Página 1275
Quarta-feira, 23 de Outubro de 1996       II Série - RC - Número 43
VII LEGISLATURA             2.ª SESSÃO LEGISLATIVA (1996-1997)
IV REVISÃO CONSTITUCIONAL
COMISSÃO EVENTUAL PARA A REVISÃO CONSTITUCIONAL
Reunião de 22 de Outubro de 1996
S U M Á R I O
O Sr. Presidente (Vital Moreira) deu início à reunião às 10 horas e 30 minutos.
Procedeu-se à discussão de propostas de alteração relativas aos artigos 148.º, 152.º, 154.º e 155.º, 157.º a 159.º e 161.º a 164.º, constantes dos diversos projectos de revisão constitucional.
Usaram da palavra, a diverso título, além do Sr. Presidente
(Vital Moreira), que também interveio na qualidade de Deputado do PS, os Srs. Deputados Luís Marques Guedes (PSD), Osvaldo Castro (PS), Luís Sá (PCP), Barbosa de Melo (PSD), Cláudio Monteiro e José Magalhães (PS) e António Filipe (PCP).
O Sr. Presidente encerrou a reunião eram 19 horas e 40 minutos.
Página 1276
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, temos quórum, pelo que declaro aberta a reunião.
Eram 10 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados, antes de iniciarmos a discussão do artigo 152.º, quero informar que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes, no final da reunião anterior, me pediu que voltássemos ao artigo 148.º, para considerar a proposta do Prof. Jorge Miranda para o referido artigo. Não tendo havido propostas de alteração desse artigo, isso implica, obviamente, aliás como sucede com qualquer alteração, um consenso geral. Mas está aberta a discussão.
A proposta visa acrescentar, nas competências obrigatórias do Conselho de Estado, "Pronunciar-se sobre a realização de referendo nacional".
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, se me permite só uma palavra…
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não sei se o Sr. Presidente assim o pretende, mas, à semelhança do que tem sido feito nesta Comissão, em outras ocasiões, a ideia do PSD era a de adoptar como sua esta proposta do Prof. Jorge Miranda. Não sei se pretende que isso seja feito por escrito…
O Sr. Presidente: - Não, não é necessário. Fica registado, para todos os efeitos, e eu próprio tomo nota.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Então, acrescento apenas um dado, Sr. Presidente.
Em troca de impressões informais, no final da reunião anterior, quando lhe fiz este pedido, o Sr. Presidente chamou a atenção para que o Prof. Jorge Miranda coloca a questão em termos da decisão do Presidente da República. De facto, esta proposta vem mais na sequência, por exemplo, de projectos como o do Partido Socialista, que pretenderia alterar o artigo 118.º, no sentido de conferir ao Presidente da República aquilo que nós, quando discutimos o artigo, chamámos a iniciativa do referendo, a iniciativa própria em matéria de referendo, mas, independentemente disso, no actual texto, o poder de decisão, esse, sim, inquestionavelmente, é sempre do Presidente da República.
Portanto, com esta ou com outra formulação, a questão que o PSD pretende colocar não é, obviamente, a da decisão. Até porque a proposta do PSD, em termos de artigo 118.º, não vai no sentido de alterar o actual texto e de permitir capacidade de iniciativa própria ao Presidente da República, em matéria de referendo, mas no de manter o poder decisório no Presidente da República. Portanto, a questão que se coloca é a de o Conselho de Estado se pronunciar sobre a realização de referendos nacionais. E não vale a pena fazer a discriminação por decisão, porque essa discriminação só faz sentido para quem coloca várias hipóteses de origens possíveis da iniciativa referendária. No caso da proposta do PSD, esse problema não se coloca, o que importa é que, uma vez que se trata de uma decisão do Presidente da República, o Presidente da República, antes de a tomar, deverá ouvir o Conselho de Estado.
A proposta que o PSD avança vai, pois, apenas nesse sentido.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à discussão.
Pausa.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, importa-se de me dizer, resumidamente, o teor da proposta do PSD.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Osvaldo Castro, de chofre, voltando ao artigo 148.º, conforme pedido feito em reunião anterior pelo Sr. Deputado Marques Guedes, estamos perante a seguinte proposta: o PSD adopta para o artigo 148.º, relativo às competências do Conselho de Estado, um aditamento que consta do projecto do Prof. Jorge Miranda, no sentido de dar ao Conselho de Estado entre a sua competência necessária a de se pronunciar sobre a realização de referendo nacional.
Pausa.
Srs. Deputados, aguardo tomadas de posição em relação a esta proposta.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, para já, não objectamos a que se discuta e creio que é possível um consenso em relação a isso, embora, por um lado, esteja formulada e, por outro, não esteja.
Em segundo lugar, não vemos, em princípio, objecção a que essa possa passar a ser uma das competências do Conselho de Estado, pelo que vamos admiti-la.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, trata-se de uma proposta que merece ponderação.
O Presidente da República sempre pode ouvir o Conselho de Estado, ao abrigo da alínea f), pois trata-se de uma situação relativamente à qual o Presidente da República pode solicitar ao Conselho de Estado que emita parecer, por entender que a matéria é suficientemente relevante.
No entanto, aquilo que está aqui em causa é transformar uma possibilidade do Presidente da República numa audição obrigatória. E este aspecto corresponde a sublinhar, no quadro dos assuntos da República, a natureza excepcional do referendo e a valorizar o Conselho de Estado.
Ora, o facto de, entretanto, o Presidente da República já poder ouvir o Conselho de Estado, de já ter essa faculdade e até de ser de esperar que, normalmente, a utilize, bem como o facto de a obrigatoriedade vir sublinhar a natureza absolutamente excepcional do referendo fazem-nos hesitar em dar este passo.
Gostaríamos, pois, de ter oportunidade de ponderar melhor, embora entendamos que a proposta é importante e merece ponderação.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, acrescento uma reflexão que me foi suscitada agora pela intervenção do Sr. Deputado Luís Sá e que não é propriamente um esclarecimento mas apenas um aditamento sobre a opção do PSD por perfilhar esta proposta do Prof. Jorge Miranda e pretender formulá-la à Mesa.
Página 1277
Para nós, a questão principal coloca-se nos seguintes termos: a utilização do referendo tem a ver com questões de significativa relevância nacional, como o próprio artigo 118.º já refere - e, na revisão, não se prevê que, nessa parte, seja alterado -, à volta das quais se torna mais ou menos evidente para as pessoas, em termos abstractos, que os mecanismos normais de funcionamento da democracia representativa ficam parcos. É a ratio do referendo, é assim que o entendemos! É nesse enquadramento que vemos o interesse dos referendos e, por isso, obviamente, os referendos pressupõem a pré-realização de um grande debate ou de uma grande campanha de informação nacional.
Nesse sentido, parece-nos que a audição obrigatória do Conselho de Estado é claramente um mecanismo institucional que vai acrescer ao enfoque nacional sobre um determinado problema.
Portanto, o interesse que temos em alterar a Constituição neste sentido tem exactamente a ver com a busca de mecanismos institucionais que proporcionem, no caso de utilização do instrumento do referendo, o aprofundar de um debate nacional, o qual tem, necessariamente, de ser feito, em torno das matérias que se pretendem submeter a referendo, porque é precisamente esse o grande intuito e o grande objectivo do instrumento do referendo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, pela minha parte, penso que esta proposta merece acolhimento e suponho que só por lapso é que, em 1989, não se acrescentou isso ao artigo 148.º.
De facto, mantendo-se a discricionaridade do Presidente da República para convocar referendos, mesmo sob proposta, seja do Governo, seja da Assembleia da República, esta é uma das grandes decisões do Presidente da República. E é assim em geral e em especial, no caso de governos maioritários ou, simplesmente, no caso de propostas de governos, sejam maioritários, sejam minoritários, já que, segundo o artigo 118.º, pode haver proposta de referendo sob iniciativa do Governo. Isto significa que, não havendo parecer do Conselho de Estado, poderia haver um referendo por simples iniciativa do Governo e de decisão conforme do Presidente da República, o que não me parece que seja a melhor solução.
Portanto, sendo normal, de resto, que o Presidente da República recorra ao Conselho de Estado, parece-me que fica de todo em todo bem que isso se torne uma fase, um instrumento normal do procedimento de elaboração do referendo.
O Sr. Deputado Cláudio Monteiro tinha pedido a palavra?
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não, não, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Então, ficamos assim, Srs. Deputados: regista-se abertura por parte do PS - um acolhimento de princípio - e também do PCP, que não a exclui mas reserva a sua posição.
Srs. Deputados, vamos passar à apreciação do artigo 152.º da Constituição.
Penso que a questão colocada pelo artigo 152.º não é susceptível de ser discutida separadamente do sistema eleitoral em geral, pelo que proponho que se discutam globalmente os artigos 152.º e 155.º, ou seja, tudo o que tem a ver com o sistema eleitoral propriamente dito, já que os círculos eleitorais são elemento essencial do sistema eleitoral e, portanto, o método eleitoral do artigo 155.º é apenas um dos elementos do sistema eleitoral, pese embora a formulação da epígrafe do artigo 155.º.
Proponho, pois, que os artigos 152.º e 155.º sejam discutidos em conjunto. De resto, o CDS-PP até reúne toda a matéria neste artigo 152.º, eliminando, por isso, o artigo 155.º, e não por acaso.
Seja como for, sendo a discussão separada ou conjunta, penso que, materialmente, a matéria é a mesma e, portanto, proponho que discutamos o conjunto das propostas partidárias para a alteração do sistema eleitoral.
Assim, por ordem, teremos, em primeiro lugar, as propostas do CDS-PP, que propõe, no essencial, um sistema misto com um círculo eleitoral nacional proporcional e vários círculos, círculos locais e círculos geograficamente limitados. Parece que estes tanto poderiam ser uninominais como plurinominais, porque isto não é esclarecido na proposta do CDS-PP, mas, em qualquer caso, o sistema eleitoral seria o maioritário à francesa, ou seja, o maioritário em duas voltas.
O Deputado Pedro Passos Coelho propõe estritamente um sistema eleitoral misto com círculo eleitoral nacional proporcional e círculos eleitorais uninominais maioritários, obviamente prevendo também para as regiões autónomas círculos plurinominais proporcionais.
O PS não introduz alterações no sistema eleitoral mas apenas esclarece que, dentro do actual sistema, poderá haver circunscrições uninominais de candidatura, sem prejuízo dos círculos plurinominais de apuramento.
O PSD, além do actual círculo eleitoral nacional e dos círculos plurinominais, admite, em alternativa aos plurinominais, a existência de círculos uninominais. Obviamente, sendo círculos uninominais só podem ser maioritários.
Ainda sobre esta matéria, o Deputado Cláudio Monteiro propõe que se omita a referência ao método de Hondt, deixando em aberto o método eleitoral do sistema proporcional.
Srs. Deputados, estão em discussão estas várias propostas, pela ordem por que foram apresentadas.
Não estando presente o PP nem o Deputado Pedro Passos Coelho, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Osvaldo Castro, para apresentar a proposta do PS, que é, de resto, a mais económica, porque mais curta.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Tal como o Sr. Presidente já referiu, o PS não altera, na sua essência, o sistema eleitoral e o objectivo é a possibilidade de abertura à criação de circunscrições de candidatura de um só Deputado, sempre com respeito pelo sistema proporcional, visando manter a garantia da fidelidade ao voto popular, ainda que sem prejuízo da existência de círculos plurinominais e até, eventualmente, da possibilidade de articulação com um círculo nacional.
O Sr. Presidente: - O que já está na Constituição!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Está na Constituição, mas pretendemos possibilitar esta conjugação, digamos, dos círculos uninominais com os plurinominais e com aquilo que já está considerado na Constituição, que é o círculo eleitoral nacional.
No essencial, o que se pretende, para além, como já disse, de manter a garantia do sistema proporcional e de respeitar a fidelidade do voto, é tentar, com a introdução de círculos uninominais, uma maior proximidade entre os 
Página 1278
Deputados e aqueles que os elegem, na medida em que o sistema…
O Sr. Presidente: - Uma parte dos Deputados!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Exacto! Pretende-se uma maior proximidade pelo menos em relação a uma parte dos Deputados, na medida em que todos falam da crise do sistema representativo e este pode ser um passo, o qual, evidentemente, terá de ser, depois, melhor determinado em sede ordinária, no sentido dessa aproximação.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Osvaldo Castro…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, posso fazer uma pergunta?
O Sr. Presidente: - Pode, Sr. Deputado, mas, já agora, se não se importa, aguarde um momento, porque eu também ia fazer uma pergunta ao Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Com certeza, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Osvaldo Castro, para o PS, essas circunscrições uninominais também estariam sujeitas à regra dos dois terços em sede de lei ordinária, que é a regra actual para os círculos…?
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Exacto! Exactamente!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Deputado Osvaldo Castro, esta fórmula é, aparentemente, inócua mas não é muito explícita. Qual é o sistema que se tem em vista? É uma fórmula que anda por aí, em alguns projectos, mas…
Portanto, gostava de fazer a seguinte pergunta, para ver se entendo bem o que está em causa: onde é que se faz, já está pensado o círculo de apuramento, quando for de lista? É que nós, quando fazemos uma proposta, temos em mente algum modelo que está por detrás dela. Admite-se que a lei fixe círculos nacionais mas a vossa perspectiva é também a de admitir, por exemplo, círculos de apuramento como os distritos ou como as regiões?
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Exactamente! A ideia é que haja circunscrições que hoje são os círculos e que amanhã podem ser regiões e que, dentro desses…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Que o apuramento se faça a nível regional, ou seja, que este ponto da proporcionalidade se recupere a nível regional?
O Sr. Presidente: - Que se recupere, não, porque não se trata de recuperar. A única proporcionalidade é esta.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - É recuperar, no fundo! Num certo sentido é recuperar.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Que exista claramente a nível regional.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Mas há dois votos, não é?! Tem de haver dois votos, não é?! Um voto…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Pode ou não!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - É que não percebo como é que funciona! Gostava que me explicasse como é que funciona, qual é o sistema que se tem em vista. Não é o sistema alemão... Ou é o sistema alemão?!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): * Não! É ou será muito mais próximo do dinamarquês.
Sr. Deputado, claro que mesmo entre nós não há ainda uma ideia definitiva quanto a plasmar na prática esta solução, mas pensamos que são estas as grandes linhas que importam ao caso. E, repito, entre nós há inclusivamente algumas dúvidas sobre como é que o conseguimos, de facto, impor na prática. Por isso mesmo, apenas deixamos ou procuramos deixar estas grandes linhas do respeito da proporcionalidade, da possibilidade de construção de circunscrições, digamos, que podem ser distritais ou regionais, eventualmente, e dentro das quais pode também haver círculos uninominais.
Não pensamos que deva ser um sistema extremamente complexo como o dinamarquês e, em princípio, a nossa ideia é a de que também não haja a possibilidade de dois votos mas tão-só um voto, o que pode implicar o chamado aproveitamento de restos para o círculo nacional. Mas também lhe quero dizer que, mesmo entre nós, não temos o assunto tão trabalhado - pensamos que isso deve ser levado para a lei ordinária - que nos permita responder com todo o rigor à sua observação.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Portanto, no fundo, a sua resposta é esta: existe aqui uma possibilidade, mas ainda não há um modelo pré-fixado pelo Partido Socialista para este efeito.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): * Não! Se fôssemos hoje confrontados com a lei ordinária, nós, neste momento,…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Não sabiam ainda como fazer.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - … não teríamos o modelo definitivo. Até porque entendemos que o problema é complexo e merece ponderação.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Está certo!
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, já agora, como esta proposta de formulação é minha, vou dizer o que penso sobre isso.
A ideia do Partido Socialista é a seguinte: os actuais círculos eleitorais carecem de aprovação por dois terços para serem modificados, ou seja, qualquer modificação nesta área implicará sempre dois terços.
Portanto, aquilo que se pretende para a Constituição é apenas abrir a hipótese, que, aliás, a meu ver já existe, pelo que nem precisaria de ser aqui referida, de colar ao actual sistema, de círculos distritais ou regionais - quando houver regiões - de apuramento, a possibilidade de uma parte dos candidatos não serem candidatos de lista mas candidatos em circunscrições uninominais de candidatura.
Página 1279
O sistema que pessoalmente prefiro é o sistema alemão, ou seja, haverá o actual sistema de candidaturas de lista e de apuramento por lista proporcional, simplesmente uma parte dos candidatos serão candidatos das circunscrições uninominais, sendo que o número de Deputados que caberá a cada partido, a nível de círculo de apuramento, será necessariamente preenchido com os candidatos que tenham ganho nas circunscrições uninominais. Portanto, as circunscrições uninominais são apenas de candidatura e não de apuramento.
Obviamente, isso coloca um problema, e toda a gente sabe que o sistema alemão o coloca, que é o da possibilidade de os candidatos de um partido ganharem mais circunscrições uninominais do que a quota de Deputados que cabe, depois, a esse partido no apuramento. Mas isto tem várias soluções: uma é a de construir um círculo nacional, exactamente para recuperar esses Deputados supranumerários; outra é a de os considerar exactamente como supranumerários e somá-los à composição da Assembleia e, portanto, ao número dos Deputados desse partido.
De qualquer forma, a verdade é que essa hipótese é tão rara - na Alemanha, em cinquenta anos, aconteceu duas ou três vezes e, se não estou errado, em relação ao máximo de uma décalage de três Deputados - que é uma hipótese relativamente negligenciável. Em todo o caso, trata-se de uma hipótese que terá de ser prevista e, a nosso ver, as soluções a encontrar terão de ser apuradas em lei ordinária.
Portanto, a nosso ver, deve remeter-se para a lei ordinária e não propomos nenhuma alteração do sistema constitucional, não propomos nem concordamos com nenhuma alteração do sistema eleitoral tal como está. A única alteração que propomos que seja expressa na Constituição é a de colar ao actual sistema a possibilidade de uma parte dos Deputados, provavelmente metade, aliás, é o máximo que o sistema comporta, serem candidatos não por listas mas, sim, em circunscrições uninominais. O País seria dividido em círculos eleitorais infranacionais, tal como hoje são os distritos, os quais se manteriam enquanto não houvesse regiões - quando houvesse regiões, logo se pensaria, aliás carece-se sempre de maioria de dois terços para alterar os actuais círculos eleitorais -, com o eventual círculo nacional, que a Constituição continuaria a permitir e que a lei, pelos tais dois terços, poderia continuar a considerar. Portanto, a única coisa que se acrescenta é a possibilidade de, dentro dos círculos de apuramento infranacionais, ou seja, distritais ou regionais, haver circunscrições de candidatura uninominais e não círculos eleitorais uninominais, relativamente aos quais, dizemos, desde já, que não concordamos e que não aceitaremos.
Srs. Deputados, passamos à proposta…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Sr. Presidente, posso fazer uma pergunta?
O Sr. Presidente: * Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Marques Guedes(PSD): * Penso que a pergunta é dirigida ao Sr. Presidente, porque foi suscitada pela…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É melhor, é melhor, porque ele já assumiu…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não! É apenas porque me foi suscitada pela sua exposição…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): * Mas é que ele assumiu a "paternidade"!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): * Não! Com todo o respeito pelo Deputado Osvaldo Castro e pelo Partido Socialista, obviamente, é apenas porque a questão me foi suscitada pela exposição que o Sr. Presidente agora fez.
Sr. Presidente, em face da explicação que acabou de dar do objectivo deste n.º 4, pergunto se não faria sentido, na esteira daquilo que acabou de dizer, propor-se alguma alteração de redacção para o n.º 3. Ou seja, o n.º 3, no fundo, diz claramente que os Deputados não representam os círculos por que são eleitos. Ora, falo em alguma alteração, precisamente porque me parece que o princípio de que os Deputados são Deputados da nação e, portanto, representam todo o povo português, todo o País, é um princípio que se deve manter mas a segunda parte do actual n.º 3, concretamente a expressão "(…) e não os círculos por que são eleitos", deveria ser alterada, em face da exposição que o Sr. Presidente acabou de fazer sobre o objectivo deste novo n.º 4, que será o da criação de circunscrições uninominais de candidatura. Parece-me que a concretização deste objectivo teria de passar também pelo reforço do vínculo de representação de determinado tipo de Deputados com os círculos da sua própria candidatura, sob pena de não haver o tal ganho que uma proposta como esta eventualmente encerra.
Portanto, a questão que coloco ao Sr. Presidente é a de saber se, na esteira daquilo que acabou de explicar, não será importante corrigir-se, de alguma forma, a redacção do n.º 3, no sentido de, embora mantendo o princípio de que os Deputados são Deputados nacionais - nacionais, porque representam o País no seu todo -, lhes conferir alguma representatividade relativamente à circunscrição de candidatura, a qual, obviamente, tem de ter algum significado em termos políticos, sob pena de não se perceber muito bem o alcance do n.º 4.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Marques Guedes, o alcance das circunscrições uninominais não é propriamente o de alterar o sistema de representação, é o de permitir uma certa personalização da eleição dos Deputados, da escolha dos candidatos e da eleição dos Deputados. É esse o único objectivo.
De resto, mesmo em sistemas uninominais, como é o caso do britânico ou do francês, isto é, de círculos eleitorais uninominais maioritários, o princípio de que os Deputados representam todo o País e não propriamente as circunscrições eleitorais que os elegeram é um princípio geral.
Portanto, não vemos relação directa entre uma coisa e outra mas, se fizer questão disso, no caso de a nossa proposta ir para a frente, não sou eu quem impedirá a reconsideração do n.º 3, embora teoricamente não me pareça haver nenhuma relação directa entre as duas coisas.
Srs. Deputados, passamos às propostas do PSD.
O Sr. Luís Sá (PCP): * Sr. Presidente, se me permite, gostaria de colocar uma questão ao Sr. Presidente e uma questão ao PS.
A questão que coloco ao Sr. Presidente vai no seguinte sentido: tendo sido manifestada a opinião, como foi, de que aquilo que está em causa nesta matéria é apenas esclarecer algo que a Constituição já comporta, isto é, a possibilidade de, sem afectar a representação proporcional, distinguir entre círculos de candidatura e círculos de 
Página 1280
apuramento, pergunto que vantagem é que vê na inserção desta norma, tanto mais que, em última instância, como ficou esclarecido, os círculos eleitorais terão sempre de ser aprovados por maioria de dois terços.
Quero também colocar uma questão ao PS, mas não sei se o Sr. Presidente prefere responder já…
O Sr. Presidente: * Respondo já, Sr. Deputado.
Primeiro: a proposta do Partido Socialista é clara quanto à distinção entre círculos de apuramento e circunscrições. Aliás, por isso é que utilizámos duas expressões diferentes, para tornar claro que as circunscrições são apenas circunscrições de candidatura e não de apuramento.
Em segundo lugar, o acréscimo desta norma tem, a meu ver, dois valores. O primeiro valor é o de tornar claro aquilo que já entendo necessário, porque isto não é unânime, uma vez que há pessoas que entendem que sem uma expressa previsão constitucional não é possível haver circunscrições uninominais de candidatura. Portanto, esta norma torna claro aquilo que pode ser duvidoso para alguns e elimina um desnecessário problema constitucional.
O segundo valor desta norma é o de abrir, claramente, a possibilidade de a lei resolver um problema que importa resolver, que é a situação criada pelo sistema alemão - o que está aqui em vista, no fundamental, ou outros equivalentes -, ou seja, a possibilidade de, num concreto círculo, um partido poder ver os seus candidatos nas circunscrições uninominais ganharem mais circunscrições do que aquelas que lhe compete, do que o número de Deputados que lhe cabe. Esta hipótese, volto a insistir, é rara mas é possível, teoricamente, é possível - o sistema alemão, em 50 anos, produziu duas ou três situações dessas -, pelo que a lei terá de encontrar uma solução para isso. E, repito, há várias soluções: ou cria um círculo nacional para recuperar esses Deputados eleitos a mais; ou os retira aos círculos eleitorais onde o mesmo partido elegeu mais Deputados, compensando, por perda, esses Deputados que elegeu a mais com outro círculo; ou cria outra qualquer solução.
Ora, esta norma constitucional tornaria claro que a lei tem de resolver esse problema e, portanto, seria uma espécie de autorização legislativa para resolver esse problema.
Em todo o caso, volto a insistir que o problema do sistema eleitoral constitucional está relativamente facilitado em Portugal, dada a exigência de dois terços para alterar a lei eleitoral em matéria de círculos. Portanto, toda a obra que se seguir, em função deste artigo, carecerá sempre de dois terços, pelo que não precisamos de estar a preocupar-nos grandemente com o que inserimos aqui na Constituição. Quanto muito, Srs. Deputados, devolvemos, dos dois terços constitucionais para os dois terços legais, a alteração da lei eleitoral.
Tem a palavra, Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP):   Sr. Presidente, a questão que quero colocar ao PS é a seguinte: naturalmente que é estimável a afirmação da manutenção da representação proporcional, e mais ainda o será, a nosso ver, se ela vier a ser mais autêntica, com a criação de círculos eleitorais coincidentes com regiões administrativas maiores do que os actuais distritos, porque é evidente que isso reforçaria o índice de proporcionalidade, que, como sabemos, actualmente, tem vindo a baixar de forma muito significativa.
Uma vez que o Sr. Deputado Osvaldo Castro referiu a crise do sistema representativo e a vontade política do PS de lhe fazer face, cabe perguntar em que medida é que uma alteração deste tipo teria efeitos, face, por exemplo, à prática de apresentar candidaturas a primeiros-ministros e disputar as eleições para a Assembleia da República com base em candidaturas de primeiros-ministros, levando a uma óbvia subalternização da posição do candidato a Deputado, que creio não passaria a ser substancialmente maior com alterações do sistema eleitoral deste tipo.
Há partidos que anunciaram despesas da ordem dos 800 000, 600 000 ou 400 000 contos nas últimas eleições. Estas despesas foram feitas, no fundamental, em torno das candidaturas dos primeiros-ministros e não de candidaturas a Deputados. Que mais-valia é que resultará se o sistema deixar de ser, efectivamente, um sistema de primeiro-ministro e não propriamente um sistema misto, parlamentar-presidencial, como é a configuração que resulta das normas constitucionais?
O Sr. Presidente: Sr. Deputado Luís Sá, não lhe parece que deve guardar as considerações para uma intervenção autónoma? Isso nada tem a ver com a apresentação que foi feita.
O Sr. Luís Sá (PCP): A segunda parte é mais curta, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente: O Sr. Deputado está a antecipar a sua intervenção.
O Sr. Luís Sá (PCP):   Sr. Presidente, a segunda pergunta é uma pergunta-relâmpago, e o Sr. Deputado Osvaldo Castro, certamente, irá responder também de forma relâmpago.
Não acha que, havendo candidatos eleitos em círculos uninominais - e, por exemplo, na Alemanha tem vindo a reduzir-se o número de eleitores que utilizam esta possibilidade de votar nos candidatos em círculos uninominais -, poderá haver dentro deste sistema Deputados próximos dos eleitores e Deputados não próximos dos eleitores, supondo que esta é a condição para estar próximo dos eleitores, que é algo que teria de ser provado, ou, se se preferir, Deputados de 1.ª e Deputados de 2.ª, no que toca à proximidade dos eleitores, e Deputados de 1.ª e Deputados de 2.ª, no que toca à proximidade dos grandes assuntos do País, que, portanto, não teriam que preocupar-se com os assuntos dos círculos eleitorais?
O Sr. Presidente: Sr. Deputado Osvaldo Castro, o Sr. Deputado Luís Sá mais do que perguntas fez considerações, no entanto, se quiser responder, faça favor.
O Sr. Osvaldo Castro (PS):   Procurarei ser breve, Sr. Presidente. Também penso que o Sr. Deputado Luís Sá pretendeu fazer uma intervenção.
Em relação ao actual sistema, creio que o Sr. Deputado Luís Sá está, salvo melhor opinião, a tergiversar sobre a prática e aquilo que é o nosso sistema eleitoral. O nosso sistema eleitoral, de facto, não é um sistema eleitoral de candidatura de primeiro-ministro, a prática e a mediatização das situações e das circunstâncias é que o transformaram nisso.
Mas o que, de algum modo, propomos e abrimos vai condicionar muito mais esse tipo de situações. Na realidade, ao admitirmos a existência de candidaturas em círculos uninominais, obviamente que aí, então, é que cada vez
Página 1281
menos se pode falar num sistema de candidatura de primeiro-ministro.
O Sr. Deputado também sabe, e sabe isso bem melhor do que eu, que na I República é que existiam 12 Deputados, que eram os Deputados do Estado, e os demais não o eram - aliás, isso deu aso a vários acicates romanceiros, pelo menos. Mas aqui o sentido não é esse. Pensamos que deve haver um círculo nacional, mas os Deputados por ele eleitos não são exactamente os Deputados do Estado, enquanto os outros eleitos noutro tipo de circunscrições são representantes tão-só do País. Não propomos qualquer alteração ao n.º 3 do artigo 152.º. Aliás, tenho alguma dúvida, se bem entendi a proposta do Sr. Deputado Luís Marques Guedes,…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Não foi uma proposta, foi uma pergunta!
O Sr. Osvaldo Castro (PS):   … se não valeria a pena suprimir, por exemplo, a segunda parte, suprimir a ideia de que os Deputados não representam os círculos por que são eleitos.
Pensamos que se deveria manter a actual formulação, dando a nota de que esse Deputado, que pretendemos mais próximo do eleitorado, é também um Deputado nacional, só que a população de tal ou tal circunscrição sabe exactamente e com todo o rigor que aquele Deputado foi eleito por si. É, enfim, um sistema misto que não implica a existência de Deputados do Estado, para não lhes chamar Deputados de 1.ª.
Embora compreenda a bondade das razões que apresenta, parece-nos que, apesar de tudo, não se podem tirar as conclusões que tira da nossa proposta.
O Sr. Presidente:   Têm a palavra os Srs. Deputados do PSD para apresentarem a proposta de alteração do sistema eleitoral constitucional.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD):   Sr. Presidente, Srs. Deputados: Começo por fazer uma confissão pessoal - e, às vezes, a confissão pode absolver-nos de pecados: sou, há muito tempo, um extremo defensor do sistema alemão no domínio do sistema eleitoral, e julgo que o texto vigente, o n.º 1 do artigo 152.º da nossa Constituição, permite perfeitamente, sem obra alguma, pô-lo de pé, visto que o sistema alemão implica, a menos que se quisesse fazer um círculo de recuperação ou de operacionamento da proporcionalidade que não fosse o círculo nacional, porque esse, então, é que precisaria aqui de alguma obra… Por causa dessa dúvida é que propomos, no n.º 1 da proposta que fazemos, "círculos uninominais ou plurinominais" e, depois, o círculo nacional tal como está. Mas suponho que isto nem sequer era necessário.
Em todo o caso, mantemos na nossa proposta, como, aliás, acontece com a do Partido Socialista, um ponto fundamental, que é o princípio da representação proporcional. Portanto, todos os que forem eleitos pelos círculos uninominais são deduzidos no número dos que o seu partido ou a sua formação política elegeu no círculo nacional.
Por outro lado, no artigo 155.º excluímos a média mais alta de Hondt. Aliás, há também quem proponha isso, suponho que o Deputado Cláudio Monteiro e outros do PS. Na verdade, suponho que a Constituição não deve ficar aqui amarrada a uma média, à média mais alta. Embora seja um método muito prático, tem também os seus limites no potencial representação, como todos sabemos. Portanto, talvez não seja adequado manter esta fórmula, que vem de 1976, mais rigorosamente vem da lei eleitoral para a Assembleia Constituinte.
Em resumo, propomos a possibilidade de haver círculos uninominais ou círculos plurinominais infranacionais e um círculo nacional, tudo a fazer pelo legislador, naturalmente. A Constituição como está, se calhar, já permitia tudo para se resolver o problema da aproximação dos eleitos aos eleitores, mas em Portugal, normalmente, arranjamos sempre desculpas para não querermos avançar.
A ideia que parece correcta ao Partido Social Democrata, que, aliás, coincide largamente com a ideia que se vê avançada pelo Partido Socialista, é a de dar maleabilidade à eleição dos Deputados, por forma a, mantendo escrupulosamente o princípio da representação proporcional, dar aos cidadãos a possibilidade de escolherem mais directamente alguns dos Deputados que os hão-de representar.
Quero ainda deixar uma pequena nota sobre o modo como, na prática constitucional e política alemã, se entende, que há Deputados de 1.ª e Deputados de 2.ª. Foi aqui lembrado que havia essa questão - e há! -, só que aqueles que são considerados mais representativos, chamemos-lhe assim, não são os Deputados que são eleitos pela lista do partido - é ao nível do Land que se faz o círculo de integração da proporcionalidade -, os mais representativos são os que são eleitos pelo círculo uninominal.
Dou-vos um exemplo: não há muito tempo, há dois ou três anos, recebi aqui o presidente do Parlamento Europeu, que é alemão, e que foi eleito, durante muito tempo, Deputado do Bundestag, e eu, um pouco até para experimentar, perguntei se era eleito na lista do Land - ele é bávaro -, ao que me respondeu: "Qual quê! Sempre fui eleito no círculo uninominal". Tem precedência política aquele que consegue vencer a eleição em disputa directa com outros. Mas aí aplica-se a regra inglesa: the first past the post. Não há duas voltas.
Foi, aliás, apresentada uma proposta a duas voltas, de forma maioritária, que é o n.º 6 da proposta do CDS-PP, mas não sei se vale a pena entrar nesta matéria. Aqui prevê-se a possibilidade de uma forma maioritária em voto de lista, os scrutins d'écrasement... O Ataturk é que descobriu e, depois, o Salazar…
O Sr. Presidente: - E o Estado Novo!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Não! O Ataturk descobriu e o Salazar, depois, aplicou, com uma rigidez notável.
Isto não pode ser, é uma coisa que perverte totalmente o princípio da representação proporcional.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Deputado Barbosa de Melo, faço-lhe um pedido de esclarecimento rápido, que é o seguinte…
O Sr. Presidente: Sr. Deputado Cláudio Monteiro, que seja mesmo um pedido esclarecimento, porque, senão, estamos a fazer a discussão em sede de pedidos de esclarecimento, que deve ser a segunda fase depois da apresentação das propostas.
Página 1282
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): É só para ter a certeza se, quando se permite a possibilidade de haver círculos uninominais ou plurinominais, e não se fazendo a distinção entre círculos de candidatura e círculos de apuramento, isso significa que os círculos uninominais são efectivamente de apuramento, sem prejuízo de um mecanismo de recuperação da proporcionalidade.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sim.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro, cuja proposta é, nessa parte, coincidente com a do PSD!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD):   Sr. Presidente, antes de o Sr. Deputado Cláudio Monteiro usar da palavra, permita-me que lembre uma questão, que, aliás, não foquei, mas que também deve ser aqui referida.
Trata-se da questão, que, de resto, já aqui foi suscitada pelo Prof. Jorge Miranda, de saber se grupos de cidadãos têm direito a apresentar candidaturas à Assembleia da República.
Como o Sr. Presidente há pouco fez a generalização - e bem - desta temática, talvez ela devesse também ser bordejada por nós nas intervenções que fazemos nesta matéria.
O Sr. Presidente:   Srs. Deputados, esta questão foi discutida separadamente. Existem várias propostas no sentido do alargamento a candidaturas independentes, uma das quais do PS, à qual, até ao momento, o PSD manifestou oposição. De qualquer modo, na ideia do PS, a admissão de candidaturas independentes à Assembleia da República não comporta a possibilidade de candidaturas separadas às circunscrições uninominais, portanto as candidaturas independentes terão de ser conjuntas, isto é, às circunscrições uninominais e à lista do respectivo círculo regional.
De qualquer forma, essa questão já foi discutida e essas várias propostas tiveram, até agora, a oposição do PSD.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS):   Sr. Presidente, a proposta por mim subscrita limita-se, nesta fase, por assim dizer, a eliminar a referência ao método de Hondt, não apenas por entender, como disse o Sr. Deputado Barbosa de Melo - e bem -, que a Constituição não deve amarrar o legislador ordinário a um concreto sistema de conversão de votos em mandatos, porque pode revelar-se necessário, nomeadamente, introduzir correcções ao sistema para garantir a proporcionalidade que pressupõe um afastamento da regra pura e simples que resulta da aplicação do método de Hondt, mas também por um outro objectivo que se prende, aliás, com aquilo que julgo ser o enquadramento adequado do sistema eleitoral na Constituição.
