Conselho Económico e Social, sete vogais do Conselho Superior da Magistratura."
Portanto, o que o Partido Socialista fez foi adoptar a solução mais exigente do texto constitucional em termos de independência, solução que, aliás, o Partido Comunista mantém quando se trata de designar estes órgãos, uma vez que mantém esta alínea, pelo que, neste ponto, estamos sincronizados e apenas apelamos ao PCP que adira ao nosso grau de exigência pela dignidade particular que damos a este órgão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, creio que neste ponto não se pode avançar mais. As divergências entre as propostas do PS, do PCP, de Os Verdes e do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca estão indicadas; as objecções do PS à composição proposta pelo PCP, pelos Verdes e pelo Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca estão afirmadas e, também, as objecções do PCP à proposta do PS.
Por parte do PSD, não há compromisso com qualquer formulação e há abertura para considerar uma formulação que corresponda ao princípio da independência e da representação da opinião pública deste órgão.
Portanto, creio que devemos mantermo-nos por aqui e não avançarmos muito mais, neste momento, em todo o caso é de dar por adquirida a possibilidade de alterar a composição constante do actual n.º 2 que, suponho eu, felizmente, ninguém defendeu.
Srs. Deputados, passamos, então, às propostas relativas ao n.º 3, sobre a competência da Alta Autoridade em matéria de licenciamento dos canais de televisão, apresentadas pelo PS, pelo PCP e pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
Para apresentar o n.º 3, da proposta do PS, para alteração do n.º 3 do artigo 39.º da Constituição, tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): - A proposta do Partido Socialista pretende abrir a porta a uma maior capacidade de intervenção deste órgão regulador nos processos de licenciamento das estações de rádio e televisão. Actualmente, a Alta Autoridade emite um parecer prévio que, na prática, só é semivinculativo, digamos assim, na medida que impede que a decisão do governo venha a recair sobre candidatura que não tenha sido objecto de parecer favorável.
A meu ver, por parte deste órgão regulador, isso leva a um comportamento que foi aquele que aconteceu por altura do processo de atribuição de licenças de novos canais privados de televisão e que tende a ser o de transferir para o Governo a efectiva responsabilidade por uma decisão deste tipo. Nessa altura, a Alta Autoridade emitiu parecer favorável sobre as duas candidaturas que se apresentavam e o governo escolheu uma, portanto, a Alta Autoridade, na prática, "lavou um pouco as mãos" desse processo remetendo a decisão final para o governo.
É preciso uma reflexão, talvez, mais apurada sobre qual deve ser o efectivo modo de intervenção de um órgão regulador neste processo, altamente complexo, melindroso, delicado, da atribuição de licenciamento de canais privados de televisão e daí uma solução prudente como aquela que nós aqui perfilhamos que é a de remeter para os termos da lei, uma definição mais precisa desse grau de intervenção, estando subjacente, obviamente, a partir do momento em que fazemos uma alteração sobre um ponto tão sensível, a nossa abertura a um tipo de intervenção mais lato do que aquele que prevê o actual n.º 3.

O Sr. Presidente: - Mais lato quer quanto ao âmbito, já que se estende, desde logo, às estações de rádio, quer quanto à intensidade de intervenção.

O Sr. António Reis (PS): - Exactamente!

O Sr. Presidente: -Tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): - Sr. Presidente, há, evidentemente, um alargamento que me parece ser de sublinhar e que é também contemplado pela proposta do Partido Socialista, quanto ao problema da rádio e televisão.
Na verdade, posso aceitar que a utilização, na nossa proposta, do termo "deliberar" possa induzir no conceito de que nós entendemos que é à Alta Autoridade que cabe a atribuição e a concessão do alvará ou do licenciamento, mas não é essa a ideia; trata-se de um problema de terminologia e, aliás, esclarece-se logo a seguir que é nos termos da lei. Assim, por conseguinte, a forma como essa deliberação incide, e que perfil deverá ter, terá de ser consignada em lei.
Porém, parece-me haver alguma contradição naquilo que o Sr. Deputado António Reis disse em relação à proposta do PS na medida em que, nomeadamente na proposta de alteração da lei da radiodifusão, que foi discutida na anterior sessão, há uma formulação no sentido de que o pedido de concessão de alvarás seria feito num duplo sentido.
Ou seja, o alvará não poderá ser atribuído pelo governo se houver um parecer desfavorável da Alta Autoridade, mas poderá ser atribuído a um dos que tiver parecer favorável, uma vez que é de aceitar que a Alta Autoridade possa manifestar-se favoravelmente sobre mais do que um pedido.
Por conseguinte, nestas condições, não me parece que isto vá ao encontro do que o Sr. Deputado António Reis dizia de que era uma maior responsabilização da Alta Autoridade na concessão de alvarás. É evidente que a situação é diferente em relação à televisão e à rádio, porque em relação à televisão o universo é minúsculo, enquanto que o universo da rádio é bastante mais vasto.