Sou daqueles que entende, tal como o Sr. Deputado Barbosa de Melo, que a Constituição não carece de obras para introduzir alterações no sentido do sistema alemão ou noutro sentido que permita o reforço da personalização do voto. Aliás, devo dizer que sou sobretudo favorável à ideia da personalização do voto e não tanto à escolha de um sistema em concreto. O sistema alemão não é, necessariamente, o melhor sistema, há alternativas válidas, e uma delas é o puro e simples sistema de personalização de voto com lista aberta, o que, no fundo, difere do sistema alemão, porque neste a personalização do voto está limitada ou circunscrita ao círculo uninominal, na medida que o eleitor só pode optar entre os Deputados que se candidatam por aquele círculo, mas não pode optar entre os vários Deputados de um mesmo partido, de forma a, por assim dizer, influenciar a ordenação da lista.
Mesmo no sistema dinamarquês, por exemplo, em que existe essa alternativa, em algumas circunstâncias em vez de se colocar a questão de personalizar o voto, circunscrevendo o voto a candidaturas locais, essa personalização é feita através da alternativa que é dada ao eleitor entre optar por um candidato e optar genericamente pelo partido, sendo os votos dos candidatos de cada partido todos somados para efeito de apuramento em lista.
É, aliás, o sistema que vigora no Brasil, embora no Brasil o sistema, por influência norte-americana, seja deturpado pela excessiva personalização e pela excessiva menorização do papel dos partidos políticos, mas isso tem a ver com a realidade social e cultural local, não tem a ver propriamente com o sistema, porque o sistema pode perfeitamente funcionar em moldes diferenciados noutras circunstâncias.
Portanto, julgo que é fundamental não bloquear, ao nível constitucional, o sistema, a não ser naquilo que é essencial garantir, que é, por um lado, o princípio da proporcionalidade… Chamo, aliás, a atenção para a circunstância de a proposta do PSD, ao falar no princípio da proporcionalidade, colocar uma questão que se prende um pouco com a problemática dos limites materiais de revisão constitucional. É que a ideia de princípio da proporcionalidade, como, aliás, tem sido salientado frequentemente pelo Sr. Deputado Luís Sá, apela à substância do sistema e, portanto, ao resultado material que resulta da aplicação do sistema, enquanto que o sistema proporcional faz apelo, pura e simplesmente, à forma de conversão de votos em mandatos. E sabemos que há sistemas proporcionais que não asseguram o princípio da proporcionalidade, porque, por via da restrição da dimensão dos círculos ou de outras condicionantes, pode, na prática, distorcer a proporcionalidade, tal como, aliás, há sistemas que não se regem pelo sistema proporcional estrito, mas que conseguem obter substancialmente o respeito pelo princípio da proporcionalidade através de mecanismos correctivos, que, no fundo, é um pouco o que o PSD propõe ao permitir a existência de círculos uninominais, garantindo a possibilidade de recuperar essa proporcionalidade a outro nível.
Tenho, no entanto, dúvidas de que a expressão "princípio da proporcionalidade" se conforme plenamente com o limite material que actualmente está estabelecido no artigo 288.º e que se refere estritamente ao sistema proporcional, isto é, que não permite alternativa ao sistema proporcional, ainda que essa alternativa garanta o princípio da proporcionalidade. É, aliás, por essa razão que proponho a eliminação do limite material, para que, numa futura revisão, se possa, porventura, encontrar uma solução que, garantindo o princípio da proporcionalidade, que deverá, em qualquer caso, ser mantido na Constituição, possa, eventualmente, adoptar técnicas que não sejam estritamente tributárias dos sistemas de representação proporcional e que admitam correctivos ou sistemas mistos em qualquer caso.
Por essa razão é que julgo ser preciso ter isso em atenção. Isto é, julgo que o essencial é garantir o princípio da proporcionalidade, e, nos termos actuais, isso também tem de ser garantido através de um sistema proporcional, porque não me parece que a Constituição permita que se possa fazer de maneira diferente, pelo menos para aqueles que aceitam a natureza e a relevância dos limites materiais de
Página 1283
revisão constitucional, e que não deve amarrar o legislador ordinário a um concreto mecanismo de conversão de votos em mandatos, para lhe dar a flexibilidade suficiente que garanta, em qualquer caso, aquilo que julgo ser o resultado ideal ou desejável, que é o do reforço da personalização do voto sem perda de proporcionalidade. Não me parece que isso deva ser imposto na Constituição em termos vinculados, de forma a que só reste a alternativa de um sistema próximo do alemão ou do dinamarquês. Penso que deve ser deixada liberdade suficiente ao legislador, designadamente porque nesta matéria, estando imposta a regra dos dois terços para a adopção de uma lei eleitoral, não me parece que se deva…
O Sr. Presidente: Não para o método!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Para a dimensão dos círculos apenas, não é? Mas a verdade é que se o método…
O Sr. Presidente: Por isso é que me oponho à saída do método de Hondt da Constituição.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Certo! Mas o que é facto é que, estando imposto na Constituição um sistema de representação proporcional, isso, de certa forma, também está já garantido a priori e, portanto, não me parece que venha mal ao mundo que a Constituição seja escassa no sentido de garantir apenas aquilo que é essencial e deixar alguma liberdade ao legislador, para que, em concreto, ele possa, de facto, encontrar soluções que sejam as mais razoáveis e que garantam estes princípios.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD):   Sr. Presidente, é para fazer dois pedidos de esclarecimento, ou melhor, um pedido de esclarecimento com duas alíneas.
O Sr. Deputado Cláudio Monteiro falou em lista aberta. Quis significar com isso só a lista onde o eleitor inscreve nomes, que não se apresentaram à candidatura?
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Não!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Ou quer referir-se, no fundo, a uma lista…
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Flexível!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): … onde a ordenação é pré-estabelecida pelo partido?
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Exactamente!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD):   Porque quem vai votar tem de votar num candidato, num indivíduo que se apresentou à candidatura.
O que quero perceber é se, quando falou em lista aberta, quis referir-se apenas e só à possibilidade dada ao eleitor de votar individualmente nos membros da lista e, por essa via, ser ele próprio a ordenar os candidatos apresentados pelo grupo ou partido político.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): É uma regra de voto preferencial alternativo, como, por exemplo, é o sistema brasileiro, que conheço melhor, até por razões de proximidade familiar, em que o voto é "distrital". No nosso caso, manter-se-ia, para já, a regra dos círculos distritais e, porventura, no futuro, círculos regionais, significando com isto que, num círculo como o de Lisboa, que elege 50 Deputados, cada partido apresenta 50 candidatos, sem estabelecer uma ordenação prévia destes candidatos e o eleitor, no momento do voto, tem a opção de escolher um Deputado em especial ou de não optar por nenhum deles em especial e votar, pura e simplesmente, no partido. Somados os votos individuais obtidos por todos os candidatos de um mesmo partido, acrescidos dos votos no partido que não foram dirigidos a nenhum Deputado em especial, apura-se o número de mandatos a que aquele partido tem direito naquele círculo e a ordenação desses mandatos é feita em função decrescente do resultado individual obtido por cada um deles.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Não é uma lista aberta, é uma lista não ordenada!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): É uma lista flexível…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Portanto, não ordenada!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): … ou não fechada previamente!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): No grupo de sete pessoas que organizou o anteprojecto de lei para a Assembleia Constituinte, eu fui incumbido dessa tarefa e fiz um modelo para essa eleição exactamente assim, um modelo todo regulamentado. Só que os partidos políticos de então e os seus "estados-maiores" não comportaram tal doutrina.
O Sr. Presidente: - Ainda bem!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Eu digo: ainda bem! Eu também não me opus, não me bati por ela, mas organizei o sistema.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, dá-me licença que acrescente um esclarecimento adicional?
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, estamos a entrar na discussão. Não posso permitir que, a título de pedidos de esclarecimento…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Sr. Presidente, ainda não fiz o outro pedido de esclarecimento!
O Sr. Presidente: Então, faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): No fundo, não é um pedido de esclarecimento,…
O Sr. Presidente: Então, talvez lhe vá dar a palavra a seguir!
Risos.
Página 1284
O Sr. Barbosa de Melo (PSD):   É apenas um comentário!
O sistema proporcional da Constituição… Hoje há n sistemas proporcionais. Há tantos sistemas proporcionais quantas as cabeças das pessoas que começam a pensar em sistemas. O que é importante na Constituição é o que diz o artigo 116.º que se mantém. O que é fundamental é o princípio da proporcionalidade.
O Sr. Presidente:   Srs. Deputados, está aberta a discussão das propostas, inclusive a do CDS-PP e a do Deputado Pedro Passos Coelho e outros do PSD. Apesar de eles não estarem presentes, a verdade é que, se as outras propostas estão em discussão, essas também estarão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP):   Sr. Presidente, creio que as posições estão mais claras, e a dificuldade que existe nesta discussão, a nosso ver, é a de nunca ter sido clarificado, pelo menos completamente, o que verdadeiramente se pretende nesta matéria.
O PSD chegou a apresentar uma proposta de alteração da lei eleitoral, que não tem, em rigor, a ver com aquilo que é agora apresentado, mas antes, em particular, com a segmentação dos grandes círculos, como é sabido, e o PS, apesar de no seu interior ter sido largamente dominante a opinião de que a Constituição já comporta actualmente a distinção entre círculos de candidatura e círculos de apuramento, nunca chegou a apresentar publicamente a sua proposta nesta matéria.
Neste momento era extremamente interessante, por exemplo, a apresentação de uma proposta de calendário para a instituição das regiões administrativas e, em consonância, a respectiva proposta de alteração da lei eleitoral. Nós, efectivamente, sabemos que neste momento o sistema eleitoral que temos comporta círculos eleitorais de dois, de três e de quatro candidatos e que os círculos de quatro candidatos são em número muito significativo. Portanto, já comporta…
O Sr. Presidente: Sr. Deputado Luís Sá, a região administrativa do Baixo Alentejo continuaria a admitir cinco Deputados!
O Sr. Luís Sá (PCP): Essa é a proposta do PS! O PCP, por acaso, propõe uma região do Alentejo, e é a opinião largamente dominante das autarquias do Baixo Alentejo na consulta que foi feita, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente: Mas o PS claramente admitiu a hipótese de vetar a proposta do PCP e, portanto, não têm outra hipótese senão votar a do PS!
O Sr. Luís Sá (PCP): Exacto! Portanto, isso apontaria… Aliás, a região do Baixo Alentejo até comportaria quatro Deputados. Mas creio que o PS admitiu a possibilidade de evoluir nessa matéria para uma região Alentejo,…
O Sr. Presidente: Oxalá que sim!
O Sr. Luís Sá (PCP):   … e é a opinião das autarquias do Alentejo, que, aliás, foram as que mais se pronunciaram, como é sabido, na consulta que foi feita.
Mas dizia eu que ficaria mais claro, naturalmente, que esta questão fosse devidamente calendarizada, que a proposta fosse clarificada e que entre o sistema dinamarquês, o sistema alemão e o sistema português, soubéssemos exactamente aquilo que se pretende. Naturalmente que pronunciarmo-nos neste quadro é mais difícil.
Gostaria, entretanto, de sublinhar alguns aspectos que parece que há que ter em conta com a devida contenção e a devida reflexão em todo este processo.
O primeiro, é a questão que já levantei na pergunta que referi. É evidente que o sistema constitucional, isto é, o sistema normativo português, não é um sistema de presidencialismo do primeiro-ministro, mas também parece evidente que os comportamentos eleitorais e a prática política evoluíram no sentido de um presidencialismo do primeiro-ministro e que muito frequentemente são aqueles que mais sublinham a necessidade de candidaturas uninominais para ter Deputados bem próximos dos cidadãos que mais desvalorizam as candidaturas a Deputados na sua prática política e, designadamente, nas candidaturas que apresentam. Creio que este aspecto é incontestável e merece ser sublinhado neste contexto.
Por outro lado, há um aspecto que eu gostaria de sublinhar devidamente: é que nós, no final do século XX, estamos perante uma situação que é claramente de Estado de partidos, e mesmo que o artigo 154.º viesse a ser alterado para permitir candidaturas de grupos de cidadãos eleitores, parece-me evidente - basta olhar para as despesas de candidatura declaradas e para as ligações que são evidentes nesta matéria - que vai continuar a ser ou, mesmo assim, passariam a ser larguissimamente predominantes no sistema os partidos políticos e as candidaturas de partidos políticos. Ora, neste contexto, parece evidente que é um resultado natural da compreensão de onde está o poder e de quem são os protagonistas fundamentais do poder o facto de os eleitores, muito frequentemente, tenderem a usar pouco a faculdade que, eventualmente, lhes venha a ser concedida de optarem entre a candidatura em círculo uninominal e o voto directo em partido político, exclusivamente. Resulta, no fim de contas, da compreensão de quem é o protagonista fundamental do sistema e, neste aspecto, muito raramente o protagonista não é o partido político e o líder do partido político.
O outro aspecto que também é um resultado deste facto é que, quando é eleito um Deputado por um círculo eleitoral, temos de perguntar quais são os eleitores que vão ficar perto deste Deputado. Estou a imaginar, por exemplo, um Deputado eleito por um círculo eleitoral pelo PCP e estou a imaginar o eleitorado, os grupos de pressão próximos do PSD ou do CDS-PP a correr muito próximos do Deputado PCP para lhe colocar todos os problemas para serem resolvidos por via do Parlamento ou por via do País. Há um modelo, que está retratado em A Queda de um Anjo, por exemplo, que é o Deputado que vem para Lisboa com todos os problemas dos respectivos eleitores. O modelo actual do Estado de partidos e, sobretudo, a segmentação que existe nesta matéria não é este. Da mesma forma que estou a imaginar, por exemplo, o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Vila Verde, desde que agora ficou célebre com o caso dos ciganos, a ser eleito Deputado pelo círculo eleitoral de Vila Verde e estou a imaginar os eleitores de esquerda, com outras opções, a dirigirem-se todos ao Deputado eleito pelo CDS-PP para lhe porem os problemas e para estes problemas serem resolvidos. É evidente que, com alta probabilidade, não o farão e irão procurar o Deputado do partido do qual estão próximos, eleito pelo círculo eleitoral de maior dimensão. Portanto, creio que temos de ver esta questão nos seus limites, com
Página 1285
as suas proporções e com uma ideia que parece fundamental, que é esta: se existe crise no sistema representativo, crise dos próprios parlamentos, ela tem de ser resolvida por outras vias, por medidas a diferentes níveis. Por outro lado, não creio que esteja propriamente aqui a grande panaceia para que os eleitores se reconciliem com o Parlamento, com o sistema parlamentar, com os Deputados; trata-se, no fim de contas, de, quer no quadro da integração europeia, quer no quadro do sistema político nacional, dar maior papel, maior protagonismo, ao Parlamento, maior papel aos Deputados, tomados no seu conjunto, para que os eleitores, no seu conjunto, percebam que os Deputados afectos ao Governo ou afectos aos partidos de oposição têm poderes e usam estes poderes num sentido favorável à democracia e ao interesse público.
Creio que é muito mais neste sentido e no sentido de ter em conta os problemas colocados pela integração europeia que esta questão se tem de colocar. Há um aspecto, entretanto, que não gostaria de deixar de sublinhar, neste contexto e de uma forma bastante viva, que é o facto de predominar aqui largamente uma afirmação de fidelidade à representação proporcional e também a justa compreensão de que este respeito pela representação proporcional não pode ser meramente formal - tem de ser um resultado global do sistema e não propriamente a aplicação de um qualquer método matemático que acabe por esvaziar de conteúdo o princípio da representação proporcional.
Quanto ao facto de ter sido proposto que desapareça, na eleição da Assembleia da República, o método da média mais alta de Hondt, naturalmente que, nesta matéria, pode eventualmente considerar-se um excesso de pormenorização a inserção no artigo 155.º. De resto, como é sabido, no artigo 241.º, n.º 2, no que toca à eleição dos órgãos autárquicos directamente eleitos, foi consagrado o princípio da representação proporcional e não o princípio da média mais alta de Hondt. Isto não impediu, naturalmente, que tenha sido este o método utilizado, ao longo dos anos, na lei. Simplesmente, a partir do momento em que os constituintes consagraram este princípio, creio que estamos colocados perante esta situação: já que aqui está, substituir para quê e em nome de quê? Sabemos que há um conjunto de métodos matemáticos, que os manuais retratam, nesta matéria; sabemos que o método da média mais alta de Hondt até nem é o método mais proporcional dos métodos de representação proporcional, de conversão de votos em mandatos…
O Sr. Presidente: - Pelo contrário!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Exactamente! Pelo contrário! Porém, creio que teríamos de ver com mais precisão em nome de quê se faria esta substituição, a partir do momento em que o princípio está consagrado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Tenho pena que o Sr. Deputado Mota Amaral se tenha ausentado, porque queria fazer-lhe uma provocação. É que não posso deixar de fazer uma observação à proposta do Deputado Pedro Passos Coelho, embora ele esteja ausente. Nomeadamente no artigo 152.º, ao estabelecer, no n.º 2 desse artigo, um esquema segundo o qual as regiões autónomas têm um método de representação diferenciado relativamente ao continente, de onde parece, aliás, resultar que o círculo nacional não representa os eleitores açorianos, porque, relativamente a eles, não há necessidade de recuperar a proporcionalidade do sistema, uma vez que os mesmos são eleitos em círculos plurinominais, ao contrário dos demais Deputados eleitos no continente.
Por outro lado, também na sequência das referências à Região Autónoma dos Açores, julgo que devemos aprender um pouco com aquilo que tenho designado pela síndrome do Corvo…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A síndrome do carteiro…
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - A síndrome do carteiro do Corvo! Ora, a designada síndrome do carteiro do Corvo dá-nos bem a noção de que é preciso encontrar um sistema segundo o qual se deve respeitar a vontade dos eleitores, no sentido de respeitar a sua escolha individual ou pessoal relativamente à sua representação, articulando-a com as exigências de proporcionalidade do sistema. Isto é, o fenómeno recentemente verificado nas eleições para a Região Autónoma dos Açores, no Corvo, só é perverso na medida em que não há um esquema de recuperação da proporcionalidade global do sistema. Mas é legítimo e até é desejável que os eleitores de uma determinada circunscrição tenham, para além da sua preferência partidária ou eventualmente também associada à sua preferência partidária, uma opção personalizada ou individualizada de voto que determine a sua representação específica pelo fulano A ou pelo fulano B. A perversão do sistema só resulta da circunstância de isso não ser compensado por um qualquer mecanismo que evite que essa preferência pessoal se exerça de molde a distorcer a representatividade global do sistema. E isso também serve para perceber que, sendo fenómenos localizados e porventura não generalizados, não são menosprezáveis. Isto é, o Sr. Deputado Vital Moreira salientou, e bem, a circunstância de que, mesmo na Alemanha, fenómenos que dizem respeito à distorção entre o voto personalizado na circunscrição de candidatura e a representatividade global do sistema são escassos. Mas a verdade é que eles existem e, quando existem, eles devem, apesar de tudo, ser respeitados. E é essa a grande virtude que encontro nas propostas quer do PS quer até, em certa medida, do PSD, na abertura que dão à possibilidade de compatibilizar a representatividade local com a representatividade global do sistema, em termos da proporcionalidade. Agora, já discordo, quer da opção claramente contrária do PSD à abertura das candidaturas independentes, quer no método que é proposto quer pelo PS quer por outras propostas de revisão constitucional nessa matéria, na medida em que, precisamente ao permitirem essa possibilidade, exigindo, no entanto, que essas candidaturas sejam apresentadas em lista, ou pelo menos generalizadamente por todo o círculo ou por vários círculos eleitorais, porque é isso que parece estar pressuposto na ideia de candidaturas apresentáveis por grupos de cidadãos, não permitem que, para além dos partidos, estes fenómenos de voto personalizado possam ocorrer localizadamente, designadamente em circunscrições uninominais de candidatura. Ora, é por essa razão que julgo que se, por um lado, se deveria abrir essa possibilidade de apresentação de candidaturas independentes, por outro lado, não se deveria abrir essa possibilidade com exigências de tal modo pesadas ou duras que, na prática, obriguem os supostos cidadãos independentes ou os cidadãos não filiados em partidos políticos a organizar-se tal como um partido político se tem
Página 1286
de organizar para se apresentar às eleições e, portanto, a criar fenómenos inorgânicos de partidos políticos, ainda que eventualmente eles tenham uma expressão meramente regional e não expressão nacional. E na perspectiva da abertura do sistema à possibilidade de circunscrições de candidatura uninominais, julgo que haveria toda a vantagem em que isso fosse também acompanhado da possibilidade de que, nessas circunscrições de candidatura, pudesse haver candidaturas uninominais ou individuais de cidadãos não inscritos em partidos políticos, embora isso, depois, obviamente, colocasse alguns problemas, designadamente no que respeita à representatividade global do sistema, que teriam de ser pensados no quadro da lei eleitoral. É, aliás, essa uma das razões pelas quais julgo que o método de Hondt não deve estar imposto na Constituição como método único e obrigatório de conversão de votos em mandato. Não é necessariamente porque ele não se tenha revelado eficiente ao longo destes últimos anos - ele, apesar de tudo, tem funcionado com alguma razoabilidade, em Portugal -, mas a verdade é que ele não é sequer um método que garanta maior proporcionalidade - e isso já foi salientado designadamente pelo Sr. Deputado Luís Sá. E também é verdade que ele é um método demasiado rígido ou estrito para, designadamente, permitir a introdução de mecanismos de correcção da proporcionalidade, que necessariamente se impõem em função das eventuais alterações que o sistema eleitoral poderá sofrer. Isto é, na medida em que seja necessário, eventualmente por um mecanismo de imputação de restos, recuperar, quer no círculo distrital ou regional, quer eventualmente num círculo nacional, o qual, aliás, me parece imperativo numa lógica de aproximação ao sistema alemão ou ao sistema dinamarquês, porque, apesar daquilo que disse o Deputado Barbosa de Melo, se é verdade que a legitimidade democrática sai reforçada quando o Deputado é eleito pelo círculo eleitoral, também não é de menosprezar a circunstância de não apenas de Deputados com representatividade local poder viver o Parlamento, pelo que também é necessário salvaguardar apesar de tudo… E se, em 1975, foi útil fechar a lista, de tal forma que o partido tivesse o domínio absoluto sobre os seus futuros Deputados…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Permita-me que deixe apenas uma nota: é que, por exemplo, no sistema alemão, o Sr. Kohl também aparece na lista nacional e não só no seu círculo.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Eventualmente, pode ser permitido que o Deputado seja simultaneamente candidato local e candidato nacional, até porventura para evitar que um desaire local seja compensado pela lista nacional. Mas o facto é que, se é útil esta aproximação do Deputado aos eleitores no sentido de garantir a personalização do voto, também é preciso ter consciência de que há outros Deputados com outro tipo de representatividade, que não a local, que têm assento no Parlamento e que não podem dele ser excluídos. E também é, apesar de tudo, respeitável a ideia de que, sendo a representação assegurada maioritariamente ou essencialmente através de partidos políticos, os partidos políticos tenham alguma liberdade de escolha daqueles que entendem ser os seus melhores representantes no Parlamento e tenham, por isso, a possibilidade de, através de um círculo nacional, garantir que algumas das suas figuras de proa (para usar uma expressão popular) possam ter assento no Parlamento, independentemente da sua especial ligação ao círculo A ou ao círculo B, até porque, enfim, a sociedade massificada e urbana em que vivemos determina necessariamente que essa proximidade é tanto maior quanto mais longe nos afastamos dos centros urbanos, relativamente aos quais, apesar de tudo, essa aproximação não é uma aproximação tão evidente. Também chamo a atenção para a circunstância de que personalização do voto não significa necessariamente - e é por essa razão que, julgo, o sistema não deveria estar fechado ao nível da Constituição - aproximação do Deputado ao eleitor, na perspectiva local, isto é, na perspectiva estritamente geográfica. Não vejo como necessariamente perverso um fenómeno, ainda que indirecto, de representação de interesses - não, obviamente, como marca dominante do sistema, mas não o vejo como necessariamente perverso. Nomeadamente, não o vejo como mais perverso do que o fenómeno da representação de interesses locais. Por essa razão, aliás, é que, a meu ver, a Constituição deveria…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Numa segunda câmara, Sr. Deputado?
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Essa é outra discussão que, julgo, não está em cima da mesa, pelo menos nesta revisão constitucional, e que, porventura, estará se, como espero, a regionalização avançar e permitir encontrar um novo mecanismo de representação, não apenas geográfica como eventualmente de interesses e, eventualmente, até com a adopção de uma segunda câmara parlamentar. Porém, não me parece ser este o momento oportuno, nem essa a discussão relevante, neste momento.
Mas o facto é que…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Cláudio Monteiro, peço-lhe que abrevie.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Vou já terminar, Sr. Presidente.
O facto é que a personalização do voto não depende, única e exclusivamente, do critério geográfico. E o principal defeito ou o principal obstáculo que encontro num sistema de tipo alemão, no que respeita à personalização do voto, é que as opções que são dadas ao eleitor são circunscritas ao seu círculo uninominal, isto é, ele só tem uma liberdade de optar e de personalizar o seu voto muito restritamente, porque não pode optar por outros Deputados que concorram noutros círculos uninominais, embora ainda no seu círculo de apuramento de voto, e, portanto, ele está condenado a uma representação geográfica que não é necessariamente a que lhe interessa.
Ora, isto, de alguma maneira, até responde à preocupação do Sr. Deputado Luís Sá, porque, na perspectiva de que esta personalização não se faz estritamente no âmbito local, mas globalmente no círculo distrital ou regional, isso permite, apesar de tudo, encontrar a válvula de escape necessária para evitar que um eleitor de uma determinada localidade não se sinta representado pelo seu Deputado. Agora, o facto é que esse fenómeno que apontou é um fenómeno que já existe no actual sistema eleitoral. O eleitor do CDS-PP, nos Açores, que não tem representação, porque o CDS-PP, nos Açores, não logrou obter os votos necessários para alcançar um mandato na Assembleia da República, pode transmitir as suas necessidades e os seus anseios através de outros Deputados do Partido Popular, precisamente porque não se altera a regra segundo a qual o Deputado representa a nação e não o círculo pelo qual
Página 1287
é eleito e, portanto, desde que o seu partido ou a sua força política tenha representação parlamentar, essa representação é assegurada, independentemente de ele ser eleitor no Algarve e o seu Deputado ser eleito pelo círculo do Porto.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, quanto à proposta do CDS-PP, é pena não estar cá nenhum Deputado para defendê-la, porque ela contém algo que julguei não ser possível propor. De facto, propor círculos plurinominais com sistema maioritário, creio que estava fora das nossas conjecturas sobre as possibilidades de o círculo formular o sistema eleitoral em Portugal. Este sistema foi claramente o sistema típico dos regimes autoritários de direita, como o Sr. Deputado Barbosa de Melo já aqui suscitou, e não foi por acaso que foi o sistema da Constituição de 1933, até 1974 - portanto, círculos plurinominais com voto de lista e sistema maioritário. É verdadeiramente impensável! De resto, não sei o que é que o PP ganharia com isto, sinceramente…
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Acho que é imperícia do autor do projecto; acho que a ideia subjacente é a dos círculos maioritários a duas voltas.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - É a versão apressada da ideia francesa.
O Sr. Presidente: - É vir contra interesse próprio, além do mais.
À proposta do Deputado Pedro Passos Coelho, a meu ver, não se pode fazer esta objecção, mas outras. Primeiro, é inconstitucional. De facto, haver círculos uninominais autónomos viola um dos limites materiais de revisão. Além do mais, independentemente do limite material de revisão, o princípio da proporcionalidade é um princípio de justiça eleitoral, que, por isso, não deve ser posto em causa. O sistema eleitoral proporcional pressupõe círculos plurinominais de apuramento. Daí não se pode sair e, portanto, não é possível haver, no sistema proporcional, círculos eleitorais uninominais separados do apuramento proporcional. Para além do mais, não compreendo a solução especial para as regiões autónomas. Por que é que, nas regiões autónomas, não há-de haver o sistema conjunto que se propõe para o continente, isto é, círculos uninominais e círculo nacional? Era uma coisa sobre a qual gostaríamos de ouvir os proponentes e é pena eles não estarem cá para justificar esta estranha solução para as regiões autónomas.
Quanto à proposta do PSD, fiquei mais tranquilo ao ouvir a explicação do Deputado Barbosa de Melo. É que a letra da proposta do PSD é tudo menos tranquilizadora, pois, ao falar, lado a lado, em círculos uninominais, círculos plurinominais e círculo nacional, dá a entender que os círculos uninominais estão no mesmo pé que os plurinominais. É certo que se diz que o sistema eleitoral é estruturado de acordo com o princípio da representação proporcional, mas isso também não é muito tranquilizador porque onde está "princípio" estava "sistema", e sabemos a capacidade que os juristas têm para atribuir significados às mudanças de palavras, sobretudo quando se muda de "sistema" para "princípio".
Risos.
O Sr. Presidente: - Eis aí um ponto em que, a meu ver, a proposta do PSD careceria de uma clarificação terminológica que evitasse aquilo que claramente - e ainda bem que o Sr. Deputado Barbosa de Melo começou por intervir e clarificar a proposta - não está nas intenções dos proponentes.
Quanto à eliminação do método de Hondt, o que é comum à proposta do Deputado Cláudio Monteiro, não concordo. E não concordo, não porque entenda que o método de Hondt seja o único ou sequer o mais proporcional dos métodos - não é, antes pelo contrário, é um dos menos proporcionais dos métodos proporcionais -, mas porque está na Constituição e, estando na Constituição, oponho-me à desconstitucionalização, a não ser que o substituam por outro método de apuramento eleitoral. Em matéria de sistemas eleitorais, penso que tudo o que está na Constituição elimina a discricionariedade legislativa e, logo, elimina conflitos infraconstitucionais. Ora, esse, até agora, não tem sido um conflito, mas se os proponentes entendem que se deve mudar, devem propor uma alternativa e não a desconstitucionalização do método de Hondt. Em todo o caso, devo dizer que, hoje, os sistemas eleitorais são, na sua grande maioria, proporcionais e, dentro dos proporcionais, são, na maioria, do método de Hondt. E não é por acaso: a facilidade, a transparência e a imediata compreensibilidade do método levou à sua fortuna, para além de que ele favorece ligeiramente os partidos maioritários e, logo, favorece ligeiramente o princípio da obtenção de maiorias absolutas. Portanto, é um meio de conciliar o sistema proporcional com algum favorecimento da ideia das maiorias. Isso fez a fortuna do método de Hondt. Ora, pela minha parte, não estou disposto a abdicar dele, a não ser que ele fosse substituído por outro método proporcional, que não o método de Hondt.
Quanto à ideia sugerida pelo Deputado Cláudio Monteiro, das listas abertas, isso não é uma matéria constitucional, mas, desde já, devo dizer-lhe que, se vier a ser feita a proposta, em sede de lei eleitoral, serei determinado opositor dessa ideia. A ideia de uma lista que é proposta, mas que os eleitores podem alterar, leva, na prática, ao seguinte: mais de 90% dos eleitores não alteram a ordem da lista proposta pelo partido, mas ela é alterada por 3% ou 4% dos eleitores. Portanto, a ideia de 3% ou 4% dos eleitores vai sobrepor-se à ideia da maioria dos eleitores. A não ser que se exigisse que, para a ordem ser alterada, houvesse uma maioria de pessoas a propor a alteração, o que eliminava, pura e simplesmente, qualquer vantagem. A verdade é que essa ideia, de permitir que uma pequena minoria de eleitores faça prevalecer as suas preferências dentro da lista proposta pelo partido, leva à solução mafiosa da Itália, em que uma organização mais ou menos secreta consegue liquidar os candidatos a Deputados que não quer, bastando, pura e simplesmente, dar a seguinte ordem: "Ponham à cabeça os candidatos que nos interessam!". Ora, serei determinadamente contra essa ideia, ela nunca terá o meu acordo. Essa ideia, de qualquer mafia ou maçonaria poder alterar por uma simples ordem discreta a ordem dos candidatos, meu caro Deputado Cláudio Monteiro, nunca terá o meu acordo.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, dá-me licença?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, é só para prestar o seguinte esclarecimento: embora, porventura, na base do que sugeri (porque não propus) esteja um
Página 1288
princípio semelhante ao que enunciou, não propus esse sistema, porque nem sequer propus que houvesse uma ordem pré-fixada pelo partido. Propus apenas que…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, então, os eleitores que não propõem alteração alguma, em que ordem é que votam? Votam na que está proposta na lista…
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não, não há ordem proposta na lista…
O Sr. Presidente: - Então, quer dizer, a ordem é feita pelos 2% ou 3% que escolhem uma ordem própria.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - A ordem é feita pelas opções pessoais que são manifestadas…
O Sr. Presidente: - Na prática, 2% ou 3% dos eleitores! Portanto, 2% ou 3% dos eleitores impõem a sua vontade… Ou seja, a mafia de São Paulo impõe a ordem dos candidatos.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Chamo a atenção para que esse risco só existe se os partidos permitirem que candidatos agradáveis à mafia possam concorrer.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, nós tivemos 50 anos de experiência italiana! Está à vista de qualquer análise sociológica das eleições italianas.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - É, assim, um pequeno PREC…
Risos.
O Sr. Presidente: - Finalmente, a proposta do PS não toca na actual lógica do sistema eleitoral e aquilo que está na Constituição continua a estar: a eleição é proporcional, o método é de Hondt e existem listas em círculos eleitorais plurinominais, que, hoje, são distritais, mas que podem vir a ser regionais, se a maioria de dois terços dos partidos assim concordar, e a possibilidade do círculo eleitoral nacional, que já vem de trás. A única coisa que o PS propõe é que se admita expressamente, o que implicitamente, a meu ver, a Constituição já admite, a possibilidade das circunscrições uninominais de candidatura, pelo método alemão ou pelo método dinamarquês. Sou partidário…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, porquê de candidatura? Deve ser de eleição, ele é eleito…
O Sr. Presidente: - Não…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Quem tiver mais votos no círculo uninominal, fica eleito.
O Sr. Presidente: - Isso pode ser uma questão…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Ou o eleito, aí, pode perder, depois, o…
O Sr. Presidente: - Não pode! É uma questão de nuance, é obviamente uma questão de nuance. Mas nós continuamos a querer estabelecer a distinção clara entre o apuramento proporcional e o apuramento individual. O sistema alemão, como sabe, é óbvio: o apuramento é proporcional, mas entram sempre na eleição os que tenham ganho a circunscrição.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Mas por isso é que lá estavam os círculos uninominais - qualquer teórico como nós faz isso, para ser correcto.
O Sr. Presidente: - Não são círculos, são circunscrições.
Srs. Deputados, a proposta do PS não é uma ideia, sobretudo, de aproximação dos Deputados aos eleitores; é uma ideia de personalização da escolha dos candidatos, sobretudo. Esta é que é a questão-chave do nosso sistema. A questão-chave é que, hoje, um dos grandes elementos de censura do actual sistema é a discricionariedade partidária na escolha dos seus candidatos e a espécie de monopólio e de burocracia partidária que escolhe os candidatos, em círculos como Lisboa, Porto ou Braga, em que a ideia de personalização é relativamente inexistente. Digamos que é a pura lógica dos interesses partidários e, portanto, os dirigentes da burocracia partidária que escolhem os candidatos a Deputados.
Esta ideia das circunscrições uninominais introduziu o elemento de obrigar os partidos a um elemento de personalização, isto é, sobretudo para os círculos não estritamente urbanos ou menos urbanos, fora das grandes metrópoles, os partidos teriam de escolher os seus candidatos com a lógica pessoal com que hoje escolhe os seus candidatos a presidente de câmara, em que se trata de escolher candidatos que estejam em melhores condições para obter o voto das populações a que vão ser candidatos. Assim, a possibilidade de candidatos "paraquedistas", a possibilidade de escolhas puramente burocráticas dos partidos, em matéria de candidaturas, teriam um antídoto parcial, existindo um elemento de escolha pessoal dos candidatos. E é aí que atribuo uma grande importância às circunscrições uninominais e não tanto à aproximação. É óbvio que, como consequência, há uma aproximação, mas, a meu ver, não é essa a justificação fundamental do método alemão; a grande vantagem é responder à pressão pública em relação à ideia de que os partidos dominam toda a vida eleitoral e, portanto, que não têm em conta nenhum elemento senão os interesses dos seus dirigentes regionais ou nacionais, na escolha dos candidatos, não havendo qualquer consideração dos interesses das populações propriamente ditas na escolha dos candidatos. É aqui que, a meu ver, está o cerne, a chave lógica e a grande razão de ser do método alemão, que proponho transportar para Portugal.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, depois desta primeira ronda, a intervenção-síntese que o Sr. Presidente fez ajudou a clarificar alguns aspectos, que, no fundo, são aqueles que também vou tentar politicamente deixar desde já aqui colocados, pela parte do PSD.
Penso que ficou claro, desta primeira ronda de intervenções sobre um dos aspectos que é crucial, todos os sabemos, em termos desta revisão constitucional, o seguinte: por um lado, há manifestamente da parte de todos os partidos, embora com tonalidades algo diversas, a preocupação em manter, no essencial, aquilo que é chamado como o princípio da proporcionalidade ou o sistema proporcional, em termos eleitorais no apuramento de mandatos para a Assembleia da República. Julgo que esse é um dado fundamental a reter, embora pense - e o Partido Socialista
Página 1289
também tem de ter um pouco essa consciência - que, se há interesse em alterar estruturalmente o sistema para lhe introduzir uma maior flexibilidade, não devemos em termos constitucionais especificar de tal maneira a forma como se concretiza o sistema proporcional que, depois, na prática, qualquer mudança estrutural da lei eleitoral acabe por ficar inviabilizada ou, no mínimo, bastante dificultada.
Portanto, a intenção primordial que, penso, deve retirar-se da proposta do Partido Social Democrata nesta matéria, de resto desde logo expressa à cabeça no próprio preâmbulo do projecto de revisão constitucional, naquilo que se refere às alterações em termos do sistema eleitoral, é a flexibilização do regime. E o Sr. Presidente relembrou várias vezes, ao longo das intervenções que foram tendo lugar, que na nossa ordem jurídica existe o texto constitucional sobre o sistema eleitoral e, depois, existe também a lei ordinária, que, no caso das eleições para órgãos de soberania, nomeadamente para a Assembleia da República, exige uma maioria qualificada para a sua aprovação. Portanto, é evidente que o que deve estar primordialmente em causa, quando estamos a abordar a revisão constitucional, é preocuparmo-nos até que ponto vamos ou não flexibilizar o texto constitucional, no sentido de lhe retirar alguns obstáculos. Embora, como o Sr. Presidente relembrou várias vezes, com uma maioria política qualificada, o que assegura, desde logo, que nada se fará contra a vontade fundamental daqueles partidos ou da representação política, que, neste momento, também nesta sede de revisão constitucional, tem opção maioritária para introduzir alterações. Nada se fará, portanto, sem esse entendimento político.
Mas o que era, de facto, interessante nesta fase - e é isso que, penso, o Partido Socialista devia equacionar -, até porque a revisão constitucional tem um mecanismo próprio que burocratiza no sentido oposto à flexibilidade e à facilidade institucional para deitar mãos a determinados instrumentos de alteração da lei… A revisão constitucional devia servir, desde logo, do nosso ponto de vista - e essa é a primeira nota política que quero deixar da parte do PSD -, para abrir o texto constitucional a um leque de soluções de forma a que, depois, o legislador ordinário possa ir mais num ou noutro sentido, de acordo com a apreciação política que, de uma forma qualificada, em cada momento seja feita para alterar o sistema eleitoral.
Essa é a intenção primordial do Partido Social Democrata. E eu chamo atenção para isso, porque já foi aqui referido, nomeadamente pelo Sr. Presidente, mas outras intervenções, designadamente do Partido Comunista e por aí fora, também tocaram indirectamente esses aspectos.
Independentemente de, em cada momento, estarmos ou não de acordo - e o Sr. Presidente disse que estava contra os círculos uninominais -, o que parece ao PSD é que, claramente, o texto constitucional deveria ser flexibilizado ao ponto de, depois, o legislador ordinário poder assumir as opções, qualificadas politicamente, que façam mais sentido. E, portanto, o que queremos é retirar, desde logo, da Constituição determinado tipo de obstáculos.
Na expressão desse sistema proporcional, houve um outro problema que ressaltou das intervenções que aqui foram feitas que não ficou claramente resolvido. O Sr. Presidente chamou a atenção - e bem - para o facto de o problema dos círculos uninominais, nomeadamente, poder pôr em causa o sistema proporcional, no sentido de, independentemente… Disse, até, que a intervenção do Sr. Deputado Barbosa de Melo o tranquilizou de alguma maneira, dada a leitura que era feita de um ponto de vista estritamente técnico do texto formulado pelo Partido Social Democrata. Mas se utilizou esta expressão foi exactamente porque não ficou convencido. E percebo porquê. É que, de facto, a introdução de círculos uninominais ou do sistema uninominal do sistema eleitoral vai, obviamente, "pôr em crise", desde logo, a proporcionalidade do sistema, e, portanto, vai obrigar a determinado tipo de operações de engenharia no sistema, sob pena de o resultado acabar por não reflectir a proporcionalidade desejada. E, como o Partido Comunista citou várias vezes, o que interessa, independentemente dos princípios da proporcionalidade, é o resultado final, que, em cada momento, às vezes é ou não mais chegado à proporcionalidade desejável.
Chamo a atenção do Sr. Presidente para uma proposta do Deputado Pedro Passos Coelho e outros do PSD para o artigo 155.º, em que ele prevê expressamente, como forma de ultrapassar, também na esteira das mesmas preocupações da proporcionalidade, os problemas que a criação de círculos uninominais introduz no sistema proporcional, a existência de dois votos diferenciados para os círculos de natureza uninominal e para o círculo nacional. Esta é também uma das formas possíveis.
Para além daquela que o Sr. Deputado Barbosa de Melo aqui colocou ao explicitar a proposta do PSD, de os mandatos resultantes dos círculos uninominais serem necessariamente abatidos na contabilidade do círculo nacional, há outras formas possíveis que estão sobre a mesa, sendo uma delas a que consta do projecto apresentado pelo Deputado Pedro Passos Coelho, que tem a ver com a existência de dois votos no próprio eleitor.
Isto para situar a segunda questão que, do meu ponto de vista, é esta: o que fazer em termos de texto constitucional para, mantendo aquilo que parece ser o denominador comum claro entre todos os partidos, que é o problema do sistema da proporcionalidade, permitir…
O Sr. Presidente: Sr. Deputado Luís Marques Guedes, permite-me uma pergunta?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Faça favor, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: A proposta do Deputado Pedro Passos Coelho e outros do PSD em relação aos círculos uninominais com apuramento maioritário é compatível com o princípio do PSD segundo o qual o sistema eleitoral é estruturado de acordo com o princípio da representação proporcional?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Mas o que acabo de citar não é a questão do apuramento maioritário!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): Mas é isso! É de dois votos! Um dos quais...
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, chamei a atenção para o n.º 1 da proposta do Deputado Pedro Passos Coelho para o artigo 155.º porque não foi aqui discutida exaustivamente. Os proponentes não estavam cá para a defender e, nas várias intervenções que foram feitas, não ouvi ninguém tocar no problema da duplicidade.
Página 1290
A proposta fala numa duplicidade depois do apuramento. No n.º 2, diz-se que é o sistema da média mais alta de Hondt para o círculo nacional e o sistema maioritário é apenas para os círculos uninominais.
O Sr. Presidente: Só que os círculos uninominais elegem dois terços, três quartos ou quatro quintos dos Deputados! Onde é que estaria a proporcionalidade nesse sistema?!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):   Ó Sr. Presidente, esse é um problema que, depois, na lei eleitoral, na delimitação de círculos e do número de mandatos por cada círculo, tem de ser equacionado.
Chamei a atenção para o facto de a preocupação pela manutenção do resultado final da proporcionalidade… Como o Sr. Deputado Luís Sá referia, não basta defender-se o sistema proporcional ou o princípio da proporcionalidade, é preciso ter preocupações em termos de resultado, porque, de facto, a história recente, por exemplo, do nosso sistema, que não tem sofrido alterações nos últimos 20 anos… O sistema é o mesmo, mas o resultado, em termos de proporcionalidade, tem sofrido evolução. Isso é uma evidência! Toda a gente a constata! E, portanto, essa preocupação deve estar presente.
Discutimos sugestões avançadas pelo Deputado Cláudio Monteiro, o Sr. Presidente apresentou também questões, o PSD apresentou igualmente uma proposta... E há também esta do Deputado Pedro Passos Coelho e outros do PSD que não chegou a ser equacionada.
A única conclusão a que quero chegar nesta primeira fase é a seguinte: há, de facto, um denominador comum em termos da manutenção do sistema de proporcionalidade, denominador comum que era bom que ficasse aqui mais ou menos clarificado.
O Partido Comunista pediu para que seja clarificado, desde já, se o entendimento que é feito pelos Srs. Deputados é o de que esta preocupação pelo sistema de proporcionalidade deve ser entendida em termos de resultado ou apenas em termos de manter o que está. Essa é uma questão que me parece nuclear nas alterações que, eventualmente, vamos aqui equacionar e introduzir.
Outra questão, que é uma questão não menor e que não ficou minimamente esclarecida até ao momento, é se essa proporcionalidade deve ser aferida em termos do círculo nacional ou se deve ser aferida em termos dos círculos geográficos e como é que se compatibiliza essa aferição com a eventual introdução de círculos uninominais, porque mesmo a proposta do Partido Socialista de não introduzir círculos de apuramento uninominais, mas tão-só circunscrições uninominais de candidatura…
Percebi perfeitamente, em termos técnicos, a explicação que o Sr. Presidente deu, ela é perfeitamente compreensível, de qualquer maneira não podemos esquecer também o lado político que, necessariamente, tem de encerrar, porque até por uma interpretação a contrario daquilo que foi dito pelo Partido Comunista - citou aquele exemplo de um Deputado de uma circunscrição uninominal que acabasse por ser eleito, se, depois, haveria ou não da parte dos eleitores do respectivo círculo, tendo ele sido o mais votado, um recurso político ou não à sua pessoa para resolução de determinado tipo de problemas -, é evidente que a simples existência de circunscrições uninominais de candidatura tem, depois, um reflexo, um peso e uma tradução política que não podem ser menosprezados.
Portanto, nesta fase, da parte do PSD há o entendimento claro de que há aqui um denominador comum, ou melhor, dois denominadores comuns: um tem a ver com a preocupação de todos os partidos em manter o princípio proporcional no sistema…
Mas o que me parece, com toda a franqueza, Sr. Presidente, é que as propostas do Partido Socialista pretendem cristalizar de tal maneira o sistema proporcional actualmente existente que, na prática, não vão permitir qualquer alteração qualitativamente significativa ao sistema, vão apenas, como o Sr. Presidente referiu, permitir alguma personalização na escolha dos Deputados, sem que, politicamente, isso tenha uma tradução prática em termos do sistema eleitoral, ou seja, o sistema proporcional actualmente vigente manter-se-á praticamente intocável, aparentemente nem sequer haverá grande abertura para retirar da Constituição a obrigatoriedade da utilização do método de Hondt, pelo que, sinceramente, não vejo que, em termos de resultado - lá vou à argumentação do Partido Comunista - de uma formulação deste tipo, possa acabar por aparecer alguma alteração qualitativa face ao sistema actual.
Portanto, o único desafio que, politicamente, deixo aqui ao Partido Socialista é: sendo certo tudo aquilo que o Sr. Presidente disse, nomeadamente que as leis eleitorais terão sempre de ser aprovadas pela maioria politicamente qualificada, o que era interessante…
O Sr. Presidente: Sr. Deputado Luís Marques Guedes, só quanto aos círculos eleitorais, não quanto, por exemplo, ao método eleitoral! Aí a maioria absoluta basta.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, o artigo 167.º - "Reserva absoluta de competência legislativa", refere, logo na alínea a), a eleição dos titulares dos órgãos de soberania, de onde se deve…
O Sr. Presidente: Claro! Isso é uma lei chamada orgânica, o que quer dizer que exige maioria absoluta e não maioria de dois terços. A maioria de dois terços só é exigida para os círculos eleitorais, nos termos do artigo 171.º, salvo erro no n.º 6.
O Sr. Luís Marques Guedes(PSD): Só para os círculos, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente :   Sim, sim!
O n.º 6 do artigo 171.º diz o seguinte: "As disposições das leis que regulam as matérias referidas nos n.os 1 e 2 do artigo 152.º (…) carecem de aprovação por maioria de dois terços dos Deputados presentes (…)", exactamente para evitar aquilo que, off the record, o Sr. Deputado Barbosa de Melo apelidou de gerrymandering, e não só, ou seja, fazer círculos eleitorais à medida das conveniências do partido do poder.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - O de Gaulle é que sabia fazer isso!
O Sr. Presidente: Não, não! Também houve a ignóbil porcaria no final da Monarquia, que foi um gerrymandering inqualificado para impedir o Partido Republicano de aceder à Câmara dos Representantes!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, mas se é assim, essa interpretação que o Sr. Presidente, essa chamada de atenção…
Página 1291
O Sr. Presidente: Não se trata de uma questão de interpretação, é uma chamada de atenção para o regime!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):   Exactamente! Estou a corrigir!
Essa chamada de atenção que o Sr. Presidente está a colocar, actualmente já assim é.
O Sr. Presidente: - Claro!
O Sr. Luís Marques Guedes(PSD): Ou seja, os n.os 1 e 2 do artigo 152.º também nada colocam em termos do método de Hondt, e, portanto, não me parece minimamente que a retirada da obrigatoriedade constitucional do método de Hondt retirasse politicamente alguma…
O Sr. Presidente: Ó Sr. Deputado Marques Guedes, por favor! Se hoje isso está na Constituição, carece de ser aprovado por maioria de dois terços, se fosse desconstitucionalizado e a lei, nessa parte, não exigisse maioria de dois terços, quer dizer que aquilo que hoje exige um compromisso entre, pelo menos, dois partidos que façam dois terços, passava a ser decidido por uma maioria absoluta na Assembleia da República.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Tem razão, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: Ou seja, pelo PS ou pelo PSD, quando têm maioria absoluta, ou por um desses partidos mais um pequeno partido, quando tenham apenas a maioria relativa. Portanto, essa diferença é, a meu ver, politicamente essencial e não pode negar-se.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):   Tem razão! Tem razão, Sr. Presidente!
Sr. Presidente, então termino fazendo esta chamada de atenção política ao Partido Socialista: se, de facto, há intenção…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): Já lha vou devolver!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): … de permitir realizar algumas alterações no nosso sistema eleitoral, por forma a colmatar ou a ir colmatando alguma da pouca identificação que aqui ou acolá se vai sentindo na nossa sociedade relativamente à representatividade do nosso sistema eleitoral, nomeadamente face aos mandatos dos políticos, é de todo o interesse que haja da parte do Partido Socialista uma flexibilização do texto constitucional, no sentido de vir a permitir, depois, a jusante, que possam ser introduzidas alterações que vão ao encontro exactamente desse sentimento do eleitorado e dos portugueses. Se assim não for, temo, com toda a franqueza, que, entre as temos em cima da mesa, a proposta do Partido Socialista, como o Sr. Presidente, na intervenção síntese que fez, acabou por deixar mais ou menos claro, acabe por ser claramente - o Partido Comunista, por exemplo, não fez qualquer proposta, nesse sentido ainda é mais conservador -, a mais conservadora quanto à manutenção do sistema eleitoral. É um pouco essa dúvida política que coloco ao Partido Socialista.
O Sr. Presidente:   Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
É um campeonato de conservadorismo eleitoral?
O Sr. Osvaldo Castro (PS):   Não, não é!
Creio, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, que V. Ex.ª está a confundir conservadorismo com prudência, com sensatez.
O Sr. Presidente: E respeito pelos princípios, já agora!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): Sim, e respeito pelos princípios.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Isso todos temos!
O Sr. Osvaldo Castro (PS):   O problema é este: a nossa obra é, de facto, uma obra ainda de pouca monta em sede constitucional. Os partidos existem há 200 anos e hoje, de facto, há grandes afloramentos de crise, etc., há passos a dar, mesmo em relação ao próprio sistema dos partidos. O Sr. Deputado Luís Sá disse isso, embora, nas questões práticas que colocou acabou por resolver ele próprio o problema, porque é evidente que lá, onde um partido minoritário não tem Deputados..., é evidente que vêm de onde eles existem. O próprio Sr. Deputado Luís Sá deu conta disso.
O que nesta sede pedimos ao PSD é que permita abrir este pequeno leque de soluções. No fundo, o que propomos é o seguinte: visamos a criação de circunscrições plurinominais de candidatura num espaço de círculos regionais de apuramento de votos. Parece-nos que isto mantém a proporcionalidade, e sobre isso creio que não há grandes dúvidas. É evidente que neste momento e nesta fase apenas se dão passos que, do meu ponto de vista, são tímidos, mas que, na prática, poderão vir a ser de maior alcance no futuro próximo. Vamos ver em sede de lei ordinária a que conclusões vamos chegando.
Portanto, enquanto algumas das propostas que aqui surgiram, designadamente a do CDS-PP e a do Deputado Pedro Passos Coelho e outros do PSD, constituiam, em certa medida, verdadeiras roturas, estamos a procurar, com a introdução das circunscrições uninominais, aquilo que foi feito pelo Presidente desta Comissão, visando, por um lado, a personalização, o procurar, de facto, impor ao sistema partidário que a elencagem das listas tenha em conta a importância das personalidades, evitando os "Liberatos Fernandes" em Leiria, os "Pachecos Pereira" em Aveiro ou os "Paulos Portas" em Aveiro (que até já renunciou).
O Sr. Presidente: Podem continuar a ser candidatos!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): Podem, mas a personalização e a correlativa absorção e aproximação… Repare, não quer dizer que isso seja verdade, porque nem sempre os jornais ou a comunicação social dizem a verdade, mas parece que há grandes críticas em relação a um Deputado que é implantado em Aveiro. Pretendemos, pois, de algum modo, abrir caminho para que se possa fazer uma correcção de forma a que as listas não sejam, tout court, elaboradas em Lisboa. Trata-se tão-só de abrir caminho.
O Sr. Presidente: Sr. Deputado Osvaldo Castro, a ideia que personalizou de, indevidamente, os partidos, por
Página 1292
cima, imporem candidatos às listas regionais não é propriamente privilégio do PSD...
O Sr. Osvaldo Castro (PS): Não, não! Não estou a dizer que sejam só os outros partidos! Eu não falei no PSD!
O Sr. Presidente: Mas personalizou dois casos.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): Não, não! Personalizei dois casos, mas também personalizei outro caso, Sr. Presidente! Não seja injusto! Às vezes a falta de isenção leva à injustiça! Eu até citei um Deputado que renunciou hoje, que também foi implantado. E noutros sítios também há dois implantados, exactamente dos mesmos partidos, do PSD e do CDS-PP.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Não é o caso do Eng.º Guterres, por Castelo Branco?!
O Sr. Osvaldo Castro (PS):   Não digo que o monopólio seja do PSD! O PS também o faz. Eu referi-me aos partidos.
Tenho de confessar que os exemplos que me vieram à memória foram estes, talvez por serem mais flagrantes. Foram estes, mas o PS também o faz. 
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Penso que o exemplo mais flagrante é o do Primeiro-Ministro!
Quanto ao método de Hondt, Sr. Deputado Luís Marques Guedes, de facto, é injusto em relação aos círculos. E é tanto mais injusto quanto menor for o cículo, quanto menor for o número de Deputados a eleger, obviamente. Mas a verdade é que provou. Este método, que era suposto não dar maiorias absolutas, deu duas maiorias absolutas. Esta é que é a verdade.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Boa memória!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): Não é boa memória, porque é verdade! Era suposto não dar maiorias absolutas, mas deu duas!
O Sr. Presidente: Sr. Deputado Osvaldo Castro,…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): Protege, de facto, as listas mais votadas.
O Sr. Presidente: Sr. Deputado, vamos à substância da proposta!
O Sr. Osvaldo Castro (PS):   Mas este método tem também em conta a representatividade das minorias. E se, de facto, as circunscrições, como nós aqui, de algum modo, abordamos, porque parece-nos que tendencialmente é para aí que as coisas podem caminhar, forem de regiões, obviamente que o método de Hondt vai provar ser ainda melhor nesse caso. É que, se o retirarmos, o que é que lá fica? O número-barra?! Para obter um mandato é preciso ter 25... Este é um método, digamos, de selo constitucional ou um negócio eleitoral?! Todos os métodos têm as mais diversas dificuldades. Isso está expresso em muito lado. Apesar de tudo, em Portugal, o método de Hondt tem permitido que partidos muito pequenos acedam à Assembleia da República, como foi o caso da UDP, que já cá esteve por eleição directa.
Creio, pois, que a desconstitucionalização da média mais alta de Hondt significaria ou, pelo menos, implicaria que houvesse uma alternativa, que não surge, embora diga, após o estudo rápido e breve que me foi dado fazer, que não sei mesmo se haverá melhor alternativa, especialmente se os círculos de apuramento vierem a ser, como pensamos, regionais, isto é, mais vastos do que os distritos.
Portanto, Sr. Deputado Luís Marques Guedes e Srs. Deputados do PSD, creio que, de facto, não estamos a pretender fazer uma introdução que inviabilize a flexibilidade que é solicitada. Há coisas que, em sede de lei ordinária, poderão ser aperfeiçoadas e, em devido tempo, apresentaremos as respectivas propostas. Claro que não o poderíamos fazer antes de passarmos por aqui e de conhecermos essa discussão. O PSD, o PCP e certamente toda a gente terão sobre isto opiniões, mas o que nos parece é que fechar esta possibilidade é contribuir para que, de facto, as alterações necessárias ao sistema eleitoral nunca mais se produzam, e é esse apelo que lhes deixo.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Luís de Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): Sr. Presidente, apenas duas observações. Uma delas a respeito do alegado conservadorismo…
O Sr. Presidente: Sr. Deputado Luís Sá, é a terceira vez que intervém, por isso peço-lhe que seja breve.
O Sr. Luís Sá (PCP):   Naturalmente, Sr. Presidente.
Uma observação tem a ver com o alegado conservadorismo de que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes falou a propósito das posições do PCP. Não se trata disso, porque referi, designadamente em relação ao problema das regiões administrativas e do alargamento dos círculos, o convite ao PS para apresentar uma proposta concreta. Referi, de resto, que uma das dificuldades que se colocam neste ponto é exactamente a questão de nunca ter sido clarificado até ao fim o que se pretendia, e nesta matéria era bom que as coisas fossem claras, porque, com certeza, facilitava a discussão.
A outra observação, e correspondendo ao apelo do Sr. Presidente para terminar, é a seguinte: normalmente o que se passa nesta matéria é a possibilidade que é dada ao eleitor de votar no candidato do partido, naturalmente com os correspondentes efeitos, mas também de poder não votar. De resto, creio que era bom que este aspecto ficasse, se possível, clarificado. Isto é, trata-se de um boletim de voto com duas possibilidades comulativas ou alternativas. E é em relação a este aspecto que gostaria de sublinhar, para que se relativizem os efeitos no Estado de partidos e com o papel que os partidos habitualmente têm, que pode ser maior ou menor, mas que é inevitável, designadamente face aos custos de uma campanha eleitoral, o facto de muito frequentemente os cidadãos eleitores optarem por votar exclusivamente no partido e não usarem o direito que lhes é dado de votarem também num candidato.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, a intervenção do Deputado Luís Marques Guedes deixou-me, obviamente, inquieto, por uma razão muito simples: é que se admite que um dos efeitos da proposta do PSD podia ser preenchido pela proposta do Deputado Pedro Passos Coelho e outros do PSD...
Página 1293
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Não! Eu disse que não foi discutida, Sr. Presidente! Não se discutiu essa hipótese!
O Sr. Presidente: Se a hipótese de sistema eleitoral proposta pelo Deputado Pedro Passos Coelho cabe dentro da margem de flexibilização que o PSD quer dar ao sistema eleitoral, então, à partida, digo "não". Essa hipótese não é compatível com o sistema proporcional. Se uma parte dos Deputados, maior ou menor - aliás, na hipótese dele seriam três quartos dos Deputados -, fosse eleita em círculos uninominais por método maioritário e se ao lado existisse um simples círculo nacional proporcional elegendo 40 ou 50 Deputados, mesmo que fossem quase todos, é óbvio que este sistema não seria compatível com o sistema proporcional.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): Ele autonomiza-o, claramente!
O Sr. Presidente:   Portanto, a hipótese de circunscrições ou círculos uninominais de candidatura só é compatível com o sistema proporcional se os candidatos que obtiverem mais votos nesses círculos forem contabilizados numa proporção apurada proporcionalmente, e, por isso, no sistema proporcional existem, por natureza, círculos plurinominais.
Não é, pois, possível um sistema proporcional com círculos uninominais tout court, pelo que a proposta do Deputado Pedro Passos Coelho não é compatível com o sistema proporcional.
Se o PSD entende, de forma que não explicou, que a proposta do Deputado Pedro Passos Coelho cabe dentro da flexibilização que a sua - "sua", do PSD - proposta admitiria, então, as razões da minha inquietação acerca da proposta do PSD retornam ao princípio, agravadas ao quadrado.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):   Sr. Presidente, repito aquilo que disse, que, de resto, está gravado: quis apenas citar de propósito, e o Sr. Presidente é que trouxe depois à colação - e bem, obviamente -, no sentido de esclarecer exactamente o alcance das palavras da posição do PSD sobre esta matéria, o n.os 2 e 3, a questão que resulta do n.º 1 da proposta do Deputado Pedro Passos Coelho.
Ouvimos o Sr. Deputado Barbosa de Melo referir-se à intenção subjacente à proposta do PSD de que a eventual coexistência de círculos uninominais com círculos plurinominais levaria, do ponto de vista do PSD, a que na lei eleitoral se descontassem do círculo nacional os quantitativos de Deputados eleitos por determinados partidos a nível do círculo uninominal. E julgo ter sido nesse enquadramento que o Sr. Presidente entendeu essa explicitação, algo tranquilizadora quanto a uma leitura literal que tinha feito previamente do texto do PSD sem esta explicitação. E o que quis acrescentar, ao citar o n.º 1 do artigo 155.º, proposto pelo Deputado Pedro Passos Coelho e outros, é que, para além da hipótese de se abater ou retirar do círculo nacional os Deputados eventualmente já eleitos pelos respectivos partidos nos círculos uninominais, também ainda se pode, nesta perspectiva de abrir aqui o leque da discussão a todas as soluções possíveis, ir mais longe do que a proposta do PSD e propor, no caso ainda da existência de círculos uninominais, que haja uma duplicidade de voto. Ora, a essa questão respondo claramente dizendo que não, que o PSD não defende a repartição que, depois, o Deputado Pedro Passos Coelho e outros fazem na sua proposta nos n.os 2 e 3 do artigo 155.º, ou seja, a separação entre o sistema de representação maioritária para os círculos uninominais e o sistema de representação proporcional apenas para o círculo nacional. Esta é uma proposta do Deputado Pedro Passos Coelho, ele não está cá para defendê-la, mas conheço minimanente o contexto global do projecto de revisão constitucional destes Deputados e julgo que isto deve ser lido em conjunto, por exemplo, com o artigo 116.º, onde eles, pura e simplesmente, afastam o princípio proporcional.
Portanto, a economia da proposta do Deputado Pedro Passos Coelho, o seu objectivo final, é claramente diferenciado, nesta matéria, da proposta do PSD. O PSD não pretende afastar o princípio da proporcionalidade do nosso sistema eleitoral. A única coisa que quis significar - e, nas palavras do Sr. Presidente, a explicitação do Prof. Barbosa de Melo já foi algo tranquilizadora - foi que, para manter essa proporcionalidade - se a preocupação fundamental, o denominador comum das preocupações, da generalidade dos partidos representados nesta Comissão é manter o sistema proporcional -, há soluções como esta, da duplicidade de votos, que ainda garantem mais do que a proposta do PSD - foi só isso que quis significar.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, o sistema alemão tem dois votos. Na Alemanha, os cidadãos têm dois votos, o voto do candidato uninominal e o voto de lista. Portanto, optar por dois votos ou por um é uma pura questão de discricionariedade legislativa.
O Sr. Luís Marques Guedes(PSD): - Garante mais a proporcionalidade.
O Sr. Presidente: - Mas não é um elemento essencial do sistema.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, realmente, é coerente o Deputado Pedro Passos Coelho quando elimina o princípio da proporcionalidade, porque, evidentemente, numa Assembleia como ele propõe, que deve ter 200 a 230 Deputados, reservar só 40 para a proporcionalidade traduz-se num potencial de representação proporcional muito curto - existe algum, pode calcular-se matematicamente, mas é muito curto. Portanto, ele foi coerente quando eliminou o princípio da representação proporcional.
Mas há uma coisa que me deixa preocupado no projecto do PS, que tem a ver com o seguinte: foi aqui várias vezes referido, nomeadamente pelo Sr. Presidente, que estas circunscrições uninominais não eram círculos uninominais - isso deixa-me preocupado. Por isso, há pouco, perguntei se aquilo a que chamam circunscrições uninominais é um puro nominalismo ou significa que o Deputado que aí é eleito fica definitivamente eleito. Se é assim, é um círculo uninominal e, logo, tem de se chamar aqui pelo próprio nome, sob pena de o retirarmos daquela maioria qualificada de dois terços que está referida no n.º 6 do artigo 171.º. Pois se as matérias, aqui os círculos…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Barbosa de Melo, não fazemos questão em acrescentar o n.º 4 ao artigo 171.º, de modo a que, onde está os n.os 1 e 2, dizemos também o n.º 4. Se o problema é esse…
Página 1294
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Mas não há dúvida alguma de que é um preciosismo de linguagem. O que, de facto, está aqui previsto…
O Sr. Presidente: - É uma nuance, digamos.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Não é nuance nenhuma, juridicamente relevante. O que está aqui em causa é um círculo uninominal. O Deputado que tiver mais votos - a regra é correcta e penso que o Deputado Pedro Passos Coelho fez bem, pois aqui tem de ser a regra inglesa -, neste círculo, ganhou o lugar e é eleito, só que, depois, têm de fazer-se todas as correcções necessárias, incluindo a de mudança de número global de Deputados da Assembleia, para garantir a todos a sua representação. Era só isto que queria acentuar.
Então, acrescenta-se também o n.º 4.
O Sr. Presidente: - Exacto.
Srs. Deputados, apurando: as propostas do CDS-PP e do Deputado Pedro Passos Coelho e outros, acusados de não estarem cá, não têm claramente acolhimento. A proposta do PSD, na medida em que foi clarificada, pode ser entendida como convergente com a do PS, no mesmo sentido, isto é, o de introduzir um elemento de personalização, sem prejuízo do sistema proporcional - eu continuo a falar em sistema proporcional, mas o PSD diz princípio proporcional.
Quanto à desconstitucionalização do método eleitoral, proposta pelo PSD e pelo Deputado Cláudio Monteiro, há a oposição do PCP e do PS, que entendem que, a alterar-se o método eleitoral, ele deve, então, ser substituído por outro julgado melhor que o método de Hondt.
Srs. Deputados, creio que podemos sobrestar neste ponto e recomeçar à tarde com o artigo 154.º.
Srs. Deputados, está interrompida a reunião.
Eram 12 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados, está reaberta a reunião.
Eram 15 horas e 30 minutos.
Srs. Deputados, vamos reiniciar os trabalhos com o artigo 154.º. Esta matéria já foi discutida a propósito do artigo 116.º, quando houve propostas gerais para admitir candidaturas, chamadas de independentes, mas a que prefiro chamar de extra-partidárias, como princípio geral - é por isso, por exemplo, que o Deputado Pedro Passos Coelho propõe, pura e simplesmente, a eliminação deste artigo 154.º.
Todavia, existe agora uma proposta, essa também assaz exótica, do Deputado Cláudio Monteiro, que lamento não ver aqui, com vista à apresentação individual de candidaturas.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Quer dizer, em círculos uninominais? Ou não?…
O Sr. Presidente: - Não, porque ele não propôs nada quanto aos círculos.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Individual ou em lista, só se for assim; senão essa contraposição não faz sentido.
O Sr. Presidente: - Bem, não estando cá ele e não podendo nós interpretar… Parece ser essa a interpretação.
Obviamente, quanto à questão de fundo, a admissão de candidaturas independentes, isso já foi discutido por vós relativamente ao artigo 116.º. Era uma proposta do PS, do CDS-PP e de outros Srs. Deputados, à qual se opuseram o PCP e o PSD.
Neste momento, deu entrada na sala o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Deputado Cláudio Monteiro, estava a ser desejadíssimo! Queremos saber de sua justiça.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Cláudio Monteiro, íamos saltar sobre o artigo 154.º quando nos deparámos com uma exótica proposta da sua autoria para o n.º 1 desse mesmo artigo.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Exótica?!
O Sr. Presidente: - Refere o n.º 1, proposto por V. Ex.ª, o seguinte: "As candidaturas são apresentadas individualmente ou em lista, podendo ser propostas por partidos políticos, isoladamente ou em coligação, ou por grupos de cidadãos eleitores, nos termos da lei.". Ora, o problema está na primeira parte da proposta. O que é que isto quer dizer?
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Quer dizer que pode haver candidatos independentes singulares, sobretudo na perspectiva de um sistema que admite círculos uninominais de candidatura. E, na medida em que no projecto que apresento não se diz grande coisa sobre o sistema eleitoral, rementendo-se o essencial para a lei, e admitindo soluções alternativas, em que o sistema não é um sistema de lista fechada ou em que o sistema não é um sistema que funciona, única e exclusivamente, com base no método de Hondt, também é admissível um sistema de lista incompleta, ainda que fechada, podendo essa lista ser incompleta ao ponto de se reduzir a um único candidato, a dois, a três, a quatro ou a cinco.
O Sr. Presidente: - Portanto, mesmo no actual sistema, o Sr. Deputado Cláudio Monteiro admitia que, em Lisboa, um cidadão se pudesse candidatar a Lisboa?
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Exacto.
O Sr. Presidente: - Mesmo com a actual lista de cinquenta e tal membros?
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - É que a função de garantir a plenitude da Assembleia é garantida pelos partidos…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, no caso de a lista dele eleger dois Deputados, seria ele e mais ele.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não! Por isso mesmo é que o método de Hondt não seria o mais adequado e haveria que estabelecer mecanismos de distribuição de restos, para permitir que esses votos obviamente fossem imputados…
Página 1295
O Sr. Presidente: - A quem? Ao vizinho, que se candidatasse em Setúbal?!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - É que os mecanismos de distribuição de restos frequentemente imputam os votos a quem não os teve.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão esta proposta do Deputado Cláudio Monteiro, a qual é uma espécie de direito de candidatura independente privilegiado.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não é privilegiado, Sr. Presidente. Julgo é que as candidaturas independentes, de duas, uma: ou são organizadas e estruturadas e, portanto, correspondem a partidos inorgânicos, que a única diferença que têm resulta da circunstância de não se exigir um número mínimo de assinaturas e a apresentação formal perante o Tribunal Constitucional, mas substancialmente terão de corresponder a partidos, organizações ou movimentos políticos dotados de uma estrutura similar, para apresentar um número de candidatos suficiente, tal como é exigido actualmente pela lei aos partidos políticos, e para organizar campanhas eleitorais de moldes tradicionais, ou, então, permite-se candidaturas independentes, no sentido de permitir que qualquer cidadão que se queira candidatar à Assembleia da República o possa fazer, independentemente de ser militante de um partido ou ter de se organizar conjuntamente com outros cidadãos, como se de um partido se tratasse. Uma coisa é permitir que haja um candidato individual e outra é exigir a subscrição de um grupo de cidadãos. Isto é, julgo é que todas as propostas se referem a candidaturas apresentadas por grupos de cidadãos e, portanto, é evidente que tem de haver uma exigência…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Cláudio Monteiro, não admite a autocandidatura?