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Portanto, penso que isso deverá ser tido em consideração na redacção final sendo que, em nosso entender, não há grandes diferenças de princípio em relação à nossa formulação e à do PS e que será possível encontrar um consenso relativamente a este n.º 3.

O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Cláudio Monteiro propôs, também, duas alterações para o n.º 3, uma que me parece já estar prejudicada outra que coincide com as do PS e o PCP quanto ao alargamento da competência em relação às estações de rádio.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, não obstante a minha proposta estar prejudicada, já agora, gostaria de justificá-la.

O Sr. Presidente: - Claro, tem todo o direito de o fazer Sr. Deputado Cláudio Monteiro, pelo que, desde já, tem a palavra.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, é verdade que a Constituição, actualmente, não estabelece um parecer vinculativo, estabelece aquilo a que na escola de Coimbra se chama um "parecer conforme". Isto é, a decisão tem de ser conforme com o parecer no caso de ser favorável, o que significa que podem haver fundamentos para rejeição da proposta para além do parecer, mas a proposta não poderá ter efeito se o parecer não o permitir e essa é a actual solução da Constituição.
Agora, o que eu julgo é que tratando-se de uma entidade independente esta não é a solução ideal, ou a solução correcta, por uma razão que me parece uma razão de princípio, é que não me parece que uma entidade independente deva cumular o poder dispositivo e o poder de controlo.
As entidades são independentes, designadamente quando se limitam a exercer o poder de controlo, agora quando exercem o poder dispositivo simultaneamente com o poder de controlo, tenho algumas dúvidas sobre o alcance que isso tem na sua independência, porque passa a exercer o poder e passa, por essa mesma razão, também, a ser permeado às mesmas pressões a que é permeável a entidade competente que, neste momento, é o governo.
Por essa razão, julgo que seria mais prudente não lhe atribuir o poder de facto, porque a verdade é que o parecer, sendo vinculativo, transfere a competência material da decisão para a entidade que emite o parecer e não para a entidade que formalmente toma decisão e é por essa razão que tenho algum receio em que um alargamento da competência da entidade, nestas circunstâncias, possa ter este efeito perverso.
Ora, é por esta razão fundamental que eu julgo que ela ficaria melhor reservando um poder de controlo sem ter o encargo de tomar a decisão e responder perante ela sob pena de, no exercício do poder de controlo, ela estar, também, a autocontrolar-se a si própria para além de estar a controlar a actividade dos meios de comunicação social. Aliás, eu sei que não é essa a experiência norte-americana...

O Sr. Presidente: - Nem a francesa, porque tem competência, pura e simplesmente, para licenciar. Isto é, o governo perdeu essa competência que passou a ser um exercício independente e isso nada tem que ver com a essência das autoridades administrativas independentes, mas, sim, com uma opção discricionária constitucional ou legislativa quanto ao que devem ser as suas funções.
Srs. Deputados, temos três propostas, uma coincidente quanto ao alargamento da competência da entidade independente também à radiodifusão e não apenas à televisão; quanto à dimensão dos poderes o PS remete para a lei, mas tornando claro que é para que não se limitem funções consultivas; o Sr. Deputado Cláudio Monteiro limita as funções consultivas, um parecer livre e não vinculativo, e o PCP, à partida, dá-lhe competência deliberativa.
Srs. Deputados, são estas três propostas que estão à discussão, pelo que quem pretender intervir, faça o favor de se inscrever.
Tem o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, continuamos num ponto, também este delicado, de saber qual é a competência do órgão que há-de fazer a gestão global desta área importantíssima do Estado democrático e pegando numa ideia que já aqui foi bordejada há pouco pelo Sr. Deputado Ruben de Carvalho, tenho dúvidas - suponho que serão dúvidas, também, do partido - se podemos transplantar, com tanta facilidade as instituições, como elas andam noutras paragens, cá para dentro.
Isto é, tenho dúvidas que se deva retirar ao governo, entidade politicamente responsável, jurisdicionalmente responsável, pelas decisões que toma perante os tribunais e perante esta Casa, ou dar à lei ordinária a possibilidade de retirar ao governo o poder de decisão nesta matéria.
Parece-me que para mantermos este delicadíssimo equilíbrio de poderes, uma entidade como esta não deve ter o poder decisório, deve ter um poder consultivo, e quem há-de decidir aqui, segundo a regra geral, é o governo, porque é o governo que está sujeito ao escrutínio parlamentar, é o governo que é chamado à responsabilidade pública e política no País, é o governo que pode ser chamado a responder num processo, num recurso, contra um acto que foi de má administração, e se nós, por uma autoridade que queremos independente, vamos aqui dar-lhe o poder decisório num "caldo" de cultura como é o "caldo" de cultura português eu tenho forte receio de que isto seja uma distracção do legislador.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, mas o PS não propõe isso! Deixa para a lei ordinária!