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não! Um único a autopropor-se, não. Isto é, uma coisa é permitir que ele seja candidato independentemente de integrar uma lista; outra coisa é haver uma exigência formal mínima - não de representatividade, porque as assinaturas de subscrição de uma candidatura não significam votos e, portanto, não garantem a representatividade da candidatura - que garanta a verdade da candidatura, ou seja, que ela corresponde a um fenómeno legítimo de aspiração à representação política, como, aliás, acontece com os partidos indirectamente, uma vez que essa triagem é feita a priori, no momento da constituição do partido. O que significa, aliás, que, não havendo uma exigência actual na lei, de renovação dessa subscrição a cada acto eleitoral, isso tem permitido fenómenos como, por exemplo, o da venda de "firmas" ou "denominações", venda ou transmissão gratuita ou onerosa, em qualquer caso, que é o mesmo que dizer utilizar siglas de partidos constituídos há 10 e 15 anos e que já se encontram substancialmente extintos, a pretexto formal…
O Sr. Presidente: - Mas isso é uma deficiência da lei dos partidos, Sr. Dr. Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Isso é uma deficiência da lei dos partidos, mas também é uma deficiência da lei eleitoral, que não exige uma subscrição mínima em cada eleição e em cada acto eleitoral. Portanto, se esta exigência fosse renovada a cada acto eleitoral, como provavelmente será imposta na hipótese, pelos vistos, como modo de se admitirem candidaturas independentes, sejam elas em lista fechada ou individualmente, neste caso, então, é que haveria uma capitis deminutio, porque, nesse caso, então, é que se estaria a exigir aos cidadãos independentes, que estão inscritos em partidos, que, em cada acto eleitoral, renovassem essa confiança que lhes é exigida para se candidatarem, porque relativamente a esses, se eles quisessem candidatar-se sucessivamente, teriam de obter as assinaturas necessárias em cada eleição e não apenas uma única vez.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão esta proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, agora explicitada.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, a dúvida que se me coloca - e, nesse sentido, talvez fizesse mais uma pergunta do que uma intervenção - é a seguinte: quando falamos, por exemplo, do sistema alemão, falamos não de um sistema misto, mas de um sistema de representação proporcional personalizado…
O Sr. Presidente: - Parcialmente personalizado!
O Sr. Luís Sá (PCP): - É personalizado sempre que prevalece o voto pessoal em relação ao voto do partido.
O Sr. Presidente: - Teoricamente, é só em relação a metade dos Deputados, ou menos de metade, porque só metade dos Deputados é que são eleitos por via das circunscrições uninominais.
O Sr. Luís Sá (PCP): - A questão que se coloca com esta possibilidade, que parece admitida pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, parece ser a seguinte: o caso de um Deputado que, eventualmente, seja vencedor num círculo eleitoral e cuja candidatura não é imputada a votos no círculo eleitoral do grupo de cidadãos - o partido, obviamente, está excluído -, corresponderá, no fim de contas, na prática, a algo de semelhante a uma instituição de um voto parcialmente maioritário nestes casos, mesmo antes de vir a ser eventualmente aceite a eliminação do princípio da representação proporcional nos limites materiais que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro propõe. É assim, ou não? É que, quando se trata de candidaturas individuais vencedoras de partidos - e igualmente de grupos de cidadãos, se fosse o caso -, esta vitória é imputável ao número de Deputados a que o partido tem direito, de acordo com a respectiva votação; neste caso, não seria, o que apontaria, portanto, não apenas para Deputados supranumerários, mas igualmente para Deputados supranumerários eleitos em círculo uninominal com o voto marioritário. Parece-me que isto é uma conclusão inevitável, mas gostaria de obter um esclarecimento.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Exactamente. Se, por exemplo, um partido obscuro, ao nível do círculo distrital ou regional, obtivesse 0,03% e, no entanto, tivesse apresentado numa circunscrição uninominal um candidato vencedor, a questão colocar-se-ia exactamente nos mesmos termos, isto é, sem nenhuma representatividade distrital ou
Página 1296
regional, ele poderia ser eleito Deputado, se obtivesse a maioria dos votos no círculo uninominal.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Se me permite, Sr. Deputado, em rigor, não é nos mesmos termos, porque as pessoas nessa situação têm consciência de que estão a votar no candidato do partido ou do grupo de cidadãos eleitores e, ao votarem daquela forma, não estão a votar noutro qualquer. Portanto, em rigor…
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Estão a votar naquele cidadão!|
O Sr. Luís Sá (PCP): - Em rigor, pode dizer-se que não há uma ruptura integral. Isto é, os sistemas eleitorais têm sempre consequências - a sociologia eleitoral sabe-o bem - nos comportamentos eleitorais; eventualmente, até podem ter efeitos que favoreçam a bipolarização, etc. Portanto, nada disto é inteiramente inocente, como bem sabemos. Mas, apesar de tudo, há um respeito formal integral pela representação proporcional, num caso, ou em princípio tenderá a haver, e, no caso da hipótese admitida pelo Sr. Deputado e que agora está a confirmar, parece-me que há uma ruptura com a proporcionalidade.
O Sr. Presidente: - Este ponto está esclarecido, penso que não vale a pena continuarmos a discuti-lo.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, não vale a pena o PSD tomar tempo com esta discussão, pois, como o Sr. Presidente e os colegas sabem, não há da parte do PSD, na sua proposta, abertura à apresentação de candidaturas independentes para a Assembleia da República. Assim sendo, para nós, esta querela não faz sentido. Era pressuposto da querela haver candidaturas independentes, mas, como o PSD não as perfilha, não toma posição sobre essa matéria.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, o PSD já tomou posição. Em todo o caso, gostaria de dizer o seguinte: não conheço nenhum sistema de lista incompleta em que não se fixe o máximo e o mínimo dos candidatos da lista - aliás, no século XIX, já praticámos cá a lista incompleta, chamando-se, então, a lista da representação das minorias.
O Sr. Presidente: - E na I República, para as eleições municipais.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - No século XIX, já se praticou cá, larga e longamente. Agora, a possibilidade de uma lista incompleta ser uma lista singular, que aparece num círculo que deve eleger mais do que uma pessoa, e de, depois, os votos serem transferidos para onde façam jeito corresponde à institucionalização, em termos eleitorais, do caudilhismo - o caudilho põe-se à frente de uma lista, arrasta o eleitorado e, depois, os votos são dados a outros. Ora, assim, nesses termos, isto não faz sentido. Porém, gostaria de ouvir um comentário.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Deputado, julgo é que o confronto aqui é entre aquilo que se entende ser o conteúdo de um direito de participação política e aquilo que são as razões de funcionalidade do sistema. Portanto, o que faço é privilegiar aquilo que entendo ser o reforço do conteúdo de um direito de participação política, embora com eventual prejuízo - mas julgo que é menor ou pequeno - da funcionalidade do sistema. Obviamente, isto implicaria introduzir mecanismos de correcção, para que alguns destes inconvenientes fossem obviados, mas outros, porventura, nunca poderiam ser ultrapassados.
Agora, a questão que se coloca é a seguinte: discutindo sempre no plano dos princípios, na hipótese, já sabemos que remota ou mesmo inexistente, de haver abertura das candidaturas a cidadãos não inscritos em partidos políticos, a questão é saber se isso se faz com verdade ou não. E o que entendo é que abrir a possibilidade de candidaturas independentes, designadamente em sede de eleições legislativas, exigindo dos cidadãos independentes uma estrutura organizatória substancialmente equivalente à de um partido, ainda que à de um pequeno partido, equivale, na prática, a impedir o efeito útil desse novo direito que lhes seria conferido pela Constituição, pela simples razão de que, em muitas circunstâncias, os fenómenos são fenómenos locais, localizados, não têm a expressão nacional que se exige, designadamente à representação partidária, o que, obviamente, impediria, de facto, a realidade das candidaturas independentes. Portanto, isso, quanto muito, seria consagrar formalmente um direito que, na prática, dificilmente seria exercido ou, pelo menos, só poderia ser exercido cumprindo requisitos formais que, porventura, não correspondiam à realidade das coisas, como, aliás, já sucede designadamente com alguns pequenos partidos, que substancialmente não têm mais do que dois ou três candidatos, embora angariem uma lista de nomes para preencher as listas, o que, aliás, só conseguem fazer pela circunstância de ser evidente para os que dão a sua assinatura que não correm o risco de ser eleitos.
Assim sendo, julgo é que, entre a forma e a substância, há que privilegiar a substância - a questão fundamental é essa. E exigir o contrário, porventura, permitiria que qualquer cidadão angariasse um conjunto de nomes para se apresentar como lista, sendo certo que isso não teria qualquer correspondência na realidade, designadamente na vontade dos participantes nessa lista. Portanto, com algum prejuízo da funcionalidade do sistema, sobretudo na perspectiva - e obviamente que ela estava aqui antevista - de vir a ser possível a criação de círculos uninominais, ainda que de mera candidatura - ou não, na perspectiva do PSD, que é ligeiramente diferente, apesar de tudo, da perspectiva do PS, embora o resultado prático seja o mesmo -, pareceu-me que esta seria uma possibilidade que deveria ser salvaguardada nestes termos, sabendo que havia obviamente alguns riscos. Agora, o fenómeno do caudilhismo não é impedido pela circunstância inversa de se exigir a lista completa, não me parece que substancialmente as coisas se alterem a esse ponto.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Partido Socialista quer tomar posição sobre esta matéria? Eu reservo-me.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, a verdade é que nós também, salvo melhor opinião, pensamos que a questão está um tanto prejudicada pela posição assumida pelo PSD no artigo 116.º.
O Sr. Presidente: - E independentemente de estar prejudicada pela posição do PSD, que, de qualquer modo, do
Página 1297
meu ponto de vista, ainda aguardo que reveja, a verdade é que, mesmo que o PSD revisse a sua posição e fossem admitidas candidaturas de independentes à Assembleia da República, eu continuava a ser contra esta proposta do Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Nem eu esperava outra coisa!
O Sr. Presidente: - Isto é, mesmo com candidaturas independentes, há uma coisa que não concebo, que é candidaturas individuais a círculos plurinominais. E, em segundo lugar, mesmo quanto ao outro aspecto da proposta, isto é, no caso de vir a ser consagrado, como espero, um sistema eleitoral que compatibilize o sistema proporcional com circunscrições uninominais de candidatura, a verdade é que, mesmo nessa circunstância, entendo que as candidaturas independentes devem ser globais, isto é, globais a nível de círculo plurinominal. Portanto, só pode haver candidaturas a nível de círculo de apuramento e, portanto, as candidaturas independentes terão de ser candidaturas simultaneamente à lista e aos círculos uninominais do respectivo círculo plurinominal. Portanto, a meu ver, na minha opinião pessoal, mesmo que a proposta do PS de abertura às candidaturas independentes para a Assembleia da República osse contemplada, coisa que ainda espero que venha a ser, mesmo a título de hipótese, não apoiaria esta proposta do Deputado Cláudio Monteiro.
Fica, assim, prejudicada esta proposta.
Srs. Deputados, passamos, agora, ao artigo 157.º.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Aliás, a proposta revela à saciedade que há uma diferente concepção na teoria dos conflitos e dos consensos, perpassada, aliás, a propósito dos partidos regionais, da regionalização e, de certa forma, também do sistema eleitoral.
O Sr. Presidente: - O Sr. Deputado Cláudio Monteiro tem razão. Há um compromisso fundador do actual sistema político e ainda bem que o PS e o PSD se mantêm fiéis a alguns aspectos fundamentais desse compromisso fundador.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - No qual não me revejo inteiramente. Aliás, se tivesse idade e se tivesse participado nessa fase…
O Sr. Presidente: - E, de resto, o PCP aderiu a alguns aspectos fundamentais desse sistema político - digo-o com à-vontade.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, quero apenas fazer um comentário. Há aquelas duas atitudes de jurista, a saber: fiat justitia et pereat mundus, faça-se justiça e acabe o mundo - a pureza dos princípios - e salus populi suprema lex est, a salvação do povo é a lei suprema, princípio oposto ao anterior. Tem de se ver as consequências das coisas, tem de haver aqui uma atitude de consequência, de se saber o que resulta daqui, e as consequências não são lá grande coisa.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos, então, passar ao artigo 157.º - Incompatibilidades dos Deputados -, para o qual existe uma proposta do PCP, idêntica a uma sugestão do Prof. Jorge Miranda.
O Sr. Presidente: - Para apresentar a proposta, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, creio que a finalidade da proposta…
O Sr. Presidente: - Aliás, o Prof. Jorge Miranda defendeu-a aqui expressamente.
O Sr. Luís Sá (PCP) - Creio que a finalidade da proposta é evidente. O facto de o Prof. Jorge Miranda a ter defendido creio que torna ainda mais dispensáveis longas explicitações nessa matéria. Trata-se, acima de tudo, de garantir a independências das funções dos Deputados, a separação de poderes e, designadamente, que não ficam dependentes de nomeação por parte de órgãos executivos.
O Sr. Presidente: - Está em discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, queria fazer uma pergunta ao Partido Comunista, relativamente a esta proposta. Esta proposta visa impedir que Deputados possam ser membros do Conselho de Estado?
Pausa.
Se o Sr. Deputado quiser, posso dar outros exemplos. Visa impedir que Deputados possam ser membros do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações?
Pausa.
O Sr. Presidente: - Claramente que a proposta do PCP tem de ser reformulada, quanto às excepções.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Pode ser que, de facto, a intenção seja essa.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - É evidente que não, Sr. Deputado. Isto é, tem sido consensual, como é sabido, o facto de Deputados participarem em órgãos como os que referiu. Agora, o que me parece evidente, independentemente de toda a nossa abertura no sentido de a proposta ser reformulada para que não restem quaisquer dúvidas em relação ao tipo de situações que o Sr. Deputado referiu, é que, quando falamos de participar no Conselho de Estado, não estamos obviamente a falar de uma função que coloque o Deputado na dependência de órgãos executivos, que é aquilo que está, acima de tudo, em causa. Trata-se de uma função consultiva, particularmente do Presidente da República, não significa uma função de dependência e, eventualmente, de sujeição a um poder hierárquico por parte do Deputado.
O mesmo se pode dizer a propósito das funções que referiu de fiscalização do serviço de informações. É evidente que aí trata-se de controlar a legalidade e outros aspectos da actuação de um serviço e não de ficar dependente, mesmo hierarquicamente, de órgãos executivos.
Creio que estes são aspectos inteiramente excluídos, e as próprias perguntas que o Sr. Deputado formulou mostram bem que distingue aquilo que é uma situação de dependência
Página 1298
daquilo que é uma situação de mera participação em órgãos consultivos ou de fiscalização e controlo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à discussão a proposta.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, feito este esclarecimento por parte do Partido Comunista, o que pode estar aqui em causa - e penso que o Sr. Deputado Luís Sá concordará comigo -, e será esse, eventualmente, o propósito do Partido Comunista e dos proponentes, é a clarificação na Constituição da República de que os Deputados não podem exercer cargos cuja nomeação seja estranha à Assembleia da República. Ou seja, o exercício de funções de cargos no Estado por parte dos Deputados é, em princípio, possível, desde que esse exercício de funções não esteja dependente de um acto decisório de outro órgão de soberania, situação essa que inibe, diminui ou coarcta, no mínimo, a independência que é tão cara ao exercício do mandato de Deputado, na decorrência do princípio da separação de poderes e do mútuo controlo e fiscalização desses mesmos poderes.
Eu não coloquei a questão apenas com o intuito de colocar dificuldades, mas sim porque me parece que o cerne da questão é este. Mas é preciso que os proponentes clarifiquem se é ou não verdadeiramente essa a sua intenção, ou seja, que o que está aqui em causa não é um princípio de exclusividade como fim em si mesmo da função de Deputado mas, sim, uma preocupação de independência do exercício do cargo de Deputado e, nomeadamente, de independência do exercício de uma das suas funções mais nobres, que é a função que decorre da própria lógica do núcleo central, da lógica da separação de poderes, isto é, a função de fiscalização dentro do sistema de poderes separados.
Só os proponentes é que podem esclarecer em definitivo se é ou não essa a sua intenção, mas, se é essa, eventualmente poder-se-á reequacionar, numa outra formulação, uma proposta com esse alcance. É que, pela forma como este assunto vem colocado na proposta do Partido Comunista, parece que o problema, eventualmente, não seria esse e seria mais um problema a apontar para a exclusividade.
Repare que, por exemplo, esta questão, que me parece, de certa forma, pouco digna de figurar aqui, do gratuito ou temporário… Em especial a questão do gratuito parece-me uma coisa que não enobrece muito a função do Deputado. Inserir um requisito ou um critério deste tipo, que é quase um considerando, a nível do texto constitucional, penso não ser muito dignificante do exercício da função de Deputado.
Fundamentalmente a questão que, da parte do PSD, em termos políticos, gostaria de lhe colocar é esta: será que a intenção é, de facto, a de incluir aqui um preceito que, longe de preocupado com a lógica da exclusividade, seja virado para a independência, para a salvaguarda total do princípio da independência e da isenção dos Deputados no exercício das suas funções? Se for esta a intenção, eventualmente poderá haver alguma abertura do PSD para considerar essa hipótese, ainda sem sabermos se vamos chegar ou não a uma formulação que seja aceitável e que possa ser considerada um ganho em termos do texto constitucional. Mas, se não é essa a intenção, com franqueza, o PSD vê com muitas reservas o acrescento de qualquer norma constitucional nesta matéria.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, também penso que talvez fosse necessário, para podermos admitir a hipótese de vir a acolher esta alteração ou este aditamento, que ficasse claro que o exercício de funções pelos Deputados em representação da Assembleia da República não está aqui contido, porque já houve Deputados (não sei se haverá ainda) no Conselho Superior da Magistratura - por exemplo, há Deputados no Conselho de Estado…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Há muitos casos!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Há muitas situações! E, de facto, daqui não resulta muito clara esta situação.
Já em relação à proposta do Sr. Prof. Jorge Miranda, não é semelhante a esta, na minha opinião vai muito mais fundo.
A proposta do Partido Comunista, tanto quanto me parece ver, ressalva, por exemplo, a possibilidade de o Deputado ser membro de uma assembleia municipal, porque fala em funções de nomeação ou de coordenação, enquanto que a do Prof. Jorge Miranda diz: "Nenhum Deputado pode aceitar qualquer cargo ou função, mesmo a título gratuito, de qualquer órgão do Estado, das regiões autónomas ou do poder local".
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas ele fala em "aceitar"!
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Osvaldo Castro, acho que está a diabolizar o texto.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não sei.
O Sr. Presidente: - Parece o Sr. Deputado Luís Marques Guedes a ler as propostas do PS!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não sei, não estive cá e não assisti à explicação... Talvez os Srs. Deputados estejam em melhores condições... Mas a verdade é que me parece ir bastante mais longe.
De toda a maneira, mesmo em relação à proposta do PCP, que continuo a dizer me parece um minus em relação à proposta do Prof. Jorge Miranda, creio que careceria de uma explicitação que deixasse muito claro - aliás, o sentido, provavelmente, não era esse, não me parece que tenha sido esse - que o exercício de funções de Deputados, em certas situações e por indicação da Assembleia da República, não está aqui contido.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - O Deputado Osvaldo Castro diabolizou a proposta do Prof. Jorge Miranda e eu diabolizo as duas, porque confesso que, objectivamente, lendo qualquer uma das duas, não retiro delas a ideia de que permitem a acumulação com cargos autárquicos; pelo contrário, retiro daqui a ideia de que proíbe a acumulação com cargos autárquicos.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - A do PCP não visa isso!
Página 1299
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Este conceito de representação é um conceito um pouco ambíguo, porque o termo é multifacetado e, portanto, não sei se, objectivamente, o que pode ser retirado daqui é isso. Mas admito que não seja, e que, aparentemente, na intenção dos proponentes, não cabe aqui nesta realidade.
Em qualquer caso, voltando à teoria do conflito, nesta matéria sou favorável a um regime de transparência, e, na minha perspectiva, um regime de transparência não é compatível com um regime de proibições e de incompatibilidades muito apertado, pela simples razão de que o que interessa é saber qual é ou quais são, efectivamente, as dependências ou as possíveis fontes de parcialidade dos Deputados e não proibi-las objectivamente.
Não sou particularmente favorável a um reforço do regime de incompatibilidade, nem sequer ao actual sistema, sou favorável a um sistema muito mais leve em matéria de incompatibilidades em relação àquele que existe actualmente e, portanto, não vejo especial utilidade nestas novas incompatibilidades propostas, porque não considero estas situações como mais perigosas do que outras que, porventura, não estão hoje formalmente proibidas pela lei e que só num regime de transparência podem ser conhecidas e ser devidamente ponderadas.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Já agora, ouçamos o que é que o Sr. Deputado Barbosa de Melo tem para nos dizer.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Também fiquei com a ideia de que o Sr. Deputado Barbosa de Melo era o visado.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Não! Fiquei tranquilo, porque também o Sr. Deputado Carlos Carvalhas era "apanhado"...
Risos
Aí fiquei salvaguardado!
Alinho na seguinte consideração geral: o fundamental, neste caso, é a transparência, isto é, que todos saibam tudo a respeito de quem está aqui. No entanto, garante-se a independência através de proibições deste tipo?! Dessa forma garante-se alguma coisa?! Assim, não se vai é lançar uma suspeição sobre a dignidade do Deputado?! Poder-se-á pensar: "Estes indivíduos são tão malandros que até podem começar a exercer funções complicadas, funções em que perdem a droiture da sua conduta!" A minha atitude geral é, pois, a de ser o mais restrito possível nesta matéria.
Mas, realmente, há aqui uma coisa que não entendo, e não entendo até em termos europeus, comparando com outros Estados. Não há qualquer dúvida de que está aqui excluída a representação de qualquer órgão do poder local. Por exemplo, um membro de uma assembleia municipal não está! O presidente de uma assembleia municipal ou um deputado municipal estão em representação de um órgão de poder local. Não percebo aqui uma certa… Aliás, isto está no nosso sistema, é evidente que está, não estou aqui senão a levantar uma questão que me parece que deveria ser encarada também, se calhar ao nível do legislador e não ao nível da Constituição, porque se trata de uma matéria legislativa.
Porque é que, em certos termos, não hão-de ser cumuláveis mandatos? O que não pode ser cumulado são os vencimentos e os privilégios! Mas porque é que, por exemplo, um sujeito que pode satisfazer um sítio e outro não há-de poder ser presidente da sua junta de freguesia e Deputado?! Porque é que isto não pode ser permitido?!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Mas o PCP não quer…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Julgo, portanto, que esta lógica está fora das preocupações que deveríamos ter na reorganização deste espaço constitucional.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, quero agradecer ao Sr. Deputado Barbosa de Melo e aos outros Srs. Deputados por me permitirem prestar alguns esclarecimentos sobre as intenções subjacentes a esta proposta, que, efectivamente, não são, nem de perto nem de longe, aquelas que o Sr. Deputado referiu.
Nunca foi intenção levar tão longe esta proposta. Antes de mais, pelo seguinte: em primeiro lugar, quando estamos perante Deputados eleitos para o Conselho de Estado ou para o CGCEJ, para dar dois exemplos, creio não estarmos, em rigor, perante Deputados nomeados, estamos perante Deputados eleitos pela Assembleia da República; em segundo lugar, não estão, nem no sentido político, nem no sentido civil, em representação da Assembleia da República. São eleitos por ela, mas são independentes no exercício das suas funções, não estando sujeitos, designadamente, a qualquer mandato imperativo por parte do órgão que os elege.
Portanto, aceitamos qualquer clarificação das intenções, se isto suscita dúvidas, mas creio que, em rigor, não se pode deduzir da expressão "função de nomeação ou de representação" que isto abranja o Conselho de Estado, o CGCEJ ou o Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informação e de Segurança.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - O Sr. Deputado Carlos Carvalhas é nomeado, não é eleito!
Risos
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - É essa a pergunta que eu ia colocar!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Essa é uma questão particular! O Sr. Deputado Carlos Carvalhas, por exemplo, eventualmente, poderia ser abrangido; o Sr. Deputado Barbosa de Melo, obviamente, nunca seria. Mas, a respeito disso, já adianto uma proposta que talvez possa clarificar a situação.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Mas, segundo o projecto de revisão constitucional do PCP, o Sr. Deputado Carlos Carvalhas teria assento no Conselho de Estado por direito próprio, por ser secretário-geral do partido!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Deputado, em primeiro lugar, já manifestei abertura à reformulação adequada dessa
Página 1300
proposta, e creio que esse aspecto pode ser relevante, tanto mais que adiantarei uma proposta nesse sentido; em segundo lugar, creio que, mesmo estando a redacção como está, está inteiramente excluída a ideia de que a função de membro de uma assembleia municipal ou de uma assembleia de freguesia seja uma função de nomeação.
E é claro também para mim que aqui o conceito de representação não é o conceito de representação política oriundo do Direito Canónico é o conceito de representação oriundo do Direito Civil. Trata-se de um Deputado não poder representar o governo, não poder representar uma região autónoma numa negociação, eventualmente internacional, com outras regiões autónomas de outro ponto qualquer do país, etc. É uma função estrita de representação no sentido civil e não no sentido de representação política, com a tal inspiração canónica que frequentemente é atribuída ao termo. Portanto, creio que esse aspecto está aqui suficientemente claro. É a representação do Direito Civil e não qualquer outra e nunca foi nossa intenção excluir, designadamente, a possibilidade de um Deputado se candidatar a órgãos municipais ou de freguesia de carácter deliberativo.
Uma outra observação é a referência ao título gratuito ou temporário. Trata-se de uma clarificação que procura resolver dúvidas de interpretação, que não têm propriamente a ver com uma preocupação mesquinha de o Deputado ganhar ou não ganhar ou outra coisa qualquer, tem a ver estritamente com o facto de entender que o fundamental nesta matéria não é ganhar ou não ganhar o fundamental nesta matéria é não estar dependente dos órgãos em relação aos quais o Deputado deve ter plena independência para fiscalizar. É isto, efectivamente, que está em causa para nós.
Proponho talvez que se possa considerar, visto, a meu ver, haver aqui alguma abertura para a ideia, desde que devidamente reformulada, uma redacção, que, aliás, corresponderia às intenções do PCP, deste tipo: "Os Deputados não podem aceitar qualquer função de nomeação ou de representação do governo, de qualquer órgão da administração pública, das regiões autónomas ou do poder local,…" - se se quiser detalhar - "… mesmo a título gratuito ou temporário". Não fazendo questão absolutamente desta clarificação, que, eventualmente, pode ser útil.
Isto resolve o problema dos Deputados nomeados pelo Presidente da República para o Conselho de Estado e creio que resolve igualmente dúvidas que possam existir com a eleição de Deputados por parte da Assembleia da República para quaisquer órgãos, sendo que também nunca foi isso que esteve no nosso espírito, na medida em que partimos do princípio de que a Assembleia elege e não nomeia.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, se bem ouvi, a proposta seria refraseada, de modo a dizer: "Os Deputados não podem aceitar qualquer função de nomeação pelo governo, pela administração pública ou por qualquer órgão das regiões autónomas ou do poder local, mesmo a título gratuito ou temporário". É isto?
O Sr. Luís Sá (PCP): - Qualquer coisa como isso! Sendo que, obviamente, os órgãos das regiões autónomas ou do poder local também são órgãos da administração pública, portanto, pode ser redundante.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, querem pronunciar-se sobre esta nova formulação?
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Mas estou naturalmente aberto a examinar qualquer outra proposta no quadro das preocupações manifestadas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, assim à primeira vista, mesmo nesta reformulação, parece-me que ainda é uma reformulação incompleta, e tentarei explicar porquê.
Embora seja evidente que a lógica das funções de fiscalização… A Assembleia tem funções de fiscalização fundamentalmente em relação ao poder da administração, em qualquer circunstância devo dizer, com toda a franqueza, que me parece que não é inteiramente desejável misturar o exercício de funções de Deputado com funções na dependência directa do Governo da República. Sem fulanizar situações, penso até que na actualidade o problema não se coloca, mas ter-se-á colocado em legislaturas passadas, em que penso que chegou a haver Deputados desta Câmara que eram colaboradores permanentes ou regulares da Presidência da República.
Penso que são situações, de facto, indesejáveis na tal lógica, em abstracto, de independência e de isenção das funções de Deputado, tendo como pano de fundo fundamental o princípio da separação de poderes, porque é evidente que, se os Deputados não fiscalizam os actos directos do Presidente da República, como fazem aos actos do Governo, nos termos da Constituição, não deixam, do meu ponto de vista, pelas funções que têm de vigiar o cumprimento da Constituição, de ter, de uma maneira ou de outra, e num ou noutro tipo de situações, um papel, pelo menos ao nível político - e isso parece-me evidente - de controlo e fiscalização, no sentido da interdependência resultante da separação dos deveres, para com o Presidente da República.
O Presidente da República pratica actos relativamente a projectos e outros, relativamente a actos legislativos da Assembleia da República, e dirige mensagens políticas à Assembleia da República. Penso, por isso, ter, de facto, toda a lógica e vantagem - no plano abstracto, repito - a independência e a isenção no exercício das funções que lhe são cometidas que podem vincular o órgão de soberania Assembleia da República. Também relativamente a actos de nomeação não vinculada da parte do Presidente da República, do meu ponto de vista, devia ser claramente afastado.
É nesse sentido que o PSD, de resto como oportunamente referi, acolheu com bastante receptividade, em termos políticos, a proposta do Partido Comunista, no sentido de se equacionar a alteração do artigo da Constituição que tem a ver com a composição do Conselho de Estado, no sentido de cometer à representação dos líderes partidários um carácter vinculado e não facultativo, como actualmente existe, precisamente porque acho que daí é que decorre a total independência e isenção do exercício de funções, que, de outra forma, como a gente sabe, é o que é, e as coisas são como são.
Portanto, equacionar a formulação que o Sr. Deputado Luís Sá agora avança, parece-me, de qualquer maneira, ainda algo insatisfatória neste sentido. Porque, como referi, o que é importante é assentarmos, eventualmente, que o objectivo ou o bem a acautelar numa alteração à Constituição nesta sede tem a ver com a defesa do princípio da total independência que os Deputados devem guardar e salvaguardar em qualquer circunstância para o correcto 
Página 1301
exercício da sua função no plano da separação de poderes. Se assim é, estar apenas a citar nomeações da parte do Governo ou outras penso que é equacionar apenas parte da questão. Acho que, então, devíamos ir ao fundo da questão.
Penso que valia mais a pena haver um esforço da parte dos proponentes, se é este, de facto, o núcleo essencial da sua proposta, para tentarem equacionar uma formulação que não discriminasse situações, mas que tentasse ir ao cerne da questão, e o cerne da questão, do meu ponto de vista, é claramente inibir, incompatibilizar - porque o artigo fala de incompatibilidades -, o exercício do cargo de Deputado com quaisquer funções de nomeação discricionária por parte de outros órgãos de soberania, que não a Assembleia, porque, à partida, em relação a essa não tenho quaisquer dúvidas de que devia ser sempre incompatível, independentemente de, depois, poder haver algumas nomeações, que são feitas pela própria Assembleia da República e que, pela natureza dos cargos em si, também podem e devem ser consideradas em lei ordinária incompatíveis.
Agora, se há algo que tenha nobreza para ser colocado na Constituição esse algo tem a ver exactamente com o princípio geral e abstracto de inibir os Deputados de exercerem qualquer tipo de função para cuja nomeação discricionária concorra uma decisão de um órgão que não seja a própria Assembleia da República. Isso sim! Por aí talvez valesse a pena equacionar a questão, e, se houver uma qualquer formulação possível com esse teor, o Partido Social Democrata estaria aberto a encarar a hipótese. Se for proibir isto e não proibir aquilo, inibir isto e não inibir aquilo, sinceramente parece-nos que não há ganho significativo para a Constituição da República.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, estava mesmo de pé a nomeação de um membro para o Conselho de Estado por parte do Presidente da República ou a nomeação de um assessor para o seu quadro e não pessoal?!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Com certeza que não! Eu não comparei situações, Sr. Presidente! Se entendeu assim, peço desculpa.
O Sr. Presidente: - Mas sugeriu a mesma solução!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Não é provável é que um líder partidário fique dependente do Presidente pelo facto de ser nomeado!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente! Eu até referi, a propósito da questão do Conselho de Estado, uma discussão que já aqui tínhamos tido, em que o Partido Social Democrata assentiu claramente na vantagem política de uma proposta como aquela que tinha sido na altura formulada e reformulada, depois, pelo Deputado Luís Sá, que tinha a ver com a natureza vinculada do exercício dessas funções. Isso sim! Isso parece-me que…
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, de acordo com uma regra de transparência, quero começar por dizer que sou claramente parcial nas observações que vou produzir a seguir - parcial por força da minha profissão, designadamente, de advogado -, mas quero chamar a atenção para o facto de, de acordo com a reformulação da proposta feita pelo Deputado Luís Sá, a questão se ter transferido do nível político para o nível profissional também.
Isto é, tendo em conta o conceito civil de representação que é utilizado, já não estamos a falar só de cargos de nomeação ou de representação que tenham alguma carga política ou de confiança política subjacente, estamos a falar também, porque passam a ser objectivamente abrangidos por esta norma, o exercício de profissões e de actos individuais de profissão. E, nomeadamente, esta norma torna irreversível a proibição legal actualmente existente de exercer o patrocínio judiciário a favor de entidades públicas, designadamente a Administração Pública, por parte de advogados, que, até hoje, pelo menos, podem acumular o exercício da profissão com o exercício do mandato. Também é preciso ponderar estas consequências a este nível.
Como, aliás, sou contrário a essa norma actualmente em vigor na lei, por maioria de razão, cabendo essa realidade nesta norma, também teria de ser contrário a esta proposta, porque, mais uma vez, reafirmo que nesta matéria estabelecer-se objectivamente impedimentos, sem cuidar de considerar cada caso concreto como um caso concreto, cria situações de verdadeira aberração, designadamente pela circunstância de, como acontece na actual lei, se proibir que se litigue contra a Administração Pública ao mesmo tempo que se litiga em representação da Administração Pública.
Já fui posto perante uma circunstância em que tive de recusar o mandato de uma entidade pública, em que estava em causa o recurso contencioso, em acção popular, interposto por uma associação ambientalista contra a aprovação de um empreendimento turístico de grandes dimensões. Cheguei a esta brilhante conclusão: podia defender o particular, como recorri do particular, uma vez que não estava nem a exercer o mandato a favor de uma entidade pública nem a litigar contra o interesse público, porque do outro lado estava uma associação privada que perseguia interesses difusos, mas não podia exercer o mandato em representação da entidade pública, eventualmente em defesa da legalidade objectiva do acto, porque a lei me proíbe de prestar serviços a entidades públicas, e, portanto, por essa via, estava impedido. Portanto, "podia prestar serviços, numa perspectiva de uma pré-compreensão ecológica da questão àquele que era o cerne do mal, por assim dizer, ambiental, ou do dano ambiental", mas não podia prestar serviço a esta entidade pública ou a outra qualquer.
Portanto, julgo que estas consequências, no que diz respeito ao actual regime de transparência e ao que isto representa em termos de irreversibilidade de alguns dos seus preceitos, deveriam ser ponderadas também.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, ouvi o Sr. Deputado Luís Sá com muito gosto e com muita atenção, como faço sempre, mas ele disse uma coisa que me mostra, por A mais B, que esta proposta, mesmo na reformulação que fez, e, se calhar, até na reformulação que fez, não é aceitável. V. Ex.ª disse que o líder de um partido tinha sempre independência, que não precisava de ser garantida a independência.
Página 1302
O Sr. Luís Sá (PCP): - Eu não disse isso!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - A propósito da nomeação do Presidente da República disse que não havia problema nenhum, porque estava sempre garantida a sua independência.