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - O PS admite que isso aconteça! E o PCP já faz. E eu entendo que o que cá está, Srs. Deputados, neste aspecto, é mais sábio.
Enfim, quando há-de intervir o parecer? No fundo, este parecer que está aqui previsto é uma espécie de veto preventivo, se quisermos, um contra-rol preventivo, é uma forma um pouco do tipo "o governo pode não escolher, mas, se quiser outra solução, tem de pedir um novo parecer e deve obter um parecer favorável". Esta co-responsabilização é importante, mas quem assume o poder decisório é o governo e este é que vai responder pela decisão total, não podendo escusar-se a dizer "foi aquele o responsável".

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O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Se me permite, em certas circunstâncias o parecer existe depois da decisão. É porque se houver duas licenças a atribuir e se houver dois pareceres favoráveis isso condiciona de facto...

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Mas o governo pode dizer que não! Volta atrás o processo.

O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): Sr. Presidente, Srs. Deputados, apenas um esclarecimento. A diferença, que aliás mantemos, da utilização do termo "deliberar", diferentemente da proposta do PS que fala em "intervenção", não se refere ao facto de nós entendermos que deva ser cometida à Alta Autoridade (ou ao organismo que venha a ser constituído) a função de atribuição da concessão, mas sim que essa entidade tem de tomar uma deliberação sobre o assunto.
Ou seja, entendemos que a formulação do PS é por demais vaga e nos termos da lei pode ser pedido a esta entidade uma intervenção qualquer. Mas qual? Em que moldes? Falar-se numa intervenção, a nosso ver, é insuficiente! A Alta Autoridade terá de se pronunciar e tomar uma deliberação sobre as propostas que lhe são apresentadas e dizer: "esta é a melhor, esta é a pior", "esta respeita, aquela não respeita", etc.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Ruben de Carvalho está a pedir um pedido de esclarecimento ao Sr. Deputado Barbosa de Melo?

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): Não. Estou a dar!

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Por que é que estava usado o termo!

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): Admito que sim! Comecei, aliás, por o dizer.

O Sr. Presidente: Está dado o esclarecimento pelo Sr. Deputado Ruben de Carvalho.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PS): Sr. Presidente, só para um breve observação: as redacções podem ser felizes, felicíssimas, infelizes, infelicíssimas, e a nossa função é avaliá-las e chegar a uma boa e joeirada redacção.
É óbvio que, quando propusemos a substituição da redacção actual do n.º 3 pela que consta da nossa proposta, a ideia (como, aliás, explicado pelo Sr. Deputado António Reis) era no sentido de uma majoração ou de um reforço da participação e da intervenção proprio sensu desta entidade independente nos processos de licenciamento das estações de rádio e televisão.
A proposta apresentada pelo PCP é equívoca…

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): É? É equívoca!?…

O Sr. José Magalhães (PS): - Porque alude a um acto deliberativo, mas obviamente a seguir há uma precisão. No intuito dos proponentes, não se trata senão de apurar a vontade do órgão, dentro de limites a traçar na lei ordinária.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): Exacto!

O Sr. Presidente: Delibera para emitir parecer!

O Sr. José Magalhães (PS): Qual é o problema em relação à nossa redacção? É que a redacção constitucional é muito densa, muito precisa e até define um modus e, digamos, uma limitação negativa e, portanto, delimita muito bem mas muito insuficientemente ou insuficientemente demais as competências da entidade.
A opção que temos diante de nós (e vamos considerar cuidadosamente) é se entre uma delimitação densificada, como a que consta dos n.os 3 e 4, e uma delimitação genérica como a nossa, na qual alguns veriam mal uma perda de conteúdo, porque tanto no n.º 3 como no n.º 4 o que se pretende é o contrário. Ou seja, quando no n.º 4 da proposta do PS se alude à intervenção do conselho nos processos de nomeação e exoneração, pretende-se "um" determinado tipo de intervenção; seguramente, não uma emissão de parecer mais esquálida e mais desprovida de efeito do que pelo regime actual, porque nesse caso o status quo seria preferível. Portanto, não é isso o que nos anima.
Mas consideraremos cuidadosamente a provável necessidade de opção por expressões cuja densidade não suscite dúvidas deste tipo. É uma das conclusões que retiramos deste debate. Ou então, seríamos obrigados a inscrever na acta, com precisão, sobre abundante preferência por causa das dúvidas, o modus de intervenção que imaginamos, o modus agendi e as magníficas virtualidades interventivas disso, sem querermos naturalmente copiar ou decalcar sistemas cuja natureza, cujos fundamentos e cujo recorte são irreproduzíveis qua tale, embora não tenhamos o privilégio de sermos "o pequeno Asterix" na aldeia completamente original no meio da aldeia global.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, é só para fazer um reparo. É que a formulação do PS tem sentido com a explicação da intenção do proponente. Mas o facto é que a redacção, tal como existe, permite uma diminuição...

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): É redutora!

O Sr. Presidente: - É abstracto!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Pode intervir, dando um parecer que não é vinculativo.

O Sr. Presidente: Pode comportar a proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro!

Risos.

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O Sr. João Amaral (PCP): - Comportaria, por exemplo, uma proposta minimalista.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): Por hipótese!

Risos.

O Sr. José Magalhães (PS): É a melhor formulação para a proposta do Deputado Cláudio Monteiro!

O Sr. Presidente: - Creio que esta discussão teve pelo menos a virtualidade de delimitar o efeito de cada uma das propostas.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Há um ponto que parece que ficou claro. Não o abordei, mas parece-me que, do nosso ponto de vista, nada obsta a que se alargue...

O Sr. Presidente: - À rádio! Era este ponto que eu ia questionar. Trata-se de um ponto convergente em todas as propostas: é o alargamento desta competência,…

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): À rádio!

O Sr. Presidente: - … desta ou da que vier a ficar, que está prevista para televisão, estendê-la à rádio - isto é convergente nas três propostas. O PSD também manifesta adesão a este ponto. Penso que neste aspecto é consensual.
Não é consensual a questão da intensidade, ou seja, de que poderes goza a Alta Autoridade? O Sr. Deputado Cláudio Monteiro propôs a diminuição do estatuto; o PCP propôs a ampliação do estatuto; o PS propôs-se remeter para a lei com a declaração de voto de que era para majorar, mas admitindo que…

Risos.

… nominalmente, a lei poderia minorar o que está; e o PSD aconselha cautela em tudo isto. Penso que o PSD, neste aspecto, é quem tem razão.

O Sr. Calvão da Silva (PSD): Só aqui, Sr. Presidente?!

O Sr. Presidente: - É isto que estamos a discutir!
Penso que não teria sentido alterar o que aqui está sem delimitar até que ponto é que se vai, isto é, sem tornar claro que não se quer menos e sem delimitar até onde, qual o limite no sentido da majoração, se se entendesse isso, o sentido até onde se poderia ir.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Se me é permitido Sr. Presidente, diria também isto: realmente o n.º 3 tem uma redacção pesada, o número que está aí, se nós conseguirmos dizer o que aí se diz...

O Sr. Presidente: Tem, claramente!

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): … mas com precisão…

O Sr. Presidente: Isso impressionou-nos, claramente!