Mas é assim que se deve raciocinar para todos os Deputados e não só para os líderes de partido.
O Sr. Presidente: - Não me cabe defender o Deputado Luís Sá nesta matéria, mas penso que as coisas não foram postas assim.
Srs. Deputados, em que é que ficamos?
Pausa.
A proposta do PCP, mesmo reformulada nos termos em que o foi, não merece acolhimento por parte do PS…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, nós temos, enfim, alguma abertura, ainda que pensemos que a formulação está um pouco ao acaso. Mas, enfim, o próprio Deputado Luís Sá admitiu poder ainda aceitar outras hipóteses, porque, mesmo assim, parece haver alguma zona de dúvida.
Portanto, nós, com reservas, podemos manifestar alguma abertura.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Em primeiro lugar, quero dizer o seguinte: a questão da nomeação…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, peço desculpa por interromper, mas há pouco fiz uma pergunta ao Deputado Marques Guedes e faço-lha também a si.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Diga, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: - Não crê que esta incompatibilidade tabelar se aplica também, por exemplo, aos cargos para os serviços do Presidente da República e, portanto, não se deve admitir que um Deputado seja assessor do Presidente da República?
O Sr. Luís Sá (PCP): - Para mim, deve ser excluído, Sr. Presidente.
A proposta foi reformulada tendo em conta as observações feitas pelos Srs. Deputados do PSD, a propósito da nomeação de líderes partidários para o Conselho de Estado ou, eventualmente, de outros Deputados que o Sr. Presidente da República venha a entender nomear e que são membros de um órgão consultivo, pelo que não estarão lá em representação do Presidente da República, como parece evidente, e a sua independência não será afectada por esse facto. De resto, o PSD, em determinado momento, quando manifestou abertura em relação à proposta do PCP de os líderes partidários, que não estivessem a outro título, estarem por direito próprio e não por nomeação do Presidente, pareceu, pelo menos em determinado momento, ter a ideia de retirar, digamos, à quota do Presidente, à quota de nomeações do Presidente. E foi nesse sentido que houve, aqui, sim, reserva, porque, naturalmente, se for uma aceitação sem tal dependência, óptimo, fica resolvido o problema. Por mim, não tenho qualquer dúvida de que um Deputado não deveria exercer funções que o colocassem na dependência do Presidente da República. Isto é algo perfeitamente claro!
O que me parece ser importante, neste contexto, é o seguinte: garantir a independência do Deputado, designadamente que ele não esteja numa posição em que seja sujeito às instruções, ordens ou directivas daqueles que deve fiscalizar, porque, em última instância, deve ter toda a independência para se pronunciar sobre os respectivos actos. E, nesse sentido, até nem tenho grandes dúvidas de que, por exemplo, é correcto que um advogado não seja nomeado pelo Estado para litigar contra terceiros ou nomeado por terceiros para litigar contra o Estado ou outras entidades públicas. Parece-me algo que se justifica plenamente. O Sr. Deputado Cláudio Monteiro, naturalmente, desculpar-me-á a discordância mas considero que é uma incompatibilidade que se justifica inteiramente.
O Sr. Presidente: - O Deputado Cláudio Monteiro foi pro domo sua.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sem dúvida! Aliás, teve a frontalidade de o dizer.
Sr. Presidente, tendo em conta, por um lado, a abertura de princípio manifestada, embora com reservas, e, por outro, as observações que foram formuladas, faço a seguinte proposta: que todos nós pensemos melhor - e, naturalmente, nesta matéria, devido à especial qualificação, justifica-se um apelo ao Sr. Presidente que, pela nossa parte, também tentaremos fazer - nos contornos exactos de uma norma sobre esta matéria que tenha o sentido das proporções e salvaguarde, simultaneamente, o princípio que queremos assegurar e que, ao mesmo tempo, possa ser aceite por todos devido à sua razoabilidade.
Quero dizer que, para mim, como é evidente, propostas deste tipo não significam, de forma nenhuma, dúvidas acerca da independência ou da honorabilidade de qualquer dos Deputados presentes ou ausentes. Trata-se, pura e simplesmente, de consagrar princípios que parecem ser fundamentais, sem que isto tenha rigorosamente nada a ver com a ideia de que o líder partidário tem mais possibilidades de ser independente do que o Deputado ou qualquer outra coisa desse tipo. Não se trata de apreciar pessoas, trata-se de definir um estatuto constitucional de funções, tendo em conta, naturalmente, os Deputados que estão em funções mas tendo em conta, sobretudo, relações abstractas de poder, porque é isso, acima de tudo, que nos parece que deve constituir preocupação fundamental nesta matéria.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a posição é a seguinte: o PS mostra abertura para considerar esta proposta do PCP, com a reformulação que lhe foi dada; o PSD admite considerar uma fórmula que abranja todos os cargos de nomeação extraparlamentar e não apenas os de nomeação governamental ou da Administração Pública.
Assim sendo, vamos ficar neste estado, porque, enquanto não se obtiver uma outra formulação, não me parece que avancemos muito.
Vamos passar ao artigo 158.º, relativamente ao qual existe uma proposta do Partido Socialista para o n.º 1, que é a única, e que consiste, essencialmente, em alterar a primeira parte no seguinte sentido: "Os Deputados exercem livremente o seu mandato, sendo-lhes garantidas condições(…)", a qual, de resto, não me parece ter grande ligação com a segunda parte.
Página 1303
Para apresentar a proposta, tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, o sentido desta proposta é apenas o de fazer uma reafirmação, mas deve ser visto, talvez, em conjugação com uma proposta que faremos em relação ao artigo seguinte, que é a da possibilidade de apresentar e suscitar o agendamento de projectos de lei. Queremos deixar a nota de que os Deputados devem, cada vez mais, valer por si e não tão-só como membros dos grupos parlamentares respectivos.
Evidentemente, a afirmação aqui feita não contraria em nada a ideia de que os Deputados até hoje exercem livremente os seus mandatos, tem o sentido de um reforço, e apenas isso, de uma melhor explicitação e de, como disse, possibilitar, de algum modo, uma intervenção mais operativa e eficaz dos Deputados, mesmo em relação ao aspecto fundamental que é o processo legislativo. É que, como sabem, hoje, um Deputado, muitas vezes, apresenta um projecto de lei - bom ou mau, não é isso que está em causa - que é agendado quando a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, isso tem a ver com o artigo 159.º e não com o artigo 158.º.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sim! Mas, enfim, de algum modo, é a explicitação…
O Sr. Presidente: - O artigo 158.º tem a ver com o exercício livre, tem a ver com tomadas de posição e, se calhar, com votações. É a isto que se dirige o princípio do exercício livre do mandato.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não só!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Tinha um pedido de esclarecimento que incidia precisamente…
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Cláudio Monteiro, vou dar-lhe a palavra mas quero que se limite ao pedido de esclarecimento e que não faça, antecipadamente, uma intervenção para discussão.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não, Sr. Presidente! Quero apenas saber se, por esta via, se inconstitucionalizam ou não normas estatutárias de partidos e/ou grupos parlamentares que impõem disciplina de voto.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Mas essas normas já são inconstitucionais!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Há alguma doutrina que diz que sim, mas…
O Sr. Presidente: - Está escrito em boas teses doutrinárias, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Há muito tempo!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sr. Presidente, é evidente que isso não é posto em causa, porque já hoje os Deputados podem exercer livremente o seu voto. A disciplina de voto é uma questão do foro interno dos respectivos partidos e grupos parlamentares. Agora, rigorosamente, em muitas situações, os Deputados exercem o voto como muito bem entendem. E vamos ter um exemplo concreto, se calhar, em breve, em todos os partidos, numa questão que é transversal…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A regionalização?!
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não! Mas aí também!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão esta proposta.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Por exemplo, no Partido Social Democrata, o Professor Marcelo Rebelo de Sousa…
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está em discussão a proposta do PS, de inserir na Constituição o princípio do exercício livre do mandato dos Deputados.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, para nós, é evidente que o princípio da liberdade do mandato deve ser consagrado, o problema é saber o que é que esta proposta traz de verdadeiramente novo, sendo certo que toda a doutrina tem sido de opinião que o mandato imperativo de partido já está actualmente proibido pela Constituição. Não houve até ao momento nenhuma dúvida na matéria, nunca vi ninguém defender a constitucionalidade do mandato imperativo de partido, pelo contrário, a mesma dúvida aqui colocada pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro foi resolvida pela doutrina exactamente no sentido da inconstitucionalidade dessas normas, independentemente de, como é sabido, isso não ter efeitos práticos.
Portanto, fico com esta dúvida: o que é que há de novo? O que é conseguido, em termos práticos, que não esteja já garantido? Parece que é o mandato representativo da nação e não propriamente do círculo, tanto que já está consagrado, nem o mandato de partido, mas isto é inteiramente pacífico.
Quanto ao princípio, não tenho qualquer dúvida.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, a proposta continua em discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, realmente, a ideia que fica é a de que esta primeira parte, aquilo que é novo,…
O Sr. Presidente: - É a primeira parte.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - … que é o primeiro inciso, a primeira frase, no fundo, significa proibir o que já está proibido. Não há mandato vinculativo entre nós! Essas normas, aliás, isso já foi aqui dito pelo Sr. Deputado Osvaldo Castro, as normas dos estatutos dos partidos são, quanto muito, normas de carácter disciplinar, normas internas que não têm relevância externa. Externamente, o Deputado não está vinculado, emite o seu voto livremente. Colhe-se isso de vários preceitos! Essa ideia foi sempre rejeitada! No período da Constituinte, em alguns momentos, pelo menos no discurso político, houve tentativas
Página 1304
para se falar na vinculatividade do mandato, mas isso foi sempre recusado!
Não sei, mas, realmente, parece-me que não há grande utilidade nesta proposta, se é que há alguma.
O Sr. Presidente: - Para enterrar postumamente o conceito leninista de Deputado, tem a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
Risos.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Só se for!
Risos.
Não, não é isso! Parece-me... Aliás, associo-me e assumo que é uma reafirmação um tanto tautológica de um conjunto de valores que, de facto, já existem. É verdade! Portanto, ou é aceitável ou não é aceitável.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, em que é que ficamos?
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - O Sr. Deputado Luís Marques Guedes está a ver se encontra a explicação no preâmbulo da nossa…
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, não tendo razão de queixa da direcção do meu grupo parlamentar, na minha qualidade de Deputado independente, como é evidente, saúdo vivamente quaisquer reafirmações, no texto constitucional, da liberdade e do reforço do papel individual dos Deputados. Admito que já estivesse proibido pela Constituição, e já estaria seguramente proibido pela Constituição quando ela estabelece que o mandato é um mandato da nação, não do círculo e muito menos dos partidos, mas não deixa de ser verdade que isto torna mais incisiva a proibição.
Por outro lado, não partilho inteiramente daquilo que disse o Deputado Barbosa de Melo, e que, de alguma forma, foi sugerido pelo Deputado Marques Guedes, quanto ao carácter meramente interno das normas estatutárias dos partidos e grupos parlamentares, sobretudo quando elas impõem vinculações que se projectam externamente. Obviamente, elas produzem algum efeito externo, para além de que, mesmo sendo normas internas, na medida em que regem relações entre cidadãos e organizações, de acordo com a teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, se o que estiver em causa forem direitos de participação política, e são,…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Projectam-se nos direitos fundamentais!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - … é evidente que elas terão projecção também a esse nível, embora admita que já a teriam antes e que, portanto, como disse o Deputado Luís Sá, isso já estava proibido. Já estava proibido, a questão é a de saber se tinha algum efeito prático.
Mas, digamos, entendo que esta norma tem apenas a virtude de tornar claro, pela positiva, algo que só resultava pela negativa, algo que só resultava a contrario da natureza do mandato.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, como ninguém mais se pronuncia, pela minha parte, vejo com alguma vantagem a introdução ou a reafirmação explícita deste princípio, até em face da afirmação do império dos partidos sobre os Deputados. E digo-o também pro domo mea, uma vez que, sendo Deputado independente, trata-se de uma medida cautelar.
Risos.
Mas, em geral, independentemente disso, penso que a afirmação da liberdade de exercício do mandato de Deputado, quer a nível da expressão, quer a nível da votação, é um elemento importante. E, neste caso, apesar das objecções derivadas do princípio da desnecessidade ou da reiteração, em que, aliás, também costumo insistir, creio que esta norma teria um valor reafirmativo que não me parece despiciendo, em face de duas décadas de crescente império das direcções partidárias sobre o mandato dos Deputados. Porém, está visto que não há abertura para isso…
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sem prejuízo do que disse, Sr. Presidente, se me permite, quero apenas acrescentar que, há pouco, disse algo que é verdadeiro: é que introduzir isto dentro da norma já existente…
O Sr. Presidente: - Não tem sentido.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - … retira dignidade à norma. O princípio tem de ser afirmado tout court…
O Sr. Presidente: - Teria de ser afirmado a título autónomo, não podia ser no mesmo número.
A liberdade de exercício do mandato de Deputado nada tem a ver com as condições adequadas ou eficazes, ou seja, a ser assim, estariam aí duas coisas misturadas.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Sim! Admito que isso se pudesse separar por números.
O Sr. Presidente: - Aí, o PS utilizou um princípio de economia formal que não me parece asado. Teria sido mais vantajoso afirmá-lo como princípio autónomo.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - É uma visão tecnocrática, a de que a liberdade se garante com a eficácia.
O Sr. Presidente: - O PCP manifestou objecções mas gostava de saber se isso significa não abertura. O mesmo se diga em relação ao PSD, que também manifestou objecções, pelo que gostaria de saber se isso significa eliminar, à partida, a consideração desta hipótese.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quero acrescentar aqui uma reflexão que ainda não foi feita e que me parece que, em qualquer circunstância, também deve pesar na análise que fazemos desta proposta. Ou seja, no fundo, estava na dúvida sobre se deveria intervir ou não mas, agora, com esta última reflexão, penso que é oportuno.
Se é verdade aquilo que o Sr. Presidente e o Sr. Deputado Cláudio Monteiro acabaram agora de dizer, que misturar a liberdade de exercício com a eficácia de exercício é algo pouco conseguido, devo dizer que me parece, desde 
Página 1305
logo, que a liberdade que se pretende aqui consagrar para a função do Deputado nem sequer tem a ver com este artigo, que é o do exercício da função de Deputado. E isto, sob pena de se poder retirar desse princípio, uma vez que se trata aqui do exercício da função de Deputado, que esta liberdade, depois, tem de ter expressão, em termos regimentais, no exercício da função. É que se se pretende consagrar aqui, a nível do artigo que tem a ver com o exercício da função de Deputado, a lógica da liberdade, e isso poderá levar-nos à conclusão de que, por exemplo, em termos de Regimento da Assembleia da República, depois, terão de ser consagrados mecanismos que permitam, inequivocamente, a cada Deputado, individualmente, exercer livremente a sua função, uma vez que este artigo é o artigo do exercício da função.
Portanto, é preciso cautela, porque uma coisa é o princípio geral em relação ao qual todos estamos de acordo que já existe na Constituição. Obviamente, enquanto titular de um órgão de soberania, quanto mais não seja,… O princípio da liberdade é parte integrante, é um substracto necessário de qualquer titular de um órgão de soberania, nomeadamente de um Deputado, como é de qualquer cidadão. Agora, tentar incluir isto aqui, neste artigo do exercício da função?!… Enfim, chamo a atenção para isso! É que, a seguir, tínhamos de agarrar nisto e fazer aqui grandes obras - uma revolução! -, no sentido de dar a todos os Deputados competências perfeitamente pessoais e unilaterais para o exercício da sua função, sublinho, para o exercício da sua função de Deputado. Isto, sob pena de, depois, obviamente, se poder perguntar: que raio de liberdade é essa que, depois, não é traduzida regimentalmente, no sentido de ele poder fazer aquilo que a sua função exige e para o qual é competente?!
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Deputado, peço desculpa, mas há aqui um equívoco.
Quanto à questão da mistura entre a liberdade e a eficácia, julgo que ela resulta da distinção que o próprio texto constitucional faz entre liberdades e garantias. As condições que garantem um exercício eficaz são quanto muito garantias da liberdade mas não se confundem com a própria liberdade. Esta é a primeira questão.
Quanto à segunda questão, a afirmação do princípio, obviamente, não dispensa de encontrar o seu conteúdo ao nível do texto constitucional, antes de chegar aos textos infraconstitucionais. O artigo 159.º trata dos poderes dos Deputados e, portanto, consubstanciará o princípio. E lá chegaremos, com as minhas propostas para o artigo 159.º.
O Sr. Presidente: - Para já, não há abertura do PSD para considerar a proposta, pelo que, pelo menos nesta fase, ela fica prejudicada.
Vamos passar ao artigo 159.º.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, peço desculpa, mas só para ficar perfeitamente elucidado nos meus apontamentos desta primeira leitura, a proposta de substituição de "exercício" por "desempenho" não tem conteúdo. Ou tem? Quer dizer, é uma mera opção literária?!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sim! É por causa do "exercem livremente".
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 159.º.
Em relação à alínea b) deste artigo, existem propostas do PS, do PSD e do Deputado Cláudio Monteiro e outros.
O PS acrescenta a ideia de que os Deputados têm direito a suscitar o respectivo agendamento, o PSD acrescenta a ideia de apresentar projectos de referendo, o Deputado Cláudio Monteiro e outros acrescentam a ideia de apresentar projectos de Regimento.
Vou dar a palavra aos proponentes, para apresentarem os respectivos projectos, por esta ordem,…
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, antes, permito-me chamar a atenção de que, em relação à questão do Regimento, embora com outra inserção sistemática, também há uma proposta do PCP.
O Sr. Presidente: - Exacto! O PCP acrescenta uma nova alínea, com o sentido de apresentar projectos de alteração do Regimento da Assembleia. Assim sendo, pode entrar nesta discussão, já que tem atinência com a proposta do Deputado Cláudio Monteiro e outros.
Agora, sim, tem, então, a palavra o Sr. Deputado Osvaldo Castro.
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Tal como há pouco referi, o aditamento que aqui se pretende incluir vai no sentido de garantir aos Deputados a possibilidade de, tendo eles já o direito consagrado de apresentar projectos de lei, poderem suscitar o respectivo agendamento. Isso, hoje, não está garantido, há uma dependência, de facto, das direcções dos grupos parlamentares, porque isso é decidido na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares, e parece-nos que poderia ser um ganho no sentido do exercício mais livre das funções de Deputado - entendo eu e, por isso, há pouco, fiz esta referência, embora o Sr. Presidente tenha um entendimento diferente - que tal sucedesse sem dependência da direcção do grupo parlamentar. A verdade é que há inúmeros projectos de lei, e penso que os Srs. Deputados ou, pelo menos alguns, saberão isso melhor do que eu, em relação aos quais não discuto agora a valia, que, por vezes, morrem nas gavetas, porque, por razões de conjuntura, de conveniência política ou outra, as direcções dos grupos parlamentares - e falo em geral - não permitem o seu agendamento. É este, no essencial, o sentido da proposta.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, permite-me o uso da palavra?
O Sr. Presidente: - Pede a palavra para que efeito, Sr. Deputado Cláudio Monteiro?
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, é para esclarecer uma dúvida. É que o termo "suscitar" suscita-me a seguinte dúvida: está em causa suscitar uma decisão sobre o agendamento ou impor potestativamente, para usar, talvez, a expressão parlamentar não própria,…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não! Não é isso, a palavra "suscitar" está aqui aplicada no sentido de "solicitar" o respectivo agendamento.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Agendar o agendamento!
Página 1306
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Não! É no sentido de que a Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares se pronuncie sobre isso, porque a Conferência pode considerar que tal agendamento só se poderá fazer passados três meses, cinco meses, dez meses. Mas não se pretende garantir um direito potestativo, obviamente, porque, então, enfim, 230 Deputados com direitos potestativos seria a barafunda total.
Portanto, não é isso que está em causa, o que está em causa é obter uma decisão…
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - (Por não ter falado ao microfone, não foi possível registar as palavras do orador).
O Sr. Osvaldo Castro (PS): - Pois! Provavelmente! Aliás, o Sr. Deputado Marques Guedes, há pouco, falou do Regimento, e também iremos falar disso, mas é evidente que começa a verificar-se que este Regimento, hoje, não dá resposta a um conjunto de situações que se vêm colocando e, portanto, ele próprio terá de ser alterado. E se isto for consagrado constitucionalmente vai ser necessário encontrar, em sede de Regimento, os mecanismos adequados para que isto se processe.
Em todo o caso, não estamos a falar de um direito potestativo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, continuando a apresentação dos projectos, vou dar a palavra ao Sr. Deputado Luís Sá, para apresentar o projecto do PCP, que vai no sentido de explicitar constitucionalmente um direito que já existe, como é óbvio, e que é o de apresentar projectos de alteração do Regimento à Assembleia.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, esta proposta é suscitada pelo facto de este direito, aliás, a meu ver, talvez em termos de constitucionalidade duvidosa, ter sido vedado durante muito tempo pelo Regimento da Assembleia da República.
O Sr. Presidente: - Verdade?!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Concretamente, o artigo 291.º do actual Regimento estabelece que ele só pode ser alterado pela Assembleia da República, por iniciativa de, pelo menos, um décimo dos Deputados.
O Sr. Presidente: - Quem é que aprovou tal coisa?!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Naturalmente, isto corresponde, como é sabido, quanto ao sistema partidário, a reservar para o PS e para o PSD o direito de iniciativa de alteração do Regimento.
Nesta matéria, importa referir a resolução da Assembleia da República n.º 15/96, de 29 de Fevereiro, que alterou esta norma, e em boa hora o fez, no sentido de estabelecer que o Regimento pode ser alterado pela Assembleia da República por iniciativa de qualquer Deputado. No entanto, creio que a simples experiência que vivemos aponta para a utilidade da consagração deste direito dos Deputados na Constituição, de modo a que não se volte a consagrar uma norma do tipo daquela que acabei de referir e que, como é sabido, vigorou durante muito tempo.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados do PSD…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quero falar primeiro sobre a proposta do Partido Socialista…
O Sr. Presidente: - Iremos lá depois, Sr. Deputado.
Para já, quero que apresentem a proposta do PSD relativa à alínea b).
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, é uma coisa muito simples, é uma proposta que entendemos que vai ao encontro da necessidade de reparar um lapso do texto vigente.
Quando se introduziu o princípio do referendo, não foi regulado quem tinha a iniciativa, pelo que o projecto do PSD visa colmatar essa lacuna.
O Sr. Presidente: - Está no artigo 170.º, Sr. Deputado Barbosa de Melo. Quanto muito é uma lacuna localizada, porque está expresso no artigo 170.º o direito de os Deputados apresentarem propostas de referendo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Mas aqui, neste ponto! Senão também lhe digo que era inútil esta fórmula! E, se ela está aqui, é para alguma coisa! Falta cá, todavia, um aspecto importante que também está adiante e que, se vale para uma coisa, também vale para esta, para o referendo. Em todo o caso, julgo que a proposta do PSD contém, ela própria, uma deficiente redacção, visto que, no texto vigente do artigo 118.º, e até na própria que o PSD apresentou (que, aliás, não teve vencimento), se fala em proposta de referendo e não em projecto de referendo. De maneira que, onde está escrito "projecto de referendo" talvez deva ler-se "proposta de referendo" para a linguagem ficar harmonizada.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro para apresentar a sua proposta que é, no fundo, convergente com a do PCP.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS):   Sr. Presidente, para além da circunstância histórica de o direito de iniciativa em matéria regimental ter sido coarctado durante muito tempo, julgo ser uma decorrência lógica do princípio ou do brocardo jurídico "quem pode o mais pode o menos". Dado que o Deputado tem iniciativa em matéria de lei fundamental, tanto mais que, tratando-se de um procedimento especial e estando a Assembleia investida em poderes de revisão constitucional, determina automaticamente o início do processo de revisão constitucional sem dependência de agendamento por parte da conferência de líderes, não faria sentido que o Deputado pudesse apresentar iniciativas em matéria de alteração à Lei Constitucional e não pudesse apresentar iniciativas em matéria de alteração ao próprio Regimento da Assembleia da República.
Julgo que, de todas as intervenções que foram feitas, ressalta a ideia de que o Deputado deve ter iniciativa em todas as matérias para as quais a Assembleia seja competente. Se calhar, uma formulação genérica dessas permitiria resolver todas as propostas que foram aqui apresentadas, à excepção da do PS, que é ligeiramente divergente porque tem a ver com um outro problema que não o da iniciativa propriamente dita, tem a ver com uma garantia da iniciativa.
O Sr. Presidente: Sr. Deputado, penso que há competências parlamentares que, pela sua própria natureza, não
Página 1307
podem ser exercidas individualmente. Por exemplo, não vejo como é que moções de censura devam ser admitidas individualmente. Portanto, esta forma genérica talvez não fosse uma boa solução.
Vamos passar à discussão. Aguardo que os Srs. Deputados tomem posição sobre as propostas alheias.
Sr. Deputado Marques Guedes, tem a palavra.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD):   Sr. Presidente, quanto à proposta apresentada pelo PS, o Sr. Deputado Osvaldo de Castro expressou claramente a posição de os proponentes não pretenderem constituir um direito potestativo de agendamento Devo dizer, desde já, que um direito potestativo era completamente errado pelas mesmas razões que o próprio Sr. Deputado Osvaldo Castro enunciou, e muito bem - nem que fosse 1 por sessão legislativa, 230 agendamentos potestativos esmagam totalmente a capacidade em qualquer sessão legislativa de produção de diplomas legais.
Mas, uma vez que ele deixou claro que não é essa a intenção, diria que a proposta não tem grande sentido. Gostaria de lembrar ao PS que já existe, regimentalmente, o chamado processo de urgência, processo de urgência esse que é desencadeado actualmente por iniciativa do próprio Deputado. Ou seja, nos termos regimentais de funcionamento da Assembleia, o Deputado, aquando da apresentação de um qualquer projecto de lei ou de resolução, pode suscitar o pedido de urgência, caso em que, nos termos regimentais, são, automática e obrigatoriamente, cumpridos determinado tipo de prazos, quer por parte do Presidente da Assembleia, quer por parte da respectiva Comissão, quer por submissão, pela Conferência, a Plenário para decisão. Portanto, a não ser que seja aquilo que seria uma solução, do meu ponto de vista também claramente errada, de criar um direito potestativo propriamente dito, o simples suscitar do agendamento, na prática, é suscitar a urgência do agendamento, e o processo de urgência é algo que já está actualmente regulamentado, que já existe pacificamente e não me parece que seja algo a carecer de uma cobertura constitucional, até porque uma alteração de Constituição neste sentido redundaria numa fonte clara de equívocos quanto ao alcance e à interpretação correcta a dar desta alteração constitucional. Sinceramente, não vejo, pois, vantagem nesta proposta.
Quanto à proposta do PCP, como o Sr. Deputado Luís Sá acabou de referir, o assunto já foi ultrapassado na última sessão legislativa. Actualmente, penso que já está votada a alteração - tratou-se de uma proposta apresentada na 1.ª Comissão - ao Regimento, pelo que, neste momento, o problema felizmente não se coloca.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Até nova maioria absoluta, Sr. Deputado!
O Sr. Presidente: Até nova maioria da PSD!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Espero que o PS nunca venha a ter uma maioria absoluta!
O Sr. Luís Sá (PCP): A História demonstrou que é útil acautelar!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Em qualquer circunstância, devo dizer o seguinte: penso que se tratava de uma daquelas normas regimentais em que o problema era de constitucionalidade - como haverá outras, várias, no Regimento. A questão, eventualmente, era a de a minoria nunca ter suscitado o problema da constitucionalidade. Manifestamente, parece-me que estão a acusar a maioria, mas eu devolvo… Eu não fazia parte da maioria na Assembleia,... mas devolvo um bocadinho em termos técnico-jurídicos…
O Sr. Osvaldo Castro (PS): Fazia parte da maioria nomeada, era mais grave!
O Sr. Luís Sá (PCP): Sr. Deputado, se me permite, para suscitar a fiscalização de constitucionalidade também é preciso um número mínimo de Deputados como bem sabe.
Risos.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): O Regimento da Assembleia é aprovado por lei. E como os Deputados podem apresentar projectos de resolução, penso que cada Deputado apresentava e depois o Presidente da Assembleia da República que se precavesse com isso! Com toda a franqueza o digo!
O Sr. Presidente: E não havia recurso dessa decisão?!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Ninguém faria essa maldade ao anterior Presidente da Assembleia da República!
Risos
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Havia recurso para Plenário! Há sempre recurso para Plenário!
O Sr. Presidente: Mas não havia recurso da decisão de constitucionalidade dessa decisão.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Mas, em qualquer circunstância...
O Sr. Presidente:   Srs. Deputados, vamos avançar.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD):   Sr. Presidente, gostaria de ver esta questão mais explicitada.
Pergunto-me se o que é proposto já não existe?! Um Deputado não pode dirigir-se ao Presidente da Assembleia da República e pedir-lhe, requerer-lhe que agende, que ponha à consideração da conferência de líderes o agendamento de um projecto de que é autor?! Acho que pode, tem este direito. "Suscitar" é mais do que isto? Se não é um direito potestativo - obviamente, não pode ser -, já não faz parte dos poderes gerais do Deputado dirigir-se ao Presidente, em conferência de líderes parlamentares, pedindo-lhe que o seu projecto, o projecto de que é autor, seja agendado?!
Compreendo a preocupação, e que se trata de uma preocupação que deve ser aqui analisada com serenidade. Aquando da última revisão do Regimento, houve um ponto importante, que veio a consagrar-se no artigo 81.º, n.º 2, que foi o de dar a cada Deputado, pelo período máximo de 10 minutos, o direito de falar sobre um assunto ou vários que ele escolha, à revelia do seu grupo parlamentar - é um direito próprio, um direito potestativo do Deputado. 
Página 1308
E desde que entrou em vigor, em 1993,, houve sempre, em cada sessão legislativa, vários Deputados que fizeram intervenções ao abrigo desse direito.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Não antecipe a discussão da alínea c), Sr. Deputado!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Não estou a antecipar, estou a dizer que me parece que, no que diz respeito a suscitar o problema perante o Presidente da Assembleia, já é possível hoje. Não será de imaginar aqui mais alguma coisa para dar resposta...
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): E quanto a obter uma decisão sobre o respectivo agendamento?
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Uma resposta da conferência de líderes. "Suscitar" é curto; "requerer" era mais forte.
O Sr. Osvaldo Castro (PS):   Se me dá licença, Sr. Presidente, queria só dar um esclarecimento.
Admito que se possa encontrar uma palavra mais forte, visto que o Sr. Deputado Barbosa de Melo apanhou claramente a ideia do que se pretende; não se pode é chegar lá pelo artigo 77.º do Regimento, a que aludiu o Sr. Deputado Marques Guedes, porque os debates de urgência são…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Trata-se do processo legislativo de urgência, que consta do artigo 286.º do Regimento.
O Sr. Presidente: Pode não ter nada a ver com urgência...
O Sr. Osvaldo Castro (PS): Mas aquilo a que o Sr. Deputado Luís Marques Guedes há pouco se referiu, que era o debate de urgência, é só para grupos parlamentares…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Não foi a isso que me referi. O processo de urgência é um processo legislativo próprio, está no Regimento.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Consta do artigo 286º, n.º 1, do Regimento, que diz: "A iniciativa de adopção de processo de urgência compete a qualquer Deputado ou grupo parlamentar, ao Governo e, em relação a qualquer proposta de lei da sua iniciativa, às assembleias legislativas regionais".
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): E, depois, fala em prazos.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Diz ainda o n.º 2 desse mesmo artigo: "O Presidente envia o pedido de urgência à comissão competente, que o aprecia e elabora um parecer fundamentado no prazo de quarenta e oito horas." E o n.º 3 segue dizendo: "Elaborado o parecer, o Plenário pronuncia-se sobre a urgência, sendo o debate organizado…".
O Sr. Osvaldo Castro (PS):    De todo o modo, Srs. Deputados, o que nos parece é que a ideia de que o Deputado tem o direito, que já tinha, de apresentar os projectos de lei e de suscitar, de requerer o agendamento e obter sobre isso uma decisão assumisse uma outra dignidade que hoje não tem. Hoje, tem uma mera dignidade regimental, que está sempre sujeita ao que está sujeita, e parece-nos que, de facto, dava mais força, mais garantia ao exercício de um direito absolutamente fundamental do Deputado (o de apresentar projectos de lei ou de resolução) que este requeresse o agendamento, obtendo sobre isso uma decisão da conferência de líderes.
Relativamente à proposta do PSD, tenho dúvidas, porque a iniciativa quanto ao referendo aparece no artigo 170.º. Não colocamos nenhuma objecção de fundo, mas não nos parece que seja necessário que aqui esteja.
Em relação à apresentação de projectos de alteração do Regimento, pelas razões que foram antes ditas é verdade que é uma questão de constitucionalidade - é um facto - e é verdade que, nesta sessão legislativa, já houve uma resolução no sentido de que um qualquer Deputado poder apresentar alterações. Mas penso que se a ideia de alterar o Regimento tivesse dignidade constitucional dar-lhe-ia mais força. Creio que estas não serão questões essenciais, mas são benfeitorias no sentido de conferir mais direitos ao exercício da função dos Deputados.
O Sr. Presidente:   Srs. Deputados, creio haver uma boa solução para isto tudo: é aprovar todas estas propostas - estou de acordo com elas todas. Penso que, na opinião pública, há um défice de afirmação do perfil do Deputado e penso que todos os sinais que possamos dar no sentido de sublinhar o seu papel face ao império dos partidos e dos grupos parlamentares devem ser considerados bem-vindos.
Pela minha parte, concordo com a proposta do PS, no sentido de suscitar ou requerer o agendamento, de explicitar o direito de alteração do Regimento (aliás, trata-se de pôr o artigo 159.º de acordo com o 171.º), de explicitar a iniciativa de propostas de referendo.
Mas penso que todas as propostas devem merecer aprovação, ou seja, a do PS, a do PCP, a do PSD e a do Deputado Cláudio Monteiro.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, concordando com o que disse o Sr. Deputado Barbosa de Melo há pouco, sobre a circunstância de o Deputado, em rigor, já poder suscitar qualquer questão, julgo que, mais útil do que constitucionalizar esta faculdade, é constitucionalizar o direito a obter uma decisão. Porque o que está aqui em causa é fundamentalmente isso, designadamente para permitir recorrer ao Plenário se for caso disso, de forma a que o Plenário, soberanamente, possa decidir, ou requerer, ou até, talvez mais incisivamente, apresentar projectos e obter uma decisão sobre o respectivo agendamento.
O Sr. Presidente:   "Requerer" basta!
Sr. Deputado Barbosa de Melo, tem a palavra. 
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): "Requerer" chega. "Suscitar" é que é curto demais.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Até julgo que, em rigor, o agendamento é oficioso.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): Actualmente até há uma incongruência notável: de acordo com a Constituição, os Deputados podem apresentar projectos individuais de
Página 1309
revisão da Constituição, como V.ª Ex.ª o fez, todavia, não podiam apresentar projectos de revisão do Regimento - há aqui qualquer coisa que cheira a absurdo!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Podem, como eu, apresentar projectos de revisão constitucional que permitem apresentar propostas de revisão do Regimento.
O Sr. Presidente: Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP):   Sr. Presidente, trata-se de uma observação adicional: creio que se justifica clarificar - e sublinho "clarificar" para o caso de não haver consenso para a aceitação - o direito de os Deputados requererem o respectivo agendamento, porque me parece que o processo de urgência previsto no Regimento não resolve efectivamente a questão. Isto é, pode não haver razões para urgência fundamentada com todo o processo e prazos que aqui está no artigo 285.º e seguintes, e, não obstante isso, haver razões para o Deputado querer ver discutido o projecto que apresentou.
Quanto à questão do Regimento da Assembleia, creio estar tudo dito. Independentemente de, neste momento, a Resolução n.º 15/96 ter rectificado a situação, creio que a prática mostra justificar-se que esta questão (e, havendo consenso, creio ser de sublinhar esse facto) fique devidamente clarificada. Quanto à questão da inclusão do referendo, não achamos fundamental. Sem dúvida nenhuma que está referido no artigo 170.º, mas também é verdade que os projectos de lei estão referidos noutros lugares e, nesse sentido, não nos opomos e talvez até possa dar coerência a inclusão desta expressão, pelo que estaríamos disponíveis para apoiar o conjunto de propostas aqui referidas.
O Sr. Presidente: O PSD ainda não tomou posição definitiva sobre as propostas alheias.
Vozes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Penso que tem sentido aquilo que o Sr. Presidente disse: de, no artigo sobre os poderes dos Deputados, inserir...
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Mas o processo de urgência já tem consagração constitucional, para além da consagração regimental.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, a proposta apresentada pelo PS, de explicitar o direito a requerer o respectivo agendamento, tem a abertura do PCP. O PSD mantém oposição ou considera abertura à proposta?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, o PSD considerou-a inútil, mas agora, na perspectiva em que o Sr. Presidente a coloca, tem de ser vista numa óptica diferente, e é evidente que, nessa perspectiva, o PSD não se opõe.
O Sr. Presidente: Quanto às propostas do PCP e do Sr. Deputado Cláudio Monteiro, sobre a explicitação do direito a fazer propostas de alteração do Regimento…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Faz mais sentido a do Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Presidente: O PCP faz questão de que seja uma alínea autónoma ou pode ser simples acrescento à alínea b), como o Sr. Deputado Cláudio Monteiro propõe?
O Sr. Luís Sá (PCP): Não, Sr. Presidente. Obviamente que, para nós, a questão que está em causa é a de alargar os direitos dos Deputados, de prevenir situações que se verificaram, e não propriamente a de execução sistemática.
O Sr. Presidente: Está, então, acolhida a proposta apresentada pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, de acrescentar, na alínea b), a referência…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): O Sr. Deputado Cláudio Monteiro está de parabéns!
O Sr. Presidente:   A sua proposta tem o apoio de todos.
O mesmo acontece com a proposta do PSD, de acrescentar também aqui o direito de apresentar propostas de referendo. Com isto, ficam rematadas todas as propostas.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): E a alínea c), Sr. Presidente?
O Sr. Presidente:   A alínea c) da proposta é nova, ainda não foi discutida.
A proposta é do Sr. Deputado Cláudio Monteiro e tem muito que se lhe diga.
Sr. Deputado Cláudio Monteiro, tem a palavra.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Sr. Presidente, sabendo de antemão que vou ouvir do Deputado Marques Guedes a crítica…
O Sr. Presidente: Se calhar, não só dele!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS):   … de que estou a consagrar um direito ilimitado aos Deputados e com isso a bloquear o funcionamento da Assembleia da República, pareceu-me apesar de tudo estranho que, no artigo do texto constitucional que se refere aos poderes dos Deputados não lhes fosse garantido o direito de intervir nos debates parlamentares. Supostamente, isso estaria implícito no próprio exercício da função parlamentar, mas o que é facto é que não só não está implícito como não está consagrado no texto constitucional e como, de facto, está efectivamente coarctado no Regimento.
O Sr. Deputado Barbosa de Melo, há pouco, chamou a atenção para um avanço significativo - e admito que tenha sido um avanço significativo, em função da história parlamentar anterior -, que é a possibilidade que os Deputados hoje têm de, por dez minutos por sessão legislativa, intervirem independentemente da concessão de tempo para o efeito pelo respectivo grupo parlamentar.
Da experiência da sessão legislativa anterior, que é a única experiência que tenho como Deputado, cheguei à conclusão de que esse direito só pode ser exercido no PAOD - não é conferida ao Deputado a liberdade de utilizar esses dez minutos, ainda que apenas dez minutos, para intervir na discussão de um qualquer projecto de lei sobre o qual ele tenha particular interesse. Lembro a este propósito o malabarismo regimental que o Sr. Presidente da Assembleia da República teve de fazer para que o Deputado Lobo Xavier (hoje já não Deputado, porque renunciou, segundo ouvi na rádio pela manhã) pudesse eventualmente 
Página 1310
vir a intervir sobre a regionalização, coisa que acabou por não fazer, utilizando esta faculdade de forma um pouco discricionária.
Por outro lado, lembro-me também de inúmeras situações em que, perante intervenções que foram suscitadas por Deputados nessa qualidade, ao abrigo dessa disposição, não ter sido permitida a respectiva discussão, nomeadamente através de interpelações feitas por outros Deputados nem a resposta do mesmo, por se entender que esta era uma faculdade excepciona, que estava prevista no PAOD e que não poderia ultrapassar os ditos dez minutos.
Compreendo as razões funcionais que levam a limitar a intervenção autónoma dos Deputados para além dos grupos parlamentares, compreendo do ponto de vista do que isso pode representar em bloqueio para o funcionamento da Assembleia da República, mas não compreendo o que isso pode representar em perigo para os respectivos grupos parlamentares - perigo, no sentido de a independência do Deputado criar algum incómodo ou causar algum inconveniente à acção política dos grupos parlamentares.
Julgo, pois, que é preciso, apesar de tudo, garantir - admito que a formulação possa não ser a melhor e que seja necessário encontrar uma qualquer forma de restrição para que isso não garanta um direito ilimitado - que os Deputados têm direito de intervir nos debates parlamentares e que isso se pode fazer, embora contidamente, para evitar que isso possa constituir um bloqueio da actividade da Assembleia da República, para além dos respectivos grupos parlamentares. Isto é, não vale a pena afirmar a liberdade do exercício da função do Deputado, não vale a pena criar condições para exercer essa função se ele apenas pode manifestar individualmente as suas posições através de requerimento ao Governo ou ao Presidente da Assembleia da República.
O Sr. Presidente: Ou de declarações de voto por escrito!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS):   Ou de declarações de voto por escrito, as quais não são lidas, em regra, nem pelos próprios Deputados quanto mais pela generalidade dos cidadãos, e só são conhecidas do grande público na medida em que se faz chegar à imprensa, e a imprensa acolhe o interesse em publicar essas declarações de voto.
Admitindo que possam ser estabelecidas restrições, julgo não fazer sentido que não esteja consagrado aquilo que deve ser um direito fundamental dos Deputados, que é intervir nos debates parlamentares e que essa intervenção não fique estritamente limitada pela vontade das direcções dos grupos parlamentares ou sequer pela discricionaridade do Presidente, porque a técnica seguida neste Regimento é a de, frequentemente, conceder um poder discricionário ao Presidente em conceder ou não tempo de intervenção aos Deputados - aliás, como acontece a propósito da participação dos Deputados nas comissões, designadamente dos Deputados independentes, os quais não têm direito a participar numa comissão a não ser que, discricionariamente, o Presidente lhes conceda esse favor e os inclua numa comissão.
Portanto, julgo que há o mínimo de garantias do exercício da função que têm de estar consagradas constitucionalmente, sem que daqui se possa retirar a interpretação de que todos os Deputados podem falar durante três horas por dia, com isso bloqueando a actividade parlamentar por completo, como é evidente.
O Sr. Presidente: Sr. Deputado Cláudio Monteiro, se bem entendi, refraseando a sua proposta, penso que propôs o seguinte: participar e intervir nos debates parlamentares, através dos respectivos grupos parlamentares ou agrupamentos…
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Essa é uma questão que tem a ver com outra proposta.
O Sr. Presidente: … ou individualmente, pelo tempo mínimo garantido no Regimento para cada sessão legislativa.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Admito que não tem dignidade constitucional estabelecer este tempo mínimo, mas confesso que também tenho algum receio de que essa restrição, de forma tão explícita, possa, na prática, aniquilar o conteúdo da garantia. Em qualquer caso, seria sempre um mais em relação ao estado actual porque, no mínimo, isto tem de significar que o tempo que for concedido a cada Deputado é por ele livremente escolhido no que diz respeito ao momento em que é utilizado e pela forma como é utilizado - não se pode circunscrever ao PAOD, coarctando, por assim dizer, o direito que ele tem de intervir num qualquer debate fundamental. Colocou-se, aliás, o problema, tal como se coloca a propósito dos deputados independentes que não exercem o mandato integrados em nenhum grupo parlamentar; lembro, nomeadamente, que o Prof. Freitas do Amaral teve de andar a "pedinchar" tempo ao PSD para fazer uma intervenção sobre o Tratado de Maastricht, a qual, aliás, era aguardada com expectativa, não só pelas forças políticas como pela população em geral, porque tinha algum significado e algum peso político próprio. E, não obstante ele ser Deputado, não tinha sequer direito a intervir porque não tinha tempo para o fazer porque estava circunscrito aos seus dez minutos do PAOD, os quais não tinham rigorosamente nada que ver com o debate sobre a ratificação do Tratado de Maastricht.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, foi-me solicitada a interrupção dos trabalhos por 10 minutos, pelo que retomaremos os trabalhos às 17 horas e 20 minutos.
Eram 17 horas e 10 minutos.
Srs. Deputados, vamos reiniciar a reunião.
Eram 17 horas e 40 minutos.
O Sr. Presidente: Srs. Deputados, estávamos a discutir a proposta do Sr. Deputado Cláudio Monteiro no sentido de consagrar o direito de participação e de intervenção individual dos Deputados.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): Tendo aceite estabelecer restrições.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): Sr. Presidente, durante o período de interrupção, tivemos ocasião de trocar impressões, e eu reitero apenas uma visão, que é a seguinte: é evidente que, na prática, a consagração do princípio tal qual ele vem aqui formulado é totalmente impossível
Página 1311
porque, pura e simplesmente, questiona, na sua globalidade, qualquer hipótese de eficácia no funcionamento do Parlamento. É totalmente inviável que o Parlamento, tendo 230 Deputados, possa funcionar numa perspectiva de estabilidade, e até de eficácia, mas, desde logo, de estabilidade da própria ordem de trabalhos, com a consagração do direito individual de todos os Deputados a intervir nos debates parlamentares. Feita esta consideração, que penso ser uma mera nota de apelo ao bom senso de todos nós, a questão que subsiste é uma reformulação, porventura no sentido que o Sr. Presidente enunciou antes da interrupção dos trabalhos, e que tem que ver com um acrescento de qualquer coisa como "nos termos do Regimento". De facto, o que é evidente é que o direito de participação e intervenção individual nos debates parlamentares por parte dos Deputados tem sempre que ser ordenado, arrumado, eu diria, no bom sentido do termo, de acordo com o Regimento, que é condição essencial à eficácia necessária e desejável dos trabalhos parlamentares.
A única questão, pois, que eu suscitava é a de que, se assim é, não tem de facto absolutamente nada de novo. É evidente que a participação e a intervenção nos debates parlamentares faz-se nos termos do Regimento, e como, a consagrar-se qualquer coisa aqui na Constituição, não pode ser para além disso, porque teremos sempre de remeter, como baia para condicionar o exercício deste poder por parte dos Deputados - baia, salvo seja, como diz o Sr. Deputado Barbosa de Melo -, neste caso para o Regimento, que é o dado mais adequado, chamo apenas a atenção para que isso é manter exactamente tudo como estava.
Se prevalecer o entendimento que o Sr. Presidente colocou quanto às propostas que analisámos anteriormente para a alínea b), independentemente de algumas delas não serem, de facto, inovatórias, mas serem apenas a consagração ou a explicitação no texto constitucional daquilo que, efectivamente, se passa no exercício da função de Deputado, então o PSD ponderará nessa perspectiva, como já referi relativamente às outras propostas, a sugestão de inclusão desta alínea, sendo certo - e isso deve ficar muito claro em acta - que o PSD não vislumbra numa alteração deste tipo qualquer alteração qualitativa em termos práticos à situação actualmente vigente.
É evidente que sempre se poderá dizer que uma coisa é um direito que está regimentalmente previsto e outra a sua consagração em termos constitucionais e que, portanto, quanto mais não fosse, por aí havia, desde logo, algum ganho. Mas, neste caso, com franqueza, penso que nem esse ganho haverá, porque é evidente para mim que a simples natureza do cargo e o exercício da função de Deputado não podem pressupor outra coisa que não seja o direito a participar nos trabalhos parlamentares.
De acordo com a sugestão que o Sr. Presidente fez, de remeter isto para os termos do Regimento, é evidente que, nesse quadro e nessa perspectiva, o PSD não vê qualquer objecção de fundo. Ponderará a alteração e, desde que a reformulação global do artigo 159.º seja apenas no sentido de tentar dar um maior conteúdo e explicitar a densificação dos poderes dos Deputados, ainda que por reporte apenas à situação actualmente existente, reservará uma posição final sobre a matéria, mas, desde já, manifesta aqui, nesta primeira leitura, não ver grande objecção a isso.
Chamo apenas a atenção, como última nota, comentando, de resto, um argumento que foi esgrimido pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro, que, ainda que seja evidente, a Constituição nada dispõe sobre a participação e intervenção por parte dos grupos parlamentares nos debates. Chamo a atenção para isso.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Mas a minha proposta consagra!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não! Não vi lá nada!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - A minha proposta diz no n.º 2: "(…) individualmente e através dos respectivos grupos ou agrupamentos parlamentares".
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, tendo em conta a evolução do debate, vamos considerar com simpatia uma solução que seja fiel aos princípios ou às sugestões que dele parecem resultar. Ou seja, o que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro propõe, nos termos em que o faz, teria consequências que não exprimiu e o que exprimiu não está consonante com o que disse desejar, que é apenas um pouco mais de flexibilidade nos chamados tempos individuais.
O Sr. Presidente aventou uma solução, que pode ser uma forma de dar resposta àquilo que há de positivo na sugestão. Iremos ponderar, com todo o gosto e com toda a abertura, essa proposta.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: A preocupação de alargar os direitos dos Deputados naturalmente que é partilhada por nós. Entretanto, creio que, para além da questão dos agrupamentos parlamentares, que, obviamente, deixamos agora de lado, em relação ao problema de fundo importaria medir todas as consequências que daqui resultam e o que é que, no caso de haver clarificações, decorreria daqui que hoje não é garantido. Esse aspecto não está suficientemente clarificado no momento, por isso reservaremos a nossa posição para a nova formulação que eventualmente vier a ser dada a esta proposta.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, alguém quer tomar posição pessoal?
Pausa.
Andou-se muito caminho, num século e meio, entre o Deputado todo poderoso e o Deputado totalmente impotente, que é aquele que temos hoje, isto é, puro porta-voz das posições dos grupos parlamentares.
Penso que é tempo de recuperar algum terreno para a capacidade da actuação individual dos Deputados e que, para esse caminho, a proposta do Deputado Cláudio Monteiro, corrigida da sua ambição, pouco cuidada na formulação, é uma boa plataforma.
Já existe no actual Regimento da Assembleia uma figura que é o tempo individual do Deputado, que, transferido do período de antes da ordem do dia para uma quota de tempo à disposição de cada Deputado individual, como, aliás, hoje já acontece, para intervir quando bem o entender sobre qualquer projecto do debate parlamentar que lhe interesse pessoalmente, penso que era uma solução razoável,
Página 1312
não excessiva e que não poria em causa as traves-mestras do actual sistema parlamentar e que deveria merecer, a meu ver, a consideração positiva dos partidos.
É óbvio que esta proposta está a ser defendida por dois Deputados independentes, se calhar e pour cause, mas penso que aqui defendemos posições que, no meu caso, aliás, é uma posição que está em letra de forma desde há vários anos num comentário constitucional, e no caso do Deputado Cláudio Monteiro tem a ver com posições congruentes com a ideia de que a redução partidária do papel dos Deputados atingiu níveis, a meu ver, prejudiciais à própria imagem do Parlamento e dos partidos.
Penso que, com um pequeno passo neste sentido, caminharíamos para ir ao encontro de preocupações da opinião pública, que são legítimas, contra a funcionalização total dos Deputados. Com isso não ganhavam apenas os Deputados, independentes ou não, ganhavam, a meu ver, os partidos políticos, o Parlamento e a própria imagem da Assembleia da República na nossa política.
Tem a palavra o Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Presidente, revejo-me nesta síntese final.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, espero bem que tenhamos conseguido sensibilizar os partidos sobre esta matéria.
A questão fica em aberto, pelo menos a abertura à consideração desta proposta na reformulação que lhe foi dada por mim ou numa formulação alternativa.
Srs. Deputados, para o artigo 160.º não há propostas.
É curioso que ainda não tenha chegado a Portugal a questão do questionamento da tradicional configuração da imunidade dos Deputados. Não há qualquer proposta, nem sequer das iniciativas populares, a questionar a actual extensão da imunidade dos Deputados. Simplesmente, não quero deixar de dizer que eu, desde há muito tempo, venho questionando essa extensão. Mas, como não foi feita qualquer proposta, não vou levantá-la eu.
Em relação ao artigo 161.º, existe uma proposta do PS, semelhante, aliás, à apresntada pelo Prof. Jorge Miranda.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, pedi para intervir antes da apresentação da proposta por parte do Partido Socialista para fazer uma chamada de atenção. É que a proposta foge um bocadinho aos cânones habituais.
Já foi objecto de algumas discussões havidas aqui na Assembleia, nomeadamente na 1.ª Comissão, a inclusão sistemática, em termos da Constituição da República, do n.º 1 do 161.º no próprio artigo 161.º.
De facto, o que consta desse número não pode ser entendido, nem de perto nem de longe, como um direito dos Deputados, e penso até, conforme tivemos oportunidade de expressar, eu e vários outros Deputados, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, ser pouco curial a sua inserção no artigo 161.º, sendo certo que, muitas vezes, até se configura com uma denegação de um direito aos Deputados.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado, se me permite, como dizem os comentaristas, isto é um impedimento e não um direito ou regalia!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!
De resto, o Sr. Presidente já está a retirar parte da minha proposta pouco usual, porque ela ía no sentido de, eventualmente, podermos considerar a hipótese, se para tal houver consenso de todos os partidos, alterar a epígrafe do artigo 160.º para "Imunidades e impedimentos" e transplantar este n.º 1 do artigo 161.º para um número do artigo 160.º e, eventualmente, depois, como é óbvio, discutirmos em termos de conteúdo a formulação exacta deste n.º 1, para o qual o Partido Socialista tem propostas concretas quanto ao seu conteúdo, cabendo-lhe, pois, enunciar a sua argumentação.
A proposta que faço, Sr. Presidente, não tomando, desde já, muito mais tempo, é a seguinte: se for tido como correcto o entendimento, que de resto todos os Srs. Deputados que fazem parte da 1.ª Comissão tiveram - pelo menos esses já tiveram ocasião de discutir esta matéria -, que se passe para o artigo 160.º esta matéria e, nesse caso, parecer-me-ia, obviamente, mais ajuizado que alterássemos a epígrafe para "Imunidades e impedimentos", incluindo talvez como n.º 2 ou como n.º 3 do actual artigo 160.º a matéria que diz respeito ao actual n.º 1 do artigo 161.º.
Depois, também tenho algo a dizer sobre o conteúdo da proposta, mas gostaria que, primeiro, o Partido Socialista enunciasse a sua argumentação.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, creio que a questão que levanta é pertinente. Aliás, noutra sede eu próprio já a tinha levantado, mas ainda bem que o fez.
Mas já que há uma proposta para a alteração do conteúdo, proponho que vejamos a questão da colocação depois de vermos com que conteúdo é que fica este número. Vamos, portanto, considerar a proposta do PS e, depois, veremos essa segunda questão.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães para justificar a sua proposta.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, a nossa proposta visa, muito manifestamente, flexibilizar o regime aplicável à actuação dos Deputados enquanto jurados, peritos ou testemunhas, aumentando a margem de liberdade do legislador ordinário nessa matéria em sede de Estatuto dos Deputados e também em sede de Regimento.
Quanto à questão da reinserção sistemática, creio serem pertinentes as objecções em relação à qualificação e, por isso, talvez seja de aproveitar esta reunião constitucional para fazer essa obra. Provavelmente, a sede adequada para inserir um preceito sobre essa matéria, neste caso impedimentos, será outra que não o artigo 160.º. Penso que o artigo 157.º, sobre incompatibilidades, poderia, sem desvantagem, ser aditado de uma norma sobre impedimentos, estes e outros, quiçá.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Qual?
O Sr. José Magalhães (PS): - O artigo 157.º, que hoje só regula incompatibilidades. Ou o artigo 158.º, sobre o regime do exercício da função de Deputado, que já diz, no seu n.º 2: "A lei regula as condições em que a falta dos Deputados (…) a actos ou diligências oficiais a ela estranhos constitui motivo justificado de adiamento destes". Por outro lado, também o artigo 150.º seria, porventura, uma sede boa, talvez até uma sede melhor do que o artigo 157.º.
Portanto, estamos completamente disponíveis para fazer a operação da reinserção sistemática, apelando a que 
Página 1313
se faça também a flexibilização, que resulta, aliás, da nossa reflexão conjunta em sede de 1.ª Comissão.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, estamos abertos quer à proposta do PS de alteração do n.º 1 quer à proposta de requalificação e reinserção sistemática deste n.º 1. Assim, numa primeira análise, creio que o artigo 158.º talvez seja o local mais adequado.
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, quanto ao conteúdo, acrescento agora, porque é este o momento, mais uma reflexão para discussão à volta desta mesa, que é a seguinte: o problema de, claramente, este n.º 1 não consagrar um direito transporta consigo uma outra consequência.
Actualmente, o Estatuto dos Deputados tem uma norma que segue de perto este preceito constitucional, mas acrescentando à proibição de serem jurados, peritos ou testemunhas a de serem ouvidos como declarantes ou arguidos em qualquer processo. Isso poderia fazer sentido e ser legalizado como está no Estatuto dos Deputados se fosse, de facto, um direito que se acrescia em relação aos Deputados, mas, como não é, do meu ponto de vista, a norma do actual Estatuto dos Deputados que proíbe, sem autorização da Assembleia, um Deputado de ser ouvido como declarante ou arguido num processo, é uma norma restritiva de direitos e, como tal, é inconstitucional.
Portanto, o problema que chamo à colação para ser discutido agora nesta sede é este: ou achamos que o texto tal qual está actualmente no Estatuto dos Deputados, que tem que ver com o facto de os Deputados não poderem ser jurados, peritos ou testemunhas, nem serem ouvidos como declarantes ou arguidos, sem autorização da Assembleia, deve prevalecer, e, então, temos que o constitucionalizar também como impedimento, uma vez que já resolvemos o problema de isto não ser um direito, ou, então, tenhamos a consciência clara de que, com esta alteração do artigo dos direitos por um artigo de impedimentos, em termos quase automáticos, estamos a inconstitucionalizar totalmente a norma do Estatuto dos Deputados sobre esta matéria.
Pessoalmente, penso que a norma do Estatuto dos Deputados não só é inconstitucional como, do meu ponto de vista, não se justifica, pois entendo que esse impedimento não deve existir, isto é, que não deve ser coarctada a um cidadão que é Deputado a possibilidade de ser ouvido como declarante ou arguido num processo.
Em qualquer circunstância, chamo a atenção dos Srs. Deputados para esta matéria, porque agora retiramos isso dos direitos. Enquanto isto era visto - do meu ponto de vista, mal e, pelos vistos, o Sr. Presidente também concorda - como um direito poderia defender-se que, eventualmente, o tal artigo do Estatuto dos Deputados não era inconstitucional, porque era fazer acrescer mais um direito, mas, como claramente estamos de acordo de que não é um direito, então, estamos a pôr em crise essa norma do Estatuto dos Deputados. Portanto, acho que devia haver aqui uma reflexão sobre se pretendem recuperá-la ou não para o texto constitucional.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, salvo o devido respeito, parece-me que a norma a que se referiu continua a ser tão inconstitucional ou tão não inconstitucional como é actualmente.
O Sr. José Magalhães (PS): - Face ao artigo 160.º! Não tem a ver com ser jurado, perito ou testemunha!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Face ao artigo 160.º como?
O Sr. José Magalhães (PS): - As questões que equacionou nada têm a ver com o facto de se ser jurado, perito ou testemunha!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Não! É ser ouvido sem autorização da Assembleia!
O Sr. José Magalhães (PS): - Não, não! Tem a ver com o artigo 160.º, n.º 3, e com as questões relacionadas com o artigo 160 º.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Ser ouvido como declarante não é ser detido! Não é!
O Sr. José Magalhães (PS): - Seguramente não é ser ouvido como jurado, perito ou testemunha! Isso é outra zona!
O Sr. Presidente: - Penso que esta norma, com a redacção que o PS propõe, nada tem a ver com a questão dos Deputados.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Dá-me licença, Sr. Presidente?
O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Sr. Presidente, sou daqueles que, a título pessoal, perfilho a tese de que essa norma do Estatuto dos Deputados é inconstitucional, porque, no fundo, a Constituição fixa o princípio geral do dever de cooperação do Deputado com qualquer autoridade, nomeadamente com o poder judicial. A que título é que, no Estatuto dos Deputados, o legislador alargou esta isenção, criando, por exemplo, uma situação que conduz a caricaturas?
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Exactamente!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Tive ocasião, como Presidente da Assembleia da República, de lidar com casos verdadeiramente caricaturais, como o caso de pessoas que se recusavam a ser declarantes ou a ser ouvidas e que, portanto, não eram constituídas como arguidos. São questões menores, naturalmente, mas é uma pesporrência - passe a expressão - do Deputado, que, no nosso tempo, não condiz com o dever de cooperação geral que temos também com o poder da justiça.
Portanto, do meu ponto de vista, o que consta do Estatuto dos Deputados é inconstitucional. E, não há santo que lhe valha nem lhe deve valer, tal deve ser limpo do Estatuto dos Deputados porque está lá a mais.
O Sr. Presidente: - Estou perfeitamente de acordo!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Isso é que é uma regalia, um privilégio.
Página 1314
Quanto ao conteúdo da proposta do PS, lembro que esta proibição é uma herança republicana, que foi pela primeira vez introduzida na Constituição em 1911 - julgo que antes não havia texto similar. Tem a ver com uma maneira muito curiosa como a Constituição de 1911 entendeu o princípio da divisão de poderes. Os jurados são, ao fim e ao cabo, juízes da matéria de facto; os peritos são, enfim, elementos de prova, tal como as testemunhas. Há aqui o exercício da função jurisdicional ou parajurisdicional e, portanto, a Constituição de 1911 dizia: "não fazei isto".
Por exemplo, com a testemunha não vejo..., mas está bem, mantenhamos esse respeito, essa veneração com a herança republicana. Mas mais importante do que isto, talvez seja hoje falar de árbitros, porque aí o árbitro é o juiz, não só da matéria de facto, como é o jurado, mas também de direito. E a verdade é que os tribunais arbitrais não só estão previstos na Constituição como têm uma cada vez e, se calhar, saudavelmente maior extensão na comunidade jurídica.
Pergunto-me, pois, se não seria de, a pari, incluir aqui também os árbitros.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Sr. Deputado, desde que não se entenda por árbitro de futebol!
Risos.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Esses são punidos! Aí não há problemas, porque os Deputados não querem essas funções!
O Sr. Presidente: - Portanto, quanto ao mais, acrescentando os árbitros, estariamos de acordo não só quanto à reformulação mas também quanto ao transporte.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Aliás, quanto ao transporte, parece-me que o que disse o Sr. Deputado Luís Marques Guedes é razoável.
O Sr. Presidente: - Tem razão.
Srs. Deputados, então, salvo formulação, ficaria adquirido passar para o artigo 158 º o actual n.º 1 do artigo 161.º - que passará a ter apenas o actual n.º 2 -, que será reformulado de acordo com a proposta do Partido Socialista, com este acréscimo do Sr. Deputado Barbosa de Melo aceite pelos proponentes, ficando com a seguinte redacção: "A lei regula os termos em que os Deputados podem ser jurados, árbitros, peritos ou testemunhas durante o período de funcionamento efectivo da Assembleia da República".
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Aliás, lembro que esta parte dos árbitros já aparece na lei, embora de uma forma menos correcta. Daí que a fórmula do PS seja melhor, porque é mais flexível, como foi dito, e bem. A palavra "árbitro" já apareceu nas alterações de 1995 do Estatuto dos Deputados, aliás mal inserida, o que tem a ver com a realidade da ordem jurídica portuguesa actual, mesmo do Direito Público, por exemplo. Quantas e quantas questões de Direito Administrativo são decididas por arbitragem!
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 162.º, para o qual existe uma proposta de alteração da alínea b), apresentada pelo Deputado Cláudio Monteiro e outros do PS, e duas propostas de aditamento que, a seu tempo, serão postas a discussão.
Suponho que a proposta do Deputado Cláudio Monteiro tem apenas a ver com o acréscimo de "agrupamentos parlamentares", que consideraremos mais adiante porque não faz sentido discuti-la aqui autonomamente.
Vamos, pois, passar às propostas de aditamento apresentadas pelo CDS-PP e pelo PCP. O CDS-PP propõe que se acrescente o seguinte dever dos Deputados: "Manter os cidadãos informados sobre o exercício do seu mandato e dar seguimento às reclamações, queixas ou representações fundamentadas que lhes sejam dirigidas". A proposta do PCP é convergente com esta, mas com formulação diversa.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá para apresentar a proposta do PCP.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, de algum modo, esta proposta é recorrente em projectos de revisão constitucional do PCP e corresponde à ideia de que os Deputados, para estarem próximos dos cidadãos, devem informá-los sobre o modo como exercem o seu mandato e que, sobretudo, devem dar seguimento às suas reclamações, queixas e representações.
A nosso ver, não faz sentido que, por exemplo, em Direito Administrativo, esteja consagrado um prazo para a Administração se pronunciar a propósito de requerimentos de particulares e que os Deputados não tenham o dever de dar seguimento às reclamações e queixas que os cidadãos lhes dirijam.
O Sr. Presidente: - Mesmo que não concordem com elas?
O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, a questão que aqui está colocada é dar seguimento, e dar seguimento não significa apresentar um requerimento solidarizando-se com a posição do cidadão; pode significar escrever ao cidadão dizendo que não está de acordo com ele, o que não pode é jogá-las para o caixote do lixo. É isto que está aqui em causa e nada mais.
Se a clarificação deste ponto, no caso de merecer dúvidas, suscitar maior adesão à proposta, naturalmente que estaremos disponíveis para isso.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, está à discussão.
Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, desde logo - e o Sr. Deputado Luís Sá não me levará a mal -, devo dizer que a primeira reacção é de alguma perplexidade sobre a clara similitude entre a proposta do Partido Popular e a do Partido Comunista.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Ó Sr. Deputado, se me permite, é a similitude entre a proposta…
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - A similitude é total!
O Sr. Luís Sá (PCP): - Não! Efectivamente, o Partido Popular resolveu copiar a proposta de um projecto anterior do Partido Comunista. Foi isso que se passou! Não o referi, mas a verdade histórica é essa!
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Mas o meu problema não é a questão do plágio! O Sr. Deputado entendeu-me mal! É o problema da motivação política!
Página 1315
É, de facto, fonte de perplexidade quando vejo propostas de alteração à Constituição apresentadas pelo Partido Popular exactamente iguais às do Partido Comunista. Mas, enfim, isto é apenas um comentário.
O Sr. Luís Sá (PCP): - Também podemos dizer que estamos a copiar bons princípios de Direito Administrativo! Aliás, o Sr. Deputado Barbosa de Melo, que é especialista na matéria, bem pode elucidar-nos sobre esta questão.
Trata-se de alargar o dever de não silêncio perante um pedido aos Deputados. Não há razão para que a Administração tenha este dever e os Deputados não. Trata-se disto, basicamente.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Luís Marques Guedes, faça favor de continuar.
O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Quanto ao conteúdo, com toda a franqueza, o problema que vejo aqui é um problema de operacionalidade. É que constituir como um dever - porque este é o artigo dos deveres dos Deputados - o dar sequência às reclamações, queixas ou representações que sejam dirigidas aos Deputados pelos cidadãos, penso que pressupõe, necessariamente, que existam condições, que manifestamente não existem, para o exercício da função de Deputado na nossa Assembleia da República.
E quando digo que é necessário que existam condições, refiro-me a condições em termos de trabalho para os próprios Deputados, porque, se considerarmos a representatividade que os Deputados têm em termos eleitorais na Assembleia da República, para além, obviamente, do princípio geral de que representam todo o país e, portanto, potencialmente todo e qualquer cidadão pode dirigir aos Deputados queixas, reclamações ou pedidos de representação em determinadas matérias, o que pressupõe a existência de condições de trabalho.
Ora, constituir isto como um dever do Deputado pressupõe a obrigatoriedade da parte da Assembleia da República de conferir a todo e qualquer Deputado condições de trabalho, que actualmente não existem, e, a meu ver, não pode, de uma forma sensata, equacionar-se que, com esta operação constitucional, o órgão de soberania Assembleia da República vai poder fornecer a todos os Deputados desta Casa essas condições.
Neste sentido, com toda a franqueza, parece-me que esta proposta em concreto, embora perfeitamente meritória e compreensível nos seus objectivos abstractos, é fazer impender sobre os Deputados um dever de actuação, para o qual eles não vão ter resposta efectiva. Portanto, temo que uma proposta destas acabe por não passar do papel e de reverter exactamente contra a própria dignificação da actividade dos Deputados, porque os cidadãos que passem, ao abrigo de uma alteração deste tipo, a enviar queixas, reclamações ou pedidos de representação para os Deputados não aceitarão, depois, de ânimo leve, como é evidente, que não seja dado o seguimento que eles bem entendem ser o seguimento adequado a dar à queixa ou à reclamação ou ao pedido de representação que formulam.
Nesse sentido, e bem sei que o Sr. Deputado Luís Sá neste momento não pode estar a ouvir-nos mas o Sr. Presidente depois fará o favor de lho transmitir, gostava de saber como é que o Partido Comunista, como é que os proponentes equacionam este problema prático. Ou seja, isto não será, de facto, algo que, depois, na prática, acaba por se virar contra a própria função do Deputado e o próprio mandato de representação do eleitorado que ele tem, em termos genéricos?
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, quero chamar a atenção para um ponto.
Realmente, o Sr. Deputado Luís Sá argumentou bem mas parece-me que não tomou em conta um lado da questão. Estabelece o artigo 52.º que, realmente, a Assembleia da República deve receber ou pode receber petições dos cidadãos. Os cidadãos podem dirigir petições, representações, reclamações ou queixas à Assembleia da República.
Depois, o artigo 181.º, no n.º 3, estabelece que "As petições dirigidas à Assembleia são apreciadas pelas comissões ou por comissão especialmente constituída para o efeito (…)". Portanto, as petições têm um tratamento em comissão.
Ora, que este dever que aqui está, de informar os cidadãos do andamento das petições, reclamações ou queixas dirigidas à Assembleia da República, seja consagrado, enfim, ele já decorre daqui. Aliás, uma das primeiras discussões sobre o dever de apreciar os requerimentos, sobre as petições dirigidas às autoridades, sobre o direito de petição foi suscitada exactamente pelos parlamentos. E cedo, ainda no século XIX, se considerou que os parlamentos tinham o dever de apreciar as declarações, as petições que lhes fossem dirigidas.
Portanto, que a Assembleia tenha o dever de informar sobre o andamento das coisas, parece-me bem, mas através de comissão. Não vejo como é que isto pode ser um dever do Deputado individualmente considerado. De resto, ele não é o destinatário de uma reclamação, queixa ou representação, mesmo que fundamentada. Isto dirige-se à Assembleia, como órgão colectivo, é tratado em comissão e é a comissão que deve, realmente, informar. Normalmente, como decorre da prática constitucional e do exercício do direito de petição, regulado por lei especial, a comissão deve informar os peticionários do que está a fazer à respectiva petição.
Mas há aqui, nesta proposta, duas coisas distintas: uma, é informar regularmente os cidadãos sobre o exercício do seu mandato, o que, sem mais, é demasiado genérico; outra, é a que diz respeito a petições e, quanto a mim, as petições devem ser tratadas de outra maneira. É esta a dificuldade que tenho em perceber bem o alcance da proposta.
O Sr. Presidente: * O Sr. Deputado Luís Sá há-de responder, mas talvez seja melhor dar a palavra aos outros Deputados inscritos, para ter em conta o quadro global da argumentação.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, o Deputado Barbosa de Melo acabou de equacionar algumas dificuldades desta proposta.