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): … tirando dali duas linhas do texto, óptimo! Mas sem mexer na doutrina…

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, quanto ao n.º 3, fica então adquirido - nesta fase, claro - o alargamento à rádio. Fica de remissa a questão da delimitação do poder.
Passamos ao n.º 4, onde o problema se põe relativamente da mesma forma, relativamente ao qual temos a proposta do PS, que é paralela, a do PCP e do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.
Em relação ao PS, creio que o sentido da proposta é, na verdade, o mesmo, a lógica era a mesma, era remeter para a lei…

O Sr. José Magalhães (PS): E o problema é o mesmo!

O Sr. Presidente: … a intervenção nos processos de nomeação e exoneração dos directores. Quanto ao PCP…

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): Há o "carácter vinculativo"…

O Sr. Calvão da Silva (PSD): O PCP, aqui, melhorou!

O Sr. Presidente: Pois, "com carácter vinculativo". Acrescenta "(…) os órgãos de comunicação social (…) que tenham capitais maioritariamente públicos ou sejam propriedade de entidades que estejam directa ou indirectamente sujeitas ao seu controlo económico". Portanto há estas duas alterações na proposta do PCP.
Quanto ao Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, acrescenta não só "os directores" mas também "os gestores".
Para apresentar a sua proposta, tem a palavra o Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca.

O Sr. João Corregedor da Fonseca (PSD): Em relação a essa minha proposta, fica em stand by, Sr. Presidente, porque não sei se a vou retirar.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, para já fica de remissa a proposta do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, na parte em que acrescentava "os gestores" e não só "os directores", como hoje se fala.
Estão em discussão as duas restantes propostas, ou seja, a do PS e a do PCP.
A proposta do PS está explicada e, aparentemente, aplicar-se-lhe-á a mesma…

O Sr. José Magalhães (PS): A mesma doutrina!

O Sr. Presidente: - …a mesma doutrina, que vimos em relação à anterior.
Para apresentar a proposta do PCP, tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): Sr. Presidente, Srs. Deputados, como é claro as diferenças são fundamentalmente duas: uma, refere-se ao carácter vinculativo, que

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é atribuído, "(…) emite, no prazo definido pela lei, parecer prévio, público e fundamentado, com carácter vinculativo, sobre a nomeação e a exoneração (…); e outra consiste no alargamento aos órgãos de comunicação social pertencentes o Estado, nos moldes que não vou repetir.
Sr. Presidente e Srs. Deputados, a situação que se coloca, nomeadamente, em relação à parte final da nossa proposta de alteração, é o esforço para garantir a responsabilização e, digamos assim, a intervenção deste organismo em órgãos que hoje não têm a mesma configuração de um sector público de comunicação social do Estado. Neste, mercê de medidas de carácter administrativo cuja legitimidade em termos puramente legais não se contesta (politicamente, poderão ser discutidas), foram geradas situações de empresas que formalmente são privadas e nas quais o Estado é capitalista maioritário. Por conseguinte, neste tipo de empresas a responsabilidade do Estado é diferente da que existe, em relação a um organismo e a um órgão de comunicação privado de capitais inteiramente privados.
Por outro lado, em nosso entender, a situação na comunicação social leva a admitir que este tipo de situação possa vir a repetir-se. Ou seja, nada nos garante que os interesses públicos e os nacionais, num futuro próximo, não possam vir a determinar intervenções do Estado em moldes diferentes dos feitas, até agora, ou idênticos aos feitas no passado, embora com contornos diferentes, na defesa dos interesses e das necessidades da comunicação.
Parece-nos, assim, que seria prudente em sede constitucional precaver, desde já (mesmo que em termos imediatos possa não ter uma aplicação rigorosa e concreta), a possibilidade de uma responsabilidade para situações que o próprio evoluir tecnológico, por um lado, e o da situação económica, por outro, nos levem a crer que possam colocar-se à opinião pública e ao exercício da governação.