Por um lado, o artigo 158.º já prevê, muito especificamente, que devem ser garantidas aos Deputados condições adequadas ao exercício eficaz do mandato, designadamente ao indispensável contacto com os cidadãos eleitores. A natureza desse contacto é regulada por um pacto cumprido segundo a filosofia, os princípios inspiradores, o estatuto e até o carácter do Deputado. Essa regulação é alguma 
Página 1316
coisa que depende de muitos factores e que, de resto, é distinta de Deputado para Deputado, de partido para partido e de Deputados sem partido.
O esforço de regular juridicamente essa relação tem dificuldades, como também já ficou provado, porque a norma proposta traduz-se na criação de um dever, mas de um dever imperfeito, porque é um dever que não tem a mesma natureza dos deveres previstos no artigo 162.º, que são, todos eles, sancionados com sanções directas e específicas do Estatuto dos Deputados e do Regimento, afectando, de resto, a própria continuidade do mandato. Ora, neste caso, não se propõe sanção nenhuma desse tipo e, enfim, no limite, a sanção seria uma qualquer atitude negativa do eleitorado. Mas a verdade é que a proposta, até desse ponto de vista - e o PP distingue-se do PCP também nesse aspecto -, tem dificuldades e ela própria é escrita "tentativamente", porque, repare-se, no caso do PCP, diz-se "(…) dar seguimento, quando fundamentadas (…)" e, no caso do PP, diz-se puramente "(…) dar seguimento (…)". Mas o ...
O Sr. Presidente: * Também utiliza a expressão "fundamentadas", só que está noutro lugar.
O Sr. José Magalhães (PS): * Não! A proposta do PCP é a única que refere "quando fundamentadas".
O Sr. Presidente: * Não! O PP também refere "representações fundamentadas". Só há diferença de sítio.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sim, perdão, está à frente!
Mas a qualificação do que sejam representações fundamentadas obriga os intérpretes a exercícios de hermenêutica um pouco distorcida, porque, como o Sr. Deputado Luís Sá há pouco disse, o seu entendimento de "não fundamentadas" é um pouco "especioso", ou seja, não é quando não sejam fundamentadas é quando a fundamentação não mereça o acolhimento ou não mereça sintonia da entidade a quem são dirigidas. Ora, assim, na leitura que fez, o dar seguimento pode traduzir-se em não dar seguimento nenhum, ou seja, em explicar à entidade que, embora lamentando informá-la, o seguimento que dá é não dar seguimento por uma objecção quanto ao fundo ou ao mérito. Ou seja, a norma transporta, em si mesma, o seu próprio suicídio ou aniquilação, uma vez que o seguimento é condicionado, restrito e dependente de uma pluralidade de factores. A norma diz, por um lado, aquilo que, por outro, por hermenêutica hábil ou, enfim, en soit disant hábil, se acaba por admitir que não aconteça sempre e que, aliás, nem poderia acontecer, porque implicaria um outro conceito de mandato que se traduzisse na obrigação de dar consentimento irrestrito e em quaisquer circunstâncias àquilo que fosse reclamação, queixa ou representação fundamentada, mesmo que fundamentada. Isso significaria uma espécie de compromisso entre o mandato representativo e o mandato imperativo, ainda por cima o mandato imperativo encarado de maneira bastante sui generis, porque seria um mandato imperativo ao sabor da vontade de um cidadão, um grupo de cidadãos, um queixoso, um átomo da sociedade política na sua relação com um determinado Deputado que, ainda por cima, não tem, em relação ao eleitorado, uma relação de representação directa. Isto é, qualquer cidadão, mesmo que não tenha votado em mim, é livre de me dirigir uma queixa, uma representação ou uma reclamação, sendo eu livre de a considerar ou desconsiderar, entre outras coisas, por se opor àquilo que penso ser a minha convicção política legítima enquanto Deputado eleito.
Percebe-se a finalidade, ou seja, manter os cidadãos informados. Porém, essa finalidade está acautelada por outras normas em termos não equívocos.
O Sr. Presidente: * Para responder, tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): * Em primeiro lugar, é claro que o artigo 158.º refere o contacto com os eleitores, mas refere o contacto com os eleitores de uma forma que diria ser a fundamental neste contexto e, por outro lado, creio que, apesar de tudo, são conceitos diferentes, o contacto com os eleitores, o contacto regular com os eleitores e o dever de informar regularmente os cidadãos, o qual pode não implicar o contacto, pode implicar o recurso a outros meios, inclusive o recurso a novas tecnologias, como o Sr. Deputado José Magalhães bem sabe. Informar regularmente os cidadãos pode não implicar o contacto do Deputado com o eleitor a que o artigo 158.º se reporta.
Um outro aspecto que quero referir tem a ver com o argumento do Sr. Deputado Barbosa de Melo, a propósito do artigo 52.º, do direito de petição, etc. É claro que existe o direito de petição, a questão que se coloca, entretanto, é a de saber se o direito de petição previsto no artigo 52.º esgota a relação individual do Deputado com os eleitores, com diferentes associações e grupos de pressão etc. E, a nosso ver, pode não esgotar, isto é, independentemente de um cidadão ou um grupo poder dirigir-se à Assembleia da República ao abrigo do direito de petição, também se pode dirigir a um grupo parlamentar, a um Deputado, colocando determinados problemas.
Quanto à questão da formulação, peço a atenção do Sr. Deputado José Magalhães. Podemos, eventualmente, encontrar melhor formulação mas, a nosso ver, não está aqui em causa qualquer ideia de criar um mandato imperativo de qualquer tipo, qualquer obrigação de o Deputado concordar com quem quer que se lhe dirija.
Agora, dou-lhe um exemplo concreto: há um grupo de cidadãos, de uma determinada associação das cidades que querem ser concelhos, movimento que entende que a promoção a cidade implica o direito a ser concelho, que se dirige individualmente a um Deputado ou a um grupo parlamentar. Posso entender, e pessoalmente entendo, que este movimento, o respectivo objectivo e a questão que é colocada não me merece apoio mas tenho uma de duas alternativas: ou, pura e simplesmente, não respondo ou acuso a recepção, dizendo claramente que estou em desacordo e assumindo a minha responsabilidade política por esse facto.
Portanto, o que está em causa…
O Sr. José Magalhães (PS): * Portanto, isto, basicamente, é o dever de acusar a recepção?
O Sr. Luís Sá (PCP): * É o direito de acusar a recepção e, naturalmente, não apenas de acusar a recepção mas de tomar uma posição política sobre aquilo que é colocado ao Deputado.
Portanto, é um problema de responsabilidade política do Deputado perante o eleitor. Pode entender-se, naturalmente, que não é conveniente - os Srs. Deputados…
O Sr. José Magalhães (PS): * Com que sanção?
Página 1317
O Sr. Luís Sá (PCP): * Sr. Deputado, o problema que aqui está colocado é o seguinte: em relação aos outros deveres do artigo 162.º, qual é a sanção?
O Sr. José Magalhães (PS): * Têm sanção!
O Sr. Luís Sá (PCP): * Qual é a sanção?
O Sr. José Magalhães (PS): * Têm, têm! Alguns culminam, simplesmente, com a perda do mandato. Comece a faltar e veremos o resultado!…
O Sr. Luís Sá (PCP): * Ó Sr. Deputado, como é sabido, outros deveres que aqui estão não têm essa sanção.
Mas, independentemente disso, o problema que aqui está colocado é o de saber se se pretende ou não dar um sinal de ligação da Assembleia da República aos eleitores que prestigie o Parlamento e a função de Deputado. E, nesta matéria, já falámos, hoje, aqui, abundantemente, em sinais, pelo que se tratava, também aqui, de, efectivamente, dar um sinal e de fazer com que, cada vez mais, a função do Deputado correspondesse a este tipo de prática.
Há um argumento que foi suscitado pelo Sr. Deputado Marques Guedes que pode ter alguma razão de ser imediata, que são as dificuldades de carácter prático. Isto é, posso admitir que o cumprimento pleno desta obrigação, por parte dos Deputados, da obrigação de responder, tal como acontece com a Administração Pública, pudesse resultar num indeferimento. Mas este indeferimento, o direito ao indeferimento constitui algo que pode ser fundamental para o cidadão. Também nesta matéria teríamos, de algum modo, uma posição similar e posso admitir que este facto implicaria, efectivamente, um reforço das condições de trabalho dos Deputados.
Naturalmente, há, desde já, serviços de apoio a grupos parlamentares que se esforçam por cumprir este tipo de obrigações e este tipo de prática, pelo que se trataria de procurar generalizar e de, eventualmente, se viéssemos a entender que era o caso, tomar as medidas pertinentes no sentido de reforçar esse apoio. E creio que o reforço desse apoio é até, eventualmente, uma condição para reforçar o próprio papel dos Deputados.
Fala-se muito, por exemplo, em reforçar o papel da Assembleia da República e dos parlamentos nacionais, no contexto da integração comunitária, fala-se até, como é sabido, noutros países, da apreciação de projectos de directivas pelos parlamentos nacionais, mas, naturalmente, isto implica mais apoio aos Deputados. Implica mais apoio e parece-me que é indispensável para garantir o papel que os parlamentos devem ter no contexto de integração comunitária! Mas, no entanto, não é pelo facto de este apoio ser obrigatório que determinadas posições políticas deixam de ser menos importantes.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, pela minha parte, quero fazer duas considerações.
Primeiro: penso que o PCP mistura na mesma alínea duas coisas, a meu ver totalmente distintas.
O Sr. José Magalhães (PS): * Exactamente!
O Sr. Presidente: * Uma coisa é o dever político de manter os cidadãos informados,…
O Sr. Luís Sá (PCP): * Estamos abertos à separação, Sr. Presidente e Sr. Deputado.
O Sr. Presidente: * … de dar conta do seu mandato, ao fim e ao cabo de prestar contas. Mas esse é um dever, uma obrigação estritamente política que, a meu ver, não se deve pôr no mesmo pé em que estão as actuais alíneas do artigo 162.º, que são, claramente, deveres jurídicos e funcionais, que são deveres para com a Assembleia da República e não deveres para com o exterior.
Portanto, aqui, tratar-se-ia de um dever externo, de dimensão puramente política, contra o qual nada tenho, até penso que talvez fosse uma benfeitoria, mas não acrescentado às alíneas que estão no artigo 162.º, porque neste artigo constam deveres funcionais para com a Assembleia da República, os quais têm, aliás, sanções jurídicas.
Penso que este dever é um dever puramente político, cuja sanção é política, pelo que não se deve pôr no mesmo pé. Quanto muito, um n.º 2 poderia dizer algo como, por exemplo, "constitui ainda dever…" - obrigação ou outra expressão mais soft "… dar conta do exercício do seu mandato".
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, se me permite, também se poderia fazer um pequeno aditamento ao artigo 158.º, uma vez que ele já alude ao indispensável contacto com os cidadãos eleitores, pelo que a alusão à função informativa como uma das funções que têm lugar para esse contacto directo, que não tem de ser carnal, pode ser também telemático e postal,…
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado José Magalhães, muito obrigado,…
O Sr. José Magalhães (PS): * Peço desculpa, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: * Penso que é uma boa sugestão, Sr. Deputado.
Quanto ao segundo aspecto, entendo que se trata de uma proposta que não tem sentido. Transformar os Deputados, obrigá-los a receber toda a gente, a escrever a toda a gente, a responder a toda a gente…
O Sr. José Magalhães (PS): - A acusar a recepção!…
O Sr. Presidente: - … e a tomar posição sobre todas as questões que lhes sejam sujeitas, a meu ver, sinceramente, não tem sentido. Não tem sentido! Aliás, a competitividade dos Deputados dos grupos parlamentares vale-se também disso! Os cidadãos sabem distinguir - e, por isso, aliás, também levam isso em conta no seu voto - entre os partidos e os Deputados que respondem, que os recebem, que tomam posição perante as suas coisas. Transformar isto num dever tabeliónico!… Para além de ser impossível transformar os Deputados em puros burocratas de resposta a milhares de cartas, de petições, de pedidos de audiência, de queixas, de reclamações por ano, o que não tem sentido e seria, claramente, burocratizar a função do Deputado, que é, sobretudo, uma função política, o exercício do mandato também se mede por aí, pela receptividade que tem em relação às queixas ou reclamações dos eleitores.
Portanto, em relação à segunda parte da proposta do PCP, parece-me que não deveria merecer consideração, quanto à primeira parte, entendo que há um elemento em que vale a pena pensar mas não nesta sede de deveres, porque estes deveres são deveres funcionais, deveres para com a Assembleia, deveres jurídicos, deveres que têm 
Página 1318
sanções, enquanto que esse é um dever político, é um dever de responsabilidade política. Portanto, a meu ver, seria vantajoso que esse dever fosse mencionado mas não nesta sede.
A sugestão do Deputado José Magalhães talvez seja uma solução razoável para ir ao encontro da minha preocupação.
Srs. Deputados, concretamente, o Sr. Deputado José Magalhães propôs… Sr. Deputado José Magalhães, não lhe quero ser infiel, pelo que peço a sua atenção.
No n.º 1 do artigo 158.º estabelece-se que "São garantidas aos Deputados condições adequadas ao eficaz exercício das suas funções, designadamente ao indispensável contacto com os cidadãos eleitores". E…
O Sr. José Magalhães (PS): * E deveria aditar-se a esse conteúdo constitucional uma menção…
O Sr. Presidente: * Talvez "contacto e informação" aos cidadãos eleitores…
O Sr. José Magalhães (PS): * Exactamente! A respectiva informação. Enfim, alguma coisa poderia ser trabalhada…
O Sr. Presidente: * A título de aditamento.
O Sr. José Magalhães (PS): * O aditamento seria sempre o da palavra-chave "informação", como uma densificação e uma ampliação de conteúdo que enriquecesse a mera alusão ao "contacto". É óbvio que o contacto não se destina, seguramente, a pôr um eleitor mudo perante um Deputado silencioso mas, enfim, a densificação poderia ser útil e creio que contemplaria a 100% pelo menos 50% da proposta do PCP.
O Sr. Presidente: * Então, poderia ficar do seguinte modo: "(…) designadamente ao indispensável contacto com os cidadãos eleitores e a dar conta do exercício do seu mandato".
O Sr. José Magalhães (PS): * Ou, por exemplo, "(…) e à prestação de contas sobre o exercício do seu mandato".
O Sr. Presidente: * "Prestação" não me parece uma expressão muito boa, talvez seja melhor "dar conta".
O Sr. José Magalhães (PS): * Muito bem, Sr. Presidente!
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados do PCP, concretamente Sr. Deputado António Filipe, agora presente, há uma sugestão de convolar a proposta do PCP, que, nos termos em que foi apresentada, não tem acolhimento, para um aproveitamento parcial, o qual consistiria num aditamento ao n.º 1 do artigo 158.º, no seguinte sentido: "São garantidas aos Deputados condições adequadas ao eficaz exercício das suas funções, designadamente ao indispensável contacto com os cidadãos eleitores e à informação sobre o exercício do seu mandato".
O PCP acolhe esta ideia ou rejeita-a?
O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente, como compreende, não acompanhei a discussão que foi realizada, pelo que ponderaremos essa proposta alternativa.
O Sr. Presidente: * Suponho que o PSD manifestou abertura em relação a este modo de encarar a questão, independentemente da questão da reformulação.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * É verdade, Sr. Presidente.
Nós respeitamos, naturalmente, a intenção que estava por detrás da proposta do PCP e chamámos logo a atenção, quando usei da palavra, para o facto de ela reunir duas coisas diferentes. No entanto, a Constituição não pode resolver problemas de boas maneiras, e de boas maneiras muitas vezes se tratará, nem pode, obviamente, eliminar o funcionamento das sanções políticas, até porque a escolha política também se fará assim.
Uma parte desta proposta deve, pois, cair, e a outra, com a sugestão que foi feita pelo Sr. Deputado José Magalhães, enfim, sob reserva de que a fórmula encontrada seja suficientemente soft para não dar a impressão de que estamos a tentar rigidificar um dever muito estrito, aludindo à ideia de que o Deputado deve ter em conta a necessidade de dar uma informação aos seus eleitores, parece-me bem, sendo o artigo 158.º um bom sítio para isso.
O Sr. Presidente: * Sobretudo não se misturava uma obrigação de carácter político com obrigações estritamente jurídicas.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Como V. Ex.ª disse, e bem, todos os preceitos deste artigo 162.º são deveres jurídicos e isto não é operacionalizável por uma vez.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, passamos ao artigo 163.º, relativamente ao qual existe uma proposta de alteração à alínea c), apresentada pelo Sr. Deputado Cláudio Monteiro e outros.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Sr. Presidente, parece-me que há um lapso material, provavelmente não rectificado pelos autores, porque tal como está formulada…
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, tenho aqui um ponto de interrogação mas não sei o que significa.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * É porque a proposta, tal como está, não faz qualquer sentido e…
O Sr. Presidente: * Também me parece!
Tem a palavra, Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * … e a única função que ela tinha, para além da eliminação da alínea d), que também está implícita mas não está ainda em discussão, e que era o objectivo principal da proposta de alteração a este artigo, era adequar a terminologia à nova terminologia empregue no artigo 154.º, de acordo com a nossa proposta, a qual já foi rejeitada.
Portanto, em qualquer circunstância, independentemente do lapso que não foi rectificado, esta proposta fica prejudicada.
O Sr. Presidente: * Prejudicada!
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * De qualquer forma, deveria ler-se "(…) propôs a sua candidatura" e não "(…) apresentou a sua candidatura", pois isto tinha apenas a ver com a particularidade com que os termos eram empregues no artigo 154.º.
Página 1319
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, passamos à alínea d) do artigo 163.º, relativamente à qual existe uma proposta de eliminação, apresentada pelo Deputado Cláudio Monteiro e outros, e propostas de substituição, apresentadas pelo CDS-PP e pelo PSD.
O texto actual do preceito estabelece o seguinte: "1. Perdem o mandato os Deputados que: (…) d) Sejam judicialmente condenados por participação em organizações de ideologia fascista.".
O Deputado Cláudio Monteiro e outros propõem que se elimine esta norma e o CDS-PP propõe que seja substituída pelo seguinte texto: "Sejam judicialmente condenados por crime de responsabilidade no exercício da sua função ou por crime a que corresponda pena de prisão superior a três anos, nos termos da lei".
Por seu lado, o PSD propõe que a norma seja alterada do seguinte modo: "Sejam judicialmente condenados por participação em organizações racistas ou que perfilhem a ideologia totalitária".
Vou dar a palavra aos proponentes por ordem, concretamente por ordem de devastação, uma vez que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro apresentou uma proposta de eliminação.
Tem a palavra, Sr. Deputado Cláudio Monteiro.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Sr. Presidente, a minha proposta é consentânea com a proposta que havia formulado…
O Sr. Presidente: * É uma regra regimental, Sr. Deputado! Começa-se pelas propostas de eliminação…
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Não!
O Sr. Presidente: - Foi uma piada, Sr. Deputado.
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): - Não questiono o termo "devastação", porque, obviamente, há uma devastação da alínea d), uma vez que ela é eliminada.
Mas esta proposta é apenas congruente com a proposta que havia sido feita, e já rejeitada, segundo a qual deixava de ser constitucionalmente proibida a criação de organizações de ideologia fascista, não necessariamente porque se concorde com elas ou com os seus objectivos mas, um pouco, naquela linha que há pouco referi de uma perspectiva diferente sobre a teoria dos conflitos e o modo de os resolver, não através de proibições mas permitindo que eles se resolvam por si só na sociedade civil ou na sociedade política, quando for caso disso.
O Sr. Presidente: * As propostas do Deputado Cláudio Monteiro e outros, a do CDS-PP e suponho que também a do PSD são congruentes com as propostas dos dois proponentes relativas ao artigo 46.º, se não estou em erro, concretamente à eliminação ou à reformulação, respectivamente, da norma...
O Sr. Cláudio Monteiro (PS): * Às organizações fascistas.
O Sr. Presidente: * ... que proíbe as organizações de ideologia fascista.
Portanto, isto está dependente disso, até porque uma coisa é certa, e mesmo os proponentes concordarão, se a norma lá atrás não foi eliminada, provavelmente não tem sentido eliminá-la aqui ou manterá o sentido mas menos, pelo menos no que o justifica.
Mas, partindo do princípio de que, para já, a norma não é alterada, porque não se obteve consenso nesse sentido, houve, no entanto, consenso no sentido de acrescentar as organizações de ideologia racista, as organizações racistas. Por conseguinte, a proposta apresentada pelo PSD mantém interesse, mesmo que deixemos de lado a questão das organizações de ideologia fascista.
Assim sendo, para apresentar a proposta, tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, depois do que V. Ex.ª disse já pouco me resta para dizer sobre a nossa proposta.
Em todo o caso, começo por fazer a correcção de uma gralha. Como estava no nosso artigo 46.º e como estava no projecto apresentado, no artigo 163.º, alínea d), deve ler-se, no plural, "(…) que perfilhem ideologias totalitárias". É assim que está no nosso artigo e que estava no nosso projecto inicial.
Realmente, esta proposta tem a ver com o artigo 46.º e com a posição que tomámos em relação a esse artigo. Foi dito, na altura a que se procedeu aqui à discussão do artigo 46.º, n.º 4, que este conceito de ideologias totalitárias era um conceito novo que não tinha tradição constitucional. Ora, a isso, contraponho o seguinte: em 1976, usámos tantos conceitos novos que, depois, adquiriram, enfim, um recorte suficientemente preciso e que tornam, hoje, a nossa Constituição, mesmo com todos esses sentidos, uma Constituição valiosa.
Suponho que este conceito de ideologias totalitárias é um conceito que tem conteúdo, pelo menos na filosofia política e na teoria política. Estou a lembrar-me dos trabalhos admiráveis da Hannah Arendt, por exemplo, sobre o sistema totalitário e acho que é, obviamente, uma ideologia contra a… Uma ideologia totalitária anula o princípio democrático, anula a democracia, pelo que a Constituição, em vez de falar ou, porventura, para além de falar em organizações que perfilhem ideologias fascistas deveria falar em ideologias totalitárias, devia acrescentar qualquer coisa que fosse para além das ideologias fascistas. O fascismo tem tido muitas e diversas interpretações, muitos até discutem se ele existiu, onde quer que existiu, o que é, que sentido é que tem. Portanto, a nossa proposta mantém utilidade, mas não sei se vale a pena insistir nela depois da discussão que fizemos sobre o artigo 46.º, n.º 4.
Em todo o caso, quero lembrar, e V. Ex.ª já o lembrou, Sr. Presidente, um dos ganhos da nossa proposta, que é o das organizações racistas. O facto de passarem a constar aqueles que sejam condenados por participação em organizações racistas já representa um ganho, já está adquirido e também deve ser salvaguardado na alínea d) do artigo 163.º.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, não se encontra presente nenhum Deputado do CDS-PP, mas assumo a proposta deles como proposta para discussão, porque, pelo menos numa parte, dizem uma coisa que aqui tem de ser dita. A própria Constituição prevê, a propósito dos crimes de responsabilidade, a perda do mandato, no caso de condenação por crimes de responsabilidade. Portanto, penso que, congruentemente, devíamos acrescentar aqui, no artigo 163.º, os Deputados que sejam condenados por crimes de responsabilidade
Página 1320
para o qual a lei preveja a perda de mandato. Se a lei, ao abrigo da Constituição, o prevê, como consequência da pena, em excepção ao princípio geral de que não há consequências necessárias ligadas a crimes, a verdade é que seria conveniente pô-lo aqui.
Já quanto à segunda parte da proposta do CDS-PP, não sei se não será excessivo consagrar a perda de mandato para a condenação por qualquer crime, só porque ele excede três anos de pena. Isto parece-me manifestamente excessivo e entendo que depende do tipo de crime. Em relação aos crimes de responsabilidade, tudo bem!
Há ainda outra coisa que também devíamos aqui incluir, que são os casos em que a lei, praeter constitutionem, senão contra constitutionem, tem admitido a perda de mandato para a violação de deveres, por exemplo, em matéria de transparência.
Hoje, segundo a lei, os Deputados que não fizerem as declarações de rendimento perdem o mandato. A meu ver, isso não tem cobertura constitucional, mas devia tê-lo, e, portanto, é boa altura para o pôr aqui na Constituição.
Portanto, proponho concretamente o seguinte: que se adopte a primeira parte da proposta do CDS-PP, isto é, que "Sejam judicialmente condenados por crimes de responsabilidade". A expressão "no exercício da sua função" é desnecessária.
O Sr. José Magalhães (PS): * Condenados nessa pena!
O Sr. Presidente: * Crimes que prevejam essa pena!
O Sr. José Magalhães (PS): * Porque creio que o Sr. Presidente reinterpretou a proposta do CDS-PP,…
O Sr. Presidente: * Exacto! "Sejam judicialmente condenados....
O Sr. José Magalhães (PS): * … porque não era exactamente isso!
O Sr. Presidente: * … por crime de responsabilidade no exercício da função para o qual a lei preveja tal pena".
Em segundo lugar, em vez de estarmos aqui a discutir a participação em organizações de ideologia fascista, de ideologia racista e de ideologia totalitária, proponho, pura e simplesmente, que fique a constar "Sejam condenados por participação em organizações constitucionalmente proibidas", que é uma forma de remetermos para o que lá atrás se diz, e arrumávamos aqui a questão de saber se são fascistas, totalitárias… O que lá atrás se disser fica aqui adquirido por remissão.
Em terceiro lugar, proponho que se acrescente uma fórmula, a qual não tenho debaixo da língua, mas tem de ser encontrada, para constitucionalizar ou, se quiserem, numa forma soft, para dar explícita cobertura constitucional às normas legais que estabelecem a perda do mandato em caso de violação, por exemplo, dos deveres relativos à transparência.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, uma fórmula possível seria, segundo creio, a que, em vez de utilizar a expressão específica "crime de responsabilidade", utilizasse a expressão mais genérica "crime relativo ao exercício da sua função", o que abrangeria tanto os crimes de responsabilidade propriamente ditos como outros crimes previstos na lei, ao abrigo, aliás, de uma norma que se deseja rever e sobre a qual já está indiciado o consenso, com o limite decorrente do facto de ter de haver expressa previsão legal desse tipo de sanção, o que está implícito na sugestão que fez.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, é claro que as fórmulas ainda não estão estabilizadas, mas gostava de adiantar aquela que, a final, me parece que irá ser a posição do Grupo Parlamentar do PSD no que se refere a esta matéria.
Julgo que a fórmula que está no projecto do CDS-PP, isto é, "crimes de responsabilidade" faz sentido, visto que é uma tradição da nossa cultura constitucional, havendo até uma lei própria que regula esses crimes de responsabilidade e os define com toda a precisão e com todas as garantias constitucionais. Não estamos aqui a apelar para nada, como diria o brasileiro, estamos a referir coisas muito concretas e específicas.
Quanto à outra parte, de constitucionalizar a perda de mandato em resultado da violação das normas de transparência, julgo que não é prática parlamentar em nenhum país dos nossos parceiros da União Europeia.
O Sr. José Magalhães (PS): * Ó Sr. Deputado, mas nós adquirimos esse princípio no artigo 120.º, n.º 2, para o qual o PS tem uma proposta tendente a aditar aos conteúdos constitucionais já adquiridos um inciso que diga: "A lei deve dispor sobre as consequências do respectivo incumprimento".
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Está bem, mas não…
O Sr. José Magalhães (PS): * E nas consequências do incumprimento estava bem presente no espírito de todos nós, suponho eu, o actual quadro legal.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Que a violação do dever da transparência tenha consequências, certo! Agora, que seja a perda do mandato, nem sempre! Afirmar constitucionalmente, de uma vez por todas, e com toda a força que isto tem na Constituição, que todos aqueles que violarem os deveres, que são deveres secundários da vida do Deputado, de relatar os interesses em que está envolvido, de dar informação sobre aquilo que a lei lhe exige…
O Sr. José Magalhães (PS): * Não! Só quando a lei o disser e nos termos em que o disser. E se o disser, obviamente, porque não o diz sempre, como sabemos.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Ora bem, mas o problema é este… Por isso é que comecei por dizer que a fórmula estava ainda muito…
O Sr. Presidente: * Para já, não propus qualquer fórmula! Comecei por dizer que, para esse caso concreto, não tenho fórmula, é preciso encontrá-la.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Mas isso é uma coisa complicada. Normalmente a violação dos deveres de
Página 1321
transparência é punida exactamente como a denúncia da falta de transparência, é uma sanção política. Uma pessoa não disse e devia ter dito, o assunto passa para a comunicação social e a pessoa é exauturada na praça pública no seguinte sentido: "Então este sujeito andou a fazer uma coisa destas e não disse nada?!"
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Barbosa de Melo, aqui que o jornalista presente não nos ouve, suponho que não queremos muito que a opinião pública ache que há uma opinião na Assembleia segundo a qual a violação das regras de transparência deve limitar-se a ser sancionada com a denúncia pública: "Olha, não entregou a declaração!".
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * O Sr. Presidente apressou-se a fazer a interpretação restritiva da minha afirmação. Eu não quero o 8 nem o 80 que V. Ex.ª quer, que é a perda do mandato tout court!
O Sr. Presidente: * Eu não disse o que queria, Sr. Deputado!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Pois, mas…
O Sr. Presidente: * Só disse que queria não aumentar a…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Anunciou que era preciso constitucionalizar a violação dos deveres de transparência que estão na lei! Foi isso que eu ouvi!
O Sr. Presidente: * Não, não! Constam já os casos em que a lei prevê a perda de mandato para a violação da transparência! É diferente! A lei só prevê isso em certos casos!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Constitucionalizar a lei que aí está!
O Sr. Presidente: * Constitucionalizar a lei na parte…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Foi isso que percebi, e é contra essa sua opinião de partida que estou a reagir. Não estou a dizer que quem violar as regras de transparência só é punido com a falta de transparência. Não é isso que estou a dizer, obviamente. Estamos a falar de perda de mandato.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, proponho que deixemos a questão para resolver, tal como a deixámos no artigo 120.º. Suponho que o eterno retorno às questões é prejudicial. Se as questões estavam adquiridas ao nível do artigo 120.º, continuarão adquiridas ao nível do artigo 120.º. Se há oposição a especificá-la aqui de novo, não sou eu quem a vai levantar de novo.
Em todo o caso, restam as duas outras questões que levantei, ou seja, a proposta do CDS-PP e a reformulação da alínea b) quanto ao facto de lá atrás, pelo menos, termos acrescentado as organizações racistas, portanto, saber se é ou não aplicável o mesmo regime de perda de mandato.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, a nossa posição nesta matéria é a de que devemos aceitar todos os corolários da posição assumida no artigo 46.º, n.º 4, e, nesse sentido, a menção às organizações racistas. Na nossa óptica, impõe-se igualmente a não alteração da fórmula constitucional.
O Sr. Presidente: * Na opinião do PS, o que se deve acrescentar é "organizações racistas", tal como o PSD propõe, sem alterar a referência às "organizações de ideologia fascista",…
O Sr. José Magalhães (PS): * Tal como decorre do artigo 46.º, n.º 4.
O Sr. Presidente: * … como decorre do artigo 46.º, n.º 4, na redacção actual, cuja alteração não foi acolhida.
Quanto à proposta do CDS-PP, qual é exactamente a posição do PS?
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, cremos que a observação feita em relação à primeira parte é pertinente. Portanto, deveríamos, de alguma maneira, criar um compasso de reflexão que nos permita chegar a um consenso desse ponto de vista. A lacuna é, aliás, talvez em grande medida, aparente quanto a isto, porque, uma vez que a Constituição prevê crimes de responsabilidade com determinadas consequências, admitamos que há uma consagração disto, mas já não assim tanto em relação a algumas das questões que discutimos anteriormente e a que procuramos responder cabalmente no artigo 120.º.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado António Filipe.
O Sr. António Filipe (PCP): * Sr. Presidente, começando pela primeira parte da proposta do CDS-PP, isto é, até "exercício da sua função", parece-nos que a proposta é perfeitamente de ponderar e, em princípio, aceitável.
Relativamente à segunda proposta, que está relacionada com o artigo 46.º, também nos parece ser de respeitar aqui a sua formulação e não me parece que a remissão seja muito vantajosa, uma vez que até não é económica do ponto de vista da disposição, portanto poderíamos perfeitamente adoptar aqui a mesma redacção que seja adoptada para o n.º 4 do artigo 46.º, que tudo indica que será "organizações de ideologia fascista e racista" ou algo parecido com isto.
E não nos parece mal também que possa haver uma referência à perda de mandato, nos termos legais, por preterição de deveres relativos à ausência de transparência. Parece que talvez a formulação adquirida no artigo 122.º, segundo creio, possa resolver o problema, mas também não temos qualquer objecção especial a que possa também aqui fazer-se uma referência a isso.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, penso ser…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, ainda não me pronunciei sobre um ponto!
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, das várias propostas que V. Ex.ª adiantou, há uma que me parece boa e que, em boa técnica, não ficaria pior, que é "Sejam judicialmente condenados por participação em organizações constitucionalmente proibidas", ou uma fórmula
Página 1322
deste género, deixando atrás, como já ficou acordado, as variantes "fascista" e "racista". Mas aqui talvez se ganhasse alguma coisa.
Quanto ao mais destas propostas, gostaria de as ver formuladas por escrito.
O Sr. Presidente: * Uma está formulada, que é a do CDS-PP, que diz: "Sejam judicialmente condenados por crime de responsabilidade..."
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Quanto ao artigo 120.º, chamo a atenção de VV. Ex.as para que o que foi aprovado, a meu ver, foi o que estava na proposta do PS. E o que a proposta do PS estabelece é que "A lei dispõe sobre os deveres, responsabilidades e incompatibilidades dos titulares dos cargos políticos, as consequências do respectivo incumprimento (…)", não diz que é a perda de mandato, e foi contra isso que me manifestei, ou seja, contra pôr como consequência da violação de um dever definido na lei em matéria de transparência, por exemplo, automaticamente, por força da Constituição, a perda de mandato.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, para concluir, em relação à proposta do CDS-PP, posta à discussão por minha iniciativa, há relativo consenso, mas não há oposição, à partida, a que seja acolhida. De resto, é uma pura explicitação, aqui nesta sede, a perda de mandato por condenação por crime de responsabilidade.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Mas o crime de responsabilidade não implica perda de mandato por si só! Nem todos eles implicarão! E aqui passa a implicar!
O Sr. Presidente: * Não! Crime de responsabilidade para o qual a lei preveja essa pena! Isso disse-o eu!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Mas nessa fórmula não é assim!
O Sr. Presidente: * Está bem! Mas eu disse outra fórmula!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Então, é por isso que estamos todos aqui a discutir uma formulação. Isto é muito importante, porque estamos a mexer em coisas muito importantes.
O Sr. Presidente: * Mas eu disse isso desde o princípio!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Então, Sr. Presidente, vou fazer um apelo: não tomemos posição sem ter as fórmulas todas devidamente formuladas.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, não vale a pena passarmos à frente desnecessariamente, dado que as fórmulas estão encontradas. De resto, há sempre a possibilidade de, depois, se dissemos mais do que queríamos ou coisa diferente, podermos repensar outra vez. Essa hipótese mantém-se sempre em aberto.
Portanto, a proposta do CDS-PP, tal como a reformulei, diz o seguinte: "Sejam judicialmente condenados por crime de responsabilidade para o qual a lei preveja tal pena" ou, então, "Sejam judicialmente condenados por crime de responsabilidade nos casos previstos na lei", pura e simplesmente, porque pode não ser a título de pena, pode ser a título de consequência de pena. É melhor esta fórmula.
Quanto à proposta para a alínea d), não tendo o PS e o PCP pegado na minha sugestão, fica: "Sejam judicialmente condenados por participação em organizações racistas…" - aditamento que vinha na proposta do PSD e que foi acolhido - "… ou que perfilhem ideologia fascista", que era o que estava, já que nessa parte a proposta do PSD não é acolhida, tal como não foi acolhida lá atrás.
Srs. Deputados, vamos passar ao artigo 164.º - Competência política e legislativa.