O Sr. Presidente: - Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, Sr. Deputado Ruben de Carvalho, confesso que lendo o texto actual e lendo a proposta e pergunto-me o seguinte: entende-se que uma sociedade anónima de capitais maioritariamente públicos não está já abrangida pelo no n.º 4 do artigo 39.º?
É que não sei se o acrescento da parte final acrescenta alguma coisa que não seja, porventura, interpretar o texto vigente como mais restritivo do que aquilo que ele é. Isto, porque, em meu entender, o controlo económico de uma entidade é equivalente, por exemplo, à situação de titularidade de 51% numa sociedade anónima.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): Sr. Deputado Cláudio Monteiro, suponha que amanhã um canal privado de televisão abre falência (não estamos a falar de 50 rádios, nem de 3000 jornais, mas de quatro canais de televisão) e que o Estado entende que o puro encerramento daquele canal tem custos em termos de comunicação, em termos sociais, e em termos políticos, que são graves.
Assim, resolve fazer uma intervenção, tipo "plano Mateus" se quiser, em relação a um determinado órgão de comunicação social, que, entretanto, gera uma situação de intervenção efectiva do Estado e de responsabilidade efectiva do Estado por um órgão de comunicação social.
Infelizmente, Sr. Deputado, eu receio que o futuro venha a colocar ao Estado numerosas situações deste género. Se elas não estiverem expostas e previstas em relação ao tipo de responsabilidade que o Estado possa ter em relação a isto, penso que a situação é complicada!

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Embora não me pareça verosímil esse cenário, pelo menos na lógica da intervenção como ela foi explicitada, ainda que isso acontecesse, enquanto durasse essa intervenção havia controlo económico por parte do Estado e, portanto, nesse sentido, estava salvaguardado pelo artigo 39.º, n.º4.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, esclarecida essa questão, resta-nos o ponto da proposta do PCP, no sentido de dar carácter vinculativo aos pareceres da entidade.
Em relação ao carácter vinculativo constitucionalmente estabelecido para os pareceres da Comissão, no texto da proposta do PCP passar-se-ia a dizer: "A Comissão para a Comunicação Social emite, no prazo definido pela lei, parecer prévio, público e fundamentado, com carácter vinculativo…".

O Sr. José Magalhães (PS): Em todos os casos, com carácter absoluto, isso é mais, tanto quanto percebemos.

O Sr. Presidente: - Exacto!

O Sr. José Magalhães (PS): Não podemos acompanhar a solução. Repito, em todos os casos, com carácter absoluto, isso é mais!

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Ruben de Carvalho, a objecção do PS e do PSD está manifestada em relação à proposta.
Em relação à proposta do PS, mantêm-se também as reservas do PSD. Assim, a situação é a seguinte: inviabilidade da proposta do PCP e objecções do PSD à proposta do PS.
Srs. Deputados, passamos ao n.º 5, para o qual há uma proposta de alteração do PCP. O n.º 5 diz: "A lei regula o funcionamento da Alta Autoridade para a Comunicação Social (...)" e o PCP pretende acrescentar: "(…) bem como o recurso contencioso dos seus actos".
Sr. Deputado Ruben de Carvalho, isto é necessário?

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): Sr. Presidente, o que é que quer que lhe diga? Em meu entender, não!

Risos.

O Sr. Presidente: - Então por que é que não retira a proposta?

O Sr. António Reis (PS): Estamos todos de acordo!

O Sr. Presidente: - Acho que estamos todos de acordo!

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O Sr. José Magalhães (PS): Afirma o conceito sobre a responsabilidade, sempre é muito louvável!

O Sr. Presidente: - Já agora, para encerrarmos a discussão sobre este artigo 39.º, há ainda duas propostas de aditamento, sendo uma do PS e outra do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca sobre o n.º 5. Como são totalmente distintas, ponho-as à discussão separadamente.
A proposta do PS propõe o seguinte: "O Conselho da Comunicação Social vela pelo cumprimento das obrigações legais e contratuais das estações de rádio e televisão, tendo para o efeito poderes regulamentares, nos termos da lei."
Está em discussão.

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): Sr. Presidente e Srs. Deputados, este aditamento representa, como é óbvio, uma ousada tentativa de alargamento das competências do conselho de comunicação social.
De certo modo, é uma maneira de alargar uma das atribuições que o próprio PCP propunha para o n.º 1 por via das competências. Mas parece-nos mais adequado que, a nível das competências, se formule uma proposta de alargamento da intervenção deste órgão.
Esta proposta visa ainda aproximar, sem dúvida alguma, a competência deste conselho de alguns dos seus congéneres europeus, nomeadamente o francês, que tem efectivos poderes na vigilância pelo cumprimento das obrigações legais e contratuais das estações de rádio e televisão, tanto públicas como privadas. É um verdadeiro órgão de vigilância do cumprimento da lei da rádio, do cumprimento da lei da televisão, do cumprimento do contrato de concessão de serviço público de rádio e de televisão; é assim que, efectivamente, tem funcionado o conselho francês.
Pensamos que, dada a delicadeza do que é a comunicação social, se justifica aqui uma maior intervenção de um órgão independente, em detrimento daquilo que é actualmente a possibilidade de intervenção do governo. Não se trata também de retirar completamente competências ao governo, mas existe, neste momento, um efectivo desequilíbrio, em favor do governo, da capacidade de intervenção neste domínio.
Por isso, pensamos que se justifica que um órgão público independente com estas características veja as suas competências reforçadas na vigilância da aplicação da lei da rádio e da lei da televisão nomeadamente.