O PSD propõe a eliminação da alínea c), que diz: "Aprovar o estatuto do território de Macau". Proponho que esta proposta de eliminação do PSD seja convolada em proposta de transferência desta alínea c) para disposição transitória para o artigo respectivo respeitante a Macau.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Na linha do que tínhamos dito há tempos.
O Sr. Presidente: * Exacto!
O Sr. José Magalhães (PS): * Na linha do que se fez quanto às competências do Presidente da República?
O Sr. Presidente: * Exacto, respeitantes a Macau.
Creio que estamos todos de acordo sobre isso, os próprios proponentes, pela voz do Sr. Deputado Barbosa de Melo, acolhem esta transformação da sua proposta. Está adquirida a eliminação do artigo 174.º, alínea c), respeitante à competência para aprovar o estatuto do território de Macau, que passará para o artigo transitório respeitante a Macau.
Srs. Deputados, à alínea f) corresponde à alínea e) da proposta do PSD, que diz o seguinte: "Conferir às assembleias legislativas regionais as autorizações previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 229.º da Constituição". Trata-se, de facto, de uma incorrecção técnica da Constituição.
Acontece que há propostas no sentido de eliminar esta alínea b), pelo que proponho que adiemos a discussão desta questão. Se esta alínea for mantida, acolheremos esta proposta do PSD, que é de pura correcção do lapso técnico; se a alínea não se mantiver, obviamente terá de ser eliminada daqui a própria alínea f).
Vamos passar à alínea j), para a qual o Partido Socialista propõe uma alteração, esta já de índole não puramente técnica. Actualmente a Constituição diz que compete à Assembleia da República, em matéria de convenções internacionais, aprovar, em exclusivo, as convenções quando versem mantém da sua competência reservada, aprovar certos tratados e aprovar os restantes acordos, quando o Governo lho proponha. O PS propõe uma alteração deste regime, alargando a competência da Assembleia da República.
Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães para justificar a proposta.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, esta é uma proposta significativa, e é tão significativa quanto a Constituição neste ponto tem uma solução que poderemos qualificar como sui generis. E trata-se de uma solução sui generis no seguinte sentido: dá ao Governo uma larguíssima competência em matéria de aprovação de tratados.
A revisão constitucional de 1989 veio operar algumas clarificações neste domínio e, nesse sentido, ampliou a competência parlamentar no que diz respeito à aprovação de convenções internacionais. E, de resto, solidificou, clarificou
Página 1323
e decantou o léxico constitucional em matéria de instrumentos de Direito Internacional susceptíveis de vinculação do Estado português.
Aquilo que propomos no nosso texto é que se dê um outro passo, um passo bastante relevante neste domínio, estabelecendo, de forma clara e sem qualquer reserva ou restrição, que a aprovação de tratados, de quaisquer tratados, nunca pode ser efectuada pelo Governo. A partir do momento em que corresponda, segundo as regras do direito interno internacional, a um determinado acto a forma de tratado só o Parlamento é competente para a sua aprovação para ratificação, e no mais, obviamente, são respeitadas as competências constitucionais: a do Governo, no tocante à negociação, e a do Presidente da República, no tocante aos trâmites posteriores à aprovação para ratificação.
Assim se eliminará a cadeia de distinções que hoje constam da alínea j), na sequência dos esforços de benfeitorias, mas não se prejudica - e isso é também alguma coisa que vem ao encontro da protecção da Constituição - a possibilidade de ampliação aleatória relativa da intervenção parlamentar na aprovação de instrumentos de Direito Internacional, uma vez que o Governo continuará a poder usar da faculdade de ampliar essa intervenção parlamentar, submetendo-lhe a aprovação de acordos internacionais.
Dá-se ainda um passo em frente contra os acordos internacionais, clarificando que aqueles que versem matéria da competência reservada da Assembleia só por esta possam ser aprovados.
O Sr. Presidente: * Isso já está!
O Sr. José Magalhães (PS): * Exacto! Mantém-se esse aspecto! Ou seja: não se decai da regra constitucional, que, de resto, é uma regra, diria eu, de senso comum ou óbvia, uma vez que, se assim não fora, seria possível a qualquer governo aprovar, ele próprio, instrumentos internacionais versando sobre matérias da competência reservada da Assembleia, ultrapassando-a assim.
Trata-se, portanto, de uma proposta significativa, que tem uma lógica, ela própria inteiramente óbvia e explicável, que trata de corrigir algo que é uma anomalia congénita do sistema, que foi corrigida parcialmente em 1989, mas que, agora, importaria levar até ao fim.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, está à consideração esta proposta do PS, que, como foi sublinhado, consiste, no que respeita aos tratados, em atribuir a competência exclusiva sempre à Assembleia da República e não apenas quanto aos tratados descriminados na actual alínea j).
Por minha parte considero que esta proposta é bem-vinda. Ela repõe um princípio democrático essencial, que é o de que a vinculação externa do País através de tratados deve ser coonestada pela Assembleia da República, e corrige um aleijão mal-vindo da Constituição de 1933, até agora não corrigido, uma vez que, a meu ver, o alargamento da competência parlamentar em matéria de vinculação internacional do Estado impõe-se, 20 anos depois do primeiro texto constitucional.
Srs. Deputados, está à discussão esta proposta PS.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, o texto, tal como é apresentado, fica mais escorreito do ponto de vista formal, mas não sei se resolve todas as questões tal como elas estavam resolvidas na alínea j).
A nossa Constituição usa, por exemplo, no artigo 8.º, um conceito genérico: "convenções internacionais". E, sob a capa de convenções internacionais, que versem matéria da competência reservada da Assembleia da República, já competia à Assembleia aprovar as convenções. Depois fala de "tratados" e de "organizações internacionais", havendo outros textos onde isto aparece... Portanto, se aqui, no momento da ratificação, vamos mudar de linguagem, não sei se não teremos de fazer outras obras concordantes com esta solução...
O Sr. Presidente: * Não se trata de mudar de linguagem!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * É mudar de linguagem!
O Sr. Presidente: * Não, não!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Trata-se de dizer que se as convenções têm a solenidade de ratificação, nomeadamente, chamam-se tratados, como acontece nos instrumentos de Direito Internacional, como a Convenção de Viena, e devem vir à Assembleia; se são acordos, isto é, acordos em forma simplificada ou simplesmente acordos, eles não têm de vir à Assembleia, excepto se versarem matéria da Assembleia. É esta a racionalização que aqui se faz.
O Sr. Presidente: * Não! Isso já está na actual…
O Sr. José Magalhães (PS): * Já consta do artigo 200.º e do actual artigo…
O Sr. Presidente: * O PS não mexe nem na terminologia, nem na conceptuologia!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * O problema que me ponho é o de saber se se ganha alguma coisa com esta mudança.
O Sr. Presidente: * Ganha, Sr. Deputado.
Por exemplo, o Tratado da OCM (Organização do Comércio Mundial) não pertence à competência reservada à Assembleia, e, apesar de ser tratado, não tem de vir à Assembleia. Mas, pela proposta do PS, passa a vir à Assembleia. Basta que se trate de tratados solenes. Mesmo que a matéria não pertença à competência legislativa reservada da Assembleia, passam a ser da competência da Assembleia.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * E é assim tão certo e claro que esse tratado não está incluído na competência reservada da Assembleia?
O Sr. Presidente: * A que título?!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Nomeadamente porque mexe, desde logo, em matéria fiscal aduaneira, por exemplo,…
O Sr. Presidente: * Não mexe com matéria fiscal!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * … direitos aduaneiros, etc.
O Sr. Presidente: * Não!
Página 1324
O Sr. José Magalhães (PS): * Não! Esses já estão abrangidos! As convenções que regulem matéria fiscal têm-se considerado, ao abrigo da redacção actual do artigo 164.º, alínea j), abrangidas, mas são convenções internacionais que versam sobre matérias reservadas à Assembleia.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * É exactamente isso que estou a dizer!
O Sr. Presidente: * Penso que o importante é o princípio! Haver tratados solenes que sejam ratificados pelo Governo não tem paralelo em qualquer país democrático. Fui ver e não há nenhum! Somos, nesse aspecto, um caso insólito! E, aliás, et pour cause, era essa a solução da Constituição de 1933, que retirou praticamente à Assembleia da República todo o poder, isto é, pôs o Governo a aprovar todos os tratados.
Nós começámos por restringir alguns em 1976, depois, em 1982 e em 1989, restringimos mais, mas nunca fomos ao ponto, que, a meu ver, é democraticamente exigível, de que em matéria de tratados solenes só a Assembleia da República deve poder vincular o Estado. É uma questão de princípio! Para além de haver um conjunto de tratados que, de facto, hoje não estão aí incluídos!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Não sei se haverá tantos como isso, Sr. Presidente! Mas, enfim, o PSD vai pensar nisto. Sendo certo que não há divergências quanto ao fundo da questão, o problema é saber se, ao retirarmos tantas menções que há aqui e que vêm também da nossa História Constitucional do pós-25 de Abril, não vamos empobrecer o texto constitucional.
Mas o PSD reserva nesta atitude uma tomada de posição em definitivo sobre esta proposta.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): * Sr. Presidente, como é evidente, e à luz das nossas posições conhecidas, pensamos ser salutar o reforço da intervenção da Assembleia da República nesta matéria, ponderaremos aspectos de formulação, mas, quanto à questão de fundo, tem a nossa abertura.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, esta proposta tem o apoio do PCP, independentemente da questão da formulação, e a abertura, embora com reservas, do PSD.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Para melhor exame!
O Sr. Presidente: * Para melhor exame.
Srs. Deputados, para a alínea l) existe uma proposta do PS… Tem a ver com a proposta do PS relativa à competência da Assembleia da República para autonomamente realizar referendos, mas, como essa proposta do PS não existiu, não percebo qual é o alcance desta proposta.
Srs. Proponentes do PS, digam qual é o sentido desta proposta de alteração da alínea l).
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, não será só uma questão de redacção?
Aliás, Sr. Presidente, ela parece concordante com a proposta que o PSD fez, mas que caiu, que era a de o referendo vir sempre à Assembleia. A não ser que, na linha dessa lógica, tenham proposto…
O Sr. Presidente: * O PS não propôs isso!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Pois, eu sei que não, mas ela parece redigida pelo PSD!
O Sr. Presidente: * Pois, parece é redigida pelo PSD!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Há aqui alguma confusão!
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados do Partido Socialista, justifiquem a vossa proposta para a alínea l) do artigo 164.º, já que nem eu nem o Sr. Deputado Barbosa de Melo a percebemos.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, a proposta decorre da competência que, no artigo 118.º, implicitamente criámos. Ou seja, os referendos nacionais não são convocados pela Assembleia da República, são sempre convocados pelo Presidente da República, se o entender, na sequência de proposta. Os Srs. Deputados não se inclinam para aceitar a iniciativa referendária popular; só aceitam uma modalidade de direito de petição qualificado, tanto quanto parece.
O Sr. Presidente: * Isso não está, aliás, aqui em causa.
O Sr. José Magalhães (PS): * Mas, quer sob petição, quer por iniciativa de qualquer Deputado ou grupo parlamentar, a Assembleia da República, como órgão de soberania, há-de ter que deliberar se propõe, ou não, ao Sr. Presidente da República a realização de um determinado referendo.
O Sr. Presidente: * Mas o que é que isso altera em relação ao que está na actual alínea l), salvo a amputação da parte final por razões desconhecidas?
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, nós homogeneizámos com a terminologia que usámos no artigo 118.º da nossa versão. Mas não se altera nada sistemicamente, ou seja, o Parlamento não adquire poderes que não tivesse hoje, ao abrigo do 118.º, e o Presidente da República não perde competências, mantém integralmente as que tem. É uma fórmula distinta de exprimir um conteúdo que tem de ser interpretado em conformidade com o artigo 118.º. Ou seja, de facto, delibera sobre propostas de realização do referendo nacional. Essas propostas têm de ser apresentadas ao Presidente da República, como decorre do artigo 118.º, e o Sr. Presidente da República decide sobre elas, aceitando-as ou rejeitando-as, livremente. Não alterámos minimamente a natureza do referendo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, posso fazer uma pergunta?
O Sr. Presidente: * Faça favor, Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, para isto ficar claro, gostaria de dizer o seguinte: é que, como está aí redigido e como eu dizia há pouco ao Sr. Presidente,
Página 1325
parece que foi uma proposta feita pelo PSD, porque o PSD propôs - e isso foi rejeitado, mas não vamos agora discutir esse aspecto - que todos os referendos fossem objecto de proposta da Assembleia, isto é, que o Governo não tivesse poder para ele mesmo, à margem da Assembleia, levar ao Presidente da República uma iniciativa para um referendo nacional. A proposta do PSD visava concentrar na Assembleia esta competência.
O Sr. José Magalhães (PS): * Isso, no artigo 118.º. Mas, curiosamente, aqui, não alteraram uma vírgula!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Porém, essa nossa proposta não teve acolhimento. Agora, aqui, ao ler esta alínea l) da vossa proposta, a ideia que tenho é que, afinal, a tese do PSD ganhou no artigo 118.º - e não ganhou! Ao dizer-se aqui "deliberar sobre a proposta de realização de referendo nacional", parece que todas as iniciativas de referendo têm de vir aqui à Assembleia.
O Sr. José Magalhães (PS): * Não, Sr. Deputado. De facto, não.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Dizendo-se "a proposta", há aqui qualquer coisa que não está…
O Sr. José Magalhães (PS): * Nem sequer se gerou o equívoco no nosso espírito, ele não existiu.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados do Partido Socialista, continuam a considerar necessário alterar a alínea l) do artigo 164.º?
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, face ao que foi adquirido no artigo 118.º, não.
O Sr. Presidente: * Então, está retirada a proposta, Srs. Deputados.
Vamos passar à discussão das propostas de novas alíneas para o artigo 164.º. Começando, o CDS-PP propõe uma nova alínea o), que é convergente com uma proposta do PCP para uma nova alínea j), que visa transportar para sede do artigo 164.º as competências da Assembleia da República em matéria de União Europeia. Já que o CDS-PP não está presente, passo a ler a proposta do PCP: "compete à Assembleia da República acompanhar e apreciar, nos termos da lei, a participação de Portugal nas Comunidades Europeias e, em especial, pronunciar-se sobre as propostas de actos comunitários, designadamente de natureza normativa, as quais lhe devem ser enviadas logo após a transmissão pelo órgão competente das comunidades, e, quando versem sobre matéria da competência legislativa reservada, não poderão receber aprovação de Portugal se a Assembleia da República emitir voto desfavorável".
Sr. Deputado Luís Sá, está lida a proposta. Se quiser acrescentar alguma coisa para justificá-la, tem a palavra.
O Sr. Luís Sá (PCP): * Sr. Presidente, quero sublinhar, desde logo, um aspecto, que é o facto de esta proposta ser coincidente com a proposta de uma nova alínea p), apresentada pelo Partido Socialista.
O Sr. Presidente: * Certo! É convergente com a alínea p) do Partido Socialista.
O Sr. Luís Sá (PCP): * Embora…
O Sr. Presidente: * Mas em termos diferentes, pois aí diz-se: "pronunciar-se previamente sobre as matérias pendentes de decisão nos órgãos competentes da União Europeia e que incidam na esfera da sua competência legislativa reservada".
Então, por ordem, devia ter dado a palavra, em primeiro lugar, a alguém do Partido Socialista, mas, agora, Sr. Deputado, já não lha vou retirar…
O Sr. Luís Sá (PCP): * Então, se quiser…
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado Luís Sá, tem a palavra. Não tem precedência na proposta, mas tem na palavra.
O Sr. Luís Sá (PCP): * Sr. Presidente, julgo haver um aspecto inteiramente convergente nestas três propostas, que é a ideia de consagrar uma intervenção particularmente importante e qualificada da Assembleia da República em relação à integração comunitária. É sabido que há numerosas matérias que são da competência tradicional dos parlamentos e que, neste momento, directa ou indirectamente, cabem à Comunidade Europeia ou são influenciadas pela Comunidade Europeia. Ora, nós entendemos que a única forma de preservar os poderes do Parlamento neste novo quadro que está criado é valorizar esse papel de forma adequada. Neste aspecto, procuramos ir mais longe do que outros partidos, eventualmente em termos discutíveis, no sentido de que nem tudo o que aqui está é exactamente da mesma importância, obviamente que não. Por exemplo, o envio imediato das propostas à Assembleia da República não tem o mesmo significado do que, por exemplo, o carácter vinculativo das opiniões da Assembleia da República quando se tratar de matéria da competência reservada, obviamente que não. Também há aqui questões que poderão, eventualmente, ser tratadas noutra sede, com outra inserção sistemática, ao que estaremos naturalmente abertos. Agora, os problemas de fundo que aqui estão criados são, para nós, particularmente importantes e, independentemente dos termos concretos, creio que esta deveria ser uma das benfeitorias importantes a introduzir na presente revisão constitucional. Naturalmente, há aspectos que, na revisão extraordinária da Constituição, foram tidos em conta, em matéria da nova problemática trazida pela integração comunitária, mas julgamos que, em relação à participação do Parlamento, isto não aconteceu.
Quero recordar, designadamente, que o Parlamento francês, por exemplo, viu reconhecidos poderes semelhantes a este, nomeadamente quando está em causa matéria de competência reservada, bem como outros parlamentos, na revisão constitucional que, na altura, foi feita. Julgo que a literatura existente, neste momento, sobre esta matéria é extremamente ampla e que o carácter vinculativo da opinião do Parlamento, no que toca à posição do Estado português no Conselho, é o mínimo para garantir que não haja um empobrecimento muito significativo da competência reservada da Assembleia.
Quero, de resto, sublinhar que todos sabemos que quem está no Conselho é o Governo, mas que, independentemente disso, compete naturalmente a cada Estado saber como é que a opinião e o voto desse Estado são estabelecidos.
Outro aspecto que me parece importante referir é que, estando agora em cima da mesa, no quadro das conferências intergovernamentais, a possibilidade do aprofundamento da intervenção comunitária em matérias que têm a ver com direitos fundamentais, esta nossa proposta torna-se
Página 1326
talvez ainda mais importante do que foi quando a apresentámos, sem êxito, no quadro da 3.ª revisão constitucional. Recordo, por exemplo, que, na semana passada, na conferência de comissões de assuntos europeus dos parlamentos da Comunidade Europeia, foram extensamente debatidas questões como a justiça e assuntos internos, particularmente a intervenção comunitária na área da droga e outros assuntos que se prendem com matérias relativas a direitos fundamentais e que provavelmente podem tornar ainda mais justificada a nossa proposta.
O Sr. Presidente: -- Srs. Deputados, por ordem…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, suponho que é a altura própria para fazer uma pergunta.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, talvez seja melhor, primeiro, ouvir a apresentação de todas as propostas e, depois, então, fazer as perguntas.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Tudo bem.
O Sr. Presidente: * É que foram feitas propostas convergentes neste sentido pelo CDS-PP, pelo PS, pelo PCP e por Os Verdes. De entre todos os grupos parlamentares, só o PSD não apresentou propostas nesta matéria.
Assim, por ordem, darei a palavra ao PS e, depois, ao PCP, já que nenhum dos outros proponentes está presente.
Sr. Deputado José Magalhães, pedindo-lhe desculpa pelo facto de o ter preterido, tem a palavra.
O Sr. José Magalhães (PS): * Não há qualquer problema, Sr. Presidente. Estivemos de acordo com o facto de ter sido dada a palavra ao Sr. Deputado Luís Sá.
Sr. Presidente, a nossa proposta distingue-se de outras pendentes, desde logo pelo seguinte: por um lado, não apresentamos nada que implique um juízo de desvalorização daquilo que consideramos um adquirido da revisão constitucional de 1992. Ou seja, em 1992 - e todos conhecem a proposta originariamente apresentada pelo Grupo Parlamentar do PS, nessa sede -, inserimos, no artigo 166.º (e não, aliás, no artigo 164.º), uma norma que incluiu entre as competências da Assembleia da República a de "acompanhar e apreciar, nos termos da lei, a participação de Portugal no processo de construção da união europeia", e, por outro lado, inserimos, no artigo 200.º, alínea i), um novo preceito que cometeu ao Governo o dever de "apresentar, em tempo útil, à Assembleia da República, para efeitos do disposto na alínea f) do artigo 166.º, informação referente ao processo de construção da união europeia". Não fazemos destas normas qualquer interpretação redutora, votámos a favor delas, e não contra elas, e, nessa conjuntura em que as normas foram aprovadas, tudo fizemos para que lhes fosse dada uma interpretação não perversa e, bem ao contrário, uma interpretação que maximizasse a intervenção parlamentar no processo de apreciação da construção europeia. Na sequência disso, aprovámos - por largo consenso, de resto - uma lei que reforçou, em diversos vectores, a intervenção parlamentar no processo de construção europeia, honrando, portanto, a melhor interpretação, aliás, a boa e, devo dizê-lo, a única interpretação, porque outras interpretações aventadas, designadamente em sede de votação de revisão constitucional, eram, no mínimo, de limitação perversa de conteúdos constitucionais.
Assim, ao apresentarmos a nossa proposta, assentamos nos seguintes princípios: primeiro, damos grande importância às normas contidas tanto no artigo 200.º como no artigo 166.º da Constituição, a respeito desta matéria; por outro lado, pretendemos ir mais além e, por isso, inserimos esta norma nova, como alínea p) do artigo 164.º. O que é que caracteriza essa norma nova e o que é que a distingue de outras aventadas por outros partidos? Ela procura um equilíbrio - equilíbrio esse que não é fácil de obter no sistema constitucional português, designadamente até tendo em conta algumas das coisas que discutimos e que são adquiridos históricos ou, em certos casos, vícios históricos, que o Sr. Presidente, há pouco, narrava a propósito de um tema diferente, o da matéria de tratados técnico-juridicamente qualificados como tais - que, majorando a intervenção parlamentar, garanta informação em tempo útil, intervenção em tempo útil, juízos políticos emitidos em tempo útil e, por isso, eficazmente, sem reduzir a mínimos impraticáveis a capacidade de intervenção negocial do Governo - designadamente aquela que possa implicar, desse ponto de vista, a consecução de soluções que sejam o resultado da formação de vontades, no conspecto comunitário, numa galáxia de interesses interligados, que nem sempre é susceptível de leituras redutoras ponto a ponto, caso a caso, tema a tema, como bem sabem acontecer com alguma frequência - e nenhuma força política poder deixar de admitir que, nessas circunstâncias, a capacidade negocial portuguesa tenha de ser gerida com substancial agilidade, mas sem prejuízo da capacidade do Parlamento de se pronunciar previamente sobre matérias que incidam na esfera da sua competência legislativa reservada.
Creio que a nossa proposta é um bom e honesto esforço para se conseguir esse equilíbrio. Não estamos, obviamente, fechados a outras tentativas para, dentro desse espírito de equilíbrio, conseguir esta majoração que pretendemos, mas não podemos associar-nos, Sr. Presidente, a soluções de estanquidade e determinação absoluta e automática, como algumas das que estão propostas pela mão de outros partidos políticos.
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, estão em discussão as propostas.
Tem a palavra o Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, em primeiro lugar, gostaria de saber, pois julgo haver aqui uma gralha, se o Partido Comunista Português mantém a alínea f) do artigo 166.º.
O Sr. José Magalhães (PS): * Aparentemente mantém, embora a repita.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * É que, no guião, não consta que ela tenha desaparecido…
O Sr. Presidente: * É um claro lapso!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * É um lapso?
O Sr. Luís Sá (PCP): * Não, a ideia era deslocá-la para aqui. Aliás, creio que a proposta de deslocação é justificada, basta ver a epígrafe dos dois artigos. Mas essa é uma questão secundária.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * De qualquer modo, era uma gralha! Por isso, referi que poderia ser uma gralha.
Página 1327
Sr. Presidente, vou pronunciar-me sobre as duas propostas, a do PCP e a do PS, em geral. Acho que a pormenorização a que desce a proposta do PCP é excessiva, podendo bloquear a capacidade de negociação, a capacidade de manobra, que o Estado Português deve ter no exterior, nomeadamente numa matéria desta ordem, a das relações densíssimas que temos com a Comunidade. A vossa proposta vai longe demais em muitos aspectos, é demasiado regulamentar. Para ser aceitável, do ponto de vista do PSD, ela teria de ser reduzida a coisas muito elementares.
Quanto à proposta do PS, ela tem essa virtude, dizendo, no fundo, duas coisas: nas matérias que estejam pendentes de decisão e que sejam da competência legislativa reservada da Assembleia, a Assembleia deve pronunciar-se previamente. É claro que, à partida, este princípio é aceitável e é um avanço. Agora, como é que se operacionaliza este princípio?
Lembro o que acontece com a Dinamarca. O Parlamento dinamarquês, como VV. Ex.as sabem… Aliás, esse é um problema comum a todos os parlamentos, nós aqui também o temos: é o de arranjar uma maneira de estarmos presentes como representantes do povo português, em termos parlamentares, de decisões que tocam à comunidade portuguesa e que são tomadas nos órgãos da União Europeia, nós temos esta incumbência. Mas, para isso, precisamos de informação atempada, daquela informação que, segundo o artigo 200.º, alínea i), compete ao Governo dar em tempo útil. Só que o Governo dá, ou não dá, conforme as circunstâncias. Então, este é um problema geral dos parlamentos europeus. Mas, como dizia, o que é que fez o Parlamento dinamarquês? Criou uma espécie de longa manus dele próprio junto de Bruxelas. Em Bruxelas, o parlamento tem uma delegação para andar lá a apurar, a pesquisar, o que é que se anda por lá a "tramar" e para passar a informação ao Parlamento dinamarquês, para que o parlamento, em tempo oportuno, diga ao seu Governo se sim, se não ou também. Esta foi a forma prática que os dinamarqueses seguiram.
O Sr. Presidente: * Sr. Deputado, estava a rir-me da expressão "tramar".
Risos.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Tramar é uma forma de…
O Sr. Presidente: * Urdir?
Risos.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Não, é outra… Não sei se V. Ex.ª sabe qual é a diferença entre a trama e a urdidura…
O Sr. Presidente: * Sei, sei!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * São duas coisas diferentes!
Risos.
Mas a verdade é que são as duas que fazem o pano.
O Sr. Presidente: * Também privei com teares…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * A verdade é que são as duas que fazem o pano!
Ora, esta fórmula do PS é satisfatória, do ponto de vista da semântica constitucional - e vou deixar em aberto a posição final do PSD, mas, seguramente, este é um bom caminho -, mas receio bem que ela, depois, fique um direito desejado e não um direito efectivado. A não ser que a Assembleia da República resolva inscrever no seu orçamento uma pequena quantia, abra uma delegação em Bruxelas e incumba um serviço próprio de estar lá a colher informação e de dá-la directamente à Assembleia.
O Sr. José Magalhães (PS): * Em bom rigor, Sr. Presidente, não seria tão pessimista. Basta que a lei actual seja cumprida, como esperamos que seja, da parte do Governo desejadamente, e que a Assembleia utilize os meios técnicos que tem…
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Uma esperança sempre viva e sempre esperança!
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Sá.
O Sr. Luís Sá (PCP): * Sr. Presidente, em primeiro lugar, gostaria de sublinhar que, apesar da lei de acompanhamento ter sido aprovada por unanimidade, isso não impede que, tendo eu levantado a questão quase todas as semanas, se continue a colocar o problema de os projectos de directivas e outras normas comunitárias não serem apresentados à Assembleia da República para esta se pronunciar, no caso de o entender - e o défice continua! Assim sendo, mesmo que viesse a ser consagrada uma versão mitigada como a proposta pelo PS, creio que alguma coisa se conseguiria - é menos do que entendemos necessário, mas alguma coisa se conseguiria.
Agora, em relação ao projecto do PCP, quero chamar a atenção para que a obrigatoriedade de, por um lado, a Assembleia se pronunciar e, por outro, este facto ser vinculativo do Governo, diz respeito apenas às matérias da competência reservada, já que não estendemos isto a toda e qualquer questão, como é óbvio, isso era absurdo. Por outro lado, partimos do princípio - e esta discussão não é propriamente nova - de que a Assembleia da República vai pronunciar-se, e deve pronunciar-se, num quadro de elementar sensatez, deixando margem negocial ao Governo, excepto em relação a pontos que considera de princípio. Nesse sentido, a sua opinião é vinculativa em relação a grandes questões que sejam tidas como particularmente importantes, mas apenas essas. Aliás, sobre esse ponto, julgo que a prática de outros parlamentos - referi aqui o francês - não aponta propriamente para uma impossibilidade de execução ou para situações absurdas como as que têm sido recorrentemente referidas neste plano.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): * Sr. Presidente, creio que não vale a pena misturar questões que se situam em planos diferentes - é a isto que gostava de circunscrever esta reflexão. Ou seja, por um lado, há a gesta em busca de uma boa norma constitucional; depois, há o esforço para conseguir uma lei adequada, que, designadamente, dê alguma resposta a questões que foram equacionadas, e muito bem, pelo Sr. Deputado Barbosa de Melo, nomeadamente;
Página 1328
e depois há uma questão que tem a ver com a acção prática, os níveis de acção prática, com a qualificação dos Deputados, o seu zelo, o seu grau de informação, a sua capacidade de estudar, de acompanhar e de ter iniciativa política.
Hoje em dia, nada impede qualquer um de nós, incluindo o Sr. Deputado Luís Sá, de, tendo conhecimento através do Governo, através dos jornais, uma vez que não estamos dependentes do Governo para ler os jornais, através dos serviços da Assembleia, dos serviços abundantes do Parlamento Europeu e de quaisquer outros meios - e devo dizer que os quaisquer outros meios, hoje em dia, são muito significativos, porque, entre outras coisas, a cooperação interparlamentar, a globalização e aproveitamento dos diferentes níveis de transparência nos vários Estados, inclusivamente agora no nosso, conduziu a que determinados documentos que, outrora, eram confidenciais, e hiperconfidenciais, circulem, hoje, nos arquivos oficiais, em alguns casos abertos como os arquivos suecos, de Estados-membros da União Europeia -, como dizia, hoje em dia, nada impede a opinião pública, não só os Deputados, mas qualquer cidadão, qualquer jornalista (e não apenas aqueles que sabem ler sueco, naturalmente, porque alguns destes documentos estão em língua mais acessível para muitos de nós, e alguns, aliás, saberão sueco, ou terão quem saiba), de aceder a documentos e apresentar projectos de resolução, que, designadamente em matérias da competência legislativa reservada da Assembleia da República, obriguem o Plenário da Assembleia da República e qualquer dos partidos a tomar posição sobre isso.
Portanto, não é apenas do plano constitucional que se esgota a nossa capacidade de fazer com que a Assembleia da República não perca o seu lugar central na decisão de questões que estejam também no conspecto decisório comunitário.
Assim, separamos completamente estas três questões e não fazemos qualquer convolação de défice de acção política no terreno da acção prática - que, aliás, não vemos à nossa volta, confesso francamente, e, às vezes, bem falta sentimos - para uma supernorma constitucional, que seja uma espécie de absolvição de tudo o que não corre bem, em alguns casos por passividade ou défice de acção dos protagonistas. Nesse sentido, a nossa norma parece-nos bastante equilibrada e um passo em frente, sem bloqueamentos, sem criação de normas pseudodraconianas, que implicariam para o Estado português dificuldades logísticas consideráveis, entre outras coisas, porque não somos o Reino da Dinamarca.
O Sr. Luís Sá (PCP): * Peço a palavra, Sr. Presidente.
O Sr. Presidente: * Faça favor, Sr. Deputado.
O Sr. Luís Sá (PCP): * Sr. Presidente, quero somente dizer que aquilo que é atribuído a défice de actuação de Deputados portugueses dá origem, noutros países, a uma amplíssima literatura sobre esta matéria, quanto às vias de resolver a questão da subalternização dos parlamentos. Há livros e dezenas de artigos sobre esta matéria, que tem feito correr rios de tinta em toda a Comunidade Europeia e inquieta todos os Deputados em todo o lado. Por isso, não é propriamente um grande défice de uma zona de Deputados desta Assembleia, que, aliás, seria de todos os partidos e não deste ou daquele partido.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, peço a palavra.
O Sr. Presidente: * Tem a palavra, Sr. Deputado Barbosa de Melo.
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, em relação ao exemplo que dei há pouco, quero saudar na proposta um aspecto que não salientei, mas que gostaria que fosse devidamente salientado na acta, e que é este: o ganho que está por trás da alínea p), proposta pelo Partido Socialista, é o de deixar claro ao Parlamento que ele tem iniciativa nesta matéria. Portanto, não está só dependente da informação que recebe passivamente do Governo,…
O Sr. José Magalhães (PS): * Exactamente!
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * … mas pode explorá-la, e deve explorá-la, pelos muitos meios, que, hoje, aliás, são cada vez mais amplos. E lembrava, a propósito do exemplo que dei, que, realmente, também aqui se vê que "nem tudo está podre no Reino da Dinamarca".
O Sr. Presidente: * Srs. Deputados, penso que estas propostas, independentemente da sua valoração concreta, visam superar um défice constitucional, desde a entrada de Portugal na Comunidade Económica Europeia e, portanto, fazer entrar a Assembleia da República no processo de informação da posição do Estado português quanto à formação das normas da União Europeia. As propostas são de âmbitos diferentes: a do PCP é mais exigente, a do PS é mais moderada. Acontece, porém, com todas as propostas moderadas o seguinte: são entendidas, por uns, como excessivas, mas, por outros, como insuficientes. Ora, este equilíbrio de forças leva ao seguinte: o PSD manifesta a abertura a consagrar a proposta, considera-a um ganho, ressalvado algum afinamento e julgo que o PCP, face à impossibilidade de ir além, não excluirá a possibilidade de vir também a dar o seu acolhimento a uma proposta que, apesar de mais moderada, satisfaz, no essencial, a do PCP.
O Sr. Luís Sá (PCP): * Sr. Presidente, não direi que satisfaz o essencial, mas creio que há um ganho em relação à situação actual, embora insuficiente em relação àquilo que julgaríamos vantajoso e inclusive àquilo que já se atingiu noutros parlamentos.
O Sr. Presidente: * Em todo o caso, já agora, chamaria a atenção do Partido Socialista para uma pequena nota, em relação à sua proposta. Diz-se aí: "pronunciar-se previamente sobre as matérias pendentes de decisão nos órgãos competentes da União Europeia e que incidam na esfera da sua competência legislativa reservada"…
Página 1329
O Sr. Barbosa de Melo (PSD): * Sr. Presidente, "(…) da União Europeia que incidam (…)", sem o "e"!
O Sr. Presidente: * Eu diria "(…) em especial as que incidam (…)", porque isto não quer excluir a possibilidade de a Assembleia se pronunciar sobre todas as matérias da competência do Governo; quero é sublinhar que é "(…) em especial as que incidam na esfera da sua competência legislativa reservada".
O Sr. José Magalhães (PS): * É exactamente isso, Sr. Presidente.
O Sr. Luís Sá (PCP): * Se não era isso, é bom que seja!
Risos.
O Sr. José Magalhães (PS): * Também não vejo qual é a vantagem de observações desse tipo, mas os autores verão.
O Sr. Luís Sá (PCP): * Era para concordar com a observação do Sr. Presidente e com a aceitação por parte do PS…
O Sr. José Magalhães (PS): * É a chamada ajuda hermenêutica subtil…
O Sr. Luís Sá (PCP): * Era para sublinhar a importância da ajuda do Sr. Presidente e a importância da aceitação por parte do PS dessa ajuda.
O Sr. José Magalhães (PS): * … aguda, como se isso não estivesse, desde o início, razoavelmente claro na nossa boca.
O Sr. Presidente: * O PS, pelo menos em relação às minhas posições, não tem "arcas em casa"!
Srs. Deputados, vamos terminar os nossos trabalhos. A próxima reunião terá lugar amanhã, às 10 horas, altura em que retomaremos a apreciação de algumas propostas relativas ao artigo 164.º.
Está encerrada a reunião.
Eram 19 horas e 40 minutos.
A DIVISÃO DE REDACÇÃO E APOIO AUDIOVISUAL
Página 1330