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado António Reis, se me permite uma observação, o problema não é o desequilíbrio a favor do governo; o problema é que, como o governo não tem coragem para exigir essa vigilância, na verdade, não há vigilância nenhuma!

O Sr. António Reis (PS): Então, há que preencher um vazio de poder!

O Sr. Presidente: Srs. Deputados, está à consideração esta proposta do Partido Socialista.
Para pedir esclarecimentos, tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.

O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, muito embora a redacção, de facto, a isso induza, e, portanto, o que é literal não me oferece dúvida - não sei é se a intenção que está na base da proposta é essa -, quando refere "tendo para o efeito poderes regulamentares", significa circunscrever os poderes regulamentares a quê? É atribuir poderes regulamentares genéricos do exercício da actividade da rádio e televisão? Será que são poderes regulamentares para o exercício do poder de controlo?

O Sr. Presidente: Não pode ser, porque hoje a Alta Autoridade tem poderes regulamentares genéricos que estão no âmbito da sua competência.
Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Sr. Presidente, gostaria só de dizer que, do meu ponto de vista, se justifica que mantenhamos aqui a posição que, na parte da manhã, tivemos a respeito da proposta do PS relativamente ao n.º 3 do artigo 37.º. Já tocámos neste ponto, falou-se na altura deste artigo e a conjugação entre o que está no artigo 37.º, sobre o qual reservamos a nossa posição.
Em todo o caso, para além disto, na linha, aliás, do que já foi agora avançado pelo Sr. Presidente, atrevo-me a perguntar: por que é que se põe aqui que há poderes regulamentares? Penso que, num órgão destes, são muito mais importantes os poderes de regulação do que os poderes regulamentares. Com a diferença que estas duas expressões têm, nomeadamente nas técnicas de organização hoje praticadas por todo o lado.
No fundo, este órgão deve ser um órgão que está em constante correlação com uma prática que se faz no dia-a-dia e sobre ela influi, através de standards, de critérios gerais que estão a alterar constantemente. Não são propriamente os regulamentos da velha teoria do Estado. Ora, dar poderes regulamentares, além de se dar uma coisa que é porventura criticável - altamente criticável - é estarmos a usar um conceito do passado que nada tem a ver com a função deste tipo de órgão.
Assim, penso que era já de eliminar este ponto, mas reservava a posição do partido para fazermos uma reflexão em conjunto, depois, entre o que está aqui neste novo n.º 5, proposto pelo PS, e o que está também proposto para o n.º 3 do artigo 37.º.

O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): Sr. Presidente, gostaria apenas de dizer ao Sr. Deputado Barbosa de Melo que lhe reconhecemos razão na crítica relativamente aos poderes regulamentares. A expressão correcta, nesse caso, e era isso com certeza que estava no espírito dos proponentes, eram "(...) os poderes de regulação, nos termos da lei."

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O Sr. Presidente: - Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Ruben de Carvalho.

O Sr. Ruben de Carvalho (PCP): Penso que há aqui três problemas que convirá verificar, sendo que um deles já está esclarecido. Refiro-me, concretamente à questão "da regulação" e "não regulamentares".
Mas há aqui uma questão, a que o Sr. Deputado António Reis já fez referência, subjacente à existência e à proposta deste artigo. Ou seja, é evidente a situação real que o País vive de nulo exercício de qualquer fiscalização, de intervenção, de acção sobre um conjunto de rádios locais e, eventualmente também, em áreas da televisão.
Ora bem, penso que não devemos misturar as coisas. Se chegamos à conclusão que é à Alta Autoridade que compete exercer esta função, isso é uma realidade, e em nosso ver é assim que se passa, independentemente da situação existente agora ou não; se entendemos que o que urge é resolver a situação actual, então, interessa saber se ela não foi exercida por falta de vontade política, por problemas de ordem técnica ou outros.
Ora, estes problemas de ordem técnica levantam-me algumas inquietações. Esta Alta Autoridade, mesmo com todas as alterações que lhe vamos introduzir, é, sobretudo, e por enquanto, uma entidade política que não tem infra-estruturas de carácter tecnológico a jusante ou a montante do seu funcionamento. Ou seja, a Alta Autoridade para a Comunicação Social, chame-se como se chamar, não tem a mais pequena possibilidade, por ela própria, de saber se uma estação de rádio está a emitir com a potência que lhe foi atribuída ou se está a emitir com cinco vezes mais potência. Não tem qualquer tipo de função desse género. Ou seja, há uma complexa ligação a fazer, atribuindo estas funções a essa entidade, a entidades técnicas do Estado e do governo que, eventualmente, poderão envolver alterações de tutela, etc.
Julgo que esse aspecto deverá ser considerado atentamente e não se pensar que é, pura e simplesmente, a atribuição, que subscrevemos, de uma responsabilidade para um organismo independente dessa vigilância, mas que essas funções de regulação e de acompanhamento envolvem problemas de ordem técnica e de ordem de orgânica do Estado que não são irrelevantes.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado António Reis.

O Sr. António Reis (PS): Sr. Presidente, gostaria só de dizer ao Sr. Deputado Ruben de Carvalho que temos consciência de que, se viermos a abrir a possibilidade de este órgão regulador ter competências mais alargadas nesta matéria, é óbvio que a lei ordinária, a lei que regula este órgão, terá de ser profundamente revista no sentido de lhe conceder os meios técnicos necessários para efectivar as novas atribuições, as novas competências, que lhe serão porventura atribuídas.
Ora, isso, provavelmente, será feito, em grande parte, à custa de serviços que estão actualmente directamente dependentes da administração e do governo e que poderão perfeitamente ser aproveitados para este órgão e passarem para a alçada deste mesmo órgão.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se bem percebi, há abertura do PCP para esta proposta, reservas do PSD neste ponto e objecções à ideia da menção expressa de "poderes regulamentares".
Há, ainda, uma proposta, do Sr. Deputado João Corregedor da Fonseca, para acrescentar também um novo n.º 5, que não foi discutida e com a qual encerraríamos a discussão do artigo 39.º e que passo a ler: "Todos os órgãos de comunicação social e mais entidades para o efeito solicitadas têm o dever de cooperar com a Alta Autoridade para a Comunicação Social na realização da sua missão".
Trata-se, portanto, de constitucionalizar um dever de colaboração, que, de resto, já está na lei. O Sr. Deputado acha que é necessário ...

O Sr. João Corregedor da Fonseca (PSD): Sr. Presidente, esta proposta ele fala por si, mas eu serei muito rápido a apresentá-la.
Tenho conhecimento que, por vezes, não há uma cooperação efectiva com a Alta Autoridade para a Comunicação Social e entendi que seria importante constitucionalizar este preceito, aliás, como acontece, por exemplo, no artigo 23.º quanto ao Provedor de Justiça.

O Sr. António Reis (PS): Mais importante ainda seria talvez prever penalidades para quem ...

Risos.

Desculpem, mas a minha observação tem a seguinte pertinência: é que a lei da Alta Autoridade, que já prevê este dispositivo, tem, por vezes, o hábito comum entre nós de não prever nenhuma penalidade para quem não cumpre este dever.
De maneira que isto é, de facto, letra morta na lei ordinária.

O Sr. Presidente: Sim, mas a proposta está feita, não foi retirada, pelo que peço aos Srs. Deputados que se pronunciem sobre ela. Se entenderem que ainda não têm posição tomada, faço a leitura de que ela não tem acolhimento.
Tem a palavra o Sr. Deputado Alberto Martins.

O Sr. Alberto Martins (PS): Embora consideremos que o dever de cooperação deve existir, temos dúvidas sobre se ele deve ter a mesma extensão que o dever de cooperação do instituto Provedor de Justiça, mas vamos reflectir sobre a solução.

O Sr. Presidente: Temos, portanto, objecções do PSD e abertura com reservas do Partido Socialista, pelo que a proposta mantém-se.
Srs. Deputados, está encerrada a reunião.

Eram 19 horas e 35 minutos.

A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL

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